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Manual Procedimentos 22-07-2013

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MANUAL

DE
PROCEDIMENTOS
DOS SERVIÇOS DE APOIO À VÍTIMA DE CRIME NA APAV
2
Índice
I A ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE APOIO À VÍTIMA 9

1. O que é a APAV 11

2. Contexto de surgimento 13

2.1 Enquadramento internacional 13

2.2 Evolução histórica 15

2.3 Relações internacionais 18

2.3.1 Participação em organizações europeias 18

2.3.2 Projectos europeus 20

2.4 Evolução do número de processos de apoio 23

3. Modelo organizativo-funcional e recursos financeiros 23

4. O voluntariado social 25

4.1 Definição e modalidades de voluntariado na APAV 28

ANEXOS 31

II O TÉCNICO DE APOIO À VÍTIMA 49

1. O/A Técnico/a de Apoio à Vítima 51

2. Estagiários 54

3. Ambiente de trabalho 56

III O ATENDIMENTO A VÍTIMAS DE CRIMES 59

1. A população que contacta a APAV 61

2. Impacto da vitimação 63

3. O atendimento a vítimas de crimes 68

3.1 Atendimento presencial 70

3.1.1 Atendimentos presenciais fora do GAV 71

3.1.2 Visitas a crianças e jovens no GAV 75

3.2 Atendimento telefónico 76

3.3 Atendimento por escrito 77

4. O processo de apoio à vítima 78

4.1 O primeiro atendimento 78

4.2 Autonomia da vítima 81

4.3 Intervenção na crise e intervenção continuada 82

4.3.1 Intervenção na crise 83

4.3.2 Intervenção continuada 86

4.4 Relatório de Processo de Apoio à Vítima 86

4.4.1 Procedimentos para a obtenção de autorização dos/as utentes para a transmissão de

informações a outras entidades no âmbito de processos de apoio 88

3
IV TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO 93

1. O processo de comunicação 95

2. Gestão de reclamações e/ou conflitos 98

ANEXOS 101

V APOIO PSICOLÓGICO 105

1. Processo de Apoio Psicológico 107

1.1 A entrevista clínica 107

1.2 Apoio Psicológico 108

1.2.1 O Contrato Terapêutico 110

1.2.2 Regras básicas 110

1.3 Sessão de apoio psicológico: momentos fundamentais 112

1.4 Processo de Apoio Psicológico: fases 113

2. Limites de intervenção do TAV de Psicologia 114

3. Avaliação psicológica 115

4. Relatório de Avaliação Psicológica 116

ANEXOS 119

VI APOIO JURÍDICO 125

1. Breve descrição da Tramitação Processual Penal 127

1.1 Esclarecimentos prévios 128

1.2 Processo comum 130

1.2.1 Notícia do crime 130

1.2.2 Inquérito 133

1.2.2.1 Meios de prova 134

1.2.2.1.1 Prova testemunhal 134

1.2.2.1.1.1 Protecção de testemunhas 136

1.2.2.1.2 Declarações do arguido, do assistente e das partes civis 138

1.2.2.1.3 Prova por acareação 139

1.2.2.1.4 Prova por reconhecimento 139

1.2.2.1.5 Reconstituição do facto 140

1.2.2.1.6 Prova pericial 140

1.2.2.1.7 Prova documental 140

1.2.2.2 Declarações para memória futura 140

1.2.2.3 Meios de obtenção de provas 141

1.2.2.3.1 A realização de exames médico-legais 142

1.2.3 Decisão do Ministério Público (e/ou do assistente) 146

1.2.4 Requerimento de abertura da instrução 147

1.2.5 Instrução 147

1.2.6 Decisão instrutória 148

1.2.7 Segredo de justiça 148

1.2.8 Julgamento 149

1.2.9 Decisão 150

4
1.2.10 Recurso 150

1.3. Processos especiais 151

1.3.1 Processo sumário 151

1.3.2 Processo abreviado 152

1.3.3 Processo sumaríssimo 153

1.4 Crimes públicos, semipúblicos e particulares 153

1.5 O assistente 154

1.6 Medidas de coacção 154

1.6.1 Requisitos, tipologia e princípios 154

1.6.2 Vigilância electrónica 156

1.6.3 Modos de impugnação das medidas de coacção 157

1.7 Libertação do arguido ou condenado 158

1.8 Pedido de indemnização civil 158

2. Sistema de acesso ao direito e aos tribunais 159

2.1 Vertentes do sistema 159

2.2 Insuficiência económica 160

2.3 Como proceder para obter protecção jurídica 161

2.4 Cancelamento e caducidade da protecção jurídica 164

3. Indemnização pelo estado às vítimas de crimes violentos 165

4. Justiça Restaurativa - mediação vítima - infractor 168

4.1 O que é a Justiça Restaurativa 168

4.2 A mediação vítima-infractor 171

4.3 A mediação vítima-infractor em Portugal 172

4.3.1 A mediação com infractores jovens 172

4.3.2 A mediação com infractores adultos 174

5. Internamento compulsivo 175

5.1 Quem pode ser internado compulsivamente 175

5.2 O requerimento para internamento compulsivo 176

5.3 O processo de internamento compulsivo 177

5.4 O internamento compulsivo de urgência 178

5.5 O papel dos familiares 178

6. Maiores em situação de incapacidade 179

6.1 O que é uma situação de incapacidade 179

6.2 Como se diagnostica a incapacidade 179

6.2.1 Diagnóstico clínico 179

6.2.2 Diagnóstico social 180

6.3 Consequências do diagnóstico de incapacidade 180

6.4 Gestão de negócios 180

6.5 Interdição e inabilitação 181

6.6 Decretamento da interdição e da inabilitação 182

6.7 Tutela e Curatela 183

6.8 Conselho de família 184

7. O direito a alimentos 184

5
8. Responsabilidades parentais 187

8.1 Noção de responsabilidades parentais 187

8.2 O exercício das responsabilidades parentais 187

8.2.1 O exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio ou separação judicial 188

8.3 Limitação e inibição do exercício das responsabilidades parentais 189

8.4 Violação da obrigação de alimentos 189

ANEXOS 191

VII APOIO SOCIAL 215

APOIO SOCIAL E OS RECURSOS COMUNITÁRIOS 217

1. Trabalho Social e Trabalhadores Sociais 217

2. Apoio social na APAV 219

2.1 Modelos de intervenção 222

2.1.1 Modelo Interaccional Sistémico 223

2.1.2 Modelo Intervenção na Crise 223

2.1.3 Modelo Psicossocial 224

2.2 Método: Trabalho social de casos 225

2.3 Técnica: Capacitação e Advocacia 226

3. Áreas de intervenção e recursos comunitários 227

3.1 Acolhimento 227

3.2 Alimentação 234

3.3 Situação profissional 235

3.4 Situação escolar 237

3.5 Saúde 242

4. Intervenção no terreno 245

4.1 Critérios para a implementação 246

4.2 Visitas domiciliárias 247

4.3 Outras visitas 250

5. O TAV Como dinamizador de parcerias: A mediação social 251

ANEXOS 253

VIII CÓDIGO DE CONDUTA, CONFIDENCIALIDADE E SEGURANÇA. 260

1. Génese 262

2. Estrutura 262

3. Confidencialidade e segurança 265

3.1 Fundamento 265

3.2 Procedimentos 266

3.2.1 no GAV 266

3.2.2 fora do GAV 267

3.2.3 ao telefone 267

3.2.4 com o/a utente 268

3.2.5 com o autor do crime 268

ANEXOS 271

6
IX PROCESSO DE APOIO ONLINE 278

1. Importância do correcto preenchimento do Processo de Apoio Online (PAO) 280

2. Estrutura 280

2.1 Ficha Atendimentos 281

2.2 Ficha Vítima 281

2.3 Ficha Contacto 282

2.4 Ficha Dados Vítima/Utente 282

2.5 Ficha Vitimação e Autor do Crime 283

2.6 Ficha Apoio Prestado 285

2.7 Ficha Anexos 286

Referências bibliográficas 291

7
8
I A ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA

DE APOIO À VÍTIMA

9
10
1. O que é a APAV
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é uma instituição particular de
solidariedade social, pessoa colectiva de utilidade pública, que tem como objectivo
estatutário promover e contribuir para a informação, protecção e apoio aos cidadãos
vítimas de infracções penais.

É uma organização sem fins lucrativos e de voluntariado, que apoia, de forma


individualizada, qualificada e humanizada, vítimas de crimes, através da prestação de
serviços gratuitos e confidenciais.

Fundada em 25 de Junho de 1990, é de âmbito nacional, localizando-se a sua sede em


Lisboa.

VISÃO

A APAV acredita e trabalha para que:

- em Portugal todas as pessoas afectadas por um crime tenham acesso a


serviços de apoio gratuitos, confidenciais e de qualidade;

- a posição da vítima de crime e os seus direitos sejam mais valorizados


pela sociedade e pelas políticas.

MISSÃO

Apoiar as vítima de crime, suas famílias e amigos, prestando-lhes serviços


de qualidade, gratuitos e confidenciais.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima reconhece-se enquanto organização:

• de SOLIDARIEDADE SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS;


• de VOLUNTARIADO SOCIAL com presença NACIONAL;
• integrada nas redes internacionais de COOPERAÇÃO à escala EUROPEIA e
GLOBAL;
• INDEPENDENTE e AUTÓNOMA dos poderes políticos e de outras instituições;

11
• APOLÍTICA e NÃO CONFESSIONAL;
• que se rege pelo princípio da IGUALDADE DE OPORTUNIDADES e de
TRATAMENTO;
• que se rege pelo princípio da NÃO DISCRIMINAÇÃO em função do género, raça ou
etnia, religião, orientação sexual, idade, condição sócio económica, nível de
escolaridade, ideologia ou outros;
• que promove a justiça e práticas RESTAURATIVAS na resolução de conflitos;
• que presta serviços GRATUITOS, CONFIDENCIAIS e de QUALIDADE a todas as
vítimas de crime;
• centrada na VÍTIMA como/a utente, respeitando as suas opiniões e decisões;
• uma VOZ ACTIVA na defesa e promoção dos direitos, das necessidades e interesses
específicos das vítimas;
• um centro de CONHECIMENTO, INVESTIGAÇÃO e QUALIFICAÇÃO nas
temáticas das vítimas de crime e de violência.

Para a realização do seu objectivo, a APAV propõe-se, nomeadamente:

• promover a protecção e o apoio a vítimas de infracções penais em geral e em


particular às mais carenciadas, designadamente através da informação, do
atendimento personalizado e encaminhamento, do apoio emocional, social,
jurídico, psicológico e económico;
• colaborar com as competentes entidades da administração da justiça, policiais, de
segurança social, da saúde, bem como as autarquias locais, regiões autónomas e
outras entidades públicas ou particulares, na defesa e exercício efectivo dos direitos e
interesses da vítima de infracções penais e respectivas famílias;
• incentivar e promover a solidariedade social, designadamente através da formação e
gestão de redes de cooperadores voluntários e do mecenato social;
• contribuir para a divulgação dos princípios da justiça restaurativa e promover a
implementação de práticas de mediação vítima-infractor;
• fomentar e patrocinar a realização de investigação e estudos sobre os problemas da
vítima, para a mais adequada satisfação dos seus interesses;
• promover e participar em programas, projectos e acções de informação e
sensibilização da opinião pública;
• contribuir para a adopção de medidas legislativas, regulamentares e
administrativas facilitadoras da defesa, protecção e apoio à vítima de infracções
penais, com vista à prevenção dos riscos de vitimação e atenuação dos seus efeitos;
• estabelecer contactos com organismos internacionais e colaborar com entidades
que em outros países prosseguem fins análogos.

12
2. Contexto de surgimento
2.1 Enquadramento internacional
Na tríade punitiva Estado/Delinquente/Vítima, o vértice da vítima de crime era, e é, o
mais frágil. Muito embora o Código Penal, o Código de Processo Penal e a legislação penal
avulsa anteriores e os actualmente vigentes confiram à vítima um estatuto e direitos
ímpares nos sistemas jurídicos comparados, não existia em Portugal qualquer organização
para apoiar de forma individualizada, qualificada e humanizada um cidadão vítima de
crime.
No início dos anos 80, alguns países começaram a debater a problemática da vítima de
crime nas suas diferentes vertentes, o lugar da vítima no Direito Penal vigente em cada
país, a organização das associações e serviços que prestavam apoio à vítima, as questões
éticas e as problemáticas da vítima.
As realidades jurídicas continuam obviamente diferentes de país para país, bem como as
opções em termos de serviços públicos ou associações privadas, mas as questões éticas e
deontológicas na prestação de serviços aos cidadãos vítimas de crime são convergentes, e
assentam em alguns pilares fundamentais:
• o apoio à vítima de crime é acção necessária e fundamental para o equilíbrio da
comunidade e para a pacificação social;
• o tratamento a conferir a cada vítima deve ser individualizado, já que a sua reacção
ao crime e posterior reconstrução vivencial é muito variável e pessoal;
• os serviços devem ser gratuitos;
• o acesso aos serviços e a qualidade de resposta deve pautar-se pelo princípio da
igualdade, não havendo lugar para qualquer forma de discriminação.
Com base nestes princípios estruturantes, diversas organizações internacionais têm
produzido importantes instrumentos jurídicos, que vêm progressivamente contribuindo
para a cristalização de um conjunto de direitos fundamentais da vítima de crime.
Em 29 de Novembro de 1985, a Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas adoptou por unanimidade a Resolução 40/34 e anexos: Declaração dos Princípios
Fundamentais de Justiça relativos às Vítimas de Crimes e de Abuso de Poder. Seguiram-se
as Resoluções 1989/57 e 1990/22, do Conselho Económico e Social, relativas à sua
aplicação.
Na mesma altura, o Conselho da Europa adoptou as Recomendações ns.º R(85)11
(sobre a posição da vítima no quadro do direito penal e do processo penal) e R(87)21
(sobre assistência às vítimas e prevenção da vitimação).
Os direitos das vítimas de crime foram incluídos no Plano de Acção sobre Liberdade,
Segurança e Justiça da Comissão Europeia e Conselho de Ministros da União
Europeia, em Viena, em Dezembro de 1998. Nesta sequência, a Comissão Europeia
adoptou, em 14 de Julho de 1999, uma Comunicação ao Parlamento Europeu, ao
Conselho e ao Comité Económico e Social sobre Vítimas de Crime na União Europeia, com
vista ao estabelecimento de acções e padrões de actuação e reflexão.
Marco fundamental nesta evolução é a Decisão-Quadro relativa ao Estatuto da
Vítima em Processo Penal, decisão-quadro 2001/220/JAI do Conselho da União
Europeia, resultante de iniciativa da República Portuguesa durante a presidência

13
portuguesa da União Europeia (primeiro semestre de 2000) e aprovada e publicada
durante a presidência sueca (15 de Maio de 2001).
A Decisão-Quadro relativa ao estatuto da vítima no processo penal destaca a necessidade
de ter em conta os seguintes aspectos concernentes às vítimas de crime:
• as vítimas de crime têm direito a um elevado grau de protecção, independentemente
do Estado Membro em que se encontrem, pelo que os Estados Membros deverão
aproximar as suas leis e regulamentos na medida do necessário para alcançar este
objectivo.
• as necessidades das vítimas de crime devem ser consideradas e preenchidas de uma
forma compreensiva e coordenada, evitando soluções parciais, que podem dar azo ao
fenómeno da vitimação secundária. Como tal, as disposições da Decisão-Quadro não
se referem única e exclusivamente a fazer face às necessidades das vítimas de crime
no âmbito do processo penal, uma vez que cobrem medidas directa ou indirectamente
relacionadas com o mesmo, que devem ser tidas em conta antes e após o processo
penal.
• as normas e práticas relativas ao estatuto e aos principais direitos das vítimas de crime
devem ser aproximadas, em particular no que se refere ao direito a serem tratadas
com respeito pela sua dignidade, de prestarem e de receberem informação, de
compreenderem e de serem compreendidas, de serem protegidas ao longo do
processo penal e de verem minimizadas as desvantagens de residirem num Estado
Membro que não aquele em que o crime foi cometido.
• o envolvimento de serviços especializados e de serviços de apoio à vítima antes,
durante e após o processo penal é da máxima importância.
• a formação adequada deve ser prestada às pessoas que entrem em contacto directo
com vítimas de crime, com o intuito de alcançar os objectivos do processo penal.
• o recurso aos pontos de contacto e às redes interinstitucionais existentes nos diferentes
Estados Membros é de grande importância, quer no âmbito do sistema judiciário quer das
organizações de apoio à vítima.
A 30 de Abril de 2002, o Conselho da Europa adoptou a Recomendação Rec(2002)5
aos Estados Membros, relativa à protecção das mulheres contra a violência. Este é
certamente um dos instrumentos mais abrangentes na área da protecção das vítimas:
definindo o conceito de violência contra as mulheres como qualquer acto de violência de
género, do qual resulta sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, abarca
problemáticas tão distintas como a violência doméstica, o turismo sexual, os crimes de
guerra, a mutilação genital, etc.

Mais recentemente, o Conselho da Europa emitiu a Recomendação (2006) 8, do Conselho


de Ministros aos Estados-Membros, sobre o apoio às vítimas de crime. Esta
Recomendação define vítima como a pessoa que sofreu danos físicos, psíquicos,
emocionais e/ou económicos resultantes de actos ou omissões que violem a legislação
penal de um Estado-Membro da União Europeia. Define também vitimação repetida como
aquela que acontece quando uma pessoa foi sujeita aos referidos actos ou omissões de
um modo repetitivo, num determinado período de tempo. Define ainda vitimação
secundária como o fenómeno que acontece, não como resultado directo de tais actos ou
omissões, mas sempre que a vítima se depara com a resposta dada pelas instituições e
pelos indivíduos às suas demandas. A Recomendação apresenta os princípios que devem
orientar a apoio à vítima e o papel dos Estados-Membros, sobretudo no que respeita aos
serviços da administração pública e aos serviços de apoio à vítima.

14
Sucintamente, a Recomendação foca as seguintes áreas, que considera essenciais para o
apoio às vítimas no espaço europeu: o acesso à informação por parte da vítima; o acesso
desta a todos os recursos disponíveis para ser indemnizada; o direito à indemnização pelo
Estado; o direito a beneficiar de medidas de segurança relativas à cobertura de pessoas e
bens por danos causados pela vitimação; o direito à protecção, nomeadamente física e
psicológica, face à possibilidade de haver vitimação repetida, e à privacidade; o direito à
confidencialidade; e ainda o direito a ser atendida e apoiada por equipas de profissionais
especialmente formadas, pelo que os Estados-Membros devem promover a formação dos
profissionais sobre as vítimas e a vitimação, em especial aqueles que mais directamente
trabalharão nesta área: agentes policiais, agentes da Protecção Civil e de outros
organismos destinados à intervenção em acontecimentos de choque e profissionais de
Saúde, dos Serviços Sociais e da Educação. A Recomendação foca, ainda, o direito da
vítima ao acesso à mediação vítima/infractor, em consonância com a Recomendação R
(99) 19 do Conselho de Ministros, sobre mediação penal, bem como ao benefício de uma
coordenação das diversas instituições e serviços nacionais e locais, estatais ou não, de
voluntariado ou não, em cada Estado-Membro, em ordem a existir entre todos uma
resposta adequadamente coordenada. A Recomendação aponta ainda a necessidade de
os Estados-Membros assegurarem o mesmo ao nível internacional, bem como de manter
os temas das vítimas de crime na opinião pública, nomeadamente através de campanhas
de sensibilização e de promover a investigação científica no campo da Vitimologia, de
modo a conhecer cada vez mais e melhor os impactos e riscos da vitimação, a eficácia
das legislações existentes nos Estados-Membros, tanto em matérias penais como
criminais e a contribuir para o desenvolvimento de políticas de apoio às vítimas baseadas
em estudos fidedignos sobre estas.

2.2 Evolução histórica


É neste contexto de crescente tomada de consciência dos direitos da vítima de crime, e
visando colmatar a inexistência de qualquer estrutura de apoio a esta nos referidos
moldes que, por iniciativa de um grupo de 27 Associados Fundadores, nasce, em 25 de
Junho de 1990, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).
A APAV iniciou a sua actividade sob a direcção de uma Comissão Instaladora, de 1990 a
1994, ano em que se realizaram as primeiras eleições para a constituição dos seus órgãos
sociais.
Na primeira fase da sua vida, desenvolveu-se apostando em duas linhas concretas de
acção: a criação e manutenção de uma rede mínima de Gabinetes de Apoio à Vítima
(GAV), apoiada numa rede de Voluntariado social; e a cooperação com as instituições
públicas e privadas existentes.
Decorridos oito anos de existência e tendo cumprido os seus objectivos iniciais, atingiu-se,
com a realização das segundas eleições para os órgãos sociais e com a assinatura do
Protocolo de colaboração e financiamento com os Ministérios da Administração Interna,
do Trabalho e da Solidariedade e da Justiça 1, a fase de maturidade da vida associativa,
propiciando-se assim condições para o desenvolvimento e aprofundamento do projecto.
De forma a preparar a APAV para os novos desafios, houve a necessidade de proceder a
uma revisão do modelo vigente e de encontrar os parâmetros de adequação aos novos
contextos de funcionamento e de exigência, para garantir as finalidades estatutárias da
Associação e o planeamento de estratégias de desenvolvimento.

1 Cfr. Diário da República, n.º 247/98, II Série, de 26 de Outubro.

15
O Plano Estratégico é um documento essencial para o planeamento do
desenvolvimento de qualquer organização. O Plano Estratégico da APAV identifica e
consagra as grandes metas a atingir num horizonte temporal de cinco anos. Os objectivos
consagrados neste documento destinam-se a ser desenvolvidos na vigência anual de cada
Plano de Actividades, de acordo com a Estratégia. Propõe-se a adopção, em cada Plano
Anual de Actividades, de prioridades constantes e prioridades específicas para cada ano.
O Plano Estratégico é igualmente um valioso instrumento de gestão, de marketing e de
política associativa.

A elaboração do Plano Estratégico é uma oportunidade única para focalizar os principais


objectivos da Associação a médio prazo e prever a participação no processo de tomada de
decisão dos Associados, das equipas técnicas (central de Sede, Gestores dos GAV, das
Casas de Abrigo, de projectos e outras Unidades a criar), dos Voluntários e dos
Estagiários e de todos que colaboram, directa ou indirectamente, na vida da Associação.
Trata-se de promover uma perspectiva mais ampla e integrada das várias áreas de
actividade e dos últimos desenvolvimentos da APAV, bem como dos contextos económico,
social e político relacionados com o campo de intervenção da Associação. Importante é,
ainda, desenvolver o espírito de unidade e de equipa dos técnicos e sua participação
activa nos desígnios e futuro da organização.

Nesse sentido, e tendo em conta que o Plano Estratégico surgiu num momento crucial da
vida da Associação - o do aprofundamento da sua consolidação -, procurou-se que o seu
processo de evolução e maturação fosse caracterizado pela participação das equipas
técnicas, voluntários, técnicos de apoio à vítima e utentes. Por conseguinte, foi sugerida a
realização de uma sessão de debate nos serviços centrais de Sede, GAV, Unidades e
Casas Abrigo, na qual se desenvolvesse a análise, o estudo, o debate e a apresentação de
sugestões para o documento supra mencionado. Este processo teve um resultado muito
positivo, caracterizado por uma elevada participação, concretizadora de sugestões
pertinentes para a consubstanciação do Plano Estratégico 2008-2012.

Este Plano tem como apostas estratégicas transversais a formação, a qualidade e a


comunicação, visando a consolidação da APAV nos seguintes níveis:
• da projecção e reconhecimento social da sua missão;
• da sua imagem e identidade;
• do seu modelo organizativo-funcional;
• dos seus modelos de intervenção técnica;
• do seu modelo de gestão;
• do seu modelo de Voluntariado;
• das formas de participação nos processos decisórios;
• do modelo de parceria interinstitucional;
• da vertente de investigação e desenvolvimento;
• dos mecanismos de avaliação e auditoria da qualidade;
• da dimensão nacional da rede dos serviços locais de apoio à vítima.

16
Para a realização da missão da APAV e a melhoria contínua do seu desempenho, o Plano
Estratégico continua a privilegiar a inovação, a criatividade, a responsabilidade, a
motivação dos recursos humanos, a formação, a qualidade, a permanente perspectiva
multidisciplinar e as parcerias com outras instituições.
A nota dominante destes últimos anos tem sido a multiplicação das actividades
desenvolvidas. Tendo sempre como meta a sua finalidade última – o apoio a vítimas de
crime –, a APAV tem-se posicionado em várias frentes, desenvolvendo, no seio da ampla
rede de parcerias em que se insere, um conjunto de projectos de que cumpre destacar:

• Rede nacional de casas de abrigo para mulheres vítimas de violência da


APAV: as duas primeiras casas de abrigo da APAV, uma na zona de Lisboa e outro em
Trás-os-Montes, foram inauguradas em 2003. A sua finalidade é o acolhimento
temporário de mulheres vítimas de violência, com ou sem filhos. São três a
modalidades de acolhimento: a) acolhimento em situação de urgência, por um período
de 72 horas, num processo de encaminhamento para outras casas de abrigo, que
garantam um alojamento mais prolongado e uma intervenção continuada e adaptada à
situação que não se enquadre nos requisitos de acolhimento das casas de abrigo da
APAV; b) acolhimento em situação de transição, por um período de três meses,
destinado a vítimas de violência doméstica, que não estando em processo de
encaminhamento para outras instituições, se encontrem em situação de transição para
outros tipos de apoio; c) acolhimento provisório e/ou prolongado na intervenção na
crise, por um período de 6 meses, em que será realizado um trabalho de parceria com
outras instituições. Os objectivos das casas de abrigo da APAV são: 1) apoiar as
crianças vítimas ou testemunhas de violência, quando são acolhidas com as mães, até
aos 12 anos, promovendo os meios que lhe possibilitem uma adaptação saudável a
uma nova situação de vida; 2) providenciar a segurança das vítimas em relação a
eventuais novas vitimações;
• Centro de Formação: O Centro de Formação da APAV tem por missão conceber,
organizar e promover e desenvolver intervenções formativas dirigidas a grupos de
profissionais da APAV, a grupos de profissionais particulares ou grupos de profissionais
de entidades externas, mediante uma equipa qualificada de colaboradores, formadores
internos e externos. A APAV, como entidade que presta serviços qualificados às vítimas
de crime, também tem como actividades estatutárias, entre outras, a sensibilização da
opinião pública e a formação de profissionais da APAV e de outras entidades, tendo
vindo a acumular uma experiência que lhe permite dedicar-se ao diálogo social e à
disseminação de conhecimentos e práticas com outras organizações. Posiciona-se
assim, de forma significativa, no espaço comunitário nacional e europeu. A Associação
encontra-se acreditada pela Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho do
Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
• Unidade de Apoio à Vítima Imigrante e de Discriminação Racial ou Étnica
(UAVIDRE). É uma unidade de apoio especializado, dirigido às vítimas imigrantes e
de discriminação racial ou étnica (UAVIDRE), criada pela APAV através de um protocolo
com o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. Esta Unidade surgiu
para fazer face às problemáticas desta população, por se ter constatado que a prática
de crimes sobre imigrantes e a discriminação por motivos raciais ou étnicos ocorrem
todos os dias. São exemplos disso: situações de exploração sexual, de burla relativa a
trabalho ou emprego, de extorsão ou subtracção de documentos, de não pagamento
de salários, de ameaças, de injúrias, de discriminação em arrendamento e em
estabelecimentos comerciais, entre muitas outras.

17
• APAV Açores: a missão da APAV Açores é a prossecução, na Região Autónoma dos
Açores, dos objectivos estatutários da Associação. Conta com uma estrutura regional
dotada de autonomia de coordenação e de gestão das actividades da APAV (nas suas
diversas áreas de actuação). Sem prejuízo da unidade nacional e da personalidade
jurídica una da Associação, a APAV Açores goza de autonomia: técnica (relativamente
aos procedimentos técnicos e modelos de intervenção em vigor na Associação);
administrativa (relativamente aos procedimentos e normas em vigor na Associação);
financeira (um centro de custos próprios, conta bancária própria; orçamento anual
gerido pela respectiva gestora, de acordo com o plano de actividades e com o quadro
de procedimento técnicos em vigor para a APAV). A autonomia da APAV Açores é
garantida através de um Regulamento próprio que a consagra, aprovado pela
Assembleia Geral da Associação que criou e regulamentou a estrutura regional;
• Unidades Especializadas: ao nível dos Serviços Centrais de Sede foram criadas
unidades especializadas, cuja missão é desenvolver as respectivas áreas numa vertente
concentrada e especializada. A sua composição integra pelo menos um profissional por
cada unidade, com a colaboração flexibilizada de outros profissionais da APAV ou
externos. Existem as seguintes unidades: a) Unidade para a Qualidade; b) Unidade
Estatística; c) Unidade de Igualdade de Oportunidades; d) Unidade de Inclusão Social;
e) Unidade Contabilístico-financeira; f) Unidade de Justiça Restaurativa; g) Unidade de
Marketing, Comunicação e Imagem; h) Unidade de Recursos Humanos; Unidade
Jurídica e de Contencioso.
• Presença nas comissões de protecção de crianças e jovens: a APAV tem vindo a
aumentar a sua participação nestas entidades não judiciárias de protecção e promoção
dos direitos das crianças e jovens em risco, quer ao nível das comissões restritas quer
na modalidade alargada;

2.3 Relações internacionais


Nos últimos anos tem-se também verificado um importante esforço tendente a colocar a
APAV em redes europeias e mundiais. Este objectivo tem vindo a ser atingido através de
duas vias:
• Participação em organizações europeias e mundiais;
• Desenvolvimento de projectos em parceria com instituições de outros países europeus
e co-financiados pela Comissão Europeia.

2.3.1 Participação em organizações europeias


A APAV é actualmente membro de várias organizações internacionais:

Victim Support Europe - VSE


O European Forum for Victim Services, actual Victim Support Europe - VSE, foi criado em
1989 por diversas organizações de Apoio à Vítima existentes na Europa, com os seguintes
objectivos:
• estimular e promover o desenvolvimento de serviços de apoio à vítima de crime em
toda a Europa;
• promover a atribuição de uma indemnização justa para a vítima, independentemente
da sua nacionalidade;

18
• promover os direitos das vítimas de crime na Europa, no processo penal e face às
instituições;
• promover a troca de experiências e conhecimentos entre os seus membros na partilha
de saberes e da boa prática nos serviços de apoio à Vitima.
Os membros do VSE realizam uma conferência e assembleia anual, onde se discutem
questões gerais de apoio à vítima, os direitos e os desenvolvimentos e iniciativas de cada
país. O VSE publica uma Newsletter semestral com as novidades de cada país e
organização, e um Directório Anual dos Serviços de Apoio a Vítimas de Crime na Europa.

European Forum for Restorative Justice - EFRJ


O European Forum for Restorative Justice - EFRJ, fundado em Dezembro de 2000 (a
APAV foi membro fundador) nasceu em virtude da necessidade sentida um pouco por
toda a Europa de proporcionar aos técnicos, investigadores e responsáveis políticos que
trabalham na área da justiça restaurativa um meio facilitador de uma mais regular troca
de informações, conhecimentos e experiências. Tem como objectivo promover a
implementação e o desenvolvimento da mediação vítima-agressor e outras práticas de
justiça restaurativa na Europa, designadamente, através:
• da promoção da troca de informação, conhecimentos e ajuda mútua;
• da promoção do desenvolvimento efectivo de políticas, serviços e legislação sobre
justiça restaurativa;
• do fomento da investigação e desenvolvimento das bases teóricas da justiça
restaurativa;
• do estabelecimento de princípios, código de ética, formação e boas práticas.
O EFRJ realiza uma assembleia geral anual, na qual os membros apresentam os últimos
desenvolvimentos sobre esta matéria verificados nos seus países e debatem as linhas
gerais de orientação da actividade. Estão também constituídos seis comités de trabalho
para assuntos específicos: informação, comunicação, formação, investigação, finanças,
editorial.
O EFRJ publica uma Newsletter quadrimestral com as novidades de cada país e
organização, e leva a cabo uma conferência bianual.

World Society of Victimology


A World Society of Victimology, da qual a APAV é também associada, foi fundada com o
intuito de fomentar a realização de pesquisas na área das vítimas e do apoio à vítima, de
promover os interesses das vítimas de crime em todo o mundo, de encorajar a realização
de estudos multidisciplinares e comparativos na área da vitimologia e de prosseguir a
cooperação entre organizações, grupos e indivíduos no âmbito do apoio às vítimas de
crime a nível internacional, nacional, regional e local.

Fundamental Rights Platform (FRP)


A APAV é actualmente membro da Fundamental Rights Platform (FRP). Esta é uma rede
de cooperação e troca de informação, actuando como um canal directo de comunicação
entre a Fundamental Rights Agency e a sociedade civil. As principais actividades da FRP
são as seguintes:

19
1. fazer sugestões ao Programa de Actividades Anual da Fundamental Rights Agency
(FRA);
2. fazer comentários e sugestões de acompanhamento e monitorização do Relatório
Anual da FRA;
3. informar sobre os resultados e recomendações advindas de conferências,
seminários e reuniões relevantes para o trabalho da Agência.

2.3.2 Projectos europeus


A APAV desenvolveu, quer como entidade promotora, quer como parceira de outras
instituições europeias, uma série de projectos internacionais, co-financiados pela
Comissão Europeia.
Para além dos objectivos prosseguidos por cada projecto em concreto, há um resultado
comum a todos eles: a circulação de informação, conhecimentos e experiências entre as
instituições parceiras.
Os projectos desenvolvidos pela APAV (enquanto entidade promotora) foram os
seguintes:

• ALCIPE – Informação e Formação no combate à violência exercida contra as mulheres


(programa DAPHNE da Comissão Europeia): produção de um Manual de procedimentos
para profissionais que atendem frequentemente mulheres vítimas de violência, bem
como de material informativo de divulgação e sensibilização destinado à opinião
pública (1998);

• SOPHIA – Formação em Atendimento a Mulheres, Crianças e Jovens Vítimas de


Violência (programa DAPHNE da Comissão Europeia): implementação, pela via da
formação, de um conjunto de procedimentos definidos como normas de boa prática e
entendidos como padrões de qualidade a observar nos serviços da APAV (1999);

• CIBELE – Estudo Sobre Prevenção de Crime e Vitimação Urbana (programa


HIPÓCRATES da Comissão Europeia): desenvolvimento de um trabalho científico
(consubstanciado num relatório) relativo às representações da comunidade urbana
sobre a vitimação e sobre a prevenção desta vitimação pelas instituições da
comunidade (2002);

• CORE – Crianças Vítimas de Violência Sexual (programa STOP II da Comissão


Europeia): produção de um Manual para a compreensão e intervenção na problemática
da violência sexual exercida sobre crianças e realização de uma campanha de
informação e sensibilização relativa a esta problemática (2002);

• MUSAS – Concepção e produção de módulos de formação para profissionais que lidam


com crianças vítimas de crimes em contexto escolar e crimes rodoviários (programa
LEONARDO DA VINCI da Comissão Europeia): criação de base de dados sobre a
temática das crianças vítimas de crimes em contexto escolar e de crimes rodoviários e
concepção de módulos de formação sobre esta temática, destinados aos profissionais

20
que lidam com as vítimas destes crimes – técnicos de apoio à vítima, profissionais de
educação, profissionais de saúde, polícias – (2002 – 2003);

• DIKÊ - Protecção e Promoção dos Direitos das Vítimas de Crime no âmbito da


Decisão-Quadro relativa ao Estatuto da Vítima em Processo Penal (co-financiado pelo
Programa GROTIUS II da Comissão Europeia) (2002). A sua finalidade foi contribuir
para o desenvolvimento e aprofundamento do conhecimento das vítimas de crime e
dos seus direitos, para a disseminação de informações e para a progressiva
implementação dos conteúdos da Decisão-Quadro relativa ao Estatuto da Vítima em
Processo Penal, através da promoção de uma reflexão conjunta, numa perspectiva
comparada dos vários sistemas processuais, sobre a protecção e promoção dos direitos
das vítimas, nomeadamente nas vertentes da assistência jurídica, da protecção de
testemunhas e da mediação penal, reflexão baseada na troca efectiva de
conhecimentos e experiências entre especialistas nesta matéria de vários países
europeus, designadamente técnicos de apoio à vítima, mediadores e formadores,
numa óptica de colocação em rede de organizações e profissões que trabalham nesta
área e de contribuição para a aplicação dos instrumentos adoptados; e da divulgação
dos resultados desta reflexão a nível nacional e europeu, tendo em vista proporcionar
um melhor conhecimento recíproco sobre a importância do acesso à assistência
judiciária, da protecção de testemunhas e da mediação penal para a protecção e a
promoção dos direitos das vítimas de crime, enquanto tema de interesse comum para
os Estados-Membros.

• PENÉLOPE – Sobre Violência Doméstica no Sul da Europa (co-financiado pelo


Programa DAPHNE da Comissão Europeia): desenvolvimento de um relatório sobre o
estado da violência doméstica, em especial contra mulheres e crianças, nos países do
sul da Europa (Portugal, Espanha, Itália, França e Grécia) (2003);

• PANDORA – Sobre Violência Doméstica no Centro da Europa (co-financiado pelo


Programa DAPHNE da Comissão Europeia): desenvolvimento de um relatório sobre o
estado da violência doméstica, em especial contra mulheres e crianças, nos países do
centro da Europa (República Checa, Eslováquia, Hungria; com coordenação da APAV,
consultoria de parceiro austríaco e avaliação de parceiro espanhol) (2005);

• MUSAS II – Tendo em conta o impacto positivo do Projecto MUSAS, este deu origem
ao Projecto de Redes Transnacionais MUSAS II – formação e sensibilização sobre as
crianças vítimas de crime, também co-financiado pela Comissão Europeia no âmbito do
Programa Leonardo da Vinci – Redes Transnacionais, que decorreu no período de
Outubro de 2005 a Outubro de 2007. O Projecto MUSAS II permitiu: aferir e
implementar a formação sobre apoio a crianças vítimas nos serviços de apoio à vítima;
elaborar o relatório do estudo de impacto da formação; conceber o folheto informativo
sobre crianças vítimas e criar do portal Web sobre crianças vítimas de crime;

• VICTIMS & MEDIATION - O Projecto Vítimas & Mediação, promovido pela APAV,
teve como finalidade contribuir para a protecção dos direitos e interesses das vítimas
de crimes no âmbito da mediação vítima-infractor, através da promoção da cooperação
transfronteiriça e intercâmbio de boas práticas, da promoção da troca de informação e
do desenvolvimento de estudos e investigação. Iniciado em 2006, teve a duração de

21
dois anos, ao longo dos quais decorreram: três visitas de estudo (Portugal, Reino
Unido e Holanda) culminadas cada uma com um workshop para intercâmbio de
informação e boas práticas, sendo que cada workshop se debruçou sobre um tema
específico: contacto, informação e preparação das vítimas para o processo de
mediação; formação de mediadores sobre as problemáticas específicas das vítimas de
crimes; articulação entre os serviços de mediação e os serviços de apoio à vítima; um
estudo assente na criação e aplicação de instrumentos de investigação relativos ao
posicionamento e tratamento das vítimas de crimes em programas de mediação; um
seminário de encerramento do projecto, realizado em Portugal; publicação, em edição
bilingue (português e inglês) dos resultados do estudo e das comunicações
apresentadas nos workshops e no seminário, tendo em vista a divulgação e
disseminação dos principais resultados do projecto.O projecto contou com a parceria
do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL), da Direcção Geral das
Políticas de Justiça (DGPJ), da Universidade Católica Portuguesa (UCP), do Victim
Support Scotland (Escócia), do Slachtofferhulp Nederland (Holanda) e do Servicebüro
für Täter-Opfer-Ausgleich und Konfliktschilichtung (Alemanha) e teve como grupos-alvo
representantes de autoridades governamentais e outros organismos públicos, técnicos
de serviços de apoio a vítimas de crimes, mediadores e outros técnicos de serviços de
mediação, formadores de técnicos de apoio a vítimas e formadores de mediadores.

• VICTIMS IN EUROPE: O Projecto Victims in Europe visa avaliar se e como a Decisão-


Quadro 2001/220/JAI sobre Estatuto da Vítima em Processo Penal está a ser aplicada.
O Projecto Victims in Europe, com a duração de 24 meses, é promovido pela APAV, em
representação do Victim Support Europe (antes European Forum for Victim Services).
O projecto está dividido em duas work packages, uma para investigar a implementação
da Decisão-Quadro, que contará com o expertise da APAV e do International
Victimology Institute (InterVICT), e a segunda para analisar a implementação
organizacional e os indicadores chave. No fim do Projecto será publicado um relatório
final com as conclusões e recomendações do estudo efectuado e um seminário de
divulgação.

• PAX – Projecto sobre vítimas de terrorismo. Promovido pela APAV, o Projecto PAX foi
co-financiado pela Comissão Europeia através do Programa Prevenir e Combater a
Criminalidade, integrado no Programa Geral Segurança e Protecção das Liberdades, da
Direcção-Geral Justiça, Liberdade e Segurança. Este projecto teve como objectivos: 1.
Promover a partilha de saberes; 2. Promover o desenvolvimento de competências
psicossociais e jurídicas; 3. Promover a cooperação entre os profissionais e as
organizações de apoio à vítima na União Europeia, bem como com as forças policiais;
4. Contribuir para reforçar a cooperação e promover o desenvolvimento de redes ou de
organizações que apoiam e representam as vítimas na Europa.

• MAY I HELP YOU? - O Projecto May I Help You?, co-financiado no âmbito do


Programa de Justiça Criminal da Direcção-Geral Justiça, Liberdade e Segurança da
Comissão Europeia, tem como objectivo criar instrumentos de prevenção face a
situações de vitimação ocorridas num Estado Membro que não o da sua residência.

22
2.4 Evolução do número de processos de apoio
O crescimento da APAV é visível não só pela multiplicação das suas actividades mas
sobretudo pelo aumento substancial do número de pessoas apoiadas: de 1990 a 2010
foram desenvolvidos cerca de 104 000 processos de apoio, correspondentes a um total de
cerca de 180.000 crimes. Tendo em conta que na maior parte dos processos de apoio
existe mais que uma vítima, a APAV terá apoiado um universo estimado de 210.000
pessoas em vinte anos de existência. Os dados estatísticos mostram que a APAV tem sido
procurada maioritariamente por vítimas dos denominados crimes contra as pessoas –
violência doméstica, crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, ofensas à
integridade física, injúrias e ameaças. Este facto deve-se ao tipo de apoio, que vai mais
ao encontro das necessidades sentidas pelas vítimas destes crimes – sobretudo o apoio
psicológico e social.
Mas o aumento do número de vítimas de outros crimes – crimes contra o património, por
exemplo – que procuram a APAV é um sinal da previsível diversidade que exigirá uma
cada vez maior versatilidade à Associação.

3. Modelo organizativo-funcional e recursos financeiros


A evolução para um modelo organizativo-funcional circular, não hierárquico e de trabalho
em rede foi uma das traves mestras da reestruturação iniciada em 1998, num processo
de revisão regular do funcionamento de uma organização em crescimento, de forma a
actualizar métodos e a responder afirmativamente às exigências, internas e externas,
assegurando que os escassos recursos materiais e humanos são utilizados da forma mais
eficaz e onde são mais precisos.
A APAV, enquanto associação privada, tem como órgãos sociais eleitos:

• Assembleia Geral: constituída por todos os associados, tem como principal


competência definir as linhas fundamentais de actuação da associação;
• Direcção: constituída por sete membros, é o órgão executivo da associação,
incumbindo-lhe a gestão e representação desta;
• Conselho Fiscal: composto por três membros, tem como missão a fiscalização interna
da Associação.

Para o desenvolvimento da sua actividade, a APAV conta com um corpo de profissionais


constituído por:

• director executivo,
• assessoria técnica da Direcção,
• secretariado executivo;

23
todos localizados nos serviços centrais da Sede, e

• gestore/as dos Gabinetes de Apoio à Vítima (nalguns Gabinetes de Apoio à Vítima


coadjuvados por um assessor técnico) e da UAVIDRE;
• directores das Casa de Abrigo e respectivas equipas técnicas.

O centro nevrálgico da APAV é a rede nacional de Gabinetes de Apoio à Vítima onde,


diariamente, Voluntários e Estagiários atendem e apoiam vítimas de crimes.
Cada Gabinete de Apoio à Vítima tem no/a Gestor/a o seu responsável técnico,
administrativo e financeiro. A este compete a coordenação e a supervisão de todos os
trabalhos desenvolvidos no GAV, com particular destaque para os atendimentos às
vítimas, bem como a gestão dos recursos humanos – os Voluntários e Estagiários -, que
são a principal riqueza e motor da associação.
Ao Gestor cabe ainda a representação da APAV na respectiva comunidade local,
assumindo desta forma um papel fundamental no desenvolvimento das relações de
parceria.

A APAV conta actualmente com Gabinetes de Apoio à Vítima nas seguintes cidades:
• Vila Real
• Braga
• Porto
• Coimbra
• Santarém
• Cascais
• Odivelas
• Lisboa
• Setúbal
• Portimão
• Albufeira
• Faro
• Loulé
• Tavira
• Ponta Delgada

Para fazer face aos encargos decorrentes desta plêiade de solicitações, o suporte
financeiro da Associação tem sido garantido por um conjunto de fontes, nomeadamente:

• quotas anuais pagas pelos associados e donativos – em dinheiro, bens e serviços


• montante resultante do Protocolo com o Governo;

24
• montantes resultantes de outros Protocolos, celebrados para finalidades específicas,
como sejam a abertura de Gabinete de Apoio à Vítima, abertura da Casa de Abrigo,
etc.;
• verbas provenientes da realização, pelo Centro de Formação da APAV, de acções e
cursos de formação em outras instituições, serviços e organismos;
• co-financiamento por outras instituições – nomeadamente, a Comissão Europeia, em
virtude das candidaturas da APAV a programas comunitários – de projectos
desenvolvidos pela APAV;
• quantias entregues à APAV por arguidos ou condenados em processo penal – a título
de condição para a suspensão provisória do processo ou de pena acessória – por
determinação do tribunal.

4. O voluntariado social

O voluntariado social é desempenhado pela pessoa que, de sua livre e espontânea


vontade, se interessa por uma causa social e nela colabora, não retirando do seu labor
qualquer vantagem material.
Desde sempre, a figura do voluntário social representa quer uma motivação pessoal, com
atribuições simbólicas próprias de cada indivíduo que desempenha tal papel, quer uma
motivação social, com atribuições simbólicas comunitárias dadas por cada sociedade que,
consoante os contextos históricos, a ele recorre para dar resposta a necessidades por
vezes básicas e prementes (como são, por exemplo, as decorrentes de catástrofes
naturais ou de um conflito armado). Quer num, quer noutro plano, o voluntário social é
encarado de forma positiva, considerando-o cada pessoa, em particular, e cada
sociedade, em geral, como um elemento precioso e merecedor do louvor e do incentivo.

Nas sociedades actuais, o voluntariado social, desempenhado quer individualmente quer


através de organizações estabelecidas, desempenha não o papel que outrora lhe foi
atribuído de única resposta aos problemas sociais que o Estado não resolvia, por
impossibilidade ou por falta de intenção, mas de complemento das acções estatais, cuja
eficácia nem sempre se revela suficiente.

O voluntariado social é, pois, a mais pura expressão do empenho das pessoas que
constituem uma comunidade em dinâmica relacional constante, ao mesmo tempo que
reflecte as frustradas tendências do Estado-Providência que, em outros momentos
históricos, procurou substituir essa vontade civil e responder por si só a todas as
problemáticas sociais.

O voluntariado social constitui actualmente uma frente válida de acção sobre os vários
problemas das comunidades, a par do Estado, que apenas pode providenciar, não a
única, mas outra frente, assumindo, assim, um carácter moderado na acção: nem
ausente, nem presença exclusiva, antes auxiliado pela vontade civil, vontade livre que

25
têm as comunidades de se preocupar e actuar sobre os problemas que aos dois dizem
directo respeito.

É justamente neste contexto de reconhecimento pelo trabalho voluntário, promoção do


voluntariado e apoio aos voluntários que se enquadra a Lei do Voluntariado – Lei n.º
71/98, de 3.11.

Lei que, tal como a sua regulamentação, procurou no espaço de liberdade e


espontaneidade que caracteriza e define o voluntariado, ir ao encontro das necessidades
sentidas pelos voluntários e pelas entidades que enquadram a sua acção. Por isso, as
soluções adoptadas assentam em quatro referências essenciais:

• participação organizada dos cidadãos;


• desenvolvimento de acções no âmbito de programas e projectos de entidades públicas
e privadas;
• definição dos direitos e deveres dos voluntários;
• compromisso livremente assumido entre a organização promotora e o voluntário.

Mas a lei que enquadra o voluntariado não se reduz apenas a um conjunto de direitos e
deveres. Ela é essencialmente um instrumento que visa promover e consolidar um
voluntariado sólido, qualificado e reconhecido socialmente.

A dinamização do processo de desenvolvimento e qualificação do voluntariado


constituem seus objectivos, donde para tal ter sido criado, no âmbito da sua
regulamentação, o Conselho Nacional para a Promoção do Voluntariado.
As virtualidades e potencialidades que a lei encerra permitem criar um contexto para a
reflexão e diálogo, pondo a claro os ideais, valores, aspirações e papel dos voluntários na
sociedade.

É possível elencar, de um modo geral, os principais deveres e direitos do voluntários.

DEVERES
para com os destinatários:
• respeitar a vida privada e a dignidade da pessoa;
• respeitar as convicções ideológicas, religiosas e culturais;
• actuar de forma gratuita e interessada no bem estar do destinatário;
• contribuir para o desenvolvimento pessoal e integral do destinatário;
• garantir a regularidade do exercício do trabalho voluntário.

26
para com a entidade promotora:
• observar os princípios deontológicos por que se rege a sua actividade;
• conhecer e respeitar a filosofia, estatutos, programas e metodologias de trabalho da
entidade promotora;
• observar as normas de funcionamento da entidade promotora;
• actuar de forma diligente, isenta e solidária;
• zelar pela boa utilização dos bens e meios postos ao seu dispor;
• participar em programas de formação, para um melhor desempenho do seu trabalho;
• dirimir conflitos no exercício do seu trabalho de voluntário;
• garantir a regularidade do exercício do trabalho voluntário;
• utilizar devidamente a identificação como voluntário no exercício da sua actividade.

para com os profissionais:


• colaborar com os profissionais da organização promotora, respeitando as suas opções
e seguindo as suas orientações técnicas;
• complementar o trabalho dos profissionais ao serviço da entidade promotora;
• dirimir conflitos no exercício do seu trabalho voluntário.

para com os outros voluntários:


• respeitar a dignidade e liberdade dos outros voluntários, reconhecendo o valor da sua
actividade;
• fomentar o trabalho de equipa, contribuindo para uma boa comunicação e um clima
de trabalho e convivência agradável;
• facilitar a integração, formação e participação de todos os voluntários.

para com a sociedade:


• fomentar uma cultura de solidariedade;
• difundir o voluntariado;
• conhecer a realidade sociocultural da comunidade onde desenvolve a sua actividade
de voluntário;
• complementar a acção social das entidades em que se integra;
• transmitir com a sua actuação, os valores e os ideais do trabalho voluntário.

27
DIREITOS

• receber apoio no desempenho do seu trabalho (formação inicial, contínua e avaliação


técnica);
• ter ambiente de trabalho favorável e em condições de higiene e segurança;
• ser ouvido nas decisões que dizem respeito ao seu trabalho;
• ver reconhecido o trabalho desenvolvido (acreditação, certificação do trabalho
voluntário e valorização da experiência adquirida);
• acordar com a organização promotora um programa de voluntariado, contendo
designadamente:

- cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade;


- actividades a desenvolver;
- periodicidade e horário;
- formação a receber;
- avaliação periódica do trabalho realizado e dos resultados obtidos.

4.1 Definição e modalidades de voluntariado na APAV


A APAV é um exemplo evidente dessa filosofia, pela forma como interage com o Estado e
dentro da sociedade, uma vez que, apoiada estatalmente, não descura a importância do
voluntariado social, quer por declarada necessidade, quer por princípio estatutariamente
consagrado.

Incrementando a cooperação no âmbito das comunidades locais onde se integram os seus


GAV, não poderia, nessa linha de pensamento, dispensar as vontades pessoais e
comunitárias de trabalhar pela causa do apoio às vítimas de crime, afinal uma resposta
válida dada a um problema real das comunidades e que a cada um, em particular, pode
tocar, de modo directo ou indirecto.
O voluntário da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima é aquele/aquela que,
em obediência aos princípios consagrados nos estatutos da Associação, e nos
termos do contrato-programa que celebra com a APAV, presta a sua actividade
de voluntariado de forma desinteressada, livre e responsável, contribuindo,
directa ou indirectamente, para o sucesso do serviço que a APAV presta à
população: o apoio a vítimas de crime.

Na APAV, o voluntariado pode ser exercido em três modalidades distintas, estando a


finalidade do apoio à vítima presente em todas, ainda que na primeira de forma mais
directa do que na segunda e na terceira:

• voluntariado social para o atendimento à vítima: esta modalidade abrange


os voluntários que atendem directamente a população. Nesta modalidade, o

28
acompanhamento e avaliação por parte do/a Gestor/a passam por garantir que os
pressupostos e as acções típicas do apoio à vítima estão a ser cumpridos;
• voluntariado social para outros serviços: esta modalidade abrange os
voluntários com ou sem formação académica superior que, em vários âmbitos, que
não o do atendimento a vítimas, colaboram com a APAV. São exemplos desta
modalidade investigadores, relações públicas, secretários, designers, enfermeiros,
médicos, etc. Estes voluntários estão presencialmente nos serviços da APAV (por
exemplo, na Sede, ou numa casa de abrigo), cumprindo um horário;
• voluntariado social amigos pro bono : esta modalidade também abrange
voluntários com ou sem formação académica superior que, em vários âmbitos, que
não o do atendimento a vítimas, colaboram com a APAV. Ao contrário da
modalidade anterior, o/a amigo pro bono não cumpre necessariamente um horário
presencial nos serviços da APAV, podendo organizar os seus trabalhos conforme as
suas disponibilidades, estando em sua própria casa e/ou no seu local de trabalho.

A ideia da APAV germinou face à constatação de que o delinquente e a vítima


eram face de uma mesma moeda, em que, no 'caras ou coroas' da vida,
raramente a face da vítima ficava para cima.

Dr. Luís Miranda Pereira


Presidente da Comissão Instaladora e Associado Fundador
Maio de 1993

29
30
ANEXOS

31
32
Estatutos da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima com as alterações
aprovadas em Assembleia Geral Extraordinária de 5 de Junho de 2006:

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, pessoa colectiva n.º 502 547 952, de utilidade
pública, instituição particular de solidariedade social (Diário da República, III Série, n.º
159, de 12/7/90 e III Série, nº 27, de 1/2/91), registada sob o n.º 74/90, a fls. 149 v.º e
150 do livro n.º 4 das associações de solidariedade social.

CAPÍTULO I
Da denominação, natureza, sede, âmbito e objectivo

ARTIGO 1.º
1 - A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) é uma instituição particular de
solidariedade social, com sede na Rua José Estêvão, 135, letra A, 1150 – 201Lisboa,
freguesia de São Jorge de Arroios, Lisboa.

ARTIGO 2.º
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, adiante designada por Associação, ou APAV,
é de âmbito nacional e tem como objectivo promover e contribuir para a informação,
protecção e apoio à vítima de infracções penais.

ARTIGO 3.º
1 - Para a realização do seu objectivo, a APAV propõe-se, nomeadamente:

a) Promover a protecção e o apoio a vítimas de infracções penais em geral e em


particular às mais carenciadas, designadamente através da informação, do atendimento
personalizado e encaminhamento, do apoio moral, social, jurídico, psicológico e
económico;
b) Colaborar com as competentes entidades da administração da justiça, polícias, de
segurança social, da saúde, bem como as autarquias locais, regiões autónomas e outras
entidades públicas ou particulares de infracções penais e respectivas famílias;
c) Incentivar e promover a solidariedade social, designadamente através da formação e
gestão de redes de cooperadores voluntários e do mecenato social, bem como da
mediação vítima-infractor e outras práticas de justiça restaurativa;
d) Fomentar e patrocinar a realização de investigação e estudos sobre os problemas da
vítima, para a mais adequada satisfação dos seus interesses;
e) Promover e participar em programas, projectos e acções de informação e sensibilização
da opinião pública;
f) Contribuir para a adopção de medidas legislativas, regulamentares e administrativas,
facilitadoras da defesa, protecção e apoio à vítima de infracções penais, com vista à
prevenção dos riscos de vitimização e atenuação dos seus efeitos;

33
g) Estabelecer contactos com organismos internacionais e colaborar com entidades em
que outros países prosseguem fins analógicos.

2 - A Associação poderá filiar-se em associações internacionais e nacionais que prossigam


objectivos afins dos seus e, eventualmente, relativamente às primeiras, representá-las em
Portugal. 3 - Para a prossecução das suas atribuições a Associação pode dinamizar formas
de angariação de meios financeiros, designadamente junto de entidades públicas e
particulares, nacionais e estrangeiras.

ARTIGO 4.º
1 - Os serviços prestados pela Associação serão gratuitos.
2 - O disposto no n.º 1 não prejudica a possibilidade de reembolso, desde que a situação
sócio-económica dos utentes o justifique.
3 - Poderá ainda haver lugar à comparticipação dos utentes, de acordo com as normas
legais aplicáveis e o fixado nos acordos de cooperação celebrados.

ARTIGO 5.º
A Associação é uma organização independente, apolítica, não confessional e promotora
do voluntariado, que se rege pelos princípios da igualdade de oportunidades e de
tratamento e da participação equilibrada entre homens e mulheres e da não discriminação
em função do género, raça ou etnia, religião, orientação sexual, idade, condição sócio-
económica, nível de escolaridade, ideologia ou outro.

CAPITULO II
Dos associados

ARTIGO 6.º
Podem ser associados da APAV as pessoas singulares maiores de 18 anos e as pessoas
colectivas.

ARTIGO 7.º
1 - A APAV terá duas categorias de associados:

a) Efectivos — as pessoas singulares e colectivas que se proponham ou aceitem colaborar


na realização dos fins da Associação, obrigando-se ao cumprimento dos deveres
constantes dos presentes estatutos;
b) Honorários - as pessoas que se distingam pelo seu mérito social ou pelos relevantes
serviços ou donativos prestados à Associação.

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2 - Os associados que promoveram a iniciativa da criação da Associação e asseguraram o
lançamento da respectiva actividade serão considerados fundadores.

ARTIGO 8.º
1 - A admissão de associados efectivos é feita pela direcção da Associação, mediante
proposta assinada pelo candidato e por um associado, efectivo ou fundador, no pleno
gozo dos seus direitos.
2 - A atribuição da qualidade de associado honorário é feita pela assembleia geral, sob
proposta fundamentada da direcção.
3 - A qualidade de associado é conferida pela inscrição no livro respectivo, que pode
consistir em suporte informático que assegure a segurança, confidencialidade e
integridade do seu conteúdo, que a Associação obrigatoriamente possuirá, e pela emissão
do cartão, em que deverá figurar a categoria ou categorias, quando for o caso.
4 - Os candidatos não admitidos pela direcção poderão recorrer para a assembleia geral
no prazo máximo de 30 dias a contar da notificação da decisão.

ARTIGO 9.º
São direitos dos associados:

a) Participar nas reuniões da assembleia geral;


b) Eleger e ser eleitos para os cargos sociais;
c) Possuir documento de identificação, de modelo único, a emitir pelo presidente da
direcção;
d) Utilizar, nas condições a definir por regulamento interno, os serviços que a Associação
venha a prestar directa ou indirectamente;
e) Requerer a convocação da assembleia geral extraordinária, nos termos do n.º 3 do
artigo 30.º;
f) Examinar os suportes contabilísticos, relatórios e contas e demais documentos, desde
que o requeiram por escrito.

ARTIGO 10.º
São deveres dos associados:

a) Contribuir para a divulgação, bom nome e desenvolvimento da Associação;


b) Desempenhar com zelo, dedicação e eficiência os cargos para que forem eleitos, bem
como as tarefas que lhe sejam confiadas;
c) Comparecer às reuniões da assembleia geral ou outras para que sejam convocados;
d) Observar as disposições estatuárias, os regulamentos e as deliberações dos órgãos
sociais;
e) Pagar pontualmente as suas quotas.

35
ARTIGO 11.º
1 - Os associados que violarem os deveres estabelecidos no artigo anterior ficam sujeitos
às seguintes sanções:
a) Repreensão;
b) Suspensão de direitos até um ano;
c) Demissão.

2 - Serão demitidos os associados que por actos dolosos tenham prejudicado gravemente
a Associação.
3 - A aplicação das sanções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 é da competência da
direcção.
4 - A demissão é da competência da assembleia geral, mediante proposta devidamente
fundamentada de qualquer órgão social ou associado.
5 - A aplicação de qualquer sanção será obrigatoriamente precedida de audiência prévia
do associado.
6 - A aplicação de uma sanção é notificada ao associado por carta registada, podendo o
mesmo, mediante requerimento fundamentado, recorrer ou reclamar, consoante os casos,
para a assembleia geral no prazo de 10 dias.
7 - A suspensão de direitos não desobriga o associado do pagamento da quota.

