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Biotecnologia LIVRO WEB

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Biologia

Biotecnologia

Lilian Giotto Zaros


Millor Fernandes do Rosário
Biotecnologia
Lilian Giotto Zaros
Millor Fernandes do Rosário

Biologia

Biotecnologia
2ª Edição

Natal – RN, 2011


Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff

Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro da Educação
Fernando Haddad

Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz

Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Secretária de Educação a Distância


Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo

Secretária Adjunta de Educação a Distância


Eugênia Maria Dantas

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)

FICHA TÉCNICA
Coordenador de Produção de Materiais Didáticos Revisora das Normas da ABNT Diagramadores
Marcos Aurélio Felipe Verônica Pinheiro da Silva Ana Paula Resende
Carolina Aires Mayer
Projeto Gráfico Revisora Técnica
Davi Jose di Giacomo Koshiyama
Ivana Lima Rosilene Alves de Paiva
Elizabeth da Silva Ferreira
Revisores de Estrutura e Linguagem Ilustradores Ivana Lima
Eugenio Tavares Borges Adauto Harley José Antonio Bezerra Junior
Janio Gustavo Barbosa Anderson Gomes do Nascimento Luciana Melo de Lacerda
Jeremias Alves de Araújo Carolina Costa de Oliveira Rafael Marques Garcia
Kaline Sampaio de Araújo Dickson de Oliveira Tavares
Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade Leonardo dos Santos Feitoza
Thalyta Mabel Nobre Barbosa Roberto Luiz Batista de Lima
Rommel Figueiredo
Revisoras de Língua Portuguesa
Cristinara Ferreira dos Santos
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
Janaina Tomaz Capistrano

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.

Zaros, Lilian Giotto.

Biotecnologia / Lilian Giotto Zaros e Millor Fernandes do Rosário. 2. ed. – Natal: EDUFRN, 2011.

298 p.: il.

ISBN 978-85-7273-756-2

Conteúdo: Aula 1 – O que é Biotecnologia. Aula 2 – A importância dos microrganismos na


Biotecnologia. Aula 3 – Tecnologia do DNA Recombinante. Aula 4 – Tecnologia do DNA Recombinante
II. Aula 5 – Clonagem. Aula 6 – Organismos geneticamente modificados. Aula 7 – Genoma humano. Aula
8 – Genética Forense. Aula 9 – Avanços da Biotecnologia no Brasil e no mundo. Aula 10 – Bioética e
patentes biotecnológicas.

Disciplina ofertada ao curso de Biologia a distância da UFRN.

1. Biotecnologia. 2. DNA. 3. Genoma. 4. Patentes. I. Rosário, Millor Fernandes do. II. Título.

CDU 60
Z38b

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida
sem a autorização expressa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Sumário

Apresentação Institucional 5

Aula1 O que é Biotecnologia 7

Aula2 A importância dos microrganismos na Biotecnologia 29

Aula3 Tecnologia do DNA Recombinante 55

Aula4 Tecnologia do DNA Recombinante II 81

Aula5 Clonagem 117

Aula6 Organismos geneticamente modificados 141

Aula7 Genoma humano 167

Aula8 Genética Forense 199

Aula9 Avanços da Biotecnologia no Brasil e no mundo 233

Aula10 Bioética e patentes biotecnológicas 273


Apresentação Institucional

A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento
uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLE-
TE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


SEDIS/UFRN

5
O que é Biotecnologia?

Aula

1
Apresentação
A Biotecnologia é uma ciência que existe desde os primórdios da civilização e vem
se desenvolvendo e aperfeiçoando a cada dia, chegando hoje ao que conhecemos por
Biotecnologia Moderna.

Se considerarmos a palavra Biotecnologia como sendo a ciência que utiliza microrganismos


vivos em prol da elaboração de produtos, perceberemos a sua real importância na geração de
processos e produtos que nos cercam diariamente, desde os mais simples aos mais elaborados.

Com o advento da Engenharia Genética, que culminou no desenvolvimento da Tecnologia


do DNA Recombinante, foi possível o desenvolvimento de novas drogas e vacinas contra muitas
doenças, o desenvolvimento de plantas e animais e transgênicos, a clonagem de animais, o
sequenciamento de genomas, dentre outras aplicações que serão abordadas nessa disciplina.

Desse modo, nesta primeira aula, apresentaremos o conceito de Biotecnologia e, em


seguida, um breve histórico que enfatiza as diversas fases dessa área. Num segundo momento,
veremos como a Biotecnologia pode ser utilizada nas mais diversas áreas do conhecimento,
tornando-se uma ciência multidisciplinar. Por fim, retomaremos alguns conceitos vistos
em disciplinas anteriores, tais como o metabolismo microbiano estudado na disciplina
de Metabolismo da Vida Microscópia e outros que serão essenciais não somente para a
compreensão das aulas seguintes, mas também da disciplina como um todo.

Ao final de cada tópico principal, haverá uma série de exercícios propostos para você
resolver e, no final da aula, haverá uma autoavaliação para que você possa analisar seu
processo de aprendizagem.

Para compreender os assuntos que serão abordados nesta aula, é necessário que você leia
atentamente os conceitos, faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina
o mais rápido possível.

Sua participação é essencial para que obtenhamos sucesso na disciplina.

Bons estudos!

Aula 1 Biotecnologia 9
Objetivos
1 Definir o conceito de Biotecnologia.

2 Ordenar os momentos da história da Biotecnologia.

Reconhecer como a Biotecnologia é utilizada nas diversas áreas


3
das ciências.

4 Definir alguns conceitos utilizados na Biotecnologia Moderna

Entendendo a Biotecnologia
A palavra Biotecnologia pode, em um primeiro momento, soar estranho aos nossos
ouvidos ou estar distante do nosso cotidiano. Porém, ao contrário do que pensamos,
Biotecnologia é uma expressão que define uma área da ciência que vem acompanhando o
homem há milhares de anos.

Vamos conferir?

Vamos analisar, como exemplo, a bebida mais consumida pelos brasileiros, a cerveja.

Figura 1 – Grãos de cereais utilizados na produção da cerveja

Fonte: <http://www.sxc.hu>.

10 Aula 1 Biotecnologia
Se pararmos para pensar como é o processo de produção da cerveja, veremos que ela
é produzida a partir da fermentação de grãos de cereais utilizando as leveduras. Mas o que
isso significa?

Significa que, aos grãos de cereais são adicionados fungos denominados leveduras
(para relembrar, ver Aula 9 – Fungos: seres especiais, da disciplina de Biodiversidade)
que, num processo chamado de fermentação produzem a cerveja. Ao contrário do que Fermentação
muitos de nós pensamos, esse processo já era conhecido pelos sumérios e babilônios Processo que, em
condições ideais de
antes do ano 6.000 a.C., que utilizavam a bebida tanto em cerimônias religiosas ou festivas,
temperatura (25 -
quanto para o tratamento de algumas doenças. 30°C ) e na presença
de microrganismos,
Desse modo, a cerveja é um produto de um processo biotecnológico, pois utiliza transforma uma substância
organismos vivos para a produção de bens de consumo. Outros exemplos de processos em outra, por exemplo,
açúcar em álcool na
biotecnológicos são a produção de pão, vinho, vinagre, iogurte e queijos que, como a cerveja, produção da cerveja.
são há muito tempo utilizados pelo ser humano.

Sumérios e
babilônios
Habitantes da antiga
Mesopotâmia, localizada
entre os rios Tigre e
Eufrates no Oriente Médio,
onde atualmente é
o Iraque.

Figura 2 – Processo de fermentação realizado por leveduras (organismos vivos) produz queijos, vinhos, pães (produtos)

Fontes: <http://elementosqf.files.wordpress.com/2007/11/leveduras.gif>; <http://www.sxc.hu>. Acesso em: 11 nov. 2010.

Entretanto, a Biotecnologia descoberta e usufruída pelos antigos povos da Mesopotâmia


sofreu, ao longo dos séculos, uma centena de modificações que culminaria, mais recentemente,
com o entendimento da estrutura do DNA (ácido desoxirribonucleico)  por James Watson e
Francis Crick em 1953.

Desse modo, a Biotecnologia conhecida e praticada por civilizações antigas passou a


ser conhecida por Biotecnologia Moderna e vem sendo amplamente estudada e difundida no
mundo todo.

Aula 1 Biotecnologia 11
Uma definição para Biotecnologia
Diante do que vimos até agora, você já tem condições de definir Biotecnologia.

Se dividirmos a palavra Biotecnologia nas duas palavras que lhe deram origem, Bio e
Tecnologia, teremos a seguinte definição:

Conjunto de conhecimento que permite a utilização de agentes biológicos


(organismos, células, organelas, moléculas) para a obtenção de bens
ou serviços.

Esquematicamente, temos:

CONHECIMENTOS AGENTES BIOLÓGICOS

BIOTECNOLOGIA

PRODUZIR BENS ASSEGURAR SERVIÇOS

Figura 3 – Esquema para a definição da Biotecnologia

Fonte: Lilian Giotto Zaros.

12 Aula 1 Biotecnologia
1

Vamos pesquisar o que os amigos e familiares pensam sobre Biotecnologia?


1
Selecione um grupo de 5 (cinco) indivíduos e faça a seguinte pergunta: O que você
entende sobre Biotecnologia? Em seguida, anote na tabela abaixo as respostas e
verifique se a afirmação que fizeram está de acordo com o conceito que você viu
nesta aula. Caso contrário, identifique os erros que esses indivíduos cometeram.

Primeiro nome do Erros sobre o conceito


Conceito sobre Biotecnologia
entrevistado de Biotecnologia

Agora que você já compreendeu o conceito de Biotecnologia, cite alguns produtos ou


serviços utilizados por você e sua família que são frutos da Biotecnologia.

Aula 1 Biotecnologia 13
A história da Biotecnologia
Até chegar ao que conhecemos hoje, a Biotecnologia passou por várias fases de evolução
até atingir o grau de desenvolvimento e de importância atuais. Desse modo, podemos dividir
a história da Biotecnologia em três grandes momentos: a Biotecnologia da Fermentação, a
Biotecnologia da Produção de Antibióticos e a Biotecnologia Moderna.

A Biotecnologia da Fermentação
Nesse primeiro momento, a Biotecnologia era, sobretudo, utilizada para a produção de
alimentos como vinho, queijo, cerveja, pão, dentre outros produtos fermentados.

A sua utilização através dos processos fermentativos, vem bem antes da Era Cristã e se
confunde, muitas vezes, com a própria história da humanidade. Os processos de produção
de alimentos começaram por volta de 6.000 a.C com os sumérios e babilônios e depois, em
2.000 a.C., os egípcios já utilizavam o fermento para a produção de cerveja e de pão. Entretanto,
esses povos realizavam esse processo intuitivamente, sem critério metodológico e sem saber
qual o agente responsável por gerar esses produtos.

Assim, somente após oito milênios, por volta do século XVII, Anton Van Leeuwenhock,
microscopista holandês, foi o primeiro a fazer observações microscópicas de materiais
biológicos, utilizando lentes com aumentos de 50 a 300 vezes. Nessas observações,
Leeuwenhock descreveu a existência de seres tão minúsculos que eram invisíveis a olho nu.

Figura 4 – Anton Van Leeuwenhock (1632-1723)

Fonte: <http://usuarios.cultura.com.br/
jmrezende/leeuwenhoek2.jpg>. Acesso em: 11 nov. 2010.

14 Aula 1 Biotecnologia
Figura 5 – Microscópio usado por Leeuwenhock

Fonte: <http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=24174&op=all>.
Acesso em: 11 nov. 2010.

Entretanto, somente em 1876, 200 anos após a descoberta de Leeuwenhock, foi que
Louis Pasteur conseguiu provar que os agentes responsáveis pelos processos fermentativos
eram os microrganismos minúsculos, derrubando a hipótese de que a fermentação era um
processo somente químico, sem a participação de seres vivos.

Depois de Pasteur, outros cientistas continuaram as pesquisas sobre os processos


fermentativos, dentre eles, Eduard Buchner, em 1897. Esse pesquisador demonstrou que o
açúcar se transformava em álcool através da utilização de células de leveduras maceradas.

Figura 6 – Louis Pasteur (1822-1895)

Fonte: <http://www.gardenofpraise.com/images/pasteur.jpg>.
Acesso em: 11 nov. 2010.

Aula 1 Biotecnologia 15
Figura 7 – Eduard Buchner (1860-1917)

Fonte: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/
chemistry/laureates/1907/buchner.jpg>. Acesso em: 11 nov. 2010.

As guerras mundiais contribuíram para que a produção em grande escala de produtos


fermentativos fosse impulsionada.

Durante a 1ª Guerra Mundial, houve a necessidade de obter grandes quantidades de


Glicerol glicerol para a produção de explosivos, e a Alemanha saiu na frente nessa corrida, produzindo
Composto orgânico
1.000 toneladas do produto por mês. Nesse mesmo período, a Inglaterra produziu uma grande
presente em todos os
óleos e gorduras de quantidade de acetona, utilizada na fabricação de munições, tendo essa fermentação contribuído
origem animal e vegetal. para o desenvolvimento dos fermentadores industriais e técnicas de controle de infecções.
Comercialmente é
conhecido por glicerina.
Sua esterificação com
ácido nítrico origina o
trinitrato de glicerol,
mais conhecido por
trinitroglicerina (TNT), que 2
é um poderoso explosivo
usado na fabricação
da dinamite.
Vamos fazer um experimento simulando um processo fermentativo? Caso você julgue
melhor, pode realizar essa atividade em grupo. Para isso, convide no máximo dois colegas para
Acetona formar o grupo de trabalho constituído por 3 pessoas e realizem a atividade no laboratório do
Composto orgânico que seu Polo de EaD. Caso não seja possível a formação de grupos, a atividade pode ser realizada
ocorre naturalmente no
individualmente na sua casa ou ainda no laboratório do Polo.
meio ambiente, utilizado,
dentre outros fins, como
Antes de realizar a atividade, junte todos os materiais necessários e leia atentamente as
solvente de esmaltes,
tintas e vernizes, na instruções abaixo.
indústria farmacêutica
e de explosivos. Para isso, misture 2g de fermento (de preferência o Fleischmann que pode ser comprado
em padaria), 3g de açúcar e 150 ml de água e divida essa mistura em dois tubos de ensaio ou
em qualquer frasco de vidro de boca pequena. Em seguida, tampe cada um dos frascos com
uma bexiga de aniversário vazia. Coloque um desses tubos na estufa (a 30 oC) do laboratório

16 Aula 1 Biotecnologia
de seu Polo e coloque o outro na geladeira (de 5 a 10 oC), ambos durante cerca de 6 horas.
Caso o Polo de apoio não tenha estufa, pode colocar a mistura sob o sol.

Dado o tempo, explique o que aconteceu com cada uma das bexigas.

Aula 1 Biotecnologia 17
A Biotecnologia da Produção de Antibióticos
Outro grande avanço na fermentação industrial foi a produção de antibióticos. Após
a descoberta da penicilina pelo médico e bacteriologista escocês Alexandre Fleming, em
1928, foi possível a produção de uma série de diferentes antibióticos utilizando os processos
fermentativos em grande escala.

Na década de 1940, durante a 2ª Guerra Mundial, os antibióticos passaram a integrar


os processos industriais fermentativos, principalmente nos Estados Unidos, baseando-
Penicilina se inicialmente na síntese da penicilina e, posteriormente, da estreptomicina (Veremos
Antibiótico natural
com mais detalhes a produção de antibióticos na próxima aula, Aula 2 – A importância dos
produzido pelo fungo
Penicillium sp. microrganismos na Biotecnologia).

Estreptomicina
Antibiótico natural
produzido pelo fungo
Streptomyces sp.

Figura 8 – Alexandre Fleming (1881- 1955)

Fonte: <http://www.oarquivo.com.br/portal/images/
stories/biografias/fleming4.jpg>. Acesso em: 11 nov. 2010.

Foi a partir dessa descoberta que se deu início a produção de enzimas e vitaminas
utilizando microrganismos. Novos antibióticos naturais e também artificiais passaram a ser
produzidos a partir de substâncias produzidas por microrganismos.

Logo em seguida, na década de 1950, especificamente no ano de 1953, surgiu o grande


marco da história da Biologia, da Biotecnologia, da Genética e das Ciências da Vida em geral: a
descoberta da estrutura do DNA por James Watson e Francis Crick. Foram estes dois cientistas
que provaram que o DNA é uma molécula em forma de dupla hélice constituída por duas
cadeias complementares de nucleotídeos.

18 Aula 1 Biotecnologia
Figura 9 – James Watson (à esquerda), Francis Crick (à direita) e o modelo da estrutura do DNA

Fonte: <http://www.flyfishingdevon.co.uk/salmon/year3/
psy339evolutionarypsychologyroots/watson-crick-dna.jpg>. Acesso em: 11 nov. 2010.

O texto a seguir narra essa grande descoberta que viria mudar toda a história da Ciência.

A descoberta do segredo da vida

Por James Watson

Como geralmente acontecia de manhã, comecei a trabalhar no laboratório de


Cavendish, da Universidade de Cambridge, no dia 28 de fevereiro de 1953.
Sabia que estávamos perto – embora não imaginasse o quanto – de decifrar
a estrutura de uma molécula quase desconhecida na época chamada ácido
desoxirribonucleico (DNA). Mas essa não era uma molécula qualquer: o DNA,
como Crick e eu estávamos cientes, contém a chave da natureza das coisas vivas,
armazenando as informações hereditárias que são passadas de uma geração
a outra e orquestrando o mundo inacreditavelmente complexo da célula. Se
decifrássemos sua estrutura tridimensional, a arquitetura da molécula, teríamos
um vislumbre do que Crick – entre sério e brincalhão – chamava de “o segredo da
vida”. Já sabíamos que as moléculas de DNA consistem em múltiplas cópias de
uma única unidade básica, o nucleotídeo, que ocorre em quatro formas: adenina

Aula 1 Biotecnologia 19
(A), timina (T), guanina (G) e citosina (C) [...]. Logo percebi que um padrão
simples de emparelhamento funcionava excepcionalmente bem: A encaixava-se
com T, e G com C. Seria isso? Será que a molécula consistia em duas cadeias
unidas pelos pares A-T e G -C ? Era algo tão simples, tão sucinto, que tinha de
estar certo – ou quase. Eu já me equivocara no passado e, antes de me empolgar
demais, essa estrutura de pares teria de passar pelo crivo do olho crítico de
Crick. Foi uma surpresa ansiosa, mas eu não precisava ter me preocupado. Crick
logo percebeu que a minha ideia de pares implicava de uma estrutura de dupla
hélice, com duas cadeias moleculares avançando em direções opostas. Tudo o
que se sabia sobre o DNA e suas propriedades [...]. Mais importante, porém, é
que o modo como a molécula se organizava sugeria de imediato, solução para
dois dos mistérios mais antigos da biologia: como as informações hereditárias
são armazenadas e como ocorreu sua replicação [...]. Nossa descoberta pôs fim
a uma discussão tão antiga quanto a espécie humana: será que a vida possui
alguma essência mágica ou mística? Ou será que, como qualquer outra reação
química realizada em laboratório, é produto de processos físicos e químicos
normais? Existe algo divino no âmago da célula, que lhe dá a vida? A dupla-hélice
respondia a essa última pergunta com um “não” definitivo.

Fonte: DNA O segredo da Vida. James D. Watson. Ed. Companhia das Letras. São Paulo. p.11-12. 2005.

Foi somente a partir da década de 1950, com a descoberta do DNA, que a Biotecnologia
passou de fato a existir e a constituir o que chamamos hoje de Biotecnologia Moderna.

In vitro
Expressão latina que se
refere aos processos A Biotecnologia Moderna
biológicos que são
realizados fora dos Referimo-nos à Biotecnologia Moderna como sendo o terceiro momento na história da
sistemas vivos, no Biotecnologia, que teve início após a descoberta da molécula de DNA e se estendeu para a
ambiente fechado
década de 1970 com a chamada Engenharia Genética.
e controlado de um
laboratório, e que
Entende-se por Engenharia Genética ou Tecnologia do DNA Recombinante, o conjunto
normalmente são feitos
em recipientes de vidro. de técnicas moleculares precisas que ligam segmentos de moléculas de DNA de diferentes
organismos. Essas técnicas permitem inserir um fragmento de DNA de interesse num hospedeiro,
abrindo a possibilidade de combinar sequências de DNA de seres vivos muito diversificados.
Moléculas híbridas
Moléculas formadas por Ela surgiu em 1972, quando o pesquisador Paul Berg e seus colaboradores demonstraram
DNA de diferentes origens. pela primeira vez que era possível cortar in vitro moléculas de DNA de diferentes origens e ligar
os fragmentos resultantes entre eles, obtendo assim moléculas híbridas de DNA, chamadas
de DNA recombinante. Mas, não seria nada interessante guardar as moléculas híbridas em um

20 Aula 1 Biotecnologia
tubo de ensaio no laboratório. Assim, os pesquisadores investigaram uma forma de introduzir
o material genético construído artificialmente (DNA recombinante) numa célula viva (no caso
uma célula bacteriana recombinante), onde ele pudesse se manifestar, se expressar.

A Figura 10 ilustra uma molécula de DNA recombinante originada através das técnicas
de Engenharia Genética.

Célula Bacteriana Célula Bacteriana


Recombinante
DNA cromossomial

DNA plasmidial
Remoção do
DNA plasmidial DNA
estranho DNA
recombinante

Figura 10 – Molécula de DNA recombinante

Fonte: Lilian Giotto Zaros

As técnicas de Engenharia Genética podem ainda ser usadas para estudar mecanismos
de replicação e expressão de genes, na determinação da sequência de um gene e,
consequentemente, da proteína que ele codifica, ou no desenvolvimento de culturas microbianas
capazes de produzir substâncias úteis, tais como a insulina humana, hormônio de crescimento, DNA recombinante
DNA plasmidial: É
vacinas e enzimas industriais em larga escala.
o material genético
circular não ligado ao
Como consequência do desenvolvimento desta tecnologia é possível, atualmente, realizar cromossomo que fica
investigação de paternidade e o diagnóstico de doenças genéticas e infecciosas através da espalhado na célula
análise de DNA, que veremos com mais detalhes nas próximas aulas. bacteriana e é repassado
para a célula filha na
Por outro lado, com a utilização da Engenharia Genética podemos alterar as características divisão celular.

de um ser vivo. É assim que surgem os organismos geneticamente modificados, mais


conhecidos como transgênicos.

O primeiro exemplo que marca o início desta terceira geração da Biotecnologia é a


construção de um gene combinando DNA bacteriano e DNA de sapo (Xenopus laevis). Exemplos
mais recentes são o tomate resistente ao amolecimento e o milho resistente a pragas, que
veremos nas aulas seguintes.

Aula 1 Biotecnologia 21
3

Até agora pudemos perceber que a Biotecnologia Moderna avançou muito em um intervalo
de tempo relativamente curto. Cite os principais avanços do terceiro momento da Biotecnologia
e comente seus impactos em nossa sociedade.

22 Aula 1 Biotecnologia
Biotecnologia:
a ciência da multidisciplinaridade
A Biotecnologia tem como base várias áreas do conhecimento, que poderiam ser
classificadas como fundamentais, que abrangem a Genética, Microbiologia, Bioquímica,
Virologia e a Botânica, e as engenharias, principalmente a Engenharia Química (Figura 11).

• Bioquímica
• Cultura de células • Biologia Molecular • Química de produtos naturais
de animais e plantas • Química fina
• Genética
• Microbiologia • Tecnologia das enzimas

Biologia Química
Biotecnologia

• Bioengenharia • Engenharia Química


• Desenvolvimento Engenharia • Química de produtos
de processos

• Bioreatores
• Sistemas de controle

Figura 11 – Representação esquemática da interação da Biotecnologia com outras áreas do conhecimento

Fonte: Adaptado de Borzani et al. (2001).

Desse modo, podemos dizer que a Biotecnologia envolve um campo de trabalho


multidisciplinar, o que torna indispensável a colaboração de profissionais atuantes nesses
diversos setores do conhecimento. Entretanto, devemos ter em mente que a Biotecnologia
não é apenas uma justaposição de profissionais, cada qual com sua formação especializada,
mas sim, um trabalho de vários profissionais efetivamente integrados, de modo que cada um
deles tenha conhecimento dos princípios, das técnicas e dos campos de atuação dos demais.

Por exemplo, se um biólogo participa de um grupo que estuda a utilização da bioinformática


na área das Ciências Biológicas, é desejável que ele tenha alguns conhecimentos, mesmo que

Aula 1 Biotecnologia 23
superficiais, sobre as estratégias computacionais empregadas, tais como construção de um banco
de dados e programas de análise de sequências de DNA. Do mesmo modo, o especialista em
Ciência da Computação deve ter noções básicas sobre a estrutura da molécula de DNA. Somente
dessa forma, a atividade multidisciplinar efetivamente existirá e poderá ser mais eficiente.

Figura 12 – Interação da Biologia com a Ciência da Computação

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_i2NlCF_qaUo/ScjKaMKMWbI/
AAAAAAAABek/zMKqCbd9oN4/s400/4959.jpg>. Acesso em: 11 nov. 2010.

Retomando alguns conceitos


utilizados na Biotecnologia Moderna
Para o sucesso da disciplina de Biotecnologia, utilizaremos alguns conceitos vistos em
disciplinas anteriores. Vamos relembrá-los?

Ácidos nucleicos: Moléculas responsáveis pelo armazenamento e transmissão da informação


genética. Podem ser DNA (ácido desoxirribonucleico) e RNA (ácido ribonucleico).

Clonagem molecular: Isolamento de sequências de DNA e incorporação destas sequências


em plasmídios ou outros vetores para serem inseridos em organismos apropriados para
reprodução. Clonagem também se refere à produção de células geneticamente idênticas a
partir de uma única célula-mãe. Estas células geneticamente idênticas são denominadas de
células clone.

24 Aula 1 Biotecnologia
Cromossomos: Estruturas que contêm os genes.

Fenótipo: Características observáveis e mensuráveis em um organismo.

Fermentação microbiana: Produção de compostos úteis como vitaminas, antibióticos, enzimas


e certos alimentos.

Gene: Cada gene é formado por uma sequência específica de DNA, que contém a informação
para a síntese de proteínas.

Genoma: Conjunto de toda a informação hereditária de um organismo que está codificada


em seu DNA.

Genótipo: Característica genética específica de um organismo.

Nucleotídeo: Unidade formadora dos ácidos nucleicos, composto por um grupo fosfato, um
açúcar (no DNA é a desoxirribose e no RNA é a ribose) e uma base nitrogenada (Adenina (A),
Timina (T ), Citosina (C ) e Guanina (G )). No RNA, a base nitrogenada Timina é substituída
pela Uracila (U).

Leitura complementar

A história da Biotecnologia

Disponível em: http://www.Biotecnologia.com.br/revista/bio34/historia_34.pdf

O texto anteriormente citado relata com mais detalhes a história da Biotecnologia, desde a sua
utilização pelas civilizações antigas, suas modificações ao longo do tempo, até chegarmos ao
que conhecemos hoje por Biotecnologia Moderna. Além disso, o texto traz informações ainda
não contempladas nesta aula, como o Melhoramento Genético Convencional e o Melhoramento
Genético Biotecnológico, que veremos nas aulas seguintes. Entretanto, é de extrema importância
essa leitura inicial para que vocês se familiarizem com o assunto e despertem curiosidade.

Resumo

Nesta aula, você compreendeu o conceito de Biotecnologia e conheceu o seu


histórico, com destaque para as suas três principais fases (a Biotecnologia da
Fermentação, a Biotecnologia da Produção de Antibióticos e a Biotecnologia
Moderna). Você teve conhecimento de que a Biotecnologia pode ser utilizada

Aula 1 Biotecnologia 25
nas mais diversas áreas do conhecimento, envolvendo as grandes áreas das
engenharias e as áreas denominadas fundamentais, tornando-se uma ciência
multidisciplinar. Por fim, você retomou alguns conceitos vistos em disciplinas
anteriores e que serão essenciais para a compreensão das aulas seguintes.

Autoavaliação
Agora que você já teve o primeiro contato com a Biotecnologia e pôde entender o seu
conceito e conhecer a sua história, construa uma linha do tempo contendo os principais
acontecimentos envolvidos na história da Biotecnologia. Para facilitar a construção, comece
com a Biotecnologia praticada pelos povos das antigas civilizações.

26 Aula 1 Biotecnologia
Referências
BORZANI, Walter et al. Biotecnologia industrial. São Paulo: Editora Blucher, 2001. 254 p.
(Fundamentos, 1).

KREUZER, Helen; MASSEY, Adrianne. Engenharia genética e biotecnologia. 2. ed. Porto


Alegre: Editora Artmed, 2002.

SERAFINE, Luciana Atti; BARROS, Neiva Monteiro de; AZEVEDO, João Lúcio de. Biotecnologia:
avanços na agricultura e na agroindústria. Caxias do Sul: Educs, 2002.

WATSON, James. DNA O segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470 p.

Anotações

Aula 1 Biotecnologia 27
Anotações

28 Aula 1 Biotecnologia
A importância dos
microrganismos na Biotecnologia

Aula

2
Apresentação
Na primeira aula (Aula 1 - O que é Biotecnologia?), conhecemos os três principais mo-
mentos da história de Biotecnologia: A Biotecnologia da Fermentação, a Biotecnologia da
Produção de Antibióticos e a Biotecnologia Moderna. Nesta aula, estudaremos com mais
detalhe o momento da Biotecnologia no que se refere à utilização dos microrganismos. Nesse
contexto, nos aprofundaremos nos processos fermentativos, na produção de antibióticos e
vacinas, e ainda na utilização desses microrganismos na agricultura para o controle de pragas,
e também na indústria alimentar e química.
Para alcançar os objetivos listados a seguir, leia atentamente todos os tópicos da aula.
Quando necessário, faça anotações e poste suas dúvidas na página da disciplina.
Boa aula!!

Objetivos
Descrever como os microrganismos contribuíram para o
1
desenvolvimento da Biotecnologia.

Distinguir os processos de fermentação, produção de an-


2
tibióticos e vacinas.

Identificar os mecanismos pelos quais os microrganismos


3 são utilizados no controle de pragas na agricultura e na
indústria alimentar e química.

Aula 2 Biotecnologia 31
Um olhar para o passado
Se relembrarmos a história da Biotecnologia estudada na Aula 1 (O que é Biotecnolo-
gia?), nos damos conta de que a utilização de microrganismos para a produção de bens e
serviços existe desde os primórdios da civilização. Exemplos clássicos dessa prática podem
ser a produção de alimentos, como o pão e o queijo, e a de bebidas, como o vinho e a cerveja.

Figura 1 – Um olhar para o passado

Fonte: <http://media.photobucket.com/image/olhar%
20para%20o%20passado/estrelaluz/Olhar.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Antes de Louis Pasteur, não se tinha ideia de que esses processos pudessem ser realizados
à custa da ação de microrganismos. Com essa descoberta, houve um extraordinário crescimento
do conhecimento sobre as fermentações que passaram a ser estudadas de forma científica.
Ao longo do século XX, diversos processos fermentativos foram introduzidos ou aper-
feiçoados, usufruindo do potencial de matérias-primas renováveis na obtenção de produtos
químicos, combustíveis, alimentos e bebidas, bioinseticidas, biofertilizantes, fármacos e
enzimas. São esses processos que veremos a seguir.

Aula 2 Biotecnologia 33
Os processos fermentativos
A fermentação pode ser definida como o processo utilizado por microrganismos para
obter energia (na forma de ATP) através da oxidação incompleta da glicose.

FERMENTAÇÃO
2 ATP Glicólise Citosol

Glicose
4 ATP
2TH2
2 Ácido pirúvico

2 Ácido láctico

Figura 2 – Esquema do processo de fermentação

Fonte: Adaptado de <http://biogeo10.files.wordpress.com/


2009/04/rendimento_respiracao_fermentacao.png>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Bactérias
Para mais detalhes sobre Os microrganismos responsáveis por esse processo podem ser bactérias fermen-
bactérias e fungos, vide
tativas (Figura 3), bolores ou fungos filamentosos (Figura 4) e as leveduras ou fungos
aulas 6 e 7 da disciplina
de Biodiversidade. unicelulares (Figura 5).

Figura 3 – Bactérias fermentativas

Fonte: <http://www.brasilescola.com/
upload/e/lactobacilos.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2010.

34 Aula 2 Biotecnologia
Figura 4 – Bolores ou fungos filamentosos

Fonte: <http://picsdigger.com/image/82940342/>.
Acesso em: 10 nov. 2010.

Figura 5 – Leveduras ou fungos unicelulares

Fonte: <http://elementosqf.files.wordpress.com/2007/11/
leveduras.gif?w=497>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Para o processo fermentativo ser executado com sucesso é necessário que sejam respei-
tadas as características de cada microrganismo, conhecido também como agente fermentativo.
Para cada grupo, gênero, espécie e linhagem microbiana, há a necessidade de um meio de cultura Meio de cultura
apropriado, bem como a correta proporção de nutrientes contidos nesse meio. Normalmente, Meio destinado ao cultivo
artificial de microrganis-
esses meios contêm proteínas, enxofre, elementos metálicos e vitaminas, essenciais para o
mos, que contém as fontes
metabolismo do microrganismo. de carbono, nitrogênio,
Por exemplo: as bactérias conhecidas como lactobacilos, utilizadas na produção de carboidratos e sais mine-
iogurte, necessitam que em seu meio de cultura contenha açúcar, para que, a partir de seu rais necessários para seu
desenvolvimento.
consumo e metabolismo, possa haver a produção final de ácido láctico, originado pela
fermentação láctica. Alguns fungos e leveduras consomem e metabolizam o açúcar contido
na cana-de-açúcar e produzem álcool, originado pela fermentação alcoólica. Outro aspecto
que se deve levar em consideração para o sucesso da fermentação são as condições de
temperatura e pH.

Aula 2 Biotecnologia 35
Como esses fatores podem interferir
na qualidade da fermentação?
Temperatura: microrganismos diferentes crescem em temperaturas diferentes. Há aque-
les que crescem abaixo de 7°C (microrganismos psicrófilos), os que crescem a 25°C, outros
que crescem em temperaturas de 25°C a 40°C (mesófilos) e os que crescem em temperaturas
acima de 60°C (termófilos e hipertermófilos). De acordo com a faixa de temperatura ideal para
o crescimento de determinado microrganismo, ele recebe diferentes denominações, como
ilustrado pela Figura 6 para algumas espécies de bactérias.
Taxa de crescimento

Termófilo
Bacillus stearothermophiilus Hipertermófilo Hipertermófilo
Mesófilo Thermococcus color Pyrolobus furmani
Escherichia coli 500
880 1060
390
Psicrófilo
Potaromonas vacuolatas

pH
Potencial hidrogeniônico
40
que permite descrever o
caráter ácido ou básico 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120
Temperatura (0C)
que predomina em meio
aquoso, tendo em conta
o seu valor determinado Figura 6 – Taxa de crescimento de algumas bactérias de acordo com a temperatura
numa escala de 0 a 14.
Para a temperatura de Fonte: <http://vsites.unb.br/ib/cel/microbiologia/crescimento/tipostermicos.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2010.

25ºC, um meio aquoso


será ácido se tiver pH de
0 a 7, será básico se o pH
Potencial hidrogeniônico - pH: em geral, as bactérias preferem ambientes com pH de
for de 7 a 14 e será neutro ácidos a neutros, as leveduras se desenvolvem bem entre pH 4 e 6 e os fungos filamentosos
para pH igual a 7. entre 3 a 8. A Figura 7 ilustra alguns tipos de produtos e seus respectivos pH.

36 Aula 2 Biotecnologia
0
Ácido de Bateria
1
Suco de Limão
2
Aumento Vinagre Chuva
de acidez 3 Peixe adulto morre ácida
4 Reprodução dos
peixes afetados
5
Linha normal
6 Leite de chuva
Neutro 7 Linha normal
dos nos
8 Bicabornato de sódio
9 Água do mar
10 Leite de
Aumento de 11 Magnésia
alcalinidade
12 Amônia
13 Barrela
14 Escala de pH

Figura 7 – Exemplos de produtos e suas faixas de pH

Fonte: <http://www.springway.com.br/diversos/escala_ph.gif>. Acesso em: 10 nov. 2010.

1 Qual a importância dos microrganismos no processo fermentativo?

Aula 2 Biotecnologia 37
2 Defina fermentação.

3 Cite e comente os principais fatores que podem interferir no processo fermentativo.

38 Aula 2 Biotecnologia
Diferentes microrganismos,
diferentes fermentações
Nem todos os microrganismos, mesmo sob condições ideais de temperatura e pH , dão
origem aos mesmos produtos.
A seguir, veremos os principais tipos de fermentações, seus agentes fermentativos e
seus respectivos produtos.

Saccharomyces cerevisae x fermentação alcoólica


A fermentação alcoólica pode ser definida como o processo através do qual alguns
tipos de açúcares, principalmente a sacarose, glicose e frutose são transformados em álcool
etílico, também conhecido por etanol. Essa é a fermentação que produz o vinho e a cerveja,
por exemplo.

Figura 8 – Vinho, um dos produtos da fermentação alcoólica

Fonte: <www.montalvomachado.com.br/blog/>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Entretanto, para que haja essa produção, torna-se necessária a ação de um conjunto de
enzimas para o desdobramento desses açúcares em álcool. Essas enzimas são sintetizadas pe-
los microrganismos denominados leveduras ou fermentos. No caso da fermentação alcoólica,
Saccharomyces cerevisiae é a mais comum e a mais utilizada.

Lactobacillus sp. X fermentação láctica


A fermentação láctica consiste na oxidação anaeróbica de açúcares para a produção final
de ácido láctico, além de outras substâncias orgânicas, tais como o ácido acético, glucônico
e propiônico, dentre outros.

Aula 2 Biotecnologia 39
Esse processo microbiano de grande importância é utilizado pelo homem na produção
de laticínios, na produção de picles e chucrute e na conservação de forragens. Por outro lado,
é responsável pela deterioração de vários produtos agrícolas.
As bactérias utilizadas industrialmente são as anaeróbias. Acetobacter e Lactobacillus
são os gêneros mais envolvidos nos processos para obtenção do ácido láctico.

Figura 9 – Queijos e iogurtes, alguns dos produtos da fermentação láctica

Fonte: <www.montalvomachado.com.br/blog/>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Acetobacter aceti x fermentação acética


A fermentação acética corresponde à transformação do álcool em ácido acético, confe-
rindo o gosto característico de vinagre. É realizada por bactérias denominadas acetobactérias,
pertencentes à família Pseudomonodaceae. As principais espécies de bactérias acéticas são:
Acetobacter aceti, Acetobacter pasteurianus, Acetobacter xylinum, Acetobacter schützenbachii
e Gluconobacter oxydans.

Figura 10 – Vinagre, um dos produtos da fermentação acética

Fonte: <www.montalvomachado.com.br/blog/>. Acesso em: 10 nov. 2010.

As bactérias acéticas constituem um dos grupos de microrganismos de maior interesse


econômico, de um lado pela sua função na produção do vinagre e, de outro, pelas alterações

40 Aula 2 Biotecnologia
que provocam nos alimentos e bebidas. Pelo fato de necessitarem do oxigênio do ar para
realizarem a acetificação, multiplicam-se mais na parte superior do vinho que está sendo
transformado em vinagre, formando um véu conhecido como “mãe do vinagre”. Esse véu
pode ser mais ou menos espesso de acordo com o tipo de bactéria.
A Figura 11 ilustra os principais processos fermentativos e seus respectivos produtos.

2 NAD
2 NADH2 H
H C CH
H
CH3
CO2 C O
2 P Etanol
2 ADP 2 ATP CH3 + 2 H2O
OH OH
Acetaloeido
C2H2O6 Glicose C O C O 2
C O 2 NAD
Glicose CH3
2 NAD 2 NADH CH3 2 NADH2 Ácido acético
2
Ácido OH
piruvico
C O
2 NADH2
HC OH
2 NAD
CH3
Ácido lático

Figura 11 – Esquema da produção de etanol, ácido láctico e ácido acético através da fermentação

Fonte: Lehningher (2005).

Aspergillus niger x fermentação cítrica


O ácido cítrico foi isolado pela primeira vez em 1884 por Sheele a partir do suco de limão,
sendo o principal constituinte dos frutos cítricos. O acúmulo do ácido cítrico por alguns fungos
foi descoberto por volta de 1893 quando Wehmer descobriu que o Citromyces (hoje identifi-
cado como Penicillium sp.) possuía a capacidade de acumular esse ácido durante seu cultivo.

Figura 12 – Frutos que apresentam em sua composição o ácido cítrico

Fonte: <www.montalvomachado.com.br/blog/>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Aula 2 Biotecnologia 41
Atualmente, a fermentação industrial para a produção de ácido cítrico é conduzida através
da fermentação utilizando geralmente a espécie de fungo Aspergillus niger. Hoje, cerca de 70%
da produção é utilizada pela indústria de alimentos e bebidas; 12% pela indústria farmacêutica
e 18% por outras indústrias.

Uma curiosidade...

Você sabe como é feita a cerveja sem álcool?


A cerveja sem álcool pode ser obtida da separação do álcool da cerveja pron-
ta utilizando membranas semi-permeáveis que com aplicação de altas pressões
deixam passar o álcool e não os outros compostos da cerveja. Esse processo é
conhecido como osmose reversa. Também pode ser obtida do aquecimento em
condições ideais de pressão para evaporar o álcool. Por fim, pode-se também
interromper a fermentação antes que todo o açúcar seja transformado em álcool.
Lembramos que muitas cervejas sem álcool possuem ainda pequenas quantida-
des do mesmo, porém devem atender à legislação quanto ao seu álcool residual.

Fonte: <http://www.acerveja.com.br/vocesabia/curiosidade.htm#per6>. Acesso em: 8 set. 2010.

Figura 13 – Cerveja sem álcool

Fonte: <www.encontreinanet.info/images/NasceoChopesemlcool_14AE6/cerveja_sem_alcool.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2010.

42 Aula 2 Biotecnologia
2

1 Descreva brevemente os principais tipos de fermentação vistos até agora e seus


respectivos agentes fermentativos.

Vimos que as bactérias acéticas constituem um dos grupos de microrganismos de


2
maior interesse econômico. Assim, faça uma pesquisa e descubra o porquê.

Aula 2 Biotecnologia 43
Agora que já vimos que os microrganismos são peças chave nos processos fermentativos,
originando diversos produtos que são utilizados nos mais diversos setores da sociedade, será
que acaba por aí a sua utilidade?
A seguir, veremos a utilização dos microrganismos em prol da nossa saúde. Vamos
verificar como?

44 Aula 2 Biotecnologia
Um pouco da história sobre a
descoberta dos antibióticos - A penicilina
Alexander Fleming (Figura 14), professor de bacteriologia na Universidade de Londres
e também chefe de pesquisa na Escola Médica do Hospital de Saint Mary, foi o grande nome
envolvido na descoberta do antibiótico, hoje conhecido como penicilina.

Figura 14 – Alexander Fleming, o descobridor da penicilina

Fonte: <http://www.pistissophiah.org/images3/a1231zzzk.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Como fazia rotineiramente, Fleming passava a maior parte de seu tempo no laboratório,
tentando prosseguir com seus estudos durante a 1ª Guerra Mundial, pois era membro do Corpo
Médico do Exército Real. Perturbado com o alto índice de soldados mortos por ferimentos
infeccionados, Fleming começou a questionar a efetividade do tratamento de tecidos doentes
com os antissépticos. Numa série de testes brilhantes, demonstrou que os antissépticos mais
prejudicavam do que ajudavam, já que matavam células do sistema imunológico, facilitando
ainda mais o aumento da infecção.
Com o fim da guerra, Fleming voltou a Saint Mary e continuou estudando bacteriologia. Seus
principais objetivos eram identificar algumas substâncias que pudessem combater as bactérias
sem danificar tecidos saudáveis ou enfraquecer os mecanismos de autodefesa do corpo.
Certo dia, em 1928, ele estava em seu laboratório checando algumas culturas de bactérias
estafilococos. Uma cultura em particular chamou sua atenção: ela permaneceu descoberta aci-
dentalmente por diversos dias e havia sido contaminada por um esporo de fungo que penetrou Esporo
através da única janela do laboratório. Fleming estava a ponto de lavar o prato quando percebeu unidade de
reprodução
algo muito incomum: na região ao redor do fungo, os estafilococos haviam desaparecido por
dos fungos.
completo. Nas outras partes do recipiente, porém, continuavam crescendo.
Fleming ficou intrigado – talvez tivesse chegado a uma maravilhosa descoberta. Ele imedia-
tamente começou a produzir mais fungos para que pudesse confirmar sua descoberta acidental.
Durante os oito meses seguintes, concluiu que o fungo continha uma substância poderosa, à qual
deu o nome de “penicilina”, devido ao fungo Penicillium chrysogenum notatum. A substância
eliminava não apenas estafilococos, mas também outras bactérias mortais. Na Figura 15 pode-se

Aula 2 Biotecnologia 45
observar a formação do fungo e nenhuma visualização das colônias de bactérias as quais foram
mortas pela substância produzida.

Figura 15 – Placa de Petri inoculada com bactéria Stafilococcus sp. e o fungo Penicillum notatum

Fonte: <http://quimica.seed.pr.gov.br/arquivos/Image/Penicillium_notatum.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2010.

A descoberta de Alexander Fleming foi umas das mais importantes em toda a história
humana. Ressalta-se que a penicilina não cura todas as infecções. Na verdade, algumas pes-
soas podem ter até mesmo reações alérgicas fatais. Contudo, a substância já curou milhões
de pessoas que contraíram infecções bacterianas incluindo a pneumonia, a sífilis, a difteria,
ou mesmo meningite, bronquite e infecções nos ossos.

