Dissertacao Elizabethengertmilwarddealmeidaleitao
Dissertacao Elizabethengertmilwarddealmeidaleitao
Dissertacao Elizabethengertmilwarddealmeidaleitao
Itinerários da Subjetividade
Encarnada
Departamento de Filosofia
Mestre em Filosofia
1992
IJ'-
UNIVF.nSIOAnE rEOF.RAL DE MINAS GERAIS
rAwui.rjADr; fin nt-onoriA ■ aiflNniAn humanar
PETARTAMENTO DE flLOSOriA
r-«nir>e nu»» rin»r>r I inn»r
AV. ANIONIU o.ot/ — «.^luívur. uiMiVtMSl IAKIA
CAIXA POSTAL N' 253
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Dr. ('clio (larcia
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l)r. .lose Newton (larcia de Araiijo
Para
Ill
Agradecimentos
O trabalho de fazer uma tese é ineciuivocamente uma tarela coletiva e, ao seu final,
orientador, amigo, que paciente esperou este texto. Obrigada pela sua ênfase, entusiasmo
de Maria Ceres Pimenta. Sem a presença da Ceres este trabalho não seria possível.
Coube à brilhante e atenta amiga Leila Mariné a árdua tarefa de me ensinar alguns
dos escritos de Freud e Lacan. Sem esta ajuda não me teria sido possível ousar na direção
da psicanálise.
textos informes deste trabalho. O mesmo sofrimento coube à paciente e atenta Heloísa
Starling, que me acompanhou, discutindo e enriquecendo este trabalho com "dicas" im-
prescindíveis.
Psicomotricidade.
IV
ein seus vários capítulos brasileiros - mineiro, carioca, curitibauo e gaúcho, somados às
amigas da Escola Recreio (Belo Horizonte) (jue me incentivaram a pensar grande parte
A Lcil? de Melo Franco Sariedine Araújo, (|ue sofreu com os maiuiscritos na pri-
meira parte da datilografia. 1'osteriormente esta tarefa foi desenvolvida com paciência e
rigor pela amiga Ana Luiza de Castro, somando-se a ajuda de Ulisses A. Leitão. A ambos
V
Conteúdo
4.1 Análise que Lorde Henry Wotton não Completou, Porém Suspeitava?! . . 74
5 Conclusão 95
6 Bibliografia 102
vi
Capítulo 1
Tema do Outro
uma biblioteca de livros, o Mar dos Fios de Histórias era muito mais do que
um simples depósito de narrativas. Não era um lugar morto, mas sim cheio
mento dos homens, ela alcançou particular relevância nos últimos vinte anos, ou talvez
de estudo sobre a motricidade humana, isso nos obrigou a formular uma pergunta, a
1
primeira, que muito motivou este trabalho, ([ual seja: o que é o corpo e de (pie corpo tala
a Psicomotricidade?
nhecimento corporal e da consciência de si dada pelo corpo, no interi'>r de sua tí,>ovia, uma
Enormes são as dificuldades que se pode pontuar neste campo de estudo que visa
uma terapêutica "corretiva" desta natureza, onde cada termo deve exigir rigor conceituai.
Haja vista, o próprio nome Psicomotricidade - um conceito que tende abrigar fenômenos
tintos pela psicologia e filosofia. Nisto há de se convir que as relações entre um e outro
'o conceito de esquema corporal se deveu ao psiquiatra vienense Paul Sliilder, autor de "O Esque-
ma Corporal" (1923) e a "Imagem e Aparência do Corpo" (1935), onde hnagein e Esquema Corporal
aparecem como sinônimos carecendo para muitos de definição mais precisa. Esquema corporal. Trata-se
de um conceito fundamental para a psicomotricidade. Aqui, com propósito de simplificar, podemos
adotar a definição dada pelo verbete de Jean-Claude Costa: "No homem, a noção de esquema corporal
introduz notáveis diferenças (quando se observa o conjunto de comportamentos e condutas inatas dos
animais) pois a adaptação do corpo ao meio depende da aprendizagem, O esquema corporal é, portanto,
a organização motriz global, compreendendo todos os mecanismos e sucessos dos níveis motores, tônicos,
perceptivos e sensorials, expressivos (verbal e extraverbal) processos nos quais e pelos quais o aspecto
afetivo está constantemente investido."
COSTE, Jean-Claude. Las 50 Palabras Chaves de Ia Psicomotricidade. Barcelona: Editorial
Médica y Técnica, S.A., 1980. p.81.
^Praxias. "Na linguagem clássica se fala de praxias a partir do instante em qiie o movimento incide
no marco de uma atividade simbólica resultante de uma diferenciação entre o significante e significado."
Do ponto de vista piagetiano, levando em conta os marcos da evolução do pensamento, há que se re-
levar que inúmeros "aspectos progressivos do pensamento derivam da imitação que assegura o passo do
sensoriomotor ao pensamento representativo, preparando o necessário simbolismo para que este se dê".
AJURIAGUERRA, J. Manual de Psiquiatria Infantil. 3 ed. Barcelona: Toray-Masson, S.A., 1976.
p.212-213.
Importante seria relevar ainda as apraxias, ou transtornos da eficiência motora em que, em seu caráter
ideomotor, o indivíduo é incapaz de realizar cópias de figuras complexas, é incapaz de reconhecer partes
do corpo, apresentar problemas do esquema corporal interpretados como basicamente atrasos no desen-
volvimento neuro-motor.
COSTE, Jean-Claude. Las 50 Palabras Chaves de Ia Psicoinotricidade. Barcelona: Editorial
Médica y Técnica, S.A., 1980. p.34-35.
^Gnósicas/agnosias - são transtornos da percepção que tornam o s>ijeito incapaz de interpretar e
utilizar as sensações recebidas. Encontramos agnosias visuais (de cores, objetos, de formas e espaço),
agnosias auditivas e agnosias táteis.
COSTE, Jean-Claude. Las 50 Palabras Chaves de Ia Psicomotricidade. Barcelona: Editorial
Médica y Técnica, 1980. p.28-29.
2
termo mereceram da Filosofia e da Psicologia iimdainentais discussões. A relação eiure
tentando "diminuir" "a distância entre uma evolução individual e uma norma estatistica-
lhança do modelo médico, articulava uma série de disfunções práxicas às lesões de áreas
quadros clínicos, para a psicomotricidade a leitura dos distúrbios das "ações", "relações",
objetos, não cabia tão passivamente nos quadros psicomotores por ela organizados, pelo
menos quando se deparava com a prática de sua terapêutica corretiva. Era necessário,
e o foi, reconhecer que a aplicação de uma "técnica se realiza fatalmente mima situação
^SAMI-ALI, M. Cuerpo Real, Ciierpo Imaginário. Buenos Aires: Editora Paidós, 1979. p.73.
®Idem. p.74.
3
Não bastava introduzir apenas o termo rela(,"ão e definir a, psicoinotric.idade co-
4
1.1 Um Pouco de História '
de 50. Entretanto, a evolução de suas idéias estará historicamente ligada aos avanços dos
seus mecanismos. Um bom exemplo disto é o (pie aconteceu dentro da abordagem da pa-
tologia cortical. A descoberta dos distúrbios das funções simbólicas colocava em questão
havia uma correspondência entre lesão como foco e o sintoma que deíinia o distúrbio da
linguagem estudado. Assim é que liepman^ (1900) e Monakov (1904) com suas teorias
5
sobre a "vnriahilidade dos focos de lesão", permitiram entciicler que nas apraxias icleo-
motoras não era a própria "função que se perdeu mas um certo uso dessa função"*^. "Na
sos movimentos infransitivos: não lhe é possível cerrar o punho ao comando, ao passo
que sua mão se fecha perfeitamente sobre o objeto agarrado espontaneamente"^. Para-
puderam suportar o estudo dinâmico de Jakson e Sherrington (1906) sobre a "ação in-
tegradora dos sistemas nervosos; isto é, de seu papel na regulação das condutas de um
organismo em interação com o meio"^. O indivíduo deverá ser estudado dentro de seu
meio, em situação.
debilidade motora, não apenas todos os graus mas todos os gêneros. É as-
G
seus elementos. Nn prática, é nos difcreiitcs (jinus da debilidade mental e
motora.
O que significa dizer que a partir de Dupré a debilidade motora será vista como dis-
tinta da debilidade mental, graças "à relativa independência das zonas psíquica e motora
debilidade apresentada pelo bebê normal, uma vez que em ambos a desordem da motilida-
com suas dependências: é a primeira infância, durante a qual o bebê representa um débil
mental e motor fisiológico"^^. A formulação teórica pontuíida de que liá apenas diferença
psicomotricidade.
Sucintamente vimos até aqui o rápido panorama teórico que permitiu o apareci-
certo número de estímulos que vêm e vão, de fora para dentro e vice-versa, nos centros
^DUPRÉ, E., MERKLEN, P. La Debilite Motrice dans ses Rapports avec ia Debilite Mentale.
RAPPORT AU 19e CONGRÈS DES ALIÉNISTES ET NEUROLOGISTES FRANÇAIS, Nan-
tes, 1909. In: LE CAMUS, J. O Corpo cnn Discussão: da Reeducação Psicornotora às
Terapias de Mediação Corporal. Trad. Jeny VVolíL Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
p.21.
^°LE CAMUS, Jean. O Corpo em Discussão: da Reeducação Psicornotora às Terapias de
Mediação Corporal. Trad. Jeny Wolff. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. p.21.
'^Idem. p.21-22.
7
nervosos (aferências e eferências) conjugados a uin circuito afcro-cfei-cncial que dará ao
corpo sua unidade e permitirá vê-lo organizado ein suas ações segundo uui modelo ou
esquema corporal.
Nesta ordem das coisas, entretanto, algo d'" propri-^^nente humano da motricidadc
o homem que se move, como ser animado, e não qualquei' das funções que o compõem"^^.
Neste sentido vale a pena não deixar de lado o importante pesquisador Paul Shilder que
no prefácio de sua clássica obra, "A Imagem do corpo - /Is Energias Construtivas da
Psiqué'\ nos diz: "Parece-me que a teoria do organismo (corpo) poderia e deveria ser
Desta forma, utilizei o insight que nos dera a psicanálise com seus mecanismos psíquicos
A rigor, para Paul Shilder a neurologia não fora suficiente para esclarecer com
suas teorias a questão sobre a gestalt (forma) do corpo (imagem) visando uma interação
O que estamos dizendo é que a versão psicanalítica sugerida por Paul Shilder para
aplica também ao campo da psicologia genética quando ela se debruça sobre a mesma
Ambos, através de suas formulações teóricas, romperam com o {)uro comando dos
conceitos mecanomaterialistas ditadas pela neurologia. E mais, buscaram suprir com suas
^^Sobre sentimento Ajuriaguerra diz: "Vemos en estas teorias un mundo de sensaciones y emociones
que van a organizar en forma de sentimientos y que abren, por operaciones multiples, la via de cono-
cimienio dei cuerpo y el mundo de los objetos. Este modo de concebir conduze a Ia valorización de los
sistemas".
AJURIAGUERRA, J. Manual de Psiqiiiatria Infantil. 3 ed. Barcelona: Toray-Masson, S.A., 1980.
p.342.
^^FONSECA, Vítor. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
^^SHILDER, Paul. A Imagem do Corpo - As Energias Construtivas da Psique. Trad. Rosanne
Wertman. São Paulo: Martins Fontes, 1981. p.5.
8
pesquisas a pouca relevância dada pela neurologia à dinâmica e à gênese da organização
nas teses mais produtivas para a psicologia genética lideradas por Ilenri Wallon de um
leis gerais subjacentes à gênese das funções cognitivas e com ela estabelecer uma ponte
corpo e o mundo exterior, não estão dissociados mas se fundem nas ações. E mais, é
nas constantes interações entre a ação e os objetos, o corpo e o mundo, que a criança
conceituar a realidade. A rigor, para ele, "a inteligência verbal ou reflexiva repousa
numa inteligência sensoriomotora ou prática, que por seu lado se apoia nos hábitos e
O que interessa a Wallon por outro lado é a criança como um ser que nasce
biológico e que vai se transformar em psicológico por intermédio da ação humana inscrita
bebês e crianças maiores, ele descreve, com extrema competência e espírito científico,
como a criança do puro fisiológico acede à emoção'^ através dos intercâmbios sociais
"A comparação da obra de Piaget com a de Henri Wallon é clássica; cies mesmos polemizavam
manifestando alguns dos pontos de acordo e divergências que existiam entre sexis enfoques e pontos de
vista. Num dos temas em que discordaram durante longo tempo foi a gênese da representação, das
origens da função simbólica. A discussão em tomo do papel da imitação e a distinção entre o figurativo
e o operatório".
PALACIOS, Jesus. Jean Piaget - Henri Wallon: Dos Perspectivas Distintas, un Solo Nino Verdadeiro.
Infancia y Aprendizage, Madrid, n.2, p.200-205, 1981.
^®PIAGET, J. O Nascimento da Inteligência na Criança. Trad. Álvaro Cabral, ilio de Janeiro:
Zahar Editores, 1970.
9
criança acede às elaborações simbólicas ([tie "sincretizam" a si e ao nuiiulo. Para ele.
indivíduo e seu meio. estahelece-se um diálogo corporal, onde a função tônica integra a
histÓ7'ia das inform."ç^es nrtcr-iores e iiit errei aciona,-as para dar origem à fenomenoíogia
(lemonstron como a motricidade oii mais precisamente a função postural do corpo através
si mesmo e a toda uma realidade dinâmica relacionai que pouco a pouco permitirá à
criança estabelecer uma distinção entre ela e o outro, entre ela e os objetos, entre ela e
em que meu corpo se projeta no corpo do outro e o assimila. A rigor isto é possível,
pelo jogo do diálogo tônico onde cada emoção da criança se manifesta, se objetiva na
consciência que ela tem de si mesma e do outro, e, ao mesmo tempo, é a partir daí que
ela poderá se ver e ser vista como o outro a vê, como a um espectador real ou imaginário.
O homem começa por se refletir num outro como num espelho. Isto é, quando ele
começa a ver no homem Paulo uma atitude parecida àquela que ele vê em si mesmo, é,
E bem verdade que esta afirmação coloca em evidência muito mais uma formulação
de caráter moral e social que psicológic<a. Entretanto, ela contém a (piestao atjui pontuada
ao outro no outro e em si próprio. .'\ imagem contém uma espécie de "pensamento" [)or
circularidade e transitividade.
^^Para Wallon, Ms atitudes, em relação com scits estados de bem-estar, de indisposição, de necessi-
dade, se constituem a infra-estrutura das suas emoções. ... A emoção é um facto fisiológico nas suas
componentes humorais e motoras; é um comportamento social nas suas funções arcaicas de adaptação.
A emoção é uma linguagen antes da linguagem."
TikTILO, René. Prefácio. In: WALLON, Henri. A Evolução Psicológica da Criança. Lisboa:
Edições 70, 1986. p.l4.
^®FONSECA, Vitor. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes, 1983. p.52.
'®MICIIEL, Bernard. Lg Corps. 4 ed. Paris: Jean Pierre Delarge, 1976.
10
1.2 As Voltas do Tema
de nos havia despertado para tão fértil (|uestão, ehi já não nos oferecia a profundidackí
abrangente, carecendo de uma melhor articulação teórica. y\ssim nos pareceu sobrema-
teóricas "subjacentes" à sua teoria ou à sua prática. Ou seja, trabalhar numa certa di-
reção conceituai que pudesse contribuir para constituição de um solo de referência ao seu
objeto de estudo.
Diria o poeta, "a vida é real e de viés"^, nossos encontros com a filosofia empres-
tavam novos e interessantes contornos à temática do corpo. Foi assiin que a leitura de
uma densidade teórica e não mais se poderia ignorar que o tema do corpo e o tema do
poderá ser tratado fora da conjugação do tema do Outro, "à prova do corpo é preciso
espelho.
Dizia Merleau-Ponty, "Quando meu olhar cruza outro olhar, eu. reefetuo a e-
xistência estranha numa espécie de reflexão e mais a evidência do Outro é possível porque
não sou transparente para mim mesmo e porque minha subjetividade puxa atrás de si seu
corpo.
