A Arte Magica
A Arte Magica
A Arte Magica
suporte@magicaonline.com.br
Antes de você começar a leitura, queria te pedir um favor: por gentileza, não
compartilhe esse arquivo com outras pessoas.
Eu quei dois anos da minha vida escrevendo este livro mesmo sabendo
que os brasileiros não se interessam muito por este tipo de literatura.
Você vai me ajudar muito se você enviar o link do site para as pessoas.
E vai me ajudar mais ainda se você se comprometer em não repassar o
arquivo do livro para outras pessoas.
Guilherme Ávila.
A Arte Mágica: a Percepção em Perspectiva
Autor
Guilherme Ávila
Projeto Gráco e Editoração Eletrônica
Guilherme Ávila
Criação e Editoração Eletrônica da Capa
Edson Santos de Souza
Editora Kiron
Impressão e Acabamento
Editora Kiron
(61) 3563.5048 / www.editorakiron.com.br
A Eduardo, meu pai,
• Meus verdadeiros amigos, que tornam minha vida muito mais feliz
(não vou citar nomes, pois eles sabem quem são);
• Meu falecido avô Geraldo Ávila, que mostrou-me que com esforço
e dedicação é possível escrever livros sobre nossos sonhos;
Introdução 1
2 A trilha da ilusão 11
3 Mágica e truque 15
3.1 O efeito mágico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.2 Mágica ou truque? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.3 Habilidade técnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
3.4 Por que truques? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.5 Floreios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
4 Técnica e teoria 25
4.1 Denições essenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.2 Ação conjunta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.3 O raciocínio teórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
5 O mágico 29
5.1 Um ator . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
5.2 Convencer e acreditar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
O papel fundamental do mágico . . . . . . . . . . . . . . . 32
5.3 Eu no palco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
5.4 Mágico por coração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5.4.1 Los Siete Velos Mágicos . . . . . . . . . . . . . . . 36
5.5 O mágico e a plateia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
iii
iv CONTEÚDO
6 A ótica interna 53
6.1 Fragmentando um número de mágica . . . . . . . . . . . . 53
6.2 Os elementos do efeito mágico . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6.2.1 Personagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
6.2.2 Fenômeno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
6.2.3 Propósito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
6.2.4 Prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
6.3 Interação entre os elementos . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
6.4 Perspectiva prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
7 Estratégias de maximização 69
7.1 Participação da plateia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
7.2 Armações distorcidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
7.3 Lapso temporal e intervalo de importância . . . . . . . . . 78
7.3.1 Forward Time Displacement e Backward Time Dis-
placement . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
7.3.2 Ausência do lapso temporal . . . . . . . . . . . . . 85
7.4 Gradação de interesse e Clímax . . . . . . . . . . . . . . . 86
O excesso no impacto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
7.5 Surpresa antecipada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
7.6 Momentos simbólicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
Ricochet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
Espelhamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
Automatização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
IV Apêndices 165
A Categorias de efeitos mágicos de Dariel Fitzkee 167
B Scripts 169
B.1 A Mágica da Vida (página 65) . . . . . . . . . . . . . . . . 170
B.2 A Vida, As Cartas (página 105) . . . . . . . . . . . . . . . 174
B.3 Another Quick Coincidence (página 105) . . . . . . . . . . 178
B.4 Número Pensado (página 84) . . . . . . . . . . . . . . . . 180
B.5 Um Pouco de Você (página 74) . . . . . . . . . . . . . . . 182
vii
Prefácio (Henry Vargas)
Confesso que quei muito feliz e entusiasmado quando recebi o con-
vite de meu grande amigo e autor desta obra para introduzir seus pen-
samentos com este prefácio. O entusiasmo vem, certamente, de dois
motivos: o primeiro deles é a oportunidade de cooperar com este pro-
jeto, que almeja, acima de tudo, contribuir com o crescimento da Arte
Mágica no Brasil; o segundo está no tema central desta obra: Teoria apli-
cada à Mágica, assunto infelizmente ainda é pouco discutido, estudado
e respeitada em nosso País, embora seja de extrema importância.
O que está por vir neste livro talvez seja uma compilação dos maio-
res segredos para polir e deixar com mais brilho ainda o talento de cada
ix
x LISTA DE FIGURAS
Henry Vargas
Belo Horizonte, dezembro de 2011
Introdução
Aos doze anos, apaixonei-me pela Arte Mágica. Os assuntos teóricos e
psicológicos da mágica sempre me atraíram. Não apenas porque eles são,
em si, fascinantes, mas porque descobri que estão intimamente ligados à
prática.
Confesso que quando comecei a escrever este livro, pensei que haveria
poucos leitores. Verdade ou não, segui meu coração e escrevi. Escrevi,
1
2 LISTA DE FIGURAS
Teoria e intuição
Eugene Burger costuma fazer uma analogia entre a teoria e uma canoa.
Uma canoa serve para atravessar o rio. Uma vez que se chega ao outro
lado, nós a atracamos à margem; já atingimos nosso objetivo. Uma
canoa, em si, não possui utilidade alguma. Ela é um meio pelo qual é
possível se atingir um m. Na mágica, pode-se pensar da mesma forma.
É preciso investir em teoria não para saber sobre teoria. Não! É
preciso investir em teoria para obter uma melhor prática. A teoria é um
meio pelo qual é possível se obter melhores performances.
Nomenclatura técnica
Este livro, como todos os outros que analisam alguma forma de arte, é,
na verdade, uma exposição de ideias. Cabe ao leitor concordar com elas
ou não. Peço, por gentileza, que não leia tudo que escrevi como se fosse
uma verdade absoluta. O maior aprendizado advém de se questionar
o que lhe é oferecido como verdade. Aliás, o questionamento é a força
motriz por trás de todas as mudanças e revoluções. É, também, a força
que me motiva a escrever este livro.
Guilherme Ávila
Brasília, setembro de 2011
Parte I
5
Capítulo 1
1
A Arte Mágica, tal como é concebida nos dias de hoje, não é muito antiga. Apesar
de existirem registros de números de prestidigitação milênios atrás, alguns inclusive
em papiros, provavelmente o primeiro livro que consta sobre números de mágica foi
De Viribus Quantitatis , escrito em italiano entre 1496 e 1508 por Luca Bartolomeo
de Pacioli, um monge franciscano e matemático, com a ajuda de Leonardo da Vinci.
Apenas no século XIX, pela inuência do mágico francês Jean Eugène Robert-Houdin,
considera-se o início da Mágica Moderna.
2
Esse comentário feito por Fitzkee gerou grandes controvérsias no meio mágico.
Apesar de toda a trilogia escrita por Fitzkee ser, ao meu ver, de grande valor, o
volume 2 The Trick Brain é injustamente negligenciado por alguns mágicos,
pelo fato do autor ter negado o caráter artístico da mágica.
3
Tradução minha do livro The Trick Brain de Dariel Fitzkee, edição de 2009,
página 1.
7
8 CAPÍTULO 1: ARTE CIENTÍFICA OU CIÊNCIA ARTÍSTICA?
Confesso que quando começei a ler pela primeira vez esse livro, aos 18
anos, quei espantado com a certeza e a conança inspiradas pelas pa-
lavras do Fitzkee. Há anos eu ouvia, sistematicamente, mágicos de todo
o mundo dizerem que a mágica é uma arte. Para mim, isso já era fato, e
inquestionável. Como pode o Fitzkee ter tanta certeza em sua armação,
ao recategorizar a mágica como uma ciência? É possível entender mais
sobre o porquê desse ponto de vista, ao ler o livro por completo.
Esse livro procura mostrar um campo inexplorado da mágica até a
época: a criação. Que os mágicos devem ser criativos, todos sabem. Mas
como atingir esse objetivo? Como chegar lá? Bem, o Fitzkee propõe um
revolucionário sistema denominado The Trick Brain (curiosamente, o
mesmo nome do livro). Resumidamente, é um sistema baseado em quatro
etapas que, a partir da categorização dos efeitos mágicos,
4 dos fatores
4
Ver apêndice A.
5
Essa frase é do pesquisador e autor Michel Blay.
6
Pioneira no sentido da mágica moderna. De acordo com a análise de Marcel
Mauss, em Esquisse d'une théorie générale de la magie, um processo distinto ocorrera
9
É exatamente isso!
Vou dar mais um exemplo. Vamos analisar o caso de um pintor.
A mistura e homogeneização das tintas possuem base cientíca, correto?
Mas a atividade de misturar tintas é uma mera habilidade, um ofício;
é o que denimos no parágrafo anterior como craft. Porém, se essa
mistura de tintas na tela provoca uma conexão entre o pintor e quem
a vê, isto é, se por meio dessa mistura o pintor consegue transmitir
suas ideias e seu modo de enxergar o mundo às pessoas que veem a tela,
então ele conseguiu fazer arte. Como disse o dramaturgo irlandês George
Bernard Shaw,
na Grécia centenas de anos atrás. Nesse período, constata-se que a mágica pela
forma como era entendida na época proporcionou o desenvolvimento de vários
ramos da ciência de hoje. Os mágicos, entendidos por Mauss como os alquimistas,
astrólogos e médicos da Grécia e da Índia, desenvolviam atividades que contribuíram
com a astronomia, a física e a ciência farmacêutica, como hoje conhecemos. Nesse
contexto, foram nessas escolas de mágica que se desenvolveu a tradição cientíca e
os métodos racionais utilizados ainda hoje.
7
Rero-me a um ato mágico como uma parte de um show que pode, ou não,
englobar mais de um número de mágica. Por exemplo, o show do Lance Burton possui
vários atos: o ato da vela, o ato da gaiola do pássaro, o ato da cabine telefônica, etc.
8
Traduzido por mim da wikipedia. Texto original em inglês.
10 CAPÍTULO 1: ARTE CIENTÍFICA OU CIÊNCIA ARTÍSTICA?
9
Traduzido por mim de seu livro Notes from Underground, capítulo IX. O texto
em inglês soa melhor: "I admit that two times two makes four is an excellent thing,
but if we are to give everything its due, two times two makes ve is sometimes a very
charming thing too."
Capítulo 2
A trilha da ilusão
Antes de entrar a fundo no propósito maior do livro, gostaria de discorrer
um pouco sobre a arte da ilusão. São pensamentos que me vieram à
cabeça durante meu dia-a-dia e que têm tudo a ver com a Arte Mágica.
O mágico é um mestre na arte de iludir. A pergunta é: como iludir?
Como criar efeitos reais de falsas verdades? A cada dia, percebo que esse
processo é talvez mais complexo e, ao mesmo tempo, mais simples do
que parece.
A verdade é que as pessoas inventam a realidade. E não apenas
inventam, como também acreditam no que inventam. Deixe-me explicar
melhor.
Somos expostos apenas a uma parte de determinada realidade. In-
conscientemente, então, criamos o que falta, para sentir que temos uma
realidade completa. Isso ocorre diariamente, em nossos relacionamentos
pessoais e prossionais. Toda a nossa percepção do mundo não é e nunca
será completa. E justamente pelo fato de não estarmos cientes da reali-
dade como ela é, criamos modelos, teorias e losoas para tentar explicar
o todo, que, na verdade, tem uma parte escondida e completamente fora
de nosso alcance.
As pessoas percebem uma parte e criam um todo. Criam como? A
partir das percepções do mundo, adquiridas até então em sua vivência,
suas experiências passadas, e em seus relacionamentos passados. A forma
pela qual as pessoas supõem como as coisas são ou serão é baseada em
como as coisas foram. Poucas pessoas quebram essa linha de raciocínio.
Em economia, isso é chamado de expectativas adaptativas.
1
1
Muito utilizada nos anos 80, após a crise do petróleo, as expectativas adaptativas
são uma forma indutiva de explicar como os indivíduos e empresas formam expecta-
tivas do mundo. De acordo com essa teoria, indivíduos e empresas julgam o futuro
11
12 CAPÍTULO 2: A TRILHA DA ILUSÃO
8. etc...
baseados no passado. Assim, se a inação foi alta no ano passado, a princípio ela de-
verá também ser alta no próximo ano. Esse processo gera um ciclo vicioso, a chamada
inércia inacionária.
13
Mágica e truque
Para mim, mágica é álgo não concreto. Uma pessoa não pode carre-
gar uma mágica, não pode vender uma mágica, não pode comprar uma
mágica. É possível carregar um aparelho, um objeto baralho, bolas,
lenço, moeda, pomba , mas não uma mágica.
15
16 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE
É muito comum, ainda mais entre leigos, o uso das palavras mágica e
truque como sinônimos. Nesse sentido, a palavra mágica seria apenas
uma valorização linguística da palavra truque, mas o signicado seria
o mesmo. Discordo disso. Para mim, existe uma grande diferença entre
um truque e um número de mágica. Usar o termo truque para se referir
a uma mágica é um tanto pejorativo.
De agora em diante, vou utilizar a palavra truque para me referir a
um efeito mágico, desprovido de qualquer fator que provoque emoção
e sentimento de encanto na plateia, isto é, o truque seria uma mágica
sem os aspectos artísticos dessa. Dessa forma, a palavra truque, indevi-
damente empregada, pode subvalorizar o conceito de mágica. A gura
3.1 mostra esse raciocínio de forma esquemática.
Em minha tentativa de dizer o que é mágica na seção anterior, es-
crevi que ela aproxima a mente de qualquer pessoa da mente de possibili-
dade innitas de uma criança, que não duvida do impossível e não pro-
cura explicação para o que não pode ser explicado. Isso é importante
para manter a ilusão da plateia. Um truque provoca no espectador a
vontade de descobrir o segredo. É como se fosse um quebra-cabeças, que
pede pelo amor de Deus para ser solucionado. Uma mágica não. Ela é
envolvida por uma atmosfera, uma atmosfera mágica,1 que abre portas
para um mundo completamente diferente do conhecido, um mundo em
que a imaginação se torna realidade e no qual as pessoas são convidadas
para entrar e simplesmente curtir.
Deixo claro aqui que um truque pode, sem sombra de dúvidas, ser
legal de se ver. Aliás, bons truques, se bem feitos, podem fazer você se
1
O termo muito utilizado por Arturo de Ascanio.