E as vacinas?
Vimos anteriormente que os antibióticos são produtos do metabolismo de fungos, como
o Penicillum sp., potentes contra muitas doenças.
Agora vamos ver como as vacinas foram descobertas e qual o papel dos microrganismos
nesse processo.
Atenuados Vacinas são substâncias produzidas a partir de microrganismos vivos ou atenuados,
São microrganismos como vírus ou bactérias, e que conferem proteção em relação a uma determinada doença.
modificados para serem
As vacinas contêm agentes infecciosos inativados que induzem à produção de anticorpos
menos prejudiciais ou
não-virulentos quando na pessoa vacinada, evitando o desenvolvimento de uma infecção. Isso se dá através de um
inoculados, mas ainda mecanismo chamado “memória celular”.
assim serem capazes de Todos nós, desde o nascimento aos 6 anos de idade, recebemos várias vacinas para
induzir proteção.
prevenir uma série de doenças. Dentre elas, podemos destacar a BCG, contra a tuberculose;
a de hepatite A e B, contra a hepatite; a da febre amarela; a tríplice viral contra a tuberculose,
difteria e tétano, dentre outras.
BCG Mas, como é a produção dessas vacinas utilizando microrganismos? Como os micror-
Sigla que remete ao Bacilo ganismos que as contêm atuam de modo a promover a proteção contra a doença e ao mesmo
de Calmette-Guérin, causa-
tempo estar em contato com o organismo sem causar danos?
dor da tuberculose
Para responder a essas perguntas, vamos tomar como exemplo a produção da vacina
contra a hepatite B.

46 Aula 2 Biotecnologia
Figura 16 – Imagem ilustrando a hepatite B como alvo de vacinação

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_5WUuFS7440o/TFtFOve3yXI/AAAAAAAAAk4/byuPtrqs4Hs/s1600/VACINA~1.JPG>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Há dez anos, o Instituto Butantã produz em escala industrial uma vacina contra a hepatite
B. Esse tipo de hepatite, ou seja, a infecção do fígado, pode causar cirrose e câncer, constituindo
um sério problema de saúde pública no Brasil. Chega a atingir 12% da população em regiões
mais críticas, como o estado do Amazonas.
A vacina produzida no Instituto Butantã é do tipo recombinante, ou seja, sua produção
utiliza as técnicas de engenharia genética, mais especificamente, a recombinação do DNA
(que vimos na Aula 1 e que veremos com mais detalhes na Aula 3 – Tecnologia do DNA Re-
combinante I).
Para a produção dessa vacina, é necessário extrair a proteína da cápsula do vírus da hepa-
tite, responsável por causar a doença e denominada de antígeno. Antes da engenharia genética,
essa proteína era extraída de indivíduos que apresentavam a doença. Agora, ela é produzida
por leveduras (aquelas mesmas que produzem o pão) que contêm o gene para a proteína viral
(antígeno), produzindo-a em grandes quantidades em fermentadores específicos. Depois da
produção, a biomassa celular obtida é quebrada para a liberação do antígeno e passa por um
processo de purificação. Esse produto, que tem a mesma proteína de superfície do vírus, é a
vacina, que irá ativar a produção de anticorpos (células de defesa do organismo, que nesse
caso são específicos contra a hepatite B).

Vimos anteriormente que um dos primeiros antibióticos produzidos foi a penicilina, deri-
vada do fungo Penicillum. Esse antibiótico vem sendo extensivamente utilizado e recentemente
se descobriu que as bactérias sensíveis a ele têm-se tornado resistentes. Faça uma pesquisa
e elabore algumas hipóteses para explicar esse fato.

Aula 2 Biotecnologia 47
Dica: Uma boa fonte de consulta são os livros Microbiologia dos autores Michael J. Pel-
czar Jr., Chan e Noel Krieg e Biotecnologia Industrial volume 4, de Eugênio Aquarone, Walter
Borzani, Willibaldo Schmidell e Urgel de Almeida Lima.

Biopesticidas
Microrganismos na agricultura
São substâncias de
ocorrência natural
(pesticidas bioquímicos)
O controle de pragas
que controlam pragas,
ou microrganismos
Você já deve ter visto em alguma lavoura ou plantação a prática da pulverização de agro-
que controlam pragas
(pesticidas microbianos), tóxicos para combater pragas. Essa prática vem acarretando prejuízos tanto para o homem
e substâncias com ação quanto para o meio ambiente, atingindo inimigos naturais, contaminando os alimentos e
pesticida produzidas por chegando aos rios e solos.
plantas contendo material
Uma alternativa que vem sendo utilizada para minimizar esses danos é substituir a uti-
genético exógeno (incluído
em culturas geneticamente lização desses compostos químicos por fungos, bactérias, vírus, dentre outros organismos,
modificadas). chamados de biopesticidas.

48 Aula 2 Biotecnologia
Essa prática teve início em 1938, quando o primeiro produto à base de microrganismos foi co-
mercializado. Esse produto tem como organismo vivo uma bactéria chamada Bacillus thuringiensis.
Mas, você deve estar se perguntando... Como essa bactéria age no controle de pragas?
Durante uma fase do seu ciclo de desenvolvimento chamada de esporulação, ela produz
uma toxina mais conhecida como proteína Cry, que vai se acumulando na célula na forma de
um cristal, liberado no final da esporulação (Figura 17).

Figura 17 – A: Células de Bacillus thuringiensis em fase de esporulação; B: Cristais purificados

Fonte: <http://www.phyteauvergne.ecologie.gouv.fr/IMG/Conseils_agri/images/bacillus_thuringiensis_mddep.gouv.qc.ca.png>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Assim, para que a proteína exerça seu papel no controle biológico de pragas, ela deve
ser ingerida na forma de cristal pela larva de um inseto, que no seu intestino é digerida e li-
berada do cristal sob a sua forma tóxica. Nessa forma, ela se liga a receptores específicos na
membrana do intestino do inseto causando um desequilíbrio osmótico da célula, consequente
lise e morte celular.
Com o advento das técnicas de biologia molecular, o gene cry, que codifica essa proteína,
foi isolado e inserido nas plantas para que elas próprias passassem a produzir a proteína letal
aos insetos (Figura 18).
Esse foi um avanço significativo na utilização de microrganismos no controle de pragas.
Hoje em dia, o produtor já pode encontrar no mercado sementes de diversas culturas, como
por exemplo, o milho e o algodão denominados de Bt em referência ao Bacillus thuringiensis.

Aula 2 Biotecnologia 49
Figura 18 – Mecanismo de ação do Bacillus thuringiensis contra pragas da agricultura

Fonte: Adaptado de <http://www.scq.ubc.ca/wp-content/GMcrop.gif>. Acesso em: 10 nov. 2010.

Leituras complementares

Mecanismo de ação de Bacillus thuringiensis

Disponível em: <http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio38/mecanismo.pdf>


A leitura complementar do texto acima aborda com mais detalhes o mecanismo de ação
do Bacillus thuringiensis, ou seja, quais são as proteínas expressas que conferem a habilidade
ao bacilo, quais os receptores dos insetos que são alvos dessas proteínas e as perspectivas das
pesquisas nessa área de Biotecnologia.

Inovações na produção de cervejas

Disponível em: <http://www.biotecnologia.com.br/revista/bio35/inovacoes.pdf>


A leitura complementar do texto acima abrange com mais detalhes o processo de produ-
ção da cerveja, tendo como foco a utilização de microrganismos vivos. O texto ainda aborda as
metodologias utilizadas no preparo do levedo e alguns parâmetros analisados que garantem
a qualidade do produto.

50 Aula 2 Biotecnologia
Resumo

Nesta aula, você estudou com mais detalhe o momento da Biotecnologia


no que se refere à utilização dos microrganismos. Compreendeu como ocorrem
os processos fermentativos, quais seus respectivos agentes e as substâncias
por eles produzidas. Compreendeu que microrganismos diferentes realizam
diferentes tipos de fermentações e, consequentemente, produzem diferentes
produtos metabólicos que podem ser usados nas mais diversas áreas. Conheceu
como os microrganismos podem ser utilizados para a produção de antibióticos e
vacinas. Conheceu a história da descoberta do primeiro antibiótico, a penicilina,
e o processo de desenvolvimento da vacina contra a hepatite B. Por fim,
compreendeu como os microrganismos podem ser utilizados no controle de
pragas na agricultura.

Autoavaliação
Agora que você já estudou a importância dos microrganismos para a Biotecnologia,
enumere os processos e produtos dos quais eles participam. Além disso, pesquise outros
processos biotecnológicos dos quais esses agentes são imprescindíveis.

Aula 2 Biotecnologia 51
Referências
BORZANI, Walter et al. Biotecnologia Industrial. São Paulo: Editora Blucher, 2001. 254p.
(Fundamentos, 1).

BUTANTAN já produz vacina contra hepatite B. Revista Fapesp, edição impres. 23, 1997.
Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=252&bd=1&pg=2&lg=>. Acesso em:
6 set. 2010.

SERAFINE, Luciana Atti; BARROS, Neiva Monteiro de; AZEVEDO, João Lúcio de. Biotecnologia:
avanços na agricultura e na agroindústria. Caxias do Sul: Educs, 2002.

52 Aula 2 Biotecnologia
Anotações

Aula 2 Biotecnologia 53
Anotações

54 Aula 2 Biotecnologia
Tecnologia do DNA Recombinante I

Aula

3
Apresentação

N
a aula anterior (Aula 2- A importância dos microrganismos na Biotecnologia), conhe-
cemos e compreendemos a importância dos microrganismos nas mais diversas áreas
do conhecimento. Nesta aula, vamos estudar como esses microrganismos podem
sofrer modificações para que o seu DNA seja manipulado através de um conjunto de técnicas
denominadas de Tecnologia do DNA Recombinante ou Engenharia Genética.
Estudaremos os mecanismos pelos quais é possível “cortar”, “colar” e “copiar” um seg-
mento de DNA, utilizando as enzimas de restrição, enzimas de ligação, vetores de clonagem
e clonagem molecular. Por fim, veremos como, quando e onde essas tecnologias podem ser
utilizadas em benefício do homem.
Leia atentamente a aula e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina.
Bom estudo!

Objetivos
Conhecer os eventos envolvidos na descoberta da Tecnologia
1 do DNA Recombinante.

2 Definir o conceito de Tecnologia do DNA Recombinante.

Identificar as técnicas que compõem a Tecnologia do


3 DNA Recombinante.

Reconhecer a importância das enzimas de restrição na


4 Tecnologia do DNA Recombinante.

Compreender como as enzimas de restrição não clivam


5 seu próprio DNA

Definir o conceito de DNA recombinante, enzimas de


6 ligação e vetores de clonagem.

Compreender o conceito e a importância da clonagem


7 molecular.

8 Conhecer as aplicações da Tecnologia do DNA Recombinante.

Aula 3 Biotecnologia 57
Onde tudo começou

A
té a década de 1970, o componente celular mais difícil de ser analisado era o DNA. Desde
1953, quando Watson e Crick desvendaram a estrutura do DNA, os pesquisadores já
sabiam que o DNA tratava-se de uma molécula extremamente longa, apresentando-se
sob a forma de uma dupla hélice. Só para se ter uma ideia, o cromossomo 1 de humanos é
o maior de todos, contendo 8% do DNA total de cada célula, com cerca de 250 milhões de
pares de bases (Figura 1a), e mesmo as menores moléculas de DNA presentes em bactérias,
possuem 4 milhões de pares de bases (Figura 1b).

a b

cromossomo plasmídeo
1 2 3 4 5 bacteriano

bactéria
6 7 8 9 10 11 12

13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 X Y plasmídeo
Autossomos Cromossomos
1 μm
sexuais

Figura 1 – a) Cromossomos humanos (22 pares e dois cromossomos sexuais X e Y) e b) cromossomo


bacteriano, tendo como detalhe o DNA circular denominado de plasmídeo

Adaptado de: (a) <http://www.ciadaescola.com.br/zoom/imgs/304/artigo_arquivos/cromossomos.gif>;


(b) <http://biologia12d.files.wordpress.com/2010/01/plasmideo-21.jpg?w=360&h=319>. Acesso em: 22 dez. 2010.

Entretanto, o que os pesquisadores ainda não tinham desenvolvido eram técnicas capa-
zes de acessar a informação contida na estrutura do DNA. Assim, para se estudar a fundo um
determinado segmento de DNA, ou seja, um gene, teria de haver alguma maneira de isolá-lo
do restante do DNA total. E não era somente uma questão de isolar o DNA a ser estudado,
mas também uma questão de amplificá-lo, ou seja, aumentar a sua quantidade para que ele
pudesse ser estudado.
Em essência, precisava-se de um sistema de edição e montagem molecular: uma tesoura
molecular que cortasse o trecho do DNA em partes de tamanhos aceitáveis, algum tipo de cola
molecular que permitisse manusear essas partes e, por fim, alguma copiadora molecular que
amplificasse ou copiasse as partes que haviam sido cortadas e isoladas. Precisava-se fazer com
o DNA o que hoje, qualquer processador de texto faz com as palavras: cortar, colar e copiar.

Aula 3 Biotecnologia 59
Figura 2 – Ilustração da tesoura molecular e ao centro a molécula de DNA

O desenvolvimento de ferramentas que pudessem ser utilizadas com a finalidade


anteriormente citada parecia ser muito complicado, mesmo depois de termos decifrado o
Código genético código genético. Porém, em 1973, foi constatado que algumas das descobertas feitas por
É a relação entre a volta de 1970, quando realizadas em conjunto, apresentavam a capacidade de editar e montar
sequência de bases no
o DNA. A esse conjunto de técnicas deu-se o nome de Tecnologia do DNA Recombinante.
DNA e a sequência corres-
pondente de aminoácidos

Definindo a Tecnologia
que formam as proteínas.
A combinação de trincas
de nucleotídeos codifica
um aminoácido. No total,
essa combinação gera 20 do DNA Recombinante
aminoácidos diferentes.

Como vimos acima, a Tecnologia do DNA Recombinante, também conhecida como Enge-
nharia Genética, compreende o conjunto de técnicas que permite identificar, isolar e multiplicar
genes de quaisquer organismos. O termo recombinante é devido ao fato de essas técnicas
combinarem o material genético de fontes distintas, ou seja, do DNA extracromossômico de
bactérias (DNA plasmideal) com o DNA de outro organismo qualquer. Muitas das técnicas são
provenientes da Microbiologia, Bioquímica, Imunologia e Genética Microbiana e permitiram que
a análise do DNA ganhasse um novo enfoque. A informação contida no DNA tornou-se, então,
acessível por meio de análises moleculares. Dessa forma, tornou-se possível isolar regiões
específicas, obtê-las em grande quantidade e determinar a sua sequência.
A Tecnologia do DNA Recombinante tem uma ampla aplicação. Ela pode ser usada para
estudar mecanismos de replicação e expressão gênica, na determinação da sequência de um
gene e, consequentemente, da proteína que ele codifica, ou no desenvolvimento de culturas
microbianas capazes de produzir substâncias úteis, tais como a insulina humana, hormônio de
crescimento, vacinas e enzimas industriais em grandes quantidades. Sua aplicação comercial
ou biotecnológica parece ter um potencial inesgotável. Como consequência do desenvolvi-

60 Aula 3 Biotecnologia
mento dessa tecnologia, é possível atualmente investigar a paternidade e diagnosticar doenças
genéticas e infecciosas através da análise de DNA, que estudaremos nas próximas aulas.
A seguir, veremos com mais detalhes algumas dessas técnicas desenvolvidas para ma-
nipular o DNA, começando pelas tesouras moleculares chamadas de enzimas de restrição
ou nucleases de restrição.

Enzimas de restrição ou
nucleases de restrição
Na década de 1960, o bioquímico suíço Werner Arber se viu diante de um enigma: ao
estudar a infecção de uma célula bacteriana por um vírus, denominado bacteriófago, observou Bacteriófago
que algumas células hospedeiras (embora não todas, de outra forma nenhum vírus poderia se Vírus que tem a capaci-
dade de infectar bactérias
reproduzir) identificavam o DNA viral como estranho e seletivamente o atacavam, cortando a
e, em alguns casos,
sua molécula em vários fragmentos menores (Figura 3). destruí-las.

Enzimas
Entrada de Enzima de restrição Grupo de substâncias
DNA viral na cortando o DNA viral em
bactéria zonas específicas orgânicas de natureza
normalmente proteica
(existem também enzimas
Fragmentação do DNA constituídas de RNA, as
viral por outras enzimas ribozimas), com atividade
intra ou extracelular catali-
sando reações.

DNA da bactéria

Figura 3 – Vírus infectando uma bactéria e tendo seu DNA cortado pelas enzimas de restrição

Adaptado de: <http://i48.tinypic.com/2igfa5i.jpg>. Acesso em: 22 dez. 2010.

Muitos estudos foram então realizados até que Arber descobriu um grupo de enzimas
que degradavam o DNA, chamadas de enzimas de restrição ou nucleases de restrição. Sua
presença nas células bacterianas restringia o crescimento viral ao clivar, ou seja, cortar o DNA
estranho, no caso, o DNA do vírus.
A clivagem do DNA é uma reação enzimática específica, ou seja, cada enzima reconhece
apenas um tipo de sequência, independente da fonte de DNA. Por exemplo, a enzima chamada
de EcoRI, uma das primeiras enzimas de restrição descobertas, reconhece e cliva a sequência
específica de bases GAATTC e a enzima HindIII reconhece e cliva a sequência específica de
bases AAGCTT, conforme ilustrado na Figura 4.

Aula 3 Biotecnologia 61
EcoRI HindIII
Ponto de Ponto de
clivagem clivagem

5’ 3’ 5’ 3’
G A A T T C A A G C T T
C T T A A G T T C G A A

Eixo de Eixo de
simetria Ponto de simetria Ponto de
clivagem clivagem

Figura 4 – Reconhecimento da sequência GAATTC pela enzima EcoRI


e da sequência AAGCTT pela enzima HindIII e posterior clivagem

Adaptado de: <http://www.sobiologia.com.br/figuras/Genetica/restricao2.jpg>. Acesso em: 22 dez. 2010.

Se as enzimas de restrição clivam o DNA, por que a bactéria não acaba clivando
o seu próprio DNA toda vez que aparecer a sequência GAATTC, por exemplo?

Essa foi a segunda descoberta de Arber. Ao produzir uma enzima de restrição


que visa a uma sequência específica, a bactéria também produz uma segunda
enzima que modifica quimicamente a mesma sequência em seu próprio DNA
toda vez que esta ocorrer. A enzima faz isso acrescentando grupos metil (CH3)
às suas bases de DNA. As sequências GAATTC modificadas no DNA bacteriano
passam despercebidas pela EcoRI, mesmo que a enzima continue cortando a
sequência sempre que ela ocorrer no DNA viral.

Tipos de enzimas de restrição


As enzimas de restrição são divididas em várias classes, dependendo da estrutura, da
atividade e dos sítios de reconhecimento e clivagem, sendo enzimas do Tipo I e II.
Nesta aula, estudaremos as enzimas do Tipo II, as mais importantes na Tecnologia do
DNA Recombinante. Essas são proteínas monoméricas ou diméricas que clivam o DNA no
mesmo sítio do seu reconhecimento.
O sítio de reconhecimento desse tipo de enzima é normalmente uma sequência palin-
drômica, isto é, tem um eixo de simetria e a sequência de bases de uma fita é a mesma da fita
complementar, quando lida na direção oposta (Figura 5).
Essas enzimas reconhecem sequências específicas de 4 (Figura 5a) a 8 pares de base
(pb) (Figura 5b) na molécula de DNA e fazem dois cortes, um em cada fita, que podem ser

62 Aula 3 Biotecnologia
no eixo de simetria da sequência específica, gerando extremidades denominadas abruptas
(Figura 5a) ou cortes que são feitos simetricamente, porém, fora do eixo de simetria, gerando
extremidades denominadas coesivas (Figura 5b).

a b
Clivagem no eixo de simetria Clivagem simetricamente situada
ao redor do eixo de simetria

... T C G A ...
... G A A T T C ...
... A G C A ...
... C T T A A G ...

... T C G A ... ... G A A T T C ...


+ +
... A G C A ... ... C T T A A G ...

Moléclulas com extremidades abruptas Moléclulas com extremidades coesivas

Figura 5 – Exemplo de sequências palindrômicas. As setas indicam o sítio de reconhecimento da enzima e os traços
pontilhados o eixo de simetria. a) clivagem no eixo de simetria gerando moléculas com extremidades abruptas e
b) clivagem ao redor do eixo de simetria gerando moléculas com extremidades coesivas.

Fonte: Adaptado de Nascimento et al (2003).

E como é dado o nome de


cada enzima de restrição?
A nomenclatura referente às enzimas de restrição foi baseada na abreviação do nome do
microrganismo do qual a enzima foi isolada. A primeira letra representa o gênero e as outras
duas a espécie, seguidas de um algarismo romano (ou outra letra) que indica a ordem da des-
coberta ou a linhagem da qual ela foi isolada. Por exemplo, a enzima de restrição denominada
de EcoRI é purificada da bactéria Escherichia coli que carrega um fator de transferência de
resistência RI, enquanto que a HindIII é isolada da Haemophilus influenzae, linhagem d III.
Atualmente, mais de 1000 enzimas de restrição já foram identificadas e algumas delas,
bem como as sequências específicas que reconhecem seus sítios de clivagem, podem ser
visualizadas na Figura 6.

Aula 3 Biotecnologia 63
Microrganismo Enzima Sequência alvo

G A A T T C
Escherichia coli Eco RI C T T A A G

G G A T C C
Bacillus amyloliquefaciens H Bam HI C C T A G G

A G A T C T
Bacillus globigii Bgl II T C T A G A

Haemophilus aegyptius Hae II Pu G C G C Pi


Pi C G C G Pu

Haemophilus aegyptius Hind III A A G C T T


T T C G A A

Figura 6 – Algumas enzimas de restrição: origem e sítios de clivagem. A seta indica


o local de clivagem. Pu e Pi referem-se, respectivamente, a qualquer purina e pirimidina

Adaptado de: Adaptado de Nascimento et al (2003).

Purina e Pirimidina
Classes às quais perten-
cem as bases nitrogenadas 1
que compõem o DNA.
As pirimidinas incluem a
timina e a citosina, e as
purinas, a adenina Quando uma molécula de DNA estranha, isto é, de um organismo diferente, invade certas
e guanina.
bactérias, o DNA é frequentemente clivado.

a) Explique qual o agente responsável pela clivagem e como ela ocorre.

64 Aula 3 Biotecnologia
b) Explique o porquê de o DNA da própria bactéria não sofrer esse processo.

Até agora vimos como o DNA pode ser cortado, utilizando as tesouras moleculares, deno-
minadas de enzimas de restrição. Um segundo passo para se construir uma molécula de DNA
recombinante é colar os fragmentos gerados pela ação das enzimas de restrição, através da
utilização das enzimas de ligação, e assim construir a molécula do DNA recombinante. Vamos
estudar esse processo com mais detalhes?

Aula 3 Biotecnologia 65
Construindo
o DNA recombinante
Vimos que a enzima de restrição reconhece uma sequência específica de bases e que ela
também não diferencia DNA de origens diferentes. Portanto, fragmentos de dois diferentes
organismos (por exemplo, bactéria e homem) clivados pela mesma enzima de restrição podem
ser ligados através da enzima de ligação denominada de DNA ligase.
A Figura 7 mostra uma molécula de DNA circular de bactéria, chamada de plasmídeo,
que tem sítios de clivagem para uma determinada enzima de restrição. A mesma enzima é
usada para clivar DNA humano. Se os fragmentos de DNA humano são misturados com o DNA
plasmideal da bactéria linearizado e ligados, temos como resultado uma molécula denominada
de DNA recombinante.

Plasmídeo de
DNA humano
T G C A E. coli
ACGT
TGCA TGCA
ACGT ACGT

Enzima Enzima

GCA T GCA T
T ACG T ACG

DNA Ligase

A T
C
T A
G
T G

G
C

C A
AC

GT

Plasmídeo híbrido

Figura 7 – Ação das enzimas de restrição e da DNA ligase na clivagem e ligação do


DNA humano ao DNA bacteriano, respectivamente, originando o DNA recombinante

Fonte: Adaptado de Nascimento et al (2003).

66 Aula 3 Biotecnologia
Mas o que é o DNA
plasmideal ou plasmídeo?
Os plasmídeos são DNA extracromossômicos circulares de bactérias que são replicados
e transmitidos como o DNA cromossômico durante a divisão celular (Figura 8a). São também
denominados de vetores de clonagem molecular.
Em certas situações, o plasmídeo também pode passar de uma bactéria para outra,
permitindo que a bactéria receptora adquira novas informações. Em geral, essa informação
inclui os genes que conferem resistência aos antibióticos (Figura 8b).

Plasmídeo circular (cada Cromossomo circular


a um com vários milhares principal (quatro milhões
de pares de bases) de pares de bases)

Bactéria

Gene de resistência
b a antibiótico

Gene necessário
para transferência
do DNA
Plasmídeo móvel

Figura 8 – a) Bactéria mostrando o DNA cromossômico e o DNA circular denominado DNA plasmideal
b) detalhe do DNA plasmideal mostrando o gene de resistência a antibióticos

Adaptado de: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/dna/imagens/projeto-genoma5.gif>. Acesso em: 22 dez. 2010.

Os plasmídeos possuem algumas características peculiares que foram adquiridas com


a Engenharia Genética, dentre elas:

1) Uma origem de replicação denominada de O, essencial para o processo de duplicação do DNA;

2) Pelo menos um gene de resistência a antibióticos, utilizados para seleção;

3) Múltiplos sítios para enzimas de restrição (MSC - Múltiplos Sítios de Clonagem), local
onde o plasmídeo será cortado para receber o DNA exógeno;

4) Recebem fragmentos de 2 mil a 10 mil pares de bases (Figura 9).

Aula 3 Biotecnologia 67
a b T7
Apa I 14

O Aat II
Sph I
20
28
Xmn I 2009 Nae I BstZ I 31
2707 Nco I 37
BstZ I 43
Sca I 1890 Not I 43
f1 ori Sac II 49
EcoR I 52
Amp r
IacZ
AmpR MSC T T
Spe I
EcoR I
64
70
Not I 77
BstZ I 77
88
Pst I
90
Sat I
97
Nde I 109
Sac I 118
ori
BstX I 127
Nsi I 141

SP6

Figura 9 – Plasmídeo de E. coli e suas características: a) origem de replicação (O), gene de resistência a ampicilina (AmpR) e sítios para as
enzimas de restrição (MSC); b) exemplo do plasmídeo de E. coli chamado de PgemZ e seus múltiplos sítios de clonagem

Fonte: Adaptado de Watson (2005).

Assim, pelo fato de possuírem as características anteriormente citadas, os plasmídeos


têm a capacidade de receber fragmentos de DNA originados pelas enzimas de restrição e que
através da DNA ligase são colados, formando assim uma molécula recombinante ou também
chamada de molécula híbrida. O primeiro plasmídeo híbrido usando DNA de um tipo total-
mente diferente de organismo foi construído a partir da ligação de um segmento de DNA da
rã conhecida cientificamente por Xenopus laevis (Figura 10 a), inserido em um plasmídeo de
E. coli (Figura 10b).

a b

Figura 10 – a) Rã da espécie Xenopus laevis da qual o segmento de DNA foi extraído, digerido com enzimas de
restrição e b) inserido no plasmídeo PKKD de E. coli, originando a molécula de DNA Recombinante

Fonte: (a) <http://template.bio.warwick.ac.uk/staff/rold/images/cutfrog.jpg>;(b) <http://www.pnas.org/content/84/18/6496.full.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2010.

68 Aula 3 Biotecnologia
Mas os plasmídeos não são os únicos tipos de vetores existentes. Dependendo do tama-
nho do DNA exógeno que se queira inserir nesse vetor, este pode ser de vários tipos:

1) Bacteriófagos: São vírus que infectam bactérias e que têm a capacidade de receber frag-
mentos de 10 mil a 25 mil pares de bases.

2) Cosmídeos: São plasmídeos que têm a capacidade de receber fragmentos de até 40 mil
pares de bases.

3) BAC: Bacterial Artificial Chromossome – Cromossomo artificial de bactéria que tem a


capacidade de receber fragmentos de 70 a 300 mil pares de bases.

4) YAC: Yeast Artificial Chromossome – Cromossomo artificial de levedura que tem a capa-
cidade de receber fragmentos maiores de 300 mil pares de bases.

No filme Jurassic Park, cientistas purificam o DNA de dinossauros extintos,


preservado no intestino de pernilongos fósseis, e injetam esse DNA em um óvulo
de jacaré. Instruído pelo conjunto de genes presentes no genoma do dinossauro,
o ovo se desenvolve e o que eclode é dinossauro. Como toda obra-prima de ficção
científica, Jurassic Park leva ao extremo uma ideia que, apesar de teoricamente
possível, é de difícil execução. Por quê?

Aula 3 Biotecnologia 69
Até agora vimos que com o advento da Tecnologia do DNA Recombinante foi possível
cortar fragmentos de DNA e colar esses fragmentos em vetores específicos, como os plas-
mídeos. A última etapa desse processo é copiar esse fragmento, ou seja, produzir cópias
idênticas da molécula de DNA recombinante, cujas etapas em conjunto constituem a chamada
clonagem molecular.
O termo clonagem molecular tem como origem a Genética Bacteriana que considera uma
colônia de bactérias como um clone porque todos os indivíduos são geneticamente idênticos à
bactéria inicial. O cerne da metodologia do DNA recombinante é a clonagem molecular, a qual
consiste no isolamento e propagação de moléculas de DNA idênticas. A clonagem molecular
compreende pelo menos dois estágios importantes já mencionados: (1) o fragmento do DNA de
interesse ou DNA exógeno, ou ainda inserto, é ligado a uma outra molécula de DNA chamada de
vetor (no exemplo dado foi o plasmídeo) para formar o que se chama de DNA Recombinante;
(2) a molécula do DNA recombinante é introduzida numa célula hospedeira compatível, num
processo chamado de transformação, que veremos a seguir.

Transformação bacteriana
Transformação bacteriana é o processo pelo qual a molécula do DNA Recombinante é
introduzida numa célula hospedeira compatível chamada de célula competente. Essa célula
que adquiriu a molécula do DNA Recombinante é agora chamada de transformante ou célula
transformada (Figura 11).

DNA Recombinante a ser


introduzido na bactéria
competente pelo processo
de transformação

Célula Bacteriana

Figura 11 – Processo de transformação bacteriana

Fonte: Adaptado de Watson (2005).

70 Aula 3 Biotecnologia
Durante a transformação, as moléculas do DNA passam através de canais situados nas
chamadas zonas de adesão, que são locais onde as membranas interna e externa da célula
bacteriana unem-se formando poros, que só estão presentes durante o crescimento bacteria-
no. Nessa etapa, é essencial a presença de íons de cálcio (Ca+2), que neutralizam as cargas
negativas da camada de fosfolipídeos da membrana, facilitando a atração eletrostática com as
moléculas do DNA na zona de adesão. Um choque térmico é necessário para complementar
o processo de captação, criando um desbalanço térmico entre o interior e o exterior da célula
bacteriana, auxiliando o bombeamento do DNA através da zona de adesão. A Figura 12 ilustra
esse processo.

DNA genômico Célula


Bacteriana

- -
++ - -
++ - Zona de
- -
++ - -
++ -
-
++ -
++
Bicamada lipídica
adesão
(interna)
- -
Camada peptido
-
++ -
++ glucan
Bicamada lipídica
- ++ - - (externa)
- ++ - - ++ - - ++ - ++ -
++ - -++ - Fosfolipídeos
++ - -
- - ++ ++ Íon de cálcio
++ ++
++ - ++ - -
- -
++ ++ - ++ ++

Figura 12 – Mecanismo de transformação da E. coli com o plasmídeo recombinante. Os íons de cálcio estão
representados pelos círculos em verde claro enquanto os plasmídeos recombinantes, pelos traços em verde escuro

Fonte: Nascimento et al (2003).

Vale ressaltar que nesse processo, nem todas as células se transformam. Em algumas
delas, não ocorre a abertura dos poros e o DNA recombinante não é inserido.
Após a transformação, uma única célula transformada sofre muitos ciclos de divisão
celular, produzindo uma colônia que contém milhares de cópias do DNA Recombinante. As
bactérias que receberam o DNA Recombinante passarão por um processo de multiplicação
em um meio de cultura apropriado, transmitindo a molécula recombinante para as próximas
gerações (Figura 13).

Aula 3 Biotecnologia 71
Célula Meio de cultura onde as células Milhares de cópias da
transformada transformadas irão se multiplicar, molécula de DNA
transmitindo o DNA Recombinante Recombinante produzidas
para as próximas gerações pelas bactérias

Figura 13 – Multiplicação das células transformadas para a produção


de milhares de cópias da molécula de DNA Recombinante de interesse

Adaptado de: Adaptado de Watson (2005).

Mas como saber se as bactérias


originadas têm a molécula de DNA
Recombinante, ou seja,
se foram transformadas?
É fácil. Basta realizar a multiplicação das bactérias em meio de cultura que contenha um
antibiótico, tendo a atenção deste ser o mesmo ao qual a bactéria é resistente, ou seja, cujo
pasmídeo contém o gene para resistência. Por exemplo, se utilizarmos um plasmídeo que tenha
o gene de resistência para o antibiótico penicilina, este deve ser utilizado no meio de cultura.
Desse modo, somente as bactérias que têm esse plasmídeo expressarão o gene de resistência
e, consequentemente, se multiplicarão (Figura 14).

72 Aula 3 Biotecnologia
Célula transformada Célula não transformada

+
DNA cromossômico
Plasmídeo
da bactéria

Cultivo em meio
de cultura contendo Crescimento somente das
antibiótico bactérias resistentes ao
antibiótico, ou seja, daquelas
que contêm o plasmídeo

Figura 14 – Seleção das bactérias recombinantes através da resistência ao antibiótico

Adaptado de: Martins (2007).

Até agora vimos como selecionamos as bactérias que contêm os plasmídeos. Mas como
diferenciá-las daquelas que contêm ou não o inserto de interesse?
Também é simples. Se observarmos a Figura 15a, podemos verificar que se trata de uma
ilustração de um plasmídeo engenheirado (ou seja, modificado pelas técnicas de Engenharia
Genética) chamado de pUC 19. Esse plasmídeo tem, assim como aqueles exemplificados até
então (e também engenheirados), um gene de resistência a antibiótico, no caso a penicilina,
uma origem de replicação e os múltiplos sítios de clonagem, local onde o inserto será colocado.
Nesse local, há um gene (Figura 15a) que codifica uma proteína chamada de beta galactosi-
dase, enzima responsável por quebrar a galactose, que é uma molécula de açúcar. Se nesse
local for inserido um fragmento de DNA (Figura 15b), haverá a interrupção do gene da beta
galactosidase e, consequentemente, não haverá a produção da enzima galactose, acumulando
galactose no meio.

a b
Eco R1
Sma I
Origem Bam H1
Sel I
Pat I
Hind III
pUC19

Resistência à Lac Z
amplicilina ß-galactosidase

Plasmídeo Plasmídeo + inserto

Figura 15 – a) Plasmídeo pUC 19 sem o inserto; b) plasmídeo pUC 19 com o inserto

Adaptado de: Martins (2007).

Aula 3 Biotecnologia 73
Para então selecionar os plasmídeos que contêm ou não o inserto, basta adicionar ao
meio de cultura o açúcar galactose. Se este for degradado pela enzima galactosidase, a colônia
bacteriana ficará azul (na Figura 16 representada pelos círculos pretos), sinal que o gene não
foi interrompido e, consequentemente, a galactosidase foi produzida para digerir o açúcar.
Se o açúcar não for degradado, a colônia bacteriana ficará branca, sinalizando que o gene foi
interrompido e a galactosidase não foi produzida. Nesse caso, as colônias brancas são aquelas
que contêm o DNA Recombinante (Figura 16).

Colônias brancas: Colônias azuis:


plasmídeo e o inserto somente o plasmídeo

Colônias (brancas e azuis) resistentes à ampicilina

Figura 16 – Seleção das bactérias recombinantes através da presença


do inserto. As colônias azuis são representadas pelos círculos pretos

Adaptado de: Martins (2007).

No vaga-lume há um gene que determina produção de luciferase, enzima responsável pela


oxidação da substância luciferina, levando à produção de luz. Através da Engenharia Genética,
esse gene foi transferido para uma célula vegetal e, a partir dela, obteve-se uma planta inteira.
Após ser regada com solução de luciferina, a referida planta começou a emitir luz. O que indica
o resultado desse experimento?

74 Aula 3 Biotecnologia
Mas enfim, pra que construir uma
molécula de DNA Recombinante?
Nas últimas décadas, a Tecnologia do DNA Recombinante tem sido aplicada em diversas
áreas, gerando grandes benefícios. Além de fornecer valiosas informações sobre os genes, sua
estrutura, natureza e função, tem sido utilizada na produção de substâncias úteis (farmacêuti-
cas ou não), cultivo de bactérias especializadas e melhoramento genético artificial de plantas
e animais importantes sob o ponto de vista econômico. Sua aplicação também se estende à
área médica, na qual pode ser usada até mesmo para corrigir defeitos genéticos humanos.
Uma das grandes novidades do uso dessa tecnologia é a sua utilização na clonagem (Aula 5
– Clonagem), na produção de organismos geneticamente modificados (Aula 6 – Organismos
geneticamente modificados) e na perícia forense (Aula 8 – Genética Forense).
Brevemente, veremos algumas de suas aplicações mais detalhadamente.
Na Farmacologia já foram desenvolvidas alternativas mais eficazes para o tratamento de
diversas doenças e distúrbios humanos, tais como a produção de insulina humana em escala
comercial a partir de bactérias transformadas por plasmídeos portadores do gene humano
codificador da referida proteína. Na Química, um dos primeiros avanços foi a combinação
de vários genes para metabolizar petróleo em um único plasmídeo, que posteriormente foi
introduzido em uma bactéria marinha, tornando-a capaz de limpar manchas de petróleo nos
oceanos. E na agropecuária, destaca-se o desenvolvimento de plantas e animais de grande
valor comercial com características especiais, tais como resistência a pragas, a doenças e de
maior produtividade. Mais detalhes sobre as aplicações da Tecnologia do DNA Recombinante
serão vistos nas Aulas 5 (Clonagem), 6 (Organismos geneticamente modificados) e 9 (Avanços
da Biotecnologia no Brasil e no mundo).

Aula 3 Biotecnologia 75
Leituras complementars

Assista aos vídeos Cortando e colando o DNA (Cutting and pasting DNA), Recombinando
o DNA (Recombining DNA) e Transformação (Transformation) que ilustram, respectivamente,
o mecanismo de ação das enzimas de restrição e das DNA ligases, o processo de formação
da molécula de DNA Recombinante e a transformação bacteriana. Os vídeos estão disponíveis
em <http://www.dnai.org/b/index.html>.

Resumo

Nesta aula, conhecemos os eventos envolvidos na descoberta da Tecnologia do


DNA Recombinante e compreendemos o seu conceito. Identificamos as técnicas
que compreendem a Tecnologia do DNA Recombinante, começando pelo estudo
das enzimas de restrição e das DNA ligases. Posteriormente, definimos vetores
de clonagem e estudamos os vários tipos de vetores existentes e quando são
utilizados. Compreendemos o conceito e a importância da clonagem molecular
e conhecemos algumas aplicações da Tecnologia do DNA Recombinante.

Autoavaliação
Descreva detalhadamente as etapas desde a construção até a seleção das moléculas de
DNA recombinante.

76 Aula 3 Biotecnologia
Referências
ANDRADE, F. G. R. A tecnologia do DNA recombinante e suas múltiplas aplicações. 2007.
Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/10701/1/A-Tecnologia-do-DNA-Recom-
binante-e-Suas-Multiplas-Aplicacoes/pagina1.html#ixzz17Ko9dUXo>. Acesso em: 8 dez. 2010.

DNA INTERACTIVE. Disponível em: <www.dnai.org>. Acesso em: 6 nov. 2010.

MARTINS, C. Restrição enzimática e tecnologia do DNA recombinante. 2009. Disponível em:


<http://www.ibb.unesp.br/extensao/acidos_nucleicos/material_didatico_2009/3_Tec_Rec_e_
Clonag_Genes.pdf>. Acesso em: 8 dez. 2010.

NASCIMENTO, A. A. C. et al. Tecnologia do DNA recombinante. São Paulo: Universidade de


São Paulo, 2003. 87p.

RODRIGUES, L. A. Z. Clonagem. Disponível em: <http://www.ufv.br/dbg/BIO240/C003>. Acesso


em: 5 nov. 2010.

WATSON, James. DNA O segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470 p.

Aula 3 Biotecnologia 77
Anotações

78 Aula 3 Biotecnologia
Anotações

Aula 3 Biotecnologia 79
Anotações

80 Aula 3 Biotecnologia
Tecnologia do DNA Recombinante II

Aula

4
Apresentação
Na aula anterior (Aula 3 - Tecnologia do DNA Recombinante I), estudamos o que é a
Tecnologia do DNA Recombinante, definindo os mecanismos através dos quais é possível
“cortar”, “colar” e “copiar” um segmento de DNA, utilizando as enzimas de restrição, enzimas
de ligação, vetores de clonagem e clonagem molecular.
Nesta aula, daremos continuidade ao estudo da Tecnologia do DNA Recombinante, co-
nhecendo como a molécula recombinante pode ser amplificada in vitro, utilizando a técnica
Polimerase Chain Reaction - PCR, e como podemos determinar a sequência de um fragmento
de DNA através do sequenciamento. Desta maneira você vai entender também como se dá as
variações da técnica de PCR. É importante que você tenha seu material da aula anterior em
mãos. Bom estudo!

Objetivos
1 Conceituar e caracterizar a PCR.

Analisar alguns conceitos essenciais para a compreensão


2
da PCR e do sequenciamento.

Compreender a importância da PCR para a Tecnologia do


3
DNA Recombinante.

4 Conhecer as vantagens, limitações e aplicações da PCR.

5 Definir o conceito de sequenciamento de DNA.

6 Conhecer os métodos de sequenciamento e suas aplicações.

Aula 4 Biotecnologia 83
“Plagiando” as bactérias

N
a aula anterior (Aula 3 – Tecnologia do DNA Recombinante I), vimos que as bactérias
amplificam a molécula de DNA recombinante, produzindo milhares de cópias. Para isso
elas utilizam a sua maquinaria celular, composta por moléculas, tais como enzimas DNA
polimerases, capazes de executar tal atividade in vivo, ou seja, no interior da célula bacteriana.
Com o avanço da Ciência, novas metodologias foram sendo desenvolvidas para que
processos realizados in vivo pudessem ser reproduzidos em laboratório, ou seja, in vitro. Esse
foi o caso da amplificação da molécula de DNA.
Antes de prosseguirmos, vamos relembrar alguns conceitos?
Os conceitos relacionados a seguir são essenciais para que você compreenda não so-
mente a PCR, mas também a técnica de sequenciamento que estudaremos nesta aula, são eles:

 Nucleotídeo: Molécula composta por uma base nitrogenada (adenina, timina, guanina ou
citosina), um açúcar com cinco átomos de carbono (desoxirribose ou ribose) e um ou
mais grupos fosfato (Figura 1).

H3C C
C NH

O
C C
N O
O P O
Base
Grupo O
nitrogenada
fosfato

CH2 O O
C C
H H
C C

Açúcar

Figura 1 – Molécula de um nucleotídeo

Fonte: <http://www.nutritotal.com.br/textos/files/44--nucleotideo.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2011.

 Desoxirribose: Tipo de pentose (açúcar com cinco átomos de carbono) presente na com-
posição do ácido desoxirribonucleico (DNA).

Aula 4 Biotecnologia 85
O
HO CH2 OH

H H H H

OH H

Figura 2 – Molécula da desoxirribose

Fonte: Adaptado de: <http://sala.clacso.edu.ar/gsdl/collect/ensaio/index/assoc/HASH52ab.dir/figura15.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2011.

 Ribose: Tipo de pentose (açúcar) presente na composição do ácido ribonucleico (RNA).

O
HO CH2 OH

H H H H

OH OH

Figura 3 – Molécula da ribose

Fonte: Adaptado de: <http://sala.clacso.edu.ar/gsdl/collect/ensaio/index/assoc/HASH52ab.dir/figura15.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2011.

 Fosfato: É um composto de fósforo e oxigênio que confere carga negativa ao nucleotídeo


e aos ácidos nucleicos.

-O P O

Figura 4 – Molécula do fosfato

Fonte: Adaptado de <http://www.oocities.com/edu043869/Molecula_vida_arquivos/image004.gif>. Acesso em: 12 jan. 2011.

 Desoxirribonucleotídeo: É um nucleotídeo composto por uma desoxirribose, uma base


nitrogenada e um ou mais grupos fosfato, conhecidos por dNT.

86 Aula 4 Biotecnologia
OH
Base
5
O P O CH2 Base (adenina, guanina,
citosina ou timina)
O
OH
4C C1
Grupamento H H
fosfato H H
3C C2

OH H
Desoxirribose

Figura 5 – Molécula do desoxirribonucleotídeo

Fonte: <http://www.nehmi-ip.com.br/print.php?id=140&serv=10&faq=23>. Acesso em: 12 jan. 2011.

 Ribonucleotídeo: É um nucleotídeo composto por uma ribose, uma base nitrogenada e


um ou mais grupos fosfato.

Ribonucleotídeo
O O O Base
H2
O -P O P O P O C O

O- O- O-

OH OH

Figura 6 – Molécula do ribonucleotídeo

Fonte: <http://www.bioq.unb.br/images/aulas2D/figuras/SINTE39.GIF>. Acesso em: 12 jan. 2011.

