Kastrup - Pensar A Ciência
Kastrup - Pensar A Ciência
Kastrup - Pensar A Ciência
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Pensar a Ciência
A queda da matéria e os contornos da próxima visão científica dominante de
mundo
(Science Ideated. The fall of matter and the contours of the next mainstream scientific
worldview.) (Ciência Idealizada)
(Pensar la ciencia. Los contornos de una nueva visión científica del mundo)
Bernardo Kastrup
2020
Vivemos numa era da ciência que permitiu avanços tecnológicos inimagináveis para os
nossos antepassados. Ao contrário da filosofia, que para resolver uma questão depende
de alguma forma de certos valores subjetivos e do próprio senso do plausível, a ciência
coloca questões diretamente à natureza, na forma de experimentos. A natureza responde
então apresentando determinados comportamentos, para que as questões levantadas
possam ser resolvidas objetivamente.
Inferimos a existência de algo além dos estados mentais porque, em princípio, isso
parece fazer sentido a partir de três observações canônicas:
Um mundo fora dos estados mentais, que todos nós habitamos, daria provisoriamente
sentido à observação 1.
Como este mundo compartilhado seria, portanto, não-mental, não acomodaria a nossa
vontade (mental), o que explicaria de uma forma transitória a observação 2.
Finalmente, se configurações particulares da matéria neste mundo gerassem de alguma
forma a atividade mental, isso talvez também explicasse a observação 3.
Foi assim que a nossa cultura assumiu como certo que a natureza é essencialmente
material, não mental. Novamente, esta é uma inferência metafísica que visa explicar
provisoriamente as observações canônicas que acabamos de mencionar, e não um fato
científico ou empírico.
O problema é que esta inferência metafísica é insustentável por diversas razões. Para
começar, não há nada nos parâmetros dos arranjos materiais – digamos, a posição e o
momento dos átomos que constituem o nosso cérebro – em termos dos quais
pudéssemos deduzir, pelo menos em princípio, como é estar apaixonado, saborear uma
taça de vinho ou ouvir uma sonata de Vivaldi. Entre quantidades materiais e qualidades
experienciais existe uma lacuna (um corte, um gap) explicativa intransponível (seria
isso um exemplo de um gap epistêmico de Pattee?) que os filósofos chamam de
“problema difícil da consciência” (Chalmers, 2003). Muitas pessoas não reconhecem
esta lacuna porque pensam que a matéria já possui qualidades intrínsecas – como cor,
sabor, etc. –, o que contradiz o materialismo “científico”: segundo este último, cor,
sabor, etc., são gerados por nosso cérebro, dentro do nosso crânio. Eles não existem no
mundo externo, que se supõe ser pura abstração (ver capítulo 3 deste livro).
O materialismo combina a necessidade de postular algo fora das nossas mentes pessoais
com a necessidade de postular algo fora da mente como uma categoria. Todas as três
observações podem fazer sentido se postularmos um campo transpessoal de atividade
mental além de nossas psiques pessoais (ver parte quatro – vai tratar do Idealismo
Analítico. Não seria isso o elemento T?) Certamente existe um mundo lá fora, além de
nós, onde todos habitamos; mas é um mundo mental, assim como somos agentes
intrinsecamente mentais. Ver as coisas desta forma contorna completamente o difícil
problema da consciência, uma vez que não precisamos mais preencher a lacuna
intransponível entre a mente e a não-mente, entre a qualidade e a quantidade: agora tudo
é mental, qualitativo e a percepção consiste em nada mais do que modular um conjunto
(pessoal) de qualidades para ajustá-lo a outro (transpessoal). (Não seria isso um
fechamento, uma redução a um monismo?) Sabemos que isto não é um problema
porque acontece todos os dias: os nossos próprios pensamentos e emoções, apesar de
serem qualitativamente diferentes, continuam a moldar-se uns aos outros.
Mas agora, no século XXI, não há dúvida de que podemos fazer muito melhor. Estamos
agora em posição de examinar honestamente os nossos pressupostos ocultos, confrontar
objetivamente as evidências, trazer as nossas necessidades e preconceitos psicológicos à
luz da autorreflexão e depois perguntar se o materialismo tem realmente alguma
utilidade. A resposta deveria ser óbvia, mas não é. O materialismo é uma relíquia de
uma época mais ingênua e menos sofisticada, quando ajudava os pesquisadores a se
separarem daquilo que investigavam. Mas ele não está à altura de nosso tempo e de
nossa era.
Também não estamos sem opções, agora que podemos dar sentido a todas as
observações canónicas apenas com base em estados mentais (Kastrup, 2019, bem como
a quarta parte deste livro). Isto constitui uma alternativa mais persuasiva, moderada e
coerente ao materialismo, e que também pode acomodar melhor as evidências
disponíveis. Os fundamentos desta alternativa são conhecidos, pelo menos, desde o
início do século XIX (Kastrup, 2020); possivelmente até por milênios. Hoje cabe
inteiramente a nós explorá-los e, francamente, agir em conjunto quando se trata de
metafísica. Deveríamos saber que não deveríamos continuar apegados – grotescamente
– ao insustentável.
Como Graziano, meus amigos consideram uma ilusão mística qualquer posição
metafísica não materialista. Isso sempre me surpreendeu. Só com o passar dos anos
comecei lentamente a perceber como duas pessoas inteligentes podem sustentar
julgamentos tão tendenciosos contra uma metafísica muito mais razoável: o problema
reside no facto de não compreenderem esta outra metafísica, mas antes de não
compreenderem entender o materialismo.
Pg. 33.
O materialismo é tão flagrantemente absurdo que suspeito fortemente que a maioria dos
materialistas casuais o substituem por uma ou outra má interpretação privada e implícita
das suas próprias mentes, que elimina alguns absurdos ao preço de ignorar
convenientemente certas contradições. Em outras palavras, é a total falta de
plausibilidade do materialismo que – ironicamente – o faz parecer crível, uma vez que
esta falta de plausibilidade obriga muitos a interpretá-lo mal sem se aperceberem, seja
qual for a forma secreta pela qual faz sentido para eles.
Para agravar o problema, muitas pessoas – mesmo as inteligentes – não parecem ser
capazes de reconhecer a natureza da sua própria consciência elementar através da
introspecção autorreflexiva. É por isso que ele mistura a matéria com as qualidades da
experiência, como meu amigo quando pensava que as cores, os sons e os cheiros do
meu jardim eram a coisa em si, em vez de meros fenômenos produzidos pelo cérebro. É
precisamente este erro que não param para examinar que para eles confere
plausibilidade ao materialismo: pensam que o mundo material é o conteúdo da
percepção, embora o materialismo afirme inequivocamente que não o é.
Um materialismo de qualidades?
Mas poderíamos conceber – por mera curiosidade – uma forma alternativa, mas
coerente, de materialismo que acomodasse a falsa interpretação que discutimos acima?
Isto é, poderíamos conceber um “materialismo qualitativo” segundo o qual as
qualidades da percepção estivessem realmente presentes no mundo externo – quer
constituíssem plenamente esse mundo ou fossem meramente propriedades objetivas
dele – enquanto as experiências fossem geradas pelo cérebro? A resposta é
definitivamente não".
Página 37.
