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219-235, 2009
ENSINO DE QUÍMICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: RELAÇÃO ENTRE
ESTILOS DE PENSAMENTO E FORMAÇÃO DOCENTE
(Teaching chemistry in Adult Education:
relationship between Thought Styles and teacher training)
Resumo
O Objetivo da pesquisa a que se refere esse artigo foi identificar elementos caracterizadores
de Estilos de Pensamento – EP de professores de Química que atuam na Educação de Jovens e
Adultos (EJA) no Estado do Paraná, e se esses EP são afetados pela formação inicial e a continuada.
A categoria analítica EP, formulada por Ludwik Fleck, foi utilizada como auxiliar na identificação
de como se estrutura o conhecimento em determinado campo de estudo, neste caso, o Ensino de
Química na EJA. Para tanto, foram comparados os EP de professores com e sem participação em
cursos de formação continuada, analisando as práticas, concepções e valores docentes extraídos por
meio de entrevistas, utilizando os princípios pedagógicos e dialógico-problematizadores propostos
por Paulo Freire. Procurou-se evidenciar e avaliar a forma de influência da formação inicial, do
tempo de atuação no magistério, e em especial, dos cursos de formação continuada sobre a forma de
entender o conhecimento científico e ensiná-lo aos alunos da EJA. Utilizando a Análise Textual
Discursiva foi realizado um estudo comparativo entre os EP presentes no discurso docente, suas
contradições e conceituações, por meio do qual se objetivou evidenciar a existência da formação de
Coletivos de Pensamento (CP) que agregam professores em torno de determinados EP.
Palavras-chave: Ensino de Química; EJA, Estilos de Pensamento, Formação Permanente.
Abstract
The goal of search referred to in this article was to identify elements characterizing Thought
Styles (TS) of teachers serving in chemistry Adult Education (AE) in the State of Paraná, and if
these TS are affected by the initial and continuing training. The analytical category TS, developed
by Ludwik Fleck, was used as a helper in identifying how knowledges structure in specific field of
study, in this case the teaching of chemical in AE. For that, were compared the teachers TS with
and without participation in training courses, analyzing the teachers practice, ideas and values from
interviews with the same, using the principles, dialogical-problematization, proposed by Paulo
Freire. We have tried to highlight and assess the form of influence of initial training, time of
expertise in teaching, and in specific, of continuing training courses on how to understand the
scientific knowledge and teach to the students of the AE. Using the Discursive Textual Analysis it
was made a comparative study between the TS present in his teaching, its contradictions and
conceptions, through which installed show the existence of Thought Collectives (TC) that aggregate
teachers around certain TS.
Key-words: Teaching Chemistry; Adult Education, Thought Styles; Continuing Training.
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Investigações em Ensino de Ciências – V14(2), pp. 219-235, 2009
Introdução
Um modo de caracterizar o pensamento dos professores de Química que atuam na EJA são
as categorias epistemológicas Estilo de Pensamento (EP) e Coletivo de Pensamento (CP),
formuladas por Ludwik Fleck, desenvolvidas mais adiante.
Ainda, com base no mesmo autor, os sujeitos que fazem parte de um CP adotam desde um
vocabulário comum e uma forma de entender os fatos, baseados nas concepções defendidas pelo
coletivo que possuem um EP específico. Fleck alerta também que o coletivo ao qual pertence o
indivíduo lançará mão de medidas, mais ou menos coercitivas, para manter vigente o EP.
Os professores de Química que atuam na EJA, além de terem seu pensamento influenciado
pelos EP com os quais se relacionaram ao longo de sua história pessoal, inclusive o da formação
inicial, podem, em princípio, apresentar elementos instituídos na relação com outros profissionais
da educação e na sua formação continuada.