 Desoxirribonucleotídeo trifosfatado: é um desoxirribonucleotídeo composto por 3 grupos


fosfato, também conhecidos pela sigla dNTP.

NH
O O O
N O
O P O P O P O CH2 O

O- O- O- H H
H H
OH H

Figura 7 – Molécula do desoxirribonucleotídeo trifosfatado

Fonte: <http://www.biomol.org/wp-content/assets/images/desribonucl_3Pa.gif>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Aula 4 Biotecnologia 87
 Didesoxirribonucleotídeo: É um nucleotídeo composto por uma desoxirribose, uma base
nitrogenada e um ou mais grupos fosfato, sem uma molécula de OH livre na posição 3’.
Também conhecido como ddNTP.

NH2

N3 1
5

O 2 4
3
O N
-O P O CH2 O
1'
O H H
H H
3 H

Figura 8 – Molécula do didesoxirribonucleotídeo

Fonte: Leningher et al (2008).

A descoberta da PCR
Em 1983, o pesquisador Kary Mullis (Figura 9) e seus colaboradores do Instituto de
Pesquisa Cetus Corporation em Emeryville, Califórnia (EUA), desenvolveram a metodologia
de amplificação do DNA in vitro chamada de PCR, do inglês Polimerase Chain Reaction, que
para nós significa Reação em Cadeia da Polimerase.

Figura 9 – Kary Mullis no ano de 1994

Fonte: <http://www.pcrstation.com/images/mullis.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2011.

88 Aula 4 Biotecnologia
Com essa descoberta, quantidades mínimas de material genético podem ser amplificadas
milhões de vezes em poucas horas. O uso da tecnologia da Reação em Cadeia da Polimerase
aumentou enormemente a capacidade dos cientistas para estudar o material genético.
Desde a sua invenção, a PCR mudou a forma como se realiza investigação e diagnóstico
médico. A capacidade de produzir rapidamente grandes quantidades de material genético
permitiu avanços científicos significativos em todas as áreas de investigação genômica. 
A tecnologia de PCR influenciou ainda significativamente as áreas de diagnóstico, podendo
também ser utilizada no mapeamento genético, detecção de doenças hereditárias, clonagem de
genes, testes de paternidade, identificação de impressões digitais genéticas, dentre outros. De
fato, a PCR revolucionou várias áreas, como a Biologia Molecular, Patologia, Farmácia, Botânica,
Medicina Forense e proporcionou a Kary Mullis o prêmio Nobel de Medicina em 1993.
Entretanto, essa descoberta só foi possível devido às características da enzima chamada
de DNA polimerase, que veremos a seguir.

A DNA polimerase
A DNA polimerase é uma enzima ativa no processo de duplicação e reparo do DNA que
atua mediante a existência de um molde (Figura 10).

Figura 10 – Estrutura da DNA polimerase humana. À esquerda,


o detalhe da molécula de DNA (DNA molde) sendo duplicada

Fonte: <http://wpcontent.answcdn.com/wikipedia/commons/thumb/9/90/DNA_polymerase.png/220px-DNA_polymerase.png>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Aula 4 Biotecnologia 89
As polimerases apresentam algumas particularidades, tais como:

a) Requerem um molde para atuarem: é impossível, por exemplo, fazer uma cópia
de um documento sem ter em mãos o documento original. O mesmo acontece
com a DNA polimerase. Ela só duplica o DNA a partir da existência de uma
molécula original, aqui chamada de molécula molde ou DNA molde.

b) Seguem a regra de pareamento A (adenina) com T (timina) e C (citosina) com


G (guanina): ou seja, sempre que no DNA molde houver uma adenina, a DNA
polimerase acrescentará uma timina na molécula a ser formada. O mesmo aconte-
cerá quando houver uma citosina, respeitando o seu pareamento com a guanina.

c) Só iniciam a síntese na presença de um primer: ou seja, de uma sequência


iniciadora.

d) Agem polimerizando o DNA no sentido 5’- 3’ (lê-se 5 linha 3 linha): O DNA, assim
como uma estrada, por exemplo, tem uma direção. Enquanto uma pessoa pode
trafegar por essa estrada no sentido do km 10 ao km 45, outra pessoa pode vir
na direção oposta. Como as fitas complementares do DNA são antiparalelas, ou
seja, em sentidos opostos (5’- 3’ e 3’- 5’), a DNA polimerase atua somente em
um sentido, polimerizando a nova fita no sentido 5’- 3’.

Mas se a DNA polimerase só atua no sentido 5’- 3’, como duplicar a outra
fita de DNA que é no sentido 3’- 5’?

Para resolver esse problema, a DNA polimerase sintetiza a fita denominada de fita
contínua no sentido 5’- 3’ e sintetiza a fita denominada de fita descontínua também no
sentido 5’- 3’, gerando fragmentos menores de DNA denominados de fragmentos de
Okasaki, que são unidos entre si pela DNA ligase (Figura 11).

5'

3' Fita descontínua


3'
Fita contínua 5'
5'

3'

Figura 11 – Síntese de ambas as fitas de DNA. A nova fita de DNA sintetizada continuamente no sentido 5’- 3’ (fita
contínua) e descontinuamente no sentido 5’- 3’ (fita descontínua), formando os fragmentos de Okasaki

Fonte: Leningher et al (2008).

90 Aula 4 Biotecnologia
Entretanto, para que a fita descontínua de DNA seja sintetizada, há necessidade de uma
sequência iniciadora de RNA, denominada primer de RNA e ele é sintetizado pela enzima RNA
primase. Após a duplicação, os primers de RNA são substituídos por sequências de DNA.
As particularidades da DNA polimerase, bem como a sua atuação no processo de duplicação
do DNA, tanto para a fita contínua quanto para a fita descontínua, podem ser visualizadas na
figura abaixo (Figura 12).

Duplicação da fita contínua (fita inferior)

Duplicação da fita descontínua


(fita superior) e síntese do primer
de RNA pela RNA primase

Extensão da fita descontínua


pela DNA polimerase, gerando
os fragmentos de Okasaki

Síntese de outros primers de RNA


e de outros fragmentos de Okasaki

Substituição do primer de
RNA por sequências de DNA

Ligação dos fragmentos


de Okasaki pela DNA ligase

Figura 12 – Duplicação do DNA de ambas as fitas, contínuas e descontínuas

Fonte: Leningher et al (2008).

Outras especificidades
Além dessas especificidades, as DNA polimerases apresentam 3 classes: a DNA poli-
merase I, II e III. Essas polimerases apresentam uma estrutura altamente conservada entre
as espécies, ou seja, apresentam pouca variação na sua estrutura de espécie para espécie.
Estruturas conservadas geralmente indicam funções celulares importantes e insubstituíveis,
promovendo assim vantagens evolucionárias.
Alguns vírus codificam DNA polimerases especiais, tais como a DNA polimerase do
vírus da hepatite B, que seletivamente replica o DNA viral através de mecanismos diversos.
Outro exemplo são os retrovírus, que codificam uma não usual DNA polimerase chamada de
Transcriptase Reversa, que polimeriza DNA a partir de RNA.

Aula 4 Biotecnologia 91
Mas será que a DNA polimerase suporta altas temperaturas?

No início do desenvolvimento da técnica de PCR, utilizava-se a enzima DNA polimerase


isolada da bactéria E. coli, que possuía atividade máxima até 37°C, tornando-se inativa em
temperaturas superiores. Essa enzima era adicionada a cada ciclo, pois o passo de desnatu-
ração a 95°C inativava a enzima.
Um importante avanço ocorreu com a descoberta da enzima Taq DNA polimerase por
Saiki e colaboradores em 1988. Essa enzima é oriunda da bactéria Thermus aquaticus, que
vive nas termas quentes do Parque Nacional de Yellowstone. A Taq DNA polimerase possui
atividade ótima a 72°C e permanece estável mesmo a 95°C e com isso a enzima é adicionada
somente no início do processo.
Esse foi mais um grande avanço que possibilitou tornar o processo de amplificação mais
eficiente e preciso.

Pelo que pudemos perceber até agora, a PCR foi possível, dentre outros motivos, pela
descoberta da DNA polimerase. Essa enzima difere entre organismos eucariotos e procariotos.

Desse modo, pesquise quais os tipos de DNA polimerase que esses dois grupos
1
apresentam e informe as suas funções específicas.

2 Como se deu a descoberta da Taq DNA polimerase que utilizamos atualmente ?

92 Aula 4 Biotecnologia
Aula 4 Biotecnologia 93
A amplificação in vitro
Para a realização da PCR são necessários diversos componentes, dentre eles a molécula
do DNA de interesse, ou seja, a molécula de DNA que se deseja amplificar. Esse DNA pode ser
extraído de uma célula sanguínea, de um tecido específico ou de outra origem (Figura 13).

Figura 13 – Milhares de moléculas de DNA enoveladas

Fonte: <http://www.pensandonisso.com/wp-content/uploads/2009/08/DNA.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Tendo em mãos a molécula a ser copiada, o próximo passo é delimitar a região de inte-
resse. Esse limite é dado pelos primers ou iniciadores, ou seja, pequenas sequências de fita
única, normalmente com 20 pares de bases de comprimento, cuja sequência é complementar
às regiões do segmento de DNA que estamos interessados em multiplicar (Figura 14).

1 ATGAAAGAAGATAACACAACATATACCGGACCGGAAGTGTCGGATCCAATGAGTTCTACC

61 TACATAGAGGAACTGGGTAAAAGAGAATCCACACTTCCTCCAAAATATAAGGAACTTCTG

121 AATAAAGAAGAAGGGATCGCGGGGCCTCCTCCAGACTCCTTGAAACCCCTGGGGCCCAAT

181 GATGCCATCGATGCCTTGTCATCCGACTTCACCTGCAGTTCCCCTACAGCTGATGCAAAG

ATGCCTTGTCATCCGACTTC

241 AAAACTGAGAAAGAGAAATCTACAGAAGAGGCTTTAAAAGCTCAGTCAGCTGGGGTGATC

301 AGAAGTGCTGCTCCACCCCAAGAGAAAAAAAGGAAAGTGGAAAAGGATGCCATGACTGAG

CTTTCACCTTTTCCTACGGT

361 CACGCCCTGGAGGCCCTGTCTGCCTCCCTGGGCACCCGGAAGCCGGAGCCGGAGCTCGAC

94 Aula 4 Biotecnologia
O que você viu na caixa anterior é um fragmento do gene de interesse a ser amplificado
(no exemplo, uma porção do gene da proteína inflamatória de bovinos chamada de interleu-
cina-4), flanqueado pelos primers delimitantes da região. No detalhe, os primers à esquerda
(em negrito e itálico) e à direita (em negrito) delimitando um fragmento de 162 pares de bases
(Fonte: Lilian Giotto Zaros).
Esses primers são delineados com o auxílio de programas computacionais, tais como o
Primer3 <www.pimer3.sourceforge.net>, e as sequências geradas são enviadas para empresas
que sintetizam o produto desejado.
Em seguida, já com o DNA de interesse e os primers, há necessidade de se acrescentar
a enzima responsável pela amplificação, a DNA polimerase.
Depois é necessário fornecer a estrutura básica da molécula de DNA, ou seja, bases
nitrogenadas, fosfatos e desoxirriboses. Isso é feito acrescentando à reação os chamados
desoxirribonucleotídeos (dNTPs). Existe um dNTP para cada base nitrogenada (A- adenina,
T- timina, C-citosina e G- guanina): dATP, dTTP, dCTP e dGTP.
O esquema abaixo ilustra os componentes da PCR acima citados.

COMPONENTES DA PCR

Molécula de DNA de interesse

Primers

DNA Polimerase

Desoxirribonucleotídeos (dNTPs)

Figura 14 – Componentes da PCR

Fonte: Lilian Giotto Zaros

Por fim, essa mistura é colocada em tubos de plástico (Figura 15A) e levados ao equipa-
mento denominado termociclador (Figura 15B), que alterna ciclos com temperaturas diferentes
em determinados períodos de tempo para que a amplificação se processe.

Aula 4 Biotecnologia 95
A B

Figura 15 – A) Tubos de plástico para reação de PCR; B) termociclador utilizado para amplificação in vitro do DNA

Fontes: (a) <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eppendorf_tubes.jpg>; (b) <http://catalogohospitalar.com.br/


termociclador-automatico-com-gradiente-e-bloco-para-96-tubos-220v-therm-1000-axygen.html>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Vamos ver como essa reação acontece na prática?

Primeiramente todos os componentes que vimos acima são misturados em um tubinho


de plástico e levados ao equipamento termociclador, onde serão realizadas as etapas de am-
plificação do DNA de interesse, denominadas de ciclos de amplificação
No termociclador, quando a mistura é elevada a 95oC por cerca de 1-2 minutos, a fita
dupla de DNA se separa naturalmente. Essa etapa é denominada de desnaturação. Em seguida,
a mistura é resfriada para cerca de 40-60oC, por aproximadamente 1 minuto, possibilitando
que os primers reconheçam a sequência complementar no DNA e se “anelem”, se unam à
essa região. Essa etapa recebe o nome de anelamento. Num terceiro momento, a enzima DNA
polimerase atua sintetizando a fita complementar da região de interesse a partir dos primers,
adicionando os dNTPs, caracterizando a etapa de extensão a uma temperatura de 72oC por
cerca de 2 minutos.
Essas etapas se repetem por cerca de 20 a 30 vezes, amplificando a região alvo do DNA.
A figura abaixo (Figura 16) ilustra esse processo.

96 Aula 4 Biotecnologia
Figura 16 – Reação em Cadeia da Polimerase e seus ciclos: desnaturação, anelamento e extensão

Fonte: Adaptado de: <http://img.webme.com/pic/e/engenhariageneticabioq/pcr.png>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Cada novo ciclo inicia-se com o aquecimento da mistura que contém a molécula de DNA
que se desnatura, seguido do resfriamento para o anelamento dos primers e novo aumento da
temperatura para a amplificação da região delimitada pelo primers pela ação da DNA polimerase.
Essas fitas, que contêm as regiões de interesse e que são recém-sintetizadas, servem
de molde para o ciclo seguinte. Portanto, em cada ciclo é sintetizado o dobro de DNA alvo
produzido no ciclo anterior, o que caracteriza a reação de PCR como uma reação em expo-
nencial, ou seja, 2n, em que “n” corresponde ao número de ciclos. Após 25 ciclos da Reação
em Cadeia da Polimerase, ou seja, em menos de 2 horas, o DNA alvo terá sido amplificado
225 vezes (cerca de 34 milhões de vezes), caso tenhamos utilizado apenas uma molécula de
DNA como molde. Com isso, a solução resultante, que começou com uma mistura de DNA
molde, primers, enzima DNA polimerase, dNTPs, terá se tornado uma solução concentrada
da região-alvo do DNA (Figura 17).

Aula 4 Biotecnologia 97
Separação das Síntese
cadeias; ligação Síntese de DNA
Separação das dos iniciadores de DNA
cadeias; ligação Síntese
dos iniciadores de DNA

etc.

Região de
DNA a ser
amplificada

Primeiro ciclo Segundo ciclo Terceiro ciclo


(2 moléculas longas; 0 normais) (4 moléculas longas; 0 normais) (6 moléculas longas; 2 normais)

Figura 17 – Esquema geral da PCR

Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_4LusrUwXn8g/SxV02AH37jI/AAAAAAAAACU/NsRJBNbFfdE/s1600/PCR_pg1194.gif>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Um pesquisador tem em seu laboratório 4 moléculas de DNA que deseja amplificar. Com
base no que vimos até agora, responda:

a) Quantas moléculas de DNA serão geradas após o final de uma PCR de 25 ciclos?

98 Aula 4 Biotecnologia
b) O que irá acontecer caso o pesquisador interrompa a PCR no 15° ciclo?

Algumas variações da técnica de PCR


A técnica de PCR apresenta algumas variações. A primeira a ser estudada foi a RT- PCR,
do inglês Reverse Transcriptase - Polimerase Chain Reaction, que utiliza um tipo diferente de
DNA molde, chamado de cDNA (DNA complementar). Esse cDNA é obtido a partir de um molde
de RNA, especificamente do RNA mensageiro, utilizando a enzima transcriptase reversa.
O RNA mensageiro é a molécula que contém a informação para a síntese de proteínas,
ou seja, ela contém apenas as partes codificantes do DNA, chamadas de éxons. Os íntrons, as
partes não codificantes do DNA, já foram removidas num processo denominado de splicing
(Figura 18).

exon exon exon exon


intron intron intron
DNA
promotor

RNA

splicing

mRNA AAAAAAAAAAAAAAA

Figura 18 – Remoção dos íntrons do RNA pelo processo denominado de splicing


e adição da cauda poli (A) ao RNA mensageiro que servirá de molde para o cDNA

Fonte: Leningher et al (2008).

Aula 4 Biotecnologia 99
O RNA mensageiro que contém uma cauda poli (A) na extremidade 3’ (com dezenas a
centenas de nucleotídeos adeninas) servirá de molde para a síntese do DNA complementar
através da ação da enzima transcriptase reversa, seguido pela amplificação do cDNA pela PCR
(Figura 19).

RNA molde AAAAAAAAAAA Transcriptase


RT Reversa (RT)

AAAAAAAAAAA
cDNA

AAAAAAAAAAA Desnaturação
Taq
Anelamento
dos primers
Taq
Extensão

Figura 19 – RT-PCR

Fonte: <http://media.wiley.com/CurrentProtocols/ET/et1003/et1003-fig-0004-1-full.jpg>. Acesso em: 12 jan. 2011.

A técnica da RT-PCR segue os conceitos básicos da PCR vistos anteriormente. A amostra


é colocada em um termociclador com uma programação das temperaturas e ciclos a serem
seguidos. Desse modo, a principal diferença entre elas é o molde utilizado para a amplificação.
Outra variante da técnica de PCR é a PCR em tempo real. Além do DNA ou cDNA, e dos
mesmos reagentes utilizados na RT-PCR, usa-se também um marcador, que pode ser uma mo-
lécula fluorescente, por exemplo. Ao mesmo tempo em que o equipamento amplifica a molécula
alvo, o marcador se liga às fitas duplas recém-sintetizadas, emitindo um sinal ao computador
que o converte em quantidade de molécula produzida. Na PCR em tempo real, não se verifica
apenas a presença do segmento amplificado, mas obtém-se uma quantificação precisa.
PCR em tempo real pode ser utilizada para diversas aplicações, tais como: quantificação
do número de cópias de transgênicos, verificação de contaminantes em alimentos, identificação
de organismos geneticamente modificados, detecção e quantificação de patógenos, estudos
de expressão gênica, ou seja, o quanto um determinado gene está sendo expresso em um
determinado tecido, dentre outras.

Vantagens, limitações e aplicações da PCR


O segredo do sucesso da PCR reside na capacidade que ela tem de amplificar uma se-
quência precisa de DNA aliada à sua simplicidade, rigor, elevada sensibilidade e especificidade.
É uma técnica rápida e segura, contudo, a PCR também tem limitações, como a necessidade
de conhecer antecipadamente a sequência de DNA a amplificar para que possam ser sinte-

100 Aula 4 Biotecnologia


tizados primers específicos. Outras desvantagens são a relativa facilidade com que ocorre
contaminação da amostra por DNA estranho e a limitada extensão da sequência que é possível
amplificar (é difícil aplicar a PCR a sequências maiores do que 5.000 pares de bases). Pode
também ocorrer incorporação errônea de bases durante a replicação.
Quanto às aplicações, os resultados da PCR são úteis no diagnóstico, prognóstico, de-
terminação da terapia a ser utilizada e até mesmo na avaliação da suscetibilidade a doenças. A
PCR é frequentemente utilizada na detecção de polimorfismos, mutações pontuais e infecção
por microrganismos bacterianos ou virais antes da doença se manifestar. É particularmente
importante na detecção da AIDS, já que o vírus HIV pode ser identificado nas primeiras semanas
após a infecção e mais rapidamente do que o método normalmente utilizado, o teste ELISA.
Outro exemplo de aplicação da PCR é no DPI (diagnóstico pré-implantatório) e no DPN
(diagnóstico pré-natal). A PCR pode ser usada em DPN em idades gestacionais tão precoces
como as nove semanas, permitindo, por exemplo, a detecção de células de um feto masculino
em circulação no sangue materno, ainda que exista em quantidades muito reduzidas e averi-
guar a compatibilidade entre o grupo sanguíneo da mãe e do feto. Permite ainda a detecção de
várias anormalidades cromossômicas como a trissomia do cromossomos 21 (XXX), conhecida
como Síndrome de Down. Além da área médica, a PCR pode ser utilizada na produção animal
e vegetal, na área de alimentos e saúde.

Descreva detalhadamente as etapas da técnica de PCR.

Aula 4 Biotecnologia 101


Até agora vimos que é possível amplificar a sequência do DNA de interesse através da
técnica de PCR. Mas como fazemos para determinar a sequência das bases nitrogenadas (A,
T, C e G) desse fragmento de DNA? Através da técnica de sequenciamento.

Definindo o sequenciamento
Sequenciamento consiste em determinar a ordem das bases nitrogenadas de um fragmen-
to de DNA, ou seja, determinar em que ordem as bases (letras) contidas no DNA se encontram.
Até a década de 1970, determinar a sequência de um fragmento de DNA por menor que
fosse, como 5 ou 10 nucleotídeos, era muito difícil e exigia um trabalho muito cuidadoso
e demorado.
O desenvolvimento de duas técnicas em 1977, uma por Alan Maxam e Walter Gilbert e a
outra por Frederick Sanger, tornou possível o sequenciamento de longas moléculas de DNA. No
início eram necessários dois anos para sequenciar 20 bases de DNA. O processo era manual
e envolvia o uso de material radioativo. Atualmente, com o desenvolvimento das técnicas de
sequenciamento automático, um aparelho de sequenciamento é capaz de ordenar meio milhão
de pares de bases por dia. Vamos conhecer esses métodos de sequenciamento?

102 Aula 4 Biotecnologia


4

Agora que você já sabe a definição de sequencimento, faca uma pesquisa sobre quais
foram as principais dificuldades enfrentadas inicialmente pelos descobridores do método.

Os métodos de sequenciamento
O sequenciamento pode ser realizado utilizando o método manual, que posteriormente
sofreu algumas modificações, passando a ser chamado de método automático.
O método manual contém duas variações: a primeira foi desenvolvida em meados dos
anos 1970, por Alan Maxam e Walter Gilbert, e recebeu o nome de sequenciamento químico
ou método de degradação química e a segunda, desenvolvida por Sanger e colaboradores,
recebeu o nome de sequenciamento enzimático ou método de terminação da cadeia, ou
ainda, método dideoxinucleotídeos.

O método manual de terminação da cadeia


Nesta aula, estudaremos o método de terminação da cadeia, que é baseado na capacidade
da enzima DNA polimerase estender a cadeia nucleotídica a partir de um iniciador (primer), adi-
cionando dois tipos de nucleotídeos: os desoxirribonucleotídeos ou dNTPs (dATP, dCTP, dGTP e

Aula 4 Biotecnologia 103


dTTP - vistos anteriormente) e os didesoxirribonucleotídeos ou ddNTPs (ddATP, ddCTP, ddGTP
e ddTTP – também vistos anteriormente). Os desoxirribonucleotídeos são nucleotídeos normais,
livres na solução e sem nenhuma modificação na sua molécula e os didesoxirribonucleotídeos
são nucleotídeos modificados (sem uma molécula de OH livre na posição 3’) que impedem a
ligação de outro nucleotídeo na cadeia recém-sintetizada, ou seja, terminando a cadeia, daí vem
o nome do método (Figura 20).

ddNTPs PRIMER
A
G A G G A T T C T G A A T T A T C
dNTPs

A C T G

T G T G A G G A T T C T G A A T T A T C DNA POLIMERASE
A C A C T C C T A A G A C T T A A T A G

DNA molde

Figura 20 – Componentes do método de terminação da cadeia

Fonte: <www.dnai.org>. Acesso em: 12 jan. 2011.

O processo de sequenciamento inicia-se em um termociclador, no qual os tubos plásticos


contendo o DNA molde, DNA polimerase, primers, dNTPs e ddNTps são colocados (Figura
21A). Num primeiro momento, o termociclador trabalha com altas temperaturas para desna-
turar a fita de DNA, tornado-as fitas simples (Figura 21B).

A B

A A

94°C

Figura 21 – A) Componentes da reação; B) primeiro passo: desnaturação do DNA

104 Aula 4 Biotecnologia


Depois da desnaturação, há a diminuição da temperatura para que os primers se anelem
(Figura 22A), seguida pelo aumento da temperatura para que a DNA polimerase inicie a exten-
são da molécula de DNA (Figura 22B). Como as fitas de DNA são complementares, a enzima
vai adicionando o nucleotídeo complementar (dNTP – representado pelo quadrado verde - e
representado por uma alça, marcado com P 32) até a inserção de um nucleotídeo modificado
(ddNTP – representado por uma bandeira), que interrompe a extensão da cadeia (Figura 22C).

A B

A A

55°C 37°C

37°C

Figura 22 – A) Anelamento dos primers; B) extensão da cadeia; C) terminação da cadeia com a adição de um ddNTP

Esse processo se repete por vários ciclos (25 ciclos), originando fragmentos de tamanhos
diferentes (Figura 23A), marcados com cada nucleotídeo separadamente (A marcado com P 32
– no exemplo, T marcado com P 32, C marcado com P 32 e G marcado com P 32 – Figura 23B).

Aula 4 Biotecnologia 105


A B

A C T G
A

Figura 23 – A) Fragmentos de diferentes tamanhos gerados na reação; B) reação


ocorrendo separadamente para cada nucleotídeo marcado com P 32

Em seguida, os produtos da reação de sequenciamento são separados por ordem de


tamanho utilizando um procedimento chamado de eletroforese (Figura 24A e 24B) e poste-
riormente lidos (Figura 24C) para a determinação da sequência de nucleotídeos (Figura 24D).

A B

A C T G A C T G

C D

A C T G A C T G
SEQUÊNCIA:

Figura 24 – A) Separação dos fragmentos por eletroforese; B) fragmentos separados


por tamanho; C) leitura das bases; D) determinação da sequência de nucleotídeos

106 Aula 4 Biotecnologia


5

No método de sequenciamento manual utiliza-se uma molécula marcada com fósforo


radioativo (P 32). Qual a finalidade dessa marcação?

O método automático de terminação da cadeia


O método de sequenciamento automático utiliza o princípio básico do método de Sanger.
Nesse caso, as moléculas modificadas (ddNTPs) e as moléculas marcadas (A marcada com P 32,
T marcada com P 32, C marcada com P 32 e G marcada com P 32) estão numa mesma estrutura,
sendo que cada uma delas é ligada a moléculas fluorescentes denominadas cromóforos, o que
possibilita que os quatro ddNTPs (A, T, G e C) estejam no mesmo tubo, pois cada um deles rece-
be uma marcação diferente (não como anteriormente, em que todos os dNTPs eram marcados
com P 32 e por esse motivo, era necessário fazer quatro reações em quatro diferentes tubos).
No mais, o procedimento é o mesmo daquele visto anteriormente: a mistura de DNA
molde, DNA polimerase, primers, dNTPs e ddNTPs é levada ao termociclador. Inicialmente o
DNA molde se desnatura (Figura 25A), os primers se anelam (Figura 25B) e inicia-se a extensão
da cadeia (Figura 25C). Quando um ddNTP (nucleotídeo marcado e modificado) é adicionado,
a extensão da cadeia é interrompida (Figura 25D).

Aula 4 Biotecnologia 107


A B

96°C 50°C

C D

60°C 60°C

Figura 25 – A) Desnaturação do DNA; B) anelamento dos primers; C) extensão da cadeia; D) adição de um ddNTP e terminação da cadeia

Esse processo se repete diversas vezes por vários ciclos (25 ciclos), originando frag-
mentos de tamanhos diferentes e com diferentes marcações fluorescentes (Figura 26A). Em
seguida, os produtos da reação de sequenciamento são separados por ordem de tamanho em
um sequenciador automático. Os fragmentos de diversos tamanhos gerados pela reação de
sequenciamento quando são estimulados pelo raio laser do sequenciador emitem diferentes
comprimentos de ondas, que são convertidos em bases nitrogenadas (A, T, G ou C), deter-
minando assim a ordem dos nucleotídeos no fragmento de DNA de interesse (Figura 26B).

108 Aula 4 Biotecnologia


A B

G
A
A
T
C
G
G
C NNNN T A C T CGGC T A AG
T
C
A
T

Figura 26 – A) Fragmentos de diferentes tamanhos e com diferentes marcações gerados na reação; B) separação dos
fragmentos em sequenciador automático e leitura da sequência de nucleotídeos do fragmento de interesse

O maior avanço do sequenciamento automático é a utilização do laser e programas de


computadores específicos. Além disso, cada ddNTP é marcado com uma molécula fluorescente,
que quando excitada pelo laser, emite comprimentos de onda para cada tipo de base associada.
Dessa forma, não há necessidade de fazer quatro reações independentes para cada fragmento
a ser sequenciado, nem empregar material radioativo.

1 Defina sequenciamento.

Aula 4 Biotecnologia 109


2 Diferencie os métodos de sequenciamento manual e automático.

110 Aula 4 Biotecnologia


Cite algumas vantagens que o desenvolvimento do método automático proporcio-
3
nou para o avanço da Ciência.

Aula 4 Biotecnologia 111


Mas para que sequenciar?
O sequenciamento é apenas a primeira etapa de um processo cujo resultado final
poderá originar novos métodos de diagnóstico, na formulação de novos medicamentos,
desenvolvimento de vacinas, na prevenção e tratamentos mais eficazes contra doenças ou
pragas, por exemplo.
Ao determinar a ordem de nucleotídeos de um fragmento de DNA ou de um genoma todo,
podemos inferir qual o gene que aquela sequência codifica. Conhecendo-se o gene, poderemos
estudar suas funções e aplicações mais detalhadamente, a fim de manipulá-lo para o nosso
benefício. Além disso, o conhecimento da sequência de bases de um gene fornece importantes
informações sobre sua estrutura, função e relação evolutiva com outros genes (de um mesmo
organismo ou de organismos diferentes).

Os projetos de sequenciamento realizados no Brasil


O Brasil investiu nos últimos anos na área de Genética Molecular e ingressou no grupo dos
países que desenvolvem projetos de sequenciamento genético. Em fevereiro de 1998 tornou-
se o primeiro país a completar o sequenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa,
causadora da praga do amarelinho em citros.
Além da Xylella, surgiram também programas dirigidos a outros organismos. O primeiro
deles foi o da cana-de-açúcar, iniciado em julho de 1999, com o objetivo de sequenciar partes
escolhidas do DNA da cana-de-açúcar e identificar cerca de 50 mil genes responsáveis por
características de interesse econômico, como resistência a doenças, metabolismo da saca-
rose, resistência a geadas e seca. Quase ao mesmo tempo, deu-se início ao sequenciamento
do genoma do câncer, em seguida, ao da Xanthomonas, outra bactéria patogênica, e mais
recentemente ao sequenciamento do eucalipto, do café e do boi. Em termos mundiais, mais de
150 organismos tiveram o seu genoma sequenciado desde 1999. Detalhes sobre os genomas
já sequenciados poderão ser acessados através do site do National Center of Biotechnology
Information (www.ncbi.nlm.nih.gov).
Especificamente sobre o Projeto de Sequenciamento do Genoma Humano, maiores de-
talhes serão vistos na Aula 7 - O Genoma Humano.

Leituras complementares

Assista aos vídeos Amplificando (Amplifying- Making many copies of DNA e PCR Anima-
tion), Sequenciamento de DNA (Early DNA Sequencing) e Ciclos de Sequenciamento (Cycle
Sequencing), que ilustram, respectivamente, a reação de PCR, o sequenciamento manual e o
sequenciamento automático. Os vídeos estão disponíveis em http://www.dnai.org/b/index.html.

112 Aula 4 Biotecnologia


Resumo

Nesta aula, você identificou outras técnicas que compreendem a Tecnologia


do DNA Recombinante, começando pela técnica de PCR. Vimos a sua definição,
estudamos detalhadamente como ela é realizada e conhecemos duas variações
dessa técnica, a RT-PCR e a PCR em tempo real. Por fim, foram apresentadas
suas vantagens, limitações e aplicações. Em seguida, foi conceituado o
sequenciamento, bem como seus métodos, o método manual e o automático.
Conhecemos também suas diferenças e aplicações e alguns dos projetos de
sequenciamento liderados pelo Brasil.

Autoavaliação
1 Defina PCR e descreva suas implicações para o avanço da Ciência.

2 Discorra sobre a importância do sequenciamento genético para a sociedade.

Aula 4 Biotecnologia 113


Referências
ANDRADE, F. G. R. A Tecnologia do DNA Recombinante e suas Múltiplas Aplicações. 2008.
Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/10701/1/A-Tecnologia-do-DNA-Recom-
binante-e-Suas-Multiplas-Aplicacoes/pagina1.html#ixzz17Ko9dUXo>. Acesso em: 8 dez. 2010.

DNA INTERACTIVE. Disponível em: <www.dnai.org.br>. Acesso em: 6 nov. 2010.

FARAH, S. B. DNA: segredos e mistérios. 2. ed. São Paulo: Ed. Sarvier, 2007. 538p.

INTRODUÇÃO a PCR. Disponível em: <http://www.roche.pt/portugal/index.cfm/produtos/


equipamentos-de-diagnostico/products/molecular-diag/intro-pcr/>. Acesso em: 12 jan. 2011.

MOLECULAR STATION. História do PCR. Disponível em: <http://www.molecularstation.com/


pt/pcr/history-of-pcr/>. Acesso em: 12 jan. 2011.

NASCIMENTO, A. A. C. et al. Tecnologia do DNA Recombinante. São Paulo: Universidade de


São Paulo. 87p.

SIDER, L. H.; ZAROS, L. G. A biologia avançada e o impacto da Genômica na produção de


caprinos e ovinos. 2008. Série Documentos On Line Embrapa. Disponível em: <www.cnpc.
embrapa.br>. Acesso em: 10 dez. 2010.

WATSON, James. DNA o segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470 p.

114 Aula 4 Biotecnologia


Anotações

Aula 4 Biotecnologia 115


Anotações

116 Aula 4 Biotecnologia


Clonagem

Aula

5
Apresentação

N
a Aula 3 - Tecnologia do DNA Recombinante I, vimos conceitos e técnicas relaciona-
dos à clonagem. Nesta quinta aula, ampliaremos o conceito de clonagem, incluindo
um breve histórico, daremos exemplos de como obter plantas e animais clonados
e discutiremos sobre os aspectos positivos e negativos desse tema. Já na Aula 10, discuti-
remos os aspectos bioéticos relacionados à clonagem, a qual tem gerado opiniões a favor
e contra da sociedade.
Com o intuito de fixar os conceitos apresentados ao longo desta aula, serão propostos
alguns exercícios para você resolver e no final da aula, haverá uma autoavaliação para que
você possa analisar seu processo de aprendizagem.
Para compreender os assuntos que serão abordados, é necessário que você leia aten-
tamente os conceitos, faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o
mais rápido possível.
Sua participação é essencial para que tenhamos sucesso na disciplina.
Bom estudo!

Objetivos
1 Definir o conceito de Clonagem.

2 Descrever um breve histórico da Clonagem.

3 Identificar os métodos de Clonagem.

Comparar os aspectos positivos e negativos da Clonagem


4
na atualidade.

Aula 5 Biotecnologia 119


O conceito de clonagem

O
termo clone foi proposto pelo botânico Herbert J. Webber, em 1903, enquanto realizava
suas pesquisas com plantas no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Esse
termo tem como origem a palavra grega klón, que significa broto vegetal. De forma
simplificada, o clone é um conjunto de células descendentes de apenas uma célula, sendo,
portanto, geneticamente idêntico à célula que lhe deu origem. Dessa forma, o termo clonagem
tem sido empregado para designar o processo de reprodução assexuada, em que são obtidos
os clones.
Os primeiros experimentos sobre clonagem foram conduzidos por Hans Spermann,
embriologista alemão, em 1938, quando ele propôs um experimento que consistia em trans-
ferir o núcleo de uma célula em estádio tardio de desenvolvimento para um óvulo.
A própria natureza é sábia ao usufruir da clonagem como um mecanismo comum de
propagação de espécies de animais, plantas, bactérias e protozoários.
Além da clonagem natural existe também a clonagem induzida, que é realizada através
da interferência do ser humano. A seguir, apresentamos maiores detalhes de cada uma delas.

Clonagem natural
A clonagem natural é comum entre vegetais, alguns protozoários, fungos, bactérias e
animais marinhos como meio de reprodução dessas espécies.
Ela pode ser por:

1) Divisão múltipla: Processo que ocorre em protozoários e alguns fungos, originando


múltiplos organismos filhos (Figura 1a).

2) Cissiparidade: Divisão da célula que constitui o indivíduo originando duas células idênti-
cas como ocorre em bactérias, protozoários (paramécio, ameba), planária (Platelmintos)
(Figura 1b).

3) Gemulação: Formação de gemas ou gomos no progenitor (pai), que ao se separarem


desenvolvem-se dando origem a novos indivíduos, como ocorre em cnidários (hidra,
corais, anêmonas) e leveduras (fungos unicelulares) (Figura 1c).

Aula 5 Biotecnologia 121


a b c

Figura 1 – (a) divisão múltipla; (b) cissiparidade; (c) gemulação

Fonte: (a) <http://cristiana7.blogspot.com>; (b) <http://prokariotae.tripod.com>; (c) <http://poriferosecnidarios.no.comunidades.net/>. Acesso em: 24 nov. 2010.

A clonagem pode ocorrer naturalmente também em mamíferos, como no tatu e, mais


raramente, nos gêmeos univitelinos ou idênticos que compartilham do mesmo DNA. Apesar
de esses gêmeos serem idênticos sob o ponto de vista genético, eles podem não ser iguais
Fenótipo quanto a seus fenótipos, como por exemplo, altura, peso e temperamento. Isto se deve aos
Reveja o conceito de fatores ambientais e de desenvolvimento fisiológico aos quais o novo ser é exposto antes ou
fenótipo na Aula 1 – O que
depois de seu nascimento. Nos dois casos, embora ocorra reprodução sexuada na formação
é Biotecnologia
do zigoto, os descendentes idênticos têm origem a partir de um processo assexuado de divisão
celular a partir do zigoto.

Clonagem induzida
Em vegetais é comum a clonagem induzida que ocorre quando há uma inserção de brotos
ou enxertos, de plantas selecionadas, em caules de outros vegetais através das técnicas de
estaca, alporquia, enxertia e mergulhia.
A técnica de estaca é aquela quando a vovó retira uma folhinha da violeta e a enterra em
um vaso. Algum tempo depois, uma nova plantinha de violeta se desenvolve a partir daquela
única folha. Basta lembrar também o exemplo da cultura da bananeira, em que é comum o corte
de uma parte do pseudocaule da planta e o replantio em um canteiro, permitindo o surgimento
espontâneo de um broto da mesma espécie.
A alporquia consiste em estimular um enraizamento em alguma parte de uma planta
adulta ou não. Exemplos de espécies que empregam a alporquia são a pitangueira, a laranjeira
e a roseira. Já a mergulhia consiste no enraizamento de partes da própria planta. Isso é feito
através do enterramento (mergulho) de um ramo ainda ligado à planta, como ocorre, por
exemplo, em jabuticabeira e macieira (Figura 2a).
A enxertia consiste na junção de uma parte viva de uma planta, denominada enxerto,
com outra denominada porta-enxerto, para que através da regeneração de tecidos unam-se e
formem uma única (Figura 2b).

122 Aula 5 Biotecnologia


a b

Figura 2 – (a) Exemplo de mergulhia; (b) exemplo de enxertia

Fonte: (a) <http://jufirupe.blogspot.com>; (b) <http://youtubevideo.isgoodness.com>. Acesso em: 24 nov. 2010.

Já em animais, a clonagem induzida pode empregar como matéria-prima células embrio-


nárias ou células somáticas, que são representadas por todas as células do corpo humano à
exceção das reprodutivas. Estas são introduzidas em óvulos anucleados (sem núcleo) artificial-
mente. É importante lembrar que todas as células somáticas de qualquer ser vivo são clones
da mesma célula original (zigoto), obtidas através do processo denominado de mitose celular.
Brevemente, clones induzidos em animais são obtidos a partir da fusão do núcleo de uma
célula somática, retirada do indivíduo que se pretende clonar, com um óvulo não fecundado e
sem núcleo. Também pode ser realizada com a separação de células embrionárias em estádio
inicial, sem que tenham passado por algum processo de diferenciação celular.

Figura 3 – Clonagem de animais por transferência de núcleos

Fonte: <http://estudante-de-biogeo-11.blogspot.com>. Acesso em: 24 nov. 2010.

Portanto, fica evidente que a clonagem induzida é uma técnica da Engenharia Genética que
pode ser aplicada a vegetais e animais, ligada à pesquisa científica. Com o desenvolvimento
da Engenharia Genética e o domínio da tecnologia da clonagem, a perspectiva é que se torne
realidade a reprodução de órgãos humanos vitais para transplantes, bem como para a melhoria
genética de vegetais e raças animais, assim como para a multiplicação de animais de espécies
em extinção, como o urso panda e o rinoceronte branco.

Aula 5 Biotecnologia 123


1

Vamos realizar uma experiência prática de clonagem de plantas utilizando violetas. Para
tanto, você precisará dos seguintes materiais: 1 vaso de violeta (pode ser aquela que a mãe
ou a avó tem lá no quintal), 4 copos descartáveis (200 mL), cerca de 200 g de terra vegetal
(é aquela terra preta rica em matéria orgânica, que pode ser adquirida em casas que vendem
produtos agropecuários), 200 mL de água da torneira e 1 colher (sopa) de sal de cozinha.
Agora, vamos pôr a mão na massa?
Dessa planta doadora retire 4 folhinhas com a haste. Duas folhinhas serão plantadas em
terra e as outras duas em água. Siga o protocolo descrito a seguir:
Na terra:

a) complete dois copinhos plásticos descartáveis (200 mL) com terra vegetal. Em cada um,
enterre a haste de uma folhinha;

b) nos dias subsequentes, você deverá manter um copinho com a terra úmida e o outro com
a terra seca.

Na água:

a) preencha dois copinhos plásticos descartáveis (200 mL) com água da torneira até a
metade. Em cada um, introduza a haste de uma folhinha, mas só a haste, pois se a folha
entrar em contato com a água ela apodrecerá;

b) em um dos copinhos dissolva uma colher sopa de sal de cozinha e, no outro, deixe apenas
a água da torneira.

Faça uma descrição do crescimento das plantas clonadas. Todas cresceram igualmente?
Você deverá observar o efeito do meio ambiente sobre plantas geneticamente idênticas (clones).

124 Aula 5 Biotecnologia


Aula 5 Biotecnologia 125
O primeiro mamífero
clonado: a ovelha Dolly
O primeiro animal a ser clonado na história da Ciência foi uma rã, em 1952, obtida a
partir de células de girino. Este experimento foi conduzido pelos pesquisadores Robert Briggs
e Tomas King do Instituto Carnegie, em Washington, que obtiveram os primeiros clones de rã
por substituição de núcleos celulares.
Desde 1952 até 1996, poucos resultados sobre clonagem foram publicados: em 1970,
divulgou-se a clonagem de embriões de ratos; em 1979, de células de ovelhas; em 1993,
cientistas norte-americanos clonaram embriões humanos.
O passo mais importante dado pela Ciência sobre a clonagem em animais ocorreu em
1996, quando o pesquisador Ian Wilmut e seus colaboradores do Roslin Institute, em Edim-
burgo na Escócia, em associação com a empresa PPL Therapeutics, desenvolveram a ovelha
Dolly, que nasceu em 1996. A ovelha, da raça Finn Dorset, foi o primeiro mamífero clonado a
partir de uma célula somática adulta, superando a barreira de criação de indivíduos de forma
assexuada. A conceituada revista Nature publicou os resultados desse experimento, em feve-
reiro de 1997, obtendo repercussão mundial em todos os meios de comunicação.

Figura 4 – Capas das revistas Nature e Time sobre o tema clonagem

Fonte: <http://www.nature.com/>; <http://www.time.com/time/>. Acesso em: 24 nov. 2010.

No experimento em que Dolly foi obtida, os pesquisadores utilizaram uma célula da glândula
mamária de uma ovelha adulta, cujo núcleo foi retirado e transferido para um óvulo anucleado.
A nova célula, obtida com o auxílio de uma corrente elétrica, foi implantada no útero de uma terceira

126 Aula 5 Biotecnologia


ovelha. A novidade do processo consistiu na clonagem a partir de uma célula de animal adulto e não
de um embrião, sendo Dolly geneticamente idêntica à ovelha da qual foi retirado o núcleo da célula
somática. Apesar da relevância para a Ciência, foram necessárias 276 tentativas para a obtenção
da ovelha Dolly, demonstrando que a técnica de clonagem ainda precisa ser mais bem estudada.

Figura 5 – Etapas na obtenção da ovelha Dolly

Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_TZ2TnWjqnY8/Suxvefp9V_I/AAAAAAAAAEQ/cCYjlpdgyjQ/s1600-h/image009[1].jpg>. Acesso em: 24 nov. 2010.

Entretanto, após apresentar sintomas de artrite e de uma doença pulmonar progressiva,


Dolly foi sacrificada em 14 de fevereiro de 2003, aos seis anos de idade. A necropsia revelou que
ela teve câncer. Dada a relevância de Dolly para a Ciência, seu corpo foi empalhado e encontra-se
exposto para visitação pública no National Museum of Scotland, em Edimburgo, Escócia.

Aula 5 Biotecnologia 127


Figura 6 – A ovelha Dolly e o professor Millor Fernandes do Rosário no National Museum of Scotland, em Edimburgo, Escócia

Fonte: Millor Fernandes do Rosário.

