Noll
Noll
Noll
O português
brasileiro
Formação
e contrastes
Editora Globo
São Paulo
2
Tradução do alemão:
Mário Eduardo Viaro
Norte
Boa Vista
AMAPÁ
RORAIMA Macapá
Belém Nordeste
Manaus São Luís
AMAZONAS Fortaleza RIO GRANDE
PARÁ MARANHÃO DO NORTE
Teresina CEARÁ
Natal
João Pessoa PARAÍBA
Palmas PIAUÍ
PERNAMBUCO Recife
ACRE
Porto Velho Maceió ALAGOAS
Rio Branco TOCANTINS
RONDÔNIA BAHIA SERGIPE
Aracaju
MATO GROSSO
Salvador
Brasília
Cuiabá GOIÁS
Goiânia
São Paulo
Rio de Janeiro
Brasil PARANÁ
Regiões, Estados,
Curitiba Sudeste
SANTA CATARINA
Capitais Florianópolis
RIO GRANDE
DO SUL
Porto Alegre
Sul
4
Sumário
Prefácios................................................................................................I
Abreviações...........................................................................................I
1. O português brasileiro nos estudos de Língua
Portuguesa..................................................................................... 1
1.1 Português europeu (PE) e português brasileiro (PB)................1
1.1.1 Síntese do desenvolvimento dos estudos de
gramática, léxico e variação lingüística no Brasil............1
1.1.2 A recepção do português brasileiro no exterior ...............1
1.2 Relato de pesquisa ....................................................................1
2. O português brasileiro no mundo lusófono.................................. 1
2.1 Difusão e estatísticas ................................................................1
2.2 Brasileirismo, padrão e norma..................................................1
3. As peculiaridades do português brasileiro em contraste
com o português europeu ............................................................. 1
3.1 Fonética e fonologia .................................................................1
3.1.1 Vocalismo ........................................................................1
3.1.1.1 Vogais orais tônicas...........................................1
3.1.1.2 Vogais orais pretônicas......................................1
3.1.1.3 Vogais orais postônicas .....................................1
3.1.1.4 Vogais orais finais átonas ..................................1
3.1.1.5 Ditongos orais....................................................1
3.1.1.6 Vogais e ditongos nasais....................................1
3.1.1.7 Vogais epentéticas .............................................1
3.1.2 Consonantismo.................................................................1
3.1.2.1 A realização de /s/..............................................1
3.1.2.2 A palatalização de /t/, /d/ ...................................1
3.1.2.3 A realização de /r/, /3/........................................1
3.1.2.4 A realização de /l/ ..............................................1
3.1.2.5 A realização de /7/ .............................................1
3.1.2.6 A realização das plosivas sonoras......................1
3.1.2.7 Panorama das consoantes do PB e do PE ..........1
3.2 Morfossintaxe ...........................................................................1
3.2.1 Determinação e substantivos............................................1
5
3.2.2 Pronome e tratamento ......................................................1
3.2.3 O verbo ............................................................................1
3.2.4 Língua falada e língua escrita ..........................................1
3.3 Léxico .......................................................................................1
3.3.1 Glosário PB — PE — Inglês ...........................................1
3.4 Ortografia .................................................................................1
4. Brasil — brasileiro — língua brasileira ....................................... 1
4.1 Fundamentação geral................................................................1
4.2 Da terra de Vera Cruz a Brasil.................................................1
4.3 Brasil — brasileiro...................................................................1
4.4 Língua brasileira .......................................................................1
5. Testemunhos antigos da diferenciação do português
brasileiro........................................................................................ 1
5.1 Pressupostos gerais ...................................................................1
5.1.1 Fontes...............................................................................1
5.1.2 Difusão das línguas indígenas..........................................1
5.2 Primeiros empréstimos (1500-1570) ........................................1
5.2.1 Testemunhos em Hans Staden .........................................1
5.2.2 Testemunhos em André Thevet .......................................1
5.2.3 Testemunhos em Jean de Léry .........................................1
5.2.4 Empréstimos posteriores a 1560 ......................................1
5.3 Indicações lingüísticas (1536-1767).........................................1
5.4 Testemunhos portugueses (1767-1822)....................................1
5.4.1 O teatro português............................................................1
5.4.2 A gramática portuguesa: Soares Barbosa (1822) .............1
5.5 Testemunhos brasileiros (1770-1826) ......................................1
5.5.1 A carta de uma escrava (1770).........................................1
5.5.2 Azeredo Coutinho (1798) ................................................1
5.5.3 Viola de Lereno (1798-1826) e Contos Populares ..........1
5.5.4 Pedra Branca (1826) ........................................................1
6. A questão da crioulização e o lugar histórico do
português ....................................................................................... 1
6.1 Terminologia ............................................................................1
6.2 Contatos luso-africanos ............................................................1
6.3 Estruturas e paralelos................................................................1
6.4 Português e língua geral ...........................................................1
6
6.5 A questão de certas influências indígenas e africanas no
português brasileiro .............................................................1
7. A formação das peculiaridades brasileiras em
comparação com o português europeu ....................................... 1
7.1 Fonética e fonologia .................................................................1
7.1.1 Vocalismo ........................................................................1
7.1.1.1 Vogais orais tônicas...........................................1
7.1.1.2 Vogais orais pretônicas......................................1
7.1.1.3 Vogais orais postônicas .....................................1
7.1.1.4 Vogais orais finais átonas ..................................1
7.1.1.5 Ditongos orais....................................................1
7.1.1.6 Vogais e ditongos nasais....................................1
7.1.1.7 Vogais epentéticas .............................................1
7.1.2 Consonantismo.................................................................1
7.1.2.1 A realização de /s/..............................................1
7.1.2.2 A palatalização de /t/, /d/ ...................................1
7.1.2.3 A realização de /r/, /3/........................................1
7.1.2.4 A realização de /l/ ..............................................1
7.1.2.5 A realização de /7/ .............................................1
7.1.2.6 A realização das plosivas sonoras......................1
7.2 Morfossintaxe ...........................................................................1
7.2.1 Determinação e substantivos............................................1
7.2.2 Pronome e formas de tratamento......................................1
7.2.3 O verbo ............................................................................1
7.3.4 Língua falada e língua escrita ..........................................1
7.3 Léxico .......................................................................................1
7.4 Ortografia .................................................................................1
8. A periodização do português brasileiro........................................ 1
8.1 Preliminares ..............................................................................1
8.2 Propostas de periodização referidas .........................................1
8.3 Uma nova proposta de periodização.........................................1
8.4 Ciclos e fases ............................................................................1
9. Arcaicidade, inovação e regionalismo europeu no
português brasileiro...................................................................... 1
9.1 Arcaicidade e inovação.............................................................1
7
9.2 A questão da influência do português europeu
meridional na formação do português brasileiro.......................1
9.3 A questão da influência açoriana no
português brasileiro...................................................................1
9.4 Conclusão .................................................................................1
10. Bibliografia ................................................................................... 1
Mapas:
Brasil.........................................................................................1
A divisão dialetal do português brasileiro.................................1
A realização de /s/.....................................................................1
A africativização de /t/ e /d/ ......................................................1
A realização de /r/ .....................................................................1
Fundações brasileiras até 1600 .................................................1
8
Abreviações
# final de palavra
a antes de
ABP Afrika, Asien, Brasilien, Portugal. Zeitschrift zur por-
tugiesischsprachigen Welt
adj. adjetivo, adjetival
adv. advérbio
afr. africano, africanismo
alg. alguém
ALERS Koch, Walter/Klassmann, Mário Silfredo/Altenhofen,
Cléo Vilson: ALERS. Atlas lingüístico-etnográfico da
Região Sul do Brasil
ALiSPA Razky, Abdehak: Atlas lingüístico sonoro do Pará
ALP Aragão, Maria do Socorro Silva de: Atlas lingüístico
da Paraíba
ALPI Atlas lingüístico de la Península Ibérica
ALS Ferreira, Carlota da Silveira et al.: Atlas lingüístico de
Sergipe
AM Amazonas
an. anônimo
ant. antigo, antigamente
AP Amapá
APFB Rossi, Nelson: Atlas prévio dos falares baianos
ár. árabe
ASNS Archiv für das Studium der neueren Sprachen
BA Bahia
BF Boletim de Filologia
bilab. bilabial
bras. brasileirismo; brasileiro
bret. bretão
BRPh Beiträge zur Romanischen Philologie
BSLP Bulletin de la Société de Linguistique de Paris
C consoante
c cerca de
cap. capítulo
cat. catalão
CE Ceará
cit. citado
12
cf. conferir
col. coloquial
comp. computação
DDM Dauzat, Albert/Dubois, Jean/Mitterand, Henri:
Nouveau dictionnaire étymologique et historique
DECH Corominas, Juan/Pascual, José A.: Diccionario crítico
etimológico castellano e hispánico
DEI Battisti, Carlo/Alessio, Giovanni: Dizionario etimolo-
gico italiano
DELI Cortelazzo, Manlio/Zolli, Paolo: Dizionario etimolo-
gico della lingua italiana
DELP Machado José P.: Dicionário etimológico da língua
portuguesa
DENF Cunha, Antônio G. da: Dicionário etimológico Nova
Fronteira
desus. desusado
DHPT Cunha, Antônio G. da: Dicionário histórico das pala-
vras portuguesas de origem tupi
diss. dissertação
DOELP Machado, José P.: Dicionário onomástico etimológico
da língua portuguesa
DPLP Dicionários PRO da língua portuguesa
DNS Die Neueren Sprachen
DRAE Real Academia Española: Diccionario de la lengua
española
EALMG Ribeiro, José et al.: Esboço de um atlas lingüístico de
Minas Gerais
ed. edição
esp. espanhol
f. feminino
FEW Wartburg, Walther v.: Französisches etymologisches
Wörterbuch
fig. sentido figurado
fr. francês
germ. germânico
gír. gíria
gr. grego
HR Hispanic Review
ibid. ibidem
13
ICALP Instituto de Cultura e Língua Portuguesa
ictiol. ictiológico
id. idem
i.e. id est
IJSL International Journal of the Sociology of Language
ind. índio, indígena
inf. informal, infinitivo
ing. inglês
interj. interjeição
interr. interrogativo
it. italiano
JF Jornal de Filologia
lat. latim
lit. literalmente
loc. locução
LRL Holtus, Günter/Metzeltin, Michael/Schmitt, Christian
(org.): Lexikon der Romanistischen Linguistik
lus. lusitanismo
m. masculino
MA Maranhão
MG Minas Gerais
MLN Modern Language Notes
ms. manuscrito
MT Mato Grosso
n. nota
num. numeral
NRFH Nueva Revista de Filología Hispánica
NURC Projeto Norma Urbana Culta
org. organizador(es)
PA Pará
PB português brasileiro
PE português europeio; Pernambuco
p. ex. por exemplo
PALOP Países africanos de língua oficial portuguesa
P(e). padre
pess. pessoa
pl. plural
pop. popular
port. português
14
p., pp. página(s)
pr. pronome, pronominal
pres. presente
pret. perf. pretérito perfeito
prov. provincianismo
quimb. quimbundo
RDR Revue de Dialectologie Romane
reg. regionalismo
repr. reprodução
REW Wilhelm Meyer-Lübke: Romanisches etymologisches
Wörterbuch
repr. reprodução
RF Romanische Forschungen
RFE Revista de Filología Española
RIHGB Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico
do Brasil, Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro
RJ Rio de Janeiro
RJb Romanistisches Jahrbuch
RL Revista Lusitana
RLiR Revue de Linguistique Romane
RLP Revista de Língua Portuguesa
rom. romeno
RN Rio Grande do Norte
RPF Revista Portuguesa de Filologia
RPLP Revista de Portugal. Língua Portuguesa
RS Rio Grande do Sul
s. substantivo; século(s)
s.a. sem ano
SC Santa Catarina
Schmi Schmidel, Ulrich: Wahrhaftige Historien einer
wunderbaren Schiffart
s.d. sem data
s.f. substantivo feminino
sg. singular
s.m. substantivo masculino
s.p. sem página
SP São Paulo
ss. seguintes
15
St Staden, Hans: Wahrhaftige Historia
s.v. sub voce
Th [Thevet, André]: Le Brésil d’André Thevet. Les
singularités de la France Antarctique
TLF Imbs, Paul (org.): Trésor de la langue française
trad. tradução
trat. tratamento
univ. university, université, universidade
V vogal
v. verbo; verbal; ver; vide; versão
var. variante
v.intr. verbo intransitivo
vol. volumes
vs. versus
vulg. vulgar
v.tr. verbo transitivo
ZDL Zeitschrift für Dialektologie und Linguistik
ZRPh Zeitschrift für Romanische Philologie
16
4
No plano internacional, o interesse na Lusitanística se reflete na
Associação Internacional de Lusitanistas (AIL), fundada em 1984, que, desde
então, conta com mais de 1000 sócios.
5
Com respeito à bibliografia do português brasileiro, cf. Hoge (1968),
Dietrich (1980), Silva de Aragão (1988, 1997), Baranow (1991). — Para o
desenvolvimento da pesquisa lingüística no Brasil, cf. Nascentes (1939: 21-
45, 145-155), Mattoso Câmara (1949), Silva Neto (1951), Nascentes (1952b),
Castilho (1962b), Elia (1963: 157-232), Almeida Magalhães (1968), Mattoso
Câmara (1968a, 1968b), Guterres da Silveira (1971), Castilho (1972-73),
Mattoso Câmara (1973, 1975: 197-232), Naro (1976), Gomes de Matos
(1982), Mattoso Câmara (1982), Naro (1982), Gomes de Matos (1985),
Almeida Magalhães (1987a, 1987b), Mattos e Silva (1988a), Tarallo (1991),
Cunha Pereira (1995), Altman (1995), Guimarães (1996), Pires de Oliveira
(1996), Altman (1997), Silva de Aragão (1997a), Cavaliere (2001).
19
ortografia do português brasileiro (cf. 7.4). No âmbito das obras a
respeito da poesia popular brasileira, Romero (1888) dissertou sobre
as “Transformações da língua portuguesa na América”.
Com o Compendio da Grammatica da Lingua Nacional, de
Pereira Coruja, surgiu, em 1835, em Porto Alegre uma gramática
escolar que, até hoje, é considerada a primeira obra desse tipo no
Brasil. Martins de Araújo aponta, porém, nesse tópico, para o
Compêndio da Grammatica Portugueza de Antônio da Costa Duarte,
que, desde 1829, tinha sido difundido em São Luís do Maranhão, em
várias tiragens.6 As primeiras contribuições científicas ao problema da
colocação pronominal foram publicadas em 1880 por Barreiros, por
Fernandes Pinheiro e por Paranhos da Silva na Revista Brasileira.
No campo dos vocabulários, o lexicógrafo Morais Silva, nascido
no Rio de Janeiro, tinha apresentado, já em 1813, um número maior
de brasileirismos, referentes à fauna e à flora, no seu Diccionario da
Lingua Portugueza (publicado em Lisboa). Ao lado de coletâneas
especiais do léxico brasileiro, como a Enumeração das Substancias
Brasileiras que Podem Produzir a Catarse, de Silva Manso (1836) e
outras edições do dicionário de Morais Silva, surgiram ainda o
Diccionario da Lingua Brasileira, de Silva Pinto (1832), o
Vocabulario Brasileiro para Servir de Complemento aos Dicionarios
da Lingua Portugueza, de Costa Rubim (1853), o Diccionario Bra-
zileiro da Lingua Portugueza, de Macedo Soares (1888) e o
Dicionário de Vocábulos Brasileiros, de Beaurepaire-Rohan (1889).
Regionalismos foram reunidos na Collecção de Vocabulos e Frases
6
“Embora se destinasse às Escolas de Primeiras Letras, recobria aspectos
da Fonética, da Morfologia (a que chama de Etimologia) e da Sintaxe. Na
Fonética, abordava a Ortoepia, os Metaplasmos, o uso dos Sinais Diacríticos;
e se estendia aos Sinais de Pontuação e aos Metaplasmos. Na Etimologia, as
Classes de Palavras; as Flexões (nominais e verbais), os Graus dos Adjetivos;
o Quadro das Funções Sintáticas (nomes e pronomes pessoais); e, mais, as
Preposições, as Conjunções e as Interjeições. Na Sintaxe, as Funções dos
Nomes, os Tipos das Orações, a Concordância, a Regência e a Construção
(Colocação), tanto regulares, como irregulares (Figuras). A obra (de cem
páginas) conclui-se com três tratados de Ortografia: a Etimológica, a Usual e
a Filosófica (ou da Pronunciarão [sic]). Muitos dos seus postulados ainda hoje
são válidos, como o da diferença entre Gramática Universal e Particular; e o
sentido das preposições (tempo, espaço e noções afins)” (cf. Martins de
Araújo 2004).
20
Usados na Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, de Pereira
Coruja (1852).7
Em 1883, o filólogo e escritor José Veríssimo, proveniente de
Belém divulgou, na Revista Amazônica, um curto tratado, que
descrevia, com o título “A linguagem popular amazonica”, uma
variedade popular brasileira de cunho regional. Gomes de Campos,
em 1909, publicou uma apresentação ao Dialeto Sulriograndense,
para o qual já se havia dedicado o vocabulário de Pereira Coruja
(1852). A fase descritiva da dialetologia brasileira começou, no
entanto, somente em 1920, com O Dialeto Caipira (Amaral 41982),
que estudou a variedade do interior de São Paulo. Seguiram-se O
Linguajar Carioca (Nascentes 21953, 11922), a respeito da linguagem
do Rio de Janeiro, e A língua do Nordeste (Marroquim 1934). Nos
vinte anos seguintes, três congressos e seus respectivos anais contri-
buíram para a discussão a respeito do estabelecimento de uma norma
brasileira. Trata-se do Primeiro Congresso da Língua Nacional Can-
tada, em São Paulo, em 1937 (Congresso 1938), do Congresso Brasi-
leiro da Língua Vernácula, no Rio de Janeiro, em 1949 (Congresso
1949-59) e do Primeiro Congresso Brasileiro de Língua Falada no
Teatro, em Salvador, em 1956 (Congresso 1958).
Nos anos 60 do século XX, a Lingüística passou a ser também
uma disciplina acadêmica no Brasil (Silva e Mattos 1988a: 93). Com
o Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB, Rossi 1963), publicou-se
o primeiro atlas lingüístico regional brasileiro. Seguiram-se o Atlas
Lingüístico da Paraíba (ALP, Silva de Aragão 1984), o Atlas
Lingüístico de Sergipe (ALS I, Silveira Ferreira et al. 1987; ALS II,
Cardoso 2002), o Esboço de um Atlas Lingüístico de Minas Gerais
(EALMG, Ribeiro et al. 1988), o Atlas Lingüístico do Paraná (ALPar,
Andrade Aguilera 1994), o Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região
Sul do Brasil (ALERS, Koch/Klassmann/Altenhofen 2002) e, por fim,
em CD-ROM, o Atlas Lingüístico Sonoro do Pará (ALiSPA, Razky
2004).
Outros atlas regionais se encontram em preparação: Atlas Etno-
lingüístico do Acre (ALAC), Esboço de um Atlas Lingüístico do
7
Para o desenvolvimento da lexicografia brasileira, cf. Neiva, “Dos
vocabulários de brasileirismos” (1940: 3-94), Woll (1990), Cunha Pereira
(1995), Bocorny Finatto (1996), Horta Nunes/Petter (2002), Horta Nunes
(2006).
21
Amazonas (EALAM), Atlas Geo-Sociolingüístico do Pará (ALIPA),
Atlas Lingüístico do Estado do Ceará (ALECE), Atlas Lingüístico do
Maranhão (ALIMA), Atlas Lingüístico do Rio Grande do Norte
(ALIRN), Atlas Lingüístico do Mato Grosso (ALIMT), Atlas
Lingüístico do Mato Grosso du Sul (ALMS), Atlas Etnolingüístico
dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Atlas
Lingüístico do Estado de São Paulo (ALESP) (cf. Silva de Aragão
2004) e o abrangente projeto do Atlas Lingüístico do Brasil (ALiB)
(cf. Cardoso 2004).
Um extenso empreendimento para a descrição da norma urbana
culta (NURC) brasileira foi trazido à luz em 1969 em conexão com o
Proyecto de Estudio Coordinado de la Norma Lingüística de las
Principales Ciudades de Iberoamérica y de la Península Ibérica.8 No
quadro das pesquisas que se referem às cidades de Porto Alegre, São
Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, publicaram-se vários
volumes de coleta e análise: Português Culto Falado no Brasil (Casti-
lho 1989), A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo
(4 vol.: Castilho/Preti 1986, Castilho/Preti 1987, Preti/Urbano 1988,
Preti/Urbano 1990), A Linguagem Falada Culta na Cidade do Rio de
Janeiro (2 vol.: Callou 1991, Callou/Lopes 1993), A Linguagem
Falada Culta na Cidade de Salvador (Mota/Rollemberg 1994), A
Linguagem Falada Culta na Cidade de Porto Alegre (Hilgert 1997).
Em conexão direta com o projeto NURC está o projeto da Gra-
mática do Português Falado, que formulava como objetivo final a
construção de uma gramática de referência da linguagem falada culta
(cf. Castilho 2002: 9). Nos oito volumes até agora publicados, o
português brasileiro é apresentado, numa seqüência tematicamente
aberta, com contribuições a aspectos específicos (I: Castilho 42002, II:
Ilari 42002, III: Castilho 32002, IV: Castilho/Basílio 22002, V: Kato
2
2002, VI: Koch 22002, VII: Moura Neves 1999, VIII: Marques
Abaurre/Rodrigues 2002).9 Recentemente, publicou-se o primeiro
volume da Gramática do português culto falado no Brasil
(Jubran/Koch 2006). Outros volumes sobre a fonética e a morfologia
estão previstos.
8
Cf. Castilho (1990), “O português culto falado no Brasil (História do
projeto NURC/BR)”.
9
Mais referências sistemáticas à literatura sobre o português brasileiro se
darão em 1.2 e, respectivamente, no início dos capítulos seguintes.
22
1.1.2 A recepção do português brasileiro no exterior
Antes de nos voltarmos à investigação sobre a formação do português
brasileiro, algumas circunstâncias devem ser esboçadas, as quais nos
anos 90 do século XX, se identificaram com o tratamento do portu-
guês brasileiro na Alemanha como um desideratum imprescindível.
As possibilidades de desenvolvimento de pesquisas lingüísticas sobre
o português brasileiro resultaram das condições desse quadro e da
dependência de dois fatores: sua posição marginal da Lusitanística, de
modo geral, e a fixação existente, até então, nos estudos lingüísticos,
com relação ao português europeu em particular (cf. Dietrich 1992).
Isso surpreende, se levarmos em conta o número de falantes do
português brasileiro, consideravelmente crescente nas décadas
passadas, em comparação com a restante lusofonia, sem falar do peso
econômico e da irradiação cultural do Brasil, bem como se suas
perspectivas futuras.
É certo que, para a lingüística, todas as línguas e dialetos
mereceriam um campo de pesquisa de mesmo valor. Também é
verdade que, nos estudos lingüísticos históricos, o italiano, por
exemplo, apresenta pontualmente, na Romanística, muitas vezes,
aspectos mais interessantes em seu desenvolvimento na Romanística
do que o espanhol, tão vastamente espalhado pelo mundo. A despeito
disso, os filólogos também precisam levar em conta, em certa medida,
dados políticos e sociais, bem como desenvolvimentos geo-
econômicos, além de esforçarem-se para refletir em questões externas.
Os Estudos Japoneses e Chineses já implementaram uma atitude
semelhante. Enquanto na Anglística, face à importância dos Estados
Unidos, formou-se a área de Americanística, não existe nos países de
fala alemã, ainda hoje, nenhuma cátedra de Estudos Brasileiros que
esteja associada à lingüística. No âmbito do português brasileiro
havia, nos anos 90, muitas lacunas de informação que não diziam
respeito simplesmente a questões lingüísticas. Quão longe o português
brasileiro foi subtraído do horizonte da pesquisa e da lingüística
aplicada deve esclarecer-se a seguir, por meio de alguns exemplos.
No âmbito da lexicografia bilíngüe do português e do alemão, o
dicionário mais completo ainda é o de Henriette Michaelis (11887),
publicado na Alemanha, com cerca de 70.000 entradas na parte
portuguesa-alemã (Silva 1994: 70). Até 1934, teve 14 edições. Obras
mais novas surgiram apenas na forma de dicionários de bolso, que,
23
aliás, em sua totalidade, refletem a pronúncia européia.10 Atentou-se
mais para os brasileirismos somente nos últimos anos. Isso não ocorre,
porém, com o atualmente mais completo dicionário bilíngüe da Porto
Editora (1989), com cerca de 92.000 entradas por volume (Silva 1994:
70), que evita, sem fundamentação até mesmo os brasileirismos mais
correntes.11 ‘Café da manhã’, nele, é pequeno-almoço; banheiro é
traduzido como ‘salva-vidas; banheira’, mas não no significado
brasileiro; ‘aeromoça’ é, sem qualquer indicação, remetido a
hospedeira. O leitor nem ao menos é alertado que rapariga no
português brasileiro possui uma conotação preponderantemente
negativa e no Brasil, por isso, em todos os casos, a palavra deve ser
substituída por moça.12
É surpreendente que sejam apagadas, dessa forma, unidades
elementares no léxico da maior comunidade lusófona, conhecidas,
aliás, por qualquer pessoa que tenha interesse pelo tema. Um
procedimento análogo seria inimaginável para a variedade americana
do inglês. Também surpreende, nesse contexto, que Ettinger (1991) e
Silva (1994), em seus inventários acerca da lexicografia do português
e do alemão, não dêem atenção alguma ao português brasileiro, como
critério de avaliação.13
10
Cf. Meister/Pereira Laus (1981, 1982), Klare (1984-86), Hoepner/Cor-
tes Kollert (2001) com até 50.000 verbetes e usos por língua.
11
Designações da fauna e da flora, bem como da cultura popular, como
caçamba ‘balde para tirar água dos poços’ (PE alcatruz) são levados em
consideração, no entanto, pelo dicionário da Porto Editora. O uso corrente no
Brasil dessa palavra como ‘caminhonete de plataforma baixa’, ao contrário,
não ocorre.
12
O exemplo italiano-português (Mea 1994-96) é análogo: è una ragazza
simpatica ‘é uma rapariga simpática’.
13
Para o português brasileiro existe, desde 1943, um dicionário bilíngüe
publicado no Brasil com mais de 40.000 verbetes por língua, feito por
Tochtrop/Caro: “Êste Dicionário Português-Alemão é o primeiro da sua
espécie a ser elaborado no Brasil. Neste ponto distingue-se consideràvelmente
de seus predecessores, de confecção alemã. [...] a obra saiu mais brasileira do
que tôdas as suas predecessoras” (Tochtrop/Caro 1952: II, 5). O dicionário
não faz qualquer marcação dos brasileirismos e se orienta parcialmente ao uso
lingüístico do Sul do Brasil. Desse modo, traduz novamente rapariga como
‘menina’ e ‘tomar o café de manhã’ como merendar. Nesse meio-tempo
surgiu no Brasil um pequeno dicionário de bolso bilíngüe (Keller 1994), que,
em ambas as partes, contém 36.000 entradas e, ao contrário de Tochtrop/Caro,
faz indicações da pronúncia brasileira. Um dicionário bilíngüe brasileiro mais
24
O português brasileiro também desempenha, com freqüência, um
papel marginal em outras publicações ambiciosas sobre o português.
O volume voltado ao português e ao galego do Lexikon der
Romanistischen Linguistik (LRL VI,2), com oito volumes, dedica ao
português brasileiro apenas 17 das 700 páginas. Com isso, o galego
tem uma descrição muito mais fundamentada do que o português
brasileiro. Além do artigo publicado por Elia (1994), “O Português do
Brasil”, que seguramente não consegue compreender, para o
português brasileiro, os aspectos da seção européia, procura-se em
vão por uma apresentação da situação lingüística brasileira. A
delimitação estritamente realizada aqui e ali da temática PE/PB
conduz a fatos curiosos como, por exemplo, o artigo de Verdelho
sobre lexicografia (1994), que não cita o dicionário brasileiro Aurélio,
embora, naquela época, com seus 130.000 lemas, fosse o mais
completo e melhor dicionário do português.14 O comentário do autor
só permite supor que haja uma contribuição substancial brasileira para
a lexicografia do português: “Não foi considerada, nesta resenha
panorâmica, a produção do Brasil, que deve ser também apreciada
como um contributo interessante para ampliar o espólio dicionarístico
da língua portuguesa” (Verdelho 1994: 685b).
Finalmente, deve-se ainda citar um dicionário standard sobre
lingüística, o Metzler Lexikon Sprache, que, em sua primeira edição,
de 1993 (102a-b), oferecia uma apresentação bastante questionável do
português brasileiro. O número de falantes do português brasileiro foi
estimado em apenas 100 milhões, face aos 150 milhões da época, dos
quais uma parcela considerável supostamente devia ser bilíngüe de
uma das numerosas línguas nativas. Visto que o domínio do português
no Brasil corresponde majoritariamente ao número da população, a
suposta diferença de 50 milhões de brasileiros (não-lusófonos?) se
torna incompreensível. Quanto ao bilingüismo com línguas indígenas,
compreendia somente uma parte dos cerca de 350.000 índios que
viviam naquela época (1998) no Brasil.15 A declaração de que, em
16
Cf. A Língua Portuguesa no Brasil (Lemos 1959, 11916), A Língua
Portuguesa no Brasil (Leite 1922), A Gramática e a Evolução da Língua
Portuguesa (Parentes Fortes 1923), O Idioma Nacional (Nascentes 1960,
1
1926), Português da Europa e Português da América (Monteiro 1959,
1
1931), O Português do Brasil (Mendonça 1936), A Língua do Brasil (Viana
26
Um encerramento, por assim dizer, dessas publicações se encontra em
1950, na obra padrão de Silva Neto, Introdução ao Estudo da Língua
Portuguesa no Brasil (1986). Do ponto de vista conceitual, deve-se
enfatizar que esse trabalho não segue qualquer sistemática planejada,
visto que se trata sobretudo de um encadeamento a posteriori de uma
série de artigos, que Silva Neto havia publicado entre 1940 e 1949.17
Devido às inúmeras tergiversações e entrecruzamentos, Kröll
qualificou a obra – merecedora de louvor em todos aspectos – com
respeito à sua composição como “tão pouco sistemática que se torna
extremamente difícil ver claro na esmagadora riqueza documental”
(1951: 396).
Após Silva Neto (falecido em 1960), foram publicados, até o final
do século XX, trabalhos que diziam respeito à temática da formação
do português brasileiro, ao lado de outras obras brasileiras,18 na sua
maioria, artigos curtos, que, por vezes, são menos conhecidos.19 O
Filho 1936), Língua Nacional (Jucá Filho 1937), Língua Brasileira (Sanches
1940), O Português do Brasil (Machado 1940), A Língua Portuguesa no
Brasil (Raimundo 1941), A Evolução da Língua Nacional (Martins 1943), A
Língua do Brasil (Chaves de Melo 1946). Além disso, estão à disposição:
Figueiredo (1923), Marques (1933), Martins (1938), Leda (1940), Pádua
(1942), Duarte (1944), Borges de Albuquerque (1944), Loureiro (1946),
Nogueira (1946), Nunes Pereira (1946), Ypiranga Monteiro (1946), Nogueira
(1948).
17
As bases para a Introdução ao Estudo da Língua Portuguesa no Brasil
de Silva Neto foram: “O português do Brasil” (1940), “O dialecto brasileiro
(Factores de diferenciação)” (1940), “A língua portuguesa no Brasil” (1941),
“A origem do dialeto brasileiro. I. Os colonizadores” (1941), “O português
quinhentista e o português brasileiro” (1941), “Diferenciação e unificação do
português do Brasil” (1942) → Diferenciação e Unificação do português do
Brasil (1946), Capítulos de História do Português no Brasil (1946 → Intro-
dução, cap. 3, 4, 5), “[A língua literária]” (1948) → Introdução, cap. 9), “A
unidade lingüística brasileira” (1949).
18
Cf. Fundamentos Clássicos do Português do Brasil (Monteiro 1958), A
Língua Portuguesa e a Unidade do Brasil (Barbosa Lima Sobrinho 1977,
1
1958), História da Romanização da América (Joaquim Ribeiro 1959), A
Língua Portuguesa no Brasil (Sousa 1960). — A Unidade Lingüística do
Brasil (Elia 1979), El portugués en Brasil (Elia 1992) e O Português no
Brasil (Houaiss 1988) esclarecem sobretudo aspectos sócio-culturais. A
história externa é tratada por J. A. Castro (1986), “Formação e desenvolvi-
mento da língua nacional brasileira”.
19
Deve-se levar em consideração também que certa quantidade de
trabalhos brasileiros não aparece nas bibliografias.
27
material foi agrupado, no fim dos anos 70, em sua maioria, na Biblio-
grafia da Língua Portuguesa do Brasil (Dietrich 1980), contudo,
quase não foi analisado. O déficit da atualização da literatura especia-
lizada dificultou o acesso ao português brasileiro e contribuiu, com
certeza, para erros de interpretação, como se evidenciam no Metzler
Lexikon Sprache (1993).
A Lusitanística alemã participou da discussão da formação do
português brasileiro de maneira marginal. Houve contribuição nesse
âmbito sobretudo dos artigos de Gärtner (1975, 1997a), Roth (1979) e
Scotti-Rosin (1981-82).20
Uma visão panorâmica do tema foi apresentada em meados dos
anos 90 pelo artigo de Elia, já citado (1994) no Lexikon der
Romanistischen Linguistik (VI.2). A contribuição devia condensar a
problemática, em princípio, a partir de uma visão mais nova e, de
certo modo, formar uma síntese do conhecimento sobre o português
brasileiro e do seu desenvolvimento, a partir dessa concepção.
Contudo, o autor renunciou a uma tal síntese, sobretudo com respeito
a possíveis influências de estrato. Dessa forma, características
distintas, principalmente fonéticas, foram, em parte, associadas a
cruzamentos com a influência indígena e africana (cf. 6.5), sem
estabelecer a problemática num contexto românico. Indicações
adicionais para uma bibliografia mais recente que trate da temática da
formação do português brasileiro serão apresentadas no capítulo 5
(“Testemunhos antigos da diferenciação do português brasileiro”).
Problemas específicos no tratamento com o português brasileiro
resultam da situação de que um certo número de trabalhos partem ou
precisam partir de bases muito estreitas. Neste âmbito, aspectos
sintéticos conclusivos, assim como princípios comparativos se
mantêm freqüentemente em segundo plano, enquanto se priorizam
questões às vezes particulares e isoladas. Em conexão com isso está
20
Vendo retrospectivamente a produção alemã anterior a 1980 há, afora
um artigo de Piel (1964-65) sobre o léxico, somente contribuições sincrônicas
precárias. Cf. Nobiling (1911), “Brasileirismos e crioulismos”; Ey (1928),
“Die luso-brasilianische Sprache und ihre Wandlungen”; Großmann (1936-
37), “Das Ringen um die brasilianische Sprache”; Wagner (1946a), “Il
portoghese è anche la lingua del Brasile”; Wagner (1946b), “Così si parla in
Brasile”; Jacob (1952), “Brasiliens Sprache und Kultur”; Piel (1964-65),
“Sobre alguns aspectos da renovação e inovação lexicais no português do
Brasil”; Bucher (1976), “Portugiesisch — Brasilianisch”.
28
também a questão fortemente discutida nos últimos anos e ainda em
aberto, sobre uma antiga crioulização do português brasileiro (cf. cap.
6). Até hoje não há na literatura especializada brasileira nenhuma
recolha comentada das fontes antigas do português brasileiro (cf. cap.
5), não há descrição comparativa do desenvolvimento
diacronicamente divergente do português europeu e brasileiro (cf.
cap. 7), e nem mesmo sincronicamente há disponível algum confronto
mais elaborado das características do português europeu e do
brasileiro (cf. cap. 3).
Características do português brasileiro estão descritas de modo
insatisfatório na literatura especializada sobretudo com respeito às
variantes fonéticas na sua difusão diatópica. Ao lado de uma
ampliação da documentação existente falta também, nesse aspecto,
uma abordagem sintética. Alguns dos atlas lingüísticos brasileiros até
agora pouco analisados, permitem – por meio de sua concepção
prepondemente onomasiológica – com freqüência, apenas um acesso
indireto à fonética. Além disso, orientam-se às regiões rurais, o que
proporciona, em parte, um quadro incompleto da realidade lingüística
(cf. 3.1.2.2). Os materiais publicados do projeto NURC para a
descrição da norma urbana culta brasileira (cf. 1.1), que, por serem
realizados nos centros urbanos, poderiam oferecer uma complementa-
ção valiosa aos atlas lingüísticos, renunciam, infelizmente, à
apresentação das características fonéticas. Visto que a literatura sobre
as variedades brasileiras dedica menos questões à difusão extrarregio-
nal dos fenômenos, características básicas do português brasileiro,
como, por exemplo, a palatalização (ou africativização) de /t/ e /d/
['tSiù], ['dZia] (tio, dia) ou ainda o chiamento, são, freqüentemente,
destituídas, até hoje, de uma ordenação diatópica mais exata, mesmo
para os especialistas (cf. cap. 3). Isso não se refere necessariamente ao
conhecimento de certas situações lingüísticas, mas à documentação
dessas nas obras.
O chiamento, a realização palatal do /s/ implosivo como [S], típico
do Rio de Janeiro pode servir aqui para ilustração da problemática.
Lipski interpreta o fenômeno como um “direct result of dialect
imitation” (1975: 222) e como conseqüência do estabelecimento da
Corte portuguesa entre 1808 e a Independência do Brasil em 1822,
sem, contudo, aduzir material dialetológico comparativo. A conside-
ração do desenvolvimento lingüístico histórico e da difusão regional
atual do fenômeno no Brasil conduz, porém, a outros resultados (cf.
29
3.1.2.1). C. Cunha lamenta, em muitos trabalhos, a falta de referência
às situações lingüísticas reais, com respeito ao português brasileiro:
“Quando examinamos a literatura existente sobre o Português do
Brasil, chama-nos a atenção o excessivo número de trabalhos
gerais, teorizantes, em contraste com os poucos estudos fundados
em observações diretas” (C. Cunha 1979: 55).
Um artigo de Bossier (1976) vislumbra, além disso, o problema da
disparidade de muitas publicações sobre o português brasileiro. O
título “Les linguistes brésiliens face à leur propre langue” não deixa
presumir que contém informações sobre a difusão regional do
chiamento (cf. 3.1.2.1), que, portanto, correm o risco de não serem
registradas pelos interessados. Do ponto de vista metodológico, o caso
do chiamento sublinha a necessidade de associar, na pesquisa do
português brasileiro, aspectos históricos da formação com critérios
contrastivos de observação sincrônica.21
21
Esse foi o ponto de partida para a elaboração da edição alemã da
presente obra (cf. Noll 1999). Cf. também, a respeito do português brasileiro,
Noll (1995b), (1996a), (1996b), (1997), (2003), (2004a), (2004b), (2004c),
(2005b), (2006).
30
25
Cf. 4.2. Antes de Cabral, Américo Vespúcio havia chegado à costa do
Nordeste em julho de 1499 e, em janeiro de 1500, Vicente Yáñez Pinzón
(Bitterli 1991: 108-109).
26
Cf. Hallewell (1985: 8-9). O carregamento destinado à Etiópia,
contudo, se perdeu. Uma segunda remessa, enviada dessa vez para Goa,
também não atingiu seu destino.
32
Barros, uma vez que a exploração e o povoamento do país naquela
época apenas estava começando (cf. cap. 4). Além do comércio com o
pau-brasil, cultivava-se a cana-de-açúcar. A dispendiosa economia
açucareira exigia mão-de-obra adequada e desenvolvia o tráfego
transatlântico de escravos, que unia o Brasil sobretudo com a Costa da
Guiné27 e com Angola.
A perda da soberania nacional de Portugal na união com a
Espanha (1580-1640) significou a derrocada do reino colonial
português na Ásia. Sob Filipe II de Espanha, fechou-se o porto de
Lisboa para os navios holandeses, no conflito com os Países Baixos
em 1581. Em conseqüência disso, os Holandeses estabeleceram suas
próprias relações comerciais por meio de sua Oost-Indische
Compagnie, uma vez que as bases portuguesas já não podiam ser mais
satisfatoriamente protegidas, pois as formações navais portuguesas
serviam para apoiar as ambições da Espanha na Europa.28
Isso significou o fim da difusão do português na Ásia, embora ali a
importância da língua tivesse permanecido ininterrupta até o século
XVIII. Assim, Otto Friedrich Mentzel, que viveu na África do Sul de
1733 a 1741, denominou o português como língua franca para a
região e a Ásia (1785-87: I, 40). O retrocesso tardio da língua se
reflete nas contribuições ao Congresso Sobre a Situação Actual da
Língua Portuguesa no Mundo (Congresso 1985-87: I, 265-347). Elia
caracterizou as regiões restantes na Ásia como “Lusitânia Perdida”
(1989: 49).29 Em Goa, que, em 1961, foi reintegrada à Índia, o
português se fala ainda ocasionalmente na capital estadual de Panaji,
por exemplo, o que se deve à tradição familiar. No entanto, foi de
modo geral substituído pelo inglês e pelas línguas indianas (concani).
Quem visita Macau, afirma que, na vida cotidiana, ninguém mais fala
português. Antes da devolução do território, em 1999, para a China,
encontravam-se nas vitrines ainda resquícios multilíngües como
Alfaiateria – Tailor’s Shop.
27
A Costa da Guiné se estendia, historicamente, do Senegal até o Congo.
Testemunham isso ainda os nomes vizinhos da Guiné-Bissau e da Guiné no
Senegal, bem como da Guiné Equatorial no assim chamado Golfo da Guiné.
28
Cf. Vianna (1980), Buarque de Holanda (1985), Ferronha (1992).
29
A situação no sudeste asiático foi descrita ultimamente por Baxter
(1996), “Portuguese and Portuguese Creole in the Pacific and Western Pacific
rim.”
33
Também as línguas crioulas perderam terreno desde a apresen-
tação feita por Leite de Vasconcelos (1987, 11901), devido ao
pequeno tamanho de muitas comunidades lingüísticas. O exemplo
mais vivo de todas é o do papiá kristang, falado pelos descendentes
eurasianos dos portugueses em Malaca. A cidade foi conquistada em
1511 e permaneceu até 1641 sob domínio português. No assim
chamado “Portuguese Settlement”, um bairro situado em área não-
central de Malaca, vivem cerca de 1000 pessoas dessa comunidade
lingüística. Recebem um subsídio da parte do seu governo e de
Portugal. Visto que hoje a pesca não pode mais ser exercida como o
fundamento da existência do grupo, deve-se contar com um progresso
do êxodo gradual da população.
O português é hoje a língua oficial de Portugal, Brasil, dos assim
chamados estados PALOP (Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa) Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola
e Moçambique, bem como no Timor Leste, que se tornou indepen-
dente da Indonésia em 2002.30 O português só é língua materna da
maior parte da população, porém, em Portugal e no Brasil.
