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Realismo e Naturalismo

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REALISMO E NATURALISMO 1881 – Publicação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de

“Na segunda metade do século XIX, o contexto sociopolítico Machado de Assis.


europeu mudou profundamente: lutas sociais, tentativas de revolução, 1893 – Publicação de “Missal e Broquéis”, de Cruz e Souza, marco
novas ideias políticas e científicas. O mundo agitava-se e a literatura não inicial do Simbolismo.
podia mais, como no tempo do romantismo, viver de idealizações, do culto “Na segunda metade do século XIX, surgiu um dos melhores
do eu e da fuga da realidade. Era necessária uma arte mais objetiva, que prosadores da literatura brasileira: Machado de Assis (1839-1908). Sua
atendesse ao desejo do momento: analisar, compreender, criticar e obra traz o ambiente do rio de Janeiro do Segundo Reinado e dos primeiros
transformar a realidade. Como resposta a essa necessidade, nascem, quase anos da República, um período de muitas mudanças no cenário e na vida
ao mesmo tempo, três tendências antirromânticas na literatura, que se brasileira, ultrapassando os limites locais com sua invulgar agudeza na
entrelaçam e se influenciam mutuamente: o Realismo, o Naturalismo e o penetração da alma humana e conferindo ao romance brasileiro uma
Parnasianismo.” profundidade e uma dimensão raramente atingidas por outros escritores
Motivados pelas teorias científicas e filosóficas da época, os brasileiros.”
escritores realistas desejavam retratar o homem e a sociedade em sua Cultivado por Machado de Assis, o romance realista brasileiro é
totalidade. Não bastava mostrar a face sonhadora e idealizada da vida, uma narrativa mais preocupada com a análise psicológica, fazendo críticas
como fizeram os românticos; era preciso mostrar a face nunca antes à sociedade a partir do comportamento dos personagens. Por outro lado, o
revelada: a do cotidiano massacrante, do amor adúltero, da falsidade e do romance realista analisa a sociedade “por cima”, ou seja, suas personagens
egoísmo humano; da impotência do homem diante dos poderosos. são capitalistas, pertencem à classe dominante. O romance realista é
Sociedade: decadência da aristocracia e do clero; ascensão da classe documental, retrato de uma época.
média (burguesia); lutas proletárias; Manifesto Comunista (1848): Marx e
Engel. Economia: o dinheiro domina a vida pública e a privada; a empresa é A OBRA DE MACHADO DE ASSIS
mais importante que o homem; segunda etapa da Revolução Industrial (aço, 1a fase (romântica ou de amadurecimento): ainda preso a alguns
petróleo, eletricidade); péssimas condições de trabalho. princípios da escola romântica: Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena, Iaiá
CIÊNCIA Garcia.
- Evolucionismo (Charles Darwin): A Origem das Espécies (1859) 2a fase (realista ou de maturidade): definido dentro das ideias
– teoria da seleção natural, segundo a qual, a natureza ou o meio realistas (romances e contos): análise psicológica dos personagens; enredo
selecionam entre os seres vivos aquelas variações que se não-linear; linguagem correta (clássica); frases curtas; capítulos curtos;
perpetuarão. Assim, os mais fortes sobrevivem e procriam, e os presença de constantes digressões (interrupção do fluxo narrativo, que
mais fracos são eliminados antes da procriação. envereda por assuntos desvinculados do tema inicial, mas mantendo com
- Determinismo (H. Taine): o comportamento humano é ele alguma analogia criada pela mente de quem conta); metalinguagem
determinado por três aspectos básicos: o meio, a raça e o momento (convida o leitor a refletir sobre a estrutura da obra e perceber dois níveis de
histórico. leitura: a que revela diretamente o personagem e a que o faz objeto de
- Positivismo (August Comte): o único conhecimento válido é o crítica do autor); diálogo com o leitor e com as tradições literárias; humor
positivo, oriundo das ciências. É uma filosofia empírica, baseada na sútil e permanente; ironia fina e corrosiva; visão metafísica relativista dos
observação do mundo físico. Acredita na capacidade do homem de valores humanos (pessimismo, negativismo): Memórias Póstumas de Brás
amar e ser solidário socialmente. Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memorial de Aires.
O REALISMO NO BRASIL: 1881 – 1893
Machado de Assis escreveu cerca de 200 contos, estreando ainda republicano, valorização dos instintos naturais, comparação de personagens
no Romantismo, com Contos Fluminenses (1869), registrando-se, com animais: “ancas de vaca do campo”; um homem morreu “estrompiado
posteriormente, uma significativa mudança de perspectiva e de linguagem: como uma besta”; verdadeira satisfação de “animal no cio”; “exalação de
O Alienista, Missa do Galo, A Cartomante, Noite de Almirante, Teoria do animais cansados.”
Medalhão, O Espelho, Cantiga de Esponsais, Sereníssima República, Verba Obras: Uma Lágrima de Mulher (1880); O Mulato (1881);
