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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 58

03/04/2023 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 334


DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL-CFOAB
ADV.(A/S) : JOSE ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL
ADV.(A/S) : MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
ADV.(A/S) : LIZANDRA NASCIMENTO VICENTE
ADV.(A/S) : BRUNA SANTOS COSTA

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. ART.
295, INCISO VII, DO CPP. PRISÃO ESPECIAL, DE NATUREZA
CAUTELAR, A PORTADORES DE DIPLOMA DE ENSINO SUPERIOR.
AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA RAZOÁVEL PARA O TRATAMENTO
DISTINTO ENTRE PRESOS POR PARTE DO PODER PÚBLICO.
ELEMENTO DISCRIMINADOR QUE NÃO SE ENCONTRA A SERVIÇO
DE UMA FINALIDADE ACOLHIDA PELA CONSTITUIÇÃO.
INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM O PRINCÍPIO DA ISONOMIA
(ARTS. 3º, IV, E 5º, CAPUT, DA CF). NÃO RECEPÇÃO PELA ORDEM
CONSTITUCIONAL ESTABELECIDA EM 1988.
1. Todos os cidadãos têm o direito a tratamento idêntico pela lei,
exceto quando presente uma correlação lógica entre a distinção que a
norma opera e o fator de discrímen, em consonância com os critérios
albergados pela Constituição Federal.
2. O princípio constitucional da igualdade opera em dois planos
distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao Executivo, na edição
de leis e atos normativos, impedindo que possam criar tratamentos
abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações
idênticas. Em outro plano, na obrigação direcionada ao intérprete de

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aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem


estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções
filosóficas ou políticas, de raça ou classe social.
3. A prisão especial constitui o recolhimento provisório em local
distinto, cuja concessão se admite, à luz da Constituição, quando a
segregação do ambiente prisional comum visa a atender a determinadas
circunstâncias pessoais que colocam seus beneficiários em situação de
maior e mais gravosa exposição ao convívio geral no cárcere. Expô-los ao
contato com a população carcerária frustraria a tutela desses interesses
constitucionalmente protegidos.
4. Não há amparo constitucional, contudo, para a segregação de
presos provisórios com apoio no grau de instrução acadêmica, tratando-
se de mera qualificação de ordem estritamente pessoal que contribui para
a perpetuação de uma inaceitável seletividade socioeconômica do sistema
de justiça criminal, incompatível com o princípio da igualdade e com o
Estado democrático de Direito.
5. Ausente qualquer justificativa que empregue sentido válido ao
fator de discrímen indicado na norma impugnada, a conclusão é a de que
a prisão especial, em relação aos portadores de diploma de nível superior,
é inconciliável com o preceito fundamental da isonomia (art. 3º, IV, e art.
5º, caput, CF).
6. Arguição de descumprimento de preceito fundamental conhecida
e julgada procedente.
AC ÓRDÃ O

Vistos, relatados e discutidos esses autos, os Ministros do Supremo


Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, sob a Presidência da
Senhora Ministra Rosa Weber, em conformidade com a certidão de
julgamento, por unanimidade, julgaram procedente o pedido formulado
na presente arguição para declarar a não recepção do art. 295, inciso VII,
do Código de Processo Penal, pela Constituição de 1988, nos termos do
voto do Relator.
Brasília, 3 de abril de 2023.

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Ministro ALEXANDRE DE MORAES


Relator
Documento assinado digitalmente

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DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Trata-se


de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo
Procurador-Geral de República, na qual se pretende a declaração de não
recepção, pela Constituição de 1988, do art. 295, inciso VII, do Código de
Processo Penal. Eis o teor do dispositivo questionado:

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à


disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão
antes de condenação definitiva:
I - os ministros de Estado;
II - os governadores ou interventores de Estados ou
Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos
secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de
Polícia;
III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de
Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;
IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito";
V os oficiais das Forças Armadas e os militares dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
VI - os magistrados;
VII - os diplomados por qualquer das faculdades
superiores da República;
VIII - os ministros de confissão religiosa;
IX - os ministros do Tribunal de Contas;
X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a
função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo
de incapacidade para o exercício daquela função;
XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados

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e Territórios, ativos e inativos.


§ 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras
leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto
da prisão comum.
§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso
especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo
estabelecimento.
§ 3º A cela especial poderá consistir em alojamento
coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente,
pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequados à existência humana.
§ 4º O preso especial não será transportado juntamente
com o preso comum.
§ 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão
os mesmos do preso comum.”

Alega-se afronta ao princípio republicano e ao princípio da


isonomia, preceitos fundamentais da Constituição, e que a diferenciação
entre presos comuns e presos especiais, em razão do grau de instrução
acadêmica, atentaria contra a ideia de República, contra a dignidade
humana, contra o princípio isonômico e contra os fundamentos e
objetivos da Constituição de 1988. Afirma o Procurador-Geral:

O dispositivo impugnado contribui para perpetuação de


inaceitável seletividade do sistema de justiça criminal,
desagrega brasileiros, por acentuar e valorizar clivagem
sociocultural entre eles, e reafirma, tanto do ângulo simbólico
quanto do pragmático, a desigualdade, a falta de solidariedade
e a discriminação que caracterizam parte importante da
estrutura social brasileira.

O eminente Ministro TEORI ZAVASCKI determinou a solicitação de


informações às autoridades requeridas, bem como a coleta de
manifestações do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da
República, na forma dos arts. 5º, § 2º, e 6º da Lei 9.882/1999 (peça 8).

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A Presidente da República (peça 12) apresentou manifestação em


que é sustentada a legitimidade constitucional da norma questionada.
Afirma que, em razão da natureza cautelar da prisão, “a norma atacada não
está fixando, direta ou indiretamente, penas diferenciadas entre as pessoas” ou
algo que possa ser entendido como “abrandamento de regras punitivas aos
portadores de diploma de nível superior”.
O Presidente do Congresso Nacional (peça 16) também sustentou a
validade do ato atacado, argumentando que todos os presos provisórios,
em atenção à garantia constitucional da presunção de inocência,
mereceriam o recolhimento em cela especial. Assim, “o problema (…) não
está na inclusão dos portadores de diploma de curso superior, mas, sim , na não
inclusão dos demais acusados no rol do art. 295 do Código de Processo Penal”.
O Advogado-Geral da União (peça 18) manifestou-se pela
improcedência da ação direta. Destacou que o tratamento conferido aos
portadores de diploma de nível superior seria limitado à hipótese de
prisão cautelar, em prestígio ao princípio da presunção de inocência, o
que se alinha com a providência constante do art. 300 do CPP, que
determina a segregação entre presos provisórios e presos condenados
definitivamente. Assevera que “a pretensão veiculada pelo requerente não
solucionaria a discriminação alegada, mas apenas retiraria dos presos especiais
portadores de diploma de ensino superior um benefício que lhes foi validamente
conferido”.
O Procurador-Geral da República reiterou o pedido inicial,
defendendo a incompatibilidade da norma questionada com a
Constituição Federal de 1988.
É o relatório.

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28/11/2022 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 334


DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): A


presente arguição observa os requisitos legais de cabimento previstos na
Lei 9.882/1999. Primeiramente, porque os parâmetros indicados pelo
Procurador-Geral da República compõem o acervo dos preceitos
fundamentais da República brasileira, relativamente aos princípios
republicano e isonômico (art. 3º, IV; art. 5º, caput; art. 7º, XXX; art. 37, I e
XXI). Além disso, o requerente se insurge contra norma editada antes do
advento da Constituição, observando, pois, o critério da subsidiariedade,
previsto no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/1999.
Conheço, portanto, desta ADPF.
No mérito, como relatado, o Procurador-Geral da República
impugna a validade constitucional do art. 295, inciso VII, do Código de
Processo Penal, que tem o seguinte teor:

“Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial,


à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a
prisão antes de condenação definitiva:
[...]
VII - os diplomados por qualquer das faculdades
superiores da República”

O instituto da prisão especial, tal como previsto no art. 295 do CPP,


consiste na prerrogativa conferida a determinadas pessoas de, quando
submetidas à prisão processual, serem recolhidas em recintos diferentes
daqueles destinados aos presos em geral. Não se trata de uma nova
modalidade de prisão cautelar, mas apenas uma forma diferenciada de
recolhimento da pessoa presa provisoriamente, em quartéis ou
estabelecimentos prisionais destacados, até a superveniência do trânsito

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em julgado da condenação penal.


A previsão desse benefício carcerário já consta no Código de
Processo Penal desde a sua redação originária, datada de 1941, tendo sido
regulamentado inicialmente pelo Decreto 38.016, de 5 de outubro de 1955,
que ainda concedia ao preso especial uma série de benesses a mais,
algumas delas que não eram estendidas aos demais detentos. Veja-se:

“Art. 3º É assegurado ao detido:


I - Alojamento condigno alimentação e recreio. Quando o
alojamento fôr coletivo serão ouvidos os recolhidos, sempre que
possível, para a organização dos grupos.
II - O uso do seu próprio vestuário guardado o decôro
devido aos companheiros de prisão e ao Estabelecimento.
III - Assistência de seus advogados sem restrições, durante
o horário normal de expediente.
IV - Visita de parentes e amigos em horário previamente
fixado.
V - Visita de ascendentes descendentes, irmãos e cônjuge
do detido, durante o expediente sem horário determinado. Em
casos excepcionais a critério do Diretor ou Comandante, poderá
a visita iniciar-se e prolongar-se fora do horário de expediente.
VI - Recepção e transmissão de correspondência
livremente salvo nos casos em que a autoridade competente
recomendar censura prévia.
VII - Assistência religiosa, sempre que possível.
VIII - Assistência de médico particular. Quando os
medicamentos receitados forem adquiridos ou manipulados
fora, estarão sujeitos a verificação pelo Serviço Médico do
Estabelecimento.
IX - Alimentação enviada pela família ou amigos, em casos
especiais e com autorização do Diretor ou Comandante.
X - Transporte diferente do empregado para os presos
comuns.
XI - Direito de representar desde que o faça em têrmos
repeitosos e por intermédio do Diretor ou Comandante. As
petições insultuosas ou com expressões menos recomendáveis,

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não serão encaminhadas.”

Em seguida, houve também a edição da Lei 5.256/1967, vigente até


os dias atuais, que garantiu a todos os beneficiados com a prisão especial,
nas localidades em que não houver estabelecimento adequado ao seu
recolhimento, o direito de cumprir a prisão cautelar na própria
residência:
Art. 1º. Nas localidades em que não houver
estabelecimento adequado ao recolhimento dos que tenham
direito a prisão especial, o juiz, considerando a gravidade e as
circunstâncias do crime, ouvido o representante do Ministério
Público, poderá autorizar a prisão do réu ou indiciado na
própria residência, de onde o mesmo não poderá afastar-se sem
prévio consentimento judicial.

Anos depois, o Decreto 38.016/1955 foi revogado pelo Decreto 11, de


18 de janeiro de 1991, permitindo uma certa arbitrariedade na concessão
do benefício em questão por parte da administração prisional. Somente
com a superveniência da Lei 10.258/2001, a partir das alterações que essa
legislação promoveu ao Código de Processo Penal, que a prisão especial
restringiu-se, expressamente, apenas ao direito de seus beneficiários
serem recolhidos “em local distinto da prisão comum”, nos exatos termos
do §1º do art. 295 do CPP, e de serem transportados em condução
separada.
Desse modo, na disciplina legal vigente, o instituto em questão ficou
limitado ao direito de cumprir prisão processual de forma segregada do
convívio com os demais presos provisórios. Não há necessidade, como
sugerido pela redação original do art. 295 do CPP, de um estabelecimento
prisional especialmente destinado para esse fim, ou de um recinto com
características diversas daquelas especificadas para o cárcere comum (§§
2º e 3º do art. 295). Além disso, apenas na impossibilidade de se
manterem separados os detentos é que será cabível a concessão de prisão
domiciliar ao preso especial, na forma do art. 1º da Lei 5.256/1967.
Essa asserção foi confirmada por esta SUPREMA CORTE no

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julgamento do HC 116.233-AgR (Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de


26/8/2013), cuja ementa, no ponto, assim estabelece (grifos aditados):

“(...) 2. A reforma introduzida no Código de Processo


Penal pela Lei nº 10.258/2001 visou a eliminar privilégios
injustificáveis em uma democracia e estabeleceu de maneira
clara que a prisão especial, prevista neste Código ou em outras
leis, consiste exclusivamente no recolhimento do preso em
local distinto da prisão comum (art. 295, § 1º). À falta de
estabelecimento específico para o preso especial, este será
recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento (art.
295, § 2º).
3. Inobstante ainda aplicável a Lei nº 5.256/1967, que prevê
a prisão domiciliar na ausência de estabelecimento próprio para
a prisão especial, devem ser considerados os contornos da
prisão especial introduzidos pela Lei nº 10.258/2001”.

