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Ebook Da Creche Ao Colegio de Aplicacao 2023

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Os direitos desta edição são reservados à EDUFCG

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE – UFCG

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE–EDUFCG


atendimento@editora.ufcg.edu.br

Prof. Dr. Antônio Fernandes Filho


Reitor

Prof. Dr. Mario Eduardo Rangel Moreira Cavalcanti Mata


Vice-Reitor

Prof. Dr. Bruno Medeiros Roldão de Araújo


Diretor EDUFCG

Simone Cunha
Revisão

Yasmine Lima / João Vitor Pereira da Silva


Diagramação

João Vitor Pereira da Silva


Capa

CONSELHO EDITORIAL
Erivaldo Moreira Barbosa (CCJS)
Janiro Costa Rego (CTRN)
José Wanderley Alves de Sousa (CFP)
Marcelo Bezerra Grilo (CCT)
Mário de Sousa Araújo Filho (CEEI)
Marisa de Oliveira Apolinário (CES)
Naelza de Araújo Wanderley (CSTR)
Railene Hérica Carlos Rocha (CCTA)
Rogério Humberto Zeferino Nascimento (CH)
Saulo Rios Mariz (CCBS) Campina Grande - PB
Valéria Andrade (CDSA)
2023
APRESENTAÇÃO

Da creche ao colégio de aplicação: as crianças em cena na UFCG


há 45 anos é uma obra que representa reflexões de um coletivo de
educadores/as, outros profissionais e estudantes que têm colabo-
rado com a história da Unidade Acadêmica de Educação Infantil
(UAEI), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), ao
longo de sua história e, em especial, neste ano, em que a Unidade
celebra 45 anos de existência. A obra busca trazer as marcas que
têm constituído a UAEI desde a sua fundação: resistência, ensino,
pesquisa e extensão. Trata-se de uma trajetória de lutas e conquistas
múltiplas, envolvendo todos os sujeitos que a constituem.
Para tanto, o livro é composto por um total de dezenove capí-
tulos, que estão organizados em três partes: na primeira, apresenta-
mos dois capítulos que retratam aspectos históricos, havendo ênfase
para o processo de transição de creche para colégio de aplicação; na
segunda parte, são partilhados reflexões teóricas e relatos abordan-
do diversas temáticas que envolvem a Educação Infantil, tais como:
arte, projetos de trabalho, diversidade e diferença, literatura infantil,
múltiplas linguagens, relatórios e, até mesmo, questões envolvendo
o momento da pandemia, o qual todos atravessamos; e, por fim,
expomos alguns capítulos que tratam da importância da relação
entre a Pedagogia e a Psicologia na escola da infância, considerando
e respeitando as especificidades de cada campo, das crianças e da
etapa educacional.
Esta obra representa uma pequena parcela de um trabalho rea-
lizado ao longo de uma história inteira, de entrega, compromisso e

DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS


lealdade às crianças, tornando visível o lugar que estas têm ocupado PREFÁCIO
na UFCG, tendo seus direitos pautados e defendidos. Ao tempo em
que agradecemos a todos/as que colaboraram com a construção
deste livro, desejamos aos leitores que, ao encontrá-lo, possam des-
cobrir motivos para também celebrar os 45 anos da UAEI/UFCG. Ler a obra Da creche ao colégio de aplicação: as crianças em
cena na UFCG há 45 anos, construído pelos sujeitos que compõem
Os organizadores a Unidade Acadêmica de Educação Infantil da Universidade Fede-
ral de Campina Grande (UAEI/UFCG) é uma alegria, pois traz uma
afirmação da importância das Unidades de Educação Infantil nas
Universidades Federais e torna visível o papel social e formativo que
realizam, além da legitimação como espaços de ensino, pesquisa,
extensão.
Este livro representa o processo de uma luta histórica, da cre-
che ao colégio de aplicação. Uma história constituidora que, em
2011, com a Resolução nº 1, de 10 de março de 2011, do Conselho
Nacional de Educação, reconheceu as creches universitárias como
pertencentes à União, por meio da luta pela institucionalização das
Unidades nas Universidades. Em 2022, com a inclusão na Portaria
do Conselho Nacional dos Dirigentes das Escolas de Educação Bá-
sica das Instituições Federais de Ensino Superior (CONDICAp), as
mudanças se consolidaram com as tentativas de financiamento e
ampliação das exigências nos programas federais. Mas a identida-
de já estava formada. A Unidade Acadêmica de Educação Infantil
(UAEI) já tinha nome, marcas, experiências e muitos sujeitos en-
volvidos. Em nome da Julita Barbosa Farias de Santiago, da Tania
Lucia de Araujo Queiroz e da Fernanda de Lourdes Almeida Leal,
das quais pude estar mais perto, parabenizo todos que construíram
e constituem no presente momento essa história. Alguns na linha
de frente, com o movimento nacional realizado pela Associação
Nacional das Unidades Universitárias Federais de Educação Infantil

DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS


(ANUUFEI), e outros por trás dos bastidores, travando lutas diárias SUMÁRIO
para a sobrevivência. Uma luta em que os diálogos foram predomi-
nantes, envolveram os sujeitos da Unidade, da comunidade interna
e externa.
Para Cortina (2003), quem estabelece um diálogo considera
as pessoas “como um interlocutor com quem construir o melhor
mundo possível, demonstra saber que é responsável pela realida-
de – principalmente pela realidade social” (p. 113). Olhar para este parte 1
livro é perceber e sentir um coletivo que se expressa em seus artigos,
através das ações, do trabalho pedagógico realizado, da pesquisa, UAEI como colégio de aplicação da UFCG:
dos textos que ganharam corpo com a escrita, que representam a Uma transformação necessária 15

força da educação pública brasileira, a leveza da infância, da arte,


CRIANÇAS EM UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO SUPERIOR:
do respeito às diferenças, de uma outra cultura de infância possí- BREVE PERCURSO HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DA UAEI/UFCG 35
vel – não adultizada, de um trabalho que se torna referência para
as crianças e para os acadêmicos da UFCG, e todos aqueles que se
inserem em um espaço formativo que, ao longo dos anos, se con-
solidou e continua a se constituir. parte 2
Conhecer essa história e ter participado dessa luta desde 2009
me permitiu compreender o diferencial das Unidades em diferentes A BIBLIOTECA DA UAEI: UM ESPAÇO VIVO E INTERATIVO
regiões do país, e com a UAEI na Universidade Federal de Campina PARA A LIVRE EXPLORAÇÃO DA CRIANÇA 59

Grande não foi diferente, muitas foram as dificuldades enfrentadas,


LITERATURA INFANTIL, RACISMO E HUMANIZAÇÃO:
mas a resistência e a luta coletiva colocaram todos num mesmo com- VIVÊNCIAS NA UAEI 77
promisso ético com a Unidade, as crianças, suas infâncias, suas famí-
lias e a formação universitária. Que venham mais anos, com ainda EU, CRIANÇA NEGRA; EU, PROFESSORA NEGRA: IDENTIDADE E
REPRESENTATIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL 93
maior qualidade e quantidade de boas novas! Parabéns, UAEI/UFCG!
RELATÓRIOS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PERCURSOS
Viviane Cancian Ache DOCUMENTADOS E COMPARTILHADOS COM AS FAMÍLIAS 107
Universidade de Santa Maria–UFSM
Associação Nacional das Unidades Universitárias
Federais de Educação Infantil–ANUUFEI

DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS


PISTA DE QUÊ? ENTRE TRAÇADOS E TRAJETOS–RELATO
parte 3
DE EXPERIÊNCIA 123

A ATUAÇÃO EM ESTÁGIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL SOB PERSPECTIVA


“ELAS MORAM NA COLMEIA E FICAM JUNTINHAS”: ABELHAS,
INTERDISCIPLINAR: PEDAGOGIA E PSICOLOGIA EM DIÁLOGO NA
CRIANÇAS, DOCÊNCIAS E SABERES NA UAEI/UFCG 139
UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL (UAEI/UFCG) 263

CONTEXTO INVESTIGATIVO EM TEMPOS DE PANDEMIA: QUANDO


PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM VELHO
UMA VIAGEM AO ESPAÇO FORTALECE OS VÍNCULOS ENTRE
NOVO CAMPO DE ATUAÇÃO 279
AS CRIANÇAS, AS FAMÍLIAS E A ESCOLA 157

ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO PEDAGÓGICO: SISTEMATIZAÇÃO


CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS PARA A EDUCAÇÃO
DE UM TRABALHO A PARTIR DO OLHAR DA PSICOLOGIA 297
INFANTIL EM TEMPOS DE PANDEMIA 171

A IMPORTÂNCIA DA VINCULAÇÃO AFETIVA NO TRABALHO DE


AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO PEDAGÓGICO 315
POSSIBILIDADES NO ENSINO REMOTO 185

AUTORES/AS 333
ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: AS CRIANÇAS E A LINGUAGEM
MUSICAL NA UAEI/UFCG NO PÓS-PANDEMIA 201
ESPAÇO PARA HOMENAGEM DAQUELES/AS QUE FIZERAM
A UAEI/UFCG AO LONGO DOS SEUS 45 ANOS 349
A UAEI E A ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL 219

ESTÁGIO EM EDUCAÇÃO INFANTIL E A FORMAÇÃO DOCENTE 235

AS CENAS NÃO VISTAS PARA QUE AS CRIANÇAS


ESTEJAM EM CENA 249

DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS


parte 1
UAEI como colégio de aplicação da UFCG:
Uma transformação necessária

Naara Queiroz de Melo1–UAEI/UFCG


naara.queiroz@tecnico.ufcg.edu.br

Tania Lucia de Araujo Queiroz2–UAEI/UFCG


tania.lucia@professor.ufcg.edu.br

O
presente texto traz o percurso da Unidade Acadêmica de
Educação Infantil da Universidade Federal de Campina
Grande (UAEI/UFCG)3 no contexto de seu ingresso na
Portaria ME nº 694, de 23 de setembro de 2022, que “altera a Portaria
MEC nº 959, de 27 de setembro de 2013, que trata sobre os Colégios
de Aplicação vinculados às Universidades Federais” (Brasil, 2022).
O referido documento atualiza a lista das instituições de Educação
Básica que passam a figurar como Colégios de Aplicação (CAp) das
Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

1 Professora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico da Unidade Acadêmica de Educação Básica/Colégio de


Aplicação da Universidade Federal de Campina Grande; mestra em Educação pelo PPGEd/UFCG; membra do
Grupo de Pesquisa em Política e Gestão Educacional da UFCG (UAEd/PPGEd/UFCG), coordenadora pedagógica
da UAEI/UFCG no período de abril de 2021 a abril de 2023.

2 Professora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico da Unidade Acadêmica de Educação Básica/Colégio de


Aplicação da Universidade Federal de Campina Grande; mestra em Educação pelo PPGEd/UFCG; membra do
Grupo de Pesquisa em Política e Gestão Educacional da UFCG (UAEd/PPGEd/UFCG), coordenadora pedagógica
da UAEI/UFCG no período de abril de 2021 a abril de 2023.

3 Entre maio e junho de 2023, a Assembleia da UAEI aprovou a alteração do nome da instituição, que passou a
se chamar Unidade Acadêmica de Educação Básica/Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Campina
Grande (UAEI/CAp-UFCG).

14 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 15


Para a UAEI/UFCG, pertencer ao quadro dos Colégios de Aplica- Os Colégios de Aplicação
ção significou uma grande conquista, considerando que essa confi-
guração trouxe novas possibilidades de manutenção e crescimento Os Colégios de Aplicação existem desde 1946 e tiveram sua
para a Unidade, sobretudo, no que se refere ao aporte financeiro, ao origem legalizada por meio do Decreto-Lei nº 9.053, de 12 de março
seu fortalecimento institucional e à visibilidade do que vem sendo de 1946. Nessa época, eram denominados “Ginásios de Aplicação” e
construído ao longo de seus 45 anos de história. Para a realização vinculados às Faculdades de Filosofia do país (Brasil, 1946). Ao longo
deste relato de experiência sobre a transição da UAEI de Unidade do tempo, a denominação “Ginásio de Aplicação” foi sendo substi-
de Educação Infantil (UEI) para Colégio de Aplicação (CAp), fo- tuída por “Escola de Aplicação”, em virtude da ampliação da oferta
ram realizadas revisão bibliográfica e documental acerca do his- do Curso Ginasial, por algumas instituições, para o Curso Colegial
tórico das UEI e dos CAp, tendo como objetivo geral refletir sobre e/ou Curso Normal e, por último, para as séries iniciais do 1º Grau.
a importância da aprovação da UAEI na Portaria ME nº 694/2023; Desde a sua origem, os CAp eram destinados a funcionar como
e, como objetivos específicos, relatar o processo e o contexto dessa “campo de estágio” para os licenciandos, sob a orientação pedagó-
nova configuração; discutir a relação de dependência-autonomia gica do professor da cadeira de Didática. Porém, com a publicação
da Unidade com a Universidade; e refletir sobre a possibilidade do Parecer do Conselho Federal de Educação n° 292, de 14 de no-
de estender o atendimento às demais etapas da Educação Básica e vembro de 1962 (Parecer CFE nº 292/62), houve a desobrigação das
perspectivas para o futuro. Faculdades de Filosofia e Educação em criar e manter Colégios de
Aplicação, permitindo, a partir daí, que o estágio obrigatório das
licenciaturas pudessem ser realizados nas escolas da comunidade.
CONTEXTO HISTÓRICO: OS COLÉGIOS DE APLICAÇÃO, Quando da elaboração do documento, a redefinição da função dos
AS UNIDADES DE EDUCAÇÃO INFANTIL E A UAEI/UFCG CAp foi justificada sob a alegação de diminuir custos para a forma-
ção de professores em nível de graduação. A partir de então, essas
Tornar-se Colégio de Aplicação foi uma transformação neces- instituições passaram a ser consideradas “Centros de Experimen-
sária à existência da Unidade Acadêmica de Educação Infantil da tação e Demonstração” e, como consequência, seu funcionamento
Universidade Federal de Campina Grande (UAEI/UFCG). E, para foi precarizado pela falta de prioridade nos investimentos, já que
compreender esse processo e a dimensão de seu impacto na ins- não figurava mais um campo obrigatório e, sim, uma mera opção
tituição, faz-se necessário um breve resgate histórico, situando o de locus de estágio.
surgimento dos CAp; a regulamentação das UEI e o seu lugar nas A mudança na função dos CAp, para “centros de experimenta-
Universidades Federais; e como se deu essa nova configuração. ção e demonstração”, a partir do Parecer 292/62, segundo Correia

16 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 17


(2017 apud Molina; Santos, 2020, p. 17), colaborou para o desequi- os Colégios de Aplicação continuam atuando junto à Educação Bá-
líbrio da atuação dessas instituições no que se refere às funções sica, vinculados às Universidades e voltados à formação docente.
de experimentação, as quais ficaram relegadas a segundo plano, Nesse contexto, de acordo com Barra (2015, p. 79):
favorecendo as práticas de estágio de docência aos licenciandos dos
[...] a finalidade dos CAps foi ampliada tanto para
cursos universitários. Ainda de acordo com Correia (2017), à me- acompanhar as mudanças políticas, econômicas
dida que a “experimentação foi sendo desvalorizada nas práticas de e culturais da sociedade, que demandaram novas
formação docente realizadas nos CAp, a discussão e a reflexão sobre concepções de ensino-aprendizagem, quanto para
acompanhar a transformação da universidade, o
a própria prática pedagógica nos estágios [...] foram deixando de que gerou uma nova perspectiva de atuação basea-
acontecer”. Sendo assim, as implicações de tais mudanças na função da na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
dessas instituições, a partir de 1962, geraram várias interpretações extensão.

sobre as concepções de “experimentação e demonstração”, ao mes-


mo tempo que favoreceram a consolidação da atividade de estágio A publicação da Portaria MEC nº 959, de 27 de setembro de
pelos CAp, ao longo da história. 2013, vem conferir aos CAp a função primordial que faz parte da
Para Santos e Silva (2015, p. 5), essa redefinição também sig- natureza das Universidades e têm foco no ensino, na pesquisa e
nificou, na prática, o fim da obrigatoriedade da existência dos CAp na extensão universitária, diferenciando-os da grande maioria das
vinculados às instituições de ensino superior, que foram perdendo escolas de Educação Básica, públicas e privadas.
sua identidade política e pedagógica, bem como provocaram um A publicação da referida portaria, que “estabelece as diretrizes
distanciamento entre eles e as licenciaturas, além de muitos ques- e normas gerais para o funcionamento dos Colégios de Aplicação
tionamentos sobre sua própria existência. vinculados às Universidades Federais” (Brasil, 2013), foi significa-
Ao longo da história dos Colégios de Aplicação, vários fatores tiva para essas instituições. Além de estabelecer critérios de status,
podem ser percebidos a partir dessas mudanças, os quais consti- funcionamento, permanência e criação de novos CAp ou novas mo-
tuíram os desafios que essas instituições têm enfrentado: perda da dalidades e/ou etapas de ensino, o referido documento validou a
importância político-institucional; diminuição do espaço físico a inserção de mais nove instituições na lista dos Colégios de Aplica-
eles destinados; ocupação das estruturas prediais por outros seto- ção, totalizando dezessete, até aquele momento. Porém, a simples
res das universidades; reestruturação organizacional e pedagógica; inserção das escolas em uma normativa não significa necessaria-
relação entre Universidade e Educação Básica, principalmente, a mente a conquista de direitos supostamente inerentes a elas. Para
função social dos CAp e sua implicação no contexto das licencia- garantir a manutenção, existe uma matriz orçamentária específica.
turas e, em especial, nos cursos de Pedagogia; exclusão dos CAp de Portanto, seguindo a lógica do aumento do número de escolas na
políticas públicas voltadas para a educação, entre outros. Contudo, Portaria, deve haver proporcional aumento das verbas.

18 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 19


Mesmo se tratando de verba pública aplicada em instituições III - articulação com os diversos entes públicos nas
esferas federal, estadual e municipal;
públicas, o aumento proporcional da matriz orçamentária depen-
IV - assessoramento aos filiados no equacionamen-
derá de permanentes pleitos e negociações. Nesse sentido, a enti- to de questões político-administrativas, jurídicas e
dade representante dessas instituições na luta, junto ao MEC, por técnicas, pertinentes a sua problemática interna e
ao relacionamento com os poderes públicos (CON-
melhores condições estruturais e qualidade no atendimento aos
DICAp, 2023).
estudantes é o Conselho Nacional de Dirigentes das Escolas Bási-
cas das Instituições Federais de Ensino Superior (CONDICAp). De
acordo com seu Estatuto: A tentativa da Associação Nacional das Unidades Universitá-
rias Federais de Educação Infantil (ANUUFEI), em 2022, de inserir
Art. 1º O Conselho Nacional dos Dirigentes das Es-
colas de Educação Básica das Instituições Federais nove4 Unidades de Educação Infantil na lista dos Colégios de Apli-
de Ensino Superior - CONDICAp, criado em 31 de cação (Cancian; Antunes, 2022, p. 19) gerou ocasionais embates
maio de 2016, constitui-se em pessoa jurídica de di- no âmbito do CONDICAp, pois não havia a garantia de que o re-
reito privado, sem fins lucrativos, com sede e foro
localizados na cidade em que reside o presidente curso financeiro seria suficiente para suportar essa quantidade de
eleito, prazo indeterminado de duração e congrega instituições, uma vez que os valores da matriz, denominada Ação
os Colégios de Aplicação das Instituições Federais de Orçamentária 20RI, seguem desatualizados, mal distribuídos e in-
Ensino Superior (IFES), representados por seus(suas)
Dirigentes em exercício. condizentes com as necessidades das escolas desde 2019.
Art. 2º São objetivos do CONDICAp:
Até a decisão final do MEC, em 2022, foram realizadas algumas
I - A inserção dos Colégios de Aplicação nas políti- reuniões entre membros da ANUUFEI, representantes das Unida-
cas de ensino, pesquisa e extensão das IFES; des que desejavam tornar-se Colégio de Aplicação e a presidente
II - A integração dos Colégios de Aplicação das IFES, do CONDICAp, professora Maristela Mosca, para esclarecimentos
sua valorização e sua defesa;
sobre as possibilidades e os desafios frente à realidade dos CAp e,
III - A representação do conjunto de seus filiados,
inclusive judicialmente. sobretudo, para orientações sobre a documentação a ser enviada à
Art. 3º Para atingir seus objetivos, o CONDICAp de- Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação (SESU/
senvolverá as seguintes atividades: MEC) para as UEI que ainda não cumpriam as exigências da Portaria
I - promoção de estudos e projetos, inclusive de na- MEC nº 959/2013.
tureza interdisciplinar e interinstitucional, por via
de congressos, conferências, seminários, encontros
e outros eventos;
4 Inicialmente, onze Unidades de Educação Infantil manifestaram interesse na transformação para Colégio de
II - intercâmbio de informações e experiências com
Aplicação, porém, ao longo do processo, por questões internas, algumas desistiram do pleito. Sendo, oficialmente,
instituições de ensino e pesquisa, entidades cultu- incluídas na proposta à SESu/MEC nove Unidades, das quais, as da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
rais, científicas e tecnológicas, nacionais e estran- e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) não atenderam aos critérios estabelecidos pela Portaria nº
geiras; 959/2013, por não aceitarem o ingresso universal das crianças.

20 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 21


Mesmo após a ciência de todos os desafios que, porventura, versitárias, às quais tornou-se vedada a cobrança de qualquer tipo
viessem a enfrentar, os representantes das UEI também tinham a de taxa, assumem a responsabilidade de um atendimento público,
consciência de que seguir adiante com o pleito junto à SESU/MEC laico, gratuito e universal, porém, sem uma segurança financeira
seria o caminho possível para um esteio financeiro mais seguro, atestada legalmente para continuar funcionando.
ainda que não atendesse completamente as suas demandas. Diante do exposto, fica evidente a fragilidade institucional das
Mesmo após a ciência de todos os desafios que, porventura, Unidades de Educação Infantil cujas coordenações administrativas
viessem a enfrentar, os representantes das UEI também tinham a e pedagógicas vislumbraram, na possibilidade de compor o quadro
consciência de que seguir adiante com o pleito junto à SESU/MEC dos Colégios de Aplicação vinculados às Universidades Federais,
seria o caminho possível para um esteio financeiro mais seguro, a única forma de garantir a base financeira e estrutural mínima
ainda que não atenda completamente as suas demandas. necessária para continuar funcionando.
O processo de inclusão das Unidades de Educação Infantil
pertencentes às Universidades Federais de Ensino Superior na
As Unidades de Educação Infantil condição de Colégio de Aplicação (CAp) teve início em julho de
2021, quando a Presidente da Associação Nacional das Unidades
As UEI, existentes desde 1972 (Macedo, 2018)5, foram mais re- Universitárias Federais de Educação Infantil (ANUUFEI), a professo-
centemente regulamentadas no ano de 2011, por meio da Resolu- ra Viviane Ache Cancian, buscou, em reunião com representantes
ção CNE/CEB nº 01/2011, que “fixa normas de funcionamento das da SESU/MEC, novas negociações para financiamento próprio para
Unidades de Educação Infantil ligadas à Administração Pública as Unidades de Educação Infantil (UEI) e vagas para Professor do
Federal direta, suas autarquias e fundações” (Brasil, 2011). O re- Magistério do Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT).
ferido documento, embora de fundamental importância para as À época, os membros da ANUUFEI ainda acreditavam que o
Unidades, estabelece as obrigações de funcionamento, mas não ga- MEC deveria destinar uma matriz orçamentária própria às UEI, as-
rante o aporte financeiro e administrativo às instituições, ficando sim como a matriz destinada aos Colégios de Aplicação, sem que as
sua manutenção e gestão a cargo do interesse e entendimento de Unidades precisassem necessariamente tornar-se um CAp. Quan-
cada Reitoria Universitária. do questionada pelo então Secretário Adjunto da SESU, professor
Dessa forma, as Unidades, que passam a atuar, obrigatoria- Eduardo Gomes Salgado, sobre o porquê de as Unidades não terem
mente, como instituições públicas e não mais como creches uni- ainda se transformado em Colégios de Aplicação e se juntado ao
CONDICAp, a professora Viviane viu ali a oportunidade de conseguir
5 Para um estudo detalhado sobre a história das Unidades de Educação Infantil das Instituições Federais de Ensino o que tentava há tantos anos, mesmo que de uma maneira diferente
Superior, consultar o trabalho da Prof.ª Roseane Rodrigues de Macedo intitulado “A garantia do direito à educação
infantil na Unidade Acadêmica de Educação Infantil/UFCG, a partir da Resolução CNE/CEB nº 1/2011 (2011-2016)”. do que havia imaginado.

22 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 23


Desta reunião, foi demandado às coordenações administrati- cumentos para serem assinados pelo Reitor da UFCG, conforme
vas das Unidades Universitárias de Educação Infantil, por meio do anexos no processo.
Ofício nº 04/2021, o envio, até o dia 01 de agosto de 2021, dos docu- Desde então, outras reuniões de negociação aconteceram entre
mentos comprobatórios de que atendiam às Diretrizes da Portaria representantes da ANUUFEI, da SESU/MEC e do CONDICAp, das quais
MEC nº 959, de 2013, a saber: surgiram novas demandas de coleta de informações e documentos
para serem assinados pelo Reitor da UFCG, conforme anexos no
1. Oferecimento de igualdade de condições para
o acesso e a permanência dos alunos nos ní- processo.
veis e modalidades de ensino que se propõem Embora a possibilidade de transformação das UEI em Colégios
a atender; de Aplicação gerasse, entre os membros da ANUUFEI, a expectativa
2. Realização de atendimento educacional gratuito de uma matriz orçamentária que garantisse minimamente as con-
a todos, vedada a cobrança de contribuição ou dições para a manutenção dessas instituições, a incerteza sobre a
taxa de matrícula, custeio de material didático
ou qualquer outro; fonte dos recursos foi (e ainda é) motivo de preocupação para os
dirigentes das Unidades e dos Colégios de Aplicação já existentes.
3. Integração das atividades letivas como espaços
de prática de docência e estágio curricular dos Ainda assim, o Ministério da Educação, à época, decidiu elabo-
cursos de licenciatura da Universidade; e rar um formulário contendo questionamentos acerca do funciona-
4. Ser espaço preferencial para a prática da forma- mento das UEI tais como: condições de atendimento; quantidade de
ção de professor realizada pela Universidade, professores e técnicos administrativos; bem como outras condições
articulada com a participação institucional no fundamentais ao atendimento das exigências para se tornarem CAp.
Programa de Incentivo à Docência – PIBID e
nos demais programas de apoio à formação Nesse contexto, vários processos no Sistema Eletrônico de
docente. Informações (SEI) foram criados pela Coordenação Colegiada da
UAEI, com o objetivo de compartilhar os documentos solicitados
O ponto de partida para a inclusão na Ação Orçamentária 20RI com o Centro de Humanidades, a Reitoria e demais instâncias da
era o atendimento às exigências acima, a fim de que a SESU/MEC pu- UFCG, os quais deveriam ser assinados pelo Reitor.
desse solicitar a reformulação da Portaria 959/2013, com a inclusão Frente às exigências do MEC, algumas instituições decidiram
das unidades que provaram estar de acordo com as exigências para desistir do pleito por motivos diversos como: não havia tempo hábil
tal finalidade e suas devidas vinculações institucionais no âmbito para providenciar a documentação e as ações necessárias às ade-
interno de cada universidade. quações exigidas pelo MEC, referentes à Portaria nº 959/2013, ou
Desde então, outras reuniões de negociação aconteceram en- mesmo o não apoio dos seus reitores, que preferiram continuar com
tre representantes da ANUUFEI, da SESU/MEC e do CONDICAp, das condições próprias de acesso, atendimento, financiamento e vínculo
quais surgiram novas demandas de coleta de informações e do- institucional. Porém, a grande maioria das Unidades que atendiam

24 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 25


aos critérios do MEC respondeu às questões, enviou a documenta- cação nacional, Unidade de Educação Infantil. A partir de então, a
ção comprobatória e ficou no aguardo da decisão final. Das 9 Uni- UEI passou a ser um Órgão Suplementar da UFCG, vinculada admi-
dades, somente 7 conseguiram atender aos critérios e, em setembro nistrativamente à Reitoria e pedagogicamente ao Departamento de
de 2022, tiveram seus nomes publicados na Portaria ME 694/2022, Educação (Macedo, 2018).
compondo oficialmente o quadro dos Colégios de Aplicação. Segundo o Regimento da Unidade, à época, era de responsa-
bilidade da Reitoria o repasse de recursos para sua manutenção,
sendo realizados no ano de 2002 um único repasse anual, no valor
A Unidade Acadêmica de Educação de R$3.950,00, e entre os anos de 2003 e 2008, o repasse de quatro
Infantil da UFCG (UAEI/UFCG) cotas anuais no valor de R$2.500,00. Para atender plenamente as
demandas da instituição, era cobrada, desde a sua criação, uma taxa
A Unidade Acadêmica de Educação Infantil da Universida- mensal aos usuários e, posteriormente, um valor anual para custeio
de Federal de Campina Grande (UAEI/UFCG) foi fundada no ano do material pedagógico, considerando que, pela especificidade de
de 1978, como Creche e Pré-Escola do Campus II da Universidade investir na oferta de uma educação infantil de qualidade, os custos
Federal da Paraíba6. O objetivo de sua criação foi atender os filhos superavam os valores repassados pela Reitoria (Macedo, 2018).
de professores, servidores, técnicos e estudantes da UFPB em idade A partir de 2005, a UAEI foi vinculada administrativamente à
pré-escolar, seguindo o fio das políticas de assistência pré-escolar PRAC/UFCG. Entre os anos de 2005 a 2010, esta Pró-Reitoria propôs
em voga na década de 1970, com atendimento semelhante ao que a correção dos recursos que deveriam ser repassados da Reitoria
era ofertado por empresas privadas aos filhos de seus funcionários. à Unidade, porém, os valores continuaram os mesmos de 2003. A
Ao longo da sua trajetória, a Unidade foi vinculada adminis- precária solução encontrada foi a continuidade no recebimento das
trativamente à antiga Pró-Reitoria de Assuntos do Interior da Uni- taxas mensais e de material dos usuários; e o apoio da PRAC no pa-
versidade Federal da Paraíba (PRAI/UFPB); à Reitoria da UFCG; à Pró gamento das bolsas das estagiárias, para dar suporte ao trabalho dos
-Reitoria de Assuntos Comunitários da UFCG (PRAC/UFCG) e, desde docentes e a suplementação de material pedagógico. Entendemos
o ano de 2013, ao Centro de Humanidades da UFCG (CH/UFCG). que, em consonância com Macedo (2018, p. 99):
No ano de 2002, quando da criação da UFCG, a partir do des-
A cobrança da taxa mensal e da taxa de material pe-
membramento da UFPB, a Creche e Pré-Escola do Campus II da dagógico é uma prática que desrespeita o princípio
UFPB passou a se chamar, em conformidade com a Lei nº 9.394, de da gratuidade do ensino, definido na Constituição
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da edu- de 1988 (Brasil, 1988, art. 206, IV), na Resolução CNE/
CEB n° 5, de 17 de dezembro de 2009, que fixa as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (Brasil, 2009a, art. 5°, § 1°) e Estatuto da
6 A Universidade Federal da Paraíba foi desmembrada no ano de 2002, dando origem à Universidade Federal
UFCG (UFCG, 2005a, art. 10, III). No entanto, a UFCG
de Campina Grande, cujo campus sede ocupou o antigo Campus II da primeira (Brasil, 2002).

26 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 27


não garantiu os recursos necessários para o funcio- Mesmo enfrentando esses desafios, a UAEI vem respeitando,
namento da UAEI e não aprovou a previsão anual
de recursos orçamentários para esta Unidade. Con- durante esses anos, a Portaria CNE/CEB nº 1/2011 e se adequando aos
tinuou realizando o repasse de valores anuais, em critérios de funcionamento desta, o que possibilitou sua inserção
quatro parcelas de R$2.5000 (Macedo, 2018, p. 99). na Portaria ME nº 694/2021.
Em meados de julho de 2021, foi solicitada pela SESU a aprova-
Além da Constituição Federal de 1988, a Resolução CNE/CEB ção da UAEI pelos seus pares para se tornar Colégio de Aplicação,
nº 1/2011, que regulamenta as Unidades de Educação Infantil, refor- o que lhe daria condições de continuar no pleito. A decisão foi
ça que é vedada a cobrança de taxas por parte dessas instituições. aprovada por unanimidade pela Assembleia Ordinária da UAEI,
Ainda assim, a UAEI continuou recebendo os recursos oriundos realizada no dia 12 de agosto de 2021, às 14 horas, em sala virtual
das famílias, até o ano de 2014, quando a mãe de uma das crianças do Google Meet, da qual foi emitida a Certidão de Aprovação ne-
matriculadas na instituição denunciou tal prática ao Ministério Pú- cessária à continuidade do processo.
blico Federal, que, por sua vez, vetou a cobrança de qualquer tipo Com o objetivo de atender às exigências da Portaria MEC nº
de taxa e afirmou o dever da Reitoria para com a manutenção da 959/2013, também foi necessária a atualização do Regimento da
instituição. Unidade, tramitado e aprovado pela Assembleia da Unidade, pelo
A UAEI teve sua vinculação ao Centro de Humanidades a par- Centro de Humanidades, pela Pró-Reitoria de Ensino e pela Rei-
tir da publicação da Resolução n° 1, de 28 de fevereiro de 2013, do toria da UFCG. O referido documento amplia informações sobre o
Colegiado Pleno do Conselho Universitário, assinada ad referen- ingresso de crianças na Unidade por sorteio universal de vagas; a
dum pelo então Reitor e presidente do Colegiado Pleno da UFCG, não cobrança de taxas; a capacidade de atendimento; e a possibili-
professor José Edilson de Amorim. dade de sua expansão para a etapa do ensino fundamental.
A proibição do pagamento de taxas, ainda que de forma vo-
luntária por parte das famílias, e a falta de orçamento próprio no
âmbito da UFCG resultaram em dificuldades financeiras para a ma- CONSIDERAÇÕES FINAIS
nutenção básica, tais como: compra de material didático e reparos
estruturais de pequeno porte, como troca de fechaduras, lâmpadas e Diante do exposto, consideramos que os Colégios de Aplica-
torneiras; consertos de janelas, portas, ares-condicionados e demais ção vinculados às Universidades Federais, embora ainda existam
eletrodomésticos, dentre outros. Na falta de suporte da Universi- desafios à sua manutenção, configuram instituições de referência
dade, por um sem número de vezes, essas despesas foram arcadas na Educação Básica brasileira, destacando-se entre escolas públicas
pela contribuição financeira de professores e funcionários ou pela e privadas do país, respeitadas as suas trajetórias, características
doação voluntária de materiais por parte das famílias. pedagógicas e particularidades no contexto de cada Universidade.

28 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 29


A partir da realidade aqui abordada, temos a certeza da necessidade Por fim, considerando todos os desafios enfrentados desde a
constante de continuar discutindo a função acadêmica e universi- sua fundação, a UAEI/UFCG, que, em breve, será chamada de Uni-
tária dos CAp, seu fortalecimento e ampliação, a fim de garantir a dade de Educação Básica / Colégio de Aplicação da Universidade
formação inicial e continuada de professores, para além do campo Federal de Campina Grande (UAEB-CAp/UFCG), segue sua trajetória
de estágio. de resistência, em busca de ofertar uma educação pública laica,
No dia 27 de setembro, foi publicada a Portaria ME nº 694/2021, gratuita e socialmente referenciada.
que oficializou mais 7 UEI como Colégio de Aplicação, vinculados
às Universidades Federais, entre as quais, a UAEI/UFCG, notícia que
foi muito comemorada pela comunidade escolar e pelos apoiadores REFERÊNCIAS
desta causa no âmbito da UFCG, como a Reitoria, a Secretaria de
Administração e Planejamento (SEPLAN), a Pró-Reitoria de Ensino BARRA, Regina Ferreira. Cinema e educação: narrativas de ex-
e o Centro de Humanidades. Porém, os desafios continuam, pois, periências docentes em colégios de aplicação. 2015. Tese (Douto-
mesmo com os anseios de melhora e reestruturação das Universi- rado em Educação)–Pós-Graduação em Educação, Universidade
dades com a nova gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: http://https://reposito-
o momento da conclusão deste texto, ainda não havia resposta da rio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/7025. Acesso em: 23 jul. 2023.
SESU quanto à aprovação da correção da Matriz Orçamentária 20RI,
proposta pelo CONDICAp, que inclui o orçamento dos novos CAp. BRASIL. Decreto-Lei nº 9.053, de 12 de março de 1946. Cria
Além da correção dos valores e a inclusão dos novos CAp no um Ginásio de Aplicação nas Faculdades de Filosofia do país.
orçamento, a possibilidade de ampliação de atendimento às demais Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/de-
etapas da Educação Básica na UAEI/UFCG, embora conte com o de- clei/1940-1949/decreto-lei-9053-12-marco-1946-417016-publica-
sejo da comunidade escolar e de várias instâncias da Universidade, caooriginal-1-pe.html. Acesso em: 27 jun. 2023.
depende de outras ações, a saber: ampliação de verba capital, para a
construção de mais espaços que atendam essa demanda; e códigos BRASIL. Presidência da República, Casa Civil. Lei n° 10.419, de
de vagas para a realização de concursos públicos para professores 9 de abril de 2002, que dispõe sobre a criação da Universidade Fe-
do Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT) do Magistério Fe- deral de Campina Grande – UFCG, a partir do desmembramento
deral, bem como para técnicos administrativos, cuja concretização da Universidade Federal da Paraíba, UFPB, e dá outras providên-
dependerá, além da demanda da UAEI, das negociações entre a Rei- cias. Disponível em: http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/ufs/arqui-
toria e a SESU. vos/ufcg_lei_criacao.pdf. Acesso em: 28 jun. 2023.

30 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 31


BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educa- UFCG, a partir da Resolução CNE/CEB Nº1/2011 (2011-2016).
ção. Câmara de Educação Básica. Resolução n° 1, de 10 de março Campina Grande, PB: 2016. 146 fls. Dissertação (Mestrado em
de 2011. Fixa as normas de funcionamento das unidades de Edu- Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Unida-
cação Infantil ligadas à administração Pública Federal direta, suas de Acadêmica de Educação, Universidade Federal de Campina
autarquias e fundações. 2011. Disponível em: http://www.nor- Grande. Disponível em: http://www.ppged.ufcg.edu.br/images/e/
masbrasil.com.br/norma/?id=115418. Acesso em: 27 jun. 2023. e5/DISSERTA%C3%87%C3%83O_ROSEANE_RODRIGUES_
DE_MACEDO.pdf. Acesso em: 27 jun. 2023.
BRASIL. Ministério da Educação. Gabinete do Ministro. Porta-
ria nº 959, de 27 de setembro de 2013. Disponível em: https:// MOLINA, William Fernandes; SANTOS, Vera Lucia Bertoni
www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-959-de-27-de-setembro- dos. Os Colégios de Aplicação no sistema educacional brasileiro:
de-2013-31064140. Acesso em: 27 jun. 2023. contexto de criação e reverberação no ensino do Teatro. Revistas
de Estudos em Artes Cênicas. Florianópolis, SC: Urdimento, v.
BRASIL. Ministério da Educação. Gabinete do Ministro. Portaria 2, n. 38, ago./set. 2020. Disponível em: http://lume.ufrgs.br/hand-
nº 694, de 23 de setembro de 2022. Altera a Portaria MEC nº 959, le/10183/215439. Acesso em: 23 jul. 2023.
de 27 de setembro de 2013, que trata sobre os Colégios de Aplica-
ção vinculados às Universidades Federais. Disponível em: https:// SANTOS, Adriana Regina de Jesus; OLIVEIRA, Marta Regina
www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-694-de-23-de-setembro- Furlan de; SILVA, Fábio Luiz. Revendo a história do Colégio de
de-2022-431649298. Acesso em: 27 jun. 2023. Aplicação da Universidade Estadual de Londrina: passado, presen-
te e futuro. Interfaces Científicas–Educação. Aracaju, SE, v. 4, n.
CANCIAN, Viviane Ache; ANTUNES, Janaina Silva Costa, Per- 1, p. 47-56, out. 2015. Disponível em: http://https://periodicos.set.
correndo o Brasil: educação das infâncias nas IFES. Santa Maria, edu.br/educacao/article/view/1886/1435. Acesso em: 23 jul. 2023.
RS: FACOS-UFSM, 2022.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE. Cole-
CONDICAP. Estatuto do Conselho Nacional dos Dirigentes giado Pleno do Conselho Universitário. Resolução n° 1/2013,
das Escolas Básicas das Instituições Federais de Ensino Supe- que vincula a Unidade de Educação Infantil – UEI, ao Centro
rior. Brasília, DF: 2023. de Humanidades, da Universidade Federal de Campina Grande,
Campus de Campina Grande, e dá outras providências. Disponí-
MACEDO, Roseane Rodrigues de. A garantia do direito à edu- vel em: http://www.ufcg.edu.br/~costa/resolucoes/res_12012013.
cação infantil na Unidade Acadêmica de Educação Infantil/ pdf. Acesso em: 28 jun. 2023.

32 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 33


UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE. CON- CRIANÇAS EM UMA INSTITUIÇÃO FEDERAL
SELHO UNIVERSITÁRIO. CÂMARA SUPERIOR DE ENSINO. DE ENSINO SUPERIOR: BREVE PERCURSO
Resolução nº 7/2022, que aprova o regimento da Unidade Aca- HISTÓRICO DA CRIAÇÃO DA UAEI/UFCG
dêmica de Educação Infantil do Centro de Humanidades (UAEI/
CH), da Universidade Federal de Campina Grande.

Roseane Rodrigues de Macedo1–UAEI/UFCG


roseane.rodrigues@professor.ufcg.edu.br

Ivanilda Dantas de Oliveira2–UAEI/UFCG


nildamas.dantas@gmail.com

Vera Lúcia Dias de Oliveira3–UAEI/UFCG


veraldocg@gmail.com

INTRODUÇÃO

E
m 2023, a Unidade Acadêmica de Educação Infantil da Uni-
versidade Federal de Campina Grande (UAEI/UFCG) com-
pleta 45 anos de existência e, muito mais que isso, celebra e
reafirma um trabalho pedagógico de excelência, sendo uma institui-
ção de Educação Infantil de referência na cidade, desde sua fundação.
A escolha pelo registro escrito de parte do percurso histórico
da criação da UAEI/UFCG decorre do lugar que nela ocupamos, das

1 Professora efetiva da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Mestra em Educação (UFCG).
Especialista em Educação Básica, práticas e processos educativos (UFCG). Licenciada em Pedagogia (UEPB).

2 Pedagoga da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Mestra e doutora em Educação (UFPB).
Especialista em Orientação e Supervisão Educacional (UEPB). Especialista em Educação Infantil (UFPB).

3 Cofundadora da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Especialista em formação de professores


em mídias (UFAL). Licenciada em Pedagogia (UEPB). Atualmente está aposentada.

34 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 35


experiências e da nossa relação direta com a história dessa institui- METODOLOGIA
ção, bem como do alinhamento do nosso fazer pedagógico com a
proposta pedagógica defendida por essa Unidade. Neste artigo, as fontes documentais ganham relevância, pois
O presente artigo tem como objetivo apresentar, brevemente, coadunamos com Evangelista (2012, p.53) quando afirma que, por
os principais marcos históricos da criação da UAEI/UFCG, desde sua meio delas, “podemos aceder à história, à consciência do homem e
fundação, em 19784, até o ano de 2022. Para alcançarmos esse obje- às suas possibilidades de transformação”.
tivo, optamos por destacar três momentos centrais da história dessa Com esse entendimento, realizamos o levantamento de docu-
instituição. O primeiro inicia-se em 1978, com as lutas dos professo- mentos, tais quais: ofício, relatórios anuais, portarias, leis, Estatuto
res do então Departamento de Ciências Sociais e Humanidades do e Regimento da UFCG, resoluções federais, editais de matrícula e
Centro de Ciência e Tecnologia (CCT) do campus II da Universidade atas de assembleias da UAEI/UFCG, com o intuito de compreender
Federal da Paraíba (UFPB) para o estabelecimento de uma creche no o contexto social, histórico e político em que se insere o processo
referido campus, seguido de sua criação e autorização de funciona- de implementação e desenvolvimento dessa instituição, ao longo
mento, e vai até os anos de 1990, com a chegada de professores dos dos seus 45 anos de existência.
ex-territórios federais, ampliando o quadro de docentes da Creche. A análise dos referidos documentos exigiu um olhar investiga-
O recorte do segundo momento inicia-se em 2002, quando tivo sobre esses textos oficiais, com a finalidade de “ler o que dizem,
acontecem o desmembramento da UFPB e a criação da UFCG, e a mas também para captar o que “não dizem”” (Shiroma; Campos;
Creche passa a se chamar Unidade de Educação Infantil (UEI). Garcia, 2005, p. 439, grifos das autoras).
Finalmente, o terceiro e último momento inicia em 2011, com a
aprovação da Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) A CRECHE PRÉ-ESCOLA CAMPUS II PRAI/
da Câmara da Educação Básica (CEB) n° 1, de 10 de março de 2011, UFPB: COMO TUDO COMEÇOU5
que fixa as normas de funcionamento das Unidades de Educação
Infantil ligadas à Administração Pública Federal, suas autarquias e No ano de 1978, em um contexto marcado por lutas pela de-
fundações (Brasil, 2011), que impôs mudanças no funcionamento mocratização da sociedade brasileira e pela defesa da educação
da UEI. Dentre estas, a mudança de nomenclatura para Unidade pública no país, com destaque em favor da criação de creches,
Acadêmica de Educação Infantil (UAEI). O recorte temporal deste professores do Departamento de Ciências Sociais e Humanidades6
último período estendeu-se até o ano de 2022.
5 A esse respeito, consultar MACEDO, Roseane Rodrigues de. A garantia do direito à educação infantil na
Unidade Acadêmica de Educação Infantil/UFCG, a partir da Resolução CNE/CEB n° 1/2011 (2011-2016). Campina
4 Este artigo é constituído de dados produzidos e apresentados no trabalho de dissertação de mestrado intitulado
Grande, PB: 2018. 156f. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
A garantia do direito à Educação Infantil na Unidade Acadêmica de Educação Infantil/UFCG, a partir da Resolução
Federal de Campina Grande-PB. Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Campina Grande, 2018.
CNE/CEB n° 1/2011 (2011-2016), da aluna Roseane Rodrigues de Macedo, sob a orientação da professora Dra.
Andréia Ferreira da Silva, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Campina 6 No ano de 1978, o campus II da UFPB foi criado, constituído pelo Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) e
Grande-PB, em 2018. respectivos Departamentos (Lacerda Júnior, 2012). Nesse ano, havia a oferta de sete cursos de graduação, assim

36 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 37


do CCT, Campus II PRAI/UFPB, situado no município de Campina campus, quando foi analisado o Processo n° 002590, que propunha
Grande, mobilizaram-se em prol da criação de uma creche pública a criação da Creche no campus II do CCT/PRAI/UFPB. No processo,
para o atendimento de seus filhos, com idade inferior a sete anos. estavam expostos os motivos para a implantação de uma creche no
Parte desses professores eram oriundos de outros estados, como CCT/PRAI/UFPB, justificando a necessidade de seu funcionamento.
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Acre; A matéria, submetida a discussão e votação, foi aprovada por una-
além de outros países, a exemplo da Argentina, o que certamen- nimidade pelos Conselheiros presentes à reunião, sendo encami-
te contribuiu para que trouxessem experiências das lutas por este nhada para apreciação dos órgãos superiores da UFPB (UFPB, 1978).
atendimento, já iniciadas nesse país (Macedo, 2018). A defesa da instituição de uma creche no campus II do CCT/
Neste período, inexistia em Campina Grande o atendimen- PRAI/UFPB de Campina Grande fundamentava-se na necessidade
to infantil em creches públicas7, sendo, portanto, a rede privada a de que os filhos dos servidores (docentes e técnico-administrativos)
única alternativa para esse atendimento. Diante desse cenário, pro- e alunos pudessem receber uma assistência complementar à da fa-
fessores do citado Departamento do campus II do CCT/PRAI/UFPB, mília, em um ambiente educativo e orientado cientificamente, que
imbuídos do desejo e da necessidade do atendimento público para possibilitasse a essas crianças experiências estimuladoras, visando
seus filhos pequenos e para os filhos dos servidores técnico-admi- desenvolver seu potencial criativo (UFPB, 1978).
nistrativos e alunos desse campus, reivindicaram, junto a setores e O início das atividades da Creche Pré-Escola da UFPB, mate-
instâncias superiores da referida universidade, o estabelecimento rialização das reivindicações dos professores e servidores, ocorreu
de uma creche, na qual pudessem deixar seus filhos no horário de em 12 de outubro de 1978, funcionando, provisoriamente, em uma
trabalho8 (UFCG, 2013). casa alugada pela PRAI/UFPB, com atendimento em jornada integral.
A primeira discussão para a concretização da proposta de A Creche Pré-Escola estava situada fora das dependências da Uni-
criação de uma creche aconteceu no dia 15 de maio de 1978, com versidade, sendo no mesmo bairro, Bodocongó, mais precisamente
a realização da Reunião Ordinária do Conselho de Centro desse no núcleo de Granjas Santo Izidro, em frente à então Faculdade de
Medicina de Campina Grande, hoje Centro de Ciências Biológicas
e da Saúde da UFCG (Macedo, 2018).
distribuídos: Departamento de Engenharia Elétrica, Departamento de Engenharia Civil, Departamento de
No campo pedagógico, destacamos que as teorizações de Mon-
Engenharia Química, Departamento de Engenharia Mecânica, Departamento de Processamento de Dados,
Departamento de Economia e Finanças e Departamento de Ciências Sociais e Humanidades. tessori, Decroly, Froebel, Dewey, Freinet e Piaget influenciaram,
7 De acordo com Macêdo (2005), a política de creches no município de Campina Grande foi oficializada através sobremaneira, a proposta que foi sendo pensada e refletida para
da Lei n° 495, de 07 de julho de 1979, e implantada no ano de 1980, pela Secretaria de Trabalho e Ação Social
(SETRABES), em parceria com o Grupo de Voluntárias. orientar o processo educativo na instituição. Assim, desde o início,
8 Tal reivindicação pautava-se no Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a CLT; na Portaria n° 1, objetivou-se desenvolver uma ação pedagógica que considerasse
de 15 de janeiro de 1969; e na Portaria n° 1, de 6 de janeiro de 1971. Tais normativas definem que o atendimento dos
a especificidade da criança, suas necessidades e interesses, como
filhos das trabalhadoras seria a organização de berçários, nas empresas nas quais trabalhassem, pelo menos, trinta
mulheres com mais de 16 anos, destinados à amamentação do bebê no local de trabalho (Brasil, 1943, 1969, 1971).

38 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 39


acontece o seu desenvolvimento e aprendizagem, o papel do/a pro- nada a proporcionar educação pré-escolar aos filhos de professores,
fessor/a, como deve ser a organização dos ambientes, os recursos funcionários e estudantes do referido campus (UFPB, 1978).
didáticos, entre outros aspectos. Ao longo dos anos de 1980 e 1990, a Creche passou por mu-
No ano de 1979, a Creche passou a funcionar no campus da danças no seu quadro de professores e servidores. Um total de 10
PRAI/UFPB. O prédio consistia em uma casa localizada ao lado da professores regressaram dos ex-territórios federais – Roraima,
universidade, incorporada ao campus. A PRAI realizou as reformas Rondônia e Acre – e foram incorporados ao quadro de professores
e adaptações necessárias para o início de seu funcionamento, com da Creche Pré-Escola, todos da Carreira de Magistério de 1° e 2°
jornada de atendimento de 4 horas (Macedo, 2018). Graus9. Destes, havia dois graduados em Letras, dois em História,
O prédio não dispunha de mobília, e os professores e funcioná- um em Comunicação Social, dois em Pedagogia e três professores
rios, recém-contratados, buscaram doações de móveis e materiais com formação em curso Normal de nível médio (Macedo, 2018).
pedagógicos nos Departamentos da UFPB e no comércio da cidade, Importante ressaltar que, após começarem a atuar na institui-
para assegurar o início de suas atividades. Assim, foram providos ção, no decorrer do tempo, em face às necessidades de se apropria-
os recursos mínimos e indispensáveis para o funcionamento da rem de conhecimentos específicos na área da Educação Infantil, os
referida Creche (Macedo, 2018). três professores com formação em curso Normal de Nível Médio
No período de criação da Creche Pré-Escola da UFPB, ainda concluíram Pedagogia. E, posteriormente, dois destes cursaram e
não havia a realização de concurso público de provas para profes- concluíram especialização, sendo um em Ensino e Aprendizagem
sores, sendo realizada uma seleção destes profissionais e monitores e outro em Educação Infantil.
por meio de aplicação de testes, entrevista e análise de currículo. De acordo com Macedo (2018), apesar do apoio recebido por
Era exigida a formação em Pedagogia ou curso Pedagógico Normal parte da Reitoria da UFPB no que se refere a oficialização, aquisição
de nível médio. Essa seleção era feita por uma membra do Conselho do imóvel e contratação dos funcionários, a Creche sempre ocupou
Administrativo (CA) da Creche, contratada para o cargo de Coorde- um lugar à margem dos demais Departamentos desta Universidade,
nadora Pedagógica devido à sua experiência à frente de uma escola principalmente, no que se refere aos recursos financeiros, pois não
privada, referência na cidade (Macedo, 2018). lhe foi concedida participação nos recursos orçamentários. Desde
Apesar de seu funcionamento desde outubro de 1978, após sua criação, estava previsto, no seu Regimento (UFPB, 1978), que
solicitação encaminhada pela Creche, o Reitor da UFPB, Lynaldo a manutenção da Creche seria feita mediante cobrança de taxas
Cavalcanti de Albuquerque, criou, oficialmente em 8 de fevereiro de proporcionais ao rendimento familiar, de modo a isentar a Univer-
1980, por meio da Portaria R/GR n° 007/1980, a Creche Pré-Escola sidade da liberação de verbas para essa finalidade.
no Campus II da PRAI/UFPB, sediada em Campina Grande/PB, desti-
9 Os professores da referida carreira foram incorporados ao Plano de Carreira e Cargos de Magistério do Ensino
Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), criado através da Lei n° 11.784, de 22 de setembro de 2008 (Brasil, 2008).

40 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 41


Esse “não lugar” ocupado pela Creche fez com que esta se Noeide Clémens Ferreira de Oliveira. O referido projeto foi desen-
mantivesse às custas de doações da comunidade universitária e da volvido em uma creche do município de Campina Grande. A partir
sociedade em geral, bem como da ousadia das famílias das crian- de então, diversos projetos10 vêm sendo desenvolvidos em creches
ças, que se mobilizavam, frequentemente, para reparos, doações de municipais de Campina Grande e também em cidades circunvizi-
materiais e organização da estrutura física do prédio. nhas, ratificando o trabalho da UEI na tríade universitária ensino,
pesquisa e extensão.
Consideramos que a realização de projetos de extensão por
Unidade de Educação Infantil (UEI): novas possibilidades docentes e equipe técnica da UEI trouxe uma grande contribuição
para a instituição, no sentido de aprimoramento profissional e, so-
No ano de 2002, foi criada a UFCG, com sede administrativa bretudo, pela atuação junto ao sistema público municipal, tendo
em Campina Grande/PB, através da Lei n° 10.419, de 9 de abril de em vista o enriquecimento das práticas pedagógicas desenvolvidas
2002, a partir do desmembramento da UFPB (UFCG, 2002). Com com as crianças de 0 a 5 anos e 11 meses.
esse desmembramento, e em conformidade com a LDB de 1996, a Nesse contexto, no tocante à vinculação, a UEI passou a ser um
Creche Pré-Escola passou a ser denominada Unidade de Educação Órgão Suplementar da UFCG, não mais vinculada à PRAI, doravante
Infantil (UEI). vinculada administrativamente à Reitoria e pedagogicamente ao
Em 2002, também foi aprovado o novo Regimento Interno da Departamento de Educação (DE) (UFCG, 2002b, art. 1° e 2°).
UEI (UFCG, 2002b). Nesse documento, ficou definido que a UEI teria Em 2005, a UEI deixou de ser vinculada pedagogicamente
o objetivo de desenvolver atividades da tríade universitária – ensi- ao Departamento de Educação e administrativamente à Reitoria
no, pesquisa e extensão, buscando a produção, prioritariamente, na (UFCG, 2002b, art. 1° e 2°) e passou a ser vinculada à Pró-Reitoria
área de educação infantil, podendo ser estendida ao ensino funda- de Assuntos Comunitários (PRAC) (UFCG, 2005c). Tal medida foi
mental (UFCG, 2002b). Apesar da explicitação da inserção do ensino importante para a manutenção financeira e suporte material para
fundamental no Regimento Interno, a UEI/UFCG não concretizou a essa Unidade.
proposta, e o atendimento oferecido pela instituição foi exclusiva- De acordo com Macedo (2018), a UEI/UFCG sempre buscou
mente na educação infantil, da faixa-etária de um ano e oito meses estar inserida em uma política pública de financiamento e manu-
a seis anos e seis meses, desde sua criação.
Corroborando as definições do Regimento Interno da UEI de
2002, já nesse mesmo ano, foi desenvolvido, pelo Departamento de 10 Em 2005: “Contribuindo para o ensino e a aprendizagem na Educação Infantil de Cabaceiras (CEAEIC)”, sob
coordenação da professora Francisca Helena Cordeiro Ramos; em 2013 e 2014: “Espaços de leitura e a formação
Educação em parceria com a UEI, o primeiro projeto de extensão, do educador”, sob a coordenação da professora Mara Lúcia Fonseca; ainda em 2013 e 2014, “A avaliação na

intitulado “Educação Infantil: rumos para o ensino de produção Educação Infantil: instrumento de formação docente”, coordenado por Ivanilda Dantas de Oliveira; e em 2020
e 2021, o projeto “UAEI em ação: dialogando e construindo vínculos com crianças e famílias da instituição em
textual”, coordenado pelas professoras Maria Gorete de Medeiros e tempos de pandemia”, coordenado pela professora Simone Patrícia.

