Focus 24jun2023

CHEGANDO A HORA
O TSE decidirá pela inelegibilidade do ex-

presidente. Ele deve perder seus direitos
políticos por abuso do poder político e uso dos
meios de comunicação. Mas ainda é pouco
Olimpio
focus
Renan Quinalha avalia a luta pelos Direitos Humanos
Dilma Rousseff escreve sobre as jornadas de junho de 2013
Lula reafirma compromisso de zerar desmatamento ilegal
Efeito Lula. Cresce o otimismo sobre a economia nacional
BRA SIL
Fundação Perseu Abramo 19 de Junho de 2023 Nº 100 Morre a atriz, jornalista e escritora Vera Gertel, aos 83 anos
ORGANIZAÇÃO
Nelson Victor Le Cocq D'Oliveira
Inês Patrício
Antonio Carlos F. Galvão
Adhemar Mineiro
Mariano Macedo
Helena Maria Martins Lastres
Cid Olival Feitosa
CARLOS LESSA
O PASSADO E O FUTURO DO BRASIL
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE ECONOMISTAS PELA
DEMOCRACIA
2 Focus Brasil, 26 de Junho de 2023
focus BRA SIL
Uma publicação da Fundação Perseu Abramo
Diretor de Comunicação: Alberto Cantalice
Coordenador de Comunicação: David Silva Jr.
Produção: Oficina da Notícia
Colaboradores: Artur Araújo, Bia Abramo,
Fernanda Estima, Guto Alves, Isaías Dalle,
Nathalie Nascimento, Olímpio Cruz Neto,
Paulo Chagas e Pedro Camarão
DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente: Paulo Okamotto

Vice-presidenta: Vivian Farias
Diretoras: Elen Coutinho e Naiara Raiol
Diretores: Alberto Cantalice, Artur Henrique da Silva
Santos, Carlos Henrique Árabe, Jorge Bittar,
Valter Pomar e Virgílio Guimarães
CONSELHO CURADOR
Conselheiros: Ana Maria de Carvalho Ademar,
Arthur Chioro, Arlete Sampaio, Azilton Viana, Camila Vieira
dos Santos, Celso Amorim, Dilson Peixoto, Eleonora
Menicucci, Eliane Aquino, Elisa Guaraná de Castro, Esther
Bemerguy de Albuquerque, Everaldo de Oliveira Andrade,
Fernando Pimentel, Fernando Ferro, Francisco José
Pinheiro, Iole IIíada, José Roberto Paludo, Lais Abramo,
Luiza Borges Dulci, Maria Isolda Dantas de Moura,
Nabil Bonduki, Nilma Lino Gomes,
Paulo Gabriel Soledade Nacif, Penildon Silva Filho,
Sandra Maria Sales Fagundes, Sérgio Nobre,
Teresa Helena Gabrielli Barreto e Vladimir de Paula Brito
SETORIAIS
Coordenadores: Elisângela Araújo (Agrário),
Henrique Donin de Freitas Santos (Ciência e Tecnologia
e Tecnologia da Informação), Martvs Antonio Alves
das Chagas (Combate ao Racismo), Juscelino França
Lopo (Comunitário), Márcio Tavares dos Santos Chapas
(Cultura), Adriano Diogo (Direitos Humanos), Tatiane
Valente (Economia Solidária), Maria Teresa Leitão de Melo
(Educação), Alex Sandro Gomes (Esporte e Lazer), Janaína
Barbosa de Oliveira (LGBT), Anne Moura (Mulheres),
Nádia Garcia (Juventude) Nilto Ignacio Tatto (Meio
Ambiente e Desenvolvimento), Rubens Linhares
Mendonça Lopes Chapas (Pessoas com Deficiência),
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Olimpio
NESTA EDIÇÃO
Bolsonaro enfrenta a ineligibilidade

DE FRENTE PARA O CRIME: TSE CONFRONTA
BOLSONARO
Começa em Brasília o julgamento do ex-presidente, acusado de abuso de poder
político nas eleições presidenciais de 2022, ao expor o sistema eleitoral brasileiro a
críticas de representantes de países estrangeiros em evento realizado no Palácio da
Alvorada. Ele pode ficar inelegível por oito anos e perder seus direitos políticos
Página 12
ENTREVISTA. O professor PARLAMENTO. Bancadas PERFIL.. Conheça a

Renan Quinalha aponta femininas do PT e do PSOL trajetória de Geraldão,
retrocessos com Bolsonaro reagem à tentativa de operário, militante do PCB e
Página 6 cassação pelo PL perseguido pela ditadura
Página 39
CPI DO GOLPE. O cerco se Página 24
fecha em torno da tentativa LIVROS. Obra aborda
EFEITO LULA. Pesquisa
terrorista ao aeroporto de debates econômicos
Quaest detecta otimismo
Brasília em tom didático e
com a condução da
Página 16 descomplicado
economia Página 47
MÍDIA. Meta admite Página 27
descontrole e MÚSICA. Discos de Elza

ECONOMIA. Manutenção
esquenta debate sobre Soares e Marcelo D2
da taxa de juros decidida
regulamentação atestam vigor da MPB
pelo BC joga contra o país Páginas 48
Página 18 Página 28
TRUBUTO. Morre aos 83
ARTIGO. É preciso avançar JUNHO DE 2013. Dilma
anos a atriz e jornalista Vera
no desarmamento para Rousseff rememora os
Gertel
coibir ataques em escolas desafios daquele ano Página 50
Página 23 Página 36
CARTA AO LEITOR
O BC e o garrote sobre o país

Alberto Cantalice setores políticos, sociais e empre- A aprovação no Congresso do
Q
sariais do Brasil não chegam aos novo marco fiscal foi uma sinaliza-
uando diziam que a in- ouvidos da maioria do BC — já que, ção clara de que as forças políticas
dependência do Banco como diz André Lara Resende, há — com exceção dos protofascistas
Central era uma falácia, uma camisa de força ideológica — estão interessados em destravar
as forças populares es- em alguns setores do meio econô- o crescimento do Brasil.
tavam certas. Como pre- mico que os impedem de enxer- A reindustrialização e o investi-
víamos, houve uma cap- gar além dos manuais do neolibe- mento maciço em ciência, tecnolo-
tura da instituição pelo ralismo decadente. gia e inovação são demandas que
mercado financeiro e rentismo, O saldo catastrófico da volta não podem esperar. Já passa do
inibindo a execução das políticas do Brasil ao mapa da fome nos tempo de o país dar um salto de
de desenvolvimento, geração de apresenta a inominável cifra de qualidade rumo ao futuro. Um país
emprego e renda e financiamento 33 milhões de brasileiros com das dimensões populacionais e
da produção, com a manutenção graves dificuldades de se ali- territoriais do nosso tem que exer-
da pornográfica taxa de juros nas mentarem cotidianamente. Só cer a liderança na luta contra as de-
alturas em 13,75%. os esforços do governo federal sigualdades no mundo.
“Independente”, a atual dire- em manter e ampliar o programa Este papel vem sendo brilhan-
toria do Banco Central é com- Bolsa Família não bastam. temente desempenhado pelo pre-
posta por indicados da dupla É preciso urgentemente melho- sidente Lula. É sob a liderança dele
Bolsonaro-Guedes, adeptos do rar o ambiente de negócios que que, destravado economicamente,
ultraliberalismo. Estão comple- apesar dos esforços da equipe o país será um “player” na concer-
tamente divorciados das pau- econômica de Lula, coordenada tação internacional.
tas dos setores produtivos e do pelo ministro da Fazenda, Fernan- O Banco Central teria que fazer
mundo do trabalho. do Haddad, sofrem o claro boicote parte desses esforços e não faz. Só
O brado emitido pelos variados da autoridade monetária. atrapalha!
Focus Brasil, 26 de Junho de 2023 5
ENTREVISTA | RENAN QUINALHA
“Os desafios são

enormes diante dA
terra arrasada”
Professor de direito na Unifesp e autor de livros na
intersecção dos estudos de gênero, direitos humanos e
democracia, avalia o cenário dos Direitos Humanos no
Brasil. “É importante que as pessoas tenham liberdade
sexual e de gênero, mas é essencial também que se lute
pelas dimensões de justiça social, de igualdade e de
várias outras transformações na realidade”, diz
Bia Abramo e Guto Alves cauteloso com o quadriênio que Aos 37 anos, Renan Quinalha
N
começou em 1º de janeiro de já reúne um currículo acadêmico
os últimos quatro anos 2023: “O movimento LGBT está e de ativismo político notável. Pro-
a população LGBTQIA+ muito mais forte, muito mais pre- fessor de Direito da Escola Paulista
do Brasil viveu na corda parado do que estava no come- de Política, Economia e Negócios
bamba, correndo graves ço dos anos 2000, quando houve da Universidade Federal de São
riscos com o extermínio outro ciclo dos governos do PT no Paulo (UNIFESP), é também autor
de políticas públicas, Brasil”. O advogado e ativista dos de livros na intersecção dos estu-
corte de verbas e a prá- direitos humanos conversou com dos de gênero, direitos humanos
tica do discurso que elimina essas a revista Focus Brasil na semana e democracia.
pessoas do debate político e so- em que a Parada do Orgulho de É o caso da obra “Contra a mo-
cial. Num país em que o discurso São Paulo, além de reunir pelo me- ral e os bons costumes: a ditadura
fundamentalista das igrejas se ali- nos 3 milhões pessoas (a maior do e a repressão contra a comunida-
nha à extrema-direita, é preciso mundo), teve a presença do minis- de LGBT” (Companhia das Letras,
abrir alas para o otimismo com o tro Silvio Almeida no carro de som 2021). Ele ainda é co-organizador
retorno de políticas públicas e um que abria o desfile em plena ave- de livros como "História do Movi-
respiro de alívio: o embate agora nida Paulista, e arrematou:. “É ine- mento LGBT no Brasil" (Alameda,
é de reconstrução e novas iniciati- gociável que vocês tenham o di- 2018) e o recém-lançado “Novas
vas, não só luta pela sobrevivência. reito de existir dignamente e amar fronteiras das histórias LBGTI+ no
Renan Quinalha é um otimista como e quem vocês quiserem!”. Brasil” (Elefante), coletânea de ar-
Divulgação
tigos acadêmicos que mapeiam o debate público, impedir que tão, de um lado a gente teve isso,
pesquisas recentes e originais so- essas pautas avancem e que a que é o aspecto mais estrutural e
bre o tema. gente consiga racionalizar esse administrativo. De outro, tem um
Renan também teve experiên- debate. Qual é o legado do aspecto ideológico dessa tragé-
cia como assessor jurídico da Co- bolsonarismo em relação aos dia, que foi efetivamente uma es-
missão da Verdade do Estado de direitos humanos em geral e os tigmatização ainda maior do dis-
São Paulo e consultor da Comis- direitos LGBTQIA+? curso dos direitos humanos e uma
são Nacional da Verdade, o que Renan Quintanilha — Eu acho que depreciação no debate público.
certamente aguçou seu olhar para a tragédia anunciada se concreti- Eram ataques constantes a essa
os perigos do retrocesso vivido za. De um lado, a gente teve um ideia dos direitos humanos como
nos anos Bolsonaro. “A gente tem desmonte das estruturas de ope- direitos de bandidos ou como di-
uma dificuldade muito grande de ração dos direitos humanos. A reitos de minorias que queriam
um cenário de terra arrasada mes- gente teve um ministério que foi privilégios em vez de uma com-
mo, porque os direitos humanos completamente desfigurado: o preensão de direitos humanos
foram sempre o foco de articula- dos Direitos Humanos foi transfor- mais universal, ampla e igualitária,
ção do bolsonarismo e nunca fo- mado no Ministério da Família, das sempre veiculando esse tipo de
ram cortina de fumaça”, adverte. Mulheres e os direitos humanos compreensão reducionista. O que
A seguir, os principais trechos da viraram a questão mais acessória. eu acho que se conseguiu fazer
entrevista: Também houve um desinvesti- nesses quatro anos, dado que se
mento muito grande nessa linha ocupou a máquina do Estado e
Focus Brasil — Em uma entrevista de liberalismo econômico, a partir governo federal sobretudo, mas
em dezembro de 2018, no do discurso do ajuste fiscal como também vários outros governos
dia em que se comemora a tentativa de cortar gastos públicos. locais, câmaras municipais, assem-
Declaração Universal dos Direitos Os conselhos de participação so- bleias legislativas, foi fazer esse
Humanos, você disse: “[O que cial, todos os módulos de gestão discurso bolsonarista avançar e
o bolsonarismo poderia trazer democrática das políticas públicas capilarizar no Brasil inteiro. Isso
de pior] aos direitos humanos de saúde, de monitoramento que coloca uma tarefa muito grande
já está feito, que é contaminar a gente tinha foram extintos. En- de reconstrução nesse momento.
Não tem mais como retomar de — A gente tem uma dificuldade públicas, de autoridades contra
onde se parou, porque não tem muito grande por que viemos de os direitos humanos, ou de posi-
mais esse ponto de retorno até um cenário de terra arrasada mes- cionamentos do Brasil, da política
onde as coisas tinham ido. A gen- mo. Os direitos humanos foram internacional, contrário também.
te tem tudo por fazer novamente sempre o foco de articulação do Ou seja, a gente tinha um cenário
para a sociedade, que é mostrar a bolsonarismo, nunca foram cor- que era, de fato, de ameaças e re-
importância dos direitos humanos tina de fumaça. Essas questões trocessos. Mas o simples fato de
numa compreensão mais ampla. de direitos humanos, especifica- ter um ministro com uma postura
A gente está falando de direitos mente de diversidade racial, de do Silvio Almeida, comparando
sociais também, de direitos traba- gênero, sexualidade, como muitas com o que era, já é um salto de
lhistas, previdenciários, de assis- vezes se pensou, até no campo qualidade tremendo, que dá uma
tência social, de educação, de saú- mais progressista, que seria uma esperança enorme em ver como
de. Todas essas áreas foram muito cortina de fumaça, a gente viu é possível ter alguém ocupando
atacadas durante o bolsonarismo como isso era estrutural ao lado uma pasta dessa, se posicionando
e numa chave muito perversa. do autoritarismo político e do lino sentido correto, dando decla-
E o legado do bolsonarismo no rações públicas, dialogando com
campo dos direitos humanos, por os movimentos sociais, enfim, as-
exemplo, no que se refere à dita-
dura, foi terrível. Porque se man-
Temos um sumindo determinadas brigas im-
portantes de serem compradas e
tiveram funcionando a Comissão
de Anistia ou mesmo a Comissão
legado bastante tentando implementar políticas.
Acho que isso tudo já mostra um
Especial sobre Mortos e Desapa- salto qualitativo gigantesco que a
recidos Políticos, mas em vez de
promover políticas de reparação
perverso desse gente tinha até esquecido como
era depois desses quatro anos de
às violências do Estado, as comis-
sões começaram a perpetuar e período de tanto desmonte.
veicular uma visão de apologia à — Só a presença do ministro