Esse ensino tinha como função principal a Suplência, que se fundamentava numa concepção
de educação compensatória, a fim de atribuir certificação rápida àqueles que não frequentaram os
bancos escolares em idade regular.
atendimento escolar a jovens, adultos e idosos não se refere somente a uma característica
etária, mas à diversidade sociocultural de seu público, composto por populações do campo,
em privação de liberdade, com necessidades educativas especiais, indígenas, remanescentes
de quilombos, entre outros, que demandam uma educação que considere o tempo, os
espaços e a sua cultura (Paraná, 2006, p. 31).
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A EJA nomeia os jovens e adultos pela sua realidade social: oprimidos, pobres, sem terra,
sem teto, sem horizontes. Pode ser um retrocesso encobrir essa realidade brutal sob nomes
mais nossos, de nossos discursos como escolares, como pesquisadores ou formuladores de
políticas: repetentes, defasados, aceleráveis, analfabetos, candidatos à suplência,
discriminados, empregáveis... Esses nomes escolares deixam de fora dimensões de sua
condição humana que são fundamentais para as experiências de educação.
Poderemos mudar os nomes mas sua condição humana, suas possibilidades de
desenvolvimento humano, no entanto, continuam as mesmas ou piores. Não aumentou
apenas o número de analfabetos, mas de excluídos. E não apenas jovens e adultos, mas de
infantes e adolescentes também. Seria ingênuo pensá-los excluídos porque analfabetos
(Arroyo, 2001, p.10).
Também é comum no meio educacional, com destaque para a EJA, a referência aos
princípios pedagógicos elaborados por Paulo Freire, os quais podem ser identificados nas
orientações legais emitidas pelos órgãos gestores governamentais e nas propostas pedagógicas das
escolas. Utilizar Freire como referência evidencia, até certo ponto, uma expectativa de que as idéias
do autor ganhem espaço no EP dos professores que atuam na EJA e, por conseguinte, na sua ação
docente.
Considerando tais fatores, buscou-se investigar quais elementos estão presentes no EP dos
professores de Química que atuam na EJA e se há características comuns que possam constituir, em
princípio, um CP e por fim, como a formação continuada interfere nesse pensamento.
em uma determinada atitude e no tipo de execução que o identifique. Esta atitude possui
duas partes estreitamente relacionadas entre si: disposição para um sentir seletivo e para a
ação conseqüentemente dirigida. Ela cria as expressões que lhe são adequadas (...),
dependendo em cada caso da prevalência de certos motivos coletivos e dos meios coletivos
aplicados. Portanto, podemos definir o estilo de pensamento como um perceber dirigido
com a correspondente elaboração intelectiva e objetiva do percebido. Fica caracterizado
pelos elementos comuns dos problemas que interessam ao coletivo de pensamento, pelos
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juízos que o pensamento coletivo considera evidentes e pelos métodos que emprega como
meio de conhecimento. O estilo de pensamento também pode estar acompanhado pelo
estilo técnico e literário do sistema de saber (Fleck, 1986, p. 145).
Mas como para Fleck o pensamento é uma atividade social, ele então cria a categoria
Coletivo de Pensamento – CP, propondo que este possa ser formado, sempre que duas ou mais
pessoas trocam idéias, ou ainda, de uma forma mais elaborada, como sendo a unidade social da
comunidade de cientistas de um determinado campo de pesquisa.
Sendo o Coletivo de Pensamento formado por indivíduos distintos, com suas formas
particulares de ler o mundo, mesmo assim, para o autor, estes CP têm “sua forma psíquica
particular e suas leis especiais de comportamento” (Fleck, 1986, p. 91). E o CP não é apenas a
agregação de indivíduos isolados em si. Mesmo que cada um possa participar de mais de um CP
simultaneamente, a cada diferente Coletivo ele aderirá ao modo de ver, pensar e proceder, típicos
daquele CP. Esta incorporação do estilo de cada coletivo ocorre de maneira não planejada, pois o
“indivíduo não tem nunca, ou quase nunca, consciência do estilo de pensamento coletivo, que
quase sempre exerce sobre seu pensamento uma coerção absoluta” (Fleck, 1986, p. 87-88).
