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Doutrina438 CRIME DE EXTORSAO

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CRIME DE EXTORSÃO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

I –EXTORSÃO

O Código Penal de 1830 não previa a extorsão. O Código Penal de 1890,


inspirado no Código de 1889, equiparava, para igual tratamento penal, a extorsão mediante
sequestro, a extorsão propriamente dita e a pseudo-extorsão, que definia: “obrigar alguém,
com violência ou ameaça de grave dano à sua pessoa ou bens, a assinar, escrever ou aniquilar,
em prejuízo seu ou de outrem, um ato que importe efeito jurídico(artigo 362, § 2º).

Dispõe o artigo 158 do Código Penal: “Constranger alguém mediante violência


ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem
econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.

Para Guilherme de Souza Nucci(Código penal comentado,8ª edição, pág. 737),


a extorsão é uma variante patrimonial muito semelhante ao roubo, pois também implica numa
subtração violenta ou com grave ameaça de bens alheios. Explica que a diferença concentra-se
no fato de a extorsão exigir a participação ativa da vítima fazendo alguma coisa, tolerando que
se faça ou deixando de fazer algo em virtude da ameaça ou da violência sofrida. Assim
enquanto no roubo o agente atua sem a participação da vítima, na extorsão o ofendido
colabora ativamente com o autor da infração penal.

O objeto da tutela jurídica neste crime é o patrimônio, bem como a liberdade e


a incolumidade pessoal.

Os sujeitos ativos podem ser quaisquer pessoas. Sendo funcionário público a


simples exigência de uma vantagem indevida em razão da função caracteriza o delito de
concussão previsto no artigo 316 do Código Penal. Se o agente constrange alguém com o
emprego de violência ou mediante grave ameaça, para obter proveito indevido, não pratica
unicamente o crime de concussão, indo mais além, praticando um crime de extorsão(RT
329/100, 435/296, 475/276, 714/375).

É vítima aquele que é sujeito à violência ou ameaça, o que deixa de fazer ou


tolerar que se faça alguma coisa, e, ainda, o que sofre o prejuízo jurídico.

Para Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição,


pág. 306) a ação incriminada é, fundamentalmente, um constrangimento ilegal, que se pratica
com o fim de se obter indevida vantagem econômica. Consiste em constranger alguém a fazer,
tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Diz ele que o processo executivo da
extorsão deverá ser a violência ou grave ameaça. Ora, são precisamente os meios de execução
que distinguem este crime do estelionato, pois, neste último, a vantagem indevida se obtém
mediante fraude, pois o agente induz o lesado em erro, levando-o, assim, a praticar a ação que
pretende.

Ensinou Nelson Hungria(Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 69 e


70) que “uma das mais frequentes formas de extorsão é a praticada mediante ameaça de
revelação de fatos escandalosos ou difamatórios, para coagir o ameaçado a comprar o silêncio
do ameaçador. É a chantagem, dos franceses, ou blackmail dos ingleses”.

Certamente o constrangimento deve ser praticado com o propósito de obter,


para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. A questão do momento consumativo
deste crime, perante a lei brasileira, levou a Magalhães Noronha(Crimes contra o patrimônio, I,
224) entender ser necessário a consumação, assim como algumas decisões(RF 181/343), para
que o agente obtenha efetiva vantagem patrimonial. Nelson Hungria(obra citada, volume VII,
pág. 71) e Oscar Stevenson(Direito penal, 1948, 36) entenderam que ser o crime formal,
consumando-se com o resultado do constrangimento, sendo, para isso, irrelevante que o
agente venha ou não a conseguir a vantagem pretendida.

