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AIDS

Autores
1
Paulo Roberto Abrão Ferreira
2
Simone de Barros Tenore
Publicação: Out-2005

1 - Qual a prevalência de AIDS no Brasil?

Segundo dados da última publicação do Ministério da Saúde, em março de 2005, foram


notificados até junho de 2004, 362.364 casos. Para fins de notificação, são considerados casos
3
de AIDS pacientes com contagem de linfócitos T CD4 inferior a 350 células/mm , a fim de
obtenção de maior sensibilidade na vigilância epidemiológica.

2 - Dentre as categorias de transmissão, como os casos estão distribuídos no Brasil?

Considerando indivíduos com 13 anos de idade ou mais, a principal via de transmissão é a


sexual, tanto para o sexo masculino, quanto para o feminino.

Dentre homens que fazem sexo com homens (HSH), está ocorrendo uma queda na taxa de
transmissão (22,3% em 1993, 17% em 2000 e 14,9% em 2004); já para a população
heterossexual masculina ocorre o inverso, com aumento significativo (8% em 1993, 34,7% em
2000 e 42% em 2004). Para a população feminina, a via heterossexual é a única notificada de
transmissão sexual.

Com relação às vias sanguíneas de transmissão, também observamos uma queda nas taxas
de transmissão, tanto para usuários de drogas injetáveis (29,5% em 1993 e 13% em 2004 para
o sexo masculino e 22,2% em 1993 e 4,3% em 2004 para o sexo feminino), como para
hemofílicos (0,6% em 1993 e 0,1% em 2004) e para transfusão sanguínea (2,6% em 1993 e
0,5% em 2004).

3 - Quais fatores podem influenciar a transmissão do HIV?

O risco de transmissão aumenta com a prática de sexo anal, na presença de úlceras genitais e
quando o transmissor apresenta alta carga viral do HIV. A presença de doenças sexualmente
transmissíveis, relação sexual no período menstrual e ausência de circuncisão também são
fatores que aumentam a transmissão.

A transmissão materno-infantil (TMI) pode ocorrer durante a gestação, no momento do parto ou


durante aleitamento. Vários estudos indicam que o grau de imunodeficiência materna interfere
na TMI, assim como a alta carga viral no peri-parto, a ruptura de membranas por mais de
quatro horas e o trabalho de parto prolongado.

4 - Qual a história natural do HIV e da AIDS sem intervenção terapêutica?

O evento inicial é a síndrome retroviral aguda, caracterizada por queda abrupta dos linfócitos T
CD4+, altos níveis de viremia, com disseminação do vírus e invasão de tecidos linfóides. Com
o desenvolvimento da resposta T citotóxica, a viremia cai até um ponto de equilíbrio e ocorre,
então, recuperação imunológica com soroconversão. Segue-se um período de latência clínica,
bastante variável, com lenta diminuição nos níveis de linfócitos T CD4+ e aumento gradual da
3
viremia. Infecção crônica sintomática aparece quando os níveis de CD4+ caem até 200/mm e
pelo desenvolvimento de infecções oportunistas, neoplasias, síndrome consuptiva e

1
Mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina; Médico preceptor dos residentes da Unidade Ambulatorial de Doenças Infecciosas e
Parasitárias – Hospital São Paulo-EPM/UNIFESP.

2
Mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina; Médico preceptor dos residentes da Unidade Ambulatorial de Doenças Infecciosas e
Parasitárias – Hospital São Paulo-EPM/UNIFESP.

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complicações neurológicas (síndrome demencial). Na ausência de intervenção terapêutica, a
3
sobrevida mediana é de 3,7 anos (com CD4<200/mm ) e 1,3 anos após o desenvolvimento da
primeira complicação definidora de AIDS.

5 - Quais os testes de detecção de anticorpos para o HIV no soro e no plasma?

O diagnóstico sorológico baseia-se na observação que, aproximadamente após seis a doze


semanas, os indivíduos infectados desenvolverão anticorpos contra o HIV. Os testes de
rastreamento (screening) são de alta sensibilidade (superior a 95%), já os testes confirmatórios
têm maior especificidade.

Testes de screening

• Ensaios imunoenzimáticos (EIA ou ELISA), amplamente usados;

• Detecção de antígeno p24

Os resultados são: reagentes ou não-reagentes.

Testes confirmatórios

• Western blot

• Imunofluorescência Indireta (IFI)

Os resultados são: positivo, indeterminado ou negativo.

