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na pesquisa soc
entre norma
reflexões críti
cos
Cuidados éticos
cial: na pesquisa social:
as e entre normas e
reflexões críticas
icas
É R I C A Q U I N A G L I A S I LVA
Universidade de Brasília
TAT I A N A L ION Ç O
Universidade de Brasília
Silva, É. Q. | Lionço, Tatiana
Tatiana Lionço
tlionco@gmail.com
mentação da ética em pesquisa tal como até a versão atual, conforme sinalizam
estipulada pelo Sistema CEP/Conep Carriero e Minayo (2013) e como será
para, em seguida, avançar na direção discutido mais detalhadamente a se-
da reflexão sobre os cuidados éticos a guir, o modelo biocêntrico foi reitera-
serem adotados durante a realização da do, denotando a manutenção da hege-
pesquisa em Ciências Humanas e So- monia da epistemologia biomédica na
ciais, para além das exigências formais inteligibilidade sobre o que é ética em
desse sistema. Por fim, apresentamos pesquisa e, ainda, o que é ciência, com-
também considerações éticas a serem prometendo ou dificultando a viabili-
realizadas quando da apresentação dos dade da realização de pesquisas sociais
resultados e da devolução dos dados da por ignorância de suas epistemologias
pesquisa. Esperamos, assim, contribuir e metodologias próprias.
para o fortalecimento de uma cultura Após um embate científico, ético e,
de reflexão ética em pesquisa ao mes- ainda, político, motivado pelas Ciên-
mo tempo que também reconhecemos cias Humanas e Sociais, foi, então, cria-
a necessidade de estabelecer críticas ao da, em 2016, a Resolução nº 510, de 7
sistema de regulamentação vigente. de abril, também do CNS, do MS. Essa
resolução passou a regulamentar as
pesquisas nas áreas supracitadas quan-
2. CUIDADOS ANTERIORES À REA-
to a seus aspectos éticos.
LIZAÇÃO DA PESQUISA
Especificamente a Resolução nº
466/2012 prevê que a revisão ética dos
2.1 As Resoluções 466/2012 e
projetos dessas pesquisas deve ser fei-
510/2016, os termos de apresenta-
ta pelo Sistema CEP/Conep, formado
ção obrigatória exigidos pelo Sistema
pela Comissão Nacional de Ética em
CEP/Conep, as lacunas e os avanços
Pesquisa e pelos Comitês de Ética em
desse sistema de revisão ética
Pesquisa. A Conep está diretamente li-
Existe no Brasil uma resolução nacio- gada ao CNS e é uma instância regula-
nal que regulamenta pesquisas que en- dora dos CEP. Por sua vez, os CEP são
volvem pessoas e/ou grupos de pesso- colegiados interdisciplinares, de caráter
as, direta ou indiretamente, incluindo o consultivo, deliberativo e educativo,
uso de seus dados e/ou materiais bio- aos quais cabe avaliar, em nível local,
lógicos. Trata-se da Resolução nº 466, os aspectos éticos dos referidos proje-
de 12 de dezembro de 2012, do CNS, tos de pesquisas. A Plataforma Brasil
do Ministério da Saúde (MS). é o sistema oficial de lançamento de
Anteriormente a essa resolução, duas pesquisas para análise de seus aspectos
outras tinham sido criadas, a Resolu- éticos.
ção n° 1, de 13 de junho de 1988, e Os documentos que compõem o pro-
a Resolução nº 196, de 10 de outubro tocolo a ser apreciado pelo Sistema
de 1996, ambas igualmente do CNS, CEP/Conep, que incluem, além do
do MS. Em todas essas resoluções, projeto de pesquisa propriamente dito,
cessos de pesquisa revela a necessidade e som será utilizado deverão ser esta-
de desenvolvimento de uma cultura belecidos em acordo entre pesquisado-
ética em pesquisa, pois o cumprimento res e participantes de pesquisas. Como
protocolar dos requisitos da Platafor- a imagem expõe os participantes de
ma Brasil engessa o procedimento de pesquisas e impossibilita a manuten-
submissão de projetos, muitas vezes ção do anonimato, esse documento é
não atendendo ao processo de reflexão considerado extremamente relevante
ética necessário à efetiva garantia dos (Quinaglia Silva & Portela 2017). É
direitos dos participantes. Por exem- importante ressaltar, por outro lado,
plo, não há ocorrências de pesquisado- como será discutido adiante, que a ga-
res que submetem projetos sem anexar rantia da identificação do participante
o TCLE, quando pertinente, embora da pesquisa também pode ser enten-
com frequência esse termo seja en- dida como um direito, afirmado pela
caminhado no formato padrão e sem Resolução nº 510/2016 (Brasil 2016),
atender a necessários cuidados éticos sobretudo quando se refere a trajetó-
adequados a cada desenho de pesquisa rias biográficas e profissionais notórias
apresentado. A garantia de anonimato, que precisam ser reconhecidas, como o
previsto no TCLE, em diversas situa- protagonismo comunitário e político, a
ções é apresentada sem que se consi- autoria de projetos inovadores em di-
dere que há situações de pesquisa em versos setores, a organização da socie-
que não é possível mantê-lo, inclusive dade civil em movimento sociais, etc.