Não se diferencia, às vezes, a posição do Português na África
como língua oficial, língua secundária ou língua materna, na
apresentação da importância do português no mundo.31 Nos países
lusófonos africanos, deve-se distinguir entre comunidades falantes de
crioulo com o português como língua oficial (Cabo Verde, São Tomé
e Príncipe) e comunidades poliglotas africanas com o português como
língua oficial e secundária (Angola e Moçambique). Na Guiné-Bissau,
coexistem as línguas africanas junto com o crioulo. O conhecimento
da língua oficial portuguesa se diferencia, por sua vez, em um
domínio oral, que varia de um grau aproximativo a um bastante
desenvolvido, assim como no uso da língua escrita. A língua escrita se
baseia no padrão europeu, mas não é geralmente internalizada, devido
ao analfabetismo relativamente alto, também na populações urbanas.
As estatísticas apresentam os seguintes dados para o número da
população, domínio lingüístico e analfabetismo da lusofonia africana,
30
Cf. Morais-Barbosa (1969), Peixoto da Fonseca (1985), Congresso
(1985-87), Elia (1989), I. Castro (1991: 53-89), Baxter (1992a), Ferronha
(1992), LRL VI,2 (1994: 545-618), Léonard (1998), Köster (2003).
31
Cf. Un millard de Latins en l’an 2000 (Rossillon 1983), O Português
entre as Línguas do Mundo (Peixoto da Fonseca 1985).
34
provenientes de diferentes anos:32 Cabo Verde conta com 420.000
habitantes (2006). Em 1992, afora o crioulo, 80% da população
dominavam o português, 23% são hoje analfabetos (2006). Pode-se
comparar a situação de Cabo Verde com a de São Tomé e Príncipe,
que conta com 193.000 habitantes (2006). Em 1992, cerca de 80%
falavam português (1992), 33% são hoje analfabetos (2006).
Hab. (milhões) Analfabetas Português
(2006) (2001/2003) (1992)
Angola 12,1 33,2% 50%
Cabo Verde 0,420 23,4% 80%
Guiné-Bissau 1,4 57,6% 11%
Moçambique 19,6 52,2% 43%33
São Tomé & Príncipe 0,193 20,7% 80%
Timor Leste 1 41,4% x34
Panorama estatístico: Estados PALOP (vários anos)
Na Guiné-Bissau, o português tem uma posição mais fraca. O país,
que se divide em numerosas comunidades lingüísticas africanas, conta
com 1,4 milhões de habitantes (2006). Em 1992, cerca de 60% da
população falavam também crioulo, mas somente 11% dominavam o
português. 57% da população são hoje analfabetos (2006).
Também Angola e Moçambique são países com uma larga difusão
de línguas africanas.35 Angola conta com 12,1 milhões de habitantes
32
Os dados a respeito dos números da população e do analfabetismo
provêm do CIA World Factbook (Números de população: 2006; Analfabe-
tismo: 2001/2003). As indicações a respeito da parcela porcentual de falantes
do português se apóiam em Ferronha (1992).
33
Cf. A. Lopes (2002: 51). Isso significaria um aumento de 18% de
falantes de português em comparação com os 25% de Ferronha em 1992.
34
“A língua oficial tradicional durante séculos foi o português, que é
falado actualmente só por 15% da população escolarizada durante o período
em que o país foi uma província ultramarina portuguesa ou colónia, ainda que
77% da população em idade escolar frequentasse os vários graus de ensino no
ano lectivo de 1973–74)” (Köster 2003: 124-125). Timor-Leste ganhou sua
independência em 1975 e foi anexada pela Indonésia imediatamente.
35
Lá, o português é difundido, ainda hoje, preponderantemente nas
cidades. Uma contribuição de 1978 especificava que apenas 1% da população
rural dominava a língua portuguesa (cf. Perl et al. 1994: 73).
35
(2006).36 Dessa população, em 1992, cerca de 50% falavam português
e 33% são hoje analfabetos (2006). O número de habitantes de
Moçambique é de 19,6 milhões (2006). Somente 25% da população
falavam português em 1992 e 52% são hoje analfabetos (2006).
Em todos os territórios lusófonos da África, a parcela dos falantes
de português se situa, com competência de língua materna, provavel-
mente abaixo de 1%.37 Desse ponto de vista, a posição do português
em Angola e Moçambique é comparável com a do inglês em Uganda,
onde a antiga língua colonial serve, como língua oficial e escolar, no
sentido de unificar a diversidade lingüística autóctone.
Os números aqui citados podem apenas servir como uma certa
orientação. Desse modo, Nunes (1991: 18) avaliou como porcentual-
mente menor o domínio do português na África do que Ferronha
(1992). Para Angola resultariam, segundo seu cômputo, naquela
época, apenas 30-40% (vs. 50%) e em Moçambique, apenas 17-25%
(vs. 25%) de falantes lusófonos no total populacional. Levando em
consideração os valores mais altos de Ferronha (1992) e os de A.
Lopes (2002) para Moçambique – dados mais recentes não nos são
disponíveis – assim como a transposição análoga para números
populacionais atuais, a lusofonia africana abrangeria cerca de 15
milhões de bilíngües com distintas competências. Isso se refere a uma
área, na qual o português é língua oficial de 33,7 milhões de pessoas
(sem falar do Timor Leste). Juntamente com os cerca de 198 milhões
36
Para Angola, existem cômputos contraditórios, que variam entre 10 e
15,5 milhões de habitantes. Isso se deve evidentemente a estimativas que
avaliam diferentemente as conseqüências dos muitos anos de guerra civil.
37
Ferronha (1992: 55) afirma que Angola é o único país africano em que
há também falantes monolíngües de português (sem língua materna africana).
Trata-se de portugueses que, após a independência, em 1974, ficaram no país,
bem como e seus descendentes. Perl et al. informam que, em 1983, em
Luanda pelo menos 300.000 pessoas (preponderantemente crianças entre 5 e
14 anos) usavam, em situação monolíngüe, o português como língua materna
(cf. 1994: 79-80). Os autores especificam que seriam 3% do total da popu-
lação. Trata-se evidentemente, na sua maioria, de crianças de rua, que, por
causa dos longos tumultos da guerra, viveram o dia-a-dia nas cidades, onde o
português é bem mais difundido. Recentemente, A. Lopes (2002: 51) afirma
que 3% da população de Moçambique falam o português como língua
primeira.
36
de falantes de português como língua materna, a lusofonia supera o
número de 212 milhões de falantes.38
Uma iniciativa política para a união dos países lusófonos foi
apresentada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), fundada em 1996, à qual o Timor Leste independente
também aderiu em 2002. Kuder (1997) dedicou uma obra aos objeti-
vos, tarefas e estruturas dessa comunidade. Uma atitude muito crítica
face ao conceito de lusofonia foi assumida por Margarido (2000), que
repreende Portugal, sua imagem desenvolvida e, em parte, presa à Era
das Navegações, a qual sofreu uma relativização, com a perda das
colônias, para poder, novamente, compensar-se na lusofonia. Segundo
esse autor, a língua portuguesa constitui apenas o pano de fundo na
fundação da Comunidade, mas ela não pode ser compensação para as
bases socioculturais de uma comunidade verdadeira. O que de fato
está em jogo, entre outras coisas, conforme Margarido, é o fato de
Portugal querer zelar pelo controle sobre a língua e ganhar alguma
dimensão, por meio da união dos antigos territórios coloniais (2000:
57). Poderíamos comparar essa posição com as afirmações de Kremer
de que o português teria sido imposto em amplas partes da África, no
território asiático e no Brasil como língua nacional ou coloquial ou
como base das línguas crioulas (cf. 1992: 397). Em relação à África,
isso talvez possa ser entendido com referência à superfície territorial,
contudo, para a Ásia, essa formulação é inexata.
A despeito do fato de que os países africanos e as comunidades
crioulas asiáticas apresentem um interessante campo de pesquisa no
âmbito do português, é óbvio que a lusofonia em sua essência, em sua
capacidade política de agir e em possibilidades futuras de desenvol-
vimento se realiza em territórios de língua materna. A Ásia é perdida
para o mundo lusófono, Angola e Moçambique se orientam hoje em
dia cada vez mais para a sua africanidade.
Nesse contexto, evidencia-se a situação especial do Brasil. O
Brasil é o único país que, como antiga colônia sobre a base de sua
herança portuguesa, além de muitas outras influências, se desenvolveu
como centro irradiador do mundo lusófono, e isso é alicerçado hoje
por meio de uma força econômica considerável. O Brasil é
38
Um cômputo mais preciso se obteria verificando a parcela atual dos
falantes de português nos países africanos e, como normalmente se faz nas
estatísticas mais exatas, subtraindo a parcela de crianças abaixo de cinco anos.
37
computado, a despeito de seus problemas sociais, entre as dez mais
fortes nações industrializadas do mundo.
Comparando os falantes de português do Brasil e de Portugal,
hoje, chega-se a uma proporção de 95 por 5. A ultrapassagem dessa
relação a favor do Brasil iniciou-se no século XIX. No transcorrer do
século XX, a população do Brasil subiu de 17 milhões (1900) para 41
milhões (1940), 70 milhões (1960) e 95 milhões (1970) até os 188
milhões da atualidade (2006).39 No século XX, verificou-se no Brasil
também uma significativa urbanização. Em 1823, a parcela da
população urbana era de 14 milhões de habitantes (apenas 6,8%). Esse
porcentual subiu pouco até 1920 (10,7%). De 1950 a 1980 subiu a
parcela da população urbana, contudo, de 36,1% para 67,6% (cf.
Bortoni 1989: 167).
Enfoques distintos e, em parte, complementares se deram, em
Portugal e no Brasil, no tocante aos esforços para a difusão do
português e na publicação da literatura de língua portuguesa. Portugal
subsidiava, em 1999, com o Instituto Camões, 155 leitorados universi-
tários, 108 dos quais estavam na Europa. Desde então, são mais de
170 pelo mundo inteiro, sendo 112 na Europa. Além disso, existem
Centros de Língua Portuguesa, bem como cadeiras de ensino em
universidades estrangeiras. O Brasil é representado sobretudo, com
seus Centros de Estudos Brasileiros (CEBs), no continente americano
e conta com 80 leitorados combinados com empregos localmente
financiados (Silva/Klein Gunnewiek 1992).
Na produção de livros, o Brasil registrava, em 1992, a edição de
27.557 títulos (1998: 21.689), dos quais 10.039 foram editados em
língua portuguesa.40 Portugal, em comparação, tinha, em 1991, 6.430
publicações (1998: 2.186), entre as quais se encontravam 3.906 títulos
portugueses (Unesco 1995, Unesco 1997).
Com relação às traduções, o Brasil, em 1987, dispunha de 2.005
títulos traduzidos para o português, claramente na frente dos 342 de
39
Cf. Caio Prado (1993: 358), Almanaque Abril (1999: 152a), CIA World
Factbook (2006).
40
Os anos distintos para a comparação provêm das fontes disponíveis.
Dessa forma, as traduções não são mais computadas no Statistical Yearbook
da Unesco, após o volume de 1993. Não há mais indicações dos títulos dos
livros na língua oficial do país após o volume de 1995.
38
Portugal (Unesco 1993).41 Entre eles, encontram-se 149 publicações
brasileiras traduzidas do alemão, contra 20 em Portugal. Em 1997, o
número de traduções portuguesas no Brasil chegava aos 4.997 títulos.
Entre eles, encontravam-se 242 livros alemães. 92 títulos portugueses
foram adaptados às normas brasileiras.42
Produção anual Brasil Portugal
41
O Index Translationum (1997), que também é feito pela Unesco e que
reúne cumulativamente em CD-ROM traduções feitas desde 1979, indica,
para 1987, em comparação, somente 1594 traduções em português brasileiro
contra 349 em português europeu. Para 1995, relaciona 1247 traduções em
português brasileiro e 1115 em português europeu. Novas edições do Index
Translationum não fazem mais distinção entre as duas variedades (cf.
http://databases.unesco.org/xtrans/xtra-form.shtml; 06/06/07).
42
Informação da Câmara Brasileira do Livro (1998).
39
pertence, com uma tiragem de 1,2 milhões de exemplares (1999), às
maiores revistas políticas semanais do mundo (em contrapartida, a
revista portuguesa Visão atingiu, em 2006, apenas 123.000). Da
mesma forma, com as emissoras de televisão, o Brasil dispõe, com a
Rede Globo, de uma das maiores empresas do mundo nesse setor. Em
1999 produziram-se 40 filmes no Brasil, em Portugal foram 15
(Unesco).
Dados estatísticos como esses quase não foram registrados nas
publicações sobre o português e deveriam ser levados em considera-
ção na discussão sobre a posição do português no mundo.
44
“Huma fruita se dá nesta terra do Brasil muito sabrosa, e mais prezada
de quantas ha. [...] chamão-lhes Ananazes [...], excedem no gosto a quantas
fruitas ha neste Reino [...]” (Tratado 1576: 50).
45
O fato de que se trata de dois tipos de planta não é aqui significativo,
para o uso da palavra.
46
Acerca da questão da norma no português brasileiro, cf. Rodrigues
(1968), Guterres da Silveira (1969), Chaves de Melo (1971a), Biderman
(1973), Callou/Duarte (1973), Froehlich (1975), Castilho (1978), Camacho
(1980), Castilho (1981), C. Cunha (1981a), Camacho (1982), Elia (1983),
Hauy (1983), C. Cunha (1985), Mato e Silva (1985), Bortone Reis (1989),
Castilho (1990).
41
tando-se a pronúncia de Lisboa e a do Rio de Janeiro, antiga capital
brasileira. Em contraste com o português europeu, o português
brasileiro não dispõe de nenhuma pronúncia-padrão definida.47 Por
isso, os poucos dicionários brasileiros que indicam a pronúncia, não
levam em conta a africativização de /t/, /d/ diante de [i], mesmo que
seja majoritária no país. Como resultado do Primeiro Congresso da
Língua Nacional Cantada (Congresso 1938) e do Primeiro Congresso
Brasileiro da Língua Falada no Teatro (Congresso 1958), formulou-
se, no Brasil, apenas uma norma para a linguagem teatral,48 que se
orientava, naquela época, também para a pronúncia do Rio de Janeiro
(cf. 3.1.2.1).
A historiografia gramatical brasileira toma por base, tradicional-
mente, na questão da norma, com certas tolerâncias, o modo de
escrever europeu. Um exemplo disso é a gramática de Rocha Lima,
que apresenta desde sua edição de 1957 como Gramática Normativa
da Língua Portuguesa (311992). Visto que se trata de uma gramática
da língua portuguesa e não do português brasileiro, esperar-se-ia uma
posição normativa. Contudo, Rocha Lima preconiza, no tratamento
com os pronomes pessoais átonos (cf. 3.2.2), uma posição menos
restritiva, em comparação com o português europeu, sem dar,
contudo, nenhuma indicação das particularidades brasileiras das
regras apresentadas (1992: 449-455).
Até hoje somente a luso-brasileira Nova Gramática do Português
Contemporâneo declara a intenção de levar em consideração as
“diversas normas vigentes dentro do seu vasto domínio geográfico
(principalmente as admitidas como padrão em Portugal e no Brasil)”
para o âmbito lingüístico de fala portuguesa (Cunha/Lindley Cintra
2001: XIII). Em princípio, os autores partem, segundo essa formu-
lação, da existência de uma norma brasileira que, como já dito, se
pode definir de fato somente pela ortografia (cf. 3.4). Somente a partir
disso, torna-se compreensível a delimitação formulada a seguir. A
Nova Gramática se concebe, portanto, como uma
“tentativa de descrição do português atual na sua forma culta, isto
é, da língua como a têm utilizado os escritores portugueses,
47
Para a pronúncia-padrão do português europeu, cf. Gonçalves Viana
(1892).
48
Cf. a regulamentação da linguagem teatral alemã em Siebs (1969,
1
1898).
42
brasileiros e africanos do Romantismo para cá” (Cunha/Lindley
Cintra 2001: XIV).
No fundo, trata-se de um esforço para se chegar a um equilíbrio
lingüístico que pretende trazer consigo o princípio da unidade do
português. Com isso, a Nova Gramática reflete a realidade lingüística
brasileira somente em apartes, com suas digressões sobre o português
brasileiro. A gramática de Perini (2002), por outro lado, intitulada
Modern Portuguese e destinada aos estudantes anglófonos, limita-se a
descrever o uso brasileiro.
A falta de uma norma reconhecida enfatiza a necessidade de
abranger melhor o português brasileiro em sua complexidade. A Gra-
mática do Português Falado (8 vol., cf. 1.1), publicada no âmbito do
projeto NURC (Norma Urbana Culta), é, para tal, uma importante
contribuição. No entanto, apresenta, em primeiro plano, um
compêndio gramaticográfico de análise descritiva, com a qual não se
realiza o passo para uma conseqüente transposição dos resultados em
uma gramática.
No contexto da língua falada, referir-se-á a seguir à língua
coloquial e à língua popular do Brasil. Corresponde a uma ordenação
corrente dentro da România (cf. français familier, français populaire),
que prescinde de qualquer outra explicação. Contudo, deve-se fazer
alguma referência, complementando, assim, a importância especial
desses registros no português brasileiro. Enquanto na Alemanha, mais
de um terço dos formandos por ano conseguem sua admissão no
ensino superior, no Brasil isso coresponde a somente um pequeno
porcentual (cf. Briesemeister et. al 1994: 384-420). Visto que, no
Brasil, comparativamente, é pequena a parcela da população que está
mais fortemente influenciada pela linguagem escrita e pode atuar
como um fator lingüístico corretivo, a linguagem coloquial adquire
um significado bem maior do que nas comunidades centro-européias.
Por meio de uma relativa uniformidade da área lingüística brasileira, a
linguagem popular não se distingue primariamente em componentes
regionais como, por exemplo, é o caso da Itália, mas, preponderante-
mente, por meio de diferenças condicionadas socialmente. A
influência do rádio e da televisão contribui aí, contudo, para um certo
nivelamento.
A falta de uma norma reconhecida no Brasil conduz a incertezas
no uso da língua escrita que pelos falantes são registradas de maneira
autocrítica. Às vezes, classifica-se também como errônea a própria
43
língua, do ponto de vista da palavra falada. Tal caracterização do uso
lingüístico brasileiro encontra um vivo apoio, em parte, em falantes da
variedade européia do português. Nesse ponto, há um certo contraste
com a posição comparativamente mais liberal que se manifesta na
Espanha diante das particularidades das variedades hispano-
americanas.
Em 1921, o filólogo brasileiro João Ribeiro tomou a ofensiva face
à norma européia, com uma atitude motivada por nacionalismo, mas,
em última análise, pragmaticamente orientada: “Falar diferentemente
não é falar errado” (1933: 8). As conseqüências que resultam disso
hoje, para o português, são descritas por Parkinson:
“Portuguese, like English, has spread too far and wide to be
described solely in terms of its European forms. The polarisation
of European Portuguese (abbreviated EP) and Brazilian Portu-
guese varieties (BP), and the relative decline in the cultural and
economic position of Portugal are such that the Brazilian standard
must be given equal status with the European” (Parkinson 1990:
131).
Essas considerações esclarecem, levando-se em conta a posição do
português brasileiro na lusofonia, bem como a posição do português
no mundo, que a importância de uma língua, como, aliás, também a
distinção entre língua e dialeto, não independem, de modo algum, de
fatores políticos e socioculturais. Mais cedo ou mais tarde, a
sociedade acaba tomando conhecimento desses fatores. As diferenças
entre português europeu e brasileiro são objeto do próximo capítulo.
44
49
O artigo de Romero “Transformações da língua portuguesa na
América” (1888) compõe os pontos principais do assunto.
50
Além disso, há inúmeras citações e apontamentos a respeito das
diferenças entre o português europeu e o brasileiro. Citem-se, como contri-
buições mais abrangentes: Leite de Vasconcellos (1883, 1883-84), Romero
(1888), João Ribeiro (1889), Sousa da Silveira (1921, 1960 [11921]),
Nascentes (1960 [11926-29]), Mendonça (1936), Aita (1944-45), Chaves de
Melo (1971 [11946]), Paiva Boléo (1946), Silveira Bueno (1963 [11946],
1955), Gonçalves Ferreira (1966), Thomas (1966), Almeida Torres (1967),
Lima Coutinho (1968), Azevedo Filho (1969), Chaves de Melo (1974), Abreu
(1975), Gärtner (1975), Vázquez Cuesta/Mendes da Luz (1980), Canellas de
Castro Duarte (1986, 1989), Elia (1987, 1994), Camargo Biderman (2001),
Barme (2002), M. Azevedo (2005).
45
exposé ici. Mais chaque fois que la norme du Portugal et celle du
Brésil divergent, nous l’avons indiqué en précisant dans le détail
l’une et l’autre” (Teyssier 1976: 12).
Recentemente, dispomos também de uma introdução lingüística ao
português (M. Azevedo 2005), que menciona bastante as diferenças
sincrônicas entre o português europeu e o brasileiro e também dedica
ao português brasileiro um capítulo próprio. Além disso, fazemos
referência a um artigo de Barme (2002) e ao Colóquio português
europeu / português brasileiro. Esse colóquio, que foi publicado nas
atas do XVI Encontro Nacional da Associação Portuguesa de
Linguística (Encontro 2001: 537-769), contém uma série de artigos
interessantes sobre as diferenças gramaticais entre o português
europeu e o brasileiro. Isso vale também para os volumes 3 e 4 do
Journal of Portuguese Linguistics que apresentam estudos compara-
tivos sobre a semântica e a sintaxe respectivamente.
Lexicalmente, os brasileirismos estão documentados preponde-
rantemente por meio de marcas diatópicas em dicionários
monolíngües como no Aurélio, Michaelis e Houaiss (cf. 3.3).
Dicionários concebidos em Portugal são comedidos no registro de
brasileirismos. Na lexicografia bilíngüe, tende-se preponderantemente
a considerar ou o português europeu ou o brasileiro (cf. 1.1).
A seguir, descreveremos as peculiaridades do português brasileiro
em contraste com a norma européia. Essa apresentação sincrônica se
concentra nas circunstâncias do português brasileiro. Nesse contexto,
discutiremos particularidades diatópicas e diastráticas, quando sua
difusão for relevante. Até agora, não há nenhuma publicação de
conjunto sobre a variação lingüística regional no Brasil. As pesquisas
disponíveis buscam menos a difusão supra-regional dos fenômenos.
Além disso, o conhecimento do território lingüístico brasileiro se
apresenta desigual: menos documentadas são as regiões ocidentais do
país. Para a análise da importância dos dados lingüísticos, deve-se
observar que o Brasil é povoado sobretudo nas regiões litorâneas.
Dessa forma, os Estados de Mato Grosso, Acre, Amazonas, Roraima,
Amapá e Pará contam com menos de seis habitantes por quilômetro
quadrado (cf. Almanaque Abril 1995: 581, mapa).
O confronto sincrônico das duas variedades forma a base para o
tratamento dos capítulos sobre a história do português brasileiro. A
formação lingüística das características aqui tratadas, bem como as
condições diatópicas em português europeu que contribuem para a
46
compreensão dos desenvolvimentos serão apresentadas no capítulo 7
na mesma seqüência sistemática. A caracterização das variantes brasi-
leiras se efetua com base na literatura especializada disponível e no
nosso conhecimento do território brasileiro. O tamanho do país, bem
como a extensão territorial dos trabalhos publicados até agora
estabelecem limites nisso. Diante desse pano de fundo, a apresentação
dos fenômenos lingüísticos nos mapas devem ser entendidos como
esquemáticos.
51
Indicações sobre a fonética e a fonologia do português brasileiro são
fornecidas sobretudo por Mignone (1938), Jucá Filho (1939), Hall (1943),
Autret da Silva (1944), Stavrou (1947), Nascentes (1952), Houaiss (1959),
Dahl (1964), Head (1964), Mascherpe (1970), Major (1979), Strodt López
(1979), M. Azevedo (1981), Álvez/Vinagre Mendes (1983), Pagliuchi da Sil-
veira (1986), Hoyos-Andrade (1986-87), Callou/Leite (1990), Bisol (1996),
Ferreira Netto (2001), Giangola (2001).
52
Vilela fornece 3.060 lemas de um vocabulário ampliado assim como os
paradigmas de conjugação com transcrição. As fricativas intervocálicas
[β ð γ] e o [L] velarizado, porém, não são indicados.
53
Além disso, dispomos das indicações fonéticas de uma lista de 5.000
palavras transcritas em Stravrou (1947: 58-152), do Michaelis Moderno
Dicionário Português-Inglês (Michaelis 2000), com 80.000 entradas, do
47
3.1.1 Vocalismo
3.1.1.1 Vogais orais tônicas
O português dispõe de um sistema vocálico de quatro aberturas,
dentro do qual abertura e fechamento são fonologicamente relevantes.
Entre as vogais orais, /i/, /e/, /(/, /ä/, /a/, /)/, /o/, /u/ possuem, no
português europeu, um status de fonema.
Uma diferença com o português brasileiro ocorre com o /ä/. Em
ambas as variedades, o /a/ em sílaba tônica é pronunciado aberto ([a]).
Seguindo-se-lhe uma nasal ([n ñ m]), conduz ao fechamento da vogal
(pano, banho, cama [ä]). Além disso, existe no português europeu
(Portugal central) uma fraca oposição fonológica entre /a/ e /ä/, que
define a distinção entre presente e pretérito perfeito do indicativo na
primeira pessoa do plural da primeira conjugação (pres. cantamos [ä]
vs. pret. perf. cantámos [a]). No português brasileiro ambos
convergem numa única forma <cantamos> [kÄ'tÄmus]. As vogais [a] e
[ä] possuem, no português brasileiro, o status de alofones. Ao lado
disso, deve-se observar que vogais tônicas em sílaba aberta diante de
nasal tendem, no português brasileiro, a submeter-se a uma
nasalização heterossilábica (PB [kÄ’tÄ.mus]; cf. 3.1.1.6).
PB PE
i u i u
e o e o
( [ä] ) ( ä )
a a
Vogais orais tônicas: PB — PE
As oposições fonológicas típicas do português entre /e/ : /(/ e /o/ : /)/
são neutralizadas, em português brasileiro, diante de nasal, por meio
do fechamento da vogal (PE prémio [(] vs. PB prêmio [e]; fome, PE
[)] vs. PB [o]). Via de regra, contudo, não se indica separadamente54
que /o/ em português brasileiro, nessa posição, não é realizado
totalmente fechado, mas semifechado, de modo que moça, com [o]
fechado, e o [o] de fome não são idênticos, muito embora a
55
Cf. Chaves de Melo (1971: 125), M. Azevedo (1981: 24).
56
Excetuam-se da redução da pretônica [(], [a], [)], [o] no português
europeu: (1) vogais diante de /l/ implosivo (saltar [saL'tar]), (2) vogais diante
de encontro consonantal, que desapareceram nas formações eruditas por meio
da assimilação (aspecto [äS'p(tu]), (3) vogais que historicamente surgiram por
meio do desaparecimento de um hiato (padeiro [pa'ðäìru] < port. ant.
*paadeiro < port. ant. *panadeiro), (4) vogais que permaneceram por meio da
derivação ou da composição (sozinho [s)'ziñu]; cf. Teyssier 1976: 23-24).
Para a notação do /e/ reduzido utilizam-se, no português europeu, [ö] e [ɨ].
49
PB PE
i u i u
e ° o ° ö o
*( ° *) ( ä )
a a
Vogais orais pretônicas: PB — PE (variantes regionais marcadas com *)
A compreensão da realização dos /e/, /o/ pretônicos, no português
brasileiro, é um problema complexo sob aspectos diatópicos,
posicionais e diastráticos. Se não existem influências metafônicas, o
português brasileiro mantém os [e], [o] pretônicos, sendo as vogais
articuladas ou fechadas ou abertas, sem levar em consideração a
qualidade etimológica da vogal, diferentemente do português europeu.
Com isso, falta, no português brasileiro, a oposição européia entre
pregar [prö'gar] ‘fixar com pregos’ (< lat. plicāre) e [pr(‘gar]
‘pronunciar sermões’ (< lat. praedicāre).
Diatopicamente, deve-se especificar que o fechamento dos /e/, /o/
pretônicos corresponde à realização, no português brasileiro, das
regiões meridionais. Uma característica da pronúncia setentrional, em
contrapartida, é a abertura dessas vogais (meter [me'ter] vs. [m(‘tex]57)
(cf. Perrone/Ledford-Miller 1985). O critério da abertura e do fecha-
mento dos /e/, /o/ pretônicos forma, até hoje, a base para uma grande
divisão dialetal do português brasileiro que, em 1922, Nascentes
propôs em O Linguajar Carioca:
“Dividi o falar brasileiro em seis subfalares que reuni em dois
grupos a que chamei do norte e do sul. O que caracteriza estes dois
grupos é a cadencia e a existencia de pretonicas abertas em
vocabulos que não sejam diminutivos nem adverbios em mente.
[...] Eles estão separados por uma zona que ocupa uma posição
mais ou menos equidistante dos extremos setentrional e meridional
do país” (Nascentes 21953: 25).58
57
Cf. a pronúncia de /r/ (3.1.2.3).
58
A pertinência dos critérios dessa divisão foi confirmada por Cardoso
(2004). Elia (1963: 303-312) relata outras divisões dialetológicas do portu-
guês brasileiro (Mendonça 1936, Joaquim Ribeiro 1948, Diégues 1960)
orientadas também pela história demográfica e econômica do país.
50
Por conseguinte, uma linha demarcatória, que atravessa horizontal-
mente o Brasil, divide-o em um grupo setentrional e um grupo
meridional de dialetos. Ao grupo setentrional pertencem o amazônico
e o nordestino. Dentro do grupo meridional, contam-se, segundo
Nascentes, o baiano, o mineiro, o fluminense e o sulista.
• Belém
• Manaus • Santarém
(' )'
(' )'
amazônico
nordestino
Recife •
(' )'
baiano • Salvador
• •
Mato Cuiabá •
Grosso Goiânia • •
Bocaiuva Teófil o • foz do
Otoni rio Mucuri
mineiro
e' o' flumi-
nense
• São •
A divisão dialetal do português Paulo Rio de Janeiro
brasileiro: realização de /e/, /o/
pretônicos segundo Nascentes sulista
1953: 25-26)
• Porto
Alegre
59
Essa classificação modificada, inspirada em Nascentes (1953), leva em
consideração a atual divisão regional do Brasil. Desse modo, o antigo
território do Amazonas consiste hoje nos estados do Amazonas, Roraima
(antigo Rio Branco) e Rondônia (antigo Guaporé). Goiás e Mato Grosso
foram, respectivamente, divididos em Tocantins/Goiás e Mato Grosso/Mato
Grosso do Sul.
52
Porto Alegre não apresentam nenhum [(], [)] pretônico, Rio de
Janeiro tem por volta de 5% (2002: 40).
Ao lado do aspecto diatópico, a realização dos /e/, /o/ pretônicos
desempenha outros critérios no português brasileiro. Dessa forma, há
assimilações harmônicas,60 que conduzem ao alçamento da pretônica,
sobretudo, em conexão com um [i] seguinte. Em menino [mi'ninu] e
bonito [bu'nitu], observa-se a realização predileta das variantes
alçadas, sem que o alçamento em tais casos seja obrigatório. Também
o paradigma verbal é influenciado, em parte, nesse contexto: querer
vs. queria [ki'ria]. Uma atuação secundária da metafonia é a eventual
africativização provocada devido ao alçamento: depois [dZi'pois].
Também um [u] seguinte pode atuar metafonicamente (seguro
[si'guru]). Juntamente com consoantes labiais [p b f v m], um /o/
pretônico tende ao alçamento (boneca [bu']), mesmo quando a vogal
seguinte é aberta (cf. Leite/Callou 2002: 40). Em regra, a tendência ao
alçamento de [o] > [u] é mais forte do que a de [e] > [i]. Palavras de
origem erudita tendem à manutenção do valor sonoro etimológico,
enquanto a língua popular, de modo geral, tende para o alçamento
(comer [ku'me]).
A abertura da vogal pretônica pode também ser, contudo, uma
conseqüência de uma assimilação harmônica, quando resulta em
contato com um [(] ou [)] aberto da tônica uma seqüência vocálica
com o mesmo som. Como exemplo, citam-se mocotó [m)k)'t)] (Sil-
veira Bueno 1921: 21) e perereca [p(r(‘r(ka].
Observa-se, no português brasileiro (como no europeu), uma
abertura da vogal da posição pretônica em derivações (-mente, sufixos
de diminutivo e de aumentativo, superlativos) assim como em
compostos: sozinho [)], cafezinho [(], perfidamente [(], greco-latino
[(]).61 Nesse caso, as derivações como somente, sozinho, modinha se
orientam à vogal da base. Em poucos diminutivos foram registrados,
no português brasileiro, segundo Sousa da Silveira (1921: 21), opo-
sições fonologicamente relevantes entre o significado genuinamente
diminutivo e uma forma completamente lexicalizada, na qual a tônica
/i/ conduziu ao alçamento: folhinha [u] ‘calendário’ vs. ‘folha
pequena’; corpinho [u] ‘corpete’ vs. ‘corpo pequeno’.
60
Cf. Callou/Leite (1986), Bisol (1989).
61
Cf. Nascentes (1953: 25), Teyssier (1976: 27), M. Azevedo (1981: 13).
53
Em palavras polissílabas, o distanciamento do acento tônico
exerce a formação de um acento secundário, que tende à abertura
(perfidamente [;p(xfida'mEtSi]). Isso se mostra também em compostos
de origem erudita (greco-latino [;gr(kula'tSinu] vs. grego [‘gregu]).
Uma particularidade se dá com o /e/ inicial átono. Em português
europeu, a vogal é reduzida a [i] (exacto [i'zatu]), costuma cair diante
de [S] (está [(i)'Sta]) ou é realizada, no prefixo ex- antes de consoantes
surdas, nas variantes [iS- eìS- äìS-]. No português brasileiro, mantém-
se em posição inicial como [e] (elevador [eleva‘dox]) ou é reduzida a
[i] em situação imediata, antes de sibilantes (expor [is‘pox]). Nessa
posição, surgem, contudo, diferenças regionais (cf. Álvez/Vinagre
Mendes 1983: 97-98). Assim, realiza-se no sul do Paraná estrela [es-]
(ALPar, mapa 185), enquanto a palavra na Paraíba é pronunciada com
[iS-] (ALP, mapa 39). Se há uma separação do acento tônico por uma
ou duas sílabas intermediárias, não ocorre, em português brasileiro,
nenhuma redução do /e/ diante de sibilante (existência [e.zis'],
estimação [es.ti.ma']).
Em clíticos que, por causa da próclise, devem ser classificados
sintaticamente como pretônicos em português brasileiro (em
português europeu, postônicos dependendo da posição), o /e/ (me, te,
se, lhe, de, que) é realizado foneticamente, conforme sua posição
final, como [i] (PE [mö] vs. PB me [mi], cf. 3.1.1.4).
62
Em conexão com uma soante final [-l -r -n], o português europeu não
reduz o /e/, /a/, /o/.
54
PB PE
i u i u
e ° o ° ö °
° ° ° ( ä )
a a
Vogais orais postônicas: PB — PE
63
Brasil meridional: cf. Caruso (1989); São Paulo: cf. Amaral (1982: 48),
Ada N. Rodrigues (1974: 186ss.); Paraná: cf. ALPar (mapas 184, 188); Rio
Grande do Sul: cf. Bisol (1991: 121-123).
55
“Au Brésil la voyelle écrite -a, en position atone finale, est un [a]
ouvert de timbre presque identique au [a] tonique de chá, caso et
paro (cf. 3.3). Il est seulement plus bref et légèrement plus fermé”
(1976: 20).
A transcrição geral [-ö] utilizada por Keller (1994) no Pequeno
Dicionário Português-Alemão é, contudo, errônea, visto que corres-
ponde à realização da vogal central média em português europeu (<e>
final). Deve-se também recusar o símbolo [-ʌ] empregado de modo
geral por Giangola (2001: 19), que utiliza no lugar de [-ä]. Parkinson
(1990) e Mateus/Andrade transcrevem o /a/ final, em português
brasileiro, sistematicamente com [-ä], o que corresponde à vogal
central média baixa reduzida no português europeu (mesa [‘mezä]).
Como representação geral, essa notação para o português brasileiro,
contudo, não é adequada. De fato, pode-se distinguir entre o /a/ final
descrito por Teyssier e uma nova qualidade da vogal, que se aproxima
do português europeu [-ä] e que se ouve hoje em dia cada vez mais
freqüentemente. Trata-se de uma leve centralização e de um fecha-
mento do /a/ final. Pagliuchi da Silveira tenta fazer uma classificação
regional, utilizando, a bem entender, o símbolo “[a]” no lugar de [-ä]:
“O fonema /a/, ainda pode ser realizado, em certas regiões
brasileiras, por [a], isto é, pela redução vocálica quando ocorre, em
posição átona final; [...] apenas os falantes de determinadas re-
giões, como por exemplo, em São Paulo, e no Rio, realizam /a/ por
[a], quando estiver em posição átona final” (1986: 78).
O fenômeno deveria ser mais bem pesquisado no português brasileiro
no nível nacional e individual. O Atlas Lingüístico-Etnográfico da
Região Sul do Brasil (ALERS), por exemplo, não dedica ao /a/ final
nenhum mapa próprio. Contudo, entende-se, pela leitura dos registros
que contém, que a realização do [-ä] é bastante difundida em todos os
três estados do Sul.64 O Atlas Lingüístico da Paraíba (ALP) publicado
em 1984, em contrapartida, não propõe qualquer notação para o [-ä].
Se consultamos o Atlas Lingüístico Sonoro do Pará (ALiSPA) de
2004, encontramos na representação escrita preponderantemente um
[-ä]. Ouvindo os registros, no entanto, evidencia-se que, em muitos
casos, (p. ex., no mapa casa de Belém) não se trata de um [-ä], ao
menos não do som claramente mais fechado do português europeu.
64
Cf. ALERS (pp. 60, 74, 106, 128, 140, 142, 144, 180).
56
Trata-se antes de um /-a/ algo mais curto por causa da sua posição
final átona, assim como foi descrito por Teyssier (1976: 20). É preciso
mais clareza no que se refere à real abertura do /a/ final em português
brasileiro. Em todo caso, seria inadequado utilizar um símbolo
diferente de [-a] para marcar a posição final átona, sem que exista
uma mudança evidente na qualidade da vogal.
Com relação à africativização do /t/ e do /d/ diante de [i] (noite
[‘noitSi]), a presença da pré-palatal (cf. 3.1.2.2) motiva às vezes a
queda do [-i] final (noite > [‘noitS], cidade > [si‘dadZ]).
66
Álvez/Vinagre Mendes (1983: 131) afirmam que, na língua popular
brasileira, o ditongo [où] (< -olC-) pode ser monotongado, numa outra trans-
formação (bolso, PB [‘boùsu]) > [‘bosu]).
58
brasileiro tende a variar o on-glide consonantal sobretudo na posição
tônica e pretônica (cf. Said Ali 1969: 24, Giangola 2001: 27-41).
Dessa forma, ocorre, em parte, a formação de hiatos no português
brasileiro (viajar [vi.a.‘Zax]). Giangola (2001: 40) mostra, porém, que
esse desenvolvimento não é característico de São Paulo e do Sul do
Brasil.
67
Sobre as vogais nasais em português brasileiro, cf. Nobiling (1903-04),
Marques Abaurre (1996). — Em vogais nasais ocorre, em português, em
conexão com a articulação dental, labial, palatal ou velar, um off-glide
consonantal nasal (mundo ['mUndu], campo ['kÄmpu], enche ['EñSi], sangue
['sÄNgi]; cf. Callou/ Leite 1990: 86; Parkinson 1990: 134), que é transcrito de
forma variada (pente ['pEtSi], ['pEñtSi], ['pEntSi]; cf. Wetzels 1991: 81).
Renunciamos de maneira geral a sua notação. Com ditongos nasais, a
semivogal recebe uma nasalização enfraquecida (pão ['pÄÙ]).
59
Na posição de início de palavra, observa-se que [E-] (emC-, enC-)
sofre uma transformação para [I-] na linguagem coloquial brasileira
(engenheiro [IZe'ñeru] vs. PE [Äì-]). No Dicionário da Língua
Portuguesa (Nascentes 1961-67) é, aliás, a transcrição usual: embora
[I'b)ra] (s.v.).
Na língua popular brasileira, há, em posição final, uma tendência à
desnasalização (homem ['omEì] > ['omi]), que, no desenvolvimento do
paradigma verbal, pode conduzir a uma equivalência formal entre a
terceira pessoa do plural e a terceira pessoa do singular (eles falam
['falÄÙ] > ['falu], ['fala]) (cf. Votre 1981).
No que diz respeito aos verbos pôr, ter e vir, deve-se observar que
o português brasileiro, na terceira pessoa do plural, somente realiza
um ditongo nasal, ao contrário das formas dissílabas no português
europeu (põem, têm, vêm, PE [põjÄÌ], [tÄjÄÌ], [vÄjÄÌ] vs. PB [põÌ],
[tEÌ], [vEÌ]).
Quanto às vogais nasais, observa-se no português brasileiro, assim
como nas vogais orais, às vezes, a formação de uma semivogal
epentética (cf. 3.1.1.7).
68
Epêntese: acréscimo etimologicamente não-motivado de uma vogal ou
de uma consoante que eventualmente conduz à formação de ditongos.
60
mucamas [mu’kÄmaìs]). Esse desenvolvimento é especialmente
notável em certas canções da Música Popular Brasileira (MPB).
São Paulo, Mato Grosso e o Sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul) tendem à repressão do [ì] epentético. Contudo, na
língua popular, ela aparece.69 O Atlas Lingüístico do Paraná anota,
para indez as variantes [I'deìs], [I'deì], [I'deìzi], [I'des], sendo que a
variante “culta” [I'des] somente é indicada duas vezes (ALPar, mapa
113). O Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil esboça
um quadro diferenciado da distribuição na região. Com relação ao /a/
de paz, a forma ditongada até predomina, no Paraná, com cerca de
60%; em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o valor cai para
respectivamente 40% e 18% (ALERS, mapa 01). Em cruz, entretanto,
as formas ditongadas estão de maneira geral em minoria (PR: 40%,
SC: 43%; RS: 10%; ALERS, mapa 02), apresentando-se o Rio Grande
do Sul como o território mais conservador nesse aspecto.70
Na língua coloquial brasileira, há uma tendência a dissolver, por
meio do acréscimo de um [i] epentético, clusters consonantais
formados de duas plosivas, de uma plosiva e uma fricativa ou de uma
plosiva e uma nasal. Trata-se de encontros situados preferentemente
no limite silábico de palavras de origem erudita ou semi-erudita
(adaptar [adapi'tar], advogado [adZivo’gadu], opcional [opisjo’naù],
admitir [adZimi'tix]), bem como de empréstimos (pneu [pi’neù]). O
Dicionário Larousse Português/Espanhol (Larousse 2006) chega a
indicar essa pronúncia: admitir [adZi'miti(x)]. Na pronúncia pausada,
a epêntese é atenuada, mas na língua popular o fenômeno ocorre
extensamente, aliás também no vocabulário do século XX (táxi →
['takis]). Além disso, a epêntese por meio de [u] é conhecida regional-
mente (flor → [fu'lo]).