Portanto, as mesmas qualidades devem ser intrínsecas à matéria, quando ocorrem fora
do nosso crânio, e epifenômenos de certas disposições materiais, quando ocorrem no
interior. Isto não me parece coerente.
Como já explicamos, as qualidades não têm função no materialismo, pois se assume que
os modelos físicos definidos quantitativamente são causalmente fechados, ou seja, são
suficientes para explicar todos os fenômenos naturais. Portanto, a capacidade de
sobrevivência de um organismo não deve ser influenciada pelo fato do processamento
de dados que ocorre em seu cérebro ser ou não acompanhado de experiência: em
qualquer caso, o processamento produzirá os mesmos efeitos; o organismo se
comportará exatamente da mesma maneira e terá as mesmas chances de sobreviver e se
reproduzir. Os qualia são extras supérfluos na melhor das hipóteses.
Assim, de acordo com as premissas fisicalistas, a consciência fenomênica não pode ter
sido favorecida pela seleção natural. Na verdade, nem deveria existir; todos nós
deveríamos ser zumbis irracionais cuidando de nossos negócios exatamente da mesma
maneira que agora, mas sem uma vida interior. Se a evolução é verdadeira – e temos
todos os motivos para acreditar que seja – então nossa própria sensibilidade consciente
contradiz o materialismo “científico”.
Esta conclusão inevitável é muitas vezes ignorada pelos materialistas, que muitas vezes
tentam atribuir artificialmente funções à consciência fenomênica. Aqui estão três
exemplos ilustrativos:
Nós, cientistas da computação, sabemos que nada disso requer experiência, já que
rotineiramente implementamos essas três funções em computadores de silício
presumivelmente inconscientes.
Com relação ao ponto 2, existem inúmeras formas de discriminar fluxos de dados sem a
necessidade de acompanhamento de experiência. O seu computador doméstico está
tendo problemas para separar as fotos das férias do ano passado da transmissão, ao vivo,
da webcam? Basta etiquetar ou rotear de diferentes formas, sem qualia, os fluxos de
dados da memória e os processos em tempo real.
Como ilustram esses três exemplos, todas as funções cognitivas concebíveis podem ser
executadas, de acordo com as premissas materialistas, sem experiência concomitante.
No entanto, vemos regularmente publicações científicas propondo um papel para a
consciência. Em uma recente postagem no blog da Oxford University Press, por
exemplo, foi afirmado que "a função da consciência é gerar representações
possivelmente contrafactuais de um evento ou situação", que "aponta para as origens da
consciência no curso da evolução" (Kanai , 2020).
Se alguém ler com atenção, no entanto, perceberá que o autor define a "função da
consciência" de uma forma muito contra intuitiva que contradiz a maneira como
qualquer leitor interpretaria as seguintes palavras:
Em outras palavras, o que o autor chama de "funções da consciência" não são as tarefas
cognitivas realizadas pela consciência, mas simplesmente aquelas visíveis à
consciência, ou seja, comunicáveis por meio da introspecção consciente. Por que
chamar essas tarefas de "funções da consciência" se não são o que a consciência faz,
mas apenas o que ela "vê"? De acordo com a definição contra intuitiva do autor, a
consciência fenomênica não é expressamente o agente causal por trás dessas tarefas –
uma vez que o autor explicitamente exclui da definição a eficácia causal dos qualia –
mas sim sua mera audiência. Assim, a teoria do autor está completamente errada
quando se trata do valor de sobrevivência de ter qualia, ou das origens evolutivas da
própria consciência fenomênica.
A impossibilidade de atribuir uma eficácia causal e funcional aos qualia constitui uma
contradição interna fundamental na visão de mundo do materialista "científico". Há
duas razões principais pelas quais essa contradição tem sido tolerada até agora:
primeiro, parece haver uma surpreendente falta de compreensão entre os materialistas
sobre o que o materialismo realmente implica. Em segundo lugar, trocadilhos falaciosos
– como os discutidos acima – parecem perpetuar a ilusão de que temos hipóteses
plausíveis para a aparente função de sobrevivência da consciência.
A consciência fenomenal não pode ter evoluído. Só pode ter estado lá desde o início,
como um fato irredutível e intrínseco da natureza. Quanto mais cedo o aceitarmos, mais
cedo progredirá nossa compreensão da consciência.
Capítulo 5.
A consciência como mero acidente?
O biólogo Jerry Coyne (2020) criticou meu argumento – discutido no capítulo anterior
deste livro – de que, sob as premissas do materialismo “científico”, a consciência
fenomênica não pode ter sido resultado da evolução darwiniana. A essência do meu
argumento é que, de acordo com o materialismo, apenas parâmetros quantitativos como
massa, carga, momento, etc. figuram em nossos modelos do mundo – pense nas
equações matemáticas que fundamentam a física – que, por sua vez, são assumidos ser
causalmente fechado. Portanto, as qualidades da experiência não podem desempenhar
nenhuma função. E as propriedades que não desempenham nenhuma função não podem
ter sido favorecidas pela seleção natural.
Vamos fazer um balanço do que Coyne está dizendo. Para começar, ele está
implicitamente, mas claramente reconhecendo minha afirmação de que a consciência,
de acordo com o materialismo, não desempenha nenhuma função. Ele então argumenta
que a consciência poderia ter evoluído como um subproduto ("enjuta") da complexidade
do cérebro ou mesmo ser uma mera característica acidental.
Seja como for, vamos ignorar caridosamente o que foi dito acima e conceder a Coyne
que as enjutas evolutivas podem ocorrer e que ocorrem. A questão então é se é plausível
que a consciência fenomênica seja uma dessas enjutas.
Não acredito. Posso imaginar que certas estruturas ou funções biológicas relativamente
triviais ou baratas (em termos metabólicos) sejam acidentais, mas a suposta capacidade
maravilhosa do cérebro de produzir as qualidades da experiência a partir da matéria
inconsciente não é de forma alguma trivial. Na verdade, é algo pouco menos do que
fantástico, a afirmação mais surpreendente do materialismo “científico”, o segundo
problema não resolvido mais importante da ciência de acordo com a revista Science (G.
Miller, 2005); e que acontece seja um subproduto?
Os materialistas não têm ideia – nem mesmo em princípio - de como o cérebro material
pode produzir experiências. Por isso apela para a inescrutável complexidade do cérebro
- e se esconde atrás dela - como se fosse uma nota promissória. A consciência
fenomenal – eles argumentam – é de alguma forma um epifenômeno* emergente
daquela complexidade insondável que um dia seremos capazes de entender. Mas se
fosse esse o caso, não seria razoável postular que algo que exige tal nível de
complexidade seja apenas mais um subproduto acidental. Você não pode ter os dois.