42 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 43


tenção, visando ser reconhecida e valorizada dentro da estrutura sos para professor e pessoal técnico, a UEI/UFCG realizou mudanças
universitária. Além disso, as Coordenações Colegiadas mantive- em sua organização, sendo promovidas adaptações e ajustamentos
ram-se alinhadas às deliberações da Associação Nacional das Uni- para se adequar a essa Resolução.
dades Universitárias Federais de Educação Infantil (ANUUFEI), em Após aprovação da Resolução CNE/CEB n°1/2011 (Brasil, 2011),
busca da elaboração de uma documento normativo que definisse fez-se necessária a elaboração de Resoluções da própria UFCG, vi-
as normas de funcionamento e atendimento a todas as UEI das Ins- sando normatizar a UEI no âmbito da Universidade.
tituições Federais de Ensino Superior (IFES). A partir da aprovação da Resolução n° 01/2013 pelo Colegiado
Pleno do Conselho Universitário (UFCG, 2013a), a UEI/UFCG vin-
culou-se integralmente ao CH, constituindo-se em uma Unidade
A Unidade Acadêmica de Educação Infantil Acadêmica desse Centro, participando com direitos e deveres de
(UAEI/UFCG): avanços e desafios suas instâncias deliberativas. O CH passou a ter, para com a UEI, as
mesmas responsabilidades que tem em relação às demais Unidades
No ano de 2011, após intensa mobilização e lutas das represen- que o constituem. Ao mesmo tempo em que ocorreu a vinculação
tantes das UEI/IFES e da ANUUFEI, foi aprovada a Resolução CNE/ da Unidade ao CH, a UEI tornou-se Unidade Acadêmica de Edu-
CEB n° 1, de 10 de março de 2011, que fixa normas de funcionamento cação Infantil (UAEI/UFCG) (UFCG, 2013a). No caso específico da
das Unidades de Educação Infantil ligadas à Administração Públi- UAEI, de acordo com o Regimento Geral da UFCG, corresponde a
ca Federal direta, suas autarquias e fundações (Brasil, 2011). Essa Unidade Acadêmica de tipo II, ou seja, “aquela que realiza de for-
Resolução determinou, entre outros, a igualdade de condições de ma indissociável as atividades de ensino, pesquisa e extensão e dá
acesso e permanência a todas as crianças às quais as UEI/IFES se suporte a, pelo menos, 01 (um) curso regular de educação básica ou
propõem a atender, fundamentada no princípio da universalidade profissionalizante, denominada Escola” (UFCG, 20005a, art. 47, II).
do acesso à educação. A Resolução UFCG/CONSUNI n° 1/2013 estabeleceu que a UAEI
A outorga de um ato normativo específico para as UEI/IFES deve desenvolver ações de ensino, pesquisa e extensão, voltadas à
foi recebida com expectativa por parte dos servidores (professores consolidação da educação infantil como etapa inicial da educação
e funcionários) da UEI/UFCG. Diante das definições estabelecidas básica.
na Resolução CNE/CEB n° 1/2011, tendo em vista a necessidade de A Resolução UFCG/CONSUNI n° 1/2013 definiu que a Câmara
afirmação e devida legalização da UEI no âmbito da UFCG, da afir- Superior de Ensino da UFCG deve aprovar o Projeto Pedagógico
mação do direito à educação infantil nessa instituição, a garantia de da UAEI e sua estrutura curricular (UFCG, 2013a, art. 1° e 2°). A
recursos financeiros para sua manutenção, a realização de concur- aprovação da Resolução UFCG/CONSUNI n° 01/2013 imprimiu à UAEI

44 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 45


um caráter acadêmico e científico, há muito almejado por seus crianças de 2 a 5 anos, definido pelo corte-etário em 31 de março,
servidores. expresso estabelecido no § 2º do artigo 5º da Resolução CEB/CNE n°
No que se refere ao acesso ao sorteio de vagas das crianças 5/2009 (Brasil, 2009), crianças da comunidade campinense em ge-
cujos pais desejassem matricular seus filhos na Unidade, publica-se, ral (UAEI, 2015). Doravante, são estes os critérios estabelecidos nos
anualmente, no site oficial da UFCG, um edital contendo normas editais da UAEI/UFCG para pleito de vagas para as crianças novatas:
e informações referentes à documentação necessária e à data de corte etário e crianças da comunidade campinense.
inscrição. Os critérios para concorrer ao sorteio, até o ano de 2012, Em relação à contratação de docentes, em cumprimento às
consistiam no corte etário, definido pela Resolução CNE/CEB n° determinações da Resolução CNE/CEB n° 1/2011 e a partir da de-
5/2009 (Brasil, 2009a), e nos vínculos com a UFCG – empregatício finição expressa no § IV do artigo 1° dessa Resolução, de “garantir
(servidores ou professores) ou alunos (de graduação ou pós-gra- ingresso dos profissionais da educação, exclusivamente, por meio
duação). No caso de existência de vagas remanescentes, deveriam de concurso público de provas e títulos” (Brasil, 2011), a UAEI passou
ser preenchidas pelos segmentos: netos, sobrinhos e irmãos dos a ter direito a realizar concurso público para técnico administrativo
servidores efetivos, professores e técnicos; netos, sobrinhos e ir- e professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT).
mãos de alunos de graduação e pós-graduação; filhos de alunos Consideramos que essa Resolução, apesar de não ter definido
matriculados em cursos de extensão, com, no mínimo, 2 anos de um orçamento para as Unidades das IFES, foi fundamental para a
duração; filhos de servidores de órgãos que prestam serviços con- garantia do funcionamento da UAEI, pois, após sua aprovação, já
tínuos no Campus I da UFCG; filhos de servidores de outros órgãos foram realizados três concursos para docentes (2014, 2016, 2021) e
que estejam à disposição da UFCG; e, por fim, filhos de servidores um para técnico administrativo.
das empresas terceirizadas (UFCG, 2012). Do ponto de vista pedagógico, a Unidade vem ancorando seu
No entanto, apesar de a Resolução CNE/CEB n° 1/2011 ter sido fazer cotidiano com as crianças em pedagogias participativas, que
implementada, a UAEI só se adequou a esta, no que se refere à garan- dão destaque ao contexto histórico-social como constituidor da
tia do acesso público, apenas ao final do ano de 2014, com vigência criança e o papel atuante que esta assume na apropriação do co-
a partir do ano de 2015, na qual foi inserida a categoria filhos da nhecimento (Formosinho, 2007).
comunidade campinense em geral. Assim, a “Proposta Pedagógica” da instituição vem sendo cons-
A principal mudança aconteceu no edital de inscrição para tantemente refletida e revisitada a partir das lentes da teoria histó-
participação ao sorteio de vagas ao final do ano de 2015, com vi- rico-cultural, especialmente os estudos de Vygotski (1989, 1991) e
gência a partir do ano letivo de 2016, que estabeleceu que os crité- Wallon (1966, 1968), que compreendem o desenvolvimento infantil
rios para acesso ao sorteio de vagas seriam apenas a faixa-etária, como resultante das relações estabelecidas com adultos, crianças e

46 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 47


objetos culturais, ressaltando a importância do afeto, das interações, Outrossim, com a aprovação da Resolução CNE/CEB nº 01/2011,
da brincadeira para o acesso aos signos, à cultura humana e, por alguns avanços foram conquistados, a saber: democratização do
conseguinte, ao desenvolvimento integral; da Sociologia da Infância acesso à instituição; concurso público para docentes do Ensino Bá-
(Sarmento, 2005, 2008), da Antropologia da Criança (Cohn, 2005) sico Técnico e Tecnológico; e institucionalização da Unidade no
e da Filosofia (Benjamin, 1984; Kohan, 2007, 2010), pelo reconhe- âmbito da UFCG.
cimento da infância como construção social, categoria geracional, Por fim, gostaríamos de ressaltar que a UAEI/UFCG, apesar de,
experiência, acontecimento, e da criança como sujeito de direitos, na sua trajetória, ter enfrentado grandes desafios no tocante ao or-
ator social e produtora de cultura; e, sobretudo, da Pedagogia da çamento para sua manutenção e contratação de docentes para o seu
Infância (Rocha, 1999) que, a partir do diálogo interdisciplinar, vem quadro de efetivos, ao assumir uma proposta pedagógica de van-
reivindicando uma ação pedagógica distinta com crianças de 0 a 6 guarda, que considerou a especificidade das crianças de 0 a 6 anos
anos, abalizada nas relações sociais, na brincadeira, nas múltiplas e a sua centralidade no processo educativo, tem sido reconhecida
linguagens, nas práticas culturais e nos conhecimentos historica- pela comunidade universitária e campinense.
mente produzidos, por entendê-los como fundantes para o proces-
so de constituição das crianças.
REFERÊNCIAS

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Constatamos que a trajetória da oferta do atendimento na Cre-
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foi marcada por movimentos de luta em defesa da instituição de 5.452, de 1° de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do
uma creche para atendimento aos filhos dos servidores (docentes Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
e técnicos administrativos) e discentes, e também de reafirmação Decreto-Lei/Del5452.htm. Acesso em: 9 maio 2023.
para a manutenção desse atendimento no âmbito universitário.
Nesse período, o Estado manteve-se omisso quanto às responsabili- BRASIL. Portaria Departamento Nacional de Segurança e
dades por essa Unidade, nos seguintes aspectos: repasse de recursos Higiene do Trabalho n. 1, de 15/01/1969. Dispõe sobre a instala-
suficientes para a manutenção integral da instituição e estabeleci- ção de local apropriado para a guarda dos filhos de empregadas.
mento de medidas legais para a composição do quadro docente, Disponível em: http://www.normasbrasil.com.br/norma/porta-
assegurando a plena oferta. ria-1-1969_180424.html. Acesso em: 9 maio 2023.

48 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 49


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São Paulo: Martins Fontes, 1989.

54 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO:


parte 2
A BIBLIOTECA DA UAEI: UM ESPAÇO
VIVO E INTERATIVO PARA A LIVRE
EXPLORAÇÃO DA CRIANÇA

Mara Lúcia Santos Fonsêca1–UAEI/ UFCG


maravvsf@gmail.com

Maria Betania Barbosa da Silva Lima2–UAEI/ UFCG


mariabetaniab@gmail.com

Marta Betânia Ramos3–UAEI/ UFCG


martabramos@hotmail.com

INTRODUÇÃO

A
A leitura é uma porta aberta para a inserção dos sujei-
tos no mundo e para a compreensão deste. No caso das
crianças pequenas, a leitura literária favorece essa inser-
ção por intermédio de uma experiência lúdica e prazerosa. Nesse
sentido, defendemos a importância da presença da literatura in-
fantil em todos os espaços que circulam a infância, pois sua leitura,

1 Pedagoga e especialista em psicopedagogia. Professora aposentada pela Unidade Acadêmica de Educação


Infantil (UAEI/UFCG).

2 Professora efetiva da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Pedagoga (UEPB). Mestra em
Educação (UFPB). Doutoranda em Educação pelo PPGLE (UFCG).

3 Graduada em Letras e Especialista em Formação de Professores (UEPB). Aposentada pela Unidade Acadêmica
de Educação Infantil (UAEI/UFCG).

58 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 59


além de contribuir para a formação humana, com a ampliação do espaço para o acesso das crianças das camadas populares aos li-
universo cultural e linguístico da criança, desenvolve ainda a ima- vros e às práticas de leitura. Para a autora, a escola poderia “[...]
ginação, a criatividade e o senso crítico, favorecendo a compreensão reduzir algumas desigualdades, pois asseguraria a todos aquilo de
de si mesma e da realidade circundante. Além do mais, a leitura e a que alguns não dispõem em seu meio familiar” (Paiva, 2009, p.
contação de histórias também propiciam a apropriação da cultura 143). Portanto, a biblioteca infantil se constitui como um ambiente
escrita e dos protocolos de leitura. essencial para viabilizar a formação do leitor literário, de tal modo
Melo (2016), ao refletir sobre os livros, destaca que “são a fonte que “a escola que deseja investir na leitura como ato verdadeira-
da aptidão humana que se constitui no ato de ler como prazer es- mente cultural não pode ignorar a importância de uma biblioteca
tético, como fruição do texto, como sedução pela palavra” (p. 44). aberta, interativa, espaço livre para expressão genuína da criança e
Desse modo, o interesse pelos livros e o desejo de querer lê-los são do jovem” (Campello, 2002, p. 23).
ações aprendidas por meio das experiências proporcionadas aos Assim, enfatizando a importância dos livros de literatura in-
sujeitos, pois ninguém nasce sabendo ou gostando de ler, mas, a fantil para a formação humana e leitora das crianças desde a Edu-
partir do contato significativo e compartilhado com os livros, pode cação Infantil, neste artigo, refletimos sobre a biblioteca da Unidade
aprender. Assim, quanto maior for o acesso da criança aos livros Acadêmica de Educação Infantil (UAEI), da Universidade Federal
de literatura infantil, maior será a probabilidade de despertar nela de Campina Grande (UFCG). Com essa finalidade, inicialmente,
o interesse e o desejo por sua leitura. de modo breve, contextualizamos a biblioteca escolar e, em segui-
De acordo com Aguiar (2005, p. 45), “[...] o gosto pela leitura da, tratamos da biblioteca da UAEI. Na sequência, descrevemos,
deve ser despertado nos primeiros anos, de forma lúdica e espontâ- de modo sucinto, algumas das ações desenvolvidas por esse setor,
nea, o que implica a presença de livros e mais livros ao alcance dos visando à constituição do sujeito leitor e, por fim, tecemos algumas
pequenos”. Concordamos com a autora e compreendemos o quanto considerações acerca do trabalho e da necessidade da presença de
é importante que os livros de literatura infantil estejam presentes no uma biblioteca interativa para as crianças.
cotidiano das crianças e, principalmente, que estejam disponíveis
e sejam de fácil acesso para que elas possam explorá-los e lê-los
sempre que desejarem. BIBLIOTECA ESCOLAR: BREVE HISTÓRICO
Nessa perspectiva, defendemos a importância da biblioteca
infantil nas instituições de Educação Infantil para que todas as A leitura está estreitamente ligada ao surgimento da escrita e
crianças tenham garantido o direito de acesso ao seu acervo, prin- à trajetória humana, pois permite ao indivíduo a interação com a
cipalmente aquelas que não dispõem de livros no contexto familiar. cultura, com a informação, com o conhecimento e com o meio so-
A respeito dessa questão, corroboramos o pensamento de Paiva cial (Silva, 2009). Assim, mesmo sendo indiscutível a importância
(2009) ao destacar que a escola se constitui como um importante da leitura na trajetória humana, a formação de leitores no Brasil,

60 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 61


desde os seus primórdios, vem sendo atravessada por muitas difi- de maio de 2010 (Brasil, 2010), seja considerada espaço obrigatório
culdades, a exemplo da falta de livros e bibliotecas. Somente com a em todas as instituições escolares de ensino público e privado. A
chegada da República começou a haver mudanças, tendo em vista lei nos traz a compreensão de que a biblioteca escolar deve ser um
o crescimento da escolarização e do número de publicações por espaço de acesso à informação e múltiplas leituras, com ações pe-
parte da indústria brasileira, inclusive de livros para as crianças, dagógicas capazes de construir e incentivar a leitura junto às crian-
tanto escolares como os de literatura infantil, embora a leitura ainda ças, através da mediação dos educadores e do seu acervo. Por essa
fosse, nesse contexto, privilégio da burguesia. razão, entendemos que esse espaço deve ser garantido em todas
A literatura infantil, nesse período, foi marcada pelo escritor as instituições de educação, inclusive nas instituições de Educação
brasileiro Monteiro Lobato, o primeiro a ter interesse em produzir Infantil, como um lugar próprio para a formação de leitores. Nessa
algo que realmente fosse destinado para o público infantil (Zilber- direção, destacamos, a seguir, práticas de fomento à leitura literária
man, 2003). A partir de então, começaram a surgir, no estado de São desenvolvidas pela UAEI-UFCG.
Paulo, as bibliotecas, inclusive as populares e a rede de bibliotecas in-
fantojuvenis da cidade, que, mesmo sendo uma ação bem articulada
e importante para o país, durou pouco tempo devido a questões de BIBLIOTECA DA UAEI-UFCG E A
ordem política. Isso se reflete basicamente até hoje, pois, na mudan- FORMAÇÃO LEITORA DA CRIANÇA

ça de governo, seja na esfera municipal, estadual ou federal, geral-


mente boa parte das ações destinadas à população, mesmo aquelas A Educação Infantil é considerada a etapa propícia para o iní-
que estão caminhando bem, são interrompidas e/ou reelaboradas, cio da formação leitora da criança. O estímulo à leitura, nessa fase,
provocando, de certo modo, uma quebra em sua continuidade. é essencial para o desenvolvimento das suas capacidades criativas e
Cabe ressaltar que, nesse contexto de descontinuidade, muitos imaginativas. É a partir do contato com as histórias narradas oral-
programas de incentivo à leitura foram implementados pelo gover- mente ou por meio da leitura de textos escritos que ela vai se fami-
no federal, via Ministério da Educação - MEC, para a distribuição de liarizando com a leitura literária, a qual está atrelada à fantasia, à
livros. Porém, somente a partir do ano de 2008, com o Programa imaginação, às percepções de mundo que cada uma tem diante de
Nacional Biblioteca da Escola - PNBE, as instituições de Educação seus contextos socioculturais e de suas experiências de vida.
Infantil foram contempladas com a distribuição de livros, embora É importante esclarecer que, ao tratarmos da formação leitora
o programa tivesse sido lançado desde 1997 (Paiva, 2009). da criança na Educação Infantil, nos referimos à formação do leitor
Conforme já mencionado, a cada mudança de governo, novos de literatura infantil, um leitor que se encante pelos livros, tendo
programas surgem, no entanto, não há uma vontade política de a leitura e a literatura como fontes de prazer e diversão. Nessa
organização de espaço próprio para biblioteca nas escolas do país, perspectiva, a UAEI vem, ao longo de sua existência, primando por
embora a biblioteca escolar, com o advento da Lei nº 12.244, de 24 um trabalho que favoreça à criança vivências significativas com a

62 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 63


literatura infantil, por compreendê-las indispensáveis ao seu de- Nesse sentido, considerando as ações sistemáticas desenvolvi-
senvolvimento e capazes de ampliar as condições de acesso às di- das na UAEI, além da exploração e manipulação livre dos livros, da
ferentes culturas. audição de histórias lidas e contadas, do reconto e da dramatização,
Em sua Proposta Pedagógica, defende a importância do conta- também acontece o empréstimo diário de livros para serem lidos
to das crianças com os diferentes gêneros textuais e, especialmente, em casa, juntamente com a família. Em cada sala de referência, há
com a literatura infantil. É importante destacar que o livro só é um conjunto de livros selecionados pelo professor, entre o acervo
considerado literatura se a “[...] função estética se sobressair à fun- existente, acessíveis às crianças para suas leituras para que, se o
ção pedagógica, pois somente o prazer derivado do texto literário, desejarem, façam suas escolhas. Uma vez escolhido o livro, o pro-
além de proporcionar ao leitor a capacidade de sonhar e imaginar, fessor faz o devido registro e, no dia seguinte, ou posteriormente,
o emancipa” (Bulamarque; Martins; Araújo, 2011, p. 80). Assim, o é feita a devida devolução. Nesse momento ou em situações pro-
livro deve ser apresentado à criança como um objeto cultural signi- gramadas, as crianças conversam e comentam sobre suas leituras.
ficativo, no qual há histórias que divertem, emocionam, fazem rir e A substituição dos livros na sala é realizada conforme o professor
chorar, e levam a pensar sobre as coisas e questioná-las. observa a necessidade.
Preocupar-se com a formação das crianças leitoras de literatu- É importante salientar que, nessa trajetória do empréstimo de
ra infantil significa não apenas favorecer o seu envolvimento com livros, a UAEI, em princípio, não dispunha de uma biblioteca. O
esse universo, mas também garantir a presença de um mediador seu acervo era cuidado pela equipe pedagógica. À medida que esse
entre elas e os livros. Esse mediador desempenha uma função fun- acervo foi aumentando, por volta do ano 2000, houve a necessidade
damental no processo de aprendizagem dos sujeitos com poucas de um espaço próprio, denominado biblioteca, que contou com a
experiências socioculturais, pois cabe a ele a função de escolher ajuda de uma profissional4 para cuidar dele e realizar atividades
e ler os livros que serão apresentados às crianças, instigando-as a relativas à leitura de histórias e distribuição de livros para as salas
dialogar sobre o prazer estético das palavras e sobre o que as pági- de referência. A partir de 2010, assumimos esse espaço, ocasião
nas de um livro podem esconder, isto é, mostrar-lhes os caminhos em que ele foi reorganizado e contou com o desenvolvimento de
da leitura (Riter, 2009). projetos e diversas atividades envolvendo toda a comunidade es-
Portanto, o papel do professor é de extrema relevância, uma colar, particularmente as crianças. A partir do ano seguinte, mais
vez que é por meio das ações sistemáticas e intencionais que carac- uma profissional5 passou a compor o setor da biblioteca. A seguir,
terizam sua mediação que as crianças vão tendo a oportunidade
de explorar os livros, observá-los e, ao participarem de situações
em que aprendem a usá-lo e se relacionar com ele, não somente se
4 Vera Lúcia Dias de Oliveira, profissional que atuou no espaço da biblioteca, antes de sua reestruturação.
apropriem gradativamente do seu uso social, mas também do gesto 5 Maria Aricéu de Oliveira, profissional que colaborou conosco nos trabalhos desenvolvidos na biblioteca após
humano de ler, ou seja, da leitura como uma prática cultural. a sua reordenação.

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trataremos, de modo sucinto, de algumas ações desenvolvidas no e a nós mesmos. Do contrário, é impossível que possa realizar um
período de 2010 a 2015. trabalho significativo junto às crianças, pois, como aponta Colo-
mer, “se as crianças observam que os adultos que as rodeiam não
leem – e se desgraçadamente isso pode acontecer inclusive com os
PROJETOS DESENVOLVIDOS PELA BIBLIOTECA professores [...] fica difícil perceber a leitura como algo mais que
requisito escolar e um tópico social” (Colomer, 2017, p. 103).
Entre as diversas ações executadas pelo setor, inicialmente foi As considerações da autora nos provocam a refletir sobre a
feita a organização do espaço físico e dos materiais, de modo que função da escola e do professor, pois este pode desempenhar um
o ambiente se tornasse alegre, agradável e acolhedor para as crian- papel decisivo na construção de uma relação positiva da criança
ças. No período acima mencionado, desenvolvemos os seguintes com a literatura. Nesse sentido, pensando nesse professor que pre-
projetos: “Lendo a gente se entende: conheça o acervo literário da cisa ser, antes de tudo, um leitor e também conhecedor das obras
biblioteca”, “Livro que te quero livro!”, “Hora poética” e “Conta que literárias, desenvolvemos o projeto “Lendo a gente se entende: co-
conta, lê e encanta”, além do projeto de extensão “Espaços de leitu- nheça o acervo literário da biblioteca”, cuja finalidade foi oferecer
ra e a formação do educador6”, alguns dos quais serão brevemente aos professores e demais profissionais da Unidade a possibilidade
caracterizados a seguir. de conhecer o seu acervo literário, uma vez que, com o advento de
novos livros de literatura infantil, inclusive do PNBE, necessário se
fazia conhecê-los antes de disponibilizá-los às crianças.
“LENDO A GENTE SE ENTENDE: CONHEÇA O As ações do projeto contemplaram: momentos de leitura indi-
ACERVO LITERÁRIO DA BIBLIOTECA” vidual e coletiva; socialização das histórias lidas; discussões sobre as
temáticas; e apresentação de um resumo escrito com as informações
Acreditamos que o professor precisa ser um leitor de literatu- dos referidos livros. Destacamos que, nessas ocasiões, havia muitas
ra, além de ter conhecimento do acervo existente na biblioteca da trocas entre os professores e sugestões de como poderiam explorar
instituição, já que o desenvolvimento de práticas de leitura literária os livros com as crianças. O projeto foi intenso no primeiro ano e,
junto às crianças vai depender das relações que ele tenha com a posteriormente, os momentos de leitura só ocorreram quando che-
literatura. É ele quem primeiro precisa gostar de ler, quem deve ser garam novos livros. A partir das informações obtidas, foi sendo feita
tocado pela leitura e perceber o quanto as histórias emocionam, a catalogação de todo o acervo e, aos poucos, a biblioteca foi sendo
sensibilizam e transformam a maneira de enxergarmos o mundo organizada, uma ação necessária, pois, segundo Colomer (2017, p.
95), “tanto o espaço da biblioteca quanto o das salas de aulas, onde
6 Projeto executado nos anos de 2013 e 2014, junto às professoras de três Creches da Rede Municipal de Ensino se aprende a ler, são lugares especialmente necessitados de organi-
de Campina Grande/PB, com o objetivo de oferecer subsídios teóricos e práticos, visando à dinamização dos
espaços de leitura e à formação de sujeitos leitores. zação compreensível e estimulante para os aprendizes de leitura”.

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Assim sendo, com a biblioteca preparada, foi aberta para que localizássemos. Sobre o empréstimo de livros, Colomer (2007, p.
as famílias, a comunidade universitária e as crianças pudessem ter 150) destaca que, “além de criar comunidades de leitores nas aulas,
acesso ao acervo e explorá-lo livremente. A partir de então, a visita- os livros para compartilhar podem estabelecer laços entre a escola
ção era constante por parte das crianças, especialmente na hora do e as famílias. Os livros que vão e vêm da escola para casa, através
recreio e no final do expediente. Lá, elas brincavam com os livros, do empréstimo, permitem agregar os familiares à leitura comparti-
folheavam, liam ao seu modo e ouviam muitas histórias. O envol- lhada”. Isso oportuniza, além do estreitamento das relações afetivas
vimento era tão prazeroso que, muitas vezes, era difícil quererem entre a criança e sua família, a possibilidade de participação desta
deixar aquele ambiente. Convém dizer que oportunizar à criança na educação de seus filhos, aspecto relevante para a UAEI, que sem-
visitar uma biblioteca, para que se deleite em meio aos livros, é si- pre buscou a inclusão das famílias nas suas vivências.
nal de que um mundo diferente poderá ser descoberto, de que ela
poderá ter uma postura autônoma, crítica e reflexiva.
Prosseguindo com o projeto, cada vez que chegavam livros “LIVRO QUE TE QUERO LIVRO!”
novos, após serem lidos pelos professores, eram apresentados às
crianças num momento preparado para essa finalidade, ocasião em Como explicitado, faz parte da prática pedagógica da Unidade
que toda a instituição era envolvida. Professores e alguns funcioná- o empréstimo de livros às crianças. O manuseio constante das obras
rios se vestiam de personagens da literatura infantil, super-heróis, compromete o seu estado de conservação. Por essa razão, muitas ve-
numa verdadeira festa. Além da visita diária e do empréstimo de zes são rasgadas, descoladas, riscadas, mordidas, pisadas, seja pela
livros por quem desejasse, foram organizados momentos de visita- própria fase de desenvolvimento em que a criança se encontra, que
ção por cada turma, bem como o empréstimo de livros às crianças, impossibilita seu manejo com cuidado, pela falta deste por quem
uma vez por semana, diretamente da biblioteca, para serem lidos partilha a leitura com ela ou mesmo pela qualidade do material e
em casa. Independentemente desse empréstimo, elas também po- intensidade de seu uso, já que, para a criança, inicialmente, o livro
deriam, noutros horários, escolher outros títulos que desejassem, é visto como um brinquedo (Parreiras, 2009).
sendo necessária a presença dos pais ou responsáveis para isso. Por esse motivo, surgiu o projeto “Livro que te quero livro!”,
Para regular o referido empréstimo, um conjunto de normas que tratou da restauração de livros do acervo e teve o propósito de
foi criado e divulgado ao público em geral, bem como diretamente contribuir com a criança e os adultos na formação de atitudes de
às crianças, em cada turma. A divulgação dessas normas ampliou cooperação e respeito necessárias ao seu desenvolvimento e ao trato
a possibilidade de empréstimo para as crianças, o que gerou uma com os livros. Foi desenvolvido junto às crianças dos Grupos 3, 4 e
maior procura e, consequentemente, a reserva de outros títulos a 5, nos dois turnos, duas vezes por semana, durante 30 minutos, com
serem levados para casa. Era muito satisfatório ver as crianças pro- duas crianças por vez, contemplando todos os grupos nos mesmos
curando livros nas prateleiras ou dizendo seus títulos para que os dias. Ao chegar à biblioteca, a primeira dupla observava os livros

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danificados e fazia a escolha de um deles para ser restaurado pela ser cultivada para que não percamos toda a beleza e riqueza de tão
turma. A partir de então, conversávamos sobre a importância da importantes manifestações culturais.
restauração e o estado atual em que o livro se encontrava, seguindo- De acordo com Assumpção (2001, p. 63), são os acalantos ou
se a apresentação dos materiais a serem utilizados durante o proces- as canções de ninar “o primeiro contato da criança com o mundo
so de restauração. Por fim, iniciávamos o trabalho com a ajuda das da cultura”. Assim, necessário se faz mantê-las vivas por meio de
crianças, cuja continuidade se daria na semana seguinte, com outra propostas que fomentem o gênero poético. Foi nessa perspectiva
dupla da mesma turma, até que todo o processo se completasse. E que o setor da biblioteca planejou a “Hora Poética” como forma de
assim acontecia com todas as turmas. sistematizar o contato frequente das crianças com o mencionado
Após o livro ficar pronto, a turma era convidada a ir à biblio- gênero, além de oferecer um variado repertório de poemas e o co-
teca ouvir a história do livro restaurado pelo grupo, momento em nhecimento sobre seus respectivos autores.
que também conversávamos sobre o processo vivido. O projeto aconteceu quinzenalmente, com encontros de du-
Vale ressaltar quão significativa foi para as crianças a vivência ração aproximada de 30 a 50 minutos, com as crianças dos dois
da restauração de livros, pois, conforme relato dos professores, elas turnos. As propostas eram vivenciadas com a leitura e recitação
passaram a demonstrar, quer pela fala ou por pequenos gestos e de poemas, principalmente, de Vinicius de Moraes, Cecília Mei-
atitudes, um novo olhar sobre o livro, além de maior interesse pela reles, José Paulo Paes e Elias José, que consideramos bons autores
leitura. do gênero poético destinado a crianças. Para cada proposta a ser
O projeto foi tão envolvente que suscitou a organização de uma vivenciada, foi organizado um cartaz contendo o poema, e a pro-
oficina de restauração que aconteceu em três sessões, voltada aos fessora mediadora, responsável pela apresentação deste às crianças,
pais interessados. Após as sessões, alguns deles se comprometeram se caracterizava com adereços que tivessem alguma relação com o
a levar vários livros para fazer a restauração em casa, por compreen- texto, ocasião em que o explorava com gestos corporais, música
derem a importância da circulação desse objeto entre as crianças. e dança, conforme o poema suscitasse, numa brincadeira com a
linguagem poética.
Além da seleção de bons poemas, com textos que toquem a
“HORA POÉTICA” sensibilidade das crianças, que despertem a curiosidade e o desejo
de explorá-los, faz-se necessário um bom planejamento para que o
As crianças já nascem mergulhadas na linguagem poética, texto poético não passe a servir de pretexto moralizante, pois, acima
por meio do vasto repertório das canções de ninar, de roda, das de tudo, ele deve nos dar prazer (Pinheiro, 1995).
adivinhas, quadrinhas, parlendas, etc. Essa linguagem, caracteri- As vivências estabelecidas foram significativas e demonstraram
zada pela sonorização e pelas rimas, atravessa gerações e precisa a importância da realização de um trabalho com a poesia que não

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se distancie da ludicidade vivenciada pelas crianças, ou seja, um Embora tenhamos nos afastado do setor da biblioteca no início
trabalho feito por meio da sensibilização, do jogo e do brincar com de 2016, ela continua atuando no empréstimo de livros e em proje-
as palavras (Souza; Modesto-Silva, 2018). tos e atividades voltados à leitura e à contação de histórias. Enfim,
uma biblioteca aberta, interativa, lúdica, que possibilita à criança
desejar ouvir histórias e poemas, explorar os livros e lê-los, assim
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES constituindo-se como leitora.

A literatura infantil é algo que encanta a criança e contribui


para a sua formação como ser autônomo, crítico, capaz de agir e REFERÊNCIAS
interagir na realidade em que vive. Nesse sentido, compreendemos
como fundamental o direito dela a uma biblioteca infantil, para que AGUIAR, Vera T. O contador de histórias para crianças e jovens.
tenha acesso ao universo literário, visto que, legalmente, a existên- O Eixo e a Roda: Revista de Literatura Brasileira. Belo Hori-
cia desse espaço é obrigatória. A biblioteca infantil precisa ser um zonte, 2005. v.11. p. 43-52. Disponível em http://www.periodicos.
lugar vivo, que as crianças possam explorar livremente e, assim, letras.ufmg.br/index.php/o_eixo_ea_roda/article/view/3176
vivenciar várias experiências com a literatura infantil. Acesso em: 23 set. 2022.
É importante destacar que, nesse processo, o professor cum-
pre um papel fundamental, pois cabe a ele conhecer o acervo a ser ASSUMPÇÃO, Simone. Poesia folclórica. In: SARAIVA, Juracy
disponibilizado às crianças para poder planejar e mediar a leitura, Assmann (Org.) Literatura e Alfabetização: do plano do choro
contribuindo para a sua formação leitora e o seu pleno desenvol- ao plano da ação. Porto Alegre: Mediação, 2001. p. 63-68.
vimento.
Face às experiências aqui relatadas, podemos inferir que os ga- BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n° 12.244,
nhos, não só para as crianças, mas para todos os envolvidos, foram de 24 de maio de 2010, que dispõe sobre a universalização das
significativos, uma vez que tivemos a reorganização do ambiente bibliotecas nas instituições de ensino do País. Disponível em:
específico para o cuidado e o uso do acervo; o envolvimento da co- https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/
munidade escolar; um investimento mais enfático na aproximação l12244.htm. Acesso em: 13 jun. 2023
entre crianças, livros e literatura, bem como na sua formação leitora
e literária; o desenvolvimento de múltiplas e significativas ações; e BURLAMAQUE, Fabiane V.; MARTINS, Kelly Cristina; ARAÚ-
mais interações com as famílias. JO, Mayara S. A leitura de imagem na formação do leitor. In:

72 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 73


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DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 75


LITERATURA INFANTIL, RACISMO E
HUMANIZAÇÃO: VIVÊNCIAS NA UAEI

Quézia Rafaela Medeiros Sousa1–UFCG


queziarmsousa@gmail.com.br

Wanessa Maciel F. Lacerda2–GRÃO/FAPEI/UFCG


macielw051@gmail.com

INTRODUÇÃO

O
presente texto tem por objetivo refletir acerca da rela-
ção entre literatura infantil, racismo e Educação Infantil,
estabelecendo ligações entre a construção da identidade
negra, o debate acerca do racismo na educação infantil, bem como
a importância da abordagem de questões étnico-raciais no trabalho
com a literatura infantil, pelo viés da humanização dos processos
educativos. No decorrer do texto, discorreremos acerca de uma
vivência na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI), na
contação de história da obra literária Sulwe, de Lupita Nyon’g, para
um grupo de crianças entre 3 e 4 anos. Por fim, abordaremos, de

1 Graduada em Pedagogia (UFCG). Atuou como apoio pedagógico na Unidade Acadêmica de Educação Infantil
(UAEI/UFCG).

2 Graduada em Pedagogia e mestra em Educação (UFCG). Atuou como professora substituta da Unidade Aca-
dêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG).

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forma breve, o papel da escola na construção da identidade do su- novos sentidos à sua existência, sendo motivado a pensar, sentir e
jeito e como o currículo brasileiro tem se mobilizado a partir das agir de outros modos.
questões étnico-raciais. O presente trabalho objetiva discutir a relevância do literário
Nesse contexto, é importante destacar que o debate acerca de para, tratando artisticamente de temas que instiguem o leitor a ler
questões raciais no Brasil é permeado por várias discussões, insta- o mundo e, em decorrência, a ler-se, abrir possibilidades para que
bilidade, movimentos de luta e resistência. Embora haja avanços questione o aparentemente inquestionável e para que se transfor-
significativos, a ideia da branquitude como elemento de superiori- me ao rever o que pensa e sente. Nessa perspectiva, o artigo aqui
dade ainda reverbera como ponto basilar de uma construção social apresentado caracteriza-se, metodologicamente, como um relato de
que dita as regras, assim como apontado por Anete e Abramowicz experiência, realizado em um momento de intervenção específico
(2010), Barley (2018), Cademartori (2009), Gomes (2011), Marques com crianças da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/
e Dornelles (2017), Queirós (2008), Reyes (2012) e tantos outros UFCG), no qual o tema do racismo é latente, levando-as a refletir
que estão envolvidos no processo de luta na construção de uma sobre como lidar com as diferenças concernentes às características
sociedade antirracista. peculiares de cada sujeito.
Sendo assim, entendendo que o processo identitário é cons- Considerando esses aspectos, este texto tece reflexões sobre
truído dentro dos discursos socialmente consolidados (Hall, 2000) a importância da leitura de obras literárias que tenham como te-
e que as questões raciais que atravessam as infâncias fazem parte mática a questão racial no contexto dos primeiros anos da esco-
da formação humana, assim como defendido por Gomes (2005), laridade. Para dar conta desse propósito, discute inicialmente so-
a escola precisa ser um ambiente em que a valorização da cultura bre a relevância do professor enquanto mediador de leitura mais
negra e o resgate de sua ancestralidade sejam reverberados de forma experiente na formação das crianças nesse aspecto. Em seguida,
positiva, distanciando-se de uma realidade em que a escola torna-se debruça-se sobre as percepções das crianças acerca da obra literária
um lugar de potencialização do preconceito racial (Gomes, 2005). Sulwe. Aborda, posteriormente, como a literatura infantil (LI) pode
Nessa perspectiva, defendemos que o literário ajuda a refletir ser usada como um instrumento importante para a construção da
sobre as experiências humanas, aqui, na narrativa curta apresentada empatia e humanização nos leitores/crianças.
abaixo, sobre a questão da diferença e da aceitação do outro, a partir
da compreensão de que também somos peculiares. Por isso, os tex-
tos literários podem abordar distintas questões humanas, inclusive A IMPORTÂNCIA DO LEITOR-MEDIADOR NO
as mais delicadas e complexas, mesmo sendo direcionados para PROCESSO DE FORMAÇÃO DO LEITOR-CRIANÇA

o público infantil, como a intolerância à diferença. Cabe, então,


ao leitor experiente, atrelar a leitura de literatura à formação e à Na Educação Infantil, as atividades proporcionadas às crian-
transformação do sujeito que, “tocado” pelo que lê, é capaz de dar ças devem ser múltiplas e organizadas no tempo, de forma a pro-

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mover experiências variadas e vivências plurais que favoreçam a Assim, o modo como o adulto conduz a partilha da leitura,
criatividade, a experimentação, a imaginação, o desenvolvimento respondendo às reações e iniciativas da criança, é fator crucial na
de várias linguagens expressivas e as interações sociais (Barbosa; constituição desta como leitora capaz de compreender o que escuta/
Horn, 2001). lê. Inegavelmente, crianças pequenas têm capacidade para interpre-
Entre as atividades que podem ser promovidas nesse contexto, tar o que está nos livros, mas, para isso, precisam ser auxiliadas por
cabe destacar as situações de partilha de histórias com as crianças alguém que favoreça as interações com esse objeto, faça perguntas
nos momentos de vivência da leitura de livros de literatura infantil. provocadoras, enfim, estimule a construção da compreensão.
As práticas de ouvir e contar histórias são fundamentais ao desen- É no intuito de ressaltar a necessidade de, na Educação Infan-
volvimento, colaborando, entre outros aspectos, para a constituição til, acontecer uma condução da leitura do literário que respeite,
de uma relação positiva com a leitura e a literatura (Kaercher, 2001). instigue e valorize a participação da criança e, ao mesmo tempo,
Em virtude disso, é necessário que, no cotidiano das instituições que enfatize o livro literário como fonte de prazer, conhecimento e
educativas, a convivência das crianças com livros e histórias seja imaginação, que buscamos, neste trabalho, refletir sobre as ações do
frequente, abrindo possibilidades para a sua formação como su- mediador na partilha da leitura de uma obra literária com crianças
jeitos que, além de gostarem de ler, encarem o livro, a leitura e a da Educação Infantil, com a temática étnico-racial.
literatura como fontes de prazer, divertimento e aprendizagem.
A esse respeito, Silva e Chevbotar (2016) defendem a impor-
tância de, nos primeiros anos de vida, serem oferecidas às crianças “EU QUERIA SER LARANJA, PORQUE A COR NÃO
situações que favoreçam um contato direto com livros infantis, ini- IMPORTA, O QUE IMPORTA É O CORAÇÃO”: A PERCEPÇÃO
DAS CRIANÇAS ACERCA DA HISTÓRIA DE SULWE
cialmente permitindo a sua exploração como objeto a ser manu-
seado e experimentado fisicamente; e mais tarde, num nível maior
de complexidade, sua leitura e compreensão. A literatura infantil é fundamental para o desenvolvimento dos
Nesse processo, com base na ideia de que “a interação do su- sujeitos, como elemento de prazer, fruição, identificação e projeção
jeito com o mundo se dá pela mediação feita por outros sujeitos” de sentimentos. Como fomentam Girotto e Souza (2016), ler para e
(Oliveira, 1995, p. 56), vale destacar a importância da participação com as crianças, desde a mais tenra idade, é fundamental, pois tal
do adulto, a quem cabe promover o acesso das crianças ao gênero ato propicia a possibilidade de uma vivência estética privilegiada,
literário e, principalmente, auxiliá-las a perceber o texto, compreen- que auxilia a criança a desenvolver um senso crítico e o convívio
dendo-o. Em virtude disso, sua ação “tem papel essencial na vivên- significativo com a arte e a linguagem literária. Diante disso, na
cia de utilização do livro literário, bem como no aprendizado da UAEI, a literatura infantil sempre teve muito espaço na rotina esta-
função social para a qual foi criado” (Silva; Chevbotar, 2016, p. 68). belecida, a relação com os livros, por parte das crianças, se dava de

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forma prazerosa e habitual, nos momentos de mediação direta dos as questões raciais com um teor de valorização das particularidades
professores e monitores ou nos de manuseio livre. da população negra.
Há muito tempo, Dyson e Genishi (1994, p. 5) afirmaram que A história narra a vida de uma criança negra, de pele retinta,
“as histórias são uma ferramenta importante para nos proclamar- excluída pelos colegas da escola e com a ânsia de ser da cor da sua
mos como seres culturais. Nas narrativas, nossa voz ecoa e dos ou- irmã e dos seus pais, os quais, mesmo sendo negros, eram de pele
tros no mundo sociocultural – o que esses outros acham que vale a mais clara, expressando assim a teoria do racismo marrom (Priest
pena comentar e como eles julgam a eficácia das histórias contadas”. et al., 2016), em que há um anseio por tons de pele mais claras,
Diante disso, é perceptível a ausência de obras literárias infantis acreditando que as diferenças de tons demarcam hierarquias de
negras, haja vista a supremacia dos ideários da branquitude, que in- diferenças raciais entre os próprios negros. Sendo assim, o anseio
fluenciam de forma direta naquilo que é expandido mundialmente, de Sulwe faz com que ela lance mão de algumas estratégias de em-
tendo por base as estruturas dominantes da sociedade. branquecimento, acreditando que o ser branca a faria mais boni-
No entanto, é importante destacar que a UAEI sempre teve uma ta e aceitável socialmente. Tal ideia é defendida por Barley (2018)
postura de quebrar paradigmas sociais cristalizados, tendo por quando traz, em seu texto, a percepção que as crianças exprimem
base, em suas ações, os aspectos de multiculturalidade, reconhe- quando alegam que o branco é sempre melhor. Hughes-Hassell e
cendo as crianças como sujeitos potentes e capazes de opinar sobre Cox (2010) também afirmam que:
os mais diversos aspectos, incluindo as questões raciais, indo assim
Crianças de cor absorvem muitas das crenças e
ao encontro da crítica tecida por Miller (2014) quando afirma que: valores da cultura branca dominante, incluindo a
crença de que é melhor ser branco. Estereótipos,
Enquanto muito trabalho na Educação Infantil omissões e distorções, combinados com uma ima-
aponta a criança pequena como pensadoras capazes gem de superioridade branca, desempenham um
e complexas em seu próprio direito, o reconheci- papel na socialização de crianças de cor para va-
mento de crianças pequenas como capazes de cons- lorizar os modelos, estilos de vida e imagens da
truir entendimento sobre raça é, em grande parte, beleza da cultura branca sobre as de seu próprio
não examinado no campo da educação e no campo grupo cultural. Contrariar a história da superio-
dos estudos críticos sobre raça (p. 138). ridade branca é fundamental para o crescimento
positivo e o desenvolvimento da autoestima e do
Nesse contexto, em um momento de contação de história, en- autoconceito em crianças de cor (p. 214-215).

quanto monitora, foi oportunizado um momento para realização da


exposição da obra de Sulwe, de Lupita Nyon’g, para uma turma de Diante desse cenário, a história descreve uma visita inusitada
crianças de 3 e 4 anos. A obra é bastante crítica, sensível e reflexiva, recebida por Sulwe, em sua janela, levando-a para o espaço e lá
abordando a questão racial de forma poética, a fim de trazer à tona demonstrando a importância que ela, com sua pele da cor da meia-

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noite, é importante e bela, exprimindo e evidenciando a beleza que ços de debate e humanização desde a mais tenra idade. De acordo
há na diversidade, resgatando, no negro, o seu lugar de beleza e me- com Oliveira e Abramowicz (2010):
mórias ancestrais. Tal resgate, assim como posto por Gomes (2011),
As crianças na faixa etária até 3 anos já conseguem
é como ponto de partida para a constituição de uma sociedade que
apresentar uma percepção das diferenças raciais, po-
consegue ressignificar o status de humanidade do negro, superando dendo, a partir dessa idade, começar a cristalizar
o ideal de diferenças como inferioridade. determinadas atitudes com sentido preconceituoso
em relação aos que diferem de suas características
A partir da exposição da obra, que foi feita de forma dialogada,
físicas, evidenciando a necessidade de se iniciar uma
as crianças começaram a assumir um papel de empatia para com a intervenção pedagógica que vise à destituição desse
personagem, afirmando que o que os amigos estavam fazendo com tipo de atitude em relação aos colegas (p. 212).
ela não estava certo. Nesse momento, quando questionados acerca
sobre qual seria a percepção das crianças acerca da atitude de Sulwe Sendo assim, reconhecemos a UAEI como um lugar que fo-
ao querer ser branca, as crianças começaram a expor quais as co- menta uma educação antirracista, haja vista o reconhecimento da
res que queriam ser: uns diziam “eu queria ser rosa”, outro diz “eu existência do preconceito racial na educação infantil, promovendo
queria ser amarelo”, outra criança afirma “eu queria ser colorido”, assim ações que rompem com o mito da ausência do preconcei-
algumas crianças reconhecem e se identificam com a cor de pele de to racial, problematizando a invisibilidade da temática no projeto
Sulwe e afirmam: “Tia, eu sou marrom, igual a Sulwe, você também político pedagógico e criando oportunidades para reconhecer e
é marrom”. Diante do êxtase do momento que estava vivenciando, modificar o silenciamento na rotina. Esses aspectos são pontuados
uma criança diz: “Eu queria ser laranja, porque a cor da pele não por Marques e Dornelles (2017) como alguns quesitos para se con-
importa, o que importa é o coração, não é certo o que fizeram com solidar uma educação antirracista.
ela só por causa da cor”. Vale lembrar que, assim como afirma Kendi (2019, p. 8), “o
Diante dessa afirmação, veio a convicção de que o caminho oposto do racista não é o não racista. Em vez disso, o oposto é o
percorrido estava sendo o certo, compreendemos que as crianças antirracista, aquele que trabalha para eliminar o racismo sistêmico,
são capazes de se posicionarem crítica e humanamente sobre os organizacional e político”. Nessa perspectiva, é que reconhecemos
assuntos mais complexos e diversos, e que o debate acerca da raça a escola como um importante espaço de mobilização e mudança
estava sob o alcance das mentes brilhantes que tínhamos em nossa social, superando uma ideologia supremacista branca, que, segun-
frente, corroborando assim a ideia defendida por Gomes (2005) de do Escayg (2019, p. 3), “é operacionalizada no campo da Educação
que as questões raciais que atravessam as infâncias fazem parte da Infantil, quando define os conhecimentos validáveis, comporta-
formação humana, cabendo aos docentes potencializar esses espa- mentos apropriados e práticas de ensino”

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“NÃO É CERTO O QUE FIZERAM COM ELA, SÓ de obras literárias é crucial para favorecer a formação de crianças
POR CAUSA DA COR”: A LITERATURA INFANTIL que gostem de ler e tenham uma relação prazerosa com essa prática,
NO PROCESSO DE EMPATIA E HUMANIZAÇÃO
mas também para fomentar o início de sua constituição leitora.

Sabemos que a essência de toda literatura, de forma abran-


gente, é a experiência de vida dos seres humanos. Nessa perspec- CONSIDERAÇÕES FINAIS
tiva, cabe destacar que, enquanto arte que é, os textos literários
são capazes de mexer com a sensibilidade de quem os lê, levando Nos primeiros anos da escolaridade, a leitura compartilhada
o sujeito a questionar acerca de suas visões de mundo, ideologias, de textos literários infantis pode constituir-se como importante
opiniões e emoções, convidando-o a pensar sobre como viveria caminho à formação das crianças como leitoras. Nesse processo,
o que é representado na história lida. Acontece, desse modo, um é muito relevante a intervenção do leitor-mediador, neste caso, o
processo reflexivo que, na maioria das vezes, dá margem a um pro- professor, chamando a atenção para aspectos das imagens e do texto
cesso empático e de identificação, ou não, com o que está sendo escrito e de suas articulações, através de uma elucidação que auxilie
lido (Oliveira, 2010). as crianças a identificarem as pistas textuais e relacioná-las com os
Assim, cabe atrelar a leitura de literatura à (trans)formação do seus conhecimentos prévios.
sujeito que, sensibilizado pelo que lê, é capaz de dar novos sentidos Desse modo, é possível e necessário o investimento na for-
à sua existência, sendo motivado a pensar, sentir e agir de outros mação leitora na escolaridade inicial, com vistas à constituição de
modos, quando se permite esse movimento. Essa possibilidade se sujeitos capazes de realizar a leitura de maneira estratégica, profi-
estende aos textos literários infantis que, segundo Cademartori ciente, autônoma, crítica e sensível.
(2009), precisam remeter a um universo de referência próximo ao Partindo do pressuposto de que o professor tem papel basilar
da criança, o qual possa reconhecer e com ele interagir, seja porque na formação do sujeito, atuando como mediador nos processos de
lhe permite organizar vivências que já teve, seja porque lhe possibi- aprendizagens, a abordagem de questões sensíveis, ligadas à cons-
lita imaginar alguma situação ou cena que não experimentou ainda. trução social, faz parte da constituição de um currículo pautado
Nesse sentido, no que tange ao olhar pelo qual a criança vê e nos ideais multiculturais. E sendo assim, consegue tocar pontos
pensa o mundo, os textos literários infantis abordam, em grande que, por vezes, ficam relegados a um segundo plano, pela descon-
parte, uma temática humana relevante e muito pertinente em um fiança de que as crianças não são capazes de compreender noções
contexto em que vem imperando a dificuldade de aceitar e lidar conflituosas e peculiares da formação social, como o debate das
com o que difere de nós. Abre, pela via do simbólico, possibilidades questões étnico-raciais.
para que o leitor/ criança reflita, reveja e amplie compreensões so-
bre o que vive, pensa e experimenta. Na Educação Infantil, a leitura

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Dessa forma, a abordagem da obra literária aqui supracitada e DYSON, Anne Hass; Genishi, Celia. The need for story: Cultu-
o retorno imediato dado pelas crianças, quando se posicionam de ral diversity in classroom and community. National Council of
forma ativa e empática, levam-nos a crer que é possível e necessário Teachers of English, 1994.
abrir o leque de oportunidades para debates que favoreçam a for-
mação múltipla e potente nos processos de construção identitária ESCAYG, Kerry Ann. “Who’s got the power?”: A critical exa-
das crianças, desde a mais tenra idade. mination of the anti-bias curriculum. International Journal of
Ligados a isso, acreditamos que, quando o professor compreen- Child Care and Education Policy, 13(1), 2019, 1-18.
de a relevância da Literatura Infantil para seu processo formativo,
ele consegue promover, junto às crianças, um caminho lúdico e ins- GOMES, Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto: o proces-
tigante para o conhecimento e para a formação estética, bem como so de construção da identidade racial de professoras negras. São
para a capacidade crítica que se manifesta no fictício, na fantasia, Paulo: Mazza Edições, 1995.
no saber sobre outros mundos possíveis e no respeito às diferenças,
entre as quais, as raciais. GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de
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90 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 91


EU, CRIANÇA NEGRA; EU, PROFESSORA
NEGRA: IDENTIDADE E REPRESENTATIVIDADE
NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Jeane Costa Amaral1–UAEI/UFCG


jeane.costa@professor.ufcg.br

E
ste texto é uma narrativa reflexiva a respeito de duas vivên-
cias, uma enquanto criança negra na Educação Infantil (EI)
e outra enquanto professora negra, atuando na EI ao longo
de quase 30 anos. Durante esse período atuando como professora,
coordenadora, formadora e pesquisadora nessa área, nunca aden-
trei a temática das relações étnico-raciais de maneira teórica, como
foco de pesquisa, apesar de já termos um vasto leque de autores
e autoras mais atuantes nas duas primeiras décadas do século 21,
que elucidam e escancaram a necessária luta por uma educação
antirracista.
Entretanto, essa é uma questão pela qual sou atravessada en-
quanto mulher negra desde a infância e em experiências profissio-
nais mais remotas e outras mais recentes. Atualmente, encontro-me
atuando na Unidade Acadêmica da Educação Infantil (UAEI) da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), como professora
da Educação Infantil, e essa temática tem me provocado e instiga-
do a me posicionar de maneira mais veemente na luta antirracista

1 Professora efetiva da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG), doutora em Educação (UFAL),
mestra em Educação (UFES), graduada em Pedagogia (UEFS)..

