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Deleuze Os Intercessores

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OS INTERCESSORES

L'Autre Journal, no 8, outubro de 1985, entrevista a


Antoine Dulaure e Claire Parnet.

Se hoje em dia o pensamento anda mal é porque, sob o


nome de modernismo, ha um retorno às abstraçôes, reencon-
tra-se o problema das origens, tudo isso ... De promo sào blo-
queadas todas as analises em termos de movimentos, de ve-
tores. É um periodo bem fraco, de reaçào. No entanto, a fi-
losofia acreditava ter acabado corn o problema das origens.
Nào se tratava mais de partir nem de chegar. A questào era
antes: o que se passa "entre"? E é exatamente a mesma coisa
para os movimentos ffsicos.
Os movimentos mudam, no nivel dos es portes e dos cos-
tumes. Por muito tempo viveu-se baseado numa concepçào
energética do movimento: ha um ponto de apoio, ou entào
se é fonte de um movimento. Correr, lançar um peso, etc.: é
esforço, resistência, corn um ponto de origem, uma alavan-
ca. Ora, hoje se vê que o movimento se define cada vez me-
nos a partir de um ponto de alavanca. T odos os novos esportes
- surfe, windsurfe, asa: delta - sào do tipo: inserçao numa
onda preexistente. Ja nâo é uma origem enquanto ponto de
partida, mas uma maneira de colocaçao em orbita. 0 funda-
mental é como se fazer aceitar pelo movimento de uma gran-
de vaga, de uma coluna de ar ascendente, "chegar entre" em
vez de ser origem de um esforço.
E no entanto, em filosofia se volta aos valores eternos, à
idéia do intelectual guardiào dos valores eternos. É o que
Benda ja criticava em Bergson: ser traidor da sua pr6pria clas-
se, a classe dos clérigos, ao tentar pensar o movimento. Hoje
sao os direitos do homem que exercem a funçào de valores

Conversaçôes 151
eternos. É o estado de direito e outras noçôes, que, todos sa- uma reflexào sobre, e sim tomar o dominio onde se efetua
bem, sào muito abstratas. E é em nome disso que se breca todo realmente o que me interessa: em que condiçôes pode haver
pensamento, que todas as analises em termos de movimen- um automovimento ou uma autotemporalizaçào da imagem,
tos sào bloqueadas. Contudo, se as opressôes sâ.o tào terri- e quai foi a evoluçào desses dois fatores desde o fim do sé-
veis é porque impedem os movimentos, e nâ.o porque ofen- culo XIX. Pois quando se faz um cinema fundado sobre o tem-
dem o eterno. Sempre que se esta numa época pobre, a filo- po, e nao mais sobre o movimento, é evidente que ha mudança
sofia se refugia na reflexâ.o "sobre" ... Se ela mesma nada cria, de natureza em relaçao à primeira época. E sô o cinema pode
o que poderia fazer, senào refletir sobre? Entâ.o reflete sobre ser o laboratôrio que nos torna isso sensivel, na medida em
o eterno, ou sobre o histôrico, mas ja nâ.o consegue ela pro- que, precisa mente, o movimento e o tempo tornaram-se cons-
pria fazer o movimento. titutivos da prôpria imagem.
0 primeiro estagio do cinema, portanto, é o automovi-
0 fil6sofo nao é reflexivo, é um criador mento da imagem. Aconteceu de isso se realizar num cinema
de narraçao. Mas nào era obrigatôrio. Ha um manuscrito d.e
De fato, o que importa é retirar do filôsofo o direito à Noel Burch essencial sobre este ponto: a narraçao nao esta-
reflexao "sobre". 0 filôsofo é criador, ele nao é reflexivo. va compreendida no cinema desde o inicio. 0 que levou a
Censuram-me por retomar analises de Bergson. Corn efei- imagem-movimento, isto é, o automovimento da imagem a
to, é um recorte muito novo que Bergson faz, ao distinguir a produzir narraçào, foi o esquema sensôrio-motor. 0 cinema
percepçào, a afecçào e a açao como três espécies do movimen- • nao é narrativo por natureza: ele torna-se narrativo quando
to. É sempre novo porque me parece que isto nunca foi bem toma por objeto o esquema sensôrio-motor. A saber: um per-
assimilado, e faz parte do que é mais dificil e mais belo no sonagem na tela percebe, sente, reage. Isto supôe muitas cren-
pensamento de Bergson. Ora, a aplicaçao desta analise ao ças: o herôi esta em tai situaçao, ele reage, o herôi sempre
cinema se faz por si sô: é ao mesmo tempo que o cinema se , sabera como reagir. Isso supôe uma certa concepçào do ci-
inventa e que o pensamento de Bergson se forma. A introdu- nema. Porque ele tornou-se americano, hollywoodiano? Por
çao do movimento no conceito se faz exatamente na mesma uma razào simples: era a América que tinha a propriedade
época em que se introduz o movimento na imagem. Bergson desse esquema. Tudo isso terminou corn a Segunda Guerra.
é um dos primeiros casos de automovimento do pensamen- De repente, as pessoas ja nào acreditam tanto que se possa
1 to. Porque nào basta dizer: os conceitos se movem. É preciso reagir a essas situaçôes. 0 pôs-guerra os ultrapassa. E vern o
ainda construir conceitos capazes de movimentos intelectu- neo-realismo italiano, que apresenta pessoas colocadas em
ais. Do mesmo modo, nào basta fazer sombras chinesas, é situaçôes que ja nâ.o podem mais se prolongar em reaçôes, em
preciso construir imagens capazes de automovimento. açôes. Nenhuma reaçao possivel, sera que isso quer dizer que
1 L
Em meu primeiro livro sobre cinema, tinha considerado tudo vai ser neutro? Nao, de modo algum. Havera situaçôes
a imagem cinematografica como essa imagem que adquire um ôpticas e sonoras puras, que engendrarao modos de compre-
automovimento. No segundo livro, considero a imagem ci- ensào e de resistência de um tipo inteiramente novo. E isto
nematografica na sua aquisiçao de uma autotemporalidade. sera o neo-realismo, a nouvelle vague, o cinema americano
Nào significa de modo algum tomar o cinema no sentido de que rompe corn Hollywood.