ARTIGO 12.º
1 - Os associados efectivos só podem exercer os respectivos direitos se tiverem em dia o
pagamento das suas quotas.
2 - Não são elegíveis para os órgãos sociais os associados que, mediante processo
judicial, tenham sido destituídos daqueles órgãos ou dos de outra instituição particular de
solidariedade social ou tenham sido declarados responsáveis por irregularidades
cometidas no exercício da suas funções.

ARTIGO 13.º
A qualidade de associado individual não é transmissível, quer por acto entre vivos quer
por sucessão, não podendo o associado incumbir outrem de exercer os seus direitos
pessoais, salvo o disposto no artigo 25.º.

ARTIGO 14.º
Perdem a qualidade de associado:

a) Os que pedirem a sua demissão;


b) Os que deixarem de pagar as quotas durante 12 meses consecutivos e as não
liquidarem dentro do prazo que para o efeito lhes for fixado;
c) Os que forem demitidos, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º

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ARTIGO 15.º
O associado que por qualquer forma perder essa qualidade deverá, obrigatoriamente,
devolver o cartão e não terá direito a reaver as quotizações que haja pago, sem prejuízo
da sua responsabilidade por toda a actuação no período em que foi membro da
Associação.

CAPITULO III
Dos órgãos sociais

Secção I
DISPOSIÇÕES GERAIS

ARTIGO 16.º
São órgãos da APAV a assembleia geral, a direcção e o conselho fiscal.

ARTIGO 17.º
1 - O exercício de qualquer cargo nos órgãos sociais é, em regra, gratuito, podendo
todavia justificar-se o pagamento de despesas dele derivadas.
2 - Se o movimento financeiro e a complexidade da gestão da Associação justificarem a
actividade prolongada de um ou mais membros dos órgãos sociais, podem estes receber
uma remuneração, a fixar pela assembleia geral.

ARTIGO 18.º
1 - A duração do mandato dos órgãos sociais é de três anos, devendo proceder-se à sua
eleição no mês de Dezembro do último ano de cada triénio.
2 - O mandato inicia-se com a tomada de posse perante o presidente da mesa da
assembleia geral ou seu substituto, o que deverá ter lugar na 1.ª quinzena do ano civil
imediato ao das eleições.
3 - Quando a eleição tenha sido efectuada, extraordinariamente, fora do mês de
Dezembro, a posse poderá ter lugar dentro do prazo estabelecido no n.º 2, ou dentro do
prazo de 30 dias após a eleição, mas, neste caso e para os eleitos do n.º 1, o mandato
considera-se iniciado na 1.ª quinzena do ano civil em que se realizou a eleição.
4 - Quando as eleições não sejam realizadas atempadamente considera-se prorrogado o
mandato em curso até à posse dos novos órgãos sociais.

ARTIGO 19.º
1 - Em caso de vacatura da maioria dos lugares de cada órgão social, depois de
esgotados os respectivos suplentes, deverão realizar-se, no prazo máximo de um mês,
eleições parciais para o preenchimento das vagas verificadas e a posse deverá ter lugar
nos 30 dias seguintes à eleição.

37
2 – O termo do mandato dos membros eleitos nas condições no número anterior
coincidirá com o dos inicialmente eleitos.

ARTIGO 20.º
1 - As candidaturas para os órgãos da APAV deverão ser subscritas pelos próprios
candidatos.
2 - As candidaturas para cada um dos órgãos da Associação serão efectuadas em
separado.
3 - As candidaturas para as eleições ordinárias serão apresentadas até 15 dias antes da
data de realização da assembleia geral para eleição dos órgãos sociais e para as eleições
extraordinárias serão apresentadas com 10 dias de antecedência.

ARTIGO 21.º
1 - Os membros dos órgãos sociais só podem ser eleitos consecutivamente para dois
mandatos para qualquer órgão da Associação, salvo se a assembleia geral reconhecer
expressamente que é inconveniente proceder à sua substituição.
2 - Não é permitido aos membros dos órgãos sociais o exercício de mais de um cargo na
Associação.

ARTIGO 22.º
1 - Os órgãos sociais são convocados pelos respectivos presidentes e só podem deliberar
com a presença da maioria dos seus membros.
2 - As deliberações são tomadas por maioria de votos, tendo cada associado direito a um
voto.
3 - Em caso de empate, o presidente sem direito a voto de qualidade.
4 - As votações respeitantes às eleições dos órgãos sociais ou a assuntos de incidência
pessoal dos seus membros serão feitas obrigatoriamente por escrutínio secreto, caso que
é admitido o voto por correspondência, nos termos da lei.

ARTIGO 23.º
1 - Os membros dos órgãos sociais são responsáveis civil e criminalmente pelas faltas ou
irregularidades cometidas no exercício do mandato.
2 - Além dos motivos previstos na lei, os membros dos órgãos sociais ficam isentos da
responsabilidade se:

a) Tiverem votado contra essa deliberação e o fizerem consignar na acta respectiva;

b) Não tiverem participado na respectiva deliberação e a reprovarem em declaração, a


constar da acta da sessão imediata à tomada de conhecimento.
ARTIGO 24.º

38
1 - Os membros dos órgãos sociais não poderão votar em assuntos que directamente lhes
digam respeito ou nos quais sejam interessados os respectivos cônjuges ou pessoas com
quem convivam em união de facto, ascendentes, descendentes, adoptados e afins.
2 - Os membros dos órgãos sociais não podem contratar directa ou indirectamente com a
Associação, salvo se do contrato resultar manifesto benefício para a mesma.
3 - Os fundamentos das deliberações sobre os contratos referidos no número anterior
deverão constar das actas das reuniões do respectivo órgão social.

ARTIGO 25.º
Nas reuniões da assembleia geral o associado impossibilitado de comparecer poderá
fazer-se representar por outro, mediante carta dirigida ao presidente da mesa com a
assinatura reconhecida nos termos da lei, caso em que cada associado presente não
poderá representar mais de um dos ausentes.

ARTIGO 26.º
Duas reuniões dos órgãos sociais lavrar-se-ão sempre actas, que serão obrigatoriamente
assinadas pelos membros presentes ou, quando respeitem a reuniões da assembleia
geral, pelos membros da respectiva mesa.

Da assembleia geral
ARTIGO 27.º
1 - A assembleia geral é constituída por todos os associados admitidos há, pelos menos,
três meses que tenham o pagamento das quotas regularizado e não se encontrem
suspensos.
2 - A assembleia geral é dirigida pela respectiva mesa, que se compõe de um presidente,
um 1.º secretário e um 2.º secretário.
3 - Na falta ou impedimento de qualquer dos membros da mesa da assembleia geral,
competirá a esta designar os respectivos substitutos de entre os associados presentes, os
quis cessarão estas funções no termo da reunião.

ARTIGO 28.º
Compete à mesa da assembleia geral dirigir e coordenar os trabalhos da assembleia,
representá-la e, designadamente:

a) Decidir sobre os protestos e reclamações respeitantes aos actos eleitorais, sem prejuízo
de recurso nos termos legais;
b) Conferir posse aos membros dos órgãos sociais eleitos.

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ARTIGO 29.º
1 - Compete à assembleia geral, designadamente:

a) Definir as linhas fundamentais de actuação da Associação;


b) Eleger e destituir, por votação secreta, os membros da respectiva mesa e a totalidade
dos membros dos órgãos executivo e de fiscalização, com excepção do conselho fiscal,
que terá obrigatoriamente um membro designado;
c) Apreciar e votar anualmente o plano da actividade e o orçamento para o exercício
seguinte, bem como o relatório e a conta de gerência, obtido o parecer do conselho
fiscal;
d) Deliberar sobre a aquisição onerosa e a alienação, a qualquer título, de bens imóveis e
de outros bens patrimoniais, de rendimento, de valor histórico ou artístico;
e) Deliberar sobre capitalizações de fundos e obtenção de empréstimos;
f) Apreciar e votar as alterações dos estatutos e zelar pelo seu cumprimento, interpretá-
los, bem como resolver os casos neles omissos, nos termos da legislação aplicável;
g) Deliberar sobre a extinção, prorrogação, cisão ou fusão da Associação;
h) Deliberar sobre a aceitação de integração de uma instituição e respectivos bens, de
acordo com a legislação aplicável;
i) Autorizar a direcção a demandar os membros dos órgãos sociais por actos praticados
no exercício das suas funções;
j) Aprovar a adesão a uniões, federações ou outras organizações nacionais, estrangeiras e
internacionais;
l) Atribuir a qualidade de associado honorário;
m) Estabelecer, mediante proposta da direcção, o valor das quotas;
n) Aplicar, sob proposta da direcção, a pena de demissão de associado;
o) Aprovar os regulamentos internos elaborados pela direcção;
p) Apreciar os recursos dos candidatos a associado não admitidos pela direcção.

2 - Compete ainda à assembleia geral deliberar sobre outras matérias não compreendidas
na competência legal ou estatuária dos demais órgãos sociais.

ARTIGO 30.º
1 - A assembleia geral reunirá em sessões ordinárias e extraordinárias.
2 - A assembleia geral reunirá ordinariamente:

a) No final de cada mandato, durante o mês de Dezembro, para a eleição dos órgãos
sociais;
b) Até 31 de Março de cada ano, para discussão e votação do relatório e conta de
gerência do ano anterior;

40
c) Até 15 de Novembro de cada na, para apreciação e votação do orçamento e do plano
de actividades para o ano seguinte;

3 - A assembleia geral reunirá em sessão extraordinária a pedido da direcção ou do


conselho fiscal ou a requerimento de, pelo menos, a quinta parte da totalidade dos
associados no pleno gozo dos seus direitos.
4 - Nos casos de pedido ou requerimento de sessão extraordinária a reunião realizar-se-à
no prazo máximo de 30 dias.

ARTIGO 31.º
1 - A assembleia geral deve ser convocada para as reuniões pelo menos com 15 dias de
antecedência.
2 - A convocatória é feita por meio de aviso postal, expedido para cada um dos
associados, dele constando o dia, hora e local da reunião e a respectiva ordem de
trabalhos, e através de anúncio publicado nos dois jornais de maior circulação na área da
sede da associação.
ARTIGO 32.º
1 - A assembleia geral reunirá à hora marcada na convocatória se estiver presente mais
de metade dos associados com direito a voto ou uma hora depois com qualquer número
de presentes.
2 - A assembleia geral extraordinária que seja convocada a requerimento dos associados
só poderá reunir se estiverem presentes, pelo menos, três quartos dos requerentes.
ARTIGO 33.º
1 - Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações da assembleia geral são
tomadas por maioria absoluta dos votos dos associados presentes e dos ausentes
devidamente representados.
2 - As deliberações sobre as matérias constantes das alíneas f), h), i), j), l), m) e n) do
artigo 29.º só serão válidas se obtiverem o voto favorável de, pelo menos, três quartos
dos associados presentes.
3 - No caso da alínea g) do artigo 29.º as deliberações requerem o voto favorável de três
quartos da totalidade dos associados no pleno gozo dos seus direitos, salvo se o número
de associados igual ao dobro dos membros dos órgãos sociais se declarar disposto a
assegurar a permanência da Associação, qualquer que seja o número de votos contra.
ARTIGO 34.º
As demais normas de funcionamento da assembleia geral constatarão de regulamento, a
aprovar por aquele órgão social.

41
Da direcção

ARTIGO 35.º
1 - A direcção da Associação é constituída por sete membros: um presidente, um vice-
presidente, um secretário, um tesoureiro e três vogais.
2 - Haverá simultaneamente igual número de suplentes, que poderão substituir membros
efectivos nas suas ausências e impedimentos, tornando-se efectivos à medida que se
derem vagas e pela ordem em que tiverem sido eleitos.
3 - No caso de vacatura do cargo de presidente será o mesmo preenchido pelo vice-
presidente e este substituído por um suplente.
4 - Os suplentes poderão assistir às reuniões da direcção, mas sem direito a voto.

ARTIGO 36.º
Compete à direcção gerir e representar a Associação, incumbindo-lhe, designadamente:

a) Garantir a efectivação dos direitos dos associados e utentes;


b) Elaborar anualmente o plano de actividades, o orçamento, o relatório e conta de
gerência a remeter ao conselho fiscal e a submeter à aprovação da assembleia geral;
c) Assegurar a organização e o funcionamento dos serviços, bem como fixar o respectivo
quadro de pessoal;
d) Assegurar a gestão dos recursos humanos e exercer o respectivo poder disciplinar;
e) Promover e assegurar a escrituração dos livros, nos termos da lei;
f) Manter actualizado o inventário do património;
g) Providenciar a obtenção de recursos;
h) Celebrar contratos e acordos com entidades públicas e particulares, nacionais e
estrangeiras;
i) Deliberar sobre a admissão e readmissão dos associados efectivos;
j) Propor à assembleia geral a atribuição da qualidade de associado honorário;
l) Aplicar aos associados, no âmbito da sua competência, as sanções previstas nos
estatutos;
m) Submeter à aprovação da assembleia geral os regulamentos internos;
n) Instituir prémios para estimular o estudo e a investigação no âmbito da actividade da
Associação e propor à assembleia geral a respectiva atribuição;
o) Representar a Associação em juízo ou fora dele, podendo esta competência ser
delegada no presidente da direcção;
p) Zelar pelo cumprimento da lei, dos estatutos, dos regulamentos e das deliberações dos
órgãos sociais da Associação.

42
ARTIGO 37.º
A direcção reunirá obrigatoriamente uma vez por mês, sempre que for julgado
conveniente e ainda por proposta do conselho fiscal.

ARTIGO 38.º
1 - Para obrigar a Associação são necessárias e bastantes as assinaturas de quaisquer
três membros da direcção, ou as assinaturas do presidente e do tesoureiro.
2 - Nas operações financeiras são obrigatórias as assinaturas do presidente e do
tesoureiro.
3 - Nos actos de mero expediente bastará a assinatura de qualquer membro da direcção.

ARTIGO 39.º
As competências dos membros da direcção e as respectivas normas de funcionamento
constarão de regulamento, a aprovar por aquele órgão social.

Do conselho fiscal

ARTIGO 40.º
1 - O conselho fiscal é composto por três membros: um presidente e dois vogais.
2 - Um dos membros do conselho será obrigatoriamente revisor oficial de contas, a
designar pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a solicitação da Associação ou do
Ministro da Justiça.
3 - Haverá simultaneamente igual número de suplentes, que se tornarão efectivos à
medida que se derem vagas, mas o suplente que for revisor oficial de contas, designado
nos termos do número anterior, substituirá o membro efectivo que tiver a mesma
qualificação.
4 - No caso de vacatura do cargo de presidente, será o mesmo preenchido pelo primeiro
vogal e este por um suplente.

ARTIGO 41.º
Compete ao conselho fiscal exercer a fiscalização interna da Associação, designadamente:

a) Zelar pelo cumprimento da lei e dos estatutos;


b) Verificar a regularidade dos livros, registos contabilísticos e documentos que lhe
servem de suporte;
c) Proceder à verificação dos fundos existentes em caixa e em depósito e dos demais
valores patrimoniais;
d) Assistir ou fazer-se representar por um dos seus membros às reuniões do órgão
executivo, sempre que o julgue conveniente;

43
e) Dar parecer sobre o orçamento, relatório e conta de gerência e sobre todos os
assuntos que o órgão executivo submeta à sua apreciação;
f) Dar parecer sobre a celebração de contratos, acordos de cooperação e de gestão bem
como sobre a capitalização de fundos e pedido de empréstimos;
g) Elaborar o relatório anual da sua acção de fiscalização.

ARTIGO 42.º
O conselho fiscal pode solicitar à direcção elementos que considere necessários ao
exercício da sua competência, bem como propor reuniões extraordinárias para discussão,
com aquele órgão, de determinados assuntos cuja importância o justifiquem.
ARTIGO 43.º
O conselho fiscal reunirá obrigatoriamente uma vez por cada trimestre e sempre que o
julgar conveniente.

CAPÍTULO IV
Da estrutura e organização interna

ARTIGO 44.º
1 - A APAV integrará os serviços que a direcção julgue necessários para a cabal
prossecução dos seus objectivos.
2 - A orgânica, estrutura e funcionamento dos serviços constarão de regulamento interno,
a elaborar pela direcção, e a aprovar pela assembleia geral.

ARTIGO 45.º
1 - Para assegurar o normal funcionamento dos serviços, de acordo com as deliberações e
orientações dos órgãos sociais, poderá a direcção nomear de entre os associados um
secretário-geral, que não poderá ser membro daqueles órgãos.
2 - O secretário-geral assistirá às reuniões da direcção e providenciará a preparação dos
instrumentos de gestão, bem como dos estudos, informações e propostas adequados à
tomada de decisões.
3 - A direcção poderá delegar algumas das suas competências no secretário-geral.

ARTIGO 46.º
1 - Para a adequada prossecução dos objectivos da APAV, poderá a direcção constituir
comissões ou grupos de trabalho para colaborarem em projectos e acções no âmbito da
respectiva competência.
2 - Os grupos de trabalho poderão ter carácter temporário ou permanente.

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ARTIGO 47.º
1 - A direcção poderá criar a estrutura desconcentrada que se revele mais adequada à
prossecução dos objectivos da APAV em todo o território nacional, ouvida a assembleia
geral.
2 - A APAV poderá criar comissões regionais, distritais, concelhias, por comarca ou círculo
judicial, ou outras.
3 - O âmbito, a composição e o funcionamento de cada comissão ou subcomissão serão
fixados pela direcção, que os poderá alterar de acordo com a evolução da estrutura e a
capacidade de intervenção da associação.
4 - As unidades desconcentradas poderão integrar, para além de associados e
cooperadores voluntários, representantes de entidades públicas ou particulares cuja
elaboração, pela sua competência ou actividade na respectiva área geográfica, se revele
conveniente e adequada à prossecução dos objectivos da Associação.

CAPÍTULO V
Recursos financeiros e humanos

ARTIGO 48.º
1 - Constituem receitas da APAV:

a) O produto das quotas pagas pelos associados:


b) Os rendimentos de bens próprios;
c) O produto da venda de publicações, bens e serviços;
d) Os subsídios do Estado, institutos públicos, autarquias locais, regiões autónomas,
empresas, cooperativas e outras entidades públicas ou privadas, organizações
estrangeiras e internacionais;
os
e) Os reembolsos e as comparticipações previstos, respectivamente, nos n. 2 e 3 do
artigo 4.º;
f) Os donativos, doações, heranças ou legados, desde que aceites pela direcção;
g) Quaisquer outras receitas provenientes, designadamente, de contratos, acordos de
cooperação e gestão, de subscrições ou de verbas atribuídas por lei, decisão judiciária
ou acto da Administração Pública.

2 – Os valores anuais mínimos das quotas são fixados em 25 € e em 700€,


respectivamente para as pessoas singulares e para as pessoas colectivas, podendo ser
pagos em fracções mensais, cabendo a sua actualização à Assembleia Geral, mediante
proposta da Direcção.
3 - A APAV pode proceder à capitalização de fundos e contrair empréstimos, mediante a
aprovação da assembleia geral, sob proposta da direcção, obtido o parecer favorável do
conselho fiscal.

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ARTIGO 49.º
Constituem recursos humanos da Associação os cooperadores voluntários e os
profissionais, quer admitidos pela Associação quer cedidos por entidades públicas e
privadas.

CAPÍTULO VI
Disposições finais e transitórias

ARTIGO 50.º
1 - No caso de extinção da Associação, competirá à assembleia geral deliberar sobre o
destino dos seus bens, nos termos da legislação em vigor, bem como eleger uma
comissão liquidatária.
2 - Os poderes da comissão liquidatária ficam limitados à prática dos actos meramente
conservatórios e necessários, quer à liquidação do património social quer à ultimação dos
negócios pendentes.

ARTIGO 51.º
1 - Enquanto a assembleia geral não proceder à eleição dos órgãos sociais, nos termos
estatuários, pelo período mínimo de três anos a contar da data da publicação dos
presentes estatutos, a Associação será dirigida por uma comissão instaladora.
2 - A comissão instaladora será constituída por sete associados de entre os fundadores,
exercendo um deles o cargo de presidente.
3 - Caberá ao presidente distribuir as funções pelos membros da comissão instaladora.
4 - A substituição dos membros da comissão instaladora será feita pelo respectivo
presidente, ouvidos os fundadores, de entre os associados efectivos.

ARTIGO 52.º
A comissão instaladora cabe representar e dirigir a Associação, nomeadamente adoptar
todas as providências necessárias às estruturação, funcionamento e defesa dos interesses
da APAV, assumindo todas as competências cometidas aos órgãos sociais nos termos
estatuários.

ARTIGO 53.º
As normas de funcionamento, bem como o plano de actividades, orçamento, relatório e
conta da Associação, elaborados pela comissão instaladora serão aprovados pelos
associados fundadores.

ARTIGO 54.º
Findo o período de instalação, cabe à comissão instaladora elaborar o relatório e os
documentos de prestação de contas, bem como convocar a primeira assembleia geral
para eleição dos membros dos órgãos sociais.

46
Mesa da Assembleia Geral
Sede e Lisboa, 5 de Junho de 2006
João Gabriel Rucha Pereira – associado n.º 62
Presidente da Mesa da Assembleia Geral com funções para a reunião da Assembleia Geral
de 5 de Junho de 2006 (por impedimento de Armando Acácio Gomes Leandro – associado
n.º 3 - nos termos do art.26, n.º 3 dos EAPAV)
Isabel João Dias Lourenço – associada n.º 204
1ª secretária da Mesa da Assembleia Geral
Sofia dos Santos Vasconcelos de Macedo – associada n.º 200
2ª secretária da Mesa da Assembleia Geral

47
48
II O TÉCNICO DE APOIO À VÍTIMA

49
50
1. O/A Técnico/a de Apoio à Vítima

Técnico/a de Apoio à Vítima é alguém que, no âmbito das suas funções, é possuidor/a
das devidas habilitações, que lhe permitem identificar, acompanhar e avaliar vítimas de
violência doméstica, assegurando deste modo uma resposta válida, célere e eficaz ante as
necessidades e pedidos de ajuda recebidos.

A designação Técnico/ a de Apoio à Vítima (TAV) da APAV refere-se a todo/as os/as


técnico/as que, pertencentes ao staff remunerado ou ao voluntariado, ou estando a
efectuar estágio académico num dos GAV, prestam serviços de apoio directo às vítimas de
crime que procuram a APAV.

O Técnico de Apoio à Vítima pode, pois, servir a APAV em duas modalidades:

• o Técnico de Apoio à Vítima com vínculo laboral ou de prestação de serviços


remunerados à Associação, ou seja, elemento do staff;
• o Técnico de Apoio à Vítima voluntário ou a efectuar estágio académico, com um
vínculo de compromisso voluntário e, portanto, gratuito, à Associação.

O apoio às vítimas de crime exige-lhe um perfil de competências sem as quais não poderá
desempenhar cabalmente o seu papel nem servir adequadamente a APAV, podendo
apontar-se duas dimensões essenciais: a competência pessoal e a competência técnica.

Para além de possuir estas duas competências, o TAV deve ainda promover em si próprio
a existência de condições pessoais para o desempenho da sua actividade, bem como
contribuir para um saudável ambiente de trabalho, fundamental para que o trabalho
desenvolvido atinja padrões mais elevados.

Competência Pessoal
Esta é a competência que todo o voluntário social tem que deter, dela necessitando para
a resolução de problemas que afectem outras pessoas. Com clareza se pode afirmar que,
sem ela, nenhum voluntário social será capaz de desenvolver correctamente a sua
actividade nas causas que livremente buscou para servir.

Os meios e a natureza específica de cada causa social determinam as várias dimensões


que devem ser tidas em conta. Na APAV, estas dimensões deverão ser, sobretudo:

• relacional: só a pessoa que gere de modo adequado as suas relações humanas,


isto é, que manifesta um comportamento relacional pacífico e minimizador de
conflitos para com os que lhe são próximos, reúne também capacidades para
conviver com todas as pessoas que passam diariamente pelo GAV, desde a
população que solicita apoio até ao/à Gestor/a e à restante equipa;

51
• tolerância e respeito: o TAV deve manifestar um comportamento não
etnocêntrico, respeitando os valores e costumes culturais das vítimas sem impor os
seus, desde que aqueles não colidam com as normas constitucionais ou legais
vigentes;
• autogestão emocional: de igual modo, só a pessoa que manifesta adequada
gestão emocional das suas vivências é capaz para o atendimento a vítimas de
crime, função de reconhecida exigência, por força das populações que recorrem ao
GAV, com múltiplas problemáticas caracterizadas pelo drama e pela
vulnerabilidade; estas realidades, e outras, como a exposição do TAV a eventuais
ameaças por parte de agressores de vítimas em processo de apoio, podem ser
delicadas para o seu equilíbrio emocional, também dependente da vida pessoal,
cuja dinâmica relacional com as ocupações profissionais é evidente, pelo que saber
gerir a própria realidade emocional, o stress adicional dos trabalhos no GAV e a
frustração que por vezes trazem constitui um lugar de obrigatoriedade para o TAV;
• vocação, disponibilidade e vontade pessoal para a Solidariedade Social:
esta vocação, de natureza exclusivamente pessoal, ainda que legitimada e tornada
pública nas sociedades de todos os tempos e, em particular, nas sociedades
contemporâneas, é exigência visível na própria natureza jurídica da APAV:
Instituição Particular de Solidariedade Social. Se o TAV não detiver intrinsecamente
esta vocação, não poderá corresponder positivamente às solicitações inerentes ao
seu papel, ou seja, se o princípio da Solidariedade Social não tomar lugar no seu
quadro axiológico de referência, o seu trabalho será vão, desprovido do sentido de
missão.
• sentido de compromisso e responsabilidade para assumir tarefas num
período mais ou menos longo no tempo: a estabilidade da equipa de TAV é
factor indispensável para o bom funcionamento dos GAV e, particularmente, para a
eficácia dos processos de apoio à vítima.

Competência Técnica
A competência técnica do TAV abrange, primacialmente, duas faces:

• académica (e/ou experiência profissional e/ou as suas aptidões): o TAV


que tenha concluído, ou esteja a concluir, uma formação académica, tem
competência técnica na área científica da sua formação. Esta competência virá
certamente a ser aprofundada ao longo do seu percurso na APAV, por força quer
das solicitações resultantes dos processos que desenvolve, quer da formação que
vai recebendo;
• dos procedimentos de apoio à vítima: o TAV que tenha concluído a formação
inicial sobre o apoio à vítima, que siga o Manual de Procedimentos dos Serviços de
Apoio à Vítima de Crime e revele domínio sobre os pressupostos teóricos e sobre as
práticas quotidianas do GAV e que respeite o Código de Conduta, tem competência
técnica no âmbito do apoio à vítima.

52
Condições Pessoais
O TAV, ao lidar diariamente com as problemáticas das vítimas, está exposto tanto à
frustração constante - quer pela desistência das vítimas dos seus processos de apoio
quer pelas dificuldades subjacentes a esse processo em termos de respostas institucionais
-, como ao stress adicional.

Assim, e para responder adequadamente à frustração e ao stress, o TAV deve reunir,


além das competências acima descritas, condições que se geram na sua vida pessoal.

O TAV deve zelar pela manutenção de óptimas condições pessoais para o cumprimento
adequado das suas responsabilidades no apoio à vítima, usando estratégias simples,
como:

• encarar o stress como um desafio a ser ultrapassado e não como algo incontornável
que lhe controla o comportamento, isto é, ter uma atitude positiva perante o problema
do stress;
• partilhar com os outros TAV e/ou com o/a Gestor/a do GAV as suas experiências no
processo de apoio à vítima, tanto no quotidiano como nas reuniões promovidas no
GAV, principalmente nas de dinâmica de grupos;
• reconhecer e respeitar os limites do seu próprio corpo, assegurando períodos mínimos
de descanso e relaxamento;
• reconhecer e respeitar as normas básicas de saúde, mantendo uma dieta equilibrada,
não fumando e evitando o excesso de cafeína e de álcool;
• praticar desporto e/ou fazer qualquer outro tipo de exercício físico;
• investir em actividades agradáveis nos tempos livres, de gosto pessoal, como ler,
conviver com amigos ou passear.

Complementarmente, o TAV deve saber discernir quais os momentos em que,


precisamente devido à inexistência dessas condições pessoais – decorrente da
inadequada vivência de pressões quotidianas e/ou de problemas por si considerados
graves - a sua intervenção junto de uma vítima de crime, ao invés de se revelar favorável,
tem um impacto nefasto. Situações - como a fadiga no limite da exaustão, o luto,
perturbações afectivas significativas ou preocupações com o estado de saúde de um ente
querido, por exemplo - em que uma intensa carga emotiva aflora no comportamento do
TAV serão de considerar se se tornarem difíceis de sustentar no contexto do atendimento
às vítimas e no curso habitual da totalidade do processo de apoio. Mas também o simples
desgaste inerente à vida quotidiana pode ser uma condicionante temporária de relevo.

Por vezes, durante ou mesmo no final de um processo de apoio, a vítima reconsidera e


decide dar uma nova oportunidade ao agressor. Esta atitude poderá desencadear no TAV
uma ambivalência de sentimentos: frustração, revolta e desânimo apropriam-se por vezes
do técnico, que pode sentir que o seu trabalho foi em vão. E se eventualmente a vítima
voltar a pedir ajuda, poderá hesitar em desempenhar eficientemente o seu papel. Esta é
uma atitude normal se o TAV não tiver conhecimento não só da problemática mas
também do seu enquadramento, razão que justifica a importância de um profundo

53
domínio teórico-conceptual de temáticas – como a violência doméstica - que, não sua
essência, se afiguram extremamente complexas.

2. Estagiários
Desde muito cedo que a APAV recebeu e contou com a colaboração de estagiários. De tal
modo que estes, apesar de estarem diferentemente enquadrados do ponto de vista
institucional, foram sendo equiparados aos voluntários. No âmbito do apoio directo às
vítimas, surgiu, até, a designação de Técnico de Apoio à Vítima Estagiário (TAVE), por
analogia à de Técnico de Apoio à Vítima Voluntário (TAVV).

É, no entanto, importante considerar as diferenças existentes entre um TAVE e o TAVV.


Ou melhor, e de um modo mais abrangente, entre estagiários e voluntários. E, para tal, é
necessário atentar na natureza específica dos estágios.

Os estágios que têm sido realizados na APAV ao longo dos anos podem classificar-se em
duas categorias:

Estágios curriculares ou académicos


São sempre decorrentes do enquadramento num plano de estudos superiores, podendo
ser realizados em qualquer tempo do ano lectivo e ter diversas durações. São mais
comuns os estágios de três ou seis meses, ou pouco mais, realizados no final do último
ano lectivo do curso. Nunca são remunerados. Os estágios curriculares ou académicos
podem ser de dois tipos:

• Estágios curriculares de observação, que decorrem geralmente em diferentes


períodos do ano lectivo, tendo por finalidade uma caracterização da APAV e da sua
missão através da mera observação da sua vida quotidiana, isto é, sem que os
estagiários participem activamente desta;

• Estágios curriculares de observação e participação, também chamados de


estágios de curta duração, que também decorrem geralmente no final do último ano
lectivo, quase sempre por período de três ou seis meses, ou pouco mais, durante os
quais os estagiários fazem a mesma caracterização da APAV e da sua missão, mas,
após um período, no qual observam, passam a uma participação activa na vida
quotidiana da Associação.

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Estágios profissionais
São sempre decorrentes do enquadramento num plano de integração no mercado de
trabalho, feitos, por exemplo, pelos centros de emprego e formação profissional (Instituto
do Emprego e Formação Profissional) da área de domicílio da APAV. Decorrem geralmente
durante nove ou doze meses e implicam que a APAV e o centro respectivo garantam
certas condições previstas num contrato de formação previamente celebrado. Estas
podem prever uma remuneração, ou não. Na Associação, os estágios profissionais podem
ser

• Estágios profissionais para apoio à vítima. Estes estágios são, de facto, os mais
comuns, sendo realizados nas áreas de Psicologia, Direito e Serviço Social e no
contexto de cada gabinete de apoio à vítima. Neles, os estagiários prestam os
mesmos serviços de apoio à vítima que os técnicos de apoio à vítima voluntários
(TAVV);

• Estágios profissionais para outros serviços. Estes estágios são menos frequentes
que os anteriores, sendo realizados em áreas diversas, geralmente nos serviços de
sede. Os estagiários não prestam qualquer tipo de apoio directo às vítimas ou a outros
utentes da APAV.

Diferenças entre estagiários e outros


Na APAV, o estagiário tem uma condição específica, sob a qual decorre a sua colaboração
com a Associação.

Surgem, por vezes, algumas dúvidas sobre esta condição. É fácil estabelecerem-se estas
dúvidas no quotidiano, quando, entre outros aspectos, a sua actividade parece
assemelhar-se em muito à de outros técnicos de diversa condição. Esta situação verifica-
se em especial quando tanto o estagiário como o voluntário são técnicos de apoio à
vítima, isto é, desenvolvem processos de apoio com as vítimas que recorrem à
Associação.

Ainda que essas semelhanças pareçam esbater a sua condição face às outras, convém
sempre notar que existem diferenças.

Assim, e recordando, temos três tipos de técnico de apoio à vítima da APAV:

• Técnico de Apoio à Vítima (TAV). É todo o técnico que presta serviços de apoio
directo e especializado às vítimas e outros utentes da Associação. Tem um vínculo
laboral com esta que se traduz, entre outros direitos e deveres, na sua
remuneração;

• Técnico de Apoio à Vítima Voluntário (TAVV). É todo o técnico que, na


condição de voluntário social, presta serviços de apoio directo e especializado às

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vítimas e outros utentes da Associação. Tem um compromisso com a APAV, que
se traduz em direitos e deveres, mas que não aufere dos seus serviços qualquer
remuneração;

• Técnico de Apoio à Vítima Estagiário (TAVE). É todo o técnico que, na


condição de estagiário, presta serviços de apoio directo e especializado às vítimas
e outros utentes da Associação. Tem um compromisso formal com esta que, entre
outros direitos e deveres, se traduz, ou não, na sua remuneração. Este vínculo
difere consoante a natureza do seu estágio: se é um estágio curricular, ou se é um
estágio profissional.

Naturalmente, têm todos estes técnicos grandes semelhanças nas suas diversas
condições: são todos vocacionados para o apoio directo e especializado à vítima; têm um
vínculo, ou compromisso com a APAV; e as suas designações, elas próprias, são muito
semelhantes entre si.

Mas, em relação ao técnico de apoio à vítima estagiário (TAVE), convém reter estas
características, que o fazem distinto:

• o TAVE está, durante todo o período de estágio, em formação. E, caso esteja em


estágio curricular, ainda não terminou a sua formação académica. Em muitos
casos, ainda frequenta aulas e faz exames; ou ainda prepara um relatório de
estágio que o conduzirá, finalmente, a um grau académico superior, depois da sua
apresentação ou defesa, e consequente classificação;

• o TAVE está, durante todo o período de estágio, sob a orientação dupla de um


orientador de estágio da sua Universidade ou instituição académica; e do gestor
do GAV;

• o TAVE tem, durante todo o período de estágio, diferentes obrigações, estas


derivadas, ou inerentes, do seu Plano Geral de Estagiário. Por exemplo, pode ter a
obrigação de desenvolver algum projecto específico durante o estágio; ou de
produzir relatórios intercalares; ou de realizar um relatório de estágio. Alguns têm
também a obrigação de realizar um segundo relatório, este de investigação, sobre
algum tema relacionado com o estágio.

3. Ambiente de trabalho
O TAV não pode descurar que toda a sua actividade deve ser realizada num ambiente
favorável ao bem-estar das pessoas com que partilha o espaço físico e os trabalhos
desenvolvidos. Em suma, o bem-estar de quem consigo convive no GAV. Uma convivência

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agradável é crucial para a manutenção de condições favoráveis aos diversos processos de
apoio que no GAV decorrem.

Assim, cada TAV deve sentir-se responsável pela criação e/ou manutenção de óptimas
condições, agindo com gentileza para com todas as pessoas que trabalhem ou contactem
o GAV.
Importa realçar as seguintes normas de convivência:

• agir de modo a não gerar conflitos ou situações embaraçosas ou desagradáveis;


• ser prestável, estando sempre na disposição de auxiliar as pessoas com quem convive;
• respeitar a privacidade de cada pessoa;
• saudar simpaticamente todas as pessoas que frequentam, visitam ou contactam o
GAV, em especial os utentes que aguardam atendimento no espaço reservado à
espera;
• acolher gentilmente cada visitante do GAV, encaminhando-o para o espaço reservado à
espera e avisando de imediato a pessoa que este espera da sua chegada, dando-lhe
também satisfações frequentes se o seu atendimento demorar e oferecendo revistas e
jornais.

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58
III O ATENDIMENTO A VÍTIMAS DE CRIMES

59
60
1. A população que contacta a APAV

Apesar de ter como finalidade estatutária específica o apoio e a protecção de vítimas de


crimes, a APAV é contactada por uma diversidade de pessoas, presencialmente, por
telefone ou por missiva.

Estes utentes têm expectativas diferentes relativamente às competências da APAV, desde


a desconfiança, por um lado, à atribuição de competências de resolução imediata dos
problemas (competências como que mágicas), por outro lado. Os TAV deverão assim
estar atentos a estas expectativas, tentando elucidar cada utente, de forma assertiva, do
âmbito, finalidades, possibilidades e limitações do apoio às vítimas de crime que a APAV
presta.

Torna-se essencial, em primeiro lugar, conhecer as diversas categorias de utentes


que procuram a APAV e os procedimentos gerais a empreender perante cada uma dessas
categorias.

• utentes que não são vítimas de crime, nomeadamente,


- pessoas com problemáticas do foro médico e/ou psiquiátrico (por exemplo, doentes
de esquizofrenia paranóide);
- agressore/as em busca de informação sobre vítimas (por exemplo cônjuges ou
companheiros de mulheres vítimas de violência doméstica e/ou agressores de crianças
vítimas de crimes sexuais, que por vezes se se fazem passar por profissionais ou
amigos das vítimas);
- pseudo-vítimas (por exemplo, indivíduos que tentam burlar a APAV, inventando uma
história e solicitando expressamente apoio monetário);
- utentes com solicitações de informação que transcenda o âmbito da APAV (por
exemplo, utentes que pretendam informação e/ou aconselhamento jurídico sobre
assuntos não relacionados com crimes).

Procedimentos
- atender;
- abrir processo, de modo a que este contacto fique registado;
- elucidar sobre o âmbito, finalidades e limitações da APAV;
- efectuar o despiste imediato, isto é, não criar condições de continuação futura de
solicitações agora feitas;
- encaminhar, se for caso disso, para a rede de cooperação institucional.

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• utentes que não se consideram vítimas de crime e que na realidade o são,
nomeadamente,
- mulheres que são vítimas de violência doméstica e/ou crimes sexuais por parte do
cônjuge ou companheiro e desconhecem que a lei os considera crime (por exemplo,
uma mulher contacta a APAV e pergunta que vítimas são apoiadas nos seus serviços:
quando informada, desculpa-se do seu contacto e diz não ser vítima de crime,
revelando contudo que o seu marido se embriaga e lhe bate muito);

Procedimentos
- atender;
- abrir processo, preenchendo processo de apoio online;
- identificar o(s) crime(s) no contexto do discurso do/a utente;
- informar o/a utente que é vítima de crime;
- promover a consciencialização do/a utente sobre os seus direitos;
- se o contacto não for presencial, sensibilizar o/a utente para se deslocar à APAV, de
preferência ao GAV geograficamente mais próximo da sua área de residência, de
modo a realizar um diagnóstico mais real da situação;
- prosseguir com o processo de apoio da APAV ao nível dos apoios jurídico, psicológico e
social, procedendo às diligências conducentes a uma resposta válida, célere e eficaz
para a satisfação das necessidades e pedido do utente.

• terceiros que têm conhecimento de alguém que foi ou está a ser vítima de
crime, nomeadamente,
- vizinhos de vítimas de crime (por exemplo, vizinhos de mulheres e crianças vítimas de
violência doméstica e/ou crimes sexuais ou de idosos e deficientes dependentes de
familiares que os maltratam);
- colegas de escola ou de trabalho;
- profissionais (por exemplo, técnicos de serviço social, agentes policiais ou pessoal
hospitalar que desejam encaminhar vítimas de crime).

Procedimentos
- atender;
- abrir processo, preenchendo processo de apoio online;
- identificar o crime;
- salientar a importância de terem contactado a APAV com a preocupação por outrem;
- informar sobre os direitos da vítima de crime em questão;
- sugerir a mediação junto da vítima de crime com a finalidade de esta contactar o GAV
geograficamente mais próximo da sua área de residência;

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- se as vítimas de crime em questão forem menores de idade, e tratando-se de crime
público, a APAV, através de ofício assinado pelo Gestor do GAV, denuncia a situação
ao tribunal competente;
- se as vítimas de crime em questão forem idosos ou deficientes, deve articular-se com o
serviço local de acção social da Segurança Social e com as autoridades competentes,
salvaguardando a segurança da vítima.

• Utentes que se consideram, e que efectivamente são, vítimas de crime


- todos os que forem vítimas de uma acção ou omissão tipificada como crime segundo a
lei portuguesa

Procedimentos
- atender;
- abrir processo, preenchendo processo de apoio online;
- identificar o(s) crime(s);
- prestar apoio aos níveis emocional, jurídico, psicológico e social, procedendo às
diligências conducentes a uma resposta válida, célere e eficaz para a satisfação das
necessidades e pedido do utente.

2. Impacto da vitimação
Antes de nos referirmos ao impacto da vitimação, importa recordar os conceitos de vítima
e crime, de acordo com a visão da APAV.

O conceito de vítima refere-se à pessoa que, em consequência de acto ou omissão


violadora das leis penais em vigor, sofreu um atentado à sua integridade física e/ou
mental, um sofrimento de ordem moral ou uma perda material; o conceito de vítima
abrange também a família próxima ou as pessoas a cargo da vítima directa e as pessoas
que tenham sofrido um prejuízo ao intervirem para prestar assistência às vítimas em
situação de carência ou para impedir a vitimação.

Entendemos o conceito de crime como o comportamento voluntário do qual resulta a


violação de normas penais – contidas no Código Penal ou em legislação avulsa - que
visam proteger e salvaguardar os bens jurídicos fundamentais à sobrevivência da
sociedade.

Cada pessoa reage de forma diferente à vitimação. São de realçar os aspectos


relacionados com o impacto da vitimação, tendo em conta a relevância e complexidade da
morbilidade psico-social dele resultante.

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A vitimação pode decorrer de um evento (choque), que ocorre brusca e inesperadamente,
de forma irreversível, que não é familiar à vítima e está fora do seu controlo e que
ameaça, directa ou indirectamente, o seu bem-estar psíquico, constituindo uma
experiência muito angustiante que requer uma adaptação psicológica, podendo originar
sequelas psico-sociais.

É fundamental compreender o impacto da vitimação nas suas diversas circunstâncias,


isto é, desde o seu tipo, à sua vivência e às consequências resultantes, bem como à
percepção que a pessoa tem do mesmo.
A percepção do impacto por parte da vítima está relacionada, entre outros, com o dano
pessoal mas está muito especialmente relacionada com factores pessoais,
designadamente com a experiência prévia de outras situações de vitimação, com o estado
de saúde anterior, os hábitos de consumo, as características culturais e religiosas e as
responsabilidades da vítima, para além da sua capacidade de resiliência e da sua
motivação face ao apoio e recuperação.

As consequências da vitimação dependem também dos factores do meio, nomeadamente


físicos, económicos, familiares, sociais e até culturais, que influenciam, positiva ou
negativamente, não só as consequências da vitimação, como também as dificuldades que,
na sua sequência, se venham a criar.

2.1 Níveis de vitimação


Na perspectiva do contexto sócio-cultural, podem considerar-se quatro níveis de vitimação
(Viano, 2000), cuja compreensão é absolutamente fundamental na intervenção com
vítimas.

O primeiro nível explica-nos que uma pessoa pode experimentar um dano sem se
reconhecer como vítima, mesmo no caso de existirem lesões e sofrimento resultantes da
culpa dolosa de terceiros. A cultura, tradição e certos credos podem justificar uma
racionalização que os leve a considerar estes comportamentos como normais e admissíveis
ou, até, a considerarem-se, eles próprios, como responsáveis pelo dano que estão a sofrer.
A violência doméstica representa um exemplo deste tipo de situações, já que as vítimas
revelam frequentemente de sentimentos de culpa.

O segundo nível refere-se àqueles que, percepcionando-se como vítimas, encaram a


vitimação como injusta e não encontram capacidade para, publicamente, assumir essa
vitimação. A resistência em assumir a vitimação inclui factores culturais e sentimentos de
medo. Os factores culturais incluem a tolerância pública silenciosa face a este fenómeno e
o sentimento de vergonha sofrido pela vítima. Este sentimento resulta do facto de, em
alguns casos, a revelação do processo de vitimação poder, ainda hoje, constituir um risco
de estigmatização ou de exclusão social para a vítima. Os sentimentos de medo estão
relacionados com diversas circunstâncias: a especial vulnerabilidade da vítima e, portanto,
com a sua sensação de solidão e de insegurança, não sabendo muitas vezes como aceder,
ou não acreditando, nos diversos sistemas de apoio disponíveis; as suas dependências
(afectivas, económicas, físicas), de que resultarão, necessariamente, perdas que a vítima
se sente incapaz de controlar; e, por último, com as ameaças a que pode estar sujeita por

64
parte do autor do crime (ameaças de agressões físicas mais graves à própria ou a
próximos, ou até ameaças de morte).

O terceiro nível refere-se às pessoas que, percepcionando-se como vítimas, recorrem a


outras (amigos, familiares, profissionais) para que estas validem o seu estatuto de vítima.
Diversas variáveis afectam a decisão da vítima para denunciar a vitimação: a possibilidade
de a polícia encontrar o culpado; a severidade do dano sofrido; a relação com o ofensor e o
impacto que a denúncia relativa a este pode ter; os obstáculos, despesas e tempo
dispendidos na denúncia; a percepção da burocracia envolvida; o medo de ser
ridicularizada ou medo de vingança ou retaliação; a falta de privacidade nas fases iniciais
da denúncia; e o local onde reside (em meios rurais poderá ser mais difícil para a vítima
denunciar).

Factores sociais e psicológicos podem impedir a vítima de denunciar, o que pode levar à
vitimação continuada, tirando o ofensor vantagem da falta de acção da vítima. O valor do
sucesso nas sociedades modernas poderá ser também um obstáculo. Para muitos a vítima
é fraca, apesar de inocente. Como resultado, a vítima poderá ser prejudicada caso
denuncie a situação. Por isso, por exemplo, poderá ser mais difícil para os homens admitir
terem sido vítimas e procurarem o apoio adequado.

O quarto nível é respeitante às vítimas a quem é reconhecido o respectivo estatuto,


tornando-se, assim, “oficialmente” vítimas e podendo beneficiar de diversos tipos de apoio.
A ajuda activa de terceiros recupera a sensação de confiança e harmonia na socialização
destruída da vítima e ajuda a vítima a fazer a transição para outra realidade pós-vitimação.
É crucial para o bem-estar da vítima, enquanto indivíduo e enquanto membro da
sociedade, que danos da vitimação sejam ultrapassados e que a crise gerada pela
vitimação seja resolvida com sucesso.

As tarefas e necessidades das vítimas passam por restabelecer o mundo como o preferem
e conhecem. Isto envolve sair da inércia e apreensão relativamente à tomada de decisões,
sair do isolamento e estabelecer contactos e redes de suporte, evitando o perigo e criando
um porto seguro. Este processo requer a correlação de três elementos: esforço activo; o
sentimento de segurança e ajuda activa por parte de terceiros. É através deste processo
que a vitimação poderá ser evitável, prevenida e possível de ultrapassar.

A compreensão e o reconhecimento da vitimação, por parte da sociedade, são cruciais


para o desdobramento deste processo de recuperação.

À medida que as pessoas vão denunciando os crimes de que são vítimas, maior se torna o
interesse da sociedade e de pessoal técnico acerca do problema. O passo seguinte deve
obviamente passar pela criação de políticas sociais adequadas e implementação de
estruturas de apoio.

65
2.2 Consequências da vitimação
No caso da vítima directa, as consequências físicas são, em geral, as mais valorizadas
em termos médico-legais, por estar em causa a qualificação jurídico-penal de uma conduta
e(ou) a reparação de um dano corporal, podendo variar de lesões muito simples até lesões
mortais.

Mas as consequências psicológicas, ainda que mais esquecidas, e mais dificilmente


valorizáveis, existem na maioria de casos. O seu tipo e gravidade dependem de uma
diversidade de factores relacionados com as condições da vitimação mas, também, com as
características da vítima e do seu meio, sendo importante referir que essas consequências
podem existir mesmo na ausência de lesões e sem que haja uma correspondência directa
entre estas e o dano físico. Podem variar desde ansiedade, até perturbações pós-stress
traumático ou comportamentos suicidas.

O trauma pode ser definido como como um prejuízo, um estado psíquico ou


comportamental desorientado, provocado por stress mental ou emocional ou dano físico,
relacionado a eventos que podem provocar medo agudo ou crónico (Garbarino, Kostelny e
Dubrow, 1991). Existem elementos que podem transformar um acontecimento em
trauma, nomeadamente a incapacidade da pessoa para controlar a situação e o resultado
da falta desse controlo na segurança individual, a atribuição de uma elevada valência
negativa ao acontecimento e o facto do acontecimento ser inesperado. Mesmo que o
acontecimento seja previsível, poderá causar trauma ou agravar (ex: na vitimação
continuada).

A capacidade de cada pessoa ultrapassar o trauma poderá estar associada a factores tais
como, o tipo de trauma (natureza e severidade do crime, duração, contexto,
circunstâncias situacionais); a disposição individual (estado de saúde prévia, sua
experiência anterior, idade, aspectos culturais e demográficos); a percepção inidividual
(percepção do trauma, expectativas e motivação) e o suporte de terceiros (familiares,
amigos e serviços de apoio).

O diagnóstico de Perturbação Pós Stress-traumático (PPST) é realizado após a pessoa


vivenciar, testemunhar ou ter sido confrontada com um ou mais eventos traumáticos
avassaladores e reagir com intenso medo, pavor ou comportamento de evitamento. Os
critérios de PPST são agrupados em três categorias de sintomas: 1) reexperiência
intrusiva do trauma; 2) evitamento persistente de estímulos associados com o trauma e
diminuição da capacidade de resposta em geral e, 3) sintomas persistentes de aumento
de activação (APA, 2002).

Após uma situação de vitimação, uma pessoa pode permanecer em estado alterado por
períodos variáveis. É classificado como estado de stress agudo quando a pessoa
apresenta alguns dos sintomas típicos da PPST, mas volta ao seu padrão de
funcionamento normal dentro do primeiro mês. De acordo com os critérios do DSM IV,
quando um determinado número de sintomas persiste por mais de um mês, é classificado
como PPST.

66
As consequências sócio-económicas e familiares traduzem-se por perturbações a
nível escolar, laboral e familiar, com consequente enfraquecimento deste núcleo. São
perturbações com importantes repercussões, mas o seu peso global não está estimado no
nosso país.

Apesar de todas estas consequências, existem vítimas indirectas ou vicariantes às quais,


em termos práticos, ainda não lhes é concedido esse estatuto legal e social, apesar de
teoricamente todos o aceitarem. É o caso das pessoas (familiares, amigos, testemunhas)
que assistem ao crime ou que, pelo facto de tomarem conhecimento da ocorrência deste,
experienciam grande sofrimento psicológico.

Uma outra forma de vitimação prende-se com a circunstância da vítima se poder encontrar
inesperadamente num papel de homicida, sofrendo assim uma dupla vitimação, apenas por
agir em defesa própria ou de terceiros, sem que muitas vezes haja depois uma adequada
compreensão do fenómeno por parte dos diversos profissionais intervenientes.

Também a comunidade em geral pode ser considerada vitimizada por estes processos, na
sequência dos seus custos sócio-económicos, que não podemos depreciar e que estão
relacionados com: perdas directas de bens; cuidados de saúde a curto e longo-prazo;
sistema de segurança, de justiça e contencioso; serviços sociais (como por exemplo com o
apoio às vítimas); diminuição do rendimento e absentismo escolares e profissionais;
desemprego; redução do tempo de vida activa por incapacidade (reforma
precoce); anos de vida perdidos (mortalidade precoce, suicídio, homicídio); custos para a
segunda geração (como acontece no caso da violência doméstica, com o fenómeno
do contágio transgeracional da agressividade) (Magalhães, 2005).

Apesar de cada pessoa reagir de forma diferente à vitimação, atendendo ao tipo de crime,
às circunstâncias em que este ocorreu, à relação com o autor do crime, às características
da vítima, entre outras variáveis, importa referir algumas reacções comuns:

Físicas
• Perda de energia
• Diminuição dos níveis de resistência
• Dores musculares
• Dores de cabeça e/ou enxaquecas
• Distúrbios ao nível da menstruação
• Arrepios e/ou afrontamentos
• Problemas digestivos: aumento ou diminuição do apetite, náuseas
• Alterações na tensão arterial
• Lesões externas e/ou internas

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Psicológicas
• Sentimento de solidão
• Culpa
• Impotência
• Raiva
• Irritabilidade
• Desconfiança
• Tristeza
• Flashbacks
• Falta de motivação
• Perturbações pós-stress traumático
• Ideação suicida
• Enurese nocturna ou diurna

A nível social
• isolamento
• tensões familiares e conjugais
• medo de estar sozinho
• evitamento de locais que causam um sentimento de insegurança
• Desemprego
• Redução do tempo de vida activa
• Estigmatização/exclusão social
• Diminuição do rendimento escolar
• Absentismo escolar

A compreensão do impacto da vitimação é determinante para avaliar a situação de cada


vítima, acedendo assim às suas necessidades e podendo, desta forma, prestar-lhe o apoio
adequado, minimizando o seu sofrimento e ajudando-a a ultrapassar com sucesso as
consequências nefastas da vitimação.

3. O atendimento a vítimas de crimes


É ao TAV que compete desempenhar o papel fundamental na vida da APAV, já que
garante a sua principal finalidade estatutária: o atendimento às vítimas de crime.

Atender uma vítima de crime não é uma mera actividade de importância periférica nos
trabalhos da APAV: é o seu cerne, de onde provem todo o sentido e todo o incentivo para
continuar outros trabalhos. Terá de ser, portanto, alvo da maior dedicação por parte do
técnico, que não pode descurar que é aí que reside a sua missão, é aí que se encontra
com a pessoa que lhe dá a designação de TAV: a vítima a solicitar apoio.

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Como tal, os seus procedimentos deverão ser reflectidos e ponderados, de modo a haver
a mais adequada resposta à solicitação da vítima.

O TAV deverá envidar todos os esforços no sentido de evitar ou, pelo menos, minimizar a
ocorrência de fenómenos de vitimação secundária.

Vitimação secundária é o fenómeno que ocorre sempre que se verifica uma discrepância
entre os interesses, necessidades e direitos da vítima e as respostas
institucionais proporcionadas pelos diversos sistemas: judicial, saúde, social e
sociedade civil. É a não obtenção (em tempo útil), por parte da vítima, daquilo que é
justo, necessário, suficiente e adequado por parte das instituições e da sociedade para
fazer face aos efeitos da situação de vitimação.

A vitimação secundária tem efeitos negativos a nível:

• individual (prejudica o processo de recuperação, prejudica a disposição individual, a


percepção individual e o sentimento de segurança);
• familiar e social (pode provocar efeitos negativos a outras pessoas que não a vítima
directa: familiares/amigos/ testemunhas);
• custos sociais (justiça, saúde, serviços, sociais, emprego, educação)

O TAV deve desde logo zelar para que não ocorram fenómenos de vitimação secundária
no âmbito da relação do/a utente com a APAV, desenvolvendo o processo de apoio com
competência, com sensibilidade e de forma temporalmente eficaz. Em duas palavras:
cumprindo os procedimentos preconizados neste Manual.

Para além disso, deve o TAV fazer tudo o que estiver ao seu alcance para combater a
vitimação secundária no contacto da vítima com outras instituições, através de uma
eficiente mediação junto das entidades, serviços e organismos com quem o/a utente terá
que contactar. Como?

• sempre que possível, desenvolvendo as diligências necessárias com as entidades


envolvidas no processo de apoio: muitas vezes poderá revelar-se mais célere e eficaz
um contacto efectuado pelo TAV do que o realizado pela própria vítima;
• encaminhando os/as utentes para entidades adequadas, isto é, aquelas que podem
responder às suas necessidades, evitando que este/as vão “bater à porta errada”;
• fornecendo toda a informação necessária (mas só essa) às entidades que colaboram
no processo de apoio: os relatórios devem ser elaborados com particular cuidado, de
modo a evitar, por exemplo, que o/a utente tenha que repetir a narração dos factos;
• sensibilizando os técnicos das outras entidades para a importância de evitar a
ocorrência de vitimação secundária, chamando-lhes a atenção sempre que se
verifique a adopção de procedimentos menos adequados.

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Podem elencar-se as três vias pelas quais as vítimas se dirigem à APAV, solicitando o seu
apoio:

• presencial (num GAV, na UAVIDRE ou, excepcionalmente, num local externo à APAV)
• chamada telefónica
• por escrito

De entre estas três vias, deve privilegiar-se a presencial, por ser a que permite um melhor
conhecimento da vítima e das suas problemáticas, levando assim a um apoio mais
efectivo. Assim, uma das vertentes dos outros dois tipos de atendimento – telefónico ou
por escrito – é a sensibilização da vítima para, quando possível, se deslocar a um GAV,
preferencialmente o mais próximo da sua residência.

No atendimento a efectuar, há alguns procedimentos específicos correspondentes a cada


uma destas vias, e que importa agora abordar.

3.1 Atendimento presencial


Quando um utente se desloca a um GAV ou à UAVIDRE, importa ter em conta alguns
aspectos não directamente relacionados com o atendimento stricto senso, mas que há
ressalvar não só por se tratarem de regras elementares de bom trato e cortesia mas
também porque ajudam a mostrar ao/a utente algo de extremamente importante - que é
bem-vindo - num momento para si difícil:

• o/a utente deve ser recebido de forma gentil e imediatamente encaminhado para a
sala de espera ou, se o TAV estiver disponível, para a sala de atendimento;
• o/a utente não deve esperar mais de quinze minutos para ser atendido; contudo, se tal
não for possível, deve ser explicada ao/a utente a razão para a demora, solicitando-se
a sua compreensão;
• na zona de espera, o/a utente deve ter uma cadeira ou sofá onde se acomodar, bem
como revistas e/ou jornais;
• os utentes devem ser atendidos por ordem de chegada, salvo aqueles que tiverem
previamente solicitado atendimento a determinada hora; deve contudo dar-se
prioridade aos idosos, aos que manifestarem sinais de se encontrarem em situação de
crise, abaixo abordada, e aos que apresentarem sequelas físicas que se possam
considerar constrangedoras diante de outros utentes que esperam;
• se o/a utente vier acompanhado/a, solicitar ao acompanhante que aguarde na sala de
espera, salvo se o utente manifestar expressamente a vontade de que aquele esteja
presente no atendimento;
• no espaço reservado ao atendimento, deve convidar-se o/a utente a sentar-se no lugar
mais confortável;
• se o/a utente manifestar sinais de estar a vivenciar uma situação de crise, como chorar
e/ou tremer, deve-se oferecer-lhe lenços de papel e um copo de água; se desejar
fumar, deve-se oferecer-lhe um cinzeiro;

70
• não se deve conversar de pé com o/a utente quando este estiver sentado;
• se o/a utente trouxer consigo crianças, deve solicitar-se a outro TAV que cuide delas
durante o atendimento, de preferência noutro espaço do GAV, onde possam brincar
com brinquedos e jogos apropriados;
• deve acompanhar-se o/a utente à saída do GAV.

3.1.1 Atendimentos presenciais fora do GAV


Excepcionalmente, o atendimento presencial pode decorrer num espaço físico externo à
APAV – por exemplo, pode acontecer em casa da vítima, ou no hospital, ou num
estabelecimento prisional.

Para que se faça um atendimento fora do espaço físico da APAV, é necessário que o TAV
tenha em consideração o processo de apoio, usando os seguintes critérios:

• Dificuldade de acesso da vítima à APAV. O TAV deve considerar como principal


critério a dificuldade de acesso da vítima, ou potencial vítima, ao GAV (por exemplo,
tratar-se de uma pessoa idosa acamada; ou de uma pessoa deficiente sem
mobilidade; ou de alguém que resida num lugar remoto e sem acessibilidade fácil, ou
sem meio de transporte).
• Segurança da vítima e do TAV. O TAV deve ter como critério a segurança, dele
próprio e da vítima durante uma intervenção no terreno. Em casos nos quais o autor
da vitimação pode surgir repentinamente, e havendo razões plausíveis para temer a
sua reacção, não estão reunidas condições de intervenção. Esta poderá, no entanto,
ser garantida por uma escolta policial, quando solicitada pelo gestor de GAV e
concedida pelas autoridades policiais competentes;
• Integração numa equipa multidisciplinar de TAV ou, de preferência numa
equipa multidisciplinar e multi-institucional. A integração do TAV numa equipa
multidisciplinar e multi-institucional já formada (por exemplo, uma equipa de apoio
domiciliário; ou uma de Serviço Social; ou uma de voluntários do Centro paroquial e
Social, etc.) facilita o acesso ao/a utente e a discrição quanto à natureza do
atendimento que o TAV vem fazer e consequente desenvolvimento de processo de
apoio à vítima. Assim, a presença do TAV no terreno não levantará suspeitas (por
exemplo, na vizinhança da vítima; na família desta, etc.).
• Expressa autorização do/a gestor/a de GAV. O TAV deve solicitar sempre a
expressa autorização do/a gestor/a de GAV para a realização de uma intervenção no
terreno e deve posteriormente comunicar-lhe, em resumo, os aspectos positivos e as
dificuldades sentidas durante a sua realização, numa avaliação conjunta.

