Papel Da Memória Pecheux - 1999
Papel Da Memória Pecheux - 1999
Papel Da Memória Pecheux - 1999
Papel Da Memória
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Introdu ção ............................................................................ 7
1999
Impresso no Brasil
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7/24/2019 PÊCHEUX, Michel. et. al. Papel Da Memória
INTRO UÇÃO
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disso, a memória é analisada em sua materialidade complexa, arquiteturas, etc.), como operadores de memória social, traba
com ênfase para a relação do texto com a imagem, para a passa lham no sentido de entrecruzar memória coletiva (lembrança,
gem do visível ao nomeado. Por um lado, os textos fundadores conservaç ão do passado, foco da tradição, monumento de remi
de memória: mitos, relatos, enunciados, paráfrases. Por outro, a niscência) e história (quadro dos acontecimentos. conhec imen
eficácia simbólica da imagem: a reprodução pictórica, o meio to, documento histórico).
televisual e até objetos arqueológicos. Ficam expostas ao leitor
diferentes práticas memoriais pres entes na sociedade ocidental,
Do contemporâneo passamos para o antigo. Jean-Louis
sejam aquelas da Grécia antiga, sejam as que emergem com as
Durand faz uma interrogação envolvendo as práticas memoriais
recentes mudanças tecnológicas.
da Grécia clássica. Ele coloca uma questão de enunciação im
portante: quem fala e com que direito, ao se produzir memó ria?
Analisando a construção discursiva do sentido e o funci No caso da Grécia antiga, a produção da memória só se daria na
onamento dos implícitos, Pierre Achard mostra que a memória presença do poeta épico - de Homero - por meio de um texto
não pode ser provada, não pode ser deduzida de um corpus,
produzido fora do domíni o da cidade. No entanto, há uma con
mas ela só trabalha ao ser reenquadrada por formulações no
tradição na memória, com a oposição dos valores de grupo, dos
discurso concreto em que nos encontramos. O implícito de um
enunciado (Achard analisa o enunciado: «Neste momento, o textos homéricos, aos valores éticos, políticos, sociais em uma
dada situação. Ao examinar a imagem de um vaso grego, Durand
crescimento da economia é da ordem de 0,5 ») não contém sua
nota a possibilidade de remissão ao mesmo tempo a um herói da
explicitação, não se pode provar que ele tenha existido em al
epopéia e a um simples combatente da cidade, um gueITeiro
gum lugar O que funcionaria então seriam operadores
anônimo. Se pensarmos nos sistemas atuais de memória, pode
linguageiros imersos em uma situação, que condicionariam o remos ver a relação das práticas memoriais gregas com as me
exercício de um a regularidade enunciativa. Haveria, deste modo, mórias heróicas estabelecidas em nossa sociedade.
a colocação em série dos contextos e das repetições formais,
numa oscilação entre o histórico e o lingüístico. Através das
Em seguida o livro, o artigo de Pêcheux faz uma retoma-.
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vido , memória fano-magnética ou registro mecânico. Para isso, memorização de uma forma máxima completa. Além disso. esta
apoiar-me-ei sobre alguns exemplos. memorização repousaria sobre um consenso. Ora. se olhamos
mais de perto, a explicitação desses implícitos em geral não é
Meu primeiro exemplo concerne ao funcionamento da necessária a priori, e não existe em parte alguma um texto de
palavra crescimento no domínio da Economia Política. Um referência explícita que forneceria a chave. Essa ausêncie: rião
um
enunciado como: Neste momento, o crescimento da economia faz falta,posterior
trabalho a paráfrase deoexplicitação
sobre explícito do aparece
que comoantes como
pré-condição.
é d ordem de 0,5 % faz apelo a um certo número de implíci
tos, dos quais evocarei apenas alguns. O primeiro deles é indu O que é pressuposto, esse consenso sobre o implícito, é somen
zido pela pressuposição de que se pode aplicar uma taxa a um te uma representação.
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de (re)construção dos implícitos corresponde também àquele Para ilustrar de maneira menos elementar a dialética en
que Robert Lafont, em O trabalho e a língua, designa como tre repetição e regularização, utilizarei, de modo metafórico,
regulagem do praxema • Com efeito, o funcionamento do dis um imaginário topológico. Creio que esta analogia é relativa
curso (e é nisso que a noção de discurso se distingue da de fala mente bem fundada. Tomemos uma série numérica, que seja,
no sentido do CLG)' supõe que os operadores linguageiros só para utilizar um exemplo simples, a série O 1/2, 2/3, 3/4, ( .. ).