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dentro da minha área de estudo, que é a Educação Infantil e as in- -las. Mas não era a mesma coisa, queria ir com ele completamente
fâncias, não apenas como espectadora, mas como um corpo político solto, sem nenhuma amarra, como os da minha mãe. Pedia sempre
por assumir meus traços e raízes afro-brasileiras. e ela relutava. Tinha cinco anos e era início dos anos 80, do século
Começo, portanto, com este texto, que tem a pretensão de abrir passado. Não era comum uma menina negra ir para a escola com
caminhos para mim e para outros(as) profissionais desta Unidade cabelos soltos. Mas de tanto insistir, um dia minha mãe lavou o meu
na instrumentalização e no fortalecimento de propostas que con- cabelo e me deixou ir com ele ainda molhado, mas completamente
tribuam de maneira mais atuante em uma educação antirracista solto, como eu desejava. Lembro-me da sensação deliciosa que senti
desde a EI. Ações já foram empreendidas através de alguns proje- ainda no caminho da escola, que era bem próxima à minha casa, e
tos realizados na instituição, entretanto, diante do nosso cenário das lembranças da sala que tenho na memória até hoje, como flashes
de enfrentamento ao racismo estrutural2 no Brasil, precisamos da de alegria intensa em transitar naquele jardim de infância, junto aos
efetivação de propostas mais contínuas e permanentes. meus pares, com os cabelos soltos.
As narrativas que se seguem, vivenciadas por mim enquanto Mas a tarde foi caindo e meu cabelo aumentando de tamanho,
criança negra e outra enquanto professora negra, ambas ocorridas seco, seu volume era enorme e, segundo a minha mãe, só as tran-
no espaço da Educação Infantil, mesmo em épocas distintas, quase ças poderiam o conter. Lembro também, como flashes, os olhares,
cinco décadas de diferença, nos trazem elementos para pensarmos os puxões de cabelo que tomei, as risadas das outras crianças e
não só a importância da construção da identidade da criança negra até um corinho que se formou chamando-me de “Maria Fumaça”.
como também a relevância da representatividade de diferentes cor- Entendi forçosamente a intencionalidade da minha mãe de me pro-
pos nos espaços escolares, já prescritos em vários marcos legais e do- teger. Mas, na sala, encontrei um alento entre toda essa opressão e
cumentos referentes às relações étnicos-raciais na Educação Infantil. aviltamento que sofri. Fui carinhosamente socorrida, acolhida pela
professora Teresinha.
Ela era uma senhora, como as avós dos livros de literatura in-
“MEU SONHO ERA IR PARA ESCOLA DE CABELO fantil de antigamente: cabelo bem liso, já grisalho, penteado com
SOLTO”: EU, CRIANÇA NEGRA NA EI um grande coque na cabeça, era branca, com olhos verdes e seios
fartos, e tinha um abraço que aconchegava. A professora Teresinha
Meu sonho era ir para a escola de cabelo solto. Minha mãe fazia colocou-me entre suas pernas e vagarosamente penteou os meus
várias trancinhas, meu cabelo estava grande e eu chegava a balançá cabelos, fazendo um coque como o seu. Não fiquei triste, a sensa-
ção dela passando a escova em meus cabelos era de alívio, por ela
2 Teoria defendida pelo Silvio de Almeida, advogado, filósofo e professor universitário brasileiro, atual ministro ter me resgatado da violência simbólica que estava sofrendo, da
dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, que visa compreender o racismo para além da questão de desvio,
desarranjo ou anormalidade comportamental de um único indivíduo ou grupo, mas sim, como um conjunto de angústia de ter saído de um estado de euforia tão intenso por ter
práticas inconscientes, conscientes e até mesmo institucionalizadas, que se articulam sofisticadamente de modo
realizado um sonho de ir para a escola de cabelo solto e, na mesma
a normalizar “relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares” (Almeida, 2019, p. 52).

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tarde, sentir-me oprimida pelos meus pares que, involuntariamente, quanto funcionários(as) e professores(as). Inclusive isso já foi ques-
reproduziam o racismo estrutural e o estranhamento às diferenças, tionado por uma das crianças da Unidade, com 5 anos, que tem pai
tão característico das relações estabelecidas na nossa sociedade, negro, irmão negro e mãe branca. Em uma finalização de um proje-
especialmente, dentro do contexto do século passado. to que eu estava apenas acompanhando com as crianças do Grupo
A professora Teresinha fez tudo em silêncio, não me disse 3, a mãe da referida criança do Grupo 5 me procurou para saber
nada, só penteou os meus cabelos com todo o carinho. O silêncio quem eu era, há quanto tempo estava na instituição, disse que estava
ressoou em meus ouvidos daquele dia em diante e todos os outros feliz em ver uma professora negra e me relatou que sua filha já lhe
dias em que eu, enquanto menina negra, frequentei várias outras havia perguntado: “Por que, na UAEI, não tem pessoas negras?”.
escolas particulares e públicas e passei por situações semelhantes. Outra evidência da importância de um corpo negro que se
Não me lembro de ter ido à escola de cabelo solto outra vez, até que assume com suas características físicas se fez mais perceptível e
a minha mãe começou a alisar o meu cabelo aos 7 anos. intensa na relação com as minhas crianças e famílias na sala de re-
ferência. Um familiar, por exemplo, ao me ver na porta da sala pela
primeira vez, antes mesmo de dar bom dia, disse em tom surpreso:
“A CULPADA É VOCÊ DELA SÓ QUERER VIR “Quanto cabelo!”; as crianças também questionaram sobre meu
ASSIM”: EU, PROFESSORA NEGRA NA EI cabelo black volumoso. Em relação à minha presença, naquele es-
paço onde há poucos negros assumindo uma posição de destaque,
A minha entrada na UAEI/UFCG já prenunciava, desde a seleção a reação das crianças se dividiu em três perspectivas: indiferença,
em banca, como a questão das relações étnico-raciais na EI se tor- incômodo e identificação.
naria um aspecto relevante a ser considerado na minha entrada na Com relação à indiferença, não tenho relatos que possam re-
instituição. Havia uma expectativa da banca de que os projetos de presentar essa minha percepção, entretanto foi possível notar que
pesquisa, ensino ou extensão apresentados tivessem alguma relação algumas crianças que se mostraram indiferentes à minha presença
com a temática étnico-racial por minha parte. Tal expectativa foi começaram a pegar livros de literatura infantil que tinham per-
externalizada por uma das professoras participantes da banca. Du- sonagens negros com uma frequência maior ou para folhear ou
rante a minha arguição, ela disse, de maneira veemente, que seria para levar para casa. Quanto ao incômodo e à identificação, essas
minha obrigação enquanto mulher negra tratar essa questão e fez reações foram bem evidenciadas por algumas crianças. O incômo-
o seguinte questionamento: “Se não for você que vai tratar dessa do, podemos traduzir na fala de Luís Miguel (3 anos) quando me
questão, quem vai tratar?”. questionou, logo no meu segundo dia na sala de referência: “Tia,
A questão me acompanhou durante todo o processo da pós- por que seu cabelo é bagunçado assim? Eu acho feio! Não pode ser
seleção, mas só atuando na sala de referência pude compreendê-la assim, não!”. A mesma criança, em outro dia, enquanto estava em
melhor. Na instituição, há poucas pessoas negras, tanto crianças cuidados corporais sozinho comigo, disse:

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Miguel: Eu não gosto do seu cabelo!... [E nas suas e saltitou bastante, balançando o cabelo. Essa soltura permaneceu
expressões faciais demonstrava com ênfase esse não
gostar]. Tem que pintar de amarelo! em vários outros dias e ela gradativamente foi ganhando mais con-
Professora Jeane: Eu gosto muito do meu cabelo e
fiança com essa forma de se apresentar aos colegas. Em uma das
gosto dele preto assim! saídas, conversei com a mãe dela, na porta da sala, elogiando Maria
Miguel: Por que ele é assim? Elloah: “Ela está sempre vindo com o cabelo solto!”. E a mãe me
Professora Jeane: Crespo, encaracolado?
disse de maneira despojada: “A culpada é você dela só querer vir
assim”. Respondi imediatamente: “Que coisa boa!”.
Miguel: Sim, parece cabelo de avó!
Nos dias que se sucederam, ela ainda veio com o cabelo preso,
Professora Jeane: Porque eu sou negra e ele nasce
assim. [Abaixei e mostrei a raiz do meu cabelo para bem arrumadinho, bem esticado na frente, mas quando vem com
ele] o cabelo solto, aparenta estar bem mais feliz.
Ele me olhou parecendo não entender e mudou de
assunto.
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
Com relação à identificação, a criança que mais se aproximou E A REPRESENTATIVIDADE COMO
FERRAMENTA ANTIRRACISTA NA EI
de mim foi a Maria Elloah (3 anos), a única menina negra do gru-
po. Ela é parda e tem os cabelos bem encaracolados, que só viviam
presos. No meu primeiro dia em sala, ela solicitou muito a minha As narrativas apresentadas, apesar da distância temporal, se
atenção, pedia para ficar no meu colo e ficou atrás de mim durante aproximam e revelam aspectos referentes à construção da identida-
toda a manhã. No segundo dia, ela começou a alisar o meu cabelo, de da menina negra os quais merecem ser considerados de maneira
chegando a dizer que ele era muito bonito e cheiroso. E, a partir de específica. Felizmente a partir da reflexão de muitas outras vivên-
então, percebi uma predileção dela em relação a mim em detrimen- cias que, dentro do racismo estrutural, poderia relatar em todas
to da minha parceria com o grupo. Paralelo a essa aproximação, as etapas da minha vida, pude refletir sobre o silenciamento das
houve também por parte dessa criança, de forma gradativa, a sol- questões étnico-raciais dentro das nossas instituições e mais espe-
tura dos cabelos. No dia da minha chegada, ela estava com o cabelo cificamente o silenciamento da construção dessa identidade negra.
totalmente preso; depois veio com uma parte do cabelo solto; no No caso específico da questão de gênero, da menina negra, um
terceiro dia, com a metade do cabelo solto; e no quarto dia, com o traço se interpõe de maneira marcante: o cabelo, o que podemos
cabelo totalmente solto. Na chegada, veio em minha direção com constatar nas duas narrativas.
um olhar pedindo aprovação. Elogiei muito a soltura do cabelo e Em uma pesquisa realizada por Tiburcio (2021), na qual ela
ela, com um sorriso de canto de boca, foi para a frente do espelho buscava compreender as consequências das dinâmicas da sociedade

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na autoestima da menina negra, diante de uma sociedade racista meninas negras, que possuem na maioria das vezes uma estética
como a brasileira, que enxerga nos traços fenotípicos dos negros capilar diferente das impostas na cultural ocidental branca, se faz
aspectos de inferioridade social, a pesquisadora aponta: tão necessária.
De acordo com Souza (2021, p. 115), “[...] ser negro não é uma
Embora o círculo social da criança na primeira in-
fância seja basicamente o círculo familiar, ao se con- condição dada a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro”.
siderar que as crianças desde muito cedo acessam E a infância, na qual a identidade está em construção, é o momento
a educação infantil através da creche, destaca-se o de descobrirmos nossas potencialidades e vicissitudes que nos são
papel dos adultos de referência, que são os respon-
sáveis pelo estabelecimento dos primeiros vínculos próprias, características que nos revelam enquanto seres únicos e
afetivos da criança. Neste acesso, a menina negra de diversos. Portanto, uma sociedade onde se estabeleça apenas um
cabelo crespo começa a interagir com pessoas que, parâmetro identitário de ser limita e contradiz a ideia da constitui-
muitas vezes, contribuirão para que o seu primeiro
contato com o mundo externo seja hostil, fazendo ção de uma identidade própria. Reconhecer-se enquanto criança
com que ela receba estímulos conflitantes dos que, negra, desse modo, sem apoio de seus pares e adultos de referên-
na maior parte das vezes, recebe em casa. Assim, cia torna-se um processo muito sofrido e doloroso. Para Cardoso
através do olhar do outro, a sua admiração e orgulho
de si, da sua raça e particularmente do seu cabelo (2021, p. 54), “pensar nas relações sociais no interior das institui-
são abaladas (Tiburcio, 2013, p. 20). ções educativas revela e faz emergir tensões, nenhuma identidade
se constitui no isolamento”.
Em ambas as narrativas, encontram-se duas meninas negras Na narrativa enquanto criança negra que fui, a situação viven-
soterradas pelo racismo estrutural que se impunha. Elas encontra- ciada por mim, apesar do apoio da professora em “contorná-la”, fez
ram apoio em diferentes proporções, entretanto, a estratégia do aco- com que eu me recolhesse e que a construção da minha identidade
lhimento silenciado, pela minha professora do Jardim de Infância, enquanto menina negra, sem ferramentas tanto familiares e insti-
fez com que a tormenta crescesse e a identidade e a autoestima só tucionais, fosse soterrada pelo silenciamento.
fossem constituídas na fase adulta. Já a representatividade cons- Investir em uma formação antirracista, que, a partir da repre-
tituída no meu corpo como professora de referência estabeleceu- sentatividade, possa propiciar às famílias e às crianças outras refe-
se como um laço afetivo que atravessou barreiras institucionais e rências positivas sobre si mesmas e suas características fenotípicas
mobilizou também a família que apoia a decisão da criança e re- é um ato político que se faz no enfrentamento de ocuparmos os
conhece a importância de uma referência negra que se apresenta espaços, sejam institucionais ou socialmente impostos como não
e valoriza os traços fenotípicos da criança. Segundo Freud (2010, nossos, sobretudo para as meninas, pois assim valorizamos nossos
p. 48), “a identificação é conhecida pela psicanálise como a mais traços físicos, que nos aproximam e nos identificam.
remota expressão de um laço social com outra pessoa”. A partir A respeito da formação das crianças negras nos espaços edu-
disso, a representação para as crianças negras, e especialmente as cativos, Pinheiro (2023) afirma:

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Acreditamos que crianças que estão sendo formadas bém envolver toda a comunidade escolar nessa questão do respeito
precisam se nutrir do que elas efetivamente são e não
do que não são, mas que disseram acerca delas como e da diversidade.
mecanismos de controle social. Não precisamos di- No ano em que a Lei nº 10.639/2003 faz 20 anos de promulga-
zer para elas “o seu cabelo não é feio”; nós simples- da, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultu-
mente afirmamos “o seu cabelo é lindo” (p. 59).
ra africana e afro-brasileira nas propostas curriculares das escolas
do ensino fundamental e médio – é preciso avançarmos mais na
Pensar para além da representatividade significa atentarmos atuação de uma educação antirracista desde a EI. Para tanto, não
para as nossas ações, atitudes e falas de maneira reflexiva, para é preciso partir do zero, pois já dispomos de outros documentos e
que todos os educadores dentro da instituição evitem reproduzir publicações que indicam estratégias de enfrentamento ao racismo
o racismo estrutural que nos é imposto e o qual reproduzimos de institucional. As Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (DC-
maneira naturalizada. A esse respeito, lembro-me de um dos dias NEI) (Brasil, 2010), por exemplo, nesse sentido, já apontam:
em que a Maria Elloah foi de cabelo solto e estava ao lado de uma
As propostas pedagógicas das instituições de Edu-
colega que sempre vai de cabelo solto, bem longos e lisinhos, e ou- cação Infantil deverão prever condições para o tra-
viu o elogio de uma servidora da limpeza para sua colega branca de balho coletivo e para a organização de materiais,
cabelos lisos. Percebia-se claramente que ela esperava o seu elogio, espaços e tempos que assegurem: o reconhecimento,
a valorização, o respeito e a interação das crianças
que não veio da servidora, então entrei na cena e acrescentei: “Olha, com as histórias e as culturas africanas, afro-brasi-
o cabelo de Elloah também está solto e lindo!”. Ela deu um sorriso leiras, bem como o combate ao racismo e à discri-
de canto de boca e saiu saltitante. Uma coisa é certa, afirma Gomes minação (Brasil, 2010, p. 23).

(2023, p. 19), “é preciso continuar nos aproximando das infâncias


negras para compreender suas diferenças, aproximações, especifi- Para além do atendimento aos direitos já previstos em lei, na
cidades e pontos comuns”. busca da construção de uma proposta curricular que contribua para
Com o advento das redes sociais, impulsionado pela militân- a formação das crianças dentro da diversidade racial, outra ação
cia dos movimentos negros e pela maior inserção de negros nas potente, apontada por Pinheiro (2023, p. 84), como estratégia an-
universidades e outros espaços educacionais e midiáticos, devido a tirracista é “enegrecer os espaços acadêmicos”. A representatividade
políticas públicas de cotas, a representatividade em maior número negra em espaços acadêmicos, como é no caso da UAEI, ainda é
já é uma realidade, mesmo que lenta. Isso vem contribuindo para restrita pelas questões estruturais relacionadas à constituição his-
uma construção mais positiva da autoestima e da identidade das tórica da cidade e da instituição, entre outros fatores sociais mais
crianças negras. Entretanto, enquanto instituição, é preciso avan- amplos, dos quais não trataremos neste texto. Isso não significa
çarmos ainda mais no sentido de fazer valer os marcos legais e tam- dizer que as pessoas negras, ao adentrarem esses espaços, deverão

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ser obrigadas a falar sobre a questão da negritude em todos os seus cação do seu livro Tornar-se negro, com primeira publicação em
estudos, pesquisas ou atuação, mas como pude comprovar através 1983, resume em um dos trechos o que consegui perceber ao lon-
da vivência relatada com a minha entrada na unidade, a mera inser- go dos meus quase 30 anos atuando com crianças e sendo todo o
ção de um corpo negro em um espaço branco já gera um ambiente tempo entrecortada na minha vida não apenas profissional, mas
representativo, o que, para as crianças que estão em construção de também pessoal, pela interseccionalidade raça, gênero e classe:
sua identidade, é importante e saudável para o desenvolvimento
Saber-se negra é viver a experiência de ter sido
de um olhar diverso e de respeito, e para a construção também da massacrada em sua identidade, confundida em suas
alteridade, ou seja, do respeito ao outro como ele é. perspectivas, submetida a exigências, compelida a
Enaltecer positivamente figuras locais ou regionais de origem expectativas alienadas. Mas é também, e sobretu-
do, a experiência de comprometer-se a resgatar sua
afro-brasileiras, que contribuem ou contribuíram de maneira posi- história e recriar-se em suas potencialidades (Souza,
tiva para o engrandecimento cultural da cidade, mestres e mestras 2021, p. 46).
que carregam nossa história através de histórias orais e que têm ou
tiveram grande repercussão na sociedade também contribui para
uma representação positiva de outros corpos negros e indígenas, REFERÊNCIAS
que precisam ser enaltecidos e valorizados pelas crianças.
Concluindo o texto, ressalto que as narrativas apresentadas e ALMEIDA, Sílvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
vivenciadas por mim, tanto como criança negra quanto professora 264 p.
negra, se encontraram e se entrecruzaram, após mais de quatro
décadas, a partir da compreensão da importância da representa- BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei n.
tividade necessária para a construção da identidade negra, mais 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
especificamente, da menina negra. A minha criança negra sente- bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
se honrada pela mulher negra que me tornei, pelo entendimento Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
da importância dessa representatividade e pelo exercício diário de Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponí-
me posicionar como um corpo político que busca compreender e vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.639.
entender melhor as relações étnicos-raciais, visando essencialmente htm. Acesso em: 16 jun. 2023.
à formação de crianças negras mais altivas e empoderadas, valori-
zando seus traços afro-brasileiros e contribuindo para a construção BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Na-
de uma identidade própria e de respeito às diversidades. cionais para a Educação Infantil. Brasília, 2010.
Para encerrar, deixo uma afirmação da Neusa Santos Souza,
uma mulher negra, psiquiatra e psicanalista, que, através da publi-

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CARDOSO, Cintia. Branquitude na Educação Infantil. 1. ed. RELATÓRIOS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO
Curitiba: Appris, 2021. INFANTIL: PERCURSOS DOCUMENTADOS E
COMPARTILHADOS COM AS FAMÍLIAS
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu. In: Sig-
mund Freud: Obras Completas. Trad. Paulo César de Souza. v.
15. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 48.
Crisliane Boito1–IFSC
crisliane.boito@ifsc.edu.br
GELEDÉS. O que cabelo tem ver com racismo. 14 jun. 2014.
Disponível em: http://www.geledes.org.br/o-que-cabelo-tem-ver- Elaine Tayse de Sousa2–NEI/UFRN
elainetayse@nei.ufrn.br
com-racismo/. Acesso em: 28 jun. 2023.

GOMES, Nilma Lino; ARAÚJO, Marlene de (Orgs.). Infâncias


negras: vivências e lutas por uma vida justa. Petrópolis, RJ: Vo- INTRODUÇÃO
zes, 2023.

A
PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. Como ser um educador Educação Infantil tem por finalidade o desenvolvimento
antirracista. São Paulo: Planeta do Brasil, 2023. integral da criança, considerando seus aspectos afetivos,
psicológicos, emocionais, sociais e intelectuais, em com-
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro ou as vicissitudes da plementaridade à ação da família. Considerando que a instituição
identidade do negro brasileiro em ascensão social. Prefácios de de Educação Infantil é o primeiro espaço formal de vida coletiva
Maria Lúcia da Silva e Jurandir Freire Costa. 1. ed. Rio de Janeiro: fora do contexto familiar, referendamos a necessidade de diálogo
Zahar, 2021. entre essas duas instituições basilares nos processos de aprendiza-
gem das crianças.
TIBURCIO, Edleide dos Santos. Racismo e primeira infância:
o cabelo crespo e a construção da autoestima da menina negra.
USP. São Paulo, 2021. Disponível em: http://celacc.eca.usp.br/ 1 Mestra em Educação e graduada em Pedagogia (UFRGS). Atuou como professora na Unidade Acadêmica de
sites/default/files/media/tcc/2021/01/tcc_edleide_dos_santos_ti- Educação Infantil entre 2018 e 2021. Atualmente é professora de Educação Especial e coordenadora do Núcleo
de Acessibilidade (CNAE/IFSC).
burcio.pdf Acesso em: 15 jun. 2023.
2 Professora efetiva no Núcleo de Educação da Infância (NEI-CAp/UFRN). Atuou como professora substituta na
Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Graduada em Pedagogia e mestra em Educação (UFCG)..

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Diante da especificidade da etapa, pelo necessário acompanha- lia de cada uma das crianças com quem compartilhamos a docência
mento e partilha das vivências e do desenvolvimento de aprendi- naquele período.
zagens das crianças com suas famílias em um sentido de corres-
ponsabilidade (Silva, 2011), compreendemos que os relatórios de
avaliação, elaborados a partir da observação sistemática docente, DOCÊNCIA COM AUTORIA3: ENTRE O QUE É
podem favorecer para que as famílias compreendam melhor a fun- INSTITUCIONAL E O QUE É ESPECÍFICO DE CADA
GRUPO DE CRIANÇAS E SUAS FAMÍLIAS
ção educativa da escola, a depender do modo como são redigidos
e apresentados a elas.
Neste capítulo, apresentaremos o relato de nossa prática do- Ao trazermos para o cerne de nossa discussão a avaliação na
cente, dando destaque a nossa postura pedagógica de docência Educação Infantil, destacamos que esta etapa da educação básica
compartilhada de escrita e, especialmente, da leitura dos relatórios se caracteriza pelo seu caráter qualitativo, viabilizado pelo acompa-
junto às famílias de cada uma das 16 crianças do Grupo 2 - tarde, nhamento e registro do desenvolvimento da criança (Brasil, 2013).
do ano de 2018, com idade entre 2 e 3 anos, na Unidade Acadêmica Na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI), essa premissa
de Educação Infantil - UAEI/UFCG. é sinônimo de respeito, escuta e observação atenta aos processos
Importante destacar que nossa concepção de avaliação está infantis, conforme preconiza seu Projeto Político Pedagógico (PPP).
embasada sobretudo na Lei nº 9.394/96, que estabelece como finali- No ano de 2018, no PPP da instituição, havia a sinalização de
dade da avaliação na Educação Infantil o acompanhamento e regis- dois modos de apresentação da avaliação da aprendizagem: a) os
tro do desenvolvimento (Brasil, 1996, art. 3º); em Hoffmann (2014), relatórios individuais semestrais, destacando o processo específico
que sinaliza a importância de avaliação como acompanhamento de cada criança, geralmente entregue de modo impresso aos res-
do processo de construção de conhecimento ao longo do proces- ponsáveis após reuniões pedagógicas; b) o portfólio virtual, no qual
so educativo e não somente ao final dele, contemplando, além dos era registrado o percurso coletivo do grupo, por meio de registros
avanços, das conquistas e das descobertas, os encaminhamentos pe- fotográficos, vídeos e pequenas escritas, apresentado em reuniões
dagógicos, sem desvincular as questões socioafetivas das cognitivas; pedagógicas e entregue às famílias salvo em pen drive.
e em Freire (1989), que compreende a ação dos registros de avaliação A ação institucional indicada, no que se referia ao formato de
também como construtor de memórias de um processo vivido. entrega dos relatórios às famílias, foi, desde o início do ano letivo,
O texto, além da introdução e das considerações finais, orga-
niza-se em duas seções voltadas ao objetivo principal, que é refletir 3 Docência com autoria faz alusão ao artigo de Carolina Gobbato, Crisliane Boito e Maria Carmen Silveira

sobre a importância da apresentação dos relatórios de avaliação Barbosa (2018) intitulado “Uma docência sem autoria, o uso do livro didático na Educação Infantil”, publicado
no livro Eu ainda sou criança, educação infantil e resistência, organizado por Maria Walburga dos Santos, Cleonice
numa perspectiva dialógica, individualizada entre a escola e a famí- Maria Tomazetti e Suely Amaral Mello, pela editora Edufscar.

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nos inquietando. Éramos docentes do grupo com menor idade da Para os pesquisadores reggianos, a educação de
crianças, especialmente menores, não pode ser
instituição (entre 2 e 3 anos)4 e sentíamos a necessidade de estreitar delegada exclusivamente à escola, ou seja, os pais
laços5 com as famílias das crianças, sobretudo, por se tratar do pri- precisam assumir responsabilidades junto à escola
meiro ano de inserção e ambientação em espaço institucionalizado e, se isso não ocorre, é porque a instituição os tor-
nou passivos e precisa repensar sua organização, de
para a maioria delas. forma a incluir as famílias em seu cotidiano (p. 151).
Estudando, passamos a compreender que canais de comuni-
cação entre escola e família poderiam diferir, por exemplo, entre
crianças do Grupo 2 (com idades entre 2 e 3 anos) e do Grupo 5 (com Possibilitar novas oportunidades para que as famílias tivessem
idades entre 5 e 6 anos), embora dentro da mesma instituição. Neste papel ativo na vida escolar de seus filhos/filhas exigiu de nós uma
viés, compartilhamos com a coordenação pedagógica e a equipe demanda intensificada de trabalho. Para iniciar, foi preciso elencar
da UAEI nosso desejo de realizar “Plantões Pedagógicos”, em que os horários disponíveis para nossos Plantões Pedagógicos, consi-
faríamos a leitura de cada um dos relatórios para cada família, e a derando nossa carga horária com as crianças (20 horas semanais),
proposta foi aceita, compreendendo a especificidade de nosso grupo. as atividades de planejamento, as ações de extensão e a agenda das
Na nossa proposição, a ação institucional de reuniões pedagó- famílias. É importante destacar que todas as 16 famílias compare-
gicas por turma, com entrega de relatórios de avaliação e esclare- ceram ao momento oportunizado, quase que a totalidade repre-
cimentos de dúvidas em grande grupo, passou a ter novo formato, sentada por pai e mãe, o que nos fez acreditar que fomos assertivas
particular e dialógico6. Acolhimento e corresponsabilidade torna- em (re)significar o momento de entrega dos relatórios de avaliação.
ram-se, naquela experiência, nossa estratégia para o melhor fazer O tempo dedicado à socialização do trabalho pedagógico por
pedagógico possível, muito embasado nas discussões realizadas por nós desenvolvido, com apresentação de nossas percepções sobre os
Silva (2011) e Parrini (2016), pesquisadoras que vêm dialogando avanços, as continuidades e as descontinuidades observadas, via-
sobre o vínculo entre famílias e escola, articulando a experiência bilizou também que conhecêssemos o olhar das famílias a respeito
italiana. Nessa mesma perspectiva, Costa ( 2021) considera que: das especificidades de cada criança. Neste sentido, corroboramos
Formosinho (2019) quando apresenta que:
4 Na UAEI, o Grupo 2 tem a primeira faixa etária de atendimento. Estima-se que, nos próximos anos, o atendi-
mento seja expandido para bebês e Ensino Fundamental, uma vez que a instituição se tornou, no ano de 2022, A documentação e a avaliação da aprendizagem das
Colégio de Aplicação. crianças não podem ser conduzidas em um vácuo,
5 Realizamos, no decorrer do ano, diversas ações para aproximar família e escola, as quais eram de âmbito como se estivéssemos observando processos isola-
institucional e também de ordem individual do grupo, com participação em ações de projetos e em encontros dos, separados e independentes. Elas precisam ser
externos ao ambiente escolar. conduzidas e entendidas com a mente aberta, que
6 Devido à docência que era compartilhada naquele momento, é importante também relatar que a escrita dos olha para a criança holística em contexto pedagó-
relatórios era feita em conjunto e não de modo segmentado. Editávamos em arquivos no Google Drive, e íamos gico, social e cultural (p. 140).
complementando, questionando e refletindo a escrita de modo conjunto. Por fim, líamos os relatórios juntas,
quando fazíamos a impressão para entregar aos responsáveis.

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Compreender a história da criança, considerando a variedade UMA EXPERIÊNCIA DE COR-RESPONSABILIDADE: O
de situações que a constituem no âmbito biológico, social, cultural LUGAR DAS FAMÍLIAS E NOSSA POSTURA PEDAGÓGICA
e relacional, nos convocou a pensar a documentação como um iti-
nerário didático que serve para relembrar, reexaminar, analisar e A leitura dos relatórios de avaliação, no Plantão Pedagógico,
reconstruir os percursos de aprendizagem (Rinaldi, 2014). seguia a escrita feita e refletida de modo compartilhado por nós
Nesse cenário, sempre tivemos a consciência de que a avaliação docentes, sendo interrompida sempre que sentíamos necessidade
de um grupo de crianças bem pequenas incide nos modos de ser de compreender algo ou quando os responsáveis desejavam inter-
de cada um/a, nas relações que estabelecem com seus pares, suas rogar/complementar com alguma informação.
iniciativas, modos de interagir, brincar, vivenciar a rotina e o coti- Em ambos os semestres 2018/1 e 2018/2, os relatórios foram
diano. Os momentos de atendimento com as famílias possibilitaram estruturados na perspectiva de resgate do cotidiano vivido. No de-
que percebêssemos ainda mais as crianças em sua integralidade. correr do texto, compartilhamos recortes dos relatórios para eluci-
Muitas das suas reações e ações traduzidas na escola eram incor- dar alguns disparadores dos diálogos que retomaram lembranças
poradas a partir do vivido com suas famílias. da caminhada das crianças no contexto institucional. Alguns eixos
O momento do Plantão Pedagógico realizado suscitou outras registrados estavam implicados em memórias sobre:
parcerias e maior presença da família na escola, no decorrer do a) O período de adaptação/ambientação: nessas situações,
semestre. No diálogo, reconhecemos responsáveis que desejavam identificamos nos responsáveis momentos de apreensão, emoção e
e tinham disponibilidade para desenvolvimento de ações diversas, relações das ações, destacadas por nós, com os processos de consti-
relacionadas às suas profissões, ou até mesmo ideias para sequên- tuição da personalidade da criança no seio familiar. As lembranças
cia do projeto de trabalho que estava em andamento no momento, das famílias dos momentos iniciais de “afastamento” de suas crian-
“Lobo Fofão é meu amigo!”. ças, os acordos que fizemos naquele período, os avanços alcançados
Para além dos aspectos socioafetivos e de apropriação do co- e os percalços que iam emergindo nas interações que as crianças
nhecimento, o ponto alto da docência por nós compartilhada foi o estabeleciam conosco e com seus pares estavam registrados no do-
fato de conseguirmos mobilizar as famílias para compreenderem os cumento escrito que líamos; e complementados, no diálogo, com
objetivos da Educação Infantil, sua organização e como as crianças os responsáveis das crianças. Nesta primeira parte da leitura do
aprendem, pautadas em um contexto de interações, brincadeiras, relatório, fomos esmiuçando a individualidade, os tempos de cada
ludicidade, vivências e experiências, que marcam para a vida. Ex- criança, e acolhendo os sentimentos vividos pelas famílias naquela
periências que foram traduzidas pelos relatórios de avaliação indi- situação. Foi um momento com destaque à gratidão pela confiança
viduais semestrais e pelo portfólio virtual, disponibilizado ao final em deixarem seus filhos sob nossa responsabilidade. Fomos apre-
do ano letivo. sentando o fazer pedagógico da Educação Infantil em que acredi-
tamos: acolhedor, alegre e respeitoso.

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Registro 1: Iniciaremos abordando o momento de transição casa/ UAEI. (sabemos que isso não é fácil para os pais) e assim “A” foi compreenden-
No seu primeiro dia na escola, “M”7 chegou acompanhado da mãe e de do a lógica casa-escola-casa. Uma particularidade de “A” que nos mar-
sua irmã. Muito à vontade, entrou na sala e de pronto pegou brinquedos, cou muito foi a de que, quando seus pais retornavam, no fim de tarde,
observou o espaço e despediu-se da mãe sem delongas. Neste processo ela chorava e sorria ao mesmo tempo, e corria para abraçá-los numa
de adaptação, acreditamos que ter na escola a presença da irmã tenha mistura de emoção, afeto e segurança em rever sua família. “A”, nestas
contribuído muito para que “M” ficasse com tranquilidade naquele espa- oportunidades, nos dizia com sua ação que, embora já estivesse se sen-
ço ainda bastante novo. Tanto naquele período inicial quanto agora, “M” tindo bem mais segura no espaço novo da escola, sua família ainda era
sempre vai ao encontro de sua irmã, que está no Grupo 4, e participa de (e sempre será) seu porto mais seguro. Era/é lindo ver o amor e carinho
diversos momentos de brincadeira e exploração ao seu lado. de “A” pelos seus pais! Queremos registrar aqui que as demonstrações
de insegurança inicialmente apresentadas por “A” são muito comuns. É
Registro 2: Como é bastante comum, estes primeiros contatos na nova preciso que tenhamos em vista que, para a criança, a escola de Educação
escola demonstraram certa resistência de “R” em se despedir de sua mãe Infantil é um espaço muito novo, com pessoas e rotinas diferentes das
e seu pai e permanecer conosco. Nesse sentido, passamos a reafirmar do seu cotidiano.
o que sua família apontava ao se despedir: que depois que ele passasse
algum tempo na escola nova conosco – tendo em vista que já frequenta-
va um berçário pela manhã – seu pai e sua mãe viriam buscá-lo e iriam b) Amizades iniciais entre as crianças: Ao indicarmos como
juntos para casa. Aos poucos, “R” foi internalizando essa aprendizagem ocorreram as primeiras interações das crianças com seus pares, suas
e hoje tem um processo de despedida tranquilo, sem choro, e fazendo predileções pessoais e espaciais na instituição, notamos a concor-
brincadeiras com seu pai, que é quem geralmente o deixa na UAEI. Des- dância dos responsáveis, que sorriam e paravam para destacar situa-
tacamos que é característica de “R” ser um menino tranquilo e centrado. ções que as crianças relatavam em casa sobre os colegas. Também
Algumas vezes, vimos o quanto estava sendo difícil o momento da des- houve questionamentos quanto à frequência com que determinada
pedida da sua família, mas, devido aos combinados com seus pais, ele criança preferia brincar só, se isso era comum na faixa etária, etc.
mantinha-se centrado, firme, sem chorar, mesmo com os olhos cheios
Nesse eixo, reafirmamos a importância do outro na constituição das
de lágrimas. Nestas situações, dávamos ainda mais atenção a ele e bus-
cávamos distraí-lo para diminuir esse sentimento.
subjetividades, dos modos de ser e estar no mundo, aproximações,
vínculos e até tensionamentos vividos pela criança, no ambiente
Registro 3: Percebemos que o processo de adaptação de “A” se dificultou que é de todos. Muitas crianças da turma não tinham irmãos, por-
à medida que ela via outras crianças chorando e isso lhe dava insegu- tanto, estavam habituados a permanecer com adultos, espaços e
rança. No entanto, contamos e agradecemos muito à sua família, pois, objetos para si, sem a necessidade maior de compartilhamento.
ao se despedirem dela, mostravam firmeza, segurança, reafirmavam que
retornariam e que tudo estaria bem. Por vezes, deixavam-na chorando
Registro 4: “AF” se mostra sociável com as outras crianças nos mo-
mentos do parque ou na sala, sempre convidando os colegas para brin-
7 Utilizaremos as iniciais dos nomes das crianças, mantendo o sigilo necessário a informações de cunho particular. car. “AF” (é assim que se apresenta e é conhecida pelo grupo) vivencia,

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principalmente junto a “AS”, “ML” e “MC”, o jogo simbólico com muita Registro 6: No primeiro semestre, atentamos que “ML” avançou em sua
intensidade. Brincadeiras de casinha em que são assumidos diferentes linguagem oral, pois formula narrativas de períodos longos, algumas
papéis sociais estão sendo intensamente vividos: mamãe cozinhando, a vezes contando pequenas histórias para o grupo de amigos. Inicia suas
filhinha está doente, a doutora que é médica das filhinhas (bonecas) e narrativas com o tradicional “Era uma vez, uma menina” e a partir daí
até as professoras são os personagens recorrentemente interpretados por são variadas as histórias criadas. Acreditamos que isso aconteça pela
“AF” e seus colegas nas brincadeiras de faz de conta. Demonstra tam- atenção que damos à literatura infantil na nossa ação pedagógica e, claro,
bém muito contentamento em ir à sala de recreação, onde veste várias notadamente, pela continuidade da família no contexto de casa.
fantasias. Atualmente temos vivenciado momentos cheios de emoção
e fantasia com o “Lobo Mau”, que “AF” sempre complementa: “Ele é Registro 7: São vários os momentos do nosso cotidiano em que “CV” se
bonzinho e é meu amigo”, na tentativa de tranquilizar a si e aos amigos. aproxima do cantinho dos livros, presente na sala, e se deleita em suas
leituras. Nessas ações, observa os personagens e as cenas contidas no
Registro 5: Em suas brincadeiras no parque, gosta de escorregar, se es- livro, compartilha com outros colegas que estão próximos a ele e juntos
conder e se balançar. Também costuma levar para o espaço a carroça, levantam hipóteses e constroem narrativas sobre o texto não verbal. Em
pás e potes de materiais não estruturados para fazer bolos e tudo que sua uma dessas situações, ao ler o livro As botas de Gabriel, afirmou: “Olha!
imaginação permite. Gosta de brincar com os colegas, preferencialmente Ele ganhou um presente!”, perguntamos para ele: “Quem ganhou o pre-
com “E” e “K”; e em determinados momentos do seu dia, gosta também sente, ‘CV’?”; e de imediato, ele respondeu: “O menino”. Percebendo a
de estar sozinho. riqueza do diálogo, questionamos novamente: “Quem deu o presente
para ele?” “CV” então refletiu um pouco na cena e disse: “O papai”. Essa
c) Literatura infantil e colaboração da família: No momen- situação reafirma nossa perspectiva da importância do contato desde
to dos relatórios, trazíamos a importância do acesso à literatura cedo com a literatura, contribuindo para a formação de crianças leitoras.
infantil desde bem pequenos, destacando que leitores iniciantes se Registro 8: Também observamos que “R” aprecia momentos coletivos
constituem a partir da leitura de imagens, do diálogo sobre elas e de leituras de histórias realizadas pelas docentes, mantendo-se desejoso
de suas compreensões e hipóteses sobre o mundo. Respondemos às pelo desfecho da narrativa, muitas vezes levantando hipóteses e questio-
dúvidas das famílias sobre a metodologia de escolha diária de livro nando a respeito do final. Temos visto seu gosto pelas idas à biblioteca
de literatura e reforçamos a importância deste momento, desde o e o quanto se envolve, ainda que por pouco tempo, em leituras. Nesses
processo de valorização da escolha da leitura pela criança, a práti- momentos, busca muitas vezes “CA” ou “M” para mostrar o enredo con-
ca diária de leitura e exploração deleite, até a responsabilidade na tido nos livros e/ou suas hipóteses, ou ainda, para explorar os fantoches
devolutiva do livro e do cuidado com este, que era de todos. Assi-
nalamos, naqueles momentos, o quanto a prática de lerem juntos d) As superações das crianças: Diante das vivências propos-
possibilitava a ampliação de repertórios infantis, o desenvolvimento tas no cotidiano, destacamos os desafios vividos por elas em meio
da linguagem oral, o compartilhamento de experiências e a criação a sua participação no novo espaço social/coletivo. Nos registros
de novas histórias do universo infantil. individuais, buscamos abrir frestas para compreensão das famílias

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de que, à medida que seus filhos conviviam, brincavam, intera- das conquistas das crianças e suas potencialidades mais evidentes
giam, expressavam-se, mediados por essas ações que atuavam como em suas interações e brincadeiras. Ao mesmo tempo, compartilha-
andaimes, também se conheciam em desafios maiores lançados a mos com as famílias pontos de atenção e avanços que planejávamos
elas, proposituras de novas experiências com vistas à superação alcançar em questões do âmbito social, emocional e/ou cognitivo.
de medos, inseguranças e conflitos para a conquista de sentir-se Também foi um espaço para a escuta sobre os desejos das famílias
pertencente, de dizer de si, do outro, de estar e compartilhar com o no que se referia ao desenvolvimento de suas crianças, a suas pers-
outro e se apoiar nele, física e/ou emocionalmente. pectivas, a fim de alinhar ações conjuntas. Em todos os momentos,
reforçávamos o tempo de cada criança e suas singularidades, assim
Registro 9: A sala escura foi também uma vivência repleta de superações como nossa postura e mediação, considerando a coletividade e a
para “A”. Embora tenha estranhado o novo espaço, superou sua insegu- individualidade.
rança buscando apoio nos seus colegas. Tais vivências, embora pareçam
simples, ensinaram a contar com o outro, a confiar nas docentes e nos Registro 11: No segundo semestre, continuaremos a explorar materiali-
adultos que a rodeiam e, sobretudo, a abrir-se para o novo, às vezes dades distintas, pois compreendemos que, além do divertimento, essas
mais diferente, como pintar no escuro, assistir a um teatro com pouca vivências ampliam as percepções das crianças sobre os materiais, as tex-
iluminação, ou ainda a dançar com luzes e sombras em movimento. turas, as temperaturas, os tamanhos, as rugosidades, etc. Desse modo,
continuaremos a incentivar “B” para que não deixe de explorar e viver
Registro 10: É necessário mencionar aqui o quanto é bonito ver essa essas experiências.
amizade construída no Grupo 2. Esse mesmo colega que hoje é o prin-
cipal parceiro de “M” foi o colega que, no primeiro semestre, ele in- Registro 12: No que se refere à autonomia, “CV” tem tido importantes
sistia em resolver as questões à base da mordida, e hoje, embora com avanços e temos certeza de que, até o final de 2018, terá muitos outros.
impasses, as tentativas são realizadas verbalmente, com ou sem a nossa Alimenta-se bem, e o processo de escovação de dentes e de organização
mediação. Os avanços indicados acima, em nossa compreensão, têm de seus pertences se amplia a cada dia. O desfralde está iniciado e será
relação com a consolidação da fala de “M”. No primeiro semestre, já intensificado no segundo semestre, isso se não concluir o desfralde no
apontávamos a necessidade que ele tinha de verbalizar suas intenções, período de recesso. Ter “CV” em nosso grupo é, certamente, uma alegria.
interesses e desejos por meio da fala convencional e o quanto ficava irri- Consideramos que, nesse primeiro semestre, nos divertimos muito jun-
tado quando não era compreendido pelos seus pares: jogava-se no chão, tos e temos certeza de que, no próximo, teremos muitas oportunidades
batia no colega, mordia e causava alvoroços com o grupo. Observamos de continuar a viver experiências infantis cheias de significados.
o quanto evoluiu nesse aspecto de entender e se fazer entendido pelos
outros, adultos ou crianças. Destacamos os eixos supracitados na intenção de anunciar um
recorte do cotidiano vivido junto a esse grupo de crianças e famílias
e) Alguns encaminhamentos dados para o próximo semes- na UAEI. Um grupo que demandou atenção, escuta, tempo e diálo-
tre: No momento de nosso diálogo, buscamos recorrer à valorização go. Cada vivência trazida foi experiência para todos os envolvidos,

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pois, ao final do nosso compartilhamento, identificávamos choros suas famílias, sobretudo, sobre o modo de vivenciarmos, nesse lugar
de alegria, sorrisos de gratidão, abraços de consolo, porque estáva- chamado Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG),
mos pensando juntos no melhor para os filhos de cada um/a. uma educação infantil/infância afetuosa, respeitosa e feliz.
Ao pensarmos numa escola da/para a infância, sobrepujamos
apontar caminhos e proposituras para o tempo presente. E nes-
se sentido, apontamos como se apresentava cada criança naquele REFERÊNCIAS
momento específico e histórico de seu desenvolvimento e de suas
aprendizagens, basilares para as relações da vida, ratificando sem- BRASIL. Congresso Nacional.. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
pre a importância do acompanhamento do primeiro grupo social de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
que recebe essa criança antes da escola. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 1996.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.
htm. Acesso em: 28 jun. 2023.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
BRASIL. Diretrizes Curriculares para a Educação Básica. Mi-
Finalizamos este escrito rememorando aspectos de nossa do- nistério da Educação. Brasília, 2013.
cência compartilhada na UAEI. Docência que se deu pautada na
coparticipação e corresponsabilidade com as famílias e autoria da COSTA, Sinara Almeida da. Reflexões família-escola na Educação
dupla docente, prontamente acolhida pela equipe de profissionais Infantil: reflexões em tempos de pandemia. In: SANTOS, Marlene
da Unidade naquele período. Oliveira dos (Org.). Educação Infantil em tempos de pandemia.
Nesse caminhar vivido em 2018, especialmente nos 12 registros Salvador: Edufba, 2021. cap. 7, p. 145-155.
apresentados neste artigo, traduzimos um pouco do trabalho pe-
dagógico realizado junto às crianças. Hoje, no Sul e no Nordeste, FREIRE, Madalena. Primavera Madalena. Porto Alegre: Prefei-
nossos novos locais de fazer docente, trazemos para nossa ação tura Municipal / Secretaria Municipal de Educação/ Divisão de
pedagógica elementos constitutivos que são inegociáveis: o respeito, Educação Escolar, 1989.
a escuta, a partilha, a autoria, as famílias e a documentação.
As reflexões com base na avaliação dos processos infantis, cor- HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora. 33. ed. Porto Ale-
porificados pelo Portfólio e pelo Relatório de avaliação (em ênfase), gre: Mediação, 2014. 190 p.
e o fato de estes serem entregues às famílias somente após a leitura
e reflexão conjunta com elas foram certamente um formato que fez OLIVEIRA-FORMOSINHO, Julia Oliveira; FORMOSINHO,
a diferença na nossa história docente e reverberou nas crianças e João; PASCAL, Christine. Documentação pedagógica e avalia-

120 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 121


ção na educação infantil: um caminho para a transformação. PISTA DE QUÊ? ENTRE TRAÇADOS E
Porto Alegre. Penso. 2019. 270 p. TRAJETOS–RELATO DE EXPERIÊNCIA

PARRINI, Chiara. Ocasiões e protagonismo: o saber e o fazer das


crianças no cotidiano. In: FORTUNATI, Aldo. Por um currículo
aberto ao possível: protagonismo das crianças e educação. Edi- Gabrielle de Lima Sousa1 – UAEI/UFCG
gabrielle.lima87@gmail.com
ção 2. San Miniato: Centro Ricerca e Doc. Infanzia, 2016.
Renally Vital da Costa2 – SEDUC/LS
renallycostaufcg@gmail.com
PROENÇA, Maria Alice. Registro em portfólios. In: PROENÇA,
Maria Alice. Prática docente: a abordagem Reggio Emilia e o
trabalho com projetos, portfólios e redes formativas. São Paulo:
Panda Educação, 2018. INTRODUÇÃO

RINALDI, Carla. Documentação e avaliação: qual a relação? In:

O
ZERO, Project. Tornando visível a aprendizagem: crianças que relato de experiência tem como objetivo descrever vivên-
aprendem individualmente e em grupo. Reggio Children; Tradu- cias realizadas no projeto didático intitulado “Pista de
ção Thais Helena Bonini. 1. ed. São Paulo, Phorte, 2014. quê? Entre traçados e trajetos”, desenvolvido na Unidade
Acadêmica de Educação Infantil (UAEI), na Universidade Federal
SILVA, Ana Tereza Galvão Almeida Marques da. A construção de Campina Grande (UFCG), no ano letivo de 2023, tendo duas pro-
da parceria família-creche: expectativas, pensamentos e fazeres fessoras como mediadoras.
no cuidado e educação das crianças. 2011. Tese (Doutorado em O desencadeamento do referido projeto teve início após obser-
Psicologia em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade vações e escuta atenta na sala de referência do Grupo 3 (manhã),
de São Paulo, São Paulo, 2011. o que corresponde a um grupo na faixa etária de 3 anos de idade.
Nesse sentido, foi possível perceber, durante as interações e brin-
cadeiras das crianças no parque, na quadra, no pátio, nas vivências

1 Professora efetiva e atual coordenadora pedagógica da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG).
Graduada em Pedagogia (UEPB). Mestra em Educação (UFCG).

2 Graduada em Pedagogia e mestra em Educação (UFCG). Atuou como professora substituta na Unidade Acadê-
mica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Atualmente está como coordenadora da Educação Infantil no município
de Lagoa Seca/PB..

122 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 123


literárias e em conversas diárias, o envolvimento e o interesse das as crianças e suas potencialidades de criar e recriar no cotidiano
crianças pela temática de carros. As crianças não apenas gostavam pedagógico.
de manusear os brinquedos, mas entravam em estado de encanta- Durante a sua realização, foi possível disponibilizar diferentes
mento, misturavam fantasia e realidade, dando significado ao meio contextos investigativos e brincantes perpassando a temática, com o
no qual estavam inseridas. Criar hipóteses, imaginar e questionar objetivo de que as crianças cotidianamente tivessem a oportunidade
eram ações corriqueiras referentes ao universo do faz de conta de descobrir, criar, imaginar, questionar de maneira significativa
(Coelho; Pedrosa, 2017). Compreendemos a criança como sujeito em seu processo pesquisador, bem como favorecer a imersão do
ativo, que se comunica em seu meio social e cultural e, por meio Grupo 3 (manhã) nas múltiplas linguagens (corporal, plástica, mu-
das relações estabelecidas entre pares, é que se dão as produções de sical e sonora, desenho e grafismo, matemática e tecnologias, leitura
uma cultura infantil, pois a criança se apropria da sua cultura e a e escrita). Assim, durante o ano letivo, objetivou-se oportunizar
constitui (Borba, 2005; Brasil, 2009; Corsaro, 2011; Sarmento, 2009). propostas educativas, brincantes e interativas em que as crianças
Sendo assim, diálogos, conflitos e curiosidades permeavam as pudessem ampliar seus conhecimentos e de que fizessem uso em
brincadeiras com os carros, desde a observação estética até a sua seu cotidiano.
função para o uso social. Algumas indagações faziam parte das Nosso alicerce está pautado nas Diretrizes Curriculares Nacio-
vivências do referido grupo, tais como: por quais lugares os carros nais para a Educação Infantil (DCNEI), que destaca que a proposta
passam? Quais são os outros transportes? O que tem nas pistas? pedagógica na Educação Infantil deve ser organizada no cuidar e
Quais são os tipos de carros? O que tem dentro do carro? O que é educar, objetivando a garantia à criança do acesso a processos de
um carro de corrida? Quem corre na corrida? Tais questionamentos apropriação, conhecimentos e aprendizagens por meio das múlti-
foram problematizados durante todo o projeto do ano letivo junto plas linguagens. De acordo com Sousa (2019):
às crianças na UAEI. Precisamos conceber uma educação cuidadosa que
Barbosa e Horn (2008) revelam que “a organização do trabalho traduza e expresse a interdependência entre cuidar
pedagógico por meio de projetos precisa partir de uma situação, e educar preconizada nas DCNEIs, de modo que as
duas ações existam ao mesmo tempo, de forma dia-
de um problema real, de uma questão que afete ao grupo tanto do logada. Momentos de banho, alimentação e troca de
ponto de vista socioemocional quanto cognitivo” (p. 38). De fato, fraldas são constituídos pela ação do educar, uma
foi a partir das observações realizadas no grupo que conseguimos vez que a interação adulto-bebê na creche implica
necessariamente atenção ao desenvolvimento in-
identificar tais interesses para investigação e pesquisas, sendo pos- tegral e às potencialidades dessas crianças (p. 78).
síveis e pertinentes a construção e o desenvolvimento por meio da
pedagogia de projetos (Dewey, 1976), uma pedagogia participativa Estruturado em quatro momentos, inicialmente apresentamos
(Oliveira-Formosinho; Formosinho, 2012), que faz parte do prin- a temática. Em seguida, tratamos acerca da metodologia, que discu-
cípio e da dimensão pedagógica da UAEI, uma vez que considera te o caminho percorrido para a construção do relato. No desenvol-

124 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 125


vimento, estabelecemos uma discussão do trabalho realizado junto meio de diversas vivências. Para alcançar esse objetivo, elencamos
às crianças dentro do arcabouço teórico. E por fim, apresentamos os seguintes objetivos específicos: despertar momentos de apren-
as considerações finais, em que refletimos sobre a importância da dizagens com as múltiplas linguagens, integrados ao mundo dos
experiência com as crianças durante o desenvolvimento do projeto. diferentes automóveis e pistas; conhecer os transportes utilizados
pelas crianças e famílias e seu uso; refletir junto às crianças acerca
do uso dos transportes coletivos – carros, motos, ônibus, aviões e
METODOLOGIA trem e suas respectivas funções; identificar os carros de acordo com
as instituições e suas funções – polícia, bombeiro, ambulâncias,
Compreendemos o relato de experiência um tipo de produção sorveteiros, entre outros; aprofundar conhecimentos acerca de fatos
de conhecimento cuja escrita destaca uma vivência da academia ou históricos que marcaram o universo das corridas (o piloto Ayrton
uma vivência profissional, no qual o estudo deve conter um olhar Senna); e por fim, identificar personagens motoristas de acordo
científico e reflexivo (Lüdke; Cruz, 2010). com profissões exercidas, promovendo encontros nos espaços in-
Partindo desse pressuposto, é importante salientar o lugar de terno e externo da UAEI.
onde estamos falando, uma Unidade Acadêmica de Educação Infan- É importante salientar que, ao desenvolvermos o respectivo
til. A UAEI vem construindo a sua história ao longo de 44 anos, estes projeto, buscamos promover propostas pensadas em valorizar a
demarcados por muitos desafios, lutas e práticas a fim de defender tríade do cuidado, da educação e da brincadeira. Apreendemos o
uma Educação Infantil pública e socialmente referenciada para as processo pedagógico como um “contexto comunicativo, repleto de
crianças na cidade de Campina Grande/PB. Para tanto, durante to- linguagem e expressões” (Dahlberg; Mosss; Pence, 2019) e assim
dos esses anos, constituiu-se como um espaço de ensino, pesquisa e nossas ações foram pensadas na organização do tempo, do espaço e
extensão, o que podemos justificar como uma instituição que pensa, dos materiais, considerando as especificidades do grupo de crianças
planeja e reflete sobre as práticas educativas realizadas, isto é, as e sua respectiva faixa etária.
intervenções na realidade são desenvolvidas de maneira próxima à
formação continuada e articulada com o universo acadêmico.
Pensando nisso, durante a realização do projeto junto às crian- ESCUTA SENSÍVEL: DESENCADEANDO O PROJETO
ças, buscamos desenvolver ações de maneira planejada e cuidadosa,
valorizando os interesses individuais e coletivos (Brasil, 2009), bem A partir da escuta sensível sobre o grupo de crianças, foi pos-
como estabelecendo laços afetivos entre os protagonistas: crianças, sível a construção e realização do projeto didático. De acordo com
UAEI, famílias e comunidade educativa. Chanan (2020), vivenciar o cotidiano sensível com as crianças “é
O referido projeto teve como objetivo geral conhecer o univer- estar presente, inteiro, disponível, atento, curioso, interessado, em
so dos carros e tipos de pistas, compreendendo o seu uso social, por busca” (p. 1). Segundo a autora, ainda é estar aberto ao inesperado,

126 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 127


às mudanças e miudezas, entre outras especificidades na educação se organizavam e criavam situações brincantes no cotidiano, cheias
da infância. de sentidos e significados.
Na escuta sensível e na observação atenta sobre o grupo, con- O diálogo passa a ser uma ferramenta imprescindível com to-
seguimos enxergar a potência, a leveza e a curiosidade das crianças, dos os envolvidos e nele a mediação, a problematização e a investi-
sendo possível pensar as propostas pedagógicas a partir dos seus gação são fundamentais, uma vez que promovem a construção do
interesses e necessidades. Chanan (2020) aponta que a escuta: conhecimento. Observamos a necessidade de um planejamento de
construção conjunta, considerando as histórias, as trajetórias e as
É mais que ouvir e anotar as falas das crianças, é
necessidades das crianças (Cancian; Goelzer, 2016), isto é, as nossas
abrangente. Não é fácil de se ensinar e de repente
a pessoa escuta, não é uma receita. É um exercício, ações cotidianas aconteciam a partir do que as crianças nos diziam e
uma construção, que envolve estudo, tempo, silên- assim organizávamos propostas que favorecessem a garantia de seus
cio, pergunta, troca, continência. Um estado de ser,
direitos de aprendizagem (Brasil, 2017), a autonomia e o respeito.
uma abertura ao outro que acontece na prática e
com todos os sentidos. Dar valor e visibilidade ao
outro e, consequentemente, a si mesmo (p. 1).
ESSA PISTA É DE QUÊ, HEIN?
Essa observação sobre o grupo e a reflexão a partir da nossa
escuta/pensar perduraram por todo o trajeto letivo. Nesse sentido, As crianças constroem suas interpretações sobre o mundo real
foi possível identificar os interesses a partir dos registros, nas di- a partir das suas experiências. Rodeadas por adultos e seus pares,
ferentes maneiras de falar, nas brincadeiras, nas expressões faciais, elas se relacionam e discutem sobre a vida, os interesses, os gostos
nos gestos, nos choros, nos conflitos e/ou negociações, nos medos, e as posturas diante de diferentes realidades. É no contexto de in-
na compreensão dos desejos e na atenção às necessidades de cada teração social que as crianças se desenvolvem, assimilam o mundo,
criança (Rapoport, 2012). A partir de tal estratégia, buscamos or- constroem e reconstroem a sua cultura (Corsaro, 2002).
ganizar a nossa prática pedagógica de modo significativo, conside- Desde os primeiros encontros com as crianças do Grupo 3, foi
rando as necessidades e os interesses do grupo. possível perceber, através de registros, fotos, vídeos e falas, que as
A escuta e o olhar caminharam, desde o início do ano letivo no crianças apresentavam o interesse por pistas, carros, caminhões,
Grupo 3, a partir de diferentes ângulos, propondo e sempre atentos oficinas mecânicas, postos de gasolina, motores, aceleração e velo-
a capturar indícios de temáticas e objetos que chamassem a atenção cidade, entre outros. Tudo se transformava em uma pista de carros:
das crianças, pelos quais elas se interessassem durante as brincadei- mesas, cadeiras, chão, quadro, parede, “legos”, estante e até mesmo
ras individuais e coletivas. Percebemos que o jogo simbólico fazia as letras. Ao adentrar a sala de referência, as crianças já procuravam
parte dos desejos do grupo. Entre uma proposta e outra, as crianças se organizar separando os carros de brinquedo por tamanho, cores
ou marcas e planejavam como iriam brincar.