Além do rol de legitimados à prisão especial prevista no art. 295 do


CPP, existem outras normas que estendem o mesmo benefício a outras
autoridades e categorias profissionais, tais como os dirigentes de
entidades sindicais e o empregado eleito para a função de representação
profissional ou para cargo de administração sindical (Lei 2.860/1956); os
pilotos de aeronaves mercantes nacionais (Lei nº. 3.988/61); os servidores
do Departamento Federal de Segurança Pública, que exerçam atividade
estritamente policial (Lei 3.313/57); os funcionários da Polícia Civil da
União, dos Estados, Distrito Federal e Territórios Federais (Lei 5.350/67);
os Magistrados (Lei Complementar 35/1979); membros do Ministério
Público (Lei 8.625/1993 e Lei Complementar 75/93); Defensores (Lei
Complementar 80/94) e Advogados (Lei 8.906/94).
Para as categorias de pessoas que são beneficiadas com a prisão
especial em sala de estado maior, o quadro resulta essencialmente o
mesmo. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, analisando o art. 7º, V, do
Estatuto da OAB, afirmou a constitucionalidade da norma (ADI 1.127,
Red. p/ o acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 11/6/2010),
afastando apenas a expressão “assim reconhecida pela OAB”, em razão

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da qual incumbiria à OAB o juízo sobre a adequação do recinto


disponibilizado pela autoridade carcerária.
Em referido julgamento, e em outros precedentes firmados pela
SUPREMA CORTE (HC 73107, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda
Turma, DJ de 22/3/1996; HC 117959, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira
Turma, DJe de 10/4/2014), ressaltou-se com bastante ênfase que a extensão
do direito à prisão especial, e as características do recinto em que
recolhido o titular do benefício, não recomendam condições de cárcere
essencialmente diversas daquelas a que está obrigado o Estado a
proporcionar para a população carcerária em geral. A custódia em
separado dos demais presos, nessa hipótese, contempla satisfatoriamente
o benefício à prisão especial:

EMENTA: RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL.


PRISÃO DE ADVOGADO. ESTABELECIMENTO PRISIONAL
COM CONDIÇÕES CONDIGNAS. INEXISTÊNCIA DE
DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO PROFERIDA NA AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.127/DF.
RECLAMAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal evoluiu
para entender possível a prisão de advogado, pendente o
trânsito em julgado da sentença condenatória, em local
diverso das dependências do comando das forças armadas ou
auxiliares, desde que apresentadas condições condignas para
o encarcerado. Precedentes.
2. Como informado pelo Diretor Técnico II, o Centro de
Ressocialização Feminino de São José dos Campos/SP dispõe de
instalações condignas adequadas ao regime semiaberto da
Reclamante, não se havendo cogitar de contrariedade às
decisões proferidas no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 1.127/DF e na Reclamação n. 11.016, de
minha relatoria.
3. A reclamação não é o instrumento adequado para o
exame aprofundado das condições da unidade prisional onde
está a Reclamante. Precedentes.

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4. Reclamação julgada improcedente.


(Rcl 23.567, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma,
DJe de 16/6/2016 – grifos aditados)
Vê-se, portanto, que as alterações promovidas pela Lei 10.258/2001
no Código de Processo Penal, com respeito à prerrogativa da prisão
especial, tiveram por objetivo justamente eliminar o que havia de mais
gracioso no tratamento dispensado aos seus destinatários, proclamando a
igualdade de direitos e deveres entre presos comuns e presos especiais.
No entanto, em que pese a disciplina atual desse instituto não mais
permita a concessão, no panorama vigente, de outras benesses que não
somente o direito de “recolhimento em local distinto da prisão comum”, e
a previsão de que “não será transportado juntamente com o preso
comum” (art. 295, §4º, do CPP), o que certo é que a regra processual
inegavelmente acaba por dispensar um tratamento diferenciado, mais
benéfico, ao preso especial.
Apenas o fato de a cela em separado não estar superlotada já é
circunstância que, por si só, acarreta melhores condições de recolhimento
aos beneficiários desse direito, quando comparadas aos espaços
atribuídos à população carcerária no geral – que, como se sabe, consiste
em um problema gravíssimo em nosso país, podendo extrapolar em até
quatro vezes o número de vagas disponíveis.
Além disso, a Lei 10.258/2001 manteve no CPP a possibilidade de a
pessoa com prisão especial eventualmente ser recolhida em quartéis, isto
é, alojamentos militares com uma estrutura melhor e menos lotada que as
prisões comuns.
Diante desse tratamento inequivocamente diferenciado às pessoas
submetidas à prisão de natureza cautelar, que permite o seu
cumprimento em melhores condições que os demais presos provisórios,
cumpre verificar a validade constitucional do objetivo perquirido pelo
instituto, a fim de averiguar se são legítimos, à luz da Constituição, os
critérios pelos quais a lei elegeu os destinatários dessa prerrogativa. No
âmbito específico desta ADPF, questiona-se, dentre o rol de pessoas que
detêm a prerrogativa de serem segregados do contato com os outros
presos quando submetidas à prisão processual, a idoneidade na

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concessão desse direito quando fundado unicamente no grau de


instrução acadêmica do preso.
Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da
igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade
de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de
tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados
pelo ordenamento jurídico.
Diante disso, o princípio da igualdade se volta contra as
diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, mas não impede o
tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se
desigualam, como exigência própria do conceito de Justiça. Somente se
tem por lesado o princípio constitucional quando o elemento
discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo
direito, pois a atuação do Poder Público tem por objetivo a igualdade de
condições sociais, meta a ser alcançada não só por meio de leis, mas
também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal (IVES
GANDRA MARTINS. Direito constitucional interpretado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1992. p. 154-172; FÁBIO KONDER COMPARATO.
Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 59).
O princípio da igualdade consagrado pela Constituição opera em
dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio
Executivo, na edição de leis e atos normativos, impedindo que possam
criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram
em situações idênticas. Em outro plano, na obrigação direcionada ao
intérprete – basicamente, a autoridade pública – de aplicar a lei e atos
normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações
em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, de raça ou
classe social.
A desigualdade inconstitucional na lei se produz quando a norma
distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a
pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser
consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma
justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos

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valorativos comumente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação


à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente, por
isso, uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios
empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os
direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis
com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma
finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado (CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO. Princípio da isonomia: desequiparações
proibidas e permitidas. Revista Trimestral de Direito Público, nº 1, p. 79).
Em relação ao recolhimento de pessoas na prisão, seja de natureza
cautelar ou definitiva, não se desconhece que o Estado é responsável por
garantir a dignidade, tutela e bem-estar físico e psíquico de todos os
presos, indistintamente, sendo certo que esta SUPREMA CORTE já
reconheceu, inclusive, a flagrante mora no cumprimento desse múnus
público, fazendo-o no julgamento da ADPF 347-MC (Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, DJe de 19/2/2016). Também não se admite que o Estado proteja
determinadas pessoas ao mesmo tempo em que se omite em relação ao
grande contingente de custodiados pelo sistema carcerário. Garantir
condições adequadas e dignas de encarceramento é dever estatal em
relação a todos, e não a uma categoria específica de pessoas.
Ocorre, no entanto, que a própria Constituição Federal legitima um
tratamento diferenciado, por parte do Poder Público, na forma de
recolhimento de determinados presos, tendo em consideração
circunstâncias específicas que justificam essa consideração excepcional.
Embora não cuide da prisão especial propriamente dita, o texto da Carta
Maior estabelece que “a pena será cumprida em estabelecimentos
distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado” (CF, art. 5º, XLVIII). Além disso, o art. 300 do CPP e o art. 84 da
LEP, com a redação das Leis 12.403/2011 e 13.167/2015, respectivamente,
estipulam que presos provisórios devem ser segregados dos presos
definitivos e encarcerados de acordo com a natureza da infração penal
imputada.

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A segregação do ambiente carcerário comum, nesses casos, visa a


atender a determinadas circunstâncias pessoais que colocam seus
beneficiários em situação de maior e mais gravosa exposição ao convívio
geral no cárcere, evitando, por exemplo, qualquer violência decorrente da
convivência de homens e mulheres na mesma prisão; a influência
deletéria de presos definitivos contra pessoas que, pela presunção de
inocência, não se confirmaram criminosas; de autores de crimes mais
graves sobre os demais presos; ou, ainda, daqueles em relação a crianças
e adolescentes que cometeram atos infracionais. Em todas essas hipóteses,
busca-se conferir maior proteção à integridade física e moral de presos
que, por suas características excepcionais, se encontram em situação mais
vulnerável, ou seja, substancialmente desigual, e que, por isso mesmo,
merecem um tratamento também desigual por parte do Poder Público.
Para essas hipóteses se vislumbra, na expressão de CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (O conteúdo jurídico do princípio da
igualdade), uma correlação lógica entre a distinção que a norma opera
(tratamento carcerário diferenciado) e o fator de discrímen (circunstância
eleita como justificadora desse tratamento).
Especificamente no tocante ao direito à prisão especial de natureza
cautelar, a previsão de estabelecimentos diversos para o recolhimento
provisório também visa a preservar a integridade e incolumidade de seus
destinatários, considerada a existência de vulnerabilidades de algumas
pessoas sob custódia que as colocam sob um perigo maior de serem
afetadas em seu bem-estar físico e/ou psíquico quando colocadas em
convivência comum com os demais presos, recomendando, portanto, a
sua segregação.
É o que ocorre, por exemplo, com os presos provisórios que, antes de
serem recolhidos na prisão cautelar, exerceram profissões ligadas à
administração da justiça criminal ou atividades públicas políticas e
administrativas, e que podem vir a sofrer vingança, retaliação ou
intimidação no convívio comum com outros presos.
Essa situação é bem ilustrada pelo professor GUSTAVO BADARÓ
(Reflexões sobre a prisão especial. Enfoque jurídico, n. 15, Brasília:

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Tribunal Regional Federal da 1a Região, ago. 2001, p. 4):

“Determinados indivíduos, em função dos cargos que


exercem, merecem um tratamento diferenciado, por serem
substancialmente desiguais dos demais. Basta pensar, por
exemplo, nos policiais civis e militares, bem como em todos
aqueles que atuam na administração da justiça criminal,
entendida em sentido lato. Trata-se de pessoas “desiguais”, que
merecem um tratamento especial, na medida em que se
desigualam. Não há como manter encarcerados em celas
comuns os policiais, civis ou militares, os promotores de justiça
ou juízes de direito, em especial os que atuam na justiça
criminal. Tal medida equivaleria a instituir, do ponto de vista
prático, a pena de morte para tais pessoas”.