4
funcionam com relação à imersão em uma situação, quer dizer, Dizer que esta série tende a 1 pode ser formulado dizendo que
levando-se em consideração as práticas de que eles são porta toda vizinhança de 1 contém toda a série exceto um número
dores. De outro modo, o passado, mesmo que realm ente memo finito de termos. Assim, se admitimos que o termo geral da série
rizado, só pode trabalhar mediando as reformulações que per é da formas= n - l)/n, vemos que a vizinhança de 1 definida
mitem reenquadrá-lo no discurso concreto face ao qual nos en como o conjunto dos números compreendidos entre 999 999
contramos. 999/l 000 000 000 e 1 000 000 001 l 000 000 000 compreende
todos os termos da série exceto um núme ro finito de termos (os
Pelas necessidades da análise, vamos supor um funcio 1 000 000 000 primeiros). Bem entendido, só posso reconhecer
namento linguageiro que comporta apenas um registro que esta série tende a 1 porque substituí a enumeraç ão dos pri
discursivo, e colocar aí o problem a do sentido de uma pala meiros termos pela regra que permite formular o termo geral.
vra . Admitiremos (como hipótese lexicológica) que o que ca
racteriza a palavra é sua unidade, sua identidade a si mesma, Sem esta formulação, nada garante que, com relação a
que permite reconhecê-la em seus diferentes contextos. De ou uma vizinhança suficientemente pequena, o número das exce
tro modo, colocarei aqui a palavra como uma unidade simbóli ções continue finito. E como existe certamente uma infinidade
ca cujo reconhecimento a identificação permite definir em ter de séries que começam pelos mesmos termos, nenhuma obser
mos de repetição. Cada nova co-ocorrência dessa unidade for vação empírica do começo de uma série nos permite deduzir a
mal fornece então novos contextos, que vêm contribuir à cons regra. Em termos lingüísticos, isso corr esponde a constatar que
trução do sentido de que essa unidade é o suporte. Mas para o corpus nunca é suficiente para fundar a gramática, e que a
poder atribuir um sentido a essa unidade, é preciso admitir que regularização repousa sobre um jogo de força. Acrescentamos
suas repetições - essas repetições - estão tomadas por uma regu aqui que o jogo de força pode designar o sentido como limite 6 •
laridade' . É uma regularidade desta ordem que supomos com o
termo ''crescimento no registro econômico. Essa regularidade, Um procedimento desta ordem pare ce necessário se que
no entanto, não se deduz do corpus, ela é de natureza hipotética, remos abordar a semântica de outro modo que não como uma
ela constitui uma hipótese do analista. No caso do crescimento, semântica dos enunciados, que seria baseada em uma lista uni
a hipótese de análise que utilizei consistiu em supor que cres- versal de traços semânticos pré-existentes e em sua combinatória.
cimento é um termo operador que comanda um certo número, A hipótese de uma construção discursiva do sentido é certa
fixo, de posições. O aparecimento em diversos textos das dife mente discutível, mas parece frutífera, pela abertur a às práticas
rentes posições me permite fazer um inventário delas e estabe que podemos estudar ao nível da dialética entre repetição e re
lecer suas regularidades, e me permite em seguida designar, lá
gularização. Com efeito, o fechamento exercido por todo jogo
onde elas não são explicitamente instanciadas, os tipos de im de força de regularização se exerce na retomada dos discursos e
plícito por que elas clamam. constitui uma questão social. Se situamos a memória do lado,
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não da repetição, mas da regularização, então ela se situaria em mada se localiza nesse nível.
uma oscilação entre o histórico e o lingüístico, na sua suspensão
em vista de um jogo de força de fechament o que o ator social ou O que distingue então o analista de discurso do sujeito
o analista vem exercer sobre discursos em circulação. E ste even histórico não é uma diferença radical mas um deslocamento. A
tual jogo de força é suportado pelas relações de formas, mas análise de discurso é uma posição enunciativa que é também
estas são apenas o suporte dele, nunca estão isoladas. Elas estão aquela de um sujeito histórico seu discurso, uma vez produzi
eventualmente envolvidas em relações de imagens e inseridas do, é objeto de retomada), mas de um sujeito histórico que se
em práticas. esforça por estabelecer um deslocamento suplementar em rela
ção ao modelo, à hipótese de sujeito histórico de que fala. O
A regularização se apóia necessariamente sobre o reco que proponho neste texto é um modelo de trabalho do analista,
nhecimento do que é repetido. Esse reconhecimento é da or dem que tenta dar conta do fato de que a memória suposta pelo dis
do formal, e constitui um outro jogo de força, este fundador. curso é sempre reconstruída na enunciação. A enunciação, en
Não há, com efeito, nenhum meio empírico de se assegurar de tão, deve ser tomada, não como advinda do locutor, mas como
que esse perfil gráfico ou fónico corresponde efetivamente à operações que regulam o encargo, quer dizer a retomada e a
repetição do mesmo significante. preciso admitir esse jogo de circulação do discurso. Entre outras conseqüências desta con
força simbólico que se exerce no reconhecimento do mes mo e cepção, levaremos em conta o fato de que um texto dado traba
de sua repetição. Por outro lado, uma vez reconhecida essa re lha através de sua circulação social, o que supõe que sua
petição, é preciso supor que existem procedimentos para esta estruturação é uma questão social, e que ela se diferencia se
belecer deslocamento, comparação, relações contextuais. nessa guindo urna diferenciação das memórias e uma diferenciação
colocação em série dos contextos, não na produção das superfí das produções de sentido a partir das restrições de uma forma
cies ou da frase tal como ela se dá, que vemos o exercício da única.
