Rbgea 2022 - Volume 1
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REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
Volume 12 (01)
2022
ISSN 2237-4590
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
EDITORES
REVISORES
Adalberto Aurélio Azevedo – Consultor João Francisco Alves Silveira – Consultor
Alberto Pio Fiori – UFPR Jorge Kazuo Yamamoto – USP
Aline Freitas da Silva – DRM-RJ José Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Port.)
Andrea Valli Nummer – UFSM José Augusto de Lollo – UNESP
Angelo José Consoni – TSAP José Domingos Gallas – USP
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha) José Eduardo Zaine – UNESP
Antonio Manoel Santos Oliveira – UNG José Luiz Albuquerque Filho – IPT
Candido Bordeaux Rego Neto – IPUF Leandro Eugênio da Silva Cerri – Consultor
Carlos Geraldo Luz de Freitas – IPT Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Clovis Gonzatti – CIENTEC Luiz Fernando D’Agostino – SENAI
Denise de la Corte Bacci – USP Luiz Nishiyama – UFU
Diana Sarita Hamburger – UFABC Malva Andrea Mancuso – UFSM
Dirceu Pagotto Stein – Geoexec Marcelo Denser Monteiro – Metrô – SP / UAM
Edilson Pissato – USP Marcilene Dantas Ferreira – UFSCar
Eduardo Brandau Quitete – IPT Marcio A. Cunha – Consultor
Eduardo Goulart Collares – UEMG Maria Heloisa B.O. Frascá – Consultora
Emilio Velloso Barroso – UFRJ Marta Luzia de Souza – UEM
Eraldo L. Pastore – Consultor Nelson Meirim Coutinho – GEORIO
Fábio Soares Magalhães – Walm Engenharia Newton Moreira de Souza – UnB
Filipe Antonio Marques Falcetta – IPT Noris Costa Diniz -UnB
Flávio Almeida da Silva – Engecorps Reinaldo Lorandi – UFSCar
Frederico Garcia Sobreira – UFOP Renato Luiz Prado – USP
Ginaldo Campanha – USP Ricardo Vedovello – IG/SIMA
Helena Polivanov – UFRJ Yociteru Hasui – Consultor
Jair Santoro – IG/SIMA
APOIO EDITORIAL
Denise Amaral e Didiana Dórea
Volume 12 (01)
2022
ISSN 2237-4590
DIRETORIA ABGE GESTÃO 2021/2022
NÚCLEO SUL
Presidente: Erik Wunder
Conselho Deliberativo: Débora Lamberty, Adriana Ahrendt Talamini,
Mariano Badalotti Smaniotto, Malva A. Mancuso, Andréa V. Nummer,
Cezar Augusto Burkert Bastos, Adelir José Strieder e Karina Retzlaff Camargo.
NÚCLEO NORTE
Presidente: Dianne Danielle Farias Fonseca
Conselho Deliberativo: Milena Marília Nogueira de Andrade, Sheila Gatinho Teixeira,
Claudio Fabian Szlafsztein, Elton Rodrigo de Andretta,
Iris Celeste Nascimento Bandeira e José Sidney Barros.
SECRETARIA ABGE
Gerente Executiva: Luciana Marques
Analista Administrativa: Didiana Dórea
Estagiária Administrativa: Denise Amaral
ABGE Central
Av. Prof. Almeida Prado, 532 | Prédio 36 | Cidade Universitária | São Paulo – SP
Fones: (11) 3767-4361 | (11) 3719-0661
E-mail: abge@abge.org.br | Site: abge.org.br
SUMÁRIO
6 APRESENTAÇÃO
ARTIGOS CIENTÍFICOS
CONTRIBUIÇÕES E REFLEXÕES
sobre o livro publicado pela ABGE em 2021 intitu- tuto de Geociências da USP que busca aproximar
lado “Investigações Geológico-Geotécnicas – Guia os estudantes do mercado de trabalho.
de Boas Práticas”. Já o geólogo Alvaro Rodrigues Participe de nossa revista enviando seu arti-
dos Santos escreve sobre a interessante experiên- go técnico, seu texto de reflexão, seu comentário
cia de adaptação de uma obra às condições natu- ou sua sugestão para que possamos juntos fazer
rais do terreno a partir do exemplo do estádio do da RBGEA a revista de divulgação e integração
Pacaembu, em São Paulo. Por fim, José Gabriel da Geologia de Engenharia e Ambiental no Brasil.
Araújo Alves e colegas nos apresentam a empresa Desejamos a todos uma ótima leitura.
Geo Junior Consultoria montada em 1992 no Insti-
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ARTIGOS CIENTÍFICOS
MAPEAMENTO DAS ÁREAS PASSÍVEIS DE
PARCELAMENTO DO DISTRITO FEDERAL
MAPPING OF THE FEDERAL DISTRICT’S PARCELING AREAS
RESUMO ABSTRACT
Aproximadamente 45% do território do Distrito Fede- Approximately 45% of the territory of the Federal
ral está submetido a algum tipo de restrição de parcela- District is subject to some type of urban installment
mento urbano relacionada a uma legislação federal ou restriction related to Federal District legislation,
distrital tornando imprescindível a correta avaliação making it essential to correctly assess the feasibility
da viabilidade de implantação de novos parcelamen- of implementing new installments and regularizing
tos e da regularização de ocupações existentes, princi- existing occupations, especially in the vicinity of
palmente nas proximidades de áreas ambientalmente environmentally protected areas. This article presents
protegidas. O presente artigo apresenta uma proposta a proposal for feasibility analysis of occupation using
de análise de viabilidade à ocupação utilizando crité- criteria defined in current legal instruments that is
rios definidos em instrumentos legais vigentes, com- complemented by a map of suitability elaborated
plementado por um mapa de adequabilidade elabora- using physiographic compartmentalization based
do a partir da compartimentação fisiográfica baseado on geology, geomorphology pedology. Finally, a
nas temáticas geologia, geomorfologia e pedologia. Por conceptual model of input data and products is
fim, é elaborado um modelo conceitual dos dados de elaborated to ensure interoperability with the data of
entrada e dos produtos visando garantir a interope- the Spatial Data Infrastructure of the Federal District
rabilidade com os dados da Infraestrutura de Dados (SDI/DF) and contribute to the automation of the
Espaciais do Distrito Federal (IDE/DF) e contribuir feasibility analysis process given the dynamics of
para automação do processo de análise de viabilidade changes that occur in the urban environment. Based
visto a dinâmica das mudanças que ocorrem no am- on the feasibility map it was possible to identify that
biente urbano. Com base no mapa de viabilidade foi 15% of the urbanized area infringes some current
possível identificar que 15% da área urbanizada infrin- legal instrument, approximately 2% of the buildings
ge algum instrumento legal vigente, aproximadamente of the Federal District, which remain approximately
2% dos imóveis do DF, e que restam aproximadamente 456,16 km, about 8% of the territory, which can still be
456,16 km, cerca de 8% do território, que ainda pode parceled.
ser parcelado.
Keywords: Viability of occupation; Geotechnical Map-
Palavras-chave: Viabilidade de ocupação; Cartogra- ping; Guidelines for Land Use and Occupation; Phisio-
fia Geotécnica; Diretrizes de Uso e Ocupação do Solo; grafy Compartmentalization
Compartimentação Fisiográfica
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
10
Mapeamento das áreas passíveis de parcelamento do Distrito Federal
mento Territorial (PDOT). O DF está localizado no de 15º30’ latitude Sul, a leste pelo Rio Preto, ao sul
Planalto Central do Brasil, compreendendo uma pelo paralelo 16º03’ de latitude Sul e a oeste pelo
área de 5702 km², limitando a norte pelo paralelo Rio Descoberto (Figura 1).
Para a elaboração dos produtos cartográfi- elaborado com base na restituição do ano de 2016
cos foi utilizado o Sistema de Informações Geo- e na Macrozona Rural utilizando MDT com reso-
gráficas Quantun GIS (QGIS), na versão 3.16. Na lução de 5 metros elaborado com base no aerole-
IDE/DF (IDE/DF, 2021) foram obtidas as infor- vantamento do ano de 2009.
mações dos zoneamentos das Áreas de Proteção
Ambiental (APA) do São Bartolomeu, Lago Para-
noá, Cafuringa, Planalto Central e Gama Cabeça
2.1 Viabilidade de ocupação
de Veado, as Área de Proteção de Mananciais e o
O mapa de viabilidade de ocupação funciona
Macrozoneamento do PDOT, as Área de Preser-
como uma primeira aproximação na identificação
vação Permanente (APP) do Zoneamento Ecoló-
de áreas passíveis ou não para a ocupação, além
gico Econômico do Distrito Federal (ZEE/DF), ca-
de permitir definir áreas prioritárias para a expan-
dastro de imóveis, os modelos digitais de terreno
são urbana. Entretanto não exime a necessidade
(MDT), os limites dos parques ecológicos e área
de um estudo específico, em maior escala, duran-
urbanizada do Distrito Federal.
te a elaboração dos estudos ambientais, planos de
A declividade na Macrozona Urbana foi ela-
ocupação e/ou eventuais projetos urbanísticos.
borada utilizando MDT com resolução de 1 metro
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Quadro 1. Restrições e limitações para a ocupação definidos com base na legislação vigente e na situação fática do processo
de ocupação no Distrito Federal.
Viabilidade de Classe do
Relação espacial Temática Critério
ocupação mapa
Intersecção Declividade Maior que 30% Limitado1 VME
Intersecção Área de preservação permanente, unidades de - Proibido PIL
conservação, áreas úmidas e parques destinados a
Distância preservação Até 100 metros² Viável4 SDG
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Mapeamento das áreas passíveis de parcelamento do Distrito Federal
É importante ressaltar que existem outros dos a uma correção topológica para a remoção de
critérios de extrema importância na avaliação da sobreposições e lacunas. Após a sobreposição das
viabilidade de parcelamento, mas devido a indis- temáticas, todos os polígonos com áreas inferiores
ponibilidade de dados georreferenciados, não fo- a 0,0001 km² ou 100 metros quadrados foram ana-
ram incluídos na análise. A APA da Gama Cabeça lisados e dissolvidos nos polígonos como maior
de Veado, por exemplo, não foi considerada na área no entorno nos casos de divergências de ve-
análise pois o zoneamento não consta na IDE/DF torização e/ou de escalas entre as temáticas.
e pelo fato das atividades permitidas dentro da O produto da sobreposição dos mapas te-
APA serem deliberadas pelo comitê gestor. máticos retornou 925 unidades de terreno (UMT)
Devido à dinâmica de mudança no ambiente oriundas da combinação das três temáticas, as
urbano, optou-se por não incluir no produto car- quais não serão discutidas individualmente nes-
tográfico as áreas com outros projetos urbanísti- ta pesquisa. Entretanto, os limites dessas unida-
cos registrados ou de regularização e as análises des serão utilizados como base para a elaboração
de distância, devendo ser objeto de análise duran- da carta de adequabilidade, que será descrita no
te as consultas individuais pelos órgãos responsá- tópico a seguir. As UMT foram complementadas
veis no momento da análise do parcelamento. com informações de profundidade do solo e do
Para o mapa de viabilidade de ocupação nível de água com base nas investigações compi-
foram definidas três classes: proibida pelos ins- ladas por Oliveira (2021).
trumentos legais vigentes (PIL); viável mediante
estudo geotécnico e ambiental (VME); e sujeito
a diretrizes gerais (SDG). A classe proibida pe-
2.3 Adequabilidade para Ocupação
los instrumentos legais vigentes (PIL) indica que
Para o mapa de adequabilidade para ocu-
o parcelamento urbano é proibido por um dos
pação foi feito um recorte da compartimentação
instrumentos supramencionados. A classe viável
fisiográfica pela classe sujeito a diretrizes gerais
mediante estudo geotécnico e ambiental (VME)
(SDG) e as unidades de terreno foram reclassifi-
indica uma restrição apontada pelo inciso III do
cadas em zonas de adequabilidade com base nos
Art. 3 da lei 6766/79 e as classe sujeito a diretri-
critérios apresentados no Quadro 2 sendo neces-
zes gerais (SDG) indica que é necessário consultar
sário atender a pelo menos um dos critérios lis-
as recomendações existentes nesse documento e
tados para ser inserido na classe. Os critérios se-
não exclui a necessidade de atender outros instru-
lecionados se restringiram somente aos de fácil
mentos não contemplados nessa análise. A área
interpretação para viabilizar a sua aplicação pelo
urbanizada no mapa é constituída de ocupações
poder público.
de diferentes tipologias, densidades de ocupação
Para esse mapa foram definidas quatro clas-
independentemente da situação fundiária e caso
ses: muito alto sendo áreas recomendadas para a
esteja incluída na classe sujeito a diretrizes gerais
ocupação caso não exista outra restrição vigen-
devem obedecer às mesmas recomendações de
te; alto nos casos que a ocupação é passível de
um novo parcelamento quando cabível.
ocorrer desde que não impeçam a infiltração de
águas pluviais e não exerçam atividades com alto
2.2 Compartimentação fisiográfica potencial poluidor; baixo para as áreas que pos-
suem alguma caraterística que pode dificultar o
A compartimentação fisiográfica consistiu no processo de ocupação; e muito baixo onde não é
cruzamento entre os planos de informação das te- recomendado a criação de novos parcelamentos
máticas: geologia (FREITAS-SILVA & CAMPOS, ou a regularização de ocupações existentes. Não
1998) na escala de 1:100.000, geomorfologia (ZEE, foi definida uma classe denominada média a fim
2011) na escala de 1:100.000 e pedologia (ZEE, de facilitar a elaboração de instrumentos basea-
2011) na escala de 1:50.000. da em limites bem definidos entre alta e baixa
No pré-processamento, os planos de informa- adequabilidade.
ção foram recortados pelo limite do DF e submeti-
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Quadro 2. Critérios ambientais para a adequabilidade para ocupação com base nas unidades de terreno.
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Mapeamento das áreas passíveis de parcelamento do Distrito Federal
Observa-se que cerca de 45% (2565,9 km²) estar associadas a invasões de área de preserva-
do território está inserido em algum tipo de res- ção permanente ou de proteção de manancial
trição legal reforçando a importância da correta como no Setor Habitacional Ponte de Terra ou no
avaliação da viabilidade de ocupação, que inclui registro de projetos urbanísticos antes da criação
novos parcelamentos e a regularização de ocupa- das áreas de proteção ambiental. Ao cruzarmos o
ções existentes, principalmente nas proximida- cadastro de imóveis identificamos 23.750 imóveis,
des de áreas ambientalmente protegidas com na aproximadamente de 2%, cadastrados na base do
região Chácara Santa Luzia com ocupações sob DF estão inseridos em áreas com algum tipo de
um antigo lixão ou o assentamento 26 de setem- restrição legal.
bro próximo a unidade de conservação do Parque Ao recategorizarmos os critérios escolhidos
Nacional. no Quadro 1 foi possível obter o mapa de viabili-
Outro ponto importante é sobreposição da dade de ocupação (Figura 3).
área urbanizada com algumas das restrições re-
presentadas na Figura 2. Essas situações podem
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
da de cerrado, contaminação e perda de solo por rais tendo como base alguns trabalhos de carto-
erosão do ZEE também não foram inseridos no grafia geotécnica desenvolvidos no Distrito Fede-
mapa, pois não são critérios impeditivos. ral (AGUIAR, 1997; AHUALLI, 2019; ALMEIDA,
O Quadro 3 traz algumas diretrizes gerais 2022; ALVES, 2009; BATISTA, 2012; OLIVEIRA et
propostas na área da classe sujeito a diretrizes ge- al., 2019).
Aplicável à
classe Diretrizes gerais
SDG VME
Sim Sim Deve ser observada a viabilidade de abastecimento de água por sistema operado pelo órgão responsável;
Áreas verdes intraurbanas devem qualificadas e avaliadas frente a sua contribuição em termos de serviços ecossistêmicos
Sim Sim
para as quais devem ser definidas diretrizes específicas pelo órgão responsável.
A solução de esgotamento sanitário deve ser definida com o pelo órgão responsável, que avaliará as condições específicas
Sim Sim de atendimento à população de projeto, considerando os limites dos corpos d’água receptores e a proteção da bacia
hidrográfica.
O parcelamento do solo fica condicionado a apresentação de um laudo emitido com profissional certificado que comprove
Não Sim que os riscos geotécnicos na área do projeto são baixos ou negligenciáveis e contendo soluções para evitar riscos oriundos
do processo de ocupação.
Não Sim Para novos parcelamentos, o sistema de coleta de águas pluviais deve ser implementado antes do processo de ocupação.
Em área de recarga dos aquíferos, a implantação de novos empreendimentos deve prever a implantação medidas que
Sim Não favoreçam a recarga artificial dos aquíferos, tomando as devidas providências para evitar a contaminação das águas
subterrâneas.
Os novos parcelamentos devem confirmar a existência dos poços no entorno e em caso positivo, deve limitar seus usos
Sim Sim a um baixo potencial poluidor. Em caso de adoção de poços como sistema de abastecimento deve se avaliar os usos no
entorno.
Em áreas de recarga dos aquíferos recomenda-se que a ocupação deve buscar reduzir o nível de impermeabilização do
Sim Não
solo e impedir a implantação de usos com alto potencial poluidor.
Adoção de técnicas compensatórias sempre ressaltando que a escolha da melhor técnica a ser usada depende das
Sim Não
características ambientais e urbanas do local
As edificações em áreas com declividades acima de 30%, nos casos permitidos pelo estudo geotécnico, deverão evitar
Não Sim cortes profundos nas encostas e estar associados a recursos que reduzam o impacto visual da solução, além de criar lotes
com maior dimensão paralela às curvas de nível de forma a reduzir a necessidade de encaixe do lote ao terreno;
Em áreas com declividades superiores a 45%, recomenda-se a criação de áreas verdes “non aedificandi” com preservação
Não Sim
da mata nativa.
Não será permitido o parcelamento do solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as
Sim Sim
providências para assegurar o escoamento das águas.
Não será permitido o parcelamento do solo em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública,
Sim Sim
sem que sejam previamente saneados.
Sim Sim Não será permitido o parcelamento do solo em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação.
Não será permitido o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça
Sim Sim
condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.
A impermeabilização máxima do solo fica restrita a 50% da área total da gleba do parcelamento sendo proibido o corte de
Não Sim espécies arbóreas nativas existentes nas áreas verdes delimitadas pelos projetos de urbanismo de novos empreendimentos
imobiliários.
Na área de alta risco de perda de erosão, a remoção da cobertura vegetal e do solo superficial deve ser realizada somente
Sim Sim
antes do início da implantação de qualquer empreendimento e, obrigatoriamente, em época de seca.
Na área de médio risco de perda de erosão, a remoção da cobertura vegetal e do solo superficial deve ser realizada
Sim Sim
somente antes do início da implantação dos empreendimentos, preferencialmente, em época de seca.
O plano de ocupação deve apresentar um mapeamento geológico-geotécnico, elaborado por um geólogo ou engenheiro
Sim Sim geotécnico, indicando a compatibilidade entre a geologia, geotecnia, topografia e condições de drenagem da área e a
proposta de ocupação.
As áreas dos novos parcelamentos devem ser avaliadas quanto a escavabilidade visando não inviabilizar a implantação
Sim Sim
da infraestrutura relacionada ao saneamento básico ou outras obras enterradas.
Não se recomenda a implementação de usos com alto potencial poluidor nas áreas com risco alto de contaminação do
Sim Não subsolo em que são observadas baixa declividade e baixa densidade de drenagem, características estas que favorecem a
infiltração das águas pluviais.
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Mapeamento das áreas passíveis de parcelamento do Distrito Federal
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Mapeamento das áreas passíveis de parcelamento do Distrito Federal
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Brasileiro de Geologia de Engenharia, Poço de Caldas.
20
BANCOS DE DADOS DE IMAGENS PARA
GERENCIAMENTO DE RISCOS DE DESASTRES
RELACIONADOS A FENÔMENOS NATURAIS:
UMA PROPOSTA BASEADA EM PROCEDIMENTOS
SISTEMÁTICOS DE DESCRIÇÃO, INDEXAÇÃO E
CLASSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS FOTOGRÁFICOS
IMAGE DATABASES FOR DISASTER RISK MANAGEMENT RELATED TO NATURAL
PHENOMENA: A PROPOSAL BASED ON SYSTEMATIC PROCEDURES OF DESCRIPTION,
INDEXING AND CLASSIFICATION OF PHOTOGRAPHIC DOCUMENTS
RICARDO VEDOVELLO
Geólogo, Doutor em Geociências e Meio Ambiente, Pesquisador Científico, Instituto de
Pesquisas Ambientais do Estado de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil – rvedovello@sp.gov.br
RESUMO ABSTRACT
Imagens fotográficas e registros correlatos constituem Photographic images and similar products constitute
material valioso para consulta e utilização não apenas valuable material for consultation and use not only di-
de forma direta na aplicação ou no contexto em que fo- rectly in the application or context in which they were
ram obtidas, mas também para subsidiar novas análi- obtained, but also to support new analyses or prepa-
ses ou preparação de materiais diversos, inclusive com ration of various materials, including for didactic pur-
finalidades didáticas. Entretanto os registros costumam poses. However, records are often archived or stored
estar arquivados ou armazenados em pastas físicas ou in physical or virtual folders that make it difficult to
virtuais que dificultam a identificação e localização identify and locate photographic products with certain
de produtos fotográficos com determinadas caracte- characteristics of interest. To address this situation,
rísticas de interesse. Para equacionar essa situação, a the development of a database is essential, in order to
elaboração de banco de dados é essencial, de forma a enable the organization and consultation of these ma-
possibilitar a organização e consulta desses materiais. terials. In the present work is presented a proposal for
No presente trabalho é apresentada uma proposta de structuring an image database to subsidize disaster
estruturação de um banco de dados de imagens para risk management activities related to dangerous natu-
subsidiar as atividades de gestão de riscos de desas- ral phenomena. The work was developed with the col-
tres relacionados a fenômenos naturais perigosos. O lection of images of the Engineering and Environmen-
trabalho foi desenvolvido junto ao acervo de imagens tal Geology Group of the Geological Institute (NGEA/
do Núcleo de Geologia de Engenharia e Ambiental do IG), in the state of São Paulo, Brazil. Systematic proce-
21
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Instituto Geológico (NGEA/IG), do estado de São Pau- dures were defined and applied for the elaboration of
lo. Foram definidos e aplicados procedimentos siste- photographic databases including: definition and clas-
máticos para a elaboração de banco de dados fotográ- sification of the universe of disasters and dangerous
ficos incluindo: definição e classificação do universo natural phenomena to be evaluated; identification and
de desastres e fenômenos naturais perigosos a ser ava- standardization of characteristics and attributes for
liado; identificação e padronização de características e description, indexing and classification of images; de-
atributos para descrição, indexação e classificação das finition of catalog of documentary and technical terms
imagens; definição de catálogo de termos documen- to be adopted as keywords; development of a database
tais e técnicos a serem adotados como palavras-chave; prototype; and execution of query tests. The procedu-
elaboração de um protótipo de banco de dados; e exe- res were applied in a sampling of photographs obtai-
cução de testes de consulta. Os procedimentos foram ned in studies in the municipality of Itaoca, São Paulo
aplicados em uma amostragem de fotografias obtidas State (SP). The results indicate great potential for the
em estudos no município de Itaoca (SP). Os resultados structuring of similar databases and served as the basis
apresentaram grande potencial para a estruturação de for the final modeling of the image bank that will inte-
bancos de dados similares e serviram de base para a grate the platform and specialized technological labo-
modelagem final do banco de imagens que integrará a ratory of the Geological Institute, focused on disaster
plataforma e o ambiente tecnológico especializado do risk management.
Instituto Geológico, voltado para a gestão de riscos de
desastres. Keywords: Databases, Natural Phenomena, Images,
Photographs, Disaster Risk Management
Palavras-chave: Bancos de Dados, Fenômenos Na-
turais, Imagens, Fotografias, Gestão de Riscos de
Desastres
22
Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
Figura 1. Estruturação do Programa Estadual de Prevenção de Desastres e Redução de Riscos Geológicos – PDN (Brollo &
Tominaga, 2012).