Assim, o objetivo desse tratamento diferenciado por parte do Estado,


no recolhimento à prisão cautelar, é proteger pessoas desiguais. Verificada
maior exposição aos riscos de dano à incolumidade de presos
especialmente expostos ou fragilizados frente ao constrangimento do
cárcere, justifica-se a segregação em local separado. Essas distinções
realizam um escopo identificável na Constituição, de proteção à vida e à
dignidade humana, de prestígio à presunção de inocência, ou mesmo de
proteção à função pública exercida pelos agentes antes de serem
submetidos à prisão. Expô-los ao contato com a população carcerária
frustraria a tutela desses interesses constitucionalmente protegidos.
Observa-se, aliás, que a previsão de um modelo de prisão especial –
que destina estabelecimentos diversos a determinados presos – também
encontra pleno respaldo no Direito Internacional.
Nesse sentido, as Regras Mínimas das Nações Unidas para o
Tratamento de Presos, também conhecidas como Regras de Mandela
(Resolução 70/175 em 2015), em que a Assembleia Geral da ONU
promulga condições essenciais a serem cumpridas pelos Estados no
tratamento de pessoas encarceradas, entre elas a imparcialidade, não
devendo proceder com “nenhuma discriminação em razão da raça, cor,

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sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social,


patrimônio, nascimento ou outra condição” (Regra 2). Atendendo,
contudo, a um critério de justiça e igualdade material, as Regras de
Mandela explicitam alguns critérios válidos e plenamente legítimos de
tratamento diferenciado entre detentos em condições desiguais, in verbis:

Regra 11
As diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas
em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes
zonas de um mesmo estabelecimento prisional, tendo em
consideração o respetivo sexo e idade, antecedentes criminais,
razões da detenção e medidas necessárias a aplicar. Assim:
(a) Homens e mulheres devem ficar detidos em
estabelecimentos separados; nos estabelecimentos que recebam
homens e mulheres, todos os locais destinados às mulheres
devem ser completamente separados;
(b) Presos preventivos devem ser mantidos separados
dos condenados;
(c) Pessoas detidas por dívidas ou outros reclusos do foro
civil devem ser mantidos separados dos reclusos do foro
criminal;
(d) Os jovens reclusos devem ser mantidos separados dos
adultos.
[...]
Regra 93
1. As finalidades da classificação devem ser:
(a) De separar os reclusos que, pelo seu passado criminal
ou pela sua personalidade, possam vir a exercer uma
influência negativa sobre os outros reclusos;
(b) De repartir os reclusos por grupos tendo em vista
facilitar o seu tratamento para a sua reinserção social.
2. Há que dispor, na medida do possível, de
estabelecimentos separados ou de secções distintas dentro de
um estabelecimento para o tratamento das diferentes categorias
de reclusos.
[...]

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Regra 111
1. Os detidos ou presos em virtude de lhes ser imputada a
prática de uma infração penal, quer estejam detidos sob
custódia da polícia, quer num estabelecimento prisional, mas
que ainda não foram julgados e condenados, são doravante
designados nestas Regras por “detidos preventivamente”.
2. As pessoas detidas preventivamente presumem-se
inocentes e como tal devem ser tratadas.
3. Estes detidos devem beneficiar de um regime especial
cujos elementos essenciais se discriminam nestas Regras, sem
prejuízo das disposições legais sobre a proteção da liberdade
individual ou que estabelecem os trâmites a ser observados em
relação a pessoas detidas preventivamente.
Regra 112
1. As pessoas detidas preventivamente devem ser
mantidas separadas dos reclusos condenados.
2. Os jovens detidos preventivamente devem ser mantidos
separados dos adultos e ser, em princípio, detidos em
estabelecimentos prisionais separados.

Também o Pacto Internacional de Direito Humanos, em seu artigo


10, ressalta expressamente a necessidade de se separarem presos
provisórios de condenados definitivamente e os jovens dos adultos:

ARTIGO 10
1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada
com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa
humana.
2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo
em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e
receber tratamento distinto, condizente com sua condição de
pessoa não-condenada.
b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas
das adultas e julgadas o mais rápido possível.
3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo
objetivo principal seja a reforma e a reabilitação moral dos

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prisioneiros. Os delinqüentes juvenis deverão ser separados dos


adultos e receber tratamento condizente com sua idade e
condição jurídica.
No âmbito da União Europeia, o tema é regido pelas Regras
Penitenciárias Europeias de 1987, posteriormente regulamentadas pela
Recomendação Rec(2006)2 do Comitê de Ministros, que dispõem, entre
outros temas, acerca dos “reclusos preventivos”. A legislação europeia se
aproxima da diretriz adotada pela ONU, prevendo normas que versam
sobre a separação entre presos cautelares e condenados (Regras 18.8 e 96).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, igualmente, enfatiza o
necessário tratamento distinto entre pessoas presas provisoriamente,
fazendo menção a esse respeito nas “Medidas para reduzir a prisão
preventiva”, quando indica a necessidade de um tratamento diferenciado
também para detentas mulheres e aqueles que se encontrem em situação
de risco (item n. 17).
Vale registrar, ainda, que diversos países também preveem em suas
ordens jurídicas internas o recolhimento de determinadas pessoas em
local apartado ou dividido, a depender de critérios idôneos que
justifiquem esse tratamento diferenciado, como as hipóteses que já arrolei
aqui – problemas de saúde, idade avançada, sexo, gravidade dos crimes
cometidos, entre outras tantas – que também são excepcionadas em nosso
ordenamento jurídico.
Cite-se, como exemplo, a legislação processual penal portuguesa,
que prevê casos em que o encarceramento ocorrerá em recintos
diferentes, de acordo com as necessidades do recluso. Na Lei 115/2009,
que institui o “Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da
Liberdade”, há diferenciação, entre outras, para presos provisórios e
portadores de necessidades especiais. Confira-se abaixo (grifos aditados):

Artigo 9.º
Organização
1 - Os estabelecimentos prisionais podem ser constituídos
por uma ou várias unidades, diferenciadas em função dos
seguintes factores:

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a) Situação jurídico-penal, sexo, idade, saúde física e


mental e outros factores tendentes à especialização ou
individualização do tratamento prisional do recluso;
b) Exigências de segurança;
c) Programas disponíveis;
d) Regimes de execução.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, devem
existir estabelecimentos prisionais ou unidades especialmente
vocacionados para a execução das penas e medidas privativas
da liberdade aplicadas:
a) A presos preventivos;
b) A reclusos que cumpram pena de prisão pela primeira
vez;
c) A jovens até aos 21 anos ou, sempre que se revele
benéfico para o seu tratamento prisional, até aos 25 anos;
d) A mulheres;
e) A reclusos que careçam de especial protecção.

A legislação mexicana, em seu “Código Nacional de Procedimientos


Penales”, traz casos excepcionais à prisão preventiva, aplicados a idosos,
enfermos e gestantes, conforme consta a seguir, no original:

Artículo 166. Excepciones


En el caso de que el imputado sea una persona mayor de
setenta años de edad o afectada por una enfermedad grave o
terminal, el Órgano jurisdiccional podrá ordenar que la prisión
preventiva se ejecute en el domicilio de la persona imputada o, de
ser el caso, en un centro médico o geriátrico, bajo las medidas
cautelares que procedan.
De igual forma, procederá lo previsto en el párrafo anterior,
cuando se trate de mujeres embarazadas, o de madres durante la
lactancia.

O Código de Processo Penal francês (“Code de procédure pénale”), por


sua vez, separa os presos em cumprimento de pena definitiva daqueles
que estão em recolhimento provisório, no centro de detenção preventiva

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localizado perto de cada Tribunal judicial (artigo 714). O dispositivo legal


ainda prevê que, excepcionalmente, se for necessário para a prevenção de
fugas ou para manter a segurança e a boa ordem dos estabelecimentos
prisionais, os presos provisórios podem ser recolhidos com os demais
presos definitivos.
Na Itália, a “Legge sull'ordinamento penitenziario” (Lei do Sistema
Penitenciário – Lei de n. 354, de 26 de julho de 1975) estabelece que os
detentos serão separados em estabelecimentos específicos para jovens e
adultos (artigo 59). Estes últimos, por sua vez, serão divididos em
instituições (prisões) distintas para custódia preventiva (artigo 60);
execução de penas definitivas (artigo 61); execução de medidas de
segurança para detenção (artigo 62); e centros de observação (artigo 63).
Ainda, prevê-se a diferenciação expressa entre as instituições para
execução de penas e para medidas de segurança, além de
estabelecimentos próprios para enfermos e deficientes (artigo 64).
Além disso, a matéria também é disciplinada, na ordem jurídica
italiana, pelo Decreto do Presidente da República n. 230, de 30 de junho
de 2000, que regulamenta a Lei do Sistema Penitenciário, notadamente
em relação às regras sobre o sistema jurídico da penitenciária e sobre as
medidas privativas e limitativas de liberdade. Nesse ato normativo, o
Estado italiano permite a implementação de prisões autônomas ou
recintos separados das prisões comuns para detidos e reclusos de baixa
periculosidade (artigo 115.3), para aqueles que apresentem problemas de
toxicodependência ou dependência do álcool, e os portadores de
patologias mentais e físicas significativas, em especial do HIV (artigo
115.4). Segundo dados do Prison Insider – uma plataforma de informação
sobre prisões ao redor do mundo –, cerca de 30% das instituições
prisionais têm celas adaptadas para as necessidades de presos com
deficiência, e há duas penitenciárias especialmente projetadas para esse
fim, com equipamento e pessoal preparados (a Casa Circondariale de Bari
e a Casa di Reclusione de Parma).
Na Itália e também na Alemanha, segundo dados obtidos do site
Prison Insider, a identidade étnica pode ser um critério para colocar o

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indivíduo em cela individual em alguns casos excepcionais, como, por


exemplo, por razões de segurança, para evitar a violência entre
prisioneiros turcos e curdos.
A concessão de um direito à prisão especial para portadores de
diploma de nível superior, contudo, parece ser verdadeira “jabuticaba”
brasileira. Questionado acerca do tema pelo jornal El País, o Institute for
Criminal Policy Research – que pesquisa sobre os sistemas judiciais no
mundo –, afirmou que “nunca ouviu falar sobre outro sistema prisional que
separe prisioneiros pelo seu nível de educação!”. Jornalistas do EL PAÍS nos
EUA, Argentina, México e Espanha também não encontraram nenhuma
norma comparável nesses respectivos países. (Fonte: El País Brasil, 2017;
disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/02/politica/1486
060660_586514.htmlhttps://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/02/politica/148
6 060660_586514.html).
Pude encontrar uma figura semelhante, tão somente, no Código de
Processo Penal espanhol (“Ley de Enjuiciamiento Criminal”), que indica,
como critério a ser levado em conta para a separação de presos
provisórios nas celas conjuntas, “el grado de educación del detenido, su edad y
la naturaleza del delito que se le impute” (artículo 521). Veja-se:

Real Decreto de 14 de septiembre de 1882 por el que se


aprueba la Ley de Enjuiciamiento Criminal)

Artículo 521.
Los detenidos estarán, a ser posible, separados los unos de
los otros.
Si la separación no fuese posible, el Juez instructor o
Tribunal cuidará de que no se reúnan personas de diferente
sexo ni los correos en una misma prisión, y de que los jóvenes y
los no reincidentes se hallen separados de los de edad madura y
de los reincidentes.
Para esta separación se tendrá en cuenta el grado de
educación del detenido, su edad y la naturaleza del delito que
se le impute.

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Artículo 522.
Todo detenido o preso puede procurarse a sus expensas
las comodidades u ocupaciones compatibles con el objeto de su
detención y el régimen del establecimiento en que esté
custodiado, siempre que no comprometan su seguridad o la
reserva del sumario.