152 Gilles Deleuze Conversaçôes 153 l....


---~-____...~
0 movimento corn certeza vai continuar presente na ima- parece uma afirmaçào apressada, e, no entanto, de uma cer-
gem, mas corn a apariçào de situaçôes opticas e sonoras pu- ta maneira esta exato. Nào se trata de dizer: o cinema faz o
ras, liberando imagens-tempo, nào é mais o movimento que que Riemann fez. Mas se tomamos unicamente esta determi-
conta, ele so esta ali a titulo de index. As imagens-tempo nào naçào de espaço: vizinhanças ligadas de uma infinidade de
significam de modo algum o antes e o depois, a sucessào. A maneiras possiveis, vizinhanças visuais e sonoras ligadas de
sucessào existia desde o inicio como lei da narraçào. A ima- maneira tatil, entào é um espaço de Bresson. Claro, Bresson
gem-tempo nào se confunde corn o que se passa no tempo, nào é Riemann, mas ele faz no cinema a mesma coisa que se
sào novas formas de coexistência, de colocaçào em série, de produziu na matematica, ha um eco.
transformaçào ... Um outro exemplo: ha na fisica algo que me interessa
muito, analisado por Prigogine e Stengers e que se chama
A transformaçiio do padeiro "transformaçào do padeiro". Toma-se um quadrado, estica-
se-o num retângulo, corta-se o retângulo em dois, rebate-se
0 que me interessa sào as relaçôes entre as artes, a ciên- uma parte do retângulo sobre a outra, modifica-se constan-
ci.a e a filosofia. Nao ha nenhum privilégia de uma destas temente o quadrado reesticando-o, é a operaçào do mas-
disciplinas em relaçào a outra. Cada uma delas é criadora. 0 seiro. Ao cabo de um cerro numero de transformaçôes, dois
verdadeiro objeto da ciência é criar funçôes, o verdadeiro pontos estarào fatalmente em duas metades opostas, por
objeto da arte é criar agregados sensiveis e o objeto da fila- mais proximos que tenham estado no quadrado original.
sofia, criar conceitos. A partir dai, se nos damos essas gran- Isto vern a ser objeto de todo um calculo, e Prigogine,. em
des rubricas, por mais sumarias que sejam - funçào, agre- funçào de sua fisica probabilistica, lhe atribui uma grande
gado, conceito - , podemos formular a questào dos ecos e das importância.
ressonâncias entre elas. Como é possivel, sobre linhas com- A respeito disso, passo a Resnais. Em seu filme Eu te amo,
pletamente diferentes, corn ritmos e movimentos de produ- "
-- eu te amo, vern os um heroi transportado a um instante de sua
çào inteiramente diversos ·- como é possivel que um concei- vida, e esse instante sera retomado no interior de conjuntos
to, um agregado e uma funçào se encontrem? . diferentes a cada vez. Como lençois de tempo que serào per-
Primeiro exemplo: em matematica existe um tipo de es- petuamente remexidos, modificados, redistribuidos, de tai
paço chamado espaço riemanniano. Matematicamente mui- modo que o que esta proximo num lençol estara, ao contra-
to hem definido, corn relaçào a funçôes, esse tipo de espaço rio, muito distante no outro. É uma concepçào do tempo mui-
implica a constituiçào de pequenos pedaços vizinhos cuja li- to surpreendente, cinematograficamente hem curiosa e que faz
gaçào pode sèr fei ta de infinitas maneiras, o que permitiu, entre eco à "transformaçào do padeiro". A ponto de nào me pare-
outras, a teoria da relatividade. Agora, se tomo o cinema mo- cer chocante afirmar: Resnais esta proximo de Prigogine, as-
derno, constato que depois da guerra aparece um tipo de es- sim como Godard, por outras razôes, esta proximo de Thom.
paço que procede por vizinhanças, de modo que as conexôes Nào se trata de dizer: Resnais imita Prigogine, e Godard co-
de um pequeno pedaço corn outro se fazem de uma infinida- pia Thom. Mas de constatar que entre criadores cientificos
de de maneiras possiveis e nào sào predeterminadas. Sào es- de funçôes e criadores cinematograficos de imagens existem
paços desconexos. Se digo: é um espaço riemanniano, isto semelhanças extraordinarias. E isso vale igualmente para os

