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Caderno de Debates do
NAAPA
Questões do cotidiano escolar - vol.2
Coordenadoria Pedagógica
Ana Lucia Sanches
Coordenadora
Assessoria Pedagógica
Carla Biancha Angelucci
Flávia Schilling
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
Caderno de Debates do
NAAPA
Questões do cotidiano escolar - vol. 2
de começar com um convite para um movimento de afastamento, para o Caderno de Debates do NAAPA - vol. 2
exercício de primeiro sair da escola, para só depois tentar voltar para ela.
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las, tarefas, provas e alunos, nada mais pode nos parecer novo ou surpre-
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Como podemos nos afastar da escola para pensar, a partir de ou-
tras perspectivas, as meninas e os meninos que nela transitam cotidia-
namente ao nosso lado? Esse afastamento pode ser um recuo na histó-
ria e também uma mudança no zoom do espaço de um estabelecimento
de ensino em particular para os dados sobre o Brasil. Nesse sentido,
iniciamos este texto com um breve panorama sobre as desigualdades
entre homens e mulheres na educação para, em seguida, realizar um
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cutiremos situações possivelmente vividas por muitos daqueles que se
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de ensino médio, permitiu que inúmeras mulheres que haviam conclu-
ído a chamada “escola normal” pudessem continuar seus estudos em
nível superior. Não demorou muito para que as mulheres passassem a
apresentar taxas de escolaridade superiores às dos homens. Trocando
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mente associadas com remunerações mais altas e maiores possibilidade
de acessar cargos de prestígio e postos de poder.
Ao lado disso, as desigualdades socioeconômicas e raciais são mar-
cantes na educação brasileira, atravessando a experiência de meninos
e meninas que assume contornos diferentes de acordo com sua raça
meninas brancas para o dos meninos negros é ainda mais gritante, che-
gando a 21,2 pontos percentuais. Assim, quando pensamos em meninas
e meninos, devemos considerar que esses grupos não são homogêneos,
envolvendo desigualdades e diferenças também entre os meninos e en-
tre as meninas. Ainda nesse sentido, é importante sabermos que são os
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dicotômicos, em que cada um dos termos pode ser socialmente con-
siderado feminino e masculino, tratados como polos opostos e ex-
cludentes. Nesse sentido, não nos parece estranha a possibilidade de
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gem em feminino e masculino: rosa e azul, emoção e razão, casa e rua,
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nino ou masculino, porém, mais do que a diferença entre esses termos,
é importante perceber que nessas polarizações também existe uma
hierarquia em que aquilo que é socialmente considerado masculino
tende a ser considerado superior. Tomemos como exemplo os termos
“emoção” e “razão”. A razão é uma característica considerada masculi-
na e valorizada em nossa sociedade, em nossas relações de trabalho e
até mesmo em nossas relações pessoais; quem nunca ouviu a expres-
são: “é preciso agir de acordo com a razão”? Ou mesmo: “você é um
homem ou um saco de batata?”, utilizada para dizer aos meninos que
eles devem ser fortes, racionais e não demonstrarem suas emoções,
entendidas negativamente como fraquezas. Não é à toa que, em nosso
desigualdades.
Considerando essas oposições, também podemos entender gê-
nero como um conjunto de processos sociais, históricos e culturais
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ções de gênero são um forte componente da vida social em sociedades
como a brasileira ou, de modo geral, em nações latino-americanas e
ocidentais. Por meio dele, desde antes do nosso nascimento somos
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são, por sua vez, é a base para inúmeros processos que nos conduzem
a diferenciações e à construção de uma identidade de gênero: a escolha
das cores do enxoval, os nomes e pronomes, os brinquedos e ativida-
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seu nascimento. Estes são o exemplo mais visível de como os processos
que vimos discutindo até então não acontecem de forma passiva, em
que supostamente a sociedade tem um conjunto de expectativas que
serão automaticamente adotadas pelos sujeitos. Mesmo entre crian-
ças cisgêneras – aquelas que assumem uma identidade de gênero em
concordância com o sexo designado em seu nascimento – podemos
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na” e “ser menino”, de tal modo que essas expressões podem estar até
mesmo em disputa, quando um jeito de se apresentar como menina ou
2 As situações descritas foram obtidas de pesquisas empíricas realizadas pelos autores deste texto. A pesquisa
A. S. Gênero, família e escola: socialização familiar e escolarização de meninas e meninos de camadas po-
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tância da discussão das relações de gênero nos espaços de formação
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por exemplo – e também com
os alunos e alunas.