Na língua coloquial brasileira, observa-se, nas sílabas tônicas, às
vezes a formação de um [a] epentético. O desenvolvimento de /i/ (vida
69
Cf. Elia: “Nas classes cultas, porém, a partir de São Paulo para o Sul, a
ditongação não se verifica” (1963: 242). Nos grandes centros urbanos como
São Paulo deve ser levado em conta uma heterogeneidade devida à migração.
70
As porcentagens são identificáveis, nos diagramas do ALERS, de forma
aproximativa. Formas ditongadas de três e dez atingem, no Paraná e em Santa
Catarina, entre 80% e 90%, também o Rio Grande do Sul indica para três
60% e dez fica abaixo dos 40% (ALERS, mapas 03, 04). Como se trata de
numerais (e não de substantivos, p. ex.), três e dez certamente desviam um
pouco.
61
→ [‘viada]) é particularmente notável. O glide se encontra também em
outras vogais orais como nas vogais nasais [I] e [E] (mesa [‘measa],
processo [pro's(asu], agora [a'g)ara], alô [a'loa], cinco [‘sIÄku],
somente [s)’mEÄtSi]). O fenômeno pode ser associado com uma atitude
do falante natural, engajada e até afetada. É difícil encontrá-lo na
literatura especializada. A epêntese de [ù] no hiato [oa] (boa [‘boa] >
[‘bowa]) tem um caráter popular.
O português brasileiro não tolera consoantes, em posição final,
sem uma vogal de apoio, exceto se desenvolvidas etimologicamente
(como é o caso de /r/, /s/). A paragoge aparece, via de regra, em
abreviaturas, empréstimos e nomes próprios (VARIG [‘varigi], tíquete
[‘tiketSi], Maluf [ma‘lufi]), mas também na preposição sob [‘sobi]
(antes de consoante). Com oxítonas, o fenômeno do português
brasileiro ocorre, além disso, regionalmente com /r/, /l/ finais e,
parcialmente, com /s/.71
3.1.2 Consonantismo
3.1.2.1 A realização de /s/
Uma diferença notável na pronúncia do português brasileiro em
relação ao europeu se pauta nas variantes do /s/ implosivo.72 No
português europeu, o /s/ antes de consoantes surdas, bem como no
final de palavras, realiza-se como a pré-palatal [S] (visto [‘viStu], dois
[‘doìS]), antes de consoantes sonoras, pronuncia-se como [Z] (mesmo
[‘meZmu], os bois [uZ_boìS]). Refere-se a essa pronúncia como chiado
ou chiamento. Em comparação com o português brasileiro, o
chiamento do português europeu chama a atenção sobretudo em final
de palavra. No sintagma, o /s/ antes de vogal tanto no português
europeu quanto no português brasileiro é pronunciado como [z]
alveolar (os amigos, PE [uz_ä'miγuS], PB [uz_a’migus]).
No português brasileiro, há preponderantemente uma distribuição
alofônica entre [s] e [z], sendo [s] realizado antes de consoantes
surdas e em final absoluto e [z] antes de consoantes sonoras assim
71
Trata-se de um apoio paragógico de [-e] (ou [-i]), sobretudo ante pausa,
no litoral do Paraná. Há testemunhos também para o Rio Grande do Sul,
Goiás e o Nordeste (cf. Furlan 1989: 126-130).
72
Implosivo: posição de fim de sílaba, quer antes de consoante, quer em
final de palavra.
62
como em sintagma, antecedido de vogal.73 Com isso, [z] assume, no
português brasileiro, as posições que [Z] ocupa no português europeu.
Essa distribuição do /s/ não abrange, contudo, a totalidade do
território lingüístico brasileiro. Uma conhecida exceção é a fala
carioca que, como o português europeu, possui um chiamento
generalizado, ou seja, tanto em situação pré-consonantal quanto em
final de palavra.
Entre as variedades do português brasileiro, o carioca assume uma
posição especial que se baseia no status do Rio de Janeiro, como ex-
capital brasileira. A pronúncia do Rio de Janeiro foi declarada, no
Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada (Congresso 1938)
como norma da linguagem teatral brasileira. Excetuou-se, no entanto,
o chiamento. No Primeiro Congresso Brasileiro da Língua Falada no
Teatro (Congresso 1958), as duas variedades de /s/ implosivo foram
aceitas, finalmente, para a linguagem teatral. Embora a capital tenha
sido substituída por Brasília, em 1960, a fala carioca ocupa uma
posição importante, tanto quanto antes, o que, sem dúvida, reflete no
tocante à importância da cidade como centro da produção televisiva e
filmográfica. Na pesquisa, a fala da antiga capital costumava ser
utilizada como variedade de contraste com o português europeu.74
Considerando uma análise equilibrada das variedades do português
brasileiro, isso, nem sempre, se apresenta como vantajoso.
Um quadro corrente da expansão do chiamento em português
brasileiro é expressa na apresentação sumária de Cunha e Lindley
Cintra, que, abstraindo-se do Rio de Janeiro, remete, sem precisar, a
alguns pontos do litoral:
“Como dissemos, na pronúncia normal de Portugal, do Rio de
Janeiro e de alguns pontos da costa do Brasil, a fricativa palatal
surda [S] aparece em formas como três e dez, e a sonora [Z] em
formas como desde e mesmo” (Cunha/Lindley Cintra 2001: 41,
n. 4).
Outras informações diatópicas concernentes a isso se encontram em
Bossier. Suas interessantes observações colocam em suspenso,
73
O encontro consonantal [Ss] que ocorre no português europeu (descer),
soa, no português brasileiro, como [s].
74
Cf. Autret da Silva (1944), J. L. de Castro (1958), Houaiss (1959),
Head (1964, 1967), Strodt López (1979).
63
todavia, a questão decisiva sobre a distribuição alofônica do
chiamento:
“Il y a pourtant d’autres zones qui «chuintent», quoiqu’on en parle
moins: une grande partie du Santa Catarina, dans l’extrême-sud, et
à l’opposé, dans l’extrême-nord, le Maranhão, même le Pará et
même ci et là l’Amazonas” (Bossier 1976: 14).
Com base em nosso conhecimento do português brasileiro, uma
classificação provisória do chiamento será subseqüentemente
efetuada, com referências à literatura especializada.
A região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná), São
Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e o extremo sul da Bahia
distinguem-se pela realização do /s/ preponderantemente como [s] e
[z]. Exceções, com chiamento generalizado, são a cidade portuária de
Santos (SP) (C. Cunha 1974: 335) e uma faixa litorânea de 20 a 30
quilômetros de largura, entre Piçarras e Garopaba (SC) onde, em
média, 78,7% de ocorrências dos /s/ implosivos se realizam como pré-
palatais (Furlan 1989: 103-105; mapa 5, p. 234). Conforme o Atlas
Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil, trata-se da área entre
Itajaí e Imbituba (ALERS, mapa 01-06, cf. cap. 9.3).
O espaço do Rio de Janeiro apresenta um chiamento generalizado.
Callou/Duarte Marques observaram, em média, a realização palatal
em 85,4% dos casos (1975: 134). Deve-se levar em conta que o
fenômeno de migração para centros como o Rio de Janeiro conduziu a
um considerável aumento populacional que introduziu elementos
lingüisticamente heterogêneos. Segundo C. Cunha (1974: 332), na
década de 70 do século XX, 41% da população do Rio de Janeiro
deviam ser considerados como migrantes. A despeito disso, uma
acomodação geral à palatalização é observável, visto que se trata de
uma variante que, no interior da cidade, está associada ao prestígio.
Nas classes mais letradas, a palatalização se verificou em 97,4% dos
casos (Callou/Duarte Marques 1975: 134). O chiamento não se
estendeu, contudo, para o Estado. Dessa forma, em Parati, 250 km ao
sul, só se realizam [s] e [z]. Conforme os resultados do Atlas Etnolin-
güístico dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro, na região do
norte fluminense, prevalecem também as fricativas alveolares em
contraste com 27% das pré-palatais (Brandão 1998: 303).
Do sul da Bahia, passando por Sergipe, Alagoas, Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão até o Norte se
64
documenta uma situação lingüística diferenciada, na qual [s] e [S]
ocorrem preponderantemente como variantes livres na posição pré-
consonantal.75 Dessa forma, há uma tendência para [S] diante de
consoantes surdas (plosivas sordas, sobretudo [t], mais também [d],
[l], [n]). Não se pode predizer com certeza se um falante realizará
gostar como [g)s'tax] ou [g)S'tax]).
Em final de palavra, [-s] predomina, sendo que há uma tendência
para [-S] final em Alagoas e Pernambuco, sobretudo no Recife.76
Além disso, também em Salvador, a palatalização em posição final, às
vezes, chama a atenção (cf. muitos amigos [mUìtuz_a'miguS], os pés
[uS ‘p(ìs]). Antecipando consoantes sonoras, principalmente em
conexão com dois, duas, três, dez, realiza-se um [Z] em vez de [z]
(mesmo [meZmu], três minutos [treZ _mi'nutuS]). Critérios de fonética
sintática e o sentimento de eufonia do falante desempenham um papel
na distribuição dos alofones.
Observa-se um fato surpreendente no Norte do Brasil. Lá se
encontra um chiamento generalizado na cidade de Belém, capital do
Estado do Pará (com 1,25 milhões de habitantes), comparável ao do
Rio de Janeiro, que, até há pouco tempo, era não-documentado na
literatura especializada.77 O chiamento continua em Macapá (AP) e se
encontra também na cidade de Santarém (PA), situada no Amazonas
1000 km rio acima, a qual, em comparação com Belém, apresenta um
chiamento menos freqüente, mas predominante. Também em Parintins
(AM), mais a oeste, o /s/ implosivo se realiza preponderantemente
como [S]. Em Manaus (AM) que fica 750 km a oeste de Santarém,
encontra-se, finalmente uma situação lingüística que conhece
novamente as variantes [s] e [S] para o /s/ em posição pré-consonantal.
No centro-oeste brasileiro, há na Baixada Cuiabana (MT), segundo
75
A expansão do fenômeno pode ser traçada na literatura especializada e
nos atlas lingüísticos disponíveis (cf. 1.1.1). Sul: ALERS; Minas Gerais:
EALMG, Bahia: APFB; Sergipe: ALS I, ALS II; Alagoas, Pernambuco:
Marroquim (1934); Paraíba: ALP; Rio Grande do Norte: Maria Pessoa
(1986); Ceará: Seraine (1938), J. L. de Castro (1958); Pará: ALiSPA.
76
Para Alagoas e Pernambuco, cf. Marroquim (1934: 36), para Recife, cf.
Gueiros (1938: 561), Thomas (1973: 231).
77
Isso se refere à época quando foi publicado o nosso artigo sobre o
chiamento no Brasil (Noll 1996a). Hoje em dia, pode-se consultar o ALiSPA,
embora não existam trabalhos comparativos sobre o fenômeno no Brasil.
65
transcrições de Zilda Fernandes (1986) também um chiamento
generalizado.
• Belém
Parintins S -S
• •
• Manaus
Santarém
S/S -S S/S - S/-S S/S - S
S/S - S
S/S - S Recife •
• Porto Velho
S/S - S -S
S/S - S/-S
• Salvador
S/S - S
S -S -S/-S
• Cuiabá
S -S S -S
S -S
• Campo Grande S -S
S -S S -S Rio de Janeiro
Santos
S -S
• S -S
A realização do /s/ pré-consonantal S -S
e do /s/ final no português brasileiro • Piçarras
(variantes surdas) S -S S -S
• Garopaba
S -S
78
Não dispomos de indicações precisas sobre as regiões mais ocidentais
(Acre, Roraima) e sobre o centro do Brasil (norte de Mato Grosso).
66
(tendencialmente), a Baixada Cuiabana e a região de Belém, com
continuação na área do Amazonas.
Visto que tanto São Paulo e o Sul do Brasil, como também a região
intermediária no Nordeste realizam predominantemente [s] em
posição final, é justificada a divisão de [s] : [z], tipicamente válida e
sistematizada para o português brasileiro.
Na língua popular brasileira, há ainda uma tendência para a queda
do /s/ em final de palavra (rapaz [ha'paì]), que nas regiões interioranas
é bastante difundida. Além disso, a língua popular sempre reduz a
indicação do plural apenas à primeira marca por meio da queda dos
demais /s/ (duas canetas [duas ka'neta]; cf. 3.2.1).
79
Teyssier (1976: 34): “Cette palatalisation est plus ou moins accentuée
selon les régions, les locuteurs ou les registres. Seul le sud du pays y
échappe.”
67
sobre a extensão do fenômeno no Brasil. No caso de Recife, no
entanto, seria importante saber que a cidade se encontra dentro de
uma grande área que conserva [t], [d] antes de [i]. Álvez/Vinagre
Mendes situam o território sem africativização ([ti], [di]) mais
detalhadamente:
“C’est la prononciation normale de la région Nordeste (à l’ex-
ception du Ceará, et une partie de Bahia) et parfois l’extrême sud”
Álvez/Vinagre Mendes (1983: 148-149).
A africativização é, no português brasileiro, um fenômeno urbano, o
qual possui hoje o status de um padrão supra-regional. É amplamente
difundida, do Ceará em direção ao Norte e de Minas Gerais para o
Sul, com exclusão de uma parte do Nordeste. Na zona rural de São
Paulo e em áreas dos estados do Sul (Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul), pode inexistir. Isso ocorre, em especial, no sul do
Paraná (ALPar, mapa 189), na região litorânea de Santa Catarina (cf.
Furlan 1989a: 230-231) e na região de fronteira com o Uruguai (Bisol
1991: 121-123). A falta da africativização em partes da zona urbana
de São Paulo se deve à migração da população do interior.
Numa grande área da região do Nordeste, a africativização não é
típica. Essa área se estende, segundo nossas observações, partindo da
Bahia rural, passando por Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba até
Rio Grande do Norte (noite [‘noìti], cidade [si'dadi]). Os atlas
lingüísticos que estão disponíveis para esta região, a saber, Bahia
(APFB), Sergipe (ALS I e ALS II) e Paraíba (ALP), registram a
difusão da pronúncia [ti], [di].80 Contudo, o Atlas Prévio dos Falares
Baianos não compreende a complexidade lingüística da Bahia em
toda a sua extensão, visto que exclui as zonas urbanas e, desse modo,
dá margem a erros de interpretação. A manutenção de [ti], [di] se
encontra, em primeiro plano, nas zonas rurais. Em Ilhéus (BA), há
uma situação lingüística diferenciada, com variação idioletal, que
apresenta desde a ausência da africativização ([‘noìti], [si’dadi]) até
leves palatalizações ([‘noìtji], [si’dadji]) ou africativizações bem
marcadas ([‘noìtSi], [si’dadZi]). A africativização generalizada na
capital baiana, Salvador, não é registrada pelo APFB. No Estado mais
ao norte, Sergipe, encontra-se uma situação de variantes africadas e
80
Cf. APFB (mapas 81, 127), ALS (mapas 42, 51), ALP (mapas 32, 33).
68
não palatalizadas, semelhante a de Ilhéus, atestada no Atlas Lin-
güístico de Sergipe (cf. ALS, mapas 42, 51).
• Belém
tSi dZi ti di ti di
ti di • Salvador
tSi dZi tSi dZi
tSi dZi • Ilhéus
tSi dZi
-te • Porto
Alegre
-de
81
Oliveira informa sobre a pronúncia do Recife (PE): “A propósito,
quando chegámos do Recife, em 1940, pediu-nos uma professora carioca lhe
pronunciássemos muitas vêzes a palavra noite (i), porque achava delicioso
ouvir um nortista pronunciar o “t” sem aquêle som característico com que ela
mesma, sem poder corrigir-se, dizia: «Boa notitch» [sic; isto é, noitchi]”
(1957: 239). Thomas (1973: 231) aponta também nas “Notas sobre o falar do
Recife” a ausência de africativização no Recife.
69
norte do Estado, de novo aparece a africativização generalizada.82 A
africativização continua nos estados do Maranhão e do Pará e é
difundido também nas planícies do Amazonas (Santarém, Manaus).
Essas indicações podem somente servir como dados preliminares, que
devem ser completados por meio de pesquisas mais pormenorizadas
de geografia lingüística. Não obstante, a dimensão do território pôde
ser abarcada.
Silva Neto diz, em sua Introdução ao Estudo da Língua Portu-
guesa no Brasil, de uma palatalização (africativização) condicionada
por motivos sociolingüísticos.83 Isso se vê hoje, segundo nossas
observações, nos centros urbanos que integram uma população
imigrante proveniente do êxodo rural, seja das regiões interiores, no
caso de São Paulo, seja da região Nordeste (retirantes). Nesse
contexto, ocorre uma adaptação específica de registro à situação de
palatalização, visto que a pronúncia [ti], [di] no Rio de Janeiro, por
exemplo, é a associada tipicamente com os retirantes paraibanos.
Adant (1989) observou, com relação à migração de alagoanos em
Brasília que a africativização de /t/ e /d/ é a característica lingüística
preferida na adaptação.
Em oposição a isso, observa-se também, em casos especiais, no
Nordeste que os migrantes, por sua vez, se adaptam lingüisticamente,
em contato com a população. Pudemos comprovar isso com um
informante de cinqüenta anos proveniente do Rio Grande do Sul que,
devido aos seus anos de moradia em Natal (RN), aceitou as
características fonéticas da região (p. ex., a falta da africativização),
em sua profissão de taxista, contado certamente, para isso, o fator
integrativo e a facilidade de comunicação com os demais de seu meio.
Basicamente, ocorrem variações no grau de palatalização ([tS],
[dZ] – [tj], [dj]) que sofrem influências da fonética sintática. Dessa
forma, observa-se uma redução da africativização quando ocorre uma
seqüência de africadas sonoras, por exemplo, junto com a preposição
de ([di], [dji], [dZi]) (cf. de direita [dji dZi'reìta]). Abaurre/Gozze
82
McKinney Jeroslow confirma a palatalização em Quixadá (CE), que
fica entre Juazeiro do Norte e a costa, a 170 km de Fortaleza (1974: 25). O
Atlas Lingüístico do Estado do Ceará em preparação dará, além disso,
conclusões mais precisas sobre isso.
83
“A mudança de -e final para -i acarretou uma série de palatalizações
mais ou menos pronunciadas à proporção que se baixa ou se sobe na escala
social [...]” (Silva Neto 1986: 162).
70
Pegotto (2002b: 574) observam uma tendência geralmente maior de
africativização de /t/ diante de [i] do que diante de /d/ numa pesquisa
a respeito desses contextos fônicos em Salvador, Recife, São Paulo e
Porto Alegre. Não se pode depreender do artigo, porém, se isso está
associado à africativização parcialmente reduzida da freqüente
preposição de.
Uma outra forma de palatalização do /t/ na língua popular ocorre
no Nordeste do Brasil, no norte de Minas Gerais (EALMG, mapa 48)
e na região litorânea de Santa Catarina (Furlan 1989a: 231). Trata-se
da transformação de -it- > [tS] (muito [‘mUÌtSu], [‘mutSu]; oito ['oìtSu],
['otSu]).
84
Contrariamente ao Alfabeto Fonético Internacional (IPA), que, para a
transcrição do r simples e do múltiplo, se vale respectivamente dos símbolos
[ɾ] e [r], utilizamos, com vistas a uma melhor diferenciação visual, os
símbolos [r] e [3] da Romanística.
71
Janeiro e o sudeste de Minas Gerais até o Norte do país.85 A distinção
dos fonemas /r/ e /3/ se manifesta lá preponderantemente na oposição
de caro [r] : carro [h]. Portanto, admira que Callou/Leite/Moraes
considerem a posterioração do /r/ uma pronúncia regional (2002:
537). Isso é correto, dado que não abrange o Brasil inteiro. Contudo, o
flap alveolar [r] em posição pré-consonantal, típico da cidade de São
Paulo, por exemplo, não é majoritário no Brasil. Callou/Moraes/Leite,
apresentando um panorama geral da realização de /r/ em posição pré-
consonantal, baseado nos inquéritos do projeto NURC, obtiveram por
volta de 60% de realizações velares e aspiradas, enquanto a realização
alveolar atingiu cerca de 35% (2002: 466). Na transcrição do
português brasileiro, a velarização e a aspiração, via de regra, não são
levadas em consideração. Contudo, o novo Dicionário Larousse
Português/Espanhol (Larousse 2006), que parece apoiar-se na
pronúncia do Rio de Janeiro, indica essa pronúncia na forma seguinte:
aspirar [aSpi'ra(x)], divergir [dZivex'Zi(x)]. Em comparação com a
uvular sonora [R] do português europeu, que é realizada com fricção
mais intensa do que o /r/ francês,86 a pressão articulatória na formação
do /r/ velar [xC, -Vx#] do português brasileiro é bem mais fraca e se
reduz no início de palavras, na maior parte das vezes, para [h] (rio
['hiù]).
No interior de São Paulo e na região Sul (Paraná, Santa Catarina,
Rio Grande do Sul), o /r/ velar não é difundido de maneira autóctone,
mas ocorre como variante em início de palavra. A variante aspirada
[h-] é lá quase inexistente. O Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região
Sul do Brasil (ALERS, mapa 44), ao menos, nunca o anota. Em
posição implosiva, domina o /r/ alveolar.
85
Por isso, adotamos o /r/ velar ([x]) para representar o /r/ pré-
consonantal nos exemplos gerais. Como, na posição final, alteram a fricativa,
a aspiração e a queda, convencionamos usar um sobrescrito (amar [a'max]).
86
A pronúncia de um falante europeu do português costuma chamar a
atenção dos brasileiros, entre outras coisas, pela realização intensa do [R]:
referem-se a ela como uma pronúncia que “puxa no r”.
72
• Belém
• Manaus • Santarém h- x
h- x • Fortaleza
h- x h- x
h- x Natal
•
• Porto Velho
h- x
Recife •
h- 4 h- x
h- x • Salvador
h- x
h- x
h- r/4 r/4 h- x
• Campo Grande
3-/x- r/4 r/4 h- x
• São Rio de Janeiro
Paulo
A realização do /r-/ inicial 3-/x- r/4
e do /r/ implosivo no
português brasileiro 3- r/4 x-
3-/r- r/4
• Porto
Alegre
87
Informação de Wolf Dietrich, Münster.
88
Sob o termo dialeto caipira entende-se, stricto sensu, um grupo de
dialetos rurais em São Paulo e no sul de Minas Gerais (cf. Amaral 1982). O
termo caipira descreve geralmente, no português brasileiro, uma pessoa do
interior, que se apresenta como provinciana (do ponto de vista da educação,
do vestuário, dos comportamentos). A respeito do r-caipira, cf. Head (1978),
(1987a).
74
em clusters.89 Dessa forma, o Atlas Lingüístico do Paraná nota, para
baixeiro, a variante [ba'Se4u] (ALPar, mapa 117). Além disso, o r-
caipira aparece de forma esporádica em outros estados brasileiros. Os
atlas da Bahia (APFB, cf. Head 1978), de Sergipe (ALS) e da Paraíba
(ALP) registram testemunhos análogos. Na zona rural do Ceará e do
Maranhão, o r-caipira também é ouvido esporadicamente.
A caracterização do /r/ se tem mostrado muito complexa, no
português brasileiro. São observáveis inúmeras variantes regionais e
idioletais ([X ʁ ʁ˔ V x h]; cf. Parkinson 1990: 138) que nosso mapa
não contempla em detalhe. Thomas se expressa sobre a difusão da
variação do /r/: “In the single town of Belo Horizonte, nine
pronunciations were heard [...]” (1966: 273). Milton Azevedo
observa, com respeito às variantes: “[...] some are found in free
variation in the same dialect or even in the speech of the same indi-
vidual” (1981: 37).
Também nos atlas lingüísticos brasileiros, existem problemas com
a notação do /r/. O /r/ pré-consonantal velarizado aparece, conforme a
descrição do Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB) como fricativa
uvular surda → “[ρ]”; no Atlas Lingüístico de Sergipe (ALS), numa
notação quase igual, como fricativa velar surda → “[p]” e no Esboço
de um Atlas Lingüístico de Minas Gerais como “vibrante velar
sonora” → “[R]” (EALMG, 35). Como vibrante, um /r/ não pode,
contudo, ser velar. Trata-se ou de uma fricativa velar ou de uma
vibrante uvular.90 No que tange à sonorização registrada no EALMG,
surgem algumas dúvidas, uma vez que se deve partir do fato de que o
/r/ seja surdo diante de [k], por exemplo, em arco-íris, não devendo
ser, portanto, caracterizado como sonoro, como ocorre no EALMG
(mapa 2). A sonorização de um /r/ velar (antigamente múltiplo), em
português brasileiro, ocorre somente antecipado por uma nasal: tenro
['tEVu] ao lado de ['tE(ì)xu], ['tEhu]. Também é digno de nota, como já
dissemos, que a velar /r/ em início de palavra, no português brasileiro,
não sonoriza um -s plural que venha antes, como é o caso do
português europeu. Desse modo, o /r/ velarizado deveria ser
apresentado, em português brasileiro, predominantemente como uma
89
Ferreira Netto (2001: 100) cita praça ['p4asa] em Taubaté (SP).
90
Devido à difusão variacional do /r/, o termo uvular em parte é utilizado
para o /r/ velar e o uvular (Wollock 1982: 188).
75
fricativa velar surda [x], desde que não sofra qualquer
enfraquecimento para [h] (ou esteja após nasal).
A realização complexa do /r/ implosivo no Sul do Brasil se
expressa no mapa 187 do Atlas Lingüístico do Paraná (ALPar). No
norte, no centro-oeste e no leste do Estado predomina, em posição
implosiva, o r-caipira [4]; no extremo-oeste mantém-se como [r]; no
sudoeste, o /r/ implosivo é realizado até mesmo como múltiplo ([3]).
Nas demais regiões, as realizações se entrecruzam. Fora isso, deve-se
levar em conta o fato de que não se deduz do ALPar que, devido a
uma certa estigmatização do r-caipira ([4]), a variante [r] em São
Paulo e na região Sul (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul)
valha como padrão regional, enquanto [x], em posição implosiva, é
típico do português brasileiro a partir do Rio de Janeiro e o sudeste de
Minas Gerais até o Norte do país. Ambas as realizações ocorrem em
certos falantes instruídos da região Sul (normal [nor’maù],
[nox’maù]), talvez como reflexo da interferência com uma norma
supra-regional. Além disso, o /r/ implosivo velar só aparece em
Florianópolis (SC) e na área continental situada em frente (cf.
ALERS, mapa 50).
91
Isso é, em parte, diferente da manutenção de /r/ diante de palavras
iniciadas com vogal (mar [-x] vs. mar aberto [-r_V]) (cf. 3.1.2.3).
76
Com respeito à difusão diatópica de [L > ù], a apresentação de
Teyssier, “Au Brésil le [L] vélaire est en voie de vocalisation [...]. On
entend un peu partout [maw] pour mal [...]” (1976: 38), necessita de
uma correção, visto que transmite a impressão de que se encontra em
meio a um processo de mudança lingüística. Na verdade, a vocali-
zação do /l/ implosivo impôs-se quase totalmente no Brasil:
“Ninguém duvida de que essa vocalização seja um fenômeno foné-
tico generalizado no Brasil” (Hoyos-Andrade 1986-87: 70).
Em algumas áreas conservadoras do Rio Grande do Sul, [L] alterna-se,
na posição implosiva, com [ù] e aparece também na forma não-
velarizada.92 Leite/Callou (2002: 47-48) informam que os falantes
masculinos em idade acima de 56 anos em Porto Alegre utilizam [L]
em mais de 90% dos casos, enquanto a maioria das mulheres
vocalizam o /l/ implosivo sem oscilações significativas nas faixas
etárias (60% a 70%). Conforme o Atlas Prévio dos Falares Baianos e
o Atlas Lingüístico de Sergipe, o /l/ velarizado aparece também em
áreas laterais de Sergipe e em vastas porções do interior da Bahia.
Além disso, encontra-se na região de Piracicaba (SP) e no interior do
Paraná (Mota 2006: 343, mapa, 344).
Pode-se dizer que a pronúncia vocalizada do /l/ implosivo no
português brasileiro hoje deve valer como padrão. A realização do [L]
aparece, contudo, em falantes cultos mais velhos às vezes na
pronúncia mais cuidada, visto que a vocalização outrora era tida como
incorreta, por causa de sua representação na língua escrita.
Na língua popular brasileira, surpreende a existência, às vezes, de
uma neutralização dos /r/ e /l/ pré-consonantais que se adaptam à
realização do /r/ (alto [axtu], ['artu], ['a3tu], ['a4tu]) (cf. ALPar, mapa
141, cf. 3.1.2.3). Além disso, a lateral se transforma em /r/ quando
antecedido de uma plosiva (problema [pro'brema], clima ['krima]).
Também na posição final, o /l/ alterna, na língua popular, ou com /r/
(cf. ALPar, mapa 139) ou cai, o que é típico especialmente do
Nordeste (cf. ALP, mapa 72).
Plosivas p t k
(sonoras) b d g
Fricativas f s *$ S °
(sonoras) β v ð z *% Z γ
Africadas *tS
(sonoras) °
Nasais m n ñ N
Laterais l 7 L
Vibrantes r
(múltiplas) *3 R
Aproximantes ° j w
Inventário das consoantes do PE – variantes regionais marcadas com *
79
3.2 Morfossintaxe96
3.2.1 Determinação e substantivos
No tocante ao uso do artigo definido apenas existem, entre o
português europeu e o brasileiro, diferenças pequenas (cf. Woll 1982).
Em conexão com o pronome possessivo, o artigo no português
europeu é obrigatório (exceto em Vossa Excelência), com
denominações de parentesco é facultativo, se bem que, também nesse
caso, exista uma tendência para a colocação do artigo. O português
brasileiro favorece a omissão e evita o artigo basicamente antes de
designações de parentesco (cf. Thomas 1969, § 147). A. Brito (2001:
553) aponta para o fato de que os pronomes possessivos no português
europeu deveriam ser classificados como adjetivos, conforme o uso
do artigo, enquanto o português brasileiro se aproximaria de línguas,
nas quais valem como determinantes, como no inglês e francês.
Pesquisas atestam, no português brasileiro, uma grande gama de
variações com respeito ao uso do artigo com pronomes possessivos.
Silva/Callou (1996) afirmaram, avaliando o material do projeto
NURC (Norma Urbana Culta), um aumento no uso do artigo
associado com o grau de escolaridade (ensino básico 36% vs. ensino
secundário 49%). Sob uma perspectiva regional, as áreas meridionais
apresentam um maior percentual de formas articuladas do que as
setentrionais (Porto Alegre 81% vs. Recife 57%). Woll (1982: 76)
informa, num trabalho, que Jorge Amado em O País do Carnaval
(1932) associou os pronomes possessivos com o artigo definido em
88% dos casos, enquanto, em Dona Flor e Seus Dois Maridos (1966),
eram somente ainda 2%. Isso não reflete, contudo, nenhum
desenvolvimento diacrônico, antes testemunha que Jorge Amado
evidentemente se libertara da norma escrita lusitana.
Os prenomes, que no português europeu falado, sempre aparecem
associados com o artigo, apresentam, no português brasileiro,
diferenças regionais. Leite/Callou (2002: 53) informam para Porto
Alegre 70% e para São Paulo até 87% de uso do artigo, enquanto o
uso em direção às áreas setentrionais, vai reduzindo de maneira
constante (Rio de Janeiro: 43%; Salvador: 32%; Recife 17%). O
96
Valiosa obra de referência, embora não na concepção contrastiva com o
português europeu, mostra-se, como sempre o The Syntax of Spoken Brazilian
Portuguese (Thomas 1969).
80
emprego do artigo definido no tratamento (PE o Pedro já comeu?) é,
no português brasileiro, desusado quanto a associação correspondente
com as designações de parentesco (PE o pai já comeu?).
Em poucos nomes de paises (África, Espanha, França, Inglaterra,
Itália), o português europeu registra um uso titubeante do artigo,
baseado no fato de ele ser sujeito/objeto (com o artigo) ou estar ligado
a preposição (sem artigo) (cf. Woll 1993). Nesses casos, o português
brasileiro emprega sempre o artigo definido (PE a França, em França
vs. PB a França, na França). Isso não concerne a casos como Cuba e
Portugal.
Em adjuntos adverbiais com todo, o português europeu emprega o
artigo definido, ao passo que o português brasileiro o omite (PE toda
a semana, todos os sábados vs. PB toda semana, todo sábado). Isso
vale também para outras expressões como PB (a) toda hora, a todo
instante, a todo momento. A expressão uma vez por outra aparece no
português brasileiro sem o artigo definido (PB vez por outra) (cf.
Móia/Alves 2004: 63-65).
No português brasileiro, os substantivos podem construir-se sem
artigo tanto no singular quanto no plural, na função de sujeito, quando
valem por uma classe (elefantes são inteligentes; cliente sempre tem
razão; cachorro não gosta de gato). No português europeu, isso
somente é possível por meio de alguma ampliação do sujeito plural
(PE *professores trabalham muito vs. professores de Coimbra
trabalham muito). No singular, contudo, não é possível (cf.
Müller/Oliveira 2004). O português brasileiro, em contrapartida,
amplia a construção sem artigo no singular, sobretudo na língua
falada, também com objetos indeterminados, os quais precisariam
estar, em português europeu, ou com o artigo indefinido ou no plural
(PB O que você fez ontem? Eu li revista feminina. Eu comprei sapato;
Müller/Oliveira 2004: 21).
Por meio da realização fonética curta da preposição para [pra],
formaram-se as formas coloquiais articuladas com os artigos: pro, pra
(pros, pras; prum, pruma), as quais também são empregadas na língua
escrita e literária brasileira (p. ex., em Jorge Amado) (cf. PE prò, prà,
pròs, pràs).
Se o artigo indefinido se encontra diante da preposição de, o
português brasileiro costuma evitar a crase comum do português
europeu dum, duma (PB de um [dZi U]). A língua escrita brasileira
81
desagrega às vezes também a contração numa (PE numa casa vs. PB
numa/em uma casa).
A formação do plural se restringe, na língua popular brasileira,
sobretudo à marcação da primeira posição no sintagma nominal (as
casa# branca#), que passa a valer como a mais marcada (cf. Souza
Campos/Rodrigues 2002: 127). Trata-se, com isso, de um fenômeno
morfológico que não tem ligação com a também popular queda
esporádica do /s/ final (cf. 3.1.2.1). Essa formação defectiva de plural
não é, no português brasileiro, aliás, restrita à língua popular.
Também na língua coloquial, é possível, numa atmosfera mais
amigável, entre falantes cultos, verificar violações análogas contra a
norma culta (cf. Azevedo 1984).
97
Cf. www.linguateca.pt/ACDC/; 06/06/07.
83
confusões entre a segunda e a terceira pessoa do singular (já falou
com ela? ® você já falou com ela? ® ele já falou com ela? ® pop.
tu já falou com ela?).
O português brasileiro, contudo, está ainda longe de uma
generalização do pronome sujeito, tal como ocorreu como no francês,
como mostra o seguinte trecho de uma entrevista:
“Eu nunca disse isso. O que declarei certa vez é que na minha
vida, cheia de compromissos e viagens, não tinha lugar para o
trabalho. Penei com termos pejorativos horrorosos, com grã-fina,
dondoca e agora essa tragédia de ser chamada de socialite. Nem
sei o que é isso. Sempre trabalhei como uma negra, grátis, sem ter
férias nem salário. Você acha que ser dona de casa é pouco?”
(Veja, 19/6/1996: 10).
Chama a atenção o fato de que o pronome sujeito eu, nesse trecho
oral, seja utilizado introdutoriamente no sentido de uma afirmação
pessoal, garantindo a continuidade do discurso sem apoio pronominal
até a falante dirigir a palavra a sua interlocutora. Silva/Coe-
lho/Menuzzi (2001: 751) apontam para o fato de o português
brasileiro, na língua culta escrita, tender para o não-preenchimento da
posição pronominal do sujeito.
No tratamento familiar,98 o pronome de segunda pessoa do
singular tu é, popularmente, bastante difundido no Brasil e não se
limita de modo algum às ocorrências “dans l’extrême sud et dans
l’extrême nord”, como quer Teyssier (1984: 189). Tu é corrente no
Norte, Nordeste e Sul do Brasil e sobrepõe-se formalmente com a
terceira pessoa do singular (tu falaste, você falou, tu falou). Como
pronome sujeito tu é menos usado em parte do Sudeste (Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Espírito Santo), embora apareça muito no ambiente
das favelas e na gíria dos malandros no Rio de Janeiro (e em São
Paulo).
A forma mais neutra no tratamento familiar, no português
brasileiro, é você (cf. M. Azevedo 1981). A ligação com a preposição
com gera a locução com você e não consigo, como ocorre no
português europeu. Em contaste com o português europeu, não existe
nenhuma gradação entre tu, você e o senhor/a senhora, mas uma
98
Sobre a forma de tratamento no português, existe um extenso trabalho
de Wilhelm (1979) que, em relação ao português brasileiro, deve limitar-se
contudo ao uso na literatura. Para o português brasileiro, cf. Head (1976).
84
oposição entre tu, você vs. o senhor/a senhora. Nas regiões do Brasil,
onde tu e você convivem, não existe, no tratamento de uma pessoa,
nenhum uso fixo com relação a um dos pronomes sujeito.99 Se, por
um lado, há uma gradação na intimidade (você sabe > tu sabes / tu
sabe), por outro, a troca entre tu e você também pode ocorrer no
interior de um diálogo e, conforme o caso, expressa-se a proximidade
ou a distância momentânea. Finalmente, ambas as formas estão
associadas ao plural comum vocês. O senhor, a senhora limitam-se no
português brasileiro a um tratamento mais respeitoso. Com isso, é
visível uma clara tendência para a ampliação do uso de você no Brasil.
Você é, em convergência com o português europeu, também o
pronome da propaganda, oferecendo, assim, a vantagem de um
tratamento neutro do ponto de vista do sexo do interlocutor. Os pais
são chamados no português brasileiro mamãe (PE mamã) e papai (PE
papá), mas não como formas de tratamento direto. A conexão do
prenome com o artigo definido no discurso colegial indireto (o Pedro
já comeu?) não é usado no português brasileiro. Isso vale também
para a menina como tratamento para mulheres solteiras (PB moça,
senhorita).
Os pronomes objetos diretos átonos de terceira pessoa do singular
(o, a) são evitados na língua coloquial brasileira e, com relação a
pessoas, são preferentemente substituídos pelas formas tônicas (eu
quero ver ele, ela). Isso também vale para o tratamento com você (eu
quero ver você vs. quero vê-lo). Na língua popular, também pode
ocorrer o mesmo com a primeira pessoa do singular (PB deixa eu sair
/ me deixa sair vs. PE deixe-me sair). Para evitar os pronomes objetos
diretos átonos da terceira pessoa, no lugar de você, freqüentemente o
te proclítico assume a função de pronome objeto (PB quero te ver /
quero ver você vs. PE quero ver-te). Desse modo, te é usado de
maneira completamente independente de tu:
“Às vezes o ladrão vai te assaltar, você nem sequer reage, mas há
alguma confusão e ele mete um tiro e te mata” (Veja, 19/10/1994:
7).
Às vezes, o lhe dativo também funciona como pronome objeto da
segunda e da terceira pessoa do singular no acusativo (PB quero lhe
99
Cf. Nascentes (1949-50: 68): “Na língua do Brasil dá-se frequente-
mente a mistura de tratamentos”.
85
ver ‘quero te ver, quero ver você’). Esse uso é bastante popular. A
seguinte citação, contudo, provém da propaganda de uma empresa no
ramo das telecomunicações: “Quando você for a Telebahia, ela já vai
estar lhe esperando”.
A tendência a evitar os pronomes objetos átonos o, a conduz, no
português brasileiro, sobretudo, à elipse dos pronomes objetos diretos
e indiretos da terceira pessoa (objeto nulo). Com relação ao português
brasileiro, Omena (1981: 349-350) afirma, com base em uma investi-
gação da língua popular do Rio de Janeiro, que 76% dos casos elidem
o pronome objeto. Nos outros casos, eles são substituídos pelas
formas tônicas ele, ela.100 Isso não é possível no português europeu.
Quanto se trata de objetos inanimados, a substituição por meio dos
pronomes sujeito ele, ela é sentida, no português brasileiro, como
ênfase inapropriada e, por conseguinte, freqüentemente evitada:
“Os policiais pegam o dinheiro e colocam [colocam-no] no bolso”
(Veja, 19/10/1994: 7-8).
Num contraste da versão brasileira do romance O Alquimista de Paulo
Coelho e a tradução portuguesa, observa-se que todos os objetos nulos
do original brasileiro foram substituídos por clíticos no texto lusitano
(Kato/Raposo 2001: 677). No português europeu, o objeto nulo pode
somente ocorrer na oração principal em conexão com uma
topicalização, por meio de um deslocamento à esquerda (este livro, a
editora pôs a venda no ano passado) ou quando houver a relação
com um substantivo inanimado prévio (consertamos o carro antes de
pôr a venda) (Kato/Raposo 2001: 682). Com relação a pessoas, o
pronome tônico do objeto pode ser acrescentado, no português
europeu, por ênfase (vi-o a ele), ou estar em ligação com só (só a ele
obedeço).
Imperativos são formados, no português brasileiro, também, por
meio da elisão dos pronomes objetos de coisas (PE fá-lo vs. PB faz)
ou construídos com um demonstrativo (PB faz isso).101 Quando há
dois objetos pronominais, o acusativo átono não se manifesta (PE dá-
mo vs. PB me dá, me dá isso).
100
Os valores, contudo, não fazem diferença entre pessoas e coisas.
101
A negação, por conseguinte, se diz não faz isso, ao passo que, no
português europeu, há a opção entre a forma tônica e a átona (não faças isso,
não o faças).