incorrendo em riscos para os partici- No caso de os participantes de pes-
pantes devido a conflitos de interesse quisas serem considerados legalmente
a partir dos conteúdos gerados pela incapazes, além do TCLE, a ser forne-
própria pesquisa. Esse é o caso quando cido pelos seus pais e/ou responsáveis
se realizam estudos qualitativos com legais, é requerido seu assentimento.
poucos participantes que, embora não O Termo de assentimento deve ter
sejam identificados nominalmente, teor adequado à população a que se
atuam em instituições que podem ser destina. Assim como o TCLE, o Ter-
reconhecidas e podem ser facilmente mo de assentimento admite diferentes
identificados por meio dos conteúdos formas de registro e pode ser obtido
relacionados a cargos e funções que em qualquer etapa da pesquisa. Essa
ocupam. Uma reflexão sobre o proces- garantia foi igualmente dada pela Re-
so e o registro do consentimento livre solução nº 510/2016 (Brasil 2016). A
e esclarecido é, portanto, relevante para inclusão do processo de assentimento
minimizar eventuais danos como esse. livre e esclarecido, ainda na Resolução
O Termo de autorização para utilização nº 466/2012 (Brasil 2012), como parte
de imagem e som de voz para fins de dos cuidados éticos a serem tomados
pesquisa registra a autorização de par- em pesquisas foi certamente um avan-
ticipantes de pesquisas para a utilização ço por possibilitar que pessoas consi-
de sua imagem e som de voz. Os fins deradas legalmente incapazes pudes-
para os quais esse registro de imagem sem expressar vontades próprias. Por
que orientou a formulação daquelas uma série de tipos de pesquisa (de opi-
normativas e denota a generalização da nião pública, censitária, decorrente da
lógica biomédica para as demais áreas prática profissional, etc.); e a substitui-
do conhecimento científico não teria ção de uma noção reificada de “vulne-
sido superado pela revisão da norma rabilidade” por uma ideia de “situação
em vigência, ainda que se tenha sinali- de vulnerabilidade”, o que sinaliza para
zado para concepções de pesquisa mais a necessidade de avançar em duas dire-
“inclusivas” (Carriero & Minayo 2013). ções fundamentais: a consideração das
Como tentativa de superar as lacunas vulnerabilidades no plural e dos ris-
da resolução nacional, a Resolução n° cos de participantes (Brasil 2016; Dias
510/2016 trouxe algumas fortalezas, 2016; Quinaglia Silva & Portela 2017).
como as já referidas concernentes à ob- Não obstante esses e outros avanços,
tenção e ao registro do consentimento não se pode afirmar que o viés biocên-
e do assentimento livre e esclarecido trico tenha sido superado. Para ilustrar,
em diferentes formatos e momentos a instância no âmbito da Conep, tal
da pesquisa e à retirada do processo como prevista, não ganhou contrapar-
de avaliação pelo Sistema CEP/Conep tida real: o CEP/CHS, por exemplo,
das etapas preliminares das pesquisas. primeiro especializado em pesqui-
Além dessas adequações, podem ser sa social criado no Brasil, jamais foi
também citadas a exigência de com- consultado, desde que a Resolução n°
posição equânime entre membros das 510/2016 foi aprovada, há dois anos,
Ciências Humanas e Sociais e das de- para a indicação de membros para
mais áreas nos colegiados do Sistema compor essa instância.