A partir deste ponto nos interessava definir os contornos do (jue é e qual a função
11
zação" da imagem do indivíduo enquanto totalidade, revelada pela reílexào de seu corpo
no espelho. Este espetáculo visual que o indivíduo se torna para si mesmo ao mirar sua
imagem refletida não está dissociado do fenômeno da extereocep(;ão corporal dada pela
forma, nem da intereocepçáo dada rom.o rr>nteúdo pela experiência do corpo vivido. Ou
"corpo reconhecido". Vale dizer, irnagcrn do corpo cumpre uma dupla função - dc
e em que condições a criança entra em contato com o outro como Outro? No texto se
verá que a percepção do Outro para ser rigorosamente entendida naquilo que concerne
ao sujeito nos impõe um antigo e importante tema para a filosofia, ou seja, o tema da
Por isso foi necessário, em nome da pertinência e do rigor, retomar a questão do Cogito
Merleau-Ponty entende que a percepção do Outro como Outro tem uma dupla
e a "constituição do outro em sua diferença", de outro, que torna possível a futura di-
sempre precária para cada um de nós, um processo nunca acabado no drama da existência
calmente do corpo do outro, que a noção de um primeiro "eu", latente, virtual, inaugura
totalizante, unificado, que ele vê no espelho, sua imagem, imagem de seu corpo, que o
"^PANKOW, Gisela. El Hombro y su Psicosis. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1974. p.9.
12
remete a ele e ao outro ao mesmo tempo.
linear, se constitui numa rede de imagens impregnadas pela presença do Outro. Onde
meus gestos, a plasticidade de meu corpo são o constante e incessante testemunhe ine
a transcendência do manifestado, ou seja, mostrar algo sempre além dela mesma, mas
sua ambigüidade radical é começar a existir, como dissemos, a partir do ponto de vista
do outro. O outro está sempre no meu horizonte, banhando com suas ações as minhas
ações, criando uma zona de estranhamento de mim mesmo, bem como afirmando a mim,
o corpo do outro, e as intenções do outro para meu corpo, esta alienação ao outro por
mim e de mim pelo outro que torna possível a percepção do outro. Para llusserl, diz
corpo do outro e sinto nele as mesmas intenções que aquelas que animam meu próprio
corpo, e reciprocamente.
O fazer acadêmico é como uma viagem. Sendo assim, em seu percurso, inescapável
com o acadêmico se impunha, e para ser fiel aos amores não se podia deixar de fora a
Bem sei que o amor não basta. Entretanto, é pacífico que o Corpo, o Outro, a
Imagem, o Sujeito são temas instigantes e em nada estranhos à teoria psicanalítica, aliás,
pontuada por Wallon como responsável pela organização do "espaço supra-sensorial", ele
vai mais além. Para Lacan, a imagem especular é mais que um inesgotável "divertimen-
to", a famosa reação de júbilo da criança face à visão de sua imagem no espelho. Ela
(a imagem) é um bom símbolo. A "captação" que a criança faz de si, através da forma
espacial de seu corpo, no espelho, não é nada mais nada menos que o momento fundador
®MERLEAU-PONTY, Maurice. Les Relations avec Autrui chez 1'Enfant. Bulletin de Psychologic,
V. XVIII 3-6, n. 230, nov. 1964. p.298-'299.
13
(la ''função do EU"^. R desta forma quo a visão da iniageiii (Miquanl.o totalidade, descrita
constituição subjetiva.
unificado. Para Freud a dinâmica da imagem tem o valor de ofertnr-s(í ao amor, dado
Naquilo que concerne à questão do corpo, I^acan "veAo imputar a frnqvicntaçno das repre-
da própria linguagem''7 Ou seja "o que faz do corpo um corpo humano'^ - E a lingxiagem
corpo, diria Lacan. É a barra do gozo que torna possível ao sujeito ascender ao cor[)o
enquanto linguagem, é a barra que o faz ascender ao desejo. O sujeito do corpo faz um
resultado é um sujeito de tantos quereres, canta Caetano "/l/t.' bruta flor do querer'.
A linguagem não pode a tudo representar, haverá sempre algo a dizer! Algo do
corpo, algo do sujeito, algo do gozo. E é só mediante a falta cpie o sujeito emerge.
^ "Este 'eu' é uma maneira gramaticalmente mais certa de traduzir o ICII freudiano, habitualmente
vertido como 'moi' em francês."
MILLER, Gérard. Lacaii. lYad. Luiz Forbes. Rio de .laneiro: Jorge Zaliar Editor, 1989.
'SOLLER, Collete. O Corpo no Ensino de Jacques Lacan. Papéis do Simpósio, Belo Horizonte,
1989, p.4.
®ANDRADE, Antonio Quinet. O Corpo e seus Fenômenos, Papéis do SimpcSsio, Helo Horizonte,
1988. p.l5.
14
fundamental pelo fato de ter urn limite, é que o não todo do inveatimenio lihidival passa
Ncão por pretensão, nern por modéstia, recorri à l^iteratiira. y\ I^iteratura <1110 na
sua dupla falta, "parte de um real que pretende dizer, falha sempre ao dizê-lo, mas ao
falhar diz outra coisa, desvenda um mundo rnais irai do qxie aquele que pretendia dizer"^^,
ó nisto que ela veio nie acolher numa líltima lição. Assim, através da (icção literária -
Oscar Wilde, "O Retrato de Dorian Crray" - me desafiara a um estranho encontro ditado
pela fenomenologiae psicanálise aqui trabalhadas. Possível, impossível, não sei. Veremos.
Ninguém na arena, nem no diva, nem mais um "ismo" em busca de uma profissão de fé.
Apenas um caminho que na sua particularidade vem buscar algo para além dele mesmo.
15
Capítulo 2
respondê-la, bem ao gosto da exigência do senso comum: Corpo é corpo. I'], mineiramente
talvez tenha revigorado por longo tempo o pensamento de Merleau Ponty quando elevou
a temática do corpo ao nível da dignidade da reflexão filosófica, uma vez (lue para ele
ambigüidade"^.
16
Mas, antes de caminhar pelo pensamento de iVIerleau-Ponty sobre o corpo, gostaria
de fazer um pequeno detour que nos permita bordejar o tema através do mito.
17
2.1 Dos Deuses ao Homem: O Mito de Pandora
o umbigo - a marca de um corpo reduzido à metade. A este corpo humano, a este ser
reduzido a uma eterna falta (porque metade), deu-lhe forma e aspirações divinas. No mito
de Pandora, quando Zeus quer se vingar de Prometeu, que havia roubado o fogo divino
dando-o aos homens, manda um belo e estranho presente a Epirneteu. Zeus, o pai dos
deuses e dos homens, "ordena ao ilustre Hephaistos misturar água com um pouco de terra,
sem tardança, e aí infundir a voz e as forças de um ser humano e com a mistura formar,
prossegue no belíssimo mito, que pode ser compreendido como fonte de desvelamento da
ao ver Pandora, se deixa vencer por todo ímpeto da paixão e do desejo, e ao abraçá-la,
faz surgir neste gesto, numa síntese dialética, um ser original. O homem então, formado
pela junção das forças advindas do céu e da terra, de um lado contém (Titãs, Fúrias,
Eros) males que o constituem, e por outro traz, dentro de si, à semelhança de Pandora,
esperança.
na corporalidade sua possibilidade de ser. A idéia do corpo como mal, longe de ser uma
E a alma que transgride, é ela que, não cabendo no corpo, suspira, almeja, deseja,
^Hesíodo. Théogonie. Les Travaux et les Jours. Le Bouclier. Trad. Paul Mazon. Paris : Les
Lettres, 1972 apud VIEGAS, Sônia. O Mito de Pandora. Belo Horizonte: Departamento de
Filosofia da FAFICH/UFMG.(Publicação interna).
18
gera no espírito do hornern a condição iiicrávci do entusiasmo e da paixão, tão cultivadas
pelo espirito grego. A idéia do corpo, para os gregos, coloca unia série de impasses na
relação corpo e alma vistos como tão diferentes, mas isto não implicaria (|ue i)udessem
existir separida.niente
19
2.2 A Evidência Interrogada: A Noção de Corpo-
Próprio em Merleau-Ponty
Merleau-Ponty e Jean Paul Sartre' elevaram o tema cio corpo à dignidade do tema
filosófico. Em que pese a relevância e importância das reflexões sartreanas para o tema do
corpo, o filósofo que elegemos para aprofundar nesta discussão foi Maurice Merleau-Ponty
(1908-1961).
e/e. Assim, toda evidência traz seu sentido de ambigüidade, o revelado traz sua zona
de ocultamento; a razão traz consigo o mistério e a desrazào; todo silêncio traz consigo
da luz que faz aparecer a cena do espetáculo. Se liá em Sartre uma fenoinenologia do
Corpo apontando para uma ontologia. Em sua obra mais importante - "Fenoinenologia
que "fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, tornam
Mas igualmente ele enfatiza que "fenomenologia é também a filosofia que substitui as
essências na existência".
que ele constituirá ao longo de sua obra uma fenomenologia que o diferenciará de outros
fenomenólogos.
20
traz de início na bagagem a articulação Ilusseriiana cm torno da noção do IjvbensweU
mundo não é buscar o que ele é em. idéia, uma vez que o reduzimos a tema do discurso,
base para uma filosofia da experiência vivida, (jual seja, o contato ante-predicativo ou
Ponty se manifesta, e isto o levará a construir uma obra densa, rigorosa e crítica. O eixo
fundamental será o corpo como espaço privilegiado de nossa existência no mundo. Desta
corpo tomado como um campo perceptivo por excelência, como o eixo que fundamentará
ponto uma mola propulsora que o levará a uma crítica mais radical à noção de consciência,
noção de corpo-próprio.
Comportamento Reflexo, e desta crítica fez emergir um verdadeiro estatuto para a noção
de comportamento.
Sem querermos aprofundar nesta questão vamos apenas demarcar os pontos fun-
21
corpo vista sob a problemática do comportamento anteriormente trabalhada'.
Isto posto, vejamos alguns elementos (jue no nosso entendimento resumem a Teoria
reza r°flexológica de toda a atividade psíquica e buscando dar um estatuto científica para
de que nos cães ocorria secreção de saliva e sucos estomacais não apenas cjuando os
animais começavam a comer, mas antes, quando eles viam a comida ou ouviam os passos
Bastava acioná-la para que as respostas de salivação e sucos gástricos aparecessem nos
condicionado. A fórmula:
Ec Rc condicionamento
22
Os estudos sistemáticos subseqüentes sol)re coiulicioiianiento, refor(;o, extinção,
Comportamento Reflexo, aplicadas aos estudo? das Pf-'icopatias e das neuroses experi-
mentais.
Tais estudos, ainda, permitiram a i^avlov concluir que - "ao conirdrio dos verda-
deiros reflexos, que têm mediação subcortical - os reflexos condicionados tem mediação
em nível cortical"^. A partir deste ponto, valendo-se das teorias de excittação e inibição
Significa dizer que para Pavlov o comportamento deveria ser visto numa corre-
zagem, etc. Dentre as várias faces do seu pensamento, apenas duas nos interessam aqui.
A primeira refere-se àquilo que define o que constitui o comportamento (do corpo); a
segunda, vai dizer respeito ao que o corpo abriga quanto ao campo de suas relações no e
ao mundo.
nismo em situação (no mundo). É este organismo que reage aos estímulos e a,o fazê-lo,
ele não dará respostas interpretáveis de forma linear ou segmentária, mas ampla, total
organização, numa interrelação constante e recíproca que pode ser interpretada segundo
uma Estrutura.
®YATES, Aubrey, YATES, J. Terapia del Comportamieiito. México: Editorial 'lYillas, 1973,
^ARNOLD, W., EYSENCK, H.J., MEILI, II. (Coord.) Dicionário de Psicologia. São Paulo:
Edições Loyola, 1982. v.3. p.24.
23
pensamento causal (Ec —> Rc) a categoria de estrutura.
Ou seja, "a 'situação' e a "reação' se tornaram momentos <lc uma mesma estru-
circular'
Com Merleau-Ponty podemos aprender que o corpo é uma totalidade que pres-
supõe entre suas partes uma estrutura, isto é, um todo que não pode ser visto apenas
como soma das partes, mas é outra coisa, tem uma organização e uma dinâmica própria
e original. É a sua forma de corpo que lhe garante o modo de ser-no-rnundo e que torna
possível compreender o modo de relações que (o corpo) tece com o mundo e no mundo.
Vale dizer, a fisiologia viva do sistema nervoso não se deixa entender a não ser
o campo mental.
pressões, sensações, julgamentos, não acontecem como se fossem independentes ums dos
outros, como pedaços de mosaico, mas ao contrário se constituem segundo uma unidade
que tem uma ordem - sua forma de corpo^. A noção de forma permitiu, aplicando-se
O corpo visto como um campo fenomenal nos permite compreender, para além de
É isto que possibilita à noção de corpo apreender "a originalidade da ordem humana
24
do trabalho"^^. Ou seja, o corpo luirnano deve ser entendido como realidade qne propõe
mente na sua dimensão biológica (animalidade), é ele, o corpo, (jue, numa espécie de
cimento da ordem humana propriamente dita. Assim será o mundo liumano, pois diz
Não são o meu organismo ou o meu psiquismo meros objetos ao estudo da biologia,
que o corpo é um objeto do mundo físico bem como com aquela concepção que quer dar
Retomando o que até aqui vimos, podemos dizer que o corpo se manifesta de
(campo vital) ou psíquicos (campo mental) - mas também o fato de ter um sentido e
uma intencionalidade, uma ação que se projeta sempre para um fora dela mesma em
direção ao outro, ao mundo nos limites da percepção e trabalho. É este fato que qualifica
algo, sendo um modo do sujeito realizar uma ação determinada, da qual o corpo é o meio.
25
Vale dizer, "'o corpo é o veiculo do ser vo inundo, e ler um corpo é para unia pessoa viva
neles"^^.
Eu sou uin ser no nuinclo eiuiuaiito eu sou um ser de presencia - rir. corr.o, ':ni
vivo senão realizando-a, eu mesmo, e na medida que sou um corpo que se levanta em
direção ao mundo"^^.