6 - Qual algoritmo a ser seguido na suspeita de infecção pelo HIV?

O fluxograma para diagnóstico do HIV-1 em indivíduos acima de dois anos divide-se em três
etapas:

Etapa I

Ensaio imunoenzimático (EIA) reagente ou indeterminado.

Etapa II

Segundo EIA + imunofluorescência indireta (IFI).

• Se EIA 2 não reagente e IFI negativa: amostra HIV-1 negativa.

• Se EIA 2 reagente e IFI positiva: amostra HIV-1 positiva. Repetir a etapa I com nova
amostra.

• Se resultados discordantes entre EIA 2 e IFI: realizar Western blot (etapa III).

Etapa III

• Western blot negativo: amostra negativa para HIV-1

• Western blot indeterminado: investigar soroconversão recente ou HIV-2 (PCR


qualitativo – HIV RNA)

• Western blot positivo: amostra positiva para HIV-1. Repetir etapa 1 com nova amostra.

Laboratórios públicos e privados devem seguir este fluxograma, determinado e regulamentado


pela portaria nº. 59/GM/MS, de 28 de janeiro de 2003.

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7 - O que são testes rápidos? Quando estão indicados?

São testes imunoenzimáticos capazes de fornecer resultados em poucos minutos e que podem
ser realizados com a utilização de sangue total, soro, saliva ou urina, sem a necessidade de
utilização de equipamentos sofisticados. Apesar de apresentarem alta sensibilidade e
especificidade (superior a 95%), seu uso deve ser restrito a situações em que a disponibilidade
imediata do resultado é essencial para se determinar a conduta terapêutica, como em
acidentes ocupacionais, medicina de urgência e mulheres em trabalho de parto. Podem ser
usados para levantamentos de soroprevalência em estudos de campo.

8 - Quais são os exames iniciais realizados em pacientes com diagnóstico de infecção


pelo HIV?

Os exames preconizados para avaliação inicial são:

• hemograma,

• bioquímica completa,

• sorologias (hepatite A, hepatite B, hepatite C, sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose),

• PPD,

• radiografia de tórax,

• colpocitologia e pesquisa de outras doenças sexualmente transmissíveis,

• contagem de linfócitos T CD4+ e CD8+ para avaliação do sistema imunológico,

• medida de carga viral para o HIV (HIV RNA quantitativo).

Importante também avaliação oftalmológica para detecção de retinites (HIV, herpes,


citomegalovírus e toxoplasma).

9 - Quais as doenças definidoras de casos de AIDS?

Segundo a última revisão do CDC (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta-EUA,
1997), as seguintes condições clínicas são definidoras de AIDS:

• Câncer cervical invasivo • Leishmaniose visceral em adulto

• Candidíase do esôfago, • Leucoencefalopatia multifocal


traquéia, brônquios ou progressiva
pulmões
• Linfoma primário do cérebro
• Criptococose extrapulmonar
• Micobacteriose atípica
• Criptosporidíase com diarréia disseminada
persistente, por mais de um
mês • Outros linfomas não-Hodgkin de
células B
• Doença por citomegalovírus
de um órgão que não seja o • Pneumonia por Pneumocystis
fígado, o baço ou os jiroveci (antigo P.carinii)
linfonodos
• Pneumonia bacteriana recorrente
• Histoplasmose extrapulmonar (mais de 2 episódios em 2
ou disseminada meses)

• Infecção pelo vírus herpes • Reativação da doença de


simples, com acometimento

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mucocutâneo, por mais de um Chagas
mês, ou visceral de qualquer
duração • Sarcoma de Kaposi

• Isosporíase com diarréia • Sepse recorrente por salmonela


persistente, por mais de um (não-tifóide)
mês
• Toxoplasmose cerebral

• Tuberculose extrapulmonar

10 - Quando indicar profilaxias de infecções oportunistas e como fazê-las?

A profilaxia de infecções oportunistas deve ser iniciada quando os níveis de linfócitos T CD4+
3
caem a níveis inferiores a 200/mm .
3
O risco de pneumocistose para pacientes com CD4 inferior a 100/mm é de 40% a 50% ao ano.
3
A profilaxia deve ser instituída com CD4<200/mm e a primeira escolha é
sulfametozaxol/trimetoprim 400/80mg ou 800/160mg por dia. Essa medicação, nessas doses,
também atua como profilática para toxoplasmose.