ditadura, de desqualificação dos
militantes que se opuseram ao re-
quatro anos na Parada de São Paulo e nos
eventos em torno da já foi um
gime autoritário de 1964 e assim
por diante. Acho que a gente tem de destruição grande contraste...
— Exato. Parece muito pouco, mas
um legado bastante perverso aí não é. A simbologia disso é muito
desse período de quatro anos de
destruição e de inversão de sinais
das políticas grande, porque é o governo (de
Lula) dizendo que não se alinha
de políticas que já eram frágeis. com uma tradição se filia à ditadu-
Elas já eram bastante, digamos,
precárias do ponto de vista da sua
Públicas em ra e ao seu legado, mas, ao con-
trário, ao acerto de contas com a
instituição, do seu financiamento,
do enraizamento mesmo no Es-
direitos humanos ditadura e o seu legado. A mesma
coisa em relação à pasta LGBT:
tado; eram muito mais políticas se cria pela primeira vez uma se-
de governo. O bolsonarismo vem beralismo econômico, a agenda cretaria nacional com esse status,
para impedir que elas se transfor- conservadora, mesmo moral, era nomeando uma travesti ativista, a
massem em política de Estado. um eixo muito forte de estrutura- presidenta da ABGLT, Simmy La-
Agora, a gente tem que retomar ção do bolsonarismo, que segue ratt, um dos quadros mais prepa-
novamente uma reconstrução, o para além do governo Bolsonaro rados e qualificados do movimen-
diálogo com a sociedade que foi nesse campo mais conservador, to LGBT no Brasil. Já chegando
cortado nesse período do para articulado na extrema direita hoje em maio, que é começo de go-
reestruturar o campo dessas políti- brasileira. Mas me parece que a verno ainda nos primeiros cinco
cas de maneira ampla nos direitos política também opera muito por meses, que é o mês de combate
humanos e especificar nos direitos contraste. A gente tinha uma situa- à LGBTfobia, trazendo diversas
LGBTQIAPN+. ção que era muito terrível no cam- entregas, sinalizando várias ideias
po dos direitos humanos: ataques e propostas que vão ser impor-
— Quais são as perspectivas para diários, mais de um por dia, de no- tantes nesse próximo período. A
os próximos quatro anos? O que tícias, de desmonte de política, de gente tem uma mudança muito
seria prioridade? ataque a ativistas, de declarações significativa. Sabemos que o or-
çamento é muito apertado, isso reconhecimentos, de avanços im- dos lugares de gênero, do que é
em todas as pastas e consideran- portantes de espaço do Estado. E mulher, do que é homem, da fa-
do o momento fiscal muito difícil acho que tudo isso vai ajudar tam- mília tradicional, patriarcal, hetero-
da economia brasileira como um bém a fazer avançar essas pautas normativa, ou seja, todos valores
todo. Então é evidente que ainda específicas da população LGBT. que não são nada novos. Isso é
não é possível implementar uma basicamente restaurar o mundo
quantidade enorme de políticas — Essa onda conservadora de 200 anos atrás, antes de con-
ao mesmo tempo, mas só de res- criou uma série de monstros, quistas civilizacionais importantes
taurar o Conselho Nacional de da caricata “mamadeira de que foram obtidas com os movi-
Participação LGBT, por exemplo, piroca” à ideia de que existe mentos negro, com o movimento
é um avanço. A gente vai vendo uma ideologia de gênero a ser feminista, o movimento LGBT etc.
que tem de fato, agora, gente pre- combatida. Como tirar esse Isso, de um lado, choca, porque
parada que está pensando nessas monte de minhoca da cabeça a gente vê o tamanho do conser-
populações, e entendendo que dos brasileiros? vadorismo, mas, de outro, acho
o Estado tem uma obrigação, um — É um pouco assustador, chocan- que também esse pessoal traz
dever de cuidado, de reparação, uma reação: é vetor de uma rea-
de garantia, de promoção de di- ção às conquistas e às mudanças
reitos para essas populações. Isso
já é muito visível nesses primeiros
A disputa que aconteceram. Prefiro ler essas
manifestações não simplesmen-
meses. Agora, como eu disse, há
muito por fazer, sem dúvida. Acho
está posta na te como conservadora só, mas
como uma reação conservadora.
que vão ser quatro anos difíceis. Do ponto de vista ideológico, nós
Não acho que esse governo vá
conseguir, facilmente, implemen-
sociedade. As temos aí uma batalha que está no
centro da disputa, dentro da polí-
tar a agenda que queremos que
ele implemente. manifestações tica, na sociedade, então a gente
vai ter que falar sobre isso. E isso é
algo que divide, que polariza e nós
— Por quê?
— Há um ciclo conservador ainda
que vimos são temos que apostar, investir e forta-
lecer essa polarização. Não acho
bastante forte. Tem parcela signi-
ficativa da sociedade que está no uma reação que tem como sair no caminho
de uma terceira via. Nesse campo,
campo conservador. Ganhamos a não tem o que ceder numa lógica
eleição, mas foi apertado. Muitas
dessas lideranças ainda estão no
conservadora. de governabilidade, que é algo
que já aconteceu em outros mo-
centrão e aliados de última hora mentos. Temos que avançar. E isso
que surfaram na onda do orça-
mento secreto… Ou seja, o cam-
Mas, não vai ser já está acontecendo: a gente vê ali
desde o início.
po conservador tem várias outras
possibilidades que o bolsonaris-
fácil ganhar Todo mundo falando de “ideo-
logia de gênero” e se coloca uma
mo garantiu e assegurou. Acho mulher travesti à frente da secre-
que a gente vai aos poucos restau- te, ver como esses discursos co- taria que cuida dessas pessoas e
rando uma ideia de normalidade laram e como esse setor conser- dessa pauta. A disputa está posta
institucional, de trilho para con- vador tem força no Brasil. Parecia na sociedade. Agora, não vai ser
seguir abrir novos caminhos. O que a gente estava ali, num vetor fácil ganhar também. Na medida
movimento LGBT está muito mais de progresso, de maior liberaliza- em que a gente se organiza e faz
forte, muito mais preparado do ção dos costumes, da moral em avançar direitos, isso também vai
que estava no começo dos anos si, maior tolerância à diversidade. agregando e organizando outro
2000, quando houve outro ciclo Enfim, a gente teria várias palavras campo, o que provoca uma con-
dos governos do PT no Brasil. Vão para descrever esse processo que tra-organização, uma contra-ofen-
ser quatro anos, de um lado, muito parecia um tanto linear e progres- siva desse outro campo. Isso vai
difíceis pela situação econômica sivo. E aí a gente teve um choque polarizando mais, vai tensionando.
e política do país, mas por outro com essa ruptura e com esse re- O que nós temos hoje não é nada
lado, também tem essa capacida- torno a um conservadorismo mui- novo, é simplesmente uma polari-
de de articulação do movimento, to duro, que é passadista mesmo, zação mais aguçada do que já está
que já conquistou uma série de de defesa da tradição, de defesa instalado na sociedade brasileira.
Por ser uma sociedade muito vio- identidades que não sejam mais muito grande, que é o de politi-
lenta, muito desigual, muito atrasa- aquelas normatizadas, impostas, zar essas questões num sentido
da em vários sentidos, ela sempre de que tal pessoa é um pacote fe- correto, no sentido mais emanci-
foi uma sociedade também muito chado: heterossexual, cisgênero patório. Porque não basta a gente
conservadora, com pouca demo- etc. Essas novas possibilidades de ter um mundo de pessoas LGBT
cratização da informação, do aces- expressão vêm jogando um papel mais felizes, isso não interessa por
so à escola, à educação etc. Como importante, como gerações mais si só. É importante que as pesso-
a gente vai fazer? A gente vai ter novas têm feito com pouca ânsia as tenham liberdade sexual e de
que fazer isso por uma disputa pode pacificação ou entendendo gênero, mas é essencial também
lítica. É esse o horizonte que está que não são hétero, mas se di- que se lute pelas dimensões de
posto: o do diálogo, que tem de zem pansexuais, ou não-binários, justiça social, de igualdade e de
ser negociado, ou de tentar ga- ou que não se encaixam nem no várias outras transformações na
nhar e fazer passar. Não dá para fi- masculino e feminino. Ou seja, realidade, que é preciso a gente
car numa bolha falando com siglas se amplia uma gama de possibi- alcançar ainda. Ou seja, temos
incompreensíveis, com linguagem lidades de identidades que eram o desafio de politizar mais essa
incompreensível. Nós precisamos questão, porque muito desse
aproximar, nós precisamos colar processo identitário que tem
mais perto de setores que a gente
sabe que é possível trazer no nos-
É importante acontecido, acontece numa épo-
ca também de um certo triunfo
so lado. E tem um outro setor que
é de enfrentamento: bater de fren-
que as pessoas do neoliberalismo, ou aquilo de
um liberalismo progressista, que
te mesmo, porque não tem diálo- é essa ideia do capitalismo do
go possível e conciliação quando
a gente está falando de uma pau-
tenham arco-íris, cor-de-rosa, que pode
ser uma coisa ultra-individualista.
ta que diz respeito à dignidade
das pessoas, os modos de ser, de liberdade sexual Você vira um empreendedor de
você mesmo, que você se agen-
existir, de desejar a coisas que são cia, que você se expressa e você
muito elementares e que não es-
tão postas como uma negociação
e de gênero, mas pode ser o que você quiser, mas
isso fragmenta muito, isso não co-
possível, é algo que tem simples-
mente que defender. é essencial que necta isso no bom de luta política
que é a dimensão coletiva. Temos
o desafio de criar uma comunida-
— Sobre essa questão da disputa
política, é inegável o salto em
se lute pelas de, como sempre se tentou fazer
historicamente, criar uma comu-
relação a 2018 nas eleições. Em nidade com código compartilha-
2022, foram 18 candidaturas
LGBTQIA+ contra dez em 2018. E
dimensões de do, com valores, com repertório
de ação, com movimento insti-
algumas muito bem votadas, com
algumas marcas importantes: a
justiça social tucional, movimento organizado
para expressar com palavras de
primeira deputada federal trans, ordem, com repertório, com ban-
a Érika Hilton, a Duda Salabert… inimagináveis há pouco tempo. deiras, enfim, tudo isso que histo-
Ano passado saiu uma pesquisa Isso reflete uma cultura mudada, ricamente foi se constituindo, o
do psiquiatra João Carlos Pizzi, mais ampla também. Agora, não que não é natural. Isso é uma cria-
da USP-Unesp, que aponta significa que, por essas pessoas ção política, cultural, histórica que
que 12% de adultos brasileiros estarem nesse lugar de um certo demanda esforço, investimento
se declaram não-hétero, mas desajuste com a norma de dissi- de energia, de desejo, de tesão.
de expressões de gênero e dência em relação ao código he- Entre os desafios, o maior é esse
sexualidade diversos. Como teronormativo, ou cisnormativo, de romper com o um processo de
organizar politicamente essas que essas pessoas avançaram na identificação muito individualista,
todas essas pessoas? direção de uma consciência po- neoliberal ainda.
— À medida que a sociedade vai lítica, ou uma postura política, de
mudando a mentalidade das pes- contestação, de transformação — Uma coisa que nenhum partido
soas, se abre uma margem para da realidade, de engajamento político, nem mesmo no campo
as pessoas se entenderem, se em processos políticos mais efe- progressista, avançou muito foi
identificarem com perspectivas e tivos de mudança. Há um desafio na identificação das opressões:
a luta antirracista é uma, a luta que historicamente sempre foi gro, pelo movimento feminista,
pelos direitos LGBT é outra, a luta esse campo das esquerdas que pelo movimento LGBT, pra enten-
feminista, outra. Classicamente, acolheu a agenda LGBT, a agen- der que essas pautas não cabem
essas lutas não conversam muito da da diversidade sexual e de simplesmente no rótulo do iden-
ainda. Fico pensando se não gênero, tanto numa perspectiva titarismo, não são questões par-
temos aí uma tarefa enorme institucional, quando viraram go- ticulares que fragmentam a luta
nesse sentido… vernos de diferentes níveis fede- mais ampla, não são lutas acessó-
— Eu acho. E essa questão não é rativos, como numa perspectiva rias, como lutas secundárias que
uma questão assim tão nova pra de diálogo com movimentos so- viriam depois da luta de classes.
gente; ou seja, ela vai com a gen- cial mesmo, de os partidos terem Hoje se sabe que tudo isso está
te. O movimento LGBT, em vários setorial LGBT… E são os partidos no bojo da luta de classes; a clas-
momentos, desde o surgimento da esquerda brasileira que têm se é composta do ponto de vista
do movimento no fim da década isso desde a sua origem, como do gênero, da raça, da sexualida-
de 70, nesse contexto da rede- o PT. , que é o mais conhecido, de, ou seja, tudo isso faz parte da
mocratização, a gente viu emer- mais antigo da esquerda brasilei- vida da classe trabalhadora. Isso
gir uma série de diálogos e de vai ensejar uma política emanci-
tensionamentos com a esquer- patória articulada também nes-
da mais tradicional, a esquerda
mais partidária e a esquerda mais
historicamente sa dimensão de uma política da
subjetividade. Um setor muito
ampla. De um lado, uma ala do
movimento LGBT dizendo não,
sempre foi o grande, aprendeu, o outro ainda
não aprendeu e aí também tem
a gente vai se manter autônomo muito embate, dificuldade de co-
na nossa luta, porque nem direita
nem esquerda estão com a gen-
campo das nexão. Eu tenho uma leitura um
tanto otimista; acho que se avan-
te. Ou, aquela história que Sue-
li Carneiro já disse em relação à esquerdas que çou de modo muito significativo.
E sinal disso é a gente constatar
questão da raça: “entre esquerda o que é um governo de posicio-
e direita, eu sou negra”; analoga-
mente, no movimento gay tinha
acolheu a agenda namento mais progressista, um
governo de esquerda, como o
esse pensamento. Outra ala do
movimento dizia: “não, nós te- LGBT, a agenda governo Lula, que cria uma pasta
específica para a política pública,
mos que criar pontes, nós temos não só reconhece o estatuto de
de ter aliados, a gente é minoria
na sociedade precisa de aliados
da diversidade importância da política pública,
das pessoas LGBT+, mas cria uma
para provocar as transformações, pasta, bota uma travesti para ser
por isso precisamos nos conectar
com o setor progressista, porque
sexual e secretária, bota um compromisso
público, faz declarações etc. Até
já sabemos os com os conserva-
dores não dá, eles acham que a
de gênero para subir a rampa do Planalto:
o que cria uma imagem de que
gente não pode existir”. Entre os isso faz parte da ideia de nação,
progressistas, tem moralismo ain- ra, mas já tem diálogo com o mo- de Brasil, reivindica isso como
da, que vem do ranço do stalinis- vimento desde a década de 80. essa pluralidade, essa diversida-
mo mesmo, de perspectivas mais Os partidos de direita vão criar de, como algo que nos comporta,
atrasadas da esquerda etc., mas nos anos 2010 em diante seto- que nos forma, nos constitui. De
tem, pelo menos, mais margem riais LGBT, muito mais figurativos, outro lado, o que a gente tinha
de diálogo. Essa galera defende decorativos do que efetivamente antes, que era algo a rejeição to-
liberdade de modo mais conse- de compromisso, porque não é tal da pauta. A pauta não existia
quente, tem mais compromisso uma pauta vista como relevante. ou só existia no sentido inverso,
com igualdade, ou seja, vão nos E na esquerda teve um proces- era pra tocar o terror, era pra ser
apoiar em algum grau, ainda que so de mudança de mentalidade, LGBTfóbico etc. Acho que isso
publicamente tenha certos pre- num setor grande das esquer- mostra como a esquerda, apesar
conceitos íntimos. Essa aliança das, e falo no plural porque é no dos pesares, apesar de todos os
aconteceu em vários momentos, plural, é um setor grande que se limites, foi aprendendo, ainda
mas sempre também de modo educou, foi educado pelo próprio que haja tem muita gente para
um tanto conflitivo, mas o fato é movimento, pelo movimento ne- ser educada nesse campo. •
CAPA
BOLSONARO
NA MIRA
DA Justiça
Finalmente, o ex-presidente enfrenta o primeiro julgamento
na Justiça pelos muitos abusos e crimes cometidos. O TSE
julga esta semana o pedido de inelegibilidade movido
pelo PDT que pode tirá-lo da disputa em 2026 e colocá-
lo fora da política por oito anos. Ainda é pouco e não é
nem o começo dos seus problemas no Judiciário. Ele terá
de responder ainda pelos crimes contra a democracia e os
quase 700 mil mortos na pandemia da covid-19
N
inguém parece acredi- provocou a rápida reação do pre- indevido da mídia quando rece-
tar na possibilidade de sidente Luiz Inácio Lula da Silva beu embaixadores estrangeiros
Jair Bolsonaro escapar e dos outros chefes de poderes em julho para levantar dúvidas
de uma condenação da República, o senador Rodrigo sobre a confiabilidade das urnas
pela Justiça Eleitoral, Pacheco (PSD-MG) e a presidenta eletrônicas brasileiras. É o primei-
que pode tirá-lo da vida do Supremo Tribunal Federal, mi- ro de outros 15 processos eleito-
política brasileira e pri- nistra Rosa Weber. rais que aguardam julgamento na
vá-lo de seus direitos políticos pe- O julgamento que começou Justiça Eleitoral.
los próximos oito anos. O próprio no TSE na semana passada e deve A reunião com diplomatas foi
Bolsonaro esboçou uma reação ser encerrado nesta quinta-feira, realizada no Palácio da Alvorada
tímida, quase temerária, dizendo 29, vai examinar se o ex-presiden- e transmitido pela Empresa Brasil
que os sinais de que a Justiça vai te cometeu abuso de poder e uso de Comunicação, evidenciando
condená-lo são evidentes. claramente uma manobra po-
O ex-capitão do Exército virou lítico-eleitoral para alimentar a
um problema até para o bolso- desconfiança na integridade das
narismo e a extrema-direita, por-
que o Tribunal Superior Eleitoral
Jair Bolsonaro eleições. Bolsonaro foi derrotado
pelo seu principal adversário po-
deve condená-lo por abuso de lítico, Luiz Inácio Lula da Silva, nos
poder nas eleições presidenciais
de 2022, quando atentou con-
corre o risco dois turnos da eleição presiden-
cial de outubro. A reunião com
tra o próprio processo eleitoral
e jogou a sombra da suspeita de perder os diplomatas foi transmitida ao vivo
pela TV e pelas redes sociais You-
— infundada — de que as urnas Tube, Instagram e Facebook.
eletrônicas seriam passíveis de
fraude. Ele jamais apresentou
seus direitos Ao ser condenado pelo TSE,
Bolsonaro, de 68 anos, ficaria
qualquer evidência. Bolsonaro é
agora um zumbi, do qual poucos políticos e ser inelegível para concorrer a qual-
quer cargo político por oito anos,
querem se aproximar, tal o grau frustrando qualquer esperança
de decomposição política que
exala de sua liderança. Ele está
considerado de um retorno rápido. A expecta-
tiva é que ele se torne inelegível.
marginalizado dentro do sistema Há muitas evidências contra ele.
político, desde que seus apoia-
dores invadiram e vandalizaram o
inelegível a E isso tudo antes dos aconteci-
mentos da insurreição de janeiro,
Congresso, a Suprema Corte e o
Palácio do Planalto em janeiro. A
qualquer cargo alimentada por hordas de extre-
mistas. Bolsonaro fugiu no final
invasão dos prédios públicos ga- de dezembro de 2022 para não
nhou repercussão internacional e por oito anos ter de transmitir o cargo, na ceri-
Reprodução
ABUSO DE PODER O ex-presidente promoveu encontro no Palácio da Alvorada para diplomatas estrangeiros, em
julho de 2022, levantando suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral e colocando em xeque as urnas eletrônicas
mônia de posse de Lula, realizada sado, enquanto seus apoiadores na gestão Bolsonaro, o senador
em 1º de janeiro. se preparavam para o julgamento. Ciro Nogueira (PP-PI), disse que
Bolsonaro negou qualquer Ex-ministro-chefe da Casa Civil uma sentença de inelegibilidade
irregularidade, alegando que o do tribunal seria uma “injustiça”
encontro com os embaixadores que galvanizaria a direita em tor-
era para fins governamentais, não no de quem se tornar o sucessor
eleitorais, e que era legítimo que político de Bolsonaro. “Tirar os
um presidente expressasse dúvi-
das sobre o sistema eleitoral. Na
BOLSONARO SABE direitos de um líder que tem o
apoio de 48% da população se-
última semana, quando começou
o julgamento da denúncia mo- QUE DIFICILMENTE ria vitimizá-lo. O candidato dele
venceria facilmente a eleição em
vida pelo PDT, na quinta-feira, o 2026”, disse. O progonóstico é
ex-capitão do Excército disse que
queria se manter “100% ativo na
VAI ESCAPAR DE ilusório. O ex-presidente terá ain-
da outros problemas a enfrentar,
política” e que qualquer veredic-
to de inelegibilidade seria uma CONDENAÇÃO NO inclusive na Suprema Corte.
Na última quarta-feira, o Sena-
“afronta”. do aprovou, após quase oito ho-
“O que fiz ao longo de quatro
anos é algo a ser estudado. As
TSE POR ABUSO ras de sabatina e duas votações,
a indicação do advogado Cris-
pessoas passaram a respeitar a
bandeira brasileira, cantar o hino
nacional, aprenderam a valorizar a
DE PODER, NAS tiano Zanin para exercer o cargo
de ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) na vaga aberta pela
liberdade”, disse o ex-presidente.
Ele próprio não acredita na pos-
ELEIÇÕES DE 2022: aposentadoria de Ricardo Lewan-
dowski. Ele foi advogado de Lula
sibilidade de ser absolvido pelo no caso da Lava Jato. Seu nome
TSE. “Os sinais não são bons, mas
estou tranquilo”, disse a apoiado-
"OS SINAIS NÃO recebeu o voto favorável de 58
senadores, contra apenas 18. Na
res no último fim de semana pas-

