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Ribeiro Bruno O Me 2013

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BRUNO DE OLIVEIRA RIBEIRO

O MO(VI)MENTO NEGRO NO MATO GROSSO DO SUL:


POLÍTICAS DE IDENTIDADE

Londrina
2013
BRUNO DE OLIVEIRA RIBEIRO

O MO(VI)MENTO NEGRO NO MATO GROSSO DO SUL:


POLÍTICAS DE IDENTIDADE

Dissertação apresentada no curso de pós-


graduação em Ciências Sociais do Centro de
Letras e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Londrina, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Flávio Braune Wiik

Londrina
2013
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

R484m Ribeiro, Bruno de Oliveira.


O mo(vi)mento negro no Mato Grosso do Sul : políticas de identidade /
Bruno de Oliveira Ribeiro. – Londrina, 2013.
195 f. : il.

Orientador: Flávio Braune Wiik.


Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)  Universidade Estadual de
Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais, 2013.
Inclui bibliografia.

1. Movimento negro – Mato Grosso do Sul – Teses. 2. Políticas públicas –


Teses. 3. Negros – Identidade racial – Teses. 4. Igualdade – Teses. I. Wiik,
Flávio Braune. II. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e
Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. III. Título.

CDU 323.1(=96)
BRUNO DE OLIVEIRA RIBEIRO

O MO(VI)MENTO NEGRO NO MATO GROSSO DO SUL:


POLÍTICAS DE IDENTIDADE

Dissertação apresentada no curso de pós-graduação


em Ciências Sociais do Centro de Letras e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Londrina,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Flávio Braune Wiik
Universidade Estadual de Londrina
UEL – Londrina - PR

__________________________________________
Prof. Dr. Simone Becker
Universidade Federal da Grande Dourados
UFGD – Dourados - MS

__________________________________________
Prof. Dr. Fabio Lanza
Universidade Estadual de Londrina
UEL – Londrina - PR

Londrina, 05 de dezembro de 2013.


AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Regina e Jofir, pelo apoio e educação que recebi.

Às minhas irmãs, Lari e Leh, por manterem a casa sempre alegre, sejam lá por quais motivos.

À Gabriela, namorada e companheira, pelos conselhos, diálogos e pela confiança adquirida ao


longo do tempo.

Aos amigos, dos quais a família e a namorada não se isentam, que me propiciaram aqueles
importantes momentos em que é necessário esquecer os problemas ao longo da pesquisa, eles
foram bem sucedidos.

Aos companheiros de mestrado em Londrina, professores e técnicos por terem sido tão
receptivos a um sul-mato-grossense, e por terem contribuído com meu aprendizado, muito
obrigado.

Ao Akira, Murilo e “Tiquinho” que certamente tornaram muito mais fácil e agradável o
período que residi em Londrina.

Aos entrevistados: Aleixo Paraguassú Netto, Raimunda L. de Brito, Ben-Hur Ferreira,


Amarildo Cruz, Vania Lucia Baptista, Lucimar R. Dias e Ana Lucia Sena.

À Janilce e Renilda, coordenadoras pedagógicas no ILK, pela facilidade do diálogo com


ambas, e por entenderem a importância do ILK para mim.

À professora Mariluce Bittar. Tenho certeza que ela não sabe o quanto me ajudou.

Por fim, ao meu orientador, Flávio Braune Wiik, por ter acreditado no projeto de pesquisa e
dado a devida liberdade no meu caminhar. Serei sempre grato.
RIBEIRO, Bruno de Oliveira. O Mo(vi)mento negro no Mato Grosso do Sul: Políticas de
identidade. 2013. 195f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual
de Londrina, Londrina, 2013.

RESUMO

Esta pesquisa trata sobre o movimento negro de Mato Grosso do Sul em sua interface com
setores do Estado, numa trajetória que forjou políticas públicas de promoção da igualdade
racial. Tem como objetivos reconstruir parte da história do movimento negro sul-mato-
grossense, bem como aferir sua participação na construção dessas políticas públicas. Entre o
final do século XX e o início do século XXI ocorreram algumas mudanças nas políticas
raciais brasileiras, proporcionadas principalmente pela introdução das ações afirmativas para
negros no Ensino Superior, tornando esse período um momento propício às demandas raciais.
Essas políticas, pautadas pelo movimento negro, apresentaram uma crescente politização
dessa identidade cultural no Brasil. Apesar disso, o movimento negro via sua
institucionalização, ainda conserva características prejudiciais à relação entre sociedade civil e
Estado no Brasil. Nesse sentido, observando o movimento negro sul-mato-grossense e sua
relação com o estado na construção de políticas públicas raciais, temos o propósito de
verificar algumas peculiaridades dessa relação que contribuam para análise da sociedade civil
brasileira contemporânea. O levantamento de dados e a investigação ocorreu por meio de
pesquisa bibliográfica, execução de entrevistas semiestruturadas, sendo estas realizadas
principalmente com militantes, e observação participante em uma instituição vinculada ao
movimento negro, o Instituto Luther King. Uma discussão teórica em torno da identidade
negra é realizada com base nos estudos Pós-Coloniais e autores nacionais atuais, sendo a
identidade um elo entre todos os capítulos da pesquisa. Dentre os resultados, temos que, no
Mato Grosso do Sul, as políticas públicas raciais ainda não fazem parte das agendas
governamentais; a exceção das leis estaduais, o estado atua, principalmente, através de uma
pseudo institucionalidade. Entidades do movimento negro até o presente, atuam de forma que
não contribuem para uma relação mais democrática entre a sociedade civil e o Estado no
Brasil que, diga-se de passagem, ainda sofre com uma forte personalização das relações entre
movimento negro e setores do estado.

Palavras-chave: Mato Grosso do Sul. Identidade. Sociedade civil. Movimento negro.


Políticas públicas.
RIBEIRO, Bruno de Oliveira. O Mo(vi)mento negro no Mato Grosso do Sul: Identificações
em curso. 2013. 195 p. Defesa do mestrado em Ciências Sociais – Universidade Estadual de
Londrina, Londrina, 2013.

ABSTRACT

This research deals with the black movement of Mato Grosso do Sul in its interface with state
sectors , in a forged path of public policies promoting racial equality . It aims to reconstruct
the history of the black movement of Mato Grosso do Sul, as well as assess their participation
in the construction of these public policies . The late twentieth century and early twenty-first
century brought some changes in racial politics in Brazil , provided mainly by the
introduction of affirmative action for blacks in higher education , making this period a time
conducive to racial demands . These policies , guided by the black movement showed an
increasing politicization of this cultural identity in Brazil . Nevertheless , the black movement
via its institutionalization , still retains characteristics detrimental to the relationship between
civil society and state in Brazil . In this sense , observing the lack bmovement in Mato Grosso
do Sul and its relationship with the state in the construction of racial policies , the purpose is
to verifyi some peculiarities of this relationship that contribute to the analysis of
contemporary Brazilian society . Data collection took place by means of literature ,
performing structured interviews , which were carried out primarily with militants , and
participant observation in an institution linked to the black movement , the Institute Luther
King . A theoretical discussion around the black identity is performed based on Postcolonial
studies and current national authors , being identity a link between all chapters of the research.
Among the results , we have that, in Mato Grosso do Sul, the racial policies are not yet part of
the government agenda; except to state laws , the state operates mainly through a pseudo
institutions . Entities of the black movement still act in a way that don't contribute to a more
democratic relationship between the state and civil society in Brazil, which allow us to say
that still suffers from a strong personalization of relations between black movement and state
sectors

Keywords: Mato Grosso do Sul. Identity. Civil society. Black movement. Public policies
LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Material de divulgação do processo seletivo de 2013 no ILK............................... 130


Foto 2 – Desfile de 26 de agosto de 2012 ............................................................................ 133
Foto 3 – Parte dos alunos do Curso de Capacitação em administração e políticas
públicas de lideranças negras para promoção da igualdade racial em Mato
Grosso do Sul - 2012.............................................................................................. 135
Foto 4 – Entrega da Bolsa Daniel Reis a ex-aluno do ILK em 2010 ................................... 141
Foto 5 – Reunião de troca de diretoria ................................................................................. 145
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição da População Livre e Escravizada nas cidades de


Corumbá, Santana do Paranaíba e Miranda. ....................................................... 60
Gráfico 2 – Resultados de aprovação do ILK 2003-2011 .................................................... 132
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

ACP Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educação Pública


AMAMSUL Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul
ARENA Aliança Renovadora Nacional
ANC Assembleia Nacional Constituinte
CAOC Coordenadoria de Apoio aos Órgãos Colegiados
Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento ao
CAS-MS
Surdo
CECAN Centro de Cultura e Arte Negra
CEDINE Conselho Estadual dos Direitos do Negro
CF Constituição Federal
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
CMDN Conselho Municipal dos Direitos do Negro
CMAS Conselho Municipal de Assistência Social
CNAB Congresso Nacional Afro-Brasileiro
CPPIR-MS Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
EUA Estados Unidos da América
FASFIL Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos
FETEMS Federação dos Trabalhadores em Educação do Mato Grosso do Sul
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMAS Fundo Municipal de Assistência Social
FMIA Fundo Municipal para Infância e Adolescência de Campo Grande
FNB Frente Negra Brasileira
Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial de Mato
FORPEDER-MS
Grosso do Sul
FUCMT Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso
GRUPO TEZ Grupo Trabalho e Estudos Zumbi
IHG-MS Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICCAB Instituto Casa da Cultura Afro-Brasileira
IES Instituições de Ensino Superior
IESF Instituto de Ensino Superior da FUNLEC
ILK Instituto Luther King
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IMNEGRA Instituto da Mulher Negra do Pantanal
MEC Ministério da Educação
MNUCDR Movimento Negro Unificado Contra Discriminação Racial
MNU Movimento Negro Unificado
MS Mato Grosso do Sul
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PDT Partido Democrático Trabalhista
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP Partido Progressista
PROUNI Programa Universidade Para Todos
PT Partido dos Trabalhadores
RDH Relatórios de Desenvolvimento Humano
SED-MS Secretária de Educação
SETASS/MS Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária
SINBA Sociedade de Intercambio Brasil-África
SISU Sistema de Seleção Unificado
STF Superior Tribunal Federal
Associação Trabalho e Estudos da Cultura Afrodescendente em
TECAM
Movimento – José Mauro Messias da Silva
TEM Teatro Experimental do Negro
UCDB Universidade Católica Dom Bosco
UEMS Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense
UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFGD Universidade Federal da Grande Dourados
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
UNAES União da Associação Educacional Sul-Mato-Grossense
UNEB Universidade Estadual da Bahia
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNIDERP Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal
SUMÁRIO

CAPÍTULO I
1 QUESTÕES PRELIMINARES. .................................................................................. 13
1.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
1.2 METODOLOGIA................................................................................................................. 19
1.2.1 Tratamento dos Dados .................................................................................................... 23
1.3 ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E IDENTIDADE ......................................................................... 25
1.3.1 Questão Racial ................................................................................................................ 35

CAPÍTULO II
2 MATO GROSSO (DO SUL): PRESENÇA NEGRA E IDENTIDADE
REGIONAL................................................................................................................... 46
2.1 O POVOAMENTO BRANCO NO MATO GROSSO .................................................................. 49
2.2 ESCRAVIDÃO NO SUL DE MATO GROSSO ......................................................................... 52
2.3 GUERRA DO PARAGUAI (1864 – 1870): O REGIONAL E O RACIAL DO CONFLITO ............. 61
2.4 O DIVISIONISMO E A DIVISÃO DO ESTADO ....................................................................... 65
2.5 DO ESTADO MODELO A GOLPES POLÍTICOS ..................................................................... 68
2.6 MATO GROSSO DO SUL: O FORJAR DE UMA IDENTIDADE REGIONAL ............................... 70

CAPÍTULO III
3 SOCIEDADE CIVIL E MOVIMENTO NEGRO: O CASO SUL-MATO-
GROSSENSE................................................................................................................. 79
3.1 UMA DIFERENCIAÇÃO ENTRE SOCIEDADE CIVIL E MOVIMENTO SOCIAL ......................... 79
3.1.2 Especificidades do Caso Brasileiro na Análise da Sociedade Civil................................ 87
3.2 O PROCESSO DE (RE) CRIAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL PÓS-DITADURA .......... 90
3.2.1 Aspectos do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil ........................................... 95
3.3 SOCIEDADE CIVIL “NEGRA” SUL-MATO-GROSSENSE .................................................... 100
3.4 INSTITUTO LUTHER KING: UMA ENTIDADE DE TERCEIRO SETOR................................... 119

CAPÍTULO IV
4 POLÍTICAS PÚBLICAS RACIAIS NO MATO GROSSO DO SUL.................... 149
4.1 POR POLÍTICA PÚBLICA ENTENDEMOS:.......................................................................... 150
4.2 CENÁRIO NACIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS RACIAIS ............................................... 156
4.3 CENÁRIO SUL-MATO-GROSSENSE DAS PÚBLICAS RACIAIS ............................................ 161
4.3.1 MS e Campo Grande: Plano de Promoção da Igualdade Racial................................... 168
4.4 SOCIEDADE CIVIL “NEGRA” E O ESTADO NO MATO GROSSO DO SUL ............................ 171

CAPÍTULO V
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 179

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 184

ANEXOS ............................................................................................................................... 193


ANEXO A – Hino de Mato Grosso do Sul ............................................................................ 194
ANEXO B – Três Poemas de Lobivar Matos ........................................................................ 195
ANEXO C – Lista de Entidades do Movimento negro de MS .............................................. 198
ANEXO D – Ficha de inscrição do ILK ................................................................................ 194
13

CAPÍTULO I

1 QUESTÕES PRELIMINARES

Tolerar a existência do outro, e permitir que ele seja diferente, ainda é muito
pouco. Quando se tolera, apenas se concede e essa não é uma relação de
igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma
relação entre as pessoas, da qual estivessem excluídas a tolerância e a
intolerância (José Saramago).

Nossa luta hoje é no sentido de relacionar a pesquisa qualitativa às


esperanças, às necessidades, aos objetivos e às promessas de uma sociedade
democrática livre (DENZIN; LINCOLN, 2006, p.17).

1.1 INTRODUÇÃO

A pesquisa intitulada “O Mo(vi)mento negro no Mato Grosso do Sul:


Políticas de identidade” consiste em uma análise da sociedade civil negra sul-mato-grossense
e mais propriamente, sua institucionalização através do estado, sobretudo, (por meio dos
Conselhos e Fóruns) mas também, com a difusão de ONGs raciais. Utilizamos discursos
sobre identidade e suas várias perspectivas nesse cenário político de pesquisa, que abrange
questões raciais e políticas públicas estaduais. O principal objetivo é reconstruir parte da
história do movimento negro sul-mato-grossense, e examinar sua participação na construção
das políticas públicas raciais.
Por compreender as políticas de identidade racial de Mato Grosso do Sul
(MS) como oriundas de um momento histórico favorável às construções dessas políticas
públicas e, somada a atuação do movimento negro na região, entendemos que o neologismo
do título traduz a relação entre movimento negro e o estado, no tocante às políticas raciais.
A partir da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, na África do Sul, no ano
2001, o Brasil assume, perante o mundo, que é racista e, também, estabelece compromissos
políticos para combater o racismo e as desigualdades raciais do país. A partir deste momento,
forçado pela ação do movimento negro, com cursos pré-vestibulares, denúncias públicas,
passeatas e protestos, entre eles a Marcha Zumbi dos Palmares, realizada em Brasília, em
1995, o Estado adota um compromisso com a redução das desigualdades raciais, e as ações
afirmativas tornam-se as medidas de maior visibilidade ao longo desse processo.
14

Os debates na esfera pública nacional, sobre a legitimidade e legalidade das


ações afirmativas, perduraram dez anos entre as primeiras universidades que aderiram as
ações afirmativas em seus vestibulares (2002) até a constitucionalidade garantida pelo
Superior Tribunal Federal – STF (2012). Várias outras políticas e ações surgiram nesse
entremeio.
No cenário nacional presenciamos a construção de políticas públicas raciais,
e constantes protestos do movimento negro brasileiro, no entanto, o que vemos desse
“movimento negro brasileiro” é mais uma representação situada quase sempre em cidades
eixos como São Paulo e Rio de Janeiro. A ambição dessa pesquisa é focar, não no centro, mas
em um estado – MS. Um estado marcado por suas características econômicas agroindustriais,
e que possui a elite política também advinda desses estratos; estado que não passeia pelos
cenários nacionais com a mesma facilidade, mas também construiu políticas públicas raciais.
O início de século XXI trouxe várias mudanças nas políticas raciais
brasileiras, e não foi diferente no MS. É com relação a essas políticas públicas federais e
estaduais que caracterizamos o “momento negro”, levando em conta que essa conjuntura deve
ser aproveitada para suplementar a história e a identidade regional com a presença negra,
político-social e culturalmente. Assim acredito estar colaborando nesse processo com essa
dissertação.
Entendemos as políticas públicas estaduais como sendo, tanto fruto do
“momento negro” (conjuntura nacional e internacional criada em fins do século XX e início
do XXI), quanto do movimento negro sul-mato-grossense. Esta conexão também permite um
elo permanente tanto entre o contexto regional, na esfera nacional, quanto internacional,
devido aos efeitos da globalização.
Apesar de grandes pesquisas sobre sociedade civil (HABERMAS, 1997;
COHEN e ARATO, 2000; SANTOS, 2008), e de análises da sociedade civil brasileira
(AVRITZER, 2012; GOHN, 2011; NOGUEIRA, 2011), são necessárias pesquisas que tratem
a relação de diferentes governos locais com a sociedade civil, ou seja, regionalizar as análises,
para que se possa se aproximar melhor de formas práticas de interação entre sociedade civil e
governos estaduais (ARATO, 1994).
O fato de a sociedade civil atuar na forma de terceiro setor opõem Habermas
(1997) e Cohen e Arato (2000). O primeiro acredita que esta ação é prejudicial à sociedade
civil, que tem como papel principal defender-se das lógicas sistêmicas do Estado e do
Mercado. Já Cohen e Arato acreditam num certo potencial da sociedade civil nessa relação,
crendo que ela possa se beneficiar na relação com ambos e criar receptores, tanto no Estado
15

quanto no Mercado, ou seja, ela tem um potencial ofensivo e não apenas de se defender.
Atentos a essa tensão teórica, observamos a sociedade civil negra sul-mato-grossense,
sobretudo o ILK.
Apesar da importância teórica da temática da sociedade civil no Brasil, a
relevância deste estudo se assenta no fato de não haver nenhuma publicação que analise o
movimento negro estadual especificamente, apesar de ser assunto marginal em algumas outras
pesquisas. As políticas públicas de combate à desigualdade do MS permanecem sendo
desconhecidas do público acadêmico, a exceção da política de ação afirmativa da UEMS
(CORDEIRO, 2008). Mais do que isso, o papel do movimento negro na construção dessas
políticas é uma incógnita.
Além da ausência de outras publicações, temos a oportunidade de olhar para
este objeto e poder visualizar de que maneira os avanços proporcionados pelo movimento
negro na esfera nacional refletem na relação entre sociedade civil negra e o estado, ou nas
políticas públicas da esfera estadual. Ou seja, como o estado de MS absorve demandas
oriundas, a princípio, da esfera nacional.
A pesquisa foi realizada através de entrevistas com militantes do estado e,
de uma revisão bibliográfica onde, (re) traçamos aspectos da institucionalização da sociedade
civil negra, a começar pela primeira instituição do movimento negro – o Grupo TEZ, seguido
do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro (CEDINE) entre outras. Para uma
maior profundidade da relação entre estado, município, movimento negro, bem como as inter-
relações entre as instituições da sociedade civil que qualificamos de negra, optamos por fazer
uma observação participante numa instituição que possui vínculo com movimento negro:
Instituto Luther King – ILK. A pesquisa de campo foi realizada entre julho de 2012 e
fevereiro de 2013; as entrevistas foram realizadas entre outubro de 2012 e março de 2013,
sendo que em outubro realizamos uma entrevista teste com Aleixo Paraguassú Netto.
Desta maneira, destacamos que a pesquisa é de cunho qualitativo, baseada
em entrevistas semiestruturadas e observação participante, com o intuito de verificar a relação
entre movimento negro e estado sob o prisma do movimento negro. As entrevistas foram
utilizadas, principalmente, para retomar aspectos históricos do movimento negro, suas
primeiras instituições, e lideranças que atuaram em algum momento no governo local. A
observação participante, centralizada no ILK, tinha como objetivo verificar as articulações de
uma entidade de terceiro setor, que mantém laços ativos com movimento negro local.
Em um curto período de tempo foram realizadas as entrevistas,
concomitantemente, eram feitas a observação participante no ILK e as transcrições das
16

entrevistas. O rico material das entrevistas é passível de novos estudos, principalmente devido
seu uso limitado neste trabalho, enquanto que o ILK, no período de minha observação, estava
passando por mudanças na diretoria da instituição, e acredito que os desdobramentos desse
período de mudança poderão ser analisados futuramente, com uma nova observação.
O desenho desse projeto nasce após aprovação no mestrado (2011), uma vez
que, o projeto aprovado, inicialmente, propunha uma discussão na esfera nacional das
políticas públicas raciais no governo Lula. O fato do orientador, Flávio Braune Wiik, ter
sugerido “estudar o movimento negro no MS”, muito me agradou, já que, possuía um contato
com parte da militância negra no estado, e conhecimento de que não havia publicações em
que essa temática fosse o objeto de pesquisa.
O fato de ser ex-aluno do ILK me auxiliou, e através dele participei do
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro (CEDINE) e do Conselho Municipal dos
Direitos do Negro (CMDN), um pouco mais de um ano no primeiro, e de seis meses no
segundo, interrompidos pela aprovação no mestrado. Nesse período que abrange minha
entrada no ILK (2006) e minha aprovação no mestrado (2011), participei dos Conselhos e de
eventos promovidos tanto pelo movimento negro, quanto pela Universidade, que debatiam
principalmente as ações afirmativas. Essas participações em eventos, nos Conselhos e Fóruns,
me possibilitaram conhecer os principais militantes do movimento negro sul-mato-grossense,
permitindo a adoção do recorte regional, e das técnicas de pesquisa selecionadas.
Foi realizado um novo projeto, visto que toda metodologia anterior, pautada
basicamente em análise documental e de discursos políticos, não fazia jus à nova realidade a
ser pesquisada. Logo, foram definidos tanto a observação participante, como as entrevistas
semiestruturadas, somadas a uma revisão bibliográfica. Acreditamos que estas técnicas
dariam conta de compor um cenário nacional e regional, mas também, uma maior
profundidade na questão racial no MS.
É de recorte dessa pesquisa, o movimento negro urbano (excluindo assim, as
políticas direcionadas aos quilombolas), entendendo as políticas públicas raciais, tanto fruto
da relação entre sociedade civil negra sul-mato-grossense com estado, como também,
desdobramentos do cenário nacional de avanço das políticas de promoção da igualdade racial.
A opção teórica se manteve. A escolha pelos Estudos Pós-Coloniais facilita
por ser uma leitura teórica que já realizava antes do mestrado, além de proporcionar uma
discussão arregimentada no conceito de identidade. Vários autores discutem identidade nos
estudos pós-coloniais, e este aporte teórico permite que se possa questionar o lugar de
enunciação dos discursos, as falas de identidades subalternas, e suas reivindicações por
17

reconhecimento e justiça social, criticando processos de formação de nações e a própria


ciência de perfil eurocêntrico.
A identidade negra surge enquanto uma das problemáticas a serem
enfrentadas. Nesse sentido, é tratada com especial atenção, sendo que este conceito atravessa
todos os capítulos e de diversas formas. A identidade é discutida no seu sentido regional,
como objeto e sujeito de narrativas históricas de MS; tratada em sua subjetividade política,
principalmente, do período da “emergência heroica dos movimentos sociais” após a ditadura
militar, e na sua ressemantização política feita pelo movimento negro; e por fim, é retomada
em seus aspectos objetivos, como critério de seleção de políticas públicas raciais.
Visto que a identidade é encarada como sendo fluida e móvel, sempre
circunstancial, ou seja, o contexto e as relações influenciam na maneira de se autoafirmar,
nesse sentido a identidade negra deve ser encarada como uma identidade política (HALL,
2003; BHABHA, 2010; GILROY, 2001; MUNANGA, 2009), fato que atua na contramão dos
critérios de seleção de políticas públicas de MS, que definem seus sujeitos de direito como
sendo, os de fenótipo negro que assim se autodeclararem.
Observarmos ao longo da história brasileira que a identidade negra é
constantemente submetida a discursos de degeneração, de branqueamento, de assimilação e de
democracia racial. A partir, principalmente do movimento negro, que ressurge nos anos 1970,
a identidade negra se fortalece e dentre tantas outras conquistas, consegue direcionar o Estado
para as políticas afirmativas, que se tornam a principal resposta do Estado às demandas da
identidade negra.
Desta maneira, dividimos em cinco capítulos a dissertação: O primeiro
capítulo é formado pela introdução, metodologia e algumas considerações teóricas. Este
capítulo traça os meandros de como a pesquisa foi realizada, com quais pressupostos teóricos
e metodológicos. Neste capítulo apresentamos o local de fala do pesquisador, com quem se
realizou os diálogos (teóricos e transcritos), além de apresentar ao leitor a pesquisa.
No segundo capítulo, optamos por traçar fatos da história regional que
ajudam a compor tanto aspectos da presença negra no MS, quanto à construção da sua
identidade estadual, numa tentativa de mostrar o lugar do negro na historiografia e na
identidade regional, na fabricação do regionalismo. Aprendemos muito na elaboração desse
capítulo, principalmente quanto aos resquícios da escravidão no então, sul de Mato Grosso.
Dizemos que a pergunta que move este capítulo seria: De que maneira a identidade negra se
insere na construção da identidade regional? Entendendo a identidade regional, apenas em sua
feição política, como um essencialismo artificial forjado, melhor compreendido na
18

intervenção do estado ou, de um grupo ligado a elite regional, com intuito de criar uma
identidade sul-mato-grossense (COSTA, 2006, DAMATTA, 2004).
No terceiro capítulo, optamos por trazer o movimento negro para o centro
do debate, com uma discussão teórica que justifique a opção pelo conceito de sociedade civil
em detrimento do conceito de movimento social, mesmo que ainda mantendo a utilização do
conceito “movimento negro”. Movimento negro, além de ser um conceito analítico também é
um conceito nativo, e representa toda uma articulação de instituições e discursos, e
atualmente, é mais bem explicado conceitualmente por sociedade civil.
Ainda no terceiro capítulo são apresentados os dados recolhidos durante a
pesquisa de campo. Eles expõem a institucionalização do movimento negro, a criação das
primeiras instituições, mas também trazem dados da observação participante no Instituto
Luther King. Estes colaboraram de maneira ímpar para o entendimento das articulações entre
as entidades do movimento negro com o poder público e privado, uma vez que o ILK é uma
instituição de terceiro setor.
O quarto capítulo, tem como foco as políticas públicas de recorte racial do
estado, como ocorreu à construção e, consequentemente a implementação dessas políticas.
Tentamos demonstrar como os planos de intervenção são edificados e abandonados pelo
poder público, tornando assim, a lei, a única garantia de continuidade de política pública
racial, já que, as demais alternativas, o estado simplesmente cumpre de maneira muito
precária. E ainda, podemos observar de que maneira se articula as entidades do movimento
negro sul-mato-grossense por essas demandas específicas.
O quinto capítulo são as considerações finais, uma retomada dos capítulos
anteriores com um alinhamento entre teoria e realidade, no que se trata da relação da
sociedade civil negra e o estado sul-mato-grossense, apesar dos negros fazerem parte do
esquecimento imperativo na construção da regionalidade. Ao longo do trabalho utilizamos
“estado” para representar a unidade federativa, quase sempre MS, e utilizamos “Estado” para
nos referir ao conjunto da organização superestrutural da sociedade.
A problemática da dissertação como se nota, é com relação à questão racial
no cenário regional, ou seja, como o negro, o movimento negro e as políticas públicas
regionais se arranjam em suas relações recíprocas, mas também em relação ao estado. Minha
interrogação, a questão central que orienta essa dissertação, consiste em averiguar de que
maneira o estado de MS travou seu debate identitário em torno das políticas públicas de
identidade racial?
19

Sustentamos esta dissertação com base em processos bem mais amplos que
as políticas públicas raciais sul-mato-grossenses, visto que, esta é parte de um processo
nacional de mudança no padrão de relações raciais e, de (re)posicionamento do Estado
brasileiro, que assume desde o segundo mandato FHC, por pressões advindas do movimento
negro, que o racismo e a desigualdade racial são marcantes nas relações sociais no Brasil. No
governo Lula, por sua vez, ocorreu a implementação de várias medidas de combate a
desigualdade racial. Sendo assim, esta pesquisa se insere no âmbito das mudanças sociais com
relação à questão racial brasileira.
Analisando essas políticas e suas construções, pretendemos traçar aspectos
da relação entre sociedade civil negra e o estado no MS, ambos cercados de particularidades,
mas também, com vários aspectos, principalmente da cultura política brasileira. Dessa
maneira, acreditamos que essa pesquisa contribui para que futuros pesquisadores possam
comparar a maneira como o movimento negro de MS atuou no estado, mas também, para uma
sistematização maior da história do movimento negro sul-mato-grossense.

1.2 METODOLOGIA

Esta pesquisa é qualitativa e parte de uma análise sobre a sociedade civil


organizada em torno da questão racial no estado de MS, e sua participação política pela
implementação de políticas públicas estaduais com recorte racial, entre os anos de 2003 e
2012.
A pesquisa qualitativa “é uma atividade situada, que localiza o observador
no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão
visibilidade ao mundo” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p.17). A torna multifacetada e perpassa
por vários paradigmas teóricos, sendo assim o ato da pesquisa qualitativa deve ser
interpretado, como algo multicultural, marcado pelo gênero da pesquisa. Mas de maneira
genérica pode-se definir pesquisa qualitativa da seguinte maneira:

[...] a pesquisa qualitativa na sociologia e na antropologia “nasceu de uma


preocupação em entender o ‘outro’”. Além do mais, esse outro era o outro
exótico, uma pessoa primitiva, não-branca, proveniente de uma cultura
estrangeira considerada menos civilizada do que a cultura do pesquisador. É
claro que, muito antes dos antropólogos já haviam colonialistas. No entanto,
não fosse por essa mentalidade investigativa que transformou a figura do
outro de pele escura no objeto do olhar etnográfico, não haveria uma história
colonial, e, agora, nem uma história pós-colonial (DENZIN; LINCOLN,
2006, p.15).
20

A pesquisa foi realizada com uma somatória das técnicas de pesquisa


qualitativa: observação participante, revisão bibliográfica e entrevistas semiestruturada com
alguns sujeitos sociais, principalmente, do movimento negro. A observação participante foi
realizada no interior do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro (CEDINE),
outras atividades realizadas durante julho de 2012 e abril de 20131 também foram
frequentadas, mas principalmente no Instituto Luther King (ILK).
O ILK foi escolhido para ser observado/descrito, com maior proximidade,
com intuito de verificar a inter-relação dessa entidade com a demanda do movimento social,
assim como a relação de parcerias entre estado, município, entidades, conselhos participativo,
e iniciativa privada, de modo geral, suas articulações mais que seu interior. Uma descrição foi
realizada, uma vez que esta é uma das instituições de MS que atingem um maior número de
pessoas com suas atividades, sendo o curso pré-vestibular noturno para população carente da
cidade de Campo Grande, a principal delas.
A observação participante de acordo com Gil (2011), enquanto método
possibilita duas formas distintas de inserção: a “natural”, quando o investigador pertence ao
mesmo grupo ou comunidade que investiga; e “artificial”, quando o investigador se integra ao
grupo ou comunidade para realizar a investigação (p.103). Seguindo essa diferenciação
efetivada pelo autor, esta pesquisa se enquadra no primeiro exemplo, haja vista que eu fui
aluno do ILK no ano de 2006, e não me afastei da instituição desde então, principalmente
devido minha aproximação do debate sobre a questão racial no estado.
Foram realizadas entrevistas com roteiro semiestruturado com militantes do
movimento negro, e com o deputado Amarildo Cruz, sendo que todas essas pessoas já me
conheciam antes da solicitação de entrevista, a exceção é o deputado. Foram entrevistados:
Dr. Aleixo Paraguassú, Vania Lucia B. Duarte, Dra. Raimunda Luzia de Brito, Lucimar Rosa
Dias, Ana Lúcia Sena, Ben-Hur Ferreira e Deputado Estadual Amarildo Cruz.
Dr. Aleixo Paraguassú foi fundador e ex-presidente do ILK, juiz aposentado
e um dos militantes de maior respeito no estado; Raimunda Luzia de Brito, atualmente é
Coordenadora da CPPIR-MS e possui uma história de vida que se confunde com militância
racial e pela mulher no estado, é professora aposentada, além de advogada e assistente social;
Lucimar Rosa Dias, foi a primeira coordenadora da CPPIR-MS, teve um papel fundamental
em sua criação e foi a principal articuladora política de assuntos raciais no primeiro governo

1
Foram realizados os Jogos Municipais da População Negra, desfile de 26 de agosto, em comemoração ao
aniversário da capital, o Seminário África em sala de aula realizado na FETEMS com participação do
CEDINE. Concurso Beleza Negra de Campo Grande.
21

de Zeca do PT (1999-2003); Ana Sena coordenou a CPPIR-MS no segundo mandato Zeca do


PT (2004-2007), além de ser a primeira presidente do Fórum das Entidades do Movimento
Negro de MS (2004); a Vania L. B. Duarte participou da segunda gestão da CPPIR e é a atual
presidente do Fórum das Entidades do Movimento Negro de MS, moradora da Comunidade
Tia Eva, da qual é presidente da associação de moradores; Ben-Hur Ferreira é um dos
fundadores do Grupo Tez, foi vereador eleito em 1992, e deputado estadual em 1994 e, por
fim, deputado federal (1999-2003) pelo PT, além de ser o autor da lei 10.639/2003; Amarildo
Cruz é deputado estadual também pelo PT (2007-2010), é autor de uma lei de cotas para o
acesso ao serviço público estadual, é o único parlamentar que propõe debater temáticas raciais
na assembleia parlamentar do estado.
A entrevista, enquanto técnica de coleta de dados visou “compreender o
significado que entrevistados atribuem a questões e situações”. A entrevista pautou-se em um
roteiro semiestruturado, e com várias mudanças de acordo com o perfil ou função do
entrevistado, assim como permite este tipo de entrevista que “é conduzida com uso de um
roteiro, mas com liberdade de serem acrescentadas novas questões pelo entrevistador”
(MARTINS; THEÓPLILO, 2009).
As entrevistas foram realizadas entre outubro de 2012 e janeiro de 2013, no
período posterior a eleições municipais, que envolveu parte da militância negra do estado, fato
este, que dificultou que as entrevistas pudessem ser realizadas antes. Apesar de quase todos
serem militantes, maior parte deles assumiu funções públicas, principalmente durante o
mandato do PT no governo do estado.
O texto de Roberto Cardoso de Oliveira (2000) foi um importante guia para
a construção dos dados etnográficos, que apesar da aparente facilidade com que ele apresenta
a pesquisa, também nos convida para a difícil tarefa de estranhar o próximo. Fazer cadernos
de campo após conversas aparentemente despretensiosas não é algo habitual, da mesma
maneira, é o fato de estar no ILK como pesquisador2, tanto que, nas ocasiões em que, por
algum motivo, era necessário me apresentar a alguém externo a instituição, em momento
algum me apresentava como pesquisador, sempre como ex-aluno. Acredito que essa seja a
minha identidade, atribuída por eles, mas também por mim, naquele ambiente.
Oliveira (2000) divide o trabalho antropológico em três partes amplamente
conectadas: Olhar, ouvir e escrever, onde olhar e ouvir faz parte da apreensão da realidade,
sua percepção empírica o “estar lá”, enquanto o escrever, o “estar aqui”, no gabinete é, o

2
Meu estágio obrigatório do curso de Ciências Sociais e minha monografia se desenvolveram no ILK, e tendo-o
como objeto de investigação.
22

momento da interpretação da cultura nativa, sempre entrelaçado com que se olhou, e ao que se
ouviu no campo, ou seja, aos dados.
A observação participante, parte primordial do fazer antropológico, trouxe-
me uma grande preocupação. Um pensamento sempre me vinha em mente nas anotações do
trabalho de campo, qual seja, até onde, o que vejo, é o que eu quero ver? Ou seja, meu
histórico de ex-aluno e de militante do movimento negro interfere muito na coleta dos dados,
como defendeu Ruth Cardoso (1986).

A identificação com os propósitos políticos dificulta um dos passos


importantes da observação participante que é o estranhamento como forma
de conhecer. E transforma o pesquisador em porta-voz do grupo
(CARDOSO, 1986, p.100).

A aproximação dos sujeitos com os objetos de investigação interfere, com


certeza, nos dados coletados, assim como o engajamento reflete de certa maneira na
metodologia3. No caso desta pesquisa, a opção pelas entrevistas, junto com a observação
participante, foi em muito, devido meu engajamento político entre alguns militantes do
movimento negro sul-mato-grossense, que fez com que se acreditasse ser possível entrevistar
importantes personagens envolvidos na questão racial local.
De toda maneira, toda interpretação não é nada mais, nem nada menos do
que uma interpretação então, esta pesquisa nasce de um compromisso político pessoal de
defesa da igualdade racial, e de um cuidado metodológico na análise dos dados etnográficos,
que em nenhum momento se ambicionou enquanto neutra, apesar de reconhecer as
dificuldades do estranhamento.
A pesquisa bibliográfica foi realizada principalmente em sítios como Scielo
e Domínio Público e outros bancos de teses e dissertações. Grande parte dos resultados
desaguou em ações afirmativas em universidades, ou políticas públicas ligadas a saneamento,
saúde, educação, assistência social entre outras, poucos resultados sobre políticas públicas
raciais. A literatura específica sobre MS quase sempre é encontrada nos programas de pós-
graduação do estado, ou pelos pesquisadores que possuíam uma trajetória de militância.
Os dados bibliográficos da produção regional, em torno do movimento
negro, alguns se inscrevem no âmbito do paradigma do materialismo histórico dialético, estes
da educação (CONCEIÇÃO, 2003; MORAES, 2009), sendo Borges (2008) da educação, mas
desvinculada do materialismo histórico dialético, e as outras pesquisas são das Ciências

3
A mesma postura que estamos apresentando metodologicamente, apresentamos nas considerações teóricas.
23

Sociais, as de Santos (2005), Sena (2011) e a tese de Santos (2010), única em Antropologia e
a de maior incisão no movimento negro sul-mato-grossense. Outros trabalhos são realizados
em torno da questão racial, no entanto, sem debater o movimento negro4.
Metodologicamente a opção nessa pesquisa é de situar o lugar social de
onde fala este intérprete, próximo à militância racial no estado, como ex-aluno do ILK, mas
também pesquisador. Como se pode observar, o ILK me propiciou uma aproximação com
militantes do movimento negro, e experiências anteriores de pesquisa, e novas questões
surgiram: qual a contribuição do ILK na construção da identidade negra de seus alunos? Qual
a relação entre o ILK e o movimento negro? E que espécie de interdependência pode-se traçar
da relação tríplice entre movimento negro, ILK e estado? Nem todas as perguntas situam-se
nesse trabalho, muito menos as respostas.

1.2.1 Tratamento dos Dados

As entrevistas foram todas transcritas, e posteriormente em uma releitura,


partes importantes foram selecionadas para facilitar no momento da escrita. A princípio,
temáticas como: Nascimento do movimento negro, nascimento de outras instituições,
CEDINE e Fórum enquanto espaços de representação, CPPIR-MS e políticas públicas raciais
do estado foram as mais destacadas. Estes dados apareceram de maneira mais direta nos
subitens 2.3 e 2.4.
Várias outras temáticas surgem em torno das entrevistas, em destaque, a
relação partidária5, comunidades negras urbanas e rurais6 e seus festejos7, assim como eventos
realizados pelo próprio movimento negro regional8. Essa é uma das riquezas da entrevista,
fornece muitos dados para futuras pesquisas.
Os dados etnográficos também trazem uma série de informações que não
cabem no recorte da pesquisa, sempre abrindo temas para próximos trabalhos. Retornando ao
“olhar etnográfico” (OLIVEIRA, 2000), é necessário contextualiza-lo9, muito brevemente já

4
Trabalhos como de Dias (2007; 1997), Brito (2001), Moura (2008), Brazil (2002), Marques (2010; 2004),
Silva (2003) entre outros trabalhos.
5
Atualmente os partidos: PT, PMDB e PDT possuem um espaço específico para o debate sobre as questões
raciais.
6
Atualmente Mato Grosso do Sul possui 16 Comunidades negras rurais, a pesquisa de maior fôlego foi realizada
por Santos (2010), uma tese de doutorado em Antropologia.
7
A festa mais conhecida é da Comunidade Tia Eva, em Campo Grande, a Festa de São Benedito em 2013,
estará em sua 94º edição.
8
Dentre os eventos destacam-se o desfile de 26 de agosto, os jogos Municipais e o concurso Beleza Negra,
ambos realizados em novembro.
9
Ver Peirano (1999); Carvalho (2001).
24

que outros autores de maior competência já fizeram. O olhar etnográfico segundo Carvalho
(2001):
[...] foi resultado de um descentramento ocorrido no interior da visão de
mundo ocidental [...] um dos efeitos epistemológicos de consequências
políticas mais profundas desse descentramento foi a separação dos olhares
dos dois sujeitos construídos pela disciplina: o do etnógrafo (o civilizado) e
o do nativo por ele olhado (o primitivo), cujas naturezas pareciam, na
perspectiva de quem olhava, intercambiáveis analiticamente, ao mesmo
tempo que existencialmente incomensuráveis. [...] Muito mais tarde, com a
crescente politização da disciplina a partir das lutas anti-imperialistas e pós-
coloniais, pôde ser sustentado o argumento de que o nativo constrói sua
alteridade segundo o modo em que retruca, de um lugar subalterno, o olhar
do colonizador sobre si (CARVALHO, 2001, p.110-111).