Testamentária. Memórias Póstumas de Brás Cubas: editado em livro em Mistérios da Tijuca; Casa de Pensão; O Cortiço (1890).
1881, foi publicado em folhetim no ano anterior, na Revista Brasileira. O
romance apresenta a autobiografia de Brás Cubas, que, depois de morto, O CORTIÇO – esta obra representa uma conquista definitiva do
resolve escrever suas memórias. Dentre os fatos ligados à sua vida, nosso romance, pois pela primeira vez na literatura brasileira, um escritor
destacam-se: seus amores juvenis por Marcela, suas aspirações à vida dá vida e corpo a um agrupamento humano, uma habitação coletiva.
política, sua amizade com o filósofo Quincas Borba e seu caso amoroso Inúmeros tipos humanos, quase todos representantes de uma população
com Virgília, mulher de Lobo Neves. marginal, desfilam pelas páginas do romance. O ambiente degradado e
corrupto onde vivem é o cortiço, cujo dono é o português João Romão,
O NATURALISMO NO BRASIL também proprietário da pedreira, onde trabalham, e da venda, onde se
1881 – Publicação do romance O Mulato, de Aluísio de Azevedo (1857- endividam ao comprar fiado.
1913). ATIVIDADE
É em 1890, com o lançamento de O Cortiço, do mesmo autor, que o
Naturalismo atinge o seu apogeu. Nesse mesmo ano, embora despercebido, Leia o “Capítulo XXXII: Olhos de ressaca”, de Machado de Assis.
aparece também o livro de Rodolfo Teófilo, A Fome. No ano seguinte,
surge O Missionário, de Inglês de Souza, seguido de A Normalista (1892) e Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no
O Bom Crioulo (1895), de Adolfo Caminha. qual não sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as cousas, como eu. É
Nessas obras, o fatalismo das forças sociais e naturais atua o que contarei no outro capítulo. Neste direi somente que, passados alguns
pesadamente sobre o homem. Natureza, ambiente social, educação, taras e dias do ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram dez horas da
instintos geram conflitos dramáticos, situações anormais e finais manhã. Dona Fortunata, que estava no quintal, nem esperou que eu lhe
catastróficos. Para os naturalistas, o homem não passa de um animal cujo perguntasse pela filha.
destino é determinado pelo meio social em que vive e pela hereditariedade. --Está na sala penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para
Nessa visão, roubam-lhe o livre arbítrio, deixando-o à mercê de forças que lhe pregar um susto.
estão além de seu controle. Quanto ao conteúdo, o romance naturalista Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que
apresenta: determinismo, objetivismo científico, temas de patologia social, não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a
observação e análise da realidade, o ser humano descrito sob a ótica do um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede,
animalesco e do sensual, despreocupação com a moral e literatura engajada. entre as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que,
A OBRA DE ALUÍSIO DE AZEVEDO apenas entrei na sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi
Aluísio de Azevedo produziu, simultaneamente, romances esta pergunta:
românticos (comerciais, para o consumo fácil) e romances naturalistas. Sua -- Há alguma cousa?
produção naturalista apresenta: preocupação com as classes marginalizadas -- Não há nada, respondi; vim ver você antes que o padre Cabral
da sociedade, crítica ao conservadorismo e ao clero, defesa do ideal chegue para a lição. Como passou a noite?
-- Eu bem. José Dias ainda não falou? gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já
-- Parece que não. terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das
-- Mas então quando fala? delícias que terão gozado no céu os seus desafetos argumentará as dores aos
-- Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assumpto; não condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dante; mas
vai logo de pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de
entrará em matéria. Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita... um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitu,
-- Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém mas então com as mãos, e disse-lhe, -- para dizer alguma cousa, -- que era
para vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias capaz de os pentear, se quisesse.
poderá influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não -- Você?
quer ser padre, mas poderá alcançar...? Ele é atendido; se, porém...É um -- Eu mesmo.
inferno isto! Você teime com ele, Bentinho. -- Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim.
-- Teimo; hoje mesmo ele há de falar. -- Se embaraçar, você desembaraça depois.
-- Você jura? -- Vamos ver.
-- Juro. Deixe ver os olhos, Capitu. EXERCÍCIOS
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, «olhos de
cigana oblíqua e dissimulada.» Eu não sabia o que era oblíqua, mas Dom Casmurro é um título e o apelido do narrador-personagem do
dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se romance, o qual se chama Bento, ou Bentinho. Nesse capítulo, ele relata o
fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada início de seu envolvimento amoroso com a vizinha e amiga Capitu. Na
achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora ocasião, estudava num seminário, preparando-se para ser padre, o que torna
da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou o romance proibido.
que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos,
constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, 1. Os textos machadianos são marcados por interpolações
crescidos e sombrios, com tal expressão que... (comentários que aparecem no texto, geralmente entre parênteses) muitas
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética vezes irônico, sarcástico.
para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem a) Identifique uma interpolação presente no parágrafo 3 e comente:
capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me Por que podemos chamá-la de irônica? Em seguida, transcreva elementos
fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela do trecho que comprovem sua resposta.
feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força
que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de b) Outro elemento típico do estilo machadiano presente nessa
ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às interpolação é a conversa com o leitor. Identifique o modo verbal que
orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa possibilita percebê-la.
buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura,
ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastámos 2. Considerando que a linguagem de Machado é sútil e ambígua, de
naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e múltiplos sentidos, identifique no parágrafo 3 do texto a frase que sugere
breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa que na verdade Capitu espera por Bentinho, e ou que a chegada ele causa a
de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o ela grande comoção.
vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a
3. No texto, Bentinho e Capitu conversam sobre José Dias, o triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
agregado da família de Bentinho, que promete ao rapaz convencer a mãe
dele, D. Glória, a desistir de torná-lo padre. Marque (V) para as alternativas verdadeiras e (F) para as falsas:
a) Qual dos dois interlocutores insiste mais na necessidade de José Dias ( ) No texto, o narrador enfatiza a força do coletivo. Todo o cortiço é
realizar o que prometera? Dê dois argumentos que justifiquem sua resposta. apresentado como um personagem que, aos poucos, acorda como uma
colmeia humana.
b) Que frase de Bentinho remete o leitor ao título do capítulo, “Olhos de ( ) O texto apresenta um dinamismo descritivo, ao enfatizar os elementos
ressaca”? O que essa frase indica a respeito dos sentimentos de Bentinho? visuais, olfativos e auditivos.
( ) O discurso naturalista de Aluísio Azevedo enfatiza nos personagens
4. Qual é a semelhança entre a metáfora de José Dias a respeito dos de O Cortiço o aspecto animalesco, “rasteiro” do ser humano, mas também
olhos de Capitu (no parágrafo 14) e a comparação criada por Bentinho ao a sua vitalidade e energia naturais, oriundas do prazer de existir.
referir-se a eles (parágrafo 15)? Justifique. ( ) Através da descrição do despertar do cortiço, o narrador apresenta os
elementos introspectivos dos personagens, procurando criar
5. O parágrafo 15 do texto é uma longa digressão que substitui o correspondências entre o mundo físico e o metafísico.
andamento do enredo por comentário do narrador, constituindo um ( ) Observa-se, no discurso de Aluísio Azevedo, pela constante utilização
elemento estilístico fundamental do texto machadiano. Outros elementos de metáforas e sinestesias, uma preocupação em apresentar elementos
presentes nesse fragmento digressivo são a metalinguagem e a citação de descritivos que comprovem a sua tese determinista.
fontes literárias. Exemplifique-as com elementos do parágrafo.

6. O elemento central do estilo machadiano presente em todo o


trecho da questão anterior é a ironia. Que estilo literário é ironizado? Por
quê?

7. Leia o texto abaixo, retirado de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e faça


o que se pede:
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os
olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete
horas de chumbo. […]. O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de
todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um
só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras
na venda; ensarilhavam-se discussões e rezingas; ouviam-se gargalhadas e
pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação
sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés

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