Silo - Tips - Caminhos Da Realizaao Dos Medos Do Eu Ao Mergulho No Ser
Silo - Tips - Caminhos Da Realizaao Dos Medos Do Eu Ao Mergulho No Ser
Silo - Tips - Caminhos Da Realizaao Dos Medos Do Eu Ao Mergulho No Ser
Antes de falar deste medo do numinoso e desta recusa provocada pelo convite à
profundidade, a esta realização do Self por meio da superação do Eu, é preciso
observar os diferentes medos que precedem este medo da transcendência.
O medo do sucesso
Uma tal idéia vai criar, junto à ansiedade, um sentimento de culpa, produzindo um
estado de melancolia que pode durar vários anos. Freud descrevia essas pessoas
como aquelas a quem o sucesso destrói. Pelo medo de fazer melhor que os seus pais,
de vencer onde eles não conseguiram, seja a nível profissional, seja a nível afetivo.
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Este medo existe em crianças, mas frequentemente o encontramos em adultos
também. Adultos que não se permitem ser felizes como casais porque na união de
seus pais havia muito sofrimento ou adultos que se sentem culpados por ganhar
dinheiro se em sua família não se ganha dinheiro.
Isso pode parecer curioso, porque nós sempre desejamos que nossos filhos sejam
melhores do que nós fomos. É o que os pais geralmente dizem. Eles dizem... mas
nem sempre dizem de todo o coração, pois se um filho torna-se mais rico ou mais
feliz, ele lhes escapa, sai da família e inconscientemente (nós estamos na esfera do
inconsciente, é claro) eles seguem seus filhos no mesmo estado social em que eles
pararam e no mesmo estado de dificuldade afetiva em que eles pararam.
Freud dirá que as pessoas adoecem, porque um de seus sonhos, o mais profundo e
duradouro, se realiza. Não é raro que o Ego tolere um sonho como inofensivo,
enquanto sua existência for apenas uma projeção e que pareça nunca se realizar. É
como quando sonhamos ter um homem ou uma mulher e, quando ele ou ela estão lá,
nós achamos nosso sonho improvável e o ignoramos.
Neste contexto, poderíamos dizer que Jonas recusa a voz interior do Ser que o chama,
que o chama para que se supere, porque desta maneira ele superará seu pai. Esta é
uma explicação edipiana da neurose do fracasso. Tememos o sucesso e suas
repercussões, pelo medo de ultrapassarmos nossos pais, seja em felicidade, em
educação, em fortuna ou em status. Podemos, assim, nos tornarmos uma ameaça para
nossos pais e sermos rejeitados por eles. Vocês percebem que é sempre a presença
desta criança em nós que tem medo de não ser amada, que tem medo de não ser
reconhecida.
Um psicólogo como Fenichel verá, como uma causa profunda do medo de vencer, o
sentimento de indignidade. Temos, pois, de observar em nós a nossa relação com o
sucesso. Nosso desejo do sucesso e nosso medo do sucesso. E neste medo do sucesso
talvez esteja incluído um sentimento de indignidade – esta depreciação de si mesmo
que talvez seja a herança de um certo número de julgamentos que nos foram
dirigidos. Quando se repete a uma criança que ela nunca será nada, que ela não é
inteligente ou que não sabe cantar, ela integrará esta programação. E se um dia ela
chegar ao sucesso, inconscientemente, ela pensa que este sucesso não é justo.
Para Karen Horner, o medo do sucesso resulta do medo de suscitar inveja nos outros,
com perda conseqüente do seu afeto. Alguns têm medo de vencer porque não querem
que os outros sintam ciúmes dele, o que é muito arcaico. Os gregos expressavam isso
da seguinte maneira: “Os deuses têm inveja do sucesso dos homens.” Porque eles
consideravam que o sucesso dos homens retirava as suas prerrogativas.
A maioria dos primitivos pensa que muito sucesso atrai para o homem um perigo
sobrenatural. Heródoto, em particular, vê em todos os lugares da história a obra da
inveja divina. Quando os homens e mulheres são muito ambiciosos, atraem toda
sorte de infelicidades. Só está seguro o homem que é obscuro. “Para viver feliz,
viva escondido”, para viver feliz, viva deitado.
O medo da diferença
Afirmar-se é afirmar-se como diferente. Afirmar-se diferente não quer dizer afirmar-
se contra, mas afirmar-se no que temos de próprio, na missão particular que nos foi
dada para servir a todos.
O que é pedido a Jonas é que ele não seja apenas um sábio que vive no anonimato de
uma cabana no fundo do bosque, mas que seja também um profeta. O silêncio que
está nele não é uma ausência de palavras, é a mãe da palavra. Antes de se calar, antes
de saborear a beleza do silêncio, ele deverá dizer sua própria palavra.
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Antes de chegar a este estado de não-desejo e não-medo, no cume do nosso “vir-a-
ser”, do nosso tornar-se, neste estado de Paz integrada, devemos viver esse desejo.
Só poderemos supera-lo após tê-lo realizado.
É preciso falar para ir além da palavra. É preciso desejar para ir além do desejo.