CEP/Conep, seja na própria Conep, Além desse grave retrocesso, que mos-
seja nos CEP; a criação de uma ins- tra a distância entre a norma e sua apli-
tância, no âmbito da Conep, dedicada cação, pelo menos dois outros itens,
à implementação da nova resolução que permaneceram irresolutos, podem
com a participação de membros titu- ser citados. O primeiro deles diz respei-
lares das Ciências Humanas e Sociais to à criação de uma resolução específi-
integrantes da Conep, representan- ca, ainda não elaborada, sobre tipifica-
tes de associações científicas dessas ção e gradação de riscos das pesquisas,
áreas, membros dos CEP igualmente prevista no art. 21 da Resolução nº
voltados para a pesquisa social e usu- 510/2016. Essa definição de níveis de
ários, sendo incluída, como parte das gradação dos riscos das pesquisas (em
incumbências dessa instância, a elabo- mínimo, baixo, moderado ou elevado)
ração de um formulário de registro de teria como consequência a adoção de
protocolos que diferencie as pesquisas tramitação diferenciada de protocolos
em Ciências Humanas e Sociais das de pesquisas a depender do risco que
biomédicas na Plataforma Brasil e as oferecem. Isso significa que a pesquisa
encaminhe com a devida clareza e agi- social, que em geral tem risco mínimo
lidade; a prescindibilidade de registro e ou baixo, tramitaria na Plataforma Bra-
avaliação pelo Sistema CEP/Conep de sil de forma mais célere. O segundo
concerne às pesquisas com sociedades ra do TCLE deve ser feita por pesso-
indígenas, que permaneceram conside- as autônomas e maiores de 18 anos.
radas como de risco elevado. Em nome Crianças e adolescentes, entre outras
de uma suposta proteção, esse posicio- pessoas consideradas dependentes e
namento pode acarretar o silenciamen- vulneráveis devem assinar o Termo de
to dessas populações. Possíveis avan- assentimento. No caso de pesquisas
ços podem ser, assim, barrados pela com essa população, além do Termo
dificuldade ou mesmo impedimento de assentimento, há exigência de assi-
de realização dessas pesquisas (Dias natura do TCLE pelos pais e/ou res-
2016; Quinaglia Silva & Portela 2017). ponsáveis legais delas (Brasil 2012).
Todos esses embates, bem como a Camilo Braz (2014) problematiza essa
nova realidade trazida pela Resolução exigência ao abordar a pesquisa de
nº 510/2016 devem ser, doravante, mestrado sobre juventude e sexualida-
abraçados pelos 832 CEP existentes de em Goiânia (GO) de Marcelo Perilo,
no país (http://conselho.saude.gov. de cuja banca fez parte no Programa
br/web_comissoes/conep/aquivos/ de Pós-Graduação em Antropologia
MAPA_CEP.pdf). Social da Universidade Federal de Goi-
Espera-se que o enfrentamento desses ás. O autor mostra como a exigência
desafios fortaleça uma cultura de re- da assinatura do TCLE pelos pais e/
flexão ética sobre a pesquisa científica ou responsáveis legais dos participan-
que supere as críticas à burocratização tes da pesquisa, que eram menores de
decorrente da regulamentação ética idade, poderia gerar risco para eles, ao
rumo à produção de consensos na co- invés de os resguardar, por não com-
munidade científica sobre o propósito partilharem da temática com seus pro-
político da existência dos CEP como genitores. O autor questiona se exigir
instâncias deliberativas de controle so- a assinatura desse termo pelos pais e/
cial sobre a ciência. ou responsáveis legais desses jovens
não implicaria uma exposição deles, o
que seria uma forma de violência. Não
3. PARA ALÉM DE EXIGÊNCIAS se incorreria, portanto, naquilo que a
FORMAIS: OS CUIDADOS DURANTE própria Resolução nº 466/2012 gosta-
A REALIZAÇÃO DA PESQUISA ria de evitar (Quinaglia Silva & Pereira
2016)?
uso de substâncias psicoativas, pesqui- tação ética (Quinaglia Silva & Pereira
sas sobre o aborto ou outros procedi- 2016). Nesse sentido, a Resolução nº
mentos considerados ilegais, investi- 510/2016 substitui a noção reificada
gações que têm conflitos de interesse de “vulnerabilidade” por uma ideia de
por envolver violência contra crianças “situação de vulnerabilidade”, como
e adolescentes praticada por seus pais anteposto (Brasil 2016).