Doença pelo complexo Micobacterium avium (MAC) deve ser prevenida quando os linfócitos T
3
CD4+ estão inferiores a 50 céls/mm (risco de 20% a 40% sem profilaxia). A profilaxia é feita
com claritromicina 500 mg duas vezes ao dia, ou azitromicina 1.200 mg uma vez por semana.

Tuberculoses e doenças preveníveis por vacinas serão discutidas adiante. Não está
recomendada profilaxia primária para doença por citomegalovírus, criptococose e
histoplasmose.

11 - Quando as profilaxias e terapêuticas supressivas das infecções oportunistas podem


ser suspensas?

Quando ocorre recuperação imunológica, com elevação nos níveis de linfócitos T CD4+, as
profilaxias e terapias supressivas para infecções oportunistas podem ser suspensas, desde que
o tratamento inicial tenha sido completado e na ausência de sinais e sintomas.

P. jiroveci (P. carinii)

A profilaxia, assim como a terapia supressiva, podem ser suspensas se a contagem de


3
linfócitos T CD4+ se mantiver acima de 200 células/mm por pelo menos três meses. Deve ser
3
re-introduzida se o CD4+ ficar inferior a 200 células/mm .

M. avium complex
3
A profilaxia primária pode ser suspensa com níveis de CD4 superiores a 100 células/mm por
pelo menos três meses. Já para suspensão da terapia supressiva é necessário aguardar pelo
menos seis meses de recuperação imunológica. Re-introduzir com níveis de CD4+ inferiores a
3
100 células/mm .

Toxoplasma gondii
3
A profilaxia primária pode ser suspensa com níveis de CD4+ superiores a 200 células/mm por
pelo menos três meses. A terapia supressiva pode ser retirada também após seis meses de
3
recuperação imunológica. Re-introduzir com níveis de CD4 inferiores a 200 células/mm .

Cryptococcus neoformans

A terapia supressiva pode ser suspensa com valores de linfócitos T CD4+ superiores a 100
3 3
células/mm . Re-introduzir na queda de CD4 para menos de 100/mm .

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Citomegalovírus

A terapia supressiva da retinite por citomegalovírus pode ser suspensa quando os níveis de
3
CD4+ forem superiores a 100 células/mm , durante pelo menos seis meses. Também re-
introduzir se houver queda do CD4+ posteriormente.

12 - O que é síndrome de reconstituição imunológica?

Esta síndrome é descrita com freqüência e ocorre principalmente em pacientes com


imunodeficiência grave e com elevação rápida dos linfócitos T CD4+, após a introdução dos
antiretrovirais. Caracteriza-se pela recrudescência de manifestações clínicas de infecções
previamente controladas, especialmente tuberculose, outras micobacterioses, criptococose,
pneumocistose e citomegalovirose. A diferenciação entre a síndrome de reconstituição
imunológica e reativação da doença baseia-se na relação temporal com a introdução dos
antiretrovirais, associada a evidências clínicas e laboratoriais de melhora imunológica, com
queda rápida da carga viral.

13 - Quais as vacinas indicadas para pacientes adultos com infecção pelo HIV?

A vacinação deve ser realizada, preferencialmente, com níveis de CD4+ superiores a 200
3
células/mm , devido a melhor resposta vacinal. Caso a vacina tenha sido realizada com CD4
3
inferior a 200 células/mm , ela deve ser repetida quando esses valores se elevarem
3
(>200/mm ). Exceção para a vacina antiinfluenza que é realizada anualmente, independente do
CD4+.

As demais vacinas são:

• anti-pneumocócica (Pneumovax ®): 0,5 ml IM em dose única, com reforço em três a


cinco anos);

• anti-hepatite B (vacina de DNA recombinante): quatro doses, devido à menor


soroconversão vacinal nesta população;

• anti-hepatite A: 0,5 ml IM em duas doses, com intervalo de seis meses;

• dT: como em qualquer população adulta, com reforço a cada dez anos.

14 - Quais vacinas são contra-indicadas para pacientes adultos com infecção pelo HIV?

As vacinas formuladas com vírus vivos (varicela, febre amarela, MMR, sarampo, etc.) são
contra-indicadas em indivíduos imunodeprimidos. Para seu uso deve ser avaliada a relação
risco/benefício por especialista de referência.

15 - Quais as principais neoplasias relacionadas ao HIV?

