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Cristologia No Evangelho de Marcos

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Revista Eletrnica Theologia Faculdade Palotina - FAPAS

A CRISTOLOGIA NO EVANGELHO DE MARCOS, UMA LEITURA A PARTIR DOS TTULOS HONORFICOS Cristiano Quatrin1 Gilcemar Hohemberger2 RESUMO A boa notcia do Evangelho segundo Marcos que Jesus o Messias, o Filho de Deus. O evangelista busca, a partir dos ttulos honorficos, responder a pergunta sobre a identidade de Jesus. Apresenta-o como verdadeiro homem, mas reconhece sua divindade, isto , Jesus Cristo, do povoado de Nazar, o Filho de Deus, o Filho amado que todos devem escutar; O tambm Filho do Homem, aquele que sofre, morre e ressuscita. A cristologia de Marcos ainda mostra que Jesus, to simplesmente humano, o Messias, o libertador do seu povo e da humanidade inteira. Palavras-chaves: Evangelho de Marcos. Filho de Deus. Filho do Homem. Messias.

INTRODUO O presente artigo quer refletir acerca dos principais traos da cristologia marcana, isto , quer apresentar a identidade de Jesus no Evangelho de So Marcos, a partir dos ttulos honorficos Filho de Deus, Filho do Homem e Messias. Relatando nas linhas essenciais do Evangelho a histria de Jesus, Marcos procurou desenvolver o tema da identidade de Cristo, afirmando que o Nazareno o Filho de Deus. O Filho de Deus o homem Jesus que viveu, sofreu e morreu na cruz, mas ressuscitou. Para tal objetivo, ver-se-, num primeiro momento, que Marcos apresenta um Jesus verdadeiramente humano, com traos vigorosos de um homem que sofreu, amou, morreu. Num segundo momento, buscar-se- refletir sobre os principais ttulos cristolgicos apresentados no Evangelho de Marcos, a saber: Filho de Deus, Filho do Homem e Messias. Deste ltimo, decorrer-se- uma breve discusso acerca do Segredo Messinico.

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Acadmico do VI semestre do curso de Teologia. Acadmico do VI semestre do curso de Teologia.

THEOLOGIA Ano 2008, Volume 1, No.1

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1 A CRISTOLOGIA NO EVANGELHO DE MARCOS, UMA LEITURA A PARTIR DOS TTULOS HONORFICOS

A cristologia de Marcos tem uma importncia especial para a compreenso da Pessoa de Jesus. Ele o primeiro evangelho escrito e at mesmo quem inventou o gnero literrio evangelho. Seu objetivo est exposto no primeiro versculo: Princpio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus (Mc 1,1). Portanto, apresentar a identidade sua grande inteno: Jesus de Nazar o Cristo do novo povo de Deus. Para isto, a cristologia de Marcos concentra-se, especialmente, em dois ttulos honorficos: Filhos de Deus e Filho do Homem. A cristologia marcana pode ser resumida nestes dois termos. Porm, nenhum destes pode ser entendido suficientemente separado da narrativa de Marcos, isto , do caminho percorrido por Jesus, uma vez que a cristologia est na histria e atravs desta histria aprende-se a interpretar os ttulos cristolgicos (cf. Matera, 2003, p. 50). O evangelho de Marcos uma verdadeira declarao de f na filiao divina de Jesus (1,2-3). Sua cristologia oferece trs traos distintos, a saber:3 O realismo com o qual descreve a humanidade de Jesus, representado como um homem sujeito s limitaes humanas impostas pela natureza (clera: 3,5; surpresa: 6,6; indignao: 10,4; compaixo: 6,34; etc.). A clareza com que afirma a messianidade de Jesus, por meio da confisso de Pedro, da cura de Bartimeu, da entrada em Jerusalm, diante de Caifs e Pilatos e da inscrio da cruz. A familiaridade no uso freqente do ttulo messinico Filho do Homem, que aparece catorze vezes. Tambm Jesus mesmo, ao se dizer Cristo, como no caso do perdo dos pecados (2,10.28), reivindica ser o Filho de Deus (12,6).

1.1 Jesus de Nazar Verdadeiro Homem A cristologia do Evangelho de Marcos est na histria que ele conta. Esta histria identifica Jesus como o Messias, o Filho de Deus, cujo destino sofrer, morrer, ressuscitar dos mortos e voltar como o glorioso Filho do Homem para reunir

Esse esquema segue o apresentado por Hackmann, 1997, p. 93-94.

