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Artigo Rev - Pen.Jur.

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COBRANÇA POR CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO LATO

SENSU: A INCONVENCIONALIDADE DA DECISÃO DO STF


NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) 597854

TÚLIO MACEDO ROSA E SILVA1

KLEILSON FROTA SALES MOTA2

MAYARA RAYANNE OLIVEIRA DE ALMEIDA3

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DIREITO SOCIAL À


EDUCAÇÃO E O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL.
3 PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS
ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS E SUA
RATIFICAÇÃO PELO BRASIL: O COMPROMISSO
DA IMPLEMENTAÇÃO PROGRESSIVA DO
ENSINO GRATUITO. 4 A
(IN)CONVENCIONALIDADE DA DECISÃO DO STF
NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) 597854. 5
ANÁLISE DO DIREITO À GRATUIDADE DE
ENSINO VERSUS PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE E DA PROTEÇÃO NÃO
DEFICIENTE. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
REFERÊNCIAS.

RESUMO: O objetivo do presente artigo é avaliar a convencionalidade da


decisão do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Recurso Extraordinário
(RE) 597854, que firmou a tese de que “a garantia constitucional da gratuidade
de ensino não obsta a cobrança, por universidades públicas, de mensalidades
em cursos de especialização”. Para alcançar o destacado objetivo, a pesquisa

1
Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto
da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas, no curso de Graduação e no Programa de
Pós-Graduação em Direito Ambiental. Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª
Região. E-mail: tuliomasi@hotmail.com.
² Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas. Pós-Graduado em Direito
Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. MBA em Licitações e Contratos
Administrativos pela Faculdade Educacional da Lapa. Auditor Técnico de Controle Externo do Tribunal
de Contas do Estado do Amazonas. E-mail: kfsmota@hotmail.com.
³ Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas. Pós-graduada em Direito
Civil, Processo Civil e Consumidor pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba. Procuradora do
Município de Manaus - Procuradoria Geral do Município de Manaus e Professora de Direito
Constitucional. E-mail: Mayaraoalmeida19@gmail.com.
possui fundamento em referenciais teóricos, jurisprudenciais e históricos, além
de análise da doutrina e da normatividade que rege a matéria, com cerne nos
axiomas que devem respaldar a internalização de tratados internacionais
ratificados pelo Brasil, em especial do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Inicialmente, o estudo será focado em
apresentar o Direito Social à Educação e o Ensino Superior no Brasil. Após,
busca-se verificar o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e sua ratificação pelo Brasil, com foco no compromisso da
implementação progressiva do ensino gratuito. Em seguida, analisa-se a
(in)convencionalidade da decisão do STF no Recurso Extraordinário (RE)
597854. Concluindo o presente estudo, relaciona-se a cobrança por cursos de
especialização lato sensu pelas Universidades Públicas com a teoria dos
princípios, sobretudo os princípios da proporcionalidade e da proteção não
deficiente.

PALAVRAS-CHAVES: Ensino Superior no Brasil. Cobrança por cursos de


especialização lato sensu. Inconvencionalidade. Proporcionalidade. Proteção
não deficiente.

CHARGING FOR LATO SENSU SPECIALIZATION COURSES:


THE UNCONVENTIONALITY OF THE STF DECISION IN THE
EXTRAORDINARY APPEAL (RE) 597854

ABSTRACT: The purpose of this article is to assess the conventionality of the


decision of the Supreme Federal Court, within the scope of Extraordinary
Appeal (RE) 597854, which confirmed the thesis that “the constitutional
guarantee of free tuition does not prevent the collection, by public universities,
of tuition in specialization courses ”. To achieve the highlighted objective, the
research is based on theoretical, jurisprudential and historical references, in
addition to the analysis of the doctrine and normativity that governs the matter,
with its core in the axioms that must support the internalization of international
treaties ratified by Brazil, especially the International Covenant on Economic,
Social and Cultural Rights. Initially, the study will focus on presenting the Social
Right to Education and Higher Education in Brazil. Afterwards, it seeks to verify
the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights and its
ratification by Brazil, focusing on the commitment to the progressive
implementation of free education. Then, the (uncon) conventionality of the STF
decision in the Extraordinary Appeal (RE) 597854 is analyzed. Concluding the
present study, the charging for lato sensu specialization courses by Public
Universities is related to the theory of principles, especially the principles of
proportionality and non-deficient protection.
KEYWORDS: Higher Education in Brazil. Collection for lato sensu
specialization courses. Unconventionality. Proportionality. Not deficient
protection.

INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em sessão


extraordinária realizada em 26.04.2017, a possibilidade de as universidades
públicas cobrarem por cursos de especialização. Por maioria de votos, os
ministros deram provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 597854, com
repercussão geral reconhecida, aprovando a seguinte tese: “a garantia
constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por universidades
públicas, de mensalidades em cursos de especialização”.

O Brasil é, todavia, signatário do Pacto Internacional sobre Direitos


Econômicos, Sociais e Culturais que prevê, em seu art. 13, que os Estados
Partes devem assegurar, entre outros, a educação de nível superior igualmente
acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios
apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino
gratuito.

Logo, torna-se imprescindível verificar a convencionalidade da decisão


do Supremo adotada no citado Recurso Extraordinário, considerando que o
direito social à educação e o ensino superior no Brasil (com base em sua
legislação específica) revelam uma regência pelo princípio da gratuidade em
estabelecimentos oficiais, o que se coaduna com a normatividade internacional.

O presente artigo, contudo, não possui pretensão de esgotamento do


tema. O que se busca é demonstrar que se encontra dentro de nosso bloco de
constitucionalidade a garantia de progressivo ensino gratuito em todos os
níveis de ensino.

Na primeira seção, será abordado o Direito Social à Educação e o


Ensino Superior no Brasil, buscando-se fazer um breve histórico desse direito
social, bem como enquadrá-lo como direito humano fundamental de segunda
dimensão. Ademais, apresenta-se a legislação que aborda o ensino superior no
Brasil e o curso de especialização lato sensu.

A segunda seção possui o escopo de analisar a relação entre o Pacto


Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ratificado pelo
Brasil) e o compromisso da implementação progressiva do ensino gratuito.

Na terceira seção, a pesquisa analisará a inconvencionalidade da


decisão do STF no Recurso Extraordinário (RE) 597854, abordando o
enquadramento constitucional e legal que levou o Supremo a decidir pela
possibilidade da cobrança.

Por fim, na quarta seção, será feita a correlação entre a possibilidade de


cobrança de mensalidade em universidades públicas e a teoria dos princípios,
sobretudo os princípios da proporcionalidade e da proteção não deficiente.

