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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

Pós-Modernismo: entre a
Crítica e a Ideologia1

Gustavo Moura de Cavalcanti Mello2

RESUMO: O objeto deste artigo é a noção de pós-modernismo, em torno da qual se travou um


amplo debate que, num passado recente, alcançou grande projeção, e arrefeceu de modo algo
abrupto. Buscaremos demonstrar que uma consideração crítica acerca do referido debate amplia
nossa compreensão a propósito do capitalismo contemporâneo e, nesse sentido, por um lado, será
realizado um esforço de apreensão conceitual, com o intuito de fixar as principais determinações (e
indeterminações) do pós-modernismo. Por outro lado, tentaremos ancorar historicamente o debate
sobre o pós-modernismo, localizando certas articulações entre o desenvolvimento teórico e o processo
histórico que lhe é subjacente.
PALAVRAS-CHAVE: Pós-modernidade. Pós-modernismo. Ideologia. Marxismo. Capitalismo
contemporâneo.

1Introdução
Parece salutar que principiemos a aproximação ao tema precisando,
em linhas gerais, ao que se referem os termos “pós-modernismo” ou “pós-
modernidade”: a um movimento estético? A uma estrutura epistemológica
ou cognitiva? A uma nova era que teria sido aberta à humanidade? A uma
determinada fase de desenvolvimento do capitalismo? Entretanto, reside
justamente aí um conjunto de obstáculos. De saída, percebe-se que os próprios
termos, pela falta de autorreferenciação, indicam uma etapa de transição, algo
indefinida e instável. Por outro lado, o prefixo “pós” denota uma ruptura,
seja no tempo, seja na dimensão das formas e dos conteúdos. O desafio logo
se agiganta, se se considera, junto com Perry Anderson, que a história das
vicissitudes do moderno e de suas múltiplas relações com o pós-moderno “[...]
1
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-317320160001000011
2
Graduado em Economia pela Faculdade de Economia e de Administração da USP (2004); Mestre
(2007) e Doutor (2012) em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Pós-doutorando e professor colaborador junto ao Departamento de Sociologia do IFCH-Unicamp.
E-mail: gusmcmello@usp.br.

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ainda é recente demais para uma interpretação desapaixonada que faça justiça
a todas as suas contradições.” (ANDERSON, 1999, p.119).
Ora, caso nos fixemos, por exemplo, em fenômenos estéticos e
epistemológicos por vezes reunidos sob a noção de pós-modernismo (em
oposição à de pós-modernidade, que designaria uma época histórica), notamos
que, enquanto a teorização e a subsunção de toda uma gama de vertentes
artísticas e teóricas ao conceito de moderno se deram de maneira post festum,
a mobilização generalizada da noção de pós-moderno não foi nada tardia; na
realidade, converteu-se num rótulo que aderia a boa parte das obras estéticas
e teóricas após a difusão e consagração do termo, na década de 1970. Por
outro lado, enquanto o modernismo estético se caracteriza pelos manifestos,
pelas marcadas diferenciações reivindicadas por parte de coletivos coesos e
conscientemente inovadores, com base em sólidos princípios políticos e
estéticos, o pós-modernismo caracteriza-se sobremaneira pela indiferenciação,
pela experimentação descompromissada, numa pretensa fuga ao formalismo
e ao doutrinário3. Não foi por acaso que, por vezes, a conceituação de pós-
modernismo se confundiu com a mera listagem caótica e heterogênea de
autores, obras, e gêneros4.
Se nos voltássemos, ao contrário, para as acepções pós-modernas
relativas às formas contemporâneas de sociabilidade, ao atual padrão de
desenvolvimento tecnológico, às formas dominantes de produção e consumo, e
assim por diante, as dificuldades não seriam menores; também aqui prevaleceria
a dispersão, o ecletismo e a apologética falastrona, em detrimento da crítica.
Tentemos, então, encontrar um solo mais firme para essa investigação.

2 A Consagração do Pós-Modernismo
Dados os limites deste artigo, não caberia fazer uma genealogia do termo
(ANDERSON, 1999, p.9-21); partamos da generalização de seu uso, na década
de 1970. Um marco nesse processo foi a publicação do periódico Boundary
2 – Revista de Literatura e Cultura Pós-Modernas, na qual o pós-modernismo
foi apresentado pela primeira vez como referência coletiva (ANDERSON,

3
“O universo pós-moderno não é de delimitação, mas de mistura, de celebração do cruzamento, do
híbrido, do pot-pourr.” (ANDERSON, 1999, p.110).
4
“Se o pós-modernismo cobre tudo desde o punk à morte da metanarrativa, dos fanzines a Foucault,
como conceber que um único esquema explanatório possa fazer justiça a uma entidade de uma
heterogeneidade tão fantástica assim?” (EAGLETON, 1998, p.30).

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1999, p.23). Um destacado colaborador da revista, Ihab Hassan, em busca de


elementos de radicalização ou de negação do modernismo, teve o mérito de
estender suas análises sobre o pós-modernismo a diversos campos da produção
estética, como as artes visuais e a música, e além deles, incluindo a tecnologia
e, posteriormente, a ciência e a filosofia. Com forte veia antimarxista, Hassan
pretendia se esquivar à política, a qual encarava com desconfiança, ao mesmo
tempo em que decretava a obsolescência das distinções entre esquerda e
direita do campo político, materialismo e idealismo, base e superestrutura
(ANDERSON, 1999, p.26-27).
Apesar de aglutinar sob a noção de pós-modernismo um espectro bastante
amplo e heterogêneo de manifestações culturais, indo do conceitualismo a
Andy Warhol, a preferência de Hassan recaía sobre as produções que tinham
por referência “[...] as formas exasperadas do modernismo clássico”. Desse
modo, bastante decepcionado, em meados da década de 1980, Hassan se viu
compelido a avaliar os rumos do pós-modernismo, concluindo que
[...] o próprio pós-moderno mudou, dando, a meu ver, a guinada errada.
Encurralado entre a truculência ideológica e a ineficácia desmistificadora,
preso no seu próprio kitsch, o pós-modernismo tornou-se uma espécie de
pilhéria eclética, refinada lascívia de nossos prazeres roubados e descrenças
fúteis (HASSAN apud ANDERSON, 1999, p.28).

Foi justamente esse pós-modernismo que se generalizou, tendo como


principal vetor correntes da arquitetura afirmadas em Learning from Las Vegas
(1972), de Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour. Nesse
pequeno, porém contundente texto, pululam invectivas contra a arquitetura
moderna ortodoxa, em favor de um conformismo cínico ante os imperativos
do mercado. Lê-se, por exemplo, que
[...] a faixa comercial [...] desafia o arquiteto a adotar uma visão positiva,
não ressentida. Arquitetos estão desacostumados a olhar o ambiente sem
julgamentos, porque a arquitetura moderna ortodoxa é progressista,
se não revolucionária, utópica e purista: mostra-se insatisfeita com as
condições existentes [...]. Os arquitetos têm preferido mudar o ambiente
existente, ao invés de melhorar o que está aí. (VENTURI; BROWN;
IZENOUR; 1995, p.5).

Em oposição a essa arquitetura, frisam os autores: “[...] os valores de


Las Vegas não são questionados aqui. A moralidade da propaganda comercial,

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os ganhos do jogo e o instinto competitivo não estão em questão aqui.”