SEÇÃO 3.2: MÁGICA OU TRUQUE? 17
então cortar uma corda para depois reconstituí-la? Sou contra esse ra-
ciocínio. Primeiro, não são apenas truques que não possuem propósito.
Alguns números de mágica também não possuem propósito algum ao ser
executado. Segundo, não acho, de maneira alguma, que um mágico só
deva fazer o que tiver um propósito no mundo real. Na seção 6.2.3, falo
detalhadamente sobre o propósito como elemento de um efeito mágico,
e meu argumento cará mais claro.
performance do competidor:
2
Assembléia de ases é um efeito clássico da cartomagia, com innitas versões. O
mágico bota os quatro ases na mesa e três cartas, indiferentes, em cima de cada ás.
Três dos ases na mesa somem. Para a surpresa do espectador, as três cartas em cima
do quarto ás são os outros três ases que tinham desaparecido instantes antes.
3
Trecho traduzido por mim, do livro do Ascanio The Structural Conception of
Magic, página 55.
4
Os eventos da FISM ocorrem de três em três anos e é um dos maiores congressos
internacionais de mágica. Somente quem é premiado no FISM possui o título de
Campeão Mundial de Mágica.
SEÇÃO 3.3: HABILIDADE TÉCNICA 19
1. Habilidade técnica;
2. Showmanship / apresentação;
3. Entretenimento;
5. Originalidade;
6. Atmosfera mágica.
Como você acha que um competidor com apenas qualidade técnica seria
avaliado?
Não estou alegando que a técnica mecânica do número não seja im-
portante. De forma alguma! Ela é tão importante que deve ser executada
com perfeição. A técnica é condição necessária para a mágica, e não
condição suciente: um número de mágica não existe sem o método
mecânico, mas também não se pode armar com certeza que o número
vai existir com sua presença. O domínio apenas da parte técnica não
garante uma performance interessante para o público, não garante que
vai emocionar as pessoas.
A preocupação são os outros aspectos do número, que dicilmente es-
tão perfeitos. Aliás, o próprio Tim Ellis talentoso mágico australiano
que já foi jurado do FISM mais de uma vez disse que a comissão do
juri já parte do pressuposto de que a parte técnica está, no mínimo, boa.
Ninguém é insano ao ponto de ir competir no FISM com uma rotina de
cartomagia e não saber fazer um bom controle de carta ou apresentar
uma rotina de moeda e fazer um empalme ruim.
5 O juri quer ver mágica
me contou algo muito curioso. Disse que quando foi competir no World
Teen Champion of Magic, notou que um dos competidores possuía uma
incrível qualidade técnica. Sua rotina de manipulação estava tecnica-
mente impecável. Henry confessou, inclusive, ter cado intimidado com
5
Até porque a competição do FISM não é aberta a qualquer um. Para competir, é
necessário fazer parte de uma entidade liada ao FISM e uma autorização por escrito
do presidente dessa entidade autorizando a participação. Caso o competidor não seja
associado à nenhuma entidade liada ao FISM, é necessário a autorização por escrito
de presidentes de entidades liadas de três países diferentes.
6
O Magic Castle, em Hollywood, é a sede da Academy of Magical Arts. Apenas
mágicos convidados possuem a honra de se apresentar lá.
20 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE
efeito anterior. Inclusive, um amigo meu, leigo, que estava a meu lado,
comentou: Ah, ele tinha duas taças. O espectador não sabe como que
você fez a troca, mas sabe que existiam duas garrafas e duas taças.
7
Lance Burton não comete esses erros. Muito pelo ao contrário: após
demonstrar que a taça e a garrafa trocaram de lugar, ele pegou um lenço
amarelo e deu um nó em volta da garrafa. Mesmo assim, a troca aconte-
ceu. Não é apenas esse detalhe que é interessante na rotina do Lance. O
número é uma homenagem a Frank Sinatra, com um lindo fundo musical,
e no nal Lance faz um brinde a Sinatra, e Sinatra responde. Impossível
não se emocionar.
Por que existe essa diferença tão grande entre a rotina do Lance
Burton e a rotina que vi ontem, sendo que o truque é o mesmo? Porque
o Lance parou para pensar no que estava fazendo. Sua rotina possui
embasamento teórico forte. Ele não cou preso apenas ao truque, apenas
à técnica. Como veremos na seção 4.3, tudo foi planejado para causar o
máximo de impacto e comover a plateia.
7
Esse caso é um exemplo perfeito do que chamo de exceder um efeito mágico. Vou
discutir isso mais a fundo na seção 7.4.
22 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE
3.5 Floreios
Uma das coisas que mais detesto quando faço mágica e que acontecia
com mais frequência em meus primeiros anos de experiência com a má-
gica é quando o espectador fala Nossa, você é rápido!. Se foi rápido,
não foi encantador, não emocionou, não foi mágica.
Como disse Dai Vernon, uma das maiores lendas da mágica close-up
do século XX, com suas sábias palavras: Confusion is not magic. Para
que complicar?
9 Qual o intuito de pedir ao espectador para escolher uma
8
Table-hopping : Modalidade de mágica close-up, na qual o mágico vai de mesa
em mesa apresentando seus números para o público. Muito comum em restaurantes,
bares, coquetéis, e alguns tipos de eventos.
9
Na seção 7.4, será enfatizada com mais detalhes a importância da simplicidade
na Arte Mágica.
SEÇÃO 3.5: FLOREIOS 23
10
Floreio feito por grande parte dos mágicos e manipuladores de moeda, em que o
mágico passa uma moeda por cima de seus dedos, de um dedo para o outro, continu-
amente.
24 CAPÍTULO 3: MÁGICA E TRUQUE
Técnica e teoria
Aqui vai uma pergunta um tanto cruel: Em um efeito mágico, o que é
técnica e o que é teoria?. Pense primeiro e depois responda. Não leia
os parágrafos abaixo sem tentar desenvolver sua própria resposta.
Pronto? Já possui algo em mente?
Infelizmente, nunca me perguntaram isso até hoje. Acabei formu-
lando a pergunta por necessidade própria. Na verdade, a pergunta foi
formulada devido a minha discórdia em relação ao pensamento comum.
Frequentemente, mágicos falam em teoria mágica quando discutem te-
mas como desvio de atenção, sugestão de imagens, o-beat , timing, etc.
A meu ver, isso são técnicas. Não técnicas mecânicas, como um empalme
e um falso depósito, mas técnicas psicológicas. Relembre a gura 3.1 na
página 17.
Imagine um carrinho de brinquedo. Se você pegar um martelo e
quebrar o carrinho, será possível ver o que há por dentro, cada peça
essencial para a existência dele: rodas, motor, chassi, etc. Sem chassi,
não há formato de carro; sem motor, o carro não anda. Porém veja que
além dessas peças essenciais, existem outras, que deixam o carrinho mais
forte, mais resistente; deixam o carrinho mais bonito: a tecnologia dos
parafusos, os eixos, a cera que o fabricante usou para polir a pintura, a
tecnologia dos pneus, etc.
A metáfora do carrinho pode ser aplicada a um número de mágica.
Se esse número for constituído apenas de técnica, será como um carrinho,
com roda, chassi e motor. Se ele estiver à venda na vitrine de um mer-
cado, ninguém cará entusiasmado a comprá-lo. A teoria é justamente
as outras peças do carrinho. Ela faz o número ser mais apelativo, mais
25
26 CAPÍTULO 4: TÉCNICA E TEORIA
sendo empalmada e não haverá efeito mágico algum. Seu número falhou.
Misdirection é como a roda de um carro: sem a roda, um carro perde sua
função. Sem o misdirection que seu número precisa, sua mágica deixa
de existir.
A teoria serve para juntar todos os componentes essenciais de um
número de mágica de forma harmônica. É como uma corda, que entrelaça
toras de bambú para formar uma jangada. Sem ela, as toras ainda
boiariam; seria possível atravessar o rio com elas, mas a travessia não
seria eciente como com uma jangada.
Enquanto a técnica determina a existência de um truque, os estu-
dos dos aspectos teóricos da mágica são necessários para ser um melhor
mágico e para ter uma melhor performance.
Você não precisa de teoria para que seu número exista. Sem ela, você
ainda consegue fazer um bom truque. Porém, sem ela, seria perda de
tempo tentar fazer uma mágica.
1
Um número clássico, em que o mágico faz uma bola aparecer e em seguida faz
diversas outras bolas aparecerem entre seus dedos, em pleno ar.
SEÇÃO 4.3: O RACIOCÍNIO TEÓRICO 27
2
Atraente não na conotação estética. Atraente no sentido de interessante. Veja a
discussão sobre personagens na seção 5.3.
Capítulo 5
O mágico
5.1 Um ator
O público enxerga o mágico como uma pessoa que cria fenômenos im-
possíveis.
Robert Houdin, o pai do ilusionismo moderno, disse ainda no século
XIX:
Essa frase dene muito bem como deve ser o comportamento do mágico
em cena: ele deve simular seus poderes ctícios. Ninguém possui poderes
paranormais,
1 ninguém consegue, de fato, burlar as leis da natureza.
1
Até hoje não há nada comprovado.
29
30 CAPÍTULO 5: O MÁGICO
Vou contar uma tática que venho usado há bastante tempo. Parece
simples, mas mudou minha forma de atuar. Sempre que vou fazer má-
gica, seja em um show prossional ou apenas em uma situação informal
para amigos, tento mostrar um milagre para quem está me assistindo.
Não um truque, uma mágica. Procuro mostrar, nem que seja por apenas
cinco minutos, uma coisa que eles jamais verão novamente. Tento fazer
daquele momento um momento único. Meu objetivo é que a pessoa che-
gue em casa e, antes de dormir, lembre o que ocorreu. Quando a situação
não é favorável para isso, deixo para uma próxima oportunidade.
2
No capítulo 11 será discutido melhor como treinar um número de mágica.
SEÇÃO 5.2: CONVENCER E ACREDITAR 31
fundamental do mágico.
3
Em obras escritas em língua inglesa, os termos usados são convince someone e
deceive someone respectivamente.
32 CAPÍTULO 5: O MÁGICO
4
Utilizo o termo pessoa no palco para me referir a pessoa atuando como mágico,
mesmo que seja em situações que não envolvem o uso real de um palco, como uma
performance em proximidade com a plateia.
34 CAPÍTULO 5: O MÁGICO
Muitos dos mágicos que estão hoje no mercado trabalham apenas por
motivos nanceiros. Isso acaba gerando uma quantidade signicativa
de prossionais ruins e de shows péssimos. Não gostaria de soar muito
clichê, mas vale relembrar a antiga máxima que diz Quem faz por amor
faz bem feito.
Ser mágico é difícil. É uma das poucas prossões em que erros são
inadmissíveis. Se um professor cometer um pequeno erro no que escreveu
ou no que falou, ele pode corrigir depois e tudo ca bem. Ele continua
sendo um bom professor. Se um músico cometer um pequeno erro em
alguma nota, tudo bem, erros são humanos. Ele continua sendo um bom
músico. Porém, se um mágico errar alguma coisa, por menor que seja,
ele deixa de ser um bom mágico. Quando uma pessoa se diz mágico, ela
está dizendo que consegue realizar fenômenos impossíveis. Todos param
o que estão fazendo e direcionam sua atenção para ele. Uma pequena
falha já tira o caráter de impossível e destrói toda a reputação do
mágico que cometeu o erro.
Se você não quer treinar e não quer se dedicar a apresentar um nú-
mero com perfeição, então nem pense em ser mágico. Para entreter
pessoas, existem outras formas mais exíveis em relação a falhas. Deixe
36 CAPÍTULO 5: O MÁGICO
Uma vez, ouvi alguém dizer uma coisa muito parecida também com
o que eu penso: não fui eu que escolhi ser mágico. Foi a mágica que me
escolheu. Existem dias em que co o tempo todo ocupado com a mágica
e quando eu chego em casa eu ainda vou ensaiar, treinar outras rotinas
ou escrever minhas idéias. Eu sinto que a mágica tem alguma coisa que
me provoca, que me chama, que me apaixonou. Ela nunca signicou pra
mim um meio de exibição.
Uma pessoa que tem amor pela mágica conhece a história de sua arte,
estuda os aspectos teóricos, lê livros de outros mágicos, estuda outros
pontos de vista e ensaia até a perfeição. Quem tem amor pela mágica
sempre procura melhorar cada vez mais seu ato. Isso tudo é feito por
carinho, sem obrigação alguma.
SEÇÃO 5.4: MÁGICO POR CORAÇÃO 37
Esse carinho, essa dedicação e esse amor são percebidos pelo público.
De alguma forma, que não se sabe exatamente qual, a plateia percebe o
nível de importância que o mágico dedica a sua arte.
2. Mistério do esforço
4. Mistério da energia
5. Mistério da verdade
É preciso também ter amor a seus números e ter amor próprio. Nas
palavras do Tamariz, Um ato de mágica é um ato de amor: amor ao
público, amor ao mistério e amor ao mágico.
SEÇÃO 5.5: O MÁGICO E A PLATEIA 39
5
Como, por exemplo, o clássico número da Guilhotina, que o mágico coloca o
braço do espectador, ou a cabeça dele, em uma guilhotina. No nal, é claro, o
espectador sai intacto.
6
É claro que isso é apenas uma simulação. A cueca que aparece entre os dois lenços
não é a cueca verdadeira.
40 CAPÍTULO 5: O MÁGICO
Parece mentira, mas o mágico, após encerrar o número, pediu para que
o espectador catasse as cartas do chão. O espectador obedeceu: catou
uma por uma. Lembro desse episódio não apenas porque foi uma atitude
insana, mas porque o espectador que foi chamado ao palco é um amigo
meu, que, aliás, cou bastante aborrecido com o que ocorreu. Será que
fazer a plateia toda rir compensa o preço de ridicularizar um espectador?
Em minha opinião, não.
Todos os espectadores devem sair do show se sentindo melhor do que
antes. Executar um número de mágica deveria ser como entregar um
presente: os espectadores devem se sentir beneciados e não prejudica-
dos. Ridicularizar uma pessoa para ganhar atenção das outras pode ser
uma estratégia comercial, mas não inteligente.