Nos animais, sejam eles bactérias ou humanos, qualquer sensação inclui uma
espécie de qualia. Por exemplo, o que o crustáceo Daphnia sente quando detecta
um peixe predador em sua lagoa? (2020)
Ironicamente, Coyne não vê que essas palavras flertam com uma forma de
pampsiquismo ou idealismo: a consciência já existe até mesmo nos organismos
unicelulares mais simples; nem mesmo requer um sistema nervoso. Uma admissão tão
abrangente e surpreendente contradiz a narrativa materialista dominante – ou seja, que a
consciência é um produto ou epifenômeno de sistemas nervosos (complexos) – que
Coyne acredita estar defendendo. Se “nos animais, sejam eles bactérias ou humanos,
qualquer sensação inclui uma espécie de qualia, então a consciência não é resultado da
complexidade evoluída do cérebro, pois não requer nenhum. Dito isso, não está claro
para mim qual é a posição de Coyne nessas questões cruciais; seu argumento não parece
seguir nenhuma linha consistente de raciocínio. Ele é realmente um materialista? Ele
entende o que é materialismo?
Seja como for, dizer que algo tão fantástico como o surgimento da consciência
fenomênica da matéria inconsciente pode ser um mero enjuta equivale a tornar a
evolução infalsificável: se até a mais inexplicável de todas as funções atribuídas à
matéria – a única coisa que escapou de todas as tentativas de descobri-lo, apesar de
décadas de pesquisa e especulação – pode evoluir, seja útil ou não, então tudo poderia
ter evoluído. Também poderíamos levantar os braços e abandonar completamente a
teoria da evolução, pois ela não nos permitiria fazer discriminações ou previsões de
qualquer tipo.
que o materialismo exige que todas as entidades sejam mensuráveis. Aqui temos
uma pergunta: você tem fígado? A resposta não é baseada em uma medição, mas
na observação. Nunca ouvi falar de nenhuma definição de “materialismo que
exija medições quantitativas (2020).
Eu gostaria de estar inventando isso, mas temo que não seja o caso.
A questão, claro, não é que não podemos olhar para nosso fígado sem pesá-lo ou
colocar uma fita métrica nele, mas que, de acordo com o materialismo, o fígado, em si
mesmo, não é feito das qualidades que experimentamos na tela da percepção quando
olhamos para ela. Em vez disso, não há dúvida de que é feito de partículas
exaustivamente definidas em termos quantitativos. Supõe-se que o cérebro evoque,
dentro dos limites do crânio, as qualidades que associamos ao fígado apenas quando o
representamos internamente na tela da percepção. Não é nenhum segredo, ou mesmo
controverso, que isso é o que o materialismo tradicional implica. O surpreendente é que
precisamente Coyne – defensor declarado do materialismo – esteja tão confuso sobre
isso.
Para o cúmulo da ironia, Coyne cita uma passagem de entrada sobre o “Materialismo”
da Enciclopédia de Filosofia de Stanford que, de certa forma, ele acredita refutar minha
“definição de materialismo”. Destaco este trecho:
Por alguma razão, Coyne acha que isso anula minha interpretação. Mas, como esperado,
apenas o confirma: segundo o materialismo, o fígado “à primeira vista não parece físico
(...). Mas (...), no final das contas, ou é físico ou torna-se físico”. E o que é "o físico" no
materialismo? São entidades exaustivamente definidas por quantidades – como massa,
carga, momento, relações geométricas, etc. –, não por qualidades; os últimos são
considerados epifenômenos. Portanto, "no fundo" o fígado também é constituído por
entidades físicas puramente quantitativas - não qualitativas -, precisamente como
afirmei no início e como o resto da comunidade filosófica sabe desde o primeiro ano da
minha licenciatura. É constrangedor me encontrar na posição de ter que explicar o que é
o materialismo a um materialista militante.
Coyne segue citando Patricia Churchland, uma eliminativista que justamente defende
que certas qualidades que acreditamos vivenciar não existem de forma alguma, muito
pelo contrário, à posição – grotescamente sustentada por Coyne – de que o materialismo
envolve qualidades. As contradições internas de seu raciocínio são esmagadoras. Na
verdade, ele continua afirmando que “já temos um grande corpo de evidências de que a
consciência e os qualia são de fato fenômenos que requerem um cérebro materialista e a
manipulação desse cérebro pode mudar ou eliminar a consciência” (Coyne, 2020). Essas
afirmações exemplificam as falácias clássicas que consistem em pressupor a conclusão
(petição de princípio) e confundir correlação com causalidade. Permita-me, leitor,
expandir isso.
Portanto, acredito que Jerry Coyne não é um participante sério em qualquer discussão
sobre a natureza da mente e da realidade. Como disse Edward Feser, o que Coyne
escreve sobre filosofia e religião tende a ser uma “antologia de falácias” (2016). Na
verdade, suas tentativas desajeitadas de defender o materialismo são um desserviço à
posição que ele defende, uma metafísica que – embora fatalmente falha – certamente
merece um tratamento menos confuso e mais profissional.
Página 90.
Portanto, exatamente como afirmei em meu artigo original, o que Graziano nega é a
“essência amorfa e fantasmagórica” que associamos coloquialmente à ideia de “alma”,
que pouco tem a ver com a consciência fenomenal. Isto é o que pretendia ser uma
refutação da minha crítica. Ironicamente, Graziano defende minha tese melhor do que
eu no meu artigo. Então, qual é o motivo de todo esse escândalo? O problema é que
a. defender a tese de que algumas de nossas representações internas são imprecisas,
b. afirmar que na verdade não temos algumas das experiências que conscientemente
pensamos ter, ou
c. afirmar que um senso de identidade etéreo e fantasmagórico é ilusório são
argumentos relativamente triviais e banais, nenhum dos quais poderia ser uma grande
manchete, porque não abordam o problema difícil da consciência.
Os problemas “fáceis” que Graziano está tentando resolver têm pouco ou nada a ver
com o desafio de dar sentido à consciência fenomenal. Se Graziano nunca tivesse
tentado retratar seu trabalho de outra forma, provavelmente eu nunca teria ouvido falar
dele e não estaríamos tendo essa discussão.
Graziano conclui sua peculiar “resposta” lançando-me o que parece ser uma
provocação:
Posso compreender a aversão visceral, talvez até o medo, daquelas pessoas que
pensam que esta abordagem científica usurpa o seu sentido de mistério.
Talvez eu devesse estar, de fato, apavorado. Minha única esperança é que, no final, a
razão e a clareza de pensamento prevaleçam sobre os jogos de palavras enganosos, a
confusão conceitual e o rebuliço.
Página 93.
Não é um espírito, apenas uma máquina
Uma resposta a Keith Frankish
Capítulo 13 Pg. 127.
Tudo isto, claro, levanta a questão: Qual é a nossa relação, como indivíduos com
mentalidade, com a hipotética mente transpessoal que nos rodeia a todos? Como alguém
que considera a sobriedade um valor orientador fundamental na filosofia, afirmo que,
em última análise, existe apenas uma consciência universal. Acredito que nós,
juntamente com todos os outros seres vivos, nada mais somos do que complexos
mentais dissociados – alteres – desta mente universal essencialmente unitária. Isto é
semelhante à forma como uma pessoa com transtorno dissociativo de identidade
manifesta múltiplos centros deslocados da consciência desperta. O limite da dissociação
é o que nos separa do nosso ambiente e também dos outros. A forma como essa
fronteira se apresenta na tela da percepção é o que consideramos nossa pele e outros
órgãos sensoriais. Conforme vivenciado de dentro – isto é, de uma perspectiva de
primeira pessoa – cada ser vivo, juntamente com o universo inanimado como um todo, é
uma entidade consciente. Mas, tal como vivenciadas do exterior – isto é, da perspectiva
de uma segunda ou terceira pessoa – as nossas respectivas vidas interiores assumem a
forma daquilo que chamamos de “matéria” ou “qualidade física”. Na verdade, na minha
opinião, “matéria” – toda matéria – é simplesmente o nome que atribuímos ao
aparecimento da vida interior consciente do outro lado da sua fronteira dissociativa. É
por isso que existem correlações tão estreitas entre a experiência interior e padrões
mensuráveis de atividade cerebral.
