Aula 1
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ESTRATÉGIA DE RUPTURA E
TRANSIÇÃO SOCIOTÉCNICA
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emprego estável, da economia próspera e do descaso com o meio
ambiente. Fórmulas consagradas para ser bem-sucedido perderam a
credibilidade. Entraram em cena preocupações dignas de filmes de
ficção científica: os robôs substituirão a força de trabalho humana? A
internet será a ligação de tudo em nossa vida? Criaremos relações
virtuais e artificiais com nossos semelhantes?
Por outro lado, nossa história demonstra que já passamos por muitas
mudanças de eras (Pré-história, Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e
Idade Contemporânea), que foram marcadas por grandes inovações, por
mudanças de comportamentos, pelo uso de tecnologias, pela forma como nos
organizamos em sociedade, por guerras e conquistas, ou seja, por rupturas que
levaram a um novo período. Assim, mesmo que nosso senso comum nos diga que
o passado era estável e previsível, muitas transformações ocorreram.
Aos empreenderes e líderes é imprescindível entender que a história
sempre foi marcada por mudanças e quais foram os seus impulsionadores. Com
isso, poderá tomar melhores decisões no presente que levem em consideração
que o futuro será diferente e que existem elementos ou grandes forças
socioculturais, políticas, econômicas e tecnológicas que promoverão as bases
para as mudanças. Um gestor com visão estratégica conhece muito bem o
passado e tira valiosas lições dele.
É comum ouvirmos que o mundo era muito mais estável e previsível e que
agora vivemos em uma época de grandes transformações. É fato que nosso
tempo trouxe muitas mudanças para as organizações e para a vida em sociedade.
Desde o advento da internet, presenciamos inovações fantásticas que mudaram
a forma como nos comunicamos, aprendemos, nos hospedamos, nos
locomovemos e nos divertimos.
No entanto, Rumelt (2011) ilustra como a sociedade passa por grandes
mudanças utilizando o período de 1875 a 1925 para mostrar que a vida não é
estável ou mesmo previsível há bastante tempo.
Nos EUA, neste curto período de 50 anos, a eletricidade iluminou pela
primeira vez cidades e fábricas; o trem reduziu o tempo das viagens encurtando
distâncias de forma significativa e interligando o país; o bonde passou a levar as
pessoas para o trabalho e para os subúrbios; os motores elétricos levaram
energia para mais lugares; a máquina de costura alterou o preço final, a
qualidade e a escala para a produção de roupas; a comunicação foi acelerada
pelo telégrafo, pelo telefone e pelo rádio; o automóvel passou a fazer parte da
rotina dos estadunidenses; o avião fez seu primeiro voo comercial; a IBM inventou
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a primeira máquina de tabulação; grandes imigrações mudaram as cidades;
surgiram novos padrões de publicidade e do varejo e muitas marcas de consumo
que conhecemos até hoje se estabeleceram (Coca-Cola, Ford, GE, Kellogg´s,
Hershey´s e Kodak) (Rumelt, 2011). Ou seja, “foram estabelecidas as bases do
que atualmente vemos como ‘mundo moderno’ [...]” (Rumelt, 2011, p. 170).
O tempo de mudanças que vivemos, como todos os outros, exige
adaptação e novas competências. O fato é que a tecnologia está sendo o motor
dessas mudanças e, por isto, a complexidade e a velocidade parecem ter
aumentado. As regras de negócios mudaram. Em todos os setores de atividade,
a difusão de novas tecnologias digitais e o surgimento de novas ameaças
disruptivas estão transformando modelos e processos de negócios.
Saiba mais
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mergulharemos no cenário de mudanças, nas forças motrizes que as iniciam e
como elas impactam no futuro dos mercados e dos empreendimentos.
Na década de 1990, tivemos um grande salto em diversos segmentos.