7
Sobre o script, ver seção 9.3.
SEÇÃO 5.5: O MÁGICO E A PLATEIA 41
Esse mesmo raciocínio pode ser utilizado para explicar a reação bi-
zarra que o homem de determinados casais possui, quando se depara com
um mágico apresentando um número apenas para os dois. Por motivos
culturais, o homem não quer se mostrar inferior a outro perante sua es-
posa ou namorada. Dessa forma, ele reluta em apreciar o efeito mágico
e, como se fosse regra, ca quase impossível fazer mágica para um casal
sozinho.
É necessário ter bastante experiência para lidar com essas situações.
Caso seja impossível evitá-las, é preciso saber escolher o repertório e
modicar a abordagem de forma que seja possível estabelecer um clima
de igualdade entre o mágico e o espectador e demonstrar que um número
de mágica não é, de forma alguma, uma batalha intelectual.
8
O efeito, a grandes rasgos, é que uma carta pensada pelo espectador aparece
virada no meio do baralho, sem nenhum movimento suspeito. Um milagre.
SEÇÃO 5.6: PLÁGIO E ORIGINALIDADE 43
Ele era apenas uma forma de apresentar o Ultra Mental Deck , variação
que um mágico chamado Joe Berg criou em 1936 a partir do Brainwave
Deck , o qual foi popularizado pelo famoso Dai Vernon. A ideia de apre-
sentar o Ultra Mental Deck usando um baralho imaginário foi populari-
zada por Don Alan. E foi uma ideia tão boa que o Ultra Mental Deck
passou a ser conhecido como Baralho Invisível apenas pela forma de
apresentação que todos passaram a usar. O incrível é que o crédito de
tudo isso vai muitas vezes para o próprio Don Alan, embora a ideia ori-
ginal da apresentação, a ideia de simular o uso de um baralho imaginário
exista desde 1942 e tenha sido de um mágico chamado Eddie Fields.
Felizmente, esse processo tem se tornado cada vez mais eciente com
o desenvolvimento da Internet e de diversos outros meios de comunica-
ção. Hoje em dia, um mágico consegue mais facilmente publicar um
número ou alguma ideia geralmente variações de outro número e
ser reconhecido por sua criatividade.
que vai atingir o mesmo patamar de seu ídolo. Assim, o plágio do estilo
de performance acaba sendo inevitável, infelizmente. É natural que, com
o passar dos anos, o iniciante adquira experiência e descubra mais sobre
seu estilo particular, desprendendo-se paulatinamente de seu ídolo.
A grande crítica que eu faço aos defensores estritos da originalidade
é a consequência da pressão excessiva nos iniciantes a m de eles de-
senvolverem números próprios. Alguns iniciantes, seja pela pressão ou
por uma questão de ego, esforçam-se para seguir o caminho contrário e
fazem o máximo para ser originais e criar números novos. O reexo disso
são números mal estruturados, baseados em princípios fracos, que não
possuem um forte apelo perante o público.
O que eu vou falar agora é um tanto controverso, eu sei. Mas as-
suntos polêmicos sempre são construtivos. Em sua opinião, leitor, o que
é melhor para a Arte Mágica: mágicos executando números fortes de
outros mágicos ou mágicos executando números fracos, porém originais?
Acredito, elmente, que seja a primeira opção. Eu simplesmente não
vejo o porquê da preocupação excessiva de alguns mágicos em desen-
volver números originais. Acredito que o processo criativo, que leva à
originalidade, deve ser espontâneo e não forçado. O primeiro erro que se
pode cometer ao tentar ser original é impor a si a obrigação de sê-lo.
A preocupação em possuir um repertório completamente original
acaba por prejudicar a Arte Mágica na maioria dos casos. Não por causa
da originalidade, obviamente, mas porque os mágicos que procuram ori-
ginalidade muitas vezes procuram, apenas, originalidade e deixam de
pensar no outro lado da mesma moeda: o apelo ao público. Ao m, a
preocupação ca apenas em garantir que o determinado efeito ou método
nunca tenha sido publicado por nenhum outro artista.
Eu digo isso com total conança, porque é o que tenho observado já
há alguns anos. Essa ocorrência é muito frequente também com técnicas
mecânicas em cartomagia. Muitos mágicos fazem uso de técnicas que
são claramente piores e menos ecientes que outras, mas mesmo assim,
teimam em utilizá-las para honrar o mérito próprio. Quanta pretensão.
Não digo que originalidade é ruim, de forma alguma! Mas a busca por
originalidade deve sempre ser feita paralelamente à busca por impacto
mágico. De nada adianta ser autor de um número novo no mercado, mas
um número ruim.
9
9
Sobre a discussão a respeito de existir ou não números ruins, consulte a seção
10.1.
SEÇÃO 5.6: PLÁGIO E ORIGINALIDADE 45
10
Nessa discussão, vou me abster da polêmica sobre o uso de recursos de video e
truques de camera.
11
Sobre a importância de ter um personagem original, Oscar Wilde, famoso escritor
irlandês, disse: "Be yourself. Everyone else is already taken". Traduzindo, a frase
teria o sentido de "Seja você mesmo. Todos os outros já foram escolhidos."
46 CAPÍTULO 5: O MÁGICO
citar mais um caso, lembro a incrível dupla brasileira Vik e Fabrini, com
seu ato mundialmente famoso. Grande parte dos números que compõem
o ato de 8 minutos são simples e não foram todos criados pela dupla. O
grande destaque, novamente, é na forma como os números são apresen-
tados e na forma como a dupla interage com cada efeito mágico. O ato
é tão surpreendente que, em 1988, Vik e Fabrini ganharam o primeiro
prêmio no campeonato do FISM, na categoria Magia Geral.
Não digo isso para que o leitor se sinta confortável em apresentar,
somente, números de outros mágicos em versões modicadas. Pretendo
apenas deixar claro que a apresentação, por ser uma forma de interpre-
tação, deve também ser contabilizada no balanço criativo de um mágico.
Como disse Ascanio, (...) a interpretação, portanto, é um ato de cria-
ção.
12 Agora, é claro, que seria ótimo se todos conseguissem ser bons
2. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, que as aplica em nú-
meros de outros mágicos e os apresenta com um estilo de outro
mágico;
3. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em seus pró-
prios números e os apresenta com um estilo de outro mágico.
12
(...) interpretation, therefore, is an act of creation.
SEÇÃO 5.6: PLÁGIO E ORIGINALIDADE 47
5. Ser um mágico que usa suas próprias ideias, aplica-as em seus pró-
prios números e os apresenta com seu próprio estilo.
49
Antes, algumas palavras
Nesta parte do livro, dou mais atenção ao número de mágica em si e às
técnicas não mecânicas envolvidas no momento de performance.
Fiz questão de explicar meus argumentos por meio de exemplos prá-
ticos. Quando uso um número de mágica como exemplo, a parte co-
mentários técnicos contém o conteúdo suciente para que as técnicas
necessárias à respectiva execução sejam entendidas. Salvo algumas exce-
ções, não explico minuciosamente como executar as técnicas mecânicas
dos números, pois não é esse meu intuito. Isso seria assunto para outro
livro. Justamente por isso, z o possível para utilizar exemplos de nú-
meros simples, que não utilizam técnicas complicadas ou revolucionárias,
de forma a evitar car estagnado na mecânica dos números.
Não obstante, indiquei, inclusive por meio de algumas notas de ro-
dapé, fontes de informações conáveis nas quais o leitor poderá consultar
e aprender as técnicas mencionadas, caso não as conheça. Não estou ale-
gando que a técnica mecânica não possui importânica. Como disse na
seção 3.3, ela deve estar perfeita! Porém, como não é esse meu motivo
de preocupação, z questão de usar técnicas simples.
Peço ao leitor que entenda os números utilizados de exemplo no livro
como um meio didático pelo qual é possível demonstrar algo que, indo
além da técnica mecânica, é o assunto mais importante dessa obra.
51
Capítulo 6
A ótica interna
53
54 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA
Número de mágica
1
O capítulo 8 aborda especicamente as técnicas não mecânicas.
SEÇÃO 6.1: FRAGMENTANDO UM NÚMERO DE MÁGICA 55
foi dito na seção 5.2, a plateia deve acreditar que nenhum método
foi utilizado.
2
Recomendo ler o fabuloso livro Designing Miracles do Darwin Ortiz, que enfoca
apenas a estrutura dos números de mágica, que ele chama de design.
56 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA
Acredito elmente que não há uma fórmula secreta para se fazer mágica.
Não existe alguma coisa palpável que você possa seguir a cada passo e,
no nal, ter um belíssimo efeito mágico. Experiência e intuição contam
muito nesse processo, e isso só se consegue com o tempo.
No entanto, há alguns itens que, se estudados, tornarão sua mágica
mais clara, tanto para plateia quanto para você, mágico. Costumo dizer
que esses itens são os elementos que denem o efeito mágico. São quatro:
personagem, fenômeno, propósito e prova. Vou explicar cada um em
detalhes.
6.2.1 Personagem
Aqui entram todas as pessoas que fazem parte de seu número. Faça uma
lista de cada pessoa que vai participar, inclusive você. Anote todas as
exigências. Pode ser de qualquer sexo, ou de qualquer idade? Pode estar
vestindo qualquer roupa? Se for um número de palco, escreva o local
exato no qual cada um deles deve car.
Dena o papel de cada um, inclusive o seu. Você vai ser um menta-
lista? Vai ser uma pessoa que sabe manipular cartas? Vai ser um mágico
no estilo clássico, de circo? Vai ser um comediante?
E o espectador? Ele estará no palco fazendo o quê? Vai ser um
aprendiz? Uma testemunha? Um mágico?
Quando você está no palco, não é hora de car pensando em qual
lugar do palco o espectador deve car, se ele precisa estar de terno ou
não, se pode ser criança, etc.
Para deixar mais claro, vou dar alguns exemplos de rotinas que -
caram famosas nos últimos anos, nas quais os personagens estão bem
denidos. O Latko, jovem mágico argentino, possui um ato chamado
The Side of The Road, em que ele sofre um acidente de moto, e a moto
ca completamente destruída. Durante o ato, Latko vai executando seus
números para reconstruir a moto. Ele deixou bem denido seu persona-
gem: um mágico motoqueiro.
Outro exemplo, agora na categoria de close-up, é o ato Historia de
un Jugador, do famoso René Lavand. René faz o papel de um contador
de histórias, um mágico que já passou por muitas experiências na vida e
compartilha, com seu público, a história de um trapaceiro, o Kumanês.
O Michael Finney, famoso por seu estilo cômico, faz o número Card
on Forehead 3 e consegue muitas risadas. Ele faz o papel de um cara
3
Uma carta escolhida pelo espectador aparece pregada na testa do mágico. Na
SEÇÃO 6.2: OS ELEMENTOS DO EFEITO MÁGICO 57
6.2.2 Fenômeno
Pense no que você está propondo à plateia. Em uma rotina de men-
talismo, você pode mostrar como sua mente consegue ler pensamentos
alheios ou como induzir alguém a pensar em alguma coisa. São concei-
tos completamente diferentes. Em uma rotina com algemas, você pode
apresentar um efeito de escapismo ou de violação da impenetrabilidade.
Novamente, são conceitos diferentes. Qual é o fenômeno que você quer
transmitir ao público?
Pare e raciocine sobre sua mágica. Qual é o fenômeno que você está
propondo? Vários mágicos se aventuraram a fazer uma lista de todos
os possíveis efeitos mágicos. Para mim, uma das mais completas listas
é a de Dariel Fitzkee, que você pode consultar no apêndice A, no nal
do livro. Olhe para ela e tente identicar o fenômeno de cada número
de mágica de seu próprio repertório. Se você não souber, sua plateia
também não vai saber. Como diz o ditado: Se você não sabe para onde
está indo, nunca chegará lá.
6.2.3 Propósito
Por que você está apresentando esse fenômeno para a plateia? Qual é
seu motivo? A resposta é, na maioria das vezes, pessoal. Se você não
se condicionar a responder essa pergunta em relação a todo seu reper-
tório, um espectador pode achar uma resposta e outro espectador pode
achar outra, completamente diferente, indicando que sua performance
está confusa.
Se você está apresentando um número de cartomagia em mesas de
poker em Las Vegas, seu propósito pode ser, por exemplo, alertar as
pessoas para não serem trapaceadas. Em uma rotina em que pedaços
de papel se transformam em notas de dinheiro, seu propósito pode ser
mostrar o que um mágico faz quando esquece a carteira.
versão do Finney, toda a plateia percebe, menos o espectador que está no palco.
58 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA
Como disse na página 18, sou contra esse pensamento. Ele faria
sentido se eu concordasse com a premissa de que a plateia acredita que o
mágico possui super poderes. E eu discordo disso (acredito que a maioria
dos mágicos discordam). Quando faço um número de mágica, não espero
que os espectadores acreditem que sou de outro planeta.
4
O mágico está com o cadarço desamarrado e, apenas mexendo o pé, consegue
amarrar o sapato.
60 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA
possui motivo para um trapezista ser lançado metros para cima e cair
equilibrado em cima de uma corda.
Nas palavras de Rafael Benatar, mágico e músico venezuelano:
6.2.4 Prova
Como você prova que o fenômeno impossível ocorreu? Como provar que
você consegue executar o que está prometendo? Essa é a verdadeira
prova de fogo para qualquer mágico.
Quando um mágico se submete a ser acorrentado e a escapar em
poucos segundos, o efeito deve ser apresentado de modo que a plateia
acredite ser ele, o mágico, um escapista de fato. Se a plateia desconar
que ele tinha uma chave extra para o cadeado ou que, na verdade, o
nó da corda não estava apertado o suciente ou, então, que a pessoa
acorrentada não é a mesma que escapou, o efeito mágico vai por água
abaixo.
Com certeza, deve haver um efeito que você executava ou executa, o
qual nunca fez a plateia reagir como esperado. Há uma enorme chance de
que esse problema exista porque a prova de seu efeito era ruim. Analise
com detalhe a forma como você prova seu fenômeno. Quem sabe ela não
é convincente como você achava.