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os eleitos. Compreender a vida e o ministrio de Jesus de Nazar fundamental para a verdadeira identidade de Jesus. Noutras palavras, [] a narrativa de Marcos define a messianidade luz do ministrio, morte e ressurreio de Jesus. [] Marcos define a messianidade em termos de Jesus em vez de definir Jesus em termos de messianidade. Embora Jesus no cumpra as expectativas messinicas tradicionais, sua vida e ministrio so a norma para definir o que significa ser ungido de Deus (Matera, 2003, p. 47). Por isso, a cristologia do Evangelho de Marcos apresenta, como nenhum outro evangelista o fez, os traos humanos de Jesus. Comblin afirma que o segundo evangelho o que mais claramente sublinha o ser humano de Jesus. Mostra que Jesus sente e expressa os mesmos sentimentos de cada criatura humana (1999, p. 37).4 Marcos insiste em afirmar que Jesus era de Nazar, povoado insignificante (1,24; 14,67; 16,6), era o carpinteiro, filho de Maria (6,3), que era considerado como rabi (4 vezes) ou como doutor (12 vezes) ou como profeta (6,15; 8,28).5 Como verdadeiro homem, Jesus se compadece (1,41), fica indignado e entristecido (1,41.43; 3,5), dorme no meio da tempestade (4,38), fica maravilhado (6,6a), tem compaixo (6,34; 8,2), suspira (7,34), geme no mais ntimo do seu ser (8,12), se aborrece (10,14), olha com carinho (10,21), ignora o momento do final deste mundo (13,32), sente pavor e angstia diante da morte (14,33.35), expressa com gritos a sua experincia do abandono de Deus (15,34) e morre no meio de zombarias e de ultrajes (15,37) (cf. Herrero, 2006, p.125).6

Segundo Kertelge e Laepple, at mesmo os sinticos Mateus e Lucas, que conheceram e usaram o Evangelho de Marcos para a elaborao dos seus evangelhos, consideraram aparentemente inaceitvel o risco de transcrever sem comentrios expresses sobre a humanidade de Jesus (1985, p. 88). 5 Jesus, por sua vez, mensageiro, portador do Reino de Deus (1,15); o seu ensinamento supera em autoridade a dos mestres da Lei judaica (1,27); tem poder para curar enfermidades que resistiram a todas as tentativas (5,25-29); expulsa espritos impuros antes que seus prprios discpulos se mostrem impotentes (9,17-29); capaz inclusive de dominar o vento e o mar embravecidos (4,41). No h nada de estranho no seu modo de falar e de atuar, suscita admirao, assombro e inclusive o temor reverencial (cf. Herrero, 2006, p. 125). 6 Pelo seu modo de atuar que deve se situar o ttulo de Messias, que Pedro lhe atribui, e tambm os ttulos equivalentes de Filho de Davi e rei de Israel (dos judeus), assim como o Filho do Homem, utilizado por Jesus para designar-se a si mesmo. O ttulo de Messias coloca em realce a relao nica de Jesus com o povo de Israel. Sendo Ele o ltimo enviado de Deus a este povo, como rei e profeta escatolgico, a salvao definitiva (cf. Herrero, 2006, p. 126).

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A humanidade de Jesus esboada com traos to vigorosos que, segundo Kertelge e Laepple, difcil falar de Jesus Cristo como Filho de Deus, sendo mais fcil acreditar que aquele Jesus, o carpinteiro, fosse apenas um agraciado por Deus. Na mesma linha de pensamento, Comblin expressa que os relatos da humanidade de Jesus em nada poderia convencer algum de que Ele era o Messias e

se consideramos o seu relacionamento social, menos razes ainda para ver nele o Messias. Era surpreendente que Jesus estivesse sempre do lado dos pobres, dos que choram, dos que passam fome, dos fracassados, dos impotentes, dos insignificantes. Era imperdovel que se misturasse com os pecadores, os publicanos, pessoas socialmente condenadas e mantidas distncia. Tudo o que estava margem da sociedade forma a companhia de Jesus. Era escandaloso e, como era de se prever, provocou a indignao e a condenao das autoridades, dos doutores, dos fariseus, dos sacerdotes (1999, p.37). Todavia, Marcos no fica restrito na humanidade de Jesus.7 Seu Evangelho no busca apenas mostrar o homem Jesus de Nazar, mas quer ser uma boa notcia, quer ser o Evangelho de Jesus Cristo Filho de Deus (1,1), e com o ttulo de Filho de Deus o Evangelho quer afirmar a divindade de Jesus (Comblin, 1999, p. 39).8 Portanto, o Evangelho prope-se a provar que o Jesus de Nazar o Filho de Deus. Jesus, o verdadeiro homem verdadeiramente divino. Por isso, o objetivo e o ponto culminante do Evangelho apresentar a paixo de Jesus como verdadeira revelao do Filho de Deus (Kertelge e Laepple, 1985, p. 91). Porm, sem nunca perder de vista que a humanidade verdadeira de Jesus fundamental, tanto para a sua rejeio por parte de seu povo como para o seu triunfo em sua verdadeira morte e ressurreio (Nascimento, 1997, p. 128).

Essa apresentao humana de Jesus, que chega ao seu pice no momento da morte, adquire um relevo singular em Marcos, pois o evangelista professa uma clara concepo dicotmica sobre Deus e o homem. A majestade de Deus contrasta com a fragilidade moral do homem (7,8; 8,33; 10,9.27; 11,30; 12,14). 8 Assim tambm se refere a autodesignao Filho do Homem, que nunca assume a funo de um predicado, mas que coloca em realce a relao nica de Jesus com toda a humanidade, unificando as trs fases fundamentais de seu ministrio: a sua atividade presente na terra (2,18-28), o seu destino de morte e ressurreio (8,31; 9,9.12.31; 10,33.45; 14,21.44) e a sua parusia gloriosa no final dos tempos (8,38; 13,26; 14,62).