O olhar etnográfico entre estes dois polos citados, apresentam uma vastidão
de embates, uma vez que traz à tona o debate sobre a própria razão de ser da antropologia
enquanto ciência. As formas de resistência nativa, e os processos de ressignificação que os
subalternos realizam faz parte desse novo modelo de olhar antropológico pós-colonial, que
almeja dar visibilidade a histórias pós-coloniais, visando um “deslocamento do lócus da
enunciação” (CARVALHO, 2001), ou como Homi Bhabha (2010) define: “elas formulam
suas revisões críticas em torno de questões de diferença cultural, autoridade social e
discriminação política a fim de revelar os momentos antagônicos e ambivalentes no interior
das “racionalizações” da modernidade” (p.239).
Foi com a intenção de buscar esse olhar (que também é ouvir, visto que
ambos compreendem o processo de apreensão da realidade existente), esta é a lente pela qual
propomos enxergar as relações assimétricas de poder que envolvem movimento negro e o
estado do MS. O “escrever” buscou relacionar os dados empíricos com fenômenos maiores,
como a institucionalização, a difusão do terceiro setor, a demanda por políticas públicas
específicas, principalmente de ação afirmativa, pelo movimento negro no Brasil.
Durante o segundo semestre de 2012, concomitante ao agendamento e a
realização de novas entrevistas foram realizadas as transcrições das que já tinham sido
realizadas. Leituras mais centradas na metodologia e nas especificidades regionais se
concentraram nesse período. No mínimo uma vez por semana, frequentava o ILK, ajudando
em pequenos serviços, e dialogando quase sempre com a coordenação pedagógica, mas
também com os demais funcionários e membros da diretoria quando possível.
Os dados etnográficos foram lidos e relidos, a partir das anotações do
caderno de campo, mas também de documentos, atas e relatórios institucionais que são
apresentados no capítulo III. Os eventos não são abordados na pesquisa, no entanto, eles são a
25

celebração de um trabalho, visto que é o resultado, como no caso dos Jogos da população
negra, organizado pelo CMDN. Ou são de articulação política, como no caso de um evento
realizado com e na FETEMS, no qual selou uma parceria para discussão da lei 10.639/2003
nas escolas do estado. A festa de São Benedito, da Comunidade Tia Eva, é basicamente
cultural, mas é diferente dos eventos, que são efêmeros.
As entrevistas transcritas e os dados etnográficos tiveram que ser costurados
com a teoria dos estudos pós-coloniais e das relações raciais brasileiras com o recorte
específico dessa pesquisa. Esta aproximação contribui com uma discussão teórica sobre os
movimentos sociais e a sociedade civil na contemporaneidade.
A somatória dessas técnicas de pesquisas é uma tentativa de compreensão
do fenômeno estudado com maior profundidade, apesar da realidade objetiva nunca poder ser
captada. Como defendem Denzin e Lincoln (2006):

A melhor maneira então de compreendermos a combinação de uma


multiplicidade de práticas metodológicas, materiais empíricos, perspectivas e
observadores em um único estudo é como uma estratégia que acrescenta
rigor, fôlego, complexidade, riqueza e profundidade a qualquer investigação
(DENZIN; LINCOLN, 2006, p.19).

Dessa maneira, espera-se atingir, tanto a profundidade desejada, através das


fontes, leituras e recursos metodológicos; mas também, (re) traçar um panorama regional da
“questão racial”. A realidade é um fenômeno inatingível em sua completude, o que nos obriga
a traçar recortes e, nesse sentido, optamos por trabalhar a sociedade civil negra no MS e
algumas implicações na política local, sobre a forma de políticas públicas raciais.

1.3. ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E IDENTIDADE

A opção pelos Estudos Pós-Coloniais como teoria é por compreender a


importância do período colonial na formação nacional, compreender a raça e, por conseguinte,
o negro como parte da modernidade. E propor uma reconfiguração do lugar de enunciação,
construí-lo enquanto espaço híbrido, lugar de fala de grupos subalternos também. A proposta
política de combate e desconstrução dos essencialismos raciais é fundamental para que
ocorram mudanças nos parâmetros de relações raciais no Brasil.
Tal linha teórica desloca a centralidade de categorias tradicionais como
classe e trabalho, e introduz raça, sexualidade, linguagem como figuras centrais. Critica o
conceito de diversidade pelo seu limite, que mantém intactos valores, interesses e normas
26

etnocêntricas permitindo apenas uma tolerância, o que não é suficiente. Em contrapartida,


oferece e debate em torno do conceito de diferença, e ao invés de identidade, prefere
identificações, devido seu caráter incerto, circunstancial.

A diferença é construída no processo mesmo de sua manifestação, ela não é


uma entidade ou expressão de um estoque cultural acumulado, é um fluxo de
representações, articuladas ad hoc, nas entrelinhas das identidades externas
totalizantes e essencialistas – a nação, a classe operária, os negros, os
migrantes, etc. (COSTA, 2006, p.92).

Os Estudos Pós-Coloniais não possuem necessariamente uma matriz única,


sendo muito fortemente ligado aos Estudos Culturais, e este, tem seu nascimento
normalmente vinculado à publicação em 1978, de Orientalismo de Edward W. Said, este é
uma referência aos Estudos Pós-Coloniais, enquanto o outro impulso é com Between Men de
Eve K. Sedgwick em 1985, este vinculado à Teoria Queer. Tanto os estudos pós-coloniais
quanto a teoria queer possuem laços de nascimento com os estudos culturais.

[...] é retomada por meio da desnaturalização das narrativas de origem, das


idéias de lar e nação, de forma que a diáspora deixa de ser compreendida
como dispersão étnica e filiação, mas em termos de “abjeção” (queerness),
afiliação e contingência (MISKOLCI, 2009, p.13).

Os Estudos Culturais começaram a tomar forma com a criação do Centro de


Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, em 1964. Este espaço
surge sem uma definição teórica, a priori, e sofreu influências das mais diversas: Michel
Foucault, da escola de Frankfurt, Antonio Gramsci, Althusser e os aspectos interacionistas e
culturalistas da sociologia tradicional e da Antropologia. Stuart Hall acredita que os Estudos
Culturais: “força-nos a repensar radicalmente a centralidade do “cultural” e a articulação
entre os fatores materiais e culturais ou simbólicos na análise social. Este é o ponto de
referência intelectual a partir do qual os Estudos Culturais se lançaram”. (HALL, 1997, p.
12).
Os estudos Pós-Coloniais, autonomiza-se dos Estudos Culturais, assim
como a Teoria Queer, e não possuem de fato uma matriz teórica única, tendo distintas
contribuições, mas buscando através do “método da desconstrução dos essencialismos, uma
referência epistemológica crítica às concepções dominantes de modernidade (COSTA, 2006,
p.83).” A principal crítica com relação ao processo de construção do conhecimento científico,
é justamente que, ao manter modelos e conteúdos ainda vinculados aos padrões europeus,
27

estaríamos reproduzindo, de novas maneiras, a relação colonial, uma vez que os parâmetros
utilizados ainda consideram a Europa como centro, ou como ponto lógico de comparação com
o resto do mundo não ocidental.
Sérgio Costa (2006) aponta que os estudos pós-coloniais acabam
considerando três blocos interligados de questões: “a crítica ao modernismo, enquanto
teologia da história, a busca de um lugar de enunciação “híbrido” pós-colonial, a crítica à
concepção de sujeito das ciências sociais (p.85)”. Metodologicamente busca-se compreender
a dominação local e produzir resistências.

Os paradigmas dos estudos culturais e da teoria queer empregam os métodos


todos estrategicamente – ou seja, como recursos para compreender as
estruturas locais de dominação e para produzir resistências a estas [...] o foco
está no modo como a raça, a classe e o gênero são produzidos e
representados em situações historicamente específicas (DENZIN;
LINCOLN, 2006, p.36).

A desconstrução da polaridade West/Rest, significa de maneira simplista, o


Ocidente e o resto do mundo, seria um eixo comum que liga os autores pós-coloniais. Essa
polaridade, mais do que os binarismos das ciências sociais, é historicamente constituída no
âmbito da relação colonial, e se mantém, mesmo com o fim do colonialismo, como forma de
produção do conhecimento e da intervenção política principalmente, aplicados a questões de
raça, classe e gênero (COSTA, 2006).
Ao tentar responder algumas críticas sofridas através do conceito “pós-
colonial”, Stuart Hall (2003) defende que o conceito em sua abstração, pode ser
“adequadamente universalizante”. Justifica-se, pois, “O termo se refere ao processo geral de
descolonização que, tal como a própria colonização, marcou com igual intensidade as
sociedades colonizadoras e colonizadas (de formas distintas, é claro) (p.108)”. Ele defende
que o processo marcou profundamente ambas as sociedades envolvidas no processo de
colonização, deixando inscritos alguns papéis e representações na cultura de colonizadores e
colonizadas.
Hall (2003) segue no argumento e afirma que o pós-colonial não se restringe
a uma época, ou na descrição de uma sociedade. Ele liga seu conceito ao de diáspora de Paul
Gilroy (2001), para demonstrar o potencial de desconstrução frente às grandes narrativas,
como a de construção da nação:
28

Ele rele a colonização como parte de um processo global essencialmente


transnacional e transcultural – e produz uma reescrita descentrada,
diaspórica ou “global” das grandes narrativas imperiais do passado,
centradas na nação (HALL, 2003, p.109).

Paul Gilroy (2001) utiliza a palavra diáspora no mesmo sentido empregado


no caso dos judeus, associado à ideia de “dispersão, exílio e escravidão”. Relembrando que o
emprego contemporâneo, durante final do século XIX, teve sua origem no sionismo e no
pensamento nacionalista negro, onde temas como fuga, sofrimento, tradição, memória passam
a ter novos significados na modernidade. Gilroy defende que seu conceito de diáspora
contribui para criticar a modernidade, e a imagem do navio no atlântico negro é a
representação da ideia de diáspora. Sérgio Costa (2006) descreve essa relação na obra autor:

[...] o Atlântico Negro corresponde a uma dimensão esquecida da


modernidade e a escravidão, uma filha bastarda que a história moderna
sempre procurou esconder. A reconstrução da história da diáspora africana
implica mais que estender e aprofundar os direitos e possibilidades de
participação dos descendentes de escravos no marco da política
contemporânea e no âmbito da esfera pública burguesa [...] trata-se de
colocar em discussão o próprio processo de construção da política moderna
enquanto espaço privilegiado de representação dos interesses e das visões de
mundo do homem branco (COSTA, 2006, p.117).

Contribuindo com a afirmação de Costa (2006), Homi Bhabha (2010)


afirma que um dos objetivos dos estudos pós-coloniais é o de “reconstituir o discurso da
diferença cultural”, fato este que, demanda uma “rearticulação do “signo” no qual se
possam inscrever identidades culturais” (BHABHA, 2010, p.240). Traça importantes ligações
entre identidade cultural e identidade política.

A perspectiva pós-colonial nos força a repensar as profundas limitações de


uma noção “liberal” consensual e conluiada de comunidade cultural. Ela
insiste que a identidade cultural e a identidade política são construídas
através de um processo de alteridade (BHABHA, 2010, p.244).

A identidade, enquanto questão sociológica é, parte de mudanças maiores


que ocorre na sociedade que abalam o quadro de referência em que se assentavam os
indivíduos no mundo. As identidades estão sendo descentradas, deslocadas ou fragmentadas
ao ponto de se afirmar que o sujeito pós-moderno, o atual, não possui identidade permanente
ou essencial. É uma “celebração móvel”, o “sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos” (HALL, 2005). Bhabha (2010) aponta que o sujeito passa a ter maior
29

conscientização de sua posição com o recuo das particularidades de classe no mundo


moderno.

O afastamento das singularidades de “classe” ou “gênero” como categorias


conceituais e organizacionais básicas resultou em uma consciência das
posições do sujeito – de raça, gênero, geração, local institucional, localidade
geopolítica, orientação sexual – que habitam qualquer pretensão à identidade
no mundo moderno (BHABHA, 2010, p. 19-20).

A identidade é tratada como uma construção dialógica ao menos desde


Fredrick Barth (1998) que, ao analisar sobre identidade étnica10, ou melhor, grupos étnicos,
afirmou que eles não podem ser vistos como um suporte de uma cultura específica (BARTH,
1998). Em Stuart Hall, o sujeito moderno possui uma identidade fragmentada e/ou composta
por várias identidades, que seriam temporárias, sendo assim a “identidade é um lugar que se
assume, uma costura de posição e contexto, e não é uma essência ou substância a ser
examinada” (HALL, 2003: p.15).
Quanto às nações, Hall (2003) afirma que todas são híbridos culturais, e os
indivíduos portadores de múltiplas identidades, que geram consequências políticas. A
“brasilidade” tem em si a discussão de híbridos culturais devido a sua formação social
diversificada, sintetizada em identidade nacional a partir da década de 1930, com a celebração
da democracia racial11 expressa pelo Estado e propalada com sucesso para o mundo até os
anos de 1950.
Portanto, nos espaços de formação da identidade, nos interstícios, nos “entre
- lugares12” (BHABHA, 2010) é possível que novas identidades manifestem-se, sumam, ou se
reconfigurem, pois, elas são negociáveis nesses espaços, são circunstanciais e não fixas. O
aspecto relacional dos “entre lugares”, ou “entremeios”, presentes em Bhabha (2010) e Brah
(2006) articula-se discursivamente com identidade.

10
Barth (1998) já apontava que um grupo étnico não deve ser visto como suporte de uma cultura específica,
defendendo que não são as diferenças objetivas determinantes do pertencimento a certo grupo, mas sim, o que
o grupo considera socialmente relevante como critério de pertencimento.
11
Segundo Antônio Sérgio Guimarães, esse termo passou a ser utilizado na literatura acadêmica pela primeira
vez por Charles Wagley em 1952, porém existem registros sobre sua utilização por Arthur Ramos e Roger
Bastide já durante os anos 40 do século XX (GUIMARÃES, 2002,139).
12
De acordo com Bhabha (2006), “é na emergência dos interstícios – a sobreposição e o deslocamento de
domínios da diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação, o interesse comunitário ou
o valor cultural são negociados. De modo que se formam sujeitos nos “entre - lugares”, nos excedentes das
somas das “partes” da diferença” (p.20).
30

Identidades são inscritas através de experiências culturalmente construídas


em relações sociais. [...] As identidades são marcadas pela multiplicidade de
posições de sujeito que constituem o sujeito. Portanto, a identidade
não é fixa nem singular; ela é uma multiplicidade relacional em constante
mudança (BRAH, 2006, p.371).

Para expor futuros desdobramentos do conceito de identidade que se


sedimenta em: identidade regional; identidade nacional e identidade negra e no decorrer deste
trabalho utilizamos, uma distinção entre identidade objetiva, marcada por características
culturais, linguísticas, da música e literatura entre outras; e a identidade subjetiva, esta é a
maneira pela qual os grupos se definem e/ou é definido pelos “outros” (MUNANGA, 2009,
p.11).
Ambos os lados da distinção feita trazem uma carga política, nesse sentido,
percebemos que ao tratar a identidade regional, os interesses políticos matizaram o processo
de construção da identidade sul-mato-grossense, desde os anseios divisionistas até a
valorização do pantanal e da natureza como símbolo regional. Quanto à identidade subjetiva,
verificamos que a identidade negra, nas políticas públicas de MS, traz como sinal diacrítico o
fenótipo, ou seja, a dificuldade de materializar a identidade subjetiva é reconhecida nessas
políticas, e é reflexo do pensamento do movimento negro estadual.
Considerando que o processo de construção da identidade nasce da
constatação da alteridade, ou melhor, a partir da tomada de consciência das diferenças entre
“nós” e os “outros”13, podemos concluir que o grau dessa consciência é diferente, tão quanto
aos contextos socioculturais vivenciados pelos negros. Assim sendo, de maneira alguma é
correto afirmar que os 49% de negros de MS, possui a mesma consciência política que a
comunidade politizada de militantes do movimento negro local.

Poder-se-á dizer, em última instância, que a identidade de um grupo


funciona como uma ideologia na medida em que permite a seus membros se
definir em contraposição aos membros de outros grupos para reforçar a
solidariedade existente entre eles, visando a conservação do grupo como
entidade distinta. Mas pode também haver manipulação da consciência
identitária por uma ideologia dominante quando considera a busca da
identidade como um desejo separatista. Essa manipulação pode tomar a
direção de uma folclorização pigmentada despojada de reivindicação política
(MUNANGA, 2009, p.13).

13
É importante não esquecer que algumas diferenças acarretam em desigualdades ou exclusão, quando não os
dois (SANTOS, 1999).
31

A citação acima de Munanga (2009) reflete bem a maneira com a qual


utilizamos o conceito de identidade no interior da pesquisa, de um lado, a maneira como a
identidade regional e nacional foi construída com a manipulação de signos e símbolos; por
outro lado, a identidade negra em contraste com a branquitude14, tenta calcificar uma
solidariedade racial entre os negros. A manipulação de símbolos e signos, com uma finalidade
específica em cada caso realça o caráter contrastivo e relacional da identidade e isso é visível
no Mato Grosso do Sul. Consideramos a identidade regional da seguinte maneira:

Sabemos que a dialética entre nacional e o regional e, com ela, a emergência


da forma da identidade que chamamos de “regional”, é agenciada por
disputas políticas – não apenas no sentido em que a disputa faça surgir a
identidade, mas também quando a identidade é acionada, burilada e
percebida dentro de uma questão com consequências práticas e concretas
(DAMATTA, 2004, p.25).

DaMatta (2004) trata de um regionalismo político, aquele que aponta para


algumas especificidades de cunho local, “ essa acentuação do singular (significando o
“cultural”, o específico, o particular em oposição ao que é nacional ou geral) tem sido
amplamente usada por governos locais e nacionais” (p.29) o regional surge como
“representação de singularidades e especificidades”. Pensamos o regionalismo no sentido de
sua mitificação, de um tempo, um espaço, e de um elemento humano determinado que passam
a ser referencial daquilo que se quer por regional. Desta maneira, o regionalismo opera numa
estratégia de seleção, por consequência de exclusão de elementos que representam a cultura
regional (SOUZA, 2008).
É esse regionalismo que pauta a identidade regional da maneira como
abordada no trabalho, o agenciamento político de símbolos, memórias, espaços e patrimônios
que são divulgados e assimilados pela população local como sendo parte de uma
singularidade tão específica que a tomamos como sendo parte da nossa identidade regional. A
jovialidade do estado de MS, enquanto unidade federativa independente torna ainda mais
visível a invenção de uma tradição regional, a tentativa de forjar uma identidade regional.
Já a identidade negra, que almeja reforçar a solidariedade política entre os
negros brasileiros, faz do termo “negro” elemento de articulação de uma identidade política,
ressignificado, principalmente, pelo Movimento Negro Unificado (MNU), criado em São
Paulo e, foi um forte rebatedor do discurso da democracia racial.

14
A branquitude é um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê aos outros e a si mesmo; uma posição de
poder não nomeada, vivenciada como um lugar confortável em uma geografia social de raça e do qual se pode
atribuir ao outro aquilo que não atribui a si mesmo (FRANKENBURG apud SOVIK, 2009, P.13).
32

Todos os militantes entrevistados para esta pesquisa reconhecem na


categoria “negro”, um centro sobre o qual memórias e preconceitos, lutas e histórias se
articulam. “Negro”, enquanto categoria nativa15 envolve toda uma militância, a partir do
MNU, negro passou a ser um termo de luta e identificação política16.

[...] a identidade negra não nasce do simples fato de tomar consciência da


diferença de pigmentação entre brancos e negros ou negros e amarelos. A
negritude e/ou identidade negra se referem à história comum que liga de uma
maneira ou de outra todos os grupos humanos que o olhar do mundo
ocidental “branco” reuniu sobre o nome de negros (MUNANGA, 2009,
p.20).

A identidade política é a que possui maior capacidade de mobilização no


contexto brasileiro, onde os negros são, na maior parte, miscigenados, e possuem os símbolos
de sua cultura expropriados, em grande parte também, pela cultura nacional, dificultando a
construção de solidariedades assentadas na cor e na cultura. Como defende Munanga (2009):
“[...] a identidade no mundo negro se inscreve no real sob a forma de “exclusão” [...] Por
isso, sem minimizar os outros fatores, persistimos em afirmar que a identidade negra mais
abrangente seria a identidade política [...]” (p.16).
A identidade negra, assim como discursos de gênero ou de homossexuais
compõe o universo de falas subalternas, do discurso das diferenças assim como um dia já foi
minorias políticas ou diversidade, outros grupos e minorias cabem nesse universo teórico. O
fato é que o sujeito do discurso pós-colonial é frequentemente descrito como sendo
subalterno, terminologia adotada no trabalho em algumas ocasiões.
Spivak (2010) em Pode o subalterno falar? apresenta-nos importantes
perspectivas, onde o sujeito subalterno é um efeito do discurso dominante, parte do desejo
ocidental interessado em manter o “sujeito do Ocidente, ou o Ocidente como sujeito”, algo
muito incômodo à autora, que defende, tendo como exemplo o caso da mulher na Índia, que:
“não há nenhum espaço a partir do qual o sujeito subalterno sexuado possa falar” (p.121),
“não pode ser ouvido ou lido” (p.124) e conclui seu trabalho com a afirmação categórica de
que “o subalterno não pode falar” (p.126).

15
Importante salientar que os nativos dessa pesquisa são os negros e militantes já imbuídos de um discurso
racial, que é reflexo das atuações no movimento negro sul-mato-grossense, e nacional em alguns momentos.
16
Antes disso, houve muitas luta, e conquistas, no entanto, o conceito passa a ter um uso, em uma polarização
com a ideia de democracia racial. E o movimento passa a acreditar que a solução seria política para as
desigualdades raciais, por isso, esse é o momento da politização da demanda cultural.
33

Gramsci descreve classes subalternas17 em o Príncipe Moderno, como


sendo subordinadas pela hegemonia e afastadas de qualquer papel significativo em regimes de
poder; Gramsci não se refere apenas a operários, mas a todos os grupos humanos excluídos,
os quais não tem voz, ou se encontram desunidos para lutar contra a hegemonia. Nos estudos
pós-coloniais estudam a subordinação em termos de classe, idade, gênero, raça, casta, sendo a
resistência a uma elite dominadora o que os une (BONNICI, 2005, p.51).
Um discurso sobre a identidade se fortalece entre os estudos pós-coloniais, o
debate em torno da cultura hoje possui um caráter político, as políticas passam a ser ditadas
pela identidade cultural e tratam do controle da cultura, a identidade cultural passa a andar de
mãos dadas com a política cultural (KUPER, 2002). Stuart Hall (2003) defende o conceito de
identidade enquanto sendo “um lugar que se assume, uma costura de posição e contexto, e
não uma essência ou substância a ser examinada” (p.15-16).
Essa definição de identidade é de potencial político, e assim mesmo que ele
enxerga, assim descreveu Liv Sovik no prefácio da obra Da Diáspora (2003):

Deslocamento, aliás, é a imagem que Hall faz da relação da cultura com


estruturas sociais de poder; pode-se fazer pressões através de políticas
culturais, em uma “guerra de posições" mas a absorção dessas pressões pelas
relações hegemônicas de poder faz com que a pressão resulte não em
transformação, mas em deslocamento da nova posição fazem-se novas
pressões (p.11-12).

Segundo Hall (2005), “a identidade muda de acordo com a forma como o


sujeito é interpelado, ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser
ganhada ou perdida”(p.21), ou seja, não se tem identidades fixas, ou essencialismos, são
fluidas, contextuais, o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos (HALL,
2005).
Ao transportar essa ideia à realidade brasileira, Munanga (2006), retoma
clássicos do pensamento racial brasileiro e contrapõe identidade nacional a identidade negra.
Com este movimento é perceptível em seu texto, à maneira como identidade negra vem sendo
tratada, tanto na ciência quanto no Estado brasileiro. Munanga (2009) defende o
fortalecimento de uma identidade negra, principalmente, fundada na política:

17
Para Gramsci: “Os grupos subalternos sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se
rebelam e insurgem” (GRAMSCI, 2007, 135).
34

Isto é, a identidade do mundo negro se inscreve no real sob a forma de


“exclusão”. Ser negro é ser excluído. Por isso sem minimizar outros fatores,
persistimos em afirmar que a identidade negra mais abrangente seria a
identidade política de um segmento importante da população brasileira
excluída de sua participação política e econômica e do pleno exercício da
cidadania. (MUNANGA, 2009, p.16)

Características específicas podem ser dadas por uma “história comum”,


memórias coletivas, principalmente discutindo em torno da identidade nacional, que imaginou
o negro, em grande parte, como o alienígena que gerava a degeneração da sociedade, ou como
o homem de cor de teria que se diluir e desaparecer na sociedade em anos18. O
etnocentrismo19, a ocidentalização, a eugenia entre outros valores coloniais eram a base sobre
a qual se forjava a identidade nacional, e Munanga (2009) ao olhar para população negra
brasileira aponta:

No caso da população negra brasileira como de qualquer outra, a memória


é construída, de um lado pelos acontecimentos, pelos personagens e pelos
lugares vividos por esse segmento da população, e, de outro lado, pelos
acontecimentos, pelos personagens e pelos lugares herdados, isto é,
fornecidos pela socialização, enfatizando dados pertencentes a história do
grupo e forjando fortes referencias a um passado comum (por exemplo, o
passado cultural africano ou o passado enquanto escravizado) (MUNANGA,
2009, p.16).

Esta discussão sobre identidade negra se agrega ao que estamos apontando


no interior do trabalho como a questão racial. Schwarcz (1999) na tentativa de realizar um
balanço sobre estudos que lidaram tanto com etnicidade, como com a “questão racial”, ela
assegura que a produção brasileira, apesar de diferentes tradições, preocupou-se em
definirem-se em função de seu objeto, no caso, índios, negros ou brancos. A natureza do
saber, principalmente antropológico, ficou subordinada à natureza de seus objetos reais.

De outro lado, associado a essa preponderância do objeto em relação ao


recorte teórico, acabaram se impondo duas vertentes que ordenaram toda
uma agenda de trabalho: a etnologia indígena e a antropologia da sociedade
nacional, mais conhecida, no caso das populações negras, pela rubrica de
“questão racial” (SCHWARCZ, 1999, p.272).

18
J. B. Lacerda no Congresso Universal das Raças em Londres (1911) deu um prognóstico de que a raça negra
levaria um século para desaparecer no país (HOFBAUER, 2006, p.187).
19
É um termo que designa o sentimento de superioridade que uma cultura tem em relação a outras. Consiste em
acreditar que os valores próprios de uma sociedade ou cultura particular devam ser considerados como
universais, válidos para todas as outras (MUNANGA, 2003, 181).
35

Ao abordarmos a questão racial teremos que definir e tratar conceitos como


raça, negro, mestiçagem, miscigenação, ação afirmativa, movimento negro e políticas
públicas raciais numa tentativa de articula-los com a teoria pós-colonial e o discurso de
identidade. Este movimento que tentaremos construir no próximo subitem.

1.3.1 Questão Racial

Raça, Racismo e Negritude

O conceito de raça advém do italiano razza, derivado do latim ratio e


significa categoria, espécie. Nas ciências naturais foi utilizado primeiramente na zoologia e na
botânica, classificando espécies animais e vegetais. No entanto, antes dessa conotação
biologizada do conceito, ele era utilizado no sentido de significar um grupo de pessoas de
origem comum (GUIMARÃES, 2005). Somente em 1684, François Bernier, usou o termo
para classificar a diversidade humana, em grupos fisicamente distintos, enfim as raças
(MUNANGA, 2004).
As descobertas do século XV – ameríndios, negros, melanésios, entre outros
– chega a por em dúvida até mesmo o sentido de humanidade. A religião tinha o monopólio
da razão, e através dela explicavam-se os “outros”, diferentes de “nós” europeus, brancos e
humanos, sem dúvida. Paralelamente às descobertas, arregimentava-se a ideia de Estado
moderno, como expressão da vontade coletiva (centrada no soberano ou no povo), e uma
secularização da fé e da concepção de Deus. Era o início de uma busca por critérios físico-
naturais para determinar características de nações, povos e indivíduos.
Durante o Iluminismo, o principal pensador das questões raciais, Leclerc
Buffon (1707 – 1788), como a maioria dos pensadores da época, acreditava numa origem
comum dos homens, sendo o motivo da diversidade humana: o clima, a alimentação e os
costumes. As variedades também eram explicadas por meio das raças, potencialmente
transformáveis e reversíveis, já que as tonalidades de pele que destoam da branca (originária)
eram consideradas desvio. Apesar de permeado de valores cristãos, no Iluminismo podemos
perceber o início de uma naturalização das questões raciais. No final do século XVIII
podemos observar três tendências que impulsionavam as transformações sociais, políticas e
econômicas que findaram com a ordem estamental: a crença na razão, crença na força da
natureza (pensada cada vez mais como biologia) e a crença no progresso (HOFBAUER,
2006).
36

Paralelismos entre aspectos físicos e capacidades morais e mentais são


traçados, principalmente na antropometria. No inicio do século XIX já havia diversas
maneiras para delimitar raças, o conceito foi tornando-se cada vez mais comum no
vocabulário europeu, e cada vez menos a existência de raças humanas era posta em dúvida. O
conceito passava a ganhar notoriedade na distinção de grupos humanos, nos fins do século e
se tornará independente de fatores como o clima e a geografia, que rivalizavam entre os
determinantes que discerniam a variedade humana da época (HOFBAUER, 2006; ORTIZ,
1984).
O século XIX marca a naturalização da raça, sua biologização, mais tarde,
no século XX denunciados por Foucault como biopolítica. Uma figura emblemática desse
período certamente foi Conde Gobineau (1816 – 1882), considerado um teórico racial.
Concebia que os negros encontravam-se no degrau mais baixo da humanidade, com um
caráter de animalidade e advertia os europeus de ter esperanças em civiliza-los. A
miscigenação era vista como degeneração da raça branca, apesar de representar uma
superação, um avanço para os negros.
Munanga (2004), ainda discute a ideia de o conceito – raça –, ter conotações
díspares porque o “conteúdo dessas palavras é etnossemântico, político-ideológico, e não
biológico”, o que ressalta a análise sobre o contexto em que está imerso, estes conceitos
como: negro; branco e mestiço trazem esta carga significativa, segundo Munanga, estes
conceitos carregam ideologia, uma relação de poder e dominação não declarada (p.22).
Um exemplo dessas conotações díspares do conceito pode ser dado pela
discussão da questão racial brasileira entre meados do século XIX e início do século XX.
Schwarcz (1993) ao tratar os “homens de sciencia” do século XIX, afirma que era:

Misto de cientistas e políticos, pesquisadores e literatos, acadêmicos e


missionários, esses intelectuais irão se mover nos incômodos limites que os
modelos lhe deixavam: entre a aceitação das teorias estrangeiras – que
condenavam o cruzamento racial – e sua adaptação a um povo a essa altura
já muito miscigenado (p.18 – 19).

Ortiz (1984) aponta que as teorias em circulação nesse período eram o


Positivismo de Comte, o Darwinismo social e o Evolucionismo de Spencer. Nesta fase de
consolidação e expansão do capitalismo europeu, podemos observar a busca por leis que
delimitavam o progresso nas sociedades. Nesse quadro de progresso, temos a Europa com
uma superioridade natural, enquanto isso restava aos brasileiros explicar o motivo de seu
atraso que, quase sempre recaía sobre duas singularidades: o clima e a raça.
37

O IBGE desde 1950 vem aprimorando a categoria raça em seus censos,


sendo que atualmente reconhece a categoria de raça, e a subdivide em cinco categorias
diferentes:

Consideraram-se cinco categorias para a pessoa se classificar quanto à


característica cor ou raça: branca, preta, amarela (compreendendo-se nesta
categoria a pessoa que se declarou de origem japonesa, chinesa, coreana
etc.), parda (incluindo- se nesta categoria a pessoa que se declarou mulata,
cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou
raça), ou indígena (considerando-se nesta categoria a pessoa que se declarou
indígena ou índia) (IBGE, 2010, p.26).

Negros são representados pela soma de pretos e pardos, pois, em vários


aspectos da vida social a variação de ambos em: analfabetismo, escolaridade, renda,
saneamento básico, e outros indicadores são semelhantes. Os dados que apontam uma
população negra no Brasil de 50,7%, esta é a soma de pretos e pardos. Esta é a maneira que o
IBGE entende negros, como uma categoria analítica.
O “negro” também se fortalece enquanto identidade política, ressignificado
principalmente, pelo Movimento Negro Unificado (MNU), criado em São Paulo no fim da
década de 1970. Tal movimento foi um forte rebatedor do discurso da democracia racial, e
trouxe o “negro” como símbolo de identidade, de luta e de resistência. Todos os militantes
entrevistados para esta pesquisa reconhecem na categoria “negra” um centro sobre o qual
memórias e preconceitos, lutas e histórias se articulam. “Negro”, enquanto categoria nativa
envolve toda uma militância, a partir do MNU, negro passou a ser um termo de luta e
identificação política20.
O fato é que a identidade negra ganha conotações políticas importantes
desde as críticas ao mito da democracia racial que vem a somar para as novas discussões de
raça, e de políticas focais, pois a identidade negra é posicionamento político, como afirma
Fanon: “Em outras palavras, o negro não deve mais ser colocado diante deste dilema:
branquear ou desaparecer, ele deve poder tomar consciência de uma nova possibilidade de
existir” (FANON, 2008, p.96). É um posicionamento político, de tomada de consciência e
afirmação identitária.

20
Antes disso, houve muitas luta, e conquistas, no entanto, o conceito passa a ter um uso, em uma polarização
com a ideia de democracia racial. E o movimento passa a acreditar que a solução seria política para as
desigualdades raciais, por isso, esse é o momento da politização da demanda cultural.
38

Dois fenômenos dificultaram a politização da categoria “negra”: o primeiro,


o discurso da miscigenação/mestiçagem21, que se tornou basilar na construção do mito da
democracia racial, que é o segundo fenômeno, isto ainda sem contar os períodos ditatoriais
vivenciados no país. A figura do mestiço é central na imagem construída em torno da
democracia racial. Ele oscilou nas Ciências Sociais no Brasil entre, símbolo de
degenerescência (RODRIGUES, 2010), e símbolo de nacionalidade (FREYRE, 1966), isso
até meados do século XX, com os primeiros resultados do Projeto UNESCO.
Consequentemente, a ampliação das lutas sociais na esfera pública no final
dos anos de 1970 para os anos de 1980, período de fim da ditadura militar no país, marca uma
virada política nas questões raciais brasileiras. O movimento negro exerce maior impacto na
vida social nacional, e a partir de então, numa crescente, cada vez mais se politizou a
demanda racial no país. Dados de desigualdade racial passaram a ser cada vez mais
divulgados.
Quanto ao racismo, segundo Guimarães (2005), ele se perpetua devido a
situações concretas. Ele afirma que:

O racismo se perpetua por meio de restrições fatuais da cidadania, por meio


de imposição de distâncias sociais, criadas por diferenças enormes de renda
e de educação, por meio de desigualdades sociais que separam brancos e
negros, ricos de pobres, nordestinos de sulistas (GUIMARÃES, 2005, p.59).

Guimarães (2005) apresenta uma definição de racismo com fortes clivagens


sociais, portanto, para a redução das relações racistas é necessária uma melhor distribuição de
poder, redução das desigualdades raciais, principalmente em renda e educação. Esses critérios
voltaram a ser importantes ao tratar políticas de promoção da igualdade racial.

Brasil e a Mestiçagem

Os autores precursores da Ciência Social brasileira: Silvio Romero, Euclides


da Cunha, Nina Rodrigues, imbuídos desse eurocentrismo, pensam um Brasil degenerado,
onde a miscigenação, e o clima tropical depõem contra o progresso do país. Dessa maneira a
questão racial torna-se pauta intelectual no Brasil. Os europeus se aclimatam aos trópicos
(meio); e “o mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais, encerra, para

21
Munanga afirma, que “a “mestiçagem” é para designar a generalidade de todos os casos de cruzamento, e a
miscigenação é entre populações biologicamente diferentes. A mestiçagem supõe um hibridismo cultural de
maior assimilação e a miscigenação o intercurso sexual entre estes diferentes (MUNANGA, 2006).
39

os autores da época, os defeitos e taras transmitidos pela herança biológica (ORTIZ, 1984,
p.21). Em 1888, no prefácio da obra Os Africanos no Brasil, de Nina Rodrigues, Silvio
Romero afirmava categoricamente que era uma vergonha para a ciência no Brasil que ainda
não se consagrava em estudos de línguas e religiões africanas, além de demonstrar com seu
exemplo, o lugar social dos negros e indígenas no imaginário social da época, pois:

[...] nós que temos o material em casa, que temos a África em nossas
cozinhas, como a América em nossas selvas, e a Europa em nossos salões,
nada havemos produzido nesse sentido! É uma desgraça (RODRIGUES,
2010: p.07).

O Brasil, oriundo desse pensamento racista foi o primeiro pais da América


Latina a ter uma sociedade eugênica, em São Paulo, no ano de 1918, em muito influenciada
por Renato Kehl, médico e farmacêutico; As políticas sanitaristas e higienista, que tinham
fortes clivagens raciais; essas políticas entre outras chegam ao Brasil como símbolos de
modernidade, de progresso (SCHWARCZ, 1993).
Uma ciência influenciada pela Biologia, típica dos primeiros argumentos de
sociologia dos séculos XVIII e XIX é aos poucos contestada por autores mais culturalistas, no
Brasil, Gilberto Freyre, torna-se principal autor entre os culturalistas. E a raça, como critério
da biologia é colocada em xeque, pela obra Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto
Freyre22, e aos poucos, essa naturalização das raças deixa de ser hegemônica. Freyre abre mão
da proeminência de determinantes climáticos ou raciais, e traz para a esfera da cultura, a
discussão racial. Através da figura do mestiço, inverte o polo onde se encontrava este
enquanto sujeito histórico, antes tido como degenerado, ou como um caminho rumo ao
branqueamento, passa a ser símbolo da cultura nacional.
Democracia racial, como teoricamente é chamada essa transição para ideias
freyrianas é, condizente com uma assimilação harmoniosa no Brasil entre as diferentes raças
existentes, esta ideia se fortalece na década de 1930. As políticas nacionalistas da “era
Vargas”, e os valores que já estavam sendo propalados por intelectuais nacionalistas como
aqueles que participaram da Semana de Arte Moderna em 1922, contribuem para a construção
da democracia racial. Mas a democracia racial se fortalece realmente, enquanto discurso
oficial de governo, durante o regime militar, entre as décadas de 1960 e 1970.

22
Apesar de autores como Manoel Bomfim (1993) terem publicado antes de Gilberto Freyre algumas críticas a
esse pensamento racial, somente com Gilberto Freyre foi possível uma virada na hegemonia do pensamento
racial brasileiro.
40

Oliveira Viana, ainda antes da publicação de Casa Grande & Senzala


(1933), já fazia afirmações que categorizavam o Brasil como país igual, são exemplos de
autores que tem o que Sales (1994) aponta de fetiche da igualdade23;

Em nenhum pais do mundo coexistem uma tamanha harmonia e tão


profundo espírito de igualdade entre os representantes de raças tão distintas.
Homens de raça branca, homens de raça vermelha, homens de raça negra,
homens mestiços dessa três raças, todos tem aqui as mesmas oportunidades
econômicas, as mesmas oportunidades sociais, as mesmas oportunidades
políticas (VIANA, apud. MUNANGA, 2006: p. 78).

Uma passagem do centro da discussão de “raça” para “cultura” é, enfim,


uma passagem do biológico para o cultural no pensamento brasileiro. A aproximação sexual
entre os senhores brancos e as escravas negras, fez da figura do mestiço, um ponto de
confraternização entre ambos. Nesse movimento da história, Freyre faz com que o mestiço
deixe de ser um fator negativo e passa a ser um fator positivo no desenho de uma identidade
nacional brasileira (MUNANGA, 2004). Nesse sentido que apresentamos a discussão sobre o
mestiço, como um exemplo de como o conceito de raça é polissêmico, etnosemântico,
contextual, marcado no espaço e no tempo e certamente, é político.
Bernardino (2002) aponta três consequências do mito da democracia racial
no Brasil: primeiro a crença de que não existem raças no Brasil; a segunda consequência é
que ao invés de raça, surge a noção de que há uma classificação com base na cor, que apaga
qualquer possibilidade de preconceitos raciais; e em terceiro e último lugar, que qualquer
tentativa de tratar raça no Brasil é vista como importação de ideias estrangeiras, pois no Brasil
não existem raças, e sendo assim, são rotulados de racistas todos os tentam falar de políticas
públicas para negros24.
O conceito de raça, como coloca Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (2005)
só começa a ser “desnaturalizada” após a II Guerra Mundial, momento no qual, o Brasil torna-
se centro das atenções mundial, como um lugar em que as diferentes “raças” conviviam
harmonicamente, sem conflito, em uma democracia racial. Esta propaganda nacional fez com

23
O fetiche da igualdade, para a definição do qual me vali dos conceitos "democracia racial" de Gilberto Freyre
e "homem cordial" de Sergio Buarque de Holanda, são os fatores mediadores de nossas relações de classe,
que têm ajudado a dar uma aparência de encurtamento das distâncias sociais, contribuindo dessa forma para
que situações de conflito frequentemente não resultem em conflito de fato, mas em conciliação (SALES,
1994).
24
Medidas de ação afirmativa já eram propostas do Teatro Experimental do Negro –TEN, desde as décadas de
40 e 50. Propostas surgiram na Convenção Nacional do Negro Brasileiro, realizada pelo TEN em 1945 – 1946
e em algumas edições do jornal O Quilombo (SANTOS, 2007).
41

que a UNESCO patrocinasse uma série de pesquisas no país, para investigar as relações
raciais no Brasil.
A partir de 1940 a UNESCO inicia uma campanha de combate ao ódio
racial, e na década seguinte o Brasil é escolhido para ser o único local de investigação por
parte da UNESCO. Tinham como objetivo verificar a situação dos descendentes de escravos
no Brasil, para poder compara-los, principalmente com os Estados Unidos, onde o conflito
racial era considerado um problema político grave.
O projeto UNESCO envolveu grandes nomes das ciências sociais brasileiras
como: Florestan, Fernandes, Roger Bastide, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni,
Oracy Nogueira, Costa Pinto entre outros. As conclusões foram às assimetrias entre a
população negra e a branca, a desigualdade que é imposta aos negros do país no pós-abolição,
e a perversidade do racismo nacional. Sendo assim, configura-se um importante ataque a
ideologia da democracia racial, que a partir de então passa a ser lembrada enquanto mito da
democracia racial brasileira.