É importante salientar que esse processo dicilmente chega ao m.
Sempre, quase sempre, é possível reforçar a prova de um número.
Na página 267 do volume 2 do livro do Tommy Wonder The Bo-
oks of Wonder, ele comenta sobre sua contribuição para a evolução do
um número de mágica Next of Boxes . É um número clássico em que
um objeto, geralmente um relógio, some e aparece dentro de uma caixa
que estava dentro de outra, e essa, por sua vez, estava dentro de outra.
Tommy pegou a ideia de uma apresentação explicada no livro Modern
Magic Manual, de Jean Hugard, e adaptou uma versão para seu estilo.
Ficou bom. Na verdade, cou ótimo. Mas para Tommy, ainda não estava
perfeito. Ele fez, então, uma outra, com uma apresentação mais curta
e mais direta. Modicou, também, o mecanismo de funcionamento das
caixas. A segunda versão cou ótima. Na verdade, cou excelente. Mas
para Tommy, ainda não estava perfeito. Ele criou uma terceira versão,
5
Trecho traduzido por mim de uma entrevista com Rafael Benatar no livro Scrip-
ting Magic, escrito por Pete McCabe. Página 245.
SEÇÃO 6.3: INTERAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS 61
na qual em nenhum momento ele toca na caixa. Essa versão cou exce-
lente. Na verdade, cou perfeita. Mas para Tommy, ainda poderia ser
melhorada: o objetivo dele era desenvolver um método em que o próprio
espectador executasse as ações de abrir as caixas e, ao fazer isso, o reló-
gio entrasse para dentro das caixas, sem se dar conta disso. Infelizmente,
Tommy faleceu em 2006 e não pôde concluir essa meta. Mas não duvido
que ele conseguiria.
Número de mágica
7
Método Efeito Apresentação Estrutura
8
9 4
1
3
10 2
Fonte: elaboração própria.
6
Apesar de ter cado famoso nas mãos de Tommy Wonder, a versão original desse
número pertence ao mágico Oswald Williams.
SEÇÃO 6.3: INTERAÇÃO ENTRE OS ELEMENTOS 63
7
Na página 131, faço uma descrição completa da estrutura do número A Mágica
da Vida.
64 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA
8
Sim, é claro que existem exceções!
SEÇÃO 6.4: PERSPECTIVA PRÁTICA 65
A Mágica da Vida
9
O-beat é o momento em que a plateia está com a atenção relaxada, sem focar
atenção no que o mágico faz. Ver seção 8.1.2.
SEÇÃO 6.4: PERSPECTIVA PRÁTICA 67
dos números.
10
Ver Roberto Giobbi, Card College volume 1, capítulo 10.
68 CAPÍTULO 6: A ÓTICA INTERNA
Memória Extraordinária
Estratégias de maximização
Depois que um número está tecnicamente pronto e ensaiado, ele pode ser
executado para uma plateia. Mas será que o número já está da melhor
forma possível? Será que o número oferece à plateia todo o seu potencial?
Na maioria dos casos, ainda há como torná-lo mais impactante.
Gosto de classicar o impacto de um número de duas formas: o
impacto potencial e o impacto efetivo. O impacto potencial é o impacto
máximo que um número pode gerar, enquanto que o impacto efetivo é o
impacto que o número efetivamente gera. É verdade que:
1
A análise do impacto potencial é o ponto de partida para a discussão abordada
na seção 10.1.
2
Se você tiver oportunidade, assista Juan Tamariz executando o número Triple
Coincidence . Eu, particularmente, não consigo pensar em outra forma de apresentar
o mesmo número para causar um impacto ainda maior do que Tamariz consegue.
69
70 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
Outro exemplo é o número Fly , do David Coppereld. Ele conseguiu extrair o máximo
de impacto de uma levitação. Coppereld não levita. Ele voa.
SEÇÃO 7.1: PARTICIPAÇÃO DA PLATEIA 71
mais difícil de executar. Por que a rotina de bolas de, espuma descrita
na página 65, é tão impactante? Porque envolve o espectador na mágica!
As bolas atravessam a mão dele, aparece na dobra do braço dele e se
multiplicam na mão dele. Já vi algumas versões de rotinas com bolas
de espuma feitas apenas pelo mágico. Um exemplo é o clássica rotina
3
Duas na Mão e Uma no Bolso . Ninguém mais toca nas bolas, a não
ser o próprio mágico. Isso é um showmanship pobre, pois joga fora a
maior virtude das bolas de espuma, que é justamente deixar a mágica
acontecer com o espectador.
Outro exemplo clássico que geralmente incorpora participação da pla-
teia é a Carta Ambiciosa , número popularizado por Dai Vernon.
4 Va-
Carta Ambiciosa
3
A apresentação de Duas na Mão Uma no Bolso pode ser feita também com
moeda, com guardanapos, com palitos de fósforo, etc. É basicamente o mágico apre-
sentando três objetos ao espectador, sendo que dois deles vão para a mão do mágico
e um vai para o bolso. Quando o mágico pergunta quantos objetos ele tem na mão, o
espectador responde dois e ele prova que o espectador está errado, mostrando que
os três estão na mão dele. Isso é repetido mais uma vez. Na terceira vez, quando o
espectador supostamente já entendeu o que vai ocorrer, ele diz que o mágico tem três
objetos na mão. Quando o mágico abre a mão ela está vazia. O segredo do número é
apenas uma sequência de transferências falsas, sendo que, na terceira fase, o mágico
faz uma transferência falsa de dois objetos simultaneamente. Eu não gosto desse tipo
de abordagem em um número de mágica, pois ele gera um confronto entre o mágico e
o espectador. É como se o mágico estivesse querendo provar, a qualquer custo, que é
mais esperto. O espectador se sente rebaixado durante todo o número. Comentamos
sobre isso na seção 5.5.1.
4
Alguns armam, erroneamente, que foi o próprio Dai Vernon que inventou esse
número. Na verdade, pesquisas recentes indicam que Dai Vernon apenas adaptou o
número, que foi criado pelo mágico francês Gustav Alberti, para seu método próprio.
72 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
5
Em seu livro The Structural Conception of Magic , Ascanio utiliza o termo false
movements para todos os movimentos secretos que imitam um movimento verdadeiro,
e secret actions para todos os movimentos secretos que ocorrem por si só na ótica
da plateia o mágico não fez nada. Usando a terminologia do Ascanio, um controle
de ordem seria um secret action para a plateia, o mágico não fez absolutamente
nada com o baralho e um controle de desordem seria um false movement para
a plateia, o mágico embaralhou e/ou cortou as cartas.
SEÇÃO 7.2: AFIRMAÇÕES DISTORCIDAS 73
Um Pouco de Você
6
Peek ou Glimpse : espiar a carta. Técnica para saber a identidade de uma carta,
sem a plateia notar.
7
Roberto Giobbi, Card College volume 1, página 187.
76 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
• Eu quero tentar fazer isso sem tocar em nada e usando um pouco
de você.
Vale comentar algo importante: deve estar bem claro para o espec-
tador que a carta está na posição do nome dele, porque ele embaralhou
8
Para saber como descobrir o nome do espectador, veja a seção 7.6
SEÇÃO 7.2: AFIRMAÇÕES DISTORCIDAS 77
9
Juan Tamariz, Sinfonía en Mnemónica Mayor.
10
Se você tiver interesse sobre o embaralhamento faro, consulte Roberto Giobbi,
Card College volume 3. A abordagem do Giobbi é curta e eciente, boa pra inician-
tes. Para informações mais detalhadas, ver o volume 2 do livro que o Stephen Minch
escreveu sobre o trabalho do Alex Elmsley, The Collected Works of Alex Elmsley.
Alex Elmsley teve contribuição valiosa com a técnica faro de se embaralhar cartas,
principalmente no que diz respeito ao cálculo matemático envolvido nesse embara-
lhamento. Ed Marlo, em sua publicação Faro Notes, que é exatamente o capítulo 6
do livro The Revolutionary Card Techinique, uma coletânea de trabalhos do Marlo,
aborda com detalhes o embaralhamento faro e algumas fascinantes aplicações. Vale
ressaltar que aqui no Brasil temos o Rafael Tubino, estudioso do embaralhamento
faro, que inclusive realiza um workshop no assunto.
11
O número de out-faros necessários para fazer o baralho voltar ao normal varia
em função do número de cartas. Para um baralho com 52 cartas, 8 out-faros deixam
a posição das cartas inalteradas.
78 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
Vi, uma vez, uma apresentação do mágico Derren Brown, na qual ele
colocou, no canto do palco, um banco com uma banana em cima e disse,
ainda no começo do show, que alguém vestido de gorila entraria a qual-
quer momento para pegar a banana e ninguém perceberia. Passados uns
dez minutos, Derren chamou a atenção para a banana. Não estava mais
lá. Ele pediu à plateia que quem tivesse visto o gorila no palco pegando
a banana levantasse a mão. Ninguém levantou. Foi projetada no telão
a lmagem do show minutos antes: um gorila entrou no palco e pegou
a banana. Ninguém viu. Derren disse que iria fazer novamente. Depois
de uns minutos, deu para ver claramente um gorila entrando no palco.
A plateia grita O gorila! O gorila! O gorila para de andar, e quando
ele tira a máscara,... é o próprio Derren Brown.
Além do incrível domínio da atenção da plateia, Derren conseguiu se-
parar com maestria o momento do segredo do momento do efeito. Quem
vê pela primeira vez não consegue perceber o momento em que ele sai do
palco e se veste de gorila, porque ele desenvolveu o ato propositalmente
nesse sentido: o segredo ocorre antes de a plateia estar preparada para
ele ocorrer.
A plateia sempre acha que o segredo ocorre logo antes do efeito. Para
ela, a causa da mágica o suposto segredo, o método antecede em um
intervalo de tempo pequeno a consequência o fenômeno impossível que
ocorreu, o efeito. Se conseguirmos quebrar essa lógica, podemos despistar
a forma racional de pensar da plateia, e o número ca innitamente mais
forte.
13 Isso é uma grande vantagem!
12
Efeitos de mágica que simulam ser consequência de poderes mentais.
13
Ascanio também usa a técnica de criar um lapso temporal em seus efeitos. Em
seu livro The Structural Conception of Magic , ele chama esse lapso temporal de Pa-
renthesis of Forgetfulness momento em que o mágico executa outras ações e faz
uso do script para distanciar o segredo do efeito. Esse princípio é também chamado
SEÇÃO 7.3: LAPSO TEMPORAL E INTERVALO DE IMPORTÂNCIA 79
Ring Flight
Intervalo de importância
Causa Consequência
(ação secreta) (fenômeno)
Intervalo de importância
Consequência Causa
(fenômeno) (ação secreta)
Número Pensado
Efeito: o mágico diz ao espectador que vai tentar ler um pensamento dele.
Pede, então, que o espectador pense em um número qualquer, entre 0 e
1000. O mágico diz ter captado a informação e escreve o número em um
papel. Quando o espectador revela o número escolhido, é exatamente o
número escrito!
14
Os termos Nail Writer, Thumb Writer e Swami Writer se referem a pequenas
modicações de um mesmo equipamento. O conceito é exatamente o mesmo.
SEÇÃO 7.3: LAPSO TEMPORAL E INTERVALO DE IMPORTÂNCIA 85
15
A monotonicidade será estudada mais adiante (no nal da seção 8.1.2) como uma
das técnicas não mecânicas de ganhar e perder atenção da plateia.
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 87
16
Existe uma excessão para essa regra. Na seção 8.1.2, serão discutidas aplicações
e também os perigos do uso proposital da queda de interesse com o intuito de se
executar um movimento secreto.
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 89
como se fosse algo trivial. Para que o clímax exista, não basta apenas
executar algo impossível. O mágico deve preparar o terreno e estabelecer
condições que o viabilizam.
Para explicar melhor o que estou querendo dizer, vamos analisar al-
guns dos números utilizados como exemplo até então:
Se você leu o script da rotina na página 170, deve ter reparado que
existe um momento em que o mágico falha ao tentar teletransportar
uma bola de sua mão para a mão do espectador. Isso é claramente uma
etapa mais fraca que a anterior, mas é justicada pelo fato de criar um
momento de tensão e de consecutivo relaxamento, necessário para, logo
em seguida, colocar a bola na dobra do braço do espectador, sem que
esse perceba. Essa técnica de tensão e relaxamento será discutida em
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 91
Triunfo
17
Stars of Magic era uma série que publicava manuscritos dos mágicos mais famosos
na categoria close-up entre 1940 e 1950. Hoje, os direitos autorais dos manuscritos
estão nas mãos do mágico norte-americano Meir Yedid.
18
Embaralhamento criado por volta de 1940 pelo mágico Herb Zarrow, encontrado
em detalhes no volume 3 do livro Card College, do Roberto Giobbi.
94 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
19
Uma explicação detalhada do Pull-Through Shue pode ser encontrada no livro
Card College volume 3, do Roberto Giobbi.
20
A versão de Dani DaOrtiz chama-se Trinfo en Abanico.
21
Esse número está no livro Card Fictions , em inglês; ou Cartocciones, em es-
panhol. É um dos melhores livros de cartomagia que já li até hoje. Simplesmente
fantástico.
SEÇÃO 7.4: GRADAÇÃO DE INTERESSE E CLÍMAX 95
O excesso no impacto
Os Covilhetes
22
Dai Vernon, Johnny Ace Palmer, Jason Latimer, Tim Ellis, Ferenc Galambos,
Michael Ammar, David Williamson, Tommy Wonder, Gazzo, etc.
96 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
Personagens: o mágico.
Fenômeno: penetração.
Propósito: demonstração.
Prova: três bolas atravessam o fundo de um copo.
Comentários técnicos: como disse, essa é uma versão bem simples
entre muitas outras que essa rotina oferece. Eu até já vi esse número
à venda em kits de mágica para crianças. Por isso, não vou descrever
passo à passo o procedimento mecânico, pois isso ocuparia tempo des-
necessário. Basta saber que, na verdade, são utilizadas quatro bolas, e
o mágico as manipula de forma que a plateia sempre vê três. Nessa ver-
são simplicada do Cups and Balls, não é preciso nenhuma transferência
falsa, nenhuma varinha mágica e nenhuma das várias técnicas utilizadas
em outras versões mais complexas do número.