regra. e outro modo, é engendrando, a partir do atestado
discursivo, paráfrases, a considerar corno derivações de possí
veis em relação ao dado, que a regularização estrutura a ocor
rência e seus segmentos, situando-os dentro de séries. O que
desempenh a nessa hipótese o papel de memória discursiva são
as valorizações diferentes, em termos por exemplo de familiari
dade ou de ligação a situações, atribuídas às paráfrases, que Pierre chard
entretêm então, graças ao processo controlado de derivação, re
lações reguladas com o atestado. Na hipótese discursiva, pois,
ao contrário do modelo chomskiano, o atestado constitui um
ponto de partida, não o testemunho da possibilidade de uma
frase, e a memória não restitui frases escutadas no passado mas
julgament os de verossimilhança sobre o que é reconstituído pelas
operações de paráfrase. Estas considerações deslocam o estatu
to do que é provável historicamente, porque a operação de reto-
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BIBLIOGR FI
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NOT S
2. Lafont, 1978.
3. Saussure, 1964.
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com a instituição/re-instituição societal de que o funcionamen :\ Iemória social e pro duções culturais
to da memória é o lugar, e mais particularmente ainda, com a
reprodução das relações sociais e políticas fundada sobre a
dominância desse funcionamento da memória social ?
Uma primeira constatação se impõe imediatamente: para
Pensemos, a propósito, numa cerimônia política como que haja memória, é preciso que o acontecimento ou o saber
aquela da posse do Presidente da República: com os múltiplos registrado sai a da indiferença, que ele deixe o domínio da insig
jogos que surgem entre a referência, de um lado, a uma memó nificância. É preciso que ele conserve uma força a fim de poder
ria social á existente o Panteão, os heróis republicanos) e, de posteriormente fazer impressão. Porque é essa possibilidade de
outro lado. à produção de uma nova memória. Pois o registro do fazer impressão que o termo lembr ança evoca na linguagem
.. acontecimento·· deYe constituir memória, quer dizer: abrir a corrente. Um sociólogo um pouco esquecido hoje, é verdade,
dimensão, entre o passado originário e o futuro, a construir, de mas que uma sociologia do conhecimento não poderia ignorar -
uma comemoração 2 . a saber, M. Halbwachs - caracterizaria aliás a memória como o
que ainda é vivo na consciência o grupo para o indivíduo e
Com esta alusão rápida a um exemplo político contem para a comunidade •
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. ... . ---------------------------------------·············
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cont adas - no relato de suas ações; de tal manei ra que estas se se poderia esquecer este ponto - com que 2 isager:-_ c , : ' . ' . ' - r : ' ~ ' e
transformam em substância real. Do relato desse acontecimento um programa de leitura: ela assinala um cert•J lugar ao ópe -
à imagem do rei, o que era o menos representável, o menos
dor (ou melhor: ela regula uma série com a pc:ss::g.:m ce uma a
memorizável (a força), torna-se o mais presente na ocasião da
outra posição de receptor no curso da recep,;-2.: e: ;e:2 :: ::>é .e
representação do personagem histórico do rei. Posso somente
rentabilizar por si mesma a competência semiócic 2 e: : . : ::·
aqui remeter
como esse usoàsdas
análises de se
imagens Marin
apóiano que seu
sobre concerne
próprioaofuncio
modo desse espectador 10 • Este é um fato bastante conhecido peleis
publicitários.
namento9.
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,. ).
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Restaria, então e enfim, considerar como a imagem in
tervém concretamente no estabelecimento de uma forma de
memória societal própria à nossa época e à nossa sociedade; e
sobretudo, qual é a relação que se instaura entre o que podería
mos chamar "a memória interna (aquela situada nos membros
do grupo) e "a memória externa (aquela dos objetos culturais),
mas isto seria perguntar sobre as características das estruturas
mentais de nossa cultura e se engajar na psicologia histórica15 •
BIBLIOGR FI
Jean Davallon
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esthétique sans entraves: mélanges offerts à Mikel Dufrenne,
Paris, Union Générale d'Édition (10/18, Coll. Esthétique, 931 .
NOT S
SCHEFER, J. L (1969), Scénographie d' un tableau, Paris, Ed.
du Seuil.
1 . Como assinala Yates, 1966. Lembremos que o autor define assim a arte
da memória: Esta arte visa permitir a memorização graças a uma
técnica de 'lugares' e 'de imagens' que impressionam a memória .
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- -c ::-:emória coletiva: é uma corrente de pensamento contínuo, de uma 13. Par a a análise detalhada, ver: Davallon, 1983.
. ·:.-C ::iidade que não tem nada de artificial, pois ela só retém dopas-
que dele ainda é i·irn ou capa: de viver na consciência do
_
14. Halbwachs insiste várias vezes sobre a partilha de um ponto de vista e
_ ~ - q u e o mantém Ibid., p 70. sobre a comunhão dos dados de referência como fundamentos da me
mória coletiva, por exemplo: op cit, pp. 3, 48-53, 61, etc._
Did.. pp. 74-79. Na seqüência da exposição. empregarei o termo es-
pectador um movimento que ultrapassa a simples compreensão do es- 15. om relação à memória coletiva. a memória individual estaria na ver
Detáculo proposto e se faz produtora de sentido. Composição, monta- tente oposta àquela em que se situa o objeto cultural. Uma abordagem
gem, ritmo conduzem da visão à compreensão , F Albera, 1980, p. 9. que se refira à psicologia histórica seria então possível (Meyerson, 1948).