(VENTURI; BROWN; IZENOUR, 1995, p.6).
Aproveitando o filão aberto por seu professor Robert Venturi, Charles
Jencks adquiriu projeção internacional, num momento em que o pós-
modernismo já se tornara dominante na arquitetura, e só viria a vicejar. De
acordo com Anderson (1999, p. 31), “[...] em meados da década de 1980,
Jencks festejava o pós-moderno como uma civilização mundial de tolerância
pluralística e opções superabundantes, uma civilização que ‘tornava sem
sentido’ polaridades ultrapassadas como ‘esquerda e direita, capitalista e classe
operária’” e decretava o fim das vanguardas e das ideologias, já que “[...]
não há inimigo para derrotar”. O pós-modernismo anunciava a produção
de uma “[...] ordem simbólica comum do tipo fornecido por uma religião.”
(ANDERSON, 1999, p.32).
Também determinante para a projeção internacional do pós-
modernismo foi a teorização desenvolvida por François Lyotard. A publicação
de A Condição Pós-moderna, em 1979, teve ampla repercussão, e sua obra logo
se tornou uma referência obrigatória do debate em torno do pós-modernismo
e da pós-modernidade, desse momento em diante relacionados a mudanças
decisivas na própria “condição humana”. Segundo Lyotard, a pós-modernidade,
fruto do advento da sociedade pós-industrial (LYOTARD, [1979] 2004, p.5),
definia uma sociedade constituída como um grande conjunto de jogos de
linguagem, diversos e incomensuráveis entre si. Em suas palavras, o termo
pós-moderno “[...] designa o estado da cultura após as transformações que
afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final
do século XIX. Aqui, essas transformações serão situadas em relação à crise
dos relatos” (LYOTARD, 2004, p. XV), que legitimariam os metadiscursos
característicos da ciência moderna (LYOTARD, 2004, p. XVI, p.69).
Assim, a ciência e a filosofia, objeto principal de Lyotard na obra em
questão, seriam portanto apenas alguns dentre tantos “jogos de linguagem”,
sem gozar de qualquer primazia. A “aura” que as recobriu outrora emanaria
de duas grandes narrativas justificadoras da modernidade, relacionadas ao
iluminismo francês e ao idealismo alemão - aos quais, numa obra posterior,
Lyotard acrescenta a “narrativa marxista” -, “narrativas” estas invariavelmente
enredadas na escatologia cristã e na promessa do retorno “ao significante pleno”
(o “Pai único, justo e bom”), como “fim último” (LYOTARD, [1993] 1996, p.
93-4). Em função do próprio desenvolvimento interno das ciências, relativo
à “pluralização do argumento” e à “tecnificação da prova” (“na qual aparatos

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

dispendiosos comandados pelo capital e pelo Estado reduzem a ‘verdade’


ao desempenho”), na pós-modernidade essas narrativas-mestras teriam se
esfacelado. Com isso, transformou-se o estatuto dos saberes (LYOTARD,
2004, p.71-2), com a prevalência do saber-mercadoria (LYOTARD, 2004,
p.5) e a tecnificação e a automatização da reprodução social, sob a égide de
especialistas e gestores de distintos matizes (LYOTARD, 2004, p.27). No bojo
desse processo, Lyotard saúda a tendência à extensão do “contrato temporário”
ao conjunto das dimensões da vida social (empregatícia, evidentemente, mas
também amorosa, sexual, política etc.), que levaria ao seu enriquecimento,
quando comparado à rigidez moderna.
Diga-se de passagem, apesar de não formulá-lo explicitamente,
subjacente ao elogio de Lyotard ao advento da pós-modernidade se encontra
uma interpretação algo linear da modernidade e das ditas metanarrativas que
lhe seriam características como um caminho que conduz invariavelmente ao
totalitarismo, de direita ou de esquerda (EAGLETON, 1987).
Malgrado seu sucesso, como enfatiza Anderson, A Condição Pós-moderna
não era a mais exaustiva e fiel expressão do pensamento de seu autor5. Ao invés
do “estado geral do conhecimento” de sua época, os principais interesses de
Lyotard eram as artes e a política, esta última sempre presente como objeto
de reflexão, ao longo de sua trajetória. Oriundo de uma esquerda heterodoxa
e radical, Lyotard militou entre 1954 e 1964 no grupo Socialisme ou Barbarie
e, posteriormente, foi membro do Pouvoir Ouvrier, por mais dois anos. A essa
altura, impactado pela integração operária à Quinta República, Lyotard deixou
de ver o proletariado como força revolucionária (LYOTARD, 1996, p.73), e não
tardou a se envolver com o levante estudantil de 1968, na França.
De acordo com essa nova ótica, a classe operária fora substituída pela
“juventude” como agente subversivo, e o fomento de estratégias e táticas
revolucionárias proletárias fora suplantado pela defesa de condutas votadas
à intensificação libidinal e afetiva. Como avalia Anderson (1999), a imagem
do capital como um moto perpétuo de desejos, refletida a partir do refluxo
da esquerda e do ascenso do consumismo, também ofuscou a Lyotard, que
levou o argumento ao limite: a dinâmica da acumulação capitalista deveria ser
traduzida em termos de uma economia libidinal; a própria experiência da labuta

5
Ao contrário, em suas próprias palavras, nesse livro, feito por encomenda do governo de Quebec, “[...]
construí histórias, me referi a uma quantidade de livros que nunca li. Parece que isso impressionou as
pessoas, é tudo um pouco paródia [...] É simplesmente o pior dos meus livros, que são quase todos
ruins; mas este é o pior” (LYOTARD apud ANDERSON, 1999, p.56).

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sob condições insalubres, levada à exaustão física, à mutilação, à degradação


dos sentidos e ao massacre de gerações de trabalhadores, no seio da Primeira
Revolução Industrial, por exemplo, era por estes desejada, propiciando-lhes –
masoquista ou histericamente – consideráveis doses de prazer (!).
Por conseguinte, em seu combate ao reformismo, aparentemente este
levou a melhor e passou a impregnar a crítica de Lyotard. A própria perspectiva
de emancipação teria sido abarcada e internalizada pelo capital, que se
alimentaria das dissonâncias e dos desafios impostos por setores da sociedade
organizados em torno de suas bandeiras particulares. Em suas palavras,
[...] a emancipação já não se situa como alternativa à realidade, como
um ideal a conquistar contra ela e a impor-lhe de fora. É, antes, um dos
objetivos que o sistema tenta atingir em um ou outro dos setores do qual
é composto, trabalho, imposto, mercado, família, sexo, ‘raça’, escola,
cultura, comunicação. Não é em toda parte que ele é bem-sucedido, ele
se depara com resistências, internas e externas. Mas os próprios obstáculos
que lhe são opostos obrigam o sistema a se tornar mais complexo e a se
abrir mais, a promover novos empreendimentos. A emancipação faz-se
tangível. (LYOTARD, 1996, p. 69).

Acompanhando essa evolução teórica, outras dimensões da análise


de Lyotard sobre o sistema capitalista sofreram mutações, até culminar
em formulações igualmente surpreendentes. Em evidente contraposição
àquilo que ele apresentava como a metanarrativa marxista, uma profecia da
emancipação da humanidade pelas mãos do proletariado, Lyotard acabou
por situar o capitalismo numa longa trama, determinada em última instância
pela entropia e pela “neguentropia”: em meio a toda sorte de contingência e
interações energéticas, um planeta foi berço de formas de vida que passaram
a disputar entre si pelo acesso à energia limitada (LYOTARD, 1996, p. 83-
84), coagidos pelo “[...] princípio da seleção mecânica dos sistemas mais
bem ‘adaptados’” (LYOTARD, 1996, p .85). Do jogo evolutivo que assim se
produziu surge a espécie humana, que logrou estabelecer um sem-número de
formas de agregação, em torno da tarefa de “[...] descobrir, captar e conservar
fontes de energia”, numa trajetória que teve como “[...] grandes eventos” a
revolução neolítica e a revolução industrial (LYOTARD, 1996, p. 86). O
capitalismo e as democracias liberais aparecem então como a forma mais
eficiente de cumprir com essa “sina”, em detrimento dos “mundos” comunista
e islâmico (LYOTARD, 1996, p. 87). Diante de tamanho triunfo, a única
ameaça e o único limite ao desenvolvimento capitalista seria a própria extinção