Para Heleno Cláudio Frangoso(obra citada, pág. 307) não se exige que o agente
tenha conseguido o proveito que pretendia. O crime se consuma com o resultado do
constrangimento, com a ação ou omissão que a vítima é constrangida a fazer, omitir ou tolerar
que se faça, sendo um crime de perigo. Sendo assim o Código Penal brasileiro ficou longe do
modelo adotado nos Códigos Penais da Suíça e da Itália e inspirou-se no antigo § 253 do CP
alemão, que foi modificado por lei de 29 de maio de 1943. Para essa corrente, o momento
consumativo independia da obtenção da vantagem pretendida. Porém, a nova redação dada
ao §253 passou a exigir que surja a vantagem patrimonial, para que o crime se consuma,
orientação que é a mesma na Itália. A tendência seria considerar a extorsão um crime material
cuja consumação dependeria do efetivo dano ao patrimônio. No Brasil, há jurisprudência no
sentido de que é irrelevante que o agente obtenha a vantagem indevida, bastando para a
configuração do crime a simples atividade ou omissão da vítima(RT 447/394, 462/393,
513/412, dentre outros). O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 96, onde se diz
que: “crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção da vantagem indevida”.
Mesmo formal é possível se pensar na hipótese de tentativa, uma vez que o crime não se
perfaz em ato único. Ocorre a tentativa quando a ameaça não chega ao conhecimento da
vítima(RT 338/103), quando esta não se intimida(RT 525/432) ou quando o agente não
consegue que ela faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa(RT 481/363, 498/357,
dentre outros).

O ato juridicamente nulo, que nenhum benefício de ordem econômica pode


produzir, não configura o crime de extorsão. Haverá um crime impossível, sendo o agente
punido por constrangimento ilegal. Bem alerta Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal,
volume II, 25ª edição, pág. 235) que pode-se figurar a hipótese de que o agente obtenha uma
vantagem econômica pela prática de ato nulo(o pai resgata um documento em que há
confissão da dívida de filho menor, que foi coagido a assiná-la, para honrar o nome da família).

A vantagem obtida no crime de extorsão há de ser indevida, pois se o agente


tivesse direito haveria configuração de um crime de exercício arbitrário das próprias razões(RT
422/300, 467/391, 586/380). De toda sorte, deve a conduta visar a uma vantagem econômica
injusta.

Distingue-se a extorsão do roubo. Para a extorsão deve haver para a vítima


alguma possibilidade de opção, o que não ocorre quando dominada por agentes, é obrigada a
entregar as coisas exigidas. No roubo, o mal é a violência física iminente e o propósito
contemporâneo, enquanto na extorsão o mal é de ordem moral, futuro e incerto, como futura
é a vantagem a que se visa(RT 454/430). Por sua vez, na extorsão, há a entrega da coisa,
conquanto não a queira entregar. No estelionato, a vítima, de boa vontade, faz a entrega da
coisa por estar iludida, sendo o seu consentimento viciado(RT 505/357). Já se entendeu que
responde por extorsão, o agente que se intitula policial para, mediante ameaça, obter
vantagem ilícita dos particulares(RT 586/309). É irrelevante se com a ameaça ou a violência
concorrer ainda a fraude. Responde por extorsão que, fazendo=se fazer por fiscal, sob pretexto
de irregularidades em estabelecimento mercantil, ameaça o comerciante de fechar-lhe a casa,
obtendo, desse modo, ilícita vantagem patrimonial(Julgados TACSP, 25/1-71).

No crime de extorsão é admitida a continuidade quando se trata de crime


contra diversas pessoas(RT 554/377). Já se entendeu que se a vantagem econômica é obtida
de forma parcelada, ocorre uma única ação desdobrada em atos sucessivos, o que impede o
reconhecimento da continuidade delitiva, sendo caso de crime único(RJTDACRiM 21/93-94).

O tipo subjetivo é o dolo , na vontade de constranger, mediante ameaça ou


violência , ou seja, a vontade de coagir a vítima fazer, deixar de fazer, tolerar que se faça
alguma coisa, dolo específico, a vontade de obter uma vantagem econômica ilícita,
constituindo esta corolário da ameaça ou violência(RT 381/150).

II – EXTORSÃO QUALIFICADA

Qualifica-se o crime, com o aumento da pena de um terço até a metade,


quando é ele cometido por duas ou mais pessoas, ou com o emprego de arma(artigo 158, §
1º).

O dispositivo exige que duas pessoas, pelo menos, pratiquem o ato executivo
do delito(ameaça ou violência) para qualificar-se esse crime.

Já se entendeu que “ estar armado não tem a mesma tipificação de cometer o


crime com emprego de arma”(RT 379/119).