Depois de Dolly, clones de diversas espécies têm sido divulgados por vários grupos de
pesquisas pelo mundo: bezerros, cabras, camundongos, porcos, macacos, dentre outros.
Hoje, a corrida tecnológica da clonagem tem como países líderes os Estados Unidos, Escócia,
Inglaterra, Japão, Nova Zelândia e Canadá.
O Brasil também tem contribuído na área da clonagem animal, principalmente em bovinos.
Em 17 de março de 2001, a Embrapa Recursos Genéticos, em Brasília, anunciou o nascimento
da bezerra Vitória. Este marco colocou o Brasil na linha de frente da pesquisa sobre clonagem,
pois nenhum outro país em desenvolvimento havia feito tal progresso. Em 5 de fevereiro de
2004 foi anunciado o nascimento da bezerra Vitoriosa, cópia da vaca Vitória, primeiro clone
do Brasil. Vitória teve seu primeiro filhote, uma bezerra, em 19 de setembro de 2004, demons-
trando a viabilidade de um animal clonado poder gerar descendentes.

A utilidade da clonagem
Até agora, vimos conceitos e um breve histórico sobre a clonagem e também os proces-
sos de obtenção de clones. Mas, como a sociedade pode se beneficiar da clonagem? Qual a
utilidade dessa técnica?
Na mídia muito se fala da clonagem em larga escala de seres humanos, todos idênticos.
Não é esta a utilidade da clonagem, pelo menos não é o que esperamos. Por isso, a Ciência
tem dado pequenos, mas significativos passos em duas vertentes da clonagem: a clonagem
reprodutiva e a clonagem terapêutica. Vamos discuti-las a seguir.

Clonagem reprodutiva
A clonagem reprodutiva tem por objetivo produzir uma duplicata de um indivíduo exis-
tente. Para tanto, é utilizada a técnica chamada de Transferência Nuclear (TN) que se baseia na

128 Aula 5 Biotecnologia


remoção do núcleo de um óvulo e substituição por outro núcleo de outra célula somática. Após
a fusão, ocorre a diferenciação das células. Após cinco dias da fecundação, o embrião com
200 a 250 células, forma um cisto chamado blastocisto. É nesta fase que ocorre a implantação
do embrião na cavidade uterina da fêmea receptora. Após o período de gestação, surge um
indivíduo com patrimônio genético idêntico ao do doador da célula somática.

Clonagem reprodutiva

Óvulo sem núcleo


João
Fusão
Útero

Núcleo da célula Embrião


somática retirada com células
do doador totipotentes

Clone do João

Figura 7 – Etapas envolvidas na clonagem reprodutiva

Fonte: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200016&script=sci_arttext>. Acesso em: 24 nov. 2010.

Casais estéreis ou que apresentem dificuldades para gerarem um filho são os que têm
maior interesse nessa técnica. Entretanto, avanços recentes em clonagem reprodutiva permitem
quatro conclusões importantes:

1) a maior parte dos clones morre no início da gestação;

2) os animais clonados têm defeitos e anormalidades semelhantes, independentemente da


célula doadora ou da espécie;

3) essas anormalidades, provavelmente, ocorrem por falhas na reprogramação do genoma;

4) a eficiência da clonagem depende do estádio de diferenciação da célula doadora.

De fato, essa técnica realizada a partir de células embrionárias tem mostrado uma eficiência
de dez a vinte vezes maior, provavelmente, porque os genes que são fundamentais no início da
embriogênese estão ainda ativos no genoma da célula doadora.

Aula 5 Biotecnologia 129


Clonagem terapêutica
A clonagem terapêutica é um procedimento cujas etapas iniciais são idênticas à clonagem
para fins reprodutivos, diferindo somente no fato de o blastocisto não ser introduzido em um
útero. Ele é utilizado em laboratório para a produção de células-tronco (totipotentes) a fim de
produzir tecidos ou órgão para transplante.
As células-tronco são classificadas em dois tipos: células-tronco embrionárias e células-
tronco adultas. As células-tronco embrionárias são particularmente importantes porque são
multifuncionais, isto é, podem ser diferenciadas em diversos tipos de células. Podem ser
utilizadas no intuito de restaurar a função de um órgão ou tecido, transplantando novas células
para substituir as células perdidas pela doença ou substituir células que não funcionam apro-
priadamente devido a um defeito genético, como ocorre em doenças neurológicas, diabetes,
problemas cardíacos, derrames, lesões da coluna cervical e doenças sanguíneas.

Figura 8 – Etapas envolvidas na clonagem terapêutica

Fonte: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200016&script=sci_arttext>. Acesso em: 24 nov. 2010.

A clonagem terapêutica teria a vantagem de evitar rejeição se o doador fosse a própria


pessoa. Seria o caso, por exemplo, de reconstituir a medula em alguém que se tornou para-
plégico após um acidente de carro ou para substituir o tecido cardíaco em uma pessoa que
sofreu um infarto.
Entretanto, essa técnica também apresenta suas limitações. Se uma pessoa fosse afetada
por alguma doença genética, como por exemplo, distrofia muscular ou Doença de Alzheimer
não poderia ser doadora, pois a mutação patogênica causadora da doença estaria presente
em todas as células. Já no caso de empregarem linhagens de células-tronco embrionárias de
outra pessoa, ocorreria o problema da compatibilidade entre o doador e o receptor. Além disso,
não sabemos, no caso de células obtidas de uma pessoa idosa, se as células clonadas teriam

130 Aula 5 Biotecnologia


a mesma idade do doador ou se seriam células jovens. Outra questão em aberto diz respeito
à reprogramação dos genes que poderiam inviabilizar o processo dependendo do tecido ou
do órgão a ser substituído.
Entretanto, essa técnica esbarra numa delicada questão: após a coleta das células, o
embrião seria descartado. Seria lícito matar uma vida para salvar outra? Mas, afinal, quando
começa mesmo a vida?
Essas questões foram muito bem debatidas por juristas, pesquisadores, religiosos e re-
presentantes da sociedade civil e em 29 de maio de 2008, o Superior Tribunal Federal aprovou
as pesquisas com células-tronco embrionárias. O artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº
11.105, de 24 de março de 2005) libera no país a pesquisa com células-tronco de embriões
obtidos por fertilização in vitro e congelados há mais de três anos.
Esse fato transformou o Brasil no primeiro país da América Latina e o 26º no mundo a
permitir esse tipo de pesquisa, colocando-o no rol de países como Finlândia, Grécia, Suíça,
Holanda, Japão, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, Reino Unido e Israel.

Vamos pesquisar o que os amigos e familiares pensam sobre clonagem? As respostas


poderão ser dadas somente com SIM ou NÃO. Para tanto, selecione um grupo de 10 indivíduos
e faça as seguintes perguntas:

a) A clonagem é benéfica em todos os sentidos para os seres vivos?

b) A clonagem deveria ser destinada somente para fins terapêuticos?

c) A clonagem pode ser usada para fins militares?

d) A clonagem contribui para a variabilidade genética?

e) A clonagem pode contribuir para expectativa de vida de um indivíduo?

Agora, você deverá fazer um breve comentário sobre o que você responderia em cada
questão e comparar com as respostas dadas pelos seus entrevistados.

Aula 5 Biotecnologia 131


132 Aula 5 Biotecnologia
Pontos positivos
e negativos da clonagem
Diante do exposto, a seguir são elencados alguns pontos positivos e negativos da técnica
de clonagem. Salientamos que tais pontos são relativos e que existe um vasto campo para
discussões jurídicas, éticas, morais e religiosas. Nosso intuito aqui não é tomar partido em
tais discussões, mas sim proporcionar conhecimentos sobre o assunto.

Pontos positivos
1) Utilização da técnica de clonagem para obtenção de células-tronco a fim de restaurar a
função de um órgão ou tecido.

2) A clonagem terapêutica teria a vantagem de não oferecer riscos de rejeição se o doador


fosse a própria pessoa.

3) Diminuição ou fim do tráfico clandestino de órgãos.

4) Auxiliar casais inférteis que não podem ter filhos, mesmo após anos de tratamento
de infertilidade.

5) Melhoramento animal, resgate de material genético, maximização do potencial genético


de uma raça.

6) Possibilidade de renovar a atividade de células danificadas, substituindo-as por células


novas obtidas in vitro.

7) Capacidade de criar seres humanos com a mesma informação genética para atuarem
como doadores de órgãos.

8) Benefício de estudar a diferenciação celular ao mesmo tempo em que a clonagem é es-


tudada e desenvolvida.

Sejam consideradas como vantagens ou ainda como simples promessas, esses pontos
positivos da clonagem são relativos e envolvem temas relacionados à Bioética que será o tema
a ser discutido na Aula 10 – Bioética e Patentes Biotecnológicas. O problema e a preocupação
atual é que a clonagem ainda não é considerada um procedimento seguro. Assim, os cientistas
necessitam aprimorar a técnica de clonagem para se obter, no futuro, tecido e talvez até órgãos
de reposição para pessoas que precisem de transplantes. Já a clonagem para fins reprodutivos
surge como uma alternativa para pessoas que não podem ter filhos e para as quais as técnicas
atuais de reprodução assistida não funcionam.

Aula 5 Biotecnologia 133


Outras abordagens sobre as pesquisas com clonagem de células-tronco indicam novos
caminhos para o tratamento de muitas doenças: pele – queimaduras; olhos - doenças na
córnea e no cristalino; coração – enfarte; ossos - osteoporose e artrite; pâncreas – diabetes;
fígado - hepatite e cirrose; cérebro - Doença de Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla; rins
– câncer; sangue - hemorragias, imunodeficiência; medula óssea – câncer; pulmão – câncer.

Pontos negativos
1) Técnica de baixa eficiência.

2) Vários fetos morrem durante a gestação ou logo após o nascimento.

3) Grande número de anomalias e envelhecimento precoce.

4) Clones seriam maiores do que o normal, denominado de síndrome do filhote grande.

5) Lesões hepáticas, tumores, baixa imunidade.

6) Possibilidade de comprometer a individualidade.

7) Perda da variabilidade genética.

8) Mercado negro de fetos pode surgir de doadores “desejáveis” que queiram clonar a si
próprios, como “estrelas” de cinema, atletas e outros.

9) Clones poderão ser alvos de discriminação por parte da sociedade e estar sujeitos a pro-
blemas psicológicos desconhecidos, com impacto na família e na sociedade.

Uma pergunta que pode ser feita neste momento é: ao clonar um ser humano de aproxi-
madamente 30 anos, esse clone nascerá (se é que é possível) com células (ou com caracte-
rísticas) de uma pessoa de 30 anos ou será aparentemente um bebê normal?
Os pesquisadores ainda não têm uma resposta definitiva, mas os resultados de diversas
pesquisas têm indicado que os clones malsucedidos de animais (os abortados ou que morrem
logo após o nascimento) têm problemas de saúde graves, mas não há relatos de que tenham
nascido com aparência ou doenças de animais de idade avançada. Os clones bem-sucedidos,
por sua vez, têm aparência de filhotes normais, como foi o caso da ovelha Dolly. Os pesquisa-
dores só tiveram certeza de que Dolly apresentava sinais de envelhecimento precoce quando
a ovelha já tinha três anos. Por outro lado, nem todos os clones parecem envelhecer mais
rapidamente. É provável que a passagem do tempo fique de alguma forma registrada no DNA,
mas ainda não se sabe como isso afeta os clones.

134 Aula 5 Biotecnologia


3

Você pode aprimorar e expandir seus conhecimentos sobre o tema apresentado nesta aula
através da leitura do texto abaixo. É importante que você reflita sobre a mensagem proposta
pelo autor e possa divulgá-la e debatê-la entre amigos e familiares.

Os limites da clonagem
Por Evaristo Eduardo de Miranda

Duas dimensões, muito simplificadamente, fundam o humano: o de limite e o


vínculo. O humano é capaz de autolimitar-se de forma estruturante. Um pai não
faz sexo com sua filha. O humano proíbe o incesto. Isso, por um exemplo, é
um eixo estruturante de nossa humanidade, face à animalidade. Essa limitação,
como tantas outras ontologicamente instaladas no humano, e tão bem explici-
tadas na Lei de Deus, também tem a ver com a noção de vínculo. Não sou filho
do nada. Tenho ascendentes e descendentes. Existe um vínculo entre minha
origem e meu destino, inclusive no sentido escatológico. O problema da clona-
gem não está em gerar-se uma pessoa idêntica à outra, como a mídia apresenta
a questão e a televisão delira explorando tudo, menos o essencial. A questão é
outra. O clone de uma pessoa será seu irmão e simultaneamente seu filho. Uma
ruptura do fluxo em cascata das gerações, como na bela expressão de Tertu-
liano, com consequências inimagináveis para nossa humanidade. A clonagem
reprodutiva é um incesto consigo mesmo. Um incesto ao quadrado! Quando al-
guém pratica o incesto é condenado, no direito, por crime contra a genealogia.
É igual na clonagem. Só que com muitos cúmplices a serem levados as barras
da Justiça. Até porque, do ponto de vista teórico alguém poderia ser clonado
sem sabê-lo e a sua revelia. Ao proibir a clonagem humana, os países impõem
limites necessários a pesquisas e desvarios de alguns cientistas. Em nome de
uma ideologia cientista, que daria à ciência a liberdade de fazer o que quiser,
alguns pesquisadores reagem. E têm boa mídia. Eles não aceitam limitações,
orientações e muito menos objeções à sua utopia enganadora. Alguns cientis-
tas - manipuladores de embriões e opiniões - também vendem sua utopia gêni-
ca, reparadora e sanitária anunciando que doenças serão curadas, bebês serão
geneticamente perfeitos, acabará a dor e o sofrimento: um corpo eternamente
são numa sociedade sadia. Quando a ciência deixa de ser descritiva e explicati-
va, para tornar-se normativa, a sociedade deve reagir. Simplificando: não cabe à
ciência dizer como deve ser nossa sociedade. Cabe à sociedade definir a ciência
e as pesquisas que quer.
Fonte: <http://www.portaldafamilia.org.br/artigos/artigo078.shtml>. Acesso em: 24 nov. 2010.

Aula 5 Biotecnologia 135


Leitura complementar

ZATZ, Mayana. Clonagem e células-tronco. Estudos Avançados, v. 18, n. 51, 2004. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000200016&script=sci_arttext>.
Acesso em: 24 nov. 2010.
A leitura desse texto expressa a posição da pesquisadora Mayana Zatz, da USP, refe-
rência nacional e internacional sobre clonagem e células-tronco sobre os aspectos éticos
dessas técnicas. A visão dela não é apenas a de cientista, mas também de representante da
sociedade civil.

Resumo

Nesta aula, você compreendeu o conceito de clonagem e conheceu um


breve histórico sobre este assunto. Você também adquiriu conhecimento sobre
as técnicas utilizadas nesse procedimento, incluindo o exemplo da ovelha
Dolly. Foram apresentados detalhes da utilidade da clonagem reprodutiva e
terapêutica, incluindo os aspectos positivos e negativos. Por fim, compreendeu
que esse tema ainda é bastante controverso e que precisa ser bem discutido
no meio científico e social para que os benefícios dessa tecnologia possam ser
usufruídos por toda a sociedade e não se sobreponham a questões religiosas,
morais e da legislação vigente.

Autoavaliação
A partir dos conhecimentos adquiridos nesta aula sobre clonagem, apresente dois es-
quemas: um relacionado à clonagem reprodutiva, usando, como exemplo, camundongos de
laboratório e outro à clonagem terapêutica, usando doenças cardíacas.

136 Aula 5 Biotecnologia


Aula 5 Biotecnologia 137
Referências
DRLICA, Karl. Compreendendo o DNA e a Clonagem Gênica. São Paulo: Ed. Guanabara
Koogan, 2005. 204p.

PEREIRA, Lygia da Veiga. Clonagem, fatos e mitos. São Paulo: Ed. Moderna, 2002. 80 p.

______. Clonagem da Ovelha Dolly às Células-Tronco. São Paulo: Ed. Moderna, 2005. 88p.

SANTOS, Rita Maria Paulina dos. Dos Transplantes de Órgãos à Clonagem. São Paulo: Ed.
Forense, 2000. 110 p.

Anotações

138 Aula 5 Biotecnologia


Anotações

Aula 5 Biotecnologia 139


Anotações

140 Aula 5 Biotecnologia


Organismos
geneticamente modificados

Aula

6
Apresentação

N
as Aulas 3 e 4 – Tecnologia do DNA Recombinante I e II, respectivamente, definimos
conceitos relacionados à modificação genética de organismos. Esses conceitos serão
imprescindíveis para a compreensão desta sexta aula, que inclui detalhes da obtenção
e utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) ou transgênicos em diversos
segmentos (agropecuária, indústria, saúde, por exemplo). Detalharemos também a história e
o panorama mundial sobre alimentos transgênicos, incluindo questões relacionadas à segu-
rança alimentar, aos benefícios e riscos dos OGM, bem como à legislação brasileira vigente
sobre o assunto.
Os objetivos elencados abaixo serão mais facilmente compreendidos se você ler aten-
tamente todos os tópicos e quando julgar pertinente faça anotações e, em caso de dúvidas,
acesse o fórum da disciplina.
Aproveite a aula!

Objetivos
1 Definir o conceito de OGM.

2 Apresentar o histórico sobre os OGM.

3 Conhecer o panorama mundial sobre alimentos transgênicos.

Distinguir as técnicas utilizadas na obtenção de plantas e


4 animais geneticamente modificados.

5 Compreender os aspectos relacionados à segurança alimentar.

6 Identificar os benefícios e riscos dos OGM.

7 Conhecer a legislação brasileira sobre OGM.

Aula 6 Biotecnologia 143


Organismos geneticamente
modificados (OGM)
De modo geral, OGM é o termo que abrange todos os organismos (plantas, animais e
microrganismos) criados em laboratório a partir de técnicas de Engenharia Genética ou Tec-
nologia do DNA Recombinante (Figura 1).

Característica
desejada

Doador: Variedade Nova


planta, animal ou
microrganismo comercial variedade

Figura 1 – Esquema geral para obtenção de OGM

Adaptado de: <http://ciencia.hsw.uol.com.br/transgenicos3.htm>. Acesso em: 15 dez. 2010.

Mas qual é a contribuição dessas técnicas?


A característica fundamental que determina a diferença entre OGM ou transgênicos e não
transgênicos é a possibilidade de incorporação de material genético ultrapassando barreiras
naturais. Dessa forma, essas técnicas permitem alterar diretamente a estrutura genética (DNA/
DNA
RNA), inclusive através da utilização de genes de outros organismos ou não, mudando a forma Ácido desoxirribonucleico
da estrutura original e obtendo características desejáveis e específicas. (ADN, em português;
Antes do desenvolvimento dessas técnicas empregava-se apenas o chamado melhora- ou DNA, em inglês:
deoxyribonucleic acid) é
mento clássico, no qual a transferência de genes se dava por meio de cruzamentos (reprodução
um composto orgânico
sexuada) entre indivíduos da mesma espécie ou espécies bastante assemelhadas. O que ocorria cujas moléculas contêm as
era que todo o conjunto de genes dos dois organismos era misturado aleatoriamente. Essa instruções genéticas que
forma de melhoramento exigia uma enorme demanda de tempo e não era precisa. coordenam o desenvolvi-
mento e funcionamento
Já com o emprego da Tecnologia do DNA Recombinante, a transferência do material
de todos os seres vivos e
genético de um organismo para o outro passou a ser realizada de forma direta e precisa. Atu- alguns vírus.
almente, os cientistas podem identificar e inserir, no genoma do organismo-alvo, sequências
RNA
de DNA codificadoras de certas características que nunca, ou somente em casos extremamente Ácido ribonucleico (sigla em
raros, seriam observadas naturalmente em determinada espécie. português: ARN e em inglês,
No Brasil, segundo a Lei de Biossegurança (Lei n.º 11.105/05), em seu artigo 3º, inciso RNA: ribonucleic acid) é o
responsável pela síntese de
V, “organismo geneticamente modificado – OGM é definido como um organismo cujo material
proteínas da célula.
genético (DNA/RNA) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética”.
Nessa lei não se define nem se menciona o termo transgênico.

Aula 6 Biotecnologia 145


Assim, os termos OGM e transgênicos têm sido empregados como sinônimos. Porém,
existe uma diferença técnica entre ambos: OGM são organismos que foram modificados com
a introdução de um ou mais genes provenientes de um indivíduo da mesma espécie do orga-
nismo alvo. Citamos o exemplo do tomate Flavr savr® (Figura 2a), que foi modificado gene-
ticamente para apresentar um processo de maturação mais lento, de modo a permitir que os
frutos apresentem um tempo de prateleira maior no supermercado. Essa técnica de modificação
consiste em isolar uma determinada sequência de genes do próprio fruto e depois inseri-la
em sentido inverso, no próprio fruto. Já os transgênicos são organismos modificados através
da introdução de um ou mais genes oriundos de um indivíduo de outra espécie. O exemplo
mais divulgado de transgênico é a soja Roundup Ready® (Figura 2b), que apresenta em seu
DNA o gene de resistência ao glifosato, princípio ativo do herbicida Roundup®, comercializada
pela empresa Monsanto. O DNA dessa soja, designada soja RR, tem um gene adicional que
é proveniente de uma bactéria do solo, do gênero Agrobacterium, conferindo resistência ao
glifosato. Portanto, todo transgênico é um OGM, mas nem todo OGM é um transgênico.

a b c

Figura 2 – (a) tomate Flavr savr®; (b) soja Roundup Ready® e (c) bactérias Escherichia coli

Fontes:(a) <http://www.tomatocasual.com/2008/02/28/what-ever-happened-to-the-flavr-savr-genetically-engineered-tomato/>; (b) <http://portal.rpc.com.br/


reveleoparana/foto.phtml?foto_id=4511&cidade_id=2>; (c) <http://naturlink.sapo.pt/article.aspx?menuid=20&cid=14731&bl=1>.

Outros exemplos são os microrganismos geneticamente modificados que vêm sendo


usados nos processos de produção das indústrias farmacêutica, alimentícia, de papel, têxtil,
química e petrolífera (Figura 2c). Com a modificação genética de bactérias, a indústria também
começa a desenvolver plásticos que se decompõem mais rapidamente no meio ambiente e,
por isso, poluem menos o solo, a água e o ar.

Os primeiros OGM
Em 1973, S. Cohen e H. Boyer produziram o primeiro OGM: a bactéria Escherichia coli.
Mas o termo transgênico só foi usado pela primeira vez em 1981, por J.W. Gordon e F.H. Rudd-
le, da Universidade de Yale, EUA, que trabalharam com modificação genética de camundongos.
Os primeiros animais de produção transgênica foram porcos, ovelhas e coelhos obtidos pela
equipe do pesquisador R.E. Hammer da Universidade da Pensilvânia, EUA.

146 Aula 6 Biotecnologia


Já as primeiras plantas transgênicas foram desenvolvidas no início de 1980 por quatro
grupos de trabalho independentes (Universidade de Washington, EUA; Universidade de Gent,
Bélgica; empresa Monsanto, EUA; e Universidade de Wisconsin, EUA). No mesmo dia, em
janeiro de 1983, os três primeiros grupos anunciaram em uma conferência em Miami, EUA,
que tinham inserido genes bacterianos em plantas. O quarto grupo anunciou em uma confe-
rência em Los Angeles, EUA, em abril de 1983 que tinha inserido um gene da planta de uma
espécie em outra espécie.
O grupo da Universidade de Washington, liderada por M.D. Chilton, produziu células de
Nicotiana plumbaginifolia, um parente próximo de tabaco normal, que eram resistentes ao
antibiótico canamicina. J. Schell e M. van Montagu, na Bélgica, produziram plantas de tabaco
que eram resistentes à canamicina e ao metotrexato, uma droga usada para tratar câncer e
artrite reumatoide. R. Fraley, S. Rogers, e R. Horsch, da Monsanto, produziram plantas de
petúnia que eram resistentes à canamicina. O grupo de Wisconsin, dirigido por J. Kemp e T.
Hall, tinha inserido um gene de feijão em uma planta de girassol.
Os primeiros experimentos com plantas transgênicas foram conduzidos em 1986, nos
EUA e na França. Entre 1986 e 1995, 56 culturas foram testadas em mais de 3.500 experimentos
realizados em mais de 15 mil locais (34 países). Em 1996 e 1997, o número de países que
testaram plantas transgênicas aumentou para 45, tendo sido conduzidos somente nesses dois
anos mais de 10 mil experimentos. Nesse período, as culturas mais testadas foram a do milho,
soja, tomate, canola, batata e algodão. Na maioria dos casos, as características genéticas intro-
duzidas foram tolerância a herbicidas, resistência a insetos, qualidade do produto e resistência
a vírus. Já a primeira aprovação para uso comercial de plantas geneticamente modificadas só
ocorreu em 1992, nos Estados Unidos, com o tomate Flavr savr® e, posteriormente, em 1994
com a soja Roundup Ready®.
No Brasil, a primeira liberação de um organismo geneticamente modificado se deu em
2003, mediante a Lei Nº. 10.688, com a permissão da comercialização da soja Roundup Ready®,
produzida pela Monsanto.

Vamos realizar uma pesquisa de opinião sobre os transgênicos.


Escolha 10 amigos, parentes ou pessoas anônimas mesmo. Para cada uma você deverá
preencher o formulário abaixo apenas com S = SIM e N = NÃO ou, então com NS = NÃO SABE
OU INDEFINIDO. É obrigatório seguir a sequência das questões. Você poderá fazer anotações
adicionais de cada entrevistado se julgar necessário.

Aula 6 Biotecnologia 147


Entrevistados
Questões
1 2 3 4 5 6 7 8 9

Já ouviu falar sobre transgênico?

Sabe o que é um alimento transgênico?

Já comprou um alimento transgênico?

Compraria um alimento transgênico?

E se o preço do transgênico fosse menor que


o alimento não transgênico?

A favor do transgênico?

Contra o transgênico?

Agora, você deverá fazer um breve comentário, incluindo as razões, sobre o que você
responderia em cada questão. A seguir, compare seu comentário com as respostas dadas pelos
seus entrevistados. Como sugestão para facilitar a visualização das respostas, você poderá
confeccionar um gráfico tipo pizza, com as porcentagens de cada resposta.

148 Aula 6 Biotecnologia


Alimentos transgênicos
O apelo pela maior produção de alimentos que atenda à crescente demanda mundial,
devendo duplicar até 2025, a custos cada vez mais baixos e como menor contaminação do meio
ambiente devido ao uso dos chamados “idas” (herbicidas, pesticidas, fungicidas, acaricidas,
dentre outros), tem sido o carro chefe na produção dos alimentos transgênicos. Muitos espe-
cialistas afirmam que somente através dos alimentos transgênicos essa meta seria possível.
Porém, nem todos apoiam essa solução, alegando danos para o meio ambiente e para a saúde
por parte dos transgênicos.
Porém, os alimentos transgênicos, em sua maioria plantas transgênicas, já são uma
realidade, mesmo nós querendo ou não, sabendo ou não. Entre prós e contras, de acor-
do com Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia, o Brasil
aumentou em mais de 35% as terras cultivadas com transgênicos em 2009, passando a
21,4 milhões de hectares. Esse percentual foi o maior crescimento absoluto no mundo e tornou
o País o segundo maior em plantio de culturas geneticamente modificadas, posto ocupado
anteriormente pela Argentina, com 21,3 milhões de hectares.

Aula 6 Biotecnologia 149


Nas plantações transgênicas brasileiras, a soja representa a maior área (16,2 milhões
de hectares), ocupando 71% do total de área total cultivada com o grão; milho (5 milhões de
hectares) e algodão (150 mil hectares) seguem na segunda e terceira posições.
No mundo, 14 milhões de agricultores estão envolvidos com culturas transgênicas, espa-
lhados por 25 países. Soja, algodão, canola e milho são as principais culturas que apresentam
tolerância à herbicida e resistência a insetos. Os EUA lideram a lista com 64 milhões de hecta-
res. A soja também aparece na liderança do ranking mundial, com 69,2 milhões de hectares, o
que representa aumento de 5% em relação a 2008. Entre 1996 e 2008, a produção transgênica
resultou em US$ 51,9 bilhões, devido à maior produtividade e à redução de custos.
As plantas transgênicas podem ser classificadas em três gerações, de acordo com a
ordem cronológica de aparecimento das culturas e a característica:

 1ª Geração – compreende as plantas geneticamente modificadas visando resistência à


herbicida, a pestes e a vírus. Foram disseminadas nos campos na década de 1980 e até
hoje compõem o grupo de sementes geneticamente modificadas mais comercializadas
no mundo.

 2ª Geração – compreende as plantas cujas características nutricionais foram melhoradas


tanto quantitativamente como qualitativamente. Compreende um grupo de plantas pouco
difundido no mundo, porém os campos experimentais já são significativos.

 3ª Geração – compreende as plantas destinadas à síntese de produtos especiais, como


vacinas, hormônios, anticorpos e plásticos. Esses vegetais estão em fase de experimen-
tação e brevemente estarão no mercado.

Alguns exemplos de alimentos transgênicos que estão sendo desenvolvidos no Brasil e


no mundo são:

 tomate com mais licopeno, antioxidante que ajuda a prevenir o câncer e doenças
do coração;

 arroz com maior teor de betacaroteno, que estimula a produção de vitamina A;

 grãos com mais vitamina E, que fortalece o sistema imunológico;

 alface enriquecida com um composto que ajuda a diminuir o mau colesterol (LDL) e esti-
mula o aumento do bom colesterol (HDL);

 arroz, trigo e feijão com maior teor de ferro, importante no combate à anemia;

 frutas com maior teor de vitamina C.

É apenas uma questão de tempo para que esses produtos e muitos outros estejam nas
prateleiras dos supermercados.

150 Aula 6 Biotecnologia


Como obter
uma planta transgênica?
Primeiro é necessário identificar e isolar o gene de interesse.
Mas como fazer isso?
Uma das possibilidades é a construção de uma “biblioteca genômica” (Aula 4- Tecno-
logia do DNA Recombinante II). Para tal, o DNA do organismo contendo o gene de interesse
é extraído. Em seguida, esse DNA é cortado em fragmentos menores utilizando as enzimas
de restrição (Aula 3 – Tecnologia do DNA Recombinante I). Esses fragmentos são ligados a
outros fragmentos de DNA, mas que podem se replicar em bactérias. Esse material é inserido
na bactéria e replicado várias vezes. Então, é só selecionar a colônia de bactérias que contém
o fragmento de DNA correspondente ao gene de interesse (Figura 3).

Vetor de Clonagem Cromossomo


(Plasmídeo) eucariótico

Quebra do DNA eucariótico


com enzima de restrição
Quebra do vetor com
enzima de restrição

Ligase do DNA

Vetor Fragmentos de DNA


Recombinante

Transformação da célula
hospedeira

Multiplicação Celular

Figura 3 – Desenvolvimento de uma biblioteca genômica

Fonte: <http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Biotecnologia/recombinante.php>. Acesso em: 16 dez. 2010.

Aula 6 Biotecnologia 151


A etapa seguinte é a inserção desse gene nas células vegetais. Algumas técnicas para
alcançar esse objetivo já foram desenvolvidas e são descritas a seguir.

a) Agrobactéria – bactérias que habitam o solo, do gênero Agrobacterium, podem se asso-


ciar às plantas dicotiledôneas, causando-lhes tumores naturalmente. Durante a infecção,
a bactéria é capaz de inserir seus próprios genes no genoma da planta. Esses genes estão
codificados no DNA de grandes plasmídeos dessas bactérias, os plasmídeos Ti (induto-
res de tumores), em um segmento de DNA denominado de T-DNA (DNA transferido). O
T-DNA, carregando os genes bacterianos, integra-se ao genoma da planta, que passa a
expressar esses genes (Figura 4a). Para aproveitar-se dessas propriedades naturais para
a transferência de genes de interesse em plantas, os pesquisadores “cortam” os genes
responsáveis pela formação de galhas (Figura 4b) e em suas posições inserem os genes
de interesse que se quer transferir para o genoma da planta. Para tanto, são empregadas
as chamadas enzimas de restrição (Aula 3 - Tecnologia do DNA Recombinante I) para
executar a substituição desses genes sem interferir nas propriedades que permitem a
integração do T-DNA do plasmídeo com o DNA da planta hospedeira. Assim, qualquer
gene pode ser introduzido em uma célula vegetal utilizando-se essa ferramenta oferecida
pela própria natureza.

a
Agrobacterium Núcleo
Cromossoma
Plasmídeo

T-DNA b

Cromossomo
Célula
Vegetal

Tumores
Proliferação dos hormônios
de crescimento.
Formam-se tumores nas
zonas de lesões.

Figura 4 – (a) Esquema da infecção promovida pela Agrobacterium


tumefaciens e (b) galha causada pela infecção dessa bactéria

Fonte: (a) <http://ogmescolaantoniogranjo.blogspot.com/2007/05/blog-post_8057.html>;


(b) <http://de.wikipedia.org/wiki/Agrobacterium_tumefaciens>. Acesso em: 16 dez. 2010.

b) Transferência direta de genes – empregado para plantas monocotiledôneas. Os seguintes


métodos são empregados:

Protoplastos  Eletroporação de protoplastos e células vegetais – os protoplastos (Figura 5a) são incuba-
São células vegetais
dos em soluções que contêm os genes a serem transferidos, e, em seguida, um choque
desprovidas de parede
celular, mas que mantêm a
elétrico de alta voltagem é aplicado por curtíssimo tempo no equipamento eletroporador
membrana celular. (Figura 5b). O choque causa uma alteração da membrana celular, o que permite a pene-

152 Aula 6 Biotecnologia


tração e eventual integração dos genes no genoma. O mesmo princípio também pode ser
aplicado para células vegetais.

a b

Figura 5 – (a) Protoplastos e (b) eletroporador

Fontes: (a) <http://ruisoares65.pbworks.com/w/page/24326349/Protoplastos>;


(b) <http://www.spectrun.com.br/site/index.php?pag=produtos&fabricante=635&cat=2>. Acesso em: 16 dez. 2010.

 Biobalística – baseia-se no princípio de uma arma de fogo, só que ao invés de projéteis


de chumbo, utilizam-se microprojéteis de ouro ou tungstênio, cobertos com os genes de
interesse. Essa “munição biológica” é acelerada em uma câmara com gás hélio em direção
aos alvos no equipamento bombardeador (Figura 6a), que, nesse caso, são os tecidos
vegetais. Os genes entram nas células junto com o projétil e se integram ao DNA. Uma das
vantagens desse método é que ele permite a introdução e expressão gênica em qualquer
tipo de célula. Assim, foi permitida a transformação in situ de células diferenciadas sem In situ
necessidade de regeneração. Expressão latina que
significa no lugar, na
posição, no local.
b
Tubo de aceleração de gás

Disco de ruptura
Membrana carregadora
Tela de retenção

Microparticulas adsorvidas
com DNA

Tecido alvo
Suporte da placa

Figura 6 – (a) Bombardeador e (b) esquema geral da técnica de biobalística

Fonte: (a) <http://pt.wikipedia.org/wiki/Biol%C3%ADstica>; (b) Andrade (2003).

Aula 6 Biotecnologia 153


Uma vez inserido o gene de interesse, o passo seguinte é a regeneração das plantas in
vitro. Nessa etapa, os tecidos vegetais, como pedaços de folha, cotilédones (as primeiras folhas
visíveis após a germinação de uma semente) ou o hipocótilo (parte do caule de um embrião ou
plântula, abaixo dos cotilédones) são cultivados em condições controladas, levando à produção
de mudas em larga escala. A Figura 7 ilustra as etapas gerais da transformação em plantas.

2 - Isolamento do
1 - Bactéria DNA Bacteriano 4 - Extração
3 - Clonando
do gene de
o DNA
interesse

5 - Fabricando
o gene
(transgene)

8 - Reprodução

6 - Inserção do
7 - Planta
transgene no
transgênica
tecido da planta

Figura 7 – Esquema geral da obtenção de uma planta transgênica

Fonte: <http://transvegetal.blogspot.com/>. Acesso em: 16 dez. 2010.

Ressaltamos que esses métodos promovem a integração dos novos genes, de maneira
aleatória, nos cromossomos da planta recipiente. Por isso durante a etapa de regeneração,
vários testes são realizados a fim de avaliar a localização da integração (partes da planta ou
planta inteira), se a integração ocorreu na posição correta no DNA (teste de genotipagem por
PCR), se uma vez inserido com sucesso, o gene sintetizará a proteína desejável. Após os testes
em laboratório, as plantas transgênicas selecionadas são avaliadas em condições de campo.

154 Aula 6 Biotecnologia


Como obter
um animal transgênico?
A manipulação transgênica em animais é uma das questões mais controversas dentro
da comunidade científica. A tecnologia pode ser usada para criar animais mais produtivos,
transformá-lo em “fábrica de remédios” ou desenvolver modelos animais em laboratório para
estudo de doenças humanas.
Para obtermos um animal transgênico, a primeira etapa é igual a das plantas transgênicas:
identificação e isolamento do gene de interesse. Em seguida, é preciso montar o transgene, Transgene
porque nem todo gene é expresso em todos os tecidos. Por exemplo, só os glóbulos vermelhos Fragmento de DNA, em
geral a sequência completa
do sangue expressam a hemoglobina, proteína que transporta o oxigênio aos tecidos. Além
de um gene, artificialmente
disso, a expressão dos genes em cada célula varia de acordo com sua idade e função. A seguir, introduzido no genoma de
ilustraremos a obtenção de camundongos transgênicos. outro organismo.

Fatores
transcricionais
Desenvolvendo camundongos transgênicos Proteínas que participam
da transcrição do DNA
em RNA, podendo atuar
A expressão gênica depende do reconhecimento de sequências de DNA denominadas no controle da expressão
“promotores” (Figura 8) pelos fatores transcricionais. A presença de certo promotor junto ao gênica.
gene dirige sua expressão para determinado tipo de célula. Como os promotores não codificam
proteínas, são alvos preferenciais para manipulação.

Sequência
Gene Marcado Promotor Transgene
terminadora

Figura 8 – Representação da montagem de um gene modificado pelas técnicas do DNA recombinante

Fonte: <http://ciencia.hsw.uol.com.br/transgenicos2.htm>. Acesso em: 16 dez. 2010.

Através do uso de enzimas de restrição é possível “cortar” o DNA em locais específicos e


“emendar” fragmentos de DNA com outras enzimas. Isso levou à ideia de ligar um promotor de
função bem conhecida a um transgene. Teoricamente, um promotor que coordene a expressão

Aula 6 Biotecnologia 155


do gene de uma proteína dos olhos pode induzir a expressão de qualquer transgene no olho.
Esse é o truque usado para dirigir a expressão de um transgene para determinadas células de
um camundongo.
Pronúcleo Preparado o conjunto promotor-transgene, o passo seguinte é injetá-lo em pronúcleos
É o núcleo dos gametas de embriões. Estes são transferidos para o útero de fêmeas receptivas e os filhotes nascem
(óvulos nas fêmeas e
em 20 dias. Em seguida, é necessário avaliar o DNA para confirmar se o transgene está pre-
espermatozoides nos
machos) que apresenta sente e selecionar os positivos (transgênicos). Por último, a proteína associada ao transgene
metade do número de é identificada nos filhotes e seu nível de expressão é medido em células específicas.
cromossomos da espécie. Uma linhagem de camundongos transgênicos é com frequência uma ferramenta pode-
Transposons rosa para o estudo in vivo de processos biológicos. Podem-se reproduzir doenças humanas
Segmentos de DNA capa- (câncer, diabetes, imunodeficiências e outras) ou alterar vias metabólicas específicas e avaliar
zes de inserir cópias de si
em detalhes a atuação celular.
mesmos em outro local do
cromossomo.

Métodos para obtenção


de um animal transgênico
O método a ser empregado depende do tipo de modificação genética que se deseja rea-
lizar, podendo ser por introdução, modificação ou inativação de um gene.

1) Introdução

O método mais utilizado na introdução de genes é a transgenia por adição, também


conhecida por adição gênica ou modelo de superexpressão de genes, através da qual é inse-
rida no genoma uma ou várias cópias de um gene de interesse. O gene adicionado pode ser
exógeno ou endógeno.
Genes exógenos pertencem a outra espécie e são usados para produzir uma nova
proteína, ausente na forma desejada na espécie receptora. Genes endógenos já existem
no genoma do animal, sendo usados quando se deseja produzir uma quantidade maior da
proteína codificada já existente, aumentando a quantidade de cópias dele no genoma. Atu-
almente, diversas técnicas são utilizadas para produzir animais transgênicos por adição de
segmentos de DNA ao genoma: microinjeção pronuclear de embriões, transferência de DNA
mediada por espermatozoides, infecção de embriões por vetores retrovirais, transferência
de DNA mediada por transposons, agregação ou injeção de células-tronco embrionárias
geneticamente modificadas, transferência nuclear de células geneticamente modificadas e
transferência de segmentos de cromossomos artificiais.
De maneira geral, a taxa de integração do DNA no genoma embrionário é baixa (cerca de
1% a 4%), ou seja, apenas alguns animais nascidos carregarão o transgene integrado em seus
cromossomos. Para identificar quais são os espécimes transgênicos, utiliza-se uma técnica
denominada genotipagem, por meio da qual se identifica a presença do transgene no genoma
de todos os animais nascidos.

156 Aula 6 Biotecnologia


Figura 9 – Os camundongos mais claros são transgênicos e o outro não

Fonte: <http://daniel-eloi.blogspot.com/search?updated-max=2011-01-04T04%3A29%3A00-08%3A00&max-results=10>.

2) Modificação ou inativação

Desde o início, um dos principais objetivos da transgênese era produzir animais com
alterações específicas e controladas no genoma, tais como inativação de genes ou muta-
ções pontuais de aminoácidos nas proteínas codificadas por eles. Ao contrário da adição
gênica, o método utilizado para a modificação e inativação de genes exige que se conheça
a localização precisa do gene no genoma. Por isso, ele é denominado modificação gené-
tica dirigida ou controlada. Essa técnica possibilita substituir um gene funcional por uma
sequência mutada que, uma vez introduzida, inativa o gene endógeno original, gerando um
animal conhecido como modelo knockout. Da mesma forma, é possível alterar uma pequena
sequência do gene, gerando um modelo knockin que produzirá uma proteína modificada
em vez da proteína endógena intacta naturalmente presente no animal. O termo knockin se
deve ao fato de, nessa técnica, o gene endógeno ser retirado do genoma e substituído por
outro com uma pequena modificação.
Podemos fazer uma analogia do genoma a uma biblioteca para entendermos os modelos
de alteração genética. Na transgênese por adição, imagina-se uma ou várias cópias de um livro
sendo colocadas aleatoriamente nas estantes, enquanto a inativação gênica (modelo knockout)
é como a retirada permanente de um livro específico da biblioteca ou ainda a modificação de
apenas uma página desse livro e sua reposição na prateleira (modelo knockin).
A modificação genética dirigida ou controlada inclui uma etapa a mais que a adição gênica:
a cultura de células-tronco embrionárias que são totipotentes, ou seja, são capazes de gerar
qualquer tipo de tecido. Essas células são modificadas in vitro por um processo denominado
recombinação homóloga e dão origem a um animal com um gene inativado ou alterado. Recombinação
homóloga
Atualmente, essa técnica é rotineiramente aplicada em camundongos, uma das únicas
Troca de sequências de
espécies, além da humana, em que se domina totalmente o cultivo de células-tronco em- DNA correspondentes
brionárias. Para outras espécies, há dificuldade em manter indiferenciadas as células-tronco entre cromossomos, que
derivadas de embriões em cultura. ocorre naturalmente no
núcleo das células.
As técnicas de transgênese em animais domésticos foram desenvolvidas e otimizadas,
visando basicamente seis principais linhas de pesquisa:

a) o estudo da regulação e expressão gênica;

Aula 6 Biotecnologia 157


b) a utilização de animais transgênicos como biorreatores para a produção de proteínas
recombinantes de elevado valor biológico à saúde humana;

Xenotransplante c) a geração de modelos animais para estudos biomédicos e para xenotransplante;


transplante de células,
tecidos ou órgãos de uma
espécie para outra.
d) a introdução de novas características genéticas importantes economicamente;

e) o melhoramento genético das características de produção animal (crescimento, qualidade


de carne, lã, couro, leite, ovos etc.);

f) o desenvolvimento e produção de vacinas, tratamentos, suplementos e novos kits


de diagnóstico.

Segurança alimentar
Uma intensa discussão a favor e contra os alimentos transgênicos tem sido desencadeada
pelos mercados consumidores em todo mundo. Um ponto de destaque está relacionado à obri-
gatoriedade ou não da chamada “rotulagem”, já que o consumidor a priori tem o direito de saber
se um determinado alimento contém ou não matéria de origem transgênica. A partir daí cabe
ao consumidor optar pela compra e consumo ou não. Dessa forma, esse tópico visa apresentar
conceitos relacionados à segurança alimentar dos produtos transgênicos, bem como à legislação
vigente em alguns países, incluindo o Brasil.

Figura 10 – Exemplos de alimentos que podem conter OGM

Fonte: <http://blog1.educacional.com.br/marciliarinaldes>. Acesso em: 16 dez. 2010.