Independente do pilar considerado, grande de Desastres (GRD) está sendo articulada em uma
parte das atividades e projetos no âmbito do PDN plataforma tecnológica do ambiente laboratorial
contribuem para a tomada de decisões e para a de GRD do Instituto, a qual poderá integrar redes
viabilização de ações em mais de uma frente de interinstitucionais, e fornecer dados em formato
atuação, de tal maneira que é essencial a elabo- georreferenciado. Tal plataforma integrará dados
ração de sistemas gerenciadores de informações e informações de: mapeamentos de perigos e ris-
geoambientais associados a banco de dados geor- cos geodinâmicos; vulnerabilidades territoriais
referenciados (Vedovello et al. 2002), para que téc- socioeconômicas e ambientais; relatórios de vis-
nicos, gestores e usuários possam ter acesso ade- torias e de atendimentos técnicos emergenciais;
quado às informações e dados. sistemas de alerta e planos de contingência; ca-
No Instituto Geológico (IG), grande parte das dastros de eventos e desastres; entre outras apli-
informações produzidas para a Gestão de Riscos cações e funcionalidades. Um dos componentes
23
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
25
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
IG a adotar uma classificação adaptada para fins Diante da variedade de classificações e com
de elaboração de um banco de dados de eventos o intuito de facilitar a definição dos tipos de fe-
e acidentes considerando-se as particularidades nômenos a serem utilizados na descrição de ima-
encontradas no Brasil e, em particular, no estado gens, foi construído um quadro comparativo en-
de São Paulo. tre as referidas classificações. Tal quadro teve a
A classificação adotada pelo Instituto Geoló- intenção de padronizar e correlacionar os termos
gico (Nunes & Ferreira, 2015; IG, 2017) trata es- a serem adotados também como palavras-chave
pecificamente dos desastres naturais associados a para pesquisas em banco de dados e restringiu-se
eventos geodinâmicos, que ocorrem naturalmente aos fenômenos perigosos mais expressivos para o
e que podem ser intensificados, acelerados, retar- caso do Brasil. A Figura 2 apresenta parte do qua-
dados ou suprimidos em decorrência da ação hu- dro comparativo elaborado, com destaque para os
mana. São considerados três grupos: geológicos processos e fenômenos mais pertinentes ao pre-
(com diferenciação de 11 tipos de fenômenos pe- sente trabalho.
rigosos), hidrológicos (7 tipos) e meteorológicos
(4 tipos).
expostos a perigos e que podem sofrer de forma vivência e de aumento da percepção do risco, ou
diferenciada os impactos de um fenômeno), e do a mobilização dos elementos em risco de maneira
Dano Potencial (considerando os tipos de conse- temporária ou definitiva). Em geral medidas es-
quências decorrentes da possível ocorrência do truturais e não estruturais são adotadas concomi-
fenômeno perigoso). Detalhes sobre a terminolo- tantemente ou de forma complementar.
gia e conceitos envolvidos na avaliação de riscos Para identificar as características relevantes
podem ser vistos em Tominaga et al. (2009) e Car- de cada um dos cinco grupos de fatores mencio-
dona et al. (2012), entre outros. nados, além da pesquisa bibliográfica inicial, fo-
Por fim as medidas mitigadoras compreen- ram analisadas as fichas de vistorias e de descri-
dem ações e intervenções voltadas para minimi- ção utilizadas nos trabalhos de campo do NGEA/
zar, eliminar ou recuperar áreas que sejam ou IG, os relatórios de mapeamento de áreas de risco
possam ser atingidas por fenômenos perigosos, e outros projetos institucionais com aplicações
com consequências e impactos negativos. Podem diversas em políticas públicas de planejamento,
ser de natureza estrutural (em geral relacionadas ordenamento e gerenciamento do território. Tal
a obras de engenharia que interferem ou modifi- análise objetivou identificar elementos de des-
cam as condições geométricas dos terrenos ou a crição e caracterização dos fatores envolvidos na
dinâmica dos eventos perigosos, com o intuito de gestão de riscos de desastres.
ampliar a estabilidade das áreas ou de criar pro- A Figura 3 apresenta o modelo de uma das
teção contra o impacto dos fenômenos) ou não fichas utilizadas nos mapeamentos de áreas de
estrutural (quando contemplam medidas de con- risco realizados pelo NGEA/IG, no caso referente
Figura 3. Modelo geral da ficha de descrição e caracterização de áreas de risco utilizada durante os trabalhos de campo
pela equipe do IG. No exemplo aqui apresentado refere-se à ficha voltada para a avaliação de áreas afetadas ou sujeitas a
escorregamentos.
28
Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
ao município de Campos do Jordão (IG, 2014). Tal ções são habitualmente levantados e analisados
ficha é similar às utilizadas para outras áreas estu- nas avaliações das áreas de risco e que, portanto,
dadas. Na Figura 4 é apresentado um detalhe da devem compor o conjunto das palavras-chave a
ficha onde se pode observar que tipos de informa- serem utilizadas para a descrição das fotografias.
Figura 4. Detalhe de parte da ficha da Figura 3, com destaque dos tipos de informações utilizadas na definição de palavras-chave.
Ressalta-se que, para fins de desenvolvimen- grupos de fatores relacionados à análise de riscos,
to do banco de dados, considerou-se pertinente aos condicionantes dos fenômenos perigosos e de
reorganizar as informações contempladas nas fi- suas consequências. Tal quadro (Figura 5) consti-
chas e demais materiais analisados em um quadro tui uma espécie de catálogo de palavras-chave a
que agrupasse as características e aspectos relacio- ser utilizado na descrição das imagens no ambien-
nados à avaliação e análise de riscos, segundo os te de banco de dados.
cinco grupos de fatores considerados na GRD de- Para fins de teste no ambiente de banco de da-
finidos nesta etapa do trabalho. Tal quadro consti- dos escolheu-se apenas parte das palavras-chave
tuiria um catálogo de palavras-chave apropriado apresentadas no quadro/catálogo para a descri-
e padronizado para a descrição e a indexação das ção das fotos. Os conjuntos de fatores utilizados
imagens do acervo no banco de dados. estão destacados com cor laranja, em tonalidade
mais clara, na Figura 5, e foram escolhidos por
possuírem características observadas com mais
3.3 Definição de um quadro/catálogo de frequências nas imagens selecionadas. Este qua-
termos técnicos relacionados a GRD, a dro inicial, ajustado e complementado durante o
serem adotados como palavras-chave para trabalho prático de análise das imagens a serem
descrição, indexação e classificação de inseridas no BD, serviu de base para a modelagem
fotografias conceitual da tabela do banco de dados georrefe-
renciado de fotos, conforme detalhado no item 3.5
A partir dos procedimentos descritos no item
do presente trabalho.
3.2 foi organizado um quadro/ com indicação dos
29
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
FiguraFigura 5 - Quadro/Catálogo
5. Quadro/Catálogo de fatoresde fatores relacionados
relacionados a acidentes ea desastres,
acidentesobtido
e desastres,
a partir obtido a partir
da análise da análise
de fichas de trabalhos
de campo do Instituto Geológico, e que serviu de base para a modelagem conceitual da tabela
de fichas de trabalhos de campo do Instituto Geológico, e que serviu de base para a modelagemdo banco de dados georrefe-
renciado de fotos. Linhas destacadas com cor laranja, em tonalidade mais clara, se referem aos fatores pré-selecionados para
conceitual da tabela do banco de dados georreferenciado de fotos. Linhas destacadas com cor laranja,
descrição das imagens no protótipo desenvolvido.
em tonalidade mais clara, se referem aos fatores pré-selecionados para descrição das imagens no
protótipo desenvolvido.
3.4 Seleção de uma amostragem de fotos fias que permitisse identificar os principais con-
3.4 Seleção de uma amostragem de fotos para a elaboração de um protótipo de BD
para a elaboração de um protótipo de BD ceitos e tipos de processos perigosos relacionados
A maior parte do acervo de documentos fotográficos ao tema do trabalho.
do NGEA/IG Depois
já está em de selecionadas,
formato digital, as
A maior parte do acervo de documentos fo-
organizada em pastas específicas relacionadas ao tipo fotos foram duplicadas
de atividade ou projeto edesenvolvido
codificadas,aopreservan-
longo
tográficos do NGEA/IG já está em formato digi-
dos anos (Figura 6), e contempla imagens retratando diferentes aspectos relativos ao gerenciamento oua al-
do as pastas (coleção) existentes, para evitar
tal, organizada
à ocorrênciaem pastas específicas
de desastres e situaçõesrelacionadas
de risco. teração do acervo original.
ao tipo de atividade
A seleção ou projetoque
da amostragem desenvolvido
foi utilizadaaona pesquisa foi feita foram
Inicialmente a partir de entrevistas
selecionadas fotoscom
de dois
longo especialistas da equipe6),doeNGEA/IG,
dos anos (Figura contempladeimagens
maneira a identificar uma quantidade razoável de fotografias
mapeamentos de áreas de risco realizados pelo IG
que permitisse
retratando identificar
diferentes aspectos os relativos
principais ao
conceitos
geren- e tipos de processosde
nos municípios perigosos
Campos relacionados
do Jordão ao (IG,tema
2014) e
do trabalho. Depois de selecionadas, as fotos foram duplicadas e codificadas,
ciamento ou à ocorrência de desastres e situações de Itaoca (IG, 2015). A escolha de duas áreaspreservando as pastas
tinha
(coleção) existentes, para evitar a alteração do acervo original.
de risco.
Inicialmente foram selecionadas fotos de dois mapeamentos de áreas de risco realizados pelo IG nosaná-
o intuito de identificar possíveis variações de
A seleção de
municípios da Campos
amostragem que(IG,
do Jordão foi 2014)
utilizada lise de
e de Itaoca fenômenos
(IG, 2015). A perigosos
escolha de em
duasregiões diferentes
áreas tinha o
na pesquisa foi feita a partir de entrevistas com do estado de São Paulo.
intuito de identificar possíveis variações de análise de fenômenos perigosos em regiões diferentes do
especialistas
estado dedaSãoequipe
Paulo. do NGEA/IG, de maneira Considerando-se o tempo do trabalho, a
a identificar uma quantidade
Considerando-se o tempo do razoável deafotogra-
trabalho, quantidadequantidade
de fotos, e de
o objetivo
fotos, e principal
o objetivo doprincipal
trabalho, dode tra-
indicar um procedimento geral para a formulação do banco de dados, optou-se por trabalhar apenas
30 com uma amostragem de 50 fotos do município de Itaoca, SP. Tal escolha levou em consideração o
Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
Figura 6. Exemplo da organização das imagens digitais do acervo do NGEA/IG, em pastas no ambiente Windows.
31
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 7. Localização do município de Itaoca (SP) e parte de fotografias utilizadas no trabalho, com algumas características as-
sociadas aos fenômenos de enxurradas e de escorregamentos, contempladas para a descrição e indexação no banco de dados.
32
Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
possuíam localização nas fichas de campo, de tal múltiplos significados interpretativos, a cataloga-
maneira que essas informações puderam ser inse- ção de documentos fotográficos deve contemplar,
ridas nos respectivos campos do banco de dados, também, etapa de descrição sistemática de seus
além de permitirem o georreferenciamento das conteúdos.
fotografias no sistema ArcGIS-ESRI. Para a descrição dos conteúdos das fotogra-
Já a formatação da tabela de descrição das fias no presente trabalho, utilizou-se como base o
imagens foi feita no próprio ambiente da platafor- trabalho de Smit (2011), com adaptações de Oli-
ma ArcGIS-ESRI e contemplou campos cadastrais veira (2013). Os procedimentos dos autores, uti-
e campos descritivos associados às palavras-chave lizados normalmente em trabalhos arquivísticos,
selecionadas para a caracterização das fotografias. contempla a descrição da imagem tanto do ponto
Além disso, foi possível se estabelecer dicionários de vista genérico como específico, considerando
de indexação de palavras-chave para cada campo quatro categorias, a saber: a) QUEM: o que apa-
de descrição. Tal fato é importante para evitar que rece na foto, seres vivos, monumentos, etc.; b)
possíveis responsáveis por indexação de fotogra- ONDE: espaço geográfico ou espaço da imagem
fias, utilizem termos diferentes, ou mesmo que (casa, rua, etc.); c) QUANDO: tempo cronológi-
ocorram erros de digitação, que inviabilizem as co ou momento da imagem (dia, noite, etc.); d)
consultas no banco de dados. COMO/O QUE: atitudes relacionadas ao objeto e
A partir da vinculação da fotografia georrefe- as indicações de enquadramento. Essas quatro ca-
renciada à tabela, foi possível realizar a descrição tegorias descritivas definem a questão sobre “de
das imagens no próprio ambiente de SIG. que” é a imagem. Além disso, se indica a possibi-
Ressalta-se que para a estruturação da tabela lidade de inserção de um campo com a descrição
de descrição no ambiente de SIG, foram definidas de síntese sobre qual é o significado geral da ima-
tabelas conceituais preliminares relacionadas aos gem em processo de indexação. Esse tipo de lei-
elementos cadastrais das imagens e a cada um tura da imagem foi contemplado e ajustado para
dos grupos de fatores de descrição relacionados balizar a identificação sistemática dos fatores que
a GRD. pudessem estar representados nas fotos.
Os aspectos cadastrais foram baseados em Na indexação e descrição das fotos, além das
princípios de catalogação de documentos foto- informações técnicas sobre as imagens fotográfi-
gráficos discutidos em Albuquerque (2006), e que cas, definiu-se também uma tabela modelo espe-
contemplam elementos e critérios voltados à or- cífica para a inserção de dados cadastrais e docu-
ganização e sistematização de documentos foto- mentais das imagens, de forma a se preservar as
gráficos nas áreas de biblioteconomia e arquivo- coleções de origem e informações sobre o contexto
logia. Além de destacar aspectos relacionados às e datas de aquisição das fotografias.
características físicas e documentais das fotogra- A Figura 8 mostra o modelo conceitual das
fias, a autora indica que, em função do conteúdo tabelas no banco de dados.
representado na imagem e da possibilidade de
33
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 8.
Figura 8 Modelo
- Modeloconceitual
conceitual estruturado
estruturado para a formatação
para da tabela
a formatação de catalogação,
da tabela indexação
de catalogação, e
indexação e
descrição das
descrição das imagens
imagensnonobanco de dados.
banco Campos
de dados. destacados
Campos na cor laranja
destacados na corem tonalidade
laranja mais clara mais
em tonalidade
foram
clara utilizados
foram como palavras-chaves
utilizados no trabalho.no trabalho.
como palavras-chaves
34
Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
acessar o relatório do projeto original, entre ou- a tabela vinculada às imagens e os aspectos con-
tras possibilidades. siderados na descrição e indexação de cada foto.
Esse módulo de consulta foi desenvolvido A Figura 11 mostra um detalhe da tabela de des-
em caráter preliminar para possibilitar testes vol- crição, onde se pode observar um dos dicionários
tados à identificação de potencialidades e refina- construídos para a classificação das imagens se-
mentos que possam ser incorporados na estrutu- gundo palavras-chave.
ração final do banco de dados de imagens, que irá Em relação ao ambiente de consulta, foi defi-
compor a plataforma e ambiente tecnológico de nido um mecanismo de identificação de palavras-
GRD do IG, em fase de desenvolvimento quando -chave relacionadas a cada conjunto de atributos
da realização do presente trabalho. usados para descrição das fotos. A partir da sele-
ção de uma determinada palavra-chave, é possí-
vel identificar quais imagens possuem aquela ca-
4 RESULTADOS racterística e sua localização espacial (Figura 12).
Além disso, ao se selecionar uma das ima-
A partir dos procedimentos descritos nos
gens resultantes da consulta, é possível se acessar
itens anteriores, foi obtido um banco de dados de
as demais características presentes na imagem, se
imagens fotográficas relacionados ao mapeamen-
existirem, bem como de se obter informações ca-
to de risco do município de Itaoca (SP). Esse ban-
dastrais da mesma, incluindo relatórios técnicos e
co de dados é constituído por um conjunto de 50
fichas de campo (Figura 13). A janela de consulta
fotografias as quais foram indexadas e descritas
permite ainda realizar uma breve visualização da
com base no catálogo de palavras-chave.
foto em miniatura, além de apresentar link para
Para facilitar a utilização do banco de dados
acesso ao arquivo digital original e com a resolu-
tanto na inclusão de informações como na consulta
ção apropriada, conforme pode ser visto também
das imagens, foi desenvolvido um aplicativo que
na Figura 12. Outras funcionalidades associadas
contempla dois módulos principais: um voltado
ao módulo de consulta estão disponíveis como,
à inclusão de informações; e outro relacionado às
por exemplo, a possibilidade de definir diferentes
consultas. Tal aplicativo constitui uma customiza-
tipos de mapa base para a visualização espacial
ção dos procedimentos baseados na própria plata-
dos pontos ou polígonos associados às imagens
forma do sistema escolhido (ArcGIS-ESRI).
(Figura 9), e a vinculação da consulta e localização
A Figura 9 apresenta uma visão geral do am-
das fotografias às áreas e setores de riscos obtidos
biente do banco de dados. A Figura 10 apresen-
durante o mapeamento do município de Itaoca
ta o ambiente de entrada de dados relacionados
(Figura 14).
com a descrição das fotografias, onde se pode ver
Figura 9. Aspecto geral do ambiente de banco de dados, que oferece a possibilidade de opção de diferentes mapas base (janela
no canto superior direito). Os pontos vermelhos indicam seleção de imagens relacionadas ao fenômeno de inundação.
35
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 10. Parte da tabela do banco de dados geográfico, utilizada para descrição das fotos e das áreas de risco. No círculo em
vermelho destaca-se um dos dicionários construídos para o preenchimento dos diferentes tipos de processo e demais caracte-
rísticas de indexação e descrição das imagens.
Figura 11. Detalhe de um dos dicionários de palavras-chave utilizado para a descrição das imagens e viabilização de consultas
no banco de dados.
36
Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
Figura 12. Exemplo de consulta no banco de dados a partir das palavras-chave. No polígono destacado em vermelho observa-
-se consulta relacionada a tipo de construção (alvenaria) e a feição de instabilidade (trinca em construção). Os círculos roxos
indicam a localização das imagens selecionadas a partir da consulta. A seta vermelha apresenta janela de visualização da
miniatura de uma das imagens e link para acesso a imagem em alta resolução.
Figura 13. Exemplo de consulta espacial resultando nas informações das descrições das fotografias no banco de imagens e
anexos (tabelas, ficha e foto) associados.
37
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 14. Opção de consulta associando registros fotográficos do banco de imagens com áreas e setores de riscos decorrentes
do mapeamento do município de Itaoca. O polígono vermelho indica caixa de diálogo para pesquisa de fotos associadas a
inundações. As setas vermelhas indicam setores com diferentes graus de riscos associados à consulta.
38
Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
sastres naturais do NGEA/IG, e que a pesquisa BRASIL. 2012. Procedimentos e critérios para a
realizada constitui um modelo inicial de desen- decretação de situação de emergência ou estado
volvimento desse banco, o qual, a partir de seu de calamidade pública pelos Municípios, Estados
aperfeiçoamento e complementação, será de gran- e pelo Distrito Federal, e para o reconhecimento
de importância para as atividades técnicas sobre o federal das situações de anormalidade decretadas
assunto. Será importante também para a realiza- pelos entes federativos e outras providências. Ins-
ção de atividades de divulgação e educação sobre trução Normativa N° 1, (Ministério da Integração
o tema junto à sociedade. Nacional), Brasília, Diário Oficial da União, 169,
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39
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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Bancos de dados de imagens para gerenciamento de riscos de desastres relacionados a fenômenos naturais
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41
MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
HIDROGEOLÓGICA E DA SUSCEPTIBILIDADE
DE DESENVOLVIMENTO DE PROCESSOS
INSTABILIZATÓRIOS EM DECORRÊNCIA DA
FORMAÇÃO DE RESERVATÓRIOS DE USINAS
HIDRELÉTRICAS
HYDROGEOLOGIC MONITORING AND ASSESSMENT OF INSTABILIZATORY PROCESSES
DUE TO THE FORMATION OF HYDROPOWER RESERVOIRS
RESUMO ABSTRACT
Quando o nível freático de aquíferos rasos se eleva em When the groundwater level of shallow aquifers
função da formação do reservatório de uma usina hi- increases by the formation of a hydroelectric plant
drelétrica, podem ocorrer processos instabilizatórios reservoir, it may occur instabilizatory processes related
relacionados a solos colapsáveis. Esse fato tem impac- to collapsible soils. This fact has impacted urban
tado áreas urbanas e rurais adjacentes a corpos d´água and rural areas adjacent to artificial water bodies, in
artificiais, em diferentes regiões do Brasil, como, por different regions of Brazil, such as Pereira Barreto,
exemplo, Pereira Barreto, SP, Terra Roxa, PR e Por- São Paulo State, Terra Roxa, Paraná State and Porto
to Nacional, TO. A patologia geotécnica em razão da Nacional, Tocantins State. Geotechnical pathology due
colapsividade dos solos e elevação artificial dos ní- to soil collapse and artificial elevation of groundwater
veis freáticos é um caso em que ferramentas estraté- levels is a case in which specific strategic tools and
gicas e metodologias específicas podem auxiliar com methodologies can assist with data, information and
dados, informações e análises nas etapas de projeto e analysis the stages of design and implementation of
implantação de usinas hidrelétricas, bem como nos re- hydroelectric plants, as well as in the environmental
latórios de impactos ambientais. Este trabalho propõe impact reports. This work proposes a cyclical system
um sistema cíclico para monitoramento e avaliação de for monitoring and evaluating hydroelectric generation
empreendimentos de geração hidrelétrica que reque- projects that require the formation of artificial
rem a formação de reservatórios artificiais. Dentre os reservoirs. Among the elements considered there
elementos considerados destacam-se: a definição de are: the definition of necessary information, adequate
informações necessárias, a coleta adequada de dados, data collection, data analysis and appropriate use of
a análise dos dados e a utilização apropriada da infor- information. More specifically for the monitoring of
mação. Mais especificamente para o monitoramento instabilizatory processes and hydrogeological aspects
de processos instabilizatórios e aspectos hidrogeoló- in marginal areas of hydroelectric reservoirs some
gicos em áreas marginais de reservatórios de hidrelé- variables are fundamental, including: the slope on
tricas algumas variáveis são fundamentais, incluindo: the edge of the reservoir, the types of materials that
a declividade na orla do reservatório, os tipos de ma- make up the aquifer and the rate of elevation of the
42
Monitoramento e avaliação hidrogeológica e da susceptibilidade de desenvolvimento de processos...
teriais que compõem o aquífero e a taxa de elevação groundwater level. The cyclic system of monitoring
do nível freático. O sistema cíclico de monitoramento and evaluation designed can be applied with return
e avaliação concebido pode ser aplicado com retorno in different phases, since the technicians involved
em diferentes fases, desde que os técnicos envolvidos consider the need to obtain new data, or return to data
considerem a necessidade da obtenção de novos da- analysis with changing strategies or methods. The
dos, ou retorno às análises dos dados com mudança ultimate objective of the proposed monitoring system
de estratégias ou métodos. O objetivo final do sistema is the management of territorial and groundwater
de monitoramento proposto é a gestão territorial e dos resources, aiming at mitigating impacts and planning
recursos hídricos subterrâneos, visando à mitigação de the occupation of marginal areas to reservoirs.
impactos e o ordenamento da ocupação das áreas mar-
ginais aos reservatórios. Keywords: Hydroelectric Power Plant, monitoring,
hydrogeology, geotechnical engineering.
Palavras-chave: Usina hidrelétrica, monitoramento, hi-
drogeologia, engenharia geotécnica.
43
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Em outros locais há clara relação de causa- das edificações existentes colapsam, causando
-efeito entre as patologias e a presença de solos o recalque das fundações e o desenvolvimento
colapsíveis. Com a elevação do nível freático há de trincas e rachaduras na porção superior das
saturação dos solos que submetidos à carga axial edificações.
(a) (b)
(c) (d)
Figura 1. a) e b): Patologias geotécnicas em residências em áreas afetadas pela UHE Peixe Angical/TO não vinculadas à sobre-
levação do NF (CDT/UnB, 2008a); c) e d): patologias em edificações em Pereira Barreto, SP causadas pela elevação do nível do
lençol freático (Vilar & Rodrigues, 2011).
Outras características dos solos e proprieda- Além das edificações (residências e prédios
des da zona não saturada dos aquíferos freáticos comerciais) estes problemas são também observa-
que podem influenciar no desenvolvimento de dos em sistemas de abastecimento de água, gale-
patologias, incluindo a elevação por capilarida- rias de esgotos, redes de eletrificação e telefonia,
de (principalmente em solos de textura argilosa a pavimentos de ruas e pátios de estacionamentos
muito argilosa), são a plasticidade (em solos ricos (Leite, 2005).
em argilominerais) e a estabilidade das estruturas Também pode haver impactos para a insta-
(principalmente granular e grumosa). lação futura de infraestruturas urbanas e rurais,
44
Monitoramento e avaliação hidrogeológica e da susceptibilidade de desenvolvimento de processos...
45
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 4. Cidade Pereira Barreto/SP antes e após represamento, 1 - cemitério; 2 - Matadouro municipal; 3 - Fazenda Dr. Au-
razil de Campos; 4 - Cidade; 5 - Rio Tietê; 6 - Ponte Novo Oriente (atualmente submersa); e 7 - Nível atual do nível d’água
(Bruno, 2019).
Para destacar a importância desse projeto em tudos das estruturas afetadas pela nova configu-
lidar com esses problemas, e proporcionar segu- ração do nível freático que por sua vez leva em
rança na elaboração do diagnóstico, cita-se o es- consideração: a interação entre os materiais que
tudo de Albuquerque (2002) para o caso do muni- compõem o aquífero; as elevações originais do ní-
cípio de Terra Roxa, PR. Neste caso os problemas vel freático; a elevação da lâmina d´água do rio e
geotécnicos observados em edificações e em equi- a declividade do terreno na orla do reservatório
pamentos urbanos foram anteriormente definidos (CDT/UnB, 2008a).
como causados por atividade sísmica induzida, A Figura 5 mostra a formação de uma zona
em consequência do enchimento do reservatório do lençol freático adjacente ao futuro reservatório
de Itaipu. Entretanto, a resposta, com bases nas desde o momento que antecede ao enchimento, a)
observações e medições de campo, mostrou que - t = 0, ainda na fase rio, com detalhe mostrando
os problemas eram de fato devidos à excessiva a descarga do lençol em direção ao rio; b) - (0 < t
umidificação a partir da infiltração das águas a < ∞), período de inversão do fluxo subterrâneo,
partir do reservatório e das chuvas (Albuquerque, a partir da margem do reservatório em direção à
2002). zona saturada do aquífero, com o surgimento de
Na realidade a umidificação do solo pro- uma zona de depressão (hollow) no encontro en-
porciona adensamento volumétrico reduzindo a tre os dois sistemas até o completo enchimento do
capacidade de suporte de carga e variação na es- reservatório; e c) - (t ~ ∞), quando um novo equi-
tabilidade geotécnica, acarretando problemas nas líbrio é estabelecido onde a descarga do aquífero
estruturas das edificações urbanas (Albuquerque, volta a ser em direção ao reservatório a partir de
2010). águas de recarga que abastecem a zona saturada
A análise do aumento da susceptibilidade do aquífero, com carga hidráulica maior que no
instabilizatória se baseia principalmente nos es- cenário original.
46
Monitoramento e avaliação hidrogeológica e da susceptibilidade de desenvolvimento de processos...
Figura 5. Fases da elevação do lençol freático devido à formação de um reservatório artificial. a) fase original do rio (apenas
com variações sazonais de nível d’água); b) fase de enchimento do reservatório; e c) fase de operação do reservatório, após
longo período de tempo depois da formação do reservatório.
Quando esta questão é analisada desde a fase venção ou mitigação do impacto, objeto da gestão
inicial de planejamento do sistema usina-reser- inicial. Essas ações integradas devem contribuir,
vatório, sendo incluída na etapa de coleta e aná- portanto, com a minimização de prejuízos econô-
lise de dados geológicos e geotécnicos, impactos micos e ações jurídicas, pagamentos de indeniza-
que a ascensão do nível d´água poderiam causar ções, além das inúmeras consequências negativas
serão conhecidos com antecedência e ações con- para a comunidade afetada.
cretas poderão ser desenvolvidas no sentido de
mitigá-los.