86
A primeira pessoa do plural nós alterna em grande parte na língua
coloquial brasileira com a gente (cf. Albán et al. 1986, Menuzzi
2000). O fato ocorre também no português europeu, contudo, de
maneira mais limitada. Leite/Callou (2002: 54) informam, no uso das
formas no Rio de Janeiro, uma relação de 59% (a gente) para 41%,
enquanto em Recife, Salvador e São Paulo, nós ainda prepondera com
mais de 60% e em Porto Alegre, até com 72%. Evidentemente a gente
é mais freqüentemente usado em conexão com a preposição com do
que conosco. A substituição progressiva da primeira pessoa do plural
por a gente (ou, p. ex., o pessoal), que, na linguagem dos jovens,
novamente atinge uma freqüência mais alta, conduz, na língua popular
brasileira, com relação a nós (analogamente a tu/você), a uma
interferência com a forma verbal da terceira pessoa do singular (a
gente fala, nós fala) (cf. Fernandes/Gorsky 1986). Contudo, é mais
usual em Portugal do que no Brasil, a conexão de a gente com o verbo
da primeira pessoa do plural (a gente fomos para casa). Ambas as
variedades concordam com o fato de que apenas pode ocorrer a forma
se como reflexivo de a gente, quando o verbo aparece na terceira
pessoa do singular. Com relação à concordância com adjetivos e
particípios, a gente tende, no português brasileiro, ao masculino
singular, embora, dependendo do referente, o feminino também seja
possível (a gente estava cansado/cansada). No português europeu, a
referência também pode ocorrer no plural, havendo uma preferência
para o masculino no plural (Costa/Moura/Pereira 2001: 640, 646-647,
650).
Coloquialmente, com construções infinitivas com sujeitos
distintos, o português brasileiro, ao contrário do português europeu,
costuma usar o pronome objeto tônico (PE deu-me dinheiro para eu
comprar roupa vs. PB ele me deu dinheiro pra mim comprar roupa).
O fenômeno do português brasileiro mais chamativo no âmbito da
sintaxe e mais discutível com referência ao distanciamento da norma
européia é a posição proclítica dos pronomes objetos átonos. O
português europeu diferencia basicamente as orações principais
afirmativas, com ênclise, das orações subordinadas e das orações
negativas, com próclise. Além disso, a posição proclítica na oração
principal do português europeu está associada, por um lado, a
indefinidos introdutores da oração (algo, alguém, algum, cada,
mesmo, muito, pouco, qualquer, tanto, todo, tudo, vários), bem como
a advérbios (ainda, bem, já, mal, sempre, só, talvez, também). Por
87
otro lado, ocorre de maneira variável, quando, na oração principal, o
acento se desloca para a parte introdutória da oração.102
No português brasileiro, a próclise na língua falada se generalizou
da forma mais ampla possível. Isso diz respeito também ao imperativo
e ao gerúndio. Exceções de posição enclítica ocorrem apenas em
contextos oficiais (p. ex., em conferências) e, de preferência, quando
o meio escrito interfere (p. ex., por meio de um manuscrito em
questão). Além disso, existem no Brasil, na língua falada, poucas
formas enclíticas cristalizadas (cf. Schei 2003a: 64-66). Ocorrem
preferentemente em conexões com o reflexivo se (acabou-se ou
acabou), mas também no verbo ir-se (vou-me embora vs. vamos
embora). Alguns verbos reflexivos suprimem o pronome, no
português brasileiro (PE/PB formal sente-se vs. PB informal senta). A
esses pertencem também casar, deitar, levantar, sentir, vestir (cf.
Thomas 1969, §§ 319ss.).
A ênclise permanece restrita, no português brasileiro, à língua
escrita e se apóia nesse meio, primariamente, no uso tradicional. Não
corresponde, contudo, de modo algum, a um uso estabelecido ou a um
uso lingüístico sentido como natural, o que é o mesmo caso de outros
fenômenos, na troca da forma oral para a escrita. Desse modo,
identificam-se quase sempre, na língua escrita, transgressões às regras
européias. Contudo, não se trata, de modo algum, de casos optativos,
mas de indicações básicas para uma ênclise, como mostra o seguinte
título do artigo: “A vida se renova na seca no Pantanal” (Veja,
12/10/1994: 100). Na língua escrita, mostra-se freqüentemente uma
maior observância da ênclise como modo de medir quão oficial é uma
notícia. Enquanto se favorece basicamente a posição proclítica na
reprodução do discurso direto, imitando, assim, a língua falada, em
vários casos, é visível uma tendência à ênclise em entrevistas com
personalidades, em princípio, consideradas mais sérias (políticos,
economistas etc.).
Ao contrário das regras da gramática européia, na língua escrita
brasileira, apenas um princípio é vigente para a colocação pronominal:
o de que a ênclise vale para a primeira posição da oração:
102
Cf. Teyssier (1976: 87ss.). Acerca da colocação pronominal, cf.
também Galves/Abaurre (2002), Schei (2003, 2003a), Galves/Ribeiro/Torres
Moraes (2005).
88
“Nunca inicie frase com o pronome oblíquo. Essa forma só poderá
ser admitida na linguagem coloquial (crônicas, principalmente) ou
na transcrição de declarações populares: Me deixem dizer uma
coisa. / Lhe pedi socorro, mas ele não ouviu” (Martins 1992: 254).
Essa fórmula sucinta não é retirada de nenhuma gramática do portu-
guês, mas provém do Manual de Redação e Estilo (Martins 1992),
concebido para redatores do jornal O Estado de São Paulo, que, com
uma tiragem de mais de 400.000 exemplares, por sua vez, se dirige a
um público mais amplo.
Evitar a primeira posição do pronome objeto átono é obrigatório
na língua escrita brasileira, exceto na reprodução do discurso direto.
Isso não diz respeito somente ao início da frase stricto sensu, mas
também à primeira posição após uma pausa na fala (→ colocação de
vírgulas).
“O tricampeão, por sua vez, casou-se com a socialite brasiliense
Viviane Leão, de 25 anos” (Veja, 27/9/1995: 58).
Tentativas com intenção de estruturar a posição pronominal na
linguagem escrita brasileira além do princípio apresentado (cf. Meier
1969, Große 1991) são relevantes apenas com respeito a cada corpus
investigado, mas dificilmente têm uma relevância geral. Wanner
(1982) se dedicou à formalização, que somente transporta para outro
sistema a descrição metalingüística. Não consegue, contudo, com isso,
um progresso no entendimento lingüístico. O primeiro volume da
Gramática do Português Falado acerca da posição das palavras
(Castilho 2002a, 11991) não descreve detalhadamente a posição do
pronome objeto.
Basicamente, a posição do pronome no português brasileiro escrito
interfere com
· o uso oficial das regras, que às vezes pode corresponder à norma
européia.103 Por meio disso, ocorrem também ênclises pronominais na
língua escrita brasileira quando um sujeito nominal antecede um
verbo.
· o uso da língua falada. Posições proclíticas “erradas” na língua
escrita brasileira encontram sempre uma explicação na língua falada e
apontam para a generalização da próclise.
103
As partes narrativas em Cenas da Vida Amazônica de Veríssimo
( 1957, 11886) apresentam-se amplamente conformes com as regras.
3
89
· a percepção sintático-estilística do autor, que pode aplicar nuances
individuais sobre a regra da primeira posição. Às vezes, também,
ocorrem, no português brasileiro, casos enclíticos que não condizem
com a norma européia.
Na posição dos pronomes objetos, resultam-se as seguintes diferenças
específicas entre o português europeu e o brasileiro:104 com impera-
tivo, o português brasileiro evita a ênclise (PE desculpe-me vs. PB me
desculpe). Com construções infinitivas, o português brasileiro falado
privilegia a posição antes do infinitivo (PE querem ver-nos / querem-
nos ver vs. PB eles querem nos ver). Somente os pronomes da terceira
pessoa são pospostos, na linguagem mais formal, nesse caso (PB
quero vê-lo / quero ver ele).
No português brasileiro, o pronome objeto átono aparece antes do
particípio nos tempos compostos (eles tinham me visto; eles não
tinham me visto; …onde tinham me visto). O português europeu
distingue-se, no primeiro exemplo, só no uso do hífen (tinha-me
visto). Com a negação e em orações dependentes, contudo, o pronome
ocorre antes do verbo auxiliar (PE não me tinham visto; …onde me
tinham visto). No português brasileiro, essa posição é aceita no uso
formal dos pronomes de terceira pessoa o, a (PB eles não a tinham
encontrado / eles não tinham encontrado ela). Com perífrases
gerundiais, as quais correspondem no português europeu à construção
a + infinitivo, os pronomes átonos no português brasileiro ficam antes
do gerúndio (PE estava-te (sempre) a esperar vs. PB ela estava
(sempre) te esperando / ela estava esperando você). Observe-se,
também, nesse contexto, a posição divergente do advérbio (cf. Galves
2000: 147-148).
A mesóclise do pronome objeto no futuro do presente e no futuro
do pretérito (PE lembrar-se-á), bem como a fusão dos pronomes
dativos e acusativos (PE devolveu-te o livro? → devolveu-mo) são
freqüentemente evitadas na língua escrita brasileira e excluídas da
língua falada (PB ele vai se lembrar; me devolveu o livro → me
devolveu).
104
Acerca da posição dos pronomes pessoais no português europeu e no
brasileiro, cf. o artigo detalhado de Matthews (1978).
90
3.2.3 O verbo
Na conjugação, ocorrem algumas diferenças entre o português
europeu e o brasileiro, tendendo o último para formas mais regulares
do que o primeiro.105 Diferentemente dos verbos em -iar (odiar, eu
odeio) são conjugados na primeira pessoa do singular, no Brasil,
comerciar, negociar, obsequiar e premiar segundo o modelo eu
comercio (PE comerceio). Isso vale também para todos os verbos em
-enciar (PE agenceio vs. PB eu agencio). Uma exceção no Brasil é
mobiliar (eu mobílio; PE mobilar). Com verbos em -guar, -quar e -
qüir (aguar, alonginquar, aminguar, aproprinquar, desaguar, enxa-
guar, minguar, delinqüir e relinqüir), no Brasil, evita-se o hiato com
[u], [i], retraindo o acento (PE aguo, aguam [ä'VuÄÙ]; delinquo, delin-
qúem vs. PB águo, águam; delínquo, delínqüem).
Com verbos em -oiar, o português brasileiro realiza apoiar (poiar,
desapoiar) com a vogal aberta nas formas rizotônicas, em oposição ao
português europeu (PE apoio [o] vs. PB apóio [)]). O verbo apiedar
conhece, no Brasil, nas formas rizotônicas, variantes com -a- (apiado
etc.). O verbo moscar sofre alternância vocálica no português
brasileiro nas formas rizotônicas (PE mosco vs. PB musco). Ouvir
(entreouvir, reouvir) é realizado no Brasil somente com ou (PE ouço,
oiço vs. PB ouço). Com relação aos particípios, preponderam no
português brasileiro as formas aceito (vs. PE aceite), assentado (vs.
PE assente), empregado (vs. PE empregue), pasmo (vs. PE pasmado)
e pego (vs. PE pegado). Alguns verbos reflexivos omitem, no
português brasileiro, o pronome reflexivo (v. acima).
Na língua coloquial brasileira, observa-se nos paradigmas de
conjugação um nivelamento de formas que, na linguagem rural, às
vezes, generaliza a terceira pessoa do singular. Na língua coloquial,
ocorre o paradigma eu falo – você fala / tu fala(s) – ele, ela fala – nós
falamos / a gente fala – eles falam. A segunda pessoa do singular, que
é bastante difundida no tratamento familiar (cf. 3.2.2), é substituída
formalmente, com freqüência, na língua popular, com a terceira
pessoa do singular (tu falaste, você falou, tu falou). Por conta da
alternância entre a gente e nós, a primeira pessoa do plural se
manifesta formalmente na língua popular brasileira também com a
terceira pessoa do singular (a gente fala, nós fala). Com isso, podem-
105
Cf. Paulik (1997). Fonética combinatória (cf. 3.1) e diferenças orto-
gráficas (cf. 3.4) não serão tratadas a seguir.
91
se verificar gradações. Nós fala pode ocorrer, em contraste com nós
falamos e marca, assim, a diferença entre presente e perfeito (cf. Fer-
nandes/Gorsky 1986). Numa forma mais marcada da língua popular, o
pretérito perfeito é nós falou. A terceira pessoa do plural sofre
desnasalização (eles falam ['falÄù] > ['falu], ['fala]), a qual, formal-
mente, pode coincidir, novamente, com a terceira pessoa do singular
(eles fala). Com isso, há, um nivelamento analógico de formas, que
abarca às vezes na língua popular, por fim, também a primeira pessoa
do singular (eu fala).
Na língua falada, o futuro é expresso, no português brasileiro,
preponderantemente de maneira adverbial (vou amanhã) ou peri-
frástica (vou falar com ele). Com isso, no português brasileiro,
aumenta-se a freqüência mais alta de formas perifrásticas, as quais, no
português europeu, estão predominantemente restritas à expressão do
futuro próximo. A tendência à perífrase no português brasileiro
também atinge o futuro do subjuntivo (quando ela for falar vs.
quando ela falar), quando o início da ação deve ser enfatizado. Em
conexão com quando, essa construção não é possível no português
europeu (cf. Barme 2002a). Na formação do mais-que-perfeito
composto, a língua escrita brasileira prefere o verbo auxiliar haver,
em contraposição à língua falada e ao português europeu (PB o
presidente havia avisado os ministros vs. PE o presidente tinha
avisado/avisara os ministros). No uso do infinitivo pessoal, o
português brasileiro tende, na língua falada, à omissão das
terminações pessoais, que são substituídas por meio dos pronomes
sujeitos (PE é melhor ires-te / irmos embora vs. PB é melhor você / a
gente ir embora).
Na língua falada, o português brasileiro forma, na maior parte das
vezes, o imperativo (também o negativo) por meio do indicativo,
contrariamente ao português europeu (PB não faz isso vs. PE não
faças isso). O subjuntivo ocorre, de um lado, nos contextos formais e
com alguns verbos freqüentes (desculpe, diga, mas fala), por outro,
podemos surpreender-nos ouvindo-o na língua falada entre mãe e
filho. O uso geral do subjuntivo nas formas de polidez e em impera-
tivos negativos é difundido, no português brasileiro, somente no estilo
lingüístico elevado e na língua escrita.
Com respeito ao uso do subjuntivo nas orações subordinadas, há
diferenças pequenas entre o português europeu e o brasileiro. Com
verbos que expressem uma suposição ou uma hipótese (supor,
92
imaginar que), o português brasileiro prefere o subjuntivo, em
contraste ao português europeu (suponho que seja a mesma coisa;
imaginemos que ocorra uma briga). Uma frase como é bom que você
veio (PE é bom que tenhas vindo) é tida, porém, no português
brasileiro, como fato real e exige, portanto, o indicativo: “[...] em PB
se verifica a tendência de selecionar o indicativo para as proposições
tidas como verdadeiras, independentemente do tipo de atitude
expressa” (R. Marques 2001: 696). Isso conduz Marques (2004) à
seguinte diferenciação: nos contextos epistêmicos, o português
europeu emprega o indicativo (saber, imaginar que) e em contextos
não-epistêmicos, o subjuntivo (é bom, pena, natural que). O
português brasileiro, em contrapartida, escolhe o subjuntivo somente
em contextos epistêmicos, quando a frase não corresponde à realidade
(“non-reality”) (p. ex., imaginar que). Além disso, ambas as
variedades colocam o subjuntivo em contextos não-verídicos (querer,
duvidar que).
No sentido impessoal, existencial, o português brasileiro usa
preponderantemente o verbo ter, em contraste com o português
europeu (PB tem muitos animais nessa região). O correspondente
verbo haver (há muitos animais nessa região) do português europeu
ocorre no Brasil sobretudo na língua escrita, em expressões em que
interferem circunstâncias da língua escrita, em contextos oficiais ou
num pretenso nível elevado. Leite/Callou (2002: 55-56) informam,
para o Rio de Janeiro nos anos 90 do século XX, uma tendência da
língua falada para o uso de ter em 78% dos casos; com jovens na
faixa etária entre 25 e 35 anos, até de 97%.
O uso de há pode ser um indício da interferência da língua escrita
ou de um estilo elevado num texto.106 O seguinte trecho de uma
entrevista, feita no âmbito do projeto NURC (Norma Urbana Culta)
em Salvador, ilustra como uma pergunta formulada com haver pelo
documentador universitário (Doc) influencia, de maneira evidente, a
resposta do informante (354), que retorna, a seguir, ao seu uso
habitual de ter:
Doc [...] E o trem... há uma classe especial que vai na frente,
depois vai seguida de outras [...].
106
Isso não vale para o uso de há no sentido de ‘faz (anos)’ ou há de
como perífrase de futuro.
93
354 [...] acho que da primeira classe não devia haver muita
diferença [...]. O pessoal que trabalhava no trem:
tinha o maquinista, [...] tinha o cobrador [...].
(Mota/Rollemberg 1994: 26)
Além disso, o verbo ter penetra no português brasileiro escrito.
Leite/Callou (2002: 55-56) efetuaram, em 1999, uma pesquisa da
linguagem da imprensa, valendo-se de três jornais do Rio de Janeiro.
Assim, O Globo mostrava um uso preponderante de haver, com 60%
(face a 40% de ter), enquanto O Povo, como representante de uma
imprensa mais popular, por sua vez, favorecia ter com 60% dos casos.
Na conjugação perifrástica, podem-se verificar diferenças no uso
do gerúndio entre o português europeu e o brasileiro. O aspecto
progressivo é expresso no português europeu com estar a + infinitivo,
enquanto o português brasileiro utiliza o gerúndio (PE estou a traba-
lhar vs. PB estou trabalhando).107 Em oposição ao português europeu,
a construção progressiva amplia seu uso no português brasileiro para
as orações passivas inclusive na língua escrita (o plano está sendo
desenvolvido). A língua falada envolve, além do mais, os verbos
estáticos (eu estou querendo / sabendo / podendo realizar). Além
disso, a construção estar + gerúndio pode conter no português
brasileiro um sentido futuro (o Pedro está partindo na próxima
semana; cf. Oliveira/Cunha/Matos 2001: 739).
Também em conexão com outros verbos de ligação (acabar,
andar, continuar, ficar, passar a vida), o português brasileiro tende
ao uso do gerúndio, valendo-se também de construções preposicionais
(continuar a, começar por, acabar por + inf.). Numa pesquisa
baseada em corpus (NILC), Oliveira/Cunha/Gonçalves informam que
no português brasileiro, com relação ao verbo continuar, uma
proporção de uso de a + inf. vs. gerúndio é da ordem de 167 : 248; em
relação a ficar, de 22 : 320; em relação a começar, contudo, de 3626 :
15 (2004: 150). As proporções de começar carecem de explicação,
uma vez que esse verbo diferencia duas configurações: o início de
uma ação numa seqüência de acontecimentos (PE começou por ler /
PB começou lendo, depois desistiu e saiu) e o início de uma ação
qualquer (começou a trabalhar), construídas tanto no português
europeu quanto no brasileiro com inf. + a. Também em outros casos,
verificam-se paralelismos entre o português europeu e o brasileiro no
107
Cf. Borges Neto/Foltran (2001), Móia/Viotti (2004).
94
uso do infinitivo ou do gerúndio. Isso ocorre com as construções vir a
(significado futuro), chegar a, voltar/tornar a, passar a, pôr-se a (+
inf.), bem como ir fazendo (cf. Móia/Viotti 2004).
Com relação às orações reduzidas, tanto o português europeu
quanto o brasileiro utilizam o gerúndio, de forma semelhante, nas
relações causais, modais e condicionais, cabendo a ele uma função de
restritor de outra eventualidade. O português brasileiro, emprega o
gerúndio, além disso, para especificar as circunstâncias (p. ex., Pedro
trabalha vendendo alimentos; estou ocupada tomando meu Nescafé;
não vou perder tempo, botando ela no ponto) (cf. Borges
Neto/Foltran 2001: 735, 730, 734).
A língua coloquial brasileira prefere a forma repetitiva da negação
(não quero não), que pode restringir-se também à negação pós-verbal
(quero não). Em ligações hipotáticas, observa-se que o não posposto
assume a negação da oração principal (“Não sei se você está mentindo
não”; cf. Schwegler 1985-87). Assim, a negação repetitiva nas
orações subordinadas só é possível em orações objetivas (eu desconfio
que ela não gosta de você não; cf. Perini 2002: 435). Na língua
popular pode, além disso, ocorrer a dupla negação (ninguém não
veio).
No campo preposicional, o português brasileiro utiliza, com
verbos de deslocamento, na língua falada, em em vez do a do
português europeu (PE vou / cheguei ao centro vs. PB vou / cheguei
no centro; cf. Große 1999). Observa-se, também, no português
brasileiro, uma ampliação da área funcional de para face a a. Com
isso, o português brasileiro falado não faz a diferença entre para e a,
que, em português europeu, está associado respectivamente com uma
estada mais curta ou mais longa (PE vou a casa buscar dinheiro vs.
vou para casa dormir vs. PB vou para casa ...). Na língua falada,
para é também usado em lugar de a na indicação do objeto indireto
(PE já lhe falaste? vs. PB você já falou pra ele?), sendo evitado o
pronome objeto dativo lhe no imperativo (cf. PB me fala, fala pra ele
vs. PE fala-me, fala-lhe). A preposição para proporciona, além disso,
construções infinitivas (cf. PB pediu pra ele ir embora vs. PE pediu
que ele fosse embora). No português brasileiro ocorrem, além disso,
diferenças nas regências verbais. Assim, usa-se falar de (vs. PE em),
participar em (vs. PE de), pegar uma coisa (vs. PE numa coisa).
Com relação à percepção temporal, Móia/Alves (2001; ampliado
em 2004) chegam a interessantes resultados contrastando o português
95
europeu e o brasileiro. Desse modo, no português brasileiro, a
preposição em pode ser empregada prospectivamente, diferentemente
do português europeu. Uma frase como chega em três horas não
significa exclusivamente, no português brasileiro, que se vence uma
determinada distância dentro de três horas, mas, conforme o contexto,
que terá chegado dentro de três horas, partindo do ponto de vista do
momento da enunciação (PE/PB daqui a três horas). Há também uma
diferença sutil com expressões temporais adverbiais com por.
Enquanto o português brasileiro usa a preposição por tanto em
acontecimentos télicos (PB ele saiu do escritório por meia hora)
quanto em atélicos (PB ele esteve doente por um mês),108 o português
europeu evita expressar acontecimentos atélicos, usando comple-
mentos temporais em por (PE esteve doente durante um mês vs. PE
esteve doente durante/por algum tempo).
Eventos que indicam um ponto no passado são expressos no
português europeu e no brasileiro tanto com há quanto com faz
(há/faz três anos). No português brasileiro há pode ser substituído,
contudo, também por meio de tem (deixou a empresa tem três anos)
ou de um atrás posposto (três anos atrás). No português europeu,
tem, nesse sentido não é utilizado e atrás não seria usual, visto que a
construção há … atrás é preferida. O português europeu e o brasileiro
também fazem construções sobre eventos no passado, concebidos em
seu decurso, com há ou faz (estou aqui há dois anos, faz (hoje) dois
anos que estou aqui). O português brasileiro pode, em contraste com
o europeu, nesse caso, também usar desde (desde dois anos), que,
normalmente, está associado a um ponto no tempo, ou de … para cá
(de dois anos para cá).
Eventos que enfatizem o ponto final de uma ação são concebidos
pelo português europeu e pelo brasileiro com ao fim de (ao fim de
duas horas, saiu de casa). O português brasileiro também varia essa
expressão com no/ao final de ou no fim de, as quais não são usuais em
Portugal. Quando se concebe, num evento, o intervalo de tempo entre
dois pontos de referência, o português emprega passado/a + espaço de
tempo (PB passados quatro dias do roubo, o avião ainda não foi
localizado), associando-se o ponto de relação temporalmente mais
108
O termo télico implica uma mudança de condições e o atingir de um
objetivo, ao passo que atélico não envolve nem um objetivo nem uma
delimitação.
96
próximo com de no Brasil, ao passo que em Portugal, na maior parte
das vezes, o mesmo se faz com sobre (PE passado mais de um ano
sobre os primeiros contactos […]) (cf. Móia/Alves 2004: 54).
Eventos que desenvolvem uma ação até determinado ponto são
concebidos em português europeu com até a; no português brasileiro,
somente com até (PE fiquei até ao final da temporada vs. PB fiquei
até o final da temporada).
No português brasileiro, observa-se, na ordem da oração, um
ampliamento da estrutura SV, notável sobretudo nas orações interro-
gativas (onde você mora?). Isso não diz respeito, contudo, a estruturas
tema-rema em construções inacusativas, de modo que se espera que o
rema, como parte da oração indagada, se posponha na resposta. Uma
resposta à pergunta “Quem chegou?”, portanto, seria, também no
português brasileiro, algo como “Chegou um menino” (cf.
Silva/Coelho/Menuzzi 2001: 753). As pesquisas de Ferrari (1990)
mostram que a posição SV depende preponderantemente da
transitividade, do grau existente de familiaridade com o enunciado e
de verbos particulares.
3.3 Léxico
Uma publicação sobre a estrutura do vocabulário brasileiro ou uma
maior apresentação contrastiva das diferenças com relação ao
português europeu continuam algo a ser feito na Lusitanística. A
temática também não pode ser detalhada neste trabalho. Buggenhagen
lançou o esboço de um manual intitulado Worteigentümlichkeiten der
brasilianischen Sprache (1951; ‘Particularidades lexicais da língua
brasileira’), no qual reuniu certas palavras e expressões em pequenos
grupos semânticos, sem referência ao português europeu. A base para
a descrição de brasileirismos se encontra, em primeiro plano, nas
indicações diatópicas em dicionários da língua comum, mas também
109
Diamésico se refere à adaptação da linguagem ao meio respectivo
(fala, escrita), diafásico concerne ao estilo (uso corrente, uso familiar, gíria).
99
em vocabulários regionais brasileiros.110 Além disso, abarca-se o
vocabulário especializado de disciplinas isoladas sem a delimitação
das duas variedades (cf. Muller Leite 1976, Dicionário Jurídico
Brasileiro). Uma fixação oficial da terminologia gramatical se baseia
na Nomenclatura Gramatical Brasileira (1959) e na Nomenclatura
Gramatical Portuguesa (1967).111
Sobre diferenças lexicais gerais entre o português europeu e o
brasileiro existem pequenas listagens de Zamarin (1970), Ermínio
Rodrigues (1981) e Pellegrini Filho (1995). Inventários mais com-
pletos foram reunidos em três publicações brasileiras. O Dicionário
de português (Prata 2000) oferece em seus verbetes uma definição
concebida humoristicamente dos lusismos, com seus equivalentes
brasileiros. Também o Dicionário Lusitano-Brasileiro (Wanke/Simas
Filho 1991), que surgiu inicialmente sob o título Esboço de um
Dicionário Lusitano-Brasileiro, contém um vocabulário que necessita
de esclarecimento para a compreensão dos brasileiros. O conceito de
um dicionário bilíngüe aparece com o Dicionário Contrastivo Luso-
Brasileiro (Villar 1989). Abarca cerca de 6500 lemas em cada uma de
suas duas partes PE-PB e PB-PE e trata também de diferenças entre
significados individuais, regências e na ortografia. Além disso, fazem-
se detalhamentos regionais e diastráticos. Essas obras apresentam um
avanço significativo, para a compreensão das diferenças lexicais entre
o português europeu e o brasileiro. Nos detalhes, contudo, são sujeitas
110
Cf. Dicionário de Porto-Alegrês (Fischer 2000), Dicionário
Catarinense (Borba Corrêa 2000), Dicionário sociolingüístico paranaense
(Filipak 2002), Dicionário regional do Espírito Santo (Filipak 1996),
Dicionário do Nordeste (Navarro 2004), Dicionário de Baianês (Lariú 1992),
Dicionário Papachibé. A língua paraense (Sobral 1996-2005), Dicionário da
Língua Popular da Amazônia (Jacob 1985).
111
Cf. PB adjunto adverbial vs. PE complemento circunstancial, PB
objeto direto vs. PE complemento directo, PB futuro do presente vs. PE futuro
imperfeito, PB futuro do pretérito vs. PE condicional presente, PB futuro do
presente composto vs. PE futuro perfeito, PB futuro do pretérito composto vs.
PE condicional pretérito, PB subjuntivo vs. PE conjuntivo, PB futuro do
subjuntivo vs. PE futuro imperfeito do conjuntivo, PB futuro composto do
subjuntivo vs. PE futuro perfeito do conjuntivo. No português brasileiro,
encontra-se a diferença (não-usual no português europeu) entre verbos
irregulares e verbos anômalos, os quais não se permitem ordenar em
nenhuma classe, devido ao grande número de irregularidades (estar, haver
etc.) (cf. Cunha/Lindley Cintra 2001: 387).
100
a crítica.112 Ao lado das duas publicações brasileiras, dispomos de
uma obra publicada em Portugal: 7 Vozes (1997) apresenta um “léxico
coloquial do português luso-afro-brasileiro” em sete listas sinóticas
(“Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal,
São Tomé e Príncipe”). Também nessa obra, aconselha-se uma
consulta crítica.113
Com respeito a uma sistematização das diferenças lexicais entre
português europeu e brasileiro existem os trabalhos de
Wittmann/Jesus Pereira (1995), Wittmann/Pêgo/Santos (1996) e
Barreiro/Wittmann/Jesus Pereira (1996), os quais estão vinculados ao
desenvolvimento de um programa eletrônico de tradução Inglês-
Português. Esse programa considera ambas as variedades do
português e as processa do ponto de vista lexical. As diferenças
lexicais entre o português europeu e o europeu são concebidas,
diferentemente da literatura aqui citada, por meio de registros
lingüísticos como os a seguir:
· Uso vocabular absolutamente divergente do ponto de vista
lexemático: diferentes lexemas são empregados sem alternativa lexical
(PE hospedeira vs. PB aeromoça).
· Uso vocabular preferentemente divergente do ponto de vista
lexemático: lexemas distintos são usados conforme preferências
específicas. Desse modo, o português europeu utiliza quase exclusiva-
mente chávena, enquanto no português brasileiro se usa xícara,
embora as duas variedades disponham respectivamente de ambos os
termos. Com isso, há gradações na preferência. Em cartão e papelão,
que estão disponíveis também em ambas as variedades, a palavra
cartão tende a ser preferida no português europeu, ao passo que
papelão o é no português brasileiro. Às vezes ocorrem alternativas
sinônimas numa das variedades (PE travar vs. PB frear, brecar).
Essas divergências podem ser condicionadas, por exemplo, também
por meio de empréstimos (tupinismos, africanismos, anglicismos no
112
Dessa forma, ocorre em Villar na parte PE-PB no verbete luz o
seguinte comentário “não é raro ouvir-se em Portugal, à francesa, abrir a luz
por ligá-la [...]” (1989, s.v.). O suposto galicismo não tem nenhum
fundamento na língua francesa (fr. allumer la lumière), e a expressão em
questão, em Portugal, é também acender a luz.
113
Conforme 7 Vozes, por exemplo, a palavra biquíni da lista brasileira
equivale, nas outras áreas lingüísticas, a fato-de-banho e cartório deve
corresponder supostamente a notário. Além disso, cachorro é classificado
como se fizesse parte do registro popular (pop.) do português brasileiro.
101
português brasileiro): PE travar vs. PB brecar (< ing. to brake); PE
hora de ponta (< fr. heure de pointe) vs. PB hora do rush (< ing. rush
hour). Há, ademais, o caso em que o uso vocabular divergente é
acompanhado de um sinônimo que é compartilhado por ambas as
variedades (PE gabardina vs. PB capa de chuva / PB, PE imperme-
ável)
· Uso vocabular divergente do ponto de vista lexemático-semântico:
por meio da formação de sememas distintos, chega-se a um
significado vocabular divergente (camisola, PE ‘camiseta, suéter’ vs.
PB ‘vestimenta feminina para dormir’). Nesse ponto ocorrem as
diferenças mais sutis entre o português europeu e o brasileiro. Nesse
contexto, observam-se, em ambas as variedades, também mudanças de
registro, freqüência e significado, condicionadas diacronicamente. Às
vezes, dois lexemas acabam compartilhando apenas alguns semas. Em
banheiro, PE ‘salva-vidas’ vs. PB ‘aposento com todo o equipamento
de banho; toalete’ seria a referência à água. Além disso, devem-se
levar em conta variantes diatópicas que anulam diferenças lexemáticas
regionalmente, como é o caso de PE passeio ‘caminho pavimentado
para pedestres’ vs. PB calçada vs. PB reg. passeio (Bahia, Minas
Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul).114
· Divergências na formação de palavras (PE doutoramento vs. PB
doutorado).
· Divergências na grafia (cf. 3.3.1).
· Divergências na conexão sintática (regências distintas: PE participar
de vs. PB participar em) e na fraseologia (PE estar sem cheta ‘estar
sem dinheiro’ vs. PB estar na pindaíba).
Com relação à avaliação do vocabulário, a disponibilidade de
dicionários eletrônicos passou a significar um grande avanço, haja
visto que se pode listar material escolhido por meio de rotinas de
busca implementadas segundo diversas categorias, ganhando, assim,
sem contagens dispendiosas, um corpus, e continuidade ao trabalho.
Entre os dicionários monolíngües do português, prestam-se, para tal
avaliação, atualmente, como diferentes capacidades:
· Os Dicionários PRO da Língua Portuguesa com 96.715 lemas
(DPLP, elaborados em Portugal). Rotinas de busca: campos semân-
ticos, etimologias, indicações diacrônicas, diatópicas e diastráticas,
114
Cf. Michaelis (s.v.). No dicionário Michaelis falta a remissão à Bahia,
pois a palavra passeio ocorre com o sentido correspondente também na obra
de Jorge Amado e no Dicionário de Baianês (Lariú 1992).
102
busca contextual (palavras isoladas em textos de artigo), anagramas,
filtros para quaisquer nexos, dicionário inverso, provérbios, abrevia-
turas, siglas, conjugação. Versão impressa: Dicionário da Língua
Portuguesa (2005).
· O DICMAXI Michaelis Português – Moderno Dicionário da Língua
Portuguesa (v. 1.1), com mais de 200.000 lemas (Michaelis). Rotinas
de busca: busca textual, conjugação. Versão impressa: Moderno
Dicionário da Língua Portuguesa (Michaelis 1998).
· O Novo Dicionário Eletrônico Aurélio (v. 5.11) com mais de
140.000 lemas (Aurélio). Rotinas de busca: dicionário de palavras
estrangeiras (não-diferenciado), gíria (não-diferenciado), classes de
palavras, dicionário inverso, busca textual, conjugação. Versão
impressa: Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Aurélio
2004). Tecnicamente mais bem equipado é, contudo, a versão anterior,
o Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI (v. 3.0). Rotinas de busca:
campos semânticos, autores, indicações diacrônicas, diatópicas e
diastráticas, palavras formalmente parecidas, filtros para quaisquer
nexos, dicionário inverso, busca textual, conjugação. Versão impressa:
Aurélio Século XXI. O dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira (Aurélio 1999).
· O Dicionário Eletrônico Houaiss (v. 1.0) com 228.000 lemas
(Houaiss). Rotinas de busca: classes de palavras, busca combinada,
dicionário inverso, busca textual, conjugação. Versão impressa:
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss 2001).
O Aurélio (v. 5.11) distingue, como sendo brasileiros, 26.465 verbetes
e significados específicos como brasileiros (versão 3.0: 25.273). Os
DPLP contêm, comparativamente, somente 2044 lemas que são
classificados como brasileiros. Com relação aos regionalismos, o
Aurélio (v. 3.0) fornece, dentro do Brasil, indicações diatópicas
segundo as regiões e os estados que se dividem conforme os verbetes
e os significados específicos da seguinte forma:
· Regiões: Amazônia (831), Nordeste (1468), Noroeste (65), Centro
(107), Norte (1010), Sudeste (21), Sudoeste (80), Sul (1343).
· Estados: Acre (6), Alagoas (233), Amazonas (361), Bahia (783),
Ceará (341), Distrito Federal (4), Espírito Santo (66), Goiás (225),
Maranhão (232), Mato Grosso (261), Mato Grosso do Sul (15), Minas
Gerais (675), Pará (238), Paraíba (140), Paraná (132), Pernambuco
(412), Piauí (62), Rio Grande do Norte (37), Rio de Janeiro (496), Rio
103
Grande do Sul (1401), Rondônia (2), Roraima (2), Santa Catarina
(112), Sergipe (72), São Paulo (796), Tocantins (1).
No campo dos empréstimos, o português brasileiro dispõe de
elementos das línguas indígenas e africanas, desconhecidos ou menos
usuais do português europeu. Esse léxico, tido geralmente como típico
do português brasileiro, não tem, no entanto, qualquer papel no
âmbito do vocabulário básico. Entre os empréstimos indígenas, há
preponderantemente tupinismos, o que se explica pela difusão
histórica dessa língua (cf. 5.1.2). O termo africanismo, usado em
conexão com os elementos africanos se refere a elementos de origem
subsaariana. Contudo, em vista da gama de variedades dos idiomas
envolvidos, esse termo se revela às vezes problemático, uma vez que
sugere lingüisticamente uma uniformidade inexistente.115 A remissão
ao quimbundo e ao iorubá, no caso dos empréstimos africanos no
português brasileiro, efetuada nos dicionários, também nivela um
pouco as relações, visto que, por exemplo, o ewe, via de regra, não é
levado em consideração (cf. Figge 1975-76). Face à situação das
fontes, bem como da transmissão oral e da adequação do material, a
etimologização dos elementos indígenas e africanos depende, em
parte, da comparação de formas de diferentes línguas e dialetos. Isso
conduz, às vezes, a resultados muito distintos em virtude de
problemas na segmentação das palavras, sobretudo nos africanismos.
Com relação aos empréstimos do tupi, o Aurélio (v. 5.11)
enumera, para o português brasileiro, 2533 verbetes e o Michaelis
3238, enquanto os DPLP de Portugal apontam apenas 504 palavras. O
total de tupinismos é avaliado, no português brasileiro, incluindo os
topônimos, em 10.000.116 O vocabulário indígena, tratado num
excelente artigo de Dietrich (1998),117 se destaca por serem, em
115
Com relação ao português brasileiro são relevantes as línguas kwa
(ewe: Gana, Togo, Benin; iorubá: Nigéria Ocidental, Benin, Togo) e as
línguas bantu (quicongo no Congo; quimbundo e umbundo em Angola). Cf.
6.2.
116
Chaves de Melo (1971: 43) fornece esse número, invocando uma
informação pessoal de Artur Neiva. No Dicionário Histórico das Palavras
Portuguesas de Origem Tupi, A. G. da Cunha (1989: 10) fala de 60.000
topônimos (incluindo denominações repetidas).
117
Para os tupinismos, cf. Raimundo (1926, 1934), Ayrosa (1937), Neiva
(1940), Silveira Bueno (1953), A. Rodrigues (1958-59), A. Fernandes (1961),
Silveira Bueno (1963a), Gregório (1980), Silveira Bueno (1984).
104
grande parte, substantivos portugueses oxítonos incomuns. Refere-se
quase exclusivamente ao ambiente original dos indígenas:
· Nomes de frutos e plantas (jenipapo ‘fruto do jenipapeiro’, cipó
‘liana’).
· Fauna (jacaré ‘caimão’, tamanduá ‘urso-formigueiro’).
· Formas de paisagem (igapó ‘mata cheia de água’, igarapé ‘rio
pequeno’).
· Topônimos (Itapuã, BA; Parati, RJ) .
· Hidrônimos (Mucuri, Paranaíba).118
· Antropônimos: sobrenomes (Oiticica), prenomes femininos (Jacira,
Jaciara).119
Ao lado dos tupinismos geralmente divulgados no português
brasileiro, ocorrem também diferenças regionais. Açaí e buçu são
espécies de palmeiras da Amazônia, das quais açaí é antes conhecido
como fruto, ao passo que buçu nessa região é usado especialmente
para a construção de casas. Umbu é uma fruta do Norte e Nordeste do
Brasil que se conhece pouco, por exemplo, no Rio de Janeiro.
Na formação de palavras, há o sufixo -mirim, que pode ser
classificado também como adjetivo, com o sentido básico de
‘pequeno’. Está associado, preponderantemente, com nomes de
plantas e animais (tamanduá-mirim, cajá-mirim; também paraná-
mirim ‘o menor dos dois braços em que um rio se divide’). Houaiss
relaciona 94 formações, das quais nem todas têm um caráter
diminutivo (cf. paumirim ‘árvore de enorme porte, da flora ama-
zônica’, Michaelis). Mirim aparece, além disso, como componente de
topônimos (Parati Mirim, RJ). O antônimo de -mirim é -açu (-uaçu,
-guaçu), também proveniente do tupi, que aparece em 273 formações
(tamanduá-açu, cajá-açu; cf. Houaiss). Seu caráter aumentativo
aparece somente em alguns significados respectivos. O sufixo aparece
também em topônimos (Igaraçu, SP) e hidrônimos (Iguaçu).
Além disso, os tupinismos formam, às vezes, composições seriais.
Houaiss relaciona cerca de 170 palavras que se compõem do elemento
118
Cf. Sampaio (1987 [11901]), O Tupi na Geografia Nacional, Bordoni
(1984), A Língua Tupi na Geografia do Brasil, Caldas Tibiriçá (1985), Dicio-
nário de Topônimos Brasileiros de Origem Tupi.
119
Uma listagem de 355 nomes pessoais indígenas é apresentado por
Neiva (1940: 105-108).
105
pirá ‘peixe’ e se referem a peixes ou à pesca (piracema ‘cardume de
peixes’, piracuí ‘farinha de peixe’). Dessa maneira, podem-se ainda
ordenar, do ponto de vista do significado, muitos outros elementos de
composições (igara- ‘canoa’, iguá- ‘musgo’, itá- ‘pedra’, pará- ‘rio’).
O português brasileiro conhece também indigenismos que não
remontam ao tupi, como, possivelmente, maceió ‘lagoeiro, no litoral,
formado pelas águas do mar nas grandes marés, e também pelas águas
da chuva’ (cf. Aurélio, Houaiss, s.v.). Excetuando conhecidos
peregrinismos que, em sua maioria, foram transmitidos pelo espanhol
(cf. cacique ‘chefe temporal das tribos indígenas brasileiras’,
Aurélio), a origem desses indigenismos não pode freqüentemente ser
determinado de maneira exata. Também na toponímia, surgem, ao
lado dos tupinismos, numerosos nomes de outras línguas indígenas
brasileiras (Amapá, Xingu) (cf. Caldas Tibiriçá 1985: 123-152).
Com relação aos africanismos, o Aurélio (v. 5.11) oferece 279
empréstimos do quimbundo (Michaelis: 194) e 222 do iorubá
(Michaelis: 141). Em comparação, os DPLP de Portugal remetem 263
verbetes ao quimbundo, mas apenas duas palavras para o iorubá. A
discrepância ocorre aqui, evidentemente, por um lado, devido aos
contatos coloniais entre Portugal e Angola e, por outro lado, devido à
falta de ligações próprias com a zona de língua iorubá. O Dicionário
etimológico Nova Fronteira (DENF) contém 191 africanismos (cf.
Taddoni Petter 1999a). Bonvini (1995) diz ter contado por volta de
1600 africanismos (inclusive derivações e casos inseguros), na edição
do Aurélio de 1986, quantidade que parece bem maior, se comparada
com as 499 palavras da contagem eletrônica do Aurélio de 2004 (v.