154 Gilles Deleuze Conversaçôes 155


conceitos filosoficos, pois existem conceitos diferenciados tenho a dizer. Perrault pensa que, se falar sozinho, mesmo in-
desses espaços. ventando ficçoes, forçosamente tera um discurso de intelec-
Assim, a filosofia, a arte e a ciência entram em relaçoes tual, nào podera escapar ao "discurso do senhor ou do coloni-
de ressonância mutua e em relaçôes de troca, mas a cada vez zador", um discurso preestabelecido. 0 que é preciso é pe-
por razoes intrfnsecas. É em funçào de sua evoluçào propria gar alguém que esteja "fabulando", em "flagrante delito de
que elas percutem uma na outra. Nesse sentido, é preciso con- fabular". Entào se forma, a dois ou em varios, um discurso
siderar a filosofia, a arte e a ciência como espécies de linhas de minoria. Reencontramos aqui a funçào da fabulaçào berg-
melodicas estrangeiras umas às outras e que nao cessam de soniana ... Pegar as pessoas em flagrante delito de fabular é
interferir entre si. A filosofia nào tem af nenhum pseudopri- captar o movimento de constituiçào de um povo. Os povos
mado de reflexào, e por conseguinte nenhuma inferioridade nào preexistem. De certa maneira, o povo é o que falta, como
de criaçao. Criar conceitos nao é menos diffcil que criar no- dizia Paul Klee. Sera que existia um povo palestino? Israel diz
vas combinaçôes visuais, sonoras, ou criar funçôes cientfficas. que nào. Sem duvida existia um, mas isso nào é o essencial.
0 que é preciso ver é que as interferências entre linhas nao Pois, a partir do momento em que os palestinos sao expulsas
dependem da vigilância ou da reflexào mutua. Uma discipli- de seu territorio, na medida em que resistem, el es entram num
na que se desse por missao seguir um movimento criador vin do processo de constituiçào deum povo. Isto corresponde exa-
de outro lugar abandonaria ela mesma todo pa pel criador. 0 tamente ao que Perrault chamade flagrante delito de fabular.
importante nunca foi acompanhar o movimento do vizinho, Nào existe povo que nao se constitua assim. Entao, às ficçoes
mas fazer seu proprio movimento. Se ningliém começa, nin- •. pré-estabelecidas que remetem sempre ao discurso do colo-
guém se mexe. As interferências também nào sào trocas: tudo .;; nizador, trata-se de opor o discurso de minoria, que se faz corn
acontece por dom ou captura. intercessores.
0 essencial sào os intercessores. A criaçao sào os inter- Essa idéia de que a verdade nào é algo preexistente, a ser
cessores. Sem eles nao ha obra. Podem ser pessoas- para um --.... descoberto, mas que deve ser criada em cada domfnio, é evi-
fil6sofo, artistas ou cientistas; para um cientista, fil6sofos ou dente nas ciências, por exemplo. Até na ffsica, nào ha verda-
artistas- mas também coisas, plantas, até animais, como em de que nào suponha algum sistema simb6lico, mesmo que
Castaii.eda. Fictfcios ou reais, animados ou inanimados, é pre- sejam so coordenadas. Nào existe verdade que nào "falseie"
cisa fabricar seus proprios intercessores. É uma série. Se nào idéias preestabelecidas. Dizer "a verdade é uma criaçào" im-
formamos uma série, mesmo que completament~ imaginaria, plica que a produçao da verdade passa por uma série de ope-
estamos perdidos. Eu preciso de meus intercessores para me raçôes que consistem em trabalhar uma matéria, uma série de
exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre se falsificaçoes no sentido literai. Meu trabalho corn Guattari:
trabalha em varios, mesmo quando isso nào se vê. E mais cada um é o falsario do outro, o que quer dizer que cada um
ainda quando é visfvel: Félix Guattari e eu somos intercesso- compreende à sua maneira a noçào proposta pelo outro. For-
res um do outro. ma-se uma série refletida, de dois termos. Nao esta descarta-
A fabricaçào de intercessores no interior de uma comu- da uma série de varios termos, ou séries complicadas, corn
nidade aparece hem no cineasta canadense Pierre Perrault: eu bifurcaçoes. Essas potências do falso é que vào produzir o
consegui me dar intercessores, e é assim que posso dizer o que verdadeiro, é isso os intercessores ...