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1.2 Ttulos Honorficos O mistrio da pessoa de Jesus resulta da manifestao do divino no humano. Trata-se de um mistrio com o qual os discpulos se confrontam (4,41). Em Mc 8,279,13 encontram-se os trs ttulos mais importantes: Cristo (8,29), Filho do Homem (8,31.38) e Filho de Deus (8,38; 9,7).

1.2.1 O Filho de Deus A designao de Jesus como Filho de Deus ocorre cinco vezes no evangelho de Marcos (1,11; 3,11; 5,7; 9,7; 15,39), juntamente com a leitura do ttulo do mesmo (1,1). A imagem de Jesus est profundamente permeada pela idia da filiao divina de Jesus. O ttulo mencionado em passagens importantes e encontrase explcito na confisso do centurio pago (15,39), no ponto culminante do evento da paixo, onde permite-se fulgurar a dignidade e majestade de Jesus (cf. Schnackenburg, 2001, p. 60). Portanto, Marcos quer tratar no seu Evangelho do prprio Jesus como pessoa, como Filho de Deus. Jesus o objeto primeiro e fundamental de seu ensinamento. E o fato de que Jesus o Filho de Deus revelado muito mais no exerccio que Jesus faz de seu poder divino do que por meio de afirmaes dogmticas: a remisso dos pecados (2,10-12); a autoridade sobre o sbado (2,28; 3,1-5); a expulso dos demnios (1,28.34; 3,11); o conhecimento dos segredos (2,8; 8,17; 12,15); as predies (8,31ss; 10,39; 13,1ss). O ttulo Filho de Deus aparece em pontos cruciais: o prlogo (1,1); Batismo (1,11);9 a transfigurao (9,7); a confisso do centurio (15,39). Com o ttulo de Filho de Deus quer-se, ento, afirmar a divindade de Jesus.

Todavia, cabe ressaltar a revelao que se d na cena do batismo de Jesus, devido a sua grande importncia cristolgica, pois, segundo Schnackenburg, os leitores crentes recebem por meio dela logo a reta perspectiva para entender o relato evanglico subseqente (1973, p. 52). Mas a importncia propriamente dita da cena do batismo se deduz das palavras cheias de contedo da voz de Deus: Tu s o meu Filho amado, em ti me comprazo (1,11). Marcos quer assegurar que o testemunho divino sobre Jesus seja entendido no sentido pleno da f crist, por isso usa a expresso Filho e no servo. Schnackenburg afirma ser preciso rejeitar duas concepes sobre a filialidade divina de Jesus, manifestada no Batismo: primeiro, a filiao divina metafsica, segundo a qual Jesus traria, em si, a mesma natureza divina de Deus Pai. Isto no afirmado nessa assero; antes, de acordo com a expresso em ti me comprazo, Deus aceitou Jesus como seu filho e o recebeu em seu amor. Em segundo lugar, tambm deve ser repudiada a concepo contrria de que Jesus seria Filho de Deus num sentido metafrico, semelhana dos assim chamados filhos de Deus no helenismo, porque o ttulo aponta para um pano de fundo concreto: nele ecoam textos veterotestamentrios e est enraizado em idias judaicas (cf. 2001, p. 61). Estas palavras decisivas da teofania do batismo so complementadas por ocasio da transfigurao com a expresso a ele deveis escutar (9,7). Schnackenburg diz que o complemento acontece aqui, aps a revelao do mistrio da morte do Filho do Homem (8,31), no sentido de uma admoestao comunidade, de aceitar, sob a

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A proclamao de Jesus como Filho de Deus , para Comblin, a subverso de todos os pensamentos, de todos os valores e de todas as religies. Que Deus esse que nem sequer capaz de descer da cruz? Desa agora da cruz, para que vejamos e creiamos (15,32), zombam os sacerdotes e os doutores. Pois, para os sacerdotes e os doutores, assim como para as autoridades de todas as religies do mundo, o atributo fundamental de Deus o poder. Deus antes de mais nada todo-poderoso. A Palavra Deus sugere imediatamente a idia de poder (cf. 1999, pp. 39-40). Marcos proclamou com toda fora no seu Evangelho, o Messias e o Filho de Deus: o Filho de Deus Jesus, de quem ele evocava a memria.10 Este ttulo, portanto, representa o elemento fundamental da cristologia de Marcos.11 Mas a pergunta sobre quem realmente Jesus sempre se renova no Evangelho. Embora o evangelista j insinuara a resposta desde o comeo do Evangelho (Mc 1,1) e a vai desenvolvendo no transcorrer de toda a sua obra. Assim: Em termos de cristologia, o evangelho apresenta claramente Jesus como o Messias, o Filho de Deus, cujo destino o mesmo do Filho do Homem, que deve sofrer, morrer e ressuscitar dos mortos, para poder voltar como personagem glorioso e poderoso no final dos tempos (Matera, 2003, p.20).12

