Sexismo
Sexismo
Sexismo
São Luís - MA
2017
BIANCA BUENO DO NASCIMENTO
São Luís - MA
2017
BIANCA BUENO DO NASCIMENTO
BANCA EXAMINADORA
_________________________________
Profª. Drª. Diomar das Graças Motta (Orientadora)
Doutora em Educação
Universidade Federal do Maranhão
_________________________________
Profª. Drª. Mariza Borges Wall Barbosa de Carvalho
Doutora em Educação
Universidade Federal do Maranhão
_________________________________
Profª. Drª. Maria Mary Ferreira
Doutora em Sociologia
Universidade Federal do Maranhão
_________________________________
Profª. Drª. Sirlene Mota Pinheiro da Silva (Suplente)
Doutora em Educação
Universidade Federal do Maranhão
DEDICATÓRIA
Para todas as mulheres e homens que buscam uma vida de paz e harmonia.
AGRADECIMENTOS
Este estudo se insere nas relações de gênero, pois falar de gênero é falar das relações entre
homens e mulheres, dos papéis sociais que lhes são reservados, ensinados e cobrados por toda
a vida, desta maneira objetivou-se investigar o sexismo no ensino superior. A categoria gênero
é a construção social do que é feminino ou masculino, já o sexismo é a discriminação baseada
no sexo de cada pessoa. As mulheres são apresentadas como as principais vítimas do sexismo,
mas a intenção aqui foi de mensurar os efeitos desse fenômeno entre mulheres e homens que
frequentam os mesmos bancos universitários. Desta maneira, o universo de pesquisa deste
estudo compõe uma amostra de 476 sujeitos (220 homens e 256 mulheres) alunos de 28
cursos de graduação da UFMA. O instrumento de pesquisa aplicado aos alunos foi elaborado
a partir da adaptação de instrumentos propostos anteriormente por outros pesquisadores.
Assim, o instrumento de pesquisa deste estudo é um questionário composto por três etapas,
cada uma delas sendo responsável por uma dimensão de análise: Perfil do sujeito; Percepções
sexistas; e Realidade acadêmica. Após a coleta dos dados, os mesmos foram tabulados no
software Statistical Package for the Social Sciences – SPSS. De maneira geral, presume-se
que os estudantes parecem não apresentar percepções sexistas, mas a análise através das
especificidades demonstrou elementos mais interessantes. Os principais resultados foram: A
maioria dos estudantes demarca o lugar da mulher através de estereótipos como uso de saia,
maquiagem, unhas, brincar de casinhas ou utilizar objetos na cor rosa. Homens e mulheres
podem ser sexistas da mesma maneira. A classe social não foi justificativa para um nível mais
elevado de sexismo, mas o nível de educação, sim. Pessoas religiosas demonstram maior
tendência para percepções sexistas, sendo a religião católica a predominante entre estas. Tanto
pessoas de esquerda como de direita se demonstraram sexistas. Apenas a minoria dos
sujeitos da amostra se proclamou feminista, e o observável é que quanto maior o nível de
sexismo, maior foi a rejeição ao feminismo. A existência de cursos considerados “para
homens” e cursos considerados “para mulheres” foi comprovada, mas a maioria dos sujeitos
deste estudo não concorda com tal diferenciação. Os homens tiveram sua capacidade
profissional contestada em poucos cursos, em baixa proporção, mas quando ocorreu, foi em
cursos considerados femininos. Já as mulheres tiveram sua capacidade profissional contestada
em quase todos os cursos, em alta proporção e independentemente do curso ser considerado
feminino ou masculino. Ambos os sexos indicam já terem sido alvos de suspeita sobre o
potencial de suas capacidades apenas pelo fato de serem homens ou mulheres, porém, as
mulheres têm sofrido bem mais com essa problemática. Mais de 82% dos sujeitos deste estudo
já presenciaram trotes preconceituosos na instituição, a maioria deles envolvendo atitudes
machistas e sexistas. Dentro da sala de aula, 56% dos alunos já presenciaram professores
fazendo piadinhas preconceituosas e, também, neste caso, a maioria delas era de conteúdo
machista ou sexista. Outro dado preocupante foi o alto índice de respostas apontando a
ocorrência de piadas racistas. A denúncia a essas práticas ocorre em apenas 9% dos casos,
pois na maioria das vezes a reação da turma é sorrir. A média geral dos homens e mulheres
que sofreram assédio sexual na universidade correspondeu a 14% e 24% respectivamente. Os
assediadores em geral são os colegas, mas para 28% das mulheres foram os próprios
professores. Ao voltar pra casa, o maior medo dos homens é de serem assaltados, enquanto
que o das mulheres é serem estupradas. Uma em cada três mulheres deste estudo já foi
assediada no ônibus que faz o trecho universidade-centro da cidade. Os homens também
denunciam abusos sexuais no ônibus, mas em número bem menor do que as mulheres.
Observou-se então a presença do sexismo, tanto em nível de percepção dos próprios
estudantes como em elementos do cotidiano no ambiente universitário.
This study is part of gender relations, because talking about gender is talking about the
relations between men and women, about the social roles reserved for them, taught and
collected throughout life, in order to investigate sexism in higher education. The gender
category is the social construction of what is feminine or masculine, since sexism is
discrimination based on the sex of each person. Women are presented as the main victims of
sexism, but the intention here was to measure the effects of this phenomenon among women
and men who attend the same university banks. In this way, the research universe of this study
composes a sample of 476 subjects (220 men and 256 women) students from 28 UFMA
undergraduate courses. The research instrument applied to the students was drawn from the
adaptation of instruments previously proposed by other researchers. Thus, the research
instrument of this study is a questionnaire composed of three stages, each of them being
responsible for a dimension of analysis: Profile of the subject; Sexist perceptions; and
Academic Reality. After data collection, they were tabulated in the Statistical Package for the
Social Sciences - SPSS. In general, it is assumed that students do not appear to have sexist
perceptions, but analysis through specificities has shown more interesting elements. The main
results were: Most students mark the woman's place through stereotypes like wearing skirts,
makeup, nails, playing house, or using objects in pink. Men and women can be sexist in the
same way. Social class is no justification for a higher level of sexism, but the level of
education is. Religious people show a greater tendency towards sexist perceptions, with the
Catholic religion being the predominant among them. Both left and right have shown
themselves to be sexist. Only the minority of the sample subjects proclaimed themselves
feminist, and the observable is that the higher the level of sexism, the greater the rejection of
feminism. The existence of courses considered "for men" and courses considered "for
women" has been proven, but most of the subjects in this study do not agree with this
differentiation. The men had their professional capacity contested in few courses, in low
proportion, but when it happened, it was in courses considered feminine. Already women had
their professional capacity challenged in almost all courses, in high proportion and regardless
of whether the course is considered female or male. Both sexes indicate that they have already
been targets of suspicion about the potential of their abilities simply because they are men or
women, but women have suffered much more from this problem. More than 82% of the
subjects in this study have already witnessed prejudicial trotters in the institution, most of
them involving macho and sexist attitudes. Within the classroom, 56% of the students already
witnessed teachers making biased jokes, and also, in this case, most of them were sexist or
sexist content. Another worrying fact was the high rate of responses pointing to the
occurrence of racist jokes. Complaining to these practices occurs in only 9% of cases, because
most of the time the reaction of the class is to smile. The overall average of men and women
who suffered sexual harassment at university was 14% and 24%, respectively. The stalkers in
general are the colleagues, but for 28% of the women were the teachers themselves. When
they return home, men's greatest fear is that they are robbed, while women are being raped.
One in three women in this study has been harassed on the bus that makes the university-
center stretch of the city. Men also report sexual abuse on the bus, but far fewer than women.
It was then observed the presence of sexism, both in the level of perception of the students
themselves and in everyday elements in the university environment.
1. Introdução.......................................................................................................................... 15
2. Sexismo: O que é isso?...................................................................................................... 18
2.1 Distinção: Biologia x Cultura ......................................................................................... 25
2.2 Relações de poder: O “x” da questão. ............................................................................ 34
2.3 Preconceito e Discriminação: Mecanismos de controle. ................................................ 41
2.4 Feminismo: Movimento de resistência. .......................................................................... 46
2.5 Sexismo e instituições educacionais: faca de dois gumes. ............................................. 52
3. Caminho metodológico ..................................................................................................... 56
3.1 Etapas de desenvolvimento da pesquisa. ........................................................................ 56
3.1.1 Definição da amostra................................................................................................ 57
3.1.2 Elaboração do instrumento de pesquisa. .................................................................. 58
3.1.3 Elaboração dos documentos de autorização para pesquisa. ..................................... 62
3.1.4 Contato com a instituição do estudo. ....................................................................... 63
3.1.5 Contato com os coordenadores de curso. ................................................................. 63
3.1.6 Coleta dos dados....................................................................................................... 64
3.1.7 Tabulação e análise dos dados. ................................................................................ 65
3.2 Justificativa pela abordagem quantitativa....................................................................... 66
4. A realidade encontrada: Resultados e Discussões............................................................. 68
4.1 Contextualização: UFMA. .............................................................................................. 68
4.2 Caracterização: Participantes do estudo. ........................................................................ 71
4.3 Contextualização: Perfil dos participantes do estudo. .................................................... 73
4.4 “Isso é coisa de homem e aquilo é coisa de mulher”...................................................... 74
4.4.1 Sexo: Quem é mais sexista: homens ou mulheres? .................................................. 85
4.4.2 Classe social: Ser mais pobre é ser mais sexista? .................................................... 86
4.4.3 Religião: Pessoas religiosas são mais sexistas? ....................................................... 88
4.4.4 Posição política: Ser de direita é ser mais sexista? .................................................. 91
4.4.5 Machismo e Feminismo: Os sexistas desprezam o feminismo? .............................. 93
4.5 Universitários e a realidade sexista ................................................................................ 99
4.6 Violência no campus .................................................................................................... 115
5. Deliberações Finais ......................................................................................................... 141
Referências ............................................................................................................................. 143
1. Introdução
O mundo em que vivemos não é justo. Ele é injusto. Nesse caso, até mesmo as
injustiças são injustas. Entenda-se por injustiça todo ato que coloque um ser humano em um
patamar inferior a outro ser humano, por algo que lhe é inerente e de fato não lhe caberia (em
um mundo justo) qualquer culpabilidade. A injustiça das injustiças reside na violação dos
direitos de uma pessoa justamente por ela ser quem é e na sua condenação a uma situação de
inferioridade social por tal.
Aqui não estamos mencionando o conceito aristotélico de justiça, mas caminhamos na
contramão dessa premissa. Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.), o filósofo grego, acreditava que
cada homem e cada mulher nascia com um papel justo a desempenhar em prol da harmonia da
cidade, não importando se estes se agradariam desses papéis, ainda assim teriam que
desempenhá-los. Inclusive o papel de escravo.
Essa ausência de poder de decisão sobre a própria vida não parece muito justa nos dias
atuais. Todavia, na prática, a vida das pessoas ainda é condicionada por fatores externos a si
que as qualificam e classificam de acordo com variáveis que não deveriam importar ou pesar
para situar alguém na teia social (novamente, no caso de um mundo justo).
Ser negro, deficiente físico, homossexual, transexual, gordo ou mulher ainda é ser
visto como um cidadão de segunda classe. E exatamente por essas características é que as
pessoas serão rotuladas como boas ou ruins, inferiores ou superiores, melhores ou piores,
dignas de direitos ou não. No caso desse grupo supracitado, a opressão se dará de infinitas
formas diferentes e em variados graus por toda a sua vida. É a subtração do direito humano à
igualdade, em decorrência de uma opressão milenar. Afinal, não é de hoje que determinados
grupos lutam por poder e para isso buscam diminuir os demais para que aceitem a dominação
como algo natural. Em outras palavras, faz com que os próprios oprimidos aceitem as
condições de inferioridade por julgarem ser esse o seu lugar. Como dizíamos anteriormente, a
injustiça das injustiças: o ser humano que não é visto como tão humano quanto o outro por
causa de características que lhe inculcaram historicamente como sendo piores e negativas.
Viver em sociedade é compartilhar a vida, é estar presente no mesmo tempo e espaço
que pessoas diferentes entre si e que devem ser respeitadas de forma igual, pois ser diferente
faz parte da natureza e da diversidade humana. Isso não significa em hipótese alguma ser
inferior ou superior a algo ou alguém.
A Revolução Francesa (1789 – 1799) teve como lema “Liberdade, Igualdade,
Fraternidade”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz no seu primeiro artigo
15
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” A
Constituição do Brasil de 1988 no seu artigo 5º diz: “Todos são iguais perante a lei”. Ainda
nesta Constituição, no inciso I do artigo 5º está determinado que: homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações.
Ocorre que esses ideais proclamados nos documentos oficiais ainda não estão
encontrando espaço na sociedade brasileira devido ao modo desigual como os indivíduos e
instituições se entrelaçam. O Brasil vive uma realidade de preconceitos expressos nas suas
mais variadas formas através do racismo, sexismo, machismo, xenofobia, homofobia,
elitismo, gordofobia e outros. Isso se converte em uma situação de desigualdade social
atingindo de forma direta e negativa os considerados inferiores.
Este estudo se insere nas relações de gênero, pois falar de gênero é falar das relações
entre homens e mulheres, dos papéis sociais que lhes são reservados, ensinados e cobrados
por toda a vida. Especificamente, da consequente desigualdade de gênero onde as mulheres
são as principais vítimas, já que historicamente são as mulheres quem precisam se submeter
aos preceitos dessa sociedade patriarcal e sexista, onde o papel designado ao homem é o
centro de controle social e o papel reservado à mulher é o privado, o doméstico e de
submissão ao mundo masculino.
Levando em consideração que cada pesquisa é “mais um grão de areia em uma imensa
praia”, que equivale ao conhecimento e nos detendo aos limites, tanto do pessoal como do
tempo, há a necessidade do recorte e da delimitação da análise, que aqui nos propomos. Dessa
maneira, atendendo aos propósitos do grupo de pesquisa, nos quais estamos inseridas, o
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe) da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o presente estudo trata das mulheres, mas
também dos homens. Isto é, da relação entre estes. Da relação desigual que se estabelece entre
os sexos através do Sexismo. Especificamente, o sexismo e suas implicações para os
estudantes da educação superior da UFMA.
Nossa justificativa por esse tema é simples: é do conhecimento geral que o sexismo
provoca um desiquilíbrio de poder entre os sexos. As mulheres são apresentadas como as
principais vítimas do sexismo, mas como mensurar os efeitos desse fenômeno entre mulheres
e homens que frequentam os mesmos bancos universitários? A busca por respostas precisa
fugir das fornecidas pelo senso comum ou pelas suposições para se debruçar sobre dados
concretos e reais. Longe dos ideais positivistas de generalização, mas o mais próximo possível
16
de uma realidade palpável de dados para apreciação, reflexão, entendimento e posterior
intervenção.
Mesmo o século XXI, com muitas vitórias já conquistadas para o grande número de
mulheres no país, a sustentação da diferença de gênero ainda é muito visível no
comportamento das pessoas (CARVALHO e LEITE, 2014). A verdade é que ainda vivemos
em uma sociedade permeada pela desigualdade entre os sexos, onde a mulher é vista como
inferior ao homem e, portanto, é obrigada a lidar com um cotidiano sexista e machista desde a
infância. Acerca da cultura sexista, foi advertido:
17
2. SEXISMO: O QUE É ISSO?
Desta maneira, conceituar não é finalizar o entendimento acerca de algo, mas pelo
contrário, é sempre um esforço de introdução a uma temática. É mais do que a mera descrição,
é o agrupamento de palavras em torno do que significa “sexismo” e como as pessoas estão
percebendo este problema.
Sendo assim, os estudos de Kerner (2012) apontam que a palavra alemã sexismus tem
origem no inglês norte‑americano. O termo original sexism foi, por sua vez, criado por
analogia ao termo racism na segunda metade dos anos 1960. Uma das primeiras ocorrências
textuais de uso do termo sexismo ocorreu em 1969, no texto intitulado “Freedom for
Movement Girls — Now”.
“Os paralelos entre sexismo e racismo são nítidos e claros. Cada um deles incorpora
falsas suposições sob a forma de mito. E, assim como o racista é aquele que
proclama, justifica ou pressupõe a supremacia de uma raça sobre outra, da mesma
forma, o sexista é aquele que proclama, justifica ou pressupõe a supremacia de um
sexo (adivinha qual) sobre o outro.” (texto de intervenção do Southern Student
Organizing Committee, citado por KERNER, 2012, p.46).
18
Para Formiga (2011) o sexismo se trata do preconceito em relação às mulheres, e para
que ele possa ser combatido é preciso que primeiramente seja percebido e reconhecido.
Araújo (2006) busca no seu estudo fazer uma diferenciação entre os termos gênero e sexismo.
A categoria gênero é a construção social do que é feminino ou masculino, já o sexismo é a
discriminação baseada no sexo de cada pessoa. Apesar do machismo histórico e estrutural,
que coloca as mulheres em condição de inferioridade aos homens, a autora salienta que não é
apenas o sexo feminino que sofre com o sexismo, mas também homossexuais, transexuais e
intersexuais. Em síntese, todos que se aproximam do universo tido como pertencente ao
feminino são alvo do sexismo.
Filho, Eufrásio e Batista (2011) introduzem seu estudo também fazendo a
diferenciação entre sexo e gênero. Para os autores, sexo está relacionado com as
características biológicas de cada pessoa. Gênero é o conjunto de características construídas
socialmente para definir o que é ser homem e o que é ser mulher baseado no sexo. No seu
estudo, Filho, Eufrásio e Batista (2011) apresentam o sexismo como o responsável por definir
papéis sociais desiguais para homens e mulheres, perpetuando a violência contra as mulheres.
A violência de gênero é a implicação mais grave do sexismo. De acordo com Ramos et
al (2013) tal tipo de violência tem origem nos modelos de masculinidades e feminilidades
impostos culturalmente. Esses modelos seguem padrões sexistas que criam estereótipos e
crenças do que é ser homem ou mulher. Os padrões servem para garantir que mulheres
comportem-se “como mulheres” e homens “como homens”. A violência atua no desvio destes
comportamentos. Para Ramos et al (2013), o caminho para o fim dessa violência, não é o
enquadramento, mas a conscientização para a diversidade.
[...] no nosso entender, as atuações preventivas devem centrar-se nos ditos sistemas
de crenças presentes em crianças, adolescentes e jovens, com a intenção de
neutralizar os possíveis enviesamentos sexistas que podem ter sido internalizados.
(RAMOS et al, 2013, p.333)
19
A Infopédia descreve o sexismo como: “Formas de comportamento e ideologias nas
quais são atribuídas determinadas posições e capacidades indivíduos ou grupos
simplesmente por causa do sexo a que pertencem. Trata-se de uma forma de discriminação
que conduz à subalternização, à marginalização, ou mesmo à exclusão de pessoas ou grupos
com base no seu sexo.” (Infopédia). O dicionário digital Caldas Aulete diz que o sexismo é
“1. Atitude ou comportamento que envolva preconceito ou discriminação sexual”.
Complementando estas definições e conceitos é importante reafirmar que o sexismo
afeta ambos os sexos e não apenas as mulheres (embora estas sejam suas maiores vítimas). A
curiosidade é que ele tem um padrão claro: afetar aquilo que é feminino, ou pelo menos
socialmente considerado feminino. Os homens são censurados pelo sexismo quando
apresentam condutas que tipicamente são consideradas femininas ou que culturalmente
pertencem às mulheres. Ou seja, o sexismo atinge os homens quando estes ousam deixar sua
“posição de macho dominante” para exercerem tarefas de “fêmea dominada”. Um bom
exemplo para isso são as ofensas que os homens sofrem quando demonstram qualquer tipo de
fraqueza. Basta uma lágrima ou uma demonstração de afeto qualquer para que ouçam: “Não
seja mulherzinha”. Ser “mulherzinha” é ser considerado inferior, e os homens são ensinados
a vida inteira a não pertencerem a tal posição.
Smigay (2002) também apresenta uma concepção de sexismo no seu estudo intitulado
“Sexismo, Homofobia e outras expressões correlatas de violência: desafios para a psicologia
política”. Para a autora é importante demonstrar que o sexismo ocorre de forma horizontal,
ou seja, homens praticam contra mulheres, mulheres praticam contra homens, homens
praticam contra homens e mulheres praticam contra mulheres.
Outro aspecto importante acerca do sexismo é a dualidade de intenções que este pode
assumir. Ou seja, nem sempre quem comete uma atitude sexista está cometendo-a de forma a
querer discriminar o outro por causa de seu sexo. Isso é o que Formiga (2011) vai chamar de
“sexismo ambivalente”.
20
O sexismo ambivalente é compreendido como um conjunto de estereótipos sobre a
avaliação cognitiva, afetiva e atitudinal acerca do papel apropriado na sociedade
dirigida aos indivíduos de acordo com o sexo. As formas de sexismo são
ambivalentes, não somente porque são indiretas, mas também, por acarretar emoções
negativas e positivas. As quais de dupla valência afetivas, principalmente, quando se
considera sua prática e expressão discriminatória tradicional; e se apresentam como
sexismo hostil e sexismo benévolo. (FORMIGA, 2011, p.193)
21
Sexismo é o termo que se refere ao conjunto de ações e ideias que privilegiam
determinado gênero ou orientação sexual em detrimento de outro gênero (ou
orientação sexual). Embora, seja constantemente usado como sinônimo de
machismo é na verdade um hiperônimo deste, já que é possível identificar diversas
posturas e ideias sexistas (muitas delas bastantes disseminadas) que privilegiam um
gênero em detrimento de outro. (Wikipédia, 2017).
22
rosa e meninos gostam de azul; mulheres são cooperativas e homens são competitivos;
mulheres gostam de dançar e homens gostam de praticar esportes; mulheres devem cuidar dos
filhos enquanto os homens devem fornecer o sustento da casa; mulheres são melhores na área
das ciências humanas e sociais, homens são melhores nas exatas; mulheres são passionais e
homens são racionais. Esses exemplos podem ser confundidos com sexismo, portanto, é
preciso cautela, pois não são. Estes são alguns exemplos da construção de papéis sociais
baseados no gênero. E gênero também não é o mesmo que sexismo.
Carvalho et al (2016, p.11) conceituam gênero como “conjunto de sentidos atribuídos
a corpos e identidades/subjetividades; e, por extensão, a objetivos, espaços e práticas materiais
e simbólicos denominados femininos ou masculinos, de forma dicotômica e hierárquica”. Para
Scott (1990, p.7), o termo “gênero” é utilizado para:
[...] designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as
justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para
várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os
homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de
indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das ideias sobre os
papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens
exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O
gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo
sexuado.
23
Quadro 1: Conceitos importantes para o estudo das relações de gênero.
Termo Significado
São elementos que atuam isoladamente? Não, pois uma atitude pode ser machista e ao
mesmo tempo sexista. Por exemplo: Quando alguém diz que mulheres estão em menor
número nos cursos das ciências exatas, por não serem tão inteligentes quantos os homens, esse
alguém está sendo machista por colocar os homens em posição de superioridade em relação às
mulheres e sexista por estar discriminando espaços em decorrência do sexo. Ou seja, toda
atitude machista é também uma atitude sexista, mas nem toda atitude sexista é uma atitude
machista, já que existe o sexismo benévolo, aquele onde quem diferencia homens e mulheres
não está fazendo isso com intencionalidade de colocar homens ou mulheres como superiores
ou inferiores, mas ainda assim está discriminando por causa do sexo.
Na próxima seção será apresentada uma discussão sobre os elementos de distinção
entre homens e mulheres. Historicamente, o sexismo baseia suas justificativas nos aspectos
biológicos em detrimentos dos aspectos sociais e culturais. Como se os papéis sociais distintos
fossem algo “natural”, destinos já traçados organicamente. Por que será?
24
2.1 Distinção: Biologia x Cultura
Aristóteles, destacado filósofo grego cujo pensamento ecoou e ainda ecoa entre os
estudiosos, acreditava que características atribuídas no plano metafísico refletiam nos aspectos
biológicos entre machos e fêmeas, o que explicaria a diferença, ou seja, a inferioridade das
mulheres em relação aos homens. O masculino seria responsável pela forma (tudo que
constitui plano superior, da alma), enquanto o feminino seria responsável pela matéria (tudo
25
que constitui o plano inferior, do corpo). Isso tornaria as mulheres menos capazes
intelectualmente, mas ótimas para o comando da vida doméstica. Ainda de acordo com
Aristóteles, as mulheres nada mais eram do que machos incompletos, logo, inferiores.
(PINTO, 2010)
Na filosofia foi comum associar as mulheres ao plano inferior, devido às suas
características biológicas, portanto, incapazes de realizarem as mesmas tarefas que os homens.
