Altenhofen (2004)
Altenhofen (2004)
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Ao lado das questões lingüísticas ligadas ao ensino de português, aos direitos das
populações indígenas no Brasil e às relações entre os países membros do Mercosul, as
questões ligadas às línguas de imigrantes talvez sejam as que mais se encontram em
aberto, no contexto brasileiro, tanto em termos da necessidade de uma educação mais
adequada às situações de bilingüismo, quanto em relação à própria defesa dos direitos
lingüísticos e à carência de pesquisas que dêem conta da complexidade das relações
sociais e lingüísticas presentes nessas áreas. Historicamente, pode-se dizer, a política lin-
güística para essas populações de imigrantes alternou entre momentos de indiferença e
de imposição severa de medidas prescritivas e proscritivas. Essa ambivalência pode ser
exemplificada em depoimentos como o seguinte, de um falante de alemão de Brusque,
Santa Catarina:
O clima era de terror. Ninguém tinha coragem de falar em público com medo de ir para a
cadeia. Nessa tal de nacionalização queriam que todos falassem português da noite para o dia.
Prenderam até velhos que nada queriam com a política só porque falavam alemão em público.
Mas antigamente o governo não proibiu falar alemão, não providenciou escolas ou coisas
semelhantes, que ensinasse as pessoas o português. Agora, depois de todos esses anos de indi-
ferença, queriam que a gente falasse português sem sotaque. (citado por Seyferth 1982: 188)
do Sul: Ein Beitrag zur Beschreibung einer deutschbrasilianischen Dialektvarietät im Kontakt mit dem
Portugiesischen. Stuttgart: Steiner, 1996. Desde 2000, atua como coordenador geral do projeto Atlas
Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS) e um de seus autores, responsáveis pela
publicação, em 2002, dos volumes 1 (Introdução) e 2 (Cartas Fonéticas e Morfossintáticas) do ALERS.
Atualmente, colabora também como membro da equipe do ALiB (Atlas lingüístico do Brasil). Princi-
pais áreas de pesquisa são: bilingüismo e línguas em contato, línguas minoritárias no Brasil, contato lin-
güístico alemão-português, geolingüística, variação lingüística, dialetologia e sociolingüística. E-mail:
<cvalten@pro.via-rs.com.br>.
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bal, na sua ação contra a língua geral, de base tupi, proibia, através do Diretório dos Índios
(1758), qualquer manifestação lingüística que não fosse em português. De outro lado, a
perda das línguas africanas, não obstante a contribuição inexorável dos africanos à consti-
tuição da população e da cultura brasileiras, constitui outra evidência da força monolingua-
lizadora do português como língua nacional.1 No que diz respeito aos imigrantes, que a
partir do séc. XIX começaram a vir ao extremo sul alemães, a partir de 1824; italianos,
1875; poloneses, 1891 identificam-se já por volta de 1830, entre os políticos do Império,
preocupações com a assimilação ou adoção, pelos imigrantes alemães [primeiro grupo imi-
grado], do português como língua oficial (Willems 1980: 46). Os governos da República
(depois de 1889) adotaram medidas mais concretas, como por exemplo o abrasileiramento,
segundo Delhaes-Guenther (1980: 163), de topônimos da língua dos imigrantes para o por-
tuguês (p.ex. Nova Pádua torna-se Flores da Cunha), ou, como ressalta Roche (1969:
131), o assentamento de colônias mistas, esperando que a convivência de línguas diferen-
tes e de difícil intercompreensão levasse forçosamente ao uso do português como língua
comum. O clima tenso criado pelas duas guerras mundiais serviu para acirrar as medidas
de “assimilação forçada” dos imigrantes ao monolingüismo em português, especialmente
diante da alegação do chamado “perigo alemão”, de que se criasse um estado alemão no
sul do Brasil (Roche 1969: 113, v. também Seyferth 1982, Luna 2000). O auge dessa polí-
tica repressiva é atingido com a política de nacionalização do ensino implementada a partir
de 1938 pelo governo do Estado Novo, de Getúlio Vargas, que levou ao fechamento de
escolas e à proibição do uso das línguas dos imigrantes, principalmente alemão e italiano.