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

do sol, para o que toda a pesquisa contemporânea buscaria uma resposta,


conscientemente ou não.
O capitalismo se torna assim um pequeno episódio numa história
de bilhões de anos, como fruto de uma espécie de seleção natural atuante,
desde os primórdios da galáxia. Ao filósofo talvez fosse reconfortante fazer-se
o anunciador dessa epopeia universal, expondo em largos traços a “astúcia
da razão energética” que rege nosso destino. Entretanto, evidencia-se que, ao
ter como alvo as “metanarrativas” modernas, particularmente a “marxista”,
Lyotard acaba por apelar a uma grandiosa metanarrativa, que seria pós-
moderna por ser, ao mesmo tempo, “física” e “diacrônica”, e sobretudo por
não ser tributária da noção de emancipação (LYOTARD, 1996, p. 97). Ora,
por um lado, o horizonte da emancipação não havia sido apresentado por ele
como determinação necessária às grandes narrativas modernas; por outro, o
que seria o êxodo do planeta, e a fuga ao trágico destino ditado pela lei da
entropia, senão uma promessa de salvação e de emancipação? Uma promessa,
aliás, um tanto ambiciosa, que projeta a emancipação num horizonte espaço-
temporal cósmico (“o cosmos é o limite!”). Uma das principais diferenças
entre o espantalho que Lyotard aponta como a “grande narrativa marxista”
e a narrativa que ele próprio apresenta é que agora a emancipação seria um
resultado automático do referido conflito entre entropia e neguentropia
(ANDERSON, 1999, p. 41-42). Parece antes uma versão caricatural da
teleologia idealista.
Do lado das artes, Lyotard veio a apresentar o pós-modernismo como
um movimento de renovação do modernismo, interno e inerente a ele.
Tratava-se de uma polêmica contra posições similares à de Charles Jencks e
contra a estética arquitetônica que se tornava hegemônica, a qual, em sua
acepção, não passava de um requentar do realismo outrora mobilizado
pelos regimes totalitários alemão e soviético, plasmado em ecletismo cínico,
sob auspícios do grande capital. Ao contrário, Lyotard prezava as correntes
que preservaram o ímpeto e a força das vanguardas, dando destaque ao
minimalismo. Existe uma assimetria entre a abordagem estética de Lyotard
e suas teses sobre o conhecimento pós-moderno; enquanto este último é tido
como um estágio definido no tempo, fruto de uma longa evolução histórica,
a primeira é apresentada como um princípio perene, e Lyotard parece nutrir
a esperança de uma vivificação do alto modernismo (ANDERSON, 1999, p.
38; JAMESON, 2007, p. 84).

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Outra intervenção de destaque no debate sobre o pós-modernismo


e a pós-modernidade, importante para sua consagração, foi a de Jürgen
Habermas, principalmente em seu discurso “Modernidade – Um projeto
incompleto” (1981), e na conferência “Arquitetura Moderna e Pós-Moderna”
(1987). A repercussão dessas preleções decorreu tanto do sucesso de que
gozava Habermas, à época, quanto de sua posição crítica ao pós-modernismo,
o qual, segundo ele, estaria fortalecendo uma postura neoconservadora
antimodernista, cada vez mais difundida.
Para compreender o lugar assumido por Habermas, nesse debate, talvez
seja necessário remeter a algumas de suas teses fundamentais, já que sua análise
do pós-modernismo parece uma “aplicação” do arcabouço analítico que ele
vinha desenvolvendo. É arquiconhecida a diferenciação habermasiana entre
dois tipos de racionalidade ou de ação racional, a teleológica e a comunicativa6,
com base nas quais ele distingue analiticamente entre “[...] o enquadramento
institucional de uma sociedade ou de um mundo vital sociocultural, e
os subsistemas da ação racional relativa a fins que se ‘incrustam’ nesse
enquadramento” (HABERMAS, 1968, p. 60), separando assim o “mundo da
vida”, definido pelas “[...] tradições culturais, ordens legítimas e indivíduos
socializados” (HABERMAS, 1987, p. 258), e o “sistema”.
Apesar de seu projeto de fazer a Teoria Crítica “[...] passar do paradigma
da ação teleológica ao da ação comunicativa” (HABERMAS, 1987a, p. 433),
a totalidade social redundaria da interação dinâmica e complexa entre ambos
universos, e seu bom funcionamento, bem como a efetivação de seus potenciais
de emancipação, exigiriam que se preservasse, como instâncias autônomas, os
subsistemas nos quais vigora a ação teleológica. Segundo Habermas (1991, p.
56), “[...] as mudanças revolucionárias que se efetuam sob nossos olhos contêm
um ensinamento inequívoco: sociedades complexas não podem se reproduzir se
não deixam intacta a lógica da auto-orientação de uma economia regulada pelos
mercados”. Coerentemente com a tese de que não se pode almejar uma alteração
substantiva no âmbito do “sistema”, sob o risco da regressão social, e contra as
proposições de Marcuse (1969), Habermas crê existir uma “conexão imanente”
entre a técnica e a racionalidade teleológica, donde a impossibilidade de uma
transformação na essência da técnica (HABERMAS, 1968, p. 52-53).
6
“Por ‘trabalho’ ou ação racional teleológica entendo ou a ação instrumental ou a escolha racional ou,
então, uma combinação das duas [...]. Por outro lado, entendo por ação comunicativa uma interação
simbolicamente mediada. Ela orienta-se segundo normas de vigência obrigatória que definem as
expectativas recíprocas de comportamento e que têm de ser entendidas e reconhecidas, pelo menos,
por dois sujeitos agentes.” (HABERMAS, 1968, p. 57-58).

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

Em meio à apresentação desse modelo abrangente e um tanto


harmonioso, Habermas é capaz de construir uma teoria democrática alternativa
ao liberalismo (HABERMAS, 1987a, p.452). Desse modo, ele propugna
que, com o advento da sociedade burguesa, entre o Estado e a sociedade civil
teria sido criada a esfera pública, na qual ocorre o “[...] uso público da razão
estabelecendo um princípio de igualdade entre os indivíduos”, que estabelece
e se pauta pela “[...] autoridade do melhor argumento” ou pela “coação não
coercitiva do melhor argumento” (HABERMAS, 1987a, p.466, 2000, p.186,).
Sem dúvida, Habermas parece bastante impactado pelo intervencionismo
estatal na economia e pela importância adquirida pelo Welfare State, nos países
capitalistas centrais, que o levam a concluir que “[...] a política já não é apenas
um fenômeno superestrutural”, mas se torna imprescindível para a própria
dinâmica da valorização do capital, de maneira que “[...] o marco institucional
da sociedade repolitizou-se” (HABERMAS, 1968, p. 69). Entretanto, por um
lado, com essa instrumentalização do Estado, que tem por finalidade última a
garantia do “bom funcionamento” da economia, e que leva Habermas (1968,
p. 70) a concluir que a “[...] política visa não à realização de fins práticos,
mas a resolução de questões técnicas”, e, por outro, com a colocação do
desenvolvimento técnico-científico em primeiro plano, tendo a técnica e a
ciência se tornado, supostamente, a principal força produtiva, cria-se uma
ideologia que apregoa a total dependência da organização social em relação ao
progresso técnico-científico (HABERMAS, 1968, p.72). Segundo Habermas
(1968, p. 84), “[...] o limiar da modernidade caracterizar-se-ia, então, por esse
processo de racionalização que se iniciou com a perda da ‘intocabilidade’ do
marco institucional pelos subsistemas da ação racional dirigida a fins”. Desse
modo, a modernidade seria marcada tanto pela criação de novos espaços
sociais organizados comunicativamente, quanto pela sua “colonização” pelas
formas de ação características dos subsistemas em que vige a ação regida por
fins (HABERMAS, 1987b, p. 244, 259).
No que tange à discussão sobre o pós-modernismo propriamente dita,
de maneira talvez excessivamente sintética, com base em Habermas (1981),
poder-se-ia apresentar a posição de Habermas da seguinte forma: a separação
entre arte, ciência e moral, cada qual com sua norma específica (beleza,
verdade e justiça) e perfazendo esferas autônomas de valor, processo esse
característico e inerente à modernidade, libertou enormes potências criativas
e de emancipação. No entanto, ao invés de propiciar o enriquecimento da
experiência cotidiana, o que se deu foi uma superespecialização que fechou