128 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 129


Figura 1–Crianças do Grupo–3 (manhã) brincando de carrinho Figura 3–Proposta com tinta guache utilizando carrinhos da
na mesa das professoras. sala.

Fonte: das autoras.

Fonte: das autoras.

Figura 2–Crianças brincando na pista de papelão.


Figura 4–Pintura do carro de velocidade do Grupo 3–manhã

Fonte: das autoras. Fonte: das autoras.

130 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 131


Figura 5–Lista de palavras de equipamentos que tem no carro As próprias crianças destacavam os caminhos a serem per-
corridos, faziam questão de relatar o que queriam aprender, quais
materialidades utilizariam e até as pessoas que queriam conhecer.
Ao observamos tal interesse, outras possibilidades de pistas e
formas de brincar com o brinquedo foram oferecidas ao grupo de
modo a ampliar tais experiências, como a construção de pistas com
blocos lógicos, papelão, pedras, areia, giz (confecção de pistas com
diferentes materialidades), iniciando assim o projeto que já estava
sendo gestado desde os primeiros encontros com a turma.
De acordo com Barbosa e Horn (2008):
Em um contexto assim pensado e organizado, pro-
movemos a construção da autonomia moral e inte-
lectual das crianças, estimulamos sua curiosidade,
auxiliamos a formarem ideias próprias das coisas e
do mundo que a cercam, possibilitando-lhes inte-
rações cada vez mais complexas (p. 50).

Fonte: das autoras. LG4, um dos integrantes do Grupo, corriqueiramente ao se de-


parar com os modos como organizávamos os espaços e os materiais,
Era comum observarmos esse processo de planejamento para chegou a perguntar repetidas vezes: “– Essa pista é de quê, hein?”,
ações brincantes: “– Vamos fazer uma corrida com carro do Mc- sempre que observava junto às outras crianças uma possibilidade de
Queen?3”; ou ainda: “– A gente tá fazendo uma pista bem grande!”. pista diferente na sala de referência e em outros espaços da unidade.
O birô da sala se transformava em uma grande pista de carros. O Buscamos propiciar para as crianças do Grupo 3 escolhas do modo
seu formato e altura favoreciam em muitas possibilidades brincan- como iriam brincar e interagir dentro de tais espaços, intencional-
tes. Aquela mesa passou a ser um instrumento de brincadeira de mente planejados para o desenvolvimento nas múltiplas linguagens.
todo o grupo, já não pertencia mais às professoras. Nossas ações foram pautadas na promoção de construção e
construtividades (Dubovik, 2018), apreendendo o espaço como
3 É um personagem fictício e o personagem principal da franquia de filmes de animação gráfica Carros, da
Disney/Pixar. 4 Utilizaremos as iniciais dos nomes das crianças. O objetivo é preservar suas identidades.

132 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 133


contexto de aprendizagem e como estratégia de aprendizagem, formas de utilização das materialidades e novos significados. Em
uma vez que possibilita a construção de relações, pesquisas e in- cada vivência, uma narrativa, uma história, um exemplo “- O ca-
quietações. minhão que levava animais”, “- A galinha atropelada pelo carro”,
As vivências realizadas junto às crianças, na tentativa de alcan- “ - O caminho do ônibus nas estradas de pedras”, “- A corrida do
çar os objetivos propostos, ainda contaram com diálogos e reflexões mototáxi”, “- O grande carro de corrida na Fórmula 1” e “- A viagem
sobre as pistas, a manipulação de diversos materiais para produções do carro de polícia” são exemplos de alguns enredos desenvolvidos
artísticas, tais como: pintura com carrinhos de brinquedo, produ- de maneira individual e coletiva.
ção de cartazes com parlendas, poemas e rimas; apreciação de obras
de arte com artistas brasileiros (Ivan Cruz, Tarsila do Amaral); visi-
tas a instituições que utilizam meios de transportes relevantes para CONSIDERAÇÕES FINAIS
a profissão (Corpo de Bombeiro); manipulação de peças de carros
e identificação de suas funções; recepção de profissionais que utili- Este relato buscou descrever, de maneira breve, um recorte de
zam os carros em uso social na unidade (Polícia Militar da Paraíba); um projeto didático cheio de significados para toda a comunidade
exposição de trabalhos artísticos ao longo do ano nos corredores educativa da UAEI. Trata-se de dar ênfase ao diálogo e à reflexão
da Unidade e na sala de referência; reflexão sobre um personagem acerca do reconhecimento das crianças como sujeitos que criam,
importante na história do país que realizava corridas (Ayrton Sen- se expressam e produzem cultura.
na); construção de um carro de velocidade; diálogo com as famílias Tivemos a integração de todos que compõem a UAEI para co-
e a comunidade educativa em diferentes vivências sobre a temática; lorir, desenhar e escrever como pensam e memorizam as vivências
vivências com vários ritmos e sons dos carros, buzinas e alarmes; com a temática dos carros. Criamos traçados e trajetos. Construí-
construção de cidades, caminhos e pistas com diferentes materiais e mos história, muitas histórias.
suportes; observação do caminho de casa até a UAEI; apreciação de O processo ainda aconteceu com muitas curiosidades e muitas
vídeos, fotografias e obras com a temática relacionada; criação de descobertas, evidenciando o que acreditamos nas crianças: a busca
listas de palavras, formação de palavras e propostas com o alfabeto por compreender o que vivenciam na sua relação com os adultos e
móvel; vivências em diferentes ambientes da UAEI: pátio, biblioteca, outras crianças no mundo real e simbólico.
parque de areia, quadra, entre outros transportes (velocípede, pati- Acreditamos que as ações desenvolvidas durante esses meses
nete, bicicleta, etc.); propostas sensoriais com tinta gelada, espuma foram potentes para todos os envolvidos, estabelecendo uma cone-
colorida, modelagens e materiais diversos (duro, mole, áspero, fofo, xão entre as experiências vividas dentro da UAEI e fora dela. Com-
etc.); construção de um lava a jato e circuitos motores variados. preendemos que é crucial criar possibilidades investigativas junto às
Apostamos em propostas que provocassem possibilidades de crianças, de modo que elas possam dar sentidos às suas vivências e
testagens e descobertas, experimentações diversas e ampliação de que as transformem em experiências significativas e inesquecíveis.

134 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 135


REFERÊNCIAS COELHO, Maria T. F; PEDROSA, Maria Isabel. Faz de conta:
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CHANNA, Marcela. Escuta e infância: viver o cotidiano sensível.
Cultura infantil: brincar, arte, literatura, natureza e corpo. 13 set. OLIVEIRA, Zilma Ramos de. O trabalho do professor na Edu-
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136 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 137


OLIVEIRA-FORMOSINHO, Julia; FORMOSINHO, João. Pe- “ELAS MORAM NA COLMEIA E FICAM
dagogy-in-Participation: Childhood Association educational JUNTINHAS”: ABELHAS, CRIANÇAS,
perspective. Porto Alegre: Porto Editora, 2012. DOCÊNCIAS E SABERES NA UAEI/UFCG

RAPOPORT, Andréa; JUNQUEIRA FILHO, Gabriel de A.;


KAERCHER, Sandra E. P. da S.; MELLO, Sandra M. S. de; MA-
CHADO, Patrícia B.; CUNHA, Susana R. V. da. O dia a dia na Rayffi Gumercindo Pereira de Souza1–UAEI/UFCG
rayffi.ufcg@gmail.com
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Ângela Alexandre Ramalho2–UAEI/UFCG
angela.ramalho@ufcg.edu.br
SARMENTO, Manuel Jacinto. Estudos da infância e sociedade
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INTRODUÇÃO
SOUSA, Elaine Taysa de. As interações dos bebês na creche: o
que eles fazem e dizem?. Campina Grande, 2019. Dissertação

O
(Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Edu- rganizar o cotidiano de trabalho na Educação Infantil,
cação, Universidade Federal de Campina Grande, 2019. buscando atentar para os marcos legais e teóricos, con-
figura-se como um grande desafio, mas que pode se tor-
nar empolgante quando orientado para práticas participativas nas
quais os sujeitos, sobretudo as crianças, se envolvem em contextos
de investigações significativas. Nesse bojo, consideramos que uma
das formas de garantir tal organização é a busca por construir per-
cursos educativos por meio de projetos de trabalho (Barbosa; Horn,
2008; Fonsêca, 2011), que, na referida etapa da Educação Básica,
além de atender as definições curriculares da legislação, propiciam

1 Professor efetivo na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Graduado em Pedagogia e mestre
em Educação (UFCG). Doutorando em Educação (UFPB).

2 Professora efetiva na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Graduada em Pedagogia (UFRPE)
e mestra em Educação (UFPE). Especialista em Alfabetização e Letramento (Faculdade São Luís). Doutoranda
em Educação (UFPE).

138 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 139


situações educativas agradáveis, respeitosas e felizes às crianças, às se desenvolveu o projeto. Concluímos este capítulo com algumas
suas famílias e aos docentes. considerações finais e provocações.
A proposta pedagógica da Unidade Acadêmica de Educa- Pretendemos, com este relato, não só contribuir com a reflexão
ção Infantil (UAEI) da Universidade Federal de Campina Grande sobre teoria e prática no trabalho docente com crianças pequenas,
(UFCG), ao longo de sua existência tem se aberto para essa meto- mas também colaborar com o processo de visibilizar uma das ma-
dologia de trabalho pedagógico (Ferreira; Cancian, 2009; Macedo, neiras pelas quais tem se materializado a proposta da UAEI/UFCG
2018), ansiando garantir o reconhecimento e a valorização dos co- em comemoração aos seus 45 anos.
nhecimentos e da realidade sociocultural das crianças, bem como
a ampliação de suas experiências e saberes por meio de interações
e de um tom brincante, eixos centrais do trabalho na Educação METODOLOGIA
Infantil (Brasil, 2009). Dessa forma, atentos às orientações pedagó-
gicas apresentadas e ao cotidiano, desenvolvemos, junto às crianças O presente texto configura-se como um relato de experiência
do Grupo 33 vespertino da UAEI, o projeto “Abelhas são mundos”, (Mussi; Flores; Almeida, 2021) ao apresentar de modo teórico-re-
relatado com maiores detalhes nos próximos tópicos deste capítulo. flexivo o surgimento e o percurso construído no âmbito de um
Frisamos que o referido projeto evidencia que é possível partir projeto de trabalho vivenciado por nós (professor e professora)4
do interesse das crianças em situações reais de resolução de um junto a 18 crianças, com 3 anos de idade, matriculadas na UAEI/
problema, traçar uma trilha investigativa e alcançar processos cons- UFCG, durante o ano de 2023. O ponto de partida do referido pro-
truídos/planejados, considerando a ampliação das experiências das jeto nasceu a partir de uma ocasião inaudita, em que várias abelhas
crianças, que rompem com a lógica do acúmulo de conteúdos e sobrevoaram, repentinamente, o parque da escola durante o horá-
informações, revelando a produção de conhecimento mediante a rio do recreio. Ao perceber o interesse das crianças pelas abelhas,
construção de sentidos individuais e coletivos. após a situação citada, iniciamos nosso percurso investigativo para
Este capítulo está organizado em quatro seções, contando com e com as crianças. Nesse contexto, desde o início do projeto, tive-
esta introdução. Na seção que segue, apresentamos a metodolo- mos nitidez da importância de planejar, propor e propiciar vivên-
gia utilizada na construção do trabalho. Em seguida, dialogamos cias pelas quais as crianças pudessem ampliar seus repertórios de
com alguns aportes teóricos que fundamentam nossa reflexão so- saberes, por meio das múltiplas linguagens, e colaborar assim com
bre as práticas desenvolvidas no projeto “Abelhas são mundos”; e, o desenvolvimento de todas, entretanto, respeitando suas indivi-
na sequência, relatamos de modo mais detalhado como surgiu e dualidades, tempos e ritmos.

4 Consideramos importante destacar que contamos também com a participação de um estagiário do curso de
3 Na UAEI/UFCG, os grupos de crianças são organizados por idade. Nesse caso, o Grupo 3 vespertino referido Psicologia da UFCG, que atuou como acompanhante terapêutico de uma das crianças do nosso grupo, diagnos-
é composto por 18 crianças. ticada com autismo.

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Para realizar tal relato, amparamo-nos epistemologicamente referida etapa da Educação Básica pensar caminhos e possibilida-
nos estudos das Pedagogias Participativas, privilegiando o campo des de processos educativos que coadunem com a definição legal,
teórico da Pedagogia da Educação Infantil, enfatizando a perspec- compreendida por nós como adequada e coerente.
tiva da Pedagogia de Projetos, que tem composto, em certa medi- Nessa esteira, evocamos a importância do campo teórico da
da, uma das variadas áreas que compõem o lastro das Pedagogias Pedagogia da Infância (Faria, 1993; Rocha, 1998), por ser um dos
Participativas. Destacamos também que buscamos ter o cuidado de quadros teóricos que propõe processos educativos que reconhecem,
trazer, ao longo do texto, as vozes das crianças e de seus familiares. consideram e valorizam as crianças, seus modos de ser, culturas,
Partilhas que foram realizadas ao longo do percurso e registradas expressividades, contextos e direitos. O referido campo teórico, nes-
por nós no âmbito do projeto. se sentido, pode se constituir em um relevante aporte teórico para
professores e professoras que desejam compor docências respeito-
sas para com as crianças e suas infâncias, valorizando as relações,
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERSPECTIVA CURRICULAR a organização de espaços, as materialidades, os tempos e privile-
NA EDUCAÇÃO INFANTIL E PROJETOS DE TRABALHO giando a escuta e o olhar sensíveis para as demandas das crianças
(Carvalho; Mertz, 2018; Souza; Leal; Lima, 2023).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infan- Trata-se de um campo que considera a complexidade da Edu-
til (DCNEI) definem que o currículo nessa etapa educacional deve cação Infantil, levando em conta os desafios micro e macro que
ser compreendido como um conjunto de práticas que vinculam os permeiam as relações, bem como a importância de cada sujeito em
saberes e as experiências das crianças com o conhecimento produ- seu processo (crianças, famílias, docentes e comunidade educativa),
zido e sistematizado ao longo da história pela humanidade (Brasil, retirando a ênfase dos conteúdos e tornando visíveis as interco-
2009). Tal compreensão curricular foi reafirmada, em certa medi- nexões entre crianças, conteúdos e docentes. Tal perspectiva não
da, na Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil invisibiliza ou minimiza a função docente, mas, pelo contrário, a
(BNCCEI) (Brasil, 2017). potencializa e faz ocupar um lugar de reflexibilidade-ação-reflexi-
A perspectiva curricular apresentada nesses instrumentos le- bilidade constantemente, ao observar as crianças e, a partir disso,
gais e em outros – currículo enquanto conjunto de práticas – rompe buscar elaborar vivências significativas, que garantam seu interesse
com a visão tradicional disciplinar que enquadra o conhecimento e participação (Souza; Leal; Lima, 2023).
numa ótica fragmentada, resumida a uma lista de conteúdos a se- Frente a isso, ao retomarmos a concepção curricular apresen-
rem apenas transmitidos (Barbosa et al., 2016). Esta não condiz com tada nas DCNEI (Brasil, 2009), percebemos que a dinâmica didática
a especificidade das infâncias, uma vez que cada criança vive, expe- proposta leva-nos a reconhecer que as crianças compõem a viva-
rimenta e aprende com singular inteireza. A partir dessa premissa, cidade cotidiana construída na escola e não somente nela habitam
faz-se necessário aos docentes e demais profissionais que atuam na como passageiros ou viajantes. Quando identificamos a relevância

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de perceber os interesses e as experiências das crianças para, a par- do ano de 2023. Nosso propósito é o de reforçar o argumento de
tir delas, planejar propostas educativas, rompemos com uma ideia que os projetos de trabalho na Educação Infantil, além de atender
“adultocêntrica” de docência e corroboramos uma outra perspec- as definições curriculares legais, corroboram percursos educativos
tiva possível: a produção de composições docentes que se dão não agradáveis, afetuosos e, consequentemente, felizes, com sentido
somente para, mas essencialmente com as crianças. para as crianças, suas famílias e docentes.
Os projetos de trabalho são pautados nas concepções das Pe-
dagogias Participativas, com ampla influência escolanovista. Movi-
mento que objetivou construir maneiras de organização do ensino “O QUE PODEMOS FAZER PARA NOS PROTEGER
que considerassem a globalização do ato de ensinar-aprender, o DAS ABELHAS?”: O PROJETO DE TRABALHO

atendimento aos desejos, às dúvidas e às necessidades das crianças


e a garantia de participação delas no processo educativo, por meio Reconhecemos a Educação Infantil como contexto de vida co-
do diálogo e da resolução de problemas numa perspectiva inves- letiva, no qual se produz conhecimento mediante posturas pedagó-
tigativa (Barbosa, 2017; Barbosa; Horn, 2008; Dewey, 1959; Redin, gicas que associam as culturas infantis aos conhecimentos da hu-
2017). Dessa forma, destacamos que a construção e a vivência de manidade (Brasil, 2009). Ressaltamos tal compreensão como forma
projetos de trabalho na escola da infância constituem-se um ca- de reafirmar a escola da infância como espaço legítimo de produção
minho coerente com as normativas delimitadas nas DCNEI (Brasil, de conhecimento que, entretanto, se configura de maneira especí-
2008), uma vez que propicia à escola a oportunidade de produzir fica, por se tratar de um contexto que atende crianças pequenas.
conhecimentos a partir das crianças e para elas. Nessa esteira, no presente tópico, apresentamos um dos projetos
Ao destacarmos os projetos de trabalho como uma das es- de trabalho vivenciados na UAEI/UFCG, junto às crianças do Grupo
tratégias pedagógicas importantes na organização do ato educativo 3, no turno da tarde, durante o primeiro semestre do ano de 2023.
na Educação Infantil, enfatizamos que eles possibilitam um aprovei-
tamento da rede de significados já construída pelas crianças e a pro-
dução de novos sentidos no processo de construção e apropriação Como tudo começou? Como se entrelaçou?
de saberes. Nos projetos, temos espaço para escutar as crianças e, a Quais mediações docentes e aprendizagens
das crianças se tornaram visíveis?
partir da escuta de seus interesses, comentários, dúvidas e demais
partilhas, planejar tempos, espaços e materialidades que ampliem
os seus repertórios de conhecimentos nas diversas áreas e lingua- Durante uma tarde quente do mês de abril, enquanto brincá-
gens (Oliveira et al., 2012). vamos e conversávamos no parque da escola durante o recreio, um
No tópico a seguir, relatamos de maneira breve um dos projetos pequeno enxame de abelhas repentinamente sobrevoou o espaço
de trabalho vivenciados na UAEI/UFCG, durante o primeiro semestre que estávamos ocupando. Diante do fato inusitado, rapidamente,

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nós, professor e professora, convidamos as crianças para retorna- de nossos encontros. Durante o momento da roda de conversa,
rem à sala de referência para nos protegermos das abelhas. Ao en- uma das crianças explicou para seus colegas e para nós professo-
trarmos na sala, enquanto organizávamos o retorno, percebemos res o que era a raquete, para que ela serve e a quem pertence. Ao
que um grupo de crianças se escondeu debaixo da mesa brincando ouvi-lo explicitar que a raquete serve para matar muriçocas, mais
de fazer esconderijo para se protegerem das abelhas. Entramos na uma vez, indagamos a ele e às demais crianças se muriçocas eram
brincadeira e ampliamos a proposta brincante para todo o grupo. iguais às abelhas. Rapidamente, todos afirmaram que não. Após esse
Montamos uma espécie de cabana improvisada, utilizando o tapete momento, passamos a indagar às crianças o que elas sabiam sobre
no qual as crianças sentam para ouvir histórias, e passamos a ouvir as abelhas. Uma das crianças afirmou que “as abelhas têm ferrão”
juntos o som de abelhas, por meio de uma pequena caixa de som, (AG, 3 anos, 2023), uma outra ainda pontuou que as abelhas fazem
iniciando um diálogo com a seguinte pergunta: “O que podemos “Zum!” (HEL, 3 anos, 2023), também foi dito que “elas fazem mel”
fazer para nos proteger das abelhas?” (Professor, 2023). (GA, 3 anos, 2023).
As crianças5 logo se envolveram na conversa e passaram a A partir dos conhecimentos prévios das crianças, iniciamos um
expressar várias possibilidades de soluções para o problema que movimento sistematizado de apresentação de informações sobre as
propusemos em forma de pergunta: “Meu pai tem uma raquete abelhas, por meio de nossos diálogos e de propostas educativas que
pra matar muriçocas” (ET, 3 anos, 2023) e “[...] lá na minha casa envolveram o tema: leitura e contação de histórias; e construção
tem uma coisa que joga nas muriçocas que elas caem no chão e de binóculos para brincarmos de olhar cuidadosamente a colmeia
o chão é duro” (AG, 3 anos, 2023). Nota-se que, naquele momen- que encontramos no jardim da escola. Tal situação oportunizou a
to, as crianças faziam associações, comparações, deduzindo que o construção de diálogos potentes sobre as abelhas e sua moradia (a
problema das abelhas poderia ser resolvido da mesma forma que colmeia), bem como possibilitou que as crianças percebessem tex-
as muriçocas. Nesse sentido, perguntamos se muriçocas e abelhas turas, cores, tamanhos e formatos dos materiais que compuseram os
são iguais e tivemos várias respostas e problematizações. Esse foi binóculos (rolinhos de papelão, tinta guache e barbantes coloridos),
o ponto de partida que nos levou, enquanto docentes, a seguirmos além de abrir espaços para momentos brincantes e interativos, entre
dialogando sobre as abelhas. Entretanto, mudamos o percurso do elas, com os docentes e “com as abelhas”.
diálogo, não buscando saber somente como nos protegermos delas, No caminho investigativo em que o projeto sobre as abelhas
mas desejando, sobretudo, conhecê-las melhor. se delineou, passamos a receber na escola, quase que diariamente,
Na semana seguinte, a criança que havia proferido que seu pai partilhas trazidas pelas crianças de suas casas, seja de informações
possui uma raquete para matar muriçocas levou o objeto para um colhidas com os familiares, na internet, ou de elementos da vida das
abelhas. BE (3 anos, 2023) foi uma das crianças que passou a parti-
5 Optamos por utilizar siglas quando nos reportamos às crianças específicas do grupo. A escolha faz parte da
lhar abelhas que encontrou em sua casa, mas também outros insetos
pauta ética que deve compor estudos e/ou pesquisas sobre e com crianças. (besouros, joaninhas, etc.), trouxe também uma rosa, o que desen-

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cadeou a conversa sobre a alimentação das abelhas pelo néctar das na sociedade e constroem suas representações, evidenciando que o
flores e a produção do mel, bem como a importância das abelhas letramento, em contextos reais de uso da leitura e da escrita (Klei-
no processo de polinização, fazendo com que surjam assim outras man, 2007; Soares, 2009), precede e está associada à alfabetização.
flores. A essa altura das vivências, as crianças já haviam abando- Na ocasião, conversamos sobre as características de um convite e,
nado aquela primeira impressão das abelhas como seres perigosos tendo o professor como escriba, construímos coletivamente o texto
dos quais precisamos fugir e nos esconder. que foi enviado ao biólogo apicultor.
A curiosidade e a empolgação das crianças pelo tema contagia- Tal cenário corresponde ao que também apontam Barbosa e
ram as famílias, que buscaram contribuir apresentando elementos Horn (2008, p. 87), quando expressam que “[...] as crianças enga-
novos, como é o caso de JR (3 anos), que um dia levou um favo de jam-se nas próprias aprendizagens, na construção do conhecimen-
mel. A mãe de uma outra criança, bióloga, nos indicou um amigo to, no desenvolvimento de novas habilidades e no aperfeiçoamento
apicultor para uma roda de conversa. O movimento de participa- daquelas já dominadas, no prazer de expor o seu saber” coletiva-
ção das crianças e de suas famílias no âmbito do projeto levou-nos mente.
cada vez mais a perceber a relevância de seguirmos planejando, No momento da roda de conversa com o apicultor, foi visível o
preparando e propondo vivências que pudessem ser significativas encantamento das crianças diante das “surpresas” que o convidado
para o grupo. trouxe: cera, pequena colmeia dentro de uma caixa de vidro e mel.
No que se refere à coleta de informações sobre o que está sendo Ver tudo isso de perto e perceber seus detalhes possibilitou que as
pesquisado no contexto dos projetos de trabalho, Barbosa e Horn crianças construíssem e/ou reconstruíssem suas formulações sobre
(2008) destacam que o grupo como um todo (crianças e adultos) o universo das abelhas. Destacamos algumas falas que as crianças
devem buscar dados em variadas fontes, tais como: exploração de expressaram na ocasião: “Olha o ferrão da abelha” (AG, 3 anos, 2023)
materiais, visitas, passeios, dramatizações, etc. Corroborando a e “[...] eu quero ver!” (AL, 3 anos, 2023). As percepções das crianças,
perspectiva defendida pelas teóricas citadas, propusemos às crian- seguidas de suas próprias interpretações, transformam o processo
ças, para além do que já estávamos vivenciando, convidar o biólogo educativo ao deslocarem de um nível de transmissão de saberes e
e apicultor indicado pela mãe do aluno. Essa roda de conversa mo- reposicionarem num lugar de coprodução de conhecimentos.
bilizou diversos conhecimentos e aprendizagens desde a sua pre- Ao reconhecermos a potência dos encontros entre as crianças e
paração. Propusemos ao grupo fazer coletivamente o convite a ser as pessoas da comunidade, articulamos outra visita. Nessa ocasião,
entregue ao convidado. No meio dessa vivência, surgiu o seguinte nós, professores, conhecendo as habilidades em artes plásticas da
diálogo entre HEL (3 anos, 2023) e ISA (3 anos, 2023): “Vamos logo mãe de uma criança egressa da UAEI, a convidamos para construir
fazer a carta para o homem” e “Não é carta, é um convite!”. elementos em 3D que representassem o processo de metamorfose
Esse pequeno diálogo nos revela como crianças, desde peque- da abelha (ovo, larva, pupa e inseto adulto). Ao receber o convite, a
nas, já interagem com os diferentes gêneros textuais que circulam referida artista expressou sua disponibilidade e alegria em colaborar

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para o processo educativo das crianças com sua arte. As crianças Das abelhas ao cotidiano educativo: a potência
demonstraram surpresa e encantamento quando se depararam com dos projetos de trabalho na Educação Infantil

as fases da metamorfose das abelhas de maneira tangível.


O projeto de trabalho sobre as abelhas, por haver partido do A partir do relato e das reflexões supracitadas, salientamos a
interesse das crianças, demonstrado de forma contínua e nítida, coerência que há entre o modo como os projetos de trabalho se
levou-nos a pensar diversas propostas, conforme pontuamos. Além constituem e as definições curriculares presentes nas DCNEI (Brasil,
das que já apresentamos, também realizamos vivências envolven- 2010). A escuta atenta e o olhar sensível como estratégias metodo-
do suportes digitais, como a apresentação de slides com imagens lógicas para captar os interesses das crianças são fundamentais na
de abelhas nativas e um curto vídeo de domínio público que trata composição de uma organização educativa que as valorize como
sobre a organização das abelhas no interior da colmeia. Oportu- sujeitos de vez e voz na escola infantil.
nizamos também momentos de pintura, realização de desenhos e Por outro lado, faz-se necessário apontar que a centralidade
construções em 3D de abelhas, respeitando as noções gráficas e os das crianças na Educação Infantil não as torna mais ou menos im-
sentidos estéticos produzidos pelas crianças, ao valorizarmos suas portantes que os outros sujeitos que compõem essa etapa. O lugar
formas de traçar, a escolha de materiais e cores e a sua montagem, que as crianças ocupam não diminui a atuação profissional docente
com a nossa mediação cuidadosa. junto a elas, mas, pelo contrário, evidencia a complexidade e a ne-
Destacamos ainda duas ações relevantes no percurso investiga- cessidade da capacidade de percepção, planejamento e efetivação de
tivo que vivenciamos. Referimo-nos, primeiramente, a construção propostas significativas, por parte dos professores e das professoras.
coletiva de um livro pelas crianças, por meio de nossa mediação As abelhas, que inicialmente assustaram as crianças e os do-
e de duas residentes pedagógicas que atuaram em nosso Grupo. centes, tornaram-se, por meio da interação brincante, uma porta
O livro Abelha, mel e cocada, teve sua narrativa, desenhos, nome para busca de conhecimentos variados. Ao dialogar, as crianças
de personagem principal e título criados pelas crianças. Também colocam-se como sujeitos de percepção, fala e também de escu-
fazemos referência a construção da “Colmeia-Casa”, que surgiu ao ta, aprendendo a ouvir as opiniões e soluções de seus pares. Ao
percebermos que as crianças brincavam o tempo todo de casinha, partilharem abelhas, outros insetos, raquetes, fragmentos de favo
mas que, ao adentrarem nela, em várias ocasiões se intitulavam de mel e outros elementos levados de suas casas para a escola, as
abelhas e diziam estar numa colmeia. Diante disso, propusemos crianças acessam informações novas, mediadas por elas próprias,
a construção de uma colmeia. Ao acatarem a ideia, as crianças in- a partir da condução docente, que, carregada de intencionalidades
formaram como gostariam que fosse a Colmeia-Casa: grande para pedagógicas, destaca variados saberes, como para que servem esses
caber os professores e suas famílias, com quadros na parede, com elementos, como são suas texturas, cores, dimensões, etc.
tapete, uma mesa e mel de verdade. A proposta foi possível com o As famílias, por vezes informadas sobre o projeto e convida-
envolvimento das famílias e das crianças. das a apoiarem as crianças em suas pesquisas cotidianas, que ex-

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trapolaram os muros da escola e alcançaram suas casas, também construção de argumentos, etc. Portanto, no âmbito dos projetos,
potencializaram o trajeto percorrido. Enfatizamos as declarações todos aprendem. A escola de Educação Infantil apresenta-se, desse
de algumas mães que relataram o envolvimento de suas crianças modo, como um lugar acolhedor de desejos, sonhos e buscas. Um
com o projeto de maneira prazerosa e interessada: “Esse menino ambiente no qual se vivenciam, no cotidiano, os conhecimentos
tá virando um verdadeiro pesquisador”; “Esse projeto das abelhas de maneira dinâmica, significativa e articulada com as múltiplas
despertou muita curiosidade nele” (IV, mãe de BE, 2023), “Aqui em questões da sociedade.
casa nós assistimos altos vídeos de abelhas. [...] ele fica bobo com
os favos de mel gigantes” (RO, mãe de ET, 2023); e “Ele disse que não
faz tarefas, mas que faz vivências, com diversão e brincadeiras” (JE, CONSIDERAÇÕES FINAIS
mãe de LUI, 2023).
O relato das vivências realizadas faz-nos corroborar Barbosa Ao finalizar este breve relato, reiteramos nosso posicionamento
(2017) quando aponta que são características dos projetos de tra- pedagógico: a opção por uma organização do trabalho a partir de
balho: a elaboração de um conjunto de ações com uma finalidade; projetos que partem de situações reais e que, na busca de resolu-
o movimento de construção progressiva do percurso educativo; a ção de problemas, oportuniza um trajeto investigativo, envolven-
dinamicidade; e a participação e a autonomia dos sujeitos no pro- te, comprometido com a ampliação das experiências e construção
cesso investigativo. Não há um caminho fixo ou predefinido, mas dos conhecimentos, contemplando diferentes linguagens (artísti-
concepções teóricas e legais que norteiam e balizam as escolhas da ca, literária, corporal, verbal/escrita, científica, etc.). Reafirmamos
trajetória educativa e se coadunam com o sentimento das crianças também nosso posicionamento político: optamos por um processo
em buscarem descobrir a vida e o mundo, envolvendo suas famílias educativo que escuta, acolhe e integra as diferentes vozes dos sujei-
e a comunidade educativa; e, sobretudo, uma atuação docente que tos, especialmente das crianças, comprometendo-nos assim com a
priorize os atos de escutar, observar, coletar informações, planejar, construção de sujeitos críticos, participativos e éticos.
propor, realizar, comunicar e avaliar (Barbosa; Redin; 2017).
O projeto que investigou as abelhas, construído e vivenciado
para e com as crianças, em sua dimensão social, ao alcançar as famí- REFERÊNCIAS
lias, os docentes e toda a comunidade educativa, abre a escola para
a vida por meio da instituição de relações entre os sujeitos. Dessa MUSSI, Ricardo Franklin de Freitas; FLORES, Fabio Fernandes;
forma, reafirma a relevância da Pedagogia de Projetos, pois possibi- ALMEIDA, Cláudio Bispo. Pressupostos para a elaboração de re-
lita ir além de transmissão e apropriação de conteúdos, propiciando lato de experiência como conhecimento científico. Revista Práxis
situações de solidariedade, trabalho coletivo, tomadas de decisões, Educacional, v. 17, n. 48, 2021.

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CONTEXTO INVESTIGATIVO EM TEMPOS
DE PANDEMIA: QUANDO UMA VIAGEM AO
ESPAÇO FORTALECE OS VÍNCULOS ENTRE
AS CRIANÇAS, AS FAMÍLIAS E A ESCOLA

Simone Patrícia da Silva1–UAEI/UFCG


E-mail: simonecatia@hotmail.com

Tahis Emanuela dos Santos2–PPGEd/UFCG


E-mail: tahisemanuela@gmail.com

INTRODUÇÃO

E
ste artigo tem como objetivo apresentar um conjunto de
propostas desenvolvidas na Unidade Acadêmica de Edu-
cação Infantil (UAEI) em 2021, durante o período de isola-
mento social, a fim de construir e manter o vínculo com as crianças
e garantir o direito à educação. Trata-se do relato de experiência
de duas docentes que atuaram com crianças na faixa etária de 5
anos desta Unidade. Para tanto, o estudo ancora-se na perspectiva
sócio-histórica e na sociologia da infância para discorrer sobre as
ações construídas com as crianças.

1 Professora efetiva da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Graduada em Pedagogia (UFPE).
Doutora e mestra em Psicologia (UFPE). Especialista em Psicologia (UFPE).

2 Graduada em Pedagogia e mestra em Educação (UFCG). Atuou como professora substituta na Unidade Aca-
dêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG).

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A Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI) é uma Uni- das coisas. Para isso, os ambientes são organizados objetivando o
dade da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) que vem acolhimento, a escuta, a interação e a brincadeira, incentivando a
construindo, ao longo de seus 45 anos, uma trajetória de práticas construção, a invenção e a exploração.
que situam a criança como protagonista no processo de construção Os espaços são aqui entendidos na perspectiva de Gandini
de conhecimento. Constitui-se um espaço no qual os pequenos in- (2016), ou seja, são espaços educacionais nos quais ecoam as roti-
vestigam, criam, brincam, argumentam, negociam, compartilham nas, as propostas desenvolvidas, as relações entre as crianças e os
e expressam diferentes maneiras de ver o mundo. seus pares e também com os adultos. São lugares que mobilizam a
Nesse espaço, procura-se respeitar as múltiplas linguagens das vontade de criar, expressar as emoções e vivenciar a infância.
crianças (Malaguzzi, 2016), considerando que elas fazem uso de Essa dinâmica da instituição, entretanto, foi abruptamente mo-
distintas expressões para desenvolver teorias, hipóteses e construir dificada em 2020 e 2021, em decorrência da pandemia provocada
novos conhecimentos. Assim, entendemos que uma das funções pelo novo coronavírus, SARS-CoV-2 (Díaz-Castrillón; Toro-Mon-
do professor atuante na Unidade é propiciar momentos e situações toya, 2020). A UFCG, seguindo as orientações determinadas pela
investigativas, com o intuito de aprofundar os saberes das crianças Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde,
de maneira significativa. suspendeu as atividades presenciais em 18 de março do referido
Todo esse processo não é feito de maneira mecanizada ou dis- ano. Em abril do mesmo ano, o Conselho Nacional de Educação
sociado da realidade, mas é organizado cuidadosamente para esti- (CNE) emitiu o Parecer CNE/CP nº 05/2020, com orientações sobre
mular o olhar da criança sobre si mesma, sobre o outro e sobre o seu o calendário e as atividades escolares remotas para todas as etapas
mundo. São situações nas quais elas têm liberdade para refletir sobre de ensino (Campos; Durli, 2021).
diferentes fenômenos, desenvolvem senso de percepção e se veem As professoras da Unidade, assim como todos os profissionais
como pesquisadoras, ou nas palavras das próprias crianças, como de Educação Infantil do país, enfrentaram inúmeros desafios a fim
“detetives”. Repercutimos, portanto, o pensamento de Malaguzzi de se adequar ao modelo remoto, uma vez que os eixos estrutu-
(2016) quando destaca que um dos trabalhos do docente da Educa- rantes para essa etapa de ensino são as interações e a brincadeira
ção Infantil é a elaboração de propostas nas quais as crianças de- (Brasil, 2009). Entre os desafios encontrados ao longo do percurso,
senvolvam o gosto pela investigação e se percebam nesse processo. certamente a construção de vínculos entre as crianças e a escola foi
Ao mesmo tempo em que pensamos e elaboramos momentos desafiadora. Além disso, muitas outras inquietações mobilizaram os
problematizadores com os pequenos, procuramos respeitar seus rit- docentes da instituição, a saber, como garantir o direito à educação
mos, suas vozes, seus encantamentos, suas individualidades e suas das crianças? Como desenvolver a proposta pedagógica da Unidade
potencialidades, pois é vital que se sintam seguros para explorar os no modelo remoto? Como possibilitar propostas que motivassem
espaços, contemplar o mundo e descobrir sem pressa os sentidos as interações e as brincadeiras em um modelo não presencial?

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A partir dessas perguntas norteadoras, descrevemos abaixo Nesse sentido, a criança é entendida como sujeito histórico,
uma sequência de propostas desenvolvidas durante o ano de 2021 social e cultural, afetado pelo seu contexto, atuando de forma ativa
com as crianças do Grupo 5. Nelas, as crianças nos conduziram por e coletiva na transformação da cultura da qual é membro (Vygotsky,
caminhos investigativos lúdicos, revelando sua potência e resiliên- 2001; Vygotsky; Luria; Lontoiev, 2010). Sendo assim, ao olhar para o
cia perante o isolamento social. No primeiro momento, discutimos desenvolvimento como um processo dialético, não podemos despre-
sobre a escuta das crianças no contexto da pandemia. No segun- zar a conjuntura política, social e econômica vivida pelas crianças
do momento, descrevemos a metodologia utilizada; e no terceiro, e suas famílias durante a crise humanitária que assolou o mundo.
descrevemos uma sequência de propostas desenvolvidas ao longo Essa crise, agravada pela pandemia, expôs os resultados de um
de 2021, que teve como temática o espaço sideral e tudo o que nele modelo capitalista de concentração de riqueza, que procura justi-
habita. ficar as limitações de investimentos nas áreas de educação, saúde
e previdência social em nome de uma crise gerada pelo próprio
sistema (Santos, 2020). As consequências negativas de tal modelo
SITUANDO A ESCUTA DA CRIANÇA NO repercutem em todo o mundo, na forma de extrema desigualdade
CONTEXTO DA PANDEMIA social, precarização do trabalho, destruição do meio ambiente e
desprezo aos direitos humanos, deixando desprotegidos os mais
Salientamos que os estudos sobre crianças e infâncias, ao longo vulneráveis – as crianças.
da história, convocam variados campos de conhecimento. Contudo, É nessa situação que devemos olhar para o desenvolvimento
para este estudo, recorremos às contribuições da perspectiva sócio dos pequenos nesse período, atentos ao seu contexto de inserção,
-histórica e da sociologia da infância, uma vez que os debates em às relações que estabelecem no ambiente doméstico/virtual com
tais campos são profícuos para desenvolver a análise aqui proposta. as suas famílias e as professoras, ao modo como reelaboram a sua
A perspectiva sócio-histórica, cuja fonte é a Psicologia Histó- realidade e à sua subjetividade nas interações possibilitadas por
rico-Cultural de Vygotski (1896-1934), situa o ser humano no con- esse ambiente.
texto social, histórico e cultural, marcado pelas contradições da O campo da sociologia da infância traz contribuições acerca
sociedade (Bock; Gonçalves; Furtado, 2007). Sendo assim, defende desse processo, enfatizando o protagonismo da criança na represen-
que esse ser não pode ser estudado de forma fragmentada – entre a tação da cultura na qual ela está imersa. Essa reprodução, enfatiza
objetividade ou a subjetividade, o biológico ou o cultural – mas em Corsaro (2009, 2011), não é uma mera imitação do mundo adulto,
sua totalidade, considerando as interações que estabelece com o seu pois a criança contribui de forma ativa para produção e mudança
meio. O indivíduo age sobre o mundo e também é modificado por cultural. Segundo o referido autor, ela inventiva e criativamente
ele, numa relação dialética que constitui o indivíduo e a sociedade assume e subverte papéis, desafia questões do mundo adulto e res-
na qual está inserido (Sanchez; Kahhale, 2003). significa seu meio.

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Olhar para a criança a partir dessa perspectiva, reconhecendo Participaram do grupo quatorze crianças na faixa etária de 5
sua potência e seu pensamento crítico, exige dos docentes uma pos- anos. Os encontros com as crianças eram realizados três vezes por
tura de escuta atenta e respeitosa às produções desses atores sociais. semana, com duração de 1 hora, pela plataforma do Google Meet.
A escuta, aqui, não se refere estritamente ao ato de ouvir, mas à pre- Além disso, eram enviadas propostas assíncronas pelo WhatsApp,
sença cuidadosa e reflexiva do adulto. Segundo Friedmann (2020), para serem realizadas com o acompanhamento da família. Na coleta
a escuta implica entrega e presença plena com todos os sentidos, de dados, utilizaram-se diário dos encontros e videogravações.
procurando se conectar e criar vínculo com o outro. Fazemos isso
por meio do olhar, do gesto, da expressão de emoções, da voz. É
dessa maneira que nos ligamos ao outro e compreendemos suas A VIAGEM ESPACIAL
especificidades, o seu tempo e o seu ritmo.
Para isso, precisamos nos despir do lugar de transmissores do O processo investigativo que relatamos aqui surgiu primei-
saber, a fim de escutar a leitura de mundo das crianças e manter ramente do interesse das crianças por elementos espaciais, como
com elas uma relação dialógica, em que todos aprendem (Freire, foguetes, lua, sol e estrelas. Esse interesse ganhou ainda mais força
2002). Nessa relação de troca, afetamos e somos afetados. Tam- a partir da leitura de duas obras literárias: Estela conta as estrelas e
bém aprendemos a escutar os silêncios, as brincadeiras, os questio- Como pegar uma estrela. Durante a leitura das obras em questão, as
namentos e os movimentos realizados por elas diante da tela. Foi crianças fizeram muitas observações acerca das narrativas, trazendo
assim, compartilhando saudades, curiosidades, medos, músicas, informações e questionamentos acerca do universo espacial, como
alegrias, histórias e novidades, que construímos uma investigação quando uma criança afirmou ser necessário um telescópio para
sobre o espaço e seus astros. observar melhor o céu.
Nos próximos tópicos, descrevemos a metodologia utilizada e Após fazermos a leitura e explorarmos o contexto temático
o relato dessa proposta, elaborada a partir da escuta das crianças, das obras literárias, as crianças assistiram ao curta-metragem La
desenvolvida e negociada “com” elas durante o período de isola- Luna. A cada encontro, elas demonstravam ainda mais interesse
mento social, em 2021. pelo espaço. Uma propositura que despertou bastante curiosidade
nos pequenos foi observar o céu, inclusive, levando em considera-
ção o dia e a noite.
METODOLOGIA Ao relatarem suas observações, as crianças apontaram questões
interessantes ao perceberem, por exemplo, que as estrelas se diferem
Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência, em tamanhos e também em luminosidade. Também passaram a se
que teve como objetivo relatar o conjunto de propostas realizadas questionar de que eram feitas a lua e as estrelas. Nesse momento,
na UAEI durante o período de agosto a outubro de 2021. percebemos que, naquele grupo de crianças, um contexto investiga-

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tivo havia se estabelecido e logo compreendemos a necessidade de Dia de viajar pelo espaço! As crianças chegaram ao encontro
buscarmos conhecer mais. Assim, convidamos um astrônomo – in- bastante animadas, mostrando suas roupas e capacetes, fazendo
tegrante do Clube de Astronomia de Surubim/PE – para participar questão de dizer como foi elaborada a produção. As famílias relata-
do nosso encontro e ser entrevistado pelas crianças. O encontro em ram o entusiasmo dos pequenos em participarem desse momento.
questão foi bastante interessante e instigador para as crianças, que Algumas crianças entraram na sala da plataforma virtual Google
fizeram diversas perguntas acerca da lua, das estrelas, dos planetas Meet, utilizando tema espacial como plano de fundo, disponibili-
e até sobre a existência de alienígenas. zado pelo aplicativo. As demais crianças logo aderiram ao recurso
Além disso, como mencionado anteriormente, outras litera- gráfico, bem como as professoras e monitoras.
turas foram utilizadas ao longo desse processo investigativo, como Criatividade e parceria com as famílias foi o que pudemos
Estrelas e Planetas, Vida em Marte, A menina das estrelas, O menino observar ao longo da proposta, principalmente com a produção
e o foguete, bem como alguns vídeos da série brasileira O show da do figurino de astronauta. Tivemos desde capacete produzido com
Luna, que tem como protagonista uma menina de 6 anos que, com papel a capacete de motociclista coberto com papel alumínio. Tam-
muita imaginação e curiosidade, busca fazer experimentos para bém tivemos roupas de astronautas produzidas a partir de lençol
desvendar os mistérios do planeta Terra. de cama ou com o casaco grande do papai.
Durante o desenvolvimento desse projeto, percebemos o quan- Combinamos de passear pelo sistema solar e também de fa-
to as famílias se envolveram nas propostas didáticas síncronas, mas zer uma decolagem com direito a contagem regressiva. Para isso,
também assíncronas, inclusive auxiliando as crianças na constru- utilizamos o compartilhamento de tela de dois vídeos: o primeiro
ção de um foguete espacial elaborado com o uso de materiais não mostrava uma decolagem real, com contagem regressiva; o segun-
estruturados. Após concluídos, houve um encontro para que os do, um passeio pelo sistema solar, ambos transmitidos pelo YouTu-
foguetes fossem socializados. Essa proposta instigou ainda mais a be. As crianças estavam completamente envolvidas durante todo o
imaginação das crianças, que logo externaram o desejo de viajar encontro, demonstrando o quão significativo foi todo o processo
pelo espaço, o que, a princípio, nos pareceu desafiador, conside- investigativo. Ao longo do encontro, as crianças disseram:
rando o contexto remoto.
Pensamos e planejamos essa viagem espacial, juntamente com – Outro dia vou decolar de verdade… eita, esqueci de colocar
as crianças, que prontamente mencionaram a necessidade de uma meu cinto de segurança.
vestimenta adequada de astronauta, enfatizando, sobretudo, a im- – Ai! Já estou com medo.
portância do uso do capacete. Uma das crianças chegou a mencio- – Uau! Olha o planeta Terra… o sol.
nar que, sem o capacete, não daria para respirar. – O sol é uma estrela, o sol não é um planeta.

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À medida que os planetas apareciam na tela, as crianças iam CONSIDERAÇÕES FINAIS
dizendo seus nomes:
A partir do que relatamos, bem como do referencial teórico,
– Mamãe, olha o planeta Júpiter. inferimos que, mesmo considerando as barreiras interativas e de so-
– Planeta anel… Saturno. cialização impelidas pela modalidade de ensino remoto, foi possível
– Júpiter é o maior planeta do Sistema Solar. pensar/planejar propostas lúdicas e significativas para as crianças,
– Ahh! Estou voando… que legal! baseadas na escuta sensível. A proposta da viagem espacial, como
– Vamo voltar pra Terra. também as demais (leituras de literaturas, vídeos, produção do fo-
– Outro dia eu quero viajar pro espaço de novo. guete, visualização da lua, etc.), possibilitaram uma maior partici-
pação e envolvimento das crianças e de suas famílias ao longo de
Ao longo da nossa viagem espacial, as crianças se envolveram todo o percurso investigativo. A maneira como elas reagiram, seus
e se divertiram bastante, interagindo conosco e com os colegas. dizeres, seus movimentos, suas expressões reforçam a importância
Além disso, elas fizeram movimentos semelhantes aos que fazem os de serem escutadas e respeitadas, enquanto sujeitos integrais, ativos,
astronautas, como se estivessem flutuando no espaço. Outra ques- criativos e agentes da sociedade.
tão que nos chamou atenção é que algumas delas mencionaram o
desejo de terem um foguete maior, em que coubesse sua família.
Ao longo da viagem, citaram informações obtidas durante o de- REFERÊNCIAS
senvolvimento do projeto.
As crianças fizeram contagem regressiva para voltar ao planeta BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Edu-
Terra. Ao final do encontro, informamos sobre a culminância do cação. Parecer 05/2009. Reorganização do Calendário Escolar e
projeto, nosso primeiro encontro presencial, que ocorreu no dia da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para
20 de outubro de 2021. Crianças, famílias e professoras se reuni- fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão
ram para visualizar a lua cheia através de um telescópio. Foi um da pandemia da COVID-19. Brasília/2020. Disponível em: http://
encontro muito especial e emocionante, após termos passado mais portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=down-
de um ano cumprindo o isolamento social, como determinado pela load&alias=1450 11-pcp005-20&category_slug=marco-2020-pd-
Organização Mundial da Saúde. Contudo, ressaltamos que, para o f&Itemid=30192. Acesso em: 02 jun. 2020.
encontro em questão, foram adotadas todas as medidas de segu-
rança estabelecidas durante a pandemia. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Resolução CNE/CEB nº 5, de

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17 de dezembro de 2009. Brasília, Diário Oficial [da] República FRIEDMANN, Adriana. A vez e a voz das crianças: escutas
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2002.

168 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 169


CONSTRUÇÃO DE PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS PARA
A EDUCAÇÃO INFANTIL EM TEMPOS DE PANDEMIA

Simone Patrícia da Silva1–UAEI/UFCG


E-mail: simonecatia2007@gmail.com

Lívia Chaves Nascimento2–UAEd/UFCG


E-mail: chaveslivian@gmail.com

INTRODUÇÃO

E
ste artigo é um recorte do projeto de extensão “UAEI em
ação: dialogando e construindo vínculos em tempos de
pandemia com crianças e famílias da instituição”, aprovado
pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão (PROPEX), desenvolvido
entre julho e dezembro de 2021, durante o período de isolamento
social, que objetivou garantir o direito à educação das crianças e
preservar o vínculo entre elas, as suas famílias e a escola, tendo
em vista o desenvolvimento cognitivo, físico e socioemocional dos
pequenos. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de ex-
periência, que abordará o desenvolvimento de propostas com lite-
ratura infantil junto às crianças durante a pandemia, procurando
analisar como as práticas educativas e ações organizadas a partir da

1 Professora efetiva da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Graduada em Pedagogia (UFPE).
Doutora e mestra em Psicologia (UFPE). Especialista em Psicologia (UFPE).