Platão demonstrou interesse em aproximar mulheres e homens no mesmo plano, pois no seu
entendimento dicotômico entre alma e corpo, considerava que a essência não tinha sexo, mas
ele foi uma exceção. A norma padrão foi para a mulher o local de submissão, baseando-se em
pressupostos biológicos. Ferreira (2010) aponta o sexismo em Descartes, filósofo, físico e
matemático francês, na sua obra “Discurso do Método”, ao afirmar que se tratava de “um livro
em que quis que até as mulheres pudessem perceber alguma coisa”. (Carta a Vatier, 22 de
fevereiro de 1638, p.560)
Em 2012, o Dr. Drauzio Varella entrevistou o doutor em neurologia José Salomão
Schwartzman para saber mais sobre as diferenças biológicas entre homens e mulheres. De
acordo com Schwartzman, a influência dos hormônios no cérebro é fundamental para que as
distinções entre homens e mulheres sejam estabelecidas. O cérebro dos homens recebe mais
testosterona e isso seria fator relevante para que a configuração masculina se estabelecesse de
maneira distinta da feminina. Já o cérebro das mulheres sofre um processo de maturação mais
complexo, o que implica em funções biológicas mais preparadas até a fase da adolescência, ou
seja, o que é comum ser dito “meninas amadurecem antes dos meninos”. Ambos os estudiosos
não rejeitam a influência cultural na ordenação de comportamentos femininos e masculinos,
mas se apoiam nos aspectos biológicos para a justificativa de formas de ser e agir diversas de
acordo com o sexo.
A discussão entre fatores biológicos e culturais é polêmica, portanto, várias são as
linhas que defendem esse ou aquele entendimento. Com relação a isso. Muraro e Boff (2002)
apresentam três correntes de pesquisas que buscam entender a influência entre fatores
biológicos e culturais nas relações de gênero. A primeira afirma que: “O homem e a mulher
possuem memória sexual própria, fundada no longo processo da evolução da vida. Esse fator
dá origem a comportamentos distintos com características psicológicas próprias.”. A segunda
diz que “As diferenças sexuais, de personalidade, de papéis e de exercício de poder resultam
de condicionamentos sociais”. A terceira “esforça-se por recolher o momento de verdade em
cada uma das posições anteriores e procura dialetizá-las”. (MURARO e BOFF, 2002, p.22).
No texto, Muraro e Boff (2002) dizem se filiar a essa terceira vertente, pois eles acreditam que
26
os elementos devem ser tratados de maneira complementar ao invés da forma dicotômica
como historicamente sempre ocorre.
Os discursos sobre diferenciação entre homens e mulheres tem início no próprio
processo de reprodução. De acordo com Beauvoir (1970) e com a lógica biológica, óvulo e
espermatozoide são complementares, cada qual executando uma tarefa que culminará na
existência de um novo ser. O óvulo espera a atividade do espermatozoide. O óvulo tem em si
tudo que é necessário para nutrir e desenvolver uma nova vida, enquanto que o
espermatozoide se desloca, mas sem essa sua atitude viva, o encontro não ocorreria e a vida
também não. Porém, segundo Beauvoir (1970, p.34) dessa relação entre gametas, onde o
óvulo aguarda e o espermatozoide age “seria ousado deduzir que o lugar da mulher é no lar:
mas há pessoas ousadas”. E por isso, “muitas teorias, ditas profundas, assentam nesse jogo de
analogias duvidosas”.
Schwartzman, em entrevista para Drauzio Varella (2012), exemplifica a diferença
entre homens e mulheres, citando casos onde meninas e meninos se comportam de maneiras
diferentes nos mesmos espaços: os meninos sendo mais ativos e as meninas mais passivas. O
neurologista procura com isso, demonstrar como a preferência por atividades distintas é
biologicamente natural e não uma construção social. Por outro lado, Belotti (1985) afirma que
as cobranças diferentes, para cada sexo, são tão precoces e tão intensas que os primeiros anos
da infância servem como matriz das dificuldades posteriores de todas as pessoas, inclusive no
que concerne à divisão sexual, ou seja, a inculcação de papéis sociais distintos de acordo com
o sexo. Diz a autora que “aos três ou quatro anos, isto é, até onde se pode estender a
lembrança de um indivíduo, tudo já está realizado em seu destino ligado ao sexo a que
pertence, pois naquele período não há luta consciente contra a opressão.” Assim:
Ainda que sem bases científicas comprovadas, o biológico sempre esteve na ordem do
dia para justificar as diferentes posições sociais entre homens e mulheres como algo “natural”,
logo, sem perspectiva de mudança. Para Bourdieu (2003) é o mundo social que constrói o
corpo como realidade assexuada e como depositório de princípios de visão e divisão
sexualizantes.
27
Esse programa social de percepção incorporada aplica-se a todas as coisas do mundo
e, antes de tudo, ao próprio corpo, em sua realidade biológica: é ele que constrói a
diferença entre os sexos biológico, conformando-a aos princípios de uma visão
mítica do mundo, enraizada na relação arbitrária de dominação dos homens sobre as
mulheres. (BOURDIEU, 2003, p.18)
Essas imposições sociais de gênero vão estar presentes na vida de homens e mulheres
antes mesmo do seu nascimento. Com a notícia da gravidez, muitas expectativas vão sendo
criadas com relação a esse novo ser. Ultimamente, tem se tornado cada vez mais popular uma
reunião familiar do tipo “chá de fraldas”, mas com objetivo de anunciar o sexo do novo bebê,
o que está sendo chamando de “chá de descoberta”. No caso de ser uma criança do sexo
feminino, os pais anunciam através de uma decoração na cor rosa, com muitos ursinhos e
elementos que compõe o “universo feminino”. No caso de ser uma criança do sexo masculino,
os pais anunciam através de uma decoração na cor azul, com muitos carrinhos e elementos
que compõe o “universo masculino”. Fica óbvia que a crença de que meninos e meninas são
diferentes, antes mesmo do nascimento, e desde já se impõe a esses um universo todo próprio
para seu sexo.
Costuma-se ouvir “Não importa o sexo, vamos amá-lo de qualquer maneira”. Convém
problematizar essa frase, já que durante muito tempo e até em certas regiões, o sexo importou
bastante. Beauvoir (1970, p.103) lembra-se dos árabes que matavam meninas em massa: mal
nasciam, eram jogadas em fossos. “Aceitar a criança do sexo feminino era um ato de livre
28
generosidade por parte do pai; a mulher só entrava nessas sociedades por uma espécie de
graça que lhe era outorgada e não por legitimidade como o homem.” (BEAUVOIR, 1970,
p.103) No Brasil, a mulher que tivesse dado à luz a uma filha mulher era vista como incapaz
de gerar um homem, como se fosse defeituosa e fraca. Belotti afirma que “este exasperado
desejo de ter filhos de sexo diferente, com nítida preferência pelos machos, não teria razão de
ser se as expectativas dos genitores não fossem tão diferentes em face dos dois sexos.”
(BELOTTI, 1985, p.23). Pois:
29
Quadro 2: Crenças populares sobre o sexo do bebê.
Crença / Costume Vai nascer um menino... Vai nascer uma menina...
Enfiar uma moeda nas costas, ...se cair por terra com a ...se cair por terra com a
sob a roupa da mãe. “cara” para cima. “cara” para baixo.
Seio da gestante. ...se o maior for o direito. ...se o maior for o esquerdo.
Aparência da gestante ...se estiver mais bela. ...se estiver mais feia.
30
Evidentemente existem inúmeras outras crenças que buscam adivinhar o sexo do bebê
antes do nascimento, todavia, uma observação rápida sobre as supracitadas já é o suficiente
para que algumas conclusões possam ser obtidas: o nascimento de um homem é sempre
amparado por aspectos positivos, de força, velocidade, atitude e beleza. Já o nascimento de
uma mulher é associado a aspectos negativos. A questão sobre o lado direito ou esquerdo
também diz muito sobre o imaginário social, já que a esquerda é historicamente entendida
como um desvio do que seria o ideal.
Se meninos e meninas vão preferir bonecas, carrinhos, bolas de futebol ou bonecos de
ação, se vão ser mais ativos ou passivos, se vão assumir personalidades de comando ou de
submissão, se vão gostar da cor rosa ou da cor azul, se vão optar pela vaidade ou não, entre
outras, tudo tem relação com o processo de socialização que ocorre, como percebido, desde
antes do nascimento e vai perdurar por toda a vida. Ainda conforme Belotti (1985) até o
processo de amamentação tem sido diferenciado, pois segundo suas observações, as mães
apresentam mais paciência com o ritmo e o comportamento dos filhos homens do que com as
filhas mulheres. Sendo um processo tão marcante no processo de identidade humana, suas
repercussões são pra vida toda.
Atualmente a própria mídia tem se encarregado de amplificar o discurso sexista que
enxerga homens e mulheres como seres diferentes, logo, com papéis diferentes também. O
sexismo está presente na mídia, ao apontar posturas e ideais esperados para cada sexo. As
autoras Zucco e Frazão (2011) investigaram as reportagens das revistas Nova e Men´s Health
de janeiro a dezembro de 2007 onde o descritor “sexo” estivesse presente nas capas. O
objetivo foi analisar os discursos sobre sexo veiculados por revistas femininas e masculinas
baseadas na hipótese de que tais revistas reproduzem discursos diferenciados para homens e
mulheres, reafirmando o sexismo cultural.
Os resultados obtidos confirmaram a hipótese, pois as revistas ancoram estudadas
ancoram seus discursos em processos biológicos e da natureza, ou seja, creditam às
identidades, feminina e masculina, aspectos inatos ou naturais que conduziriam às ações. Tal
discurso se enquadra em uma visão essencialista. Todavia, Zucco e Frazão ampliam a
discussão e utilizam como categoria analítica o construtivismo social, a saber:
31
Diferentemente do essencialismo, em que predomina o paradigma das ciências
biomédicas, o construtivismo social congrega abordagens que problematizam a
universalidade do instinto sexual. Nesse caso, a constituição do feminino e
masculino, a orientação sexual, os sentidos sexuais e a noção de experiência sexual
não são passíveis de generalização. Isso porque as identidades sexuais são tomadas
como construções das sociedades e sustentadas por um conjunto de significados
articulados a outras referências, como o sistema de parentesco, as classificações
etárias, a origem social, a raça e etnia, a religião, entre outras. Logo, a ênfase da
vertente construtivista é, na cultura, o que assegura a apreensão contextualizada das
expressões do feminino e masculino e do modo como vivem sua sexualidade.
(ZUCCO e FRAZÃO, 2011, p.148).
O sexismo foi evidenciado nessas revistas de diferentes formas, como por exemplo, o
modo de abordagem e o conteúdo que era ofertado em cada uma. Para as mulheres (na revista
Nova) a linguagem utilizada para falar sobre sexo era sempre pautada em estratégias de
interdiscurso, intertextualidade e do uso de metáforas. Não era direta. Já para os homens (na
revista Men´s Health) o diálogo era direto e claro. As conclusões de Zucco e Frazão (2011)
foram de que as relações hierárquicas de gênero não foram superadas, ainda que ambos os
periódicos apresentassem uma preocupação com a autonomia e o prazer da mulher, pois os
discursos ainda enquadravam “o sexo pelo sexo” para os homens e o “sexo por amor” para as
mulheres.
Em 2006, Daniela Araújo apresentou sua dissertação de Mestrado em Letras na
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, através do estudo denominado “As
palavras e seus efeitos: o sexismo na publicidade”. Este trabalho teve como objetivo verificar
e validar a consistência da Teoria das Implicaturas de Grice. Tal teoria é importante para
explicar os fenômenos da significação da linguagem natural, em especial, no processo de
comunicação. E, teve o objetivo de analisar as implicações e o sexismo que há por trás do
discurso publicitário, destacando que:
32
para homens conquistarem e satisfazerem mulheres de todas as formas, o contrário também,
mas não havia nada sobre o prazer entre homens para homens ou entre mulheres para
mulheres. Sobre os aspectos que a língua assume a partir da lógica da sociedade patriarcal,
estes exemplos são pertinentes:
33
2.2 Relações de poder: O “x” da questão.
Distinguir papéis sociais específicos de acordo com o sexo seria uma mera distinção
complementar onde as atividades ainda que distintas tem o mesmo valor social? Não é bem
assim. O que ocorre na prática é o estabelecimento de uma hierarquia social, afinal, se os
papéis destinados aos homens tem valor maior do que os papéis destinados às mulheres, então
se observa a composição de um sistema onde o sexo masculino acaba por assumir maior
valor, logo, maior poder, em detrimento do feminino.
É o que vai afirmar Madureira (2007) quando aponta o sexismo como uma separação
exclusiva (dualista) entre os gêneros masculino e feminino, o estabelecimento de relações de
poder desiguais e à associação de significados pejorativos em relação a um dos gêneros.
Carvalho et al (2016) também vão citar as relações de poder quando conceituam o sexismo,
pois para eles, trata-se historicamente da inferiorização das mulheres e a consequente
detenção de poderes e privilégios pelos homens.
De acordo com Quintas (2005) em uma sociedade organizada não de forma
igualitária, mas de forma hierárquica, “alguém tem que mandar e alguém têm que obedecer”.
Por isso que nas relações entre os sexos o homem se colocou historicamente como superior à
mulher. O sexismo pressupõe dualidades/dicotomias que servem bem ao propósito de uma
organização social hierárquica. Os complementos se tornam necessários no sentido de manter
a estrutura superior x inferior. Logo, se dizemos que a mulher é o sexo frágil é por que na
mesma frase estamos deixando implícito que o homem é o sexo forte. (QUINTAS, 2005)
A lógica sexista agride não apenas mulheres, mas homens também, pois ao separar
elementos, condutas, responsabilidades e tarefas por sexo através do processo de socialização,
também limita a vida de todos os homens que optam por não seguir o que seria esperado para
seu sexo. Por exemplo: um menino que decida dançar balé ao invés de jogar futebol ainda é
visto de maneira negativa pela maior parte da sociedade, pois seu interesse pela dança é
34
associado com uma possível homossexualidade e assim este passa a sofrer com pressões
constantes para que pare de dançar e escolha algo “de homem”.
Sim, os tempos são outros. Hoje já não existe a necessidade do uso da força para a
sobrevivência, pois até mesmo os trabalhos braçais que eram costumeiramente destinados
35
apenas aos homens, as mulheres já estão realizando. De acordo com Beauvoir (1970), ainda
que homens sejam maiores e mais fortes fisicamente do que as mulheres, em um contexto
onde isso não fosse utilizado para obtenção de poder, tal força masculina não seria nada além
de inútil. Assim, o que antes era uma ferramenta de dominação (a força física) hoje não pode
mais ser levado em conta para continuar alocando as mulheres à margem da sociedade.
De acordo com o dicionário digital Caldas Aulete, poder significa: 1.Estar apto, ter
competência para. 2. Ter condições físicas ou morais para. 3. Ter permissão para. Levando
esse conceito para as relações de gênero, o poder implica em poder de ação, poder de
execução, poder que é fornecido ou retirado de acordo com o sexo da pessoa. Historicamente,
mulheres nascem, vivem e morrem podendo menos do que os homens, ou seja, tendo uma
vida mais limitada apenas por terem nascido mulheres.
Os homens têm classificado as mulheres de acordo com a serventia que estas possuem
para eles. No Brasil, nos tempos do período colonial, a imagem da mulher já era representada
de acordo com os usos que os homens faziam desta. Se a mulher era escrava, então seu corpo
servia para o trabalho e para o prazer masculino. Se a mulher era branca e não era escrava,
então seu corpo deveria ser resguardado para o casamento e para a prole. Essa segregação
entre “mulher para se divertir e mulher para casar” existe até hoje no ideal machista. Trata-se
do corpo feminino que se apresenta em cores e situações sociais diversas, originando,
também, papéis diversos a serem cumpridos. (DEL PRIORE, 1992).
O homem foi colocado em uma posição tão privilegiada que fez com que as próprias
mulheres acreditassem por muito tempo que essa era a ordem natural das coisas. Inclusive,
até hoje as mulheres são convencidas de que o seu lugar é na cozinha, em casa, cuidando dos
filhos e do marido e nada mais. Em seu estudo, Quintas (2005) entrevistou mulheres de
classes sociais diferentes para avaliar suas perspectivas com relação à vida que levavam e seu
entendimento com relação ao seu papel social enquanto mulheres, e obteve relatos
interessantes como esse:
36
“Minha vida é tão simples, e tudo que aqui acontece a doutora já sabe. Sei ler muito
pouco e convivo com um pedaço do mundo. A senhora não. Tem possibilidade de
conhecer outras coisas que são importantes para a gente descobrir esse mundo que
eu não sei bem como é. Já viu pobre instruído? Mulher pobre só serve para lavar e
cozinhar. E muitas nem isso sabem fazer.” (QUINTAS, 2005, p.68)
O discurso sobre o uso dos corpos femininos e seus prazeres, imposto de cima para
baixo, sobretudo a partir do século XVII, expressa-se através de uma apologia que
lisonjeia a mulher para melhor submetê-la. (DEL PRIORE, 1992, p.16)
37
De acordo com Quintas (2005, p.174) “não ser moça de família retrata uma situação
desconfortável: moça leviana que carrega os pendores reclamados à sua inserção no quadro de
vantagens culturais.” Quintas (2005) ainda acredita que a própria mulher é cumplice da sua
submissão. No seu estudo obteve relatos de mulheres acerca dessas posições sociais distintas
entre homens e mulheres:
A liberdade é para o homem, não para a mulher. Eles podem tudo. Transam a
vontade e não são falados. A mulher não. Deve obediência. O meu companheiro
chega em casa tarde e ainda quer transar. Tenho dois filhos homens e não me
preocupo com a educação deles. Vivem por ai pintando o sete e sei que não são
condenados por conta disso. Acho ótimo não ter filha mulher. As preocupações são
outras e as dificuldades também. Só é ruim por que não tenho ninguém pra ajudar
em casa. No mais a vida é do homem. (Relato de uma participante do estudo de
Quintas, 2005, p.130)
38
Outro ponto bastante relevante que envolve as relações de poder entre homens e
mulheres é com relação à maternidade e a paternidade. As mulheres são desde sempre criadas
para vivenciarem o mundo materno, como se o fato de ser mãe fosse uma prerrogativa
feminina. Os homens não tem a mesma cobrança. O resultado disso são filhos de mães, mas
não de pais. Thurler (2004) apresenta na sua tese de doutorado em Sociologia este tema que
ainda é considerado um tabu no Brasil: a paternidade e deserção. De acordo com a socióloga,
a alta incidência de crianças brasileiras sem reconhecimento paterno em seus registros espelha
uma situação sociológica envolvendo questões políticas de cidadania e de relações sociais de
gênero, que implicam a deserção da paternidade.
Uma face do Brasil emerge do fato de uma em cada três crianças anualmente aqui
nascidas terem, em seus registros, somente filiação materna, o que não pode se
configurar como problema administrativo. Interpreto a deserção da paternidade
como um fenômeno socialmente construído – por via histórica, política e jurídica –
envolvendo questões de cidadania, de relações de gênero e de efetivação da
democracia. (THURLER, 2004, p.502).
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brasileiros desses assassinatos ainda são maiores do que os de todos os países árabes e
africanos (Instituto Avon/Data Popular, 2013, p.43).
A violência contra as mulheres é grande, pois estas ainda são consideradas como
propriedades de seus parceiros em muitos casos. Isso é tão grave, que as mortes de mulheres
por seus parceiros é quase um fato do cotidiano. Muitos grupos feministas na internet já
compartilham diariamente a frase “Quem o machismo matou hoje?” para falar e refletir sobre
a vítima do dia. Recentemente, em agosto de 2016, um executivo do Rio de Janeiro assassinou
a mulher a facadas enquanto esta dormia, jogou os filhos de sete e dez anos de idade do 18º
andar e após jogou-se cometendo suicídio. O motivo? Ele alegara ter perdido o emprego e não
teria mais como manter o padrão de vida ao qual todos estavam habituados. Ou seja, o homem
sentiu-se tão proprietário da família que se achou, inclusive, no direito de exterminá-la diante
das suas dificuldades.
O marcante deste caso, infelizmente, não está no crime cometido por ele, mas na
repercussão social. Nas mídias digitais foi possível observar uma comoção geral no sentido de
perdoar o homem pelo ato. As alegações eram de que este estava em depressão, em crise
emocional e não poderia ser julgado por quem estava de fora da situação. Porém, essa mesma
sociedade que passa as mãos na cabeça de um assassino de três pessoas não faz o mesmo
diante de uma menina/mulher que decide interromper uma gestação. Em notícias do cotidiano
que contam “Menina morre ao fazer aborto em clínica clandestina” os comentários abaixo da
notícia são sempre carregados de ódio e de sentenças que vão desde ofensas a moral da
mulher em questão até condenações com o inferno para a mesma. A sociedade perdoa o
homem, mas condena a mulher.
Evidentemente, essas relações de poder alcançam inúmeras outras variáveis. Todavia,
a proposta neste momento foi a de exemplificar como os papéis que são criados para homens
e mulheres resultam em posições sociais diferentes e hierárquicas, já que esse parece ser o “x”
da questão. As mulheres são as principais vítimas dessa dicotomia de poder, pois o feminino
ainda é entendido como mais fraco. Todavia, todos os homens que divergem do papel que lhes
foi atribuído socialmente também são, e estes também se encontram em posição de poder
inferior quando comparados aos machos da espécie que correspondem às expectativas para
seu sexo. A próxima seção vai buscar elucidar como o preconceito e a discriminação são
mecanismos de controles eficazes em perpetuar o lugar do eterno feminino e do eterno
masculino.
40
2.3 Preconceito e Discriminação: Mecanismos de controle.
O que aconteceu no caso dos judeus é que o único espaço permitido para que estes
retirassem uma fonte de lucro foi o comércio, assim, os judeus se tornaram hábeis nesse ramo
não por uma condição genética, mas por uma condição social, afinal, foram empurrados para
aquilo e naquilo se tornaram bons através da experiência. O mesmo serve para o caso da
escravidão, onde as pessoas negras foram alocadas para os serviços braçais mais pesados e
criou-se o estereótipo preconceituoso de que negros não serviriam para o trabalho intelectual.
(CROCHIK, 2011)
Pode-se ainda extrapolar esses exemplos para o caso das mulheres, consideradas como
melhores cuidadoras de crianças apenas por causa de seu sexo, quando na verdade carregam
um bebê nos braços desde a mais tenra idade nas suas brincadeiras de boneca. Ou o caso dos
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homens, considerados naturalmente melhores esportistas, quando na prática o que ocorre é
que apenas jogam mais vezes do que as mulheres durante a vida.
Relacionando estes exemplos ao objeto de estudo aqui eleito, pode-se afirmar que se
criou socialmente uma segregação onde mulheres se comportam de uma determinada maneira
e homens de outra. Então, ser mulher é ser vaidosa, brincar de bonecas, gostar da cor rosa, ser
passiva, submissa, delicada, preocupada com a imagem, cuidadosa, amorosa, dedicada aos
trabalhos domésticos, entre outros. Ser homem é o oposto disso. Não pode ser vaidoso, tem
que gostar de brincar com carrinhos e brincadeiras de aventura, gostar da cor azul, ser ativo,
galanteador, não precisa ocupar-se das tarefas domésticas, entre outros. Esses são alguns dos
estereótipos de gênero.
O problema dos estereótipos é que eles impõem uma expectativa que a maioria se
submete, justamente, por receio do preconceito e da discriminação caso não o façam. Para
Vila Nova (2010, p.66) o estereótipo, porém, sendo uma imagem preconceituosa, quando não
discriminatória, é uma representação falsa das pessoas rotuladas através dele. Todavia,
embora falsos, os estereótipos tendem a ter consequências reais nas relações sociais.
Crochik (1998) reflete sobre um dos elementos principais do preconceito, qual seja, o
fato de que ocorre a partir da atribuição de características e julgamentos a algum objeto,
através de uma percepção errônea deste, o que se basearia em um entendimento distorcido da
realidade, levando a uma conclusão sem fundamento e posteriormente, a uma pratica
discriminatória gratuita. De acordo com o Juiz Federal Roger Raupp Rios:
Assim sendo, o preconceito é o responsável por impor papéis a sujeitos antes mesmo
de que se tenham informações reais sobre aqueles sujeitos, ou seja, uma atitude
preconceituosa ocorre quando é estabelecido um pré-conceito em algo ou alguém sem levar
em conta a realidade do elemento em questão. A partir do momento onde existe um conjunto
de crenças preconceituosas, também existirão as expectativas e na ausência da sua concretude
prática, as punições, já que quando a sociedade impõe lugares para homens e mulheres, ela
42
também espera que estes não fujam destes lugares. Os que optarem pela fuga serão
considerados errados e punidos por isso. A punição vem justamente através da discriminação.
Ou seja, o preconceito se pauta no estereótipo. Quem não estiver de acordo com o estereótipo
será lido e interpretado pelo outro como anormal (preconceito) e será punido das mais
variadas formas e níveis (discriminação).
Desta maneira, quando fica estabelecido o que é aceito socialmente, o que é “normal”
ao mesmo tempo também fica implícito o que não é. Se as bonecas são consideradas como
brinquedos de meninas, então elas não serão consideradas apropriadas para meninos. E tudo
que é tido como distante do que é aceito socialmente é rejeitado pelas pessoas sem maiores
reflexões na maioria dos casos. O medo de sofrer com a censura alheia através da
discriminação é muito grande e isso molda a forma como as pessoas se comportam, se
apresentam e se posicionam socialmente.