Um atendimento fora do espaço físico da APAV pode ser aquele que é feito em casa da
vítima. Trata-se da deslocação de um TAV ou mais (de preferência dois) a casa de um
utente, onde fará um atendimento presencial semelhante ao que faz no GAV, mas agora
num espaço físico distinto. É, cada vez mais, uma prática eficaz, sendo actualmente
incentivada e incrementada junto dos TAV, quer sejam trabalhadores sociais, quer sejam
psicólogos ou juristas. Um processo de apoio na APAV exige uma abordagem
multidisciplinar, logo, as visitas domiciliárias podem/devem ser realizadas por TAV de

71
várias formações académicas. Tratando-se de uma forma delicada de intervenção no
terreno, a sua realização implica que se efectue uma avaliação quanto à necessidade de
ser feita uma visita, ou se esta pode ser dispensada, usando-se os critérios acima
apontados.

Uma vez autorizado o atendimento fora do espaço físico da APAV pelo respectivo gestor
de GAV, o TAV deve ter em consideração os seguintes aspectos:

• Definição de uma finalidade e de objectivos. O TAV deve definir claramente, e


por escrito, as finalidades e respectivos objectivos do atendimento a realizar. Estes,
obviamente, devem estar de acordo com a missão da APAV e com as necessidades
próprias do processo de apoio que está a ser desenvolvido com aquela vítima em
concreto, ou que se pretende desenvolver num futuro próximo (a partir da própria
visita);

• Definição estratégica. O TAV deve definir com os outros profissionais uma


estratégia própria da finalidade e objectivos da visita. Esta estratégia implica aspectos
tão importantes como:

- a marcação de uma data para o atendimento com a própria vítima;


- a constituição de uma equipa de profissionais para fazer o atendimento (tentando que
não sejam não mais que quatro: de preferência, dois TAV e outros de outras
instituições);
- os contactos telefónicos necessários;
- o meio de transporte a usar; etc.

O TAV e os outros profissionais devem ponderar a necessidade de solicitar uma


escolta policial, por razões de segurança.

• Preparação do atendimento. O TAV deve preparar o atendimento focando alguns


aspectos práticos importantes, como reunir os materiais e objectos necessários, por
exemplo:

- documentos de identificação pessoal;


- folhas em branco para apontamentos;
- esferográfica;
- capa de superfície dura para escrever em caso de falta de mesa;
- folhetos da APAV;
- cartões de visita da APAV;
- roupas, fraldas (conforme as necessidades da vítima, previamente conhecidas), etc.

72
Alguns aspectos são fundamentais num atendimento em casa da vítima:

• Entrada num espaço privado

O TAV deve considerar importante o facto de estar a entrar num espaço físico distinto de
qualquer outro espaço de atendimento, uma vez que é o próprio domicílio da vítima.

Assim, deve procurar apresentar-se em casa desta com toda a serenidade. Deve mostrar-
se à vontade em casa do visitado, sem manifestar desagrado, repugnância ou
deslumbramento, ou qualquer outra atitude menos própria quanto ao que o rodeia (por
exemplo, tapar o nariz por causa do mau cheiro; ou contemplar demoradamente a
decoração faustosa).

Em algumas situações, o TAV deve respeitar o pudor do visitado com especial cuidado
(por exemplo, se este for um doente, pode querer que o TAV saia do quarto para que
outros profissionais façam a sua higiene diária, etc.);

• Empatia com o visitado

Mais do que num atendimento no espaço físico do GAV, o atendimento deve decorrer
num ambiente de grande empatia com o visitado. Esta implica que o TAV seja um pouco
mais coloquial e gentil – sem, no entanto, parecer artificial. O facto de estar a ser visitado
em sua própria casa pode colocar o visitado numa situação de maior sensibilidade em
relação ao TAV.

Daí que este deva preparar o próprio atendimento com uma atitude própria de que é bem
recebido para uma visita: com cumprimentos simpáticos; e entrada em casa com toda a
discrição e elegância (isto é, sem entrar apressadamente, mas com moderação e pedindo
licença, esperando que seja indicado o caminho, etc.).

Uma conversa inicial sobre assuntos triviais (por exemplo, sobre o clima; ou sobre o
caminho tomado para encontrar a morada; ou sobre o trânsito) deve preencher os
momentos em que se prepara um lugar improvisado para o atendimento (por exemplo,
uma cadeira junto à cama, onde o visitado está convalescente).

É preferível, no entanto, que o TAV decline simpaticamente a oferta de chá, café ou água,
se estes lhes forem oferecidos.

• O atendimento

O TAV deve tomar o atendimento em casa da vítima como início (se esse é realmente o
primeiro atendimento), ou como continuidade, de um processo de apoio.

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Durante a visita, o TAV deve comportar-se como num atendimento presencial, atendendo,
no entanto, à particularidade de estar num espaço físico diferente do espaço do GAV.

Assim, deve adaptar-se e procurar que o atendimento decorra adequadamente, em


condições gerais que permitam, entre outras premissas, a confidencialidade e a
segurança. Assim, convém que o atendimento seja realizado a sós, com o visitado,
estando este e o TAV sentados.

Deve também procurar, se possível, que o próximo atendimento seja realizado no GAV.
Deve evitar a dependência emocional do visitado em relação à realização de futuras
visitas; ou a sua acomodação, não querendo sair de casa, mesmo podendo fazê-lo;

• Segurança

O TAV deve zelar pela sua própria segurança durante o atendimento, fazendo-se sempre
acompanhar por outros profissionais ou mesmo com uma escolta policial, previamente
solicitada junto da esquadra ou posto de polícia local pelo gestor do GAV.

Para zelar pela segurança da vítima, para além de ter ponderar a efectuação do
atendimento num horário considerado seguro pelo próprio (por exemplo, horário de
trabalho do agressor), o TAV deve alertar o visitado para a necessidade de manter sob
discrição aquela visita em relação a terceiros.

Também deve alterar para a necessidade de não deixar à vista materiais que possam
denunciar a sua ligação à APAV (por exemplo, folhetos, cartões, etc.) ou outros vestígios
(por exemplo, uma Ficha de Atendimento rasurada e invalidada, mas amachucada no
caixote do lixo; ou um número de telefone marcado no telemóvel, etc.).

O TAV deve procurar que não sobressaiam na sua presença no bairro, no prédio, ou à
porta de casa do visitado, certos sinais de identificação que podem denunciar a presença
da APAV (por exemplo, levar na mão uma capa com o logótipo da Associação; ou deixar
folhetos e manuais da APAV no automóvel estacionado, etc.).

Outros locais de atendimento poderão ser estabelecimentos hospitalares ou


estabelecimentos prisionais.

Nestes dois contextos, o TAV terá em conta todos os aspectos acima referidos.

No entanto, será também necessário que o gestor de GAV solicite ao centro hospitalar ou
ao estabelecimento prisional o atendimento, que implicará o acesso do TAV à pessoa
internada ou ao recluso.

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Em certos casos, convém que estes atendimentos sejam realizados fora do horário de
visitas, de modo a garantir que o TAV não se cruza com os visitantes habituais do
doente/recluso, colocando, assim, a confidencialidade do atendimento em risco.

Cada centro hospitalar/estabelecimento prisional exigirá requisitos próprios, que o gestor


e o TAV respeitarão (por exemplo, fazer o pedido de visita por escrito, etc.).

É também possível, e desejável, que o gestor e o TAV peçam a colaboração dos serviços
sociais do centro hospitalar e da Direcção Geral dos Serviços Prisionais e/ou da Direcção
Geral de Reinserção Social (para os estabelecimentos prisionais).

3.1.2 Visitas a crianças e jovens no GAV


Não sendo propriamente atendimento presencial, pode existir uma situação excepcional
no GAV ou na UAVIDRE para a qual o TAV deve estar preparado – as visitas de pais a
filhos menores no espaço físico da APAV, determinadas pelo Tribunal.

Estas visitas são, geralmente, de pais de crianças que estão com as respectivas mães
numa casa de abrigo da APAV ou numa outra instituição, ou ainda numa outra morada
que deve permanecer secreta/discreta. Decorrem no espaço físico da APAV, não porque
seja obrigação da Associação acolhê-las, mas porque, não havendo, em muitos casos, um
contexto mais adequado para tal, a APAV aceita colaborar com o Tribunal.

Alguns aspectos devem ser observados pelo GAV:

• Rigor. Estas visitas têm uma periodicidade e um horário (por exemplo, todas as
quartas-feiras, das 14 horas às 15 horas) fixados pelo Tribunal, e que devem ser
cumpridos pelo TAV com o máximo rigor.
• Tranquilidade. As visitas não poderão interferir no decurso normal dos trabalhos da
APAV. Devem decorrer sem perturbação e sem indiscrições (por exemplo, deve haver
brinquedos no lugar da visita, de modo a proporcionar aos pais a oportunidade de
brincar com as crianças – no entanto, é importante assegurar que o façam sem muito
ruído ou que se movimentem pela sala de espera ou por outras salas);
• Confidencialidade. As visitas devem devorrer num lugar resguardado do GAV (por
exemplo, uma sala de atendimento);
• Vigilância. O TAV deve vigiar permanentemente a visita dos pais às crianças, de
preferência acompanhado por outros TAV. Esta vigilância deve ser discreta, mas
atenta. Devem ser prevenidas tentativas de sequestro das crianças durante as visitas;
• Imparcialidade. O TAV não deve manter diálogos com os pais visitantes sobre os
processos de apoio em que se se inserem as crianças. O TAV deve ter tratá-los com
dignidade e respeito, sem fazer juízos de valor;
• Conhecimento/orientação do gestor. A realização das visitas deve ser do
conhecimento e/ou estar sob a orientação directa do gestor de GAV ou UAVIDRE.

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3.2 Atendimento telefónico
Ao telefone, o TAV deve ter especial cuidado, visto não estar diante do/a utente, tendo
apenas como instrumento a sua voz e o discurso. Para além do que acima, em sede de
atendimento presencial, ficou escrito acerca da comunicação verbal e que, na quase
totalidade, tem aqui aplicação, há outros aspectos específicos que importa referir.

Assim, o TAV deve:

• atender imediatamente as chamadas telefónicas;


• atender de modo gentil e assertivo: apresentar os serviços, anunciando Gabinete de
Apoio à Vítima de ..., ou Apoio à Vítima, sem utilização de siglas (não deve dizer
apenas APAV ou GAV), seguido da saudação adequada: bom dia ou boa tarde;
• se for necessário transferir internamente uma chamada, proceder com a maior
brevidade possível. Se não for possível efectuar de imediato a transferência, explicar
essa impossibilidade ao/a utente e perguntar-lhe se prefere ligar mais tarde;
• se não houver nenhum TAV disponível para efectuar o atendimento, deve explicar-se
esta indisponibilidade ao/a utente e pedir-se o seu número de telefone, para que um
TAV lhe possa telefonar mais tarde;
• ter sempre junto do telefone a lista de contactos dos GAV e o dossier de recursos;
• evitar interromper a conversação para falar com outra pessoa;
• não mastigar ou comer durante a conversação;
• evitar que se verifiquem interferências provocadas por ruídos nocivos ao atendimento,
como conversas na mesma sala, música de fundo e/ou chamadas de telemóveis;
• manter um discurso com construções frásicas simples e curtas;
• manter a constância de um tom de voz sereno e claro;
• lembrar-se de que o silêncio é sempre mal suportado pelo/a utente, pelo que é
necessário, pelo tom de voz, mostrar-se disponível, isto é, estar “presente”;
• colocar-se sempre ao dispor para ouvir a solicitação do/a utente interlocutor, com
expressões convidativas, como queira dizer, por favor... ou se faz favor...,
especialmente se este parecer hesitante na manifestação da solicitação;
• reforçar tais expressões, com outras como não tenha receio, os nossos serviços são
confidenciais..., se o interlocutor manifestar sinais - voz trémula e/ou choro - de se
encontrar em situação de crise, tranquilizando-o de imediato e transmitindo-lhe
confiança;
• evitar que o interlocutor repita várias vezes a sua solicitação: se no início da
conversação o TAV inferir de imediato que não é a pessoa indicada para efectuar o
atendimento, interromper o/a utente explicando-lhe que vai passar o telefone a outro
técnico e transmitindo sucintamente a este o conteúdo da conversação até à
interrupção;
• ouvir atentamente e anotar as informações essenciais, transcrevendo depois os dados
recolhidos para uma Ficha de Atendimento;
• sensibilizar e encaminhar o interlocutor, se este for vítima de crime, para o
atendimento presencial, no qual a sua situação poderá ser mais adequadamente

76
avaliada e como tal o apoio prestado será mais consentâneo com as suas
necessidades: o TAV deve indicar a morada e o horário do GAV, ou de outro
geograficamente mais próximo da área de residência da vítima;
• terminar a chamada, perguntando ao interlocutor se deseja deixar o seu nome e
contacto e apresentando-se, caso não o tenha feito no início da conversação;
• agradecer e disponibilizar a APAV para futuros contactos, com expressões como muito
obrigado por nos ter contactado, estaremos sempre ao dispor....

3.3 Atendimento por escrito


O/a utente pode dirigir-se à APAV por escrito - carta, fax ou correio electrónico -, o que,
em princípio, implicará uma resposta pela mesma via, a não ser que o/a utente tenha
sugerido que a resposta se faça por contacto telefónico.

Estas missivas são recebidas pelo/a Gestor/a do GAV, que as encaminha para o TAV cuja
competência seja a mais adequada face à problemática apresentada. Elaborada a
resposta pelo TAV, o/a Gestor/a deve confirmá-la, mediante a junção de um ofício em
que a apresenta ao/a utente.

As missivas devem ser respondidas no prazo de quinze dias após a sua recepção, dando-
se prioridade às que abordam problemáticas que se afigurem mais urgentes.

Ao responder por escrito, o TAV, para além de respeitar as formalidades universalmente


convencionadas para a correspondência, deve:

• acusar a recepção da missiva enviada pelo/a utente, indicando a data do seu envio
e/ou da sua chegada;
• se a problemática não for crime, referir o âmbito e a finalidade da APAV e encaminhar
para os serviços competentes;
• se a problemática apresentada pelo/a utente o indiciar como vítima de crime,
reconhecer-lhe esse estatuto;
• informar brevemente sobre os direitos da vítima e da forma de os exercer;
• sensibilizar a vítima para o atendimento presencial no GAV geograficamente mais
próximo da sua residência;
• agradecer ao/a utente o seu contacto;
• assinar e identificar-se: nome e função na APAV (Técnico de Apoio à Vítima).

Convém ter sempre em mente que, caso o/a utente não aceda à sugestão para se
deslocar ao GAV, esta resposta escrita poderá ser o único contacto que o TAV manterá
com aquele, pelo que se afigura de extrema importância o fornecimento de alguma
informação acerca dos procedimentos cuja adopção se pode afigurar útil tendo em conta
a problemática apresentada, como sejam os contactos das instituições ou serviços a que
o/a utente pode recorrer para fazer face às necessidades de segurança, saúde ou outras

77
que apresenta; os processos judiciais de que se pode socorrer; os apoio sociais de que
pode beneficiar, etc.

4. O processo de apoio à vítima


Apoiar a vítima de crime, enquanto finalidade estatutária da APAV, concretiza-se no
quotidiano dos GAV através do contacto entre as vítimas e os TAV, seja presencialmente,
por telefone e/ou missiva.

Este contacto pode limitar-se a um atendimento ou desenvolver-se em várias diligências,


consoante as problemáticas apresentadas pelo/a utente que solicita o apoio da APAV.

Ainda que seja sempre aberto processo, com o respectivo preenchimento de uma Ficha
de Atendimento, apenas se pode falar em processo de apoio propriamente dito quando é
desenvolvido um conjunto articulado de diligências – designadamente vários
atendimentos, contactos com outras instituições, sessões de apoio psicológico, auxílio na
elaboração de peças processuais para o processo criminal, etc. - em prol do/a utente
durante um determinado período de tempo.

O processo de apoio, compreendendo as várias vertentes - emocional, jurídica,


psicológica e social -, deve ser tanto quanto possível personalizado: cada processo de
apoio deve ter um TAV – ou mais, consoante se verifiquem necessidades de intervenção
ao nível de várias áreas de actuação – responsável pelo seu processo, com o qual o/a
utente contacta sempre que necessitar. Este(s) TAV é(são), consequentemente,
responsável(eis) pelo desenvolvimento do processo diante do Gestor do GAV,
internamente, e diante das instituições da rede de cooperação institucional,
externamente.

O TAV pode tornar-se responsável por um processo de duas formas:

• ter efectuado o primeiro atendimento;


• por designação do Gestor do GAV, em virtude de possuir as competências adequadas
face à problemática apresentada.

4.1 O primeiro atendimento


É de vital importância a forma como decorre o primeiro atendimento: momento difícil,
quer para a vítima, que se encontra fragilizada em virtude do crime sobre si perpetrado e
que, na maior parte das vezes, desconhece o tipo de apoio que a APAV presta, quer
também para o técnico, uma vez que terá de ir ao encontro das diversas finalidades deste

78
atendimento inicial. É um momento de avaliação mútua no qual ambos estão
extremamente preocupados com aquilo que outro pensa.

O/a utente apresenta-se sempre com muitas expectativas, medos, fantasias, etc. Está
geralmente inseguro sobre o que se espera dele e tem muitas vezes receio de revelar a
um estranho, ainda que saiba que se trata de um técnico, informações muito pessoais.
Estes medos e expectativas são trazidos para o primeiro atendimento e podem exercer
alguma influência sobre o TAV, pelo que importa que sejam abordados de forma clara,
para se poder iniciar o processo de apoio. Para além de responder a este tipo de
percepções e de dúvidas do/a utente, o técnico vai também experimentar as suas
próprias ansiedades: receio de ser visto como incompetente, de fracassar no controlo da
conversa, de não saber o que dizer, de o/a utente se mostrar pouco cooperativo ou hostil,
de não conseguir responder adequadamente às necessidades do/a utente. De modo a
que esta ansiedade inicial não afecte significativamente o primeiro atendimento, impõe-se
ao TAV um esforço no sentido de promover o alívio de tensões e medos, de modo a
proporcionar um espaço produtivo para o/a utente e para si mesmo.
Algumas sugestões para o TAV diminuir a tensão e ansiedade iniciais:
• conhecer o espaço físico do atendimento, pois o estar familiarizado com este contribui
para se sentir à vontade;
• interiorizar que não é obrigatório responder a todas as perguntas formuladas pelo/a
utente;
• sentir que quase tudo o que disser é reparável;
• consciencializar que não tem de formular todas as perguntas nem de obter respostas
para todas as perguntas que fizer: existem sempre oportunidades para esclarecer algo
que ficou mais confuso;
• permitir ao/a utente os tempos de pausa ou de silêncio e intervir sobre eles só quando
lhe parecer estritamente necessário: o silêncio durante a sessão não é
necessariamente um mal;
• evitar expressar, verbal ou corporalmente, estranheza ou confusão: é preferível, em
casos de absoluta necessidade, abandonar a sala para consultar o/a Gestor/a.

Qualquer TAV, independentemente da sua área de intervenção, tem que estar habilitado
a efectuar o primeiro atendimento, quer em nome da multidisciplinariedade que se
preconiza na APAV – obviamente sem prejuízo da não invasão de competências alheias,
estranhas, por serem inerentes a outras áreas de intervenção – quer também porque,
neste atendimento, mais do que um apoio especializado, se pretende alcançar outras
finalidades, enunciadas de seguida.

Pode contudo suceder que o/a utente identifique imediatamente a sua problemática como
sendo, por exemplo, de âmbito jurídico, devendo nestes casos o primeiro atendimento
ser, se possível, efectuado por um TAV jurista, quer por uma razão de optimização de
recursos humanos – envolve-se desde o início apenas um TAV, cujas competências são
provavelmente as adequadas para aquela situação -, quer porque muitas vezes a
problemática se resume ao esclarecimento de uma dúvida, o que faz esgotar o processo
no primeiro atendimento.

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O primeiro atendimento tem três finalidades:

• prestação de apoio emocional – o primeiro atendimento é, porventura, o momento


em que a vítima se apresenta numa situação emocional mais precária - em virtude da
proximidade temporal da ocorrência traumática -, momento no qual necessita de
comunicar com alguém que saiba demonstrar compreensão e, mais do que isso,
empatia perante a sua problemática; a qualidade deste apoio decorre
fundamentalmente das competências pessoais de cada TAV, da assimilação e aplicação
das regras de comunicação atrás vertidas bem como da experiência que for
acumulando na APAV; devem destacar-se as seguintes vertentes:

− reforçar a coragem de o utente ter comunicado o crime


− demonstrar disponibilidade para ouvir
− encarar a vítima como um ser humano com necessidades específicas e direitos
− compreender e respeitar as suas reacções psicológicas e dificuldades

• recolha de informação – esta recolha deve ser tão vasta quanto possível, mas
sempre dentro dos limites do necessário, por um lado, e do adequado ao momento,
por outro; deve procurar recolher-se informação a três níveis:

- história de pré-vitimação e pessoal: o TAV deve analisar a história familiar da


vítima, podendo para tal recorrer a um instrumento de avaliação familiar – o
genograma (diagrama visual da árvore genealógica da família, que permite visualizar o
sistema relacional familiar, bem como os acontecimentos biográficos mais
importantes); a história educacional e/ou profissional contêm igualmente aspectos
importantes, que podem facultar elementos inerentes ao contexto social da vítima e à
sua rede primária de suporte;
- narração da vitimação: o técnico deve procurar identificar as origens, a evolução e
as dinâmicas de manutenção da vitimação, bem como as iniciativas de resolução do
problema;
- história pós-vitimação: tendo em vista uma eficaz avaliação do grau de impacto da
vitimação, devem analisar-se ainda as condições de intensificação ou perpetuação do
problema – o que o faz manter-se ou agravar-se -, as estratégias pessoais para lidar
com este, bem como as capacidades para gerar mudança, o que implica conhecer a
rede de suporte primária e secundária da vítima, aferindo também o seu grau de
isolamento social e familiar.

Quanto mais pormenorizada e útil for a informação recolhida, mais correcta será a
avaliação da(s) problemática(s) e o levantamento das necessidades ao nível jurídico,
psicológico e social e, consequentemente, mais eficientes serão as estratégias de
intervenção delineadas. Contudo, caso o discurso da vítima revele contradições, dúvidas
ou omissão de informação importante, o TAV deve explorar outras fontes de informação
(familiares, amigos e/ou instituições), mediante prévia autorização do/a utente.

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• avaliação do grau de risco e definição de plano de acção e de segurança - que
consiste num conjunto constituído: a) pela a análise da situação presente e
identificação das situações de risco; b) pela projecção da situação futura e outras
medidas realizáveis nas condições reais prevendo ao máximo as situações de risco:
importa recolher e explorar alguns dados, que permitam começar a avaliação do grau
de risco - o detalhe dos incidentes de agressão, os padrões de severidade e de
frequência, a identificação dos sinais de alarme, as extensões das lesões provocadas -
enquanto indicador da severidade envolvida -, o risco de comportamento suicida ou
homicida e a existência de factores de risco de ocorrência de violência severa – a
posse de arma pelo agressor, por exemplo. Para o efeito, o TAV pode pedir à vítima
para descrever como poderá ocorrer um eventual crime (incluindo pessoas,
circunstâncias, locais, pensamentos e estados emocionais) e para referir alguns
pensamentos e comportamentos (acções) mais eficazes, de modo a evitar um eventual
crime.

Pretende-se que o Plano de Acção e de Segurança, oriente e conduza o processo de


mudança, de forma a passar da situação existente à situação desejada, tendo em
conta o bem estar e a segurança das vítimas (directas e indirectas).

O plano de intervenção deve ser estruturado conjuntamente, tendo sempre presente o


pedido formulado. Este pedido não é, por vezes, muito explícito, podendo eventualmente
ser concretizado de uma forma camuflada, como uma solicitação de informações ou
através da alegação de que é uma amiga que está a vivenciar a situação descrita. Perante
isto, cabe ao TAV proceder à decomposição daquele, compreendendo o que está implícito
e, logo, ajudando a pessoa a falar sobre tal.

O TAV deve concentrar-se no presente, uma vez que o pedido de ajuda do/a utente se
centra quase sempre em problemas actuais, embora estes possam ter origem num
passado mais ou menos recente. Este ênfase no presente não deve contudo impedir a
construção da história de vida do/a utente, fundamental para uma abordagem
compreensiva da problemática.

4.2 Autonomia da vítima


O TAV tem de ir ao encontro das necessidades da pessoa com a qual está a trabalhar e
nunca o oposto, ou seja, tem de identificar as necessidades mais urgentes e prioritárias
na óptica da vítima, que podem ser divergentes das que o técnico colocaria em primeira
linha.

Ao longo de todo o processo de apoio, as possíveis respostas às necessidades são sempre


estudadas em conjunto com a vítima: cabe ao TAV construir e analisar com a vítima as
várias alternativas de resolução dos problemas e informá-la, rigorosamente, dos seus
direitos; por sua vez, cabe à vítima, enquanto sujeito activo, tomar as respectivas
decisões. Só assim, o TAV respeitará os seus direitos e a sua dignidade e individualidade.
É nisto que consiste, grosso modo, o princípio da autonomia da vítima.

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Porém, também o TAV tem, e deve fazer prevalecer em determinados casos, o seu direito
à autonomia técnica. Esta questão coloca-se na medida em que podem surgir situações
em que o técnico considere não dever seguir a vontade da vítima.
Exemplificando: se uma mulher vítima de violência conjugal solicita apoio, apesar de não
querer proceder à ruptura da relação, o TAV tem de respeitar essa decisão e apoiá-la
igualmente, respondendo aos seus pedidos. Porém, imagine-se que esta mulher tem um
filho menor que é igualmente maltratado, não pretendendo contudo a mãe que esta
situação seja denunciada. Aqui sobrepõe-se o interesse superior do menor: a protecção
deste tem um valor mais elevado. Caso a vítima mantenha a sua decisão, o TAV deve, em
princípio, denunciar a violência de que o menor é alvo, contrariando, de certa forma, a
autonomia da vítima.

Para que o princípio da autonomia seja de facto garantido, há que promover aquilo que
se designa por decisão informada, e cujos pressupostos são os seguintes:

• a vítima deve estar na posse das capacidades necessárias para poder decidir;
• deve existir liberdade de decisão - a vítima não pode ser coagida ou forçada,
competindo ao TAV avaliar o grau de liberdade de cada pessoa para determinada
decisão;
• a vítima deve ser informada sobre os seus direitos, alternativas possíveis e
procedimentos a adoptar perante cada uma das alternativas, devendo esta informação
ser fornecida de modo a que a vítima a compreenda na íntegra, tendo como tal em
conta a sua capacidade de assimilação.

4.3 Intervenção na crise e intervenção continuada


A natureza do pedido e respectiva formulação podem estar condicionadas pelo momento
que a vítima está a vivenciar, isto é, consoante se encontra ou não num período de crise.
Neste sentido também a intervenção pode ser de dois tipos: na crise ou continuada.
Imagine-se a situação de uma vítima de violência doméstica que decide sair de casa, por
razões de segurança e por ser a única forma de começar a construir o novo projecto de
vida que deseja. Numa fase de crise, o trabalho do TAV passa por procurar uma resposta
imediata em termos de acolhimento, ao mesmo tempo que se promove um intenso apoio
emocional e psicológico.
Contudo, este trabalho tem uma continuidade que muitas das vezes se desenrola durante
um largo período de tempo, pois há que desenvolver esforços em diversas vertentes:
busca de alojamento, (re)inserção no mercado profissional (quando em idade activa),
restabelecimento de laços relacionais e afectivos, ultrapassagem das consequências
psicológicas da vitimação, participação em processos judiciais (processo crime, divórcio,
regulação do poder paternal, etc.), entre outros aspectos.
Neste sentido, a intervenção, que pode começar a ser delineada logo no período de crise,
não será de forma alguma um trabalho estanque e isolado. É, pelo contrário, um trabalho
que encontra a sua continuidade no tempo e na transdisciplinariedade. Quer isto dizer,
que, ainda que se tente “arrumar em diferentes gavetas” cada domínio do apoio à vítima,
na prática este é um trabalho multidisciplinar.

82
Exemplificando esta multidisciplinariedade num processo de apoio a uma criança vítima
de violência doméstica: compete ao TAV da área social a exploração da retaguarda
familiar da criança, através de um diagnóstico da situação a vários níveis (relacional,
económico, de saúde, social e institucional), de modo a aferir os seus recursos e as
potencialidades de mudança. Por outras palavras, o TAV deve avaliar a necessidade de a
criança ser afastada da família; o papel do TAV da área de psicologia é também fulcral:
avaliar o impacto causado no menor, para poder depois trabalhar com ele na
ultrapassagem desses efeitos nefastos; por sua vez, ao TAV da área jurídica compete
proceder ao enquadramento legal da situação, orientando, com a maior objectividade, o
seu percurso judicial. Tudo isto com vista à protecção da criança, o que inclui a adopção
de medidas o menos traumatizantes possível para ela.

4.3.1 Intervenção na crise


Sendo que vítima é a pessoa que sofre as consequências de um acto classificado como
crime e sabendo que este consubstancia um acontecimento traumático, repentino,
negativo e de alguma forma violento que põe em causa a integridade física e/ou
psicológica da vítima, podem desta forma gerar-se determinadas circunstâncias
situacionais de crise.

Este estado da vítima deve ser tido em conta pelo TAV, pelo que cumpre enunciar os seus
principais traços. Assim, a situação de crise abarca as seguintes repercussões:

• manifestação de reacções psicológicas: choro, pânico, confusão, angústia, vergonha,


baixa auto-estima, culpa, revolta, perturbações psicossomáticas, predomínio de
memórias das vivências traumáticas, entre outras;
• manifestação de pressões sociais e económicas que propiciam o bloqueamento,
associadas ao desconhecimento dos seus direitos.

Estes dois traços definem aquilo que normalmente se designa por negatividade da
situação de crise. Perante esta negatividade, o TAV deve, no contexto da sua relação com
a vítima, centrar-se no desejo de mudança que esta circunstância também comporta,
desejo que a vítima, durante este período de desequilíbrio, coloca nessa relação, para que
possa ser apoiada. Deste modo, a situação de crise também se apresenta como um
desafio: é a positividade da situação de crise, que o TAV deve explorar na intervenção
junto da vítima.

Tendo em conta que a duração e a intensidade do período de crise dependem


essencialmente de três factores:
• o grau da violência exercida sobre a vítima
• a capacidade da própria para enfrentar o problema
• o auxílio que recebe após o episódio traumático
torna-se claro que o apoio prestado num momento de crise é crucial, exigindo-se uma
intervenção imediata junto de uma população que se encontra altamente fragilizada.

83
A intervenção perante uma situação de crise deve, assim, pautar-se pelas seguintes
etapas:

• Cessar a violência, com o objectivo de desencadear procedimentos de protecção em


relação à vítima;
• Avaliar o risco e a segurança da vítima e seus familiares;
• Estabelecer relação e comunicação adequada com a vítima e seus familiares;
• Identificar os principais problemas;
• Lidar com os sentimentos e fornecer apoio;
• Explorar alternativas possíveis;
• Formular um plano de acção;
• Disponibilizar acompanhamento

A intervenção em crise deve procurar responder aos seguintes objectivos seguidamente


indicados:

• Romper com a ideia de caso único;


• Ajudar a vítima a lidar com fantasias acerca do impacto da violência, evitando a
catastrofização;
• Lidar com a procura de explicações;
• Lidar com sentimentos de culpa da vítima (explicando as estratégias do/a agressor/a e
as dificuldades inerentes à revelação);
• Evitar o silenciamento ou a pressão “para esquecer” ou para perdoar (situação mais
comum nos casos de violência sexual);
• Evitar tentativas de “fazer justiça com as próprias mãos”;
• Promover a esperança na recuperação e resolução do problema;
• Explicar os procedimentos legais e médicos necessários;

Este tipo de intervenção é destinado a pessoas às quais é necessário prestar um apoio


rápido e eficaz, uma vez que se encontram submergidas por factores bastante stressantes
e debilitantes da sua vida no momento presente. É indicada para vítimas de violência
doméstica e de violação ou abuso sexual, sobretudo quando a vitimação ocorreu há
menos de 48 horas.
Por ser um modelo de intervenção que pode ser aplicado a variados tipos de situações,
esta abordagem deve obedecer às seguintes premissas gerais:
• avaliação pronta e provisão de serviços à pessoa ou família em crise;
• intervenção intensiva, focalizada e limitada no tempo, dirigida a problemas do aqui e
do agora e a objectivos específicos;
• um estilo activo e flexível.

84
Neste tipo de intervenção, o TAV deve adoptar as seguintes estratégias:
• explorar as características do período crítico: neste período, a pessoa em crise
responde mais facilmente à ajuda; o contacto inicial é o fundamental: os objectivos
são os de ganhar confiança, estabelecer entendimento e identificar claramente os
eventos recentes relevantes, sobretudo aqueles que levam a pessoa a procurar ajuda.
Através de um inquérito minucioso acerca das últimas 48 horas obtém-se muita
informação útil, que permitirá apontar para problemas chave.
• clarificar: é importante clarificar quais são as exigências a que pessoa tem de fazer
face, incluindo obrigações práticas. Deve prestar-se atenção ao estado mental do/a
utente: se existem ideias suicidas, qual o grau de ansiedade, de agitação e de
angústia e, em particular, se a sua condição permite dar os passos cuja
implementação imediata se impõe.
• avaliar: avaliar o apoio da família ou dos amigos- rede de suporte primária - e a
natureza da situação em casa do/a utente. Desta forma, é possível formar uma
imagem completa do/a utente, não só do passado e do desenvolvimento dos seus
problemas, mas também de como este os resolveu anteriormente e da qualidade de
recursos disponíveis. Esta avaliação poderá ter de esperar até que a desorganização e
o desamparo, muitas vezes associado a um estado grave de descompensação,
diminuam, ou até que seja possível efectuar um outro atendimento ao/a utente, numa
situação emocional mais estável e compensada.
• diminuir a activação e a angústia: é comum o/a utente encontrar-se numa
situação extrema de activação e de angústia, pelo que se torna necessário utilizar
meios psicológicos para os reduzir: passando o tempo e falando com o/a utente de
uma forma segura e tranquilizante.
• reforçar a comunicação adequada: reforçar a conversa normal e relevante com
o/a utente, prestando-lhe atenção e desencorajando o comportamento agitado,
persistente ou não comunicativo.
• mostrar interesse e calor e encorajar a esperança: o TAV deve transmitir ao/a
utente que se interessa, está disposto a ouvir, é empático e estimula a esperança de
uma resolução positiva, o que promove a autoconfiança do/a utente.

Podem elencar-se algumas tarefas importantes que o TAV, no âmbito da intervenção na


crise, deve desenvolver:
• empow erment : ajudar a vítima a encontrar as sua próprias potencialidades de
resolução, reforçando as suas capacidades e poder de decisão;
• validação dos direitos e das decisões da vítima: informá-la devidamente tanto
sobre os procedimentos judiciais como sobre os constrangimentos de vária ordem que
podem surgir; respeitar as decisões, mas ajudar a perceber as vantagens e
desvantagens de cada uma;
• optimização de todos os recursos existentes: desde os recursos materiais até
aos recursos humanos, no sentido de possibilitar uma relação de proximidade;
• ajuda à vítima na formulação de um Plano de Acção e de Segurança;
• apoio à vítima na reformulação do seu projecto de vida, a curto e a longo
prazo.

85
A intervenção na crise comporta duas fases. Numa primeira fase da intervenção, o TAV
deve reconhecer ao/a utente o estatuto de vítima, mostrando-se disponível para:
• escutar a sua versão dos factos e circunstâncias situacionais adjacentes ao crime;
• respeitar as suas reacções psicológicas, valores, dificuldades, condições de vida e
necessidades;
• facilitar-lhe a libertação de emoções e sentimentos negativos.

Numa segunda fase da intervenção é importante:


• contribuir para a tomada de consciência de que o estatuto de vítima representa uma
forma desgastadora da auto-estima;
• ter uma atitude positiva relativamente às potencialidades da vítima;
• incentivar uma visão mais perspicaz e realista da sua condição.

Este abandono do estatuto de vítima, que corresponde à superação das reacções


psicológicas manifestadas e do bloqueamento sentido, só poderá acontecer através da
utilização de estratégias de auto-defesa pela vítima, utilização que o TAV apoiará.

4.3.2 Intervenção continuada


Dadas as características específicas da vitimação, a intervenção continuada não é, as mais
das vezes, suficiente, sendo necessário assegurar um trabalho contínuo no sentido de
colaborar com as vítimas de crime na reorganização do seu projecto de vida, visto este
estar desestruturado. As duas fases – intervenção em crise e intervenção continuada –
são, portanto, complementares.

A APAV, reconhecendo que os utentes que recorrem aos seus serviços têm necessidades
específicas, que reclamam, por isso, intervenções especializadas, preconiza três áreas de
actuação ou, se se quiser, três tipos de apoio:
• Apoio Jurídico
• Apoio Psicológico
• Apoio Social

Estes três tipos de apoio serão tratados detalhadamente em capítulos seguintes do


presente manual.

4.4 Relatório de Processo de Apoio à Vítima


Ao Relatório de Processo de Apoio à Vítima deve preceder uma reflexão sobre o motivo
da sua elaboração: qual o objectivo geral, quais os objectivos específicos e qual o
destinatário.

86
É fundamental que o TAV adeqúe o conteúdo do Relatório do Processo de Apoio a Vítima
às razões subjacentes à sua formulação. Tal não significa esconder ou prestar falsas
informações, mas sim seleccionar a informação a transmitir com base no princípio da
confidencialidade e no respeito pela privacidade da vítima, fornecendo apenas a
necessária à intervenção solicitada ou esperada por parte desse outro organismo.

O TAV deve, neste momento, ter presente o princípio do consentimento informado,


esclarecendo a vítima acerca do motivo e da pertinência do relatório e solicitando a sua
autorização para proceder ao envio deste.

O Relatório de Processo de Apoio à Vítima tem de ser claro, conciso e objectivo. E não
obstante a necessidade de adequar o seu conteúdo à necessidade concreta que leva à
sua elaboração, pode elencar-se um conjunto de elementos que devem estar sempre
presentes.

• Identificação:
- da vítima
- do agressor
- do(s) filho(s)

• Problemática:
- encaminhamento para GAV
- história de pré-vitimação
- história de vitimação
- processos judiciais
- história profissional e/ou escolar
- estado de saúde
- rede de suporte primária e secundária

• Intervenção:
- redefinição do projecto de vida da vítima
- avaliação / parecer técnico

• Identificação do técnico de apoio à vítima

• Data de realização do relatório

O Relatório de Processo de Apoio à Vítima deve ser acompanhado por um ofício, no qual
o TAV formaliza o pedido relativo à vítima em questão. Deve ainda acrescentar que a
fundamentação para a solicitação efectuada consta do relatório que anexa. O TAV deve

87
terminar o referido ofício agradecendo a colaboração prestada e colocando-se ao dispor
do destinatário para prestar qualquer esclarecimento adicional.

4.4.1 Procedimentos para a obtenção de autorização dos/as utentes para a


transmissão de informações a outras entidades no âmbito de processos de apoio
Sempre que um GAV/UAVIDRE/Casa Abrigo envie para outra entidade um relatório ou
outro documento contendo informação relativa a um/a utente da APAV, deve utilizar a
declaração que se encontra em anexo ao presente capítulo para obter previamente a
autorização por parte do/a utente, solicitando-lhe que a assine. Esta declaração de
autorização deve ser agrafada a uma cópia do documento ou denúncia que se pretende
enviar, devendo essa cópia ser rubricada, em todas as folhas, pela utente, como forma de
garantir que tem conhecimento de qual a informação que está a ser transmitida e de
quem é o destinatário.

Caso seja o /a próprio/a utente a solicitar-nos um relatório relativo ao processo de apoio


em curso na APAV, esse pedido deve indicar expressamente a finalidade a que se destina
e o original do relatório – que fica connosco, deve ser rubricado em todas as páginas
pelo/a utente e agrafado ao original do pedido apresentado por este/a.

Caso a solicitação de relatório seja efectuada por advogado, o pedido referido no ponto
anterior deve ser acompanhado de Procuração ou comprovativo de nomeação oficiosa.

Estes procedimentos são adequados sobretudo para os atendimentos presenciais.


Contudo, mesmo no caso dos atendimentos telefónicos ou por escrito, é importante que,
sempre que possível, seja colhida uma autorização idêntica a esta, por exemplo, via e-
mail. Mesmo que não seja possível ao/à utente enviar-nos uma declaração assinada, um
e-mail afirmando expressamente a autorização para a transmissão de informações será
um comprovativo válido.

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ANEXOS

89
90
DECLARAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO PARA TRANSMISSÃO DE INFORMAÇÕES

Eu, _________________________(nome completo do/a utente), portador/a do Bilhete de


Identidade / Cartão do Cidadão n.º ___________ , emitido em/válido até ____________,
utente do Gabinete de Apoio à Vítima de _________/ Unidade de Apoio à Vítima de
Discriminação Racial ou Étnica, dou expressa autorização para a transmissão da
informação constante do relatório/denúncia anexo/a por mim rubricado/a e que se
destina à prossecução das finalidades do processo de apoio desenvolvido pela APAV em
meu benefício.

Mais autorizo que, caso seja solicitado à APAV algum esclarecimento ou informação
adicional relativos à minha situação, os mesmos possam ser prestados.

Autorizo ainda que, caso um Técnico de Apoio à Vítima da APAV seja notificado por
autoridade policial ou judiciária para prestar depoimento no âmbito de processo judicial,
na qualidade de testemunha ou perito, o mesmo possa revelar os factos de que tem
conhecimento relativamente à minha situação.

Gabinete de Apoio à Vítima de __________, _________ (data)

91
92
IV TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO

93
94
1. O processo de comunicação

No atendimento presencial, deve estabelecer-se entre o TAV e o/a utente que solicita
apoio um processo de comunicação e empatia, em que este comunica primeiramente
como emissor e o primeiro deve, enquanto receptor, assegurar uma boa recepção e
compreensão.

Neste processo, numa necessária interacção, ambos alternam papéis de emissor e


receptor, estabelecendo por isto uma relação da qual deverá resultar o apoio e/ou o
encaminhamento necessários ao/a utente para que se autonomize das suas próprias
problemáticas.

Algumas técnicas há, pois, a apresentar para que o TAV possa estabelecer esta
comunicação, sendo que, em primeiro lugar, compete-lhe apresentar-se como Técnico de
Apoio à Vítima: este é sempre o primeiro passo a dar no início do atendimento, devendo
estar perfeitamente interiorizado pelo TAV.

Comunicação verbal

• ouvir

Durante o discurso do/a utente, o TAV deve:

- prestar atenção como ouvinte, recebendo a mensagem que este emite verbalmente e
apreendendo os seus conteúdos, tanto racionais, como emocionais;
- responder não-verbalmente, mostrando ao ouvinte que está a prestar atenção ao seu
discurso, através do uso de sinais, como sejam manter os olhos fixos nos seus, acenar
com a cabeça ou utilizar interjeições;
- não interromper o/a utente, de modo a não tirar conclusões prematuras sobre o que
este está a dizer.

• reformular

O TAV deve expor os conteúdos emitidos pelo/a utente no seu discurso, de modo a
certificar-se de os ter apreendido adequadamente, podendo também fazer uso de
exemplos simples que os expliquem em concreto. Isto é importante também para que o/a
utente se certifique de que está a ser ouvido com atenção, o que o encoraja a continuar.

95
• questionar

O TAV deve questionar o/a utente sempre que este não tenha emitido toda a informação
necessária ao processo de apoio e/ou ao encaminhamento, ou quando a informação
tenha sido contraditória ou menos clara.

Para tal, pode utilizar

- questões abertas, que geralmente implicam conteúdos mais ou menos vastos e/ou
complexos ou que envolvem abstracção e cujas respostas não serão simples e/ou
curtas, como Que receio tem de ir a Tribunal?, Como se sente agora? ou O que o
preocupa?;
- questões fechadas, que geralmente implicam conteúdos simples e cujas respostas são
simples e curtas, como A que horas é o julgamento?, Como se chama? ou Qual a sua
idade?.

Contudo, o TAV deve ter especial cuidado em evitar que o/a utente se sinta interrogado,
pois tal pode levar à sua inibição ou à adopção de uma atitude defensiva. Para tal, deve
promover um equilíbrio entre as questões abertas e as questões fechadas, o que facilitará
a comunicação.

A questão Porquê? deve ser evitada, pois em determinados contextos da comunicação


pode incutir no/a utente sentimentos de culpa.

• encorajar a expressão de emoções e/ou sentimentos

O TAV deve estar disponível para que o/a utente se expresse espontaneamente,
auxiliando-o na libertação de emoções e/ou sentimentos, com expressões como Não se
reprima, chorar é natural e pode fazer-lhe bem, esteja à vontade..., É natural que se sinta
assim abalado..., Chorar não é motivo de vergonha... ou Desabafe, pode fazer-lhe bem.

O TAV deve encorajar a expressão de emoções e/ou sentimentos sobretudo quando o/a
utente se encontrar em situação de crise. Contudo, o TAV não deve ter a iniciativa de
sugerir ou impor que o/a utente expresse as suas emoções e/ou sentimentos se este não
tiver manifestado vontade de o fazer, pois poderá ainda não estar preparado para tal.

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• informar

O TAV deve informar o/a utente dos seus direitos, de como exercê-los, dos vários
recursos de que pode dispor na comunidade e das diversas opções que pode tomar,
abstendo-se contudo da emissão de juízos e opiniões pessoais, pois essa actuação pode
incutir no/a utente uma ideia de submissão e de inexistência de autonomia de decisão.
Não deve fornecer informação desnecessária, impraticável, irrealista ou incorrecta.

Deve o TAV informar de um modo adequado e adaptado às características socioculturais


do/a utente, de modo a que este compreenda correctamente, evitando também o uso de
termos técnicos de emprego restrito. Deve ainda o TAV fornecer informações de um
modo doseado, conforme a capacidade de assimilação manifestada pelo/a utente.

• resumir

O TAV deve resumir todos os aspectos do discurso do/a utente e do seu próprio discurso,
de modo a certificar-se de que se compreenderam adequadamente. Resumir é igualmente
um modo de colmatar falhas de informação de ambos, informação que, por esquecimento
ou falta de oportunidade no contexto dos discursos, não foi referida.

Comunicação não verbal

O TAV deve estar atento à comunicação não-verbal, enquanto vector enriquecedor dos
conteúdos verbalizados, mas também transmissor per si de informação. Assim,

• o TAV deve estar atento à linguagem corporal do/a utente, estabelecendo


paralelismos com o discurso que este está a emitir: certos aspectos, como o gaguejo
ou a voz vacilante, podem denunciar vontade de emitir informações que contudo
aquele teme revelar. A linguagem corporal pode ainda ser reveladora de problemas do
foro psiquiátrico - balançar-se compulsivamente, lacerar-se ou arranhar-se com algum
objecto ou parecer visualizar e tocar entidades sobrenaturais – ou de um determinado
estado emocional - fumar nervosamente ou tremer as mãos -. Pode também revelar
incoerência em relação ao que verbaliza: descrever um atropelamento muito violento
de que foi vítima há poucos dias e não apresentar qualquer vestígio corporal, por
exemplo;
• o TAV deve estar atento à sua linguagem corporal, não revelando sinais de
impaciência ou ansiedade, como cruzar os braços, suspirar insistentemente ou olhar
para o relógio, de modo a que o/a utente não sinta que não há disposição e/ou tempo
para ser ouvido. Deve ainda adoptar uma atitude corporal serena e coerente com o
discurso que emite, não assumindo posturas excessivamente descontraídas ou
passivas ou que revelem permeabilidade excessiva aos dramas apresentados pelo/a
utente, como chorar e tremer.

97
2. Gestão de reclamações e/ou conflitos

Desde 2008, e de acordo com a legislação em vigor, cada Unidade Orgânica da APAV
possui livro de reclamações e folheto de sugestões/reclamações.

São várias as razões que poderão dar origem a uma reclamação relativamente aos
serviços que a APAV presta, nomeadamente o descontentamento do/a utente face ao
serviço que lhe foi prestado, o desconhecimento do tipo de ajuda que lhe poderá ser
disponibilizada, ou ainda questões ligadas a desequilíbrios mentais do/a utente, entre
outras.

Desta forma, e uma vez que nem sempre é possível evitar que as mesmas aconteçam, é
importante que o TAV tome conhecimento dos procedimentos a adoptar em caso de
reclamação.

Procedimentos
• Identifique-se, caso não o tenha feito antes do início da reclamação;
• Procure deslocar-se para uma zona calma (caso esteja na presença de outras
pessoas), sentar-se com o/a utente e procurar compreender as necessidades deste e
satisfazê-las na medida do possível, informando-o sobre o que irá fazer em seguida;
• Caso não consiga evitar que a reclamação tome lugar, solicite a presença do Gestor e
informe o/a utente que a APAV possui o folheto de sugestões/reclamações e livro de
reclamações;
• Concentre-se no problema e não na pessoa e mostre-se tolerante;
• Mantenha a calma e preste atenção ao que o/a utente diz e faz, tentando permanecer
atento e neutral, não deixando que a sua expressão facial demonstre o contrário;
• Mantenha um tom educado e procure tranquilizar o/a utente;
• Evite envolver-se em discussões e actue com profissionalismo;
• Evite contradizer o que o/a utente diz;
• Evite dizer que o/a utente é grosseiro, agressivo e ou mal educado;
• Procure colocar-se na posição do/a utente e trate-o como gostaria que o tratassem a
si;
• Faça perguntas que do seu ponto de vista ajudem na resolução do problema,
demonstrando ao/a utente que a formalização das mesmas não são uma forma de
encontrar culpas ou desculpas;
• Evite adoptar uma postura defensiva e apresentar justificações para o sucedido;
• Uma vez que não há sistemas nem pessoas infalíveis, um sincero pedido de desculpas
será certamente aceite pelo/a utente, desde que acompanhado de uma eficaz solução
para o problema;
• Deverá acordar um procedimento para a resolução do problema;

98
• As soluções encontradas têm de ser aceitáveis para ambas as partes. Caso o/a utente
efectue uma reclamação injustificada, devido a desconhecimento do âmbito de
intervenção da APAV, é fundamental dar-lhe explicações a esse nível de forma clara e
concisa;
• Despeça-se afavelmente, demonstrando-se disponível para o futuro.

Se durante a entrevista não foi possível solucionar a queixa ou reclamação assuma o


compromisso de responder o mais brevemente possível, transmitindo-lhe uma solução.
Mas de nada servirá todo o tempo e trabalho investido a receber o reclamante se não se
cumprirem os compromissos assumidos. Sempre que possível as queixas devem ser
resolvidas no próprio posto de trabalho.

Se a reclamação implica algumas melhorias na organização, há que propor as soluções


julgadas necessárias.

99
100
ANEXOS

101
102
Modelo de Atendimento por Escrito
V APOIO PSICOLÓGICO

105
106
Introdução

A linha de rumo adoptada neste capítulo obedece a uma lógica binária. As duas etapas
em que foi estruturado correspondem a dois momentos que o TAV da área de
psicologia deve interiorizar: o momento de compreender e o momento de proceder.

O Apoio Psicológico na APAV, enquanto um dos apoios especializados na APAV, tem


como primeira característica definidora o facto de não decorrer directamente de
nenhuma escola ou modelo de intervenção em concreto, sendo posto em prática
exclusivamente por TAV de Psicologia de diferentes escolas, cumprindo os requisitos
exigidos pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.

A finalidade do Apoio Psicológico deve ser compreendida, por um lado, em função do


tipo de utente a que se destina o Apoio Psicológico, que pressupõe um prévio
conhecimento acerca das reacções da vítima face ao estímulo que o crime representa e
das consequências que este acarreta para aquela sob o ponto de vista físico,
psicológico e social. Por outro lado, a intervenção psicológica tem em vista contribuir
para a minimização do seu sofrimento.

1. Processo de Apoio Psicológico

1.1 A entrevista clínica


A entrevista clínica, tal como defende Leal (2004), pretende uma avaliação do sujeito
com o único objectivo de estipular um trabalho que sirva as suas necessidades. Desta
forma, nela se procura aceder aos problemas e pedido do sujeito, recolher dados a
partir de técnicas de diagnóstico apropriadas (quando necessário), e discutir com o
utente às várias opções, dando-se então início ao processo terapêutico. Em suma, e
independentemente do quadro teórico do TAV psicólogo, a entrevista clínica tem uma
finalidade comum: trabalhar no sentido em que a vítima se sinta melhor tendo por
base uma relação terapêutica de qualidade. Muitas das entrevistas clínicas têm como
sequência apoio psicológico, contudo, outras destinam-se a ser o suporte relacional de
uma avaliação psicológica para qualquer fim (ex: para a realização de um relatório) e
outras esclarecem uma problemática que justifica um encaminhamento para uma
instituição mais adequada à problemática.
Para a realização da entrevista clínica, o psicólogo pode recorrer a várias técnicas que
facilitam a obtenção da informação sobre o utente, tais como o/a:
• Questionamento – Consiste em fazer perguntas fechadas (ex: como se chama?)
ou abertas(ex: O que pensa sobre isso?) para a obtenção de informação.
• Confrontação – Consiste em comparar conteúdos discrepantes sobre o mesmo
tema para esclarecer dúvidas do TAV psicólogo/a ou devolver incongruências
verbais/ comportamentais à/ao utente.

107
• Silêncio – Embora tenha muitas utilidades serve sobretudo para dar espaço à
reflexão.
• Exploração – Consiste em fazer perguntas sobre conteúdos específicos
considerados pertinentes pelo TAV psicólogo/a.
• Reestruturação – Consiste em reorganizar o material e os conteúdos expressos
de uma outra forma, de modo a permitir, à vítima, uma mudança de
perspectiva sobre o mesmo tema.
• Interpretação – Consiste em dar ou acrescentar sentido a algo que foi expresso
despido desse sentido para uma “abertura” do pensamento do/a utente.
• Humor – Consiste em colocar uma “piada” e destina-se a desdramatizar uma
situação, criar distanciamento em relação ao problema enunciado e/ou tornar
menos ansiogénico um assunto de difícil abordagem.
• Generalização - Consiste em enunciar a dominância de um conteúdo ou de uma
problemática a partir da proximidade e/ou semelhança de materiais expressos,
para ajudar a vítima a compreender melhor como tende a fazer generalizações
abusivas.
• Focagem – Consiste em escolher de entre todo o material enunciado, aquele
que parece mais relevante ou mais prometedor de ulteriores desenvolvimentos.
• Ecoar – Consiste na repetição de uma palavra ou de uma interrogação sobre
qualquer coisa que acabou de ser dita, para assinalar à vítima o
reconhecimento emocional, sintonia e atenção por parte do/a TAV. O ecoar
pretende, para além do estabelecimento do vinculo relacional, permitir ao
utente, no momento em que se vai desviar de um tema problemático ou
demasiado ansiogénico, o retorno ao assunto.
Realça-se ainda que, a observação na entrevista clínica e em todo o processo é um
aspecto fundamental que se deve ter em linha de conta. O/A TAV psicóloga/o deve
centrar-se não só no discurso verbal, como também na comunicação não verbal, isto é,
na mímica, postura, olhar, nos silêncios e nas expressões faciais.

1.2 Apoio Psicológico


Tal como foi mencionado anteriormente, o apoio psicológico na APAV, usa técnicas de
diferentes origens, é usado por TAV de Psicologia de diferentes escolas e formações e
está orientado para aquilo que é enunciado como queixa, sintoma ou sofrimento,
decorrente da vitimação.
Este apoio tem como principais objectivos, relativamente à vítima:
• O alívio e melhoria dos sintomas;
• Reduzir o desconforto e comportamentos disfuncionais;
• O reforço dos mecanismos de defesa adaptativos;
• Melhoria da sua adaptação ao meio;
• Melhoria das capacidades de julgamento da realidade;
• Consolidação de uma identidade própria;
• Reforço da auto-estima;
• Maximizar a autonomia;
• O restabelecimento do equilíbrio psicológico.
Para o efeito, são realizadas sessões semanais ou quinzenais, (dependendo da situação
e/ou da disponibiliddae da vítima) em que inicialmente se procede a uma avaliação
rápida, e posteriormente a uma intervenção focada nos problemas actuais
apresentados pelo/a utente (vulgarmente desencadeadores da crise).

108
A avaliação inicial deve ser, desde logo, terapêutica - ao mesmo tempo que se mapeia,
através da narrativa do sujeito e dos sentimentos expressos, os recursos afectados e
os ainda disponíveis, deve-se instalar um clima de confiança e facilitar a expressão
emocional. Quanto a intervenção em si, esta deve focar a problemática mais relevante
do sujeito (incluindo os seus principais medos) e a partir daí ajudar a construir
estratégias de resolução de problemas ou aceder a sentimentos latentes (culpa,
agressividade, revolta., etc.), de forma a torná-los conscientes e permitir a sua
naturalização. Em suma, procura-se estabelecer uma aliança terapêutica positiva na
construção de um ambiente “Holding activo” (a atitude do técnico deve ser gratificante
e estimulante), para uma rápida adaptação do utente ao real.
Na concretização dos seus objectivos, e tal como postula Leal (2004), o psicólogo pode
socorrer-se de algumas técnicas tais como:
• Sugestão - Induzir uma ideia ou sentimento no sujeito, para sugerir cenários
alternativos.
• Securização - Tranquilizar e reforçar a auto-estima da vítima através da
expressão de concordância com uma ideia, pensamento, atitude ou decisão.
• Aconselhamento - Recomendação de atitudes ou decisões com vista a reforçar
aspectos saudáveis da personalidade do sujeito, reduzir sintomas ou evitar
crises.
• Catarse - Para facilitar a sua expressão de sentimentos e emoções.
• Educação - Com carácter pedagógico e informático, esclarece o sujeito sobre
assuntos ou situações relevantes.
• Clarificação - Tornar mais claro o que o sujeito disse para sua maior
compreensão acerca dos seus sintomas, afectos, e comportamentos.
• Confrontação - Para uma maior descriminação das realidades externas e
internas e promover o auto-conhecimento.

Quando desenvolve um Processo de Apoio Psicológico, o TAV de Psicologia deve ter


em conta as seguintes princípios operativos:

• explicar ao/a utente os princípios da resolução de problemas: fazer


compreender que a angústia e o comportamento inadequado resultam de uma
deficiente resolução do problema;
• definir e formular o(s) problema(s): obter informação acerca do(s) problema(s)
em termos específicos e concretos; decidir qual abordar primeiro; estabelecer
objectivos realistas e especificar resultados desejáveis;
• identificar soluções alternativas: envolve a sugestão, por parte do/a utente, de
uma infinidade de soluções possíveis e realistas;
• avaliar os recursos internos do/a utente: é importante ter consciência dos
pontos fracos e fortes do/a utente, o que permite ter uma visão mais nítida das
alternativas com hipóteses de êxito;
• encorajar o/a utente a fazer uma escolha após atenta ponderação, e
quando a escolha se afigurar como a mais adequada;
• ajudar o/a utente a dissecar o método escolhido em passos manejáveis e a
antecipar as suas possíveis implicações e obstáculos;

109
• verificar a eficácia: avaliar em conjunto com o/a utente o resultado obtido e
quais os benefícios positivos e negativos que este lhe trouxe.

O Processo de Apoio Psicológico visa proporcionar uma experiência significativa


para o/a utente, levando-o à mudança.

A mudança que desejamos obter/atingir é aquela que o/a utente é capaz de construir,
tendo em conta os seus recursos (internos e externos).

1.2.1 O Contrato Terapêutico


Ao iniciar o apoio psicológico, o TAV de Psicologia deve estabelecer com o/a utente um
conjunto de regras e procedimentos: o contrato terapêutico. Neste contrato deve ficar
claramente estabelecido o horário, a frequência e a duração das sessões de apoio
psicológico:

• o/a utente deve conhecer desde logo qual o dia (ou dias) da semana e hora a que
as sessões decorrerão;
• o/a utente deve ser informado de que cada sessão tem uma duração compreendida
entre os 50 a 60 minutos.

No momento da “celebração” deste contrato terapêutico, o TAV de Psicologia deve


explicar ao/a utente a importância da sua assiduidade e pontualidade nas sessões,
bem como o não prolongamento destas para além do período estabelecido (50 a 60
minutos), salvo se alguma razão ponderosa o justificar.

1.2.2 Regras básicas


Para além do contrato terapêutico, há quatro regras básicas que o TAV de Psicologia
deve ter sempre presente:
• neutralidade
• anonimato
• privacidade
• sigilo

Neutralidade
A neutralidade significa responder ao/a utente sem acrescentar nada de pessoal, de
preconcebido: exige-se a ausência de opiniões pessoais, de auto-revelações, de
manipulações e de outras respostas desenquadradas do processo de apoio psicológico.
Tal não significa indiferença ou falta de preocupação, mas permite ao/a utente a sua
livre expressão emocional e afectiva sem constrangimentos introduzidos pelo TAV.