SÃO BONS" Comissão de Constituição e Jus-
tiça (CCJ), o resultado foi de 21 e guardou dois conjuntos de
a favor e 5 contra. No STF, Zanin joias preciosas que teriam sido
deve se somar à maioria que vi-
rou alvo de Bolsonaro durante o
Bolsonaro dados como presentes pela di-
tadura saudita quando ele ain-
processo eleitoral. da estava à frente do governo.
Na semana passada, o jornal
britânico Financial Times — um
ainda é alvo De acordo com a legislação, ele
teria de colocar as joias como
dos mais renomados veículos de
imprensa em todo o mundo — de inquérito da presente ao Estado brasileiro,
mas tentou “incorporar” o pe-
publicou reportagem de página queno tesouro, avaliado em mi-
inteira lembrando a discreta cam-
panha do governo Joe Biden,
PF que apura lhões de reais, ao seu “patrimô-
nio pessoal”.
presidente dos Estados Unidos
para defender a eleição do Brasil, os crimes de Por fim, Bolsonaro foi aponta-
do pela CPI da Pandemia como
na qual Bolsonaro foi fragorosa- um dos responsáveis diretos
mente derrotado.
Além do julgamento na Justiça
corrupção, pela morte de quase 700 mil bra-
sileiras que perderam suas vidas
Eleitoral, Bolsonaro ainda enfrenta durante a pandemia da covid-19.
uma série de investigações crimi-
nais, incluindo a suposta incitação
peculato e O ex-presidente foi acusado for-
malmente de ter cometido nove
aos ataques terroristas ocorridos,
quando as sedes na Praça dos Três
improbidade no crimes: prevaricação; charlata-
nismo; epidemia com resultado
Poderes em Brasília, foram invadi- morte; infração a medidas sani-
das e depredadas por apoiadores.
Ele também vai responde a pro-
caso das joias tárias preventivas; emprego irre-
gular de verba pública; incitação
cesso por falsificação de registros ao crime; falsificação de docu-
de vacinas contra a covid-19. mentos particulares; crime de
peculato e improbidade admi-
Além disso, o ex-presidente responsabilidade e crimes con-
nistrativa, depois que recebeu
é investigado por corrupção, tra a humanidade. •
Divulgação/STF
INQUÉRITO O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, ainda tem sob seus cuidados, no Supremo Tribunal
Federal, o inquérito que apura as responsabilidades e vai chegar aos financiadores dos atentados de 8 de Janeiro
Sérgio Lima
TÁTICA OPORTUNISTA Condenado por tentar explodir um tanque de combustível no aeroporto de Brasília, em
dezembro de 2022, George Washington recorreu ao truque bolsonarista, permanecendo calado diante da CPI
BOLSONARO FOI A GRANDE

inspiração doS terroristaS
Na CPI dos Ataques à Democracia, depoimentos de policiais
civis de Brasília ajudam parlamentares a mostrar que
tentativa de explodir caminhão no aeroporto de Brasília foi
influenciado diretamente pelo discurso do ex-presidente.
Condenado pelo crime, George Washington ficou calado
A
CPI dos Ataques à sonaro. Na quinta-feira, 22, a de George Washington de Oli-
Democracia vai aos CPI tomou o depoimento de veira Sousa, já condenado pelo
poucos elucidando três policiais civis do Distri- atentado.
como os atentados to Federal que investigaram O testemunho dos três agen-
contra as institui- a tentativa que bolsonaristas tes — os peritos criminais Rena-
ções da República, fizeram de explodir um cami- to Martins Carrijo e Valdir Pires
em 8 de janeiro, fo- nhão-tanque no aeroporto de Dantas Filho e o delegado Leo-
ram diretamente influenciados Brasília, na véspera do Natal de nardo de Castro Cardoso, dire-
pelo ex-presidente Jair Bol- 2022. Eles foram ouvidos antes tor do Departamento de Com-
bate à Corrupção e ao Crime como quando disse que o Exér- percebe, então, qual era o mo-
Organizado (Decor) — ajudou a cito havia identificado “infiltra- tivo da tentativa de golpe, da
mostrar como os discursos gol- dos” no acampamento dos gol- tentativa de colocar uma bom-
pistas de Jair Bolsonaro e seus pistas em Brasília. ba no aeroporto de Brasília,
cúmplices levaram a sucessivos Apesar da estratégia, a CPI inspirada pelo ex-presidente,
atos de terrorismo e à tentativa avançou graças aos depoimen- querendo criar o caos social e
de golpe de 8 de janeiro. tos dos policiais. E diante das político no nosso país para dar
O deputado Rubens Pereira informações prestadas pelo um golpe de Estado e impedir
Júnior (PT-MA) pediu ao dele- próprio terrorista, no inquéri- que o presidente Lula assumis-
gado Leonardo Cardoso que to instaurado pela polícia. O se em 1º de janeiro”, ressaltopu
confirmasse trechos do depoi- delegado Cardoso confirmou Rubens. “Esses são os motivos
mento de George Washington, as declarações prestadas por desse crime. Isso tudo consta
no inquérito policial já tornado Washington: “Eu resolvi elabo- nos autos e é confirmado pelo
público. Em um dos trechos, o rar um plano com os manifes- delegado que procedeu essa
bolsonarista disse à polícia: “A tantes do QG do Exército para investigação”.
minha ida a Brasília tinha como O deputado Pastor Henrique
propósito participar dos protes- Vieira (PSOL-RJ) ressaltou o pe-
tos que ocorriam em frente ao rigo representado pela estraté-
QG e aguardar o acionamento
das Forças Armadas para pegar
“Fui participar gia de desinformação usada em
todo o mundo pela extrema-di-
em armas e derrubar o comu-
nismo”. dos protestos reita, que tem no bolsonarismo
sua face brasileira. “É o bizarro
Em seguida, Washington tentando se passar por comum
detalhou sobre o arsenal en-
contrado no apartamento que
que ocorriam e normal. Tipo: não existia vírus,
a vacina não funciona, a Terra
alugou em Brasília: “O que
me motivou a adquirir as ar- em frente ao QG é plana. Ridículo, só que não
é amador. E produz violência,
mas foram as palavras do pre- ódio, negacionismo, desinfor-
sidente Bolsonaro, que sem-
pre enfatizava a importância
e aguardar o mação. Isso não é brincadeira,
isso produz carro-bomba. O
do armamento civil, dizendo o
seguinte: um povo armado ja- acionamento das efeito final do bolsonarismo é
um carro-bomba prestes a ex-
mais será escravizado”. Após a plodir”, acusou.
confirmação de que essas fo-
ram as palavras do criminoso,
Forças Armadas “Se fosse só discurso, já seria
grave. Mas não é só discurso.
Rubens Júnior destacou: “Com Influencia famílias, comporta-
isso, a gente já sabe por que o
George Washington tinha tanta
para pegar mentos, manipula sentimentos
religiosos e leva pessoas ao
arma, e já sabe por que ele veio
para Brasília”. em armas” auge do fanatismo, a um mun-
do paralelo, dispostas a montar
Na quinta-feira, em depoi- um carro-bomba e explodir um
mento à CPI, George Washin- aeroporto”, ressaltou.
gton agiu como um típico provocar a intervenção das For- O deputado criticou ainda a
bolsonarista e se acovardou. ças Armadas e a decretação do tentativa que a extrema-direita
Permaneceu calado e não pres- Estado de Sítio para impedir a faz agora de culpar o governo
tou informações. Beneficiado instauração do comunismo no Lula pelo golpe que ela insuflou.
por um habeas corpus que lhe Brasil”. “É o curioso e tragicômico caso
deu o direito de não responder Os integrantes da CPI che- de uma extrema direita que ar-
as perguntas feitas pelos par- garam à conclusão óbvia, dian- ticulou um golpe e depois bus-
lamentares, Washington disse te desses trechos: a motivação ca responsabilizar um governo
que ficaria calado na grande do terrorista era — inspirado eleito. Coloca mais peso de
maioria das vezes. E só respon- pelo discurso golpista de Bol- responsabilidade numa eventu-
deu a questionamentos quan- sonaro — criar um caos social al omissão da vítima do que na
do, claramente, queria gerar que motivasse a intervenção incompetência do algoz. Isso é
confusão nas investigações, das Forças Armadas. “A gente bizarro”, disse. • Agência PT
POLÍTICA
Olimpio

Regulação não é
censura
O fato de a gigante de tecnologia Meta, proprietária do
Facebook, Instagram e Whatsapp, admitir descontrole sobre
o conteúdo ajuda a impulsionar o debate sobre o tema. “Todo
o poder às plataformas gera um sistema privado de censura”,
diz relator do projeto das Fake News, deputado Orlando Silva
Isaías Dalles atribuiu o erro ao fato de que a no Congresso Nacional. O ní-
A
pontuação do texto que acom- vel de pressão revelou o caráter
Meta, empresa que é panhava o vídeo, em português, danoso da atuação das grandes
proprietária das pla- confundiu seus sistemas de con- empresas de tecnologia, que atu-
taformas Facebook, trole. Essa explicação oficial, am como se não tivessem obri-
WhatsApp e Insta- mesmo que não diga tudo, serve gações legais e com as leis. O
gram, já admitiu que ao menos para mostrar uma fra- ministro da Justiça, Flávio Dino,
seus sistemas de con- gilidade no modelo de modera- criticou duramente a conduta da
trole e moderação de ção a cargo exclusivamente da empresa.
conteúdo falharam. A Big Tech própria empresa. O deputado Orlando Silva
assumiu que falhou ao manter no Isso sem falar nos ataques (PCdoB-SP), relator do projeto,
ar um vídeo que conclamava a explícitos que as próprias plata- batizado pela imprensa de “Lei
invasão e depredação das sedes formas protagonizaram contra o das Fake News”, acredita que o
dos Três Poderes da República, projeto de lei que pretende re- tema deve ser apresentado no-
em 8 de janeiro. gular a veiculação de conteúdos vamente à Câmara dos Deputa-
O fato de a própria gigante de digitais no Brasil. Às vésperas da dos no início do segundo semes-
tecnologia reconhecer que não votação da proposta no Con- tre. Silva e Brant participaram, na
excluiu o vídeo por não ter ca- gresso, no início de maio, o Goo- semana passada, de um debate
pacidade de detectar seu caráter gle veiculou anúncio oficial em sobre regulação das redes, pro-
antidemocrático e ilegal reforça que acusava o projeto de tentar movido na Universidade de Bra-
a necessidade de uma regulação impor censura no país e de pre- sília (UnB) e organizado pelas
para o setor. A avaliação é do se- judicar a qualidade dos serviços. fundações partidárias, entre elas
cretário de Políticas Digitais do Segundo a empresa admitiu a Perseu Abramo.
governo Lula, João Brant. depois ao Supremo Tribunal Fe- Para o deputado e o secretá-
A gigante do Vale do Silício já deral, o anúncio teria custado R$ rio, um dos principais desafios
havia admitido o erro em março. 2,1 milhões. A pressão das big para a aprovação do projeto é
Mas, na semana passada, voltou techs forçou o adiamento da vo- desfazer a ideia, junto à opinião
a abordar o assunto. Dessa vez, tação do projeto, em tramitação pública, de que se trata de tenta-
são coletados e processados em
escala industrial. O que defende-
mos é o direito de ter um contro-
le sobre esses dados, de forma
plural”. Silva destaca que esse
controle não estará nas mãos do
governo, e sim de um conselho
em que as empresas, inclusive,
terão participação. “Houve críti-
cas dizendo que o governo pre-
tendia criar o Ministério da Infor-
mação. Onde isso está escrito?”,
questiona João Brant.
Joedson Alves/ABr
Segundo o secretário de Polí-
ticas Digitais, a regulamentação
proposta cria regras gerais, a
partir de conceitos legais e de di-
REGRAS Secretário de Políticas Digitais do governo Lula, João Brant alerta reitos já consignados em outras
para os riscos à democracia com o modelo atual de gestão das redes sociais esferas da sociedade. Por isso,
não engessariam a evolução tec-
tiva de censura. “É exatamente o maiores é o risco para a demo- nológica.
contrário. O usuário das platafor- cracia. O modelo de negócios Um desses conceitos, segun-
mas não será tutelado, e sim terá desse setor, baseado no engajado Brant, é o dever de cuidado.
um mecanismo de proteção”, mento a qualquer custo, favorece Refere-se à prevenção de crimes
afirma Orlando Silva. o espírito incendiário para atrair contra o Estado, racismo, vio-
Um dos pilares da proposta é audiência”, aponta. lência contra a mulher, suicídio,
criar um conjunto de princípios, A censura existe, de fato, no crimes contra crianças e adoles-
cujo cumprimento será analisa- modelo atual, na opinião de Or- centes e contra a saúde pública.
do periodicamente por um con- lando Silva. “Todo o poder às pla- Outro é a instituição de auditoria
selho independente, com par- taformas gera um sistema priva- periódica, sob responsabilida-
ticipação de representantes de do de censura, em que os dados de do conselho independente,
usuários, das próprias empresas como ocorre, entre outros seto-
de tecnologia e de comunicação, res, nas atividades empresariais.
dos poderes públicos e de pes-
quisadores. “Não haverá controle O modelo de “Esse órgão vai lidar com as obri-
gações das plataformas. Já as ati-
individualizado sobre as ativida- vidades individuais na rede vão
des das pessoas”, garante.
Esse tipo de regulamentação
negócios desse ser reguladas pelas próprias pla-
taformas”.
vigora em outros setores, expli-
ca João Brant. “É similar ao que
se pede a uma empresa conces-
setor, baseado O deputado e o secretário
têm dialogado, desde o início
do ano, para aperfeiçoar o pro-
sionária de estradas”, exemplifi-
ca. “Ela não deve responder por no engajamento jeto de lei, ouvindo propostas
de diferentes setores, inclusive
cada acidente ou imprudência
de motoristas individuais. Mas
deve agir preventivamente, sen-
a qualquer de pessoas envolvidas em pro-
jetos de regulação que estão
avançando na Europa. Ambos
do cobrada pela qualidade do
asfalto, da sinalização”. custo, favorece acreditam, no entanto, que fal-
ta mobilização social de seto-
Outro exemplo citado por res progressistas. Ao contrário
Brant é o setor financeiro, que
tem regras para prever e evitar
o espírito do que se observa no campo
fundamentalista, que vem mo-
riscos sistêmicos, como a quebra
de bancos. “No caso das plata- incendiário para bilizando a partir de fake news
como, por exemplo, a de que o
formas digitais, há um conjunto projeto vai impedir a publicação
de riscos sistêmicos, e um dos
atrair audiência de trechos bíblicos na rede. •
guerra contra
as fake news
Em Brasília, Foro de São Paulo promove debate amplo,
junto com movimentos sociais e sindicais apontando os
caminhos para a esquerda. A luta passa pela disputa de
novas gerações e ideias, volta às ruas, brigadas digitais
e democratização das comunicações
M
arca mundial dos mo- Nesta 26ª edição, que come- seja um cenário fundamental para
vimentos de esquer- ça nesta quinta, 29, em Brasília, o impulsionar os valores da solida-
da, as mobilizações Foro de São Paulo tem como ob- riedade, a luta pelos direitos, a or-
de rua perderam “es- jetivo manter ações unitárias entre ganização e a luta da classe traba-
paço” desde 2019, os partidos políticos e movimen- lhadora”, aponta.
quando a Organiza- tos sociais do campo progressista Para o coordenador, esses de-
ção Mundial de Saú- e de esquerda. A organização do safios não serão superados sem
de (OMS) decretou a pandemia evento e representantes de seto- antes ampliar a presença dos mo-
de Covid-19 no planeta, para a riais – como mulheres, juventude, vimentos sociais e sindicais nas
ocupação das redes sociais por movimentos sociais, sindicais e de diferentes plataformas de comu-
movimentos de extrema-direita e defesa da terra, debaterão a inte- nicação como forma de avanço
sua pauta de costumes e de pro- gração regional. da perspectiva progressista, de-
liferação do grande negócio que Coordenador político da Con- mocrática e do desenvolvimento
são as fake news. federação Sindical de Trabalha- sustentável, “como programa su-
Esse cenário de terra fértil ao dores (as) das Américas, Ivan perador da lógica violenta do ca-
debate de costumes e prolifera- Gonzales, diz que a CSA Sindical pitalismo”.
ção de mentiras como formas des- reivindica a democratização das Gonzales afirma que, em
construção fez encolher as mo- comunicações como um conte- 2021, a Conferência Continental
bilizações de massas devido ao údo essencial da pauta política e de Comunicação Sindical traçou
risco de contágio por coronavírus democrática. uma “Hoja de Ruta” para o sindica-
e possibilitou o domínio de redes “A disputa pelo relato frente lismo das Américas, no qual a luta
sociais a partir do poder econômi- à hegemonia neoliberal faz com contra o discurso de ódio, as fake
co pelo conservadorismo. que o campo das comunicações News, a manipulação das mídias
sociais constitui uma parte das ta- movimentos deve ultrapassar as ideais, área em que o capital per-
refas da comunicação sindical. barreiras virtuais e que as mobili- manece com grande hegemonia
“Estabelecer alianças com o zações populares não se podem cultural e economicamente.
movimento das mídias alternati- ficar apenas a cargo das redes so- “As redes sociais passaram a
vas, criar linguagens próprias para ciais, ponderando que os tempos ser um dos grandes campos de
nos comunicarmos com as bases, mudaram e os dirigentes precisam batalha. E nós, os movimentos po-
apoiar a comunicação de nossos se adaptar. pulares, estamos sendo obrigados
sindicatos e demandar uma pre- “Por isso, grupos, listas de trans- a nos preparar e nos reorganizar
sença mais ativa dos estados na missões, lives, um grupo compos- para enfrentar essa nova fase da
democratização das comunica- to por comunicadoras populares luta ideológica”, comenta.
ções fazem parte da agenda sin- de todo o país, videoaulas de for- Messilene pondera que há
dical no enfrentamento do poder mação, a exemplo da TV Elas por avanços nos mecanismos de
corporativo midiático e do conser- Elas, implementada pelo Partido como os movimentos populares
vadorismo econômico e político dos Trabalhadores, são ótimas fer- têm atuado nas redes sociais, fa-
na região”, comenta. ramentas para manter a militância zendo o enfrentamento de ideias
Na avaliação de Antonio Lis- ativa e informada”, afirma. difundidas pela extrema-direita.
boa, secretário de Relações In- Apesar dos desafios, esse é
ternacionais da Central Única
dos Trabalhadores (CUT), a utili-
O modelo de um terreno ainda muito com-
plexo para a atuação do campo
zação correta e efetiva das redes progressista. “É um inimigo, pra-
sociais ainda é um grande desa-
fio para os movimentos sociais
negócios desse ticamente, invisível, atuando em
todas as dimensões humanas, da
e, especialmente, os sindicais.
Para ele, importantes passos já setor, baseado sociedade e conta com muitos
interesses econômicos envol-
foram dados e todas as entida- vidos. “Por isso, temos que nos
des têm procurado se fortalecer
nesses campos.
no engajamento preparar mais e mais para essa
nova fase da disputa de classes,
“No caso do movimento sin-
dical e da CUT, nós tivemos du- a qualquer mas a luta de massas, de rua, o
dialogo direto com as pessoas e
rante o ano passado, especifica- com a sociedade ainda seguem
mente, um papel importante na
disputa e nas redes sociais com
custo, favorece como os instrumentos mais po-
deroso para combater os fascis-
relação às eleições brasileiras, tas e as ideias conservadoras da
principalmente, a eleição do pre-
sidente Luiz Inácio Lula da Silva,
o espírito sociedade.”
De acordo com Alexandre
a partir da criação da estratégia
que chamamos de Brigadas Di-
incendiário para Pupo, representante do Coletivo
Internacional da JPT, as últimas
gitais, com as quais conseguimos eleições na região mostraram o
organizar milhares de grupos no
país inteiro para fazer a disputa
atrair audiência poder das redes sociais como
território de disputa política, mas
política”, afirmou Lisboa. A dirigente ressalta que ou- cada vez mais e, principalmente,
O dirigente disse que essa foi tro fator importante no campo as novas gerações têm ocupado
uma experiência importante que digital é a checagem de fatos e essas redes de forma orgânica,
deve ser fortalecida, mas já deu de dados. “É um dever de toda disputando e apresentando a
um resultado extremamente im- pessoa que está na política e política em uma nova linguagem,
portante nas eleições de 2022. que se considera progressista. A própria para esse espaço.
“Acho que no dia a dia da luta valorização da verdade deve ser “Eu acredito que esse seja
contra a extrema-direita essa ex- sempre o nosso norte”, diz. o caminho. As redes sociais e
periência das Brigadas Digitais, Representante do setor de seus algoritmos são moldados
certamente, pode ser multiplica- Relações Internacionais da co- de forma colaborativa, com a
da ainda mais para servir de ex- ordenação Nacional do MST, formação de comunidades, de
periência para a região.” Messilene Gorete comenta que, trends e de tendências. Temos
Secretária Nacional de Mulhe- atualmente, a luta de classes está que ocupá-las, aprender como
res do PT, Anne Caroline Moura cada vez mais complexa e passa, funcionam e atuar por dentro
afirma que a organicidade dos principalmente, pela disputa das delas”, defende. • Agência PT
ARTIGO
Contra a barbárie nas escolas