Acredito que não é preciso pensar muito para entender que esse nal
é completamente inconsistente com o número. Quando a quarta bola
aparece, o espectador não sabe de onde ela veio. Ok. Mas ele sabe que
você tinha uma quarta bola escondida o tempo inteiro e, por isso, foi
criada a ilusão de que as bolas atravessaram os copos. Mostrar a quarta
bola no nal é destruir todo o efeito do que foi apresentado. Deveria
parecer óbvio.
23
Baralho muito vendido em kits de mágica para crianças. É composto de 26 cartas
diferentes e 26 cartas iguais. Vamos supor que as cartas iguais sejam todas ás de es-
padas. Todos os ases de espadas possuem a borda superior cortada milimetricamente
menor que as demais cartas, de forma que, ao abrir as cartas em cascata, é possível
mostrar o baralho inteiro com cartas diferentes ou, caso mude a posição do baralho,
mostrar o baralho inteiro formado por ases de espadas.
24
Point Blank, encontrado no vídeo Pyrotechnic Pasteboards.
98 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
destruída.
Vi, uma vez, uma rotina de cartomagia que enganou meu raciocínio
completamente. Não tive ideia de como foi possível executar certas partes
da rotina. Quando fui ver o segredo, o mágico usou, em uma parte da
rotina, um Baralho Rádio. Mas ele foi esperto: em momento algum
ele mostrou o que os mágicos mais conhecem do Baralho Rádio, que
é o baralho inteiro car da mesma carta. Esse mágico usou o Baralho
Rádio para outro propósito e conseguiu despistar, inclusive, os mágicos.
O segundo exemplo é uma rotina composta por dois números de
cartomagia executados consecutivamente. A rotina pode ser descrita da
seguinte forma: o mágico entra em cena com um baralho, executa o
número da Carta Ambiciosa , e, como clímax nal, executa o número
Carta no Teto.
Segue abaixo o número Carta no Teto, em uma situação na qual é
apresentada de forma independente:
Carta no Teto
Efeito: o mágico diz que quer deixar uma marca permanente no local do
show. Para isso, pede ao espectador para escolher uma carta do baralho
e assinar seu nome na face. A carta é posta claramente no centro do
baralho, e o baralho é posto nas mãos do espectador. O mágico mostra
um elástico de prender dinheiro e o entrega para exames. O elástico
é usado para amarrar o baralho, de forma que todas as cartas quem
presas. O mágico pega o baralho e o lança para cima, até atingir o
teto. O baralho todo cai, mas uma carta ca pregada no teto: a carta
assinada.
Grande parte dos números de mágica são construídos para causar sur-
presa à plateia. A ideia comum é que um fato inesperado gere um im-
pacto maior no número.
Vou dizer uma coisa que contradiz o que você deve já deve ter ouvido.
Aprendi por experiência própria, resultados puramente empíricos: a pla-
100 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
teia não gosta de surpresas. Para ser mais preciso, ela não consegue
absorver uma surpresa.
Note que o objetivo é fazer com o que o espectador antecipe uma ação
e não fazer com que ele a adivinhe. No exemplo das bolas de espuma, a
aparição da terceira bola é uma surpresa antecipada. O espectador sabia
que algo estava por vir, mas não sabia exatamente o quê.
Veja que uma surpresa controlada requer um domínio da atenção do
público. No capítulo 8, vou discorrer melhor sobre esse assunto.
Números que envolva o fenômeno transposição, a surpresa anteci-
pada é bastante utilizada. Veja alguns exemplos de números clássicos
que seguem essa linha:
pois ela ca o tempo inteiro nas mãos da plateia desde o começo do
número. Em minha rotina, uma carta escolhida e assinada, de repente,
ca com a face completamente branca. A plateia logo quer saber onde
foi parar a carta assinada. Eu desenvolvi a rotina para que o espectador
suspeite que a carta está na carteira. O espectador cria essa ideia, mas
duvida dela, pois seria impossível qualquer objeto aparecer dentro da
carteira que ele próprio está segurando. É nesse ponto que eu abro a
carteira, com ambas as mãos vazias, e de dentro dela eu retiro outra, de
tamanho menor, tornando o número ainda mais impossível. Abro tam-
bém a carteira menor e dentro dela há um compartimento com um zíper.
De dentro do compartimento eu tiro uma carta. O dorso é o mesmo do
baralho que eu estava utilizando. O espectador ca na dúvida se a carta
é a carta assinada. Esse é o momento em que viro a carta e revelo a
assinatura: CLÍMAX!
25
Vários outros mágicos desenvolveram sistemas diferentes para a carta na carteira:
Fred Kaps, Barry Price, Steve Draun, etc.
SEÇÃO 7.6: MOMENTOS SIMBÓLICOS 103
nome de uma pessoa é para ela o som mais doce e importante que existe
em qualquer idioma.
Já reparou que quando alguém o chama pelo nome, você se sente
mais importante? Lembro muito bem de estar assistindo aula na facul-
dade, e uma professora, da quem não tinha a mínima ideia sobre ela
ter conhecimento de minha existência, se referiu a mim pelo nome: Gui-
lherme. Seria eu mesmo? Seria impossível não car contente por ter sido
chamado pelo nome.
Usar o nome do espectador para fazer um número de mágica é uma
estratégia extremamente inteligente. Eu uso algumas formas para des-
cobrir o nome de alguém, quando estou fazendo mágica. Talvez possa
aproveitar algumas delas:
26
Você pode assistir esse efeito no vídeo The Las Vegas Card Expert, do próprio
Ackerman, ou então no vídeo Easy to Master Card Miracles volume 5, do Michael
Ammar.
SEÇÃO 7.6: MOMENTOS SIMBÓLICOS 105
Efeito: o mágico põe uma carta qualquer do baralho na mesa. Lá, ela
ca. O espectador escolhe outra carta do baralho, sem olhar por en-
quanto. O mágico pede ao espectador para introduzir a carta, sem olhar
ainda, em qualquer lugar do baralho, deixando metade dela para fora.
Feito isso, o mágico diz que é hora de ver a carta escolhida. Quando ele
vira a carta do espectador, deixando-a na posição escolhida, descobrem
que a carta é um ás de ouros. Por incrível que pareça, a carta que estava
na mesa durante todo o tempo é um ás de copas, exatamente a carta
gêmea do ás de ouros. O mais surpreendente é que, apesar de ter sido
o espectador que deniu o local onde o ás de ouros caria, ele escolheu
colocá-lo justamente entre os outros dois ases!
A Vida, As Cartas
Comece com os quatro ases no topo. Se você tiver feito outro número
com os ases antes, controle-os para o topo. Caso esse seja o primeiro
número, use oHofzinser Spread Cull ou qualquer outro método, como o
Green Angle Separation, do Lennart Green, ou Lorayne's Great Divide ,
do Harry Lorayne, ou qualquer outro com o qual você se sinta seguro.
Agora que os ases estão no topo, certique-se de que os ases de cores
iguais estejam juntos, lado a lado. Faça um corte e mantenha um break.
E procedimento é feito enquanto eu explico sobre o que é o conceito de
cartas gêmeas e falo sobre a interação entre o passado, o presente e o
futuro. É tempo de sobra.
Diga ao espectador que ele vai começar com o passado. Peça para ele
escolher uma carta, mas force a carta do break. Essa carta é o primeiro ás,
o que estava no topo do baralho. Diga que todos conhecem o passado,
então ele deve deixar a carta com a face para cima na mesa. Corte
novamente o baralho no break, devolvendo os três ases para o topo. Faça
algum corte ou embaralhamento falso, se quiser. Note que o ás do topo
agora deve ser da mesma cor do ás que acabou de ser forçado.
27
O mágico venezuelano Rafael Benatar possui uma interessante variação desse
movimento. O baralho, em vez de car nas mãos do mágico, ca aberto em faixa na
mesa.
28
Uma carta está out-jogged quando ela está com uma porção para fora do baralho
no sentido da plateia. Uma carta está in-jogged quando ela está com uma porção
para fora do baralho no sentido do mágico.
108 CAPÍTULO 7: ESTRATÉGIAS DE MAXIMIZAÇÃO
1
Dariel Fitzkee, Magic by Misdirection, página 185. Tradução minha.
2
Essa é a denição genérica de misdirection feita pelos livros introdutórios. Como
veremos adiante, existe um problema conceitual nessa denição.
109
110 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
Fonte de informação
O que leva a plateia a compreender um número de mágica do início ao
nal e, consequentemente, o show inteiro são as fontes de informações
que ela absorve. A fonte de informação, como o próprio nome diz, é o
canal que traz informação à plateia. Em cada momento do número, a
plateia está sujeita a uma fonte de informação. Quando o mágico faz sua
assistente levitar, a fonte de informação é o corpo da assistente. Quando
o mágico fala, a fonte de informação é seu rosto, mais precisamente sua
boca. Quando o mágico embaralha as cartas, a fonte de informação é
o baralho. Em outras palavras, a fonte de informação é o lugar
para o qual mágico quer que a plateia olhe.
Uma teoria diz que não se processa mais de uma fonte de informação
ao mesmo tempo. Caso a plateia esteja sujeita a mais de uma fonte de
informação, é impossível para o mágico saber qual delas será processada,
uma vez que elas competem entre si. Isso pode criar uma confusão na
mente do espectador. Repito a famosa frase de Dai Vernon, Confusion
is not magic.
Veja um exemplo prático. Na página 65, explico minha rotina com
bolas de espuma, que chamo de A Mágica da Vida , cujo script completo
está na página 170. Começo o número perguntando à plateia que objeto
ela acha que estou segurando (na verdade é um ash paper ). Nesse mo-
mento, a fonte de informação é meu rosto, especicamente meus lábios.
Assim que faço a pergunta, co em silêncio deixando a plateia olhar para
minha mão e formular uma resposta. Fico em silêncio, pois sei que agora
a fonte de informação é minha mão segurando o objeto. Eu quero que
as pessoas olhem para o papel e não para meu rosto.
Logo em seguida, falo: Na verdade, isso não é um simples pedaço
de papel. É um aglomerado de células de celulose geneticamente mo-
dicadas. Nesse momento, a fonte de informação precisa voltar a ser
meu rosto. Repare, no script, que falo isso antes da queima do ash
paper e não durante. Se eu falar no mesmo momento em que queimo o
ash paper, é óbvio que a claridade emitida pelo fogo vai chamar mais
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 111
atenção do que minha voz. A plateia, muito provavelmente, não vai pro-
cessar minhas palavras, pois ela foi exposta a duas fontes de informações
distintas.
Para entender melhor a importância das fontes de informações, lembre-
se da teoria que apresentei no capítulo 2 sobre a Trilha da Ilusão . A
plateia faz suposições a respeito de tudo a ela exposto, suposições que,
evidentemente, se originam das próprias fontes de informações que ela
processa. Sabendo disso, o mágico deve elaborar com cuidado as
fontes de informações do número, de forma a induzir a plateia a
criar as corretas suposições, precisamente aquelas que ele quer.
Durante a apresentação do número Vanishing Bottle (já utilizado
como exemplo no próprio capítulo 2), o mágico pega uma garrafa e a
coloca dentro de uma sacola de papel. Nesse momento, a fonte de infor-
mação só pode ser uma: o conjunto formado pela sacola de papel, pela
garrafa e pelas mãos do mágico. Essa fonte de informação faz a plateia
supor que a sacola é de papel, que a garrafa é de vidro e que a garrafa
está sendo posta dentro da sacola. Essas três suposições, verídicas ou
não, são fundamentais para que o número tenha impacto. Caso haja
outro acontecimento no palco, atuando como uma segunda fonte de in-
formação e competindo pela atenção da plateia, os espectadores podem
não prestar atenção àquilo que o mágico desejaria que ela prestasse, e o
número, com certeza, seria um fracasso.
Centro de interesse
Se a fonte de informação representa o foco para onde o mágico quer que
a plateia olhe, o centro de interesse é aquele para onde a pla-
teia quer olhar. Diversos motivos, conscientes e inconscientes, podem
atrair a atenção dos espectadores: cor, luz, som, estética, humor, lin-
guagem corporal do mágico, movimento, características do personagem,
etc. Cabe ao mágico fazer uso desses elementos para conquistar a aten-
ção da plateia. É importante lembrar, no entanto, que nada permanece
como centro de interesse por muito tempo. Sempre chega o momento da
monotonicidade, quando a plateia perde o desejo de dar atenção a deter-
minada coisa ou a determinado lugar. Apesar de parecer uma situação
sempre ruim, há casos em que o mágico precisa alcançar a monotoni-
cidade. Estudaremos melhor a técnica da monotonicidade adiante, na
seção 8.1.2.
É óbvio que, em uma performance ideal, a fonte de informa-
ção de cada momento deve coincidir com o centro de interesse,
de modo que o foco para o qual o mágico deseja a atenção dos especta-
112 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
dores seja justamente o ponto para onde eles querem olhar. Repare na
sutileza dessa denição. Não se trata, simplesmente, daquilo a que os
espectadores dão atenção, mas sim daquilo a que eles querem dar aten-
ção. Fazer a plateia olhar para determinado lugar é fácil. Difícil é fazer
ela querer olhar para determinado lugar. É como a antiga brincadeira
de dizer para os amigos olhe o elefante rosa! No primeiro momento,
todos olham, mas depois que a pessoa percebe que foi enganada, jamais
vai cair na armadilha novamente. Quando se trata de um número de
mágica, as consequências são mais severas: além de o espectador não
mais cair nessa estratégia, ele percebe que perde uma parte crucial do
número, justamente o momento do segredo. Ele pode não saber o que
ocorreu enquanto olhava em outra direção, mas sabe que ocorreu alguma
coisa. A atmosfera mágica é completamente destruída, e os espectadores,
frustrados, não estarão mais convencidos
3 da ilusão.
Portanto, é dever do mágico fazer com que a plateia queira dar aten-
ção às fontes de informações, para ela não se sentir enganada. A plateia
jamais deve pensar que foi induzida a olhar em determinada direção.