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tais esferas à compreensão comum. Não obstante, se com isso o modernismo


havia perdido sua vitalidade, a derrota não estaria consumada. Haveria de se
estabelecer uma nova interação entre as esferas de valor autônomas e o mundo
da vida, derrubando as barreiras criadas à apropriação da cultura pelo conjunto
da sociedade. Para tanto, far-se-ia necessário criar óbices à colonização do
mundo da vida pelo mercado e pela administração burocrática. Em resumo,
diante do ascenso do pós-modernismo, a questão-chave que Habermas (1981,
p. 9). se coloca é: “[...] devemos sustentar as intenções do Esclarecimento,
débeis como possam estar, ou devemos declarar todo o projeto da modernidade
uma causa perdida?” Dessa encruzilhada é que Habermas desponta, uma vez
mais, como defensor do Esclarecimento.
Sob essa perspectiva, longe de contribuir com essa decisiva tarefa,
diversas correntes do pós-modernismo, idealizadoras de um passado perdido
no qual a dinâmica social menos complexa teria propiciado formas de interação
humana mais orgânicas e desejáveis, cumpririam função oposta. De acordo
com Habermas (1987, p. 124).
[...] a nostalgia de formas de vida menos diferenciadas às vezes confere
a estas tendências a tintura do antimodernismo. Nestes casos elas se
combinam ao culto da tradição local e à veneração da banalidade. Esta
ideologia da infracomplexidade renega o potencial racional e o sentido
específico da modernidade cultural.

Enfim, no que tange especificamente à abordagem de Habermas sobre


o tema da arquitetura moderna e pós-moderna, parece-nos precisa a crítica de
Otília Arantes, segundo a qual
[...] não é possível dissociar a evolução de conjunto da arte moderna [...]
de sua forma de inserção no mundo da produção capitalista, diluindo
suas aporias na abstração dos ‘equívocos categoriais’, das ‘sobrecargas
indevidas’, dos ‘programas extravagantes’ etc. À medida que a forma-
mercadoria se generaliza, e no caso da arte de massa, que é sobretudo o
caso da arquitetura contemporânea, se estende até a forma-publicidade,
a sujeição da funcionalidade estrita à funcionalidade sistêmica, além de
fatal, é o primeiro dado do problema e, de modo algum, um acréscimo
extrínseco. (ARANTES, 2001, p. 62-63).

Seria um equívoco concluir, dessa mirada geral, que as trajetórias do


modernismo e do pós-modernismo são lineares, sem nuances e contradições,

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

desconsiderando as tensões e o potencial crítico e subversivo que tiveram


algumas de suas manifestações, em certas conjunturas. Mas não há dúvida de
que esse registro fundamental da análise – numa palavra, as imbricações entre a
forma-mercadoria ou a forma-capital e a forma estética -, escapa complemente
a Habermas. De fato, como assevera Löwy (2000, p. 220), “[...] poderíamos
resumir o projeto político-cultural de Habermas como uma tentativa de tornar
a sociedade burguesa mais fiel à sua própria utopia racionalista”.
Fosse o caso de criticar mais detidamente as teses de Habermas, haveria
de se considerar, em primeiro lugar, como esse autor conscientemente substitui
“[...] a duplicidade dialética valor/valor de uso pela dualidade estrutural
sistema/mundo da vida” (PRADO, 2005, p. 20), abstraindo de seus objetos
a forma social que os reveste e plasma, o próprio conceito de capital7. Por
outro lado, e com esse pano de fundo, seria necessário criticar sua concepção
idealista sobre a “comunicação” e a “linguagem”, por exemplo, recordando
as considerações de Adorno e Horkheimer (1985, p. 49) sobre o sistema
administrativo “[...] que preforma todos os setores da vida moderna, inclusive a
linguagem e a percepção”, e que dispõe como seus principais “instrumentos da
dominação”, “[...] a linguagem, as armas e por fim as máquinas” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 48; HORKHEIMER, 2002, p. 30-1; ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 31-33, 83, 138). Porém, uma crítica mais detida
do pensamento de Habermas foge ao escopo deste artigo.
Diga-se de passagem, como enfatiza Anderson (1999), tanto Lyotard
quanto Habermas abordaram o tema da pós-modernidade de modo pouco
rigoroso, sem fornecer uma “[...] interpretação histórica [...] capaz de defini-
lo no tempo ou no espaço”; ao contrário, deram-lhe, por um lado, um
“tratamento filosófico superficial sem conteúdo estético significativo”, e por
outro, uma “[...] percepção estética sem um horizonte teórico coerente”
(ANDERSON, 1999, p. 53).

7
Como constata Prado (2005, p. 33), “[...] na reconstrução habermasiana o conceito de capital como
valor que se valoriza, como sujeito automático, como substância que é sujeito, desaparece de maneira
sub-reptícia. Se isto, por um lado, lhe permite valorizar positivamente o sistema econômico como um
processo homeostático que desonera o mundo da vida das tarefas que ele não pode realizar, por outro,
isto o leva a subestimar o potencial destrutivo do modo de produção capitalista”.

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MELLO, G. M. C.

3 Minando os Consensos
Com forte caráter populista, em oposição ao “espírito de vanguarda”
e ao inconformismo característicos do modernismo, o pós-modernismo
se difundiu por todo o globo, tornando-se hegemônico como jamais o
modernismo esteve perto de ser. Uma importante característica do pós-
modernismo seria a destruição das linhas divisórias - tão caras ao modernismo
-, entre a “alta cultura” e a “cultura de massa”, sob a égide do consumismo
desenfreado. Assim, uma série de produções estéticas passa a incorporar
afirmativamente elementos formais e conteudísticos da indústria cultural,
outrora tidos como a antítese da arte (JAMESON, 1998, p. 2).
Numa primeira mirada, o pós-modernismo teria a função de dar
cabo às características conservadoras, rígidas e castradoras do moderno. Não
obstante, fugindo à mera aparência, vê-se que a
[...] tarefa ideológica fundamental do novo conceito, entretanto, deve
continuar a ser a de coordenar as novas formas de prática e de hábitos
sociais e mentais [...] e as novas formas de organização e de produção
econômica que vêm com a modificação do capitalismo – a nova divisão
global do trabalho – nos últimos anos. (JAMESON, 2007, p. 18).

A referida tarefa consiste ainda em revestir o que é familiar com novas


roupagens, e dissimular ou estetizar o velho predomínio do econômico, com
seu imperativo do lucro. O sucesso em sua execução denota a amplitude e
a profundidade do pós-moderno como dominante cultural contemporânea,
penetrando de assalto o plano do vivido de importantes contingentes
populacionais. O que, cabe ressaltar, nada diz sobre a coerência e o rigor das
produções teóricas e estéticas pós-modernas, mas sim sobre sua pertença à
totalidade social (ANDERSON, 1999, p. 132).
Há de se ter presente, portanto, certa aderência imediata – apesar
de mistificadora – de manifestações pós-modernas ao plano fenomênico.
Criticando os filósofos pós-modernos desconstrutivistas, constata Schwarz
(1999, p. 158-159) que
[...] a realidade começava a se parecer com a filosofia, no caso, com a terra
movediça postulada pelo desconstrucionismo [...]. Nessas circunstâncias, a
desestabilização dos sujeitos, das identidades, dos significados, das teologias
– especialidades enfim do exercício de leitura pós-estruturalista – adquiriu
uma dura vigência prática. [...] [Com isso] a desconstrução filosófica,

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

apesar do esoterismo, chega a parecer uma descrição vulgarmente empírica


de notórios equívocos e desenganos contemporâneos8.