O sociólogo norte-americano, Erving Goffman (1922 – 1982), conhecido por ter se
dedicado ao estudo das micro-relações sociais, ou seja, aquelas que acontecem na menor
unidade social, na relação de uma pessoa para a outra, apresenta na sua obra “A
Representação do Eu na Vida Cotidiana” uma resposta para a necessidade da raça humana em
colocar-se como superior aos demais. Para Goffman (2009), todos representam papéis sociais
de si mesmos, como se estivessem em uma grande peça de teatro chamada vida. Todos são
atores e representam seus próprios ideais perante os demais. Portanto, representar o papel de
superioridade é o mesmo que se colocar o mais próximo possível dos valores oficialmente
reconhecidos. Tais valores estão intrinsicamente relacionados ao sistema da sociedade
patriarcal, logo, nesta perspectiva, atender aos preconceitos sexistas é ser um membro
ajustado na sociedade. (GOFFMAN, 2009)
Todavia, atender aos padrões gerados pela expectativa pautada em preconceito é uma
tarefa difícil e conflitante para todos aqueles que ao mesmo tempo querem a sensação de
ajustamento social, mas não abrem mão de suas identidades particulares. As regras sociais de
43
gênero são maniqueístas e rígidas, mas a formação concreta do corpo humano é mais diversa
do que as regras limitantes de sexo.
Mas por que será que as pessoas não se revoltam contra os estereótipos? O sociólogo
Émile Durkheim (1858 – 1917) apresenta uma resposta interessante através do que ele vai
nomear como coerção social. Para Durkheim, não importa se as pessoas querem ou não agir
de determinada forma, pois o poder social coercitivo é exterior ao indivíduo.
O que acontece é que as pessoas não sentem tal coerção por causa da naturalização dos
fatos sociais. Ou seja, uma mulher pode nascer, viver e morrer acreditando que apenas por ser
mulher tem uma habilidade maior com as tarefas da casa e o cuidado com os filhos do que o
homem. Um homem pode passar a vida acreditando que deve ser o único provedor e protetor
da família apenas por ser homem. A coerção social só funciona porque as pessoas não a
percebem, e pelo contrário, lhe tratam como algo inerente ao seu sexo e seu gênero. Ela só é
percebida quando há uma fuga dos padrões estereotipados, quando há subversão e resistência.
É aí que o preconceito aflora e se apresenta através da discriminação.
44
Goffman) então estes buscarão sempre por se aproximarem daquilo que assume prestígio
social. Desta maneira, não transgredir as regras de comportamento é a primeira ação para ser
bem recebido socialmente. O que equivale a dizer que se existem papéis sociais distintos para
homens e mulheres, então serão valorizados aqueles que cumprirem tais papéis. Uma mulher
“de verdade” será aquela que atenderá a todos os requisitos considerados femininos. Um
homem “de verdade” será aquele que atenderá a todos os requisitos considerados masculinos.
Serão justamente esses “encaixados” no sistema que responderem positivamente aos
estereótipos e por serem valorizados por isso, lutarão para manter o status quo sexista.
O mapa do sexismo está traçado. Os sexistas serão todos aqueles que se renderam ao
preconceito, que por sua vez é a noção superficial e equivocada da realidade, e agirão de
modo a discriminar todos aqueles que não correspondem ao estereótipo esperado. Os sexistas
serão aqueles que apontarão o dedo para julgar um menino que chora “isso não é coisa de
homem”. Os sexistas serão aqueles que irão considerar as mulheres como menos capazes para
cargos de chefia “mulher é muito emotiva”. Os sexistas serão todas aquelas pessoas que
manterão atitudes de discriminação baseando-se no sexo de alguém. Existe resistência em
todos os tempos, pois a coragem é um elemento presente em muitas mentes. Tal resistência
nasce do “empoderamento”, expressão nova para uma prática antiga, e que nas palavras de
Léon (1997) significa:
45
2.4 Feminismo: Movimento de resistência.
O feminismo é um movimento político que luta por direitos iguais entre homens e
mulheres. Os estudos e movimentos feministas tiveram início no século XIX e até hoje se
dedicam a combater toda a opressão que as mulheres historicamente sofrem. Teles (1993)
reflete sobre estudos que tratam da mulher, os estudos feministas, e acredita que estes são
necessários e úteis não apenas para denunciar a situação de desigualdade entre os sexos, mas
também para que uma mudança possa ocorrer no sentido de eliminá-la.
Importante registrar algo óbvio, mas que ainda causa confusão: o feminismo não é o
contrário do machismo. O machismo impõe às mulheres uma situação de inferioridade e
obediência com relação aos homens. O feminismo não impõe uma superioridade feminina,
pelo contrário, sugere e luta por uma sociedade onde homens e mulheres possam viver em
igualdade de condições e direitos, sem hierarquias de sexo. De acordo com Machado (2008)
as manifestações feministas referem-se ao processo contínuo de reflexão e ação em busca da
libertação de homens e mulheres e reconstruções das relações de poder.
Outro aspecto importante é o argumento que algumas pessoas utilizam para questionar
a denominação do movimento feminista. Dizem elas “Mas se é pela igualdade entre os sexos
por que chamar isso de feminismo e não de HUMANISMO?”. Ocorre que o termo
“Humanismo” diz respeito a um movimento filosófico onde os humanos são considerados
como o centro do mundo em uma escala de importância. Não tem relação nenhuma com os
objetivos de igualdade entre os sexos. Ou seja, humanismo já existe e diz respeito à outra
categoria humana de interpretação da realidade. Também é preciso salientar e registrar essa
necessidade de muitos em ocultar algo que diz respeito às mulheres, ainda que de forma sútil.
Feminismo refere-se à fêmea, ao feminino, à mulher! Foi justamente por esse olhar já tardio
para a situação das mulheres que o movimento surgiu. Logo, a tentativa de nomear de outra
forma a eliminar o sentido da expressão é válida como mais uma tentativa de ocultação da
presença feminina.
O feminismo existe justamente para denunciar toda forma de sexismo, ou seja, existe
para lutar por mulheres, mas também por homens. Todavia, as mulheres se tornam o principal
foco, pois são elas as principais vítimas dos sistemas de opressão de sexo e gênero.
Acerca dos estudos de gênero, esta categoria surge no início dos anos 1980 quando as
mulheres começam a questionar as estruturas de poder e passam a elaborar uma epistemologia
que questiona as próprias bases da filosofia que sempre privilegiou os homens. Os estudos
sobre gênero, que buscam evidenciar o papel da mulher na sociedade podem contribuir para
46
uma transformação social no sentido de ampliar o entendimento humano sobre os mais
variados aspectos através da perspectiva feminina.
A nova categoria gênero criada pelas mulheres a fim de dar conta do seu papel na
história e na condição humana do fim do século XX, vem acrescentar e
complementar a categoria classe social, para dar conta da existência da opressão de
diversas naturezas postas na história. (MURARO, 2001, p.9)
Bandeira (2009) apresenta uma análise das principais ações e estratégias de resistência
desencadeadas pelo movimento feminista no Brasil, durante o período de 1976 a 2006, que
buscou erradicar a diversas formas de violência existentes contra a mulher. O ato de
resistência do movimento feminista se consolida nas “estratégias e dinâmicas de rejeição e de
lutas desencadeadas pelas mulheres contra padrões, papéis e normas de comportamentos
culturais e sociais desiguais, que lhes foram impostos e que hierarquizam os sexos”
(BANDEIRA, 2009, p.405). Dessa maneira, resistir é o mesmo que não permitir a opressão, ir
à luta pelo fim da violência contra a mulher.
47
totalmente desnecessário e inútil, e nem poderia ser diferente, haja vista ser esse movimento o
responsável por denunciar os homens no pedestal que se colocaram para olhar as mulheres de
uma posição superior. Ou seja, o movimento feminista incomoda por que estremece as bases
da sociedade patriarcal.
Bandeira (2009) traça o caminho histórico da resistência feminista e as ações nos
planos legislativo, institucional e jurídico. Percorre desde a criação da Delegacia
Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM) em 1985 até a implementação da Lei Maria
da Penha em 2006. Todavia, ainda que o feminismo tenha se empenhado na luta pelo fim das
violências contra a mulher, o caminho para a erradicação desse problema é extremamente
longo.
O movimento feminista prevê uma resistência às atitudes e ideias que coloquem a
mulher como inferior ao homem. A denúncia consiste em desnudar a realidade e
problematizá-la sempre que for necessário para demonstrar as diferenças que promovem a
desigualdade entre os sexos. Embora a resistência feminista venha lutando para desenvolver
ações nos planos legislativo, institucional e jurídico, “nas relações interpessoais, não mudaram
as lógicas que articulam os espaços privado e público: no primeiro, os homens continuam
violentos e, no segundo, eles continuam mandando”. (BANDEIRA, 2009, p.430)
48
as mulheres não, independentemente de sua formação. Assim, essa atitude sexista deu
visibilidade à disparidade entre os sexos e terminou por fortalecer as reivindicações feministas
e os movimentos feministas.
O sexismo, que, como princípio político, faz uso do discurso da diferença natural
entre os sexos para justificar as desigualdades em matéria de direitos políticos, torna-
se um problema para o regime republicano brasileiro e vira bandeira de luta dos
movimentos feministas, que dão seus primeiros passos no território nacional e em
outras partes do mundo. (NASCIMENTO, 2013, p.43)
Em 1927 o estado do Rio Grande do Norte foi o primeiro a permitir o voto feminino.
Em nível nacional isso só ocorreu em 1932, mas ainda assim apenas para as mulheres
alfabetizadas e maiores de 21 anos. Todavia, essa problematização da realidade incentivou um
desejo de emancipação feminina que ia além de poder votar. As mulheres feministas passaram
a discutir um número cada vez maior de aspectos desiguais, entre os sexos e a compreender a
educação como instrumento fundamental e caminho para garantir sua autonomia social.
Nascimento (2013) revela as táticas de convencimento do movimento feminista desse
tempo: as mulheres iniciaram suas lutas com um discurso que entrelaçava a liberdade e a
amizade, apelavam para os estereótipos que carregavam enquanto mulheres, para adquirirem o
direito de sair às ruas para cuidar dos que necessitavam (e com isso ganharam possibilidades
no mundo externo ao lar), não utilizavam do confronto direto e faziam alianças políticas e
familiares. Em síntese: não faziam nada que pudesse amedrontar os homens e ativar sua
resistência às transformações. Talvez essas realmente fossem as melhores armas do
movimento feminista da época.
O sexismo começou a ser percebido no Brasil quando as lutas pelos direitos políticos
das mulheres tiveram início. A exclusão das mulheres ao direito de votar desencadeou debates
sobre a desigualdade de gênero através dos movimentos feministas e acabou por promover
discussões e lutas por mudanças em outros aspectos da vida de homens e mulheres.
Pessoas que são contrárias ao movimento feminista apresentam argumentos baseados
em ignorância ou pura desonestidade intelectual, dado a superficialidade de suas colocações
na maioria das vezes. As análises beiram a infantilidade e parecem brincar com a inteligência
49
do leitor mais incauto. Trata-se de uma tentativa de silenciamento das pautas feministas. E
isso é realizado através de várias estratégias, desde a desmoralização de quem se considera
feminista até ameaças de morte nos casos mais extremos.
Lola Aronovich é professora da Universidade Federal do Ceará e autora do blog
“Escreva Lola Escreva”, um dos maiores blogs feministas do Brasil. Por escrever diariamente
sobre as pautas do movimento feminista, Lola é constantemente ameaçada. No ano de 2015
teve início a campanha #Agoraéquesãoelas onde colunistas homens cederam seus espaços
para que algumas mulheres pudessem publicar seu ponto de vista nos jornais e blogs
brasileiros. No seu blog, Lola já havia contado sobre as ameaças que sofria diariamente por
ser feminista. Quando assumiu a coluna de Leonardo Sakamoto no portal do UOL, falou
novamente sobre o assunto. Segue um trecho do relato da professora, publicado em oito de
novembro de 2015:
Pouco depois do começo do blog, fui apresentada aos Men’s Rights Activists, ou
MRAs, ‘defensores dos direitos dos homens’, que no Brasil se chamam
masculinistas – e que eu abreviei para o termo mascus, que se espalhou. Mascus
creem que as verdadeiras vítimas são homens héteros e brancos. Foi um choque
saber que existem homens que chamam mulheres de merdalheres e depósitos de
porra. E mascus são capazes de atrair outros homens revoltados com o fracasso de
suas vidas. Em abril de 2011, Wellington de Menezes entrou na escola municipal
que havia estudado e abriu fogo, matando dez meninas e dois meninos, no que ficou
conhecido como Massacre de Realengo. É difícil acreditar, mas Wellington é
cultuado como herói em fóruns misóginos, que sonham em produzir novos
‘guerreiros’ como ele. Um desses fóruns (chamados de Chans) é de autoria de um
mascu que, em 2012, foi preso por causa de um site de ódio em que defendia a
legalização do estupro e o estupro corretivo para lésbicas, enquanto tramava um
atentado na Universidade de Brasília para matar ‘vadias esquerdistas’. Nessa época,
por denunciar o site de ódio, fui alvo de muitas ameaças, que nunca pararam.
Mascus divulgam meu endereço residencial e estabelecem recompensas para quem
me matar (e também matar meu marido, que cometeu o hediondo crime de amar uma
feminista, e minha mãe, uma senhora de 80 anos). Já fiz vários boletins de
ocorrência contra eles, mas nunca deram em nada. O último foi em outubro, quando
mascus inventaram um novo site de ódio no meu nome. A página fake prega o
aborto, o infanticídio e a castração de meninos, e é assinado como Lola Escreva
Lola, contendo, inclusive, link para o meu currículo acadêmico Lattes. O objetivo
expresso deles vai além de manchar minha reputação. Querem que pessoas me
reconheçam na rua. E me linchem.
50
Essa violência exacerbada contra quem ousa denunciar a violência contra a mulher, a
desigualdade de gênero e o sexismo é preocupante por ser tão recorrente. O objetivo principal
parece ser silenciar quem luta por mudanças sociais. Beauvoir (1970, p.20) diz “Não nos
deixaremos, portanto, intimidar pelo número e pela violência dos ataques dirigidos contra a
mulher, nem nos impressionar com os elogios interesseiros que se fazem a ‘verdadeira
mulher’”. No caso dos elogios interesseiros, uma intenção sútil, porém eficiente, de destinar a
mulher para a beleza, o recato e o lar, tratando-se do sexismo entendido como benévolo. A
principal dificuldade de incorporar a luta sexista na pauta do dia de homens e mulheres
encontra obstáculos na demonização do movimento e na consequente ausência de diálogo
entre dominantes e dominados.
“Não pode existir um diálogo autêntico entre pessoas que se acham respectivamente
em posição de dominante e dominado; é mister que se sintam iguais. Da mesma
forma, o homem, para ouvir aquilo que a mulher tem pra dizer sobre si mesma, deve
senti-la igual a si. Mas se homem tivesse vontade de escutar aquilo que as mulheres
têm a dizer sobre si mesmas, boa parte dos problemas entre os sexos já estaria
resolvida, coisa que se acha bem longe de ser verdade.” (BELOTTI, 1985, p.7)
De acordo com Machado (2008, p.107) a epistemologia feminista busca romper com
esses modelos enraizados, contesta essa ideologia de diferenciação de papéis e propõe
categorias analíticas para desmitificar tais comportamentos aprendidos na cultura. Trata-se
então, de um movimento de luta, mas acima de tudo, de resistência.
51
2.5 Sexismo e instituições educacionais: faca de dois gumes.
Já na escola ocorre a separação das tarefas de acordo com o sexo de forma “natural”.
Meninos jogam bola, meninas brincam de pular corda, carrinhos para os meninos, bonecas
para as meninas, rosa para as meninas, azul para os meninos. Até na hora de transportar as
crianças de um lado para o outro existe separação: fila de meninos e fila de meninas. Enfim,
as crianças crescem aprendendo que meninos para serem meninos devem comportar-se de
uma determinada forma, meninas para serem meninas, de outra. A respeito dessas separações,
Bento (2011, p.550) alerta:
Como é possível afirmar que todas as crianças que nascem com vagina gostam de
rosa, de bonecas, de brinquedos que não exigem muita força, energia e inteligência?
O original já nasce “contaminado” pela cultura. Antes de nascer, o corpo já está
inscrito em um campo discursivo”.
52
principais responsáveis pelas quebras de paradigmas no espaço escolar e consequentemente,
na sociedade como um todo.
De acordo com a estrutura hierárquica tradicional de gênero, a noção de propriedade
do homem não diz respeito apenas à posse de bens materiais, mas se estende às mulheres. Ou
seja, a mulher não é vista como sujeito da sua sexualidade e do seu corpo, mas sim como
objeto/propriedade dos homens: uma mulher “honrada” seria propriedade de um único
homem, aquelas que não correspondem a tal expectativa poderiam ser “apropriadas” por todos
os homens. Por mais estranho que possa parecer a primeira vista, é comum encontrarmos no
discurso de estupradores um tom “moralizador, disciplinador” em relação ao comportamento
de mulheres que, de alguma forma é considerado desviante. (MADUREIRA, 2007, p.76)
Para Alvez e Cavenaghi (2013) as mulheres estão pouco representadas nas ciências
exatas e na liderança dos grupos de pesquisa; aumentaram as taxas de participação no
mercado de trabalho, mas ainda sofrem com a segregação ocupacional, a discriminação
salarial, além da dupla jornada de trabalho; conquistaram diversas vitórias na legislação
nacional, mas, na prática, ainda são vítimas de discriminações e preconceitos. Os autores
complementam que em termos de esperança de vida, as mulheres vivem, em média, sete anos
acima da média masculina e são maioria da população e do eleitorado. Enfim, mesmo com
muitas conquistas o caminho de uma pessoa na sociedade é dificultado se ela for mulher. Isso
sem nem citar as segregações por racismo, homofobia, transfobia, etc.
Portanto, para que a sociedade se torne mais justa no que diz respeito aos direitos e
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, é preciso ensinar as crianças desde cedo
a romper com essas barreiras simbólicas de segregação “homem faz isso, mulher faz aquilo”.
A escola apresenta-se como um local adequado para o rompimento dessas barreiras. Porém,
de acordo com Pavan (2013) historicamente, o currículo escolar legitima as identidades
hegemônicas (ocidentais, brancas, masculinas, heterossexuais...) e contribui para posicionar as
não hegemônicas como inferiores, deficitárias, patológicas, desviantes. Já para Nunes (2012) a
escola pode ser sim uma instância reprodutora das diferenças de gênero, mas, também, pode
ser um espaço transformador destas relações, na busca de superar a educação sexista ainda
presente nas escolas brasileiras.
Objetivando incentivar esse debate, a revista NOVA ESCOLA, referência nacional na
área pedagógica, trouxe na edição de Fevereiro de 2015 uma matéria extensa sobre as
questões de gênero e sexualidade. A capa da revista apresenta um menino de cinco anos
usando um vestido e uma tiara, roupas consideradas tipicamente femininas, e levanta a
questão “Vamos falar sobre ele?” Alguém mais observador notaria que a interação dos leitores
53
com a revista nas redes sociais geralmente é pouca, porém essa questão acirrou um debate que
gerou recordes de repercussão. De acordo com dados da revista, a capa, divulgada no
Facebook, chegou a 3,3 milhões de visualizações, 23 mil curtidas, 11 mil compartilhamentos
e quase 2 mil comentários. O alcance foi 31 vezes maior que o do lançamento da capa
anterior, da edição dezembro 2014/janeiro 2015, que atingiu mais de 107 mil pessoas na rede
social. Observa-se que o assunto gerou debate, porém, mais do que isso, foi vitrine para a
exposição de preconceitos e ideias sexistas, já que assustadoramente, a maioria dos
comentários feitos tinham teor discriminatório, machista e até agressivo. E o pior, esses
comentários eram feitos por professores. Buscando respostas para essa problemática, Nunes
(2012) afirma:
Romper com o ciclo androcêntrico destas representações, que se estabelece por seu
repasse geracional e naturalizante, exige dos/as professores/as desnudarem o
cotidiano escolar em outra óptica que os faça perceber as práticas sexistas nele
presentes, e para a qual concorre a inserção do estudo e do debate desta temática em
seu processo formativo. (NUNES, 2012, p.721)
54
odiado, desqualificado, ele pode ser depredado, pichado, ignorado. Diante disso pode-se
concluir que a forma como o professor trata os alunos e os valores que transmite, constituirão
as relações dos alunos com determinados papéis sociais. Isso durante sua vida poderá ser um
fator limitador, onde a criança acha que só poderá fazer aquilo que é determinado para seu
gênero, aquilo que é permitido pela cultura sexista e machista na qual está inserida. Ou pode
ser um fator libertador, onde a criança entenda que pode ser o que quiser, que ser homem ou
mulher não influencia em nada, que ela é livre para construir seu caminho.
O papel da escola é o de promover a consciência para as transformações sociais que
melhorem a qualidade de vida de todos, logo, é na escola o local onde o sexismo precisa ser
combatido, pois se não o for, estará fazendo o serviço contrário, ou seja, fomentando a sua
manutenção ao reafirmar espaços e papéis diferenciados para homens e mulheres, o que
justifica o título desta seção “faca de dois gumes” pelo poder da escola em dois caminhos
distintos, tanto podendo manter e alimentar preconceitos como de auxiliar na eliminação
destes.
55
3. CAMINHO METODOLÓGICO
56
3.1.1 Definição da amostra
Levando em conta o total absoluto de 41 cursos, a amostra seria composta por 410
participantes. Esse número foi considerado ideal para a análise quantitativa proposta, pois se
tratava de um índice representativo.
No final da fase de coleta de dados obteve-se número superior ao estimado
inicialmente, alcançando-se 476 sujeitos participantes. Todavia, a pesquisa não foi realizada
nos 41 cursos, mas em 28, ou seja, em 68% do total. As justificativas são simples:
Dessa maneira, optou-se por coletar os dados no máximo de cursos possíveis dentro do
tempo disponível. O critério para a seleção das turmas que seriam pesquisadas foi o de serem
compostas por alunos que estivessem cursando do 4º período da graduação em diante. Tal
limitação foi necessária para que alunos novatos na instituição fossem descartados da amostra,
já que o pouco tempo na posição de aluno poderia mascarar resultados. Assim sendo, a
amostra deste estudo contém 476 sujeitos universitários de 28 cursos de graduação da UFMA,
do campus São Luís, sendo 220 homens e 256 mulheres.
57
3.1.2 Elaboração do instrumento de pesquisa.
58
composto por 20 itens que medem construtos semelhantes de sexismo (benevolente e hostil),
dirigidos aos homens. Os participantes da pesquisa de Costa et al (2015) foram 258 estudantes
universitários, com idade média de 27 anos. A forma de coleta dos dados segue uma tendência
atual na pesquisa acadêmica: os formulários on-line disponibilizados pela ferramenta Google
Docs. Os principais resultados encontrados foram:
Ainda de acordo com Costa et al (2015, p.134) “Os estudos de adaptação e validação
de instrumentos de medida de preconceito, neste caso particular de preconceito sexista, são
essenciais para a avaliação das crenças e valores das pessoas.” Pois, só através do
reconhecimento desta realidade é que medidas de combate aos preconceitos poderiam ser
pensadas.
A pesquisa de Belo (2005) teve como objetivo principal conhecer em que medida os
valores humanos se correlacionam com o sexismo ambivalente e suas dimensões hostil e
benévola. Ao todo, 301 pessoas da cidade de João Pessoa – PB participaram respondendo o
ISA, adaptado por Formiga (2011), o Questionário dos Valores Básicos e cinco perguntas
sobre suas condições sócio demográficas (sexo, religião, idade, escolaridade e classe social).
O Questionário dos Valores Básicos foi desenvolvido por Gouveia (1998) e é
composto de 24 itens. Cada um dos itens é constituído por valores específicos e se apresentam
estruturados com duas frases que explicitam seu conteúdo. Exemplo: justiça social (Lutar por
menor diferença entre ricos e pobres; permitir que cada indivíduo seja tratado como alguém
valioso). A escala é estruturada em sete pontos que vão sendo apresentados de forma gradual,
sendo o 1=Totalmente não Importante e o 7=Extremamente Importante.
Aliar tais instrumentos com o questionário sócio demográfico permitiu que a pesquisa
de Belo (2005) ampliasse o entendimento geral sobre o sexismo, pois foi possível visualizar
relações entre o contexto dos participantes e suas opiniões apresentadas. Dessa forma, os
principais dados obtidos foram também sexismo benévolo e sexismo hostil que se mostram
correlacionados entre si; os homens apresentaram maior sexismo hostil; os participantes se
59
enquadravam na tríade baixa escolaridade, religião definida e classe social baixa e foram os
mais sexistas; aqueles que acreditavam em valores normativos (obediência, religiosidade)
também são altamente sexistas. Em contrapartida, os participantes que demonstraram maior
auto direção e não fixação a preceitos específicos foram menos sexistas. Belo (2005) ainda
inclui indicações de caminhos para novos estudos:
No entanto, para que programas de intervenção possam ser criados pelos estudiosos,
que se dedicam a este tema, é preciso que o sexismo seja percebido e reconhecido através de
técnicas de pesquisa que o desvelem. Para tal, Ramos et al (2013) apresentam evidências
métricas da adaptação à população portuguesa da escala de Viki et al (2003). Trata-se da
escala de cavalheirismo paternalista.
A Escala de Cavalheirismo Paternalista é composta por 16 itens que são (respondidos
da mesma forma que a ISA, em uma escala Likert de cinco pontos). Esses itens avaliam as
atitudes e crenças relativas ao cavalheirismo paternalista nas relações de cortejo e namoro (por
exemplo: É inapropriado que seja a mulher a primeira a beijar numa saída romântica).
No estudo de Ramos et al (2013) não consta nenhuma das escalas utilizadas para
visualização, no entanto, foi possível obter a versão adaptada da ISA no estudo de Formiga
(2011) e a versão original e em inglês da Escala de Cavalheirismo Paternalista no estudo de
Viki et al (2003).