Chegou a hora de retomar as campanhas de desarmamento
e avançar na regulação das redes sociais. Não dá mais para a
sociedade se omitir diante da violência nas escolas brasileiras
Zeca Dirceu mamento com foco na 368 buscas e apreensões, registro
O
promoção da paz nas de 3.396 boletins de ocorrência,
ataque a ti- unidades escolares de 2830 casos em investigação. Fo-
ros que dei- todo o país. O parlamen- ram realizadas 901 solicitações de
xou dois alu- to precisa se envolver preservação e remoção de conte-
nos mortos nas campanhas contra o údos digitais em plataformas de
em uma es- armamentismo. redes sociais e 384 solicitações de
cola no meu É falsa a tese de que é dados cadastrais em plataformas
estado, na ci- preciso desarmar os cri- de redes sociais.
dade paranaense de minosos antes de passar O governo do presidente Lula
Cambé, evidencia a ao controle de armas. e o Congresso Nacional terão pa-
necessidade de o país realizar no- Podemos avançar nas duas tare- pel central no encaminhamento
vas campanhas de desarmamento fas: desarmar cidadãos que não de uma solução do problema. Po-
e dar sequência ao processo de têm a mínima condição, sequer rém, não se trata só de desarmar a
regulamentação do funcionamen- psicológica, de ter uma arma; e, população. É imperativo e urgente
to das redes sociais digitais. É fla- ao mesmo tempo, desarmar os cri- a criação de canais para ampliar
grante que há um número muito minosos, coibindo o contrabando o debate sobre a importância de
grande de gente armada sem a e o uso irregular de armas. promover a paz nas escolas com
mínima condição psicológica e O governo, lideranças políticas, propostas para o acolhimento de
psiquiátrica de portar uma arma igrejas e setores da sociedade civil crianças e adolescentes, especial-
de fogo. precisam se mobilizar para enfren- mente por meio de equipes multi-
São perdas irreparáveis, num tar o problema. No caso do desar- profissionais, que além de profes-
quadro alarmante que é o resul- mamento, há menos de 20 anos, sores e pedagogos, possam ser
tado de um impiedoso e desu- sem imposição ou coação, conse- formadas por assistentes sociais e
mano incentivo ao uso de armas guimos avanços civilizatórios que, psicólogos.
pelo governo passado e também lamentavelmente, foram destruí- Eu não uso armas e nem tenho
do uso indevido das redes sociais. dos pelo governo passado. seguranças armados. Sou a favor
Vidas foram ceifadas nos últimos O Ministério da Justiça, em da cultura da paz. Em vez de es-
anos por causa da disseminação conjunto com delegacias de cri- colas fechadas ou militarizadas,
do ódio e da violência, alcançan- mes cibernéticos das principais re- como propõem alguns, defendo
do até as escolas, antes espaço de giões brasileiras, tem monitorado a existência de uma escola aber-
concretização de um ideal consti- ameaças na internet relacionadas ta à comunidade, onde questões
tucional de educação plural e de- a possíveis ataques em escolas. como bullying e outros tipos de
mocrática. Mas, antes de tudo, é preciso de- assédio e violência sejam debati-
Por isso, protocolei, na última sarmar a população e evitar o mau das com a participação de todos,
semana, pedido de audiência pú- uso da internet. sempre levando em conta o res-
blica na Comissão de Educação Os números são assustadores. peito à diversidade e às políticas
da Câmara dos Deputados para Desde o início da operação Es- afirmativas. A escola é um espaço
debater com diferentes especialis- cola Segura, em abril deste ano, de formação e reflexão. •
tas, governo e entidades da socie- foram presas ou apreendidas 368
dade civil a violência nas escolas e pessoas, entre adultos, adoles- * Deputado federal pelo Paraná,
a elaboração de estratégias para centes e crianças. Houve também é líder da bancada do PT
uma ampla campanha de desar- a condução de 1.595 suspeitos, na Câmara dos Deputados

MULHERES Lula Marques/ABr
PROTESTO A bancada feminina denuncia na Câmara a tentativa de intimidação por conta da sua atuação política
“Não vão nos calar”

Deputadas federais do PT e do PSOL sofrem perseguição
política. Elas são vítimas de uma campanha sórdida de
bolsonaristas, que querem puni-las com a perda de mandato
O
movimento de mu- ra, Arthur Lira (PP-AL), que acei- do a já forte ação de garimpei-
lheres e feminista, tou em tempo nunca antes visto ros, madeireiros e criadores de
partidos políticos, en- no Congresso a representação gado.
tidades de classe e ilegítima contra elas – todas Logo após a instauração de
movimentos sociais mulheres, todas de esquerda. processos disciplinares contra
têm se manifestado A presidenta do PT, Gleisi Hof- as deputadas no Conselho de
em apoio às depu- fmann (PT-PR), ressaltou que a Ética, elas deram uma entrevista
tadas federais Célia Xakriabá violência política de gênero é coletiva à imprensa na qual de-
(PSOL-MG), Erika Kokay (PT-DF), uma constante dentro e fora do nunciaram a violência política
Juliana Cardoso (PT-SP), Sâmia Congresso Nacional. de gênero. A maior evidência
Bomfim (PSOL-SP) e Talíria Pe- O argumento do PL é que de que sofrem uma persegui-
trone (PSOL-RJ). Elas estão sen- as parlamentares chamaram ção infundada é a velocidade
do atacadas duramente pelo de “assassinos” os deputados sem precedentes com que es-
Partido Liberal (PL), sigla do ex- que votaram a favor do Marco tão caminhando os processos,
-presidente Jair Bolsonaro, que Temporal (PL 490/2007, atual PL abertos a pedido do PL depois
tenta cassar seus mandatos no 2903/2023), tese da bancada de as deputadas criticarem
Conselho de Ética da Câmara ruralista para alterar as regras quem votou a favor do marco
dos Deputados. da demarcação e a proteção às temporal.
As parlamentares ainda es- terras indígenas no Brasil, que “Assassinos são aqueles que
tão sendo atacadas e viraram colocaria em maior risco a vida colocam as canetas para que os
vítimas do presidente da Câma- dos povos originários, facilitan- tratores passem nas terras do
nosso povo. Portanto, não vão impedir que representantes manifestações violentas con-
nos calar. E nós todas, que es- eleitas digam a verdade sobre tra parlamentares mulheres de
tamos aqui, e tantas outras, se a desigualdade, a exploração quaisquer partidos e instaure
continuar essa forma absurda e a violência que as elites de- mecanismos que criminalizem
de colocar na comissão de éti- tentoras do poder econômico esse tipo de procedimento.
ca, nós e as demais parlamen- patrocinam contra a população Na última semana, foi di-
tares estaremos semanalmente brasileira. vulgado o relatório do envia-
na comissão de ética. Portanto, O apoio às deputadas sob do especial da Organização
eu ecoo aqui a todos vocês que perseguição vem também de das Nações Unidas, Clément
nos ajudem a denunciar e a de- um grupo instituído pelo go- Nyaletsossi Voule, sobre direito
fender nossos mandatos”, afir- verno Lula. Sob coordenação à liberdade de reunião e asso-
mou Juliana Cardoso. do Ministério das Mulheres e ciação. O relator especial este-
Gleisi denunciou o tratamen- composto pelos ministérios dos ve no Brasil para avaliar a situa-
to desigual dado às seis parla- ção dos direitos à liberdade de
mentares, uma vez que depu-
tados homens de direita fazem
constante uso de palavrões,
MOVIMENTOS reunião pacífica e de associação
no país, conforme as resoluções
15/21 e 41/12 do Conselho de
ofensas e ameaças, sem sofrer
qualquer tipo de punição. Na
DA SOCIEDADE Direitos Humanos da ONU. O
documento será base para que
semana passada, a Marcha Mun- as Nações Unidas possam fazer
dial de Mulheres se posicionou
contra o processo na Câmara,
CIVIL REAGEM À comparativos aos avanços e/ou
retrocessos do governo atual
denunciando-o como violência,
e cobrando da direção do par- OFENSIVA CONTRA com a gestão anterior.
Por ter sido apurado durante
lamento medidas que coíbam o a gestão do ex-presidente ge-
uso desse tipo de recurso como
forma de perseguição.
AS DEPUTADAS nocida, o relatório expressa pre-
ocupação com o encerramento
Parlamentares mulheres ocu-
pam somente 18% das cadei- E PRESSIONA das reuniões cívicas no espaço
e o aumento da violência polí-
ras na Câmara dos Deputados. tica no Brasil, que ameaçam o
Mas 63% dos processos na Co-
missão de Ética da Câmara são
MESA DA CÂMARA efetivo gozo dos direitos à liber-
dade de reunião pacífica e de
contra deputadas, em um cená-
rio em que representações con-
tra homens de extrema-direita
A ARQUIVAR O associação ao longo dos últimos
anos. Ele relaciona o aumento
do número de assassinato com
que conclamaram, organizaram
e defenderam o golpe de 8 de
PROCESSO o crescente medo de pessoas,
principalmente mulheres, de in-
janeiro dormem há 140 dias nas vestirem na vida política por fal-
gavetas de Arthur Lira. Povos Indígenas, da Igualdade ta de segurança.
A violência política é um ins- Racial, da Justiça e Segurança O relator especial adverte que
trumento para afastar mulhe- Pública e dos Direitos Huma- o aumento da violência política
res dos espaços de poder e é, nos e da Cidadania, o Grupo de e do discurso de ódio ameaça
neste caso, uma forma de ca- Trabalho Interministerial de En- destruir os valores democráticos
lar vozes de esquerda em uma frentamento à Violência Política fundamentais dentro de uma so-
Câmara cujo papel deveria ser contra as Mulheres enviou soli- ciedade que já luta contra o le-
o de aprofundar a democracia. citação formal à Mesa Diretora gado de racismo e discriminação
Este método de intimidação e da Câmara para rejeitar o pedi- contra comunidades indígenas e
silenciamento são usados por do de processo aberto contra tradicionais, e com a intolerância
representantes da extrema-dias deputadas. histórica contra outros grupos
reita também em Assembleias O grupo pede ainda que minoritários, como pessoas LGB-
Legislativas e Câmaras de Ve- a Câmara passe a considerar TI+, refugiados, requerentes de
readores ao redor do país, para violência política de gênero as asilo e migrantes. •
Ricardo Stuckert

melhora a percepção
sobre a economia
Efeito Lula é confirmado sobre o estado geral do Brasil.
Pesquisa Quaest indica que 32% dos brasileiros estão mais
otimistas quanto ao cenário que o país tem pela frente
Matheus Tancredo Toledo trabalho do presidente, 56% dos neste novo período. Portanto,
A
entrevistados disseram aprovar. uma melhora da economia pode
mais recente pesquisa O índice é 5 pontos superior ao se traduzir em apoio em diversos
Genial/Quaest, divul- registrado pela Quaest em abril: segmentos da população brasi-
gada na última sema- 51%. leira ao governo e ao presidente.
na, aponta que a per- A série histórica do instituto O instituto também mensurou
cepção dos brasileiros demonstra que o patamar da a opinião a respeito de medidas
sobre economia me- aprovação de Lula retomou aos recentes anunciadas pelo Palácio
lhorou desde abril. No níveis de fevereiro deste ano. do Planalto. A isenção de monta-
período, o número de pessoas Recentemente, pesquisas indica- doras para reduzir o preço dos
que percebem melhora aumen- ram apoio da população às crí- carros é aprovada por 76% dos
tou de 23% para 32%, enquan- ticas que o presidente Lula tem brasileiros, enquanto o perdão
to o número dos que apontam feito às decisões da direção atual de dívidas pequenas para limpar
piora na economia caiu de 34% do Banco Central, de manter as o nome é aprovado por 73%.
para 26%. A percepção de que taxas de juros em patamares que Já o fim da paridade interna-
ficou do mesmo jeito se manteve inviabilizam o crescimento eco- cional para o preço da gasolina
no mesmo patamar — oscilou de nômico, e de elevação constante conta com apoio de 61% dos
39% para 38%. dos juros reais. brasileiros. Além disso, para 46%
O aumento foi maior na base Os dados reforçam que o de- das pessoas, a imagem interna-
da pirâmide social — entre os bra- sempenho da economia é po- cional do Brasil melhorou, e 49%
sileiros com renda familiar até 2 tencialmente o grande condutor consideram importante a apro-
salários mínimos (R$ 2.640) au- da aprovação governamental ximação do país com outras na-
mentou de 21% para 35% —, mas ções da América do Sul.
também está presente também Para Felipe Nunes, CEO da
nas demais faixas de renda. A
sensação de melhora aumentou
de 22% para 31% no segmento
dos brasileiros de classe média,
32% Quaest e responsável pela pes-
quisa, o que ‘chama mais a aten-
ção’ nos dados deste novo le-
vantamento é o avanço no apoio
dos entrevistados
que ganham entre 2 e 5 salários entre aqueles que se dizem elei-
mínimos — o equivalente a R$
consideram que houve tores de Jair Bolsonaro (PL).
2.640 e R$ 6.600 — e 5 pontos na melhora na economia. “Embora essa melhora tenha
renda acima de 5 salários-míni- Em abril, o percentual acontecido em todos os estratos
mos, chegando a 30%. era de 23%. E caiu o sociais, chama atenção a melho-
Isso se refletiu em um aumen- número daqueles que ra entre eleitores de Bolsonaro.
to da aprovação de Lula acima Nesse segmento, a aprovação
da margem de erro: quando
consideram que houve passou de 14% para 22%”, co-
questionados, de forma binária, piora. Os dados são da menta o pesquisador na divulga-
se aprovam ou desaprovam o Genial/Quaest ção dos índices. •
ECONOMIA
Juros altos são uma trava