A partir desses conceitos, pode-se inferir que a atividade docente possa ser direcionada pelo
estilo de pensamento dominante na formação inicial dos professores. E, como Fleck bem aponta, o
conhecimento não é definitivo, os EP se modificam com o passar do tempo. Nesse sentido, os
Professores de Química que atuam na EJA podem estar inseridos em um, ou mais de um Coletivo
de Pensamento. E nossa pesquisa, da qual trata este artigo, procurou identificar os CP mais
evidentes nos quais estariam inseridos os docentes e como cada um deles se relacionaria com os
demais.
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Ainda, de acordo com a epistemologia de Fleck, os Coletivos de Pensamento podem ser
estruturados em duas categorias – Círculo Esotérico (Eso) e Círculo Exotérico (Exo).
Como Círculo Esotérico, Fleck define como sendo um pequeno círculo formado por um
grupo de indivíduos com Estilo de Pensamento específico: os iniciados, os especialistas, os
cientistas, os pesquisadores, enfim, os formuladores do conhecimento. Já o Círculo Exotérico, que
se estabelece em torno do Eso, é constituído por grupos de indivíduos que coadunam com o
pensamento dos especialistas, assimilando e consumindo a produção intelectual deles, ou seja, os
leigos ou leigos formados 1 .
Fleck destaca que cada CP constituído de um círculo Eso, possui um estilo de pensamento
próprio e, para mantê-lo, os participantes passam a utilizar processos mais ou menos coercitivos,
numa Circulação Intracoletiva de Idéias, reforçando os laços entre os componentes do CP,
formando, ainda, novos integrantes que passarão a compartilhar o mesmo EP.
De acordo com Fleck, a mudança de estilo de pensamento ocorre entre estilos mais
próximos, pois a introdução de estilos de pensamento muito distintos em um coletivo pode ser
entendida como mística, uma vez que os fatos deste são considerados como invenções daquele,
destinadas a serem ignoradas e, portanto, incomensuráveis.
Neste ponto, pode estar presente parte da explicação que permite desvendar a compreensão
que se tem para Educação de Adultos. Pois, com a função Suplência – sustentáculo do Ensino
Supletivo de 1972 a 1996 – tem-se como premissa o ensino compensatório. Já na EJA, a partir de
1996, o alicerce passa ser a função Reparadora, que pretende uma escolarização igualitária e de
qualidade aos jovens e adultos.
1
Entenda-se como Leigo Formado, o sujeito que é graduado em curso superior, por exemplo, mas não é, via de regra,
pesquisador formulador de novos conceitos científicos. É o caso dos professores de Química do Ensino Médio,
graduados na área que atuam divulgando o saber produzindo na academia.
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Assim, como há grandes diferenças entre um ensino aligeirado e uma educação igualitária, é
possível que os professores de Química da EJA tenham mantido o EP da Suplência. Se considerar
ainda que a Educação no Brasil, nos últimos anos, tem direcionado maior atenção aos dados
estatísticos (Haddad et al., 2002), (Haddad & Di Pierro, 2000), (Di Pierro; Jóia & Ribeiro, 2001) do
que à qualidade, a idéia de que o aligeiramento é uma tônica educacional, pode ficar impregnada no
EP desses professores e de todo sistema de ensino, especialmente se esta direção for reforçada nos
cursos de formação continuada.
Quanto aos cursos de formação continuada, além da participação ou não, também foi
analisada a frequência nesses cursos no período de 2001 a 2006, dado coletado nos questionários. A
escolha por esse intervalo de tempo deveu-se à necessidade de caracterizar os encaminhamentos
metodológicos e os conteúdos desenvolvidos nos cursos de formação docente em gestões
governamentais diferentes 2 , o que em princípio poderia ser capaz de interferir no EP dos
professores.