Ante o exposto, esta breve pesquisa busca refletir a respeito do


problema identificado, no intuito de demonstrar que o excelso Supremo
Tribunal Federal deve (assim como os demais tribunais pátrios) assegurar a
força normativa dos tratados de direitos humanos incorporados por meio do
controle de convencionalidade, respeitando e aplicando as disposições desses
tratados em seus julgamentos e interpretações.

Quanto à metodologia, será utilizado o método dedutivo de pesquisa, por


meio de pesquisa bibliográfica, com finalidade qualitativa, dado o caráter
subjetivo do objeto analisado. As fontes, sejam históricas, normativas ou
bibliográficas, que subsidiam o presente estudo são utilizadas de forma lógica,
a fim de desenvolver ideias e proposições com as devidas explicações,
discussões e demonstrações. O material de análise abrange publicações em
revistas especializadas, livros de doutrina jurídica, teses de doutoramento, bem
como tem lastro de argumentação constitucional e convencional. Almeja-se,
assim, consoante Marconi e Lakatos4, expor “uma sistematização de

4 MARCONI, Marina de Andrade. LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 5ª


ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 80.
conhecimentos, um conjunto de proposições logicamente correlacionadas
sobre o comportamento de certos fenômenos que se deseja estudar”.

2 DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO E O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

Após o holocausto da Segunda Guerra Mundial, a humanidade se viu


imergida na necessidade de proteção dos indivíduos pelo simples fato de ser
pessoa, independentemente de possuir condições particularizadas tão somente
à determinada categorização (como mulher, negro, judeu, cigano,
homossexual, trabalhador ou qualquer outra minoria).

Com base neste axioma, foi adotada e proclamada pela Assembleia


Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III) 5, em 10 de dezembro de 1948,
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elencando que o “desprezo e o
desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que
ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que
mulheres e homens gozem de liberdade [...] foi proclamado como a mais alta
aspiração do ser humano comum”.

Cançado Trindade6 expõe que ao longo dos anos passaram a coexistir


inúmeros instrumentos internacionais de proteção, consubstanciados na
premissa básica de que “os direitos proclamados são inerentes ao ser humano,
anteriores portanto a toda e qualquer forma de organização política ou social”.
Dentre esses direitos, a educação teve sua importância singularizada pelo
representante brasileiro (Austregésilo de Athayde) já nos atos preparatórios
que anteciparam a Declaração Universal, consoante ressaltou o apontado
autor7.

Em 1966, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou o Pacto


Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em sua XXI

5 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.
Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em:
11 mai. 2021.
6 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil
(1948-1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª ed. 2000. p .24.
7 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional
Público (período 1941-1960). Brasília: Ministério das Relações Exteriores/Fundação Alexandre de
Gusmão, 1984. p. 231-232.
Sessão, realizada em 19 de dezembro daquele ano (entrando em vigor,
contudo, apenas em 03 de janeiro de 1976). No artigo 13 deste Pacto, o direito
à educação foi tratado como elementar ao pleno desenvolvimento da atividade
humana e de sua dignidade, sendo essencial à capacitação das pessoas e à
formação de uma sociedade livre, tolerante e capaz de cultivar a amizade entre
as nações e os diversos grupos raciais, étnicos e religiosos.

No mesmo exercício, também foi aprovado o Pacto Internacional de


Direitos Civis e Políticos alicerçado na família humana e em seus direitos iguais
e inalienáveis para constituição do fundamento da liberdade, da justiça e da
paz no mundo, tendo entrado em vigor em 23 de março de 1976. Esses dois
tratados formam, somados à Declaração Universal de 1948, a Carta
Internacional de Direitos Humanos.

Além desses documentos de aplicação universal, vários outros textos


surgiram na esfera regional (como exemplo a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica de 1969), a ponto de
Silva8 destacar que “todos esses documentos normativos consagradores dos
direitos humanos fundamentais mostram a importância que a categoria de
direitos passa a assumir ao longo do século XX. As discussões a respeito da
previsão e posteriormente sobre sua implementação ganham cada vez mais
espaço nas pautas governamentais e acadêmicas”.

A educação é, pois, um direito social estabelecido expressamente no


Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. É, portanto,
um direito humano fundamental de segunda dimensão. Sobre isso, ressalta-se
que o termo dimensão infere a coexistência dos diversos grupos de direitos
humanos, não havendo sobreposição de um sobre o outro. Por sua vez, a
adoção do termo “direito humano fundamental” é amparada pela terminologia
utilizada pela UNESCO, “droits de l'homme fondamentaux”, conforme destacou

8 SILVA, Túlio Macedo Rosa e. Liberdade sindical e controle de convencionalidade. São Paulo:
Universidade de São Paulo - Faculdade de Direito, 2018. p. 39.
Silva9, tornando anacrônico qualquer diferenciação entre direitos humanos e
direitos fundamentais.

Diferentemente dos direitos civis e políticos (que são os direitos de


primeira dimensão e se associam à liberdade e ao absenteísmo estatal), o
direto à educação se baliza pela igualdade material, visando à redução das
desigualdades no plano fático e tendo como destinatários todos os indivíduos.
Ura10 o traz como um direito prestacional “que exige prestações materiais e
jurídicas, com vistas à redução das desigualdades fáticas, mediante a
intervenção do Estado no domínio social”.

Os direitos de segunda dimensão – como o direito à educação – são


marcos nas constituições modernas influenciadas pelas Constituições do
México (1917) e de Weimar (1919). Sundfeld11 revela que tais direitos
imprimem ao Estado uma “nova postura: a de agente do desenvolvimento e da
justiça social”, de forma que “o Estado torna-se um Estado Social,
positivamente atuando para ensejar o desenvolvimento (não o mero
crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a
realização de justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do
produto econômico)”.

Logo, o direito a educação (na dimensão em que se encontra inserido) é


marcado pelo caráter prestacional, exigindo a atuação do Estado
consubstanciada na edição de normas de proteção, de organização e
procedimento e de prestação material ou fática (que dê ao particular a
possibilidade de fruir do direito mesmo que não tenha condições financeiras
suficientes), conforme evidenciado por Alexy12.

9
Op. Cit.p. 27-28.
10 URA, Nicole Borges de Carvalho. Justiça social: a responsabilização do Estado no fornecimento
do direito à educação. Fórum Administrativo - FA, ano 20, n. 202, p. 36-73, dez. 2017. Disponível em:
https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/124/21118/39422. Acesso em: 11 mai. 2021. p. 37.
11 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 55.
12 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Editora Malheiros, 2011. p. 434, 450 e 499.
E seguindo esta compreensão, Silva13 argumenta que os direitos de
segunda dimensão possuem uma dupla função, “de um lado, serve como
fundamento para assegurar um padrão de vida adequado, enquanto de outro
constitui fundamento garantidor de independência e liberdade”.