Como se vê, a única separação entre estabelecimentos carcerários


expressamente adotada, a que incumbe ao juiz de instrução respeitar, é
entre homens e mulheres; corréus; adultos e jovens; e reincidentes de réus
primários. Apesar de ter-se adotado o grau de educação como um critério
para a repartição geral dos presos nas celas, não há a previsão de que
aqueles com título acadêmico terão um espaço exclusivo, “especial” ou
melhor, em separado dos demais, de graduação inferior. Não significa
que, na mesma cela, só haverá bacharéis, em relação ao grau de educação,
ou pessoas com 20 anos, quanto à idade, ou acusados de furto, a respeito
da natureza do delito como critério de divisão, enquanto pende uma
população geral carcerária misturada em outro ambiente comum.
Não me parece existir qualquer justificativa razoável, à luz da
Constituição da República, que seja apta a respaldar a distinção de
tratamento a pessoas submetidas à prisão cautelar, pelo Estado, com
apoio no grau de instrução acadêmica, tratando-se de mera qualificação
de ordem estritamente pessoal que, por si só, não impõe a segregação do
convívio com os demais reclusos. A meu ver, a previsão do direito à
prisão especial a diplomados em ensino superior não guarda nenhuma
relação com qualquer objetivo constitucional, com a satisfação de
interesses públicos ou à proteção de seu beneficiário frente a algum risco
maior a que possa ser submetido em virtude especificamente do seu grau
de escolaridade.
Trata-se, na realidade, de uma medida estatal discriminatória, que
promove a categorização de presos e que, com isso, ainda fortalece
desigualdades, especialmente em uma nação tão socialmente desigual
como a nossa, em que apenas 11,30% da população geral possui ensino
superior completo. Trazendo um dado ainda mais alarmante, tem-se que

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somente 5,65% dos pretos ou pardos conseguiram graduar-se em uma


Universidade, tudo de acordo com o último Censo do IBGE, em 2010,
único disponível, devido à pandemia.
Na perspectiva de informações um pouco mais recentes, como
aquelas encontradas no Censo da Educação Superior 2019, o cenário
continua lamentável. Entre as pessoas de 25 a 34 anos, foram registradas
21,3% com educação superior, ao lado de 14,3% de cidadãos entre 55 e 64
anos.
No âmbito das penitenciárias brasileiras superlotadas, esse número é
significativamente inferior. Em dados disponibilizados pelo SISDEPEN
em dezembro de 2021, o número total de presos era de 833.176. Destas
pessoas, apenas 5.135 declararam possuir curso superior completo ou
acima, o que equivale a 0,61% em relação à totalidade da população
carcerária do Brasil.
Ao permitir-se um tratamento especial por parte do Estado
dispensado aos bacharéis presos cautelarmente, a legislação beneficia
justamente aqueles que já são mais favorecidos socialmente, os quais já
obtiveram um privilégio inequívoco de acesso a uma Universidade.
A separação de presos provisórios por nível de instrução contribui
para a perpetuação de uma inaceitável seletividade socioeconômica do
sistema de justiça criminal e do Direito Penal, tratando-se de regra
incompatível com o princípio da igualdade e com o próprio Estado
democrático de Direito.
Saliente-se, ainda, que, ao contrário do que sustentado pela
Advocacia-Geral da União, a precariedade do sistema prisional brasileiro
não legitima a concessão a pessoas com melhor instrução formal da
possibilidade de serem encarceradas em acomodações distintas e,
presumivelmente, melhores. Afinal, os direitos que a Constituição confere
ao cidadão preso devem ser assegurados a todos indistintamente, não
sendo possível considerar, absolutamente, qualquer justificativa idônea
que preferencie o bacharel em detrimento das demais pessoas submetidas
à restrição cautelar de liberdade.
Nesse sentido, volumosa doutrina afirma que o critério fundado

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apenas em uma especial e suposta qualidade pessoal ou moral do preso é


inconstitucional, por atentatório ao princípio isonômico (RENATO
BRASILEIRO, Manual de Processo Penal, 2020, pp. 995-996; AURY
LOPES JUNIOR, Prisões Cautelares, 2020, p. 1.067; CARLOS ROBERTO
JAMIL CURY e MARIA ALICE NOGUEIRA, “Prisão especial e diploma de
ensino superior: uma aproximação crítica”, In. Revista Brasileira de
Educação, n. 16, 2001; FERNANDA CRISTINA ZACARIAS COELHO, “O
direito à prisão especial: garantia ou privilégio? In. Revista da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, v. 44, n. 1, 2016). É o
que afirma EUGÊNIO PACELLI, segundo o qual, “à exceção de uma ou
outra situação, sobretudo quando fundada no exercício de determinadas
funções públicas, ligadas à própria persecução penal, parece-nos
absurdamente desigual o tratamento reservado a algumas pessoas,
especialmente quando baseado no grau de escolaridade de que são
portadoras (art.295, VII do CPP)”. (PACELLI, 19.ed., p.578). Assim
também se manifesta GUILHERME DE SOUZA NUCCI:

“Se a prisão é provisória, podendo o processo redundar


em absolvição, não é correto misturar o preso cautelar com o
condenado, visto pretender-se evitar qualquer influência
negativa deste em relação àquele. O mesmo se diga das demais
formas de separação. Porém, colocar em lugares distintos o
médico, por ter diploma de curso superior, e o carpinteiro, por
ser iletrado, ambos tendo cometido o crime de homicídio, por
exemplo, além de serem primários e sem antecedentes, é uma
demonstração inequívoca de desigualdade condenável. Inexiste
razão plausível para que o médico não possa dividir uma cela
com o carpinteiro. A periculosidade de ambos é semelhante,
logo, não se pode alegar qualquer risco. [...]
O quadro exposto retrata um Brasil dividido por castas,
em matéria de prisão cautelar: os comuns, os especiais e os
super especiais. Nada disso é compatível com a igualdade de
todos os brasileiros perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza. O cuidado com a prisão provisória deve existir, sem
dúvida, porém voltado à pessoa do criminoso (o que fez, quem

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é e qual seu passado em matéria criminal). Separações, por


cautela e para preservação da dignidade e da vida humana,
somente devem ser acolhidas, quando disserem respeito a fatos
e não a títulos.
A prisão especial representa um resquício de desigualdade
inadmissível para o Estado Democrático de Direito no Brasil.”
(GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Fim da prisão especial:
posição favorável”, 2015)

Registre-se, inclusive, que há Projeto de Lei em trâmite no Congresso


Nacional (Projeto de Lei 3.945/2019) que visa alterar o Código de Processo
Penal para revogar o direito à prisão especial antes do trânsito em julgado
de sentença condenatória aos cidadãos portadores de diploma de curso
de ensino superior. A proposta legislativa, contudo, não teve tramitação
desde 2019, pendente de pauta na Comissão. Transcrevo, por relevantes,
as razões que justificaram o Projeto de Lei em questão:

“Não é justo que alguém tenha direito a prisão especial


com fundamentos exclusivos em razões socioeconômicas como
a hipótese que se busca revogar. Conceder esse privilégio pelo
simples fato de se ter um diploma de nível superior é dizer à
maior parcela da população brasileira, constituída de
analfabetos, pessoas que estudaram até o ensino fundamental
ou até o nível médio que são inferiores à camada privilegiada
da sociedade que teve acesso ao ensino superior. [...]
Não há razões de ordem técnica, jurídica ou científica que
embasem esse entendimento que remonta à década de 40 do
século passado. Do mesmo modo, afirmar que um indivíduo
que tem nível médio é mais perigoso e oferece risco a quem tem
nível superior é aceitar um preconceito social inadmissível.[...]
Há de se ter em mente que todos são iguais perante a Lei
(art. 5º, caput, da CF). Essa é uma das maiores mentiras que
estão escritas na Constituição Federal. Todavia, para que essa
afirmação passe a ser uma verdade, precisamos modificar toda
a legislação infraconstitucional que não honra esse preceito, tal
como a que se busca revogar. [...]

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Devemos lembrar que qualquer benesse de ordem


processual penal deve ter seu fundamento em uma razão
técnica. No caso da prisão especial, é necessário que haja
alguma razão de segurança ou periculosidade que fundamente
a previsão, o que não se verifica na hipótese em comento.”

Esse projeto, inclusive, não foi o primeiro a discutir o fim da prisão


especial para as pessoas com curso superior. Ainda em 2009, o PL 5.314
afirmava que o benefício “é consequência de uma sociedade burguesa, ciente
de seus privilégios de classe e em nada se coaduna com o princípio da igualdade”.
Como bem enfatiza a justificativa do PL 3.945/2019, não há
incremento de risco nem fato relevante, em relação ao detentor de grau
acadêmico superior, que justifique a segregação cautelar em local diverso
daquele destinado aos não portadores de diploma universitário. Embora
seja possível identificar esse propósito em relação a outras previsões
congêneres, o mesmo não ocorre com o inciso VII. O título acadêmico não
faz supor uma especial fragilidade ou deficiência que torne a prisão
processual uma experiência mais gravosa para o bacharel do que o é para
qualquer cidadão.
Na verdade, as demais hipóteses analisadas excluem a possibilidade
de atribuição de um sentido constitucional à norma impugnada, pois,
examinadas as razões e circunstâncias que autorizam benefício carcerário
por razões funcionais e humanitárias, conclui-se que o grau de instrução
superior não indica motivação válida para a atribuição de regime
carcerário diferenciado.
O próprio vocativo do instituto da prisão especial, quando aplicado
a partir desse critério de natureza estritamente pessoal, acaba sendo, por
si só, discriminatório, pois atribui estereótipos às figuras do preso comum
e do preso portador de diploma, presumindo a periculosidade daquele e
supondo o contrário em relação a este.
Não há, contudo, qualquer razão jurídica para segregá-los, para que
a pessoa graduada em ensino superior receba um tratamento “especial”
pelo Estado, em detrimento do preso comum, quando ambos são presos
provisórios. Seria um preconceito infundado supor que o portador de

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diploma de ensino superior, apenas por ser diplomado, possuiria


condições pessoais e morais incompatíveis com o convívio com aqueles
que não gozaram dessa oportunidade.
A existência desse benefício acarreta um efeito simbólico
diretamente contrário ao projeto normativo de inclusão plural e
democrática consagrado na Constituição.
Nesse sentido, a professora Valquíria Padilha explica que “ao
considerar aqui a hipótese de que a prisão especial é um privilégio ou de que ela é
a legalização do privilégio, parte-se não só da defesa do que consta na Carta
Magna de que todos são iguais perante à lei mas, de uma idéia de cunho político
de que, em certa medida, se privatiza a noção de público, uma vez que privilégio é
entendido como “lei privada”, lei para alguns poucos e não para todos”
(Valquíria Padilha e Flávio Antonio Lazzarotto. “A distinção por trás das
grades: reflexões sobre a prisão especial”. Revista Sociologia Jurídica. N. 4.
Jan./Jun. 2007. Disponível em: https://sociologiajuridica.net/a-distincao-
por-tras-das-grades-reflexoes-sobre-a-prisao-
especial/https://sociologiajuridica.net/a-distincao-por-tras-das-grades-
reflexoes-sobre-a-prisao-especial/).
Tal critério de distinção que, repita-se, não leva em consideração
nenhuma justificativa excepcional apta a fundamentar a concessão de
prerrogativa especial por parte do Poder Público, constitui verdadeiro
privilégio social, assimilável a discriminações promovidas em sociedades
de castas, totalmente incompatíveis com o Estado democrático de Direito
que vige no Brasil. Por exemplo, o regime de castas em vigor na Índia,
cujos efeitos deletérios são sentidos com bastante força no sistema
prisional daquele país.
Algumas reportagens e artigos publicados por um jornal local
denominado “The Wire”, organizado por uma instituição sem fins
lucrativos cujo nome é “Foundation for Independent Journalism”, denunciam
o tratamento desigual e injusto por parte do Poder Público em relação aos
presos na Índia, motivado pelas suas castas. O jornal relata, por exemplo,
que as alas de diversas penitenciárias indianas são divididas pelo mero
pertencimento às distintas classes sociais lá existentes. Os Thevars, de uma