ca; de outro, um
representação relato
como queo époder
poder, seu túmulo subsistindo para
como representação sãosempre. A
um e ou-
tro um sacramento na imagem e um 'monumento' na linguagem, onde,
cambiando seus efeitos, o olhar deslumbrado e a leitura admirativa
consomem o corpo radioso do monarca, um recitando sua história em
seu retrato, o outro contemplando uma de suas perfeiçües no relato
que eterniza a manifestação . L. Marin, 1981, p.
l
11. Esse artigo de E. Benveniste foi retomado em Problemas de lingüística
geral, t. 2., 1974. Essa dominância do modo semântico e meta-semân
tico foi reconhecida bem cedo pela semiologia (J .L. Schefer, 1969; R.
Barthes, L. Martin, etc.), depois apoiada e corroborada pelas análises
da semiótica visual que se referem à teoria de A. J. Greimas.
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MEMÓRI GREG
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mos, a epopéia. E imediatamente coloca-se o problema funda em resumo, valores políticos e sociais, no qual nos situamos, as
mental. Falo certamente aqui situando-me como observador em coisas se apresentam de outro modo e a contradição aparece.
uma Atenas do século V sempre tão mítica e sempre tão neces
sária. Se pretendemos, por exemplo, fazer a guerra, a guerra
da cidade, como o fazia Aquiles, arriscamos com os nossos nas
Se, como esse menino grego, sou educado através da piores dificuldades. Observem os o modo como as coisas se pas
salmodia de Homero, ou se, como grande diva percorrendo as sam nesse texto célebre (analisado por P Vida Naquet) 1 a cena
cidades gregas, interpreto o poeta durante manifestações coleti dos escudos em os Sete contra Tebas 2 • O guerreiro do mito é
vas, festas que organizam e estruturam o grupo, não produzo atingido pelo menos esse furor que possui sua alma e o rende.
uma epopéia. Quero dizer com isso que aquele que recita o tex Ele é invadido pela ira de matar, orientado para realizar os gran
to épico pode apenas retomar indefinidamente uma memória des feitos que são objeto do canto épico. Isto o coloca em con
organizada em um texto que se tornou fechado e em relação ao tradição total com as regras do grupo social no quad ro da cida
qual ele mantém uma relação que podemos ch amar demoníaca, de, regras que supõem uma guerra racional e democrática. A
que ultrapassa então as estruturas da memória humana, uma re igualdade dos combatentes é aí fundamental: não se trata de
lação que o faz entrar em contato, de maneira quase possessória, combater para se fazer ilustre no combate mas de defender a
com o próprio poet a ou alguma coisa que resta dele e se trans cidade com os companheiros de linha, cada um solidário um
mite por sua palavra. Por quê? Porque o poeta, ele mesmo, o com o outro, na falange. Há verdadeiramente uma contradição
aedo, não possui fala própria. No momento em que recita as inevitável em uma memória que estabelece ao mesmo tempo o
proezas dos heróis, o aedo só o faz porqu e a Musa fala através sistema categorial que nos define como partidários de nosso
dele, por ele. Quer dizer que não há possibilidade de prod ução grupo, e valores sociais que nos colocam em oposição a ele.
da memória na cidade fora da presença do poeta épico, diga Isto teve como efeito imediato na produção cultural, para reto
mos, para ser breve, de Homero. Os gregos apresentam, então, mar a fórmula proposta logo acima, a tragédia. A tragédia na
como principal meio de reconhecimento de si mesmos, um dos qual vemos estabelecidas ao mesmo tempo a necessidade do
textos que se produziram e se fixaram fora de seu domínio e que mito e as dificuldades que ele provoca. Não podemos nos livrar
eles são forçados a repetir sem meios de modificá-los em fun do Édipo nem se acomodar com ele. e onde a necessidade de
ção de novas exigências sociais. Textos que lhes fornecem as interrogar o mito em função do sistema de valores da cidade
categorias de percepção do mundo no qual se encontram. O contemporânea, já que não podemo s levá-lo tal qual em consi
garoto educado em Atenas aprende música, recita a epopéia, e deração.