Ela jamais deve questionar os lugares para onde ela deu atenção, muito
menos se decepcionar com eles. A fonte de informação em um determi-
nado instante deve sempre coincidir com o centro de interesse daquele
instante.
3
A palavra convencidos se refere à semântica adotada na seção 5.2.
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 113
4
Quando se trata de cativar a atenção da plateia por meio da estética, o bonito e
o feio são interessantes. Basta fugir do comum, fugir do normal.
114 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
plateia está relaxada, com pouca atenção no que o mágico está fazendo.
Já z referência a essa palavra na página 66.
É importante frisar o seguinte: sempre que a atenção da plateia es-
tiver relaxada, é preciso, logo em seguida, concentrá-la. A atenção da
plateia deve sempre ser guiada para um determinado caminho,
de forma que nenhum espectador que com o pensamento solto.
Mesmo que seja interesse do mágico relaxar a atenção por um
certo momento, é preciso retomá-la logo em seguida. Se a plateia
car muito tempo relaxada, torna-se cada vez mais difícil reconquistar
sua atenção.
A estratégia de relaxar a atenção possui certos inconvenientes. Um
deles é que ca impossível controlar para onde os espectadores estão
olhando, se eles estiverem com a atenção relaxada. Há a possibilidade
de um ou mais espectadores, por acidente, olhar justamente para onde
o mágico não queria. Se ele relaxa a atenção da plateia para empalmar
uma carta com sua mão direita, existe uma probabilidade, por menor
que seja, de alguém olhar justamente para sua mão direita e perceber
o empalme sendo executado. A ideia é que, se a atenção é relaxada, o
olhar das pessoas circula por diferentes locais e pode cair justamente no
local errado.
Uma forma de evitar que isso ocorra é esperar o instante certo para
relaxar a atenção da plateia e executar o movimento. Caso se perceba
que existem pessoas olhando para onde não devia,
5 o mágico deve manter
5
É óbvio que isso só faz sentido quando o mágico consegue enxergar com nitidez
seus espectadores, geralmente em uma situação de close-up. Em um show com muitas
pessoas, ainda mais se a plateia estiver mal iluminada, ca impossível para o mágico
perceber para onde as pessoas estão olhando. Apesar de não conseguir enxergar cada
espectador, o mágico pode, da mesma forma, planejar suas ações a m de conduzir o
olhar da plateia.
116 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
6
Gag é uma palavra em inglês, que já virou um jargão comum entre os mágicos,
inclusive brasileiros. Uma gag pode ser uma frase, uma piada, uma situação, uma
pergunta, uma imagem ou qualquer perspicácia de humor.
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 117
Monotonicidade
A monotonicidade é uma técnica diretamente derivada do relaxamento
da atenção. Essa técnica funciona porque a plateia, sempre que acha
algum ponto monótono, relaxa a tenção nesse ponto um objeto, um
local, ou uma ação. Assim, é possível fazer com que um ponto interes-
sante deixe de ser o centro de interesse, deixe de cativar a atenção da
plateia.
Alguns mágicos são críticos quanto ao uso da monotonicidade como
meio de relaxamento da atenção. A fundamentação dessa crítica é a
seguinte: se o mágico quer tirar a atenção da plateia do ponto X, em
vez de tornar a apresentação monótona e relaxar a atenção nesse ponto,
é melhor que ele concentre a atenção dela em um ponto Y, distante do
ponto X. A monotonicidade, então, implica um custo muito alto: a pla-
teia perde o interesse no número. Em minha opinião, esse argumento faz
todo sentido e muitas vezes, de fato, outros recursos que não tornem a
apresentação monótona são preferíveis. Porém, acredito que seja possível
limitar o foco da monotonicidade em determinados pontos lugar, ob-
jeto ou ação , como cobertura para movimentos secretos e não tornar
o número monótono. Mesmo que o leitor não seja um total adepto dessa
técnica, estudar a monotonicidade pode ajudar, ao menos, para evitá-la.
A principal forma de tornar uma ação monótona é por meio do ex-
cesso de repetição. Mágicos constantemente fazem uso de excesso
repetição para retirar a atenção da plateia. Veja alguns exemplos práti-
cos:
• Todo mágico que executa a técnica de false deal 7 está fazendo uso
7
False deal é um termo universalmente utilizado não apenas por mágicos, mas
também por acionados por trapaças com cartas. Como o nome já indica, consiste
em falsamente distribuir cartas para os jogadores, isto é, manter a aparência de que
as cartas estão sempre saindo do topo do baralho. Na verdade, as cartas podem ser
distribuídas de uma segunda posição (second deal ), da última posição (bottom deal ),
SEÇÃO 8.1: CONTROLE DA ATENÇÃO 119
Acho que parece razoável adotar essa regra apenas quando a con-
centração e o relaxamento estão sendo utilizados como cobertura para
movimentos secretos. Nesse caso, quanto menos melhor, pois isso impede
a plateia de perceber o uso proposital dessas técnicas para benefício do
mágico. Porém, quando elas são utilizadas para reforçar o impacto do
número, isto é, utilizadas como estratégia de maximização, não vejo o
porquê da restrição. Quanto mais tensão for construída, mais expecta-
tiva é gerada e mais impacto terá o efeito nal.
8.2 Misdirection
Agora que os conceitos de fonte de informação, centro de interesse,
concentração e relaxamento já estão bastante claros, podemos iniciar
nosso estudo a respeito da técnica de misdirection.
Sem sombra de dúvidas, misdirection é uma das técnicas mais co-
mentadas e discutidas pelos mágicos. Está presente em quase todos os
livros sobre a Arte Mágica, desde os mais básicos até os mais avançados.
É considerada a peça fundamental para que qualquer número de mágica
tenha sucesso.
O renomado mágico Jean Hugard disse:
Misdirection revisitado
Do inglês, misdirection é uma palavra composta de duas partes: mis,
que signica perda; e direction, que signica direção. Misdirection,
SEÇÃO 8.2: MISDIRECTION 121
É por esse motivo que eu disse, no início deste capítulo, que para
compreender a técnica de misdirection, é preciso, primeiro, compreender
o comportamento da atenção, isto é, como a atenção se concentra e como
ela relaxa. Depois que se entende como a atenção cresce e se dissipa, é
mais fácil compreender como ela pode ser redirecionada.
Apesar de o conceito de misdirection ser apenas um, essa técnica pode
ser estudada em várias situações distintas. Para garantir uma abordagem
mais detalhada, optei por dividir essa seção em subseções, cada uma
tratando de um caso especíco de misdirection. No entanto, é importante
ter em mente que cada um desses casos corresponde, apenas, a uma
particularização do caso geral, ou seja, o objetivo continua sendo estudar
o redirecionamento da atenção dos espectadores.
Dai Vernon disse uma vez que O movimento maior cobre o mo-
vimento menor.
8 O motivo pelo qual isso é verdade é que, no-
vamente, o movimento é fonte de interesse. Quando há dois mo-
vimentos simultâneos, um pequeno e o outro maior, é claro que
a plateia consegue notar apenas o maior. Sabendo disso, o má-
gico pode, por exemplo, segurar um garfo com a mão esquerda e
entortá-lo, sem que a plateia perceba, se ele utilizar essa mesma
mão para arregaçar a manga do braço direito. Essa regra explica
também o sucesso do topit,9 ou seja, a desaparição e a aparição de
objetos sempre ocorrem cobertas por um movimento maior com os
braços.
Uma vez que eles pensam que é uma gag, eles fecham a
mente.
10
Isso demonstra que o mágico pode fazer uso de frases com humor para
redirecionar a atenção do espectador para outro ponto, fora de onde ele
pretende fazer o movimento secreto.
10
A frase original é Once they think it's a gag, they close o their brains .
124 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
11
O force em cruz é um dos métodos mais fáceis de se forçar uma carta. Apesar
de sua simplicidade, é ainda utilizado por muitos mágicos, inclusive pelo Michael
Ammar. Para mais detalhes sobre esse force, consulte o livro do Roberto Giobbi
Card College, volume 1, página 85.
12
Em inglês, é utilizado o termo thematic misdirection .
126 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
É claro que qualquer pessoa que ouvisse essa história jamais saberia
o nome do protagonista (lendo é mais fácil de perceber), pois ninguém
dá atenção a esse fato. O ouvinte pode até mesmo fazer as contas ma-
temáticas na cabeça e saber que o saldo nal do Pedro é de 205 reais,
mas jamais iria lembrar que o protagonista se chama Pedro. A história é
contada como se os objetos comprados e seus respectivos valores fossem
importantes, e o nome do protagonista fosse irrelevante. Sua mente foi
enganada.
8.3 Naturalidade
ser natural, que é preciso agir com naturalidade. Mas anal, o que é ser
natural?
13
A frase original é Be natural .
128 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
Espelhamento
O espelhamento é uma técnica utilizada para evitar que uma ação se
torne um centro de interesse. Quando uma ação é independente, isto é,
quando uma mão se move sozinha independente de outra, o movimento
imediatamente chama atenção da plateia. Quando as ações são espe-
lhadas, ou seja, quando as duas mãos executam o mesmo movimento
simultaneamente, a atenção da plateia é dividida entre os dois movimen-
tos ou até mesmo diminuída. Dessa forma, o espelhamento é uma técnica
diretamente relacionada à naturalidade.
e apenas a mão esquerda fosse para o bolso efetuar a troca, esse movi-
mento despertaria a atenção da plateia. Quando a ação é espelhada, ela
parece ser mais casual.
14
Comentei sobre esse procedimento anteriormente, na página 116. Quando a aten-
ção for retomada, é preciso voltar à mesma conguração visual que existia antes.
Dessa forma, a plateia não percebe que ocorreu algo durante o momento de o-beat.
SEÇÃO 8.4: ESTRUTURA 129
8.4 Estrutura
A estrutura de um número
Como disse muitas palavras atrás, mesmo que a parte técnica do número
esteja perfeita, é ainda possível a plateia descobrir como o número foi
feito. Usando as terminologias da seção 5.2, podemos dizer que existe a
possibilidade de a plateia acreditar no método, mas não se convencer
do fenômeno. A estrutura, a apresentação e as técnicas, como o mis-
direction, todos servem para atuar no psicológico da plateia e garantir
que o número tenha sucesso. Porém, o que diferencia a estrutura desses
demais fatores também psicológicos é que a estrutura existe antes
mesmo do momento de performance. Todos os outros fatores que
interferem na psique da plateia só podem existir durante a performance:
não é possível intensicar ou relaxar a concentração da plateia sem estar
executando algum número, muito menos criar um momento de o-beat.
A estrutura, por sua vez, existe antes mesmo do momento de perfor-
mance, pois ela é inerente à forma como o número foi construído e não
como o número é apresentado.
Quando os mágicos tentam tornar seus números mais fortes, na maio-
ria das vezes eles investigam o que há de errado com as técnicas mecânicas
ou então com o misdirection. Se a plateia não está convencida de que um
objeto sumiu, por exemplo, o mágico logo procura melhorar sua técnica
mecânica (um empalme por exemplo) ou então melhorar seu desvio de
atenção. Muitas vezes, porém, o problema pode estar na forma como
o número foi construído, e uma alteração nas técnicas seria inecaz. A
verdade é que um número ruim tem grande probabilidade de ser um
130 CAPÍTULO 8: TÉCNICAS NÃO MECÂNICAS
Vamos ver outro exemplo. Na página 65, dei o exemplo de uma rotina
com bolas de espuma. Na apresentação da maioria dos mágicos, uma
bola desaparece segundos depois de um falso depósito. Como um falso
depósito com bolas de espuma, mesmo que bem feito, dicilmente é um
movimento completamente natural, o espectador pode ter ideia do que
ocorreu, pois ele conecta o momento em que a bola sumiu ao movimento
que achou levemente estranho. Se não houver outras estratégias para
despistar o raciocínio do espectador, o efeito mágico se enfraquece.
Sabendo disso, estruturei o número de forma que todos os passos de
falso depósito fossem cobertos com outras ações, tornando simplesmente
impossível da plateia perceber minha mecânica. Veja:
1. Primeiro falso depósito: coloco uma bola em cada mão e elas ter-
minam juntas, na mesma mão. Quando minha mão direita faz o
falso depósito na mão esquerda, ela imediatamente, com a bola
empalmada, pega a segunda bola na mesa com os dedos indicador
e polegar. Nesse momento, a atenção da plateia está na segunda
bola e não na minha mão direita, que está fechada. A segunda bola
também ca dentro da mão direita, junto com a primeira. Quando
eu abro minhas duas mãos, as duas bolas estão juntas;
A plateia vê apenas duas, mas minha mão direita está com uma
terceira empalmada. Cada mão segura uma bola com o indicador
e o polegar. Novamente, essa posição é um motivo plausível para a
mão direita car fechada, com uma bola secretamente escondida.
Quando coloco a bola da mão direita na mão do espectador, adi-
ciono secretamente a bola empalmada. Agora o espectador está
segurando duas bolas, mas acha que é apenas uma. Para fazer
a bola que está comigo desaparecer por meio de um falso depó-
sito, teria que deixar a bola empalmada na mão direita. Mas seria
muito difícil justicar a mão direita estar fechada, porque agora
não tenho nenhuma bola disponível para car segurando. A solu-
ção que criei foi fazer o falso depósito da mão direita para a mão
esquerda e, imediatamente, segurar o antebraço do espectador (an-
tebraço esquerdo) com minha mão direita. Para a plateia eu estou
segurando rmemente o antebraço para mantê-lo parado enquanto
tento pressionar a bola para atravessar a mão do espectador. Mas
obviamente, isso é apenas um motivo para minha mão direita não
car à toa, em uma posição que não seria nada natural.
8.5 Timing
Timing é um termo em inglês, porém universalmente utilizado pelos má-
gicos. Por ser um conceito bem subjetivo, é difícil explicar em palavras.
Uma denição simples, mas eciente, é a feita por Ascanio:
15
The Structural Conception of Magic, página 60.
SEÇÃO 8.5: TIMING 133
135
Capítulo 9
Apresentação de um número
1
Esse modelo vem sendo debatido desde os anos 70 (ver, por exemplo, Hall 2005),
mas continua sendo válido para os propósitos deste livro.