Aplicam-se à extorsão praticada mediante violência as penas previstas para o


roubo quando ocorre lesão corporal de natureza grave ou morte(artigo 158, § 2º). Com a
alteração do § 3º do artigo 157, que foi promovida pela Lei nº 9.426, de 24 de dezembro de
1996, a pena para a hipótese de lesão corporal de natureza grave passou a ser, inclusive para a
extorsão, de 7 a 15 anos de reclusão e multa. A extorsão qualificada pela morte é considerada
crime hediondo por força do artigo 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, com a redação
que lhe deu o artigo 1º da Lei nº 8.930, de 6 de setembro de 1994. De acordo com o artigo 9º
da Lei nº 8.072/90, a pena é acrescida de metade, respeitado o limite superior de 30 anos de
reclusão, estando a vitima em qualquer das hipóteses reguladas no artigo 224 do CP. Ora, o
artigo 224 do CP foi revogado pela Lei 12.015/09.

III – EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO

A extorsão mediante sequestro é aquela praticada tendo como meio para


obtenção da vantagem econômica a privação da liberdade de uma pessoa do que se lê do
artigo 159 com a redação que foi dada pelo artigo 6º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990,
quando se vê: “Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate”. A pena é de reclusão de oito a quinze anos. A
mesma Lei conceituou a extorsão mediante sequestro simples ou qualificada(artigo 159, caput,
e seus parágrafos primeiro, segundo e terceiro), tentada ou consumada, como crime
hediondo(artigo 1º), redação confirmada pela Lei nº 8.930, de 6 de setembro de 1994.

Na matéria o Código Penal de 1890 adotava a redação trazida pelo Código


Penal de 1940.

Por sua vez, o Código Penal de 1969 dizia, no artigo 169: “Extorquir ou tentar
extorquir para si ou para outrem, mediante sequestro de pessoa, indevida vantagem
econômica”.

Trata-se de crime pluriofensivo, já que há ofensa ao patrimônio e a liberdade


pessoal.

O Decreto Legislativo nº 87, de 1998, aprovou o texto da Convenção para


prevenir atos de terrorismo configurados em delitos contra a pessoa e a extorsão conexa,
quando tiverem eles transcendência internacional, concluída em Washington, em 2 de
fevereiro de 1971.

Tutela-se no crime o patrimônio, uma vez que o fim visado pelo agente é a
vantagem econômica. A liberdade individual, a incolumidade pessoal e a vida, estas nas formas
qualificadas, são ainda protegidas.

São sujeitos ativos do crime: quem sequestra, quem vigia o refém, vai apanhar
o resgate etc. Já se entendeu que, tratando-se de autoridade policial, se o móvel do agente foi
o de privar a vítima de sua liberdade para dela extorquir vantagem indevida, o delito será
tipificado no artigo 159 do CP, crime comum e não em qualquer daqueles que são os próprios
do funcionário público e especialmente os previstos no artigo 316 ou da Lei nº 4.898, de 9 de
dezembro de 1965(RT 503/409).
Sujeito passivo é a pessoa seqüestrada e ainda o que sofre o prejuízo
econômico.

O tipo subjetivo é o dolo do delito, exigindo-se o dolo específico, que é o


desejo de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem. Ausente esta finalidade, haverá
crimes como sequestro, redução à condição análoga a de escravo etc. Sendo crime contra o
patrimônio exige-se uma vantagem patrimonial: dinheiro, títulos, cargo remunerado etc.

Já se entendeu que havendo exigência de vantagem devida, ocorrerá o crime


de exercício arbitrário das próprias razões ou constrangimento ilegal em concurso com o de
sequestro(RT 503/416/417, 507/449) Mas a lei não distingue, como disse Damasio de
Jesus(Direito penal, volume II, pág. 386), como no artigo 158 do CP se a vantagem é legitima
ou ilegítima.

Quanto ao tema da vantagem neste crime há duas posições: a) tendo-se em


vista que o tipo penal menciona qualquer vantagem, não importa seja ela econômica ou não,
devida ou indevida; b) levando-se em conta que o tipo penal é uma extorsão cometida através
de um sequestro, estando no contexto de crimes patrimoniais, ela deve ser econômica.
Guilherme de Souza Nucci(obra citada, pág. 739) prefere esta ultima corrente. O resgate tem
um preço que precisa da conotação patrimonial.

A lei exige a preço de resgate, indicando a existência de valor em dinheiro ou


de qualquer utilidade.