Tais valores foram imiscuídos na Constituição do Brasil de 1988, sendo


esta marcantemente social e “voltada decididamente para a plena realização
da cidadania”, como asseverou José Afonso da Silva14. Tanto que há expresso
em seu art. 6º um rol de direitos sociais como a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos
desamparados. Todos esses direitos exigem do Estado ações positivas e
intervenções que garantam ao cidadão seu exercício.

Sarlet15 ainda aponta que a Constituição do Brasil é tida por social desde
o seu preâmbulo, e tem localizados já em sua parte inicial os axiomas a guiar
toda a atuação do Estado, pois “os direitos fundamentais constituem
parâmetros hermenêuticos e valores superiores de toda ordem constitucional e
jurídica”.

Topograficamente, a educação é o primeiro dos direitos sociais


elencados pelo constituinte originário no citado art. 6º. Tendo este ainda
assentado expressamente, na Lei Maior, que a educação é um direito de todos
e um dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art.
205 da CF/88).

Quanto aos princípios que regem o ensino, é de lastro constitucional (art.


206) a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

13
Op. Cit. p. 49.
14 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros,
2014. p. 92.
15 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 11. Ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012, p. 66.
saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e a coexistência
de instituições públicas e privadas de ensino; bem como a gratuidade do
ensino público em estabelecimentos oficiais, entre outros.

Por sua vez a educação de nível superior no Brasil é regida pela Lei nº
9.394/96 (que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional):

Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e


programas:
I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis
de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos
requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde
que tenham concluído o ensino médio ou equivalente;
II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído
o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em
processo seletivo;
III - de pós-graduação, compreendendo programas de
mestrado e doutorado, cursos de especialização,
aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em
cursos de graduação e que atendam às exigências das
instituições de ensino;
IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos
requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de
ensino.

Já o Decreto nº 9.235/2017 (que dispõe sobre o exercício das funções


de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e
dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de
ensino) elenca que o sistema federal de ensino compreende (art. 2º): I - as
instituições federais de ensino superior - IFES; II - as IES criadas e mantidas
pela iniciativa privada; e III - os órgãos federais de educação superior.

As Instituições de Ensino Superior (IES) criadas pelo Poder Público


estadual, distrital ou municipal e mantidas por pessoas jurídicas de direito
privado e as IES qualificadas como instituições comunitárias, nos termos da Lei
nº 12.881, de 12 de novembro de 2013, sujeitam-se ao sistema federal de
ensino, conforme art. 2º, § 2º do Decreto nº 9.235/2017. Ademais, este citado
diploma normativo traz, no art. 29, a expressa oferta pelas instituições públicas
de ensino superior de cursos de pós-graduação lato sensu.

Com isso, o ensino superior no Brasil possui expressa regulamentação,


estando inserido nele a oferta de cursos sequenciais, de graduação, de pós-
graduação (compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de
especialização, aperfeiçoamento e outros) e de extensão. Além disso, as
Instituições de Ensino Superior têm autorizada a criação de cursos de pós-
graduação latu senso, sendo prescindível a autorização do Ministério da
Educação, estando condicionada, contudo, ao funcionamento regular de, pelo
menos, um curso de graduação ou de pós-graduação stricto sensu.

Ante as considerações acima, vê-se que o direito humano fundamental à


educação no Brasil compreende uma gratuidade em estabelecimentos oficiais
(por principiologia constitucional – art. 206, IV da CF/88), que se impõe da
educação básica ao ensino superior (o que inclui, conforme legislação suso
apontada a especialização latu senso). Nesse sentido, aduziu Hachem e Kalil16:

[...] no sistema constitucional brasileiro o direito fundamental à


educação assegura ao seu titular distintas posições jurídicas
– tais como o acesso gratuito à educação infantil, ao ensino
fundamental, ao ensino médio e ao ensino superior – e todas
elas são dotadas de jusfundamentalidade (isto é, da
condição de direitos fundamentais, sujeitas à aplicabilidade
imediata e à proteção contra reformas constitucionais
abolitivas).

Portanto, a análise do direito social à educação e do ensino superior no


Brasil revela uma regência pelo princípio da gratuidade em estabelecimentos
oficiais que deve ser ainda avaliado perante a normatividade internacional, em
especial pelas disposições do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais.

3 PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E


CULTURAIS E SUA RATIFICAÇÃO PELO BRASIL: O COMPROMISSO DA
IMPLEMENTAÇÃO PROGRESSIVA DO ENSINO GRATUITO

O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais


foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 226,
de 12 de dezembro de 1991, tendo sua Carta de Adesão sido depositada em
24 de janeiro de 1992. Com isso, o Pacto fora promulgado, entrando em vigor,

16 HACHEM, Daniel Wunder; KALIL, Gilberto Alexandre de Abreu. O direito fundamental social à
educação e sua maximização por meio da função extrafiscal dos tributos: o exemplo do Programa
Universidade para Todos (Prouni). Revista de Direito Administrativo e Constitucional - A&C, ano 24,
n. 66, p. 153-177, out./ dez. 2016. Disponível em:
https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/123/107/863. Acesso em: 12 jan. 2021. p. 159-160.
para o Brasil, em 24 de abril de 1992, na forma de seu art. 27, parágrafo 2°,
dando, posteriormente, ensejo ao Decreto nº 591, de 06 de julho de 1992.

Cumpriu-se, assim, toda a tramitação necessária à internalização da


citada norma internacional ao ordenamento jurídico brasileiro, consoante
preceitos da Constituição Federal de 1988 que inovou, destaca Piovesan 17, “ao
incluir entre os direitos constitucionalmente protegidos os direitos enunciados
nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. [...] Esse processo
de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos”.

Nessa perspectiva, Dallari18 aponta que os direitos humanos


consagrados em tratados ratificados pelo Brasil integram o elenco dos direitos
constitucionais, ao passo que o art. 5º, §2º da Lei Maior deve ser interpretado
com os princípios que regem as relações internacionais (art. 4º),
preponderando a prevalência dos direitos humanos, a fim de dar “coerência à
sustentação do princípio constitucional de relações exteriores em pauta e que,
por isso mesmo, possibilita ao Brasil intervir no âmbito da comunidade
internacional”.

Desta forma, o art. 5º, §2º da Constituição Federal já imprime, por si só,
a ideia da hierarquia constitucional dos direitos humanos enunciados em
tratados internacionais ratificados pelo Brasil, pela própria natureza material
constitucional que tais direitos possuem. Hão de compor, pois, o bloco de
constitucionalidade de nosso ordenamento, como ressalta Canotilho19 ao firmar
que “a orientação tendencial de princípio é a de considerar como direitos
extraconstitucionais materialmente fundamentais os direitos equiparáveis pelo
seu objeto e importância aos diversos tipos de direitos fundamentais”.