Entende-se por inventário os estudos diver-
3 CONSTITUIÇÃO DA INFORMAÇÃO:
sos (relatórios, artigos técnicos, dissertações teses MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DO
etc.) que contemplam, parcial ou integralmente, a LENÇOL FREÁTICO
bacia hidrográfica, destacando-se os relativos aos
Uma estratégia metodológica é fundamental
seguintes temas e áreas do conhecimento: recur-
para orientar todas as atividades de um projeto de
sos minerais, sismicidade, fauna, cobertura vege-
monitoramento e avaliação hidrogeológica que é a
tal, geologia, geotecnia, geomorfologia, pedologia,
chave para obtenção de uma base de dados devi-
hidroclimatologia, hidrometeorologia, limnologia
damente contextualizada com os estudos ambien-
e ictiologia (CEPEL, 2007). Alguns estados brasi-
tais das águas superficiais e subterrâneas, con-
leiros exigem de forma prévia ao inventário o Es-
tribuindo com as etapas de implantação de uma
tudo Integrado de Bacia Hidrográfica - EIBH, de
usina hidrelétrica.
modo que seja possível avaliar a cumulatividade e
A Figura 6 apresenta uma proposta de Ciclo
sinergia entre diferentes impactos.
de Monitoramento e Avaliação Hidrogeológica,
Dessa maneira as áreas com susceptibilidade
que compõe uma ferramenta que vem ao encontro
de desenvolvimento de processos instabilizatórios
de solucionar eficazmente o problema específico
e patologias geotécnicas devem ser caracterizadas
geotécnico apresentado neste trabalho. A propos-
e identificadas desde o início do desenvolvimen-
ta abrange aspectos necessários para o monitora-
to dos estudos. Os dados preliminares deverão
mento com a vantagem de poder ser integrado a
ser integrados com as diversas ações mitigadoras
outras atividades do empreendimento, resultando
colaborando para aperfeiçoar os recursos dispo-
em benefícios mútuos dos estudos desde o plane-
níveis com maior probabilidade de atingir a pre-
jamento, até a instalação e operação da usina.
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Monitoramento e avaliação hidrogeológica e da susceptibilidade de desenvolvimento de processos...
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Monitoramento e avaliação hidrogeológica e da susceptibilidade de desenvolvimento de processos...
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
para se verificar o quanto os objetivos foram con- Para o caso de instalação de UHEs com re-
templados. Além dos usuários mais diretos das servatórios com dimensões significativas os pro-
informações, devem-se avaliar as possibilidades gramas de monitoramento e avaliação devem ser
de outros segmentos desfrutarem desse projeto, permanentes com campanhas realizadas antes,
como, por exemplo, técnicos de prefeituras muni- durante e após o enchimento do lago artificial. Os
cipais ou para pesquisas acadêmicas. objetivos devem ser definidos inicialmente, antes
Cruz et al. (apud Albuquerque, 2002) realiza- do início das obras, já nas fases de projetos execu-
ram estudos cujos resultados do modelo eram afe- tivos e estudos ambientais prévios.
ridos com os efeitos constatados aprimorando-se A aplicação do projeto de monitoramento e
a prevenção e mitigação dos efeitos da instalação avaliação no formato cíclico, como proposto por
do reservatório sobre as edificações de áreas ur- este trabalho apresenta a vantagem de permitir
banas. Essa aferição, independente do uso de fer- a reavaliação de cada componente em qualquer
ramentas previsionais, é oportuno para se decidir momento em que se considere necessário. Novas
em quais componentes do ciclo deve-se incluir etapas de coletas de dados ou mudanças de perio-
ações de complementaridade das atividades. dicidade das medições podem ser propostas. Da
mesma forma, pode-se mudar a estratégia para a
análise dos dados incluindo, por exemplo, avalia-
5 CONCLUSÕES ções estatísticas do conjunto de dados amostrais.
O fortalecimento das ações preventivas deve
O tipo de ação de monitoramento e avaliação
ser prioridade e o importante dessa estratégia me-
proposto neste trabalho deve ser aplicado para o
todológica é a racionalidade no uso de soluções
uso futuro e ocupação das terras no entorno dos
para se alcançar as soluções mitigadoras.
reservatórios formados para usinas hidrelétricas.
Evidentemente a composição de equipes ex-
Sugere-se integrar os trabalhos de interesse geo-
perientes com amplo conhecimento em geologia,
técnico direto com outros estudos de cunho hidro-
geotecnia, pedologia, estruturas civis entre ou-
geológico, com execução de retroanálises dos efei-
tras devem ser formadas. As equipes devem ter a
tos do enchimento e quando necessário estender o
máxima independência possível, de forma a não
período de monitoramento. Os estudos hidrogeo-
ceder às pressões que apresentam três origens
lógicos e geotécnicos não são propriamente mu-
principais: políticas (interesses do poder público),
tuamente excludentes, e no caso de monitoramen-
econômicas (interesses dos empreendedores) e
to em hidrelétricas são inseridos em uma única
sociais (interesses da população envolvida).
ciência que pode ser denominada hidrogeotecnia.
Para se maximizar as vantagens da aplicação
Este trabalho propõe uma inversão da ló-
do sistema cíclico de monitoramento e avaliação
gica atualmente aplicada em muitos projetos de
deve-se definir uma rede amostral adequada,
UHEs, com relação aos solos colapsíveis, em que
com a proposição de escalas de estudos que se-
as medidas preventivas são desconsideradas ou
jam compatíveis com os problemas geotécnicos
consideradas de forma insuficiente para poste-
e hidrogeológicos. A escala deve ser pensada em
riormente se investir em medidas corretivas, em
termos espaciais (em geral 1:25.000 ou maiores) e
geral muito mais onerosas. Neste sentido, os pro-
em termos temporais (em geral com observações
jetos de monitoramento e avaliação devem ter
mensais). Para o caso das avaliações geotécnicas,
como objetivo antever os impactos geotécnicos e
deve se considerar, no mínimo, uma amostra e a
hidrogeológicos.
descrição de um perfil para cada de solo ou de
As soluções dos problemas geotécnicos e
material geotécnico mapeado.
hidrogeológicos podem ser potencializadas com
Embora sejam importantes as análises de da-
a aplicação adequada de uma metodologia es-
dos existentes (publicados ou não), os trabalhos
tratégica que siga regras desde as etapas iniciais
de campo para coleta de dados são imprescindí-
de implantação de uma UHE. A aplicação desta
veis. Sem as visitas periódicas às áreas de estu-
estratégia pode resultar na minimização do de-
do não é possível alcançar nenhum dos objetivos
senvolvimento de danos permanentes, conforme
casos mencionados neste trabalho.
52
Monitoramento e avaliação hidrogeológica e da susceptibilidade de desenvolvimento de processos...
53
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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cretariat, members of the Core Group on Ground-
54
CONGLOMERADO FERRUGINOSO LATERÍTICO
(LATERITA) DA ILHA DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO:
UMA DISCUSSÃO DO POTENCIAL PARA USO EM
CONCRETO DE CIMENTO PORTLAND
LATERITICAL FERRUGINOUS CONGLOMERATE (LATERITA) FROM THE ISLAND
OF SÃO LUÍS DO MARANHÃO: A DISCUSSION OF THE POTENTIAL FOR USE
IN CONCRETE OF PORTLAND CEMENT
RESUMO ABSTRACT
O estudo versa sobre as características de um deter- The study deals with the characteristics of a particular
minado tipo de laterita, denominado conglomerado type of laterite, called lateritic ferruginous conglome-
ferruginoso laterítico (agregado pétreo), do ponto de rate (stone aggregate), from a chemical, physical, me-
vista químico, físico, mecânico e geológico. Nesse es- chanical and geological point of view. In this study,
tudo foram executados, ao final, ensaios em corpos de in the end, tests were carried out on test specimens in
prova em concreto de cimento Portland aproveitando Portland cement concrete taking advantage of the best
a laterita de melhor qualidade existente em São Luís quality laterite in São Luís in the state of Maranhão, in
no estado do Maranhão, com objetivo de se obter a order to obtain the maximum strength achieved using
resistência máxima atingida usando esse tipo de agre- this aggregate. The lateritic ferruginous conglomerate
gado. Justifica-se como sendo de melhor qualidade, o is justified as being of better quality due to the fact that
conglomerado ferruginoso laterítico pelo fato dessa this rock presents a more perfect granulometric curve
rocha apresentar quando britada uma curva granu- when crushed, when compared to the theoretical “Fül-
lométrica mais perfeita, quando comparada a curva ler” curve. The study emphasized the characteristics
teórica de “Füller”. Ao estudo foi dado ênfase em pri- of the material in the foreground, based on the engi-
meiro plano as características do material, com base na neering geology, which made it stand out from other
geologia de engenharia, que o fez destacar de outros studies, due to the fact that lateritic rock (aggregate)
estudos, pelo fato de ter sido utilizado a rocha laterí- was used, as it left the crusher with regulated jaws
tica (agregado), tal como saiu do britador com man- with openings of 50.8 mm, or 2 ”, 38.1 mm, or 1½” and
díbulas reguladas com aberturas de 50,8 mm, ou 2”, still 25.4 mm or 1 ”, providing in this crushing, both
38,1 mm, ou 1½” e ainda 25,4 mm ou 1”, fornecendo coarse and fine aggregates, when crushed, as can be
nesta britagem, tanto os agregados graúdos como os verified the granulometric curves presented in figure
agregados finos, quando britado, conforme pode ser 10. The lateritic ferruginous conglomerate (aggregate)
verificado nas curvas granulométricas apresentadas na after crushing revealed the strong influence of the de-
figura 10. O conglomerado ferruginoso laterítico (agre- gree of change of the rock on the behavior of the post-
gado), depois de britado, revelou a forte influência do -crushing granulometry, which allowed to correct the
grau de alteração da rocha no comportamento da gra- granulometric curve with granulometric fractions of
nulometria após britagem, o que permitiu corrigir a the same rock, to obtain maximum resistance to sim-
curva granulométrica com frações granulométricas da ple axial compression tested on the concrete specimen
mesma rocha, para obtenção de resistência máxima à due to a better geometric arrangement of particles and
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
compressão axial simples, testada no corpo de prova consequent lower voids in the concrete specimen, rea-
do concreto, devido a uma melhor arranjo geométrico ching values of resistance to rupture between 31.1 to
das partículas e consequente menor índice de vazios 34.2 MPa, with two trace variables 1:4, 1:6 and (a/c)
no corpo de prova do concreto, atingindo valores de water-cement factor 0.45 - 0.50 respectively. This rock
resistência a ruptura entre 31,1 a 34,2 MPa, com duas / aggregate reached individual resistance to rupture
variáveis de traço 1:4 - 1:6 e a fator (a/c) água cimento between 29.1 to 42.3 MPa revealing the great heteroge-
0,45 - 0,50 respectivamente. Essa rocha/agregado atin- neity of the rock.The chemical composition of the rock
giu resistência individual a ruptura entre 29,1 a 42,3 performed through the wet way e fluorescence are
MPa revelando a grande heterogeneidade da rocha. A coherent, presenting %SiO2 values ranging from 8,0 to
composição química da rocha realizada através da via 8,8 % and Fe2O3 ranging from 75,6% to 76,5%, tables 1
úmida e fluorescência são coerentes apresentando va- and 2.
lores de SiO2 variando de 8,0 a 8,8 e Fe2O3 variando de
75,6 a 75,6%, tabelas 1 e 2. Keywords: Sedimentary rock cemented by Ferruginous
oxides used as an aggregate in Portland cement concre-
Palavras-chave: Rocha sedimentar cimentada por óxi- te; Laterite in civil construction; Lateritic concrete.
dos ferruginosos usada como agregado em concreto de
cimento Portland; Laterita na construção civil; Concre-
to laterítico.
56
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
dos ainda mais satisfatórios, exatamente como conglomerado ferruginoso laterítico. (7) Obter e
foi conseguido neste trabalho/estudo. O estado analisar a utilização do conglomerado ferrugino-
de alteração da rocha conglomerática ferruginosa so laterítico (agregados pétreos) em concreto de
laterítica exerce papel fundamental na resistência cimento Portland tal como saíram do britador,
desse concreto laterítico, pois o estado de altera- isto é, com todas as frações granulométricas, agre-
ção dessa rocha é o fator regulador no forneci- gados finos e graúdos, sem retirar ou acrescentar
mento dos agregados finos e graúdos durante a outros materiais, contudo nesse estudo não se faz
britagem, pois deles é que dependem o arranjo considerações sobre propriedades do concreto
estrutural da massa de concreto. fabricado, ficando essas considerações para futu-
ras pesquisas atreladas às iniciativas estimuladas
com respeito ao estudo mais específico desse tipo
2 OBJETIVOS DOS ESTUDOS de concreto. O estudo limitou se a obtenção da
resistência máxima dos corpos de prova quando
Investigar um tipo de rocha sedimentar late-
submetidos aos ensaios de compressão axial sim-
rizada, definido como conglomerado ferrugino-
ples com resultados expressos em MPa, conforme
so laterítico localizado na jazida 19 do Maracujá,
tabela 7. (8) Obter e analisar a resistência à com-
conforme Figura 2, na ilha de São Luís no estado
pressão axial simples. final dos corpos de prova
do Maranhão, como agregado pétreo para uso em
do concreto quando moldados somente com o
concreto de cimento Portland e objetivando obter
conglomerado ferruginoso laterítico com traços e
a resistência máxima, uma vez que os agregados
fator água-cimento diferentes.
fundamentalmente desempenham um importan-
te significado na mistura com argamassas, quer
do ponto de vista econômico como do ponto de 3 CONHECIMENTO DO PROBLEMA
vista técnico, pois ocupam, no mínimo, cerca de ¾
do volume do concreto, influenciando considera- Num contexto geral podemos afirmar que
velmente nas propriedades, quer do concreto fres- novos paradigmas sociais mundiais têm feito
co como do concreto endurecido, conforme PE- com que os governos busquem em suas políticas
TRUCCi (1987). Foram programados os seguintes de infraestrutura dar prioridade à questão dos
estudos: (1) Identificação dos pontos/jazidas/la- materiais pétreos para uso de sua população e,
vras, conforme legenda num mapa geológico das consequentemente, fazendo um chamamento à
formações superficiais da ilha de São Luís -MA na necessidade de se conhecer novos materiais com
escala 1:250.000, conforme figura 2. (2) Analisar a respaldo em conhecimentos técnicos e científicos e
área dos estudos com base no processamento de que possam participar da cadeia produtiva. Nesse
imagens digitais do sensor LANDSAT 5-TM, por aspecto, o presente estudo disponibiliza suporte
meio dos aplicativos ENVI 5.0 e Arc Gis 9.3. (3) técnico e científico para fundamentar uma contri-
Detalhar ao microscópio de luz polarizada e luz buição científica aplicada ao caso. Mundialmen-
refletida o tipo rochoso denominado conglome- te se tem conhecimento de que os governos bus-
rado ferruginoso laterítico. (4) Produzir imagens quem também em suas políticas habitacionais dar
investigativas ao (MEV) microscópio eletrônico prioridade à questão da construção de habitação
de varredura. (5) Obter o comportamento granu- para sua população. Somados aos fatos políticos
lométrico do conglomerado ferruginoso lateríti- sociais e a cadeia produtiva existe a necessidade
co quando submetidos a britagem e rebritagem de encarar a realidade de campo da área de tra-
mecânica, regulada para dar diâmetros concor- balho/estudo. Assim sendo o conhecimento dos
dante com abertura de 50,8 mm, ou 2”, 38,1mm, parâmetros técnicos e características do conglo-
ou 1½” e ainda 25,4 mm ou 1”, fornecendo nesta merado ferruginoso laterítico (agregado pétreo)
britagem, tanto os agregados graúdos como os da ilha de São Luís do Maranhão foi deflagrado,
agregados finos, comparando as frações graúdas uma vez que as rochas existentes (laterita) neste
e finas relacionadas à curva de Füller. (6) Obter local vem sendo aproveitadas de forma empírica
e analisar geológica, química, física, mecânica o e inadequada, o que justifica o presente estudo,
57
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
com base numa análise geológica, física, química Em São Luís, no estado do Maranhão, onde
e mecânica OLIVEIRA (2019) foi desenvolvido o trabalho/estudo, ocorrem cin-
A laterita foi descrita por inúmeros geólogos, co tipos de laterita, segundo OLIVEIRA (2008).
sempre sob aspectos petrográficos, tanto na Ín- Sobre um desses tipos de laterita, o conglomerado
dia como na África, Austrália e América do Sul. ferruginoso laterítico é que se discorre o presente
Vários conceitos distintos foram desenvolvidos trabalho/estudo.
por pesquisadores, em todo o mundo sobre esse
material, focando-o sob o ponto de vista geoló-
gico, geotécnico, hidrogeológico, mineralógico,
4 METODOLOGIA
geoquímico, pedológico e econômico. Não resta
É apresentado abaixo um fluxograma/orga-
dúvida de que a complexidade dos problemas en-
nograma metodológico geral dos estudos de cam-
contrados no estudo das lateritas tem desafiado a
po e laboratório conforme Fig.1.
argúcia daqueles que militam nesses campos da
ciência.
.9..Difração de raio-X
58
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
59
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 2. Mapa geológico das formações superficiais da ilha de São Luís -MA e mapa de localização das áreas dos pontos/
jazidas/lavras na escala 1:250.000.
Fonte: CPRM – Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (2012).
60
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
Figura 3. Composição colorida 7R4G3B realçada, com indicação dos pontos/jazidas/lavras onde ocorrem as lateritas ferrugi-
nosas (triângulos vermelhos).
6.3 Aspectos das análises geológicas presença de extinção reta e ondulante, sendo rara
a presença de feldspato potássico. O arredonda-
Incluí a petrografia macroscópica e a micros- mento é subangular e subarredondado e de alta
cópica com luz polarizada, a microscopia eletrô- esfericidade. O cimento tem composição hematí-
nica de varredura (MEV) e a microscopia com luz tica e limonítica e coloração variável, notadamen-
refletida, conforme se depreende das figuras 4 a 9. te preto acinzentado, marrom escuro até marrom
Essas análises permitem verificar o detalhe claro em função da hidratação e oxidação do ho-
do arranjo dos componentes quartzosos e suas rizonte laterizado. A determinação ou identifica-
interações com o cimento da rocha. A textura des- ção da hematita e gohetita (limonita) foi feita por
se tipo de material petrográfico é constituída de identificação na microscopia com luz refletida,
grãos e grânulos como valor modal e extremos va- conforme se pode verificar na figura 8. A análise
riando de muito grossa a seixos pequenos conten- de lâminas petrográficas a luz polarizada foram
do muito cascalho e a areia totalizando menos de efetuadas segundo a ABNT-NBR-7389.
5%. Possui na matriz quartzo policristalino com
61
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 4. Detalhe da estrutura do conglomerado ferruginoso laterítico da jazida 19 do Maracujá, tendo uma régua branca
como escala e assim dando ideia da proporcionalidade entre a matriz quartzosa, o arcabouço e o cimento ferruginoso. Rocha
sedimentar do tipo conglomerado ferruginoso laterítico, cujo arcabouço é constituído por uma fração clástica principal de
grãos de quartzo cristalino e leitoso, sendo angulosos, com diâmetros variáveis de 0,6mm a 0,07mm, em cuja foto se verifica
o arranjo da distribuição espacial dos grãos com contatos pontuais. A matriz da rocha é perfeitamente visível nas figuras pos-
teriores e que se traduz por um material constituído de finas partículas de quartzo aglutinadas por um cimento ferruginoso,
que em conjunto sustentam o arcabouço estrutural da rocha. O cimento da rocha é constituído de óxidos minerais (hematita,
gohetita) sendo responsável pela resistência físico mecânica da rocha, o que a torna aproveitável na produção de agregado
para utilização no concreto de cimento Portland. A rocha conglomerática, assim como o cimento estão submetidos a uma
degradação de resistência em face ao intemperismo diferencial.
Figura 5. Fotomicrografia ao microscópio de luz polarizada com polarizadores cruzados em que realça a estrutura dos grãos
de quartzo do conglomerado ferruginoso laterítico, constituído de grãos de quartzo policristalino e quartzo com extinção
ondulante com frações de grânulos como valor modal, extremos muito grossos e seixos pequenos e contendo muito cascalho,
enquanto a areia representa menos que 5%. A matriz rochosa é subangular e subarredondada, alta esfericidade com cimento
marrom claro a marrom escuro tipo hematita e limonita, sendo rara a presença de feldspato potássico e fragmentos de granito.
O cimento ocorre em alguns pontos, como goethita botrioidal evoluindo em alguns pontos para cristalização da hematita.
Observar, também, que os grãos de quartzo maiores estão microfraturados, o que revela a susceptibilidade do grão a ser redu-
zido a uma granulometria inferior, quando submetidas às forças da mandíbula do britador e revelando, consequentemente, a
facilidade na redução da granulometria.
62
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
Figura 6. Fotomicrografia referente ao conglomerado ferruginoso laterítico com aspectos microscópicos obtidos em luz com
polarizadores paralelos evidenciando a interação entre os óxidos ferruginosos cimentícios com a matriz quartzosa. Observar
que o cimento ferruginoso engloba partículas muito finas de frações quartzosas. Detalhe da estrela vermelha na Figura 7.
Figura 7. Fotomicrografia com luz polarizada mostrando detalhe do conglomerado ferruginoso laterítico anteriormente apre-
sentado. Aqui fica evidente que o cimento engloba partículas muito finas de frações quartzosas e assim estabelecendo uma
maior área de contato entre diferentes materiais, no caso, cimento e grãos da matriz.
Figura 8. Fotomicrografia com luz refletida do conglomerado ferruginoso laterítico denotando gohetita representada pela cor
amarela, a hematita representada pela cor marrom e o quartzo representado pela cor branca.
63
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 9. Eletromicrografia MEV (microscopia eletrônica de varredura) evidenciando em plano mais marcante os grãos de
quartzo maiores envolvidos por uma fração/película de óxido ferruginoso. Entre um grão e outro, pode ser observado o ci-
mento ferruginoso, no qual ocorrem disseminados finíssimos grãos de quartzo. Foram identificados os constituintes da rocha
com base na energia de dispersão através de um detector de raio X (EDS).
64
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
Sendo:
Figura 10. Gráfico representando a difração aos raios-X,
usando-se radiações FeK – 1996.
Kr = %SiO2/60
%Al2O3/102 + %Fe2O3/160
DNER-ME-30-74.
Na análise mineralógica apenas da fração
Tabela 3. Resultado da análise de determinação da relação fina, cuja separação foi feita por sedimentação em
sílica sesquióxido. meio aquoso, após duas horas de repouso da sus-
pensão, não tendo sido identificados minerais do
Tipo litológico Conglomerado ferruginoso
Elementos laterítico
grupo da kaolinita no conglomerado ferruginoso
%Al2O3 2,0 laterítico.
%Fe2O3 46,0
%SiO2 2,5
Ki 2,15
Kr 0,13
65
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
e) Reatividade potencial – álcali do cimento Tabela 5. Representação da reatividade química aos álcalis
do cimento.
e sílica dos agregados graúdos e finos
Conglomerado ferruginoso laterítico
Aspecto que merece destaque são os consti-
tuintes mineralógicos principais. No caso, o quart- Redução da Alcalinidade
205
(milimoles de Na OH/ℓ)
zo apresenta-se em forma de grãos originados de
quartzo cristalino totalizando um teor de 8,8%. O Sílica Dissolvida
14
(milimoles de SiO2/ℓ)
cimento ferruginoso, um óxido de ferro, totaliza,
Natureza Tecnológica Inócuo
por sua vez, um teor de 75,6%. Ambos conjuntos
mineralógicos não se apresentam como reativos
aos álcalis do cimento, sendo portanto, inócuos,
permitindo o uso desse agregado sem qualquer f) Ciclagem/sanidade
restrição, conforme Tabela 5, onde é apresentado
Os resultados abaixo apresentados na Tabe-
o resultado do ensaio químico.
la 6 demonstra que o conglomerado ferruginoso
Outro destaque, pelo menos no que diz res-
oferece uma suscetibilidade à penetração da solu-
peito à amostra analisada é o fato desse agregado
ção química (sulfatos), nas frações, onde impera a
não apresentar qualquer variedade criptocrista-
porosidade. Portanto, ao facilitar a penetração do
lina de quartzo, opala, calcedônia, cristobalita,
sulfato de sódio devido a uma força de expansão,
tridimita e quartzo microcristalino, o que seria
consequentemente a amostra sofre uma partição
uma inconveniência, face à reatividade poten-
e desta forma reduzindo a granulometria, com
cial que esses minerais apresentam aos álcalis
base na norma DNER-DPT-M-89-64. Em estudos
do cimento. Ensaio realizado segundo a norma
anteriores foi registrado 34,35 a 36,86% de perda
ABNT–NBR–15577.
média em outro tipo de laterita, denominada con-
creção ferruginosa laterítica e popularmente co-
nhecida como pedra jacaré OLIVEIRA (2008).
Peneira Retida Peso Inicial (g) Peso Final (g) Perda Perda Média
66
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
Figura 11. Curvas granulométricas dos tipos petrográficos britados com abertura da mandíbula regulada com 1” - 1½” – 2”.
6.6 Análises físicas e mecânicas Quadro 1. Resumo dos ensaios tecnológicos do agregado
(conglomerado ferruginoso laterítico).