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dem sobre si quando professores dão abertura e oportunidades para
participação de algumas crianças e adolescentes, e para outros não?
Acompanhe a seguinte situação em uma sala de aula do segundo ano
do Ensino Fundamental.
A professora utilizava o Caderno de Apoio e Aprendizagem de Ma-
como ele havia feito. Ele disse que havia feito contando nos dedos.
Caderno de Debates do NAAPA - vol. 2
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pecial Integral de Formação, a jornada de opção por 40 horas-aula de trabalho semanais) e PEA (Projeto
dizem respeito às horas-aula de trabalho nas quais as professoras e professores reúnem-se com a gestão da
escola, geralmente com a Coordenação Pedagógica, para estudar e debater assuntos de interesse de formação
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taria de estar sentado. Ao fazer isso, no entanto, a mesa anteriormente
ocupada por ele (e que agora estava vazia) também foi deslocada para
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Renato, bravo, reclamou com Caio. No entanto, Caio não virou
-
do sem dar atenção. Renato continuou insistindo e chamou mais vezes
por Caio, falando para ele ir mais pra frente. Além do tom de voz rís-
pido, Renato também demonstrou bastante indisposição com Caio em
sua recusa de dar outra solução para o evento que não passasse por
brigar com o colega de turma. Cabe ressaltar, por exemplo, que Renato
tinha bastante espaço para arrumar a própria carteira; mesmo assim,
ele não se mexeu e continuou reclamando. Rapidamente, em auxílio a
Renato, Daniel falou rispidamente para Caio puxar sua mesa e cadeira
para frente. Em seguida, reclamou para a professora em voz alta e sem
sair do lugar. A professora aproximou-se de Caio e, impacientemente,
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brincar de pega-pega; elas, ler, brincar de salão de beleza, conversar
etc. Em síntese, eles costumam praticar atividades que envolvem corri-
da, esforço físico e exploração ampla do espaço, enquanto as meninas
dedicam-se a atividades que exploram espaços mais delimitados, com
menor esforço físico e em maior silêncio.
Débora era uma menina que não correspondia a esse estereótipo
na turma do 3º ano do Ensino Fundamental que frequentava: ela gostava
de jogar futebol e manifestava até mesmo seu incômodo em relação às
preferências gerais de meninas e de meninos na hora do recreio. Os
meninos sempre buscavam maneiras de excluí-la do jogo, deixando-
-a para ser escolhida por último com muita frequência, mas como ela
insistia e era boa jogadora, quando conseguia entrar, trazia gols para
seu time. Além do futebol, Débora demonstrava interesse por outra
Convites ao debate
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sagrande e Marília Gomes de Carvalho5 -
nhecimento do esforço e das conquistas das meninas por parte das
o que
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participação dos rapazes. Foi exatamente o que aconteceu na descrição
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sora, que deu preferência às respostas dadas pelos meninos, apesar de
elas geralmente se sentarem em lugares próximos à lousa e serem as
primeiras a entregar as tarefas respondidas ou resolvidas no caderno.
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cebeu que poderia estar estimulando menos a participação das meni-
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vesse feliz por perceber alguns meninos participando ativamente da sua
aula e tenha procurado incitar a participação deles, em detrimento da
menino ou menina?
Se na primeira situação descrita escolhemos um exemplo em que
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telectualmente? Como podemos estar atentos e intervir para evitar
a reprodução desses lugares comuns, tão perversos à formação das
crianças?