Nesta população encontramos principalmente o sarcoma de Kaposi, mais freqüente em


homens e homossexuais, podendo acometer a pele, tratos digestivo e respiratório. Linfoma
primário de sistema nervoso central e linfoma não-Hodgkin geralmente se apresentam em
estádio IV e com pouca doença nodal, em indivíduos com imunodeficiência avançada (CD4+
3
menor que 50/mm ).

16 - Para o tratamento do HIV, quais as classes de drogas disponíveis?

Atualmente, disponíveis e aprovadas para uso, temos quatro classes de drogas anti-HIV. Os
inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN), inibidores de
transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (ITRNN), inibidores da protease (IP) e
inibidores de fusão (IF).

Os inibidores de transcriptase reversa (análogos de nucleosídeos e não análogos) inibem a


enzima que permite a transcrição o RNA viral em DNA, para que o mesmo possa se integrar no
núcleo da célula. Atuam em sítios diferentes de transcriptase.

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Os inibidores da protease atuam na enzima protease, que atua clivando polipeptídeos virais,
para a formação de proteínas do novo vírion. Sem as proteínas maduras o vírion não é formado
e não pode infectar novas células.

Os inibidores de fusão, que é a mais nova classe, agem impedindo a entrada do vírus na
célula.

Na tabela 1 estão relacionadas as drogas disponíveis para uso no Brasil.


Tabela 1. Drogas para o tratamento do HIV disponíveis no Brasil
ITRN ITRNN IP IF
Zidovudina – AZT Nevirapina – NVP Saquinavir – SQV Enfuvirtida
Estavudina – D4T Efavirenz – EFZ Indinavir – IDV
Didanosina – DDI Ritonavir – RTV
Lamivudna – 3TC Nelfinavir – NFV
Abacavir – ABC Amprenavir – AMP
Tenofovir – TDF Atazanavir – ATV
Lopinavir – LPV
17 - Quando indicar o tratamento anti-retroviral?

As recomendações baseiam-se nos sintomas, na contagem de células T CD4+ e na carga viral.


É importante conversar com o paciente e verificar se o mesmo tem desejo de tratar e se
compreende a importância fundamental da adesão. O objetivo é minimizar o risco de
emergência de resistência ao esquema usado. A contagem de CD4+ é o indicador mais
importante para o início do tratamento.

A tabela 2 resume as indicações de terapia anti-retroviral em pacientes infectados pelo HIV.


Tabela 2. Recomendações de terapia anti-retroviral para adultos e adolescentes
infectados pelo HIV
Pacientes sintomáticos Iniciar tratamento e profilaxias, independente do CD4 e
da carga viral

Pacientes assintomáticos e com Iniciar tratamento e profilaxias para infecções


3
CD4<200 céls/mm oportunistas

Pacientes assintomáticos e com Considerar tratamento*


3
CD4 entre 200-350 céls/mm

Pacientes assintomáticos e com Não tratar


3
CD4>350 céls/mm
3
*quanto mais próxima de 200/mm for a contagem de CD4 e/ou maior a carga viral
(particularmente se >100.000 cópias/ml), mais forte é a indicação para o início da terapêutica.

18 - O tratamento pode ser suspenso?

Vários estudos já foram realizados para a interrupção do tratamento em diferentes situações.


Essas interrupções são programadas, têm tempo determinado e são denominadas interrupções
estruturais do tratamento.

Foram estudadas interrupções com o objetivo de autovacinação (controle imunológico da carga


viral), nos pacientes com resistência a múltiplas drogas e na infecção aguda. Essas três
estratégias não demonstraram benefício no longo prazo e não são recomendadas.

A interrupção intermitente do tratamento (uso semana sim, semana não), com o objetivo de
reduzir os custos e os efeitos tóxicos, ainda é bastante controversa e só realizada em estudos
clínicos controlados.

Por fim, a interrupção intermitente do tratamento baseada na reconstituição imunológica parece


ser a mais aceita na literatura. Os melhores resultados são observados nos pacientes que

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3
iniciaram o tratamento com contagem de CD4>350 células/mm (grupo que de qualquer modo
não precisaria de tratamento pelas recomendações atuais). Quando o CD4 chega a níveis
3
inferiores a 300 células/mm , recomenda-se a re-introdução dos anti-retrovirais.

19 - Quais as principais toxicidades atuais relacionadas ao tratamento?