Sobre o tempo de magistério total e o tempo de atuação na EJA, tomando como referência o
mesmo intervalo cronológico, considerou-se como baixo tempo de atuação um período menor que
três anos 3 e como elevado, um período maior que 9 anos 4 . Entre estes extremos, indicou-se como
sendo de médio tempo de atuação na docência. Dos questionários respondidos, 14 (29,8%) não
participaram dos cursos de formação continuada, um não informou, e os demais participaram dos
2
A necessidade de caracterizar os cursos de formação continuada em gestões governamentais diferentes deve-se ao fato
de que o entendimento que se tinha da EJA em cada governo obrigou as escolas a mudarem suas propostas pedagógicas
três vezes nesse intervalo de tempo. Por isso, os cursos para implantação das novas propostas tiveram características
distintas.
3
O período de 3 anos corresponde, aproximadamente, a metade do tempo de referência indicado (2001-2006),
implicando em menor relação com os encaminhamentos metodológicos e os conteúdos abordados nos cursos
ministrados para a implantação das Propostas Pedagógicas.
4
O tempo de nove anos foi indicado por englobar, inclusive, as características do Ensino Supletivo conforme dispunha
a Lei 5692/71.
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cursos, a maioria antes de 2003.
Captando o Novo Emergente que consiste na construção de metatexto(s) a partir dos textos
do corpus. São constituídos de elementos com os quais é possível identificar a tese central da
pesquisa desenvolvida.
5
Entende-se por LCT o enfoque no ensino no qual “o indivíduo não apenas sabe ler o vocabulário científico, mas é
capaz de conversar, discutir, ler e escrever coerentemente em um contexto não técnico, mas de forma significativa”
(Santos, et al., 2003). Vinculando à concepção freireana de alfabetização, a qual, nas palavras de Ernani Maria Fiori, “é
a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos, o projeto
histórico de um mundo comum (...)” (Freire, 2005, p.21).
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fenômenos estudados possibilitando, também, novos insights e teorizações, concluindo assim, o
ciclo da análise textual.
Partindo da análise dos questionários, foi possível detectar, em primeira instância, alguns
elementos que caracterizam os Estilos de Pensamento dos professores de Química, evidenciados a
seguir com descrição analítica de duas questões das treze constantes no referido instrumento de
coleta de dados. Ao buscar identificar se as temáticas dos cursos de formação continuada estavam
dentro do rol de interesse dos professores, as respostas evidenciaram que os docentes:
Têm interesse por uma metodologia específica para a EJA (dezenove respondentes
ou 46%), como aponta o professor MC: “Orientação sobre a melhor maneira de
ensinar Química para trabalhadores, maior clientela da minha escola”.
Buscam cursos sobre atividades práticas de laboratório (13 professores, ou então
31% das respostas). Entretanto, observar respostas como a do professor HE
“Técnicas de laboratório, com receitas práticas e de fácil manipulação, buscando
aperfeiçoar seus conhecimentos relacionando a teoria com a prática.”, evidencia a
dificuldade de relação entre a ação docente 6 , no que se refere às atividades práticas,
com o que foi ensinado ao professor durante a sua formação inicial. Também pode
ser que essa formação tenha se construído de forma equivocada naqueles cursos de
graduação.
Pretendem participar de cursos que considerem a experiência extra-escolar dos
educandos, levando em conta o seu perfil e a sua realidade – resposta apresentada
por onze participantes. Isso é apontado, por exemplo, pelo professor SO: “Temas
mais atuais, relacionados diretamente com a disciplina e que tenham o máximo
possível de relação com o dia-a-dia do aluno de EJA.”. Esse não destaca, contudo,
como o cotidiano do aluno será utilizado pelo professor no seu planejamento.
Destacam a necessidade dos cursos serem organizados por disciplina ou área do
conhecimento, com palestrantes também da mesma área. Resposta presente em seis
questionários.
Essa última referência, da organização dos cursos, pode traduzir a necessidade dos
professores em ter uma relação mais próxima do Círculo Exo com o Círculo Eso (do palestrante
especialista), a fim de reforçar seus próprios EP do primeiro círculo, caracterizado pela utilização
de terminologias e expressões, típicas do EP vigente.