17 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 15 ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 113.
18 DALLARI, Pedro. Constituição e relações exteriores. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 162.
19 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p.
528.
Segue-se, assim, a posição de que a Constituição Federal é, quanto aos
direitos humanos fundamentais, aberta e passível de complementação, na linha
defendida por Piovesan20:

A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em


tratados internacionais de que o Brasil é parte, conferindo-lhes
natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes
nos tratados internacionais integram e complementam o
catálogo de direitos constitucionalmente previsto, o que justifica
estender a esses direitos o regime constitucional conferido aos
demais direitos e garantias fundamentais.

A natureza material de direitos humanos (como o do Pacto Internacional


sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) exige paridade hierárquica-
normativa de norma constitucional, segundo Canotilho21. Por sua vez, “os
tratados tradicionais têm hierarquia infraconstitucional, mas supralegal”, por
força do art. 102, III, “b”, da Constituição Federal de 1988 e do art. 27 da
Convenção de Viena, na lição de Piovesan22.

Seguindo a doutrina dos citados constitucionalistas, rechaça-se a tese


da paridade entre tratado e lei federal firmada pelo Supremo Tribunal Federal
(no Recurso Extraordinário n. 80.004/1977, e no Habeas Corpus nº 72.131-RJ
de 22.11.1995).

Ademais, a tese de supralegalidade dos direitos humanos fundamentais


não aprovados na forma do art. 5º, §3º da Constituição (com redação dada pela
Emenda Constitucional nº 45/2004) mostra-se prescindível pela natureza
material de tal norma que já indicaria o status constitucional sem a necessidade
de perpassar por quórum dos três quintos e por dois turnos de votação em
cada Casa do Legislativo nacional.

Assim, perfilha-se da posição de Piovesan23 quando reitera “que, por


força do art. 5º, § 2º, todos os tratados de direitos humanos,
independentemente do quórum de sua aprovação, são materialmente
constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade”. Faz-se prevalecer,

20
Op. Cit. p. 117.
21
Op. Cit. p. 901.
22
Op. Cit. p. 118.
23
Op. Cit. p. 128.
pois, a força material da norma constitucional em detrimento de formalismos.
Inclusive, este é o mesmo ensinamento do Ministro Celso de Mello quando do
julgamento do HC 87.585-8, em 12 de março de 2008, oportunidade em que
asseverou:

[...] as convenções internacionais de direitos humanos


celebradas antes do advento da EC n. 45/2004, pois, quanto a
elas, incide o § 2º do art. 5º da Constituição, que lhes confere
natureza materialmente constitucional, promovendo sua
integração e fazendo com que se subsumam à noção mesma
de bloco de constitucionalidade.

Com lastro neste viés hermenêutico inspirado na racionalidade material,


o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais possui
status de norma constitucional pela natureza de suas disposições. Já em seu
preâmbulo, os vetores axiológicos emanam a dignidade inerente à pessoa
humana, o respeito universal, a convivência harmônica entre os semelhantes e
para com a coletividade a que pertence, não se admitindo qualquer restrição ou
suspensão dos direitos humanos fundamentais.

Em relação à educação, é expressamente reconhecida como direito


inerente a todas as pessoas (art. 13 do Pacto), por ser essencial ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade. É
por meio da educação que se capacita o ser humano para participar
efetivamente de uma sociedade livre, favorecendo a compreensão, a tolerância
e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou
religiosos, sendo, portanto, essencial para a manutenção da paz.

O Pacto ainda impõe (no mesmo art. 13) aos Estados Partes que
assegurem, entre outros: a) educação primaria obrigatória e acessível
gratuitamente a todos; b) educação secundária em suas diferentes formas,
inclusive a educação secundária técnica e profissional, a ser fornecida de
forma generalizada e acessível a todos, por todos os meios apropriados e,
principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; c)
educação de nível superior igualmente acessível a todos, com base na
capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente,
pela implementação progressiva do ensino gratuito.
É expresso, portanto, o comando do Pacto, ratificado pelo Brasil e que
compõe seu bloco de constitucionalidade, de que mesmo a educação de nível
superior deve seguir o direcionamento de uma implementação progressiva de
gratuidade. Esse comando, soma-se, pois, ao art. 206, IV da CF/88 que traz,
como já indicado, a gratuidade em estabelecimentos oficiais.

Já no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de


1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, também
reproduz o princípio da gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais,
conforme se percebe de seu art. 3º, inciso VI.

Soma-se a isso que, no art. 16 da suscitada Lei, é feita “referência, de


modo abrangente, às instituições de ensino mantidas pela União, sem que seja
possível afirmar que há exceção, na legislação, entre os níveis de ensino
(fundamental, médio e superior) para fins de gratuidade em estabelecimentos
oficiais”, alerta o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de
Barros, no Parecer nº 2960-PGR-RJMB24 emitido em face do RE 597854.

Logo, há, consoante o Pacto sobre os Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais em análise conjunta com a normatividade interna brasileira, um
compromisso de implementação da gratuidade do ensino em todos os níveis,
até mesmo no nível superior.

Nesse mesmo sentido, Cortés Rodas25 enfatiza, após análise


comparativa da Constituição Colombiana (arts. 44 a 67) e de instrumentos
normativos internacionais (como a Declaração Universal de Direitos Humanos,
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Protocolo de San
Salvador, além do próprio Pacto sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais), que a educação, mesmo no nível superior, deve guiar-se em direção
à gratuidade:

24 BRASIL. Procuradoria-Geral da República. Parecer nº 2960-PGR-RJMB. Procurador-Geral Rodrigo


Janot Monteiro de Barros. Assinado em 14.04.2014. Brasília, 2014. Disponível:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=2666225 Acesso em29 jan. 2021.
25 CORTÉS RODAS, Francisco, El derecho a la educación como derecho social fundamental en sus
tres dimensiones: educación primaria, secundaria y superior, Revista Estudios Socio-Jurídicos, 2012,
14, (2), pp. 185-205. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/esju/v14n2/v14n2a07.pdf. Acesso em:
29 jan. 2021. p. 199.
De esto, puede entonces concluirse que el derecho a la
educación de los menores y a la formación de los adultos en la
secundaria y en el nivel de estudios superiores es, sin duda, un
derecho fundamental que implica obligaciones de contenido
prestacional a cargo del Estado. Aquí, sin embargo, hay que
hacer unas precisiones siguiendo el sentido de lo afirmado en
instrumentos internacionales de protección de los derechos
humanos y en las mencionadas sentencias de la Corte
Constitucional. El Estado debe asegurar educación primaria
gratuita para todos, en tanto que la secundaria debe ser
generalizada y hacerse accesible a todos, mediante la
implantación progresiva de la enseñanza gratuita. Y en la
educación superior debe promoverse la implementación
progresiva de la gratuidad sobre la base de la igualdad y el
mérito. El artículo 13.2 del Pacto Internacional de Derechos
Económicos Sociales y Culturales establece que la enseñanza
superior debe hacerse accesible a todos, sobre la base de la
capacidad de cada uno, por cuantos medios sean apropiados,
y en particular por la implantación progresiva de la enseñanza
gratuita.