Assim, o instrumento de pesquisa deste estudo é um questionário composto por três
etapas, cada uma delas sendo responsável por uma dimensão de análise. De acordo com
Santos (2015) o questionário se caracteriza por conter um conjunto de itens bem ordenados e
bem apresentados, podendo apresentar questões abertas e fechadas. Neste caso, a maioria das
questões eram fechadas.
60
Etapa 1: Sua vida
Nesta etapa os participantes deveriam responder sobre seus dados pessoais, exceto o
nome, pois a identificação de cada um foi preservada. Então, correspondiam a questões como:
Curso, sexo, idade, classe social, raça e religiosidade, além de outros aspectos como o
posicionamento político e filhos. Também foi nessa etapa que foi questionado sobre as
percepções acerca de machismos e feminismos.
Nesta etapa foi apresentado um quadro contendo 40 itens entre elementos conhecidos
pelo senso comum como “femininos” ou “masculinos”. Os participantes deveriam marcar
com um “x” a sentença de acordo com o sexo que eles considerassem correspondente a tal.
Também existia a opção “ambos” para aqueles elementos que fossem considerados como
adequados para ambos os sexos. O objetivo desta etapa era verificar o nível da percepção
sexista de cada participante. Considerou-se que uma visão igualitária entre os sexos alcançaria
maior número de marcações como para “ambos” do que específicas para cada sexo, como que
demarcando espaços sexistas. O objetivo foi o de cruzar as informações desta etapa com as
informações fornecidas na Etapa 1, com vistas a identificar (ou não) tendências e padrões de
ser e de perceber a realidade.
Esta etapa se referia a todas as questões vivenciadas pelos estudantes sujeitos deste
estudo no contexto da universidade, objetivando identificar sexismos nas concepções
profissionais, no assédio dentro da instituição e também no transporte coletivo, no trote, no
cotidiano discente com relação às limitações de acordo com o sexo e a prática de preconceitos
na forma de piadas advindas de professores. O questionário composto de três laudas foi
respondido no tempo médio de 15 minutos.
61
3.1.3 Elaboração dos documentos de autorização para pesquisa.
62
3.1.4 Contato com a instituição do estudo.
63
3.1.6 Coleta dos dados.
64
3.1.7 Tabulação e análise dos dados.
Após a coleta de todos os dados, a etapa de tabulação e análise se fez presente. Com
isso, cada variável presente em cada questão no instrumento de pesquisa foi transformada em
um dado numérico que alimentou o banco de dados formado no SPSS. A versão do programa
utilizada foi a 19. De acordo com Marôco (2011) o SPSS é o software de manipulação, análise
e apresentação de resultados de análise de dados de utilização, predominantemente nas
Ciências Sociais e Humanas desde a década de 1960 quando foi inventado. O portal virtual da
empresa que desenvolve o SPSS, a IBM, aponta Norman H. Nie, C. Hadlai (Tex) Hull e Dale
H. Bent como criadores do programa na Universidade de Stanford. Norman era cientista
social, enquanto seus outros colegas de invenção eram cientistas computacionais. Logo, o
programa foi criado diante da necessidade de analisar grandes volumes de dados oriundos das
pesquisas em ciências sociais, mas hoje é utilizado em todas as ciências em larga escala.
A criação do banco de dados deste estudo foi uma das etapas mais demoradas, pois
cada resposta em cada questão dos 476 questionários, ainda que expressa em valores
numéricos, teve de ser digitada. A partir da tabulação de todos os dados, as análises puderam
ser realizadas, o que em computação é chamado de “rodar o programa”.
65
3.2 Justificativa pela abordagem quantitativa.
66
No entanto, há problemas educacionais que para sua contextualização e
compreensão necessitam ser qualificados através de dados quantitativos. Por
exemplo, como compreender a questão do analfabetismo no Brasil, e discutir
políticas em relação a esse problema, sem ter dados sobre seu volume e a sua
distribuição segundo algumas variáveis, como gênero, idade, condição
socioeconômica, região geográfica, cidade-meio rural, etc. Os números aqui se
tornam muito importantes e suas relações também. (GATTI, 2004, p.13)
A intenção neste caso não foi de meramente contrariar a maioria, mas de utilizar a
abordagem quantitativa para que os resultados do objeto de estudo “emergissem” através da
estatística. O professor Hans Rosling, médico, acadêmico, estatístico e orador público sueco
foi personagem principal de um documentário intitulado “The Joy of Stats” em tradução livre
para o português “O prazer da estatística”. Na introdução do documentário, que data de 2010,
Hans diz “O mundo em que vivemos está repleto de dados que chovem por todos os lados.
Sozinhos, esses dados são apenas barulho e confusão. Para dar sentido a eles, achar
significado, precisamos de um ramo poderoso da ciência – a estatística. “ E completa “Com a
estatística podemos realmente entender o mundo. Graças ao incrível poder dos computadores
modernos, ela pode ser fundamental para transformar o processo de descoberta científica.”
Neste estudo a abordagem quantitativa é expressa na forma de percentuais que se
apresentam através de quadros e gráficos, de acordo com a necessidade. Gatti (2004, p.13)
lembra que “em si, tabelas, indicadores, testes de significância, nada dizem. O significado dos
resultados é dado pelo pesquisador em função do seu estofo teórico”. Ou seja, defende-se a
postura de uma abordagem majoritariamente quantitativa, mas sem abrir mão das
interpretações advindas da abordagem qualitativa, já que de acordo com Gunther (2006, p.12):
67
4. A REALIDADE ENCONTRADA: RESULTADOS E DISCUSSÕES
São Luís 41
Imperatriz 9
Chapadinha 4
Pinheiro 7
Bacabal 6
Balsas 2
Codó 3
Grajaú 2
São Bernardo 5
Total 79 cursos
Fonte:– DEOAC -2017
68
Melo (2013) realizou estudo na UFMA em nível de Mestrado sobre a participação
feminina nos cursos da área das ciências exatas da instituição. Com isso, obteve dados sobre o
número de matrículas de homens e mulheres nos cursos de graduação da UFMA em 2010.
Transcorridos sete anos, solicitou-se ao DEOAC, que cedeu as informações à Melo que
atualizasse as mesmas, para fins de comparação das presenças feminina e masculina, nas
diferentes áreas de estudo ofertadas pela instituição. A Tabela 2 apresenta estes dados:
Fontes: Dados de 2010 obtidos através do DEOAC e disponíveis no estudo de Melo (2013). Dados de
2017 obtidos através do DEOC especificamente para este estudo.
Observa-se que com relação ao número de cursos por centro não houve grandes
alterações, pelo contrário, eles se mantiveram em números semelhantes no período de
referência. A participação masculina está distribuída entre todos os centros, mas assume
predominância apenas no centro de ciências exatas, pois nos demais são as mulheres que se
apresentam em maior número, com destaque para o centro de ciências sociais.
Atualmente, mesmo que o número de mulheres tenha praticamente dobrado na área
das ciências exatas, isso significa uma evolução de apenas 5% da participação feminina nestes
cursos nos últimos sete anos. Ainda que os homens não sejam maioria nos demais centros,
estão presentes em números similares às mulheres, logo, o único ponto de separação relevante
da presença masculina e feminina ainda é nos cursos de exatas, historicamente considerados
como “masculinos”.
A Tabela 3 apresenta o quantitativo geral de discentes regulares por sexo e curso na
UFMA (campus São Luís) no ano de 2017, assim como a demarcação da predominância do
sexo em cada curso de graduação.
69
Tabela 3: Quantitativo geral de discentes regulares por sexo e curso na UFMA.
Sexo
Centro Curso Predominância
Homem Mulher
Filosofia 174 136 Masculina
História 177 136 Masculina
Letras/Libras 22 62 Feminina
Letras 115 252 Feminina
Teatro 85 90 Equilibrado
Geografia 200 124 Masculina
CCH
Psicologia 107 267 Feminina
12 cursos
Música 173 49 Masculina
Estudos Africanos 43 41 Equilibrado
Artes Visuais 67 127 Feminina
Educação Artística 5 24 Feminina
Ciências Sociais 120 162 Feminina
Total 1.163 1.470 Feminina
Hotelaria 89 177 Feminina
Pedagogia 77 503 Feminina
Serviço Social 19 293 Feminina
Turismo 89 164 Feminina
Ciências Econômicas 267 146 Masculina
CCSO Comunicação Social 179 246 Feminina
11 cursos Direito 541 411 Masculina
Biblioteconomia 87 194 Feminina
Ciências Contábeis 213 143 Masculina
Ciências Imobiliárias 117 38 Masculina
Administração 201 160 Masculina
Total 1.879 2.475 Feminina
Física 142 50 Masculina
Engenharia Química 150 137 Equilibrado
Matemática 182 69 Masculina
Química 135 126 Equilibrado
Engenharia Elétrica 321 72 Masculina
CCET
Química Industrial 107 82 Masculina
10 cursos
Ciência da Computação 350 40 Masculina
BCT 869 295 Masculina
Desenho Industrial 4 3 Equilibrado
Design 115 145 Feminino
Total 2.375 1.019 Masculina
Nutrição 35 179 Feminina
Medicina 347 232 Masculina
Oceanografia 96 109 Equilibrado
Ciências Biológicas 118 238 Feminina
CCBS
Educação Física 241 107 Masculina
8 cursos
Enfermagem 82 328 Feminina
Farmácia 132 203 Feminina
Odontologia 103 181 Feminina
Total 1.154 1.577 Feminina
Total: 41 cursos 6.631 6.438 Equilibrado
Fonte:– DEOAC -2017
70
O total de cursos apresentados na Tabela 3 é de 41 cursos. Convém ressaltar que
alguns cursos oferecem habilitações diversas, tais como, o curso de Letras que abrange os
cursos de: Letras Espanhol, Letras Francês e Letras Inglês. O curso de Comunicação Social as
habilitações: Jornalismo, Rádio e TV e Relações Públicas. E ainda existem ofertas de
licenciaturas e bacharelado, como é o caso, por exemplo, do curso de Educação Física, que
apresenta essas modalidades. Entretanto, não consideramos conveniente destacá-los.
Através da organização dos dados na Tabela 3 é possível observar que de maneira
geral os números apontam para um equilíbrio da presença de matrículas de homens e
mulheres na instituição. Todavia, a predominância feminina não se estende aos cursos de
exatas, sendo o único curso de maioria feminina no CCET o de Design. Os cursos onde a
predominância é masculina são: Filosofia, História, Geografia, Música, Ciências Econômicas,
Ciências Contábeis, Ciências Imobiliárias, Direito, Administração, Medicina e Educação
Física. Já nos cursos de exatas não há um único curso onde a predominância seja feminina,
mas metade destes apresenta uma relação de equilíbrio (considerada em uma diferença de até
10%) na presença de homens e mulheres.
Os cursos das exatas onde os homens são maioria absoluta são: Física, Matemática,
Engenharia Elétrica, Ciência da Computação, e Bacharelado em Ciência e Tecnologia (BCT).
Os cursos de humanas, sociais e biológicas onde as mulheres são maioria absoluta são: Letras,
Pedagogia, Serviço Social, Biblioteconomia, Nutrição e Enfermagem.
71
Tabela 4: Predominância masculina e feminina dos sujeitos do estudo.
De posse desses dois indicadores, foi possível comparar a amostra participante com a
população geral, visando estabelecer um índice de concordância entre a realidade pesquisada e
o contexto maior na qual está inserida. Assim, dos 28 cursos participantes deste estudo, 16, ou
seja, 57% destes demonstraram concordância entre a distribuição de sexos da amostra e do
contexto. Com essa informação, ressalta-se a validade da amostra em ser uma representação
aproximada de seu universo pertencente.
72
4.3 Contextualização: Perfil dos participantes do estudo.
73
4.4 “Isso é coisa de homem e aquilo é coisa de mulher”
Nesta seção serão apresentados os resultados obtidos na etapa dois e a relação destes
com os dados da etapa um, a fim de proporcionar a correlação destas variáveis e um maior
entendimento do todo.
Tabela: 5: Percentual geral dos itens marcados na etapa 2 do instrumento de pesquisa:
Itens Homens Mulheres Ambos
1. Dirigir. 1% 0% 99%
2. Cozinhar. 0% 3% 97%
3. Racionalidade. 3% 1% 96%
4. Emoção. 0% 10% 90%
5. Objetos, roupas e acessórios na cor rosa. 0% 16% 84%
6. Objetos, roupas e acessórios na cor azul. 8% 0% 92%
7. Limpar a casa. 0% 2% 98%
8. Cuidar dos filhos. 0% 2% 98%
9. Estudar Ciências Exatas. 2% 0% 98%
10. Estudar Ciências Humanas. 0% 1% 99%
11. Estudar Ciências Biológicas. 0% 1% 99%
12. Estudar Ciências Agrárias. 1% 0% 99%
13. Estudar Ciências Sociais. 0% 1% 99%
14. Jogar futebol. 8% 0% 92%
15. Brincar de carrinhos. 21% 0% 79%
16. Brincar de casinha. 0% 26% 74%
17. Sair para beber com os amigos. 5% 0% 95%
18. Sair para dançar com os amigos. 2% 3% 95%
19. Tomar a iniciativa na paquera. 13% 1% 86%
20. Pagar a conta do restaurante. 10% 0% 90%
21. Pagar a conta do motel. 16% 1% 83%
22. Ser consumista. 1% 7% 92%
23. Ser econômico. 6% 2% 92%
24. Ser um líder. 5% 2% 93%
25. Usar maquiagem. 1% 45% 54%
26. Fazer as unhas. 1% 17% 82%
27. Usar saia. 0% 61% 39%
28. Usar calça. 1% 0% 99%
29. Cabelos curtos. 5% 0% 95%
30. Cabelos longos. 0% 11% 89%
31. Sustentar a casa. 4% 0% 96%
32. Gostar de sexo. 2% 0% 98%
33. Assistir filmes e vídeos eróticos. 10% 1% 89%
34. Sonhar com o casamento. 0% 11% 89%
35. Fazer fofoca. 1% 9% 90%
36. Gostar de crianças. 0% 2% 98%
37. Gostar de matemática. 3% 0% 97%
38. Gostar de português. 0% 2% 98%
39. Gostar de esportes. 4% 0% 96%
40. Dançar. 0% 4% 96%
Fonte: Nossa autoria.
74
Na etapa 2 do instrumento de pesquisa foi exibido aos alunos uma lista com 40 itens,
exatamente como seguem dispostos na Tabela 5. Para responder essa lista, o enunciado
orientava “Diante dos itens apresentados, marque com um x aquilo que, em sua opinião, você
considera como coisa de homem, de mulher, ou de ambos os sexos.” Sendo assim, cada item
exposto na Tabela 5 corresponde a um objeto ou comportamento historicamente declarado
como pertencente ao universo feminino ou masculino. Por exemplo, no item 1 “dirigir”, 1%
dos participantes marcou como sendo algo para homens, ninguém marcou como sendo algo
para mulheres e 99%, a maioria absoluta, marcou se tratar de uma coisa para ambos os sexos,
logo, a conclusão acerca deste item é que a maior parte dos sujeitos deste estudo não percebe
o ato de dirigir como inerente a esse ou aquele sexo, mas algo para todas as pessoas. Observa-
se então uma visão não sexista sobre esse ponto, mas que nem sempre foi assim. No Brasil,
demorou até que as mulheres fossem entendidas como capazes para conduzir um veículo. Até
hoje é comum a frase “Mulher no volante, perigo constante”. Em alguns lugares do mundo,
como a Arábia Saudita, em pleno ano de 2017 as mulheres ainda são proibidas de dirigir, e
mesmo no Brasil, uma mulher taxista, por exemplo, é vista com admiração por uns e por
desconfiança por outros, mas poucas vezes entendida como apenas mais um motorista, como
qualquer homem seria. Essa contextualização foi importante para que a presença de cada item
da etapa 2 seja compreendida como objeto de análise de percepções sexistas ou não.
Desta maneira, a primeira análise dos dados desta Tabela 5 constata que em geral, a
maioria dos estudantes sujeitos deste estudo considera que os itens apresentados são inerentes
a ambos os sexos, não discriminando entre “coisas de mulher e coisas de homem”, pois a
maioria dos itens foi marcado para ambos os sexos em um percentual superior a 90%.
Ocorre que essa visão geral sobre os percentuais obtidos omite informações
importantes que só podem ser observadas por uma ótica mais específica. Logo, a conclusão
direta ao afirmar “Os universitários que responderam esse estudo não tem visão sexista na
maioria dos casos. Fim” seria superficial e irresponsável, pois diante de tantos dados, o objeto
de estudo não poderia limitar sua análise a quantitativos gerais e genéricos, mas precisava ir
além e executar o que preconiza a prática em investigação científica: olhar o objeto de todas
as maneiras possíveis até compreender como o todo se articula entre si.
Assim sendo, a primeira atitude tomada foi o direcionamento do olhar para a mesma
Tabela 5, mas de uma maneira mais específica, demarcando os itens que apresentaram índice
para “ambos” de valor igual ou inferior a 90%, o que para fins didáticos, é demonstrado
melhor na Tabela 6, já demarcada nos itens de análise.
75
Tabela 6: Percentuais mais elevados na etapa 2 do instrumento de pesquisa.
Itens Homens Mulheres Ambos
1. Dirigir. 1% 0% 99%
2. Cozinhar. 0% 3% 97%
3. Racionalidade. 3% 1% 96%
4. Emoção. 0% 10% 90%
5. Objetos, roupas e acessórios na cor rosa. 0% 16% 84%
6. Objetos, roupas e acessórios na cor azul. 8% 0% 92%
7. Limpar a casa. 0% 2% 98%
8. Cuidar dos filhos. 0% 2% 98%
9. Estudar Ciências Exatas. 2% 0% 98%
10. Estudar Ciências Humanas. 0% 1% 99%
11. Estudar Ciências Biológicas. 0% 1% 99%
12. Estudar Ciências Agrárias. 1% 0% 99%
13. Estudar Ciências Sociais. 0% 1% 99%
14. Jogar futebol. 8% 0% 92%
15. Brincar de carrinhos. 21% 0% 79%
16. Brincar de casinha. 0% 26% 74%
17. Sair para beber com os amigos. 5% 0% 95%
18. Sair para dançar com os amigos. 2% 3% 95%
19. Tomar a iniciativa na paquera. 13% 1% 86%
20. Pagar a conta do restaurante. 10% 0% 90%
21. Pagar a conta do motel. 16% 1% 83%
22. Ser consumista. 1% 7% 92%
23. Ser econômico. 6% 2% 92%
24. Ser um líder. 5% 2% 93%
25. Usar maquiagem. 1% 45% 54%
26. Fazer as unhas. 1% 17% 82%
27. Usar saia. 0% 61% 39%
28. Usar calça. 1% 0% 99%
29. Cabelos curtos. 5% 0% 95%
30. Cabelos longos. 0% 11% 89%
31. Sustentar a casa. 4% 0% 96%
32. Gostar de sexo. 2% 0% 98%
33. Assistir filmes e vídeos eróticos. 10% 1% 89%
34. Sonhar com o casamento. 0% 11% 89%
35. Fazer fofoca. 1% 9% 90%
36. Gostar de crianças. 0% 2% 98%
37. Gostar de matemática. 3% 0% 97%
38. Gostar de português. 0% 2% 98%
39. Gostar de esportes. 4% 0% 96%
40. Dançar. 0% 4% 96%
Fonte: Nossa autoria.
Apenas com esse segundo recorte para análise, muitas constatações já se fazem
possíveis: Dos 40 itens apresentados, 14 foram marcados de forma mais frequente como
sendo algo especificamente para homens ou para mulheres: emoção, objetos na cor rosa,
brincadeiras com carrinhos e bonecas, iniciativa na hora da paquera, pagar a conta do
76
restaurante e do motel, usar maquiagem, fazer unhas, usar saia, ter o cabelo longo, assistir
vídeos e filmes eróticos, sonhar com o casamento e fazer fofoca.
Assim sendo, pode-se afirmar que com relação a esses itens, uma visão sexista dos
universitários deste estudo fica mais evidente, pois um percentual importante destes acredita,
por exemplo, que emoção é algo para mulheres (10%), mas ninguém marcou este item como
sendo algo exclusivo dos homens. Sendo 476 o número total de participantes deste estudo,
esses 10% correspondem a aproximadamente 47 universitários, entre homens e mulheres, que
acredita que a emoção é algo relacionado ao universo feminino e não ao masculino.
O entendimento dessas percepções enseja a reflexão sobre o imaginário social acerca
dos estereótipos de gênero que os universitários possuem. Estereótipos esses que fomentam
preconceitos e ganham vida nas mais diversas formas de discriminação. Desta maneira, dos 40
itens apresentados, foram 14 os mais marcados como sendo pertencentes a esse ou aquele
sexo, todavia, destes 14, seis se destacaram pelos altos percentuais de marcação. São eles:
1º. Usar saia: 61% marcou esse item como “coisa de mulher”.
2º. Usar maquiagem: 45% marcou esse item como “coisa de mulher”.
3º. Brincar de casinha: 26% marcou esse item como “coisa de mulher”.
4º. Brincar de carrinhos: 21% marcou esse item como “coisa de homem”
5º. Fazer as unhas: 17% dos participantes marcou esse item como “coisa de mulher”.
6º. Objetos na cor rosa: 16% marcou esse item como “coisa de mulher”.
Esses percentuais obtidos indicam mais do que itens mais frequentes em si, mas
contém representações importantes sobre elementos exclusivos de mulheres e homens. Nesse
caso, foi mais frequente o registro de elementos femininos do que masculinos, ou seja,
reforça-se a ideia de que o que é “de homem” pode ser algo estendido às mulheres, sem
maiores conflitos. Todavia, o que é “de mulher” demarca um espaço único, no qual os homens
não podem apropriar-se, pelo menos não se quiserem manter a sua masculinidade e o seu
valor social. Os outros itens mais marcados como “masculinos” foram: pagar a conta do motel
(16%), tomar a iniciativa na paquera (13%), pagar a conta do restaurante (10%) e assistir
vídeos e filmes eróticos (10%).
Essa implicação de elementos femininos pode ser relacionada com a alta taxa de
preconceitos e discriminação que as mulheres travestis, transexuais e transgêneras sofrem na
sociedade. Afinal, se a fronteira entre o feminino e o masculino é tão bem definida, aqueles
77
que ousam ultrapassá-la são objeto de todo tipo de ódio e punições por quem apresenta uma
mentalidade sexista.
Segundo pesquisa realizada pela organização não governamental Transgender Europe
(TGEU), e publicada pela Agencia Brasil, o Brasil é o país que mais mata travestis e
transexuais no mundo. De acordo com os dados, entre janeiro de 2008 e março de 2014 foram
registradas 604 mortes no país.
O Grupo Gay da Bahia (GGB), também realiza pesquisas que mensuram a violência
contra a população LGBT, sendo a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos
homossexuais e transexuais no Brasil. De acordo com o GGB, 2016 foi o ano mais violento
para a população LGBT nas últimas três décadas, (nos últimos 37 anos precisamente, desde
que o grupo começou a contabilizar os casos que tinha conhecimento) sendo registradas 343
mortes apenas em 2016, e destas, 144 foram mortes de travestis e transexuais, ou seja, uma a
cada três dias. A baixa expectativa de vida dos transexuais e transgêneros é também algo
preocupante, pois, enquanto a expectativa de vida brasileira é de 75 anos, a dos travestis é de
apenas 35. No relatório de 2016 do GGB outro dado é ainda mais assustador: Matam-se mais
homossexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e da África onde existe pena de
morte para lésbicas, gays, bissexuais e transexuais.
De acordo com o GGB (2016), as travestis geralmente são assassinadas a tiro ou
espancadas na rua, enquanto que os gays são mortos dentro de casa. Isso ocorre, pois os
travestis e transexuais são mortos quando em exposição durante a atividade de prostituição,
enquanto os gays, bissexuais e lésbicas sofrem violência, que muitas vezes culmina em morte,
pela própria família. Exemplos disso não faltam, e a maioria dos crimes é seguido de uma
impressionante crueldade, como o caso da travesti Dandara que em março de 2017 foi
espancada, apedrejada e morta a tiros no Ceará, tudo isso na rua e à luz do dia, enquanto os
seus agressores filmavam, sorriam e ironizavam “Ela tá até de calcinha!”. Ou o caso de
Itaberli Lozano, de 17 anos, homossexual, que em dezembro de 2016 foi morto em casa com
três facadas no pescoço desferidas pela própria mãe, e depois queimado e jogado em um
canavial. Para a polícia, a mãe e algoz de Itaberli, disse que “não aguentava mais” o filho.
Aqueles que não correspondem com a performance de gênero esperada, ou seja,
homens que se comportam e se vestem “como mulheres” e mulheres que se comportam e se
vestem “como homens” são os maiores alvos do preconceito e da discriminação.
78
A desestabilização provocada por sua performance de gênero, constantemente
associada a um conjunto de estereótipos negativos sobre a homossexualidade em
geral, torna as travestis as vítimas preferenciais de violência homofóbica em
diferentes contextos. Nesse sentido, o grau de exposição a atos violentos separa
muito nitidamente diferentes categorias – gays, lésbicas e travestis - frequentemente
agrupadas sob a genérica rubrica de “homossexuais”. (CARRARA e VIANNA,
2006, p.234)
Carrara e Vianna (2006) apontam que o descaso policial em investigar os crimes com
mais detalhes é comum, e o arquivamento dos processos sem identificação dos culpados
também é uma prática recorrente. Citam apenas dois casos onde o Ministério Público
contrariou o relatório do delegado responsável, já que “enquanto este afirmava que as
possibilidades de diligência haviam se esgotado, o promotor argumentou que muitas
alternativas ainda não haviam sido exploradas e que era só uma questão de querer”.