Além disso, essa segunda situação foi escolhida justamente para
pensarmos nas diferenças que existem dentro do próprio grupo de
meninos. Se em muitas observações de aulas podemos presenciar me-
ninos adotando posturas de agressividade ou desprezo pelas meninas,
na cena relatada, Daniel ridicularizou a participação de Ana Paula, mas
-
velmente acreditando que conseguiria conquistar a simpatia dos demais
meninos – foi chamado de “trouxa” por Rafael. De nenhuma maneira
se trata de defender que Caio também possa criticar Ana Paula, mas
disputas de poder.
Ao longo da descrição da segunda situação, apenas mencionamos
os nomes das crianças, indicando o sexo delas, mas não mencionamos
outras características que precisariam também ser consideradas. Caio,
o garoto que ao longo de toda a cena é criticado e hostilizado pelos
outros meninos, é preto, enquanto todas as outras crianças tem o tom
de pele mais clara do que a dele.6 Em outras observações, foi possível
de acordo com as categorias de cor/raça do IBGE (branco, preto, pardo, amarelo e indígena). Consideramos,
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Esse é um exemplo de como as relações de gênero são permeadas
também por outras relações de poder, no caso, por relações raciais. Se
anteriormente mencionamos que os indicadores educacionais inferio-
res dos meninos sinalizam para uma trajetória escolar mais conturbada,
destacamos também que são os meninos negros aqueles que apresen-
tam os piores indicadores. Assim, esse tipo de situação merece a nossa
atividade proposta, porém, logo após ser duramente criticado pelos ou-
tros meninos, desiste de fazer a lição, chegando ao ponto de verbalizar
que não saberia fazê-la.
Ainda nessa linha, quando estamos discutindo as relações de gê-
nero, é preciso considerar alguns estereótipos que recaem sobre me-
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ninos e meninas e que muitas vezes são diferentes para brancos(as) e
negros(as). Nesse caso, é importante pensar tanto nos estereótipos
negativos associados à população negra em geral – o que parece con-
tribuir para que Caio seja discriminado pelas demais crianças que o
associam frequentemente a características negativas – quanto o este-
reótipo de que homens negros são violentos, o que pode reforçar a
às regras escolares.
Na terceira situação descrita, por sua vez, temos uma observação
em que vamos ou não interferir nas interações entre elas. Aqui, cabe
ponderar que os estereótipos reduzem nossas experiências e poten-
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perimentar diferentes materiais, brinquedos e opções de brincadeiras
nos espaços escolares, para além da sala de aula? Por que uma menina
-
cas de exercício físico estamos privando as meninas de usufruírem ao
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ra, tendemos a fazer uma série de julgamentos sobre a sexualidade e a
identidade de gênero dessas crianças. Cabe ponderar que os processos
de construção de uma orientação sexual ou mesmo de uma identida-
uma discussão sobre gênero, estamos propondo que seja feita uma dis-
cussão não apenas sobre diferenças, mas também sobre desigualdades
e a necessidade de combatê-las em prol de uma educação inclusiva,
equitativa e de qualidade para todos os sujeitos que a frequentam.
Caderno de Debates do NAAPA - vol. 2
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o que gênero tem a ver com isso?
Igualdade de gênero:
Estatísticas de gênero:
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Sobre as Autoras e os Autores
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to da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade. Trabalha,
principalmente, com os seguintes temas: psicologia escolar, pesquisa-in-
tervenção, educação inclusiva, relação saúde-educação.
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Belinda Mandelbaum
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ratório de Estudos da Família do Departamento de Psicologia Social
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cação para todxs e sua interface com as discussões sobre preconceito,
atuando principalmente nos seguintes temas: direito à educação por
parte de pessoas com diferenças funcionais e de pessoas com sofri-
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mente em escolas, assim como no Núcleo de Estudos da Violência da
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Pédagogiques na França. Foi vice-diretora da Faculdade de Educação
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Renata Guarido
Yara Sayão
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titucionais e políticas públicas dirigidas a crianças e adolescentes, com
ênfase no âmbito da Educação. Trabalhou na FEBEM/SP com crianças en-
tre 0 - 7 anos, na Secretaria do Menor/SP com planejamento de políticas
públicas voltadas para o atendimento complementar à escola, na Fun-
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Editorial
Centro de Multimeios | SME
Magaly Ivanov
Fernanda Gomes