1.2.1.1 O contexto literrio da confisso do centurio Herrero, ao discutir sobre a filiao divina, diz que com as palavras do centurio Romano o evangelista conclui o breve relato sobre morte de Jesus (Mc

luz da ressurreio, o caminho da morte revelado pelo prprio Jesus e assim compreend-lo (cf. 9,9) (1973, p. 54). 10 Esta expresso filho de Deus aplica-se no Antigo Testamento aos anjos (Gn 6,2, J 1,6; 38,7), a Israel (Os 11,1; Ex 4,22) e ao rei (2Sm 7,14; SI 2,7; 89,26); na literatura judia posterior aplica-se ao Messias (Esd 7,28) e ao Israel justo (Eclo 4,10; Salmos de Salomo 13,8; 17,30; 18,4). Contudo, nenhum destes exemplos explica realmente o ttulo usado por Marcos. O evangelista teve que ampliar e inclusive desenvolver a idia do Filho de Deus como Messias, e teve que dar-lhe um significado totalmente novo (cf. Schmaus, 1977, p. 146). 11 Comblin, ao tratar da cristologia no Evangelho de Marcos, afirma que a vida e as aes humanas de Cristo em nada poderiam convencer algum de que Jesus era o Messias, pois ningum em Israel tinha imaginado semelhante Messias, pois esperavam um Messias-autoridade. Tudo nele parecia contradizer a messianidade. Por isso a importncia de Marcos tratar da identidade de Jesus: Ele era o Messias quando estava com os seus discpulos, andando pelos caminhos da Galilia (cf. 1999, pp.37-38). 12 Hackmann considera que uma correta interpretao do predicado Filho de Deus indica que a filiao divina de Jesus no se interpreta como essncia supra-histrica, mas como realidade que se impe em e pelo destino e histria de Jesus. Por isso, Marcos apresenta seu evangelho como do Filho de Deus (1,1) e os milagres de Jesus como epifania misteriosa de sua filiao divina. (...) Mas o acontecimento pascal que irradia a luz definitiva sobre a compreenso de Jesus como Filho de Deus (1997, p. 92).

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15,33-39),13 um relato que surpreende por sua sobriedade que contrasta com os episdios precedentes: se Jesus anteriormente se limitou a padecer em silncio, depois das trs horas de trevas, ele o nico que realmente atua, sendo a sua ao a que provoca a reao dos demais. Ao seu grito de abandono respondem duas reaes humanas: de compreenso e zombaria. Ao seu grito de morte seguem tambm duas reaes, de sinais totalmente diversos: a primeira - rasgou-se o vu do santurio pode ser considerada como a reao de Deus; a segunda - confisso do centurio que a reao do crente (cf. 2006, p. 124). Herrero ainda afirma que

o texto assinala expressamente que a confisso do centurio no est motivada nem pelo primeiro grito de Jesus - um grito de verdadeira angstia, no entanto no desespero, tampouco pelo rasgo do vu do santurio, smbolo da manifestao plena de Deus na morte de Jesus; est motivada to-somente pela percepo do modo como Jesus morre, isto , pela percepo daquele grito inarticulado que acompanha a sua morte, concebida como exalao do princpio vital com que havia realizado todas as suas aes e vivido a sua unio com Deus e com os homens (expirou, entregou o esprito) (2006, p. 124). O centurio no necessita, portanto, como parecem necessitar os chefes dos sacerdotes e os mestres da Lei (15,32), contemplar um milagre para poder crer. suficiente ver o modo como Jesus expira para tirar uma concluso oposta que seus companheiros haviam tirado do grito de abandono lanado por Jesus: enquanto que estes esperam ver a chegada de Elias, os outros no necessitam ver outra coisa seno a morte de Jesus para poder concluir: Na verdade, este homem era Filho de Deus. Assim, o crucificado, e no o operador de milagres, que provoca a

primeira confisso de algum que realmente compreende as poderosas aes de Deus em Jesus (Myers, 1992, p. 465).14

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As palavras do centurio romano no so para o evangelista um simples comentrio de uma testemunha imparcial. Constituem o ponto culminante de toda a sua obra, oferecendo a resposta completa ao interrogante sobre a identidade de Jesus. 14 No se trata de um ttulo funcional, mas de um ttulo ontolgico que expressa a sua condio singular de Filho nico de Deus e explica mais do que a sua misso, a origem e a procedncia de sua pessoa. Este ttulo no se encontra no mesmo nvel que o de Messias ou Filho de Davi. Qualquer modo de equiparao torna-se

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O fato de que essa identidade chegue a ser reconhecida e confessada pelo homem somente no momento da morte de Jesus, significa que somente o destino de Jesus permite compreender em plenitude a sua filiao divina, filiao que implica fundamentalmente obedincia e amor. Somente na morte redentora de Jesus possvel perceber a sua obedincia total aos desgnios do Pai e o seu amor sem limites para com ele e para com toda a humanidade. A sua morte na cruz , antes de tudo, e, sobretudo, um mistrio de obedincia e de amor, tal como compete sua condio de Filho de Deus (cf. Herrero, 2006, p. 127-128).15 O ttulo Filho de Deus serve, entretanto, para afirmar uma relao particular entre Jesus e o Pai , a qual no aplicvel a ningum mais: Jesus ensina aos homens rezar a Deus como Pai deles, mas sempre diz meu Pai ou vosso Pai, e nunca nosso Pai. Segundo Serenth, Jesus Filho como o era Isaac, e no Ismael, para Abrao: a expresso o filho amado, usada em Mc 1,11 a mesma usada em Gn 22,2.12.16 para qualificar justamente Isaac (cf. 1986, p. 528).16 Portanto, Jesus distingue constantemente sua filiao da dos demais. Ele o nico Filho amado (12,6). Ele o Filho (13,32), por isso mais que o templo (12,8). Por ser o Filho, pode perdoar pecados, ou seja, ordenar a relao dos homens com Deus (2,5). Promete estar sempre presente com os seus, por isso estes no vacilaro em confiar na promessas, porque sua palavras tem valor eterno (13,31). Por ser o Filho, todas as suas promessas, disposies e ameaas so justas.17