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casta considerada “superior”, são posicionados perto da cantina dos locais


de trabalho, do hospital e da cantina da prisão, enquanto o bloco mais
distante desses lugares privilegiados, chamado de Pallar, é destinado aos
prisioneiros da comunidade Dalit, uma classe considerada impura na
Índia (os intocáveis).
O jornal The Wire divulga, também, um relato de um ex-detento,
Ajay, preso em 2016 no Distrito de Alwar, sobre a divisão de trabalhos no
sistema prisional conforme a classe social. A primeira pergunta feita ao
apenado, quando admitido no estabelecimento prisional, era: “qual é a sua
casta?”, o que era decisivo para a distribuição de tarefas, independente do
crime praticado. As pessoas na base da pirâmide de casta eram
responsabilizadas pela limpeza; os indivíduos do meio da pirâmide para
cima cuidavam da cozinha e do departamento de documentos legais da
prisão; e as pessoas ricas e influentes não tinham de fazer nada. Ajay, que
não pertencia a uma casta alta da sociedade, tinha de limpar banheiros,
varrer o chão e ajudar em trabalhos braçais, como cuidar da jardinagem,
carregar e armazenar água. Seu trabalho começava antes do amanhecer e
ia até as 17 horas, todos os dias.
Ainda de acordo com o artigo, esse trabalho baseado na casta é
sancionado nos manuais de prisões de diversos Estados da Índia. O
manual da prisão em que Ajay ficou (Rajasthan Jail MAnuak), confirma o
depoimento do ex-presidiário e prevê que “qualquer brâmane (casta alta da
sociedade indiana) ou prisioneiro hindu de casta suficientemente alta pode se
eleger para nomeação como cozinheiro”.
A reportagem menciona também o relato de uma ex-detenta
recolhida no presídio de Byculla no mesmo período em que Pragya Singh
Thakur, pessoa famosa que, posteriormente, foi eleita para o parlamento
indiano. Por sua influência, Thakur ficou presa em cela separada, espécie
de “cela VIP” para ricos e influentes que buscam privacidade. Thakur
também teve permissão para se alimentar com comida caseira, levada
todos os dias pelo seu cunhado, e teve à sua disposição três presos para
atender-lhe em suas necessidades, incluindo um Dalit, que limpava o
banheiro da penitenciária.

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Ou seja, com esses breves relatos, é possível perceber um sistema


claramente desigual, em que o Estado diferencia os presos sem qualquer
critério razoável, apenas pelo pertencimento a diferentes castas sociais.
Essa distinção infundada no tratamento dado aos presos pelo Poder
Público era vista, também, entre negros e brancos no regime vigente na
época do Apartheid, na África do Sul. Na coletânea de textos
”Imprisonment in Apartheid South Africa I: Personal histories”, os autores
afirmam que uma das prisões mais famosas do país africano – Robben
Island Prison – era destinada, durante o regime, a presos políticos que
fossem do sexo masculino e negros, e essa segregação também era vista
em outras penitenciárias.
As prisões para negros tinham condições piores que aquelas
relativas aos prisioneiros brancos. Além de ocuparem celas mais cheias e
de sofrerem punições corporais e tortura, os sul-africanos negros
recebiam menos peças de roupa e, em alguns casos, sujas, o que não
acontecia aos brancos. Esse cenário é relatado em diversas obras,
inclusive na autobiografia de Winnie Mandela, mulher do ex-presidente
Nelson Mandela (Fonte: SAHO – South African History Online).
Vê-se, daí, que a segregação racial se tornou um elemento estrutural
nas prisões sul-africanas (NATCHA FILIPPO, In: “Deviance, Punishment
and Logics of Subjectification during Apartheid: Insane Political and
Common-Law Prisoners in a South African Gaol”, 2011). E esse triste e
lamentável regime discriminatório ainda prolifera seus efeitos na África
do Sul até os tempos atuais.
Um relatório da “Human Rights Watch” informa que o apartheid no
sistema prisional daquele país acabou formalmente com as Emendas ao
Service Act, realizadas em 1990. Contudo, alguns anos após essa
mudança, o informe dá conta de que ainda é muito comum que as prisões
continuem sendo diferenciadas pela cor de pele. Principalmente as
prisões que, na época do regime, eram exclusivas para brancos, agora
continuam tendo uma população majoritariamente branca, mesmo com o
fim do apartheid oficial, e ainda considerando que a população carcerária
na África do Sul é, tal como em nosso país, predominantemente composta

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por negros e pardos, a evidenciar uma discriminação não apenas no


contexto da prisão, mas de justiça criminal como um todo (Em 2018,
segundo dados da AfricaChech, 98% dos presos da África do Sul eram
negros ou pardos).
O informe da Human Rights Watch ainda identifica a ocorrência de
outras formas de discriminações informais no sistema penitenciário por
parte do Poder Público. Na Prisão de Brandvlei, por exemplo, os detentos
relataram que apenas os brancos recebem leite, além de ganharem
talheres diferentes e receberem um tempo adicional no dia de visitação.
Trata-se de uma herança histórica de preconceito e discriminação a
que cumpre enfrentar e resistir, e sempre que possível tentar minimizar
seus efeitos para que deixem de perpetuar-se até os tempos presentes.
Em nosso próprio país, a distinção de presos com base no grau de
instrução acadêmica documenta, de forma já extemporânea, a lógica do
bacharelismo, designativo pelo qual as ciências sociais descrevem certo
aspecto da formação social do Brasil, onde a condição de bacharel serviu
como diferenciação funcional do papel da classe dominante.
RAYMUNDO FAORO (Os Donos do Poder, 3ª edição, 2001) resgata o
papel social atribuído à condição de bacharel na formação política e social
da nossa República:

“Desde a primeira hora da colonização, Portugal, sensível


ao plano de governo da terra imensa e selvagem, mandou à
colônia, ao lado dos agentes do patrimônio real, os fabricantes
de letrados, personificados nos jesuítas. "O gosto pelo diploma
de bacharel," nota Gilberto Freyre "pelo título de mestre,
criaram-no bem cedo os jesuítas no rapaz brasileiro; no século
XVI já o brasileiro se deliciava em estudar retórica e latim para
receber o título de bacharel ou de mestre em artes. Já a beca
dava uma nobreza toda especial ao adolescente pálido que saía
dos 'páteos' dos jesuítas. Nela se anunciava o bacharel do século
XIX o que faria a República, com a adesão até dos bispos, dos
generais e dos barões do Império. Todos um tanto fascinados
pelo brilho dos bacharéis. O caminho da nobilitação passava
pela escola, pelos casarões dos jesuítas, pela solene Coimbra ou

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pelos acanhados edifícios de Olinda, São Paulo e Recife. O alvo


seria o emprego e, por via dele, a carruagem do estamento
burocrático, num processo de valorização social decorrente do
prestígio do mando político.”

O fenômeno do Bacharelismo no Brasil se apresentou como uma


forte característica da época de nossa emancipação política, em que o
Estado recém-criado precisava preencher espaços vazios de poder em
uma estrutura social anacrônica de forte tradição colonial escravista e
ruralista e que ainda não possuía experiência política ou jurídica própria.
Nesse contexto, contava-se com os bacharéis formados em Coimbra, que
imigravam para cá com a nobre missão de assumir os cargos públicos de
maior destaque, fazendo um contraponto com os antigos modos
patriarcais, que passaram a ser considerados inferiores.
Anos depois, com as escolas de São Paulo e Recife, o diploma de
ensino superior continuou sendo visto como a “habilitação” para o
exercício do poder, que revestia a pessoa letrada de alto prestígio e de um
“status” social maior. Dava-se aquilo que Bourdieu chamava de
transmutação das hierarquias sociais em hierarquias escolares (PIERRE
BOURDIEU, La distinction. Paris: Éd. de Minuit, 1979, p. 451). A posse
dos títulos acadêmicos era um “princípio altamente distintivo de classificação
social”, que legitimava a prosperidade simbólica e o exercício de
autoridade em relação àqueles desprovidos da distinção acadêmica, como
um verdadeiro capital social – obviamente não desvinculado do capital
econômico, uma vez que os poucos que tinham acesso ao ensino superior
eram justamente os grandes proprietários de terra e seus familiares.
Ser portador de um título acadêmico, ser um bacharel, denotava um
privilégio natural do indivíduo e tornava-o apto e instrumentalizado a
exercer o poder naquele contexto. (GILBERTO FREYRE. Sobrados e
mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 2002.).
Em Raízes do Brasil, SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA faz uma
leitura reflexiva do primado do bacharel no plano social, político e
cultural do país, no qual se atribuía uma posição proeminente na

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sociedade à pessoa letrada, tornando evidente como o bacharelismo


continua enraizado no imaginário sociopolítico de nosso povo e associado
intrinsecamente à ideia de poder:

“O trabalho mental, que não suja as mãos e não fatiga o


corpo, pode constituir, com efeito, ocupação em todos os
sentidos digna de antigos senhores de escravos e dos seus
herdeiros. Não significa forçosamente, neste caso, amor ao
pensamento especulativo – a verdade é que, embora
presumindo o contrário, digamos, de modo geral, pouca estima
às especulações intelectuais – mas amor à frase sonora, ao verbo
espontâneo abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara. É
que para bem corresponder ao papel que, mesmo sem o saber,
lhe conferimos, inteligência há de ser ornamento e prenda, não
instrumento de conhecimento e de ação.
Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes
senhoriais ainda merecem largo crédito, as qualidades do
espírito substituem, não raro, os títulos honoríficos, e alguns
dos seus distintivos materiais, como o anel de grau e a carta de
bacharel, podem equivaler a autênticos brasões de nobreza.
Aliás, o exercício dessas qualidades que ocupam a inteligência
sem ocupar os braços tinha sido expressamente considerado, já
em outras épocas, como pertinente aos homens nobres e livres,
de onde, segundo parece, o nome de liberais dado a
determinadas artes, em oposição às mecânicas, que pertencem
às classes servis.
(HOLANDA, Sérgio Buarque de, “Raízes do Brasil”, 27ª
ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 97-98).

O resgate à historicidade desse fenômeno permite identificar,


atualmente, a persistência de um ranço ideológico do bacharelismo na
sociedade brasileira, constatado em nosso Código Penal desde 1941, que
privilegia o bacharel por sua “superioridade espiritual” – nos dizeres de
Sérgio Buarque de Holanda – em relação aos demais presos que não
tiveram acesso às mesmas oportunidades de estudo, em igualdade de

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condições. O que esse instituto legal transmite é a inaceitável mensagem


de que esses outros presos, os “comuns”, não se tornaram pessoas dignas
de tratamento especial por parte do Estado, no caso, de uma prisão
especial.
Naturalmente, a ordem constitucional atualmente vigente não mais
permite a perpetuação dessa lógica discriminatória e desigual. Conceder
benefício carcerário àqueles que dispõem de diploma de ensino superior
não satisfaz nenhuma finalidade constitucional; tampouco implica maior
proteção a bem jurídico que já não seja protegido por outras normas.
Excluídas essas possibilidades, resulta consistente a tese levantada pela
Procuradoria-Geral da República: de que a instrução superior, nesse caso,
serve apenas como signo de uma condição socioeconômica à qual se
atribui tratamento benéfico, e que se mostra claramente incompatível com
a Constituição.
Daí a pertinência da impugnação trazida a lume pelo requerente,
especialmente quando destaca o papel simbólico que a diferença de
tratamento desempenha na exacerbação de desigualdades e na seletividade
do sistema criminal brasileiro. Como afirma o requerente, “não faz sentido
separar dos demais presos provisórios um seleto rol de escolhidos, antes de tudo
porque a razão do discrímen (escolaridade) não se fundamenta em finalidade
constitucional ou motivação de vulnerabilidade dos favorecidos”.
A norma impugnada não protege uma categoria de pessoas
fragilizadas e merecedoras de tutela, pelo contrário, ela favorece aqueles
que já são favorecidos por sua posição socioeconômica. Embora a atual
realidade brasileira já desautorize a associação entre bacharelado e
prestígio político, fato é que a obtenção de título acadêmico ainda é algo
inacessível para a maioria da população brasileira. A extensão da prisão
especial a essas pessoas caracteriza verdadeiro privilégio que, em última
análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito
penal, e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a
igualdade entre todos na lei e perante a lei.
Em razão disso, ausente qualquer justificativa que empregue sentido
válido ao fator de discrímen indicado na norma impugnada, a conclusão

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ADPF 334 / DF

é a de que o instituto nela previsto, em relação aos portadores de diploma


de nível superior, é inconciliável com o preceito fundamental da isonomia
(art. 3º, IV, e art. 5º, caput, CF).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na


presente arguição, para declarar a não recepção do art. 295, inciso VII, do
Código de Processo Penal pela Constituição de 1988.
É o voto.