Por outro lado, a não organização dos cursos por área do conhecimento pode ter como
consequência a manutenção do grupo de professores em um nível de Consciência Ingênua (Freire,
2007). Desta forma, as idéias elaboradas e difundidas pelos gestores do sistema acabam
prevalecendo, sem haver espaço para a crítica da ação executada, sem identificação e análise da
realidade local e sem propor mudanças pedagógicas efetivas para superar as contradições e a
emersão das consciências dos professores, dos alunos e da comunidade local. Como destaca Freire:
6
Fato já evidenciado em outras pesquisas, como Maldaner (2000) e Schnetzler (2002).
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manhas, das armadilhas em que nos faz cair. É que a ideologia tem que ver diretamente
com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar
a realidade ao mesmo tempo em que nos torna “míopes” (Freire, 2004, p. 125-126)
A essa estrutura dada aos cursos de formação continuada, também é possível associar a
categoria “invasão cultural”, evidenciada por Freire. É nessa em que ocorre a inserção mais ou
menos sutil, mas sempre coercitiva, de uma visão de mundo, de uma ideologia, estruturada e
difundida por uma “elite” econômica, política, social e intelectual – um círculo Esotérico, como
caracteriza Fleck. Dessa forma, os invadidos – contidos no(s) círculos Exotéricos, passam assumir
posições contrárias à sua prática, a reproduzir alienadamente o discurso dominante, e a disseminar a
cultura invasora ou o EP dominante.
[No] ensino regular existe mais tempo para abordagem de conteúdos. Na EJA, os conteúdos são
simplificados, resumidos (...). (Professor(a) MF)
Quanto aos conteúdos, na EJA estão simplificados. Poderiam ser incluídos outros como a
radioatividade, equilíbrio químico (...). (Professor(a) MI)
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Com isso, pode-se esperar que o aligeiramento, com a seleção de conteúdos, sem critérios
claramente definidos, esteja circulando como um elemento integrador e até fundante do estilo de
pensamento dos sujeitos inseridos nos sistemas de ensino. E, se esta dinâmica vem se propagando
ao longo dos tempos, é muito provável que diretores e equipes pedagógicas, grupos com menor
rotatividade nas escolas públicas, influenciem significativamente o pensamento dos docentes. Nessa
dinâmica, podem ser identificados distintos coletivos de pensamento 7 e a circulação de idéias entre
esses diferentes grupos.
Uma relação que permite tal observação é a dos gestores do órgão central que
representariam um Círculo Eso – pois podem ser considerados especialistas da educação e
formulam orientações legais. Por outro lado, esse grupo pode também representar um Círculo Exo,
ao organizar a educação pública a partir de idéias formuladas e determinadas pelos governantes e
seus assessores do primeiro escalão.
De forma semelhante, os diretores e equipes pedagógicas também podem fazer parte de dois
círculos: o Eso ao manterem as informações originadas do órgão central da educação sob seu
controle, repassando aos professores somente as informações lidas, analisadas e interpretadas
conforme o estilo de pensamento pessoal ou do coletivo a que pertencem; e como grupo Exo, ao
absorverem as idéias emanadas dos técnicos da Secretaria da Educação. Mas, como indica Fleck, os
sujeitos não pertencem a um único coletivo de pensamento, assim é de se esperar interpretações
diversas das orientações dos gestores centrais, sendo também utilizadas e repassadas aos
professores de formas distintas.
Semelhante foco interpretativo pode ser dado ao grupo de professores que representam um
círculo Exo, de leigos formados. Contudo, com tantas leituras e releituras dadas a partir do EP de
cada coletivo por onde a informação inicial circulou, é possível que esses últimos, ou sigam as
orientações como foram repassadas, ou então as desprezem por não compreendê-las ou interpretem-
nas de outra forma ainda. O que se pôde observar dos participantes da pesquisa é que, com tantas
orientações e com interpretações distintas da originalmente concebida, os professores se mantêm
em seu Estilo de Pensamento constituído ao longo da formação inicial. Esse fato reforça a demanda
que os docentes apresentam por cursos organizados por área do conhecimento.