sabe assim definir o mar em oposição à terra, a tempestade em
oposição ao céu sereno, etc. Ele recebe toda uma série de meios Por outro lado, existe a necessidade de se produzir uma
de categorizar o real, que o situam como grego. Em contraste memória, um memorável válido para o tempo da cidade, e, de
com os vizinhos persas, que possuem calças, modos de viver certa forma, nos trabalhos de memória, estamos sempre em ri
diferentes,
blema aí nãoque percebem
é maior, isso as coisas de
funciona diferentemente,
modo bastanteetc. O pro
imediato. validade
ticas
com Homero. Quando, por exemplo, as primeiras prá
historiadoras aparecem (F. Hartog, ausente da França, es
Mas a partir do momento em que olhamos não mais as categori taria melhor posicionado do que eu para falar disso), vemos
as de percepção da realidade, mas o sistema de valores éticos, bem que a necessidade da pesquisa vem da necessidade de fa-
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~ ~ ~ e - c ' : i ~ . ' í ~ i ; l i l i i 1 1 i l i i 1 1 1 1 1 U l ü U í l i i i i í í i l i i i i i i l i i i i i i i i i í i i i l i i i i i i i i
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mente Da guerreiro
Memória em presença de Atena. O que faz com que
bricar um memorável adequado ao mundo dos contemporâne
uma representação desse gênero seja ao mesmo tempo válida
os. Ao mesmo tempo coloca-se a questão da enunciação. Quem
para o herói e para a situação na qual o comb atente da cidade, o
fala e com que direito? O poeta com suas garantias não está
hoplita, é declarado comparável aos heróis, com uma verdadei
mais aí para fazê-lo em meio aos seus. Aquele que produz o
ra metaforização interna à imagem. Podemos ir ainda mais lon
memorável para a cidade, assim, tem sempre, de certo modo, a
ge, nesse sentido, adicionando por exemplo no dispositivo car
nostalgia da epopéia definitivamente impossível. Quando a ci
dade produz um discurso adequado pelo qual ela se funda, fa regador/carregado, em presença de Atena, um leão que desfila
com os personagens da imagem, ao fundo do conjunto. O valor
bricando seu próprio memorável mítico, quando ela pratica a
metafórico da imagem é assim assinalado do interior do próprio
oração fúnebre, ela o faz em referência aos valores do epos (N.
dispositivo, o leão não tendo outra significação possível em um
Loraux, de novo aqui, seria bem melhor que eu para falar dis
contexto como esse. Aliás, o ritual dos funerais públicos não
so). O orador oficial narra então a grandez a de Atenas pela gran
tinha rigorosamente nada o que fazer com o que era representa
deza de seus guerreiros mortos ao modo dos heróis, incorporan
do nas imagens desse tipo (eu deveria, desculpem, tê-lo dito no
do os valores que servem a isso.
começo), quer dizer com esse transporte individual do cadáver
incluído no universo épico. Os mortos celebrados pelo ritual
Para não multiplicar os casos de figura, gostaria agora ateniense são anônimos, coletivamente honrados, etc. e disso a
de observar o modo como a imagem pode se inserir nesse dis
imagem não diz nada. Podemos assim ver como a imagem pode
positivo de produção (seguindo desta vez F. Lissarrague que
jogar nessa estratégia da memória onde as margens de mano
não pode estar aqui hoje. Espero não trair ninguém, enfim não
bras são bastante reduzidas. Visto que as questões de enunciação
muito, fazendo falar tantos amigos ausentes ). A imagem possui
não se colocam mais no interior do novo conjunto onde a ima
uma vantagem fundamental: ela representa e ao mesmo tempo
gem joga com suas condições específicas de produção, torna-se
produz sentido. De outro modo, quando a imagem é representa
possível praticar uma política de memória mais flexível nesse
ção, ela pode representar um guerreiro da cidade, o hoplita car
mundo, somando-se tudo, tão comple xo que é o domínio gre
regando o corpo de seu companheiro morto. Através de alguns
go. Penso que seria necessário desdobrar um pouco mais tudo
elementos do dispositivo icónico, é possível mostra r que o guer isso diante de vocês.
reiro morto é um herói parecido com o da epopéia, com o guer
reiro épico: a forma do escudo, o tipo de penteado, por exem
E isso para remeter, certamente, dentro de uma perspec
plo. A imagem pode conter nomes, Aquiles, Ajax, com uma
referência evidente aos dados épicos. Ela é representação ou tiva antropológica, que eu defendia ontem em uma outra ofici
motor de discursos, ocasião assim de reatualizar a memória para na, à nossa própri:i prática memorial, no sistema com memór ia
retomar o que estava dito antes, a memória dos valores do epos. institucional que é o nosso. Temos historiadores, universidades
Em uma cena desse gênero, podemos introduzir Atena. A deu onde se ensina a história. Gostaria simplesmente que nos inter
sa, sabemos, mantém uma relação específica com os heróis do rogássemos, enquanto produtores de memória, com relação ao
funcionamento grego da prática memorial. E gostaria, para ter
ciclo troiano: ela pode então fazer parte dessas representações. minar e à guisa de incitar a discussão, de me perguntar se o fato
Se suprimimos as indicações de nomes, Atena continua reco
nhecível graças aos elementos que a definem (armas, coruja, de que a primeira memória heróica produzida no curso do esta
etc.) mas o guerreiro carregador ou carregado, torna-se simples- belecimento de nossa história republicana gire em torno de per-
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7/24/2019 sonagens como Vercingétorix ou Joana d Are, que eu PÊCHEUX,
diria Michel. et. al. Papel Da Memória
massivamente míticos à grega, é um acaso ou se isso coloca
questões sobre nossa própria gestão da memória no quadro da
BIBLIOGR FI
instituição que a produz.
Jean-Louis Durand
VIDAL-NAQUET, P (1978), Les boucliers des héros ... ,
Revue des Études grecques no XVI.
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7/24/2019 PÊCHEUX, Michel. et. al. Papel Da Memória
NOT S
2. Eschyle. Les Sept contre Thebes texto elaborado e traduzido por Paul
Mazon Paris Le s Belles Lettres l ed. 1963 re vista em 1966.