Ação afirmativa e políticas de promoção da igualdade racial

Dentre as políticas públicas cobradas as ações afirmativas foram as de maior


repercussão, e uma das maiores conquistas contemporâneas do movimento negro brasileiro.
Por ação afirmativa entendemos:

[...] um conjunto de políticas, ações e orientações públicas ou privadas, de


caráter compulsório (obrigatório), facultativo (não-obrigatório) ou voluntário
que tem como objetivo corrigir as desigualdades historicamente impostas a
determinados grupos sociais e/ou étnico/raciais com um histórico
comprovado de discriminação e exclusão. Elas possuem um caráter
emergencial e transitório. Sua continuidade dependerá sempre de avaliação
constante e da comprovada mudança do quadro de discriminação que a
gerou (MUNANGA, 2006, p.186).

Os Estados Unidos foram os primeiros, entre os países desenvolvidos, a


instituírem em sua legislação uma política de ação afirmativa em 1973, com o presidente da
República John Kennedy25. As ações afirmativas não se limitaram somente aos Estados
Unidos26, bem como não se destinaram exclusivamente para os negros. Na Índia, desde 1948,

25
Através da Executive Order nº 10.925/06/03/1973.
26
Praticamente todos os países do “Terceiro Mundo”– com exceção dos da América Latina – em um dado
momento, aplicaram políticas públicas de ação afirmativa para resolver graves problemas internos decorrentes
42

previam-se medidas diferenciadas de promoção dos intocáveis, no parlamento (reserva de


assentos), no ensino superior e no funcionalismo público, e desde 1919 há estas políticas.
As primeiras universidades no Brasil que admitem as cotas nos processos
seletivos têm seus primeiros estudantes a partir de 2003 (UERJ, UNEB e UENF), com reserva
de vagas por força de leis estaduais27. (SANTOS, 2006, p 21). A proximidade temporal com a
preparação para Conferência de Durban (2001) acabou obrigando o governo a posicionar-se
com maior efetividade nesta questão e, também foi um fato importante na luta por ações
afirmativas, Durban representa a consolidação da questão racial na agenda pública brasileira.
No Brasil, políticas focais e mesmo de reserva de vagas já foram utilizadas,
por exemplo, em 1943 através da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) o Estado
brasileiro garante a empregabilidade de trabalhadores nacionais, um terço em comércio e
indústrias. Outro exemplo, a Lei Ordinária 5.465 de julho de 1968, que dispõe sobre o
preenchimento de vagas em estabelecimentos de ensino agrícola, reservando 50% de suas
vagas a candidatos agricultores ou filhos destes (PRAZERES; MARQUES; RIBEIRO, 2012,
p.53-54).
Aspectos internacionais e grandes mobilizações no Brasil colaboraram para
a construção de políticas públicas de recorte racial, como à marcha Zumbi do Palmares.
Realizada em 1995, conseguiu a atenção do presidente Fernando Henrique Cardoso, que em
2001, teve que posicionar o Estado quanto às desigualdades raciais na III Conferência
Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas realizada em Durban –
África do Sul. Na ocasião o Estado brasileiro assumiu sua face racista:

Constituição Federal Brasileira de 1934, em seu art. 138 b: “Incumbe à União, aos
Estados e aos Municípios nos termos das leis respectivas b) estimular a educação
eugênica” e no Decreto-Lei 7.967/1945: “Atender-se-á, na admissão dos imigrantes,
à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as
características mais convenientes da sua ascendência européia [...]”. Além disso, o
primeiro Código Penal da República, revogado em 1941 pelo Código vigente,
criminalizava a prática da capoeira. E não precisamos voltar tão atrás no tempo para
compreendermos os mecanismos perversos da aclamada democracia racial
brasileira: a Lei 3.097/72, do Estado da Bahia, que esteve em vigor até o ano de
1976, exigia que os templos de religião de matriz africana fossem cadastrados na
delegacia de política da região na qual estivessem instalados (RELATÓRIO DO
COMITÊ BRASILEIRO PARA A CONFERÊNCIA DE DURBAN, 2001).

da marginalização seletiva do segmento dominado e de privilégios herdados do passado colonial ou milenar


(WEDDERBURN, 2005, p.307).
27
No total foram aprovadas seis leis: Leis 3.524/2000, 4.061/2001 e 4.061/2003, que mais tarde foram substituídas pela lei
4.151/2003. Esta foi alterada com a aprovação da lei 7.054 de 17 de julho de 2007 que, por sua vez, foi revogada pela lei
5.346 em 11 de dezembro de 2008 (MEDEIROS, 2009, p.70).
43

Este posicionamento resultou em um compromisso ao fim da Conferência, o


qual fortaleceu iniciativas, principalmente, de políticas de ação afirmativa em Universidades
Estaduais. A aprovação da lei 10.639/200328 se encontra no bojo dessas preocupações e
pressões, e em consonância com a resignificação do papel do negro na sociedade brasileira, é
uma lei que traz em sua aplicabilidade, um potencial de mudança.
Outras políticas de ação afirmativa foram se forjando na sociedade
nacional29, porém, de maiores embates no espaço público nacional destaca-se duas: o Estatuto
da igualdade racial30 e a constitucionalidade das cotas garantidas pelo Superior Tribunal
Federal – STF31.
De certa maneira, a decisão do STF complementou a aprovação do estatuto
da igualdade racial, cujo forte debate em torno de sua aprovação fez com que, em meio às
negociações políticas, a constitucionalidade das ações afirmativas não fosse aprovada junto
com o estatuto, ou seja, um dos pontos mais polêmicos do tal estatuto foi aprovado
posteriormente no STF. Tal medida foi, acompanhada de uma decisão, em agosto de 2012 do
governo federal, que obriga todas as Universidades públicas federais e Institutos Federais de
educação ciência e tecnologia a aderirem ao sistema de cotas32.
Todo este contexto envolve relações entre a sociedade civil negra e o
Estado, mas, algo é recorrente dessas ações, é a juridificação das relações sociais mas, a lei
tornou-se o um dos principais meios de promoção da igualdade racial, através de debates
longos na esfera pública nacional.
O reconhecimento das desigualdades raciais e a maior intervenção do
Estado na redução das desigualdades raciais representa um avanço para o Brasil. O Estado
possui um papel de extrema importância em sociedade de extrema desigualdade, visto que,
este possui a capacidade de maior (re) distribuição de renda e recursos, e as medidas de ação
afirmativa fazem parte desse tipo de política.

28
Lei de autoria do Deputado Federal Ben-Hur Ferreira (PT-MS) e Esther Grossi (PT-RS). Que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
29
Ver Jaccoud e Beghin (2002), Jaccoud (2008), Heringer (2002).
30
Aprovado através da lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 após 7 anos de tramitação, no entanto, foi
aprovado sem as cotas.
31
Em 09/05/2012 o STF decide por 10 votos a 0, pela constitucionalidade das cotas nas Universidades públicas.
32
Através da lei nº 12.711/2012, sancionada e garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno a alunos
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos.
44

Institucionalização da sociedade civil

E por outro lado, na sociedade civil, observamos a fragmentação do


movimento negro em diversas entidades33 (ONGs) e, por conseguinte, em instituições de
terceiro setor: termo nascido na década de 1970 nos EUA, “para designar um conjunto de
instituições formais, privadas, sem fins lucrativos e cuja atuação se da na esfera pública,
porém de forma independente do Estado (CASTRO; GONTIJO; AMABILE, 2012, p.454)”.
O fenômeno do terceiro setor esta relacionado às mudanças econômicas geradas por políticas
neoliberais, que afetam toda a sociedade, inclusive sua maneira de organizar-se. O fenômeno
dentro do movimento negro é percebido por Domingues (2008) pela institucionalização e
ongzação, dois fatores que incidem no movimento negro brasileiro.
Em Domingues (2008) a distinção que ele faz entre institucionalização e
ongzação, é que institucionalização é a entrada, nas instituições do Estado, uma internalização
de demandas raciais, enquanto Conselhos, Secretarias etc., a ongzação seria o aumento de
ONGs que compõe a sociedade civil negra.
A institucionalização é tratada nesse trabalho como a soma de dois
processos, como sugere Domingues (2008): o primeiro é a ongzação34: muitos dos
movimentos sociais surgidos com discurso de autonomia nos “subterrâneos dos anos 70”
acabam por ter, algumas ONGs de referência na atuação pública, certamente esse ator social
desempenha um papel crucial na atual sociedade civil, que possui, atualmente, uma atuação
menor em contestações públicas, como passeatas e greves, mas também possui uma ação
estratégica de retorno maior no que diz respeito as políticas públicas focais.
A institucionalização também ocorre com a internalização da sociedade civil
na sociedade política, uma vinculação maior entre partes da sociedade civil ou instituições do
Estado, visivelmente materializado com a construção de Secretarias, Coordenadorias,
Assessorias, Conselhos participativos. Todos estes espaços são conquistas que levaram parte
do movimento social, ou seja, sociedade civil organizada, para dentro da estrutura
institucional do Estado.

33
O movimento negro chama suas instituições de entidades, estas instituições estão majoritariamente, sob a
forma de ONGs.
45

No novo cenário, a sociedade civil se amplia para entrelaçar-se com a


sociedade política, colaborando para o novo caráter contraditório e
fragmentado que o Estado passa a ter nos anos de 1990. Desenvolve-se o
novo espaço público, denominado público não estatal, onde irão situar-se
conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e
representantes do poder público para a gestão de parcelas da coisa pública
que dizem respeito ao atendimento das demandas sociais (GOHN, 2004,
p.23).

Como afirmam Denzin e Lincoln (2006): “Nossa luta hoje é no sentido de


relacionar a pesquisa qualitativa às esperanças, às necessidades, aos objetivos e às
promessas de uma sociedade democrática livre (p.17)”. Esta sociedade democrática e livre
perpassa pela pelas questões raciais, assim como deve perpassar outras formas de opressão.
Foi apresentado nesse primeiro capítulo, tanto o local de onde fala o
pesquisador, como com qual discurso se tenta dialogar. Evidentemente, que o movimento
negro sul-mato-grossense não é a totalidade do movimento negro nacional, ou como afirmaria
Max Weber, não é o tipo ideal. No entanto, nenhum desses fatos minimiza a importância
deste movimento nessa região, ou de suas experiências35.
A expectativa com essa pesquisa é, de que ao menos, um pouco da história e
da experiência do movimento negro possam ser descritas, e nessa descrição, com todos os
juízos de valor que isso traz. Espero ter conseguido captar a “voz” desse agente social no MS,
espero que as críticas, assim como os desafios desses militantes tenham ressonância na
sociedade real. Não se trata de dar voz aos excluídos ou esquecidos, eles a tem, e as utilizam
em seus constantes conflitos. Trata-se na verdade, de fazer com que essas vozes possam
circular, serem ouvidas em outros meios. Colaborar na disseminação de aspectos da história e
da luta do povo negro de MS, principalmente via movimento negro.

35
Durante a entrevista com Ben-Hur Ferreira um caso vivenciado por ele, mas também entre outros militantes
retrata um debate interno do movimento negro quanto a presença de brancos no movimento negro, e a
experiência sul-mato-grossense fez com que o Grupo TEZ defendesse a participação com direito a voto,
enquanto, principalmente, representantes do movimento negro de Goiás defendiam a postura inversa, ou seja,
participação mais sem direito a voto. Debate ocorrido na I Encontro do Negro do Centro-Oeste em 1985 ou
1986. (ENTREVISTA, Ben-Hur Ferreira, 2013).
46

CAPÍTULO II

2 MATO GROSSO (DO SUL): PRESENÇA NEGRA E IDENTIDADE


REGIONAL

Considerando que, sobretudo, após a Guerra da Tríplice Aliança, o número


de escravos no sul de Mato Grosso era de reduzido significado;
Considerando que não há documentos, nem ao menos indícios, que provem a
existência, no atual Mato Grosso do Sul, de quilombos, mesmo que tardios;
Manifestam-se, por unanimidade, no sentido de não reconhecer a presença
de quaisquer núcleos quilombolas remanescentes em nosso estado.
Campo Grande, 10 de setembro de 2008.
(Parte final do parecer publicado pelo Instituto Histórico e Geográfico
de Mato Grosso do Sul).

Todas as mudanças profundas na consciência, pela sua própria natureza,


trazem consigo amnésias típicas. Desses esquecimentos, em circunstancias
histórica especificas, nascem as narrativas. [...] O que ocorre com pessoas
modernas ocorre também com nações. A consciência de estarem inseridas no
tempo secular e serial, com todas suas implicações de continuidade e,
todavia, de “esquecer” a vivencia dessa continuidade – fruto das rupturas do
final do século XVIII –, gera a necessidade de uma narrativa de “identidade”
(ANDERSON, 2008, p.278-279).

Este capítulo trata aspectos importantes da historiografia sul-mato-


grossense, como sua formação territorial, povoamento e os principais eventos que compõem a
identidade regional. Fora de eixo encontra-se a história do negro no estado, que é ocultada dos
livros e do cotidiano da região. O estado orgulha-se constantemente, de seus imigrantes,
gaúchos, mineiros e paulistas, mas nada da sua população escravizada.
A “comunidade imaginada” sul-mato-grossense se esqueceu dos negros, dos
escravos, dos que lutaram na guerra do Paraguai, das comunidades rurais quilombolas. Nossa
identidade regional foi forjada no contraste, primeiro, com a relação a Cuiabá, capital do
então estado de Mato Grosso, e posteriormente, com os países de fronteira, Bolívia e
Paraguai, sempre tratando de relacionar os valores da modernidade e do progresso a terras do
sul de Mato Grosso. Posteriormente, uma identidade ligada à natureza, principalmente
pantaneira, se solidifica como política de estado.
Alguns fatos políticos são lembrados neste capítulo, o principal deles é a
divisão do estado em 1977. A partir desse momento ambicionava-se fazer de MS, um estado
modelo, de administração moderna e rápido desenvolvimento agroindustrial. Esta ideia foi
47

suplantada por dois golpes políticos infringidos a Harry Amorim Costa (primeiro governador
de MS) e Marcelo Miranda na sequência. Estes dois episódios além de enterrarem o discurso
político do estado modelo, demonstraram alguns vícios políticos, como patrimonialismo e
mandonismo local, fazendo com que nossa elite agroindustrial e política demonstrassem sua
face mais conservadora.
Com este capítulo apresentamos o local do negro na construção da
identidade regional, ou seja, o negro aqui é imaginado como “alguém de fora”, oriundo de
outros estados e de um período pós-abolição. Quanto à política local, ela possui como maior
código político, a defesa da terra. Este ponto polariza nossa elite frontalmente com as
comunidades indígenas, principalmente da etnia guarani, mas também com Quilombolas e o
Movimento Sem-Terra.
Utiliza-se nesse trabalho Anderson (2008) e Bhabha (2010) e seus diálogos
sobre a nação, que apontam para ideia de nação como sendo uma estratégia narrativa, ou
mesmo, como propõe Benedicit Anderson36 (2008), que trabalha o conceito de nação sendo
“uma comunidade política imaginada – e imaginada como intrinsecamente limitada e, ao
mesmo tempo, soberana (p.32)”.
Nos valeremos da discussão realizada pelos autores para explicar parte da
criação de uma identidade sul-mato-grossense, adaptando aspectos da criação de uma nação
para a criação de um estado da federação, visto que Hall (2005) dava margens a outras
diferenciações no âmbito do Estado-nação: “As identidades nacionais não subordinam todas
as outras formas de diferença e não estão livres do jogo do poder” (p.65).
Aproximaremos-nos de dois momentos citados por Bhabha (2010), o
primeiro é dividido em dois aspectos, como parte de uma cisão gerada pela ideia de “povo”,
tratado por ele, como um conceito em disputa, já que se trata de uma “estratégia retórica de
referência social” (p.206). Sendo assim:

[...] o povo consiste em “objetos” históricos de uma pedagogia nacionalista,


que atribui ao discurso uma autoridade que se baseia no pré-estabelecido ou
na origem histórica constituída no passado; o povo consiste também em
“sujeitos” de um processo de significação que deve obliterar qualquer
presença anterior ou originaria do povo-nação para demonstrar os princípios
prodigiosos, vivos do povo como contemporaneidade, como aquele signo do
presente através do qual a vida nacional é redimida e reiterada como um
processo reprodutivo (BHABHA, 2010, p.206-207).

36
Para conhecer as críticas de H. Bhabha a obra Comunidades Imaginas de B. Anderson verificar capítulo VIII
de Bhabha (2010).
48

O povo nessas duas acepções, de objeto e sujeito, passa a ter duas


temporalidades na narrativa que a produz, uma temporalidade cumulativa, que ele chama de
pedagógico (povo objeto), esta é somada a estratégia repetitiva, chamada de performática
(povo sujeito). A homogeneidade subjacente à ideia de povo, obriga na estruturação do
processo de formulação de um “povo-nação” a necessidade de um passado que se interliga a
um presente contínuo, é nessas temporalidades que atuam, o pedagógico e performático, nesse
tempo cindido.
O segundo momento, é apontado por Bhabha, mas é teorizado por Anderson
(2008) e se trata do “esquecimento” no momento de constituição da nação o esquecer, em
Bhabha, “é o momento no qual a vontade nacional se articula” (p.226).

Ser obrigado a esquecer – na construção do presente nacional – não é uma


questão de memória histórica; é a construção de um discurso sobre a
sociedade que desempenha a totalização problemática da vontade nacional
(BHABHA, 2010, p.226).

B. Anderson (2008) citando Ernest Renan aponta que “a essência de uma


nação37 consiste em que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum, e também que
todos tenham esquecido muitas coisas” (p.32). Para produzir tais esquecimentos vários
artifícios, tanto pedagógicos quanto performáticos são utilizados. Anderson cita ao menos os
Censos, a língua, materiais didáticos, mapas, museus, livros, jornais, romances que são meios
técnicos de representar o tipo de comunidade imaginada que fosse correspondente à nação
quista.
Sendo assim aspectos das temporalidades do pedagógico e do
performático serão analisados, assim como o esquecimento do negro do sul de Mato Grosso,
do negro das batalhas da Guerra do Paraguai. Estes dois momentos conceituais, mas também
analíticos, demonstram o silêncio historiográfico sobre o negro que o estado tenta impelir à
memória coletiva sul-mato-grossense. É na tentativa de demonstrar a possibilidade de um
espaço híbrido na formação histórica regional e de, suplementar a história regional com
experiências negras, o motivo desse capítulo.

37
O exemplo dos autores são experiências nacionais, o que difere de nosso objeto regional, por isso algumas
citações tratam perspectivas nacionais.
49

2.1 O POVOAMENTO BRANCO NO MATO GROSSO (DO SUL)

Apesar de Portugal ter sucedido a colonização espanhola na região, o


território que já havia passado por alguns tratados ficou aos colonizadores portugueses. MS,
atualmente possui 2,449 milhões de pessoas, tendo Campo Grande como capital. 3% são
indígenas, a segunda maior do Brasil, 49% são negros (44% pardos e 5% pretos), 44% de
brancos e 1% amarelos (IBGE, 2010). O território desmembrado de Mato Grosso em 1977 faz
fronteira com cinco estados brasileiros: o próprio Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Paraná e
São Paulo, também faz divisa com dois países: Paraguai e Bolívia, como se pode verificar na
imagem.

Fonte: Imagem disponível em: www.guianet.com.br/ms/mapams.gif 27/05/2013.

A história de MS começa a ser escrita oficialmente a partir de 11 de outubro


de 1977, quando o General Ernesto Geisel, então presidente do Brasil, assina a lei que divide
Mato Grosso em dois, e oficializa o nascimento de MS, no entanto, sua colonização antecede
sua oficialização. Buscamos retraçar neste capítulo os aspectos da presença negra no sul de
Mato Grosso e retomar alguns importantes acontecimentos históricos e políticos da região,
que contribuíram para formação da identidade regional.
50

Mesmo afirmando que MS, nasce em 1977, seus contornos históricos,


sociais, políticos, culturais e econômicos são talhados bem antes de sua oficialização, e assim
abordaremos o povoamento do sul de Mato Grosso. Outra ressalva que cabe neste breviário
histórico é a presença indígena. Quase todo, se não todo, o território hoje sul-mato-grossense
foram terras indígenas, que sofreram atuação jesuítica, dos bandeirantes, da agropecuária e
ainda hoje sofre com algumas dessas atuações sobre novos contextos.
Um dos livros mais circulados sobre o estado, “História do Mato Grosso do
Sul” de Hildebrando Campestrini e Acyr Vaz Guimarães, ambos os autores pesquisadores da
história regional e vinculados ao Instituto Histórico e Geográfico de MS (IHG-MS), foi base
para discussão desse capítulo, sobretudo, por ser o de maior circulação e objeto de
investimento público, como afirmado pelo deputado Londres Machado na apresentação da
obra:

Neste contexto, a Assembleia Legislativa sentiu-se compromissada com a


divulgação da história estadual; para tanto, patrocina esta edição, que será
distribuída a professores e estudantes, com a certeza de que estará iniciando
uma nova fase [...] (CAMPESTRINI E GUIMARÃES, 1991, p.5).

Para história política do estado o livro mais completo seria o de autoria da


historiadora Marisa Bittar (2009), e organizado em dois volumes: “Mato Grosso do Sul: A
construção de um estado”. Apesar da utilização de outros autores, estes compõem a base
sobre a história de MS, sendo que Bittar (2009) é a obra que possui um maior avanço
temporal, tratando de assuntos mais contemporâneos.
O Mato Grosso torna-se interessante aos olhos da administração nacional, a
partir de 1718, quando Pascoal Moreira Cabral descobre ouro e informa ao governador de São
Paulo, que cria em 08 de abril de 1719 o Arraial da Forquilha, que dá origem à cidade de
Cuiabá. Em 1725, os irmãos Leme, bem armados e com escravos, fundaram a fazenda
Camapuã (CAMPESTRINI E GUIMARÃES, 1991). Esta fazenda é o primeiro núcleo
populacional no sul de Mato Grosso, e um entreposto para os que iam para as minas de
Cuiabá e para as monções, que de certa forma, abasteciam a região aurífera.
A chegada dos brancos em busca de ouro também trouxe negros
escravizados para trabalharem nessas terras, estas que eram habitadas por indígenas de várias
etnias, comprovando assim que esta é uma terra heterogênea desde sua formação. O
pesquisador Carlos Alexandre B. Plínio dos Santos afirma que as categorias caminhos,
comida e população estruturavam as relações sócio-político-econômicas na região:
51

Essas categorias foram definidoras dos espaços ditos “civilizados”, ou seja,


os espaços modificados pela ação humana – o padrão de humanidade dessa
época era atrelado à cor da pele branca. O sertão, inicialmente habitado por
índios e, posteriormente, quilombolas era um espaço a ser dominado e
transformado por essa civilização (SANTOS, 2010, p.113).

De acordo com Bittar (2009), em fins do século XVIII entraram as primeiras


cabeças de gado no sul de Mato Grosso, via Rio São Francisco, e com elas, vaqueiros, em sua
maioria de Minas Gerais. Os contornos pecuários do estado começaram a se forjar,
concomitante aos padrões civilizacionais da época, de aversão aos negros e indígenas e suas
práticas culturais.
Deste encontro, entre os que buscavam ouro e os que buscavam gado, surge
o sul de Mato Grosso. Camapuã tornou-se um entreposto para quem pretendia chegar às
minas de Cuiabá, e mais do que isso, um ponto de comércio, pois, abastecia com suprimentos
parte dos moradores do território aurífero, porque de início, pouco se plantava na região,
devido o retorno financeiro maior que gerava a exploração das minas.
Essa ausência de civilização, ou de população branca nas terras do sul de
Mato Grosso, apenas começa a alterar um pouco com o surgimento de alguns fortes, tais
como: Nova Coimbra (1775), Miranda (1797) e o povoado de Albuquerque em 1859 (atual
Corumbá), todos estes, fruto da preocupação com as fronteiras brasileiras, visto que, já
preocupava as autoridades o abandono das fronteiras. As Colônias militares também surgiram
nesse contexto, como a de Dourados (1856) e de Miranda (1860) (BITTAR, 2009). Santos
(2010) caracteriza da seguinte maneira o povoamento no Mato Grosso:

O processo de povoamento no Mato Grosso foi iniciado por sertanistas que


buscavam sedentamente ouro. Após a descoberta de algumas minas iniciou-
se uma fase de sedentarização da crescente população que vivia orbitando
entre a extração e a comercialização do ouro. Nesse período, a agricultura e a
pequena criação de gado estavam localizadas em áreas próximas as minas e
ao redor dos arraiais. Comerciantes, mineiros, pequenos agricultores, um
diminuto número de fazendeiros e um grande número de escravos
compunham a população dessa Capitania cercada por uma predominante
população indígena (SANTOS, 2010, p.123).

Em 1830, o sul de Mato Grosso já possuía um contingente populacional ao


redor do presídio de Miranda, do Forte Coimbra, nos povoados de Albuquerque, na fazenda
Camapuã e uma freguesia em Santana do Paranaíba, que possuía um pequeno comércio de
gado com Minas Gerais. Ambos já eram províncias visto que, em 1822 tivemos a
52

independência declarada. O aumento desse comércio, a construção de estradas dá início ao


que se pode ver como desenvolvimento regional do sul de Mato Grosso, mas quem trabalhou?

2.2 ESCRAVIDÃO NO SUL DE MATO GROSSO

Consequência da descoberta de ouro, temos a chegada de escravos para


trabalharem nessas minas de Mato Grosso. Brazil (2002) afirma que alguns fatores, e não
apenas a exploração intensa do ouro explica o fluxo de escravos para região mato-grossense,
somando-se a esse, outros três, que são ou derivados da descoberta do ouro, ou implicam
diretamente no aumento de trabalhadores escravizados:

[...] b) a fome e a doença, juntamente com a exploração intensiva, exigiam a


reposição de mão-de-obra nas lavras; c) a construção de Vila Bela da
Santíssima Trindade para ser a sede do governo exigia grande número de
cativos; d) o desenvolvimento dos engenhos de Mato Grosso e a proibição
da escravidão indígena impunham a elevação de braços negros no processo
produtivo (BRAZIL, 2002, p.73).

Campestrini (2009) aponta uma série de características do povo sul-mato-


grossense, como a forte presença paraguaia, principalmente em culinária e música; a maioria
das famílias numerosas do estado é de origem mineira, dedicada à pecuária e à lavoura; a
chegada das colônias japonesas, que vindo de São Paulo para a construção da estrada de ferro,
e que enquanto discretos trabalhadores contribuíram muito ao progresso da cidade; os
gaúchos que “potencializaram o espírito de separação do sul do estado”, além de serem
trabalhadores; paulistas e outros sulistas, bem como nordestinos que vieram para cá; quanto
aos escravos:

É importante observar que o escravo, aqui, não levava a vida das regiões de
monocultura. Era, ao contrário, verdadeiro agregado das famílias, tendo sua
casinha para morar, podendo casar, criar filhos; e, na maioria dos casos, ter
suas poucas cabeças de animais e pequena lavoura de subsistência
(CAMPESTRINI, 2009, p.86).

Campestrini (2009) afirma que na ocasião da “abolição da escravatura


pouquíssimos eram cativos aqui”, tese a qual lhe permite fazer a afirmação de que nunca
houve quilombos no MS. Nesta obra, o autor faz uma defesa da oligarquia rural,
principalmente assentada numa descaracterização da ocupação territorial na região, se valendo
53

da normatividade da Lei de Terras e do usucapião, afirmando que os ocupantes tem direito às


terras, discurso que pretendemos rebater ao longo do capítulo.
A terra ainda é o aspecto material que representa o poder político no MS.
Nesse sentido podemos afirmar que os indígenas da região, e em menor quantidade os
quilombolas, que disputam diretamente o direito a terras, agridem muito a mais a oligarquia
que compõe a elite regional38.
A região sul de Mato Grosso era pouco povoada até 1888, data da abolição
da escravidão no Brasil, no entanto, as cidades de Corumbá, Miranda, Nioaque, Santana do
Paranaíba e Camapuã, todas elas parte do atual MS, possuem documentos comprovando a
presença da escravidão na região.
O sul de Mato Grosso também foi marcado pela escravidão negra, em pouca
quantidade numérica se comparado aos grandes centros econômicos exploradores de mão de
obra escrava no Brasil, no entanto, de maneira alguma deveria ser algo tão obliterado pela
historiografia regional. Poucas pesquisas apontam presença negra no MS, mas sim, tivemos
escravidão, casas-grandes e senzalas, engenhos, feitor, e resistência de várias formas.
As pesquisas de Maria do Carmo Brazil, Fronteira Negra: Dominação,
violência e resistência escrava em Mato Grosso 1718-1888, e de Zilda Alves Moura, Cativos
nas terras dos Pantanais: Escravidão e resistência no sul do Mato Grosso – séculos XVIII e
XIX, são as principais obras publicadas sobre a escravidão no sul de Mato Grosso, sendo
respectivamente, uma de 2002 e a outra de 2008, demonstram a atualidade do assunto e o
tamanho do esquecimento desse tema. Apoiando-se principalmente nessas duas obras
pretende-se demonstrar que o negro, e o ex-escravo fizeram parte da construção do estado de
MS.
Outra importante produção regional nesse sentido seria o livro intitulado:
“como se de ventre livre nascido fosse ...” publicado apenas em 1993, quatro anos após seu
término, por não encontrar ninguém que queria publicá-lo, como confessado na introdução:

Hoje, pasmem, não é uma instituição ligada ao ensino ou a pesquisa, ou


afim, que se propõe a divulgar o trabalho. Trata-se de um Sindicato e sua
Federação, de uma categoria da área dos serviços bancários que, num
exemplo de sensibilidade para a história dos homens, vem oferecer ao
Estado esta contribuição e este esforço (APE, 1993, p.23).

38
No dia 03 de junho de 2013 iniciou a Marcha dos Povos da Terra, que após caminhar 60 km, chegou a Campo Grande
reivindicando demarcação de terras indígenas e quilombolas e Reforma Agrária. Os movimentos traziam como pauta a
problemática fundiária no estado. Os eventos são desdobramentos da morte do indígena Terena, Gabriel Oziel,
assassinado por policiais durante um conflito por terra em Sidrolândia, município próximo à capital. In:
http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/cotidiano/3293-marcha-pelo-direito-a-terra-sai-em-direcao-a-campo-
grande-ms Acessado 10/07/2013.
54

Este livro compila uma série de cartas de liberdade, revogações, hipotecas e


escrituras de compra e venda de escravos, entre 1838 e 1888, nas cidades hoje sul-mato-
grossenses: Corumbá, Miranda, Nioaque e Paranaíba39. E prova a existência de relações
escravistas no atual MS, mesmo tendo relativa distância geográfica das regiões que
concentravam mão de obra escrava no país.
Vários documentos provinciais, de cartórios, inventários, heranças, cartas de
liberdade, registros de viajantes, entre outros documentos ainda preservados, muitos dos quais
vangloriam a ação dos “pioneiros” dessas regiões acabam por citar a presença de escravos.

A existência de relatos sobre engenhos na região mato-grossense (norte e


sul) também é detectada nas relações de bens e heranças. No inventário dos
bens de João Leite de Barros, percebemos não apenas a existência de
engenhos como também de senzalas (MOURA, 2008, p.198).

A região sul-mato-grossense revela algumas singularidades em seu processo


de resistência negra à escravização, mesmo apesar de ter sofrido com o terror e a violência da
escravidão, ou de ter tido exemplos de resistência como os Quilombos. O fato é que a
proximidade com a fronteira, as dificuldades ambientais da região pantaneira e o elevado
número de indígenas na região dão ao sul de Mato Grosso características peculiares.
Maria do Carmo Brazil (2002) escreve sobre as “enfermidades tropicais”
que assolavam os primeiros povoadores dessas regiões, os ataques constantes de insetos,
apontando que chegavam a matar muitos, principalmente os escravizados, por estarem
“menos enroupados”. Outro problema para os colonizadores eram os indígenas, que atacavam
os monçoeiros, principalmente:

Durante a expansão das minas de Mato Grosso, os índios cavaleiros


(guaicurus) e os índios canoeiros (paiaguás) foram protagonistas de
constantes investidas contra os movimentos monçoeiros que se dirigiam a
região (BRAZIL, 2002, p.67).

Os indígenas, também sofrem com o trabalho forçado, sobretudo, na


América espanhola, através da mita ou encomienda40, mas também foi força de trabalho

39
A cidade de Camapuã, primeiro núcleo populacional do sul de Mato Grosso, apesar de também ter registros
históricos da presença de negros escravizados não foi incluída na pesquisa que gerou este livro.
40
Na mita, os indígenas eram sorteados para realizar um período de trabalhos compulsórios, vastamente
utilizado na mineração, após a jornada de trabalho recebia-se uma pequena compensação pelos trabalhos. Na
encomienda, havia uma troca, normalmente realizada com comunidades indígenas inteiras, enquanto o
encomendero utilizava a mão de obra indígena em atividades agrícolas e de extração, ele também era
55

escrava ou semiescrava nas Entradas e Bandeiras da América portuguesa. Colonos ou


fazendeiros “já recrutavam os nativos para os serviços de lavoura, caça, pesca e de guarda
de seus estabelecimentos (MOURA, 2008, p.100)”. Outra característica apontada, a fronteira,
é caracterizada pela política do Marques de Pombal, de defesa e militarização da região, via
construção de Fortes principalmente, e é em torno dos primeiros fortes construídos na região
sul de Mato Grosso que florescem as primeiras vilas da região, nas quais havia muitos
escravos.
As autoras, Moura (2008) e Brazil (2002) concordam que à medida que
diminui a quantidade de ouro a ser extraída das minas de Mato Grosso, os trabalhadores
escravizados são obrigados a atuarem em outras áreas, momento em que a agropecuária e
extrativismo tornam-se a opções mais rentáveis e de própria subsistência, a criação de
animais, a produção de alimentos, de cana-de-açúcar, de rapadura, de aguardente, o
extrativismo assentava-se na ipecacuanha, seringa e erva-mate.
Negros e negras também eram passíveis de aluguel. Nos jornais da época
era comum anunciar-se o aluguel de escravos, na cidade de Corumbá, região portuária e de
maior concentração de escravos no sul de Mato Grosso. Vários escravos eram jornaleiros,
outros profissionais de algum ofício alugados a quem pagasse; os negros e as negras
alforriadas possuíam um pequeno comércio ambulante, majoritariamente feminino, de tipo
também visto nas redondezas de Minas Gerais no seu período aurífero, e em Cuiabá como
descrito:

Mulheres negras forras, homens negros forros mulatos (as) e escravos (as)
também fomentavam um pequeno ambulante comércio denominado de
“negros de tabuleiro” (CORRÊA FILHO,1969), o qual era responsável pela
venda de gêneros alimentícios como bolos, doces, mel, pão, banana, fumo e
bebidas, na vila de Cuiabá e nas minas auríferas [...] Entretanto, o
governador de São Paulo, Rodrigo César de Meneses, proibiu esse tipo de
comércio nas minas de Cuiabá, pois achava que os negros (homens e
mulheres) escravos ou forros poderiam comercializar produtos provenientes
de roubo (SANTOS, 2010, p.121).

Alguns dados sobre a escravidão no sul de Mato Grosso nos ajudará a


visualizar a composição racial da época, e demonstrará a proporção de negras e negros
escravizados frente à população livre da mesma região. Iniciaremos por Corumbá.

responsável por oferecer uma educação cristã aos indígenas. A exploração indígena era de concessão da
Coroa espanhola.
56

Cidade nascida de preocupações militares com a fronteira, tendo o Forte


Coimbra e o povoado de Albuquerque como marcas de nascença, constituídos por braços
negros, eles levantaram tais estruturas, visto que para construção do Forte necessitavam da
ampliação dos trabalhadores e a opção foi pelos escravizados.
Dados apontados por um bispo diocesano, responsável pelas freguesias de
Corumbá, apresentou um relatório em 1862 que afirmava que tinha uma população livre de
1100 indivíduos e 500 escravizados. Estes números antecedem a Guerra do Paraguai e
abrangem os anos de 1864 a 1870, já os dados do censo realizado em 1.872, portanto
posterior ao conflito, caracteriza a população de Corumbá como tendo 3.361 livres e 275
escravizados. A pesquisadora Zilda Alves de Moura (2008) encontrou registros nominais de
287 escravizados em Corumbá no pós-guerra, apontando ainda que uma série de escravizados
podem nunca ter aparecido, em sequer um documento. A autora ainda salienta que é um
equívoco histórico referir-se apenas:

[...] a quantidade de trabalhadores escravizados somente no período pós-


guerra e concluir que os números destes no sul de Mato Grosso foi irrisório e
sem muita importância econômica e histórica no desenvolvimento da região
(MOURA, 2008, p.228).

Como veremos em seguida a participação de negros na Guerra do Paraguai


não foi pequena, e muito menos de apenas um lado do conflito. Muitos escolheram a Guerra
por acreditar ser uma maneira de atingir a própria liberdade. No entanto, vários outros foram
obrigados a se apresentarem para o conflito e ao lado de tropas escravistas, como a Guarda
Nacional, foram vítimas de atos de violência mesmo em tempos de guerra.
A violência e o terror são marcas constituintes do processo de escravização,
não apenas dos períodos de guerra. A submissão ao terror via cativeiro e todos os métodos
violentos de impelir dor aos escravizados, na tentativa da manutenção do controle social são
também registrados em nossa região, mas a resistência também foi uma constante e ambos
conviveram no sul de Mato Grosso.
As marcas da violência eram anunciadas nos jornais pelos senhores, quando
estes descreviam os seus escravos fugidos com marcas na testa, orelhas cortadas, dentes
limados. No Brasil apenas os açoites oficiais eram públicos, mas instrumentos como as
palmatórias, o tronco, marcas de ferro que, por vezes, traziam do embarque nos navios
57

negreiros, a máscara de flandres41, outros instrumentos de ferro e mutilações também são


encontrados em registros:

Pelo alvará de 3 de março de 1714 ficaram os governantes da colônia


autorizados a decepar uma orelha a todo trabalhador escravizado que pela
segunda vez fosse capturado em quilombo. Por outro lado, temos registro de
que, episodicamente, em engenhos e fazendas, lançou-se mão de castrações,
amputações, extração de olhos, fraturas de dentes, desfiguração de faces,
etc., como forma de castigar e aterrorizar cativos. (MOURA, 2008, p.315).

De acordo com Maria do Carmo Brazil (2002), a resistência ocorreu de


diversas formas, e em meio à documentação há indícios de sabotagens e incêndios criminosos
causados por negros, animais eram dispersos ou sacrificados. Um caso em especial chamou a
atenção, o do Senhor Firmiano Firmino Ferreira Candido, morto por seus escravos.

Em 1878, numa fazenda próxima ao termo de Corumbá, no sul da província


de Mato Grosso, dez escravos, auxiliados por camaradas, revoltaram-se e
mataram um grande proprietário da região, Firmiano Firmino Ferreira
Candido, e seu capataz João Pedro. Relata a documentação: “Na tarde do dia
15 corrente [janeiro] os indiciados, armados de espingardas, facas e espadas,
dirigiram-se a margem esquerda do rio Paraguai (na baía do Chané) e ahi, a
sorpreza, desfecharam ou dispararam quatro tiros de espingarda sobre
Firmiano que morreo instantaneamente, estando este deitado numa rede
conversando com sua filha Gertrudes Candida Ferreira. [...]. Depois deste
facto tomaram algumas espingardas que existiam na casa onde foi
assassinado Firmiano, dirigiram-se [...] lugar denominado Ipiranga – e ahi,
cerca de oito horas da noite, estando dormindo o capataz João Pedro, foi
igualmente pelos mesmos assassinado com três tiros (BRAZIL,2002, p.120).