5.11).120 Do ponto de vista da divulgação dos africanismos no Brasil,
observam-se concentrações regionais. Pessoa de Castro/Souza Castro
(1980: 31) atestam 1950 étimos africanos na região da Bahia,
marcadamente africana. Muitos desses africanismos, contudo, são, de
120
Listas alfabéticas de africanismos no português brasileiro são
oferecidas por Angenot/Jacquemin/Vincke (1974), Répertoire des vocables
brésiliens d’origine africaine; Schneider (1991), Dictionary of African
Borrowings in Brazilian Portuguese; Boulouvi (1994), Nouveau dictionnaire
étymologique afro-brésilien. Afro-brasilérismes d’origine ewé-fon et yoruba;
Lopes (2003), Novo dicionário banto do Brasil.
106
modo geral, conhecidas apenas por uma parcela muito pequena da
população autóctone.121
Entre os africanismos mais freqüentes no português brasileiro,
contam-se, ao lado dos freqüentes em Portugal como bunda,
cachimbo, carimbo, moleque, os empréstimos caçamba ‘balde’,
caçula ‘o mais moço dos filhos, ou dos irmãos’, calombo ‘inchaço’,
camundongo ‘rato’, cochilar ‘dormitar’, dendê ‘óleo de palma’, farofa
‘farinha torrada’, maconha ‘haxixe’, molambo ‘pedaço de pano
velho’, moqueca ‘guisado temperado com salsa’, muamba ‘contra-
bando’, muxoxo ‘beijo; estalo que se dá com a língua e os lábios, à
semelhança de um beijo, para mostrar desdém’, quitanda ‘tenda, loja
pequena’, sunga ‘calção de banho’, xingar ‘insultar’ (cf. Aurélio).
Os africanismos do português brasileiro provêm preponderante-
mente das línguas bantu (71%; Pessoa de Castro 1981a: 3) e
concentram-se em poucos campos característicos. A eles pertencem:
· Escravidão (banzo ‘nostalgia mortal que atacava os negros trazidos
escravizados da África’, mocambo ‘couto de escravos fugidos, na
floresta’, mucama ‘escrava negra moça e de estimação’, quilombo
‘esconderijo, aldeia, cidade ou conjunto de povoações em que se
abrigavam escravos fugidos’, senzala ‘conjunto de casas ou aloja-
mentos que se destinavam aos escravos de uma fazenda ou de uma
casa senhorial’, cf. Aurélio).
· Música e dança (banza ‘guitarra africana rústica, de quatro cordas’,
berimbau ‘instrumento de percussão que é uma haste de madeira
arqueada por um fio de arame, com uma cabaça presa ao dorso da
extremidade inferior’, lundu ‘dança de par solto; canção solista’,
marimba ‘instrumento de percussão, que consiste numa série de
lâminas de madeira ou de metal’, samba ‘dança cantada; a música que
acompanha essa dança’, cf. Aurélio).
· Alimentação (abará, acarajé, vatapá).
· Cultos religiosos (candomblé, macumba, umbanda, zumbi).
No âmbito dos cultos afro-brasileiros, a maior parte dos empréstimos
provém das línguas kwa, da África Ocidental. Ocorrem sobretudo na
Bahia e constituem lá 65,7% dos africanismos (Pessoa de Castro
121
Cf. Rossi (1981: 89). Megenney reduziu a 428 casos uma lista de
originalmente 1740 africanismos na Bahia conforme teste etimológico, das
quais 217 se manifestavam como correntes entre seus informantes (1978: 120-
122).
107
1981a: 3). Diferenciam-se dos empréstimos bantu freqüentemente por
meio da acentuação oxítona (axé, orixá). No Brasil há também alguns
topônimos que remontam a uma origem africana (Angola, Banguê,
Cumbe, Quilombo).122
Ao lado dos empréstimos do tupi e das línguas africanas, verifica-
se, no português brasileiro, uma aceitação preferencial por
anglicismos. Comparativamente, o português europeu permanece, em
muitos casos, com o vocabulário autóctone ou apresenta empréstimos
paralelos do francês:
· PB bilhão (PE mil milhões), blecaute (PE apagão), bonde (PE
eléctrico), brecar (PE travar), breque (PE travão), câncer (PE
cancro), esquete (PE rábula), jeans (PE ganga), mouse (PE rato),
piche (PE alcatrão), ranking (PE classificação), suéter (PE camisola),
trem (PE comboio).
· PB aids (PE sida, fr. sida), PB arquivo (PE ficheiro, fr. fichier),
concreto (PE betão, fr. béton), hora do rush (PE hora de ponta, fr.
heure de pointe), prefixo (PE indicativo, fr. indicatif), time (PE
equipa, fr. éqipe), trailer (PE caravana, fr. caravane), xérox (PE
fotocópia, fr. photocopie).
Há alguns anos, o português europeu vem recebendo um certo influxo
de vocabulário do português brasileiro, o qual, em primeiro plano, se
faz observar pelas telenovelas brasileiras transmitidas em Portugal.
Essas séries televisivas proporcionam em Portugal, por um lado,
conhecimentos passivos das características brasileiras, mas, por outro,
transmitem também os brasileirismos de maneira direta.123 Desse
modo, na geração mais jovem, a freqüente expressão coloquial
bacana se tornou freqüente. O freqüente uso de legal no português
brasileiro, contudo, não teve a mesma aceitação. Para essas
influências no campo dos vocabulários não existem pesquisas
especiais. As maiores divergências no vocabulário do português
europeu e brasileiro aparecem no âmbito da variante substandard
122
Cf. Fernandes, “Toponímia brasileira” (1941-43: II, 5-69, 14).
123
No espanhol hispano-americano, é observável um fenômeno de difusão
semelhante por meio da divulgação dos filmes mexicanos. No mundo árabe,
as produções de filmes egípcios contribuiu para o domínio passivo do dialeto
árabe egípcio que, comparativamente, em uma área lingüística fortemente
fragmentada, atinge o distante espaço marroquino.
108
(gíria, calão). Também com respeito a isso não há pesquisas
comparativas.
No campo da formação de palavras (cf. Sandmann 1989)
tampouco existem pesquisas contrastivas com o português europeu.
Na língua falada no Brasil, há uma forte disposição para o uso do
sufixo -(z)inho (cf. PB supermercadinho), que se associa também com
advérbios, gerúndios e particípios (PB cedinho, pertinho;
dormindinho; chegadinho). Isso significa uma limitação nas possi-
bilidades da formação do diminutivo no português brasileiro, em
comparação com o português europeu. As relações, contudo, nem
sempre se apresentam de forma inequívoca, como pode mostrar o
título da tradução portuguesa de Le petit prince: PE O Principezinho
vs. PB O Pequeno Príncipe. O sufixo -inho é também gramatica-
lizado, em parte, no português do Brasil (caixinha ‘caixa onde se
depositam gorjetas’). O sufixo diminutivo -ito (rapazito), produtivo
no português europeu é evitado no Brasil.
O português brasileiro forma novas composições com -dromo
(sambódromo) e -lândia (cinelândia). Essa última formação,
inexistente em Portugal (fora de Disneylândia), surgiu no português
brasileiro por meio de empréstimos do alemão, sobretudo em
topônimos (Uberlândia, MG; cf. hinterlândia). Novas formações
ocorrem também no âmbito da política (brizolândia ‘os adeptos de
Leonel de Moura Brizola’). Na política, nomes de pessoas têm ainda
papel como base de derivações de verbos (brizolar ‘apoiar Brizola’,
‘administrar mal’) e de substantivos/adjetivos (malufista, malufiano,
malufar ‘roubar’ < Paulo Maluf) (cf. Sandmann 1989: 6, 68, 43, 61).
O dia-a-dia conduz a neologismos também em outros campos do
português brasileiro. Num artigo sobre o tráfico de droga na
Colômbia, encontra-se, a partir da palavra narcotráfico, ensejo para a
formação de narcopaís ‘país no qual o narcotráfico tem muita
importância’, narco-sociedade ‘sociedade dominada pelo narco-
tráfico’ e narcocassetes ‘videocassetes relacionadas com o narco-
tráfico’ (cf. Veja 21/2/1996: 26, 28). Em artigos sobre a avicultura
brasileira, para a determinação do sexo dos pintinhos – ato importante
para esse tipo de criação – ao lado de sexar ‘identificar o sexo de’ e
do substantivo abstrato sexagem ‘técnica empregada para
determinação do sexo’, aparece também a formação sexador, para
designar a profissão da pessoa que efetua a supramencionada
determinação (Veja 24/4/1996: 65). Além disso, há neologismos como
109
retirante ‘sertanejo que, sozinho ou em grupo, emigra para outras
regiões nacionais, fugindo à seca, nas regiões áridas do N.E.’
(Aurélio, s.v.), que surgiu dos desenvolvimentos sociais do século XX
no Brasil a partir de retirar ‘ir-se, partir’.
O português brasileiro desenvolveu analogamente ao francês uma
preferência por abreviaturas, as quais, às vezes, são mais usadas,
conseqüentemente, em detrimento às formas não-abreviadas,
chegando ao ponto de serem até mesmo lexicalizadas:124 Universidade
de São Paulo > USP ['uspi]; UTI (unidade de terapia intensiva);
Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), esta
última lexicalizada, por exemplo, em frases como ele tem um alto
ibope ‘ele tem muito prestígio’).
Com relação a prenomes masculinos, o português brasileiro
conhece, a par das formas tradicionais, uma grande riqueza de varia-
ções e combinações, que, em parte, também recorre a sobrenomes
estrangeiros: Ayrton, Ade, Cícero, Cleiton, Onildo, Patrick Rogean,
Robenildo, Wagner, Wellington Carlos (cf. Vieira da Costa 1988). A
particularidade de prenomes (femininos) de origem indígena já foi
mencionada, nesse capítulo, na parte sobre os tupinismos. Os
prenomes marianos (Maria Conceição etc.) freqüentes em Portugal
são menos divulgados no Brasil.
124
Cf. Novo Manual (1994: 245-261), Born (1996).
110
absorvente s.m. penso higiênico ‘landing’
s.m. ‘feminine napkin’ aterrissar v.intr. aterrar v.intr. ‘to
acostamento s.m. berma s.f. land’
‘(highway) shoulder’ aula de direção s.f. aula de con-
açougue s.m. talho s.m. dução s.f. ‘driving lesson’
‘butchery’; PE açougue autopista s.f. auto-estrada* s.f.
‘matadouro’ ‘slaughterhouse’ ‘highway’
açougueiro s.m. talhante s.m. babá s.f. ama s.f. ‘nanny’
‘butcher’ bacana adj. (col.) porreiro ‘neat’
aeromoça s.f. hospedeira s.f. bagunça s.f. (inf.) desordem* s.f.
‘flight attendant’ ‘mess’
afresco s.m. fresco s.m. ‘fresco’ bala s.f. rebuçado s.m. ‘sweet’
água-viva s.f. alforreca s.f. balconista s.m. empregado de
‘jellyfish’ balcão s.m. ‘shop assistant’
aids s.m. sida s.f. ‘AIDS’ banca (de jornal) s.f. quiosque s.m.
ajustagem s.f. regulação s.f. ‘newspaper stall’
‘regulation (machine)’ banca examinadora s.f. júri* s.f.
alavanca de câmbio (/de mu- ‘board of examination’
danças) s.f. alavanca de velo- bancar v.tr. dar-se ares de loc.v.
cidades s.f. ‘gear lever’ ‘to pretend to be’
alô interj. está lá? ‘hello’ banheiro s.m. casa de banho s.f.
alto-falante s.m. altifalante s.m. ‘bathroom; toilet’; PE banheiro
‘loudspeaker’ ‘salva-vidas’ ‘lifeguard’
aluguel s.m. renda s.f., aluguer barbeador s.m. máquina de
s.m. ‘rent’; PB renda ‘salário’ barbear s.f. ‘shaver’
‘income’ barca s.f. ferry-boat s.m. ‘ferry’
amolar v.tr. *chatear ‘to annoy’ barraca s.f. tenda s.f. ‘tent’
anágua s.f. saiote s.m. ‘petticoat’ bicha s.f. (inf.) maricas s.m.
andar térreo s.m. rés-do-chão s.m. ‘queer’; PE estar na bicha ‘to
‘ground floor’ line up’
apertar (um botão) v.tr. carregar bilhão s.m. mil milhões s.m.pl. ‘a
(num botão) v.tr. ‘to press (a thousand million’
button)’ bilheteria s.f. bilheteira s.f. ‘box-
apontador s.m. apara-lápis s.m. office’; PB bilheteiro aquele que
‘pencil sharpener’ vende ingressos ‘box-office
araponga s.f. delator s.m. ‘(police) clerk’
informer’ bolsa s.f. mala de mão s.f.
arquibancada s.f. bancada s.f. ‘handbag’
‘row of seats in a stadium’ bolso s.m. algibeira s.f. ‘pocket’
arquivo s.m. comp. ficheiro s.m. bonde s.m. eléctrico s.m.
‘file’ ‘streetcar’
atacadista s.m. grossista s.m. borboleta s.f. torniquete s.m.
‘wholesaler’ ‘turnstile’
aterrissagem s.f. aterragem s.f. botar v.tr. pôr*, colocar* v.tr. ‘to
111
put’; PE botar (inf.) ‘night-dress’; PE camisola
brecar v.intr. travar v.intr. ‘to ‘camiseta, suéter’ ‘undershirt,
brake’ pullover’
breque s.m. travão s.m. ‘brake’ camping s.m. 1. campismo s.m. 2.
caçamba s.f. alcatruz s.m. ‘(well) parque de campismo s.m.
bucket’ ‘camping; camping site’
cacheado adj. em cachos s.m. campo de esporte s.m. campo de
‘curly’ desportos s.m. ‘sports grounds’
cachorro s.m. cão* s.m. ‘dog’; PE camundongo s.m. rato* s.m.
cachorro ‘cão novo’ ‘puppy’ ‘mouse’
caçula (filho ~, irmão ~; filha ~, câncer s.m. cancro s.m. ‘cancer’
irmã ~) s.m., s.f., adj. o filho, o caolho adj. zarolho ‘one-eyed’
irmão mais novo; a filha, a irmã capa de chuva s.f. gabardine s.f.
mais nova s.m., s.f.; benjamim ‘raincoat’; PB/PE também im-
s.m. ‘the youngest son, permeável
brother/sister’ cara s.m. (col.) gajo s.m. ‘guy’
cadarços s.m.pl. atacadores s.m.pl. cardápio s.m. ementa s.f. ‘menu’
‘shoestrings’ carona (ir de ~) s.f. boleia (ir à ~)
cadê pr.interr. (col.) onde (está) s.f. ‘to hitch-hike’
‘where is’; Cadê meus óculos? carregador de malas s.m. baga-
cadeira de balanço s.f. cadeira de geiro s.m. ‘baggage-man’
baloiço s.f. ‘rocking-chair’ carro de aluguel s.m. carro de
café da manhã s.m. pequeno aluguer s.m. ‘hire car’
almoço s.m. ‘breakfast’ carro esportivo s.m. carro de des-
caixa de descarga s.f. autoclismo porto s.m. ‘sportscar’
s.m. ‘flush’ carta registrada s.f. carta regis-
caixa eletrônico s.m. caixa tada s.f. ‘registered letter’
automático s.m. ‘cash dispenser, cartão postal s.m. bilhete postal
ATM’ s.m. ‘postcard’
caixa postal s.f. apartado s.m. ‘PO carteira (/cédula) de identidade
box’ s.f. bilhete de identidade s.f. ‘ID
calçada s.f. passeio* s.m. card’
‘sidewalk’ carteira de motorista (/de habi-
calha s.f. caleira s.f. ‘gutter’ litação) s.f. carta de condução s.f.
calibrar (os pneus) v.tr. encher (os ‘driver’s licence’
pneus) v.tr. ‘to check the tires’ carteira s.f. 1. porta-moedas s.f.
camareira s.f. empregada de ‘wallet’ 2. maço s.m. ‘pack (of
quartos s.f. ‘chambermaid’ cigarettes)’
camelô s.m. vendedor ambulante* caxumba s.f. papeira s.f. ‘mumps’
s.m. ‘street vendor’ celular s.m. telemóvel s.m.
caminhão s.m. camião s.m. ‘truck’ ‘cellphone’
camiseta s.f. camisola s.f. ‘T-shirt, centroavante s.m. avançado-
undershirt’ centro s.m. ‘center-forward’
camisola s.f. camisa de dormir s.f. CEP ['s(pi] (código de endereça-
112
mento postal) s.m. código postal* ‘take-off’
s.m. ‘zip code’ decolar v.intr. descolar v.intr. ‘to
certificado de propriedade de take off’
veículo s.m. livrete s.m. ‘vehicle delegacia (de polícia) s.f. esquadra
registration document’ (de polícia) s.f. ‘police station’
chácara s.f quinta s.f. ‘small farm’ delegado s.m. comissário s.m.
chegar na hora loc.v. chegar à ‘superindendent’
tabela loc.v. ‘to be on time’ desenhista s.m. desenhador s.m.
chope s.m. imperial s.f., fino s.m. ‘drawer, designer’
‘draft beer’ diretoria s.f. direcção* s.f.
cobrador s.m. revisor s.m. ‘management’
‘conductor’ discar v.tr. marcar* v.tr. ‘to dial’
cochilar v.intr. dormitar v.intr. ‘to doador de sangue s.m. dador de
doze off’ sangue s.m. ‘blood donor’
comercial s.m. publicidade* s.f. dormitório s.m. quarto de dormir
‘commercial’ s.m. ‘bedroom’
comerciário s.m. empregado de drágea s.f. drageia s.f. ‘coated
comércio s.m. ‘commercial tablet’
employee’ drive-in s.m. autocinema s.m.
comissário de bordo s.m. criado ‘drive-in cinema’
de bordo s.m. ‘flight attendant’ ducha s.f. duche s.m. ‘shower’
concreto s.m. betão s.m. ‘concrete’ elevador s.m. ascensor, elevador
conexão s.f. ligação s.f. s.m. ‘elevator’
‘connection, connecting flight embreagem s.f. embraiagem s.f.
etc.’ ‘clutch’
conscientizar v.tr. conscientalizar encanador s.m. canalizador s.m.
v.tr. ‘to have an idea about’ ‘plumber’
contabilista s.m. contador s.m. encanamento s.m. encanação s.f.
‘accountant’ ‘sewerage’
conversível s.m. descapotável s.m. engraxate s.m. engraxador s.m.
‘convertible’ ‘shoeshiner’
cordão s.m. atacador s.m. ‘lace’ ensolarado adj. soalheiro ‘sunny’
córner s.m. canto s.m. ‘corner entorpecentes s.m.pl. estupefa-
(soccer)’; PB também tiro de cientes s.m.pl. ‘narcotics’
canto entretanto adv. contudo
costume s.m. 1. fato de saia e ‘however’
casaco s.m. ‘suit’; 2. fato s.m. equipe s.f. equipa s.f. ‘team
‘suit’ (players)’
cueca s.f. cueca(s) (de homem) s.f. escanteio s.m. canto s.m. ‘corner’;
‘underpants’; PB, para mulheres, PB também tiro de canto
calcinha escapamento s.m. escape s.m.
cúpula s.f. cimeira s.f. ‘summit ‘exhaust’
conference’ escova de roupa s.f. escova de
decolagem s.f. descolagem s.f. fatos s.f. ‘clothes brush’
113
escovar (os dentes) v.tr. lavar (os ‘vanity case’
dentes) v.tr. ‘to brush one’s frear v.tr., v.intr. travar v.tr.,
teeth’ v.intr. ‘to brake’
esfriar v.tr., v.intr., v.pr. arrefecer freio s.m. travão s.m. ‘brake’
v.tr., v.intr., v.pr. ‘to cool, to frentista s.m. gasolineiro s.m. ‘gas
grow cold’ station attendant’
esmalte de unhas s.m. verniz de fumaça s.f. fumo s.m. ‘smoke’
unhas s.m. ‘nail polish’ fumante s.m. fumador s.m.
esparadrapo s.m. adesivo s.m. ‘smoker’
‘adhesive tape’ fumo s.m. tabaco s.m. ‘tobacco’
esporte s.m. desporto s.m. ‘sport’ furadeira s.f. berbequim s.m.
esquentar v.tr., v.intr., v.pr. ‘drill’
aquecer v.tr., v.intr., v.pr. ‘to galho (quebrar um ~) loc. (inf.)
heat, to grow warm’ resolver um problema ‘to solve a
estação ferroviária s.f. estação problem’
dos caminhos de ferro s.f. garçom s.m. empregado de mesa
‘railroad station’ s.m. ‘waiter’
estepe s.m. roda sobresselente s.m. garçonete s.f. empregada de mesa
‘spare tyre’ s.f. ‘waitress’
estrada de ferro s.f. caminho de gari s.f. varredor s.m. ‘street-
ferro s.m. ‘railroad’ sweeper’
faixa de pedestres s.f. passadeira geladeira s.f. frigorífico s.m.
s.f. ‘crosswalk’ ‘refigerator’; PE geladeira ‘caixa
favela s.f. bairro de lata s.m. de isopor’ ‘ice box’
‘slum’ gol s.m. golo s.m. ‘goal’
faxineira s.f. mulher-a-dias s.f. goleiro s.m. guarda-redes s.m.
‘cleaning woman’ ‘goalkeeper’
fecho ecler s.m. fecho de correr grama s.f. relva* s.f. ‘grass’
s.m. ‘zipper’ gramado s.m. relvado s.m. ‘turf;
fichário s.m. ficheiro s.m. ‘card soccer field’
index’ grampeador s.m. agrafador s.m.
fila (fazer ~) s.f. bicha (estar na ~) ‘stapler’
s.f. ‘to line up’; v. bicha guidão s.m. guiador s.m. ‘handle
fofoca s.f. mexerica s.f. ‘gossip’ bar’
fogo (ter ~, dar ~) s.m. lume (ter, guincho s.m. carro de reboque*
dar ~) s.m. ‘to have, give a light’ s.m. ‘tow truck’
foguete s.m. foguetão s.m. guri s.m. miúdo s.m. ‘little boy’
‘rocket’; PE foguete ‘fogo de hidrante s.m. boca de incêndio s.f.
artifício’ ‘fireworks’ ‘fire hydrant’
fone s.m. auscultador s.m. hora de pique (/do rush) s.f. hora
‘receiver (telephone)’ de ponta s.f. ‘rush hour’
fones de ouvido s.m. ingresso s.m. bilhete de entrada
auscultadores s.m. ‘headphones’ s.m. ‘ticket’
frasqueira s.f. mala de toalete s.f. isopor s.m. esferovite s.f.
114
‘styrofoam’ metrô s.m. metro s.m. ‘subway’
jardineira s.f. educadora infantil mídia s.f. média s.f.pl.
s.f. ‘kindergarten teacher’ Ministério da Fazenda s.m.
jeans s.m.pl. ganga s.f. ‘jeans’ Ministério das Finanças s.m.
jogar fora v.tr. deitar fora ‘to ‘ministry of finance’
throw away’ Ministério das Relações Exte-
jornaleiro s.m. vendedor de jor- riores s.m. Ministério dos Ne-
nais s.m. ‘news vendor’ gócios Estrangeiros s.m.
laguna s.f. albufeira, laguna s.f. ‘Brazilian State Department’
‘lagoon’ Ministério dos Negócios Inte-
lanchonete s.f. snack-bar s.m. riores s.m. Ministério do Interior
‘snack bar’ s.m. ‘ministry of the interior’
lavadora s.f. máquina de lavar mobiliado adj. mobilado
roupa s.f. ‘washing machine’ ‘furnished’
lavanderia s.f. lava(n)daria s.f. moça s.f. rapariga s.f. ‘girl’; PB
‘laundry’ rapariga prostituta ‘prostitute’
legal adj. (col.) muito bom loc.adj. motorista s.m. condutor s.m.
‘all right’ ‘driver’; PE motorista ‘motorista
ligação s.f. telefonema* s.m. professional’ ‘professional
‘phonecall’ driver’
lixa de unha s.f. lima de unhas* mouse s.m. comp. rato s.m.
s.f. ‘nail file’ ‘mouse’
locadora de carros s.f. agência de nadadeira s.f. barbatana s.f. ‘fins’
aluguer de carros s.f. ‘car rental’ nécessaire s.m. saco de toalete
lotado adj. cheio ‘crowded’ s.m. ‘toilet bag’
lugar de nascimento s.m. natu- necrotério s.m. morgue s.f.
ralidade s.f. ‘birthplace’ ‘morgue’
macacão s.m. fato-macaco s.m. nenê s.m. bebé s.m. ‘baby’
‘worker’s overall’ oi interj. olá ‘hello’
maiô s.m. fato de banho s.m. óleo diesel s.m. gasóleo s.m.
‘bathing suit’ ‘diesel oil’
mamadeira s.f. biberão s.m. ônibus s.m. autocarro s.m. ‘bus’
‘feeding bottle’ ônibus espacial s.m. vaivém
marcha a ré s.f. marcha atrás s.f. espacial s.m. ‘space shuttle’
‘reverse gear’ orelhão s.m. cabina de telefone s.f.
marrom adj. castanho ‘brown’; ‘open phone booth’
PB olhos castanhos ‘brown eyes’ paletó s.m. casaco s.m. ‘jacket’;
meia num. seis ‘six’ (por ex., no PE paletó sobretudo ‘coat’
telefone) pão-duro adj. (col.) avarento
meia s.f. peúga s.f. ‘sock’ ‘stingy’
meio-fio s.m. borda do passeio s.f. Papai Noel s.m. Pai Natal s.m.
‘curb’ ‘Santa Claus’
mensageiro s.m. paquete s.m. parada s.m. paragem s.f. ‘(bus)
‘errand-boy’ stop’
115
pára-lama s.m. guarda-lama s.m. portão (de embarque) s.m. porta
‘fender’ (de embarque) s.f. ‘gate’
pedágio s.m. portagem s.f. ‘toll’ poste de iluminação s.m.
pedalinho s.m. barco a pedal s.m. lampião* da rua s.m. ‘lamppost’
‘pedalo’ pouso s.m. aterragem s.f. ‘landing’
pedestre s.m. peão s.m. prefeito s.m. presidente da Câmara
‘pedestrian’ Municipal s.m. ‘mayor’
pegar (o ônibus) v.tr. apanhar (o prefeitura s.f. Câmara Municipal
autocarro) v.tr. ‘to take’ (the bus) s.f. ‘town hall’
peleteria s.f. pelaria s.f. ‘furrier’'s preferencial s.f. rua com
shop’ prioridade s.f. ‘through street’
pernoite s.m. pernoita s.f. prefixo s.m. indicativo s.m. ‘area
‘overnight stay’ code’
persiana s.f. estore s.m. ‘blinds’ pré-primário s.m. pré-primária s.f.
piche s.m. alcatrão s.m. ‘tar’ ‘preschool’
pimentão s.m. pimento, pimentão pressão arterial s.f. tensão arterial
s.m. ‘sweet pepper’ s.f. ‘blood pressure’
pipa s.f. papagaio s.m. ‘kite’ presunto s.m. fiambre s.m.
pistolão s.m. cunha s.f. ‘protection ‘cooked ham’; PE presunto
of an influential person’ ‘presunto cru’ ‘uncooked ham’
piteira s.f. boquilha s.f. ‘cigar- pronto-socorro s.m. serviço de
holder; cigarette-holder’ urgência s.m. ‘emergency room’
pito s.m. cachimbo s.m. ‘pipe’ propina s.f. luvas s.f.pl. ‘bribe
planejar v.tr. planear v.tr. ‘to money’; PE propina ‘custo da
plan’ instrução’ ‘tuition’
plugue s.m. ficha s.f. ‘plug’ quadrinhos (história em ~)
pois não loc.adv. pois é loc.adv. s.m.pl. banda desenhada s.f.
‘of course’ ‘comic strips’
policial s.m. polícia s.m. ramal s.m. extensão s.f. ‘telephone
‘policeman’ extension line’
ponta-direita s.m. extremo-direito recompensa s.f. alvíssaras s.f.pl.
s.m. ‘outside-right’ ‘finder’s reward’
ponta-esquerda s.m. extremo- registrar v.tr. registar v.tr. ‘to
esquerdo s.m. ‘outside-left’ register’
ponto (de ônibus) s.m. paragem reserva s.f. suplente s.m.
s.f. ‘(bus) stop’ ‘substitute’ (soccer)
ponto de gasolina s.m. bomba de reservar v.tr. marcar v.tr. ‘to
gasolina s.f. ‘gas station’ reserve’
ponto de táxi s.m. praça de táxis resfriado s.m. constipação s.f.
s.f. ‘taxi stand’ ‘cold’
ponto final s.m. fim da linha s.m. resfriar-se v.pron. constipar-se
‘terminus’ v.pron. ‘to catch a cold’
porão s.m. cave s.f. ‘cellar’ restaurante universitário s.m.
porção s.f. dose s.f. ‘serving’ cantina universitária s.f.
116
‘commons’ tanque (de gasolina) s.m. depósito
retrasado (a semana ~a) adj. (a (de gasolina) s.m. ‘(gas) tank’
semana) atrasada ‘(the week) tela s.f. comp. ecrã s.m. ‘screen’
before last’ tempo s.m. parte s.f. ‘first, second
rodovia s.f. estrada* s.f. ‘highway’ half’ (soccer)
rodoviária s.f. estação rodoviária ter v.tr. haver v.tr. ‘to be, exist’;
s.f. ‘bus station’ tem há ‘there is’
roupa de baixo s.f. roupa interior terno s.m. fato s.m. ‘suit’
s.f. ‘underwear’ time s.m. equipa s.f. ‘team’
saco de dormir s.m. saco-cama toalete s.m. lavatório s.m.
s.m. ‘sleeping bag’ ‘lavatory, bathroom’
sacola s.f. saco s.m. ‘bag’ toca-discos s.m. gira-discos s.m.
salva-vidas s.m. banheiro, nadador ‘record player’
salvador s.m. ‘pool attendant, toca-fitas s.m. leitor de cassetes
lifeguard’; PE salva-vidas ‘barco, s.m. ‘cassette player’
colete salva-vidas’ ‘lifeboat, life torcedor s.m. fã* s.m. ‘fan’
vest’ tornozelo s.m. artelho, tornozelo
sebo s.m. alfarrabista s.m. ‘second- s.m. ‘ankle’
hand bookshop’ torrada s.f. tosta s.f. ‘toast’
secretária eletrônica s.f. aten- trailer s.m. caravana s.f., roulotte
dedor de chamadas s.m. ‘answer- s.f. ‘trailer’
ing machine’ trem (pegar o ~) s.m. (apanhar o)
senhorita s.f. menina s.f. ‘Miss’ comboio s.m. ‘train’
sinal s.m. semáforo s.m. ‘traffic trilha sonora s.f. banda sonora s.f.
light’ ‘sound track’
sítio s.m. quinta s.f. ‘small farm’ turma s.f. malta s.f. ‘(circle of)
sobrenome s.m. apelido s.m. friends, folks’
‘surname’; PE sobrenome turno s.m. volta s.f. ‘(first) ballot’
‘alcunha’ ‘nickname’ usina s.f. fábrica* s.f. ‘factory’
sorvete s.m. gelado s.m. ‘ice- usina nuclear s.f. central nuclear
cream’ s.f. ‘nuclear plant’
sorveteria s.f. geladaria s.f. ‘ice- usuário s.m. utente s.m. ‘user’
cream shop’ vagão s.m. carruagem s.f.
suco s.m. sumo s.m. ‘juice’ ‘carriage’
suéter s.m. camisola s.f., pulóver vagão-leito s.m. carruagem-cama
s.m. ‘pullover’ s.f. ‘sleeping car’
sujeira s.f. sujidade s.f. ‘dirt’ varal s.m. estandal s.m. ‘clothes-
surfar v.intr. praticar surf loc.v. line’
‘to surf’ varejista s.m. retalhista s.m.
tabacaria s.f. estanco s.m., taba- ‘retailer’
caria s.f. ‘tobacco shop’ varejo s.m. comércio a retalho
tabelião s.m. notário s.m. ‘notary’ s.m. ‘retail trade’
talão de cheques s.m. livro de veranista s.m. veraneante s.m.
cheques s.m. ‘checkbook’ ‘vacationer’
117
vestibular s.m. exame do 12° ano
s.m. ‘entrance examination’
(university)
videocâmara s.f. câmara de vídeo
s.f. ‘video camera’
vistoriar v.tr. revistar v.tr. ‘to
inspect’
vitrina s.f. montra s.f. ‘shop-
window’
xérox s.m. fotocópia* s.f. ‘photo-
copy’
xícara s.f. chávena* s.f. ‘cup’
xingar v.tr. *insultar (com palav-
ras) v.tr. ‘to insult’
zelador s.m. porteiro* s.m.
‘janitor’
118
3.4 Ortografia
Conforme a regulamentação válida em 2007 antes da entrada em vigor
do Acordo Ortográfico de 1990 existem diferenças ortográficas entre
o português europeu e o brasileiro que resultam preponderantemente
de divergências na pronúncia.125 Diferenças no grau de abertura das
vogais são marcadas com acento. A saber:
· Vogais tônicas antes de nasal (PE génio [‘Z(nju] vs. PB gênio
[‘Zenju]; PE António vs. PB Antônio; PE económico vs. PB
econômico).
· A primeira pessoa do plural da primeira conjugação contrastando o
presente e o pretérito perfeito do indicativo (PE cantamos [ä], can-
támos [a] vs. PB cantamos [ä]).
· A primeira pessoa do plural de dar contrastando o presente do
subjuntivo e o pretérito perfeito do indicativo (PE dêmos [e], demos
[(] vs. PB demos [e]).
· Vogais tônicas em final de palavra (PE guiché [(] vs. PB guichê [e]).
· O ditongo ei (PE ideia vs. PB idéia), que no português brasileiro é
realizado aberto ou fechado (idéia [(ì] vs. feio [eì]), enquanto o padrão
europeu generalizou a pronúncia [äì].126
Consoantes etimológicas mudas não são utilizadas de modo geral na
grafia do português brasileiro (PE óptimo [)] vs. PB ótimo [)]). Isso
também diz respeito a clusters consonantais que foram simplificados
na pronúncia do português brasileiro (PE secção [(k] vs. PB seção
[e]).
O português brasileiro grafa, por meio de um u tremado (<ü>), a
pronúncia da aproximante nos encontros [gw] e [kw] antes de vogais
anteriores (PE linguística [gw] vs. PB lingüística [gw]). Palavras em
-oo são escritas com acento circunflexo no português brasileiro (PE
voo vs. PB vôo).
125
Cf. Teyssier (1976: 52-54), Houaiss (1991a). A ortografia se baseia nas
regras de 1971 (Brasil) e de 1973 (Portugal) (cf. 7.4). A respeito do Acordo
Ortográfico de 1990, v. abaixo.
126
Também diz respeito o feminino dos adjetivos em -eu (PE europeia vs.
PB européia) e verbos em -ear (bolear, debrear, embrear, estrear, idear),
que, no português brasileiro, se escrevem com <éi> nas formas rizotônicas
(PE boleio [äì] vs. PB boléio [(ì]).
119
127
Cf. Houaiss (1991: 58-93), “Texto oficial do Acordo”.
121
128
“Junta a frota, depois que passou o temporal, por fugir da terra de
Guiné, onde as calmarias lhe podiam empedir seu caminho, empregou-se
muito no már, por lhe ficar seguro poder dobrar o Cabo de Bôa Esperança”
(João de Barros, Primeira Década 1552: 106).
129
Cf. Prado Jr.: “[...] ninguém se interessava pelo Brasil. A não ser os
traficantes de madeira [...] Todas as atenções de Portugal estavam voltadas
para o Oriente [...]” (1993: 31).
130
A França também estava interessada no comércio do pau-brasil. Em
1555, Nicolas Durand de Villegagnon fundou na baía de Guanabara (Rio de
Janeiro) o forte Coligny. A France Antarctique teve existência até 1565. No
final do século XVI, houve na costa entre Sergipe e Maranhão numerosas
bases francesas. Em 1616, os franceses fundaram São Luís do Maranhão.
123
131
Para conhecer a história, cf. Vianna (1980), Varnhagen (1981), Bethell
(1984), Buarque de Holanda (1985); do ponto de vista filológico, Elia (1992).
132
Em 1759, os jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal e
tiveram de abandonar o país. Para conhecer a história, cf. Serafim Leite
(1938-50), História da Companhia de Jesus no Brasil.
133
Os índios tingiam as penas com pau-brasil. Para a pintura da pele
usavam, para o branco, a tabatinga (argila), para o negro, o suco oxidado do
jenipapo e, para o vermelho, as cápsulas do urucum, que também espantava
mosquitos. Ambrósio Fernandes Brandão conta sobre isso nos Diálogos das
Grandezas do Brasil (Diálogos 1618: 154). Vicente Yáñez Pinzón já deve ter
levado a bordo 35 toneladas de pau-brasil quando ele atingiu a costa do Brasil
antes mesmo de Cabral, em janeiro de 1500. Gaspar Correia relata, nas
Lendas da Índia, que Cabral, após a descoberta do Brasil, teria enviado de
volta, diretamente para Portugal, um barco com carregamento equivalente (cf.
Vianna 1980: 105).
134
A designação pau-pernambuco ou pau-fernambuco refere-se à região
de Pernambuco, no nordeste do Brasil, que era famosa por causa desta
madeira (“o mais perfeito e de maior valia se tira das Capitanias de
Pernambuco, Tamaracá e Paraíba”, Diálogos 1618: 110).
124
Jr. 1993: 26). Américo Vespúcio narra, em 1502, numa carta dirigida
a Lorenzo di Pierfrancesco de’ Medici, sobre a costa brasileira:
“Trovamovi infinito virzino e molto buono da caricarne quanti
navili ogi sono nel mare e sanza costo nesuno [...]” (Pozzi 1984:
85).135
Na Europa de então, a madeira de tintura importada do Oriente,
sobretudo pelas repúblicas marítimas de Gênova e Veneza, era conhe-
cida desde há muito tempo sob as denominações de brasile e verzino.
Os árabes a compravam de Sumatra já no século IX.136 O nome árabe
baqqam encontra uma correspondência no malaio sapang e aponta
para a origem no sudeste asiático (port. sapão).137 A ligação com a
Ásia é evidente na descrição de viagem de Marco Polo em 1298: “Or
sachiés qu’il hi naist le berçi coilomin, que mout est buen”.138
A madeira era embarcada em toras finas, cortada em pequenas
lascas ou moída e fervida em água num processo posterior.139 O
extrato obtido assim era cobiçado, por causa de uma moda, difundida
na Idade Média, de tintura vermelha na fabricação de panos, bem
como no uso da cosmética.140
A etimologia controversa da designação brasil foi discutida no
passado não apenas entre lusitanistas. Uma vez que as formas do tipo
brasile se difundiram cedo (port. brasíll 1377; DELP, brasil),141 foi
135
A palavra italiana verzino e formas dialetais como o franco-italiano
berçi remontam ao ár. warsī < ár. wars ‘planta utilizada em tinturaria para dar
o tom amarelo-avermelhado’ (DELP, s.v. brasil).
136
Acerca disso testemunha Ibn Khurdādhbih no seu Kitāb al-Masālik
wa'l-mamālik (‘O Livro dos Caminhos e dos Reinos’): “Cette île produit le
bambou et le bakkam [...]” (Ed. Goeje 1889: 44; texto árabe, 153).
137
O pau-brasil brasileiro (Caesalpinia echinata) pertence a uma das
espécies do mesmo gênero da asiática (Caesalpinia sappan).
138
“Ora vocês devem saber que ali cresce o pau-brasil de Quilon que é
muito bom” (trad. de Ronchi 1982: 579). Quilon é uma cidade em Kerala, na
costa de Malabar (sudoeste da Índia).
139
Cf. fr. brésiller ‘mettre en menus morceaux’ (FEW XV,1: 258b).
140
Cf. esp. brasil ‘color de afeyte’ (Vocabulario 1516, s.v.).
141
Informações sobre o comércio de pau-brasil já existem em Portugal
desde 1342 (cf. Machado de Faria e Maia 1934: 16). Em conseqüência disso,
brasil já era corrente em português antes do primeiro testemunho de 1377. Cf.
cat. brasill 1221 (DECH, brasil), esp. brasil 1267 (Gual Caramena 1968:
240).
125
148
“D este Porto Seguro da vosa jlha de Vera Cruz oje sesta feira primeiro
dia de Mayo de 1500” (Cortesão 1994: 141).
149
“Tão pouco a existência da ilha foi assegurada, ela permaneceu como
antes nos mapas e ainda nos séculos XVII e XVIII encontra-se neles” (trad. de
Kretschmer 1892: 220). Ainda no século XIX, os mapas do almirantado
representam a oeste do extremo sul irlandês uma Brasil Rock (ibid., 221). Na
Ilha Terceira (Açores), próximo à cidade de Angra, há uma montanha com o
nome de Brasil.
150
L’Hoist era do ponto de vista de que Brasil remontia a uma versão do
nome daquela ilha mítica.
128
151
Este trecho da carta real, proveniente de uma cópia do Arquivio di
Stato em Veneza, diz na versão citada preponderantemente em espanhol: “El
dicho mi capitan con trece naos partió de Lisboa à nueve de Marzo del año
pasado. En las octavas de la pascua siguiente llegó à una tierra que
nuevamente descubrió, á la cual puso nombre de Santa Cruz, [...]” (Cortesão
1994: 181). Essa versão espanhola (Arquivo de Zaragoza; cf. Ribeiro/Araújo
Moreira Neto 1992: 94-97; Cortesão 1994: 181-186) é uma tradução, uma vez
que o rei de Portugal se correspondia com os reis católicos em português (cf.
História 1921-24: II, 167).
152
O mapa de Canerio (também Caverio, Caveiro, Caveri) surgiu por
volta de 1503 (Kretschmer 1991: 30a). Foi datado por La Roncière/Mollat du
Jourdain como sendo de 1505 (1984: 214b).
153
Nisso se associam fé e dever de catequese dos países recém-des-
cobertos, o que era uma conseqüência da divisão do Novo Mundo, inter-
mediada pelo papa, entre Portugal e Espanha. Os documentos mais
representativos relativos a isso são as bulas Romanus Pontifex (1455) e Inter
Caetera (1493), assim como o Tratado de Tordesilhas, de 1494 (cf.
Ribeiro/Araújo Moreira Neto 1993: 66-74). Esse tratado estipulava os
domínios de poder da Espanha e de Portugal. O domínio português se estendia
370 léguas a oeste, a partir das ilhas de Cabo Verde e inclui, assim,
inicialmente somente o leste do Brasil. O limite ocidental formava uma
129
de que uma decisão entre Santa Cruz e Brasil tenha ocorrido somente
por volta de 1530/40. O nome Brasil (terra, terras do Brasil) era
usual, todavia, desde o início, entre a população, enquanto terra de
Santa Cruz era usado apenas oficialmente. A relação original de
ambos os nomes aparece claramente expressa em 1576 no título da
citada História da Província de S. Cruz, a que Vulgarmente
Chamamos Brasil, de Magalhães Gândavo (História 1576).