Em Fleck (1986), é possível observar que uma vez estabelecido o Estilo de Pensamento,
neste caso, do aligeiramento dos estudos, o grupo ou o coletivo que tem tal EP instaurado, não
medirá esforços para mantê-lo. Uma coerção didática, econômica e sempre política, mais sutil ou
menos sutil, será utilizada como mecanismo para manutenção do status quo.
Como essa cadeia de relações não é estática e isolada, os professores passarão a estender tal
pensamento aos alunos. Como a escola exerce grande influência, social e historicamente
constituída, os educandos também aceitam a escolarização aligeirada como a solução de seus
problemas pessoais.
Essa circulação de idéias pode ter objetivos, nem sempre claramente identificados, de se
manter, por exemplo, bem separadas as classes sociais, como destaca Snyders (1981). Neste caso,
7
Os diferentes coletivos de pensamento que poderiam ser identificados na circulação da idéia de aligeiramento imposto
para a EJA, estariam localizados no grupo dos diretores e equipes pedagógicas, dos professores, familiares, dos próprios
alunos e até mesmo em grupos externos ao ambiente escolar que vêem os cidadãos não escolarizados como uma fonte
de lucro, por meio de escolas/empresas privadas.
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os alunos, mesmo escolarizados, ou certificados, não teriam acesso a igual conhecimento
oportunizado a outras classes sociais, reforçando, assim, os papéis de opressor e oprimido,
observados por Freire (2005). Essa fragmentação intencional da sociedade se manifesta a partir da
escola, uma vez que se tem uma classe formada pelos que podem concluir seus estudos básicos em
tempo “normal/regular” e por aqueles que são impedidos de chegar ao fim da educação básica,
retornando em outros momentos à EJA, que tem tido um tratamento secundário, menor, reduzido.
Assim, como foram analisadas as questões anteriores, os questionários puderam revelar que
os professores de Química:
Uma vez analisados os questionários, estes serviram de base para a realização das
entrevistas aos 25 professores selecionados para tal, as quais revelaram, dentre outros aspectos, que
os professores empregam o termo 'tempo' com diferentes significados, como organizado no Quadro
1. No entanto, cabe destacar que nem todos os professores participantes da pesquisa empregaram o
termo ‘tempo’, motivo pelo qual o percentual constante do Quadro é o proporcional ao total da
amostra de 25 professores e não corresponde aos 100%.
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Nesse sentido, falas como a de um professor (ZÉ) – “porque eles estão aproveitando o
tempo perdido em um tempo menor, então para eles é mais vantajoso que se fosse num tempo
maior”, revelam que os docentes acreditam que o ensino de Química para adultos se associa à idéia
de aceleração, de aligeiramento e de certificação rápida, concepção esta atribuída ao Ensino
Supletivo, que tem sido reforçada por vários agentes sociais, até pelos meios de comunicação de
massa, conferindo à EJA uma imagem de curso de qualidade inferior e de menor valor educacional.
E, como já assinalado anteriormente, também se percebe uma tendência à simplificação, redução,
seleção de conteúdos sem a utilização de critérios fundamentados em estudos que endossem tal
ação. Mas isso tem consequências pedagógicas, e como já alertando por Freire ao fazer referência
ao saber dos camponeses e sua relação com o conhecimento escolar, quando observa:
Há, inclusive, aqueles que, movidos pela urgência do tempo, dizem claramente que “é
preciso que se façam 'depósitos' dos conhecimentos técnicos nos camponeses, já que assim,
mais rapidamente, serão capazes de substituir seus comportamentos empíricos pelas
técnicas apropriadas” (Freire, 1983, p. 45).