O crime é formal, de consumação antecipada, de modo que opera-se com o


simples sequestro(privação da liberdade da vítima por tempo que seja juridicamente
relevante(RT 524/387, 595/374, 644/302). Não há necessidade de que a vítima pratique o ato
exigindo(depósito do dinheiro em lugar determinado, assinatura do documento) ou ainda
obtenha a vantagem econômica, pois o recebimento do dinheiro é exaurimento do crime. Há
flagrância se o agente é preso quando procura apanhar o preço do resgate. Mas já se decidiu
que, sendo a vitima libertada, sob promessa de pagamento de quantia reclamada, responde o
agente pelos crimes de extorsão e de sequestro em concurso material(JTJ162/308). Mesmo
sendo crime formal, é possível a tentativa, uma vez que a conduta permite o fracionamento.

Devem ser estudadas as formas qualificadas.

A primeira das formas qualificadas envolve a duração da privação da liberdade


por mais de vinte e quatro horas(artigo 159, § 1º), pois há um caso de maior sofrimento dos
familiares. Também será qualificado o crime quando o sequestro é de pessoa menor de 18
anos ou maior de 60(parágrafo primeiro, segunda parte, com a redação dada pela Lei nº
10.741, de 1º de outubro de 2003), protegendo aqueles que, em razão de sua idade, têm
menor capacidade de resistir ou suportar a provação. É ainda qualificado o crime cometido por
bando ou quadrilha(parágrafo primeiro, última parte), dada a maior periculosidade dos
agentes e maior temor das vítimas. A associação envolverá mais de três pessoas para a prática
de crimes indeterminados(artigo 288 do CP) e a simples participação ocasional não levará a
aplicação da qualificadora. A pena será de 12 a 20 anos de reclusão.
A extorsão mediante sequestro é qualificada pelo resultado quando do fato
advém lesão corporal de natureza grave(parágrafo segundo) ou morte(parágrafo terceiro),
aplicando-se, quanto a primeira hipótese, a pena de reclusão de 16 a 24 anos e quanto a
segunda hipótese a pena de reclusão de 24 a 30 anos, a maior do Código Penal. Haverá
homicídio se outra pessoa for morta pelo agente durante a consumação do crime, sendo
hipótese de concurso formal com o delito de extorsão mediante sequestro. Já se entendeu que
não se descaracteriza o crime de extorsão mediante sequestro seguido de morte, se a vítima
morre no próprio momento de sua apreensão, ocultando-se o cadáver(RT 552/397).

Considera Fabbrini Mirabete(obra citada, pág. 241) que não exige a lei que a
lesão grave ou a morte resultem da violência; ocorre a qualificadora se elas decorrerem “tanto
dos maus-tratos infligidos ao sequestrado, quanto da própria natureza ou modo do
sequestro”. É correta a colação que se faz por não se distinguir para efeito de pena, as
hipóteses de dolo ou culpa.

A teor do artigo 8º da Lei nº 8.072/89, o autor do crime de extorsão mediante


sequestro, em sua forma simples ou qualificada, tem sua pena acrescida de metade,
respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, se a vítima está em qualquer das
hipóteses previstas no artigo 224 do Código Penal. Ora, esse dispositivo foi revogado pela Lei
121.015/09, quando falava em presunção de violência, se a vítima: não era menor de 14 anos;
alienada ou débil mental e o agente conhecia a circunstância e, por fim, não poderia a vitima,
por doença, oferecer resistência.

A extorsão mediante sequestro com resultado morte, de menor de 14 anos,


provoca uma situação de inconstitucionalidade, pois fixa a pena mínima e máxima para o
delito em trinta anos, em ofensa ao principio da individualização da pena que é previsto no
artigo 5º, XLVI, primeira parte da Constituição. Tal situação vem a ocorrer em face do disposto
no artigo 9º da Lei de Crimes Hediondos(Lei nº 8.072/90), que determina um aumento de
metade se a vítima estiver em qualquer das hipóteses referidas no artigo 224 do Código Penal
respeitado o teto de trinta anos. Ora, como disse Guilherme de Souza Nucci(obra citada, pág.
741), o sequestro exige a pena mínima de 24 anos, acrescida da metade, que vem a resultar
num montante de 36 anos. Porém, o mencionado artigo 9º prevê o teto de trinta. Se isso for
feito, o mínimo e o máximo irão coincidir, não permitindo qualquer tipo de individualização da
pena, o que é censurável.