Além dos efeitos no curto prazo, como náuseas, vômitos, diarréia, cefaléia e epigastralgia, há
efeitos tóxicos potencialmente graves no longo prazo e que, inclusive, pesam bastante na
decisão de início precoce ou não da terapia antiretroviral.

A lipodistrofia é descrita em 20% a 80% dos pacientes recebendo anti-retrovirais. Observa-se


alteração na distribuição da gordura corporal, com acúmulo de gordura no abdome, parte
superior do dorso, mamas e tecido subcutâneo e perda de gordura na face, membros
superiores, inferiores e nádegas. Ela resulta em alteração estética importante do paciente,
levando alguns ao abandono do tratamento.

Hiperlipidemia aparece, em geral, dois a três meses após o início do tratamento, podendo levar
a aterosclerose prematura e doença coronariana. Acidose láctica é um evento mais raro e pode
variar desde formas assintomáticas (maioria), até casos fatais. Resistência à insulina é comum
em pacientes em uso de inibidores de proteases e pode levar ao diabetes, em pacientes já
propensos à doença.

Os antiretrovirais, em sua maioria, são hepatotóxicos, particularmente na presença de co-


infecção com os vírus da hepatite B e C.

Osteopenia e osteoporose são possíveis complicações tardias do tratamento, porém ainda não
existem evidências claras de associação com determinados fármacos.

20 - A infecção aguda pelo HIV deve ser tratada?

Do ponto de vista imunopatogênico, esta fase da infecção pelo HIV caracteriza-se pela taxa de
replicação viral elevada. Com o desenvolvimento da resposta imunológica, após algumas
semanas de infecção, a quantidade de partículas virais circulantes diminui de forma expressiva,
atingindo patamar bastante variável de paciente para paciente. Esse patamar de carga viral
atingido após o período de infecção aguda parece ter grande valor prognóstico quanto à
evolução para doença sintomática, o que tem motivado alguns pesquisadores a preconizarem
o tratamento anti-retroviral já na infecção aguda, com o objetivo de diminuir o risco de
adoecimento no futuro.

Outra justificativa para o tratamento precoce seria a preservação da resposta imune específica
contra o HIV, que é perdida muito rapidamente após a infecção aguda, mas parece ser mais
preservada nos indivíduos tratados precocemente, particularmente naqueles que recebem anti-
retrovirais antes da soroconversão completa.

Todavia, os estudos atualmente disponíveis não permitem concluir se os benefícios no longo


prazo justificariam o tratamento nesta fase da infecção pelo HIV. Portanto, a recomendação do
Ministério da Saúde, até o presente momento, é não indicar a terapia anti-retroviral nesta fase
da infecção.

21 - Quais as causas de desenvolvimento de resistência ao tratamento anti-retroviral?

Uma das causas mais freqüentes é a baixa adesão ao tratamento, devido à complexidade
posológica e aos efeitos colaterais. Para alguns medicamentos, a perda de uma única
dosagem pode levar à resistência. Outras causas menos comuns são farmacológicas, como
absorção deficiente, eliminação acelerada, penetração inadequada e interações com outros
fármacos, que podem levar à redução do nível sérico do anti-retroviral.

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22 - Quais os testes para detecção de resistência aos anti-retrovirais (ARV)?

Testes fenotípicos (fenotipagem)

Determinam a quantidade de droga necessária para inibir a replicação do HIV in vitro. Realiza-
se o cultivo do vírus, na presença de cada um dos ARV, em concentrações diferentes de
drogas, e os resultados são comparados com resultados obtidos de vírus selvagem.

Testes genotípicos (genotipagem)

Determinam a seqüência genômica da região que codifica a transcriptase reversa e a protease.


Algumas mutações no genoma viral ou a associação de mutações levam ao desenvolvimento
de resistência. A análise dessas mutações é realizada nos testes genotípicos.

23 - Quais as vantagens e desvantagens entre os testes?

Genotipagem

Vantagens:

• mais simples realização;

• mais rápidos e mais baratos;

• mais disponíveis;

• mais sensíveis: podem identificar mutações emergentes, antes que tenham


repercussão fenotípica.

Desvantagens:

• pouca sensibilidade a variantes minoritárias;

• interpretação requer conhecimento prévio dos determinantes genéticos de resistência;

• interações entre mutações não são bem conhecidas;

• informações limitadas relacionadas a novas drogas, e ao HIV de subtipo não B.