Os resultados das análises de caracterizações
Conglomerado
físicas e mecânica foram resumidos e estão con- Tipo litológico ferruginoso
Método
figuradas no Quadro 1, salientando que o com- Tipo de ensaios
Valores médios
portamento físico e mecânico está condicionado Massa específica seca 2,57 IPT-M-47
a alteração da rocha com distribuição espacial aparente g/cm3
anômala, devido ao intemperismo diferencial e Massa específica 2,67 IPT-M-47
saturada aparente
também condicionado a espessura do cimento fer- g/cm3
ruginoso da rocha. A hidratação e consequente al- Porosidade aparente % 9,4 IPT-M-47
teração do cimento ferruginoso exerce fundamen- Absorção d’água em % 3,6 IPT-M-47
tal importância na resistência físico e mecânica do Tenacidade 64 IPT-M-52
conglomerado ferruginoso laterítico, em cuja Fi- (impacto Treton) %
gura 8 pode ser visualizada, numa zona restrita e Ensaio de 49 IPT-M-53
esmagamento %
amarelada, um mineral de ferro hidratado, deno-
Abrasão Los Angeles % 80 ABNT-MB-170
minado goethita. O resultado do ensaio de abra-
Compressão axial 29,1 a 42,3 IPT-M-50
são “los Angeles” revela uma perda de 80%, bas- simples-tensão de
tante acima das normas preconizadas, contudo a ruptura Mpa kgf/cm2
produção de agregados finos, médios e graúdos Forma dos fragmentos Cúbico IPT-M-49
durante a britagem compensa essa perda, porque Sanidade: peneiras (1”, 2,53 e 7,46 DNER-DPT-M- 89-64
3/4” e 1/2”, 3,8”)
são os arranjos desses grãos nos corpos de prova
que irão comandar a resistência do concreto cons-
tituído pelo conglomerado ferruginoso laterítico. Os resultados dos ensaios realizados nos
Os ensaios de abrasão “los Angeles”, tenacidade corpos de prova do concreto estão configurados
e esmagamento revelam perda excessiva, em face na Tabela 7, onde foi dado destaque a resistência
ao grau de alteração diferencial da rocha conglo- final alcançada aos 28 dias de idade de cura do
merática, contudo não se descarta a utilização concreto moldados em corpos prova de 10x30 cm
desse conglomerado ferruginoso, uma vez que é a e 5x10 cm, tendo sido efetuado correções no volu-
composição granulométrica irá comandar a resis- me do agregado obtido após a britagem, momen-
tência do concreto. to esse em foi adicionando 50% em peso relativo
67
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Tabela 7. Valores de resistência à compressão simples em MPa, idade de cura em dias, abatimentos (slump test) em cm e con-
sumo de cimento kg/m3 - ABNT-MB-3-37.
Resistência compressão
Simples MPa Consumo
Slump test
Tipo litológico Traço Fator a/c Idade (Dias) de cimento
(cm)
kg/m3
3 7 28
Conglomerado Ferruginoso Laterítico
britado com 2” sem adição de material
1:6 0,59 10,5 16,6 18,3 4,5 365,1
passante na
peneira 4,8 mm
Conglomerado
Ferruginoso Laterítico
Conglomerado
Ferruginoso
Laterítico 1:4 0,45 14,1 19,2 31,7 3,5 427,3
britado com 11/2”,
tal como saiu do britador
britado com 2” e rebritado com 1” e
adicionando 50% de material passante
na peneira 4,8mm
1:4 0,45 20,3 22,6 33,9 5,0 478,4
0,50 18,6 23,6 31,1 5,5 467,2
1:6 0,45 18,2 29,6 34,2 1,0 362,3
0,50 14,1 19,2 21,8 3,5 355,8
68
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
Neste contexto, os valores de resistência à do Maranhão, usado neste estudo, como agre-
compressão simples obtidos pelo conglomerado gado pétreo em concreto de cimento Portland é
ferruginoso no ensaio de compressão axial atingi- basicamente uma rocha sedimentar composta de
ram valor máximo de 42,3 e valor mínimo de 29,1. grãos de quartzo (de areias finas, médias, grossas
Assim sendo, o conglomerado ferruginoso laterí- e pedregulhos), com todo o seu conjunto granu-
tico foi considerado uma rocha moderadamente lométrico praticamente cimentado por óxidos fer-
resistente a resistente. ruginoso O conglomerado ferruginoso laterítico
O desafio foi descobrir como fazer desta rocha foi submetido ao intemperismo físico-químico di-
um material adequado e suficiente para uso em ferencial, com distribuição errática, concentrando
concreto de cimento Portland e que somente após em sua estrutura sedimentar cimentada, núcleos
a realização de muitos ensaios de granulometria com diferentes graus de alteração, cuja variação
fazendo se a comparação das curvas granulomé- é de difícil controle, em face à anisotropia da dita
tricas após britagem com a curva granulométri- rocha. Esse conglomerado sedimentar é conside-
ca teórica de “Füller” e constatando quais frações rado moderadamente resistente, segundo a Socie-
granulométricas poderiam ser acrescentadas ao dade Internacional de Mecânica das Rochas, com
conjunto do conglomerado ferruginoso laterítico valores maiores que 25 MPa até 50 MPa. No pre-
obtido quando britado. O grau de alteração dife- sente estudo esse conglomerado/rocha atingiu
rencial da rocha foi o aspecto que praticamente di- valores entre 29,1 a 42,3 MPa. O conglomerado
tou a liberação dos grãos de quartzo cimentados apresentou características tecnológicas satisfató-
que se desgarram após serem acionados pelo bri- rias com base nos resultados obtidos através dos
tador. A adição de outras frações granulométricas ensaios tecnológicos de laboratório, principal-
complementares ao conglomerado ferruginoso mente quando se tem em mente que o uso da la-
britado faz diminuir significativamente o índice terita tem sido uma alternativa de aplicação em
de vazios do conjunto britado, tornando a massa regiões destituídas de material pétreo cristalino,
geral do conglomerado mais resistente e com me- como é caso da região norte e nordeste do Brasil.
nor consumo de cimento Assim sendo quando se verifica que ao com-
O contraste de resistência entre uma rocha parar os ensaios de granulometrias realizados nos
sedimentar branda e uma rocha ígnea cristalina é conglomerados ferruginosos lateríticos da jazida
grande, uma vez que no caso da rocha cristalina 19 do Maracujá, observa se que essa rocha sedi-
de Rosário, utilizada na região possui resistência à mentar, quando submetido inicialmente a uma
compressão axial simples de 116,5 MPa, enquanto britagem primária com mandíbula regulada em
o conglomerado ferruginoso laterítico possui uma 2” e posteriormente submetido ao britador secun-
resistência variando de 29,1 a 42,3 MPa, Mesmo dário com abertura da mandíbula regulada em 1”
existindo grande diferença entre os agregados, oferece um agregado de melhor qualidade, em
um cristalino e o outro sedimentar, as resistên- contraste com esse mesmo conglomerado, quan-
cias de seus respectivos concretos com cimento do apenas submetido ao britador primário, com
Portland são semelhantes, ou seja, as areias finas, mandíbulas reguladas apenas em 2”, porque a re-
as médias, as grossas e os pedregulhos ficaram britagem elimina frações alteradas remanescen-
convenientemente arranjados nos corpos de pro- tes contidas no agregado britado com diâmetros
va e assim controlaram a resistência do concreto. maiores.
Quanto aos teores de SiO2 apresentou variação de O conglomerado ferruginoso laterítico, tanto
teores entre 8,0 a 8,8%, enquanto o Fe2O3 apresen- o alterado quanto o menos alterado, se esfacelam
tou variação de teores entre 75,6 % a 76,5 %. pelas forças de compressão das mandíbulas de bri-
tagem fazendo destruir a sua matriz. Nesse senti-
do, os componentes da massa rochosa desgarram
8 CONCLUSÕES se ou desagregam se e transformam se em areias
finas, médias, grossas, pedregulhos e finos (silte),
O conglomerado ferruginoso laterítico (la-
vindo a apresentar uma curva granulométrica re-
terita/agregado laterítico) de São Luís no estado
sultante do processo de britagem/rebritagem, o
69
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
que oferece margem a comparar essa granulome- tência no concreto e assim facilitando o rompi-
tria resultante com a curva granulométrica teóri- mento do corpo de prova preferencialmente pela
ca de “Füller” e sinalizando para necessidade de agregado alterado, o que está contra a boa prática
correção da curva granulométrica para se atingir de Engenharia.
melhores arranjos dentro da massa de concreto e A tarefa mais difícil no que concerne ao uso
consequente maior resistência dos corpos de pro- da laterita da ilha de São Luís no estado do Ma-
va do concreto de cimento Portland. ranhão para concreto é a distinção entre o grau
Dessa forma, a comparação granulométrica de alteração dos tipos rochosos lateríticos em uma
obtida permite visualizar todo e qualquer possí- mesma jazida, cuja característica real de alteração
vel ajuste da curva granulométrica gerada pela é somente conhecida após britagem e após res-
britagem do conglomerado ferruginoso laterítico pectivo conhecimento da curva granulométrica
à curva granulométrica teórica de “Füller”, com obtida após realização do ensaio de granulome-
adição ou retirada de materiais finos e graúdos, tria. Na prática é a primeira britagem que sinaliza
até o limite técnico necessário, assim oferecendo a existência de alteração da rocha, sendo confir-
um agregado perfeitamente ajustado e ideal refe- mada quando se efetua a rebritagem, ou segunda
rente à curva granulométrica teórica de “Füller”, britagem.
para uso em concreto de cimento Portland. A exploração da laterita na ilha de São Luís
O material/agregado laterítico resultante da no estado do Maranhão, adota na prática um cri-
britagem se ajustado à curva granulométrica teó- tério desordenado e predatório na exploração
rica de “Füller” produz um arranjo interno bas- deste material. Primeiro porque o uso do material
tante compacto e com índice de vazios diminu- não contempla uma separação por qualidade hie-
tos e quando moldado em um corpo de prova de rarquizada e concordante com sua potencialida-
concreto, oferecerá maior resistência aos esforços de, conforme os ditames tecnológicos e científicos.
advindos das solicitações físico – mecânicas a que Em segundo lugar, porque permite a geração de
for submetido o concreto de cimento Portland, grandes áreas totalmente desmatadas e erodidas
uma vez que esse arranjo proverá um menor ín- e em fase de erosão, com consequências catastró-
dice de vazios. ficas ao meio ambiente.
Os corpos de prova de concreto nesse estudo Com base no presente estudo incluindo o
utilizando o conglomerado ferruginoso laterítico cadastro de todas as jazidas/lavras/pontos de
atingiu uma resistência máxima de 31,7 MPa, por- laterita, em número de 47 jazidas foi comprova-
que essa rocha foi primeiramente britada em um do existir uma intensa degradação ambiental, em
britador primário com mandíbulas reguladas com função das cicatrizes deixadas pela lavra da lateri-
abertura de 2” e depois rebritado num britador se- ta, como se pode observar nos caminhamentos de
cundário com 1” de abertura das mandíbulas. Os superficie e nas imagens de satélite. A substituição
corpos de prova de concreto de cimento Portland das areias aluvionares pelas areias obtidas no pro-
foram moldados com um traço de 1:4 e numa pro- cesso de britagem da laterita, diminuirão mutua-
porção de água cimento (a/c) de 0,45. Neste caso mente e significantemente o passivo ambiental.
se efetuou correção granulométrica adicionando Por fim, salienta-se a necessidade de estu-
50% de material passante na peneira 4,8mm, sobre dos complementares de durabilidade do concreto
a massa total do conglomerado laterítico ferrugi- produzido com o Conglomerado Ferruginoso La-
noso pertencente ao volume do material usado na terítico, tal como foi processado para ser aplicado
confecção dos corpos de prova de concreto. Em neste trabalho, focando questões como ataque por
estudos anteriores a resistência máxima atingida sulfatos, carbonatação, ataque por cloretos e rea-
foi de uma britagem primária e posteriormente a ção álcali-agregado. Estes estudos visam aprofun-
uma britagem secundária, com vistas a destruir as dar o entendimento do comportamento de concre-
frações alteradas do agregado laterítico minimiza tos, em idades avançadas, quando especialmente
o impacto causado pela presença desse agregado dosados para emprego em obras específicas.
no concreto que contenha no seu interior frações
alteradas, que poderão definir uma fuga de resis-
70
Conglomerado ferruginoso laterítico (laterita) da ilha de São Luís do Maranhão
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71
SEÇÃO ESPECIAL
RISCOS GEOLÓGICOS NO BRASIL
GESTÃO DE RISCOS E DESASTRES:
UM CAMPO DE CONHECIMENTO EM
CONTÍNUA EVOLUÇÃO E A GEOLOGIA
DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
RISK AND DISASTER MANAGEMENT: A CONTINUOUSLY EVOLVING FIELD OF
KNOWLEDGE AND THE ENGINEERING GEOLOGY AND ENVIRONMENT
73
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
74
Gestão de riscos e desastres
para recuperar-se das perdas e danos resultantes. ondas de calor e outros impactos climáticos ampliados
Os riscos de desastres no século XXI têm causas por problemas de desenvolvimento, as populações de
favelas são afetadas de forma desproporcional” e “En-
muito mais complexas do que a chuva intensa que
tre 2010 a 2020, a mortalidade causada por enchentes,
deflagra inundações e deslizamentos ou, como secas e tempestades foi 15 vezes maior nas regiões mais
outro exemplo, o descaso técnico que conduz à vulneráveis do que nas menos vulneráveis”.
ruptura da barragem de rejeito. Gradativamente
tem se firmado o entendimento de que os riscos Desde que entramos nesse barco da GRD fica
não são naturais, mas sim construídos pela forma mais claro que os desastres não são naturais, mas
como a sociedade modifica o ambiente, se apro- resultantes de fatores subjacentes, como pobre-
pria dos seus recursos e ocupa os territórios. za, desigualdade social, mudanças demográficas,
Episódios de eventos climáticos extremos têm arranjos institucionais, políticas mal formuladas
sido registrados com frequência cada vez maior e, (UNDRR, 2015), ou, como sintetizam Romero e
efetivamente, as ações de prevenção, mitigação, Maskrey (1993), “problemas não resolvidos do
resposta e recuperação ficam muito distante do desenvolvimento”. Essa evolução se expressa em
mínimo necessário para o enfrentamento dessa marcos internacionais importantes nos últimos 30
nova conjuntura ambiental, seja por fragilidade anos. Nos anos 1990, a Organização das Nações
das estruturas de proteção e defesa civil (MAR- Unidas lançou a Década Internacional para Re-
CHEZINI et al., 2021), pela incapacidade dos go- dução de Desastres Naturais (ONU, 1989), com
vernos em todos os níveis de desenvolver planos foco nos desastres considerados naturais e nos
de adaptação e resistência às mudanças climáticas aspectos técnicos e científicos para seu controle.
que incorporem ações efetivas de diagnóstico e re- Já na 1ª Conferência Mundial sobre Redução dos
dução de riscos (DE PIERRO; JACOBI, 2021), mas Desastres Naturais, em Yokohama, Japão (IDN-
também pelo limitado empenho a que as ciências DR, 1994) acontece amplo questionamento sobre
aplicadas têm se dedicado em buscar caminhos a causalidade dos desastres. A perspectiva so-
inovadores para a adaptação e enfrentamento. cial dos desastres torna-se expressiva na 2ª Con-
Apenas em fevereiro deste ano, o sexto relatório ferência Mundial sobre Redução de Desastres,
do Painel Intergovernamental de Mudanças Cli- em Kobe, Hyogo, Japão, realizada em 2005, que
máticas (IPCC, AR6/WG2, 2022) chama atenção apontou como meta criar uma cultura de seguran-
para a necessidade de adaptação. O recém-lan- ça e resiliência para melhorar a capacidade de as
çado Relatório de Avaliação Global de Redução sociedades fazerem frente aos eventos extremos,
de Riscos de Desastres (UNDRR, 2022) destaca tendo como resultado o Marco de Ação de Hyo-
que (1) a emergência climática e os impactos sistê- go 2005-2015 (UNDRR, 2005). No Marco de Ação
micos da pandemia de COVID-19 apontam para de Sendai, resultado da 3ª Conferência Mundial
uma nova realidade; (2) entender e reduzir riscos sobre a Redução de Risco de Desastres (UNDRR,
em um mundo de incertezas é fundamental para 2015), reitera-se maior visibilidade aos fatores
o desenvolvimento sustentável; e que (3) a melhor subjacentes que causam vulnerabilidades, tanto
defesa contra impactos futuros é transformar sis- nas análises e diagnósticos quanto nas medidas
temas agora e construir resiliência para enfrentar práticas, apontando a governança e participação
as mudanças climáticas, reduzindo as vulnerabili- social como estratégicas.
dades, exposição e iniquidades que constroem os Lavell e Maskrey (2014) expressam sólida crí-
desastres. tica às práticas mundiais de GRD, incapazes de
O relatório do Grupo de Trabalho 2 do IPCC produzir resultados efetivos frente ao cenário de
(op.cit., 2022, p. 14) também traz essa percepção: riscos crescentes associados às mudanças climáti-
cas, apontando que isso se deve, essencialmente, a
“A vulnerabilidade de pessoas e ecossistemas à mudan- como os riscos e desastres são concebidos:
ça do clima é muito variável. Hoje, de 3,3 bilhões a 3,6
bilhões de pessoas vivem em locais ou contextos alta- “A RRD como paradigma continua a ser impulsionada
mente vulneráveis à mudança do clima. Gênero, etnici- pela noção cada vez mais desatualizada de que desas-
dade e renda são fatores de aumento de vulnerabilidade. tres são choques exógenos e imprevistos que afetam os
Nas cidades, por exemplo, que vêm sendo atingidas por sistemas econômicos e sociedades que estão funcionan-
75
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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Gestão de riscos e desastres
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79
SISTEMAS DE ALERTAS DE RISCO DE DESASTRES:
PANORAMA ATUAL E DESAFIOS PARA SUA
CONSOLIDAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO
DISASTER RISK ALERT SYSTEMS: CURRENT OUTLOOK AND CHALLENGES
FOR THEIR CONSOLIDATION IN THE BRAZILIAN CONTEXT
80
SISTEMAS DE ALERTAS DE RISCO DE DESASTRES
A missão do Cemaden, definida em seu Pla- sultados, como de radares disponibilizados pela
no Diretor (Cemaden, 2019), é “desenvolver e Redemet, FUNCEME, Simepar, Defesa Civil de
disseminar conhecimentos científico-tecnológicos Santa Catarina, Alerta Rio, entre outros; além das
e realizar o monitoramento e a emissão de aler- redes hidrometeorológicas dos parceiros como IN-
tas para subsidiar a gestão de riscos e impactos MET, APAC, ANA, SAISP, FUNCEME e INEA1.
de desastres naturais.” Desde dezembro de 2011, O SACE/CPRM disponibiliza informações
o Cemaden tem realizado o monitoramento inin- para determinadas bacias hidrográficas e emite
terrupto e emissão de alertas para municípios que boletins de monitoramento, que são utilizados
apresentam áreas de risco a deslizamentos, inun- como base para emissão de alertas de risco hidro-
dações e enxurradas. No início de sua atividade lógico pelo Cemaden. Outra ferramenta utilizada
operacional, em dezembro de 2011, o número de para o monitoramento hidrológico é o Global Flood
municípios monitorados era 56; alcançando 1038, Awareness System (GLOFAS), que fornece infor-
em julho de 2022. À medida que esses números mações sobre eventos de inundação por meio do
aumentavam, diversas ações foram necessárias, modelo hidrológico e dados de previsão numérica
desde a implementação de uma rede observacio- do tempo. Os produtos utilizados são a porcenta-
nal à articulação interinstitucional, que serão dis- gem dos membros da previsão meteorológica por
cutidas a seguir. conjunto da vazão do rio que excede um deter-
minado de tempo de retorno (2, 5 e 20 anos) nos
pontos de controle em vários pontos do Brasil e a
2 DIMENSÃO TÉCNICA: “É PRECISO possibilidade da previsão por conjunto da vazão
MONITORAR PARA PREVER OS CENÁRIOS do rio exceder um período de retorno de 5 anos,
DE RISCO DE DESASTRES” entre outros.
Os alertas de risco de deslizamentos são en-
O monitoramento dos processos geo-hidro-
viados a partir dos cenários de risco, os quais são
lógicos é realizado na Sala de Situação do Cema-
construídos com base nos mapeamentos de risco
den, por equipes multidisciplinares 24 horas por
e no histórico de ocorrências, somados à precipi-
dia, 7 dias por semana. A cada turno, trabalham
tação observada, além da previsão meteorológica.
especialistas das áreas de meteorologia, hidrolo-
Como avanço em produção de modelos de previ-
gia, geociências e desastres naturais. Para realizar
são de deslizamentos foi implementado “Método
o monitoramento são necessários dados instantâ-
Comitê”, como resultado do Projeto GIDES (Pro-
neos de precipitação e de nível dos rios dos muni-
jeto de Fortalecimento das Estratégias Nacionais
cípios monitorados, e daqueles a montante, além
para a Gestão Integrada em Riscos de Desastres
de previsão meteorológica. A equipe de especia-
Naturais). Este modelo associa os volumes de pre-
listas analisa os riscos geo-hidrológicos, a partir
cipitação em curto e longo prazo e o histórico de
das condições do tempo, da suscetibilidade aos
ocorrências de um dado município, sugerindo, as-
processos, bem como da vulnerabilidade da po-
sim, a abertura de alertas quando os índices críti-
pulação. O trabalho é feito através de consulta aos
cos estão próximos de serem atingidos. A despei-
dados dos radares meteorológicos, das estações
to da grande demanda nacional, a aplicação desse
pluviométricas e hidrológicas do Cemaden e de
método está restrita a poucos municípios no país.
seus parceiros estaduais e federais.
Desde 2013, o Cemaden adquiriu 3.375 es-
tações pluviométricas, 9 radares meteorológicos, 1
Redemet: Rede de Meteorologia do Comando da Aero-
náutica, FUNCEME: Fundação Cearense de Meteorologia
e 301 estações hidrometeorológicas, 135 PCDs
e Recursos Hídricos, Simepar: Sistema Meteorológico do
geotécnicas com o objetivo de monitorar e alertar Paraná, INMET: Instituto Nacional de Meteorolo-
riscos geo-hidrológicos (Cemaden, 2019). Grande gia do Brasil , APAC: Agencia Pernambucana de Águas
parte dos equipamentos foi instalada próxima às e Clima, ANA: Agência Nacional de Água e Saneamento
áreas de risco de inundação e/ou movimento de Básico, SAISP: Sistema de Alerta a Inundações do Esta-
do de São Paulo, INEA: Instituto Estadual do Ambien-
massa existentes nos municípios monitorados. te do Rio de Janeiro SACE/CPRM: Sistema de Alerta de
Dados de instituições parceiras também são con- Eventos Crítico do Companhia de Pesquisa de Recursos
Minerais.
81
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Técnicas de inteligência artificial são extre- ECMWF (European Centre for Medium-Range Wea-
mamente apropriadas para o ambiente operacio- ther Forecasts).
nal, tendo em vista que o histórico de eventos e o Modelos hidrológicos para inundações
conhecimento existente sobre os fenômenos geo- usando previsão meteorológica por conjunto,
-hidrológicos dos municípios monitorados nos ferramentas de previsão de enxurradas usando
permitem a geração automática de cenários de nowcasting e de modelos hidráulicos para zonea-
risco em grande escala e com a rapidez exigida mento de áreas inundáveis e previsão de nível e
por a emissão de alertas antecipados. O desenvol- mancha de inundação são ainda poucos diante
vimento de ferramentas de “Machine Learning (Ar- da demanda, dado o elevado número de bacias
tificial Neural Network, Decision Tree, Support-Vec- hidrográficas monitoradas. Os mapeamentos
tor Machine, etc)”, ainda é um desafio que requer e setorizações de risco são feitos por órgãos
investimentos no sistema de alerta antecipado do parceiros como o Serviço Geológico do Brasil
Cemaden. (SGB/CPRM) e órgãos estaduais e municipais.