No idealismo analítico, porém, o que está lá fora também são experiências, embora estas
sejam qualitativamente diferentes daquelas que estão na tela da percepção. Em outras
palavras, o que se sente ao ser o mundo aí fora é qualitativamente diferente da sensação
de percebê-lo. Mas colmatar (fechar) a lacuna entre dois conjuntos diferentes de
qualidades é empiricamente trivial: testemunhamos isso acontecer o tempo todo. Por
exemplo, as qualidades dos nossos pensamentos podem ser diretamente traduzidas nas
qualidades das nossas emoções: o que se sente ao ter o pensamento de que, digamos, a
vida não tem sentido é então traduzida na emoção sentida de desesperança ou desespero.
A qualidade do pensamento, embora diferente da emoção, leva diretamente a esta
última. Portanto, não há dificuldade na hipótese de que os pensamentos transpessoais
que existem por aí, ao influenciarem o limite dissociativo do nosso respectivo alter –
cuja representação é a nossa pele e outros órgãos sensoriais – sejam traduzidos em
qualidades de percepção. Já não existe mais uma lacuna intransponível.
O idealismo analítico é de enorme relevância para as nossas vidas, seja como indivíduos
ou como membros de um coletivo. Afinal, nossas ideias metafísicas, mesmo que
implícitas e não examinadas, colorem todos os aspectos de nossas vidas, desde nossos
valores morais até nosso senso de significado. A noção de que a existência é
fundamentalmente senciente e unitária tem implicações extraordinárias na forma como
vemos uns aos outros e como consideramos o planeta em que vivemos e o universo em
geral. Para citar um exemplo óbvio, a escola filosófica do existencialismo parece
pressupor a separação, o que é essencialmente negado pelo idealismo, embora o
idealismo permita a aparência de separação.
Mas a implicação mais relevante do idealismo analítico tem a ver com a forma como ele
molda a nossa compreensão da morte. Se a vida é o aparecimento extrínseco de
processos dissociativos ao nível universal, então a morte – o fim da vida – é o fim da
dissociação; isto é, a reintegração da nossa vida interior consciente num contexto mais
amplo. Num sentido importante, isto vira de cabeça para baixo a nossa compreensão da
morte: ela deixa de ser o fim ou a constrição infinita da consciência e representa
exatamente o oposto, uma expansão. Na verdade, existem provas empíricas
convincentes de que este é o caso, conforme argumentado no Capítulo 25 deste livro.
(Eu não acredito nisso.)
O idealismo analítico também pode moldar a nossa compreensão da identidade pessoal.
Como Schopenhauer explicou há cerca de duzentos anos, cada um de nós tem uma
espécie de dupla identidade ou “dupla existência” (ver Kastrup, 2020). A primeira
identidade é o que Schopenhauer descreve como o “olho eterno do mundo”, que “olha
para todas as criaturas que conhece”. O filósofo Itay Shani descreveu essencialmente a
mesma coisa em termos analíticos modernos com o rótulo de “subjetividade nuclear”,
que é “o dativo (…) da experiência, (ou seja, aquele a quem as coisas são dadas, ou
descobertas, a partir de uma perspectiva” (2015). A subjetividade nuclear não implica
conteúdos – nem nome, nem local de nascimento, nem profissão, nem idade, nem
memórias episódicas, etc. – nem narrativas da própria identidade. Pelo contrário,
consiste num espaço vazio subjetivo com o seu sentido indiferenciado inerente de uma
qualidade primordial. Pode-se imaginar como seria se alguém ficasse completamente
amnésico, mas ainda consciente, enquanto estivesse em uma câmara ideal de privação
sensorial.
Mas Schopenhauer também reconheceu que, enquanto estamos vivos, todos temos um
segundo modo de existência que corresponde ao nosso corpo físico: a aparência ou
representação extrínseca dos nossos conteúdos individuais e dissociados da consciência.
Este segundo modo, é claro, não sobreviverá à morte. Nossa narrativa de nossa própria
identidade será vislumbrada com a morte, assim como ao acordar vislumbramos a
identidade dos avatares dos nossos sonhos.
Isto é, em poucas palavras, idealismo analítico, uma visão filosófica cujas origens
podem ser rastreadas – através de Jung (ver Kastrup, 2021), Schopenhauer (ver Kastrup,
2020), Swedenborg, Parmênides (ver capítulo 31 deste livro) e muitos outros. – às
origens da própria civilização.
Capítulo18, Página 165.
Inferências razoáveis da mecânica quântica
Uma resposta ao “uso indevido da quântica na literatura psíquica”
Este artigo é uma resposta ao “Quantum Misuse in Psychic Literature” (“Uso indevido
da quântica na literatura psíquica”), de Jack A. Mroczkowski e Alexis P Malozemoff,
publicado no Journal of Near-Death Studies no outono de 2019. Embora eu simpatize
com a causa e os propósitos de Mroczkowski e Malozemoff, e reconheço o problema
que tentam resolver, defendo que as suas críticas muitas vezes vão longe demais e
acabam por aumentar a confusão. Abordo nove aspectos técnicos específicos dos quais
Mroczkowski e Malozemoff acusam escritores populares nos campos da cura e da
parapsicologia de supostamente deturpá-los. Também defendo que – ao contrário do que
sustentam Mroczkowski e Malozemoff – as afirmações destes escritores são muitas
vezes razoáveis e, em regra, consistentes com o estado atual dos fundamentos da
mecânica quântica.
No entanto, penso que os autores vão longe demais nas suas críticas. Na minha opinião,
alguns dos casos de abuso são tentativas legítimas – embora por vezes mal expressas –
de enfatizar que a MQ desafia os preconceitos comuns da maioria das pessoas sobre a
natureza da realidade. Estes preconceitos definem o que é normalmente considerado
plausível ou implausível, razão pela qual levam muitas pessoas a descartar
possibilidades importantes em áreas como a saúde e a parapsicologia.
Embora a MQ esteja presente há mais ou menos um século, suas repercussões ainda não
permearam outras disciplinas científicas. Mesmo dentro da própria física, a comunidade
dos “fundamentos da física” – estudiosos que avaliam as implicações metafísicas da
MQ – é relativamente pequena. Nesta perspectiva, é difícil – pelo menos em princípio –
criticar as tentativas de chamar a atenção do público em geral para os graus de liberdade
natural que os MQ podem abrir.