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Extrato de Ata - 28/11/2022

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 334


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL-
CFOAB
ADV.(A/S) : JOSE ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL (3725/AM, 45240/
DF)
ADV.(A/S) : MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO (18958/DF, 167075/MG,
2525/PI, 463101/SP)
ADV.(A/S) : LIZANDRA NASCIMENTO VICENTE (39992/DF)
ADV.(A/S) : BRUNA SANTOS COSTA (44884/DF)

Decisão: Após os votos dos Ministros Alexandre de Moraes


(Relator) e Cármen Lúcia, que julgavam procedente o pedido
formulado na arguição, para declarar a não recepção do art. 295,
inciso VII, do Código de Processo Penal pela Constituição de 1988,
pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli. Os Ministros Rosa
Weber (Presidente) e Edson Fachin anteciparam seus votos
acompanhando o Relator. Falou, pelo amicus curiae, o Dr. Ulisses
Rabaneda dos Santos. Plenário, Sessão Virtual de 18.11.2022 a
25.11.2022.

Composição: Ministros Rosa Weber (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto
Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André
Mendonça.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Supremo Tribunal Federal
Voto Vogal

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03/04/2023 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 334


DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL-CFOAB
ADV.(A/S) : JOSE ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL
ADV.(A/S) : MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO
ADV.(A/S) : LIZANDRA NASCIMENTO VICENTE
ADV.(A/S) : BRUNA SANTOS COSTA

VOTO VOGAL

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Adoto como relatório o


lançado pelo ilustre Relator, Ministro Alexandre de Moraes.
Apenas para rememorar consigno cuidar-se de Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada pela Procuradoria
-Geral da República, em que requer a declaração de não recepção, pela
Constituição Federal de 1988, do art. 265, inciso VII, do Código de
Processo Penal.
O dispositivo impugnado encontra-se vazado nos seguintes termos:

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial,


à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a
prisão antes de condenação definitiva:
[...]
VII - os diplomados por qualquer das faculdades
superiores da República;
[...]
§ 1o A prisão especial, prevista neste Código ou em outras
leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto

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da prisão comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)


§ 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso
especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo
estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
§ 3o A cela especial poderá consistir em alojamento
coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente,
pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequados à existência humana.
(Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
§ 4o O preso especial não será transportado juntamente
com o preso comum.

Um dos fundamentos estruturantes da noção de República é o


postulado da igualdade entre aqueles que a constituem. Nesse rumo de
ideias, Immanuel Kant, em A Paz Perpétua, já enunciava que o conceito de
República está fundado em três princípios: a liberdade dos membros da
sociedade; a sujeição de todos a uma legislação comum; e a igualdade de
todos os cidadãos perante a lei, sendo a constituição republicana a única
derivada da ideia de contrato originário, em que se funda toda a
legislação jurídica de um povo (KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Um
Projeto Filosófico. Trad. Artur Morão. LusofiaPress, Covilha, 2008, p. 11).
Em igual teor, ao reforçar a compreensão de que o conceito de
República compreende o postulado da isonomia, Geraldo Ataliba, citado
na petição inicial da presente ação, assevera que não teria sentido que os
cidadãos se reunissem em República para estipular privilégios a favorecer
determinado grupo ou para estabelecer instituições que violassem o
direito fundamental à igualdade. A República “é de todos e para todos” e
“os poderes que de todos recebe devem traduzir-se em benefícios e
encargos iguais para todos os cidadãos”, pois “de nada valeria a
legalidade se não fosse marcada pela igualdade”. (ATALIBA, Geraldo.
República e Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 160).
A conexão entre República e a igualdade também não é estranha à
jurisprudência desta Corte. No julgamento da medida cautelar na ADI
917, o Relator, Ministro Celso de Mello, ao citar João Barbalho, destacou

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que “a República não admite nem tolera privilégios, porque, ‘de todas as
formas de governo, é a República a mais própria para o domínio da
igualdade, a única compatível com ela’”. Confira-se a ementa abaixo
transcrita:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - LEI Nº 10.961/92, DO ESTADO
DE MINAS GERAIS - ACESSO - PROVIMENTO DE CARGOS
PÚBLICOS - ALEGADA OFENSA AO POSTULADO
CONSTITUCIONAL DO CONCURSO PÚBLICO -
PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA. - A exigência de concurso público, que
traduz determinação de índole constitucional (CF, art. 37, II),
objetiva impedir que a investidura em cargos, funções ou
empregos públicos seja distorcida por práticas estatais
discriminatórias, que ofendem, profundamente, o postulado da
igualdade e que desrespeitam, de modo frontal, o primado da
idéia republicana, cujo valor - impregnado de altíssimo
coeficiente ético-jurídico - qualifica-se como expressivo vetor
interpretativo das normas que compõem a Lei Fundamental. A
República não admite nem tolera privilégios, porque, "de
todas as formas de governo, é a República a mais própria para
o domínio da igualdade, a única compatível com ela" (JOÃO
BARBALHO). Precedentes. - Relevância jurídica da tese que
sustenta a inconstitucionalidade de resoluções estatais que
privilegiam determinadas categorias funcionais, assegurando,
aos seus integrantes, o ingresso em cargo público mediante
simples prova seletiva interna.
(ADI 917 MC, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal
Pleno, julgado em 04/11/1993, DJ 15-12-2006 PP-00080 EMENT
VOL-02260-01 PP-00049)

Não por outra razão, a Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a


associação entre República e igualdade, afirma constituir um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

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quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inciso IV, CF).


Tem-se, portanto, que a violação ao princípio da igualdade atinge a
República em seu núcleo essencial.
Por outro lado, o princípio da igualdade está consagrado no caput do
art. 5º da Constituição Federal, o qual prevê que “todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Na ambiência dos direitos dos
presos, o postulado da isonomia também está presente, na medida em
que a Constituição Federal assegura aos presos, sem qualquer distinção, o
respeito à integridade física e moral (art. 5º, inciso XLIX).
Cumpre registar que o princípio da igualdade perante a lei não
significa somente igualdade na aplicação e interpretação da norma
jurídica; mas sobretudo igualdade na lei, vale dizer, a própria lei não
pode ser criada em desconformidade com o referido princípio. O
princípio da igualdade é, assim, voltado não apenas à instância judicial;
mais que isso, ele é dirigido ao legislador, na medida em que a isonomia
se posta como um limite para a própria lei. Nesse sentido, Francisco
Campos, em sua obra Direito Constitucional, já asseverava:

“[...] não poderá subsistir qualquer dúvida quanto ao


destinatário da cláusula constitucional da igualdade perante a
lei. O seu destinatário é, precisamente, o legislador e, em
conseqüência, a legislação; por mais discricionários que possam
ser os critérios de política legislativa, encontra no princípio da
igualdade a primeira e mais fundamental de sua limitações.”
(CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1956, p. 30).

Por outro lado, o conceito de igualdade é relativo. Apenas se pode


falar em igualdade ou desigualdade quando se compara determinada
situação com outra. E, nesse sentido, a lei, quando é editada, toca no
princípio da igualdade, pois ela nada mais faz do que distinguir aqueles
que se enquadram na norma prevista de outros que não se encaixam.
Contudo, nem toda desigualação está em desconformidade com o
princípio da isonomia. A própria Constituição Federal, ao trazer a

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exigência de justiça social, ao diferenciar homens e mulheres, ao


proscrever o racismo e outras formas de discriminação, autoriza
desigualações com base em certas características e/ou circunstâncias
pessoais. É a denominada isonomia material. (SILVA, José Afonso da
Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed., São Paulo:
Malheiros, p. 214-215).
Assim, a problemática reside em identificar quando determinado
fator de desigualação está ou não em conformidade com o postulado de
isonomia (material) e com a Constituição.
Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra “O conteúdo jurídico
da igualdade”, ensina que, na verificação da compatibilidade do fator
legal de discrímen com o princípio da isonomia, é necessário percorrer
três etapas:

a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de


desigualação;
b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata
existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a
disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;
c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica
com os interesses absorvidos no sistema constitucional e
destarte juridicizados. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O
conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 18ª tiragem, São
Paulo: Malheiros, 2010, p. 21).

Assim, em primeiro lugar, é preciso identificar o fator de


desigualação, o qual não pode ser tão específico a atingir de modo atual e
absoluto a um só indivíduo, nem consagrar um critério que discrimine
pessoas ou situações mediante traço que não resida nelas próprias.
Identificado o fator de discrímen e satisfeitos os mencionados requisitos,
em um segundo momento, é necessário aferir se há uma correlação lógica
abstrata entre o traço desigualador erigido e a descriminação legal
procedida. Por fim, em um terceiro momento, impende verificar se a
correlação racional abstrata existente é, no caso concreto, afinada com o

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sistema normativo constitucional. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de.


O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 18ª tiragem, São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 21-43).
Na hipótese em exame, segundo a norma legal impugnada, os
diplomados por qualquer faculdade de ensino superior do País, quando
sujeitos à prisão antes da condenação, têm direito à prisão especial.
Conforme o Código de Processo Penal, a prisão especial implica duas
distinções: a) o recolhimento e transporte do preso especial em
estabelecimento, cela ou meio de locomoção distinto do preso comum
(art. 295, §§ 1º, 2º e 4º); b) a prisão especial, quando consistir em
alojamento coletivo, deverá atender “os requisitos de salubridade do
ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequados à existência humana.” (art. 295, §
3º).
O fator de desigualação contido no norma objeto de exame é,
portanto, o grau de escolaridade do preso cautelar. Quando se analisa
apenas o traço de discriminação, observo que ele não conduz a um único
indivíduo de modo presente e absoluto, porquanto não é possível
identificar previamente aqueles que serão atingidos pela norma. O traço
do discriminação também não é externo às pessoas diferenciadas, mas
nelas reside. Assim, ao menos na primeira etapa proposta por Celso
Antônio Bandeira de Mello, ainda não se pode falar em violação ao
princípio da igualdade.
Contudo, ultrapassada a etapa inicial, quando se analisa as duas
etapas seguintes, forçoso reconhecer que a norma jurídica impugnada
viola o princípio da igualdade. A uma, porque não há critério lógico, para
à vista do fator de discrímen escolhido pela legislador, atribuir o
tratamento jurídico legal diferenciado. A duas, porque o fator de
discriminação erigido pelo legislador não está em conformidade com o
texto constitucional.
A Constituição Federal estabelece, no art. 5º, inciso XLVIII, que “a
pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. A lógica constitucional

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é a de que presos que cometeram crimes mais violentos são mais


perigosos que presos que praticaram delitos menos graves; que
adolescentes ou idosos não podem ser recolhidos com adultos, pois
aqueles, por suas condições pessoais físicas e psíquicas, podem se sujeitar
à força e influência destes; que homens e mulheres não podem ser presos
juntos dadas às diferenças biológicas entre ambos.
Em sintonia com a diretriz constitucional, o art. 82, § 1º, da LEP
prevê que a mulher e o maior de sessenta anos serão recolhidos,
separadamente, em estabelecimento próprio e adequado à sua condição
pessoal. Na mesma linha, o art. 83, § 1º, da LEP estipula que os presos
provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios: “I -
acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados; II - acusados
pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à
pessoa; III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções
diversos dos apontados nos incisos I e II.”
De igual modo, a Lei de Execução Penal, no art. 84, § 4º, assim como
o Código de Processo Penal, no art. 300, estabelecem que os presos
provisórios ficarão separados dos presos definitivos. A lógica legal é de
que os condenados por culpa reconhecida em decisão transitada em
julgado devem ficar separados daqueles que são presumidamente
inocentes, conforme previsão constitucional contida no art. 5º, inciso LVII.
Entretanto, ao analisar a norma legal impugnada, não verifico
correlação lógica entre grau de escolaridade e separação de presos. Não
há nada que informe que presos com grau de instrução menor são mais
perigosos ou violentos que presos com grau de escolaridade maior ou
vice-versa. Nada que diga que inserir no mesmo ambiente presos com
graus distintos de escolaridade causará, por si só, maior risco à
integridade física ou psíquica desses.
A par da ausência de correlação lógica, a diretriz constitucional
trazida no art. 5º, incisos XLVII e LVII, não respalda a separação de presos
apenas com base na grau de escolaridade. Em verdade, a separação pelo
grau de instrução parece contribuir para uma maior seletividade do
sistema de justiça criminal, que, mais facilmente, pune pessoas com

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menor grau de escolaridade, em violação ao princípio da igualdade.