O outro promotor que se mostrou indignado com a ausência do trabalho policial,
mencionou o desinteresse da Policia Civil em apurar os crimes, pois neste caso em questão,
uma travesti foi morta a tiros e nem o depoimento das testemunhas foi tomado. (CARRARA e
VIANNA, 2006). Ou seja, na maioria das vezes, nem os procedimentos mínimos de
investigação são realizados quando se trata da morte de travestis.
De modo geral, os dados revelaram que o tipo de violência letal que incide sobre
travestis, bem como o perfil sociológico desse tipo de vítima, é bem diferente da que
tende a atingir outros homens não heterossexuais. Tomando como base a
classificação de cor atribuída por policiais e médicos legistas, pode-se sugerir que
entre as travestis vitimadas há predominância de negros e pardos, indicativo de seu
pertencimento aos estratos mais pobres da sociedade brasileira, enquanto entre os
gays, ou seja, homossexuais que não exibem tão claramente as marcas de sua
“diferença”, predominam indivíduos classificados como brancos, com alta
escolaridade e oriundos das camadas médias urbanas. (CARRARA e VIANNA,
2006, p.235).
79
“O que chama atenção são os requintes de crueldade. Nós sabemos que pra matar
uma pessoa só necessita ás vezes de um golpe, uma facada ou um tiro. Mas nas
pessoas trans, esse número se eleva. São vítimas às vezes de 100 facadas...” Paula
Benett – Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil.
“Esse histórico que é a nossa infância, essa dificuldade que a gente tem de adentrar
nas escolas, por que são poucas as meninas que tem essa coragem de pegar um tapa
de um amigo, de pegar um tapa com palavras de um professor e voltar naquele outro
dia, e voltar no segundo dia, e são quatro anos, mais quatro....é difícil. Quando a
gente põe pra fora, pra vivenciar nossa transexualidade, são poucas que conseguem
vivenciar uma vida ‘digna’, um emprego mais cômodo, um emprego formal.
Portanto, quando aquele pai expulsa a gente de casa, o caminho que tem é viver na
rua e viver na rua você está sujeito a todo tipo de agressões, e viver na rua como uma
mulher transexual ou travesti, triplica essas situações de agressões”. Bianca Moura –
Representante da Articulação Nacional de Travestis, Transexuais e Transgêneros.
Com relação ao relato de Bianca Moura, o portal on-line do senado brasileiro aponta a
discriminação como principal responsável pela evasão escolar dos travestis e transexuais,
impedindo o acesso a empregos de qualidade e reservando a prostituição como única fonte de
renda possível para 90% das transexuais brasileiras.
80
Então, primeiro foi contabilizado o número de marcações de cada sujeito
individualmente, depois, todos os dados foram somados de acordo com cada curso e a média
obtida, já retirados os valores extremos em cada caso. Assim sendo, no gráfico abaixo é
apresentada a média geral obtida em cada curso participante.
Filosofia 1
Teatro 1
História 1
Artes Visuais 2
Estudos Africanos 2
Letras 2
Psicologia 2
Comunicação Social 2
Serviço Social 2
Oceanografia. 3
Física 3
Química Industrial 3
Ciências Econômicas 3
Administração 4
Matemática 4
Engenharia Química 4
Música 4
Pedagogia 4
Direito 4
Letras/Libras 4
Hotelaria 5
Turismo 5
Química 6
Engenharia Elétrica 6
Geografia 6
Ciências Contábeis 7
Biblioteconomia 8
Ciências Imobiliárias 10
A partir do gráfico que apresenta a média geral de pontos obtida em cada curso, é
possível notar que em geral os dados são animadores na maioria dos casos, como por
exemplo, nos cursos de Filosofia, Teatro e História onde em média apenas um item foi
marcado como pertencente a um sexo específico (no caso, usar saia) e os demais foram
81
marcados como pertencentes a ambos os sexos, sendo então considerados neste ponto como
os menos sexistas da amostra. Também de acordo com esse viés, os cursos onde os sujeitos
foram mais sexistas foram Ciências Imobiliárias, Biblioteconomia e Ciências Contábeis, indo
na contramão da expectativa inicial que hipotetizava ser os cursos da área das ciências exatas.
O gráfico a seguir apresenta apenas o percentual por curso de participantes que obtiveram
“total 0” na etapa 2, ou seja, que dos 40 itens apresentados marcaram a opção “ambos” para
todos eles.
Gráfico 2: Percentual por curso de acordo com os sujeitos que obtiveram total 0 na etapa 2.
Letras / Libras 8%
Ciências Contábeis 9%
Engenharia Química 12%
Engenharia Elétrica 13%
Hotelaria 14%
Turismo 17%
Geografia 18%
Ciências Imobiliárias 18%
Biblioteconomia 20%
Física 25%
Química Industrial 25%
Direito 27%
Administração 28%
Pedagogia 28%
Química 29%
Serviço Social 31%
Música 32%
Letras 38%
Estudos Africanos 40%
Psicologia 43%
Comunicação Social 50%
Ciências Econômicas 50%
Matemática 50%
Artes Visuais 55%
Oceanografia 55%
Teatro 65%
História 67%
Filosofia 74%
82
Mais uma vez se observa que os cursos de Filosofia, História e Teatro foram onde os
sujeitos demonstraram uma visão não sexista na maioria das vezes. Filosofia aparece com
74% dos alunos participantes marcando todos os itens da etapa 2 como sendo pertencentes a
ambos os sexos. História e Teatro chegam logo em seguida com 67% e 65% respectivamente.
Os cursos com percentuais mais baixos, ou seja, com menor número de alunos obtendo total 0
na etapa 2, foram Letras/Libras e Ciências Contábeis com apenas 8% e 9% respectivamente.
Ao todo, o número de participantes que obteve total 0 foi 160, ou seja, 34% da amostra total
composta por 476 sujeitos. Sobre estes, mais detalhes serão observados na sequência.
Por outro lado, muitos sujeitos alcançaram pontos bem acima do máximo encontrado
no curso considerado mais sexista (que obteve 10 pontos). Foram muitos os sujeitos que
marcaram a opção “ambos” para todos os 40 itens, mas também foram muitos os que
distribuíram “x” entre elementos distintos para homens e mulheres de forma muito frequente.
Nenhum sujeito da pesquisa atingiu o valor máximo de 40 pontos, mas muitos atingiram 15,
20, 25, até 37 pontos na etapa 2, sendo considerados extremamente sexistas. Dessa maneira,
conhecer estes sujeitos foi necessário para que a relação entre suas percepções e seus perfis
pudesse ser estabelecida e, talvez padrões e tendências pudessem ser reconhecidos.
Assim sendo, o próximo quadro apresenta muitas informações relevantes para análise
que foram concentradas no mesmo local para fins de comparação. A primeira coluna
“Categorias” apresenta todas as questões da primeira etapa do instrumento de pesquisa. A
segunda coluna “características” apresenta todas as possibilidades de respostas para as
perguntas da primeira coluna. A terceira coluna, denominada apenas como “G” apresenta os
dados equivalentes a média geral de respostas de todos os 476 participantes deste estudo. A
quarta coluna, apresentada como “T-0” significa total zero e então, apresenta a média de
respostas daqueles 160 participantes que obtiveram valor 0 nas respostas da etapa 2. As
colunas +10, +20, e +25 significam o aprofundamento da análise na busca por respostas mais
completas. Após o levantamento dos dados de forma geral, depois de quem obteve total 0,
chegou a vez de conhecer quem foram os sujeitos que obtiveram mais de 10 pontos na etapa 2
(+10), que correspondem a 62 pessoas. Com vistas a ampliar a discussão, novo recorte foi
dado, agora apenas com quem obteve mais de 20 pontos na etapa 2 (+20), que correspondem a
13 pessoas. E um último corte de análise foi dado, desta vez com apenas os sujeitos que
fizeram mais de 25 pontos (+25) que correspondem a sete sujeitos deste estudo.
83
Tabela 7: Características dos sujeitos e o percentual de respostas em cada corte de análise.
84
aos estereótipos de gênero”. Os autores citam como exemplo, as seguintes categorias: religião,
estado civil e escolaridade dos pais, renda familiar, cor da pele, tabagismo, uso de bebidas
alcoólicas e de drogas, antecedentes de violência, entre outros. Costa et al (2014, p.128)
indicam que “atitudes sexistas, tem sido fortemente associadas a valores sociais
convencionais, religiosidade, tendência política, e a outras desigualdades sociais”. Portanto,
neste estudo, buscou-se abranger tais categorias da maneira mais ampla possível, a fim de
compreender o fenômeno de forma também mais ampla. As Categorias elencadas foram:
sexo, classe social, religiosidade e religião, posição política, machismo e feminismo.
85
Gráfico 3: Categoria "sexo" dos participantes e o sexismo.
Sexo
80%
69%
70%
60%
54% 57%
53% 55%
50%
47% 45%
46% 43%
40% Homens
Mulheres
30%
31%
20%
10%
0%
Geral Total 0 10 20 25
Fonte: Nossa autoria.
Belotti (1985, p.13) registra que é nas camadas menos evoluídas da população que os
estereótipos femininos e masculinos são mais acentuados e não se toleram as variações que o
sexismo assume um peso ainda maior. Filho, Eufrásio e Batista (2011, p.563) ao pesquisarem
sobre sexismo, não encontraram nos seus resultados a relação entre classe social e níveis de
sexismo mais acentuado, pelo contrário, de acordo com os autores “é possível que o resultado
encontrado indique que os estudantes de escolas de bairros mais abastados sejam mais
estereotipados que os demais”
Em março de 2017, Mario Sergio Cortella, professor universitário, filósofo e educador,
em entrevista ao programa “Mariana Godoy Entrevista” assim fala sobre a relação entre
machismo e nível econômico e cultural da população:
Apresentadora: De acordo com o Mapa da Violência de 2015, o Brasil tem uma taxa
de homicídio de quase cinco mulheres por 100 mil habitantes (é o 5º no ranking
mundial). Os primeiros países, com exceção da Rússia, são: El Salvador, Colômbia e
Guatemala e o próprio Brasil, são países latinos. Isso significa alguma coisa?
86
Cortella: Significa que são países colonizados, acima de qualquer coisa, mais do que
apenas latinos. São países em que a gente tem a ideia da posse da mulher como
sendo algo da naturalidade. São histórias de colonização em que de um lado o
apresamento e a mortandade da população local indígena foi um fato, em segundo
lugar a escravatura trazida da África a força, trazendo também pessoas como sua
propriedade foi outro fato. Se observar, nós temos ai uma série de nações, entre essas
que você mencionou que tiveram ou trabalho escravo ou genocídio e, portanto,
colocar as mulheres em uma posição de propriedade não foi algo tão estranho.
Também são nações muito pobres em relação ao seu desenvolvimento social, não a
base econômica, o Brasil é uma das oito economias mais poderosas do planeta. Não
é a riqueza material que explica o machismo, é a pobreza cultural, isto é, a
incapacidade de olhar isso de outra maneira.
Cortella: Em boa parte, mas não exclusivamente. Por exemplo, a nação norte-
americana que tem índices econômicos altos, ela também tem uma taxa muito alta de
violência contra as mulheres. Se você observa algumas nações onde existem
indicadores em que a educação é quase exemplar, como é o caso do Japão, ainda
assim nós não deixamos de ter situações em que a mulher está secundarizada. [...]
Não há essa relação tão direta, mas a influência da má educação escolar ela é muito
forte, haja vista que no Brasil, os estados que tem os índices mais agressivos são
aqueles onde existe uma redução da escolaridade.
87
maneira geral, 20% dos estudantes desta amostra participam dos grupos de pesquisa. Do
recorte total 0 esse número sobe para 28%, já do recorte +25 o número cai para 8%, ou seja,
os alunos menos sexistas foram também aqueles que mais participam dos grupos de pesquisa,
e os alunos mais sexistas foram aqueles que menos participam dos mesmos espaços, logo,
comprova-se a tese de que mais conhecimento = menor nível de preconceito.
Com relação à classe social, os resultados deste estudo não apresentaram diferença
significativa entre classe social e níveis mais elevados de sexismo, pois tanto aqueles que
obtiveram total 0 quanto os sujeitos do último corte + 25 seguem na mesma média percentual.
Logo, ser mais pobre ou mais rico, de acordo com os estudantes dessa amostra, não teve
relação direta com ser mais ou menos sexista.
De acordo com dados do Censo de 2010 realizado pelo IBGE, 65% dos brasileiros se
declara católico, 22% evangélico, 2% espíritas, e 8% declaram não praticar religião alguma.
Os praticantes da Umbanda, Candomblé e outras religiosidades são 3%. Atualmente, o Brasil
é o país com o maior número de católicos do mundo, todavia, com o passar dos anos, o
catolicismo tem perdido fiéis para as religiões evangélicas. O percentual de evangélicos saltou
de 9% em 1991 e hoje está em 22%, um crescimento bastante significativo, assim como a
queda do número de católicos, que passou de 83% da população em 1991 para 65% nos dias
atuais. (IBGE, 2010).
A relação da religião com normas sexistas é ponto conhecido. Del Priore (1992) na sua
obra “A mulher na história do Brasil” retrata a igreja, principalmente a católica, como
instituição normatizadora de costumes dicotômicos para homens e mulheres. Logo, em nome
da constituição da família ideal, o homem deveria fazer o papel de provedor e a mulher de
cuidadora do lar e dos filhos. Assim, todos que se recusassem a cumprir tais papéis eram
ameaçados com os castigos divinos. No caso das mulheres a punição poderia vir ainda na terra
e pelas mãos do próprio marido, pois este gozava de poder moral para tal. A igreja era
responsável até mesmo por controlar a sexualidade das pessoas, devido considerar que a
ausência de controle implicaria em ausência de punições, logo, em brechas para o pecado.
(DEL PRIORE, 1992).
Assim sendo, o controle que a religião exerceu e exerce nas pessoas é transmitido
dentro do próprio ambiente familiar, através de regras de conduta demarcadas no discurso de
complementariedade dos sexos, ou seja, na suposição de que homens e mulheres ideais são
88
aqueles que cumprem com seus papéis de gênero. Então, sobre religião, a pergunta feita aos
sujeitos deste estudo foi “Você se considera religioso (a)?” O gráfico 4 ilustra o percentual de
respostas em cada corte do estudo. Dos 476 sujeitos, 63% responderam “sim” para essa
pergunta. Com relação às pessoas que obtiveram Total 0 na etapa 2, o número dos que se
disseram religiosos caiu (de 63% para 54%) e o número dos que se disseram não religiosos
aumentou (de 34% para 46%). Conforme aumenta o nível de sexismo, é possível observar que
o nível de pessoas que se dizem religiosas também aumenta, e o nível das que não são
religiosas diminui. Ou seja, neste estudo, as pessoas religiosas se demonstraram também mais
sexistas, e as pessoas não religiosas demonstraram menos sexismo.
O próximo passo foi identificar a religião destas pessoas, então se questionou “Qual é
a sua religião?”. O gráfico 5 apresenta o percentual das respostas em cada corte de estudo. Os
dados gerais indicam que dos 476 sujeitos, 41% é católico, 30% não tem religião, 21% é
evangélico, 2% é Ateu, 2% Espírita, 1% Agnóstico, 1% do Candomblé e 1% se dividem em
outras religiões menos expressivas. No corte Total 0, o número de católicos cai para 33%, o
de evangélicos cai para 11% e os “sem religião” sobem para 46%. No corte +10 o número de
católicos sobe para 40%, evangélicos para 32% e os sem religião caem para 27%. Essa
tendência pode ser acompanhada no Gráfico 5, revelando que ao passo que aumenta o nível de
sexismo, aumenta o número de religiosos, principalmente católicos, chegando ao ápice de
corresponderem a 86% no corte +25. E, ao passo que o nível de sexismo é menor, é
constatada a presença de pessoas não religiosas. A conclusão a que se chega é: os mais
89
sexistas são também os mais religiosos, enquanto que os menos sexistas são em geral, os
menos religiosos, e, neste caso, a religião predominante dos sexistas mais destacados é a
católica.
100%
90%
86%
80%
70% 69%
60%
Católica
50%
46% Evangélica
33% 32%
30% 30%
27%
20% 21%
16%
14%
10% 11% 15%
0% 0%
Geral Total 0 10 20 25
Este resultado vai de encontro aos estudos de Costa et al (2014), que aponta que um
dos principais aspectos que vem sendo associado às atitudes sexistas é a religião. E também
de Belo et al (2005) que pesquisaram 301sujeitos na cidade de João Pessoa - PB e
descobriram, através de seus dados, que as pessoas que se diziam não ter religião
apresentavam menos sexismo do que as que se definiam claramente como pertencentes a
alguma religião (católica ou evangélica, especificamente). Ou, nas palavras dos pesquisadores
“As pessoas com uma mente aberta são mais prováveis de não apresentar padrões de atitudes,
crenças e condutas preconceituosas e sexistas, enquanto que as de mente fechada o fariam em
maior medida. (BELO, et al, 2005, p.14).
90
4.4.4 Posição política: Ser de direita é ser mais sexista?
Por muito tempo esses termos foram desconhecidos do grande público brasileiro, mas
hoje são utilizados em massa, ainda que de forma superficial e por vezes, equivocada. A
“culpa” pela disseminação desse binarismo político recai na internet, ferramenta que vem
possibilitando vez e voz para um número de pessoas cada vez maior. Logo, com o calor do
momento político do país, as discussões sobre direita e esquerda são frequentes e os
defensores dessa ou aquela posição discutem e tentam a todo custo provar como um lado está
completamente certo e como o outro está completamente errado.
Já em 1990, o ex-candidato a presidência da república, o médico, Enéas Carneiro,
alertava para o anacronismo da dualidade entre esquerda e direita. De fato, a própria definição
de esquerda e direita mudou e se transformou com o tempo. As ideias sobre o poder maior ou
menor do Estado e sobre as liberdades individuais foram se mesclando até o ponto onde não
faz mais sentido falar sobre direita ou esquerda para definir uma visão única sobre tudo.
Todavia, na prática o senso comum ainda vem alimentando posições maniqueístas e sendo
fomentados para tal pelos próprios partidos e políticos, uma vez que o conflito sempre foi
estratégia de segregação e dominação utilizada pelos donos do poder.
Ainda assim, compreender essa dinâmica é útil para a construção deste estudo, pois
historicamente, esquerda e direita tem posicionamentos distintos acerca dos papéis sociais de
homens e mulheres, enquanto na esquerda supostamente há mais liberdade para fuga dos
estereótipos, na direita há predominância do conservadorismo dos mesmos. Logo, questiona-
se “Ser de direita é ser mais sexista?” O percentual de resposta referente ao posicionamento
político segue no gráfico a seguir.
91
Gráfico 6: Posicionamento político
Posicionamento político
60%
51%
50%
43%
40%
38%
32% Direita
30% 29%
Esquerda
24% 23%
20%
18%
13%
10%
7%
0%
Geral Total 0 10 20 25
Dos 476 sujeitos que compõe este estudo, 32% se consideram de esquerda e 13% de
direita. Os demais índices se desdobram entre aqueles que alegaram “não sei” e a opção
“outros”. Observa-se que entre os sujeitos do recorte Total 0, o percentual de adeptos da
esquerda sobe de 23% para 51%, já entre os adeptos da direita cai de 13% para 7%. Logo, se
obtém a primeira conclusão: entre os menos sexistas, os adeptos da esquerda são maioria
significativa.
Seguindo adiante, no primeiro corte + 10, o percentual da direita sobe de 7% para
24%, já apresentando índice superior ao da esquerda que cai de 51% para 18%. No corte + 20,
a direita já se apresenta com 38% e a participação da esquerda sobe para 23%. Já no corte +
25 a esquerda assume novamente o maior percentual, com 43% contra 29% dos adeptos da
direita. Logo, a segunda conclusão para esse aspecto é: tanto adeptos da direita quanto adeptos
da direita podem ser extremamente sexistas.
Acerca disso, a professora Dra. Dolores Aronovich, escreveu em 2016, um texto em
seu blog pessoal intitulado “O óbvio: homens de esquerda também são machistas”. Nele, Lola
(como é conhecida) disserta sobre como o senso comum está acostumado a imaginar como
sexistas apenas aqueles considerados de direita, devido a sua tendência para o resguardo dos
“valores morais” e do consequente sexismo implicado nisso, e como ainda há certa surpresa
92
quando são noticiados casos de homens de esquerda sendo machistas. Afirma ela em um
fragmento de seu texto “Todo mundo, todo partido de esquerda, todo coletivo e movimento,
sabe que existe machismo (felizmente, este machismo está cada vez mais sendo combatido na
esquerda, enquanto prolifera orgulhosamente na direita). Mas é sempre um choque quando
surge o nome de alguém que era um de nós, que a gente admirava”.
Laura Rodrigues Benda, juíza do trabalho, publicou em 2017 no portal virtual
“Justificando”, um texto intitulado “Não há nada mais parecido com um machista de direita
do que um machista de esquerda”. De acordo com Laura, não é novidade o fato de que na
própria esquerda, posição política que se autoproclama tão humanitária e democrática exista
machismo, pois o que parece é que o discurso se concentra na luta de classes e apenas em
segundo plano na luta pela igualdade entre os sexos. Sobre isso, Simone de Beauvoir (1970.
p.20) já afirmava que “[...] Eles não colocam a mulher como uma inferior; estão hoje
demasiado compenetrados no ideal democrático para não reconhecer todos os seres humanos
como iguais.” Ainda de acordo com Benda, “Em grupo ou na convivência íntima, o machista
de esquerda se sente à vontade para julgar se a reação das mulheres é ou não adequada, assim
como de avaliar se o próprio feminismo dela está de acordo com as estratégias que ele
considere mais acertadas”.
A própria Simone de Beauvoir (1970) já mencionou o machismo dos homens de
esquerda, (o qual recebeu com certa surpresa) ao contar sobre a reação ruim dos homens ao
seu livro “O Segundo Sexo”. Disse Beauvoir em uma entrevista “pode-se dizer que a fúria
francesa se desencadeou. Houve inúmeros homens que ficaram totalmente azedados. Homens
que imaginei de esquerda, liberais, igualitários, ficaram revoltados com o livro. Porque eu
questionava a supremacia deles e ridicularizava o macho francês, disseram”. (Documentário
“Por que sou feminista” de 1975)
93
Sendo o feminismo um movimento que questiona o status quo que naturaliza o
privilégio masculino e a opressão feminina, o machista é a pessoa que faz oposição à
existência do feminismo. Logo, questionou-se aos sujeitos desse estudo “Você é machista?”.
De maneira geral, dos 476 universitários, 89% diz não ser machista. Esses índices se mantém
semelhantes no corte Total 0, mas sofrem alteração quando se trata dos cortes relacionados
aos mais sexistas. O dado mais significativo se deu no corte +20 quando o percentual dos que
se disseram machistas alcançou 39%, bem distantes dos 11% da média geral. Logo, a primeira
conclusão está estabelecida: os mais sexistas tem maior consciência de seu próprio machismo.
94
Sobre o questionamento “Você se considera feminista?” Dos 476 sujeitos, apenas 35%
se declarou feminista. O gráfico 8 ilustra os dados obtidos nessa questão: No corte Total 0, o
índice dos que se afirmam feministas aumentou, passando de 35% para 44%, já os não
feministas, neste mesmo ponto, diminuíram, passando de 65% para 56%. Conforme o nível de
sexismo vai aumentando nos próximos cortes, o percentual dos que não se consideram
feministas também vai subindo.
No último corte +25, não há ninguém que se declare feminista. A conclusão neste
ponto é: Quanto maior o sexismo, maior é a rejeição ao feminismo. Essa poderia soar como
uma conclusão óbvia, mas não é. Os estudos de Formiga (2011) demonstram a existência do
sexismo de duas formas: benévola e hostil. O sexismo hostil consiste na forma mais direta,
mais agressiva, na opressão violenta contra mulheres e homens que destoem do padrão. Já o
sexismo benévolo se disfarça sob o discurso da “naturalidade” dos papéis sociais distintos. É
importante ressaltar que os cortes +10, +20 e +25 não se referem à formas de sexismo hostil,
mas benévolo, ou seja, quem é contrário ao feminismo, o faz por acreditar e defender a
manutenção da diferença entre os sexos.
120%
100% 100%
92% 92%
80%
65%
60% 56% Sim
Não
40% 44%
35%
20%
8% 8%
0% 0%
Geral Total 0 10 20 25
Para elucidar melhor essa questão, foi perguntado aos alunos “Qual a sua opinião
sobre o movimento feminista?” As opções de respostas eram:
( ) Necessário ( ) Desnecessário ( ) Não sei
95
Gráfico 9: Opinião sobre o movimento feminista.
100%
91%
90%
80%
70%
70%
60%
54% Necessário
50%
Desnecessário
44% Não sei
40%
37%
35% 31%
30%
28% 28%
20%
18%
15%
12%
10%
7%
2%
0%
Geral Total 0 10 20 25
Fonte: Nossa autoria.