156 Gilles Deleuze Conversaçôes 157


mudar de discurso. Entào o pa pel da esquerda, esteja ou nào
A esquerda precisa de intercessores
no poder, é descobrir um tipo de problema que a direita quer
esconder a qualquer custo.
Digressào polîtica. Deum regime socialista, muita gen-
Infelizmente, a esse respeito parece que se pode falar de
te esperava um novo tipo de discurso. Um discurso muito
uma verdadeira impotência para informar. Ha algo que cer-
pr6ximo dos movimentos reais e, por conseguinte, capaz de
tamente isenta bastante a esquerda de cul pa: e é que na França
conciliar esses movimentos, constituindo os agenciamen-
as corporaçôes de funcionarios e resporisaveis sempre foram
tos compativeis corn eles. A Nova Caledônia, por exemple.
de direita. De modo que, mesmo de boa fé, mesmo jogando
Quando Pisani disse: "De qualquer maneira havera indepen-
o jogo, eles nao podem mudar seu modo de pensar nem seu
dência", ja era um novo ti po de discurso. 0 que significava:
modo de ser.
em vez de fingir ignorar os movimentos reais para fazer de-
Os socialistas nao tinham as pessoas para transmitir e se-
les objeto de negociaçôes, se vai reconhecer, de imediato, o
guer para elaborar suas informaçôes, sua maneira de colocar
ponto ultimo, e a negociaçao se fara da perspectiva desse
os problemas. Eles deveriam ter formado circuitos paralelos,
ponto ultimo admitido de antemao. Serao negociados os mo-
circuitos adjacentes. Teriam precisado dos intelectuais como
dos, os meios, a velocidade. Donde as recriminaçôes da di-
intercessores. Mas tudo que se fez nessa direçao foram con-
reita; para ela, velho método, sobretudo nao se deve falar em
tatas amigaveis, porém muito vagos. Nao nos foi passade o
independência,- mesmo sabendo que ela é inevitavel-
estado mînimo das questôes. Tomo trés exemples muito di-
pois trata-se de fazer dela objeto de uma dura negociaçao:
versos: o cadastre da Nova Caledônia talvez seja conhecido
Creio que as pessoas de direita nao têm ilusoes, elas nao sao
em revistas especializadas, mas nao se fez dele uma matéria
mais bo?as que outras, mas sua técnica é opor-se ao movi-
publica. Para o problema do ensino, deixam crer que o ensi-
mento. E a mesma coisa que a oposiçao a Bergson em filoso-
no privado é o ensino cat6lico; nunca consegui saber quai é
fia, tudo isso é parecido. Esposar o movimento ou entao bre- •
a proporçao do laico no ensino privado. Outro exemple: desde
ca-lo: politicamente, duas técnicas de negociaçao absoluta- "·
que a direita reconquistou um grande numero de prefeituras,
mente diferentes. Por parte da esquerda, isso implica uma
foram suprimidos os crédites para todo tipo de empreendi-
nova maneira de falar. A questao nao é tanto convencer, mas
mentos culturais, às vezes grandes, mas frequentemente tam-
ser claro. Ser claro é impor os "dados" nào s6 de uma situa-
bém pequenos, hem locais. E que sejam numerosos e pegue-
çao, mas deum problema. Tornar visiveis coisas que nao 0
nos é tanto mais interessante; mas nao ha meio de obter uma
seriam em outras condiçôes. Sobre o problema da Nova Ca-
lista detalhada. Esse gênero de problema nao existe para a di-
ledônia, disseram-nos que em determinado mom~nto esse
reita, porque ela tem os intercessores ja prontos, diretos, di-
territ6rio foi tratado como uma colônia de povoamento, de
retamente dependentes. Mas a esquerda precisa de interces-
modo que os natives canacas viraram minoria em seu proprio
sores indiretos ou livres, é um outro estilo, corn a condiçao
~errit6rio. A partir de que data? Em que ritmo? Quem fez
de que ela os possibilite. 0 que foi desvalorizado por causa
Isso? A direita recusara essas questôes. Se elas têm fundamen-
do Partido Comunista sob o nome ridicule de "companhei-
to, ao determinar os dados exprime-se um problema que a
ros de estrada", é al go de que a esquerda realmente precisa,
direita quer ocultar. Porque uma vez colocado o problema
porque ela precisa que as pessoas pensem.
ele nao pode mais ser eliminado, e a pr6pria direita tera qu;