Ainda sobre a dimensão ideológica do pós-modernismo, também


chama a atenção uma espécie de bifurcação. Quando se engajam em debates
sobre a cultura, os “pós-modernos” comumente se ancoram à categoria de
diferença, afirmando a pluralidade e a alteridade, geradoras de sinergias e
interações criativas etc. (JAMESON, 2007, p.57); ao passo que, ao frisarem
o econômico, apelam à categoria de identidade, a quebra das barreiras e dos
localismos, a integração dos mercados, a livre iniciativa e a igualdade de
condições nos espaços competitivos internacionais etc. Desse modo, somos
mantidos longe da categoria de contradição, a qual, na acepção marxiana,
redundaria da interação dialética entre identidade, diferença, e oposição,
todas elas ideológicas quando tomadas isoladamente. Por esse motivo, Fausto
(1987, p. 319) salienta que “[...] no capitalismo contemporâneo não é mais
a identidade mas a diferença que oculta a contradição [...]. A diferença [...]
revela a contradição, no sentido, negativo, de que questiona a identidade, mas
ao mesmo tempo a mistifica”.
À falta de abordagens concorrentes, no final da década de 1970, os
temas do pós-modernismo e da pós-modernidade eram “apanágio da direita”.
Foi principalmente por meio do esforço de Frederic Jameson que a noção de
pós-modernidade foi arrancada do campo conservador e apologético do qual
era mantida cativa.
Pelas mãos de Jameson, a pós-modernidade se tornava a expressão
cultural de uma nova etapa do desenvolvimento do capitalismo, ou a “[...]
dominante cultural da lógica do capitalismo tardio” (JAMESON, 2007, p. 72),
e não simplesmente um desdobramento ou ruptura estética e epistemológica.
Em suas palavras, a pós-modernidade deveria ser apreendida como “[...] um
conceito de periodização cuja função é correlacionar a emergência de novas
determinações formais na cultura com a emergência de um novo tipo de vida
8
Diga-se de passagem que, em diversos escritos pioneiros, Schwarz desenvolveu uma poderosa crítica
às produções pós-modernas em ascensão. Poder-se-ia nesse sentido destacar a crítica ao Tropicalismo
(incluindo o Cinema Novo) e ao Teatro de Arena, presente em “Nota sobre vanguarda e conformismo”
e em “Cultura e Política, 1964-9: alguns esquemas”, ambos compilados em (SCHWARZ, 2008), no
interior das quais Schwarz analisa a “[...] anulação entre vanguarda e o popular, entre a cultura ‘séria’
e de consumo”; critica a estética do “disparate” e seu ímpeto “nostálgico” e “melancólico”, bem como
“o valor absoluto do novo”, entre vários outros temas e aspectos do pós-modernismo que, anos depois,
seriam considerados por Jameson, Harvey, Eagleton e outros autores marxistas.

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MELLO, G. M. C.

social e uma nova ordem econômica” (JAMESON, 1998, p. 3), sem, com isso,
aderir às ideologias da sociedade pós-industrial e congêneres.
Uma importante dimensão do argumento de Jameson, em sua
apresentação do pós-modernismo como a “lógica cultural do capitalismo
tardio”, é a “simbiose” que teria ocorrido entre o cultural e o econômico.
Dessa ótica, com o advento da indústria cultural e a subsequente perda da
“autonomia relativa” que ela teria desfrutado um dia, longe da extinção da
esfera cultural, o que ocorreu foi a sua “explosão”:
[...] uma prodigiosa expansão da cultura por todo o domínio do social,
até o ponto em que tudo em nossa vida social – do valor econômico e
do poder do Estado às práticas e à própria estrutura da psique – pode ser
considerado como cultural, em um sentido original que não foi, até agora,
teorizado. (JAMESON, 2007, p. 74).

Mesmo o bom funcionamento dos negócios exigiria, cada vez mais,


a mobilização de mecanismos próprios à esfera cultural, bem como da aura
de “criatividade”, de “liberdade”, e de “flexibilidade”, de que se arvoram as
produções estéticas (ARANTES, 2005, p.73).
No cerne desse processo, situar-se-ia a conversão da cultura em
mercadoria “vedete”, num mundo espetacular em que a imagem se sobrepõe e
assume primazia em relação à própria coisa (DEBORD, 2000). “A imagem”,
afirma Jameson (1998, p. 135), “[...] é a mercadoria atual e é por isso que é
inútil esperar dela uma negação da lógica da produção de mercadorias; é por
isso, finalmente, que toda beleza hoje é meretriz”. Assim, após a “explosão” do
cultural, ao invés de sustentar uma tensão crítica ante a realidade formatada
pelo rolo compressor capitalista, a um só tempo, e cinicamente, a busca pela
fruição associada à beleza estética passa a mascarar e a afirmar tal realidade.
Da mesma forma, teria perdido toda a sua potência crítica aquilo que outrora
foi criado e mobilizado para chocar, para romper com as falsas harmonias e
explicitar as contradições do existente (JAMESON, 2002, p.158).
Se fôssemos buscar uma explicação que abarcasse também as mudanças
na esfera da produção mencionadas, porém não analisadas por Jameson,
notadamente a difusão dos serviços em detrimento da produção industrial stricto
sensu, talvez fosse o caso de recorrer às análises de Marx. E isso tanto para pôr
de lado o entulho ideológico que cerca o tema, e que embasou tantos decretos
da obsolescência do marxismo e do surgimento da sociedade “pós-industrial”,

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

e mesmo “pós-capitalista”, como para situarmos essas transformações no


interior de um corpus teórico abrangente, e ainda assim, rigoroso. Ao fazê-lo,
lembraríamos de antemão que “[...] um serviço é nada mais que o efeito útil de
um valor de uso, seja da mercadoria, seja do trabalho” (MARX, 1996, p. 310;
MARX, 1978, p.76). Logo, serviço é toda atividade laboral cujo efeito útil
não pode ser desvinculado da própria atividade, de modo que o seu resultado
não se materializa em coisa independente da atividade. Nada tem a ver, por
conseguinte, com o caráter produtivo ou improdutivo dessa atividade, e muito
menos do ramo da produção no qual ela se situa, posto que o conceito de
trabalho produtivo concerne à forma social (capital), e distingue o trabalho que
participa da autovalorização do capital, daquele que é mobilizado por meio do
dispêndio de renda (MARX, 1978, p.76). Aos tantos que confundem ambas
as conceituações, Marx direcionou uma crítica precisa:
[...] a mania de definir o trabalho produtivo e o improdutivo por seu
conteúdo material origina-se [...] da concepção fetichista, peculiar ao
modo de produção capitalista, e derivada de sua essência, que considera as
determinações formais econômicas, tais como ser mercadoria, ser trabalho
produtivo, etc., como qualidade inerente em si mesma aos depositários
materiais dessas determinações formais ou categorias. (MARX, 1978, p.78).

Não obstante, Marx não deu maior atenção ao tema, já que em sua
época os serviços constituíam “[...] magnitudes insignificantes se comparados
com o volume da produção capitalista.” (MARX, 1978, p.76). Ocorre
que, há décadas, esse quadro se alterou, tornando necessário considerar as
peculiaridades desse amplo conjunto de atividades. Nesse sentido, afigura-se
relevante o fato de o serviço não se materializar em “coisa”, independente do
trabalho que o produz. Ora, o caráter coisal é uma determinação essencial da
mercadoria (MARX, 1996, p. 165) e do seu caráter fetichista (MARX, 1996,
p.198); porém, parece que o capital foi capaz de suprir essa “carência” (“coisal”)
com uma espécie de “duplicação publicitária” da existência das mercadorias
e serviços no plano imagético; a imagem efetivou – como simulacro – a
existência coisal das “mercadorias-serviço” e, em certo sentido, se sobrepôs à
mercadoria-coisa, dando origem ao fetichismo próprio ao espetáculo, tal qual
teorizado por Debord (2000)9.
9
Segundo Prado (2005a, p. 92-93), “[...] a produção de massa é substituída mais e mais pela produção
aparentemente personalizada, que apela aos gostos e desejos de indivíduos postos objetivamente como
pessoas despersonalizadas, meramente contemplativas e manipuláveis. Por criação e recriação geram-
se cada vez mais necessidades imaginárias de indivíduos cada vez mais narcisistas, de tal modo que as

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MELLO, G. M. C.