Como forma de antecipação aos cenários re- Essas informações obtidas em campo auxiliam
gionais de risco de inundações e deslizamentos, as equipes do Cemaden na tomada de decisão do
são publicadas diariamente no portal online do envio de alertas, por haver descrição dos processos
Cemaden, as Previsões de Risco Geo-Hidrológi- que podem ocorrer no município, além de serem
cos que apresentam as mesorregiões brasileiras compostos por fotografias e mapas. Atualizações
com possibilidade de ocorrências de eventos, de dos mapeamentos das áreas e setores de risco
acordo com a previsão meteorológica, e/ou acu- são importantes para que a tomada de decisão
mulado prévio de chuva e características de sus- se baseie em dados o mais próximo da realidade
cetibilidade de cada região. Nota-se, portanto, a em cada município monitorado. Além disso, é
alta dependência de obtenção de dados das va- preciso avançar em atualização de quantitativos
riáveis ambientais em tempo real para realizar o e caracterização de pessoas expostas. Aqui
monitoramento pelo Cemaden. identificamos um desafio a ser superado diante da
As redes de estações hidrometeorológicas e intensa dinâmica territorial de ocupação em áreas
de radares meteorológicos requerem manutenção de risco.
periódica, para minimizar os problemas de recep-
ção de dados. Há necessidade de se fazer a limpe-
za dos equipamentos devido à presença de folhas,
3 DIMENSÃO CIENTÍFICA: “É PRECISO
insetos e outros tipos de sujeira, pois o valor da CONHECER O RISCO PARA ESTAR
chuva será subestimado e desta forma o alerta po- PREPARADO”
derá ser emitido tardiamente por não ter alcança-
O Cemaden na sua origem surge como uma
do o limiar para determinado município. Somam-
estratégia nacional de integração voltada para a
-se, ainda, os problemas de furto e vandalismo de
construção de um sistema de alertas antecipados
equipamentos.
de desastres de natureza geo-hidrológica, entre
Outro desafio consiste nas atualizações dos
eles as inundações e os movimentos de massa.
modelos de previsão numérica do tempo. Para o
Para tanto, implantou uma ampla rede observa-
Brasil, a frequência das atualizações é baixa, uma
cional que atualmente abrange cerca 25% dos mu-
vez que as saídas dos modelos ocorrem a cada
nicípios brasileiros e estabeleceu uma estrutura
6 horas, enquanto que em alguns países, a atua-
institucional formada por equipes operacionais,
lização é feita a cada 3 horas e até mesmo com
de desenvolvimento tecnológico e de pesquisa
periodicidade horária. Desta forma, eventos de
multidisciplinar.
meso-escala (tempestade de verão - chuvas con-
O sistema de alertas do Cemaden representa
vectivas) poderiam ser detectados de forma mais
o corolário do conhecimento produzido e acumu-
precisa. Os especialistas da Sala de Situação con-
lado por décadas nos diversos centros de pesqui-
sultam modelos de instituições parceiras como o
sa do Brasil e do mundo, que desenvolveram o
CPTEC (Global Forecast System-GFS), INMET (Con-
conhecimento do risco baseado na necessidade de
sortium for Small-scale Modeling-COSMO), além do
82
SISTEMAS DE ALERTAS DE RISCO DE DESASTRES
informação sobre as diferentes ameaças e vulnera- das existentes por ferramentas operacionais
bilidades. Nesta direção, a evolução da dimensão nos sistemas de alertas; e na mesma lógica,
científica do risco de desastres ainda pressupõe transferir tecnologia para sistemas de alertas
alguns desafios, entre eles: locais;
Aprofundar o conhecimento sobre a fenome- Proporcionar balanços periódicos voltados
nologia dos processos físicos relacionados às à identificação de lacunas evidenciadas nos
diferentes tipologias de inundações e movi- componentes que integram sistemas de aler-
mentos de massa, identificando os principais tas antecipados de desastres naturais, visan-
agentes, causas e respectivos parâmetros do estabelecer uma linha do tempo histórica,
passíveis de monitoramento remoto; consolidar os conhecimentos existentes, inte-
Desenvolver protótipos de novos sensores grar diferentes grupos de pesquisa e inova-
para monitoramento remoto de parâmetros ção, buscando a melhoria do sistema nacio-
ambientais relacionados às inundações e mo- nal de proteção e defesa civil;
vimentos de massa, de preferência de baixo Estimular a elaboração de linhas de pesqui-
custo, que permitam a integração em redes sa, induzir o estabelecimento e a publicação
observacionais em escala local e regional; de editais de fomento financeiro, dirigidos
Proporcionar o maior diálogo e integração para o desenvolvimento de projetos técni-
entre as diversas áreas técnicas e científicas cos e científicos que atendam a demanda
visando consolidar a abordagem multidis- por conhecimento, serviços e infraestrutura
ciplinar para produção de conhecimento e voltados a melhoria contínua da gestão de
efetivação de ações dirigidas a um sistema de desastres;
alertas antecipados de desastres geo-hidroló- Avançar no desenvolvimento de metodolo-
gicos; e, na mesma lógica estimular e desen- gias de avaliação e mapeamento de perigo
volver aplicações da matemática computa- que indiquem com maior precisão, no caso
cional em pesquisas relacionadas a desastres dos movimentos de massa, os mecanismos
naturais; de geração de sedimentos, localização, fre-
Estimular a implementação de laboratórios quência, volume e alcance; no caso das inun-
voltados a estudos de modelagem e simu- dações, os mecanismos de geração de vazão e
lação de processos físicos que envolvem o os índices de perigo baseado na velocidade e
reconhecimento de mecanismos, agentes, profundidade das áreas inundáveis;
causas e impactos potenciais dos desastres Avaliação de risco específica para os diferen-
geo-hidrológicos; tes cenários de vulnerabilidade e condições
Fomentar a abertura de museus sobre desas- geotécnicas que permita a elaboração de pla-
tres em municípios marcados por histórico nos de contingência mais eficazes.
de ocorrências de desastres naturais, tecnoló-
gicos e mistos; e na mesma lógica, divulgar a A definição das chuvas efetivas, responsáveis
metodologia e conhecimento científico e his- por alterar as características de resistência do solo
tórico como importante ferramenta na gestão em diferentes unidades geotécnicas, que permita
de desastres; determinar índices de chuva crítica e limiares ope-
Proporcionar a participação pública na ciên- racionais para o sistema de alertas, constitui um
cia, co-produção de conhecimento científi- desafio posto para as pesquisas em um território
co por cientistas profissionais e amadores de dimensões continentais, complexa diversidade
em diferentes níveis e etapas do processo geológica e climática. Para tal, uma significativa
científico, em uma abordagem de pesquisa base de dados tem sido acumulada e aqui reside
transdisciplinar que permita a geração de co- também outro desafio que consiste em qualificar
nhecimento científico, educação científica e e integrar diferentes fontes, formatos e incertezas
comunicação pública da ciência; na contínua formação de uma base nacional de
Proporcionar ambientes de inovação tecno- dados geotécnicos.
lógica que favoreçam a revelação de deman-
83
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Os resultados assim esperados devem apon- turas de Blumenau, Nova Friburgo e Petrópolis,
tar para novos requisitos de monitoramento vi- além dos governos estaduais de Santa Catarina
sando a produção de previsões mais assertivas e Rio de Janeiro. Nessa ação, reuniram-se esfor-
para a emissão de alertas antecipados de movi- ços de desenvolvimento tecnológico e técnico-
mentos de massa e inundações. Estudos pilotos -científico, juntamente aos usuários no nível local
precisam ser ampliados e a melhoria contínua para aperfeiçoar o modelo. Outro exemplo, foram
da estratégia nacional entre os agentes científicos os cursos ministrados em 2017 e 2019, pela Casa
do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil Militar de São Paulo, o Serviço Geológico do Bra-
deve objetivar a integração dentro de uma agenda sil e o Cemaden, tratando de modo integrado os
comum. Em campo, um desafio a mais se revela temas de mapeamento, monitoramento e planos
na necessidade de transposição do conhecimento de contingência. O foco nessas formações foi apre-
científico gerado por especialistas para os diferen- sentar métodos e ferramentas para que os parti-
tes públicos da sociedade e instituições de prote- cipantes tenham autonomia para fazer a gestão
ção civil visando a resiliência necessária para a em seu território, tornando-se mais pró-ativos e
convivência com o risco nos diferentes contextos independentes.
observados no Brasil. De outro lado, a articulação entre União, es-
tados e municípios também constitui relevante
elo para um sistema de alertas. A sinergia entre
4 DIMENSÃO SOCIAL E INSTITUCIONAL:” os sistemas estaduais e municipais de monitora-
É PRECISO COOPERAÇÃO PARA UM mento, sobretudo em relação aos níveis de alerta,
SISTEMA DE ALERTAS EFICAZ” também é de extrema importância. Cita-se o Plano
Preventivo de Defesa Civil (PPDC) do estado de
O Escritório das Nações Unidas para Redu-
São Paulo, que considera os alertas do Cemaden
ção de Risco de Desastres (UNDRR) recomenda
em sua atividade operacional, prevendo inclusi-
que um sistema de alertas seja composto por qua-
ve a alteração de nível (São Paulo, 2021). Torna-se
tro eixos (conhecimento do risco; monitoramento;
desejável, portanto, que outros sistemas também
disseminação e comunicação; e preparação), que
sejam coesos, de modo a garantir um fluxo coor-
devem trabalhar de forma sinérgica. Nota-se que
denado de informações. Protocolos bem delinea-
são áreas de atuação de distintas instituições, evi-
dos com papeis e atribuições claras de cada ente
denciando a necessidade de um trabalho articula-
são essenciais para que os alertas consigam subsi-
do. A relevância da articulação interinstitucional
diar ações de preparação e resposta, minimizando
na redução de risco de desastres já é destacada
potenciais disputas institucionais e sobreposição
desde o Marco de Ação de Hyogo, 2005-2015. Para
de atuação.
melhor contextualização de atuação sistêmica en-
Finalmente, um desafio ainda a ser superado
tre os diferentes atores em um sistema de alertas,
consiste em progredir na construção de um siste-
pode-se evidenciar o protagonismo de universi-
ma participativo de alertas, em uma abordagem
dades e centros de pesquisa para avançar no co-
centrada nas pessoas, como recomendado pela
nhecimento das ameaças, vulnerabilidades e ris-
UNDRR que envolva, em especial, a população,
cos; de órgãos federais, estaduais e municipais no
gestores públicos e cientistas (Basher, 2005). A
monitoramento meteorológico e hidrológico; das
priorização de abordagem técnica em detrimento
instituições que compõem o sistema nacional de
daquela focada na população pode distanciar os
proteção e defesa civil para as atividades de pre-
usuários do sistema de alertas, reduzindo seu en-
paração e resposta; da mídia e todos seus canais
gajamento. Um sistema participativo proporciona
para comunicação de risco; e da população.
espaços de aprendizado, diálogo e entendimento
Um exemplo prático de atuação conjunta foi
comum entre os entes interessados. Tal aborda-
o Projeto GIDES. O Modelo Comitê foi desenvol-
gem pode ser conduzida de diferentes maneiras,
vido em cooperação entre especialistas da Agên-
a exemplo das práticas em cartografia social ou
cia Japonesa de Cooperação Internacional (JICA)
do monitoramento das chuvas feito por pessoas
e do Cemaden, com apoio de técnicos das prefei-
voluntárias.
84
SISTEMAS DE ALERTAS DE RISCO DE DESASTRES
5 PERSPECTIVAS REFERÊNCIAS
Retomando à inquietação inicial, ou seja, so- BASHER, R. Global early warning systems for
bre o que se poderia ter feito para reduzir os im- natural hazards – systematic and people-centred.
pactos dos desastres ocorridos de outubro de 2021 Published in Royal Society of London Transac-
a junho de 2022, procuramos evidenciar que o in- tions Series A, vol. 364, Issue 1845, pp.2167-2182.
vestimento em sistema de alertas deve ir além de 2005 Disponível em: https://www.prevention-
estruturar uma rede observacional, ou seja, não se web.net/files/8153_8153Basherpaper1704061.
restringe a monitorar as chuvas. Houve um avan- pdf. Acesso em: 22 jul 2022
ço importante no país na estruturação da rede
observacional e na aproximação com os órgãos BRASIL – Presidência da República. Lei No 12.608,
municipais e estaduais de proteção e defesa civil. de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional
Contudo, para que os alertas subsidiem ações de de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. Brasília, 10
preparação, a previsão e o monitoramento devem abr. 2012a. Disponível em: <http://www.planal-
atuar de modo sistêmico com o conhecimento do to.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/
risco, a comunicação e a preparação. Para contri- L12608.htm>. Acesso em: 05 jan. 2020.
buir ainda com a reflexão, destacamos mais duas
CEMADEN. Plano Diretor 2019-2022. Disponí-
ações para consolidação do sistema de alertas
vel em: http://www2.cemaden.gov.br/wp-con-
no país.
tent/uploads/2019/06/Plano_Diretor_CEMA-
Ações educativas, no nível formal e não for-
DEN_2019-2022.pdf. Acesso em: 27 jul. 2022.
mal, a exemplo daquelas que vêm sendo desen-
volvidas pelo programa Cemaden Educação, tem
SÃO PAULO, Diário Oficial de São Paulo. 2 de
grande potencial para colaborar nessa direção.
dezembro de 2021. Disponível em: http://dia-
Abordar temas como identificação de riscos, po-
riooficial.imprensaoficial.com.br/doflash/proto-
pulação vulnerável, monitoramento e mapeamen-
tipo/2021/Dezembro/02/exec1/pdf/pg_0011.
to participativo, entre outros, pode auxiliar para a
pdf. Acesso em: 26 jul. 2022.
formação de sociedade mais bem preparada para
conviver com os riscos de desastres. Esses temas UNISDR. Hyogo Framework for Action 2005 -
podem ser tratados em ambiente escolar, ou em 2015 Building the Resilience of Nations and Com-
formação para profissionais que atuam em prote- munities to Disasters. 2005. Disponível em: htt-
ção e defesa civil. Nesse sentido, destacamos que ps://www.unisdr.org/2005/wcdr/intergover/
mesmo diante de tantos recursos online e dados official-doc/L-docs/Hyogo-framework-for-ac-
disponíveis, capacitações são importantes dado o tion-english.pdf. Acesso em: 20 jul. 2022
perfil daqueles que estão à frente das defesas civis
municipais no Brasil, seja pelo pouco tempo de ex-
periência no cargo ou por serem de área distinta.
Ao longo dos últimos anos, conseguimos
identificar algumas ações-chave que corroboram
para um sistema de alertas de risco de desastres.
Além dos pontos levantados nas seções anteriores,
destacamos por fim, a necessidade de desenvolvi-
mento de uma cultura nacional de autoproteção e
prevenção. Essa é uma agenda impreterível, cuja
pauta precisa incluir a articulação intersetorial
nas esferas federal, estadual e municipal e sobre-
tudo, a população.
85
NOVAS TECNOLOGIAS
APLICADAS À GESTÃO DE RISCOS
NEW TECHNOLOGIES APPLIED TO RISK MANAGEMENT
RESUMO ABSTRACT
Este artigo apresenta as tecnologias emergentes e ino- This paper presents the emerging technologies and
vações incrementais ou disruptivas que estão em de- incremental or disruptive innovations that are under
senvolvimento para aplicação na Gestão de Riscos. development for application in Risk Management. It
Cabe destacar que internacionalmente existe um gran- should be noted that internationally there is a great ef-
de esforço de aplicações disruptivas focadas no aten- fort of disruptive applications focused on emergency
dimento à emergência, porém inovações incrementais care, but incremental innovations focused on urban
com foco em planejamento urbano também são abor- planning are also addressed. The application of dis-
dadas. A aplicação de tecnologias disruptivas ao ge- ruptive technologies to risk and disaster management
renciamento de riscos e de desastres varia em ritmo, varies in pace, scope and impact. The past few years
escopo e impacto. Os últimos anos viram um aumento have seen a sharp rise in emerging technologies such
acentuado de tecnologias emergentes, como a Internet as the Internet of Things (IoT), robotics, drones, arti-
das Coisas (IoT), robótica, drones, inteligência artificial ficial intelligence (AI), blockchain, virtual reality (VR)
(IA), blockchain, realidade virtual (VR) e realidade au- and augmented reality (AR). Possibly within a few
mentada (AR). Possivelmente dentro de alguns anos, years these technologies will play important roles in
essas tecnologias desempenharão papéis importantes different aspects of risk management.
em diferentes aspectos da gestão de riscos.
Keywords: incremental innovation, disruptive innova-
Palavras-chave: inovação incremental, inovação dis- tion, emerging technology, risk management
ruptiva, tecnologia emergente, gestão de riscos.
86
Novas tecnologias aplicadas à gestão de riscos
87
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
88
Novas tecnologias aplicadas à gestão de riscos
dados. Essas ferramentas permitem a análise de logia de sensores para coleta de dados e armaze-
dados estruturados e (cada vez mais) não estrutu- namento tornam viável a coleta de informações
rados (como dados de sensores, imagens, e-mails em tempo real. A infraestrutura IoT fornece o ge-
e dados de redes sociais) para identificar padrões, renciamento de sistemas de informação, especial-
tendências e correlações (OECD, 2020). mente no caso de interações máquina a máquina.
O paradigma do Big Data que levanta preo- Os dados coletados com a ajuda desses sistemas
cupações relaciona-se com a proteção da privaci- baseados em IoT dão acesso à comunidade para
dade. Um grande volume de dados pode ser co- obter atualizações e tomar medidas de precaução
letado contendo informações de indivíduos que para qualquer desastre futuro (MUNAWAR et al,
podem ser confidenciais. Ao processar os con- 2022).
juntos de dados, as informações confidenciais po- Os sensores conectados podem fornecer in-
dem ficar mais expostas. Desse modo, é essencial formações em tempo real sobre uma variedade
proteger a privacidade das pessoas ao lidar de características físicas, como temperatura, pres-
com essas informações, e os conjuntos de dados são e nível da água, presença de fumaça, dentre
coletados devem ser anônimos. Aplicativos como outras, que podem fornecer informações críti-
Hadoop e Spark são úteis no armazenamento de cas sobre áreas geográficas impactadas por uma
dados e minimizam a limitação da análise de big inundação ou incêndio florestal. Dados geoco-
data (MUNAWAR et al, 2022). dificados de acelerômetros de smartphones, que
Big Data também é usado para analisar infor- medem a aceleração podem ser aproveitados para
mações geradas por sensores em implementações medir a intensidade do tremor de terremoto em
de IoT, bem como dados de drones e robôs. Vários diferentes locais para fornecer informações em
projetos relacionados à gestão de desastres foram tempo real sobre onde o dano pode ter ocorrido
implantados como parte da Iniciativa de Big Data (OECD, 2020).
para Desenvolvimento, da Organização das Na- Sensores em árvores podem detectar se um
ções Unidas - ONU (ITU, 2019). incêndio começou por meio da temperatura, umi-
dade e níveis de dióxido de carbono. Sensores de
terra podem detectar movimentos de terra que
2.4 Internet das Coisas podem sinalizar terremotos. Os níveis dos rios po-
dem ser monitorados por sensores para possíveis
O uso de sensores para monitorar as con-
inundações (ITU, 2019).
dições que podem desencadear desastres não é
Recentemente, o uso de IoT abriu oportunida-
novo. Desenvolvimentos em computação em nu-
des para resolver problemas durante a emergên-
vem, redes sem fio de banda larga, os próprios
cia, podendo auxiliar na coleta de dados, análise,
sensores e a análise de dados levaram ao surgi-
notificações de aviso, eventos de monitoramento
mento de sistemas poderosos, integrados e em
remoto, localização de vítimas e geração de dados
tempo real chamados de Internet das Coisas (IoT).
em tempo real (MUNAWAR et al, 2022).
O gerenciamento de riscos e desastres é um caso
ideal para aplicativos de IoT, pois os sensores po-
dem enviar alertas sobre um número de situações 2.5 Inteligência artificial (IA)
potencialmente perigosas (ITU, 2019).
A Internet das Coisas cria novas oportu- A inteligência artificial pode ajudar a apren-
nidades para o uso de dispositivos eletrônicos, der, prever e fornecer informações confiáveis para
interconectando-os. Os dispositivos percebem a tomada de decisões oportunas durante a mitiga-
e coletam informações ambientais e transmitem ção, preparação, resposta e recuperação de desas-
essas informações para outros dispositivos. Mais tres (MUNAWAR et al, 2022).
tarde pode ser acessado por usuários interessados A inteligência artificial (IA) e o aprendizado
(RADU, 2020). de máquina avançaram para o estado em que es-
IoT é uma das áreas mais florescentes dentro tão altamente proficientes em fazer previsões e na
das tecnologias disruptivas. A aplicação da tecno- identificação e classificação (ITU, 2019):
89
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
90
Novas tecnologias aplicadas à gestão de riscos
interações online off-line ou aumentando ao vivo socorro a desastres aumentou. Das chamadas de
eventos online (JOSEPH et al., 2018). voz para mensagens de texto – e agora serviços ba-
seados em localização, câmeras e acesso à Internet
– telefones celulares têm um conjunto diversificado
2.9 Crowdsourcing e crowdfunding de recursos sendo aproveitado pelo público e pela
comunidade de desastres em tempos de crise. A
Crowdsourcing (“um modelo que usa o público
ampla disseminação de telefones celulares – mui-
em geral, ou a multidão, com a finalidade de utili-
tas vezes com maior penetração do que a televisão
zar habilidades, talentos ou observações como fon-
ou o rádio em países em desenvolvimento – hoje os
tes de conhecimento e experiência”) pode fornecer
torna o dispositivo de comunicação mais universal
dados em tempo real, permitindo uma resposta rá-
do mundo (ITU, 2019).
pida a desastres (CALLAGHAN, 2016).
A ampla distribuição de smartphones em todo
O crowdsourcing pode fornecer suporte im-
o mundo e seu uso leva à geração de uma infini-
portante para a tomada de decisões, inclusive sob
dade de dados. Esses conjuntos de dados podem
pressões de tempo associadas a crises. Crowdsour-
ser utilizados para pesquisas, incluindo informa-
cing e expert-sourcing podem ser eficazes no geren-
ções de saúde, segurança, localização, pesquisa
ciamento de engajamentos e interações da comu-
de marketing e também a posição geográfica dos
nidade, particularmente sob condições incertas
indivíduos durante os períodos de desastre (MU-
(CALLAGHAN, 2016).
NAWAR et al, 2022).
Crowdfunding é o crowdsourcing aplicado para
A tecnologia também melhorou a coleta de
angariar fundos (CALLAGHAN, 2016).
dados sobre danos e perdas ex-post, uma vez que
O advento dos smartphones criou novas
pesquisadores governamentais (ou não governa-
oportunidades para o público ajudar consciente
mentais) recebem acesso a dispositivos móveis
ou inconscientemente na gestão do risco e tam-
conectados e aplicativos de smartphone persona-
bém do desastre (POBLET et al., 2014):
lizados que facilitam a coleta de dados e a trans-
Sensores: os telefones celulares estão conti-
missão mais oportuna de informações para centros
nuamente gerando dados de seus sensores
de operações de gerenciamento de emergência.
internos, incluindo GPS, acelerômetros, gi-
roscópios e magnetômetros. Os dados são
coletados (crowdsourcing) com pouco ou ne- 3 RECOMENDAÇÕES E DESAFIOS
nhum processamento de dados pelo usuário. FUTUROS
Computadores sociais: os usuários geram
dados usando aplicativos como os de mídia Foram identificadas várias recomendações
social. Esses dados são coletados por plata- que governos, agências de assistência, setor pri-
formas (Big Data). vado podem adotar para maximizar os benefícios
Multidão como repórteres: os usuários ofere- oferecidos pelas tecnologias disruptivas (ITU,
cem suas próprias informações sobre eventos 2019):
(por exemplo, tirar uma foto de danos, twittar a. A sistematização e a padronização são
sobre as condições meteorológicas, etc.). necessárias para melhorar a aplicação
Multidão como microtarefas: Os usuários das intervenções tecnológicas. Padrões
criam conteúdo, como adicionar estradas ou abertos ajudarão a reduzir custos, ga-
prédios a imagens de satélite. Aqui, os usuá- rantir a interoperabilidade e aumentar
rios são participantes ativos e muitas vezes o dimensionamento. A padronização
têm habilidades específicas. também deve se estender ao uso de Big
Data, que atualmente é muitas vezes en-
volto em opacidade. Protocolos de com-
2.10 Smartphones partilhamento claros e transparentes
devem ser implementados, incluindo in-
À medida que os telefones celulares evoluíram
terfaces de programação de aplicativos.
em termos de funcionalidade, seu impacto no
91
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
92
Novas tecnologias aplicadas à gestão de riscos
93
O QUE TEMOS A REFLETIR E A
APRENDER COM A TRAGÉDIA DE PETRÓPOLIS?
WHAT SHOULD WE REFLECT AND LEARN WITH THE PETRÓPOLIS TRAGEDY?
95
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
96
O QUE TEMOS A REFLETIR E A APRENDER COM A TRAGÉDIA DE PETRÓPOLIS
mente anteriormente. Ou novos pontos podem e vítimas de desastres sócio naturais. Ela repre-
ser criados durante a tragédia. Esses locais são senta um ponto fora da curva, considerando a
seguros? Em um local onde haverá concentração riqueza de conhecimento técnico existente, pois
de pessoas e intensa realização de atividades de tem-se à disposição numerosos estudos acadêmi-
assistência humanitária é preciso que essa escolha cos, bem como documentos técnicos – incluindo
seja a mais assertiva possível. os principais instrumentos de Gestão de Risco e
Existem diversas situações e demandas as Desastres. E ainda assim, apenas no último verão,
quais a GEA pode e deve prestar apoio técnico 241 pessoas perderam suas vidas, vítimas de mo-
em um desastre (não apenas as citadas acima), e vimentos de massa, enxurradas e inundações. O
a cada desastre aprendemos um pouco mais, pois que falta então? Informações e dados sobre o ter-
nenhum é igual ao outro. A maneira como uma ritório sabemos que não é.
emergência se desdobra é única. E isso ocorre por A resposta para esse questionamento é apa-
razões diversas, seja por arranjos institucionais rentemente simples, mas ao mesmo tempo é bem
distintos, pela qualidade dos profissionais envol- complexa: Governança (ou a falta dela). Temos
vidos (conhecimento técnico, habilidades, compe- políticas públicas ineficientes, que não contem-
tências, experiência), por fartura ou escassez de plam a questão em sua totalidade, complexidade
infraestrutura, por pressões políticas existentes, e disciplinaridade. Falta integração (vertical e ho-
pela existência (ou ausência) de planejamento rizontal) entre as instituições e entre as próprias
e logística, por maior ou menor participação - e políticas e ações existentes. Temos órgãos e ins-
autonomia - da área técnica, dentre tantos outros tituições públicas completamente desmantelados
fatores e aspectos que podem vir a influenciar o e enfraquecidos, ou até mesmo extintos. Falta
andamento da etapa de resposta a um desastre. compreender melhor os produtos técnicos que
De forma que, considerando os últimos de- são gerados, pois a não compreensão leva à não
sastres que acompanhamos e participamos no aplicação dos mesmos ou à interpretações equi-
nosso país, nós (comunidade técnica-científica) vocadas das informações. Delonga-se demasiada-
precisamos nos questionar analiticamente se o mente na regulamentação dos instrumentos jurí-
que é feito hoje – na prática - é o melhor que pode- dicos existentes, como por exemplo a Lei Federal
mos fazer. O apoio técnico prestado nos desastres 12.608/2012. Testemunhamos o desprestígio da
atualmente é o melhor que temos a oferecer tecni- pauta de Gestão de Risco e Desastres refletida
camente e institucionalmente? As ações previstas diretamente nos Planos Plurianuais (federal, es-
nos instrumentos existentes de planejamento de taduais e municipais) nas últimas gestões. Temos
Resposta ocorrem como esperado? uma sociedade em condições cada vez mais em-
Este é um exercício válido (e pertinente) na pobrecida, vulnerável e exposta aos mais diversos
busca contínua de procurar oferecer um serviço perigos. Falta continuidade nas ações realizadas,
de qualidade subsidiando tecnicamente as ações que são interrompidas por motivos diversos e
emergenciais em uma fase de Resposta a desastre, muitas das vezes de forma arbitrária. É frequente
de forma que seja possível melhorar, como deli- e expressiva a interferência de grupos políticos -
neado pela Secretaria Nacional de Proteção e De- com interesses próprios - dentro das instituições
fesa Civil no livro base de Resposta, “a capacidade públicas. Temos equipes técnicas significativa-
de resposta, tanto individual quanto coletivamente, de mente reduzidas (em alguns casos com a conhe-
maneira a ser possível diminuir as possibilidades de da- cida “EUquipe”), que se desdobram para tentar
nos e prejuízos ocasionados pelo desastre”. “dar conta” da demanda, trabalhando por vezes
em condições lastimáveis. Enfim, são muitas as
variáveis que fazem parte dessa complexa equa-
5 OBSERVAÇÕES E CONSIDERAÇÕES ção, e o que foi apontado acima constitui apenas,
e somente apenas, uma pequena amostra.