A Selic em alta impede o crescimento e a geração
de empregos, diz o secretário de Política Econômica,
Guilherme Mello. O regime fiscal melhorou o ambiente
macroeconômico, mas os efeitos da atual política monetária
são ruins: “Há indícios claros de impacto negativo, em
particular, na indústria”. Na Itália, Lula diz que o presidente
do Banco Central joga contra a economia do país
E
m menos de seis meses afirma que as condições para uma mais espaço para investimentos.
de gestão, o governo fe- queda da taxa Selic estão dadas “É uma alteração importante,
deral fez o dever de casa, há algum tempo, inclusive pela sena forma de inclusão no orçamen-
organizando o orçamento gurança das novas regras fiscais e to do crescimento da inflação. Ele
e preparando o terreno dados como o crescimento do PIB permitiu que o governo envie um
para uma retomada do — já acima de 2%, segundo pro- projeto de lei orçamentário, já
crescimento brasileiro. jeções do mercado — e queda da considerando a inflação completa
Antes mesmo de ter a aprovação inflação. do ano”, disse Mello, em entrevis-
concluída no Congresso – o texto “Ele [o novo regime] já tem, por ta ao Jornal PT Brasil, transmitido
final ainda deve passar por nova exemplo, reduzido as expectativas pela TV PT nas redes sociais na
analise da Câmara – o novo regi- de juros futuros, melhorado a taxa sexta-feira, 23. “Assim, o governo
me fiscal já garantiu o ambiente de câmbio e o ambiente macroe- coloca, de forma condicionada,
macroeconômico ideal para o de- conômico”, elencou o economista, um limite maior de gastos, já con-
senvolvimento, avalia o secretário ao falar das regras fiscais. Mello siderando a inflação do ano todo”.
de Política Econômica do Ministé- comentou a retirada do Fundeb e E justificou: “São mudanças que
rio da Fazenda, Guilherme Mello. dos recursos do Fundo do Distrito não alteram a estrutura do regime
E o que falta? Uma redução Federal, assim como repasses para fiscal, mas que têm algum impacto
imediata dos juros pelo Banco a ciência e tecnologia e inovação, no funcionamento dele, em parti-
Central, hoje o maior entrave à ati- além do cálculo da inflação no or- cular, 2024, que é o primeiro ano
vidade produtiva no país. Mello re- çamento de 2024, que garantem de funcionamento”.
Em viagem oficial à Itália, o sa máquina, tem de ser superior a te do governo. “[Com isso], o
presidente Luiz Inácio Lula da Sil- 20%, o que não é comum”, exem- governo está transferindo mais
va fez duras críticas à decisão do plificou. dinheiro para os detentores da
Comitê de Política Monetária (Co- Esse é o motivo, segundo Mello, dívida, em geral, as famílias mais
pom) de manter a taxa básica de pelo qual os empresários optam ricas do país”, lamentou.
juros (Selic) no elevado patamar por não investir em qualquer pro- “Estamos em um cenário em
de 13,75%. Lula diz que o presi- jeto. “Eles pensam, “bom, se meu que a taxa de juros real, desconta-
dente do Banco Central, o Rober- lucro vai ser menor do que a taxa da a inflação, é a mais alta do mun-
to Campos Neto, “joga contra a de juros que eu pago, eu não vou do. E ela tem aumentado cada vez
economia brasileira”. A atual auto- investir”. Aí não investe, não con- mais porque a inflação tem caído
ridade monetária foi indicada por trata, não amplia a produção, não e as expectativas de inflação futu-
Jair Bolsonaro, cujo governo jo- aumenta a produtividade, a eco- ra também”, descreveu Guilherme
gou contra os interesses do país. nomia não cresce, empregos não Mello, antes de fazer um alerta:
Lula classificou como “irracional” são gerados”, explicou. “Quando você mantém a taxa de
a manutenção da Selic neste pa- “Com isso, o governo também juros e a inflação cai, a diferença
tamar, em razão da queda da in- entre uma e outra aumenta. Ou
flação no país. seja, a taxa de juros real, aquela
“Eu acho que esse cidadão
joga contra a economia brasileira.
LULA: "esse que importa para decisão de in-
vestimento e tomada de crédito,
Não tem explicação. Não existe
explicação aceitável do porquê de cidadão joga aumenta”.
“Vemos isso com muita preo-
a taxa de juros estar em 13,75%”, cupação, porque a economia bra-
disse Lula, em Roma, durante cole-
tiva de imprensa. “Nós não temos
contra a sileira, apesar de ter tido um bom
resultado no primeiro trimestre,
inflação de demanda. Você usa
os juros para controlar a inflação. economia. Não dá indícios claros de um impacto
negativo dessas taxas de juros na
Quando você tem uma demanda economia, sobre as famílias, em-
muito grande, você aumenta a
taxa de juros, e diminui o crédito
tem explicação. presas, em particular, na indústria,
mas também no investimento em
e diminui o consumo. Nós não te- geral”, advertiu Mello.
mos isso no Brasil. Então, sincera-
mente, eu acho que esse cidadão
Não existe “Mesmo a agricultura tem sido
impactada por essas taxas de juros
está jogando contra os interesses
da economia brasileira”.
explicação muito elevadas”, chamou a aten-
ção o economista. “Os impactos
Guilherme Mello diz que o negativos estão crescendo e se
Banco Central mantém uma po-
lítica monetária que funciona
aceitável de avolumando. E, na nossa opinião,
sem motivo, porque a inflação tem
como o grande freio de mão ao
crescimento. “Quando a taxa Se- juros em 13,75%" caído, no acumulado de 12 meses
já está dentro da meta”, afirmou,
lic está alta, os bancos tomam di- lembrando que o Brasil hoje é um
nheiro a uma taxa também alta, arrecada menos, porque, quan- dos países com a menor taxa de
o ponto de partida já está alto. A to mais a economia cresce, gira e inflação do mundo.
partir daí, o juro final, que é cobra- empregos são gerados, maior é a “A percepção dos investidores
do ao consumidor, fica ainda mais arrecadação do governo”, susten- sobre o Brasil melhorou muito
alto. Então, ela tem um impacto ta. “Quanto maior é a arrecadação e isso se traduz como? A taxa de
bastante significativo no mercado do governo, mais ele pode investir juros no futuro caiu, o prêmio de
de crédito, no custo do crédito”, em infraestrutura, educação, saú- risco do Brasil (custo) caiu muito, a
argumenta Mello. de. Portanto, quanto maior a taxa taxa de câmbio se valorizou, o que
“Hoje, para um empresário in- de juros, menor o crescimento, ar- mostra um interesse dos investi-
dustrial tomar crédito para com- recadação e investimento na área dores estrangeiros no Brasil. Mas
prar uma máquina, ele paga entre social”. a economia vai ter muito mais difi-
18% e 22% de taxa de juros ao Nessa conta, apontou o eco- culdade de deslanchar, de crescer
ano. Isso significa que a rentabili- nomista, entra o efeito mais ne- de maneira sustentável com esse
dade, a lucratividade que ele vai fasto da Selic: o pagamento de nível de taxa de juros”, avisou.. •
ter, decorrente da aquisição des- juros da dívida pública por par- Agência PT
Reprodução

A economia do desejo e a
economia da necessidade
Para entender quem manda, quem acha que manda e os
paus mandados na política e na economia do Brasil. Vale
lembrar a frase atribuída a Winston Churchill: “Não existe a
opinião pública, o que existe é opinião publicada”
Sibá Machado dígitos, sua fortuna está entre R$ 1 analisar sobre os bilionários de 11
C
e 9 bilhões. dígitos na conta. Com 11 dígitos,
omo explicar a luta de Você conhece alguém que te- significa que tal bilionário possui
classes no século 21 para nha R$ 1 bilhão na conta? Você uma fortuna entre 10 a 99 bilhões
nossa juventude que foi sabe onde mora essa pessoa bilio- de reais. Este tipo de bilionário
‘engolida’ pelas babosei- nária? Você já viu um bilionário no nem sequer mora no Brasil.
ras da internet? Aliás, não ônibus? Na padaria do bairro? Na E o que dizer do bilionário de
apenas a juventude, mas fila do SUS? Seguramente, não! 12 dígitos? São bilionários cuja
toda a população: de Os bilionários não vivem assim. fortuna esteja acima de R$ 100 bi-
mamando a caducando. No livro Um bilionário com 10 dígi- lhões. Este tipo de bilionário não
“Os engenheiros do caos”, o autor tos na conta ninguém vê, não se existe no Brasil.
Giuliano Da Empoli descreve com sabe nada sobre eles. Mas, ainda O cara que mais tem bilhões no
muita firmeza o uso da tecnologia moram no Brasil. Agora, vamos Brasil está na faixa dos 11 dígitos
da informação em massa a estimu- e mora nos EUA. A turma dos 10,
lar as teorias da conspiração, fake
news e uso de algoritmos para dis- Você conhece 11 e 12 dígitos formam a classe
dominante, a elite, a burguesia.
seminar ódio, medo e influenciar São os donos dos meios de pro-
eleições. O que vale é o totalmen-
te incorreto na política.
alguém que dução. São capitalistas, fascistas e
sem pátria, odeiam os negros, são
Políticos da aberração, da idio- misóginos, fazem guerras e todo
tização, baderna, violência, do
mais falso patriotismo, apologia
tenha R$ 1 bilhão tipo de mal.
Mas, abaixo dessa turma, vem
à morte e da corrupção extrema.
Esta tecnologia foi aplicada com na conta? Você o pessoal dos sete dígitos. São
os milionários. Gente que tem mi-
sucesso na Hungria, Itália, Estados lhões na conta. Eles formam a tal
Unidos e, é claro... no nosso Brasil.
Diante disso, vale a pergunta:
sabe onde mora classe média alta. Essa turma é
quem se apresenta para a disputa
a quem interessa tal desordem?
Quem ganha e quem perde com essa pessoa política. Toma as dores da turma
do bilhão como se fossem suas.
tão brutal violência? Aqui cabe São a correia de transmissão da
uma análise com base na teoria da
luta de classes. Vejamos, você já
bilionária? dominação.
Essa turma é muito bem paga,
viu R$ 1 bilhão? Acredito que não.
Um bilhão de reais se escreve Você já viu um vive muito bem. Alguns têm sa-
lários de 5 milhões de reais por
com o número 1 seguido de nove mês, o filho estuda nos EUA e o
zeros. Assim, vamos chamá-lo de
um número de 10 dígitos. Com 10
bilionário? hospital que frequentam é o Al-
bert Einstein.
Porém, essa gente não é dona corrupção exposta na imprensa, 2) Sonegação Fiscal
dos meios de produção. Não são diz respeito a pessoas que estão O povo dos três, quatro e cinco
da alta classe burguesa. São ape- nos salários de três, quatro, cinco e dígitos não conseguem sonegar
nas empregados da classe dos 11 seis dígitos. Jamais se assistem no- imposto. Porém, o pessoal do 10 e
dígitos. Contudo, na política, fa- tícias de corrupção na classe dos 11 dígitos têm excelentes advoga-
zem o serviço sujo da elite. Racis- dez e onze dígitos. Por quê? Por dos e contadores que fazem isso
tas, escravocratas e adoradores do que a mídia é deles. muito bem. O Ministério da Fazen-
império ianque E como se dá a corrupção na da desconfia que este pessoal te-
Depois, temos o pessoal dos classe dos 10 e 11 dígitos? Temos nha sonegado R$ 2 trilhões escon-
cinco dígitos. Este pessoal tem sa- cinco situações: didos em ‘paraísos fiscais’.
lário/renda acima dos R$ 10 mil,
abaixo do milhão. Esta é a classe 1) Taxa de juros/Selic 3) Privatização
média baixa. Tira férias, o filho es- Como a maioria do pessoal A turma dos 10 e 11 dígitos é
tuda numa escola particular, estudos 10 e 11 dígitos são donos muito malandra. Eles botam a im-
da inglês, música e o prepara para prensa para difamar empresas es-
ser médico ou fazer carreira no
Judiciário. E, é claro, disputar elei-
O PESSOAL dos tatais até o povo simples acreditar
que a vida dele só vai melhorar
ções, assumir cargos no Congres- quando ‘vender’ a dita empresa.
so e nos governos.
Na política, este pessoal foi o
três dígitos é É o caso da Vale, que R$ valia 50
bilhões, e o governo de Fernando
principal alvo da tecnologia expli-
cada no livro “Os engenheiros do o povão! SÃO Henrique Cardoso ‘vendeu’ por
míseros R$ 3 bilhões. E o que dizer
caos”. Médicos dizendo que vaci- do Bolsonaro que entregou a Ele-
na não presta, cientista dizendo
que a Terra é plana, pastor man-
120 milhões de trobrás que valia R$ 450 bilhões
de reais por R$ 97 bilhões?
dando seus fiéis fazer arminha
no culto, professor universitário brasileiros. 4) Teto de gastos
querendo fechar a universidade, A turma dos 10 dígitos manda a
gente simples pedindo ditadura…
Viram? Isto foi o locus da aplicação
Precisam de imprensa fazer uma lavagem cere-
bral na cabeça do pessoal dos dí-
da tecnologia do caos.
Abaixo desta categoria temos renda mínima, gitos inferiores para obrigar o go-
verno a cortar o dinheiro da saúde,
o pessoal dos quatro dígitos. Esta educação, Bolsa Família, salário
categoria mora em geral muito
próximo à periferia. Problemas de
SAÚDE, escola E mínimo e etc. Dizendo que é este
o motivo do atraso da economia
toda ordem: fila do SUS, ônibus do Brasil. Não faltam ‘economistas’
lotado, escola com poucas condi-
ções, insalubridade, insegurança,
transporte (de merda) para fazer ‘brilhantes’
análises que atendam a esses se-
assiste em geral o noticiário poli- dos bancos, eles roubam o or- nhores.
cialesco, etc. Esta categoria tam- çamento geral do Brasil da se-
bém foi duramente atacada pela guinte forma: tornaram o Banco 5) Fraude fiscal
tecnologia do caos nos moldes da Central “independente”. Daí os A mais recente notícia de es-
anterior. Foi aqui que o Lula come- banqueiros nomeiam o presi- cândalo envolvendo alguém dos
çou a vencer o bolsonarismo. dente do Banco Central que é 10 dígitos foi a fraude na conta-
Por fim, chegamos ao pessoal pago para manter a taxa de juros bilidade das Lojas Americanas. O
dos três dígitos. Este é o povão! elevadíssima. Hoje está no pa- tal Lehman, todo poderoso dono
Somam 120 milhões de brasilei- tamar anual de 13,75%. Mesmo da AmBev e dono das Lojas Ame-
ros. Precisam de tudo: renda míni- contra a vontade do presidente ricanas, fraudou a contabilidade
ma/bolsa família, SUS, escola pú- Lula, que nada poderá fazer para desta empresa em R$ 40 bilhões
blica, transporte público, etc. Aqui derrubar esta imoralidade. Vale de reais. e ninguém viu a polícia o
o Lula venceu o Bolsonaro. lembrar que, para cada 1% des- algemando.
Quando o povo dos três, qua- ta taxa, são R$ 50 bilhões tirados A turma dos três dígitos no
tro e cinco dígitos vê notícias sobre do orçamento e transferido para orçamento e a turma dos 10 e
corrupção, fica indignado. Toda a estes banqueiros. 11 dígitos no imposto de renda.