Essa revolução repercutiu decisivamente na subjetividade e na psique


individual. Diferentemente de Lyotard, longe de ver uma tendência à
multiplicação da libido e a liberação de suas potências, ao analisar a atual
fase de desenvolvimento capitalista, Jameson aponta para uma degradação do
eu, concomitante a uma diminuição do afeto. Enquanto o sujeito se fragiliza
e empobrece, sua vida psíquica se torna uma “montanha russa”, oscilando
da euforia consumista à depressão niilística. Essa bipolaridade constitui um
padrão psíquico na pós-modernidade, contribuindo para a perda dos cortes
geracionais e da própria historicidade. Logo, se outrora a experiência subjetiva
dominante era a da alienação, o não-reconhecimento do “sujeito” no mundo
objetivo ao seu redor e na sua intervenção prática sobre ele, agora a patologia
reinante seria a fragmentação psíquica esquizofrênica (JAMESON, 2007, p.
42). Na acepção empregada por Jameson, tomada de Lacan, a onipresença do
tempo presente, separado por um abismo intransponível do fluxo histórico,
impediria o estabelecimento de cadeias de significação, imprescindíveis para
a produção de um senso unitário de realidade (JAMESON, 2007, p. 53;
HARVEY, 1992, p. 57, 271).
Não é à toa que diversas vertentes artísticas pós-modernas, mormente
no cinema, oscilam entre a melancolia oriunda da perda do sentido histórico
- numa busca ilusória pela redenção de um presente vazio de significação no
simulacro de um passado qualquer (JAMESON, 2007, p. 45) - e a cristalização
do “ultraespacial”, uma estetização do caráter totalizante da acumulação
capitalista.
Do mesmo modo, não surpreende que, dentre os principais recursos
e procedimentos do pós-modernismo, destaca-se, como marca recorrente, o
pastiche, uma “paródia vazia” do passado; uma forma de “parasitismo sobre
o velho”, neutralizada no potencial crítico que pudesse vir a ter (JAMESON,
2007, p. 43-45). Em consonância com Jameson, Anderson (1999, p. 67-68)
dirá que, “[...] apagando-se num perpétuo presente, os estilos e imagens rétro
proliferaram como substitutos do temporal”, conduzindo à “[...] perda de
qualquer senso ativo de história, seja como esperança, seja como memória”. Já

próprias coisas se transfiguram em imagens e representações de que as próprias coisas enquanto tais são
apenas suportes. É assim que a produção capitalista em estágio avançado repõe o fetiche da mercadoria,
fazendo com que o caráter social do trabalho deixe de se apresentar como naturalidade de coisas, para
passar a figurar como artificialidade de um mundo de criações ‘intelectuais’ e ‘artísticas’ da própria
indústria cultural. Chega-se, assim, àquilo que Debord chamou de sociedade do espetáculo, que ‘não
é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens’ (DEBORD,
2000, p. 14). Agora, o fetiche passa a ser posto consciente e compulsivamente”.

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

o acento de Zizek (2005, p. 301) recai sobre a falta de significado histórico do


presente, ou sobre a impossibilidade de historicizar o presente, situando-o no
evolver histórico.
Em meio à degeneração do tempo, ao mesmo tempo em que viceja,
segundo Harvey (1992, p. 64), uma “cultura de museu” e uma “indústria
da herança”, que potencializaram a comercialização da história e da cultura,
o espaço passa a determinar o imaginário (JAMESON, 2007, p. 43), num
contexto em que as tecnologias da comunicação fazem com que imagens
de todo o mundo circulem freneticamente pelos lares, dando a impressão
de controle absoluto sobre o espaço “global” (ANDERSON, 1999, p. 104;
HARVEY, 1992, p.63). Assim, o espaço tampouco se mantém incólume face à
emergência da pós-modernidade (JAMESON, 2007, p.70).
Dessa maneira, de acordo com Harvey (1992, p. 294), o modernismo
e o pós-modernismo podem ser compreendidos como certa condição espaço-
temporal, rebentos de uma revolução nos conceitos de tempo e espaço.
Segundo o argumento do autor, a despeito de seu caráter evanescente, no
modernismo a unificação histórica não está ausente, mas é capciosa; aparece
na forma de um continuum abstrato e irrefreável, sob a égide do “progresso”.
Enquanto os apologistas louvavam uma totalidade fragmentária e antagônica,
traduzindo a crescente submissão mundial às forças da valorização do valor
num avanço geral da humanidade, para muitos artistas inconformistas –
reacionários ou revolucionários - tratava-se de romper com esse continuum
ideológico e perverso de assalto, num átimo, jogando por terra as expectativas
conciliadoras e as veleidades de harmonização; e isso apontando ou não para
um rearranjo social sob outras bases (num retorno a uma mítica comunidade
desfeita, primitiva ou aristocrática, ou na construção de uma formação social
sem clivagens de classe). Nesse sentido, Harvey (1992, p. 256) propõe que
“[...] a oposição entre o Ser e o Vir-a-Ser é central na história do modernismo.
É preciso vê-la em termos políticos como uma tensão entre o sentido do tempo
e o foco do espaço”, levando a resultados permanentemente mutáveis, imersos
no torvelinho da acumulação.
São igualmente dignas de nota, ainda no que tange à subjetividade “pós-
moderna”, algumas teses inspiradas pelas análises de Lacan (1975), segundo
as quais, grosso modo, o imperativo do superego havia se tornado o “Goza!”,
a obrigação do gozo, em substituição à repressão ao gozo que vigorava “nos

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MELLO, G. M. C.

tempos de Freud10. Tal imperativo abstrato e irrealizável, posto que o gozo


necessariamente dimana de uma experiência específica, a qual trai a “pureza”
e a “desmesura” exigidas por esse superego contemporâneo (SAFATLE, 2005,
p. 131), coaduna-se e impele ao consumismo predatório e sem peias. Os
indivíduos são, portanto, premidos ao trabalho de Sísifo da satisfação de suas
pulsões, sempre frustrados em seu intento.
Somos remetidos aqui ao conceito de dessublimação repressiva de Marcuse
(1969), uma espécie de “resolução” socialmente administrada do conflito entre
o princípio de realidade e o princípio do prazer; se a repressão superegoica
antes conduzia à sublimação dos impulsos sexuais sob diversas formas que, não
obstante, sustentavam as tensões entre ambos os princípios e, portanto, algum
potencial crítico, a dessublimação emerge como uma forma de adequação ao
princípio de realidade, sendo a “libertação” da sexualidade, ela mesmo tornada
mercadoria, realizada sob a égide do capital. Assim, “[...] com a integração da
esfera da sexualidade ao campo dos negócios e dos divertimentos, a própria
repressão é recalcada” (MARCUSE, 1969, p.73, 1998, p.106). Não obstante a
pertinência de tais proposições, à luz das considerações sobre o atual estatuto do
superego, faz sentido o deslocamento proposto por Safatle, ao sugerir a vigência
contemporânea de um sistema de “insatisfação administrada”, no interior do
qual as promessas de “prazer” e de “felicidade”, associadas ao consumo, e a
permanente mobilização para o gozo (consumista) necessária e sistematicamente
redundam sempre em frustração (SAFATLE, 2005, p.132)11.