Já em 1504, o fiorentino Giovanni da Empoli utilizava o nome
“Bresil” após uma viagem ao Brasil com Afonso de Albuquerque:
“[...] navigando pure in detta volta, ci trovammo tanto avanti per
mezo la terra della Vera Croce, over del Bresil cosí nominata, altre
volte discoperta per Amerigo Vespucci, nella qual si fa buona
somma di cassia e di verzino” (Ramusio 1978: 744).156
No espaço lingüístico da língua alemã, a designação da terra está
documentada também em 1504, pela primeira vez, na Beschreibung
einer Meerfahrt von Lissabon nach Calacut (‘Descrição de uma
viagem marítima de Lisboa para Calicute’):
“Darnach fahren sy zu einem land, heisst terra de santa Cenis [sic].
Waisst man nit, ob es ain Insel, oder ein Land ist. [...] Und bringt
man aus gemelten landen vill prisilli. Das cost nichtz, dan dass
man das abhaut, und sucht man noch stets in ermelten landen, hofft
ander ding darin zu finden. Heisst nova terra de Prisilli [...]”
(Greiff 1861: 160-161).157
Na forma germanizada, o nome aparece num relato que narra sobre a
viagem ao Brasil de dois navios portugueses nos primeiros anos do
156
Sob a impressão das viagens e relatos de Américo Vespúcio, Martin
Waldseemüller registra pela primeira vez o nome América em seu mapa-
múndi de 1507 para a extensão do Brasil (Kretschmer 1991: lâmina XX). A
generalização do nome para a totalidade do continente americano seguiu o
mapa-múndi de Mercator, de 1538 (ibid., 44a).
157
“Depois viajam para um país, chamado terra de santa Cenis [sic]. Não
se sabe se se trata de uma ilha ou de um país [...] das mencionadas terras se
obtém muito pau-brasil. Não custa nada, apenas é preciso cortá-lo; continuam
procurando na citada região, esperando encontrar ali outra coisa. Chama-se
Nova Terra de Prisilli” (trad. de Greiff 1861: 160-161). Não se trata da
conhecida viagem às Índias de Balthasar Sprenger (Springer) dos anos
1505/06, publicada em 1509 (cf. Schulze 1902).
131
158
Trata-se dos Fugger (cf. Koppel 1986: 10) ou dos Welser (cf. Wieser
1881: 96-97).
159
Weller (1872: 5-8), Wieser (1881: 99-107) e outros oferecem uma
edição. O Newe Zeytung não tem uma data precisamente definida. Ele surgiu,
no máximo, em 1514 (cf. Koppel 1986, 11). Wieser (1881: 92) chama a
atenção para o fato de que um panfleto esteja anexado ao exemplar de
Dresden do Newe Zeytung, o qual remonta ao ano de 1508 e “concorda
completamente no formato e na configuração tipográfica com o Zeytung”.
Weller (1872: 87) data o Newe Zeytung com a hipótese de que se trata de um
relato de Américo Vespúcio, de 1505. Cf. também Ribeiro/Araújo Moreira
Neto (1993: 112-114) e Barroso (1941: 191-196).
132
Sofala, Cochim, Melinde,
[..]
E chegareis
a Goa e perguntareis
se é inda sojugada
[...]
Perguntai à populosa,
próspera e forte Malaca,
[...]
(Fama 1510: 126-127)
Machado não consegue decidir se o autor quis designar com “a terra
do Brasil” realmente o Brasil ou apenas uma região tropical, onde
nasça o pau-brasil (1965: 194). Perante o contexto de uma
enumeração de bases portuguesas no caminho das Índias, no qual
Cabral conhecidamente atingiu o Novo Mundo, a “terra do Brasil” de
Gil Vicente é uma das etapas e se refere ao Brasil. Já em 1505 existem
testemunhos portugueses para Brasil, os quais não eram
evidentemente conhecidos por Machado. Num diário de bordo,
anotou-se:
“aos 6 dias de mayo forõ leste hoeste cõ a terra de Brazil 200
legoas e dhy se forõ ao sul ata 40 grados” (Schmeller 1847: 48).
No mesmo ano, Duarte Pacheco Pereira definia, em Esmeraldo de situ
orbis, os pontos geográficos no Brasil, por meio da indicação dos
graus de latitude:
“Estes sam os graaos da ladeza que se estes luguares da terra do
Brasil d’aleem do mar Oceano hapartam da linha equinocial em
ladeza contra ho pollo antarctico” (Esmeraldo 1505ss.: 38).160
No Livro da Nau Bretoa, diário de bordo de uma viagem ao Brasil, de
1511, ocorreu também uma indicação inequívoca do nome. O incipit
diz:
“Llyuro da nāoo bertoa que vay para a terra do brazyll de que som
armadores bertolameu marchone e benadito morelle e fernâ de
lloronha e francisco mjz que partio deste porto de lix.a a xxij de
160
Para aclarar a cronologia: as indicações provêm do primeiro livro (cap.
VII) de Esmeraldo de situ orbis. O capítulo XIV foi concluído em 1505, uma
vez que o autor expõe: “[...] vay ora em noventa annos que Cepta foy tomada
por força d’armas aos Mouros [...] (Esmeraldo 1505ss.: 51). Ceuta fora
conquistada em 1415 pelos portugueses.
133
o
feureiro de 511. L. do dia que partimos da cydade de de (ita)
llysboa para ho brazyll ate que tornamos a purtugall” (Nau Bretoa
1511: 96).
Em 1512, Brasil é, pela primeira vez, registrado num mapa. Trata-se
de um mapa-múndi veneziano Orbis typus universalis tabula, de
Girolamo Marini (“Hieronimi Marini fecit Venetia MDXII”).161 O
mapa do autor, quase não comentado na literatura especializada da
Geografia, encontra-se hoje no Ministério das Relações Exteriores, no
Brasil (Itamaraty).
Por volta de 1510/12, o Globo Lenox refere-se tanto à Terra de
Brazil, quanto à Terra Sanctae Crvcis (Kretschmer 1991, lâmina
XI,1). Em 1513, o rei português D. Manuel I falava também,
oficialmente, numa carta aos monarcas espanhóis, de “nossa terra do
Brasyl” (Machado 1965: 194). No globo terrestre de Leonardo da
Vinci, por volta de 1515, o termo Brazill, como, previamente em
Marini, é designação exclusiva de uma terra (Kretschmer 1991,
lâmina XI,3). Disseminou-se, desde então, na cartografia. O globo de
Schöner recapitulou, em 1520, America vel Brasilia vel Papagalli
Terra (ibid., lâmina XIII).
O nome Brasil possuía, naquele tempo, também uma conotação
negativa, como testemunha a seguinte referência no Auto da Barca do
Purgatório, de Gil Vicente, de 1518:
162
Hoje brasis significa, em primeiro lugar, ‘as terras do Brasil’ (cf. em
alguns Brasis).
163
Também Frei Vicente do Salvador usa brasil neste sentido. Na
História do Brasil narra sobre um indígena batizado: “Seu nome brasil foi
Araribóia e no batismo se chamou Martim Afonso de Sousa [...]” (História
1627: 169).
135
“Debaixo da ramada se representou pelos indios um dialogo
pastoril, em lingua brasilica, portugueza e castelhana, [...]” (Trata-
dos 1583ss.: 150).
Além dessas designações relacionadas com os indígenas não havia no
Brasil, naquela época, nenhum etnônimo para os habitantes da terra.
Em relatos escritos, que foram exclusivamente impressos em Portugal
(cf. 5.4), fala-se de “os Portugueses, os Nossos, os nossos
Portugueses, a nossa gente, os nossos Paisanos, os Lusitanos”164 (cf.
Brito Freyre 1675, passim). Isso também pode ter valido como sinal
de definição nacional face aos concorrentes europeus de Portugal na
América do Sul (“Castelhanos, Franceses, Olandeses”). Contudo,
existia, no Brasil, uma consciência de origem comum. Assim os
descendentes de portugueses e de outros imigrantes europeus nascidos
na terra foram chamados de mazombos.165 Como mazombo se inclui
também Padre Antônio Vieira, que tinha vindo ao Brasil em 1614 com
a idade de seis anos. Numa carta, expressa-se com relação aos hábitos
alimentares:
“[...] a mesma informação nos deu tambêm o Padre Manuel de
Sousa, o qual está tão prático, que sendo todos os outros que aqui
viemos mazombos, êle é o que menos estranha esta diferença de
manjar” (Peixoto/Alves 1921: I, 258).
Fora isso, Vieira expressa um sentimento especial de solidariedade ao
país, quando fala, em 1673, sobre o Brasil como uma terra “a quem,
pelo segundo nascimento, devo as obrigações de pátria” (ibid., 42).
Inicialmente a única possibilidade de especificar “brasileiro” face
de “português” exigia apenas o atributo do Brasil: dizia-se “jentios da
dita terra do Brasill”, “povoações do Brasill” e “costa do Brasyll”
(História 1921-24: III, 348b, 348a, 313a). Além disso, a construção
nominal (“costa do Brasyll”) não corresponde ao atual uso lingüístico
(costa brasileira, litoral brasileiro). Fora dos contextos indígenas
(brasil, brasílico, brasilienses) permaneceu, por conseguinte, uma
lacuna lexical e semântica com respeito à afiliação com a terra e com
a origem brasileira.
164
No Estado do Maranhão, utilizou-se ainda a designação luso-
americanos.
165
Cf. Varnhagen (1981 [11856]: I, 215), Friederici (1960, s.v.), Aurélio
(s.v.).
136
166
Não se deve confundir esta palavra como os brasilienses ‘jesuítas’.
Machado (DELP) e A. G. da Cunha (DENF) não mencionam brasilense.
167
Nascentes (1966) não registra brasileiro, Machado (DELP, s.v.) aceita
com reservas uma ocorrência do século XVIII e A. G. da Cunha (DENF, s.v.)
data o primeiro testemunho em 1833, embora a Constituição brasileira já
tivesse oficializado, em 1824, o termo brasileiro. Houaiss (s.v.) indica
brazileiro como sendo de 1706.
137
168
Um significado equivalente traz hoje, no português brasileiro, a
palavra matuto < mato.
169
No âmbito da lingüística, pensa-se, por exemplo, em designações
como a dos “neogramáticos”, inicialmente com intenção negativa, contudo, ao
fim e ao cabo, aceita.
170
Os holandeses dominaram de 1630 a 1654 o Nordeste do Brasil (com o
centro das atividades em Pernambuco), para controlar a produção de açúcar e,
com isso, evitar o embargo espanhol (cf. união de Espanha e Portugal, 1580-
1640, separação dos Países Baixos espanhóis 1581; cf. Boxer 1973).
138
(Brito Freyre 1675: 399). Brasílico aparece, desde então, com uma
referência toponomástica:
“[...] Américo Vespucio (de quem fallamos já) mandou explorar
mais particularmente as qualidades das gEtes, terras, portos, &
monções da Costa Brasilica, [...]” (Brito Freyre 1675: 71).
O termo brasileiro impôs-se, finalmente, de maneira geral. Do século
XVII existem dois outros testemunhos até agora não apontados pela
literatura especializada. O baiano Gregório de Matos, famoso por sua
poesia satírica, formulou assim, por volta de 1680, em autocrítica
irônica à exploração colonial de sua terra natal pelos portugueses:
Que os Brasileiros são bestas,
e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal.
(Matos 1992: 1172)
Com satisfação pela afastamento do governador geral Antônio Luís
Gonçalves da Câmara Coutinho em Salvador (1690-1694), Gregório
de Matos escreveu ao sucessor dele, João de Alencastre:
171
Achando que o empréstimo se documenta já em El Orinoco ilustrado
(Gumilla 1745), Boyd-Bowman cita esse contexto: “brasileros siguieron... el
genio de todos los americanos naturales” (Boyd-Bowman 1982, s.v.). Visto
que a edição fac-similar registra, na posição em questão, Brasiles (Gumilla
1745: I, 396) e uma outra edição dá a lição brasileños (Gumilla 1963: 267), a
abonação de Boyd-Bowman, para 1745, não tem valor como autêntica. Aliás,
brasilero, no contexto citado, se refere aos indígenas. No século XIX,
contudo, o termo brasilero está definitivamente testemunhado no espanhol
americano (Boyd-Bowman 1984, s.v.).
172
Dessa forma está no Novo entremez|os malaquecos,|ou|os costumes
brazileiros, entre 1768 e 1787 (Teyssier 1983: 603, n. 17), no Novo Intremez
Intitulado Astucias de Tratante, ou o Brazileiro inganado de 1798 (Teyssier
1983: 605, n. 24) e em O Periquito ao Ar, por volta de 1800 (Rodrigues Maia
c1800: 309v).
173
Na guerra entre Argentina e Brasil pela província do Prata (Uruguai),
os argentinos falavam ainda em 1827 dos “portugueses enemigos nuestros”
(Calmon 1937-39: II, 24-25).
140
174
Por conseguinte, o viajante alemão de Rango anotou em seu diário:
“Brasilianische Portugiesen (Brazileiros)” (1821: 110).
175
O Visconde de Pedra Branca (cf. 5.7) usou na França a designação
“idiome brésilien” (Balbi 1826: 173).
176
Cf. Chaves de Melo (1972a), Alencar e a «língua brasileira».
141
177
Textos especializados nesse tema se encontram na edição de dois
volumes de O Português do Brasil. Textos críticos e teóricos, de Pimentel
Pinto (1978-81). — Para a discussão sobre a língua brasileira, cf. João
Ribeiro (1933, 11921), Rocha Peregrino (1921), Guimarães Daupiás (1924),
Nascentes (1924), João Ribeiro (1927), Dantas (1929), X. Marques (1932a,
1933a), Mota Assunção (1933), Castro Lopes (1935), Großmann (1936-37:
264), Jucá Filho (1937), Sérgio (1937a), Leda (1939), Magalhães de Azeredo
(1939), Nascentes (1939: 51-60), Sanches 1940), Almeida Torres (1941),
Chediak (1941), Ricardo (1941), M. Martins (1943), Miranda (1944a, 1944b),
Academia (1946), Moreno (1946), Campos (1948), C. Monteiro (1948),
Dantas (1949), Senna (1953), Parentes Fortes (1957a), Elia (1961), A. Leite
(1962), Soares Amora (1966), Malpique (1970), Haberly (1973), Pimentel
Pinto (1978-81: I, XV-XLIII; II: XIII-LI), João Ribeiro (1979), Pimentel
Pinto (1980), Scotti-Rosin (1981-82), Tarallo (1990: 86-90), Castellanos
Pfeiffer (1998), Payer/Dias (1998).
178
“O idioma brasileiro há-de vir um dia a diferenciar-se do português
como êste do latim»” (Alfonso Celso, apud Paiva Boléo 1932a: 645).
142
179
Sobre o Modernismo, cf. Placer (1972), Modernismo Brasileiro.
Bibliografia (1918-1971), Loureiro Chaves et al. (1970), Lessa (1976),
Martins (1977), Barbadinho Neto (1972, 1977).
180
Cf. brasileiro, dialeto brasileiro, língua pátria, luso-americano, luso-
brasileiro, neoportuguês (cf. Pimentel Pinto 1978-81: I, XXXII).
181
Também aqui surge um certo paralelo com o espanhol americano. Na
Argentina, fala-se, no século XIX de “lengua” e “idioma nacional” (Rosenblat
1961: 44-45), que aponta para algo contra a denominação, ainda hoje evitada,
de español.
182
Cf. J. A. Castro (1986), “Formação e desenvolvimento da língua
nacional brasileira”, Marcelino Cardoso (1986), “Língua nacional, diver-
sidade lingüística e constituição”.
143
183
A opinião de Barme (2000), de que a língua popular brasileira se teria
afastado tanto tipologicamente do padrão europeu, que se poderia falar, nesse
sentido, de uma “língua brasileira”, se contradiz na utilização do termo. Não
se pode falar de “língua brasileira” e delimitá-la ao registro diastrático
popular. Pois o português brasileiro não se desassocia da norma urbana culta e
da língua escrita.
144
184
“Dans notre literatura de cordel et dans quelques romans il y a des
textes et des dialogues imitant le langage du Brésil, mais cela n’a pas de
valeur scientifique” (Leite de Vasconcellos 1987: 45, n. 88).
185
Pimentel Pinto (1978-81) não apresenta em O Português do Brasil
textos anteriores à Independência e privilegia considerações acerca da língua
brasileira. A obra é, para o estudo dos documentos lingüísticos, de menor
utilidade. Teyssier (1983) publicou um artigo fundamental para a apresen-
tação do brasileiro no teatro português do século XVIII.
145
186
Villalta (2001: 334) parte de somente 340 línguas.
187
Cf. Rodrigues (1993), Almanaque Abril (1999: 166ss.).
188
“[...] altera Classis eiusdem regis Xrtianissi/mi ad id deputata secuta
litus illius terrae/ septingente LX. leucis quasi in populo unam/ linguam
147
“A lingoa de que usam, toda pela costa, he uma: ainda que em
certos vocabulos differe n’algumas partes; mas nam de maneira
que se deixem huns aos outros de entender: isto até altura de vinte
e sete gràos, [...]” (História 1576: 122).
A transição do tupi para o guarani se efetuava ao longo do litoral de
Cananéia, na área de fronteira entre São Paulo e o atual Estado do
Paraná (Rodrigues 1996: 7). O guarani dos índios carijó se estendia,
em direção ao sul, até a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul e, em
direção ao oeste, para o Paraguai e o Mato Grosso do Sul (Monteiro
1998: 476-477).
Entre os índios falantes de tupi se diferenciavam os tupiniquin (ou
simplesmente tupi) e os tupinambá. No Norte e Nordeste, os
tupinambá espalhavam-se das costas do Pará até o rio Parnaíba, assim
como do rio São Francisco até Camamu (BA).
A zona entre o Piauí e o rio São Francisco era povoada por tribos
tupiniquin, os quais eram chamados de potiguares na região ao norte
do rio Paraíba e de caeté do Paraíba até Alagoas. Entre Camamu (BA)
e o Espírito Santo, encontravam-se outros tupiniquin, cujo território
ao sul passava para o dos tupinambá do Rio de Janeiro. Esses foram lá
denominados tamoios e mantinham, em meados do século XVI,
relações amistosas com os franceses.
De Angra dos Reis pela região de São Vicente e Piratininga até
Cananéia (SP), bem como, a oeste até o rio Tietê, espalhavam-se
novamente os tupiniquin (Rodrigues 1997: 373-374, 2006: 155). A
fronteira lingüística entre as variedades dos tupinambá e dos
tupiniquim em Angra dos Reis se reflete nos topônimos, pois na zona
setentrional aparece a vogal central fechada [ɨ] <y> do tupi como [i]
(Tijuca, RJ < tyjuca ‘brejo, lama’), ao sul como [u] (Taubaté, SP < itá
ybaté ‘pedra alta’) (Rodrigues 1995: 235-237).189
196
Quando se quantificam os empréstimos por classes de palavras, obtêm-
se, para cada língua, resultados diferentes, porém a relação entre cada classe
de palavra apresenta uma certa constância. Os substantivos situam-se, nesse
caso, no topo, com cerca de três quartos do contingente (cf. Haugen 1950:
224).
197
Para a Ásia, cf. Glossário Luso-Asiático (Dalgado 1982).
151
198
Cf. Diario (1492-93: 125, 130).
199
Cf. História (1921-24: II, 85-99), Capistrano de Abreu (1929: 287-
307), Cortesão (1943), S. Castro (1985), Cortesão (1994: 127-141). Cf. 4.1.
152
200
Cf. Marcus (1987), “L’arawak dans le lexique luso-brésilien”.
201
Cf. História (1921-24: II, 100-105), Ribeiro/Araújo Moreira Neto
(1992: 56-57), Cortesão (1994: 143-144).
202
Cf. a versão italiana (Berchert 1892, 83-86; Ramusio 1979: 949-956) e
a tradução portuguesa (História 1921-24: II, 106-117; Cortesão 1994: 145-
166).
203
O material de Vespúcio se encontra em Pozzi (1984; cf. 75-85, 87-
121). Ao contrário do que diz, a apresentação de Waldseemüller na Cosmo-
graphiae Introductio de 1507, Vespúcio empreendeu não quatro, mas somente
duas viagens ao Novo Mundo. Os relatos do Brasil se referem à viagem de
1501 (cf. Ramusio 1978: 657-658).
204
Cf. Julien/Herval/Beauchesne (1946), Les Français en Amérique pen-
dant la première moitié du XVIe siècle, 23-49.
153
205
Ambrósio Fernandes Brandão descreve esses animais nos Diálogos das
Grandezas do Brasil da maneira que se segue: “tuins, de pequeno corpo e mui
lindos, que explicam arrazoadamente tudo o que lhes ensinam”, “os formosos
e lindos sagüins que se criam nesta província, donde os levam para Portugal,
com serem lá estimados pelo seu bom cabelo, pequeno corpo, feições do rosto
e viveza dos espíritos” (Diálogos 1618: 173; 204).
206
Tuim ‘ave psitaciforme, [...] tem coloração geral verde [...]’; sagüi
‘designação comum às espécies de primatas, da família dos calitriquídeos,
com cinco gêneros e várias espécies em território brasileiro [...]’ (Aurélio,
s.v.). O francês também tomou emprestado sagüi (DDM: 1537, sagouin). Cf.
Friederici (1960, saguin; tuim), DHPT (s.v.).
207
Neiva (1940: 3-4) também aponta para uí e pindá. A ordenação de uma
outra palavra, por Cardoso (“tun, por tunga, bicho de pé”; 1961a: 41) mostra-
se contudo como errada, visto que a correspondente italiana em Pigafetta é
“buono” (1800: 191).
154
208
O espanhol, por sua vez, tomou emprestada a palavra do guarani. É
atestada em 1527 em Enrique Montes (“mandioque”) (cf. Ribeiro/Araújo
Moreira Neto 1992: 112).
209
Cf. esp. durazno (Ilhas Canárias e América Hispânica) para melocotón
‘pêssego’.
210
Já na lista dos “vocaboli del Brasile” de Pigafetta se encontra “tun”
(1800: 191), que Cardoso (1961: 41) associa ao bicho-do-pé (“tun, por tunga,
156
213
A datação é fornecida por Houaiss (s.v.), quando não for marcado
diferentemente. As indicações com * são testemunhos indiretos da carta
perdida de Nóbrega de 1549 (Cartas do Brasil, 60; 62) e de um texto latino de
Anchieta (1560).
158
Com o termo pacova (pacoba; cf. tupi oba ‘folha’), Thevet designa
a banana, cujo nome da África ocidental ainda não era usual. Thevet
indica a bananeira também como tendo uma afiliação indígena na
forma “paquouere”. Nisso reside, contudo, um erro, haja vista que se
trata evidentemente já da derivação portuguesa pacoveira (com o
sufixo -eira, cf. bananeira), que, em português, por sua vez, somente
é documentada em 1618 (Houaiss).
A já testemunhada mandioca (tupi mani’oka) aparece em Thevet e
Léry sob uma variante especial (Thevet: manihot, Léry: maniot). A
variação de formas com e sem <d> provém do tupi, que realiza a
consoante pré-nasalizada nd <n> também como [n]. A grafia com <h>
tem ligação provavelmente também com a pronúncia, visto que
Thevet, valendo-se da representação da glotal ainda realizada no
francês do século XVI (em palavras de origem germânica), distingue
evidentemente o golpe de glote homorgânico <’> [ʔ] existente no tupi.
É bastante notável a terminação -ot, que contrasta com -oca e, com
isso, apresenta um interessante paralelo com a forma guarani
mandi’o(g), estando a zona de fala guarani mais ao sul. Na forma
francesa que aparece em Thevet (atualmente se diz manioc), baseia-se
também o nome científico Manihot esculenta.
Uma curiosidade no relato de Thevet é o francês pétun ‘tabaco,
fumo’, que só é difundida regionalmente no português sob a forma
petume. A palavra foi aceita em francês, formou a derivação pétuner
‘fumar, aspirar rapé’ e foi até o século XVII um concorrente termino-
lógico para tabac. No século XIX, cunhou-se, com a mesma base, o
francês pétunia, como nome de gênero das petúnias endêmicas da
América do Sul, que é, como o tabaco, uma solanácea e é cultivada
como planta ornamental na Europa. Sob a forma petúnia, essa palavra
foi devolvida ao português. Pétun era considerado um arcaísmo no
francês standard já no século XVIII, mas se estabeleceu no bretão
(bret. butun ‘tabaco, fumo’, butunat ‘fumar’, butuner ‘fumante’,
butuneg ‘campo de tabaco’). A participação ativa dos bretões nas
expedições ao Brasil é conhecida. O próprio Villegagnon, o fundador
do Fort Coligny, por exemplo, provinha da Bretanha.
A palavra jacaré (em Thevet: “jacare absou” com o sufixóide
aumentativo -açu) merece menção especial. Do ponto de vista
terminológico, tanto os espanhóis no Caribe quanto os portugueses
tomaram nota do fato de que no Novo Mundo se encontrava um tipo
especial de crocodilo, a saber, o caimão (cf. esp. caimán < taino). A
163
214
Já Staden tinha citado a muçurana, uma espécie não-peçonhenta de
serpente. No entanto, a palavra aparece em Staden em sentido figurado e
designa entre os índios um cordão grosso com o qual amarravam seus prisio-
neiros.
166
215
Houaiss indica o Tratado da Terra do Brasil com “a1576”. Em fontes
da literatura brasileira é datado, em regra, por volta de 1570 (cf. Magalhães
Gândavo 1980: 11).
167
216
“E agora, da conquista de Ásia, tomamos chatinar por “mercadejar”, //
beniaga por “mercadoria”, lascarim por “homem de guerra”, çumbaya por
“mesura” e “cortesia”, e outros vocábulos que sam já tam naturaes na boca
dos homEes que naquellas partes andaram, como o seu próprio português”
(Diálogo 1540: 81).
170
217
João de Barros escreve: “[...] per esta nossa arte aprenderem a nossa
linguagem com que póssam ser doutrinados em os preçeitos da nossa fé, que
nella vam escritos” (Diálogo 1540: 85). João de Barros aponta nesse contexto
a transitoriedade do poder e as vantagens de uma influência cultural nas
colônias: “As armas e padrões portugueses postos em África e em Ásia e em
tantas mil ilhas fora da repartiçam das três partes da terra, materiaes sam e
pode-âs o tempo gastar; peró nam gastará doutrina, costumes, linguagem que
os Portugueses nestas terras leixarem” (Diálogo 1540: 85).
218
Teyssier menciona somente a síncope do /d/ intervocálico na termi-
nação da segunda pessoa do plural (cf. -ades [‘ades] > [‘aðes]> [‘aes] > [‘aìs])
(1984: 44). Esse desenvolvimento iniciou-se no século XV.
171
língua posta no mesmo lugar, salvo quando o t se forma com mais
espírito e com a língua mais levantada para o pàdar, e o d com ela
entre os dentes” (Ortografia 1576: 57).
A fricativização (“entre os dentes”) documentada para o /d/ e ocorrida
no português europeu na segunda metade do século XVI foi, portanto,
evidentemente o primeiro índice de diferenciação entre o português
europeu e o brasileiro.
A passagem para o século XVII não traz nenhuma alteração na
situação das fontes metalingüísticas. Duarte Nunes de Leão afirma na
Origem da Língua Portuguesa (1606) somente que no Brasil se fala
português.219 Suas listagens de empréstimos europeus e orientais no
português não levam em consideração as colônias.
Nascentes acredita, invocando a História de Antônio Vieira de J.
L. de Azevedo, poder ter uma informação acerca da pronúncia
brasileira do século XVII e informa que o padre Vieira, que havia
vindo criança para o Brasil, tinha recebido o sotaque da terra: “[...] já
apanhou uma ponta de sotaque” (Nascentes 1952: 180). Essa
apresentação se manifesta, contudo, errônea, visto que Azevedo tinha
formulado o sotaque de Vieira como pura hipótese: “Acaso também
uma ponta de sotaque, que já nesse tempo adoçaria a fala do Brasil”
(Azevedo 1931: 69-70).220
Os contatos com os índios fornecem preponderantemente
informações lingüísticas para o Brasil daquela época e não permitem
conclusões concretas para o português. A escassez de dados se
expressa na seguinte afirmação:
“Em Pernambuco, em 1595, o mameluco Francisco Barbosa podia
entender a fala do gentio: «... ouviu... huas palavras na lingoa que
219
“[...] se falla em muitas cidades de Africa, que ao nosso jugo saõ
subjectas, como no mesmo Portugal, & em muitas prouincias da Ethiopia, da
Persia & da India, onde temos cidades e colonias, nos Syonitas, nos Malaios,
nos Maluqueses, Lequeos, & nos Brasijs, & nas muitas & grandes ilhas do
mar Oceano, & tantas outras partes [...]” (Origem 1606: 318).
220
Da mesma maneira, Gomes se permitiu uma interpretação errônea do
acento do padre Vieira: “O sotaque brasileiro, que lhe foi marcado em
Portugal, era um sinal incontestável de forte impregnação do ambiente em que
passara os tempos mais impressivos de sua existência” (1986: 81; sem
indicação de fonte). Aliás, essa formulação é plágio literal de um artigo de
Bem Veiga (1970: cf. 52; também sem indicação da fonte).
172
querião dizer queres mais, ...»” (Silva Neto 1946: 10, sem a
indicação da fonte).
Do que foi dito acima, deduz-se somente que o mestiço Francisco
Barbosa entendia a fala dos índios (“a fala do gentio”).
Em 1620, o jesuíta espanhol Juan Sardina Mimoso imitava na
Relación de la real tragicomedia o português dos índios. Chamam a
atenção as substituições de /f/ > [p], /l/ > [r] e /7/ > [j], fonemas que o
tupi não conhece, bem como a queda dos /r/, /l/ finais, que concorda
posicionalmente também com a estrutura fônica do tupi.221 Em
contrapartida, Anchieta relata, sobre os índios, que mantinham contato
direto com os jesuítas:
“Os filhos dos índios aprendem com nossos Padres a ler e
escrever, contar, cantar e falar português e tudo tomam mui bem”
(apud Silva Neto 1986: 31).
Frei Vicente do Salvador cita, na História do Brasil (1627: 370), a
expressão de um escravo negro que teria gritado aos seus camaradas
durante um combate com os holandeses: “«Não retira, não, sipanta,
sipanta»” (cf. 6.2).222 Um outro testemunho de língua falada daquela
época é transmitida pelo holandês Johan Nieuhof, que viajou pelo
Brasil de 1640 a 1649. Trata-se da reivindicação de um grupo de
pessoas indignadas que exigiam a punição de dois traidores no Recife
de 1646:
“Em forca los cachiores treidores, dat is, Na de galgh, die
bedriegers, die verraders” (Nieuhof 1682: 137b).
A exortação se dirige a um representante das autoridades e quer dizer,
no original, enforca os cachorros traidores. O uso da terceira pessoa
do singular do indicativo corresponde ao uso lingüístico atual.223
221
Já Magalhães Gândavo escreveu em 1576 sobre o tupi: “carece de tres
letras, convem a saber, nam se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna
despanto porque assi nam têm Fé, nem Lei, nem Rei [...] (História 1576: 124).
222
‘Não se retirem, enxotem [o inimigo]’.
223
Cf. um exemplo da imprensa atual: “«O que faremos com este inimigo
da revolução?», perguntou o juiz à turba. «Lincha, lincha!», foi a resposta”
(Veja, 22/1/1997: 48). A forma los no texto de Nieuhof deve ser considerada
uma interferência com o espanhol.
173
224
Grifo nosso. As seguintes palavras vêm do tupi: caramuru ‘de raça
branca’, pindoba ‘palmeira’, urucu ‘o fruto do urucuzeiro; substância tintorial
que se extrai da polpa desse fruto’; arara ‘designação comum às aves
psitaciformes da família dos psitacídeos’; taquara ‘bambu’; guará ‘ave
ciconiforme, da família dos tresquiornitídeos’ (cf. G. de Matos 1992: 640-641
e Aurélio, s.v.).
175
225
Em meados do século XVIII se completa no português europeu a
redução da pretônica /e/: [e] > [ö] (cf. 7.1.1.2).
226
“Le Teatro de Cordel est l’ensemble des pièces publiées sous forme de
brochures à bon marché. Ces brochures (folhetos) étaient vendues sur la voie
publique, en général par des aveugles. Elles étaient suspendues à des ficelles
(cordel: «ficelle»)” (Teyssier 1983: 600, n. 5).
176
229
Trata-se de abreviaturas corriqueiras como <Q> para <que> etc.
230
Na Comarca do Serro Frio (MG) foram encontrados, em 1729, os
primeiros diamantes (cf. Vianna 1980: 281).
178
231
A palatalização também ocorre no português europeu (Leite de
Vasconcellos 1987: 103), mas aqui é inequivocamente entendida como
brasileirismo.
232
A despalatalização de lhe também ocorre no português europeu (cf.
7.1.2.5).
184
233
Nos séculos XVII e XVIII, designavam-se os portugueses em Recife
de mascates (cf. Guerra dos Mascates em Pernambuco, 1710-1711).
Imigrantes também eram chamados de pés de chumbo (Schäffer 1824: 74).
Cf. Brasil e Portugal — a imagem recíproca (N. Vieira 1991).
185
234
O Epítome, publicado em Lisboa em 1806, foi integrado em 1813 ao
Diccionario da Lingua Portugueza (Morais Silva 1813: I-XLVIII).
186
235
Além disso, deve-se levar em consideração que as palavras escolhidas
por Soares Barbosa, a saber, vadio, sadio e activo não são apropriadas como
exemplos, uma vez que se apresentam como exceções no português europeu
devido à conservação do [a] pretônico. A vogal aberta pretônica [a] ocorre no
português europeu devido à síncope de uma consoante (vadio < lat.
*vagātīvus) ou em palavras eruditas (activo < lat. āctīvus). Romero alude à
apresentação contraditória de Soares Barbosa: “pois entre nós os aa de sadio e
de aqui são iguais, não é nenhum fechado como o â português [...]” (Romero
1977 [11888]: 242).
236
Uma confusão dos graus de abertura descritos não é possível, pois o [e]
é designado de “Grande Fechado” (cf. “Taboa das vinte Vozes Portuguezas
com todas as suas escripturas”, Soares Barbosa 1830: 6).
187
237
Activo é hoje pronunciado sem o [k] no português europeu.
188
238
“[…] in den verhältnismäßig unbedeutenden Hauptorten der Kolonien
an der afrikanischen Westküste, in São Salvador do Congo und in São Paulo
de Luanda” (Brandenburger 1925: 58).
189
239
Com essas medidas, o tráfico de pedras e metais preciosos devia
também ser reprimido. A partir de 1727, foram promulgadas limitações para a
construção de estradas e para a navegação das vias marítimas. Em 1785, os
manufaturados brasileiros foram encerrados e proibiu-se que os brasileiros
possuíssem navios (cf. C. Cunha 1979: 66-67; Hallewell 1985: 21).
240
“Infelizmente, em face da escassez de notícias, o período colonial
resiste à plena pesquisa e ao estudo definitivo das nossas manifestações tea-
trais dessa fase. A imprensa periódica é ainda, à falta de outra melhor, a fonte
de tais estudos, e essa só tivemos a partir de 1808” (Galante de Sousa 1960: I,
79).
190
243
Os resumos, lingüisticamente relevantes, reproduzidos aqui, conforme
o original dos Estatutos existem, até hoje, somente como nota de rodapé do
artigo “Formação e desenvolvimento da língua nacional brasileira” (J. A.
Castro 1986: 381-382) numa forma abreviada e sem comentário esclarecedor.
Uma outra referência se encontra em Silva Neto (1986: 65), que retirou seus
exemplos de Sobrados e Mocambos de Gilberto Freyre.
192
aberta, do que o a da palavra covado, que é breve, e que se deve
pronunciar com a boca mais fexada: a vogal e da palavra febre,
cujo primeiro e é longo, e se pronuncia com a boca mais aberta do
que o segundo e, o qual com tudo naõ se deve pronunciar com a
boca taõ fexada que paresa i, como febri, di Deus, di cá, di lá; a
vogal i da palavra gentio, frio, que é longo, e se pronuncia como
se||fosem dois ii, e com a boca mais aberta, do que o i da palavra
abrio, consentio, e este mais aberto do que o i da palavra Indio,
relojio, que é breve; a vogal ó da palavra olhe, que se deve
pronunciar com a boca mais aberta; como o ó das palavras cólhe,
mólhe, e naõ olhe com o o fexado, e proprio do o das palavras
folha, folho, cujo segundo o ainda é mais fexado do que o
primeiro, e se pronuncia quazi como u folhu: a vogal u da palavra
escrupulo, cujo primeiro u é longo, e se pronuncia com a boca um
pouco menos fexada do que o segundu u, que é breve &c. A falta
destas, e d’outras semelhantes advertencias, que parecem imperti-
nencias aos que refletem pouco, produs defeitos, que ainda que nas
primeiras idades, e nas Escolas saõ muito faceis de se emendarem,
e de se corrijirem; com tudo depois saõ muito dificultozos, e
muitas vezes irremediaveis.”
(Estatutos do Seminario Episcopal de N. Senhora da Grasa da cidade de
Olinda de Parnambuco, Azeredo Coutinho 1798a: 46-48)
“Nas lisões de ler porá a Mestra muito cuidado em evitar nas suas
Disciplinas tres vicios, ou defeitos, em que se abituaõ muitas por
descuido de quem as ensinou. O primeiro é no pronunciar das
palavras o inverter em algumas a ordem das letras como por
exemplo breso em lugar de berso: cravaõ em lugar de carvaõ:
outras vezes suprimindo no meio das palavras algumas letras,
como teado em lugar de telhado: fio em lugar de filho: outras
suprimindo a letra ultima principalmente no número plural, e nos
nomes, que acabaõ em agudo como muitas flore em lugar de
muitas flores: Portugá em lugar||de Portugal &c. O segundo
defeito em que muitas ficaõ é o ler sempre duvidando, ou como
soletrando cada palavra, fazendo asim defeituozisima a leitura, e
imperceptivel o que dizem; ainda quando elas saõ expeditas no
falar. O terceiro é o modo, e tom de ler como cantando, e ás vezes
fazendo sair o som pelos narizes: o que tudo procede do costume,
que tomaraõ nas aulas por negligencia das Mestras, que naõ as
souberaõ corrigir de semelhantes defeitos.”
(Estatutos do Recolhimento de N. Senhora da Gloria do lugar da Boa-Vista de
Parnambuco, Azeredo Coutinho 1798b: 101-102)
193
244
Isso também pode ser observado no português europeu (Leite de
Vasconcellos 1987: 77, 89-90; 103).
194
245
“As modinhas brasileiras, que alguns dizem serem uma prolação das
Serranilhas portuguesas, são por assim falar a forma bárdica de nossa poesia
popular. São canções de autores conhecidos, que, inspirados no lirismo tradi-
cional do povo, facilmente espalharam-se e tornaram-se quase anônimas”
(Romero 1977: 255).
246
“[...] são mais entrecortados e lascivos na música, e mais explosivos na
letra” (Romero 1977: 255).
195
247
As modinhas apresentam, como poesia popular, uma rima irregular
que, na maior parte das vezes, se orienta para abbd e abcb. A rima masculina
se limita sempre à última sílaba. Além disso, ocorrem pares impuros (estrelas
[e] - belas [(]; tremer [e] - mulher [(]) e assonâncias (cf. Viola de Lereno
1798-1826: II, 169, 171).
248
Cf. Romero (1897: 179-186, 203).
249
“[...] les différences que le dialecte brésilien pourrait présenter,
comparé à la langue du Portugal” (Balbi 1826: 172-175).
250
Segundo as indicações de Ribeiro (1933: 28, n. 1), a contribuição do
Visconde de Pedra Branca provém dos anos 1824-25.
196
[...] L’âpreté dans la prononciation a accompagné l’arrogance des
expressions, et se conserve encore aujourd’hui en héritage; mais
cette langue, transportée au Brésil, se ressent de la douceur du
climat et du caractère de ses habitans; elle a gagné pour l’emploi et
pour les expressions des sentiments tendres, et, tout en conservant
son énergie, elle a plus d’aménité” (Balbi 1826: 172-173).
A relação entre clima, caráter do povo e língua equivale a uma
representação da época.251 Desse ponto de vista, o botânico inglês
Caldcleugh comenta em 1825, em Travels in South America, a
pronúncia do português brasileiro:
“The Portuguese spoken by the Brazilians is easily distinguishable
from that used by the natives of the mother country. The mode of
speaking is much slower, a peculiarity to be observed in all
colonies, and can only be accounted for by the climate depriving
them of that activity of mind of which there is no deficiency in
Europe; producing, in fact, considerable lassitude” (Caldcleugh
1825: I, 65-66).
A teoria climática se mira também na lingüística do século XIX, que
entendia o objeto de suas investigações como organismo vivo,
exemplificado na Stammbaumtheorie (‘teoria da árvore genealógica’)
de Schleicher. Por volta do final do século, o filólogo brasileiro
Pacheco da Silva Jr. dirá: “Não ha escapar á influencia das particu-
laridades locaes de pronuncia e phraseologia. O clima é o mais
poderoso dos elementos do meio” (1880: 488). A teoria é seguida até
o século XX e desempenhou um papel também nas explicações da
formação do espanhol americano.252
O contraste prosódico descrito por Pedra Branca entre o português
europeu e o brasileiro encontra uma famosa correspondência na
caracterização do português brasileiro, cunhada por Eça de Queirós,
251
Na Itália, a teoria climática tinha sido usada já no século XVI como
fundamentação da variação lingüística regional.
252
No espanhol americano, associaram-se, como condicionadas pelo
clima, certas concordâncias fonéticas entre a região meridional da Espanha e
as regiões litorâneas americanas, que contavam com uma colonização de
imigrantes do sul da Espanha (Henríquez Ureña 1921). Saussure representou a
seguinte opinião no Cours de linguistique générale: “Le climat et les
conditions de la vie peuvent bien influer sur la langue, [...]” (1931: 203).
Bourciez explicava dessa forma as diferenças fonéticas entre a língua
espanhola e a portuguesa (31967: 405s.).
197
como “português com açúcar” (cf. Lyra 1965: 206, n. 6). A rigorosa
categorização do português europeu, feita por de Pedra Branca, em
relação à “âpreté” e à “arrogance des expressions” é também uma
afirmação de identidade nacional perante o antigo poder colonial.
Pedra Branca aponta, além disso, sobretudo, diferenças lexicais entre
o português europeu e o brasileiro.
“A cette première différence, qui embrasse la généralité de
l’idiome brésilien, il faut encore ajouter celle des mots qui ont
changé tout-à-fait d’acception, ainsi que celle de plusieurs autres
expressions qui n’existent point dans la langue portugaise, et qui
ont été emprunté aux indigènes, ou qui ont été importées au Brésil
par les habitans de différentes colonies portugaises d’outre-mer”
(Balbi 1826: 173).
