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A Boca Da Noite

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Copyright © 2016 de texto by Cristino Wapichana

Copyright © 2016 de ilustração by Graça Lima


Copyright © 2016 desta edição by Zit Editora

Coordenação editorial: Laura van Boekel


Editora assistente (arte): Juliana Pegas
Revisão: Cristina da Costa Pereira

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO.


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

W223b
Wapichana, Cristina
A boca da noite/ Cristino Wapichana; ilustração Graça Lima.
- 1. ed. - Rio de Janeiro: Zit, 2016.
40 p.: il.; 28 cm.

ISBN 978-85-7933-107-7
1. Conto infantojuvenil brasileiro. 1. Lima, Graça. li. Título.
CDD: 028.5 CDU : 087.5

Registrado no Escritório de Direitos Autorais da Fundação Biblioteca Nacional,


Ministério da Educação e Cultura. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra
sem permissão expressa do Editor (Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973).
Todos os direitos reservados.

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Impresso no Brasil/Printed in Brazil


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CRISTINO WAPICHANA

ILUSTRAÇOLS GRACA LIMA

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Ao sr. Vítor Pereira, meu pai e de
mais doze irmãos. Hoje ele não
vê o Sol, nem a Lua ou a cor das
cores. Sua memória viajou para
um lugar distante, mas sabemos
o quão mágicos e importantes
foram seus ensinamentos ...
Cristino Wapichana

A todos os povos ancestrais.


Graça Lima
- Corre! Corre! Corre! Vamos! Depressa!! Depressa!!

- Estou indo, Dum! Estou indo! Meus pés estão pesados!

- Venha logo, Kupai! Ele está se escondendo! Só falta um


pouquinho!

- Não consigo ir mais rápido, mano!

- Ele não vai esperar, Kupai! Vem! Vem! Vem ...


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- Olha ... como é bonito ele mergulhando no rio ...

- É mesmo, Dum! Mas será que ele não vai se afogar, mano?

- Claro que não, Kupai! Ele só está tomando banho pra dormir...

Foi assim que vi, pela primeira vez, o sol entrando no rio para se banhar.
Nem sabia que ele precisava tomar banho!

Se alguém me falasse, eu não acreditaria! Mas vi com meus próprios olhos!

Vi quando ele começou a entrar na água e mudar de cor. Não sei se ele
estava tirando a roupa pra se banhar...
Só sei que, quando o sol tocou no rio, foi ficando da cor do fogo! Depois ele
foi se esticando, bem comprido, e colorindo as águas do rio. Ele continuou
mudando de cor até ficar igual à minha. Depois foi diminuindo, diminuindo,
e, por fim, desapareceu dentro do rio.

Dum e eu subimos correndo até a Laje do Trovão, na parte mais alta,


naquele final de tarde. Quando chegamos quase na ponta dela, deitamos
e rastejamos como cobra, até o final da grande pedra, que, de tão grande,
passava um pouco da beira do rio que ficava lá embaixo.

Dali, dava para ver um mundo aonde nossas pernas ainda não tinham nos
levado, e talvez nunca nos levassem, mas nossos olhos podiam nos levar
voando até lá. E o melhor era que, voando, ficávamos longe dos perigos
daquele mundo de serras cobertas por florestas.

Do alto da Laje do Trovão, podíamos ver nossa aldeia toda - e da aldeia


também dava para ver quem estava lá em cima. Se fosse uma criança que
estivesse lá, logo aparecia algum adulto para resgatar e trazer para a aldeia
em segurança.

Era muito perigoso ir lá em cima, mas Dum sempre conseguia chegar ao alto
da laje sem ser notado.
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Papai olhou pra mim e tentou me explicar enquanto terminava de se
preparar para trabalhar:

- Boca da noite é quando o sol se despede e a noite vai tomando seu lugar
no mundo. A boca da noite é muito importante para a gente descansar,
sonhar. Ela reúne a família para jantar e depois todos dormem juntos e a
noite deixa o céu cheinho de estrelas.

- Mas, pai, este céu estrelado é o céu da boca da noite?

- Filho, céu é uma coisa, a boca da noite é outra. O que importa é que
existem dois mundos: o mundo do dia e o mundo da noite, e o que divide um
mundo do outro é a boca da noite. É a boca da noite que ajuda a manter o
equilíbrio da vida na Terra e de todos os viventes. Nós trabalhamos durante
o dia e, depois da boca da noite, dormimos sossegados dentro dela.
Ele baixou, olhou dentro dos meus olhos e disse: agora, papai precisa ir pra
roça. Mas vá lá com sua mãe e pergunte pra ela.

Não entendo por que meu pai sempre quer fugir quando pergunto pela
segunda vez. Não sei de que nem pra onde!

Foi bom ouvir a explicação do meu pai, e até que entendi o que ele quis dizer,
mas não me convenceu.

Mamãe estava ocupada demais cuidando dos afazeres de casa e eu não


ia perguntar pra ela. Resolvi insistir mais um pouquinho com meu pai. Eu
precisava saber em detalhes sobre essa tal "boca da noite".

- Mas, pai, pode existir uma boca sem corpo? Uma boca tem que ter mais
que dentes e uma língua ... Uma boca não tem que comer alguma coisa? E
essa boca da noite não fala? Ela tem que, pelo menos, dizer o que o corpo
sente ... Uma boca tem que assobiar, cantar... chupar cana ... assoprar...
saborear uma boa comida ... reclamar... perguntar...



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• •
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•• ••

- Filho, boca também serve para não meter o corpo em


confusão. E pode ficar fechada também, filho ...

Com essa resposta do meu pai, deu pra entender que ele não
sabe tanto sobre a boca da noite.

É... melhor esperar o sol tomar banho de novo. Acho que ele
tem alguma coisa a ver com isso. Vou perguntar pra ele sobre
a boca da noite e, se ele não me responder, vou perguntar pra
própria boca da noite!
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