10
“Não estamos mais diante da velha situação psicanalítica descrita por Freud por meio da ideia de
supereu – situação que articulava civilização e repressão ao insistir que não podemos gozar porque
internalizamos proibições sociais e uma autoridade paterna que culpabiliza o prazer sexual [...]. O que
temos hoje é o exato oposto dessa situação. A injunção social diz hoje: ‘Goze de todas as maneiras!
Goze sua sexualidade, realize seu eu, encontre sua identidade sexual, alcance o sucesso ou, mesmo, goze
uma ascese espiritual” (ZIZEK, 2003; KEHL, 2004, 2009; SAFATLE, 2005, p. 127-129).
11
Segundo Adorno (2008, p. 105), as reiteradas incitações ao divertimento e ao lazer, que pululavam
da coluna de astrologia do Los Angeles Times, tornam-se paradoxais “[...] uma vez que necessidades
instintuais contrárias à regra dos interesses racionais parecem ser comandadas por interesses racionais.
Mesmo aquilo que é espontâneo e involuntário é transformando em uma parte da arbitrariedade e
do controle. É como uma paródia do dito freudiano de que aquilo que é o id deveria tornar-se o ego:
aquele é acionado, ou ordenado pela consciência. O sujeito é forçado a se divertir de modo a se ajustar
ou, pelo menos, de modo a transmitir aos outros a imagem de alguém ajustado, pois apenas as pessoas
ajustadas são aceitas como normais e podem ter sucesso. [...] Exigências instintuais são libertadas de
seu aspecto ameaçador porque são tratadas como deveres a serem cumpridos: o conceito psicanalítico
de Genuβfähigkeit (capacidade para o prazer) já contém internamente essa conotação fatal. Ao mesmo
tempo, entretanto, estende-se a censura”.

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

Assim, é evidente que não se está diante de uma situação em que caíram
as normas, e em que a existência se tornou um “exercício de liberdade”. Se,
outrora, era preciso abrir mão de seus impulsos e “fazer o que um homem
deve fazer”, hoje em dia, por bem ou mediante crescentes e cotidianas doses
de antidepressivos, neurolípticos, ansiolíticos etc., cada um deve se sentir feliz
e confortável – mas nunca saciado - com seus grilhões. Nas palavras de Zizek
(2003, p. 7), em “nossa sociedade reflexiva”, “[...] o poder totalitário avança
ainda mais longe do que o poder autoritário tradicional”, e o “dever” subsume
o “prazer”. Evidentemente, os efeitos psicopatológicos desse estado de coisas
se fazem sentir de maneira não menos radical; se, segundo Maria Rita Kehl,
a perversão é atualmente o modo dominante de organização do laço social,
Safatle (2005, p. 133-134) argumenta que a ansiedade, a depressão e o cinismo
se tornaram os sintomas dominantes da contemporaneidade.
Diante de tão decisivos desdobramentos objetivos e subjetivos, surge
a questão: sob que condições históricas se forjou a emergência da pós-
modernidade?
Para Jameson, haveria dois marcos do advento da pós-modernidade, a
saber, a referida subsunção do inconsciente em decorrência da “[...] ascensão
das mídias e da indústria da propaganda” (JAMESON, 2007, p. 61) e a plena
submissão da natureza, relacionada ao avanço capitalista por sobre as formas
de produção agrícola arcaicas que subsistiriam na periferia do sistema antes da
“Revolução Verde”. Ao virtual desaparecimento de qualquer formação social
pré-capitalista e de qualquer domínio natural preservado da ação humana (a
extinção da “primeira natureza”) corresponderia a expansão do domínio da
cultura como uma “segunda natureza” e sua imbricação com a economia.
Paradoxalmente, dessa ótica, se as condições de emergência do pós-
modernismo estiveram ligadas à consumação da modernização capitalista, o
modernismo, por seu turno, teria tirado seu impulso vital da incompletude
desse processo. Assim como o realismo, que dependeria de certa fé na
estabilidade social e no progresso da razão, a qual teria sido devastada pelo
próprio desenvolvimento capitalista, o modernismo seria fruto da “dialética da
reificação, que se apodera das propriedades e das subjetividades, das instituições
e das formas de um mundo pré-capitalista anterior, a fim de destituí-las de
seu conteúdo hierático ou religioso” (JAMESON, 2002, p. 157), em meio
a um processo caracterizado pela diferenciação interna e pela autonomização
ante a totalidade social. As forças criativas, a afirmação da novidade, a veia
revolucionária, que caracterizaram uma gama de realizações modernistas,

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MELLO, G. M. C.

teriam como substrato o conflito entre o devir moderno e o tradicional, e


a diacronia característica do desenvolvimento capitalista (JAMESON, 2007,
p. 314-315). O pós-modernismo, ao contrário, adviria da afirmação plena
desse modo de produção (JAMESON, 2007, p. 13), em meados do século
XX. Mais precisamente, conforme a periodização feita por Jameson, o pós-
modernismo corresponderia a um “novo momento do capitalismo”, o qual
“[...] pode ser datado do boom do pós-guerra nos Estados Unidos no final da
década de 1940 e início da década de 1950 ou, na França, do estabelecimento
da Quinta República em 1958. A década de 1960 é em muitos aspectos o
período-chave de transição.” (JAMESON, 1998, p. 3)12.
Procurando desenvolver as teses de Jameson, Perry Anderson propugna
que o modernismo se originou da combinação de três fatores: uma formação social
ainda em tensão com aquela que lhe precedeu, e em processo de consolidação sob
bases predominantemente agrárias; o advento de radicais inovações tecnológicas,
mas ainda pouco difundidas; e a possibilidade palpável de amplos levantes
revolucionários. A Primeira Guerra Mundial teria representado um abalo desse
quadro, com a destruição da velha ordem na Rússia, na Alemanha e na Áustria-
Hungria, e com a debilitação geral da aristocracia fundiária. Não obstante, a
difusão global da moderna organização industrial e do consumo de massa ainda
estava por ocorrer, de tal modo que o combustível do modernismo continuava
abundante. A situação apenas se alteraria com a Segunda Guerra Mundial, a qual
teria enterrado definitivamente as elites agrárias, espalhando por todo o mundo
não-soviético os padrões de consumo outrora exclusivos dos Estados Unidos e
das democracias liberais, e afastando o espectro da revolução mundial. Apesar
da sobrevida do modernismo nas duas ou três décadas que sucederam o fim
do conflito mundial, nesse período sua energia vital evanesceu (ANDERSON,
1999, p. 97). Dessa forma, enquanto o modernismo adveio do assíncrono, da
interação criativa entre tecnologia e arte, da perspectiva da transformação radical
nas formas de sociabilidade, o pós-modernismo “[...] surgiu da combinação
de uma ordem dominante desclassificada, uma tecnologia midiatizada e uma
política sem nuances.” (ANDERSON, 1999, p. 108).
Apesar de evocar brevemente outros fatores, Eagleton (1998) relaciona
o advento do pós-modernismo à configuração assumida pelo conflito de classes
no capitalismo contemporâneo; no entanto, ao invés do desaparecimento da
12
Essa delimitação, um tanto imprecisa, corresponde em grande medida àquela feita por Mandel,
em O Capitalismo Tardio, obra determinante para a trajetória e a produção intelectual de Jameson,
como ele próprio não cansa de reconhecer (JAMESON, 2007, p.397). Dessa forma, Jameson acaba
reproduzindo as dificuldades de periodização do próprio Mandel (SINGER, 1982, p. XIX).

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

classe burguesa (ANDERSON, 1999, p.102), ele enfatiza a derrota da classe


operária13, no bojo das sublevações de finais da década de 1960 (HARVEY,
1992, p. 44, 49).