Todo meu corpo, a cada momento, anuncia o meu projeto, o meu sentido e o
significado de minha existência. Neste aspecto, meu corpo Ucão pode ser tratado como
objeto no sentido de coisa, ele não é um ol)jeto no mundo, mas é o meio de minha
Ele é um visível que se vê, um tocado (jue se toca, um sentido que se sente.
vivido que se faz pleno no êxtase (ek-stases)^^ da experiência vivida. Para Merleau-Ponty
de forma indivisível. Um corpo que, encjuanto objeto, não pode ser tratado como coisa,
uma vez que guarda, devido à sua espacialidade, uma relação genuína e original com sua
forma (de corpo), e na relação entre as suas partes faz aparecer algo de sua significação.
ao olhar do outro é (jue ele, o corpo, se apresenta naquilo "que sempre foi apanágio do
objeto: a visibilidade"^'^. Entretanto, ele igualmente se apresenta naquilo (pie sempre foi
"Dizer que tenho um corpo é pois injia maneira de dizer que posso ser visto como
26
objeto e que procuro ser visto como sujeito, que o outro pode ser meu senhor ou meu
Nisto busco que o outro me veja como sujeito, e o outro a r;im se husca ua mesma
relação dialética, somos objeto - consciêucias, sujeito entre sujeitos. Isto nos permite
(jue nos autoriza dizer o corpo, nem puro objeto, nem puro sujeito. Um corpo-sujeito,
um corpo-próprio.
corpo-próprio. Podemos dizer que o objeto cama, ou mesa, ou cadeira, são objetos
meu olhar: eu os manuseio, os inspecciono, me livro deles; eu os posso olhar daqui, dali,
de acolá, sem contar que posso transmutá-los em outros e outros. Infinitos sentidos e
Não são os objetos que variam diante do meu olhar, mas eu é que os faço variar
diante da perspectiva sempre diferente que lhes possa dar. Suas mudanças são devidas a
mim, sua permanência em meu horizonte são devidas a minha chegada ou a minha saída,
suas faces. No momento seguinte, posso descortiná-lo. Posso olhá-lo de cima, de baixo,
sob todos os ângulos, porque ele se refere a mim. Olho aquele prédio; daqui, vejo-o num
panorama sempre igual; posso contorná-lo e vê-lo de outro lado, na esquina, ele faz um
outro ângulo. Posso, como o fez Alice no País dos Espelhos, olhar no outro lado da sala
Nunca me livro do meu corpo, ele é um sempre presente. Sua permanência é sempre ao
meu lado, está sempre aí, nunca esteve diante de mim, não posso exibí-lo sob o meu olhar,
27
onde mesmo diante do espelho tenho-o numa determinada forma, sem jivmais apreendê-lo
na sua totalidade. Esta forma especial de permanência inaugura |)ara mim um modo de
presença que não pode ser confundida com a de nenhum outro objeto. Meu cor[)o é então
objeto? Esta pergunta poderia nos levar a um engodo: diante do espelho sou o outro que a
ambigüidade estará sempre presente, sendo relativa ao meu corpo tátil, visual, sensorial,
etc. O eterno desdobramento do meu corpo num outro é a raiz de sua ambigüid.ade
nomeia-o como um objeto afetivo, e ao dizer isto, ela se refere, entre outras coisas, à
capacidade do corpo de sentir dor, ou mesmo de identificar zonas de dor em seu espaço
destarte, o marco de diferenças entre o corpo e os objetos em geral, que não se movem no
espaço, ao contrário, são movidos pelo meu corpo. Igualmente denomina como sensações
duplas o fenômeno do corpo ''ser um tocado que se toca, um visível que se vc'\ colocando
assim essa especie de reflexão "própria do corpo apenas como mais uma diferença que
Ao tratar desta forma o corpo, a psicologia acaba por se inscrever junto ao "pensa-
mento impessoal ao qual a ciência se referiu enquanto acreditou poder separar, nas obser-
Com isto ela perde o fio de importância fundamental para compreender a originalidade do
visíveis, nomeando-o corpo-próprio. E isto significa buscar uma nova definição do ser. E
28
mais, romper com um tratamento de sujeito e/ou ob jeto dicotomizado cm fatos psíquicos
análises. O corpo é esse objeto de que fala o biologista, conjunção de processos analisa-
dos pelos fisiologistas, monte de orgàos descritos pela anatomia, comportamentos, ações
e reações observadas do exterior. Para o pensamento objetivista "o corpo do outro, assim
como meu próprio corpo não é habitado"^^^ desta forma este pensamento não resolveria o
cepção da psicologia clássica, Merleau-Ponty afirma que "ser uma consciência ou mais
xistentes, expostas uma à outra, como numa gestalt imediatamente dada, um horizonte
de forma fechada, estática, fixa. Ela se elabora numa dinâmica, numa circularidade sem
pouso, que se desdobra incessantemente, onde cada um de nós traz o outro, o mundo,
cunferência, cuja origem parece difícil ou mesmo impossível estabelecer. Portanto, para
mesmo tempo vidente e visível"^^. Ao olhar as coisas e o mundo, ele se olha a si, na
29
reversibilidade que lhe é própria, se vê vidente. Ele é um "si por confusão, por narci-
sismo e por inerência daquele que vc naquilo que ele vê, daquele que loca naquilo que
ele toca, do senciente no sentido - um si, portanto, que é tomado entre coisas, que tem
uma face e urn dorso, ^"r> passada r. um futuro." E continua: "este primeiro paradoxo
não cessará de produzir outros; meu corpo está no número das coisas, é uma delas; é
estas antinomias, são maneiras diversas de dizer que a visão é tomada ou se faz no meio
das coisas, de lá onde o visível se põe a ver,... de lá onde, qual a água-mãe no cristal, a
Neste ponto diríamos que a ênfase do filósofo ao truismo do olhar (olho e espelho)
questão do corpo à trivialidade de seus truismos - o olho que se vê, o tocado que se
toca, um sentido que se sente - não é pura ênfase de linguagem mas significa dizer que a
com as coisas, com outro corpo por isso, a ek-stases. Ilá desdobramentos, há excesso
no contato dele com o real, pois o real, nesta reversibilidade que existe entre o corpo
e outro corpo, entre o corpo e o mundo, ultrapassa sempre. O enigma do corpo reside
nisto: há sempre um sentido que se lhe escapa, assim como à linguagem; a "significação
sempre ultrapassa o significante, e este engendra novas significações, de sorte que entre
Vejamos agora uma outra noção de corpo. O corpo-erógeuo, tematizado como tal
na teoria psicanalítica.
^^CHAUÍ, Marilena de Souza. Textos Selecionados. Maurice Merleau-Poiity. São Paulo: Abril
Cultural, 1980. (Os Pensadores), p.88-89.
^^Idem. p.XII.
30
2.3 O Sonho de uma Evidência: A Noção de Corpo-
científica, ou projeto de luiia psicologia científica para neurólogos, Freud "pretendia yuar-
meio de inclusão da medicina no campo das ciências exatas, pois era esperado do médico
(jue suas investigações clínicas fossem confirmadas por lesões, oferecendo provas anato-
mopatológicas aos distúrbios estudados. Assim é que Charcot tenta inicialmente dar um
pensar a histeria sob a lógica do modelo da neurologia, bem como descrever uma sin-
tomatologia regular, para que com isso pudesse inscrever definitivamente a histeria no
neuronal.
Por mais que Freud tenha se esforçado para construir uma Psicologia para neu-
biológicos da mente nunca perderam sua importância para Freud, mas por várias décadas
^GAY, Peter. Freud - uma vida para o nosso tempo. Trad. Denise Bottinann. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.88.
^GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 3 ed. Rio de .Janeiro: .lorge Zahar
Editor, 1987. p.82.
31
suas manifestações no pensamento e na ação - lapsos, chistes, sintomas, defesas e a mais
pasmódicas da fala, as dores das perno® ao anda'- ou ficar de pé, as alucina(,-òes olfativas,
ou mesmo as reações de excitação erótica exibidas por Elizabeth Von IL relatadas por
ele levaram-no à fascinante conclusão de que "o liistéiico sofre princApalmente de remi-
Neste ponto, se para alguns o Projeto apresentou, em linhas gerais, muitos dos
Projeto para desenvolver e nos presentear com a sua obra mais importante, segundo ele
mesmo: "A Interpretação dos Sonhos". O que vamos encontrar, a partir daí, "não são
Encontra-se, aí, um corpo que encena o sintoma e como tal (ele) passa a ser
queixa física é a linguagem do desejo. Não mais um corpo que cumpre sua função na
mas que se desdobra na tessitura da rede de uma nova realidade descoberta por Freud:
a trama do inconsciente.
Um corpo que já não é tratado como um corpo constatado, mas um corpo cons-
truído, que cumpre seu estranho destino, coerente com a natureza de uma outra realidade
posse da integridade de seu sistema nervoso, não pode andar, e sofre de dores intensas ao
lazê-lo. Através de penosos sintomas físicos, seu corpo eloqüentemente reenvia a compre-
ensão de seu sofrimento a uma outra instância, diferente daquela da leitura puramente
biológica.*^
^GAY, Peter. Fi-eiicl - uma vida para o nosso tompo. Trad. Denise Bottni.mn. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.89.
''GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 3 ed. Rio de Janeiro: .Jorge Zaiiar
Editor, 1987. p.94.
®Idem. p.63.
32
Resulta disto que, paradoxalmente, todo esforço de Freud de ligar a neurologia à
Esta ruptura metodológica faz aparecer uma oposição entre o corpo biológico e o
corpo fan*^?.?mático, emergindo a noção de corpo erógeno, uma espécie de duplo ou ojjosto
ao corpo biológico. Neste sentido, poderíamos ainda dizer (jue Freud eleva a compreensão
algo da constituição do corpo erógeno na trama relacionai. E para tanto, talvez valha a
pena relembrar uma cena corriqueira: uma mãe cuidando de seu íilhinho récem-nascido.
Para todos, é absolutamente fácil imaginar a jovem-mãe que, através de olhares, de sons,
bebês. Esta mãe está garantindo ao seu bebê não só um crescimento maturacional,
no corpo do bebê, em sua pele, em seus ouvidos, em seu olhar, algo que escapa à ordem
da necessidade puramente biológica. Nosso bebê tem frio, a mãe provavelmente lhe dirá
enquanto o veste: - ah! meu pequenino tem frio, vou vestir você, deixá-lo quentinho,
macio, gostoso!
cios, roupa felpuda, e a voz, o olhar, a palavra, a entonação materna, etc... Qual delas o
A rigor, pensamos que não há preferências confirmáveis como a mais, (juase po-
deríamos dizer que todas elas permanecerão como traço de memória dizível ou não, mas
para sempre constitutivas de uma certa história do sujeito que é tocado de uma certa
form.a. Neste ponto, duas de várias outras questões poderão ser levantadas acjui. Primei-
ro, que a sedução materna é inescapável para todo ser humano, aquilo que Freud em sua
teoria da sedução vai chamar cena originária, e estará dizendo da sedução dos cuidados
33
corpo. Quer seja a pele como primeiro instrumento e lugar de troca com o outro', cjuer
seja o olhar enquanto primeiro organizador do laço social. De fato, como organizador
está o corpo, e neste caso como mediador privilegiado das relações inter-humanas.
fortáveis ou não, e como resposta a eles há um número de ações que, no seu conjunto,
formam a possibilidade do bebê apenas anunciar este fato à mãe ou a um outro. Ou seja,
choros, gritos, risadas, esperneies é tudo o que lhe resta fazer para chamar alguém. A
eliminação das tensões causadas por suas necessidades só será possível através de ações
externas, e esta incapacidade de realizá-las por si mesmo colocará o bebê à mercê do ou-
tro. Este desamparo que caracteriza o recém-nascido é utilizado por Freud para explicar
como se constitui a experiência de satisfação. Lacan dirá que o ser humano ao nascer é
esta imagem perceptiva fará surgir um traço de memória associada à satisfação. O que
resultará disto é que, toda vez que o organismo for exposto às necessidades, ele tenderá,
como numa espécie de impulso psíquico, a reinvestir a imagem do objeto e num recurso
alucinatorio ele buscará a experiência de satisfação. "Um impulso desta espécie é o que
e o caminho mais curto a essa realização é uma via que conduz diretamente da excitação
Então, aquilo que é reativado passa a ser o traço nmêmico da imagem do objeto,
a percepção desta imagem se forma fundamentalmente frustrante, uma vez que ela, a
imagem, não poderá produzir a satisfação desejada. Melhor dizendo, a frustração será
decorrente do fato do bebê não ser capaz de distinguir a imagem do objeto real daquela
Neste ponto estamos chegando aos limites de vários conceitos trabalhados por
'^ANZIEU, Didier. O Eu-Pele. Trad. Z. Y. Rizkallah e R. Mahfuz. São Paulo: Casa do Psicólogo
1989. 286 p.
®FREUD, S. ESB. Interpretação dos Sonhos (1900). Rio de Janeiro: Ed. Iinago, 1972. p.()03.
34
Freud: inconsciente, desejo, libido, pulsões, todos eles absolutamente necessários ao nosso
trabalho. Mas é necessário antes tornar a insistir sobre a questão da erotização do corpo.
Para tanto, queremos enfatizar o conceito de - corpo erógeno - algo que diz da organização
As formulações de Freud sobre a libido "foram para ele pouco menos escandalosas
do que para a maioria de seus leitores"^. Libido, esta estranha e surpreendente energia
diz dos caminhos que ligariam um e outro planos. Mas nem por isso as manifestações
teoria quanto para a prática da clínica psicanalítica. Neste sentido, torna-se importante
o conceito de corpo erógeno, uma vez que ele vem esclarecer um pouco dessa trama da
organização libidinal, e ao fazer isto a psicanálise coloca sua concepção de corpo distante
Apenas à guisa de observação, já que não trataremos desta questão aqui, corpo
erógeno, uma noção que exige repensar corpo e alma em seu estatuto ontológico, vem
dução biológica do corpo humano, no conjunto de sua organização funcional, cor dos
olhos, dos cabelos, da pele, etc. Entretanto, os genitores não nos deixam apenas estas
marcas evidentes e aparentemente de fácil constatação, mas nos fazem igualmente pos-
suidores de um corpo erógeno. Marcam seus filhos com a complexidade de seus corpos
modos de defesa, recalques, etc. ''Tudo isto está presente de modo ativo na concepção
e, depois, na geração do corpo erógeno da criança, assim como nas relações libidinais
®GAY, Peter. Freud - uma vida para o novo tempo. Trad. Denise Dottrnann. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.l43.
^"GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. O Mal Radical em Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990. p.53-54.
35
própria função erógena, ou seja, de toda a vertente lihidinal..."^^. Para melhor compre-
mesma forma que é necessário superar, para se entender o conceito psicanalítico de falo,
tização do corpo da criança. A verdade é c[ue, tanto a mãe quanto o pai, entendidos
corpo erógeno. Pai e mãe, enquanto funções, darão ao sujeito uma inscrição diferenciada,
à lei, para a emergência do sujeito nos limites do social e do psíquico. Para elaborar a
noção do corpo erógeno é importante pensar o corpo como uma superfície; pensá-lo num
ponto que comporta uma fonte de excitabilidade sexual, ou zona erógena. Cada zona
erógena funciona como uma espécie de porta, "uma abertura ao inconsciente, uma aber-
ordem que, tomada em seu limite, é a ordem do gozo, e não a ordem da sobrevivência"^^.
Neste imbricado que é o corpo erógeno, entendido como uma espécie de rede,
onde supostamente todos os pontos têm uma equivalência de função, ele não se organiza
ali onde falta o objeto, na linguagem lacaniana, arquivo da ordem significante. Assim,
cada zona erógena não está pré-determinada, mas é arbitrária, está na dependência do
modo de troca com o Outro. Cada indivíduo tem uma espécie de mapa erógeno diferente,
particular, ali onde se captura o Outro, ali onde se ordena o campo do desejo. Isto é
eloqüente, diz da história vivida do sujeito, inscrevendo-se como uma ordem singular,
dos sujeitos. Neste aspecto, não se fala do corpo erógeno em geral, mas de um corpo
36
erógeno (corpo do sujeito). É importante ressaltar, entretanto, que esta singularidade
não é garantidora de urna ordem UNA ou totalizante (corpo do sujeito não é a medida de
todas as coisas), mas pelo contrário há algo de dispersão, de não coerência na noção de
corpo erógeno enquanto pertencente L história do sujeito. Lidamos, portanto, com uma
por nós em relato de experiências, ou em discurso que, na clínica, clientes fazem de seu
corpo.
Fica claro, por outro lado, que o conceito de corpo erógeno não está livre de am-
por sua vez, se "organizam, ou se ordenam como uma rede, em registros que na sua
sante esclarecer, secundados pela pontuação do próprio Leclaire, o modo pelo qual seria
a das fases da organização, da evolução libidinal, fases oral, anal, genital. De fato, o
que fica claro até agora é que os registros erógenos podem privilegiar determinadas zonas
do corpo biológico onde a função orgânica é predominante. Uma vez que a satisfação
traz consigo a possibilidade de que algo da ordem do desejo possa verdadeiramente ali
olhos (pulsão escópica), os ouvidos (algo da voz como invocante, presença do outro);
podem, junto com a função orgânica de base, abrir-se, ao mesmo tempo, para o sujeito
onde o orgânico prescreveria uma certa ordem ao libidinal. Vale dizer, o libidinal teria
como referente o corporal orgânico e o erógeno, como uma espécie de mapeamento dos
37
investimentos libidinais, teria igualmente o corpo íisiológico como seu organizador. Assim
o próprio inconsciente acabaria por ter no "corpo fisiológico um lugar único, originário
aí onde existo, seguindo o mote cartesiano.(...) Sou o que recebi de minha mãe, ou o
que posso produzir na luta por me diferenciar dela, tal como ela se concreta como Jigura
Ora, se adotada essa perspectiva de pouco nos serviria urna noção como a de cor-
biológico. Não é demais frisar que esta perspectiva está presente na psicanálise genética.
Entretanto, essa não é nossa visão. O que nos interessa aqui é o corpo erógeno enquanto
De fato, não queremos dizer de modo algum que o biológico não tem importância, mesmo
porque não se pode negar algo da evidência, do visível, da troca imediata que constitui o
anatômico para o sujeito. Afirmamos apenas que o corpo erógeno, enquanto corpo da psi-
entre eles, se é possível, não será nunca da ordem da determinação. Se assim o fosse ela
uma perspectiva já nossa conhecida e bem pouco produtiva para nossos propósitos.