2 Graduanda em Pedagogia (UFCG). Colaborou como apoio pedagógico na Unidade Acadêmica de Educação
Infantil (UAEI/UFCG).

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literatura infantil contribuíram para a formação da criança leitora, circulação de civis, fechassem estabelecimentos, tornassem obriga-
para a construção de vínculos entre as crianças e as professoras, tório o uso de máscaras faciais, assim como a higienização constan-
bem como para a ressignificação do contexto de isolamento. te das mãos e utensílios, como medidas preventivas à contaminação.
A Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI), vincula- A Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), alinhada às
da à Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), promove, prescrições mencionadas, suspendeu as atividades acadêmicas pre-
ao longo de sua existência, um conjunto de práticas que situam a senciais em todas as suas Unidades em 18 de março de 2020.
criança como protagonista em todo o processo de construção de Em abril do mesmo ano, o Conselho Nacional de Educação
conhecimento. Com esse intuito, a equipe pedagógica da Unidade (CNE) emitiu o Parecer CNE/CP nº 05/2020, com orientações sobre
elabora projetos e organiza os espaços e materiais da Unidade a fim o calendário e as atividades escolares remotas para todas as etapas
de estimular a interação, a leitura, a imaginação, a criatividade, a de ensino. Porém, ao mesmo tempo em que tentava reorganizar as
investigação, a brincadeira livre e a fantasia das crianças. atividades pedagógicas, desconsiderava as especificidades da Edu-
Como Gandini (2016), entendemos que esses espaços educa- cação Infantil, pois as orientações tinham um caráter escolarizante,
cionais devem garantir a plena liberdade da criança para expressar que não condizia com o estabelecido no aparato legal e nem com os
suas emoções, dar vazão às construções e mostrar as suas potencia- conhecimentos construídos, até então, acerca dessa etapa da edu-
lidades. Um exemplo desse tipo de espaço é a biblioteca da Unidade, cação (Leal; Amorim; Lima, 2022).
que possui um rico acervo de literatura infantil para os pequenos. Diante das incertezas, a equipe da Unidade enfrentou inúme-
Nele, as crianças leem, conversam, contam, recontam, fantasiam, ros dificuldades a fim de se adequar ao modelo remoto, pois os
constroem diferentes conhecimentos e se divertem. Além disso, eixos estruturantes para essa etapa de ensino são as interações e a
fazem empréstimo de livros para lerem com suas famílias em casa. brincadeira (Brasil, 2009). Ademais, outras questões inquietavam
Essa proximidade das crianças com os livros também está presente a equipe: como manter o vínculo com as crianças? Como garantir
nas salas de referência, sendo este um lugar em que exploram os sua aprendizagem? Como trabalhar com a literatura infantil no mo-
livros com liberdade e alegria, questionam e se encantam com os delo remoto? Como construir propostas significativas para crianças
personagens e as paisagens que emergem das histórias. nesse modelo, respeitando as especificidades dessa etapa?
Essa rotina, entretanto, foi repentinamente modificada nos anos Ancorados nessas perguntas norteadoras, descrevemos abaixo
de 2020 e 2021, em consequência da pandemia provocada pelo novo os caminhos encontrados pela equipe de docentes em 2021 para
coronavírus, SARS-CoV-2. Em março de 2020, a Organização Mun- trabalhar literatura com crianças na faixa etária de 3 a 5 anos e 11
dial de Saúde (OMS) elevou, de emergência sanitária a pandemia, a meses na UAEI.
situação de contaminação pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2 Para refletirmos sobre as ações na temporalidade da pande-
(Díaz-Castrillón; Toro-Montoya, 2020). Além disso, a organização mia, recorremos aos conhecimentos produzidos pela perspectiva
orientou que as autoridades de todo o mundo restringissem a livre sócio-histórica e pela sociologia da infância, por entender que as

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discussões construídas nesses campos contribuem para discorrer Para coleta dos dados, foram realizadas observações partici-
sobre a concepção de criança e as práticas da Unidade no contexto pantes, registros escritos dos encontros, fotos enviadas pelas famí-
da crise sanitária provocada pelo coronavírus. lias e videogravações.
Inicialmente, o capítulo apresenta a metodologia utilizada no
estudo; em seguida, faz uma breve discussão sobre a perspectiva de
criança adotada no projeto; logo após, discorre sobre a literatura na A CRIANÇA E O CONTEXTO PANDÊMICO
Educação Infantil. Por fim, relata algumas propostas com literatura
desenvolvidas ao longo de 2021. Ressaltamos que os estudos sobre crianças e infâncias são
amplos e mobilizam conhecimentos de diferentes áreas. Contudo,
como citado anteriormente neste relato, buscamos na perspectiva
METODOLOGIA sócio-histórica e na sociologia da infância fundamentar a concep-
ção de criança adotada aqui.
Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência, A perspectiva sócio-histórica contribui quando mostra que o
que teve como objetivo relatar algumas propostas com literatura na desenvolvimento do ser humano é marcado pelo contexto social,
UAEI durante o período de agosto a dezembro de 2021. histórico e cultural (Bock; Gonçalves; Furtado, 2007). Sendo assim,
A equipe era composta por todos os docentes da UAEI e o gru- a construção da sua subjetividade está atrelada às condições con-
po de apoio, que contava com técnicos administrativos e estudantes cretas de sua existência. Defende, portanto, que o ser humano seja
de graduação do curso de Pedagogia da UFCG. Após as primeiras compreendido em sua totalidade, sendo considerados os aspectos
reuniões do grupo, ficou acordada a criação coletiva dos eixos nor- biológico e cultural, bem como as interações estabelecidas por ele
teadores das propostas: vídeos, literatura, lives e e-books. A partir com seu meio. Nesse sentido, o desenvolvimento é um processo
disso, foram criadas comissões responsáveis por cada eixo. Todo o dialético em que o indivíduo atua sobre o mundo transformando-o
material produzido foi encaminhado para famílias através do grupo e, ao mesmo tempo, é afetado por ele (Vygotski, 2001). A partir
de WhatsApp. desse olhar, Vygotski (2009) ressalta que a criança, como indivíduo
Participaram das ações do projeto todas as crianças matricu- sócio-histórico, participa ativamente da vida social e a transforma
ladas na UAEI em 2021, na faixa etária de 3 a 5 anos e 11 meses. Os criativa e coletivamente.
encontros com as crianças eram realizados três vezes por semana, O campo da sociologia da infância colabora para compreender
com duração de 1 hora, pela plataforma do Google Meet. Além essa ação coletiva da criança em relação ao mundo que a rodeia.
disso, eram enviadas propostas assíncronas pelo WhatsApp, para Como Corsaro (2011) destaca, ela não se limita a fazer imitações do
serem realizadas com o acompanhamento da família. mundo adulto. A criança, segundo o referido autor, age inventiva

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e criativamente reelaborando papéis, questionando modelos, atri- sobre as coisas. Nesse sentido, ela é um ato de encontro com o outro
buindo novos significados para as coisas e a cultura. e com nós mesmos no processo de construção de conhecimento.
Posto isto, ao compreender o desenvolvimento como um pro- Nesse encontro, por vezes, as hipóteses construídas
cesso dialético, atentamos para as condições socioeconômicas e pelas crianças são confirmadas. Em outras ocasiões, suas teorias e
políticas atravessadas pelas crianças e suas famílias durante a pan- certezas são confrontadas gerando dúvidas e fazendo-as recriar ou
demia, buscando entender as relações que constroem no ambiente redefinir suas hipóteses. A literatura, portanto, também é lugar de
virtual com os seus pares e os adultos, bem como a maneira como contradições e de confrontos.
ressignificam as vivências durante o período de isolamento. No tó- Ademais, nesse mundo imaginário oportunizado pela literatu-
pico seguinte, faremos uma breve discussão sobre a literatura e a ra, a criança dialoga com muitas vozes, assume diferentes papéis em
sua importância para a etapa da Educação Infantil. uma história (mãe, pai, avó, irmão, animal, etc.), subverte papéis,
reconta e modifica a narrativa a partir da sua experiência e atribui
sentidos para a sua realidade. Sendo assim, a literatura também
A LITERATURA INFANTIL é lugar da construção da subjetividade, como ressaltam Salutto e
Corsino (2014).
Segundo Macedo (2021, p. 96), “a literatura é lugar de abertura Diante do exposto, é evidente a importância da literatura para
e liberdade”. Ela possibilita ao leitor ver o mundo de diferentes ma- o desenvolvimento da criança. De forma presencial na UAEI, os
neiras, refletir sobre ele e argui-lo. Ela afeta quem lê, exige tempo encontros entre crianças e livros de literatura seguiam uma rotina
para reflexão, por vezes, obriga o indivíduo a sair de seu lugar. na qual eram estimulados a oralidade, a criatividade, a imaginação,
Em se tratando de crianças, de acordo com essa autora, a li- a invenção, a interação, a participação, o reconto e a criação. Entre-
teratura é provocativa, possibilita novas experiências, convida ao tanto, toda essa dinâmica teve que ser reorganizada na pandemia.
diálogo e amplia a visão de mundo dos pequenos. Mais que isso, No próximo tópico, descrevemos como, durante a pandemia, a UAEI
ousamos dizer que ela é lugar de resistência diante da temporali- procurou oportunizar a literatura para as crianças.
dade da pandemia, pois permite que a criança lide com o medo, a
tristeza, a solidão, as incertezas, sem perder a esperança, os sonhos,
a fantasia, a alegria e o desejo de brincar. LITERATURA INFANTIL NA UAEI: AFETO
Reyes (2010) destaca que a literatura permite aos pequenos EM TEMPOS DE INCERTEZA

lidarem com os conflitos e as tensões do seu mundo, com os senti-


mentos de raiva, ódio, amor, dentre outros. Além disso, as experiên- Durante o período de isolamento social, a equipe da UAEI se
cias estéticas proporcionadas por um bom livro de literatura esti- reunia semanalmente para realizar a escolha de obras literárias que
mulam a competência interpretativa da criança e seu olhar sensível seriam lidas nos encontros remotos com as crianças, bem como se-

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lecionava quais livros seriam enviados para serem lidos em família de trabalho com os pequenos, uma vez que o distanciamento das
nos dias em que não houvesse encontros virtuais. crianças do espaço físico e da convivência com seus pares e profes-
Os livros selecionados atendiam os seguintes critérios: faixa sores provocou a reelaboração de práticas apoiadas em plataformas
etária dos grupos de crianças, qualidade textual e relevância temá- virtuais, que deveriam respeitar os princípios e as diretrizes pensa-
tica. Com o objetivo de efetivar o trabalho, a equipe de docentes das para essa etapa da Educação Básica.
criou uma pasta na plataforma no Google Drive para armazenar Nesse sentido, a literatura, ao criar janelas que possibilitam o
as obras em formato digital, a fim de que ficasse disponível para encontro consigo mesmo e com o outro, a partir da identificação
consulta e uso pelos professores e pelo pessoal de apoio da insti- com os personagens e com os contextos que atravessam as narrati-
tuição. A tabela abaixo traz alguns exemplos de livros que foram vas, possibilita ao pequeno leitor descobrir ou perceber sentimentos
trabalhados nos encontros remotos e nas atividades assíncronas. e sensações que, até então, negava ou não conseguia compreender
(Baptista; Sá, 2022; Reyes, 2010).
Tabela 1 – Livros utilizados Isso ficou evidente em vários encontros nos quais a literatura
Autor(a) Título foi usada como estratégia com as crianças. Numa ocasião específica,
Paula Browne Uma zebra fora do padrão em que lemos a história O monstro das cores, as crianças falaram
Valéria Belém O cabelo de Lelê
sobre o que estavam sentindo: tristeza. Ao serem questionadas so-
Canini Um redondo pode ser quadrado?
Eric Carle A lagarta comilona bre as causas da sua tristeza, várias delas fizeram o seguinte relato:
Stephen Michael King O homem que amava caixas “Não posso ir para casa de minha vó, do meu vô”, “Não brinco com
Beatriz Carvalho e Renata Bueno Misturichos
os meus amigos”, “Não brinco lá fora”.
Anna Llenas O monstro das cores
Fonte: Acervo das professoras (2021).
Em outra ocasião, quando se identificaram com o coelhinho
assustado de uma história, as crianças falaram de seus medos: medo
Os livros mencionados no quadro acima são uma pequena de ficar doente, medo de alguém da família adoecer, medo do vírus,
amostra de todo o trabalho com literatura desenvolvido em 2021. medo de morrer. Baptista e Sá (2022) argumentam que a conexão
Ressalta-se que a literatura foi indispensável para manter os entre a obra literária, o eu e o outro, possibilitada pelos momentos
vínculos entre os sujeitos no período do isolamento social. Assim, de leitura, pode provocar tristeza, tensão e angústia. Ao mesmo
com o apoio do suporte tecnológico, foi possível promover encon- tempo, como ressalta Reyes (2010), provoca o encontro com a ale-
tros literários entre pessoas que se encontravam distantes fisica- gria, o prazer e a realização de fantasias.
mente. Por meio da leitura, as pessoas se conectaram, partilharam Em muitas situações, foi possível observar esse fato. Em um dos
suas vivências e seus sentimentos (Pinheiro; Lottermann, 2022). grupos de crianças da Unidade, elas recontaram coletivamente a his-
Em se tratando da Educação Infantil, não foi diferente. Se- tória sobre o medo e construíram personagens que destruíam o ví-
gundo Baptista e Sá (2022), a literatura surgiu como possibilidade rus, salvavam pessoas doentes ou faziam uma proteção para as suas

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casas. Uma delas criou um vulcão para seu personagem “matar” e De acordo com Baptista e Sá (2022), oportunizar o contato com
“destruir” o vírus. Assim, as crianças ressignificaram seu contexto. a literatura, mesmo quando não há a materialidade dos corpos no
A literatura também proporcionou momentos de muito pra- mesmo espaço, como aconteceu no período de isolamento social, é
zer e felicidade entre as crianças e suas famílias. Por meio dela, fundamental para a construção das subjetividades e parte do prin-
as crianças se sentiram inspiradas a desenhar, pintar e construir cípio de que o acesso à literatura de qualidade é direito de todos.
“invenções” com suas famílias (maquete de casas de papelão, naves Também foi essencial para estimular o desenvolvimento intelectual
espaciais de caixas, entre outras coisas). e socioafetivo das crianças por meio de várias vivências.
O desejo de ler histórias era imenso. Não foram raras as oca-
siões em que as crianças trouxeram livros para os encontros vir-
tuais, a fim de compartilhar com os amigos, “ler” as histórias ou CONSIDERAÇÕES FINAIS
pedir para as professoras contarem algo. Sendo assim, pode-se
afirmar que o trabalho com a literatura proporcionou o encontro O relato mostra que a prática com uso de literatura assegurou a
com variados sentimentos e instantes de diálogo, interação e par- ampliação do repertório literário e da visão de mundo das crianças,
tilha entre todos os envolvidos na leitura e discussão das questões favoreceu vivências nas quais elas exploraram a imaginação, fanta-
suscitadas por cada história. A imagem abaixo é um exemplo dessa siaram e construíram novos significados e sentidos para a sua rea-
partilha, mostrando uma criança que se sente convidada a narrar lidade. A leitura e a releitura de obras literárias possibilitou que elas
uma história conhecida por ela. expressassem emoções e sentimentos relacionados ao momento do
distanciamento, compartilhassem conhecimentos e encantamentos
Figura 1–Criança contando uma história com seus familiares e docentes, fortalecendo, assim, o vínculo entre
esses atores sociais.

REFERÊNCIAS

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182 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 183


AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: POSSIBILIDADES NO ENSINO REMOTO

Janice Anacleto Pereira dos Reis 1–PPGEd/UFCG


janiceanacletols@gmail.com

INTRODUÇÃO

N
a Educação Infantil, é importante que o fazer pedagógi-
co oriente-se por práticas que considerem as múltiplas
linguagens. É por meio da música, da fotografia, da mo-
delagem, da escrita, da matemática, da dança, da brincadeira, do
desenho, entre outras linguagens que a criança poderá desenvolver-
se nas dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística,
ética, estética e sociocultural (Brasil, 2009)
Possibilitar o desenvolvimento integral da criança por meio
de diferentes linguagens é buscar garantir que o sujeito acesse o
patrimônio cultural da humanidade. As instituições de Educação
Infantil têm função importante na formação das novas gerações,
pois podem facilitar ou negligenciar o acesso da criança à cultura

1 Mestra em Educação pela Universidade Federal de Campina Grande (2019); especialista em Educação Infantil
e Anos Iniciais pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (2020); graduada em Pedagogia pela Universidade
Federal de Campina Grande (2016); técnica pedagoga na Secretaria de Educação de Campina Grande (2023).
E-mail: janiceanacletols@gmail.com. Lattes ID: http://lattes.cnpq.br/6523109604539997. Orcid iD: https://orcid.
org/0000-0002-6170-3717.

184 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 185


socialmente valorizada, esta crucial para a formação do cidadão e gens na Educação Infantil, ressaltando ainda os desafios do ensino
a constituição do sujeito (Bueno, 2011). remoto para a etapa.
É nas interações e brincadeiras que a criança participa da cul-
tura, constrói identidade pessoal e coletiva (Brasil, 2009), logo é
essencial que as práticas na Educação Infantil valorizem as especi- PROCEDIMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO
ficidades da infância, o lúdico, a imaginação, a fantasia, a criativi-
dade, as descobertas. O presente texto constitui-se um relato de experiência de uma
Por compreendermos isso, defendemos que as práticas na Edu- professora substituta da Unidade Acadêmica de Educação Infantil
cação Infantil sejam respaldadas nas múltiplas linguagens. Sendo (UAEI), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), que
assim, buscamos manter nossas propostas conceitualmente fun- ocorreu no ano de 2021, contexto pandêmico, em que se fez neces-
damentadas e articuladas às experiências das crianças, mesmo no sário o ensino remoto.
modo de ensino remoto, período de muitos desafios, sobretudo, O ensino remoto diz respeito à transposição do ensino formal,
para a referida etapa, que se constitui essencialmente por interações no espaço presencial, para o espaço digital, com foco no conteú-
e brincadeiras. do, além de uma gama de abordagens educativas, metodologias
Nessa direção, trazemos um relato de experiência de uma e atividades (Almeida, 2020). Refletir sobre essa transposição no
professora substituta2 da Unidade Acadêmica de Educação Infan- contexto da Educação Infantil, de acordo com Ujiie, Mitura e Pie-
til (UAEI), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), trobon (2022), é uma perspectiva que vem sendo ressignificada pela
que ocorreu no ano de 2021, contexto pandêmico, em que se fez práxis, numa dialogia entre teoria e prática, que leva em conside-
necessário o ensino remoto, composto por interações síncronas e ração a criança em seu universo de pertença, o contexto vivido, o
assíncronas. concebido, o percebido, a família coparticipante, a mediação da
O texto divide-se da seguinte forma: na primeira parte, discor- tecnologia e o acolhimento de si e do outro, estando ancorada na
remos sobre os procedimentos teórico-metodológicos utilizados. realidade iminente.
Na segunda, trazemos a importância do fazer pedagógico na Edu- O ensino remoto é composto por interações síncronas e as-
cação Infantil, pautado nas múltiplas linguagens. Posteriormente, síncronas. As interações síncronas são realizadas com acesso si-
abordamos nossa experiência com crianças de 5 anos no ensino multâneo às tecnologias digitais, propiciando que os participantes
remoto, mediante as múltiplas linguagens com algo inerente à nossa estejam conectados em tempo real. Exemplos: bate-papos virtuais
prática. Por fim, tecemos considerações sobre as múltiplas lingua- (conferências, audioconferências, videoconferências, lives, etc.). As
interações assíncronas, por sua vez, não requerem simultaneidade
2 Esteve em exercício na instituição entre os anos de 2020 e 2022. no processo de interação entre os participantes, permitindo flexibi-

186 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 187


lidade temporal e espacial, como fóruns virtuais, blogs, videoaulas a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve
gravadas, etc. (Oliveira et al., 2020). ter como objetivo garantir à criança o acesso a conhecimentos e
Como dito anteriormente, valemo-nos de um relato de expe- aprendizagens de diferentes linguagens, a partir do conhecimento
riência, perspectiva metodológica que, para Tessmer e Rutz (2021), de si e do mundo; a ampliação de experiências sensoriais, expressi-
tem por finalidade descrever um determinado fato, o qual, na maior vas, corporais que possibilitem a movimentação ampla; a expressão
parte das vezes, não provém de pesquisas. Trata-se da experiência da individualidade e o respeito pelos ritmos e desejos da criança; o
individual ou de um grupo/profissionais sobre uma dada situação. incentivo à curiosidade e a exploração do mundo físico e social, do
Dessa maneira, buscamos explicitar os detalhes da nossa expe- tempo e da natureza; o relacionamento e a interação das crianças;
riência, com o objetivo de auxiliar as investigações de outros pes- além de diversificadas manifestações de música, artes plásticas e
quisadores da área sobre a temática. Esse tipo de texto não necessita gráficas, dança, poesia e literatura (Brasil, 2009).
de aprovação do Comitê de Ética, todavia é importante que nos O referido dispositivo é norte para o debate de práticas mais
orientemos por princípios éticos. Logo, resguardamos as identida- construtivas e significativas na Educação Infantil. Escutar a criança
des e as imagens dos sujeitos (crianças) no texto. é o ponto de partida para assegurarmos que ela se torne protago-
Os dados construídos para nossa análise foram gerados a par- nista da sua aprendizagem e, assim, possamos guiá-la de forma
tir de documentos (diários de reflexão e planejamentos docentes) e produtiva. Não deve haver, ainda, parâmetros sobre as conquistas
fotografias armazenadas no Google Drive, enviadas pelas famílias da criança, respaldados pela visão adultocêntrica (Edwards; Gan-
das crianças, sobre as propostas realizadas por elas nos encontros dini; Forman, 1999).
síncronos e assíncronos. Os encontros síncronos se deram por meio Para além disso, a criança deve ter seus processos encaminha-
de plataforma virtual, três vezes por semana, nas segundas-feiras e dos nas instituições de Educação Infantil por diversas linguagens
quartas-feiras, por uma hora. Os encontros assíncronos, por sua vez, e é nessa lógica que pautamos o nosso fazer pedagógico, buscando
aconteceram nas quintas-feiras e sextas-feiras, a partir de proposições ouvir as crianças, seus anseios, suas angústias, comemorar com elas
pedagógicas enviadas para as famílias, via aplicativo de mensagens. seus avanços e conquistas. Para tal, consideramos crucial a articula-
ção das experiências das crianças com os conhecimentos que fazem
parte do patrimônio cultural, histórico, social e tecnológico (Brasil,
AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NAS 2009). Por isso, valemo-nos de uma prática pedagógica ancorada
PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL na presença de múltiplas linguagens.
Nesse sentido, a Educação Infantil vem buscando superar a
Conforme o documento normativo para Educação Infantil, as concepção unicelular de linguagem, geralmente, revestida pela lin-
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEIS), guagem verbal e escrita; e, por vezes, pela linguagem matemática.

188 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 189


Transcender essa concepção considera que a criança se comunica e educativo, visto que os saberes infantis são construídos com a pro-
se expressa por meio de múltiplas linguagens, de “cem linguagens”, moção de atividades de exploração e experimentação dos senti-
como escreve Loris Malaguzzi em sua poesia3 (Gonçalves; Antonio, dos, mediante materiais táteis, sonoros, visuais, gustativos, etc., que
2007). devem se entrelaçar por brincadeiras livres e dirigidas, interações
Nas crianças, especialmente, as de pré-escola, é comum per- com adultos e crianças, contação e narrativa de histórias infantis
cebermos o gosto e a curiosidade pela pintura, pela escrita, pelo (Bersch et al., 2019).
desenho, pela música, pela dança, pela natureza, enfim, pela vida.
Desse modo, o(a) professor(a) deve estar atento(a) às curiosidades
das crianças e às formas como costumam se expressar e se relacio- PRÁTICAS E FAZERES COM CRIANÇAS NO
nar com o mundo ao seu redor. PERÍODO DE ENSINO REMOTO

Sendo assim, as crianças precisam de espaço e materiais diver-


sificados para experimentar, explorar e expressar o que aprendem A escuta das crianças foi crucial para a apreensão de temáticas
nas vivências dentro e fora das instituições. Quanto mais diversi- possíveis de contextualizar e problematizar em nossas propostas pe-
ficados, ricos em possibilidades de tateio, organizados e acessíveis dagógicas e, assim, proporcionar aprendizagens significativas para
forem o espaço e os materiais presentes nas instituições, tanto na as crianças em ambiente doméstico, durante o período de ensino
área interna quanto na área externa, mais possibilidades de expe- remoto.
rimentação e de expressões as crianças terão em sua experiência, As sequências didáticas perpassam o nosso fazer pedagógico,
pois quanto mais exploram o mundo ao seu redor, mais têm o que por a considerarmos como possibilidades importantes para o de-
expressar por meio da fala, do corpo, do desenho, do faz de conta, senvolvimento integral das crianças, o qual deve ocorrer a partir de
da experimentação. O espaço bem organizado promove a atividade diversas linguagens. Para Faria e Dias (2007), as sequências didá-
autônoma das crianças, já que não precisam esperar as orientações ticas consistem em atividades significativas que podem ou não ter
dos adultos para iniciar uma atividade (São Paulo, 2019). desdobramentos, ou seja, continuidade posterior a sua realização
A criança interage, aprende e se expressa para conhecer o seu em várias outras. Sendo assim, no nosso planejamento, organiza-
corpo e o mundo que a rodeia, mediante múltiplas linguagens. mos situações nas quais as crianças pudessem tornar-se sujeitos
Logo, o(a) professor(a) exerce um papel relevante como potencia- protagonistas do seu próprio aprendizado.
lizador(a) e pesquisador(a) das múltiplas linguagens no cotidiano Para a discussão, selecionamos três recortes dos materiais ge-
rados a partir de sequências didáticas, sobre a temática “São João”,
3 Poesia de Loris Malaguzzi: Invece il cento c’è. In: EDWARDS, C.; Gandin, L; Forman, G. I cento linguaggi dei construídas no mês de junho de 2021, para serem disparadoras de
bambini. Edizione Junior, Italia, 1995; e recentemente publicada em português pelas Artes Médicas como: As
Cem Linguagens da Criança. Com ilustração de Francesco Tonucci. Com olhos de criança. Trad. Patrícia Chittoni reflexões.
Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

190 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 191


Figura 1- Produção escrita de palavras que rimam Figura 2–Receita de bolo de milho

Fonte: Acervo da autora, 2021.

A proposta 1 – Produção e escrita de palavras que rimam foi Fonte: Acervo da autora, 2021.

realizada em encontro assíncrono por CV, de 5 anos4. Anteriormen-


te à realização da vivência, em encontro síncrono, mostramos às A proposta 2 - Receita de bolo de milho foi realizada em encon-
crianças, por meio da plataforma virtual, a parlenda “Capelinha tro assíncrono por A., de 5 anos. Na imagem, a criança mostra com
de melão”. Posteriormente, pedimos que as famílias ajudassem as orgulho o bolo de milho que fez com ajuda de sua mãe. Anterior-
crianças a escreverem palavras que rimassem, a partir de palavras mente à realização da receita, em encontro síncrono, exploramos a
da parlenda. Para tal, exploramos simultaneamente os gêneros tex- temática “Comidas típicas do São João”, o que originou uma vivên-
tuais parlenda e rima. Nosso intuito foi explorar a linguagem es- cia assíncrona, na qual as crianças e as famílias deveriam elaborar
crita, a partir de práticas de alfabetização e letramento. Com isso, uma receita junina.
buscamos garantir o direito das crianças a acessar bens culturais Na ocasião, pedimos que as famílias observassem com as crian-
(leitura e escrita de textos - parlenda e rima), ao mesmo tempo ças aspectos tais como: textura dos ingredientes; quantidade e volu-
em que respeitamos o direito delas de vivenciarem as propostas de me dos ingredientes utilizados; temperatura e tempo da receita ao
forma lúdica e brincante. forno; forma de servir (quente, frio, morno). Em seguida, as crian-
ças deveriam registrar o processo da receita por meio de fotogra-
4 Iniciais dos nomes das crianças seguidas pela idade. fias. Na última etapa, as crianças deveriam, em encontro síncrono,

192 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 193


explicar o processo da receita para os colegas, o apoio pedagógico sas linguagens, tais como: a plástica - pela produção da vassoura; o
e as professoras. Nossa intenção foi que as crianças participassem brincar - ação lúdica da criança na vivência; a matemática - cen-
de eventos da rotina familiar, algo importante para a aprendizagem tímetros de tecidos usados, espessura, altura de objetos, quanto
e o desenvolvimento infantil, ao mesmo tempo em que acessassem tempo usado para produzir a vassoura; a oralidade - as crianças
a linguagem escrita, o desenho e a matemática, de forma lúdica. explicaram, em encontro síncrono, o processo da confecção do ob-
jeto; a gráfica - pelo desenho ou escrita da vassoura que as crianças
Figura 3–Confecção de vassoura produziram; a dança/musical - ao final, as crianças dançaram com
suas vassouras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Defendemos que as propostas da Educação Infantil perpassem


diversas linguagens, as quais devem estar articuladas simultanea-
mente entre si. Para isso, é importante a clareza dos objetivos da
Educação Infantil, algo que ainda, no Brasil, está em processo de
apropriação, visto que, por muitos anos, reverberou nas instituições
a visão essencialmente assistencialista.
Somente com a redemocratização brasileira, com a promulga-
ção da Constituição Federal (Brasil, 1988) e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), a Educação Infantil se
tornou primeira etapa da educação básica e, portanto, direito da
Fonte: Acervo da autora, 2021. criança de até cinco anos e onze meses, a ser cuidada e educada em
espaços institucionalizados.
Na proposta 3 - Confecção de vassoura, buscamos suscitar nas Com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação In-
crianças e famílias a criatividade, a imaginação e a colaboração na fantil (Brasil, 2009) e, mais recentemente, a Base Nacional Comum
realização da vivência. Confeccionar “vassouras juninas”, mais do Curricular para Educação Infantil (Brasil, 2017), intensificaram-se
que explorar o São João, evento cultural valoroso, especialmente as discussões sobre as especificidades da etapa, as questões de de-
para a cultura nordestina, permitiu às crianças vivenciarem diver- senvolvimento infantil, as concepções de criança e infância, a for-

194 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 195


mação e qualificação profissional, entre outros aspectos que forjam desfoque de imagem e som; o tempo de exposição às telas de celular
debates entre professores e pesquisadores. e/ou computador, que leva à exaustão mental e visual em adultos
A Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI) da Univer- e crianças.
sidade Federal de Campina Grande (UFCG), desde sua fundação, Por fim, o percurso pedagógico foi desafiador e árduo no modo
mostrou-se em defesa de práticas pautadas nos direitos da criança. remoto, mas frutificou conquistas e aprendizagens diversas ao lon-
Ademais, é imensurável a relevância política e social da instituição go do caminho, tanto para a professora, quanto para as famílias e
na formação de profissionais5. as crianças.
Diante disso, mesmo no contexto do ensino remoto, a UAEI
buscou ofertar às crianças práticas de qualidade, semelhantes às que
ocorrem no modo presencial. Explorar as múltiplas linguagens em REFERÊNCIAS
nossas práticas, a partir de vivências significativas para as crianças,
foi um desafio, considerando que as crianças estavam em ambien- ALMEIDA, Geraldo Peçanha de. Ensino híbrido: rotas para im-
te doméstico. Dessa forma, foi imprescindível a participação das plantação na educação infantil e no ensino fundamental. Curiti-
famílias, pois, sem elas, nosso fazer pedagógico seria irrealizável. ba, PR: Pró Infantil, 2020.
A escuta das questões trazidas pelas crianças nos encontros sín-
cronos nos norteou a pensar vivências, as quais pudessem instigar BERSCH, Ângela Adriani Schmidt; GARCIA, Narjara Mendes.
as crianças e as famílias. Foi na escuta das crianças que nasceram as As múltiplas linguagens na educação das infâncias: experiên-
vivências de temática junina. As vivências foram atravessadas por cias de ensino e aprendizagens compartilhadas. Rio Grande: Ed.
diversas linguagens, a escrita, o desenho, a fotografia, a pintura, a da FURG, 2019. p. 7-11.
dança, a modelagem, entre outras.
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anos, os/as profissionais colaborem para a disseminação de práticas em outras instituições de ensino, semelhantes
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198 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 199


ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: AS
CRIANÇAS E A LINGUAGEM MUSICAL NA
UAEI/UFCG NO PÓS-PANDEMIA

Antônia Luana Demetrio de Souza1–PPGEd/UFCG


Email: luanademetrio661@gmail.com

Maria Isabella Santos Sousa2–UFCG


Email: mariaisabellasantos7898@gmail.com

Roseane Rodrigues de Macedo3–UAEI/UFCG


E-mail: roseane.rodrigues@professor.ufcg.edu.br

INTRODUÇÃO

O
artigo apresenta um recorte do projeto didático4 promo-
vido por duas professoras e uma aluna de apoio peda-
gógico da Unidade Acadêmica de Educação Infantil da
Universidade Federal de Campina Grande (UAEI/UFCG), desenvol-
vido com um grupo de crianças de dois anos (Grupo 2), de maio

1 Graduada em Pedagogia e mestra em Educação (UFCG). Atuou como professora substituta na Unidade Aca-
dêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Atualmente, é professora efetiva da Rede Municipal de Educação de
Campina Grande/PB.

2 Graduanda de Pedagogia (UFCG). Colaborou como apoio pedagógico na Unidade Acadêmica de Educação
Infantil (UAEI/UFCG).

3 Professora efetiva da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Graduada em Pedagogia (UEPB).
Mestra em Educação (UFCG). Especialista em Educação de Jovens e Adultos (Unb).

4 O título do projeto é “Que som é esse?”, em referência às falas das crianças que, sempre que ouviam o som de
um instrumento musical ou manuseavam um material não estruturado, nos faziam tal pergunta.

200 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 201


a novembro de 2022. Tem como objetivo discutir a importância cas cotidianas infantis, respaldado por autores da área, ancorado
da musicalidade nas práticas educativas da Educação Infantil, com também na legislação; e, na sequência, um relato das principais
destaque para as crianças do Grupo 2 da UAEI/UFCG, sobretudo em vivências e experiências musicais do projeto “Que som é esse?”.
um contexto pós-pandêmico.
São explicitadas as principais vivências desenvolvidas, tendo
como principal fundamentação teórica os estudos de Brito (2003, METODOLOGIA
2007 e 2012), Gohn e Stavracas (2010) e Souza (2020). Ademais,
como documentos norteadores que dão suporte às teorias aborda- O presente artigo consiste em um levantamento bibliográfico e
das, apresentamos as definições acerca da musicalidade constantes um relato de experiência (Gil, 2002; Grollmus; Tarrés, 2015; Soria-
na Lei de Diretrizes e Bases - LDB (Brasil, 1996), nas Diretrizes Cur- no, 2004; Vosgerau; Romanowski, 2014). O levantamento bibliográ-
riculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (Brasil, 2009) fico é desenvolvido a partir de material já elaborado, como livros,
e na Base Nacional Comum Curricular - BNCC-EI (Brasil, 2017). artigos científicos, entre outros. Esse tipo de estudo tem como pro-
Segundo Gonh e Stavracas (2010), a música é uma forma de pósitos: a construção de uma contextualização para o problema e a
expressão e manifestação cultural, considerada um dos principais análise das possibilidades presentes na literatura consultada para a
elementos da nossa cultura. A música está presente na vida de todas concepção do referencial teórico da pesquisa (Gil, 2002; Vosgerau;
as pessoas nas diferentes épocas, culturas e sociedades, acompa- Romanowski, 2014). Este artigo problematiza, por meio de contri-
nhando a história da humanidade e exercendo as mais diversas buições teóricas, a importância da musicalidade nas propostas da
funções. Educação Infantil.
Nesse sentido, podemos afirmar que a relação entre a criança Em relação ao relato de experiência, Grollmus e Tarrés (2015)
e a música antecede os conceitos convencionados na sociedade, apontam que se trata de uma forma de narrativa, em que o autor
pois, desde o ventre materno, a interação com os sons, o silêncio e do texto narra sua vivência em determinada situação. O relato de
os ritmos faz parte da vivência dos pequenos (Godoi, 2011). experiência do presente artigo é resultado de um projeto didático
Ainda conforme o autor supracitado, as propostas que envol- realizado com um grupo de crianças de dois anos de idade da UAEI/
vem a música na Educação Infantil possibilitam o desenvolvimento UFCG. Inicialmente, foram consideradas a observação e a escuta de
da criança em seus diversos aspectos, considerando a subjetivida- cada criança, bem como seus interesses pelos instrumentos mu-
de, o contexto socioeconômico, cultural, étnico e religioso de cada sicais; e, em seguida, foram ampliadas as suas possibilidades de
criança, a qual possui características próprias, mas interage com o vivências a partir de experiências diversas, como: leitura de livros
meio no qual está inserida. infantis; recitação de poemas e versos; cantigas de músicas infantis;
Considerando o exposto, organizamos o texto em dois tópicos, exploração de objetos não estruturados, entre outros. Sobre a ob-
que tratam, respectivamente, da importância da música nas práti- servação, Soriano (2004) destaca que esta possibilita a obtenção de

202 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 203


informações importantes, além de ser um técnica que requer sensi- Por sua vez, a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017),
bilidade e atenção, uma vez que o próprio pesquisador se constitui no campo de experiência Traços, sons, cores e formas, defende que
como instrumento da pesquisa (Bogdan; Biklen, 1994). nessa etapa se faz necessária a promoção da participação das crian-
ças em tempos e espaços para a manifestação e apreciação artística,
favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, da expressividade
CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA e da criatividade.
DA MUSICALIDADE NAS PRÁTICAS Finalmente, destaca-se também a Lei n° 11.796, de 18 de agosto
EDUCATIVAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
de 2018, que altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatorie-
De acordo com o dicionário Oxford Languages, “música” é uma dade do ensino da música na Educação Básica. Com essa alteração,
palavra de origem grega, que vem de musiké téchne, que quer dizer o artigo 26 da LDB considera que “a música deverá ser conteúdo
“a arte das musas”. É uma combinação de elementos sonoros perce- obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que
bidos pela audição, que inclui variações nas características do som, trata o §2º deste artigo” (Brasil, 2008).
tais quais: duração, altura, intensidade e timbre, e que ocorrem em Discorrer acerca das relações das crianças da Educação Infantil
diferentes ritmos, melodias ou harmonias. com os sons e a música é um tema instigante e inerente à própria
No campo da educação, a música, enquanto arte, encontra res- infância, pois, de acordo com Brito (2007), a criança interage com
paldo em leis e documentos, os quais asseguram que as crianças têm o ambiente sonoro de diferentes modos, seja através da escuta de
direito a uma educação que promova o desenvolvimento de suas sons do seu entorno, por meio da produção vocal, corporal e até
diferentes linguagens, bem como de suas potencialidades. mesmo através da exploração de materiais diversos.
A Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Brito (2012) defende que, na Educação Infantil, as crianças de-
diretrizes e bases da educação nacional (LDB) (Brasil, 1996, Seção I, vem vivenciar experiências em um ambiente lúdico e rico de pos-
§6º) destaca que “as artes visuais, a dança, a música e o teatro” são sibilidades também no campo musical. De acordo com a autora, as
consideradas linguagens que constituirão o componente curricular crianças se relacionam de forma natural e intuitiva com a música e
obrigatório da educação básica. os sons, já que estes, como forma de comunicação que representam,
Já nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação In- são algumas das principais formas de relacionamento humano.
fantil (DCNEI) (Brasil, 2009), a música é definida no princípio esté- Nessa lógica, o trabalho com a música deve ser prazeroso, não
tico. O documento destaca a importância da educação estética para sendo impositivo, mas que valorize as experiências das crianças,
as crianças e a sua definição como sendo uma educação “da sensi- contribuindo com sua sensibilidade e criatividade (Loureiro, 2008).
bilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão Para além disso, a música possibilita equilíbrio e felicidade ao
nas diferentes manifestações artísticas e culturais” (Brasil, 2009). ser humano, uma vez que, a partir do envolvimento com ativida-

204 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 205


des musicais, as crianças podem ampliar sua capacidade auditiva, pelo momento de separação entre elas; e, segundo, pelos inúmeros
a coordenação visomotora, suas capacidades de compreensão, in- desafios físicos, cognitivos, emocionais e psicológicos, gerados pela
terpretação e raciocínio, desenvolvendo a expressão corporal e a pandemia5.
linguagem oral (Jeandot, 1997). Nesse cenário, na tentativa de criarmos um ambiente acolhe-
Posto isto, é perceptível a importância de propostas pedagógi- dor, capaz de gerar brincadeiras e interações em que elas pudessem
cas que possibilitem o trabalho com a música na Educação Infantil, se envolver, oferecemos-lhes, desde os primeiros encontros, varia-
uma vez que a relação das crianças com os sons e a música deve dos instrumentos musicais para que pudessem brincar, interagir,
ocorrer de maneira intuitiva e natural, considerando seu caráter experimentar, explorar e produzir sons, por acreditarmos que a
curioso e investigativo. linguagem musical, enquanto arte, é potencializadora da expressão
humana e da sensibilidade.
Ao observarmos o contato das crianças com esses instrumen-
ARTE E INFÂNCIA: EXPERIÊNCIAS DE tos, percebemos que elas se sentiam felizes, acolhidas e tranquilas
CRIANÇAS COM A MUSICALIDADE em manuseá-los e tocá-los, bem como em explorar os sons que eles
produziam. Destacamos também que algumas crianças já tinham
Diante da rotina e dinâmica de um grupo de crianças de 2 anos contato prévio com alguns deles, tanto em casa quanto na igreja,
de idade que estavam iniciando, pela primeira vez, suas experiências entre os quais: bateria, violão e percussão.
em um ambiente institucional, sabe-se que, geralmente, o período Partindo de suas próprias experiências, com as vivências e
de adaptação delas à unidade de Educação Infantil é marcado por os conhecimentos já conquistados, tanto essas quanto as demais
choros, medo, insegurança, temor e incertezas, tanto por parte das crianças (que ainda não tinham experimentado tocar instrumentos
famílias, quanto, mais ainda, por parte delas. Afinal, estão chegando musicais em outros espaços sociais) compartilhavam e contextua-
em um ambiente totalmente desconhecido. Portanto, a instituição lizavam seu fazer musical em uma dimensão criativa, imaginativa
educacional é crucial no desenvolvimento da criança, marcando e de descobertas.
os demais períodos de sua vida, pois possibilita a construção da Diante dessa prerrogativa e considerando a Proposta Pedagógi-
sua identidade de mundo, nela adquirindo os princípios éticos e ca da UAEI/UFCG, que traz a concepção de um currículo sensível no
morais, onde surgem as dúvidas e interações (Silva; Timbó, 2017). sentido de favorecer o planejamento e a organização de propostas
Frente a essa especificidade, nós, professoras, tivemos de dispor pedagógicas que priorizam a observação e a escuta de cada crian-
de diferentes e significativas propostas que pudessem acolher as ça e os seus interesses, ampliamos as possibilidades de vivências e
crianças e propiciar a criação de vínculos afetivos com estas e suas oferecendo materiais não estruturados, como panelas usadas, tubos
famílias. Além disso, foi crucial considerarmos o contexto no qual
as crianças e suas famílias estavam inseridas, marcado, primeiro, 5 Essa experiência aconteceu em um período pós-pandêmico.

206 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 207


de linhas, caixas de sapato, baldes de tintas, latas de leite, tampas de parede, toda a estrutura. O painel sonoro ficou exposto na área do
panela, quengas de coco, entre outros recursos. Além de explorar pátio da UAEI para que todas as crianças pudessem interagir e brin-
e produzir livremente sons com os materiais, as crianças puderam car com ele e ainda permanecer em excelentes condições de uso.
acompanhar diversos ritmos de música e melodias, cantigas de roda Ainda como parte das possibilidades de ampliação das expe-
e brincadeiras cantadas, que eram mediadas por nós. riências sonoras, no dia 9 de agosto de 2022, as crianças visitaram o
Conforme as crianças foram se incorporando às propostas e Laboratório de Construção de Materiais Alternativos, coordenado
aos desafios sonoros e de expressão musical, as famílias também pelo professor Romero Damião, vinculado à Unidade Acadêmica
foram convidadas a participarem, ativamente e de forma conjunta, de Música (UNAMus/UFCG). O Laboratório é um espaço destinado à
das vivências do projeto. disciplina de Oficina de Construção de Instrumentos Alternativos,
Recebemos a visita do pai de uma criança que se apresentou do curso de licenciatura em Música, da UFCG.
com o violão e cantou algumas músicas infantis. As famílias parti- Antes de nossa chegada ao Laboratório, o Professor Romero
ciparam também contribuindo com os materiais não estruturados Damião organizou o espaço para receber todo o Grupo 2, disponi-
e participando de oficinas de construção de instrumentos musicais bilizando uma amostra de seu acervo, especialmente os instrumen-
com estes e outros materiais. Construíram assim, com as crianças, tos de percussão. Fomos recebidos por ele à porta de uma das salas
chocalhos, tambores, bateria e cornetas. do Laboratório, tocando um instrumento (tambor). As crianças,
E por que construir instrumentos musicais com as crianças? ao ouvirem o som produzido por esse objeto, ficaram eufóricas e
De acordo com Brito (2003), num contexto em que o fazer se começaram a se mexer. Na sala, estavam dispostos exemplares do
torna uma atividade cada vez mais distante das crianças, em que acervo, entre os quais: xilofones, tambores, chocalhos, violões, api-
já encontram os brinquedos e produtos prontos, a possibilidade tos, paus de chuva, flautas, maracás, blocos de madeira e baquetas.
de construir instrumentos e/ou objetos sonoros assume especial As crianças prontamente se dirigiram àqueles que mais lhes
importância. Segundo a autora, essa construção desperta a curio- chamaram a atenção e começaram a tocar, mexer, experimentar,
sidade e o interesse das crianças, pois, nesse processo, elas passam manusear, manipular e observar como funcionavam; e também se
a se relacionar de maneira mais íntima e integrada com a música puseram a escutar os sons produzidos por estes. Observamos que
quando também produzem seus próprios instrumentos. elas demonstraram especial interesse por determinados instrumen-
A proposta final do projeto foi a construção de um painel sono- tos, especialmente os xilofones, permanecendo um tempo maior no
ro. Adquirimos um total de dez paletes e, previamente, prendemos seu manuseio, provavelmente pelo fato de ainda não o conhecerem
em cada um todos os instrumentos musicais confeccionados, assim (isso aconteceu com a maioria delas). No total, o professor disponi-
como os materiais não estruturados, como tampas, baldes, colheres bilizou três xilofones e, no tempo em que estivemos no Laboratório,
de conchas, panelas de alumínios e bacias. Depois de finalizada essa havia crianças tocando-os, mesmo depois de terem experimentado
parte, pedimos ao pai de uma das crianças da sala para fixar, na os demais.

208 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 209


Os tambores também chamaram muito a atenção do grupo – “E6”, do que você mais gostou no Laboratório? [professora].
pela variedade de tamanhos e materiais com os quais foram produ- – Tocar violão [“E”].
zidos, ampliando as possibilidades das crianças em tocá-los. Além – “E”, você gostou de ter conhecido a sala dos instrumentos
disso, o som produzido variava de acordo com o material que cada musicais? [professora].
um tinha sido construído. As crianças brincaram de bater com as “E” balança a cabeça afirmativamente.
mãos e com baquetas, feitas de madeiras. Havia também chocalhos – Tinha “R”, “T” e “A” [“E”].
de todos os tamanhos e tipos: tubo de papel, cano de PVC, garrafas – Você gostou de tocar qual instrumento? [professora]
PET, latinhas descartáveis, potes grandes e pequenos, latas. – Tocar (“E”).
O pau de chuva também atraiu a atenção das crianças. À pri-
meira vista, algumas delas não entenderam como funcionava o ins- A professora continua o diálogo com outra criança:
trumento e mexeram, trocaram os lados e observaram. Imaginaram
que se tratava de um chocalho grande e, ao sacudi-lo, não tiveram – Agora você, “H”, gostou do nosso passeio ao Laboratório?
a força necessária para ouvirem o som que emitia. Com a nossa [professora].
mediação, tocamos o instrumento da forma convencional, para a – Eu gostei do violão e de tocar... a gente lá, naquele lugar que
admiração delas. Ouvir, em silêncio, o som que “escorregava” por tem instrumento. Eu vi todos os meus colegas. Eu gostei do tam-
aquele tronco de bambu foi uma divertida experiência para todas bor. A gente tocou (e imitou os movimentos do xilofone) com o
elas e para nós, professoras. professor [“H”].
As crianças usaram sua imaginação e transformaram, ressig-
nificaram alguns instrumentos, como: o violão, em um martelo; e A partir da leitura desses excertos, destacamos a importância
as flautas de cano PVC, em apitos. Ao final de nossa visita, depois dessa visita para as crianças. Foi observado que elas se interessaram
de experimentarmos todos os instrumentos, solicitamos que cada por diferentes instrumentos musicais, que, até então, não conhe-
criança escolhesse um de que havia gostado bastante e fizesse uma ciam. Era nítida a curiosidade pelos instrumentos, para saber que
pequena apresentação para os colegas. Em seguida, despedimo-nos som eles produziam. A visita reflete, conforme Brito (2003), a ne-
do professor, agradecendo-o por sua gentileza, e retornamos para cessidade de trabalhar com a música na Educação Infantil reunindo
a UAEI/UFCG. uma variedade de fontes sonoras para que as crianças tenham a
No retorno à sala de referência, retomamos com as crianças o oportunidade de ampliar suas experiências.
passeio e questionamos cada uma sobre o que viram, o que mais Dando continuidade à conversa da professora para com o gru-
gostaram, como tinha sido, para elas, essa visita. po, a criança “G” escuta a conversa, dirige-se para a professora e fala:
Seguem, abaixo, o relato das crianças e suas impressões acerca
dessa visita. A professora inicia o diálogo: 6 Utilizamos letras para nomear todas crianças, preservando suas identidades.

210 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 211


– A gente foi andando...eu gostei do violão [“G”]. e os sons, bem como a explorarem as inúmeras possibilidades com
Em seguida, a professora pergunta para “L”: os instrumentos musicais disponibilizados pelo professor Romero.
– Você gostou de qual instrumento, “L”? [professora]. As crianças puderam se comunicar, produzir sons, explorar livre-
E ele imita o violão. mente os instrumentos, criar novos sentidos para eles, relacionan-
– Você gostou da visita? [professora]. do-se, assim, de forma espontânea com a música.
– Sim... tocar... um... é... carro [“L”]. A professora volta a questionar as crianças, dessa vez, pergunta
Logo aparece “J” para fazer seus comentários: para “A”:
– Gostei da salinha. Tinha um homem... chocalho... na sala
tava nenê, “A”, “J” (e aponta para si). Toquei guitarra [“J”]. – E você, “A”, o que você lembra que viu na sala que visitamos?
[professora].
Tais falas evidenciaram o quanto a visita ao Laboratório foi – Eu gostei... tinha um homem (referindo-se ao professor) [“A”].
marcante, prazerosa e divertida. Ao final, cada criança escolheu A conversa continua, agora com a criança “U”:
um instrumento e, a seu modo, se apresentou para a turma, para – Você gostou do nosso passeio de hoje, “U”? [professora].
as professoras e para o professor Romero. “U” balança a cabeça, afirmativamente.
Brito (2003) critica que, no dia a dia da Educação Infantil bra- Agora, a professora dirige-se a “T” e, em seguida, a “R”:
sileira, a música vem atendendo propósitos diversos, que utiliza a – “T”, você gostou de ter ido visitar a sala dos instrumentos
canção como um suporte para a aquisição de conhecimentos gerais, musicais? [professora].
para a formação de hábitos, disciplina, etc. A música é, portanto, – Não, saaaaa-laaaaa? to-caaar? [“T”].
usada como um meio para atingir objetivos determinados pela ins- – “R”, você gostou do passeio? [professora].
tituição, como a música do Dia das Mães. Ele sorri e balança a cabeça afirmativamente.
Contrariamente a essa visão, o trabalho com a música no Gru- – Você quer voltar para aquela sala pra tocar outro instrumen-
po 2 - tarde da UAEI/UFCG foi desenvolvido de forma natural, con- to? [professora]
siderando os interesses, os gostos e as curiosidades das crianças. Ele balança a cabeça negativamente e sai pedalando o velocí-
Não se tratava de um meio para alcançar um fim. As propostas pede [“R”].
iam sendo desenvolvidas à medida que as crianças demonstravam “I” sorriu quando lhe perguntamos sobre o instrumento mu-
o interesse pela música e pelos sons, oferecendo inúmeras possibi- sical de que ela gostou.
lidades de exploração. Ao perguntar a “S” do que ela mais gostou na visita, ela sorriu
Nesse sentido, a visita ao Laboratório teve o objetivo de levar as e falou:
crianças a vivenciarem experiências ricas e divertidas com a música – Tocando tambor, tambor, tambor… [“S”].

212 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 213


A visita ao Laboratório considerou, conforme Brito (2003), a BRASIL. Presidência da República. Lei n° 9.394, de 20 de de-
possibilidade de cada criança experimentar, improvisar e inventar. zembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
Assim, a educação musical é importante no sentido de formar, in- nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
tegralmente, a criança, sendo ela o centro do processo, o sujeito da leis/L9394.htm. Acesso em: 7 maio 2023.
experiência (Brito, 2003, 2007, 2012).
Para Godoi (2011), o trabalho com a música na Educação In- BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para
fantil deve, portanto, ser realizado em contextos educativos que Assuntos Jurídicos. Lei nº 11.796, de 18 de agosto de 2008, que
entendam a música como um processo contínuo de construção, altera a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretri-
que envolve perceber, sentir, experimentar, imitar, criar e refletir. zes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do
ensino da música na Educação Básica. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11769.
CONSIDERAÇÕES FINAIS htm Acesso em: 20 jul. 2023.

Considerando o contexto pós-pandêmico, frente aos desafios BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Edu-
impostos pela pandemia, com destaque para a reclusão das crianças cação. Câmara de Educação Básica. Resolução n° 5, de 17 de
e suas famílias nos espaços domésticos, observamos que as expe- dezembro de 2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais
riências com sons e a musicalidade com as crianças do Grupo 2 para a Educação Infantil.
da UAEI/UFCG possibilitaram, além da criação de vínculos entre as
professoras e as crianças, importantes momentos de interações e BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Cur-
brincadeiras entre elas. Tais experiências contribuem para que, des- ricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: MEC/
de muito cedo, as crianças desenvolvam o senso estético e crítico, o Secretaria de Educação Básica, 2017. Disponível em: http://base-
conhecimento de si mesmas, dos outros e da realidade que as cerca. nacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_ver-
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216 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 217


A UAEI E A ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Isabela Sarah Trigueiro Custódio de Brito1–UFCG


i.belasarah@gmail.com

Beatriz Guedes de Carvalho Alves2–UFCG


beaguedesc@gmail.com

INTRODUÇÃO

O
presente trabalho se caracteriza como um relato de expe-
riência a respeito da arte na Educação Infantil, refletindo
sobre as experiências de uma ex-monitora e uma ex-pro-
fessora da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG)
sobre as vivências artísticas com crianças e professores nesta insti-
tuição. O objetivo do capítulo, portanto, é discutir o trabalho com
crianças pequenas na perspectiva da arte, considerando-as como
apreciadoras, produtoras e propositoras de experiências artísticas
juntamente com seus professores (Souza; Campos; Oliveira, 2021).
Partimos, neste trabalho, do entendimento da arte como lin-
guagem – uma das múltiplas linguagens das crianças (Malaguzzi,
1999). Enquanto linguagem, a arte é forma de expressão, repre-
sentação e comunicação, como coloca Albano (2021, p. 21), “uma
forma de representação e expressão, que opera por meio de cores,

1 Graduada em Pedagogia (UFCG). Mestranda em Educação (UFCG).

2 Graduada em Pedagogia (UFCG). Foi professora substituta na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/
UFCG).

218 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 219


formas, linhas e volumes, gestos e sons para criar imagens. Uma corre-se sobre as crianças como consumidoras, produtoras e pro-
forma de comunicação que serve para dizer o que as palavras não positoras de experiências artísticas, refletindo sobre a relação de tais
dizem”. Nesse sentido, a arte vai muito além de meras atividades sujeitos com a arte; na sequência, são apresentados alguns aprendi-
propostas para as crianças como forma de ocupar o tempo ou entre- zados e reflexões realizadas a partir das vivências com arte na UAEI;
tê-las, sendo uma dimensão importante da construção subjetiva de e, por fim, são tecidas algumas considerações finais.
cada indivíduo, na medida em que colabora para a expressividade
do sujeito para além do que o discurso verbal pode manifestar.
A partir dos estudos de Merleau-Ponty (2006), depreende-se METODOLOGIA
uma compreensão fenomenológica do sujeito como ser indivisível,
sendo uma unidade complexa e integrada composta pelas dimen- Para a realização deste trabalho, foi realizado um levantamento
sões cognitiva, afetiva, estética, social, física, entre outras. O autor bibliográfico selecionando livros, artigos e outros trabalhos acadê-
aponta para uma indivisibilidade entre intelecto e corpo, sendo este micos que versassem sobre a temática da arte na Educação Infantil.
visto como sujeito da percepção, integrando suas múltiplas dimen- Desse modo, trata-se de um estudo qualitativo de caráter explora-
sões no processo de compreensão das essências dos fenômenos. Ele tório, de acordo com Gil (2022), tendo como intuito proporcionar
afirma que, ao retomar “o contato com o corpo e com o mundo, é um maior entendimento e clareza sobre o assunto em análise.
também a nós mesmos que iremos reencontrar, já que, se percebe- Além desse levantamento, foram empreendidas reflexões so-
mos com nosso corpo, o corpo é um eu natural e como que o sujeito bre algumas vivências com arte na UAEI a partir das experiências
da percepção” (Merleau-Ponty, 2006, p. 278). de duas ex-integrantes da equipe pedagógica da instituição (uma
Desse modo, é possível pensar a arte como parte indispensável monitora e uma professora substituta). Desse modo, as vivências re-
do processo educativo com crianças, uma vez que compõe a dimen- lembradas foram analisadas à luz do referencial teórico escolhido, a
são estética intrínseca ao ser, isto é, aquela da ordem da sensibilida- partir dos materiais selecionados, com vistas a articular as reflexões
de, do belo, da contemplação (Silva; Zamperetti, 2019), que incide teóricas com as práticas na instituição, proporcionando um maior
diretamente na percepção do mundo e dos seres, e assim se torna entendimento sobre a questão e uma discussão profícua a respeito
uma das vertentes para a educação integral do sujeito (Brasil, 2009). da arte na Educação Infantil.
Diante disso, revela-se a importância da discussão sobre a arte no
universo da Educação Infantil, na qual se situa o artigo em questão.
Para discutir essa temática, o capítulo organiza-se da seguin- A ARTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
te maneira: primeiramente, discute-se acerca da arte na Educação
Infantil, analisando-a como direito e dimensão fundamental para A Educação Infantil corresponde à primeira etapa da educação
o trabalho na primeira etapa da educação básica; em seguida, dis- básica brasileira, atendendo crianças de 0 a 5 anos e 11 meses em

220 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 221


creches e pré-escolas. De acordo com as Diretrizes Curriculares Na- crianças à produção de decorações para festas, entretenimento ou
cionais para a Educação Infantil (DCNEI), as propostas pedagógicas ocupação de tempo ocioso. Essa postura parte de um entendimento
nesta etapa devem ser realizadas respeitando princípios éticos, polí- empobrecido da arte com um viés utilitarista, esvaziada de sentido
ticos e estéticos, sendo estes os “da sensibilidade, da criatividade, da expressivo e estético.
ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações Concordamos com Ostetto (2021) quando afirma que pensar
artísticas e culturais” (Brasil, 2009, p. 16). a arte na Educação Infantil a partir dos princípios estéticos requer:
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), quando discorre
[...] dar espaço-tempo para imaginação, fruição,
sobre os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças liberdade de expressão, pesquisa, experiência. Dar
na Educação Infantil, coloca entre eles – juntamente com o convi- espaço-tempo para a criança e sua criação: sem fixar
ver, brincar, participar, explorar e conhecer-se – o direito à expres- padrões e caminhos, abrindo e apoiando percursos
de experimentação, com todos os sentidos (Ostetto,
são. Afirma que a criança, enquanto sujeito dialógico, criativo e 2021, p. 44).
sensível, deve ser livre para expressar suas “emoções, sentimentos,
dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por Desse modo, entendemos que a arte na Educação Infantil deve
meio de diferentes linguagens” (Brasil, 2018, p. 38). permear o currículo, atravessando-o por meio de diferentes lin-
Nesse sentido, torna-se claro que o trabalho com a arte é um guagens e em diversas perspectivas, não se restringindo apenas a
direito da criança na Educação Infantil, não devendo ser um pri- algumas propostas com fins predeterminados ou atividades que
vilégio de algumas instituições a partir de propostas pedagógicas exploram sempre os mesmos recursos. O trabalho com pintura,
diferenciadas ou depender das preferências de trabalho dos pro- escultura, música, poesia, dança, teatro e literatura, entre outros,
fessores, mas sim ser garantido a todos os sujeitos participantes deve ser planejado com vistas a envolver ativamente as crianças no
da primeira etapa da educação no país. Sendo assim, esse trabalho processo de apreciação e criação da arte, uma vez que:
artístico não deve incorrer em um espontaneísmo ou ser realizado
[...] os sujeitos precisam estar implicados em suas
de qualquer maneira. ações artísticas e de aprendizagens, para que, envol-
Conforme aponta Albano (2021), as propostas artísticas de- vidos, desejosos, entregues e abertos ao novo, pos-
mandam conhecimento, planejamento, inventividade e intenciona- sam transformar meras vivências em experiências
educativas (Pontes; Souza; Leal, 2022).
lidade pedagógica como forma de proporcionar experiências sig-
nificativas para as crianças e levá-las a se expressarem livremente
através das mais variadas formas, linguagens e materiais. Tal autora Por isso, é válido refletir sobre como as crianças se relacionam
aponta para a prática comum de associar as propostas de arte com com a arte. Tal reflexão será realizada na próxima seção.