Pedra Branca refere-se à mudança semântica em comparação com o
português europeu, aos neologismos brasileiros, bem como a emprés-
timos das línguas indígenas e africanas. Em relação a isso, apresenta,
em duas listas, o primeiro contraste lexical entre português europeu e
brasileiro. As listas de Pedra Branca foram inicialmente publicadas
por Balbi (1826: 173-175). Cem anos depois, João Ribeiro apresentou
o material com pequenos comentários para as palavras calunda,
capoeira, cécia, faceira, sótão e tope (1933: 30-37). Pimentel Pinto
aceitou as listas de Ribeiro sem qualquer outro comentário (1978-81:
I, 6-7). Na versão de Wanke/Simas Filho, as indicações de significado
do francês são substituídas pelo português (1991: 20-21). Nossa
apresentação segue estritamente a de Balbi (1826). Apenas a
seqüência de palavras foi posta na ordem alfabética.
253
Arrumamento não aparece nos dicionários portugueses (cf. Bluteau
1712-21, Bluteau 1727-28, Bluteau 1789, Morais Silva 1813). Também a
forma brasileira é, hoje, arrumação.
198
254
“Pelo contrario escrevamos, pronunciamos Sá [...] e naõ C,a [sic] [...]
porque esta pronunciaçaõ naõ he naturalmente nossa, mas só affectada, ou de
mulheres açucaradas, ou de homens ceciosos” (Madureira Feijó 1739: 36).
200
255
Calunda é, provavelmente, uma lição errônea de calundu.
256
A forma escrita corrente hoje é chácara.
257
Trata-se provavelmente da palavra xímio “Mono, macaco. §. fig.
Imitador, arremedador” listada por Morais Silva (1844, s.v.).
201
258
Trata-se evidentemente do fado. O significado corrente hoje, a saber,
‘canção popular portuguesa’ não tinha sido desenvolvido na época.
259
A palavra farofa é conhecida, no Brasil, sobretudo no significado
‘farinha comestível’ (cf. Aurélio, s.v.).
202
260
Os exemplos desviam-se, quanto à grafia, dos de Pedra Branca.
204
parar num lugar, andar vagando, girando, inquieto’; sipoáda, s.f.,
‘golpe com sipó’; trapíche, s.m., ‘casa de guardar generos de
embarque, com apparelho para carregar, e descarregar dos navios’
(cf. Morais Silva 1813, s.v.).
Os exemplos de Pedra Branca que são enumerados por Morais Silva
como com significado brasileiro mostram que Morais Silva não se
concentra em diferenças semânticas entre o português europeu e o
brasileiro, mas de maneira análoga às designações da fauna e flora, se
refere preponderantemente o vocabulário ligado à terra:
roça, s.f., ‘granja, terra de lavoira no Brazil’; senzála, s.f., ‘no
Brasil, a casa de morada dos pretos escravos’; tapéra, s.f., Bras.,
‘quinta, ou fazenda que algum tempo se grangeou, e que depois se
abandona, e deixa fazer mato, ou sapezal’; xárque [Pedra Branca:
charquear], s.m., ‘no Sul do Brasil principalmente no Rio Grande
de S. Pedro assim chamão ás carnes feitas em mantas, salpicadas
de sal, e curadas ao Sol, que transportão para vender’ (cf. Morais
Silva 1813, s.v.).
Esse procedimento prossegue também na quinta edição, bastante
aumentada, de 1844. Completando a edição de Morais Silva de 1813,
o Diccionario da Lingua Portugueza lista, em 1844, boquínha, capim,
mocotó, moquém e moqueár, da segunda lista de Pedra Branca, com a
indicação do uso brasileiro. Então, numa palavra como “Boquínha
§. t. Brasil. Beijinho” se considera, a qual, em comparação com o
português europeu, somente apresenta um deslocamento semântico
(Morais Silva 1844, s.v.).
O material de Pedra Branca não só testemunha o desenvolvimento
lexical do português brasileiro e o registro atrasado, nos dicionários,
de brasileirismos semânticos, o que exemplifica o material de Morais
Silva, mas também é importante para a datação dos primeiros
testemunhos brasileiros. Embora a lista de Pedra Branca já tenha sido
publicada em 1921 por João Ribeiro (1933), o material não foi nem
considerado pelo Dicionário Etimológico Nova Fronteira (DENF),
revisto e ampliado em 1986, nem pelo Dicionário Houaiss. As
palavras seguintes, da lista de 1826, aparecem no DELP, no DENF e
no Houaiss com uma data mais recente:
caçula (DENF: XIX; DELP: 1850), capeta (DENF, Houaiss:
1899), charquear (DENF: 1881; Houaiss 1858), cipoada [Pedra
Branca: sipoada] (DENF, Houaiss: 1871), cangote (DENF,
205
Houaiss: 1899), coivara (DENF: 1863; Houaiss c1607), fadista
(DENF: XIX; DELP, Houaiss: 1876), farofa (DENF, Houaiss:
1899), mascate (DENF: 1873; Houaiss a1858), mascatear (DENF:
1881; DELP: 1890; Houaiss 1877), molambo (DENF, Houaiss:
1848; DELP: 1890), moquear (DENF: XIX; DELP 1873; Houaiss
1763), muxiba (DENF, Houaiss: 1899), muxoxo (DENF, Houaiss:
1899), nanica (nanico, DENF: 1899; Houaiss 1836), piquira
(DENF, Houaiss: 1842), presiganga (DENF: XIX; DELP 1844;
Houaiss 1846), quindim (DENF: XIX; DELP: XIX; Houaiss
1880), quitute (DENF: 1890; Houaiss 1858).
Como já foi esclarecido acerca dos testemunhos insuficientemente
recolhidos para a palavra brasileiro (cf. 4.3), mostra-se aqui que, por
meio de um estudo contínuo das fontes textuais, a datação de um
número considerável de brasileirismos poderia ser retroagida. A
insuficiência na coleta do material vocabular se encontra também num
dicionário relativamente novo e com grande grupo de colaboradores:
o Dicionário Houaiss. Assim, os etnônimos tupi (s. XVIII, abonado
no DELP), guarani (1864, abonado em J. de Alencar) e tapuia (1858,
abonado na 6ª edição de Morais Silva) são aceitos de segunda mão,
embora as três designações juntas já se encontram em Frei Vicente do
Salvador (História 1627: 77). É difícil de entender por que esses
textos básicos do século XVII não foram avaliados pelo Dicionário
Houaiss.
Da descoberta do Brasil até o início do século XIX, abre-se uma
lacuna significativa na transmissão das situações lingüísticas
concretas brasileiras. Será tarefa da pesquisa perseguir testemunhos
brasileiros (manuscritos) relevantes e outras informações
metalingüísticas daquela época. Uma fonte importante são, nesse
âmbito, também, os arquivos em Portugal (Torre do Tombo). A
lingüística portuguesa infelizmente se interessou pouco pela língua do
Brasil, exceto por afirmações subjetivas das infrações normativas
brasileiras. A situação precária das fontes nos séculos XVII e XVIII
contribuíram sobremaneira para criar espaço para especulações acerca
de uma crioulização antiga do português em contato com os escravos
africanos. Esse tema é objeto do próximo capítulo.
206
261
Cf. F. A. Coelho (1880-86), Nobiling (1911), Reinecke (1937), Silva
Neto (1986, 11950), Révah (1963), Elia (1965, 1966: 203-205), McKinney
Jeroslow (1975), Reinecke (1975), Carvalho (1977, 1979), Elia (1979), Guy
(1981), Silveira Ferreira (1984-85), Macedo Silva (1986), Holm (1987),
Tarallo (1988), Couto (1989), Guy (1989), Couto/Aragão Costa
Martins/Garcia da Silva (1990), Couto (1991), Baxter (1992b), Holm (1992),
Baxter/Lucchesi (1993), Megenney (1993), Naro/Scherre (1993), Tarallo
(1993a), Bartens (1994), Holm (1994), Mollica (1994), Ribeiro de Mello
(1994), Bartens (1995), Baxter (1995), Zimmermann (1996), Baxter (1997),
Ribeiro de Mello (1997), Ribeiro de Mello/Baxter/Holm/Megenney (1998),
Baxter/Lucchesi (1999), Couto (1999), Lucchesi (1999a, 1999b), Ribeiro de
Mello (1999a, 1999b), Taddoni Petter (1999), Naro/Scherre (2000), Bonvini
(2001), Rodrigues de Souza (2001), Scherre/Naro (2001), Megenney (2002),
Naro/Scherre (2003), Lucchesi/Baxter (2006), Naro/Scherre (2007).
207
262
Para a etimologia das designações crioulo e criollo, cf. Noll (2004c).
263
“Diversas particularidades características dos dialectos crioulos
repetem-se no Brasil; tal é a tendência para a supressão das formas do plural,
manifestada aqui, que, quando se seguem artigo e substantivo, adjectivo e
substantivo, etc., que deviam concordar, só um toma o sinal do plural”
(Coelho 1880-86: 43). No mesmo trabalho, Coelho apontou para o fato de
que, quanto à falta de concordância, havia também numerosos exemplos nos
cantos populares portugueses. Isso torna relativa a “tendência crioulizante”
(1880-86: 170-171).
264
Schuchardt entende por semicrioulo uma forma lingüística que hoje,
no contínuo crioulístico, se ordenaria como mesoleto. Designa, contudo, o
português brasileiro como português com tons dialetais (“mundartliches
gefärbtes Portugiesisch”, 1888-89: 481).
208
“Le succès même des études créoles fait que, dans les dernières
décennies, on a pu assister à une généralisation abusive de
l’emploi des mots «créole» et «créolisation». Si l’on nomme
«créole» toute langue qui s’est formée, à partir d’autres langues, en
situation de contact linguistique, il n’y a guère de langue au monde
qui ne puisse se voir appliquer ce qualificatif” (Chaudenson 1995:
13).
As línguas crioulas acusam claras características. Assim, valem-se de
partículas para especificar os valores de tempo, modo e aspecto, em
vez do sistema verbal românico. Um crioulo dispõe de uma
gramaticalidade própria e atua como língua materna. Silva Neto
define os crioulos como
“falares de emergência, com caracteres definidos e vida própria,
que consistem na deturpação e simplificação extrema de uma
língua, quando imperfeitamente transmitida, e aprendida por gente
de civilização inferior” (Silva Neto 1949: 8).
Nessa passagem, associa as características de um pidgin (“falares de
emergência”), segundo a atual compreensão do termo, com o de uma
língua crioula (“com caracteres definidos e vida própria”). Quanto às
relações brasileiras, descreve semicrioulo como a “adaptação do
português no uso dos mestiços, aborígines e negros” (Silva Neto
1986: 48).265 O resultado de uma acomodação desse tipo, que se
configurou sem dúvida diferentemente com indígenas e africanos,
poderia ser um português insuficientemente aprendido ou atingir a
formação de uma língua crioula, por meio de formas lingüísticas
pidginizadas. Nesse ponto, a posição de Silva Neto é ambígua e não
se apóia, de modo algum, em um crioulo stricto sensu, visto que limita
muito uma possível influência estrutural (“talvez nos primeiros
tempos, algum traço lingüístico devido a fenômenos de interferência
com outra língua”, Silva Neto 1986: 48). Por isso, não é adequado
afirmar sumariamente que Silva Neto reconhecia “a existência de
crioulos ou semicrioulos durante o período colonial”, como o fazem
Lucchesi/Baxter (2006: 168).
265
Aqui também surgem obscuridades nas palavras de Silva Neto. Se, por
um lado, distingue o semicrioulo por uma “extrema simplificação de formas”
(1986: 48), em outra passagem, formula: “[...] semicrioulo, ou seja, um
estágio mais aperfeiçoado da primitiva aprendizagem [...] O semicrioulo
encerra, pois formas e torneios semicultos” (1949: 8).
209
266
Quanto às falas nessas localidades, veja a literatura seguinte: Cafundó
(Salto de Pirapora, SP): Vogt/Fry (1996). João Ramalho (SP): Sant’Ana
Spera/Ribeiro (1989). S. João da Chapada (MG): Mata Machado Filho (1944:
113-138). Tabatinga (Bom Despacho, MG): S. Queiroz (1998). Outras
informações se encontram no belo artigo panorâmico de Couto (1999) sobre
contatos lingüísticos no Brasil.
211
267
Cf. Guy (1981: 283ss.; 1989), Holm (1987).
212
268
Cf. Heine/Schadeberg/Wolff (1981), Y. Castro 2006: 104-110).
213
269
A partir de São Jorge da Mina (Elmina), a primeira fortaleza
portuguesa (1482) na Costa do Ouro (Gana). O trecho litorâneo designado
como Costa da Mina estende-se de Gana à Nigéria.
270
Y. Castro (1990: 103) considera que o número de negros ladinos
embarcados para o Brasil era relativamente pequeno.
214
272
A capacidade de adaptação lingüística entre os negros do Brasil é
expressa também numa carta de 1759 do governador do Estado do Maranhão
e Grão-Pará, na qual se pronuncia sobre a língua geral em Belém: “[...] foy
over debaixo daminha janella dous Negros dos que proximamente seestão
introduzindo da Costra da Africa, fallando desembaraçadamente a sobredita
Lingua enão comprehendendo nada da Portugueza” (cf. Ferreira Reis 1958:
497).
216
273
O texto de Vieira diz, no contexto: “A lingua portugueza nas terras e
mares por onde o Santo [Francisco Xavier] andou, tem avesso e direito: o
direito é como nós a fallamos, e o avesso como a fallam os naturaes. E Xavier
para ser melhor entendido na doutrina que ensinava, não usava do direito da
lingua, senão do avesso. Aos canarins á canarina, aos malayos á malaya, aos
japões á japôa. [...] Mas perguntára eu ao Nuncio Apostolico, ou Padre Mestre
Francisco, onde aprendeu elle estas linguas, ou estas meias linguas? E’ certo
que não em Pariz, nem na sua Universidade da Sorbona, nem em Roma, nem
em Veneza, nem em Bolonha, nem em Lisboa. Mas tambem não ha duvida
que só as pôde aprender no Cenaculo de Jérusalem, onde o Espirito Santo
desceu não só em linguas de fogo, mas em linguas partidas: Apparuerunt
dispertitae linguae. E porque eram, ou foram, ou haviam de ser aquellas
linguas partidas? Tambem aqui é o novo commentador S. Francisco Xavier.
Eram linguas partidas, não só porque eram muitas linguas, senão porque eram
linguas e meias linguas: Dispertitae linguae: como as que elle arremedava.
Meias linguas, porque eram meio europeas, e meio indianas: meias linguas,
porque eram meio politicas, e meio barbaras: meias linguas, porque eram
meio portuguezas, e meio de todas as outras nações que as pronunciavam, ou
mastigavam a seu modo” (Vieira 1907-09: 168-169).
274
Para a linguagem dos negros em Gil Vicente, cf. Teyssier (1959: 227-
250).
218
275
As primeiras investidas holandesas sobre o Nordeste do Brasil foram
efetuadas em 1624-25 e tiveram, como conseqüência, a conquista passageira
de Salvador.
276
“Pantâ(r S.T. [S. Tiago] pop. (espantar) enxotar (animais), afuguentar
[sic]: pánta galinha; V. espantar” (cf. Rodrigues Fernandes s.a., s.v.).
219
277
“[...] levantou-se uma religiosa dirigindo-se a uma cadeira de espaldar
alto, iniciou, circunspecta, um longo discurso em português corrompido,
como falavam os negros. [...] O discurso da madre era uma Sátira das intrigas
galantes dos oficiais da corte do vice-rei. Cada qual teve nomeada e [sic] sua
amante, relatando-se as suas boas e más qualidades” (paráfrase de Le Gentil
de la Barbinais 1728: 150, apud Nascimento 1994: 143).
220
outra nova” (Carillo s.d.: 65, 77). Isso encontra uma certa correspon-
dência com o fato de os mucambos de Palmares possuirem nomes de
etimologia africana, tupi e portuguesa (Taddoni Petter 2006: 122).
Freitas, em Palmares (1984: 41-42), cita igualmente Brito Freyre, sem
indicar a fonte precisa. Numa obra posterior, ele dedicou um capítulo
à língua falada em Palmares que apresenta até a transcrição de uma
carta de Brito Freyre (Freitas 2004: 68-76). Porém, esse texto também
não contém o trecho referido. Na carta, Brito Freyre relata que, depois
de uma campanha que causara a morte de muitos negros fugitivos,
mandou alguns “línguas” para persuadir os outros a deixarem as suas
moradias nos matos.278 O termo línguas indica que se mandaram
intérpretes, mas não sabemos se deviam traduzir um crioulo ou uma
língua africana. Levando em conta o surgimento da Arte da Língua de
Angola, uma gramática do quimbundo de Pedro Dias, no final daquele
século, a versão africana parece mais provável.
No século XIX, há declarações – extraídas da literatura de viagem
– de europeus proficientes na língua, que depõem, de modo geral,
contra uma crioulização do português. Assim, registra o oficial
alemão Schlichthorst, que esteve a serviço do imperador brasileiro, de
1824 a 1826, em sua obra Rio de Janeiro, wie es ist (‘O Rio de
Janeiro como é’):
“Uebrigens lernen fast alle Neger mit großer Leichtigkeit Portu-
giesisch; in drei Monaten koennen sie sich in der Regel noth-
duerftig verstaendlich machen” (Schlichthorst 1829: 180).279
No mesmo sentido de Schlichthorst, expressa-se também o oficial
Carl Seidler em Zehn Jahre in Brasilien (‘Dez anos no Brasil’):
“Denn anfangs liegt den ersteren fast gar nichts zu thun ob, indem
man sich nur bemueht, ihnen die portugiesische Sprache beizu-
278
“[...] procurei então os outros de reduzi-los com indústria e suavidade
para arrancar as raízes dos males que se padecem há tantos anos, mandando
lançar nos seus mocambos algumas línguas para os persuadir a que baixassem
e se reduzissem (como já se havia reduzido a Nação dos Tapuias) a viver
junto a nós em sítios assinalados” (Freitas 2004: 72).
279
“Aliás, quase todos os negros aprendem o português com grande
facilidade; em três meses podem, via de regra, fazer-se entender sofrivel-
mente” (trad. de Schlichthorst 1829: 180).
222
bringen, die sie in der Regel auch sehr schnell lernen, [...]”
(Seidler 1835: 123).280
Um quadro ainda mais claro das relações registra o inglês Henry
Koster. Como arrendatário de uma fazenda em Jaguaribe (Pernam-
buco), Koster viveu, de 1809 a 1820, numa região que era
antigamente centro canavieiro e que ainda hoje se destaca por um alto
número de população negra. Sobre os escravos diz:
“The Portugueze language is spoken by all the slaves, and their
own dialects are allowed to lay dormant until they are by many of
them quite forgotton. No compulsion is resorted to to [sic] make
them embrace the habits of their masters, but their ideas are
insensibly led to imitate and adopt them” (Koster 1816: 411).
Koster, filho de um comerciante de açúcar, havia nascido em Portugal
e, por isso, era familiarizado da melhor maneira com a língua.281 Fala
de uma disseminação generalizada do português entre os escravos e
sublinha a pouca importância das línguas africanas (“their own
dialects”). Nesse contexto, salienta também a tendência óbvia na
população escrava de querer aceitar os hábitos de seus senhores.
Parece lógico que essa adaptação, assim como o domínio da língua
lhes traziam vantagens. É especialmente elucidativa a especificação de
Koster com respeito aos conhecimentos lingüísticos dos negros
nascidos no Brasil (“creole negroes”), em comparação direta com os
indígenas:
“The Indians seldom if ever speak Portugueze so well as the
generality of the creole negroes” (Koster 1816: 122).282
A afirmação não deixa dúvidas de que os negros nascidos em
Pernambuco, no primeiro quartel do século XIX, falavam em sua
totalidade, um português genuíno. Koster não fala de formas
280
“Pois, inicialmente não cumpre aos primeiros fazer nada enquanto
somente se esforça a ensinar-lhes português, o qual geralmente aprendem
muito rapidamente” (trad. de Seidler 1835: 123).
281
No prefácio do Travels, escreve desculpando-se de possíveis insufi-
ciências de seu relato de viagem, redigido em inglês: “[...] the idiom of a
foreign language [Portuguese] is perhaps more familiar to me than that of my
own” (Koster 1816, V).
282
“Os índios raramente, se não jamais, falam tão bem português, quanto
a totalidade dos negros crioulos” (trad. de Koster 1816: 122).
223
283
No Brasil, o comércio de escravos foi interdito em 1831; em 1850, a
importação de escravos foi proibida. Em 1888, a escravidão foi definitiva-
mente abolida no Brasil (cf. Houaiss 1988: 68ss.).
284
“Somente alguns negros falavam compreensivelmente o português.
Entre si conversavam com grande vivacidade e paixão a sua língua nagô [...]”
(trad. de Avé-Lallemant 1860: I, 151).
224
285
“These are, generally speaking, well-conducted and industrious
persons; and compose indiscriminately different orders of the community.
There are among them merchants, farmers, doctors, lawyers, priests, and
officers of different ranks” (Walsh 1830: II, 365).
225
286
“[…] 200 brancos, a maioria alemães e suíços, alguns franceses e
brasileiros, e 2000 negros […] Os últimos são, quase todos, nascidos e
educados na colônia. […] Todos estão batizados, educados como cristãos e
tratados bem. A maioria dos meninos é admitida no aprendizado de uma
profissão, as meninas são ensinadas em todos os trabalhos femininos.” (trad.
de Tölsner 1858: 3).
226
287
Já em 1963, Révah publicou um artigo fundamental para a proble-
mática aqui tratada que apresenta as relações com a România.
227
288
Cf. Révah (1959: 277): “Ce qui frappe lorsqu’on examine l’ensemble
des parlers populaires brésiliens, c’est leur remarquable unité [...]”.
228
289
Quimbundo: “É importantíssimo aprender bem esta parte; porque tanto
os nomes como os verbos e os adjectivos devem concordar com o nome a que
se referem.” (Chatelain 1964: 10). Umbundo: “Os adjectivos, quando apostos
a um substantivo, seguem as regras gerais de concordância, antepondo ao
radical do adjectivo o concordante correspondente ao classificador do
substantivo que qualifica” (Valente 1964: 116).
229
290
Cf. “— Ele fala e nós ouve. E depois? — Depois? Ele acaba, a gente
bate palmas” (Amado 1958, Gabriela, Cravo e Canela, 253).
291
Cf. Scherre/Naro (2001: 41), Naro/Scherre (2000: 240); Naro/Scherre
(2007: 91-95, 103-107, 156).
292
Cf. Scherre/Naro (2001: 41-42), Naro/Scherre (2007: 156).
230
293
Cf. Naro/Scherre (2000: 242), Naro/Scherre (2007: 152-155).
294
Cf. Bickerton/Escalante (1970: 256): “The last available population
figures are for 1953; the village then contained 1,486 persons, with some 742
natives residing outside it [...]”.
231
295
Já Manuel da Nóbrega se deparou, aquando de sua chegada ao Brasil
em 1549, com índios que falavam o português (cf. Serafim Leite 1965: 216).
296
Cf. Casa-Grande e Senzala de Gilberto Freyre (1980, 11933).
Referimo-nos, neste contexto, explicitamente ao português e não a um
“dialeto das senzalas”, que Y. Castro (1980: 14-15) admite, nesse ambiente,
como uma “espécie de língua franca” formada sobre uma base bantu.
234
· o português dos colonos chegados de Portugal.297
O português dos descendentes mamelucos, bem como dos negros
crioulos (e dos mulatos), exceto aqueles que se encontravam no
isolamento dos quilombos, não devia ter apresentado nenhum
diferencial supra-regional específico do grupo, mas apenas marcas
regionais (e mais tarde também diastráticas). Esse aspecto pode ser,
portanto, particularmente importante, quando se trata de um grande
espaço geográfico, cujas regiões de colonização só se juntaram com o
tempo.
Os pontos de partida para a colonização do Brasil foram as zonas
litorâneas e arredores, o que teve também conseqüências iminentes
para a formação do português brasileiro. Ainda hoje, a densidade
demográfica diminui, a olhos vistos apenas a algumas centenas de
quilômetros em direção ao interior (cf. Almanaque Abril 1995: 581,
mapa).
Natal (1599)
Ilhéus (1536)
Santa Cruz (1536)
Porto Seguro (1535)
Vitória (1551)
Espírito Santo (1551)
Sul São Paulo (1558)
Rio de Janeiro (1565)
Itanhaém (1561) Santos (1545)
Cananéia São Vicente (1532) Fundações brasileiras
(1600) até 1600 (segundo A.
de Azevedo 1956: 13)
297
Outros grupos, como por exemplo, os colonos espanhóis, não
desempenham nesse contexto, em São Paulo, nenhum papel importante.
235
298
“A maior significação, porém, do ciclo do gado, é a que lhe advém da
circunstância de ter proporcionado a ligação geográfica dos movimentos de
expansão partidos da Bahia e de São Vicente, de Pernambuco e do Maranhão.
Unidos, no Norte de Minas, no primeiro caso, no interior do Piauí ou do
Ceará, no segundo, por intermédio dos passadores de gado processou-se a
verdadeira união terreste do Sul, Centro, Leste e Nordeste” (Vianna 1980:
214-215).
236
299
“Para Mendonça Furtado o mais desesperador era que, praticamente,
todo o comércio havia escorregado para as mãos dos religiosos [...]” (Beozzo
1983: 52).
300
“6 Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em todas as
Naçoens, que conquistáraõ novos Dominios, introduzir logo nos Póvos
conquistados o seu proprio idiôma, por ser indisputavel, que este he hum dos
meios mais efficazes para desterrar dos Póvos rusticos a barbaridade dos seus
antigos costumes; e ter mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que se
introduz nelles o uso da Lingua do Principe, que os conquistou, se lhes radîca
tambem o affecto, a veneraçaõ, e a obediencia ao mesmo Principe.
Observando pois todas as Naçoens polîdas do Mundo este prudente, e sólido
systema, nesta Conquista se praticou tanto pelo contrário, que só cuidáraõ os
primeiros Conquistadores estabelecer nella o uso da Lingua, que chamaráõ
geral; invençaõ verdadeiramente abominavel, e diabólica, para que privados
os Indios de todos aquelles meios, que os podiaõ civilizar, permanecessem na
rustica, e barbara sujeiçaõ, em que até agora se conserváraõ. Para desterrar
este perniciosissimo abuso, será hum dos principáes cuidados dos Directores,
estabelecer nas suas respectivas Povoaçoens o uso da Lingua Portugueza, naõ
consentindo por modo algum, que os Meninos, e Meninas, que pertencerem às
Escólas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucçaõ nesta
materia, usem da Lingua propria das suas Naçoens, ou da chamada geral; mas
unicamente da Portugueza, na forma, que sua Magestade tem recõmendado
em repetidas ordens, que até agora se naõ observáraõ com total ruina
Espiritual, e temporal do Estado” (Almeida 1997, Apêndice, 3-4).
301
Após um atentado contra o rei, os jesuítas, tidos como os culpados,
tiveram de abandonar Portugal e suas possessões em 1759. Um desenrolar de
fatos análogo se realizou no reino colonial espanhol. Em 1767, os jesuítas
239
Portuguesa a vão os meninos aprender à escola [...]” (Vieira 1694, apud Silva
Neto 1986: 51).
306
“[...] a mayor parte daquella Gente se não explica em outro ydioma, e
principalmente o sexo feminino e todos os servos, e desta falta se experimenta
irreparavel perda, como hoje se ve em São Paulo como o nouo Vigario que
veio provido naquella Igreja, o qual há mister quem o interprete” (Sá e
Meneses 1698, apud Buarque de Holanda 1996: 123-124).
307
“[...] os filhos primeiro sabem a língua do gentio do que a materna”
(Pais de Sande 1692, apud Buarque de Holanda 1996: 124).
308
“Este homem he hum dos mayores salvages com q.ẽ tenho topado:
quando se avistou comigo trouxe consigo Lingoa, porq.ẽ nem falar sabe, nem
se differença dos mais barbaro Tapuya, mais q.ẽ em dizer q.ẽ he Christão, e
não obstante o haverse cazado de pouco, lhe assistem sete Indias Concubinas,
e daqui se pode inferir, como procede no mais” (Ennes 1938: 353).
242
309
Encontram-se também formações híbridas. Assim o governador
Antônio da Silva Caldeira Pimentel era chamado de Casacuçu (casaco + -çu <
tupi a’su, u’su ‘grande’), “porque trazia constantemente uma casaca com-
prida” (Buarque de Holanda 1996: 128).
310
“Em São Paulo, há sessenta anos, as senhoras conversavam nessa
língua, que era a da amizade e da intimidade doméstica. Ouvi-a ainda da bôca
de alguns velhos” (Florence 1948 [1828]: 281).
243
311
Influência indígena: Cf. Raimundo (1926), Sampaio (1931), Mendonça
(1936), Ayrosa (1938), Neiva (1940), Elia (1948), Silveira Bueno (1953),
Fernandes (1961), Silveira Bueno (1963a), Chaves de Melo (1971), Elia
(1979), Vázquez Cuesta/Mendes da Luz (1980), Silveira Bueno (1984), Robl
(1985), Silva Neto (1986), Sampaio (1987), Elia (1994). — Influência
africana: Cf. Mendonça (1936), Christie (1943), Chaves de Melo (1945),
Mendonça (1948), Silveira Bueno (1954), Chaves de Melo (1971), Elia
(1979), Y. Castro (1977, 1983a), Vázquez Cuesta/Mendes da Luz (1980),
Gärtner (1986), Silva Neto (1986), Ribeiro de Mello (1994), Gärtner (1996a,
1996b), Ribeiro de Mello (1997, 1999).
244
(9) a quebra generalizada de encontros consonantais (flor > fulô) (ind.,
afr.).
(10) a aférese (está > tá, você > cê) (afr.).
(11) o uso dos pronomes retos ele, ela como objeto direto (afr.).
(12) a regência em juntamente com verbos de deslocamento (afr.).
(13) o uso de tem impessoal no lugar de há (afr.).
(14) a negação repetida: não quero não (afr.).
Em princípio, todas as línguas têm uma tendência imanente à
mudança que foi denominado por Sapir como drift (port. deriva).
Uma tal mudança pode ser promovida ou provocada (trigger effect),
em casos particulares, por fatores externos como isolamento, contato
lingüístico e migração. No português brasileiro, não existe, porém,
nesses casos particulares, nenhuma prova substancial de mudança
lingüística condicionada por sistemas alheios. Quando Schlichthorst
afirmava, entre 1824 e 1826, com respeito à linguagem dos escravos
recém-chegados,
“Nur die Buchstaben st und r machen ihnen große Schwierigkei-
ten; ersteren sprechen sie wie t, letzteren wie l aus, z. B. ta bom
statt sta bom, dalé statt dareis. Dieselbe Schwierigkeit in der
Aussprache bemerkt man bei kleinen Kindern [...]” (Schlichthorst
1829: 180-181),312
poderia então comprovar uma tendência africana. O próprio Schlicht-
horst, contudo, relativiza a declaração, citando o caso da aquisição
lingüística e enfatiza, assim, por sua vez, a situação de aprendiz que
não deve ser equiparada com a competência de falantes maternos.
Quanto à apreciação dos paralelos, deve-se considerar, como na
discussão sobre a crioulização, antes de tudo, o fato de que a difusão
generalizada das características mencionadas (exceto a pronúncia
regional [tS] para a grafia <ch>) relativiza fortemente a possibilidade
de influências externas no espectro de variedades do português
brasileiro. Isso vale sobretudo para as características que ocorrem não
só na África, mas também nas línguas crioulas de base portuguesa da
312
“Somente as letras st e r lhes são de grande dificuldade; a primeira eles
pronunciam como t, a última como l, por exemplo, ta bom em vez de sta bom,
dalé em vez de dareis. A mesma dificuldade na pronúncia se percebe em
crianças pequenas [...]” (trad. de Schlichthorst 1829: 180-181).
245
313
No espanhol americano, tanto a desfonologização de /7/, quanto a
manutenção do fonema no Paraguai foram associadas a influências indígenas.
247
que seus falantes teriam, supostamente, assimilado no português
brasileiro.
· A africada [tS], correspondente à grafia <ch> (→ 8.), se apresenta
como um arcaísmo que foi conservado também no norte de Portugal,
enquanto, no século XVII, se desenvolveu para [S], no centro e no sul
daquele país.314 Visto que o tupi dispõe da fricativa [S] (grafada como
<x>), não haveria razão para uma substituição [S] > [tS]. Para
Rodrigues de Souza (2001: 53), a africada é um traço da “semi-
crioulização do português em Mato Grosso”, embora, até o século
XVII, [tS] correspondesse à pronúncia comum do português.
· A ruptura de encontros consonantais (flor > fulô) (→ 9.) também se
testemunha em Portugal (cf. 7.1.1.7). O surgimento do fenômeno no
século XX (táxi → ['takis]) depõe a favor de um desenvolvimento
imanente.
· A aférese (→ 10.) tem, no português brasileiro, pouca importância.
Uma afiliação africana das formas abreviadas tá e cê seria no mínimo
surpreendente no caso de cê, haja vista que as línguas crioulas de base
portuguesa usam bo, uma forma apocopada da mesma palavra.
Também a incomum queda da vogal inicial não se deixa generalizar
necessariamente como uma estrutura CV preferida das línguas
africanas. O ewe, por exemplo, tem um grande número de substantivos
com prefixo vocálico, correspondentes à estrutura VCCV (atsú
‘marido’; Westermann 1907: 48). A aférese existe também em dialetos
portugueses (cf. Naro/Scherre 2007: 123).
· A negação repetitiva (→ 14.) é um arcaísmo, que era usual no
português europeu, sem ênfase, até o século XVI (cf. 7.2.3). Além
disso, também não é possível fazer uma ligação aqui com as línguas
africanas. O quimbundo nega com a prefixação de ki e um sufixo, que
pode cair, no linguajar rural (Chatelain 1964: 51). O ewe junta a
partícula me antes e o depois do verbo (Westermann 1907: 73). O
iorubá antepõe diversas partículas, sendo que a dupla negação conduz
a uma afirmação (Delanọ 1965: 103). Em nenhum caso ocorre uma
circunfixação de idênticas partículas de negação, como é o caso do
português brasileiro (não quero não).
Os exemplos mostram de novo que a mera comparação estrutural não
serve para deduzir uma afiliação indígena ou africana. Isso vale,
sobretudo, quando se considera que a atribuição dupla dos elementos
indígenas e africanos parece quase arbitrária e intercambiável.
314
Cf. Teyssier (1984: 48, mapa; 53-54).
248
315
“[...] aparece a linguagem peculiar dos citadãos brasileiros, o dialecto
brasileiro, se assim se lhe quer chamar, o português alterado no Brasil pela
acção de causas tão complicadas como são a mistura étnica, o contacto com
línguas diversas que persistem ou desaparecem (como é o caso com os
dialectos do elemento negro da população), o clima, a distância da sede
originária, e ainda outras a cada uma das quais é na maior parte dos casos bem
difícil de atribuir o papel que lhe compete” (F. A. Coelho 1880-86: 160).
249
316
O desenvolvimento diacrônico da pronúncia no português europeu e
brasileiro é tratado por Hart (1955), Révah (1958), Hart (1959), Révah
(1959), Paiva Boléo (1960), Lourenço de Lima (1976), Lindley Cintra
(1983a), C. Cunha (1992), Noll (2006). A respeito do vocalismo, cf. Teyssier
(1966), Herculano de Carvalho (1962-63), Naro (1971).
251
317
Cf. Gonçalves Viana (1941: 49), Azevedo Maia (1986: 313-314).
318
“Temos A grande, como Almada, e a pequeno, como Alemanha”
(Gramática 1536: 48).
319
Trata-se do no 58 de 19 de outubro de 1842, que Marlos Pessoa (1994:
78-80) apresenta em fac-símile. Veja também a seleção de Cabral de Mello
(Lopes Gama 1996: 422-423), a antologia de Dalgado (que infelizmente não
inclui os testemunhos do no 58; Lopes Gama 1958) e a edição fac-similar do
Carapuceiro, que não tínhamos à disposição (Lopes Gama 1832-42).
252
320
Cf. Naro (1971), Teyssier (1984: 60-63). Uma gramática francesa do
português descreveu já em 1682 flutuações entre os [o] e [u] pretônicos em
cortar, as quais têm a ver com esse desenvolvimento. Note-se que, no Livro
da Nau Bretoa de 1511, já aparece a forma “purtugall” (Nau Bretoa 1511: 96;
cf. cap. 4.2).
321
“AI Brasiliensibus, Lusitanis Priguiza” (Markgraf/Piso 1848, p. 221).
253
322
Cf. Herculano de Carvalho (1962-63), Teyssier (1966), Naro (1971).
323
Cf. Lindley Cintra (1983c: 42), Teyssier (1984: 64).
255
324
A isoglossa que separa, no português europeu, [eì] de [e] vai do terço
norte da Estremadura portuguesa, perpendicularmente ao sul, até a região de
Lisboa, que está excluída, e depois descreve uma espécie de arco de ogiva em
direção ao nordeste, até a fronteira espanhola (cf. Lindley Cintra 1983b, 160-
161, mapa).
325
Cf. sardenhero em vez de sardinheiro (Teyssier 1984: 64, 107).
326
Sob essa mesma influência é que o fr. ant. chier [tSì(r] se desenvolveu
no século XIII para cher [S(r]. No espanhol antigo, o encontro -it- < -kt-
256
(noite < lat. vulg. *nocte) transformou-se, no século XI, em [tS] (noche). Cf.
7.1.1.4.
327
Cf. Leite de Vasconcellos (1987 [1901]: 103): “cáxa, báxo”. Em
Camões se lê: “A soberba Veneza está no meio|Das águas, que tão baxa
começou” (Os Lusíadas III, 14). Nos Lusíadas se alternam baixo – baxo,
debaixo – debaxo, abaixo – abaxo, ocorrendo as formas ditongadas mais
freqüentemente (22 : 9).
257
328
Leite de Vasconcellos afirmou, em 1901: “Dans la plus grande partie
du pays, une consonne nasale intervocalique nasalise la voyelle qui précède,
par ex. dans cãma, pẽna, vĩnho” (1987: 75).
329
A queda da nasal remonta ao século XI e a forma é atestada do século
XIII ao século XVI (DELP, s.v.).
330
Para Molière, grammaire e grand-mère são homófonos no século
XVII.
258
331
Cf. Leite de Vasconcellos (1987: 86-88); Martins Sequeira (1957: 21);
Kröll (1994: 551).
332
“[...] on peut dire que E- devient I- dans le Nord, dans le Centre et dans
l’Extrémadure Cistagne” (Leite de Vasconcellos 1987 [1901]: 86).
259
uma ponte natural com respeito aos graus de abertura entre a vogal
(graus de abertura 6-4) e a posição de boca quase fechada de /s/ (grau
de abertura 1). Fora isso, o [s] já mostra, em seu modo de articulação,
a língua repousando nas gengivas internas inferiores, característico
também para o [ì].
Azeredo Coutinho (1798) ainda não cita a epêntese como um dos
fenômenos característicos do português brasileiro (cf. 5.5.2).333 Um
trabalho de mestrado realizado por Klebson Oliveira na Universidade
Federal da Bahia, que analisa textos escritos por africanos e afro-
descendentes na Bahia do século XIX, documenta o ditongo em 1841:
“Ao sete dias do Meis de Novembro [...]” (Oliveira 2003: II, 405).
Num poema de amor de Braz Pitorras, do Ceará, o desenvol-
vimento é testemunhado em 1848 por meio da interpretação das rimas
mais / dás:
Minha Ignês, não posso mais
Tanto silêncio guardar
Novas tuas não me dás.
(apud Seraine 1949: 62)
333
Numa carta de Francisco Nunes da Costa, desembargador em Camamu
(BA), aparece, em 1789, o nome de uma pessoa que se chama “Francisco de
Souza Feis” (apud Lobo 2001, Cartas Baianas Setecentistas, p. 155). Chama
a atenção a forma <Feis> porque <ei> antes de /s/ final sugere a epêntese da
língua falada. Contudo, <Feis> não é conhecido como sobrenome. Poder-se-ia
tratar do sobrenome Feles (plural de fel que, aliás, forma também o plural féis
no português brasileiro). Outra possibilidade seria supor uma abreviação de
<Fernandes> que leva em conta a pronúncia [-is] no final ® <Feis>. Em
ambos os casos, não se trataria de uma epêntese.
260
Das borboletas azuis!
(Antologia, 240-241)
334
A perda de sonoridade e o aumento daí resultante de força consonantal
correspondem à seqüência seguinte: vogais (baixas, médias, altas), glides,
líquidas (vibrantes, laterais), nasais, fricativas (sonoras, surdas), plosivas
(sonoras, surdas).
261
335
“Dans felor = flor, gueloria = gloria, pelantar = plantar, les groupes
FL, GL, PL sont détruits par l’intercalation d’un e” (cf. Leite de Vasconcellos
1987 [1901]: 100).
262
[‘vida > ‘viada] vs. rom. viaţă, PB mesa [‘meza > ‘meaza] vs. rom.
neagră e PB forte [‘f)xtSi > ‘f)axtSi] vs. rom. foarte. A epêntese na
língua popular de [ù] em [oa] (boa [‘boa] > [‘bowa]) serve para
desfazer o hiato e, portanto, facilitar a pronúncia. Em Portugal,
encontra-se no Baixo Minho (“Lisboua”, cf. Martins Sequeira 1957:
35).
7.1.2 Consonantismo
7.1.2.1 A realização de /s/
A palatalização do /s/ implosivo [S] (chiamento) iniciou no português
europeu, provavelmente, no final do século XVII “em grande área do
Sul” (Silva Neto 1986: 160), o que se refere ao centro e ao sul de
Portugal. Luís António Verney, que deixou Portugal em 1736, já a
descreve no Verdadeiro Método de Estudar como generalizada.336
Diante da já percebida semelhança na realização do /s/ implosivo
entre o português europeu e a variedade carioca, colocam-se, do ponto
de vista lingüístico, três questões básicas:
(1) Quais testemunhos históricos existem para o chiamento?
(2) Qual é a difusão do chiamento no português brasileiro?
(3) Como explicar a concordância com o português europeu?
O esclarecimento das duas primeiras perguntas é um pressuposto
essencial para a resposta da terceira. A pesquisa, por muito tempo,
contudo, não levou em conta esse procedimento. A questão sobre a
difusão geral do chiamento no português brasileiro foi, de fato,
colocada, mas não esclarecida suficientemente, visto que, de um lado,
faltam trabalhos dialetológicos correspondentes. Por outro, não foi
analisado de maneira comparativa o material de que se dispõe (Noll
1996a). Apesar de haver uma bibliografia extensa sobre a dialetologia
336
“Diz Álvaro Ferreira Vera [1631] que nenhuma dicção portuguesa
deve acabar em X [...] O que eu sei é que a pronúncia portuguesa acaba em x
todas as palavras que acabam em s; quero dizer que todo o s final pronunciam
como x, [...] Observo que não só o s final pronunciam como x, mais também o
z final, o que V. P. pode ver em Diz,||Luiz, Fiz etc..” (Verney 1746: 77-78). A
grafia <x> está associada com a pronúncia [S] em português assim como no
espanhol antigo e no catalão.