Neste ponto, vale a pena ressaltar que a noção de libido e a teoria das pulsões em
Freud abriram a psicanálise para uma questão ontológica fundamental. "Lacan é enfático
ao afirmar que o Trieb não pode de modo algum limitar-se a uma noção psicológica - é ri-
noções, é preciso percorrer com Lacan o esforço da psicanálise para elaborar uma teoria
do sujeito. A rigor, para essa elaboração, o corpo, concebido como diferente do natural
38
- uma desnaturalização necessária - é tomado como imagem na primeira instância da
corpo no mundo.
39
Capítulo 3
A Mediação do Corpo na
Constituição do Sujeito
Merleau-Ponty
comportamento físico/vital e mental (simbólico) não nos aponta para análises vitalistas
desta forma que os atos humanos traspassados por uma intencionalidade e sentido fazem
Se a roupa nos protege do frio, "o ato de se vestir se torna o ato do enfeite ou
ainda do pudor e revela assim uma nova atitiide para consiçjo mesmo e para os outros"^.
40
da ordem humana e da estrutura alter-ego. Vale dizer que nenhuma forma de sentido,
Isto posto, retomemos a questão do corpo-prcSprio naquilo em que ele nos apon-
ta para algo do enigma do corpo exi)resso na sua dupla condiçã'^ '!e vi?ibv';dade (» de
vidente, o corpo-próprio nos exige pensar com rigor as (juestões relativas ao corpo no
interior da própria subjetividade, uma vez ((ue é neste duplo do corpo, reflexividade e
que a nova noção de corpo-próprio traz consigo uma outra leitura da consciência - "a
consciência engajada" - atada por dentro ao mundo, às coisas, nos limites da experiência
e do sensível.
tomados da experiência, "nesta relação entre um dentro e uni fora, entre os elementos
desta constelação, neste tornar-se que não se torna somente, mas que se toma para si, há
lugar para relacionamento em sentido duplo, ... para verdades contrarias e inseparáveis,
Assim é que sujeito é corpo, um sujeito situado, onde sua ipseidade, sendo corpo, o faz
^CIIAUI, Marilena de Souza (Org). Textos Solecioiiados. Maurice Mcrleaii Polity. São Paulo:
Abril-Cultural, 1980. (Os Pensadores), p.47.
''Alphonse de Walhaens se refere à dúvida cartesiana como um longo caminho percorrido pelo filósofo
para se chegar ao Cogito. Vejamos: "Descartes s'en élait déjà avisé: entendre par Cogito Vopération de
Ia pensée propremeni dite, c'est, de forte evidence, en savotr trop long."
DE WALHAENS, Alphonse. La Philosophie (!t les Experiences Natiirelles. Louvain: Martins
Niphoíf. La Ilaye, 1961. p.41.
^Segundo Lachièze-Rey: "A doutrina cartesiana do Cogito devia nos conduzir logicamente à afirmação
da intemporalidade do espirito e à admissão de uma consciência do eterno: experimus nos aeternos esse."
LACHIÈZE-REY, P. L'Idealisme Kantien. p.55. In: MERLEAU-PONTY, M. Phéiioiiiéiiolof^ie <Ie Ia
Perception, Paris; Gallimard, 1945. p.426.
■11
dimensão do Cogito cartesiano que a fenomenologia de Merleau-Ponty vem interrogar.
Problematizando-a, ele nos lega aquilo que convém chamar de uma inversão do Cogito
pensamento que se possui inteiramente, mas o ato cego pelo qual retomo meu destino de
natureza pensante e o persigo, é uma outra JilosoJia, que não me faz sair do tempo .
Mas, antes, diz Descartes: "Cerrarei os olhos agora, tamparei os ouvidos, deixarei
de fazer uso dos sentidos, afastarei inclusive de meu pensamento todas as imagejis das
coisas temporais, já que isto é quase impossível, as tomarei como vãs e falsas assim em
me melhor e familiarizar-me mais comigo mesmo. Sou uma coisa que pensa, quer dizer,
que duvida, afirma, nega, conhece poucas coisas, ignora outras muitas, ama, odeia, quer,
si mesmo, um sujeito separado de forma imaterial do mundo, não existindo para o outro.
Um sujeito cujo próprio corpo, através dos órgãos dos sentidos, é fonte de erro e para
quem o mundo indiretamente era garantido pela bondade Divina. O Cogito - o sujeito,
percepção do outro. Melhor dizendo, "a utopia cartesiana irá construir um sujeito da
Todas as fontes de engano, o medo do engano (fonte de ilusão e erro) deverão ser liberados
para se ter a Razão como única fonte do poder absoluto do conhecimento. Só de posse
desta Razão o homem poderá dominar a natureza (o mundo) através de idéias claras
42
e distintas. O mundo natural deverá assim ser vasculhado, pesquisado, (luantiíicado,
se nos confins do próprio eu e regredir a uma consciência vazia. "O sujeito racional é
uma entidade lógica, (não tem carne, nem sangue, nem desejos, não tem dor a 7nitigar,
e, igualmente, o homem comum, nas mínimas ações do cotidiano. Pois bem, esta cisão
há sim um corpo negado, ignorado: - um sujeito sem corpo. É esta questão que Merleau-
que se pretende apreender como uma outra leitura do cogito, ou seja: a "consciência
engajada".
Todos os anos, nesta época, vejo aquele ipê que floresce em jardim alheio, e sua
visão, daqui, da mesa onde escrevo, me traz uma aguda e fina emoção.'' Hoje, me tomo
de maior enlevo, porque ele me trouxe, além dele mesmo, as palavras do poeta: Sou
^°MATOS, Olgária. Desejo de Evidência, Desejo de Vidência: Walter nenjainin. In: NOVAES,
Adauto (Org.). O Desejo. São Paulo; Companhia das Letras, 1990. p.288.
'^Idem/Idem. p.289.
^^IPE. O ato de percepção-do-ipê-no-jardim-alheio é o que chama Husserl de uma vivência original.
E exatamente esta vivência original que se desdobra para minh a consciência no ipê que nego, no ipê da
emoção poética referida, criando uma experiência de todos os ipês. A consciência não usaria somente o
ipê recebido como realidade sensível, mas ela o desdobra em outros "ipês", uma espécia de ipê que, para
a emoção, nada mais seria que um ipê imaginário.
^^DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Amar se Aprende Amando. Rio de .Janeiro: Record,
1985. p.170-171.
43
a densidade de suas flores amarelas, a fala do [)oeta, a constatação da, sua [)rcseu('a,
impregnou todo o meu ser, envolvendo o ato mesmo de minha consciência ao ver aípiele
ipê.
objeto e, mais, separar o sujeito da coisa percebida, real ou ilusória. Mesmo que o ipê
não existisse de fato para mim. mesmo cjue se transformasse apenas na íigura poética de
Drummond, o fato é c^ue pensar é sempre pensar algo. Não se pode alirmar a condição de
diante de uma situação insuportável, diria Merleau-Ponty, uma vez (jue "rt percepção é
justamente este gênero de ato em que não se poderia colocAir à parte o ato mesmo e o
termo sobre o qual ele se dirige Não se pode ter como certa a percepção recusando a
coisa percebida. Não se pode separar da percepção a consciência (|ue ela tem do objeto
modalidade existencial, uma vez que não se poderia separar da percepção a consciência
que ela tem, ou, mais certamente, que ela é, de atingir a coisa mcsma"^^.
Mesmo que Drummond não tivesse re-significado para mim o doce e fugaz fe-
nômeno da florescência de todos os ipês, "a minha visão da árvore como êxtase mudo,
numa coisa individual já engloba um certo pensamento de ver, e um. certo pensamento de
de si sem o que ela não poderia ter objeto"^^. Minha consciência enquanto consciência
das coisas do mundo, se misturar nelas, voltando a mim e fazendo-me ])arte do mundo,
percebo; entre eu e aquilo que penso a respeito do mundo, de mim mesmo, do outro, das
coisas, indefinidamente.
Este comércio entre o eu e o mundo torna o sujeito humano mais do que apenas
44
coisas, isto sendo possível porque ele as laz existir para si e as dispõe em torno de si, e
transcendência"^^.
A consciência como transcendência deixa de ser aquele logos depositário das ima-
"No que concerne à consciência, temos que concebê-la não mais como uma cons-
ciência constituinte e como um puro ser-para-si, mas como uma consciência perceptiva,
coisas, o mundo, os objetos, o Outro se dão à consciência, uma vez que ela é um absoluto,
fechada em si mesmo.
Ao tornar o próprio sujeito o ponto de apoio para si mesmo, uma espécie de cons-
ciência solitária encerrada em si mesmo, de que maneira há para o sujeito um fora dele?
De que maneira ele poderia reconhecer outros Eu? E, mesmo, como ele, face a um outro
Eu, chegaria a vislumbrar a equação do "Ele é consciente"? Uma vez que a experiência de
mesmo este modo de existência cujo sentido exige que seja interiormente apreendido?.
45
Seria o Eu a medida de todos ou outros Eu, fora de mim?
nenhuma dessas mecânicas que formam os outros corpos poderá se animar, se não lenho
exterior os outros vão terão interior"^^. O que significa dizer cpie, se por um lado todas
as nossas ações não são um puro exterior, nem é preciso dizer, por outro lado, cpie a nossa
sim, um exterior e um interior numa transitividade sem pouso, (jue me faz emigrar de um
"este cogitatio que torna possível a experiência, nossa percepção sobre as coisas e sobre
noção do mundo natural, a soma das coisas existentes. Nem um iimndo já dado, (jue
organizador da ciência. Mas antes, um mundo para o sujeito e um sujeito [)ara o mundo.
universal nos limites da experiência de seu corpo-vivido (corpo próprio) que lhe abre
para ordem humana no duplo percepção e trabalho.^' E desta forma ele, o mimdo, se
dá a mim como campo para todos os meus pensamentos e minhas perce[)ções e me faz
e sendo significado, o mundo, a mim e o outro. "O mundo não é o que penso, mas
o que vivo, estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com. ele, mas não o
possuo, ele é inesgotável""^^. Homem e pedra estão no miuido, mas para a pedra não há
mundo, não há para a pedra um mundo com o qual ela tenha uma relação e teça seus
46
conteúdos de familiaridade, como o lioineni tece e cria o seu laiiiiliar, seus vínculos de
sentido e significado, onde do homem, mesmo depois de sua morte, o mundo possa lhe
dar testemunho.
Nas palavras de Merleau-Ponty: "(9 que eu descubro e rcconifço pelo Cajiio não
privados, o contato cego da sensação consigo mesma, não é inclusive a imanência trans-
meu próprio ser, o contato simultâneo com meu ser com. o ser do mundo"
do, destinada a um mundo que ela não envolve nem possui, mas para o qual ela não deixa
firmar que a consciência nos impõe o problema da relação sujeito-mundo, uma vez que
intenção, sem deixar de ser ao mesmo tempo consciência de si, do mundo e das coisas,
ela e o mundo se constituem numa unidade indivisível. O que se encontra neste raciocínio
é que corpo e mundo não são criação da consciência, mas antes sendo a consciência uma
incessante com/e no mundo. Instalada assim no mundo, a consciência não pode prescindir
Estamos, nesta exposição, chegando aos liames que nos fazem entender que a cons-
ciência não é uma consciência privada, mas antes é uma consciência encarnada, enraizada,
vivida), que a consciência ganha sua espessura temporal e seu engajamento corporal, e
Significa dizer que não mais a consciência, mas a percepção como experiência primeira é
47
o fundo sob o (jual se destacam os atos reliexivos ao inesiiio Icniipo (lue os |)ressui)òem.
vez que tanto a "natureza exterior e a vida são impensáveis sem a referência à natureza
percebida"^^. Desta forma é o corj^»^ hnir.an'^ (o não a consciência) (|ue percebe o numdo
(natureza) e o habita.
"Se eu soxL capaz de sentir através do enirelaço (ío corpo próprio e do sensível, eu
sou capaz igualmente de ser e de reconhecer os outros corpos e os outros homens". Assim
a natureza mesma da percepção e retirar assim toda e ((uaiquer visão que possa fazer
dela (a percepção) uma operação intelectiva (por julgamentos, memória, juízo, etc.). Mas
antes a percepção é entendida por ele como uma experiência primordial, dada por afecção
A passos largos sua filosofia caminha ern direção a uma ontologia do sensível. Re-
tirando agora toda e qualquer interpretação que reduza a percepção a uma experiência do
uma pedra/idéia, uma árvore/idéia, primeiramente toco com meu corpo o mundo. Am-
bos corpo/mundo são feitos do mesmo estofo. Há um sentido cativo nas coisas do mundo,
primeiro há o "contato mudo com as coisas, quando ainda não são coisas ditas"'^'^. Vemos
então que o que ele esclarece a partir daí não será mais uma consciência i)erceptiva, mas
48
corpo e da percepção anterior mesmo à reflexão, ao sujeito e à consciência.
temente num ciente permitiu a Merleau-Ponty trilhar um caminlio ([ue o levasse a uma
nova filosofia - a filosofia da "'carne". E através dela (Carne) (]ue ele encontra uma íorrna
Ele nos alertará que "antes da consciência do corpo - que implica a relação corn
outrem - a experiência de minha carne como canga de minha percepção ensina-me que a
pretende dar conta de uma ontologia do sensível, a saber: essa "membrura" que recobre o
mundo e as coisas, o corpo e o mundo, não como fatos ou seres separados, mas como uma
Desta forma, "carne não é matéria, não é espírito, não é substância. Seria preciso,
para designá-la, um velho termo 'elementono sentido em que era empregado para falar-
se da água, do ar, da terra e do fogo, isto é, no sentido de uma coisa geral, meio caminho
Não sendo matéria, em cjue consiste a carne? "Onde colocar o limite do corpo e
Diante desta sua interrogação, Merleau-Ponty nos responderá que não se trata de
limites, mas de "enovelamento do visível sobre o corpo vidente, do tangível sobre o corpo
49
em quiasma^^ (entrecnizamento), numa revcrsibilidade que é "sempre eniincnle, nunca
realizada de fato".^^
Assim, tomando as mãos como exemplo, será possível eompreender no jogo dos
"múltiplos tatos" que ela exerce como mão tccspte/^oc^da, um desdobramento de forma
incessante, sem coincidência, sem contudo jamais chegar a ter uma identidade exata
plenamente, o que fará do corpo sempre um sensível onde 'Vi indivisão do sensciente e do
Desta forma é a filosofia da Carne que nos abre definitivamente para a compreensão
possível.
essencial de minha transcendência constitutiva; é preciso que meu corpo perceba os corpos
encarnação um fato por transcendência, por semelhança, uma unidade que é dialética sem
síntese. Assim a sensibilidade dos outros é o " 'outro lado' do seu corpo estesiológico.
E esse outro lado, posso adivinhá-lo, pela articulação do corpo do outro coin o 'meu
ponto nuclear para compreensão de uma subjetividade encarnada, atada por dentro à
^®Merieau-Ponty, em notas de trabalho de novembro de 1960, esclarece ; "... a idéia do 'quiasma', isto
é: ioda relação com o ser e 'simultaneamente' tomar e ser tomado, a tomada é tomada, está 'inscrita'
e inscrita no mesmo ser que ela toma."
MERLEAU-PONTY, M. O Visível e o Invisível. 2 ed. Trad. J.A. Giannotti e A.M. d'Oliveira. São
Paulo; Editora Perspectiva, 1984. p.238.
^®MERLEAU-PONTY, M. O Visível o o Invisível. 2 ed. Trad. J.A. Giannotti e A.M. d'Oliveirfi.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1984. p.l43.
37ldem. p.213-214.
^®Idem/Idem. p.213.
50
vida.
tornam possível a emergência das relações da vida perceptiva e do mundo sensível. Por
Vale lembrar, finalmente, que o caminho da tese é feito par a par entre fenomenolo-
corpo-erógeno até os limites da teoria do sujeito em Lacan, para com isto constatar a
possiblidade de uma interlocução entre Merleau-Ponty e Lacan nos limites de nosso tema.
51
3.2 Homens e Espelhos: Lições Sobre o Desejo em
Freud e Lacan
- fizemos referência a termos como "ordem do gozo", "ordem do desejo", como distin-
erógeno como noção importante para se pensar a questão do corpo a partir da produção
Neste sentido e avançando um pouco mais, tocando a (juestão por um outro ângulo,
é necessário pensar a noção de corpo erógeno na conjugação cio desejo, ao gozo, para que se
possa compreender o sujeito do desejo. Articulada desta forma a discussão traz consigo
Mas o que vem a ser o gozo? Quando falamos do gozo é fundamental {)ensá-
desejo. Num sentido amplo, o termo gozo é contribuição Lacaniana ã teoria psicanalítica.