158 Aula 6 Biotecnologia


Protocolos de avaliação de segurança de organismos transgênicos vêm sendo sucessiva-
mente propostos, aperfeiçoados e endossados por organismos internacionais como a Organi-
zação das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Assim, tem sido empregado
o conceito de equivalência substancial, que se baseia na ideia de que os organismos existentes
usados como alimento podem servir como base de comparação quando se avalia a segurança
para o ser humano em relação a alimentos ou ingredientes geneticamente melhorados. Se
um novo alimento ou componente alimentar é considerado equivalente substancialmente a
um alimento ou componente alimentar existente, a teoria diz que ele pode ser considerado da
mesma forma no que se refere à avaliação de sua segurança e nutrição.
A aceitabilidade ou não é estabelecida determinando se um novo alimento é ou não
substancialmente equivalente a um alimento convencional análogo em termos de compo-
sição, propriedades nutricionais, conteúdo de toxinas e compostos alergênicos, quantidade
consumida, tipo de processamento (doméstico ou industrial) de que o alimento poderá ser
alvo e consumo por grupos de pessoas vulneráveis, como, por exemplo, crianças, idosos e
pessoas imunodeprimidas.
No Brasil, por determinação legal, qualquer alimento que contenha OGM deve trazer essa
informação no rótulo. Alimentos embalados, vendidos a granel ou in natura que contenham
mais de 1% de matéria-prima transgênica deverão apresentar no rótulo um retângulo ama-
relo com um “T” no centro (de acordo com a Lei de Rotulagem 4.680/03, em vigor no Brasil
desde abril de 2004). O rótulo deve especificar o nome do produto transgênico, do ingrediente
transgênico ou se é produzido a partir de algum OGM. Tal modificação deve ser registrada na
nota fiscal do produto. Também devem obedecer as mesmas exigências de rotulagem bebi-
das derivadas de soja, proteínas texturizadas de soja (PTS), lecitina de soja, rações animais,
embutidos, entre outros alimentos. Os primeiros produtos rotulados no Brasil começaram a
chegar aos supermercados no início de 2008.

a b

T
Figura 11 – (a) Símbolo “T” empregado para distinguir os alimentos
transgênicos e (b) óleo de soja contendo soja transgênica

Fonte: (a) <http://vidaequilibrio.com.br/consumidor-nao-sabe-o-que-sao-os-alimentos-transgenicos-


aponta-pesquisa>; (b) <http://claytonseveriano.com.br/?p=544>. Acesso em: 16 dez. 2010.

Nos Estados Unidos, a rotulagem é voluntária. O FDA (Food and Drug Administration),
que é o órgão governamental encarregado de fiscalizar a produção e a comercialização de
alimentos, deixa a critério da empresa mencionar no rótulo do alimento a existência de OGM

Aula 6 Biotecnologia 159


na composição do produto. O consumidor americano não tem o direito de saber se o alimento
que ele está consumindo possui OGM ou não.
Já a União Europeia trata o assunto com mais rigor. Admite-se a plantação, produção e
comercialização de alimentos que contenham OGM. Entretanto, se o alimento contiver mais
de 1% de OGM, essa informação deve constar do rótulo do produto.
No Japão, determinou-se o nível máximo de 5% para a soja. Para o milho, nenhuma
porcentagem foi estabelecida, em consequência de sua polinização cruzada. Na Austrália e
Nova Zelândia, a rotulagem é dispensada apenas quando a presença de OGM é inferior a 1%,
com autorização para o consumo. Registra-se que a rotulagem pode ser dispensada quando
o alimento não contiver quantidades mensuráveis da proteína, caso dos produtos alimentares
altamente refinados, como a sacarose e os óleos vegetais, à conta da destruição de qualquer
material genético durante o processo de refino.

Agora que você já conhece um pouco mais sobre alimentos transgênicos e sobre segu-
rança alimentar, você deverá realizar duas pesquisas: uma na sua própria casa e a outra em
um supermercado onde você costuma realizar suas compras.
Em cada local você deverá buscar por alimentos que contenham em sua composição
produtos transgênicos. Lembre-se do símbolo “T” de transgênico (Figura 11a). Nesse caso,
você deverá anotar as seguintes informações:

a) Tipo de alimento

b) Teor de produto transgênico

c) Preço do alimento contendo transgênico

d) Preço de alimento convencional que não contém transgênico

É importante também que você relate se não encontrou nenhum alimento contendo produto
transgênico e se encontrou alimentos convencionais similares àqueles contendo transgênicos.

160 Aula 6 Biotecnologia


A seguir, são elencados alguns benefícios e riscos e precauções que a comunidade
científica e os consumidores em geral têm tido em relação aos OGM ou transgênicos. Mais
uma vez salientamos que este material não tem a intenção de ser a favor ou contra os OGM.
Nosso intuito aqui é transmitir conhecimento a você sobre esse assunto. Somente com um
debate aberto e amplo entre a comunidade científica e a sociedade é que a questão sobre os
transgênicos poderá ser cada vez mais compreendida.

Aula 6 Biotecnologia 161


Benefícios dos OGM
 À saúde: podem ser produzidos alimentos com melhores características nutricionais do
que as das espécies naturais a fim de prevenir, reduzir ou evitar riscos de doenças, para
produção de vacinas ou iogurtes fermentados com OGM que estimulem o sistema imuno-
lógico. Um exemplo é o feijão que apresenta a inserção de um gene da castanha-do-pará
e passa a produzir metionina, um aminoácido essencial para a vida.

 À economia: são conseguidas variedades de cultivos mais resistentes às adversidades


(pragas, seca, geadas, por exemplo) garantindo a produção. Outro ponto é o aumento
de produção de alimentos, que alguns especialistas afirmam poder reduzir o problema
da fome. Esse aumento ainda poderia reduzir os custos de produção, facilitando assim a
vida do agricultor.

 À conservação: ao obter cultivos mais resistentes, são reduzidas as intervenções na terra,


evitando seu desgaste e o uso de agrotóxicos.

 À preservação: por meio dessas modificações genéticas, pode-se estender a vida útil
do alimento.

Riscos e precauções
do uso dos OGM
 À saúde humana: a ingestão dos grãos geneticamente modificados pode provocar au-
mento de alergias, resistência a antibióticos e elevação do índice de substâncias tóxicas
nos alimentos.

 Ao meio ambiente: há risco de erosão e poluição genética, o que afeta a biodiversidade,


devido à contaminação dos bancos naturais de sementes. Também promove o aumento
da monocultura, conduzindo a uma maior vulnerabilidade do cultivo em decorrência da
invasão de pestes, doenças e ervas daninha e o aumento do uso de pesticidas, além do
efeito adverso aos organismos não alvos e aos processos ecológicos.

 À soberania alimentar do país: em razão da perda do controle das sementes e dos seres
vivos pelo patenteamento dos mesmos, tornados propriedade exclusiva e legal de grupos
transnacionais que só visam fins comerciais.

162 Aula 6 Biotecnologia


 A possibilidade de ocorrer total dependência e/ou desaparecimento da pequena e até
da média agricultura, por causa do monopólio mundial da produção e comercialização
das sementes.

Legislação brasileira
sobre os OGM
A Constituição Federal de 1988, pioneira na tutela do meio ambiente, recebeu Leis Ordi-
nárias, Complementares e Convenções Internacionais visando à proteção e à preservação da
biosfera e à preservação do mercado consumidor. É o caso da Lei de Biossegurança (Lei nº
11.105/05, que revogou a anterior Lei nº 8.974/95), da Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº
9.456/97), do Tratado de Cartagena e da aplicação do Princípio 21 da Convenção das Nações
Unidas Sobre a Biodiversidade, conhecida como Rio-92 ou Eco-92.
Em janeiro de 1995, foi regulamentada a primeira lei de biossegurança brasileira (Lei nº
8.974/95), que estabeleceu a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), suas
atribuições e competências. Resumidamente, a CTNBio é composta por um grupo multidisci-
plinar de cientistas que presta apoio técnico ao Governo Federal na formulação, atualização e
implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a transgênicos, bem como no
estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos conclusivos referentes
à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que
envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização,
consumo, armazenamento, liberação e descarte de transgênicos e derivados.
Criou-se, com o escopo de fiscalizar toda atividade ligada aos OGM, a Comissão Téc-
nica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que é responsável, também, pela autorização da
introdução dos OGM na natureza, baseada no Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de
Impacto Sobre o Meio Ambiente (EIA/RIMA).
Com a finalidade de atualizar, complementar e corrigir alguns pontos controversos presentes
na legislação, foi aprovada a nova Lei de Biossegurança. Entre outros pontos, a lei estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam OGM e seus
derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), regulamenta a CTNBio e dispõe
sobre a Política Nacional de Biossegurança. Nesses últimos anos, os agricultores que vêm plan-
tando soja transgênica firmaram um termo de compromisso, responsabilidade e ajustamento
de conduta junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que define
área, localidade do plantio e responsabilidades do agricultor advindas do uso da biotecnologia.

Aula 6 Biotecnologia 163


Leitura complementar

OLIVEIRA, E.M.M. Segurança alimentar de organismos geneticamente modificados. Ciência


em Tela, v. 1, n. 1, 2008. Disponível em: <http://www.cienciaemtela.nutes.ufrj.br/artigos/Oli-
veira_2008_1.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2010.
A leitura complementar do texto acima permitirá que você solidifique os conhecimentos
já adquiridos e amplie sua visão sobre a segurança alimentar de produtos contendo OGM.
Nele, você encontrará detalhes sobre as análises que são realizadas para detectar OGM em
alimentos, bem como a legislação e a rotulagem desses produtos.

Resumo

Nesta aula, você compreendeu o conceito de organismos geneticamente


modificados (OGM), também conhecidos como transgênicos, e conheceu um
breve histórico e um panorama mundial sobre os OGM. Você também adquiriu
conhecimento sobre as técnicas utilizadas na obtenção de uma planta e de
um animal transgênico. Compreendeu a importância da segurança alimentar
dos OGM e conheceu os seus benefícios e riscos. Finalmente, foi apresentada
a legislação brasileira vigente sobre o assunto. Ainda existem muitas dúvidas
sobre a utilização dos transgênicos na alimentação e, por isso, reforçamos que
é necessária uma ampla discussão baseada em princípios científicos sobre o
assunto para que, efetivamente, a sociedade possa usufruir dos OGM sem riscos
à saúde e ao meio ambiente.

164 Aula 6 Biotecnologia


Autoavaliação
Observe a Figura 12.

a b

c d

Figura 12 – Fatos e mitos sobre transgênicos

A partir dos conhecimentos adquiridos nesta aula sobre organismos geneticamente mo-
dificados (OGM), apresente um pequeno texto (máximo de 7 linhas) que contemple a sua
opinião sobre a possibilidade e viabilidade das quatro ilustrações, bem como o que é realidade
e fantasia sobre os OGM e a sua visão para o uso futuro dos transgênicos. Depois de redigido
o texto, compartilhe-o com seus colegas e professores na página da disciplina em um fórum
específico, que será aberto pelo professor responsável.

Referências
ARAGÃO, F. J. L. Organismos transgênicos. Barueri: Ed. Manole, 2002. 115 p.

FERREIRA, H. S. Desvendando os organismos transgênicos. São Paulo: Forense Universi-


tária, 2010. 284 p.

SMITH, J.M. Roleta genética: riscos documentados dos alimentos transgênicos sobre a
saúde. São Paulo: João de Barro Editora, 2009. 305 p.

WATSON, J. D. DNA: o segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470 p.

Aula 6 Biotecnologia 165


Anotações

166 Aula 6 Biotecnologia


Genoma humano

Aula

7
Apresentação

N
a Aula 4 – Tecnologia do DNA Recombinante II, conhecemos as técnicas empregadas
no sequenciamento de genomas. Nesta aula, você ampliará seu conhecimento sobre
esse assunto, mas com aplicação sobre o genoma humano. Para tanto, você enten-
derá o conceito de genoma e o histórico do Projeto Genoma Humano, incluindo motivos e as
expectativas envolvidas em sua realização.
A seguir, você vai compreender a estrutura de um gene e como encontrá-lo no genoma.
Realizaremos a caracterização do genoma e apresentaremos a importância que esse projeto tem
trazido à sociedade na busca por genes associados a doenças que atualmente não apresentam
cura, como mal de Parkinson, Alzheimer, doenças degenerativas, dentre outras.
Para compreender os assuntos abordados nesta aula, é necessário que você leia aten-
tamente os conceitos, faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o
mais rápido possível.
Aproveite a aula e bom estudo!

Objetivos
1 Conceituar genoma.

2 Apresentar o histórico do Projeto Genoma Humano.

3 Definir gene e como encontrá-lo na sequência do genoma.

4 Caracterizar o genoma humano.

5 Conhecer os benefícios do Projeto Genoma Humano.

6 Apresentar as perspectivas do Projeto Genoma Humano.

Aula 7 Biotecnologia 169


O conceito de genoma
Podemos definir genoma como o conjunto de todo o material genético que estabelece a
identidade de uma espécie.
Esse material é composto pelos DNAs nuclear, mitocondrial e cloroplastidial, sendo o
último, exclusividade dos vegetais. Lembramos que o genoma de todos os organismos é for-
mado pelo DNA, à exceção dos vírus que possuem ou DNA ou RNA como material genético.
O primeiro genoma completo sequenciado foi o DNA mitocondrial humano, em 1981,
contendo 16.159 pares de bases (pb).

De lá para cada, só para você ter uma ideia de quantos genomas já foram
sequenciados, realizamos uma busca no site do NCBI (National Center for Bio-
technology Information – Centro Nacional para a Informação da Biotecnologia)
disponível em <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/genome/>, e até 27 dezembro de
2010, 1.014 espécies de eucariotos, 1.383 de procariotos, 2.425 vírus e 41
viroides já tinham tidos seus genomas sequenciados. Viroide
Menor sistema genético
capaz de se replicar no
interior de uma célula;
pertence ao Reino Vegetal.

Alguns exemplos de organismos que já tiveram seus genomas sequenciados são: Sac- Genoma haploide
charomyces cerevisiae (fermento de pão), Drosophila melanogaster (mosca das frutas), Ara- É aquele que contém
apenas um conjunto do
bidopsis thaliana (vegetal modelo para estudos), Escherichia coli (bactéria), Mus musculus
número de cromossomos
(camundongo), Canis familiaris (cão doméstico), Homo sapiens (ser humano), Gallus gallus característico da espécie,
(galinha doméstica), Bos taurus (bovino), Caenorhabditis elegans (verme modelo para estu- geralmente referido pela
dos), Oryza sativa (arroz), vírus da gripe suína, da gripe aviária, dentre muitos outros. letra minúscula n, que no
caso do genoma humano
n = 23 cromossomos.

O tamanho dos genomas


O conceito do valor C é importante para entendermos as diferenças entre o tamanho dos
genomas. Assim, podemos definir o valor C como sendo a quantidade de DNA do genoma
haploide. Esse valor é constante dentro de uma espécie, mas variável entre espécies de pro-
cariotos e eucariotos.
As diferenças no tamanho dos genomas entre procariotos e eucariotos ocorrem devido a al-
gumas características do DNA desses reinos. O Quadro 1 apresenta algumas dessas características.

Aula 7 Biotecnologia 171


Procariotos Eucariotos

Genoma contendo muitas


Genoma compacto com menos sequências repetitivas
sequências repetitivas não codificantes

Sequências únicas Múltiplas cópias de sequências

Genes sem íntrons Genes que apresentam íntrons

Possuem a informação genética numa só molécula Possuem a informação genética em várias moléculas

Têm poucos genes Tamanhos de genomas muito diferentes

Quadro 1 – Diferenças básicas entre os genomas dos procariotos e eucariotos

Dessa forma, podemos citar alguns exemplos do tamanho do genoma de algumas es-
pécies: Micoplasma genitalium, o menor procarioto, que possui 6 ×105 pb, já a Escherichia
coli possui 5 × 106 pb, Saccharomices cerevisiae 2 ×107 pb, Arabidopsis thaliana 108 pb, soja
3 × 109, lírio 1011pb, Agrobacterium tumefaciens 4,6 × 106 pb, dentre outros.

Diversos organismos já tiveram seus DNAs sequenciados e você percebeu que os geno-
mas são bem variados entre as espécies.

Tendo como base essas informações, realize uma pesquisa na internet com o in-
1 tuito de encontrar cinco espécies, diferentes das apresentadas nesta aula, para as
quais o genoma já foi sequenciado.

Você deverá caracterizar cada genoma com as seguintes informações: nome da


2
espécie e nome popular, tamanho em pares de base (pb), número de genes, quanto
tempo levou para o completo sequenciamento do genoma.

172 Aula 7 Biotecnologia


Agora que sabemos um pouco mais sobre o genoma de algumas espécies, focaremos
no tema proposto para a nossa aula, ou seja, o genoma humano.

Histórico do projeto
genoma humano
Escrever o manual de instruções de uma pessoa. Esse era o objetivo dos cientistas que
mapearam e sequenciaram o genoma humano, um trabalho árduo que, além de envolver
pesquisadores do mundo todo, envolvia a chave para desvendar nosso corpo. Esta chave
está em um código formado por milhares de genes, cada um deles com uma função definida
e pouco conhecida.
As primeiras discussões sobre o Projeto Genoma Humano (PGH) (Figura 1) começaram
em 1986, como um projeto piloto, quando o Departamento de Energia dos EUA promoveu uma
reunião para avaliar os métodos disponíveis para detecção de mutações. Nessa reunião, os Mutações
pesquisadores deram os primeiros passos e divulgaram a ideia de mapear o genoma huma- As mutações são
verificadas através
no. Você poderá encontrar detalhes desse Projeto em http://www.ornl.gov/sci/techresources/
de alterações na
Human_Genome/home.shtml. sequência de bases
nitrogenadas do DNA,
as quais se podem
verificar como a
deleção de algumas
bases ou a inserção
de novas bases a
uma determinada
sequência de DNA,
produzindo novas
características ou
alterando as já
existentes.

Figura 1 – Logotipo do Projeto Genoma Humano

Fonte: <http://www.ornl.gov/sci/techresources/Human_Geno
me/home.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2011.

Aula 7 Biotecnologia 173


Essa ideia levantou, desde o princípio, uma série de controvérsias. Para muitos pesquisa-
dores, tratava-se na época de um projeto irrealizável; para outros, não havia sentido em mapear
o genoma, pois as informações obtidas seriam desencontradas e não valeriam o esforço.
Por outro lado, alguns pesquisadores viram naquela oportunidade uma chance para um
grande salto da ciência, com direito a financiamentos gigantescos e divulgação ampla.
Diante desse cenário, esforços internacionais, envolvendo mais de 5 mil cientistas, prin-
cipalmente dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália, França, Alemanha, China e
Brasil, foram iniciados oficialmente em 1990 e constituíram o International Human Genome
Sequencing Consortium (Consórcio Internacional de Sequeciamento do Genoma Humano).
Finalmente, a comunidade científica, as agências de fomento à pesquisa e empresas pri-
vadas concluíram que era chegada a hora de responder a perguntas bastante simples, como,
por exemplo: Por que ficamos doentes? Por que nascemos com cabelos lisos ou crespos?
Ou, ainda, por que sentimos mais ou menos dor do que os amigos? Enfim, entender por que
uma pessoa funciona do jeito que funciona e quais as explicações das diferenças facilmente
observáveis entre os seres humanos.
O projeto foi lançado nos EUA com patrocínio do Instituto Nacional de Saúde dos Estados
Unidos e também do Departamento de Energia Norte Americano, contando com uma verba de
US$ 53 bilhões. Ressaltamos que um percentual de 5% dessa verba foi destinado às questões
bioéticas, sociais e legais, abordadas através do órgão Norte Americano do programa “Aspectos
Bioéticos, Legais e Sociais”.
Saberemos mais sobre Bioética na Aula 10 – Bioética e Patentes Biotecnológicas. Aguarde!

Objetivos iniciais do PGH

Mapa genético  Construir detalhadamente os mapas genético e físico: estes mapas são ne-
Representação das cessários para a localização de genes no genoma.
posições e das distâncias
relativas ao gene ou ao
marcador de DNA nos  Determinar a sequência completa das bases nitrogenadas: assim, é possível
cromossomos. definir a posição dos genes e estudar suas funções.

Mapa físico  Localizar genes: permite o estudo da expressão destes genes.


Mapa obtido através
do sequenciamento de
 Executar análises semelhantes nos genomas de diversos organismos usados
nucleotídeos.
em laboratórios de pesquisas, como sistemas-modelo (Drosophila melano-
gaster, Arabidopsis thaliana, Escherichia coli, Mus musculus, Caenorhabditis
elegans, por exemplo): através da similaridade entre genomas conduzir a
chamada genética comparativa.

 Armazenar e centralizar essas informações em banco de dados públicos:


disponibilizando essas informações para toda a comunidade científica.

174 Aula 7 Biotecnologia


 Melhorar a tecnologia para pesquisa biomédica (para o sequenciamento,
bioinformática e computação – ferramentas para análises dos dados): novas
tecnologias têm sido propostas a partir da iniciativa de sequenciamento do
genoma humano a fim do tornar o processo mais eficiente e preciso.

 Responder questões bioéticas, legais e sociais que surgissem em decorrência


das pesquisas com o genoma humano: detalhes poderão ser encontrados na
Aula 10 – Bioética e Patentes Biotecnológicas.

Para atingir esses objetivos, surgiu então um comitê de coordenação internacional do


projeto, chamado de Organização do Genoma Humano, denominado pela sigla em inglês
HUGO (Human Genome Organization), para sintonizar o trabalho e organizar o conhecimento
adquirido em um banco de dados centralizado chamado de Banco de Dados do Genoma
(Genome Database). H. Van Ommen, presidente do HUGO, afirmou, em 1998, que a mis-
são do projeto era facilitar e coordenar a iniciativa global de mapear, sequenciar e analisar
funcionalmente o genoma humano e promover a aplicação desses conhecimentos ao me-
lhoramento da saúde humana.
Na fase final de sua primeira missão, o HUGO assume seu próximo papel para a disse-
minação das análises funcionais do genoma e o fornecimento de diretrizes responsáveis para
as aplicações e implicações do genoma.
Desde os seus primeiros anos, o projeto se caracterizou por um misto de otimismo exa-
gerado, controvérsias entre os diferentes grupos participantes e notáveis avanços técnicos e
científicos. A equipe envolvida no PGH tinha como objetivo inicial não o sequenciamento, o qual
seria muito complexo, caro e trabalhoso, mas um mapeamento detalhado do genoma humano.
No decorrer do projeto, vários progressos tecnológicos, como, por exemplo, o aumento da
capacidade de sequenciamento dos equipamentos, propiciaram o término do projeto antes
do prazo previsto.
Finalmente, em julho de 2000, foi anunciado que os pesquisadores do Projeto Genoma
Humano tinham sequenciado a quase totalidade do genoma humano. O anúncio foi feito na
Casa Branca pelo então Presidente dos EUA Bill Clinton. A imprensa mundial saudou o anúncio
com grande empolgação.
Entretanto, houve uma compreensão inadequada do que estava sendo divulgado: o se-
quenciamento do genoma, ou seja, a determinação da sequências das bases nitrogenadas,
uma verdadeira “sopa de letrinhas” como os jornais e revistas costumavam dizer na época.
Os meios de comunicação, além de divulgarem que o genoma humano estava desvendado,
especularam que a cura para diversas doenças estava muito próxima de ser conseguida. A
população se viu interessada em usufruir essas supostas curas, que na verdade não tinham
sido descobertas, já que apenas a sequência do genoma tinha sido desvendada e não a identifi
cação de genes e suas respectivas funções

Aula 7 Biotecnologia 175


O que se esperava
ao término do PGH?
Teríamos uma obra revolucionária para a saúde do homem. Saberíamos com antecedên-
cia que doenças nos afetariam no futuro. Desligando genes que causam disfunções e ligando
aqueles responsáveis pelo conserto, seria mínimo o risco de sofrermos de males hereditários.
Acreditando nisso, o mundo comemorou quando o mapeamento do genoma humano foi
apresentado em 2000, quase completo. Após 10 anos, em 2010, teríamos melhor qualidade
de vida segundo os líderes do projeto.
Se tudo tivesse saído como imaginado, o Projeto Genoma teria desvendado a causa de
doenças graves, como diabetes e câncer. O resultado do trabalho seria um “manual da vida”
mesmo ou um “livro da vida”, como muitos cientistas diziam. Em caso de mau funcionamento
de um gene responsável pelo câncer, a doença se desenvolve. De posse desse “manual”, mé-
dicos saberiam exatamente como nos curar e como evitar problemas de saúde que surgiriam
no futuro.
Os 10 anos se passaram e o que foi prometido não aconteceu ainda da maneira prevista,
mas os avanços prosseguem. Seu médico ainda não sabe por que exatamente o câncer afeta
pessoas saudáveis de repente nem prescreve remédios feitos só para você, de acordo com
seu genoma, conforme a chamada medicina personalizada.

Em 1986 foram dados os primeiros passos em direção ao sequenciamento do


genoma humano.
Diante disso, faça um resumo de no máximo dez linhas em que constem os principais
eventos e questões iniciais relacionados ao início do Projeto Genoma Humano, incluindo ins-
tituições e países envolvidos, bem como dois objetivos iniciais que você julgue de maior im-
portância para a sociedade. Mencione também duas expectativas dos pesquisadores da época.

176 Aula 7 Biotecnologia


Já que um dos objetivos do PGH era identificar genes, a seguir discutiremos sobre a
estrutura geral de um gene e como encontrá-lo na sequência do genoma.

Estrutura geral de um gene eucariótico


Gene é uma unidade física funcional da informação genética com potencial de ser
expressa. É um segmento de DNA envolvido na produção de uma cadeia polipeptídica, incluin-
do regiões transcritas e não traduzidas nas extremidades 5’ e 3’, sequências não codificantes
(íntrons) intercaladas com sequências codificantes (éxons) e suas regiões regulatórias, como
os promotores. A região promotora é caracterizada pelas sequências CAT ou TATA e é respon-
sável pelo correto acoplamento RNA polimerase antes do início da transcrição.
A sequência ATG é o códon de início da tradução dos genes e as sequências TAG, TAA e
TGA são considerados os códons de terminação da tradução dos genes (Figura 2).

Figura 2 – Representação geral do gene eucariótico

Fonte: <http://www.ufpe.br/biolmol/Genetica-Medicina/genes-estrutura_e_organizacao.htm#1>. Acesso em: 16 fev. 2011.

Aula 7 Biotecnologia 177


Como encontrar um gene no genoma?
Atualmente, devido ao grande número de organismos que apresentam suas sequências
genômicas depositadas em bancos de dados, fica relativamente mais fácil encontrar genes e
determinar suas funções.
Imagine que você obteve uma sequência de DNA de ovinos que ainda não possui o
genoma sequenciado. Inicialmente, essa sequência para você é apenas um monte de ATCGG-
TCAAGTCCTATAGACTCGAACCGT, por exemplo.
A seguir, comparamos essa sequência com o genoma de camundongo, que já foi comple-
mente sequenciado. Verificamos que sua sequência apresenta similaridade com a sequência
do gene da leptina, responsável pela obesidade em camundongos.
Tal comparação entre genomas só é possível devido à Teoria do Ancestral Comum, ou
seja, todos os organismos têm um ancestral comum quando do surgimento da vida na Terra.
Apesar de anos e anos de Evolução, as populações de organismos mudam ao longo do tempo,
mas possuem similaridade de sequências de DNA entre essas populações. Do ponto de vista
genético, a evolução pode ser definida como qualquer alteração na frequência dos alelos ou
de um conjunto de genes, em uma população, ao longo das gerações.
Essa comparação de sequências de DNA é feita através de programas de computador
e bancos de dados que armazenam todas as informações de genomas já sequenciados em
parte ou em sua totalidade.

1 Apresente a estrutura geral de um gene eucariótico. Inclua todos seus constituin-


tes e suas respectivas funções.

178 Aula 7 Biotecnologia


De posse de uma sequência de DNA, como você deverá proceder para saber se
2 esta sequência constitui um gene e qual sua função e se há similaridade dela com
a de outras espécies? Descreva as etapas envolvidas.

Caracterização do
genoma humano
O genoma humano é constituído por 23 pares de cromossomos, sendo 22 autossomos
e um par de cromossomos sexuais (XY). O homem é heterogamético, ou seja, XY, e a mulher
homogamética, ou seja, XX. Mas, isso os pesquisadores já sabiam desde 1960, quando Lore
Zech, da Universidade de Uppsala, e Torbjörn O. Caspersson, da Universidade de Estocolmo,
ambos na Suécia, descreveram o primeiro cariótipo humano.
Com PGH, um dos objetivos dos pesquisadores era determinar a sequência das bases
nitrogenadas (A, T, C e G), ou seja, determinar a sequência dessas letras que compõem o geno-
ma humano. Para isso, eles coletaram amostras de DNA de doadores anônimos de diferentes
grupos étnicos para representar diferentes povos.
Em 2001, foram publicados dois artigos referentes ao primeiro rascunho do genoma
humano: um na revista Nature (Figura 3a), coordenado por Francis Collins do Projeto Genoma
Humano; e outro na revista Science, coordenado por John Craig Venter da empresa Celera
Genomics (Figura 3b). Esse último empregou amostras de DNA de três mulheres e dois ho-
mens (um afroamericano, um chinês, um asiático, um hispanomexicano e um caucasiano).

Aula 7 Biotecnologia 179


a

Figura 3 – Capas das revistas Nature (a) e Science (b) divulgando


a sequência do genoma humano e seus respectivos coordenadores

Fontes: (a) <http://brasilruralfm.blogspot.com/2010/06/noticias-gerais_26.html> <http://www.bun.kyoto-u.ac.jp/phisci/archives/newsletters/newslet_40.html>; (b)


<http://computerhobby.com.br/noticias/?tag=craig-venter>; <http://www.sciencemag.org/content/291/5507.toc>. Acesso em: 10 jan. 2011.

A sequência completa do genoma humano foi publicada em abril de 2003, pela revista
Nature, durante a comemoração dos 50 anos da descoberta da molécula de DNA.

Figura 4 – Capa da revista Nature, de abril de 2003, em comemoração


aos 50 anos da descoberta da estrutura do DNA por Watson e Crick

Fonte: <http://www.genomequebec.com/v2009/edu
cation/index.asp?l=e>. Acesso em: 10 jan. 2011.

180 Aula 7 Biotecnologia


Saiba mais...
Você pode ter acesso à sequência do genoma humano através da Universidade da
Califórnia, disponível em http://genome.ucsc.edu, e também do NCBI (National
Center for Biotechnology Information), disponível em http://www.ncbi.nih.gov.

O genoma humano compreende 3 × 109 pares de base (3 bilhões). Estima-se que 99,9%
dessa sequência seja exatamente a mesma entre todos os seres humanos. O tamanho dos
genes é bastante diverso, com média de 3.000 bases. Só para você ter uma ideia, o maior gene
conhecido até hoje é o da distrofina, com 2,4 milhões de bases. Por outro lado, mais de 50% Distrofina
dos genes já encontrados ainda não têm sua respectiva função definida. proteína do complexo
distrofina-glicoproteínas,
Devido à complexidade do ser humano (diferenças em altura, peso, cor da pele, tipo de
que liga o citoesqueleto
cabelo, cor de olhos, propensão ao desenvolvimento de doenças, por exemplo), os cientistas da fibra muscular à matriz
estimaram inicialmente que o número de genes seria proporcional ao tamanho genoma (cerca extracelular, através da
de 100 mil), pois se acreditava que quanto maior fosse o tamanho do genoma mais complexo membrana celular; a
deficiência dessa proteína
seriam os organismos. Entretanto, ao término do Projeto, os mesmos cientistas revisaram
é a causa primária de um
suas estimativas para apenas 30 mil. Essa divergência entre o número de genes esperado e o dos mais graves tipos de
observado conduziu à definição do chamado Paradoxo do Conteúdo C, que é ilustrado através distrofia muscular.
da Tabela 1.

Tabela 1 – Comparação entre o tamanho de genomas e número de genes estimados de diferentes organismos

Organismo Tamanho do genoma (pb) Genes estimados


Ser humano 3 bilhões 30.000
Camundongo 2,6 bilhões 30.000
Drosophila melanogaster 137 milhões 13.000
Arabidopsis thaliana 100 milhões 25.000
Caenorhabditis elegans 97 milhões 19.000
Saccharomyces cerevisiae 12,1 milhões 6.000
Escherichia coli 4,6 milhões 3.200
Vírus HIV 9.700 9

O Paradoxo do Conteúdo C refere-se, portanto, ao fato de que a complexidade de um


organismo não está relacionada ao conteúdo de DNA ou ao número de genes de um geno-
ma. Para exemplificar, veja o que ocorre com a espécie humana, que é a mais complexa que
conhecemos. O ser humano se diferencia das demais espécies já que pensa, apresenta os
sentidos bem desenvolvidos, tem alta capacidade de adaptação e de alterar o ambiente em
que vive. Então, seria razoável supor que esta espécie é a que apresenta maior quantidade de
DNA em suas células.
Mas não é isso que acontece. Por exemplo, as plantas são vistas como organismos menos
complexos que os seres humanos e, no entanto, algumas espécies possuem várias vezes mais
DNA que nós. Um bom exemplo é o caso da espécie de angiosperma Paris japonica, que possui

Aula 7 Biotecnologia 181


cerca de 40 vezes mais DNA que nós. Alguns insetos, como gafanhotos, possuem cinco vezes
mais DNA que os humanos, porém, são menos complexos.
Portanto, o Paradoxo do Conteúdo C não é uma regra. Todas as espécies evoluíram com
base na Teoria da Seleção Natural, proposta por Charles Darwin, em 1859, em seu célebre livro
A Origem das Espécies. Esta Teoria se baseia em três forças evolutivas que moldam o genoma
de uma espécie. São elas: 1) as mutações no próprio material genético; 2) a seleção natural,
que é o mecanismo pelo qual os indivíduos mais adaptados ao ambiente deixam mais cópias
de seus genes em uma prole maior; 3) e o simples acaso, conhecido como deriva genética.
Assim, através do processo evolutivo, espécies com maior teor de DNA e menos complexas
e espécies com menor teor de DNA e mais complexas tiveram origem.

a b c

Figura 5 – (a) Ser humano, (b) Paris japonica e (c) gafanhoto

Fontes: (a) <http://rossedition.blogspot.com/2010/06/adeus-homem-de-aco.html>; (b) <http://io9.com/5659213/japanese-flower-has-the-biggest-genome-in-the-world>; (c) <http://blogmarcosalves.


blogspot.com/2009/08/como-voce-sde-ve-gafanhoto.html>. Acesso em: 10 jan. 2011.

Outras características do genoma humano que podem ser destacadas são:

1) o cromossomo 1 possui a maioria dos genes (2.968) e o cromossomo sexual


Y com a menor parte (231);

2) menos de 2% do genoma codifica proteínas e a maioria do genoma é não


codificador;

3) sequências repetitivas não codificadoras que correspondem a pelo menos


50% do genoma ou que se expressam muito pouco.

182 Aula 7 Biotecnologia


Essas sequências repetitivas se caracterizam por:

 aparentemente não terem função direta, podendo estar envolvidas com a estrutura e a
dinâmica dos cromossomos;

 apresentarem alguns trechos correspondentes a genes que ao longo da evolução deixaram


de ter função;

 ao longo do tempo remodelarem o genoma por rearranjo, podendo criar genes novos e
modificar genes existentes através dos elementos de transposição; Elemento de transpo-
sição ou transposon
Pequeno segmento de
 formarem o centrômero, que é uma estrutura fundamental na correta distribuição dos
DNA também encontrado
cromossomos na divisão celular. em bactérias e plantas,
que possui a capacidade
Assim, apenas uma pequena parte do genoma humano codifica polipeptídeos, isto é, de “saltar’ de uma região
do genoma para outra po-
menos de 3% dele codifica éxons de RNA mensageiro. Os éxons são tipicamente pequenos
sição, ou até mesmo fazer
(cerca de 150 bases), enquanto os íntrons são grandes, muitos tendo mais de 1.000 bases e uma cópia de si mesma e
alguns até mais de 100.000 bases. essa cópia se translocar
em outra posição
do genoma.

Sugerimos que você reveja os conceitos de éxon e íntron apresentados na Aula


4 – Tecnologia do DNA Recombinante II.

Os transcritos são compostos de uma média de 10 éxons, embora muitos tenham subs-
tancialmente mais.
Finalmente, os íntrons podem ser removidos do mesmo gene em locais que variam. Essa
variação de local dos sítios de recomposição gera uma grande diversidade adicional do RNA
mensageiro e de sequências de polipeptídeos.
Com base em novos dados moleculares, 60% dos genes humanos codificantes de pro-
teínas provavelmente têm duas ou mais variantes. Em média, existem cerca de três variantes
de recomposição por gene. Assim, o número de proteínas distintas codificadas pelo genoma
humano é cerca de três vezes maior do que o número de genes reconhecidos.
A Figura 6 resume através do organograma a composição do genoma humano, incluindo
os diversos tipos de DNA e suas respectivas proporções.

Aula 7 Biotecnologia 183


Figura 6 – Distribuição dos diferentes tipos de DNAs e suas respectivas proporções

Fonte: <http://seliver.110mb.com/escola/files/biologia/Genoma_humano.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2011.

A maior parte do genoma humano não é codificada em proteína. Portanto, caracterize


esse genoma, incluindo seu tamanho, número de genes estimado, os diferentes tipos de DNAs
e suas respectivas proporções.

184 Aula 7 Biotecnologia


Mas, por que o PGH ainda não atingiu suas expectativas?

Assim que os cientistas mergulharam nos dados do genoma, para começar, eles nem
sabiam direito quantos genes teriam de decifrar. A princípio, acreditavam que o total ficava em
torno de 300 mil. Depois chegaram ao número de 100 mil. E reduziram para cerca de 30 mil.
A identificação de genes deu tanto trabalho quanto o que você teria se resolvesse sair por
aí para achar ouro em um garimpo. Ouro mesmo, porque os genes têm a função mais nobre no
organismo: produzir proteínas. Tudo o que acontece no seu corpo é regulado pelas proteínas,
como a cor do cabelo, a absorção de gordura, o transporte de oxigênio. E esse trabalho é feito
de acordo com as informações contidas nos genes. Eles ordenam, as proteínas executam.
Além de valiosos, genes são raros no DNA, pois a maior parte do genoma é formada por
um tipo de DNA aparentemente inerte, inativo, sem função. Essas regiões foram chamadas de
“DNA lixo” naquela época. Hoje, se sabe que esse conceito está errado, pois essas regiões do
genoma codificam os chamados micro-RNAs, que atuam no controle da expressão gênica. Micro-RNA
“Um lixo que é um luxo”, segundo o pesquisador Carlos Menck, da USP, que estima que entre Sequência curta de RNA,
em média, com 22 nucle-
30% e 40% do genoma humano se dedique exclusivamente a produzir micro-RNAs.
otídeos, encontrada em
Descobrir quantos e quais são os nossos genes seria a primeira etapa para desvendar todas as células eucarióti-
doenças. O raciocínio era baseado em uma equação simples e linear: cada gene produz uma cas; atua como regulador
proteína. Se fizéssemos um “listão” com todos os pares - gene e proteína produzida -, sabe- pós-transcricional se
ligando às sequências
ríamos exatamente em qual deles seria preciso mexer quando adoecêssemos.
complementares do RNA
Pena que essa tese estava errada! O mergulho nos dados do genoma mostrou que a mensageiro, o que resulta
história é bem mais complicada. Um gene pode estar ligado à produção de várias proteínas, na repressão de tradução
não de apenas uma. E genes não trabalham sozinhos, pois interagem uns com os outros, o ou no silenciamento de
genes.
que resulta em novas proteínas. Dessa forma, a ideia de que bastaria interferir em um gene
para resolver um problema que surgisse caiu por terra.

O que ainda não sabemos


sobre o genoma humano?
Muito se avançou com o sequenciamento do genoma humano, mas ainda restam muitas
dúvidas e lacunas a serem preenchidas. A seguir, destacamos alguns destes pontos.

Aula 7 Biotecnologia 185


 Número, localização e função exata da maior parte dos genes.

 Interação das proteínas envolvidas com a maquinaria celular.

 Regulação gênica.

 Tipo, quantidade distribuição, conteúdo informativo e função do DNA


não codante.

 Entendimento sobre a coordenação entre expressão gênica, síntese proteica


e eventos pós-traducionais.

Proteoma  Conservação evolutiva entre organismos e entre proteomas dos organismos,


Conjunto de proteínas que bem como suas funções.
pode ser encontrado numa
célula específica quando
essa está sujeita a  Informações para a predição de suscetibilidade a doenças baseada na varia-
certo estímulo. ção de sequência gênica.

 Melhor entendimento sobre a biologia do desenvolvimento.

 Comparação entre a função gênica predita e a que vem sendo determinada


experimentalmente.

1 O Projeto Genoma Humano (PGH) ainda não atingiu todas as expectativas iniciais
dos pesquisadores. Cite pelo menos três destas expectativas e o que vem sendo
feito para contorná-las.

186 Aula 7 Biotecnologia


Muitas descobertas científicas foram feitas com o desenvolvimento do PGH. Entre-
2 tanto, os pesquisadores ainda não sabem tudo sobre o genoma humano. Cite pelo
menos três pontos que ainda não foram totalmente elucidados pelos pesquisadores.

A Figura 7 ilustra a evolução do ser humano até os dias atuais em que ele vivencia a
era genômica.

Aula 7 Biotecnologia 187


b

Figura 7 – (a) Do macaco ao ser humano e (b) o ser humano na Era Genômica

Fonte: (a) <http://1.bp.blogspot.com/_LbcTk5pLlls/Si1CUrfnz5I/AAAAAAAAAjM/qejoPHFn9hM/s1600-h/evolucao-homem.jpg>; (b) <http://4.bp.blogspot.com/_IatExpzPR9Q/TPBrCtWQqCI/


AAAAAAAAACE/hEeTGqs4-1g/s1600/genoma_humano_medium.gif>. Acesso em: 10 jan. 2011.

Benefícios do Projeto
Genoma Humano
Vimos que o Projeto Genoma Humano tem avançado nas pesquisas e, por isso, nem
todos os objetivos inicialmente propostos foram atingidos. Entretanto, é importante destacar
os esforços que a comunidade científica tem feito no intuito de explorar o conteúdo da infor-
mação contida na sequência do genoma humano.
Por isso, destacamos, a seguir, diversos benefícios e aplicações que o PGH tem trazido
à sociedade.

 Permite a identificação dos genes que causam ou que contribuem para do-
enças genéticas ou para o câncer, aumentando a capacidade de diagnosticar
doenças na fase inicial (medicina preventiva) por meio de testes genéticos e a
probabilidade de cura. Cerca de cinquenta alterações em genes que provocam
câncer já são conhecidas.

 Auxilia no aconselhamento genético, que analisa as chances de um casal


transmitir doenças hereditárias para o filho. Dessa forma, é possível, depois
dos exames pré-natais, avaliarem as doenças que poderão ser transmitidas
aos filhos e as formas de evitá-las ou tratá-las desde cedo.

188 Aula 7 Biotecnologia


 Melhor entendimento sobre o funcionamento do gene e até a forma como ele
controla ou influencia diversas características. Assim, podemos compreender
melhor as causas do envelhecimento e da obesidade, por exemplo.

 Auxilia na descoberta da sequência de aminoácidos de várias proteínas, o que


permitiria entender melhor sua função e criar novos medicamentos (proteoma).

 Criação de drogas específicas para cada tipo de doença e de indivíduo (farma-


genômica), aumentando sua eficácia e reduzindo os efeitos colaterais. A dose
de um medicamento pode ser indicada com base no ritmo do metabolismo
da pessoa, que pode ser avaliado por testes genéticos.

 Terapia gênica que ainda se encontra na fase de estudos laboratoriais.

 Teste de paternidade e maternidade.

 Desenvolvimento de novos medicamentos através de organismos genetica-


mente modificados.

 Melhoramento genético de plantas e animais para uso humano.

 Análise do grau de parentesco evolutivo entre espécies e entre grupos de po-


pulações, criando árvores genealógicas, compreendendo melhor a evolução
dos grupos e das espécies.

 Detecção mais precisa de assassinos e outros criminosos através da Genética


Forense, tema de nossa Aula 8.

 Facilitar o desenvolvimento de plantas e animais transgênicos.

Detalhes de muitos desses benefícios e aplicações do PGH poderão ser encontrados nas
Aulas 5 (Clonagem), 6 (Organismos Geneticamente Modificados), 8 (Genética Forense) e 9
(Avanços da Biotecnologia no Brasil e no mundo).
Lembramos que as implicações bioéticas, legais e sociais sobre o genoma humano
serão discutidas em nossa Aula 10 – Bioética e Patentes Biotecnológicas, por isso, não as
abordamos nesta aula.

Aula 7 Biotecnologia 189


Perspectivas do genoma humano:
muito além da sequência
Você pode estar se fazendo algumas perguntas neste momento, como por exemplo, “O
que acontecerá agora que o sequenciamento do genoma humano e de outros organismos está
completo e disponível à sociedade?” ou “Quanto tempo levará para que os próximos passos se-
jam dados?” ou, ainda, “Quais as dificuldade potenciais envolvidas nestes próximos passos?”.
Bem, o “manual da vida”, como já mencionado, ainda não está completo, mas os pes-
Proteômica quisadores têm caminhado nesse sentido, principalmente na área da proteômica. Para tanto,
Ciência da Biotecnologia eles têm seguido as estratégias definidas na Figura 8.
que estuda o conjunto de
proteínas e suas isoformas
contidas em uma amostra
biológica, seja ela um or-
ganismo, tecido, organela
celular ou célula, que são
determinadas pelo
seu genoma.

Figura 8 – Estratégias atuais no estudo do genoma humano

Fonte: Adaptado de <http://seliver.110mb.com/escola/files/biologia/Genoma_humano.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2011.

Além disso, novas abordagens têm sido propostas e estão em desenvolvimento para
explorar ainda mais a sequência do genoma humano. Algumas delas são:

1) desenvolvimento de tecnologias para o sequenciamento em larga escala;

2) aperfeiçoamento de programas computacionais que identificam genes;

3) interpretação das funções gênicas (genoma funcional);

4) identificação das variações de sequências do DNA, através do Projeto de


Diversidade Humana;

5) respostas às questões éticas, legais e sociais que têm surgido em decor-


rência dos avanços atuais das pesquisas do genoma humano, como, por
exemplo, a clonagem humana.