Conforme apontaram Naisbitt e Aburdene (1990), nosso planeta cresceu
economicamente, o estilo de vida e o indivíduo passaram por mudanças, muitos
países ocuparam novas e mais importantes posições no cenário econômico
mundial, por exemplo, os países asiáticos, e presenciamos o novo papel da
mulher nas organizações. Estes são bons exemplos de mudanças em nível global
e que afetam nossas vidas em nível local.
Para se ter uma ideia do quanto o mundo mudou nos 20 anos entre 1999 e
2019, a revista Insider (Booth, 2019) apresentou um comparativo das 20 grandes
questões que mudaram nesse período:
• Uso da internet:
• Em 1990, a internet era uma novidade e utilizada principalmente para
trabalhar ou estudar. Em 2019, mais de 4 bilhões de pessoas passaram a
ter acesso à internet. Entretenimento e se conectar com outras pessoas
são dois dos principais motivos do uso.
• O Google Chrome superou o uso do Internet Explorer.
• TV versus cinema: com o crescimento da TV a cabo, os serviços de
streaming e a possibilidade de assistir aos programas e filmes diretamente
do computador, o cinema perdeu espaço para a televisão.
• Download de músicas: o Napster foi criado em 1999 para fazer download
de forma gratuita, porém, ilegal de músicas. Atualmente com os serviços
de streaming (Spotify e Deezer), basta acessar e ouvir qualquer música.
• Locação de filmes: em 1999, era necessário ir a uma locadora, como a
Blockbuster, para locar um filme (em VHS ou DVD) e depois retornar para
devolver. 20 anos depois, com os serviços sob demanda da NET Now ou
Netflix, Amazon Prime e mais recentemente Disney+ o processo todo
mudou.
• Restaurantes: atualmente, ir um restaurante é uma experiência social e não
apenas alimentar. Compartilhar na internet passou a fazer parte da
experiência. Outra questão é que era permitido fumar em restaurantes.
• Terrorismo: mesmo existindo em 1999, o terrorismo tomou nova proporção
depois dos atentados de 11 de setembro 2001. Atualmente, especialmente
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nos EUA e na Europa, as pessoas veem o terrorismo como uma ameaça
factível.
• Twitter: os presidentes de muitos países se comunicam diretamente com a
população por meio do Twitter. Em 1999, o principal meio eram as coletivas
de imprensa ou pronunciamentos em rede de TV.
• Texto e voz: passamos a enviar mais mensagens de texto diminuindo as
conversas por voz. A secretária eletrônica praticamente não é mais
utilizada.
• Os celulares substituíram as câmeras fotográficas. A maioria das pessoas
tem um smartphone e grande parte delas nem sabe o que é um celular da
Nokia.
Para tratar das mudanças que ocorreram no Brasil nas últimas duas
décadas, vale a pena a leitura do livro O Brasil mudou mais do que você pensa
(Gonzales et al., 2018). Os autores procuraram romper com a visão de que nada
no Brasil dá certo e que nosso país anda apenas para trás e organizaram, a partir
de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e do IBGE
sobre questões que melhoraram no país especialmente nas classes CDE entre
1995 e 2015. Segmentos da sociedade com muitas oportunidades para Startups
e para muitas organizações já consolidadas.
De acordo com Gonzales et al. (2018), apesar de sofrermos com crises
econômicas que afetaram a motivação dos brasileiros e que tiveram efeitos
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conjunturais negativos, não retrocedemos em muitos avanços que foram
alcançados. A maior mudança estrutural foi em relação à educação. Se em 1995,
cerca de 3 milhões de crianças das classes CDE estavam fora da escola, em
2015, esse número chegou próximo a 100% das crianças com acesso ao ensino
fundamental. Além disso, observou-se o aumento de concluintes do ensino médio
e com formação técnica ou superior.
Os autores também apontaram melhoria nos indicadores do déficit
habitacional. Mais pessoas das classes CDE conseguiram acesso à casa própria.
Entre os motivos apontados, estão basicamente três: redução dos índices de
inflação, acesso ao crédito e programas habitacionais.