Não apenas o Senhor de escravos morreu, como após também foi morto a
tiros seu capataz, João Pedro. De acordo com Brazil (2002) durante o processo que logo se
instaurou, devido à gravidade do caso, o genro de Firmiano – Joaquim Ferreira Nobre
atribuiu, o fato a castigos que seu sogro havia imputado a escravas da fazenda. Todos os
envolvidos foram punidos, mas esse caso demonstra bem o teor das relações escravistas
mantidas na região.
Maria do Carmo Brazil (2002) aproveita para combater a tendência
inaugurada por Gilberto Freyre, mas usada ainda por Campestrini (2009) de tratar as relações
escravistas no Brasil de maneira suave, branda: “O mito da suavidade do escravismo no

41
Esta era usada para castigar os que exageravam com bebidas ou comidas e, relatos também mencionam que
foram usadas em minas de diamante.
58

Brasil desmonta-se ao se compreender que a violência senhorial era parte integrante e


fundamental do sistema escravista (BRAZIL, 2002, p.85)”.
Santana do Paranaíba, nessa região o maior escravista foi José Garcia Leal,
ele, seus irmãos, e posteriormente seus descendentes se apossaram de muitas terras, que antes
eram indígenas – dos Caiapós. Esta terra acrescida de gado, engenhos e cativos, todos
alocados na região entre os rios Sucuriú, Paraná e Paranaíba, região que com mais ou menos
umas quarenta famílias deu origem ao povoado de Santana do Paranaíba.
Em 1860, de acordo com registros cartoriais investigados por Zilda Moura
(2008), 31 trabalhadores escravizados foram libertos por José Garcia Leal, recebendo suas
cartas de liberdade. No entanto, os cativos não receberam as tais liberdades, visto que, um ano
depois, foram todas revogadas, e a partir de então só podendo ser cumprida depois da morte
do Senhor de escravos. Da mesma maneira, agiram seus irmãos, Januário Garcia Leal e
Joaquim Garcia Leal, com relação aos seus trabalhadores escravizados.
Outros fazendeiros também foram proprietários de mão de obra escravizada
na região, que em 1862 registrava em torno de 1.400 livres e por volta de 600 escravizados,
dados informados por um bispo diocesano. Seguindo ainda os dados de Moura (2008), ela
aponta que entre os escravos passíveis de registro na região de Santana do Paranaíba estavam
distribuídos entre 58 proprietários, dentre eles um padre, Francisco de Sales Souza Fleury.
De qualquer forma, no censo oficial do Império, 1872, foram registrados
2.880 livres e 354 escravizados, sempre relembrando que tem uma guerra entre 1864 e 1870,
sem contar que certamente, uma parte dos cativos nem sequer era registrada pelos
proprietários, para evitar os impostos imperiais. Há ainda um registro que data de 1883,
realizado por instituições da Vila de Santana do Paranaíba, que registram 413 escravizados na
região.
Miranda, outra região com rastros de escravidão, inicia seu povoamento
branco, no entorno do Presídio Militar de Miranda (1797), sendo que em 1835 o povoado é
elevado à freguesia e em 1857 torna-se Vila de Miranda. Em 1862 a cidade registrou 720
livres e 100 escravizados, enquanto que em 1872 registra-se 3.710 livres para 142
escravizados, que apenas dois anos depois subia o número de escravizados de 142 para 207.
A tabela abaixo é uma representação dessa distribuição em números da
população liberta e escravizada nas cidades de Corumbá, Santana do Paranaíba e Miranda.
Omite-se desses números os que se circunscrevem as cidades de Nioaque e Camapuã, já que,
a documentação, apesar de registrar a presença de cativos, é inconsistente para traçar os
mesmos parâmetros adotados na comparação: entre população livre e escravizada, sobretudo,
59

entre 1862 e 1872, pois entre 1864 e 1870 compreende o período tido como Guerra do
Paraguai.
Os dados do censo de 1872, dois anos após o fim da Guerra do Paraguai,
registrou a presença de escravos no sul de Mato Grosso, sendo: 142 escravos em Miranda, de
275 em Corumbá e de 354 em Santana do Paranaíba (CAMPESTRINI E GUIMARÃES,
1991, p.96). A terceira coluna em Santana do Paranaíba e Miranda traz um leve aumento da
população escrava após o censo de 1872, o mesmo não foi possível fazer com a cidade de
Corumbá, por ausência de dados similares. No Brasil de modo geral ocorre esse movimento
devido à quantidade de negros mortos em conflito, “antes da Guerra, os negros eram 31,2 %
da população; depois, essa proporção cai pela metade” (CHIAVENATO, 1980, p.205).

Tabela 1 - Relação da População Livre e Escravizada das Cidades de: Corumbá, Santana do
Paranaíba e Miranda.
Corumbá Santana do Paranaíba Miranda

ANO 1862 1872 1862 1872 1883 1862 1872 1874


LIVRES 1.100 3.361 1.400 2.880 - 720 3.710 -
ESCRAVIZADOS 500 275 600 354 413 100 142 207

Fonte: Moura (2008).

Em Nioaque e Camapuã, também há resquícios históricos que comprovam a


utilização de mão de obra escrava. Em Nioaque apenas um único documento foi encontrado,
este relaciona os trabalhadores escravizados que foram negociados em Nioaque, entre 1883 e
1884, quatro escravos aparecem registrados e, em 1883, um recebe liberdade (APE, 1993).
Já a fazenda Camapuã, até antes do primeiro censo em 1872, possui apenas
relatos de viajantes, um deles, de um viajante francês, Hercules Florence, que afirma que
entre 1825 e 1829 a região era composta de 200 indivíduos livres e 100 escravizados. Em
1867, com a região já em declínio econômico, Visconde de Taunay, registrou que na região
havia apenas trabalhadores escravizados vivendo pobremente, até que em 1872 finalmente,
através do censo, são registrados 75 escravizados na fazenda Camapuã.
O gráfico abaixo ajuda a visualizar melhor a distribuição da tabela, nas três
cidades (Corumbá, Santana do Paranaíba e Miranda), somadas população livre e população
escravizada. Podemos observar o tamanho da presença negra nessas cidades antes da Guerra
do Paraguai, em contraste com 1872, já com políticas de imigração e povoamento para região
60

enormemente afetada no decorrer da Guerra. Houve a morte de muitos negros escravizados,


da região e de outras do país, devido sua participação no conflito, na esperança de adquirir
liberdade, ou como doação de ricos que queriam se ausentar dos combates.
Com este gráfico é possível perceber com maior facilidade que a presença
negra no sul de Mato Grosso era uma parte bem mais representativa do que o período que
precede a Guerra do Paraguai, no segundo conjunto de colunas. Reflexo das políticas de
recrutamento no período de guerra; das políticas de imigração e povoamento do pós-guerra; e
evidentemente de muitas mortes ocorridas em campos de batalha.

Gráfico 1 - Distribuição da População Livre e Escravizada nas cidades de Corumbá, Santana


do Paranaíba e Miranda.

Fonte: Brazil (2002)

Estes escravos não eram diferentes dos escravos de outras regiões do país,
ou seja, sofreram com vários castigos físicos e com o terror oriundo de todo o processo de
escravização, mas também, impeliu resistência ao sistema escravista; lutou bravamente sua
guerra contra escravidão, e outra com contornos mais nacionais – a Guerra do Paraguai.
Mesmo com dados da escravidão e os fatos históricos aqui mencionados, o
estado fez-se a opção pelo esquecimento, mesmo não podendo apontar o sul de Mato Grosso
como uma área de grande contingente de escravizados, não se poderia nunca minorar a
presença escrava na região.
61

2.3 GUERRA DO PARAGUAI (1864 – 1870): O REGIONAL E O RACIAL DO CONFLITO

O conflito ocorre em maior parte nas terras do sul de Mato Grosso, e altera
sensivelmente a fisionomia da região, pois recebe militares de várias regiões do país e muitos
deles acabam ficando em terras atualmente sul-mato-grossenses. Após conflito gera-se um
aumento do povoamento na região42, já que exércitos de vários estados recuam da região e
deixam um vazio de terras, que atraem em seguida, um novo processo de povoamento.
A guerra inicia com a invasão de terras brasileiras, via Província de Mato
Grosso, autorizada pelo presidente paraguaio Solano Lopes. Conflitos ocorrem pelas águas e
por terra e, com um contingente bem maior de soldados, os paraguaios avançam rapidamente,
apreendendo o gado e explorando as regiões invadidas e as áreas próximas para manutenção
do exército, tomam uma grande parte do sul de Mato Grosso sem grandes dificuldades. Uma
ameaça já havia sido feita, ao Império brasileiro em 1864, no entanto, a Província de Mato
Grosso, em sua área fronteiriça ainda se encontrava mal armada.
A princípio o Paraguai necessitava de uma saída para o Oceano para escoar
sua produção nacional, e tornou-se conveniente um conflito por essas terras, já que estava se
preparando há mais tempo para tal. Solano Lopes, após invadir essa região decide atacar o Rio
Grande do Sul, e para tal é obrigado a também atacar a Argentina, via a Província de
Corrientes, para chegar ao sul do Brasil. Esse ataque incentiva a formação de um acordo entre
Brasil, Argentina e Uruguai, formando assim a Tríplice Aliança em maio de 1865.
A partir de 1865 inicia-se uma reação brasileira, um fortalecimento do
exército e remanejamento de forças presentes na fronteira com o Uruguai43, e uma Força
Expedicionária marcha para combater o exército Paraguaio. A situação é descrita da seguinte
forma pelo historiador André Amaral de Toral (1995):

Os insuficientes efetivos do exército brasileiros foram reforçados, para a


guerra, pelos contingentes da polícia e da Guarda Nacional das províncias do
império. Criou-se em janeiro de 1865, além disso, os Corpos de Voluntários
da Pátria para canalizar o movimento patriótico que, num primeiro
momento, levou muitas pessoas a se alistarem para lutar contra a invasão
paraguaia do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso (TORAL, 1995, p.291).

42
Vê-se isso parcialmente no gráfico 1.
43
Em 1864, o Brasil estava envolvido num conflito armado com o Uruguai. Havia organizado tropas, invadido e
deposto o governo uruguaio do ditador Atanasio Aguirre, que era líder do Partido Blanco e aliado de Solano
López.
62

Os Corpos de Voluntários da Pátria são apontados, como nada voluntários,


sendo na verdade, um recrutamento forçado. Os cidadãos do Império, muitas vezes usavam de
artifícios para esquivar-se do alistamento, quase sempre doando recursos, equipamentos e
escravos, e os que se alistavam muitas vezes “compravam” suas patentes, e acabavam
mantendo as relações de senhor e escravos no exército. Aos pobres não restavam muitas
alternativas, sendo a fuga a mais comum, enquanto que para o escravo restava lutar a guerra
do Império (TORAL, 1995). Os negros lutaram de ambos os lados do conflito, visto que o
Paraguai também se serviu dos mesmos artifícios para os horrores do conflito.
Com algumas batalhas marcantes e com grandes marchas, combates nos rios
e as retomadas de Corumbá, Miranda, até o cerco ao presidente paraguaio Solano Lopez, que
terminou morto, decorreram os seis anos de conflito que se encerrou no dia 1° de março de
1870. O fim do conflito é tido como marco para um impulso populacional na região sul de
Mato Grosso (BITTAR, 2009).
Deste conflito muitos dos nossos heróis sul-mato-grossenses “atuais” se
44
forjaram, lembrados inclusive em nosso hino de MS : “[...] Vespasiano, Camisão/ E o
tenente Antonio João,/ Guaicurus, Ricardo Franco,/ Glória e tradição! [...]” a exceção de
Vespasiano, que faz menção a uma ideologia divisionista do sul de Mato Grosso, os demais
citados fazem referência a Guerra do Paraguai. Constitui-se aqui um ponto importante da
memória coletiva do sul-mato-grossense, desse conflito maior parte dos seus heróis se
forjaram.
Raymundo Faoro, comentando a Guerra do Paraguai, com os olhos voltados
para modernização45 de uma nação, afirma que:

O País se engajara numa guerra continental, que, a julgar pelos precedentes,


prometia não ser mais que uma excursão nas fronteiras do Sul. A penosa e
angustiada vitória, depois de quatro anos inglórios, mostrara a fraqueza e o
atraso do País. Se o País era atrazado, cumpria formar, sobre o retardatário,
um país diferente, para outras guerras. Esta visão do País com relação a
outro é uma visão pombalina, o criador, em língua portuguesa, do Exército
permanente. A tarefa se definia, quer pela ideologia, quer pelos fatos
históricos — em lugar de tarefa pode-se falar em missão — para instituir o
progresso no trópico, além dos limites do comercialismo, que gerara o
Império exportador e importador (FAORO, 1992, p.12).

44
Verificar Hino de Mato Grosso do Sul no anexo A
45
Faoro apresenta uma diferença entre modernidade e modernização: “a modernidade compromete, no seu
processo, toda a sociedade, ampliando o raio de expansão de todas as classes, revitalizando e removendo seus
papéis sociais, enquanto que a modernização, pelo seu toque voluntário, se não voluntarista, chega à
sociedade por meio de um grupo condutor, que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes. Na
modernização não se segue o trilho da " lei natural", mas se procura moldar, sobre o país, pela ideologia ou
pela coação, uma certa política de mudança (FAORO, 1992, p.8).”
63

Com o fim da Guerra do Paraguai, a demarcação das fronteiras era questão


imediata, e foi encerrada em 1874. Quanto aos negros, voltaram cerca de 20 mil negros,
morreram ao longo dos seis anos de conflito entre 60 e 100 mil negros no Brasil
(CHIAVENATO, 1980, p.199). Tomás Laranjeira recebe uma concessão imperial de terras no
sul de Mato Grosso, em dezembro de 1882, através do decreto imperial número 8.799, e inicia
seus trabalhos no sul de Mato Grosso com a Companhia Mate Laranjeira46, explorando mão
de obra paraguaia e indígena – de baixo custo. A empresa, apoiada por políticos influentes
chega a atuar numa área superior a 5.000.000 hectares, no cultivo de erva-mate.
Vinculados aos efeitos da guerra no sul de Mato Grosso, as atividades da
Companhia Mate Laranjeira e posteriormente, a Ferrovia Noroeste do Brasil47, fundada em
1905, contribuíram para o povoamento branco e para o ideal de modernização da região.
Campo Grande, atual capital de MS, muito deve esse título, aos trilhos que chegaram à
cidade;

De fato, se houve algo marcante no início da história de Campo Grande foi a


Noroeste do Brasil. Mas, além dela, outros povoados surgiram ou foram
incrementados, de tal forma que a chegada dos trilhos no Centro-Oeste é tida
como alavanca propulsora do seu povoamento (BITTAR, 2009, p.56).

Temos que a Guerra do Paraguai dizimou grande parte da população platina,


e principalmente, do povo, visto que a elite é mais uma vez, o último corpo a ser baleado. Esta
Guerra criou um vácuo na região e de certa maneira, colabora com as aspirações da política de
imigração, que aumentam após a lei Áurea, em 1888. Estas políticas traziam um recorte
racial, pois, buscavam também branquear a população nacional, como apregoada por alguns
cientistas e políticos brasileiros do século XIX, evidentemente embebidos da ciência europeia.
Conscientemente ou não, a Guerra do Paraguai impulsionou a alavanca das políticas de
branqueamento no país, fortalecendo teorias racistas e de arianização do país, que indicavam
o branqueamento como “solução racial” para o Brasil (CHIAVENATO, 1980).

46
A Cia. Mate Laranjeira, uma sociedade anônima fundada no Rio de Janeiro, em 1891, com o fim de explorar
os ervais nativos na porção sul do então estado brasileiro de Mato Grosso, organizou nessa época um vasto
circuito mercantil interligando as áreas de produção e consumo de sua erva-mate (QUEIROZ, 2012).
47
De fato, num contexto ricamente contraditório, o objetivo político-estratégico da ferrovia (eliminar a
dependência brasileira em relação à via platina) devia cumprir-se mediante o desempenho de uma missão
econômica (desviar os fluxos de comércio da calha do rio Paraguai no rumo direto do Sudeste brasileiro). [...]
no trecho sul-mato-grossense, contudo, a estrada assumiu claramente um sentido predominantemente político-
estratégico, tanto que ela foi, desde o início, assumida pelo governo federal – que logo, aliás, encampou
também o trecho paulista, de modo que toda a NOB, de Bauru a Porto Esperança, configurou-se a partir de
1918 como uma ferrovia estatal (QUEIROZ, 2004).
64

Os negros que permaneceram após a Guerra do Paraguai nem foram citados,


apesar de Santos (2010), afirmar que vários negros aqui permaneceram após o termino dos
conflitos:

Após o conflito com o Paraguai, vários ex-combatentes, entre os quais


negros alforriados, se fixaram nas terras do sul de Mato Grosso. Muitas
vezes eram terrenos que eles haviam palmilhado no decorrer da guerra.
Mesmo com esse renovar populacional, a Província ainda convivia com
antigos problemas de antes da guerra: a falta de mão de obra nas lavouras; a
dificuldade nos transportes e a peste das cadeiras (SANTOS, 2010, 158-
159).

Em 1871, temos a aprovação da Lei do Ventre Livre no Brasil, e com isso o


presidente da Província de Mato Grosso, Francisco José Cardoso Junior, tenta dificultar a
entrada de escravos na Província, para incentivar a entrada de outro tipo de mão de obra,
sendo eles, colonos de preferência europeus. Segundo suas palavras:

Me parece proveitoso que procuremos dificultar todos os dias e por todos os


modos a importação de escravos para Mato Grosso. Essa dificuldade traz, a
meu ver, maior facilidade na introdução de colonos que venhão rotear a terra
e que com experiência ensinem aos naturaes o melhor meio de obter pelo
trabalho do homem livre a vantagem sobre o trabalho do homem escravo
(apud. SANTOS, 2010, p.161).

Bittar (2009) afirma que a Guerra do Paraguai fez com que muitas famílias
dispersassem, e o território ficou ainda mais atraente para as novas levas de povoadores após
1870. Com o término do conflito, foram se moldando os padrões do estado a uma região de
pecuária, “Vê-se, assim, que enquanto o ouro fez Cuiabá, as pegadas do boi configuraram o
sul. Um século, porém, é o tempo que separa os dois eventos” (BITTAR, 2009, p.50).
A modernização apontada por Faoro (1992) é vista no atual MS como as
mudanças, que de certa forma começaram a ocorrer com o fim da Guerra do Paraguai: o
crescimento da população e surgimento de mais cidades, o fortalecimento da pecuária – de
onde descende a elite regional, e por último, e com certeza não menos importante, a
construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil. A Cia. Estrada de Ferro Noroeste do Brasil
se instala em 1904, para construir a ligação Uberaba-Coxim, e acabou por passar por Campo
Grande, fortalecendo-a como uma capital comercial do eixo sul de Mato Grosso.
65

2.4 O DIVISIONISMO E A DIVISÃO DO ESTADO

De acordo com Campestrini e Guimarães (1991) há dois momentos


emblemáticos apontados na história do divisionismo do estado de Mato Grosso e ocorrem em,
1892 e 1932. O primeiro, a tentativa de criar um novo estado, no entanto, separando-se da
federação brasileira, e não apenas o sul do norte, mas todo o estado de Mato Grosso. Em
1892, os rebelados do sul estavam sob as ordens do Coronel Barbosa. Essa tentativa é
caracterizada pelos autores como esdrúxula.
Outro momento, em 1932, a partir da Revolução Constitucionalista houve
uma tensão entre Norte e Sul de Mato Grosso, segundo ainda Campestrini e Guimarães
(1991) criou-se o “estado de Maracaju”, que abrangia quase a totalidade do sul de Mato
Grosso, e teve como primeiro governador Vespasiano Martins (CAMPESTRINI E
GUIMARÃES, 1991).
Já a pesquisadora Marisa Bittar (2009) aponta que o primeiro momento,
1892, próximo do início da I República, é devido a uma tentativa de substituição dos chefes
de governo pelos da oposição, este conflito pleiteou até a criação da República Transatlântica
de Mato Grosso, sendo assim, mais separatista do que propriamente divisionistas. O episódio
já pintado como “esdrúxulo” por Campestrini e Guimarães, se dá exatamente no conflito que
opôs dois coronéis com tropas de Antônio Maria Coelho contra as do vice-presidente
Generoso Ponce, que defendia o presidente Manuel Murtinho e a manutenção de seu cargo. A
separação foi assumida pelas tropas de Antônio Maria Coelho e correligionários, e segundo
Bittar (2009) os revoltosos falavam em nome de Mato Grosso e não do “sul” de Mato Grosso,
afirmando que devia se desmembrar do Brasil e juntar-se às Repúblicas do Prata.
Já em 1932, na segunda exteriorização de ideias divisionistas, como
apontado por Campestrini e Guimarães (1991), se dá no contexto da Revolução de 1930, na
qual novas lideranças políticas de Campo Grande apoiaram São Paulo. Vespasiano Martins,
então prefeito de Campo Grande, é empossado em 1932 por Bertoldo Klinger, para chefiar o
governo constitucionalista de Mato Grosso. No entanto, Bittar (2009), discordando de
Campestrini e Guimarães (1991), demonstra com melhores argumentos e fatos que, a causa
divisionista não esteve presente neste fato histórico, uma vez que o próprio Vespasiano
declara, não ser um movimento divisionista e sim de apoio a São Paulo, “pela volta do país
ao regime da lei (p.172)”. E não assina como governador do estado de Maracaju, e sim como
interventor federal.
66

Ambos os eventos, como demonstrado por Bittar (2009), apesar de serem os


ápices históricos que antecedem o desejo divisionistas da região, também se mostram frágeis
para afirmar que a força dessa ideologia gerou a criação de MS, apesar de que, certamente
serviu de argumentos favoráveis à decisão. A Liga Sul-Mato-Grossense, nascida no Rio de
Janeiro e no ano de 1932, ainda sobre os auspícios da Revolução de 1932, é formada por
universitários mato-grossenses da elite agrária, tem o objetivo de lançar a luta pela divisão do
estado no espaço público, pedido que chega a ser pleiteado na Constituinte de 1934, que acaba
por não acolher o desejo divisionista.
Bittar (2009) tenta demonstrar no decorrer de sua obra, que o divisionismo
não foi causa pétrea do sul do Mato Grosso, e desmistifica a existência de heróis da divisão,
mostrando que o divisionismo se mesclava a interesses difusos de grupos locais da elite, uma
vez que a participação popular foi pífia. Como afirma:

[...] as minhas contribuições mais significativas dizem respeito aos “líderes”


e “heróis” relacionados ao processo divisionistas e, também aos episódios de
1932 no sul de Mato Grosso, que redundaram, segundo trabalhos anteriores
ao meu, principalmente os do Instituto Histórico e Geográfico de Mato
Grosso do Sul, no “primeiro governo autônomo” da região, isto é, de Mato
Grosso “dividido”. Aqui procurei demonstrar que não existem os ditos
“heróis divisionistas” e nem ocorreu governo autônomo no sul de Mato
Grosso em 1932 (BITTAR, 2009, p.24).

O regionalismo do sul de Mato Grosso foi fomentado por uma elite


hegemônica da região, que se via sobrepujada pelo norte, apesar de um desenvolvimento
econômico maior, a saída para os sulistas se materializava na divisão. Os desejos políticos
dessa elite hegemônica aliou-se ao sentimento de não pertencimento a Cuiabá por parte dos
fazendeiros do sul, assim convergiram desejos políticos e econômicos (BITTAR, 2009).
Queiroz (2005; 2007) defende que o divisionismo era apenas parte de uma
estratégia, por parte da elite campo-grandense, uma tática com o objetivo de ascender no
poder político. A Liga Sul-mato-grossense, que encampou essa causa divisionista, arrefece
muito já no final dos anos 1930, há uma marginalização da tese do divisionismo no estado, até
as proximidades da divisão. O motivo segundo o pesquisador, é que a elite sulista conquista
espaços de poder, inclusive estadual, e não seria mais cômodo pôr em risco os espaços
conquistados, por isso a divisão ocorre à revelia das populações, tanto do sul quanto do norte
de Mato Grosso.
Queiroz (2005; 2007) demonstra que os caminhos do divisionismo e da
divisão não foram trilhados linearmente, ou seja, no momento em que o divisionismo foi mais
67

forte (1932-1934) não ocorreu a divisão, que de fato, só ocorreu quando o divisionismo estava
inerte. MS em 1977 foi uma surpresa, restando a alguns historiadores, principalmente aos
vinculados IHG-MS a construção de uma história do MS com heróis de divisionismo, de
lutas, mitos, símbolos e outros adornos necessários à criação de uma comunidade imaginada.

Em outras palavras, a “chama” do divisionismo – que, na verdade, antes


havia chegado mesmo a quase apagar-se – é figurada como
permanentemente acesa, desde os fins do século XIX. Enfim, criam-se mitos
como o da suposta existência, em 1932, do “Estado de Maracaju”
(QUEIROZ, 2007, p.159).

Dessa maneira a pergunta que permanece é de que maneira então surge em


1977 à divisão do Mato Grosso? Campestrini e Guimarães (1991) numa perspectiva de que
houve alguns líderes do divisionismo aponta que a Liga Sul-Mato-Grossense, instituição
criada em prol da defesa da autonomia do sul desde 1932, chegou a encaminhar abaixo-
assinados às constituições federais em 1934 e 1946, solicitando a criação de um novo estado
na região. No entanto, apesar da atuação política nada aconteceu nesse sentido. Somente em
1974, quando o governo federal publica através da Lei Complementar nº 20, as normas para
criação de novos estados na federação, é que reacende a chama do divisionismo, e a Liga Sul-
Mato-Grossense, que estava sendo presidida por Paulo Coelho Machado, encaminhou dados
que alimentaram a decisão de 1977, de acordo com Campestrini e Guimarães (1991): “Os
integrantes da Liga, trabalhando com competência, rapidez e sigilo, forneceram ao governo
federal subsídios necessários a viabilização do projeto, incluída a minuta da lei
complementar (p.140).”
Marisa Bittar discorda do protagonismo do papel da Liga Sul-Mato-
Grossense na decisão de criar o estado de MS, atribuindo à geopolítica do regime militar de
ocupar áreas pouco povoadas, a maior influência na decisão. De acordo, com Bittar (2009)
“no aspecto da ocupação de áreas “desintegradas”, encontrou respaldo no histórico
regionalismo pela criação de uma unidade federativa no sul de Mato Grosso” (BITTAR,
2009, p.298). Segundo a autora, a decisão era parte de uma estratégia de desenvolvimento,
que somava interiorização do país e integração nacional, e em nenhum momento um
plebiscito em ambas as regiões foi opção para decidir sobre a divisão de Mato Grosso, isto é,
MS nasce de uma decisão autoritária, apesar de movimentos divisionistas atuarem, e mais
uma vez sem líderes ou heróis a serem cantados.
68

2.5 DO ESTADO MODELO AOS GOLPES POLÍTICOS

As forças políticas de Mato Grosso estavam em maior parte contentes com o


regime militar. A defesa da integração nacional assumia uma postura que agradava os grandes
fazendeiros do Mato Grosso uno, o que torna a divisão, para os grandes fazendeiros do sul,
uma grata surpresa, já que acontece no arrefecimento da causa divisionista no estado.

A questão objetiva da superioridade econômica do sul sobre o norte e dos


condicionantes geográficos gerou, ao longo do tempo, uma situação propícia
ao regionalismo, que só a divisão resolveu [...] Portanto, podemos dizer que
a obsessão dos grandes fazendeiros do sul se concretizou “na última hora”
(BITTAR, 2009, p.309).

A sessão de 14 de setembro de 1977, no Congresso Nacional, aprovou a


criação de MS, que no início era para ser chamado de estado de Campo Grande, alterado em
agosto, para MS. O presidente Geisel, foi o “autor da divisão”, que não gerou participação
popular, mas uma concepção de estado-modelo, a partir 11 de outubro de 1977 (BITTAR,
2009).
Esta concepção de estado-modelo já estava sendo veiculada desde abril de
1977 de acordo com a historiadora Marisa Bittar (2009). Apontava-se que no novo estado
tudo seria diferente, com muitas inovações técnicas principalmente, uma vez que o regime
militar opera com um processo de despolitização tanto do Estado como da Sociedade em
nome da segurança nacional. A criação de um novo estado gerou anseios por novos padrões,
uma estrutura inovadora, esperava-se o melhor para MS, e tentou-se.
A concepção do governo militar (1964 – 1985) de Estado é, de trata-lo
como “qualquer empresa” e com um fim não político. A razão técnica torna-se o discurso
predominante no Estado. Ainda com a ideologia de um “estado modelo” MS se reveste desses
moldes tecnocratas.
Inaugurou-se o princípio do “planejamento participativo”, o planejamento
como método de governo. Harry Amorim Costa, primeiro governador do estado, veio
acompanhado de Jardel Barcellos, um dos formuladores dessa concepção, e já havia
participado da fusão do estado do Rio de Janeiro com a Guanabara. Ele fazia parte da equipe
do governador, no entanto, logo surgiram empecilhos políticos, os políticos locais
rapidamente começaram a criticar o governo. “O fato é que a equipe parecia um tanto
otimista, talvez desconhecendo ou minimizando o poder dos caciques políticos mato-
grossenses (BITTAR, 2009, p.358).”
69

A própria ideia do planejamento participativo já apontava para os avanços


que a democracia vinha obtendo no regime, a luta da sociedade pela democracia estava
encorpando e ganhando reconhecimento na esfera nacional, o que reverberava nessa região. O
governador, Harry A. Costa, que por diversas vezes afirmava que seu governo não era político
e sim técnico acabou sendo derrubado pelos políticos, ainda no sexto mês de atuação tendo
governado de janeiro a junho de 1979 e, conforme analisa Marisa Bittar:

A destituição de Harry Amorim Costa mostra, portanto, que a elite política


do sul, beneficiada pela divisão de Mato Grosso, não tinha compromisso
com a construção de um estado diferente daquele que criticavam e que servia
ao “mando de Cuiabá”, pois não toleraram a intenção de Harry de implantar
uma estrutura de governo diversa daquela (BITTAR, 2009, p.362).

A queda do Governador, só foi possível devido à atuação da nossa


Assembleia, que apoiou a saída do então governador, mesmo tendo um dia antes lavrado em
ata um documento – Manifesto dos Onze – afirmando ser solidário ao Governo. Esse apoio
era extremamente fictício, as facções que compunham o poder político local em nenhum
momento se mostraram receptivas a um governo que vinha fora, frequentemente sendo
acusado de desconhecer a realidade regional, pelos dois grupos que polarizavam o cenário
político da época, de Pedro Pedrossian e José Fragelli;

A causa aparente para derrubada de Harry Amorim Costa consistia em


acusar o seu governo de hostilizar a “classe política”. Nisso era possível
obter consenso de ambas as correntes, pois essa “classe” reduzia-se, na
verdade, a todos aqueles que acreditavam ter forças suficientes para terem
sido indicados por Geisel e, no entanto, haviam sido preteridos pelo
“alienígena”, “o gaúcho Amorim” (BITTAR, 2009, p.165 vol.2).

A queda de Harry em 1979, que governou praticamente tempo suficiente


para aprovação de uma constituição estadual, desenrolou outro entrave pela nomeação do
próximo governador, que apesar de imensos esforços para nomear Pedro Pedrossian, o nome
escolhido foi de Marcelo Miranda Soares. José Fragelli argumentava que assumiu muitos
débitos após o governo de Pedrossian no Mato Grosso.
Marcelo Miranda torna-se assim, o segundo governador e, o segundo
destituído do estado, que se imaginou modelo, e assim se põe a última pá de cal nessa
ideologia de curta duração no MS. Miranda já assume em posição delicada em 1979, uma vez
que o apoio de Pedrossian, agora senador, era composto de exigências políticas que eram
frequentemente alvo das críticas de seus opositores na Assembleia. Marcelo Miranda
70

governou um pouco mais que um ano, sendo substituído por Pedro Pedrossian que enfim
alcança o cargo quisto, de governador do MS, ainda em 1980. Nos períodos de vacância entre
os governadores, quem assumiu o posto foi o presidente do Legislativo Londres Machado.
O crescimento da oposição ao regime ditatorial, concomitante aos novos
avanços da sociedade civil no Brasil colabora para que Pedrossian assumisse o governo
estadual, visto que aos poucos ele passava a ser visto com a condição de derrotar a oposição
no estado do MS, de acordo com o ARENA. A destituição de Marcelo Miranda e em seguida
a nomeação de Pedrossian contribuíram para sua coligação nas eleições de 1982. Devido à
proximidade, no entanto, venceu a oposição: Wilson Barbosa Martins.
As eleições estaduais de 1982 propiciam uma estabilidade institucional a
MS, que já havia sofrido sucessivas destituições, acabaram imputando uma derrota à ditadura,
e configuraram nova polaridade política entre: Pedro Pedrossian e Wilson Barbosa Martins
até 1998. Em 1998, José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, é eleito governador no
MS. Após derrota para André Puccinelli pela prefeitura de Campo Grande em 1996, por
apenas 411 votos, Zeca do PT foi reeleito em 2002. Em 2006 assume o governo André
Puccinnelli, que após reeleição em 2010 ainda cumpre mandato.

2.6 MATO GROSSO DO SUL: O FORJAR DE UMA IDENTIDADE REGIONAL

É importante salientar que o estado possui somente 36 anos, e apesar de


alguns aspectos identitários terem sido mantidos desde 1934, a identidade regional é buscada
de um movimento do presente para o passado. Ou seja, pesquisadores contemporâneos, com
especial atenção aos vinculados ao IHG-MS, e o estado, buscam em referenciais do passado
forjar a identidade regional. Este movimento é comum mesmo entre nações que se formaram
no século XVIII e XIX como demonstra Benedict Anderson (2008).
Evidentemente muitos traços culturais, alguns de interesse do estado e dos
“homens de letras”, e outros não, fazem parte do cotidiano de muitos sul-mato-grossenses. A
presença de muitos e grandes rios no estado traz alguns hábitos ribeirinhos; o consumo do
tereré como bebida típica local; a música de forte influência Paraguaia e gaúcha, mais
atualmente os embalos do sertanejo universitário. No entanto, festejos como o Banho de São
João em Corumbá ou a festa da Comunidade Tia Eva48 são esquecidos no estado.

48
O Banho de São João é tradicional na cidade, acompanhado de outras festividades religiosas, enquanto que a
festa de São Benedito em 2013 completou 94 edições.
71

Retomando os aspectos pedagógicos e performáticos já defendidos por


Homi Bhabha (2010), observaremos a tentativa de impregnar o presente de um passado
selecionado, e a partir desse passado, apontar características presentes no cotidiano do povo
sul-mato-grossense. Autores chegam a retornar as origens espanholas do território49, para
contrastá-las com o norte do então Mato Grosso (AMARILHA, 2006).
MS possui grande parte de sua identidade forjada no contraste,
principalmente em relação a Mato Grosso, mas também com relação a suas fronteiras.
Inicialmente, as primeiras tentativas de construção de uma identidade no sul do Mato Grosso,
foram na década de trinta do século XX, capitaneada pela Liga Sul-mato-grossense, nascida
no fim de 1932 em defesa da causa divisionista. Os documentos publicados por essa Liga50
trazem as primeiras tentativas de formação da identidade sul-mato-grossense, numa opção,
que era bem política na época, de polarizar o “sul” em relação a Cuiabá.
A modernização, também é objetivo da Liga Sul-mato-grossense no início
dos anos 1930, que nos melhores anos de uma ideologia divisionista, apontava o sul Mato
Grosso, como capital econômica do estado, rechaçando todos os traços de barbárie atribuídos
ao sertão e a Mato Grosso uno. Em um dos documentos da Liga Sul-mato-grossense: A
divisão de Mato Grosso: resposta ao general Rondon, chega a demonstrar o orgulho que se
tinha no Sul a “eugênica mocidade51” (apud. QUEIROZ, 2007, p.148).
A eugênica mocidade demonstra as características raciais presentes no ideal
de modernização que caminhou desde o fim da Guerra do Paraguai, até pelo menos, o início
da década de 1930 com a Liga Sul-mato-grossense. Campestrini e Guimarães retratando a
modernização no sul de Mato Grosso:

49
No livro: História de Mato Grosso do Sul (1985), de José Barbosa Rodrigues apresenta-se no primeiro
capítulo a história do sul de Mato Grosso, que antes de ser português foi espanhol, relatando este período
como elemento integrante de uma história sul-mato-grossense, e uma diferença entre MS e MT
(AMARILHA, 2006, p.190).
50
A Liga Sul-mato-grossense foi criada no Rio de Janeiro, e lança três documentos: Um manifesto aos
habitantes do sul de Mato Grosso (1933), Um manifesto da mocidade do sul de Mato Grosso ao chefe do
Governo provisório e a Assembleia Constituinte (1934), e uma representação dos sulistas ao Congresso
Nacional Constituinte (1934). Um quarto documento foi assinado pelos integrantes da Liga, rebatendo
algumas críticas do General Rondon, intitulava-se Divisão de Mato Grosso: resposta ao General Rondon
(QUEIROZ, 2007, p.145).
51
Por eugenia tomamos: A parte da Ciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e
melhoramento da raça humana, tendo grandes vínculos com o higienismo e sanitarismo no Brasil. Surgiu a
partir de ideias de Francis Galton (1822-1911). Fruto do início do século XIX no Brasil, teve seu ápice após
1930. “Para que a “raça nacional” pudesse ser transformada nesta tão sonhada “elite de eugênicos”, os
eugenistas entendiam que atitudes radicais como a esterilização, pena de morte, controle rigoroso da entrada
de imigrantes, obrigatoriedade do exame pré-nupcial, proibição do casamento inter-racial e de portadores de
doenças contagiosas, entre outros, precisariam ser observadas [...] (SOUZA, 2005, p.06-07).
72

E em 1943, já na segunda República, nasce a Colônia Agrícola Federal de


Dourados, e também o território federal de Ponta Porã, numa iniciativa de
povoar as fronteiras do Brasil. A II Guerra Mundial e o avanço da
mecanização agropecuária, trouxeram alguns resultados à região do sul de
Mato Grosso, com financiamento do Governo e programas energéticos, que
trouxe mais uma série de mudanças, o nascimento de várias cidades,
Universidades, estradas e um estado em 1977, chamado Mato Grosso do Sul.
Muitos foram os grupos de gaúchos que vieram para as atuais terras sul-
mato-grossenses, trazendo seus costumes e seu honrado trabalho para o
término da reconstrução após a guerra (CAMPESTRINI E GUIMARÃES,
1991, p.106 grifos nosso).

A presença dos gaúchos é vinculada ao melhoramento da pecuária local, e


cada vez mais essa atividade econômica ganha contornos hegemônicos nessa região do país,
entretanto, mais do que isso, assim como a presença gaúcha é elogiável em nossas terras, ela
esta também fortemente atrelado ao valor do trabalho. Enquanto, os negros, que de fato,
levantaram os primeiros fortes trabalharam nos presídios e morreram na Guerra do Paraguai
são simplesmente esquecidos da historiografia regional, que até a década de 1930 ainda se via
como portadora de uma “mocidade eugênica”, motivo de orgulho regional.
Paulo R. Cimó Queiroz (2007) analisa os documentos da Liga sul-mato-
grossense na perspectiva de reconhecer nestes, a gênese de um movimento pela construção da
identidade sul-mato-grossense, em contraste a Cuiabá principalmente, visto que a demanda de
políticos locais era por poder no estado. Aponta as seguintes características:

Assim, desde logo creio ser possível dizer que o referido empreendimento
dos divisionistas sulistas se desenvolve em duas direções principais: 1)
atribuição do “estigma da barbárie” exclusivamente às populações do
“Norte”, do que resulta a negação, no geral, da “identidade mato-grossense”
antes elaborada pelos intelectuais nortistas; 2) apropriação e transformação
de alguns elementos da mesma identidade, que são então aplicados
exclusivamente ou preponderantemente à porção sul do estado. Além disso,
os documentos enfatizam um aspecto destinado a cumprir, naquele
momento, uma importante função identitária, a saber: a opressão do Sul pelo
“Norte” (QUEIROZ, 2007, p.145).

Adotando esses documentos como contendo a gênese da tentativa de criação


de uma identidade sul-mato-grossense, os mesmo documentos vangloriam a “eugênica
mocidade” sul-mato-grossense. Fato é, que posterior a Liga, há um “quase vazio” na
construção de uma identidade regional, até a divisão do estado finalmente acontecer.
Momento em que os “homens de letras” passam a ter fundamental papel na construção e
valorização de uma identidade regional. Os “homens de letras” eram os sócios do IHG-MS e
73

da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, e tentam projetar a identidade regional entre seus


cidadãos (AMARILHA, 2006).
Podemos fundamentar a identidade regional na alteridade, principalmente
com Cuiabá (QUEIROZ, 2007; AMARILHA, 2006); em contraste com os indígenas, que não
representam a modernidade quista, sendo quase sempre um personagem romantizado e não,
sujeitos de história (SOUZA, 2008; FERREIRA, 2009); com os países de fronteira, Paraguai e
Bolívia (CAETANO, 2012; BALLER, 2008); e no “esquecimento” dos negros (ARAUJO,
2008; BRAZIL, 2002; MOURA, 2008).
A divisão do estado, tida como uma surpresa aos moradores do Mato Grosso
uno, fez com que as bases simbólicas mais sólidas permanecessem em Cuiabá, as tradições
literárias e históricas eram de Mato Grosso. Coube ao MS inventar sua tradição, fortalecer
uma identidade.
Performaticamente, lembramos e comemoramos episódios da Guerra do
Paraguai como a Retirada da Laguna, a Batalha naval de Riachuelo, Batalha de Cerro Corá.
Monumentos em homenagem ao Tenente Antonio João, Guia Lopes da Laguna, Coronel
Carlos de Morais Camisão. A bandeira e o hino de MS representam parte dessa identidade
regional, rememorando alguns “heróis”, mas, exaltando, os nossos “celeiros de fartura”, a
riqueza de nossos rios, campos e matas. A natureza e o campo são constantemente propalados,
apesar de algumas vezes ser tão contraditória a relação, se levarmos em consideração a
polaridade desenvolvimento e sustentabilidade52.
Aspectos da cultura regional são marcados pela hibridação, principalmente a
música e a literatura. Houve uma tentativa, por parte dos “homens de letras”, ligados
principalmente ao IHG-MS de fazer do Pantanal, um símbolo cultural do estado. Da mesma
maneira que buscou criar heróis, mitos e outros símbolos que pudessem diferenciar o estado
de outras unidades federativas.
Na música o mesmo movimento foi criado, tendo o Pantanal53 e as belezas
naturais como sendo um signo do regionalismo. Ao mesmo tempo observamos uma
aproximação muito grande com a cultura musical dos países fronteiriços, principalmente
Paraguai (CAETANO, 2012).
52
Em agosto do ano passado (2012), os Ministérios Públicos Federal e Estadual do Mato Grosso do Sul
ingressaram com Ação Civil Pública na 1ª Vara Federal de Coxim (MS) para suspender a instalação de 126
empreendimentos hidrelétricos no entorno do Pantanal. A ação foi movida contra a União e os Estados de
Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. In: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1216468-projetos-de-usinas-
hidreletricas-no-pantanal-sao-paralisados-pela-justica.shtml; Ainda nesse ano de 2013, senadores tentam
combater o assoreamento dos rios para tentar reverter a inundação permanente em áreas do Pantanal, pois
comprometem as estratégias produtivas na região. In: http://www.falams.com/?p=142519.
53
O Pantanal, enquanto ecossistema abrange as regiões de Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%).
74

Além disso, é possível notar que símbolos como o Pantanal e a Fronteira


são os dois principais índices identitários dessa música sul-mato-grossense; o
primeiro enquanto temática, a segunda enquanto suporte. Ou seja, é uma
fusão entre os temas relacionados ao universo natural e cultural pantaneiro,
somado as influências da música paraguaia [...] Como se percebe, a história
de Mato Grosso do Sul, uma região que elegeu o Pantanal como cartão de
visitas, que valorizou a influência da cultura paraguaia, perpassa pela
história da sua música regional. Igualmente, e inegável que os artistas
envolvidos nesse processo contenham sua parcela de responsabilidade na
formação dessas identidades culturais sul-mato-grossenses (CAETANO,
2012, p.98-99).