Há hipótese de redução de pena(artigo 159, ª 4), a teor da Lei nº 9.269/96, se o


crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a
libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. Ora, é necessário
cautela quanto a aplicação do dispositivo, pois a simples confissão da pratica do delito, ainda
que com a denúncia dos demais coautores ou partícipes, sem tal efeito, pode ser considerada
como atenuante genérica(artigo 65, II, d e 66 do CP). Para obter a redução da pena o agente
deve, por iniciativa própria ou quando arguido pela autoridade, prestar informações que, em
concreto, facilitem a libertação do sequestrado.
IV – EXTORSÃO INDIRETA

Prevê o artigo 160 do CP:

Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que
pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Afirmou Magalhães Noronha(obra citada, pág. 270) que “a lei procura impedir
uma espécie de usura e que o expediente usado para garantir o pagamento da dívida é a
ameaça pendente de processo criminal contra o mutuário, ou contra terceira pessoa”.
Lecionou Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 315) que este crime, porém, não depende
da existência de usura, podendo configurar-se quando o agente, através de documento que
possa dar causa a processo penal, procura garantir-se em dívida legítima. Mas é crime que, em
regra, e praticado por usuários ou agiotas. O crime, segundo se afirma na doutrina, quase
sempre é praticado tendo em vista prestação ilegítima em dinheiro, que o agente procura
garantir através da ameaça de processo criminal contra o devedor.

Resguarda-se o patrimônio e de forma secundária a liberdade individual.

O sujeito ativo é em regra o credor, não se excluindo que terceiro pratique a


ação. Sujeito passivo será em regra o devedor, mas pode ainda ser o terceiro, eventualmente
exposto a processo criminal em virtude de documento entregue pela vítima.

A ação incriminada consiste em exigir ou receber documento que possa dar


causa a processo criminal seja contra vitima ou a terceiro. Deve ter sido praticada para obter
garantia dívida, abusando da situação do devedor.

O núcleo verbal do crime envolve os verbos exigir ou receber, que são duas
formas típicas do crime, de conteúdo variável. Na primeira hipótese há uma atividade positiva
e na segunda o agente passivamente aquiesce em receber o documento que o próprio
devedor toma a iniciativa de lhe entregar.

O objeto da ação deve ser documento público ou particular que, por sua
natureza, possa dar causa a processo criminal contra o devedor ou ainda contra terceiro.
Poderá ser um cheque sem fundos, uma confissão de prática de crime, que envolva
apropriação indébita, estelionato, falsidade documental etc. Procedimento criminal é a ação
penal e ainda inquérito policial ou investigação, como revela Guilherme de Souza Nucci(obra
citada, pág. 743). Lembre-se que há diversas decisões que entendem que o cheque sem
fundos, dado em garantia, não basta para configurar a extorsão indireta, tendo em vista que o
cheque dado nessas circunstâncias não constitui crime. Já se decidiu que para que haja
extorsão indireta, basta que o documento possa dar causa à instauração de procedimento
criminal, não se exigindo que seja prova de um crime efetivamente ocorrido e que possa surgir
uma condenação criminal(RT 297/90). Fabbrini Mirabete(obra citada pág. 243) entende que
pode ser o documento em que se confessa um delito(ainda que verdadeiro o fato), uma
cambial com assinatura falsa, um recibo de depósito não existente, um cheque sem suficiente
provisão de fundos etc. Disse ainda Nelson Hungria(obra citada, pág. 244) que possibilidade de
instauração de processo não se confunde com a certeza ou a possibilidade de condenação”. Já
se decidiu que o cheque, dado em garantia de dívida, não dá ensejo a procedimento penal
legítimo contra o emitindo, não configurando a extorsão indireta com o recebimento desse
titulo pelo tomador(RT 443/502, 486/253, 538/322 ,dentre outros). Aliás, já se entendeu que
embora seja pacífico na jurisprudência não existir o delito previsto no artigo 171, § 2º, inciso
VI, quando o tomador sabe da existência de fundos(cheque assinado em branco, pós-datado,
entregue em garantia de dívida),ocorre o crime de extorsão indireta(RJ 53/580, RT 433/426,
542/372). Heleno Claudio Fragoso(obra citada, pág. 316), enfrentando a matéria, lembra que
algumas decisões têm entendido que o cheque sem fundos, dado em garantia, não basta para
configurar a extorsão indireta, tendo em vista que o cheque dado em tais circunstâncias não
constitui crime. Para ele, há, evidentemente, um equivoco. Para que haja extorsão indireta,
basta que o documento possa dar causa à instauração de procedimento criminal, não se
exigindo que seja prova de crime efetivamente ocorrido e que possa surgir uma
condenação(RT 297/90). Disse bem ele que tem-se em vista a coação que exerce a ameaça de
um processo criminal, mesmo destinado à absolvição, pois não há dúvida de que os danos
causados à reputação do acusado num processo-crime são muitas vezes irreversíveis. Concluiu
Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 316); “Que o cheque sem fundos, dado em garantia,
pode dar causa a processo criminal, não há quem o duvide.”