Para teorizar este pensamento, que existe é a opinião publica- Executivo. Não põe seus filhos no
sugiro a leitura do livro “Econo- da”. A imprensa (grande), que é Judiciário. Isso é trabalho para as
mia do desejo: a farsa da tese ne- dominada pelo pessoal dos 10 turmas dos três, quatro, cinco e
oliberal”, de Eduardo Moreira. De dígitos e seus lacaios, faz o ser- seis dígitos. Eles fazem tudo que
forma simples e esclarecedora viço sujo da contra-informação, os caras dos 10 dígitos mandam.
ele desnuda a narrativa da turma a ponto de fazer um trabalhador A turma dos 10 dígitos se sente
dos 10 dígitos. terceirizado de Uber aplaudir o os donos não apenas dos meios
Em resumo, a “Economia do ‘teto de gastos’ e a odiar o Bolsa de produção, mas também do
desejo” explica que, o capitalismo Família, ter sentimentos racistas, Estado Brasileiro.
vivido e imposto pela turma dos bater continência para a bandei- Este é o cenário básico da luta
dez dígitos consiste em impor a ra dos EUA e fazer arminha na de classes no Brasil. A burguesia
economia a saciar desejos. Porém, igreja. (de merda) nacional, continua
desejo é um sentimento humano A cenoura como ponto futuro. como sempre foi: um pitbull para
insaciável. Quanto mais eu tenho, A turma dos 10 dígitos faz lava- o povo e uma tchutchuquinha
mais eu quero. gem cerebral na cabeça dos jo- para a burguesia ianque.
Em contrapartida, Lula nos vens dos três dígitos mandando Basta uma cara feia de um
oferece a economia da necessi- pagar salário de milhões de reais banqueiro norteamericano para
dade! Este sentimento é saciá- (ou dólares) para os Neymar da o burguês brasileiro se mijar nas
vel. Desta forma, Lula estabelece vida como prova que se você está calças. Assim foi o (des) gover-
suas políticas para atender as nos três dígitos é por pura burrice no do miliciano e seu capataz
necessidades básicas do povo. sua. E ainda tem a mega sena que Paulo Guedes, que roubou en-
Aí vem a turma dos sete e 10 dí- paga milhões de reais para os ‘sor- tre outras coisas um importante
gitos falando os diabos contra o tudos’. Estes, ao receber o prêmio, pedaço do Banco do Brasil e da
Lula dizendo que isto é ‘gasto’ e passam a pensar e agir como se Petrobrás. •
que irá arruinar a economia. fosse alguém dos dez dígitos. Geógrafo, é ex-deputado
Segundo Winston Churchill, A turma dos dez dígitos não federal pelo PT do Acre.
“não existe a opinião pública, o se candidata ao Legislativo ou
Reprodução
Uma ousadia necessária

O governo Lula retoma a CEITEC, empresa de tecnologia criada
nos anos 90, que Bolsonaro queria enterrar. O Brasil precisa instalar
um polo de produção de semicondutores com escala adequada
para ocupar uma parcela do mercado nacional e da América Latina
* Adão Villaverde e meio a um conflito global, Getúlio medida, a sociedade brasileira em
** Miguel Rossetto Vargas teve a audácia estratégica rápida urbanização.
E
necessária para aproveitar a con- A CEITEC - Centro Nacional de
m 9 de abril de 1941, o dição histórica. Poucos hoje duvi- Tecnologia Eletrônica Avançada
presidente Getúlio Vargas dam do seu acerto, e muitos reco- – é parte deste esforço. Projetada
assinou o decreto para a nhecem o seu feito. como parte integrante do Plano
criação da Companhia Si- A partir daí o Brasil organizou Nacional de Microeletrônica do
derúrgica Nacional. A CSN instituições importantes de ensi- Brasil, no final dos anos 1990 e
foi a primeira produtora de no, pesquisa e uma infraestrutura início dos anos 2000 (FHC e Lula),
aço plano no Brasil, o que viabili- — energia, estradas, telecomunica- a CEITEC, empresa pública nacio-
zou a implantação da iniciante in- ções — que permitiu a construção nal criada em 2008 e localizada
dústria nacional, base para o atual de um parque industrial potente, no Rio Grande do Sul, se consti-
parque industrial brasileiro. Em capaz de abastecer, em grande tui até hoje na única do país e da
América Latina com capacidade todas as etapas da atividade; de, muitos ainda na empresa e ou-
de produzir solução completa em conectamo-nos com o merca- tros que podem ser recuperados
semicondutores, ou seja, os chips, do nacional, regional e mundial, ou repatriados, ao mesmo tempo
componentes básicos à economia capacitamos profissionais, re- em que se retome um novo e po-
do século 21. duzimos nossa dependência da tente programa de formação de
A fábrica resistiu à tentativa de importação de produtos e agre- quadros técnicos. Os investimen-
sua liquidação e destruição pelo gamos valor aos ativos do conhe- tos para a retomada da produção
governo Bolsonaro. E, hoje, um cimento e inteligência nacional. da CEITEC, um necessário up-
grupo de trabalho criado pelo Se não fizessem isso, a China e a grade de sua planta, nos quais as
presidente Lula e liderado pelo Coreia do Sul continuariam sen- instituições como BNDES e FINEP
Ministério de Ciência e Tecnolo- do somente grandes produtores também devem participar, são de
gia, tem a missão de redefinir seu de arroz, mas não a potência in- um custo muito baixo frente ao im-
plano de negócios e capacidade dustrial que são hoje. pulso que este movimento poderá
de produção, em paralelo à atuali- Os investimentos nacionais fei- produzir na estratégia de semicon-
zação do Plano Nacional de Micro- tos até então na CEITEC, consti- dutores para o país, e ao mesmo
eletrônica. tempo, do grande estímulo para
Depois de um feroz e insen-
sato ataque do governo Jair Bol-
Não existe a novos investimentos privados, na-
cionais ou de outros países, que
sonaro, que inclusive extinguiu o poderemos atrair nesta atividade.
Ministério da Indústria, a agenda
industrial volta com força ao Brasil,
escolha de O Brasil precisa instalar um
polo de produção de semicondu-
a partir da eleição do presidente
Lula. O ministério está sendo reor- ficar fora da tores com escala adequada para
ocupar uma parcela do mercado
ganizado sob o comando do vice- nacional e da América Latina, in-
-presidente Geraldo Alckmin, que
lidera o inadiável projeto de rein-
indústria de clusive utilizando seu poder de
compras governamentais (como
dustrialização do país, ou da cha-
mada neoindustrialização. microeletrônica. outros países o fazem). Deve de-
senvolver ciência e tecnologia
Para o Brasil, que já foi a sexta próprias, aprender, qualificar pro-
economia global e deve recupe-
rar posição mundial relevante,
É na produção fissionais e constituir toda uma
rede de suprimentos que esta
não existe a escolha de ficar fora
da indústria de microeletrônica,
hoje tão importante como foi a do
que aprendemos atividade requer, inclusive, estimu-
lando parcerias em todos os níveis
com instituições dos países da re-
aço plano para a nascente indús-
tria à época, há quase cem anos.
a dominar todas gião e outros. A CEITEC está pre-
parada para ser este primeiro polo
É sobre o domínio de toda esta de produção brasileira.
atividade cientifica, tecnológica,
produtiva e comercial que se or-
as etapas Existem escolhas que definem
por um longo período a história
ganiza hoje, em grande medida, tuem uma base sólida para este dos países. Por aqui e agora, que
a disputa geopolítica global pela reposicionamento. Dispomos de sejam feitas olhando para o Brasil
hegemonia no setor entre os EUA uma infraestrutura importante que soberano, desenvolvido e justo
e China, e respectivos aliados que foi preservada; uma sala limpa que queremos construir, carrega-
as duas potências possuem. dentro das especificações de tem- das de ousadia e confiança na ca-
É decisivo para nosso país que peratura e umidade para manter pacidade do povo brasileiro. •
tenhamos domínio sobre todas as sua integridade; água ultrapura
capacidades exigidas para esta com mínimo de contaminantes * Engenheiro e professor Escola
atividade de vanguarda; a cientifi- exigido; filtros de ar, para contro- Politécnica PUC-RS, foi secretário
ca e tecnológica, a capacidade de les de partículas; e os equipamen- de Ciência, Tecnologia e Inovação
desenvolvimento e projeto, a de do governo Olívio Dutra, tendo
tos para a produção em um nodo
sido presidente do Fórum Nacional
prototipagem, a de testes, a de fa- tecnológico entre 650 a 350 nanô- de Secretários de CT&I do Brasil e
bricação, a do encapsulamento e metros. presidente da Assembleia Legislativa do
a de comercialização. Ao longo dos anos de produ- Rio Grande do Sul.
** Deputado estadual (PT-RS), foi vice-
É na produção, na fabrica- ção da CEITEC foram capacitados governador do Rio Grande do Sul e
ção, que aprendemos a dominar profissionais de altíssima qualida- ministro nos governos Lula e Dilma.
MEMÓRIA
A disputa em 2013
Há dez anos, nos idos de junho, quando eclodiram as manifestações
PC
populares, já era claro que se avizinhava um enfrentamento político

de largas proporções, embora ainda parecesse limitado às normas
constitucionais e democráticas. Eu estava à frente do governo, mas
as elites já não queriam a manutenção do projeto popular de poder
S
Dilma Rousseff
ão extremamente rele- tratava de uma duríssima disputa, medidas que pudessem assegu-
vantes o estudo e o deba- entre os dois grandes blocos que rar negócios de alta lucratividade
te sobre os acontecimen- se confrontam pelo destino de e baixo risco: privatizações, des-
tos que tiveram curso em nosso país. Estarrecidos pela eclo- regulamentações, achatamento
junho de 2013. Trata-se são das manifestações, de origem de salários e direitos, persistentes
de um dos mais destaca- fortemente espontânea e localiza- taxas reais de juros, controles dos
dos episódios de nossa da, esses dois campos passaram a fundos públicos, cartelização do
história recente, refletindo e con- atuar para influir sobre a voz das sistema de crédito, proteção do
centrando algumas das principais ruas e atraí-la para o fortalecimen- monopólio da terra e associação
armadilhas de uma transição de- to de seus projetos. subordinada aos Estados capita-
mocrática ainda inconclusa, cujo Um desses campos, represen- listas centrais.
avanço esbarra em formidáveis tando as frações hegemônicas das O outro campo estava no go-
interesses econômicos e políticos. elites internas e seus sócios inter- verno desde 2003 e dera início a
Na condição de presidenta da nacionais, vinculava interesses e um difícil processo de mudança
República, coube-me a missão de ideias às chamadas reformas libe- do modelo econômico, no interior
compreender aqueles fatos e agir rais. Com o objetivo principal de de um sistema político constru-
com rapidez. Estava claro que se atrair fluxos de capital, defendia ído para impedir que as classes
trabalhadoras e seus partidos for- Por enxergar aqueles acon- campo progressista, preparando
massem maioria no parlamento e tecimentos como uma disputa, a corrida presidencial de 2014.
demais instituições. meu esforço foi apresentar um Não conseguimos, no entanto,
Para este setor, o desenvolvi- programa de cinco pontos que marchar para uma reforma estru-
mento passaria principalmente atendesse e fortalecesse as de- tural da política brasileira.
pela ampliação do mercado inter- mandas progressistas. Ao lado Continuo convencida de que
no de massas, o que dependia de do compromisso em manter os esse é um tema central, diante de
políticas capazes de desconcentrar gastos do governo sob controle, um sistema falido e pouco demo-
renda e riqueza, ao mesmo tempo propus investimentos pesados crático, que serve de contenção à
em que colocava o Estado como em saúde, educação e mobilida- soberania popular e de bloqueio
a locomotiva de um novo ciclo de de urbana, incluindo o direciona- a mudanças.
desenvolvimento, afirmando a so- mento de parte da renda obtida As ruas se levantaram, em
berania do país com uma política pela exploração do pré-sal atra- 2013, também contra esse siste-
externa multilateral e multipolar. vés do modelo de partilha. ma, ainda que somando narrati-
Nos idos de 2013 já era claro O quinto ponto era a convoca- vas fragmentadas e contraditórias.
que se avizinhava um enfrenta- Essa insatisfação com seu fun-
mento de largas proporções, em- cionamento, cinco anos depois,
bora ainda parecesse limitado às
normas constitucionais e demo-
As forças permitiria a ascensão de uma ex-
trema-direita falsamente anti-sis-
cráticas. O campo conservador en-
saiava uma ofensiva para desgas- conservadoras tema, cujo discurso conseguiu
ganhar amplo lastro eleitoral. Um
tar a coalizão democrático-popular dos grandes desafios estratégicos
e impor-lhe uma derrota frontal,
retomando o governo nacional nas
assumiram da esquerda brasileira é recons-
truir uma perspectiva anti-sistema,
eleições seguintes, em 2014, ou se de radicalização da democracia
preparando para adotar o cami-
nho golpista.
a dianteira e como ferramenta para a sobera-
nia e a justiça social.
Os protestos ocorridos em ju-
nho de 2013, surpreendentes e
exploraram as Ao meu ver, são duas as razões
essenciais para essa tarefa ser to-
multitudinários, representaram mada a sério. A primeira é que será
um momento antecipado de con-
fronto. Nasceram com reivindi-
mobilizações de extremamente difícil ir muito longe
e, por consequência, com a rapi-
cações municipais ou estaduais,
em geral de caráter progressivo, junho, trocando dez necessária, na modernização
e transformação do país, com as
orientadas para serviços públi- atuais instituições do Estado, par-
cos melhores e mais baratos. Mas
logo o jogo mudou.
as aspirações ticularmente o sistema eleitoral e
de representação que vem sendo
As forças mais conservadoras,
contando com meios muito supe- originais forjado desde a ditadura militar.
A segunda é que o espírito an-
riores de comunicação, além de tissistema está disseminado em
recursos financeiros e conexões ção de uma Constituinte exclusiva nossa sociedade: seria erro imper-
internacionais, puderam assumir para reformar o sistema político- doável deixar que o neofascismo
uma relativa dianteira e explorar -eleitoral. Claramente esbarramos, continue apoderado desse senti-
as mobilizações para arremetê- então, em uma correlação desfa- mento, para manipulá-lo de forma
-las contra o governo, trocando vorável de forças, que levou à re- reacionária.
as aspirações originais por um di- tirada desse quinto ingrediente Para que possamos estar prepa-
fuso e fabricado discurso contra a do pacto apresentado. Este ponto rados para essas discussões, não é
corrupção. teve seu encaminhamento parla- possível simplesmente virar a pági-
Os partidos e movimentos de mentar e institucional bloqueado. na dos acontecimentos relaciona-
esquerda tiveram mais dificulda- As propostas feitas, excluída a dos a junho de 2013. Precisamos a
des para o embate, o que revelava Constituinte, foram rapidamente extrair lições sobre o passado que
um problema crônico, até hoje não aprovadas por um parlamento iluminem o presente e o futuro. •
resolvido: o baixo grau de educa- bastante assustado. Possivel- * Economista, é presidenta do
ção política, organização e mobili- mente tenham sido relevantes Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) —
zação das forças populares. para recompor a base social do também chamado de Banco dos Brics