Por estranho que pareça, a cultura popular continua a ser dominada pelos
constrangimentos de um realismo local ingénuo que o MQ relegou definitivamente para
o caixote do lixo da história. Portanto, não é apenas legítimo, mas creio até imperativo,
que aqueles que se consideram líderes desempenhem um papel relevante na expansão
dos horizontes culturais neste sentido. O impulso formidável recebido pelo realismo
local ingénuo deve ser contrariado, caso contrário as pessoas continuarão a viver com
uma visão limitada e – o que é mais importante – errônea da realidade. Embora alguns
escritores populares possam ter-se expressado de forma imprecisa, lidar com as
implicações diabólicas da MQ, sejam elas acessíveis ou rigorosas, é um desafio
formidável. Os próprios autores – que, ao contrário da maioria dos escritores populares
que criticam, têm a vantagem de serem especialistas na matéria – admitem não terem
conseguido ultrapassar tal desafio. Eles compensam esse defeito acrescentando
esclarecimentos acessíveis apenas a especialistas. Porém, para o leitor médio, esses
esclarecimentos em nada contribuem para evitar mal-entendidos, apenas servem aos
autores para evitar responsabilidades e fugas.
Nas seções seguintes comentarei nove aspectos técnicos específicos levantados pelos
autores.
A maioria das pessoas comuns consideraria que seria real – o oposto de ilusório – se as
suas propriedades físicas mensuráveis existissem independentemente de serem ou não
observadas e, em caso afirmativo, de como são observadas. Um ato de observação deve
revelar uma realidade física auto existente, e não a criar ou a determinar . Esta suposição
de independência da observação – tecnicamente chamada de “não contextualidade” – é
o que está subjacente à intuição das pessoas comuns sobre a concretude do mundo.
Afirmar que o mundo é uma ilusão, portanto, significa negar a não-contextualidade: se
as propriedades físicas do mundo dependem verdadeiramente de como são observadas –
em oposição à existência em si mesmas – então o mundo é uma ilusão.
Deve-se admitir que não apenas a mecânica de Bohm, mas também os resultados
experimentais que refutam a não-contextualidade, ainda são controversos. No entanto, é
justo dizer que nunca a ideia de um mundo físico real, independente da observação,
pareceu tão precária. A não-contextualidade, se não estiver morta, passa por sérios
problemas.
A implicação é que cada pessoa, como observador individual, “habita” o seu próprio
mundo físico, definido pelo contexto das suas próprias observações. Esta afirmação está
muito próxima da noção sugerida por Chopra de que cada pessoa vive numa realidade
física criada em resposta às suas próprias observações.
Os autores criticam certos escritores populares por sugerirem que a intenção poderia
influenciar diretamente a transição do mundo físico de uma existência potencial para
uma determinada, ou seja, no chamado “colapso da função de onda”, associado de
alguma forma a um ato de observação. Os autores argumentam que, segundo MQ, o
colapso produz resultados aleatórios, o que “impede uma pessoa de escolher ou almejar
um determinado resultado desejável” (Mroczkowski e Malozemoff, 2019, p. 137).
Acho que esse raciocínio é falho aqui. Primeiro, é importante considerar que a
aleatoriedade é um conceito altamente ambíguo: uma vez que é definida como a
ausência de padrões ou propensões reconhecíveis – existindo testes formais de
aleatoriedade para verificar se este é o caso – um processo verdadeiramente aleatório
pode, em teoria, produzir qualquer padrão. A probabilidade de encontrar um padrão
num processo verdadeiramente aleatório pode ser pequena, mas não zero. Na verdade,
porque consiste essencialmente no reconhecimento da ignorância causal, a aleatoriedade
é uma noção extraordinariamente acomodatícia.
Tendo este aspecto em conta, insistir que um processo é aleatório não exclui qualquer
resultado. É fisicamente coerente – plausível ou não – a capacidade da intenção de
influenciar a obtenção de resultados de colapso sem violar a teoria quântica. Por
exemplo, se medirmos o spin de um elétron ao longo de uma determinada direção, o
resultado será ½ ou -½. E se reiniciarmos o experimento – certificando-nos de que as
condições iniciais são as mesmas – e reproduzirmos a medição, o resultado será
novamente ½ ou -½. Uma série dessas medições gerará uma sequência de números. É a
cadeia de números que deve atender aos critérios de aleatoriedade.
Mas é claro que uma cadeia tecnicamente aleatória não exclui a possibilidade de que as
medições individuais dentro dela possam ser influenciadas pela intenção, de modo que
passem despercebidas na cadeia global. E mesmo que seja percebido um viés estatístico,
nenhum cético levantará as sobrancelhas, uma vez que, em teoria, processos aleatórios
podem produzir por puro acaso – como já foi argumentado – qualquer padrão
concebível. Isso efetivamente torna a afirmação do autor infalsificável.
18.4. Sincronicidade
Imagine que lançamos três dados várias vezes. Após cada lançamento, cada dado
individual exibe aleatoriamente um número de um a seis. Em outras palavras, o
comportamento de cada dado é aparentemente aleatório de lançamento para lançamento.
Mas agora suponhamos que, quando depois de cada lançamento olhamos juntos para os
três dados, vemos que todos mostram um número par ou todos mostram um número
ímpar. Este é um exemplo hipotético de um padrão síncrono global que pode ocorrer
mesmo que os eventos constituintes individuais, considerados isoladamente, cumpram
os critérios de aleatoriedade. Nas palavras de Jung: “Dentro da aleatoriedade do
lançamento dos dados, emerge uma ordem ‘psíquica’” (Jung e Pauli, 2001, p. 62).
Se este tipo de alinhamento síncrono global ocorresse entre eventos quânticos no mundo
em geral, os físicos não perceberiam. Pois, embora possam testar acontecimentos
individuais no laboratório e verificar que, separadamente, os acontecimentos são
aleatórios, não são capazes de discernir um padrão global dentro da complexidade do
mundo físico em geral; há muitos “dados” para serem examinados em condições
controladas de laboratório.
A relação entre sincronicidade e MQ, como já observei, foi reconhecida pelo próprio
Pauli. Depois de revisar a versão final do ensaio de Jung sobre sincronicidade, Pauli
escreveu: “Descobri (…) que (…), do ponto de vista da física moderna, (o ensaio) é
agora irrefutável” (Jung e Pauli, 2001, página 71).
18.5. Vazio
Acho que o raciocínio dos autores é falho por vários motivos. Primeiro, parecem
assumir que a função de onda é ôntica, isto é, que corresponde a uma entidade que
existe objetivamente dispersa no espaço. No entanto, na física não há consenso de que
este seja o caso. Muitos físicos sustentam, em vez disso, que a função de onda é
epistêmica, isto é, que se limita a capturar a extensão do conhecimento humano sobre o
comportamento futuro da natureza. Se esta última posição for verdadeira, então não há
nada objetivamente real que “preencha o espaço” dentro de um átomo.
Seja como for, quando se afirma que um átomo está “quase vazio” está se referindo ao
fato de que a maior parte do espaço dentro do átomo não tem massa. Um vazio bem
iluminado ainda é considerado um vazio porque os fótons não têm massa. Da mesma
forma, um vazio preenchido com campos eletromagnéticos é vazio porque os campos –
ferramentas matemáticas abstratas – não contam como “ocupantes” do espaço de acordo
com a intuição popular sobre o “vácuo”. Ora, como a massa é uma quantidade física
mensurável – “observável” –, só se pode falar da sua existência após o colapso da
função de onda, ou de qualquer coisa que seja considerada um colapso, porque nem
mesmo sobre este fenómeno há consenso na física atual. O que resta então é um
conjunto de partículas subatômicas elementares que têm massa e ocupam apenas uma
pequena fração do volume total do átomo.