Fenotipagem

Vantagens:

• medida direta da resistência, medindo a replicação do vírus frente a concentrações


diferentes do ARV;

• formato mais familiar ao clínico;

• praticamente não necessita de interpretação externa.

Desvantagens:

• “cut off” para determinação de resistência ainda não bem estabelecidos;

• mais complexos;

• mais caros e demorados, exigem laboratórios mais especializados para realização.

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24 - O que é resistência primária e secundária?

Resistência primária

Resistência aos anti-retrovirais detectadas em pacientes virgens de tratamento. Geralmente


ocorre por transmissão de vírus resistente.

Resistência secundária

Resistência decorrente da pressão seletiva exercida pelos anti-retrovirais.

25 - Quando indicar um teste de resistência?

Recomenda-se a realização dos testes de resistência, principalmente, para pacientes com


infecção crônica pelo HIV, com falência terapêutica, apesar de boa adesão ao tratamento.
Também está fortemente recomendado na gestação, para otimização do tratamento até o
parto.

Outras indicações, ainda controversas, seja por custos ou por falta de evidências claras, são na
infecção aguda pelo HIV e em pacientes com infecção crônica, virgens de tratamento.

26 - Quais as manifestações clínicas da tuberculose nos pacientes com infecção pelo


HIV?

A infecção pelo HIV favorece a tuberculose em qualquer nível de CD4+, porém as


manifestações clínicas variam de acordo com a contagem dessas células.
3
Com níveis de CD4 acima de 350 células/mm , as lesões pulmonares costumam ser “típicas”,
com opacidades em lobos superiores e cavitação. Com contagem de CD4 inferior a 50
3
células/mm , a tuberculose disseminada ou extrapulmonar (ex. pleurite, pericardite, meningite,
ganglionar). As radiografias de tórax revelam infiltrados miliares, em lobos inferior e médio, em
geral sem cavitação.

A tuberculose associa-se a aumento na carga viral e progressão mais rápida da doença pelo
HIV.

27 - Quais as recomendações para profilaxia da tuberculose na população infectada pelo


HIV?

O teste tuberculínico (PPD) deve ser realizado durante avaliação inicial do paciente HIV-
positivo, independente do seu estado clínico ou laboratorial. Nos indivíduos não-reatores, ele
deve ser repetido anualmente.

Pacientes com PPD maior que 5 mm, depois de excluída tuberculose ativa (pulmonar ou
extrapulmonar), devem receber isoniazida 300 mg/dia por seis meses, pois ela reduz o risco de
adoecimento por reativação endógena.

28 - Pacientes HIV-positivo, sem tratamento e que apresentem tuberculose devem passar


a receber tratamento anti-retroviral?

Recomenda-se não iniciar o tratamento do HIV e da tuberculose simultaneamente, devido à


superposição dos efeitos colaterais, interações medicamentosas, exigências de adesão e
possível ocorrência de reações paradoxais de reconstituição imunológica.

Posteriormente, a conduta será baseada nos níveis de CD4:


3
Pacientes com CD4 menor que 200 células/mm

Iniciar o tratamento anti-retroviral duas a oito semanas após o início do tratamento da


tuberculose, evitando-se fármacos com interação com a rifampicina (inibidores de protease e
nevirapina).

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3
Pacientes com CD4 entre 200 e 350 células/mm

Considerar o tratamento anti-retroviral, após a fase inicial do tratamento da tuberculose.


3
Pacientes com CD4 maior que 350 células/mm

Adiar o tratamento anti-retroviral.

29 - Como proceder em casos de reconstituição imunológica durante o tratamento da


tuberculose?

Na reconstituição imunológica ocorre um agravamento paradoxal dos sintomas e das


alterações radiológicas, com febre alta, linfadenopatia, lesões expansivas em sistema nervoso
central, grandes derrames, apesar do tratamento para tuberculose em curso. Devem-se excluir
outras causas, especialmente falha no tratamento da tuberculose e linfoma.

A conduta na reconstituição imunológica é:

• Reações leves a moderadas: tratar os sintomas e continuar o tratamento da


tuberculose e do HIV.

• Reações graves: prednisona 1mg/kg/dia por uma a duas semanas, com posterior
redução gradual. Continuar o tratamento da tuberculose e HIV.

30 - Qual a prevalência mundial da co-infecção HIV/hepatite C (HCV)?