Reprodução

O centenário de
Geraldão
Veterano militante comunista, operário e deputado
federal nos anos 60, Geraldo Rodrigues dos Santos
foi perseguido pela ditadura militar e morreu em
2006. Neste artigo, a lembrança da sua luta histórica
Lincoln de Abreu Penna praticamente infância, pois era nos até os anos de 1950, quando
N
preciso ajudar o custeio da família. o partido passou a incorporar os
ascido no dia 1 de julho Esse breve retrato resume o contingentes sociais vindos das
de 1923 na cidade de corpo majoritário dos quadros camadas médias urbanas. Afinal,
São José do Rio Pardo militantes comunistas, pelo me- de uma organização de quadros
(SP), o futuro membro passaria a se projetar como um
dirigente do Partido partido de massas, dada as cir-
Comunista Brasileiro, à
época ainda sob a deno- SEMPRE ATENTO, cunstâncias externas derivadas
dos desdobramentos da Segunda
minação de Partido Comunista do Guerra Mundial na qual a URSS se
Brasil (PCB), Geraldão teve uma
trajetória militante das mais dig-
GERALDÃO teve destacaria como a principal vito-
riosa no embate contra o nazifas-
nas e combativas, características cismo. Foi, como dizia Geraldo,
destacadas de seus membros. Foi
um comunista que se orgulhava
oportunidade um momento de entusiasmo de
modo a contagiar os democratas
desta condição e honrou as mais
belas tradições das lutas dos que
de dizer e de todas as tendências reunidos
no combate ao fascismo.
empunharam com orgulho a cha- No ano seguinte à chegada de
ma desse ideário.
Seu pai Honorato faleceu quan-
a coragem Geraldo a Santos, em 1945, já se
encontrava empregado nas Do-
do Geraldo tinha apenas 6 anos
de idade, cabendo a sua mão, Jo- de trazer o cas do Porto. Já filiado ao PCB, em
pouco tempo passaria a ter atua-
aquina Maria como lavadeira assu- ção nas lides sindicais em defesa
mir a criação de seus filhos, sendo
o mais velho, José, o responsável
processo real dos interesses de sua classe e das
tarefas que a ele eram incumbidas,
pela ida de Geraldo para Santos
em busca de melhores condições para as reuniões tornando-se por isso admirado
pela sua dedicação e solidarieda-
de trabalho e vida, uma vez que de com os seus companheiros.
ele, tal como o irmão, não tivera
do partido A sua origem humilde não o
privou de bons ensinamentos Geraldão foi um importante destacadas. O que importava era
e de estudos que contribuíram líder operário e esta liderança o justamente a construção de uma
para a sua leitura do mundo. Os levou à disputar a eleição para unidade de ação, pois tanto co-
contatos que fizera durante sua deputado federal, em 1962, pelo munistas quanto trabalhistas se
trajetória de lutas o ajudaram PTB, uma vez que o PCB ainda se empenhavam objetivamente pela
muito para formar uma opinião encontrava banido desde a cas- melhoria das condições da classe
sobre as razões da pobreza e da sação em 1947. Naquela eleição, operária.
miséria de grande parte do povo obteve uma das mais expressivas Nesse sentido é que Hércules
trabalhador. votações, mas foi cassado por ser Corrêa, em seu depoimento ao
O poeta João Cabral, que o ha- comunista. livro autobiográfico de Geraldo,
via levado para ingressar no parti- Mesmo assim, tornou-se o pri- teve oportunidade de dizer que o
do, cedeu a Geraldo um livro que meiro deputado federal negro veterano militante teve a coragem
o ajudou muito a compreender a desde Carlos Marighella e Agosti- de trazer o processo real para
situação da negritude: “O Filho nho de Oliveira, constituintes em dentro das reuniões do partido. E
Nativo”. Assim se chamava o re- 1946. Antes dele, um outro negro esta visão acabou sendo vitoriosa
ferido livro de Charles Wood que a despeito de algumas resistên-
continha denúncias a respeito do cias a ponto de produzir a Decla-
racismo.
Por sinal, sua família havia se
OSCAR Niemeyer: ração Sindical de 1952 redigida,
por sinal, por Carlos Marighella,
engajado no movimento deno-
minado Frente Negra. As irmãs “Lembro o período contando com apoio de Roberto
Morena, na época deputado fe-
de Geraldo atuavam com alguma deral e um dos mais notáveis par-
regularidade. Era, portanto, cos-
tume familiar discutir essa ques-
da ditadura, lamentares do país.
Mas aquela euforia que Geraldo
tão e associá-la às condições de conheceu no imediato pós-guerra
subalternidade da imensa maio-
ria do povo afrodescendente. In-
os comunistas não durou muito. A Guerra Fria in-
tensificou a fúria anticomunista e
felizmente, esse movimento não
chegou a prosperar a ponto de cercados pelas o segundo governo do presiden-
te Getúlio Vargas (1951-1954) foi
manter-se ativo ao longo do tem- alvo tanto das diretrizes movidas
po. Todavia, não deixou de ser
uma referência a tantas outras ini-
forças da reação contra os países socialistas tendo à
frente a URSS, quanto em relação
ciativas nesse sentido.
Contudo, a questão que à épo- e o Geraldão às forças sociais progressistas, das
quais os trabalhistas se encontra-
ca mais exigia pronta intervenção vam já alinhados à política nacio-
dos comunistas era, sem dúvida,
a de fortalecer uma outra frente,
recusando nal-desenvolvimentista apoiada,
ainda que com algumas restrições,
a antifascista, que tanto externa
como internamente ameaçava a o exílio” pelos comunistas.
Houve um interregno na vida
existência das liberdades demo- militante de Geraldo sem, no en-
cráticas. por ocasião da formação do Bloco tanto, deixar de ser uma continui-
Assim, nesses primeiros anos Operário e Camponês (BOC), no dade da sua militância. É que em
de militância, Geraldo teve opor- final dos anos de 1920, foi eleito 1953 ele e outros tantos camara-
tunidade de participar de atos de deputado federal: Minervino de das do partido foram enviados a
solidariedade aos povos da Espa- Oliveira. Moscou para realizarem o curso de
nha que sofreram com o regime Os relatos acerca da prática po- formação política na escola manti-
franquista, uma vertente fascista, lítica de Geraldo são unânimes em da pelos soviéticos.
resultante da Guerra Civil que se considerá-la das mais oportunas Essa experiência foi, sem dúvi-
estendeu de 1936 a 1939, às vés- na vida política do PCB. A come- da, das mais importantes não só
peras da Segunda Guerra, cujo re- çar pela percepção que teve de por agregar informações e con-
gime do ditador Francisco Franco considerar os trabalhistas como teúdo a respeito do marxismo-le-
aderiu ao Eixo, ou seja, à aliança da aliados e não adversários nas lutas ninismo, indispensável à época
Alemanha, Itália e Japão, e apesar políticas e sindicais, independen- para os quadros partidários co-
da derrota nazifascista manteve-se temente da avaliação que se pu- munistas do mundo inteiro, como
no poder durante décadas. desse ter de suas lideranças mais em razão de poder conviver com
intelectuais e profissionais libe- mente aos seus mais destacados cidade de conviver com a adver-
rais. Além, é claro, de comunistas dirigentes. Geraldo chegou a por- sidade sem recorrer a qualquer
de outros países, que para lá en- tar consigo uma pílula de cianure- expediente, somente à luta por
viavam os seus membros. to caso fosse detido. um mundo que sempre acredi-
Por falar em intelectuais orgâni- Em vários momentos exibiu o tou ser possível. Neste sentido, o
cos — aqueles que integravam os seu tirocínio. Em um deles, não depoimento da filha de Sampaio,
quadros do partido e forneciam vacilou um segundo sequer em que cedia sua casa para as reuni-
subsídios e permanente colabo- participar da candidatura unitária ões da Executiva do Comitê Cen-
ração para ajudar à formulação à prefeitura do Rio de Janeiro na tral do Partido, é bem significativo
das políticas em diferentes áreas dobradinha PSB-PCB, que teve em nesse sentido.
— cabe destacar Oscar Niemeyer, Marcelo Cerqueira e João Salda- Ressalte-se que a imagem fi-
que não titubeou em desenhar a nha os nomes consagrados numa cou marcada para sempre na
capa do livro de Geraldo, “A tra- especial convenção entre os dois memória da então adolescente:
jetória de um comunista”, do qual partidos. O entusiasmo dos que “Três pessoas ali sobressaiam
tive o prazer de organizar e redigir, se empenharam pela articulação naquele grupo de pessoas mais
com os subsídios dos amigos e velhas: o Geraldão, o Jaime Mi-
companheiros Armando Sampaio randa e o Marighella. Eram brin-
e Paulo Meirelles. Neste livro, Nie-
meyer fez questão de dizer o que
Geraldão teve calhões, sempre arranjavam um
jeito para não ficar naquela coisa
segue: “Lembro o período negro
da ditadura, os comunistas cer- entre amigos de clandestinidade, de não falar
com ninguém” O depoimento de
cados pelas forças da reação e o Ângela Sampaio está no livro de
Geraldão recusando o exílio, cora-
joso, os que com ele mantinham a
Aparício Torelli, o Geraldão.
Pai de Vanderlei e Vanderli,
linha política do PCB”.
O contato com a intelectuali- Barão de Itararé; Geraldão deixou nos filhos as
melhores lembranças de suas vi-
dade incluiu nomes como os de das. Afetuoso e sempre presen-
Aparício Torelli, o Barão de Ita-
raré; Edson Carneiro; Graciliano
Edson Carneiro; te, apesar das atribuladas tarefas
partidárias, jamais descuidou-se
Ramos; Eneida; Arthur Ramos e
Vilanova Artigas. Todos direta ou Graciliano de ambos. Diante da impossibi-
lidade real de manter Vanderlei
indiretamente aprenderam com sob seus cuidados, não titubeou
Geraldo tanto quanto trocaram
ensinamentos que os engrande-
Ramos; Eneida; em mandá-lo para a URSS e em
seguida para França para estu-
ceram. Por sinal, o educador Paulo dar e tornar-se um profissional
Freire já dizia que ninguém ensina
ninguém sem que também assi-
Arthur Ramos e respeitado. Ele mora lá até hoje
e tem presente a memória de
mile ensinamentos nessa troca de
saberes, seja erudito ou popular. Vilanova Artigas quem foi fundamental em sua
formação. O mesmo para Van-
Salomão Malina lembrou que derli, tão querido quanto devo-
Geraldo reunia, além de bom dessa chapa contagiou um eleito- tado para dar-lhe todo o suporte
senso, o equilíbrio e a seriedade, rado mais jovem e transformou a possível.
que o ajudariam a trilhar o cami- campanha numa grande festa da Pena que Geraldão não esteja
nho desvelado por sua sensibi- democracia. hoje em dia para nos ajudar a tri-
lidade em matéria do que fazer Apesar das agruras de uma lhar um caminho menos tortuoso
diante das sempre presentes difi- vida sob constante tensão em face para que cheguemos ao porto se-
culdades de um partido clandes- da repressão que se abateu sobre guro que tanto buscou em vida.
tino, ou pelo menos vocacionado todas as forças políticas de oposi- Mas sua presença nos estimula a
para estar sempre às voltas com ção mais consequente, dentre elas dar continuidade à resistência de-
a repressão. Esta preocupação se encontravam os comunistas, mocrática e a luta para que dias
acompanhou-o ao longo de sua Geraldo ao ser conhecido pelo melhores possam vir e nos levar à
militância a ponto de se preparar aumentativo, que o tornaria mais verdadeira libertação. •
para uma eventual queda em face conhecido, jamais esmoreceu.
Doutor em História pela USP,
do cerco que sempre se fez em Aliás, manteve intacta a sua jo- é professor aposentado da
relação aos comunistas, principal- vialidade, o seu humor e a capa- Universidade Federal do Rio de Janeiro
A semana na história De 25 de junho a 1º de julho
Iconographia
26 de junho de 1969
CHEGA O ‘PASQUIM’ PARA
FAZER RIR E PENSAR
É lançado “O Pasquim”, que se
tornaria um dos mais duradouros
e populares jornais alternativos do
país, chegando a vender 200 mil
exemplares por semana. Idealiza-
do pelo cartunista Jaguar para ser
27 de junho de 1952 um jornal do bairro carioca de Ipa-
nema, mais voltado para o humor
ITAMARATY É ALVO DE CAÇA ÀS BRUXAS comportamental, o semanário foi
O diplomata e poeta João Ca- Lacerda acolheu as denúncias abordando cada vez mais os te-
bral de Melo Neto é acusado de — para publicar à sua moda. No mas políticos – mas sem perder
práticas comunistas e obrigado a dia 27 de junho de 1952, a “Tribu- jamais a característica de jornal de
deixar o cargo de segundo secre- na da Imprensa” chegou às ban- sátira e humor.
tário da embaixada do Brasil em cas com uma manchete escan- A publicação resistiu valente-
Londres e voltar às pressas ao Rio dalosa: “Traidores no Itamaraty”. mente ao cerco da censura, e seus
de Janeiro, onde responderá a O jornal denunciava a existência jornalistas enfrentaram persegui-
processo administrativo e criminal. de uma célula comunista atuando ções e prisões. Fizeram parte de
A delação partiu de outro dino Itamaraty — à qual batizou de sua redação, entre outros, Millôr
plomata, Mário Mussolini Calábria. “a célula Bolívar” —, acusava João Fernandes, Ziraldo, Tarso de Cas-
Mário havia lido uma carta de João Cabral de ser seu principal diri- tro, Henfil, Ivan Lessa, Sérgio Ca-
Cabral a Paulo Cotrim, também gente e alertava às autoridades bral, Claudius, Fortuna e Luís Car-
diplomata, lotado em Hambur- que o propósito da célula era pôr los Maciel. “O Pasquim” também
go (Alemanha). Na carta, João Ca- em funcionamento “uma peça da contou com colaborações de Pau-
bral pedia a Cotrim um artigo so- engrenagem internacional que lo Francis, Chico Buarque, Caeta-
bre a economia brasileira para ser trabalha para a Rússia e pretende no Veloso, Chico Anísio e Antonio
publicado numa revista ligada ao colocar os segredos militares bra- Callado.
Partido Trabalhista inglês — e reco- sileiros nas mãos de Moscou”. Todas as edições do jornal es-
mendava uso de pseudônimo. Durante uma semana, o jornal tão disponíveis no site da Biblio-
Calábria não titubeou: denun- insistiu na história da infiltração co- teca Nacional e disponíveis, com
ciou os dois como comunistas ao munista no Itamaraty, até que, em acesso livre.
ministro das Relações Exteriores, 18 de agosto, “O Globo” repercu-
João Neves da Fontoura, que, con- tiu. Coincidência ou não, ambos
vencido do ridículo da história, en- os jornais detestavam a poesia de
gavetou a denúncia. João Cabral e aproveitaram para
O delator, porém, não desis- chamá-lo de “poeta hermético”.
tiu. Despachou a denúncia para Dessa vez deu certo. O Ita-
Carlos Lacerda, principal figura maraty abriu processo adminis-
da oposição — seu jornal, “Tribuna trativo à revelia dos acusados,
da Imprensa”, de forma cada vez que só tomaram conhecimento
mais exaltada, vinha fustigando do inquérito quando o governo
o governo com denúncias que, publicou o ato de punição no
verdadeiras ou não, provocavam “Diário Oficial”, colocando João
escândalos e comprometiam a ad- Cabral em disponibilidade, por
ministração de Vargas, desestabili- tempo indeterminado, sem ven-
zando o governo. cimentos.
Centro Sérgio Buarque de Holanda
Fundação Perseu Abramo
28 de junho de 1969
REVOLTA DE STONEWALL
E A LUTA POR RESPEITO
De um confronto entre poli-
ciais e manifestantes nos Estados
Unidos, em 28 de junho de 1969,
surgiu a data em que se comemo-
ra o Dia Internacional do Orgulho
LGBTQIA+. O protesto acontecia
em defesa do clube gay Stonewall
Inn, aberto em 1967, no coração
do boêmio bairro de Greenwich
Village, em Nova York.
A Rebelião de Stonewall foi
uma série de manifestações vio-
lentas e espontâneas de mem-
bros da comunidade LGBT con-
tra uma invasão da polícia de 26 de junho de 1968
Nova York que aconteceu nas
primeiras horas da manhã de 28
PASSEATA DOS CEM MIL AFRONTA A DITADURA
de junho de 1969, no bar Sto- Na manhã de 26 de junho, armado derruba a ditadura”, Li-
newall Inn, localizado no bairro estudantes, artistas, religiosos e bertem nossos presos” e “Abaixo
de Greenwich Village, em Ma- intelectuais se concentram nas o MEC-Usaid”. Diante das lojas
nhattan, em Nova York, nos Esta- ruas do centro do Rio de Janei- fechadas, os estudantes pediam:
dos Unidos. Esses motins foram ro. Às 14h, iniciam uma passea- “Abram suas portas; quem que-
amplamente considerados como ta com cerca de 50 mil pessoas. bra é a polícia”.
o evento mais importante que Uma hora depois esse número Durante a marcha, foi eleita
levou ao movimento moderno já havia dobrado e os manifes- uma comissão de representan-
de libertação gay e à luta pelos tantes ocupam toda a avenida tes da sociedade civil, que seria
direitos LGBT. Rio Branco. O ato, que ficaria recebida pelo general Costa e
Os homossexuais enfrentavam conhecido como a Passeata dos Silva dias depois. No encontro,
um sistema jurídico anti-homos- Cem Mil, foi a maior manifesta- o grupo pediu a libertação de
sexual. Os primeiros grupos de ção de protesto desde o golpe estudantes presos, mais verbas
homossexuais do país tentavam de 1964. para as universidades e mais
provar que os gays poderiam Dias antes, a manifestação fora vagas, o fim da censura e a rea-
ser assimilados pela sociedade e marcada e imediatamente proibi- bertura do restaurante Calabou-
apoiavam um sistema educacio- da pela ditadura, que avisou que ço. Nenhuma das reivindicações
nal não confrontacional para ho- reprimiria duramente qualquer foi aceita. Por isso, na semana
mossexuais e heterossexuais. tentativa dos estudantes de sa- seguinte 60 mil estudantes vol-
Os últimos anos da década írem às ruas. Mas os jovens não tariam a realizar uma passeata
de 1960, no entanto, foram mui- se intimidaram e confirmaram a no centro do Rio, mas o auge do
to controversos, visto que mui- passeata. Diante da iminência de movimento já havia passado.
tos movimentos sociais estavam um banho de sangue, o regime A Passeata dos Cem Mil mar-
ativos ao mesmo tempo, como militar foi obrigado a recuar. cou o ápice da reação da socie-
o movimento dos direitos civis Os manifestantes caminha- dade contra o regime, a censura,
dos negros nos Estados Unidos, ram pelas ruas do centro do Rio, a violência e a repressão às liber-
a contracultura dos anos 1960 e gritando slogans como “Abaixo dades. Mais uma vez, a ditadura
as manifestações contra a guerra a ditadura”, “O povo organizado iria reagir endurecendo o regime,
do Vietnã. derruba a ditadura”, “Só povo como se veria no final de 1968.
Reprodução
27 de junho de 1979
PROJETO DE ANISTIA
BLINDA TORTURADOR
O general João Baptista Figuei-
redo encaminha ao Congresso
Nacional projeto de lei de anistia
parcial, que abrange os cassados
por atos de exceção e exclui os
condenados por “terrorismo, as-
salto, sequestro e atentado pes-
soal” que ainda tenham pena a
cumprir. Por outro lado, o projeto
da ditadura concede indulto pré-
vio, geral e irrestrito aos agentes
da repressão que torturaram, se-
questraram e assassinaram.
O MDB, a Conferência Nacio-
nal dos Bispos do Brasil (CNBB), a 30 de junho de 1980
Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) e a Anistia Internacional cri-
inédito: papa VISITA O BRASIL PELA PRIMEIRA VEZ
ticaram a proposta, chamando-a O papa João Paulo 2° che- uma nobre luta a favor da jus-
de “limitada”, “restritiva”, “decep- ga ao Brasil para uma visita de tiça social”. No Morumbi, João
cionante” e “mesquinha”. Mesmo 12 dias, a primeira de um sumo Paulo 2° recebeu uma carta do
enfrentando resistências de seto- pontífice ao país. Suas apari- líder da oposição metalúrgica,
res políticos e das Forças Arma- ções em 14 cidades reuniram Waldemar Rossi, denunciando
das, Figueiredo tentou capturar a multidões, num total de 13 mi- o assassinato de Santo Dias
bandeira da anistia, que naque- lhões de pessoas. A visita deu (1979) e outros trabalhadores
le momento era a reivindicação visibilidade mundial aos proble- pela repressão brasileira. No
democrática mais importante no mas sociais do país, como o de- Recife, defendeu a reforma
país. semprego e a miséria. O papa agrária: “Os bens da terra são
Os governadores, as banca- esteve nas favelas do Vidigal, de todos”. Em Teresina, repetiu
das da Arena e o Judiciário foram no Rio, e de Alagados, em Sal- o que dizia uma faixa da mul-
convocados para a assinatura no vador, viu a seca no Nordeste e tidão: “Pai Nosso, o povo tem
Palácio do Planalto. Em seu discur- encontrou trabalhadores no es- fome”.
so, o general reivindicou o projeto tádio do Morumbi, em São Pau- O polonês Karol Wojtila havia
como um gesto generoso no pro- lo. Mesmo tendo enquadrado a sido escolhido papa em 1978 e
cesso de “abertura” política. Os chamada “igreja progressista” logo se tornou um importante
objetivos políticos eram: 1) sur- e criticado o que considerava ator político global. João Paulo
preender a opinião pública com “ação politica” das Comunida- 2° projetou e apoiou o movi-
uma ação positiva; 2) Esvaziar uma des Eclesiais de Base (CEBs), a mento Solidariedade, chefia-
mobilização que estava expondo, visita de João Paulo 2° foi incô- do pelo operário católico Lech
no país e no exterior, os porões da moda para a ditadura. Walesa, o que contribuiria para
repressão, as torturas, assassinatos Em suas falas, o papa de- a queda dos regimes comunis-
e “desaparecimentos”; 3) Permitir fendeu a reforma agrária e a li- tas no final da década de 1980.
o retorno de líderes exilados como berdade sindical. No encontro Ao longo de seu pontificado,
Leonel Brizola, Miguel Arraes, Fran- com os trabalhadores, afirmou que durou 26 anos, João Pau-
cisco Julião e Luís Carlos Prestes. que “o bem comum da socie- lo 2° combateu a Teologia da
Também era fundamental con- dade requer, como exigência Libertação e tentou enquadrar
trolar os desdobramentos da anis- fundamental, que a sociedade seus maiores expoentes, como
tia, que certamente viriam para seja justa”. E acrescentou: “Re- os bispos brasileiros dom Pau-
responsabilizar e punir agentes da pelir a luta de classes é tam- lo Evaristo Arns e dom Luciano
repressão. bém optar resolutamente por Mendes de Almeida.
27 de junho de 2007 27 de junho de 2007
CONFLITO NO ALEMÃO VIRA UM MASSACRE CRESCE O APOIO AO
Confronto entre forças policiais
e o crime organizado no Comple-
liciais civis e militares e 150 agen-
tes da Força Nacional haviam sido
PEQUENO produtor
xo do Alemão, no Rio de Janeiro, mobilizados para enfrentar resis- O governo Lula anuncia fi-
se converte em massacre, em 27 tência ao cumprimento da missão. nanciamento recorde para a
de junho de 2007, deixando um Em outubro, relatório de peritos agricultura familiar, por meio do
saldo de 19 mortos. Após o as- forenses designados pela Secreta- Plano Safra de 2007/2008. Se-
sassinato de dois policiais em Os- ria Especial de Direitos Humanos rão R$ 12 bilhões aplicados nas
valdo Cruz, na Zona Norte do Rio, da Presidência comprovaria havia, diversas linhas de crédito do
as forças de segurança investiram no total, 70 projéteis nos corpos, Programa Nacional de Fortale-
contra o crime organizado. 54 deles em pontos letais: costas, cimento da Agricultura Familiar
Em 2 de maio, teve início a pescoço e cabeça. Os baleados (Pronaf), maior valor já desti-
ocupação militar no Complexo na cabeça eram seis, e ao menos nado na história do programa,
do Alemão. Desde então, vítimas dois apresentavam “evidências de 20% superior ao do ano ante-
eram contabilizadas quase todos morte por execução sumária e ar- rior.
os dias. Em 27 de junho, 1.200 po- bitrária”, segundo o laudo pericial. Desde 2002, o volume de
recursos crescera cerca de
420% — de R$ 2,2 bilhões, em
2002/2003, para R$ 12 bi-
lhões, em 2007/2008. Em 2007,
2,2 milhões de famílias teriam
acessado o crédito rural.
Outras inovações foram a
redução da taxa de juro, a am-
pliação dos limites de renda e
financiamento e a diversificação
do público-alvo. Os recordes de
financiamento seriam anuncia-
dos anualmente, chegando a
R$ 24,1 bilhões em 2014/2015.
O Plano Safra da Agricultura
familiar atingiria 5.454 municí-
pios e ampliaria o tipo de ativi-
28 de junho de 1997 dade financiada, passando a in-
cluir atividades cooperativistas,
PRIMEIRA PARADA DO ORGULHO em São Paulo agroflorestais e agroindustriais.
Inspirada nas “gay pride para- direitos da comunidade homos- Em 2008, como resposta
des” realizadas desde 1969 nos sexual. à crise econômica mundial, o
Estados Unidos, a primeira Pa- Organizações como o Grupo governo lançaria uma linha de
rada do Orgulho Gay reúne em Gay da Bahia e o Grupo Atobá crédito específica para financiar
São Paulo cerca de 2 mil pesso- apontavam um número crescen- a infraestrutura e o aumento da
as que protestam contra a dis- te de crimes contra a comunida- produtividade da agricultura fa-
criminação e a violência sofridas de GLT. Na década de 1990, fo- miliar.
por gays, lésbicas e travestis. O ram registrados 1.256 casos de De 2003 a 2011, a renda dos
tema central da manifestação – assassinatos por homofobia. agricultores familiares cresceria
“Somos muitos, estamos em vá- Em 1999, já com o nome de Pa- 52%, e 3,7 milhões deles ingres-
rias profissões” – procura dar vi- rada do Orgulho LGBT (lésbicas, sariam na classe média rural. Em
sibilidade ao público GLT (gays, gays, bissexuais, travestis, transe- 2014, 74% da mão de obra no
lésbicas e travestis) e sensibilizar xuais e transgêneros), o evento campo seria empregada pelo
a sociedade para o convívio res- entrou no calendário oficial da ci- setor, e 70% dos alimentos con-
peitoso com as diferenças, pres- dade de São Paulo, tornando-se o sumidos no Brasil seriam produ-
sionando o Estado a garantir os maior do mundo no gênero. zidos pela agricultura familiar.
CULTURA