110
Anonimato
O anonimato é outra regra básica para o funcionamento em boas condições do apoio
psicológico. Assim, o TAV deve evitar auto-revelações, isto é, expor a sua vida privada
e pessoal dentro do registo terapêutico. Uma grande quantidade de informações sobre
a vida pessoal do TAV perturba o desenvolvimento da relação com o/a utente, que se
pretende profissional e benéfica para o mesmo. As formas mais comuns de violação do
anonimato são:

• expressão de opiniões pessoais em relação a assuntos e problemas levantados


pelo/a utente, pessoais ou gerais;
• revelação de atitudes, sentimentos, reacções e/ou fantasias pessoais em resposta
ao material do/a utente, incluindo reacções pessoais aos sentimentos, fantasias e
percepções manifestas ou latentes do/a utente em relação ao TAV;
• revelação de aspectos da vida pessoal do TAV de Psicologia: planos de férias,
preferências políticas e outras, passatempos e interesses, em suma, todo o tipo de
informação pessoal;
• informação detalhada relativa ao estado de saúde do TAV de Psicologia, prestada
para justificar o cancelamento de sessões;
• qualquer tentativa para justificar um aspecto da técnica terapêutica, uma
intervenção particular ou as razões para uma atitude ou reacção particular.

A neutralidade e o anonimato são dois aspectos do registo terapêutico que se


encontram inter-relacionados e que são básicos para o funcionamento e
estabelecimento de uma boa relação terapêutica. Modificações nestas duas regras
básicas implicam alterações graves neste tipo de relação e produzem ou salientam
determinados movimentos defensivos ou patológicos, tanto no TAV de Psicologia como
no/a utente.

Privacidade
A presença de privacidade é uma condição necessária ao bom desenvolvimento do
acompanhamento psicológico e que vai produzir no/a utente uma sensação de
segurança e protecção.

Nesta sede, o TAV de Psicologia deve adoptar o seguinte procedimento: as transacções


entre si e o/a utente devem ocorrer exclusivamente dentro do espaço destinado ao
apoio psicológico, o que é importante para incutir no/a utente aqueles sentimentos de
segurança, privacidade e protecção: devem assim ser evitados contactos com o/a
utente fora do espaço onde decorrem as sessões de apoio psicológico.

Sigilo
O sigilo impõe que nenhuma informação, de qualquer natureza, relativa ao/a utente,
seja transmitida a terceiros sem o consentimento daquele.

111
1.3 Sessão de apoio psicológico: momentos fundamentais
Como iniciar uma sessão

Existem três abordagens possíveis para dar início a uma sessão de apoio psicológico:
• uma delas consiste em simplesmente não dizer nada, o que pode permitir que
o/a utente transmita imediatamente ao TAV o que se passa com ele;
• outra abordagem possível é a formulação de uma questão aberta semi-
directiva, como por exemplo: Como se passaram consigo as coisas durante esta
semana? ou Como se sentiu desde que nos vimos na última vez? ou De que
gostaria de falar hoje?;
• a terceira opção para o inicio da sessão consiste em perguntar algo mais
específico, que se pode referir a qualquer tema mencionado na sessão anterior ou
relativo a qualquer “tarefa” prescrita pelo TAV ao/a utente. Esta opção coloca nas
mãos do técnico a responsabilidade de dirigir a sessão.

Qualquer que seja a abordagem que o TAV de Psicologia escolha, é sempre importante
analisar o afecto e o humor do/a utente, como pistas para direccionar a sessão. Todas
estas informações fundamentarão a avaliação que o TAV de Psicologia fará, no sentido
de adaptar o seu estilo e de escolher a direcção em que vai encaminhar a sessão.

Explorar as dimensões de um problema


É importante determinar o grau e o tipo de importância que o problema assume para
o/a utente. Através da indagação e da orientação do/a utente, o TAV de Psicologia
pode seguir um sentimento, pensamento ou comportamento com suficiente
profundidade, de modo a que se torne claro, para ambos, como isto se relaciona com
o padrão comportamental que ambos estão a procurar modificar. Uma outra técnica
útil para a compreensão do problema consiste em reformular aquilo que o/a utente
transmitiu.

Como finalizar uma sessão


O final de uma sessão raramente é planeado. No entanto, é importante que o TAV de
Psicologia faça uma boa gestão do tempo de que dispõe para a sessão, de modo a que
o final desta não seja abrupto nem seja possível ao/a utente manipular o tempo para
além daquele que está estipulado. Assim, o TAV de Psicologia deve estar sempre
consciente do tempo de que dispõe, de modo a não permitir, por exemplo, que o/a
utente se envolva num problema altamente emocional minutos antes do final da
sessão. O TAV de Psicologia pode avisar o/a utente, embora não mais do que uma ou
duas vezes, do tempo que falta para o término da sessão.
O TAV de Psicologia pode aproveitar o final da sessão para fazer algum tipo de
afirmação ou para estipular alguma “tarefa” que considere importante o/a utente
desempenhar até à realização da sessão seguinte.
Em suma, quando o fim da sessão se aproxima, o TAV de Psicologia deve gerir o
período final de modo a que o tempo não seja ultrapassado. Deve estar preparado
para utilizar uma expressão do género Hoje ficamos por aqui, assegurando que o/a

112
utente sabe quando é a próxima sessão. No entanto, o estilo de término de uma
sessão pode variar consoante as características do/a utente.

1.4 Processo de Apoio Psicológico: fases


Apesar do Processo de Apoio Psicológico pressupor uma avaliação caso a caso, o
Processo de Apoio Psicológico na APAV não deve ser muito longo, devendo ser orientado
para as reacções psicológicas resultantes da vitimação.

Fase inicial do processo


A qualidade da fase inicial é vista como essencial no Processo de Apoio Psicológico, pelo
que, por um lado, consideramos a empatia, a confiança e a disponibilidade para a mudança
como dimensões centrais no estabelecimento da relação; e por outro lado, a recolha e
análise da informação e a definição da estratégia de intervenção psicológica.

O TAV de Psicologia deve, sobretudo no início do Processo de Apoio Psicológico:


• não exigir do/a utente uma exposição ordenada e sistemática dos factos porque,
normalmente, não estará capacitado para fazê-lo;
• deixá-lo falar sem interrupção enquanto o fizer espontaneamente e, quando se
calar, estimulá-lo com alguma pergunta concreta e breve;

Desde o início do Processo de Apoio que o TAV de Psicologia deve fazer um breve
resumo do que foi falado, com uma dupla finalidade:
• para que o/a utente perceba que é escutado com atenção;
• e para que possa complementar ou modificar o seu discurso, ou para que possa
esclarecer alguns pontos mal compreendidos ou não correctamente assimilados
pelo TAV de Psicologia.

Relativamente à estruturação da estratégia de intervenção, o TAV de Psicologia pode


recorrer ao Guião para recolha de informação para a Intervenção Psicológica (em anexo),
visto que este instrumento permite registar informação útil e de forma sistematizada no
sentido orientar a intervenção. Contudo, é conveniente que o TAV de Psicologia não se
centre excessivamente no Guião preparado de antemão, mas que o actualize, e
essencialmente assegure o Processo de Apoio à Vítima num clima de comunicação o mais
informal possível.

Fase de desenvolvimento do processo


Tendo em conta que a fase de desenvolvimento do Processo de Apoio Psicológico
corresponde à estratégia de Intervenção Psicológica previamente definida, para o TAV de
Psicologia assegurar o desenvolvimento do Processo de Apoio Psicológico deve dar
continuidade à recolha e análise de informação, considerando os objectivos, os princípios
operativos, as regras e as técnicas anteriormente referidos.

113
Finalização do processo
A finalização de um caso é um processo contínuo e gradual, que começa na primeira
sessão. Muitas vezes, é difícil saber qual o momento adequado para finalizar um Processo
de Apoio Psicológico. Assim, este é um aspecto que deve ser muito bem pensado e
preparado em sessão, tanto pelo/a utente como pelo TAV de Psicologia, para que possam
ser evitados danos no processo de apoio psicológico.

Assim, a forma mais útil de decidir quando terminar um Processo de Apoio Psicológico
consiste em rever os objectivos e relembrar ao/a utente o que já conseguiu
atingir, isto é:
• procurar averiguar se o/a utente tem uma noção clara do que fez para resolver a
sua situação;
• perguntar se o/a utente sabe o que fazer se a situação se repetir;
• averiguar se o sofrimento do/a utente está minimizado ou até ultrapassado.

Quando tiver respostas positivas por parte do/a utente, ou seja, quando souber que
este adquiriu as competências necessárias para manter as melhorias, prepara-se a
finalização do Processo de Apoio Psicológico.

Contudo, é importante o TAV de Psicologia fazer o follow up do caso, por exemplo de 6


em 6 meses, para obter informação sobre os resultados obtidos após o termo do
Processo de Apoio Psicológico.

2. Limites de intervenção do TAV de Psicologia

Embora o Processo de Apoio Psicológico na APAV possa ser complementar a outro tipo
de apoio mais especializado de saúde mental, é importante que o TAV de Psicologia
tenha em atenção os factores de risco e os indicadores de estagnação no processo de
recuperação, de maneira a saber em que circunstâncias deve encaminhar o/a utente
para o serviço de apoio adequado (exemplo: Serviços de Psiquiatria).

Assim, o TAV de Psicologia deve ter em linha de conta os seguintes factores:


• Confirmar se se verificam factores de risco, tais como existência de psicopatologias,
ou risco de suicidio.
• Verificar se ocorrem reacções de Perturbação de Pós-stress Traumático tais como
sobreexcitação, evitação e revisitação mental da experiência.
• Aferir o estilo adoptado para lidar com a experiência traumática: passivo ou activo

114
3. Avaliação psicológica

O processo de avaliação psicológica pode recorrer à utilização de testes ou instrumentos de


avaliação psicológica, apesar de não se limitar a esta.

Para além da entrevista inicial, o TAV de Psicologia pode utilizar outros instrumentos
para recolha de informação relativa ao/a utente, bem como para estabelecer um
diagnóstico que sirva de orientador do processo de apoio psicológico:
• cronogramas;
• genogramas;
• biogramas;
• instrumentos de avaliação psicológica.

Particularmente no que concerne à selecção dos instrumentos de avaliação psicológica,


esta deverá ser extremamente cuidadosa. Sempre que utiliza instrumentos de
avaliação e de diagnóstico, o TAV de Psicologia deve:
• ter conhecimento das características técnicas destes, dos princípios de medida que
permitam uma leitura correcta dos resultados e das regras de utilização do
material;
• possuir conhecimento científico e experiência para a selecção e aplicação do
mesmo;
• estar consciente que as características sociais e culturais de aplicação podem
condicionar a leitura e interpretação dos resultados.

Dado o envolvimento directo do/a utente no processo de avaliação, será necessário


considerar, pelo menos, três pressupostos fundamentais:

• a aplicação deste tipo de instrumentos deve ser comunicada e apenas efectuada se


autorizada pelo/a utente;
• o TAV deve ser capaz de explicar, numa linguagem não técnica e de fácil
compreensão, a importância deste formato de recolha de informação;
• os resultados da avaliação devem ser comunicados ao/a utente (no caso das
pessoas avaliadas serem crianças, a informação deverá ser transmitida aos seus
representantes legais).

Em suma, a utilização de instrumentos de avaliação deve ser sempre ponderada de


forma a aferir-se a sua pertinência para o processo, bem como a possibilidade de
utilização de outras fontes de informação; se ainda assim, pesadas as vantagens e
desvantagens do seu uso, se considerar pertinente a sua aplicação, a justificação para
a utilização de um dado instrumento deve ser sempre apresentada no Processo de
Apoio Online, como também uma breve descrição do instrumento e da interpretação
dos resultados, devidamente articulados com as restantes informações

115
complementares acerca do caso (entrevista, história de vida ou outro tipo de
referências).

Salvaguardamos, contudo, que a utilização de instrumentos de avaliação não deve ser


perspectivada como sinónimo de profissionalismo ou rigor, e não deve servir o
propósito de confirmar a informação de que já dispomos. Por outro lado, se no
decorrer do processo de apoio psicológico, a/o técnico se depara com suspeitas da
existência de determinada psicopatologia, a utilização de instrumentos de avaliação
poderá ser necessária no sentido de confirmar ou infirmar as hipóteses levantadas. Em
circunstância alguma os utentes devem ser “usados” para que o TAV possa treinar as
suas competências na aplicação de determinado instrumento.

De referir ainda que a fase de avaliação tem lugar, normalmente, nas três primeiras
sessões do processo de apoio psicológico, sendo que, após este período, o recurso a
instrumentos de avaliação pode ser bastante prejudicial para a relação terapêutica
estabelecida entre o TAV de Psicologia e o/a utente. Caso a avaliação seja
indispensável após esta fase, deverá ser feita por outro TAV de Psicologia.

Outro aspecto fundamental para esta utilização é o respeito pelos direitos de autor
(copyright) que impedem, nomeadamente, a reprodução e adulteração dos materiais.
A APAV não se responsabilizará pelo uso indevido dos testes de avaliação psicológica
quando os TAV não respeitarem as regras definidas para a utilização dos mesmos.

Estas indicações relativas aos instrumentos de avaliação psicológica não dispensam a leitura
das Directrizes Internacionais para a Utilização de Testes disponível, disponíveis em
www.cegoc.pt ou em www.intestcom.org.

Em resumo, a Avaliação Psicológica é um processo complexo que passa por 5 momentos


fundamentais:
1. Entrevista e recolha de dados anamnésicos
2. Aplicação de provas e testes psicológicos
3. Análise e interpretação dos resultados
4. Construção do relatório
5. Devolução dos resultados

4. Relatório de Avaliação Psicológica

O Relatório de Avaliação Psicológica, usualmente elaborado pela APAV no contexto de


um pedido de informação efectuado pelo tribunal, pretende compilar um conjunto de

116
informações relevantes reunidas pelo TAV durante o processo de avaliação e
intervenção desenvolvido com um/a determinado/a utente.
Na eventualidade de ser uma situação já em acompanhamento, o ponto de partida para
esta compilação será a informação sistematizada no Processo de Apoio Online. Este facto
vem reforçar a necessidade da informação estar organizada de uma forma lógica e de fácil
leitura e compreensão (fazendo uso do guião para a recolha de informação para a
intervenção psicológica), uma vez que, perante a ausência do TAV responsável pelo
processo, o gestor ou outro TAV de Psicologia deverão consultar esta informação e
seleccioná-la de modo a responderem, com a maior celeridade possível, à solicitação
efectuada.
Na elaboração do Relatório de Avaliação Psicológica, podemos identificar 3 momentos
fundamentais:

1. Recolha de dados anamnésicos


O TAV de Psicologia reúne, no contexto de uma entrevista, informações sobre a
história de vida, a história profissional ou educacional, a história familiar, a história da
vida relacional e afectiva, a história de vitimação, a história clínica (médico-
psicológica), e outros elementos considerados relevantes para a avaliação. No caso das
crianças, pode ser importante recolher informação junto de outras fontes,
nomeadamente, pai, mãe (ou outras figuras cuidadores) e professores ou educadores.

2. Aplicação de testes psicológicos


Como base no pedido efectuado, o TAV de Psicologia pode seleccionar uma bateria de
testes, escalas, provas ou questionários. Sempre que o TAV de Psicologia considerar
necessária a aplicação de testes, deverá reunir com o gestor do GAV e fundamentar a
sua decisão. O gestor informará o TAV dos testes disponíveis no GAV e, em conjunto,
irão aferir a pertinência da sua aplicação.
Mais uma vez se reforça a necessidade de o TAV ter conhecimento das características
dos instrumentos e possuir experiência para a selecção e aplicação dos mesmos;
contudo, em casos em que tal não aconteça, será conveniente haver supervisão por
parte de um TAV de Psicologia mais experiente, supervisor de estágio ou gestor de
Gabinete com a mesma formação.
Só é permitida a utilização de instrumentos de avaliação psicológica que estejam
devidamente traduzidos e aferidos para a população portuguesa, sob pena de a
validade e credibilidade da avaliação psicológica poderem ser condicionadas pelo
desrespeito por esta norma.

3. Análise integrativa dos resultados


Munido de toda a informação necessária, o TAV procede à análise dos resultados,
integrando os elementos recolhidos na entrevista com os resultados da aplicação dos
instrumentos de avaliação psicológica, sem esquecer que as características pessoais,
sociais e culturais do sujeito podem condicionar a leitura e interpretação dos
resultados.

117
O relatório deve conter uma linguagem simples, desprovida de termos técnicos que possam
inibir a compreensão do conteúdo por parte de um profissional que não domine a
linguagem da psicologia. O ideal será que qualquer pessoa possa entender o conteúdo
expresso, pelo que, a título de exemplo, não devem ser apresentados quaisquer dados
relativos à codificação dos instrumentos. Também não devem ser emitidas opiniões
pessoais, juízos de valor ou extrapolações face aos dados apresentados. O conteúdo deve
dar resposta apenas à solicitação particular efectuada.

Em anexo é apresentada a estrutura do Relatório de Avaliação Psicológica, com vista a


uniformizar as respostas efectuadas pela APAV aos pedidos de avaliação que nos são
dirigidos.

118
ANEXOS

119
120
GUIÃO PARA RECOLHA DE INFORMAÇÃO PARA A INTERVENÇÃO
PSICOLÓGICA

1 - Identificação do nº de processo
2 - Dados de identificação relevantes
a. Nome
b. Data de Nascimento
c. Nacionalidade
d. Naturalidade
e. Estado civil
f. Contacto
g. Habilitações académicas
h. Actividade professional

3 - Descrição do pedido do/a utente

4 - Dados da história pessoal


a. Percurso escolar
b. História familiar
c. Percurso profissional
d. História relacional
e. História de vitimação
f. Outros dados considerados relevantes

5 - Avaliação da situação

6 - Plano de intervenção (colocar, se possível a previsão da duração da


intervenção)

7 - Descrição das sessões (registo das actividades da sessão que deve incluir os
seguintes elementos: objectivos da sessão, narração dos momentos principais da
sessão)

a. Sessão nº 1 (realizada em / __/__)


b. Sessão nº 2
c. ….

121
8 - Utilização de instrumentos (identificação e justificação dos instrumentos de
avaliação utilizados; descrição e análise sucinta dos resultados)

(Nota: o material produzido pelos utentes (p.e. desenhos) deverá ser anexado às
sessões e identificado).

122
RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

1. Identificação do/a utente


Nome:
Idade:

2. Fontes e Metodologia
a. Descrição do nº de sessões realizadas, local e o motivo do
acompanhamento;
b. Indicação da metodologia utilizada (por exemplo, descrição do número
de sessões realizadas e fontes de informação e indicação dos instrumentos de
avaliação, se utilizados);
c. Referência a recurso de dados do boletim para o processo de apoio e
relatórios sociais, se existirem;

3. Descrição
Descrição sucinta do das sessões no sentido de se apresentar uma avaliação da
situação apoiada em elementos decorrentes do apoio (sempre se são feitas citações
devem aparecer entre aspas, em itálico, seguidas da expressão (sic) e da recolha de
informação realizada. A título de exemplo “o meu marido torturava-me muito” (sic). No
caso de terem sido utilizados instrumentos de avaliação, procurar integrar estes dados
de forma clara e concisa.

4. Conclusão: deverá integrar os aspectos essenciais da avaliação realizada e se se


considerar relevante poderão ser realizadas sugestões de intervenção futura.

O Relatório de Avaliação Psicológica deve ser datado e assinado pelo TAV de psicologia
que efectuou a avaliação e o redigiu (identificando-se como Técnico de Apoio à Vítima
e como psicólogo) e pelo gestor do respectivo GAV.

123
124
VI APOIO JURÍDICO

125
126
INTRODUÇÃO
Este é, de longe, o capítulo mais extenso do presente manual, o que se deve ao facto
de se pretender abordar, ainda que de forma sucinta, todas as temáticas de
surgimento mais frequente no quotidiano dos GAV.

Da extensão deste capítulo e da multiplicidade de matérias abordadas infere-se a


diversidade do trabalho do TAV na área jurídica. Esta diversidade não impede contudo
que se possam elencar as três grandes vertentes do apoio jurídico:

• informar a vítima de crime acerca dos seus direitos;


• elucidar acerca das várias etapas de determinados processos judiciais,
designadamente o processo criminal, o divórcio, a regulação do poder paternal,
entre outros;
• auxiliar a vítima a elaborar requerimentos e peças processuais que ela possa, por si,
assinar (isto é, quando não é necessário advogado), como sejam o pedido de apoio
judiciário, a denúncia, a queixa, o pedido de indemnização civil, o pedido de
suspensão provisória do processo criminal ou, no caso de vítimas de crimes
violentos, o pedido de indemnização dirigido ao Ministro da Justiça.

Não se tratando de uma abordagem exaustiva, a leitura deste capítulo não dispensa,
consequentemente, a consulta dos diplomas legais, tendo em vista uma transmissão
de informação o mais completa e correcta possível ao/a utente.

1. Breve descrição da Tramitação Processual Penal

É de grande importância que o TAV esclareça a vítima acerca da forma como decorre o
procedimento criminal, ajudando-a a situar-se no mesmo, elucidando-a sobre as várias
etapas e respectivos conteúdos e intervenientes e explicando-lhe qual o papel que
pode assumir.

Do sucesso que o TAV obtiver nesta tarefa depende a desejável desmistificação do


processo crime pela vítima: é fundamental colaborar com esta no abandono de
determinadas ideias pré-concebidas, usualmente relativas à complexidade e solenidade
do procedimento, de modo a que, esbatendo-se o receio, a vítima possa tomar as
decisões necessárias de forma verdadeiramente esclarecida. Tudo o que atrás se disse
sobre o cuidado que deve ser posto na comunicação, de modo a garantir a plena
compreensão, pela vítima, da informação transmitida, tem aqui particular acuidade,
uma vez que o TAV, se escamotear esta premissa, pode facilmente resvalar para a
utilização de linguagem mais técnica e, assim, menos acessível .

127
1.1 Esclarecimentos prévios
Antes de entrar na marcha do processo propriamente dita, importa proceder a dois
esclarecimentos prévios.

O Ministério Público
O primeiro refere-se a uma das entidades com um papel mais activo ao longo de todo
o procedimento - o Ministério Público.

O Ministério Público é um corpo de magistrados com um conjunto muito vasto de


atribuições.

Em sede de processo penal, compete-lhe:

• receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento


a dar-lhes;
• dirigir o inquérito;
• deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento;
• interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa;
• promover a execução das penas e das medidas de segurança.

Em concreto e no que respeita à informação às vítimas, o Ministério Público deve:

• informar a vítima da notícia do crime, sempre que tenha razões para crer que ela
não a conhece;
• informar a vítima sobre o regime do direito de queixa e as suas consequências
processuais, bem como sobre o regime jurídico do apoio judiciário;
• sem prejuízo do disposto no artigo 82.º-A, informar ainda a vítima sobre o regime
e serviços responsáveis pela instrução de pedidos de indemnização a vítimas de
crimes violentos e os pedidos de adiantamento às vítimas de violência doméstica,
bem como da existência de instituições públicas, associativas ou particulares, que
desenvolvam actividades de apoio às vítimas de crimes;
• informar a vítima, em especia, nos casos de reconhecida perigosidade potencial do
agressor, das principais decisões judiciárias que afectem o estatuto deste.

Crimes públicos, semipúblicos e particulares


O segundo esclarecimento prévio diz respeito a uma importante classificação que
distingue entre três tipos de crimes: públicos, semipúblicos e particulares.

A lei penal opera esta distinção com base, essencialmente, na gravidade dos ilícitos,
ou seja, no maior ou menor desvalor que o comportamento do agente assume face

128
aos valores sociais vigentes. Assim, os crimes tidos como mais graves – homicídio,
terrorismo, roubo, violência doméstica, etc. - denominam-se crimes públicos, os
“intermédios” – ofensas à integridade física simples, burla simples, etc. – semipúblicos
e os menos graves – injúrias, difamação, etc. - particulares.

A distinção tem importantes consequências no decurso do procedimento criminal,


consequências que se abordarão ao longo das páginas seguintes mas que se podem
desde já sintetizar da seguinte forma: nos crimes mais graves – crimes públicos -, por
estar em causa a violação de valores socialmente mais relevantes, a perseguição do
agente não está nunca dependente da vontade da vítima, pois entende-se que aquela
perseguição deve ser empreendida em nome da protecção de toda a comunidade; no
outro extremo – crimes particulares – é fundamental o papel da vítima no
desenvolvimento do procedimento, pois considera-se que se deve dar espaço para que
esta, de acordo com os seus próprios critérios, meça em concreto a gravidade que
determinado comportamento ilícito – que violou bens de natureza eminentemente
pessoal - acarretou para si e decida sobre a continuidade ou não do procedimento.

Há contudo uma nuance importante, respeitante aos crimes semipúblicos, e que não
se pode deixar passar em claro. Referiu-se acima que a classificação que distingue
entre crimes públicos, semipúblicos e particulares atende primacialmente à gravidade
dos ilícitos. Relativamente a certos crimes, contudo, a lei tempera este critério da
gravidade com outro: ou da protecção da intimidade, da privacidade da vítima.
Quase todos os crimes contra a liberdade sexual, quando cometidos sobre adultos,
são, apesar da sua indubitável gravidade, crimes semipúblicos, o que tem como
principal consequência o facto de o procedimento criminal só se iniciar mediante a
produção de uma declaração de vontade da vítima, consubstanciada na apresentação
de queixa. Com efeito, em muitos destes crimes, a importância da perseguição do
agente como forma de protecção da comunidade sucumbe face a outra protecção tida
aqui como prioritária: a da intimidade da vítima. Sabendo-se que o procedimento
criminal vai inevitavelmente acarretar a exposição de aspectos de abordagem
particularmente difícil, deixa-se na disponibilidade daquela o impulso necessário ao
início do procedimento criminal.

Para saber se um crime é público, semipúblico ou particular, deve atender-se à letra da


lei:
• quando esta nada diz, o crime é público;
• quando se estabelece que o procedimento criminal depende de queixa, o crime é
semipúblico;
• quando a lei refere que o procedimento criminal depende de queixa e de acusação
particular, o crime é particular.

Estas referências tanto podem estar contidas no próprio artigo que prevê o crime como
aparecer um pouco mais à frente, num artigo autónomo.

Devido à sua importância, voltar-se-á a esta distinção mais à frente.

129
1.2 Processo comum

1.2.1 Notícia do crime


O Ministério Público toma conhecimento da ocorrência de um crime:

• quanto aos crimes públicos


- porque o presenciou – conhecimento directo;
- porque outra autoridade judiciária (magistrado judicial ou do Ministério Público),
um órgão de polícia criminal (Polícia Judiciária, Polícia de Segurança Pública,
Guarda Nacional Republicana, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) ou outra
entidade policial o presenciou, lavrando um auto de notícia que enviou ao
Ministério Público no prazo máximo de 10 dias;
- porque alguém soube da ocorrência de um crime e o denunciou ao Ministério
Público; a denúncia é obrigatória para as entidades policiais (quanto a todos os
crimes públicos) e para os funcionários (relativamente aos crimes públicos de que
tomem conhecimento no âmbito da suas funções) e facultativa para as demais
pessoas.

Tendo conhecimento da ocorrência de um crime público, por qualquer uma destas


vias, o Ministério Público dá início ao processo, abrindo o inquérito.

• quanto aos crimes semipúblicos e particulares


Aqui já não basta que o Ministério Público saiba da ocorrência de um crime. É
necessário que seja o ofendido – ou, nos casos que abaixo se indicam, o seu
representante legal ou as pessoas legalmente indicadas - a dar conhecimento ao
Ministério Público (directamente ou através dos órgãos de polícia criminal) da
ocorrência do crime, através da apresentação de queixa.

Depende assim da vontade do ofendido a existência ou não de um processo contra o


alegado autor do crime. Apresentada queixa, o Ministério Público abre inquérito.

Daqui decorre a diferença entre queixa e denúncia: enquanto esta representa uma
declaração de conhecimento relativamente a determinados factos consubstanciadores
da ocorrência de um crime público, podendo ser realizada por qualquer pessoa, aquela
é uma declaração de vontade do ofendido, que através da sua apresentação manifesta
pretender a abertura de procedimento criminal contra o(s) autore(s) de um crime
semipúblico ou particular.

A queixa – tal como a denúncia - não está sujeita a formalidades especiais, podendo
ser efectuada verbalmente ou por escrito, embora seja mais conveniente apresentá-la
por escrito e levar uma cópia, que será carimbada pela autoridade que receber a
queixa, servindo de comprovativo da sua apresentação. Se o relato for feito oralmente,
será reduzido a escrito pelo funcionário que o recebe e assinado pela autoridade e pela
vítima/ofendido.

130
A denúncia anónima só determina a abertura de inquérito se dela se retirarem
indícios da prática de crime ou se ela própria constituir crime (por exemplo, de
difamação, denúncia caluniosa, etc.).

A queixa e a denúncia devem conter o maior número possível de informações acerca


da situação, indicando o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi
cometido, identificando, se possível, o agressor, e enumerando eventuais testemunhas
e outros meios de prova.

Não há lugar ao pagamento de qualquer taxa de justiça em virtude da apresentação de


queixa ou de denúncia.

É a vítima do crime que apresenta a queixa (ao contrário da denúncia, que pode ser
realizada por qualquer pessoa). No entanto, se aquela for menor de 16 anos ou não
possuir discernimento para entender o alcance e o significado do direito de queixa,
este pertence ao representante legal e, na sua falta, às pessoas legalmente indicadas –
cônjuge não separado de pessoas e bens, pessoa, de outro ou do mesmo sexo, com
quem o ofendido viva em condições análogas às dos cônjuges, descendentes,
adoptados, ascendentes, adoptantes, irmãos e seus descendentes. É também a estas
pessoas que pertence o direito de queixa no caso de o ofendido ter falecido sem a
apresentar.

A queixa – bem como a denúncia - pode ser apresentada:


forma tradicional:
• nos serviços do Ministério Público junto dos tribunais, dirigida ao Exmº Sr.
Procurador Adjunto. Em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora, estes serviços designam-se
DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal);

• nas autoridades que tenham a obrigação legal de transmitir a queixa ao Ministério


Público, que são:

- Polícia de Segurança Pública (PSP);


- Guarda Nacional Republicana (GNR);
- Polícia Judiciária (PJ);
- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), (designadamente em relação aos crimes
para cuja investigação é competente - abaixo referidos)
- Delegações e Gabinetes Médico-Legais do Instituto de Medicina Legal, no âmbito da
actividade pericial que desenvolvam.

131
por via electrónica:
O Sistema de Queixa Electrónica (SQE) constitui um balcão único virtual que faculta a
apresentação por via electrónica de denúncias de natureza criminal, incluindo queixas-
crime, pelos cidadãos que tenham sido ofendidos ou tomaram conhecimento da prática
de um crime contra terceiros.

O Sistema não se destina a responder a situações de emergência ou àquelas em que é


necessária a resposta imediata das forças ou serviços de segurança, designadamente
quando o crime está a ser cometido.

O SQE destina-se, assim, a facilitar a apresentação à GNR, à PSP e ao SEF de queixas


e denúncias por via electrónica quanto a determinados tipos de crimes públicos e semi-
públicos, a saber: ofensa à integridade física simples, violência doméstica, maus tratos,
tráfico de pessoas, lenocínio, furto, roubo, dano, burla, burla relativa a trabalho ou
emprego, extorsão, danificação ou subtracção de documento e notação técnica, danos
contra a natureza, uso de documentação de identificação ou de viagem alheio,
poluição, auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal e casamento de
conveniência.

A queixa pode ser apresentada por pessoas singulares, devidamente identificadas,


nacionais ou estrangeiras, residentes em Portugal ou presentes em território nacional.

Para aceder ao SQE bastará ao cidadão digitar a expressão «queixas electrónicas» num
motor de busca à sua escolha.

Assim que a queixa ou denúncia tenha sido submetida, o SQE produz automaticamente
um documento confirmativo da recepção da queixa, enviando um e-mail para a caixa
de correio do queixoso com a indicação de um link para uma página de validação em
que o cidadão terá de inserir o número de registo da queixa que apresentou; o cidadão
deve seguidamente autenticar (certificação) a submissão da queixa electrónica por um
dos seguintes meios:

- assinatura digital com recurso ao cartão do cidadão;


- confirmação a partir de uma conta VIACTT;
- confirmação presencial junto de qualquer posto da GNR, esquadra da PSP, balcões
do SEF em loja do cidadão, bem como nas estações dos CTT.

Subsequentemente, o SEQ regista a autenticação, posto o que as participações


confirmadas são enviadas à entidade competente.

O prazo para apresentação de queixa, em qualquer das suas formas, é de seis meses,
contados a partir da prática do crime, estabelecendo no entanto a lei, para os casos
em que o crime só é conhecido depois deste período, que o prazo começa a contar na
data em que o ofendido tiver conhecimento dos factos e dos seus autores. Se o

132
representante legal do ofendido menor de 16 anos não exercer o direito de queixa,
poderá este fazê-lo a partir da data em que perfizer 16 anos, extinguindo-se o prazo
de seis meses a contar da data em que o ofendido fizer 18 anos.

Decorridos estes prazos, deixa de ser possível responsabilizar o agente do crime.

Estando em causa crime semi-públicos e particulares, a desistência da queixa é


admissível até ser proferida sentença e desde que não haja oposição do arguido. A
desistência impede que a queixa seja renovada.

1.2.2 Inquérito
Nesta fase, cuja direcção cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia
criminal (PJ, PSP, GNR e SEF), os objectivos são:

 averiguar sobre a prática ou não de um crime


 saber quem o praticou

É portanto uma fase de investigação, em que se pretende recolher prova indiciadora


de que determinada pessoa praticou um crime.

A lei deixa ao critério do Ministério Público quais as diligências que devem ser
realizadas, sendo, contudo, obrigatória a audição do arguido. Estas diligências são, na
sua grande parte, efectuadas pelos órgãos de polícia criminal, importando fazer aqui
uma referência à repartição de competências entre estes.

Numa linha de orientação cujo objectivo é o de “guardar” a Polícia Judiciária, enquanto


órgão de polícia criminal com formação mais especializada, para as investigações mais
complexas, tem-se verificado uma progressiva redução no elenco dos crimes cuja
investigação compete àquela.

Actualmente, e no que concerne aos denominados crimes contra as pessoas, a


competência de investigação da PJ resume-se ao homicídio doloso e às ofensas à
integridade física de que venha a resultar a morte, aos crimes contra a liberdade e
contra a autodeterminação sexual a que corresponda, em abstracto, pena superior a
cinco anos de prisão, desde que o agente não seja conhecido, ou sempre que sejam
expressamente referidos ofendidos menores de 16 anos ou outros incapazes e aos
crimes de tráfico de pessoas com o emprego de coacção grave, extorsão ou burla
relativa a trabalho, escravidão, sequestro, rapto e tomada de reféns.

Compete ao SEF a investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de


auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal, casamento de

133
conveniência e violação da medida de interdição de entrada e outros com estes
conexos, nomeadamente o tráfico de pessoas.

Relativamente a todos os outros crimes contra as pessoas, compete à PSP ou à GNR a


investigação.

É importante ter sempre presente esta repartição de competências, numa óptica de


celeridade: se a queixa ou denúncia for desde logo apresentada no órgão de polícia
criminal competente para a respectiva investigação, este pode iniciar de imediato a
mesma, sem prejuízo da comunicação ao Ministério Público, enquanto entidade que
dirige o inquérito.

Sendo esta uma fase de investigação, é por excelência o período processual de recolha
de prova, pelo que se elencam de seguida os meios de prova e de obtenção de prova
legalmente previstos. Contudo, o que abaixo se refere tem aplicação para outras fases
processuais, como sejam a instrução – também ela uma fase de investigação – e o
julgamento – enquanto momento de produção e apreciação de prova.

O Código de Processo Penal prevê expressamente sete meios de prova que podem ser
utilizados no intuito de apurar:

• a existência ou inexistência do crime;


• a punibilidade ou não punibilidade do arguido;
• a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis;

A prova não pode ser obtida mediante tortura, coacção ou ofensa da integridade física
ou moral das pessoas; se isso suceder, será nula (ou seja, não poderá ser
considerada).

1.2.2.1 Meios de prova

1.2.2.1.1 Prova testemunhal

A testemunha é ouvida sobre factos de que tenha conhecimento directo - aqueles que
viu ou, mais correctamente, que chegaram até si através dos sentidos. Se o
depoimento da testemunha resultar do que ouviu dizer a certas pessoas, tal só servirá
como prova se essas pessoas forem chamadas a depor.

Em princípio, ninguém pode recusar-se a prestar depoimento. Mas há excepções:


• descendentes, ascendentes, irmãos, afins até ao segundo grau, adoptantes,
adoptados e cônjuge do arguido;

134
• ex-cônjuge do arguido, ou pessoa, do outro ou do mesmo sexo, que com ele
conviva ou tenha convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a
factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação;
• pessoas obrigadas a segredo profissional (embora estas, em determinados casos,
possam ser obrigadas a testemunhar).

De entre os deveres da testemunha, os mais importantes são:


• apresentar-se, no tempo e local devidos, à autoridade que a convocou;
• obedecer às indicações que lhe forem dadas quanto à forma de prestar
depoimento;
• responder com verdade às perguntas que lhe forem feitas (sob pena de vir a ser
acusada da prática do crime de falsidade de testemunho).

Para efeitos de notificações, a testemunha não é obrigada a dar a morada da sua


residência, podendo optar por indicar o seu local de trabalho ou outro domicílio
(Gabinte de Apoio à Vítima, por exemplo), de modo a evitar eventuais
constrangimentos ou retaliações.

A testemunha pode fazer-se acompanhar por advogado sempre que tenha que prestar
depoimento, não podendo contudo este intervir na inquirição.

A testemunha tem direito a ser compensada pela sua participação no processo


(designadamente pelas despesas realizadas). A compensação a que as testemunhas
têm direito cifra-se entre 1/16 e 1/8 de Unidade de Conta por cada deslocação ao
tribunal, sendo determinada em concreto consoante a distância percorrida pela
testemunha e o tempo que tiver que despender.

Os TAV são frequentemente arrolados como testemunhas, quer pela vítima constituída
assistente, quer pelo Ministério Público, quer, com menos frequência, embora possa
suceder, pela defesa.

Nos casos em que é chamado a depor acerca da situação concreta (por exemplo, o
TAV que desenvolveu o processo de apoio junto da vítima é questionado sobre a
informação que a vítima lhe transmitiu, o impacto e consequências da vitimação, o
estado actual da vítima, por exemplo), o TAV deve previamente definir com o/a utente
quais os factos que este/a o autoriza a relatar e quais o que continuarão cobertos pelo
dever de confidencialdiade.

Nos casos em que o TAV é questionado sobre a problemática em abstracto (por


exemplo, acerca do fenómeno da violência doméstica em geral), sem referência ao
caso concreto, o problema da confidencialidade não se coloca.

135
1.2.2.1.1.1 Protecção de testemunhas

Está legalmente prevista a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em


processo penal quando a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens
patrimoniais de valor consideravelmente elevado sejam postos em perigo por causa do
seu contributo para a prova dos factos que constituem objecto do processo. Estas
medidas podem abranger os familiares das testemunhas, as pessoas que com elas
vivam em condições análogas às dos cônjuges e outras pessoas que lhes sejam
próximas.

Estão elencados os seguintes meios de protecção:

• ocultação
Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou da
testemunha, pode o Tribunal decidir, com base em circunstâncias que indiciem elevado
risco de intimidação da testemunha, que a prestação de declarações que deva ter lugar
em acto processual público decorra com ocultação da imagem, cumulativamente ou
não com distorção da voz, de modo a evitar-se o reconhecimento da testemunha.

• teleconferência
Tratando-se da produção de prova de crime que deva ser julgado pelo tribunal
colectivo ou pelo júri, e sempre que ponderosas razões de protecção o justifiquem, é
admissível a utilização da teleconferência, devendo a prestação de depoimento (que
pode ser efectuado com ocultação da imagem, cumulativamente ou não com a
distorção da voz) ocorrer em edifício público (de preferência em instalações judiciárias,
policiais ou prisionais) e na presença de um magistrado judicial; a utilização da
teleconferência é decidida a requerimento do Ministério Público, do arguido ou da
testemunha.

• reserva do conhecimento da identidade da testemunha


A não revelação da identidade da testemunha é decidida pelo juiz de instrução, a
requerimento do Ministério Público, e pode ter lugar durante alguma ou em todas fases
do processo, mediante o preenchimento de determinados requisitos. A testemunha
cuja identidade não seja revelada pode prestar depoimento com recurso à ocultação
de imagem (cumulativamente ou não com a distorção de voz) ou à teleconferência.

• medidas e programas especiais de segurança


- medidas pontuais de segurança –tratando-se de crime que deva ser julgado pelo
tribunal colectivo ou pelo júri, e sempre que ponderosas razões de segurança o
justifiquem, pode a testemunha beneficiar, por ordem do Ministério Público, durante o
inquérito (oficiosamente, a requerimento da testemunha ou do seu representante legal
ou por proposta das autoridades de polícia criminal), ou, posteriormente a este, do juiz
que presidir à fase em que o processo se encontra (a requerimento do Ministério
Público), e sem prejuízo de outras medidas de protecção, de medidas pontuais de
segurança, nomeadamente:

136
- indicação, no processo, de residência diferente da residência habitual;
- transporte em viatura fornecida pelo Estado para poder intervir em acto processual;
- disponibilização de compartimento, eventualmente vigiado, nas instalações
judiciárias ou policiais a que tenha de se deslocar e no qual possa permanecer sem
a companhia de outros intervenientes no processo;
- benefício de protecção policial, extensiva a familiares, a pessoa que com ela viva em
condições análogas às dos cônjuges ou a outras pessoas que lhes sejam próximas;
- usufruto na prisão de um regime que lhe permita estar isolada de outros reclusos e
ser transportada em viatura diferente;
- alteração do local físico de residência habitual.

- programa especial de segurança – a testemunha, o seu cônjuge, ascendentes,


irmãos ou outras pessoas que lhe sejam próximas podem beneficiar, se assim
pretenderem, de um programa especial de segurança, durante ou após a pendência do
processo, se estiverem preenchidas determinadas condições. O programa especial de
segurança, cuja efectivação compete à Comissão de Programas Especiais de
Segurança, inclui a aplicação de uma ou várias medidas administrativas de protecção e
apoio, nomeadamente:

- fornecimento de documentos emitidos oficialmente de que constem elementos de


identificação diferentes dos que antes constassem ou devessem constar dos
documentos substituídos;
- alteração do aspecto fisionómico ou da aparência do corpo do beneficiário;
- concessão de nova habitação, no país ou no estrangeiro, pelo tempo que for
determinado;
- transporte gratuito da pessoa do beneficiário, do agregado familiar e dos
respectivos haveres para o local da nova habitação;
- criação de condições para angariação de meios de subsistência;
- concessão de um subsídio de subsistência por um período limitado.

Se o programa incluir regras de comportamento, a inobservância dolosa destas implica


a supressão daquele.

• testemunhas especialmente vulneráveis


Quando num determinado acto processual deva participar testemunha especialmente
vulnerável (vulnerabilidade essa resultante da sua diminuta ou avançada idade, do seu
estado de saúde ou do facto de ter de depor contra pessoa da própria família ou de
grupo social fechado em que esteja inserida numa situação de subordinação ou
dependência), a autoridade judiciária competente deverá providenciar para que,
independentemente da aplicação de outras medidas, tal acto decorra nas melhores
condições possíveis, com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das
respostas:

137
- durante o inquérito – o depoimento da testemunha especialmente vulnerável
deve ter lugar o mais brevemente possível;

- após o inquérito – o juiz que presida a acto processual público ou sujeito ao


contraditório pode:

- dirigir os trabalhos de modo a que a testemunha especialmente vulnerável nunca se


encontre com certos intervenientes no mesmo acto;
- ouvir a testemunha com utilização de meios de ocultação ou de teleconferência;
- proceder à inquirição da testemunha, podendo, depois disso, os outros juizes, os
jurados, o Ministério Público, o defensor e os advogados das partes civis pedir-lhe a
formulação de questões adicionais.

Logo que se aperceba da especial vulnerabilidade da testemunha, a autoridade deverá


designar um técnico do serviço social ou outra pessoa especialmente habilitada para o
seu acompanhamento e, se for caso disso, proporcionar à testemunha o apoio
psicológico necessário por técnico especializado (por ex. técnico de apoio à vítima -
voluntário ou não - da APAV).

Em qualquer fase do processo, o juiz, a requerimento do Ministério Público, pode


determinar o afastamento temporário da testemunha especialmente vulnerável da
família ou do grupo social fechado em que se encontra inserida: tratando-se de criança
ou jovem, será colocado(a) em instituição de acolhimento, nos termos da Lei de
Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, ou em qualquer instituição, pública ou
privada, que tenha acordo de cooperação com o Estado Português adequada àquele
acolhimento; caso a testemunha especialmente vulnerável seja adulta, será acolhida
em serviços do Instituto de Segurança Social, em instituições particulares de
solidariedade social que tenham acordo com o Estado Português ou em casa da rede
pública de apoio a mulheres vítimas de violência.

1.2.2.1.2 Declarações do arguido, do assistente e das partes civis

O arguido é ouvido várias vezes ao longo do processo. Assim, se tiver havido detenção
(e caso não deva ser julgado em processo sumário), o primeiro interrogatório terá que
realizar-se nas 48 horas subsequentes: o arguido é presente ao juiz de instrução para
que este, depois de o inquirir sobre os factos que lhe são imputados, valide (ou não) a
detenção e lhe aplique, se entender necessário, uma medida de coacção. Não se está
obviamente ainda na fase de instrução, pelo que a competência do juiz de instrução
para este acto processual é explicável pelo conteúdo do mesmo - a aplicação de uma
medida de coacção tem que ser decretada por um juiz (com excepção do termo de
identidade e residência, que também pode ser aplicada pelo Ministério Público). Caso
não seja presente de imediato ao juiz de instrução, o arguido detido é ouvido
sumariamente pelo Ministério Público que depois, ou o liberta, ou providencia a sua
apresentação ao Juiz de Instrução.

138
Na fase de inquérito, o arguido é ouvido pelo Ministério Público (ou, se este delegar
esse poder, por órgão de polícia criminal); nas fases de instrução e julgamento é
interrogado pelos juizes respectivos.

O arguido nunca presta juramento pelo que não está legalmente obrigado a dizer a
verdade (a não ser quanto à sua identificação pessoal). Pode mesmo recusar-se a
responder, não significando isso que confessa os factos que lhe são imputados.

O assistente e as partes civis prestam declarações a requerimento seu ou do arguido,


ou quando a autoridade judiciária o achar conveniente. Embora não prestem
juramento, estão obrigadas a responder com verdade.

Nem o arguido, nem o assistente nem as partes civis podem depor como testemunhas:
por exemplo, num processo em que haja vários arguidos, não pode um deles arrolar
outro como sua testemunha.

1.2.2.1.3 Prova por acareação

Acareação é o acto que consiste em colocar frente a frente duas ou mais pessoas
(arguidos, assistentes, testemunhas ou partes civis) sempre que houver contradição
entre as suas declarações.

Processa-se da seguinte forma: a entidade que presidir à diligência começa por ler as
declarações entre as quais há contradição; depois, pede às pessoas acareadas que as
confirmem ou modifiquem, ou que contestem as das outras pessoas, formulando, se
necessário, perguntas que contribuam para o apuramento da verdade.

1.2.2.1.4 Prova por reconhecimento

• de pessoa - solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que descreva


pormenorizadamente a pessoa a identificar, perguntando-se-lhe se já a tinha visto
antes e em que condições; se esta identificação não for cabal, mistura-se a pessoa
a identificar com outras duas o mais semelhantes possível, perguntando-se a quem
deva fazer a identificação se reconhece algum dos presentes. Se este
reconhecimento não tiver lugar em julgamento, pode ser feito sem que o
identificador seja visto pelo identificando;
• de objecto relacionado com o crime - o procedimento é basicamente o mesmo: se a
descrição feita pela pessoa que deva fazer a identificação deixar dúvidas, coloca-se
o objecto a identificar juntamente com pelo menos outros dois, semelhantes,
perguntando-se à pessoa se reconhece algum de entre eles.

Se houver mais do que um identificador, cada um fará o reconhecimento


separadamente, e sem contactar com os outros, para evitar sugestionamentos.

139
1.2.2.1.5 Reconstituição do facto

Havendo necessidade de apurar se certo facto poderia ter ocorrido de determinada


forma, pode proceder-se à sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, o mais fiel
possível, das condições em que o facto terá ocorrido e na repetição do modo de
realização do mesmo.

1.2.2.1.6 Prova pericial

Recorre-se à prova pericial quando a apreciação dos factos exige especiais


conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos: nestes casos, o Tribunal,
oficiosamente ou a requerimento dos interessados, vai solicitar os serviços de alguém
especializado. Por exemplo: pode ser necessário um psicólogo que avalie a
personalidade e, consequentemente, a perigosidade do arguido; pode chamar-se um
perito em balística, etc. (em casos de particular complexidade, ou que envolvam
matérias distintas, poderá constituir-se um colégio de peritos).

Ordenada a perícia, o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis


podem designar para assistir à realização da mesma um consultor técnico da sua
confiança, ao qual é facultada a possibilidade de propor a efectivação de determinadas
diligências e de formular observações e objecções.

Finda a perícia, os peritos elaboram um relatório, no qual mencionam as suas


conclusões devidamente fundamentadas, podendo ser-lhes pedidos esclarecimentos.

Os TAV podem ser chamados a intervir no processo na qualidade de peritos, em


função do seu conhecimento técnico especializado. Tal sucederá nomeadamente com
os TAV da área da psicologia, a quem com frequência é solicitada a emissão de
parecer técnico, consubstanciado na elaboração de relatório. Poderão ainda ser
subsequentemente chamados a depor em audiência de julgamento.

1.2.2.1.7 Prova documental

Em qualquer altura do processo é possível apresentar documentos, embora a altura


mais apropriada para o fazer seja durante a investigação (inquérito e, caso haja,
instrução). Mas pode, por exemplo, requerer-se a junção aos autos de um documento
em pleno julgamento, só que aí o juiz só o aceitará se o considerar relevante e,
mesmo assim, condenará em multa quem o apresentar, a não ser que se prove ter
sido impossível apresentá-lo mais cedo.

1.2.2.2 Declarações para memória futura


Um dos princípios estruturantes ou informadores do processo penal é o princípio da
imediação das provas. Este princípio manifesta-se em duas vertentes: no dever de
apreciar ou obter os meios de prova mais directos – utilização dos meios de prova
originais – e na recepção da prova pelo órgão legalmente competente – os sujeitos

140
processuais devem conhecer directa e pessoalmente das provas, para obterem uma
visão conjunta dos fundamentos.

A imediação respeita predominantemente à audiência de julgamento: as testemunhas


são inquiridas na audiência e não lhes devem ser lidos os seus depoimentos anteriores,
precisamente para garantir a recepção imediata e directa da prova pelo tribunal. Só
excepcionalmente e quando impossível a recepção directa da prova pode ser admitida
uma forma indirecta.

Uma das excepções é precisamente o incidente de declarações para memória futura:


em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de testemunha,
assistente, parte civil, perito, consultor técnico, ou nos casos de vítima de crime de
tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, pode o
juiz de instrução – durante as fases de inquérito e instrução – ou o juiz de julgamento
– na fase de julgamento, previamente à audiência – proceder à sua inquirição, a fim de
que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. Em caso
de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação de menor, à vítima são
sempre tomadas declarações para memória futura, desde que não tenha entretanto
atingido a maioridade, devendo esta tomada de declarações realizar-se em ambiente
informal e reservado e sendo o menor acompanhado por um técnico especialmente
habilitado.

A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, o defensor do


arguido e os advogados do assistente e das partes civis inquirir directamente a vítima.

Em suma: de modo a garantir uma prova importante para o apuramento dos factos,
permite-se a sua produção antecipada, podendo depois o auto de declarações
resultante ser lido em audiência de julgamento. Contudo, a tomada de declarações
para memória futura não significa obrigatoriamente que a vítima não prestará
depoimento em julgamento, desde que seja possível e não puser em causa a sua
saúde física ou psíquica.

1.2.2.3 Meios de obtenção de provas


Após enumerar os meios de prova, o Código de Processo Penal trata dos meios de
obtenção dessas mesmas provas, de forma a que a investigação, sem perder eficácia,
se paute por critérios de estrita legalidade, no intuito de nunca pôr em causa direitos
fundamentais das pessoas.

Os meios previstos são os seguintes:


• Exames (de pessoas, lugares e coisas) - visam inspeccionar os vestígios que o
crime possa ter deixado e todos os indícios relativos ao modo como e ao lugar
onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido;

141
• Revistas - havendo indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer
objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, essa pessoa
pode ser sujeita a revista, mediante autorização emanada de autoridade judiciária
(autorização cuja cópia deve ser apresentada ao revistado antes da revista);

• Buscas - se houver indícios de que os objectos acima referidos, ou o arguido ou


outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar não livremente acessível
ao público, pode esse lugar, também mediante despacho proferido por autoridade
judiciária, ser alvo de busca (aqui, a cópia do despacho é apresentada a quem tiver
a disponibilidade do lugar, pessoa essa que pode assistir à busca); durante a busca
pode proceder-se à revista de pessoas que se encontrem no local; a autorização
judicial não é exigida para as revistas ou para as buscas aquando de detenção em
flagrante por crime punível com pena de prisão.

• Apreensões - são apreendidos os objectos que:


- tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime;
- constituírem o produto, lucro, preço ou recompensa pela prática de um crime;
- tiverem sido deixados pelo agente no local do crime;
- quaisquer outros susceptíveis de servir a prova.
As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por autoridade judiciária.

• Escutas telefónicas - a intercepção e gravação de conversas telefónicas – bem


como de comunicações entre presentes ou através da internet – só pode ocorrer
durante a fase de inquérito e tem que ser autorizada por despacho fundamentado
do juiz de instrução, mediante requerimento do Ministério Público. O âmbito das
pessoas que podem ser sujeitas a escutas é circunscrito a suspeitos, arguidos,
intermediários e vítimas, sendo que neste último caso se exige o consentimento
efectivo ou presumido. Durante o inquérito, o juiz de instrução determina, a
requerimento do Minstério Público, a transcrição das conversações e comunicações
indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou garantia
patrimonial. A partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem
examinar e obter cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao
processo, valendo como prova as conversações que estes e o Ministério Público
juntarem.

1.2.2.3.1 A realização de exames médico-legais

Os exames médico-legais a uma vítima de violência são perícias médicas integrantes


do sistema judicial, que têm por finalidade a verificação de marcas no corpo da vítima
que tenham sido produzidas pela violência infligida (ex: arranhões; rubores; feridas;
hematomas; outras lesões) e a pesquisa de materiais, biológicos ou não, no seu corpo
e/ou nas suas roupas e objectos que tenham sido deixados ou eventualmente
utilizados pelo/a agressor/a (exemplos: sangue; esperma; fluidos vaginais; pele;
cabelos; fibras).

142
A realização de exames médico-legais é muito importante pois podem constituir
importantes meios de prova no processo judicial. Ainda que alguns profissionais
entendam que a sua realização não acrescentará informações úteis ao processo
judicial, além de que poderão contribuir para a vitimação secundária, importa não
descurar a sua utilidade no domínio judicial (pela recolha de indícios da violência
concretizada contra a vítima) e também na reparação da própria vítima de crime e de
violência: o exame médico-legal pode constituir um momento tranquilizador e
reparador perante a violência e o(s) crime(s) vivenciados.

É preciso, por isso, que o TAV, no âmbito do processo de apoio, tenha a preocupação
de aconselhar à vítima a ida imediata ao Instituto Nacional de Medicina Legal ou a um
hospital (onde poderá ser vista por um médico-legista).

Assim, o TAV, no âmbito do processo de apoio, deve:


• Fazer um planeamento da ida: o TAV deverá organizar a ida da vítima ao
local/serviço onde os exames médico-legais têm lugar (ex: hospitais; delegações do
Instituto Nacional de Medicina Legal).

• Avaliar a urgência: o TAV deverá analisar a real urgência da situação, isto é, se a


ida ao local/serviço para realização de exames médico-legais deverá realizar-se o
mais rapidamente possível, ou se, pelo contrário, poderá preparar-se de um modo
menos urgente. Se a vitimação não é uma ocorrência recente (ex: sendo o(s)
progenitor(es) o(s) agressor(es) há vários anos) ou se foi vítima há muito tempo e
só agora o revelou (ex: ter sido vitimada uma vez, há muito tempo, por um/a
agressor/a desconhecido), poderá preparar-se esta ida com mais tempo. Nesta
situação, os exames poderão ser realizados logo que a vítima e os profissionais
puderem, devendo tomar-se em consideração, entre outros aspectos, a discrição e
a confidencialidade necessárias, procurando não levantar suspeitas no meio onde a
vítima se move habitualmente. Assim, procurar-se-á um horário favorável, uma
deslocação discreta e um conjunto de desculpas a aplicar caso alguém externo ao
processo de apoio questione a ausência da vítima.

• Em determinados tipos de violência, particularmente nas situações de violência


sexual, a realização destes exames impõe-se imediatamente. Pouco tempo após a
prática de qualquer violência sexual, quando esta é descoberta ou revelada, é
importante planear a deslocação ao local/serviço de realização de exames médico-
legais, nos quais poderão ser registados as lesões sofridas e/ou ser recolhidos
vestígios do/a agressor/a. A recolha de material genético do/a agressor/a torna-se
particularmente importante, pois poderá conduzir à obtenção de um perfil de ADN
revelador da sua identidade.

• Preparar a vítima: é importante preparar a vítima para a realização de exames


médico-legais, bem como acompanhá-los ao local onde são realizados, estando, se
possível, ao seu lado durante a realização de cada exame.

143
• A expectativa do próprio TAV em relação aos resultados dos exames poderá gerar
alguma ansiedade em todos os interveniente. Nesse sentido, e com o objectivo de
tranquilizar e proteger a vítima, o profissional deverá procurar efectuar uma gestão
adequada da ansiedade de todos os intervenientes antes, durante e após a
realização dos exames.

• Lidar com as expectativas: em muitos casos, a expectativa em relação aos


resultados é muito elevada, sobretudo quando ainda se está sob efeito do impacto
da descoberta da vitimação. O TAV deverá, por conseguinte, procurar lidar com as
expectativas, bem como com as (eventuais) frustrações, que a vítima e familiares
possuem em relação aos resultados dos exames.

• É importante recordar que os resultados podem não ser reveladores de que a


criança ou jovem tenha sido vítima de violência e que tal trará algumas dificuldades
para o curso do processo judicial. Alguns dos motivos para o carácter inconclusivo
dos exames serão de seguida apontados:
 O elevado período de tempo decorrido entre o último episódio de violência e o
momento de realização do exame médico-legal pode ser já muito longo (ex: as
lesões genitais decorrentes de um episódio de violência sexual são de rápida
cicatrização);
 As estratégias utilizadas pelo/a agressor/a com o objectivo de
eliminar/minimizar eventuais vestígios da violência infligida (ex: higienizar a
vítima após ter concretizado a violência; concretizar actos de violência menos
intrusivos, como acariciar os órgãos sexuais da vítima nos casos de violência
sexual);
 A natureza da violência exercida pelo/a agressor/a contra a vítima (ex: formas
de violência menos intrusivas, tais como uma palmada na mão da criança ou
jovem, poderão não deixar qualquer marca física visível associada à violência).

• Levar roupa lavada: o TAV deve indicar à vítima que leve roupa lavada para vestir
após a realização dos exames médico-legais, caso a roupa que esta utiliza no
momento é a mesma que tinha vestido durante a vitimação. O TAV deve tentar
assegurar que a roupa a vestir depois dos exames pertença ao guarda-roupa
habitual da vítima, pois será com peças realmente suas que se sentirá melhor. Se
não for possível que alguém vá a casa buscar a roupa, o TAV deve comprar ou
retirar de uma reserva da sua instituição as peças necessárias, que respeitem o
estilo de vestir e os tamanhos utilizados pela vítima.

• Levar os documentos da vítima: é importante que o TAV leve os documentos da


vítima para que esta possa ser devidamente identificada pelos serviços
competentes.

144
Preparar a vítima:
O TAV deve explicar à vítima o que são os exames médico-legais.

Assim, o TAV deve observar os seguintes aspectos:


• Conversar calmamente: o TAV, apesar de toda a urgência que possa haver na ida
para o local/serviço onde se efectuam exames médico-legais, deve conversar
calmamente com a vítima, explicando-lhe devidamente que é que é necessário ir
ao médico ou ao hospital. Mais importante que a ida é preparar a vítima para a ida,
privilegiando e dando especial atenção ao seu (provável) estado de fragilidade
emocional.

• Explicar a razão: o TAV deverá explicar claramente que os exames médico-legais


têm por finalidade a recolha de indícios no seu corpo que tenham sido produzidos
ou tenham sido deixados pela violência contra si cometida. Deve explicar-se, ainda,
que tais indícios poderão vir a servir de meio de prova quanto à prática do/s
crime/crimes e/ou à identidade do/a agressor/a.

Preservação de vestígios:
É importante que o TAV aconselhe a vítima a preservar os eventuais vestígios até à
realização dos exames.