96
Desnecessário: “De qual tipo de movimento feminista estamos falando? Se for o
atual...” (Mulher, Ciências Econômicas)
Observa-se que quatro dos cinco relatos é advindo de mulheres. Apenas um homem se
manifestou apontando o feminismo como “modismo do momento”. As mulheres também
optaram por críticas ao movimento, elencando-o como desnecessário e extremista. Parece
existir mais respeito pelo movimento feminista “antigo”, e uma certa repulsa pelo modo como
o movimento existe hoje. Ressalta-se que essa segregação entre o “antes que era bom” e o
“agora está tudo perdido” não passa de falsa simetria pautada em desconhecimento dos
caminhos da causa.
O movimento feminista ainda é visto pela maioria das pessoas de uma maneira
errônea, logo, é por elas rejeitado. Pode parecer estranho, mas para muitos a situação de
homens e mulheres não apresenta relação de hierarquia, mas de complementaridade
necessária, como se “as coisas sempre foram assim”. Essa naturalização da opressão caminha
no sentido de perpetuá-la, já a consciência sobre o problema permite intervir sobre ele e
transformá-lo. Todavia, isso parece claro para quem estuda essa temática, mas não é tão
evidente para quem nunca se dedicou a pensar a respeito.
Curiosamente, a própria Simone de Beauvoir (1908 – 1986), ela que foi responsável
por dar o “pontapé inicial” na literatura feminista com sua obra “O Segundo Sexo”, disse ter
demorado quatro décadas de sua vida para que pensasse sobre a questão das mulheres e
escrevesse sobre isso. Diante deste relato, durante rara entrevista televisiva concedida em
1975, o entrevistador Jean Louis Servan Schreiber, a indaga:
JLSS: Há uma frase que surpreende em suas memórias que diz que escrevendo “O
Segundo Sexo”, a senhora descobriu, aos 40 anos, quando escreveu uma situação
que estava escancarada, mas nunca antes percebida. Como a senhora, uma
intelectual de títulos e doutorados, não sentiu antes dos 40 anos a condição da
mulher como a descreve?
SB: Porque vivi minha própria condição de intelectual, como você disse. Tive a sorte
de ter uma profissão sem concorrência masculina, o ensino está aberto a um e outro.
97
Tive colegas na Sorbonne ou em outras escolas que me igualavam a eles no plano
intelectual, então não senti isso. Ademais, como eu nunca quis me casar e nem ter
filhos, eu não tinha esse tipo de vida doméstica, sempre esmagadora na condição
feminina. Escapei às servidões dessa condição. Mais tarde, quando refleti e olhei
melhor à minha volta, vi a verdade sobre a condição feminina, e descobri isso, em
boa parte, escrevendo “O Segundo Sexo”.
O entrevistador insiste:
JLSS: Descobriu, então, uma situação que parecia muito evidente. Como explica
que, no último século ou nos últimos 150 anos onde muitas mulheres estudaram,
tiveram acesso ao mesmo nível cultural dos homens, que ninguém formulasse algo
parecido com a evidência desse papel secundário na humanidade?
SB: Não era de interesse dos homens formular isso, levando em conta...
SB: Houve mulheres que protestaram, mas não foi, afinal, um grito de revolta que se
ouviu e que repercutiu. E penso que, no conjunto, a mulher não é feminista, e se
algumas gritaram revolta, os gritos não foram ouvidos pelas outras mulheres. Muitas
razões explicam isso, essa atitude passiva ou resignada da mulher. Apareceu gente
com outras atitudes, mas que raramente se tornaram em verdadeira revolta. Primeiro,
há como eu disse, a formação da mulher em sua infância, e essas são estruturas
depositadas nela de que é muito difícil se livrar depois.
Essa frase de Beauvoir acerca da ausência de luta feminina durante tanto tempo é uma
excelente analogia para uma síntese do movimento feminista dos dias atuais “E se algumas
gritaram revolta, os gritos não foram ouvidos pelas outras mulheres.” Existe resistência e
combate contra a desigualdade entre os sexos, mas o manto da naturalidade que impõe “as
coisas sempre foram assim e não há nada de errado nisso” ainda persiste. Feministas são
entendidas e percebidas pela população leiga como malucas desocupadas que querem acabar
com os homens, logo, quem gostaria de um rótulo tão tacanho? Enquanto não houver
informação e conscientização, não haverá também mudanças na relação de homens e
mulheres, e tampouco, valorização de quem estuda e trabalha por esse objetivo.
98
4.5 Universitários e a realidade sexista
A fatia de um poder sem mando foi conferida ao sexo “frágil”, que absorveu os
afazeres domésticos sem o menor questionamento. Longe de qualquer remuneração,
e considerados como tarefas economicamente indefinidas, esses afazeres
arregimentaram sérias ramificações que retardam o movimento de libertação
feminina. (QUINTAS, 2005, p.45)
99
desviam da regra. Del Priore (1992, p.15) argumenta que desde o período colonial brasileiro já
ficava estabelecido o valor social de uma mulher de acordo com o espaço onde exercia suas
funções. As que se dedicavam à família eram vistas como boas moças, moças ideais para o
casamento e “mulheres de verdade”. Já as que estavam fora do espaço doméstico seriam
“mulheres com facilidades de costumes” associadas às mulheres submissas de raças
dominadas, surdas aos deveres do matrimônio e genitoras de irregularidade moral. (DEL
PRIORE, 1992, p.15)
Atualmente, esses pressupostos machistas e sexistas não se alteram significativamente,
pelo contrário, ainda encontram adeptos na maior parte da população. A situação da
desigualdade de gênero (implicação do sexismo) ainda é percebida em todos os países do
globo em menor ou maior escala. No ocidente a mulher tem conquistado direitos e uma
posição mais igualitária, ainda que esteja longe do ideal almejado, mas em muitos outros
locais, o que ainda prevalece é a subordinação feminina, a exclusão da vida social e o espaço
doméstico como única opção de vida disponível.
Todavia, o avanço gradual das mulheres no mercado de trabalho é uma realidade.
Machado, Oliveira e Wajnman (2005, p.11) indicam que a taxa de atividade feminina cresceu
cerca de 30 pontos percentuais nos últimos 50 anos no Brasil. Além disso, de acordo com as
autoras, nos últimos anos a escolaridade média feminina tem sido sistematicamente superior à
masculina. Dados recentes (2015) do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP) indicam que as mulheres são maioria na hora de ingressar na
universidade (55%) e também na hora de concluir os cursos (60%). Ainda de acordo com o
INEP, as mulheres estão mais concentradas nos cursos de ciências humanas e os homens nos
cursos de ciências exatas.
Então, se historicamente a educação superior era refúgio masculino, e hoje, as
mulheres estão em número mais elevado nas instituições, as justificativas para tal também
perpassam pelo sexismo, já que de acordo com Machado, Oliveira e Wajnman (2005, p.27)
“uma provável explicação para essa reversão de tendência, é a alta probabilidade dos meninos
abandonarem a escola em função da busca de trabalho como estratégia de complementação de
renda familiar, o que é muito menos frequente entre as meninas”.
As notícias boas sobre a evolução da entrada da mulher no ensino superior sofrem uma
alteração quando a realidade sobre a remuneração entre homens e mulheres fica mais clara.
Dados do IBGE (2015) revelam que as mulheres, ainda, recebem salário menor do que os dos
homens, cerca de 76% destes e são minoria nos cargos de chefia e comando das empresas.
100
A divisão sexual do trabalho é uma constante na vida de homens e mulheres, pois de
fato há uma diferença na área e na ocupação no mercado de trabalho de acordo com o sexo de
cada pessoa. Tal diferenciação é histórica e caminha em constante transformação, mas ainda
existe um caminho longo até sua superação.
O foco desta análise diz respeito ao mercado de trabalho por este ser o objetivo maior
de quem frequenta um curso de graduação. Todavia, serão abordados não só as percepções
dos universitários sobre as questões propostas, mas também alguns aspectos do cotidiano
acadêmico que possam demonstrar a presença de sexismo. Para tal, essa seção é discutida a
partir de cinco questões norteadoras: Sucesso profissional, capacidade profissional, cursos
para homens, cursos para mulheres e, constrangimentos em sala de aula, em decorrência do
sexo.
O sucesso profissional é o objetivo maior de quem faz um curso de graduação. As
referências de Bardagi et al (2006) demonstram que as expectativas profissionais dos jovens e
adultos brasileiros perpassam pelo ensino superior como quase um caminho único para a
obtenção de sucesso profissional. Ou seja, a maioria das pessoas enxerga na universidade a
oportunidade de qualificação e posterior ingresso no mercado de trabalho. Ainda de acordo
com Bardagi et al (2006), as pesquisas tem se ocupado em estudar a passagem dos alunos do
ensino médio para a universidade, mas poucas tem se debruçado sobre a passagem dos alunos
do ensino superior para o mercado de trabalho, o que demonstra uma lacuna importante e
justifica o olhar para a universidade, especificamente, para as relações de gênero neste espaço.
De acordo com o dicionário virtual Caldas Aulete, o termo “sucesso” significa
resultado positivo, favorável; êxito. Sendo assim, “ter sucesso” é obter bons resultados. Desta
maneira, questionou-se aos participantes deste estudo “Na sua concepção, no futuro
profissional da sua graduação, quem tem mais chances de sucesso?” As opções de respostas
eram: ( ) Homens ( ) Mulheres ( ) Homens e mulheres de maneira igual.
101
Tabela 8: Sucesso profissional: Chances de acordo com o sexo.
102
Tabela 9: Sucesso profissional: Os 5 cursos onde cada sexo tem mais chances.
Homens Mulheres
Geografia (46%) Pedagogia (67%)
Administração (40%) Biblioteconomia (50%)
Comunicação Social (38%) Serviço Social (38%)
Direito (33%) Letras (37%)
Matemática (30%) Psicologia (29%)
Fonte: Nossa autoria.
Observa-se outro ponto relevante: nestes cinco cursos que se localizaram nos
extremos, quando se tratava dos homens, com exceção do curso de Comunicação Social, o
percentual de mulheres marcado foi zero. Quando se tratava de mulheres, com exceção de
Psicologia, o percentual de homens marcado foi zero. Em termos práticos isso significa dizer
que nestes cursos a consciência sobre o sexo com maiores condições de sucesso profissional é
clara entre os próprios estudantes. Na maioria dos casos também há relação de predominância
de sexo no curso, ou seja, a presença deste ou aquele sexo em maior número no curso
determina quem os alunos consideram com maiores chances de sucesso profissional.
No curso de Geografia, apontado como 4º curso mais sexista desta amostra, foi
verificado que 46% dos estudantes acreditam que são os homens que têm mais chances de
sucesso profissional. Importante registrar que esses 46% são compostos apenas por opiniões
de alunos homens, já que nenhuma aluna mulher marcou a opção “homens”, todas marcaram
a opção “homens e mulheres de maneira igual”. O mesmo ocorreu no curso de Engenharia
Elétrica onde 80% dos alunos acreditam que ambos os sexos tem chances iguais, mas os 20%
que acreditam que são os homens a terem mais chance de sucesso foram compostos apenas de
respostas de alunos homens.
No curso de Direito, 33% (do total de 40 participantes) acredita que são os homens os
que têm mais chances de sucesso profissional na área; deste total de 33% a maior parte é
composta por mulheres (57%) que apontaram seus colegas homens como os com maiores
chances. Observa-se que a maioria das estudantes de Direito acredita que no ramo da
advocacia ser mulher é um ponto negativo em comparação ao ser homem.
De acordo com pesquisa realizada pela Caixa de Assistência de Advogados do RJ
(CAARJ) a partir de 2010 houve um crescimento significativo de mulheres advogadas no
Brasil, sendo as mulheres a maioria em quase todas as faixas etárias, exceto na faixa dos 60
103
anos em diante, por razões óbvias e históricas. Mas isso não altera o fato de que apesar de
serem maioria, as advogadas do Rio de Janeiro ganham 25% a menos do que seus colegas
homens, levam mais tempo pra subir na carreira e ainda precisam conviver com o assédio.
(CONJUR, 2017)
A percepção dos alunos sobre o sucesso profissional de acordo com o sexo foi
comparada com as próprias ideias dos discentes sobre tal, haja vista que uma coisa é
responder de acordo com o que é perceptível pela absorção no mercado de trabalho, outra bem
diferente é concordar ou não com essa distinção. Então, se questionou “Você acredita que
exista um sexo mais adequado para trabalhar na sua área?”. Desta vez os resultados obtidos
foram bem diferentes, já que na média geral 97% dos participantes respondeu que não
considerava nenhum dos dois sexos mais adequado para sua área de trabalho, sendo homens e
mulheres adequados de maneira igual.
Isso significa que os estudantes, apesar de perceberem a realidade sexista de suas
áreas, na maioria das vezes, não compactuam com tal. Os dados que se mantiveram estáveis
foram com relação aos cursos onde um percentual mais significativo considerou as mulheres
como mais adequadas para a área. São eles: Biblioteconomia (30%), Pedagogia (22%) e
Serviço Social (8%). Os demais cursos mantiveram percentual próximo à zero para essa
questão. Ou seja, reforça-se a ideia de que esses últimos três cursos citados são considerados
“femininos”, o que talvez explique a pouca inserção de homens nestas áreas, já que as
mulheres são entendidas como mais adequadas e com maiores chances profissionais nestes
ramos.
Ferreira, Borges e Borges (2011) apontam que foi no século XIX, período de
desenvolvimento das bibliotecas que a profissão de bibliotecária surgiu como uma das poucas
profissões permitidas às mulheres, pois era uma tarefa adequada para o que se esperava de
uma natureza feminina. As autoras pesquisam a área da biblioteconomia no estado do
Maranhão e demonstram que mesmo as mulheres sendo maioria na profissão, os poucos
homens bibliotecários encontrados é que tem assumido os cargos de gestão. Um dos
entrevistados no estudo das pesquisadoras, acerca de existirem poucas mulheres nos cargos de
gestão das bibliotecas afirma “[...] a ideia que se tem de um gestor é de uma pessoa rígida,
sério, exigente, coisa que é mais difícil de imaginar em uma mulher. Cargo de organização é
coisa de mulher, na hora de cobrar resultados ai se coloca o homem.” (FERREIRA, BORGES
E BORGES, 2011, p.166). Observa-se que mesmo as mulheres sendo maioria nesta área, os
homens que “ousam” adentrá-la são beneficiados pelos estereótipos sexistas de que são
próprios aos cargos de comando e gestão apenas por serem homens.
104
O curso de Pedagogia é também historicamente feminino. Silva (2011) apresenta a
Pedagogia e o exercício do magistério como a oportunidade que as mulheres tiveram para
frequentar espaços públicos antes proibidos, mas que, no entanto carregava consigo a
representação de ser uma extensão do lar, sendo o trabalho principal: cuidar das crianças. Isso
implicava na restrição das qualidades profissionais das mulheres, pois evocava ao feminino
um suposto “dom” para o trabalho docente, logo, sem lugar para o masculino. (SILVA, 2011)
Craveiro e Machado (2011, p.5) contam que nos primórdios da profissão de Assistente
Social, os requisitos para os profissionais eram “sentimentos nobres, moral bem definida, a
vontade de servir ao próximo e a bondade”, elementos considerados femininos, logo, atraia
apenas mulheres para a área. E isso perdura até hoje, como salienta Haddad et al (2010)
apontando dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2004 que
indicam que as mulheres representam mais de 90% dos estudantes do curso de Serviço Social
no Brasil.
As profissões entendidas como femininas não nascem de uma suposta vocação
biológica para tal, pelo contrário, foram áreas historicamente dominadas pelas mulheres, pois
foram os poucos espaços que lhes foram permitidos. Já as profissões entendidas como
masculinas são todas, exceto aquela onde é esperado um extinto maternal para executá-la.
Assim sendo, historicamente ficou bem delimitado sobre o que seriam cursos para mulheres e
cursos para homens. Subverter a ordem estabelecida seria o mesmo que ir contra as condutas
de gênero esperadas, logo, passíveis de punições de todo tipo, a começar pela discriminação.
Desse ponto, parte-se para outra questão: “Alguém já lhe disse que o curso que você
faz é coisa de homem ou coisa de mulher?” Lembrando-se da ideia do sexismo como
preconceito de sexo, se assume a premissa de que um ato sexista ganha vida na discriminação,
e como já mencionado anteriormente, tal discriminação de sexo pode ocorrer de duas
maneiras: sexismo hostil e sexismo benévolo. O ato de discriminar envolve o impedimento de
acessos, ou seja, quando alguém escuta “isso é coisa de mulher” ou o contrário “isso é coisa
de homem” acaba por inculcar a ideia de que aquele espaço não lhe pertence. Os dados
obtidos através das respostas dos alunos para essa pergunta são apresentados na Tabela a
seguir.
105
Tabela 10: Curso considerado como "coisa de homem" ou "coisa de mulher".
Mais uma vez o índice da média geral indica uma situação relativamente neutra, mas o
olhar para os cursos específicos demonstram dados mais divergentes. Dos 28 cursos desta
amostra, a maioria (16) é mais apresentada como sendo reduto masculino. Serviço Social
aparece como campeão da lista, já que lá 92% dos alunos do curso responderam já ter
escutado se tratar de um curso para mulheres. O curso mais neutro é o de Estudos Africanos
onde nenhum dos alunos apontou ter escutado algo sobre ser um curso para homens ou para
mulheres, o que pode indicar uma possível relação da etnia sobrepondo-se ao sexo, ou seja,
um curso onde o foco de estudo é a história dos negros, o sexo fica em plano secundário. A
Tabela 10 apresenta os dados totais, todavia, para discussão elencou-se os destaques expostos
na Tabela 11.
106
A tabela 11 é extraída dos valores obtidos na Tabela 10 e indica os cinco cursos onde
mais foi escutado ser “coisa de homem” e “coisa de mulher”.
Dos cinco cursos onde os alunos mais ouviram se tratar de “coisa de homem”, quatro
pertencem ao Centro de Ciências Exatas e apenas um ao Centro de Ciências Sociais. A
tradição masculina nos cursos de exatas não é uma novidade, logo, já era esperado que esses
índices apontassem cursos desta área. Assim como também não é novidade que os cursos
onde os alunos mais escutam ser “coisa de mulher” pertencem aos Centros de Ciências
Sociais e Humanas.
O elemento que chamou a atenção foi o curso de Ciências Imobiliárias, pertencente ao
Centro de Ciências Sociais, onde 36% dos alunos já ouviram se tratar de um curso para
homens. É preciso lembrar que este curso foi apontado como sendo o mais sexista de todos os
cursos desta amostra, obtendo uma média de dez pontos de marcações sexistas na etapa dois.
No curso de Teatro o dado de 24% não corresponde ao curso ter sido considerado
como “coisa de homem”, mas como “coisa de gay”. Essa opção foi acrescentada pelos
próprios alunos depois de um deles ter questionado “Nunca ouvi que o curso é coisa de
homem, mas ouço sempre que é um curso de gay, posso acrescentar essa alternativa?” Diante
da resposta positiva, os alunos fizeram o acréscimo.
De fato, o curso de Teatro é envolto em preconceitos que consideram esta uma
profissão de homossexuais. O próprio Jô Soares, apresentador, humorista e ator, disse certa
vez no seu programa em tom de brincadeira “Não sei por que existe essa coisa que todo
mundo que trabalha no teatro é homossexual, que todos são gays. Eu conheço umas três
pessoas que não são”. O teatro, assim como todas as artes, é um espaço de expressão que não
se coaduna com a lógica machista que requer um homem engessado em uma moral
heterossexual. Almeida Vieira (2009) menciona o teatro como espaço de construção de
107
identidades e de liberdades, e de como este espaço ainda é pouco estudado pela pesquisa em
nível de pós-graduação nas ciências humanas e sociais. Ocorre que assim como as mulheres
que são historicamente destinadas para “cursos femininos” os homens que desviam da
sexualidade considerada como correta também são “empurrados” para espaços onde possam
exercer sua liberdade. Um dos entrevistados de Almeida Vieira (2009, p.4) diz “o encontro
com o teatro deu a sensação de estar num lugar seguro, onde as pessoas não me olhavam de
lado porque eu era diferente”.
A ótica do sexismo opera através do impedimento de espaços, comportamentos e
objetos. O fato do curso de Teatro ser considerado “coisa de gay”, o curso de Serviço Social
“coisa de mulher” e o curso de Física, Engenharia Elétrica, Engenharia Química, etc, ser
considerado “coisa de homem” diz muito sobre os espaços sociais que estão sendo dados e
também sobre os espaços que estão sendo tomados. Um homem que tenha vontade de lecionar
para crianças ou ser ator é entendido como “menos homem”, logo, na visão homofóbica,
homossexual. Com esse entendimento de que existem áreas específicas para pessoas
específicas é que as fronteiras no mercado de trabalho vão surgindo e se estabelecendo com
vigor que se cristaliza em preconceitos no tempo.
Indicar esses dados pode parecer uma mera repetição do que o imaginário social já
acredita. Todavia, a diferença consiste não em reafirmar estas informações, mas apoiá-las em
dados numéricos que possam servir de base argumentativa para essa realidade. Ora, não basta
afirmar que os cursos de exatas são masculinos pelo simples fato de existirem mais homens lá
matriculados, assim como não basta dizer que os cursos de humanas e sociais são mais
femininos por causa da maior presença feminina. É preciso ir além e entender como essa
lógica opera no sentido da manutenção destas dinâmicas.
Até este ponto, identificaram-se dois elementos importantes: 1. Em cursos com
predominância feminina as mulheres são apontadas como as com maiores chances de sucesso
profissional, assim como o contrário no caso dos cursos de predominância masculina. 2. Na
maioria dos cursos considerados femininos, existe a demarcação do espaço como sendo das
mulheres, assim como o contrário, em cursos considerados masculinos, existe a demarcação
do espaço como sendo dos homens.
Tais elementos apontam uma conclusão interessante: A mulher procura por cursos “de
mulher” por que é o espaço onde socialmente é apontado como seu e sendo assim, terá mais
chances de sucesso profissional. Assim como o homem procura por cursos “de homem” pela
mesma razão. Não parece ser fatores biológicos que indicam os dons naturais de homens e
108
mulheres, mas o processo de socialização de uma vida inteira que os aloca em posições
diferentes, logo, em escolhas profissionais também diferentes.
Partindo deste entendimento, é possível concluir que dificilmente homens e mulheres
vão optar por cursos onde sua presença não seja tida como “natural”, no caso de optarem por
cursos considerados femininos e masculinos, respectivamente, e onde sejam preteridos no
mercado de trabalho em detrimento do sexo oposto.
Assim sendo, também foi questionado “Sua capacidade profissional já foi colocada em
dúvida por ser homem ou mulher?” As opções de resposta eram: ( ) Sim, por ser mulher. ( )
Sim, por ser homem. ( ) Não. Segue o gráfico com o índice geral de respostas e após o quadro
com as respostas detalhadas de acordo com cada curso.
Gráfico 10: Capacidade profissional colocada em dúvida por ser homem ou mulher.
36%
8%
109
Tabela 12: Capacidade profissional colocada em dúvida por ser homem ou mulher.
O primeiro dado diz respeito aos cursos onde homens e mulheres nunca tiveram sua
capacidade profissional contestada em decorrência de seu sexo. Dentre os sujeitos desta
amostra, em 14 cursos, ou seja, 50%, não há registros de homens apontando discriminação
sexista. Já no caso das mulheres esse número cai para apenas quatro, ou seja, 14%. A tabela a
seguir apresenta os cinco cursos onde os homens se sentiram mais discriminados por serem
homens e os cinco cursos onde as mulheres se sentiram mais discriminadas por serem
mulheres.
110
Tabela 13: Os cinco cursos onde homens e mulheres mais se sentiram discriminados por causa
de seu sexo.
111
estabeleceu na maioria dos outros cursos onde foram os homens aqueles considerados com
maiores chances de sucesso profissional.
Spadoni (2006, p.44) afirmou no seu estudo que “O homem fora de seu ambiente
masculino é discriminado e a mulher fora de seu ambiente feminino também é discriminada”.
Os resultados desta pesquisa concordam com Spadoni (2006) no que concerne ao homem,
mas convida a uma nova reflexão no que diz respeito à mulher. O quarto ponto, que nasce da
união dos outros três anteriores, é a observação de uma conclusão interessante: os homens
tiveram sua capacidade profissional contestada em poucos cursos, em baixa proporção, mas
quando ocorreu, foi em cursos considerados femininos. Já as mulheres tiveram sua capacidade
profissional contestada em quase todos os cursos, em alta proporção e independentemente do
curso ser considerado feminino ou masculino. Ou seja, não importa se o ambiente é
considerado feminino ou masculino, a mulher tem sido discriminada da mesma maneira.
Assim, ambos os sexos indicam já terem sido alvos de suspeita sobre o potencial de suas
capacidades apenas pelo fato de serem homens ou mulheres, porém, as mulheres têm sofrido
bem mais com essa problemática.
O próximo item diz respeito a ocorrência de constrangimento de acordo com o sexo,
ocorrido diretamente dentro da sala de aula de cada curso, para tal, questionou-se “Você já se
sentiu constrangido (a) ou como se sua opinião fosse menos importante durante uma discussão
em sala de aula por causa de seu sexo?” As opções de respostas eram: ( ) Sim, por ser mulher.
( ) Sim, por ser homem. ( ) Não.