Prazer", pondo em jogo a pulsão de morte, e fala de "O Prazer Absoluto", "O Nirvana",
é Lacan quem põe acento ao termo defmindo-o como gozo. "O conceito de gozo pode ser
libido, Lacan repete a operação freudiana da Introdução ao Narcisismo... Lacan nos diz
52
que o gozo se apresenta não como satisfação de unia necessidade, mas como satisjação
de uma pulsão."^
riam (lados pelo próprio trajeto de Freud na teoria das pulsões, sendo: - o primeiro
a estas últimas. No segundo momento essas duas são uma só: Freud chama libido as
oposição entre a libido e pulsão de morte. No quarto momento (como já dissemos acima)
o da unificação da pulsão de morte e libido, "temos nãio somente Eros e Tanatos, m.as
A rigor, para a teoria psicanalítica o gozo como pura satisfação das pulsões repre-
sentaria uma "ordem" que somente poderia se constituir pela ausência de qualquer limite.
Ela seria, nessa perspectiva, o gozo absoluto do corpo e a sua mais completa destruição.
Ou, como diria Célio Garcia, "o psicótico, sim, tem acesso à 'jouissance', mas sabemos
que é um caminho irreversível ... sabemos que a ausência de urna função de clivagem
(trazida pelo polo paterno), sabemos que uma certa textura do limite não propiciado (pela
mãe) deixa de separar o corpo erógeno do corpo biológico, e é por isso que a 'jouissance'
mãos dadas'"^.
Portanto para lidar com a noção de gozo impõe-se buscar algo a que já fizemos
mãe, como aquela figura que assegura ao bebê uma presença corporal, tanto biológica -
53
continente (aquela que o reproduz e sustenta, ou aquela que tece a trama da envolvêiicia
dos cuidados) que deve igualmente separar a vertente biológica da vertente erógena. l'"n-
tretanto, não é exatamente isto que ocorre na trama do incesto. Tomemos para se pensar
o incesto a expressão comumente usada na psicanálise - "dormir cor", a mav"- ov. gozar
sexualmente com a mãe", o que importa aqui, outra vez, não é a materialidade anedótica
de acontecimentos mais ou menos reais e localizãveis, já que eles são basicamente in-
Neste liltimo sentido é que estamos tratando "gozar sexualmente com a mãe, e dormir
com a mãe."
Obviamente não estamos falando no sentido estrito, mesmo porque uma criança
antes da puberdade não teria nem condições biológicas orgânicas de realizar um ato sexual
até complicadas judicialmente para o adulto e não para a criança. O que estamos dizendo
é que o incesto para as leis sociais, ou médico-legais não existiria (visto pelo lado da
criança) antes do indivíduo ser capaz de uma relação completa. Fica claro, mais uma vez,
que a referência da psicanálise ao sexual, não estará dizendo do sexual compreendido pelo
senso-comum. Neste caso, o sexual acaba por se referir sempre a puro sexual-anátomo-
- nos devolveria a uma idade dita pré-edipiana, a uma idade entre zero e quatro, cinco
anos"^. Isto valendo tanto para os meninos quanto para as meninas. Se está dizendo,
portanto, de crianças muito pequenas, imaturas biologicamente |)ara o ato sexual, (do
ponto de vista do adulto). O que fica claro é que nesta idade o incesto jamais se realiza
na concretude do fato. Mas é certo por outro lado, que em termos psicanalíticos isto não
é bem assim, ou seja, "relações incestuosas cujas seqüelas percebemos nas neuroses ou
Já dissemos anteriormente que o Pai enquanto função não estaria restrito à re-
54
produção biológica, mas igualnienle, a de "'gerador"' do corpo erógcrio. Neste aspecto,
é ele, o pai, que interdita o acesso ao gozar sexualmente com a mãe, interdição que se
dirige tanto ao filho quanto à mãe. Se algo desta ordem se produz, se tmia criança goza
Entretanto, é bom frisar que "o pai só se faz presente por síia lei (pie é fala e é
só na medida em que sua fala é reconliecAda pela mãe que ela assume valor de lei. Se a
posição do pai é contestada, o filho permanece assujeitado à mãe. Nesse caso, o sujeito
fica foracluido da 'metáfora paterna' ou o nome do Pai, |)ara Lacan. Ele, o pai, deve
proteger a criança da mãe, ou seja, se o pai não assume a fimção de protetor do desejo
materno, a criança ficará exposta à mãe e vice-versa. E isto seria tomar a mãe como
objeto, o que significa destruir a própria função limite que é absolutamente indispensável
na estrutura do Édipo. O Pai, portanto, o terceiro, que sempre esteve presente para
e da Lei". Porém, "e esta anulação do limite (representado pelo pai) que me parece
qual a função limite da mãe seria tomada como função objetar^. Nesta relação o corpo
na relação normal do triângulo edípico é o pai e não a criança que "deveria continuar
Neste ponto, Leclaire é ainda mais enfático. "Se não há limite, não há corpo erógeno,
nem o que separa um corpo erógeno de um corpo biológico, não há mais a possibilidade
O que queremos dizer, então, é que a função do pai articula de forma concreta,
tanto a nível do singular do corpo erógeno quanto do universal da lei; assegura a clivagem
55
entre o corpo erógeno e o corpo biológico. A palavra a,(iui voni a ser clivagcni, roferindo-
se fragmentar segundo determinados [)lanos, (|ue serão sempre suas laces possíveis. A
entrada do pai é que permite a clivagem, como uma lei de articula(;ão, c não a coisa 'v.: o
lugar onde essa articulação se dá. Assim, a entrada da lei produz cisão, cpie não deve ser
entendida como divisão de uma coisa em dois pedaços mas como uma cisão de regimes,
de formas, de leis. E a barra ao gozo (jue torna possível a entrada do sujeito em outro
registro, o do desejo. O desejo sendo na maioria das vezes antinômico ao gozo. A forma
possível a emergência do inconsciente. Por outro lado, é na barra ao gozo que se dará a
A pulsão (Trieb) cuja fonte é o corpo, através das zonas erógenas, terá agora um
que dela é linguagem, aquilo que pode ser formulado em termos de signijicante"^^.
Mas, para que serve o corpo? ''Para gozar" - responde Jacques Lacan. A barra
ao gozo significa então a barra ao corpo. Ao natural é dado, a partir daí, uma função
cultural. Parece-nos que neste ponto não cabe o que foi interpretado por Reich, onde
todos nós seríamos prisioneiros da repressão do social ao sexual. Esta operação, longe
de ser uma coação é uma operação clivante, através da (]ual se dá ao corpo biológico
um destino cultural e humano. "4 castração quer dizer que é preciso que o gozo seja
recusado, para que possa ser atingido na escala invertida da Lei do desejo"^^.
Inscrito na ordem do desejo, o sujeito deverá ter como objeto um outro desejo, ou
seja, o desejo do Outro. Diz Lacan: ''próprio de animal preso à linguagem, o desejo do
56
que a psicanálise vai se ocupar, üu seja, à interpretação analítica interessa o desejo do
fizemos, até o momento, sem nomeá-las ou articulá-las dentro da nossa reflexão - o corpo
e o sujeito na psicanálise.
a dependência estrutural que todo ser humano tem, ou teve, de um outro para seu
tomado como mãe ou pai) que estaremos nos referindo com a função do Outro. Mas, sim a
empréstimo da narrativa mítica por Freud, já diz muito. A problemática central do mito
de Narciso é que ele ao se deparar com a sua imagem refletida no espelho das águas do
lago, não a toma como sendo sua, aquela imagem, mas como sendo de um outro, i)clo
qual se apaixona mortalmente. Para nós o que está marcado no "equívoco" de Narciso é
que a constituição do Eu/Outro - sujeito e seu corpo - são instâncias que na experiência
A disjunção sujeito e seu corpo só pode ser compreendida naquilo que se refere
o corpo), tanto nas suas conjugações quanto nas suas disjunções, se quisermos de fato
57
entender o que nos propomos.
do corpo, demarcando uma diferença conceituai entre ele e Jung quanto à libido não-
primário e secundário, mas antes o fato do texto do narcisismo ser retomado por Lacan
libidinal em torno do ego e ou na direção do objeto, fazendo Freud uma distinção entre
a libido do ego e/ou libido objetai. Diz Freud^'': "formamos a idéia de que há uma
mas que fundamentalmente persiste e está relacionada com as catexias objetais, assim
como o corpo de uma ameba está relacionado com os pseudópodes que produz". Existindo
ANDRÉ, Serge. O Que Quer tima Mulher? Trad. Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1987. p.'235.
^®Idem. p.235.
^®FREUD, S. ESB. Sobre o Narcisismo: Uma Introdução. (1914) Rio de Janeiro: Ed. Imago,
1974. vol.XIV.
58
lima espécie de antítese entre a libido do ego e a do objeto, ou seja: "'quando uma
é empregada a outra esvazia". Entretanto, uiais à frente, Freud vai concluir que uma
imidade comparada ao ego não está presente no indivíduo desde o início, mas que ''o ajo
sexual mais primitivo" chamado por ele de auto-erotismo. Neste ponto ele faz uma
distinção entre as pulsões vitais e as pulsões sexuais. Tonuindo como referência a relação
mãe-filho na amamentação, ele diria que neste ato pode-se dissociar de um lado, o ato de
sugar o peito materno, e do outro, a ingestão do leite (jue vai alimentar o bebê. Sendo
este último (o leite) que satisfaz a fome da criança. Por sua vez a sucção, além de ser um
esforço que a criança faz para conseguir o leite no peito materno, faz brotar em paralelo,
satisfação e prazer.
O que Freud está demarcando acjui não é um puro paralelismo, ou "apoio" entre
isto sim, marcando uma diferença e uma distância. "É para o 'fantasma' que se dirige o
desejo e não para o real, é ao nível da representação que se passa a psicanálise"^^. Nestes
necessidades vitais - como que numa espécie de "desvio" do instinto - ligada á conservação
"traços de memória".
xemplo, o próprio dedo como fonte de prazer. Desse modo, a satisfação sexual é desligada
erógenas, funcionarão agora como fontes das pulsões parciais. Estas pulsões funcionando
vez que nele o indivíduo volta-se para "si mesmo", buscando satisfação em seu próprio
^^GARCIA-ROSA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 3 ed. Rio de Janeiro; Jorger Zaluar
Editor, 1987. p.l02.
59
corpo. No narcisismo há uma espécie de organização <la lil)i(lo. antcH, pulsões parciais
a unidade do ego, torra/'o como tal, ainda não existiria, indo aparecer esta unidade (do
ego) a que nos referimos, contemporaneamente ao narcisismo. y\í, sim, o ego agora como
unidade é, então, na sua totalidade, tomado como objeto de amor. Pode-se dizer que há
formadores do ego.
do aos objetos, aparecendo a libido do objeto. Isto é, a libido se destina aos objetos. A
à constituição do esquema corporal"^^. A decorrência clínica desta visão vai, por exem-
como problemas da ordem da constituição narcísica. A exemplo disto não raras vezes
reinvestimento narcísico. Prova disto é que na dinâmica relacionai de jogo livre elas se
vestem, se cuidam com esmero, se olham, se mostram, passam a ser admiradas, imitadas
zagem, etc.
enquanto totalidade. O narcisismo seria esta captação amorosa do indivíduo por essa
imagem, que para ele é vivida do ponto de vista do Outro. A fase, ou estádio do espelho,
^^LAPLANCIIE, J., PONTALIS, J. Vocabulário da Psicanáliso. 6 ed. Trad. Pedro Tarneri. São
Paulo: Martins Fontes, p.366.
^^LACAN, J. A Tópica do Imaginário sobre o Coletivo. In: LACAN, J. O Sfiiuinário: Livro 1: Os
Escritos Técnicos de Freud. 3 ed. Trad. Betty Millan. Rio de Janeiro: Jorge Zaliar Editor,
1986. 336 p.
60
vivida pelo bebê entre mais ou menos 6 e 18 meses, é reveladora do dinamismo libidinal,
espelho, à visão de seu corpo inteiro, é um evento fundamental, mas o mais importante
que se vê, no olho que o vê". A fase do espelho constitui-se como uma atividade reve-
ontológica. Vale dizer, do ponto de vista da experiência analítica, que, quer se trate
de seu corpo, do desejo ou dos objetos, o ser humano há sempre de se referenciar com
relação ao outro^". E, finalmente, trata-se de uma "estrutura que se insere nas nossas
reflexões sobre conhecimento paranóico. São três pontos de referência que são articulados
do espelho está se tomando fase, antes como "emergência de", "insight configurante",
"incidente", mais do que fase no sentido de evolução ou etapa. Espelho relativo a imagem,
aparição, aparência, aparição da gestalt do corpo do sujeito para ele mesmo. A fase do
espelho é, portanto, aquele momento revelador para o sujeito tomado enquanto forma
imagem, pressupõe a presença do Outro. O que está em jogo no jiíbilo da criança, pelo
reconhecimento de sua imagem como forma primordial, é que a imagem prepara o sujeito
para uma outra alienação, "a do eu pelo outro." O outro tomado como espelho na
onde partes de seu corpo, braços, pernas, estímulos peristálticos internos, não podem
ser entendidos por ele como de um único corpo que lhe pertence - o seu próprio corpo.
Neste estado de desamparo inicial, sua dependência de um outro que lhe supra e que lhe
garanta o necessário é evidente. Entretanto, este outro que lhe decodifica aquilo de que
61
ele (o bebê) necessita, eslraiiliaineiile o inscreve muna melodia de preseii(;as-ausèncias
Queremos dizer que, ao mesmo tempo (jue o Outro o "conligura", igualmente o Outro
o "desfigura". Veja'iK^s. O o"tro não lhe sabe tudo, por isso lhe falta, restará sempre
algo que o outro não lhe dará, ou lhe dará em excesso, marcando-o definitivamente. E
esta carência, esta incompletude, esta dependência, (jue marcará os primórdios do futuro
sujeito. Mas antes, há algo fundamental que neste ponto se torna imi)ortante ressaltar:
"o dinamismo afetivo pelo qual o sujeito se identifica prirnordialmente à G est alt visual de
seu corpo próprio"^^. O sujeito se vê unificado a nível da imagem, o que o faz ascender
ao eu, o moi lacaniano. O eu visto como forma ideal ao olhar do outro funda a dialética
do dinamismo afetivo. Ou seja, o dinamismo afetivo entendido por Lacan traz consigo a
reação de jilbilo, fim da discordância vivida a nível de seu corpo, e trazendo igualmente
paixão narcísica pelo moi dá-se no quadro de rima tensão conjliiiva interna ao sujeito,
que determina o despertar de seu desejo pelo objeto de desejo do outro: aqui o concurso
do moi e do objeto..."^'^. O mito de Narciso é bem próprio para esclarecer o que Ijacan
está dizendo como objeto de desejo do outro. Primeiro, como Narciso, o sujeito quer se
apropriar da imagem e não consegue simplesmente porque ela não é o corpo, ela não é
Passa então a concorrer com a mãe na posse da imagem (ela quer o que eu quero) e
com sua própria imagem (ela quer minha imagem e não eu, que não sou idêntico a
esta imagem). Do concurso inicial entre o espelho, o olhar materno, o desejo materno,
desvelamento da imagem se depara o amor e o ódio, por si mesmo e pelo outro, humana
^^LACAN, Jacques. In: COSTA, Jurandir Freire. Psicanálise o Contexto Cnltural: imagimírio
psicanalítico, grupos e psicoterapia. Rio de Janeiro: Campus, 1989. p. 142.
^^LACAN, Jacques. O Seminário: Livro 3: As Psicoses. 2 ed. Trad. Aluisio Menezes. Rio de
Janeiro; Jorge Zaliar Editor, 1985. 366 p.
^''LACAN, Jacques. In: COSTA, Jurandir Freire. Psicanálise e Contexto Cultural: imaginário
psicanalítico, grupos e psicoterapia. Rio de Janeiro: Carnpus, 1989. p.l4;5.
62
paixão!