4 À guisa de conclusão: pós-modernismo e a hodierna dinâmica da


acumulação de capital

Se várias dessas proposições são pertinentes e indicam importantes


dimensões da atual fase da acumulação capitalista, a fundamentação
historiográfica e a ancoragem do pós-modernismo a uma teoria abrangente –
sobretudo no que tange a uma apreensão conceitual rigorosa de sua evolução
econômica, como cobra Anderson do “marxismo ocidental” - ainda se
afiguram insuficientes. Remetendo a análises marxianas consagradas, Harvey
(1992, p. 101) defende que o fundamento da “alteridade” louvada pelos pós-
modernos e pelo atual senso comum continuaria sendo a contradição entre
capital e trabalho, a forma social dominante e totalizadora e seu “outro”
(sua substância e sua negação). Ademais, ele desenvolve uma analogia entre
o dinheiro e as características essenciais do pós-modernismo, num contexto
em que o dinheiro mundial havia perdido seu lastro material, e que objetos
“artísticos” adquirem importância como reserva de valor (HARVEY, 1992, p.
268), sobretudo diante de abalos econômicos.
De fato, o nexo social estabelecido pela mediação do dinheiro (MARX,
1973, p.84) coaduna-se à fragmentação, ao culto à liberdade de troca, ao
consumismo, ao fugaz, típicos do pós-modernismo, cuja “operação elementar”
seria a de garantir o “acesso ao objeto”, a virtualmente qualquer objeto, mas
que antes tenha sido “privado de sua substância” (ZIZEK, 2005a, p.181).
Igualmente, a afirmação pós-moderna da diferença e da alteridade expressa e
oculta o fundamento da relação contraditória entre trabalho e capital, o qual
se constitui em totalidade formal por meio de uma dupla redução: de si próprio
à condição de capital constante, e a de seu outro, o trabalho vivo, à condição
de capital variável, de modo a subsumir sua substância, a força de trabalho,
fazendo-lhe oposição na forma de capital constante; e isso, ao mesmo tempo
em que bloqueia a constituição do trabalho em totalidade, impedindo-o de se
apropriar integralmente daquilo que produziu (GRESPAN, 2003).

13
“De onde mais que o pós-modernismo possa brotar [...] ele não deixa de ser, acima de tudo, o
resultado de um fracasso político que ele ou jogou no esquecimento ou com o qual ficou o tempo todo
brigando em pensamento” (EAGLETON, 1998, p.30).

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MELLO, G. M. C.

Também digno de menção é o paralelo que Harvey estabelece entre


a afirmação da ficção em detrimento da função, principalmente por parte
dos arquitetos pós-modernos, e o desenvolvimento dos mercados financeiros
e suas fantasmagorias, nas últimas décadas (HARVEY, 1992, p. 104). Salta
à vista que o elogio à dispersão, à fragmentação, ao efêmero, bem como a
perda de referência no fluxo histórico, suprimido pela aceleração do tempo
histórico e por sua “presentificação” absoluta (esquizofrênica), são fatores
que alimentam a montanha russa do jogo bursátil e dos demais mercados
financeiros, articulando-se à multiplicação de crises financeiras e econômicas,
as quais reiteradamente resultam na reposição intensificada das condições e da
dinâmica econômica e social que as engendraram.
Ademais, salienta o autor, contra a “rigidez” que atingia os contratos
de trabalho, as formas predominantes de investimento em capital fixo, o
tipo de organização industrial e de planejamento produtivo dominante nos
setores fordistas, as políticas governamentais assistenciais e previdenciárias, que
consumiam montantes cada vez maiores de recursos, entre outros, mobilizou-se
um vertiginoso desenvolvimento tecnológico e organizacional; o descentramento
da produção e sua reestruturação em escala global (HARVEY, 1992, p. 267),
tendo como marca distintiva o estabelecimento de amplos e complexos sistemas
de terceirização (HARVEY, 1992, p. 150); a redução do tempo de rotação
do capital; a destruição dos direitos trabalhistas; as inovações financeiras; a
produção “personalizada” (de escopo) e planejada para o aproveitamento das
“externalidades de rede” (HARVEY, 1992, p. 140). Com isso, Harvey dá ênfase
a relevantes transformações no âmbito da produção capitalista, as quais também
comporiam o solo sobre o qual se firmou o pós-modernismo.
Recapitulando, foi visto como determinações próprias à produção
estética sob a indústria cultural - o pretenso caráter único e exclusivo dos
chamados “bens culturais”, a subsunção espetacular da coisa pela imagem,
nas mais diversas dimensões da existência, e a exigência narcisista de uma
produção “personificada”, uma singularidade simulada de supostos “sujeitos”
cada vez mais pobres em determinações – ligadas à busca por economias de
escopo; esse conjunto de determinações, dizíamos, passou a “recobrir” boa
parte da produção e da distribuição. Ademais, somando-se à cultura pós-
moderna do “gozo”, aos mecanismos de “dessublimação repressiva” ou de
“insatisfação administrada”, associados à venalidade generalizada, afirmada
de maneira tão entusiástica pelos pós-modernos, tais determinações estão
na base do consumismo desenfreado e da produção de uma demanda efetiva

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Pós-modernismo: entre a crítica e a ideologia Artigos / Articles

sustentada por um endividamento (público e privado) crônico, mais uma


característica distintiva da hodierna dinâmica da acumulação de capital.
Por outro lado, destacou-se não apenas a relevância política e ideológica
dos ramos produtivos mais diretamente relacionados ao pós-modernismo,
próprios à indústria cultural e ao setor de comunicação, mas também sua
importância propriamente econômica e sua posição de destaque no processo de
retomada do crescimento do mercado mundial no pós-Segunda Guerra, bem
como na consequente dispersão geográfica da produção e em sua integração
(hierárquica) em escala global, como se revelou com a quebra da Nasdaq, em
2001 (BRENNER, 2003, p. 315).
Outra importante coordenada aqui, como se viu, consiste na ofensiva
contra a classe trabalhadora e as perspectivas políticas anticapitalistas. Um
traço decisivo da dinâmica social sob os “anos dourados do capitalismo” foi a
burocratização e a integração sistêmica das organizações operárias. Diante do
fim da “ameaça vermelha” e num contexto de queda nas taxas de lucro, as elites
lançaram-se numa luta ferrenha contra as organizações trabalhistas, engajaram-
se em sucatear as dispendiosas estruturas de bem-estar social e, sobretudo, em
aumentar o exército industrial de reserva – jogando por terra boa parte do poder
de barganha dos sindicatos – assim como os lucros, em detrimento dos salários
(MELLO, 2012, parte I). A ideologia pós-modernista favoreceu e legitimou a
“contrarrevolução neoliberal” e o credo do there is no alternative14.
Enfim, juntando os elementos expostos, é possível observar que o “pós-
modernismo”, em sua acepção marxista, concerne a processos sociais que não
apenas exprimem a reconfiguração da dinâmica global de acumulação de capital,
a qual acabou por conformar uma nova fase de desenvolvimento desse modo de
produção, mas que compreende uma dimensão fundante dele. Pelos múltiplos
caminhos apenas indicados aqui, a crítica ao pós-modernismo amplia a
compreensão da nossa época e torna profícuo o esforço de retomada dos debates
que se travaram em torno dessa polissêmica noção, revelando sua atualidade.

14
Caberia considerar ainda as articulações entre a “estética da sordidez e do choque” pós-modernista, bem
como suas determinações fetichistas, e o avanço no velho esforço capitalista de estetização da política e
da guerra (BENJAMIN, 1996, p. 196), de modo a apreender a consonância entre o pós-modernismo e o
militarismo característico da atual fase do desenvolvimento capitalista (HARVEY, 2004).

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MELLO, G. M. C.

MELLO, Gustavo Moura de Cavalcanti. Post-modernism: between critique and ideology.


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ABSTRACT: The object of this article is the notion of postmodernism, a topic around which was
established a wide-ranging debate that achieved wide publicity in the fairly recent past. This debate,
however, has since cooled abruptly. We will seek to demonstrate that a critical consideration of this
debate enhances our understanding of contemporary capitalism. We first make an effort at conceptual
apprehension, in order to establish the main determinations (and indeterminations) of postmodernism.
We then try to historically anchor the debate on postmodernism, locating certain connections between
its theoretical development and underlying historical processes.
KEYWORDS: postmodernity, postmodernism, ideology, Marxism, contemporary capitalism.

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Recebido em 01/12/2015
Aceito em 08/01/2016

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