137
138 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO
canal
emissor mensagem receptor
feedback
Bem, o que isso tem a ver com a Arte Mágica? Tudo. Como foi discutido
no capítulo 1, fazer arte é criar, é expressar aquilo que se cria. Arte
é a expressão da criatividade em qualquer forma, seja na pintura, na
escultura, na literatura, na dança, na fotograa ou em um número de
mágica. Logo, qualquer forma de arte é um processo de comunicação.
A maior prova de que a execução de um número de mágica é um
ato de comunicação é o fato de que é possível interagir com pessoas
SEÇÃO 9.2: O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO NA ARTE MÁGICA 139
Emissor o mágico;
Receptor a plateia;
Mensagem demonstração;
2
Para compreender melhor como o mágico pode fazer uso de gestos, de expressões
faciais e de sua linguagem corporal para comunicar-se com o público, consulte o
fabuloso livro Los Cinco Puntos Magicos escrito por Juan Tamariz.
140 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO
mágica
mágico propósito plateia
feedback
a plateia acreditou ou ficou convencida?
Emissor o mágico;
Não quero dizer, de forma alguma, que você deve seguir seu script
de cabo a rabo. Se você zer isso, a plateia vai perceber, por exem-
plo, a estrutura mecânica da frase, a falta de naturalidade no diálogo.
Duvido que você nunca tenha participado de alguma palestra na qual
o palestrante parecia um robô falando. Já vi isso milhares de vezes; é
entediante.
que comentei ao longo do livro. Como disse na seção 5.6, não vejo pro-
blema algum em pegar ideias de apresentação, de abordagens e de efeitos
mágicos de outros artistas. Grande parte das estruturas de números que
caram famosos são baseadas em ideias de outros mágicos (dei o exem-
plo do Baralho Invisível na seção 5.6). Se você aproveitar alguma coisa
de meus scripts, ótimo! Vou car feliz. Mas por favor, não cometa plá-
gio, não copie. Plágios de script são facilmente percebidos. Invista em
suas ideias; será muito mais proveitoso. Eu garanto! Lembre-se de que
o script deve sempre estar de acordo com a personalidade do mágico.
Copiar o script de outro mágico é o caminho para o fracasso. É como
tentar ser mais elegante vestindo a roupa de outra pessoa. Uma roupa
que ca bonita em alguém pode não car bonita em você, pois é muito
provável que você tenha um porte físico diferente e um estilo de se vestir
diferente.
Falar esse trecho mentalmente garante que você vai apresentar uma
expressão facial como se realmente estivesse procurando alguma falha
na ordem das cartas. Se o espectador não se convencer de que você
realmente memorizou a ordem das cartas, o número inteiro vai por água
abaixo: ele pode não saber como você encontrou a carta escolhida, mas
vai ter certeza de que não foi por meio de sua memória.
{ 5 - Apresentação
Como?
O que se sente
4 - Emoções O oculto
(o que sustenta)
{ 3 - Método
Que?
A base de tudo
2 - Efeito
{
Quem?
1- Personagem
(Ler sempre de baixo para cima)
3
Juan Tamariz explicou seu modelo da Pirâmide Mágica em seu Seminario sobre
El Arte de La Magia , em Lima, Peru. A gura 9.3 é uma réplica do desenho feito
pelo próprio Tamariz em sua nota de conferência. Nenhum dos termos originais foi
alterado.
4
A Pirâmide Mágica do Roberto Giobbi pode ser encontrada no volume 4 da
coleção Card College, de sua autoria.
148 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO
A Regra de Ascanio
5
Logo em seguida, na seção 10.1, esse ditado será discutido de forma mais minu-
ciosa.
6
Escrito em 1806, pelo lósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel.
150 CAPÍTULO 9: APRESENTAÇÃO DE UM NÚMERO
Pessoa
Arte Mágica
Método Efeito
7
Não vou comentar a respeito de cada um desses elementos, pois eles foram dis-
cutidos no modelo anterior de pirâmide e também no capítulo 6.
Capítulo 10
Selecionando o repertório
Por outro lado, por melhor que seja a apresentação do mágico, ele ja-
mais vai conseguir superar o impacto potencial do número. Esse impacto
é uma qualidade xa que depende, fundamentalmente, dos elementos que
constituem o número (ver gura 6.1). Acreditar que o único fator ca-
paz de aumentar o impacto é a apresentação é enxergar apenas um lado
da moeda. Existem outros fatores, também de crucial importância, que
151
152 CAPÍTULO 10: SELECIONANDO O REPERTÓRIO
1
Já discutimos os conceitos de efeito, método, estrutura e apresentação no
capítulo 6.
SEÇÃO 10.2: PENSAMENTO DE UM ECONOMISTA 153
Não lembro onde li uma entrevista com Fabrini, da dupla Vik e Fabrini,
na qual ele falava das perspectivas da dupla para o futuro. O que me
chamou a atenção na entrevista foi um testamento de Fabrini, dizendo
que, se fosse preciso fazer poucos segundos de malabarismo em algum
momento do show, ele estudaria malabarismo até atingir a perfeição.
Isso identica um pensamento que contraria a prática de muitos má-
gicos. A maioria dos praticantes da Arte Mágica deixa de melhorar a
qualidade de um número ou de uma performance, para não arcar com os
custos envolvidos. O pensamento comum é que não vale a pena aumen-
tar o impacto de um número se os custos envolvidos
3 aumentarem mais
2
Outros mágicos também executam esse mesmo efeito de forma bastante convin-
cente. A versão de Penn and Teller é também muito curiosa.
3
Não me rero a custos nanceiros. Rero-me a custos de dedicação pessoal:
treino, comprometimento, ensaio, etc.
154 CAPÍTULO 10: SELECIONANDO O REPERTÓRIO
seu show. Se for necessário treinar anos para aperfeiçoar uma técnica, e
se essa técnica for essencial para executar um determinado número, que
assim seja. O que importa é o efeito nal, tal como será percebido pela
plateia.
Uma das lições mais importantes que aprendi nesses anos de estudo da
Arte Mágica é o quão importante é ser simples. O quão importante é,
para um mágico, fazer efeitos simples. Nesse contexto, a palavra sim-
ples se refere à percepção que a plateia possui do número. Um
número é tanto mais simples quanto mais fácil for para a plateia assimilar
seu conteúdo e desfrutar do fenômeno impossível. Um número simples é
aquele que mexe com emoções primárias, que consegue facilmente des-
pertar o interesse da plateia, que é simbólico para o ser humano. Por
outro lado, um número complicado possui várias etapas, vários coman-
dos, vários movimentos desnecessários. É um número em que a plateia
pode, até mesmo, se confundir durante a execução do efeito. Depen-
dendo do nível de complicação, os espectadores podem, inclusive, perder
o interesse pelo que o mágico está executando. Citando novamente a
famosa frase de Dai Vernon, Confusão não é mágica.
Um número de mágica simples não signica que seja fácil de execu-
tar. Pelo contrário, simplicidade e facilidade andam em caminhos
contrários. Fazer uma moeda sumir apenas passando a mão sobre ela
pode ser mais difícil do que fazer um elefante desaparecer em um palco
cheio de fumaça, com cortina e com recursos de palco.
Quanto mais complicado o efeito, mais fácil é a execução. Quanto
mais simples for o efeito e quanto mais limpo for o método, mais difícil
é a execução. Exemplos perfeitos da simplicidade aplicada à Arte Má-
gica eram os números apresentados por Tommy Wonder. Caso o leitor
ainda não tenha visto Tommy executar os números Ring, Watch and
Wallet e Next of Boxes, especialmente a terceira versão, recomendo que
procure os vídeos, pois vale a pena. É impressionante como Tommy
Wonder conseguia simplicar todos os números que passavam por suas
mãos. Não havia nenhum movimento suspeito, nenhum objeto desneces-
sário, nenhum comando excedente. Para a plateia, era como se estivesse
ocorrendo um verdadeiro milagre. Tudo era tão simples!
É claro que para criar toda essa simplicidade, a mente genial de
Tommy Wonder desenvolvia métodos inovadores. Quem conhece os me-
canismos por trás dos números Ring, Watch and Wallet e Next of Boxes,
SEÇÃO 10.3: SIMPLICIDADE E FACILIDADE 155
por exemplo, sabe do que estou falando. São números com uma mecânica
complexa e um método difícil. A parte complicada, o método, importa
apenas para o mágico, Tommy Wonder. Para a plateia, é claro, tudo é
simples. Esse é o objetivo!
Um exercício fundamental é analisar cada número do repertório e
perguntar a si mesmo o que se pode fazer para tornar o efeito mais sim-
ples para a plateia. Para atingir a simplicidade, muitas vezes é preciso
aumentar o grau de diculdade do método e da estrutura. Mas, como
já foi discutido na seção anterior, um mágico não deve economizar es-
forço. O que importa é, apenas, o que a plateia absorve, o que a plateia
percebe. Se para simplicar o efeito for necessário mudar de método e
se dedicar a outras técnicas, isso deve ser feito. Quem disse que é fácil
ser mágico?
Um problema na cartomagia
4
Vale a pena assistir a performance do mágico Lu Chen no segundo episódio do
evento Essential Magic Conference. Sinceramente, acho difícil um número de carto-
magia ser mais simples que aquilo. Lu Chen é um gênio.
156 CAPÍTULO 10: SELECIONANDO O REPERTÓRIO
outro objeto. Minha meta é que o baralho pareça ser um objeto como
qualquer outro e não um que, apenas com ele, sou capaz de realizar
fenômenos impossíveis.
Para atingir essa meta, muitas vezes é preciso recorrer a técnicas e
recursos innitamente mais complicados. Mas como essa complicação
importa apenas para mim, e o efeito nal percebido pela plateia será
mais simples, tenho certeza que vale a pena.
Capítulo 11
O processo de treinamento
Para que uma performance atinja um nível de excelência, é preciso passar
por um processo árduo de treinamento. A famosa frase de Thurstone
1
conrma: Os três segredos da mágica é praticar, praticar e praticar.
Portanto, é importante ter em mente as diversas etapas que constituem
o processo de treinamento e compreender exatamente como executá-las.
Na primeira seção deste capítulo, vou comentar sobre o que a maioria
dos mágicos já sabe. Resolvi escrever apenas para não passar em branco,
mas acredito que não seja novidade. As próximas seções serão mais úteis.
1
Howard Thurstone (1869-1936).
157
158 CAPÍTULO 11: O PROCESSO DE TREINAMENTO
você lma, é possível ter uma visão muito mais real do ponto de vista
da plateia. Aconselho fortemente a lmar a mecânica de cada número,
de preferência de vários ângulos diferentes. Você será capaz de perceber
exatamente o que a plateia enxerga.
Após esses passos iniciais, procure executá-la na frente de alguém.
Muitas vezes, eu desenvolvo um simples número de mágica que utiliza
a técnica, de forma a mostrar à pessoa uma mágica e não apenas o
movimento técnico em si, que não faria sentido algum a um leigo. Vale
a pena ressaltar que é importante escolher alguém de conança: um
parente ou um amigo. Lembre que, a essa altura do campeonato, há
uma possibilidade razoável de o movimento falhar. Você quer alguém
que compreenda, se algum erro ocorrer. No meu caso, essa pessoa é
minha linda e maravilhosa mãe, que tem toda a paciência do mundo para
assistir movimentos ainda crus e, além de tudo, ainda me dá palpites.
Incrível ela, não?
Após treinar algumas vezes com uma pessoa de conança e constatar
a ecácia do movimento, aí sim, pense em adicionar o movimento a seu
repertório técnico.
Lembre-se que é sempre válido praticar essas técnicas no dia-a-dia.
A prática durante as atividades do cotidiano faz o cérebro automatizar
os movimentos e, como consequência, eles se tornam mais naturais.
Essas técnicas são mais difíceis de ser praticadas. Ao contrário das téc-
nicas mecânicas, técnicas não mecânicas não podem ser praticadas por
repetição exaustiva, e muito menos é possível a consulta a alguém de
conança. Justamente por isso, elas são excluídas do plano de treina-
mento da maioria dos mágicos. A ideia comum é que é necessário praticar
apenas o lado físico (parte mecânica) de um número, enquanto o lado
abstrato (parte não mecânica) resolve-se automaticamente no momento
de performance. Isso é um grave erro!
É preciso ter em mente que um número de mágica depende igual-
mente das técnicas mecânicas e não mecânicas. Ambas precisam estar
perfeitas. Um número com apenas a parte mecânica ensaiada está con-
denado ao fracasso. Durante o processo de treinamento, certique-se de
que:
Automatização
No início do treinamento de um número, é normal a preocupação com
todos os pormenores, com cada movimento técnico, com cada etapa do
número. É preciso ter em mente, no entanto, que durante a performance
essas etapas precisam estar automatizadas, de forma que elas não cau-
sem uma preocupação excessiva. No momento de execução, é necessário
preocupar-se não apenas com as mãos, mas também com o corpo, com
a mente e com o coração.
Feedback audiovisual
Da mesma forma que é importante lmar a execução da técnica mecâ-
nica, é fundamental registrar em vídeo a performance para o público.
Muitas vezes, o que nós planejamos no ensaio é bastante diferente da-
quilo que ocorre em uma situação real de performance. O nervosismo, o
SEÇÃO 11.4: PRATICANDO O SCRIPT 161
Apêndices
165
Apêndice A
1
Magic and Showmanship, página 102.
2
Para mais detalhes, consulte o livro The Trick Brain.
167
168 CAPÍTULO A: CATEGORIAS DE EFEITOS MÁGICOS DE DARIEL FITZKEE
Scripts
Aqui vão meus scripts completos de alguns dos números que usei de
exemplo ao longo do livro. Não tenho scripts denido de todos os nú-
meros citados, até porque nem todos os números que usei de exemplo
fazem ou já zeram parte do meu repertório.