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P PEL D MEMÓRI
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7/24/2019 é suscetível de vir a se inscrever na continuidade interna, no
PÊCHEUX,
rações e na discussão, sobre a especificidade da ordem propria
Michel. et. al. Papel Da Memória
espaço potencial de coerência próprio a uma memória. mente lingüística (definida por exemplo como a da variação
combinatória, à qual J.-C. Milner se referiu em sua apresenta
ção), em relacão à ordem do discursivo, e afortiori em relação
Memória deve ser entendida aqui não no sentido direta
às do icônico, do simbólico ou da simbolização.
mente psicologista da memória individual , mas nos sentidos
entrecruzados da memória mítica, da memória social inscrita
em práticas, e da memória construída do historiador. O risco O fato de que possa existir localização de traços distinti
evocado de uma vizinhança flexível de mundos paralelos se deve vos e de oposições pertinentes na esfera do icônico, por exem
de fato à diversidade das condições supostas com essa inscri plo, não conduziu ninguém a supor que, mesmo para um
ção: é a dificuldade - com a qual é preciso um dia se confrontar sincronia dada, haveria universais do icônico (pessoalmente, a
- de um campo de pesquisas que vai da referência explícita e impensabilidade de uma sintaxe do icônico me parece marcada
produtiva à lingüística, até tudo o que toca as disciplinas de pela inexistência da negação e da interrogação no interior da
interpretação: logo a ordem da língua e da discursividade, a da imagem). A questão de uma possível combinatória culturalmente
linguagem , a da significância (Barthes), do simbólico e da determinada dos segmentos gestuais (a propósito da qual J.-L.
simbolização Durand mencionou certos trabalhos etnológicos americanos re
centes) coloca provavelmente um problema bem diferente, mas
não desemboca mais em impossíveis universais gestuais.
Não é de se admirar, nessas condições, que a idéia de
uma fragilidade, de uma tensão contraditória no processo de
inscrição do acontecimento no espaço da memória tenha sido Concebemos desde então que o fato incontornável da
constantemente presente, sob uma dupla forma-limite que de eficácia simbólica ou significante da imagem tenha atraves
sempenhou o papel de ponto de referência: sado o debate como um enigma obsediante, e que, por seu lado,
os fatos de discurso, enquanto inscrição material em uma me
mória discursiva, tenham podido aparecer como uma espécie
- o acontecimento que escapa à inscrição, que não chega
a se in'screver; de problemática-reserva.
acontecimento histórico Essa negociação
singular entre o choque
e o dispositivo de um
complexo de
uma memória poderia bem, com efeito, colocar em jogo a nível
- o acontecimento que é absorvido na memória, como se
crucial uma passagem do visível ao nomeado na qual a imagem
não tivesse ocorrido.
seria um operador de memória social, comportando no interior
dela m e s m um programa de leitura, um percurso escrito
discursivamente em outro lugar: tocamos aqui o efeito de repe
tição e de reconhecimento que faz da imagem como que a reci
No que concerne aos múltiplos registros evocados aci tação de um mito. Na transparência de sua compreensão, a ima
ma,
tica que
e asformam uma de
disciplinas continuidade problemática
interpretação (restando entre
sabera em
lingüís
que gem mostraria como ela se lê, quer dizer, como ela funciona
enquanto diagrama, esquema ou trajeto enumerativo. Refiro
medida a própria lingüística é ou não uma disciplina de inter me a tudo o que Jean Davallon adiantou a esse respeito.
pretação), um acordo muito amplo se manifestou, nas apresen-
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illll ill
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Haveria assim sempre um jogo de força na memória, sob
7/24/2019 Tocamos aqui um dos pontos de encontro co m a questão
PÊCHEUX, Michel. et. al. Papel Da Memória
o choque do acontecimento:
da memória c omo estruturação de materialidade discursiva com
plexa, estendida em uma dialética da repetição e da regulariza
- um jogo de força que visa manter uma regularização
ção: a memória discursiva seria aquilo que, face a um texto que
pré-existente com os implícitos que ela veicula, confortá-la como
surge como acontec imento a ler, vem restabelecer os implíci
'boa forma , estabilização parafrástica negociando a integração
tos (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elemen
tos citados e relatados, discursos-transversos, etc.) de que sua do acontecimento, até absorvê-lo e eventualmente dissolvê-lo;
leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio
legível. Ora, acontece que esta é uma das questões cruciais atu - mas também, ao contrário, o jogo de força de uma
almente abordadas pela análise de discurso: uma discussão aberta desregu lação que vem perturbar a rede dos implícitos .
a esse respeito, que - sem ser puro 11egócio de butique - reveste
apesar de tudo um caráter relativamente técnico . A questão é m relação com a questão da regularização, a da repeti
saber onde residem esses famosos implícitos, que estão ausen ção (dos itens lexicais e dos enunciados) prolongou o debate: a
tes por sua presença na leitura da seqüência: estão eles dispo repetição é antes de tudo um efeito material que funda comuta
níveis na memória discursiva como em um fundo de gaveta, um ções e variações, e assegura - sobretudo ao nível da frase escri
registro do oculto? P Achard levanta a hipótese de que não en ta1 - o espaço de estabilidade de uma vulgata parafrástica pro
contraremos nunca, em nen huma parte, explicitamente, esse dis duzida por recorrência, quer dizer, por repetição literal dessa
curso-vulgata do implícito, sob uma forma estável e sedimentada: identidade material.