Petrópolis é uma cidade prestigiada pela sua
Precisamos ainda melhorar a prestação do
história, cultura, arquitetura e belezas naturais,
apoio técnico durante as emergências, pois por
mas que possui um triste histórico de ocorrências
mais que as ações de prevenção sejam indiscuti-
97
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
98
DESASTRE RELACIONADO ÀS CHUVAS INTENSAS
NA BAIXADA SANTISTA EM MARÇO DE 2020:
A EXPERIÊNCIA DAS DEFESAS CIVIS DE GUARUJÁ
E SANTOS
HEAVY RAIN-RELATED DISASTER IN THE BAIXADA SANTISTA ON MARCH 2020: THE
EXPERIENCE OF THE CIVIL DEFENSES OF GUARUJÁ AND SANTOS
RESUMO ABSTRACT
Diversos desastres relacionados a eventos de chuva in- Several heavy rain-related disasters occurred in Brazil
tensa ocorreram no Brasil no último verão, evidencian- last summer, evidencing the natural hazard exposure
do a exposição das cidades brasileiras a eventos natu- of Brazilian cities. In this context, taking into account
rais perigosos. Neste contexto, considerando o fator the aggravating factor of climate change, it is essential
agravante das mudanças climáticas, é essencial repor- to report and analyze past disasters in order to unders-
tar e analisar desastres passados de modo a entender tand their causes and to prevent new ones from hap-
suas causas e prevenir a ocorrência de novos eventos. pening. The purpose of the present paper is to descri-
A proposta do presente estudo é descrever o desastre be the heavy rain-related disaster that occurred in the
relacionado a chuvas intensas ocorrido nos municípios municipalities of Guarujá and Santos on March 2 and
de Guarujá e Santos nos dias 2 e 3 de março de 2020. 3 of 2020. Due to this event, 44 victims were registe-
Devido a este evento, foram registradas 44 vítimas fa- red, besides dozens of injured people and hundreds of
tais, além de dezenas de feridos e centenas de constru- damaged buildings. This paper aims to describe how
ções danificadas. Este estudo busca descrever como os the civil defense departments of these cities reacted to
departamentos de Defesa Civil desses municípios rea- the disaster situation as well as to how the municipa-
giram à situação de desastre e como os municípios pro- lities promoted actions of recovery and reconstruction.
moveram ações de recuperação e reconstrução. Esse This disaster demonstrates the importance of adopting
desastre demonstra a importância de adotar uma abor- a systemic approach to the problem related to the ha-
dagem sistêmica do problema relacionado à exposição zard exposure of communities, including aspects of
de comunidades a eventos naturais perigosos, incluin- urban development, housing, environment etc. It also
do aspectos de desenvolvimento urbano, habitação, demonstrates the necessity of strengthening the civil
meio ambiente etc. Demonstra também a necessidade defense departments of municipalities since they are
de fortalecer os departamentos municipais de Defesa one of the main institutions to promote preventive ac-
Civil, uma vez que estes são uma das principais insti- tions and to first respond to disaster situations.
tuições a promover ações preventivas e os primeiros a
responder a situações de desastre. Keywords: natural disaster; landslide; civil defense;
Guarujá; Santos.
Palavras-chave: Desastre natural; Escorregamento; De-
fesa Civil; Guarujá; Santos.
99
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
100
Desastre relacionado às chuvas intensas na Baixada Santista em março de 2020
Os terrenos de ambos os municípios pos- riscos. Cabe aqui destacar a elaboração e imple-
suem embasamento pré-cambriano, composto mentação dos já citados PMRR e a operação anual
predominantemente por rochas granitoides, além do Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC), com
de apresentar coberturas formadas por sedimen- apoio da Coordenadoria Estadual de Proteção e
tos quaternários diversos (marinhos, fluviais, es- Defesa Civil (CEPDEC). Este último é operado na
tuarinos, coluvionares e aluvionares) (PERROTA região desde 1988 e vem mostrando bons resulta-
et al., 2006). Já o relevo da região é caracterizado dos na redução do número de mortes decorrentes
predominantemente por planícies costeiras, mor- de escorregamentos, uma vez que busca a tomada
ros isolados e, no caso da porção continental de de ação antes da deflagração destes processos por
Santos, pelas escarpas da Serra do Mar (IPT, 1981). meio do monitoramento do acumulado pluvio-
Conforme as cartas de suscetibilidade elaboradas métrico, acompanhamento da previsão meteoro-
pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Esta- lógica e vistorias nas áreas classificadas como de
do de São Paulo (IPT) em 2013 (IPT, 2013a; IPT, risco. Como reflexo das ações preventivas e miti-
2013b), como reflexo do relevo local e do clima gadoras, até a data do evento de chuva extrema
quente e úmido, os municípios apresentam áreas de 2020, os municípios não registraram mortes
suscetíveis a movimentos gravitacionais de massa decorrentes de escorregamentos desde 2000, no
e a inundações. caso da área insular de Santos, e 2009, no caso de
Guarujá e Santos contam ainda com cartas Guarujá.
geotécnicas de aptidão à urbanização elaboradas
pelo IPT no final do século XX (IPT, 1979; IPT e IG,
1989). Tanto nas áreas que seriam aptas à urbani-
3 DESCRIÇÃO DO EVENTO
zação, mas que foram ocupadas de forma desor-
3.1 Cenário pluviométrico
denada, quanto naquelas consideradas inaptas à
ocupação urbana que foram ocupadas irregular- É certo que os acumulados pluviométricos
mente, fica caracterizada a situação do risco aos registrados nos meses anteriores ao evento, princi-
seus ocupantes, conforme mostram as setoriza- palmente em fevereiro, tiveram grande influência
ções dos Planos Municipais de Redução de Ris- na gravidade do desastre aqui descrito. Em Gua-
cos (PMRR) elaborados para Guarujá (IPT, 2016) e rujá, de acordo com dados coletados pelo posto
Santos (IPT, 2012). pluviométrico Pereque-E3043, o mês de fevereiro
Vale destacar uma diferença no padrão de de 2020 registrou 450 mm de chuva, valor este 72%
ocupação das áreas suscetíveis a movimentos de acima da média histórica de 25 anos (262 mm). Já
massa nos municípios analisados. No caso de San- em Santos, segundo dados do posto pluviométrico
tos, essa ocupação teve início ao final do século Saboó, fevereiro registrou 916,6 mm, valor 204,72%
XIX e vem passando por surtos de expansão des- acima da média histórica (300,8 mm).
de então (IPT, 1979). Atualmente em Santos exis- É nesse cenário que se deu o evento pluvio-
tem vários bairros consolidados nesse território, métrico extremo entre a noite do dia 02/03/2020 e
que contam com infraestrutura urbana e estão co- a madrugada do dia seguinte. No caso de Santos,
nectados por diversas vias de circulação. Por ou- após registrar um acumulado de 79,6 mm no dia
tro lado, em Guarujá, a ocupação dos morros se 01/03, foram acumulados 217,4 mm no dia 02/03,
deu com maior intensidade somente a partir da sendo 155 mm registrados no intervalo de apenas
década de 70 (IPT e IG, 1989), e hoje se distribui de 3 horas (entre às 21h e 00h). Já no dia 03/03, foram
maneira heterogênea ao longo dos trechos inferio- acumulados 50,6 mm, totalizando 347,6 mm em
res e médios das encostas do maciço de morros da 72 horas e superando a média histórica do mês de
Ilha de Santo Amaro. março (294,4 mm).
De modo a promover a gestão de riscos e No caso de Guarujá, a chuva extraordiná-
desastres em seus territórios, buscando atender o ria atingiu acumulados na ordem de 282 mm em
disposto na Política Nacional de Proteção e Defe- aproximadamente 12 horas, superando uma in-
sa Civil (BRASIL, 2012), Guarujá e Santos adotam tensidade de 50 mm/h, o que equivale a 99% do
uma série de medidas necessárias à redução dos
101
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
que era esperado para todo o mês de março. Em desastre. Tanto Guarujá como Santos declararam
apenas 72 horas foram totalizados 385,8 mm. situação de anormalidade decorrente desse even-
to. No caso de Guarujá, foi declarado Estado de
Calamidade Pública por meio do Decreto Muni-
3.2 Resposta ao desastre cipal n° 13.529/2020 (GUARUJÁ, 2020) e conse-
quente homologação por meio da Portaria Federal
Os movimentos gravitacionais de massa as-
n° 448/2020 (BRASIL, 2020a). Já Santos declarou
sociados ao evento de chuva extrema anterior-
Situação de Emergência por meio do Decreto Mu-
mente descrito começaram a ser registrados no
nicipal nº 8.874/2020 (SANTOS, 2020), homologa-
início da noite de 02/03, por volta das 19h. Ambos
da pelo estado de São Paulo por meio do Decreto
os municípios operavam o PPDC e dispunham de
nº 64.825/2020 (SÃO PAULO, 2020), com reco-
equipes técnicas de plantão para o atendimento
nhecimento federal, por procedimento sumário,
das ocorrências, bem como realizavam o acompa-
pela Secretaria Nacional de Defesa Civil (Portaria
nhamento dos acumulados de chuva por estações
nº 449/2020 – BRASIL, 2020b).
pluviométricas próprias e por aquelas operadas
Segundo os respectivos Formulários de In-
pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas
formação de Desastre (FIDE), submetido pelos
de Desastres Naturais (CEMADEN), este vincula-
municípios ao Sistema Integrado de Informações
do ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inova-
sobre Desastres (S2ID), os danos e prejuízos em
ções do Governo Federal.
Guarujá e Santos incluem (Tabela 1):
Em função das elevadas taxas de precipita-
ção deste evento, superiores a 50 mm/h, iniciou-
-se no começo da noite a realização das vistorias Tabela 1. Informações conforme FIDE.
preventivas previstas no PPDC, sendo necessário
também promover o deslocamento para o atendi- Guarujá Santos
150 escorregamentos 210 escorregamentos
mento das ocorrências. Enquanto as equipes mu-
34 óbitos 8 óbitos
nicipais realizavam esse atendimento, a chuva ad-
37 feridos 10 feridos
quiria caráter persistente, mantendo as altas taxas
100.000 afetados 418.541 afetados
de precipitação e resultando em um número cada
169 desabrigados 214 desabrigados
vez maior de ocorrências.
954 desalojados 984 desalojados
Foram registrados diversos locais onde mu-
169 casas destruídas 230 casas destruídas
nícipes foram soterrados, sendo necessário o tra-
954 casas danificadas 255 casas danificadas
balho de resgate pelo Corpo de Bombeiros e Ser-
viço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU),
havendo inclusive um caso de soterramento de
3.3 Principais ocorrências
dois bombeiros em Guarujá. Dificultaram o aces-
so das equipes os diversos pontos de alagamento, 3.3.1 Guarujá
bem como a obstrução de vias em função dos ma-
teriais mobilizados durante os escorregamentos. Dentre os 150 movimentos gravitacionais de
As equipes municipais de Defesa Civil seguiram massa registrados em Guarujá, deflagrados em
com as ações de resposta pela madrugada e nos encostas naturais e antropizadas, destacam-se os
dias seguintes, apoiando os trabalhos de resgate dos morros do Engenho, Jardim Bela Vista, po-
às vítimas, atendendo aos chamados realizados pularmente conhecido como morro do Macaco
pelos telefones de emergência e avaliando o risco Molhado, Vila Baiana, Barreira do João Guarda
residual nas áreas afetadas. e a região da Serra do Guararu. Somente nesses
No dia 03/03/2020, com a mudança do ní- locais, somam-se 86 escorregamentos envolven-
vel de operação do PPDC de “Atenção” para do solo, rocha e vegetação, onde 18 movimentos
“Alerta”, equipes da CEPDEC, do Instituto de de massa foram registrados nas áreas de risco
Pesquisas Ambientais (IPA) e do IPT se desloca- geológico mencionadas e 68 somente região da
ram aos municípios para apoiar o atendimento ao Serra do Guararu, local com maior índice de es-
102
Desastre relacionado às chuvas intensas na Baixada Santista em março de 2020
corregamentos por quilômetro quadrado. Como saltar que este local registra o maior número de
consequência dos eventos, todos os 34 óbitos re- habitações em áreas de Risco Alto (R3) mapeadas
gistrados pela Defesa Civil de Guarujá foram con- pelo IPT em 2016 no PMRR, em contrapartida não
tabilizados nessas áreas supracitadas. foram registrados óbitos nessa comunidade.
Na região do Morro do Engenho (Figura 2A), A região da Serra do Guararu registrou 68 es-
foramA região da Serra do Guararu registrou 68 escorregamentos
registrados 2 escorregamentos de grande corregamentos ao de
ao longo longo
todade toda vertente
vertente e 1 óbito e 1
porte que vitimaram 1 pessoa. Já no morro do Ma- (Figura 3B). Somente nessa região há estimativas
óbitocaco
(Figura 3B).(Figura
Molhado Somente nessa região
2B), registrou-se há estimativas
8 escorre- de valores
de valores entre 14 entre 14 a 20 escorregamentos
a 20 escorregamentos por qui-
gamentos e 9 óbitos, onde somente 1 movimento lômetro, sendo a região que concentrou maior nú-
por quilômetro, sendo a região que concentrou maior número de movimentos de massa.
de massa de grande porte foi o suficiente para vi- mero de movimentos de massa.
timarO8 morro
pessoas,da
dentre elas 2do
Barreira integrantes do Cor-
João Guarda registrouOapenas
morro 3damovimentos
Barreira do João Guardaeregis-
de massa, somente
po de Bombeiros Militar do Estado de São Paulo. trou apenas 3 movimentos de massa, e somente 1
1 escorregamento
No morro da deVila
grande
Baianaporte
foramacarretou em 23
contabiliza- vítimas fatais
escorregamento e dezenas
de grande portede casas destruídas
acarretou em 23
dos 5 escorregamentos variando entre pequeno, vítimas fatais e dezenas de casas destruídas (Fi-
(Figura
médio3C).
e grande porte (Figura 3A). Há de se res- gura 3C).
Figura 2. 2A: Escorregamento de grande porte no Morro da Cachoeira e Ação da Defesa Civil de Guarujá. 2B: Escorregamento
no morro do Macaco Molhado e ação dos munícipes, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil.
Figura 2 – 2A: Escorregamento de grande porte no Morro da Cachoeira e Ação
da Defesa Civil de Guarujá. 2B: Escorregamento no morro do Macaco Molhado
e ação dos munícipes, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil.
103
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
A B
Figura 3. 3A:Figura
Escorregamento no morro da Vila Baiana.
3 - 3A: Escorregamento no morro3B:da
Escorregamento
Vila Baiana. na
3B:Serra do Guararu comna1 óbito
Escorregamento Serra(Fonte:
do Abreu et
al., 2020). 3C: Escorregamento na Barreira do João Guarda vitimando 23 pessoas.
Guararu com 1 óbito (Fonte: Abreu et al., 2020). 3C: Escorregamento na Barreira do João
Guarda vitimando 23 pessoas.
3.3.2 Santos
3.3.2 Santos Além destas, vale destacar aquelas em que
Dentre as 210 ocorrências de escorregamentos houveregistadas
munícipesnasferidos,
encostasado
saber: escorregamen-
município de
Dentre as 210 ocorrências de escorregamen- tos de solo na Rua Nossa Senhora de Lurdes,
Santos nesse
tos registadas evento, destacam-se
nas encostas do municípiocomode de maior gravidade aquelas que resultaram em óbitos
San- Morro Fontana e na Travessa Luciano de Castro,
tos nesse evento,
(Figura 4), a destacam-se como de maior
saber: um escorregamento de solo na
noRua Santa
bairro Marta,Outras
Saboó. Morroocorrências
São Bento, com 5
chamaram a
gravidade aquelas que resultaram em óbitos (Fi-
óbitos; dois escorregamentos de solo e rocha na Rua atenção pelo grande
das Pedras, volume com
Morro Caneleira, de material
2 óbitos;mobili-
gura 4), a saber: um escorregamento de solo na zado (Figura 5): escorregamento de solo e rocha
e umMarta,
Rua Santa escorregamento
Morro São deBento,
solo nacom
Rua 57,óbitos;
Morro Pacheco, com 1 óbito.
no Ilhéu Alto, com atingimento da Travessa Fran-
dois escorregamentos de solo e rocha na Rua das cisco Lopez Rúbio; e escorregamento de solo nas
Pedras, MorroAlém destas,com
Caneleira, vale destacare um
2 óbitos; aquelas
es- em que houve munícipes feridos, a saber:
ruas 1 e 8, nos morros Pacheco e Penha.
escorregamentos
corregamento de solo nade solo
Ruana7,Rua Nossa
Morro Senhora de Lurdes, Morro Fontana e na Travessa Luciano
Pacheco,
com 1 óbito.
de Castro, no bairro Saboó. Outras ocorrências chamaram a atenção pelo grande volume de
material mobilizado (Figura 5): escorregamento de solo e rocha no Ilhéu Alto, com atingimento
da Travessa Francisco Lopez Rúbio; e escorregamento de solo nas ruas 1 e 8, nos morros Pacheco
e Penha.
104
Desastre relacionado às chuvas intensas na Baixada Santista em março de 2020
105
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
3.4 Ações de Resposta e Recuperação Pós- Os técnicos da Defesa Civil municipal apon-
Desastre taram no “Relatório Técnico de 100 Dias” diversos
locais onde são necessárias ações mitigadoras em
As ações de resposta e recuperação foram caráter emergencial. Diversas destas já foram rea-
iniciadas logo nos primeiros dias após o registro lizadas, entretanto muitas delas ainda estão em
do desastre. Na madrugada do dia 03/03/2020, a vias de execução. Ressalta-se que as demolições
Prefeitura Municipal de Guarujá instalou o Gabi- preventivas (Figura 6A) das moradias localizadas
nete de Crise que mobilizou diversas secretarias nos escorregamentos e ou em suas adjacências
e assim promoveu o acionamento do Plano de ocorreram segundo critérios técnicos e sempre
Contingência (PLANCON), envolvendo também acompanhados de geólogos da Defesa Civil e en-
a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil genheiros da prefeitura. As demolições foram pla-
(SEPDEC), CEPDEC, IPA, IPT e Corpo de Bom- nejadas pela Defesa Civil e realizadas de comum
beiros. Do mesmo modo, foi instalado em Santos acordo com os moradores das áreas de risco.
um gabinete de crise para a operação do nível de O município de Guarujá realizou uma obra
“Alerta” do PPDC, contando com a participação emergencial de estabilização no Morro do Ma-
das secretarias municipais competentes e dos caco Molhado (Figura 6B) por meio de recursos
órgãos componentes do SINPDEC. Ademais, os disponibilizados pelo Governo Estadual em um
municípios contaram com recursos financeiros total de R$ 25 milhões. Além disso, a Prefeitura de
provenientes do governo estadual e federal para Guarujá solicitou recursos para ações de limpeza
as ações de resposta e recuperação. e remoção do material mobilizado nas áreas de
Diante disso, foram realizadas vistorias técni- risco geológico onde o Governo Federal realizou
cas para promover a remoção preventiva e definiti- o repasse de R$ 20,5 milhões para que sejam ado-
va dos moradores em função da situação de vulne- tadas essas medidas, medidas essas que já foram
rabilidade nos locais afetados e também se iniciou o realizadas pelo município.
levantamento das intervenções estruturais necessá- Dezenas de medidas não estruturais foram
rias à redução do risco remanescente nessas áreas. implementadas em Guarujá após o evento de
No caso de Guarujá, somente na primeira março de 2020, sendo elas: aumento do efetivo
quinzena, a Defesa Civil municipal promoveu 89 da Defesa Civil, com a contratação de 10 agen-
vistorias técnicas, recebendo apoio da CEPDEC tes de Defesa Civil e 1 geólogo; recebimento de
por meio das equipes técnicas do IPA e IPT para equipamentos por parte do Governo do Estado;
as ações de resposta. Vale ressaltar que a Prefei- recebimento de viaturas por parte da Prefeitura
tura de Guarujá por meio do PLANCON dispo- Municipal de Guarujá; tratativas com o IPT visan-
nibilizou a Escola Municipal Prof. Dirce Valério do à atualização do PMRR; utilização de geotec-
para o acolhimento e abrigamento da população nologias para melhorar o trabalho dos técnicos e
atingida; o total de abrigados na escola do muni- agentes de Defesa Civil e também a criação em ca-
cípio foi de 279 pessoas. O fim das buscas pelas ráter experimental de um Núcleo Comunitário de
vítimas soterradas por escorregamentos em Gua- Proteção e Defesa Civil (NUPDEC) na região da
rujá foi decretado pelo Corpo de Bombeiros no Serra do Guararu, mais especificamente na Prai-
dia 10/03/2020, após localizar a última vítima, no nha Branca.
caso, membro da corporação. No caso de Santos, foram definidos 41 locais
O Governo do Estado de São Paulo destinou onde seriam necessárias intervenções emergen-
durante 1 ano um auxílio emergencial para as fa- ciais de segurança, principalmente obras de esta-
mílias das áreas de risco que tiveram suas mora- bilização de encosta. Estas vêm sendo executadas
dias afetadas pelos movimentos de massa. Além conforme uma classificação de prioridade defini-
disso, a Prefeitura de Guarujá cadastrou todas as da pelos técnicos municipais, sendo aquelas de
famílias em programas habitacionais e contribuiu maior prioridade já finalizadas (Figura 7). Os re-
com um auxílio municipal, o qual permanece até cursos utilizados para tanto são provenientes do
os dias atuais e só se encerrará quando estas famí- Município, Estado e União.
lias forem contempladas com moradias.
106
técnicos e agentes de Defesa Civil e também a criação em caráter experimental de um Núcleo
Comunitário de Proteção e Defesa Civil (NUPDEC) na região da Serra do Guararu, mais
especificamente na Prainha Branca. Desastre relacionado às chuvas intensas na Baixada Santista em março de 2020
Figura 7. Fotos obtidas entre 2020 e 2021 mostram exemplos de obras de estabilização já finalizadas em Santos: A, na Rua Santa
Marta, Morro São Bento,
Figurae,7 B, entre obtidas
– Fotos as ruas entre
1 e 8, 2020
nos morros
e 2021 Pacheco
mostram eexemplos
Penha. de obras de estabilização já
finalizadas em Santos: A, na Rua Santa Marta, Morro São Bento, e, B, entre as ruas 1 e 8, nos
morros Pacheco e Penha. 107
Cerca de 500 famílias ainda hoje recebem auxílio moradia emergencial, pago em conjunto
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
108
Desastre relacionado às chuvas intensas na Baixada Santista em março de 2020
109
MORTES POR DESLIZAMENTOS NO BRASIL:
1988 A 2022
DEATHS FROM LANDSLIDES IN BRAZIL: 1988 TO 2022
RESUMO ABSTRACT
Os movimentos de massa são os processos geológi- Mass movements are the geological processes that
cos que mais causam vítimas fatais no Brasil. De 1988 most cause fatalities in Brazil. From 1988 to 2022, 4146
a 2022, 4146 pessoas foram vitimadas em 16 estados, people were victimized in 16 states, 269 municipalities
269 municípios e em 959 eventos. As principais cidades and in 959 events. The main cities are located in the
estão localizadas na região serrana do Rio de Janeiro, mountainous region of Rio de Janeiro state, namely
sendo elas Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Os Petrópolis, Teresópolis and Nova Friburgo. The data
dados estão no Banco de Dados de mortes por desliza- are in the Landslide Deaths Database compiled by the
mentos compilados pelo Instituto de Pesquisas Tecno- Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São
lógicas do Estado de São Paulo, a partir de notícias da Paulo, from media news on its various digital and print
mídia em suas várias plataformas digitais e impressas, platforms, scientific articles, academic works among
artigos científicos, trabalhos acadêmicos dentre várias various available sources.
fontes disponíveis.
Keywords: Landslides; mass movements; fatalities;
Palavras-chave: Deslizamentos; movimentos de mas- Database; Brasil.
sa; vítimas; Banco de Dados; Brasil.
110
MORTES POR DESLIZAMENTOS NO BRASIL
111
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
ADULTOS (18-59) – idade da vítima a partir utilizado para descrever não só a localização, mas
da classificação do IBGE; alguma descrição do processo, os dados das víti-
IDOSOS (60+) – idade da vítima a partir da mas (nome e idade), além de outras informações
classificação do IBGE; como intensidade de chuvas. Observou-se que
IDADE NÃO IDENTIFICADA – indicação era necessário discretizar essas informações e as-
de não identificação de idade; sim criaram-se as colunas de Descrição; Vítimas
FONTE – fonte de obtenção dos dados do (nome); para análise de gênero as colunas Mulhe-
acidente (jornal, link do website contendo a res; Homens; Gênero não Identificado; para análi-
notícia, etc.). se da idade das vítimas as colunas Crianças (0-11
anos); Adolescentes (12-17 anos); Adultos (18-59
Na montagem do Banco, a Tabela Acidentes anos); Idosos (+ 60 anos).
continha o dado Localização que acabou sendo
Figura 1. Relações criadas entre as tabelas no Banco de Dados, utilizando o software Micro-
soft Access.