De maneira geral, 5% dos homens já se sentiram constrangidos desta maneira na sala
de aula, já com relação às mulheres esse número sobe para 18%. Esses números
correspondem a 11 homens, enquanto que 18% correspondem a 46 mulheres. Na tabela a
seguir constam os resultados de acordo com cada curso, pois seguindo a tendência dos outros
dados, os percentuais específicos são mais elevados e diversos do que o percentual geral, que
parece na verdade apenas mascarar a realidade objeto de análise.
112
Tabela 14: Constrangimento em sala de aula em decorrência do sexo.
Os dados sobre já ter se sentido constrangido (a) ou como se sua opinião fosse menos
importante durante uma discussão em sala de aula por causa do sexo seguem a lógica dos
demais, pois apresenta as mulheres em maior frequência e proporção em relação aos homens.
A tabela a seguir apresenta os cinco cursos onde homens e mulheres se sentiram mais
constrangidos dentro da sala de aula por causa do seu sexo.
113
Tabela 15: Os 5 cursos onde homens e mulheres mais se sentiram constrangidos em
decorrência do seu sexo.
“[...] quando o pleno emprego da força corporal não é exigido nessa apreensão,
abaixo do mínimo utilizável, as diferenças anulam-se; onde os costumes proíbem a
violência, a energia muscular não pode alicerçar um domínio: é preciso que haja
referências existenciais econômicas e morais para que a noção de fraqueza possa ser
concretamente definida” (BEAUVOIR, 1970, p.55)
114
4.6 Violência no campus
115
contexto deste estudo, apresenta o percentual de 4,7%. Assim sendo, confirma-se o argumento
de que adentrar o espaço acadêmico é superar um funil que deixa muita gente de fora.
O êxito que permite o acesso aos bancos universitários é muito comemorado com toda
comunidade. No Rio Grande do Sul, é comum que diante do resultado positivo, a família
pendure uma placa na frente de sua casa anunciando a entrada do filho ou filha na
universidade. Em geral, ela é bastante colorida e chamativa, apresentando os seguintes dados:
Nome do calouro, curso no qual conseguiu ser aprovado, instituição e uma breve mensagem
de como todos estão contentes e orgulhosos com isso. Ou seja, a busca pelo reconhecimento
social da vitória é bastante evidente.
Já nos primeiros dias na graduação, o trote aplicado pelos colegas veteranos é algo
aguardado, pois é o momento onde será possível desfrutar do prestígio de ser apresentado à
sociedade como universitário. Tradicionalmente os trotes são violentos, porém, ainda que seja
moral e fisicamente degradante, os calouros aceitam participar por algumas razões: pela
brincadeira em si, pelo contato com os colegas veteranos do mesmo curso e para cumprirem
esse ritual que os coloca em um status social mais elevado do que o anterior. Para Tommasino
e Jeolás, (2000, p.31) os ritos de iniciação marcam, portanto, a passagem de um status a outro,
delimitando direitos, responsabilidades e deveres.
Não é novidade apontar nos trotes uma fonte de violência nada concordante com os
preceitos humanísticos do espaço acadêmico. Uma rápida pesquisa no Google e centenas de
notícias onde a aplicação do trote ultrapassou os limites da brincadeira são obtidas. Inclusive,
trotes que ocasionaram em estupros e mortes de estudantes. Dessa maneira, foi questionado
aos universitários sujeitos deste estudo, se eles já haviam presenciado na instituição, trotes que
envolvessem atos machistas, sexistas, racistas ou homofóbicos. A maioria, 82%, respondeu
positivamente. Seguem relatos de acordo com alguns participantes:
“Colocaram bombons sobre as partes íntimas uns dos outros e mandaram pegar com a boca”
(Homem, Ciências Econômicas).
“Frases ditas repetidas vezes sobre a opção sexual de alunos” (Mulher, Psicologia).
116
Observa-se que a maioria dos participantes que resolveram escrever um pouco mais
sobre isso, foram mulheres, e os relatos versam sobre machismo, sexismo e homofobia.
No Youtube, maior plataforma de vídeos do mundo, é possível encontrar com
facilidade, gravações de trotes em universidades de todo Brasil. Ao pesquisar sobre os termos
“Trote + UFMA” surgem inúmeros vídeos sobre essa prática, inclusive realizados dentro da
própria instituição. Cita-se aqui um destes vídeos, de nome “Trote BCT 2014.1 – UFMA”. Na
referida gravação, encontram-se ajoelhados, já sujos do que parece ser tinta e farinha, cerca de
30 calouros e estes, estão cercados por veteranos, em número semelhante, que se encontram
em pé aplicando o trote. Os veteranos pedem que os calouros (apenas os homens) repitam em
coro:
“Eu, calouro burro, juro solenemente que honrarei, respeitarei e
servirei aos meus mestres veteranos até o último dia de minha
graduação. Tenho plena consciência de minha inferioridade, burrice e
ignorância. Prometo honrar o BCT, e como sinal de admiração e
respeito aos veteranos, oferecemos as nossas colegas para que
satisfaçam seus anseios carnais. Enquanto eu for calouro, eu não sou
ninguém, eu não sou nada”
Então, uma veterana é chamada para falar o que apenas as calouras devem repetir:
Durante a aplicação do trote, é possível ver no vídeo que algumas pessoas se recusam
a continuar na “brincadeira”, fato que incentiva as ameaças por parte de quem está
comandando:
“Enquanto ele (a pessoa que está se recusando) não parar de falar merda, vocês vão
continuar ajoelhados aí.”
117
“Vocês estão vendo de quem é a culpa, então pode vaiar mesmo.” Incentivando os
calouros a condenarem quem está se recusando a participar.
Este homem que se recusa a participar é cercado por vários veteranos que o intimidam
a se calar, discutindo com ele. Após alguns segundos, o calouro em questão é sujo novamente
pelos veteranos que posteriormente, aos gritos, ordenam para que ele saia daquele local.
Enquanto isso, outro veterano joga óleo de cozinha no cabelo de uma menina. Não é possível
perceber na gravação se ela está apoiando o rapaz que está sendo rejeitado do grupo, mas essa
é uma hipótese viável.
A diferença entre os discursos que homens e mulheres são obrigados a repetir no
supracitado vídeo demonstra claramente o machismo e o sexismo estrutural. Enquanto os
calouros homens oferecem suas colegas para os veteranos, as calouras oferecem a si mesmas e
são lembradas de onde é o seu lugar, a cozinha.
O Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (BICT) é um curso do Centro
de Ciências Exatas (CCET) da UFMA. É esse o curso do qual os estudantes do vídeo fazem
parte. Tal vídeo não faz parte dos dados empíricos utilizados, mas serve para fazer relação
com o que foi apontado por uma das participantes ao mencionar “Trote de cursos de exatas
com piadas machistas”.
Adentrar o espaço acadêmico já com essas importantes marcações de espaços entre
homens e mulheres é fato que ecoa em todo processo de formação profissional e humana. No
próprio momento do trote os corpos femininos e masculinos são alocados em posições
diferenciadas. Enquanto as mulheres são hiperssexualizadas, os homens são hostilizados com
brincadeiras que remetem à feminilidade e à homossexualidade. A mulher é concebida como
bem de consumo sexual masculino, e o homem tem seu valor social diminuído com
atribuições de características femininas e/ou homossexuais. Em alguns casos, até mesmo
estupros ocorrem durante a aplicação do trote.
As mulheres são as principais e mais dolorosas vítimas, mas os homens não ficam
ilesos. Elas, por sofrerem as consequências dessa conotação sexual que lhes é atribuída. Eles,
por terem de provar constantemente essa virilidade obrigatória que é cobrada do macho da
espécie.
No vídeo do trote da BICT, as mulheres são lembradas do que, no imaginário daqueles
sujeitos, seria o seu lugar, a cozinha. Siqueira et al (2012) apontam o poder como fio
constitutivo das relações sociais, permeando a formação identitárias dos sujeitos. Ora, quando
uma mulher solicita que outras mulheres repitam que seu lugar não é ali, ela não está
praticando uma inocente brincadeira, mas uma violência que serve para manter o poder
118
masculino naquele espaço, já que para estes o mesmo não foi dito. Ou seja, a identidade das
alunas vai sendo estabelecida em um sentimento de não pertencimento já no momento de
entrada no curso.
[...] quando, por exemplo, os indivíduos participam de interações sociais que tendem
a lembrá-los (as) quais lugares de sujeito devem ser ocupados para serem aceitos,
para não destoarem do que foi estabelecido como a “forma natural de ser”. As
identidades só se definem por meio de um processo de produção da diferença. Ou,
poderíamos dizer que a percepção do (a) outro (a) se dá em estreita relação com a
construção identitária. (SIQUEIRA et al, 2012, p.149)
O trote não pode ser analisado pela ótica reducionista que o considera apenas como
expressão histórico-cultural, ou seja, costume tradicional, logo, justificável por si só. É preciso
ir além e incorporar nas análises sobre o trote, o viés das interações dinâmicas entre os
sujeitos e como estas produzem e reproduzem o meio cultural. Isso implica em olhar para o
contexto brasileiro atual e entender como o trote se insere, especificamente, neste espaço,
neste tempo e com esses sujeitos. (TOMMASINO e JEOLÁS, 2000). Assim, atualmente, o
trote ainda é concebido como uma grande brincadeira pela maioria dos estudantes que se
sujeitam a essa prática sem maiores reflexões a respeito. Um ritual de passagem necessário,
ainda que possa ser humilhante.
Rituais de passagem como o trote ocorrem desde sempre e no mundo todo. De acordo
com Tommasino e Jeolás (2000), a forma como os mais jovens são recepcionados pelos mais
velhos para seu novo papel e status social é, em geral, acompanhada de dor. Os autores citam
os casos das sociedades indígenas, pois nestas, os rituais são repletos de violência física
infringida pelos mais velhos. A diferença consiste no objetivo, pois, rituais indígenas buscam
na dor, a demonstração de coragem, bravura e virilidade que será necessária para a vida
adulta, e ainda esta é controlada para que não exceda os limites e prejudique os iniciados. Já
no caso dos trotes universitários, a dor e a humilhação servem apenas para o que Camilo
(2010, p.5005) vai citar como “tortura em estado puro, porque não depende de pretextos para
ensejar a desejada chance de extravasar socialmente o sadismo”.
Na ousadia em contrariar Camilo (2010), sugere-se um pretexto para a violência
cometida contra as mulheres nos trotes: o preconceito de sexo, ou seja, o sexismo. Sexismo
que surge com força ao alocar para o sexo feminino uma condição de mercadoria sexual, ao
invés de estudante e, sexismo que surge ao tratar pejorativamente um homem dando-lhe
características femininas ou que destoam da ordem heterossexual normatizada, como se isso
fosse um grave defeito.
119
Deixando a análise da violência que ocorre fora das salas de aula, inicia-se a discussão
sobre outro tipo de agressão nas quais homens e mulheres estão sujeitos no espaço acadêmico:
a opressão que se traveste de piada dentro das salas de aula.
A função docente demanda a boa comunicação, pois para que a mensagem chegue aos
alunos da maneira ideal, é preciso obter a atenção destes durante a fala. Em Pedagogia isso é o
que se chama de didática. Enquanto professor, não basta ter conhecimento, é preciso saber
transmitir o que se sabe. Ter ou não didática para trabalhar os conteúdos com os alunos vai
influenciar em todo processo de aprendizagem dos mesmos. Assim sendo, os professores
ocupam-se em alinhar estratégias que possam ser úteis na captação do interesse dos discentes
durante as aulas. Estratégias essas que variam desde os recursos didáticos utilizados,
perpassando pela maneira de conduzir a aula, até a postura docente na relação professor-
aluno. O foco de interesse neste momento é o último item, a postura do professor na sala de
aula.
O interesse por olhar a didática docente por esse ângulo se justifica no entendimento
de que é na relação direta com os alunos que o professor expressa todo conteúdo de si, ou
seja, não apenas o conhecimento técnico de sua área, mas suas crenças e paixões pessoais,
assim como é comum, suas próprias histórias de vida como exemplo para diversas situações.
Logo, as estratégias utilizadas para obter a atenção dos alunos, variam de acordo com a
personalidade do docente em questão. É neste ponto que o uso de piadas surge como um dos
elementos preferidos dos docentes para descontrair o ambiente e ativar a relação professor-
aluno através do carisma.
Andrade (2015) sugere o uso do humor em sala de aula, não apenas para descontrair o
ambiente, mas para que sirva como ferramenta de ensino, afinal, se o aluno sorrir com
determinada flexão do conteúdo em tom humorístico, será mais fácil que processe
cognitivamente essa mensagem, aprenda seu conceito e utilize o gatilho do humor para
recordá-lo sempre que preciso.
120
Muitos professores utilizam o humor para provocar momentos de alívio em seus
estudantes. Trabalham um conteúdo denso, difícil e, para relaxar um pouco, contam
uma piada ou fazem uma brincadeira, que normalmente nada tem a ver com o
conteúdo que estão trabalhando. E, como resultado, a turma libera a tensão através
do riso. Depois disso, todos voltam a se concentrar seriamente na aula.
Evidentemente, não se pode negar que esse é um procedimento interessante. No
entanto, não nos parece suficiente. (ANDRADE, 2015, p.5)
Não parece suficiente no sentido de promover a piada pela piada, sem intenções
pedagógicas. O contrário acontece com professores que, por exemplo, transformam os temas
da aula em músicas e paródias, utilizando da irreverência para ensinar conteúdos complexos
de uma maneira mais simples e agradável, como é o caso do professor Sílvio Predis, que em
2013 ficou famoso na internet por ter um vídeo divulgado onde ensina Química para seus
alunos através do ritmo do funk, trocando a letra da música pelo conteúdo ensinado em aula.
Em entrevista ao Programa do Jô, também em 2013, Sílvio comenta como essa prática
alivia o stress dos seus alunos, já que ele leciona em cursinhos pré-vestibulares, então se trata
de um ambiente onde a maioria dos jovens está tensa por causa da pressão para a entrada na
universidade. Assim, o humor é uma estratégia válida para captar o interesse, ensinar de
maneira significativa e ao mesmo tempo serve como válvula de escape para os alunos,
tornando o ambiente mais agradável para todos e ainda alcançando os objetivos educacionais
estabelecidos.
O exemplo de Sílvio é admirável, mas infelizmente não corresponde a maioria dos
casos de bom uso do humor em sala de aula. O que ocorre na prática, já nos próprios
cursinhos pré-vestibulares, é um show de preconceitos que nada tem a ver com os objetivos da
aula. Os cursinhos cobram caro para preparar os alunos para os grandes vestibulares e para o
Exame Nacional do Ensino Médio. Quanto mais concorrido o curso escolhido pelo aluno,
mais denso é o conteúdo que ele precisa dominar para obter uma nota maior e assim, obter
chances de sucesso maiores também. Portanto, os professores contratados pelos cursinhos são
aqueles que têm verdadeiro talento para o palco, fazendo tudo para manter o interesse do
aluno na aula. Logo, o uso do humor através de piadas é muito comum. O problema é que na
maioria das vezes, não há recursos cognitivos disponíveis para piadas mais elaboradas, e o
que ocorre é a repetição de piadas preconceituosas contra mulheres, homossexuais e negros.
Em 2014, em matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, o título era “Reação de
alunos faz professores pararem com piadinhas homofóbicas de cursinho.” A reação dos alunos
foi provocada de maneira generalizada em vários cursinhos do estado de São Paulo. Diante
das constantes piadinhas homofóbicas e machistas, e do aumento gradual da consciência dessa
problemática por parte dos alunos, a matéria registra que especialmente as meninas estão
121
reclamando e denunciando cada vez mais. O que culminou em uma reorientação das direções
dos cursinhos, solicitando aos seus docentes para que suspendam os comentários
depreciativos contra as mulheres e homossexuais, não por consciência do absurdo, mas por
receio dos futuros processos jurídicos que teriam de responder.
Um dos professores relatou ao jornal “Virei chato. Não faço mais brincadeiras. Minhas
aulas estão terminando mais cedo. Passo exercícios a mais.” Outro professor disse “Entre 80
pessoas entenderem que é brincadeira e 20 acharem que você está incentivando alguma coisa,
é melhor não fazer piada. O incrível é que, dez anos atrás, você podia contar piada de preto,
de português. Ao mesmo tempo, era inimaginável ter dois meninos se beijando no cursinho
como temos agora.” Através da fala dos dois professores é possível notar a insatisfação por
serem coagidos a acabar com suas práticas preconceituosas. Acerca da temporalidade do
humor, em referência ao depoimento do último docente, Andrade (2015) afirma:
O que é engraçado hoje pode não ser amanhã. O que é engraçado para mim, pode
não ser para ele. O que é engraçado em minha cultura pode não ser na cultura dele.
O que é engraçado para as crianças pode não ser para os jovens e o que é engraçado
para os jovens pode não ser para os idosos. Portanto, o humor vai ser encarado de
maneira diferente de acordo com o sexo, idade, escolaridade, nacionalidade,
momento e conhecimento de mundo de cada um. Somos diferentes, por isso rimos
de coisas diferentes. (ANDRADE, 2015, p.2)
Existe a famosa justificativa de “Ah, mas no tempo do programa dos Trapalhões eles
faziam piadas com negros chamando-os de macacos, com mulheres que apanhavam dos
maridos, com homossexuais estereotipados e ninguém achava ruim”, que é muito utilizada por
todos que buscam defender a continuidade do humor que insiste em agredir.
O programa comandando por Renato Aragão foi ao ar na década de 1980, época onde
a maioria da população brasileira nem sonhava em questionar os papéis de gênero, a violência
imposta a homossexuais ou o próprio racismo. Atualmente, com o aumento da consciência
feminista, o mundo se tornou mais difícil para os engraçadinhos de plantão, mas isso não
significa grandes avanços.
Levando em conta que os estudos nessa área específica da ação docente ainda são
poucos, questionou-se aos alunos participantes desta pesquisa “Você já presenciou algum (a)
professor (a) fazendo piadinhas preconceituosas na sala de aula?”. Segue a Tabela 16
especificando o percentual das respostas por sexo e de acordo com cada curso participante.
122
Tabela 16: Incidência de piadas preconceituosas de acordo com o curso.
O percentual obtido diz respeito àqueles que responderam “sim” para essa questão.
Observa-se então, que em todos os cursos pesquisados, exceto o curso de Letras/Libras, os
universitários já presenciaram docentes fazendo piadinhas de cunho preconceituoso durante
suas aulas. Os cursos com percentuais mais elevados foram: Artes Visuais, Letras, Ciências
Contábeis, Engenharia Elétrica e Direito.
Os cursos com percentuais mais baixos foram: Geografia, Matemática e Música
(32%). Todavia, esses percentuais baixos dizem respeito à média, mas se o olhar for
deslocado para o que respondem homens e mulheres especificamente em cada curso, será
possível perceber que a média só caiu, pois o número de homens que respondeu positivamente
foi menor do que o número de mulheres. O curso de Geografia, por exemplo, segue com
média de 27%, mas o olhar direcionado apenas para as mulheres notará que 50% destas
123
responderam positivamente, enquanto apenas 22% dos seus colegas homens fez o mesmo.
Outras dissonâncias semelhantes são encontradas nos cursos de Administração (17% eles e
54% elas), Química Industrial (14% eles e 60% elas) e Estudos Africanos (17% eles e 78%
elas).
Outro dado relevante: Observando-se os cursos nos quais homens e mulheres
aparecem respondendo positivamente em 100% dos casos, é possível estabelecer uma relação
entre a predominância de sexo no curso em questão e a percepção acerca das piadas na
maioria das vezes. Por exemplo: O curso de Serviço Social é considerado feminino, logo,
100% dos homens respondeu já ter presenciado docentes fazendo piadinhas preconceituosas,
em detrimento das 67% de suas colegas que responderam o mesmo. O curso de Ciências
Econômicas é considerado masculino, logo, 100% das mulheres respondeu positivamente à
questão, enquanto apenas 56% dos seus colegas responderam o mesmo.
A média geral de respostas positivas entre todos os participantes do estudo,
independente de sexo ou curso, é de 56%. Ou seja, mais da metade dos sujeitos desta amostra
já presenciou este ato. A frequência é apontada por todos os participantes, como “raramente”,
exceto pelos cursos de Ciências Contábeis, Química e Direito, onde os alunos marcaram a
opção “regularmente” na maioria das vezes.
O curso de Biblioteconomia foi o único da amostra que não apresenta representantes
do sexo masculino, logo, os índices dizem respeito apenas à população feminina do curso.
Questionou-se também sobre o tipo de piada, para que fosse possível identificar a
intensidade dos ataques com relação a cada população. Logo, as opções que foram dadas no
instrumento de pesquisa foram: ( ) Piadas racistas, ( ) Piadas machistas / sexistas e ( ) Piadas
homofóbicas. Nesta questão os alunos poderiam marcar mais de uma opção se assim
desejassem. Então, a partir da tabulação dos dados, obteve-se a Tabela 17, que apresenta um
omparativo dos tipos de piadas presenciadas pelos alunos:
124
Tabela 17:Tipos de piadas preconceituosas de acordo com o curso.
Machista/Sexista Racista Homofóbica
Cursos Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
1. Ciências Imobiliárias 50% 60% 33% 20% 33% 0%
2. Biblioteconomia - 40% - 50% - 40%
3. Ciências Contábeis 50% 53% 12% 40% 12% 27%
4. Geografia 11% 0% 0% 50% 11% 0%
5. Engenharia Elétrica 46% 100% 15% 0% 39% 50%
6. Química 37% 40% 5% 0% 26% 7%
7. Turismo 25% 20% 0% 20% 12% 30%
8. Hotelaria 0% 39% 0% 15% 0% 15%
9. Letras/Libras 0% 0% 0% 0% 0% 0%
10. Direito 69% 93% 35% 43% 42% 86%
11. Pedagogia 33% 40% 33% 27% 33% 27%
12. Música 14% 25% 0% 25% 29% 13%
13. Engenharia Química 56% 38% 11% 25% 33% 13%
14. Matemática 20% 40% 20% 40% 20% 40%
15. Administração 8% 54% 17% 16% 8% 15%
16. Ciências Econômicas 44% 100% 22% 14% 11% 43%
17. Química Industrial 14% 60% 0% 0% 0% 0%
18. Física 67% 100% 33% 0% 33% 0%
19. Oceanografia. 50% 40% 0% 30% 20% 50%
20. Serviço Social 100% 50% 0% 0% 0% 8%
21. Comunicação Social 100% 58% 25% 8% 25% 8%
22. Psicologia 0% 25% 0% 0% 20% 0%
23. Letras 67% 80% 17% 20% 0% 30%
24. Estudos Africanos 0% 67% 0% 56% 17% 67%
25. Artes Visuais 33% 63% 67% 63% 100% 88%
26. História 50% 29% 25% 0% 38% 14%
27. Teatro 55% 0% 18% 0% 46% 33%
28. Filosofia 39% 68% 15% 16% 15% 33%
Total – média geral por sexo 38% 49% 15% 21% 23% 26%
Total - média geral 44% 18% 25%
Fonte: Nossa autoria.
125
masculinos. Todavia, os índices também são altos na maioria dos demais cursos. Inclusive
naqueles considerados femininos, como Serviço Social.
Os cursos onde os participantes marcaram as piadas machistas e sexistas em menor
proporção foram: Psicologia, Geografia e Música.
Os cursos campeões em piadas homofóbicas foram: Artes Visuais, Teatro, Direito,
Ciências Econômicas e Engenharia Elétrica. Os cursos onde as piadas homofóbicas não foram
tão presentes foram: Química Industrial, Geografia, Serviço Social, Psicologia e Hotelaria.
Os cursos campeões em piadas racistas foram: Direito, Artes Visuais, Ciências
Imobiliárias e Estudos Africanos. Os cursos onde os participantes marcaram as piadas racistas
em menor proporção foram: Teatro, Psicologia, Serviço Social, Química e Química Industrial.
Causou espanto o índice sobre piadas racistas obtido no curso de Estudos Africanos,
afinal, este curso tem justamente a finalidade de formar profissionais para trabalhar o ensino
de História e Cultura Africana no sistema educacional brasileiro. Logo, o dado de que 56%
das mulheres alunas afirmam já terem presenciado seus professores fazendo piadas racistas, é
de fato problemático.
Durante a fase de coleta de dados, essa tendência no curso de Estudos Africanos foi
observada, pois os alunos respondiam e em alguns momentos conversavam entre si, ainda que
a orientação fosse para que respondessem de forma individual. Todavia, não foram conversas
que atrapalhariam a obtenção dos dados. Assim, quando as alunas chegaram à questão sobre
as piadas, uma delas leu a questão e falou alto “Isso é muito comum por aqui”. Diante desta
constatação, questionou-se a aluna e outras cinco que estavam no mesmo grupo “Piadas
racistas? Aqui?” Elas sorriram e uma respondeu “Ih, é mais comum do que você imagina”.
Acerca da reação dos colegas sobre as piadas preconceituosas, uma das alunas do curso
escreveu no instrumento de pesquisa: “Não entenderam o teor do discurso”.
Importante lembrar que há 25 anos o racismo é crime no Brasil. A Lei Nº 7.716 de
1989 prevê punições para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional. No entanto, ela não é clara sobre piadas relacionadas à
raça. (Lei 7.716/89)
Em 2014, o humorista Danilo Gentili, reconhecido por fazer piadas extremamente
preconceituosas de maneira recorrente, foi absolvido do crime de injúria racial por
ter oferecido bananas a um internauta negro em outubro de 2012. A justiça interpretou a
atitude de Danilo como inocente, pois não haveria na piada a intenção de ofender o internauta.