haveria, sob a repetição, a formação de um efeito de série pelo
qual uma regularizaç ão (termo introduzido por P. Achard) se Mas a recorrência do item ou do enunciado pode tam
iniciaria, e seria nessa própria regularização que residiriam os bém (este é um ponto introduzido por Jean-Marie Marandin na
implícitos, sob a forma de remissões, de retomada s e de efeitos discussão) caracterizar uma divisão da identidade material do
de paráfrase (que podem a meu ver conduzir à questão da cons item: sob o mesmo da materialidade da palavra abre-se então
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7/24/2019 significação ou suas condições implícitas de interpretação.PÊCHEUX, Michel. et. gestos deDa
al. Papel designação
Memóriaantes que sobre os designata, sobre os pro
cedimentos de montagem e as construções antes que sobre as
significações? A questão da imagem encontra assim a análise
Trata-se, de outro modo, de retirar-se provisoriamente,
de discurso por um outro viés: não mais a imagem legível na
taticamente, da questão do sentido, sabendo ao mesmo tempo
transparência, porque um discurso a atravessa e a constitui, mas
que a questão da interpretação é incontornável e retornará sem
a imagem opaca e muda, quer dizer, aquela da qual a memória
pre. A esse propósito, devo fazer um esclarecimento a respeito "perdeu" o trajeto de leitura (ela perdeu assim um trajeto que
da fala de Sylvain Auroux, que me atribuiu uma controvérsia
jamais deteve em suas inscrições).
com J.-C. Milner sobre a questão de saber se ele se estimava ou
não ser colega de Beauzée: parece-me útil explicar um pouco
de que se trata A questão concerne de fato ao estatuto da lin A imagem muda é por exemplo o choque opaco de uma
güística frente às disciplinas de interpretação. Eu tinha pergun imagem de vaso grego: a arquelogia possui apenas o olho, quer
tado a Vidal-Naquet (a partir da alusão ao artigo de Nicole dizer, imagens e textos, sem coincidência, e não, como a antro
Loraux ''Tucídides não é um colega", muito citado no decorrer pologia de hoje, o a mais" do ouvido (a voz, a "trilha sonora").
dessas jornadas), se, para ele, Tucídides, sem ser seu colega, era O que evoco aqui remete à apresentação de J.-L. Durand, que
Fecho este parêntese para retornar à questão da interpre Reencontramos assim, para finalizar, a questão da rela
tação em análise de discurso: P Achard caracterizou esse movi ção entre a imagem e o texto: no entrecruzamento desses dois
mento de retirada provisório da questão do sentido e da vontade objetos, onde estamos, tecnologicamente e teoricamente, hoje,
de interpretar, lembrando o provérbio chinês "Quando lhe mos com relação a esse problema que, após Benveniste, Barthes de
tramos a lua, o imbecil olha o dedo". Com efeito, por que não? signou com o termo "significância"?
Por que a análise de discurso não dirigiria seu olhar sobre os
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Em que pé estamos com relação a Barthes? Barthes era
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tanto lingüista dos textos como teórico das imagens, ou de pre
ferência não era nem um nem outro quer dizer, nem lingüista,
nem semiólogo, nem analista) mas antes de tudo o esboço con
traditório de gestos que tentamos hoje reencontrar, e que ele
soube agenciar à sua maneira talvez única, quer dizer, em pes
soa - logo também, e de maneira equívoca: como pessoa? NOT S
Michel Pêcheux
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ntrodução
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para significar. E é isso a materialidade discursiva, isto é,
direções: politicamente, culturalmente, moral mente. E o que vai
se dar com essa discursividade no futuro? O que signi fica maio linguístico-histórica. a interpelação do indivíduo em sujeito
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de 68 hoje? pela ideologia resulta a forma-sujeito histórica. Em nosso caso,
a forma-sujeito histórica capitalista corresponde ao sujeito-jurí
Para trazermos essa questão para a reflexão, podemos dico constituído pela ambiguidade que joga entre a autonomia e
referir o texto de M. Pêcheux (p. 33 aqui mesmo), no qual ele a responsabilidade sustentada pelo vai-e-vem entre direitos e
procura compreender, junto a lingüistas, semioticistas e histori deveres. Podemos dizer, então, que a condição inalienável para
adores, a fragilidade no processo de inscrição do acontecimen a subjetividade é a língua, a história e o mecanismo ideológico
to no espaço da memória que, segundo ele, joga em uma dupla pelo qual o sujeito se constitui.