Conversaçôes 159
158 Gilles Deleuze
0 complô dos imitadores um publico entusiasta, persuadido de que participa deum em-
preendimento cultural ao ver dois homens rivalizando-se para
Como definir hoje uma crise da literatura? 0 regime dos formar uma palavra corn nove letras. Acontecem coisas estra-
best-sellers é a alta rotatividade. Muitos livreiros ja tendem a nhas, sobre as quais Rossellini, o cineasta, disse tudo. Escutem
imitar as lojas de discos, que s6 aceitam produtos repertoria- hem: "0 mundo de hoje é muito inutilmente cruel. Cruelda-
dos por um top-clube ou um hit parade. É este o sentido do de é violar a personalidade de alguém, é coloca-lo em uma con-
programa "Apostrophes". A alta rotatividade constitui neces- diçao tai que chegue a uma confissao totale gratuita. Se fos-
sariamente um mercado do esperado: mesmo o "audacioso", se uma confissao visando a um fim determinado eu o aceita-
0 "escandaloso", 0 estranho, etc., sao moldados segundo as ria, mas é o exercicio de um voyeur, de um torpe, reconheça-
formas previstas do mercado. As condiçoes da criaçao litera- mos, é cruel. Acredito firmemente que a crueldade é sempre
ria, que s6 podem se liberar no inesperado, na rotaçao lenta uma manifestaçao de infantilismo. Toda a arte de ho je toma-
e na difusao progressiva, sao frageis. Os Beckett ou os Kafka se a cada dia mais infantil. Cada um tem o desejo louco de ser
do futuro, que justamente nao se assemelham nem a Beckett o mais infantil possîvel. Nao digo ingênuo: infantil... Hoje a
nem a Kafka, correm o risco de nao encontrar editor, sem que arte é ou a queixa ou a crueldade. Nao ha outra medida: ou
ninguém o perceba por definiçao. Como diz Lindon, "nao se queixa-se, ou se faz um exercîcio absolutamente gratuito de
nota a ausência deum desconhecido". A URSS perdeu sua li- pequena cruel da de. Torne por exemplo esta especulaçao (é
teratura sem que ninguém o percebesse. Sera possîvel felicitar- precisa chama-la pelo nome) que se faz sobre a incomunica-
se pela progressao quantitativa do livro e pelo aumento das bilidade, sobre a alienaçao, nao encontro nela nenhuma ter-
tiragens: os jovens escritores serao moldados num espaço li- : nura, mas uma complacência enorme ... E isto, ja lhe disse, me
terario que nao lhes deixara a possibilidade de criar. Surge um . . levou a nao fazer mais cinema." Primeiro isto deveria leva-lo
romance padrao monstruoso, feito de uma imitaçao de Balzac, ·• a nao dar mais entrevistas. A crueldade e o infantilismo sao
de Stendhal, de Céline, de Beckett ou de Duras, pouco importa. :: uma prova de força mesmo para quem se compraz corn isso,
Ou melhor, Balzac mesmo é inimitavel, Célint> é inimitavel: sao e se impoem até mesmo a quem gostaria de lhes escapar.
novas sintaxes, "inesperados". 0 que se imita é ja sempre uma
copia. Os imitadores imitam-se entre si, de onde sua força de 0 casai transborda
propagaçao, e a impressao de que fazem melhor que o modelo,
pois conhecem a maneira ou a soluçao. As vezes se age como se as pessoas nao pudessem se ex-
É terrivel o que acontece em "Apostrophes". É um pro- primir. Mas de fato, elas nao param de se exprimir. Os ca-
grama de grande força técnica, a organizaçao, os enquadra- sais malditos sao aqueles em que a mulher nao pode estar
mentos. Mas é também o estado zero da crîtica literaria, a li- distraîda ou cansada sem que o homem diga: "0 que você
teratura tornada espetaculo de variedades. Pivot, seu apresen- tem? Fala ... ", e o homem sem que a mulher ... , etc. 0 radio, a
tador, nunca escondeu que aquilo de que realmente gostava televisao fizeram o casai transbordar, dispersaram-no por toda
era o futebol e a gastronomia. A literatura vira um jogo te- parte, e estamos trespassados de palavras inuteis, de uma
levisionado. 0 verdadeiro problema dos programas na tele- quantidade demente de falas e imagens. A besteira nunca é
visao é a invasao dos jogos. É inquietante, afinal, que exista muda nem cega. De modo que o problema nao é mais fazer