Através da música percebemos a influência da fronteira em nossa cultura.


De maneira mais aguda, mas também nos desvencilhamos um pouco da maneira em que
estávamos tratando identidade, ou seja, não é apenas o “forjar” da identidade, mas aspectos
culturais que se entrecruzam em regiões de fronteira e ganham conotações regionais no
estado. Esses encontros culturais são constantes. É no entremeio que os valores se fortalecem
e se diferenciam, no entanto, apenas alguns pontos são apropriados pelo estado.
Na literatura54 também observamos o Pantanal como ícone regional, mas
por terem mais pesquisas na literatura, podemos apontar que há uma produção artística
intensa, principalmente nas regiões fronteiriças, que privilegiam a diversidade cultural
(SOUZA, 2008). De fato, o poder público tenta responder a questão acerca da identidade sul-
mato-grossense, construindo a identidade pantaneira. Durante o governo Zeca do PT, houve a
proposta de alteração do nome do estado de MS para Pantanal55.
Todas as tentativas de consolidação de uma identidade pantaneira e de
fronteira acabam por colaborar no silenciamento de outras participações culturais no estado,
nesse sentido, negros e indígenas são alijados de história. Autores que caminham em sentido
contrário, atuam de maneira suplementar e revelando a característica híbrida da cultura no sul
de Mato Grosso. Lobivar Matos56 (1915-1947) é o principal exemplo, na literatura regional a
tratar a negritude.
Lobivar Matos (1915-1947) quando em 1935, lança sua primeira obra já a
identifica como sendo regional. Pertencente ao modernismo possui como um dos núcleos de

54
Na literatura, também usada no conflito identitário sul-mato-grossense, teve já em 1981, a História da
Literatura Sul-Mato-Grossense publicada por José C. Vieira Pontes.
55
No final dos anos de 1990, em abril de 1999, o governo Zeca do PT lançou a ideia de mudar o nome do
estado, para Pantanal, “assim que se iniciou um processo institucionalizado de relacionar a cultura de Mato
Grosso do Sul ao Pantanal” isso de maneira mais sistemática (SOUZA, 2008).
56
Principais pesquisa foram realizadas por Araujo (2009), mas também Souza (2008), no anexo II segue três dos
ditos poemas negros do autor.
75

seus poemas, a negritude – dez poemas nas duas obras. Numa caracterização da apropriação
desses valores negros e também indígenas temos que:

O modernismo brasileiro irá se apropriar de uma atitude indígena em um de


seus principais manifestos: o ideário antropofágico que orientou os
modernistas do primeiro momento fazia menção à antropofagia de algumas
tribos indígenas e, assim, apontava para uma atitude estética de valorização
do elemento nacional. No entanto, apesar de termos no modernismo a
miscigenação como uma das marcas da identidade nacional, não se pode
esquecer, como ressalta LUCAS (2002: 28), que o percurso dessa identidade
possui duas fases bastante distintas. Segundo o autor, “a primeira, inserida
na hegemonia da contribuição européia, evidente na própria adoção da
língua portuguesa; a segunda, na lenta e controvertida tradução do índio e do
negro ao caldo cultural de que resultou a brasilidade” (SOUZA, 2008, p.83).

Lobivar Matos nasceu em Corumbá, com dezoito anos se mudou para o Rio
de Janeiro, lançou dois livros: Areôtorare (1935) e Sarobá (1936). Pesquisadores apontam
com relação aos chamados “poemas negros” de Lobivar Matos57:

[...] a denúncia social, apesar de ser a tônica de seu trabalho, não vem
desvencilhada de lirismo e da elaboração poética. Quanto à questão da
“voz”, observa-se que nem todos os poemas possuem uma voz
autenticamente negra (SOUZA, 2008, p.70).

A intenção neste capítulo é tentar demonstrar sobre quais estruturas tenta se


edificar, ou solidificar a identidade regional sul-mato-grossense. Quase sempre ancoradas no
Pantanal, na natureza. Antes da divisão, fortemente marcada pela oposição norte e sul, criados
para fortalecer os políticos do sul no cenário regional mato-grossense, assim que a estratégia
identitária se mostra eficaz, arrefece a polaridade identitária construída em 1932-1934; em
algumas ocasiões, como é o exemplo da música, a influência das fronteiras é lembrada; e a
literatura, apesar de servir como instrumento de imposição cultural, possui seu potencial
contra-hegemônico visível em poetas como Lobivar Matos.
Bittar (2009) nos apresenta a seguinte descrição do que seria a identidade
sul-mato-grossense:

57
Sarobá é o nome de um bairro habitado basicamente por negros, em Corumbá (SOUZA, 2008), no anexo B
encontram-se três poemas de Lobivar Matos, dos ditos poemas negros.
76

Em termos culturais, Mato Grosso do Sul tem sua identidade caracterizada


pela somatória de diversas influências: dos índios que originariamente
habitavam essas terras; dos mineiros, paulistas e goianos que procuravam
pastagens para seus rebanhos; dos gaúchos, catarinenses e paranaenses que
buscavam terras férteis para o cultivo da soja e cereais; dos árabes, orientais,
latino-americanos e europeus que, fugindo de guerras e fome aqui se
estabeleceram e construíram suas vidas. [...] Esses mesmos que aqui se
instalaram, trouxeram consigo seus costumes, sabores e sons. A cultura sul-
mato-grossense é hoje a melodia das harpas nas guarânias paraguaias, das
violas nas modas paulistas e das gaitas nos vanerões gaúchos. O estado tem
o frescor da erva do tereré, o salgado das chipas e sopas paraguaias, o doce
das compotas mineiras e o amargo das frutas do mato. Tem personificação
em bugrinhos, guampas, bombas, chapéus, selas, violas-de-cocho, tuiuiús,
araras, onças e capivaras. Aprecia sem saber ao certo a razão, grafismos,
cerâmica, couro, palha, osso e plantas (BITTAR, 2009).

A descrição da historiadora tenta mostrar o quão a diversidade é parte da


identidade sul-mato-grossense, o que de fato é realidade, no entanto, o valor cultural negro
não é citado em meio a tanta diversidade. O pedagógico e o performático da construção do
MS se cruzam e ambos colaboram para o esquecimento, para o silenciamento dos negros e de
sua cultura nessas terras, essa é a denúncia presente nesse capítulo.
A elite, e os homens de letras que deslegitimaram, por valores de
modernização, a presença negra na região são os mesmos que atuam na tentativa de
deslegitimar os quilombos, e as comunidades indígenas de nosso estado. A modernização
almejada pelo estado que nascia, enquanto estado modelo, de tecnologias agropecuárias e
capital econômica do antigo Mato Grosso, não condiziam com um estado de passado
escravocrata.
No MS não temos uma divisão entre elite econômica e política, elas são as
mesmas. De características agroindustriais, e que possuem a terra como o principal lastro de
defesa política. Essa convergência entre as elites nos possibilita afirmar que a agroindústria,
certamente é um traço identitário marcante desde a chegada do povoamento branco na região.
Atualmente a terra é o principal bem a ser preservado pelos mandatários sul-mato-grossense.
O esquecimento de negros deve ser denunciado, pois, os mesmos fazem
parte da história da modernidade e deste estado também, sob a forma de escravidão, mas
também como resistência e cultura (GILROY, 2001). A presença negra na historiografia
regional é um aspecto suplementar a narrativa hegemônica do povo sul-mato-grossense
hodierno.
Vendo que o negro, sua presença ou seus feitos não faziam parte da
modernidade almejada para MS, e que a identidade regional sul-mato-grossense resguarda
77

pouco ou quase nada, que se relacione aos negros, resta apenas a alternativa de fazer do
discurso sobre a presença negra no estado um atributo suplementar à nossa história e
identidade regional.
De fato, busca-se um lugar de enunciação híbrido, onde o negro, o povo da
diáspora, tenha sua parcela de participação na formação de MS, que a historiografia regional
possa apresentar a presença negra suplementar e capaz de corroborar na formação do espaço
híbrido de enunciação. O hibridismo sugerido na teoria de Bhabha (2010; 2011) “faz com que
o sujeito pós-colonial coloque seu ponto de vista contra o outro, mantendo grande abertura,
com o potencial de reverter às estruturas de dominação colonial” (BONNICI, 2005, p.30).
Bhabha afirma o seguinte sobre tal conceito:

No meu próprio trabalho, desenvolvi o conceito de hibridismo para


descrever a construção da autoridade cultural em condições de antagonismo
ou desigualdade política. As estratégias de hibridização revelam um
movimento de estranhamento na inscrição “autoritária” e até mesmo
autoritarista do signo cultural [...] a estratégia ou o discurso híbrido inaugura
um espaço de negociação, onde o poder é desigual, mas a sua articulação
pode ser questionável. Tal negociação não é nem assimilação nem
colaboração. Ela possibilita o surgimento de um “agenciamento intersticial”
[...] Eles desdobram a cultura parcial a partir do qual emergem para construir
visões de comunidade e versões de memórias históricas, que dão forma
narrativa às posições minoritárias que ocupam: o fora do dentro; a parte no
todo (BHABHA, 2011, p.91).

Nesse trecho Bhabha (2011) revela todo o desenvolvimento do seu conceito


de hibridismo, que surge como crítica nos processos de inscrição cultural; mas se encerra no
potencial de construir novas “velhas histórias” capazes de reinserir o sujeito subalterno como
parte das narrativas históricas.
Bhabha (2010) em contraponto a solidez do discurso nacional, sua coesão,
narrativa, aponta para um pluralismo do signo social, que constantemente se inscreve nas
temporalidades ambivalentes do performático e do pedagógico, ou seja, a totalidade da
narrativa nacional é confrontada com um movimento suplementar (217 – 218). Esse caráter
suplementar pode ser entendido como parte de uma guerra de posições, que altera
completamente o modo de articulação, já que, atua na “serialidade sucessiva da narrativa”. O
poder dessa suplementariedade se encontra na “renegociação daqueles tempos, termos e
tradições, através dos quais convertemos nossa contemporaneidade incerta e passageira em
signos da história” (p.219).
78

Através desse espaço suplementar, emerge o discurso subalterno. O espaço


pós-colonial é um espaço suplementar ao centro metropolitano, e ao tratar MS, se tentou
abordar aspectos da formação de uma identidade regional. O esforço para tratar sobre o
esquecimento dos negros e da escravidão, por relatar essa anterioridade do estado como
objeto de uma pedagogia que oblitera a presença negra, torna-se o suplementar na história da
construção dessa identidade sul-mato-grossense, assim como pesquisas sobre Lobivar Matos.
Uma crítica ao processo de modernização regional se faz necessária. Assim
como a nacional trouxe marcadores raciais e uma noção de progresso tipicamente
eurocêntrica, e extremamente danosas a uma sociedade tão multicultural quanto a do Brasil. A
modernização almejada regionalmente, de mocidade eugênica, ou de valores sulistas de
trabalho, excluem o negro da ideia de modernidade.
Se esse capítulo, de fato, pretendia algo, era revelar aspectos suplementares
da historiografia regional. A partir da resistência e da escravidão; a existência de vários
quilombos em contraponto as afirmações de Campestrini (2009); a imensa participação negra
na Guerra do Paraguai, narrado no estado como um dos episódios de maior bravura e coragem
dos habitantes do sul de Mato Grosso; a existência de poetas como Lobivar Matos (1935;
1936), enfim, demonstrar a participação negra em importantes narrativas regionais, e que, este
movimento possa representar um passo rumo a uma ruptura no modelo de conhecimento da
modernidade, além de lançar uma pequena fresta de luz em meio à realidade “negra” de MS.
No próximo capítulo, abordando com ênfase maior o movimento negro sul-
mato-grossense pós-ditadura militar de 1964 a 1985, tentaremos traçar aspectos da criação de
um movimento negro regional assentado em identidade cultural e política, que em poucos
anos se fragmenta em várias instituições pelo estado. Quanto ao Movimento negro sul-mato-
grossense, o trataremos no âmbito dos novos movimentos sociais surgidos no Brasil, esse
enfoque nos permite dar continuidade a uma discussão identitária, no entanto, mais distante
dos parâmetros regionais, e mais próximos de discussões nacionais. Configura-se assim, o
início no Brasil, de discussões por políticas públicas, intensificada na Assembleia Nacional
Constituinte e fortalecida no embate por ações afirmativas em instituições de ensino superior
público no país.
79

CAPÍTULO III

3 SOCIEDADE CIVIL E MOVIMENTO NEGRO: O CASO SUL-MATO-


GROSSENSE.

Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É necessário que a pureza e a
justiça existam dentro de nós (Agostinho Neto, a frase consta no uniforme
do ILK).
A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos
gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais entre plantas e
galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos
colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas.
Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada,
dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à
vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta as pessoas e as coisas que
não têm voz. (Ferreira Gullar. Apresentação do LP de Milton
Nascimento, ao vivo, 1983).

Neste capítulo tentaremos apresentar uma discussão teórica que justifique a


opção teórica e metodológica de tratar o movimento negro como sociedade civil organizada, e
não como movimento social. Seguindo esta perspectiva apresentamos mudanças geradas na
sociedade civil no Brasil, e por consequência, sua aproximação do Estado, no período
conhecido como sendo de redemocratização do país.
Especificidades do cenário sul-mato-grossense se inserem neste capítulo,
como sendo além da história do movimento negro regional, mas também dialogando com os
aspectos nacionais do movimento negro contemporâneo, aqui tratado como processo de
institucionalização, seja via internalização no Estado, ou, ongzação58. Com a observação
participante realizada em uma das ONGs ligadas ao movimento negro, Instituto Luther King,
esperamos que permita uma melhor conexão entre os elementos que compõe a sociedade civil
negra no MS, além de possibilitar uma análise qualificada do processo de institucionalização.

3.1 UMA DIFERENCIAÇÃO ENTRE SOCIEDADE CIVIL E MOVIMENTO SOCIAL

Há uma necessidade teórico-metodológica de se diferenciar sociedade civil


de movimento social, e retornar a elas novamente, com as especificidades que compõem esta

58
O termo Ongzação ou Onguização se refere à ampliação do terceiro setor na sociedade civil, como uma nova
forma de atuação dos movimentos sociais, intensificados a partir dos anos de 1990, como também considera
Alvarez (2000) e Domingues (2008).
80

pesquisa, ou seja, sob a forma de movimento negro no MS. O objetivo deste subitem é de
justificar escolhas metodológicas, principalmente, mas também, trazer um pequeno panorama
do movimento negro no contexto dos novos atores sociais que surgiram no Brasil a partir da
década de 1970. Posteriormente tratamos o movimento negro sul-mato-grossense, e uma de
suas entidades, o Instituto Luther King.
Ambos os conceitos, movimento social e sociedade civil, são carregados de
discussões nas Ciências Sociais, de maneira que, de forma alguma caberia a discussão deles
aqui. Opta-se, portanto, por uma breve problematização sobre os conceitos na realidade
discutida. De qualquer forma os movimentos sociais atuam no âmbito da sociedade civil, que
por sua vez, é composta por outras formas de ação coletiva. Como apresenta Gohn (2000,
p.11-12), uma diferenciação entre movimento social e outras quatro performances sociais: a)
Grupos de interesse; b) Ação histórica de grupos sociais; c) modos de ação coletiva, como
protestos, rebeliões, invasões, luta armada entre outras e; d) sobre a esfera onde ocorre a ação
coletiva, no caso dos movimentos sociais, na esfera não-institucional, esfera pública não
institucional. Apesar da importância desses fenômenos sociais, focaremos nesse item, na
diferenciação entre sociedade civil e movimento social.
A distinção entre movimento social e sociedade civil colabora na
compreensão do que estamos chamando de movimento negro, que abrange não apenas a
atuação enquanto movimento social, mas também, organizações não governamentais e
articulações na esfera estatal, através de Conselhos, Fóruns e no caso sul-mato-grossense,
ainda uma Coordenadoria específica. O conceito de movimento social não é capaz de abarcar
todas essas articulações, sem que perca parte de sua característica marcante, a não
institucionalização.
A presença das ONGs nas esferas institucionais é um fenômeno do fim dos
anos de 1980, e foi se consolidando ao longo dos anos de 1990, e é marcada por um processo
de descentralização política e reforma de Estado. O fortalecimento do terceiro setor tem o
incentivo do governo brasileiro, e de organismos internacionais como a Organização das
Nações Unidas – ONU, que chega recomendar em seus Relatórios de Desenvolvimento
Humano (RDH), como uma saída para os países menos desenvolvidos, a terceira via.

Los gobiernos están comenzando a darse cuenta de que las ONG –


pequeñas, flexibles, bien arraigadas en la comunidad y con contactos locales
– suelen estar mucho mejor capacitadas que una gran maquinaria
burocrática para llevar a cabo la labor del desarrollo" (RDH, 1990, p. 71).
81

Estes anos de 1990 marcaram a entrada da propaganda neoliberal no país, de


enxugamento do papel do Estado e de privatizações, e esta proposta ganhou força por aqui
devido à descrença generalizada na esfera do Estado. Apesar de algumas políticas de perfil
neoliberal no Brasil, percebeu-se a necessidade do Estado na indução de políticas de
desenvolvimento, visto que não vivenciamos o Welfare State, e ainda possuímos
precariamente nossos direitos sociais de acesso à saúde, educação, previdência entre outras
áreas sociais. Neste ponto já podemos afirmar que um fato é a propaganda, outro a realidade
neoliberal no Brasil, ou em outras palavras, há limitações entre o neoliberalismo ideologia, e a
realidade nacional, de políticas com inspirações neoliberais.
O Brasil, nos anos de 1990, e os outros países da América Latina passaram
pelas discussões em torno da Reforma e da inovação do Estado. A ideia de Reforma que se
generalizou era de redução do Estado frente ao crescimento do mercado, que proporcionasse a
inserção nos círculos internacionais de comércio e cultura. No entanto, esta reforma não
apresenta nenhum projeto nacional, e vale-se muito do descontentamento dos brasileiros
frente à inflação, às crises de Estado (crise econômico-social, crise de legitimação e crise de
governabilidade), e à perda de confiança nas instituições públicas (NOGUEIRA, 2011).
No imaginário social e na opinião pública da população, eram ambos
arredios ao Estado, vendo este espaço como um lugar de interesses privados, de corrupção,
somado aos efeitos desagregadores da globalização, que traz uma série de decisões
extraterritoriais, e a proposta neoliberal, temos como resultado uma despolitização da
sociedade, e a transformação do Estado numa moeda de alto custo social (NOGUEIRA,
2011).
Fernando Collor de Mello (1990-1992) torna-se figura central no interior
desse processo. Ele inicia a modernização do país, e parte de seu discurso pendia para o
neoliberalismo, e emergindo, a partir de então, o que Ricardo Antunes (2004) chama de “a
década da desertificação social e política neoliberal” no Brasil. Políticas de teor neoliberal
tiveram continuidade no país, nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), com algumas especificidades em cada caso.
O processo de impeachment de Collor e a eleição de Fernando Henrique
Cardoso proporcionaram uma série mudanças. No entanto, a Reforma de Estado continuou a
se processar no Governo FHC que teve um controle maior da inflação, que era um vilão, dos
mais odiados pela população, visto que qualquer efeito inflacionário atinge com maior
amplitude as classes inferiores. Assim sendo, a reforma de Estado no governo FHC
processou-se, de maneira fragmentada:
82

[...] diversas propostas foram apresentadas para setores específicos da ação


governamental (previdenciária, tributária, administrativa, privatizações,
desregulamentações, etc.). A apresentação de propostas específicas implicou
o reforço e a intensificação da relativa fragmentação da complexa
problemática global da “crise de estado”, resultando em uma setorialização
e, consequentemente, numa especialização dos debates. O Estado e sua crise
foram “quebrados” em menores pedaços a fim de processar melhor as
reformas propostas (MIRANDA, 2010, p.49).

O Estado no Brasil ganha conotações gerenciais. O método de fragmentação


da problemática nacional, fez da Reforma de Estado algo setorializado, e em nenhum
momento houve uma reforma ética que tratasse o Estado como um todo. Seria necessário
reinventar o político, de maneira democrática e não deprecia-lo ou banaliza-lo como bem fez
a propaganda neoliberal no país (NOGUEIRA, 2011).
O terceiro setor, e sua regulamentação enquanto OSCIP ocorre no âmbito da
Reforma de Estado. A criação de um marco legal, a Lei 9.790/99 entre outras ações
possibilitou um novo enquadramento para pessoas jurídicas de direito privado sem fins
lucrativos, que é a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Desse
marco legal nasceu o termo de parceria, sendo este, um instrumento jurídico de cooperação
entre Estado e OSCIP, para o fomento e a realização de projetos (FERRAREZI, 2007, p.133).
A recomendação feita pela RDH de 1990, da ONU, ganha sua feição jurídica no Brasil a
partir da regulamentação dessa lei.
O IBGE atualmente enquadra as instituições como Fundações Privadas e
Associações sem Fins Lucrativos (FASFIL). Num mapeamento dessas instituições realizado
em um estudo divulgado em 2010, o IBGE aponta que neste ano existiam 290,7 mil FASFIL,
e o MS é responsável apenas por 1,3%, aproximadamente 3,77 mil. Maior parte delas atua em
duas frentes: primeiro, na defesa dos direitos e interesses dos cidadãos, e as religiosas.
No primeiro caso, estão incluídos os seguintes subgrupos: associações de
moradores, centros e associações comunitárias, de desenvolvimento rural, emprego e
treinamento, de defesa dos direitos de grupos e minorias, de outras formas de
desenvolvimento e defesa de direitos, associações empresariais e patronais, associações
profissionais e associações de produtores rurais. Ao todo, são 87,4 mil entidades que, em
conjunto, representam 30,1% do total (IBGE, 2012, p.31).
O fenômeno do terceiro setor foi o que mais afetou a ação militante, pois,
permite uma facilidade maior para movimentos sociais se organizarem como ONGs, se
institucionalizarem enquanto OSCIP, e desenvolverem várias atividades sociais sem que,
necessariamente, tenham que depender do poder público para suas ações, ao invés de apenas
83

cobrar ações ou melhorias do Estado. Surge a opção de ter o Estado e o mercado (iniciativa
privada), como parceiros possíveis. A aproximação entre Estado e movimento social se
processa por mais meios do apenas via institucionalização em agências do Estado, doravante
internalização, a ongzação também gera essa aproximação.
O terceiro setor aproxima a sociedade civil, do Estado e do Mercado, uma
vez que são os maiores financiadores e, garante maior possibilidade de participação política,
alterando a compreensão de movimentos sociais. O movimento negro seguindo essa tendência
também se organiza em ONGs. Mas, o terceiro setor, cumpre uma tarefa pública-estatal, de
garantir os direitos sociais mínimos e constitucionais na maior parte das vezes, mas trabalha
com pedagogias diferenciadas, justamente por encontra-se mais afastado da normatização
estatal.
A entrada das ONGs no cenário nacional potencializou o surgimento de
novas entidades, disseminando o processo de ongzação do movimento social. Desde as
eleições de 1982, o discurso da participação social vem ganhando força na sociedade
brasileira, e se alocando, sobretudo, em Conselhos no interior do Estado. Ou seja, tanto a
ongzação como a internalização tornam-se mais próximas dos movimentos sociais, que
conceitualmente possuem alguns limites.
A definição de movimento social deve servir para distingui-lo de outras
formas de ação coletiva59, mantendo as seguintes características: 1) uma coletividade atuando
de tal modo; 2) um objetivo em comum de mudança na sociedade; 3) uma coletividade
relativamente difusa, com baixo nível organizacional e; 4) as ações devem ter um alto grau de
espontaneidade, assumindo formas não-institucionalizadas e não-convencionais. Definido da
seguinte maneira pelo sociólogo polonês, Piotr Sztompka (1998), “[...] por movimentos
sociais referimo-nos a coletivos fracamente organizados que atuam juntos de maneira não
institucionalizada para produzir alguma mudança na sociedade” (SZTOMPKA, 1998,
p.465).
Maria da Glória Gohn (2000), pesquisadora brasileira, afirma que os
movimentos sociais se apresentam como sendo parte constituinte da sociedade civil, e não o
caracteriza de maneira muito diferente, apontando que os movimentos sociais:

59
Assim como Gohn (2000), Cohen e Arato (2000), entre outros autores tentam demonstrar em seus trabalhos.
84

São ações coletivas de caráter sociopolítico, construída por atores sociais


pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, eles politizam suas
demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil, são
cortados por uma identidade coletiva, base da força da solidariedade do
movimento, e deve localizar-se em uma esfera não institucionalizada
(GOHN, 2000, p.13).

Vários outros conceitos de movimentos sociais podem ser encontrados já


que a ciência, assim como a política, é um campo constante de lutas, mas este conceito é
capaz de abranger dois importantes pontos a serem levantados no momento, as “ações
coletivas de caráter sócio-político” e o fato de ter que se situar “em uma esfera não
institucionalizada”. A base para um conceito de movimento social é, a ideia de luta social,
sendo assim coletiva e no âmbito da sociedade civil, mas sua necessidade de ser não
institucionalizada traz dificuldades teóricas à análise da realidade brasileira.
Gohn (2000) adiciona um ingrediente importante em seu conceito, a
identidade coletiva, os movimentos que surgem na década de 1970, são os “novos
movimentos sociais” e a identidade é um dos principais componentes do adjetivo “novos”.
Estes Novos Movimentos Sociais, como de negros, de gênero, indígenas trazem um discurso
sobre identidade e, se resignificam nesse período. Na maioria deles a questão de classe deixa
de ser central na luta social.

Devemos lembrar também que muitos dos chamados "novos movimentos


sociais", abrangem dimensões subjetivas da ação social, relativas ao sistema
de valores dos grupos sociais, não-compreensíveis para análise à luz apenas
das explicações macroobjetivas, como usualmente é tratada a questão das
carências econômicas. Trata-se de carências de outra ordem, situadas no
plano dos valores, da moral (GOHN, 2000, p.13).

Políticas de reconhecimento e justiça social passam a ser pauta de muitos


movimentos surgidos nessa época, inclusive o movimento negro. O reconhecimento por parte
do Estado de uma demanda racial acarreta na construção de algumas políticas públicas que
proporcione justiça social, vista pelo movimento negro como promoção da igualdade racial no
país. Nesse contexto as políticas de ação afirmativa foram debatidas na sociedade brasileira,
reconhecendo, atualmente, a necessidade de políticas de promoção da igualdade racial60.
A distinção importante realizada por Guimarães (2003) com o conceito de
raça, entre conceito analítico e nativo, também pode se aplicar ao conceito de “movimento
negro”, que a princípio se alinharia analiticamente à definição movimento social. No entanto,

60
Através do STF o Estado brasileiro reconhece não apenas a constitucionalidade das ações afirmativas, mas
também uma demanda histórica do movimento negro contemporâneo.
85

a definição de movimento negro ganha conotações próprias quando tratado entre o militantes,
portanto, quando tratado como conceito nativo. E ainda, em nossa perspectiva analítica, o
conceito de “movimento negro” alinhar-se à sociedade civil, e não a movimento social.
Uma tendência do movimento negro é a fragmentação, ou sua
especialização em áreas como cultura, educação, esporte entre outras, e isto é consequência,
principalmente, do aumento de ONGs na esfera pública nacional. O movimento negro deixa
de ter entidade como a Frente Negra Brasileira61 (FNB), de grande representação nacional, e
passa a ter cada vez mais uma quantidade maior de entidades. Se a FNB conseguia manter um
discurso político, teatro, jornal, formação militante, atividades educacionais e esportivas entre
outras atividades, tendemos a ter cada uma dessas atividades desenvolvida por uma instituição
diferente. O movimento negro possui vários tentáculos e grande parte deles chegou ao Estado,
institucionalizou-se, e a análise destes necessita de um conceito um pouco mais amplo que o
de movimento social, por isso a opção por sociedade civil.
Sociedade civil é um conceito muito antigo na ciência política. Não é
objetivo retraçar o trajeto deste conceito ao longo da história62, mas Habermas (1997) ao
definir este conceito na contemporaneidade o apresenta da seguinte forma:

O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações livres,


não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de
comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida.
A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações, os
quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam na esfera privada,
condensam-nos e os transmitem, a seguir, para esfera pública política
(HABERMAS, 1997, p.99).

A sociedade civil é capaz de pautar as ações do Estado. Dessa maneira, o


Estado estaria captando de setores organizados da sociedade demanda por políticas públicas e,
nessa situação, teríamos um Estado para a Sociedade civil (NOGUEIRA, 2011). Este conceito
também nos possibilita uma diferenciação entre sociedade civil e sociedade política, entre os
que participam diretamente das esferas de poder do Estado – Sociedade política; e os que
atuam, de maneira organizada, mas, fora dessa esfera de poder, e buscando o entendimento.

61
Criada em São Paulo, em 1931, a Frente Negra Brasileira (FNB) foi uma das principais e primeiras
instituições a reivindicarem demandas políticas. A entidade desenvolveu várias atividades, manteve escolas,
grupo musical, teatral, time de futebol, um departamento jurídico, e oferecia serviços médicos, odontológicos,
formação política, de artes e oficio, e publicava um jornal, A Voz da Raça. Se extinguiu a partir da
instauração da ditadura do Estado Novo em 1937, assim como outras organizações do gênero (DOMINGUES,
2007).
62
Para uma revisão do conceito de sociedade civil ver Cohen e Arato (2000).
86

Os ecos captados pela sociedade civil reverberam de maneira mais visível,


na construção de políticas públicas que atendam aos problemas sociais. As políticas públicas,
entendidas aqui como sendo a ação do Estado, são tentativas de respostas a problemas sociais
captados na sociedade civil. Políticas públicas se constituem a partir da relação entre
sociedade civil e o Estado como veremos melhor no capítulo 4.
A composição da sociedade civil apresentada por esse conceito é –
movimentos, organizações e associações – também colabora na formulação do que
chamaremos de movimento negro. Ou seja, as formas de resistência negra, o que permite
irmos além da noção de movimentos sociais ou de ONGs, permite também uma análise
melhor da interação existente entre setores do Estado e da sociedade civil, seja via Conselhos
deliberativos ou terceiro setor.
Cohen e Arato (2000) apresentam a possibilidade de a sociedade civil
representar outra esfera diferenciada do mundo contemporâneo. O processo de diferenciação
societal pelo qual passa a sociedade, já apresenta os subsistemas do Estado, do Mercado, e o
Mundo da vida, apresentadas por Habermas (2012). No entanto, acreditam os autores que a
sociedade civil é um novo espaço autônomo que surge na contemporaneidade, podendo atuar
nos subsistemas, mas tendo suas raízes no mundo da vida. Sendo assim eles caracterizam a
sociedade civil como:
Entendemos a la sociedade civil como uma esfera de interacción social entre lá
economia y el Estado, compuesta ante todo de la esfera íntima (em especial La família), la esfera de
las asociaciones (em especial las asociaciones voluntárias) los movimentos sociales y las formas de
comunicación pública. La sociedad civil moderna se crea por médio de formas de autoconstitución e
automovilización. Se institucionaliza y generaliza mediante las leyes, y especialmente lós derechos
objetivos, que estabilizan La diferenciación social. (COHEN; ARATO, 2000, p.8).
Os autores pensam a sociedade na concepção dual de Habermas, dividida
entre subsistemas e mundo da vida, e a sociedade civil se articula com todas as esferas da
dessa sociedade. Cohen e Arato apostam que os movimentos sociais, e por sua vez a
sociedade civil, não apenas são defensivos, mas também podem ser ofensivos, na medida em
que tentam criar receptores para as suas demandas dentro dos subsistemas (Estado e
Mercado), permitindo que os movimentos tenham ação dentro dos dois âmbitos da sociedade,
sistemas e mundo da vida.
A ação ofensiva se direciona à sociedade política e econômica, de maneira
que desenvolvam organizações que possam exercer pressão a esses domínios, através
principalmente, de lutas por reconhecimento e uma política de influência, dirigida aos que se
87

encontram nesses sistemas. Esta possibilidade de institucionalização e a aproximação com o


Mercado e o Estado são descrita por Habermas (2003) como algo negativo, pois, ele a enxerga
como a colonização do mundo da vida pelas lógicas sistêmicas do Mercado e do Estado.
Desta forma, sociedade civil negra como conceito representativo de
movimento negro possibilita que as interações com o poder público e privado possam ser
analisadas, sem que as ações enquanto movimento social, por exemplo, a Marcha Zumbi dos
Palmares63 em 1995, percam seu protagonismo.
Apesar das perspectivas teóricas apresentadas o Brasil possui
singularidades, no Estado, na sociedade civil e outras realidades próprias de sua constituição
enquanto nação. Algumas dessas singularidades serão alvos de análise no próximo item.

3.1.2 Especificidades do Caso Brasileiro na Análise da Sociedade Civil

O conceito de sociedade civil em seu sentido tripartido surge no Brasil,


apenas no final do século XX. Antes disso o país era marcado por uma política privatista, em
que a grande propriedade rural, assumia serviços tidos como públicos, então as primeiras
diferenciações modernas, entre economia e esfera privada, surgiram muito timidamente no
Brasil. Mas ao fim do século XX, o significado tripartite começa a fortalecer-se,
diferenciando Mundo da vida, tanto do Estado como do Mercado (AVRITZER, 2012).
Maria da Glória Gohn (2011) coloca duas diferenças marcantes ao tentar
utilizar qualquer macro teoria para analisar sociedade civil ou movimentos sociais na
realidade histórica latino-americana: primeiro o passado colonial, escravocrata e de servidão
indígena e com demora no processo de industrialização; e o segundo, as relações entre a
sociedade civil e o Estado sempre foram marcadas por períodos de regras autoritárias, dando a
cidadania uma feição própria (p.224).
Os altos índices de desigualdade nacional, não são apontados por Gohn
(2011), mas também são características na América Latina, e faz com que a ação do Estado
seja ainda mais necessária, pois este é o que possui maior capacidade de gerir políticas de
redução da desigualdade, e de garantir direitos fundamentais aos cidadãos. Todas estas
características são extremamente presentes ao analisar o objeto desta pesquisa.

63
Marcha de aproximadamente 30 mil militantes negros até Brasília, realizada em novembro de 1995
relembrando os 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, na ocasião a direção da Marcha entregou um
documento com reivindicações do movimento negro ao então presidente Fernando Henrique Cardoso.
88

O passado colonial brasileiro e a manutenção das relações raciais que


seguiram os mesmos padrões da colonização legaram tanto ao negro como ao indígena, o
papel de subalternos. Um importante destaque deve ser dado ao Projeto UNESCO64, este
revelou para o mundo a perversidade do racismo brasileiro, e combateu o mito da democracia
racial. Os intelectuais envolvidos no Projeto demonstraram que, uma das faces do nosso
racismo é o fosso de desigualdade entre negros e brancos do país.
No Brasil que antecede o Projeto UNESCO, imperava a democracia racial,
de uma ideologia do branqueamento nacional, de um racismo perverso e que dificulta ainda
mais qualquer discurso pela igualdade racial, tudo isso sendo discurso oficial do país, um
espaço de harmonia entre as raças.
As conclusões nada animadoras revelaram o racismo brasileiro e a
democracia racial passou a ser rotulada de mito da democracia racial, devido ao abismo da
desigualdade entre brancos e negros. A UNESCO decepciona-se por esperar outras
conclusões, e o passado colonial e a ausência de políticas de Estado são os principais
causadores da realidade nacional dos anos de 1950. Bastide e Fernandes (1971) afirmavam
que logo após a Abolição a “grosso modo, a população de côr da cidade não colheu nenhum
proveito imediato com aquelas transformações [...]” (p.130). Sobre a ação do Estado temos o
que os autores chamam de pecado da omissão:

A falta de uma política governamental a favor da ascensão do homem de côr


na sociedade, por um auxílio econômico e medidas educativas apropriadas,
quando há tantas leis a favor dos imigrantes (BASTIDE; FERNANDES,
1971, p.148).

São parte dos resultados das pesquisas realizadas no Projeto UNESCO que
potencializa discursos em prol do combate as desigualdades raciais, e demonstra que a
política de branqueamento levou o Estado brasileiro a criar leis para facilitar a chegada de
imigrantes europeus, e marginalizar ainda mais os negros. As políticas necessárias para
superação das desigualdades raciais no país só foram começar a surgir em meados dos anos de
1990, ou seja, com o Governo de Fernando Henrique Cardoso65. Enquanto isso uma forte

64
O projeto UNESCO é reflexo de uma série de pesquisas patrocinadas pela UNESCO nos anos de 1951 e
1952, investigando o campo das relações raciais no Brasil, tida como bem-sucedida na época. In. MAIO, M.
C. O Projeto UNESCO e a agenda das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50. Revista Brasileira de
Ciências Sociais; volume 14, número 41, páginas 141-158. Outubro 1999.
65
A partir da “marcha Zumbi dos Palmares, contra o racismo pela cidadania e a via” em 1995, onde foi entregue
ao atual presidente na época, Fernando Henrique Cardoso uma carta com a situação do negro no país,
reivindicando políticas, desde então nasceu o GTI (Grupo de Trabalho Interministerial de valorização da
População Negra), que é marco na intervenção do Estado na questão racial (BERNARDINO, 2002).
89

militância negra buscava evidenciar casos de racismo em todas as instâncias possíveis, e ainda
criticando a democracia racial, e com constante foco em educação (GUIMARÃES, 2005).
O passado escravocrata além de ser um elo entre os negros é a origem da
desigualação entre negros e brancos, pois os negros, que chegaram às condições atuais
devido a um passado de escravidão e de ausências de políticas focalizadas, com o objetivo de
reduzir as desigualdades. Medidas já previstas e desejadas com o processo da Abolição, e
também apontadas como resultado das pesquisas realizadas no âmbito do Projeto UNESCO e
divulgadas por veículos de comunicação ligados ao movimento negro.
De modo geral, os emperramentos políticos advindos do autoritarismo de
Estado, a dificuldade de articulação da sociedade civil no Brasil, alguns outros pontos serão
apontados no próximo subitem. A desigualdade social brasileira é assustadora, um país tão
rico e com tantos pobres, não possui capacidade de alterar os padrões de concentração de
renda sem uma intervenção do Estado nos padrões de redistribuição da riqueza nacional.
Desigualdade social no Brasil, aqui referenciada não como pobreza
nacional, mas sim como uma alta concentração de renda. A desigualdade social, aliada a
ausência de políticas de redistribuição eficazes, é potencializada por anos de acúmulo sem
políticas de redistribuição, ou pior ainda, o Estado brasileiro em muitas situações acaba por
financiar o lucro privado, e socializa os prejuízos também privados.
O Índice Gini66, que mede a concentração de renda de um país, varia entre 0
e 1, sendo que quanto mais próximo de zero mais próximo também, da igualdade. Apesar das
melhoras geradas pelas políticas de transferência de renda e da melhora dos índices de
educação superior, a concentração de renda do país ainda é assustadora:

Analisando o caso do Brasil, país conhecido por ter uma das mais altas taxas
de desigualdade do mundo, Barros et. al. (2010) lembram que o coeficiente
Gini no Brasil chegou a 0,630, quase um recorde histórico e mundial. Após
ter subido em 1970 e 1980 e experimentado quase nenhuma mudança na
década de 1990, o coeficiente de Gini para a distribuição de renda domiciliar
per capita diminuiu de forma constante a partir de 1998, especialmente,
desde 2002. Entre 1998 e 2009, o coeficiente de Gini do Brasil caiu de 0,592
para 0,537. No período 2002-2009, a renda dos 10 por cento mais pobres
cresceu a quase sete por cento ao ano, quase três vezes a média nacional (2,5
por cento), enquanto que a dos 10 por cento mais ricos cresceu apenas 1,1
por cento ao ano (FILHO, 2012).

66
O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de
concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e
dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero
representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo
oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. In. http://desafios.ipea.gov.br acessado em 30/04/2013.
90

A sociedade brasileira nasce sobre o signo do mando/subserviência que atua


na contramão da cidadania, e sob uma aspiração de igualdade ou, “o fetiche da igualdade”, a
sociedade colonial deixou suas representações, marcou espaços sociais ainda hoje
cristalizados no imaginário social, e possui o óbice da desigualdade social. Evidente que,
negar a desigualdade social seria um erro imensurável, mas fazer o mesmo com outras
relações de subalternidade no país, que são resquícios do nosso colonialismo e presentes na
sociedade brasileira seria, antes de tudo, abandonar o projeto de uma sociedade realmente
democrática.