Ao Brasil cabe necessariamente cumprir os parâmetros protetivos


internacionais ratificados e acrescidos ao âmbito doméstico, o que impõe aos
tribunais pátrios assegurar a força normativa dos tratados de direitos humanos
incorporados por meio do controle de convencionalidade, como ressaltou a
Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Almonacid Arellano e
outros vs. Chile, sentenciado em 26 de setembro de 2006, ao dispor que o
“Poder Judiciário deve exercer uma espécie de ‘controle da convencionalidade
das leis’” e ter em conta “não somente o tratado, mas também a interpretação”.

Santos, Teixeira e Araújo26 expõem que “faz parte da própria sistemática


dos tratados internacionais a necessidade de compatibilizar, na aplicação,
dispositivos de direito interno e as obrigações assumidas pelo país em um
documento internacional”. Não se pode, portanto, ignorar a existência de um
tratado ratificado ou não dele se valer para o enfrentamento de celeumas cujas
disposições do tratado sejam primordiais ao caso, o que causaria afronta ao
art. 27 da Convenção de Viena e provocaria o inadimplemento de um tratado.

Ante o exposto, a gratuidade do ensino e o compromisso de sua


implementação progressiva (mesmo no ensino de nível superior, o que inclui,

26 SANTOS, Gustavo Ferreira; TEIXEIRA, João Paulo Allain; ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de.
Diálogo entre tribunais e proteção de direitos humanos: dificuldades e perspectivas. Revista de
Direito Administrativo e Constitucional - A&C, ano 24, n. 66, p. 267-282, out./ dez. 2016. Disponível
em: https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/123/107/859. Acesso em: 14 jan. 2021. p. 277.
como visto a especialização latu senso) foram expressamente ratificados pelo
Brasil mediante adesão ao Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, o que implica a necessidade de verificação da
(in)convencionalidade da decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso
Extraordinário (RE) 597854, que possibilitou a cobrança por cursos de
especialização lato sensu.

4 A (IN)CONVENCIONALIDADE DA DECISÃO DO STF NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO (RE) 597854

No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 500.171, de relatoria do


ministro Edson Fachin, em que se discutia ofensa aos arts. 205, 206, I, 208, VII
e 212, §3º da Constituição Federal, o STF reconheceu que “a garantia
constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades
públicas de mensalidade em cursos de especialização”.

A priori, faz-se necessário ressaltar que a Suprema Corte, ao fixar a


aludida tese, não enfrentou a questão relacionada à possibilidade de cobranças
em cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu, mas apenas o que
concerne aos cursos de pós-graduação lato sensu, o que torna imprescindível
verificar o enquadramento constitucional e legal que levou o STF a concluir
pela possibilidade de cobrança de mensalidades em tais cursos.

De fato, o ministro relator Edson Fachin manifestou-se pelo provimento


do recurso extraordinário, sob a justificativa inicial de que as universidades
podem contar com recursos de origem privada por expressa previsão
constitucional (art. 213, §2º, da Constituição Federal). Para ele, as atividades
que não estão relacionadas com a manutenção e o desenvolvimento do ensino
não dependem de recursos exclusivamente públicos, sendo lícito, pois, o
recebimento pelas universidades de remuneração pelo respectivo
desempenho. É o que acontece com as atividades destinadas
preponderantemente à extensão universitária.

O ministro Ricardo Lewandowski argumentou ser importante diferenciar


os cursos de pós-graduação stricto sensu e os de pós-graduação lato sensu.
Segundo ele, estes não conferem um grau acadêmico ao discente, mas tão
somente um certificado, sendo, então, um serviço de natureza extraordinária
das universidades, compatível com a autonomia didática conferida pela
Constituição Federal no seu art. 207. Aqueles, por sua vez, são cursos que
conferem um grau acadêmico, seja de mestre ou de doutor, devendo, pois,
serem gratuitos.

Nesse mesmo sentido é o dispõe o parecer do Conselho Nacional da


Educação nº 364/2002/CNE/CES27 e a lei de diretrizes e bases da educação
nacional (Lei n.º 9.394/1996) quando tratam sobre a distinção entre os cursos
de pós-graduação.

Consoante o Parecer nº 364/2002/CNE/CES, nos cursos de pós-


graduação lato sensu, as universidades públicas devem cobrar do discente,
“visto que não se espera que as universidades públicas destinem recursos
públicos para tarefas que não fazem parte de sua missão constitucional, para a
qual, e somente para esta, está preceituada a gratuidade”. Ademais, também
dispõe o aludido parecer que “ignorar esta circunstância e as prioridades
sociais a serem contempladas implicaria transferência de recursos exíguos e,
em certo sentido, inelásticos para a sustentação de atividades assessórias, em
prejuízo das suas funções mais relevantes”.

Diversamente do que fora argumentado pelo ministro Lewandowski, o


ministro Gilmar Mendes defendeu que todos os cursos de pós-graduação
correspondem a uma extensão da graduação, conforme se extrai da própria
nomenclatura (pós). Logo, para ele, nenhuma forma de pós-graduação deveria
ser necessariamente gratuita.

A ministra Rosa Weber, por oportuno, pontuou que a falta de cursos de


pós-graduação nas universidades públicas acarreta prejuízo para toda a
sociedade, pois, além de existir grande procura dos discentes pelas vagas,
muitos dos aludidos cursos oferecem, gratuitamente ou com custo

27 CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer número CNE/CES 0364, aprovado em 06


nov. 2002. Regularidade da cobrança de taxas em de cursos de pós-graduação, lato sensu, com base no
art. 90, da lei 9.394. Brasília: Ministério da Educação, 2002. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/parecer_cne_0364_sesu.pdf> Acesso em: 06 abr. 2019.
praticamente zero, atendimento ao público feito pelos alunos, sobretudo na
área de saúde, estando configurado o interesse social na oferta destes cursos.