112
MORTES POR DESLIZAMENTOS NO BRASIL
blema é a classificação diferente do usual, como 101 e 300 mortes, equivalente a 20%; e o grupo IV,
por exemplo, nos eventos de corridas de massa em que o número de vítimas passou de 301, pro-
do norte de Santa Catarina em 2008 que no Ban- porcional a 6% dos casos, correspondendo a 2011
co está com 135 vítimas nas diversas cidades, mas e 2022.
no Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, editado Em termos de comparação com a média
pelo UFSC-CEPED (2013), foi considerado os flu- anual (118 vítimas), observa-se que 80% dos even-
xos de lama e detritos (corridas) como atributos de tos apresentaram número de vítimas abaixo dessa
enxurradas, características estas que divergem de média.
outros autores e até mesmo da COBRADE (Classi- Observa-se que existem alguns casos anôma-
ficação e Codificação Brasileira de Desastres). los ao longo dos anos, porém entre toda a distri-
buição, o ano de 2011 apresenta maior destaque,
pois possui um número de óbitos extremamente
3.1 Análise dos dados do banco de mortes maior (969) que os outros anos. Isto se deve a um
por ano evento extremo que atingiu a Região Serrana do
Rio de Janeiro no verão de 2011, afetando prin-
A Figura 2 apresenta os dados cadastrados
cipalmente os municípios de Nova Friburgo (429
no Banco de Mortes por ano de ocorrência. O total
mortes), Teresópolis (382 mortes), e Petrópolis (74
de vítimas em todo o país entre 1988 e junho de
mortes). Outro ano que se destaca é 2022, cujos
2022 é de 4146, com média anual de 118 vítimas.
dados ainda são parciais, com 443 vítimas. Entre-
Percebe-se que há quatro grupos de dados: o gru-
tanto, exceto por estes dois anos, as outras ano-
po I, anos em que os eventos não passaram de 30
malias se apresentam no grupo III, entre 101 a 300
óbitos, equivalente a 23% da distribuição; o grupo
mortes, ocorrendo nos anos de 1988, 1995, 1996,
II, que corresponde a um número de fatalidades
2003, 2008, 2010 e 2020.
entre 31 e 100, 51%; o grupo III, que geraram entre
Figura 2. Gráfico de distribuição de mortes por deslizamentos entre 1988 e junho de 2022.
113
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Observa-se na Figura 3, o gráfico dos dez estados que tiveram mais óbitos.
Figura 3. Gráfico de mortes por deslizamentos nos dez principais estados entre 1988 e junho de 2022.
O estado que apresenta maior número de tal). Isso pode ser devido à implementação desde
óbitos é o Rio de Janeiro, com 3,8 vezes mais que 1988 do Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC),
o estado de São Paulo que está em segundo lugar. caracterizado por monitoramento constante das
Nota-se também que mesmo com essa grande di- chuvas e das áreas de risco e por um sistema de
ferença em número de vítimas, o Rio de Janeiro gestão de defesa civil (Macedo et al., 1999).
tem aproximadamente o mesmo número de aci- Os estados de Minas Gerais e Pernambu-
dentes que São Paulo. Mesmo se desprezarmos o co apresentam dados semelhantes em termos de
evento de 2011 com 932 vítimas, o Rio de Janeiro óbitos e número de eventos. No entanto, apenas
ainda assim apresenta 2,2 vezes mais óbitos que em 2022, Pernambuco teve 122 vítimas. O mesmo
São Paulo. A relação entre número de vítimas e ocorre entre Bahia e Santa Catarina, onde neste
número de acidentes mostra que o Rio de Janeiro último tivemos em 2008 uma série de eventos ex-
tem em média 9,5 vítimas por acidente, enquanto tremos no Vale do Itajaí, que gerou 135 vítimas.
São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco apresen-
tam 2,4 vítimas por acidente. Interessante notar
que a Bahia e Santa Catarina apresentam a rela-
3.3 Análise dos dados do banco de mortes
ção vítimas por acidente elevada, sendo 4,4 e 4,8 por municípios
respectivamente.
Analisando-se a Figura 4, observa-se que
O estado de São Paulo apresenta o segundo
dentre os 10 municípios com maior número de
maior número de óbitos, sendo que as áreas lito-
óbitos, seis deles se localizam no estado do Rio
râneas paulistas relacionadas às encostas da Serra
de Janeiro, sendo que dentre estas localidades Pe-
do Mar apresentam, relativamente, um número
trópolis, Nova Friburgo e Teresópolis estão inse-
baixo de fatalidades (100 vítimas ou 17,6% do to-
ridas na mesma área da região serrana do estado
114
MORTES POR DESLIZAMENTOS NO BRASIL
do Rio de Janeiro. Estes municípios sofreram um serranas que apresentam altas declividades, con-
evento extremo em 2011, já comentado anterior- tribuindo para os eventos de movimentos de mas-
mente. Nestas três cidades o número de vítimas sa, como em regiões serranas ou litorâneas, por
(1506) representa 70,3% do total do estado do Rio exemplo. É de se esperar, então, um aumento no
de Janeiro (2143) e 36,3% do total nacional (4146). número de áreas de risco e mesmo do nível de ris-
Chama a atenção o baixo número de eventos em co dentro das áreas já existentes.
Teresópolis (12) e Nova Friburgo (7) com relação Dentre as dez cidades com mais vítimas, qua-
a Petrópolis (66). tro são capitais, ou seja, cidades de grande impor-
A presença de Jaboatão de Guararapes entre tância para seus estados e regiões metropolitanas,
as 10 cidades com mais mortes se deve aos even- atraindo a migração de pessoas e aumentando a
tos de 2022 com 62 vítimas. pressão para ocupação de locais com alta susceti-
Percebe-se também que quase todos os mu- bilidade a movimentos de massa. Rio de Janeiro,
nicípios apresentados na Figura 4 são locais em São Paulo, Salvador e Recife apresentam ocorrên-
que há grande pressão para a ocupação de encos- cias com vítimas com uma distribuição temporal
tas, uma vez que áreas mais planas, de menor ris- regular, tanto com eventos com grande número
co, já foram ocupadas. Além disso, muitas destas de fatalidades quanto eventos com poucos óbitos.
cidades se localizam em regiões montanhosas e
Figura 4. Os 10 municípios que apresentam maior número de fatalidades entre 1988 e junho de 2022.
A Figura 5 mostra um gráfico com os 10 mu- pressivos de 208 vítimas a cada 100 mil habitantes
nicípios e a relação do número de vítimas por gru- para Petrópolis, 230 em Nova Friburgo e 229 em
po de 100 mil habitantes. Esse índice é bastante Teresópolis. Interessante notar que nas grandes
utilizado em análises socioeconômicas. Observa- cidades do país esse índice é pequeno, como em
-se que novamente o destaque para as cidades da São Paulo (1), Rio de Janeiro (5), Salvador (7) e Re-
região serrana do Rio de Janeiro com índices ex- cife (10).
115
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 5. Índice de mortes por 100 mil habitantes nos 10 municípios com mais vítimas.
Na Figura 6 estão os municípios que pos- res mesmo com apenas um evento, como o caso
suem os maiores índices de mortes por 100 mil de Timbé do Sul. Mas é de se notar que as mesmas
habitantes. Neste caso, os pequenos municípios três cidades da região serrana do Rio de Janeiro se
com pequenas populações atingem grandes valo- mantém entre os dez maiores índices.
Figura 6. Índice de mortes por 100 mil habitantes nos 10 municípios com os maiores índices.
116
MORTES POR DESLIZAMENTOS NO BRASIL
4 CONCLUSÕES REFERÊNCIAS
117
CONTRIBUIÇÕES
E REFLEXÕES
119
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
para bem atender aos projetos geotécnicos, neces- de tipos de investigações geológico-geotécnicas
sita do aporte de inúmeras outras disciplinas ou e respectivas finalidades, contém abordagem so-
áreas técnicas ( e de seus respectivos expertises) bre padronização e digitalização de informações
, resumidamente citadas na Figura 1 como Enge- geotécnicas. O tema padronização – digitação de
nharias, Geociências e Ciências Ambientais. informações, além de constar da agenda da ABGE
em eventos, publicações e debates, acaba de rece-
ENGENHARIA GEOTÉCNICA: APLICAÇÕES DA GEOTECNIA ber atenção na Conferência Europeia da IAEG, em
GEOTECNIA
Atenas, outubro de 2021, onde o Prof. Resat Ulu-
say, da Universidade de Ankara, irá proferir uma
M. SOLOS
palestra, cujo título em tradução literal seria: “Im-
ENGENHARIAS GEOCIÊNCIAS
portância da padronização da caracterização de
rochas e de ensaios em geoengenharia e tendên-
cias futuras”. Aqui foi utilizado o termo geoen-
M. ROCHAS G. E. genharia, cada vez mais frequente no exterior,
para dar ampla abrangência, incluindo não só a
Geotecnia e a Engenharia Geotécnica, mas tam-
CIÊNCIAS AMBIENTAIS
MONTICELLI (2021) bém áreas correlatas, que foram descritas como
engenharias, geociências e ciências ambientais na
Figura 1. Geotecnia e Engenharia Geotécnica. Figura 1. Oliveira e Monticeli (2018b) também co-
mentam o termo geoengenharia.
Infelizmente, ao desconsiderar tal base con- A apresentação digital de perfis de sonda-
ceitual, ou as considerar de maneira equivocada, gens (logs) tem se tornado comum no Brasil, mas
uma série de omissões e erros em obras acabam ainda é incipiente a padronização da caracteriza-
ocorrendo. A Figura 2 mostra áreas de sombrea- ção geológico-geotécnica (onde for possível e de-
mento, que se estendem, na prática, aos próprios sejável), e praticamente ausente o formato digital
profissionais e acadêmicos que se capacitam e ne- único, que permitiria a formação de banco de da-
las atuam. É fácil perceber que a Engenharia Geo- dos e intercâmbio eficaz das informações entre os
técnica não se restringe a ser praticada por apenas vários protagonistas envolvidos, nas diversas eta-
um dos profissionais expertises em uma das três pas de investigações e durante toda a vida útil de
disciplinas que compõem a Geotecnia e, mesmo um empreendimento. A ABGE e o Grupo AGS-BR
estes, necessitam recorrer e se interagir com ou- têm promovido a divulgação desses conceitos,
tras especialistas. No que se refere às relações que se coadunam à implantação do BIM da cons-
Geotecnia – Engenharia Geotécnica, a abordagem trução civil no país, mas com enormes lacunas a
acima complementa a reflexão feita por Santos ( serem sanadas.
2019), aqui na própria RBGEA, e aquela descrita
por Oliveira e Monticeli (2018b).
Cabe a ABGE, através da RBGEA e de outros 4 IMAGEAMENTO EM FUROS DE
veículos de divulgação, um papel importante: SONDAGENS
incentivar o debate dos conceitos constantes em
O livro 3, “Manual de Sondagens”, contém
suas publicações, em especial os apresentados na
atualização do tema “imageamento de furos”. En-
coletânea.
tretanto, os avanços decorrentes dos procedimen-
tos de execução, interpretação e representação de
3 PADRONIZAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO resultados são tantos que há necessidade de uma
DE INFORMAÇÕES publicação, na forma de diretriz, manual ou guia,
para tratar especificamente do assunto
Um dos principais avanços dado pela cole-
tânea foi a inclusão do Livro 1, resultado da par-
ceria da ABGE com o Grupo AGS-BR (www.pa-
draoags.com.br) que, além de fazer uma listagem
120
REFLEXÕES SOBRE O LIVRO “INVESTIGAÇÕES GEOLÓGICO-GEOTÉCNICAS
9 445 10,5
16 23 9 20 30 9 15 16 12
MANOBRA = 164,5 cm
16 + 23 + 20 + 30 . 100% 89 . _ 91%
IQR = = 100% ~
98 98
15 + 16 + 12 + 10,5 . 53,5 .
IQR = 100% = 100% _
~ 63%
84,5 84,5
16 + 23 + 20 + 30 + 15 + 16 + 12 + 10,5 . 142,5 .
RQD = 100% = 100% _
~ 86%
164,5 164,5
Os procedimentos, hoje definidos como IQR, nas investigações para os estudos de viabilidade
foram desenvolvidos - caso não falhe a memória - de maciços basálticos e areníticos da Barragem de
pelo autor, então geólogo do IPT, em meados dos Porto Primavera (SP/MS) e de Rosana (SP/PR).
anos 1970 e constaram de publicação da ABGE Caso se adotasse o comprimento por manobra, as
na década seguinte (Monticeli, 1986). Na época, regiões muito a extremamente fraturadas, e mes-
além da tradução, o critério original de obtenção mo a então denominadas “juntas -falhas” (zonas
do RQD foi adaptado às condições encontradas de expressiva continuidade sub-horizontal, de es-
121
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
pessuras centimétricas a decimétricas, contendo de 1975, época que o IPT investiu no desenvolvi-
preenchimentos argilosos e estrias de fricção, pre- mento de várias tecnologias de barragens, entre
sentes em núcleos dos derrames basálticos) não as quais a proposição de adequações do Ensaio
estariam bem identificadas pelo critério proposto Lugeon às condições brasileiras, consolidada na
por Deere, mas seriam ao se considerar trechos edição pioneira de 1975.
isofraturados. O RQD foi proposto originalmente
para sondagens com diâmetro mínimo de 76 mm
e vedada a sua aplicação a maciços alterados. Essa
7 ENSAIOS EM AMOSTRAS E PERFIL (LOG)
consideração foi substituída, desde a década de DE SONDAGEM
1970, pela exigência de recuperação mínima de
Os ensaios mais comuns em amostras de son-
75%, com exceções aprovadas pela Fiscalização.
dagens foram tratados no l
Interessante notar que o parâmetro RQD/
Livro 1. Comumente, coletam-se amostras de
IQR tem recebido críticas favoráveis e desfavorá-
solos e de rocha para caracterização mineralógica,
veis desde a sua proposta original feita por Deere.
tecnológica e mecânica em laboratório, cujos re-
Sérgio N.A. de Brito, em 1987, artigo republicado
sultados e interpretações são feitos à parte, após a
nesse número da RBGEA, levantou objeção por
campanha de sondagens.
ser o RQD um parâmetro aplicável apenas a tes-
Os modelos de perfis de sondagens têm se
temunhos de sondagens, não podendo “ser obser-
mantido inalterados ou com poucos avanços nos
vável no campo”.
últimos anos. Talvez tenha chegado a hora de in-
centivar pesquisas sobre o aperfeiçoamento da
6 ENSAIOS DE PERMEABILIDADE apresentação de perfis, dentre outras, testando
modelos que permitam incluir dados quantitati-
O assunto é abordado em todos os livros e vos obtidos no campo e em laboratório, tanto do
em profundidade nos Livros 4 e 5. trecho em solo, como em rocha. O Livro 6 contém
O Livro 4 deve rever as apresentações do tabela, publicada pela ISRM, que apresenta corre-
“ensaio de infiltração por meio do anel duplo” e lação entre características de campo de solo e ro-
do ensaio com o uso do “permeâmetro de Guel- cha e a resistência à compressão uniaxial.
ph”. Esses ensaios medem “taxa ou velocidade de
infiltração” e são destinados a estimar a permea-
bilidade da parte superficial de solos, de utilidade 8 DIRETRIZ, MANUAL, GUIA E NORMA
a estudos ambientais e agronômicos.
A ABGE tem produzido diretrizes, manuais
Importante constatar que o termo “permea-
e guias, mas não “normas”. Um recente parecer
bilidade” foi usado em todos os livros, para desig-
encomendado pela ABGE analisou as bases jurí-
nar a condutividade hidráulica dos terrenos, mas
dicas das normas brasileiras (NBs) emitidas pela
evitando confundir-se com o termo “coeficiente
ABNT e indicou que nada impede a ABGE utili-
de permeabilidade”, dada a especificidade e res-
zar o título “normas”, para suas publicações, ou
trições conceituais deste último, apesar do sím-
de parte delas, no formato em que seja decidido
bolo “K” e da unidade (cm/s) ser utilizado para
pela entidade, principalmente onde há lacunas da
ambos os casos. A condutividade hidráulica tam-
ABNT. (Passini &Alvarez, 2021).
bém é expressa em perda d’água específica (PE),
Segundo descrito no parecer, “como regra
unidade em (L/min.m) / (Kgf/cm2). Comumente
geral, as normas emitidas pela ABNT (associação de
são feitas correlações aproximadas entre a PE e a
caráter privado) não têm força de lei e nem caráter vin-
condutividade/ permeabilidade K em ensaios em
culante. Passa a ter caráter obrigatório se a lei assim o
furos de sondagens, assunto abordado no Livro 6.
dispuser” .
Um importante passo foi dado na publicação
Sobre a produção de “normas” pela ABGE,
“Ensaio de perda d’água sob pressão – Diretrizes”
até agora referidas como diretrizes, manuais e
(Livro 5). A revisão e atualização dessa publica-
guias, o parecer cita que “a aceitação é voluntária e
ção resgatou o histórico da sua edição original,
somente seria vinculante: (i) no plano legal/normativo
122
REFLEXÕES SOBRE O LIVRO “INVESTIGAÇÕES GEOLÓGICO-GEOTÉCNICAS
caso seja reconhecida e acolhida pelo poder público; e Monticeli, J.J. 1986.Influências da compartimenta-
(ii) no plano privado, caso seja mencionada em um con- ção geológico-geotécnica de maciços rochosos no
trato como norma a ser observada pelas partes”. Outro projeto de fundações de barragens – Fase de via-
caminho dado pelo parecer seria “buscar, desde já, bilidade. Dissertação de Mestrado em Geotecnia,
um contato com a ABNT para emissão de normas re- EESC-USP, Síntese de tese, 6. São Paulo: ABGE.
sultantes de trabalho realizado em conjunto com este
órgão”. Oliveira, A.M.S; Monticeli, J.J. (Eds.) 2018a. Geo-
logia de engenharia e ambiental. Volume 1 – Es-
trutura do livro, 86 p., volume 2 – Métodos e Téc-
AGRADECIMENTO nicas, 479 p. e volume 3 - Aplicações, 356 p. São
Paulo: ABGE.
À direção da ABGE pela autorização de di-
vulgação de informações referentes ao parecer Oliveira, A.M.S.; Monticeli, J.J. 2018b. Introdução.
jurídico sobre “normas ABGE”. Ao geólogo Erik In: Oliveira, A.M.S.; Monticelli, J.J. (eds.). Geolo-
Wunder, pelo incentivo à elaboração do presen- gia de Engenharia e Ambiental, capítulo 1, volu-
te artigo à RBGEA, quando estava previsto ser me 2 – Métodos e Técnicas, p.: 10-20. São Paulo:
apenas um relatório interno à direção da ABGE. ABGE.
Ao geólogo João Paulo Monticelli, pela revisão e
sugestões. Passini & Alvares. 2021. Parecer – Natureza das
“normas” a serem emitidas pela ABGE. Parecer
jurídico de Passini & Alvares Sociedade de Advo-
REFERÊNCIAS gados a ABGE. Disponível em www.abge.org.br.
Marrano, A.; Monticelli, J.J; Tressoldi, M. 2021. Di- Santos, A. R. 2019. Geologia de engenharia: a geo-
retrizes para descrição de sondagens – 2ª Tentati- ciência aplicada que vê o homem enquanto agente
va. Livro 6, p. 357-441. In: Monticelli, J.J.(ed.). In- geológico. ABGE: Revista Brasileira de Geologia
vestigações geológico-geotécnicas – Guia de boas de Engenharia e Ambiental. Volume 9, 01 e 02.
práticas. São Paulo: ABGE. São Paulo: ABGE.
Monticelli, J.J. (Ed.) 2021. Investigações geológico-
-geotécnicas – Guia de boas práticas. 528 p. São
Paulo: ABGE.
123
ESTÁDIO DO PACAEMBU, EXEMPLO VIRTUOSO DA
INTEGRAÇÃO ENTRE ARQUITETURA E GEOLOGIA
PACAEMBU STADIUM, A VIRTUOUS EXAMPLE OF INTEGRATION BETWEEN
ARCHITECTURE AND GEOLOGY
Em atendimento a solicitação a mim feita “Artigo 1º - Fica tombado como bem de interesse his-
tórico, cultural, arquitetônico e ambiental, o ESTÁ-
pela arquiteta Sol Camacho, como suporte a pro-
DIO MUNICIPAL “PAULO MACHADO DE CAR-
jeto que desenvolve tendo como tema o estádio do VALHO”, marco cultural na história desportiva e
Pacaembu, fiz um “mergulho” em pesquisas so- amostragem do estilo arquitetônico da Cidade de
bre essa odisséia arquitetônica paulista, com base São Paulo.”
em que elaborei esse artigo, o qual reputo bastan-
CONDEPHAAT – Resolução SC 05/98
te oportuno para exemplificar as indispensáveis
boas relações entre a Arquitetura/Urbanismo e a “Considerando a importância do Conjunto Es-
Geologia. Além, claro, da oportunidade do regis- portivo do Pacaembu para a história do esporte
tro histórico e da divulgação de uma obra e um paulista, cujas origens remontam a iniciativa de
contexto de bairro que marcaram virtuosamente a educação pelo esporte de jovens paulistanos, a
realização de campeonatos e competições espor-
história do urbanismo paulistano.
tivas de caráter nacional e a solenidades cívicas;
Com pleno reconhecimento da sociedade
paulista o Estádio do Pacaembu é popularmente Considerando a qualidade de sua arquitetura e de sua
louvado como o grande patrimônio histórico cul- implantação que soube inserir projeto de grandes di-
tural do esporte no Estado, especialmente pelo mensões na paisagem, respeitando-a e ao mesmo tempo
valorizando urbanisticamente o bairro do Pacaembu,”
que representou e por seu enorme conteúdo emo-
cional na história do futebol paulista, tendo esse
sido o motivo destacado de seu tombamento pelo 2 ARQUITETURA E GEOLOGIA
CONPRESP (1988) e pelo CONDEPHAAT (1998).
Reconhecido esse aspecto, há, no entanto, Entendamos, por princípio, o meio físico
que também se destacar o extraordinário patrimô- geológico como o conjunto maior de fatores geo-
nio arquitetônico representado pelo Estádio do lógicos propriamente ditos, geomorfológicos, hi-
Pacaembu; aspecto que, destaque-se, não passou drológicos e pedológicos, consideradas todas suas
despercebido dos termos oficiais dos dois atos de características físicas e seus processos dinâmicos
tombamento referidos. No âmbito de sua quali- pretéritos e atuais.
dade arquitetônica, considere-se especialmente a Não há intervenção humana no meio físico
perfeita harmonização do projeto e do empreendi- geológico natural que não provoque algum tipo
mento com as feições naturais de ordem geológica de desequilíbrio. O corte em uma encosta, o peso
e geomorfológica do local em que foi implantado. de uma barragem, o vazio provocado pela esca-
Vale aqui reproduzir os conteúdos das duas vação de um túnel, a impermeabilização do solo
resoluções de tombamento que tratam essa questão: causada pela cidade, o rebaixamento forçado do
124
Estádio do Pacaembu, exemplo virtuoso da integração entre arquitetura e geologia
125
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 1. A flecha posiciona o Estádio do Pacaembu no contexto do espaço urbanizado da cidade de São Paulo.
Figura 1. A flecha posiciona o Estádio do Pacaembu no contexto do espaço urbanizado da cidade de São Paulo.
Figura 2. Posição do Estádio do Pacaembu no mapa geológico da cidade de São Paulo. Toda a região entre- rios está inserida
Figura 2.Sedimentar
na Bacia Posição doTerciária
EstádiodedoSão
Pacaembu
Paulo. Emnocormapa geológico
esverdeada da cidade
terrenos de SãodaPaulo.
sedimentares Toda
Formação Sãoa Paulo,
regiãoeentre- rios
em cores
está inseridafortes
amareladas na Bacia Sedimentar
terrenos Terciária
sedimentares de SãoResende.
da Formação Paulo. O
Em cor esverdeada
Estádio terrenos
localiza-se na interfacesedimentares daformações.
entre essas duas Formação
Em Paulo,
São bege claro
e emos sedimentos aluvionares
cores amareladas quaternários
fortes terrenos das antigas e atuais
sedimentares várzeas dosResende.
da Formação rios Tietê,OPinheiros
Estádioe localiza-se
Tamanduateí.na
Em vermelho, corpos graníticos do embasamento. O espigão de relevo por onde hoje se desenvolvem a Av. Paulista e a Av.
interface entre
Dr. Arnaldo essas com
coincide duaso formações. Em da
eixo longitudinal bege claro
faixa os sedimentos
sedimentar aluvionares
da Formação São Paulo.quaternários das antigas e atuais
várzeas dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí. Em vermelho, corpos graníticos do embasamento. O espigão de
relevo por onde hoje se desenvolvem a Av. Paulista e a Av. Dr. Arnaldo coincide com o eixo longitudinal da
faixa sedimentar da Formação São Paulo.
126
No que se refere às suas características geomorfológicas, ou seja, de relevo, predomina uma topografia
Estádio do Pacaembu, exemplo virtuoso da integração entre arquitetura e geologia
No que se refere às suas características geo- do rio Tietê (Av. 9 de Julho, Av. da Consolação,
morfológicas, ou seja, de relevo, predomina uma Av. do Pacaembu, Av. Sumaré, Av. Pompéia...),
topografia de colinas suaves, onde se destaca, e sua vertente sudoeste é topograficamente des-
como divisor de águas das bacias do Tietê e do cendente em direção às várzeas do rio Pinheiros
Pinheiros, a eminente presença de um espigão (Rua Pamplona, Rua Augusta, Av. Rebouças, Rua
central (uma crista mais alta do relevo), por onde Teodoro Sampaio, Rua Cardeal Arco Verde...).
se desenvolvem hoje a Av. Paulista, a Av. Dr. Ar- Nessas vertentes estão instaladas nascentes
naldo, a Av. Heitor Penteado e a Av. Cerro Corá. de diversos córregos afluentes dos citados prin-
Essa crista coincidiria aproximadamente com a cipais rios, como é o caso do córrego do Pacaem-
bissetriz do referido ângulo formado pelos rios bu, na cabeceira do qual foi instalado o estádio do
Tietê e Pinheiros (figura 3). Pacaembu.
A vertente norte desse espigão central é topo-
graficamente descendente em direção às várzeas
Figura 3. A linha amarela indica a crista do espigão central, por onde se desenvolvem a Av.
Figura 3. A linha amarela
Paulista indica
e a Av. a crista do
Dr. Arnaldo. espigão
Dessa central,
vertente por em
descende onde se desenvolvem
direção às várzeas doa rio
Av.Tietê
Paulista
o e a Av. Dr.