Assim, deve aconselhar a:


• Abstinência de banho: o TAV deve recomendar a abstinência de banho, tanto por
imersão, como por duche, ou mesmo com pouca água ou passagem de panos
molhados ou secos pela pele. Qualquer tipo de banho poderá destruir vestígios da
violência no corpo da vítima.

• Abstinência de toques: o TAV deve recomendar à vítima que não mexa nas partes
do seu corpo que estão sujas depois da violência, evitando a destruição e/ou
eventual contaminação dos vestígios.

• Conservação de roupa, acessórios e outros objectos: O TAV deve recomendar à


vítima a conservação da roupa, acessórios e objectos. A roupa (ex: calças; cuecas;
camisolas; meias), acessórios (ex: brincos; piercings; relógio; pulseiras) e/ou
objectos que estejam relacionados com a violência sofrida (ex: cinto; faca; corda;
preservativo usado) deverão ser acondicionados num saco de papel fechado e
guardado em lugar seco, sem humidade. É importante esclarecer, também, a
vítima que será prejudicial para a preservação de vestígios da violência guardar a
roupa e os acessórios num saco de plástico, pois a atmosfera do seu interior pode
causar a alteração do material genético presente, mediante o crescimento de
bactérias.

• Urgência: O TAV deve recomendar à vítima que decida realizar os exames médico-
legais o mais rapidamente possível. Não só os indícios podem desaparecer

145
passadas poucas horas, como, e principalmente, será muito o desconforto da
vítima de violência.

1.2.3 Decisão do Ministério Público (e/ou do assistente)


• quanto aos crimes públicos e semipúblicos
Finda a investigação, o Ministério Público toma uma decisão:

- se não recolheu prova bastante de que houve crime, e/ou de que o arguido não o
praticou, e/ou se o procedimento criminal for inadmissível (por ex. por o crime ser
semipúblico e não ter havido queixa, ou por o arguido ter entretanto morrido, ou
por ter havido prescrição), profere despacho de arquivamento;
- se, apesar de haver indícios suficientes, o Ministério Público considerar que o
arguido deve ser dispensado da pena (nos casos em que a lei penal o admite),
pode, com a concordância do juiz de instrução, proferir despacho de
arquivamento;
- se, havendo prova bastante, o crime for punível com pena de prisão não superior a
cinco anos, pode o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido
ou do assistente, determinar, com a concordância do juiz de instrução (e desde que,
relativamente ao arguido, o grau de culpa não seja elevado e não haja condenação
ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza9, suspender o
processo, impondo ao arguido determinadas regras de conduta que, se cumpridas
durante o prazo fixado, levarão o Ministério Público a, findo esse período, proferir
despacho de arquivamento;
- se considerar que foram recolhidos indícios suficientes de que houve crime e de
quem o praticou, e entender não haver lugar a nenhuma das duas soluções
anteriores, o Ministério Público profere despacho de acusação.

A acusação é uma peça processual, que deve conter:


- a identificação do arguido;
- a narração dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido;
- a indicação das normas aplicáveis;
- a indicação das provas.

Se o Ministério Público proferir despacho de acusação, o assistente – que é a vítima, a


quem, por requerimento, é atribuído esse estatuto processual, que lhe permite
desempenhar um papel mais activo no processo, conforme se refere detalhadamente
mais abaixo - pode também deduzir acusação, estando contudo limitado pela acusação
daquele – não pode imputar ao arguido um crime diferente daquele que lhe é
imputado pelo Ministério Público, nem acusá-lo por factos que acarretem uma
agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (ex.: se o Ministério Público
acusa por homicídio simples, o assistente não pode acusar por homicídio qualificado).
Aqui, a acusação do Ministério Público é a principal, e a do assistente está-lhe
subordinada.

146
• quanto aos crimes particulares
Nestes crimes, a decisão de acusar ou não cabe ao ofendido (que entretanto, e
obrigatoriamente, se constituiu assistente): finda a investigação, o Ministério Público
notifica-o para que ele, atendendo às diligências desenvolvidas durante o inquérito,
decida se deduzirá acusação. Nessa notificação, o Ministério Público indica se foram
recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus
autores. Se o assistente nada fizer, o processo será arquivado: dado o reduzido valor
para a sociedade dos crimes particulares, se o assistente não acusar o Ministério
Público também não o poderá fazer.

Se o assistente deduzir acusação, o Ministério Público pode, no prazo de cinco dias e


subordinando-se àquela, acusar também.

1.2.4 Requerimento de abertura da instrução


Se não concordarem com a decisão final do inquérito, têm legitimidade para requerer a
abertura da instrução:

• o arguido – se o Ministério Público e/ou o assistente acusaram, e o arguido não


concorda com a acusação, pode, com o intuito de tentar evitar a sua submissão a
julgamento, requerer a abertura da instrução;
• o assistente – se o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, mas o
assistente considera que há indícios suficientes que permitem levar o arguido a
julgamento; ou, mesmo tendo o Ministério Público acusado, o assistente não
concorda com o teor dessa acusação, pode requerer a abertura da instrução
(apenas o pode fazer nos crimes públicos e semipúblicos, porque, como nos crimes
particulares a decisão final do inquérito pertence ao assistente, não faria sentido
que ele requeresse a abertura da instrução para comprovar judicialmente a sua
própria decisão).

1.2.5 Instrução
Esta é uma fase facultativa: só há instrução se, nos termos atrás requeridos, for
requerida pelo arguido e/ou pelo assistente. Se tal não tiver sucedido, o processo,
findo o inquérito, ou segue directamente para julgamento (se tiver havido acusação),
ou é arquivado.

A instrução é dirigida por um juiz – o juiz de instrução – que vai confirmar ou não a
decisão final do inquérito: o juiz de instrução vai apreciar os indícios probatórios
recolhidos durante o inquérito, e vai, se achar conveniente, levar a cabo outras
diligências probatórias – actos de instrução - (com a colaboração dos órgãos de
polícia criminal).

O arguido e/ou o assistente podem requerer a realização de diligências probatórias,


mas o juiz só as efectuará se as considerar relevantes (a não ser o interrogatório do
arguido que, se for requerido, é obrigatoriamente realizado).

147
Há depois lugar a um debate perante o juiz de instrução – o debate instrutório -, no
qual participam o Ministério Público, o arguido, o seu defensor, o assistente e o seu
advogado. Neste debate, os intervenientes vão discutir se, das diligências levadas a
cabo durante o inquérito e a instrução, decorrem indícios suficientes que permitam
submeter o arguido a julgamento.

Estamos portanto perante uma segunda fase de investigação, que visa a comprovação
judicial da decisão final do inquérito.

1.2.6 Decisão instrutória


A fase de instrução termina com uma decisão do juiz de instrução:
• se o juiz de instrução considerar que, durante o inquérito e a instrução, foram
recolhidos indícios suficientes que justifiquem levar o arguido a julgamento, profere
despacho de pronúncia pela prática do(s) crime(s);
• caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

Quanto à possibilidade de recorrer da decisão instrutória há que distinguir:


• o despacho de não pronúncia é sempre recorrível;
• o despacho de pronúncia que pronuncie o arguido apenas pelos factos constantes
da acusação do Ministério Público é irrecorrível;
• nos restantes casos (pronúncia por factos constantes do requerimento do assistente
para a abertura da instrução, ou por factos constantes em processo por crime
particular, tendo a instrução sido requerida pelo arguido), o despacho de pronúncia
é recorrível.

1.2.7 Segredo de justiça


A regra é a de que o processo é público em todas as suas fases, quer relativamente
aos sujeitos processuais (publicidade interna) quer para o público em geral
(publicidade externa).

A publicidade do processo implica:


• assistência, pelo público em geral, à realização dos actos processuais;
• narração dos actos processuais pelos meios de comunicação social;
• consulta do processo e obtenção de cópias e certidões de quaisquer partes dele.

Pode contudo o Juiz de Instrução, a requerimento do arguido, assistente ou ofendido e


ouvido o Ministério Público, restringir a publicidade externa, determinando a sujeição
do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, por entender que a
publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais.
Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou os
direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao

148
processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão
sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de 72 horas.

Nestes casos em que tiver sido determinado o segredo de justiça pode o Minstério
Público, durante o inquérito, opôr-se à consulta de auto, obtenção de certidão e/ou
informação por sujeitos processuais caso considere, fundamentadamente, que tal pode
prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas,
cabendo a decisão ao Juiz de Instrução.

O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem como


as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou
conhecimento de elementos a ele pertencentes (o que pode ser o caso, por exemplo,
de técnicos de apoio à vítima da APAV que, ainda que não tenham tomado contacto
directo com o processo, podem ter conhecimento de partes deste através do que lhes
foi transmitido pela vítima).

Em caso de processo por crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e a


autodeterminação sexual, os actos processuais – incluindo o julgamento - decorrem
em regra com exclusão da publicidade.

1.2.8 Julgamento
Se no fim do inquérito houve acusação (ou se, tendo havido instrução, o juiz de
instrução proferiu despacho de pronúncia) o processo segue para o tribunal de
julgamento.

Depois de um primeiro contacto com o processo, o juiz profere um despacho, no qual


marca a data de julgamento, de modo a que entre esta e o dia em que os autos foram
recebidos não decorram mais de dois meses. A partir do momento em que é notificado
deste despacho, o arguido tem um prazo de 20 dias para apresentar a sua contestação
e o rol de testemunhas (contudo, e ao contrário do que sucede no processo civil, caso
o arguido não apresente contestação, não são dados como provados os factos que lhe
são imputados).

A audiência de julgamento é pública, e o tribunal pode ser:


• singular: constituído apenas por um juiz;
• colectivo: constituído por três juizes;
• de júri: constituído por três juizes, quatro jurados efectivos e quatro suplentes.

A competência material do tribunal é definida, em regra, com base na pena aplicável


ao crime em causa, sendo que o tribunal singular julga os crimes cuja pena máxima
não ultrapasse os cinco anos, o tribunal colectivo julga os crimes cuja pena máxima
seja superior a cinco anos, e o tribunal de júri julga os crimes cuja pena máxima seja

149
superior a oito anos e a sua intervenção tenha sido requerida pelo Ministério Público,
pelo assistente ou pelo arguido (tem sido muito rara a sua intervenção).

Na audiência de julgamento, visa-se:


• debater e apurar a matéria de facto – saber o que se passou -, através da
produção de prova: o juiz tem que formar a sua convicção com base naquilo que é
apresentado na audiência;
• discutir a questão jurídica.
Os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao princípio
do contraditório, isto é, todos os sujeitos processuais têm a oportunidade de analisar e
questionar os elementos probatórios: inquirir testemunhas e peritos, obervar
documentos, etc.

O arguido pode ser afastado da sala de audiência durante a prestação de declarações,


se o tribunal considerar, por exemplo, que a sua presença pode inibir o declarante de
dizer a verdade ou se o declarante for menor de 16 anos e houver razões para crer
que a sua audição na presença do arguido poderia prejudicá-lo gravemente.

As declarações prestadas oralmente em audiência são sempre documentadas, em


regra através de gravação audio ou audiovisual.

1.2.9 Decisão
Encerrada a audiência, será proferida decisão, que se denominará:
• sentença, se emanada de tribunal singular;
• acórdão, se proferida por tribunal colectivo ou de júri;

Esta decisão pode ser total ou parcialmente condenatória ou absolutória.

1.2.10 Recurso
Recurso é o meio de impugnação de uma decisão judicial (proferida por juiz(es)): a
regra é a de que as decisões judiciais são recorríveis, pelo que se pode interpor
recurso não só da sentença (ou acórdão) mas de qualquer decisão proferida por juiz
ao longo do processo (salvas as excepções legalmente previstas). Pode, por exemplo,
logo na fase de inquérito, interpor-se recurso da decisão judicial que aplique ao
arguido uma medida de coacção, ou (como atrás se referiu), no fim da instrução,
recorrer do despacho de não pronúncia.

Os recursos são apreciados:


• pelos Tribunais da Relação (apreciam matéria de facto e de direito);

150
e/ou (uma vez que há situações que admitem duplo grau de recurso)

• pelo Supremo Tribunal de Justiça (apenas reexamina matéria de direito).

Há duas espécies de recursos:


• ordinários (quando a decisão recorrida ainda não transitou em julgado);
• extraordinários (se a decisão já tiver transitado em julgado).

De entre os recursos extraordinários há ainda que distinguir:


• recursos para fixação de jurisprudência (quando, sobre a mesma questão de
direito e com base na mesma legislação, tenha havido decisões diferentes dos
tribunais superiores); o prazo para interposição deste recurso é de 30 dias contados
a partir do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar;
• recursos de revisão (servem para "atacar" decisões injustas já transitadas em
julgado - se o recurso tiver provimento, o julgamento será repetido).

1.3. Processos especiais


O Código de Processo Penal prevê três formas especiais de processo:

• Processo Sumário
• Processo Abreviado
• Processo Sumaríssimo

1.3.1 Processo sumário


Serve para julgar as pessoas detidas (por autoridade judiciária ou policial ou por
qualquer outra pessoa desde que esta, no prazo máximo de duas horas, tenha
entregue a pessoa detida a autoridade judiciária ou policial) em flagrante delito, isto
é, no momento em que estão a cometer o crime, tenham acabado de o cometer ou
sejam, logo após o crime, perseguidos por qualquer pessoa ou encontrados com
objectos ou sinais que mostrem claramente que acabaram de o cometer ou de nele
participar. Pode dar-se como exemplo o caso da pessoa que é detida depois de partir o
vidro de um automóvel e se preparava para furtar o que encontrasse no seu interior.

Como daqui já resulta a séria probabilidade de que o detido tenha cometido o crime,
prescinde-se das fases de investigação (inquérito e instrução), sendo aquele
apresentado imediatamente ou no mais curto prazo possível (sem exceder as 48h) ao
Ministério Público junto do tribunal competente para julgamento, para que este, depois
de, se o julgar conveniente, o interrogar sumariamente, o apresentar imediatamente a
julgamento. Caso o arguido tenha requerido prazo para preparação da sua defesa, o

151
Ministério Público pode interrogá-lo, para validação da detenção e libertação. Se o
julgar conveniente, o Ministério Público pode apresentar o arguido ao juiz de instrução
para efeitos de aplicação de medida de coacção.

O julgamento, sempre perante tribunal singular, realiza-se dentro das 48 horas


subsequentes à detenção, podendo este prazo ser alargado para 5 dias, quando
houver interposição de um ou mais dias não úteis. Contudo, a apresentação do arguido
a julgamento pode ser adiada até ao limite de 20 dias após a detenção, sempre que o
arguido tiver requerido prazo para preparação da sua defesa, quando o Ministério
Público entenda que é necessário proceder à recolha de prova essencial para a
descoberta da verdade ou quando tal seja essencial para obter a comparência de
testemunhas ou para a junção de exames, relatórios periciais ou documentos, cujo
depoimento ou junção o juiz considere imprescindíveis para a boa decisão da causa.

Nos crimes semipúblicos, a detenção só se mantém quando, em acto a ela seguido, o


titular do direito de queixa o exercer. Nos crimes particulares, não há lugar a detenção
em flagrante delito, mas somente à identificação do infractor.

A vítima pode constituir-se assistente ou intervir como parte civil se assim o solicitar,
mesmo que só verbalmente, no início do julgamento.

Esta forma de processo não é aplicável a casos de criminalidade altamente organizada,


crimes de discriminação racial, religiosa ou sexual, tortura e crimes contra a segurança
do Estado.

1.3.2 Processo abreviado


Se houver provas simples e evidentes de que o crime (punível com pena de multa ou
com pena de prisão não superior a cinco anos) se verificou e de quem o praticou, pode
o Ministério Público, com base no auto de notícia ou após inquérito sumário, e dentro
dos 90 dias subsequentes à aquisição da notícia do crime ou apresentação de queixa,
deduzir acusação para julgamento em processo abreviado (nos crimes particulares, a
acusação do Ministério Público tem lugar depois de deduzida a acusação particular).

Provas simples e evidentes são, por exemplo, a detenção em flagrante delito (e o


julgamento não puder efectuar-se sob a forma de processo sumário, devido ao
esgotamento do prazo, por exemplo), prova essencialmente documental ou prova
assente em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos.

Esta forma de processo foi criada a pensar nos crimes de emissão de cheque sem
provisão e nos crimes de difamação através da comunicação social, crimes em que a
prova está praticamente feita porque é de base documental. Daí o facto de se
pretender dotar estes processos de maior celeridade, através do encurtar das várias
fases processuais.

152
1.3.3 Processo sumaríssimo
A forma sumaríssima, aplicável a processos relativos a crimes puníveis com pena de
prisão não superior a cinco anos ou só com pena de multa, tem como finalidade
simplificar o procedimento criminal, através da obtenção de um consenso: finalizado
o inquérito, o Ministério Público, por iniciativa do arguido ou depois de o ter ouvido e
quando entender que, àquele caso concreto, deve apenas ser aplicada ao arguido uma
pena ou medida de segurança não privativas da liberdade, apresenta um requerimento
ao tribunal (singular) no qual, após a descrição dos factos, da prova existente e das
disposições violadas, justifica as razões pelas quais entende que ao arguido não deve
ser aplicada pena de prisão, e termina indicando a sanção que propõe. Tratando-se de
processo por crime particular, este requerimento depende da concordância do
assistente.
Depois:
• se o juiz concordar, manda chamar o arguido e pergunta-lhe se também concorda;
em caso afirmativo, fica o arguido condenado naqueles termos e o processo termina
ali;
• se o juiz não concordar, ou se, mesmo concordando, o arguido não aceitar a sanção
proposta pelo Ministério Público, o processo é reenviado para outra forma
processual.

Não sendo permitida nesta forma de processo a intervenção de partes civis, é contudo
permitido ao tribunal arbitrar uma quantia de reparação à vítima.

Em suma: como esta forma de processo pressupõe um acordo entre o juiz, o MP e o


arguido (e o assistente, nos casos de crimes particulares), não há julgamento.

1.4 Crimes públicos, semipúblicos e particulares


É agora fácil recuperar a distinção entre crimes públicos, semipúblicos e particulares,
com base no que ficou dito sobre a marcha do processo. Assim:

• crimes públicos são aqueles em que, devido a sua gravidade, basta que o
Ministério Público tenha conhecimento da sua ocorrência para instaurar o
procedimento criminal;
• nos crimes semipúblicos exige-se uma declaração de vontade do lesado ou do
seu representante legal - queixa - para que o Ministério Público possa dar início ao
processo, abrindo inquérito, sendo a partir daí a tramitação igual à dos crimes
públicos;
• nos crimes particulares o início do processo é idêntico ao dos crimes
semipúblicos: o Ministério Público só pode abrir inquérito se o lesado ou o seu
representante legal tiverem apresentado queixa; só que, para além disto, exige-se
ainda ao lesado que se constitua como assistente para que, findo o inquérito, se
considerar que há indícios suficientes para levar o arguido a julgamento, deduza
acusação - se o não fizer, o processo é arquivado; estes crimes só podem ser
processados na forma comum ou na forma abreviada.

153
1.5 O assistente
O assistente é o ofendido/queixoso que assume a posição de colaborador do MP.

Compete ao assistente:
• intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências
que considerar necessárias (pode, por exemplo, requerer a aplicação de uma
medida de coacção ao arguido/ agressor);
• deduzir acusação independentemente da do Ministério Público;
• nos crimes particulares, deduzir acusação particular, mesmo que o Ministério
Público não acuse;
• recorrer das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público não recorra.

O assistente é obrigatoriamente representado por advogado, que pode ser


oficiosamente nomeado, ao abrigo do regime do apoio judiciário, se aquele não tiver
recursos económicos.

Constituindo-se como assistente, o ofendido não pode ser ouvido como testemunha,
embora possa prestar declarações perante o Tribunal (sem que preste juramento),
ficando sujeito ao dever da verdade.

A constituição como assistente é um direito que o ofendido de qualquer crime pode


exercer, desde que tenha nisso interesse directo. Nos crimes particulares é obrigatória
a constituição como assistente para que o processo crime prossiga.

A constituição de assistente pode ocorrer em qualquer fase do processo, excepto nos


crimes particulares, em que se deve requerer a constituição no prazo de 10 dias após a
apresentação da queixa.

Nos casos em que não é concedido apoio judiciário, o ofendido deve pagar taxa de
justiça. A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no
montante de 1 Unidade de Conta, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um
valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta
actividade processual do assistente.

1.6 Medidas de coacção

1.6.1 Requisitos, tipologia e princípios


Medida de coacção é uma restrição à liberdade do arguido, e que pode ser aplicada no
decurso do processo crime para acautelar certos interesses, tais como:

154
• perigo de fuga;
• perigo para a obtenção e conservação da prova do crime;
• perigo para a ordem pública;
• perigo de continuação da actividade criminosa.

Todas as medidas de coacção são aplicadas por Juiz, excepto a medida de Termo de
Identidade e Residência, que pode ser também aplicada pelo Ministério Público ou por
órgão de polícia criminal.

Estão previstas no Código de Processo Penal as seguintes medidas:


• Termo de Identidade e Residência
• Caução
• Obrigação de Apresentação Periódica
• Suspensão do exercício de profissão, de função, de actividades e de direitos
• Proibição e imposição de condutas
• Obrigação de permanência na habitação
• Prisão preventiva

A aplicação destas medidas deve obedecer a três princípios: necessidade,


proporcionalidade e adequação.

Necessidade porquanto a aplicação de uma medida apenas deve ocorrer caso as


exigências cautelares do caso a imponham.

Proporcionalidade pois a restrição da liberdade do arguido deve ocorrer na medida


da gravidade do comportamento de que este é suspeito, e daí que a própria lei, ao
definir as condições de aplicação de cada medida, estabeleça qual o limite mínimo da
moldura penal dos crimes relativamente aos quais a medida pode ser aplicada.

Adequação no sentido de que a restrição à liberdade pessoal do arguido vá de


encontro ao comportamento de cuja prática este é suspeito. Exemplificando: a
indivíduo investigado por alegado abuso sexual do filho é adequada a aplicação da
medida de suspensão do exercício do poder paternal e/ou de proibição de contactos
(com o próprio filho).

O não cumprimento pelo arguido da medida de coacção imposta leva, em princípio, à


aplicação de outra mais gravosa.

155
1.6.2 Vigilância electrónica
Neste contexto, importa abordar a utilização de meios técnicos de controlo à distância
para fiscalização do cumprimento da medida de coacção obrigação de permanência na
habitação.
O sistema adoptado em Portugal baseia-se na rádio frequência, é o mais vulgarizado
em todo o mundo e visa a monitorização telemática posicional, isto é, a vigilância de
determinada pessoa em local previamente definido. O arguido é portador de um
dispositivo de identificação pessoal (DIP) - vulgo pulseira electrónica - que transmite
sinais em rádio frequência codificados, a intervalos de tempo curtos. Este dispositivo
de identificação pessoal é o “bilhete de identidade electrónico” do arguido enquanto
sujeito à Vigilância Electrónica.

A utilização de meios de vigilância electrónica depende do consentimento do arguido e


ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das
pessoas que vivam com o arguido e das que possam ser afectadas pela permanência
obrigatória do arguido em determinado local, sendo certo que o consentimento do
arguido é revogável a todo o tempo.

A utilização de meios de vigilância electrónica é decidida por despacho do juiz, durante


o inquérito, a requerimento do Ministério Público ou do arguido e depois do inquérito
ouvido o Ministério Público, sendo a decisão sempre precedida de audição do arguido.

Cabe à Direcção Geral de Reinserção Social proceder à execução da vigilância


electrónica.

Recaem sobre o arguido, nomeadamente, os deveres de:


• permanecer nos locais em que é exercida vigilância electrónica durante os períodos
de tempo fixados;
• contactar o técnico de reinserção social, com pelo menos vinte e quatro horas de
antecedência, para obter autorização judicial para se ausentar excepcionalmente
durante o período de vigilância electrónica;
• comunicar ao técnico de reinserção social, de imediato ou no período máximo de
doze horas, ausência motivada por factos imprevisíveis que não lhe sejam
imputáveis;
• apresentar justificação das ausências que ocorram durante os períodos de
vigilância electrónica.
A decisão que fixa a vigilância electrónica é revogada quando:
• se tornar desnecessária ou inadequada a sua manutenção:
• o arguido revogar o consentimento;
• o arguido danificar o equipamento de monitorização com intenção de impedir ou
dificultar a vigilância ou, por qualquer forma, iludir os serviços de vigilância ou se
eximir a esta;
• o arguido violar gravemente os deveres a que fica sujeito.

156
Quando proceder à revogação, o juiz, consoante os casos, fixa outro meio menos
intensivo de fiscalização do cumprimento da obrigação de permanência na habitação
ou impõe ao arguido outra ou outras medidas de coacção.
No âmbito do crime de violência doméstica poderá ser aplicada ao arguido a pena
acessória de proibição de contacto com a vítima a qual pode incluir o
afastamento da residência ou do local de trabalho daquela. O cumprimento desta pena
acessória pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

1.6.3 Modos de impugnação das medidas de coacção


Recurso
Da decisão que aplicar medidas de coacção cabe recurso para o tribunal de hierarquia
imediatamente superior. O recurso deve ser interposto no prazo de 20 dias.

O assistente não tem legitimidade para recorrer de decisão que aplicar, mantiver ou
substituir medidas de coacção (apesar de, em muitos casos, ter indubitavelmente
interesse em fazê-lo).

O facto de o Código de Processo Penal não atribuir ao assistente ou à vítima


legitimidade para requerer a aplicação de medida de coacção não impede
que aquele ou aquela, ou a própria APAV, sugiram esta aplicação às
autoridades judiciárias, fundamentando a sua necessidade e adequação.

Habeas corpus em virtude de prisão ilegal


O habeas corpus é um instituto jurídico que na sua feição moderna tem origem no
direito anglo-saxónico e surgiu como reacção perante os abusos do absolutismo
monárquico.

Este instituto há-de ser de utilização simples, isto é, sem grandes formalismos, e
rápido na actuação; não é um recurso, é uma providência extraordinária com a
natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto
espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade.

A ilegalidade da prisão deve resultar de:


• ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
• ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
• manter-se para além dos prazos fixados pela lei (prisão preventiva) ou por decisão
judicial (prisão efectiva).

Processamento: através de petição dirigida ao presidente do Supremo Tribunal de


Justiça que depois convoca a secção criminal, que delibera nos 8 dias subsequentes.

157
1.7 Libertação do arguido ou condenado
Sempre que considerar que pode haver perigo para a vítima, o tribunal tem o dever de
a informar:
• da data da libertação do arguido que se encontra em prisão preventiva
• da data da libertação de preso no termo do cumprimento da pena de prisão
• da data da libertação de preso para início do período de liberdade condicional
• da fuga de preso

1.8 Pedido de indemnização civil


A vítima de crime pode pedir uma indemnização ao agressor pelos danos que tenha
sofrido. Essa indemnização é requerida através da formulação de um pedido de
indemnização civil, efectuado no respectivo procedimento criminal.

É dever do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal informar os eventuais


lesados da possibilidade de pedirem aquela indemnização, das formalidades a
observar, do prazo a cumprir e das provas a apresentar.

O lesado/demandante civil deve manifestar o interesse em deduzir o pedido de


indemnização até ao encerramento do inquérito, sendo depois notificado do despacho
de acusação, para deduzir o pedido no prazo de 20 dias. Se não tiver manifestado esse
interesse, pode deduzir o pedido até 20 dias após a notificação do arguido do
despacho de acusação.

Quando o pedido é apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, é deduzido


na acusação ou no prazo em que esta deva ser formulada (nos 10 dias subsequentes
ao encerramento do inquérito).

A falta de contestação pelo demandado civil não implica confissão dos factos alegados
pelo lesado/demandante civil.

O pedido de indemnização civil deve abranger os seguintes danos:

• Danos patrimoniais, que englobam:


- dano emergente: prejuízo causado nos bens ou nos direitos existentes à data da
lesão. Por exemplo, tratamentos hospitalares, despesas com medicamentos,
deslocações a consultas médicas, etc.
- lucro cessante: os benefícios que o lesado deixou de obter devido à prática do
crime. Por exemplo, salários que a vítima deixou de receber enquanto esteve
incapacitada para o trabalho.

158
• Danos morais (ou não patrimoniais): são os prejuízos que, sendo
insusceptíveis de avaliação pecuniária, dado estar em causa a saúde, o bem-
estar, a honra e o bom nome da vítima, apenas podem ser compensados com a
obrigação monetária imposta ao autor do crime. Por exemplo, dor física e dor
psíquica (resultante de deformações físicas sofridas), perda do prestígio ou
reputação, etc.

Só é obrigatória a representação por advogado se o valor da indemnização pedida


exceder a alçada do tribunal de 1ª instância (em Outubro de 2008, 5000,00 €).
Quando a indemnização pretendida for inferior a este valor, pode o próprio lesado
efectuar o pedido através de simples requerimento, que não está sujeito a
formalidades especiais, podendo consistir em declaração em auto, com as indicações
do prejuízo sofrido e das provas.

Compete ao Ministério Público formular o pedido de indemnização nos casos em que o


lesado não dispõe de meios económicos, bem como nos restantes casos em que a
representação lhe é atribuída por lei.

Se o pedido de indemnização não for apresentado nos prazos estabelecidos, no


processo penal ou em separado, o Tribunal, nos casos em que o arguido é condenado,
pode arbitrar uma quantia como reparação pelos prejuízos sofridos pela vítima, quando
se impõem particulares exigências de protecção desta (se, por exemplo, em
consequência do crime, ficar em situação de carência económica).

N.B.: mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser
interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

2. Sistema de acesso ao direito e aos tribunais


2.1 Vertentes do sistema
A lei n.º 34/2004, de 29.07 (alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28.08), estabelece que o
sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja
dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por
insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus
direitos.

A finalidade deste sistema é, assim, garantir que mesmo os mais desfavorecidos


tenham acesso à justiça, mediante o auxílio do Estado, compreendendo duas
vertentes:
• Informação jurídica – incumbe ao Estado, através da criação, pelo Ministério da
Justiça, de serviços de acolhimento nos tribunais e serviços judiciários, dar a

159
conhecer o direito e o ordenamento legal, com vista a proporcionar um melhor
exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos;

• Protecção jurídica – garante o acesso à justiça aos mais desfavorecidos, sendo


concedida para questões ou causas judiciais concretas ou susceptíveis de
concretização em que o/a utente tenha um interesse próprio e que versem sobre
direitos directamente lesados ou ameaçados de lesão. Concretiza-se através de
duas modalidades:
- consulta jurídica – consiste no esclarecimento técnico sobre o direito aplicável a
questões ou casos concretos, a prestar em gabinetes de consulta jurídica, no
escritório dos advogados que adiram ao sistema de acesso ao direito ou por
entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos com legitimidade para o efeito;

- apoio judiciário, que inclui estas quatro principais possibilidades:

- dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;


- nomeação e pagamento da compensação de advogado;
- pagamento faseado de taxas de justiça e demais encargos com o processo;
- pagamento faseado da compensação de advogado.

Poderão ser beneficiários de protecção jurídica nas modalidades de consulta jurídica e


apoio judiciário:
• os cidadãos nacionais e da União Europeia;
• os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado-Membro
da União Europeia (aos estrangeiros sem título de residência válido num Estado da
União Europeia é reconhecido o direito a protecção jurídica na medida em que ele
seja atribuído aos portugueses pelas leis dos respectivos Estados – princípio da
reciprocidade);
• as pessoas colectivas sem fins lucrativos (apenas na modalidade de apoio
judiciário).

2.2 Insuficiência económica


Todos os que pretendam usufruir deste regime têm que demonstrar que se encontram em
situação de insuficiência económica, isto é, que, tendo em conta factores de natureza
económica e a respectiva capacidade contributiva, não têm condições para suportar
pontualmente os custos de um processo ou de uma consulta jurídica.
A apreciação da insuficiência económica é apurada tendo em conta:
• o número de pessoas do agregado familiar (pessoas que vivem em economia comum
com o requerente da protecção jurídica);
• o rendimento líquido completo do agregado familiar - soma da receita líquida do
agregado familiar (depois da dedução do imposto sobre o rendimento e das
contribuições obrigatórias para regimes de protecção social) com o montante da renda

160
financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais (bens imóveis, bens
móveis sujeitos a registo, participações sociais e valores mobiliários);
• deduções relevantes para efeitos de protecção jurídica – encargos com necessidades
básicas do agregado familiar e encargos com a habitação do agregado familiar.
O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica é o montante que resulta da
diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar e o valor da
dedução relevante para efeitos de protecção jurídica.
A estes elementos são aplicadas fórmulas de cálculo que permitirão apurar:
• se o requerente não tem condições para suportar qualquer quantia relacionada com os
custos de um processo, devendo igualmente beneficiar de consulta jurídica gratuita;
• se o requerente tem condições objectivas para suportar os custos de uma consulta
jurídica sujeita ao pagamento prévio de uma taxa, mas não tem condições objectivas
para suportar pontualmente os custos de um processo, beneficiando de apoio judiciário
na modalidade de pagamento faseado;
• se o requerente não se encontra em situação de insuficiência económica.

O requerente pode solicitar, por motivo justificado, que a apreciação da insuficiência


económica tenha em conta apenas o rendimento, património e despesa dele próprio ou
dele e de alguns elementos do seu agregado familiar. Tal pode suceder, por exemplo,
em situações em que o requerente se encontre em litígio com algum elemento do seu
agregado familiar, não fazendo sentido considerar o rendimento e património deste
para o apuramento da capacidade económica do requerente, uma vez que, na prática,
não poderá contar com aquele rendimento e património.

Se, perante um caso concreto, o dirigente máximo dos serviços de segurança social
competente para a decisão sobre a concessão da protecção jurídica entender que a
aplicação dos critérios legais conduz a uma manifesta negação do acesso ao direito e
aos tribunais pode decidir de forma diversa daquela que resulta da aplicação daqueles
critérios. Imagine-se uma situação em que o requerente pretenda interpor uma acção
judicial de valor muito elevado o que implica, consequentemente, custas judiciais
também extremamente elevadas. Da aplicação dos critérios legais (cujas fórmulas não
tomam em consideração os encargos do acção em concreto em que o requerente está
envolvido) pode resultar a não insuficiência económica do requerente que, contudo,
não tem na prática meios para custear as taxas de justiça daquele processo.

Em caso de dúvida sobre a verificação de uma situação de insuficiência económica, pode


ser solicitado pelo dirigente máximo do serviço de segurança social que aprecia o pedido
que o requerente autorize, por escrito, o acesso a informações e a documentos bancários e
que estes sejam exibidos perante tal serviço e, quando tal se justifique, perante a
administração tributária.

2.3 Como proceder para obter protecção jurídica


O apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do
processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de litígios.
Aplica-se também nos processos de contra-ordenação e nos processos que corram nas

161
conservatórias (como por exemplo os processos de divórcio por mútuo
consentimento).

O requerimento deve ser apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público da


segurança social antes da primeira intervenção processual, excepto se a situação de
insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser apresentado antes da
primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de
insuficiência económica.
Se se verificar insuficiência económica superveniente, o requerente deve juntar ao processo
judicial em curso documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário,
suspendendo-se o prazo para pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o
processo até à decisão definitiva sobre este pedido.
Podem efectuar o requerimento de protecção jurídica:

• o interessado na sua concessão;


• o Ministério Público em representação do interessado;
• o advogado, advogado estagiário ou solicitador, em representação do interessado,
bastando para comprovar essa representação as assinaturas conjuntas do
interessado e do patrono.

O requerimento é formulado em impressos específicos para o efeito, disponibilizados


gratuitamente pelos serviços de segurança social, podendo ser apresentado pessoalmente,
por fax, correio ou através da Internet, neste caso através do preenchimento do respectivo
formulário digital. (formulário digital disponível em www.apav.pt: a vítima e a lei / apoio
judiciário / Ministério da Justiça / formulário digital)
Este requerimento deverá ser acompanhado pelos documentos referidos no impresso. Se
todos os elementos necessários à prova da insuficiência económica não forem entregues
com o requerimento de protecção jurídica, os serviços de segurança social notificam o
interessado para que este os apresente no prazo de 10 dias, sob pena de indeferimento do
pedido.
Estão isentos de impostos, emolumentos e taxas os requerimentos, certidões e quaisquer
outros documentos pedidos para fins de protecção jurídica.
Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o
requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso naquela
acção interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da
apresentação do requerimento, reiniciando-se ou a partir da notificação ao patrono
nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de
indeferimento.

A audiência prévia do requerente de protecção jurídica tem obrigatoriamente lugar, por


escrito, nos casos em que está proposta uma decisão de indeferimento, total ou
parcial, do pedido formulado. Se aquele não se pronunciar no prazo que lhe for
concedido, a proposta de decisão converte-se em decisão definitiva.

162
A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos
serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente, devendo ser
notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de patrono, também à
Ordem dos Advogados.

O prazo para conclusão deste procedimento administrativo e respectiva decisão é de


30 dias e é contínuo (não se suspendendo durante as férias judiciais). Se este lapso de
tempo decorrer sem que a referida decisão seja proferida, considera-se tacitamente
deferido o pedido.
Neste caso, é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito e, quando
estiver em causa um pedido de nomeação de patrono, a tramitação subsequente é a
seguinte:
• quando o pedido tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, o tribunal
em que a causa está pendente solicita à Ordem dos Advogados que proceda à
nomeação de patrono;
• quando o pedido não tiver sido apresentado na pendência de acção judicial,
incumbe ao interessado pedir a nomeação de patrono junto da segurança social,
para que esta, no prazo de dois dias úteis, solicite a nomeação à Ordem dos
Advogados.

A decisão não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo


susceptível de impugnação judicial pelo interessado ou, no caso de o pedido ter sido
apresentado na pendência de acção judicial, pela parte contrária. O recurso de
impugnação é dirigido ao serviço de segurança social que apreciou o pedido, no prazo
de 15 dias após o conhecimento da decisão, dispondo depois aquele serviço de 10 dias
para decidir: ou revoga a decisão ou, mantendo-a, envia o processo para o tribunal
competente.

A decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta


medida do apoio concedido. O apoio judiciário mantém-se até ao final do processo,
incluindo eventuais recursos, qualquer que seja a decisão sobre a causa. É extensivo a
todos os processos que sigam por apenso àquele para o qual foi concedido, sendo-o
também para o processo principal quando concedido em qualquer processo que decorra
em apenso. Mantém-se ainda para as execuções fundadas em sentença proferida em
processo em que essa concessão se tenha verificado.

No caso de deferimento do pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa ou


de pagamento faseado de taxas de justiça e demais encargos com o processo, deve o
requerente juntar aos autos documento comprovativo da sua concessão no momento
em que deveriam apresentar o documento comprovativo do pagamento da taxa de
justiça.

Não havendo decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento em que
deva ser efectuado o pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo
judicial, procede-se do seguinte modo:

163
• se não for ainda conhecida decisão do serviço de segurança social competente, fica
suspenso o prazo para proceder ao respectivo pagamento até que tal decisão seja
comunicada ao requerente;
• tendo havido já decisão do serviço de segurança social concedendo apoio judiciário
em modalidade de pagamento faseado, o pagamento da primeira prestação é
devido no prazo de 10 dias contados da data da sua comunicação ao requerente,
sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da
impugnação daquela decisão;
• tendo havido já decisão negativa do serviço da segurança social, o pagamento é
devido no prazo de 10 dias contados da data da sua comunicação ao requerente,
sem prejuízo do posterior reembolso das quantias pagas no caso de procedência da
impugnação daquela decisão.

A nomeação de patrono, sendo concedida, é realizada pela Ordem dos Advogados,


sendo notificada ao requerente e ao patrono nomeado. A nomeação de patrono
oficioso, pela Ordem dos Advogados, destinado à propositura de uma acção, depende
de juízo sobre a existência de fundamento legal da pretensão, feito em sede de
consulta jurídica.

O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos


Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.

2.4 Cancelamento e caducidade da protecção jurídica


A protecção jurídica é cancelada, quer na sua totalidade, quer relativamente a algumas
das suas modalidades:

• se o requerente ou o respectivo agregado familiar adquirir meios suficientes para


poder dispensá-la;
• quando se prove por novos documentos a insubsistência das razões pela qual foi
concedido;
• caso os documentos que serviram de base à sua concessão sejam considerados
falsos por decisão com trânsito em julgado;
• se, em recurso, for confirmada a condenação do requerente como litigante de má
fé;
• se, em acção de alimentos provisórios, for atribuída ao requerente uma quantia
para custear a acção;
• se o requerente a quem tiver sido concedido apoio judiciário em modalidade de
pagamento faseado não proceder ao pagamento de uma prestação e mantiver esse
incumprimento no termo do prazo que lhe for concedido para proceder ao
pagamento em falta acrescido de multa equivalente à prestação em falta.

164
A protecção jurídica pode ser retirada oficiosamente ou a requerimento do Ministério
Público, da Ordem dos Advogados, da parte contrária ou do patrono nomeado, sendo o
requerente sempre ouvido.

Se o requerente adquirir meios suficientes, deverá declarar estar em condições de


dispensar a protecção jurídica em alguma ou em todas as modalidades concedidas, sob
pena de ficar sujeito às sanções previstas para a litigância de má fé.

Caso se verifique que o requerente de protecção jurídica possuía à data do pedido ou


adquiriu no decurso do processo ou no prazo de quatro anos após o seu termo, meios
económicos para pagar honorários, despesas, custas, imposto, emolumentos, taxas e
quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido declarado isento, é instaurada
acção para cobrança das respectivas importâncias pelo Ministério Público ou qualquer
outro interessado.

Pode mesmo ser instaurado procedimento criminal se, para beneficiar da protecção
jurídica, o requerente cometer crime.

A protecção jurídica extingue-se por morte da pessoa singular ou extinção ou


dissolução da pessoa colectiva a quem foi concedida (salvo se os sucessores na lide,
no incidente da sua habilitação, juntarem cópia do requerimento de apoio judiciário e o
mesmo vier a ser deferido) ou se decorrer um ano após a sua concessão sem que
tenha sido prestada consulta ou instaurada acção em juízo por razão imputável ao
requerente.

Da decisão que determine o cancelamento ou verifique a caducidade da protecção


jurídica cabe impugnação judicial.

3. Indemnização pelo estado às vítimas de crimes violentos

O regime jurídico de protecção às vítimas de crimes violentos consta da Lei 104/2009,


de 14 de Setembro.

A protecção às vítimas de crimes violentos consiste na atribuição a essas vítimas de


uma indemnização por parte do Estado, quando a mesma não possa ser satisfeita pelo
delinquente e desde que o prejuízo tenha causado uma perturbação considerável do
nível e qualidade de vida do lesado. Foi criada uma Comissão no seio do Ministério da
Justiça (Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes), que instrui os pedidos de
indemnização e decide sobre os mesmos.

165
Podem requerer esta indemnização:
• as vítimas de danos graves para a respectiva saúde física ou mental directamente
resultantes de actos de violência praticados em território português;
• em caso de morte da vítima, as pessoas a quem a lei concede o direito a alimentos
e as que vivessem em união de facto com a vítima;
• as pessoas que auxiliaram a vítima ou colaboraram com as autoridades na
prevenção da infracção, perseguição ou detenção do delinquente, relativamente aos
prejuízos que por causa disso sofreram.

Devem verificar-se cumulativamente as seguintes condições:


• da lesão ter resultado uma incapacidade permanente, uma incapacidade temporária
absoluta de pelo menos 30 dias, ou a morte;
• o prejuízo ter provocado uma perturbação considerável do nível e qualidade de vida
da vítima ou, no caso de morte, do requerente;
• a vítima não ter sido, efectivamente, indemnizada através do pedido deduzido em
processo crime, ou ser razoável prever que o agressor e responsáveis civis não
repararão o dano, ou o agressor nem sequer ser conhecido, ou o agressor não
poder ser acusado ou condenado.

Nos casos de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual ou de crimes


contra menores, pode ser dispensada a verificação da primeira condição se
circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas assim o aconselharem.

Este regime legal de indemnização pelo Estado não se aplica nos seguintes casos:
• quando o dano for causado por um veículo terrestre a motor (nos casos em que o o
responsável não é conhecido ou não beneficie de seguro automóvel - que é
obrigatório -, o Fundo de Garantia Automóvel garante, verificados certos requisitos,
o pagamento de indemnizações por danos decorrentes deste tipo de sinistros);
• quando forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em serviço (casos
em que a responsabilidade é da entidade empregadora que, em princípio, a terá
transferido para uma companhia de seguros).

A indemnização é fixada em termos de equidade, tendo como limite máximo 340 UC.
Este limite máximo é reduzido para metade no caso de a não concessão de qualquer
indemnização ao requerente no âmbito do processo penal ou fora dele se dever a facto
unicamente imputável ao requerente, nomeadamente por não ter deduzido pedido de
indemnização cível ou por dele ter desistido.

Esta indemnização pode também ser reduzida ou excluída tendo em conta:


• a conduta da vítima ou do requerente antes, durante ou após a prática dos factos;
• as suas relações com o autor ou o seu meio; ou
• se se mostrar contrária ao sentimento de justiça ou à ordem pública.

166
O pedido de indemnização pode ser apresentado até um ano a partir da data do facto
criminoso ou, se houver processo criminal, até um ano após a decisão que lhe põe
termo. A vítima que à data do acto de violência fosse menor pode apresentar o pedido
até um ano depois de atingida a maioridade ou de ser emancipada.

O Ministro da Justiça pode relevar o requerente do efeito da caducidade quando


justificadas circunstâncias tiverem impedido a apresentação do pedido em tempo útil.

O adiantamento da indemnização pode ser requerido, designadamente:


• pela vítima;
• associações ou outras entidades privadas que prestem apoio às vítimas de crimes
(por solicitação e em representação destas);
• entidades públicas, incluindo o Ministério Público.

O pedido, que deve ser deduzido em formulário próprio, é enviado para a Comissão
de Protecção às Vítimas de Crimes Violentos. Está isento do pagamento de
quaisquer custas ou encargos para a vítima, podendo inclusivamente os documentos e
certidões necessárias para a instrução deste processo ser obtidos gratuitamente.

Quem obtiver ou tentar obter uma indemnização nos termos deste regime com base
em informações falsas ou inexactas pode ser punido com pena de prisão até 3 anos ou
multa.

Em caso de urgência (situação de grave carência económica) pode ser requerida à


Comissão a atribuição de uma provisão por conta da indemnização que vier a ser
atribuída.

A vítima de um crime cometido no território de outro Estado Membro da União


Europeia, que tenha a sua residência habitual em Portugal, pode apresentar pedido de
indemnização perante a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes Violentos do
Ministério da Justiça. Caberá a esta comissão apoiar a vítima na dedução deste pedido
(fornecendo-lhe os formulários adequados, ajudando-a no seu preenchimento e
informando-a acerca dos documentos necessários, por exemplo) transmitir o pedido à
autoridade competente do Estado-Membro em que o crime foi consumado e auxiliar na
instrução do mesmo. Em sentido inverso, a vítima de um crime violento praticado em
território português que tenha a sua residência habitual noutro Estado-membro poderá
apresentar o seu pedido de indemnização perante a autoridade competente do seu
Estado de residência. Esta autoridade deverá transmitir o pedido à comissão
portuguesa, que fará a instrução do pedido e determinará a quantia a pagar pelo
Estado Português.

167
4. Justiça Restaurativa - mediação vítima - infractor
4.1 O que é a Justiça Restaurativa
A Justiça Restaurativa é uma corrente relativamente recente nas áreas da vitimologia e
da criminologia. Surgida em meados da década de 70, nasce associada à proclamação
do fracasso da denominada justiça retributiva, incapaz de dar respostas adequadas ao
crime e às problemáticas específicas de vítimas e infractores.

Encontramos na literatura sobre a matéria inúmeras definições de Justiça Restaurativa,


nem sempre coincidentes. Citem-se-se duas das mais recorrentemente mencionadas e
consensualmente aceites:

“É um processo através do qual as partes envolvidas num crime decidem em conjunto


como lidar com os efeitos deste e com as suas consequências futuras.” (Marshall,
1997)

“É um processo no qual a vítima, o infractor e/ou outros indivíduos ou membros da


comunidade afectados por um crime participam activamente e em conjunto na
resolução das questões resultantes daquele, com a ajuda de um terceiro imparcial.”
(Projecto de Declaração da ONU relativa aos Princípios Fundamentais da Utilização de
Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal).

A Justiça Restaurativa é assim uma forma diferente de perspectivar como é que todos
nós, enquanto vítimas, infractores, autoridades policiais e judiciárias e comunidade em
geral devemos responder ao crime. É um novo padrão de pensamento, que vê o crime
não meramente como violação da lei, mas como causador de danos às vítimas, à
comunidade e até aos infractores. Centra-se na activa participação das vítimas,
agressores e comunidades, muitas vezes concretizada através de encontros entre
estes, num esforço para identificar a injustiça praticada, o dano resultante, os passos
necessários para a sua reparação e as acções futuras que possam reduzir a
possibilidade de ocorrência de novos crimes.

A justiça restaurativa coloca a vítima e o infractor no centro do processo, como seus


protagonistas, procurando o empowerment e a satisfação das partes, a reparação dos
danos sofridos, o envolvimento comunitário e a restauração das relações humanas
existentes. Perspectiva o crime como uma perturbação nas relações entre pessoas que
vivem em conjunto numa comunidade, numa sociedade ou nas relações entre o
infractor e a comunidade onde se insere.

São geralmente apontados três elementos fundamentais do conceito de Justiça


Restaurativa:
• o elemento social - o crime é encarado não como uma mera violação da lei mas,
acima de tudo, como uma perturbação, uma disfunção das relações humanas. Esta
perspectiva implica uma mudança de paradigma: é a redefinição do conceito de crime,

168
passando este a ser encarado como um acto de uma pessoa contra outra, violador de
uma relação no seio de uma comunidade, em vez de um acto contra o Estado. A tónica
é colocada no comportamento anti-social e na brecha aberta nas relações comunitárias;
• o elemento participativo ou democrático – este elemento é a pedra de toque de
todo o conceito: só pode falar-se em justiça restaurativa se houver um envolvimento
activo das vítimas, infractores e, eventualmente, da comunidade, guindados a “actores
principais” no âmbito destes procedimentos;
• o elemento reparador – os processos restaurativos são orientados para a reparação
da vítima: pretende-se que o infractor repare o dano por si causado, e o facto de este e
a vítima estarem envolvidos no procedimento permite ir ao encontro das reais e
concretas necessidades desta.

Idealmente, os principais méritos da justiça restaurativa são, ao promover a participação


activa de vítimas, infractores e comunidades, permitir às primeiras expressar os
sentimentos experienciados, as consequências decorrentes do crime e as necessidades a
suprir para a ultrapassagem dos efeitos deste, proporcionar aos segundos a possibilidade
de compreenderem em concreto o impacto que a sua acção teve na vítima, de assumirem
a responsabilidade pelo acto perpetrado e de repararem de alguma forma, total ou ao
menos parcialmente, o mal causado, e possibilitar às terceiras a recuperação da “paz
social”. Enumere-se mais em pormenor as virtudes que a doutrina, coadjuvada pelas
investigações já desenvolvidas nesta área, aponta à Justiça Restaurativa.

As vítimas de crime têm a oportunidade de:


• confrontar o infractor com o impacto que o crime lhe causou, expressando os seus
sentimentos, a forma como a sua vida foi afectada pelo crime, as suas emoções e
necessidades;
• descobrir como é o infractor − “conhecer-lhe o rosto”;
• formular perguntas (através do mediador ou directamente) a que somente o autor
do crime poderá responder: porque é que fez o que fez, porquê a mim, fiz alguma
coisa que proporcionasse ou provocasse o crime, etc.;
• afastar medos e receios sobre o infractor: será que vai voltar, estarei em perigo;
• receber um pedido de desculpas e presenciar o arrependimento;
• com maior probabilidade, receber do infractor justa reparação dos danos materiais
e não materiais sofridos;
• participar de forma mais activa numa proposta de solução para o caso;
• evitar a morosidade do processo penal, assim como as frequentes idas a Tribunal,
com o consequente efeito revitimizador;
• “encerrar” o assunto, o que pode ajudar a recuperar a paz de espírito.

Os autores do crime (os infractores) têm a oportunidade de:


• assumir a responsabilidade pelo seu acto;
• Explicar o porquê da prática do crime;

169
• tomar consciência dos efeitos do crime na vítima e compreender a verdadeira
dimensão humana das consequências do seu comportamento, o que mais
facilmente conduzirá ao seu verdadeiro arrependimento;
• pedir desculpa;
• proporcionar à vítima justa reparação pelos danos causados;
• actuar no futuro de acordo com a experiência e conhecimentos entretanto
adquiridos;
• aumentar o nível de auto-conhecimento e de auto estima;
• promover a sua reinserção social – reabilitando-o junto da vítima e da sociedade e
contribuindo para a redução da reincidência.

A comunidade experiencia os seguintes efeitos positivos decorrentes da justiça


restaurativa:
• aproximação dos cidadãos da realização da Justiça, permitindo a sua participação
na resolução dos conflitos verificados no seio da comunidade;
• redução do impacto do encarceramento na comunidade − quando os infractores,
depois de cumprirem pena de prisão, regressam à sua comunidade, vêm
“formados” em crime;
• promoção da pacificação social;
• realização da prevenção geral e da prevenção especial – contributo para a redução
da reincidência.

A justiça restaurativa beneficia o sistema tradicional de justiça criminal e a


administração da Justiça nas seguintes vertentes:
• contribui para a individualização das respostas e reacções jurídico-penais face às
características de cada caso;
• promove a aproximação e a compreensão do sistema judicial de justiça pelos
cidadãos;
• contribui para a melhoria da imagem e percepção dos cidadãos da Justiça;
• facilita a resolução de litígios de uma forma rápida, flexível e participada;
• contribui para a prevenção de litigiosidade;
• pode contribuir para a redução de processos no sistema tradicional de justiça
criminal, possibilitando a concentração de esforços e meios em áreas de
criminalidade mais exigentes;
• reduz os custos da “máquina” judicial,
• reduz os custos com o encarceramento.

A justiça restaurativa tem sido levada à prática através de diversos modelos que, embora
eivados de princípios, valores e características atrás descritos, diferem razoavelmente entre
si, radicando essas diferenças nas origens culturais que os inspiram. O modelo mais
utilizado, designadamente na Europa, é a mediação vítima-infractor.

170
4.2 A mediação vítima-infractor
Mas o que é a mediação vítima-infractor? É, em primeiro lugar, um processo, ou seja,
um conjunto de actos sequencialmente organizados de modo a atingir uma
determinada finalidade. Este processo possibilita à vítima encontrar-se com o infractor
na presença de um terceiro imparcial – o mediador. Ambos os intervenientes
expressam o seu ponto de vista e os seus sentimentos acerca do crime: a vítima tem a
oportunidade de confrontar o infractor com o impacto do seu acto, este tem por sua
vez a oportunidade de assumir perante aquela a responsabilidade pela sua conduta e
de compreender o mal que esta provocou. Para além disto, vítima e infractor têm a
possibilidade de delinear, em conjunto, um plano de “restauração”, de reparação do
dano causado, plano que se afigure justo e adequado àquele caso concreto.

Este processo pauta-se por três princípios fundamentais:


 voluntariedade dos intervenientes
 imparcialidade e neutralidade do mediador
 confidencialidade do processo.

O papel do mediador não é o de impor um acordo entre os intervenientes, mas sim o


de promover a interacção entre vítima e infractor de modo a que cada um assuma um
papel activo na construção de uma solução tida como justa por ambos.

A configuração típica de um processo de mediação abrange quatro fases:


 a entidade responsável pela selecção de casos envia a situação para os serviços de
mediação;
 o mediador contacta (em separado) a vítima e o infractor, confirmando que ambos
reunem os pressupostos para participar na mediação (designadamente se estão em
condições psicológicas de fazer com que esta decorra de modo construtivo, se a
vítima não sofrerá vitimação secundária decorrente do encontro com o infractor, se
ambos percepcionam a sua participação como voluntária) e preparando-os para a
mediação – esta fase é geralmente designada pré-mediação;
 os intervenientes encontram-se e, na presença do mediador, apresentam a sua
versão dos factos, exprimem os seus sentimentos e emoções e tentam acordar
quanto à natureza e extensão do dano de modo a identificar os actos necessários à
reparação – é a sessão (ou sessões) de mediação propriamente dita;
 a entidade responsável pela monitorização do acordo verifica o seu cumprimento.

Cumpre aqui proceder a uma importante distinção entre mediação directa e indirecta:
na mediação directa vítima e infractor encontram-se efectivamente, “cara-a-cara”; na
mediação indirecta tal não sucede, pelo que o contacto entre aqueles é efectuado
através de um intermediário – o mediador -, que ou transmite oralmente a cada um as
mensagens do outro, ou entrega as cartas ou os depoimentos gravados em áudio ou
video. Se é certo que a mediação directa é mais consentânea com os princípios e
características da justiça restaurativa e tem provado na prática ser mais eficaz e

171
satisfatória, não é menos verdade que a mediação indirecta tem sido também
profusamente (nalguns casos até maioritariamente) utilizada, pois muitos casos há em
que vítima e/ou infractor, querendo embora participar num processo de mediação, não
pretendem encontrar-se directamente com o outro o que, em nome da autonomia e da
voluntariedade que lhes assiste, é aceite pela entidade responsável pela mediação.

4.3 A mediação vítima-infractor em Portugal

4.3.1 A mediação com infractores jovens


O sistema jurídico português prevê expressamente a figura da mediação na Lei Tutelar
Educativa (Lei 166/99, de 14 de Setembro), diploma resultante da profunda reforma
operada no direito de menores – reorientado numa perspectiva responsabilizadora,
pedagógica e reparadora em detrimento da óptica proteccionista, anteriormente
vigente - e que se aplica nos casos em que um jovem com idade compreendida entre
os 12 e os 16 anos pratica um facto qualificado pela lei penal como crime (podendo a
execução das medidas alargar-se até aos 21 anos).

A mediação no âmbito da Lei Tutelar Eduacativa apresenta-se claramente centrada no


jovem infractor, uma vez que se desenvolve no âmbito de uma intervenção – a
intervenção tutelar – cuja finalidade é, nas próprias palavras da exposição de motivos
daquela Lei, a educação do menor para o direito e não a retribuição pelo crime.

O processo tutelar está estruturado em duas fases:


• a fase de inquérito, presidida pelo Ministério Público, visa apurar a existência do
facto, a prova da sua prática pelo menor e a necessidade de aplicação a este de
uma medida tutelar; esta fase termina com a suspensão – mecanismo de diversão
introduzido pela nova lei -, arquivamento ou com o requerimento de abertura da
fase jurisdicional;
• a fase jurisdicional, presidida pelo juiz, compreende a comprovação judicial dos
factos, a avaliação da necessidade de aplicação de medida tutelar e a
determinação e execução da medida tutelar.

De entre as medidas tutelares previstas, refira-se as que visam directamente


finalidades de reparação:
• reparação ao ofendido (apresentação de desculpas, compensação económica,
exercício em benefício do ofendido de actividade que se conexione com o dano);
• prestações económicas (entrega de determinada quantia em benefício de entidade,
pública ou privada, de fim não lucrativo);
• tarefas a favor da comunidade (exercício de actividade em benefício de entidade,
pública ou privada, de fim não lucrativo).

O recurso à mediação depende de determinação da autoridade judiciária – procurador


ou juiz -, ainda que a iniciativa possa ter partido do menor, seus pais ou representante
legal.

172
Se a autoridade judiciária é, assim, a gatekeeper da mediação, a entidade responsável
pela implementação desta prática é a Direcção Geral de Reinserção Social (DGRS), do
Ministério da Justiça: enquanto órgão auxiliar da administração da justiça que tem
como objectivos a reintegração social de delinquentes e o apoio à jurisdição de
menores, e reconhecendo as potencialidades da utilização da mediação no contexto
das finalidades propugnadas pela LTE e o facto de esta ser um meio de resolução de
conflitos originados pela prática de facto ilícito que melhor materializa o Principio da
Intervenção Mínima - um dos princípios orientadores da intervenção tutelar educativa –
a DGRS decidiu, na ausência de outras entidades públicas ou privadas de mediação,
criar em 2002 o Programa de Implementação da Mediação em Processo Tutelar
Educativo: programa de acção, a nível nacional, destinado a criar e a fomentar
melhores condições técnicas e logísticas para a execução de decisões das autoridades
judiciárias que determinem processos de mediação.

Na Fase de Inquérito, presidida pelo Ministério Público, o Programa de Mediação e


Reparação disponibiliza as seguintes intervenções:
• mediação entre infractor e vítima com vista à conciliação e/ou reparação, sempre
que o Ministério Público o determine e encaminhe o caso para os serviços de
mediação. O acordo resultante é depois enviado para aquela autoridade judiciária
que, caso o aprove, promoverá a sua execução e o subsequente arquivamento do
processo
• apoio na elaboração do plano de conduta – verificadas as condições legalmente
previstas e sempre que haja uma vitima concreta e o menor reúna os requisitos
básicos de acesso, o programa dá prioridade ao recurso à mediação, sendo os
compromissos aí assumidos vertidos para um plano de conduta, que é enviado
para o tribunal que, com base neste, poderá decidir-se pela suspensão do
processo.