forma: a. o acontecimento que esca pa à inscrição, que não che
ga a inscrever-se, e b. o acontecimento que é absorvido na me Por outro lado, esse sujeito, uma vez constituído, sofre
mória como se não tivesse ocorrido. diferentes processos de individualização (e de socialização) pelo
Estado. Assim, se temos o indivíduo como ponto de parti da para
O caso que estou apresentando não se enquadra nem na o assujeitamen to ao simbólico - e, quanto a este assujeitamento
primeira, nem na segunda possibilidade. uma nuance entre o sujeito não tem controle pois ele se pass a antes, em outro
elas: é como se não tivesse ocorrido (b , não porque foi absorvi lugar e independentemente
sos que - temos
o individualizam e que sobre
derivam dasesse sujeito proces
diferentes formas
do mas, ao contrário, justamente porque escapa à inscrição na
memór ia (a). este, penso eu, o caso da censura em geral. Nes de poder. E aí as Instituições e o Poder constituído têm um
se sentido, embora eu explore aqui uma situação particular de papel determinante. nessa instância que se dão as lutas, os
censura, essa minha reflexão pode contribuir para a compreen confrontos e onde podemos observar os mecanismos de imposi
são da relação entre memória e censura em geral. ção, de exclusão e os de resistência.
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quecer apagando os novos sentidos que á foram possíveis mas
cusa a uma vida reduzida a regras e a um trabalho que, por sua
foram estancados em um processo histórico-político silenciador.
vez, reduz o homem em suas possibilidades de vida.
São sentidos que são evitados, de-significados.
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São assim enunciados que funcionam em suas relações O interditado que toma a forma do impossível
parafrásticas, relacionando-se em suas diferentes formulações
ao que pode significar "liberdade":
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Memória e Censura
Não é nada disso, companheiro, diz uma paráfrase de
José Simão que, com seu humor, evoca o jogo discursivo que
atravessa esse enunciado em sua memória, agora transformada
O que acontece com maio-68 porém é de outra ordem. A
de romance em filme.
falha é constitutiva da memória, assim como o esquecimento.
No entant o o que acontece com os sentidos de 68 é que eles não
E a questão é sem dúvida uma questão de memória. No falham apenas nessa memória, eles foram silenciados, censura
sentido discursivo, A memória - o interdiscurso, como defini dos, excluídos para que não haja um já dito, um já significado
mos na análise de discurso - é o saber discursivo que faz com constituíd o nessa memória de tal modo que isso tornasse, a par
que, ao falarmos, nossas palavras façam sentido. Ela se consti tir daí, outros sentidos possíveis. Há faltas (2) - e não falhas -
tui pelo já-dito que possibil ita todo dizer. de tal modo que eles não fazem sentido, colocando fora do dis
curso o que poderia ser significado a partir deles e do esqueci
Pois bem como dissemos no início o sujeito é mento produzido por eles para que novos sentidos aí significas
assujeitado, pois para falar precisa ser afetado pela língua. Por sem. Há, assim, furos , buracos na memória, que são luga
outro lado, para que suas palavras tenham sentido é preciso que res, não em que o sentido se cava mas, ao contrário, em que o
já tenham sentido. Assim é que dizemos que ele é historicamen sentido falta por interdição. Desaparece. Isso acontece por
te determinado, pelo interdiscurso, pela memória do dizer: algo que toda uma região de sentidos, uma formação discursiva, é
fala antes, em outro lugar, independentemente. Palavras já ditas apagada, silenciada, interditada. Não há um esquecimento pro-
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não puderam e não podem significar, de tal modo que há toda ni P Orlandi
uma nossa história que não corresponde a um dizer possível.
Não foram trabalhados socialmente, de modo a que pudésse
mos nos identificar em nossas posições. Do mesmo modo ficam
sem ser politicamente significados os feitos da tortura e do que
resultou dela na nossa política. Toda vez que vamos votar, mes
mo que nem pensemos nisso, o fato de que o Brasil é um país
que tortura os dissidentes políticos faz parte de nossa memória
e de nossos gestos políticos. E isso não mereceu ainda sua
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BIBLIOGR FI
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NOT S
, .
2 Estou aqui fazendo uma distinção - falha CCll1stitutiva e falta por inter
dição - que corresponderia, em paralelo, à distinção que faço entre não
sentido (que aponta para o sentido que poderá vir, o irrealizado) e o
sem-sentido (o que já significou e que não faz mais sentido). No caso, a
na maior
ponto de parte
vista das vezes, nãoaéeficácia
da ideologia, fácil separá-las. E está aí justamente, do
de seus efeitos.
r---
n
T
.---< 3 Mais recentemente, há referências públicas à tortura, mas que permane
µ cem à margem, como acasos sem história, violência que não aparece
o z como parte da política mas à parte dela. Transferida para a polícia.
°
O\
0' 1
n
u
IJ
Conferir - a respeito da falta de trabalho da memória, da dificuldade de
01 <-• ,
4
N
: dizer, de se identificar e de transferir (metaforizar) sentidos que se pode
o u .
N
.._ 0i O +- perceber na falta de palavras, na tensão dos gestos, dos olhares e do
o
Cl
1)
8 silêncio constrangido (e constrangedor para nós cidadãos brasileiros )
:::; ü
E
ü
tA
a
1) dos corpos - o filme 15 Filhos : a imaterialidade da morte (sob tortura,
::<: . l fabricam-se os desaparecidos, a morte fica sem corpo ... ) é a
imaterialidade da vida diz um dos, ou melhor, uma das filhas.
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