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Conto Tradicional Tia Miseria

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Conto Tradicional, "A Tia Miséria"

Era uma vez 1 velha que era tão velha que toda a gente dizia que a mulher
tinha a idade do mundo.
Vivia numa casa na ponta da aldeia e andava de roupa meia esfarrapada…
por isso, chamavam-na de Tia Miséria.
Tia Miséria, nada tinha. Apenas tinha uma pereira à frente da sua casa que
dava as peras mais suculentas das redondezas.
As peras tinham tanta fama que, de vez em quando, moços e moças,
rapazes e raparigas (gesto de roubar) iam lá acima.
Acontece, que cada pera que era arrancada, era uma facada que davam
naTia Miséria.. e ela jogava pedradas, jogava injúrias, ofensas, nomes
malcriados…mas a rapaziada sabia que tinha pernas mais rijas, jovens que
fugiriam muito mais depressa e que a velha Miséria nunca os alcançaria.

E os anos iam passando. E, neste mundo, nasciam, viviam, cresciam e


morriam pessoas.. só a velha Miséria e a sua pereira suculenta ali
continuavam. Um dia, batem-lhe à porta (barulho).
Ela sentiu uma arranjem fresquinha passando pela fresta da porta. Abriu e
à sua frente estava um peregrino que lhe disse:
Ando a espalhar as palavras de Deus pelos 4 cantos do Mundo…mas
estou cansado. Dá-me um pouco do teu chão.
E a velha Miséria que nada tinha, tudo compartiu. Comovido, no outro dia,
ao raiar do dia, o peregrino disse:
Velha Miséria, pede-me o que tu quiseres que eu concedo-te!
A velha Miséria respondeu: Eu não quero nada!
- Queres que te mande arranjar a casa? insistiu o peregrino. Queres o
Dom da eterna Juventude? E a Velha Miséria respondeu: - NÃO!
O peregrino dá meia volta ….. “se nada pretendeis, tenho a minha
demanda para continuar.” Assim que deu alguns passos (gestos com
dedos), a Velha Miséria disse:
- Espera!...quero uma coisa: que quem subir à minha árvore, não possa
descer dela sem ordem minha!
O peregrino estranhou, estalou os dedos e assim fez e seguiu o seu
caminho.
Nessa tarde, rapazes e raparigas treparam à arvore e nem estranharam
que nesse dia, não houvesse uma única pedrada, uma única ofensa, uma
única injúria por parte da Ti Miséria. E quando o primeiro vem para descer
da árvore, o ar parecia que o empurrava para cima e o rapaz estranhado
disse: moços, o ar parece que me está a prender…
Nisso, a Velha Miséria, com um sorriso cínico, de orelha a orelha deu meia
volta e trancou-se em casa. Passaram 3 dias e 3 noites e juntaram-se todos
os adultos daquela aldeia (pais, mães, avós, tios) dirigirem-se ao monte
onde ela morava e disseram, depois de bater à porta:
- Miséria, ali, quem está preso na copa daquela árvore, são as nossas
crianças, o bater do coração, a esperança no futuro. Deixa -las descer
que prometemos que nunca mais arrecadam com aquilo que não lhes
pertence.
A Velha Miséria aproximou-se da arvore, olhou para os rapazes e disse:
- Só descem se prometerem que nunca mais arrecadam com aquilo que
não é vosso… porque…senão.. eu faço pior!
Assim que deu ordem (estalar os dedos) de descida, rapazes e raparigas…ó
abre…fugiram, fugiram, fugiram que dali nunca mais ninguém se
aproximou.
E os anos foram passando até que lhe batem á porta uma vez, outra vez…
e ela, desta vez, não a quis abrir porque vinha um vento tão gelado, tão
gélido junto à soleira da porta.. era um vento que parecia que lhe entrava
no corpo, gelava o coração, o sangue…o sangue não corria, o coração não
batia, a razão não pensava…era comos e alma estivesse a abandonar o
corpo.
E a porta abriu-se (pam!)
E do lado de fora, estava uma velha, vestido de preto, com um lenço preto
a prender-lhe o cabelo, negro e escuro quanto a noite.
E essa velha disse: Sou a Morte e venho buscar-te!
A Miséria respondeu: então, para onde?
ANDA! Insistiu a Morte. Há um tempo para tudo.
“Eu agora. Não tenho vagar” –mas sentindo que a alma estava a
abandonar o corpo, a Miséria pediu um último favor à comadre Morte.
Ali na pernada mais alta da minha pereira, está lá uma pera tão boa---
mas eu não estou capaz de trepar os ramos para a apanhar…sabes, são
as artroses, as articulações! Ao qual a Morte respondeu:
- Queres uma pera?! Bem.. eu vou lá apanhar-te mas depois vens
comigo!
(sinal de sim, abanar a cabeça de satisfação por parte da velha miséria)
E assim foi.
A Morte trepou a árvore, sobe a pernada mais alta e quando agarra o
ramo onde estava a pera e a colhe, não consegue descer.
E a Miseria, cá de baixo, diz:
- Então, gulosa…também gostas de ferrar o dente naquilo que não é teu!
- Deixa-me descer que eu sou a Morte e faço falta!
- Deixa deixa Maria Ameixa, respondeu a Miséria.
Deu meia volta e trancou-se em casa.
E desta vez no Mundo, passaram-se anos e anos e não morria ninguém.
Até que, a certa altura, juntou-se gente de todas as raças e de todas as
diferenças.. sem distinção… gente de todo o mundo!
Batem lhe à porta, pela última vez. Miséria abriu. A sua frente estavam
generais, reis e capitães.. Os primeiros a falar foram os agentes funerários:
“não tamos a vender nada!”
Mas os capitães disseram que havia soldados, nos campos de batalha, com
espadas cravadas no ventre mas que não morriam, apenas sofriam.
A morte faz falta. É ela que dá o descanso eterno. Há velhos padecendo de
maleitas e enfermidades e agonizam a cada segundo que inspiram.
É a Morte que dá o descanso final.
A Miséria ouviu. Aproximou-se dá árvore, olhou para cima e perguntou à
Morte: “Queres descer?”
E a Morte respondeu-lhe: “Eu bem que te avisei que eu fazia muita
falta!”
Mas a Miséria disse: “Só desce se prometeres perante todo o
Mundo, toda as raças..perante todos as diferenças, sem distinção, que
nunca levarás a Miséria contigo”.
E diz o Povo:
“Desde que o Mundo nasceu que há um contrato que diz: é a Morte
que leva tudo e mesmo assim é a Miséria que vai ficando!”.

Por isso, enquanto o mundo for mundo a Miséria existirá sobre a Terra.

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