Entre tantos outros casos posteriores a esse, em 2017, Danilo gravou a si mesmo recebendo a
notificação de um processo judicial iniciado pela Deputada Federal Maria do Rosário. Neste
126
vídeo, ele aparece chamando a deputada de “puta”, rasga o processo, enfia os papéis rasgados
nas próprias calças, coloca-os de volta no envelope onde escreve “com cheirinho especial” e
vai até o correio onde envia tudo para Maria do Rosário.
A sensação de impunidade é tão grande que ele sorri o tempo todo, enquanto fala
outras palavras de baixo calão direcionadas à deputada. Racismo e sexismo andando lado a
lado, e o autor das agressões sendo inocentado sumariamente, já que a maior parte das pessoas
que assistiram ao vídeo, consideraram como tudo sendo apenas uma piada. Importante
salientar que no caso de racismo, Danilo ofereceu bananas para o homem, pois o mesmo
estava questionando suas posturas preconceituosas.
O processo de Maria do Rosário foi aberto em decorrência de constantes ataques
difamadores sobre sua honra e capacidades para o trabalho. Este caso serve para exemplificar
como posturas racistas acompanham posturas sexistas e vice-versa.
“[...] há profundas analogias entre a situação das mulheres e dos negros: umas e
outros emancipam-se hoje de um mesmo paternalismo e a casta anteriormente
dominadora quer mantê-los ‘em seu lugar’, isto é, no lugar que escolheu para eles;
em ambos os casos, ela se expande em elogios mais ou menos sinceros às virtudes
do ‘bom negro’, de alma inconsciente, infantil e alegre, do negro resignado, da
mulher ‘realmente mulher’, isto é, frívola, pueril, irresponsável, submetida ao
homem.” (BEAUVOIR, 1970, p.18)
127
Tabela 18: Reação dos colegas diante das piadinhas preconceituosas dos professores.
Homens A Ocorre
Desconforto,
dão risada. maioria debate Indignação/
Cursos Indiferença mas ninguém
Mulheres costuma na Revolta
questiona. Denúncias
repudiam. sorrir. sala.
As reações dos universitários diante das piadas preconceituosas ditas por professores
são variadas, mas em 91% dos casos não ultrapassa a porta da sala de aula, ou seja, em média
só 9% mencionam o ato de denunciar como algo já realizado pela turma.
“Houve uma reprovação por parte dos alunos que se retiraram da sala e prestaram queixa na
coordenação.” (Homem, Letras)
“A pessoa ofendida foi à coordenação reclamar e o professor não voltou a dar aula para a
turma do 2º período” (Mulher, Letras)
128
No decorrer desta análise serão incluídas as escritas dos alunos com relação a esse
questionamento, uma vez que elas são elucidativas e servem para dar o direito de “voz” a
todos que se dispuseram a contribuir com a pesquisa. Importante registrar que na fase de
coleta de dados, durante a aplicação dos questionários, era possível observar que as mulheres
o levavam muito a sério sempre. Em contrapartida, toda vez que alguém ria alto enquanto lia
alguma questão, esse alguém era um homem.
Retomando, o percentual maior de reação foi o riso, onde os participantes afirmam em
23% dos casos que a maioria dos seus colegas apenas ri da piada. Um percentual menor (7%),
mas não menos importante, foi o de pessoas que julgaram necessário esclarecer que quem
sorri são os homens, enquanto as mulheres repudiam tal situação.
Os cursos com percentuais mais elevados de pessoas que dão risadas das piadas foram:
Física, Engenharia Química, Ciências Econômicas, Oceanografia, Engenharia Elétrica e
Química.
“Dão risadas, o que para mim se torna um ato de concordância” (Mulher, Ciências
Econômicas)
“Meus colegas riem, quando vejo que não dá pra argumentar, me retiro da sala” (Homem,
Ciências Econômicas)
“Os homens em sua maioria acham normal, algumas mulheres também, mas algumas outras
ficam completamente revoltadas.” (Mulher, Turismo)
“Todo mundo sorri, quer dizer, acho que todo mundo. Não sei como criticar sem ofender, por
isso acabo baixando a cabeça e ficando calada.” (Mulher, Administração)
129
Demonstrar-se indiferente com relação à piada, como se não tivesse ocorrido nada
relevante é a reação apontada por 18% dos participantes na média geral. Os cursos onde essa
reação é mais recorrente foram: Ciências Contábeis, Artes Visuais, Serviço Social,
Biblioteconomia, Direito e Engenharia Elétrica.
“Todos fingem que não ouviram e quando alguém fala todos defendem o professor, colocando
a fala dele como ‘brincadeira’”. (Homem, Artes Visuais)
“Riem ou tentam fingir indiferença (os que se ofendem). A reação dos que se ofendem
também varia conforme o grau de autoritarismo do professor”.
(Mulher, Comunicação Social)
“A maioria ignora, mas sinto que muitos (especialmente homens) vibram em silêncio. Em
uma sala em que a maioria é mulher cis e homens homossexuais, a “minoria” (dentro desse
contexto) homem e hétero tem um grupo no Whatsapp chamado “resistência hétero”, formado
por pelo menos dez alunos, que calam na aula, por medo de retaliações, mas vibram entre si.”
(Mulher, Direito)
“Eles riem, porém não há manifestação de revolta, só quando uma mulher se pronuncia e diz
que tal piada ou gracinha ofendeu”.
(Mulher, Letras)
“Foi somente uma vez e foi bem sutil. Uma piada não com uma aluna em específica, mas com
as mulheres de modo geral” (Mulher, Serviço Social)
130
Sentir desconforto com a situação, mas não reagir é a terceira categoria mais
recorrente, atingindo um percentual de 16% das respostas. Os cursos onde isso mais acontece
são: Artes Visuais, História, Direito, Biblioteconomia e Pedagogia.
“A maioria se inibe e quem tenta fazer algo às vezes ainda sai por errado, chato, etc.”
(Mulher, Artes Visuais)
“Alguns sorriem por achar graça, outros por constrangimento.” (Mulher, Matemática)
“Ocorre espanto e estranhamento, creio que pelo ambiente em que é feita a piada” (Mulher,
Comunicação Social)
Já de acordo com 15% dos alunos, a reação dos seus colegas é a de problematizar a
situação e levantar o debate acerca da piada preconceituosa na sala de aula. Os cursos onde
essa atitude foi mais recorrente foram: Psicologia, Letras, Ciências Imobiliárias e
Comunicação Social.
“Ficamos espantados e o questionamos. Ele disse que era apenas brincadeira e que não tinha
preconceito” (Homem, Teatro)
131
Após a identificação dos resultados acerca das piadas e dos tipos destas, segue a
análise dos dados obtidos, mas agora com relação ao assédio sexual, essa prática de violência
que infelizmente ainda é uma realidade no cotidiano de muitas pessoas. Sobre o assédio,
questionou-se “Você já foi assediado sexualmente dentro da universidade?” A seguir, a
Tabela 19 com o percentual de respostas entre homens e mulheres de acordo com o curso.
Durante a aplicação dos questionários, por três vezes em cursos diferentes, homens
questionaram as colegas mulheres (todas as vezes de forma jocosa) sobre a questão do assédio
“O que é assédio pra vocês?”, “O que é assédio de verdade mesmo? “Qual a diferença entre
assédio e cantada?”. Na primeira pergunta a resposta foi o silêncio e um pedido de “responde
132
o teu quieto!” por parte de uma aluna. Na segunda oportunidade, risos constrangidos, que
foram recebidos com um sorriso de satisfação do rapaz que fazia a questão. No último caso,
porém, um outro rapaz respondeu “Assédio é quando você é feio e pobre. Cantada é quando
você é bonito ou tem dinheiro.” Ambos riram, mas nenhuma mulher do ambiente acompanhou
as risadas.
Sobre cantada e assédio, a jornalista Andreia Nobre (2016), em publicação para o
Instituto da Mulher Negra – Geledés esclarece: Cantadas são o próprio assédio, pois cantadas
não são elogios, são intervenções que demonstram a clara intenção sexual, causando
constrangimento. Apesar disso, existe uma grande resistência masculina em perceber a
diferença entre ser agradável e praticar assédio. Os elogios sinceros que não façam referência
ao corpo da mulher e não causem constrangimento são diferentes da violência característica
do assédio. Andreia ainda comenta sobre a dificuldade que os homens têm de entender isso:
Muitos homens, mas muitos mesmo têm muita dificuldade em entender como pode
um “elogio” ser considerado assédio. Eles consideram que não há nada demais em
dizer a uma mulher que ela é linda. Na verdade, eles ficam ofendidos se a gente não
aceita ser, segundo eles, “elogiada”. (NOBRE, 2016)
Dizer para os homens que estes não têm o direito de lançar cantadas nas mulheres, pois
essa atitude não é interpretada pelas mesmas como um elogio e sim como uma violência é
uma tarefa que requer paciência. No imaginário popular da cultura machista e sexista,
convencionou-se a acreditar que homens podem interpelar mulheres a qualquer tempo para
dizer a elas o quanto algo nas mesmas foi motivo de admiração. De forma geral, algo
relacionado ao corpo.
Durante muito tempo as mulheres consideraram o assédio sexual como algo quase
inerente ao ser feminino, só recentemente é que essa postura vem sendo questionada e
criticada, principalmente pelo movimento feminista.
Não é surpresa, que diante da pergunta sobre assédio, três homens sujeitos deste
estudo tenham julgado engraçado questionar o que de fato seria assédio, enquanto que
nenhuma mulher fez o mesmo. O sujeito que completou, explicando erroneamente a diferença
entre cantada e assédio, o fez através de sexismo, machismo e misoginia, pois agiu de maneira
133
clara e deliberada no sentido de denegria a imagem das suas colegas e das mulheres em geral,
inclusive da professora e da pesquisadora presente, dando-lhes a alcunha de interesseiras e
manipuladoras, e sem temer nenhuma punição por isso, como de fato, não ocorreu.
Enfim, entre homens e mulheres, a média geral daqueles que responderam já terem
sido alvos de assédio ficou em 14% e 24% respectivamente. Os cursos campeões em
percentual de alunas assediadas são: Engenharia Elétrica, Filosofia, Hotelaria, Química
Industrial, Oceanografia e Teatro. Uma das alunas de Teatro disse durante a fase de coleta de
dados:
“Isso acontece o tempo todo. O povo acha que somos atrizes e que nesse meio é tudo
liberado, que aceitamos tudo e que não temos critério e nem pudor.”
“Que bom que foi perguntado aqui sobre assédio. Eu mesmo me sinto constantemente
assediado por uma professora. Eu chego e ela passa a mão no meu corpo, me fala coisas. Eu
não gosto, mas como homem se eu falar algo ninguém dá valor.”
A resposta da turma para o relato do colega comprovou os seus temores, pois foi um
riso generalizado, como se ele estivesse brincando. Foi possível notar que o semblante dele se
manteve sério, demonstrando que não se tratava de uma brincadeira. Então, problematizou-se
“Vocês percebem que estão sorrindo de algo que pra ele parece ser sério? Se fosse uma
mulher fazendo o mesmo depoimento sobre um professor, o riso também seria a resposta?”
Todos ficaram calados. Após todos responderem a pesquisa, iniciou-se uma breve discussão
sobre o tema, motivada pela professora presente em sala de aula e pela curiosidade dos alunos
sobre o tema do estudo.
Questionou-se também sobre os autores dos assédios. As opções de respostas eram: ( )
Professores ( ) Funcionários ( ) Colegas ( ) Outros. No caso da opção “outros” existia a
possibilidade de escrever sobre a autoria do assediador. Assim, os dados obtidos são expressos
nos gráficos a seguir:
134
Gráfico 11: Autores do assédio contra os homens:
Homens
Professores Funcionários
Colegas Outros
17% 3%
36%
44%
Mulheres
Professores Funcionários
Colegas Outros
12%
28%
50% 10%
Os dados demonstram que o assédio partiu, na maioria das vezes, pelos próprios
colegas de curso, independentemente do sexo. Os homens são assediados por colegas, outros
(não foram listados quem seriam esses outros), professores e, por último, por funcionários. As
mulheres são assediadas por colegas, professores, outros (também não listados) e por
funcionários.
135
Observa-se que com relação aos assédios por parte dos docentes, 28% foi marcado no
caso das mulheres e apenas 17% no caso dos homens. Se for realizado um exercício de
reflexão, a média diz que uma em cada quatro mulheres deste estudo já foi assediada, e em
28% destes casos, o assediador é um dos próprios professores.
Pinto, Amorim e Carvalho (2016) realizaram pesquisa em uma instituição de ensino
superior, também localizada no nordeste do país, como é o caso desta. A intenção das autoras
foi a de avaliar o ingresso e as condições de permanência de mulheres no curso de Física, área
das ciências exatas, logo, um reduto masculino. Foram entrevistadas nove mulheres que eram
ou já tinham sido acadêmicas do curso de Física. Os principais resultados de seu estudo
foram: a) Todas as mulheres entrevistadas demonstraram gostar da área das Ciências Exatas,
ou seja, escolheram o curso por livre vontade, por ter real interesse no curso. b) Em
decorrência da predominância de homens no curso, as alunas alegaram dificuldade para
relacionar-se com os colegas e consequente solidão. c) Desistência do curso por não se
considerarem inteligentes o suficiente para a sua conclusão ou para ter sucesso profissional na
área posteriormente à sua formação. d) Para serem aceitas pela turma como iguais, como
colegas, deveriam ter desempenho acadêmico muito superior aos dos homens. Quando isso
ocorria, a capacidade intelectual era contestada sob alegação de que estariam tendo ajuda em
troca de favores sexuais.
136
As razões para justificar isso se fazem presentes em frases do tipo “Mas também, olha
o tamanho do short dessa menina!”, “Ela gosta, olha como ela nem reage”, “Ela se insinua e
depois reclama”. Grossi (1994) aponta como fato frequente, o ato da própria vítima ser
responsável por deixar espaços em casos onde é assediada, sob pena de ser intimidada até
fazer isso, como por exemplo, nas relações no mercado de trabalho.
Questionou-se também sobre o assédio no transporte coletivo que faz a linha entre o
campus e o centro da cidade. O Gráfico 13, expressa os dados obtidos.
Homem Mulher
86%
65%
35%
14%
Sim Não
Fonte: Nossa autoria.
137
“Hoje, voltando da UFMA, aconteceu comigo o que eu só via
acontecer com outras meninas e sentia nojo, mas nunca o desespero e
a sensação de impotência que senti. Peguei o Campus sentido
Terminal Praia Grande, e sentei com um colega ao meu lado. Um
homem sentou na cadeira de trás sozinho. Umas paradas depois o
meu colega desceu e eu fiquei só. O homem que estava atrás começou
a se masturbar e falar coisas como “gostosa”, “princesa” e eu
fingindo que não estava ouvindo. Tomei coragem e troquei de lugar, e
ele trocou também, de modo que ele pudesse ficar quase que de frente
pra mim. A minha parada já estava próxima e vi que uma senhora se
levantou e deu sinal de parada. Levantei junto com ela para ir para a
parte de trás do ônibus e ele se levantou junto. Me bateu um
desespero, uma sensação de pânico, mas ele sentou-se atrás e
continuou a se tocar. Quando desci ele ainda me chamou de “putinha
gostosa”, novamente! Eu desci do ônibus e desabei de chorar. Não
desejo isso pra ninguém. Estou até agora sentindo nojo, medo,
desespero...Eu que sempre falei que se isso acontecesse comigo iria
armar o maior barraco, não tive coragem nem de falar, apenas baixar
a cabeça e torcer para que nada pior acontecesse comigo. Deixo aqui
meu relato em forma de alerta. Meninas, tentem não andar sozinhas,
se protejam e protejam as suas!”
Foi realizado contato com essa estudante vítima de assédio e a mesma atendeu o
pedido por maiores detalhes, todavia, relatou o incômodo em falar sobre o ocorrido, pois
segundo ela, isso ainda é motivo de sofrimento. De acordo com ela, na semana seguinte deu
entrevistas sem se identificar, fez boletim de ocorrência, muita gente compartilhou sua
história nas redes sociais, mas a mesma não teve nenhum tipo de retorno. Em entrevista
concedida ao jornal O Estado em 24 de agosto do mesmo ano, a estudante revela: “Eu me
sinto sim, insegura todos os dias, principalmente quando ando sozinha. O pior é que depois
da minha publicação, apareceram alguns homens deslegitimando meu relato. Isso é que me
dói mais”.
Após o relato da estudante, outras mulheres que estudam na instituição demonstraram
apoio e também relataram casos onde algo semelhante ocorreu com elas durante o caminho
até a universidade. O que remete ao próximo questionamento “Você tem medo de voltar
sozinho (a) para casa quando sai da universidade?”. Os resultados foram: 70% das mulheres
responderam que tem medo, enquanto o percentual masculino ficou em 58%. Sentir esse
medo é entendido como algo natural, pois os índices de violência estão alarmantes em todo
país. A diferença está no tipo de medo presente entre homens e mulheres:
138
Gráfico 14: Tipo de medo ao voltar sozinho (a) para casa.
Homem Mulher
83%
55%
33%
4% 4% 7% 10%
2% 2% 0
Estes dados dizem respeito às pessoas que responderam sentir medo. Observa-se que
enquanto os homens (83%) sentem medo de serem assaltados, a maioria das mulheres (55%)
sente medo de ser estuprada. Ou seja, na volta para casa, homens tem medo de perder a
carteira, a mochila, o celular, entre outros, enquanto que as mulheres tem medo de perder a
dignidade humana.
Obviamente, esses dados não dizem respeito apenas sobre a realidade universitária,
afinal, o medo do assalto, do estupro, da morte, é um medo real e cotidiano para todos os
contextos. O que se evidencia nesse caso é a resistência das mulheres em continuarem
frequentando espaços onde também podem ser vítimas a qualquer tempo desse tipo de
violência cruel. E são!
No breve espaço de tempo entre 31 de março e 3 de abril de 2017, foram denunciados
dois casos de estupro no interior da UFMA. O primeiro deles ocorreu durante uma festa
organizada sem o consentimento da reitoria (festas nas dependências da instituição estão
proibidas desde 5 de agosto de 2016, quando Kelvin Rodrigues Ribeiro, estudante do curso de
BCT foi morto com golpes de faca em um banheiro localizado no Centro de Ciências
Humanas, durante uma festa). Assim sendo, a vítima do estupro ocorrido na festa relatou no
boletim de ocorrência que por volta das 22h30min foi abordada por um homem que a
estuprou. Após quatro dias, em 03 de abril de 2017, outra universitária foi estuprada no
campus da UFMA. Dessa vez, a estudante não estava em uma festa, mas dentro do ônibus, no
qual foi abordada por um menor de idade armado que a retirou do coletivo e a levou para um
matagal próximo ao prédio Paulo Freire onde cometeu o crime.
139
Notícias de estupros nos campis das universidades do Brasil inteiro são veiculadas pela
mídia com frequência. Apenas no ano de 2017, além da UFMA, já houve denúncias de
estupros na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, na Universidade Positivo de
Curitiba e na Universidade Federal de Goiás, nesta última instituição o estuprador seria um
professor do curso de Medicina Veterinária.
Após os estupros na UFMA, muitas alunas organizaram um protesto para pedir por
mais segurança no campus, e pelo fim de todo tipo de violência contra as mulheres. Após,
todos os cartazes utilizados foram colados pelas paredes da instituição. Um deles dizia:
“Professor, suas piadas machistas não são engraçadas”.
O cartunista Laerte, no documentário “O riso dos outros” disse “O humor dialoga com
os preconceitos das pessoas”.
140
5. DELIBERAÇÕES FINAIS
141
Os mais sexistas foram também aqueles que mais rejeitaram o feminismo, e isso
também pode parecer uma conclusão óbvia, mas não se for levado em conta o fato de que o
sexismo destes foi mensurado a partir de conotações do sexismo benévolo, logo, estes não
rejeitam o feminismo por julgarem existir igualdade entre os sexos, mas sim, porque são
desejosos da manutenção dos estereótipos de gênero.
Dentro da Universidade, espaço onde atitudes sexistas não deveriam ocorrer,
constatou-se que ainda são frequentes os trotes, que envolvem atos preconceituosos,
principalmente machistas, as piadinhas dentro da sala de aula e os constrangimentos por ser
mulher ou por ser homem em espaços onde não são considerados adequados para seu sexo. Os
homens aparecem como vítimas de preconceito em espaços considerados femininos, mas as
mulheres são vítimas do mesmo preconceito, tanto em espaços onde elas “não deveriam
estar”, como ambientes masculinos, como, também, nos próprios lugares “destinados” para
seu sexo.
Constatou-se então, a presença de sexismo entre os universitários, tanto em nível de
percepções como em vivências dentro do ambiente acadêmico, e isso é, aparentemente, uma
grave constatação, pois se hipoteticamente o sexismo diminui com o nível de instrução,
observá-lo no ambiente universitário é sinal de que nos demais ambientes este estará presente
em nível mais elevado.
Importante ressaltar que as fronteiras que limitam o que é “de homem” e o que é “de
mulher” são culturais justamente por se mostrarem flexíveis e dinâmicas ao longo dos tempos
e espaços, ou seja, o que hoje é considerado masculino amanhã pode ser considerado feminino
e vice-versa. Logo, não há razão que justifique a manutenção dessas fronteiras quando estas
atuam limitando a vida de homens e mulheres através de preconceitos diversos.
A abordagem quantitativa utilizada neste estudo permitiu compreender a realidade
através de nuances específicas, que se esconderiam nas generalizações dos discursos
qualitativos. O método empregado para a inferência de sexismo foi validado devido aos
índices semelhantes que foram obtidos entre este estudo e os demais estudos recentes sobre
sexismo, portanto, parece útil para ser aplicado em outros contextos e com outros
questionamentos. Apesar do uso da abordagem quantitativa, não é intenção deste estudo a de
promover generalizações, mas sim, olhar para a realidade, mensurá-la e com isso, dar suporte
para novas investigações que se façam necessárias. Formiga (2011) diz que para enfrentar o
sexismo, é preciso, antes de tudo, conhecer a sua dimensão. Assim sendo, um primeiro passo,
no que concerne aos estudos sobre essa temática no ensino superior, foi dado.
142
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150
APÊNDICES
151
APÊNDICE A
INSTRUMENTO DE PESQUISA
SUA VIDA
(Etapa 1)
1. Curso: ________________________________________.
3. Idade: _________.
8. Você se considera:
( ) Branco (a) ( ) Preto (a) ( ) Pardo (a) ( ) Amarelo (a) ( ) Indígena
152
SUAS PERCEPÇÕES
(Etapa 2)
Diante dos itens apresentados, marque com “x” aquilo que em sua opinião é coisa de
homem, de mulher ou de ambos.
153
VOCÊ E SEU CURSO
(Etapa 3)
1. Na sua concepção, quem tem mais chances de ser bem sucedido na sua profissão?
( ) Homens ( ) Mulheres ( ) Homens e Mulheres de maneira igual.
2. Alguém já disse que o curso que você faz é “coisa de homem” ou “coisa de mulher”?
( ) Sim, já disseram que é “coisa de homem”.
( ) Sim, já disseram que é “coisa de mulher”.
( ) Não, isso nunca aconteceu.
3. Sua capacidade profissional já foi colocada em dúvida por ser homem ou mulher?
( ) Sim, por ser mulher. ( ) Sim, por ser homem. ( ) Não.
4. Você já se sentiu constrangido (a) ou como se sua opinião fosse menos importante durante
uma discussão em aula por causa do seu sexo?
( ) Sim, por ser mulher. ( ) Sim, por ser homem. ( ) Não
5. Você acredita que exista um sexo mais “adequado” para trabalhar na sua área?
( ) Sim, homens são melhores nesta área. ( ) Sim, mulheres são melhores nesta área. ( )
Não.
9. Você tem medo de voltar sozinho (a) para casa quando sai da universidade?
( ) Não ( ) Sim Qual é o seu medo? __________________________
10. Você já presenciou algum (a) professor (a) fazendo piadinhas preconceituosas na sala de aula?
( ) Sim, piadas racistas.
( ) Sim, piadas machistas / sexistas.
( ) Sim, piadas homofóbicas.
( ) Não.
154
APÊNDICE B
O Senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa que tem o objetivo
de investigar as percepções dos universitários e as implicações do sexismo no ensino superior.
Esta é uma pesquisa em nível de Mestrado e que está vinculada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão. Este estudo não acarretará
nenhum risco ou desconforto, mas algumas perguntas do questionário podem gerar certo
constrangimento. Portanto, você poderá desistir de participar deste estudo a qualquer
momento durante o procedimento, mesmo após já ter iniciado, e isso não lhe trará nenhum
prejuízo. Todas as informações e os resultados serão guardados sob nosso sigilo,
resguardando seu anonimato, assim como nossa ética profissional exige. Não haverá despesas
pessoais para você em qualquer fase desta pesquisa. Também não haverá compensações
financeiras relacionadas à sua participação. Os dados e o material coletado serão utilizados
somente para fins científicos.
________________________________
(Assinatura)
155
APÊNDICE C
__________________________________
Prof.ª Dra. Diomar das Graças Motta
(Orientadora)
156
APÊNDICE D
Atenciosamente,
__________________________________
Coordenador (a) do curso de
__________________________________
157
APÊNDICE E
__________________________________
Bianca Bueno do Nascimento – Responsável pelo estudo.
158
ANEXOS
159
ANEXO 1
AUTORIZAÇÃO DA REITORIA
160