190 Aula 7 Biotecnologia


6

1 Cite cinco benefícios ou aplicações do Projeto Genoma Humano (PGH) já empre-


gadas rotineiramente.

2 Cite cinco abordagens que estão sendo desenvolvidas com o objetivo de aperfei-
çoar a exploração da sequência do genoma humano.

Aula 7 Biotecnologia 191


Resumo

Nesta aula, você compreendeu o conceito de genoma e pôde conhecer


o histórico sobre o Projeto Genoma Humano, incluindo os objetivos iniciais e
as expectativas geradas no meio científico e na sociedade. Você viu como é a
estrutura de um gene eucariótico e como encontrá-lo na sequência do genoma.
Você caracterizou o genoma humano, incluindo seus constituintes. Concluímos
que, apesar de ter sido dado um grande passo para o entendimento de doenças
até hoje tidas como incuráveis, apenas a determinação da sequência do DNA
humano não proporcionou à sociedade melhor qualidade de vida. Entretanto, os
estudos avançam e acreditamos que um dia todos os benefícios propostos pelo
Projeto Genoma Humano sejam concretizados.

Autoavaliação
1 Conceitue Genoma.

192 Aula 7 Biotecnologia


2 Apresente um breve histórico do Projeto Genoma Humano.

3 O que é gene? Como podemos encontrá-lo na sequência do genoma?

Aula 7 Biotecnologia 193


4 Caracterize o genoma humano.

5 Quais os benefícios que o Projeto Genoma Humano têm trazido à sociedade?

194 Aula 7 Biotecnologia


6 Quais são as perspectivas do Projeto Genoma Humano?

Aula 7 Biotecnologia 195


Referências
CENTRO DE ESTUDOS DO GENOMA HUMANO. Pesquisa: o que pesquisamos. Disponível
em: <http://genoma.ib.usp.br/pesquisas/oquepesquisamos.php>. Acesso em: 17 dez. 2010.

CINQUEPALMI, J. V. A genética fracassou? Super Interessante, ed. 282, set. 2010. Disponível
em: <http://super.abril.com.br/ciencia/genetica-fracassou-598852.shtml>. Acesso em: 22 dez.
2010.

COOPER, G.M. A Célula: uma abordagem molecular. Traduzido por Itabajara da Silva Vaz Junior
et al. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.

GOLDIM, J. R. Projeto Genoma Humano (HUGO). 4 ago. 2000. Disponível em: <http://www.
ufrgs.br/bioetica/genoma.htm>. Acesso em: 20 dez. 2010.

GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. Traduzido por Paulo A. Motta. 8. ed. Rio de
Janeiro: Guanabara/Koogan, 2006.

VILELA, A. L. M. Genoma humano. Disponível em: <http://seliver.110mb.com/escola/files/


biologia/Genoma_humano.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2010.

Anotações

196 Aula 7 Biotecnologia


Anotações

Aula 7 Biotecnologia 197


Anotações

198 Aula 7 Biotecnologia


Genética Forense

Aula

8
Apresentação
Vimos na aula anterior (Aula 7 - Genoma Humano) que o genoma humano é altamente
complexo e que apresenta características peculiares que podem ser utilizadas em benefício
do próprio homem.
Nesta aula, estudaremos com mais detalhe algumas dessas características utilizadas em
prol da investigação criminal, da determinação da paternidade de indivíduos e da rastreabilidade
de produtos de origem vegetal e animal, por meio da Ciência denominada Genética Forense.
Compreenderemos o conceito dessa Ciência, também conhecida como DNA Forense e estuda-
remos quais as metodologias utilizadas na investigação do perfil de DNA, além de conhecermos
os principais bancos de dados de perfis genéticos do Brasil e do mundo.
Para que você entre no clima da nossa aula investigativa, comece assistindo ao seriado
norte-americano CSI (Crime Scene Investigation - Investigação da Cena do Crime). Ele vai des-
pertar a sua curiosidade e interesse em saber como crimes ditos perfeitos foram solucionados
utilizando tecnologias baseadas nas informações contidas no DNA. Bom estudo!

Objetivos
1 Definir o conceito de Genética Forense.

Conhecer as aplicações da Genética Forense nas Ciências


2 Jurídicas.

3 Compreender as metodologias de análise de DNA utilizadas


na Genética Forense.

4 Definir o conceito de banco de dados de perfis genéticos.

5 Definir o conceito de DNA Barcoding.

6 Compreender as aplicações do DNA Barcoding.

Conhecer as iniciativas para a aplicação do DNA Barcoding


7 no Brasil e no mundo.

Aula 8 Biotecnologia 201


A Ciência de um crime

Figura 1 – A Ciência de um crime

Adaptado de: <http://3.bp.blogspot.com/_knKwC7KUIEU/St3le-pIXvI/AAAAAAAAAAk/8UaPia22rgI/S1600-R/Blog.jpg>. Acesso em: 17 jan. 2011.

Vamos iniciar a nossa aula tomando conhecimento de um assassinato brutal, cuja vítima
foi a estudante Lynda Mann. No ano de 1983, a estudante foi brutalmente assassinada e vítima
de abuso sexual em Narborough, Inglaterra. Três anos se passaram sem que nenhuma prisão
fosse efetuada, até que o agressor atacou novamente: era um sábado de agosto de 1986
quando também a estudante de 15 anos, Dawn Ashworth foi encontrada morta nos arredores
da cidade, apresentando o mesmo modus operandis. Modus operandis
A polícia estava convencida de que os dois assassinatos tinham sido cometidos pelo Expressão em latim
que significa modo de
mesmo agressor e logo indiciou o atendente de cozinha de uma lanchonete da cidade, Marvin
operação, utilizada para
Anderson, pela autoria dos crimes. Embora confessasse o último crime, o atendente negou o designar uma maneira
envolvimento no primeiro assassinato. de agir ou executar uma
Diante disso, para tentar elucidar esse caso, a polícia contatou o geneticista Alec Jeffreys atividade seguindo sempre
os mesmos procedimen-
para tentar confirmar se o suspeito havia matado ambas as garotas ou não.
tos. No caso de criminosos
Após as análises de DNA realizadas a partir do material biológico coletado, ou seja, do em série, o mesmo modo
sêmen, Alec concluiu que foi o mesmo homem que havia estuprado as duas garotas, mas que é usado para assassinar
este homem não era o atendente de cozinha. as vítimas, que o identifica
como o mesmo autor de
Diante desse fato, a polícia viu-se obrigada a tomar algumas decisões: forjou uma falsa
outros crimes.
campanha de doação de sangue na pequena cidade para identificar o assassino.
Todos os habitantes contribuíram com a campanha, mas nenhum deles possuía perfil
genético igual ao do estuprador. Entretanto, um morador conseguiu se safar a princípio, ale-
gando pavor de agulhas, convencendo um amigo a fornecer a amostra de sangue no seu lugar.
Mas o que esse homem não imaginava era que seu amigo fosse contar essa história,
que para seu azar, acabou chegando aos ouvidos da polícia, a qual intimou Colin Pitchfork a
fornecer uma amostra do seu sangue para obtenção do seu perfil genético. A polícia não ficou
surpresa, pois os resultados mostraram que Colin Pitchfork havia assassinado as duas garotas.
Esse fato mostrou ao mundo tudo que a identificação pelo DNA representava para o futuro
da impunição criminal. Não demoraria muito para que esse tipo de evidência fosse utilizada
pela primeira vez num tribunal dos Estados Unidos.

Aula 8 Biotecnologia 203


Desse modo, o conhecimento das técnicas de Biologia Molecular e Genética tem consti-
tuído ferramentas poderosas no auxílio à investigação criminal, determinação da paternidade
de indivíduos e rastreabilidade de produtos de origem vegetal e animal. Esse é o objetivo da
Genética Forense, que estudaremos com mais detalhes nesta aula.

O caso acima citado é apenas um dentre milhares que utilizaram a Genética Forense para
descobrir quem são criminosos. Assim, faça uma pesquisa sobre outros casos que também
tiveram a Genética Forense como sua principal aliada.

204 Aula 8 Biotecnologia


Definindo a Genética Forense
Genética Forense é a área da Genética que utiliza os conhecimentos e as técnicas de Genética
e de Biologia Molecular no auxílio à justiça. Essa área também é conhecida como DNA Forense.
Apesar do ramo mais desenvolvido da Genética Forense ser a identificação humana
através da análise do DNA e, sua aplicação mais popular ser o teste de paternidade, a Genética
Forense também pode ser aplicada na identificação ou individualização de animais, plantas e
microrganismos, além de ser utilizada para conhecer a nossa origem e nossa história evolutiva.

DNA fingerprinting (impressão digital) ou


identificação genômica ou datiloscopia
do DNA ou somente teste de DNA

Figura 2 – Imagem de uma impressão digital

Esse é o nome dado à técnica que salvou o atendente de cozinha, Marvin Anderson, de ser
condenado por dois crimes brutais e que foi descoberta por acaso pelo britânico Alec Jeffreys
(Figura 3), geneticista da Universidade de Leicester no Reino Unido, dedicado a estudar as
diferenças genéticas existentes entre as espécies.

Aula 8 Biotecnologia 205


Figura 3 – Alec Jeffreys em seu laboratório

Fonte: <http://www.nlm.nih.gov/visibleproofs/media/detailed/iii_d_210.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Mioglobina Alec Jeffreys iniciou suas pesquisas com o estudo do gene da mioglobina, verificando
Proteína semelhante à que um pequeno trecho de DNA se repetia continuamente. Um fenômeno similar havia sido
hemoglobina, cuja prin-
observado por Ray White e Arlene Wyman em 1980, que constataram que o número dessas
cipal função é facilitar o
transporte de oxigênio repetições variava de indivíduo para indivíduo. Jeffrey ainda constatou que esse pequeno trecho
no músculo. de DNA repetido não aparecia somente no gene da mioglobina, mas era espalhado por todo
o genoma. Embora alguns trechos variassem entre si, todos tinham em comum sequências
Genoma curtas repetidas (Figura 4).
Conjunto de toda a
informação genética do
indivíduo.

Desnaturação
Processo de separação das
fitas duplas da molécula de
DNA acarretando em perda
da sua função.

Figura 4 – Trecho do exon 1 do gene da mioglobina que apresenta repetições na sequência de DNA. As setas
menores indicam as repetições e as setas maiores indicam o início e o final das repetições

Fonte: Weller et al (1984).

Jeffrey percebeu que poderia usar essa sequência (denominada de sonda) como um
tipo de marca específica no DNA de qualquer pessoa. Em seguida, o pesquisador modi-
ficou a sequência do DNA dessa marca para que ela pudesse ser identificada quando ex-
posta a raios X. Assim, toda vez que Jeffrey misturava o DNA de qualquer indivíduo com
esta sonda numa membrana de nylon e aquecia a cerca de 95oC, o DNA se desnaturava

206 Aula 8 Biotecnologia


e a sonda, por complementaridade das bases nitrogenadas que compõem o DNA, “grudava”
na sua sequência complementar sempre que a encontrasse. Posteriormente, ele expunha a
membrana a raios X e, dessa forma, visualizava alguns pontos escuros, os quais representavam
exatamente a complementaridade DNA/sonda. A Figura 5 ilustra as etapas da técnica de DNA Complementaridade
das bases do DNA
fingerprinting desde a extração do DNA até a análise dos resultados.
Pareamento de adenina
com timina e de citosina
com guanina.

Amostra de sangue de
onde o DNA será extraído.

Fragmentação do DNA pela enzima de


restrição e separação dos fragmentos
por eletroforese em gel de agarose.

Transferência dos fragmentos de DNA


para uma membrana de nylon.

Introdução de uma sonda radioativa de DNA


que se liga a sequências específicas de DNA
na membrana.

Retirada do excesso da sonda permanecendo


a somente a sequência única de DNA.

O DNA radioativo é transferido para um filme


de raio X e o resultado visível é o DNA fingerprinting.

Figura 5 – Etapas da técnica de DNA fingerprinting

Adaptado de: <http://www.biotech.iastate.edu/biotech_info_series/images/550image03.gif>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Quando revelou o filme, Jeffrey constatou que a sonda encontrou muitas sequências
complementares, mas que ainda restava tanta variação entre uma amostra e outra, que mes-
mo em amostras extraídas de indivíduos de uma mesma família, era possível distinguir um
indivíduo do outro. Esse perfil, ou seja, o perfil de DNA, forneceu assim uma impressão digital
específica de cada indivíduo, também chamada de DNA fingerprinting.

Aula 8 Biotecnologia 207


2

Vimos que a técnica de DNA fingerprinting pode ser utilizada na identificação de indi-
víduos, como no caso mencionado no início da aula. Mas será essa sua única aplicação?
Pesquise sobre as demais aplicações do DNA fingerprinting.

208 Aula 8 Biotecnologia


Como é obtido o perfil de DNA?
A técnica de perfil de DNA é muito superior às demais técnicas disponíveis na Medicina
Forense, uma vez que o DNA pode ser encontrado em todas as células, representado em muitas
cenas de crimes por fluidos biológicos e porções de tecidos humanos, além de ser altamente
resistente à degradação. Esses fatos, aliados aos estudos de polimorfismos de DNA, permitem
a construção de um perfil genético específico para cada indivíduo.
A determinação da identidade genética pelo DNA pode ser empregada na comprovação
da culpa de criminosos e excluindo inocentes, na identificação de corpos e restos humanos
em desastres aéreos e em campos de batalha, como por exemplo, determinar a paternidade
com confiabilidade praticamente absoluta, elucidar trocas de bebês em maternidades, entre
outras, taxonomia e rastreabilidade de espécies vegetais e animais, envolvendo crimes de
ordem ecológica e preservação do bioma.
Para a determinação do perfil de DNA, estudam-se as regiões do genoma onde há varia-
ções na sequência de DNA entre pessoas, como vimos em um momento anterior do texto, essas
variações são denominadas de polimorfismos de DNA. Nos últimos anos foram desenvolvidas
diversas técnicas para estudo de diferentes tipos de polimorfismos de DNA, formando assim
um verdadeiro “cardápio”, no qual os cientistas e laboratórios podem escolher o método mais
apropriado para solucionar o problema. Por isso, a expressão correta é “teste em DNA” e não
“teste de DNA”.
Atualmente, o método mais utilizado é aquele que estuda os polimorfismos em regiões
repetitivas de DNA chamadas de regiões de minissatélites e microssatélites.
Vamos ver o que isso significa?

O DNA repetitivo
Antes de definirmos o que é o DNA repetitivo, vamos definir o termo repetitivo.
Se tomarmos como exemplo a palavra ARARA, podemos notar que a sequência repre-
sentada pelas letras RA se repete duas vezes.
O mesmo acontece com o DNA, que apresenta, ao longo de sua sequência, repetições
de nucleotídeos A, T, C e G, vistos na Figura 4. Além disso, as repetições que ocorrem no DNA
podem ser do tipo minissatélite ou microssatélite. O ponto chave da diversidade ou variações
que existem nessas regiões é que o número de repetições varia entre indivíduos e pode ser
estudado com sondas de DNA (como feito por Alec Jeffreys quando descobriu a técnica) ou
com a chamada Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), estudada na Aula 4 – Tecnologia do
DNA Recombinante II.

Aula 8 Biotecnologia 209


DNA minissatélite e microssatélite

Já sabemos que o DNA, denominado de DNA minissatélite e microssatélite, apresenta va-


riações na repetição das sequências de nucleotídeos ao longo do seu segmento, sendo chama-
dos de STR, do inglês Short Tandem Repeats, que significa Repetições Curtas Consecutivas.
Entretanto, esses dois tipos de DNA repetitivos se diferem conforme o número de nucle-
otídeos e a complexidade da sequência que compõe as repetições.
Os minissatélites contêm unidades que se repetem, variando de 1 a 100 pares de base (pb).
Esse foi o tipo de DNA repetitivo utilizado inicialmente por Alec Jeffrey em seus primeiros testes.
Atualmente, utiliza-se o DNA microssatélite, que tem de 1 a 4 pares de bases repetidas
diversas vezes, conforme ilustra a sequência (Figura 6), na qual os nucleotídeos GATA (em
preto) encontram-se repetidos quinze vezes. Cada bloco de repetições tem geralmente menos
do que 100 pares de nucleotídeos.

Figura 6 – Sequência do D7S280, região altamente repetitiva encontrada no cromossomo 7 de humanos

Fonte: <http://www.biology.arizona.edu/human_bio/activities/blackett2/str_description.html>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Recentemente, os microssatélites são mais utilizados que os minissatélites para a


determinação da impressão digital do DNA, pois os primeiros apresentam pequenas se-
quências repetidas e, dessa forma, são identificados em maior número pelo genoma. Além
disso, podem ser amplificados de maneira específica e rápida através da técnica de PCR,
utilizando primers que contenham parte da sequência que abrange a região do microssatélite.
A amplificação resulta em produtos de diferentes tamanhos, em função do número de cópias
da sequência repetitiva delimitada pelos primers, como vimos na Aula 4 – Tecnologia do DNA
Recombinante II (Figura 7).

210 Aula 8 Biotecnologia


Figura 7 – Base genética e detecção de polimorfismos de microssatélites. (A) indivíduo homozigoto; (B) indivíduo
heterozigoto; (C) gel de eletroforese com diferentes genótipos homozigoto (banda única) e heterozigoto
(duas bandas) Alelos
São formas alternativas
Fonte: Adaptado de Ferreira e Grattaplagia (1998).
de um mesmo gene e
que, consequentemente,
ocupam o mesmo loco em
Na figura acima, podemos notar que o indivíduo identificado com a letra AA, é homozi- cromossomos homólogos.
goto para a repetição CA (CA)10 / (CA)10), ou seja, duas vezes (dois alelos oriundos dos dois
cromossomos homólogos) 10 repetições de CA. Já o indivíduo B é heterozigoto (CA)13 / (CA)15, Cromossomos
ou seja, uma vez (um alelo oriundo de um cromossomo homólogo) 13 repetições de CA e outra homólogos
São cromossomos iguais
vez (outro alelo oriundo de outro cromossomo homólogo) 15 repetições de CA. Esse mesmo
entre si, que juntos
raciocínio deve ser aplicado aos demais indivíduos. formam um par, um de
Os primeiros sucessos obtidos com a utilização de microssatélites foram obtidos pelos origem paterna e outro de
pesquisadores D.W. Yandell e T.P. Dryja em 1989, utilizando o microssatélite de repetição origem materna.

(CTTT)n e, em 1990, pela equipe de I.R.R.R. Peake com um microssatélite (GATA)n no gene
do fator de von Willebrand. Fator de von
A partir de 1991, o grupo de C.T. Caskey no Baylor College of Medicine, em Houston, Willebrand
Doença hereditária causa-
descreveu em artigos sucessivos um grande número de locos microssatélites de trinucleotídeos da por uma diminuição ou
e tetranucleotídeos, que passaram a ser usados frequentemente na identificação humana e uma disfunção da proteína
determinação de paternidade. chamada de fator de von
Willebrand (FvW). Isto
Vários desses locos foram mais tarde escolhidos pelo FBI para obter e arquivar perfis ocorre devido à mutação
genéticos de criminosos. no cromossomo 12.

Aula 8 Biotecnologia 211


3

Defina:

a) DNA fingerprinting:

b) Polimorfismos de DNA:

c) DNA repetitivo:

212 Aula 8 Biotecnologia


d) DNA minissatélite:

e) DNA microssatélite:

Vimos até agora que a técnica de DNA fingerprinting é utilizada na identificação de indivíduos.
Mas essa é a mesma técnica utilizada no teste de paternidade?

Figura 8 – Desenho do apresentador Ratinho em sua mais famosa pergunta: “Quem é o pai da criança?”

Fonte: <http://verdadeabsoluta.net/wp-content/uploads/2007/02/ratinho.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Além do teste de DNA fingerprinting ser utilizado na identificação forense, ou seja, em


prol da justiça, ele também pode ser utilizado em testes de paternidade, ou também para
testar se gêmeos são realmente idênticos, informação extremamente importante nos casos
de transplantes de órgãos.
Também poderia se testar o parentesco das espécies da natureza para se compreender a
evolução natural das espécies, além de sua utilização na Biologia da Conservação.

Aula 8 Biotecnologia 213


A investigação de vínculo genético de filiação, por exame de DNA, dá uma resposta de-
finitiva para a dúvida sobre se uma pessoa é ou não pai (ou mãe) biológico de outra pessoa.
Isso é possível porque cada indivíduo possui um conjunto próprio, exclusivamente seu, de
informações genéticas herdadas de seus pais biológicos e registradas no DNA de suas células.
Compondo um mapa, essas informações residem em segmentos específicos da molécula
do DNA. A cor dos olhos e o tipo sanguíneo, por exemplo, são características genéticas que
têm endereço fixo nesse mapa.
Uma pessoa herda sua bagagem genética 50% de sua mãe e 50% de seu pai. Portanto,
ao se examinar as características da mãe, do filho e do suposto pai, pode-se verificar se essa
pessoa tem, ou não, um vínculo genético familiar.
O ponto de partida do exame são as características genéticas presentes no filho, em endere-
ços escolhidos do DNA. Em seguida, são comparadas com as características presentes na mãe,
no mesmo local da molécula (regiões repetitivas do DNA – DNA microssatélites). As caracterís-
ticas do filho que não forem compatíveis com as da mãe devem ser, assim, provenientes do pai.
Se não estiverem presentes no suposto pai examinado, conclui-se pela exclusão de
paternidade, com absoluta certeza. Se estiverem presentes, calcula-se então a chance de ele
ser realmente o pai (Figura 9). Trata-se nesse momento, de fazer um estudo estatístico, con-
siderando um extenso banco de dados de informações genéticas da população.

Mãe Criança Homem A Homem B

Figura 9 – Resultado do teste de paternidade utilizando-se microssatélites de DNA, testando a paternidade de dois
indivíduos (Homem A e B). As setas em preto representam se o segmento de DNA analisado na criança foi doado
pelo pai ou pela mãe

Fonte: <http://www.aprendaki.webcindario.com/testes/images/an5.GIF>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Observando a figura anterior, podemos notar que a criança obtém o perfil de DNA origi-
nado pela combinação do pai e da mãe. No caso, o Homem B é o pai da criança.

214 Aula 8 Biotecnologia


4

O teste de paternidade realizado pela análise do DNA tornou-se muito frequente.


1
No entanto, as pessoas têm muitas dúvidas a respeito desse tipo de exame.

As frases abaixo constam em uma lista de “mitos e verdades sobre o teste de DNA”
encontrada na internet (http://www.gene.com.br).

i) “O exame de DNA só pode ser feito com sangue.”

ii) “Sou primo da mãe e estou com medo do resultado ser positivo, mesmo que eu não seja
o verdadeiro pai.”

iii) “Ele já morreu e não deixou nenhum outro parente vivo. Nunca poderei provar que ele
era o pai do meu filho.”

Justifique por que cada uma das frases acima constitui um “mito”.

Aula 8 Biotecnologia 215


Um teste de DNA foi solicitado por uma mulher que queria confirmar a paternidade
2 dos filhos. Ela levou ao laboratório amostras de cabelos dos dois filhos, do marido,
de um outro homem que poderia ser o pai e do seu próprio cabelo. Os resultados
obtidos podem ser visualizados na figura a seguir.

Mãe Marido Outro Filho 1 Filho 2


homem

Analisando a figura responda:

a) Que resultado a análise mostrou em relação à paternidade do Filho 1? E do Filho 2?


Justifique.

b) Num teste de paternidade, poderia ser utilizado apenas o DNA mitocondrial? Por quê?

216 Aula 8 Biotecnologia


Amostras biológicas de
interesse da Genética Forense
Qualquer tipo de fluido biológico ou tecido pode ser utilizado para a extração de DNA,
uma vez que são formados por células e o DNA está contido no núcleo dessas células.
Os tipos de amostras mais comuns são sangue, sêmen, cabelo, saliva, urina, pele, unha,
ossos, líquido amniótico, fígado, suor e pele. Esses materiais são coletados mediante utilização
de material específico para cada tipo de amostra (Figura 10a) e que estão disponibilizados em
uma maleta de fácil manuseio (Figura 10b).

a b

Figura 10 – (a) tubo para coleta de material para análise de DNA e (b) Maleta utilizada para coleta de material

Fontes: (a) <http://www.rebolinho.com.br/2010/06/no-brasil-tambem-tem.html>;


(b) <http://store.sirchie.com/Cap-Shure-Sterile-Forensic-Evidence-Collection-Swabs-Box500-P661.aspx>. Acesso em: 13 jan. 2011.

No local de um crime, o DNA pode ser degradado por enzimas produzidas por fungos e
bactérias, por causa da umidade e do calor, por produtos químicos que os criminosos usam
para limpar ou alterar a cena do crime.
Vale lembrar que o DNA resiste muito bem às altas temperaturas, sendo necessárias
temperaturas em torno de 95oC para que ele se desnature. Além dessas enzimas, ele pode ser
contaminado pelo DNA de outra pessoa, como por exemplo, em caso de estupro, no qual o
material biológico coletado pode ter sêmen do estuprador ou do esposo ou namorado da vítima.
Para garantir a sua integridade, a perícia faz uma ficha de identificação de cada amostra
coletada na cena do crime, relatando as condições nas quais o material foi coletado e seu
percurso do local do crime até o laboratório. Amostras biológicas merecem especial atenção
devido à facilidade de contaminação e degradação.

Aula 8 Biotecnologia 217


A Genética Forense no Brasil
Ainda há muito a fazer para que a Ciência Forense no Brasil alcance os padrões de
investigação utilizados internacionalmente. Para que possamos obter os mesmos níveis de
confiança dos exames realizados no exterior, há necessidade do estabelecimento de padrões
de qualidade, adequada coleta do material biológico e o estabelecimento de rotinas que minimi-
zem as chances de troca de amostras, bem como pessoal altamente treinado e especializado.
No Brasil, o primeiro laboratório de Genética Forense foi criado em 1994, na Divisão de
Pesquisa de DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal. Hoje, os estados de São Paulo e
Minas Gerais já têm seus laboratórios específicos em parceria com institutos de criminalística
e universidades federais. Em junho de 2010, mais dois Laboratórios de Genética Forense foram
inaugurados: um no Rio Grande do Sul e outro no Rio de Janeiro, com o objetivo de serem
referências no Brasil.
Apesar de o governo brasileiro investir em suporte material em todo o país, ainda faltam
profissionais qualificados para dirigirem e atuarem nesses laboratórios. Esse fato contribui ain-
da mais para a vulnerabilidade dos testes genéticos, quando se considera a pouca experiência
dos laboratórios nacionais nessa área. Entretanto, esse cenário vem mudando recentemente,
uma vez que os laboratórios estão efetuando treinamento de sua equipe e estabelecendo
rigorosos protocolos que garantam a segurança e confiabilidade do exame.

Banco de dados de perfis genéticos


O banco de dados de perfis genéticos armazena o perfil de DNA de criminosos condena-
dos, de cenas de crimes não resolvidos e DNA de milhares de pessoas desaparecidas, tornando
as trocas de informações entre instituições espalhadas por todo o mundo mais rápidas e com
maior chance de resolução dos casos.
Países como a Inglaterra e os Estados Unidos foram os pioneiros na implantação de
banco de dados de perfis genéticos. Porém, atualmente outros países também possuem seus
bancos de DNA, tais como a Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Colombia, Croácia,
Dinamarca, Hong Kong, Itália, Suíça, Suécia, Panamá e Nova Zelândia.
O banco de dados da Inglaterra chamado NDNAD, do inglês United Kingdom National
DNA Database (Figura 11) foi criado em 1995 e encontra-se em fase mais avançada de de-
senvolvimento, com a sua implementação a taxa de resolução de crimes passou de 26% para
43%. No ano de 2010, essa taxa passou para 58%.
O banco de dados dos Estados Unidos chamado de CODIS, do inglês Combined DNA
Index System (Figura 12) é um dos mais organizados, contendo perfis de DNA representativos
de todos os estados norte-americanos.

218 Aula 8 Biotecnologia


Figura 11 – Página oficial do Banco de Dados do Reino Unido – NDNAD

Fonte: <http://www.forensic.gov.uk/>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Figura 12 – Página oficial do Banco de Dados dos EUA – CODIS (FBI)

Fonte: <http://www.fbi.gov/about-us/lab/codis>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Aqui no Brasil, a Secretaria Nacional de Segurança Pública implementou em 19 de maio


de 2009, o Banco de Dados Nacional Criminal de Perfis Genéticos, sendo o segundo maior
do mundo em número de laboratórios participantes (15). Ele foi criado a partir de um acordo
internacional entre o Governo brasileiro e os representantes do CODIS, que realizaram o trei-
namento e capacitação dos profissionais brasileiros envolvidos na implementação do banco.

Aula 8 Biotecnologia 219


5

Vimos que o Brasil ainda está em fase inicial de implantação de seu banco de dados de
perfis genéticos. Pesquise se este banco de dados já está sendo utilizado e quais as repercus-
sões na sociedade.

Mas você deve estar se perguntando, como funciona um banco de dados de perfis de
DNA? A melhor maneira de explicar o seu funcionamento é através de um exemplo real. Leia
o texto abaixo e confira.
Em 1968, Roy Tutil, um garoto de 14 anos, foi encontrado morto após ter sido estran-
gulado e violentado sexualmente. Na época, amostras do sêmen encontradas no corpo da
vítima foram coletadas e armazenadas. Com os avanços da Ciência, muitos anos mais tarde,
a amostra armazenada foi analisada e o perfil de DNA obtido colocado no banco de dados. Em
1999, 31 anos depois, um motorista que dirigia bêbado foi detido pela polícia e seu perfil de
DNA foi cadastrado no Banco de Dados do Reino Unido, havendo coincidência desse perfil com
aquele encontrado nas amostras do jovem Roy. Assim, o motorista Brian Lunn foi condenado
pelo assassinato de Roy Tutil.

220 Aula 8 Biotecnologia


Os dados estatísticos revelam que essa “coincidência” é muito comum. Na Inglaterra,
por exemplo, aproximadamente 25% dos furtos e roubos são praticados por pessoas já iden-
tificadas nos bancos de dados. Desse modo, essa é, sem dúvida, a ferramenta investigativa
mais eficiente e precisa da atualidade.

O sistema de identificação
do DNA Barcoding
Ao pagar suas compras no supermercado, cada produto é identificado pelo seu respec-
tivo código de barras. Ao ser lido pelo sistema de leitura ótica, cada código identifica na tela
do caixa o produto bem como outras características, tais como tipo, peso, quantidade, sabor,
além do preço.
Empregando essa mesma ideia, os pesquisadores desenvolveram o sistema de identi-
ficação do DNA Barcoding. Foi em 2003, que Herbert e colaboradores propuseram esta nova
tecnologia, cujo objetivo é discriminar todas as espécies vivas do planeta através da utilização
de um pequeno segmento padronizado de DNA, funcionando como um sistema “bioidenti-
ficador” universal. Essa tecnologia foi denominada de DNA Barcoding ou ainda código de
barras do DNA.
O DNA Barcoding é baseado em um conceito relativamente simples. A maioria do DNA
humano está presente no núcleo da célula, empacotado nos 46 cromossomos, como é o caso
das células humanas. Esse DNA é denominado de DNA nuclear. Entretanto, uma pequena
porção do DNA de cada célula está localizada nas mitocôndrias, recebendo o nome de DNA
mitocondrial (mtDNA). O DNA mitocondrial tem uma taxa de mutação relativamente rápida,
que resulta em uma variação significante na sua sequência entre espécies e, em princípio, com
pouca variação entre indivíduos de uma mesma espécie. Por possuir essas características ele
pode ser utilizado para identificar indivíduos de uma mesma espécie e discriminar aqueles de
espécies diferentes.
Citocromo c oxidase
Um exemplo disso é a região do DNA mitocondrial de 650 pares de bases que codifica
Proteína associada à
a subunidade I da proteína citocromo c oxidase (COI), que vem sendo utilizada como um membrana interna da mi-
potencial barcode, ou seja, uma potencial bioidentificador. Esse gene foi analisado em várias tocôndria que tem função
espécies de borboletas e foi verificado que a diversidade na sua sequência permitiu a discri- na cadeia transportadora
de elétrons, realizando
minação das espécies proximamente relacionadas. Essas espécies eram caracterizadas por
reações de oxidações e
apresentarem modestas taxas de evolução molecular e alta diversidade entre elas e, mesmo reduções durante a
assim, foi possível a identificação das espécies (Figura 13). respiração celular.

Aula 8 Biotecnologia 221


Figura 13 – Sequência do COI gene entre diferentes espécies de borboletas, compondo o código de barras do DNA

Fonte: Modificado de <http://sitfu.com/wp-content/uploads/2010/10/DNA-BARCODE.gif>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Mas como determinar o DNA Barcoding?


Para a determinação do DNA Barcoding, é necessário que uma amostra biológica do
indivíduo de interesse seja obtida. A partir dessa amostra o DNA é extraído para ser analisado.
Uma vantagem dessa técnica é que são necessárias pequenas quantidades de DNA, eliminando
em muitos casos, o sacrifício do indivíduo estudado.
Esse DNA coletado servirá como amostra referência para que uma ou várias regiões gêni-
cas possam ser amplificadas pela técnica de PCR e, em seguida, sequenciadas. As sequências
resultantes correspondem a uma etiqueta de identificação para a espécie da qual a amostra de
DNA foi retirada, ou seja, o código de barras do DNA. A Figura 14 ilustra os passos da análise
do código de barras do DNA.

Índice taxonômico

Usando o DNA
Barcoding
Ligação ao nome da espécie

Coleta Extração PCR e Análise das Obtenção do DNA


da amostra do DNA sequenciamento sequências Barcoding padrão

Pesquisadores

Ligação à própria Enciclopédia da vida


espécie

Coleções
Público em geral

Figura 14 – Etapas da técnica do DNA Barcoding

Adaptado de: <http://www.sccwrp.org/images/ResearchAreas/Contaminants/SedimentQualityAssessment/


BenthicAssessmentMethods/DNABarcoding/DNABarcoding.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2011.

222 Aula 8 Biotecnologia


A sequência gerada se torna disponibilizada através de um banco de dados, junto com a
descrição da espécie e outras informações associadas que a identifica, tornando-se um padrão
para referências futuras, junto com o espécime em estudo e a respectiva preparação do DNA,
que será depositada em coleções de museus. Uma vez que um banco de dados de sequências
tenha sido estabelecido, novas amostras podem ser averiguadas contra estas sequências
existentes para auxiliar na reidentificação ou para saber se a descrição de uma nova espécie
poderá ser confirmada.

1 Defina DNA Barcoding.

2 Comente a característica do DNA que tornou possível a identificação de espécies


utilizando o DNA Barcoding.

Aula 8 Biotecnologia 223


Aplicações do DNA Barcoding
A seguir, veremos algumas das aplicações do DNA Barcoding, destacando a identificação
de espécies animais e vegetais e o rastreamento de produtos de origem animal e vegetal.

Identificando espécies animais e vegetais


Se formos pensar na Biodiversidade, quanto tempo seria necessário para que os biólogos,
especificamente os taxonomistas, pudessem identificar toda a diversidade do planeta, uma
vez que essa é composta por milhões de espécies? Vamos supor que poucos taxonomistas
Plastídeos podem, operacionalmente, identificar cerca de 0,01%, das 10-15 milhões de espécies que
Organelas encontradas habitam o nosso planeta.
na grande maioria das
Assim, seriam necessários cerca de 15.000 taxonomistas para identificar toda a vida da
células dos vegetais,
que compreendem os Terra, caso fossem mantidas as nossas esperanças no diagnóstico morfológico, não só de
leucoplastos (plastídeos espécies animais, mas também de espécies vegetais. Esse é um desafio para o DNA Barcoding.
brancos), os cromo- Para os animais, foi estabelecido como DNA Barcoding, uma região de um gene mitocon-
plastos ou cromatóforos
drial denominado de subunidade I do citocromo c oxidase, o mesmo que vimos no exemplo
(plastídeos coloridos) e os
cloroplastos (plastídeos das borboletas.
verdes), responsáveis pela A ideia em se utilizar um gene mitocondrial, baseou-se nas características apresentadas
realização da fotossíntese. pelo genoma mitocondrial tais como, ser amplamente distribuído entre os animais, apresentar
um alto número de cópias por célula, apresentar taxa de mutação diferente entre espécies, não
ITS sofrer recombinação, ter uma herança predominantemente materna, além de possuir baixo
Espaçador interno trans- polimorfismo ancestral.
crito (do inglês - Internal
Em plantas, a escolha de uma região apropriada para representar o DNA Barcoding ainda
Translated Spacer).
Sequências que codificam não está bem definida como nos animais devido ao genoma mitocondrial vegetal apresentar
subunidades do DNA baixa variação em sequências para ser utilizado como código de barras. Para os vegetais, genes
ribossômico nuclear e que ou regiões do genoma de plastídeos e da região nuclear ITS, parecem ser os candidatos mais
são altamente conservadas
promissores. Este sistema, o DNA Barcoding, permite que um grande número de exemplares
entre indivíduos da
mesma espécie. seja estudado de modo eficiente e identifica os que apresentam código de barra do DNA dife-

224 Aula 8 Biotecnologia


rentes que poderiam ser indicativos de novas espécies. Estas seriam, em seguida, estudadas
e descritas por especialistas, tais como os taxonomistas.

Rastreando produtos de origem animal


Quem já não ouviu aquele famoso ditado “João comprou gato por lebre”. Isso mesmo,
João adquiriu um gato pensando que era uma lebre. Mas nos dias atuais, isso não é mais um
problema. Com a tecnologia do DNA Barcoding, a rastreabilidade de produtos de origem animal
e vegetal tornou-se uma ferramenta poderosa para se evitar a situação hipotética descrita.
Um exemplo da sua aplicação tem sido a rastreabilidade de peixes. Um grande pro-
blema enfrentado por produtores é a concorrência pela comercialização de tipos de peixes
considerados menos nobres para a produção de filés e produtos processados, erroneamente
vendidos como surubins (também conhecido como pintado), considerado um peixe nobre e
de maior valor. Os considerados menos nobres são peixes híbridos, oriundos do cruzamento
de surubins, espécie Pseudoplatystoma corruscans, com peixes da espécie Pseudoplatystoma
reticulatum, popularmente conhecido como cachara, originando os peixes híbridos conheci-
dos como cachapinta. Nesse sentido, a análise do barcode para o gene COI desses animais
vem sendo utilizada com a finalidade de discriminar as espécies puras e híbridas de surubins,
promovendo assim a rastreabilidade do produto e garantindo a sua qualidade.
Potenciais aplicações também incluem:

1) identificação precisa das espécies, especialmente das espécies crípticas que


são difíceis de diferenciar, conduzindo à descoberta de novas espécies;

2) identificação precisa dos componentes em alimentos e medicamentos;

3) detecção de componentes indesejáveis e/ou proibidos em alimentos processados;

4) acompanhamento das espécies e rotas migratórias;

5) localização de espécies ameaçadas de extinção a fim da preservação do habitat;

6) detecção de transporte e comércio ilegal de espécies ameaçadas de extinção


ou de que pertençam ao bioma de determinado país, o que se configura
como biopirataria;

7) confirmação ou identificação de associações planta-inseto.

Aula 8 Biotecnologia 225


7

Escolha uma das aplicações do DNA Barcoding acima enumeradas e dê um exemplo


concreto da sua utilização.

226 Aula 8 Biotecnologia


O DNA Barcoding
no Brasil e no mundo
A iniciativa internacional denominada Consortium for the Barcode of Life (CBOL), des-
tinada a desenvolver o DNA Barcoding, é uma das primeiras iniciativas que vem recebendo
apoio financeiro de fundações privadas de fomento à pesquisa, com destaque para o Canadian
Barcode of Life Network que pretende criar um banco de sequências de todos os organismos
eucariotos do Canadá. Outra iniciativa é o projeto Barcoding All Birds, que tem como objetivo
realizar o DNA Barcoding de todas as espécies de aves do mundo.
Pelo fato de o Brasil possuir a maior biodiversidade do planeta e fazer parte do grupo de
países que abriga 70% das espécies animais e vegetais catalogadas no mundo, ele tem um
importante papel na preservação da biodiversidade. No entanto, apenas 10%, das 2 milhões de
espécies da fauna e da flora brasileira, foram identificadas. Isso contribui para que o Brasil se
torne um dos membros do Consortium for the Barcode of Life (CBOL). O Brasil, com a experi-
ência adquirida na última década do século passado por vários grupos de pesquisa na área de
Genômica e de Bioinformática, associada à reconhecida competência de vários pesquisadores
na área de Biodiversidade e da Taxonomia, apresenta as condições essenciais para liderar um
inventário sobre a nossa biodiversidade.

Pesquise outras aplicações do DNA Barcoding no Brasil e no mundo e discuta suas


implicações para a sociedade.

Aula 8 Biotecnologia 227


Resumo

Nesta aula, conhecemos o conceito de Genética Forense bem como suas


aplicações nas Ciências Jurídicas. Compreendemos quais as metodologias de
análise de DNA são utilizadas na Genética Forense e definimos bancos de dados
de perfis genéticos e, em seguida, vimos suas aplicações e contribuições para a
sociedade. Num segundo momento, estudamos o conceito de DNA Barcoding,
uma das mais recentes tecnologias utilizadas na identificação de organismos,
conhecemos suas aplicações e as iniciativas para a aplicação do DNA Barcoding
no Brasil e no mundo.

Autoavaliação
O tema principal desta aula foi a Genética Forense. Muitos conceitos são necessários para
que você entenda essa Ciência e, consequentemente, suas aplicações. Desse modo, para fixar
os seus conhecimentos, defina os seguintes conceitos:

1 DNA fingerprinting:

2 DNA repetitivo:

3 DNA mini e microssatélite:

4 Bancos de dados de perfis genéticos:

5 DNA Barcoding:

Se você foi capaz de realizar essa definição com sucesso, parabéns! Caso contrário,
retome a leitura da aula, tire suas dúvidas com o professor e refaça a Autoavaliação.

228 Aula 8 Biotecnologia


Referências
DOLINSKY, L. C.; PEREIRA, L. M. C. V. DNA forense: artigo de revisão. Saúde e Ambiente em
Revista, v. 2, n. 2, p. 11-22, 2007.

FERREIRA, M. E.; GARTTAPAGLIA, D. Introdução ao uso de marcadores moleculares em


análise genética. Brasília: EMBRAPA-CENARGEN, 1998. 220 p.

HERBERT, P. D. N. et al. Biological identifications through DNA barcodes. Proceeding of the


Royal Society of London, n. 270, p. 313-321, 2003.

MINGARDI, G. A investigação de homicídios: construção de um modelo. Secretaria Nacional


de Segurança Pública, 2006.

WATSON, J. DNA O segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470 p.

WELLER, P. et al. Organization of the human myoglobin gene. The EMBO Journal, v. 3, n. 2,
p. 439-446, 1984.

Aula 8 Biotecnologia 229


Anotações

230 Aula 8 Biotecnologia


Anotações

Aula 8 Biotecnologia 231


Anotações

232 Aula 8 Biotecnologia


Avanços da Biotecnologia
no Brasil e no mundo

Aula

9
Apresentação
Ao longo das aulas anteriores, pudemos adquirir conhecimentos sobre as diversas téc-
nicas envolvidas na Biotecnologia, incluindo alguns exemplos que foram apenas citados.
Nossa proposta para esta nona aula é resgatar alguns desses exemplos vistos nas Aulas
5 - Clonagem, 6 - Organismos geneticamente modificados, e 7 - Genoma humano, e apresentá-
los de maneira detalhada para que você possa solidificar e ampliar seus conhecimentos sobre
cada um deles.
Dessa forma, apresentaremos as conquistas e os avanços na área da Biotecnologia através
de exemplos que contam com a participação do Brasil e de outros países. Quando pertinente,
detalharemos os procedimentos e as técnicas de Biotecnologia envolvidas em cada exemplo
e que ainda não foram discutidas.
Antes de iniciar os estudos desta aula, releia as Aulas 5, 6 e 7 desta disciplina. Certamente,
isso facilitará a compreensão dos exemplos abordados aqui. Faça anotações e, em caso de
dúvidas, acesse o fórum da disciplina o mais rápido possível. Bom estudo!

Objetivos
1 Caracterizar o avanço da Biotecnologia no Brasil e no mundo.

Compreender detalhadamente os procedimentos e técnicas


2 de Biotecnologia ainda não vistos nesta disciplina.

Aula 9 Biotecnologia 235


Vacinas de DNA
Gene repórter
A vacina de DNA foi descrita pela primeira vez em 1990 por Jon A. Wolff e colaboradores, Gene cujo produto de
expressão (peptídeo) pode
da Universidade de Wisconsin, EUA, quando o plasmídeo contendo um gene repórter que
ser detectado facilmente;
codifica a ¯-galactosidase expressou a proteína após a inoculação direta no músculo usado como marcador
de camundongos. para confirmar a transfe-
Os pesquisadores avaliaram e determinaram a eficiência da transferência do gene e rência de um transgene
em uma célula, órgão ou
da imunogenicidade conferida pela inoculação do plasmídeo. Outro estudo importante foi
tecido, pela sua expressão
conduzido por Jeffrey B. Ulmer e colaboradores da Merck Research Laboratories, EUA, que transiente; por exemplo,
estudaram a inoculação de DNA que sintetiza uma proteína imunogênica do vírus influenza citamos o gene que emite
(da gripe) conferindo imunidade protetora em camundongos. A partir desses resultados, o fluorescência verde.

entendimento sobre o mecanismo imunológico induzido por esse tipo de vacina despertou Imunogenicidade
interesse da comunidade científica. Sinônimo de poder imuno-
gênico, que é a capacidade
Assim, com os avanços da tecnologia do DNA recombinante, foi possível criar organismos
do agente biológico de
por manipulação molecular deliberada e ainda a clonagem e expressão de genes que codificam estimular a resposta
proteínas imunogênicas para uso em vacinação. imune no hospedeiro.
De forma simplificada, essa tecnologia envolve a administração direta de DNA plasmideal
codificando antígenos imunogênicos para tecidos que são capazes de internalizar esse DNA Antígeno
e expressar o antígeno heterólogo de tal forma que irá induzir uma resposta imunológica Toda partícula ou molé-
cula capaz de iniciar uma
efetiva. Um importante atributo da vacina de DNA é a apresentação antigênica via moléculas
resposta imune, a qual co-
de MHC, o que mimetiza o processo resultante de uma infecção natural, ativando linfócitos T, meça pelo reconhecimento
além da produção de anticorpos. pelos linfócitos e cumula
com a produção de um
anticorpo específico.