Ainda no estágio do espelho, ])ara Lacan liá um código ([ue neste momento marca
o sujeito enquanto fantasia - o de ser o falo materno. Para o desejo materno, o liliio
virá ocupar o lugar de algo que antes ela (a mãe) ansiou ter. 1". iiíx^ta c)[)eraçào d(>
equivalência que o filho ocupará o mesmo valor libidinal que outrora possuiu o anseio
feminino, a nível de seu corpo. " 'O olhar materno busca outra coisa, alhures, além do
filho. É justamente deste impossível de capturar do olhar materno que o Falo investe o
pênis, a única diferença visível no imaginário\ Se o falo tem uma relação íntima com o
órgão masculino é na medida em que designa o pênis eiiquanto faltoso susceptível de vir
a faltar"^^. E nisto que funda a imagética para o sujeito: revelar-se enquanto imagem
e imaginação. M primeira subjetivação de alguma coisa que lhe concerne mais do que
sua imagem e a mais alguma forma cjue acredita ser em si mesmo. "/I imagem provoca na
cabeça da criança alguma coisa como um precipitado, como se diz em quÍTuica, que é a
forma definitiva de seu corpo. Trata-se aqui de uma forma antecipada, (à maturação
neurológica) e, ao mesmo tempo, uma forma ideal que sempre ficará como sonho de
domínio.
imagem refletida no espelho. A imagem formando corno que um duplo, uma vez que traz
o que lhe é visível e um vazio que é invisível - o falo. Aquilo (|ue o indivíduo alucina
que alucinou ser. À sua onipotência falta algo que o olhar do outro lhe aponta. O
olhar da mãe é bifrontal, olha para dois lados, há dois lugares na direção do olhar do
é bifrontal, olha diametralmente para dois opostos. "Tem em mira a criança (um dos
63
pólos da equivalência simbólica) e o pcnis (o outro pólo, que tem a forma material de seu.
marido, de seu pai e de outros interesses, como sua profissão, etc.)"'^'-^. O falo, como diz
Lacan, é o tripé imaginário, o terceiro na relação ao outro. Se assim não fora, o indivíduo
Dito de outra forma: deduzir do visível (a imagem) algo que lhe é invisível, é se
chegar àquilo que Lacan, no texto, estará dizendo sobre o intercâmbio de olhares. O
que dissemos a pouco é que no jogo de olhares há algo de opacidade (jue inscreve para
o sujeito uma dúvida, uma pergunta, uma interrogação fundamental. Quem sou, se não
sou o que pensava ser? na rede de identificações a sua imagem no espelho a criança se
acreditava ou se via sendo "a condensação do próprio desejo materno", fato que o olhar
do outro não aquiesceu. Ao contrário, colocou-a face a uma outra situação: "Siga meu
A uma interrogação posta ao eu, quem sou? - se lhe dá uma resposta de sentido -
a direção do olhar do outro. "Siga e verás o que tens a ver." Na direção do olhar materno
o filho encontrará o pai. Do que a mãe desejava, o sujeito não tinha a mínima idéia, no
2®CABAS, Antonio Godino. Curso o Discurso na Obra de Jacques Lacau. São Paulo' Moraes
1982. p.192.
30ATTIE, Joseph. A Questão do Simbólico. Ti-anscrição, Salvador, vol. 3, 1987. p.lil.
64
primeiro momento, nos antanhos de sua majestade (o [)e(|ueno grande rei), era necessário
identificar-se à sua própria imagem, daí o júbilo. Agora não é bem assim, o que a mãe
poderá desejar mais que a ele próprio? o que ela quer? o pai. Diria mais Lacan:
(u poi". que aquele se enconlra!" se não se sabia, ele sempre lá estivera. Na tenrãc do
olhar materno o filho encontrará o pai, nisto reside a dialética edipiana. Melhor dizendo,
"esta dialética dá uma primazia total não somente ao desejo da mãe como também ao
Figura 3. Esquema
Deparar-se com o pai neste ponto faz o sujeito se deparar com a "falta-a-ser"
(Figura 3). No movimento que o sujeito faz na busca da elucidação do olhar do outro
ele se depara com o logro de sua equivocação fundamental - não sou. No desencanto
desse momento, "algo da ordem do não realizado" faz abrir para o sujeito a saga do
desejar sem fim. "O desejo, que é sempre a aspiração a preencher essa brecha, está por
isso mesmo fadado a lidar com significantes cujo último horizonte é o vácuo..A.ssim
65
aos dirá Fernando l\íssoa com a Torça de encontrar eco no mais íntimo da estrntnra
constitutiva do homem; "Eu sinto que. Jicou fora do que. ima(]im:i tudo o que quis/que
Estar fora da cena do Desejo e do ()n(''o, não s(v p(>ríeito on i)leno para o desejo
materno não é um acidente, nem um malogro na história pessoal de cada um de nós, mas,
antes, é se deparar com algo inerente a uin nunca mais acai)ar do desejo. O veto ao ser
faz o sujeito emigrar pelas sendas das identificações. Só resta ao sujeito identificar-se com
Esta "extimidade" (estar fora) "alhures", que habita o desejo do sujeito, ser<á
deparar com um horizonte de "objetos parciais" (|ue apenas darão "forma" efêmera a,o
Objeto para sempre perdido. Um campo fértil seria a análise da natureza do recalcado,
entretanto, bem próprio seria neste ponto voltar ao tema do sujeito e seu corpo.
Nosso percurso ao tema do corpo pelo viés psicanalítico já nos permite dizer que a
necessária para a aparição do sujeito (O Eu). E o corpo, enquanto superfície (forma, Eu),
não é só lugar e fonte de prazer, do tudo-pode mas igualmente lugar de dor, desprazer
e do não-pode. O seu próprio corpo para o sujeito (a criança) é desde já vivida como
um Outro externo a ele (a imagem da prova disso), na tensão dialética entre o prazer e
desprazer. Nisto resulta a ambivalência que o corpo oferece ao sujeito na tensão prazer-
sou eu?
''a apreensão do corpo pelo sujeito revela com efeito as duas mesmas polaiidades que
demarcável como ser de significância - e por outro lado consistência real sexual e, como
^''PERRONID-MOISÉS, Leyla. Fernando Pessoa - A<iuéiii do Eii, Além do Oiitro. São Paulo:
Martins Fontes, 1990. p.84.
^^Lacan formulou "extimité" em oposição ao prefixo IN em "iiitimité" - significa dizer ((ue o mais
íntimo do sujeito está na - ex. O "íntimo é extimo".
66
tal. úiominável''
Resulta disto uma disjuuç.ào do sujeito e seu corpo, um sujeito dividido (barrado);
eutre o Outro do desejo, (jue existe, e o outro do gozo. (jue não existe, isso reproduzindo-se
A perda que inscreve a subjetividade, dada na tensão da barra ($) sujeito barrado
que nos ensinou Lacan é para o ser humano tuna perda a nível do corpo. 1'vle, o sujeito,
não "é um", ele tem um corpo, o que facilmente se pode textualizar na linguagem: - "eu
não tinha este rosto de hoje (corpo) assim calmo, assim, triste, assim, mafjro"^^. Ilá aí
algo de uma exterioridade que marca o sujeito e seu corpo. O corpo é para o sujeito algo
Para que o sujeito se institua é necessário que algo seja interditado, interposto
(a perda) ao puro gozo do corpo, como dissemos, é o interdito edípico que faz o sujeito
enquanto significante cria o corpo, é ela que igualmente o interdita. "4 linguagem se
tempo um acesso e uma barreira: acesso ao corpo enquanto simbólico, e barreira ao corpo
enquanto real."^^
Finalmente, nosso caminho por Lacan nos permite dizer a esta altura que ele, cm
A rigor para Lacan é a própria investigação da clínica i)sicanalítica (pie nos impõe
ANDRÉ, Serge. O Que Quer Uma Mulher? Trad. Dulce Duque Estrada, llio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1987. p.234.
^"MEIRELLES, Cecília. Viagem - O Retrato. Obras Completas. Rio de Janeiro: Aguillar.
p.106.
ANDRÉ, Serge. O Que Quer Uma Mulher?. Trad. Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1987. p.235.
^®MILLER, Jacques-Alain. Las Respuestas de Io Real.
''"Idem. p.12.
67
Um sujeito que "de modo alçjum poderá ser situado de maneira exaustiva na cons-
com rigor e depurando da noção de Inconsciente freudiano tudo o ((ue Ucão poderá ser
entendido como tal, nos diria que Inconsciente não é uma ''.«"tância q':e se localizaria nas
profundezas do sujeito, ou "os fantasmas que proliferam nas costas da consciência", e que
dado, mas se estrutura como linguagem, no campo do Outro, onde estrutura e linguagem
dizem respeito ao conjunto de elementos que se organizam segundo uma lógica própria.
conceito, que ele vai demonstrar o valor da imagem como instância da subjetivação -
toda fantasmática que deriva da relação especular, para que se formulassem as instâncias
da subjetivação.
A função significante não será para Lacan o retorno a uma (juestão onde signi-
ficantes alados fazem sua entrada (morada) no real, mas, antes, há algo (|ue permite
encarnar-se como signiíicante. Esse algo - "o que (assim) o pennite, desde logo (é) aqxiilo
pura e simples no espelho; ou aquele dado pelas construções das relações da física (objeto).
Mas um corpo constituído, como dissemos, na dialética do jogo dos olhares inscrito pela
Vale relembrar que a rigor o que sustenta a dialética do olhar para Lacan, "não é
68
que o outro veja onde estou, c que veja aonde vou, quer dizer muito exatamente que veja
onde não estou. Em toda análise da relação intersíibjetiva, o essencial não é o que csid
outro, esse duplo que escapa de mim, é o que leva o sujeito a se deparar com a falta, a
que escapa de mim - articulação da função de 'a' (o resto), sua função, sua presença em.
quilo que se refere ao Inconsciente, pode ser lido da seguinte forma: - primeiro, que o
rando a dialética do olhar dado nos três tempos da etapa do espelho, podemos entender
que aquilo que o sujeito supõe saber é uma ilusão.''® Paradoxalmente é a própria imagem
especular que transparece ao sujeito como fonte de erro. Isto é, ela, a imagem, enquanto
O que é, neste ponto, posto em questão, é a tradição clássica, (|ue nos fala sem-
mesmo, em seu próprio ato de conhecimento. No entanto, o que vimos com Lacan é que
imagem do corpo próprio".E exatamente este objeto, por tudo que aqui percorremos
'^^LACAN, Jacques. O Seminário: Livro 1: Os Escritos Técnicos do Fi-oud. cd. Tracl. Iktty
Millan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. p.255-256.
'•''LACAN, J. Seminário da Angústia. Estabelecido a 9 de janeiro de 19G3. liuenos Aires:
Escuela Freudiana de Buenos Aires, 1978. (Texto de Circulação interna.) p.l5.
'•^Neste ponto vale lembrar o que nos diz Lacan "Y esto quiere decir que desde ese momento, en
todo Io que es localización imaginária el falo llegará bago da forma de una falta, de un -6. En toda
medida em quie se realiza em t (a) Io que llamó Ia imagen real. La consiituición en el material dei
sujeto de Ia imagen dei cuerpo funcionando como propriamente imaginária, es decir, libidinalizada. cl
falo aparece menos, aparece como bianco. El falo es sin duda una reserva operaiória, pero ela no solo
está representada a nível de Io imaginário sino que se lalla delada y, digámolo, contada de Ia imagen
especular."
LACAN, J. Seminário da Angústia. 28 de novembro 1962. Buenos Aires: Escuela Freudiana de
Buenos Aires, 1978. (Texto de circulação interna.) p.20.
''®LACAN, Jacques. Seminário da Angústia. Estabelecido a 5 de dezembro de 1962. Buenos
Aires: Escuela Freudiana de Buenos Aires, 1978. (Texto de circulação interna). p.;i;5.
69
com os ensinos de Lacan, que nos fará relevar a insuficiência deste conlieciniento fun-
dado na imagem especular. Desconhecer este ponto é não poder avaliar a extensão do
E, mais, que "toda espécie de conhecimento está motivada pelo fato ''c que o rl\jeto do
70
3.3 Outras Lições: Merleau-Ponty e Lacan
nosso trabalho. O sujeito do Inconsciente hicaniano nos aponta para um irreíietido radical
- o Inconsciente.
traspassada por um irreíietido radical. Melhor dizendo, é a filosofia da carne que torna
em Merleau-Ponty^
Lacan.
vez que não estamos tratando de uma evolução temática, mas, sim, daquelas que oferecem
de seus cursos no College de France (1952-1960). "Uma jilosojia <la carne está em polo
tributo pago por Freud à psicologia do seu tempo. O Inconsciente é o sentir mesmo,
já que o sentir não é possessão intelectual 'daquilo' que é sentido, mas sim despossessão
de nós mesmos em seu proveito, abertura àquilo que em nós é necessário pensar para
compreender."^
71
não rompe com uma Hlosoíia da consciência, ao contrário do (lue faz a filosofia da carne.
de uma ontologia do sensível, poderá pensar o inconsciente como o e^ntir rae^mo ante-
imago, por exemplo, em vez de ser 'inconsciente', enterrada na profundidade, deve ser
noção de inconsciente freudiano, não reduz o inconsciente a uma instância que se lo-
calizaria. nas profundezas do sujeito ou a 'fantasmas que prolijerarn nas costas da cons-
mais estreita entre um e outro. Vimos que a Imagem e o Desejo têm a mesma perten-
cença ao campo do Outro para Lacan. O que faz deslocar o tema da subjetividade, do
sujeito encerrado em si mesmo como unidade sintética, para uma subjetividade com-
presentificarmo-nos uns aos outros." Podemos dizer então que a direção, da visão retros-
pectiva à prospectiva, do atrás das coisas para o diante delas, da "extimité" do desejo, ao
lá no visível da imagem, como aprendemos com Lacan, faz eco interessante aos ensinos de
deve compreender é, além das 'pessoas', os existenciais segundo os quais nós as compre-
72
endemos e que são o sentido sediincntado de todas as nossas experiências voluntárias t
involuntárias. Este inconsciente a ser procurado, não no fundo de nós mesmos, atrás das
costas de nossa 'consciência', mas diante de nós como articulações de nosso campo.
Chegamos assim ao terc"i'-o c i'^!tÍTO |)ont.o a ser enfatizado como outras e novas
lições. O inconsciente que está diante de nós como articulações do nosso campo instaura
o inconsciente no mundo. E exatamente esta visão conceituai que nos interessa, uma vez
(jue ela nos recoloca frente à relaçcão primordial do corpo no mundo, mais precisamente
da carne.
Pois bem, por esses meandros teóricos pode e deve-se ir a aprofundamentos, onde a
leitura de Merleau-Ponty se tornará a fonte inesgotável para novos textos. Quanto a nós,
escolhemos neste ponto fazer um exercício para tornar claro aquilo que propomos; - corpo,
falamos em itinerários, não nos referimos à idéia de caminhos que se deve [)ercorrer luima
Decorre deste ponto que a imagem e o desejo são operações intrincadas da mesma
forma no mundo, no campo do Outro. Longe de serem pensados (desejo e imagem) numa
como resultado do atamento, um laço, "ligando um corpo a outro corpo". Para bem
exemplificar este ponto é que elegemos como exercício de tese, enfocar o tema da imagem
junto à literatura - "O Retrato de Dorian Gray". Espero (|ue neste exercício se possa
73
Capítulo 4
O Lugar da Imagem na
Representação do Corpo
e Lacan. Alguns pontos foram marcados como nosso itinerário, sedutora viagem - a tes-
inventa o homem. De ganho, o tema da Imagem, e nada mais próprio cjue "O Retrato de
Dorian Gray'\ romance de Oscar Wilde publicado pela primeira vez em 1891.
Segundo James Laver^ crítico da obra de Oscar Wilde, o romance pode ser resu-
mido assim:
^LAVER, James. Ensaio Biográfico Crítico. In: WILDE, Oscar. Obra Completa. 3 ed. Trad,
Oscar Mendes. Rio de Janeiro; Ed. Nova Aguiilar, 1986. p.13-39.
74
"Lorde Henry Wotton, intelectual e sojisticado diletante, vc no (jabinete de
seu amigo Basílio Ilalhmrd, o retrato quase acabado de um rapaz muito belo.