O ministro Luiz Fux, por sua vez, em seu voto, ponderou que o direito à
educação, por ser um direito fundamental, deve sempre buscar a sua máxima
efetividade, em termos quantitativos e qualitativos. Portanto, para ele, quando
se trata de direitos sociais, a proibição à proteção insuficiente pauta a extensão
da obrigação positiva que pode ser exigida do Estado, in verbis:

A interpretação literal e isolada do artigo 206, IV, da


Constituição prejudica o acesso universal a uma educação
pública de excelência, esvaziando o conteúdo dos outros
dispositivos aqui mencionados. Não se trata do argumento
consequencialista da crise financeira e do sucateamento, que
merece também o devido destaque, mas da concordância
prática dos dispositivos constitucionais que tratam
especificamente do direito à educação. [...] Dessa forma, tem-
se que a atuação do legislador, ainda que constituinte, deve ser
pautada pelo propósito de assegurar a máxima efetividade do
direito fundamental. Tratando-se de direitos sociais, a proibição
à proteção insuficiente pauta a extensão da obrigação positiva
que pode ser exigida do Estado. No caso, a restrição absoluta
a qualquer forma de financiamento privado em universidades
públicas, sem que tenha sido essa a vontade manifestada pelo
constituinte originário, sequer contribui para um outro objetivo
legítimo. Ainda que o fizesse, a possibilidade de se conceder
bolsas, isenções ou empréstimos atenderia ao dever estatal de
assegurar a equalização de oportunidades educacionais, o
acesso aos níveis mais elevados de educação e formação para
o trabalho, consistindo em meio menos prejudicial ao direito à
educação.28

Destarte, para o ministro Fux, faz-se imprescindível observar o princípio


da proporcionalidade e da proibição à proteção insuficiente que pautam a
extensão da obrigação positiva que pode ser exigida do Estado.

Faz-se necessário também destacar o argumento do ministro Luís


Roberto Barroso quanto à insuficiência de recursos públicos destinados às
universidades. Conforme bem defendido pelo douto ministro, as universidades
precisam de mecanismos de autossustentação e de autofinanciamento,

28 BRASIL. Recurso Extraordinário número 597.854-GO. Universidade Federal de Goiás e Tiago


Macedo dos Santos. Relator Ministro Edson Fachin. 28 de abril de 2017. In: Diário da Justiça Eletrônico
(Brasília). Disponível em: <file:///C:/Users/Grass/Downloads/texto_312777202%20(1).pdf> Acesso em:
07 abr. 2021. p. 61/62.
visando, assim, a melhoria no acesso ao conhecimento que deve ser ilimitado.
Assim, entende que qualquer fonte legítima de recurso deve ser bem-vinda.

Diante dessas ponderações feitas pelos ministros acerca da temática, o


STF considerou, portanto, a realidade da falta de recursos das universidades
públicas sendo, pois, uma justificativa para a busca de meios alternativos de
financiamento, como é o caso do pagamento de mensalidades para prestação
de cursos de pós-graduação.

A Suprema Corte concluiu o julgamento, por maioria dos votos, de que é


possível compatibilizar a ideia constitucional de gratuidade do ensino público
com alternativas que permitam às universidades públicas incrementar e
subsidiar parte de suas despesas.

Faz-se necessário ressaltar, outrossim, o pensamento do ministro Marco


Aurélio no aludido julgamento29, in verbis:

Tendo-se a um só tempo, sob o ângulo da natureza jurídica,


universidade pública e privada. Ela é pública no tocante a certo
aspecto, mas é privada no tocante a outro, ao se estabelecer
que pode atuar como se fosse um ente de educação privado,
obstaculizando-se o acesso universal, levando em conta os
mais e os menos favorecidos, a viabilizar, ante o mérito, o
acesso dos que não podem pagar.

O ministro Marco Aurélio argumentou, então, que a cobrança em


universidades públicas violaria o princípio constitucional da igualdade de
condições para acesso e permanência no ensino, votando, assim, pela
improcedência do recurso extraordinária. Contudo, foi voto vencido.

Nesse diapasão, da análise dos argumentos trazidos pelos ministros da


Suprema Corte, observa-se que em nenhum momento se tratou da relação
entre a cobrança da mensalidade em cursos de pós-graduação com o que
dispõe o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
em vigor no Brasil desde 1992, que tem o status de norma constitucional pela
natureza de suas disposições.

29
Op. Cit. p. 103.
Consoante já acima delineado, o Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais reconhece a educação como um direito de
todos, sob a razão de que ela visa o pleno desenvolvimento da personalidade
humana e fortalece o respeito pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais.

Assim, em seu art. 13, o PIDESC elenca alguns preceitos que devem ser
observados para assegurar o pleno exercício do direito à educação, dentre os
quais, encontra-se a implementação progressiva do ensino gratuito na
educação de nível superior.

Portanto, além do previsto na Constituição Federal, o aludido Pacto


também possui compromisso em implementar progressivamente o ensino
gratuito em todos os níveis, seja na educação infantil, no ensino médio ou
superior.

Logo, ao incorporar tal pacto internacional ao ordenamento jurídico


pátrio, os tribunais brasileiros, incluindo o STF, devem respeitá-lo e assegurar a
sua inteira observância, fazendo o que se chama de controle de
convencionalidade, o que, todavia, não foi observado na decisão do RE
597.854/GO, a qual analisou apenas os aspectos constitucionais quanto à
cobrança das aludidas mensalidades.

Diante desse contexto, faz-se necessário o estudo com mais


profundidade do princípio da proibição à proteção deficiente, trazido pelos
ministros Fux e Barroso em seus votos, bem como do princípio da
proporcionalidade, como formas de melhor interpretar e analisar a solução
dada pelo STF quando da fixação da aludida tese em que se permite a
cobrança de mensalidade em cursos de pós-graduação.

5 ANÁLISE DO DIREITO À GRATUIDADE DE ENSINO VERSUS


PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA PROTEÇÃO NÃO
DEFICIENTE
Segundo Alexy30, os princípios são verdadeiras normas que ordenam a
realização de algo na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas
e jurídicas existentes. Assim, são mandados de otimização que podem ser
concretizados sob distintos graus.

Sarlet31, por sua vez, defende que os princípios fundamentais


constituem o núcleo essencial de uma Constituição, dando, assim, base a toda
ordem constitucional. Todavia, afirma ser muito comum situações de colisão
entre dois ou mais princípios.

Assim, Dworkin32 argumenta que em uma tal situação de colisão, tem-se


que levar em consideração a força relativa de cada um dos princípios
colidentes, buscando-se realizar um juízo de ponderação. Ressalte-se,
contudo, que este juízo será sempre objeto de controvérsia, uma vez que não
há uma regra exata de como se deve decidir.

Diante disso, é cediço que a hermenêutica constitucional existe com afã


de fornecer recursos necessários para a melhor interpretação de uma
Constituição, buscando-se preservar a sua supremacia e unidade, por meio
dos princípios instrumentais, dentre os quais, encontram-se a
proporcionalidade e a razoabilidade.

Nesse diapasão, Luís Roberto Barroso33 ensina que os princípios da


proporcionalidade e razoabilidade e a técnica da ponderação possuem papel
importante na solução de conflitos entre princípios constitucionais, sobretudo,
no atual momento em que se vive um novo direito constitucional.