Heterólogo
De origem diferente;
sequência de uma espécie
Mas, como é construída uma vacina de DNA?
empregada como sonda
para detectar complemen-
taridade em outra.

MHC
A vacina é baseada na tecnologia do DNA recombinante vistas nas Aulas 3 (Tecnolo- Do inglês Major Histo-
compatibility Complex
gia do DNA Recombinante I) e 4 (Tecnologia do DNA Recombinante II) desta disciplina.
ou Complexo Principal
Dessa forma, envolve a transferência de um determinado gene (transgene), que codifica uma de Histocompatibilidade;
proteína (imunógeno), dentro de um vetor de expressão para células eucarióticas. A Figura grande região genômi-
1 ilustra a composição e duas vias de administração (injeção intramuscular e biobalística) ca que contém genes
relacionados ao sistema
das vacinas de DNA.
imunológico.

Anticorpo
reação do sistema
imunológico ao entrar em
contato com um antígeno
a fim de neutralizá-lo.

Aula 9 Biotecnologia 237


Organismo
patogênico

Plasmídeo

Material Seringa
genético
Músculo

Plasmídeo
modificado

Gene gun
Pele

Figura 1 – Composição e vias de administração de vacinas de DNA

Fonte: Scientific American (1999).

Lembramos algumas características que um vetor ideal deve apresentar:

1) carrear fragmentos de DNA para o interior da célula-alvo;

2) ser de fácil produção;

3) direcionar a resposta imune para tipos específicos de células;

4) não permitir replicação de seu próprio DNA;

5) garantir uma expressão gênica por longo período;

6) não ser tóxico;

7) não induzir reações de tolerância e autoimunidade nos hospedeiros.

Atualmente, os vetores virais e plasmidiais têm sido preferidos na transferência


gênica direta.

238 Aula 9 Biotecnologia


Vetores virais
São de fácil propagação entre as células, eficazes na ativação tanto da resposta imune Resposta
humoral quanto celular e requerem, muitas vezes, apenas uma aplicação. Entretanto, eles imune humoral
Ou imunidade adquirida;
apresentam algumas desvantagens:
tipo de defesa imunológica
que atua através dos anti-
corpos produzidos pelos
1) são derivados de patógenos; linfócitos B.

Resposta
2) apresentam risco de mutagênese por inserção; imune celular
consiste na ativação de
macrófagos por meio de
3) inativam pelo sistema complemento; linfócitos T auxiliares para
eliminar microrganismos
4) são contra-indicados para pessoas com imunodepressão. fagocitados.

Portanto, dependendo do gene em questão, os vetores virais são de interesse


limitado para o propósito de imunização.

Vetores plasmidiais
Um dos vetores utilizados nas vacinas de DNA é o plasmídeo bacteriano, desenvolvido
originalmente para expressão in vitro de proteínas em células de mamíferos.
Os plasmídeos apresentam maior segurança biológica, baixo custo, fácil produção, rela-
tiva estabilidade e capacidade genômica de 2 a 19 kilobases, que podem ser transferidos para
as células musculares.
Os plasmídeos utilizados como vacinas devem conter os seguintes elementos essenciais:

1) um promotor de expressão para células de mamíferos;

2) sinal de poliadenilação (poliA) do transcrito (mRNA);

3) um marcador de seleção;

4) uma origem de replicação procariótica;

5) sítio de múltipla clonagem onde é inserido o gene de interesse. Outras sequências tam-
bém são importantes, como íntron que aumenta a atividade do promotor, peptídeo sinal e
sequências de 6 nucleotídeos com função imunoestimulatória.

Aula 9 Biotecnologia 239


Em caso de dúvida, revise a Aula 3 – Tecnologia do DNA Recombinante I.

1 Mencione três características que um vetor ideal deve apresentar para ser empre-
gado na produção de vacinas de DNA.

Apresente duas vantagens e duas desvantagens dos vetores virais e plasmidiais a


2 fim de produzir vacinas de DNA.

240 Aula 9 Biotecnologia


Vias de administração
A via de administração mais comumente utilizada é a injeção intramuscular direta do DNA
de interesse, diluído em solução salina. Outro processo muito explorado é o da biobalística
(gene gun), para acelerar e introduzir na derme micropartículas de ouro cobertas com o DNA
de interesse. Um sistema também usado em imunização genética e Terapia Gênica, porém,
em menor escala, é a administração do DNA encapsulado em lipossomos. Lipossomo
Atualmente, um sistema de transferência de vacinas de DNA para células hospedeiras de Estrutura esférica e mi-
croscópica constituída por
mamíferos que vem se mostrando promissor é o uso de bactérias carreadoras. Já foi relatada
uma membrana dupla de
a transferência de plasmídeos por bactérias dos gêneros Shigella, Listeria e Salmonella, além fosfolipídios e que contém
de uma linhagem recombinante de Escherichia coli. uma solução aquosa, usa-
da para transportar drogas
a células doentes; vesícula

Vantagens artificial que contém molé-


culas de DNA empregada
na transformação genética
Quando comparada com as vacinas clássicas, o emprego de vacinas de DNA oferece uma por fusão de membranas
do lipossomo e da célula
série de vantagens econômicas, técnicas e logísticas, que facilitam o transporte e a distribuição,
hospedeira.
e viabilizam a transferência de tecnologia. A seguir, você encontrará algumas dessas vantagens,
as quais têm permitido avanços na área da produção de vacinas de DNA.

1) a produção em larga escala é bem mais barata;

2) a manutenção do controle de qualidade é mais fácil;

3) a comercialização não necessita de uma rede de refrigeração, pois essas


vacinas são estáveis à temperatura ambiente;

4) a ausência de risco de infecção;

Aula 9 Biotecnologia 241


5) a indução de resposta de longa duração;

6) a possibilidade de combinação com outras vacinas;

7) o potencial para produção e manufatura genérica.

Possíveis problemas
Apesar de as vacinas de DNA apresentarem vantagens frente às vacinas clássicas, como
visto acima, elas possuem algumas desvantagens, as quais devem ser avaliadas criteriosamente
pelos pesquisadores. Isso se faz necessário a fim assegurar a qualidade do produto final bem
como garantir a proteção apropriada à determinada doença e impedir contaminações indevidas.
Algumas dessas desvantagens são apresentadas a seguir:

1) a possibilidade de integração do plasmídeo ao genoma hospedeiro de maneira danosa;

2) a exposição do sistema imunológico a altos níveis de proteína antigênica durante o período


de expressão do gene;

3) a dificuldade para conhecer todas as partes do DNA do agente de interesse, selecionar e


correlacionar os fragmentos com a função;

4) a possibilidade da indução de uma doença autoimune;

5) a indução de tolerância do hospedeiro às substâncias estimuladas pelo DNA.

Nenhuma evidência desses fenômenos foi comprovada cientificamente, mas testes rigo-
rosos devem ser feitos para que se possa validar uma vacina de DNA para uso em humanos.

As vacinas de DNA na cura de doenças


Vamos ilustrar com dois exemplos de pesquisa que estão sendo desenvolvidas no Brasil,
ambos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O primeiro é um projeto coordena-
do pelo pesquisador Vasco A. C. Azevedo e colaboradores do Instituto Nacional de Pesquisa
Agronômica da França. Eles buscam desenvolver lactobacilos geneticamente modificados para
a produção de vacinas genéticas vivas, visando à obtenção de imunidade à brucelose, doença
que afeta bovinos e pode ser transmitida aos humanos.
A vacina é conduzida por meio do iogurte, oferecido por via oral ao paciente, com a
vantagem óbvia da via de administração, além do fato de serem os lactobacilos inofensivos
ao ser humano.

242 Aula 9 Biotecnologia


O outro exemplo também é coordenado pelo pesquisador Vasco A.C. Azevedo, em co-
laboração com a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, cujo objetivo é produzir uma
alface geneticamente modificada, que recebeu genes para produzir uma proteína da Leishmania,
protozoário causador da leishmaniose, doença que afeta 12 milhões de pessoas no mundo,
principalmente países em desenvolvimento.
Essa vacina encontra-se em fase de teste com animais.

Como visto, o Brasil tem contribuído com o desenvolvimento de vacinas de DNA. Outros
países também têm despendido esforços nessa área. Por isso, sugerimos que você realize
uma busca pela internet por outros exemplos de vacinas de DNA. Você deverá incluir, além
da doença pesquisada, o país envolvido e a técnica empregada na obtenção dessas vacinas.

Aula 9 Biotecnologia 243


Animais biorreatores
Outro avanço da Biotecnologia que apresentaremos em detalhe são os animais biorrea-
tores, que geralmente são animais domésticos transgênicos de médio e grande porte, como,
por exemplo, bovinos, suínos, caprinos, ovinos, aves, dentre outros, utilizados na produção
de proteínas recombinantes humanas de interesse biológico e comercial, como enzimas, hor-
mônios e fatores de crescimento.
A possibilidade desses animais expressarem proteínas em determinados órgãos, utili-
zando-se promotores tecido-específicos, torna-os viáveis como biorreatores de proteínas de
importância biomédica.
Estes animais podem servir como biofábricas na produção em larga escala de proteínas
expressas em diversos fluidos corpóreos, tais como leite, sangue, urina, plasma seminal, clara
de ovos de aves, ovas e embriões de peixes. O isolamento de proteínas expressas no sangue
e leite tem vantagem sobre os tecidos, pois os fluídos são constantemente produzidos e as
proteínas são fáceis de recuperar.

Defina animais biorreatores, incluindo as espécies e fluidos corpóreos mais utilizados.

244 Aula 9 Biotecnologia


Como obter um
animal biorreator?
Eles podem ser obtidos através das técnicas de obtenção de animais transgênicos vistas
em detalhe na Aula 6.
Para relembrar, citamos o método da transgenia por adição ou adição gênica ou modelo
de superexpressão de genes, através do qual é inserido no genoma uma ou várias cópias de
um gene exógeno e que seja de interesse.
Atualmente, diversas técnicas são utilizadas para produzir animais transgênicos por adição
de segmentos de DNA ao genoma: microinjeção pronuclear de embriões, transferência de DNA
mediada por espermatozoides, infecção de embriões por vetores retrovirais, transferência de
DNA mediada por transposons, agregação ou injeção de células-tronco embrionárias genetica-
mente modificadas, transferência nuclear de células geneticamente modificadas e transferência
de segmentos de cromossomos artificiais. Detalharemos algumas destas técnicas que têm
sido as mais utilizadas na obtenção de animais biorreatores.

Microinjeção
Os embriões são células relativamente raras, e o método mais eficiente para a transfe-
rência de genes em células cultivadas é a microinjeção.
A microinjeção de DNA no pró-núcleo de embriões de uma célula foi o primeiro método
a ser utilizado para DNA não viral, proposto, em 1980, pela equipe coordenada por Jon W.
Gordon, da Universidade de Yale, EUA, em camundongos e disseminado para três outros
mamíferos (coelhos, suínos e ovelhas), ainda nos anos 1980 por Robert E. Hammer e equipe
da Universidade da Pensilvânia, EUA.
A Figura 2 apresenta um esquema da técnica de microinjeção.

Aula 9 Biotecnologia 245


Gene de
interesse
Promotor para
tecido mamário

Purificador
da proteína
Microinjeção em recombinante
pró-núcleo
Transferência
de embrião 
para receptora  


Leite
Vaca transgênica transgênico

Tecido mamário


expressando o gene
de interesse Produto final
BIORREATOR


Figura 2 – Esquema de produção de proteínas recombinantes em glândula
mamária utilizando tecnologia de microinjeção em embriões de bovinos

Fonte: Collares et al (2007).

Esta técnica requer que um grande número de embriões esteja disponível para a mi-
croinjeção e que seja transferido cirurgicamente para fêmeas receptoras. Os embriões são
geralmente obtidos por superovulação e as fêmeas receptoras estarão prontas para receber
embriões exógenos após cruzamento com machos vasectomizados ou após tratamento hor-
monal de acordo com a espécie.
O DNA exógeno introduzido no pró-núcleo é altamente mitogênico. Isso induz a morte
de uma grande proporção de embriões (30% ou mais). Rearranjos desconhecidos do genoma
e mutações também ocorrem no sítio de integração. A produção média de transgênese, após
microinjeção de DNA no pró-núcleo, é de 2% para camundongos, 0,1 a 0,5% para suínos,
0,01 a 0,1% em cabras e ovelhas e ainda mais baixo para vacas.
Já em vertebrados inferiores e invertebrados e, geralmente, em espécies ovíparas, os
ovos são envolvidos por uma casca, e a célula contém uma grande quantidade de vitelo.
Nesse sentido, os pró-núcleos não são visíveis e a injeção de DNA pode ser melhor realizada
no citoplasma, após transpassar a casca.

246 Aula 9 Biotecnologia


4

Descreva a técnica de microinjeção na obtenção de animais biorreatores.

Retrovírus
Os retrovírus (Figura 3a) são considerados veículos naturais de transferência de material
genético para o genoma de células de mamíferos. São vírus de RNA reversamente transcrito
em cópias de DNA de dupla fita no interior da célula hospedeira. Por meio de uma inserção
aleatória da construção de interesse no genoma hospedeiro, os retrovírus possuem o potencial
de promover uma transdução eficiente, estável e duradoura em uma grande variedade de tipos Transdução
celulares in vitro e in vivo. Transferência, por meio
de um vetor viral, de uma
Os lentivírus (Figura 3b) pertencem à vasta família dos retrovírus e possuem uma alta
sequência de DNA entre
capacidade intrínseca de integração ao genoma. Podem incorporar até 9 kpb de DNA exógeno células bacterianas.
e, por razões desconhecidas, esses vetores integrados são menos suscetíveis à extinção do
gene do que vetores de retrovírus convencionais. Apresentam vantagens como, por exemplo, Lentivírus
podem inserir genes específicos em cromossomos de células-alvo em divisão ou não, pois Vírus com longo período
de incubação associado
seu complexo pré-integração é transportado ativamente para dentro do núcleo. Além disso,
a doenças neurológicas e
a utilização de um sistema de transdução em células in vitro torna possível a avaliação da na- imunossupressoras.
tureza de promotores tecido-específicos antes da aplicação desses em estratégias de Terapia

Aula 9 Biotecnologia 247


Gênica. Diversos animais transgênicos já foram produzidos utilizando-se o sistema lentiviral,
como, por exemplo, ratos, camundongos, bovinos, suínos e aves.

a b

Figura 3 – (a) Retrovírus e (b) lentivírus

Fontes: (a) <http://lacim.uqam.ca/~chauve/Enseignement/BIF7002/Rapports/Emile-DJAKPAH/Emile-DJAKPAH.html>;


(b) <http://www.welgeninc.com/technologies.html>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Descreva a utilização de retrovírus na obtenção de animais biorreatores.

248 Aula 9 Biotecnologia


Transferência gênica
mediada por espermatozoide
Experimentos conduzidos há mais de uma década têm demonstrado que a incubação
de segmentos de DNA exógenos com espermatozoides isolados, seguida por fertilização in
vitro, originou camundongos transgênicos. Esse método, relativamente simples, apresentou
eficiência em peixes, aves, camundongos, coelhos e bovinos (Figura 4). Um complexo de DNA
transfectante, injetado nos túbulos seminíferos de camundongos, permitiu o nascimento de ca-
mundongos transgênicos. Espermatogônias podem ser extraídas dos testículos, transfectadas Espermatogônia
com DNA exógeno in vitro, selecionadas e implantadas nos testículos de um animal pré-tratado. Célula primordial, que dá
início à espermatogênese.
O sucesso na geração de animais transgênicos por meio dessa técnica depende di-
retamente das relações entre concentração de DNA / concentração espermática; pureza do
DNA; morfologia e proporção de DNA exógeno (circular: linear) e adjuvantes de transfecção
(lipossomos, por exemplo).

Interação + +
esperma /
DNA

IA

{
FIV

Fertilização
externa

{
Transferência de
embriões de
Estágio 2 células
Desenvolvimento
embrionário externo

Seleção dos animais transgênicos

Figura 4 – Esquema demonstrativo dos eventos de transferência gênica em


massa baseada em células espermáticas para gerar animais transgênicos biorretores

Fonte: Collares et al (2007).

Aula 9 Biotecnologia 249


6

Descreva a técnica de transferência gênica mediada por espermatozoide na obtenção de


animais biorreatores.

Usos dos animais biorreatores


Apresentaremos diversos exemplos experimentais e comerciais desenvolvidos em di-
versas partes do mundo. O primeiro deles é o caso da vaca Rosie, que foi o primeiro bovino
transgênico obtido em 1997, que produzia leite mais nutritivo do que o leite natural, pois ele
era enriquecido com a proteína humana lactoalbumina. O leite também tem sido empregado
como fluido de secreção de proteínas recombinantes para o tratamento de doenças como
fenilcetonúria, enfisema hereditário e fibrose cística.

250 Aula 9 Biotecnologia


Problemas do sistema hematopoiético têm sido contornados com sucesso através da
produção de proteína que promove o crescimento de hemácias em humanos. Uma dessas
proteínas trata-se da antitrombina humana, que foi aprovada pela Agência Europeia de Medicina
através de cabras transgênicas como biorreatores. A antitrombina é uma proteína presente
no sangue com propriedades anticoagulantes e anti-inflamatórias, pode ser utilizada no trata-
mento de portadores de uma doença genética rara conhecida como deficiência hereditária de
antitrombina. A deficiência de antitrombina torna seus portadores vulneráveis a tromboses, as
quais se caracterizam pela formação ou desenvolvimento de coágulos sanguíneos.
Outros exemplos são a α-1-antitripsina humana recombinante, usada no tratamento de
certas formas de enfisema; doenças como o Rhucin, um inibidor de C1 esterase recombinante
para o tratamento de angiedema hereditário; e a lactoferrina humana, uma proteína com pro-
priedades anti-inflamatórias, além de fibrinogênio e colágeno.
Em 2001, cientistas canadenses introduziram genes responsáveis pela produção de pro-
teínas de teia de aranha nas células das glândulas mamárias de cabras. As cabras começaram,
então, a produzir a seda no leite e, através da extração e manufatura dos fios de polímeros do
leite, desenvolveu-se um material leve, flexível e resistente que poderia ser utilizado na con-
fecção de uniformes militares, fios de microssutura para cirurgia e cordas de raquete de tênis.
O Brasil também tem contribuído nessa área. Pesquisadores da UFMG, Embrapa, Univer-
sidade de Brasília (UnB) e Hospital de Apoio de Brasília produziram no leite de camundongos
transgênicos o fator IX humano, uma proteína responsável pela coagulação do sangue. Essa
proteína é ausente nos hemofílicos, dificultando a coagulação nos portadores da doença. As
pesquisas iniciais foram realizadas em camundongos, mas o objetivo final dos pesquisadores
da Embrapa é desenvolver vacas clonadas transgênicas expressando o gene humano para
esse fator no leite.
Também a Universidade Estadual do Ceará visa produzir cabras transgênicas expressando
no leite o fator de estimulação de colônias de granulócitos (G-CSF), uma proteína utilizada para
estimular a produção de glóbulos brancos e recrutar células-tronco da medula óssea. A G-CSF
é usada no tratamento de pacientes com sistema imunológico debilitado.
Porcos transgênicos para o gene da ¯-globina humana sob o controle do promotor do
gene da ¯-globina desses animais foram gerados e expressaram de moderado a altos níveis
da ¯-globina humana no sangue. Diversos trabalhos com ovinos, caprinos e suínos transgê-
nicos têm sido realizados, utilizando-os como biorreatores de proteínas expressas no leite.
Por exemplo, o fator IX do coágulo de sangue humano e α-1-antitripisina foram produzidos
no leite de ovelhas transgênicas; o ativador de plasminogênio humano ativo biologicamente
no leite de cabras transgênicas; e a proteína C com atividade anticoagulante e a hemoglobina
humana no leite de suínos transgênicos.
Algumas proteínas complexas como proteína C, fatores da coagulação (FVII, FVIII e FIX),
hemoglobina, transferrina, antitrombina, albumina e α-1-antitripsina, hormônio do crescimento
humano (GH), entre outras, têm sido produzidas em diferentes fluidos corporais de animais
geneticamente modificados. O que parece determinar o sucesso da expressão gênica é limi-
tado por fatores pós-traducionais, e esses fatores são dependentes do potencial tecidual das
células do biorreator de eleição.

Aula 9 Biotecnologia 251


7

Os animais biorreatores têm um elevado potencial para serem utilizados como biofábricas
na produção em larga escala de diversas proteínas expressas em diversos fluidos corpóreos.
Dessa forma, sugerimos que você realize uma busca pela internet por outros exemplos de
animais biorreatores. Você deverá incluir, além da proteína de interesse, o país envolvido e a
técnica empregada na obtenção dessas proteínas.

E quanto custa para produzir um animal transgênico?

252 Aula 9 Biotecnologia


Se fôssemos construir um biorreator baseado em células de mamíferos para produção de
10.000 litros de uma determinada proteína fabricada com facilidade por essas células, seriam
necessários de três a cinco anos e o custo seria de 250 a 500 milhões de dólares.
Uma fazenda modelo destinada à produção de animais transgênicos, como biorreatores
para mesma produção em leite, depende da proteína de interesse, apresenta um custo geral
de 80 milhões de dólares, levando em consideração os processos de purificação proteica.
Para produção de 50 kg de uma proteína genérica, tem-se o custo de US$ 942/g em cultivo
de células de mamíferos. Já em modelos de biorreatores animal, como no leite, por exemplo,
esse custo é de US$ 700/g.

Vantagens

A obtenção de animais biorreatores apresenta algumas vantagens frente aos


biorreatores convencionais. Algumas destas vantagens são apresentadas a seguir.

1) Leite como fonte de matéria-prima não processada segura, abundante, re-


novável, de fácil obtenção e de boa aceitação pública.

2) Possibilidade da produção de proteínas heterólogas com estruturas complexas.

3) Estabilidade da proteína e atividade biológica in vitro e in vivo.

4) Produção consistente entre as diferentes gerações dos animais.

5) Eficiência de produção: dezenas de gramas da matéria-prima por litro de leite,


muitos quilogramas de proteínas por animal ao ano, níveis de produtividade
de 10 a 1000 vezes maiores do que os sistemas de cultivo celular.

6) Recuperação e purificação da proteína em grandes quantidades e alta con-


centração da proteína na matéria-prima original por quilo de leite.

Biofármacos
A Biofarmacologia também é um avanço proporcionado pela Biotecnologia que nós apre-
sentaremos a você. Trata-se de uma linha de pesquisa que emprega plantas ou animais como
biorreatores, ou seja, neles são inseridos os genes que expressarão proteínas recombinantes
ou anticorpos de interesse para a indústria farmacêutica.

Aula 9 Biotecnologia 253


Essas proteínas são extraídas, purificadas e se transformam em um medicamento, seme-
lhante ao que se faz hoje com a insulina, por exemplo. Mas a insulina vendida hoje, que trata
de muitos diabéticos, é feita por bactéria transgênica, a Escherichia coli.
Como já tratamos sobre os animais biorreatores, neste tópico focaremos alguns exemplos
de plantas transgênicas para a produção de biofármacos. Entretanto, as plantas transgênicas
ainda são pouco usadas para o setor farmacológico devido à dificuldade em recuperar e pu-
rificar a proteína recombinante sintetizada por essas plantas. Alguns exemplos, que contam
inclusive com contribuições brasileiras, são apresentados a seguir:

1) arroz: α-1-antitripsina;

2) alface: vacina contra leishmaniose e diarreia;

3) banana: diarreia e hepatite B;

4) batata: vacina contra o papilomavírus humano (HPV), principal causador do câncer


de útero;

5) milho: hormônio de crescimento humano;

6) cevada: produção de cerveja com ingredientes capazes de prevenir o câncer;

7) maçã: com substância que combate bactérias associadas à cárie;

8) tabaco: com a enzima glucocerebrosidase, necessária para o tratamento da


doença de Fabry e uma das drogas mais caras do mundo.

Terapia Gênica
Outro avanço da Biotecnologia interessante é a Terapia Gênica, que é o tratamento de
doenças baseado na transferência de material genético. Esse tratamento é feito através da
introdução de um gene sadio em tecido somático para substituir ou complementar genes que
apresentem mau funcionamento de um gene vital ou de seu respectivo produto, causando
doenças. Para o sucesso da Terapia Gênica, é necessário dois importantes fatores: 1) que
não ocorram efeitos indesejáveis; 2) que se mantenha a produção, em níveis desejáveis, do
produto do gene introduzido.
Alguns exemplos de doenças para as quais têm sido desenvolvidos tratamentos baseados
na Terapia Gênica são: câncer, AIDS, doenças neurológicas, como o mal de Parkinson e de
Alzheimer, doenças cardiovasculares, dentre outras.

254 Aula 9 Biotecnologia


Introduzindo o gene terapêutico

Para transferir o gene terapêutico para o tecido alvo, é preciso um sistema vetor capaz de
conduzir esse gene para dentro das células à semelhança dos tópicos já apresentados nesta
aula. Existe uma variedade de sistemas vetores, podendo ser FÍSICOS, QUÍMICOS ou BIO-
LÓGICOS. O estudo desses sistemas elucida as vantagens e desvantagens de cada um deles,
bem como as indicações preferenciais dos vetores para esta ou aquela doença.
Entre os vetores físicos ou químicos, temos a transfecção de DNA, a injeção direta de
DNA, complexos receptores-ligantes, eletroporação etc. A expressão de genes introduzidos por
esses métodos dura por um período transiente de tempo. Já os sistemas vetores biológicos
são baseados na infecção de células por vírus. Esses sistemas são divididos em duas classes:
1) os retrovírus; 2) os adenovírus. Adenovírus
Os retrovírus (Figura 5a) são mais explorados devido à sua capacidade de se integrar Vírus constituído por DNA,
não possui envelope bili-
ao cromossomo da célula infectada e, consequentemente, de manter os níveis de expressão
pídico e é extremamente
do gene terapêutico. No entanto, os retrovírus só infectam células em divisão, o que pode ser resistente.
uma limitação para doenças que ocorrem em células quiescentes (repouso). Já os adenovírus
(Figura 5b), por sua vez, atingem altos níveis de infecção, além de infectar células que não
estão se dividindo. Apesar disso, o gene terapêutico não é capaz de se integrar ao cromossomo
das células hospedeiras, o que leva a uma expressão menos duradoura do gene terapêutico.
O uso de adenovírus, portanto, necessitaria de repetidas reinfecções do tecido acometido.

a b

Figura 5 – (a) Retrovírus e (b) adenovírus

Fontes: (a) <http://lacim.uqam.ca/~chauve/Enseignement/BIF7002/Rapports/Emile-DJAKPAH/Emile-DJAKPAH.html>;


(b) <http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Human_immunodeficiency_virus_diagrams>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Vantagens

A Terapia Gênica é uma área muito promissora devido a algumas vantagens, que desta-
camos a seguir.

 Encontra-se disponível para todas as pessoas.

 Permite curar determinadas doenças que anteriormente não tinham cura possível.

 Repara o sistema imunológico.

 Mantém a imunidade existente.

Aula 9 Biotecnologia 255


Desvantagens

Entretanto, a Terapia Gênica possui algumas desvantagens que precisam ser muito
bem avaliadas antes do início do tratamento, a fim de assegurar maiores chances de sucesso.
Em seguida, algumas delas são descritas.

 Apresenta um curto período de duração, devido à curta vida do vetor, à perda de funcio-
nalidade do DNA inserido nas células-alvo e/ou à rapidez da divisão celular.

 Há necessidade do uso da Terapia Gênica repetidas vezes.

 Quando uma doença é causada por uma variação dos efeitos de vários genes e não por
uma mutação apenas num gene, o tratamento é mais difícil.

 Pode induzir um tumor se o DNA exógeno for introduzido no gene errado.

O emprego da Terapia Gênica na Medicina


A primeira aplicação da Terapia Gênica foi autorizada em 1990 e realizada por pesqui-
sadores do National Institute of Health (Instituto Nacional de Saúde), nos EUA, em uma me-
nina de quatro anos (Ashanti DeSilva) que nascera com uma rara doença genética chamada
Imunodeficiência Combinada Grave. O sistema imunológico dessa menina era vulnerável a
todos os germes com que ela tivesse contato, o que faz com que crianças com essa doença
geralmente desenvolvam muitas infecções e raramente sobrevivam à idade adulta. Os médicos
recolheram glóbulos brancos do corpo da criança e cultivaram as células em laboratório. No
segundo momento, inseriram o gene que faltava nas células e reintroduziram os glóbulos
brancos geneticamente modificados na corrente sanguínea da paciente. Exames de laboratório
mostraram que a terapia fortaleceu o sistema imunológico de Ashanti; ela parou de contrair
resfriados recorrentes e pôde voltar a frequentar a escola. Esse procedimento não a curou, já
que os leucócitos geneticamente só funcionaram por poucos meses e o processo teve de ser
frequentemente repetido.
Existem outros protocolos experimentais desenvolvidos e em desenvolvimento empre-
gando a Terapia Gênica na busca pela curas de doenças hereditárias, causadas normalmente
por defeitos em um único gene, como a fibrose cística, as hemofilias, hemoglobinopatias e
distrofias musculares. Entretanto, a maioria dos experimentos clínicos de Terapia Gênica atu-
almente em curso está direcionada para o tratamento de doenças adquiridas, como a AIDS,
doenças cardiovasculares e diversos tipos de câncer (de mama, de próstata, de ovário, de
pulmão e leucemia).
A Figura 6 ilustra o emprego da Terapia Gênica em casos de lesão na medula espinhal.

256 Aula 9 Biotecnologia


Figura 6 – Terapia Gênica aplicada ao tratamento de paralisia de membro inferior

Fonte: <http://biologiacesaresezar.editorasaraiva.com.br/navitacontent_/userFiles/File/Biologia_Cesar_Sezar/Bi
o3_170.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2011.

O primeiro teste clínico de Terapia Gênica do Brasil foi iniciado em 2007 e conta com
a participação de pesquisadores do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, que tem
tentado tratar doença coronária injetando argolas de DNA nos pacientes.
Exemplos bem sucedidos foram dados no tratamento do glioblastoma, que é um tumor
cerebral maligno, de melanomas malignos e carcinomas de cabeça e pescoço e da deficiência
da enzima adenosina desaminase (ADA), que ocasiona um comprometimento severo do sis-
tema imunológico do indivíduo, de uma variedade hereditária de cegueira, da disfunção erétil
em homens, dentre outros, pois esse campo é muito vasto para a aplicação da Terapia Gênica.

1 Pesquise na internet sobre outros exemplos de biofármacos que já foram ou estão


sendo desenvolvidos. Liste exemplos diferentes daqueles mencionados na aula e
não se esqueça de apresentar a espécie vegetal empregada e qual a proteína re-
combinante ou anticorpo de interesse.

Aula 9 Biotecnologia 257


2 Apresente três vantagens e três desvantagens do emprego da Terapia Gênica.

258 Aula 9 Biotecnologia


Células-tronco
As técnicas de Biotecnologia têm permitido também um avanço muito importante na
área das chamadas células-tronco, que são células primitivas produzidas durante os estádios
iniciais de desenvolvimento do organismo e que dão origem a todos os outros tipos de células.
Existem vários tipos de células-tronco, como você poderá ver a seguir.

1) Totipotentes: que podem produzir todas as células embrionárias e


extra embrionárias.

2) Multipotentes: que podem produzir células de várias linhagens; tratam-se das


chamadas células-tronco adultas, células indiferenciadas encontradas em um
tecido diferenciado, que podem renovar-se e, com certa limitação, diferenciar-
se para produzir o tipo de célula especializada do tecido do qual se originam.

3) Unipotentes: que produzem somente um único tipo celular maduro.

4) Oligopotentes: que podem produzir células dentro de uma única linhagem.

5) Pluripotentes: que podem produzir todos os tipos celulares do embrião; tratam-


se das chamadas células-tronco embrionárias, são células primitivas indiferen-
ciadas do embrião que têm potencial para se tornarem uma variedade de tipos
celulares especializados de qualquer órgão ou tecido do organismo. São justa-
mente essas que os pesquisadores têm maior interesse em estudar (Figura 7).

Óvulo fertilizado

Embrião de Blastocisto
8 dias Pluripotentes

Neurônio Células do
sangue

Músculo

Figura 7 – Obtenção e utilização de células pluripotentes

Fonte: <http://wwwctfar.blogspot.com/>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Aula 9 Biotecnologia 259


Mas, para que servem as células-tronco?
Uma das principais aplicações é produzir células e tecidos para terapias médicas. Atu-
almente, órgãos e tecidos doados são frequentemente usados para repor aqueles que estão
doentes ou destruídos. Infelizmente, o número de pessoas que necessitam de um transplante
excede muito o número de órgãos disponíveis para transplante. E as células pluripotentes
oferecem a possibilidade de uma fonte de reposição de células e tecidos para tratar um grande
número de doenças.
Algumas doenças que seriam beneficiadas com a utilização das células- tronco
embrionárias são:

1) câncer: para reconstrução dos tecidos;

2) doença de Alzheimer: células-tronco poderiam tornar-se parte da cura pela


reposição e cura das células cerebrais;

3) osteoporose: para repor o osso com células novas e fortes;

4) Mal de Parkinson: para reposição das células cerebrais produtoras de dopamina;

5) distrofia muscular: para reposição de tecido muscular e, possivelmente,


carreando genes que promovam a cura;

6) diabetes: para infundir o pâncreas com novas células produtoras de insulina;

7) cegueira: para repor as células da retina;

8) doenças renais: para repor as células, tecidos ou mesmo o rim inteiro;

9) doenças hepáticas: para repor as células hepáticas ou o fígado todo;

10) doenças do coração: para reposição do tecido isquêmico com células car-
díacas saudáveis e para o crescimento de novos vasos;

11) esclerose lateral amiotrófica: para a geração de novo tecido neural ao longo
da medula espinhal e corpo;

12) osteoartrite: para ajudar o organismo a desenvolver nova cartilagem;

13) doença autoimune: para repor as células do sangue e do sistema imune;

260 Aula 9 Biotecnologia


14) danos na medula espinhal: para reposição das células neurais da medula
espinhal;

15) doença pulmonar: para o crescimento de um novo tecido pulmonar.

1 O que são e para que servem as células-tronco?

2 Quais são os tipos de células-tronco? Faça uma breve descrição de cada tipo.

Aula 9 Biotecnologia 261


Os custos envolvidos para a coleta e processamento das células do cordão umbilical de
um recém-nascido custam US$ 1.325 e a estocagem anual das células em nitrogênio líquido,
US$ 95 por ano. Esses são valores gerais praticados nos EUA.
No Brasil, tais valores estão em torno de R$ 4.000 para a coleta das células e R$ 600
por ano para a sua estocagem.
Outra possibilidade é a terapia celular para doadores que usam sua própria medula
óssea como fonte de células-tronco. O custo é de aproximadamente US$ 80 mil. Mas se for
transplante celular de células provenientes de um doador compatível que não ele próprio, gira
em torno de US$ 90 mil a US$ 150 mil, incluindo a procura por um doador compatível que
varia de US$ 7 mil a US$ 9 mil.

Onde podemos encontrar as células-tronco?


As células-tronco são encontradas basicamente em dois tipos de embriões: 1) em
embriões recém-fecundados (blastocistos), criados por fertilização in vitro, que
são aqueles que não serão utilizados no tratamento da infertilidade (chamados
embriões disponíveis) ou criados especificamente para pesquisa; 2) em embriões
recém-fecundados criados por inserção do núcleo celular de uma célula adulta em
um óvulo que teve seu núcleo removido através da reposição de núcleo celular
(denominado clonagem).
Mas também é possível encontrar as células-tronco em células sanguíneas de
cordão umbilical no momento do nascimento, em células germinativas ou órgãos
de fetos abortados, em alguns tecidos adultos (tais como a medula óssea, a den-
tina) e células maduras de tecido adulto reprogramadas para ter comportamento
de células-tronco.

262 Aula 9 Biotecnologia


A Figura 8 ilustra a obtenção de células-tronco embrionárias por meio de três abordagens:
cultivo de células da massa interna do blastocisto, cultivo de células germinativas primordiais
da prega gonadal e transferência de núcleo somático ou clonagem.

Prega
gonodal
Células Blastocisto Fela
totipotentes Células
germinativas
Células da primordias
massa interna Células-tronco
embrionárias (uso terapêutico)

Células somáticas Células totipotentes Blastocisto

Figura 8 – Três abordagens para obtenção de células-tronco embrionárias

Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_6886BCkrAL0/SIY6D_byVYI/AAAAAAAABpM/8EEIBXgvqqs/s1600-h/25+-+C%C3%A9lulas+tronco+Embrion%C
3%A1rias.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2011.

O emprego das células-tronco


No Brasil, os tratamentos com células-tronco estão voltados para diversas doenças, como
é o caso da distrofia muscular, esclerose múltipla, câncer, traumatismo de medula espinhal,
diabetes. Grandes centros de pesquisa, como os grandes hospitais em que os pacientes assi-
nam um termo de consentimento e concordam em participar desses estudos clínicos, estão
envolvidos. Citamos como exemplo o Instituto do Coração, em São Paulo, e o Instituto Nacional
de Cardiologia de Laranjeiras, no Rio de Janeiro.
Pesquisas em outros países como a Inglaterra, Austrália, Canadá, China, Japão, Holanda,
África do Sul, Alemanha têm sido conduzidas experimentalmente.

Benefícios

As células-tronco podem trazer muitos benefícios à sociedade que anseia pela descoberta
de novos tratamentos contra doenças ainda tidas como incuráveis. Observe, a seguir, alguns
desses benefícios.

1) Compreensão dos mecanismos de diferenciação e desenvolvimento.

2) Controle da diferenciação de células-tronco para tipos celulares alvo necessários para o


tratamento das doenças.

Aula 9 Biotecnologia 263


3) Identificação, isolamento e purificação dos diferentes tipos de células- tronco adultas.

4) Nos transplantes de células-tronco: demonstração do controle apropriado do crescimento,


bem como a obtenção do desenvolvimento e função de célula normal.

5) Conhecimento para desenvolver transplantes de células-tronco compatíveis.

6) Confirmação dos resultados bem-sucedidos dos animais em seres humanos.

10

1 Mencione onde podemos encontrar células-tronco.

2 Apresente um esquema da obtenção de células-tronco.

264 Aula 9 Biotecnologia


3 Comente sobre os benefícios que as células-tronco têm e podem oferecer à sociedade.

Aula 9 Biotecnologia 265


Xenotransplante
Xenotransplante é o transplante de órgãos ou tecidos entre diferentes espécies. Pode ser
classificado como concordante, em que o transplante ocorre entre espécies proximamente rela-
cionadas, ou discordante, em que o transplante ocorre entre espécies distantemente relacionadas.
As pesquisas têm focado no xenotransplante discordante entre o suíno e o homem. Mas,
por que o suíno?
Por causa da semelhança de dimensões dos órgãos dessas espécies, da facilidade de
criação desse animal e da experiência já acumulada na utilização da insulina de porco, de
enxertos de pele e de implantação de válvulas cardíacas de porco em humanos (Figura 9).

b c

Figura 9 – (a) Suíno, (b) coração de suíno e (c) ser humano

Fontes: (a) <http://www.leonardocamiza.com.br/2008/06/21/coisas-essenciais-para-a-vida/>; (b) <http://www.faqs.org/photo-dict/phrase/4467/pork-heart.ht


ml>; (c) <http://2.bp.blogspot.com/__-drisjQZ1Y/SXm1fsuIYZI/AAAAAAAAAmQ/uZe1f9xLNqg/s1600-h/mulher_maravilha_p_2.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2011.

Porém, o xenotransplante não trata apenas de transplante de órgãos inteiros. Essa abor-
dagem inclui também outras aplicações, tais como:

1) células da ilhota pancreática de porcos transplantadas para humanos com


diabetes tipo I;

2) células do cérebro de feto de animais usadas para produzir dopamina em


pacientes com doença de Parkinson;

3) medula óssea de macacos transplantada para ajudar a recuperar um sistema


imunológico deficiente;

4) aplicação de pele de animais como curativo temporário.

266 Aula 9 Biotecnologia


As vantagens do xenotransplante sobre os transplantes tradicionais incluem o suprimento
ilimitado de órgãos e a consequente diminuição das filas de espera. Além disso, como o órgão
a ser transplantado é coletado imediatamente, ele não é prejudicado por efeitos post-mortem,
como hemorragia e alterações metabólicas.
Para isso, é preciso superar um difícil obstáculo: o sistema imunológico reconhece e
destrói todas as células que não possuem marcadores específicos humanos na sua super-
fície, ocasionando o fenômeno da rejeição.
Para contornar esse problema, foram criados porcos transgênicos portadores de um gene
que codifica uma proteína da superfície de células humanas. Como resultado, esses porcos
possuem órgãos contendo marcadores de células humanas, o que impede que componentes
do sistema imune do receptor ataquem e destruam o órgão transplantado.
Apesar das boas perspectivas do xenotransplante, a utilização do método ainda precisa ser
avaliada com cautela. Existe a possibilidade de os tecidos transplantados carregarem algum tipo
de microrganismo latente que, uma vez introduzido no organismo receptor, origine uma infecção.

Perspectivas da Biotecnologia
Apresentamos a seguir algumas áreas em que a Biotecnologia tem muito a contribuir e
os estudos avançam para que novas tecnologias sejam obtidas. Veja a seguir quais são elas.

1) Saúde: remédios e vacinas mais eficazes com maior grau de pureza e a um


custo menor, diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças genéticas,
medicina personalizada, Terapia Gênica.

2) Medicamentos: plantas e animais como biorreatores para produção de


biomoléculas e vacinas.

3) Nutrição: novos produtos, processos alimentícios mais eficientes e melhor


rendimento e qualidade na produção agropecuária, plantas resistentes a
fatores bióticos e abióticos, em especial a cana-de-açúcar resistente à seca,
soja resistente à ferrugem asiática e à seca, feijão resistente a vírus.

4) Energia: maior eficiência na conversão de biomassa em combustíveis,


menor consumo energético em processos industriais e aumento na recu-
peração de petróleo.

5) Materiais: menor custo na produção de produtos químicos com matérias-


primas de biomassa e extração econômica de minerais de baixo teor.

6) Meio ambiente: alternativas biológicas a herbicidas e pesticidas e tratamento


de detritos tóxicos.

Aula 9 Biotecnologia 267


11

1 O que é xenotransplante e como se classifica?

2 Apresente três aplicações do xenotransplante.

268 Aula 9 Biotecnologia


3 Comente sobre três áreas em que os avanços da Biotecnologia são promissores.

Resumo

Nesta aula, conhecemos alguns exemplos dos avanços da Biotecnologia


que têm contado com contribuições do Brasil e do mundo. Vimos a importância
desses avanços para a sociedade, a qual tem esperado pela cura ou ao menos
um melhor entendimento dos mecanismos que desencadeiam doenças ainda
incuráveis. Salientamos que a maior parte dos avanços apresentados nesta
aula ainda encontra-se em fase experimental. Ainda há um vasto campo a ser
explorado e aperfeiçoado para que você e toda a sociedade possam, finalmente,
usufruir dos benefícios resultantes dos avanços da Biotecnologia em busca de
uma melhor qualidade de vida.

Aula 9 Biotecnologia 269


Autoavaliação
Escolha um dos avanços apresentados nesta aula e descreva-o brevemente. Em segui-
da, assuma uma posição a favor ou contra a sua utilização. Não se esqueça de apresentar
seus argumentos e comentar como você acredita que a sociedade possa se beneficiar dele.

Referências
ALMEIDA, M. R.; BORÉM, A.; FRANCO, G. R. Biotecnologia e Saúde. Brasília: Independente,
2004. 232 p.

BRESSAN, F. F. et al. Produção de animais transgênicos por transferência nuclear como mo-
delo de estudo biológico. Revista Brasileira de Reprodução Animal, v. 32, n. 4, p. 340-250,
2008. Disponível em: <http://www.cbra.org.br/pages/publicacoes/rbra/download/RB179%20
Bressan%20p240.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2010.

COELHO, M. M. Xenotransplante: ética e teologia. São Paulo: Loyola, 2004. 208 p.

COLLARES T. et al. Animais transgênicos biorreatores. Revista Brasileira de Reprodução Ani-


mal, v. 31, n. 4, p. 462-478, 2007. Disponível em <http://www.cbra.org.br/pages/publicacoes/
rbra/download/pag%20462.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2010.

LINDEN, R. Genes contra doenças: terapia gênica: uma nova era na genética. Rio de Janeiro:
Vieira e Lent, 2008. 125 p.