Considerando a população com infecção pelo HIV, estudos demonstraram uma prevalência de
co-infecção em 30% dos pacientes nos Estados Unidos, 33% na Europa, 13-84% no Brasil e
26% na Ásia. Importante ressaltar que a população mais susceptível à co-infecção é a de
usuários de drogas injetáveis e receptores de hemoderivados contaminados.

31 - Existe evolução desfavorável do HIV ou do HVC na co-infecção?

Com relação à influência do vírus da hepatite C na doença pelo HIV isto já está bem
estabelecido na literatura, com pior evolução da primeira na co-infecção. A doença pelo HCV é
acelerada na co-infecção HIV-HCV, com menor tempo para o desenvolvimento de cirrose,
carcinoma hepatocelular e cargas virais do HCV significativamente mais elevadas se
comparadas com HCV mono-infecção. Existe ainda maior risco de transmissão sexual do HCV
na co-infecção HIV-HCV versus HCV isolado. Nota-se também maior risco de transmissão
materno-infantil, pelo mesmo motivo.

Os dados sobre os efeitos do HCV no HIV ainda são contraditórios, com estudos demonstrando
não haver efeito, e outro evidenciando discreto aumento na progressão da doença. Importante
ressaltar que, pelo maior risco de hepatotoxicidade dos anti-retrovirais nos indivíduos com
doença hepática, muitas vezes o tratamento do HIV deve ser analisado com cuidado.

32 - Qual o seguimento a ser feito na co-infecção HIV/HCV?

Todos os pacientes co-infectados HIV/HCV devem ser orientados a se abster de álcool, ser
informados sobre os métodos de prevenção da transmissão das duas infecções, receber
vacinas contra hepatite B e hepatite A, se susceptíveis, e, finalmente, serem avaliados quanto à
gravidade da doença do HCV e à possibilidade de tratamento.

33 - Existe evolução desfavorável do HIV ou do HBV na co-infecção?

Assim como na co-infecção HIV/HCV, pacientes com infecção pelo vírus da hepatite B e HIV
evoluem desfavoravelmente do ponto de vista da doença hepática. Pacientes com HIV têm
maiores índices de infecção crônica pelo HBV após a infecção aguda. Apresentam também
níveis mais elevados do DNA do HBV e conseqüentemente maior risco de doença hepática
associada ao vírus B, visto que, o risco de complicações hepáticas está associado à replicação
viral.

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Não está claro se o HBV acelera ou não o curso da doença pelo HIV, porém, com certeza,
aumenta a hepatotoxicidade relacionada ao tratamento anti-retroviral.

34 - Qual o seguimento a ser feito na co-infecção HIV/HBV?

Os pacientes devem ser orientados a se abster do uso excessivo de álcool, receber vacinação
contra hepatite A e avaliação da necessidade de tratamento para hepatite B.

Recomenda-se que todos os pacientes HIV positivos sem marcadores de hepatite B recebam
vacina contra esta doença. A soroconversão deve ser cuidadosamente acompanhada, visto a
menor eficácia da vacina nesta população.

35 - Qual o risco estimado de transmissão do HIV em acidentes ocupacionais?

Em estudos da literatura, o risco de transmissão do HIV em acidentes pérfuro-cortantes com


agulhas em profissionais de saúde é de 0,33%. Após exposição de mucosas, o risco é de
0,09%.

Um estudo retrospectivo, caso controle, do CDC sobre lesão por agulhas de fontes infectadas
pelo HIV, identificou como principais fatores de risco para transmissão: lesão profunda, sangue
visível no dispositivo, agulha previamente em veia ou artéria do paciente, fonte com alta carga
viral. A profilaxia com AZT demonstrou ser um fator protetor neste estudo.

Para acidentes onde há exposição de pele intacta, só há indicação de acompanhamento se


houver evidência de comprometimento da integridade cutânea (ex: dermatite, abrasão, ferida
aberta).

Após o acidente, um especialista deve ser imediatamente consultado para avaliar a


quimioprofilaxia com anti-retrovirais o mais precocemente possível.

36 - Qual o risco de aquisição de hepatites B e C em acidentes ocupacionais?

O risco de aquisição de hepatite C em acidentes pérfuro-cortantes é de aproximadamente


1,9%, já para hepatite B depende do estado sorológico do paciente-fonte. Em acidentes com
material de paciente HBsAg positivo, o risco é de 1% a 6%; de paciente HBeAg positivo, ele se
eleva para 22% a 31%, em profissionais de saúde não vacinados para hepatite B.