De fato, a proporcionalidade e a razoabilidade exigem que as decisões


sejam tomadas com base na razão, buscando-se o equilíbrio e a harmonia
entre proposições que estabeleçam tensões entre si.

30 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 90-91.
31 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001, p. 99.
32 DWORKIN, Ronald Myles. Levando os direitos a sério. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.
40.
33 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 255.
Com efeito, a técnica da subsunção, em que uma premissa maior
(norma) incide sobre uma premissa menor (fatos) e se chega a uma conclusão,
não é suficiente para tratar de situações que envolva colisão entre direitos
fundamentais ou princípios, pois nestes casos há várias premissas maiores e
uma menor e, assim, ao eleger apenas uma daquelas, estar-se-ia violando a
unidade da Constituição.

Logo, todas as premissas devem ser consideradas, quando à luz de um


caso concreto, utilizando-se a técnica da ponderação, sendo, pois, os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade os principais elementos
deste processo.

Dentro desse cenário, considerando que a realidade econômica das


universidades públicas é precária, visto que há evidente insuficiência de
recursos públicos, faz-se necessário reinterpretar os dispositivos referentes à
gratuidade de ensino, para que não haja uma exegese nociva à prestação do
próprio Direito.

Nesse mesmo pensar argumentou o Ministro Barroso em seu voto no


RE 597.854/GO, in verbis:

Na vida, tudo que não esteja funcionando bem deve ser objeto
de algum tipo de reflexão e de diagnóstico adequado para que
se adotem políticas públicas adequadas. [...] Portanto, nós
precisamos, corajosamente, fazer um diagnóstico a propósito
da universidade pública no Brasil, porque a regra é que existam
greves, e greve, evidentemente, é um recurso extremo quando
as negociações não funcionam. Portanto, nós temos um
sistema que todo ano deixa de funcionar. Alguma coisa está
errada e, portanto, é preciso, eu penso, que as melhores
cabeças se debrucem sobre o problema da universidade
pública, para detectar os problemas e propor as soluções.34

Destarte, caso fosse adotada uma interpretação literal da Constituição


Federal e do PIDESC, no tocante à gratuidade do ensino, indubitavelmente, a
situação de sucateamento das universidades públicas tornar-se-ia mais grave e
consistiria em uma violação ao princípio da proporcionalidade na sua faceta do
princípio da proteção não deficiente.

34 Op. Cit. p. 66.


Destaca-se que este princípio é abordado por Streck35 para significar a
preocupação do sistema jurídico não proteger suficientemente determinado
direito fundamental, consoante expôs:

Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui


uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de
omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser
decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado
ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do
sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro lado, a
inconstitucionalidade por advir de proteção insuficiente de um
direito fundamental social, como ocorre quando o Estado abre
mão do uso de determinadas sanções penais ou
administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este
duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da
necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade
da Constituição e tem como consequência a sensível
diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação)
do legislador.

Essa vertente do princípio da proporcionalidade implica pensar o direito


à educação, como um axioma constitucional a exigir a maior aplicabilidade
possível, desde o campo legislativo ao campo fático, de forma que se não é
possível a sua concepção e oferta gratuita pelo ente público (considerando
especificamente o ensino superior e os cursos de pós-graduação lato sensu),
não se pode proibir sua complementação e custeio por recursos advindos de
particulares.

Esta foi a concepção jurídica defendida e estabelecida pelo Pretório


Excelso no julgamento do RE 597.854/GO, na pretensão de maximizar o direito
fundamental à educação a partir do reconhecimento de que o Estado não teria
condições de custeá-lo em sua integralidade. Dessa forma, não mitigar a
gratuidade de ensino poderia levar a uma privação do direito à educação no
que toca aos cursos de pós-graduação lato sensu que são, na ideia defendida
pelo Ministro Ricardo Lewandowski e pelo Parecer do Conselho Nacional da
Educação nº 364/2002/CNE/CES, atividades assessórias não inseridas no
escopo das universidades pela Constituição Federal.

35 STRECK, Lenio Luiz. Da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção


deficiente (untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica - RIHJ, ano 17, n. 2, jan./ dez. 2004. Disponível em:
https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/137/10558/18475. Acesso em: 22 jun. 2021. p. 06.
Assim, o princípio da proteção não deficiente se perfaz, na visão de
Pulido36, como elemento estruturante de aplicação dos direitos fundamentais
de proteção, a fim de que não haja uma antonomásia (uma omissão) a violar o
próprio núcleo do direito. No caso, proibir a cobrança por cursos de pós-
graduação lato sensu poderia levar a não oferta deles e, portanto, a não
implementação efetiva e integral educacional (diminuindo a qualidade e o
acesso ao ensino superior).

Logo, não se pode olvidar que o princípio da proteção não deficiente é


uma exigência do hodierno direito constitucional, sobretudo, na interpretação e
aplicação das leis.

Nesse diapasão, Gavião37 afirma que “na medida em que o Estado se


omite em seu dever de proteção de direitos fundamentais, ou não o faz de
forma adequada e eficaz, seu ato estará eivado de inconstitucionalidade, por
violação da proibição de proteção deficiente”.

Assim, a cláusula de gratuidade do ensino (contida na Constituição


Federal e no PIDESC) deve ser interpretada de tal forma que seja considerada
a realidade fática existente, bem como os demais direitos constitucionalmente
assegurados. Não pode inviabilizar, por exemplo, a garantia da melhoria da
qualidade do ensino, com previsão nos arts. 206, VII e 214, da Constituição.

Se vivêssemos em um mundo ideal onde não faltam recursos para as


universidades públicas, não haveria de se discutir na Suprema Corte sobre a
possibilidade ou não de cobrança de mensalidades para cursos de pós-
graduação. Todavia, infelizmente, a realidade é bem diferente. As
universidades não possuem condições, na maioria das vezes, sequer de
custear as suas necessidades básicas.

Portanto, ao interpretar os dispositivos que tratam da gratuidade de


ensino, devem ser considerados todos os objetivos da Constituição, sabendo-

36 PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid:


Centro de Estudios Politicos e Constitucionales, 2002. p. 798.
37 GAVIÃO, Juliana Venturella Nahas. A proibição de proteção deficiente. Revista do Ministério
Público do RS, Porto Alegre, n. 61, p. 93-111, maio/out. 2008. p. 101.
se que nenhum valor, seja qual for, pode ser imposto de tal forma que impeça a
garantia do núcleo existencial de outros. Pois, se priorizarmos indistintamente a
gratuidade do ensino, valores como a maximização do acesso ao ensino
superior e a melhoria da qualidade desse ensino tendem a ser preteridos,
quando, na verdade, deve-se buscar o equilíbrio e a harmonia entre eles.

Logo, faz-se necessário aplicar a técnica da ponderação de interesses


para que seja preservado o núcleo essencial do direito à gratuidade e o
afastamento da proteção deficiente dos direitos fundamentais.