222 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 223


AS CRIANÇAS COMO CONSUMIDORAS, PRODUTORAS criar e se manifestar, constituído social, histórica e culturalmente
E PROPOSITORAS DE EXPERIÊNCIAS (Dias; Faria, 2007).
A uniformidade com a qual os grupos de crianças eram – e ain-
A Educação Infantil, quando encarada unicamente como uma da são, em muitos casos – tratados nas escolas tinha/tem como con-
fase preparatória para o Ensino Fundamental, na qual todas as ati- sequência a exclusão de muitas delas do processo de ensino-apren-
vidades propostas às crianças estão ligadas à alfabetização, memo- dizagem. No entanto, compreender que, desde a Educação Infantil,
rização ou ensino de técnicas, revela uma concepção da criança as crianças devem ter oportunidades para exercer suas capacidades,
como um ser passivo, desprovido de experiências, questionamentos questionar, criar, teorizar e sentir, tem se tornado uma realidade em
e interesses próprios, sendo capaz apenas de reproduzir aquilo que muitas instituições, como é o caso da Unidade Acadêmica de Edu-
lhe é apresentado, sem lhe conferir qualquer significado relevan- cação Infantil (UAEI) ao longo de sua existência. Durante os seus 45
te. Nessa perspectiva, a criança é subestimada não apenas em sua anos, a instituição recebe, acolhe, escuta e, com intencionalidade
compreensão do mundo, mas também em sua capacidade de agir pedagógica, fornece suporte para que as crianças, como agentes
no mundo, em suas práticas diárias. Em outra perspectiva, as DCNEI ativos, sejam protagonistas em seu próprio desenvolvimento.
definem a criança como um: Na UAEI, a Educação Infantil é concebida como uma etapa cru-
cial para a promoção da autonomia, um momento em que aque-
[...] sujeito histórico e de direitos, que, nas intera-
ções, relações e práticas cotidianas que vivencia, les que estão presentes no cotidiano das crianças devem fomentar,
constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, viabilizar e propor contextos investigativos, uma vez que “[...] as
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experi- crianças precisam de momentos para realizar suas pesquisas ma-
menta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a
natureza e a sociedade, produzindo cultura (Brasil, teriais, formais, sensoriais [...]” (Cunha; Borges, 2015, p. 91). Dessa
2009, p. 12). maneira, todas as manifestações das crianças, suas representações
gráficas, escritas espontâneas, questionamentos, indagações e olha-
Nesse sentido, a Educação Infantil proposta pelos documentos res atentos e curiosos constituem o ponto de partida para que os
normativos não se restringe apenas ao desenvolvimento de habili- educadores sugiram e possibilitem novas criações e descobertas.
dades de leitura, escrita e contagem. O currículo, nessa etapa, carre- Desde o início do ano letivo, ao receberem uma nova turma,
ga consigo a concepção de que as pessoas se expressam por meio de os professores observam e registram tudo aquilo que é considerado
diversas linguagens, que precisam ser despertadas e desenvolvidas de interesse individual e coletivo das crianças, acompanhando-as e
desde a primeira infância. Isso se deve ao fato de que a criança é um proporcionando-lhes o necessário para o desenvolvimento de suas
sujeito porque possui desejos, ideias, capacidade de tomar decisões, potencialidades. Dessa forma, crianças, educadores e famílias en-

224 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 225


gajam-se ao longo de todo o processo, compartilhando seus saberes zados nos anos de 2020-2021 em virtude da pandemia da Covid-19.
e contribuindo para a construção em diversos âmbitos. É evidente Essas vivências se deram, ao longo dos anos, com os grupos 2, 3,
que, em todos os grupos e ao longo de todo o período, a arte está 4 e 5, caracterizando todas as turmas oferecidas pela instituição e
sempre presente, seja por meio de desenhos, pinturas em diferentes fornecendo, desse modo, um significativo panorama para análise do
suportes e com variados materiais riscantes, colagens, construções trabalho artístico com as crianças. Por ter sido escrita em conjunto
tridimensionais, releituras e olhares, que exploram e apreciam de- pelas autoras, optamos por utilizar a terceira pessoa do plural nesta
talhes que, tantas vezes, passam despercebidos pelos adultos. Essa seção do trabalho.
prática dá-se pela concepção existente na instituição, que valoriza No decorrer dos anos experienciando propostas pedagógi-
a criança, acreditando que: cas diversas com docentes diferentes e em grupos etários variados
na UAEI, partindo tanto do lugar da docência compartilhada quanto
[...] artistas e crianças percebem o mundo e dão sen-
tido a ele através de formas singulares. Utilizam seus do apoio pedagógico, pudemos perceber que o trabalho com a arte
sentidos de modo mais aguçado do que a maioria atravessa as práticas pedagógicas na instituição nos mais variados
dos adultos que deixaram para trás essa capacida- momentos e cenários, configurando-se como um pilar do trabalho
de humana de ver, imaginar e simbolizar (Cunha;
Borges, 2015, p. 85). dos professores com as crianças.
As propostas artísticas aconteciam regularmente, não apenas
A próxima seção irá discorrer de forma mais aprofundada so- em datas específicas ou com fins utilitaristas de produzir desenhos
bre algumas experiências artísticas nessa instituição. ou pinturas de acordo com demandas adultas para ornamenta-
ções ou festas. Além disso, elas não eram predeterminadas pelos
professores, exigindo que as crianças realizassem algo sempre no
REFLEXÕES E APRENDIZADOS A PARTIR DE mesmo padrão, mas eram planejadas para que pudessem, de fato, se
EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS NA UAEI transformar em experiências significativas das crianças com a arte,
variando os materiais, os suportes, os riscadores e as linguagens
A partir das discussões empreendidas anteriormente, preten- artísticas a serem explorados.
demos nesta seção refletir sobre as experiências de uma ex-mo- Desse modo, dirigimo-nos ao encontro do que defendem Sou-
nitora e uma ex-professora da UAEI com o trabalho artístico na za, Campos e Oliveira (2021) quando falam em propostas educativas
instituição. As vivências que embasam essas reflexões se inserem “que contribuem para que as crianças possam usar, de modo signi-
em um recorte temporal dos anos de 2019-2022, compreendendo, ficativo, um repertório simbólico das linguagens artísticas durante
portanto, vivências presenciais na creche e encontros remotos reali- suas relações na escola [...]” (p. 152).

226 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 227


Figura 1–Crianças do grupo 2 experimentando propostas A título de exemplificação, compartilhamos experiências vivi-
artísticas com desenho em papel preto, utilizando giz neon e das por crianças do Grupo 5, as quais, ávidas por explorar os ani-
pintura com os pés, respectivamente
mais encontrados na instituição, se encantaram com a obra literária
Misturichos, de Renata Bueno, apresentada pela professora. Após
a primeira leitura, o livro passou a ser frequentemente relembrado
pelas crianças, e, por conseguinte, as professoras garantiram um
espaço para o florescimento da imaginação e da criatividade. Entre
as propostas realizadas a partir da temática, citamos uma compo-
sição musical, produzida pelas crianças, abordando características
de cada um dos “misturichos” e a criação de outros, além dos men-
Fonte: Arquivo pessoal (2019). cionados na obra. Nesta última, as crianças pensaram, criaram os
nomes dos animais que desejavam misturar e planejaram, por meio
Em se tratando das crianças como propositoras de experiên- de desenhos em papel, os “misturichos” que seriam posteriormente
cias artísticas juntamente com seus professores, sempre se destacou construídos em forma tridimensional, fazendo uso de material não
para nós a escuta atenta realizada pelos docentes da instituição, bem estruturado.
como o respeito às falas das crianças, considerando-as de fato como
sujeitos potentes e multidimensionais. Por trabalhar com uma peda- Figura 2–Crianças do Grupo 5 planejando, em papel, e
gogia de projetos – caracterizada como uma organização do traba- construindo “misturichos”, com material não estruturado
lho pedagógico a partir de temáticas advindas do próprio grupo de
crianças, orientando as práticas no decorrer dos meses no sentido
de coletivamente estudar uma questão (Barbosa; Horn, 2008) –, as
ideias, as falas e os conhecimentos das crianças sempre foram valo-
rizados e isso se refletia na valorização da arte produzida por elas.
Além de terem acesso à produção artística de qualidade, fosse
ela na forma de obras de pintura de artistas clássicos ou contemporâ-
neos, esculturas ou diferentes gêneros musicais e literários, as crian-
ças sempre foram convidadas a apreciar a arte produzida socialmen-
te e a manifestar suas releituras e/ou criações próprias, havendo um
incentivo muito claro e intencional por parte dos docentes. Fonte: Arquivo pessoal (2022).

228 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 229


Ao envolver as crianças em diversas manifestações artísticas, aos sujeitos. Estimamos que as vivências positivas e os aprendizados
considerando a arte como a habilidade de criar, resolver proble- construídos a partir das experiências na UAEI sejam apenas alguns
mas, formular hipóteses, evocar emoções e imaginar, observa-se, entre os muitos exemplos positivos que já ocorreram e que ainda
na UAEI, o constante engajamento das crianças nos processos de virão a existir nesta instituição.
planejamento, organização e execução das propostas, mantendo-se
aberta, em todas as etapas, a janela para a imaginação e para a ex-
ploração das múltiplas possibilidades, bem como para a oportuni- REFERÊNCIAS
dade de descobrir, aprender, fazer e reformular durante o processo
criativo. ALBANO, Ana Angélica. Por uma pedagogia da infância atra-
vés da arte. In: CAMPOS, Kátia Patrício Benevides; OLIVEIRA,
Maria das Graças; BOITO, Crisliane (Org.). Infância, arte e
CONSIDERAÇÕES FINAIS produção cultural. Estância Velha: Z Multi Editora, 2021. cap. 1,
p. 17-31.
Neste texto, buscamos refletir sobre as experiências artísticas
vivenciadas na UAEI, partindo do entendimento da arte como um BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Sou-
direito de todas as crianças que participam da Educação Infantil. za. Projetos Pedagógicos na Educação Infantil. Porto Alegre:
Destaca-se o papel dos professores como mediadores das vivências Artmed, 2008. 128 p.
artísticas com crianças, propondo experiências com elas, organi-
zando materiais e espaços, e oportunizando o acesso a múltiplas BRASIL. Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Diretrizes
linguagens expressivas. Somam-se a isso a escuta sensível e o olhar Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Ministério da
atento dos docentes às falas, às necessidades, aos interesses e às Educação. Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB,
curiosidades manifestados pelo grupo de crianças coletiva e indi- 2009.
vidualmente (Souza; Campos; Oliveira, 2021).
Buscamos, diante do que foi relatado anteriormente, contri- BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum
buir para as discussões sobre a arte na Educação Infantil, de modo a Curricular. Brasília: MEC/ SEB, 2018.
colaborar com os estudos e as práticas que se desenvolvem no senti-
do de abraçar os princípios estéticos da sensibilidade, criatividade, CUNHA, Susana Rangel Vieira da; BORGES, Camila Bettim.
ludicidade e liberdade de expressão (Brasil, 2009) nesta etapa, bem A arte é para as crianças ou é das crianças? Problematizando as
como possibilitar um trabalho com experiências significativas junto questões da arte na Educação Infantil. In: FLORES, Maria Luiza

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Rodrigues; ALBUQUERQUE, Simone Santos de (Org.). Imple- PONTES, Gilvânia Maurício Dias de; SOUZA, Rayffi Gumercin-
mentação do Proinfância no Rio Grande do Sul: perspectivas do Pereira de; LEAL, Fernanda de Lourdes Almeida. Crianças e
políticas e pedagógicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2015. p. 85- arte: encontros para abrir as janelas à dimensão estética da prática
100. docente. Zero-a-Seis, Florianópolis, v. 24, n. 46, p. 1069-1086,
jul./dez. 2022.
DIAS, Fátima Regina Teixeira de Salles; FARIA, Vitória Líbia Bar-
reto de. Currículo na Educação Infantil: diálogo com os elemen- SILVA, Andréia Haudt da; ZAMPERETTI, Maristani Polidori.
tos da Proposta Pedagógica. São Paulo: Scipione, 2007. Experiências estéticas na Educação Infantil: práticas pedagógicas
desenhadas pela arte. Revista Artes de Educar, Rio de Janeiro, v.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa? 7. 5, n. 3, p. 525-550, set./dez. 2019.
ed. Barueri: Atlas, 2022.
SOUZA, Rayffi Gumercindo Pereira de; CAMPOS, Kátia Patrí-
MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: ED- cio Benevides, OLIVEIRA, Maria das Graças. Educação infantil
WARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem e arte: crianças e docentes como propositores de experiências
linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educa- educativas e artísticas. In: CAMPOS, Kátia Patrício Benevides;
ção da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999. p.59-104. OLIVEIRA, Maria das Graças; BOITO, Crisliane (Org.). Infân-
cia, arte e produção cultural. Estância Velha: Z Multi Editora,
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São Paulo: Martins Fontes, 2006.

OSTETTO, Luciana Esmeralda. Ainda temos o céu!: arte, infân-


cia e Educação Infantil. In: CAMPOS, Kátia Patrício Benevides;
OLIVEIRA, Maria das Graças; BOITO, Crisliane (Org.). Infân-
cia, arte e produção cultural. Estância Velha: Z Multi Editora,
2021. cap. 2, p. 33-50.

232 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 233


ESTÁGIO EM EDUCAÇÃO INFANTIL
E A FORMAÇÃO DOCENTE

Joyce Kelly dos Santos Ferreira1–UFCG


joyce.kellysantos12@gmail.com

Elaine Tayse de Sousa2–UFRN


elainetayse@nei.ufrn.br

INTRODUÇÃO

O
presente trabalho é resultado da vivência durante o es-
tágio não obrigatório em Educação Infantil na Unidade
Acadêmica de Educação Infantil (UAEI) durante o ano
letivo de 2017. A instituição educativa em questão assume, enquanto
missão, ações voltadas à consolidação da Educação Infantil como
etapa inicial da educação e o desenvolvimento de atividades de en-
sino, pesquisa e extensão, buscando, prioritariamente, a produção
de conhecimento na área da Educação Infantil.
Em sua proposta pedagógica, aponta como um de seus objeti-
vos o oferecimento de campo de observação, pesquisa e estágio aos

1 Professora da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Blumenau/SC. Graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Campina Grande/PB, com especialização em Educação Infantil e Letramento, pela
Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo.

2 Docente no Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (NEI/CAP-UFRN). Mestra em Educação pela Universidade Federal de Campina Grande na linha Práticas
Educativas e Diversidades. Especialista em Educação Infantil (FIP) e licenciada em Pedagogia pela Universidade
Federal de Campina Grande.

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discentes vinculados aos cursos de graduação da referida universi- A experiência ocorreu com 18 crianças, entre 3 e 4 anos de ida-
dade ou instituições conveniadas (UAEI, 2022). de, de diferentes realidades, com famílias e repertórios diferentes,
A licenciatura em Pedagogia na Universidade Federal de Cam- assim como especificidades e particularidades, do Grupo 3, no tur-
pina Grande possui, em sua organização curricular, o estágio obri- no vespertino, da referida instituição. A condição de estagiária per-
gatório em Educação Infantil, realizado no quinto período do de- mitiu momentos de observação e diversas situações de intervenção,
curso da formação. Em 2017, vislumbrando a experiência formativa mediadas e perpassadas pelo olhar, pela troca e pela valorização da
in loco nesta etapa da educação, tornei-me bolsista de estágio não professora da turma no prelúdio de minha docência.
obrigatório com vistas à ampliação de repertórios educacionais na Sustentamos nossas ponderações e narrativas com base nas
interação com crianças e professores mais experientes. Enquanto reflexões de Libâneo (2008), Freire (2001), Prado (2012), Proença
aluna da graduação, tive a oportunidade de imergir no campo de (2018), Kishimoto (1994) assim como das normativas legais que
estágio e ser inserida em uma turma de crianças bem pequenas, dão organicidade à Educação Infantil no país, como: as Diretrizes
em parceria com a coautora deste texto, que atuou na orientação e Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) e a Base
supervisão dos meus processos formativos. Nacional Comum Curricular (2010), voltadas especificamente para
Viver o estágio na UEI, durante minha formação acadêmica, esta etapa da educação, auxiliando-nos a olhar de modo crítico o
foi de fundamental importância, uma vez que consolidou a minha cotidiano do fazer pedagógico.
compreensão entre teoria e prática, sobretudo, levando em consi- De acordo com Freire (2001, p. 41), a “prática docente crítica,
deração que era o meu primeiro contato com a sala de referência implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialé-
nesse território, traduzido pelos eixos estruturantes da etapa, pelas tico, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Refletir sobre esta
interações e brincadeiras. Na Educação Infantil, fui constituindo- afirmação no cerne da Educação Infantil requer compreender que
me profissional que se reconhece como professora das infâncias essa etapa da educação não se caracteriza como espaço meramente
e defende a primeira etapa da educação básica como basilar na destinado à promoção de fases, grupos ou níveis. É verdadeiramen-
constituição dos sujeitos. te um espaço destinado a vivenciar e experienciar possibilidades
Nesse ínterim, objetivei refletir sobre a importância da expe- de espaços e tempos para as curiosidades das crianças, a criação
riência no contexto coletivo de Educação Infantil, em concomi- e a recriação, para permitir-se e imaginar, portanto, é uma prática
tância ao período, enquanto graduanda do curso de licenciatura destinada a um movimento dinâmico de refletir sobre suas ações,
em Pedagogia, momento em que estava me constituindo, enquanto mediações e intencionalidades para com aquele grupo de crianças,
futura pedagoga, a atuar com as crianças e suas múltiplas infâncias. garantindo, por meio das práticas pedagógicas, aprendizagens múl-
tiplas e genuínas próprias da infância.

236 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 237


Nesse caminhar, fui religando pontos, percorrendo trajetos e so educativo possam agir no mundo, descobrir e viver no contexto
construindo conexões, enquanto estagiária-professora, de modo da Educação Infantil e suas infâncias (Brasil, 2009).
a cotidianamente me inquietar em continuar garantindo e dando No que tange ao estágio, esse momento formativo se constitui
subsídios para que os sujeitos/crianças de minha prática se reco- como uma forma de articular a teoria com a prática, sendo uma
nhecessem como pertencentes àquele lugar. Assim, ao dialogarem essencialmente substancial para a outra, em movimento contínuo
com seu modo particular de ser e estar no mundo, explorariam seus de construção e elaboração de conhecimentos (Prado, 2012, p. 40).
limites e desafios, percebendo suas potencialidades. Nesse sentido, ao vivenciar o estágio intervenção, observamos que
Compreender o fazer e pensar sobre o fazer é o que sustenta o professor “não é um simples transmissor de conhecimento, ele é
o reconhecimento por parte do professor, enquanto mediador de um profissional que tem de ser capaz de identificar os problemas
vivências, possibilitando experiências e aprendizagens de forma que surgem em sua atividade e construir soluções adequadas” (Pra-
assertiva a partir de intencionalidades em sua prática pedagógica. do, 2012, p. 49). Para que isso seja possível, o professor exerce um
Desta feita, o texto é um relato de experiência a partir do con- papel fundamental, pois deve ter a capacidade de análise crítica, de
texto supracitado, estando organizado em três seções subsequentes, inovação e de investigação pedagógica durante todo o processo de
iniciado pela sua introdução, seguida da discussão acerca da re- trabalho. Paulo Freire (2011), ao mencionar que ensinar não é trans-
levância do Estágio em Educação Infantil para a constituição do- ferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
cente. No segundo momento, tecemos narrativas acerca da prática produção ou a sua construção, nos aponta caminhos e reflexões
pedagógica com as crianças, relatando aspectos do vivido com o que perpassam as nossas ações, enquanto docentes de formação
grupo de crianças na UAEI. Finalizamos refletindo sobre aspectos do em contexto.
processo formativo consolidado e permitindo traçar rotas e trajetos Como estagiária nesse território de formação/aprendizagem
pela educação das infâncias até os dias atuais. que é a UAEI, pude ampliar minha perspectiva, compreendendo
que, nesses primeiros anos de vida, as crianças interagem e brincam
de uma forma muito subjetiva, principalmente ao se relacionarem
A PRÁTICA PEDAGÓGICA COM CRIANÇAS PEQUENAS com o outro e com o mundo ao seu redor. Para tanto, exige-se um
espaço que considere as suas múltiplas linguagens e que amplie seus
A prática pedagógica necessariamente precisa atentar para as repertórios ao produzir sentido a partir das vivências propostas.
escolhas éticas, estéticas e decisões políticas, bem como as ações Ou seja, é a fase das descobertas, dos desafios e das curiosidades,
práticas e sua intencionalidade. Esta, por sua vez, não implica a for- momento no qual as crianças simbolizam o mundo a sua volta e
matação dos sujeitos, mas contribui para que os sujeitos do proces- buscam as respostas aos seus mais diversos “porquês”, pertinentes e
fundamentais para a construção de sua percepção de mundo.

238 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 239


Consideramos que ter a experiência com as crianças num compreensão do modo sensível e atento ao perceber as crianças,
contexto coletivo de Educação Infantil, com caráter formativo, dá considerando as curiosidades e os interesses do grupo. Corrobo-
subsídios para entender de modo dialógico a relação intrínseca e ramos o pensamento de Proença (2018, p. 57) quando arremata
indissociável entre teoria e prática. Essa articulação nos fez proble- que o trabalho com projetos vai além de uma metodologia, mas
matizar a dimensão da ação pedagógica, no que tange à visualização se vale de uma postura, atitude ou concepção que proporciona a
das necessidades, especificidades, predileções, limitações e vivên- reflexão sobre o ser, o saber e o fazer docente. Nessa conjectura,
cias das crianças como sujeitos históricos e de direitos. Ao mesmo vale salientar que:
tempo, reverbera na percepção do lugar do(a) professor(a), que está
O trabalho com projetos abre um espaço genuíno
em constante movimento de formação e pesquisa. para uma cultura mais humanista, que considera as
Além desses fatores, o estágio em Educação Infantil proporcio- pessoas como um todo e valoriza as manifestações
na o aprofundamento de nossa concepção de criança, de infância e corporais entre as múltiplas linguagens, conside-
rando como canais de expressão e comunicação da
da própria Educação Infantil. Apoiadas nas Diretrizes Curriculares afetividade (Proença, 2018, p. 17).
Nacionais (2009), que legitimam a criança como sujeitos históri-
cos e de direitos, compreendemos que as crianças se constituem
no processo e possuem direitos, inclusive, a práticas pedagógicas Durante o ano de 2017, vivenciamos o projeto “Da cabeça aos
respeitosas, que estejam de acordo com suas especificidades. Em pés: sentir, brincar e experimentar”. As propostas tiveram o objetivo
conformidade com a Proposta Pedagógica da UAEI, que reafirma de promover, através de situações significativas de aprendizagens,
seu olhar para as crianças, compreendemos que: o conhecimento de si e do mundo, a ampliação de experiências
sensoriais, expressivas, corporais e, sobretudo, a expressão da in-
[...] as crianças, na sua formação humana, carregam
consigo características próprias de pensar e agir, dividualidade e das potencialidades das crianças, levando em con-
formadas, inicialmente, a partir de sua inserção sideração o brincar, o brinquedo e a brincadeira (Kishimoto, 1994)
nos meios familiar e social, os quais se situam num como fatores essenciais para o desenvolvimento das crianças.
determinado momento histórico e lhes fornecem
subsídios para construir histórias de vida, que as di- O excerto da documentação pedagógica socializada com as
ferenciam uma das outras. Desta forma, através das famílias, a seguir, exprime a escuta das vozes das crianças quando
interações sociais, as crianças vão construindo seus questionadas para que serviam os seus olhos. As respostas e hipó-
conhecimentos, formando valores e se apropriando,
de modo ativo, das características culturais do grupo teses das crianças traziam suas lógicas próprias de perceber o mun-
social ao qual pertencem (UAEI, 2022) do, dialogando com a realidade concreta, estando o planejamento
aberto e flexível, garantida pela professora a escuta atenta às vozes
Pautadas nessa ideia humanista, a proposta de trabalho voltada das crianças, algumas vezes, ditas nos interditos.
para a pedagogia de projetos pedagógicos por turma viabilizou a

240 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 241


Figura 1–Para que servem os olhos? momento. Esse aspecto corrobora a consolidação do nosso olhar
para/com as crianças, pois, a todo o momento, elas demonstravam
suas curiosidades e percepções, que necessariamente eram ouvidas
e escutadas. Com essa compreensão, percebemos que o professor
Agnael–Para ver deve ter consciência das necessidades de cada sujeito, bem como
Estelita–Para ver Estelita do grupo de crianças, e intervir de maneira significativa.
Vinicius–O óculos Discutimos também que essa maneira de planejar as vivências
Lidiane–Para olhar para o grupo é de extrema importância porque ressalta o principal
Maria Liz–Eu choro sujeito do processo: a criança. Um dos momentos que mais chamou
Antônio–Para botar o óculos a atenção foram as “Rodinhas de conversa”, nas quais o protago-
Gabriel–Para olhar, ué! nismo das crianças era fortemente marcado pela escuta atenta, a
Sabrina–Para enxergar, neh? qual possibilitava as vozes das crianças, estimulava a interação e a
João Marcelo–Para ver os pés socialização, promovendo a ampliação do conhecimento e a com-
Luana–Para ver as coisas preensão de si mesmo, do outro e do ambiente em que vivem. De
Lande–Para olhar3 acordo com RyckeBusch (2011), as rodas de conversa se caracteri-
zam como uma atividade socio-histórica e cultural que contempla
a ação da criança num sentido crítico e colaborativo na interação
com seus pares e professores.
Fonte: Portfólio (2017). Diante disso, a BNCC (2017) afirma que é na participação em
conversas que a criança se constitui ativamente como sujeito sin-
No que tange ao planejamento pedagógico, compreendi que gular e pertencente a um grupo social. Nessas circunstâncias, o
era elaborado de acordo com as observações feitas em sala e nos que atraía a nossa atenção eram as trocas entre criança-criança,
diversos contextos de circulação das crianças, explorando e res- criança-professor, criança-estagiárias, e essa interação intensa de
peitando ao máximo o interesse do grupo e suas necessidades do descobertas, de dúvidas, de curiosidade era o auge também para
nós, enquanto observadoras e mediadoras das ideias e hipóteses
das crianças. Nas rodinhas, havia muitas narrativas, diálogos, ex-
3 Os nomes aqui apresentados são pseudônimos na tentativa de garantir, de algum modo, o respeito à privacidade
periências, ampliação de repertório, leituras, imagens, exploração,
das crianças. Além disso, trazemos como importantes elementos as suas falas para o entendimento do leitor
quanto ao contexto, com a participação delas e suas hipóteses. decisões coletivas, como exemplificado na Fig. 2, a seguir.

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Figura 2–Rodas de conversa CONCLUSÕES

Concluímos que a experiência vivida e aqui relatada em recorte


permitiu entender que a formação inicial atrelada à experiência em
salas de referência, junto ao(à) professor(a) orientador(a), em uma
instituição pública que sustenta o fazer em suas concepções, que
considera a criança como centro do planejamento, também possi-
bilitou a percepção das sutilezas que o planejamento traz, quando
as ações se dão a partir da observação dos interesses das crianças.
Essa observação atenta é base para um trabalho docente reflexivo,
que respeite e promova experiências significativas de aprendizagem
às crianças, estando aberto ao imprevisível e ao inesperado. Acredi-
tamos que essa experiência nos modificou, enquanto profissionais
comprometidas eticamente com a educação das crianças, buscando
a qualidade e a efetivação de direitos pela via da educação pública
e socialmente referenciada.
Fonte: Portfólio (2017). Atualmente como professoras regentes, respectivamente em um
Centro de Educação Infantil em Blumenau - SC e em um Colégio de
Nessas interações e socializações, foi possível perceber o quan- Aplicação no Rio Grande do Norte, resgatamos diariamente nosso
to nós, enquanto sujeitos mais experientes e conscientes da ação percurso de atuação nas vivências, nas experiências e nos diálogos
pedagógica, éramos também sujeitos aprendizes, mantendo nossa vividos na UAEI. Essa experiência formativa e singular nos constituiu
escuta ativa ao dar voz às crianças e nos surpreendendo com suas como professoras-defensoras dos direitos das crianças e suas infân-
inúmeras possibilidades de se expressar, criar e reinventar. As des- cias, bem como de uma Educação Infantil ética, estética e política,
cobertas e os questionamentos eram sempre desafiadores para as que cria possibilidades para a construção de sujeitos no seu tempo.
crianças e, principalmente, para nós, uma vez que elas possuem a Defendemos, portanto, a Educação Infantil como lugar de crianças
capacidade de imaginar e simbolizar em constante movimento. Já e infâncias reconhecendo as especificidades dessa categoria social
nos adultos, essa sensibilidade de observar as possibilidades do (Corsaro, 2011; Qvortrup, 2010), cujas características se diferem das
mundo à nossa volta vai sendo diluída na realidade. Portanto as dos adultos, seja no modo de pensar, interagir e produzir cultura.
rodas de conversa se constituem como um espaço de trocas signi- Vale destacar que, nesses primeiros anos de vida, as crianças
ficativas para crianças, mas também para professores e professoras. interagem e brincam de uma forma muito subjetiva, principalmen-

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te ao se relacionarem com o outro e com o mundo ao seu redor, BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curri-
exigindo assim tempos e espaços que considerem as suas múltiplas cular – BNCC 2ª versão. Brasília, DF, 2016. Disponível em: http://
linguagens, vivências que contribuam para suas aprendizagens e de- basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/#infantil. Acesso em: maio
senvolvimento, assim como ampliem seus repertórios ao produzir 2023.
sentido a partir de experiências.
Diante do cenário vivido, percebemos que a nossa formação CORSARO, William Arnold. Sociologia da infância. Porto Ale-
inicial, continuada e em contexto sempre estará atrelada à práti- gre: Artmed, 2011
ca na UAEI, uma instituição séria, comprometida, respeitosa e que
concebe a criança como protagonista do processo educativo. Essa FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à
experiência ampliou nossas perspectivas e concepções, ancorando- prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
nos cotidianamente para atuar (do)decentemente. Pensando nos
sujeitos históricos e de direitos, pautamo-nos em práticas e mo- KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). Jogo, brinquedo,
dos de agir com as crianças, considerando sua subjetividade e suas brincadeira e a educação. São Paulo: Cortês, 1994. cap. 1. Dis-
múltiplas linguagens, bem como reconhecendo suas brincadeiras ponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4386868/
e interações como legítimas para a compreensão do mundo. mod_resource/content/1/Jogo%2C%20brnquedo%2C%20brin-
cadeira%20e%20educa%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: maio
2023.
REFERÊNCIAS
KULHMANN JR., Moysés. Infância e Educação Infantil: uma
BRASIL. Ministério da Educação. Práticas cotidianas na Educa- abordagem histórica. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
ção Infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curricula-
res. Brasília, 2009. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 28. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação PRADO, Edna. Estágio na licenciatura em Pedagogia: gestão
Infantil. Secretaria de Educação Básica. Ministério da Educação. educacional. Petrópolis, RJ: Vozes; Maceió, AL: Edufal, 2012.
Secretaria de Educação Básica Brasília. MEC, SEB, 2010. Dispo- Série Estágios.
nível em: http://ndi.ufsc.br/files/2012/02/Diretrizes-Curriculares
-para-a-E-I.pdf. Acesso em: maio 2023.

246 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 247


PROENÇA, Maria Alice. Registro em portfólios. In: PROENÇA, AS CENAS NÃO VISTAS PARA QUE AS
Maria Alice. Prática docente: a abordagem Reggio Emilia e o CRIANÇAS ESTEJAM EM CENA
trabalho com projetos, portfólios e redes formativas. São Paulo:
Panda Educação, 2018.

QVORTRUP, Jens. A infância enquanto categoria estrutural. Roberta Bezerra Santos Lima1 – UAEI/UFCG
roberta.bezerra@estudante.ufcg.edu.br
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 631-643, maio/ago.
2010.

RYCHEBUSCK, Cláudia Gil. A roda de conversa na Educação

T
Infantil: uma abordagem crítico-colaborativa na produção do co- odo ato para a Educação Infantil deve ser refletido, deve ter
nhecimento. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos um compromisso, um porquê, um posicionamento. Para
de Linguagem) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atuar como pedagogo(a), faz-se necessário refletir até sobre
São Paulo, 2011. a roupa que irá vestir para compartilhar algo com as crianças, seja
uma leitura, uma música, uma dança, uma brincadeira, um poema,
UAEI. Unidade Acadêmica de Educação Infantil. Projeto Peda- tudo requer reflexão e planejamento. Refletir e planejar para alguém
gógico. Campina Grande, Paraíba, 2022. que possui suas bases em uma “educação bancária” é algo muito
difícil e causa medo. Foi exatamente isto que aconteceu comigo:
medos e incertezas. Porém, eu sabia que o medo era algo normal e
que devia concentrar-me na capacidade de dominá-lo e superá-lo.
É sobre medos e incertezas, descobertas e conquistas, idas e
acolhidas, é sobre buscar seus objetivos tendo a certeza de que aqui-
lo que acreditamos e defendemos vai dar certo; é sobre acreditar
em uma educação libertadora, emancipatória, sobre sonhar, buscar,
sentir, viver; sobre querer enxergar e ouvir a criança; é sobre espe-
rançar que este artigo deseja tratar.

1 Graduada em Pedagogia (UFCG). Atualmente está como professora substituta na Unidade Acadêmica de Edu-
cação Infantil (UAEI/UFCG).

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Atualmente, estou como professora substituta na Unidade Antes evidenciava-se a ideia de que a criança que precisaria de
Acadêmica de Educação Infantil (UAEI) da Universidade Federal uma instituição de Educação Infantil seria aquela cuja mãe traba-
de Capina Grande (UFCG). Tenho observado, nesse ambiente, uma lha e não possui nenhum parente ou alguém próximo com quem
proposta de pedagogia para o bem do outro. Um projeto que pude pudesse ficar. Porém, Barbosa (2010) aponta que essa visão vem
conhecer durante minha graduação. Tenho percebido o amor en- sendo substituída a partir da compreensão dos direitos das crian-
volvido na prática educativa. Educador e educando se educando, ças e também do entendimento da contribuição que a instituição
aprendendo, caminhando juntos. Uma equipe que, embora seja re- de Educação Infantil oferece às crianças pequenas e suas famílias
gada de autonomia, consegue se unir pelas crianças e se engaja de (Barbosa, 2010).
forma primorosa para que as crianças estejam em cena, para que A Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2017)
elas sejam percebidas, acolhidas, ouvidas, assim como tenham seus aborda uma organização curricular da Educação Infantil sobre os
direitos garantidos e, de fato, vividos, considerando suas especifici- direitos de aprendizagem, os campos de experiências e os objetivos
dades coletivas e individuais, valorizando as diferenças. de aprendizagem e desenvolvimento. Esses direitos de aprendiza-
Partindo dessas observações e de experiências pessoais, surgiu gem e desenvolvimento na Educação Infantil – conviver, brincar,
o tema deste texto, o qual é um relato de experiência fundamen- participar, explorar, expressar-se e conhecer-se – estão entrelaça-
tado em uma análise crítica e reflexiva, em que se articulam teoria dos aos princípios éticos, políticos e estéticos apontados nas Di-
e prática. Após esta introdução, elenco outras três seções, sendo retrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)
a primeira referente aos marcos históricos da Educação Infantil e (Brasil, 2009).
como a criança é entendida; a segunda refere-se às cenas não vistas Nesse contexto, em uma perspectiva sociológica e ancorada
para que as crianças estejam em cena; e a última são as considera- nos documentos normativos e direcionadores da educação, enten-
ções finais acerca do relato. Apresento, a seguir, a primeira seção. demos a criança como ser que observa, questiona, levanta hipóteses,
conclui, faz julgamentos, assimila valores, constrói conhecimentos e
se apropria do conhecimento sistematizado por meio da ação e das
A EDUCAÇÃO INFANTIL E A CRIANÇA interações com o mundo físico e social (Brasil, 2017), sendo esse o
público da Educação Infantil e o sujeito de direito à oferta de vagas
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil em instituições de educação públicas.
(BRASIL, 2010) definem a Educação Infantil como a primeira etapa A partir do entendimento de criança dessa maneira e da im-
da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, que educam portância da educação para tal sujeito, podemos refletir: será que
e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade, sendo dever do Estado é fácil ser mediador do conhecimento de uma criança? Existem
garantir sua oferta, de forma pública, gratuita e de qualidade, sem sacrifícios para colocar uma criança em cena? A seção a seguir
requisito de seleção (Brasil, 2010). aborda as cenas não vistas para que as crianças estejam em cena.

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AS CENAS NÃO VISTAS naquele momento, me questionei: qual tem sido meu posiciona-
mento diante da educação? Ou qual será diante das turmas de Edu-
cação Infantil? Tenho coragem para lutar por uma pedagogia em
A tarefa do ensinante, que é também aprendiz, sendo
prazerosa é igualmente exigente. Exigente de serieda- que acredito? Tenho competência para lutar por uma educação de
de, de preparo científico, de preparo físico, emocio- qualidade horizontal? Refletir é bom! Escrever é bom, assim como
nal, afetivo. É uma tarefa que requer de quem com ler também é bom. Mas escrever, ler e pensar são atos complexos
ela se compromete um gosto especial de querer bem
não só aos outros, mas ao próprio processo que ela que se entrelaçam ou que devem estar conectados.
implica. É impossível ensinar sem essa coragem de Oportunidades e realidades são diferentes para cada indiví-
querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes duo. No contexto educativo, alguns alunos na academia podem se
antes de uma desistência. É impossível ensinar sem a
capacidade forjada, inventada, bem cuidada de amar. destacar mais do que outros por possuírem a oportunidade de se
(Paulo Freire) dedicar apenas aos estudos; outros não podem pela necessidade de
conciliar estudo, trabalho, afazeres domésticos e/ou de filhos. Eu
Era dia 8 de março de 2021, Dia da Mulher, também era dia me enquadro nesta realidade, porém nunca deixei de me dedicar e
em que minha filha estava doente, dia de muitas tarefas domésticas estudar dentro das minhas possibilidades e acredito que ter conse-
para fazer, mas também dia de adquirir e ampliar conhecimento, guido fazer o melhor nas minhas condições foi o mais importante
era o 1º dia do minicurso Cartas freireanas a quem ousa ensinar: do para a minha formação acadêmica. Mas isso tudo requer a coragem
medo e da coragem de ser professor(a), da semana contemporânea de vencer medos e incertezas.
no último semestre/período da minha licenciatura em Pedagogia. Durante o percurso da minha licenciatura, meus medos e
E me perguntei o que eu escolheria fazer. Cuidar da minha filha incertezas quanto à prática pedagógica foram perdendo espaço para
doente? Organizar minha casa? Participar do minicurso? Escolhi e minhas descobertas e conquistas. E, por fim, o que era um desafio
decidi fazer tudo, afinal tenho poder para isso, sou mulher! para mim foi vencido e me proporcionou inúmeras aprendizagens.
Durante minha licenciatura em Pedagogia na Universidade Conquistas que foram além do que eu pretendia com propostas
Federal de Campina Grande (UFCG), conheci um sujeito que amou pedagógicas, mas conquistas pessoais, como saber que sou capaz
o mundo profundamente e uma proposta de pedagogia para o bem de ir além do que planejei, que posso dar o melhor e conseguir um
do outro, aquele bem que também desejo. Conheci um amor por resultado positivo diante dos meus planos e metas, e que todo o
um mundo melhor, um amor que move a prática educativa, um meu esforço valeu a pena.
amor que sinto. Descobri que a educação não transforma o mundo, Poder, hoje, fazer parte da equipe docente da UAEI/UFCG,
mas colabora para a mudança das pessoas, e estas, mudam o mundo como professora substituta no âmbito do Grupo 2, é saber que
(Freire, 1997). Entendi que educador e educando se educam. Então, meus esforços e renúncias deram frutos e posso dizer que conse-

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guimos sim lutar por uma educação de qualidade e de respeito para temos enquanto mediadores, a fim de tornar este dia a dia qua-
as crianças da Educação Infantil quando acreditamos que somos lificado para que as crianças encontrem sentido pessoal naquilo
capazes e quando nos capacitamos para isso, levando em conta a que realizam e significado social e cultural nas propostas que são a
colaboratividade que compõe nossos percursos, junto a professores/ elas dirigidas. Para além disso, considero importante destacar que
as e demais companheiros/as de estudos e pesquisas. as vivências sejam prazerosas e instigantes para todos os sujeitos
Muitos sacrifícios precisaram ser realizados para que as crian- envolvidos na instituição, de maneira que o processo educativo se
ças citadas nesta obra pudessem aparecer. Profissionais exerceram torne significativo para crianças e docentes; e, a partir daí, sejam
sensibilidade, escuta e zelo, não para se destacarem ou para rece- produzidos sentidos múltiplos formativos nas mais diversas áreas
berem glória do outro, mas pelo fato de compreenderem a impor- de conhecimento (Barbosa; Horn, 2010).
tância da construção de uma pedagogia para as crianças que possua Isso nos desafia a estudar, planejar e nos preparar para o cuidar
qualidade prática. Considero que a Educação Infantil necessita de e educar, pois bem disse Paulo Freire (1997, p. 260), “partamos da
profissionais com tais características, que façam o que se compro- experiência de aprender, de conhecer, por parte de quem se prepara
meteram a fazer (o cuidar e o educar) de modo articulado e coeren- para a tarefa docente, que envolve necessariamente estudar”. Estu-
te com os ritmos das crianças e, essencialmente, com amorosidade. dar é muito importante para o ato de integração entre teoria e práti-
É isso que tenho observado na UAEI/UFCG, aquilo que eu buscava ca. Estudar, ler e escrever são trabalhos que requerem compromisso,
durante minha licenciatura, profissionais que exercessem sua pro- paciência e persistência. São atos necessários na vida docente que
fissão com o amor que deve mover a prática educativa, assim como nascem por meio da construção de uma concepção de educação
afirmava Freire (1997). que abarca aspectos políticos e pedagógicos de forma imbricada.
As crianças, que estão a perceber seu entorno constantemen- Paulo Freire (1997) destaca o papel do escritor cujo “dever,
te, percebem quando o trabalho é realizado com amorosidade e como escritores, é escrever simples, escrever leve, é facilitar e não
planejamento, ou quando é feito de qualquer maneira. Por muitos dificultar a compreensão do leitor, mas não dar a ele as coisas feitas
anos, as crianças foram descritas e definidas por suas fragilidades, e prontas” (Freire, 1997, p. 265). Talvez, a vontade do leitor deste ca-
incapacidades e imaturidade, consideradas sujeitos passivos e tendo pítulo seja buscar descobrir o que está nas entrelinhas do trabalho
sua dependência do adulto superenfatizada, porém diversos estudos com as crianças de uma unidade educacional tão respeitada, porém
e pesquisas em variadas áreas têm revelado uma outra lente, que não trago aqui relato de práticas prontas ou receitas, mas destaco
reconhece as crianças como sujeitos ativos, autônomos e capazes princípios que norteiam um fazer que pensa a educação das crian-
de lerem a vida e se colocarem diante dela. ças pequenas, levando em conta sua complexidade e, sobretudo,
Pensar no cotidiano dessas crianças em instituições de Edu- sua potencialidade.
cação Infantil nos faz refletir sobre a grande responsabilidade que

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As renúncias que atravessam a vida docente, às quais me refiro crianças observando o dia que se vai, acenando com tchau para “o
desde o início deste trabalho, dizem respeito àquilo de que abrimos sol que vai dormir”, afirmando que ele vai descansar para acordar
mão para nos comprometermos com um trabalho para o bem das no outro dia e brilhar. São crianças refletindo, questionando, ob-
crianças, para que elas estejam em cena. São ações que, para alguns, servando, ativas em cena.
podem ser simples, como a escuta, a observação cuidadosa e a ela-
boração, realização e registro de vivências que não caem de cima Figura 1 – Crianças do Grupo 2 da UAEI observando o pôr do sol
para baixo, mas que respeitam uma horizontalidade ou simetria
entre todos que povoam a escola, principalmente, as crianças.
Trata-se de lutas e escolhas que, como docentes, encaramos
diariamente para o nosso crescimento individual e coletivo, são
as barreiras derrubadas para enxergarmos um futuro melhor para
nossas crianças, mas antes disso, um presente feliz e respeitoso para
elas. São lutas por uma educação em que acreditamos e que defen-
demos, uma educação emancipatória, uma educação que transfor-
me a sociedade para a sociedade transformar o mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cenas não vistas são os trabalhos invisibilizados daqueles


que cuidam e educam. São planejamentos, organização e confecção
de recursos, pesquisas, noites sem dormir, o tempo dividido tam-
bém com filhos e/ou demais familiares, que, por vezes, em alguns
momentos passa a ser diminuído, são as cenas de bastidores para
que as crianças das instituições de Educação Infantil estejam em Fonte: Acervo pessoal da autora (2023).

cena, colocando-se e se vendo nas propostas.


Concluo esta escrita com uma imagem de uma proposta com o Assim como o sol se vai para descansar e brilhar no outro dia,
Grupo 2 da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG), como afirmaram as crianças, nós precisamos, em nossa carreira do-
turma esta de que tenho a honra de fazer parte como professora cente, perder o medo de ir além, de lutar, de enfrentar, para poder
substituta. É a vista do pôr do sol no final de um encontro. São brilhar. Brilhar através das crianças, com elas em cena. Precisamos

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acreditar em uma educação pública de qualidade. Faz-se necessário BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasí-
buscarmos amar e esperançar, para e com nossos pares, as crianças lia, DF: Senado Federal, 1988.
e suas famílias.
Meu desejo é que nós, docentes, gradualmente, possamos per- BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Bási-
der nossos medos e avancemos nas múltiplas lutas dentro e fora da ca. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil.
escola, por mais qualidade nas condições físicas, formativas e rela- Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010.
cionais, na busca pela ampliação da prática de uma educação que
respeite, enxergue, escute e valorize as crianças. Que possamos dor- FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensi-
mir e acordar, pausar e caminhar, mas, antes de tudo, resplandecer nar. 2. ed. São Paulo: Editora Olho D’Água, 1997.
como o sol no olhar das crianças, refletindo sobre o que deve mover
nossa prática educativa, (re)pensando nossas trilhas diariamente. OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; PASCAL, Christine (Orgs.).
Documentação Pedagógica na educação infantil: um caminho
para a transformação. Porto Alegre: Penso, 2019.
REFERÊNCIAS

BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria Graça Souza.


Cada dia a vida na escola com as crianças pequenas nos coloca
novos desafios. In: ALBUQUERQUE, Simone Santos de; FELIPE,
Jane; CORSO, Luciana Vellinho (Orgs.). Para pensar a docência
na educação infantil. Porto Alegre: Editora Evangraf, 2019.

BARBOSA, Maria Carmem Silveira. As especificidades da ação


pedagógica com os bebês. In: I SEMINÁRIO NACIONAL CUR-
RÍCULO EM MOVIMENTO – Perspectivas Atuais, Belo Hori-
zonte, Anais [...], nov. 2010.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular da Educação In-


fantil (BNCCEI). Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

258 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 259


parte 3
A ATUAÇÃO EM ESTÁGIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SOB PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR: PEDAGOGIA
E PSICOLOGIA EM DIÁLOGO NA UNIDADE
ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL (UAEI/UFCG)

Maria Luíza Sousa de Albuquerque1–UFCG


E-mail: marialuiza.salbuquerque@gmail.com

Maria Natânyele Silva de Souza2–UFCG


E-mail: silvanatanyele@gmail.com

INTRODUÇÃO

O
presente capítulo trata de reflexões acerca das experiên-
cias de Estágio não Obrigatório3 na Unidade Acadêmica
de Educação Infantil (UAEI), vinculada à Universidade

1 Graduada em Psicologia (UFCG). Atuou como acompanhante terapêutica pedagógica (ATP) na Unidade Aca-
dêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG)..

2 Graduanda de Pedagogia (UFCG). Atualmente, colabora como apoio pedagógico na Unidade Acadêmica de
Educação Infantil (UAEI/UFCG).

3 Ambos são Estágios não Obrigatórios, contudo, o estágio em Pedagogia se caracteriza como Estágio não
Obrigatório “Voluntário”, como foi chamado pelas profissionais da Unidade Acadêmica de Educação Infantil da
UFCG, já que não há supervisão nem remuneração, sendo a função da graduanda em Pedagogia, acordada com
as professoras, auxiliar nas atividades pedagógicas e nos cuidados básicos das crianças. No caso do estágio em
Psicologia, tratou-se de um Estágio Supervisionado não Obrigatório remunerado, em que a estagiária desenvolveu
um trabalho de Acompanhamento Terapêutico Pedagógico (ATP) com uma criança em processo de elaboração
de relatório diagnóstico de comprometimento global do desenvolvimento. Apesar da atuação como ATP, vale
salientar o envolvimento com toda a turma, tendo em vista a aproximação maior com as demais crianças nos
dias em que a criança acompanhada não comparecia à UAEI, além de que não é possível (nem deve) haver uma
separação entre a criança em processo diagnóstico e as demais, sendo a ATP figura importante no processo de
mediação e interação entre elas.

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Federal de Campina Grande (UFCG), durante o primeiro semes- para a práxis transformadora do(a) futuro(a) professor(a), estabe-
tre do ano letivo de 2023. As considerações apresentadas buscam lecida em constante diálogo. O estágio em Psicologia, por sua vez,
afirmar a importância da interdisciplinaridade entre as áreas de se caracteriza pela possibilidade de amadurecimento profissional,
Pedagogia e Psicologia para e com a Educação Infantil, construídas a partir da inserção nos contextos sociais, do estabelecimento de
a partir das experiências teórico-práticas das graduandas nos res- diálogos e do delineamento de ações que proponham e abram es-
pectivos cursos, cujas ações foram cruciais para o aprimoramento paço para transformação (Menezes; Medrado, 2013). Nessa pers-
da formação pessoal e profissional, bem como para a UAEI, lócus pectiva, visualizamos as interseções entre os dois campos do saber,
do Estágio, no que concerne a melhores vivências/interações com bem como as implicações que o estágio desempenha na formação,
as crianças, considerando suas especificidades. partindo de perspectivas semelhantes.
A realização de estágios4 durante a graduação possibilita que os Freire (1983) aponta para as contradições e os enfrentamentos
estudantes vivenciem teoria e prática como indissociáveis: elaborar, necessários no encontro com a realidade concreta, percebendo a
refletir e analisar o que se apresenta diante deles, atentando para si face interior e, por conseguinte, os detalhes que proporcionam uma
e para a interação com outros sujeitos, especificamente no que se visão mais crítica, profunda e ampla da realidade. Assim, entende-
refere à aproximação com os profissionais que pretendem ser e com mos o estágio como uma espécie de desencantamento e reencanta-
as profissões que exercerão. No que tange à formação de pedagogos mento do mundo, em que se apresenta a concretude, muitas vezes,
e psicólogos, em especial, faz-se necessário superar a dicotomia difícil e nova para estudantes ainda em graduação, mas também a
entre teoria e prática e criar relações entre ambas. possibilidade de inventividade e transformação.
Desse modo, a atividade de estágio é produzida e realizada na Tal possibilidade apresenta-se de maneira ainda mais intensa
interação entre os recursos de formação com o campo social em e frutífera a partir da interdisciplinaridade, isto é, do compartilha-
que os sujeitos vivenciam práticas cotidianas no ambiente educativo mento de saberes e bagagem que cada uma das estagiárias traz con-
(Lima; Pimenta, 2006). A ação reflexiva que aprofunda como um sigo. Vale salientar que apenas a troca de informações não configura
binômio teoria e prática, em detrimento da dicotomia que as coloca uma proposta interdisciplinar, uma vez que se refere à construção de
em situação de oposição, é fundamental para um profissional pen- uma escola atuante na formação social dos sujeitos (Pedrotti; Kemc-
sante, que vive num determinado espaço e tempo histórico. zinski; Pereira, 2019). Assim, trata-se de uma integração dos campos
De acordo com Pimenta (2013), o estágio no campo da Peda- de saberes no que diz respeito a conceitos e métodos, agregando a
gogia para a formação de professores(as) pode ser compreendido compreensão acerca da realidade a partir de diferentes óticas, con-
como uma unidade formativa que caminha da atividade teórica siderando processos históricos e socioculturais que se comunicam
mutuamente (Japiassú, 1976; Pedrotti; Kemczinski; Pereira, 2019).
4 Em alguns momentos do texto, apresentamos a palavra Estágio com inicial maiúscula quando esta diz respeito Nesse sentido, considerando que as experiências vivenciadas
ao componente curricular. Quando a palavra é escrita com inicial minúscula, referimo-nos ao estágio de forma
generalizada. suscitaram diversas reflexões referentes à Educação Infantil e ao

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cotidiano na sala de referência, este texto tem como objetivo geral uma escrita crítica e reflexiva (Lüdke; Cruz, 2010; Mussi; Flores;
refletir sobre a atuação em Estágio na Educação Infantil a partir de Almeida, 2021). O intuito desse tipo de produção visa, a partir de
diálogos entre as áreas da Pedagogia e da Psicologia. De modo es- uma experiência específica, à elaboração do que foi vivenciado e ao
pecífico, busca compreender a importância da interdisciplinaridade compartilhamento de aprendizados que possam incentivar outros
no manejo com a primeira infância; identificar as implicações da estudos e experiências, contribuindo para o desenvolvimento cien-
perspectiva interdisciplinar na formação das estagiárias; e discorrer tífico e a sociedade (Mussi; Flores; Almeida, 2021).
acerca de algumas das experiências compartilhadas no cotidiano Nessa perspectiva, tendo como base o diálogo entre as áreas de
com crianças e profissionais da UAEI/UFCG. Pedagogia e Psicologia na perspectiva interdisciplinar, o procedi-
Para tanto, o texto organiza-se da seguinte maneira: apresen- mento metodológico adotado parte de uma relação estabelecida en-
ta uma breve contextualização do tema, exposta até o momento, tre as experiências das alunas, articulada a uma revisão bibliográfica
descreve a metodologia adotada, discorre sobre crianças, primeira fundamentada em teóricos que tratam sobre os temas explorados
infância e Educação Infantil, e aborda algumas situações vivencia- neste texto, almejando a construção de um saber com base no que
das no campo de estágio, bem como o diálogo entre Pedagogia e vivenciamos, orientada principalmente pela perspectiva da Análise
Psicologia como uma experiência formadora. Por fim, são tecidas Institucional.
as considerações finais. A Análise Institucional, influenciada por correntes como a Psi-
cossociologia, a Psicoterapia Institucional, a Socioanálise e a Pe-
dagogia Institucional, nasce com a intenção de cultivar processos
METODOLOGIA revolucionários nas relações e nos modos de ser e estar no mun-
do, incentivando a transformação constante de forças instituídas
Este texto apresenta um caráter qualitativo, do tipo relato de (cristalizadas) e a criação de forças instituintes (que impulsionam
experiência. De acordo com Bogdan e Biklen (1991), estudos nessa o movimento, a mudança e o olhar analítico diante de saberes e
perspectiva buscam analisar os dados do fenômeno diretamen- práticas que permeiam as instituições) (Lourau, 2004).
te do seu ambiente natural, utilizando-se de instrumentos como O Estágio em questão teve como lócus a UAEI/UFCG5, situada
entrevistas, observações, fotografias e notas de campo para coleta na cidade de Campina Grande/PB, durante o primeiro semestre
dos dados. Nessa direção, a análise dos resultados encontrados em do ano letivo de 2023, no período vespertino, em uma turma com
pesquisas de cunho qualitativo deve constituir um procedimento
processual e indutivo, atrelado ao contexto do objeto de estudo.
5 A Unidade de Educação Infantil da UFCG organiza-se a partir de grupos de crianças em diferentes faixas etárias,
O relato de experiência, por sua vez, se caracteriza pelo registro de maneira que, além do Grupo 4, no qual o estágio foi realizado, existem mais dois grupos, Grupo 2 e Grupo 3,

e pela apresentação das experiências vivenciadas em determinado com crianças na faixa etária de 2 a 3 anos e 11 meses, no turno vespertino. No turno matutino, a Unidade possui
três grupos de crianças, com idades de 3 a 5 anos e 11 meses de idade, distribuídas de acordo com a idade entre
contexto, normalmente acadêmico e/ou profissional, a partir de os Grupos 3, 4 e 5, totalizando 6 turmas que colorem e experienciam cotidianamente a UAEI/UFCG.