1.2.2 Filho do Homem Na cristologia de Marcos o ttulo de Filho do Homem usado por Jesus para destacar a sua autoridade (2,10.28); para referir-se ao seu sofrimento, morte e ressurreio (8,31; 9,9.13.31;10,33; 14,21.41); para explicar o significado de sua
insuficiente. Enquanto que um explica a atividade da pessoa de Jesus o outro explica o ser mesmo dessa pessoa. Somente nisto fica revelada em plenitude a verdadeira identidade de Jesus (cf. Herrero, 2006, p. 127). 15 Surge neste contexto, aquilo que Kertelge e Laepple chamam de dialtica entre humanidade e divindade de Jesus (1985, pp.86-92), isto , no Evangelho de Marcos h uma tentativa muito expressiva de levar unidade a forte tenso entre humano e divino, histrico e escatolgico. 16 Em Mc 13,32s percebe-se que o Filho, Jesus, superior aos outros filhos e que s Ele est claramente acima dos anjos de Deus. 17 Para Schmaus, a conscincia filial de Jesus constitui a base segura para a doutrina cristolgica da Igreja sobre o Filho de Deus (1977, p. 149). Portanto, devido intensidade desta conscincia filial que se torna compreensvel que a Igreja primitiva encontrasse no ttulo Filho de Deus o meio mais claro para exprimir sua f em Jesus (1,1.11; 9,7; 14,61). por isso que desde o incio a comunidade crist afirma que Jesus pertence totalmente a Deus, embora seja um homem completo (cf. Schmaus, 1977, p. 148).

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morte (10,45); e para indicar a sua volta gloriosa no final dos tempos (8,38; 13,26; 14,62). Esse o segundo ttulo na ordem de importncia, depois de Filho de Deus. Portanto, alm de identificar quem Jesus, define o seu destino.18 Conforme Matera, Filho do Homem o termo mais enigmtico do evangelho, mas central cristologia de Marcos. No um ttulo confessional como so o de Messias e Filho de Deus, pois ningum se dirige a Jesus ou o confessa como Filho do Homem (2003, p. 49). Este ttulo o nico a no ser proibido, mas se encontra somente proferido pelo Cristo. Portanto, nunca empregado para identificlo. As trs dimenses que possibilita a compreenso da idia do Filho do Homem (sua futura vinda cheia de poder, seu caminho pelo sofrimento e morte e sua atividade atual na terra) esto explicitadas em Marcos, mas toda a nfase repousa em seu sofrimento, sua morte e ressurreio. Marcos adotou essa imagem do Filho do Homem que estava viva na Igreja Primitiva, porque ela correspondia sua viso de Filho de Homem terrestre e exaltado (14,62) e retraava o caminho de Jesus (cf. Schnackenburg, 2001, p. 74).19 Filho do Homem o complemento necessrio a Messias e Filho de Deus, garantindo que nenhum outro ttulo interpretado parte da morte e ressurreio de Jesus. Tal expresso vista como sendo uma denominao arcaica de Jesus, como afirma Santos: Na tradio sintica, este ttulo um indcio de arcasmo das palavras relatadas: alude a uma tradio que remonta s origens da f crist e muitas vezes, s palavras do prprio Jesus (1997, p. 105).20

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Este ttulo s aparece fora dos Evangelhos uma nica vez (At 7,56). Marcos o utiliza 14 vezes e, com exceo de Mc 2,10.28, todas as outras vezes vm depois da pergunta: Quem dizeis que eu sou? (Mc 8,29). 19 No livro do profeta Ezequiel, Deus se dirige frequentemente ao profeta como filho do homem, o que significa apenas ser mortal. J no livro de Daniel, o termo toma um sentido mais tcnico. Um como filho de homem (Dn 7,13) contraposto s figuras animalescas que o precederam (cf. Dn 7). Este um como filho de homem provavelmente se refere aos santos de Israel que, aps um perodo de perseguio, esto pra receber a realeza e o poder de Deus. Este pode ser o plano de fundo para o uso de Marcos. Aps um perodo de sofrimento e perseguio, Jesus receber a realeza e o poder, como aconteceu com o semelhante a um filho de homem no livro de Daniel (cf. Matera, 2003, p. 49). 20 Segundo Nascimento, as obras de Jesus eram refletidas no princpio do Cristianismo pelos judeu-cristos a partir do ttulo Filho do Homem. Essa denominao era muito significativa para eles porque se lembravam do Filho do Homem comentado no livro de Daniel (7,13-14). Mas posteriormente, nas comunidades crists helensticas, o ttulo perdeu seu interesse e foi substitudo por outros, de modo peculiar Filho de Deus (1997, p. 125).