160 Conversaçôes 161


Gilles Deleuze
corn que as pessoas se exprimam, mas arranjar-lhes vacuo-
los de solidâo e de silêncio a partir dos quais elas teriam, en- quanta corporaçâo, que os jornalistas conquistaram a litera-
fim, algo a dizer. As forças repressivas nâo impedem aspes- t~ra. Surge dai uma das figuras do romance padrâo, algo camo
soas de se exprimir, ao contrario, elas as forçam a se expri- Edipo nas colônias, as via gens de um reporter, tenda em vis-
mir. Suavidade de nâo ter nada a dizer, direito de nâo ter nada ta sua busca pessoal de mulheres ou sua procura de um pai.
a dizer; pois é a condiçâo para que se forme algo raro ou ra- Essa situaçâo repercute em todos os escritores: o escritor deve
refeito, que merecesse um pouco ser dito. Do que se morre ser o jornalista dele mesmo ede sua obra. Em ultima analise
atualmente nâo é de interferências, mas de proposiçoes que tuda se passa entre um jornalista autor e um jornalista criti-'
nâo têm o menor interesse. Ora, o que chamamos de sentido co, o livra sendo so um intermediario entre os dois, mal ten-
de uma proposiçâo é o interesse que ela apresenta, nâo exis- da necessidade de existir. É que o livra nâo passa deum rela-
te outra definiçâo para o sentido. Ele equivale exatamente à torio de atividades, de experiências, de intençoes, de finali-
novidade de uma proposiçâo. Podemos escutar as pessoas dades que se desenrolam em outra lugar. 0 livra tornou-se
durante haras: sem interesse ... Par issa é tâo diffcil discutir , ele mesmo relatorio. Conseqüentemente, cada um parece, e
par issa nâo cabe discutir, nunca. Nâo se vai dizer a alguém: parece a si mesmo, prenhe de um livra, basta que tenha uma
"o que você diz nâo tem o menor interesse". Pode-se dizer: profissâo ou simplesmente uma familia, um pai doente, um
"esta errado". Maso que alguém diz nunca esta errado, nâo chefe abusivo. Cada um tem seu romance em sua propria fa-
é que esteja errado, é que é bobagem ou nâo tem importân- milia ou profissâo ... Esquece-se que a literatura implica para
cia alguma. É que issa ja foi dito mil vezes. As noçoes de im- toda mundo uma busca e um esforço especiais, uma intençâo
. criadora espedfica, que so pode ser feita na propria literatu-
portância, de necessidade, de interesse sâo mil vezes mais de-
terminantes que a noçâo de verdade. De modo algum porque ra, sendo que ela nâo esta de modo algum encarregada de
elas a substituem, mas porque medem a verdade do que digo. receber os residuos diretos de atividades e de intençoes mui-
Mesmo em matematica: Poincaré dizia que muitas teorias to diferentes. É uma "secundarizaçâo" do livra que toma o
matematicas nâo têm importância alguma, nâo interessam. aspecta de uma promoçâo pela mercado.
Nâo dizia que eram talsas, era pior.
Se a literatura marrer, sera por assassinato
Édipo nas colônias
Aqueles que nâo leram bem ou nâo compreenderam
Talvez os jornalistas tenham uma parte de responsabili- McLuhan padern pensar que é da natureza das coisas que o
dade nessa crise da literatura. É obvia que os jornalistas fre- audiovisual substitua o livra, jaque ele mesmo comporta tan-
qüentemente escreveram livras. Mas quando escreviam livras, tas potencialidades criadoras quanta a literatura defunta ou
entravam numa outra forma que nâo a do jornal de impren- outras modos de expressâo. lsto nâo é verdade. Corn efeito,
sa, tornavam-se escritores. A situaçâo mudou porque 0 jor- se o audiovisual chegar a substituir o livra, nâo sera enquan-
nalista adquiriu a convicçâo de que a forma livra lhe perten- to meio de expressâo concorrente, mas enquanto monopolio
ce de pleno direito, que ele nâo tem nenhum trabalho espe- exercido por formaçoes que sufocam também as potenciali-
cial a fazer para chegar a essa forma. É imediatamente , e en- dades criadoras no proprio audiovisual. Se a literatura mor-
rer, sera necessariamente de morte violenta e assassinato po-