Em ambas as intervenções descritas, o acesso ao processo de mediação depende da


verificação de que quer o menor quer a vitima reúnem os requisitos básicos. Esta
verificação é efectuada através de entrevistas individuais, nas quais são aferidos os
seguintes aspectos:

Relativamente ao menor:
• reconhecimento por parte do menor da sua responsabilidade e/ou participação nos
factos imputados e nos danos por eles provocados;
• capacidade e vontade em conciliar-se e/ou em encontrar soluções reparadoras do
dano provocado;
• vontade de participar no processo de mediação com vista a solucionar o conflito e
a cumprir os compromissos assumidos.

Relativamente à vitima:
• avaliação dos danos e do grau de vitimação;
• capacidade e interesse em conciliar-se e em ser reparado;
• vontade de participar num processo de mediação.

173
Tal como preconizado na Recomendação Nº R (99) 19 do Conselho da Europa, tem-se
ainda em conta na avaliação das partes as diferenças relacionadas com factores como
a idade, maturidade ou capacidade intelectual, enquanto factores essenciais para um
cabal entendimento do sentido deste processo.

Se o menor revela vontade em conciliar-se e/ou executar uma acção reparadora mas
não é possível a realização da mediação ou não se obtém acordo, essa predisposição
não é ignorada, sendo aquele incentivado e apoiado pelo programa a procurar outras
soluções, como sejam a reparação à comunidade, por exemplo sob a forma de
prestação de tarefas, ou a prossecução de objectivos de formação pessoal ou escolar.

Por último, o Ministério Público pode determinar a cooperação da Direcção Geral de


Reinserção Social para apoiar o menor na concretização de compromissos assumidos
no acordo de mediação ou no plano de conduta (que, relembre-se, poderá conter
obrigações definidas no âmbito de um processo de mediação). No final da sua
execução é avaliada a atitude e o grau de cumprimento dos compromissos assumidos
pelo menor, avaliação essa que inclui uma análise acerca de todo o processo efectuada
pelo próprio menor e pelos destinatários da(s) prestação(ões). Com base nesta
informação é elaborado um relatório para o Ministério Público.
Nos casos em que o menor não cumpre os compromissos assumidos, o técnico informa
o Ministério Público, podendo este dar continuidade à tramitação do processo.

Na fase jurisdicional, a intervenção dos serviços de mediação visa a obtenção de um


consenso relativamente à medida tutelar educativa não institucional a aplicar ou às
condições de execução desta. O recurso à mediação nesta fase do processo tem tido
expressão diminuta.

4.3.2 A mediação com infractores adultos


Em 2005, o Ministério da Justiça deu início à preparação de um diploma legal tendente
a introduzir a mediação vítima-infractor no ordenamento jurídico português. A proposta
foi submetida a debate público, tendo sido aprovada pela Assembleia da República em
12 de Abril de 2007 e entrado em vigor em 12 de Julho do mesmo ano - Lei
nº21/2007, que cria um regime de mediação penal.

Esta lei veio dar cumprimento ao artigo 10º da Decisão-Quadro do Conselho da União
Europeia relativo ao Estatuto da Vítima em Processo Penal, que obriga os Estados-
Membros a implementar mecanismos de mediação nos seus ordenamentos jurídicos.
Complementarmente foram aprovadas três Portarias (ns.º 68-A/2008, 68-B/2008 e 68-
C/2008, todas de 22.1) e um Despacho (n.º 2168-A/2008, também de 22.1) que
regulamentam aspectos específicos deste programa.

Os traços fundamentais do regime legal de mediação são os seguintes:


• podem ser encaminhados para mediação processos por crimes contra as pessoas e
por crimes contra o património, semipúblicos e particulares, puníveis com pena de
prisão igual ou inferior a 5 anos de prisão ou com pena de multa, com excepção

174
dos casos em que a vítima é menor de 16 anos, quando o arguido é uma pessoa
colectiva ou quando se trata de crimes contra a liberdade ou a autodeterminação
sexual.
• caso tenham sido recolhidos indícios de se ter verificado crime e de que o arguido
foi o seu agente, pode o Ministério Público em qualquer momento da fase de
inquérito, se entender que desse modo se pode responder adequadamente às
exigências de prevenção, remeter o processo para mediação, disso dando
conhecimento à vítima e ao arguido.
• a mediação pode também ser requerida pela vítima ou pelo infractor.
• não resultando da mediação acordo ou se o processo de mediação não estiver
concluído no prazo de 3 meses (prorrogável por mais 2 meses por solicitação do
mediador, em caso de forte probabilidade de acordo), o mediador informa disso o
Ministério Público, prosseguindo o processo penal.
• a assinatura de acordo equivale a desistência de queixa por parte da vítima e à não
oposição por parte do arguido, podendo aquela, caso o acordo não seja cumprido
no prazo fixado, renovar a queixa no prazo de um mês, sendo reaberto o inquérito.
• o acordo não pode incluir deveres cujo cumprimento se deva prolongar por mais de
6 meses.
• nas sessões de mediação, os intervenientes devem comparecer pessoalmente,
podendo fazer-se acompanhar de advogado.
• o teor das sessões de mediação é confidencial, não podendo ser valorado como
prova em processo penal.
• pelo processo de mediação não há lugar ao pagamento de custas.
• pode candidatar-se às listas de mediadores penais quem tiver mais de 25 anos,
tiver licenciatura ou experiência profissional adequadas e estiver habilitado com um
curso de mediador penal reconhecido pelo Ministério da Justiça.
• os serviços de mediação funcionarão junto de alguns dos julgados de paz,
aproveitando a logística e a organização destes.

A proposta de lei opta por não regulamentar excessivamente os aspectos internos da


condução da mediação, deixando-os às regras próprias da profissão de mediador,
deontologia profissional e manuais de “boas práticas”.

5. Internamento compulsivo
A Lei n.º 36/98, de 24.7, regula a problemática da saúde mental e, designadamente, o
internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica.

5.1 Quem pode ser internado compulsivamente


Pode ser internado compulsivamente o portador de anomalia psíquica grave que:

175
• crie, por força dessa anomalia, uma situação de perigo para bens jurídicos de
relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e que se
recuse a submeter-se ao tratamento médico necessário;

• não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e o alcance do


consentimento, quando a ausência do tratamento deteriore de forma acentuada o
seu estado.

O internamento compulsivo só pode ser determinado se for proporcional ao grau de


perigo para os bens jurídicos em causa. Além disso, tem carácter subsidiário, só
devendo ser aplicado quando é a única forma de garantir a protecção dos bens em
causa.

Quanto aos sem abrigo, alcoólicos e toxicodependentes, só podem ser internados nos
termos desta lei com fundamento numa anomalia psíquica associada e não pelo facto
de serem toxicodependentes, alcoólicos, etc.

5.2 O requerimento para internamento compulsivo


O internamento compulsivo pode ser requerido por:
• representante legal do portador de anomalia psíquica (ex. pais, tutores);
• qualquer pessoa com legitimidade para requerer a interdição (ex. o cônjuge);
• autoridades de saúde pública: director-geral de saúde, delegados regionais de
saúde, delegados concelhios de saúde;
• Ministério Público;
• director clínico do estabelecimento onde esteja em curso um internamento
voluntário.

O médico psiquiatra que acompanha o doente mental não tem o dever de requerer o
internamento compulsivo, em nome da preservação da relação de confiança entre o
médico e o doente. No entanto, o médico pode dirigir-se ao delegado de saúde para
que este faça o requerimento de internamento.

O requerimento de internamento deve ser dirigido ao juiz do tribunal competente para


apreciar a questão. O Tribunal competente é o Tribunal de Comarca da área de
residência do internando (em Lisboa e Porto é o Tribunal Criminal).

As pessoas com legitimidade para requerer o internamento devem fazê-lo através de


requerimento escrito, sem formalidades especiais, dirigido ao tribunal competente,
contendo a descrição dos factos que fundamentam a pretensão de internamento.

176
Sempre que possível, o requerimento deve ir acompanhado de elementos que possam
contribuir para a decisão do Juiz, como por exemplo relatórios clínico-psiquiátricos e
psicossociais.

5.3 O processo de internamento compulsivo


Após receber o requerimento, o juiz notifica o portador de anomalia psíquica (o
internando), informando-o dos direitos e deveres processuais que lhe assistem e
nomeia-lhe defensor.

O juiz determina ainda a efectivação das diligências necessárias e a realização da


avaliação clínico - psiquiátrica do internando: esta avaliação é obrigatória, só podendo
ser dispensada quando o portador de anomalia psíquica já estiver internado. Se for
previsível a não comparência do internando na avaliação clinico-psiquiátrica, o juiz
ordena a emissão de mandado de condução.

A avaliação clinico-psiquiátrica é feita nos serviços de assistência psiquiátrica da área


de residência do internando (ou, excepcionalmente, no serviço de psiquiatria forense
do Instituto de Medicina Legal da respectiva circunscrição) por dois psiquiatras, no
prazo de 15 dias.
Após ter recebido o relatório da avaliação clinico-psiquiátrica, o juiz designa a data da
sessão conjunta, notificando o internando, o defensor, o requerente e o Ministério
Público. Podem ainda ser convocados, se oportuno, o médico assistente e o psiquiatra.
A presença do defensor e do Ministério Público é obrigatória.

O juiz toma a decisão de internar ou não, que é sempre fundamentada, podendo


recorrer da decisão o internado, o defensor, os familiares, o Ministério Público, o
representante legal do internado e as autoridades de saúde pública. O recurso é
dirigido ao Tribunal da Relação competente.

O internamento finda logo que cessem os pressupostos necessários para a sua


manutenção (por exemplo, quando deixar de haver perigo para os bens jurídicos em
causa, etc.). De dois em dois meses, o Tribunal reaprecia obrigatoriamente a situação
de internamento. Pode contudo, e a todo o tempo, requerer-se essa reapreciação se
for invocada causa justificativa da cessação do internamento.

O internamento é substituído pelo tratamento em regime ambulatório sempre que seja


possível manter esse tratamento em liberdade.

O internando tem o direito de ser informado sobre os seus direitos, de estar presente
em actos processuais, de ser ouvido e assistido por defensor (o defensor não tem de
ser um advogado, podendo ser, por exemplo, o médico do internando), de requerer
diligências e de recorrer da decisão. Os seus direitos são também garantidos através
do mecanismo do habeas corpus, que qualquer cidadão pode accionar.

177
O internado é submetido aos tratamentos indicados, com a garantia de não ser sujeito
a electrochoques ou a intervenção psicocirúrgica sem o seu consentimento escrito ou
do seu representante legal. Nos casos de psicocirurgia exige-se ainda um parecer
escrito favorável de dois psiquiatras.

O internado compulsivo tem as mesmas garantias que o internado voluntário.

Saliente-se que o internamento compulsivo tem carácter excepcional, sendo o


tratamento voluntário a regra, pelo que o consentimento do internando é sempre
relevante. Dado o carácter excepcional do internamento compulsivo, sempre que for
possível é substituído por tratamento em regime ambulatório.

5.4 O internamento compulsivo de urgência


Quando exista perigo iminente para os bens jurídicos em causa, o portador de
anomalia psíquica pode ser internado de urgência:
• as autoridades de polícia (PSP, GNR, PJ) ou de saúde pública podem, através de
mandado, determinar a condução do portador de anomalia psíquica à urgência
psiquiátrica mais próxima;
• nos casos de urgência em que não seja possível a emissão prévia de mandado e em
que da demora possa resultar a agravação do perigo, as autoridades policiais
podem proceder à condução imediata do portador de anomalia psíquica para a
urgência psiquiátrica mais próxima.

O juiz vai depois decidir a manutenção, ou não, do internamento, no prazo máximo de


48 horas, a contar da privação de liberdade: se a decisão for de manutenção do
internamento, o juiz dá início ao processo de internamento compulsivo, ordenando que
no prazo de 5 dias tenha lugar nova avaliação clinico-psiquiátrica, realizada por dois
psiquiatras que não tenham realizado a anterior avaliação.

O internado de urgência tem os mesmos direitos e deveres que o internado não


urgente, sendo realizadas uma sessão conjunta bem como todas as diligências
necessárias nos mesmos termos do internamento não urgente.

5.5 O papel dos familiares


A lei reconhece aos familiares dos portadores de anomalia psíquica um papel
determinante:

• podem requerer o internamento compulsivo;


• podem recorrer da decisão sobre o internamento, e da decisão sobre a continuação
deste;

178
• podem requerer a revisão da situação de internamento e apresentar reclamações à
Comissão de Acompanhamento (que deve integrar um representante das
Associações de familiares e utentes de saúde mental).

O familiar mais próximo do internando e a pessoa com quem ele viva em união de
facto podem requerer diligências no decurso do processo, sendo obrigatória a
comunicação a estes familiares do internamento e a decisão de manutenção do
internamento de urgência.

6. Maiores em situação de incapacidade


6.1 O que é uma situação de incapacidade
São maiores incapazes as pessoas com mais de 18 anos que, em razão de uma
alteração ou de uma insuficiência das suas faculdades pessoais, não se encontram em
condições de compreender, exprimir ou tomar, de forma autónoma, decisões relativas
à sua pessoa e/ou aos seus bens, não podendo, em consequência, proteger os seus
interesses.

A incapacidade não se confunde com a dependência, que é um estado em que se


encontram as pessoas que, por razões ligadas à falta ou perda de autonomia física,
psíquica ou intelectual, têm necessidade de uma assistência e/ou de ajudas
importantes a fim de realizar os actos correntes da vida.

Pode assim dizer-se que todas as pessoas em situação de incapacidade estão


dependentes, mas nem todas as pessoas em situação de dependência são incapazes.

6.2 Como se diagnostica a incapacidade

6.2.1 Diagnóstico clínico


A incapacidade só pode ser determinada com base num diagnóstico clínico: só a
observação clínica pode determinar a existência de uma doença, deficiência ou
situação de dependência suficientemente grave para ocasionar uma situação de
incapacidade.

O diagnóstico clínico deve conter a indicação da causa da incapacidade e sua extensão,


designadamente os efeitos ao nível da gestão da pessoa e dos seus bens referindo,
expressamente, as áreas em que precisa de apoio.

Sempre que um familiar ou um profissional verifique que o adulto apresenta sinais que
podem comprometer a livre e esclarecida formação e/ou expressão da vontade deve,

179
de imediato, solicitar ao médico que normalmente acompanha a pessoa ou a um
especialista da área da saúde mental o respectivo relatório clínico.

6.2.2 Diagnóstico social


Para além do diagnóstico clínico, é importante proceder a uma caracterização social do
indivíduo em situação de incapacidade, por forma a fornecer ao tribunal as
informações suficientes para que este conheça melhor a pessoa em causa e possa
decidir quem assumirá as funções de tutor ou curador.

A família deve por isso fornecer todos os dados relevantes relativamente a:


• situação patrimonial do indivíduo;
• constituição do agregado familiar;
• rede informal de apoio;
• rede formal de apoio;
• residência.

6.3 Consequências do diagnóstico de incapacidade


A existência de um vínculo de parentesco não legitima nenhum familiar a assumir
decisões que se prendem com a pessoa ou com os bens do seu parente. Neste sentido
não pode:
• movimentar contas bancárias do familiar (salvo se for titular da conta ou se se
encontrar legalmente mandatado para o efeito);
• proceder à venda ou oneração de bens (salvo se se encontrar legalmente
mandatado para o efeito);
• denunciar contratos de arrendamento de que o maior incapaz seja outorgante;
• autorizar intervenções de saúde ou acolhimento em resposta social.

Todavia, a família é confrontada com a necessidade de intervir por forma a garantir a


qualidade de vida do indivíduo pelo que deverá agir de acordo com o definido para a
gestão de negócios.

6.4 Gestão de negócios


A gestão de negócios é um figura jurídica que traduz as situações em que uma pessoa
assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem
para isso estar autorizada.

O familiar ou o técnico, quando necessitarem de tomar decisões relativas às pessoas e


bens dos maiores em situação de incapacidade, actuam como gestores de negócios,
considerando-se “negócio”, neste contexto, a vida do indivíduo incapaz.

180
No caso específico dos maiores em situação de incapacidade, o familiar ou o técnico
que assumir o papel de gestor de negócios deve procurar agir com bom senso e
procurando cumprir as seguintes linhas de actuação:
• intervir apenas em caso de urgência;
• garantir a qualidade de vida do incapacitado;
• evitar tomar decisões que afectem irreversivelmente a vida ou o património do
incapaz;
• procurar conhecer e respeitar, sempre que possível, a vontade real e presumível do
maior incapaz;
• garantir a transparência da gestão, aconselhando-se com outras pessoas que
constituam a rede informal de apoio do incapaz, sobre as decisões tomadas ou a
tomar que afectem com mais relevância a vida do maior com incapacidade;
• criar e manter actualizado um processo individual do incapaz, perceptível, que
constitua um documento caracterizado do indivíduo, no qual devem ser registados
todos os dados relevantes para a intervenção, quer ao nível pessoal, quer ao nível
financeiro:

- inventário dos bens identificáveis que o maior incapaz possui;


- indicação das contas bancárias movimentadas pelo gestor de negócios;
- mapa de movimentos financeiros mensais, com indicação das quantias, datas dos
movimentos e respectiva justificação;
- documentos comprovativos das despesas efectuadas com o maior incapaz;
- documentos comprovativos dos rendimentos do maior incapaz.

6.5 Interdição e inabilitação


Interdição é a declaração judicial da incapacidade aplicada a maiores.

Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que, em virtude de
anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira (devendo estas causas ser
incapacitantes, actuais e permanentes), se mostrem incapazes de governar as suas
pessoas e bens.

Em consequência de uma sentença de interdição, o interdito é equiparado ao menor:


• não pode casar;
• não pode perfilhar;
• não pode testar;
• está inibido do poder paternal;
• não pode ser tutor, nem vogal do conselho de família, nem administrador de bens.

181
São anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo interdito depois do registo da
sentença de interdição.

A inabilitação constitui o segundo tipo de declaração judicial de incapacidade e foi


concebida para solucionar situações de menor gravidade, resultantes de deficiências de
ordem física, psíquica ou de hábitos de vida.

Podem ser inabilitados do exercício dos seus direitos:


• os indivíduos cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de
carácter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição;
• os indivíduos que, por habitual prodigalidade ou pelo abuso de bebidas alcoólicas ou
de estupefacientes, se mostrem incapazes de gerir convenientemente o seu
património.

A inabilitação tem os seguintes efeitos:


• inabilitados em geral: não podem ser nomeados tutores, vogais do conselho de
família nem administradores de bens;

• inabilitados por outra causa que não seja anomalia psíquica: inibição legal
parcial do poder paternal;

• inabilitados por anomalia psíquica: não podem casar e têm inibição legal total
do poder paternal.

6.6 Decretamento da interdição e da inabilitação


A interdição e a inabilitação são decretadas por sentença judicial, na sequência de um
processo judicial próprio.

Podem intentar uma acção especial de interdição ou inabilitação:


• o cônjuge do interditando ou inabilitando;
• o tutor ou curador;
• qualquer parente sucessível;
• o Ministério Público.

Para intentar esta acção é necessária a constituição de advogado.


Caso a família não possa ou não queira intentar directamente a acção, pode ser
elaborada participação ao Ministério Público, quer pelos familiares com legitimidade
para interpor a acção, quer por outras pessoas interessadas.

182
O Tribunal competente é o tribunal cível do domicílio do interditando ou inabilitando,
iniciando-se o procedimento com a apresentação da petição inicial, que deve conter:
• justificação da legitimidade para propor a acção;
• factos que fundamentam o pedido de interdição ou inabilitação;
• grau de incapacidade do interditando ou inabilitando;
• indicação das pessoas que, segundo a lei, devem compor o conselho de família e
exercer a tutela ou curatela.

O pedido de interdição ou inabilitação é publicitado e é alvo de parecer do conselho de


família, sendo posteriormente citado o requerido para contestar. Se este estiver
impossibilitado de receber a citação ou não constituir advogado no prazo de 30 dias, o
juiz designa, como curador provisório, a pessoa a quem provavelmente competirá a
tutela ou a curatela, que não seja o requerente da acção.

Seguidamente procede-se ao interrogatório e exame do requerido, de modo a


averiguar a existência e grau de incapacidade:
• se o interrogatório e o exame fornecerem elementos suficientes e se acção não tiver
sido contestada, o juiz pode decretar imediatamente a interdição ou a inabilitação;
• se tiver havido contestação, realiza-se o julgamento.

A sentença que decretar a interdição ou inabilitação definitiva ou provisória fixará,


sempre que possível, a data do início da incapacidade e designará o tutor e o protutor
ou curador, que poderão ser os indicados na petição inicial.

Na sentença, o juiz decretará a interdição ou inabilitação consoante o grau de


incapacidade do requerido e independentemente do solicitado na petição inicial, sendo
que, no caso de decretar a inabilitação, deve especificar os actos que devem ser
autorizados ou praticados pelo curador.

Da sentença de interdição ou inabilitação definitiva cabe recurso, sem efeito


suspensivo, que pode ser interposto pelo requerido ou pelo requerente.

Em qualquer altura do processo, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento das


partes, proferir uma decisão provisória, nomeando um tutor provisório ao requerido
que pode, em nome deste e com autorização do tribunal, praticar todos os actos
urgentes em relação à pessoa e bens do requerido e cujo adiamento lhe possa causar
prejuízo.

6.7 Tutela e Curatela


A tutela é o meio adequado para suprir a incapacidade por interdição e a curatela o
meio adequado para suprir a inabilitação.

183
O regime da tutela é definido por referência ao poder paternal: o tutor tem os mesmos
direitos e obrigações que têm os pais no contexto do poder paternal, com algumas
especificidades.

A administração do património do inabilitado é entregue, no todo ou em parte, ao


curador, aplicando-se com as necessárias adaptações o regime das interdições.

Estão proibidos ao tutor determinados actos – como dispor a título gratuito dos bens
do interdito ou tomar de arrendamento ou adquirir bens ou direitos daquele – sendo
que a prática de alguns outros – contrair empréstimos, repudiar herança ou ceder
direitos de crédito, por exemplo – depende da autorização do tribunal.

O tutor tem direito a receber uma remuneração, cujo montante é definido pelo
tribunal.

O tutor deve prestar contas ao tribunal sempre que tal lhe for exigido e quando
terminar a gerência, sendo responsável pelo prejuízo que por dolo ou culpa causar ao
incapaz.

6.8 Conselho de família


O conselho de família é um órgão consultivo de apoio ao exercício da tutela, composto
por dois vogais escolhidos pelo tribunal entre os parentes e afins do interdito, ou por
outras pessoas na falta destes, e pelo agente do Ministério Público, que preside.
Ao conselho de família compete vigiar o modo como são desempenhadas as funções
de tutor, sendo a fiscalização exercida, com carácter permanente, por um dos vogais,
que se denomina protutor.

O conselho de família é convocado por determinação do Tribunal ou do Ministério


Público ou a requerimento de um dos vogais, do tutor, do administrador de bens ou do
próprio interdito. A convocatória deve ter a indicação do objecto principal da reunião e
deve ser enviada com oito dias de antecedência.

7. O direito a alimentos

Quando uma pessoa não tiver possibilidade de prover à sua subsistência e uma outra
esteja em condições de a sustentar, pode surgir, em determinadas circunstâncias e
relativamente a certas pessoas, uma obrigação alimentar. Essa obrigação de prestar
alimentos verifica-se normalmente no âmbito familiar, sendo, nesse caso, expressão da
solidariedade devida naquele aspecto entre os membros da família.

184
Alimentos são tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário e, no caso
dos menores, à sua instrução e educação, podendo a obrigação de os prestar recair
sobre:
• cônjuge ou ex-cônjuge;
• descendentes;
• ascendentes;
• adoptado;
• irmãos;
• tios, durante a menoridade do alimentando;
• madrasta e padrasto, relativamente a enteados menores que estejam, ou
estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste;
• outras pessoas com base em obrigações legais, tais como doações, testamentos,
etc.

Os alimentos são fixados atendendo-se aos meios de quem houver que prestá-los e à
necessidade daquele que houver de recebê-los. É também valorada a dignidade do
alimentando, uma vez que os alimentos não são devidos quando o credor se mostrar,
pelo seu comportamento, indigno de os receber daquele que os deve prestar.

Na origem da prestação de alimentos estão frequentemente as situações de:


• divórcio;
• regulação do exercício das responsabilidades parentais (analisada em pormenor
mais à frente);
• separação de facto.

Depois do divórcio, cada cônjuge deve prover à sua subsistência. Qualquer cônjuge
tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio. Na fixação do
montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a
colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as
suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de
dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos,
um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que
influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades
do que os presta. O tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos
relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio
em favor do ex-cônjuge.

Todo este regime é igualmente aplicável às situações de separação judicial de pessoas


e bens.

185
Nos casos de separação de facto, o dever de assistência entre o casal não se extingue,
desde que a separação não seja imputável a qualquer dos cônjuges. Se um dos
cônjuges for o responsável pela separação, é a este que incumbe o dever de
assistência.

Entre os cônjuges existe o dever de assistência, que compreende a obrigação de


prestar alimentos e a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar. Este
último dever incumbe a ambos os cônjuges de acordo com as possibilidades de cada
um e pode ser cumprido através da afectação dos seus recursos aos encargos, ou
através do trabalho no lar ou da manutenção e educação dos filhos. Se um dos
cônjuges não contribui para o suporte destes encargos, pode o outro exigir em
Tribunal que lhe seja directamente entregue parte dos rendimentos auferidos pelo
primeiro.

Para obter uma prestação de alimentos, deve o interessado intentar uma acção
judicial, na qual deve alegar e provar a sua legitimidade, os seus rendimentos, as
suas necessidades e os rendimentos daquele de quem se pretende obter a prestação,
concluindo com a dedução do pedido, consubstanciado num determinado montante
mensal.

Em caso de urgência, pode o interessado recorrer ao procedimento cautelar de


alimentos provisórios: fazendo prova sumária das suas necessidades e das
possibilidades de quem deve prestar a pensão, requer ao tribunal que fixe uma pensão
mensal provisória, que será prestada enquanto não houver uma decisão definitiva.
Este procedimento fica dependente da acção principal onde se faz o pedido de
alimentos.

Quando não é paga a prestação de alimentos, deve o interessado comunicar ao


tribunal este incumprimento, podendo ser decretado que a prestação seja retirada do
salário do devedor de alimentos (caso este seja trabalhador por conta de outrem).
Pode também o interessado propor uma acção executiva contra o devedor.

A violação da obrigação de alimentos configura um crime semipúblico, podendo


traduzir-se através das seguintes condutas:
• não cumprir a obrigação de alimentos no prazo de dois meses seguintes ao
vencimento, estando legalmente obrigado a prestá-los e em condições de o fazer -
pena de multa até 120 dias;
• não cumprir reiteradamente esta obrigação - pena de prisão até um ano ou pena
de multa até 120 dias;
• não cumprir esta obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro,
das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito” - pena de prisão até
dois anos ou pena de multa até 240 dias;
• colocar-se a si próprio intencionalmente na impossibilidade de prestar alimentos,
violando a obrigação a que está sujeito - pena de prisão até dois anos ou pena de
multa até 240 dias;

186
Se a obrigação vier a ser cumprida, pode o tribunal dispensar de pena ou declarar
extinta, no todo ou em parte, a pena ainda não cumprida.

8. Responsabilidades parentais
8.1 Noção de responsabilidades parentais
Responsabilidades parentais são um conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais
e que regulam as relações entre si e os seus filhos menores, tendo em vista a
segurança, saúde, sustento, educação, representação e administração dos bens
destes.

Os filhos devem respeito e obediência aos pais, e estão sujeitos ao exercício das
responsabilidades parentais até à sua maioridade ou emancipação (através do
casamento, cuja idade mínima é de 16 anos). Porém, e atendendo à maturidade dos
filhos, os pais devem ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e
devem reconhecer-lhes autonomia na organização da sua própria vida.

Os pais deixam de estar obrigados a sustentar os filhos e de assumir as despesas


relativas à sua segurança, educação e saúde desde que estes estejam em condições
de suportar esses encargos através dos rendimentos do seu trabalho. No entanto, se o
filho maior ou emancipado não tiver completado a sua formação profissional, mantém-
se a obrigação de sustento por parte dos pais, desde que seja razoável essa exigência
e durante o tempo normalmente necessário para que essa formação se complete.

8.2 O exercício das responsabilidades parentais


As decisões relativas à vida dos filhos devem ser tomadas por ambos os pais e de
comum acordo. Quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades
parentais, por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal,
caberá esse exercício unicamente ao outro ou, no impedimento deste, a alguém da
família de qualquer deles, desde que haja um acordo prévio e com validação legal.

Se a filiação de menor nascido fora do casamento se encontrar estabelecida apenas


quanto a um dos progenitores, a este pertence o exercício das responsabilidades
parentais.

Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os pais e estes


vivam em condições análogas às dos cônjuges, o exercício das responsabilidades
parentais pertence a ambos os pais.

Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os pais e estes não


vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se o regime abaixo descrito para
a situações de divórcio.

187
8.2.1 O exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio ou
separação judicial
Nos casos de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, a regulação do
exercício das responsabilidades parentais é homologado pelo tribunal com base num
acordo dos pais (e a requerimento destes) ou, na falta de entendimento entre estes, é
determinado pelo tribunal (a requerimento dos pais ou outra pessoa a quem incumba o
exercício das responsabilidades parentais ou do curador, a quem a necessidade de
intervenção judicial pode ser comunicada por qualquer pessoa). Em qualquer dos
casos, o tribunal competente é o da área de residência do menor.
O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular
importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores
nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência
manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar
informações ao outro logo que possível.

Contudo, quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às


questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos
interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que
essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.

O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do


filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com
quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas
responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal
como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o
interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente
o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para
promover relações habituais do filho com o outro.

Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais,


assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente
sobre a educação e as condições de vida do filho.

Por acordo ou decisão judicial, ou quando se verifique que a segurança, saúde,


formação moral ou educação de um menor se encontram em perigo (não sendo
contudo caso de inibição do exercício das responsabilidades parentais), o filho pode ser
confiado à guarda de terceira pessoa, cabendo a esta os poderes e deveres dos pais
que forem exigidos para o adequado desempenho das suas funções.

O incumprimento, de modo repetido e injustificado, do regime estabelecido para a


convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais,
através da recusa, atraso ou criação de dificuldades significativas à sua entrega ou
acolhimento constitui crime, punível com pena de prisão até dois anos ou multa até
240 dias.

188
8.3 Limitação e inibição do exercício das responsabilidades
parentais
Quando os pais violam culposamente os deveres para com os filhos, saindo estes
gravemente prejudicados, ou quando não tenham condições para os cumprir, devido à
inexperiência, doença, ausência ou outras razões, poder-se-á verificar a limitação do
exercício das responsabilidades parentais ou mesmo a inibição desse exercício por
parte de qualquer dos pais.

Estas medidas podem ser requeridas pelo curador (Ministério Público), por qualquer
parente do menor ou por pessoa a cuja guarda o menor esteja confiado. A inibição
pode abranger ambos os progenitores ou apenas um deles e referir-se a todos os filhos
ou apenas a algum ou alguns.

Neste âmbito cumpre ainda referir que em sede de Direito Penal pode igualmente
haver lugar à inibição do exercício das responsabilidades parentais: em casos de
condenação por crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual ou por crime de
violência doméstica pode, atenta a gravidade do facto e a sua conexão com a função
exercida pelo agente, ser este inibido do exercício das responsabilidades parentais por
um período de 2 a 15 anos (no caso dos crimes sexuais) ou de 1 a 10 anos (em
situações de violência doméstica).

8.4 Violação da obrigação de alimentos


Se o progenitor que deve prestar pensão de alimentos ao menor não cumprir esta
obrigação, deve tentar obter-se o pagamento da pensão de alimentos por todos os
meios que a lei disponibiliza:

• desconto directo no vencimento: se o progenitor faltoso trabalhar por conta de


outrem, podem ser-lhe deduzidas no ordenado as quantias em dívida, ficando a
entidade patronal responsável pela entrega das prestações a quem deva recebê-las.
Deve comunicar-se ao Tribunal a falta de pagamento, bem como o nome da
entidade empregadora do progenitor faltoso, para que sejam tomadas as medidas
necessárias à regularização da situação.

• execução: se não for possível obter o pagamento, e o devedor estiver em condições


de cumprir a prestação a que está obrigado, pode requerer-se ao Tribunal a
execução da prestação.

• recurso ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores: este fundo


destina-se a assegurar o pagamento de prestações mensais ao menor, enquanto a
pessoa judicialmente obrigada a prestar-lhe alimentos não satisfizer as quantias em
dívida: o menor terá direito a receber do Estado aquelas prestações desde que não
tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa
medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

189
O montante a pagar pelo Fundo é fixado pelo Tribunal – atendendo à capacidade
económica do agregado familiar do menor, ao montante de prestação de alimentos
fixado e às necessidades específicas do menor -, a requerimento do Ministério Público
ou daqueles a quem a prestação de alimentos devia ser entregue, e não pode exceder,
mensalmente, 4 Unidades de Conta.

Se o juiz, após a realização de diligências de prova, considerar justificada e urgente a


pretensão do requerente, pode proferir de imediato uma decisão provisória.

A prestação fixada pelo Tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias que


levaram à sua concessão, devendo contudo a pessoa que a recebe renovar
anualmente a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição.

As prestações são recebidas nos centros regionais de segurança social, iniciando-se o


pagamento no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal.

O representante legal do menor, ou a pessoa à guarda de quem se encontre, deve


comunicar ao Tribunal ou ao centro regional da segurança social a cessação ou
qualquer alteração da situação de incumprimento (nomeadamente, se o devedor
passar a cumprir a sua obrigação) ou da situação do menor (por ex., se este iniciar
uma actividade profissional remunerada, ou começar a usufruir de uma qualquer fonte
de rendimento).

190
ANEXOS

191
192
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL DE LISBOA

Exmo. Senhor Procurador-Adjunto,

MARIA SILVA, casada, bancária, contribuinte fiscal nº 200 000 000, residente na Rua
do Comércio, nº 56, 5°, 1100 - 150 Lisboa, vem efectuar

DENÚNCIA
contra
JOSÉ SILVA, casado, reformado, residente na Rua do Comércio, nº 56, 5º, 1100-150
Lisboa,

com base nos seguintes factos:

A denunciante é casada com José Silva há 10 anos.

Desde que se reformou, há cerca de dois anos, José Silva tem patenteado um
comportamento agressivo relativamente à denunciante, injuriando-a e ameaçando-a
com crescente frequência, tendo-a também molestado por vezes com alguns
empurrões.

No passado dia 27 de Maio de 2002, José Silva injuriou uma vez mais a denunciante
por, na sua opinião, esta não ter engomado devidamente uma camisa.

Tendo a denunciante respondido que estava saturada do comportamento de José Silva


relativamente a ela, este puxou violentamente a ora denunciante na sua direcção e
desferiu uma bofetada na face e um soco no peito desta.

193

Ao mesmo tempo, José Silva gritou várias vezes "tu não me falas assim senão dou
cabo de ti'.

A ora denunciante fugiu para a rua, tendo pedido a uma vizinha que a acompanhasse
ao hospital.

Aí, para além de um hematoma na face, foi-lhe diagnosticada a fractura de uma


costela.

Estas lesões foram consequência directa das agressões sobre si perpetradas por José
Silva.

Nestes termos, deve ser instaurado procedimento


criminal contra José Silva, pela prática de um crime de
violência doméstica, p. e p. pelo artº 152° do Código
Penal.

Prova Testemunhal:

Joaquina Rodrigues, doméstica, residente na Rua do Comércio, nº 56, R/c, 110-150


Lisboa.

A denunciante

194
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL DE LISBOA

Exmo. Senhor Procurador-Adjunto,

MARIA SILVA, casada, bancária, contribuinte fiscal nº 200 000 000, residente na Rua
do Comércio, nº 56, 5º, 1100 - 150 Lisboa, vem apresentar

QUEIXA
contra

JOSÉ SANTOS, solteiro, reformado, residente na Rua do Comércio, nº 56, 4°, 1100-
150 Lisboa,

com base nos seguintes factos:

No passado dia 27 de Maio de 2002, cerca da 01h30, a queixosa encontrava-se em sua


casa, não conseguindo adormecer em virtude do barulho proveniente do andar de
baixo.

Com efeito, José Santos, proprietário do 4° andar do prédio no qual a ora queixosa
reside, tinha o som da sua televisão num volume excessivamente elevado.

Apesar de este facto ocorrer com alguma frequência, tendo já levado a várias
chamadas de atenção a José Santos quer por parte da ora queixosa quer de outros
vizinhos, nunca havia atingido as proporções daquela madrugada: o volume estava
ainda mais elevado do que em qualquer outra vez, e nunca a situação se havia
arrastado até uma hora tão tardia.

A ora queixosa foi então bater à porta de José Santos, tendo-lhe solicitado que
baixasse o volume do som da televisão.

195

José Santos reagiu de forma bastante agressiva, gritando "em minha casa faço o que
eu quero”.

A queixosa tentou explicar a José Santos que no dia seguinte teria que se levantar
bastante cedo para ir trabalhar, e que não conseguiria descansar se este mantivesse o
volume do som da televisão tão elevado.

Nesse momento, José Santos puxou violentamente a queixosa na sua direcção e


desferiu-lhe dois socos na face e um pontapé nas costas, sem que esta tivesse tido
qualquer possibilidade de se proteger, devido à rapidez do ataque.

Um vizinho, residente no 3º andar, e que havia subido ao 4º andar para saber o que
se passava, presenciou a agressão.

A ora queixosa fugiu imediatamente para sua casa.

10º

Devido às lesões sofridas, a ora queixosa deslocou-se ao hospital de S. José.

11°

Em consequência directa das agressões sobre si perpetradas por José Santos, a ora
queixosa apresentava diversos hematomas na face e nas costas.

196
Nestes termos, deve ser instaurado procedimento
criminal contra José Santos, pela prática de um crime de
ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo artº
143° do Código Penal.

Prova testemunhal:

Joaquim Rodrigues, comerciante, residente na Rua do Comércio, nº 56, 3º, 1100-150


Lisboa.

A queixosa

197
198
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL DE LISBOA
1ª SECÇÃO
PROCESSO nº 1000/02.8TDLSB

Exmo. Senhor Procurador-Adjunto,

MARIA SILVA, casada, bancária, contribuinte fiscal nº 200 000 000, residente na Rua
do Comércio, nº 56, 5°, 1100 - 150 Lisboa, vem respeitosamente requerer, nos termos
da alínea a) do nº 1 e do nº 3 do artº 68° do Código de Processo Penal, a sua

CONSTITUIÇÃO COMO ASSISTENTE

para o que tem legitimidade e está em tempo.

Junta: comprovativo de pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa total


do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e
pagamento de honorários de patrono.

A requerente

199
200
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL DE USBOA
2ª SECÇÃO
PROCESSO nº 1001/02.6 TDLSB

Exmo. Senhor Juiz de Direito,

MARIA SILVA, casada, bancária, contribuinte fiscal nº 200 000 000, residente na Rua
do Comércio, nº 56, 5°, 1100 - 150 Lisboa, vem deduzir, de acordo com os arts° 71º e
seguintes do Código de Processo Penal

PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

Contra

JOSÉ SANTOS, solteiro, reformado, residente na Rua do Comércio, nº 56, 4º, 1100-
150 Lisboa,

Nos termos e com os fundamentos seguintes:


A Demandante dá aqui por inteiramente reproduzida a Douta acusação do Ministério
Público.


Em virtude das agressões perpetradas pelo Demandado, descritas na queixa que deu
origem aos presentes autos, a Demandante necessitou de tratamento hospitalar, pelo
qual despendeu a quantia de 25 € (vinte e cinco euros). (documento nº 1)


Mais necessitou a Demandante de adquirir medicamentos - analgésicos e cicatrizante -
no valor de 20 € (vinte euros). (doc.. nº 2)


Ao agredir a Demandante, o Demandado rasgou, inutilizando-a, a camisa que aquela
tinha vestida, no valor de 45 € (quarenta e cinco euros).

201

A agressão sofrida causou na Demandante forte perturbação, quer por nunca
anteriormente haver experienciado uma situação semelhante, quer por o agressor ser
uma pessoa que a Demandante encontra - e vai continuar a encontrar - diariamente.


Ainda actualmente, passados já alguns meses sobre a ocorrência, a Demandante sente
algum receio de cada vez que entra no seu próprio prédio, temendo uma nova acção
violenta por parte do Demandado, seu vizinho.


Esta perturbação foi e é sentida por aqueles que mais de perto convivem com a
Demandante.


A Demandante cifra assim em 1500 € (mil e quinhentos euros) a indemnização a
receber a título de danos não patrimoniais.


Tudo no valor de 1590 € (mil quinhentos e noventa euros).

Nestes termos, deve o presente pedido ser julgado


procedente por provado, condenando-se o Demandado a
indemnizar a Demandante no valor de 1590 € (mil
quinhentos e noventa euros), acrescido dos juros
vincendos até integral pagamento.

Para tanto, requer a V. Excia. que se digne mandar


notificar o arguido para, querendo, contestar no prazo e
sob a cominação legais, seguindo-se ulteriores termos
até final.

202
Prova testemunhal:

1. Joaquim Rodrigues, comerciante, residente na Rua do Comércio, nº 56, 3º,


1100-150 Lisboa.
2. Francelina Queiroz, doméstica, residente na Rua da Prata, nº 200, 4º, 1100-
150 Lisboa.
3. Alberto Pereira, arquitecto, residente na Rua dos Fanqueiros, nº 2, 1º, 1100-
150 Lisboa.

Valor: 1590 € (mil quinhentos e noventa euros)


Junta: dois documentos, duplicados legais e cópias legais

A Demandante

203
204
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL DE LISBOA
1ª SECÇÃO
PROCESSO nº 1000/02.TDLSB

Exmo. Senhor Procurador-Adjunto,

MARIA SILVA, casada, bancária, contribuinte fiscal nº 200 000 000, residente na Rua
do Comércio, nº 56, 5º, 1100 - 150 Lisboa, vem respeitosamente requerer a V. Excia.,
ao abrigo dos artsº 281º e 282° do Código de Processo Penal, a

SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO

nos termos e com os fundamentos seguintes:

O presente processo teve origem numa denúncia efectuada pela ora requerente de um
crime de violência doméstica sobre si perpetrado pelo seu marido - do qual entretanto
se divorciou -, José Silva.

Constituído arguido, foi-lhe aplicada a medida de coacção de afastamento da


residência, que tem sido por si cumprida.

A ora requerente já reorganizou a sua vida, e não a move qualquer sentimento de


vingança ou de desejo de punição relativamente ao arguido.

205

Pretende apenas a denunciante que o arguido não volte a interferir na sua vida, o que
pode ser adequadamente alcançado através da suspensão provisória do presente
procedimento criminal.

Nestes termos, requer-se, de acordo com o nº 6 do art°


281º do Código de Processo Penal, a suspensão
provisória do processo, por período não inferior a 3 anos,
mediante a imposição ao arguido das seguintes
regras de conduta:

a) não se aproximar da ora requerente;


b) não entrar no prédio no qual a ora requerente habita;
c) não entrar no local de trabalho da ora requerente:
instalações da Caixa Geral de Depósitos sitas na Rua do
Ouro, nº 100, Lisboa.

A requerente

206
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO E ACÇÃO PENAL DE LISBOA
1ª SECÇÃO
PROCESSO nº 1000/02.TDLSB

Exmo. Senhor Procurador-Adjunto,

MARIA SILVA, casada, bancária, contribuinte fiscal nº 200 000 000, residente na Rua
do Comércio, nº 56, 5º, 1100 - 150 Lisboa, vem respeitosamente requerer a V. Excia.,
que seja atribuída a

COMPENSAÇÃO A TESTEMUNHAS

previstas na Portaria nº 799/2006 de 11 de Agosto, em função da sua intervenção no


processo supre referenciado, no dia 12.05.2008, pelas 15 horas e 30 minutos.

Junta: comprovativo de despesa

E.D.

A requerente

207
208
Exemplo de Requerimento para Internamento Compulsivo a apresentar pela autoridade de saúde

Excelentíssimo Juiz de Direito do Tribunal da Comarca de _____

_ _ _(nome do médico)_ _ _,
Autoridade de Saúde do Concelho de _ _ _ _ _, requer a V. Ex.ª, nos
termos do Artigo 12º, e do nº 1 do Artigo 13º, do Decreto-Lei nº 36/96, de 24 de Julho, (Lei de
Saúde Mental), o
INTERNAMENTO COMPULSIVO

de _ _ _(nome do doente)_ _ _, portador do Bilhete de Identidade nº _ _ _ _, emitido em __/__/____, pelo


Serviço de Identificação de _ _ _ _ _, filho de _ _ _(nome do pai)_ _ _ e de _ _ _(nome da mãe)_ _ _,
residente em _ _ _(nome do local, rua, número de polícia, etc.)_ _ _, Freguesia de _ _ _ _ _, Concelho de _ _ _ _
_, fundamentado nos factos a seguir enunciados.

1. Considerando a informação de _ _ (nome do familiar ou do responsável pelo doente a internar) _ _, portador


do Bilhete de Identidade nº _ _ _ _, emitido em __/__/____, pelo Serviço de Identificação de _ _ _ _
_, na qualidade de representante legal do indivíduo acima identificado, confirmando que o
mesmo é portador de anomalia psíquica grave e recusa submeter-se voluntariamente ao
tratamento médico necessário, estando em perigo, por tais razões, _ _ (especificar os bens jurídicos de
valor relevante, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e, se aplicável, a integridade física e emocional dos
conviventes) _ _, incluindo a deterioração do seu estado de saúde;
2. Considerando a informação clínica de _ _ (nome do médico e/ou instituição de saúde que emitiu a informação
clínica) _ _, o mesmo indivíduo é portador de patologia psiquiátrica e recusa submeter-se ao
necessário tratamento médico.
3. ... (outras informações consideradas relevantes) ...
Anexa os seguintes documentos (mencionar e anexar cópias de requerimentos dirigidos à autoridade de saúde,
relatórios clínico-psiquiátricos e psicossociais, etc.):

A. ____________________;

B. ____________________ ;
C. _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ... ....

_ _ _ _ _ _ _ _, aos _ _, de _ _ _ _ _ _ _ _ de 20 _ _.

A Autoridade de Saúde
______________________
(assinatura e vinheta ou selo branco)

209
210
TABELA DE CRIMES/QUADRO SINÓPTICO
crime Accção Típica Categoria Moldura Penal

Exposição ou Colocar em perigo a vida de outra pessoa: Público Prisão de 1 a 5 anos.


abandono . expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só
por si, não possa defender-se;
. abandonando-a sem defesa, sempre que ao agente coubesse o Há agravações.
dever de a guardar, vigiar ou assistir.
Ofensa à Ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa. Simples: semipúblico Simples: prisão até 3 anos
Integridade Grave: se da ofensa resultar: ou multa.
física
. privação de importante orgão ou membro ou desfiguração grave
e permanente; Grave: público

. afectação grave da capacidade de trabalho, das capacidades


intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade Grave: prisão de 2 a 10
de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; anos.
. provocação de doença particularmente dolorosa ou permanente,
ou anomalia psíquica grave ou incurável;
. provocação de perigo para a vida.

Violência Infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos Público Prisão de 1 a 5 anos.
doméstica corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, de modo
reiterado ou não, a: Há agravações.

. cônjuge ou ex-cônjuge;
. pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente
mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges,
ainda que sem coabitação;
. progenitor de descendente comum em 1º grau;
. pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência,
doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite.
Maus tratos . infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou tratar cruelmente, Público Prisão de 1 a 5 anos.
. empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas, Há agravações.
. sobrecarregar com trabalhos excessivos,
a pessoa que esteja ao seu cuidado, a trabalhar ao seu serviço ou
a pessoa menor ou particularmente indefesa
Ameaça Ameaçar com a prática de crime contra a vida, a integridade física, Semipúblico Prisão até 1 ano ou multa
a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou até 120 dias.
bens patrimoniais de considerável valor.
Há agravações

Coacção Constranger, por meio de violência ou ameaça com mal Público Prisão até 3 anos ou multa
importante, a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade.
Semipúblico quando Há agravações.
praticado entre cônjuges
ou pessoas em situação
análoga, ascendentes e
descendentes, adoptantes
e adoptados

Sequestro Deter, prender, manter presa ou detida outra pessoa ou de Público Prisão até 3 anos ou multa.
qualquer forma privá-la da liberdade.
Há agravações.

Escravidão Reduzir outra pessoa ao estado ou à condição de escravo ou Público Prisão de 5 a 15 anos.
alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a
intenção de a manter na situação anterior.

Tráfico de Aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de Público Prisão de 3 a 10 anos.
pessoas exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de orgãos,
por meio de violência, rapto ou ameaça grave; através de ardil ou Há agravações.
manobra fraudulenta; com abuso de autoridade resultante de uma
relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou
familiar; aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação
de especial vulnerabilidade da vítima; ou mediante a obtenção do
consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima.

Rapto Raptar outra pessoa, por meio de violência, ameaça ou astúcia, Público Prisão de 2 a 8 anos.
com intenção de:
Há agravações
. submeter a vítima a extorsão;
. cometer crime contra a liberdade ou a autodeterminação sexual
da vítima;
. obter resgate ou recompensa;
.constranger a autoridade pública ou um terceiro a uma acção ou
omissão, ou a suportar uma actividade.

211
Crime Acção Típica Categoria Moldura Penal

Coacção sexual A- Constranger outra pessoa, por meio de violência, ameaça grave, Semipúblico A- Prisão de 1 a 8 anos
ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto
na impossibilidade de resistir,a sofrer ou a praticar, consigo ou com
outrem, acto sexual de relevo.
B- Prisão até 3 anos
B- Constranger outra pessoa, abusando de autoridade resultante
de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência Público quando resultar
hierárquica, económica ou de trabalho, a sofrer ou a praticar, suicídio ou morte da
vítima ou quando for Há agravações
consigo ou com outrém, acto sexual de relevo.
praticado contra menor

Violação A- Constranger outra pessoa, por meio de violência, ameaça grave, Semipúblico A- Prisão de 3 a 10 anos
ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto
na impossibilidade de resistir, a sofrer ou a praticar, consigo ou
com outrem, cópula, coito anal ou coito oral;
Público quando resultar B- Prisão até 3 anos
B- Constranger outra pessoa, abusando de autoridade resultante suicídio ou morte da
de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência vítima ou quando for
hierárquica, económica ou de trabalho, a sofrer ou a praticar, praticado contra menor
Há agravações
consigo ou com outrém, cópula, coito anal ou oral; sofrer
introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.

Lenocínio Profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer Público Prisão de 6 meses a 5 anos
ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição.
Se forçado: prisão de 1 a 8
anos

Há agravações

Importunação Importunar outra pessoa praticando perante ela actos de carácter Semipúblico Prisão até 1 ano ou multa
sexual exibicionista ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual até 120 dias
Público quando resultar
suicídio ou morte da Há agravação
vítima ou quando for
praticado contra menor

Abuso sexual de A- praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou Público A- prisão de 1 a 8 anos
crianças o levar a praticá-lo com outra pessoa
B- prisão de 3 a 10 anos
B- praticar cópula, coito anal, oral ou introdução vaginal ou anal de
partes do corpo ou objectos C- prisão até 3 anos; se
praticados com intenção
C- importunar menor de 14 anos ou actuar sobre menor de 14 lucrativa: prisão de 6 meses
anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto a 5 anos
pornográfico.
Há agravação

Recurso à A- Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor Público A) pena de prisão até dois
prostituição de entre 14 e 18 anos, mediante pagamento ou outra contrapartida anos ou pena de multa até
menores 240 dias.
Ou, no mesmo contexto
B) pena de prisão até 3
B- Praticar acto sexual de relevo consistente em cópula, coito anal, anos ou pena de multa até
oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos. 360 dias.

Há agravações

Lenocínio de A) fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de Público A) pena de prisão de 1 a 5


menores menor anos

B) praticar este crime por meio de violência ou ameaça grave; B) pena de prisão de 2 a 10
através de ardil ou manobra fraudulenta; com abuso de autoridade anos
resultante de uma relação familiar ou de dependência económica
ou de trabalho; actuando profissionalmente ou com intenção Há agravação
lucrativa; aproveitando-se da incapacidade psíquica ou de situação
de especial vulnerabilidade da vítima.

Difamação Dirigir-se a terceiro, imputando a outra pessoa, mesmo sob a Particular Prisão até 6 meses ou multa
forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, até 240 dias
ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal
imputação ou juízo. Há agravações

Injúria Injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma Particular Prisão até 3 meses ou multa
de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou até 120 dias
consideração
Há agravações

Violação de . introduzir-se sem consentimento na habitação de outra pessoa ou Semipúblico Prisão até 1 ano ou multa
domicílio ou aí permanecer depois de intimado a retirar-se; até 240 dias
perturbação da
vida privada . telefonar para a habitação de outra pessoa ou para o seu
telemóvel, com a intenção de perturbar a vida privada, a paz e o
seu sossego. Há agravações

212
CRIME ACÇÃO TÍPICA CATEGORIA MOLDURA PENAL

Violação de . sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro Semipúblico Prisão até um 1 ano ou
correspondência escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar multa até 240 dias
conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou
impedir, por qulaquer modo, que seja recebido pelo destinatário;
Há agravações
. sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas
ou escritos fechados.
Furto Subtrair coisa móvel alheia, com ilegítima intenção de apropriação Simples: Simples: prisão até 3 anos
para si ou para outra pessoa. - semipúblico ou multa

ou
- particular, se praticado Qualificado:
por familiar próximo da 1º grau- prisão até 5 anos
vítima ou a coisa furtada ou multa até 600
tiver valor diminuto e for dias
destinada à satisfação
imediata de uma
necessidade do agente ou 2º grau: prisão de 2 a 8
de “familiar próximo” anos
Qualificado: público
Abuso de Apropriar-se ilegitimamente de coisa móvel que lhe tenha sido Simples: Simples: prisão até 3 anos
confiança entregue por título não translativo de propriedade - semipúblico ou multa

ou
- particular, se praticado Qualificado:
por “familiar próximo” da
vítima ou a coisa 1º grau: prisão até 5 anos
ilegitimamente apropriada ou multa até 600 dias
for de valor diminuto e
for destinada à satisfação
imediata de uma 2º grau: prisão de 1 a 8
necessidade do agente ou anos
de “familiar próximo”
Qualificado: público
Roubo Subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, com ilegítima Público Prisão de 1 a 8 anos
intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, coisa móvel
alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com
perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo- Há agravações
a na impossibilidade de resistir.
Dano Destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não Simples:semipúblico Simples: prisão até 3 anos
utilizável coisa alheia. Qualificado: público ou multa

Se a coisa for danificada Qualificado:


por “familiar próximo da 1º grau- prisão até 5 anos
vítima”: particular ou multa até 600 dias
2º grau- prisão de 2 a 8
anos
Burla Determinar outrem, por meio de erro ou engano sobre factos que Simples: Simples: prisão até 3 anos
astuciosamente provocou, à prática de actos que lhe causem, ou -semipúblico ou ou multa
causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, com intenção de Qualificado:
obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo. -particular, se praticado
por “familiar próximo” da 1º grau- prisão até 5 anos
vítima ou multa até 600 dias
Qualificado: público 2º grau- prisão de 2 a 8
anos
Extorsão Constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça Público Prisão até 5 anos
com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, Há agravações
para ela ou para outrem, prejuízo, com intenção de conseguir para
si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo.
Subtracção de . subtrair menor; Semipúblico Pena de prisão até 2 anos
menor . determinar menor a fugir, por meio de violência ou de ameaça ou multa até 240 dias
com mal importante;
. de um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime
estabelecido para a convivência do menor na regulação do
exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou
dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento.
Violação da . não cumprir a obrigação de alimentos no prazo de dois meses Semipúblico Prisão até 2 anos ou multa
obrigação de seguintes ao vencimento, estando legalmente obrigado a prestá- até 240 dias
alimentos los e em condições de o fazer
. não cumprir a obrigação de alimentos, estando legalmente
obrigado a prestá-los e em condições de o fazer, pondo em perigo
a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades
fundamentais de quem a eles tem direito.
. quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na
impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito.

213
214
VII APOIO SOCIAL

215
216
APOIO SOCIAL E OS RECURSOS COMUNITÁRIOS

Neste capítulo, abordaremos os seguintes tópicos: Trabalho Social e Trabalhadores


Sociais; O Apoio Social na APAV; Áreas de Intervenção e Recursos Comunitários;
Intervenção no Terreno; Plano de Segurança; e o Relatório de Processo de Apoio/
Relatório Social.

1.Trabalho Social e Trabalhadores Sociais

O Apoio Social na APAV é da competência dos trabalhadores sociais, em especial por


técnicos(as) de Serviço Social (geralmente conhecidos por Assistentes Sociais), mas
também por técnicos(as) de Política Social e por outros profissionais da área do
Trabalho Social, devidamente qualificados.

Segundo a International Federation of Social Workers, o Trabalho Social é o «exercício


da profissão de assistente social ou trabalhador social [que] promove uma mudança
social, a resolução de problemas no contexto de relações humanas e a capacidade e
empenhamento das pessoas na melhoria do seu “bem-estar”. Aplicando teorias de
comportamento humano e dos sistemas sociais, o trabalho social focaliza a sua
intervenção no relacionamento das pessoas com o meio que as rodeia. Os princípios de
direitos humanos e justiça social são elementos sociais para o trabalho social» (IFSW,
2005).

Trabalho Social designa o «conjunto de profissões sociais específicas e


complementares pertencentes a um ramo de actividade profissional», segundo
Bouquet & Garcette (2005, cit. Santos, 2009). Esta definição abrange assim todos os
profissionais que intervêm no campo da acção social e que partilham o título genérico
de trabalhador social. Segundo os mesmos autores, a sua missão é «acompanhar e
auxiliar determinados tipos de população, a fim de favorecer a sua inserção,
respeitando a autonomia das pessoas. A sua intervenção recai em áreas muito
diversificadas, tais como a educação, a animação, a informação e orientação, o apoio
psicossocial, ou ainda a gestão de serviços ou equipamentos». Ainda segundo os
mesmos autores, existem três tipos de trabalhadores sociais profissionais:
• O centrado na família, por exemplo, mediadores familiares, terapeutas
familiares, assistentes sociais;
• O centrado na educação, por exemplo, monitores sociais, educadores sociais;
• O centrado na animação, por exemplo, os animadores socioculturais.

Estes três tipos de trabalhadores sociais são fundamentais para a intervenção/apoio às


vítimas de crime. Há que salientar que «mais do que o conteúdo da sua missão

217
[enquanto trabalhador social], é a cultura profissional e o local de trabalho que
delimitam as fronteiras entre estas profissões». (Bouquet & Garcette, 2005, cit. por
Santos, 2009) e «ainda que diferentes profissionais trabalhem em parceria junto de
uma mesma realidade social, as interpretações que dela fazem são diferenciadas,
consoante a sua cultura e formação profissional. Distintas serão também as
metodologias, métodos e estratégias empregues durante o processo de intervenção
social.» Todas as profissões sociais partilham o mesmo objectivo: «acompanhar e
auxiliar determinados tipos de população, a fim de facilitar a sua inserção» (Bouquet &
Garcette, 2005, cit. por Santos, 2009).

Neste sentido, importa reflectir os propósitos fundamentais da intervenção do Trabalho


Social:
• Facilitar a inclusão de grupos sociais excluídos, marginalizados, vulneráveis ou
em risco;
• Promover o bem-estar e solucionar problemas, intervindo com indivíduos,
famílias, grupos e comunidades;
• Desencadear dinâmicas que levem à participação das populações na defesa e
dinamização de melhores condições sociais;
• Trabalhar com as pessoas na formulação, implementação e defesa de políticas
coerentes com os princípios éticos da profissão;
• Defender com e para as pessoas, mudanças nos condicionalismos estruturais
relacionados com a exclusão e marginalidade social;
• Desencadear procedimentos de protecção de pessoas, que pela sua condição
ou situação de risco, não estão capazes de o fazer por si próprias.

Os objectivos do Trabalho Social pretendem induzir mudanças positivas no


funcionamento psicológico e social dos indivíduos, nas suas famílias, grupos e
ambientes de forma a diminuir as vulnerabilidades existentes e a providenciar
oportunidades para a existência de uma vida social mais satisfatória. A sua intervenção
baseia-se num «processo no qual as pessoas que pertencem a uma categoria social
estigmatizada […] podem ser ajudadas a desenvolver e promover as suas
capacidades/habilidades no exercício de influências interpessoais e na performance
(desempenho) de papéis sociais apreciados» (Solomon, 1976, cit. por Northen, 1994).

Intervém, assim, nos seguintes sectores: Segurança Social e Protecção Social (Centros
Distritais de Solidariedade e Segurança Social e Instituições Particulares de
Solidariedade Social), Trabalho e Desemprego (Centros de Emprego e Centros de
Formação Profissional), Saúde (Centros Hospitalares, Centros de Saúde, Unidades de
Saúde e Instituições de Saúde Mental), Educação e Estabelecimentos de Ensino,
Autarquias Locais (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia), Justiça e Reinserção
Social (Estabelecimentos Prisionais e Instituto de Reinserção Social), em
departamentos de recursos humanos de empresas e outras organizações ou comissões
locais.