Na verdade, como argumentou John von Neumann (1996) pela primeira vez, quando os
objetos inanimados interagem, eles simplesmente ficam entrelaçados em termos da MQ
– isto é, eles se juntam de tal maneira que o comportamento de um colapso está
inextricavelmente ligado ao outro –, mas não fornece nenhuma medição real. Portanto,
o mundo inanimado é um sistema físico unitário e indivisível governado pela MQ e não
existem detectores que façam medições; existe apenas um mundo inanimado. Nas
palavras de Erich Joos: “Devido às propriedades da não-localidades dos estados
quânticos, uma descrição de um fenômeno que seja consistente em termos quânticos
deve, em última análise, incluir todo o universo” (2006, p. 71).
18.7. Decoerência
O problema, contudo, é que a decoerência, para começar, não pode explicar como o
estado do ambiente se torna determinado – isto é, clássico –, pelo que não resolve o
problema da medição nem exclui o papel da consciência. Como Wojciech Zurek, um
dos pais da decoerência, reconheceu:
Em suma, a decoerência não evita nem exclui a possibilidade de que a consciência seja
a agência por trás do colapso.
E continua: “Qualquer que seja a interpretação (da MQ) que se prefira, a visão clássica
do mundo está excluída” (ibid., p. 76). É esta interpretação que encoraja alguns
escritores populares a especular sobre os novos graus de liberdade natural que podem
surgir no mundo macroscópico quando as implicações da MQ são consideradas. Não há
nada de errado – pelo menos em princípio – nesta extrapolação, uma vez que não existe
uma fronteira real entre o microscópico e o macroscópico. A distinção entre os dois
níveis é arbitrária, nominal, motivada por conveniência e puramente epistêmica.
Um comentário
Não creio que este resultado seja construtivo. Embora não haja consenso sobre certas
questões, sobre outras coisas muito importantes que - como os físicos já sabem - não
vem ao caso existem clareza e confiança suficientes. Refiro-me, por exemplo, ao
ingênuo realismo local que foi categoricamente refutado, algo que por si só já tem um
grande impacto em quase todos os campos da atividade humana. É o elefante na sala.
Não creio que os autores devam fechar os olhos a isso até que os físicos e os filósofos
tenham chegado a um consenso relativo a uma alternativa; não acredito que escritores
populares nas áreas da saúde e da parapsicologia – para citar apenas dois – devam fingir
que as coisas podem continuar como sempre, como se o realismo local ingénuo fosse
verdadeiro. Embora os físicos sejam a autoridade quando se trata de modelos do
comportamento da natureza, eles não são os donos dos seus resultados. As descobertas
da MQ revelam o funcionamento interno da natureza e, portanto, não pertencem a
ninguém, uma vez que todos os humanos são seres naturais nascidos deste universo e
neste universo. Todas as pessoas têm o direito – talvez a exigência moral – de integrar
estas descobertas nas suas meditações sobre a vida, o universo e todas as coisas;
incluindo – para horror da autoproclamada polícia cética – escritores populares nas
áreas da saúde e da parapsicologia.
Reconheço que não foi isso que os autores pretenderam nem corresponde ao espírito da
sua crítica. Para eles, o problema em si não é que os escritores populares estejam
envolvidos em especulação física, mas que estejam a tentar apropriar-se indevidamente
da autoridade da física para fazer passar afirmações falsas ou implausíveis como factos
científicos. Este tipo de apropriação indébita é sem dúvida perniciosa e merece a minha
condenação nos termos mais duros.
No entanto, como venho argumentando nesta resposta, não acho que seja isso que os
escritores selecionados pelos autores estejam fazendo. O que estes últimos afirmam nos
seus trabalhos parece-me, em geral, bastante razoável - embora mal expresso -, dados os
resultados mais recentes da física.
Ao tentarem fazer algo sem dúvida válido e importante, suspeito que os autores, ao
exagerarem nas suas críticas, podem ter contribuído para a própria confusão que
procuravam combater. Este resultado é lamentável, mas não deve impedir os esforços
para separar o joio do trigo e lançar alguma luz sobre a confusão que rodeia os
fundamentos do MQ.
Capítulo 19. Página 187.
Pensando além do reino quântico
Como a mente pode dar sentido à física quântica de diversas maneiras
Alguns ficam constrangidos com tais tentativas de modificar a mecânica quântica para
se adequar à visão de mundo de alguém, em vez de adaptar a visão de mundo à
mecânica quântica. Portanto, a questão natural é: se nos atermos à teoria quântica pura,
o que ela nos diz sobre a realidade? O físico Carlo Rovelli tentou responder
rigorosamente a esta questão, e o resultado é o que hoje é conhecido como “mecânica
quântica relacional” (RCM) (1996).
Observe que a raiz de todas essas incertezas filosóficas é a suposição não examinada de
que existem apenas quantidades físicas. Se as quantidades físicas surgem da observação
pessoal e são tudo o que existe, então, com efeito, infere-se o solipsismo. Se as
quantidades físicas são baseadas em informação e são tudo o que existe, então a
informação carece, na verdade, de um substrato. Se as quantidades físicas são relativas e
são tudo o que existe, então, na verdade, não existem valores absolutos que
fundamentem o seu significado. Voltarei brevemente a esta questão mais tarde.
Por enquanto, parece que tomar a iniciativa de abraçar a teoria quântica pura e simples,
sem acompanhá-la com assobios e sinos imaginários, nos leva a incertezas filosóficas
insolúveis. No entanto, essa conclusão é falsa. Para ver como podemos sair desse
atoleiro, basta sermos rigorosos no que diz respeito ao âmbito epistêmico da física.
Andrei Linde, um físico de Stanford famoso por introduzir o conceito de “inflação
cósmica”, forneceu uma pista importante ao observar o seguinte.
Uma das implicações teóricas mais estranhas da mecânica quântica é que diferentes
observadores podem fornecer relatos diferentes – embora de validade idêntica – na
mesma sequência de acontecimentos. Como destacou o físico Carlo Rovelli em sua
“mecânica quântica relacional” (RCM) (1996), isso significa que não deveria haver
quantidades físicas absolutas, independentes do observador. Todas as quantidades
físicas – o universo físico como um todo – devem ser relativas ao observador. A noção
de que tudo é relativo ao observador. A noção de que todos partilhamos o mesmo
ambiente físico deve, portanto, ser uma ilusão.
A noção de que todos compartilhamos o mesmo ambiente físico deve ser revista.
Esta previsão contra intuitiva – que parece flertar perigosamente com o solipsismo –
tem clamado por verificações experimentais há décadas. Mas só recentemente a
tecnologia avançou o suficiente para permitir isso. Assim, Massimiliano Proietti e seus
colaboradores da Universidade Heriot-Watt, no Reino Unido, parecem ter finalmente
confirmado a MCR: como prevê a mecânica quântica, é muito possível que não exista
um mundo físico objetivo (Proietti e Fedrizzi, 2019; Proietti et al ., 2019; Tecnologia
emergente do arXiv, 2019).
https://www.technologyreview.com/2019/03/12/136684/a-quantum-experiment-
suggests-theres-no-such-thing-as-objective-reality/
Possíveis soluções para este dilema foram propostas. Por exemplo, eu afirmo que as
quantidades físicas se limitam a descrever as nossas percepções e, portanto, depende de
cada um de nós como observadores (Kastrup, 2019). O que realmente está lá fora,
subjacente às nossas percepções, não é constituído por estados mentais físicos, mas sim
por estados transpessoais. A qualidade física percebida nada mais é do que uma
representação cognitiva daquele ambiente mental que passa a existir através de um ato
de observação.