Por fim, é importante lembrar que estamos vivendo um momento de
mudanças também causadas pela pandemia do novo coronavírus. Desde que foi
decretado o estado de pandemia em março de 2020, muitas mudanças de hábitos
ocorreram entre os brasileiros. Uma pesquisa 1 realizada pelo Grupo Globo
(Pesquisa Globo, 2020) identificou que 88% dos brasileiros estão preocupados
com a crise sanitária e 62% indicaram temer a perda do emprego.
Quanto aos hábitos de compra e o futuro pós-covid, a Pesquisa Globo
(2020) identificou que 76% passaram a economizar temendo uma piora na
economia; 90% dos entrevistados utiliza o e-commerce e, destes, 37% estão
comprando mais on-line. Esses comportamentos e o foco das compras naquilo
que é essencial também trarão mudanças no setor varejista brasileiro.
Saiba mais
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Amostra de 1500 entrevistas e universo da população internauta de 16 anos ou mais das classes
ABC nas cinco regiões brasileiras.
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THE 8 Major Forces Shaping the Future of the Global Economy:
<https://www.visualcapitalist.com/the-8-major-forces-shaping-the-future-of-the-
global-economy/>. Acesso em: 28 jan. 2021.
As ondas de mudanças que vimos nos dois temas anteriores desta aula e
que ocorrem na sociedade há séculos são, em geral, externas às organizações,
não sendo de seu controle. No entanto, elas as afetam. Não são criadas pelas
organizações ou mesmo por indivíduos. São resultados
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Segundo o NPP (2001), as mudanças organizacionais podem ocorrer em
três níveis:
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São estes:
Rumelt (2011, p. 61) resume bem os motivos que podem levar a resistência
à mudança, identificando que “quanto mais tempo um padrão de atividade é
mantido, mais ele fica entrincheirado e a alocação de recursos que lhe dá suporte
é cada vez mais tida como um direito adquirido”.
Ou seja, as pessoas ao longo do tempo tendem a defender o que
conquistaram em seus departamentos, cargos e funções em vez de renunciar a
conquistas passadas para que a organização possa avançar rumo a um futuro
melhor. A zona de conforto e dificuldade natural em aprender algo novo, de
começar um novo projeto, de se lançar em desafios ainda desconhecidos podem
fazer com que muitos prefiram manter a situação atual e isso não é
necessariamente um pecado. Ocorre que, muitas vezes, a comunicação sobre os
motivos e os rumos das mudanças não foram bem executados, gerando mais
dúvidas do que estímulos.
Para as organizações, é muito importante não apenas promover as
mudanças, mas compreender o tempo adequado para implementá-las e não
necessariamente enfrentar as resistências, mas envolver as pessoas no processo.
Postergar até que a mudança seja a única saída ou mesmo que lhe seja imposta
por questões externas não é a forma adequada de lidar com a questão. Para
Rogers (2017, p. 13), “as empresas devem concentrar-se em aproveitar as
oportunidades emergentes, descartando as fontes de vantagem competitiva
decadentes e adaptando-se desde logo para manter-se na dianteira da curva de
mudança”.
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Saiba mais
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Um exemplo seria a transição de uma cadeia produtiva da agricultura em
grande escala com fins de exportação, para a produção, distribuição e consumo
de produtos locais e orgânicos. Para esse tipo de decisão, é necessária uma
abordagem holística que leve em consideração múltiplos níveis de fatores como
considerações técnicas, econômicas, sociais, políticas, institucionais e ambientais
– e não cada um de forma isolada. Pensar na mudança por meio da abordagem
da transição sociotécnica é pensar de forma sustentável sob diversas
perspectivas. Mudanças dessa ordem tendem a constituir bases mais fortes
geram resultados com maior efetividade.