As actividades desenvolvidas passam pelo determinar das necessidades e problemas


sociais, emocionais e económicos das pessoas, providenciando serviços de acordo com

218
a especificidade dessas necessidades; desenvolver recursos, programas e políticas
sociais, de forma a satisfazer as necessidades da comunidade; promover programas
sociais e serviços de saúde através da pesquisa e do encorajamento das comunidades
e organizações para se tornarem responsáveis pela identificação das suas
necessidades; ajudar as pessoas a promover o seu funcionamento social e/ou pessoal
através da disponibilização de serviços inexistentes ou do encaminhamento para
serviços já em funcionamento; coordenar e trabalhar com organizações
governamentais ou não-governamentais, privadas, cívicas, religiosas, empresariais
e/ou comerciais para combater os problemas sociais através da consciencialização e da
aplicação de programas que dêem resposta aos referidos problemas; investigar,
planear e desenvolver programas e políticas sociais e de saúde.

2. Apoio social na APAV

Existem vários trabalhadores sociais que podem apoiar/acompanhar, com diferentes


metodologias, métodos e técnicas, as vítimas de crime.

Antes de prosseguir, esclareçamos alguns conceitos que estão na base do nosso


entendimento sobre o Apoio Social que deve ser desenvolvido na APAV com as vítimas
de crime:
Conceito Definição
«Ciência dos métodos. É a disciplina que
reflecte sobre os processos racionais de
um pensamento metódico. Elabora os
conceitos básicos e os instrumentos
racionais que um método deve utilizar
para atingir o seu fim. O bom uso destes
instrumentos deve levar a organizar,
Metodologia interpretar e explicar os dados como um
todo racionalmente coerente» (Birou).
«Ciência ou teoria sobre os métodos para
Alguns exemplos: Metodologia de Investigação-
Acção; Metodologia de Projecto o conhecimento científico da realidade e
para a transformação da mesma» (Ander-
Egg, 1995).
«Sendo assim, a metodologia em Trabalho
Social é um modo de fazer, não definindo,
contudo, os objectivos que quer alcançar
nem os valores aos quais se refere»
(Cristina Robertis, 1983).

Modelos «Modelo sugere uma certa ideia de acção,


de construção; [...] não só se usa em
vários sentidos, como também existem
Alguns exemplos: Modelo Interaccional Sistémico; Modelo diferentes tipos de modelos; [...] todos os

219
Conceito Definição
de Intervenção em Crise; Modelo Psicossocial,etc. modelos oferecem uma visão simplificada
da realidade, mas um pouco incompleta.
Neles reside uma vantagem: é a
simplificação da complexidade do mundo
real e a facilidade para a sua
compreensão; [...] todo o modelo é uma
expressão abstracta da realidade; [...]
sem dúvida que os modelos constituem
auxiliares efectivos e úteis para fazer
avançar o pensamento com uma
estratégia cognitiva mais segura e precisa;
[...] os modelos servem para orientar as
estratégias de acção a fim de actuar sobre
a realidade. São muito úteis para facilitar
a expressão de determinadas situações;
[...] ajudam a reflexão teórica, na medida
em que são sistemas conceptuais que
pretendem representar aspectos de
sistemas reais (Ander-Egg, 1995).
«Algo a ser copiado», um ponto de
referência, um critério. Em Ciências
Sociais, um modelo «é sistematização de
um conjunto de dados, permitindo a
melhor compreensão do todo, a
descoberta de novas hipóteses, a
identificação de lacunas, as áreas que
necessitam de provas, tornando-se um
ponto de referência para um objecto a ser
construído ou estudado 2 ”.
O objectivo principal do modelo de
intervenção é a mudança. O conceito de
mudança pressupõe a definição do que se
quer mudar, o porquê e quem quer
mudar.
«expressão introduzida no campo das
ciências sociais, para designar o conjunto
de actividades realizadas de maneira mais
ou menos sistemática e organizadas, para
actuar sobre um aspecto da realidade
Intervenção Social social com o propósito de produzir um
impacto determinado. Toda a forma de
intervenção social necessita de métodos e
técnicas de acção que têm uma
intencionalidade dada por um marco
ideológico, político e filosófico de quem
realiza estas acções» (Ander-Egg, 1995).

2
In, KAPLAN, A. (1969) – A conduta na pesquisa – S. Paulo, Herber

220
Conceito Definição

O método de intervenção é uma


combinação de conceitos, regras e
técnicas visando resolver problemas
sociais numa perspectiva de trabalho
social, apresentando uma configuração
reconhecida graças à combinação de
análises e de estratégias de intervenção.
Depois de 1960 foram reconhecidos três
métodos de intervenção, pela
Método Universidade de Laval: Intervenção de
Grupo, Intervenção Colectiva e
Intervenção Individual ou Casew ork .
Este nível de intervenção, segundo a ONU
(1967), é um processo de interacção
dinâmica entre o trabalhador social e o
cliente, utilizado conscientemente em
vista do tratamento social; estes fins são
eles próprios definidos após um estudo da
situação do interessado, os problemas que
mais o preocupam e os meios de o ajudar
a resolver estes problemas graças aos
seus próprios meios e aos da comunidade.
Segundo Madeleine Grawitz (1993) as
técnicas são procedimentos operatórios
rigorosos bem definidos, transmissíveis,
susceptíveis de serem novamente
aplicados nas mesmas condições,
adaptados ao tipo de problema e aos
Técnicas
fenómenos em causa. A sua escolha
depende do objectivo que se quer atingir,
Alguns exemplos: observação, entrevista, capacitação e o qual, por sua vez, está ligado ao método
advocacia etc. de trabalho.
Ander-Egg (1995) acrescenta que as
técnicas podem ser compreendidas como
um «conjunto de procedimentos, recursos
e meios postos em prática para obter
resultado determinado».
A avaliação faz parte do processo de
intervenção social. Avaliar é, segundo
Isabel Guerra (2000), «apreciar e ajuizar
de forma rigorosa, lógica e coerente, o
Avaliação
estado, a evolução e os efeitos de
problemas, acções, dispositivos e
organizações sobre as quais estamos a
intervir».

221
Definindo estes conceitos podemos, assim, referir que consoante a(s) problemática(s)
apresentada pela vítima de crime o trabalhador social actua, em situações de crise e
de emergência, mas também dá resposta aos problemas de natureza pessoal e social
do dia-a-dia. Utiliza uma variedade de práticas, técnicas e acções em consonância com
a abordagem holística do ser humano e do ambiente que o rodeia.

Contudo para que possa, de forma correcta, intervir terá de elaborar o diagnóstico
social. O Diagnóstico Social é um processo contínuo, segundo Florence Hollis (1965)
«é uma tentativa» de conhecer uma dada realidade mas que necessita para ser
oportuno, ser completo, claro e preciso.

Richmond refere ainda que o diagnóstico social procura a obtenção de um


conhecimento, o mais exacto possível da situação social e da personalidade de um
indivíduo com determinadas necessidades. E que um bom diagnóstico é complexo,
claro, e realça os pontos que indicam o tratamento social a seguir.

Segundo Idánez & Ander-Egg (1999), o Diagnóstico Social é como um «processo de


elaboração e sistematização de informação que implica conhecer e compreender os
problemas e necessidades dentro de um determinado contexto, as suas causas e
evolução ao longo do tempo, assim como factores condicionantes e de risco e as suas
tendências previsíveis; permitindo uma discriminação dos mesmos segundo a sua
importância, estabelecendo prioridades e estratégias de intervenção – de maneira a
que se possa determinar a sua viabilidade – e considerando para tal envolvidos, tanto
os meios disponíveis como as forças e actores sociais envolvidos nos mesmos».

Guerra (1994) acrescenta que é «o conhecimento científico dos fenómenos sociais e a


capacidade de definir intervenções que atinjam as causas dos fenómenos e não as
suas manifestações aparentes». Para garantir a eficácia de qualquer projecto de acção
e garantir a adequabilidade das respostas é fundamental a construção de um bom
diagnóstico, já que este pressupõe uma relação de interacção entre as várias variáveis
e a identificação das vulnerabilidades e das potencialidades e recursos/meios, assim
como a detecção das necessidades.

Verifica-se, assim, que o diagnóstico social é uma das primeiras fases, no processo de
intervenção social e é um elemento fulcral de toda a prática social. A sua elaboração
necessita da aplicação de uma metodologia de pesquisa-acção, com base numa atitude
de curiosidade científica permanente e, ainda segundo Richmond, porque «a máquina
do diagnóstico» não funciona sem a imaginação e criatividade do Trabalhador Social.

2.1 Modelos de intervenção


Após a elaboração de um diagnóstico social sobre a situação social da vítima o/a
trabalhador social irá intervir consoante um modelo de intervenção. Iremos, assim,
abordar, de forma sucinta, três deles: Modelo Interaccional Sistémico, o Modelo de
Intervenção em Crise e o Modelo Psicossocial

222
2.1.1 Modelo Interaccional Sistémico
O Modelo Interaccional Sistémico, segundo Vieira (1985), consiste na «intervenção do
agente profissional em benefício do indivíduo, para capacitá-lo na orientação da sua
vida, existindo assim interacção entre indivíduos dentro de uma sociedade. Este
modelo é constituído por um sistema que abriga diferentes elementos interaccionais:
objectivos totais, reais e legítimos; o ambiente que está fora do sistema; os recursos
dentro do sistema ou meios para desenvolver as tarefas; os componentes (pesquisa,
análise, síntese, relacionamento Trabalhador Social-Utente, entre outros); a
administração do sistema que controla planos de intervenção, estabelecimento de
objectivos e prioridades, avaliação e controle da aplicação do plano e uma correcta
utilização dos recursos e dos seus componentes».

Segundo Hearn, o Modelo Interaccional Sistémico defende que um sistema é um


conjunto de objectos onde existe um relacionamento entre os objectos e seus
respectivos atributos. O autor foi o profissional que mais estudou a Teoria Geral dos
Sistemas de Von Bertalanffy (1971), que consiste num meio de conceptualização e
interligação mútua de indivíduos.

Payne (2002) refuta que este modelo se baseia na Teoria dos Sistemas de Von
Bertalanffy: «teoria biológica que propõe que todos os organismos são sistemas,
compostos por subsistemas, os quais por sua vez, são parte de super-sistemas. Esta
teoria é fundamental à compreensão específica de indivíduos, famílias, pequenos
grupos, e comunidades. Este modelo, na intervenção social com crianças e jovens
vítimas de crime funciona, funciona como enquadrador, na medida em que a pessoa
que recorre a um serviço está envolvida numa série de outros sistemas e subsistemas.
A intervenção do trabalhador social neste tipo de situações também funciona a nível
familiar, uma vez que é produtivo trabalhar não apenas com a vítima, mas também
com os restantes membros da família (rede primária). Para além de operar a nível
individual e familiar, a rede social também pode ser trabalhada (intervenção em rede),
já que não se pode dar resposta às necessidades de uma pessoa sem atender aos
organismos que estão na comunidade e sem potenciar todos os recursos da mesma.
Logo, tenta-se uma articulação das diversas redes sociais, no sentido de dar uma
resposta adequada ao problema. Há todo um conjunto de organismos que actuam na
rede social que podem influenciar e de se articular no sentido da consecução de uma
resposta muito mais profunda às diversas situações.

2.1.2 Modelo Intervenção na Crise


Podemos dizer que este modelo não é inovador, visto que se pode dizer que todos os
trabalhadores sociais trabalham em situações de crise. Tem origem no quadro do
trabalho de saúde mental, e na prevenção mais do que no tratamento (Payne, 2002).
A intervenção em tempo de crise é uma actuação imediata que pode ser dividida em
dois níveis:
1.º Nível – o/a Trabalhador Social ajuda a aliviar os sintomas imediatos e
restaurar um mínimo de funcionamento, identificando as causas do
desequilíbrio e as providências que o cliente pode tomar;

223
2.º Nível - se houver tempo e for oportuno, o estado de crise deve ser
relacionado com eventos ou experiências passadas e levar o cliente a novos
modos de perceber, pensar, sentir, e procurar uma certa adaptação ao
presente.

Assim, a intervenção em tempo de crise é uma actuação imediata na qual o/a


Trabalhador Social focaliza o problema do momento e, portanto, não pode demorar-se
em estudos e pesquisas prolongados. Requer do/a Trabalhador Social uma assimilação
prévia e profunda dos conhecimentos descritos e experiência em aplicá-los, pois muitas
vezes a sobrevivência do utente depende da rapidez da intervenção. Na maioria das
crises das vítimas de crime, a intervenção situa-se no nível de comunicação com a
utente. Assim, o/a trabalhador social utiliza técnicas diferentes, conforme a natureza
da crise e as utentes envolvidas.

Por exemplo: os jovens que procuram apoio na APAV encontram-se frequentemente


em situações de crise, visto poder tratar-se de vítimas de bullying, crimes sexuais,
violência no namoro, etc. As agressões físicas, sexuais e/ou psicológicas a que os
jovens enquanto vítimas de crime se encontram expostos, provocam uma ruptura no
funcionamento normal da pessoa e facilitam o aparecimento de sentimentos como: o
medo, o pânico, a ansiedade, entre outros. Estes sentimentos levam a que
momentaneamente o utente/cliente tenha dificuldades em manter o seu equilíbrio
psicológico. É nestas circunstâncias que, muitas vezes, a população mais jovem se
dirige à APAV. Frequentemente afirmam que se encontram perdidos e sem saber o que
devem fazer naquele momento para aliviarem a tensão que sentem. Por vezes, como
forma de aliviarem a pressão a que estão submetidos recorrem ao uso de substâncias
psicoactivas ou enveredam por comportamentos de risco, o que agrava ainda mais a
situação de crise na qual os jovens já se encontravam.

2.1.3 Modelo Psicossocial


Mary Richmond, Gordon Hamilton e Florence Hollis foram os grandes precursores deste
modelo, pois este está associado ao surgimento do Casework e tem como base teórica
a teoria psicanalítica. Este modelo ajuda o/a Trabalhador Social na análise e
compreensão da pessoa e da sua situação.

Segundo Hollis, uma das características fundamentais deste modelo reside na


importância atribuída ao conteúdo e ao processo de estudo psicossocial, à valorização
da personalidade como dado central e à possibilidade de encontrar no utente os
recursos que lhe permitam sair da situação problemática. O modelo psicossocial «tem
em conta o aspecto psicológico e social que comporta cada caso, […] a pessoa em sua
situação e dá importância a um diagnóstico-evolutivo que trata ao mesmo tempo os
problemas e os recursos, os pontes fortes e os pontos fracos da pessoa e da situação 3.

3
In, RANQUET, Du Mathilde (1996) – Los Modelos en Trabajo Social – Rio de Janeiro, Agir Editora, 3ª edição.

224
O acompanhamento psicossocial é apoiar, acompanhar e tentar que a vítima de crime
se organize, de modo a adquirir as condições necessárias para se reorganizar,
eliminando assim os factores de risco.

2.2 Método: Trabalho social de casos


O/a trabalhador social deve centralizar-se na intervenção individualizada e
personalizada com cada vítima de crime, utilizando assim o Método de Casos (ou
Casework).

O objectivo deste método, segundo Gordon Hamilton (1969), consiste em «fornecer


serviços práticos e de aconselhamento, de tal modo a que seja desenvolvida a
capacidade psicológica do cliente e que este seja levado, com habilidade, à utilização
dos serviços existentes para resolver os seus problemas».

Neste método, o Trabalhador Social centra-se na vítima de crime, essa, que possui um
problema e que procura uma instituição onde possa ser ajudado por um Técnico
através de um determinado método.

Um dos princípios filosóficos do Trabalho Social é a individualização, ou seja, a


diferença entre os indivíduos, porque cada pessoa é vista como um ser uno e singular,
com a sua personalidade e com os seus problemas específicos. No entanto, os
problemas não são da área da individualização pois reflectem factores provenientes
das relações familiares, do meio ambiente, do trabalho, e da própria sociedade.

Deste modo, este método debruça-se sobre o indivíduo com o objectivo de procurar
compreender o que o rodeia e o modo como isso afecta a sua relação consigo próprio
e com os outros. O Trabalho Social de Casos caracteriza-se assim, numa relação íntima
entre a adaptação do indivíduo e o melhoramento das condições sociais, definindo-se
desta forma como a capacidade do sujeito de participar activamente no seu processo
de socialização e de ajustar-se a si mesmo. A melhor ajuda que se presta à pessoa, é
consciencializá-la da sua possibilidade de se aperfeiçoar.

Este método implica três fases consecutivas:


1- O Estudo do Problema;
2- O Diagnóstico do Problema;
3- O Tratamento do Problema.

Nas duas primeiras fases, há uma relação dialéctica com todo o processo, sendo que o
sucesso de cada uma depende do êxito da anterior. O êxito da intervenção está
principalmente dependente do estudo e do diagnóstico do problema.

225
O diagnóstico, como vimos anteriormente, deve ser elaborado com base na informação
recolhida no(s) primeiro(s) atendimento(s), não sendo, no entanto, estanque irá sendo
reajustado ao longo do processo de apoio, quer em função de novos elementos, quer
em função da evolução e apropriação do processo e de papéis pela vítima.

Devemos concentrar-nos no diagnóstico da situação relacional, social e institucional da


pessoa, atendendo às suas necessidades peculiares, de forma a tornar possível uma
adequada mediação entre a vítima e as redes primária e secundária de suporte
chamadas a intervir no processo de apoio. Visa-se a obtenção de bens e serviços que
permitam a satisfação das necessidades sociais desencadeadas pela vitimação.

Devemos esclarecer, junto da vítima e seus familiares e/ou amigos, desde o início do
processo de apoio, qual o nosso papel nesse mesmo processo, desmistificando a ideia
muitas vezes existente de que solucionaremos todos os seus problemas, como que por
magia. É fundamental afastar tal pressuposto, clarificando quais as suas funções e
limitações no âmbito daquele processo.

2.3 Técnica: Capacitação e Advocacia


Segundo Payne (2002), a capacitação procura ajudar os utentes/clientes a conquistar
poder de decisão e de acção sobre as suas próprias vidas através da redução do efeito
de bloqueios sociais ou pessoais, aumentando assim a capacidade e a auto-confiança
para utilizar o poder. A advocacia tem como objectivo representar o interesse dos
utentes vulneráveis junto dos indivíduos e estruturas sociais poderosas. A ideologia da
capacitação procura dar responsabilidade aos indivíduos, de modo a que, estes
providenciem a satisfação das suas próprias necessidades.

O objectivo básico da capacitação, na visão de Rees (1991, citado por Payne, 2002), é
a justiça social, dando às pessoas, através de apoio mútuo e de aprendizagem
partilhada, capacidades para darem pequenos passos no sentido de uma maior
segurança e igualdade política e social. E Philp (1979) «utiliza a advocacia para
demonstrar que, no modelo de trabalho social que interpreta, a advocacia é
patenteada no sentido de interpretar ou demonstrar o valor dos utentes para grupos
poderosos na sociedade» (Payne, 2002).

Assim, a advocacia pode significar um serviço que defende as visões e as necessidades


dos indivíduos, um conjunto de aptidões ou técnicas para fazer a defesa dos seus
utentes e a interpretação de pessoas fragilizadas junto de grupos poderosos. A
advocacia de casos procurava promover a mudança social em benefício de grupos
sociais dos quais os utentes eram originários.

Um importante elemento da prática encontra-se nos direitos sociais, que estão


relacionados com o facto de assegurar que os utentes que beneficiem de certos
serviços de assistência tenham o direito a recorrer a outros serviços de assistência.
Inicialmente, este termo incidia sobre os benefícios da segurança social, mas agora
tem uma aplicação mais alargada. Está relacionado com direitos porque, ao contrário

226
de muitos serviços de assistência, esses benefícios estão frequentemente baseados em
direitos legais.

Exemplo da capacitação e advocacia: em Portugal, depois do comummente conhecido


Processo Casa Pia, as leis de protecção a crianças e jovens vítimas de crimes sexuais
foram alterados devido à pressão social exercida pelas ONG e pela opinião pública em
geral. O mesmo sucede actualmente com o bullying, um fenómeno praticamente
invisível há poucos anos e que hoje ganhou visibilidade entrando desta forma na
agenda política. As ONG que trabalham com vítimas de bullying encontram assim uma
janela de oportunidade para reivindicar mais direitos para as vítimas da violência em
contexto escolar.

3. Áreas de intervenção e recursos comunitários

O TAV deve esclarecer, junto da vítima, desde o início do processo de apoio, qual o
seu papel nesse mesmo processo, desmistificando a ideia muitas vezes existente de
que solucionará todos os seus problemas, como que por magia. É fundamental afastar
tal pressuposto, clarificando quais as suas funções e limitações no âmbito daquele
processo.

O confronto com a inexistência de tal omnipotência pode ser interpretado pela vítima
como uma recusa de ajuda por parte do TAV, o que pode desencadear nela
sentimentos de revolta para com o técnico, pelo que se torna essencial a clarificação
dos papéis não só deste mas também de todos os agentes sociais envolvidos.

Em termos sociais, a vítima apresenta frequentemente necessidades básicas ao nível


do acolhimento, alimentação e da saúde. Vejamos cada uma, seguidamente.

3.1 Acolhimento
Começando por analisar a questão do acolhimento, visto este ser um pedido
recorrente em situações de violência doméstica, quer em situações de crise, quer
noutras, diga-se desde já que as possíveis respostas à satisfação desta necessidade
são diferentes, consoante se trata de um acolhimento imprevisível ou planeado.

No caso de a saída de casa surgir imprevisivelmente e se apresentar como necessidade


imediata, é frequentemente imprescindível a articulação com o Instituto de Segurança
Social (ISS), bem como com os tribunais. Na esmagadora maioria das vezes, quem
tem de sair de casa são as vítimas (directas e indirectas) e não o agressor, realidade
nem sempre compreendida pelo sistema social, dado que a lei prevê o afastamento do
agressor, o que exige um trabalho em rede com o sistema social e com o sistema
judicial.

227
A necessidade de um acolhimento imediato emerge num período de crise: é
frequente que as vítimas abandonem a casa de morada de família sem previamente o
terem planeado. Fazem-no no meio de uma agressão bastante violenta, receando pela
sua segurança e mesmo pela vida. Após saírem de casa, muitas vezes durante a noite,
concluem que não têm para onde ir, solicitando ajuda profissional.

O TAV tem nesta fase um papel preponderante para o restante processo de apoio, pelo
que deve ser perspicaz e firme, mas também acolhedor. O seu papel prende-se
essencialmente com três funções:
a. valorizar o acto de pedir ajuda, prestando apoio emocional,
b. elaborar o diagnóstico da situação e
c. avaliar o grau de risco.

Tais funções não se esgotam, de forma alguma, neste momento, mas encontrarão a
sua continuidade ao longo do processo de apoio.

Através do diagnóstico realizado, é identificada a rede primária de apoio, o que


permitirá analisar quais os recursos da vítima, designadamente a possibilidade de
acolhimento em casa de familiares ou amigos.

Os casos em que tal não se torna exequível são múltiplos: em primeiro lugar, o suporte
fornecido pela família pode apresentar-se num registo punitivo, de acordo com o senso
comum e com o papel culturalmente atribuído à mulher na conjugalidade; por outro
lado, ainda que a vítima tenha o apoio de familiares e amigos, a morada destes é,
geralmente, conhecida do agressor, o que levanta questões ao nível da segurança de
todos os actores sociais envolvidos.

A rede secundária de apoio torna-se assim frequentemente necessária. Cabe ao TAV


assegurar a articulação com esta rede, concretizando a mediação entre a vítima e os
serviços chamados a intervir neste processo, sendo os mais competentes a
proporcionarem respostas em situações de emergência os seguintes:

• Linha Nacional de Emergência Social - 144


Este é um serviço do Instituto de Segurança Social, criado com o objectivo de dar
resposta a situações de emergência social, incluindo casos de violência conjugal.

É um serviço telefónico gratuito que proporciona um atendimento personalizado 24


horas por dia e 365 dias por ano, de âmbito nacional, existindo em cada distrito uma
equipa constituída por técnicos que, nos casos em que a emergência o justifique,
podem inclusivamente deslocar-se ao local.

228
Em cada distrito existe, assim, uma resposta de carácter imediato, cabendo ao técnico,
em parceria com a vítima e outros serviços, encontrar uma resposta alternativa em 48
horas.

• Estruturas sociais de apoio a indivíduos em situação específica de sem


abrigo
Frequentemente, as vítimas de crime, ao serem obrigadas pelas circunstâncias a
abandonarem a casa de morada de família sem planeamento prévio, ficam numa
situação de sem abrigo: não dispondo de rede de suporte primária, torna-se necessário
accionar a rede de suporte secundária.

Neste sentido, estruturas sociais de apoio a indivíduos em situação de sem residência


são chamadas a intervir. Também na prestação deste apoio, as estruturas sociais
diferem consoante as zonas distritais. Por tal motivo, cabe mais uma vez ao TAV
realizar o levantamento e diagnóstico da rede de suporte secundária existente em cada
distrito e área envolvente. No entanto, mencionam-se aqui algumas destas estruturas,
por serem as mais comuns aos vários distritos do país.

­ Centro de Atendimento, Estudo e Intervenção Social com os Sem


Residência (CAEI/SR)
É um serviço integrado no Instituto de Segurança Social, que visa intervir e
acompanhar socialmente uma população em situação específica de sem abrigo:
procura definir conjuntamente um projecto de vida do agente social, assegurando a
sua concretização e a mediação social necessária à autonomização. O
acompanhamento cessa no momento em que se encontram reunidas as condições
fundamentais a essa autonomização. Este serviço tem apenas uma delegação distrital,
sita no Porto.

­ Santa Casa da Misericórdia


Em algumas zonas do país, as Santa Casa da Misericórdia presta um apoio
fundamental no acolhimento desta população, assegurando um trabalho de acção de
social aos agentes sociais envolvidos. Prestam resposta ao nível do acolhimento e da
alimentação.

­ Instituições Particulares de Solidariedade Social


Em vários distritos do país existem casas de abrigo vocacionadas para acolher pessoas
em situação de sem abrigo. São IPSS que têm dinâmicas organizativas peculiares. Não
podem ser equiparadas a casas de abrigo ou centros de acolhimento, uma vez que têm
uma característica que as distingue das restantes: regra geral, as pessoas apenas
podem pernoitar e fazer a primeira e a última refeições do dia, ou seja, não podem aí
permanecer durante o dia.

Alguns destes albergues têm uma ala destinada exclusivamente ao acolhimento de


famílias, sendo no entanto as dinâmicas organizativas idênticas para toda a população.

229
• Casas de abrigo
Desde 1991 que tem vindo a ser publicada legislação no sentido de garantir a
protecção adequada às vítimas de violência doméstica, nomeadamente através da
criação de casas de abrigo. As casas de abrigo são locais seguros para mulheres
vítimas de violência doméstica, com ou sem filhos. Estas poderão permanecer na casa
de abrigo o tempo que for necessário, dentro limite máximo de permanência
estabelecido.

Estas casas encontram-se distribuídas pelo país, destinadas ao acolhimento de vítimas


de violência doméstica, não sendo muitas vezes possível escolher a localização da casa
abrigo onde poderá ser acolhida. Nalguns casos as mulheres são colocadas em casas
de abrigo fora da sua área de residência por motivos de segurança.

Numa casa de abrigo poderão ter aconselhamento e ajuda em questões relacionadas,


nomeadamente, com os seus direitos, protecção social, habitação, emprego, regulação
das responsabilidades parentais, etc.

Devemos saber exactamente que critérios usam para o acolhimento. Por exemplo, no
caso de uma criança, teremos que saber qual a idade limite que apontam para acolher.
Existem também outros centros de acolhimento que se destinam a outros problemas,
as regras e a intervenção não foram estruturadas a pensar nas particularidades das
vítimas, pelo que não se encontram adaptadas às reais necessidades destas. Por esta
razão, se se tratar de um vítima de violência doméstica, devemos fazer o possível para
que a vítima seja acolhida numa casa vocacionada para vítimas deste tipo de crime, de
forma a reduzir a possibilidade de ocorrência de episódios de vitimação secundária.

Uma vez mais, devemos conhecer o funcionamento e requisitos das casas abrigo, de
forma a poder informar correctamente a vítima, não lhe criando falsas expectativas.
Esta deve ficar ciente de que uma eventual resposta positiva pode não surgir tão
brevemente quanto desejável, pelo que, em situações de urgência, pode ter que
recorrer-se a outras alternativas, como as referidas anteriormente e as que se seguem.

• Acolhimento Familiar para Crianças e Jovens


O Acolhimento Familiar para Crianças e Jovens (Decreto-lei nº 190/92, de 3 de
Setembro) tem como objectivo acolher transitória e temporariamente crianças e
jovens, por famílias identificadas pelos Centros Distritais do Instituto de Segurança
Social (entidade responsável) e pretende assegurar um meio sócio-familiar adequado
ao desenvolvimento da personalidade da criança/ jovem.

Os Centros Distritais, são as entidades responsáveis pela selecção das famílias de


acolhimento e pelo acolhimento familiar destas crianças e jovens, como tal devemos
articularmo-nos com esta entidade.

230
• Acolhimento Familiar de Pessoas Idosas e Adultas com Deficiência
O Acolhimento Familiar de Pessoas Idosas e Adultas com Deficiência (Decreto-lei nº
391/91 de 10 de Outubro e Despacho conjunto nº 727/99 de 23 de Agosto) tem como
objectivo acolher temporária ou permanentemente, em famílias consideradas idóneas,
pessoas idosas e adultas com deficiência garantido um ambiente sócio-familiar e
afectivo, tendo em vista uma alternativa ao meio familiar e ainda evitar o recurso à
resposta institucional.

Os Centros Distritais, são as entidades responsáveis pela selecção das famílias de


acolhimento e pelo acolhimento familiar de pessoas idosas e adultas com deficiência,
como tal devemos articularmo-nos com esta entidade.

• Centro de Acolhimento Temporário


Este Centro (Guião Técnico da Direcção Geral de Acção Social, Despacho SEIS em 29
de Novembro de 1996) tem como objectivo promover o acolhimento urgente e
transitório, por período não superior a 6 meses, de crianças e jovens em situação de
risco, proporcionando condições para a definição do seu projecto de vida e adequado
encaminhamento. As entidades responsáveis por estes Centros de Acolhimento
Temporário são Centros Distritais do Instituto de Segurança Social e IPSS que
dispõem destes serviços.

• Centro de Acolhimento Temporário de Emergência para Idosos


Este Centro (Guião Técnico Lar para Idosos/ Direcção Geral de Acção Social) tem
como objectivo acolher temporiamente idosos, perspectivando-se o seu
encaminhamento para a família ou outra resposta social mais adequada. As entidades
responsáveis por estes Centros de Acolhimento Temporário são Centros Distritais do
Instituto de Segurança Social e IPSS que dispõem destes serviços.

• Centro de Noite para Pessoas Idosas


Este Centro pretende alojar e acompanhar durante a noite os idosos que, por razões
de isolamento, solidão ou sentimento de insegurança não podem permanecer no
domicilio. Presta apoio, para além do alojamento, de alimentação e higiene pessoal. As
entidades responsáveis por estes Centros são Centros Distritais do Instituto de
Segurança Social e IPSS que dispõem destes serviços.

• Lar para Crianças e Jovens


Estes Lares (Decreto-Lei nº2/86 de 2 de Janeiro e Guião Técnico da Direcção Geral de
Acção Social, Despacho SEIS em 29 de Novembro de 1996) acolhem crianças e jovens
em situações de risco e têm como objectivo proporcionar à criança/ jovem, estruturas
aproximadas quanto possível às de uma família, criando condições para a definição e o
desenvolvimento do seu projecto de vida.

Pretende assegurar meios necessários ao desenvolvimento pessoal, escolar e


profissional da criança/ jovem e promover a integração na família e comunidade de
origem ou noutra medida em meio natural de vida. As entidades responsáveis por

231
estes Lares são Centros Distritais do Instituto de Segurança Social e IPSS que dispõem
destes serviços.

• Lar para Idosos


Estes Lares (Guião Técnico Direcção Geral de Acção Social, aprovado pelo SEIS em 29
de Novembro de 1996; Despacho Normativo nº 12/98 de 25 de Fevereiro; Despacho
nº 7837/2002 de 1 de Fevereiro) têm como objectivo: atender e acolher pessoas
idosas cuja situação social, familiar, económica e/ou de saúde, não permita resposta
alternativa; alojar temporária ou permanentemente pessoas idosas em situação de
risco de perda de independência e/ou autonomia; e prestar apoios necessários às
famílias dos idosos, no sentido de preservar e fortalecer os laços familiares.

Acolhe, assim, pessoas de 65 anos e mais ou de idade inferior a 65 anos em condições


excepcionais. As entidades responsáveis por estes Lares são Centros Distritais do
Instituto de Segurança Social e IPSS que dispõem destes serviços.

• Residência para Idosos


Estas residências pretendem alojar de forma temporária ou permanente idosos com
idosos com autonomia em apartamentos com serviços de utilização comum. As
entidades responsáveis por estes Lares são Centros Distritais do Instituto de Segurança
Social e IPSS que dispõem destes serviços.

• Pensões / residenciais
Esta deve ser a última alternativa a que recorremos, uma vez que é sempre uma
resposta inapropriada e desajustada, mas que serve, muitas vezes, de tábua de
salvação. As instituições dispõem geralmente de verbas económicas bastante reduzidas
para usar este recurso. Por outro lado, pode mesmo causar uma situação de vitimação
secundária: são pensões/residenciais em que o ambiente não é o mais agradável e em
que os quartos são exíguos, para além de nem sempre não garantirem condições de
segurança. No entanto, em situação de urgência, pode tornar-se realmente um recurso
inevitável;

Todas as respostas analisadas até ao momento são de carácter temporário, pelo que
devem ser percepcionadas, tanto pelos profissionais como pela vítima, como uma
ponte para a obtenção de recursos que viabilizem a sua autonomia e independência.

Esta autonomização pressupõe uma resposta habitacional de carácter definitivo, que


demonstra ser um importante pilar no processo de ruptura com a situação de
vitimação.

Esta resposta prende-se, na esmagadora maioria das vezes, com o arrendamento de


uma casa. Nesta fase do processo de apoio, devemos contactar outras instituições ou
serviços, sempre que a vítima demonstre carência económico-social.

232
• Programa Porta 65 – Jovem
O Programa Porta 65 – Jovem é um sistema de apoio financeiro ao arrendamento por
jovens, isolados, constituídos em agregados ou em coabitação, criado pelo Decreto-Lei
n.º 308/2007, de 3 de Setembro e regulado pela Portaria n.º 1515-A/2007, de 30 de
Novembro.

Podem candidatar-se a este programa jovens com idade igual ou superior a 18 anos e
inferior a 30 anos (no caso de casais de jovens, um dos elementos pode ter até 32
anos) que reúnam as seguintes condições:

1) sejam titulares de um contrato de arrendamento celebrado no âmbito do


NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro);

2) não usufruam, cumulativamente, de quaisquer subsídios ou de outra forma


de apoio público à habitação;

3) nenhum dos jovens membros do agregado seja proprietário ou arrendatário


para fins habitacionais de outro prédio ou fracção habitacional;

4) nenhum dos jovens membros do agregado seja parente ou afim do senhorio.

Uma percentagem elevada de vítimas não reúne a globalidade dos requisitos exigidos
pelo IGAPHE para o subsídio de arrendamento para jovens. Nestes casos, o TAV deve
efectuar a mediação entre a vítima e os serviços locais do ISS (o da anterior morada
de família e o da nova morada), os quais poderão proporcionar um apoio para o
pagamento inicial de renda de uma casa.

O TAV deve analisar com a vítima os seus recursos e a possibilidade de no futuro vir a
fazer face ao encargo. O objectivo principal da atribuição do apoio é a pertinência
deste para a futura autonomia de vítima. Neste sentido, apenas reunidas as condições
para assegurar a autonomia e estabilidade socioeconómica da vítima é que o apoio é
facultado.

Compete ainda ao trabalhador social sensibilizar estes serviços e os poderes políticos


para a importância da desburocratização dos serviços sociais, numa óptica de
celeridade, uma vez que estes casos exigem respostas adequadas e imediatas.

233
• Serviços Locais do Instituto de Segurança Social (ISS); do Centro de
Segurança Social da Madeira (CSSM); e do Instituto para o
Desenvolvimento Social dos Açores (IDSA).

Devemos encaminhar ou ajudar a vítima a contactar os serviços locais do ISS (o da


anterior morada de família e o da nova morada), os quais poderão proporcionar um
apoio para o pagamento inicial de renda de uma casa.

Devemos analisar com a vítima, os seus recursos e a possibilidade de no futuro vir a


fazer face ao encargo. O objectivo principal da atribuição do apoio é a pertinência
deste para a futura autonomia de vítima. Neste sentido, apenas reunidas as condições
para assegurar a autonomia e estabilidade socioeconómica da vítima é que o apoio é
facultado.

Compete-nos, ainda, sensibilizar estes serviços para as especificidades da problemática


de cada utente e alertar, de forma assertiva e profissional, para as questões da
vitimação secundária. Ainda que seja necessário o apoio destes serviços, o/a TAV deve
continuar a articulação e mostrar-se disponível para colaborar, não descartando a sua
responsabilidade pelo processo de apoio..

• Câmaras Municipais – serviços de acção social e de habitação social


Não obstante ser da competência do poder local a atribuição de habitações sociais, o
TAV pode articular-se com estes actores no sentido de obter informações acerca do
processo do munícipe. Assim, encontrar-se-á capaz de informar rigorosamente a vítima
acerca do ponto da situação para, posteriormente, esta, com o apoio daquele, poder
definir com maior exactidão o seu projecto de vida e o plano de intervenção necessário
à sua implementação.

3.2 Alimentação
Quando a vítima de crime se vê obrigada, por questões de segurança, a abandonar a
casa de morada de família, ou se encontra numa situação de grave carência económica
surgem por vezes necessidades ao nível alimentar.

Para assegurar a satisfação destas necessidades, o TAV deve concretizar a mediação


entre a vítima e:

• Serviços Locais do Instituto de Segurança Social (ISS); do Centro de


Segurança Social da Madeira (CSSM); e do Instituto para o
Desenvolvimento Social dos Açores (IDSA).

O ISS pode, num primeiro momento, proporcionar respostas imediatas, de forma a


garantir a satisfação de uma necessidade tão elementar quanto esta.

234
• Instituições Particulares de Solidariedade Social vocacionadas para a
prestação destes bens 4
Existem algumas instituições nacionais ou locais, como o Banco Alimentar Contra a
Fome (verificar qual a IPSS, Junta de Freguesia entre outras, que faz a distribuição dos
bens) a AMI ou a Cruz Vermelha, que visam a prestação de apoio em bens alimentares
a cidadãos que se encontrem em situação de elevada carência económica temporária
ou de longa duração.

Após a avaliação das necessidades e da situação concreta por parte do TAV, os


profissionais destes serviços podem prestar apoio esporádico ou continuado ao/a
utente, até que o mesmo reorganize o seu projecto de vida.

o Refeitório/Cantina Social
Estes Refeitórios/ Cantinas Sociais têm como objectivo satisfazer as necessidades
básicas e sensibilizar e informar sobre as respostas mais adequadas tendo em conta as
problemáticas da população que recorre àquele serviço. Presta apoio, para além do
fornecimento de refeições, na higiene pessoal, tratamento de roupas e actividades
ocupacionais.

As entidades responsáveis pelos Refeitórios/ Cantinas Sociais são Centros Distritais do


Instituto de Segurança Social e IPSS que dispõem destes serviços.

Mais uma vez se repete que compete ao TAV efectuar o levantamento das diversas
instituições existentes na sua área de intervenção, seus objectivos gerais e específicos,
bem como os seus procedimentos e normas de funcionamento. Só assim está
habilitado a proceder a um adequado encaminhamento da vítima.

3.3 Situação profissional


A situação profissional é outro dos aspectos que pode exigir um trabalho contínuo por
parte do TAV. Em muitos casos, usualmente em situações de violência doméstica a
vítima apresenta um elevado grau de dependência face ao agressor, pelo que é
necessário encontrar uma nova forma de garantir a sua subsistência, o mesmo
sucedendo quando, em virtude da vitimação, a vítima é obrigada a deslocar-se,
sacrificando o seu emprego (após verificação da possibilidade de transferência de local
de trabalho – Lei nº 112/2009 de 16 de Setembro artigo 42º) ou em caso de ficar em
situação de grave carência económica ou desemprego em consequência da vitimação.

Nestes casos, a (re)inserção profissional torna-se primordial, uma vez que permite um
nível de autonomia mais consistente e sólido. Através do desenvolvimento de uma

4 À semelhança do estabelecido para a prestação de apoio alimentar, também se preconiza o apoio material geral
(designadamente mobiliário e vestuário) proporcionado por múltiplas IPSS

235
actividade profissional, a vítima pode adquirir uma nova vida social, um suporte ao
nível da identidade (individual e colectiva) e uma fonte de rendimentos.

Ao abandonar a casa de morada de família, a vítima enfrenta múltiplas dificuldades,


bem como um forte sentimento de incerteza e medo quanto ao futuro. Depara-se com
a angústia da eventualidade de não conseguir suportar todas as despesas e de não ser
capaz de proporcionar uma vida estável e saudável a si e aos filhos (se os tiver). Deste
modo, a inserção no mercado profissional torna-se essencial.

O TAV deve analisar as habilitações académicas da vítima, a sua experiência


profissional e as suas preferências relativamente aos diversos sectores do mercado de
trabalho. Após este diagnóstico, deve proceder ao encaminhamento da vítima para:

• Instituto de Emprego e Formação Profissional da sua área de residência


Os serviços centrais estão sediados em Lisboa, existindo Delegações Regionais, numa
rede que comporta oitenta e seis Centros de Emprego distribuídos pelo país, trinta e
um Centros de Formação Profissional de Gestão Directa, um Centro de Reabilitação
Profissional e sete Centros de Apoio à Criação de Empresas.

O TAV deve ter em conta a actual área de residência da vítima e, eventualmente, a


futura (se se perspectivar a sua alteração), de forma a encaminhá-la adequadamente
para o centro de emprego competente.

• UNIVAS – Unidades de Inserção na Vida Activa


As UNIVAS – Unidades de Inserção na Vida Activa – pertencem aos Centros de
Emprego e Formação Profissional, estando integrados em instituições sem fins
lucrativos (como por exemplo escolas) ou no próprio Estado.

As UNIVAS têm como principal objectivo a inserção do jovem em idade activa e a


reinserção da população desempregada no mercado de trabalho, orientando contudo a
sua intervenção sobretudo para o primeiro caso. Funcionam, em suma, como Gabinete
de Apoio à Formação e Emprego.

• Gabinetes de Inserção Profissional - GIP


Estruturas de apoio ao emprego que, em estreita cooperação com os Centros de
Emprego, prestam apoio a jovens e adultos desempregados para a definição ou
desenvolvimento do seu percurso de inserção ou reinserção no mercado de trabalho.

As Entidades Promotoras podem ser públicas ou privadas sem fins lucrativos,


nomeadamente:
• Autarquias locais;
• Instituições particulares de solidariedade social;

236
• Associações de imigrantes e para imigrantes;
• Associações sindicais e de empregadores;
• Escolas com oferta de vias profissionalizantes de nível secundário;
• Outras associações relevantes na dinamização e desenvolvimento local.

• Clubes de Emprego
Em vários concelhos do país existem clubes de emprego - centros com informação
sobre a oferta de emprego local -, nos quais os cidadãos em situação de desemprego
podem inscrever-se.

Perante uma situação de desemprego da vítima, o TAV deve inteirar-se do seu meio de
subsistência, identificando a (in)existência de prestações de desemprego atribuídas
pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, que podem ser de três tipos:
• Subsídio de desemprego
• Subsídio social de desemprego
• Subsídio de desemprego parcial

De salientar que as prestações de desemprego apenas serão atribuídas se o


beneficiário preencher as condições gerais e específicas de atribuição5.

3.4 Situação escolar


A saída de crianças vítimas, ou filhas de pessoas vítimas de crime, da casa de morada
de família pode implicar a transferência de escola.

Quer a saída seja realizada com um dos pais (frequentemente a mãe), quer seja uma
retirada imposta por ordem judicial, o procedimento de transferência do processo
escolar deve ser efectuado sigilosamente, de forma a garantir a segurança das vítimas.
Para que tal seja garantido, o TAV deve articular-se com ambas as escolas, bem como
com a Direcção Regional de Educação competente.

5 Não é objectivo deste manual debruçar-se sobre os requisitos necessários à obtenção de prestações de desemprego
(ou subsídios de outra natureza), uma vez que já existem documentos elaborados contendo estas informações:
consultar o Guia do Beneficiário / Guia do Contribuinte da Segurança Social, do Ministério do Trabalho e da
Solidariedade e da Secretaria de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais.

237
Convém o técnico saber que o Ensino está estruturado da seguinte forma:

O ensino básico inicia o percurso de educação formal que se deve prolongar num
processo de formação ao longo da vida. Os princípios orientadores da organização e da
gestão curricular estabelecem que deve ser assegurada uma formação geral, comum a
todos os alunos. Esta formação visa garantir o desenvolvimento dos interesses e das
aptidões dos estudantes, promovendo a realização individual, em harmonia com os
valores da cidadania.

• Percursos Curriculares Alternativos


O ensino básico também pode ser concluído através de Percursos Curriculares
Alternativos, destinados a alunos menores de 15 anos (inclusive) com insucesso
escolar repetido ou em risco de abandono escolar.

Estes percursos centram-se na aquisição de competências essenciais, nomeadamente


em Língua Portuguesa e Matemática, e no desenvolvimento de uma formação artística
ou profissionalizante.

O ensino secundário encontra-se organizado em diferentes vias de educação e


formação, que incluem:
• Cursos científico-humanísticos. Contemplam quatro áreas: Ciências e
Tecnologias, Ciências Socioeconómicas, Línguas e Humanidades e Artes Visuais.
Visam preferencialmente o prosseguimento de estudos.
• Cursos profissionais, tecnológicos e do ensino artístico especializado.
Visam uma orientação mais directa para a vida activa, que permite também o
prosseguimento de estudos.
• Cursos com planos de estudo próprios.
A conclusão, com aproveitamento, dos três anos do ensino secundário confere o nível
3 ou 4 de qualificação do Quadro Nacional de Qualificações, conforme o percurso
frequentado (apenas escolar ou de dupla certificação).

a) Cursos Tecnológicos e Cursos Profissionais


Destinam-se a alunos que tenham concluído o ensino básico (9.º ano ou habilitação
equivalente). A oferta formativa compreende o curso tecnológico de Desporto.

238
Os planos de estudos dos cursos integram:
• Componente de formação geral – Visa assegurar o desenvolvimento cultural,
pessoal e social dos jovens;
• A componente de formação científica – Visa a aquisição e o desenvolvimento de
um conjunto de saberes e competências de base do respectivo curso;
• A componente de formação tecnológica – Visa a aquisição e o desenvolvimento
de um conjunto de saberes e competências técnicos do respectivo curso.
Além da avaliação das disciplinas das várias componentes do curso, está prevista a
realização de uma Prova de Aptidão Tecnológica, no ano terminal do curso, após o
final das actividades lectivas e da realização do estágio. Esta prova consiste na defesa
de um trabalho/produto que evidencie as aprendizagens profissionais adquiridas pelo
aluno.

A conclusão dos cursos depende da aprovação em todas as disciplinas e nas áreas não
disciplinares do plano de estudos respectivo, bem como aprovação no estágio e na
prova de aptidão tecnológica;
Estes cursos conferem um diploma de conclusão do nível secundário de educação e,
ainda, de um certificado de qualificação profissional de nível 3.

b) Ensino Artístico Especializado


O ensino artístico especializado de nível secundário inclui as ofertas educativas de
Artes Visuais, Audiovisuais, Dança e de Música.

Este ensino visa desenvolver a vocação artística dos jovens, promovendo uma
aprendizagem sólida que permita a inserção no mercado de trabalho artístico, após a
finalização do curso secundário, ou a progressão de estudos no ensino superior. Nas
áreas das Artes Visuais e dos Audiovisuais, a opção vocacional realiza-se no ensino
secundário. A Dança e a Música, que requerem precocidade e sequencialidade, devem
ser preferencialmente iniciadas no ensino básico.

O nível secundário implica uma formação artística com maior exigência e relevância no
currículo.
Cada uma destas áreas artísticas oferece a opção por:
• Artes Visuais: Design Gráfico, Cerâmica, Equipamento, Ourivesaria, Têxteis,
Realização Plástica do Espectáculo;
• Audiovisuais: Cinema e Vídeo, Fotografia, Luz, Multimédia e Som;
• Dança: Dança Clássica, Moderna e Contemporânea;
• Música: Execução Instrumental, Canto e Canto Gregoriano.
As componentes de formação geral são idênticas para todos os cursos do ensino
artístico especializado. As componentes de formação específica, técnica e técnico-
artística e científica variam de acordo com os cursos e com os planos de estudos das
escolas que os ministram.

239
c) Cursos com Planos de Estudos Próprios
Os cursos de nível secundário com planos de estudo próprios, a funcionar em
estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em regime de autonomia
pedagógica, visam responder às necessidades de qualificação da população dos
concelhos e/ou regiões nos quais estão inseridos. Dirigem-se a um público específico
que pretende obter uma formação prática, tecnológica e científica sólida que lhe
possibilite:
• A preparação para o desempenho de uma profissão;
• A preparação para o prosseguimento de estudos;
• A aquisição de aprendizagens concretas em áreas da sua apetência.
Os cursos com planos próprios têm por referência os planos de estudo dos cursos de
nível secundário oferecidos nos estabelecimentos de ensino público.

Os planos de estudo dos cursos com planos próprios contemplam:


• Componentes de formação geral e científica – incluem as mesmas disciplinas
dos planos de estudo de nível secundário do ensino público;
• Componente de formação tecnológica – abrange as disciplinas de oferta própria
de escola.

Estes cursos estão em funcionamento nos seguintes estabelecimentos de ensino


particular e cooperativo:
• Colégio de Gaia
• Colégio de S. Gonçalo – Amarante
• Colégio de S. Miguel de Fátima
• Colégio dos Órfãos do Porto
• Colégio Internato dos Carvalhos – Gaia
• Escola de Formação Social e Rural de Leiria e Escola de Formação Social e
Rural de Lamego
• Instituto de Educação e Desenvolvimento (INED)
A conclusão de cada curso, e consequentemente do nível secundário de educação, é
certificada através da emissão dos respectivos diplomas e certificado e, ainda, no caso
dos cursos profissionalmente qualificantes, de um certificado de qualificação
profissional de nível 3.

d) Cursos de Especialização Tecnológica (CET)


São formações pós-secundárias não superiores que visam o aprofundamento de
conhecimentos científicos e tecnológicos numa determinada área de formação, bem
como o desenvolvimento ou reforço de competências para o exercício profissional.
Destinam-se a quem:
• Tenha concluído o ensino secundário ou que, não o tendo concluído, tenha
obtido aprovação em todas as disciplinas dos 10.º e 11.º anos;
• Seja detentor do nível 4 de qualificação do Quadro Nacional de Qualificações ou
de um diploma de especialização tecnológica;
• Possua um grau ou diploma do ensino superior e pretenda uma requalificação
profissional.

240
Os CET são formações pós-secundárias não superiores com a duração aproximada de
um ano (entre as 1200 horas e as 1560 horas). Incluem uma formação em contexto de
trabalho com uma carga horária entre 360 e 720 horas.
A aprovação num CET confere o nível 5 de qualificação do Quadro Nacional de
Qualificações e um diploma de especialização tecnológica (DET). Este diploma é
conferido após o cumprimento de um plano de formação com um número de créditos
ECTS (Créditos segundo o European credit transfer and accumulation system)
compreendido entre 60 e 90. O número de créditos ECTS exigido é acrescido de 15 a
30 para quem ingressar no CET sem o 12.º ano. As cargas horárias das diferentes
componentes são acrescidas do número de horas necessário à obtenção dos referidos
créditos.
Nestes casos, a conclusão do CET confere o reconhecimento do nível secundário de
educação.
O Plano de formação dos CET integra:
1. componente de formação geral e científica;
2. componente de formação tecnológica;
3. formação em contexto de trabalho.

A educação e formação de adultos tem como objectivo aumentar a qualificação de


base dos activos (empregados e desempregados), permitindo aos adultos com baixos
níveis de escolaridade a possibilidade de recuperar, completar e progredir nos seus
estudos e, ainda, de reconhecer as competências adquiridas ao longo da vida em
diversos contextos.
• Programa de formação em competências básicas - O programa de
formação em competências básicas destina-se a indivíduos com idade igual ou
superior a 18 anos que não possuem capacidades de leitura, escrita ou cálculo.
Excepcionalmente, podem também aceder a este programa jovens com idade
inferior a 18 anos mediante autorização do director regional de educação ou do
delegado regional do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P.
• Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de
Competências (RVCC) - O Sistema Nacional de Reconhecimento, Validação e
Certificação de Competências (RVCC) valoriza o que o adulto aprendeu em
diferentes contextos, ao longo da vida, e reconhece as competências que foi
adquirindo, atribuindo-lhe uma certificação escolar e/ou profissional. O
processo de RVCC decorre nos Centros Novas Oportunidades e não obedece ao
calendário escolar, pelo que o adulto pode iniciá-lo em qualquer momento.
• Cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) - Os cursos de
Educação e Formação de Adultos (Cursos EFA) visam reforçar os níveis de
qualificação (escolar e/ou profissional) da população portuguesa adulta, através
de uma oferta integrada de educação e formação que aumente as suas
condições de empregabilidade e certifique as competências adquiridas ao longo
da vida
• Formações Modulares - Destinam-se a candidatos com idade igual ou
superior a 18 anos, sem a qualificação adequada para efeitos de inserção ou
progressão no mercado de trabalho e, prioritariamente, sem a conclusão do
ensino básico ou secundário. Excepcionalmente, podem ser frequentadas por
formandos com menos de 18 anos, desde que comprovadamente inseridos no
mercado de trabalho ou em centros educativos. As formações modulares
compostas por Unidades de Formação de Curta Duração (UFCD) integradas em

241
referenciais de formação associados ao nível 2 de qualificação do Quadro
Nacional de Qualificações destinam-se, prioritariamente, a adultos que não
concluíram o 3.º ciclo do ensino básico.
• Vias de Conclusão do Nível Secundário de Educação – As vias de
conclusão do nível secundário de educação destinam-se a candidatos com
idade igual ou superior a 18 anos, que tenham até seis disciplinas em falta de
um plano de estudos já extinto. Por cada disciplina em falta, o candidato terá
de realizar um exame ou 50 horas de formação. As vias de conclusão do nível
secundário de educação concretizam-se através d a via escolar e a Realização
de módulos de formação correspondentes a Referenciais de Formação inscritos
no Catálogo Nacional de Qualificações

3.5 Saúde
• Acção de Saúde para Crianças e Jovens em Risco - Rede Nacional de
Núcleos de Apoio às Crianças e Jovens em Risco 6

A “Acção de Saúde para Crianças e Jovens em Risco” (ASCJR) foi criada pelo Despacho
nº 31292 de 5 de Dezembro, tendo como principal objectivo a criação de uma resposta
estruturada do Serviço Nacional de Saúde ao fenómeno dos Maus Tratos, através do
desenvolvimento da “Rede Nacional de Núcleos de Apoio às Crianças e Jovens em
Risco” quer a nível dos Cuidados de Saúde Primários, quer a nível dos Hospitais com
atendimento Pediátrico.

A coordenação da ASCJR, a nível nacional, compete à Direcção-Geral da Saúde,


através de uma comissão de acompanhamento.

A coordenação, acompanhamento e execução da ASCJR, a nível regional, cabe às


administrações regionais de saúde, nomeadamente no que respeita a alocação e
gestão de recursos humanos, físicos e materiais, a formação em serviço, ao
financiamento da actividade dos núcleos e aos procedimentos administrativos, dentro
da organização e recursos já existentes.

Tem como missão:


Apoiar e orientar a intervenção da saúde nas crianças e jovens em risco, com vista a
uma mais efectiva prevenção do fenómeno dos maus tratos e a uma significativa
melhoria da qualidade das respostas do Serviço Nacional de Saúde a esta
problemática.

Os objectivos da Acção de Saúde para Crianças e Jovens em Risco são:


a) Promover os direitos das crianças e jovens, em particular a saúde, através da
prevenção da ocorrência de maus tratos, da detecção precoce de contextos,
factores de risco e sinais de alarme, do acompanhamento e prestação de
cuidados e da sinalização e ou encaminhamento dos casos identificados;
6
Informação retirada do site da internet da Direcção-Geral de Saúde - www.dgs.pt

242
b) Adequar os modelos organizativos dos serviços nesse sentido, incrementar a
preparação técnica dos profissionais, concertar os mecanismos de resposta e
promover a circulação atempada de informação pertinente.

Rede Nacional de Núcleos de Apoio às Crianças e Jovens em Risco - O que


são?
São equipas pluridisciplinares que polarizam motivações e saberes sobre maus tratos
em crianças e jovens, apoiando os profissionais da instituição nas intervenções neste
domínio, constituindo uma interface na articulação e cooperação entre serviços e
instituições.

Assim em cada área geográfica, correspondente ao Centro de Saúde e Hospital com


atendimento pediátrico, deverá existir um Núcleo de Apoio a Crianças e Jovens em
Risco.

a) Constituição dos Núcleos


Centros de Saúde
• Médico/a
• Enfermeiro/a
• Outro(s) profissional(ais) (preferencialmente das áreas de saúde mental e/ou
do serviço social)

Hospitais
• Médico/a pediatra
• Enfermeiro/a
• Técnico/a de Serviço Social
• Outro(s) profissional(ais) (preferencialmente das áreas de saúde mental e/ou
outros sectores, nomeadamente, serviços jurídicos)

b) Atribuições
• Contribuir para a informação prestada à população e sensibilizar os
profissionais do sector administrativo e técnico, dos diferentes serviços, para a
problemática das crianças e jovens em risco.
• Difundir informação de carácter legal, normativo e técnico sobre o assunto.
• Incrementar a formação e preparação dos profissionais, na matéria.
• Colectar e organizar a informação casuística sobre as situações de maus tratos
em crianças e jovens na área de intervenção do Núcleo.
• Prestar apoio de consultadoria aos profissionais e equipas de saúde no que
respeita à sinalização, acompanhamento ou encaminhamento dos casos.
• Gerir, a título excepcional, as situações que transcendam as capacidades de
intervenção dos outros profissionais ou equipas da instituição e que, pelas

243
características que apresentam, podem ser, ainda, acompanhadas na instituição
– nomeadamente as que envolvam matéria de perigo.
• Portaria n.º 965/2009, de 25 de Agosto, Portaria Conjunta do Mistério do
Trabalho e da Solidariedade Social e do Ministério da Saúde, que estabelece a
articulação entre as unidades de saúde e os serviços da segurança social, nos
termos do artigo 101º-D do Código do Registo Civil.
• Fomentar o estabelecimento de mecanismos de cooperação com as diversas
Unidades Funcionais/Serviços Hospitalares.
• Estabelecer a colaboração com outros projectos e recursos comunitários, em
particular no primeiro nível de intervenção, que contribuem para a prevenção e
acompanhamento das situações de crianças e jovens em risco.

Assegurar a articulação funcional entre Núcleos (CSP e Hospitais) através,


nomeadamente, da acção das Unidades Coordenadoras Funcionais (UCF), assim como
a articulação com as CPCJ, o Ministério Público e os Tribunais, de acordo com os
preceitos legais e normativos em vigor.

Aplicar as orientações técnicas Maus Tratos em Crianças e Jovens – Intervenção da


Saúde.

• Ajudas Técnicas7
As Ajudas Técnicas são um direito do doente, independentemente da sua situação
económica. São prescritas sempre pelo médico e destinam-se a ser usadas fora do
internamento hospitalar.

As Ajudas Técnicas são: “Qualquer produto, instrumento, equipamento ou sistema


técnico usado por uma pessoa deficiente, especialmente produzido ou disponível que
previne, compensa, atenua ou neutraliza a incapacidade”. Ou seja, as Ajudas Técnicas
são materiais, equipamentos, sistemas que servem para compensar a deficiência ou
atenuar-lhe as consequências, impedir o agravamento da situação clínica da pessoa e
permitir o exercício das actividades quotidianas e a participação na sua vida escolar,
profissional, cultural e social.

As Ajudas Técnicas podem ser utensílios simples – Ajudas Técnicas simples, sem
grande complexidade, ou ser Ajudas Técnicas complexas envolvendo alta tecnologia,
nomeadamente electrónica, informática ou telemática.

Exemplos de Ajudas Técnicas são cadeiras de rodas, andarilhos, canadianas, almofadas


anti-escaras, colchões ortopédicos, camas articuladas, materiais e equipamentos para a
alimentação (garfos, colheres, pratos, copos adaptados), para o vestuário (pinças,
ganchos, luvas de protecção, vestuário apropriado), para a higiene (barras de apoio,
assentos de banheira, cadeiras e bancos para o banho, banheiras, material anti-
derrapante), para a comunicação (canetas adaptadas, computadores, tabelas de

7
Informação retirada do site do Instituto Nacional para a Reabilitação – www.inr.pt

244
comunicação, dispositivos para virar folhas, amplificadores de som, telefones), as
adaptações para os carros (assentos e almofadas especiais, adaptações personalizadas
para entrar e sair do carro, adaptações para os comandos do carro), elevadores de
transferência, próteses (sistemas que substituem partes do corpo ausentes), ortóteses
(sistemas de correcção e posicionamento do corpo), etc.