Algumas vezes nós nos servimos da espiritualidade, nos refugiamos em um falso
silêncio e em um não-desejo, que é uma ausência de vida, uma falta de vitalidade que
está mais próxima da depressão do que do estar desperto, alerta, mais próximo da
despersonalização do que da transpersonalização.
Jonas teme o ciúme e a incompreensão dos seus irmãos. Ele teme ser rejeitado e
morto pelo ostracismo de seu povo. Ele teme ser um “colaborador”, um inimigo do
seu povo.
Rollo May dizia: “Muitos fatores provam que a maior ameaça, a causa mais nítida da
angústia do homem ocidental contemporâneo, não é a castração, mas o ostracismo.”
Ou seja, a situação considerada como terrível e aterrorizante é a situação de ser
rejeitado pelo grupo ao qual pertencemos.
Há aqueles que representam o papel que lhes é pedido, mas o Ser verdadeiro não está
neles. Neste caso, ocorre uma espécie de mal-estar, que pode gerar uma doença. Um
discípulo de São Tomas de Aquino um dia lhe perguntou: “Se minha consciência me
pede para fazer alguma coisa e o Papa me pede para fazer outra, a quem eu devo
obedecer?”
Esta questão é muito atual. No lugar do Papa você pode colocar o seu guru, o sol ou
a lua, uma pessoa ou autoridade suprema, a referência que você busca quando coloca
uma questão profunda. O que acontece se esta autoridade lhe diz para fazer alguma
coisa e o seu desejo interior lhe manda fazer outra? A quem obedecer? A qual voz
escutar?
Santo Tomas de Aquino dá uma resposta a seu discípulo que talvez surpreenda
alguns. Ele não diz: “Obedeça ao Papa”, mas: “Obedeça à sua própria consciência,
obedeça à sua consciência procurando esclarecê-la.” Não separe as duas partes da
frase: “Obedeça à sua própria consciência” e, ao mesmo tempo, “procure esclarecê-
la”.
Essa frase de São Tomas de Aquino é uma boa frase terapêutica. Se ele tivesse dito:
“É preciso obedecer ao Papa”, ele teria feito dessa pessoa um hipócrita ou um
esquizofrênico. Esta atitude pode ser observada em alguns católicos ou em pessoas
que pertencem a outros grupos humanos. Obedecem à autoridade, mas uma
personalidade interior se dissocia, pouco a pouco, dos seus atos. Neste divisão entre
o que fazemos e o que pensamos vai se introduzir um mal-estar, ou um “estar mal”
que gera a doença.
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Podemos nos enganar, mas não podemos mais nos mentir. É preciso aceitar que
podemos nos enganar, mas ao mesmo tempo devemos buscar esclarecer o nosso
caminho, mantendo ambos unidos. Por vezes,ter a coragem de nos diferenciarmos do
nosso meio e daqueles que, para nós, constituem uma autoridade. Caso contrário,
descobriremos que estamos nos destruindo naquilo que temos de mais autêntico.
O medo de Jonas é o medo de ser diferente, de ser rejeitado por aqueles dos quais ele
se diferenciou. O conformismo pode provocar um certo número de patologias.
Quantos pássaros tiveram suas asas cortadas ou aparadas para que ficassem felizes e
confortáveis em suas gaiolas douradas?
Na lenda do Grande Inquisidor de Dostoievski, esse diz ao Cristo, que retorna à terra:
“Vai ser preciso suprimi-lo novamente, porque você vai tornar as pessoas muito
infelizes, tornando-as muito livres. Nós queremos tornar os homens felizes. Nós
dizemos: faça isto ou aquilo e tudo correrá bem. Ao invés, você quer que os homens
sejam livres. Você não diz: façam isso, façam aquilo. O homem é infeliz na sua
liberdade. Nós queremos libertar o homem do peso da sua liberdade.”
Um grupo são, saudável, é capaz de conter pessoas muito diferentes, que pensam de
maneira diferente e que se enriquecem com suas diferenças. Porque se todos
pensarem a mesma coisa, se todos entrarem na mesma concha, não pensaremos
mais... Nossa relação deixará de ser uma relação de aliança e se tornará uma relação
de submissão a uma doutrina comum. É como a água da chuva que, ao cair em um
campo, gerasse flores de uma única cor.
O medo de mudanças
Muitos têm medo de mudanças, mesmo que esta mudança as abra a uma existência
melhor e mais feliz. O abandono dos antigos hábitos, a perda do conhecido, cria em
algumas pessoas um clima intolerável de insegurança. Não há realmente segurança
senão no previsível, mesmo que isto signifique infelicidade e sofrimento.
O desejo de segurança é muito pronunciado nos psicóticos. Em sua infância lhes foi
ensinado que toda mudança é uma ameaça. A separação da mãe ou do ambiente
familiar foi-lhes apresentado como o equivalente da morte e do caos. Esta noção vai
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criar, nestas pessoas, um medo de toda e qualquer mudança.
Muita segurança impede a evolução da pessoa, mas muita liberdade vai causar
também muita angústia. A criança não sabe mais quais são seus limites. Portanto, o
medo de não ser como os outros vai gerar um outro medo: o medo de conhecer-se a si
mesmo.
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