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dezoito crianças entre 4 anos e 4 anos e 11 meses de idade (sendo CRIANÇAS, PRIMEIRA INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL
que algumas já têm 5 anos completos) e duas professoras efetivas.
Em relação à coleta de dados, foi utilizada a técnica de ob- As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
servação participante para conhecermos a estrutura do espaço, (DCNEI), de 2009, assim como a perspectiva da Sociologia da In-
aproximarmo-nos das crianças e dos profissionais da Unidade de fância, adotada por nós, definem a criança como sujeito de direitos
Educação Infantil da UFCG, analisarmos a perspectiva do trabalho e ator social e político, perpassado por aspectos históricos, sociais
desenvolvido na Unidade e compreendermos as propostas desen- e culturais, que precisam ser respeitados em suas múltiplas dimen-
volvidas pelas professoras do Grupo 4. A observação e a aproxima- sões, opondo-se ao poder sobre a vida (Abramowicz; Levcovitz;
ção subsidiaram as análises posteriormente, a partir de observações Rodrigues, 2009; Brasil, 2009; Sarmento; Pinto, 1997).
pessoais, anotações, sentimentos manifestados e compartilhados Além disso, compreende-a como sujeito desejante, que experi-
entre as estagiárias, possibilitando ver, ouvir e analisar as experiên- menta e interage com o mundo de modo a constituir-se subjetiva-
cias no contexto em que estávamos inseridas (Ana; Lemos, 2018). mente com relação a si e aos outros, brincando, imaginando, fanta-
Essa sistematização dos momentos, desde nossa entrada na siando, questionando e elaborando concepções acerca da realidade
UAEI enquanto estagiárias de Pedagogia e Psicologia, revela que, (Brasil, 2009). Nesse sentido, a criança atua sobre o mundo a partir
antes de aplicar intervenções com as crianças, se faz necessário co- de suas compreensões e significados, sendo a partir da socialização
nhecer quem elas são, de onde vêm e quais demandas necessitam, que a criança transforma a si e a sociedade.
o que demonstra respeito, atenção, cuidado e fortalecimento de O período da primeira infância, de acordo com o Fundo das
vínculos com os sujeitos, a cultura escolar e a rotina da instituição. Nações Unidas para a Infância – UNICEF (2020), corresponde de
Sousa e Campos (2022) afirmam que, na observação, a escuta 0 a 6 anos de idade. Nesse momento, apresentam-se as maiores
e o olhar sensível às crianças são indispensáveis para a realização possibilidades para o desenvolvimento das competências humanas,
do estágio, a fim de que sejam consideradas as subjetividades e destacando-se a interatividade social, em um processo que envolve
as diversas linguagens dos sujeitos expressas em suas interações o contato com preceitos de convivência, reconhecimento de si e do
e relações sociais, culturais e estéticas. Assim, a partir da escuta e outro, assim como a construção da sua autonomia e aquisição da
da atenção às crianças atreladas aos espaços, tempos e materiais, a linguagem em suas mais variadas expressões (oral, escrita, corporal,
realização do estágio se deu com dificuldades iniciais, como a inten- musical), dentre outros aspectos do desenvolvimento da criança
sidade da rotina, o maravilhamento com os avanços das crianças e pequena (Brasil, 2012).
a compreensão das concepções sobre crianças, primeira infância e A Educação Infantil, enquanto primeira etapa da Educação
Educação Infantil, assunto abordado no tópico a seguir. Básica, é definida pelas DCNEI como um espaço institucional edu-

268 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 269


cativo que busca a indissociabilidade entre o educar e o cuidar de de agentes que estabelecem relações externas e internas à unidade,
crianças, a partir de vivências que se tornem significativas para elas. sendo constantemente influenciados por essas redes de conexão.
Para tanto, tal política educacional define que é dever do Estado Nesse sentido, no cotidiano da instituição, compreendemos,
garantir uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos, em conjunto, a importância da delicadeza e do acolhimento, im-
desde a mais tenra idade (Brasil, 2009). prescindíveis na Educação Infantil, no manejo com crianças. Trata-
As unidades de Educação Infantil vinculadas às universidades se de um trabalho que extrapola os fins educativos e alcança práti-
federais, além de serem direcionadas para o cuidado e a educação cas de cuidado, atenção e fortalecimento de vínculos importantes
de crianças na primeira infância, compreendem uma estrutura de e necessários para que um processo de aprendizagem seja oportu-
funcionamento qualitativa e quantitativa, com um corpo de pro- nizado em seu máximo potencial, compreendendo, a partir de um
fissionais de múltiplas áreas de conhecimento que, em conjunto, olhar sensível, as singularidades e necessidades de cada criança.
buscam ampliar a função da unidade como campo de pesquisa, Freire (1989) aponta para o diálogo entre os sujeitos a partir da
observação, extensão, produção e socialização de conhecimentos interação enquanto um compromisso com a pronúncia do mundo,
sobre a Educação Infantil, guiando-se pelos pilares da universida- tendo em vista que, para o autor, a relação horizontal entre A e B,
de – ensino, pesquisa e extensão (Raupp, 2013). Dessa maneira, tal nutrida de amor, humildade, confiança e esperança, comunica e
vinculação interna das UAEIs com as universidades federais pode fortalece uma relação de simpatia. Desse modo, a partir das expe-
contribuir para o fortalecimento da instituição como campo de for- riências vividas e compartilhadas, notamos uma rede complexa e
mação, algo que pudemos experienciar enquanto estagiárias. profunda de relacionamentos pautados em diálogos entre crianças,
entre adultos e entre crianças e adultos dentro de um sistema que
integra cuidar e educar.
O DIÁLOGO ENTRE PEDAGOGIA E PSICOLOGIA Considerando todos esses aspectos, no que se refere ao Grupo
COMO UMA EXPERIÊNCIA (TRANS)FORMADORA 4, uma situação bastante recorrente que nos chamava atenção era
a queixa de algumas crianças com relação à saudade dos familia-
Utilizando-nos dos preceitos da Análise Institucional, enten- res. Nesses momentos, elas se aproximavam tristes e costumavam
dendo a importância dessa corrente teórico-prática no contexto solicitar maior atenção nossa. Além disso, notamos a preocupação
institucional da educação, partimos do pressuposto de que não é de outras crianças em oferecer um carinho, às vezes traduzido em
possível atuar em determinado contexto sem afetar e/ou ser afetado. um convite para brincar.
O envolvimento subjetivo torna-se indissociável da realidade em Ainda concernente ao aspecto emocional, em muitos momen-
que atuamos. Na UAEI/UFCG, percebemos uma rede intersubjetiva tos, percebemos que algumas crianças, eventualmente, se mostra-
vam muito irritadas ou muito sensíveis, algo que não era apresenta-

270 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 271


do normalmente. Enquanto parceiras de estágio, trocamos opiniões alguma tarefa, para conversar sobre sua vida ou para repetirmos a
e nos propusemos a conversar com elas a fim de sondar se estaria brincadeira proposta por nós ou até mesmo por elas.
acontecendo algo que se relacionasse ao comportamento demons- Ademais, destacamos a parceria entre as professoras do Grupo
trado pelas crianças e de que maneira poderíamos contribuir para 4 do turno vespertino, bem como entre os(as) demais profissionais
o bem-estar delas. do quadro docente da Unidade, revelando uma prática pedagógica
Nesse sentido, o diálogo, como um movimento de acolhida com intencionalidade e organização, visto que os planejamentos são
e respeito pela criança, se fez bastante presente em nosso cotidia- previamente pensados para um projeto comum. Nesse processo,
no. A aproximação entre as nossas áreas de atuação possibilitou a observamos a centralidade das crianças nas propostas educativas,
compreensão de que o endereçamento das crianças para conosco, uma vez que, no cotidiano e nos discursos das professoras, é pos-
através do compartilhamento de seus sentimentos, não acontece sível notar uma concepção de criança enquanto sujeitos históricos,
sem intencionalidade, mas parte de uma demanda que pode ser sociais, produtores de cultura e ativos, em consonância com a So-
respondida através do estabelecimento de uma relação de confian- ciologia da Infância (Sarmento; Pinto, 1997).
ça, respeito e amorosidade. Assim, evidencia-se o compromisso das profissionais para com
Além disso, percebendo que as crianças costumavam voltar as crianças, sobretudo, refletindo-se cotidianamente na melhor ma-
para a sala ainda bastante agitadas, devido às brincadeiras livres neira de lhes proporcionar momentos de aprendizagens, alegria e
realizadas no pátio da escola após o recreio, compreendemos que bem-estar, aliados à sensibilidade, à criatividade e à imaginação
seria importante realizar um momento de transição através do re- para um pleno desenvolvimento infantil. Tal perspectiva também
laxamento, com auxílio de colchonetes e músicas, em que predo- é refletida no uso dos espaços e materiais, tendo em vista a dinami-
minassem sons da natureza. Nessas situações, solicitamos que elas cidade em que os brinquedos, os livros, o banco de areia e demais
fechassem os olhos, respirassem fundo e prestassem atenção na materiais pedagógicos são utilizados, bem como na acessibilidade
música, questionando quais sons conseguiam identificar, como os de mesas, cadeiras, vasos sanitários e pias, por exemplo, cuidado-
sons de alguns animais, por exemplo, incentivando outras possibili- samente pensados para atender aos direitos e às necessidades das
dades de aprendizagem, que se deram, predominantemente, através crianças (Vieira Cruz; Andrade Cruz, 2017).
da sensopercepção auditiva. Percebemos, ainda, que o contato com as professoras que pos-
Outras situações bastante presentes em nosso cotidiano foram suem um percurso formativo e atuante mais extenso do que o nosso,
as brincadeiras vivenciadas com as crianças, em que percebemos assim como a convivência com outros profissionais que integram
o estreitamento de vínculo a partir de momentos descontraídos e a UAEI, promove, ao mesmo tempo, apresentação e convite a novi-
lúdicos que reverberaram numa maior abertura delas para conos- dades, afinal, cada uma, seja professora, estagiária ou alguém que
co, revelando-se na intensificação da procura para auxiliá-los em desempenhe outra função, é atravessada por experiências pessoais,

272 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 273


profissionais e/ou de formação que delineiam caminhos e olhares meio do acolhimento em determinado momento de tristeza, sauda-
distintos, mas possíveis de se complementarem, favorecendo uma de da família ou até mesmo em situações de estresse, considerando
grande rede de troca e aprendizagem, fundamental quando pensa- que as crianças nessa idade ainda se encontram em processo de
mos em um trabalho interdisciplinar. descoberta das emoções; além das brincadeiras, em que incitamos
interações e compartilhamento também entre as crianças.
Ademais, diante do exposto, destacamos que, mesmo diante
CONSIDERAÇÕES FINAIS das particularidades e das especificidades da Psicologia e da Peda-
gogia, é possível estabelecer relações dialógicas, uma vez que essas
O presente trabalho se propôs a refletir sobre a atuação em duas áreas buscam compreender e acompanhar a criança em seus
Estágio na Educação Infantil a partir de diálogos entre as áreas da processos de aprendizagens e subjetivação. Em outras palavras, am-
Pedagogia e da Psicologia, buscando compreender a importância da bas se debruçam sobre questões relacionadas ao desenvolvimento
interdisciplinaridade no manejo com a primeira infância e as impli- integral da criança, abrangendo aspectos sociais, históricos, cultu-
cações da perspectiva interdisciplinar na formação das estagiárias. rais, afetivos, cognitivos e motores fundamentais para a constitui-
Além disso, pretendeu discorrer acerca de algumas das experiên- ção dos sujeitos em sua integralidade.
cias compartilhadas pelas estagiárias no cotidiano com crianças e
profissionais da UAEI/UFCG.
A partir disso, percebemos que a interdisciplinaridade no con- REFERÊNCIAS
texto educacional é imprescindível para a formação dos sujeitos,
tendo em vista a oportunidade de acessar amplas visões de mundo ABRAMOWICZ, Anete; LEVCOVITZ, Diana; RODRIGUES, Ta-
que podem proporcionar um olhar crítico e reflexivo sobre as pró- tiane Cosentino Rodrigues. Infâncias em Educação Infantil. Pro
prias práticas, bem como as singularidades que integram os pró- -Posições, Campinas, v. 20, n. 3, p. 179-197, set./dez. 2009. Dis-
prios sujeitos inseridos no contexto que se apresenta. Desse modo, ponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73072009000300012.
nas experiências de Estágio não Obrigatório vivenciadas na UAEI, Acesso em: jun. 2023.
a perspectiva interdisciplinar se apresenta como fundamental para
melhorar a qualidade relacional no ambiente e o desenvolvimento ANA, Wallace Pereira Sant; LEMOS, Glen Cézar. Metodologia
das crianças. científica: a pesquisa qualitativa nas visões de Lüdke e André.
Dessa forma, visualizamos o quanto a nossa presença, apesar Revista Eletrônica Científica Ensino Interdisciplinar, [s.l.], v.
de exercermos funções distintas, contribuiu para o processo de de- 4, n. 12, p. 531-541, 30 nov. 2018. Disponível em: http://dx.doi.
senvolvimento das crianças, através de uma escuta mais atenta ao org/10.21920/recei72018412531541. Acesso em: jun. 2023.
que acontece em suas vidas na instituição e/ou fora dela, seja por

274 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 275


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Educação Infantil: o eu e os nós da formação. Revista Cocar, v. problemática a uma disfunção ou desajuste da criança. Esta seria o
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br/index.php/cocar/article/view/5137. Acesso em: jun. 2023. drada, 2005).

VIEIRA CRUZ, Silvia Helena; CRUZ, Rosimeire Costa de Andra-


de. O ambiente na educação infantil e a construção da identidade 1 Graduanda de Psicologia (UFCG). Atualmente, tem colaborado como acompanhante terapêutica pedagógica
na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG).
da criança. Em Aberto, [s.l.], v. 30, n. 100, p. 71-81, 18 jun. 2017.
2 Graduando de Psicologia (UFCG). Atualmente, tem colaborado como acompanhante terapêutico pedagógico
http://dx.doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.30i100.3308. na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG).

Acesso em: jun. 2023. 3 Orientadora de estágio e professora adjunta da Unidade Acadêmica de Psicologia (UAPSI)/UFCG.

278 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 279


No entanto, acompanhando o movimento histórico-político Acadêmica de Educação Infantil (UAEI), da Universidade Federal
do país, a partir da década de 1980, a Psicologia brasileira se arti- de Campina Grande (UFCG), por estudantes do curso de Psicologia,
culou com o tema da democracia e, entre os anos 1990 e 2000, se que atuaram como ATP de crianças com deficiência.
vinculou a pautas relacionadas à defesa dos direitos humanos (Bock
et al., 2022), sendo as políticas públicas um dos campos de maior
expressão da sua presença. METODOLOGIA
Assim, como área pertencente às políticas públicas, a Educação
Inclusiva se constitui como um tema caro para a área com investi- Este capítulo de livro foi construído como um ensaio teóri-
mento teórico-metodológico de autores renomados da Psicologia co, ou seja, propõe-se como um estudo preliminar, uma discussão
e de suas entidades, tal como o livro intitulado Educação Inclusiva: inicial, e sendo assim não pretende esgotar o tema, mas sim gerar
Experiências Profissionais em Psicologia, do Conselho Federal de reflexões e possibilidades de pensá-lo a partir de um prisma em-
Psicologia (2009). Esta obra foi resultado do Prêmio Educação In- basado tanto na teoria existente quanto na experiência empírica,
clusiva: experiências profissionais em Psicologia, edição 2006/2007, proporcionada pela atuação dos estagiários de Psicologia na UAEI.
instituído pelo Conselho Federal de Psicologia. Os textos selecio- Desse modo, primeiramente foram resgatadas as referências legais
nados defendiam uma educação que promovesse a igualdade de sobre inclusão escolar; em seguida, as históricas; e, por último, as
acesso e a permanência na escola de pessoas excluídas por serem referências de atuação do ATP na atualidade, articulando-as com as
consideradas deficientes, ampliando os conceitos sobre inclusão e a práticas desenvolvidas na UAEI durante o estágio.
defesa dos direitos humanos. Assim, a relação da Psicologia com a O ensaio teórico foi escolhido de forma consciente e inten-
Educação Inclusiva transitou de uma visão biomédica e estigmati- cional por sua natureza reflexiva e interpretativa. Como se trata
zante para uma perspectiva político-ideológica comprometida com de um tema novo, sobre o qual há pouca literatura, e consideran-
a inclusão escolar de crianças com deficiência. do o objetivo de refletir sobre o tema a partir da interpretação de
Diante do exposto, este texto foi elaborado a partir de três te- experiências vivenciadas no estágio, optou-se por esse método de
máticas principais interligadas: iniciamos com a legislação acerca construção de conhecimento.
de pessoas com deficiência; em seguida, é abordada a participação
da Psicologia na Educação Inclusiva numa perspectiva histórica; e,
por fim, enfatiza-se um campo de atuação emergente para a Psico- LEGISLAÇÃO QUE ABORDA A INCLUSÃO
logia, o Acompanhamento Pedagógico Terapêutico (ATP). Assim, ESCOLAR DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

com embasamento legal e histórico, foi possível argumentar sobre a


visão dos autores acerca do último tema, considerando a experiên- Ao estabelecer medidas, estratégias e responsáveis para sua efe-
cia no estágio supervisionado não obrigatório realizado na Unidade tivação, as leis cumprem a importante função de garantir direitos,

280 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 281


para que se possa promover a inclusão de pessoas com deficiências professores, outros alunos e profissionais que estejam envolvidos
e/ou neurodivergentes na sociedade. Nessa perspectiva, destaca- no processo educativo.
mos as três leis mais significativas para este trabalho: 1) a Lei nº O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015, em
12.764/2012, que inaugura a Política Nacional de Proteção dos Direi- vigor a partir de 2016) garante o direito à acessibilidade à educação
tos da Pessoa com Transtornos do Espectro Autista (TEA), pela qual e, em seu artigo 3º, inciso III, refere-se ao direito a “tecnologia as-
é assegurado que, para fins legais, a pessoa com TEA se enquadra sistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, re-
como pessoa com deficiência; 2) a Lei nº 13.146/2015, mais conhe- cursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem
cida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, a qual, além de as- promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação
segurar os direitos das pessoas com deficiência, traz um conceito de da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à
deficiência ampliado para o ambiente, não mais a designando como sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social”.
algo portado apenas pela pessoa; e 3) a Lei nº 14.254/2021, que dis- Nesse direcionamento, é citado ainda que as pessoas com deficiên-
põe sobre o acompanhamento integral para educandos com dislexia cia têm direito a acompanhante.
ou transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou A Lei nº 14.254/2021, que promulga o desenvolvimento e a
outro transtorno de aprendizagem. manutenção de programas de acompanhamento integral para os
A fim de atingir um cuidado em saúde de forma integral ao estudantes com dislexia, TDAH ou outros transtornos de aprendi-
sujeito, a Lei nº 12.764/2012 prevê o direito a atendimento multi- zagens, em seu Parágrafo Único, aborda que o acompanhamento
profissional em intervenções e tratamentos, bem como a educação, integral consiste na identificação precoce do transtorno, no enca-
a profissionalização, a moradia, a previdência e a assistência social minhamento do educando para diagnóstico, no apoio educacional
às pessoas com TEA. Prevê, sobretudo, o direito à vida digna e ao na rede de ensino, bem como no apoio terapêutico especializado
livre desenvolvimento da personalidade desses sujeitos, o que só na rede de saúde.
pode ser pensado a partir de medidas que visam à equidade e à Nessa direção, essas leis são de extrema importância ao esta-
inclusão. Mais precisamente no Parágrafo Único do artigo 3º da belecer direitos e políticas públicas para as pessoas com deficiência
Lei nº 12.764/2012, afirma-se que, “em casos de comprovada neces- e foram conquistadas através da luta popular, para que o direito
sidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas de existir com dignidade fosse concedido a esse recorte popula-
classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. cional. No âmbito da Educação Inclusiva, tais leis se constituem
2º, terá direito a acompanhante especializado”. A presença de um como dispositivos essenciais para a garantia do acompanhamento
profissional que acompanhe pessoas com TEA é essencial para que, terapêutico na escola.
uma vez estabelecido o vínculo, se possa mediar a relação delas com

282 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 283


PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA mar por garantir o direito fundamental à educação, representando
HISTÓRIA E MUITOS CAMINHOS assim uma integração à sociedade; por outro, não promovem uma
inclusão no ensino regular. Na ocasião, esses sujeitos circulavam
Historicamente, como corrobora Dazzani (2010), a Psico- somente nos espaços destinados a eles, não promovendo mudanças
logia Escolar transpôs de maneira acrítica os saberes da clínica estruturais na sociedade e, consequentemente, não sendo suficien-
tradicional ao contexto educacional. Ao aplicarem as teorias do tes para garantir o direito fundamental à participação e à interação
desenvolvimento e da aprendizagem, as concepções de infância comunitária e social.
e de normalidade direcionaram o olhar para as diferenças e difi- Com o advento das políticas públicas educacionais que enfati-
culdades individuais e subjetivas de crianças que rompem com a zam a inclusão escolar e a vinculação da Psicologia aos movimentos
homogeneidade, de modo que o paradigma em torno do fracasso em defesa dos direitos humanos (Bock et al., 2022), a prática do
escolar centrava-se na patologização. No entanto, observa-se que psicólogo reafirmou o compromisso ético-político da Psicologia na
essa perspectiva propõe uma massificação das propostas pedagó- luta contra quaisquer formas de exclusão social. O Código de Ética
gicas, ofertando-se as mesmas práticas a todas as crianças de modo Profissional da Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, 2005)
igualitário, supondo que sua conformação a essas atividades e o enfatiza esse elemento como um dos princípios fundamentais dessa
consequente sucesso ou fracasso escolar diriam respeito somente categoria profissional. Nesse sentido, é de fundamental importância
às suas próprias competências. Diante da inadequação de determi- compreender a indissociabilidade do compromisso ético-político
nados grupos chamados crianças-problema, ofertavam-se interven- na atuação do psicólogo, isso porque, ocupando o local de especia-
ções individuais que visavam adequá-las, normalizá-las aos padrões lista, os conhecimentos produzidos por estes operam na forma de
preestabelecidos pela escola, lócus da adaptação dos sujeitos às ca- saber-poder, implicando efeitos diretos e concretos na realidade
pacidades produtivas necessárias ao sistema capitalista. e especialmente na vida dos sujeitos com os quais possuem uma
Diante da incessante luta das pessoas com deficiência, de fami- relação terapêutica.
liares, professores e demais defensores dos direitos humanos, ano Assim, dentro da escola, o psicólogo preconiza a realização
após ano, a pauta da Educação Inclusiva tornou-se um horizonte de um mapeamento institucional que considere toda a rede de fa-
em busca por contextos não mais igualitários de educação, mas sim tores contextuais e ambientais que interferem na vivência de cada
equânimes. Há, com isso, uma mudança de paradigma, no qual criança, para pensar em estratégias interdisciplinares que, aliadas a
se iniciam reflexões e questionamentos sobre quais condições são toda a equipe pedagógica, venham a minimizar barreiras e ampliar
ofertadas na sociedade e no ambiente escolar para crianças com as possibilidades de cada uma desenvolver suas potencialidades,
necessidades específicas (Motta, 2018). Na esteira desses avanços, criando as condições adequadas para sua plena participação so-
surgem as escolas especiais, que buscam atender às necessidades de cial (Mitijáns-Martinez, 2005). Isso implica dizer que uma prática
crianças com deficiências. Se, por um lado, essas escolas vêm a so- psicológica que não leve em consideração os aspectos históricos,

284 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 285


políticos e sociais que compõem a realidade institucional da escola criança, professor e demais colegas, bem como no gerenciamento
poderá reforçar a exclusão escolar, indo na direção contrária do que de conflitos emergentes dessas relações.
a Psicologia considera princípio norteador da sua prática. Diante do exposto, observa-se que a atuação do ATP engloba o
envolvimento com, pelo menos, três atores do ambiente escolar: a
criança acompanhada, o professor (e/ou equipe escolar) e as demais
ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO PEDAGÓGICO COMO UM crianças da sala de aula. Para cada um deles, há objetivos de traba-
CAMPO DE ATUAÇÃO EMERGENTE PARA A PSICOLOGIA lho específicos para o ATP, que serão detalhados a seguir.
No que se refere à criança neuroatípica, o ATP deverá promover
Para Sereno (2006), o acompanhante terapêutico é um dispo- sua inclusão no ambiente escolar para que ela possa aproveitar ao
sitivo clínico no território escolar em prol da educação inclusiva. máximo seu tempo na escola. Como, em geral, essa criança possui
O acompanhante terapêutico pedagógico (ATP), ou acompanhan- algum grau de comprometimento no seu desenvolvimento global
te terapêutico escolar (ATE), acompanha a criança durante todo o infantil, o ATP precisará identificar quais dimensões do desenvolvi-
período escolar, dentro e fora da sala de aula, a fim de auxiliar no mento estão deficitárias nelas para atuar. Assim, o ATP poderá dar
processo de inclusão educacional (Oliveira, 2022). suporte para as dificuldades atencionais, de organização no am-
O ATP atua como um mediador que auxilia no processo pe- biente escolar, de engajamento, de realização das tarefas, de seguir
dagógico para a aprendizagem escolar de pessoas com deficiên- comandos coletivos, de comunicação e de socialização da criança,
cias (desenvolvimento neuroatípico), intermediando as relações de acordo com as especificidades apresentadas.
da criança com os colegas da turma e com os professores regentes, A partir da observação da subjetividade da criança e da análise
auxiliando-a nas atividades que fazem parte da sua rotina. dessas dificuldades, o ATP incentivará a criança a prestar atenção ao
Essa função mediadora do ATP como guia de aprendizagens comando da professora, a desenvolver estratégias comportamentais,
da criança é explicada por Araripe (2012) a partir da teoria vygos- sociais e de comunicação para participar das atividades e a mini-
tkiana, na qual a aprendizagem se dá na interação entre o sujeito mizar os déficits de aprendizagens identificados. O ATP prepara a
e o meio sócio-histórico e cultural. Por meio de signos e instru- criança para ir prestando atenção ao professor enquanto estimula
mentos mediadores, o ATP atua no processo de aprendizagem da sua autonomia para que ela possa desenvolver seu maior potencial
criança e na emergência de funções psicológicas superiores ao lon- escolar dentro de suas possibilidades. Seu maior intuito é ser cada
go do desenvolvimento infantil. Essa ação de guia-mediador deve vez menos necessário no ambiente escolar e, para tal, é fundamental
ser realizada de modo conjunto com o professor regente, em prol que esse ambiente seja preparado para a inclusão da criança.
do fortalecimento das relações de parceria e de cooperação entre Como o processo de escolarização é realizado no e por meio
de um ambiente social, a escola é um dos territórios potencial-

286 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 287


mente mais efetivos para a criança com alguma deficiência, pois avaliada e baseada nas especificidades apresentadas. Leite e cola-
nela existem crianças da mesma idade, possibilitando uma riqueza boradores (2011) ressaltam a importância da adaptação curricu-
interacional própria para seu treino comportamental e afetivo. Daí lar para o alcance efetivo da inclusão escolar, já que as atividades
a importância de a criança neuroatípica estar inserida em uma es- pedagógicas e os materiais deverão ser elaborados conjuntamente
cola regular. para atender aos objetivos pedagógicos comuns, considerando as
Vygotsky (1984) já apontava para a Zona de Desenvolvimento singularidades da criança.
Proximal (ZDP) como espaço simbólico de mediação semiótica en- Como suporte técnico baseado nas necessidades de inclusão,
tre sujeitos. Isto é, existem atividades que a criança não consegue o ATP apresenta ao professor regente os tipos de mediações e adap-
realizar sozinha, mas consegue realizar com a ajuda de outra pessoa tações necessárias às especificidades para potencializar a apren-
mais experiente. Nesse contexto, o autor apontava para a figura do dizagem da criança. Para isso, o ATP traça um projeto terapêutico
tutor – adulto ou outra criança mais experiente, que serviria como pedagógico individualizado para a criança, junto com a equipe
uma forma indireta de consciência até o ponto em que a criança escolar (Sereno, 2006), também chamado de Projeto Educacional
fosse capaz de realizar a ação de forma completamente autônoma, Individualizado (PEI), o qual será mais bem trabalhado no próximo
através de sua própria consciência e controle. tópico.
Nessa direção, a atuação do ATP com as demais crianças da sala Para o desenvolvimento do seu trabalho, o ATP necessita co-
(e/ou da escola) é sensibilizá-las para criarem um ambiente propício nhecer a criança com quem e para quem trabalha nos mais variados
à inclusão da criança com deficiência, convocando-as a serem esses aspectos do desenvolvimento global infantil, bem como em suas
tutores. Para tal, o ATP deverá propor e estabelecer com o professor especificidades – informações relevantes para a atuação na função
regente o desenvolvimento de atividades lúdico-pedagógicas entre escolar. Esse conhecimento envolve um processo de observação,
a criança com deficiência e as demais crianças, visando à promoção investigação, acolhimento e vinculação com a criança.
de interações sociais intencionais em prol de sua inclusão no grupo. A transferência, a presença ativa e o respeito à singularidade
Essa atuação do ATP junto com as demais crianças da sala e/ou da criança acompanhada são, segundo Sereno (2006), algumas das
da escola pressupõe um trabalho colaborativo com o professor re- ferramentas utilizadas pelo ATP no ambiente escolar para realização
gente. O ATP, como referência técnica para inclusão da criança com da sua função de secretário, intérprete e tradutor da ambiência, fa-
deficiência, deve orientar e oferecer suporte à equipe pedagógica vorecendo a subjetivação da criança (processo de construção da sua
em relação às necessidades da criança acompanhada, já que ele é subjetividade individual) e a conexão entre os elementos presentes
quem terá mais informações sobre sua subjetividade em função da no território escolar (ambiência, pessoas, regras, dinâmica).
vinculação terapêutica criada na interação da dupla ATP–criança. No que tange à organização específica deste trabalho, o am-
Para tanto, esse profissional deverá sugerir adaptações curriculares biente escolar no qual se realiza essa atividade é a Unidade Aca-
para o desenvolvimento da aprendizagem da criança anteriormente

288 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 289


dêmica de Educação Infantil (UAEI), que foi fundada em 1978 e Na experiência de estágio em Psicologia relatada, consideramos
vinculada à Universidade Federal da Paraíba (UFPB) como creche como base para o trabalho do ATP a vinculação terapêutica com a
e pré-escola do Campus II (atual Universidade Federal de Cam- criança acompanhada. Esse período de observação participante na
pina Grande - UFCG). Em 2013, recebeu o nome de UAEI e, desde instituição para compreender a criança no ambiente escolar e a
então, está ligada ao Centro de Humanidades da UFCG. No dia 23 criação de um ambiente de segurança, confiança, acolhimento e
de setembro de 2023, com a publicação da Portaria nº 694, do Mi- afeto serão tema de um capítulo à parte nesta obra, devido à sua
nistério da Educação, no Diário Oficial da União (DOU), a Unidade importância no trabalho do ATP.
passou a ter o status de Colégio de Aplicação. Isso implica que ago-
ra conta com recursos orçamentários específicos, sendo aplicadas
cada vez mais técnicas e metodologias educacionais desenvolvidas CONSIDERAÇÕES FINAIS
pela universidade na formação de alunos e professores (prática de
docência, estágios, residências pedagógicas das diversas licencia- As práticas de ATP buscam estabelecer uma ponte entre o aluno
turas, projetos de extensão e pesquisa, entre outras tecnologias de e a instituição escolar, fazendo mediações oportunas com foco no
aprendizagens). desenvolvimento e na aprendizagem da criança. Para tal, buscam
Os educadores da UAEI seguem a Base Nacional Comum Cur- desconstruir estigmas a respeito dos alunos com necessidades edu-
ricular e devem se dedicar ao incentivo e ao estímulo de desenvol- cacionais específicas.
vimento de competências das crianças, educando e cuidando atra- Oliveira (2022) ressalta que, muitas vezes, seja pela incom-
vés de interações e da brincadeira, com intencionalidade educativa. preensão do trabalho do ATP, seja pelo não compromisso da escola
Além disso, trabalham para garantir os direitos de aprendizagem e com a inclusão social, a instituição espera que esse profissional con-
desenvolvimento (conviver, brincar, participar, explorar, expressar tenha as manifestações atípicas da criança dentro do ambiente esco-
e conhecer-se), bem como proporcionar campos de experiências (o lar para que seu comportamento não atrapalhe o desenvolvimento
eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores das atividades pedagógicas previstas. O trabalho do ATP exige que
e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, ele tente acalmar a criança para redirecioná-la para a atividade pro-
quantidades, relações e transformações). Assim, objetiva-se o de- posta pelo professor. Para tal, precisará saber fazer intervenções
senvolvimento de todas as crianças com equidade, ética e responsa- comportamentais (como manejar comportamentos inadequados
bilidade, de modo que esses objetivos se coadunam com o trabalho e estimular comportamentos adequados), bem como promover o
do acompanhante terapêutico pedagógico, tendo em vista que este desenvolvimento socioemocional da criança com o intuito de mi-
agente atua visando justamente à diminuição das disparidades no nimizar os prejuízos educacionais e relacionais no ambiente escolar.
processo educativo, bem como à inclusão escolar de crianças com A função do ATP tem caráter multiprofissional e não é regu-
necessidades educacionais específicas. lamentada, sendo desenvolvida geralmente por um estagiário de

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Pedagogia, Fonoaudiologia ou Psicologia, sob orientação de um exige o resgate de conteúdos teóricos de diversas disciplinas, tra-
profissional de suas respectivas profissões, com experiência na área balhadas ao longo dos cinco anos de formação, bem como o uso de
de Educação Inclusiva. No entanto, alguns autores citam a prevalên- diversas metodologias ativas e da prática de intervenções terapêu-
cia de estagiários de Psicologia e Pedagogia ocupando essa função ticas e psicoeducativas com uma diversidade de público – criança
nas escolas (Araripe, 2012; Oliveira, 2022). Apesar de não ser uma acompanhada, professor e equipe pedagógica e de saúde da UAEI,
profissão regulamentada e de suas práticas serem ancoradas em demais crianças que convivem com a criança, além da família e dos
múltiplas abordagens e diversidade de referenciais teóricos, o ATP demais servidores da unidade.
na escola é um campo em ascensão para a Psicologia (Oliveira, Nesse sentido, o trabalho como ATP exige dos estagiários, além
2022), com pouca produção teórica na literatura. do conhecimento de uma diversidade de bases teóricas da Psicolo-
Nessa direção, em função da necessidade de acompanhamen- gia que orientam manejos técnicos específicos, um posicionamento
to especializado de nove crianças com deficiência matriculadas na ético-político na escola, dedicação à criança e investimento afetivo
UAEI, o aparato legal que garante a inclusão escolar foi acionado para construção do vínculo terapêutico, comprometimento com
pela coordenadora pedagógica, que viabilizou, juntamente com a os ideais da inclusão, ao mesmo tempo em que proporciona expe-
Coordenação Administrativa da UAEI e a Secretaria de Recursos riência profissional numa área emergente de sua futura profissão e
Humanos (SRH) da UFCG, um processo seletivo para contratação crescimento pessoal e coletivo (da equipe de Psicologia – estagiários
de alunos do curso de Psicologia da UFCG que tivessem interesse e orientadora).
em realizar estágio não obrigatório, com carga horária de 20 horas Ademais, é de suma importância ressaltar, de forma similar à
semanais na instituição, garantindo seu acompanhamento durante inovação, que é a emergência do ATP como campo de trabalho da
todo o turno de permanência das crianças na escola. Psicologia, o caráter pioneiro da UAEI na solicitação de estagiários
Além disso, a Coordenação Pedagógica da UAEI entrou em de Psicologia para atuar como ATP, ratificando a prática nesta obra
contato com a Coordenação De Estágio da UAPSI para viabilizar que celebra os 45 anos de existência da UAEI. A construção coleti-
um professor orientador do trabalho dos estagiários de Psicologia, va por parte de estagiários, orientadora, supervisores (professores
bem como construir conjuntamente uma agenda de trabalho que regentes) coordenação pedagógica e administrativa da instituição,
conciliasse as demandas da UAEI e as possibilidades de atuação bem como demais profissionais envolvidos nas e pelas ações desse
dos estudantes de Psicologia como acompanhantes terapêuticos novo campo de práticas, que é o ATP, aponta para o espírito van-
pedagógicos. guardista de pioneirismo na busca de desenvolvimento de técnicas
O estágio como ATP para os estudantes de Psicologia (iniciado que comunguem com o ideal de compromisso com a inclusão es-
em março de 2023) foi e tem sido desafiador, tendo em vista que colar presente na UAEI.

292 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 293


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SERENO, Deborah. Acompanhamento terapêutico e educação

O
inclusiva. Psychê, X (18), p. 167-179, 2006. riundo do período da Reforma Psiquiátrica brasileira e
com o intuito de promover a desinstitucionalização das
VYGOTSKY, Lev Seminovitch. A formação social da mente. São pessoas com transtorno mental provenientes dos hospi-
Paulo: Martins Fontes, 1984. tais psiquiátricos (Oliveira, 2022), o Acompanhamento Terapêutico
(AT) é uma modalidade de atendimento individualizado e intensivo
de pessoas com necessidades específicas em ambiente natural, tais
como casa, trabalho e escola (Araripe, 2012). Essa atuação, mais do
que um marco teórico, se caracteriza como um campo de práticas

1 Estagiárias na função de ATP e estudantes do curso de graduação em Psicologia da UFCG.

2 Orientadora de estágio e professora adjunta da Unidade Acadêmica de Psicologia (UAPSI)/UFCG.

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e está vinculada a uma postura ético-política assumida pelo profis- elucidação sobre a organização dos estagiários e suas respectivas
sional advertido da urgência da inclusão social efetiva. crianças; em continuação, realizamos uma breve discussão sobre a
Factualmente, o trabalho do AT se debruçou sobre pessoas his- fase investigativa construída por cada estagiário, no qual são trata-
toricamente excluídas, isto é, sujeitos perpassados pelo estigma da das as questões relacionadas aos diagnósticos. Por fim, são traba-
loucura e que, após longos períodos de internação, perdiam habili- lhadas as noções da avaliação dos processos psicológicos básicos
dades sociais básicas, necessitando de mediação de um profissional com ênfase na Educação Infantil, assim como as orientações acerca
que o acompanharia no território a fim de desenvolver estratégias do Plano Escolar Individualizado.
de reabilitação psicossocial. Atualmente o AT se ampliou para além
do campo da saúde mental e adentrou o território escolar (Sereno,
2006). No contexto educacional, o AT é considerado como uma prá- METODOLOGIA
tica em ascensão, possuindo a denominação de Acompanhamento
Terapêutico Pedagógico - ATP ou Acompanhamento Terapêutico O presente capítulo é um relato de experiência sobre a cons-
Escolar - ATE (Araripe, 2012; Oliveira, 2022). trução do plano de estágio de Psicologia na Unidade Acadêmica de
Muitas vezes, quem assume essa tarefa de inclusão escolar da Educação Infantil (UAEI). A UAEI é uma creche e pré-escola da Uni-
criança neuroatípica – a criança que possui necessidades educa- versidade Federal de Campina Grande, campus Campina Grande,
cionais específicas, em função de algum transtorno do desenvolvi- responsável pela escolarização de crianças entre 2 e 5 anos e 11 me-
mento infantil, seja no âmbito relacional, seja no que concerne às ses que adentram a instituição mediante processo seletivo público
aprendizagens – são estagiários provenientes dos cursos de Psicolo- (sorteio), aberto à comunidade em geral, sem divisão de categorias.
gia e Pedagogia (Araripe, 2012; Oliveira, 2022), também chamados O estágio não obrigatório se iniciou em março de 2023, com
de estagiários da inclusão. Entretanto, apesar dessa observação, a sete estudantes dos dois últimos anos do curso de Psicologia da
função do ATP não é restrita a esses estagiários/profissionais. Além UFCG, que atuaram como acompanhante terapêutico pedagógico
disso, devido ao caráter multiprofissional do trabalho do ATP, cada (ATP) de crianças com deficiência, matriculadas na UAEI.
responsável designado para essa função terá sua perspectiva de Para isso, foram inicialmente encaminhados nove relatórios de
atuação de acordo com as bases teóricas e epistemológicas corres- crianças que apresentavam, em sua maioria, transtorno do espec-
pondentes a sua prática. tro autista (TEA), transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
Portanto, a partir dessas breves considerações iniciais, este (TDAH), síndrome de Down e transtorno opositor desafiador (TOD).
texto pretende trabalhar a função do ATP pela ótica da Psicologia, No entanto, no decorrer do semestre, outras crianças foram ma-
pressupondo, inclusive, as especificidades que esta área possui. Para triculadas e novas hipóteses diagnósticas se acumularam, aumen-
isso, iniciamos com a apresentação e a descrição das demandas tando o quantitativo de crianças com necessidades educacionais
identificadas no campo do estágio; em seguida, passamos para a específicas.

298 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 299


O acompanhamento dessas crianças ocorreu dentro e fora da Outrossim, os campos de saber citados anteriormente são in-
sala de referência, durante seus turnos de escolarização (manhã ou tegrados juntamente com o estabelecimento do vínculo terapêutico
tarde), totalizando uma carga horária de 20 horas semanais. Cada com a criança, por meio da observação participante no seu cotidia-
estagiário foi designado para uma sala na qual havia uma ou mais no escolar, com o propósito de compreender o padrão de compor-
crianças com necessidades educativas específicas. tamento da criança, assim como suas afinidades e particularidades.
Nesse sentido, o objetivo deste texto é sistematizar o trabalho Conhecimentos sobre Psicanálise, Modelagem de Comporta-
desenvolvido pelos estagiários de Psicologia, mediante as orienta- mento e Teorias Cognitivas, bem como manejo de situações de cri-
ções dadas durante os encontros realizados entre o grupo de es- se, são importantes para que o psicólogo ATP auxilie a criança, com
tagiários e a orientadora para compreensão das funções do ATP, a proposição de estratégias que minimizem os danos relacionais e
bem como o direcionamento dos casos e a resolução de conflitos de aprendizagem, visando ao alcance do seu potencial máximo na
emergentes durante sua atuação. educação escolar.
Para tanto, é mister a elaboração de projetos educacionais sin-
gulares, o que requer uma escuta e um olhar atentos para adaptar
O PSICÓLOGO NO ACOMPANHAMENTO os materiais elaborados pelos professores às necessidades relacio-
TERAPÊUTICO PEDAGÓGICO nais e de aprendizagem de cada criança. Isso se configura como
outra especificidade do trabalho realizado pelo ATP com formação
O trabalho do psicólogo ATP pode ser realizado a partir de em Psicologia, pois ele transita entre o campo pedagógico (com
múltiplas abordagens e de uma diversidade de referenciais teóri- predominância de orientações psicoeducativas e adaptação de ma-
cos que englobam o campo da Psicologia. Neste trabalho, consi- teriais e atividades educacionais) e o campo terapêutico, a partir
dera-se que sua prática deve estar embasada no conhecimento dos dos fenômenos de transferência e vinculação entre criança-ATP
processos psicológicos básicos, com ênfase nos marcos do desen- (Nascimento, 2015).
volvimento infantil, a fim de compreender os aspectos cognitivos, Se, por um lado, a presença ativa do ATP corporifica a neces-
socioafetivos, psicomotores e/ou comunicacionais/linguísticos da sidade de um mediador entre a criança, o professor e as demais
criança acompanhada. Outro conhecimento necessário para essa crianças, que usam o ATP como tradutor e intérprete das linguagens
atuação é o campo do diagnóstico neuropsicológico infantil, que da criança; por outro, o corpo do ATP também servirá de espelho
promove a avaliação dessa criança de forma integral. Assim, com e de figura de acolhimento à criança acompanhada. A partir dessa
base nessa avaliação, torna-se possível compreender, por exemplo, reflexão, Sereno (2006) ressalta a invisibilidade do ATP, que empres-
indicadores de atrasos em seu desenvolvimento global que possam ta seu corpo para a mediação da criança acompanhada com a di-
favorecer prejuízos na aprendizagem. nâmica e os atores que estão inseridos nesse ambiente escolar. Esse

300 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 301


paradoxo presença ativa versus invisibilidade é o ponto mais alto possível identificar demandas que foram emergindo. Parte dessas
do trabalho do ATP, uma vez que sua mediação deve ir se tornando percepções aconteceu a partir dos deslocamentos proporcionados
desnecessária, pois encoraja para que essa função, antes realizada pela atuação dos estagiários, uma vez que foi a primeira vez que a
por ele, se torne compartilhada pelos professores e colegas de clas- UAEI recebeu, como estagiários, estudantes de Psicologia para exer-
se da criança. Quando o ATP consegue promover a autonomia da cer a função de acompanhantes terapêuticos pedagógicos. Tal fato
criança nessas relações e a escola cria condições de acolher, incluir é importante de ser salientado, já que representa um lugar caro à
e se comprometer com essa criança, o ATP finda seu trabalho. Psicologia, representando uma ampliação na equipe da instituição,
Diante desse breve resumo do trabalho do ATP com formação podendo levar posteriormente a uma efetivação do psicólogo para
em Psicologia, este texto pretende sistematizar como foi desenvol- compor a equipe interdisciplinar da UAEI.
vido o trabalho de acompanhamento terapêutico de crianças na A princípio, foi percebida a necessidade de momentos destina-
UAEI, a partir do relato de experiência de um grupo de estagiários dos a um direcionamento, junto à equipe da UAEI, para realização
de Psicologia. de um trabalho alinhado entre estagiários e equipe de profissionais
da instituição, especialmente os professores. Esse momento foi arti-
culado para acontecer em um formato de roda de conversa, a fim de
IDENTIFICAÇÃO DAS DEMANDAS DE ESTÁGIO: suscitar discussões sobre a legislação da inclusão escolar de pessoas
ARTICULAÇÕES ENTRE A INSTITUIÇÃO E A PSICOLOGIA com deficiência, as funções designadas ao ATP no âmbito escolar e
as especificidades das crianças acompanhadas (diagnósticos, carac-
A identificação e a compreensão das demandas do estágio se terísticas, manejo). Tal atividade ainda se encontra em programa-
configuraram como uma etapa fundamental para a realização do ção, no entanto, esse alinhamento já ocorre implicitamente entre
trabalho direcionado aos estagiários de Psicologia. Essa atividade os professores e as crianças dos seus respectivos grupos, bem como
propiciou a direção dos estudos e recursos de forma adequada, as- entre a professora do curso de Psicologia, a orientadora do estágio
sim como enfatizou as funções e responsabilidades que lhes foram e as coordenadoras pedagógicas da UAEI.
atribuídas. O objetivo disso é garantir a efetivação da função exerci- Como citado anteriormente, de maneira mais específica, aten-
da pelo estagiário dentro do campo institucional, além de facilitar o dendo à demanda de cada criança acompanhada, foi identificada
trabalho desenvolvido com a criança que está sendo acompanhada, a indispensabilidade de pactuação junto aos professores de cada
especialmente no tocante ao desenvolvimento infantil em suas es- grupo para alinhamento das intervenções terapêuticas necessárias
feras cognitiva, linguística, psicomotora, afetiva e relacional. a cada caso, bem como a troca de sugestões e críticas construtivas.
Com a entrada em campo, a partir do contato com a dinâmica Além disso, foi observada a necessidade de conhecer previamente
institucional, com a vinculação do estagiário com a criança, os pro- o planejamento pedagógico elaborado pelos docentes, para que,
fessores, as outras crianças da escola e os demais funcionários, foi quando necessário, as atividades e os materiais escolares previstos

302 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 303


para o dia fossem adaptados, tendo em vista as necessidades e afini- mento de uma ou mais crianças com relatório médico, apontando
dades da criança acompanhada. A adaptação visa tanto à facilitação diagnósticos relacionados a necessidades educacionais especiais ou
da aprendizagem quanto à inclusão da criança no grupo. que estavam em fase de diagnóstico. Isso implicou o acompanha-
Ademais, foi reconhecida a necessidade de acessar outros pro- mento de duas ou até três crianças na mesma sala pelo mesmo
fissionais da Unidade, como a médica pediatra, a enfermeira ou estagiário, o que se configurou como desafio teórico-metodológico
os outros professores que já tivessem acompanhado a criança em para a atuação do estagiário de Psicologia como ATP.
outro momento – se apropriado, para discussão de casos a partir Sendo assim, para uma melhor organização logística do tra-
de documentos preexistentes (laudos e/ou relatórios diagnósticos balho dos estagiários como ATP, foi necessário redirecionar a dis-
e pedagógicos), com o propósito de recolher informações prece- tribuição preexistente. Assim, após análise dos casos, a equipe de
dentes àquele momento, que poderiam ser fundamentais para o Psicologia (orientadora e estagiários) estabeleceu como critérios
ATP. Nesse sentido, acrescenta-se que o contato com as famílias que cada estagiário acompanhasse apenas uma criança e priorita-
das crianças acompanhadas é de extrema importância, na medida riamente as crianças que já possuíam relatórios diagnósticos. Essa
em que, identificada a necessidade, o trabalho junto aos familiares proposta foi sugerida à Coordenação Pedagógica da UAEI mediante
deve ser pontual, visando colher informações privilegiadas sobre a justificativa de necessidade de estudo mais aprofundado do ATP
as crianças acompanhadas, oferecendo acolhimento e orientação. para conhecimento das necessidades da criança designada, a par-
Por último, porém não menos significativo, os estagiários reco- tir das especificidades do seu quadro nosológico, isto é, para que
nheceram a importância de ter orientações e supervisões semanais o trabalho do ATP fosse efetivo para a necessidade educacional da
com a professora orientadora de estágio. Esses encontros visavam criança acompanhada, mediante estudo teórico-metodológico das
ao estudo dos casos, à discussão de materiais da literatura acadê- características neuroatípicas e demais especificidades.
mica, ao compartilhamento de afetos, ao planejamento de ações e Ademais, também foi sugerido que, para as crianças que se en-
à definição de encaminhamentos necessários. contravam sem laudos, deveria haver um esforço coletivo da equi-
pe da UAEI (professores, médica, coordenação pedagógica e, se a
equipe achasse necessário, estagiários de Psicologia), em prol do
IDENTIFICAÇÃO DAS CRIANÇAS E SEUS RESPECTIVOS ATP convencimento dos pais em busca de uma atenção integral neces-
sária, incluindo o diagnóstico formal. É importante destacar que os
O grupo de estagiários foi formado por sete acadêmicos que novos diagnósticos seriam a garantia legal para solicitação de novos
estavam entre o 7º e o 9º período do curso de Psicologia da UFCG estagiários, ampliando a equipe de Psicologia para realização de um
e foram aprovados e classificados no processo seletivo para ATP da trabalho personalizado para cada criança acompanhada. A sugestão
UAEI. Inicialmente eles foram distribuídos por turno e grupos edu- foi acatada e compreendida pela gestão como uma estratégia de
cacionais (salas de aula) em função da necessidade de acompanha- manter a qualidade do trabalho desenvolvido.

304 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 305


FASE INVESTIGATIVA das informações, sempre destacadas nas orientações de Psicologia e
no trato com outros profissionais. Esses documentos são de extre-
A necessidade de coletar informações acerca da criança, que ma importância para os acompanhantes terapêuticos pedagógicos
precede à chegada do acompanhante terapêutico pedagógico (ATP) (ATP), pois contêm informações relevantes, como a percepção dos
na instituição, se constituiu como uma das demandas iniciais iden- pais em relação às especificidades da criança, dados da anamnese,
tificadas pelos estagiários de Psicologia. A construção de um his- possíveis encaminhamentos realizados, se a criança está fazendo
tórico contemplando as diferentes perspectivas era indispensável uso de medicação, entre outros dados. Em alguns dos casos, foi
ao trabalho que se pretendia realizar enquanto ATP, visto que as verificada a relevância de um diálogo junto à médica pediatra da
informações acerca de dados fornecidos por outros especialistas instituição, em virtude da necessidade de fazer articulações sobre o
envolvidos no acompanhamento da criança, a exemplo do tera- desenvolvimento neurocognitivo da criança acompanhada.
peuta ocupacional e do psicoterapeuta, podem contribuir no di- Ainda nessa perspectiva investigativa acerca da criança, foi
recionamento de estratégias de criação de vínculo e de possíveis considerada a necessidade, em alguns casos, da realização de en-
intervenções com a criança. trevista familiar com os respectivos pais da criança para comple-
À vista disso, para as crianças que já possuíam um histórico mentar informações que ficaram em aberto. Nos casos em que a
na UAEI, foram acessados documentos e relatórios escolares que se reunião dos professores regentes com os pais e/ou responsáveis
encontravam disponíveis, referentes ao ano letivo anterior. Estes pela criança já tivesse ocorrido, anteriormente à chegada dos ATP,
tinham sido produzidos especialmente pelos professores regentes buscaram informações relevantes junto às docentes. Foi acordado
do grupo no qual a criança se encontrava. O relatório foi atualizado pela equipe de Psicologia que, se novas questões surgissem, com
com novas informações pertinentes ao desenvolvimento da criança anuência dos professores, os estagiários poderiam solicitar um en-
durante todo o período letivo, sendo apresentado aos pais ao final contro com os pais e/ou responsáveis pela criança para fornecer
do ano, quando se encerraram as aulas. Nesse sentido, os professo- informações adicionais e preencher lacunas de informações que
res responsáveis pelo grupo ao qual a criança pertenceu no último ainda estavam em falta.
ano também foram consultados, visto que, além de produzirem os Para complementar o conhecimento sobre o caso de cada crian-
respectivos relatórios, foram os profissionais que acompanharam ça, a orientadora dos estagiários selecionou e distribuiu materiais
diariamente as crianças. específicos da literatura acadêmica sobre as principais classificações
Os estagiários de Psicologia também tiveram acesso a docu- diagnósticas presentes nos laudos e/ou relatórios diagnósticos das
mentos relacionados ao histórico da criança, sempre que disponí- crianças acompanhadas, recomendando que cada ATP estudasse o
veis. Ressalta-se aqui a importância do sigilo e da confidencialidade material referente à especificidade da criança acompanhada.