3.2 O PROCESSO DE (RE) CRIAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA SOCIEDADE CIVIL DO

BRASIL PÓS-DITADURA

Os vícios da política oficial seriam aspectos levantados desde os primeiros


estudos de cultura política brasileira, o clientelismo (CARVALHO, 1998), autoritarismo
(CHAUI, 2000), patriarcalismo (FREYRE, 1966), patrimonialismo (FAORO, 2001),
personalismo. Era dessa cultura política que analistas distanciavam os novos movimentos
sociais nascidos nos anos 1970, por acreditarem num potencial de mudança que eles traziam.
A instauração do regime militar no Brasil em 1964 marcou uma ruptura com
as relações sociais e políticas que vinham se desenvolvendo no país, sendo que o atraso e o
prejuízo social proporcionado pelos anos de Ditadura são imensuráveis. O endurecimento do
regime em 1968 através do Ato Institucional nº5 (AI-5), no governo do Presidente General
Costa e Silva foi o auge da repressão. Fechou o Congresso Nacional, deu fim aos partidos
políticos, com censura aos meios de comunicação como jornais, livros e revistas, as greves
foram proibidas, a tortura foi instituída, portanto, o pior cenário possível para sociedade civil
foi forjado em nome da segurança nacional.
Nos governos de 1964 a 1985, de Castelo Branco a João Figueiredo,
nenhum eleito democraticamente, ou seja, entre 1960 e 1989 não houve eleições para
presidente da república no Brasil. Os ditadores interferiram em todos os setores do sistema
econômico do país, “isto significa que o governo reelaborou as condições de funcionamento
dos mercados de capital e força de trabalho como “fatores” básicos do processo econômico”
(IANNI, 1996, p.230) e como consequência de todo esse processo de reelaboração das
relações de produção, Ianni aponta que:
91

[...] o governo continuou a aperfeiçoar seus instrumentos de ação, para criar


condições mais propícias a prosperidade da empresa privada, nacional e
multinacional. Nesse processo de “modernização” do sistema político-
administrativo e econômico, inclui-se, necessariamente, a condenação da
“democracia clássica ou liberal”. E, também a afirmação da hegemonia da
tecnoestrutura (IANNI, 1996, p.254).

Esta readequação da relação entre Estado e Economia durante os regimes


militares, privilegiou a iniciativa privada em detrimento da classe trabalhadora. Os industriais
aumentaram em muito seus lucros, com a proibição de greves e vários incentivos do Estado
Nacional, que em sua publicidade anunciava que faria o bolo crescer e depois o dividiria, fato
este nunca ocorrido.
Nessas condições o prejuízo social, cultural, político e econômico já eram
enormes, então a sociedade em oposição ao Estado ditatorial começa a organizar-se,
principalmente com apoio das Comunidades Eclesiais de Base, ligadas a Igreja Católica.
Muitas associações de moradores e clubes de mães surgiram, mas o grande impulso foram as
greves do ABC paulista de 1978 (SADER,1988).
Em maio de 1978 os metalúrgicos do ABC Paulista (Municípios de Santo
André, São Bernardo e São Caetano) realizaram uma greve de maio a junho, onde foram
mobilizados mais de 500 mil trabalhadores nas áreas do ABC e Osasco, tendo como um dos
líderes Luiz Inácio da Silva. De modo geral, esta grande greve, realizada ainda em período de
Ditadura Militar é um dos principais fatos históricos quando se fala de renascimento dos
movimentos sociais no Brasil (SADER,1988).
A década de 1970 é o ponto crucial para crise do regime militar e
renascimento dos novos movimentos sociais. As greves e movimentos de contestação que
vêm surgindo ao longo dos anos, fortalecendo assim questões urbanas como moradia,
consumo, educação, e as demandas identitária também surgem como: étnicas, raciais de
gênero o que na teoria passaria a ser qualificado de novos movimentos sociais, frente à
pluralidade de sujeitos e a fluidez das identidades.
Eder Sader (1988) aponta que num primeiro momento desses novos
movimentos sociais, além de ter apenas uma história interna, não se voltava para sua
capacidade de atuar sobre o Estado:
92

Num primeiro momento, acredito, vindo esses novos movimentos sociais


dos subterrâneos dos anos 70, eles têm basicamente uma história interna. Na
maior parte das vezes nem tem referência ao Estado, pois se o significado
deles dependesse da sua capacidade de incidir sobre o Estado, eles seriam
insignificantes. Mas são capazes de sobreviver apesar de não obterem na
maior parte das vezes, resultados visíveis. O seu resultado fundamental era
criar um espaço coletivo de auto-reconhecimento entre seus participantes.
(SADER, 1988, p.54)

Ruth Cardoso (1994) aborda dois momentos: o primeiro a “emergência


heroica dos movimentos sociais” que compreende as décadas de 1970 a 1980, a partir de
então um segundo momento; o da “institucionalização”, que a autora aponta como sendo um
refluxo dos movimentos. O primeiro momento é marcado pela espontaneidade, autonomia,
fenômenos sociais com a capacidade de mudar a cultura política nacional, sendo antiEstado,
antipartido e antissistema. O segundo momento, correspondente ao processo de
democratização, onde novas relações entre movimentos sociais com partidos políticos, setores
do Estado, e outros movimentos sociais se alteram, foi um período de uma explosão de
Conselhos consultivos e deliberativos, a partir do qual: “Há uma ampliação no modo de gerir
as áreas de políticas públicas com a aceitação e abertura de espaços novos onde os
movimentos sociais entram – tudo isso de um modo bem parcelado” (CARDOSO, 1994,
p.83).
Os movimentos nessas duas fases têm características bem diferentes: na
primeira fase, ainda temos um movimento de oposição ao Estado, devido às reminiscências do
regime militar principalmente; enquanto que a segunda fase, é de reaproximação,
principalmente via a participação em Conselhos deliberativos, muitos movimentos sociais
participaram da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) também, ao lado de Deputados e
Senadores da República, o movimento negro participou.
Seguindo a divisão de Ruth Cardoso (1994) na fase da emergência heroica
dos movimentos sociais, temos o surgimento dos novos atores sociais em meio ao processo de
transição democrática, no qual a população e as organizações lutam contra o regime militar.
Este cenário político, incentivou o aparecimento de diversas práticas de reivindicação da
sociedade civil, que envolviam direitos negados pelo regime então vigente (GOHN, 2004).

Das experiências do autoritarismo e das experiências da auto-organização


ficou uma atitude de profunda desconfiança em toda institucionalização que
escapa do controle direto das pessoas implicadas e uma igualmente profunda
valorização da autonomia de cada movimento. Por isso mesmo a diversidade
de movimentos, produzida pela diversidade das condições em que envolvem
cada um, é reproduzida pelo empenho existente em manter essa autonomia
(SADER, 1988, p.311).
93

Um dos pilares dos movimentos dessa primeira fase, certamente são os


discursos e a tentativa da prática autônoma, no sentido de autodeterminação própria,
principalmente com relação ao Estado, que era exemplo maior de relações autoritárias e
centralizadas. Neste momento, atuar nesses âmbitos da sociedade civil, era ato de
desobediência civil, e luta por reconhecimento de direitos sociais e culturais. É nesse espaço
que as demandas de raça, gênero, sexualidade, etnia, meio ambiente, direitos humanos surgem
e adentram a esfera pública em busca de justiça social e liberdades. Todo este processo
representa uma ampliação e pluralização da esfera pública nacional, politizando várias esferas
do cotidiano, e exigindo-se do Estado justiça contra as desigualdades. Pedro Jacobi (1993)
aponta a cidadania como sendo um conceito sobre o qual os novos movimentos sociais
orbitam:

Pode-se argumentar, portanto, que provavelmente um dos aspectos mais


relevantes dos movimentos reivindicatórios urbanos tem sido o de cristalizar
o significado da cidadania, não só em termos de conquistas materiais mas,
principalmente, na constituição de uma identidade que gradualmente vai
quebrando a consciência fragmentada que lhes é imposta pelas heranças do
regime político autoritário e pela situação de subalternidade de seus agentes
(JACOBI, 1993, p.159).

A partir da saída dos militares em 1985, mas já havendo eleições para


governadores em 1982, campanhas e manifestações acontecendo por todo ao país, a ideia da
relação entre sociedade civil e Estado começa a sofrer alterações, e passamos a caminhar para
fase da institucionalização (CARDOSO, 1994). Nessa fase novos canais de participação e
representação política estão sendo construídos no interior do Estado, onde a sociedade civil é
partícipe, e a questão da autonomia perde sua centralidade na sociedade civil, dando espaço
maior a outras formas de associativismo. A saída dos militares da direção da sociedade
política aproxima a sociedade civil desta parcela do poder, e os novos atores, em relação com
os outros atores políticos passam a ter mais interesse pelo Estado, principalmente na
construção de políticas públicas específicas.
A institucionalização da sociedade civil, de acordo com Avritzer (2012) é
criada por dois processos ligados a democratização do país:

A sociedade civil brasileira teve sua institucionalidade criada por dois


processos, a reação dos setores populares ao processo antidemocrático de
modernização do país que interferiu intensamente na sua vida cotidiana e um
processo de democratização que fez das associações civis atores importantes
no processo de aprofundamento democrático (AVRITZER, 2012, p.394).
94

Os novos atores sociais são, principalmente, as ONGs, que ganham seu


espaço social e político na aproximação que fazem com movimentos sociais. As ONGs
passam a desenvolver projetos sociais, capacitação, cursos, trabalhos comunitários, ou seja, de
certa maneira elas desempenham funções ligadas ao Estado, que passa a regulamentar, no
Brasil, parcerias com essas instituições a partir dos anos de 1990.
A fase da institucionalização, de aproximação da sociedade civil e sociedade
política, é o período da redemocratização, onde a sociedade civil (re) encontra seus vínculos
com Estado, mas também com os partidos políticos, com o mercado. A caracterização como
instituição de terceiro setor, ou seja, a sociedade civil tornou-se muito mais complexa e com
muito mais tentáculos na esfera pública.
A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) contribui na ressignificação da
relação movimento social e Estado. Durante o processo da ANC, negros participaram através
da “Subcomissão dos Negros, Populações indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias”, a
comissão temática era “da ordem social”. A garantia de direitos sociais e a participação
massiva dos movimentos sociais, reconfigura a relação Estado e Sociedade civil (SILVÉRIO,
2005).
A Constituição Federal (CF) de 1988 tem um papel crucial na maneira como
a sociedade civil passa a participar do Estado, principalmente, ao redor de políticas públicas
que envolvam os direitos sociais. A carta constitucional ampliou de maneira nunca antes vista
no país, os direitos sociais (CARVALHO, 2011), e o Estado, nessas circunstâncias, assume
para si o dever de garantir direitos sociais. Com a consolidação de direitos democráticos
fundamentais a cidadania, a CF também teve importante papel no processo de
descentralização, definindo novos arranjos federativos, e a maior participação da sociedade é
um dos parâmetros norteadores da descentralização (NOGUEIRA, 2011).
O processo que garantiu a CF foi de grande participação política dos
movimentos sociais, apesar da grande influência de líderes partidários como: Mario Covas e
Ulysses Guimarães. Na atuação do movimento negro durante o processo constituinte temos a
ação centrada em três frentes:

[...] três eixos principais: a) o reconhecimento, por parte do Estado, das


comunidades negras remanescentes de quilombos, de suas especificidades
históricas e culturais, e o título de propriedade definitiva de suas terras; b) a
criminalização da prática do racismo, do preconceito racial e de outras
formas de discriminação; c) uma educação comprometida com a valorização
e o respeito à diversidade, com a obrigatoriedade do ensino de história das
populações negras do Brasil e com o combate ao racismo (MEDEIROS,
2009, p.66).
95

Os três eixos apontados por Medeiros (2009), indicam grande parte da


atuação na história do movimento negro. A criminalização do racismo reflete o grande fluxo
das denúncias e, pautaram grande parte das ações do movimento negro, concomitantemente e
de maior tradição, é relação do movimento negro com a educação, que sempre foi vista como
instrumento de ascensão social. Já o reconhecimento, traz novas possibilidades, abre espaço
para novas políticas.

3.2.1 Aspectos do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil

O movimento negro contemporâneo se trata das articulações negras surgidas


após o fim do regime autoritário (1964-1985) no país, cujo protagonismo maior é do
Movimento Negro Unificado – MNU, que usaremos como exemplo, mas outras iniciativas
precederam a fundação deste coletivo: alguns exemplos são: o Grupo Palmares em 1971 em
Porto Alegre; o Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan) em 1972 em São Paulo; em 1974 foi
criada a Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (Sinba) no Rio de Janeiro, entre outras várias
entidades pelo Brasil (ALBERTI; PEREIRA, 2007).
A resistência negra foi uma constante desde a sua colonização ainda em
terras africanas67, e várias formas de luta social, e ações coletivas se desenvolveram e
continuam a desenvolver-se. O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
(MNUCDR) nasceu em 07 de julho de 1978, em ato público nas escadarias do Teatro
Municipal de São Paulo, reunindo os principais militantes do Movimento negro da época.
Já ambientado entre os novos movimentos sociais, passa a afirmar sua
identidade coletiva, a partir da ressemantização do termo “negro”, que sempre era visto com
receio na sociedade brasileira, assumindo uma identidade racial negra e brasileira. A palavra
“negro” foi proposta por Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez, e trouxe a carga identitária
para o movimento negro, de valorização do que é negro, do que é de raiz africana (ALBERTI;
PEREIRA, 2007) “[...] os movimentos negros utilizaram a questão da identidade étnica como
instrumento da conscientização da pertinência de um grupo diferenciado, conduzindo

67
No Brasil, associações de grupos negros remontam a época colonial, destacando-se, então, as irmandades
religiosas como forma mais difundida de organização de solidariedade entre escravos e, mais tarde, entre
estes os negros libertos (COSTA, 2006, p.142). Aleixo Paraguassú em sua entrevista remonta ainda um
passado africano da resistência apontando que: “o movimento negro brasileiro é, um movimento consciente
ou inconscientemente, ele nasce com a própria escravidão, há quem sustente que o próprio ato dos escravos
apanhados a força na África, quando eles pulavam do navio, ainda no porto africano e se suicidavam, para
evitar que fossem arrancados da terra e postos sobre grilhões, já era um ato de resistência, a partir dali, já era
um ato de resistência, não uma resistência organizada” (ENTREVISTA, Aleixo Paraguassú, 2012).
96

simultaneamente a percepção das desigualdades e carências em relação aos outros grupos” (SILVA,
1994, p.50).
O MNU, a principal instituição do movimento negro que surge após o
período de Estado autoritário (1964-1985), é reconhecidamente o principal marco na
construção do movimento negro contemporâneo, o reflorescimento após a ditadura militar e
todo o contexto histórico-social em que passou a viver o Brasil do processo de
redemocratização. Sueli Carneiro afirma o seguinte sobre o MNU:

O MNU traz um nível de politização maior para o debate racial e situa o


movimento negro em uma perspectiva mais de esquerda, que eu acho que foi
influência fundamental de toda militância da minha geração (ALBERTI;
PEREIRA, 2007, p.148).

A afirmação de Sueli Carneiro, consideramos importante em dois pontos:


primeiro, a maior politização da demanda racial é ponto crucial para o futuro do movimento
negro, e foi um renascimento do político na esfera nacional já que várias outras demandas se
politizaram nesse período no país; e segundo, a perspectiva de esquerda adotada no período,
como ela mesma afirma foi a influência de sua geração, era uma influência geral na América
Latina, e que solidificou a oposição Sociedade civil e Estado na região. Novas relações entre o
Estado e a Sociedade estavam surgindo, e não mais, somente, aquela oposição entre ambos,
causada, na prática pela aversão entre a sociedade e o Estado autoritário.
Uma polaridade entre cultura e política, nas formas de mobilização, era
objeto de tensão no movimento negro contemporâneo, principalmente na Bahia, apesar da
ambivalência na maioria das manifestações:

Havia principalmente no final da década de 1970 e início dos anos de 1980,


grupos do movimento que se autodenominavam como grupos estritamente
políticos e avessos a muitas práticas chamadas por eles de “culturais” ou
“culturalistas”. Talvez o melhor exemplo, nesse sentido, seja o Movimento
Negro Unificado que radicalizaria o discurso político no final da década de
1970, muito em função de haver, entre suas principais lideranças, pessoas
ligadas a organizações radicais de esquerda, como a Convergência
Socialista, por exemplo. Da mesma forma, havia também muitos outros
grupos que utilizam até os dias de hoje práticas culturais diversas como
elementos importantes para mobilização política de setores da população
negra. Talvez o exemplo mais emblemático nesse sentido seja o primeiro
bloco afro, o Ilê Aiyê, criado em Salvador em 1974 (PEREIRA, 2010,
p.168).
97

O fato é que as práticas políticas possuem uma dimensão cultural, uma vez
que a reivindicação de direitos ou de justiça social é direcionada a uma parte específica da
sociedade brasileira, seja cobrando igualdade ou diferenciação social. As manifestações
culturais, por sua vez, mobilizam-se em torno de um embate político. O simbólico é uma
esfera de embate, tanto que as comemorações em torno do “20 de novembro”, são um marco
importante entre os militantes do movimento negro.
A questão do “ser negro” não é apenas uma perspectiva cultural, ou de
simples diferenciação enquanto sinal diacrítico, não é um marcador de diferença
simplesmente, mas também assume a perspectiva de ação política. A identidade nos
movimentos sociais são as duas dimensões, o cultural e o político, num processo de
politização do cultural na esfera pública nacional.
Devido à definição conceitual de movimento social, e a prática
contemporânea de contestação e luta social, optamos por trabalhar com o conceito de
sociedade civil, que permite que sejam analisadas também as dimensões institucionalizadas
do movimento negro, uma vez que as definições de movimento negro evidenciam aspectos de
sua institucionalização. Por movimento negro, estamos entendendo:

[...] a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade


abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das
discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no
sistema, educacional, político, social e cultural (DOMINGUES, 2007,
p.101).

Indícios apontam que o termo movimento negro surgiu, pela primeira vez,
em 1934, em um texto do jornal A voz da raça, vinculado à Frente Negra Brasileira. Mas
durante os anos de 1970, o termo passou a significar para os militantes engajados na luta
contra o racismo, o seu conjunto e suas atividades (PEREIRA, 2010, p. 65).
Por movimento negro, estamos agregando as dimensões institucionalizadas
da sociedade civil organizada em torno da questão racial, ou seja, além do movimento social
negro, estamos também acrescendo as entidades a eles agregadas e os espaços conquistados
ao longo da historicidade particular desse movimento social, representadas no âmbito dessa
pesquisa pelos Fóruns estaduais, pelos Conselhos (estadual e municipal) e pelas
Coordenadorias de promoção da igualdade racial (estadual e municipais), gerando com isso
uma diversificação das formas e estratégias de atuação do movimento negro.
98

Formas e estratégias de luta que só se tornaram possíveis após a


concretização do processo de construção da identidade negra e do
engajamento desses ativistas no movimento negro brasileiro (PEREIRA,
2010, p 79).

Em qualquer tentativa de aproximação simplista entre os conceitos de


movimento negro, com o de movimento social ou de sociedade civil, veremos que o conceito
de sociedade civil representa melhor a realidade do movimento negro contemporâneo,
marcado por diversas formas de institucionalização. Como defende Avritzer (2012) na relação
da Sociedade civil com o Estado no Brasil, dos anos de 1970 para hodierno, temos uma
transição da autonomia para interdependência política.
Outro ponto exemplar do movimento negro é a criação do Conselho de
Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, em São Paulo criado, no governo de
André Franco Montoro, eleito no pleito de 1982 com uma campanha assentada na democracia
participativa, onde os Conselhos tinham papel fundamental.
Este Conselho foi o primeiro do tipo surgido no Brasil, em seguida vários
outros surgiram, foi inspirado no Conselho Estadual da Condição Feminina. Ivair dos Santos
(2005) afirma que o Conselho não foi um consenso no movimento negro, que ouviu críticas a
respeito dos perigos da internalização principalmente. Apesar dos contrários à internalização,
o Conselho representou a conquista de um novo espaço político, visto que do anúncio até a
real existência levou-se quase um ano.
Ivair dos Santos (2005) define três eixos sobre os quais se assentava o
Conselho que nascia em São Paulo: A promoção, o controle e a defesa: a promoção tinha
como objetivo principal a formulação de políticas sociais e a inserção do recorte racial em
outras políticas; o controle reporta-se à vigilância dos preceitos definidos na plenária do
Conselho, o monitoramento por parte da sociedade civil organizada das ações do Estado; e
por fim, a defesa, que previa atuação com as vítimas de discriminação racial, uma assistência.
(p.99). Os suplentes foram criados apenas posteriormente, frente ao número grande de pessoas
envolvidas a princípio. Os suplentes foram uma maneira de ampliar a participação no interior
do Conselho, no caso paulista.

O Conselho foi criado com a idéia de uma co-gestão da coisa pública por
dois atores institucionais: um representante do Executivo e outro da
sociedade civil, colocados na arena de negociação, que é o espaço
institucional do Estado. Uma relação complexa, pois rompia com antigos
papéis e assumia nova postura, articulando novos espaços e instrumentos,
obedecendo à racionalidade do poder público e ao espírito da
democratização (SANTOS, 2005, p.113).
99

Ivair dos Santos aponta que o estado, ou melhor, os agentes do estado de


São Paulo, e seus servidores públicos, não estavam preparados para a novidade que
significava o Conselho, principalmente pela cogestão, inclusive de recursos financeiros. O
autor acredita que, talvez até mesmo devido aos recursos financeiros, havia a preocupação de
mostrar resultados mensuráveis, uma vez que em parte, o Conselho era poder executivo
também.

O Conselho acabou sendo um órgão para elaborar, propor, co-executar e


executar políticas, cujo público alvo era a população negra. Desde o início,
preocupou-se com a competência na geração de resultados mensuráveis e
que pudessem ser acompanhados e avaliados. Os recursos escassos
obrigaram o estabelecimento de estratégias para a definição de prioridades e
adequação às exeqüibilidades financeiras, ampliando os horizontes somente
dentro das possibilidades reais de êxitos e resultados. (SANTOS, 2005,
p.119).

Mesmo com início das atividades do Conselho as críticas não cessaram,


abrangendo, além do risco da internalização, que na verdade era o de cooptação política,
temia-se a partidarização e que isso suplantasse a demanda por políticas públicas raciais.
Apesar das críticas, os Conselhos se ampliaram, e na avaliação de Ivair dos Santos (2005)
melhoraram a atuação do Estado nas suas intervenções de promoção da igualdade racial e os
Conselhos foram criados em outros estados:

Este estudo pretendeu mostrar a experiência de como a participação no


governo do estado de São Paulo conseguiu ampliar em nível de eficácia as
ações pela promoção da igualdade. A experiência do Conselho foi repetida
em outros estados como Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Sul,
Mato Grosso e algumas capitais: São Paulo, Belém, Vitória, Belo Horizonte,
Rio de Janeiro e Brasília (SANTOS,2005, p.174).

Os Conselhos, na verdade, fortaleceram os ideários de democratização que a


sociedade brasileira vivenciou em seu período de transição democrática. Os Conselhos
Negros tiveram suas vitórias na medida em que os estados cada vez mais passam a reconhecer
que as desigualdades raciais são aspectos relevantes da extrema desigualdade do país, é de
fato, o reconhecimento político das demandas dos movimentos sociais surgidos nos anos de
1970. Paulatinamente reconhece-se a legitimidade das ações do movimento negro no Brasil
contemporâneo e através daí muitas conquistas políticas se materializaram na lei brasileira.
Nesse subitem tentamos demonstrar algumas mudanças ocorridas na
sociedade civil brasileira, iniciada durante o processo de transição democrática e ainda em
100

mudança no mundo contemporâneo. O contexto histórico é de crise do Estado autoritário no


país, renascimento dos movimentos sociais com a entrada de novos atores no cenário político
nacional, e de enfraquecimento, cada vez maior, do mito da democracia racial no país.
Mas se houve mudanças na sociedade civil, também houve substanciais
mudanças no Estado; os Conselhos exemplificam parte dessa mudança, mas a
descentralização política, as novas maneiras de gestão de políticas públicas. O Estado
brasileiro sofreu uma reforma nos anos de 1990, e novos elementos se agregaram nos anos
seguintes, para efeitos dessa pesquisa, a demanda racial se solidificou no Estado.
As alterações, que tanto Estado como Sociedade civil passaram mudaram a
maneira como ambos se relacionavam, e por consequência, houve também modificações
quanto às teorias que analisavam esta relação. A opção pela trajetória histórica mais do que
teórico-metodológica é devido a melhor compreensão dos fatos que hodierno vivencia, tanto o
movimento negro e as suas instituições, como o Estado, em algumas de suas agências.
O foco agora se volta para MS, a formação de uma sociedade civil negra,
através dos dois principais processos que se fortalecem na sociedade civil desse Brasil
moderno, após 1978, a internalização no estado e a ongzação. Ambos os fenômenos são
visíveis na realidade sul-mato-grossense.

3.3 SOCIEDADE CIVIL “NEGRA” SUL-MATO-GROSSENSE

A criação do estado de MS é um dos frutos da ditadura militar, e


florescimento de uma sociedade civil mais atuante, assim como no Brasil, de modo geral, se
dá no fim dos anos de 1970. Ou seja, no mesmo período de fundação do estado, está
ocorrendo o processo de reabertura, de redemocratização. As eleições para governadores em
1982, pela Campanha das Diretas Já, pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988 e pelas
eleições presidenciais de 1989, foram momentos de grande euforia política, apesar da
descontinuidade desse padrão de politização social.
O começo da década de 1980 em MS foi marcado por grandes mobilizações
democráticas contra a ditadura militar, pela organização da sociedade em entidades
representativas de trabalhadores urbanos e rurais, bem como das camadas médias, como
professores e estudantes (BITTAR, 2009, p.213).
101

O movimento negro de MS é composto de diversas entidades68 e atua em


diferentes esferas. Estas entidades, na maioria ONGs, atuam com algum recorte racial, seja
ele: social, cultural ou político, e também participa de articulações estaduais representativa do
movimento negro, sendo eles: os Fóruns ou Conselhos temáticos estaduais e municipais, e
ainda temos no âmbito estadual uma Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial69, e alguns municípios também possuem uma estância semelhante em âmbito
municipal. Através dessas entidades e articulações se encontra o movimento negro regional,
ou a rede que compõe a tessitura do movimento negro.
Historicizando uma pequena parte desse emaranhado de instituições, temos
o objetivo de apresentar parte importante da história do movimento negro sul-mato-grossense,
e também de suas conquistas no estado, como veremos mais adiante no capítulo IV. MS teve
manifestações políticas em torno das eleições de 1982 e das Diretas Já, mas somente em 1985
formaliza-se a primeira entidade do movimento negro estadual.

Grupo TEZ

O movimento negro sul-mato-grossense se formaliza em 1985, através da


criação do Grupo TEZ70, apesar de já haver uma preocupação coletiva que antecede a criação
do Grupo TEZ, no entanto, dispersa com as questões raciais no estado. A politização do setor
social naquele momento histórico, em que estudantes, trabalhadores e os novos movimentos
sociais estão nas ruas, são os precedentes da institucionalização do movimento negro regional.
Ben-Hur Ferreira afirma sobre as pessoas que fundaram o Grupo TEZ: “a gente em 84 tinha
participado ativamente das Diretas Já, eu fui orador do movimento estudantil nas Diretas Já,
então acho também que isso ajudou muito em 85 [...]” (ENTREVISTA, Ben-Hur, 2013).
O período que antecedeu a formalização do movimento negro foi marcado
por processos de politização da sociedade após anos de autoritarismo militar, em que as
questões raciais poderiam ser consideradas assuntos que ferissem a Segurança Nacional,
portanto, passível de duras penas. Mas todo esse período é de difícil documentação, por

68
Ver anexo C.
69
Os municípios de Mato Grosso do Sul com Conselhos Municipais de conhecimento da CPPIR-MS são:
Campo Grande, Corumbá, Bataguassu e Costa Rica. E os municípios com coordenadorias raciais ou órgãos
semelhantes são: Aparecida do Taboado, Bataguassu, Caracol, Corumbá, Jaraguari e São Gabriel do Oeste. In.
www.igualdaderacial.ms.gov.br/ de 27/04/2013. Acessado em 28/04/2013.
70
A primeira atividade foi uma discussão sobre o filme “Tenda dos milagres” de Nelson Pereira dos Santos,
filme de 1977, uma adaptação de um romance de Jorge Amado (ENTREVISTA, Ben-Hur, 2013).
102

significar justamente ações coletivas dispersas, pouco planejadas, e com baixo nível de
organização, não havia atas nem estatutos antes da institucionalização.
O Grupo Trabalho e Estudos Zumbi – Grupo TEZ –, é a primeira instituição
a defender os direitos do negro em MS. Após a Ditadura militar iniciada em 1964, houve o
período de forte repressão através do regime militar que impossibilitava que antes da década
de 1980 surgissem reivindicações em prol da questão racial no país, e não foi diferente no
MS.
O estopim para fundação da entidade foi uma palestra feita pelo Fernando
Gabeira, na ocasião de um trote cultural realizado em conjunto pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS) e Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)71, no ano 1985.
De acordo com Ben-Hur Ferreira, em um dado momento da palestra, Gabeira menciona que
apenas depois de exílio deu-se conta da dimensão do racismo, uma vez que, ele se tornará um
latino na Europa, e vítima de preconceitos. Este fato motivou a criação do Grupo TEZ, em 18
de março de 1985 pelos professores universitários na UFMS: Jorge Manhães72 e Dorothy
Rocha73; três então alunos do curso de Direito da Católica: Eurídio Ben-Hur Ferreira74, Paulo
Roberto Paraguassú75 e Jaceguara Dantas da Silva Passos76, e Pedro o que menos se tem
notícias, mas acredita-se que ainda não cursava ensino superior (ENTREVISTA, Ben-Hur,
2013).
No depoimento da Raimunda Luzia de Brito77, ela afirma que, ainda na
década de 1970, tiveram início as discussões em torno da questão racial em Campo Grande.
Na ocasião, devido à presença dos irmãos Johnson, de uma das Guianas, segundo ela, vieram
para estudar na antiga FUCMT, e um grupo de discussão e estudos formou-se ao redor destes
estudantes. No entanto, todos os militantes reconhecem no Grupo TEZ a primeira entidade do

71
A UCDB até 1993 era Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso (FUCMT), fruto da primeira instituição
de ensino superior em Campo Grande, em 1961, com cursos de Pedagogia e Letras. In: BITTAR, Mariluce.
Política de educação na região sul de Mato Grosso e a influência da congregação salesiana.
Comunicação apresentada ao VI Congresso Internacional da Brazilian Studies Association – BRASA,
Atlanta, Geórgia/USA, 4 a 6 de abril de 2002.
72
Foi professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), aposentou-se e atuou nas Faculdades
Anhanguera de Dourados. Faleceu em 2009.
73
Professora universitária na UFMS, com mestrado em educação sendo Membro do Conselho Editorial da
Revista Intermeio. Atualmente, é pesquisadora independente pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE.
74
Foi vereador em Campo Grande de 1993 a 1994, Deputado Estadual entre 1995 e 1999; e Deputado Federal
entre 1999 e 2003. De 2000 a 2002 foi Secretário de estado no governo Zeca do PT em Mato Grosso do Sul.
Advogado e professor do curso de Direito na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
75
Atualmente advogado e empresário na cidade de Campo Grande – MS e um dos filhos do Dr. Aleixo
Paraguassú.
76
Promotora de Justiça do Ministério Público do estado de Mato Grosso do Sul. Mestre em Direito, área de
concentração Direito Constitucional pela PUC/SP.
77
Atual coordenadora da CPPIR-MS, possui graduação em Direito e Serviço Social, e mestrado em Serviço
Social pela UNESP, uma das militantes mais conhecidas de Mato Grosso do Sul.
103

movimento negro, e de maior importância na difusão para o interior do estado da demanda


racial (MATO GROSSO DO SUL, 2005, p.39).
O Grupo TEZ não nasce com objetivos fixos, a princípio, se pretendia um
grupo de estudos, mas alcançou mais do que isso. Mais do que estudar em reuniões que
ocorreram durante mais de dez anos nas tardes de sábado, também possuíam ações políticas,
como exemplifica um dos fundadores do Grupo TEZ.

A gente achava que ia fazer um grupo de estudo, de trabalho, a gente não


tinha muito claro, mas a gente se constitui, lançou o grupo, dava entrevista,
dava muita palestra em escola [...] tentamos, foi até curioso, se não me
engano, em próprio 85, celebrar pela primeira vez a consciência negra, dia
20 de novembro78 [...] Era combate ao racismo, à gente não tinha muito, era
assim um pouco de afirmação da nossa identidade, de buscar eu lembro que
a gente buscava muitos argumentos, de construir discursos. Engraçado falar
sobre isso, na verdade a gente tava tateando né, a não, é negro ou é preto?
Combater algumas palavras que eram utilizadas pra designar coisas ruins
sabe, contar a trajetória de Zumbi (ENTREVISTA, Ben-Hur, 2013).

A conquista do espaço político que o Grupo TEZ alcança acontece via


enfrentamento, com a experiência que se vivencia no cotidiano da cidade. O Grupo TEZ
nasce da indignação, mas o fato de ser a única instituição que debatia e polemizava o assunto
no espaço público sul-mato-grossense, rapidamente, a visibilidade do trabalho possibilita seu
protagonismo no espaço público regional em torno desse debate racial.
O Grupo TEZ tentou ampliar sua base de atuação chegando a abrir
entidades semelhantes em Aquidauana e Três Lagoas, mesmo em Campo Grande tentou por
um período, mas não com sucesso abrir uma entidade na Comunidade Tia Eva79. Mesmo sem
conseguir sediar um grupo no quilombo urbano, muitas reuniões do Grupo TEZ ocorreram
nessa comunidade, em uma tentativa de aproximar-se da comunidade negra regional.
O Grupo TEZ foi primeiro agente em muitas atividades no estado, mas a
partir de 1999, em parceria com o Sindicato dos Professores (ACP) realizou o “primeiro
seminário dirigido aos professores das redes municipal e estadual de Campo Grande com o
objetivo de discutir as relações raciais em sala de aula, focalizando especificamente o negro
e o indígena” (MATO GROSSO DO SUL, 2005, p.45). Foi a primeira atividade de formação
de professores de maneira mais sistematizada, e não para uma escola, ou uma palestra apenas.

78
20 de novembro é o dia da morte do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, considerado, atualmente, um
dos maiores símbolos da luta contra todas as formas de opressão e exclusão contra os descendentes de
africanos.
79
Uma Comunidade Negra localizada em Campo Grande, descendentes de uma ex-escrava, a “Tia Eva” uma
goiana da cidade de Mineiros, a Comunidade foi fundada em 1910.
104

Posterior a isso, houve a sistematização de um curso de 20 horas, que foi


elaborado, ainda em 1999, por ocasião de um caso de racismo envolvendo uma escola
particular e uma escola pública de comunidade negra e urbana da capital, o Grupo TEZ foi
acionado e optou por, ao invés de recorrer à justiça, propor uma parceria.
Tratava-se de capacitar os professores da escola particular através de um
curso a ser elaborado pela entidade. Apesar da aceitação da escola, inclusive quanto aos
custos do curso, o mesmo não aconteceu devido ao fato dos incidentes terem ocorrido no fim
do ano letivo. Mas, enfim, o curso Ibaa.xe estava estruturado, o nome em Iorubá significa:
que isso possa ser aceito. E o primeiro curso de formação ocorreu em 2000 através de uma
parceria entre Grupo TEZ e Secretaria de Estado de Educação (SED), tendo como público
professores que desde o ano anterior, participavam de um grupo de estudos de questões raciais
gerido pela SED. O curso teve outras edições (MATO GROSSO DO SUL, 2005).
Um curso pré-vestibular para pessoas carentes foi articulado em 1997 com
um espaço no Grupo TEZ, a modalidade de Ação Afirmativa foi pela primeira vez adotada no
estado. Apesar de não ser a primeira iniciativa de um curso pré-vestibular para população
carente da cidade80, é o primeiro com um recorte de Ação Afirmativa racial em evidência. A
educação sempre foi uma grande preocupação da entidade, que iniciou enquanto grupo de
estudo, ofereceu palestras a escolas, elaborou e implementou cursos de formação de
professores, ofereceu curso pré-vestibular à população carente da cidade, entre outros eventos.
As demais entidades que surgem no MS, vinculadas à promoção da
igualdade racial, possuem sua origem entre militantes do Grupo TEZ, que atuaram e
participaram das reuniões realizadas aos sábados pela instituição. O Grupo TEZ é o embrião
das instituições do movimento negro regional, e agregou durante muitos anos a militância
negra regional.
Mesmo não solidificando essa expansão via fragmentação, visto que
nenhum dos outros grupos manteve-se em atuação, outra atuação do Grupo TEZ colaborou
para uma maior diversidade de entidades ligadas ao movimento negro, que é a aproximação
com a política do estado de MS. O Grupo TEZ, enquanto única entidade em defesa dos
direitos do negro agregava toda a pluralidade e divergência do movimento negro em Campo

80
De acordo com a professora Conceição Shirley Ferreira Medina, em 1994, no Colégio Oswaldo Cruz em
Campo Grande, através de um projeto com o Rotary Club, “Projeto Amor Fraterno”, realizou-se o primeiro
curso pré-vestibular da capital, direcionado para alunos do ultimo ano do Ensino Médio, na região do bairro
Aero Rancho na capital, a professora era coordenadora do projeto.
105

Grande, no entanto, a mais marcante era a política partidária, como atribui a entrevistada, Ana
Sena81:

O TEZ agregava todas essas pessoas. O Aleixo Paraguassú, a Raimunda, o


Aparicio, Zézão, a Ana José, aí o que aconteceu? Havia muita divergência
entre nós por causa da política, principalmente da política partidária [...]
internamente, teve muitos conflitos políticos, porque, ideologicamente, o
TEZ era muito dividido, mesmo que as pessoas não reconhecessem, se
identificavam com um partido. Mas ideologicamente ele estava muito
dividido, esquerda e direita (ENTREVISTA, Ana Sena, 2012).

Ben-Hur Ferreira, filiado o Partido dos Trabalhadores – PT desde 1988


tornou-se, o primeiro vereador do PT em Campo Grande. No interior do Grupo TEZ, vários
outros eram filiados ao PT, no entanto, outra parte, não tinha nenhum vínculo com o PT,
tendo maiores afinidades, e até filiações em outros partidos políticos, mas consequentemente,
o Grupo TEZ passou a ser visto com uma conotação partidária. O concomitante crescimento
político do Ben-Hur, e o fato de ter sido um dos fundadores da entidade geravam uma
divulgação e também uma rotulação da entidade, como sendo uma extensão partidária. Ben-
Hur aponta que seu mandato ajudou a divulgar e estruturar o movimento negro:

Então do PT isso aí, eu sendo parlamentar divulgava muito o movimento


negro, tinha assessoria, tinha estrutura, então eu me lembro, que teve um 20
de novembro na assembleia que foi maravilhoso [...] então essa temática
racial ganhou força, e em 1998 o Zeca ganha o governo (ENTREVISTA,
Ben-Hur, 2013).

Após vereador em Campo Grande, Ben-Hur Ferreira, tornou-se deputado


estadual e em seguida deputado federal. É o autor da famosa Lei 10.639/2003, junto com
Esther Grossi (PT-RS)82. Mas com a eleição de José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do
PT, para governador em 1998, o grande projeto político da esquerda sul-mato-grossense se
materializa, e Ben-Hur, abre mão de Brasília e assume a Casa Civil entre os anos 2000 e 2002
nesse governo. Não desde o início, mas em um momento de crise, havia um governo de
esquerda com salário de servidores públicos em atraso. Independente deste fato, alguns

81
Ana Lúcia Sena é professora, pedagoga, especialista em educação e especialista em Gênero e Política Pública,
mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP. Foi Coordenadora da CPPIR-MS, no segundo mandato do governo
Zeca do PT (2003-2006).
82
Na proposição do projeto Ben-Hur Ferreira ressalta a importância de um de seus assessores, Edson Cardoso: “
[...] o Edson Cardoso foi chefe de gabinete do Florestan Fernandes, depois foi meu chefe de gabinete, foi o
grande responsável pela lei 10.639. Foi o Edson Cardoso, ele que foi atrás ele que me inspirou.”
(ENTREVISTA, Ben-Hur, 2013).
106

integrantes do Grupo TEZ já faziam parte dos quadros governistas, algo incômodo à ala não
petista no interior da entidade. Uma das não petistas, Raimunda Luzia de Brito declara:

[...] e aí houve um período em que o TEZ se declarou um braço do PT e aí eu


perdi espaço lá dentro. Gosto muito de muita gente do PT, nada contra a
pessoa, a ideia é que não bate com a minha. (ENTREVISTA, Raimunda
Luzia de Brito, 2012).