Esse recorrer a Paulo Freire nos auxiliou a compreender a relação que os professores têm
com o tempo do aluno e o tempo docente, e a possível simplificação ou redução dos conteúdos
básicos. Em nosso caso, como o professor deve cumprir um currículo determinado pela Secretaria
da Educação e acredita, ainda, que deve preparar os alunos adultos para o vestibular – intenção nem
sempre pretendida por eles –, acaba por selecionar os conteúdos a partir de critérios próprios. No
entanto, Freire apresentou também indicativos de como a diminuição do tempo escolar poderia ser
implementada sem prejuízo da qualidade do ensino, ao propor uma metodologia que partisse de
uma investigação temática sobre as contradições sociais vivenciadas pelos alunos, para
problematizá-las dialogicamente e trabalhadas como conteúdos de ensino (Delizoicov, D., 1983,
1991, 2005b).
Por outro lado, ao comparar as respostas sobre o conteúdo e a metodologia adotada pelos
professores para o ensino de Química na EJA em relação ao ensino Regular, bem como a forma
como eles planejam suas aulas, é que nos foi possível organizar o Quadro 2.
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Por outro lado, apesar de ter sido evidenciando que no grupo há professores que apontaram
trabalhar os mesmos conteúdos no ensino regular e na EJA, há aqueles que dão tratamento próprio
para modalidades diferentes, estando esses ainda distantes de um encaminhamento pedagógico
fundado na perspectiva freireana. Isto porque deveriam, entre outras coisas, identificar,
problematizar dialogicamente e resignificar as contradições sociais locais que os alunos e a
comunidade vivem, mas não as percebem por estarem imersos nelas. E, por essa condição, não se
aproximam do nível de Consciência “voltada para a responsabilidade social e política (...)
característica dos autênticos regimes democráticos” (Freire, 2007, p. 69-70).
Desse modo, a partir dos elementos organizados nos Quadros 1 e 2, foi possível
sistematizar, no Quadro 3, os prováveis Estilos de Pensamento dos professores de Química que
atuam na EJA.
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Possíveis Estilos de
Pensamento Elementos Caracterizadores
Detectados
Quadro 3 – Possíveis EP dos Professores de Química Entrevistados que atuam na EJA da Rede Pública
Estadual do Paraná
Considerações Finais
Diante de tais considerações, pensar e sugerir caminhos para um novo fazer pedagógico no
Ensino de Química ou, de maneira geral, para o Ensino de Ciência, sempre é um desafio. Como
observa Delizoicov (2005a), romper com um Estilo de Pensamento, na maioria das vezes
academicista e tradicionalmente empiricista, estruturado ao longo da formação inicial, requer
esforços que ultrapassam aqueles comumente depreendidos na formação continuada.
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alguns dos fatores que permitiriam, em princípio, uma visão diferenciada do que venha a ser o fazer
pedagógico mais adequado a determinados grupos sociais, sem que isso signifique uma
simplificação, uma redução ou uma ação discriminatória a esses segmentos em relação ao saber
universal.
Essa forma de pensar parece constituir Coletivos de Pensamento, com seus EP próprios,
observados a partir dos discursos e procedimentos docentes em distintas regiões do Estado do
Paraná, cuja formação inicial ocorreu em diferentes escolas superiores. Os CP ficam evidenciados
quando os docentes demonstram, por exemplo, entender que as metodologias adotadas para
adolescentes alunos do Ensino Regular diurno, devam ser as mesmas que as empregadas para os
alunos da EJA noturna (três entrevistados). Ou então, quando utilizam igual metodologia, mas
reduzem os conteúdos para a EJA, como indicaram seis participantes da pesquisa. Sem a adoção de
critérios claros e discutidos na e com a comunidade escolar, acaba-se mantendo e reforçando a
estrutura de classes e as relações entre dominantes e dominados.
Referências
Delizoicov, D. Pesquisa em Ensino de Ciências com Ciências Humanas Aplicadas. IFUSP, jun.
2003.
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Recebido em 12.09.2007
Aceito em 18.06.2009
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