Além de o grau de instrução não justificar lógica e
constitucionalmente a separação de detentos, a outra motivação legal
para a existência da prisão especial é ainda mais violadora do texto
constitucional e da isonomia. Segundo a norma legal, o preso especial
terá direito a local de reclusão que atenda “os requisitos de salubridade
do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequados à existência humana.” (art. 295, §
3º). Contudo, esses requisitos devem estar à disposição de todos aqueles
que estão recolhidos em algum estabelecimento prisional,
independentemente do grau de instrução.
A Constituição Federal coloca como dever do Estado assegurar a
todos os presos, sem distinção, a integridade física e psíquica. A Lei de
Execução Penal, nessa direção, prevê que os estabelecimentos prisionais
deverão “contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a
dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva” (art.
83).
Portanto, o segundo motivo para a existência da prisão especial
também não se justifica com base no princípio da igualdade, porque
condições condignas no cumprimento da pena deve ser estendida a todos
os presos, sem distinção, os quais merecem respeito aos direitos
fundamentais, sobretudo quando esta Corte, na APDF347 – MC,
reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário
nacional (ADPF 347 MC, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado
em 09/09/2015)
Assim, pelas razões expostas, entendo que o dispositivo impugnado
viola não apenas o princípio republicano expresso no art. 3º, inciso IV, CF,
como também a princípio da isonomia contido no art. 5º, caput e inciso
XLIX, da Constituição Federal.
Por fim, importa consignar que o reconhecimento da não recepção
da prisão especial para os possuidores de diploma de curso superior pela
Constituição Federal de 1988 não implica dizer que o preso que possua
ensino superior não poderá em hipótese alguma ficar segregado em local

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separado de outros. Aplica-se, no caso, a regra geral. Assim, se


constatado, pelas autoridades responsáveis pela execução penal, que
determinado preso, possuidor ou não de diploma de curso superior, tem
tenha sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela
convivência com os demais presos, esse preso ficará segregado em local
próprio separado dos demais, como prevê a Lei de Execução Penal em
seu art. 84, § 4º.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na petição
inicial para declarar a não recepção do art. 295, inciso VII, do CPP, pela
Constituição Federal de 1988.
É como voto.

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03/04/2023 PLENÁRIO

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 334


DISTRITO FEDERAL

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:


Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental
ajuizada pelo Procurador-Geral da República tendo por objeto o art. 295,
inciso VII, do Código de Processo Penal, o qual concede direito à prisão
especial aos portadores de diploma de ensino superior.
O requerente considera violados o art. 1º, caput e inciso III, o art. 3º,
incisos. I, III e IV, e o art. 5º, caput e incisos I, da Constituição Federal,
que veiculam o princípio republicano, o princípio da dignidade da pessoa
humana, os objetivos fundamentais da República e o princípio da
isonomia, argumentando, em suma, que o dispositivo ora impugnado
importaria em distinção injustificada em favor dos portadores de diploma
de ensino superior.
Iniciado o julgamento na sessão do Plenário Virtual realizada de 18 a
25 de novembro de 2022, o Relator, Ministro Alexandre de Moraes, votou
pela procedência do pedido para declarar a não recepção do art. 295,
inciso VII, do Código de Processo Penal pela ordem constitucional
vigente.
Em apertada síntese, explica Sua Excelência que o critério de
diferenciação eleito pela norma questionada para fins de incidência da
prisão especial, qual seja, a condição de portador de diploma de ensino
superior, não justificaria a distinção de tratamento em relação aos presos
provisórios comuns, pois não guardaria relação com qualquer objetivo
constitucional, com a satisfação de interesse público ou com a proteção do
indivíduo no ambiente carcerário por razões funcionais ou humanitárias.
Assim, considera que a medida seria discriminatória e que, ademais,
beneficiaria aqueles que têm condição social privilegiada, contribuindo
para uma “inaceitável seletividade socioeconômica do sistema de justiça
criminal e do Direito Penal”.

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Pontua, ainda, que os direitos conferidos pela Constituição da


República ao cidadão preso devem ser garantidos a todos aqueles que
estiverem privados de sua liberdade, sendo injustificável a preferência
por aqueles que tenham maior grau de instrução.
Acompanharam o Relator as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber,
bem como o Ministro Edson Fachin, que apresentou voto vogal,
ressaltando que, embora não seja justificável que o portador de diploma
seja, unicamente por esse motivo, segregado dos demais presos
provisórios, não existe vedação a que, constatado risco potencial ou
concreto à sua integridade física, moral ou psicológica, em razão de
alguma condição pessoal peculiar, seja ele submetido à especial proteção
de acordo com a regra geral do art. 84, § 4º, da Lei de Execução Penal.
Pedi vista dos autos para melhor apreciar a matéria.
É o relato necessário. No mais, acolho o relatório lançado nos autos.
De início, acompanho o eminente Relator quanto ao conhecimento
da arguição, eis que se fazem presentes todos os requisitos legais de
cabimento, inclusive o da subsidiariedade (art. 4º da Lei nº 9.882/99).
A impugnação tem por objeto o art. 295, inciso VII, do Código de
Processo Penal, o qual confere aos portadores de diploma de ensino
superior o direito de serem recolhidos a prisão especial quando presos
cautelarmente.
Por oportuno, transcrevo o inteiro teor do referido dispositivo:

“Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial,


à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a
prisão antes de condenação definitiva:
I - os ministros de Estado;
II - os governadores ou interventores de Estados ou
Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos
secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de
Polícia; (Redação dada pela Lei nº 3.181, de 11.6.1957)
III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de
Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;
IV - os cidadãos inscritos no ’Livro de Mérito’;

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V – os oficiais das Forças Armadas e os militares dos


Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (Redação dada
pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
VI - os magistrados;
VII - os diplomados por qualquer das faculdades
superiores da República;
VIII - os ministros de confissão religiosa;
IX - os ministros do Tribunal de Contas;
X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a
função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo
de incapacidade para o exercício daquela função;
XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados
e Territórios, ativos e inativos. (Redação dada pela Lei nº 5.126,
de 20.9.1966)
§ 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras
leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto
da prisão comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso
especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo
estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
§ 3º A cela especial poderá consistir em alojamento
coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente,
pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequados à existência humana.
(Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
§ 4º O preso especial não será transportado juntamente
com o preso comum. (Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)
§ 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão
os mesmos do preso comum.”

Antes de abordar propriamente o ponto objeto de impugnação, na


esteira dos pares que me antecederam, registro que não se está a discutir,
na presente arguição, quais categorias de cidadãos teriam direito a
tratamento digno quando privados de liberdade, interpretação que
poderia ser erroneamente induzida pelo § 3º do art. 295, acima transcrito,
segundo o qual a cela especial deverá obedecer a critérios de salubridade

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do ambiente, como se a cela comum não devesse observar tal requisito.


A dignidade da pessoa humana figura no ordenamento jurídico
como um princípio que fundamenta e agrega os demais direitos e
garantias fundamentais e, como tal, impõe limites ao poder estatal, a fim
de evitar arbítrios, além de obrigar o Estado a atuar de forma a garantir a
plena e fiel observância dos direitos e das garantias fundamentais. Nesse
sentido, afirma-se que não há estado democrático de direito sem respeito
à dignidade da pessoa humana, e não há dignidade humana sem estado
democrático de direito que a resguarde. A existência e a legitimidade
desse dependem diretamente do respeito e da diuturna defesa daquela.
Conforme leciona Ingo Wolfgang Sarlet,

“Como limite, a dignidade implica não apenas que a


pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da
ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade
gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que a
violem ou a exponham a graves ameaças. Como tarefa, da
previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da
pessoa humana, dela decorrem deveres concretos de tutela por
parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade
de todos, assegurando-lhe também por meio de medidas
positivas (prestações) o devido respeito e promoção”
(SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da
pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-
constitucional necessária e possível. Revista brasileira de
direito constitucional, v. 9, n. 1, p. 361-388, 2007).

Consequentemente, o monopólio da persecução penal confere ao


Estado a responsabilidade de garantir que todos aqueles que se
encontram sob sua tutela sejam tratados com dignidade e tenham seus
direitos fundamentais resguardados.
Nesse sentido, a Constituição estipula inúmeras garantias voltadas,
primeiramente, à proteção da liberdade de locomoção e, na sequência, à
proteção das pessoas institucionalizadas, de forma a dar concretude,
nesse âmbito, ao princípio da dignidade humana, como, por exemplo, o

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direito dos presos de ter assegurado o respeito à sua integridade física e


moral (art. 5º, inciso XLIX).
Não obstante, sabe-se que a realidade das instituições de privação de
liberdade não corresponde ao imperativo constitucional, como concluiu o
Plenário da Corte no julgamento da medida cautelar na ADPF nº 347/DF
(Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/15, publicado no DJe de
19/2/16), no qual se estabeleceu que o sistema carcerário brasileiro
caracteriza um estado de coisas inconstitucional, referindo-se à situação
de vulneração generalizada de direitos fundamentais dos cidadãos
privados de liberdade e a precariedade dos estabelecimentos penais no
país.
A propósito, sintetizou o Relator, Ministro Marco Aurélio,

“no sistema prisional brasileiro, ocorre violação


generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à
dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação
carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e
presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem
jurídica correspondente, configuram tratamento degradante,
ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia.
As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios
convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-
se ‘lixo digno do pior tratamento possível’, sendo-lhes negado
todo e qualquer direito à existência minimamente segura e
salubre”.

Na ocasião, Sua Excelência apontou que a violação sistemática de


direitos fundamentais dos presos remete à responsabilidade dos três
Poderes e de todas as esferas de governo, indicando haver problemas
tanto na formulação e na implementação de políticas públicas quanto na
interpretação e na aplicação da lei penal.
O julgado recebeu a seguinte ementa:

“CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL –


SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE

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DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL –


ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de
preceito fundamental considerada a situação degradante das
penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO
NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA –
CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO
MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS
ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL
– CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e
persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas
estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação
depende de medidas abrangentes de natureza normativa,
administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário
nacional ser caraterizado como ‘estado de coisas
inconstitucional’. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL –
VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária
das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das
verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão
obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto
dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana
de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias,
audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do
preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24
horas, contado do momento da prisão” (ADPF nº 347/DF-MC,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/15, DJe
de 19/2/16).