Dessa forma, é mais proporcional e razoável relativizar a aludida


gratuidade, considerando que há previsão constitucional (art. 205 da CF/88) de
que “são as atividades de pesquisa e extensão passíveis de realização em
regime de colaboração com a sociedade civil”, conforme expôs o Ministro
Edson Fachin em seu voto no julgamento do RE 597.854/GO, o que pode
resultar até na melhoria da qualidade do ensino e na ampliação de acesso ao
ensino superior.

Ademais, expõe-se que o Voto do Ministro Luiz Fux é firme no sentido


de que o art. 206, IV da CF/88 é delimitado de forma que a pós-graduação lato
sensu não se insere na expressão “ensino”, mas sim na expressão “extensão”,
não sendo, pois, obrigatoriamente gratuito, e que a interpretação sistemática
dos dispositivos constitucionais prevê a “colaboração da sociedade” e a
“prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório”, de forma
que a pós-graduação latu senso não precisa contar com recursos
exclusivamente públicos.

Importante se faz salientar, outrossim, que este entendimento pode


trazer consequências concorrenciais positivas para o mercado, a ponto de
diminuir os valores de mensalidades cobradas por instituições privadas, como
também destacou o Ministro Edson Fachin, em sua Voto, considerando que as
instituições públicas devem necessariamente “observar a modicidade de tarifa
(art. 173, III, da CRFB) e manter serviço de qualidade (art. 206, VII, da CRFB)”,
aumentando a demanda de cursos com preços que devem ser acessíveis.
Por todo exposto, a tese da relativização da gratuidade do ensino em
instituições públicas fixada pelo STF, embora do ponto de vista formal venha a
violar o artigo 13 do PIDESC, bem como o art. 206, IV da CF/88, do ponto de
vista material encontra lastro jurídico, conforme decidiram os Ministros, no
princípio da proteção não deficiente, visando oferecer a maximização do direito
à educação mesmo em cursos de pós-graduação lato sensu, considerando a
impossibilidade de integral financiamento público e a colaboração da sociedade
para o ensino.

O STF firmou, pois, entendimento pela possibilidade de cobrança,


considerando ser uma medida justa de preservação do núcleo do direito à
educação (em especial da qualidade do ensino e da ampliação de acesso ao
ensino superior), a ponto de o Ministro Gilmar Mendes destacar em seu Voto,
valendo-se da doutrina de Andrés Oppenheimer38, a experiência do Chile:

Interessante registrar experiências bem sucedidas de outros


países que, ao possibilitarem o financiamento da educação
pública também por meio de recursos da sociedade,
alcançaram melhorias em seu acesso e qualidade. É o caso,
por exemplo, do Chile, onde 65% do financiamento da
Universidade provêm da venda de serviços prestados por seus
professores ou de projetos de desenvolvimento e pesquisa
encomendados pelo Estado ou por empresas privadas e 25%
decorrem de taxas que os estudantes pagam. A ajuda estatal
cobre apenas 14% do orçamento da instituição. Já os
estudantes carentes, que não têm condições de pagar as taxas
– e correspondem a 30% dos estudantes -, recebem bolsas
integrais do governo. Os 70% restantes têm acesso a
créditos estudantis de baixo custo, que devem reembolsar
após se formarem.

Desta forma, ante a proteção deficiente ao núcleo do direito à educação


que poderia advir da finitude de recursos do Estado, a Corte Suprema afastou
a gratuidade dos cursos de especialização lato sensu. Todavia, há se
reconhecer que a decisão sequer teve fulcro em debate sobre a
convencionalidade da medida que deveria caminhar para a progressiva
gratuidade e não para a cobrança, o que subverte o compromisso firmado no
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

38 OPPENHEIMER, Andrés. Basta de Histórias! A Obsessão latino-americana com o passado e as 12


chaves do futuro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011. p. 196/197.
Buscou-se, assim, privilegiar o núcleo essencial do direito à educação
em detrimento da gratuidade progressiva, em reconhecimento à saúde
financeira precária do Estado e a busca pela ampliação e acesso ao nível
superior. Contudo, permitiu a legitimação do descumprimento de norma
internacional firmada e integrada ao sistema jurídico brasileiro, em explícita
demonstração de inconvencionalidade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à educação é um direito humano fundamental de segunda


dimensão, sendo reconhecido pela Constituição Federal como um direito de
todos e dever do Estado e da família, a ser promovido e incentivado com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Outrossim, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e


Culturais, o qual o Brasil é signatário desde 1992, também prevê o direito à
educação, sobretudo no tocante ao dever dos Estados Partes de assegurarem
uma educação de nível superior igualmente acessível a todos, com base na
capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente,
pela implementação progressiva do ensino gratuito.

Destarte, observa-se que tanto a Constituição Federal como o PIDESC


preconizam a gratuidade do ensino público.

Ocorre que o STF, no julgamento do (RE) 597854 reconheceu a


possibilidade de as universidades públicas cobrarem por cursos de
especialização, fixando, assim, a seguinte tese: “a garantia constitucional da
gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por universidades públicas, de
mensalidades em cursos de especialização”.

Nesse sentido, em primeiro momento, é evidente que a decisão não


considerou os dispositivos contidos na Constituição e no PIDESC que tratam
da busca pela gratuidade do ensino público. Todavia, a exegese do princípio da
gratuidade não deve ser feita de forma literal, considerando o atual estado de
sucateamento e escassez em que se encontram as universidades públicas.
De fato, priorizar a gratuidade do ensino de forma ampla, neste
momento, significaria violar outros preceitos também constitucionais voltados à
educação como a busca pela universalização e melhoria da qualidade de
ensino e os princípios da proibição à proteção deficiente e a proporcionalidade.

Portanto, a preterição da gratuidade do ensino em instituições públicas


fixada pelo STF, embora do ponto de vista formal tenha violado o artigo 13 do
PIDESC, bem como o art. 206, IV da CF/88, do ponto de vista material possui
lastro jurídico no princípio da proteção não deficiente, visando oferecer a
maximização do direito à educação mesmo em cursos de pós-graduação lato
sensu, considerando a impossibilidade de integral financiamento público e a
colaboração da sociedade para o ensino.

O presente estudo vislumbra, pois, a harmonização do ensino superior


em progressiva pretensão de alcançar a gratuidade com bases nas premissas
do art. 206, IV da CF/88 e do art. 13 do PIDESC, mas não olvida das
dificuldades práticas e orçamentárias do Estado, de forma a perceber que a
decisão da Suprema Corte no (RE) 597854, encontra esteio em outros axiomas
constitucionais, como o princípio da proteção deficiente que conduz à
preservação do núcleo do direito à educação (no caso associado à qualidade e
ao acesso ao ensino de nível superior).

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