Tem como destinatários as pessoas com deficiência, pessoas idosas ou pessoas que
necessitam de as utilizar de forma temporária ou definitiva e são meios indispensáveis
ao bem estar, autonomia, integração e qualidade de vida destas mesmas pessoas.

As prescrições destas ajudas são possíveis por três níveis:


Nível 1 – são os médicos dos Centros de Saúde que prescrevem;
Nível 2 - são os médicos dos Hospitais Distritais que prescrevem;
Nível 3 - Hospitais Distritais plataforma A, Hospitais Centrais, Centros
Especializados com equipa de reabilitação constituída por médico e pessoal
técnico especializado de acordo com a tipologia da deficiência e Centros de
Emprego do IEFP com serviços de medicina do trabalho.

Em qualquer dos níveis de prescrição, o médico (ou outra pessoa da equipa)


responsabiliza-se pelo material e equipamento a fornecer, deve proceder ao controlo
do material e deve proceder à sua recepção quando o doente não necessitar, pois
assim estaremos a contribuir para a rentabilização de recursos. São financiados os
custos com a adaptação e reparação de ajudas técnicas, prescritas por acto médico.

Existem outras entidades que podem, a título excepcional ou pontual, atribuir e


financiar Ajudas Técnicas, nomeadamente as Câmaras Municipais, as Juntas de
Freguesia, a Cruz Vermelha e certas Associações que não constam no Despacho
Regulamentar.

4. Intervenção no terreno

O Trabalho Social privilegiou desde sempre a «intervenção no terreno», isto é, a


intervenção in loco. Historicamente, o Trabalho Social começou por ser, justamente,
um exercício contínuo de encontro das pessoas nos contextos de vida – habitacionais,
laborais, educacionais e outras. Na APAV, esta realidade foi desde cedo evitada, tanto
pelo facto de poder ser dispensada pelo modelo de intervenção proposto, o do
atendimento (presencial, telefónico e por escrito); como pela inconveniência que a
maioria dos casos apresentava. Esta prendia-se essencialmente com questões de
segurança para os TAV e também para as próprias vítimas. Nos casos de violência
doméstica, por exemplo, esta questão era essencial. O facto de a maioria dos casos da
APAV serem situações de violência doméstica acabou por arredar a intervenção in loco
para a excepcionalidade.

245
No entanto, alguns Gabinetes de Apoio à Vítima, e dentro da razoabilidade, sempre a
praticaram com alguma constância, em particular em casos de doentes, pessoas idosas
ou de reclusos. Esta experiência e a necessidade de garantir o acesso por todas as
vítimas de crime a serviços gratuitos de apoio à vítima fizeram emergir o interesse pela
possibilidade de implementar este tipo de intervenção no âmbito dos processos de
apoio da APAV.

Actualmente, esta intervenção deve ser incentivada e incrementada junto dos TAV,
não apenas junto dos trabalhadores sociais, mas também junto dos TAV que são
psicólogos e juristas, tendo em conta a natureza do processo de apoio em questão.

Assim, na actual versão do Manual de Procedimentos incluem-se alguns aspectos


essenciais para a sua implementação.

4.1 Critérios para a implementação


Para a implementação da intervenção no terreno, é necessário que cada TAV tenha em
consideração o processo de apoio, usando os seguintes critérios:

• Dificuldade de acesso à vítima, ou dificuldade do acesso desta à APAV. O TAV


deve considerar como principal critério a dificuldade de acesso da vítima, ou
potencial vítima, ao GAV (por exemplo, tratar-se de uma pessoa idosa acamada; ou
de uma pessoa deficiente sem mobilidade; ou de alguém que resida num lugar
remoto e sem acessibilidade fácil, ou sem meio de transporte).

• Segurança no acesso à vítima, desta e do TAV. O TAV deve ter como critério a
segurança, dele próprio e da vítima, durante uma intervenção no terreno. Em casos
nos quais o autor da vitimação pode surgir repentinamente, e havendo razões
plausíveis para temer a sua reacção, não estão reunidas condições de intervenção.
Esta poderá, no entanto, ser garantida por uma escolta policial, quando solicitada
pelo gestor de GAV e concedida pelas autoridades policiais competentes;

• Integração numa equipa multidisciplinar de TAV ou, de preferência numa


equipa multidisciplinar e multi-institucional. A integração do TAV numa equipa
multidisciplinar e multi-institucional já formada (por exemplo, uma equipa de apoio
domiciliário; ou uma de Serviço Social; ou uma de voluntários do Centro paroquial
e Social, etc.) facilita o acesso ao/a utente e a discrição quanto à natureza do
atendimento que o TAV vem fazer e consequente desenvolvimento de processo de
apoio à vítima. Assim, a presença da APAV no terreno (através da presença do
TAV) não levantará suspeitas (por exemplo, na vizinhança da vítima; na família
desta, etc.).

• Expressa autorização do gestor de GAV. O TAV deve solicitar sempre a


expressa autorização do gestor de GAV para a realização de uma intervenção no
terreno. Deve comunicar-lhe, em resumo, os aspectos positivos e as dificuldades
sentidas durante a sua realização, numa avaliação conjunta.

246
4.2 Visitas domiciliárias
Uma das formas de intervenção no terreno mais usada na APAV tem sido a visita
domiciliária. Trata-se da deslocação de um TAV ou mais (de preferência dois) a casa
de um utente, onde fará um atendimento presencial semelhante ao que faz no GAV,
mas agora num espaço físico distinto. É, cada vez mais, uma prática eficaz, sendo
actualmente incentivada e incrementada junto dos TAV, quer sejam trabalhadores
sociais, quer sejam psicólogos ou juristas. Um processo de apoio na APAV exige uma
abordagem multidisciplinar, logo, as visitas domiciliárias podem/devem ser realizadas
por TAV de várias formações académicas.

Trata-se de uma forma de intervenção no terreno delicada e a sua realização implica


que se avalie o processo de apoio quanto à necessidade de ser feita uma visita, ou se
esta pode ser dispensada. Devem ser usados os critérios acima apontados.

Uma vez autorizada a visita domiciliária pelo gestor de GAV, o TAV deve ter em
consideração os seguintes aspectos:

• Definição de uma finalidade e de objectivos. O TAV deve definir claramente,


e por escrito (nas folhas anexas da Ficha de Atendimento), as finalidades e
respectivos objectivos da visita domiciliária a realizar. Estes, obviamente, devem
estar de acordo com a missão da APAV e com as necessidades próprias do
processo de apoio que está a ser desenvolvido com aquela vítima em concreto, ou
que se pretende desenvolver num futuro próximo (a partir da própria visita);

• Definição estratégica. O TAV deve definir com os outros profissionais uma


estratégia própria da finalidade e objectivos da visita. Esta estratégia implica
aspectos tão importantes como:

- a marcação de uma data para a visita com o próprio visitado;


- a constituição de uma equipa de profissionais para fazer a visita (tentando que não
sejam não mais que quatro: de preferência, dois TAV e outros de outras
instituições);
- os contactos telefónicos necessários;
- o meio de transporte a usar; etc.

O TAV e os outros profissionais devem ponderar a necessidade de solicitar uma escolta


policial, por razões de segurança;

• Preparação da visita. O TAV deve preparar a visita domiciliária focando alguns


aspectos práticos importantes, como reunir os materiais e objectos necessários, por
exemplo:
- documentos de identificação pessoal;
- esferográfica;

247
- capa de superfície dura para escrever em caso de falta de mesa;
- folhetos da APAV;
- cartões de visita da APAV;
- roupas, fraldas (conforme as necessidades da vítima, previamente conhecidas),
etc.

Alguns aspectos são fundamentais numa visita domiciliária:


• Entrada num espaço privado. O TAV deve considerar importante o facto de
estar a entrar num espaço físico distinto de qualquer outro espaço de atendimento,
uma vez que é o próprio domicílio da vítima.

Assim, deve procurar apresentar-se em casa desta com toda a serenidade. Deve
mostrar-se à vontade em casa do visitado, sem manifestar desagrado, repugnância ou
deslumbramento, ou qualquer outra atitude menos própria quanto ao que o rodeia
(por exemplo, tapar o nariz por causa do mau cheiro; ou contemplar demoradamente
a decoração faustosa).

Em algumas situações, o TAV deve respeitar o pudor do visitado com especial cuidado
(por exemplo, se este for um doente, pode querer que o TAV saia do quarto para que
outros profissionais façam a sua higiene diária, etc.);
• Empatia com o visitado. Mais do que num atendimento no espaço físico do
GAV, a visita domiciliária deve decorrer num ambiente de grande empatia com
o visitado. Esta implica que o TAV seja um pouco mais coloquial e gentil – sem,
no entanto, parecer artificial. O facto de estar a ser visitada em sua própria
casa pode colocar o visitado numa situação de maior sensibilidade em relação
ao TAV.

Daí que este deva preparar o próprio atendimento com uma atitude própria de que é
bem recebido para uma visita: com cumprimentos simpáticos; e entrada em casa com
toda a discrição e elegância (isto é, sem entrar apressadamente, mas com moderação
e pedindo licença, esperando que seja indicado o caminho, etc.).

Uma conversa inicial sobre assuntos triviais (por exemplo, sobre o clima; ou sobre o
caminho tomado para encontrar a morada; ou sobre o trânsito) deve preencher os
momentos em que se prepara um lugar improvisado para o atendimento (por exemplo,
uma cadeira junto à cama, onde o visitado está convalescente).

É preferível, no entanto, que o TAV decline simpaticamente a oferta de chá, café ou


água, se estes lhes forem oferecidos.
• Observação das condições gerais de habitação, modo de vida, etc. Numa
visita domiciliária, apesar da discrição que o TAV deve ter ao entrar em casa do/a
utente, há a possibilidade única de observar as condições gerais em que este vive e
se estas estão de acordo com o discurso que formula sobre a sua própria vida.

248
A observação pode ser, pois, um excelente contributo para o processo de apoio. O TAV
deve estar atento, sem, no entanto, se fixar muito neste ou naquele aspecto do
ambiente doméstico.
Alguns aspectos podem ser observados:

- condições de construção e conservação da habitação (por exemplo, se é uma casa


abarracada, em risco de sucumbir a uma chuvada);
- condições de habitabilidade (por exemplo, se possui electricidade e água potável);
de higiene (por exemplo, se sofre de infestações de pulgas, ratos, etc., ou se
abundam o lixo e os maus cheiros);
- de organização e decoração (por exemplo, se a desorganização é geral e se a
decoração denuncia desmazelo, etc.).

O TAV deve anotar posteriormente o que observou em casa do visitado, depois de ter
o ter comentado com os outros profissionais, já depois da visita. As anotações, que
devem ser feitas nas folhas anexas da Ficha de Atendimento, poderão ser muito úteis
ao próprio processo de apoio, disponibilizando dados que, de outra forma, dificilmente
poderiam ser apreendidos;
• Desenvolvimento de um processo de apoio. O TAV deve tomar a visita
domiciliária como início, ou como continuidade, de um processo de apoio.

O TAV deve levar consigo um caderno e uma caneta, de modo a registar todos os
dados necessários.

Durante a visita, o TAV deve comportar-se como num atendimento presencial,


atendendo, no entanto, à particularidade de estar num espaço físico diferente do
espaço do GAV.

Assim, deve adaptar-se e procurar que o atendimento decorra adequadamente, em


condições gerais que permitam, entre outras premissas, a confidencialidade e a
segurança. Assim, convém que o atendimento seja realizado a sós, com o visitado,
estando este e o TAV sentados.

Deve também procurar, se possível, que o próximo atendimento seja realizado no GAV.
Deve evitar a dependência emocional do visitado em relação à realização de futuras
visitas; ou a sua acomodação, não querendo sair de casa, mesmo podendo fazê-lo;
• Segurança. O TAV deve zelar pela sua própria segurança durante a visita
domiciliária, fazendo-se sempre acompanhar por outros profissionais ou mesmo
com uma escolta policial, previamente solicitada junto das autoridades locais pelo
gestor/a do GAV.

Para zelar pela segurança do visitado, para além de ter ponderar a efectuação da visita
num horário considerado seguro pelo próprio (por exemplo, horário de trabalho do

249
agressor), o TAV deve alertar o visitado para a necessidade de manter sob discrição
aquela visita em relação a terceiros.

Também deve alterar para a necessidade de não deixar à vista materiais que possam
denunciar a sua ligação à APAV (por exemplo, folhetos, cartões, etc.) ou outros
vestígios (por exemplo, uma folha de anotações rasurada e invalidada, mas
amachucada no caixote do lixo; ou um número de telefone marcado no telemóvel,
etc.).

O TAV deve procurar que não sobressaiam na sua presença no bairro, no prédio, ou à
porta de casa do visitado, certos sinais de identificação que podem denunciar a
presença da APAV (por exemplo, levar na mão uma capa com o logótipo da
Associação; ou deixar folhetos e manuais da APAV no automóvel estacionado, etc.).

4.3 Outras visitas


Outras formas de intervenção no terreno que podem ser usadas na APAV, muito
semelhantes às visitas domiciliárias, poderão ser as visitas hospitalares ou as visitas
prisionais. Para ambas, o TAV terá em conta todos os aspectos acima referidos.

No entanto, será necessário que:


• o gestor de GAV solicite ao centro hospitalar uma visita do TAV ao internado.

• o gestor de GAV solicite ao centro prisional uma visita do TAV ao recluso.

Em certos casos, convém que estas visitas sejam realizadas fora do horário de visitas,
de modo a garantir que o TAV não se cruze com os visitantes habituais do
doente/recluso, colocando, assim, a confidencialidade do atendimento em risco.

Cada centro hospitalar/centro prisional exigirá requisitos próprios, que o gestor e o


TAV respeitarão (por exemplo, fazer o pedido de visita por escrito, etc.).

É também possível, e desejável, que o gestor e o TAV peçam a colaboração dos


serviços socais do centro hospitalar e da Direcção Geral dos Serviços Prisionais e/ou da
Direcção Geral de Reinserção Social (para os centros prisionais).

250
5. O TAV Como dinamizador de parcerias: A mediação social

Em todos os domínios da intervenção, a mediação social assume um papel preponderante.


No desempenho deste papel, o TAV deve privilegiar sempre uma adequada articulação com
os técnicos de outros serviços intervenientes no processo de apoio à vítima. Por outras
palavras, o TAV deve, antes de proceder ao encaminhamento da vítima, contactar o
profissional do respectivo serviço.

Esse contacto deve ser o mais personalizado possível, independentemente da sua


natureza (presencial, telefónico ou escrito). Certamente que, sempre que exequível,
deve ser fomentado o contacto presencial, uma vez que este, por ser particularmente
facilitador da comunicação, torna a articulação entre os serviços mais eficaz.

Nestes contactos, o TAV deve explicar sucintamente o caso concreto, argumentando


relativamente à pertinência da articulação e à necessidade do apoio. Quando
realizados telefónica ou presencialmente, devem ser seguidos de um pedido formal,
escrito, consubstanciado num ofício ao qual se anexa um Relatório de Processo de
Apoio à Vítima.

251
252
ANEXOS

253
254
RELATÓRIO DE PROCESSO DE APOIO À VÍTIMA

1. IDENTIFICAÇÃO
1.1. VÍTIMA
Nome: Ana Maria de Sousa Costa Silva
Idade: 42 anos
Estado Civil: Casada
Escolaridade: 4.º ano de escolaridade
Morada: Rua da Igreja, 1000
Valbom - Gondomar

1.2. AGRESSOR
Nome: José António Guimarães Silva
Idade: 43 anos
Estado Civil: Casado
Morada: Rua da Igreja, 1000
Valbom - Gondomar
Relação com a vítima: Cônjuge

1.3. FILHO (S)


Nome: Ana Sofia Costa Silva
Nascimento: 07-10-1996
Estado Civil: Solteira
Morada: Rua da Igreja, 1000
Valbom - Gondomar

Nome: Joana Patrícia Costa Silva


Nascimento: 24-07-1992
Estado Civil: Solteira
Morada: Rua da Igreja, 1000
Valbom - Gondomar
Escolaridade: 6.º ano de escolaridade

255
Nome: Alexandra Maria Costa Silva
Nascimento: 12-04-1990
Estado Civil: Solteira
Morada: Rua da Igreja, 1000
Valbom - Gondomar
Escolaridade: 4.º ano de escolaridade

2. PROBLEMÁTICA

2.1 História pessoal e de vitimação

A vítima dirigiu-se pela primeira vez ao Gabinete de Apoio à Vítima do Porto no dia 26
de Julho de 2002, acompanhada pela filha de 5 anos. Foi encaminhada para o gabinete
pela assistente social da Junta de Freguesia de Valbom.

Está casada há 12 anos, tendo sido, desde sempre, vítima de violência doméstica por
parte do cônjuge que, entre outros comportamentos, a viola frequentemente e
ameaça-a caso recuse ter relações sexuais com ele, e priva-a de ver as filhas. Estas
assistem constantemente aos episódios de violência entre os pais.

A Alexandra Maria passa quase sempre os fins-de-semana e as férias na casa da


madrinha, amiga da mãe e residente em Esmoriz. Nos últimos tempos tem
demonstrado uma ambivalência de sentimentos, questionando a progenitora sobre o
seu amor por ela. A mãe explica que em Junho necessitou de realizar horas
extraordinárias no local de trabalho, onde se manteve durante, praticamente, todo o
mês. Durante este período de tempo, as duas filhas mais novas ficaram com a
progenitora. Porém, por motivos escolares, a Alexandra Maria teve de ficar aos
cuidados do progenitor, que contou com o apoio do irmão e da cunhada. Desde o final
do ano lectivo, a Alexandra encontra-se na casa da madrinha, em Esmoriz, rejeitando a
possibilidade de regressar à casa de morada de família.

Para além das três filhas, o casal teve uma outra menina, mais velha, que faleceu com
três meses, devido a um derrame cerebral. A vítima considera que a Alexandra ficou
traumatizada, não tendo superado o problema. Encontrava-se brincar com a irmã
quando esta começou a não se sentir bem. Para além disso, a senhora Ana Maria
confessa que ficou perturbada psicologicamente, a ponto de me darem como doida.
Por tal razão teve acompanhamento no Hospital Conde Ferreira (hospital psiquiátrico
do Porto). Por sua vez, o progenitor adoptou uma postura de indiferença face aos
acontecimentos. Neste sentido, foi o pai da vítima e uma irmã que a ajudaram a
ultrapassar a situação.

256
A vítima não tem qualquer relação com a mãe. Esta abandonou o marido e os seis
filhos quando a vítima tinha seis anos de idade. É filha mais velha, mantendo uma
ligação afectiva mais forte com a irmã do meio. Esta irmã, quando completou 18 anos,
apresentou queixa contra o progenitor por maus tratos físicos infligidos a si e aos
irmãos. A senhora relembra alguns episódios, acrescentando que, actualmente, o pai a
apoia no que lhe é possível.

O cônjuge da vítima é doente alcoólico, o que intensifica a gravidade com que a


violência é exercida. Para além disso, leva a que as dificuldades económicas sejam
acrescidas, resultando em permanentes dívidas. Da aquisição e não pagamento de um
veículo resultou, além da perda (em processo judicial) do mesmo, uma dívida no valor
de 1147.24 € (mil cento e quarenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos). A patroa
da vítima concedeu-lhe um empréstimo no montante da dívida, do qual falta ainda
liquidar 500 € (quinhentos euros).

2.2. Estado de saúde

O estado de saúde da vítima e das menores é regular.

A Joana Patrícia tem acompanhamento psicológico no Hospital de S. João, o qual


iniciou na transição do 2º para o 3º ano de escolaridade, a conselho da sua professora
primária. Afirma não gostar do progenitor, evitando manter qualquer relacionamento
com o mesmo.

Sugerimos à vítima e menores acompanhamento psicológico. Porém, uma vez que se


perspectiva a alteração de concelho de residência, a consulta não foi agendada, de
forma a ser possível um acompanhamento mais adequado.

2.3. Processos judiciais

A vítima nunca denunciou o crime de violência doméstica às autoridades policiais, por


recear as consequências que tal poderia acarretar. Afirma que o irmão do seu cônjuge
terá conhecimentos na esquadra policial local, considerando que o risco que corre se
intensificaria significativamente ao efectuar denúncia. No entanto, afirma pretender
fazê-lo logo que se encontrar e se sentir em segurança com as menores. Prefere
apresentar denúncia no concelho do Porto, de forma a salvaguardar a
confidencialidade do novo concelho de residência.

Pretende intentar a acção de regulação do poder paternal e de divórcio.

257
2.4. Situação profissional

A senhora é funcionária num lar de 3.ª idade, no qual trabalha há seis meses,
auferindo 400 € (quatrocentos euros) mensais. O cônjuge tem vindo a criar conflitos
no lar, particularmente nos dias em que a vítima assegura os turnos da noite. Por este
motivo, a entidade patronal acordou com a vítima que o mês de Setembro seria o seu
último mês de trabalho naquele lar.

É também beneficiária do Rendimento Mínimo Garantido, pelo que recebe 160 € (cento
e sessenta euros) mensais.

3. INTERVENÇÃO

3.1. Pedido formulado pela vítima

A vítima solicitou apoio para sair de casa e distanciar-se geograficamente, o mais


possível, da sua área de residência. No que diz respeito à rede primária de apoio,
considera perigoso ir residir com o pai. Tem o apoio de uma irmã e da madrinha do
seu filho mas, pela mesma razão, diz ser impensável que estes a acolham, pois seriam
os primeiros locais onde o marido a procuraria, bem como às menores. O seu maior
medo é o de não ver mais as filhas, pois o marido ameaça-a frequentemente que isso
acontecerá.

3.2 Avaliação

A vítima pretende reorganizar o seu projecto de vida, juntamente com as filhas, o mais
longe possível do Porto, pelo que nos parece que o acolhimento temporário na vossa
instituição se afigura crucial. Perspectiva ingressar no mercado de trabalho o mais
rapidamente possível, de forma a autonomizar-se. Deste modo, planeia,
posteriormente e com as devidas condições criadas, arrendar uma casa, para si e suas
filhas.

Porto, 12 de Novembro de 2011

Sara Daniela Araújo


Técnica de Apoio à Vítima do Gabinete de Apoio à Vítima do Porto

258
Ex.ma Senhora
Dra. Conceição Pinto
Casa Abrigo para Mulheres Vítimas de
Violência Doméstica
Rua das Flores, 300
4000 PORTO

Ref. PRT 254/2002


Data: 12 de Novembro de 2011

Exma Senhora Dra.,

Somos a solicitar acolhimento para a vítima ANA MARIA DE SOUSA COSTA SILVA e
três filhas menores. Junto anexamos Relatório de Processo de Apoio à Vítima, com a
sustentação da nossa solicitação e de forma a possuírem um maior número de
elementos para procederem à avaliação do caso.

Colocamo-nos, desde já, à vossa disposição para qualquer esclarecimento adicional.

Gratos, desde já, por toda a colaboração prestada, subscrevemo-nos.

Com os melhores cumprimentos

Ana Castro Sousa


Gestora do Gabinete de Apoio à Vítima do Porto

259
VIII CÓDIGO DE CONDUTA.
CONFIDENCIALIDADE E SEGURANÇA.

260
261
1. Génese

O Código de Conduta é um dos principais instrumentos norteadores do trabalho


desenvolvido na APAV. Juntamente com outros documentos, como o Manual do Gestor
de Gabinete de Apoio à Vítima da APAV ou o Manual de Procedimentos dos Serviços de
Apoio à Vítima constitui uma base de trabalho à qual se pode e deve ir buscar
orientação. Este Código insere-se, assim, num movimento tendente a uma cada vez
maior padronização e qualificação dos serviços prestados pela APAV, enquanto
elemento desviante de condutas baseadas no impulso e na intuição. É, sintetizando,
mais um pilar na construção da cultura APAV, ou modelo APAV de intervenção.

Contudo, o Código de Conduta é algo mais do que uma mera orientação. Outra razão
para a sua criação é a necessidade da existência de um corpo de normas
fundamentais, um conjunto de injunções que, mais do que linhas de rumo, se
apresentem como verdadeiras obrigações cujo cumprimento por parte dos TAV é
absolutamente essencial. Daí a forma de redacção escolhida: O TAV deve... ou O TAV
não deve....

De uma leitura do documento constata-se que ele emerge fundamentalmente do


presente manual. Entendeu-se que deste, enquanto documento orientador dos
procedimentos de apoio à vítima, se deveria extrair um conjunto de indicações
merecedoras de uma especial exigência de cumprimento, uma exigência reforçada. É,
se se quiser, a nata das boas práticas éticas aí previstas, o conteúdo mínimo que,
quando não assimilado e cumprido pelo TAV, põe em causa a sua capacidade para
prosseguir a actividade que desempenha na APAV.

Uma outra razão para a sua criação prende-se com o acentuar de uma imagem de
responsabilidade, de seriedade e de credibilidade da APAV, quer no interior da sua
estrutura, quer para o exterior: a existência de um Código de Conduta reflecte o
alcançar de uma solidificação ao nível de princípios e de práticas que é sinónimo de
estabilidade da Associação.

2. Estrutura

O Código de Conduta está dividido em cinco grandes grupos:


• Conduta Geral
• Atendimento a utentes
• Confidencialidade
• Conduta perante a APAV e outros TAV
• Competência técnica e pessoal

262
O Grupo I é claramente um grupo de princípios, basilares no desempenho da
actividade enquanto TAV:

• Inserção na estrutura e no espírito da APAV


• Respeito pelos utentes e pelos outros colaboradores da APAV
• Prossecução dos interesses dos utentes e respeito pelos seus direitos e decisões
• Não discriminação
• Assiduidade, pontualidade e diligência
• Zelo pelo cumprimento do Código de Conduta

A imposição destes princípios, também vertidos no contrato-programa do voluntariado,


visa primacialmente promover a assimilação pelo TAV da filosofia de actuação da
APAV, cuja premissa fundamental é o atendimento adequado a todos os utentes,
traduzida no respeito por estes, pelos seus direitos e decisões, na não discriminação e
na assiduidade, pontualidade e diligência.

O Grupo II versa sobre aspectos particularmente sensíveis e importantes da relação


TAV / Utente:
• Sensibilidade
• Não “mau-trato”
• Não procura de obtenção de vantagens patrimoniais
• Não envolvimento pessoal
• Escusa
• Informação prévia ao utente sobre diligências a efectuar
• Fim do processo de apoio

Entre outros aspectos abordados, este grupo visa acautelar duas vertentes
fundamentais: por um lado, é imperioso garantir que do atendimento a um utente não
vai resultar, para o TAV ou para terceiro, a obtenção de qualquer vantagem
patrimonial, quer porque o serviço prestado pela APAV é gratuito, quer porque a
angariação de clientela ou a indicação de profissionais está rigorosamente vedada.

Por outro lado, não deve o TAV permitir que, na relação que estabelece com o/a
utente, surja ou se desenvolva qualquer motivação de cariz pessoal, nefasta para
um eficaz desenrolar do processo de apoio.

O Grupo III trata da questão da confidencialidade. À primeira vista esta seria


matéria respeitante à relação TAV / Utente e, como tal, deveria estar incluída no grupo
anterior. Entendeu-se contudo que a autonomização deste aspecto fazia sentido
porque, embora o dever de confidencialidade emerja dessa relação, pode ir para além
dela: veja-se que este dever não se impõe a um TAV apenas relativamente aos “seus”
utentes mas a todos, bem como a diversos aspectos da vida da Associação.

263
• Dever de sigilo
• Necessidade de autorização para a transmissão de informações
• Atendimento apenas em locais que garantam a confidencialidade
• Necessidade de autorização para pronunciamento público

É também importante ter em conta as excepções ao dever de confidencialidade. O TAV


estará dispensado deste dever nos seguintes casos:

• risco de vida (do utente ou de terceiros)


• conhecimento de factos que possam inocentar alguém injustamente acusado ou
condenado
• iminência da prática de crime contra pessoa vulnerável
• consentimento informado
• ordem do Tribunal
• defesa do próprio TAV

A temática da confidencialidade, pela sua particular importância, é mais


detalhadamente abordada a seguir.

Embora a actividade principal do TAV seja o atendimento a vítimas de crimes, surgem


por vezes outras solicitações, no âmbito do trabalho desenvolvido pela APAV, a que o
TAV deve dar resposta, dentro da sua disponibilidade.

O Grupo IV foca questões relacionadas com a conduta perante a APAV e outros TAV,
através de algumas características cuja presença é indispensável para levar a bom
porto um trabalho de equipa e para garantir alguma reserva, quer da identidade do
técnico, quer da imagem da própria Associação. Daí as limitações no que concerne aos
contactos a fornecer ao/a utente e à utilização de elementos identificativos da APAV,
incluindo a designação Técnico de Apoio à Vítima.

• Contribuição para um bom ambiente de trabalho


• Disponibilidade:
 partilha de conhecimentos
 participação em reuniões e diligências
 colaboração em processos de monitorização
 participação em projetos
• Distinção entre o papel de TAV e as ações pessoais
• Não desenvolvimento de atividade que colida com a missão, princípios e valores da
APAV
 identificação enquanto TAV
 não fornecimento de contacto aos utentes

264
 não utilizar referências à APAV em contextos estranhos à associação

O Grupo V é dedicado à competência técnica e pessoal:

• desenvolvimento contínuo das competências


• disponibilidade para participação em eventos formativos
• respeito pelos limites
• auto-avaliação permanente
• suspensão da atividade em caso de incapacidade temporária
• não consumo de álcool ou outras substâncias que possam afetar a sua capacidade
antes ou durante o exercício da atividade

Postulam-se aqui duas vertentes fundamentais: em primeiro lugar, o TAV deve


promover o constante aprofundar das suas competências, quer ao nível da sua
formação, quer dos procedimentos específicos de apoio a vítimas de crimes. Este
aprofundar de conhecimentos incumbe também à APAV, na medida em que
compete a esta o desenvolvimento de um plano de formação contínua dos TAV, mas
depende sobretudo do esforço, interesse e motivação de cada técnico.

Em segundo lugar, o facto de se dizer que o TAV, independentemente da sua


formação académica, é em parte psicólogo, em parte jurista em parte técnico social,
resulta de, ao longo do seu percurso na APAV, ir adquirindo um conjunto de
conhecimentos, designado procedimentos específicos de apoio a vítimas de crimes.
Mas isto não significa que qualquer TAV pode empreender todos os tipos de apoio que
a APAV prevê, devendo antes cingir-se o mais possível ao apoio correspondente à sua
área de formação.

3. Confidencialidade e segurança

De entre os aspectos regulados pelo Código de Conduta, merecem referência especial


as questões da confidencialidade e segurança.

3.1 Fundamento
O dever de confidencialidade decorre de três vectores que o TAV não deve esquecer:

• está a trabalhar com pessoas em estado de sofrimento, devendo-lhes o máximo


respeito diante da situação delicada, muitas vezes íntima, que lhes é apresentada;

265
• deve normalmente respeito a uma ética profissional ou a um código deontológico
que consagra o conceito de segredo profissional;
• qualquer fuga de informação, deliberada ou acidental, pode simultaneamente
fazer perigar toda a intervenção que se está a desenvolver e colocar em risco a
integridade física, e até mesmo a vida, ou os bens patrimoniais dos utentes, dos
seus familiares e/ou amigos e, igualmente dos próprios TAV e dos familiares e/ou
amigos destes.

Convém assim concretizar um pouco mais aquilo que, sob a forma de princípios gerais,
foi vertido naquele Código.

Manter a confidencialidade dos processos de apoio é condição imprescindível para o


atendimento adequado à população e uma exigência estatutária da APAV, e é ao TAV
que compete velar por aquela, impondo prudência tanto no seu próprio
comportamento como no dos utentes.

Para que o TAV mantenha fidelidade a esta condição é necessário que, no quotidiano,
tenha especiais cuidados no contacto com terceiros, para os quais não pode deixar
transparecer informações acerca dos utentes do GAV sem a sua prévia autorização.
Destes terceiros, além daqueles a quem os utentes expressamente autorizaram a
cedência de informações, exceptuam-se os técnicos das instituições implicadas no
mesmo processo de apoio (rede de cooperação institucional).

É necessário que o TAV tenha bem presente a perigosidade em que pode precipitar o/a
utente ao não salvaguardar a confidencialidade: veja-se o exemplo das mulheres
vítimas de maus tratos por parte do cônjuge ou companheiro ou as crianças vítimas de
crimes sexuais por parte do pai ou de algum familiar próximo, que podem, em virtude
do desrespeito da confidencialidade, ser alvo de represálias por parte dos seus
agressores.

3.2 Procedimentos
3.2.1 no GAV
• manter toda a documentação relativa a processos de apoio encerrada em armários
equipados com fechadura;
• impedir que esta documentação, ou cópias, saia do GAV;
• não deixar esta documentação exposta em locais de frequência de utentes;
• assegurar a privacidade do/a utente durante o atendimento;
• não permitir que os utentes que se encontram no espaço do GAV sejam
fotografados ou filmados;
• não falar dos processos de apoio nas zonas de espera e/ou presença de terceiros
e/ou utentes
• assegurar que o espaço reservados aos TAV seja de acesso restrito, isto é,
permitir a entrada apenas a pessoas autorizadas pelo/a Gestor/a;

266
• se for o último a sair do GAV e tiver a incumbência de o fechar, deve desligar as
luzes e equipamentos (aquecimentos, ventoínhas, computadores) e fechar a porta
do GAV.

3.2.2 fora do GAV


• não se identificar em público como TAV, em contextos alheios aos temas do apoio
à vítima;
• não utilizar o seu veículo pessoal em determinadas diligências relacionadas com
processos de apoio, designadamente o transporte de utentes;
• não fornecer a utentes quaisquer informações sobre a sua vida pessoal ou dos
seus colegas no âmbito dos processos de apoio (por exemplo, dar o número de
telefone de sua casa, comentar onde mora, que locais costuma frequentar);
• evitar usar o seu apelido nos processos de apoio, especialmente ao telefone;
• não discutir processos de apoio com familiares e/ou amigos e conhecidos, ou em
público com outros TAV, ainda que omitindo nomes e lugares;
• não abordar processos de apoio na comunicação social ou em encontros
(colóquios, congressos, etc.) sem a prévia autorização do/a Gestor/a do GAV;
• evitar fornecer exemplos pormenorizados do trabalho da APAV com histórias de
vida e processos de apoio recentes, mesmo ocultando nomes de pessoas e
lugares;
• não encaminhar jornalistas ou investigadores para pessoas que foram ou são
vítimas de crime sem o seu consentimento prévio e sem as alertar antes para os
cuidados a ter com estes profissionais no que toca à preservação da sua
privacidade.

3.2.3 ao telefone
Os TAV têm que ter presente que as mensagens ou os próprios telefonemas podem
ser interceptados pelos agressores, o que poderá conduzir ao agravamento do
processo de vitimação, pelo que devem adoptar os seguintes procedimentos:

• não telefonar a utentes sem o seu prévio consentimento ou sugestão;


• utilizar telefone da APAV que seja confidencial, de modo a não deixar número
registado;
• caso o telefonema não seja atendido pelo/a utente, não desligar, fingindo antes
que foi engano, de forma a não levantar suspeitas;
• não deixar mensagens em atendedor de chamadas automático, mesmo em
atendedores de telemóveis;
• não fornecer quaisquer informações a terceiros (salvo técnicos de outras
instituições) que telefonem para o GAV, mesmo que se identifiquem como
familiares ou amigos do/a utente e refiram ter autorização deste para o fazer, sem
o/a utente o ter mencionado; o TAV nem sequer deve confirmar ou infirmar a
existência de determinado processo de apoio, podendo apenas anotar a
identificação do interlocutor e referi-lo posteriormente ao/a utente.

267
3.2.4 com o/a utente
O TAV deve ajudar o/a utente a guardar a confidencialidade sobre o seu próprio
processo de apoio, sobretudo nos casos em que coabite com o agressor:

• ajudar a estabelecer os dias e horas em que não é arriscado vir até à instituição;
• ajudar a formular um eventual pretexto para apresentar ao agressor se, por
qualquer motivo extraordinário, este regressar a casa antes da chegada do/a
utente;
• aconselhar a nunca proferir o nome das instituições ou dos profissionais que o
estão a apoiar;
• recomendar precaução em relação a objectos denunciadores ou suspeitos (como,
por exemplo, cartões da instituição, números de telefone na agenda, etc.), sendo
necessário que estes sejam devidamente ocultados em locais da casa insuspeitos
ou, de preferência, em casa de familiares ou amigos;
• ajudar o/a utente a reflectir sobre quem escolher, de entre familiares e amigos,
para confidenciar a sua situação e o processo de apoio, pois estes podem nem
sempre ser inteiramente de confiança;
• definir com o/a utente as precauções a ter na utilização do seu próprio telefone: no
caso de ser um telefone de rede fixa, o/a utente deve não só ter o cuidado de
telefonar apenas quando o agressor não estiver em casa, mas também de prevenir
- não efectuando determinadas chamadas deste telefone - a possibilidade de este
vir a solicitar uma factura detalhada; o telemóvel também pode ser pouco
preservador da confidencialidade, pois o agressor pode consultar todas as
chamadas que o/a utente fez e recebeu, pelo que convém que estes registos sejam
apagados da memória do aparelho. Por vezes é então preferível que o/a utente use
um telefone público ou de algum familiar ou amigo, de preferência vizinhos, para
onde o TAV possa telefonar, evitando despesas do/a utente;
• quando acompanhar um/a utente e sentir que estão a ser perseguidos, mudar de
percurso e/ou procurar um local onde haja outras pessoas;
• caso o utente falte sem avisar a um atendimento ou outra diligência previamente
marcada, o/a TAV poderá contactá-lo para saber se aquele se encontra bem, qual
o motivo da falta e se tem disponibilidade para agendamento de novo atendimento
ou diligência.

3.2.5 com o autor do crime


• normalmente os autores dos crimes não se identificam como tal. O autor do crime
pode apresentar-se como vítima, ou como familiar/amigo da vítima ou até como
profissional. Logo, é conveniente o TAV estar atento e não fornecer quaisquer
informações relativamente a determinado processo de apoio, nem sequer confirmar
se determinada pessoa é ou não utente do GAV
• se o indivíduo se revelar realmente perigoso, solicitar apoio policial (tendo o
contacto da polícia num local visível)
• se for agressivo, seguir os procedimentos referidos no ponto seguinte.

268
Quando um/a utente ou terceira pessoa se torna agressivo/a, o TAV deve:
• utilizar a técnica ERICA:

Escute o que o interlocutor lhe diz;


Recapitule o assunto e mostre que o compreendeu;
Interrogue com perguntas abertas e fechadas, com o objectivo de obter o máximo de
informação;
Combine a forma como o assunto vai ser tratado;
Agradeça ao utente ou à terceira pessoa o facto de lhe ter colocado a situação.

Muitas pessoas difíceis têm os seus motivos pessoais/situacionais ou psicológicos.

Lembre-se: Que eles estão a ser difíceis por razões próprias. Não por sua causa.

Forma de actuação:
• Não personalize as situações (lembre-se que não o estão a atacar a si)
• Mantenha a calma e escute a pessoa
• Concentre-se na situação e não na pessoa
• Não a contradiga
• Não discuta
• Não lhe diga que é grosseiro/a ou mal educado/a
• Interprete correctamente o comportamento
• Encaminhe a pessoa para a melhor solução
• Gratifique-se por acalmar uma pessoa agressiva

269
270
ANEXOS

271
272
CÓDIGO DE CONDUTA

273
CÓDIGO DE CONDUTA

Sem prejuízo das regras constantes dos códigos deontológicos que regem a actividade
profissional de cada técnico em função na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a sua
conduta no âmbito da actividade desenvolvida na Associação deve pautar-se pelas seguintes
regras:

I DA C ONDU TA G ER A L

1. O TAV deve desempenhar a sua actividade tendo presentes as finalidades


estatutárias e o modelo de intervenção da APAV.
2. O TAV deve actuar com respeito e correcção perante os utentes, os outros TAV e
os profissionais da APAV.
3. O TAV não deve adoptar qualquer comportamento discriminatório em função da
raça, religião, orientação sexual, idade, condição socio-económica, nível de instrução,
ideologia política, ou qualquer outro factor.
4. O TAV deve ser assíduo, pontual e diligente.
5. O TAV deve respeitar os direitos e interesses dos utentes, as suas decisões pessoais
e o seu bem-estar.
6. O TAV deve zelar pelo cumprimento do presente Código de Conduta.

II DO A TEND IMEN TO A U TEN TES

1. O TAV deve respeitar a gratuitidade dos serviços da APAV, não retirando


quaisquer vantagens patrimoniais da sua relação com os utentes:
a) O TAV não deve receber, directamente ou através de terceiro, qualquer
pagamento, em dinheiro ou em espécie, pelos serviços prestados aos utentes;

b) O TAV não deve angariar clientes, directamente ou através de terceiro, entre


os utentes da APAV;

c) O TAV não deve proceder à indicação de nomes e contactos de profissionais


da sua ou de outra área, mesmo que para isso seja solicitado pelo/a utente.

2. O TAV não deve explorar a relação especial de confiança com o/a utente para
interesse próprio, evitando o envolvimento pessoal com este.
3. O TAV deve abster-se de intervir nos processos de apoio quando haja uma relação
de parentesco, de afinidade, de amizade ou profissional com o/a utente ou com o
agressor, ou quando entre aquele e estes haja ou tenha havido uma situação de
litígio, judicial ou extrajudicial.

274
III DA CON FID ENCIA LIDA D E

1. O TAV tem o dever de sigilo quanto aos factos, documentos e decisões de que
tenha conhecimento em virtude do desempenho das suas funções e que não sejam
públicos e notórios.
2. O TAV apenas deve fornecer informações a terceiro, particular ou instituição, após
a obtenção de uma autorização expressa por parte do/a utente.
3. O TAV apenas se pode pronunciar publicamente sobre as situações de que tenha
conhecimento em virtude da actividade desenvolvida após uma autorização
expressa por parte do Gestor do GAV em que exerce funções.
IV DO FUNC ION AMEN TO EM EQ UI PA

1. O TAV deve estar disponível para participar em projectos empreendidos pela


APAV.
2. O TAV deve, aquando da sua participação em projectos, respeitar o direito de
participação dos outros TAV nesses projectos e a respectiva coordenação.
3. O TAV deve, enquanto elemento de uma equipa, estar sempre disponível para
partilhar os seus conhecimentos com outros TAV.
V DA COMPETÊNCIA TÉC NICA

1. O TAV deve esforçar-se por manter e aprofundar a sua competência na área de


formação de que provem, bem como por desenvolver os seus conhecimentos sobre
os procedimentos específicos de apoio à vítima de crime.
2. O TAV deve desenvolver a actividade dentro dos limites da sua competência
genérica no âmbito dos seus conhecimentos dos procedimentos de apoio à vítima e
da sua competência específica no âmbito da sua área de formação:
a) O TAV não deve assumir competências estranhas à sua formação;

b) O TAV deve respeitar as competências próprias dos outros TAV;

c) O TAV deve reconhecer os limites das suas próprias competências, não


exercendo actividades para as quais não tenha preparação.
VI DA ID EN TIFICA ÇÃO E CON TA C TO S

1. O TAV deve, no desempenho das suas funções na APAV, e apenas nesta


circunstância, identificar-se na qualidade de Técnico de Apoio à Vítima.
2. O TAV não deve, salvo em casos de fundamentada necessidade e com autorização
expressa do Gestor do GAV em que exerce funções, fornecer aos utentes o seu
contacto pessoal ou profissional.
3. O TAV não deve utilizar a designação, o logotipo e demais sinais e referências
identificativas da APAV na sua actividade, profissional ou pessoal, estranha à
Associação.

275
276
277
IX PROCESSO DE APOIO ONLINE

278
279
1. Importância do correcto preenchimento do Processo de
Apoio Online (PAO)

O Processo de Apoio Online é um instrumento/formulário interno da APAV que reúne


informação referente a um determinado processo de apoio, e essa informação reflecte-
se a 2 níveis:
Nível 1- gestão do processo de apoio à vítima de crime que recorre aos serviços
da APAV;
Nível 2- análise quantitativa (tratamento estatístico) dos processos de apoio,
bem como uma análise mais qualitativa dos serviços de apoio prestados aos
utentes/vítimas (Monitorização e Qualidade).
Neste sentido é essencial registar toda a informação útil, de forma correcta, realista,
completa, precisa e atempada, não só para que qualquer Técnico de Apoio à Vítima
(TAV) ou Gestor/a possa consultar e/ou actualizar o processo de apoio, como para que
seja possível proceder à análise dos conteúdos que constam no mesmo.
Importa salientar que as estatísticas anualmente apresentadas pela APAV são uma das
principais motrizes para o exterior da actividade desenvolvida quotidianamente pela
Associação, às quais recorrem investigadores, meios de comunicação social, políticos,
entre outros. Uma vez que a produção dos relatórios estatísticos, quer os semestrais e
anuais quer os temáticos, vão beber aos dados inseridos no Processo de Apoio Online,
torna-se fácil perceber o quão importante é a correcta inserção dos dados. É da
correcta inserção dos dados que podemos garantir a desejável correspondência entre a
estatística e a realidade.

2. Estrutura

O Processo de Apoio Online é constituído por 7 fichas:


• Atendimentos;
• Vítima;
• Contacto;
• Dados Vítima/Utente;
• Vitimação e Autor do Crime;
• Apoio Prestado;
• Anexos.

280
2.1 Ficha Atendimentos
A ficha atendimentos destina-se a registar os atendimentos/ diligências
realizados/as no âmbito do processo de apoio. Em qualquer atendimento deve ser
preenchida a data e hora em que foi efectuado.
Os campos de preenchimento são os seguintes:
 Data;
 Hora de Início;
 Hora de Fim;

O preenchimento destes dados revela-se bastante relevante para que TAV,


Gestoras/es e os responsáveis pela produção de relatórios estatísticos, de
monitorização e de qualidade, consigam perceber quantos atendimentos cada
processo de apoio tem, bem como a duração de cada um dos mesmos.
De referir também que, apesar de nem sempre se deter informação acerca de
todos os campos/itens de preenchimento elencados no Processo de Apoio Online,
estes campos devem também ser preenchidos, ainda que com a opção (não
sabe/não responde).

2.2 Ficha Vítima


A ficha Vítima destina-se a recolher informações genéricas sobre o processo e
informações sobre a vítima/utente. É importante frisar que a cada processo de
apoio deverá corresponder uma vítima/utente, ou seja, a informação descrita num
processo de apoio só dirá respeito a uma pessoa
Os campos de preenchimento são os seguintes:
Informações Genéricas:
 GAV/UO;
 TAV envolvido/s no processo;
 Área de Formação;
 Data de Início;
 Data de Fim;
 Observações;
Informações sobre a Vítima/Utente:
 Anónimo;
 Nome do utente/vítima;
 Data de nascimento (não sabe/não responde);
 Morada;
 Código Postal;
 Localidade;
 Domicilio Profissional;
 Local de Residência;
 Telefone ou Telemóvel;
 Email;
 Relação entre processos.

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2.3 Ficha Contacto
A ficha Contacto destina-se ao registo de informação acerca do primeiro contacto
do/a utente/vítima com a APAV, bem como da existência ou inexistência de crime.
Os campos de preenchimento são os seguintes:
 Tipo de Contacto;
 Realizado por;
 Referenciação para a APAV
 Existência de crime ou de alguma das seguintes formas de violência:
assédio sexual, discriminação, stalking?

Notas importantes no preenchimento da Ficha Contacto:


• Os campos (tipo de contacto), (realizado por) e (referenciação para
a APAV) são de resposta múltipla, pelo que pode conter mais do que
um item assinalado.

2.4 Ficha Dados Vítima/Utente


A ficha Dados Vítima/Utente destina-se à recolha de dados de carácter
socioeconómico acerca da vítima/utente.
Os campos de preenchimento são os seguintes:
 Nº de vítimas no processo de apoio;
 Sexo;
 Idade;
 Relação com o autor do crime;
 Estado civil;
 Tipo de família;
 Nº de filhos;
 Vitimação presenciada por menores?;
 Nacionalidade
Caso não seja de nacionalidade Portuguesa, em qual das seguintes
categorias se insere?
Se é imigrante, há quanto tempo se encontra em Portugal? (meses e anos)
Tem a sua situação regularizada?
 Nível de escolaridade completo;
 Condição perante a actividade económica;
 Profissão (se empregado/a);
 Principal meio de vida;
 Concelho de Residência.

Notas importantes para o preenchimento da Ficha Dados da Vítima/Utente:


• O item (nº de vítimas no processo de apoio) deve ser sempre
preenchido, mesmo quando não exista problemática de crime.
Nestes casos dever-se-á colocar o número “0” no local correspondente. Os
itens seguintes deverão ser preenchidos com os dados do/a utente, ainda
que não seja vítima de crime; Nestes casos de inexistência de crime, os
dados da Ficha Autor de Crime não devem ser preenchidos;

282
• No item (concelho de residência) deve ser indicado o concelho e
não a localidade de residência da vítima, pois a localidade mostra-se
muitas vezes insuficiente para localizar o concelho pretendido.

2.5 Ficha Vitimação e Autor do Crime


A ficha Vitimação e Autor do crime destina-se ao registo de dados acerca do autor
do crime, dados pessoais e de carácter socioeconómico, bem como de dados da
situação de vitimação. A ficha Autor do Crime destina-se a um autor de crime, pelo
que se existe mais do que um autor, dever-se-á preencher uma nova ficha.
Os campos de preenchimento são os seguintes:
 Crime (Existência ou Inexistência);
 Nº autores de crime;
 Autor do Crime (conhecido ou desconhecido);
 Tipo de Autor;

Informações sobre Autor do Crime:


 Nome;
 Morada;
 Domicílio profissional;
 Local de residência;
 Telefone;
 Telemóvel;
 Email;
 Outros contactos;
 Sexo;
 Idade;
 Estado civil;
 Nacionalidade
Caso não seja de nacionalidade Portuguesa, em qual das seguintes
categorias se insere?
Se é imigrante, há quanto tempo se encontra em Portugal? (meses e anos)
 Nível de escolaridade completo;
 Condição perante a actividade económica;
 Profissão;
 Principal meio de vida;
 Antecedentes criminais/outros processos-crime;
 Dependências;

Notas importantes para o preenchimento da Ficha Vitimação e Autor do Crime -


Informações sobre o Autor do Crime:
• Nos itens (antecedentes criminais/outros processos-crime) e
(dependências), sendo de resposta múltipla, podem conter mais do que um
item assinalado;
• No item (antecedentes criminais/outros processos-crime) deve indicar-
se o crime de acordo com os crimes elencados no campo/item (crime);
Informações sobre Vitimação:

283
 Existência de arma cuja posse exija registo;
Se sim, que tipo de armas?
 Armas legais?;
 Local do crime;
 Tipo de vitimação (meses/anos);
 Crimes
Crimes contra as pessoas:
Vida ou integridade física;
Liberdade pessoal;
Crimes sexuais;
Honra, reserva da vida privada ou outros bens jurídicos pessoais.
Crimes contra a vida em sociedade.
Crimes contra o estado.
Violência Doméstica:
Sentido estrito;
Sentido lato.
Crimes rodoviários.
Crimes contra o Património.
Contra-ordenações.
 Queixa/denúncia;
 Se sim, quando apresentou queixa?;
 Nº de queixas/denúncias;
 Local da queixa/denúncia;
 Situação processual;
 Tribunal/serviços do ministério público onde se encontra o processo;
 Juízo;
 Secção;
 Nº processo;
 Denunciou a situação a outras entidades?;
 Se sim, quais?;
 Foi deduzido pedido de indemnização cível?;
 Foi deduzido pedido de indemnização ao Estado? (às vítimas de crimes
violentos);
 Foi deduzido pedido de indemnização ao Estado? (às vítimas de violência
conjugal);

Notas importantes para o preenchimento da Ficha Vitimação e Autor do Crime -


Informações sobre Vitimação:
• No item (local do crime), tratando-se de um item de resposta múltipla, pode
ser assinalado mais do que um local se assim for o caso;
• No item (tipo de vitimação) só se deve assinalar a duração da vitimação
quando esta é do tipo continuada, devendo preencher-se o número de anos
e/ou o numero de meses, ou ambos;
• No item (crime) estão elencados os tipos de crime inseridos em grandes
categorias criminais, designadamente: crimes contra as pessoas e a
humanidade; crimes contra a vida em sociedade e o estado; violência
doméstica; crimes rodoviários; crimes patrimoniais e contra-
ordenações. É importante ressalvar que, independentemente da abrangência
e agregação da informação do conceito legal do artigo 152º do Código Penal, a
APAV define violência doméstica como:

284
“Qualquer conduta ou omissão de natureza criminal, reiterada e/ou
intensa ou não, que inflija sofrimento físico, sexual, psicológico ou
económico, de modo directo ou indirecto, a qualquer pessoa que resida
habitualmente no mesmo espaço doméstico ou que, não residindo, seja
cônjuge ou ex-cônjuge, companheiro/a ou ex-companheiro/a,
namorado/a ou ex-namorado/a, ou progenitor de descendente comum,
ou esteja, ou tivesse estado, em situação análoga; ou que seja
ascendente ou descendente, por consanguinidade, adopção ou
afinidade.”
Partindo desta definição a APAV distingue:
a) Violência Doméstica em sentido estrito: são actos criminais
enquadráveis no art. 152º do Código Penal: maus-tratos
psíquicos; ameaça; coacção; injúrias; difamação e crimes
sexuais;
b) Violência Doméstica em sentido lato: que inclui outros crimes
em contexto doméstico, como a violação de domicílio ou
perturbação da vida privada; devassa da vida privada (imagens,
conversas telefónicas, emails; revelar segredos ou factos
privados; etc.); violação de correspondência ou de
telecomunicações; violência sexual; subtracção de menor;
violação da obrigação de alimentos; homicídio:
tentado/consumado; dano; furto e roubo.
• O preenchimento da categoria de crime é essencial, devendo por isso ser
preenchida sempre;
• Nos itens (local de queixa) e (situação processual) deve indicar-se o número de
queixas em cada local e em cada situação processual, respectivamente;

2.6 Ficha Apoio Prestado


A ficha Apoio Prestado é dedicada ao registo da informação acerca do apoio
prestado à vítima/utente antes e depois do contacto com a APAV.
Os campos de preenchimento são os seguintes:
 Existência de Recursos aquando do pedido/contacto de apoio à APAV
Especifique apoios institucionais
Especifique outros apoios
 Intervenção na crise;
 Tipo de Apoio prestado pela APAV - Apoio Jurídico;
 Apoio Psicológico;
 Apoio Social;
Alojamento
Alimentação
Saúde
Emprego
Transporte
Outros apoios
 Apoio Genérico/Prático;
 Encaminhamento;
 Apoio Económico.

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Notas importantes para o preenchimento da Ficha Apoio Prestado:
• O item (Existência de Recursos aquando do pedido/contacto de apoio
à APAV) é de resposta múltipla, podendo conter mais do que um item
assinalado;
• Intervenção na crise constitui um processo de apoio pontual e imediato, pelo
que não deve ser confundido com avaliação do grau de risco; desde que o/a
utente apresente sinais que indiciem que se encontra em situação de crise este
item deve ser assinalado, ainda que o/a utente não seja vítima de crime;
• Independentemente do/a utente ser ou não vítima de crime, deve ser
assinalado na Ficha Apoios qual o tipo de apoio que lhe foi prestado.

2.7 Ficha Anexos


A Ficha Anexos destina-se à descrição de todas as informações complementares
referentes ao processo de apoio. A estrutura da Ficha Anexos serve de guião para
o TAV que preenche o processo, pelo que acima de cada um dos campos de
preenchimento existe um botão de ajuda com uma breve explicação do
conteúdo que lá deve constar. Tal estrutura permite uma boa organização da
informação, tornando-a mais clara e sistemática. O seu preenchimento é
obrigatório, pois as informações aí contidas podem revelar-se de grande
importância para a prossecução do processo de apoio.
Campos de preenchimento:
 Descrição da problemática;
 Pedido da vítima;
 Levantamento de necessidades;
 Avaliação do grau de risco;
 Estratégias de intervenção;
 Contactos úteis para o processo;
 Informações complementares.
É ainda possível adicionar ficheiros importantes ao processo.

1. Botões de Ajuda

Os botões de ajuda abaixo descritos têm como finalidade auxiliar ao correcto


preenchimento do processo de apoio, clarificando alguns dos itens/campos de
preenchimento passíveis de suscitar mais dúvidas ou questões ao TAV.

 Tipo de Família
Família Reconstruída
Família composta por adultos e crianças de uma segunda união, em que nem todos
têm laços de consanguinidade entre si - ex: padrasto/madrasta

Família Alargada
Família nuclear + ascendentes e/ou descendentes ou familiares colaterais – ex:
primos e irmãos

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 Se sim, que tipo de arma?
Arma branca
Exemplo: faca

Arma de fogo
Exemplo: revólver, pistola, espingarda

Arma de ar comprimido
Exemplo: “pressão de ar”

Aerossol de defesa
Exemplo: “spray”

Arma de alarme
Exemplo: dispositivo com a configuração de arma de fogo destinado unicamente a
produzir efeito sonoro

Arma eléctrica
Exemplo: dispositivo unicamente a produzir descarga eléctrica momentaneamente
neutralizante da capacidade motora humana

Boxer
Exemplo: “soqueira”

 Crimes
Ofensa à integridade física:
-grave (exemplo: amputação de membro, desfiguração grave e permanente,
afectação grave da capacidade de trabalho, mutilação genital feminina, doença
dolorosa ou permanente, anomalia psíquica grave, perigo para a vida)
-outra (qualificada, privilegiada, por negligência)

Maus-tratos
- que não violência doméstica, por exemplo, violência nas instituições.

Intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos


-“negligência médica”

Ameaça/Coacção
-“chantagem”: constranger outra pessoa, através de violência ou ameaça, a fazer
ou deixar de fazer algo.

Sequestro
-deter, prender, manter presa ou detida ou de qualquer forma privar de liberdade
outra pessoa

Rapto
-com a finalidade de extorsão, prática de crime sexual, obtenção de resgate ou
levar autoridade ou terceiro a fazer ou deixar de fazer algo

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Assédio sexual
-com prática de actos sexuais

Lenocínio
-exploração da prostituição de crianças ou adultos

Importunação sexual
-actos exibicionistas ou “toques” nos transportes públicos

Abuso Sexual de crianças


-idade inferior a 14 anos

Pornografia de menores
-utilizar criança em material pornográfico ou produzir, disseminar, divulgar ou
possuir este material

Difamação
-A em conversa com B, imputa a C um facto, mesmo que sob a forma de suspeita,
ou formula sobre ele um juízo ofensivo da sua honra ou consideração

Injúria
-A dirige a B palavras ou imputa-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita,
ofensivas à sua honra ou consideração

Devassa da Vida Privada


-gravar ou divulgar conversas, captar ou divulgar imagens, observar ou escutar
imagens, observar ou escutar às ocultas, sem consentimento e com intenção de
devassar a vida privada; gravações de fotografias ilícitas

Carjacking
-roubo de veículo. Se incluir a prática de outro (s) crime (s), como por exemplo
rapto, deve também assinalar-se este (s)

Extorsão
-A, com intenção de com seguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo,
constrange B, por meio de violência ou ameaça, a uma disposição patrimonial que
acarrete prejuízo para este ou para outrem – exemplo: A ameaça B que, se esta
não assinar um cheque em branco e lho entregar, foge com o filho de ambos

Terrorismo
-é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a
elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a
incutir medo, terror, e assim obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente
o círculo das vítimas, incluindo, antes, o resto da população do território

Devassa da vida privada


- gravar ou divulgar conversas, captar ou divulgar imagens, observar ou escutar às
ocultas sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada/ gravações
e fotografias ilícitas

288
Escravidão
-é a prática social em que um ser humano tem direitos de propriedade sobre outro
designado por escravo, ao qual é imposta tal condição por meio da força

Assédio Sexual
-é um tipo de coerção de carácter sexual praticada geralmente por uma pessoa em
posição hierárquica superior em relação a um subordinado

Discriminação
- fazer uma distinção):
tipo de discriminação - racial; religiosa, sexual, por idade, nacionalidade ou género

 Descrição da problemática - Recolha de dados de identificação da vítima


e do agressor; Identificação do agregado familiar; existência de menores
envolvidos; recolha dos factos praticados (existência ou não de crime); duração
das agressões; último episódio; se foi apresentada queixa, quando e onde;
testemunhas dos factos;

 Pedido da vítima - explicita ou implicitamente - perante a problemática


apresentada pela vitima qual foi o apoio solicitado (in) directamente;

 Levantamento das necessidades - Perante a problemática apresentada


quais os recursos que a vitima dispõe e necessita (primários e secundários);

 Avaliação do grau de risco - Identificar e analisar as condições de risco


de vitimação – ameaças, perigos e vulnerabilidade – para a ocorrência do crime
(presença ou ausência de pessoas, circunstâncias, locais, sinais de alarme e
comportamentos de risco);

 Estratégias de intervenção - o que se vai fazer – como? quem? onde?


Quando? Plano de segurança e projecto de vida estabelecido com a utente;
contactos estabelecidos/ e ou a estabelecer; as instituições que devemos
articular e/ou articulamos e o nome do técnico e o tipo de contacto feito;

 Contactos úteis para o processo - contactos de Instituições e pessoas de


contacto que tenham acompanhado ou irão acompanhar a vitima, bem como
contactos de familiares e/ou amigos que numa situação de emergência se
possa recorrer.

289
290
Referências bibliográficas

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