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Jesus tambm o Filho do Homem escatolgico,21 que vir em sua parusia: [...] tambm o Filho do Homem se envergonhar dele quando vier na glria de seu Pai com os santos anjos (8,38). Nesse sentido, afirma Schnackenburg, que Jesus aparecer um dia como o Filho do Homem para o juzo escatolgico (8,38; 14,62) e para a salvao escatolgica de sua comunidade (13,26) constitui para ele uma idia preestabelecida pela tradio crist primitiva (2001, p. 55). Destarte, para Marcos, Jesus o Messias, o Filho de Deus, porque cumpre o destino do Filho do Homem. Se Jesus no cumprisse esse destino, no seria o Filho messinico de Deus (Matera, 2003, p. 50).22 No entanto, foi justamente por causa do poder extraordinrio que Jesus reivindica como Filho do Homem que os cristos puderam, com bom xito, atribuir-lhe o ttulo de Filho de Deus. Nesse sentido, cabe ressaltar que Jesus , para Marcos, o Filho do Homem, justamente como ele o Filho de Deus (Schnackenburg, 2001, p. 67). Portanto, o Jesus descrito por Marcos o Filho de Deus, salvador escatolgico e juiz futuro como Filho do Homem. Ele segue o caminho da cruz e morre, oferecendo a salvao definitiva e indicando assim o caminho que deve seguir tambm o seu discpulo. 1.2.3 Messias23 Cristo Segundo Schnackenburg, a expresso Messias no ocorre muitas vezes no Evangelho de Marcos, apenas em 8,29; 12,35; 13,21; 14,61; 15,32; 9, 41 e no ttulo 1,1, onde considerado como que um atributo a Jesus. O mais importante nessas passagens que declaram Jesus como Messias a confisso de Pedro: Tu s o Messias (8,29) (cf. 2001, p. 75).

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Conforme Schnackenburg, a perspectiva de Jesus como o Filho do Homem era importante para Marcos por causa da incluso do caminho de sofrimento e da morte de Jesus. Esta direo permite-lhe fazer desembocar o caminho da morte na glorificao pela ressurreio e abre a perspectiva para a vinda escatolgica de Jesus. Isto permite uma viso histrico-salvfica que dificilmente viria luz com o ttulo de Filho de Deus (2001, p. 71). 22 Segundo Matera, portanto, v-se que o ttulo Filho do Homem parece mais uma circunlocuo do que um ttulo honorfico (2003, p. 49). 23 Esse ttulo proveniente do hebraico Masiah, adjetivo verbal derivado de masah, que significa ungir, que, por sua vez, provm do aramaico mesiha, do qual deriva o grego Messias. A Vulgata traduz por Unctus, que significa ungido, consagrado. Todavia, o significado prprio de masah consagrado por meio da uno, que tinha, segundo o uso constante nos livros sagrados, o sentido e o simbolismo de tornar participante de modo especial do esprito de Deus, habilitando o ungido a exercer uma funo teocrtica (cf. Hackmann, 1997, p. 87).

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A notcia do Evangelho de Marcos que esse homem Jesus, to simplesmente humano o Messias, o libertador do seu povo e da humanidade inteira. Esse era o nome mais comum para designar o futuro libertador esperado pelo povo de Deus. O Messias era esperado para restaurar os destinos de Israel, estabelecendo uma nova aliana. Ele era muito desejado e, como instrumento de Jav, deveria restabelecer todas as coisas (Hackmann, 1987, p. 87),24 pois foram os profetas os instrumentos principais empregados por Deus para a preparao dos caminhos do Senhor e de sua obra salvadora. Segundo Schnackenburg, na concepo judaica, o Messias era o Filho de Davi, o rei de Israel, que derrubaria os inimigos e restauraria o Reino de Israel em Justia e Santidade (2001, 75). Porm, essa concepo de rei Marcos no aceita, por mais que na condenao de Jesus ela aparece, quando Ele questionado se o rei dos judeus, Jesus s diz tu o dizes.25 Comblin diz que Jesus no ser somente o Messias no final dos tempos, segundo o conceito de Filho do Homem do profeta Daniel 7. Jesus no somente foi feito Messias depois da ressurreio. Jesus era o Messias quando estava com os seus discpulos, andando pelos caminhos da Galilia (1999, p. 37). Nesse sentido, podese perceber que em Israel ningum tinha imaginado semelhante Messias, pois nEle tudo parecia contradizer a messianidade. 26 Na perspectiva de Jesus os milagres por ele realizado podem ser interpretados como sinais do Messias em virtude do seu contexto. O povo de Israel em geral no os interpretou como sinais de messianidade. Muitos viram neles a prova de que Jesus era um profeta, pois os sinais que fazia se pareciam muito com os sinais de Elias e de Eliseu. Os inimigos de Jesus atriburam os milagres dEle aos demnios, pois era crena comum que os demnios podem fazer milagres e esta crena se manteve at hoje.

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Essa esperana d consistncia ao messianismo do povo de Israel, inteiramente original, que, aps o monotesmo, constitui a espinha dorsal dos livros inspirados e a crena mais antiga e radicada do povo de Israel. o ponto de partida e o princpio mesmo da histria do povo eleito, estando toda ela orientada e dirigida ao messianismo, razo de ser e de unidade da vida de Israel. 25 Segundo Schnackenburg, Jesus s responde tu o dizes porque a pergunta tinha interesses polticos e no tinha em vista a esperana de salvao pra Israel (cf. 2001, p. 75). 26 Marcos quer evitar uma falsa compreenso da designao de Messias, pois, segundo Schnackenburg, poderia ser concebida num sentido terreno e poltico e no conforme a autocompreenso de Jesus como Filho do Homem, que caminha para o sofrimento e para a morte (2001, p.75).