Esforça-se por conhecê-lo, e verifica não ser ele, na vida, menos belo que na
arte. Lorde Henry inicia uma amizad" ''nm o m"ço, daí passando a fazer dele
Dorian Gray - pois tal é o nome do belo jovem - cai completamente sob
físico de Dorian Gray permanece, pelo resto da sua vida, intocado pelo tempo,
suicídio da pequena atriz (Sybil Vane) que caiu de amores por ele, um toque
anormalidade no rosto da pintura. Ele esconde o quadro e não mais se atreve a mostrá-
também refletido na imagem. No fim, tenta ele destruir a tela, mas a faca
Certamente não será apenas por curiosidade que apresentamos alguns comentários
feitos por Lorde Henry ao longo do romance. Mais do que ilustrar a narrativa, eles nos
75
(la carne, ou onde começam os impulsos físicos'^ Quão superficiais são as
decidir entre as pretensões das diversas escolas! h-ra a alma uma sombra
tentarmos fazer da psicologia uma ciência tão exata que pudesse revelar-nos
que parecia prometer ricos e futurosos resultados. Seu repentino amor por
porta;"^
nológica:
Primeiro. A imagem pode ser entendida como elemento de uma estrutura exis-
Segundo. A filosofia da carne nos autoriza dizer o corpo como um sensível no du])lo
se faz inscrição de todos os outros, é uma espécie de sensível pivô, do qual participaram
do ser com a carne do mundo, onde a "coisa sensível é levada por uma transcendência"'^.
^WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Gray. In: WILDE, Oscar. Obra Completa. ;! ed. Trad.
Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguillar, 1986. p.õl-224.
^MERLEAU-PONTY, M. O Visível e o Invisível. 2 ed. Trad. J.A. Giannotti e A.M. d'Oliveira.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1984. p.234.
76
y\ssim corpo e espírito não são justapostos mas, ein urna operação por múltiplos quiasmas,
A imagem como elemento desta estrutura é o corpo (^ue vê: "r/e está dc alijum
'lado' (do ponto de vista de outrem. - ou: no espelho pam mim vo'- exemplo: no espelho
de três faces) visível no ato de olhar"'^. Eu que me vejo a mim na imagem relletida no
dizer que a operação de ver e ser visto é possível devido ao fato de (jue meu corpo, ao lado
geral, "um sistema de equivalência entre um dentro e um fora". Algo que é participável
como campo de articulação entre mim e o outro e de todos os outros em geral. Assim a
"percepção de meu corpo pode ser transferida a outro e que a imagem do outro pode ser
Não seria a imagem, então, uma espécie de "precipitado" (jue vem atestar a "im-
pregnância", "acoplamento" dos outros corpos que vejo, sinto, no corpo que sou?
outro. Isto, tanto na organização da experiência como Gestalt imediatamente dada, bem
Por último. Imaginemos uma criança pequena frente ao adulto. O léxico da cor-
poreidade é que a coloca em contato permanente com um fora dela, o mundo, o outro.
rnagem especular, ela vive, no primeiro momento, como uma alienação de si. Isto é,
77
Aquilo que o fenômeno da imagem v(Mn atestar é que a "percepção c. o conhec.i-
metito (de si e do outro) na criança são suportados por uma função mais profunda (juc
Por outro bdo, num? perspectiva psicaiialítica, podemos dizer ([ue é a imagem do
corpo que, segundo o que de empréstimo de Lacan até aqui tratamos, inscreve o sujeito e
seu corpo numa certa ordem - a do simbólico, tomado enquanto linguagem. "Inicialmente
(é) pela imagem que Lacan abordou o prol)lem,a do corpo E é em seu estágio do
espelho levado à sua compreensão mais radical, fugindo aqui a (jualquer interpretação
e seu corpo. Podemos dizer que o estágio do espelho "Hmplica que para fazer um corpo
quanto o próprio corpo, não são dados, mas construídos. E naquilo que concerne em
particular à imagem, ela, na verdade, não é puramente refletida, mas, antes, construída
conhecimento, mas é primordialmente afetiva na relação com o Outro. Desta forma diz
Merleau-Ponty; "a aquisição da imagem especular atinge, então, não somente nossas
relações de conhecimento, mas também nossas relações de ser com o mundo, coin o
outro"^^. E numa condição queé fundamental: "cu compreendo tanto mais facilmente que
o que está no espelho é minha imagem na medida em que me posso representar o ponto-
78
de-vista do outro sobre mim, como reciprocamente eu compreendo melhor a experiência
que o outro tem de mim na medida em que eu me vejo no espelho sob o aspecto que
ofereço a ele"^^.
tende aqui analisar os personagens literários como se fossem pessoas reais e com isso
Desafiador nos foi tomar de empréstimo da criatividade literária aquilo que de sua tensão
ficcional poderia nos instigar a repensar ainda mais o tema proposto. Se Freud se fez
polêmico ao se valer de criação artística para pensar a psicanálise e porque, para ele, a
"obra estética, à semelhança do amor ou da guerra, das leis ou das constituições, é uma
por um lado a leitura psicanalítica de um texto literário oferece limitação'^, por outro la-
do, trabalhar no texto literário sob uma inspiração lacaniana e merleau-pontiana poderá
nos oferecer material que torne possível pontuar algo como exemplar ao nosso propósito.
palavras e em seus interstícios"^'^, dado num limite de si e do outro. Isto posto vamos
ao exercício.
narrativa, a dialética relacionai entre o pintor (Basílio Hallward) e o seu modelo (Dorian
Basílio, que na narrativa se apaixona pelo modelo (Dorian) e o pinta, diz a Ilarry
^^MERLEAU-PONTY, Maurice. Les Relations avec Autrui chez I'Enfant. Bullotin do Psycholo{;io,
Paris, vol. XVIII 3-6, n. 236, nov. 1964. p.302.
^^GAY, Peter. Freud - Uma vida para o novo tempo. Trad. Denise Hottinanii. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.300.
^^PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da Escrivaninha. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
p.lll.
^''Idem. p.ll2.
79
pintor revela, quem se revela sobre a tela colorida c o próprio pintor. .1 razão
pela qual não exibirei esse retrato está no temor de mostrar nele o segredo de
Qual seria o segredo de Basílio, tão inconfessável aos olhos do observador de sua
arte? - O fascínio, a beleza de Dorian tinha-lhe tomado a todo o seu ser, desde o primeiro
momento em que o pintor o havia encontrado casualmente numa reunião social, comum
ao artista e a Dorian.
Foi sob este clima de perplexidade, fascínio e afecção que Basílio conhecera Dorian.
Numa troca de olhares eles se encontraram, e é sob este olhar afeto, paixão, que
Basílio pinta Dorian, e mais, ele busca neste modelo-retrato encontrar sua idealização de
arte perfeita.
"Posso agora recriar vida de um modo que antes estava oculto. Uma forma
A partir de então o pintor revela que toda a sua obra é tomada pela perfeição encontrada
em Dorian.
80
Por outro lado. estará o modelo. Dorian, (lue passivamente se d(Mxa pintar. Pas-
depois voltou-se para ele. Ao vê-lo recuou e, por um momento, as suas faces
enrubesceram de prazer. Uma centelha de alegria brilhou nos seus olhos, como
beleza surgiu no seu íntimo como revelação. Até então, nunca tivera plena
consciência dela."
Nos três tempos da etapa do espelho de Lacan, vamos encontrar o ([ue já dissemos,
- o dinamismo libidinal, a captação amorosa do indivíduo pela sua imagem (a sua) ([ue
para ele é vivida do ponto de vista do Outro. Este investimento libidinal determina de
certo modo uma ontologia, ou seja, um modo de ser derivado desse laço, pois, para o ser
humano, há sempre que se referenciar com relação ao Outro. Assim é que neste ponto
apontam para o conhecimento paranóico que vamos ver mais adiante. Mas, antes, há
dada pela sua imagem - o retrato. Compreender como sua aquela imagem refletida no
fundamental que tornará possível a conquista do eu. A imagem especular organiza uma
primeira gestalt do corpo, antes vivido como uma realidade intensa, mas confusa. Ela
torna possível uma estrutura dinâmica das partes num todo, a vivência do corpo numa
totalidade unificada.
de sua imagem no espelho, é uma longa conquista para o sujeito. A não estruturação
corpo vivido para o psicótico. Já na paranóia a visão de sua imagem no espelho leva o
81
um outro que pode lhe causar danos. "Ah, estes malditos espelhos ... Vivevi de rejlexos.
Passamos distraídos, e de repente nos vemos ali, com rosto pálido, enfraquecidos os lábios
e os olhos como Jlores enfermas. E possível que eles nos roubem a vivacidade de nossas
corpo.
gestalt, como aparição, lhe fizera surgir uma centelha de alegria nos olhos, diz o texto,
maravilhado quebrara-se à sua imagem como revelação, e isto se deveu ao fato de (jue
várias vezes repetida pelos estudiosos de Lacan ''O olho que se vê, no olho que o vê".
Assim Dorian era visto por Basílio, como já dissemos, e é neste lugar que se perpetua belo
e jovem. Dorian só poderia se ver desta forma e pelo olhar do outro que o "'construíra".
Neste aprisionamento ao olhar do pintor e do qual Dorian não vai se livrar nunca é (lue ele
permanecerá para sempre retrato-imagern, jovem, inalterado para si prói)rio aos danos
importante para o teórico). O eu-ideal e o Ideal do eu, sem poder romper com o ideal
dissera Freud. Dorian não poderá ascender ao segundo elemento da equação, |)ermanece
como "pura" imagem, como eu-ideal, na estrutura relacionai permanece como sintoma
E é neste lugar (jue Dorian se alucina, tendo que ser igual à imagem perfeita
perpetuada no retrato, rejeita qualquer outra forma que não seja aquela. No i)rimeiro
momento, quando ele viu seu retrato, numa espécie de residual consciência da realidade,
entristece-se e antecipa para si mesmo aquilo que de todos nós nos rouba o tem[)o - o
i^PANKOW, Gisela. El Hombre y su Psicosis. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1974. p.i;5.
82
olhos perderiam o brilho, cor e a (jraça de seu rosto se romperia e deformaria
E é esta face inexorável da realidade (lue Dorian rejeita, e na iÍAi'.(;ào cie sua própria
imagem realiza um estranho pacto. Ele seria a ilusão, ele seria o i)róprio retrato em si, ele
não envelheceria, enquanto o retrato, aquela imagem pintada por Basílio é (jue ])erderia
a uma forma plena que se acredita ser, é puro gozo a luVel de seu {)r6prio corpo. Ele se
transforma a partir daí na própria "coisa". Não tem memória porque não tem marcas no
corpo, não pode tecer vínculos com o outro, porque não há vazios em sua imagem. Não
há em sua imagem, no retrato criado por Basílio, o visível que aponta para o vazio (jue
que nos persegue a nós, artistas, como um sonho estranho. Foi devoção o
que senti por você. ... Queria você só para mim ... Compreendi somente que
havia visto a perfeição face a face e o 7nundo se tornou maravilhoso aos meus
olhos."
Podemos dizer que para o eu, neste ponto de sua constituição, a projeção de sua imagem
^®ANDRADE, Antônio Quinet. Clínica da Psicose. Ti-ansci*ição, Salvador, v. "2, 1986. p.77.
83
de sua unidade e, como diz Lacan, siiua a instância do eu numa linha de. jicção - para
narcísica). Ele não pode ter acesso ao eixo simbólico que corta a linha de projeção etn
a _> a', o Outro é tomado unicamente no eixo narcísico, numa identificação sem nenhuma
espécie de mediação.
- Desabafará Dorian. Como se pudesse dizer "a imagem é peremptória, cia tem sempre
Assim o retrato, a imagem, para Dorian, faz sutura a seu corpo, não há vazios, não há
"Você foi feito para ser adorado, lhe dissera Harry certo momento, à i-
Outro falta, porque ele inclui a falta-a-ser. "Para o psicótico, para o paranóico cm
particular, trata-se de um Outro consistente, a quem ele atribui uma designação subjetiva:
ele está aí, é ele. Na psicose o Outro nunca falta"^'\ Na história, Dorian é imagem-
retrato. Seu delírio está no lugar da falha, a falha aberta na relação do sujeito com
a realidade, assim é que o delírio se cola para obturar esta falha. E neste sentido que
Dorian vai rejeitar qualquer diferença, ou o próprio Outro que lhe anuncia a falta-a-ser,
^^LACAN, Jacques. O Seminário: Livro 1: Os Escritos Técnicos do Fi-ou<i. ;{ ed. Trad. Betty
Millan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. p.91.
1®BARTHES, Roland. Fragmentos do Discurso Amoroso. 2 ed. Trad, llortênsia dos Santos. Rio
de Janeiro; Francisco Alves Editora, 1981. p.l24.
^®ANDRADE, Antônio Quinet. Clínica da Psicose. Transcrição, Salvador, v. 2, 1986. p.'t7.
84
própria do Outro barrado (^). No caso de Dorian ele só pode encontrar o Outro "sem a
Vejamos: Dorian conhece Sibyl Vane, atriz de teatro num subúrbio londrino, ela
tinha uma voz doce, era uma bela moça que na época í inh;i, 17 anos,
um castanho-escuro, uns olhos que eram fontes violáceas de paixão e uns lábios
que eram como pétalas de rosa. Era a criatura mais adorável que jamais vira
em minha vida ... Sybil Vane é sagrada! Somente as coisas sagradas merecem
ser tocadas".
- "Compreendo o que você quer dizer, e creio nessa moça. Quem quer que
seja a pessoa que você ame deve ser maravilhosa, e a moça que, produziu em
e culto à perfeição, em Sibyl Vane não era menor, mas para ela o amor aponta para a
diferença, enquanto para ele, não. Assim ela lhe diz, quando se descobre apaixonada:
Vivia somente para o teatro. Achava que tudo aquilo era verdade. Eu era
Rosalinda uma noite, e outra, Pórcia. A alegria de Beatriz era minha alegria,
tudo. ... os cenários eram o meu mundo. Não conhecia senão sombras,
85
Se, para Freiid, o amor de Norbert llaiiold por Zoé, ein (Iradiva, só se torna
parece aqui, na ficção de Oscar Wilde, que o mesmo se dá com Sihyl Vane. Ela, a i)artir
de se'^ amor por Dorian, poderá sair da cena da representação teatral e ser alguém,
ela mesma, e, mais, poderia compreender que, até então, o teatro e os personagens que
Outro." Em contra-posição estará Dorian, e assim é que ele vai ao teatro e naquela noite
onde Sibyl Vane não estava bem, não representava bem o papel de .lulieta, isto ele não
Ele só poderia aceitar Sibyl Vane enquanto ela estivesse no eixo narcísico (S ^
a a'), como imagem perfeita e magnífica, como ele mesmo o era. A sua imagem e
semelhança.
imagem", (como o temos caracterizado). Se ela é capaz de ser outra coisa para além
de atriz que sempre fora, ele também não era apenas o "retrato-imagem"' perfeito que se
crê ser. Ele poderia ser igualmente um outro. O sujeito humano, diz Lívcan, é constituído
de forma que o outro está sempre prestes a retomar seu domínio em relaç<ão a ele, (pie
negado a remota possibilidade de poder posar para Basílio uma outra vez.
dissera.
86
Poderíamos perguntar: - o que aconteceria se ele posasse uma outra vez? - um
outro retrato? nenhum retrato é igual a si mesmo. "Ainda que tirados dc imediato um
O que não poderia aparecer a Doriar c iqu^lo ';ue faz a diferença, negando a
não pode ser suportada porque traz consigo a ambigüidade. Por isso, a saída é abandoná-
la.
A partir do seu encontro-desencontro com Sibyl Vane, o suicídio dela, algo fantásti-
co e estranho começa a acontecer. O retrato pintado por Hasílio, para seu horror e pânico,
numa espécie de o mais mágico dos espelhos, começa a mudar. Quantas manhãs podemos
pensar que Dorian passara, como Narciso, frente ao retrato, maravilhado com sua beleza,
libido voltada para seu próprio corpo. Lacan utiliza plenamente a lenda e integra nela
narcísico, sedutor e déspota, quer muito ver e ser visto e ao mesmo tempo recusa-se no
outro"^^.
Paradoxalmente, seu encontro com Sybil Vane fizera-o abrir-se para a imagem
especular. Assim sendo, a imagem (imago), insiste Lacan, funciona como terceiro, como
vazio que é invisível. Assim, depois do "episódio" de Sybil Vane, ele olha o retrato e a
imagem pintada
"do mesmo modo que lhe havia revelado seu próprio corpo haveria de
Desta forma, um dia, para sua total surpresa, o retrato exibia uma estranha
-°ROSA, João Guimarães. Primeiras Histórias. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 1981. p.()l.