Muito se tem escrito sobre essa fase e as eventuais conseqüências da política de nacio-
nalização para a evolução das áreas colonizadas por imigrantes. O certo é que, em áreas
urbanas com forte presença do português, seu efeito levou a perdas irrecuperáveis das lín-
guas de imigrantes e de seu ensino nas escolas criadas. Nas áreas rurais onde predomina-
va a etnia alemã, a política de nacionalização, como expus Altenhofen (1996: 71):
Na minha interpretação, esse refúgio no dialeto local dos imigrantes contribuiu antes
para manter por mais um bom período de tempo a língua de imigrantes, produzindo por-
tanto um efeito contrário ao desejado pelas leis de nacionalização. A substituição da lín-
gua de imigrantes pelo português dá-se lentamente, por meio não de leis mas dos meca-
nismos sociais que ganham impulso com o desenvolvimento dos meios de comunicação
de massa, o processo acentuado de urbanização e, conseqüentemente, a penetração maior
do português através de elementos exógenos. Esse processo segue até hoje, em ritmo
cada vez mais acelerado.
1 Segundo Vandresen (1996: 318) “Há referências a uma política lingüística de desestímulo ao uso das lín-
guas africanas, cuidando os feitores para que escravos falantes da mesma língua não ficassem juntos.”
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Título V, Seção IV (Do Ensino Médio), cap. II, Art. 36 caput III
“III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida
pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da
instituição.”
Como define Calvet (2002: 145), política lingüística envolve “um conjunto de escol-
has conscientes referentes às relações entre língua(s) e vida social,” sendo o “planeja-
mento lingüístico a implementação prática de uma política lingüística, em suma, a passa-
gem ao ato.” Ainda segundo Calvet, não importa que grupo pode elaborar uma política
lingüística – pode ser uma família, pode ser uma entidade menor –, mas seria sobretudo
o Estado o que teria esse “poder e os meios de passar ao estágio do planejamento, de pôr
em prática as escolhas lingüísticas.” (Calvet 2002: 145)
Não obstante a relevância do Estado na definição de políticas lingüísticas, quero
apresentar a seguir exemplos que denotam a necessidade de considerar, adicionalmen-
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2 Parece-me, aliás, que o grande êxito do estudo de Bagno (1999) deve-se justamente à limpidez com que
visualiza os principais mitos em torno do português brasileiro, na escola.
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essas questões. Por enquanto, temos que nos contentar em pelo menos identificá-las,
através dos diversos discursos nos quais elas se manifestam.
A velha tese romântica de “um país com uma única língua”, que tantos estragos fez
em nome da pureza lingüística e da construção dos estados nacionais, na verdade ainda
permanece como uma ideologia forte nas relações sociais dessas comunidades (Oliveira:
2000). É o que atesta o seguinte depoimento de um falante de Hunsrückisch da comuni-
dade bilíngüe alemão-português de Harmonia, Rio Grande do Sul:
Inf: Ja, ich sin froh, dass ich die zweu kann, well dann kann mich niemand onscheisse. (lacht)
Unn keene vespotte. Do sin vil Bresilioner on de Fabrick hie, né. Do sin’re ganz vil, wo
3 À visão de país monolíngüe acrescente-se o que Bagno (1999: 15) identifica como mito nº 1: “a língua
portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Ou seja, além de ser visto como
essencialmente monolíngüe, o país aparece, na mitologia do preconceito lingüístico, como monodiale-
tal, isto é, sem variação diatópica significativa.
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wenig Bresilionisch kenne spreche. Hie in Harmonie noch, né. Kenne sich schlecht
defendere noch, mechtig schlecht, né. Dann tun die sich beisammer unn spreche Deitsch.