270 Aula 9 Biotecnologia


Anotações

Aula 9 Biotecnologia 271


Anotações

272 Aula 9 Biotecnologia


Bioética e Patentes Biotecnológicas

Aula

10
Apresentação
Finalmente, chegamos à décima e última aula e ao término de nosso curso.
Durante as Aulas 5 (Clonagem), 6 (Organismos Geneticamente Modificados), 7 (Genoma
Humano) e 9 (Avanços da Biotecnologia no Brasil e no Mundo) apresentamos temas que geram
desconfiança, polêmica e preocupação na sociedade. Alguns desses temas estiveram relaciona-
dos à clonagem para fins reprodutivos e terapêuticos, ao direito do consumidor em saber se um
alimento contém produto transgênico, à possibilidade de sabermos antecipadamente se somos
propensos ao desenvolvimento de alguma doença por meio da análise do genoma, dentre outros.
Dessa forma, surge a Bioética, que tem buscado associar o conhecimento biológico, devido
à descoberta de novas técnicas e processos, com o conhecimento dos valores humanos. Além
disso, essas novas técnicas e processos têm propiciado a obtenção de recursos financeiros,
através da requisição das chamadas patentes.
Portanto, na primeira parte desta décima aula apresentaremos o conceito, fatos históricos
e princípios relacionados à Bioética. Discutiremos também sobre a Bioética na Medicina e na
Experimentação com Animais. Já na segunda parte definiremos patentes, os critérios para a sua
solicitação, importância econômica e benefícios.
Os objetivos definidos a seguir serão mais facilmente compreendidos se você ler atenta-
mente todos os tópicos, quando julgar pertinente faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse
o fórum da disciplina.
Bom estudo!

Objetivos
1 Definir o conceito de Bioética.

2 Apresentar o histórico sobre a Bioética.

3 Conhecer os dilemas e os princípios sobre a Bioética.

Compreender os aspectos relacionados à Bioética na


4
Medicina e na experimentação com animais.

5 Definir o conceito de Patentes.

6 Compreender a utilidade das Patentes.

Identificar os critérios para solicitação de uma Patente.


7
Apresentar os prós e contras das Patentes no desenvolvimento
8
da ciência e tecnologia.

Aula 10 Biotecnologia 275


O conceito de Bioética

O
ser humano assumindo o papel do Criador sobre a definição e determinação da vida e
da morte. Essa é uma ideia amplamente difundida quando o assunto é a Bioética. Mas,
antes de definirmos esse conceito, apresentamos, a seguir, alguns casos verídicos
relacionados à reprodução humana que contribuíram para o desenvolvimento e o aperfeiço-
amento da Bioética. Lembramos que ao longo desta aula também apresentaremos exemplos
em outras áreas.
Em 1978, nascia Louise Brown, em Londres, primeiro ser humano proveniente de uma
inicial fertilização in vitro, seguida da implantação bem-sucedida do embrião no útero de sua
mãe. A sociedade daquela época logo passou a se questionar: o ser humano teria direito de
fazer o papel da natureza em questões relacionadas à reprodução? Entretanto, hoje em dia
quantos casais inférteis têm realizado o desejo de terem filhos através dessa técnica?
Em 1994, o ginecologista italiano Severino Antinori anunciava que sua paciente, Rosanna
Della Corte, tinha dado a luz aos 63 anos. Imediatamente, o Vaticano considerou esse expe-
rimento abusivo e a sociedade também fazia o seguinte questionamento: como uma senhora
de 63 anos poderia dar a luz, visto que a recomendação médica para não expor a mulher a
riscos é de até 35 anos? Mas, atualmente, quantos casais empregam a chamada “barriga de
aluguel” para poder gerarem seus filhos?
Esses dois simples casos ilustram a polêmica que a revolução das técnicas de repro-
dução causou na sociedade da época. Entretanto, hoje elas são aceitas normalmente pela
sociedade. Outros temas relacionados às técnicas de sequenciamento do genoma humano,
doação de sêmen ou de óvulo, contracepção, esterilização, fecundação in vitro, inseminação
artificial, barriga de aluguel, reprodução assistida, escolha e predeterminação do sexo, clona-
gem humana, descarte de embriões, morte clínica, pacientes terminais, eutanásia/distanásia, Eutanásia
prolongamento artificial da vida, doação e transplante de órgãos e tecidos, experimentação Prática pela qual se abre-
via a vida de um enfermo
em seres humanos e animais também têm provocado discussões polêmicas na sociedade e
incurável de maneira
é ai que surge a Bioética. controlada e assistida
Mas, afinal, o que é Bioética? por um especialista.
Em 1927, o filósofo, teólogo e educador alemão Fritz Jahr utilizou pela primeira vez a
palavra Bioética (bio + ethik), referindo-se ao reconhecimento de obrigações éticas, não apenas Distanásia
com relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos. Jahr propôs um imperativo Prática pela qual se
continua através de
bioético: “respeita todo ser vivo essencialmente como um fim em si mesmo e trata-o, se
meios artificiais a vida de
possível, como tal”. um enfermo incurável;
Entretanto, o termo Bioética ficou amplamente conhecido através das palavras do bio- contrário da eutanásia.
químico, biólogo e oncologista da Universidade de Wisconsin, Van Rensselaer Potter, que, em
1970, utilizou “bio” para representar o conhecimento biológico, a ciência dos sistemas viventes
e, “ética”, para representar o conhecimento dos sistemas de valores humanos. Ele definiu a
Bioética como “a ciência da sobrevivência humana”, cujo objetivo era promover mudanças
no meio ambiente onde se pudesse realizar uma adaptação humana ideal dentro de tal meio.
A Bioética surge da necessidade de desvendar as novas relações humanas oriundas
das novas tecnologias de reprodução e criação da vida ligadas à Medicina e à Biologia. Ela
busca respostas aos dilemas éticos que envolvem os seres humanos. Dessa forma, o critério

Aula 10 Biotecnologia 277


ético fundamental que regula essa disciplina é o respeito ao ser humano, aos seus direitos
inalienáveis, a seu bem verdadeiro e integral: à DIGNIDADE do ser vivo (pessoa ou animal).
A popularidade e a natureza da bioética só serão compreendidas quando relacionadas com
Inalienável a Moral, a Ética e o Direito. A Moral e a Ética podem mudar de indivíduo para indivíduo, de
Algo que não pode ser região para região, de época para época. O Direito até acompanha as mudanças sociais, os
vendido ou cedido.
costumes, porém, mais lentamente.
Moral Para ficar mais claro, utilizaremos um exemplo que tem ocorrido frequentemente nas
Conjunto de valores e grandes cidades, onde o transito está cada vez mais caótico.
normas admitidos e prati-
Vamos imaginar a figura de uma pessoa que é gentil e educada com seus semelhantes
cados pela sociedade, no
contexto da sua tradição. no cotidiano. Num dado dia, ela teve um péssimo dia no trabalho, pois o chefe não aprovou
o projeto que ela estava desenvolvendo. Ao sair do trabalho, entrou em seu carro e, distrai-
Ética damente, bate na traseira de outro carro. Essa pessoa tem duas opções: 1) sair, nervosa, aos
Ciência dos fundamentos gritos, xingando e culpando o condutor do veículo da frente; 2) tentar manter a calma, ver se
ou princípios da ação hu-
ela se machucou ou alguém mais se machucou etc.
mana, ou seja, os critérios
e teorias que regem o Diante da situação desagradável, essa pessoa resolve gritar, xingar, pois ela é humana e
comportamento correto do essa é uma reação natural. Reação natural, sim, de fato, mas antiética, visto que a única cul-
homem; reflexão racional pada é ela própria. Porém, ela não deixará de ser uma pessoa moralmente correta, pagadora
sobre valores e normas.
de suas contas e impostos, trabalhadora, responsável.
Direito Sabe aquela frase “você não tem moral pra isso?” Pois é, remetemos ao caráter, não?
Classe de valores e normas Embora, muitas vezes, o sujeito bom-caráter dê suas escorregadelas, vez ou outra, agindo de
explicitamente estabele-
maneira antiética, pois somos humanos, demasiadamente humanos, como diria Nietzsche.
cidos pelo Estado, postos
em prática por meio de O vocábulo Bioética foi escolhido também por estar menos ligado a uma abordagem
coação pública organizada, religiosa e porque traz para si a ideia de interdisciplinaridade. Dessa forma, a Bioética sofre
expressa basicamente sob influência da Biologia, Nutrição, Medicina, Política, Direito, Filosofia, Sociologia, Antropologia,
a forma de leis.
Teologia, dentre outras (Figura 1). Ela busca entender o significado e alcance de novas des-
Friedrich cobertas tecnológicas, com o intuito de lançar regras que possibilitem o melhor uso dessas
Wilhelm Nietzsche novas tecnologias. Tais regras são desprovidas de coerção, sendo apenas conselhos morais,
Influente filósofo alemão
para a utilização eticamente correta das novas técnicas.
do século XIX.

Política
Sociologia Medicina

Filosofia Nutrição
BIOÉTICA
Direito Biologia

Antropologia Teologia

Figura 1 – A interdisciplinaridade da Bioética

Fonte: Millor Fernandes do Rosário.

278 Aula 10 Biotecnologia


Assim, pode-se dizer que a Bioética tem uma tríplice função, reconhecida acadêmica
e socialmente:

1) descritiva, consiste em descrever e analisar os conflitos em pauta;

2) normativa, com relação a tais conflitos, no duplo sentido de proscrever os comportamentos


que podem ser considerados reprováveis e de prescrever aqueles considerados corretos;

3) protetora, no sentido, bastante intuitivo, de amparar, na medida do possível, todos os


envolvidos em alguma disputa de interesses e valores, priorizando, quando isso for ne-
cessário, os mais “fracos”.

História da Bioética
Vários foram os fatos e documentos que tiveram impacto no surgimento e desenvolvi-
mento da Bioética. Mencionamos os mais importantes a seguir.

1) 1900 – Primeiro documento que estabelecia explicitamente os princípios éticos da expe-


rimentação em humanos, formulado pelo Ministério da Saúde da Prússia. Prússia
Antigo país europeu que
compreendia partes da
2) 1931 – Devido aos abusos anteriores e à limitada repercussão do documento de 1900, o
atual Alemanha, a Polônia
Ministro do Interior da Alemanha estabeleceu 14 “diretrizes para novas terapêuticas e a e a Rússia e desapareceu
pesquisa em seres humanos”. ao final da Primeira
Guerra Mundial.

3) 1933-1945 – Período nazista e da 2ª Guerra Mundial.

4) 1945 – Fim da 2ª Guerra Mundial com a explosão das bombas atômicas no Japão, em
1945, em Nagazaki e Hiroshima, em que milhares de pessoas inocentes foram imedia-
tamente exterminadas e as que sobreviveram sofreram sequelas irreversíveis pelo resto
da vida.

5) 1946 – Julgamento de Nuremberg – Tribunal de Guerra.

6) 19 de agosto de 1947 – Julgamento de médicos nazistas no Tribunal de Nuremberg.

7) 1947 – Código de Nuremberg.

8) Declaração de Genebra (1948).

9) 1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos – ONU.

Aula 10 Biotecnologia 279


10) 1964 – Declaração de Helsinque – Assembléia Médica Mundial e posteriores versões
(1975, 1983, 1989, 1996, 1999 e 2000).

11) 25 de abril de 1953 – Descoberta da estrutura do DNA.

12) 23 de dezembro de 1954 – Primeiro transplante renal, realizado pelo Dr. Joseph E.
Murray, entre irmãos gêmeos idênticos.

13) 09 de março de 1960 – Comitê de Seleção de Diálise de Seattle.

14) Maio de 1960 – A pílula anticoncepcional.

15) Declaração de Helsinque (1964), que na realidade foi uma revisão do Código de
Nuremberg. Na última revisão dessa Declaração, estabeleceram-se, também, as normas
para a pesquisa médica sem fins terapêuticos.

16) 03 de dezembro de 1967 – Primeiro transplante de coração realizado pelo Dr. Christian
Barnard na África do Sul.

17) 05 de agosto de 1968 – Definição de morte cerebral.

18) 1970 – Potter cria o neologismo Bioética.

19) Década de 1970 – Tecnologia do DNA Recombinante.

20) 1932 – 1972 – Três casos mobilizaram a opinião pública americana: a) em 1963, no
Hospital Israelita de Doenças Crônicas, em Nova York, foram injetadas células cancerosas
vivas em idosos doentes; b) entre 1950 e 1970, no Hospital Estadual de Willowbrook,
em Nova York, injetaram o vírus da hepatite em crianças com deficiência mental; c) Em
1932, no Estado do Alabama, 400 negros com sífilis foram recrutados para participarem
de uma pesquisa de história natural da doença e foram deixados sem tratamento, no
que foi conhecido como o caso Tuskegee.

21) 1974 – 1978 – Relatório Belmont – Identificar os princípios éticos “básicos” que deve-
riam conduzir a experimentação em seres humanos nos EUA.

22) 1978 – Publicação da Enciclopédia de Bioética, coordenada por W. Reich.

23) 25 de julho de 1978 – Nascimento de Louise Brown, o primeiro bebê de proveta, que abriu
novas possibilidades de tratamento médico para casais com problemas de fertilidade.

24) 27 de fevereiro de 1997 – Nasce a Ovelha Dolly, que possibilitou aos pesquisadores
vislumbrarem a clonagem humana.

280 Aula 10 Biotecnologia


25) 2000 - O Genoma Humano - Obtendo-se a sequência do DNA e possibilitando detectar e
identificar genes relacionados a doenças degenerativas e cardíacas, câncer, obesidade,
na busca pela melhor qualidade de vida.

Esses fatos permitiram o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da Bioética como ciência


ao longo do século XX.

Dilemas da Bioética
O professor da Universidade de Brasília, Volnei Garrafa, divide os dilemas da Bioética
em dois tipos:

 Bioética das situações persistentes ou cotidianas, inclui os seguintes temas: exclusão


social, racismo, alocação de recursos (priorização, distribuição e controle), discriminação
da mulher, abandono de crianças e idosos, poluição ambiental, fome, aborto, eutanásia,
educação etc.;

 Bioética das situações emergentes ou de limites ou fronteiras, inclui os temas: doação e


transplantes de órgãos e tecidos, manipulação genética, fecundação assistida, clonagem,
células-tronco, organismos geneticamente modificados, controle da biodiversidade etc.

Concluímos, então, que a Bioética está envolvida com o nascer, o viver e o morrer, o
que faz com que seja primordial, tanto para a nossa vida pessoal, quanto para a profissional.
Portanto, os dilemas bioéticos devem ser considerados sob vários aspectos na tentativa de
harmonizar os melhores caminhos.
Essa harmonização só se consegue se houver tolerância, isto é, a aceitação do modo
de pensar do outro, pois a Bioética não busca a padronização de comportamentos, mas uma
reflexão ponderada das relações que estabelecemos com o outro.
Para tanto, foram formulados princípios que buscam justamente a harmonização men-
cionada acima. Abaixo, apresentamos e discutimos cada um deles.

Vimos que a Bioética apresenta dois dilemas: das situações persistentes (cotidianas) e
das situações emergentes (limites ou fronteiras). Tendo como base esses dilemas, realizaremos
a atividade proposta a seguir.

1 Forme um grupo com até dez colegas, podendo ou não ser do mesmo polo.

Aula 10 Biotecnologia 281


Escolha um dilema a ser abordado, especificando a situação escolhida, por
2
exemplo, exclusão social, transplantes de órgãos e tecidos, dentre outros.

Após a escolha da situação, dividam-se em subgrupos de cinco pessoas, sendo


3 que um grupo deverá defender o dilema escolhido e outro deverá mostrar seus
pontos negativos, sempre considerando os aspectos bioéticos que estudamos
até agora.

Essa atividade será realizada em um fórum específico da disciplina, aberto pelo profes-
sor responsável, que dará instruções adicionais no momento da sua execução.

Princípios da Bioética
A Bioética é regida por cinco princípios.
Vamos conhecê-los?

1) Princípio da autonomia: requer do profissional respeito à vontade, à crença, aos valores


morais do sujeito, do paciente, reconhecendo o domínio do paciente sobre sua própria
vida e o respeito à sua intimidade. Este princípio gera diversas discussões sobre os limites
morais da eutanásia, suicídio assistido, aborto, por exemplo. Exige também definições
com respeito à autonomia, quando a capacidade decisional do sujeito (ou paciente) está
comprometida. São as pessoas ou grupos considerados vulneráveis. Isso ocorre em po-
pulações e comunidades especiais, como menores de idade, indígenas, débeis mentais,
pacientes com dor, militares etc. Com relação à ética em pesquisa, gera o princípio do
“termo de consentimento livre e esclarecido”, a ser feito pelo pesquisador e preenchido
pelos sujeitos da pesquisa ou seus representantes legais, quando os sujeitos estiverem
com sua capacidade decisional comprometida.

2) Princípio da beneficência: assegura o bem-estar das pessoas, evitando danos e garante


que sejam atendidos seus interesses. Trata-se de princípio indissociável ao da autonomia.

3) Princípio da não maleficência: assegura que sejam minorados ou evitados danos físicos
aos sujeitos da pesquisa ou pacientes. Riscos da pesquisa são as possibilidades de danos
de dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano,
em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente. Dano associado ou decorrente da
pesquisa é o agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal
comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo científico.

4) Princípio da justiça: exige equidade na distribuição de bens e benefícios em qualquer


setor da ciência, como, por exemplo: Medicina, ciências da saúde, ciências da vida, do
meio ambiente etc.

282 Aula 10 Biotecnologia


5) Princípio da proporcionalidade: procura o equilíbrio entre os riscos e benefícios, visando
o menor mal e o maior benefício às pessoas. Esse princípio está intimamente relacionado
com os riscos da pesquisa, os danos e o princípio da justiça.

Esses princípios são considerados tanto na área da experimentação médica quanto na de ex-
perimentação animal. A seguir, discutiremos cada uma dessas áreas, incluindo a legislação vigente.

Bioética na medicina
Três são os documentos básicos que regem a Bioética na Medicina pelo mundo, veja
quais são.

1) Código de Nuremberg (1947) devido às atrocidades ocorridas nos campos de concen-


tração nazistas.

2) Declaração de Genebra (1948), que representou uma atualização da ética hipocrática,


aquela baseada no Juramento de Hipócrates, considerado o “pai” da Medicina;

3) Declaração de Helsinque (1964), aprovada por aclamação na 18ª Assembléia Médica


Mundial, em junho de 1964, constitui, hoje, o principal documento que regula as relações
internacionais sobre ética em pesquisa.

De forma resumida, essa última define que todo protocolo experimental envolvendo
seres humanos deve ser aprovado por um comitê independente externo; deve haver uma
supervisão por profissional qualificado e responsável pelo protocolo; reafirma que o consen-
timento prévio é essencial; uma avaliação prévia e cuidadosa dos riscos do protocolo deve
ser realizada, prevendo-se que os benefícios esperados devem ser superiores aos possíveis
riscos e se levanta a questão de que nenhum resultado científico obtido em protocolos com
seres humanos deverá ser aceito para divulgação, caso não tenham sido observados todos
os requisitos descritos antes e durante a sua realização.
No Brasil, o primeiro documento sobre normas de pesquisa em humanos foi a Resolução
nº 1 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 13 de junho de 1988. O documento baseia-se na
Declaração de Helsinque, reafirmando a necessidade do livre consentimento prévio, devendo ser
informado com clareza ao participante os objetivos, os métodos, os benefícios e os eventuais
incômodos e perigos que possam advir de sua participação no projeto de pesquisa.
Em 10 de outubro de 1996, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou as Diretrizes
e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos – a Resolução nº
196/96, do CNS. Ela estabelece os princípios básicos para a apreciação ética dos protocolos
de pesquisa, cria os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e a Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP). Além desses regulamentos, existem os códigos de ética, no âmbito de

Aula 10 Biotecnologia 283


cada corporação. O Código de Ética Médico Brasileiro atual foi regulamentado pela Resolução
CFM Nº 1931/2009.
Mas, associado à Bioética, outro conceito importante trata-se da Biossegurança. E como
Biossegurança se articulam, então, essas duas disciplinas?
Conjunto de ações A resposta mais simples é: enquanto a Biossegurança quantifica e pondera riscos e be-
voltadas para a preven-
nefícios, a Bioética analisa os argumentos racionais que justificam ou não tais riscos.
ção, minimização ou
eliminação de riscos A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), criada pela Lei 8.974 de 5
inerentes às atividades de janeiro de 1995, é o órgão encarregado de propor a Política Nacional de Biossegurança
de pesquisa, produção, e estabelecer normas e mecanismos determinados na Lei e de propor o Código de Ética de
ensino, desenvolvimento
Manipulações Genéticas.
tecnológico e prestação de
serviços, riscos que po- O Conselho Federal de Medicina (CFM), atento às grandes transformações que ocorrem
dem comprometer a saúde na Medicina, decorrentes do Projeto Genoma Humano e de outros avanços da Engenharia
dos homens, dos animais, Genética, tomou a iniciativa de instituir uma Comissão de Ética de Manipulação Genética,
do meio ambiente ou a
para tratar das questões éticas ligadas ao tema. Além disso, em permanente articulação com
qualidade dos trabalhos
desenvolvidos. a CTNBio, vem apoiando os trabalhos de elaboração do Código de Ética de Manipulações
Genéticas, no capítulo relativo à saúde humana. Sobre esse alicerce legal, aliado a outras
legislações nacionais, o CFM vem edificando a sua discussão sobre os novos desafios éticos
decorrentes dos avanços da Engenharia Genética.
Nesse sentido, uma decisão que era aguardada com expectativa foi referendada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009, que aprovou a liberação para o uso de embriões
humanos em estudos e pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil. Resumidamente,
o STF manteve o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permite a utilização de células-tronco
fertilizadas in vitro e não utilizadas. A regulamentação prevê que os embriões usados estejam
congelados há três anos ou mais e veta a comercialização do material biológico. Também exige
a autorização do casal.

Bioética na
experimentação animal
Um movimento de controle sobre o uso de animais tem sido crescente, paralelo e com-
parável àquele das pesquisas envolvendo seres humanos. O debate ético sobre o uso de
animais tem atraído a atenção da sociedade, com diferentes visões sobre o assunto, embora
não seja propriamente um debate novo. O pano de fundo das leis que surgem após os anos
de 1970 é o princípio dos 3 Rs da experimentação animal, tal como se tornaram amplamente
conhecidos os princípios propostos por W.M.S. Russell e R.L. Burch, em 1959, em busca de
uma estratégia de abordagem em relação à experimentação animal.
Os 3Rs – replace, reduce e refine – visam substituir, reduzir e refinar o uso de animais
em experimentos e logo se tornaram diretrizes para o controle da experimentação animal em
diversos países.

284 Aula 10 Biotecnologia


As Comissões de Ética no Uso de Animais devem orientar suas ações de acordo com
os 3 Rs. Por outro lado, a Lei Federal nº 9605 de 1998, relativa a atividades lesivas ao meio
ambiente, prevê, em seu artigo 32, como crime contra a fauna, os atos de abuso e maus tratos
a animais, inclusive animais domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com pena de
detenção e multa. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em
animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos
e animais destinados a fins didáticos e científicos. Com isso, considerando as ações penais
previstas nesta Lei, as instituições que têm projetos em experimentação animal têm optado
por criar suas próprias Comissões de Ética Animal para avaliar os respectivos projetos dentro
de suas entidades.
No entanto, o Brasil ainda não tem uma Lei Federal que regule mais especificamente a
experimentação animal. Vários projetos estão no Congresso Nacional há vários anos e muitos
debates já foram realizados com diversos segmentos da sociedade. O que se espera é que a
Lei que venha a ser aprovada seja equilibrada, atendendo à Bioética aplicada à pesquisa com
animais e às demandas do desenvolvimento cientifico e tecnológico do país. Teríamos, por-
tanto, uma legislação para experimentação com animais semelhante àquelas relacionadas à
experimentação com seres humanos, ambas na busca do equilíbrio entre o avanço da ciência
e os possíveis danos e transgressões dos dogmas essenciais da Ética.

É muito comum na área de nutrição de ruminantes, como é o caso dos bovinos, que os
animais passem por uma cirurgia de fistulação. Esse procedimento permite que o alimento
fornecido ao animal seja coletado diretamente do rúmen e, a seguir, seja analisado para fins Rúmen
de determinação dos nutrientes digeridos. A Figura 2b ilustra em detalhe a fístula. Primeiro compartimento do
estômago dos ruminantes
que possuem ao todo
quatro compartimentos; no
rúmen ocorre a fermenta-
ção dos alimentos.

Figura 2 – (a) Vaca holandesa fistulada; (b) detalhe da fístula

Fonte: <http://www.vilammo.com/forum/lofiversion/index.php?t51148.html>. Acesso em: 3 jan. 2011.

Aula 10 Biotecnologia 285


Agora que você já sabe mais sobre a ética na experimentação animal, queremos que
você dê sua opinião sobre as imagens acima. Você poderá ser a favor ou contra, mas não se
esqueça de apresentar seus argumentos e confrontar sua opinião com outros colegas do curso
através do fórum desta Disciplina.

286 Aula 10 Biotecnologia


Patentes Biotecnológicas
Não menos controverso e polêmico que a Bioética, trata-se das chamadas Patentes
Biotecnológicas.
Como visto ao longo desse curso, o advento da moderna Biotecnologia, durante o século
XX, promoveu a chamada Revolução Biotecnológica, que propiciou uma verdadeira reviravolta
nos padrões de pesquisa, desenvolvimento e produção da sociedade. O americano Jeremy Rifkin,
economista e especialista da área, afirmou, em 1998, que “os genes estão para a Biotecnologia
como os combustíveis fósseis estavam para a Revolução Industrial.”.
Dessa forma, a prática do patenteamento no campo da Biotecnologia incentivou empre-
sas interessadas em financiar essa Revolução Biotecnológica. Devido aos altos custos para
financiamento das pesquisas nessa área, vislumbrou-se a possibilidade de rentabilidade futura
sobre as pesquisas que possam gerar produtos que sejam a solução para diversos problemas
da humanidade na atualidade, como, por exemplo, doenças, produção de alimentos e conser-
vação do meio ambiente.
Assim como são polêmicos temas como clonagem e transgênicos, visto que o conheci-
mento na área ainda está sendo consolidado pela comunidade científica, o mundo encontra-se
em uma situação de fronteira, pois os avanços da Biotecnologia promovem profundas alte-
rações nas sociedades, na Ciência e, não podendo ser diferente, no Sistema de Propriedade
Intelectual, em que a prática das chamadas Patentes Biotecnológicas levanta algumas questões
no âmbito sociojurídico e ético.
Vamos entender o que são as Patentes?

Definições
A Patente trata de um direito exclusivo de propriedade, por tempo determinado, sobre uma
invenção ou uma utilidade. Ao contrário dos demais Direitos de Propriedade Intelectual, que não Invenção
se limita em apenas reconhecer a autoria de um produto e proteger os direitos dela proveniente, Caracteriza-se como uma
ideia nova que permite a
ela visa principalmente o fomento da atividade inventiva através da difusão de conhecimentos
solução de problemas tec-
científicos, que é a sua função social. Em troca, é concedido, por parte do Estado, ao inventor nológicos e pode consistir
um monopólio legal sobre a industrialização e comercialização do produto ou processo. de inovações em produtos
De acordo com o Art.18, inciso III e seu parágrafo único da Lei de Propriedade Intelec- ou processos; a inovação
é toda e qualquer criação
tual (Lei 9.279/96), as Patentes de Biotecnologia são aquelas que contemplam processos de
que resulta na ampliação
produção baseados em materiais biológicos, tais como microrganismos, produtos resultantes, de um dado conjunto de
materiais biológicos e os próprios microrganismos, desde que sejam transgênicos. conhecimentos aplicados
Para compreendermos melhor o conceito de Patentes, apresentamos a seguir dois exem- já conhecidos, sempre
de forma produtiva para
plos reais na área de Biotecnologia.
aquele que a emprega.

Aula 10 Biotecnologia 287


1) Patente de Cohen-Boyer: trata da técnica de DNA recombinante, que foi uma inovação
fundamental para o desenvolvimento da Biotecnologia, abrindo caminho para posteriores
desenvolvimentos de plantas e animais transgênicos.

2) Patente do Camundongo de Harvard: trata do desenvolvimento de uma linhagem de ca-


mundongos particularmente propensos ao desenvolvimento de câncer de mama, o que
não impediu o desenvolvimento de outras inovações semelhantes, pela alteração de outros
genes em camundongos destinados à pesquisa médica.

Entretanto, na atual era do Projeto Genoma Humano, o simples sequenciamento de genes


não pode ser protegido por Patente, a menos que se agreguem conhecimentos, funções, para
tornar essa sequência tecnicamente útil e comercialmente aplicável. O sequenciamento per se é
Descoberta considerado uma descoberta, um processo tecnológico. Sequenciar total ou parcialmente um
Aquisição de um conhe- gene pode constituir uma invenção patenteável, mesmo que a estrutura descrita seja idêntica
cimento novo “porém ao
à forma como ocorre na natureza.
acaso” ou sem um esforço
determinado nesse sentido,
no entanto, aplicado.

Propriedade Intelectual:
vamos conhecer um pouco mais?
A Propriedade Intelectual é uma forma de proteger a criação humana, através da implemen-
tação de direito de apropriação ao homem sobre suas criações, obras e produções do intelecto,
talento e engenho. Sua principal finalidade é a de garantir aos inventores ou responsáveis por
qualquer produção do intelecto (seja nos domínios industrial, científico, literário e/ou artístico)
o direito de auferir, por um determinado período de tempo, recompensa pela própria criação.
A Propriedade Intelectual divide-se em dois grandes ramos: Direitos Autorais e a Proprie-
dade Industrial. O Direito Autoral refere-se às obras artísticas e literárias (Lei nº 9.610/1998),
aos programas de computador (Lei nº 9.609/1998) e aos domínios de Internet (Decreto nº
4.829/2003). Já a Propriedade Industrial é o nome coletivo para o conjunto de direitos rela-
cionados com as atividades industriais ou comerciais do indivíduo ou sociedade comercial. Diz
respeito às invenções, aos modelos de utilidade, aos desenhos industriais, às marcas de produto,
de serviço, de certificação ou coletivas; à repressão às falsas indicações geográficas e registro
das mesmas, aos cultivares e à repressão à concorrência desleal.
No Brasil, o Escritório Nacional de Propriedade Industrial responsável pela gestão do Siste-
ma de Patentes é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Foi criado em 1970, com a
finalidade principal de regular o sistema de Propriedade Industrial, na qual faz parte o sistema de
patentes, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia
de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial (INPI, 2004). Para
saber mais sobre esse assunto, acesse <http://www.inpi.gov.br>.
Então, agora que sabemos um pouco mais sobre as Patentes, será que qualquer pessoa
pode solicitar uma?

288 Aula 10 Biotecnologia


Critérios para solicitação de uma Patente
Para obter a proteção do sistema de patentes, é preciso que a invenção possua neces-
sariamente os três requisitos de patenteabilidade, que no Brasil são enumerados no artigo 8º
da Lei de Propriedade Industrial.
Pelo requisito da Novidade, o produto ou processo sujeito à patente tem que ser algo
rigorosamente novo, que ainda não exista no estado da técnica, ou seja, não seja de conhe- Estado da técnica
cimento público até a data do depósito do requerimento de Patente. Portanto, não pode haver Conjunto de conhecimen-
tos específicos de
publicação oral ou escrita descrevendo o produto ou processo até a data do depósito da Pa-
cada área.
tente, exceto em caso da publicação ter ocorrido em congressos científicos.
O produto ou processo não deve ser algo óbvio aos técnicos da área nem uma mera
descoberta no estado natural no qual é encontrado, que não implique somente em uma mistura
de técnicas e materiais já conhecidos. Esse é o requisito da Atividade Inventiva.
Por fim, o produto ou processo tem que ser passível de aplicabilidade e interesse para a
produção em qualquer tipo de indústria, o que se denomina na legislação como requisito de
Aplicabilidade Industrial.

E como proceder para solicitar uma Patente?


O processo de obtenção de uma Patente, ainda que varie em função do país em que é
feito, é geralmente constituído das etapas descritas a seguir.

1) Busca prévia: constitui basicamente a busca nos arquivos de Patentes existentes (nacional
ou internacional dependendo da abrangência de sua Patente), de uma inovação que seja
similar à Patente em questão. Ainda que não seja obrigatório, pode poupar custos e tempo.

2) Depósito do pedido de Patente: para depositar, deve-se ter o conhecimento dos formulários
exigidos, que variam entre os diversos escritórios de Patentes.

3) Publicação: desde que o pedido tenha atendido as especificações do sistema de Patentes,


o relatório da inovação será publicado. Isso é feito para que possíveis interessados, alguém
que julgue injusto o pedido de Patente, se manifestem. No Brasil, a publicação sai um ano
e meio após o pedido de Patente, podendo ocorrer antes desse prazo.

4) Solicitação do exame do pedido: nesse exame, será analisada se a inovação possui os


requisitos para ser patenteada (inclusive se é uma inovação), serão analisados também
os motivos que terceiros apresentem para que a Patente em questão não seja concedida.
No Brasil, o exame ocorre no mínimo sessenta dias depois da publicação.

5) Expedição da Carta-Patente: caso o pedido passe pelo exame, será solicitada a Carta-
Patente, que corresponde ao documento propriamente dito.

6) Manutenção: através do pagamento das anuidades da Patente durante o tempo em que


estiver em vigor.

Aula 10 Biotecnologia 289


Todas essas etapas possuem taxas a serem pagas. Essas variam dependendo do escritório
onde a patente é pedida. Para uma Patente requerida no INPI (Instituto Nacional da Propriedade
Industrial), os preços são por volta de: 1) Busca prévia: R$ 55,00 a R$ 140,00; 2) Solicitação
de exame: R$ 110,20 a R$ 400,00; 3) Expedição da carta Patente: R$ 40,00 a R$ 95,00;
4) Anuidades: aumenta com o passar dos anos (R$ 80,00 a R$ 1.950,00).
Portanto, todo o processo é naturalmente demorado e envolve custos.
Por isso, é necessário conhecer a necessidade de proteção que a inovação em questão
precisa. Existem escritórios de Patentes regionais, nacionais e internacionais que asseguraram
diferentes graus de proteção. Após determinar o sistema de Patentes a ser utilizado, deve-se
ter a informação de toda documentação necessária, é claro, e de todas as taxas a serem pagas.
Os principais sistemas de Patentes são: 1) Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI
(no Brasil); 2) Convenção Europeia de Patentes (na Europa) e 3) Tratado de Cooperação de
Patentes – PTC (internacional, composto por volta de 137 países).

Como vimos, a obtenção de uma Patente requer tempo e investimento, já que diversas
etapas deverão ser cumpridas. Assim, apresente a seguir um esquema dessas etapas, bem
como o tempo e os custos envolvidos em cada uma delas.

290 Aula 10 Biotecnologia


O que pode e o que não pode ser patenteado?
De acordo com a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), em seu Art. 10, não se
considera invenção nem modelo de utilidade: I - descobertas, teorias científicas e métodos
matemáticos; II - concepções puramente abstratas; III - esquemas, planos, princípios ou mé-
todos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV- as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V - programas de computador em si; VI- apresentação de informações; VII - regras de jogo;
VIII - técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de
diagnóstico para aplicação no corpo humano ou animal; IX - o todo ou parte de seres vivos
naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive
o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
O Art. 18 da mesma Lei menciona que não são patenteáveis:
I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde
públicas; II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie,
bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de
obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e III - o
todo ou parte dos seres vivos, exceto os microrganismos transgênicos que atendam aos três
requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos
no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microrganismos transgênicos são organismos,
exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção huma-
na direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela
espécie em condições naturais.
A seguir, damos alguns exemplos do que é possível ou não ser patenteado.

 Invenções Patenteáveis: vetor de expressão que carreia o gene que codifica a insulina
humana isolada ou purificada de células beta de pâncreas humano; insulina humana re-
combinante obtida pelo dito processo; uso do extrato isolado da planta Y na preparação
de um medicamento para o tratamento da doença Z; construções gênicas; processos de
isolamento ou purificação de produtos; processos relacionados à transformação de plantas.

 Invenções Não Patenteáveis: insulina humana isolada ou purificada de células beta de pân-
creas humano; gene que codifica insulina humana isolada ou purificada de células beta de
pâncreas humano; microrganismo isolado ou purificado artificialmente da natureza e que
produz um antibiótico X; antibiótico X produzido pelo dito microrganismo; extrato isolado
da planta Y; sementes e células de plantas e animais.

Aula 10 Biotecnologia 291


A Tabela 1 ilustra as principais Biotecnologias patenteadas nos países europeus.

Tabela 1 – Principais Biotecnologias patenteadas nos países europeus

Biotecnologias Número de pedidos de Patentes

Ácidos nucleicos (incluindo clonagem, vetores e sequenciamento) 1767

Genética clínica 634

Cultura em células animais 386

Vacinas 257

Engenharia genética de plantas 218

Alimentos 167

Meio ambiente 111

Fonte: Adaptado de Serafine et al (2004).

Realizamos uma busca na base de dados do Derwent Innovavations Index, a qual con-
tém as Patentes depositadas em todo o mundo, em 01/12/2010, e verificamos que, quando
empregamos a palavra-chave BIOTECNOLOGIA, foram encontradas 6.398 Patentes. Com as
palavras-chave BIOTECNOLOGIA ANIMAL BIOTECNOLOGIA VEGETAL e BIOTECNOLGOIA DE
MICRORGANISMOS, foram 447, 559 e 324 Patentes, respectivamente. O restante estava re-
lacionado a outras áreas, como Medicina, Farmácia, Nutrição.

Os prós e contras das


Patentes Biotecnológicas
Na economia, as Patentes desempenham um papel ambíguo: por um lado, são tidas como
incentivos à inovação tecnológica, à medida que propiciam a agentes inovadores a garantia de
retorno dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento; por outro, conferem aos detentores
um poder de monopólio que implica na possibilidade de restringir a difusão da inovação e de
aumentar preços, além de, eventualmente, bloquear o esforço de capacitação tecnológica em
países em desenvolvimento.
Especificamente com relação às Patentes em Biotecnologia, as posições no debates se
acirram: por ser uma tecnologia de ponta, muito próxima da ciência, com ainda poucos e incer-
tos resultados comerciais finais, essa área necessita ainda mais da proteção jurídica, a fim de
incentivar os elevados investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento. Dessa forma,
as empresas podem ter a perspectiva de se apropriar dos eventuais lucros decorrentes de seus
resultados de pesquisa, e sobre resultados intermediários que se destinam a outras pesquisas.

292 Aula 10 Biotecnologia


Os prós
As Patentes são necessárias na área de Biotecnologia porque representam um forte in-
centivo à inovação e ao desenvolvimento da pesquisa tecnológica. Sem a esta proteção legal,
as indústrias e outros inventores não se habilitariam a investir tempo e dinheiro em pesquisa e
desenvolvimento, especialmente quando se tem em mente os altos custos e riscos da pesqui-
sa em Biotecnologia. O raciocínio é que pela prevenção da competição durante a vigência da
patente, o dono poderá extrair o máximo retorno pelo uso da invenção. Entretanto, para isso,
a companhia deverá revelar os detalhes do trabalho. Dessa forma, em retorno ao pagamento
do monopólio de preços, o público recebe o conhecimento contido na invenção, com o quais
outros pesquisadores podem desenvolver novos produtos. Assim, tem-se utilizado frequen-
temente na atualidade o número de Patentes obtidas para avaliar o grau de desenvolvimento
em ciência e tecnologia de um país.
Um pedido de Patente deve ainda apresentar uma descrição clara do seu objeto, de modo
que permita o acesso público ao conhecimento gerado pelo inovador (a revelação do invento),
e a repetibilidade da invenção patenteada por outros especialistas na área. Este requisito é
visto também como uma espécie de contrapartida do inovador à proteção legal concedida
pela Patente: ele terá o monopólio temporário sobre o invento, mas, ao revelar seu conteúdo,
contribui para o avanço do conhecimento à medida que outros poderão conhecer o objeto
patenteado, aperfeiçoá-lo ou superá-lo.

Os contras
Os argumentos contrários às Patentes em Biotecnologias vão desde motivos religiosos
ou éticos (contra a possibilidade de se apropriar de produtos da natureza, por princípio) até a
preocupação com a parcela de conhecimento público fortemente presente numa área tecno-
lógica próxima à ciência básica.
Argumenta-se que não se deve conceder o uso exclusivo sobre algo que depende de
processos essencialmente biológicos e naturais. Na Biotecnologia, existiria um componente
público da geração do conhecimento tecnológico, que torna difícil e complexa a separação
nítida entre aquilo que pode/deve ser apropriável privadamente, e aquilo que deve ser mantido
como conhecimento comum, de modo que não impeça futuros desenvolvimentos numa área
tecnológica cumulativa - i.e., em que as invenções proveem não apenas novos ou melhores
produtos ou processos, mas também lançam os alicerces para futuras inovações.
Se muito ampla, a Patente em Biotecnologia poderia resultar no domínio excessivo de
seu titular sobre toda uma área de oportunidades, excluindo concorrentes futuros, impedindo
a difusão e retardando o progresso tecnológico.
Outras questões envolvem temas relacionados ao patenteamento de seres vivos ou suas
partes; perversão do sistema através do uso abusivo das Patentes; favorecimento da atividade
inventiva em detrimento da descoberta; os genes não são produzidos pelo homem; problemas
éticos relacionados à coisificação; apropriação e mercantilização da vida; problemas jurídicos,
como qualquer direito de propriedade; a propriedade intelectual deve obedecer à sua função social
(difusão de conhecimentos); suficiência descritiva; altos custos dos processos biotecnológicos;
requisito da novidade; Patentes de amplo espectro; dignidade e bem estar do indivíduo; deso-
bediência das normas para o acesso e uso de recursos da biodiversidade e dos conhecimentos
tradicionais associados – biopirataria; polarização entre países detentores de Patentes e os não
detentores.
Aula 10 Biotecnologia 293
Leituras complementares

Bioética

RAMOS, D. L. P. Fundamentos e princípios de bioética. Disponível em: <http://www.hottopos.


com/notand9/dalton.htm>. Acesso em: 22 dez. 2010.
O texto indicado proporcionará a você ampliar os conhecimentos adquiridos sobre Bio-
ética. O autor expõe de maneira bastante inteligente e simples o ponto de vista dele sobre
atividades da área médica.

Patentes

FIGUEIREDO, L. H. M.; PENTEADO, M. I. O.; MEDEIROS, P. T. Patentes em Biotecnologia.


Patenteamento em Biotecnologia agropecuária: cenário brasileiro. Biotecnologia Ciência &
Desenvolvimento, v. 9, n. 36, 2006. Disponível em: <http://www.Biotecnologia.com.br/revista/
bio36/patentes_36.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2010.
O texto indicado permitirá que você amplie e solidifique os conhecimentos sobre Paten-
tes. Os autores apresentam um panorama nacional sobre patentes, especialmente aquelas
relacionadas à agropecuária, incluindo dados referentes às solicitações brasileiras.

Resumo

Na primeira parte desta aula, você compreendeu o conceito de Bioética


e evidenciou o histórico que permitiu o desenvolvimento dessa ciência. Além
disso, você conheceu os dilemas e os princípios sobre essa área, verificando
que se trata de um assunto pouco abordado e discutido pela sociedade. Você
também pôde compreender os aspectos relacionados à Bioética na Medicina
e na experimentação com animais, que cada vez mais têm sido considerados
pela comunidade científica. Já na segunda parte, tratamos sobre o conceito de
Patentes em Biotecnologia e compreendemos para que elas servem e como
elas podem ser solicitadas. Vimos também a importância das Patentes para o
desenvolvimento em ciência e tecnologia no Brasil e no mundo.

294 Aula 10 Biotecnologia


Autoavaliação
Os dois temas abordados nesta aula, Bioética e Patentes em Biotecnologia, são pouco
abordados nos meios de comunicação (TV, internet, rádio, jornal e revistas).
Faça uma busca em meios de comunicação por notícias, artigos, comentários e repor-
tagens que tragam a tona esses temas: selecione um texto que você julgue correta e outro
que você julgue incorreta ou absurda a utilização da Bioética ou Patentes em Biotecnologia.
Apresente os argumentos e critérios utilizados em julgamento.
Faça um breve resumo de cada material, incluindo a fonte e país de origem, o autor, o
ano de publicação e a área de conhecimento.

Aula 10 Biotecnologia 295


Referências
CASABONA, C. M. R. Biotecnologia, direito e bioética. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002.
296 p.

DIAFÉRIA, A. Patente de genes humanos e a tutela dos interesses difusos: o direito ao pro-
gresso econômico, científico e tecnológico. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007. 253 p.

FORTES, P. A. C.; ZOBOLI, E. L. C. P. Bioética e saúde pública. São Paulo: Editora Loyola,
2003. 167 p.

SCHOLZE, S. H. C. Patentes, transgênicos e clonagem. Brasília: Editora UnB, 2003. 304 p.

SERAFINI, L. A.; BARROS, N. M.; AZEVEDO, J. L. Biotecnologia: avanços na agricultura e na


agroindústria. Caxias do Sul: EDUCS, 2002. 433 p.

296 Aula 10 Biotecnologia


Anotações

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Anotações

298 Aula 10 Biotecnologia


Esta edição foi produzida em mês de 2012 no Rio Grande do Norte, pela Secretaria de
Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SEDIS/UFRN).
Utilizando-se Helvetica Lt Std Condensed para corpo do texto e Helvetica Lt Std Condensed
Black títulos e subtítulos sobre papel offset 90 g/m2.

Impresso na nome da gráfica

Foram impressos 1.000 exemplares desta edição.

SEDIS Secretaria de Educação a Distância – UFRN | Campus Universitário


Praça Cívica | Natal/RN | CEP 59.078-970 | sedis@sedis.ufrn.br | www.sedis.ufrn.br

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