"Toda percepção sabe que ela é parcial, que ela se inove no relativo; o imaginário move-se no abso-
luto. "
MERLEAU-PONTY, Maurice. Merleaii-Ponty à Ia Sorboune. Paris: Sorbonne, 19()4. p.l96.
22ldem. p.117-118.
87
expressão, parecia fazer-lhe a mais severa das advertências. l'> (Hie.
exibidas pelo retrato. Era preciso encobri-lo, escondê-lo, como qne escpiecê-lo. O retrato
da imagem.
ranóico, pois um eu nunca está só, estando sempre acompanhado de seu duplo especular
Como um exemplo, tem-se a projeção; por não haver mediação do simbólico, o outro é
ao mesmo tempo rival e igual. E isto que Dorian vivência, ou seja, uma espécie de cisão
ao nível do eu entre um dentro e um fora, entre a imagem e seu corpo, entre o corpo e
em atividades mundanas, próprias de uma época e da classe social a (jue pertence, amores
dissolutos, homens, mulheres, compõem suas cenas amorosas, em promiscuidade, até que
um dia vem vê-lo Basílio. Neste ponto vale a pena ser fiel ao texto, para isso selecionamos
alguns pontos importantes, porque exemplares, para nossas rellexões íinais. Vejamos:
- "Acho que você me deve dar uma resposta a respeito das acusações que
lhe são feitas. ... Negue tudo, Dorian! Negue por favor! Imagine o que
será de mim, Meu Deus! não me diga qxie você é mau, dissoluto, cheio de
devassidão."
88
Dorian:
que nunca deixa o quarto, onde escrevo... Você é o 'j.nici,- hc.ncm do mundo
que tem direito a saber tudo quanto se refere a mim. Teve em minha vida uma
imvortãncia muito maior do que imagina... Bntão você acha que apenas Deus
pode ver as almas, não é, }3asilio? Arranque essa cortina e verá a minha.''
(referindo-se ao quadro).
Basílio:
- Sim, aquele era Dorian Gray. Mas quem tinha feito aquilo? ... Não
Dorian:
Basílio:
- "Você era meu ideal e eu nunca mais poderei encontrar outro. Este é o
rosto de um sátiro... Meu Deus, que coisa terrível adorei eu! Seus olhos são
Dorian, voltando a olhar o retrato, nos diz o texto, foi tomado por urn ódio irrefreável
contra Basílio. Com instintos enlouquecidos, e de posse de um ódio como nunca tinha
sentido por alguém, avança em direção ao pintor e o mata com repetidos golpes de faca.
89
Não pôde se deparar com o lugar da falha, a ialta-a-ser, acjuilo (|uc o remeteria ao
logro de sua unidade subjetiva, uma vez que a imagem alirrna algo a uível do corpo para
o sujeito, mas também o nega, apontando para a diferença - o outro. Como canta Chico
Buarque: "Se seuí' o'hos r.u cantar/ um seu olho me atura/ e o outro vai desmanchar
toda figura." Não podendo suportar a ambuigüidade da imagem, scS resta a Dorian a
Até aqui o que fizemos foi exemplificar à exaustão a função da imagem ao nível
dependência do ideal. E o próprio Freud que define o eu como uma metáfora do corpo:
"o eu é, antes de tudo, um eu corporal, ele não é aperias um ser de superfície mas ele
mesmo no lugar da certeza, porque "pura" imagem, "puro" objeto para si e para o
sua pontuação como sendo de base narcísica. Entretanto, vale dizer, com Lacan, (jue "e
exatamente para isto que serve o estágio do espelho. Ele põe em evidência a natureza
é desde já, por si mesmo, um outro e isto instaura o sujeito numa dualidade que lhe
desdobra num outro, um de fora que diz de si mesmo ao sujeito. Esclarece-nos Lacan:
"a unificação da imagem não será jamais completa porque é feita precisamente pela via
alienante, sob a forma de uma imagem estranha, que constitui uma função psíquica
^^LACAN, Jacques. O Seminário: Livro 3: As Psicoses. 2 cd. Trad. Aluisio Menezes. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p.llO.
90
espécie de funcionamento imaginário no liomcm"^'^.
Merleau-Ponty. Assim, para ele, a imagem abre para o sujeito o outro, 'lenho um aspecto
exterior, sou visível para o outro; há um ponto de vista sobre mim. A ixdaçdo com o
minha experiência.
Com Lacan temos ainda que discutir uma outra questão - a conseqüência da
sou?). "O ego é a ilusão do UM, que só se divide para negar o outro e reforçar sua própria
unidade. Ora, é quando vacila o ego que a verdadeira alteridade, como negatividade sem
retorno, ocorre.
Dorian, preso num imaginário "imóvel", não pode suportar a pergunta: ([uern sou?
parece estar sendo suportado pela certeza do retrato, pela certeza do imaginário. Por isso
não pode assumir sua condição heteronôrnica, nem circular na cadeia de significâncias,
Dorian, no primeiro tempo da fase especular como uma imagem sem ambigüidades,
pensado à maneira de totalização narcísica, faz da experiência de seu corpo, ''para que
nada lhe suceda", urna imagem perpetuada no-sempre-jovem. O puro gozo do corpo. Se
com algo da brecha, do oco, do vazio, ele pudesse deparar-se, talvez tivesse respondido
a seu próprio modo à pergunta: quem sou? A falta a nível da imagem (o visível traz em
lhe dissera Basílio. Aqui o imaginário, em suas significações, aponta para uma certa
^''LACAN, Jacques. O Seminário: Livro 3: As Psicoses. 2 ed. Trad. Aluisio Menezes, llio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p.ll3.
^'PERRONE-MOISÉS, Leyla. Fernando Pessoa - Aquém do En, Além do Outro. São Paulo:
Martins Fontes, 1990. p.89.
91
"ontologia"', (jue dá conta do relacionai; assim, o delírio havia sido de anii)os. Ambos
sua forma, ele não pôde supor'^ar a dúvida tarde demais posta |)or Basílio a ele. Dorian
não só o inata, mas, com requinte, faz desaparecer o corpo do morto. Dorian não pôde
A partir desse ponto da narrativa ele tenta em vão nuidar sua história, agora seria
urn homem diferente, pensara. Numa tentativa de apaziguamento consigo mesmo, vai
"A memória corroía a sua alma com horrenda moléstia... linha a im-
Prisioneiro de uma
amar. Assim, primeiramente, apenas Basílio lhe confessara amor; - "Eu não o amo/ele
me ama."
No segundo momento: - "Eu não o amo/eu o odeio", seu ódio o fizera matar
Basílio.
92
No terceiro tempo, ''ele me odeia/... " , por isto me persegue, o delírio paranóico
de Basílio.
"it/'^^zando a projeção, têm como resultado jogar o processo inteiramente fora d:: „>jjciío,
ou seja, no outro"^^. Desta forma podemos entender que, no terceiro tempo de sua
história com Basílio (ele morto), esse outro, ou esse ''ele me odeia", é tomado de "'signos
Vencido afinal, num patético diálogo com Henry, mais tarde ele desabafara:
Sim, cada dia lhe parecerá mais pesado conjugar o amor na sua forma reflexiva, a
lhe restara o anverso - eu me odeio. O ódio por sua própria beleza o fará quebrar todos os
espelhos, numa triste máscara, sua beleza se transformara na mais cruel das zombarias.
no retrato."
^®LACAN, Jacques. O Seminário: Livro 3: As Psicoses. 2 ed. Trad. Aluisio Menezes. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p.110-115.
^^Idem. p.l07.
93
o que o lacaio encontrou ern meio à {)ropícia alrnosíera. ao entrar no sótão?
Responde o texto.
rimônia, com uma faca cravada no coração. Era velho, cheio de rugas e
nossas relações com o outro não parecem poder ser compreendidas scS a partir das con-
dutas individuais. Toda relação humana é resplandecente, ela "transborda" seu círculo
todos os outros corpos entre si, e no mundo. " O laço da alma e do corpo não é mais um
paralelismo. /I alma adere ao corpo como a significação adere a essas coisas culturais
Desta forma, será a imagem de certo modo uma encarnação. O corpo, a imagem, o
desejo, como elementos de uma estrutura do ser, faz seu itinerário no mundo, inscrevendo-
94
Capítulo 5
Conclusão
o ser humano tanto na ordem da necessidade quanto na ordem do desejo, onde mesmo a
sujeição do pequeno ser ao mundo-da-vida (natureza) está jcá imbricado nas conjunções
e conjugações ao Tu (Outro), o que lhe abrirá para sempre a dialética das consciências
uma imagem de si dada pelo corpo, na dinâmica intersubjetiva, submetido por isso aos
e/ou da psicologia clássica poderiam ser tomadas como da ordem do Para-si. Entretanto,
aqui se procurou mostrar, ao contrário, que são realidades, tal como a do corpo-próprio,
que se constituem no campo do outro, do ser-no-mundo, não podendo ser tomadas como
realidades do puro para-si, mas numa dialética que emigra sem pouso do para-si ao para
outro. Desta forma não será a subjetividade devedora de uma consciência solitária, mas
95
o corpo, ou melhor, o corpo-prcSprio roíiio campo jjrimordial da cxpcriôncia sen-
sível, nos levou a privilegiar a experiência vivida, uma vez que entre corpo e nuindo há
mundo, eu-outrern, meu corpo-as coisas. "São estes dric (lr<i(l,obrr..men.los que i)ossibililan):
a inserção do mundo entre as duas faces de meu corpo, a inserção de meu corpo entre
que deriva da relação corpo/mundo, de certo modo podem ser vistos como encarnação,
uma vez que só se pode compreende-los no laço (jue liga um corpo a outro corpo.
O ponto de partida de nosso trabalho foi a questão do corpo para o sujeito to-
terapêuticas. Com efeito, vimos que, tanto a nível teórico quanto prático, a psicomotrici-
doutrinai exigia uma conceituação mais formalizada em torno da definição de seu objeto
Isto já aponta para um problema conceituai que reclama ser resolvido. Por outro lado.
já deveria pressupor uma discussão teórica de base sobre a questão das relações entre
doutrinai abrangente que uma problemática tão delicada quanto esta se resolve.
96
vidade, uma vez que será sempre o corpo de um sujeito uos limites do psicológico. Este
se pede que seja resolvido o tema da percepção do corpo, de si, conjugados ao tema da
percepção do citro.
Quanto a isto nos dirá Merleau-Ponty que, de início, quando a criança põe em
jogo o seu esquema corporal, ela começa a [)erceber o outro. Trata-se, nos dois casos,
tematizar o corpo e o sujeito num duplo teórico Psicanálise e Fenomenologia, seria possível
aquela de sua prática corporal. Melhor dizendo, nosso objetivo seria então trabalhar algo
corpo do sujeito se constitui, uma vez que não é um dado no interior de uma relação
intersubjetiva.
psicanálise, à medida que íamos compreendendo um e outro terreno, uma nova questão
surgia, qual seja: em que ponto, asseguradas as diferenças históricas de seus conceituais
temática do corpo. Esta foi uma questão que nosso trabalho apenas vislumbrou, uma
vez que ela própria poderá e deverá merecer um aprofundamento mais rigoroso junto ao
97
sários de alguns elementos que o compõem: Corpo, Imagem, Desejo Subjetividade
Corno S^lbjet.widade
Ti ^ Ii
iiiiageni/Desejo Exl — Outro
elementos, tanto no sentido horizontal quanto vertical ( direção dupla dos vetores), o que
nos levaria a pensar ser tal dinâmica por transitividade e por circularidade. Ou seja,
há uma rede em movimento que nos permitirá dizer, por exemplo, que o fenômeno da
imagem para o sujeito, dado pelo seu corpo, se situa sob a tensão do "cor{)o-sentido"
e do "corpo-reconhecido", fato com que fará ser a imagem de si (sujeito) para sempre
havia optado por tratá-la num duplo entre fenomenologia (Merleau-Ponty) e psicanálise
natureza do ser humano de início e do ser da coisa em ger-al"'^. Convém lembrar, como
seu pensamento filosófico ele estará colocando sempre uma interrogação ao iiuindo-da-
o ser no mundo." Colocar em foco, não de uma forma idealista, o mundo ou o sujeito,
mas para ele era necessária uma nova filosofia da existência. Visto desta forma o corpo
não poderá ser tratado como "objeto" ou "coisa" mas como corpo-sujeito. E mais, um
^CORRÊA, José de Anchieta. L'Evolution de Ia Notion de 'Corps' à ia Notion de 'Cliair' chez Maurice
Merleau-Ponty. Kriterion, Uelo Horizonte, v. 19, n. 66, p.ll3, 1966/1972.
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corpo que, no entrelaço de suas estruturas como rodes solidárias <> abertas umas as ou-
tras (campo fenomenal) tuima conjugação (|ue lhe é própria (é só dele), estabelece uma
possível, não será nunca da ordem da determinação; isso só se díirá no terreno da lógica da
será refratado na rede do sentido, não no plano causai, por mais complexo que este seja, a
ordens racionais'"*.
Para tanto foi preciso tematizar questões subjacentes ao encadeamento de nosso raciocínio
próprio diz sua pertinência quando esclarece que há um "sentido imanente" no entrelaço
ceptiva fundante e solidária de uma consciência representativa, uma vez (pie percepção e
como uma ontologia, uma vez que uma outra noção de corpo é tomada ~ a noção de
''BIRMAN, Joel. Enfermidade e Loucura. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1980. p.3.
^MERLEAU-PONTY, M. O Visível e o Invisível. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1984.
99
"Carne". "/I evolução da noção de corpo à noção de carne pode ser compreendida
Por outro lado a temática da subjetividade, ein nossa leitura psicar.dítira. :;c>s
cando os temas corpo, imagem, desejo — pretendeu percorrer o caminho lacaniano com
Dirá Lacan que o corpo, que na tarefa de presentiíicação subjetiva é tomado como
função primeira ao significante, é ''algo que permite encarnar-se como signijicante". I"],
significante como barra ao gozo do corpo". Melhor dizendo, a linguagem é a via de acesso
ao corpo enquanto simbólico, e barreira ao corpo enquanto real. Assim sendo, a barra
que existe (simbólico) e o Outro do gozo que não existe (real). Vale dizer que, do ponto
fatalmente separa, abstratiza o objeto, instaurando sua morte, que o desejo nasce e se
obstina; é por ser falante que só o animal humano carrega esta falácia do desejo"'^.
dizendo: "a filosofia de Freud não é filosofia do corpo, mas da carne. - O id, o incons-
ciente, - o ego (correlativos) para serem compreendidos (só o serão) a partir da carne"''\
O inconsciente será visto portanto não como um "fenômeno" "claro" ou "oculto", mas
100
antes como um encadeamento, enovclamcnto, "dobradiça" do sor na existência.
Em face ao que até aqui se expôs sobre o percurso t(>órico da tese, tornou-se
muito estimulante naquele momento a releitura de ''(hn Retraio de Dorian dray", onde
se encontrou um solo fértil para o e;:or"írio dc lema. A ficção nos oferecia ainda uma
dupla vantagem, a de se ter um ponto em comum entre a tese e seu leitor, valendo-se da
sedução e genialidade de Oscar VVilde; e mais, a de não se ferir o sigilo numa exposição
grosseira da clínica. Com a narrativa se pode textualizar (|ue, para (|ue o estádio do
espelho opere "e preciso que a este espelho o Outro dê uma moldura, que não pode ser
aliena como moi dando regras e seus limites a se^is jogos, que sejam de imponência, de
rivalidade, de parada amorosa"^°. O que significa dizer que não há saída no imaginário
Para Merleau-Ponty, por outro lado, a condição do corpo de ser ao mesmo tempo
visibilidade e reflexividade fará da imagem uma construção por (luiasma, "(í o corpo que
vê ... e está de algum lado visível no ato de olhar". Melhor dizendo, a eloqüência da
imagem, à semelhança do desejo, como "existenciais", nos coloca, de modo mais radical,
face a uma estrutura da relação corpo/mundo. Esta estrutura nos desafia a compreender
corpo/desejo e imagem como elementos da subjetividade encarnada, cujo sentido nos dirá
^"MILLER, Gerard. Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989. p.46.
101
Capítulo 6
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