Esta não é uma ideia nova. Na verdade, é muito antiga. Por exemplo, já no início do
século XIX, Arthur Schopenhauer argumentava que o mundo físico de objetos discretos
no espaço-tempo é uma mera representação subjetiva na mente de um observador
(Kastrup, 2020). O que realmente existe é o que Schopenhauer chamou de “Vontade”:
estados mentais transpessoais com caráter volitivo (volição - escolha ou decisão feita)
que transcendem nossa capacidade de sentir ou medir diretamente. É o carácter volitivo
destes estados que explica a evolução do universo de acordo com as cadeias causais: o
universo move-se e muda impulsionado pelos padrões da sua própria vontade
subjacente.
Apesar das objecções que se possam ter às ideias de Schopenhauer, elas parecem dar
sentido às previsões contra intuitivas da MCR: a física foi desenvolvida para descrever
apenas estados perceptivos, e não estados mentais endógenos, como a volição. É por
isso que as descrições físicas dependem sempre do observador: não captam o mundo
como ele é em si, mas apenas como aparece a cada um de nós, dados os nossos
respectivos pontos de vista dentro do ambiente. Mas não me entenda mal: ainda existe
um ambiente comum de estados transpessoais volitivos no qual estamos todos imersos,
só que esse ambiente não é o que a física descreve diretamente.
O que estas duas linhas de argumentação sugerem é que a tela da percepção se parece
muito mais com um painel de instrumentos do que com uma janela para o ambiente.
Fornece informações relevantes sobre o meio ambiente de forma indireta e codificada
que nos ajuda a sobreviver. As formas e cores que vemos, os sons que ouvimos, os
sabores que provamos são como indicadores: apresentam-nos, à primeira vista,
informações que se correlacionam – de uma forma que está fundamentalmente além da
nossa capacidade cognitiva – com estados mentais do ambiente.
Em vez de ter de sentir diretamente a miríade de estados mentais que nos rodeiam – o
que nos faria sentir tão sobrecarregados e desorientados como um telepata no meio de
uma multidão – nós habilmente os codificamos nos pixels da tela de percepção. Ou –
para usar outra metáfora – somos pilotos de avião que, em vez de olharmos pelo para-
brisas no meio de uma tempestade, voamos utilizando os instrumentos da aeronave.
A evolução proveu a cada um de nós um painel de indicadores que nos informa sobre o
meio ambiente em que vivemos. Mas não temos uma janela para ver diretamente o que
está lá fora; tudo o que temos são os indicadores. O erro que cometemos é o de tomar,
equivocadamente, os indicadores pelo meio ambiente.
Enquanto insistirmos que o mundo, tal como ele o é, deve ter as formas e contornos das
imagens projetadas na tela da percepção, a mecânica quântica continuará a parecer
paradoxal. Enquanto acreditarmos que a teoria física modela o ambiente partilhado
subjacente às nossas percepções – em oposição a que modela as nossas próprias
percepções – a mecânica quântica continuará a permanecer incompreensível. Só há uma
saída razoável: considerar nossas percepções como um painel de indicadores que
fornece as informações mais importantes, mesmo que indiretamente, sobre o universo
mental que existe.
Pg. 253.
SÉTIMA PARTE
PERSPECTIVAS MAIS AMPLAS
Capítulo 29
Metafísica e persuasão
Uma perspectiva externa sobre o papel social da filosofia acadêmica
Estes aspirantes a filósofos chegaram a um ponto nas suas vidas em que as suas
intuições metafísicas idiossincráticas se tornaram mais ou menos congeladas. É
revelador que as ideias resultantes são muito mais satisfatórias para eles do que as
opiniões que herdaram da nossa cultura – como o materialismo “científico” e o
dualismo religioso – o que é alarmante: trata-se de pessoas leigas, mas razoáveis, que
acreditam sinceramente que podem fazer melhor sem a ajuda de ninguém do que se
curvando à corrente dominante. E, o que é ainda mais alarmante, que muitas vezes
conseguem.
Página 267.
A noção de concebibilidade – frequentemente utilizada hoje em dia na ontologia e na
filosofia da mente para estabelecer ou refutar a possibilidade metafísica – baseia-se no
conjunto particular de experiências subjetivas que um filósofo teve na sua vida.
Portanto, é ingénuo – talvez até pretensioso – assumir que a incapacidade pessoal de
alguém para conceber o que está implícito num argumento refuta categoricamente esse
argumento. Pois não apenas na filosofia continental, mas também na filosofia analítica,
as conclusões de alguém talvez revelem tanto sobre si mesmo quanto sobre o objeto de
sua investigação.
Página 286.
Capítulo 31.
O singnificado e o destino da cultura ocidental
Reflexões sobre a obra de Peter Kingsley e sua relação com a minha
Pg. 286.
31.10. Transcender a razão através do raciocínio
A relatividade da razão não é uma ideia nova. O Ocidente vem refinando-a há muito
tempo, pelo menos desde o famoso trilema de Agripa*, também conhecido como
“trilema de Muenchhausen”. Acadêmicos contemporâneos como Graham Priest
desenvolveram as ideias associadas (2006). No século XX, Kurt Goedel demonstrou
que nenhum sistema axiomático – como, por exemplo, a aritmética – pode ser completo
e exato: ou não conseguem expressar todas as verdades sobre si mesmos, ou
contradizem-se (1931). E como a física – a nossa descrição do universo – se baseia em
sistemas axiomáticos, parece estabelecer-se uma limitação fundamental na capacidade
da razão de compreender a realidade de forma completa e precisa. Finalmente, as ideias
da mecânica quântica do início do século XX levaram a um longo e profundo debate
académico sobre os fundamentos da lógica (ver, por exemplo: Putnam, 1968; Dummett,
1976): é empírica? É inventada? De onde vem, afinal? Todos estes desenvolvimentos
ilustram até que ponto a razão pode ser levada a minar a si mesma, a partir de dentro,
sob condições estritamente racionais.
* O Trilema de Münchhausen, também conhecido como Trilema de Agripa
(referência ao cético grego de mesmo nome), é um termo usado pela filosofia
para ressaltar a alegada impossibilidade de se provar qualquer verdade garantida
mesmo nos campos da lógica e matemática. É o nome de um argumento da
teoria do conhecimento que remonta ao filósofo Hans Albert e, mais
tradicionalmente, segundo Diógenes Laércio, a Agripa o Cético.
O termo é uma ironia dirigida ao Barão de Münchhausen, que supostamente
escapou de um pântano em que se encontrava atolado ao puxar seu próprio
cabelo.