Esta singularidade colaborou com a expansão das entidades ligadas ao


movimento negro no MS, e a pluralidade em conflito no interior do Grupo TEZ, gerou esta
fragmentação e, corroborou para o surgimento de novas entidades e, por consequência, novos
rótulos para essas. Se antes o Grupo TEZ e o Conselho Estadual dos Direitos do Negro –
CEDINE-MS, nascido em 1987, representavam o movimento negro, depois do surgimento de
outras entidades, o Grupo TEZ deixa de ser o centro da representação. A aproximação de
pessoas da entidade com o governo petista, foi um incentivo para criação de novas entidades,
formadas por grupos mais distantes do PT. Um bom exemplo é a formação do Coletivo de
Mulheres Negras “Raimunda Luzia de Brito”.
O Coletivo de Mulheres Negras de MS “Raimunda Luzia de Brito”, nascido
dia 23 de setembro de 1995, surgiu de uma ideia de Lucimar Rosa Dias83, e por sua sugestão
também, decidiu-se homenagear umas das mais importantes militantes do movimento negro
de MS: Raimunda Luzia de Brito. A princípio, a ideia da Lucimar, idealizadora do projeto, era
de manter o Coletivo vinculado ao Grupo TEZ, ou sendo um fórum de mulheres negras, para
atrair mais pessoas, no entanto foi voto vencido, e acabou abandonando o Coletivo para
dedicar-se apenas a uma instituição, o Grupo TEZ. Na reunião de fundação do Coletivo, a
maioria das convidadas eram não petistas que compreenderam que o Coletivo tinha de ser
autônomo do Grupo TEZ. Influenciados pelo surgimento do Coletivo de Mulheres Negras,
nasceu o Instituto da Mulher Negra do Pantanal – IMNEGRA, localizado em Corumbá, e o
Coletivo de Mulheres Negras de Ribas do Rio Pardo84, ambos autônomos e outras instituições
(SENA, 2011).
O grupo majoritário a frente do Coletivo de Mulheres Negras, tinha uma
vinculação maior com o PMDB, e apesar da mentora do Coletivo ser vinculada ao PT não
conseguiu apoio suficiente para manter o projeto inicial, criar uma ala dentro do Grupo TEZ

83
Primeira coordenadora do que hoje é a CPPIR, professora na UFMS no campus de Três Lagoas, possui
doutorado pela USP em Educação, atuando com promoção da diversidade etnicorracial na educação infantil
principalmente.
84
Cidades do interior de Mato Grosso do Sul, Corumbá fica a aproximadamente 425 km de Campo Grande,
enquanto Ribas do Rio Pardo a 100 km.
107

para debater questões da mulher negra. A criação do Coletivo exemplifica a influência de


questões partidárias no interior do movimento negro regional. Se o Grupo TEZ carregava o
rótulo de petista, o Coletivo traz o de Peemedebista.
Em 1994 surge outra entidade, o ICCAB – Instituto Casa da Cultura Afro-
Brasileira – que possui como objetivo estudar e levantar a problemática dos
afrodescendentes85 no campo sócio-econômico-educacional e cultural, esta instituição abrigou
o PROGRAMA SOS RACISMO86, no MS (SANTOS, 2005). A Igreja Nações Banto, do
Bispo angolano, Tsinduka Antonio Muana Uta, era outra instituição que debatia
frequentemente questões raciais, principalmente as ligadas à bíblia, uma vez que é uma
comunidade evangélica; nas Moreninhas, um grande conjunto de bairros na capital, existe
a Associação Trabalho e Estudos da Cultura Afrodescendente em Movimento – José Mauro
Messias da Silva – (TECAM), atuando principalmente com esporte na região; o Instituto
Luther King, que falaremos mais tarde surge em meio a outras entidades, como Grupo Raízes
Negras em Aquidauana, Movimento Negra Atitude em Dourados, o Congresso Nacional
Afro-Brasileiro (CNAB) em Paranaíba, entre outros.
Evidentemente o contexto nacional colaborou para expansão das ONGs, os
anos 1990 representam o período de difusão delas pelo Brasil, principalmente após a ECO-
9287 e a Campanha Contra Fome e pela Solidariedade organizada pelo sociólogo Hebert de
Souza, o Betinho. O contexto internacional de reestruturação do papel do Estado e avanços de
algumas políticas neoliberais também colaboraram (SILVA, 2008).
Várias outras instituições atuam no MS, essas são apenas algumas, que nos
ajudam a demonstrar o quão ongzada tornou-se a questão racial no estado, mas também de
maneira mais ampla, o mesmo acontece no âmbito nacional. A “ongzação” é característica do
movimento negro, já apontada por Petrônio Domingues (2008).

85
Principalmente após a reunião de Durban (2001) o termo afrodescendente teve uma ascensão no meio social.
Recentemente, é pouco citado, é lembrado mais por comediantes que fazem suas piadas do “politicamente
correto”. O mais comum é negro.
86
Programa idealizado pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria nacional de Direitos Humanos, numa
tentativa de aproximar sociedade civil e poder público. É implementado em 2000 na cidade de Campo Grande
(SANTOS 2005).
87
Foi a Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de
Janeiro em 1992. Na ocasião para os países em desenvolvimento foi aconselhado cooperação financeira e
tecnológica, dando margens a importância do Terceiro setor e do voluntariado para esses países.
108

Conselhos e Fóruns

Outras formas de institucionalização são perceptíveis nos Conselhos e


Fóruns que colaboram para o cenário de internalização dentro do estado, do enfrentamento ao
racismo e desigualdades raciais no país e, também, de certa maneira, os Fóruns e Conselhos
são consequências da ongzação, as representações passam a se pautar nas ONGs. Quanto aos
Conselhos veremos o Conselho Estadual dos Direitos do Negro – CEDINE-MS e o Conselho
Municipal dos Direitos do Negro – CMDN, de Campo Grande. Ambos possuem como base
de representação as ONGs, traço comum de conselhos.
O Conselho Estadual dos Direitos do Negro (CEDINE-MS) é um órgão
colegiado, proposto pelo governo do estado, e são partícipes tanto a sociedade civil
organizada, como representantes do governo estadual. Nasce em 12 de março de 1987, e
atualmente é vinculado a Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia
Solidária – SETASS/MS – “tem por finalidade promover, em âmbito estadual, políticas que
visem a eliminar as discriminações que atingem o negro e defender seus interesses” (Decreto
nº 11.813, de 14 de março, 2005).
Os integrantes da sociedade civil são eleitos em foro próprio, após uma
inscrição, pautada principalmente, nos dados que se referem às instituições que querem fazer
parte do CEDINE-MS. Ou seja, os participantes do Conselho são representantes de
instituições vinculadas ao movimento negro, portanto, a vaga no CEDINE-MS pertence à
instituição não ao militante/representante. O Conselho é composto por oito representantes da
sociedade civil e oito do estado, sendo o estado representado pelos seguintes órgãos:

I – Assistência social; II – educação; III – saúde; IV – justiça e segurança


pública; V – desenvolvimento agrário; VI – juventude, esporte e lazer; VII –
cultura; VIII – promoção da igualdade racial (Decreto nº 11.813, de 14 de
março, 2005).

Cada conselheiro possui um suplente, independentemente da esfera que


representa no Conselho. Na maior parte das vezes somente os titulares participam das
reuniões, e para âmbitos de deliberação, cada instituição tem direito a um voto. A alternância
de presidentes é obrigatória entre poder público e sociedade civil, sendo um ano a sociedade
civil e o outro estado. As reuniões ordinárias possuem um espaçamento entre elas de um mês
aproximadamente, ocorrendo na segunda quinta-feira de cada mês, caso não tenha feriados ou
outros empecilhos, e sempre no período da manhã, entre 8:00 horas e 11:00 horas. As
109

reuniões são realizadas na Casa da Cidadania, localizada na Rua Marechal Rondon, 713, no
centro de Campo Grande. Os conselheiros do interior do estado recebem a passagem, estadia
e ajuda com a refeição, enquanto que os da capital recebem o passe de ônibus nos dias de
reunião.
A quarta-feira é estratégica, uma vez que o Fórum Permanente das
Entidades do Movimento Negro de MS reúne-se nas noites de quarta-feira, sempre a anterior
à reunião do CEDINE-MS, que são as quintas-feiras pela manhã. Os militantes queriam
aproveitar o recurso que alguns conselheiros recebiam para participar da reunião do CEDINE-
MS para também poderem presenciar a discussão no Fórum das Entidades, potencializar
assim a participação dos representantes do interior no Fórum que é estadual. No entanto a
medida gerou pouco efeito, com reduzida participação no Fórum das entidades.
O CEDINE-MS é a segunda instituição de recorte racial do MS, a primeira
com vínculo estadual, uma vez que o Grupo TEZ surgiu como sendo propriamente da
sociedade civil. O Grupo TEZ possuía algumas ligações com Conselhos do Negro de São
Paulo, fato que motivou a construção de um Conselho em MS. As pautas do CEDINE-MS
também são compostas pelo estado, e não apenas da sociedade civil. Diversos casos de
racismo são encaminhados para essa instituição, acredito ser um reflexo do fim do Programa
SOS Racismo em Campo Grande (SANTOS, 2005). As decisões na esfera do CEDINE-MS
são consubstanciadas em deliberações, como determina o artigo nono de seu decreto
normativo.
Em 1993, é criado em Campo Grande o Conselho Municipal dos Direitos do
Negro – CMDN – a partir da Lei nº 2.987 de 7 de outubro, sendo o prefeito Juvêncio César da
Fonseca. Nasce como “órgão colegiado de deliberação coletivas das ações, nos níveis sócio-
político culturais, voltados à defesa e interesse dos direitos do negro” (Lei nº 2.987, de 7 de
outubro de 1993). Outra lei, de nº 4.309 de 8 de agosto de 2005, altera a primeira, e vincula o
CMDN a Secretaria Municipal de Governo, e apontado que 14 são os membros titulares do
Conselho Municipal, sendo o mesmo número de suplentes, sendo divididos entre os
governamentais e os não-governamentais, sendo assim a divisão no interior do CMDN:
110

I – 1 representante dos órgãos governamentais:


a) da Secretária Municipal de Educação;
b) da Secretária Municipal de Saúde Pública;
c) da Secretária Municipal de Assistência Social;
d) da Fundação Social do Trabalho de Campo Grande;
e) da Fundação Municipal de Cultura;
f) da Fundação Municipal de Esporte;
g) da Empresa Municipal de Habitação;
II – representantes de entidades não-governamentais:
a) 1 (um) do Conselho Estadual dos Direitos do Negro;
b) 6 (seis) das entidades da comunidade negra, escolhidos em Assembléia Geral
do Fórum Municipal Permanente de Entidades do Movimento Negro (lei nº
4.309 de 8 de agosto, 2005).

A composição do CMDN, também possui reuniões mensais no período da


tarde, a partir das 14:00 horas, na rua Hélio de Castro Maia, 279, no jardim Paulista, na sede
da Coordenadoria de Apoio aos Órgãos Colegiados (CAOC). O mandato do presidente, vice-
presidente e secretário é de um ano, sendo passível de recondução por mais um, se realizado
um novo escrutínio.
Os Conselhos não podem ser vistos como movimento negro, uma vez que
são órgãos colegiados e que representam uma demanda advinda da sociedade civil, alocada na
forma de participação social, no interior do Estado; este que por sua vez possui, no interior de
cada Conselho, representantes, no caso da questão racial, muitas vezes, os conselheiros
estaduais possuem um desconhecimento da demanda da sociedade civil organizada, ou
mesmo a falta de embasamento político na questão.
Os Conselhos representam um aumento da área de atuação do movimento
negro, não se limitando apenas a sociedade civil, passando a atuar mais próximo dos governos
estaduais e municipais, gerando uma nova possibilidade de interlocução, de aproximação
entre Estado e sociedade civil. O Conselho é uma conquista do movimento negro regional, é
uma ampliação do seu direito a voz, do seu espaço público, um avanço rumo à promoção da
igualdade racial. No entanto, essa conquista esbarra em vários outros empecilhos típicos da
democracia brasileira, como a burocratização, a falta de um planejamento de longo prazo que
se some às políticas públicas mais imediatas, a descrença nas vias políticas.
O CEDINE-MS é mais atuante, e pauta os problemas raciais com mais
frequência, enquanto que, grande parte da pauta do CMDN está na organização de um único
evento, os Jogos Municipais da População Negra. Os esforços desse Conselho Municipal
111

estão na organização e realização dessa atividade, que atualmente faz parte do calendário
municipal de atividades. CMDN é um Conselho apenas consultivo, sem força política e
também não possui uma forte atuação no município. O CEDINE-MS consolida-se como
sendo o lócus mais estratégico, de mobilização e pressão, que tem sua demanda política
fortalecida no Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de MS.
Algumas ocasiões em que os militantes acham necessária uma maior
mobilização, como podem ser verificadas mais proximamente na discussão sobre as cotas na
UFMS o local de planejamento, ou o ponto de ebulição é o CEDINE-MS, na ocasião, o
Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro está sem reuniões. Outra situação que
exigiu uma maior mobilização foi no julgamento que envolvia racismo como um dos
qualificadores do crime de assassinato, um crime de conotação racial em que a família
procurou o CEDINE-MS88.
Os lócus do movimento negro que articulam a presença em eventos que
exigem maior concentração de pessoas são o CEDINE-MS e o Fórum das Entidades do
Movimento Negro de MS 89. Até mesmo eventos municipais, como o tradicional desfile do
dia 26 de agosto, na comemoração de aniversário da cidade de Campo Grande, são pautas
importantes no CEDINE-MS, que convida e ajuda no planejamento da comunidade negra, que
compõe o desfile anualmente.
Há a utilização, por parte dos militantes, do espaço do CEDINE-MS como
um ator estratégico e de organização das ações do movimento, enquanto que sua atuação
deveria ser de controle social e deliberação em torno da defesa dos direitos do negro em MS.
Isso pode ser compreendido como uma forma de luta, uma vez que é um espaço público
conquistado que oferece condições materiais e representativas para atuação. A atuação
desviante do CEDINE-MS potencializa sua luta, uma vez que a políticas públicas de governo
são limitadas e não possibilitam pautas para o Conselho, que se esforça para atuar
politicamente.
Quanto aos Fóruns, dois atualmente, possuem militantes do movimento
negro, um deles o Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de MS, é realizado
com essa finalidade, articular as entidades e os militantes do movimento negro de MS. O
outro é o Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial de MS –

88
O julgamento ocorreu no dia 25/02/2011, o criminoso Geraldo Francisco Lessa, réu confesso de assassinato,
negava apenas os qualificativos raciais do assassinato.
89
Recentemente as redes sociais também são importantes instrumentos de disseminação de informações quanto
a mobilização e eventos de interesse do movimento negro estadual. A principal comunidade on-line chama-se:
nós negras/os de Mato Grosso do Sul.
112

FORPEDER/MS, este tem como principal prioridade a discussão em torno da lei 10.639/03 e
sua aplicação em nosso estado, ambos com reuniões mensais na programação.
O FORPEDER/MS trava um luta com a implementação da lei 10.639/03 no
estado de MS. No fórum participam professores, técnicos da Secretaria de Educação do
Estado, sociedade civil organizada. O FORPEDER/MS também encontra-se desmobilizado
no momento, com poucos participantes, mas já organizou eventos importantes na cidade, de
discussão com professores na Federação dos Trabalhadores em Educação do MS
90
(FETEMS) , de tentativa de conscientização por parte destes da importância da lei
10.639/2003.
O Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de MS foi criado
em 2002 por meio de uma assembleia convocada pelo Dr. Aleixo Paraguassú. Com intuito de
congregar todas as entidades do movimento negro estadual, ou ao menos o maior número
possível, é composto pelas entidades não governamentais do movimento negro e pelas
comunidades negras do estado, sejam elas rurais ou urbanas.
O Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro, o que
teoricamente congrega representantes das entidades do movimento negro estadual, ou seja,
possui maior potencial para representar o movimento racial sul-mato-grossense, demonstra a
desarticulação, ou até mesmo a fraqueza no estado, visto que este Fórum ficou três meses sem
reunir-se e sem que de fato ocorresse a cobrança de nenhum outro militante, como afirmou a
atual presidente do Fórum:

[...] eu vejo que ele não tem reconhecimento muitas vezes dentro do
movimento negro, por que todos sabem a ciência de que o fórum exista,
outro dia falei numa reunião: olha o fórum ficou uns três meses sem fazer
reunião, nenhum militante do movimento negro ficou incomodado, nenhum,
sabe o que é ninguém perguntar por que não aconteceu reunião, então ele
não tem interesse com esse grupo (ENTREVISTA, Vania L. Baptista, 2013).

É fato também que mesmo antes da interrupção das reuniões deste Fórum
ele já se encontrava esvaziado, quase sempre frequentado por meia dúzia de pessoas, e em
todas as reuniões praticamente os mesmos militantes. E este espaço que é favorável aos

90
O CEDINE-MS e o Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro-MS em parceria com a FETEMS
realizou o I Seminário “A África na sala de aula”, em 2012. O evento marcou o compromisso da FETEMS
com o cumprimento e a cobrança da Lei 10.639/2003. Paralelamente tentou-se articular um grupo para
debater a questão das ações afirmativas na UFMS. O grupo não conseguiu reunir-se em número
suficientemente representativo antes do vestibular. A reunião havia sido solicitada pelo professor Lourival dos
Santos, docente na UFMS campus de Três Lagoas, que fazia parte da comissão responsável pela elaboração
do modelo de Ação Afirmativa a ser implementado pela UFMS.
113

interesses da sociedade civil, ou de articulação, de formação de estratégias de planejamento


das atividades encontra-se inativo, o que torna o CEDINE-MS o principal articulador das
estratégias para o movimento negro local.
O Fórum das Entidades, atualmente, é representativo do movimento negro
apenas para eventos e burocracias, suas atividades de articulador das ações do movimento
negro local estão inativas, sobrecarregando os militantes que atuam no CEDINE-MS. O
Conselho passa a ser este articulador da demanda do movimento negro, apesar das limitações
de horários e períodos, e dificulta sua finalidade, o controle social.

CPPIR-MS

A Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – CPPIR-


MS é criada no primeiro mandato do governador José Orcírio Miranda – Zeca do PT – nasce
do compromisso firmado durante a campanha com movimento negro, ou parte dele ao menos,
apesar de o início do governo não ser em nenhum momento pautada a questão racial. A
militância de alguns integrantes do Grupo TEZ, principalmente os vinculados ao grupo de
Ben-Hur Ferreira no partido, levou alguns a também pertencerem ao quadro governista. Uma
dessas pessoas, Lucimar Rosa Dias, estava fazendo política educacional na Secretaria de
Educação, e atuou com mais segurança com a vinda do Ben-Hur Ferreira para a Casa Civil.
Como ela, Lucimar Rosa Dias, em entrevista afirma “No início do governo Zeca, não há uma
composição que privilegie a questão racial. Essa presença negra ela vem, na minha
avaliação, por conta do vínculo que nós tínhamos com o Ben-Hur” (ENTREVISTA, Lucimar
R. Dias, 2013)
Ben-Hur Ferreira, tinha sido o deputado federal mais bem votado do MS,
era a pessoa no PT mais conhecida no estado depois do atual governador Zeca do PT, e ao ser
interrogado sobre por que deixar Brasília para vir para Casa Civil do Governo Zeca, que
estava em crise, ele defende que o governo de esquerda no MS era o desafio de sua geração,
era um projeto no qual ele doou todo seu carisma.

Eu sempre coloco em minha defesa, que eu não vim por oportunismo, vim
por uma questão muito pessoal, isso é verdade, mas eu não vim por
oportunismo, eu vim pra um governo em frangalhos, e o maior projeto da
minha geração era chegar ao governo do estado, então eu vim pra ajudar um
projeto que estava fracassando, e doei todo meu carisma, minha força, fui
pro embate, vivenciei não me arrependo. Eu no final da história não me
arrependo (ENTREVISTA, Ben-Hur, 2013).
114

Com a chegada do Ben-Hur à Casa Civil houve uma reforma administrativa,


na qual nasceu a Interlocução de Governo para Assuntos da População Negra. Lucimar que
acabara de retornar de um curso de administração pública para questão racial, realizado em
Brasília pelo Edson Cardoso, que inclusive foi assessor do Ben-Hur enquanto ele era
Deputado Federal, voltou para o governo com o pensamento fixo, a criação de uma proposta
de intervenção do governo na demanda racial, parte dela a iniciativa, o próprio Ben-Hur
afirma “foi o caso de tomar iniciativa, a Lucimar que tomou a iniciativa né, ela que articulou,
ela que ia atrás, ela é a grande responsável.” (ENTREVISTA, Ben-Hur, 2013).
Ben-Hur Ferreira certamente teve que negociar com o governador para
criação da Interlocução. Raimunda Luzia de Brito também militante e atual coordenadora da
CPPIR-MS, aponta um importante indício, que é o salário.

Foi muito difícil para o Ben-Hur criar a coordenadoria, tanto que eu ganho
quase R$ 2.000 menos que a coordenadora da mulher, que a coordenadoria
da mulher foi criada com ajuda do Zeca e a nossa foi uma briga do povo
negro (ENTREVISTA, Raimunda L. Brito, 2012).

Raimunda, apesar de sua filiação ao PMDB, reconhece que o PT foi um


partido comprometido com a questão racial, mas também revela que a discrepância de salário
também tem outra explicação, que é o fato da Coordenadoria da Mulher ter tido como
primeira ocupante do cargo, Gilda Maria Gomes dos Santos, mulher do então Governador,
Zeca do PT. Este saiu do governo acusado de nepotismo, favorecimento de uma empreiteira
(mencionado na operação Uragano da polícia federal), enriquecimento ilícito entre outras
contravenções.
A Interlocução de Governo para Assuntos da População Negra teve como
primeira pessoa na direção a própria Lucimar, e o órgão criado permanece com esse nome até
o final do primeiro mandato Zeca do PT, o que também corresponde ao período de
permanência da Lucimar nos quadros governistas.

[...] a ideia era que nós fizéssemos um recorte transversal nas políticas de
governo e aí por isso esse nome, depois que ela vai se transformar depois,
inclusive que eu saio do governo, ela vai se transformar em Coordenadoria,
que hoje é CPPIR-MS (ENTREVISTA, Lucimar R. Dias, 2013).

A CPPIR-MS é rebatizada, a aproximação entre alguns militantes do Grupo


TEZ com o PT proporcionou uma maior inserção da temática racial no estado, que criou
115

Programa de Superação das Desigualdades Raciais de MS 91. Buscava-se com a Interlocução


manter um diálogo constante com as outras secretarias de governo, ou seja, na prática era a
mesma tarefa atribuída à CPPIR-MS.
O segundo mandato Zeca do PT, teve como a frente da CPPIR-MS, Ana
Lúcia Sena, conhecida militante do Grupo TEZ e também filiada ao PT na época. Nesta nova
gestão da reeleição do Zeca do PT, houve várias mudanças, além da coordenadoria, Ben-Hur
Ferreira também saiu do governo. Apesar de seus esforços para se tornar vice-governador, foi
derrotado dentro do PT, segundo ele, desavenças pessoais com o governador Zeca do PT
colaboram para derrota.
Na CPPIR-MS, antes de assumir enquanto coordenadora, Ana Sena, foi a
primeira presidente do Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro:

[...] eu me lembro que eu me tornei coordenadora do fórum, eu não sei se


consigo te lembrar, assim, sabe, com exatidão a sequência dos fatos, porque
era muita coisa também, né, eu lembro que eu fui para lá (Fórum da
entidades.). Isso, eu fui a primeira coordenadora do fórum de entidades do
movimento negro, eleita pelo movimento negro e quando eu fui para a
reunião nem sonhava que ia ser coordenadora, eu fui para a reunião porque
fazia parte do movimento, e tal. (ENTREVISTA, Ana Sena, 2012).

A CPPIR-MS mantinha a mesma função de articuladora entre as secretarias


do governo estadual em prol da demanda racial. Foram solicitados gestores de cada secretaria
para reuniões mensais com a CPPIR-MS, eram os responsáveis dentro de suas respectivas
secretarias pela demanda racial. Os quilombos estaduais foram visitados por servidores
vinculados a CPPIR-MS, muitos militantes mantinham contatos via a Coordenadoria com o
movimento negro em Campo Grande. Foi criado um fórum intermunicipal para discutir as
questões raciais nos municípios, criar mais coordenadorias, ou assessorias de promoção da
igualdade racial em outros municípios, numa tentativa de municipalizar as políticas de
promoção da igualdade racial. Materiais pedagógicos surgiram para apoiar professores em
sala de aula com temáticas raciais, assim como capacitação de professores estaduais. Algumas
atividades são citadas pela Vania L. B. Duarte, que trabalhou esse período na CPPIR-MS:

91
O Programa de Superação das Desigualdades Raciais de Mato Grosso do Sul, foi elaborado no primeiro
mandato do Governo Zeca do PT e será mais bem discutido no item 3.2 da dissertação.
116

[...] íamos até as comunidades pra verificar quais eram as dificuldades, não
falo que solucionávamos as questões, mas pelo menos nós tínhamos o olhar
e procurávamos pontuar algumas questões ali, de política mesmo de
recursos, a educação era a mesma coisa tinha capacitações, nós
trabalhávamos juntas nessas capacitações. Muita com a educação, essas
capacitações, tanto com polícia militar, daí nós fomos para várias cidades do
interior onde tinha batalhão, então na formação dos policiais nós já tínhamos
disciplinas com 20 ou 16 horas/aulas trabalhando essa questão. Na educação
nós conseguimos fazer várias capacitações também (ENTREVISTA, Vania
L. Baptista, 2013).

A partir de 2007, assume o governo do estado, André Puccinelli (PMDB).


Apesar de algumas dúvidas terem surgido quanto à continuidade da CPPIR-MS em seu
governo, ele a manteve, e em sua direção Raimunda Luzia de Brito, uma militante altamente
respeitada no estado e filiada ao PMDB, é assistente social, advogada e é professora
aposentada da UCDB.
A falta de compromisso com políticas de promoção da igualdade racial do
governo do PMDB no MS é expressa, na maneira com a qual foi atendida uma das demandas
do movimento negro, que foi a manutenção da CPPIR-MS em seu governo, que não
viabilizou nenhuma condição para o desenvolvimento de um trabalho, de uma política
específica de redução das desigualdades raciais no MS. O governo de André Puccinelli
(PMDB), no que diz respeito a políticas de promoção da igualdade racial, tem sua
participação, apenas, na ratificação dos projetos de lei aprovados no interior da assembleia
legislativa.
O seu partido político possui uma maioria e não barrou nenhum dos projetos
de lei, que hoje são leis estaduais92 que estão colaborando com a redução das desigualdades
raciais no estado. O Deputado Amarildo Cruz93 (PT), autor de dois projetos de lei, afirma o
seguinte:

92
A lei n°3.594 que institui cotas para negros em concursos públicos de Mato Grosso do Sul, de autoria do
deputado Amarildo Cruz (PT), foi sancionada pelo governador André Puccinelli (PMDB) no dia 08/09/09. O
projeto de lei 043/2010, aprovado em 04/05/2010 de autoria do deputado estadual Amarildo Cruz (PT) que
institui feriado estadual o dia 20 de novembro. No entanto, julgada procedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2010.035531-5, proposta pela Federação do Comércio de Mato Grosso do Sul contra
a Lei Estadual nº 3.958/2010, que também havia instituído feriado estadual o dia 20 de novembro.
93
Milita no PT desde 1984, foi eleito Deputado estadual pela primeira vez em 2006, e ficou de suplente nas
eleições de 2010, assumindo a cadeira em 2012 novamente.
117

André Puccinelli é adversário político do meu partido, é adversário político


meu, acho que o André tem equívocos no governo dele, [...] o André
sancionou sem eu ter nenhum problema, não teve nenhum tipo de
questionamento, ou veto ou coisa desse tipo, não teve. Do jeito que foi
aprovado foi sancionado, e mais do isso, eu tenho certeza que ele não
colocou a bancada, ele não interferiu na bancada, por que se ele interferisse
não aprovavam. Eles têm maioria lá dentro, então o que é justo é justo,
embora eu continue sendo adversário político dele, mas nessa questão em
particular foi essa a postura dele. (ENTREVISTA, Amarildo Cruz, 2013).

Apesar da não intervenção do governador nos projetos de lei apresentados


pelo Deputado Estadual Amarildo Cruz (PT), a atuação da CPPIR-MS em seu governo foi
muito mais tímida. Assim que foi eleito governador, André Puccinelli em reunião com
integrantes do movimento negro, garantiu ao menos, a permanência do José Roberto Camargo
de Souza, o “Zezão94”, como interlocutor do INCRA95 para
assuntos quilombolas no estado, cargo que já ocupava com o governador
Zeca do PT, e segundo Aleixo Paraguassú, presente na reunião, também foi feito um pedido
quanto a CPPIR-MS:

Pedimos que Raimunda Luzia de Brito fosse nomeada coordenadora da


CPPIR-MS, a entidade análoga à secretaria da República que trata da
questão racial, ela foi nomeada coordenadora e nós somos grato ao governo
por isso, só que, a Raimunda foi nomeada sozinha, sem nenhum assessor, ela
era única numa assessoria dessa, sem as mínimas condições de realizar um
trabalho significativo (ENTREVISTA, Aleixo Paraguassú, 2012).

Raimunda Luzia de Brito assume a CPPIR-MS após essa negociação, que


possibilitou a continuidade da coordenadoria, no entanto, com uma debilidade para uma
atuação eficaz. Sua presença representa a CPPIR-MS, e por mais de uma vez a vemos dizer
que se ela é uma “euquipe” na coordenadoria, ficando assim incapacitada de realizar uma
política de fato. E o mesmo é observado, tanto por ela, quanto pelos militantes fora da
coordenadoria, de que na ausência de políticas, as únicas coisas possíveis são eventos, como
crítica Vania Lúcia B. Duarte96:

94
“Zezão” como gosta de ser chamado é advogado, e coordenador de instrução processual das regularizações
fundiárias dos territórios quilombolas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além
de membro do Instituto Casa da Cultura Afro-brasileira (ICCAB).
95
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), apesar de ser um órgão federal, os estados
nomeiam interlocutores para atuarem em suas demandas estaduais.
96
Historiadora e moradora descendente da Comunidade Tia Eva em Campo Grande. É presidente da associação
de moradores da Comunidade, e do Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de Mato Grosso
do Sul, atua como assessora do parlamentar do Deputado Estadual Amarildo Cruz (PT).
118

[...] é por que evento ele se vai no vento, ele não é política, eu sei de alguns
eventos que a CPPIR-MS realizou, mas evento não é política, e pra ela
elaborar uma política é diferente, eu penso que é diferente, e o que ela tem
feito é evento, quando eu falo ela não é a Raimunda é ela a CPPIR-MS, ela
tem realizado alguns eventos, palestras participado de algumas ações fora do
estado, algumas atividades institucionais, mas política não teve
(ENTREVISTA, Vania L. Baptista, 2013).

As três coordenadoras que estiveram à frente da CPPIR-MS foram


entrevistadas no decorrer da pesquisa, todas apontam a Coordenadoria como uma conquista
política do movimento negro estadual. E o reconhecimento da CPPIR-MS como esse espaço
político importante, também reforça a participação nos Partidos Políticos, uma vez que eles
pautam a direção da CPPIR-MS, entre outros cargos possíveis. No MS, é de conhecimento
dos entrevistados para essa pesquisa que, somente três partidos possuem um espaço próprio
para discussão racial, sendo eles: o PT, primeiro a criar uma comissão no partido, e o PMDB
e PDT são os outros paridos que possuem lócus específicos para discussão racial no estado.
O caso sul-mato-grossense nos apresenta os processos de ongzação, mas
também de internalização no estado, ou seja, aspectos nacionais do movimento negro, no
entanto, com as especificidades regionais. Espero ter conseguido demonstrar as fragilidades
da demanda racial no MS, as entidades listadas no anexo C, em grande parte não desenvolvem
nenhum trabalho, por não possuir convênio algum, nem recursos próprios. Os órgãos alocados
no interior do estado (CEDINE, CMDN, CPPIR E FORPEDER) são mais exemplares ainda,
da falta de compromisso político-partidário com a demanda racial por parte dos governos.
As políticas públicas conquistadas serão analisadas no próximo capítulo, as
implementadas são todas conquistas jurídicas, carregadas da força da lei, que é a maneira
mais eficaz, encontrada pelo movimento negro, para efetivação de promoção da igualdade
racial, todas as outras atividades são eventos, tão efêmeros quanto às premiações da câmara
dos vereadores ou deputados de Campo Grande e MS às personalidades negras do estado.
No próximo item tratamos de uma das entidades do movimento negro, pois,
a institucionalização interferiu muito na concepção movimento social. Acreditamos que ao
verificar uma entidade poderemos de modo mais minucioso, apontar de que maneira ocorrem
as aproximações com o estado, movimento negro, Conselhos e Fóruns, pois esta organização
representa a maneira atual da estrutura interna da sociedade civil negra. Nessas esferas são
pensadas estratégias de intervenção, políticas de influência na sociedade política, as pressões,
reivindicações, participação em eventos públicos e protestos no cenário sul-mato-grossense.
119

3.4 INSTITUTO LUTHER KING (ILK): UMA DAS ENTIDADES DO MOVIMENTO NEGRO SUL-
MATO-GROSSENSE

Nascimento e finalidades

Através da observação participante no ILK, pretendemos demonstrar o quão


institucionalizado se encontra o movimento negro e, que apesar de conquistas importantes
advindas desse processo são necessárias atuações mais incisivas na formação da agenda
pública estadual. Os espaços de voz conquistados: Conselhos, Coordenadorias, Fóruns, todos
necessitam de um espaço de formação política, sobre os caminhos burocráticos, e o papel de
cada qual na esfera pública.
O ILK, como aponta o subtítulo é uma das entidades do movimento negro
de MS. Seu idealizador, Dr. Aleixo Paraguassú, é um dos mais respeitados militantes no
estado, foi um dos maiores defensores das políticas de ação afirmativa. O ILK é criado em
2003, o teve como seu fundador, e por três eleições (seis anos) participa do CEDINE-MS e de
outras ações militantes.
Aleixo Paraguassú Netto, um importante militante do movimento negro sul-
mato-grossense foi o fundador do Instituto Luther King, também é Juiz de Direito aposentado,
militante do movimento negro de MS; ex-secretário de Estado de Justiça e de Estado de
Educação e, atualmente, vive em Campo Grande com sua esposa Dona Maria, companheira
de muitos anos.
Sua proximidade com associações raciais antecede sua chegada a MS, se
lembra, ainda de associações em Minas Gerais, mais especificamente Belo Horizonte, sua
cidade de origem. Seu pai como ele mesmo relata já havia presidido uma associação cultural
de vertente racial.

[...] lembro, por exemplo, que meu pai, por volta de 1940 mais ou menos, ele
foi presidente em Belo Horizonte, em Minas Gerais, de uma associação para
o progresso dos homens de cor, que era uma similar que existia nos Estados
Unidos, lembro-me dele atuando, não me lembro de forma pormenorizada
porque era aluno de colégio interno, mas nas minhas saídas esporádicas
lembro-me dele a frente de movimentos culturais como a congada, que é
uma manifestação, com misto de religião – cultura e religião – e é peculiar à
África e ele como presidente dessa associação atuava (ENTREVISTA,
Aleixo Paraguassú, 2012).
120

Dr. Aleixo atuou como presidente do CEDINE-MS e foi um dos maiores


defensores das Ações Afirmativas durante vários debates ocorridos na UEMS, na ocasião em
que se implantaram as Ações Afirmativas na Universidade. A implementação se deu via uma
lei de autoria do Deputado Estadual Pedro Kemp97 e, na época houve muita discussão em
torno da constitucionalidade dessas políticas compensatórias. Em MS, Aleixo Paraguassú foi
o protagonista da defesa da constitucionalidade da medida, nessa e em outras ocasiões.
O Instituto Luther King- Ensino, Pesquisa e Ação Afirmativa (ILK) é uma
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que promove atividades
educacionais, fornecendo curso pré-vestibular, gratuitos a alunos de baixa renda, utiliza como
um dos seus princípios de Ação Afirmativa, como critério de seleção dos seus alunos. O nome
da instituição foi sugestão do próprio Aleixo Paraguassú, por credenciar ao reverendo Martin
Luther King Jr o protagonismo na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, fato que,
fortaleceu a adoção de Ações Afirmativas naquele país. O ILK se pretende enquanto “mais
um instrumento de superação da desigualação injusta a que são submetidas amplas camadas
da população brasileira” (ILK, 2003, ata nº1). O ILK nasce como sonho de um integrante do
movimento negro de MS, Aleixo Paraguassú Netto, que com apoio de alguns amigos
consegue fundar a instituição em 15 de fevereiro de 2003, em Campo Grande, e objetiva criar
um espaço intercultural de aprendizagem, e um meio de combater as desigualdades sociais e
etnicorraciais.
Uma das finalidades do ILK – a primeira, – relaciona os serviços
educacionais à Ação Afirmativa, afirmando o compromisso social e político da instituição
com tal medida;

a) oferecer serviços educacionais, não seriados e não formais, com ênfase na


modalidade ações afirmativas ou medidas especiais compensatórias
destinadas a pessoas reconhecidamente carentes e/ou pertencentes a minorias
sociais, preferencialmente crianças e adolescentes [...] (ESTATUTO, 2011).

O compromisso político do ILK torna a aparecer de maneira mais detalhada,


no item “f” do mesmo estatuto, ainda versando sobre as finalidades da instituição, tornando
mais evidente assim, a adesão à promoção da igualdade e a defesa dos Direitos Humanos;

97
Através da lei 2.605, de janeiro de 2003, de autoria do Deputado Estadual Pedro Kemp (PT) instituiu-se
Ações Afirmativas na UEMS.
121

f) combater todos e quaisquer tipos de preconceitos, segregação,


estigmatização e intolerância, bem como as práticas de discriminação racial,
em todas suas manifestações, buscando construir uma sociedade da qual
sejam eliminadas todas as formas de exploração, e ainda promover o respeito
aos Direitos Humanos (ESTATUTO, 2011).

O ILK desde sua criação se localiza, na Av. Fernando Correa da Costa, 603,
sendo na região central da cidade de Campo Grande, mas o público-alvo da instituição mora
na periferia da cidade, não na região central. Exigindo-se assim o deslocamento da maioria de
seus alunos, e torna-se assim um dos fatores de desistência para aqueles que, com menos
condições financeiras, possuem maiores dificuldades com transporte público. No entanto,
outros tantos que trabalham ou estudam na região central da cidade, tem sua vinda facilitada,
já que reduz os gastos com transporte público, utilizando o do trabalho ou da escola. Em
ambas as realidades enxergam-se reflexos do perfil do alunado de baixa renda do ILK.
O fato de ser uma instituição no centro da cidade, e não num bairro, a torna
também um ponto de referência para ex-alunos da instituição, e por várias vezes é possível
encontrar ex-alunos da instituição confraternizando ou se valendo do espaço do ILK para
encontros, estudos e outras interações. Ex-alunos são figuras presentes no ILK, não em sua
maioria, evidentemente, mas são frequentes. Outra peculiaridade sobre a localidade é que o
ILK, por ser no centro da cidade, possui a capacidade e “congrega alunos de diferentes
comunidades” (BITTAR, M; MORAES, W, 2012, p.255), acaba-se por se tornar um novo
espaço de interações.
O ILK nasce do desejo de democratização do acesso ao Ensino Superior,
com o compromisso de redução da desigualdade educacional, voltado para o combate a todas
as formas de racismo e preconceito, utilizando as Ações Afirmativas como método de
promoção da igualdade e posicionamento político. E o público-alvo da instituição que é: “[...]
formado por negros, índios, pessoas com deficiências e brancos carentes, com ênfase na
política de ação afirmativa por meio da educação não formal” (MORAES, 2009, p.60).
A educação é o instrumento de mudança das hierarquias sociais e da sub-
representação na sociedade, é usada como veículo de promoção de uma cidadania ativa e
meio para ascensão social. Com a pretensão de formar não apenas um público acadêmico
diferenciado, mas de também criar uma atitude política mais participativa, essa crença fez da
opção educacional, o viés do ILK.
122

O ILK

A instituição que em 2013, comemorou seus 10 anos de funcionamento,


também passou por mudanças importantes ao longo desse período. A mais importante, de
diretoria ocorreu em 2013, mais precisamente dia 20 de fevereiro de 2013, segundo a ata
institucional nº 53. A instituição encontra-se com quatro salas de aula equipadas com
carteiras, ar-condicionado, lousa digital e disponibilidade de cerca de trinta e cinco (35)
alunos por sala; possui uma biblioteca com cerca de 5.000 livros; uma estação digital com
capacidade de 10 alunos por turma; uma cozinha devidamente equipada para lanches e
jantares; um estacionamento, uma secretaria acadêmica e sala para os coordenadores
pedagógicos e os professores; esta descrição abrange apenas o espaço físico da instituição e
sua capacidade.
O período letivo é de fevereiro a dezembro, os professores são cedidos pelo
governo do estado, utilizam apostilas e os recursos tecnológicos da instituição, além de visitas
técnicas a laboratórios universitários planejados pela coordenação pedagógica. O caráter
pedagógico dos cursos pré-vestibulares não sofre qualquer fiscalização estadual, nem do
Conselho Estadual de Educação, nem da Secretaria Estadual de Educação, portanto, não
possui normatização de disciplinas, carga horária ou conteúdos obrigatórios. Sendo assim as
disciplinas ofertadas no curso pré-vestibular são as seguintes: Português, Redação, Literatura,
História, Geografia, Matemática, Física, Química, Biologia e Espanhol. Disciplinas como
Artes, Filosofia e Sociologia, apesar de ser conteúdo nas provas do ENEM98 e de tratarem
questões importantes para uma formação cidadã, não compõe o currículo oferecido pelo ILK.
A instituição também se isenta de oferecer uma disciplina específica que trate as diferenças e
singularidades das desigualdades que visa combater, desigualdades de raça e gênero
principalmente.
Como funcionários do ILK existem apenas duas, responsáveis pelos
serviços gerais: limpeza do espaço, preparação dos lanches e jantares, elas também ocupam a
biblioteca em horários de maior fluxo pela aquisição de livros, essas atividades são divididas
entre Roseli Vieira da Silva, a Rose; e Marilene Monteiro Batista.
Os outros funcionários que atuam no ILK possuem diferentes vínculos, os
professores e a coordenação pedagógica são pagos pelo governo do estado como contratados,

98
Exame Nacional do Ensino Médio, criado em 1998 e é o maior exame do Brasil, avalia o Ensino médio, mas,
também possibilita o acesso a educação superior através do SISU e do PROUNI. In. http://portal.mec.gov.br/
acessado em 11/04/2013.
123

a exceção da professora de português – Cleir Silvério Rosa – que é cedida e não contratada,
uma vez que é concursada. A funcionária da coordenação administrativa – Luciana de Souza
Nantes – recentemente tornou-se, uma profissional cedida pelo Deputado Estadual Lauro
Davi do Partido Socialista Brasileiro - PSB e, desonerou o ILK desde fevereiro de 2013. A
funcionária da estação digital do ILK, também é paga pela instituição, porém, iniciou o ano de
2013 sem utilização da sala, em parte por falta de recursos financeiros, mas também devido à
licença maternidade da antiga funcionária, Tânia Márcia Pereira99.
Outras importantes mudanças ocorreram ao longo dos dez anos de ILK, boa
parte com relação à estrutura física e, consequentemente, nos alunos desta instituição. Em
agosto de 2003, início da primeira turma, foram ofertadas 70 vagas para seis meses de curso
pré-vestibular, a partir de 2004, o curso pré-vestibular passou a ter duração de 11 meses.
Esses dois primeiros anos tiveram como critério de seleção, uma prova realizada com os
candidatos, posteriormente, a partir de 2005, optou-se pelas notas trazidas do ensino médio.
Soma-se ao critério da nota a necessidade de ser aluno oriundo da escola
pública, e pertencente a um núcleo familiar de renda per capita de um salário mínimo100. As
vagas disponíveis são remanejadas conforme os critérios de ação afirmativa definidos pela
instituição: 45% para negros, 45% para brancos e os 10% entre indígenas e portadores de
alguma deficiência. Na medida do possível tenta-se preservar uma proporção de gênero
também, que dificilmente se mantém pela maior procura ser das mulheres pelo curso pré-
vestibular. Estes critérios nunca foram alterados desde a fundação da instituição, a exceção de
alunos com bolsas de 100% em escolas privadas que passam a ser aceitos a partir de 2009.
Ainda em 2004, após o primeiro aniversário do ILK, há uma ampliação do
espaço físico da instituição, que tem somado 06 salas e um banheiro no mesmo endereço, e o
antigo espaço tornou-se desde então biblioteca e sala de informática, que inicia a partir de
2004, com apoio da prefeitura municipal. Em 2005, ainda com 70 vagas, o ILK conseguiu um
convênio com Instituições de Ensino Superior (IES) privadas do estado, que permitia a
concessão de bolsas de estudo para alunos egressos do ILK, nas seguintes IES privadas:
UCDB, IESF, UNAES e UNIDERP101. No mesmo ano um projeto de informática foi
aprovado garantindo um público constante do curso de informática:

99
Retomou suas atividades na estação digital desde maio de 2013.
100
Janilce, a coordenadora pedagógica chegou a mencionar a necessidade de alterar o valor mínimo da renda
familiar de um salário mínimo per capita para 1,5. Muitos inscritos tinham valores um pouco acima de um
salário mínimo.
101
As IES são respectivamente: A Universidade Católica Dom Bosco – UCDB; o Instituto de Ensino Superior
da FUNLEC – IESF; e as duas últimas pertencem ao Grupo Anhanguera Educacional Superior desde outubro
124

A aprovação do projeto Inclusão Digital, da Fundação Social do Banco do


Brasil possibilitou o atendimento de 200 alunos por ano - crianças, jovens e
adultos, com o curso de informática básica, a partir de 2006 [...] (MORAES,
2009, p.73).