O documento deve ser recebido e exigido como garantia de dívida, garantia


essa que consiste na ameaça de instauração de processo criminal com a apresentação do
documento à autoridade policial ou judiciária, como disse Heleno Cláudio Fragoso(obra citada,
pág. 317). Esse crime ocorre quando o devedor não tem garantias para oferecer ao credor,
funcionando o documento recebido ou exigido como segurança do pagamento. O fundamento
ou a razão da dívida é inteiramente irrelevante.

Assim não há crime sem que a ação tenha sido praticada abusando o agente da
situação da vítima. Ainda para Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 317) não se trata da
simples situação do devedor, mas, sim, da condição de penúria financeira em que se encontra
o devedor ou terceiro a ele ligado, de suas dificuldades prementes ou da urgente de satisfação
de compromissos pessoais inadiáveis, reais ou supostos. A vítima deve estar em situação
aflitiva e opressiva, que lhe tire, de certa forma, a liberdade de escolha. Sendo assim é
indispensável o abuso, ou seja, que o sujeito ativo se aproveite da situação de necessidade de
alguém para a existência do crime(RT 398/73, RT 538/322).

Deve ser dito que não é indispensável que o documento dado como garantia
expresse a prática de crime inexistente, ou seja, que se trate de uma prova simulada de ilícito
penal imaginário, cuja autoria a vítima atribui a si ou a terceiro. Para Heleno Cláudio
Fragoso(obra citada, pág. 317) não deixará de haver crime se para garantia de um empréstimo
o agente obtém confissão escrita de crime efetivamente praticado pelo devedor em prejuízo
de terceiro. Mas outro será o caso se a exigência ou recebimento de escrito que pode dar
causa a processo criminal, efetua-se após uma apropriação indébita ou um furto, prometendo
o criminoso reembolsar o lesado.
O crime de extorsão indireta é crime formal ou de consumação antecipada,
não se exigindo que haja superveniência de qualquer dano. Consuma-se o crime quando a
exigência, seja oral ou escrita, é formulada ou quando o devedor efetua a entrega de
documento ao credor. Entende-se que, na forma de exigir, e se a superveniência for verbal,
será inadmissível a tentativa.

O tipo subjetivo consiste no dolo, que é a vontade livre e consciente de exigir


ou receber do devedor documento, havendo um especial fim de agir que é o fim de garantir
dívida futura e existente. Mas deve ter o agente consciência de que o documento pode dar
causa a procedimento criminal contra a vítima ou terceira pessoa. Para Nelson Hungria(obra
citada, pág. 316) há no tipo penal um dolo de aproveitamento. Para ele, “ninguém pode
duvidar que somente em caso de pressão das circunstâncias um homem normal se disponha a
garantir o credor com um documento capaz de lhe acarretar processo criminal”.

No caso de usura(artigo 4º da Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951) há o


entendimento que o crime de extorsão indireta é absorvido pela definição nos crimes contra a
economia popular.

Uma discussão surge se o agente, não conseguindo receber seu crédito, utilize-
se de documento para a instauração da ação penal contra a vítima. A doutrina, à luz de
entendimentos como de Joachim Wolfang Stern(Extorsão indireta e denunciação caluniosa,
Justitia 79/296/297), entende que não há concurso com o delito de denunciação caluniosa,
pois a ação posterior fica consumida por ter sido praticada para utilizar a ação precedente e
principal, tratando-se de exaurimento do crime de extorsão indireta como um pós-fato não
punível.

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