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O grande paradoxo do Evangelho de Marcos este: por um lado, Jesus no quer que se proclame que ele o Messias; j por outro lado, ele faz sinais para questionar os espectadores e insinuar a sua messianidade. Jesus age para mostrar a sua messianidade e ao mesmo tempo no quer que se publique a notcia abertamente. o famoso paradoxo do segredo messinico. Agindo desse modo, Jesus orientava a mente do povo e dos discpulos para que entendessem de que maneira ele era o Messias, no era o rei de Israel, pois a sua messianidade era algo totalmente inesperado: Ningum esperava um Messias desse jeito. Todos esperavam que Jesus fosse um Messias-autoridade. Ele era, ao invs, um Messias pobre, sem autoridade sacerdotal, nem intelectual, nem social. Era um Messias que no vinha sentar-se no trono, nem era um comandante de exrcito, mas vinha como peregrino que anda buscando as ovelhas perdidas das tribos de Israel (Comblin, 1999, p. 39). Contudo, o ttulo no encontrado nenhuma vez na boca de Jesus, mas sempre aplicado a ele por outros. Porm, diante do sumo-sacerdote, quando ele lhe pergunta se o Cristo, o Filho de Deus, e Jesus responde Eu sou (cf. 14,61-62), Ele aceita por impotncia no momento do processo, pois seu messianismo o do Servo, no do vencedor poltico.

1.3 O Segredo Messinico Marcos estrutura seu Evangelho de tal forma que a confisso de Pedro em Cesaria de Felipe (8,27-30) o momento decisivo na narrativa.27 A proclamao inicial de Jesus de que o Reino de Deus est prximo (1,15) fornece a essncia da narrativa,28 que identifica Jesus como o poderoso arauto do Reino de Deus que,
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O Evangelho segundo Marcos divide-se em duas partes. A primeira parte termina na confisso da messianidade de Jesus por Pedro (8,27-29). O ttulo do livro dizia Evangelho de Jesus como Messias e Filho de Deus. Toda a primeira parte recolhe diversos documentos escritos e orais que o autor tinha sua disposio, para mostrar de que maneira Jesus preparou a revelao da sua messianidade. A segunda parte do Evangelho comea logo aps a confisso de Pedro e vai at o fim do livro. Termina, sobretudo pela profisso de f do centurio romano: Verdadeiramente este homem era Filho de Deus (15,39). A ressurreio a confirmao da f do centurio. 28 Marcos apresenta a misso de Cristo j no incio de sua narrativa dizendo que depois que Joo foi preso, veio Jesus para a Galilia proclamando o Evangelho de Deus: cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus est prximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho (1,14-15). Jesus, portanto, retoma a pregao de Joo, mas confere-lhe um novo contedo: o Evangelho de Deus. Em outras palavras ele reafirma esta sua misso. uma proclamao cheia de autoridade e poderosa, como mostram dois fatos: a proclamao est ligada expulso dos demnios e