Arnaldo. Dessa vertente
vale descende
do Córrego em direção
do Pacaembu, às várzeas
em cuja cabeceirado
foi rio Tietê oo estádio.
instalado vale do Córrego do Pacaembu, em cuja
cabeceira foi instalado o estádio.
tes. Do ponto de vista geológico é uma área de te reduz a demanda de grandes cortes e aterros,
franca evolução do relevo, com terrenos úmidos evitando ao máximo a introdução de fatores de
e instáveis, o que lhe caracteriza como pouco afei- instabilidade geotécnica no terreno. Mesmo as-
ta à ocupação urbana ou, ao menos, exigente de sim os cortes e aterros que se mostram inevitáveis
cuidados especiais para sua ocupação urbana. A contam com estruturas de arrimo e drenagem que
grande grota onde foi instalado o estádio corres- lhes garantem a desejada estabilidade. Concomi-
ponde à cabeceira do Córrego do Pacaembu. tantemente todo o bairro é dotado de extenso e
Pouco antes de 1930 a Cia. City inicia os ser- eficiente sistema de drenagem, o que inclui a ca-
viços de loteamento do bairro do Pacaembu. Em nalização do Córrego do Pacaembu, que corre ao
uma concepção arrojada o arruamento do novo longo do talvegue do vale em direção ao rio Tietê
bairro se adequa, com suas ruas sinuosas, à topo- (figura 4).
grafia ondulada do novo bairro. Esse expedien-
bu na área da Grota Úmida, para cujo projeto foi é iniciada em meados dos anos 30 e concluída e
contratado o afamado Escritório Técnico Ramos inaugurada em 1940.
de Azevedo, Severo & Villares. A obra do Estádio
Figura 5. Planta topográfica do início dos anos 1930 mostrando o vale encaixado coincidente com a cabe-
Figura 5.ceira
Planta
de topográfica do início
drenagem (grota) dos anos
do córrego 1930 mostrando
do Pacaembu. Notar a o vale encaixado
expressão coincidente
topográfica dos flancoscom a cabeceira de
da grota,
drenagemaproveitados
(grota) do córrego do Pacaembu.
para o assentamento dasNotar a expressão
arquibancadas topográfica
laterais principaisdos
do flancos da grota, aproveitados para
futuro estádio.
o assentamento das arquibancadas laterais principais do futuro estádio.
129
uitetônico poucos foram os ajustes de terreno, via cortes e aterros, necessários à implantação
jeto, expressão do virtuoso casamento entre o empreendimento e as condições naturais do local
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
ecebeu. As próprias arquibancadas laterais compuseram a estrutura de contenção voltada a asseg
a desejada estabilidade
quibancadas lateraisgeotécnica
assentando-se dos taludes laterais
diretamente daacaso
“Por grotaouentão
não, o ocupada.
Estádio do Pacaembu
sobre os taludes naturais dessa feição geológica. materializará, em 1940, esse desejo e essa vocação
exto a Com
seguir reproduzido, retirado do livro “Museu do Futebol. Arquitetura e requalificação
a eleição desse conceito arquitetônico poucos paulistana: ele vem a ser atualização de um está-
ádio doforam
Pacaembu”,
os ajustes de deterreno,
Marianne Wenzel
via cortes e Mauro
e aterros, dio deMunhoz, dá bem
futebol inscrito conta
em vale. […] do
O seusentido
ajuste maior d
ocupação de adequação
necessários do projeto
à implantação do projeto,do Estádio
expressão às paisagístico
condiçõese naturais
urbanísticode seu local
combina de implantação:
a racionalida-
or acaso ou não, o Estádio do Pacaembu materializará, em 1940, esse desejo visí-
do virtuoso casamento entre o empreendimento de dos efeitos arquitetônicos imediatamente e essa voca
e as condições naturais do local que o recebeu. As veis com a sensualidade dos substratos telúricos
ulistana:próprias
ele vem a ser atualização de um estádio de futebol inscrito em vale. […] O seu aju
arquibancadas laterais compuseram a envolvidos. Encaixado perfeitamente “nos talu-
sagístico e urbanístico
estrutura de contenção combina
voltada aaassegurar
racionalidade
uma des dos efeitos
de uma grotaarquitetônicos
úmida” […], o estádio imediatamente
se aninha visí
m a sensualidade dos substratos
desejada estabilidade geotécnicatelúricos
dos taludesenvolvidos.
late- no seuEncaixado
entorno, maisperfeitamente “nosele,
do que se ergue sobre taludes de u
rais da grota então ocupada. ajustando-se elegantemente
ta úmida” […], o estádio se aninha no seu entorno, mais do que se ergue sobre ele, ajustando como um anfiteatro
O texto a seguir reproduzido, retirado do construído num anfiteatro natural […].
gantemente como um anfiteatro construído num anfiteatro
livro “Museu do Futebol. Arquitetura e requali-
natural […].
Ademais, a própria marca do pênalti, calculada
emais, aficação
própria marcadodo
no Estádio pênalti,decalculada
Pacaembu”, Marianne comocomo o o centro
centro exato exato do semicírculo
do semicírculo que compõe a ar- que compõ
uibancada
Wenzel norte,
e Mauro a da entrada,
Munhoz, dá bemé oconta
índice do tácito de um projeto
sen- quibancada norte, a em que campo
da entrada, detácito
é o índice jogo,de arquitetu
logia e tido maior dessa
urbanismo preocupação
integram uma de mesma
adequaçãoconcepção
do um projeto em que campo (Figuras
irradiadora.” 6 a 10).geo-
de jogo, arquitetura,
projeto do Estádio às condições naturais de seu logia e urbanismo integram uma mesma concepção
local de implantação: irradiadora.” (Figuras 6 a 10).
Figura 6. O vale conformado pela cabeceira de drenagem do Córrego Pacaembu em suas características
originais. Ao fundo a serra da Cantareira.
ra 6. O vale conformado pela cabeceira de drenagem do Córrego Pacaembu em suas características orig
undo a serra da Cantareira.
130
Estádio do Pacaembu, exemplo virtuoso da integração entre arquitetura e geologia
Figura 7. As obras em andamento, com as arquibancadas sendo “acomodadas” nos flancos do vale.
Figura 7. As obras em andamento, com as arquibancadas sendo “acomodadas” nos flancos do vale.
Figura 9. Foto panorâmica mostrando o avanço das obras do estádio, identificando-se a estrutura da
Figura 9. Foto panorâmica
cobertura do ginásiomostrando o avanço
e a arquibancada dasjáobras
lateral direita dosobre
assentada estádio, identificando-se
o talude da grota. Ao fundo, aa estrutura da
cobertura do ginásio e a arquibancada lateral direita já assentada sobre o talude da grota. Ao fundo, a
Serra da Cantareira.
Serra da Cantareira.
Figura 10. As obras de construção do Estádio do Pacaembu já praticamente concluídas. Notar que as
Figura 10. As obras de construção
conformações do Estádio
geomorfológicas donatural
do terreno Pacaembu
originaljá praticamente
foram concluídas.
essencialmente respeitadas eNotar
as que
mantidas.
Figura 11. Os pontos verdes indicam as principais nascentes que tiveram que ser captadas e drenadas.
Figura 11. Os pontos verdes indicam as principais nascentes que tiveram que ser captadas e drenadas.
133
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 12. Detalhe dos amplos serviços de drenagem de águas superficiais e profundas.
Figura 12. Detalhe dos amplos serviços de drenagem de águas superficiais e profundas.
7 URBANIZAÇÃO
7 URBANIZAÇÃO E HIDROLOGIA.
E HIDROLOGIA. OO PISCINÃO 43 m³/s,
DOo que passou a causar comuns e graves
PACAEMBU
PISCINÃO
Com a plena DO PACAEMBU
urbanização do bairro do Pacaembu, mais enchentes na região.
precisamente da região da sub- bacia hidrográfica
A solução de engenharia para o problema das
do CórregoCom do Pacaembu a montante
a plena urbanização do dos limites
bairro da Praça
do Pa- Charles Miller, o que corresponde a uma área
enchentes resultou na construção, em 1992, de um
próxima a 2,20mais
caembu, km², verificou-se,
precisamente o que
da região é natural
da sub- em áreas deurbanizadas,
ba- reservatório um notável
detenção (“piscinão”) cobertoaumento
sob do
Coeficiente de Escoamento
cia hidrográfica do Córrego do Superficial
Pacaembu ana mon-região. Isso
a Praça significa
Charles que,
Miller. O papelcom o acréscimo
hidráulico desse da
impermeabilização
tante dos limites do dasolo, seja
Praça pela Miller,
Charles retirada da vegetação
o que piscinão é natural,
receber e seja pela
conter presença pluvio-
em momentos de superfícies
impermeáveis,
corresponde comoa umatelhados, calçamentos,
área próxima a 2,20 km²,pavimentação, etc., há
ve- métricos críticos uma redução
o volume excedentedadecapacidade
43 m³/s dos
rificou-se, o que é natural em áreas urbanizadas,
terrenos em reter águas de chuva por acumulação ou infiltração, provenientesdodaque decorre
parte alta daum considerável
sub-bacia hidrográ-aumento
um notável aumento do Coeficiente de Escoamen- fica do córrego do Pacaembu situada a montante
do volume dessas águas que escoam superficialmente em direção às drenagens naturais ou construídas.
to Superficial na região. Isso significa que, com o da Praça. Passado o risco de inundações esse vo-
Para asacréscimo
condições naturais anteriores à urbanização consolidada, a vazão de projeto da galeria que
da impermeabilização do solo, seja pela lume retido é vertido na antiga galeria existente
promoveu a canalização
retirada da vegetação donatural,
córregoseja
dopela
Pacaembu,
presença 13sob
m³/s, se mostrava suficiente, mas com o avanço da
a Av. Pacaembu (figuras 13 e 14).
urbanização somente
de superfícies a área a montante
impermeáveis, da Praça
como telhados, cal- Charles Miller
Como passou
a região a contribuir,
do bairro em episódios
do Pacaembu que de
chuvas çamentos,
mais intensas, com atéetc.,
pavimentação, 43 há
m³/s,
umaoredução
que passou a causar com
da contribui comuns
águasepluviais
graves para
enchentes na éregião.
o piscinão de
A solução de engenharia
capacidade dos terrenospara o problema
em reter das enchentes
águas de chuva urbanização consolidada, com serviços básicos de de um
resultou na construção, em 1992,
reservatório de detenção
por acumulação (“piscinão”)
ou infiltração, do quecoberto sob ainfraestrutura
decorre um Praça Charles Miller.
urbana O papelplenamente
e saneamento hidráulico desse
considerável aumento do volume dessas
piscinão é receber e conter em momentos pluviométricos águas instalados,críticos o volume
com coleta excedente
eficiente de lixo urbanode e43 m³/s
que escoam superficialmente em direção às dre- entulhos de construção civil, sem áreas de solos
provenientes da parte alta da sub-bacia hidrográfica do córrego do Pacaembu situada a montante da
nagens naturais ou construídas. expostos à erosão, as águas acumuladas pelo pis-
Praça. Passado o risco de inundações esse volume retido é vertido na antiga galeria existente sob a Av.
Para as condições naturais anteriores à urba- cinão, diferentemente do que ocorre nos demais
Pacaembu (figuras
nização 13 e 14).
consolidada, a vazão de projeto da galeria piscinões instalados na metrópole paulista, são
que promoveu a canalização do córrego do Pa- relativamente despoluídas e com baixa carga de
caembu, 13 m³/s, se mostrava suficiente, mas com sedimentos, o que lhe confere a possibilidade de
o avanço da urbanização somente a área a mon- usos brutos urbanos, como águas de lavagem de
tante da Praça Charles Miller passou a contribuir, áreas urbanas e de irrigação.
em episódios de chuvas mais intensas, com até
134
águas acumuladas
possibilidade de usospelo piscinão,
brutos diferentemente
urbanos, como águas dedolavagem
que ocorre nos demais
de áreas urbanaspiscinões instalados na
e de irrigação.
metrópole paulista, são relativamente despoluídas e com baixa carga de sedimentos, o que lhe confere a
possibilidade de usos brutos urbanos, como águas de lavagem de áreas urbanas e de irrigação.
Estádio do Pacaembu, exemplo virtuoso da integração entre arquitetura e geologia
135
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
direto, atividades culinárias, etc., Esse objetivo que possam ser introduzidas pelo poder público,
poderia ser alcançado com a instalação de dispo- por concessionários e concedentes observarem es-
sitivos de acumulação de águas de chuva, poços ses mesmos princípios conceituais materializados
profundos para exploração da água subterrânea e em um virtuoso casamento entre Arquitetura e
pequena estação interna de tratamento de águas. Geologia. Paralelamente, evidenciando-os ao pú-
Com esse expediente o Estádio do Pacaembu tam- blico em atendimento a um objetivo informativo e
bém estaria colaborando para uma melhor gestão educacional.
das águas urbanas com vistas ao combate às en- No âmbito dessa mesma abordagem, ou seja,
chentes, aumentando sua capacidade de reten- em prosseguimento aos diligentes cuidados dos
ção de águas de chuva com decorrente alívio das projetistas e construtores do Estádio para com os
drenagens a jusante, o que o tornaria um exemplo serviços de drenagem de águas pluviais e subter-
paradigmático dessa tão importante variável hi- râneas, sugere-se pensar em um plano de gestão
dráulica de combate às inundações urbanas. hídrica do Estádio e áreas limítrofes que lhe torne
auto-suficiente em seu consumo de água para os
mais diversos usos e ainda o permitam cumprir
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS paradigmática função hidráulica de combate às
enchentes urbanas.
Considerado o enorme significado dos aspec-
tos construtivos tratados nesse documento, qual
seja o caráter de patrimônio arquitetônico repre- REFERÊNCIAS
sentado pelo Estádio do Pacaembu, especialmen-
te tida em conta sua adequação e harmonização WENZEL, M.; MUNHOZ, M. A. 2012. Museu do
arquitetônica às condições naturais ambientais Futebol: Arquitetura e requalificação do Estádio
prevalecentes na área que o recebeu, deve-se res- do Pacaembu. 1ª ed. São Paulo: Ed. Romano Guer-
saltar a importância de eventuais alterações físicas ra, 224 p.
136
GEO JÚNIOR CONSULTORIA E SUA CONTRIBUIÇÃO
PARA UMA GEOCIÊNCIA MAIS EMPREENDEDORA
CONTRIBUTION OF GEO JUNIOR CONSULTORIA
FOR A MORE ENTREPREUNER GEOSCIENCE
1 GEO JÚNIOR CONSULTORIA, dos primeiros anos poucos trabalhos foram reali-
FORMAÇÃO E GESTÃO zados, gerando um baixo valor de capital de giro
e indubitavelmente colocando em risco a sobre-
A partir da criação de uma empresa fundada vivência da empresa. Apesar disso, a empresa
por graduandos na França em 1967, se tem tam- manteve seu propósito e serviu de exemplo para
bém a “fundação” do Movimento Empresa Júnior inúmeras outras, as quais vieram a ser fundadas
(MEJ). No Brasil, as primeiras empresas juniores no setor.
(EJs) começaram a se instalar nas universidades A divisão atual da Geo Júnior conta com
a partir da década de 80 (BRASIL JÚNIOR, 2019). seis diretorias, com suas respectivas atribuições:
Movidos pelo sentimento de trazer a experiência (I) Administrativo - Financeiro, responsável pela
do mercado de trabalho, fomentando o empreen- parte jurídica e contabilística; (II) Projetos, a qual
dedorismo ainda na graduação, os alunos do Ins- prospecta ativamente novos clientes e realiza os
tituto de Geociências (IGc) da Universidade de trabalhos mais voltados a Geologia; (III) Edu-
São Paulo (USP) criaram a GEO JÚNIOR CON- cacional, que prospecta assim como a anterior e
SULTORIA no dia 12/08/1992 (GEO JÚNIOR gerencia projetos mais voltados à educação e di-
CONSULTORIA, 2018). vulgação científica; (IV) Marketing, zeladora da
A Geo Júnior Consultoria foi a primeira em- imagem da empresa, além de recrutar projetos
presa júnior (EJ) criada no ramo de geociências passivamente; (V) Recursos Humanos (RH), in-
no Brasil, focada em realizar projetos na área, sob cumbido de tratar das relações humanas da or-
supervisão e apoio de docentes, parceiros e pós- ganização, além de organizar o processo seletivo;
-graduandos. Atualmente, a Geo Júnior é formada (VI) e a Presidência, responsável jurídico pela EJ,
por alunos dos cursos de Geologia e Licenciatura e representante da mesma no conselho Regional,
em Geociências e Educação Ambiental (LiGEA), Estadual e Federal do MEJ, comunicando as obri-
curso o qual aumentou as oportunidades da cor- gações, eventos e líder organizacionais (GEO JÚ-
poração para o ramo educacional e de divulgação NIOR CONSULTORIA, 2018). Cada uma dessas
científica. No início da trajetória da Geo Júnior, a diretorias possui diretor e vice-diretor, eleitos em
chegada de projetos não era um evento recorren- pleito eleitoral anual, com uma possibilidade de
te devido a situação degradante da economia na- reeleição somente. Além dos cargos de lideran-
cional, com crescimento exponencial da inflação ça, existem também os membros assessores, que
e, consequentemente, a diminuição do poder de trabalham divididos em cada diretoria (GEO JÚ-
consumo dos brasileiros. Neste âmbito, ao longo NIOR CONSULTORIA, 2018).
137
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
138
Geo Júnior Consultoria e sua contribuição para uma geociência mais empreendedora
Neste sentido, a vivência dentro da EJ per- parado aos desafios do mercado e, consequente-
mite que os alunos aprendam a gerenciar uma mente, adquire habilidades de destaque que faci-
empresa, vender e negociar projetos, e solucionar litam sua entrada no mesmo. Isto pode ser visto
problemas reais da geologia. Estas oportunidades por meio dos alunos pós-juniores, que conquista-
decorrem por conta de uma forte integração entre ram seu espaço almejado no mercado. E mesmo
as premissas do MEJ, de aprender na prática e in- que a USP ofereça oportunidades no setor, como
centivar a constante capacitação de seus integran- o Núcleo de Empreendedorismo da USP (NEU),
tes, e a missão de cada EJ. Dessa forma, os alunos incubadoras de Startups e laboratórios de inova-
juniores evoluem e conseguem realizar atividades ção, elas ainda não são tão disseminadas a cursos
que a princípio não seriam viáveis, pois eles ainda como Geologia e LiGEA e ficam mais retidas, no-
não concluíram seus cursos. vamente, aos mercadológicos.
Há também uma cultura, já citada de forma Dos vários trabalhos já realizados pela Geo
sucinta, referente à transmissão de conhecimento Júnior, pode-se citar alguns que são de grande im-
dos membros mais experientes da EJ e MEJ aos portância para o desenvolvimento dos participan-
novos integrantes (BRASIL JÚNIOR, 2019), for- tes dentro e fora das geociências. Primeiramente,
mando líderes e mantendo vivo o movimento. a exemplo de um serviço interno, quando alguém
No entanto, por vezes, conhecimentos externos ao sai do processo seletivo e vai trabalhar na direto-
tema do curso de graduação se fazem necessários ria de RH (GEO JÚNIOR CONSULTORIA, 2018),
e por isso existem as capacitações, eventos, trei- raramente o aluno já teve contato com temas como
namentos e projetos compartilhados com outras gamificação, trabalho de motivação/engajamen-
EJs. Outro ponto que se precisa aprimorar na Geo to, acompanhamento de pessoal e documentação
Júnior é o conhecimento de como fundar uma em- de entrada e saída de membros. Sendo que todos
presa e o processo empreendedor envolvido nisso, esses pontos levantados serão realidade na vida
pois esta é uma empresa já solidificada há muitos profissional e sobretudo se a pessoa em questão
anos e não se tem mais o contato constante com almeja construir futuramente seu próprio negócio.
os seus fundadores. Assim, os juniores aprendem Por outro lado, ao se avaliar um serviço ex-
apenas como manter e evoluir uma empresa de terno, existe um portfólio vasto de serviços, den-
maior maturação. tro dos quais destaca-se aqui o principal projeto
Como pode-se observar há inúmeros pontos desenvolvido pela Geo Júnior, intitulado “Relató-
ainda a evoluir e ações a implementar no ambien- rio Ambiental de Viabilidade Hídrica”, próximo a
te das geociências e na Geo Júnior. De fato, exis- região Metropolitana de São Paulo e voltado aos
tem outros meios de adquirir conhecimentos nos serviços ambiental e de geologia de engenharia.
temas correlatos a geociências e mais aplicados Ressalta-se que tanto os alunos do LiGEA quan-
ao mercado, por exemplo, através de projetos de to da Geologia muitas vezes acabam por realizar
extensão (sobretudo a EJ), grupos de pesquisa e trabalhos e se capacitar em áreas que envolvem
da interligação com grupos externos que possam matérias ainda não cursadas, o que “antecipa” os
ensinar sobre outros assuntos. Contudo, estes seus conhecimentos e lhes oferece uma oportuni-
meios ainda são raros de encontrar nas geociên- dade única. Um bom exemplo são os serviços de
cias e acabam mais restritos a cursos mais merca- Hidrogeologia, Hidrologia e Geologia de Enge-
dológicos. Visto que quando um graduando nas nharia, como o supracitado, os quais no projeto
geociências busca as EJs, ele normalmente está em pedagógico da USP de ambos os cursos perten-
busca de colocar a “mão na massa” e por isso, já cem a disciplinas do 8° semestre, sendo que para
no processo seletivo ele é submetido a atividades o LiGEA este é o último.
semelhantes a realidade prática do mercado. A partir da promoção dessa formação em-
Em especial, no IGc-USP não existem outras preendedora e empresarial, a Geo Júnior vem ao
atividades extracurriculares que tenham em suas longo dos últimos anos se destacando com maior
propostas o papel de empreender e de trabalhar frequência na formação de professores, geólogos
nas pessoas o empreendedorismo. Logo, uma vez e licenciados (graduados no curso de LiGEA).
dentro da Geo Júnior, o aluno se torna mais pre- Como já mencionado, alguns dos pós-juniores
139
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
estão hoje com altos cargos em empresas de no- alunos na Geo Júnior Consultoria, pode ser de
mes ou são empreendedores, além daqueles que grande importância para suas formações, levando
também realizam trabalho acadêmico, desenvol- também ao desenvolvimento dos ideais da ABGE
vendo pesquisas que serão utilizadas pela socie- e da ABGE Jovem, grupo no qual os graduandos
dade. Esses ex-empresários juniores destacados, podem participar e melhorar de forma substanti-
além de servirem de exemplos aos mais jovens va a sua formação durante os cursos.
nas EJs, eles são também um reflexo positivo de
sua passagem e atuação no MEJ. Eles revelam a
importância dessas empresas para a formação de
REFERÊNCIAS
lideranças e de pessoas qualificadas para atuação
BRASIL (2016). Lei Nº 13.267, de 6 de abril de
profissional.
2016: Disciplina a criação e a organização das
Ademais, a Geo Júnior não se encontra iso-
associações denominadas empresas juniores,
lada como fonte de disseminação do empreende-
com funcionamento perante instituições de en-
dorismo nas geociências. Outras EJs do setor vêm
sino superior. Disponível em: http://www.
obtendo os mesmos resultados e não somente do
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/
setor, visto que hoje o MEJ está presente em todos
lei/l13267.htmhttp://www.planalto.gov.br/cci-
(ou pelo menos em maioria absoluta) dos cursos
vil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13267.htm Aces-
de graduação existentes no Brasil. Entretanto, as-
so em: 26 de abril de 2021.
sim como nas geociências, alguns cursos também
não recebem o conhecimento externo usado pelas BRASIL JÚNIOR (s.d.). Conceito Nacional de
empresas no mercado profissional, como tecno- Empresa Júnior. Disponível em: https://uploads.
logia de informação, gerenciamento de projetos, brasiljunior.org.br/uploads/cms/institutional/
entre outros. Dessa forma, as EJs se tornam a fon- file/file/5/CNEJ.pdf. Acesso em: 26 de abril.
te de aquisição desses conhecimentos para muitos 2021.
futuros líderes e/ou empreendedores.
BRASIL JÚNIOR (2018a). Código de ética do MEJ.
Publicado em: 01 de agosto de 2018. Disponível
2 CONCLUSÃO em: https://drive.google.com/file/d/1SQD97c
EDJjVnxPzmWAebYp8Xlb8dn3el/view. Acesso
Nota-se ao longo do texto a importância da
em: 26 de abril. 2021.
Geo Júnior Consultoria dentro do universo de
formação empresarial do IGc, sendo uma empre-
BRASIL JÚNIOR (2018b). Planejamento Estra-
sa de quase trinta anos e com resultados positi-
tégico da Rede 2019 - 2021. Publicado em: 2018.
vos na formação não só “geológica” de seus in-
Disponível em: https://drive.google.com/file/
tegrantes, mas também empresarial. Entretanto,
d/1a_q0bLPIkuJpfn7agoH-L6prTf4fdV2h/view.
há muito espaço para crescimento com apoio do
Acesso em: 26 de abril. 2021.
MEJ, das IES e dos colaboradores e parceiros, e se
mostra promissor no meio sobretudo da geologia BRASIL JÚNIOR (2019). Vivência empresarial:
aplicada, com o surgimento de projetos como, por Documento de apoio para o empresário júnior.
exemplo, o Geomarketing, essencial para a adap- PE da Rede 2019 - 2021. Disponível em: https://
tação da Geo Júnior na pandemia da COVID-19. drive.google.com/file/d/1TlS4eE0V52hzz81dgT
As exigências do mercado atual de habili- Y8zDVPg8e8Y0yu/view. Acesso em: 26 de abril.
dades voltadas ao empreendedorismo e os bons 2021.
resultados atingidos nos últimos anos estão ele-
vando o interesse dos alunos pelas EJs. A expe- Conteúdos NEU para novos empreendedores.
riência adquirida durante a permanência na EJ Notion SO. Disponível em: Conteúdos NEU para
oferece aos alunos qualidades diferenciais impor- novos empreendedores (notion.so). Acesso em: 26
tantes em processos seletivos de grandes e médias abril 2021.
empresas. Sabendo-se disso, a participação dos
140
Geo Júnior Consultoria e sua contribuição para uma geociência mais empreendedora
141