As transições sociotécnicas estão relacionadas a processos de inovação
multidimensionais (Geels, 2010). Para Schumpeter (1934, citado por Santos,
2017), a inovação se dá em processo em espiral no qual o sucesso de um
empreendedor atrai outros empreendedores multiplicando os efeitos da ação. Não
são processos rápidos de mudanças, os efeitos aparecerão somente em longo
prazo e ocorrem de forma gradativa e não linear (Santos, 2017).
De acordo com o Sustainable Transitions Blog (2018), as transições podem
ocorrer de formas diferentes:
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As quatros fases para a transição sociotécnica são (Geels et al., 2017):
Saiba mais
WHAT is a transition?:
<https://www.youtube.com/watch?v=i2ioKSNQRew&feature=emb_logo>.
SUSTAINABLE Transitions Blog:
<https://www.sustainabletransitionsblog.com/blog-1/2018/6/11/what-is-a-
transition>.
TRANSIÇÃO Sociotécnica na Cadeia Produtiva do Café no Estado de Rondônia.
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<https://www.researchgate.net/publication/342501673_Transicao_Sociotecnica_
na_Cadeia_Produtiva_do_Cafe_no_Estado_de_Rondonia_Socio_Technical_Tra
nsition_in_The_Production_Chain_of_Coffee_in_The_State_of_Rondonia>.
Acessos em: 28 jan. 2021.
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para mostrar como mudanças podem ocorrer rapidamente em um segmento de
base tecnológica. Houve a alternância de líderes de mercado ao longo dos anos,
avanços tecnológicos e o surgimento dos concorrentes chineses. Há 20 anos,
muitos não apostariam nos fabricantes chineses.
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Disponível em: <https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2014/03/13/primeiro-celular-
comecava-a-ser-vendido-ha-30-anos-no-mundo.htm>. Acesso em: 28 jan. 2021.
3
Disponível em: <https://helda.helsinki.fi/bitstream/handle/10224/3567/2005-
3236.pdf?sequence=1>. Acesso em: 28 jan. 2021.
4
Disponível em:
<https://run.unl.pt/bitstream/10362/20735/1/DISSERTACAO_LUIZFELIPPEMOTTA__FINAL.pdf>
. Acesso em: 28 jan 2021.
5
Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/05/idc-confirma-samsung-na-
lideranca-do-mercado-de-celulares.html>. Acesso em: 28 jan. 2021.
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Pontos a destacar:
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Disponível em: <https://www.counterpointresearch.com/apple-continues-lead-global-handset-
industry-profit-share/>. Acesso em: 28 jan. 2021.
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REFERÊNCIAS
BBC. Year Challenge: How the world has changed in a decade. BBC News, 18
jan. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/world-46918799>. Acesso
em: 28 jan. 2021.
BOOTH, J. 20 big ways the world has changed since 1999. Insider, Nova Iorque
3 jan. 2019. Disponível em: <https://www.insider.com/how-life-has-changed-in-
the-last-20-years-2018-12>. Acesso em: 28 jan. 2021.
GONZALEZ, L. et al. (Org.). O Brasil mudou mais do que você pensa. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2018.
IDC. Samsung Reclaims the Top Spot as Smartphone Market Performs Better
Than Expected with 353.6 Million Device Shipments in 3Q20, According to IDC.
IDC, 29 out. 2020. Disponível em:
<https://www.idc.com/getdoc.jsp?containerId=prUS46974920>. Acesso em: 28
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NAISBITT, J.; ABURDENE, P. Megatrends 2000: ten new directions for the
1990's. New York, William Morrow and Co., 1990.
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NPP. Relatório de pesquisa n. 37/2001. São Paulo: EAESP/FGV, 2001.
Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2907/Rel%2037-
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SINCLAIR, Bruce. IoT: Como usar a "internet das Coisas" Para Alavancar Seus
Negócios. Autêntica Business, 2018.
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SUSTAINABLE TRANSITIONS BLOG. What is a transition? June 11, 2018.
Disponível em: <https://www.sustainabletransitionsblog.com/blog-
1/2018/6/11/what-is-a-transition>. Acesso em: 28 jan. 2021.
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