Arsenal para o pós-Bozo
Lançado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com
Autonomia Literária, o livro “Economia Para a Transformação
Social”, de Juliana Furno e Pedro Rossi, traz excepcional
abordagem para entender o cenário e o que está em jogo
Bia Abramo ta parte, “Mitos Econômicos e o plo, mesmo tratando conceitos e
C
Debate Brasileiro” que as imbri- correntes teóricas com rigor.
aso “Economia Para a cações entre política e economia O ferramental sugerido pelos
Transformação Social” são examinadas. economistas Juliane Furno e Pe-
fosse apenas um ma- O jeito de “manual” ou de dro Rossi para a compreensão de
nual para entender o material de apoio para um curso temas espinhosos, como as cri-
noticiário econômico se mantém seja pela presença ses cíclicas do capitalismo; e ur-
já seria de enorme uti- das ilustrações que permeiam gentes, como o impacto da pan-
lidade. O economês a leitura, seja pela lista de leitu- demia na economia global, tanto
tal como é “traduzido” pela ras complementares ao final de servem como um primeiro passo
grande imprensa acaba virando cada capítulo, mas os debates para quem se sente perdido pelo
um cipoal de siglas, de expres- propostos por seu autores exi- excesso de jargão dos textos de
sões incompreensíveis e, claro, gem uma boa dose de mergulho análise econômica, como um es-
de interpretações suspeitas so- nos temas propostos, sobretudo tímulo para quem quiser conti-
bre o que rege a economia de nos capítulos do final do livro nuar a estudar o assunto.
um país como o Brasil. nos quais são desconstruídas as Este segundo volume da Co-
Acontece que o livro de Julia- ideias fixas que tentam minar lei- leção Argumento, editada numa
ne Furno e Pedro Rossi vai além turas mais emancipatórias sobre parceria entre a Fundação Per-
de explicar em linguagem di- o que produz a riqueza e a po- seu Abramo e a Autonomia Li-
dática os fundamentos e as en- breza no Brasil. terária, recebeu edição capri-
grenagens da economia. Como Aqui, o leitor vai encontrar vi- chada e muito valorizada pelas
se apresenta, em seu subtítulo sões críticas e consistentes sobre excelentes ilustrações de A Ga-
como “Um manual para mudar a retórica da austeridade fiscal, zetinha da Guanabara, coletivo
o mundo”, o volume também se as falácias sobre excesso de gas- de designers especializados em
arrisca a confrontar a visão base- tos nos governos de Lula e Dilma, transformar em linguagem visual
ada na defesa do neoliberalismo o eterno fantasma da inflação e a conceitos e processos da área da
e do triunfo do capitalismo e ofe- ideologia meritocrática. Ou seja, economia e da política. •
recer uma leitura da economia uma série de ferramentas para
ampliada pela compreensão de entrar nos debates que cercaram
suas relações políticas e sociais. o modo petista de governar nos
O livro, que nasceu de um dos anos 2000 e que, novamente, se
cursos de formação da Fundação apresentam desde a campanha
Perseu Abramo, organiza-se de de 2022 e nesses seis meses de
forma modular em quatro par- mandato de Lula.
tes. Na primeira, são exploradas É importante destacar que
questões teóricas e marcos con- todo o esforço didático, incluindo
ceituais, com ênfase nos temas as excelente ilustrações do cole-
que dizem respeito à economia tivo A Gazetinha da Guanabara,
brasileira, como desenvolvimen- não desrespeita a inteligência
to e dependência. A partir da se- do leitor. Antes, é exatamente o
gunda parte, entram em campo que permite que “Economia para
tópicos da história econômica Transformação Social” consiga
mundial e brasileira. E é na quar- atingir um público diverso e am-

MÚSICA
Uma dupla do barulho

O disco póstumo de Elza Soares traz justa reverência ao
melhor da MPB, assim como o álbum de Marcelo D2. O rapper
faz um mergulho radical no samba de raiz e mostra que a
música popular ainda tem muito a surpreender o mundo
Bia Abramo streaming, acrescenta camadas nhum das bandeiras da cantora,
U
de interesse ainda maiores. sobretudo a do feminismo negro
m disco póstumo e um As gravações de “No tempo e da liberdade da criação.
(mais uma) guinada de da intolerância” estavam a pleno No álbum, a cantora admite
carreira não deixam dú- vapor quando Elza Soares mor- sentir medo, coloca o próprio
vida de que a música reu em 20 de janeiro de 2022, otimismo em dúvida, diz que vi-
popular brasileira tem aos 91 anos. Depois de ficar pa- vemos um período de luta e faz
ainda muito o que dizer rado por mais de um ano, o ál- um clamor por justiça, em espe-
ao Brasil — e ao mun- bum foi retomado pelo produtor cial para mulheres e para a ne-
do. Se em “No tempo da intole- Rafael Ramos, que também pro- gritude. A fala foi retirada de um
rância”, Elza Soares mostra, mais duziu “Planeta Fome” (2019), e vídeo, uma gravação inédita dei-
uma vez, a potência de sua voz “Ao Vivo no Municipal” (2022). xada por Elza, e retrabalhada por
quase nonagenária e de sua ver- O tempo a que se refere o tí- cima de uma trilha de teclado e
satilidade nos ritmos negros, em tulo do disco fica imediatamente guitarra. Foi um dos poucos ele-
“Iboru”, encontramos um Marce- claro que foram os anos em que mentos do disco que a cantora
lo D2 no mergulho particular e o Brasil esteve à beira do fascis- não teve a oportunidade de ou-
emocionante no samba. E, em mo, depois das eleições de Jair vir — como os arranjos de sopro,
ambos, a marca das colabora- Bolsonaro em 2018. Ainda que por exemplo—, já que ela morreu
ções e parcerias, característica reconstruído sob o impacto do antes de o álbum ser finalizado.
que se tornou o arroz com feijão luto pela morte de Elza aos 91 O disco ainda traz surpresas.
da produção musical na era do anos, o disco não deixa cair ne- O primeiro grande encontro
musical de “No tempo da intole-
rância está em “Rainha africana”,
cuja letra foi escrita por Rita Lee
e musicada por Roberto Car-
valho. Pitty assina “Feminelza”,
composta especialmente para a
cantora. Duas compositoras jo-
vens, a baiana Josyara e a cario-
ca Isabela Moraes assinam outras
faixas que atestam a inquietude
de Elza, cuja idade, em vez de
afastar, a aproximou ainda mais
das novas gerações de músicos.
Até como exigência de sonori-
dade, de acordo com entrevista
concedida pelo produtor à Folha
de S.Paulo, que teria ouvido dela
a seguinte instrução: “Quero jo-
vens, cariocas, e o mais preto
possível — mas quero a moleca-
da. Não adianta trazer esses no-
mes [mais tarimbados], falando
que tem que ser de tal jeito. Tem
que ser do nosso jeito”.
A ordem de Elza resulta, de
fato, numa cama instrumental
moderna, com toques de soul
carioca, afrobeat e, sim, do novo no samba, sobretudo o de extra- Mumuzinho, B Negão e a banda
samba brasileiro, que fazem o ção carioca. Metá Metá. D2 caminha com de-
cenário para que o protagonis- Iniciado no culto de Ifá, Mar- senvoltura entre tantas referên-
mo das compositoras mulheres celo D2 não apenas batizou o cias, mas não deixa de gravar
que ali lhe prestam homenagem álbum com o termo iorubá que versões, como a linda “Duras Pe-
ou para as composições da pró- significa “que sejam ouvidas nos- nas”, de Douglas Lemos e Moacyr
pria Elza, como “Coragem”, “No sas súplicas”, como deixa explíci- Luz. Em “Bundalelê (Carlos Sena,
tempo da intolerância” e “Quem ta na sequência das faixas e nas Otacílio da Mangueira, Xande
disse?”. O legado de Elza, artista participações especiais o senti- de Pilares, Zeca Pagodinho), ou-
que teve de se reinventar muitas do ritual que a música, sobretu- vimos a reverência e a pândega
vezes, ganha uma linda home- do a percussiva dos tambores, das rodas de pagode carioca.
nagem nesse disco que mantém tem nas festas e cerimônias das Se o respeito e à reverência à
viva a voz forte da sobrevivente religiões de matriz africana. ancestralidade histórica e musi-
dos planetas fome, injustiça e Não à toa, uma das faixas mais cal guiam o mergulho de D2 nos
violência. impactantes é “Kalundu”, parce- sambas variados, o passado no
Se o disco de Elza tem alguma ria de D2 com Kiko Dinucci, na rap e nas pesquisas musicais que
irregularidade natural pelo fato qual participa o baiano Matheus marcaram sua carreira solo com-
de ser finalizado sem a presença Aleluia que, com os Tincoãs, foi parecem tanto nas levadas vo-
da artista, “Iboru”, de Marcelo D2, pioneiro no registro de afoxés e cais do cantor como na meticulo-
é um daqueles trabalhos que sur- “músicas de santo”. Outra cola- sa e criativa produção do álbum.
preende pela coesão. Ainda que boração essencial em “Iboru” é As batidas “perfeitas” que con-
desde que saiu em carreira solo com o historiador Luis Antônio duzem o disco, a escolha cuida-
ainda no final dos anos 1990, D2 Simas, “Povo de fé” e “Pra curar a dosa de samples e colagens so-
tenha se aproximado cada vez dor do mundo”. noras e, sim, graves para rapper
mais do samba, inclusive gravan- Outras participações-home- nenhum botar defeito fazem de
do um álbum só de versões de nagens que desfilam ao longo “Iboru” um disco com a lastro no
Bezerra da Silva em 2010, “Iboru” das 16 faixas trazem Zeca Pago- passado, vibração do presente e
é uma imersão vertical e radical dinho, Xande de Pilares, Alcione, que aponta para o futuro. •
TRIBUTO
Vera Gertel, presente!

Morre aos 83 anos a atriz, jornalista e autora do livro “Um gosto
amargo de bala”, em que retrata a própria vida e faz um retrato agudo
de uma geração que ousou lutar para mudar a história do país
M
orreu na segunda-
-feira, 19, no Rio de
Janeiro, a atriz, jorna-
lista e escritora Vera
Gertel, uma das gran-
des personalidades
da vida artística bra-
sileira a partir dos anos 50, tendo
atuado na primeira montagem da
obra-prima “Eles não usam black-
-tie”, clássico da dramaturgia na-
cional escrito ainda nos anos 50
pelo ator Gianfrancesco Guarnieri.
Ela faleceu aos 83 anos de idade.
Deixa o marido, Janio de Freitas, e
o filho, Vinícius Vianna.
Vera já estava internada desde
que se sentiu mal ao retornar de
uma viagem à Europa. Ela dirigiu
por muitos anos a revista ‘Desfila’ e
defendia que a publicação femini-
na poderia ser feita sem os clichês Temendo pelo futuro da fi- ledo” ganharia fama como um
das produções voltadas para mu- lha, o pai a registrou no cartório dos principais líderes da guerri-
lheres. Há dez anos, lançou a au- como Vera. Logo ele foi preso lha contra a ditadura pós-1964.
tobiografia “Um gosto amargo de por “subversão” e, anos depois, O do noivo foi Guarnieri.
bala”, recordando a militância e fa- a filha o visitou no presídio de Entre 1957 e 1968, teve forte
zendo um retrato de sua geração. Ilha Grande. Em 1940, Raquel presença artística, atuando em
Filha de um judeu comunista, também perdeu a liberdade, de- peças e filmes. Em 1960, atuou
Noé, ela chegou a ser presa duran- pois de dar vivas em público a na peça “Revolução na Améri-
te a ditadura. Integrou o Teatro de Luís Carlos Prestes (1898-1990). ca do Sul” e na TV Excelsior es-
Arena nos anos 50 e participou de Com a democracia e o tempo, trelando “Chapetuba Futebol
filmes e novelas como “O acusa- tornou-se militante do Partido Clube”, e, claro, uma nova mon-
dor”, exibida na extinta TV Tupi, em Comunista. No fim da década de tagem de “Eles Não Usam Black-
1964. Ela foi casada com o drama- 1950, formou com dois atores -Tie (Televisão)” e “Fogo Frio”. Em
turgo Oduvaldo Viana Filho e com e camaradas, Oduvaldo Vianna 1964, atuou na peça “Os Azere-
o compositor Carlos Lyra. Filho e Gianfrancesco Guarnie- do Mais Os Benevides” e, em se-
Filha do jornalista Noé Gertel ri (1934-2006), o Teatro Paulista guida, “Eram Todos Meus Filhos”
e da tecelã Raquel Gertel, veio ao do Estudante, que em seguida (1965) e “Arena Conta: Zumbi”,
mundo em São Paulo, mas foi re- se juntou ao Teatro de Arena. Em ao lado de Isabel Ribeiro, Dina
gistrada no Rio. A mãe escolheu seu casamento com Vianinha, o Sfat, Paulo José, Milton Gonçal-
para o bebê o nome de Anéli, ho- padrinho foi o jornalista Joaquim ves e Francisco Milani, (1965),
menagem à frente de esquerda Câmara Ferreira (1913-1970), além da peça teatral “O Jardim
ANL, banida em 1935. que com o nome de guerra “To- das Cerejeiras” (1968). •
Ricardo Stuckert

Disponível no site da Fundação Perseu Abramo
https://fpabramo.org.br/publicacoes/estante/violencia-no-brasil-desafio-das-periferias/

Focus 24jun2023

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46 Focus Brasil, 26 de Junho de 2023

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52 Focus Brasil, 26 de Junho de 2023

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