162 Gilles Deleuze


Conversaçôes 163
litico (como na URSS, mesmo que ninguém o perceba). A os intercessores qualitativos. Tome-se o exemplo do tênis:
questao nao é a de uma comparaçao de gêneros. A alternati- quando foi que surgiu um tipo de devoluçao de serviço em
va nao é entre a literatura escrita e o audiovisual. É entre as que a bola devolvida cai nos pés do adversario, que sobe à
potências criadoras (no audiovisual assim como na literatu- rede? Creio que foi um grande jogador australiano, Bromwich,
ra) e os poderes de domesticaçao. É muito improvavel que o antes da guerra, mas nao é certeza. É evidente que Borg in-
audiovisual consiga condiçôes de criaçao se a literatura nao ventou um novo estilo, que abria o tênis a uma espécie de
salvar as suas. As possibilidades de criaçao podem ser muito proletariado. Existem inventores, no tênis como em outras
diferentes segundo o modo de expressao considerado, nem coisas. McEnroe é um inventor, quer dizer um estilista, ele
por isso deixam de comunicar entre si, na medida em que introduziu no tênis posturas egipcias (seu serviço) e reflexôes
todas juntas devem opor-se à instauraçao deum espaço cul- dostoievskianas ("se você passa seu tempo batendo corn a
tural de mercado e de conformidade, isto é, de "produçao cabeça contra a parede de proposito, a vida fica impossivel").
para o mercado". Nisso, os imitadores podem vencer os inventores e fazer me-
lhor do que eles: sao os best-sellers do esporte. Borg engen-
Do proletariado no tênis drou uma raça de proletarios obscuros, McEnroe pode per-
der para um campeao quantitativo. Dirao que os copi adores,
0 estilo é uma noçao literaria, é uma sintaxe. No entanto, aproveitando um movimento vindo de outra parte, sao ain-
fala-se de um estilo nas ciências, onde nao ha sintaxe. Fala- da melhores, e as federaçôes esportivas demonstram uma no-
se de um estilo nos esportes. A respeito dos esportes existem tavel ingratidao para corn os inventores que as fizeram viver
...
estudos muito avançados, mas eu os conheço hem pouco; ., e prosperar. Isto nao tem importância: a historia do esporte
talvez eles se resumam a mostrar que o estilo é o novo. Cla- ' passa por esses inventores, que cada vez constituiam o ines-
ro, os esportes apresentam uma escala quantitativa marcada • perado, a nova sintaxe, as mutaçôes, e sem os quais os pro-
pelos recordes, sustentada pelos aperfeiçoamentos dos apa- ;..~ gressas puramente tecnologicos teriam permanecido quanti-
relhos, o calçado, a vara ... Mas também existem mutaçôes tativos, sem importância nem interesse.
qualitativas ou das idéias, que sao questao de estilo: como se
passou, no salto em altura, da tesoura ao rolamento ventral, Aids e estratégia mundial
ao flop; como o salto na corrida de obstâculos parou de mar-
caro obstaculo para formar uma pegada mais alongada. Por Existe um problema muito importante na medicina, que
que nao se podia começar por ai, por que se precisou passar é a evoluçao das doenças. Corn certeza ha novos fatores ex-
por toda uma historia marcada pelos progressas quantitati- ternas, novas formas microbianas ou viroticas, novos dados
vos? Todo novo estilo implica nao um "golpe" novo, mas um sociais. Mas ha também a sintomatologia, os agrupamentos
encadeamento de posturas, isto é, um equivalente de sin taxe, de sintomas: num espaço de tempo muito curto os sintomas
que se faz corn base num estilo precedente e em ruptura corn nao sao agrupados da mesma maneira, sao isoladas doenças
ele. As melhorias técnicas so têm seu efeito se tomadas e se- que antes eram classificadas em contextos diferentes. 0 mal
lecionadas num novo estilo, que elas nao bastam para deter- de Parkinson, a doença de Roger, etc., mostram grandes mu-
minar. Donde a importância dos "inventores" no esporte, sao danças nos agrupamentos de sintomas (seria uma sintaxe da