e/ou responsáveis legais, entre outras Ademais, quando é possível obter o
possibilidades (Quinaglia Silva & Perei- consentimento e/ou o assentimento
ra 2016). Solicitar o TCLE nesses casos livre e esclarecido para a realização de
inviabilizaria a própria realização da pesquisas em Ciências Humanas e So-
pesquisa. O mesmo ocorreria em casos
ciais, é importante, finalmente, salien-
de pesquisas sobre vulnerabilidade de
tar que há um processo de negociação
adolescentes à homofobia, lesbofobia
com os interlocutores dessas pesquisas,
e transfobia no ambiente familiar, sen-
que não necessariamente culmina com
do importante notar que até mesmo
uma formalização escrita, podendo ser
se recomenda, por meio da Resolução
a anuência oral, imagética ou, ainda,
do Conselho Nacional de Combate à
adotar formatos outros, para se ade-
Discriminação nº 12, de 16 de janeiro
quar à realidade que se pretende estu-
de 2015 (CNCD 2015), a autonomia de
dar. Como já mencionado, a Resolução
adolescentes no pleito ao nome social
nº 510/2016 inclui, além dos recursos
nas escolas mesmo sem a autorização
de obtenção de aquiescência expostos,
dos responsáveis legais, reconhecendo
o uso de língua de sinais e a recorrên-
que o direito de adolescentes pode en-
cia a testemunhas. Outra ponderação
contrar obstrução nas figuras parentais
apontada por essa resolução diz respei-
e não o contrário. A própria realização
to à obtenção do consentimento e/ou
de uma pesquisa pode desvelar conte-
do assentimento livre e esclarecido em
údos, em diferentes momentos de sua
qualquer fase de execução da pesquisa
execução, que levam a conflitos, sofri-
mentos, rupturas e, portanto, implica (Brasil 2016; Quinaglia Silva & Pereira
riscos. 2016).
O primeiro caso é o da pesquisa do so- liares deviam ter sido mensurados (Di-
ciólogo Willian Foot Whyte, conduzida niz & Guerriero 2008; Quinaglia Silva
em um subúrbio de Boston, nos Esta- & Mon 2016).
dos Unidos, no final dos anos 1930. Os Hodiernamente, no Brasil, a multici-
resultados foram publicados em 1943 tada Resolução nº 510/2016, em seu
no livro Sociedade da Esquina. Para co- artigo 9º, V, admite ser direito do par-
nhecer a vida de jovens que se organi- ticipante decidir se sua identidade será
zavam em gangues de rua, Whyte teve divulgada e quais são, dentre as infor-
como informante-chave Doc, pseu- mações que forneceu, as que podem
dônimo de um ítalo-americano que o ser tratadas de forma pública (Brasil
apresentou à comunidade dos imigran- 2016). Como anteposto, essa novida-
tes que ele acabou por pesquisar. Al- de atenta para o fato de que existem
gumas questões suscitaram dessa pes- situações de pesquisa em que é mais
quisa, sobretudo após a publicação de difícil manter o anonimato dos sujeitos
edições posteriores da referida obra. A participantes ou mesmo reconhece que
primeira delas refere-se aos limites afe- em determinadas situações o anonima-
tivos e éticos que devem ser estabeleci- to pode não interessar ao participante,
dos entre pesquisadores e participantes pois poderia invisibilizar determinado
de pesquisas em um trabalho de cam- protagonismo histórico na construção
po. Whyte revelou, por exemplo, ter de processos relevantes de trabalho, de
burlado, como os rapazes da Esquina, luta política, etc. Por outro lado, quan-
as eleições comunitárias, votando mais do se realizam, por exemplo, pesquisas
de uma vez no candidato do seu grupo. em instituições com número reduzido
Naquele contexto, Whyte encarou essa de sujeitos, fica muito difícil que na
infração de conduta como uma forma devolução dos resultados sejam garan-
de reforçar as relações de confiança es- tidos o anonimato e o sigilo sobre os
tabelecidas com a comunidade. No en- conteúdos compartilhados pelos par-
tanto, a ambiguidade do lugar ocupado ticipantes desses estudos. Tais ques-
pelo pesquisador deve ser por ele as- tionamentos nos levam a considerar
sumida: embora imerso numa realida- que uma das atribuições dos CEP na
de nativa, jamais se torna efetivamente promoção de uma cultura de discussão
um nativo. E é daí que provém a rique- ética em pesquisa é provocar junto à
za da observação participante em um comunidade científica reflexões sobre
trabalho de campo (Diniz & Guerriero possíveis conflitos de interesse entre
2008; Quinaglia Silva & Mon 2016). pesquisadores e sujeitos participantes,
Outra questão, ainda atinente à pes- mas também entre diferentes sujeitos
quisa de Whyte, diz respeito ao rompi- participantes que integram determina-
mento do anonimato de Doc, na déca- do campo em que se realiza uma dada
da de 1980, após a morte dele. Como pesquisa.