Nessa linha de raciocínio, à luz do texto constitucional, e tendo em


vista o que decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 347/MC, o
Estado Brasileiro está obrigado a garantir a observância dos direitos
fundamentais das pessoas que estão sob sua custódia, não havendo
qualquer condição pessoal do preso que lhe afaste as prerrogativas de
receber um tratamento digno e de ser detido em condições seguras e
salubres.
Feito esse esclarecimento preliminar, volto ao exame da controvérsia

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suscitada na presente arguição, qual seja: saber se o ordenamento


constitucional de 1988 recepcionou o tratamento diferenciado e, em
razão da realidade de extrema precariedade dos estabelecimentos
carcerários brasileiros, inevitavelmente mais benéfico conferido aos
presos cautelares portadores de diploma de ensino superior, consistente
no recolhimento e no transporte em separado dos demais presos
provisórios.
O princípio da igualdade não só está entre os direitos fundamentais
como, sobretudo, ocupa posição de destaque, traduzindo-se em valor
regente da ordem constitucional e, por conseguinte, de todo o
ordenamento jurídico. Nesse sentido, no caput do art. 5º da Constituição
Federal consta o preceito de que todos são iguais perante a lei, o que
reverbera pelo texto constitucional no que tange à proibição de todas as
formas de discriminação, estando todos os indivíduos submetidos ao
amparo e à força da lei de forma isonômica.
A noção de igualdade, ressalte-se, não se encerra em sua dimensão
meramente formal, de igualdade perante a lei, contemplando também o
seu caráter material, pelo qual se busca concretizar a justiça social e os
demais objetivos fundamentais da República. É dizer, a busca pela
igualdade substancial requer que os indivíduos sejam tratados na
medida de suas peculiaridades, sendo dever do Estado estabelecer
distinções no intuito de corrigir as desigualdades materiais observadas
na sociedade.
Nessa esteira, conforme afirmado pelo Ministro Alexandre de
Moraes, Relator da presente arguição,

“[a] desigualdade inconstitucional na lei se produz


quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária
um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as
diferenciações normativas possam ser consideradas não
discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma
justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos
valorativos comumente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se
em relação à finalidade e efeitos da medida considerada,

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devendo estar presente, por isso, uma razoável relação de


proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade
perseguida, sempre em conformidade com os direitos e
garantias constitucionalmente protegidos”.

Em outras palavras, a eleição de critérios para o estabelecimento de


distinções entre os cidadãos demanda um ônus de justificação que, caso
não seja verificado, importará em discriminação irrazoável e
desproporcional, atingindo efeito contrário ao que se propunha. Isso
porque, do mesmo modo que não é dado ao Estado proceder a um
tratamento persecutório em relação a indivíduos ou grupos de
indivíduos, também não lhe é autorizado agir com favoritismos, a fim de
privilegiar seguimentos da sociedade em detrimento de outros.
No caso em apreço, cumpre aferir a razoabilidade do critério
desigualador eleito pelo legislador para justificar a aplicabilidade do
instituto da prisão especial àqueles que possuírem diploma de ensino
superior. Ou seja, resta saber se existe alguma peculiaridade do grupo
beneficiado que possa fundamentar o tratamento específico ora
concedido.
O elemento escolhido como fator de discriminação pelo legislador
diz respeito ao grau de escolaridade do preso, ou seja, refere-se à
qualidade de portador de diploma de ensino superior. Cuida-se de um
grupo extenso de pessoas, pelo que não estamos a lidar com um
destinatário singularizado. Trata-se, ademais, de um critério que, de fato,
distingue os integrantes dessa categoria, havendo lógico contraste com
indivíduos que possuem grau de escolaridade inferior. Resta verificar,
porém, se esse critério de discriminação teria fundamento lógico apto a
afastar a contrariedade ao princípio da isonomia.
É importante esclarecer que se rejeita, de pronto, a ideia de que a
prisão especial poderia ser justificada pela vetusta e hoje odienta
hierarquização de categorias, como se alguns grupos, pelo status social
e honorabilidade de seus integrantes, tivessem direito a um tratamento
privilegiado em relação aos demais. Essa noção, embora tenha ressoado
ao longo da história brasileira, não se coaduna com os tempos atuais,

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muito menos com a tábua axiológica da Constituição de 1988, a qual deve


orientar a interpretação das normas e dos institutos jurídicos que a
precederam, de forma a moldá-los a seus preceitos.
Em tese, o instituto da prisão especial justificar-se-ia pela noção de
que determinados cidadãos, quando em ambiente carcerário, estariam
potencialmente expostos a riscos maiores e/ou mais gravosos a sua
integridade física ou moral em razão, por exemplo, da função ou do cargo
que exercem ou exerceram, ou de outra condição pessoal. É por isso que,
em tais casos, a desigualação atenderia ao imperativo constitucional de
proteção à integridade física, moral e psicológica das pessoas
institucionalizadas, evitando que determinados presos sofram
animosidade ou represálias por parte dos presos comuns.
Nessa esteira, observo que oito dos dez incisos do art. 295
mencionam o cargo ocupado ou a função exercida por aqueles que
estiverem na condição de presos provisórios, como é o caso de membros
dos Poderes Executivo e Legislativo, oficiais militares, magistrados,
jurados ou delegados de polícia, havendo, ainda, legislações esparsas que
estendem o direito à prisão especial a outras categorias, como advogados
(Lei nº 8.906/94), defensores públicos (Lei Complementar nº 80/94),
membros do Ministério Público (Lei Complementar nº 75/93) e
funcionários da Polícia Civil da União, do Distrito Federal, dos estados e
dos territórios federais (Lei nº 5.350/67), por exemplo.
Como se observa, a norma ora questionada destoa dos demais
incisos do art. 295 do Código de Processo Penal, porquanto confere
tratamento diferenciado em razão do grau de instrução, condição que,
por si só, não guarda qualquer correlação com a específica necessidade
de resguardar mais firmemente, sobretudo com a adoção de medidas
preventivas de segregação, a integridade física, moral ou psicológica de
certos presos. É dizer, a mera formação no ensino superior, a priori e em
tese, não agrega qualquer risco à pessoa privada de liberdade.
Como muito bem sintetizou o Relator, o Ministro Alexandre de
Moraes,

“[e]m nosso próprio país, a distinção de presos com base

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no grau de instrução acadêmica documenta, de forma já


extemporânea, a lógica do bacharelismo, designativo pelo qual
as ciências sociais descrevem certo aspecto da formação social
do Brasil, onde a condição de bacharel serviu como
diferenciação funcional do papel da classe dominante”.

E complementa o Ministro Edson Fachin em seu voto:

“Não há nada que informe que presos com grau de


instrução menor são mais perigosos ou violentos que presos
com grau de escolaridade maior ou vice-versa. Nada que diga
que inserir no mesmo ambiente presos com graus distintos de
escolaridade causará, por si só, maior risco à integridade física
ou psíquica desses.
(...) Em verdade, a separação pelo grau de instrução
parece contribuir para uma maior seletividade do sistema de
justiça criminal, que, mais facilmente, pune pessoas com menor
grau de escolaridade, em violação ao princípio da igualdade.”

O princípio da igualdade traduz-se na obrigação de dar igual


tratamento aos indivíduos que se encontram na mesma situação e, ao
mesmo tempo, adotar medidas tendentes a igualar aqueles que estão em
situação de desvantagem em relação aos demais, o que ocorreria, no caso
em exame, se o instituto se prestasse a mitigar algum risco potencial
sofrido devido a condições pessoais por determinada categoria de presos.
Como dito, a formação acadêmica é condição pessoal que, a priori,
não implica majoração ou agravamento do risco ao qual estará
submetido o preso cautelar, distinguindo-se, portanto, de outras
condições pessoais, a exemplo de integrar o preso as forças de
segurança pública, ou a de ter ele exercido atividades profissionais
intrínsecas ou intimamente relacionadas ao funcionamento do Sistema
de Justiça Criminal. Somente no segundo caso a medida ora analisada se
prestaria, a princípio, a alcançar uma igualdade substancial.
Ao que parece, a concessão da prisão especial a portadores de
diploma de curso superior tem propósitos outros, como, por exemplo,

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proteger especialmente os que porventura sejam considerados, por


critérios meramente subjetivos, como dotados de distinta e peculiar
honorabilidade, ou, então, segregar com fundamento no nível
sociocultural. Em ambos os casos, os propósitos almejados pela norma
não se coadunam com a finalidade geral e protetiva do art. 295 do CPP.
Além disso, a norma impugnada traz uma desigualdade normativa
que não tem o objetivo – direto ou indireto, explícito ou implícito – de
amenizar desigualdades fáticas. Pelo contrário. Ao propiciar a criação
de “classes ou categorias” de presos provisórios, independentemente de
razões razoáveis que o justifiquem, esse benefício apenas transpõe para
o sistema carcerário a mesma e intolerável divisão social desigual,
injusta, discriminatória e aristocrata ainda hoje existente no seio da
sociedade brasileira, contrariando valores consagrados pela
Constituição da República de 1988, mormente a isonomia e a dignidade
da pessoa humana.
Não havendo, pois, uma justificação razoável para a previsão
normativa, a medida importa em privilégio incompatível com a ordem
constitucional, pelo que acompanho o eminente Relator em sua
conclusão de que a previsão da prisão especial aos portadores de
diploma de ensino superior não foi recepcionada pelo ordenamento
constitucional de 1988, por contrariar o princípio da isonomia, mas
adiro à ressalva manifesta pelo Ministro Edson Fachin de que qualquer
preso – aí incluídos, logicamente, aqueles que porventura sejam
detentores de diploma de curso superior – pode ser segregado dos
demais para a proteção de sua incolumidade física, moral ou
psicológica, conforme a regra geral do art. 84, § 4º, da Lei de Execução
Penal.
Como explica o Ministro Edson Fachin,

“o reconhecimento da não recepção da prisão especial


para os possuidores de diploma de curso superior pela
Constituição Federal de 1988 não implica dizer que o preso que
possua ensino superior não poderá em hipótese alguma ficar
segregado em local separado de outros. Aplica-se, no caso, a

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regra geral. Assim, constatado pelas autoridades responsáveis


pela execução penal que determinado preso, possuidor ou não
de diploma decurso superior, tenha sua integridade física,
moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais
presos, esse preso ficará segregado em local próprio separado
dos demais, como prevê a Lei de Execução Penal em seu art. 84,
§ 4º”

Ante o exposto, voto pela procedência do pedido para declarar a


não recepção do art. 295, inciso VII, do Código de Processo Penal pela
Constituição Federal de 1988, aderindo à ressalva suscitada pela
Ministro Edson Fachin de que quaisquer presos – aí incluídos também
os detentores de diploma de curso superior – podem ser segregados dos
demais para a proteção de sua integridade física, moral ou psicológica,
conforme a regra geral do art. 84, § 4º, da Lei de Execução Penal, e, ainda,
observada a legislação especial anteriormente mencionada e que não é
objeto de impugnação nestes autos.

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Extrato de Ata - 03/04/2023

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 334


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL-
CFOAB
ADV.(A/S) : JOSE ALBERTO RIBEIRO SIMONETTI CABRAL (3725/AM, 45240/
DF)
ADV.(A/S) : MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO (18958/DF, 167075/MG,
2525/PI, 463101/SP)
ADV.(A/S) : LIZANDRA NASCIMENTO VICENTE (39992/DF)
ADV.(A/S) : BRUNA SANTOS COSTA (44884/DF)

Decisão: Após os votos dos Ministros Alexandre de Moraes


(Relator) e Cármen Lúcia, que julgavam procedente o pedido
formulado na arguição, para declarar a não recepção do art. 295,
inciso VII, do Código de Processo Penal pela Constituição de 1988,
pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli. Os Ministros Rosa
Weber (Presidente) e Edson Fachin anteciparam seus votos
acompanhando o Relator. Falou, pelo amicus curiae, o Dr. Ulisses
Rabaneda dos Santos. Plenário, Sessão Virtual de 18.11.2022 a
25.11.2022.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o


pedido formulado na presente arguição, para declarar a não
recepção do art. 295, inciso VII, do Código de Processo Penal pela
Constituição de 1988, nos termos do voto do Relator. Plenário,
Sessão Virtual de 24.3.2023 a 31.3.2023.

Composição: Ministros Rosa Weber (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto
Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André
Mendonça.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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