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medicina). A historia da medicina é feita desses agrupamen- bilidade para um escritor judeu de falar alemào, a impossibi-
tos, desses isolamentos, desses reagrupamentos, que os meios lidade de falar tcheco, a impossibilidade de nào falar. Pierre
tecnologicos, ainda aqui, possibilitam mas nào determinam. Perrault reencontra o problema: impossibilidade de nào fa-
0 que aconteceu desde a guerra em relaçao a isso? A desco- lar, de falar inglês, de falar francês. A criaçao se faz em gar-
berta das doenças de "estresse", onde o mal nào é mais en- galos de estrangulamento. Mesmo numa lfngua dada, mesmo
gendrado por um agressor, mas por reaçôes de defesa nao no francês por exemplo, uma nova sintaxe é uma lfngua es-
especfficas que se precipitam ou se esgotam. Depois da guer- trangeira dentro da lfngua. Se um criador nâo é agarrado pelo
ra, as revistas de medicina esta vam cheias de discussôes so- pescoço por um conjunto de impossibilidades, nao é um cria-
bre o estresse das sociedades modernas e a nova classificaçào dor. Um criador é alguém que cria suas proprias impossibili-
de doenças que se podia extrair dai. Mais recentemente, foi dades, e ao mesmo tempo cria um possfvel. Como McEnroe,
a descoberta das doenças autoimunes, as doenças do si: me- é dando cabeçadas que se acha. É preciso lixar a parede, pois
canismos de defesa que nào reconhecem mais as células do sem um conjunto de impossibilidades nào se tera essa linha
organismo que elas deveriam proteger, ou agentes externos de fuga, essa safda que constitui a criaçào, essa potência do
que tornam essas células impossiveis de distinguir. A Aids se falso que constitui a verdade. É preciso escrever lfquido ou
insere entre esses dois polos, o estresse e o autoimune. Tai- gasoso, justamente porque a percepçào e a opiniào ordina-
vez estejamos indo em direçào a doenças sem médico nem rias sào solidas, geométricas. É o que Bergson fazia na fila-
doente, co mo diz Dagognet em sua analise da medicina atual: , sofia, Virgfnia Woolf ou James no romance, Renoir no cine-
existem imagens mais do que sintomas, e portadores mais do ma (e o cinema experimental, que foi muito longe na explo-
que doentes. Isso nào convém à Seguridade Social, mas tarn- . raçào dos estados da matéria). Nada de abandonar a terra.
bém é inquietante sob outros aspectos. É impressionante que Mas tornar-se tanto mais terrestre quanto se inventa leis do
esse novo estilo de doença coïncida corn a polftica ou a es- lfquido e do gasoso de que a terra depende. 0 estilo, entào,
tratégia mundiais. Explicam-nos que os riscos de guerra nào .., tem necessidade de muito silêncio e trabalho para produzir
vêm a penas da eventualidade de mn agressor extcrno espccf- um turbilhào no mesmo lugar, depois, lança-se como um fos-
fico, mas de uma precipitaçào ou de um desmantelamento de foro que as crianças vâo seguindo na agu a da sarjeta. Pois cer-
nossas reaçôes de defesa (dai a importância de uma força atô- tamente nào é compondo palavras, combinando frases, utili-
mica bem controlada ... ). Eis que nossas doenças respondem zando idéias que se faz um estilo. É preciso abrir as palavras,
ao mesmo esquema, ou que a polftica nuclear responde a nos- rachar as coisas, para que se liberem vetores que sào os da
sas doenças. 0 homossexual corre o risco de desempenhar 0 terra. Todo escritor, todo criador é uma sombra. Como fa-
pa pel deum agressor biologico qualquer, assim como o mem- zer a biografia de Proust ou de Kafka? A partir do momento
bro de uma minoria ou o refugiado desempenharào o papel em que se escreve, a sombra é primeira em relaçào ao corpo.
de um inimigo qualquer. É uma razào a mais para teimar por A verdade é da ordem da produçào de existência. Nào esta
um regime socialista que recusaria essa dupla imagem da doen- dentro da cabeça, é algo que existe. 0 escritor emite corpos
ça e da sociedade. reais. No caso de Pessoa sào personagens imaginarios, nào tao
É preciso falar da criaçào como traçando seu caminho imaginarios, porque ele lhes da uma escrita, uma funçào. Mas
entre impossibilidades ... É Kafka quem explicava: a impossi- ele sobretudo nào faz, ele mesmo, o que os personagens fa-

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166 Gilltes Deleuze
zem. Nao se pode ir longe na literatura corn o sistema "Via-
jamos e vimos muito", onde o autor primeiro faz as coisas e SOBRE A FILOSOFIA
em seguida relata. 0 narcisismo dos autores é odioso porque
nao pode haver narcisismo de uma sombra. Entao a entrevista Magazine Littéraire, n° 257, setembro de 1988, entrevista a
Raymond Bellour e François Ewald.
acabou. 0 que é grave, nao é atravessar 0 deserto, tendo a
idade e a paciência para isto; grave é para os jovens escrito-
res que nascem no deserto, porque correm o risco de verem
sua empreitada anulada antes mesmo que aconteça. E no en-
tanto, é impossivel que nao nasça a nova raça de escritores
que ja estao ai para os trabalhos e os estilos.
- Você aca ba de publicar um nova livra: A dobra, Leibniz
e o barroco. Poderia retraçar o itinerario que, de um estudo
sobre Hume (Empirisme et subjectivité, 1953) o conduz ago-
ra a Leibniz? Seguindo a cronologia de seus livras, poderiamos
dizer que depois de uma primeira etapa dedicada a trabalhos
de historia da filosofia, que teria culminado com o Nietzsche
(1962), você elaborou, com Diferença e repetiçao (1968), depois
nos dois tomas de Capitalismo e esquizofrenia (1972 e 1980)
escritos com Félix Guattari, uma filosofia pr6pria, cujo estilo
é tu do menas universitario. Parece que hoje, depois de ter escrito
sobre pintura (Bacon) e cinema, você reata com um tratamento
mais classico da filosofia. Você se reconhece num ta/ percur-
so? Deve-se considerar sua obra camo um toda, uma unida-
de? Ou, ao contrario, você vê ne/a rupturas, transformaçoes?

-Corn três periodos ja estaria born. De fato, comecei corn


livros de historia da filosofia, mas todos os au tores de que me
ocupei tinham para mim algo em comum. E tudo tendia para
a grande identidade Espinosa-Nietzsche.
A historia da filosofia nao é uma disciplina particular-
mente reflexiva. É antes como a arte do retrato em pintura.
Sao retratos mentais, conceituais. Como em pintura, é preci-
so fazer semelhante, mas por meios que nao sejam semelhan-
tes, por meios diferentes: a semelhança deve ser produzida, e
nao serum meio para reproduzir (ai nos contentariamos em
redizer o que o filosofo disse). Os filosofos trazem novos con-

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