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diferente dos escribas, recebeu a autoridade de ensinar, 29 pregar e curar.30 Aps a confisso de Pedro, a declarao de Jesus de que o Filho do Homem deve ser rejeitado pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e ressuscitar depois de trs dias, fornece a temtica para o resto do evangelho. Portanto, a chave para se entrar na cristologia de Marcos uma compreenso adequada da relao entre estas duas partes da narrativa: Jesus o arauto do reino (1,15-8,26) e Jesus o Messias cujo destino a sorte do Filho do Homem (8,31-16,8) (Matera, 2003, p.21). A confisso de Pedro sobre a messianidade de Jesus conclui a primeira parte do Evangelho e logo aps ter sido narrada a atuao extraordinria de Jesus em favor do povo com milagres, como o da multiplicao dos pes e dos peixes.31 Atuando em favor do povo, Jesus manifesta a sua relao com ele e reconhecido com um ttulo que sublinha esta relao. desta conscincia de ser o Messias que surge o Segredo Messinico, o qual aparece em inmeras citaes de Marcos. Jesus imps silncio, isto , pede que no divulguem que ele o Messias, porque assim o exigia a natureza de seu messianismo tal como ele o concebia; em sua perspectiva, no se tratava primeiramente de uma situao, seno de uma atuao. Jesus acredita que o Messias em suas aes de cura, em seus exorcismos, em sua vitria sobre o poder de
Jesus escolhe o crculo dos doze para isso. Nesse sentido compreende-se que a expulso dos demnios uma expresso exterior e visvel do fato de que o Reinado de Deus est avanando e vencendo o poder do mal (Schnackenburg, 2001, p. 32). Combatendo o reino dos demnios, ele est preparando o caminho para o Reinado de Deus. 29 A imagem de Jesus como mestre est bastante presente no Evangelho de Marcos. Fala-se 15 vezes na docncia de Jesus e apenas uma vez no ensino de seus discpulos (cf. 6,30). Jesus ensina na sinagoga (cf. 1,21; 6,2), no templo (cf. 14,49), junto ao mar de Genesar (cf. 2,15; 4,1), nas aldeias circunvizinhas (cf. 6,6). Ele ensina a uma grande multido, porque se pareciam com ovelhas sem pastor (cf. 6,34), e ensian a grandes grupos, que se dirigiam a ele da Judia e tambm do Jordo (cf. 10,1). 30 Marcos narra muitas curas de doentes: primeiro a cura da sogra de Pedro (cf. 1,28-31), em seguida narra resumidamente muitas curas e expulses de demnios no decorrer de um sbado (cf. 1,32-34). Embora Jesus tenha sado para proclamar, ele volta-se, sempre de novo, para os doentes: cura um leproso (1,40-45), um paraltico (2,1-12) e, ento, tambm um homem com a mo seca (3,1-6). Aps o ensino, em parbolas, seguem diversos milagres: acalma a tempestade sobre o mar da Galilia (4,35-41), a cura do possesso de Gerasa (5,1-20), a cura da mulher que padecia de um fluxo de sangue (cf. 5,25-34) e a ressurreio da filha de Jairo (5,21-43). Conta, depois, em resumo, as curas de doentes em Genesar (6,53-56), a cura da filha da srio-fincia (7,24-30) e a cura do surdo-mudo (7,31-37). Em Betsaida, devolve a viso a um cego (8,22-26). Aps a transfigurao sobre o monte tabor, Jesus cura um jovem epicltico (9,14-27). E j no caminho para Jerusalm, em Jeric, Jesus tem pena do mendigo cego Bartimeu e faz com que veja novamente. Portanto, as curas de doentes perpassam toda a atividade de Jesus at sua entrada em Jerusalm. 31 Schamaus, ao tratar dos milagres de Cristo, afirma que o milagre o encontro entre Deus auxiliador e o homem necessitado de auxlio. Deus porm no se impe fora. S quando o homem se abre a Deus por livre deciso, Ele vem em seu auxlio. Ento a f inicial do que recebe o milagre pode desenvolver-se em f plena (cf. Mc 9,22s) (1977, p. 83). E ainda: Os milagres e o reinado de Deus esto indissoluvelmente unidos. O milagre confirma o dinamismo salvfico da proclamao do reinado de Deus. E este, ao mesmo tempo, descobre o sentido salvfico dos prodgios de Jesus (Schmaus, 1977, p. 82).

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Satans, em sua paixo, morte e ressurreio, e em sua vinda entre as nuvens do cu.32 O segredo messinico j se tornou clssico no evangelho de Marcos. A finalidade cristolgica que aparece no desenvolvimento do evangelho pe em evidncia a existncia concreta desse segredo messinico e, ao mesmo tempo, ilumina a razo do segredo imposto e das constantes violaes. William Wrede (1901) foi quem colocou, de modo sistemtico, a questo do segredo messinico, que Marcos teria inventado para explicar o abismo entre o culto que a Igreja primitiva prestava ao Cristo pascal e o Jesus histrico que nunca teve conscincia de ser o Messias. Porm a teoria de Wrede foi rechaada por vrios argumentos, entre os quais as confisses histricas do messianismo de Jesus feitas: por Pedro (8,29), pela multido na entrada de Jerusalm (11,1-11) e pelo prprio Jesus perante o Sindrio (14,62). O segredo messinico (no contar nada a ningum 9,9) s acessvel a quem cr e segue a Jesus. 33

CONSIDERAES FINAIS A pergunta pela identidade de Jesus a origem de toda a cristologia de Marcos, isto , que sua cristologia, em ltima anlise, est orientada para o Filho de Deus que se revela e, ao mesmo tempo, se oculta na atividade terrena de Jesus e no Filho do Homem que trilha seu caminho de sofrimento e morte para a ressurreio e que prova ser aquele que vir, um dia, com poder e glria. O que foi exposto neste artigo um pouco da essncia do que Marcos poderia falar sobre Jesus para os cristos de sua poca: o Cristo autntico e verdadeiro aquele que cumpriu sua misso de Filho de Deus, sofreu a Cruz e a Paixo, mas que no terceiro dia ressurgiu dos mortos, isto , ressuscitou. Estas verdades so j suficientes para que se possa penetrar um pouco no mistrio que envolve a identidade de Cristo, Deus e homem.
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Segundo Flix, ser Messias um destino; o que ele faz, o que o Pai quer que se cumpra nele e o que ele realiza com amor filial. Por esta razo manda calar aos endemoniados e probe a seus discpulos que divulguem seu segredo at o dia da ressurreio (1997, p. 116). 33 Sobre o Segredo Messinico, a teoria de Wrede e sucessivas crticas pode-se consultar: Schnackenburg, 1975, p. 46-51 (Mysterium Salutis) e o texto de Joo E. M. Terra, intitulado Cristologia de Marcos e Segredo Messinico, 1985, p. 93-113.

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Marcos percorreu seu prprio caminho, mas apresenta uma viso aberta sobre a identidade de Cristo. Todavia, seu ponto de partida bem definido: o Filho de Deus e o Filho do Homem so os focos cruciais para a compreenso de sua cristologia. Mas uma concluso como esta, ou melhor, uma confisso de Cristo como humano e divino, s possvel no seguimento e reconhecimento que Verdadeiramente o Homem de Nazar era Filho de Deus.

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