Vestehst mich. Dann kommt en Bresilioner, dann tut de Bresilioner, de fengt on, resmun-
gejat mit’de Deitsche. Sie sollte Bresilionisch spreche, sie were doch in Brasilie. Tudo
bem! das stimmt. Das is wohr, né. Do honn ich deletzt eem mo geantwott... O senhor não
leva nada por mal. Eu sou da origem do alemão, né. Mas o senhor é brasileiro, né. Mas
se o senhor é um brasileiro legítimo? Eu não sou legítimo brasileiro. Sou meio alemão i
meio brasileiro. Mas o senhor não pode falar mal de mim. Eu entendo o senhor, mas o
senhor não me entende, né. (Altenhofen: Anotações de campo: Família 17)
Tradução: Bom, estou feliz por saber as duas [línguas], porque assim ninguém pode me enga-
nar. (sorri) E também não debochar. Tem vários brasileiros aí na fábrica [cooperativa], né.
Tem bastante gente que sabe pouco português. Aqui na Harmonia ainda, né. Podem se
defender muito mal, mito mal mesmo, né. Aí eles se reúnem e falam alemão. Me entende.
Aí vem um brasileiro, aí esse brasileiro começa a resmungar com os alemães. Que eles
deveriam falar português, afinal eles estavam no Brasil. Tudo bem! isso confere. Isso é
verdade, né. Outro dia, eu respondi para um... O senhor não leva nada por mal. Eu sou da
origem do alemão, né. Mas o senhor é brasileiro, né. Mas se o senhor é um brasileiro legí-
timo? Eu não sou legítimo brasileiro. Sou meio alemão e meio brasileiro. Mas o senhor
não pode falar mal de mim. Eu entendo o senhor, mas o senhor não me entende, né.
Em que medida o contexto atual representado pela globalização pode estar desmon-
tando essas relações, ainda permanece uma incógnita. O fato é que se trata de uma
questão muito presente na época das guerras mundiais, quando “falar português” era
cobrado como “condição para ser brasileiro”. Por este viés, o ensino de português por
muito tempo assumiu uma espécie de papel cívico de abrasileiramento dos diversos
falantes de línguas de imigrantes, fato que pode ser observado nos manuais de ensino da
época. Em contrapartida, muitos descendentes de imigrantes tentavam conciliar naciona-
lidade e uso de sua língua materna, definindo-se como brasileiros de cultura alemã (Sey-
ferth 1982: 73) e argumentando com o exemplo de países como a Suíça, onde a língua
não seria condição para a nacionalidade.
Na Itoupava Rega (Vila Itoupava) eles cultivam o alemão como se fosse um gueto, com
um saudosismo! Parecem [sic] que querem reviver o passado. Mas também nunca saíram de
lá, nunca viram outra coisa, têm os olhos um pouco fechados. Eles ainda dizem: “Wir Deuts-
chen, wir müssen uns zusammen halten. (...) A vergonha que os alemães tiveram que passar
por causa da língua tem resquícios ainda hoje. Os alemães têm culpa porque nunca quiseram
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se misturar com o povo daqui. Mas o alemão sempre teve um orgulho pela sua capacidade
intelectual, pelo seu trabalho. Quando alguém assim se compara com outros povos, ele se
sente superior. Por isso era uma sociedade fechada. (Depoimento de um pastor da igreja
evangélica luterana de Blumenau, coletado por Mailer 2003: 99)
Inf.: Ja! Do woore kee Bresilioner. In sich wohnt goo keene datt. Unn dann is sowas schon
ganz schwer. Unn raus si’ma ooch net komm. Heit honn die Kinner dat jo vil leichter.