Um script geralmente é escrito com o nome das pessoas que fazem
parte do diálogo. Teoricamente, eu deveria ter escrito Guilherme em
vez de mágico, já que o script foi escrito por mim. Mas acho que o
leitor se sentiria distante do diálogo ao car lendo Guilherme fez isso,
Guilherme fez aquilo, então generalizei: mágico. Dessa forma, o leitor
vai se identicar melhor com o diálogo. Além disso, para não usar nomes
como Fulano, Ciclano e Beltrano, utilizo alguns nomes especícos
para me referir a determinados tipos de espectadores.
1
Apesar de não usar todos esses nomes neste livro, costumo utilizar
os seguintes nomes próprios para construir meus scripts :
• Mágico: quem está executando o número.
1
Ideia que tive ao ler o livro do Pete McCabe, Scripting Magic.
169
170 CAPÍTULO B: SCRIPTS
mágico
Alguém tem ideia do que é isso aqui em minhas mãos?
alguém
Um pedaço de papel!
mágico
É. É o que todos falam. Na verdade, isso não é um simples pedaço
de papel. Isso é um aglomerado de células de celulose geneticamente
modicadas.
mágico
Diretamente da Alemanha.
E eu digo geneticamente modicadas porque se eu esquentar...
mágico
... muda a forma, a cor, a textura e o tamanho... até virar uma bola
laranja!
mágico
O melhor de tudo é que se você pressionar no centro...
SEÇÃO B.1: A MÁGICA DA VIDA (PÁGINA 65) 171
mágico
... ela vai se dividindo... em duas!
mágico
Exatamente idênticas!
Eu preciso de alguém pra me ajudar aqui... alguém... você! Pode ser?
mágico
Qual seu nome?
Ana
Ana.
mágico
Muito prazer, Ana.
Dê uma olhada nessas bolas, veja se está tudo certo com elas, se é o que
parece ser... São idênticas, correto?
Ana
Sim, sim. Idênticas.
mágico
Eu vou lhe contar um segredo, Ana. Na verdade, elas não são idênticas.
Uma delas é macho e a outra é fêmea. Dê uma olhada!
mágico
É porque uma delas tem um negocinho saindo pra fora... ai eu sei que é
a macho.
Ana dá risadas
mágico
Não, não, brincadeira, brincadeira...
Mas veja bem. Se eu botar a bola macho numa mão e a fêmea na outra
mão, mesmo mantendo as mãos separadas, sem chegar perto... elas cam
172 CAPÍTULO B: SCRIPTS
juntas!
mágico
Mas fazer em minha mão é fácil, porque eu sou o mágico. O difícil é
fazer na sua! Então, por favor, escolha a que você quer que que em sua
mão: macho ou fêmea?
Ana
Fêmea.
mágico
Ok, vou deixa a macho comigo e a fêmea com você. Se eu estalar os dedos
em cima da minha mão... e estalar os dedos em cima da sua mão... elas...
mágico
... trocam de lugar!
O mágico faz cara de que deu errado, mas está simulando estar sur-
preso.
mágico
Agora a fêmea está comigo e a macho está com você! Incrível!
A plateia ri.
mágico
E eu ainda sou pago pra fazer isso! Não, não, não... acho que não estalei
os dedos o suciente. Vamos tentar fazer de novo. A macho ca comigo,
a fêmea ca com você. Dobre seu braço pra mim, por favor.
mágico
Se eu jogar minha bola pra cima...
mágico
Ela dá sete voltas e meia no ar e cai... dentro da sua mão. Abra a mão
por favor, devagar.
Ana abre a mão mas só tem uma bola dentro. Quando ela estende o
braço, descobre que a outra bola está na dobra do braço dela!
mágico
Oops! Desculpe, joguei pra cima e acabou caindo no lugar errado. Vamos
de novo. Escolha: macho ou fêmea?
Ana
Macho.
mágico
Ok, a macho ca com você. Uma bola vai aí dentro. Feche a mão com
bastante força.
mágico
A fêmea ca comigo. Na última vez eu joguei pra cima e caiu no lugar
errado. Desta vez, eu vou ser um pouco mais preciso.
mágico
Sua mão é meio dura, mas vou tentar. Deixe eu ver ser a bola atravessa...
mágico
Atravessou!
mágico
Abra sua mão, por favor.
mágico
Mas agora a melhor parte... se eu colocar as duas bolas, macho e fê-
mea, na sua mão, que é um lugar escurinho, quentinho, apertadinho...
acontece a coisa mais milagrosa: a mágica da vida!
mágico
Abra a mão, por favor.
mágico
Pai... mãe... e lho!
mágico
Você! Pegue uma carta para mim, por favor?
Espectador
Sim.. essa!
mágico
Como essa carta é fruto de uma decisão que você já tomou, ela representa
o seu passado. E como todo mundo conhece seu passado, a gente vai
revelar sua carta aqui.
mágico
O ás de paus. Tudo bem. Agora, vamos para o seu presente. Vou passar
meu dedo aqui pelas cartas, e você fala para, quando quiser. Ok? Vai
lá.
Espectador
Para!
mágico
Aqui? Ou quer que eu passe um pouquinho mais? Você é quem sabe!
espectador
Não, eu quero ai mesmo.
176 CAPÍTULO B: SCRIPTS
mágico
Ok! Pegue então sua carta. Como ela representa seu presente, algo que
está acontecendo agora, que você ainda não conhece, você não vai olhar
a carta.
Espectador
Tá bom.
mágico
Agora, por favor, introduza essa carta onde você quiser no baralho; pode
ser realmente em qualquer lugar.
mágico
Aí? Vou lhe dar novamente a chance de mudar de ideia. Quer colocar
um pouquinho mais para cima? Um pouquinho mais para baixo?
Espectador
Sim, quero mudar.
mágico
Aí mesmo? Satisfeito?
Espectador
Sim, satisfeito.
mágico
Bem, olhe só que incrível. Com as cartas, assim como na vida, quando
você convive com seu passado, ele acaba inuenciando as decisões que
você toma no presente. Lembre que você podia ter falado para em
qualquer lugar, mas você falou para justamente...
mágico
...no ás de espadas! Justamente a carta gêmea do ás de paus, que é seu
passado!
Espectador
Nossa!
mágico
Mas não só isso, não só isso! Lembre que você podia ter colocado a carta
em qualquer lugar no baralho. Inclusive, você até mudou de ideia, não
foi?
Espectador
Foi.
mágico
Pois é. Com as cartas, assim como na vida, da mesma forma que seu pas-
sado inuencia no seu presente, as decisões que você toma no presente...
mágico
... determinam completemente...
mágico
... o seu futuro!
Espectador
Incrível!
mágico
Com os quatro ases na mesa, quem sabe o que as cartas querem mostrar
é que seu destino é ganhar em um jogo de poker!
178 CAPÍTULO B: SCRIPTS
mágico
Antes de tudo, deixe eu perguntar uma coisa: vocês sabem o que são
cartas gêmeas? Alguém sabe? Cartas gêmeas são cartas do mesmo
valor, mesma cor, mas de naipes diferentes. Por exemplo, 9 de paus e 9
de espadas, 5 de copas e 5 de ouros... enm, 7 de paus e 7 de?
Alguém
Espadas!
mágico
Exatamente.
mágico
Você! Qual é seu nome?
mágico
Eu quero tentar fazer uma coisa aqui envolvendo o baralho e um pouco
de coincidência. Você acredita em coincidências?
Espectador
Sim, acredito.
mágico
Eu também! Que coincidência!
Risadas...
mágico
Vamos fazer o seguinte, então: quero começar deixando uma carta na
mesa aqui... uma carta que ninguém saiba qual que é, nem eu, nem você,
nem ninguém. Essa!
mágico
Agora eu preciso que você escolha uma carta para mim, pode ser?
Espectador
Pode.
mágico
Ok! Então, pegue qualquer carta do baralho, sem olhar.
mágico
Perfeito. Veja bem, o baralho possui 52 cartas. Tirando a que você
pegou, sobraram 51 cartas comigo. Se a gente for contar os espaços
entre cada duas cartas, existem 50 espaços diferentes, 50 possibilidades
distintas.
mágico
Por favor, pegue sua carta e a insira em qualquer lugar, de forma que
ela ocupe qualquer um dos espaços.
mágico
Perfeito! Então você escolheu a carta que quis e colocou onde quis, certo?
espectador
Certo.
mágico
Vamos então ver pela primeira vez a carta que você escolheu.
O mágico vira de face para cima a carta que estava com a metade
para fora.
mágico
O 3 de paus.
180 CAPÍTULO B: SCRIPTS
mágico
O mais incrível é que a carta que eu tinha deixado antes na mesa, que
ninguém mecheu, ninguém tocou, é...
mágico
O três de espadas! Justamente a carta gêmea do três de paus!
espectador
Impressionante!
mágico
Mas quem sabe isso poderia ser uma coincidência. O que eu realmente
não consigo entender é que você colocou sua carta onde você quis no
baralho. Eu até te dei a opção de mudar de lugar, e você não quis. Eu
só não sei como que você colocou sua carta entre...
mágico
O três de copas e o três de espadas!
mágico
As pessoas sempre perguntam se os mágicos conseguem ler pensamentos.
É claro que...
O mágico faz uma expressão facial de como se não fosse possível ler
pensamentos.
mágico
... é possível!
A plateia ri.
SEÇÃO B.4: NÚMERO PENSADO (PÁGINA 84) 181
mágico
Vamos fazer um teste agora, então. Senhor, em que dia você nasceu?
espectador
17 de agosto.
mágico
Hum... então você é leonino?
espectador
Sim, leão.
mágico
Ok. Leoninos... pessoas egocêntricas...
mágico
Vamos fazer o seguinte: pense em um número entre 0 e 1000. Qualquer
número entre 0 e 1000!
espectador
Estou pensando.
mágico
Você concorda que seria impossível eu ou qualquer outra pessoa saber o
número que você pensou, correto?
espectador
É, seria impossível.
mágico
Leoninos são criativos e conantes...
mágico
Ok, ok, ok! Não mude de ideia, certo?
182 CAPÍTULO B: SCRIPTS
mágico
Perfeito, acho que é isso.
mágico
Pela primeira vez, pode falar o número que você estava pensando. Fale
bem alto, para que todo mundo escute.
espectador
713.
mágico
713?
espectador
Sim, 713.
mágico
Então, você é realmente leonino!
mágico
Fazer mágica com baralho é um pouco complicado, porque às vezes as
pessoas acham que quando a pessoa pega e toca numa carta, o mágico
manipula a posição em que ela está e só assim o número de mágica
acontece... é exatamente isso!
O mágico ri.
SEÇÃO B.5: UM POUCO DE VOCÊ (PÁGINA 74) 183
mágico
Não, não... na verdade não tem nada a ver. Para provar isso, quero tentar
fazer uma coisa da forma mais justa possível. Deixa eu ver alguém pra
me ajudar aqui... Você! Pode ser?
Ana
Sem problemas.
mágico
Por favor, embaralhe as cartas.
mágico
Ana, eu quero que você escolha uma carta. Mas se você tocar na carta,
as pessoas podem achar que eu manipulei alguma coisa. Pra evitar esse
tipo de coisa, quero que você apenas pense numa carta. Como as pes-
soas frequentemente assinam as cartas, eu não sei se esse baralho está
completo. Pra não correr o risco de você pensar em uma carta que não
está nesse baralho, vou passar meu dedo pelo baralho assim e você fala
para onde quiser. Quando você falar para, eu paro e você olha a
carta. E depois você mesmo vai embaralhar as cartas, mas pensando em
seu próprio nome, tá certo?
Ana
Ok.
Ana
Para!
mágico
Aqui? Nessa carta? Ou quer que eu passe um pouco mais?
Ana
Quero um pouquinho mais.
184 CAPÍTULO B: SCRIPTS
Ana
Para! Aí tá bom.
mágico
Ok! Então olhe a carta e memorize ela. Os outros podem ver também,
se quiser.
mágico
Abra sua mão, por favor. Pegue o baralho e embaralhe as cartas, mas faça
isso pensando em seu nome. Mentalize seu nome enquanto embaralha as
cartas.
mágico
Pronto? Aliás, deixe eu tirar os curingas desse baralho.
mágico
Os curingas causam confusão na mente das pessoas, vai ser melhor tirar
eles... Pronto!
mágico
Beleza. Você está apenas pensando em uma carta, que só você sabe. E
ela pode estar em qualquer lugar do baralho, até porque você embaralhou
as cartas antes e depois. Na verdade, a posição em que ela está depende
de seu embaralhamento. Mas lembre que, quando você embaralhou as
cartas, você estava pensando no seu nome, certo?
Ana
Certo.
mágico
E isso inuenciou suas ações implicitamente! Eu quero tentar fazer isso
SEÇÃO B.5: UM POUCO DE VOCÊ (PÁGINA 74) 185
sem tocar em nada, e usando um pouco de você. Soletre seu nome, como
se cada carta equivalesse a uma letra. Mas antes, fale para todos sua
carta em voz alta.
Ana
Nove de copas.
mágico
Beleza. Pode começar a soletrar seu nome.
mágico
Na vida, quando a gente tem pensamentos positivos sobre o futuro, atin-
gimos nossas metas.
mágico
Com as cartas é a mesma coisa.
2
A coleção foi traduzida do espanhol para o inglês pelo mágico venezuelano Rafael
Benatar.
187
188 BIBLIOGRAFIA COMENTADA
3
Eugene Burger e Larry Hass são também professores na escola McBride Magic &
Mystery School, em Las Vegas.
189
4
Esse jornal era publicado pelo mágico David London, e vigorou de 1998 a 2001.
Infelizmente, não há notícias de quando o jornal voltará a existir.
190 BIBLIOGRAFIA COMENTADA
que a mágica revela sobre nosso cérebro, pela editora Zahar. É um livro
recente, que foi parar em minhas mãos por indicação do meu amigo e
mágico Ozcar Zancopé. Apesar de tê-lo lido após o término do meu
livro, resolvi incluir nas referências bibliográcas porque existem muitos
assuntos semelhantes pelos quais o leitor pode se interessar. Uma leitura
intrigante, curiosa e muito bem fundamentada.
197
198 ÍNDICE
interesse o efeito, 68
95 Penn&Teller, 70
técnica, 26
técnica mecânica
técnica psicológica, 25
técnicas não mecânicas, 109, 158