263
337
Cf. Lindley Cintra (1976: 137-145), Dietrich (1980: 60-98), Baranow
(1991), Silva de Aragão (1997, 2006).
338
Pequenos apontamentos ao chiamento fora do Rio de Janeiro se
encontram em Marroquim (1934: 36, 76), Gueiros (1938: 561), Mignone
(1938: 489), Seraine (1938: 463), Silva Neto (1986, 11950: 173), J. L. de
Castro (1958: 102, 107), Farias de Lacerda (1961: 47), Thomas (1973: 231),
C. Cunha (1974: 335), Pessoa (1986), Leite/Callou (2002).
339
“Historically, the Carioca preference for [S] and [Z] can be attributed to
the transfer of the Portuguese government from Lisbon to Rio de Janeiro in
the early 19th century” (Giangola (2001: 12, n. 6).
264
“Os Brazileiros pronuncião como Z o S liquido, quando se acha
sem voz diante, ou no meio, ou no fim do vocabulo, dizendo:
Mizterio, Fazto, Livroz novoz, em vez de Misterio, Fasto, Livros
novos” (Soares Barbosa 21830: 52).340
O /s/ descrito como “liquido” por Soares Barbosa é o [S] lusitano,
enquanto “Z” corresponde ao [s] brasileiro. Não cita um chiamento no
português brasileiro, o que está provavelmente associado com o fato
de a Grammatica Philosophica ter sido concluída em 1803, apesar de
publicada em 1822, como afirma Oiticica (1916: 20).
A reflexão de Lipski acerca da “dialect imitation” (1975: 222) é
relativizada, contudo, já em 1826, quando se leva em conta a
caracterização negativa do português europeu, feita pelo Visconde de
Pedra Branca, no que tange a “l’âpreté dans la prononciation” e
“l’arrogance des expressions”.341 Sob esse ponto de vista, uma
influência de adstrato, motivada pelo prestígio do [S] europeu, parece
menos convincente, uma vez que prestígio político durou apenas
poucos anos até a Independência do Brasil em 1822.
O inglês Alexander Caldcleugh, que morou no Brasil entre 1821 e
1823, fez observações a respeito da pronúncia do /s/ no português
brasileiro:
“The pronunciation of the Brazilians is not so nasal nor so jewish
in the sound of the s, and on the whole it is a more agreeable
language than in the mouth of a native” (Caldcleugh 1825: I, 66).
A referência a “jewish” é aqui uma indicação à pronúncia [S], típica
da pronúncia do português europeu que é designada às vezes, em
formulação análoga, também como “chiante mourisca” (cf. Paranhos
da Silva 1880: 24). Caldcleugh, que conhecia bem o Rio de Janeiro,
associava o chiamento, por volta de 1823, somente ao português
europeu.
Também, nos anos seguintes, não se encontra nenhuma indicação
por meio da qual se testemunhe um chiamento no português
brasileiro. Varnhagen, no Florilegio da Poesia Brazileira, em 1850,
340
Paulino de Souza, em 1872, copiou, quase literalmente, esse texto de
Soares Barbosa, no capítulo “Des vices de prononciation”, de sua Grammaire
portugaise raisonnée et simplifiée.
341
Balbi (1826: 172-173), cf. 5.7.
265
342
Os trabalhos se encontram na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
266
ech-céto, ech-citar; e què nós os Brazilèiros lemos «eséso, eséto,
esitar.»||§ 11. Óra, seria uma verdadèira calamidade para os
ouvidos bràzileiros què todos esses valores se reduzisem a o som
de chiante mourisca; o coál só póde ter logar de vez en coàndo,
como a disonància na mùzica” (Paranhos da Silva 1880: 23-24).
Depois de descrever a realização alveolar do /s/ como brasileira,
Paranhos da Silva acaba concedendo, sem detalhamento, a possibili-
dade de uma ocorrência da “chiante mourisca” [S] no português
brasileiro. Provavelmente quer dizer, com isso, que havia uma
variante livre ocasional [S] para o /s/ implosivo. De qualquer forma,
porém, Paranhos da Silva não teria caracterizado a alta freqüência do
[S] como uma “calamidade para os ouvidos bràzileiros”, se o
chiamento estivesse sido difundido no Rio de Janeiro, então capital do
Brasil.
Leite de Vasconcellos relata, em 1901, a partir de um encontro
com um habitante de São Paulo:
“J’ai entendu un habitant de São Paulo prononcer l’-s comme dans
le sud du Portugal, c.-à-d. x, ex.: trêx = três, dôix = dois” (Leite de
Vasconcellos 1987: 133).
Para a cidade de São Paulo, o [-S] não é típico. Talvez se tratasse de
um falante de Santos (SP) (cf. 3.1.2.1). Surpreende que Leite de Vas-
concellos cite essa ocorrência casual no “Dialecte brésilien” e não
mencione uma possível palatalização no Rio de Janeiro. Em 1921,
finalmente, Nascentes, expressando-se diretamente a respeito da
pronúncia do Rio de Janeiro, diz:
“As classes cultas pronunciam o s final, mudando entretanto numa
chiante, como no Sul de Portugal. Ha quem attribua esta pronuncia
ao influxo portuguez, sem explicação maior” (1921: 317).
Segundo essa caracterização diastrática, o próprio Rio de Janeiro
ainda não possuía, de maneira evidente, um chiamento generalizado
no começo do século XX. Uma influência preponderante de adstrato
lusitano no surgimento do chiamento carioca é, por conseguinte,
rechaçada devido às seguintes razões de história lingüística:
(1) A pronúncia portuguesa foi criticada no começo do século XIX por
Pedra Branca de modo geral e, na seqüência, por Paranhos da Silva,
em especial com relação ao [S].
267
(2) Não existe nenhuma característica fonética do português europeu
que tenha influenciado paralelamente o falar carioca. Isso diz respeito,
sobretudo, à redução das vogais átonas, típica do português europeu
do começo do século XIX, que permaneceu estranha ao falar carioca.
(3) O encontro -sc- (descer, nascer) deveria ser realizado como [Ss],
como ocorre no português europeu, no caso de uma influência de
adstrato no falar carioca. No entanto, pronuncia-se como [s] no Rio de
Janeiro, assim como em todas as outras regiões brasileiras que palata-
lizam.
(4.) No século XIX, não há qualquer testemunho para a palatalização
do /s/ no Rio de Janeiro.
Os atuais documentos falam a favor de um desenvolvimento gradual
da palatalização, a qual ocorreu possivelmente na segunda metade do
século XIX, partindo da alta sociedade e, de forma evidente, ainda
não havia concluído no começo do século XX. Pode-se partir do fato
de que haja, no português brasileiro, uma disposição para o
desenvolvimento próprio de um chiamento mais tardio, em
comparação com o português europeu. Isso se torna claro,
especialmente, quando se entende a expansão da palatalização no
português brasileiro (cf. 3.1.2.1).
Nesse contexto, é importante observar que as palatalizações
limitadas distributivamente, na posição pré-consonantal ou final,
encontradas no espaço geográfico entre a Bahia e o Maranhão (zona
intermediária), sejam naturalmente classificadas, em virtude do
desenvolvimento gradual, sob o mesmo fenômeno de palatalização
que a generalização do chiamento carioca. Provavelmente se
desprezou esse ponto de vista no passado, ao considerar-se o Rio de
Janeiro, por muito tempo, quase como um caso isolado.
A situação instável lingüisticamente no Nordeste do Brasil (zona
intermediária) é uma clara indicação para o fato de o chiamento, no
português brasileiro, ser um desenvolvimento relativamente recente.
A palatalização preferida diante de plosivas, sobretudo diante de [t],
aponta, aliás, para a gênese do fenômeno, que certamente iniciou a
partir da posição pré-consonantal. Encontra-se uma palatalização
semelhante também em outras línguas. Dessa forma, no alemão
padrão, os encontros /s/+/t/ e /s/+/p/ são sempre pronunciados como
[St Sp] em início de palavra. Em diversas variedades do italiano, o
mesmo se encontra, incluindo-se também /s/+/k/ [Sk] (cf. Rohlfs
1949-54, § 188).
268
343
Cf. Teyssier (1984: 48, mapa; 53-54).
344
Contudo, às vezes existe, nos desenvolvimentos fonéticos, um grande
espaço de tempo entre a primeira ocorrência do fenômeno, sua difusão e sua
documentação. A transformação [f- > h-], ocorrida no castelhano, é teste-
munhada desde o século IX, mas, graficamente, só se impôs a partir do século
XIV.
270
345
Cf. 5.7 e Noll (1997).
346
Surpreende a indicação de Gonçalves Viana para São Paulo, pois a
realização velar, em posição implosiva, não é típica dessa área. Mais tarde,
Gonçalves Viana modificou a sua apresentação: “[...] como o r final de muitos
dialectos brasileiros, entre elles o do Rio de Janeiro, por ex. em ma@, se@”
(1892: 40).
271
347
“Une [sic] r devant la consonne initiale du mot suivant disparaît facile-
ment dans le langage courant: trabalhá’ todo o dia” (1987: 77).
272
348
“La r final de los infinitivos se debilita en diversos grados y hasta llega
a caer en el habla vulgar y campesina de algunas regiones del país” (Vidal de
Battini 1966: 111).
349
Cf. adoecer “[adue'se4]” (Nascentes 1961-67, s.v.). Nesse contexto, o
símbolo [4] é caracterizado como “fricativo” na introdução do dicionário.
273
350
Ordem do governador Bernardo de Miranda Henriques ao capitão-
mor das Alagoas, acêrca dos prêtos dos Palmares (publicado por Carneiro
1958: 224-225, 225).
351
Deve-se observar que tanto Gregório de Matos quanto Câmara
Coutinho eram nascidos no Brasil.
352
Cf. o site do Projeto do Dicionário Histórico do Português do Brasil
(http://moodle.icmc.usp.br/philologic/; acesso restrito).
275
“O l final é pronunciado levemente pela classe culta; os pedantes
exageram-no. A classe semiculta vocaliza-o diante de a, e, i num u
vogal que tem de comum com ele a qualidade de velar, (cfr. [...]
papel-papéu, papé, [...] Brasiu, Brasi)” ([1922] 1953: 48).
Stavrou descreve a vocalização do /l/ implosivo no final dos anos 40
do século XX como “very common among Cariocas, but not among
those who are careful of their speech” (1947: 27). M. Azevedo (2005:
45-46) aponta para o fato de que a pronúncia velar, até meados do
século XX, no português brasileiro, era tida como padrão. Por isso,
encontra-se o /l/ velarizado, por exemplo, em São Paulo, entre falantes
mais idosos. A velarização corresponde também à transcrição no
Dicionário da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras,
elaborado de 1940 a 1943: alto ['ɑLtu] (Nascentes 1961-67, s.v.).
A neutralização popular do /r/ e /l/ pré-consonantal em português
brasileiro (alto [axtu], ['artu]) ocorre também no noroeste de Portugal
e desenvolve-se a partir da articulação alveolar originariamente
homorgânica.353 Além disso, é um fenômeno típico do espanhol da
Andaluzia. Uma associação direta do fenômeno com uma influência
africana é, por conseguinte, muito improvável no português brasileiro
(cf. 6.5.). No Brasil, o desenvolvimento deve ter iniciado antes do
século XVIII, uma vez que nos territórios em que hoje se realiza um
/r/ velar pré-consonantico [x], o início da velarização no século XIX
teria impossibilitado a substituição do [L] por meio da homorgânica
apical [r] (> [x]).
A substituição popular da lateral associada a plosivas (problema
[pro'brema], clima ['krima]) repete um processo que já existia no
português antigo (germ. *blank > port. branco) ou que conduzia à
palatalização (lat. clamāre > port. chamar). A base novamente é a
semelhança articulatória de /r/, /l/ que, em muitas línguas, conduz a
desenvolvimentos de assimilação e dissimilação.
A queda do /l/ final, que ocorre na língua popular brasileira,
também é conhecida do espanhol meridional (Andaluzia ocidental).
353
“Dans le Minho, et surtout dans le Baixo-Minho, l’l se change en r,
avec le dégagement d’un u, lorsqu’il n’existe pas déjà un u ou un o dévant
[sic] l’l” (Leite de Vasconcellos 1987 [1901]: 98). Kröll cita o exemplo do
minhoto central ['aùrtu] para alto (1994: 549). Outros exemplos se encontram
em Martins Sequeira (1957: 29).
276
354
Cf. ALPI (mapas 6, 12, 47); Leite de Vasconcellos (1987 [1901]: 107).
277
colér, ficou-le, pegou-le, le pedio em vez de mulher, colher, ficou
lhe, pegou-lhe, lhe pediu.” (fac-símile apud M. Pessoa 1994: 78).
Visto que a despalatalização no português brasileiro já está
documentada, para o português brasileiro, em Rodrigues Maia
(c1800) no pronome dativo da terceira pessoa do singular lhe [li] (cf.
5.4.1), pode-se concluir então que o /7/ dorsopalatal típico do
português brasileiro já tenha ocorrido no século XVIII. As
transformações de [7] em [j] ou em [l] pressupõem diferentes
realizações do /7/ do ponto de vista de sua gênese. A realização hoje
diferenciada diastraticamente como [j] e [l] independe do ponto de
articulação de /7/.
355
O /d/ intervocálico na terminação da segunda pessoa do plural dos
verbos já havia sido transformado em fricativa no século XV.
356
Cf. lat. vulg. *palumba, cujo encontro -mb- foi assimilado em caste-
lhano (esp. paloma), aragonês e catalão, ao passo que em português, galego e
asturo-leonês foi conservado (port. pomba).
357
Cf. “tamém = também, imora = embora” (Leite de Vasconcellos 1987
[1901]: 100).
278
358
Cf. Teyssier (1984: 48, mapa). Contador de Argote explicou para a
região do Minho: “[...] a letra V consoante pronuncião como B” (1725: 293).
Leite de Vasconcellos é mais preciso: “Dans la Beira, en Entre-Douro-e-
Minho et dans la partie Sud de Trás-os-Montes, on confond d’une manière
générale b et v” (1987 [1901]: 95).
279
7.2 Morfossintaxe
7.2.1 Determinação e substantivos
Ao contrário do espanhol, que associava o pronome possessivo ao
artigo definido já na Idade Média e o abandonou hoje na língua
standard, o artigo ocorria apenas esporadicamente nesse contexto em
português medieval. No século XV, Fernão Lopes o usava em apenas
5% dos casos. Somente em Camões (s. XVI) é possível verificar um
aumento do uso do artigo em 30%, o qual, em Antônio Vieira (s.
XVII), chega a 70% e, em Alexandre Herculano (s. XIX), a 90%
(Said Ali 1965: 96). As percentagens são confirmadas na obra de Eça
de Queirós no século XIX. Em obras do século XX (p. ex., Augustina
Bessa-Luís) atingem entre 88% e 98% (Woll 1982: 75). A língua
escrita brasileira registrou em 1810, quando do início da imprensa de
jornais e livros, um uso do artigo por volta dos 80%, o que
corresponde diretamente ao desenvolvimento no português europeu e
à presença dos portugueses no Rio de Janeiro (a partir de 1808). Já em
1820, o uso do artigo caiu para 50% (Anderson 1995: 4). O manejo
livre do uso do artigo no português brasileiro baseia-se no uso
lingüístico mais antigo e enfatiza o desenvolvimento de uma
variedade de norma menos forte.
O artigo em português, até a época clássica, foi pouco usado com
regiões e topônimos (Silveira Bueno 1955: 227). Com Antônio Vieira
(s. XVII), já se apresenta nos seguintes exemplos, contudo, o atual
uso brasileiro: “pela Africa, pela Asia e pela America” (Said Ali
1965: 127). A posição do artigo, comparativamente mais freqüente no
português brasileiro, deu-se no sentido de uma nivelação (PB na
África vs. PE em África).
A omissão do artigo definido diante de substantivos, usados em
sentido geral, orienta-se, na língua popular brasileira, possivelmente
para o uso lingüístico tipicamente proverbial (cf. camarão que dorme,
onda leva).
A ausência da crase na ligação do artigo indefinido com a
preposição de (dum, duma) se deve, no português brasileiro, à
manutenção do [-i] final, vogal que se desenvolveu no século XVIII
para [-ö] no português europeu. A separação de em e o artigo
indefinido (em uma), encontrada na língua escrita brasileira,
corresponde ao uso lingüístico do século XVI:
280
[...] a nossa linguagem com que póssam ser doutrinados em os
preçeitos da nossa fé, que nella vam escritos” (Diálogo 1540: 85).
A limitação da marca de plural à primeira posição (as casa# branca#)
na língua coloquial brasileira manifesta-se como redução, por
economia lingüística, de uma marca morfológica redundante (cf. 6.3).
Corresponde ao desmantelamento sucessivo da flexão, típico das
línguas flexionais. Esse desenvolvimento também se consumou no
code phonique do francês (le [lö] bon pain vs. les [le] bons pains).
359
“El-rei mandou-o logo prender, e levaram êle e Mateus Fernandes a
Sevilha” (Lima Coutinho 1968: 338).
360
“Perdi ela que foi arrẽ milhor”, “…desque vi ela” (cf. Silveira Bueno
1955: 211).
283
também estive, mas não vi você lá” → mas não te vi; cf. Nascentes
1949-50: 68). O uso de te no lugar de você é também atestado no
português brasileiro em O Juiz de Paz da Roça, de 1838: “Tenho um
projeto para te dizer. [...] Você sabe que eu agora estou pobre [...]”
(M. Azevedo 1981: 275).
A pronominalização do substantivo (a) gente surgiu em português
no século XVIII, sobressaiu-se no século XIX e se consolidou no
século XX (Santos Lopes 2002: 26, 32). No desenvolvimento
histórico, não existe nenhuma diferença evidente entre o português
europeu e o brasileiro (Callou/Leite/Moraes 2003: 109). O aumento
da freqüência no uso de a gente no português brasileiro é observável
no português brasileiro nos anos 70 e 90 do século XX, em face dos
resultados de pesquisas do projeto NURC. Nesse espaço de tempo, a
relação inverteu-se, dos 42% (a gente) para os 58% (nós) em 56% (a
gente) para 44% (nós). Contudo, esse resultado oferece apenas um
lado do espectro diacrônico de variedades do português brasileiro.
Marroquim testemunhou já, em A Língua do Nordeste, um uso
lingüístico popular generalizado de a gente em Alagoas e
Pernambuco: “Nos e vos obliquos não são empregados pelo povo. Nós
é substituido por a gente” (1934: 113). O fato que conduziu à
pronominalização de a gente está certamente associado à importância
das formas de tratamento nominais como você (< Vossa Mercê), o
senhor/a senhora, em português.
A posição dos pronomes objetos átonos, junto com a discussão
sobre a ortografia, manifestou-se como o ponto de discussão mais
controverso no diálogo sobre as variedades de Portugal e Brasil.
Nesse contexto e conforme esse ponto de vista, foi possível interpretar
o livro Iracema, de José de Alencar, de 1865, dependendo da postura
assumida, ou como libertação da escrita brasileira das obrigatorie-
dades da norma lusitana, ou como corrupção do português. A
apresentação, a seguir, do problema se limita, sem tomar conta dos
acontecimentos extralingüísticos, à formação das estruturas lingüís-
ticas.
A ênclise pronominal apresenta-se hoje, essencialmente, dentro do
quadro das línguas românicas, como uma particularidade do português
europeu. Remonta a uma lei da sintaxe românica medieval, cujo
princípio funcional abrangente, durante muito tempo, não foi
apresentado, sobretudo em publicações sobre o problema da
colocação dos pronomes em português. Trata-se da lei de Tobler-
284
361
“Abbiamo fin qui trovato: a) enclisi costante in principio di periodo o
di proposizione principale asindetica; b) quasi costante in principale coordi-
nata con e, ma; c) concorrente colla proclisi in principale formante apodosi; d)
usata per analogia, e quindi non di rigore, nelle dipendenti coordinate
asindeticamente o per mezzo di e, ma senza ripetizione del pronome ecc.”
(Mussafia 1886: 299). Cf. Meyer-Lübke (1897), “Zur Stellung der tonlosen
Objektspronomina”.
362
Endruschat (1996: 98) cita somente a lei de Wackernagel, que
descreve um fenômeno de posição semelhante em grego antigo e em latim (cf.
Wackernagel 1892: 406ss.).
285
363
Cf. Said Ali (1895, apud Pimentel Pinto 1978-81: 453), Gärtner
(1997a: 337).
364
“Quedòse muy confuso el Saliva, y dixo [...]” (Gumilla 1982 [1745]: I,
128).
287
7.2.3 O verbo
Os desenvolvimentos diacrônicos na morfologia do verbo tendem, em
geral, no português brasileiro, a uma simplificação do sistema. Isso
diz respeito ao ajuste de formas especiais, ao nivelamento análogo das
formas no paradigma verbal da língua popular brasileira (cf. 3.2.3,
6.3) e ao alargamento do indicativo na construção do imperativo na
língua coloquial.
A analogia formal é favorecida pela interferência da forma
substituta da primeira pessoa do plural (a gente fala > nós fala), a
extensão e freqüência de você (você fala > tu fala) e a desnasalização
da terceira pessoa do plural (eles falam > eles falo, eles fala). A
desnasalização e adaptação da terceira pessoa do plural para a terceira
pessoa do singular são também testemunhados no norte de Portugal:
eles faço, eles faz, eles tir, eles quer, eles diz (Martins Sequeira 1957:
21).
A marcação adverbial do futuro (vou amanhã), comum na língua
coloquial brasileira, ocorre também no espanhol, sobretudo no
americano (voy a cantar). A forma perifrástica de futuro segue um
desenvolvimento que já conduziu, na formação das línguas românicas,
à difusão de uma forma semelhante (lat. cantabit > lat. vulg. cantare
habet). Há línguas românicas que formam o futuro geralmente de
maneira perifrástica (sardo, romeno).
O extenso uso do indicativo em função imperativa na língua
coloquial brasileira contemporânea foi qualificado ainda como
incomum, sobretudo no imperativo negativo, para as cidades do
Nordeste, no primeiro terço do século XX (não faça isso, menino),
enquanto Nascentes o descrevia como corrente, para o Rio de Janeiro
daquela época (cf. Marroquim 1934: 212, Nascentes 1953: 92).
A generalização da terceira pessoa do singular tem em vez de há
com sentido impessoal mostra-se, no português brasileiro, como
288
365
“Nos matos da costa tem muito pau brasil [...]” (cf. Silveira Bueno
1955: 207).
366
Cf. Anderson (1995: 2-3), Leite de Vasconcellos (1987: 121), Kröll
(1994: 553).
289
367
“Diferentemente de nós, e de acôrdo com a linguagem vulgar, os
escritores antigos, e ainda alguma vez os quinhentistas, empregavam sem
restrições a negação dupla, e até tríplice, com efeito reforçativo” (Said Ali
1965: 199). Gil Vicente: “E este serão glorioso|Não he de justiça, não” (Barca
do Purgatório 1518: 104).
368
Cf. lat. non + verbo > fr. ant. (uso acentuado) ne + verbo + pas (point,
gote, mie). No français familier, a negação pas preponderantemente se
deslocou para a posição à direita do verbo.
369
Cancioneiro da Vaticana: “En a primeyra rua que cheguemos...” (cf.
Silveira Bueno 1955: 214). João de Barros: “era vindo nesta terra” (cf. Lima
Coutinho 1968: 338-339). Camões: “Nalgum porto seguro de
verdade|Conduzir-nos, já agora, determina” (Lusíadas, II, 32); “Os Cabelos da
barba e os que decem|Da cabeça nos ombros, todos eram|Uns limos prenhes
dágua, e bem parecem” (Lusíadas, VI, 17).
290
370
Cf. T. L. Ferreira (1966), História da Educação Lusobrasileira.
291
7.3 Léxico
Faltam ainda hoje as bases para uma descrição diacrônica do
vocabulário do português brasileiro ou para uma apresentação da
diferenciação, organizada contrastivamente com o português europeu.
A história do vocabulário português no Brasil não foi, até hoje,
esclarecida. Faltam até mesmo trabalhos preliminares com relação ao
registro dos primeiros empréstimos, como analisamos no capítulo 5.2.
Para a história lexical do português, dispõe-se da pouco sustentada
História do Léxico Português de Messner (1990), que exclui o Brasil.
Numa contribuição não publicada, Woll investigou, no 4o congresso
da Associação Internacional de Lusitanistas (1993) um certo número
de antigos testemunhos de brasileirismos nos dicionários portugueses.
Nesse assunto, dever-se-ia, em princípio, avaliar comparativamente
toda a literatura portuguesa sobre o Brasil inclusive a correspondência
dos séculos XVI a XVIII.
Como auxílio, dispomos nesse meio tempo do Dicionário
Histórico do Português do Brasil, que permite a pesquisa eletrônica
de palavras e contextos em documentos,371 bem como do Corpus do
Português, que reúne textos de 1300 a 1999 e possibilita uma busca
diferenciada entre Portugal e o Brasil no século XX.372 Dispomos
também do Dicionário dos Dicionários Portugueses (Messner
1994ss.) que resume sinopticamente o material dos dicionários portu-
gueses até a sexta edição do dicionário de Morais Silva em 1858. Para
as obras etimológicas, o Dicionário Histórico das Palavras
371
Cf. http://moodle.icmc.usp.br/philologic/; acesso restrito.
372
Cf. www.corpusdoportugues.org/; 06/06/07.
293
373
“O consulente observará, folheando, por exemplo, o Dicionário Eti-
mológico Resumido, de Antenor Nascentes, que são numerosos os vocábulos
portugueses de origem tupi aí registrados que não foram incluídos no DHPT”
(DHPT, 15).
374
Cf. www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=
97; 06/06/07.
294
375
Cf. abacaxi no Corpus de Português: s. XIX; no Dicionário Histórico
do Português do Brasil: 1801 (para os sites, v. acima).
295
7.4 Ortografia376
As diferenças na ortografia entre Portugal e o Brasil são a conse-
qüência de esforços divergentes para realizar uma reforma ortográfica,
considerada necessária por volta do final do século XIX, dada a quase
ausência de regras naquele momento.377 José de Alencar falava, em
1870, de uma “incerteza que reina sobre a ortografia da língua portu-
guesa” (Alencar 1979: 99).
Em ambos os países, empregaram-se também considerações a
respeito de uma ortografia orientada foneticamente.378 Paranhos da
Silva deixou claro, em Systema de Orthographia Brazileira que o
Brasil não aceitaria, sem mais, a escrita etimológica preferida em
Portugal:
“Portãto, não cõcorramos para a corrupsão do nóso idioma; não
Epreguemos a ortografia semijeroglìfica, como quérE aqueles para
quE é de Interèse què nós cõtinuemos coázi como os Japonezes,
què se sérvE dos livros da China....” (Paranhos da Silva 1880: 46).
As considerações de Gonçalves Viana, a respeito de uma
simplificação ortográfica (Bases de Ortografia Portuguesa),
publicadas em Portugal, em vários escritos, a partir de 1885, não
encontraram, inicialmente, nenhuma repercussão geral.379 Nesse meio
tempo, a Academia Brasileira de Letras, em 1907, também trabalhava
propostas para a alteração da ortografia (cf. Monteiro 1956: 18-22).
Antes que um caminho comum fosse encontrado, Portugal aprovou,
em 1911, contudo, para a surpresa de todos, uma reforma própria,
face a contradições ortográficas que apareceram até no Diário do
376
Para o desenvolvimento das regulamentações em português europeu e
brasileiro, cf. Dantas (1941), Monteiro (1956: 9-109), Chaves de Melo (1957:
267-286), Teyssier (1976: 41-43), I. Castro (1991a), Teyssier (1994: 157-
159), Garcez (1995), Mariani/de Souza (1996), Thielemann (1997).
377
“Teem escritores suas ortografias próprias, como as teem as imprensas
particulares e as do Estado. E nas do Estado são diferentes as ortografias da
Imprensa Nacional e as da Imprensa da Universidade [...] (Gonçalves Viana
1885, apud I. Castro 1991a: 377).
378
Portugal: Barbosa Leão (1875), Consideraçõis sobre a Ortografia
Portugueza; cf. I. Castro (1991a: 368-377) — Brasil: Paranhos da Silva
(1880), Sistema de Ortographia Brazileira.
379
Pontos essenciais foram a dissolução de dígrafos com <h>, baseados
no grego antigo, e as consoantes dobradas (exceto <rr> e <ss>).
296
380
Art. 2: “Os Estados signatários tomarão, através das instituições e
órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até
1 de Janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua
portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto
possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.” (cf.
www.grci.pt/documentos/internacional/acordo_ortografico.pdf; 06/06/07).
298
381
É verdade que o fato de desfigurar uma obra literária para não expor os
próprios leitores aos efeitos de outra variedade da mesma língua tem ainda
outra dimensão. Entretanto, até agora, ninguém teve a idéia de adaptar um
romance do americano Hemingway a fim de salvar o público britânico de
eventuais distúrbios lingüísticos.
299
382
Veja a relação esboçada por Kiss: “[...] nous croyons cependant – et il n’y
a là rien d’étonnant si l’on prend au sérieux le concept de “structure” –
que toute influence externe qui atteint un élément de la langue s’exerce
nécessairement par l’intermédiaire de l’ensemble structuré dans lequel
prend place l’élément en question” (1982: 4).
300
383
“A língua portuguesa é falada por todos os escravos, e seus próprios
dialetos ficam desusados até serem mais ou menos esquecidos por muitos
deles” (trad. de Koster 1816: 411).
307
língua falada da língua escrita, não se pode sustentar que, até 1825, a
língua escrita no Brasil estava subordinada ao ritmo das transforma-
ções do português europeu, nem que o “início da expressão escrita em
português brasileiro” (2006: 581) tenha coincidido com essa data um
tanto aleatória (cf. 8.3; Tarallo 1993b: 82). Além disso, a falta de uma
documentação mais ampla, antes da introdução da impressão tipo-
gráfica em 1808, assim como a censura e a produção dos livros em
Portugal, são fatos que ocultam os dados subjacentes. Isso vale
também para a suposta percepção da documentação de regionalismos
(data de 1930) que é somente o reflexo secundário perante uma
realidade lingüística já estabelecida.384
384
Cf. Collecção de Vocabulos e Frases Usados na Provincia de S. Pedro do
Rio Grande do Sul (Pereira Coruja 1852), “A linguagem popular
amazonica” (Veríssimo 1983).
308
385
Embora João de Barros marcasse o pretérito perfeito com acento na sua
Gramática (1540), o que, em princípio, corresponderia ao “a Grande” (a
aberto), Teyssier (1966: 143) e Azevedo Maia (1986: 315) expõem que a
oposição fonológica ainda não existia no século XVI (cf. 7.1.1.1).
310
386
Comentada no Verdadeiro Método de Estudar por Luís António Verney
que deixou Portugal em 1536 (cf. 7.1.2.1).
311
387
“Em São Paulo, há sessenta anos, as senhoras conversavam nessa língua,
que era a da amizade e da intimidade doméstica. Ouvi-a ainda da bôca de
alguns velhos” (Florence 1948 [1828]: 281).
312
388
Aliás, o mesmo vale para o início da urbanização do Brasil no século
XIX, por um lado, e seu aumento nítido no meio do século XX, por outro
lado.
316
389
Um artigo fundamental, que enumera características a respeito da
arcaicidade e da inovação do português brasileiro é o de C. Cunha (1986). Cf.
também Silva Neto (1941a), Joaquim Ribeiro (1959: 47-83), A. de Sousa
(1962), Vaz Leão (1962).
317
· a manutenção das plosivas sonoras ([b d g]), que no standard
europeu, no século XVI, se tornaram fricativas ([β ð γ]).
· a manutenção da nasalização heterossilábica (cama [‘kÄ.ma]), que
foi abandonada no português europeu do século XVI ([‘kä.ma]) e que
hoje só existe regionalmente.
· a não-formação da oposição fonológica /ä/ vs. /a/ (PE cantamos vs.
cantámos), que se desenvolveu no centro de Portugal entre os séculos
XVI e XVII.
· a conservação parcial da variação pretônica de [e - i], [E - I], [o - u],
que, no português europeu, ainda ocorria nos séculos XVI e XVII.
· a conservação tendencial do nexo <ou> [où o] (< lat. <au>) em lugar
da alternância com <oi> no português europeu, que remonta aos
séculos XVI e XVII.
· a negação repetitiva da fala coloquial brasileira (não quero não).
· a manutenção regional de [tS] <chave> (nos Estados de São Paulo,
Minas Gerais, Paraná e sobretudo no Mato Grosso), que, no português
europeu (exceto no norte) perdeu, no século XVII, o seu componente
plosivo ([S]).390
· a manutenção de uma ligação relativamente livre do pronome
possessivo com o artigo definido, que no português europeu se tornou
quase obrigatório até o século XX.
· a manutenção tendencial das vogais pretônicas e pós-tônicas
[e], [a], [o], que, no português europeu do século XVIII, foram
preponderantemente reduzidas ([ö], [ä], [u]).
· a manutenção das vogais finais [a], [i], que no português europeu do
século XVIII foram reduzidas para [ä], [ö].
· a conservação regional da implosiva alveolar /s/, que se palatalizou
no português do século XVIII ([S]), assim como a realização análoga
do encontro -sc- (descer: PB [s] vs. PE [sS].
· a conservação de [e], seguida de palatal ([7 ñ S Z]) face à abertura
iniciada no português europeu (Lisboa e Portugal central), no século
XIX ([( ä äì]).
390
Cf. Silva Neto (1986: 171), Furlan (1989: 135). Amaral (1982: 48)
descreve a realização do <ch> (e de sua correspondente sonora) no dialeto
caipira: “ch e j palatais são explosivos, como ainda se conservam entre o povo
em certas regiões de Portugal, no inglês (chief, majesty) e no italiano (cielo,
genere)”. Cf. 7.1.2.2.
318
· a manutenção dos ditongos [eì] e [Eì], que se tornaram abertos no
português europeu (Lisboa, Portugal central) no século XIX ([äì],
[Äì]).
· a manutenção do gerúndio (está fazendo), que no português europeu
do século XIX foi substituído por uma perífrase (a + infinitivo).
· a conservação da próclise nas frases afirmativas com sujeito
substantival anteposto, que em português europeu, desde o século
XIX, são construídas encliticamente.
Desenvolvimentos inovadores no português brasileiro, que ocorreram
de maneira comum e, portanto, podem valer como típicos são, em
comparação com o standard europeu:
· a perda da variação antiga da pretônica [e - (] (pregar ‘fixar com
pregos’ vs. pregar ‘pronunciar sermões’) e [o - )] (oficina, procurar),
que no português brasileiro, na porção meridional do país, conver-
giram nas variantes fechadas e na porção setentrional nas abertas. O
português europeu, em contrapartida, reduziu, no século XVIII as
vogais fechadas ([prö'gar], [ufi'sinä] vs. [pr('gar], [pr)ku'rar]).
· a africativização comum de /t/ e /d/ diante de [i] (tio [‘tSiu], dia
[‘dZia]).
· a epêntese comum de [ì] antes /s/ em sílaba tônica final (atrás
[a‘traìs]).
· a velarização comum do /r/ implosivo: [x], com aspiração na
posição inicial ([h-]).
· a vocalização do /l/ implosivo (bolso [où], Brasil [iù]).
· o rompimento dos clusters consonantais (plosiva + fricativa/nasal)
por meio de um [i] epentético (advogado [adZivo’gadu]).
· o apoio paragógico de consoantes finais por meio de [i] (VARIG
[‘varigi]).
· o r-caipira retroflexo mais ou menos comum, sobretudo na posição
implosiva, em São Paulo, no Sul, assim como no Centro-Oeste e no
sul de Minas Gerais (quarto ['kwa4tu]; cf. 3.1.2.3).
· a generalização da próclise na língua falada (me chamo).
· o uso de ele, ela como pronome objeto para a terceira pessoa na
língua falada.
As seguintes características, que, na linguagem popular brasileira,
ocorrem com distribuições e freqüências distintas, representam tam-
bém inovações do português brasileiro:
319
· a desnasalização na posição final (eles falam ['falÄÙ] > ['falu],
['fala]).
· a queda parcial do plural (p. ex., do -s), morfologicamente
condicionada.
· a queda do /r/ final.
· a queda do /l/ final.
· a deslateralização de /7/ (mulher [mu'j(]).
· a despalatalização de /7/ (mulher [mu'l(]).
Das características mencionadas, evidencia-se que o vocalismo
brasileiro, em comparação com o europeu, se apresenta com traços
essencialmente conservadores, enquanto o consonantismo está per-
meado de inovações. O português brasileiro se destaca por uma
tendência manifesta e sistemática de eliminar a consoante final.
Citaram-se a vocalização generalizada do /l/ final e o apoio
paragógico das consoantes em final de sílaba por meio de [i]. Além
disso, o desenvolvimento da língua popular implica a queda do /r/
final, a queda do /l/ final e ainda a simplificação das marcas de plural,
morfologicamente condicionada.
Contudo, existe um mecanismo na natureza da língua, que
contraria convergências por meio de desenvolvimentos em direção
oposta. Isso ocorre no português brasileiro, com relação à tendência
para as sílabas terminadas em vogal. De alguns anos para cá se
observa na ligação com africadas pré-palatais, com freqüência, a
perda do /i/ final (noite ['noitS]), que também inclui a pré-palatal
sonora na posição final (cidade [si'dadZ]). Esse desenvolvimento tem
por base a afinidade da pré-palatal, ao assimilar o [i] vizinho. No
português, com relação ao ditongo [aì], isso se atesta já no século XVI
(baixo ['baSu]) (cf. 7.1.1.5).
Ao lado das diferenciações aqui descritas, existem, no português
europeu e no brasileiro, desenvolvimentos que em diferentes
contextos ocorrem paralelamente. A esses se contam, na perspectiva
diatópica, a generalização do /s/ pré-dorsal, a palatalização de /s/ na
posição implosiva ([S]), a monotongação de <ei> [e] (primeiro
[pri'meru]) e de <ou> [o] (ouro ['oru]), bem como a
desafricativização de [tS]. A essas características associa-se também a
questão de uma influência específica do português europeu meridional
no Brasil.
320
391
“A nossa maneira de pronunciar approxima-se da das provincias do
Alemtejo e do Algarve, e differe muito da das provincias do norte e do centro,
e da de Lisbôa e Coimbra” (Franco de Sá 1915: 287).
392
“Da comparação que fizemos, principalmente na fonética, entre o
português de Portugal e o do Brasil resulta a conclusão que a língua que
falamos é mais parecida com a do Alentejo e com a do Algarve, do que com
as das províncias do norte e do centro e com as de Lisboa e Coimbra. Talvez
porque a grande massa dos colonizadores primitivos tivesse sido oriunda
daquelas províncias meridionais” (Nascentes 1960 [11926-29]: 262).
393
“El portugués brasileño está basado en el portugués del Algarve, y se
acerca así, por tanto, muy próximamente al portugués insular” (Entwistle
1982 [1936]: 377).
321
394
Trata-se da abertura vocálica em peito [äì] (PB [eì]), bem [ÄÌ] (PB
[EÌ]), diante de palatal, espelho [(], venho [ä] (PB [e]); vejo [äì], fecho [äì]
(PB [e]), assim como da articulação sobretudo uvular de /3/ e de /r-/ [R 8 X x]
(PB [h x]).
324
395
Cf. Bortoni-Ricardo (1985): The Urbanization of Rural Dialect Speak-
ers e Adant (1989): “Difusão dialetal: o caso dos alagoanos em Brasília”.
396
“Brazilian Portuguese thus represents, not a transplanting of any
continental Portuguese dialect, but rather a new synthesis, a kind of koiné in
which regional variations are minimized” (Hart 1959: 270).
325
399
Sobre o povoamento, veja também Laytano (1940), Belo (1947-54) e
Paiva Boléo (1944, 1964, 1983).
400
“Por seu lado, os mineiros talvez dêem demasiada suavidade à língua
materna, ao contrário dos habitantes de Santa Catarina, que a falam de um
modo áspero e fanhoso, demorando-se longamente na penúltima sílaba e
articulando as outras bruscamente. É possível que tenham herdado essa pro-
núncia dos seus antepassado açorianos” (Saint-Hilaire 1978: 135-136).
327
401
Cf. Paiva Boléo (1943: 27-30, 1944, 1983 [1954]).
402
“Curioso notar, que se apregoa de forma exagerada como sendo total-
mente açoriana a colonização do litoral catarinense. Parece-me que tem
poderoso “marketing” sobre o termo “açoriano” (2000: 42-43).
328
403
Compare-se a transcrição de depois [de'poS] da Baixada Cuiabana
(MT) (Fernandes 1986: 86).
329
9.4 Conclusão
O português brasileiro manteve traços arcaicos em seu desenvolvi-
mento, os quais remontam, em parte, até o século XVI e incluem todas
as grandes regiões de Portugal. Isso denuncia uma continuidade
equilibrada de sua formação. O início da colonização do Brasil, por
volta de 1550, coincide, na periodização da língua portuguesa, com a
transição da época pré-clássica para a clássica. O contato lingüístico
entre o Brasil e Portugal foi moldado, no período subseqüente, por
uma contínua imigração de colonos portugueses, a qual também não
terminou após a Independência, continuando até a primeira metade do
século XX. Marcas típicas do português europeu não puderam,
contudo, impor-se em momento algum. Nem mesmo a fricativização
das plosivas intervocálicas, já existente no século XVI, penetrou no
português brasileiro. Nem o afluxo populacional, em virtude das
minas de ouro e diamante, no século XVIII, nem a instalação da Corte
portuguesa em 1808 apresentaram, sequer no plano regional,
quaisquer efeitos demonstráveis no Brasil, do ponto de vista das
mudanças lingüísticas ocorridas nessas mesmas épocas, no português
europeu (a saber, a redução das vogais átonas e o chiamento geral).
A formação antiga do português brasileiro se baseia no português
dos séculos XVI-XVIII, que, a partir de influências específicas in
loco, bem como no contato com a terra natal e com suas províncias
evoluiu para diferentes formações regionais de koiné. Depois que, no
século XVI, os primeiros centros de povoamento foram estabelecidas
na costa brasileira, explorou-se o interior, nos séculos XVII e XVIII.
O desenvolvimento lingüístico daquela época não é possível de deter-
minar, mas pode-se já concluir a coexistência de diferentes variedades
do português brasileiro, a partir da composição populacional e das
relações geo-econômicas (cf. 6.3).
A diferenciação fonética entre as variantes européia e brasileira do
português se acentuou no século XVIII, por meio do forte desenvolvi-
mento particular do português europeu, no que diz respeito, especial-
mente, ao vocalismo e ao chiamento, sem falar das alterações que
331
404
Na comparação dos sistemas fonológicos das línguas românicas,
verifica-se uma afinidade básica entre o português e o francês (cf. Müller
1971).
332
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