o livro relatava a atuação de gangues, Finalmente, ainda em relação a Doc,
que envolvia práticas ilegais, potenciais informante-chave da vida social pes-
danos causados a Doc ou a seus fami- quisada por Whyte, é importante fazer
uma reflexão sobre o status ocupado seus nomes e a reconstituição das ge-
por ele, bem como pelos interlocutores nealogias familiares (Diniz & Guerrie-
das pesquisas em Ciências Humanas e ro 2008; Quinaglia Silva & Mon 2016).
Sociais em geral: são, além de partici- Chagnon não somente fez uso desse
pantes, coautores ou copesquisadores? método questionável. Outra questão
Essa pergunta traz, como pano de fun- emergiu dos enormes ganhos financei-
do, uma reflexão sobre os liames entre ros gerados pelos livros e filmes pro-
reciprocidade estabelecida durante o duzidos por ele, não compartilhados
trabalho de campo e autoridade narra- com os yanomamis. Como já apontado
tiva quando da publicação dos resulta- na pesquisa de Whyte, faz parte da dis-
dos obtidos. Um desdobramento dessa cussão sobre a eticidade de pesquisas a
reflexão, sobre o qual discorrer-se-á a ponderação sobre o compartilhamen-
seguir, diz respeito à participação des- to dos benefícios pós-pesquisa com
ses interlocutores nos benefícios gera- aqueles que dela participaram (Diniz
dos pelas pesquisas (Diniz & Guerrie- & Guerriero 2008; Quinaglia Silva &
ro 2008; Quinaglia Silva & Mon 2016). Mon 2016).
O segundo caso abordado por Diniz
e Guerriero (2008) é o do estudo de 3.3 Estratégias de proteção dos inter-
Napoleon Chagnon, antropólogo, e locutores e do próprio pesquisador
James Neel, geneticista, sobre paren- O terceiro caso apresentado por Diniz
tesco e violência entre os yanomamis e Guerriero (2008) concerne à pes-
no Brasil e na Venezuela, realizado quisa sobre práticas homossexuais em
nos anos 1960. Esse caso aponta para banheiros públicos nos Estados Uni-
outras questões éticas surgidas na pes- dos, desenvolvida pelo sociólogo Laud
quisa etnográfica. O estudo consistia Humphreys. Essa pesquisa é emblemá-
em buscar o fundamento genético da tica porque, para realizá-la, Humphreys
violência mediante a coleta de amos- fez uso de duas estratégias metodoló-
tras de sangue desse povo, que era gicas controversas: a dissimulação e o
considerado violento e isolado, o que disfarce. Em um primeiro momento,
garantia uma homogeneidade genética para registrar as histórias, as práticas,
do grupo. Para o estudo do parentesco os hábitos e as rotinas de homens em
yanomami, Chagnon ignorou valores prática de felação, Humphreys assu-
compartilhados entre eles, segundo os miu o lugar de voyeur, sem se identifi-
quais a revelação do nome pessoal em car, portanto, como pesquisador. Em
público é proibida. Por descreverem um segundo momento, após registrar
marcas, lesões ou estigmas corporais, as placas dos carros desses homens
os nomes próprios são considerados e conseguir, com a ajuda de um poli-
pejorativos e sua explicitação, um in- cial, acessar os endereços deles, Hum-
sulto. A despeito de os nomes serem phreys cadastrou-se como voluntário
um tabu cultural, Chagnon ofereceu no serviço de saúde pública da região
presentes às crianças e aos inimigos e participou de um survey sobre saúde
dos yanomamis para a obtenção de masculina nas casas deles. Com a au-
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