Jeses! Wo woore die schon gewent! Ja, wo mea goo kee Ohnung honn, wo mea hinkom-
me. Ja, die lenne immer. Here’se Bresilionisch, ja das lennt sich immer meh debei. Unn
heit die Schul micht ach vil aus. (Altenhofen: Anotações de campo: Família 27)
Tradução: Sim! Lá [onde se criou] não havia brasileiros. Na verdade, não mora nenhum lá. E
aí uma coisa assim já fica difícil. Além disso, pra fora [da colônia] também não se conse-
guia ir. Hoje, a situação para as crianças é consideravelmente mais fácil. Jesus que sim!
Onde elas já estiveram! Sim, onde nós não fazemos nem idéia que podemos chegar. Sim,
eles aprendem sempre. Eles ouvem português, bom isso se aprende cada vez mais. E hoje
a escola também tem um peso nisso.
ENTREVISTADOR: (em tom de brincadeira) Vamos esclarecer as coisas. Vocês não gosta-
riam de aprender alemão porque já sabem?... E português vocês, então, não sabem? (Os
alunos reagem enfaticamente, para dizer que sabem.)
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Assim, com a metáfora ‘campo de silêncio’, quero indicar a privação a respeito de algo
que, se problematizado, poderia provocar reflexões e atitudes nas pessoas envolvidas no
processo ensino-aprendizagem. Quero indicar, também, a existência de um ‘silêncio’,
imposto mas não ‘respeitado’, sobre algo que incomoda, que provoca conflitos e contes-
tação. É um ‘calar’sobre algo que se faz presente, pedindo para ser problematizado e trabal-
hado. É um campo de silêncio porque está ausente no currículo formal e não é problematiza-
do no currículo em ação como um conhecimento digno de ser trabalhado no Curso. (Paraíso
1996: 138)
Há, na verdade, por trás da proibição do uso da língua minoritária, o princípio de que
o monolingüismo em português garantiria uma melhor aprendizagem da língua oficial e
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que, com isso, estariam resolvidos todos os problemas da escola. Tal princípio é expresso
por afirmações como “esses alunos aprenderiam português apenas no dia em que deixas-
sem de falar alemão”, como ouvi certa vez de um diretor da minha escola.
Intimamente ligada à postura anterior está a atitude de culpar a língua do aluno pelos
problemas de aprendizagem, nomeando como “bode expiatório” para explicar um pro-
blema que, como vimos, cabe a ela, como instância competente e responsável, resolver.
Trata-se, a rigor, de uma atitude discriminatória que se estende igualmente a variedades
não-padrão do português, usadas em contextos sociais desfavorecidos. É o que mostra
Paraíso (1996: 141), através dos seguintes depoimentos de professores de português de
um curso de formação de professores, referindo-se ao meio rural:
Eles acham que é só regras, que é muito complicado. Eu fico com raiva porque corrijo,
corrijo, e eles continuam falando igual à gente da roça. Agora, aqueles alunos que falam bem,
escrevem e lêem bem; mas são poucos.
h) “O bilíngüe não sabe bem nem uma nem outra língua” e “O bilíngüe não tem língua
materna”
güe não sabe bem nem uma nem outra língua” e “O bilíngüe não tem língua materna”),
como sendo os mais freqüentes.
Falo alemão como hobby, mas nós somos brasileiros. A igreja não necessita mais de pas-
tores que falem alemão e, em algum tempo, todos falarão português. O alemão de Blumenau
não é alemão. É muito difícil falar alemão em Blumenau. Eles não conseguem pronunciar o
ü, ö etc. Sempre pronunciam errado, já tentei corrigir muitas vezes, mas não adianta. Nós não
falamos alemão nem português. Uma vez me encontrei com pessoas do Espírito Santo que
logo descobriram que eu era de Santa Catarina, pelo sotaque, por isso não sabemos falar por-
tuguês também. Estive seis anos trabalhando na Alemanha e lá era ridicularizado por falar um
alemão diferente. O alemão daqui não tem nada a ver com o alemão falado na Alemanha.
Aqui é mais um dialeto. (depoimento de pastor da igreja evangélica luterana de Blumenau,
in: Mailer 2003: 95)
4. Considerações finais
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