Trata-se de um trilema porque apresenta um impasse diante de três alternativas,
nenhuma das quais é considerada aceitável para a meta de demonstrar
fundamento filosófico para uma teoria:
regressão infinita
escolha arbitrária
petição de princípio ou argumento de autoridade
Estudo tudo isso e muito mais em Meaning in Absurdity, minha primeira incursão na
verdadeira lógica. Convido os leitores interessados (e Kingsley) a lê-lo com atenção.
Aqui reproduzo um trecho:
O caminho ocidental para transcender a razão passa pela busca da razão mais estrita e
consistente possível.
Poderíamos dizer que compreender e abraçar o idealismo nada mais é do que um jogo
conceitual abstrato, que não é transformador. As conclusões conceituais não penetram
no corpo, mas giram em nossas cabeças como laços de pensamento; eles não mudam
muito a maneira como nos sentimos e nos comportamos. Somente a experiência direta é
transformadora, pois permeia todo o nosso ser. Para saber o que é a realidade, você
precisa experimentá-la diretamente, e não apenas compreendê-la com o intelecto. Caso
contrário, você ficará preso a meras descrições – como um aspirante a viajante que só
conhece os destinos a partir de informações contidas em folhetos – e nunca descobrirá
do que se trata. Nas palavras de Kingsley: “Enquanto não tivermos uma experiência
direta da realidade, estaremos (…) totalmente desamparados. Não há nada que
possamos entender.”
É por isso que abraçar o idealismo como metafísica é um primeiro passo crucial no
ocidente. Devemos primeiro nos permitir intelectualmente vivenciar o que hoje é
considerado impossível ou absurdo, porque só então reconheceremos e aceitaremos
verdadeiramente a experiência quando ela vier.
Por exemplo, é verdade que a realidade se constrói a partir da crença, da crença pura, se
não há crença não há nada. Mas se alguém fizer esta afirmação e não acrescentar mais
nada, estará condenado a ser mal compreendido e ignorado. Porque cairemos e
morreremos se pularmos de um prédio, mesmo que pensemos que podemos voar; o
mundo não parece condescender com nossas crenças. A questão aqui, contudo, não é
que a realidade seja constituída por crenças pessoais e egóicas. As crenças
fundamentais não são acessíveis através da inspeção; elas estão subjacentes não apenas
a uma pessoa, a uma espécie, a todos os seres vivos, mas a absolutamente tudo. Não são
as nossas crenças, mas as crenças que nos trazem à existência em primeiro lugar.
Outro exemplo: como diz Kingsley, o engano está presente na estrutura do universo.
Isto é inteiramente verdade, mas se ele ou eu não disséssemos mais nada, o intelecto dos
nossos leitores rejeitaria a afirmação óbvia de que o mundo físico é simplesmente
natural, apenas faz o que as leis naturais o obrigam a fazer; não é o produto do engano
de nenhum deus lá no céu. No entanto, a verdadeira questão é outra: uma vez que a
realidade se desenrola na consciência, e a consciência é também a sua própria
testemunha, a única maneira das coisas parecerem reais é a consciência enganar-se a si
mesma e acreditar que a sua própria imaginação é um fenómeno externo. A primeira
diretriz da consciência é enganar-se a si mesma, pois, se não o fizer, nada resta senão
um vazio. Esta é a questão.
Mas há muito mais. Este “mais” não é nada fácil de descrever em palavras para não
parecer absurdo e contraditório. Bem, no raciocínio sempre falta uma parte importante
da história; em alguns casos, até mesmo a história inteira.
Eu tentei isso de forma impressa. É disso que trata meu livro More than Allegory
(Kastrup, 2016a). Apesar do subtítulo, Sobre Mito Religioso, Verdade e Crença, é um
livro sobre a realidade; sobre aspectos da realidade que não podem ser capturados pela
filosofia analítica. No livro, utilizo a verdadeira lógica para tentar transmitir ideias que
transcendem o raciocínio. E ainda assim, procuro apresentar essas ideias sendo gentil
com a racionalidade, ou seja, procuro ajudar o leitor a ir além do intelecto sem
representar uma ameaça ao intelecto, sem afugentar nosso raciocínio conceitual; pelo
contrário, transformando-o num aliado. Na verdade, tento fazer com que ideias
irracionais pareçam tão razoáveis quanto possível. Este é o mêtis do livro. (mêtis: uma
espécie de sabedoria engenhosa que pode ser usada para enganar, encantar ou
persuadir.)
Para se ter uma ideia de como enfrentei esse desafio, reproduzo abaixo um trecho do
livro em que trato a questão abordada nas seguintes afirmações de Kingsley: “A
inteligência e o engano (…) estão ligados na estrutura do universo”, “a origem do
universo é agora” e “tudo é um, completo, imóvel”.
Para mim, o valor do trabalho de Kingsley tem sido exatamente o oposto daquilo que
ele tentou abertamente almejar: em vez de me convencer de que o ocidente está morto e
deve ser lamentado, renovei agora a fé de que não só está vivo, mas também é viável.
Talvez esta tenha sido sempre a intenção secreta de Kingsley com seu livro. Bom, nada
motiva mais pessoas como eu do que enfrentar uma atitude contrária; nada mobiliza
mais energia para a ação do que ouvir que os nossos esforços são inúteis.
Nós, os autores, somos escravos dos nossos demônios – que incitam os espíritos
interiores com sua autonomia e agenda própria -, o que é simbolizado por uma corrente
circular em meu brasão. Meu próprio demônio é particularmente cruel, então eu não
poderia parar meu trabalho, mesmo que Kingsley ou qualquer outra pessoa tivesse me
convencido, do ponto de vista intelectual, de que não tinha sentido. Não consigo parar.
Mas o mais importante é que o fato de meu demônio ter mais energia do que nunca
depois de ler Kingsley me sugere que ainda há esperança. Talvez o seu próprio demónio
o tenha enganado (os demónios são mestres em tais truques): ao anunciar a morte da
cultura ocidental, Kingsley pode tê-la revitalizado inadvertidamente, sugerindo a mim e
a muitos outros que redobrássemos os nossos esforços para provar que este não é o fim,
que ainda há muito a fazer. Talvez esse fosse o plano do demônio de Kingsley o tempo
todo...
O ocidente está vivo, parece perdido. Eu sei disso porque meu demônio sabe disso. Eu
próprio incorporo a quintessência do racionalismo ocidental: possuo o mais alto grau
académico, tanto em ciências como em humanidades, de duas das melhores
universidades da Europa; Fui criado e educado no pensamento ocidental; Trabalhei em
algumas das mais renomadas instituições científicas ocidentais, ganhei a vida no mundo
cruel dos negócios ocidentais de alta tecnologia; As correntes vitais dos meus
antepassados – os meus próprios mortos – do norte, do sul e do oeste da Europa,
convergem no rio das minhas veias e da minha vida. E, no entanto, apesar de tudo isso,
reconheço a origem de Kingsley (ou pelo menos acho que sim); não estou perdido (ou
pelo menos espero que não). Portanto, se me tomar como exemplo representativo – é
tudo o que posso fazer, uma vez que não tenho acesso à vida interior de outras pessoas –
o Ocidente ainda segue sendo, logo abaixo da superfície, muito vital. Temos um futuro
e um destino a cumprir.
Vamos avançar.