37 - Como proceder quando o profissional de saúde sofrer um acidente ocupacional?

Primeiramente o profissional deve ser encaminhado ao setor do hospital que fará o


atendimento inicial e o seguimento (medicina do trabalho ou serviço de controle de infecção
hospitalar). O acidente deverá ser notificado e avaliado segundo o tipo de exposição e o
paciente-fonte.

A profilaxia com medicação anti-retroviral, se indicada, deverá ser iniciada preferencialmente


até duas horas após o acidente, não devendo ultrapassar 48 horas, e será mantida por 28 dias.
No paciente fonte, caso a sua sorologia para HIV seja desconhecida, deverá ser realizado um
teste rápido, para que a profilaxia pós-exposição do profissional de saúde seja indicada ou não.

Deverá ser avaliado também o risco de aquisição de hepatite B, verificando-se a necessidade


de uso de imunoglobulina para hepatite B (HBIG) e vacinação do profissional. A sorologia para
hepatite C do paciente-fonte também deve ser verificada, para seguimento adequado do
profissional.

38 - Como é feito o seguimento do profissional de saúde que se sofreu acidente


ocupacional?

O profissional deverá ser acompanhado por seis meses após o acidente. Sorologias para HIV,
hepatite B e C devem ser realizadas no momento da exposição, com seis semanas, três meses
e seis meses. O profissional deverá ser orientado a fazer uso de preservativos nas relações

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sexuais e considerar a suspensão do aleitamento materno durante o tratamento anti-retroviral,
além de não doar sangue até o final do acompanhamento.

39 - Como proceder em vítimas de violência sexual?

O uso de profilaxia anti-retroviral em situações de exposição sexual tem sido investigado em


diversos estudos, mas devido à carência de dados sobre sua eficácia, mesmo que indiretos,
não há consenso sobre sua utilização. Entretanto, em situações de exposição sexual que
envolvam violência, como estupro e outras formas de agressão sexual, a quimioprofilaxia com
anti-retrovirais deve ser indicada. Para essas situações, o Ministério da Saúde vem constituindo
uma rede de serviços qualificados e credenciados. A dispensação de anti-retrovirais para esta
finalidade será realizada exclusivamente nestes serviços. Para mais detalhes, consultar o
documento “Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Decorrentes de Violência
Sexual contra Mulheres e Adolescentes”, do Ministério da Saúde.

Nas situações de violência sexual em que a sorologia do agressor é desconhecida, a


quimioprofilaxia deve ser muito bem avaliada, medindo-se os riscos e os benefícios de sua
indicação, conforme o tipo de exposição e o risco potencial da contaminação. Devem ser
considerados os fatores clínico-epidemiológicos envolvidos e a motivação do indivíduo exposto
para tomar a medicação, após exposição dos riscos e benefícios.

Recomenda-se que a quimioprofilaxia com anti-retrovirais seja iniciada em um prazo máximo


de 72 horas, preferencialmente, dentro das primeiras horas após o contato sexual de risco. A
pessoa exposta deve ser informada sobre a falta de garantia de eficácia desta conduta, além
de ser orientada sobre os possíveis efeitos colaterais e sobre a necessidade de adesão estrita
ao esquema. Deve-se esclarecer que a proteção conferida pela profilaxia não é absoluta, nem
mesmo com início precoce e adesão completa ao esquema.

Outros fatores a serem avaliados são contracepção de emergência e profilaxia de doenças


sexualmente transmissíveis não-virais e hepatite B.

40 - Deve-se realizar a profilaxia em parceiro(a) de indivíduo com infecção pelo HIV após
exposição sexual?

De acordo com as diretrizes nacionais publicadas em 2004 pelo Ministério da Saúde,


Secretaria de Vigilância em Saúde e Programa Nacional de DST e AIDS, naquelas situações
em que acidentalmente um indivíduo sabidamente infectado pelo HIV potencialmente expõe
o(a) parceiro(a) não-infectado, a quimioprofilaxia com anti-retrovirais deve ser indicada.
Recomenda-se seguir os mesmos prazos para violência sexual, ou seja, iniciar
preferencialmente nas primeiras duas horas, no máximo até 72 horas, e manter por 28 dias.

41 - Literatura recomendada

Alberti A, Clumeck N, Collins S et al. (The ECC Jury). Short statement of the first European
Consensus Conference on the treatment of chronic hepatitis B and C in HIV co-infected
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