306 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 307


AVALIAÇÃO DOS PROCESSOS PSICOLÓGICOS quatro esferas: motricidade, linguagem e comunicação, aspectos
BÁSICOS DA CRIANÇA A PARTIR DOS MARCOS socioemocionais e desenvolvimento cognitivo.
DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Com base nessas esferas, por meio dos fundamentos teóricos
da formação psíquica, neurológica e subjetiva do desenvolvimento
Os processos psicológicos básicos estão relacionados aos in- infantil, podemos caracterizar determinadas habilidades comuns
dicadores de alterações das funções psíquicas. Essa área aborda as para cada fase, no caso, de acordo com os grupos da escola: G2,
questões relacionadas à psicopatologia e a suas respectivas noções G3, G4 e G5. Essa análise procurou estar advertida dos indicadores
de saúde e doença. Dalgalarrondo (2008) esclarece que não existem socioculturais, da interação familiar e das singularidades de cada
funções psíquicas isoladas, logo, partimos do pressuposto de que criança. Por fim, para mensurar tais habilidades, identificamos atra-
a avaliação dos processos psicológicos básicos considera o sujeito vés de três opções: consegue fazer sozinho, consegue fazer com
em sua perspectiva singular e integral, assinalando os processos ajuda e não consegue fazer, seguindo as orientações da Sociedade
socioculturais e as interações familiares presentes. A partir disso, Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) para identificação precoce
deslocando a discussão para as particularidades do desenvolvimen- de atraso de neurodesenvolvimento. Os resultados da avaliação das
to infantil, leva-se em consideração as especificidades de cada faixa crianças foram apresentados aos respectivos professores regentes
etária. Além disso, essa avaliação psicológica torna-se crucial para para compartilhamento de opiniões sobre os achados.
identificar os indicadores das etapas de formação da criança. Para realizar essa análise, assim como concretizar o relatório do
As assinalações dos sinais e sintomas observados durante a ava- desenvolvimento global, partimos de uma lógica diferente ao que
liação psicológica são as alterações de: consciência, sensopercepção acontece, por exemplo, no exame das funções psíquicas com adul-
(representação e imaginação), pensamento, memória, linguagem, tos, em que ocorrem primeiramente a entrevista e a anamnese. Para
atenção, orientação (tempo e espaço), juízo de realidade, afetivida- adaptar à condição das crianças, utilizamo-nos, principalmente, do
de, vontade, psicomotricidade e inteligência (Dalgalarrondo, 2008). recurso lúdico, assim como da observação e do estímulo das ativi-
A partir da noção de funções psicológicas básicas, propostas por dades corriqueiras, de modo espontâneo, tendo como ferramenta
Dalgalarrondo, foi possível adaptar o processo para a criança acom- o brincar. Além disso, alguns estagiários sentiram a necessidade
panhada da Unidade Acadêmica de Educação Infantil da UFCG. de realizar testes psicométricos, técnicas projetivas e observação
Desse modo, os estagiários de Psicologia realizaram o regis- participante com a criança que acompanhavam.
tro das funções psicológicas básicas da criança, juntamente com Por fim, objetivou-se realizar um estudo do que foi analisa-
a construção do relatório de desenvolvimento global da criança, do de acordo com as esferas do desenvolvimento para conseguir
para qual cada ATP estava designado. Esse trabalho foi feito com construir, junto com os professores, as intervenções que viessem a
base nos marcos de desenvolvimento infantil, sendo divididos em contribuir para o desenvolvimento das dimensões deficitárias iden-

308 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 309


tificadas na criança. Essa atividade está diretamente relacionada à funções psicológicas, além das outras atividades dispostas pelos
construção do Plano Escolar Individualizado (PEI). estagiários.
Outrossim, é importante ressaltar o PEI como um documen-
to que não pode ser isolado. Para ele ser efetivo, precisa estar em
ORIENTAÇÕES SOBRE O PLANO consonância com as práticas pedagógicas do corpo docente, as-
EDUCACIONAL INDIVIDUALIZADO (PEI) sim como estar alinhado à ideologia da instituição. Ou seja, o PEI
deve ser abordado de modo integral durante todo o percurso da
O Plano Educacional Individualizado (PEI) é caracterizado criança na escola. Ademais, outro ponto deve ser assinalado: o PEI
por ter como objetivo promover a efetivação da inclusão escolar, não funciona como o protocolo enrijecido, mas como um projeto
deliberada pela Lei nº 13.146/2015. Assim, como emenda ao código, com inúmeras variáveis, que deve estar em constante avaliação e
dispõe que: reformulação.
Art. 28.A Deverá ser adotado, no âmbito do siste- Por fim, como estagiárias de Psicologia na UAEI, foi possível
ma educacional inclusivo, o Plano de Ensino In-
perceber que não só o PEI, mas também as demais propostas peda-
dividualizado – PEI, instrumento de planejamento
individualizado, destinado a cada educando com gógicas trabalhadas pelos professores, são frutos do que as crianças
deficiência, transtorno do espectro autista e altas demonstram interesse na sala de referência. Esses interesses são
habilidades ou superdotação, elaborado anualmen-
identificados na fala, nas brincadeiras e no frequente diálogo com
te, em que constarão todos os esforços pedagógicos
mobilizados para a aprendizagem do estudante. a família. Desse modo, a construção de um PEI que seja verdadei-
ramente efetivo se torna mais viável quando coloca a criança como
Com base nesse pressuposto, passaremos a algumas breves con- protagonista em seu processo de aprendizagem e promove o acesso
siderações sob o olhar da Psicologia em torno do instrumento PEI. ao ensino contrária à segregação, ao mesmo tempo, considerando
Primeiramente, entende-se que esse dispositivo é fulcral para a con- as diferenças.
cretização das funções do ATP, uma vez que se apresenta como fer-
ramenta de atuação, registro e rigor científico e metodológico para
o exercício do ATP na escola e em contexto de Educação Infantil. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além disso, nesse mesmo documento, afirma-se que o PEI tem
como pré-requisito para sua realização a elaboração dos indicado- Diante do exposto, percebe-se que o estágio de Psicologia na
res das áreas de competências e habilidades. Logo, no contexto da UAEI promoveu um campo fértil para o exercício do trabalho de
UAEI, isso é facilitado, como explicado anteriormente, pela con- acompanhante terapêutico pedagógico. A partir da sistematização
cretização do desenvolvimento global da criança e pelo exame das do trabalho do ATP, que apresentou como produtos tanto o PEI como

310 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 311


o Relatório Psicológico, foi possível verificar o desenvolvimento pessoal, duas profissionais de saúde – uma enfermeira e uma médi-
global da criança através das tecnologias de avaliação citadas ante- ca –, seria desejável a inserção de um profissional de Psicologia para
riormente. Com base nessa elaboração, constatamos que as crianças colaborar com a equipe interdisciplinar. Tal ampliação contribuiria
acompanhadas pelo ATP precisam estar em constante reavaliação de tanto para as crianças quanto para toda a equipe pedagógica da
suas necessidades educacionais para verificar se estão alcançando instituição, impulsionando a UAEI ao lócus de referência regional
seu potencial de aprendizagem, e isso só é possível com o desen- em inclusão escolar.
volvimento de um trabalho colaborativo entre professor regente e As observações realizadas durante o estágio nos motivam para
ATP. A ótica multiprofissional de tal intervenção colabora para que a realização de estudos que busquem avaliar o impacto do ATP de
essas crianças não sejam estigmatizadas e vistas somente sob o olhar Psicologia no desempenho acadêmico e no desenvolvimento global
limitado do diagnóstico, vislumbrando para elas possibilidades de das crianças neuroatípicas. Esta investigação poderá, portanto, for-
aprendizagem segundo suas potencialidades singulares, o que vai necer informações valiosas para aprimorar as práticas de inclusão
ao encontro de uma atuação verdadeiramente inclusiva. escolar mediatizadas pela atuação do ATP psicóloga(o) nesse campo.
Esse novo campo de trabalho possibilitou a articulação entre Por fim, espera-se ainda que, com a publicação desta obra, o tra-
o fazer da Psicologia e as práticas pedagógicas que acontecem na balho desenvolvido pelos estagiários de Psicologia na UAEI possa
UAEI. Além disso, por se tratar de centros acadêmicos distintos, o servir como referência para outros estagiários e profissionais que
estágio possibilitou que o Centro de Educação e Humanidades e o desejem atuar como acompanhantes terapêuticos pedagógicos.
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) reforçassem uma
parceria institucional a partir do trabalho interdisciplinar entre es-
sas categorias profissionais, o que aponta para novos projetos, tal REFERÊNCIAS
como um estágio supervisionado obrigatório do curso de Psicologia
da UFCG com a finalidade de atuar junto à comunidade de famílias ARARIPE, Natalie Brito. A atuação do acompanhante terapêu-
da UAEI, abordando o tema inclusão de modo geral, bem como tico no processo de inclusão escolar. 2012. 104f. Dissertação
ofertando suporte às famílias das crianças atípicas da instituição. (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Ceará, Pro-
Não obstante, o número limitado de estagiários designados grama de Pós-Graduação em Psicologia, Fortaleza, CE, 2012.
como ATP tornou desafiador o acompanhamento efetivo de todas
as crianças com demandas educacionais específicas na UAEI. Para BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de
tanto, visando à qualidade do trabalho desenvolvido pelo ATP, su- Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
gere-se que cada estagiário seja responsável por apenas uma criança Deficiência). Brasília, 2015.
atípica. Além disso, como a instituição contém, em seu quadro de

312 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 313


DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos A IMPORTÂNCIA DA VINCULAÇÃO AFETIVA
transtornos mentais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. NO TRABALHO DE ACOMPANHANTE
TERAPÊUTICO PEDAGÓGICO
NASCIMENTO, Verônica Gomes; SILVA, Alan; DAZZANI,
Maria Virgínia. Acompanhamento terapêutico escolar e autismo:
caminhos para a emergência do sujeito. Estilos da Clínica, São
Paulo, v. 20, n. 3, p. 520-534, dez. 2015. Erivan Leite Diniz–UFCG1
erivan_l@hotmail.com.br

OLIVEIRA, Amoriara Milhomem Francisca de. Acompanha- Lia Santos de Sousa–UFCG¹


saantoslia@gmail.com
mento terapêutico escolar no encontro da saúde com a educa-
ção. 2022. 47 f. Artigo de Graduação (Graduação em Psicologia) Maria Monaliza Gabriel Silva–UFCG¹
monalizamaria10@gmail.com
- Universidade Federal do Tocantins, Miracema do Tocantins,
2023. Suenny Fonsêca de Oliveira2
suenny.fonseca@professor.ufcg.edu.br

SERENO, Deborah. Acompanhamento terapêutico e educação


inclusiva. Psychê, X (18), p. 167-179, 2006.
INTRODUÇÃO

A
escola ocupa importante espaço na primeira infância,
pois oportuniza, fora do seio familiar, a experiência da
vivência coletiva na qual a criança irá se deparar com si-
tuações de interação com seus pares e, em alguns momentos, confli-
tos de ordem afetiva e emocional. Nessa ocasião, o território escolar
convoca a criança para uma educação emocional, incentivando-a
a desenvolver inúmeras estratégias, criando ferramentas para se

1 Estagiários na função de ATP e estudantes do curso de graduação em Psicologia da UFCG.

2 Orientadora do capítulo, de estágio e professora adjunta da Unidade Acadêmica de Psicologia (UAPSI)/UFCG.

314 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 315


organizar psiquicamente, reconhecer e lidar com tais sentimentos de autonomia, com o objetivo de sua inserção no universo social.
(Vygostky, 2008). Nesse sentido, o profissional facilitaria o processo de reinserção
Nessa perspectiva, o espaço escolar no tocante à Educação In- social (Fraguas; Berlinck, 2001). Muito embora essa modalidade
fantil estimula o brincar a fim de, através desse ato, potencializar o terapêutica tenha se originado com foco em pessoas em sofrimento
desenvolvimento das habilidades sociointeracionais das crianças, psíquico, há um diálogo muito pertinente entre a luta antimani-
incluindo a capacidade de compartilhar, cooperar e negociar (Vy- comial e a luta das pessoas com deficiência, visto que ambos os
gotsky, 2008). O brincar com outras crianças também se estabelece grupos sofreram um processo de heteronomia ao serem assujeita-
como um vínculo muito importante dentro do desenvolvimento dos, invisibilizados, excluídos e violentados de diversas formas na
global infantil. sociedade, tendo como uma de suas principais consequências seu
Serena (2006) apresenta a escola como um território que ga- baixo grau de autonomia.
rante o lugar social da criança, sendo esse o lócus de encontro com Assim sendo, estimulado pelas lutas sociais em prol da garantia
múltiplos significados. Se, por um lado, a origem da escola está de direitos às pessoas com deficiência, é possível observar um avan-
ligada ao ideário capitalista de constituição do cidadão produtivo, a ço de políticas afirmativas que garantam a inclusão dessas pessoas
partir do ensino de conteúdos e habilidades necessárias à formação na escola. Um reflexo disso é a crescente atuação do acompanhan-
da mão de obra trabalhadora; por outro lado, os atuais papéis que te terapêutico pedagógico (ATP) como parte de um processo inte-
a escola incorporou na sociedade a representam como um espaço gralizador da educação com crianças possuidoras de necessidades
articulador de redes de saúde, cultura, educação, lazer, qualificação específicas, seja em seu desenvolvimento infantil global, seja nas
profissional, bem como de garantia de direitos humanos. dimensões cognitivas, afetivas, comunicacionais, psicomotoras e
No tocante à pessoa com deficiência3, um dos direitos garan- relacionais, que afetam negativamente sua aprendizagem.
tidos pela legislação é a presença de acompanhamento especiali- O trabalho de acompanhamento terapêutico no território es-
zado (artigo 3º da Lei nº 12.764/2012, artigo 3º, inciso III, da Lei nº colar é um dispositivo clínico-pedagógico que se sustenta em uma
13.146/2015 e Lei nº 14.254/2021), sendo o acompanhamento tera- rede de compromissos coletivos, visando à consecução da educa-
pêutico (AT) uma possibilidade para garantir sua inclusão escolar. ção inclusiva e de qualidade para as crianças (Sereno, 2006). Esse
O AT é uma prática originalmente pensada como recurso auxiliar dispositivo identificado na legislação que aborda a inclusão escolar
no tratamento de pessoas em sofrimento psíquico com baixo nível foi utilizado pela Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/
UFCG), no início do ano de 2023, para realizar uma seleção de esta-
3 Compreendemos que nomear é um ato político e, por isso, optamos por esse termo, conforme indica Romeu giários do curso de Psicologia da UFCG, a fim de atender à necessi-
K. Sassaki, visto que reconhece a pessoa com deficiência enquanto um sujeito que tem impedimentos de longo
dade de inclusão escolar de crianças que precisavam receber apoio
prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial em relação a impedimentos ou barreiras do seu meio,
e que, por isso, tem prejuízo em sua participação plena na sociedade. especializado na instituição.

316 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 317


METODOLOGIA a importância do vínculo terapêutico para o desenvolvimento deste
trabalho.
Este capítulo é um estudo descritivo, do tipo relato de expe-
riência das atividades desenvolvidas entre os meses de março e ju-
nho de 2023 por estudantes do curso de Psicologia da Universidade VÍNCULO E AFETIVIDADE NO TRABALHO DO ATP
Federal de Campina Grande (UFCG), a partir de um estágio não
obrigatório para atuar como acompanhante terapêutico pedagógico A inclusão escolar representa em si mesmo um ato terapêutico,
(ATP) na Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI). considerando que a busca pela criação, o fortalecimento do laço
A UAEI é uma instituição pública voltada à Educação Infantil e social da criança e o investimento depositado no sujeito em sua
vinculada à UFCG, que trabalha com grupos de crianças com a mes- singularidade propiciam efeitos terapêuticos em todo o processo
ma idade nas salas de referência, a partir da Base Curricular Co- inclusivo (Nascimento et al., 2019). O ATP deverá atuar como um
mum Nacional (BNCC), e que adota como metodologia a Pedagogia mediador entre a criança e quaisquer questões ou desafios que lhes
de Projetos – campo de estudos que ressignifica e redireciona a prá- sejam apresentados e possam representar alguma dificuldade ou
tica pedagógica para projetos que tenham centralidade na vivência empecilho, tanto para seu processo de aprendizagem como para
das crianças (Santos; Carvalho, 2022). Embasada em pressupostos sua saúde integral. Com isso, essa modalidade propõe a promoção
como resolução de problemas da vida em sociedade, democracia e de um ambiente menos doloroso e penoso para a criança (Matos;
conhecimento pragmático por meio da investigação-reflexão, essa Diniz, 2014).
metodologia ativa e participativa trabalha a partir de projetos que É consenso que o trabalho de ATP provoca efeitos positivos
emergem de temáticas trazidas pelas crianças no cotidiano escolar tanto no viés terapêutico quanto no pedagógico. Fraguas e Ber-
e se adaptam às suas demandas. linck (2001) trazem evidências de tais efeitos na prática de acompa-
O presente texto se debruça sobre o trabalho do ATP com ênfa- nhamento, mesmo quando a contratação desses profissionais visa
se na importância da vinculação afetiva entre a díade criança-acom- apenas ao auxílio em questões pedagógicas de ensino-aprendizado.
panhante. O relato foi construído a partir da vivência de três dos Uma das explicações trazidas pelos autores é que esses benefícios
sete estagiários de Psicologia que acompanham crianças de 2, 3 e 5 não previsíveis podem ocorrer como uma consequência da forma-
anos de idade, sendo a mais nova com diagnóstico de síndrome de ção em Psicologia dos profissionais que estão exercendo a função,
Down e as outras duas com diagnóstico de transtorno do espectro os quais tratam a criança como um sujeito com potencialidades
autista (TEA). e atuam de forma a estimular e incentivar o desenvolvimento de
O objetivo desta escrita é compartilhar a experiência de ATP de habilidades latentes, mesmo a partir de “apostas”, sem garantias de
crianças com deficiências matriculadas na UAEI, visando evidenciar que chegarão a desenvolvê-las.

318 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 319


Assim, o efeito terapêutico no ambiente escolar – os resultados dessa criança. Assim, a afetividade demarca a entrada da criança no
positivos alcançados pelo trabalho do ATP com a criança acompa- universo simbólico, que será basilar à atividade cognitiva.
nhada – não viria de uma conduta clínica, mas sim de forma en- Os afetos se apresentam como o elemento mais inapreensível
trelaçada aos objetivos pedagógicos. Isto é, a conduta do ATP, mes- do homem, mais falaz para sua consciência e o mais determinante
mo visando à adaptação ao contexto social (objetivo pedagógico), para a sua conduta (Imbasciati, 1998). Eles são um motor que con-
necessita da formação de um vínculo com a criança, colocando-a duz a experiência subjetiva do ser humano, podendo ser entendido
em uma posição de sujeito, o que representa uma modificação im- como expressão de sentimentos, sejam eles de qualquer natureza
portante em seu modo de funcionamento mental (efeito terapêuti- possível, como raiva, tristeza, alegria e euforia, sendo todos eles
co). Dito de outra forma, Antonucci (1994) afirma que a “conduta válidos enquanto afetos. Dessa forma, é possível pensar que o vín-
terapêutica” do AT, que tem como consequência modificações no culo – independentemente da forma como é construído – é, neces-
funcionamento mental do paciente, e a “conduta pedagógica”, que sariamente, permeado por afeto.
visa à adaptação ao contexto social, são indissociáveis. Isto é, as evo- Retomamos aqui a ideia do trabalho de o ATP só ser possível
luções no desenvolvimento global infantil observadas no ambiente através da vinculação afetiva com a criança com a qual se está traba-
escolar a partir do trabalho do ATP têm repercussões em outros lhando, pois para a aplicação de conceitos teórico-metodológicos,
espaços sociais nos quais a criança circula. mediação técnica e obtenção de sucesso nas propostas, há a neces-
O trabalho do ATP se inicia com a construção de um vínculo de sidade da presença constante e de um laço cada vez mais forte entre
confiança entre esse profissional designado para inclusão escolar e o profissional e a criança. Isso pode ser compreendido a partir do
a criança com necessidades educacionais específicas. A construção conceito de aliança terapêutica.
de uma relação de confiança entre essa dupla de sujeitos, como Conforme Oliveira e Benetti (2015), o conceito de aliança te-
também entre o ATP e demais agentes educacionais da escola, exige rapêutica é um elemento central, independente da forma de psico-
investimento afetivo. terapia, pois foca na díade paciente-terapeuta, contribuindo para a
Neste trabalho, utilizamos a compreensão de vínculo oriunda construção de uma relação entre ambos que, posteriormente, será
dos trabalhos de Wallon (1981 apud Mahoney; Almeida, 2000), im- imprescindível para os avanços do processo terapêutico. Nesse
portante autor a fundamentar a afetividade em sala de aula, que de- sentido, Rogers (1977) elenca algumas características presentes no
marca as diferenças entre emoção e afetividade. Emoção se caracte- terapeuta que podem contribuir para a facilitação de uma aliança
rizaria como um elemento mediador entre o orgânico e o psíquico, terapêutica, tais como a compreensão empática, a capacidade de ser
sendo o primeiro vínculo e manifestação da criança com o mundo; congruente e a aceitação incondicional ao outro.
enquanto o segundo representaria um elemento mais elaborado e Embora existam diferenças entre muitas conceituações de AT, a
assim tardio do desenvolvimento, atravessado por aspectos subjeti- maioria das definições teóricas possui três temas comuns: a nature-
vos, os quais são responsáveis por moldar a qualidade das relações za colaborativa do relacionamento, o vínculo de afeto entre paciente

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e terapeuta e a habilidade de acordo da dupla nos objetivos e tarefas os sentimentos e os afetos possam ser expressados sem temor, he-
da terapia (Martin et al., 2000 apud Oliveira; Benetti, 2015, p. 127). sitação ou receio.
Na atuação do ATP, podemos evidenciar esses temas comuns ao
tratar de aliança terapêutica. O trabalho só é viabilizado através do
caráter horizontal da relação na qual se estabelecem acordos que INICIANDO O TRABALHO COMO ATP NA UAEI: A
sejam benéficos para ambas as partes, objetivando o alcance das CONSTRUÇÃO DO VÍNCULO TERAPÊUTICO

metas almejadas a partir da colaboração mútua.


Nesse sentido, a aliança terapêutica só consegue ser formulada Ao iniciarmos o trabalho como ATP na UAEI, foi necessário
se houver vínculo afetivo entre acompanhado e acompanhante. Em dedicar tempo para vinculação afetiva. Com algumas crianças, o
dado momento, durante o processo de vinculação, a criança acom- laço foi criado e fortificado de maneira rápida e intensa; com outras,
panhada – e, por vezes, sua família – passa a enxergar o ATP como foi necessário um maior investimento para construir uma relação
parte de sua rede de apoio. Quando isso acontece, é possível dimen- afetiva e um vínculo de confiança entre criança e ATP. Nessa direção,
sionar a importância de uma aliança terapêutica bem estabelecida, Sereno (2006) fala sobre o tempo de ambientação da criança com
pois será possível intervir de forma eficaz no desenvolvimento da deficiência necessário à sua adaptação à escola. Há muita novidade
criança. Caso o ATP não consiga estabelecer esse vínculo, seu tra- nesse momento inicial (é um ambiente novo, são novas pessoas,
balho será prejudicado. novas regras, uma dinâmica própria no ambiente escolar que, por
Além disso, Maldonado (1991 apud Allegretti et al., 2001, p. 39) vezes, assusta e/ou desloca a criança de sua rotina, deixando-a
afirma que é a partir da maneira como cada um enxerga a si mesmo insegura e desconfortável). É nesse tempo de ambientação que o
e ao outro que será estruturado o relacionamento terapêutico e que vínculo terapêutico entre criança e ATP se processa e constrói, de-
este pode ser assimétrico ou simétrico. Numa relação assimétrica, vido à presença constante e ativa do ATP como intérprete, tradutor
o desenvolvimento emocional e afetivo é muito mais unilateral, e figura que promoverá acolhimento e inclusão da criança a esse
portanto, é na relação simétrica que há a oportunidade da cons- novo cenário.
trução de uma relação de confiança e afeto entre ambas as partes. Além disso, a educação inclusiva para essas crianças não se
No trabalho com crianças que possuem necessidades específicas, sustenta unicamente através dela própria, nem apenas do trabalho
a construção do vínculo se realiza na presença cotidiana e se põe do ATP, mas sim através de uma rede de apoio. A rede sugere uma
como elemento primordial na relação, tendo em vista que a criança teia de vínculos, relações e ações entre indivíduos e organizações
precisa assegurar-se de que pode contar com o seu acompanhante, em um movimento constante de se compor e decompor em todos
que será acolhida e que deve confiar nele. Para isso, o ATP precisa os campos da vida social (Sereno, 2006). Sendo assim, o constante
respeitar o sujeito-criança, bem como ter uma relação concreta de caminhar com o estudante que precisa de uma educação específica
confiança com ela para que as conversas, as vivências, as opiniões, se faz a partir de uma rede viva e orgânica, composta por todos os

322 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 323


profissionais que contribuem para seu progresso, incluindo profis- de alunos diferentes, além de possuir um determinado nível de
sionais de saúde, como pediatras, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, desenvolvimento global, no que tange às habilidades emocionais,
terapeutas ocupacionais; profissionais pertinentes ao ambiente es- relacionais, de comunicação e interação social próprias. Dessa for-
colar, como professores, coordenadores, funcionários de limpeza, ma, esse momento inicial em que o ATP conhece a criança com
de segurança, ATP; as próprias crianças, bem como a família, que quem e para quem trabalha é de extrema relevância, sendo a reu-
deve estar incluída no processo. nião pedagógica com os familiares e/ou responsáveis primordial
Ao lançar o olhar para a criança, é fundamental olhar para para investigação de diversas questões relevantes sobre a criança,
quem está ao seu redor. A observância da rede de apoio da criança o que ampliará as possibilidades de sucesso no planejamento das
acompanhada é um dos pontos centrais do trabalho do ATP. De ações do ATP, conjuntamente com a equipe de professores regentes.
acordo com Neto, Pinto e Oliveira (2011), o trabalho coloca o AT As famílias apresentam diferentes possibilidades de engaja-
frente não apenas ao sujeito acompanhado, mas também, pelo me- mento e envolvimento no processo de aprendizagem de cada crian-
nos em um grande número de vezes, à sua família e ao seu círcu- ça, bem como diferentes recursos, sejam materiais (que possibilitam
lo social mais imediato. Trata-se, portanto, de um trabalho com acesso ou não a diferentes profissionais e atividades), sejam huma-
uma forte característica grupal, ainda que mereçam também toda nos (uma rede de apoio mais ou menos fortalecida, por exemplo),
atenção os momentos em que o ATP e a criança acompanhada se e isso se reflete no processo de aprendizagem da criança e, conse-
encontram sozinhos ou os vínculos singulares estabelecidos entre quentemente, no trabalho do ATP.
cada dupla ATP-criança. Dito isso, o trabalho de ATP se constrói Observando a experiência no campo de estágio, é notório que
como uma rede complexa de relações, em geral, terapêuticas, mas quanto mais engajada é a família no processo de desenvolvimen-
que precisam ser consideradas para evitar efeitos controversos. to da criança, mais possibilidades de avanço há na sua aprendiza-
Na UAEI, ao iniciar o trabalho acompanhando cada criança, foi gem. Isto posto, comparativamente, nota-se que as crianças que
necessário conhecer, mesmo que minimamente, quem a cerca. Pri- possuem redes de apoio mais frágeis acabam possuindo avanços
meiramente, os responsáveis foram apresentados pelos professores mais tímidos, por não receberem estímulos suficientes para poten-
regentes aos estagiários, sendo também conhecidos nos encontros cializar o trabalho desenvolvido na escola. Nesse sentido, a exigên-
cotidianos na escola. Em um segundo momento, os familiares fo- cia de objetivos comuns entre família-escola no caso de crianças
ram convocados para reuniões pedagógicas com os professores, que com deficiência é ainda maior para que, a partir de estratégias de
convidaram os estagiários de Psicologia para participar, fornecendo colaboração mútua, a criança possa progredir e desenvolver suas
informações que seriam de extrema relevância para a efetivação do potencialidades de forma plena.
vínculo terapêutico com a criança. Ademais, a construção do vínculo do ATP como ferramenta de
É importante considerar que cada criança acompanhada possui trabalho não se limita à criança acompanhada. Para efetivação do
idade e contextos familiares, bem como está inserida em um grupo seu trabalho, é preciso que a vinculação se amplie tanto para as de-

324 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 325


mais crianças do convívio escolar da criança acompanhada quanto (2001). Isso implica dizer que uma efetiva atuação do ATP ocor-
para os professores da turma. Um exemplo para o fortalecimento re quando ele vai promovendo a autonomia da criança na relação
de vínculos sociais e para o estreitamento de laços das crianças com a turma e com os professores até se tornar desnecessário. Na
acompanhadas com demais crianças da escola foi o investimento experiência como ATP na UAEI, essa situação ficou evidente quan-
na vinculação direta da turma com os estagiários, para que, através do, nas ocasiões em que o ATP, por razões justificadas, não pôde
deles, como elementos mediadores de inclusão, a turma envolvesse estar presente em algum dia no ambiente escolar, o vínculo da
as crianças acompanhadas em suas atividades e nas brincadeiras criança acompanhada com os pares e com os professores regentes
do cotidiano. Conforme essas relações foram se fortalecendo, foi foi suficiente para que as atividades pedagógicas transcorressem
possível perceber que as crianças da turma passaram a reconhecer sem causar prejuízos à criança. Também foi perceptível como, no
a presença e a ausência da criança acompanhada no seio da sala de dia seguinte, após a ausência do ATP, não foi apresentado nenhum
aula. Era comum o ATP ser questionado pelas crianças da turma tipo de regressão no vínculo terapêutico construído. Assim, po-
sobre o porquê de a criança que ele acompanhava não estar pre- de-se concluir que, se a construção do vínculo com a criança foi
sente na sala de aula, evidenciando o vínculo afetivo construído e embasada nos conhecimentos técnico-científicos necessários ao
sugerindo o sucesso nas estratégias de inclusão utilizadas. desenvolvimento do trabalho do ATP, bem como no investimento
No que tange ao vínculo com os professores, há a necessidade afetivo-relacional, as crianças acompanhadas vão ganhando uma
de trabalhar conjuntamente na construção de estratégias inclusivas autonomia no ambiente escolar. Esses resultados empíricos aqui
para a criança acompanhada, tanto no desenvolvimento de ativida- descritos foram observados tanto pelos estagiários ATP quanto pelos
des com toda a turma como na adaptação de materiais para possibi- profissionais da UAEI e pelas famílias das crianças acompanhadas.
litar a aprendizagem, segundo suas especificidades. Nesse sentido,
com base na observação participante da dinâmica da criança na
escola e no vínculo estabelecido com a convivência diária, por meio CONSIDERAÇÕES FINAIS
da escuta ativa, o ATP vai entendendo cada vez mais as necessidades
mais profundas, podendo sugerir adaptações à proposta pedagógica Diante do que foi observado e vivenciado pelos estagiários
elaborada pelo professor regente, bem como orientá-lo no que diz de Psicologia, ficou perceptível que a metodologia participativa
respeito ao trato com a criança no cotidiano escolar (Neto; Pinto; empregada no processo de Educação Infantil da UAEI permitiu a
Oliveira, 2011). criação de um ambiente receptivo e favorável à prática profissional
A vinculação entre a criança acompanhada e o ATP se confi- do acompanhamento terapêutico pedagógico. Isso porque traba-
gura inicialmente como uma relação de dependência, mas deve ir lhou com projetos, vivências e atividades pedagógicas que, além
evoluindo e se transformando para que o processo de mediação de seguirem a Base Comum Curricular Nacional prevista para a
seja assumido por outros atores, como sugerem Fraguas e Berlinck

326 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 327


Educação Infantil, permitiram a adaptação ao que é trazido pelas trazendo enquanto recorte as especificidades das crianças com de-
crianças em seu cotidiano. ficiência no território escolar.
Essa proposta metodológica de aprendizagem levou em consi- Neste capítulo, enfatizamos a importância da vinculação afetiva
deração as crianças como protagonistas do processo educativo, dis- no trabalho do ATP com a criança acompanhada. No entanto, para
tanciando-se de um modelo bancário e disciplinador de educação. efetivação do trabalho desse profissional, outras vinculações são
Assim, as linhas de pensamento dos acompanhantes terapêuticos necessárias, além do vínculo ATP-criança, tais como ATP-crianças
logo entraram em consonância com as dos professores regentes, do grupo de referência, ATP-família, ATP-professor regente, ATP-e-
sendo assim possível a realização das mediações necessárias sem quipe pedagógica. Cada uma dessas relações requer investimentos
maiores impedimentos, o que resultou numa maior rapidez e efi- de ordem e complexidade distintas, que merecem ser consideradas
cácia no estabelecimento do vínculo terapêutico com as crianças em trabalhos futuros.
acompanhadas. Por fim, apontamos também os benefícios intangíveis, re-
Dito isso, conclui-se que a prática do ATP constitui-se como lacionados ao trabalho do ATP com a criança com necessidades
um importante avanço para a garantia de direitos das pessoas com educacionais específicas, que não podem ser observados na escola.
deficiência e, dentro dessa modalidade, a vinculação terapêutica Esses impactos que extrapolam o espaço escolar e que podem ser
ancorada na afetividade se constitui como a ferramenta basilar que relatados por familiares e redes de apoio das crianças, através de
direciona tanto a atuação do ATP com a criança acompanhada e de- observações da reprodução de comportamentos adaptativos e do
mais crianças do seu cotidiano escolar, quanto o desenvolvimento desenvolvimento das habilidades cognitivas, afetivas, comunicacio-
de um trabalho interdisciplinar em prol de uma educação infantil nais, psicomotoras e sócio-relacionais em outros ambientes sociais,
inclusiva. Esse trabalho colaborativo entre ATP, professores regentes tal como no contexto familiar, também merecem destaque, sendo
e equipe pedagógica possibilitou a utilização e o desenvolvimento desejável a sua investigação.
criativo de diversas técnicas, ferramentas e intervenções no coti-
diano escolar da criança acompanhada.
A literatura sobre o trabalho do ATP enfatiza as dimensões cog- REFERÊNCIAS
nitivas e intelectuais de sua prática, havendo poucas produções que
abordem a dimensão afetiva da construção do vínculo terapêutico ALLEGRETTI, Ana Luiza Caltabiano et al. A relação e o estabe-
e sua importância para o processo terapêutico-pedagógico inerente lecimento de vínculo entre terapeuta e criança com atendimento
à sua atuação. Isto posto, justifica-se a relevância deste relato de em instituição e clínica particular. Cadernos de Pós-Graduação
experiência, demonstrando a necessidade de abordar a vincula- em Distúrbios do Desenvolvimento, v. 1, n. 1, 2001.
ção terapêutica e a afetividade no trabalho do ATP, principalmente,

328 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 329


ANTONUCCI, Roberto. Terapias ressocializantes: o acompa- IMBASCIATI, Antonio. Afeto e representação. São Paulo: Edito-
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SASSAKI, Romeu Kazumi et al. Terminologia sobre deficiência


na era da inclusão. Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, Elaine Tayse de Sousa
v. 5, p. 6-9, 2003. Docente no Núcleo de Educação da Infân-
cia, Colégio de Aplicação da Universidade
SERENO, Debora. Acompanhamento terapêutico e educação Federal do Rio Grande do Norte (NEI/CAP-
inclusiva. Psychê, São Paulo, v. 10, n. 18, p. 167-179, set. 2006. UFRN). Mestra em Educação pela Universi-
dade Federal de Campina Grande na linha
VYGOTSKI, Lev Semionovitch. A formação social da mente. Práticas Educativas e Diversidades. Espe-
São Paulo: Martins Fontes. 2008. cialista em Educação Infantil(FIP) e licenciada em Pedagogia pela
Universidade Federal de Campina Grande. Membra do Grupo de
Pesquisa Arte e Infância, UFRN, atua em pesquisas e projetos de
extensão voltados para discussões que envolvem as crianças, infân-
cias, contextos plurais e práticas educativas.

Isabela Sarah Trigueiro Custódio de Brito


Graduada em Pedagogia (UFCG/2022). Mes-
tranda em Educação (UFCG). Professora de
Educação Infantil. É integrante dos grupos
de pesquisa GRÃO – Grupo de Estudos e Pes-
quisas Infâncias, Educação Infantil e Con-
textos Plurais, e GPEG–Grupo de Pesquisa
em Educação Geográfica. Possui interesse nas temáticas de Educa-
ção Infantil, Formação docente, Docência com bebês e Currículo.
E-mail: i.belasarah@gmail.com

332 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 333


Maria Natânyele Silva de Souza Maria Luíza Sousa de Albuquerque
Graduanda do curso de licenciatura plena Graduada em Psicologia pela Universidade
em Pedagogia pela Universidade Federal de Federal de Campina Grande (UFCG). Em
Campina Grande/PB (UFCG). Bolsista pelo sua trajetória acadêmica, foi estagiária na
Programa Institucional de Bolsas de Inicia- Unidade Acadêmica de Educação Infantil
ção Científica (PIBIC), pesquisando sobre (UAEI/UFCG), atuando como acompanhante
raça e Educação Infantil, com orientação terapêutica pedagógica (ATP), participou de
da Profa. Dra. Dalila Castelliano Vasconcelos (UAEd/CH/UFCG). projetos de extensão e pesquisa, desenvolveu
Estagiária na Unidade Acadêmica de Educação Infantil vinculada atividades de ensino e de representação estudantil. É membra do
à UFCG (UAEI/UFCG). Participante do grupo de estudos Diálogos Núcleo de Pesquisa e Extensão de Saúde Mental, Justiça e Produ-
Freireanos em Educação, coordenado pelo Prof. Dr. José Luiz Fer- ção de Subjetividades (SAMJUS), do Núcleo de Pesquisa e Extensão
reira (UAEd/CH/UFCG) e do grupo de pesquisa Sociedade, Cultura e sobre Drogas (NUD), do Coletivo Negro Soul e compõe a Comissão
Educação. Participou do Programa de Educação Tutorial (PET) do de Saúde Mental, Álcool e outras drogas do Conselho Regional de
curso de Pedagogia. Técnica em Informática pelo Instituto Federal Psicologia da Paraíba (CRP 13). Além disso, é estudante de Teatro
de Ciência, Tecnologia e Educação (IFPB), campus Campina Gran- Experimental e percussionista na Associação Cultural Maracagran-
de. Interessa-se por gênero, raça, Educação Infantil e pelos estudos de. Contato: marialuiza.salbuquerque@gmail.com
do teórico Paulo Freire.
Vanessa Martins Farias
Lívia Chaves Nascimento Graduanda em Psicologia pela Universidade
Graduanda em Pedagogia pela Universida- Federal de Campina Grande–PB e atualmen-
de Federal de Campina Grande (UFCG/PB). te estagiária na função de acompanhante te-
Colaborou na UAEI/UFCG como aluna de rapêutico pedagógico na Unidade de Educa-
apoio pedagógico, de 2021 a 2022. Já parti- ção Infantil da UFCG. Durante a graduação,
cipou de projetos de extensão e monitorias atuou no campo educacional, na ECIT Prof.
de disciplinas. Atualmente, dedica-se às ati- Anésio Leão; e na clínica, no Serviço Escola
vidades do grupo de pesquisa Sociedade, Cultura e Educação, de de Psicologia da UFCG. Nas áreas de pesquisa e extensão, realizou
que faz parte desde 2020, e é bolsista do Programa Institucional de atividades no Programa Famílias Fortes e no Serviço de Acolhimen-
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID-Pedagogia). to Institucional para crianças e adolescentes, tendo como campos
de interesse a educação inclusiva e a garantia de direitos da popu-
lação infantojuvenil.

334 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 335


Lia Santos de Sousa Joyce Kelly dos Santos Ferreira
Graduanda em Psicologia na Universida- Professora da Educação Infantil da Rede
de Federal de Campina Grande–UFCG. Foi Municipal de Ensino de Blumenau/SC. Gra-
estagiária na Associação de Pais e Ami- duada em Pedagogia pela Universidade Fe-
gos dos Excepcionais de Campina Grande deral de Campina Grande/PB, com especia-
(APAE–CG), voltada para a Política Nacional lização em Educação Infantil e Letramento
de Saúde da Pessoa com Deficiência. Atual- pela Faculdade Metropolitana do Estado de
mente estagiária na UAEI, na função de acompanhante terapêutico São Paulo. Seu trabalho evidencia especifi-
pedagógico. Possui experiência de trabalho e intervenções com gru- camente a defesa da Educação Infantil pública, gratuita e de qua-
pos e tem interesse de estudo nas áreas de psicologia educacional, lidade, socialmente referenciada, reafirmando a indissociação da
inclusão, avaliação psicológica, políticas públicas, saúde coletiva, teoria e da prática que, juntas, sustentam o seu posicionamento
entre outros. pedagógico. Recusando-se a não causar estranhamento no processo
histórico contemporâneo. Falar sobre crianças e infâncias, para ela,
Erilania Ferreira Mendes é criar possibilidades de realizar a releitura do mundo e encon-
Graduada em Psicologia pela Universida- trar-se nesse espaço de descobertas e desafios juntamente com as
de Federal de Campina Grande. Durante a crianças.
graduação, realizou estágios na área clínica,
escolar e hospitalar. Membra e colaboradora Erivan Leite Diniz
do Laboratório de Psicanálise de Orientação Graduando em Psicologia pela Universidade
Lacaniana–LAPSO. Federal de Campina Grande (UFCG), Esta-
giário de Psicologia na função de acompa-
Renally Vital da Costa nhante terapêutico pedagógico na Unidade
Possui licenciatura plena em Pedagogia pela de Educação Infantil da UFCG. Estagiário do
UFCG e mestrado em Educação pela PPGEd/ Hospital Universitário Alcides Carneiro, na
UFCG. Atualmente, é coordenadora das cre- área da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Tem como áreas
ches (municipais) na cidade de Lagoa Seca/ de interesse inclusão e diversidade, tendo atuado no programa de
PB. E-mail: renallycostaufcg@gmail.com extensão Inclusão e Acessibilidade: Convivendo com a Diversidade
Humana.

336 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 337


Maria Monaliza Gabriel Silva Marta Betânia Ramos
Graduanda em Psicologia pela Universidade Graduada em Letras e especialista em For-
Federal de Campina Grande. Estagiária em mação do Educador, ambas pela Universi-
acompanhamento terapêutico pedagógico dade Estadual da Paraíba–UEPB. Trabalhou
na Unidade Acadêmica de Educação Infan- na Unidade Acadêmica de Educação Infan-
til, integrante do Núcleo de Pesquisa e Ex- til -UAEI/UFCG na função de recreacionista
tensão em Psicologia Comunitária, com ên- e, nos últimos anos, como bibliotecária da
fase em trabalhos sociocomunitários com crianças e adolescentes. referida Unidade, realizando contação de histórias e leitura de livros
infantis para as crianças. E-mail: martabramos@hotmail.com
Suenny Fonsêca de Oliveira
Psicóloga, doutora em Psicologia Social pela Janice Anacleto Pereira dos Reis
Universidade Federal da Paraíba. Professora Mestra em Educação pela Universidade Fe-
Adjunta da Universidade Federal de Cam- deral de Campina Grande (2019); especia-
pina Grande (UFCG). Membra da Diretoria lista em Educação Infantil e Anos Iniciais
Ampliada da Associação Brasileira de En- pela Faculdade Venda Nova do Imigrante
sino em Psicologia (ABEP). Tem se dedica- (2020); pedagoga pela Universidade Federal
do principalmente aos temas: atenção básica à saúde, estratégia de de Campina Grande (2016). Técnica peda-
saúde da família, metodologias participativas, práticas integrativas goga na rede municipal de Campina Grande desde 2022. E-mail:
em saúde, formação em Psicologia e formação / educação interpro- janiceanacletols@gmail.com
fissional em Saúde.
Antonia Luana Demetrio de Souza
Roberta Bezerra Santos Lima Mestra em Educação pela UFCG (2023). Li-
Licenciada em Pedagogia pela UFCG (2021). cenciada em Pedagogia pela UFCG (2019).
Professora substituta da Unidade Acadê- Atualmente, é professora efetiva de Educa-
mica de Educação Infantil, da Universi- ção Infantil na Rede Municipal de Educa-
dade Federal de Campina Grande (UAEI/ ção de Campina Grande/PB. Atuou como
UFCG). Lattes CNPq http://lattes.cnpq. professora substituta na Unidade Acadêmi-
br/9667891343404332. E-mail: roberta.be- ca de Educação Infantil – UAEI/UFCG (2022/2023)
zerra@estudante.ufcg.edu.br

338 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 339


Gabrielle de Lima Sousa te Paraibano de Educação Infantil (FAPEI). Professora da Unidade
Professora efetiva da Unidade Acadêmica de Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Lattes CNPq http://
Educação Infantil. Atualmente está como lattes.cnpq.br/6954840464233460. Orcid https://orcid.org/0000-
coordenadora pedagógica da referida Uni- 0001-9523-3189. E-mail: roseane.rodrigues@professor.ufcg.edu.br.
dade. Graduada em Licenciatura Plena em
Pedagogia pela Universidade Estadual da Maria Betania Barbosa da Silva Lima
Paraíba–UEPB. Especialista em Docência na Graduada em Pedagogia pela Universida-
Educação Infantil pela Universidade Federal de Campina Grande– de Estadual da Paraíba (UEPB) e mestra em
UFCG. Mestra em Educação pela Universidade Federal de Campina Educação pela Universidade Federal da
Grande–UFCG. Professora efetiva do Ensino Básico, Técnico e Tec- Paraíba (PPGE/UFPB). Doutoranda no Pro-
nológico–EBTT, da Unidade Acadêmica de Educação Infantil–UAEI. grama de Pós-Graduação em Linguagem e
Ensino da Universidade Federal de Campi-
Maria Isabella Santos Sousa na Grande (PPGLE/UFCG). Professora do Ensino Básico, Técnico e
Graduanda em Pedagogia pela UFCG (2020- Tecnológico, lotada na Unidade Acadêmica de Educação Infantil
2024). Atuou como aluna de apoio peda- da UFCG. Suas pesquisas e publicações concentram-se na Educação
gógico na UAEI/UFCG (2021-2022). Inte- Infantil com ênfase em práticas pedagógicas, letramento literário e
grante do Projeto Programa Institucional Educação Inclusiva. É integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID– Crianças, Infâncias e Educação Infantil (GRÃO); e do Fórum do
Pedagogia). Membra do grupo de pesqui- Agreste Paraibano de Educação Infantil (FAPEI), vinculado ao Mo-
sa: Sociedade, Cultura e Educação. Lattes CNPq http://lattes.cnpq. vimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB).
br/5699532707580231.
Mara Lúcia Santos Fonsêca
Roseane Rodrigues de Macedo Professora, pedagoga, especialista em
Mestra em Educação pela UFCG (2018). Es- Psicopedagogia, aposentada da Unidade
pecialista em docência na Educação Infantil Acadêmica de Educação Infantil da Uni-
pela UFCG (2016). Especialista em Educação versidade Federal de Campina Grande-PB,
Básica, práticas e processos educativos pela UAEI-UFCG. Atuou na educação durante 40
UFCG (2006). Especialista em Educação de anos, com crianças e adolescentes, sendo
Jovens e Adultos pela UnB (2002). Licencia- parte no município de Assu-RN, Boa Vista-RR; e 26 anos na UAEI,
da em Pedagogia pela UEPB (2000). Membra do Fórum do Agres- com crianças de 2 a 6 anos.

340 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 341


Naara Queiroz de Melo Jeane Costa Amaral
Mestra em Educação pelo Programa de Pós- Professora da Unidade de Educação Infantil
Graduação em Educação da Universidade da Universidade Federal de Campina Gran-
Federal de Campina Grande (PPGEd/UFCG) de. Doutora em Educação pela Universida-
e pedagoga pela Universidade Federal de de Federal de Alagoas, Mestra em Educa-
Pernambuco (UFPE). Professora da Unida- ção pela Universidade Federal de Sergipe
de Acadêmica de Educação Infantil da Uni- (2015), possui graduação em Pedagogia pela
versidade Federal de Campina Grande. É integrante do Grupo de Universidade Estadual de Feira de Santana
Pesquisa em Política e Gestão Educacional do PPGEd/UFCG. http:// (1996). Lattes: http://lattes.cnpq.br/9396258504107696; Orcid: ht-
lattes.cnpq.br/3589388982247952. Orcid: https://orcid.org/0000- tps://orcid.org/0000-0002-7837-3697. E-mail: jeane.costa@profes-
0002-0479-0332. E-mail: naara.queiroz@tecnico.ufcg.edu.br sor.ufcg.edu.br

Ângela Maria Alexandre Ramalho Wanessa Maciel Ferreira Lacerda


Docente na Unidade Acadêmica de Edu- Mestra em Educação pelo Programa de
cação Infantil da Universidade Federal de Pós-Graduação em Educação–PPGEd/UFCG
Campina Grande, UAEI/UFCG. Mestra em (2019). Graduada em Licenciatura Plena em
Educação pela Universidade Federal de Per- Pedagogia pela Universidade Federal de
nambuco na linha Educação e Linguagem. Campina Grande–UFCG (2016). É membra
Especialista em Alfabetização e Letramento ativa do Fórum do Agreste Paraibano de
pela Faculdade São Luís e licenciada em Pedagogia pela Universi- Educação Infantil (FAPEI) e do Grupo de Estudos e Pesquisas In-
dade Federal Rural de Pernambuco. Membra do Centro de Estudos fâncias, Educação Infantil e Contextos Plurais (GRÃO). Atuou como
em Educação e Linguagens–CEEL/UFPE e do grupo de estudos Al- professora substituta na Unidade Acadêmica de Educação Infantil
fabetização, Práticas Docentes e Formação de Professores GEAPRA- (UAEI/ 2019-2020). Atua como supervisora pedagógica da Educação
FOR/UFPE. Atua em pesquisas e projetos de extensão voltados para Infantil no Colégio Motiva de Campina Grande–PB. Lattes: http://
discussões que envolvem formação e práticas docentes no campo lattes.cnpq.br /3896080065565041. https://orcid.org/my-orcid?or-
da alfabetização e do letramento. cid=0000-0002- 0163-3008. E-mail: macielw051@gmail.com

342 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 343


Rayffi Gumercindo Pereira de Souza Beatriz Guedes de Carvalho Alves
Professor efetivo na Unidade Acadêmica de Graduada em Pedagogia UFCG (2021). Atuou
Educação Infantil (UAEI/UFCG). Atualmente como assistente de Alfabetização na Esco-
está como coordenador de Pesquisa e Ex- la Municipal Apolônia Amorim (2022).
tensão da referida Unidade. Doutorando Atuou como apoio pedagógico na Unida-
em Educação (UFPB), mestre em Educação de Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/
(UFCG) e pedagogo (UFCG). Integra o Gru- UFCG) (2019-2021) e assistente de alfabeti-
po de Estudos e Pesquisas sobre Educação, Diversidade e Inclusão zação na Escola Municipal Apolônia Amorim (2022). Atualmen-
(GEDI/UFPB/CNPq) e o Grupo de Estudos e Pesquisas Infâncias, te é professora substituta na UAEI. Lattes CNPq https://lattes.cnpq.
Educação Infantil e Contextos Plurais (GRÃO/UFCG/CNPq). Lat- br/1567600268244399. Orcid https://orcid.org/0000-0002-1577-
tes: http://lattes.cnpq.br/9873360619362250. Orcid:https://orcid. 3802. Email: beaguedesc@gmail.com.
org/0000-0002-3845-1259. E-mail: rayffi.ufcg@gmail.com
Ivanilda Dantas de Oliveira
Crisliane Boito Pedagoga da Unidade Acadêmica de Edu-
É mestra em Educação e pedagoga pela cação Infantil (UAEI/UFCG). Doutora em
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Educação pelo Programa de Pós-Graduação
(UFRGS). Atualmente é professora de Educa- da Universidade Federal da Paraíba (PPGE/
ção Especial e coordenadora do Núcleo de UFPB). Mestra em Educação pelo Programa
Acessibilidade Educacional – CNAE, do Ins- de Pós-Graduação da Universidade Federal
tituto Federal de Santa Catarina (IFSC), cam- da Paraíba (PPGE/UFPB). Especialista em Orientação e Supervisão
pus Canoinhas. Foi docente da Unidade Acadêmica de Educação Educacional pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), espe-
Infantil (UAEI) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) cialista em Educação Infantil pela Universidade Federal da Paraíba
entre 2018 e 2021, período em que integrou ativamente no Fórum (UFPB) e licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal da
do Agreste Paraibano de Educação Infantil–FAPEI. É pesquisadora Paraíba (UFPB). Membra do Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre
do Grupo de Pesquisa em Linguagens, Currículo e Cotidiano de a Criança (NUPEC) e pesquisadora da área das políticas curriculares
Bebês e Crianças Pequenas – CLIQUE/UFRGS e do Grupo de Estudos e do currículo na/da Educação Infantil. E-mail: ivanilda.dantas@
de Educação Infantil e Infâncias – GEIN/UFRGS. E-mail: crisliane. tecnico.ufcg.edu.br
boito@ifsc.edu.br

344 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 345


Simone Patrícia da Silva Quezia Rafaela Medeiros Sousa
Doutora e mestra em Psicologia pelo Pro- Graduanda do curso de Pedagogia da Uni-
grama de Pós-Graduação em Psicologia versidade Federal de Campina Grande
(UFPE), especialista em Psicologia na Edu- (UFCG). Atuou como apoio pedagógico na
cação (UFPE) e graduada em Pedagogia Unidade Acadêmica de Educação Infantil
(UFPE). Integra o Grupo de Pesquisa Cul- (UAEI/ 2018- 2020). Atua como tutora pe-
tura e Processos Psicossociais (UFCG/CNPq). dagógica da Educação Infantil no Colégio
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4908515973405000 Orcid: https://orcid. Motiva/CG. Lattes CNPq: http://lattes.cmpw.br/ 2640328972614862.
org/0000-0002-5363-9532. E-mail: simonecatia@hotmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0519-3318. E-mail: queziarm-
sousa@gmail.com
Tahis Emanuela dos Santos
Mestra em Educação na linha Práticas Edu- Vera Lúcia Dias de Oliveira
cativas e Diversidade (2021), licenciada em Especialista em Formação de Professores
Pedagogia (2014) e especialista em Educação em Mídias na Educação (UFAL), com licen-
Básica (2017) pela Universidade Federal de ciatura plena em Pedagogia (UEPB). Auto-
Campina Grande/UFCG. Atualmente é pro- ra dos projetos Kit Contagiar e pelo PNLL
fessora na Escola Bem Crescer–Berçário e do MINC em 2008. Uma das fundadoras
Educação Infantil; e supervisora educacional na Rede Municipal da UAEI/UFCG. Atuando como professora
de Ensino na cidade de Campina Grande/PB. Foi professora subs- desde 1978 até 2012. Também atuou por três anos na biblioteca da
tituta da Unidade Acadêmica de Educação Infantil (UAEI/UFCG), escola e, até o ano de 2023, na sala de recreação. Atualmente está
de fevereiro/2020 até fevereiro/2022. É integrante do Fórum do aposentada. E-mail: veraldocg@gmail.com
Agreste Paraibano de Educação Infantil (FAPEI) e do Grupo de Es-
tudos e Pesquisas Infâncias, Educação Infantil e Contextos Plurais Tania Lucia de Araujo Queiroz
(GRÃO), cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil/ Professora efetiva na Unidade Acadêmica
CNPq. http://lattes. cnpq.br/0045501882684607. Orcid: https://orcid. de Educação Infantil (UAEI/UFCG). Licen-
org/0000-0001- 8189-1981. E-mail: tahisemanuela@gmail.com ciada em Pedagogia (UFCG). Especialista
em Educação INFANTIL (UFPB). Mestra em
Educação Matemática e Tecnologia (UFPE).

346 DA CRECHE AO COLÉGIO DE APLICAÇÃO: AS CRIANÇAS EM CENA NA UFCG HÁ 45 ANOS 347


ESPAÇO PARA HOMENAGEM DAQUELES/AS QUE FIZERAM A UAEI/UFCG AO LONGO DOS SEUS 45 ANOS

1 Maura Pires; 2 Noeide Clemens; 3 Leocárdia Oliveira; 4 Beatriz Guedes; 5 Ana Paula; 6 Julita Santiago; 7 Antônia Luana; 8 Maria Fonsêca; 9 Wanessa Maciel; 10 Alberto Medeiros; 11 Rívia Diana; 12 Albanisa; 13
Renally Vital; 14 Maria Emanuela; 15 Vanila; 16 Vera Lúcia; 17 Lenimar Silva; 18 João Batista; 19 Tahis Oliveira; 20 Vera Oliveira; 21 Leny Santana; 22 Fátima Nóbrega; 23 Alexsandra Araújo; 24 Maria Azeredo; 25 Maria
Zélia; 26 Maria do Socorro; 27 Crislaine Boito; 28 Elaine Tayse;29 Juliete Ferreira; 30 Fátima Ferreira; 31 Simone Cantalice; 32 Pâmmela Sousa; 33 Socorro Silva; 34 Betânia; 35 Elisângela Sodré; 36 Francisca He-
lena; 37 Janice Anacleto; 38 Maria Ariceu; 39 Maria Amélia; 40 Marta Jordana; 41 Rita; 42 Marli Gaudêncio; 43 Paulino Santana (In Memoriam); 44 Maria das Graças (In Memoriam); 45 Maria do Socorro Oliveira
(In Memoriam). Esta homenagem se estende à Ana Lúcia, Ana Reis, Ayron, Ivone, Jane, María José Duarte, Wilma, Damião, Luisa Marillac, Robson, Carla, Valdeir, Dona Fátima, Socorro Cantalice, Rita Ferreira,
Cristina Curvello, Paulo Sabrine, Eurenice Oliveira, Terezinha Viana, Neli Fechine, Ricardo, Elizabete Barbosa, Gleide, Carmelita, Ana Lúcia, Veralucia Braga, Graça Mongiove, Regina Cláudia, Marcos Antônio (In
Memoriam), Carmem, Cristina, Elena Uema, Luiza Bortoluze, Graça Costa. Todos/as que fizeram essa história. Também estendemos nossa gratidão aos que fazem a UAED/UFCG, demais unidades acadêmicas
parceiras ao longo dos anos, administração da UFCG e todos/as os/as estudantes de Pedagogia que passaram por nossa unidade como apoio pedagógico. Muito obrigado!
Formato 15x21 cm
Tipologia Minion Pro/ Monserrat
Nº de Pág. 349

Editora da Universidade Federal de Campina Grande EDUFCG

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