E logo em seguida outro projeto da informática foi importante para


instituição:

Avançando o seu atendimento na área de informática, foi oferecida, em


parceria com a Fundação Bradesco, capacitação para pessoas com
deficiência visual; foram capacitados seis multiplicadores, o que possibilitou
ao Instituto Luther King oferecer curso de informática com programas
tecnológicos, como os de Virtual Visson, Dos Vox, Text Bridge, Gênios-
Scanner, para as pessoas com deficiências visuais de acordo com a demanda
(MORAES, 2009, p.73).

Em 2006 o número de vagas para aluno do ILK foi para 82, e mais um
projeto foi aprovado pela instituição, que teve pela primeira vez, desde a fundação, uma lista
de espera para candidatos portadores de algum tipo de deficiência. Nos anos anteriores
sempre o número de inscritos era compatível com as vagas ofertadas no ILK. O projeto:

Trata-se do Projeto Diversidade na Universidade, implantado pelo Ministério


da Educação - MEC/UNESCO, por meio da Lei nº 10588/2002, com a
finalidade de programar e avaliar estratégias para a promoção do acesso à
educação superior de pessoas pertencentes a grupos sociais desfavorecidos,
especialmente à população negra e indígena, cuja ação é o apoio financeiro
às instituições que organizam cursos preparatórios para vestibular,
delineados como Projetos Inovadores de Cursos (PICs), cujo objetivo geral é
o de apoiar a promoção da equidade e da diversidade na educação superior
(MORAES, 2009, p.74-75).

Em 2007, as vagas puderam ser ampliadas novamente, pois nos anos de


2005 e 2006, por meio de um convênio com o governo do estado, o ILK cedia uma sala para
um curso pré-vestibular popular oferecido por eles. À troca de governo, de Zeca do PT (PT)
para André Puccinelli (PMDB), o curso cessou, e o ILK decidiu por abrir uma terceira sala de
aula, o que possibilitou um aumento para 124 vagas. Nesse ano o número de inscritos para
essas vagas chegou a 769. Com recursos de projetos aprovados em 2007, o ILK conseguiu
comprar um carro popular de modelo básico, utilizado para atividades externas da instituição,
visitas aos alunos e atividades da coordenação administrativa.

de 2007, são elas: a União da Associação Educacional Sul-Mato-Grossense – UNAES e, Universidade para o
Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP.
125

Já era de conhecimento do ILK, de que a maior parte da evasão de alunos


era devido aos valores do transporte público, e em 2008, chegou a fazer ajuda de custo para
alguns alunos com maiores dificuldades econômicos no transporte público. Neste ano de 2008
alguns alunos do ILK participaram da Conferência Estadual de Políticas Públicas de
Juventude no Grupo de Trabalho – Raça, Gênero e diversidade Sexual, os líderes de cada sala
representaram o ILK; também foi realizada sob a organização da então Presidente do ILK,
Regina M. de Campos Haendchen, o Programa Cultura Afro, no espaço do Teatro Aracy
Balabanian, realizaram uma série de danças, músicas, poesias, capoeira e outras atividades
que eram ligadas a cultura negra no Brasil.
Neste ano de 2008 uma grande mudança ocorre na coordenação pedagógica
do ILK, com a saída das coordenadoras e Wanilda C. Soares de Moraes102 e Maria
Eulina Rocha dos Santos, e a entrada respectivamente, de Janilce Meire Gomes Muniz e
Renilda dos Santos Ferreira. A Renilda já atuava na instituição como educadora responsável
por turmas curso de informática. Em meio a muitas conversas enviesadas, a demissão ainda
permanece pouco comentada. Na ocasião, Regina M. de Campos Haendchen era presidente e
Dr. Aleixo Paraguassú se encontrava em viagem na Alemanha. O ILK abriu uma quarta sala
neste ano, ampliando sua capacidade de alunos em mais 35 alunos aproximadamente.
Tornou-se comum com o passar dos anos a exibição de vídeos, a realização
de palestras. Só no ano de 2009, tivemos uma semana de homenagem à mulher em março;
orientação profissional; em abril um documentário sobre Povos Indígenas; uma palestra em
maio, sobre Ações Afirmativas, com Paulo Cabral professor da UNIDERP; em junho uma
palestra sobre Direitos Humanos; festa julina entre os alunos; uma palestra motivacional sobre
autoestima em agosto; visita a exposições e feiras de profissão; semana da consciência negra.
Foram realizados no mínimo dois simulados, nas proximidades do principal vestibular da
cidade, o da UFMS, que possuía duas entradas em julho e fevereiro do ano seguinte, alguns
aulões103 foram divulgados e frequentados pelos alunos.
Em 2010, formaliza-se um convênio com o curso de Ciências Sociais da
UFMS, para o ILK receber alunos na condição de estagiários, e algumas alunas da Psicologia
iniciam um projeto de orientação profissional com alunos do ILK. A primeira lousa digital

102
Wanilda Coelho Soares de Moraes foi coordenadora pedagógica do ILK até 2008, período em que também
era mestranda na UCDB em Educação, defendeu em 2009 sua dissertação de título: Ações Afirmativas e o
acesso de negros na educação superior: Um estudo de caso do Instituto Luther King – ILK.
103
“Aulões” são as últimas aulas que antecedem ao vestibular ou ENEM, tradicionalmente organizado pelo
curso pré-vestibular da UFMS, mas também por outras instituições da cidade. A na maioria das vezes a
entrada é alimentos não perecíveis, ou outros produtos para doações. São aulas mais descontraídas e focadas
em conteúdos pontuais.
126
104
surge nesse ano através do Deputado Estadual Paulo Duarte (PT) . Neste ano ainda
ocorreram dois fatos inéditos: primeiro uma excursão para o Pantanal de Corumbá, realizada
pelo professor de Geografia com alguns alunos do ILK, o professor Uta, que fez parte do ILK
de 2003 até 2011105, outro fato foi, a participação de alunos no ILK no Concurso Beleza
Negra MS106, com três candidatos, sendo duas mulheres e um homem.
Um novo convênio, agora com a Brasil-Foundation, começa a firmar-se no
ano de 2011, para realização do Curso de Capacitação em administração e políticas públicas
de lideranças negras para promoção da igualdade racial em MS. O curso teve suas atividades
realizadas aos sábados; Regina M. de Campos Haendchen recebeu uma homenagem da
câmara municipal – Prêmio Mister Apa107 – que tanto o ILK quanto Aleixo Paraguassú já
recebeu. Este ano teve também dois almoços beneficentes realizados em prol do ILK que
estava com necessidades financeiras. Por conta do espaço físico reduzido, o ILK teve que
doar livros. Foram encaminhados a entidades do movimento negro livros que não
comprometessem a formação no ILK.
Houve no final de 2011 uma nova ampliação no espaço físico, que
possibilitou a construção de novos banheiros, salas de reunião, mudança da sala de
informática e uma sala ainda em desuso, uma ampla área foi disponibilizada aos alunos como
garagem, muitos que vem de moto a deixavam na rua ou no ILK, que não possuía um espaço
adequado para esses veículos.
Há a implantação do PLANO EDUCAÇÃO da IESDE108, que oferece
vídeo-aulas via internet de disciplinas do ENEM. Foi disponibilizada uma senha por aluno
para acessar as vídeo-aulas que serviram de apoio aos estudos preparatórios para o ENEM e
Vestibulares, esta foi a novidade de 2012. Um convênio com a ELETROSUL foi firmado em
abril do mesmo ano, que acabou por disponibilizar 40.000,00 R$ ao ILK, em serviços,
uniformes, materiais didáticos entre outras coisas. Apesar da expectativa de manter o

104
Atualmente é prefeito da cidade de Corumbá, mas através de uma emenda parlamentar, o então Deputado
Estadual doou a lousa digital e participou da primeira capacitação que foi dada aos professores.
105
Tsinduka António Muana Uta, um professor de Geografia nascido e criado Angola saiu do ILK para voltar ao
seu país em trabalho de evangelização. Enquanto esteve no ILK o professor Uta trabalhava temáticas raciais,
e despersonificava a temática centralizada no Aleixo Paraguassú. O professor Uta também trabalhava
temáticas das relações raciais.
106
O Concurso caminha para sua sexta edição em 2013, promovido pelo produtor e idealizador Rodynei Pereira
Nolasco. Apoiado e organizado alguns anos por integrantes do movimento negro campo-grandense.
107
O Prêmio foi instituído por meio do Decreto Legislativo nº 954/2006, de autoria da vereadora Thais Helena
(PT), homenageando Aparício Luis Xavier de Oliveira – o Mister APA, em comemoração ao Dia da África e
mês da Consciência Negra, é entregue pelos vereadores a negros e a instituições que colaboraram com a
promoção da igualdade racial na capital.
108
Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino – IESDE desenvolvem atividades de formação educacional,
com base em tecnologia em vídeo-aulas e apostilas.
127

convênio para 2013, o mesmo não ocorreu. Segundo a ELETROSUL devido aos reajustes
realizados pelo Governo Federal, não tem mais orçamento disponível para estes convênios,
inclusive um que permitia a doação de valores financeiros, por parte dos consumidores ao
ILK, por meio da conta de energia foi cancelado.
A partir de 2012, optou-se pela aceitação de alunos que tivessem cursando o
terceiro ano do ensino médio também, e uma sala era composta só por esses alunos, para
facilitar o trabalho dos professores. Para 2013 manteve-se esta decisão e o ILK possui
aproximadamente 50 alunos com essa característica. O aumento da capacidade de atender
alunos e a redução da procura pelo ILK colaborou para essa decisão da direção e da
coordenação pedagógica.
Entre os anos de 2011 e 2013 todas as lousas foram substituídas por lousas
digitais, a primeira em 2011, veio com uma emenda do então deputado estadual Paulo Duarte
(PT). Os professores revezavam-se para poder utilizar a sala de aula com tal tecnologia, as
outras, também conquistadas por meio de uma emenda, mas agora do deputado estadual Paulo
Corrêa109 (PR), outras três lousas foram adquiridas pelo ILK. Os professores recebem
capacitação para utilizarem a lousa digital através de voluntários.
Verificando os calendários anuais de atividades do ILK, algumas constantes
surgem, uma rotina que inicia com divulgação do processo seletivo da instituição, este
normalmente tem seu início com o fim das atividades do ano anterior. O processo de inscrição
é o próximo passo, e quase sempre conta com a colaboração de ex-alunos, o processo seletivo
só se encerra com o fim das inscrições do período limite e em seguida, a seleção dos alunos
via suas médias escolares, e a partir de então inicia os procedimentos para aula inaugural, na
qual as normatizações e horários da instituição são transmitidos ao corpo discente da
instituição.
Com início das aulas as primeiras atividades listadas nos últimos anos (entre
2008 e 2012), que corresponde ao período da nova coordenação, a escolha de líderes em cada
sala de aula, que atuam como interlocutores entre a sala e a coordenação principalmente; e em
seguida, a realização de um concurso de redação, onde as melhores redações são listadas e
podem escolher ter aula com alguns professores particulares, que cobram pelas disciplinas que

109
O deputado destinou através de emenda parlamentar, R$ 30.000,00 ao ILK, utilizados em materiais diversos
e na aquisição das lousas digitais.
128

ministram. São professores de qualidade reconhecida em suas áreas, e que cedem algumas
vagas para alunos do ILK110.
Outras atividades são recorrentes nos calendários de atividades, como a
comemoração da Páscoa, que é marcada pela distribuição de pão e suco de uva para os alunos,
e com uma mensagem cristã transmitida, maior parte das vezes por um pastor; a Festa Julina e
a confraternização de fim de ano são outras comemorações recorrentes na instituição,
normalmente celebradas apenas pelos vinculados a ela; palestras, principalmente, sobre
mulher, negros, direitos humanos, ação afirmativa e divulgação de profissões são as mais
realizadas, frequentemente em meses significativos como da Mulher em março, abolição da
escravidão em maio, consciência negra em novembro, a questão indígena surge todos os anos,
normalmente sob a discussão ou debates com o apoio do Pontão de Cultura Guaicuru111.
A exceção das festas de páscoa de confraternização de fim de ano e a julina
as demais são atividades pedagógicas, que incluem visitas a campi universitários, feiras de
profissões ou laboratórios específicos com acompanhamento de um professor universitário e
os professores do ILK. A realização de simulados no ILK é uma tentativa de reproduzir parte
da tensão vivenciada no momento das provas. São realizados sempre próximos aos períodos
de avaliações, antes marcados pelos vestibulares de inverno e verão da UFMS e agora pela
data do ENEM.
Por motivos diversos torna-se impossível acompanhar todos os processos
listados, no entanto, o período de inscrição e seleção do corpo discente do ano de 2013 foi
acompanhado com maior atenção, onde pude colaborar no processo de inscrição dos
pretendentes a uma vaga na instituição e atuar mais próximo da coordenação pedagógica.
No período de inscrições dos alunos para o ano de 2013, portanto, no âmbito
da pesquisa ainda, colaborei em dez dias, últimos dez já que, são os períodos de maior fluxo
de pessoas, ajudando nas informações, conferindo a documentação dos inscritos, fotocopiando
documentos, atendendo telefones e realizando algumas entrevistas. Estas entrevistas eram
realizadas com alunos inscritos que por alguma razão, apresentavam algumas discrepâncias
quanto ao perfil dos estudantes que o ILK deseja.

110
Em 2013, os professores disponíveis são Mario Savioli ministrando matemática, física e química, e Isali que
ministra português, literatura e redação, respectivamente cedem 02 e 04 bolsas para alunos do ILK. Os
demais alunos de suas turmas pagam um valor mensal por mês, como um curso pré-vestibular que ministra
algumas disciplinas apenas.
111
Nasce com a intenção de valorizar manifestações culturais de Mato Grosso do Sul, potencializando a energia
criativa daqueles que produzem arte, trabalhando na produção, formação e difusão cultural. In.
http://www.pontaodeculturaguaicuru.org.br/acessado em 25/03/2013.
129

De maneira geral, os candidatos a alunos entrevistados não eram


desclassificados, mas muitos desconheciam ainda a instituição. Grande parte dos
entrevistados nem tinham prestado o ENEM do ano anterior, o que significa que mesmo os
jovens que vinham do 2º ano do ensino médio, só passaram a se preocupar com curso superior
há pouco tempo.
O período de inscrições é coincidente com os resultados do PROUNI e
SISU, ou seja, mesmo período em que os alunos do ILK do ano de 2012 estavam aguardando
os resultados de suas provas, e algumas ligações eram recebidas informando os cursos e as
universidades em que alguns alunos haviam sido aprovados.
Grande parte desse fluxo de informações era via os alunos que colaboram
com o processo de inscrição dos novos alunos, ex-alunos do ano de 2012 estavam fazendo
inscrições e em contato com seus colegas que estavam informando pelo celular ou via redes
sociais suas respectivas aprovações, que eram comemoradas como sucesso institucional
também.
Em seguida, apresentamos um modelo do folder que foi confeccionado e
distribuído na cidade, convidando para inscrição do curso pré-vestibular do ILK. No item
documentos obrigatórios, no ato da inscrição, verifica-se parte dos critérios necessários aos
que pretendem ser alunos do ILK. Sendo que os comprovantes de água, luz, telefone e renda
familiar ajudam para confirmar os gastos declarados e a renda per capita; o comprovante de
escolaridade na escola pública, a foto e os documentos, CPF e RG, são adicionados a uma
ficha de inscrição preenchida no ILK e são arquivados no ILK.
130

Foto 1 - Arquivo do ILK. Material de divulgação do processo seletivo de 2013.

Fonte: Arquivo ILK, 2013.

A questão racial surge no âmbito da ficha de inscrição112 dos alunos que


pretendem sua vaga no ILK. O IBGE caracteriza no item raça: preto, pardo, amarelo, branco e
indígena seguido de sua etnia, e consideram negros, como sendo, a soma de pretos e pardos.
Enquanto o ILK apresenta na ficha de inscrição o negro e o pardo, ou seja, “negro” na ficha
de inscrição não representa a soma de pretos e pardos, e sim os que fenotipicamente possuem
traços afrodescendentes evidentes, visto que os autodeclarados como pardos são separados
entre afrodescendentes ou brancos.
O caráter fenotípico surge como sendo a moeda de maior peso na definição
do negro no MS, e a auto declaração racial solicitada na ficha de inscrição difere, da maneira
como ocorre a distribuição das vagas na instituição, e difere também da maneira como o
IBGE enxerga as designações raciais no Brasil. Permite que uma nova classificação surja,
para que possa “arquivar corretamente” na pasta dos “negros-afrodescendentes”, brancos,
(que podem ter se auto declarado como pardos), indígenas ou portadores de deficiência.
Ocorre que as fichas de inscrição dos pardos é subdividida entre os arquivos
dos brancos e dos negros-afrodescendentes, é um processo efetivado pela diretoria e
coordenação pedagógica. É importante lembrar que nenhum deles é eliminado, apenas
concorrem entre seus respectivos grupos pelas porcentagens de vagas que o ILK oferece, de
maneira mais simples, cada qual concorre dentro do grupo racial em que é arquivado. A
112
Ver anexo D.
131

média das notas adquiridas durante o ensino médio torna-se o principal critério neste
momento, uma vez que os que chegam a essa fase, já cumpriram os demais critérios de renda,
ensino público ou bolsista integral em escola particular.
No Brasil o debate sobre Ação Afirmativa, foi enriquecido pela fundação de
cursos pré-vestibulares para população carente. Esse quadro veio sendo construído a partir dos
anos de 1990, fortemente colaborado pela difusão, em escala nacional, dos pré-vestibulares
populares, e um dos atores foi o movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes, criado em
1993, em São João do Meriti, no Estado do Rio de Janeiro.
A opção pela educação, sob a instituição de um curso pré-vestibular,
não é novidade para o movimento negro, que de acordo com Alexandre do Nascimento
(2010), em Movimentos sociais, anti-racismo e educação: os cursos pré-vestibulares para
negros e carentes.

[...] nascem a partir das reflexões sobre a educação e o negro, realizadas


entre 1989 e 1992, na Pastoral do Negro de São Paulo.
O primeiro resultado concreto desse debate foi a concessão de 200 bolsas de
estudos pela PUC-SP. Essas bolsas foram destinadas para estudantes
participantes do movimento negro. Também neste período (1992), surgiu na
Bahia a Cooperativa Steve Biko, com objetivo de apoiar e articular a
juventude negra da periferia de Salvador, colaborando para a entrada de
jovens na Universidade.
As 200 bolsas de estudos concedidas pela PUC-SP fizeram surgir, no Rio de
Janeiro, a idéia de organizar um curso para estudantes negros. No final de
1992, iniciaram-se, na Igreja da Matriz do Município de São João de Meriti,
as discussões e articulações para a organização de um curso na Baixada
Fluminense, para capacitar estudantes para o vestibular da PUC-SP e das
Universidades Públicas do Estado do Rio de Janeiro. [...] Temos, por
exemplo, registro de um curso pré-vestibular para negros e negras,
organizado pelo Centro de Estudos Brasil-África, em 1976.
(NASCIMENTO, 2010, p. 05).

Nem as Ações Afirmativas são novidades nos cursos pré-vestibulares e, nem


a educação é novidade para o movimento negro regional, visto que a principal área de atuação
do Grupo TEZ já era a educação. A divulgação de Ações afirmativas, certamente é a ideologia
mais presente na instituição, ou o compromisso institucional a ser passado aos alunos, e isto é
exercitado pela instituição a cada processo seletivo de alunos, e garantido no âmbito do
estatuto como uma maneira de promoção da igualdade:
132

Art. 3° - No desenvolvimento de suas atividades, o INSTITUTO observará


os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
economicidade e da eficiência, e não fará qualquer discriminação de raça,
cor, gênero, religião ou origem, ressalvada a aplicação de ações afirmativas
ou medidas especiais, levadas a efeito em atenção aos princípios
constitucionais, em especial os previstos no artigo 3° da Constituição
Federal, como instrumento lógico ou racional de consecução do princípio da
igualdade, inscrito no artigo 5°, “caput” da Carta Magna, bem como da
dignidade humana (ESTATUTO, 2011).

O ILK não foi a primeira Instituição a ofertar curso pré-vestibular gratuito,


como já apontamos o Grupo TEZ foi a primeira entidade do movimento negro regional a
oferecer curso pré-vestibular a partir de 1997 (MORAES, 2009). Os resultados objetivos
alcançados pelo ILK, ou seja, o acesso de alunos da instituição no ensino superior, é definido
como taxa de aprovação, corresponde a uma quantidade dos seus alunos nas universidades,
principalmente do estado.
A instituição mantém um gráfico que anualmente é atualizado, com certa
dificuldade, na medida em que muitos ex-alunos não informam sua aprovação, e cada vez é
maior o número de alunos atendidos pela instituição, consequentemente aumenta também o
número de alunos aprovados em Universidades públicas ou privadas. Os dados independem
se o aluno matriculou-se ou não no respectivo curso de aprovação.

Gráfico 2 - Resultados de aprovação do ILK 2003-2011. ILK, 2013.

Fonte: ILK. 2013.


133

Através do gráfico também é possível notar o aumento de alunos que


passaram a ser atendidos pela instituição, com aumentos em 2007 e 2008, em cada ano uma
nova sala foi aberta, atingindo o número atual de quatro salas. As diferenças anuais entre a
primeira e a segunda coluna do gráfico, podem ser lidas como sendo a evasão final do curso
pré-vestibular, pois apesar de ser gratuito e possuir uma lista de espera, ainda sim há uma taxa
de evasão significativa anualmente. Os dados referentes a 2012 ainda estão sendo coletados
pela instituição que tenta entrar em contato com todos os ex-alunos para obter estes dados.
Por três eleições sequenciais, o ILK mantém sua participação no CEDINE-
MS, um elo com a demanda do movimento negro regional. Algumas importantes atividades e
eventos externos marcam o ILK como uma das entidades do movimento negro, que não
apenas utiliza Ação Afirmativa como critério de seleção, mas também atua politicamente nas
questões raciais, dentro e fora do âmbito da entidade.
Alguns eventos foram organizados no interior da instituição, em que, o foco
não era apenas os alunos da instituição, em alguns nem eram de fato, mas visava-se uma
aproximação do movimento negro, organizando oficinas, seminários e cursos; e em outros
eventos, o ILK é convidado, como o caso exemplar do desfile de 26 de agosto. Este desfile no
centro da cidade marca o aniversário de Campo Grande, em 2012 os 113 anos, no qual o ILK
participou com seus alunos junto com a comunidade negra da cidade e algumas de suas
manifestações culturais afro-brasileiras (Capoeira, comunidades quilombolas, etc.) e
religiosas (Umbanda e Candomblé).

Foto 2 - Desfile 26 de agosto de 2012. Aniversário de Campo Grande.

Fonte: Arquivo ILK. 2012.


134

A foto acima envolve alunos do ILK, professores, uma das coordenadoras


pedagógicas e alguns militantes importantes do movimento negro estadual. Os alunos que
foram todos uniformizados desfilaram junto com a comunidade negra sul-mato-grossense, e
com outros representantes de cultura afro-brasileira.
A aproximação do ILK com o movimento negro regional é solidificada
nesses eventos, e na participação de representantes da instituição, tanto nos Conselhos como
nos Fóruns que tratam da temática. O ILK não é o movimento negro, consiste em uma
entidade que compõe o movimento negro regional; essa é a visão dos militantes, e assim o é
com outras entidades também.
Eventos abertos tanto aos militantes quanto aos interessados foram
realizados ao longo desses anos, os principais são: uma “Oficina contra o Racismo na
Educação”, realizado em 2006, um pouco antes do “I Seminário Educação e Igualdade Racial:
Uma agenda para contemporaneidade”, no mesmo ano. A Oficina foi oferecida pelo
MEC/UNESCO na sede do ILK com participação de militantes, professores, alunos e
instituições, enquanto o seminário foi realizado em parceria com o Instituto de Ensino
Superior da Funlec – IESF. Com recurso financeiro de um programa chamado Diversidade na
Universidade, que através do Ministério da Educação – MEC direcionava-se para cursos pré-
vestibulares com recorte étnico racial.
No ano de 2007 foi realizado outro evento – II Seminário Educação e
diversidade: Políticas e Perspectivas. O evento visava debater com acadêmicos, professores e
demais interessados, uma vez que o evento era público, políticas de ação afirmativa seus
avanços e emperramentos no MS. De maneira geral, os eventos mencionados estão
circunscritos em torno das Ações Afirmativas, momento em que ainda se discutia muito essa
política. A maior institucionalização dessa política possibilitou que no ano de 2012 fosse
pensado um curso de formação de lideranças para militantes do movimento negro, ou seja, no
ILK através de um projeto celebrado com a Brasil-Foundation, realizou um curso com carga
horária total de 80 horas, cumprida aos sábados na sede do ILK.

Eventos e Parcerias

O curso de Capacitação em administração e políticas públicas de lideranças


negras para promoção da igualdade racial em MS formou 36 pessoas. As reuniões realizadas
aos sábados lembraram os primeiros anos do grupo TEZ, que costumeiramente realizava
nesse dia suas discussões; muitos militantes daquela época estavam presentes.
135

O vínculo a uma entidade era necessário para fazer a inscrição e, comprova


a importância do pertencimento a uma ONG, uma entidade do movimento negro, para
participar do curso, da mesma maneira para participar com direito a voto dos Conselhos e do
Fórum das Entidades. Estes exemplos demonstram como o movimento negro se apropriou da
institucionalização nos últimos anos.
A foto abaixo é do último dia de aula, na ocasião os alunos em dupla
apresentaram um modelo de projeto: para captação de recursos ou de pesquisa institucional.
Participaram da capacitação desses militantes professores doutores e militantes mais
experientes, alguns como alunos e professores, Dr. Aleixo Paraguassú também participou do
curso, além de ser coordenador do mesmo.

Foto 3 - Parte dos alunos do Curso de Capacitação em administração e políticas públicas de


lideranças negras para promoção da igualdade racial e MS, 2012.

Fonte: Arquivo ILK, 2013.

Todos os participantes desse curso como alunos, eram também militantes do


movimento negro que realizaram suas inscrições. Este curso especificamente foi exclusivo
para sociedade civil organizada em torno da demanda pela igualdade racial sul-mato-
grossense, fortalecendo o vínculo entre uma entidade e os demais militantes, cuja maioria era
vinculada a outras entidades do movimento negro.
136

Os eventos e principalmente, este realizado em 2012, são marcadores da


relação entre uma entidade e as demais mobilizando, pela temática racial uma rede de
entidades comprometidas com a igualdade racial. Esses momentos eventuais celebram e
marcam o momento em que mais se aproxima da ideia de sociedade civil negra, visto a
deficiência do Fórum das Entidades do Movimento Negro de MS, os eventos são
articuladores da militância.
Os eventos para serem realizados necessitam de recursos e convênios. Nas
ONGs suas atividades são pautadas, a exceção do voluntariado, em convênios, doações e
parcerias. Com relação ao ILK, ele prevê, estatutariamente, as parcerias, tanto com o estado
como com os setores privados, e assim o é de fato, como ocorre de maneira geral com as
ONGs de qualquer área, em especial as OSCIPs, sobrevivendo via parcerias e projetos.

Parágrafo único. Os serviços educacionais prestados pela entidade serão


inteiramente gratuitos e com recursos próprios, oriundos de doações e
parcerias com o poder público ou iniciativa privada, vedado o seu
condicionamento a qualquer doação, contrapartida ou equivalente
(ESTATUTO, 2011).

Há parcerias públicas, ligadas tanto ao estado, quanto ao município, e há as


parcerias com o setor privado. Iniciaremos pelas parcerias públicas municipais. Em 2004, o
ILK recebeu parecer favorável de seu pedido de inscrição ao Conselho Municipal de
Assistência Social (CMAS), que é necessário para firmar parcerias. “A aceitação de sua
inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) permitiu a obtenção de
recursos privados de pessoas físicas ou jurídicas, por meio de renúncia fiscal” (MORAES,
2009, p.72).
Certamente a SAS – Secretária Municipal de Assistência Social – é o maior
parceiro via município, primeiramente através de um projeto de co-financiamento de serviços
sócio assistenciais, que prevê através de depósitos mensais ao longo de um ano, mediante
renovações, que corresponde a um total de R$ 37.800,00. Tal doação possui sua origem no
Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS), e estava em processo de renovação para
2013, ano este que teve a troca de prefeitos na cidade de Campo Grande113. O convênio ainda
não foi assinado, no entanto, já se encontra em trâmites pela SAS. A troca na prefeitura
também acarretou na quebra de um acordo que havia na concessão de alimentos para a

113
A disputa estava entre Alcides Bernal – PP e Edson Giroto (PMDB). Bernal foi eleito colocando fim a uma
hegemonia eleitoral de 20 anos do PMDB a frente da prefeitura. In.
http://www.correiodoestado.com.br/noticias/alcides-bernal-interrompe-reinado-de-20-anos-do-
pmdb_164434/ acessado em 25/03/2013.
137

merenda do ILK, para este serviço não havia contrato algum, tanto que antes de cessar as
doações a instituição recebeu apenas uma ligação. Desde março de 2013 iniciaram novos
diálogos com a nova equipe da prefeitura, e a diretoria está acreditando que retornará o
acordo, ou iniciará um convênio para doação de alimentos para merenda do ILK.
Atualmente, a instituição possui um importante convênio firmado, que
necessita dessa inscrição no CMAS, pelo fato do recurso primeiro passar pelo Fundo
Municipal para Infância e Adolescência de Campo Grande – FMIA – a parceria, de fato, é
realizada com a Associação dos Magistrados de MS (AMAMSUL), denominado “Corrente do
Bem”. A AMAMSUL apadrinha entidades ligadas à área da educação, da infância e
juventude, que autorizam que seus associados tenham um desconto em suas folhas de
pagamento, e o Tribunal de Justiça deposita em uma conta específica, direcionada ao FMIA
que tem a finalidade de repassar as entidades conveniadas os valores. A AMAMSUL
apadrinha apenas as entidades ligadas a magistrados, no caso, Aleixo Paraguassú aposentou-
se como juiz.
Junto ao governo estadual as parcerias com Secretária de Educação (SED-
MS) correspondem a cedência de 11 professores contratados, responsáveis pelas aulas do
curso preparatório. Estes professores são escolhidos pelo ILK. Há ainda a cedência de uma
professora, que é concursada, mas presta serviços do ILK ministrando as disciplinas de
português e redação – professora Cleir Silvério Rosa – esta colaboração faz com que o ILK
não tenha gastos com professores. A coordenação pedagógica – Renilda e Janilce – também
tem seus salários pagos pela SED-MS. A esfera estadual também atua eventualmente, através
do Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento ao Surdo – CAS-
MS – que sempre que há alunos no ILK deficiência auditiva, o CAS-MS encaminha um
profissional intérprete de libras.
As demais parcerias já correspondem à esfera privada, vou me ater a blocos,
que dividirei da seguinte forma: Educacionais, Financeiras e Serviços, podendo ainda ser
eventuais ou permanentes de acordo com a natureza da parceria. Iniciaremos pelas parcerias
privadas educacionais, onde se destaca os convênios realizados com Instituições de Educação
Superior (IES), iniciadas em 2005.

Em 2005 a Instituição obteve diversas conquistas importantes. Foi firmado


convênio com diferentes IES privadas UNAES, UCDB, IESF e UNIDERP
para a concessão de bolsas de estudo para os egressos do Instituto Luther
King (MORAES, 2009, p.73).
138

Estas parcerias são sempre alvo de negociações, tanto que se em 2005 houve
essas conquistas; em 2007, houve o cancelamento dos convênios de algumas IES como
também aponta Moraes (2009).

Em novembro de 2007, a diretoria do ILK recebeu a notícia de que os


convênios que contemplavam os alunos do ILK com bolsas de estudo na
UCDB (20 bolsas) e na UNIDERP (seis bolsas) não seriam renovados para
alunos novos (MORAES, 2009, p.77).

Atualmente temos a seguinte distribuição de bolsa por IES: a UNAES


oferece através de seus dois polos na cidade de Campo Grande, cinco bolsas de 80% para
alunos do ILK; a UCDB oferece uma bolsa de 100% e outra de 50% na ocasião de haver mais
de 100 inscritos para o Desafio UCDB114, e o ILK ainda ganha uma bolsa integral pós-
graduação latu-sensu para ser distribuída entre seus funcionários. Atualmente Renilda esta
usando a bolsa e cursando: Diversidade e Inclusão Social, na modalidade de Ensino a
Distancia (EAD). Por fim, a IESF desde 2012 oferece a todos os alunos do ILK aprovados em
seus vestibulares 100% do valor da mensalidade, ficando incumbidos apenas de pagar a
matrícula semestral, negociações com outras IES ainda seguem.
Outras parcerias privadas que atuam na educação são os professores
voluntários, que possuem uma grande rotatividade, mas normalmente, atuam nos horários que
antecedem o início regular das aulas, entre 18:10 e 18:50 horas. Por vezes os sábados podem
ser utilizados em ocasiões em que haja professores interessados e alunos que queiram e
possam vir aos sábados. Atualmente o ILK possui voluntários para as disciplinas de biologia,
português e inglês. Outros professores também contribuem com o ILK, atualmente são Mario
Savioli ministrando matemática, física e química, e Isali que ministra português, literatura e
redação, sendo considerado cada um em sua área cursos de alto nível e elevado custo,
respectivamente cedem 02 bolsas anuais um e o outro de 04 a 05 bolsas para alunos do ILK.
Há profissionais parceiros para capacitação dos professores na utilização da
lousa digital, elaboração de projetos, palestrantes, na aquisição de isenção de taxas de
inscrição nos vestibulares da UFGD, IESF e UCDB; entrada gratuita nos 02 “aulões”
realizados pelo curso pré-vestibular da UFMS, contatos para palestras, filmes, e debates,

114
O DESAFIO UCDB 2013 é destinado aos alunos regularmente matriculados no último ano do ensino médio
das escolas da rede de ensino de Campo Grande - MS e região que firmaram parceria com a UCDB para
participar do Projeto (In. http://ucdb.br/desafioucdb/ acessado em 11/04/2013), 30% das vagas da UCDB são
destinadas para os alunos partícipes do Desafio UCDB.
139

entrada gratuita na feira das profissões da UNIGRAN115. Sendo assim grande parte das
parcerias da instituição são de cunho educativo, que mesmo que algumas tentem reduzir
gastos específicos, a maior preocupação é de fato a preparação para os vestibulares, e
recentemente pra o ENEM.
As parcerias da esfera privada de cunho financeiro são menos complexas, e
certamente também, em número menor. De fato, são seis as fontes de recursos com as
características que definimos: Joanna D’Arc de Paula Almeida, proprietária de um cartório na
capital; Antônio Barbosa de Souza e família, através do escritório de uma Fazenda; Jaime
Valler, proprietário do jornal O Estado; Fundação Barbosa Rodrigues, que deve cancelar as
doações a partir de maio de 2013, o ILK já foi notificado116; a AMAMSUL, que credenciou o
ILK a receber recursos através da “Corrente do bem”; e por último, os sócios-contribuintes,
que são boletos mensais a partir de R$ 15,00 que o ILK tenta ampliar sua receita, de maneira
que consiga cobrir os aproximadamente R$ 13.000,00 de gastos mensais da instituição.
Parcerias privadas também se materializam em doação de alimentos, de
comerciantes e da rede Comper de Supermercados; e do Deputado Estadual Lauro Davi que
cede uma funcionária ao ILK, atualmente o ILK não tem despesa com a funcionária Luciana,
coordenadora administrativa, que antes tinha salário pago pelo ILK.
Dentre as doações individuais, certamente a do Daniel Reis é a mais
expressiva, e possui uma finalidade específica: compõe um fundo, de nome Daniel Reis com
objetivo de ajudar ex-alunos da instituição, ou seja, é um fundo que colabora com a
permanência de alunos no ensino superior, seja com apoio financeiro para aluguel, compra de
material didático, ou de equipamentos necessários para melhor desempenho dos alunos.
O fundo nasce a partir do compromisso de uma doação anual, no valor de
15.000, 00 R$, por parte do Daniel Reis, que teve início em 2010 e ainda vigora em 2013,
período da pesquisa. Este recurso é base para criação do fundo e possui uma destinação
específica: os ex-alunos. Devido este fundo, foi criada também uma comissão responsável
pela seleção dos alunos, pela movimentação financeira, duração e valor que deve ser
destinado a esses ex-alunos, composta por integrantes da diretoria, da coordenação
pedagógica, da coordenação administrativa e pelo próprio Daniel Reis.

115
Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN, mais uma faculdade privada presente em Campo
Grande-MS
116
Este convênio foi cancelado devido a desdobramentos do caso de corrupção envolvendo a Santa Casa de
Campo Grande, devido a isso todos os convênios da Fundação Barbosa Rodrigues serão cancelados e
investigados. A Fundação é parceira do ILK desde a criação da instituição em 2003.
140

As primeiras discussões em torno da questão das cotas em universidades


públicas gravitaram em torno da permanência, como garantir a continuidade rumo à conclusão
do curso destes alunos cotistas (BITTAR; ALMEIDA; CORDEIRO, 2007). Alguns cursos
integrais, ou cursos que possuem um material caro em algumas disciplinas, de modo geral,
despesas financeiras com cópias, almoços, jalecos tornaram uma preocupação de
pesquisadores, alunos cotistas e do Estado que trabalharam e criaram programas de
permanência para alunos cotistas nas Universidades.
No ILK, esta preocupação também se tornou visível, visto que alguns alunos
desistiam de cursos por uma série de dificuldades. A criação da Bolsa Daniel Reis, visa um
apoio financeiro para alunos que demandem uma necessidade deste tipo, para manutenção
pessoal ao longo do curso.
O ILK criou uma série de critérios e condições para poder escolher os
bolsistas: estipulam que em nenhum caso, pode haver duração superior a um ano de apoio
financeiro, tendo que ser ex-aluno do ILK, a renda familiar não poderá ultrapassar o limite de
um salário mínimo per capita, tendo entrevistas, análises socioeconômicas e visitas
domiciliares, como contrapartida, os alunos beneficiados devem manter e comprovar uma
assiduidade de no mínimo 90% e um aproveitamento, também o mínimo de 7 (sete) como
média das disciplinas. Qualquer alteração que acarrete algum descompasso com as condições
acima listadas gerará a supressão da bolsa como é definido em um termo de compromisso
assinado pelo aluno e também na resolução 001/2010 que regulamenta a concessão da Bolsa
(ILK, 2010, resolução 001/2010).
Atualmente o fundo já colaborou com 16 (dezesseis) ex-alunos, e ainda
possui valor em caixa para seguir colaborando com mais ex-alunos. A foto acima retrata os
primeiros contemplados com a Bolsa Daniel Reis, através de recursos diversos.
141

Foto 4 - Entrega da Bolsa Daniel Reis a ex-alunos acadêmicos em 2010.

Fonte: Arquivo ILK.

Retornando aos parceiros da esfera privada, por último os que colaboram


com serviços, e esses são de varias áreas, como publicidade, em seus diversos veículos; dons
artísticos como cantar e pintar; serralherias, gráficas, doações de tinta, técnicos de
informática, engenheiros, sistema de segurança e alarme, que são gratuitos. Os serviços, de
modo geral, são eventuais, ou seja, a maioria é utilizada em períodos específicos. Um
exemplo é a publicidade, que em períodos de divulgação do período de inscrição de novos
alunos são contatados para colaborarem com maior intensidade que em outros períodos,
enquanto de outros, são mais duráveis e chegam a ficar anos sem necessitar de nenhum tipo
de colaboração, apesar de serem considerados parceiros da instituição.
O comodato cedido sem ônus mensal, pelo casal, Paulo Tadeu Haendchen e
Regina Maria Campos Haendchen, assim como o jornal O Estado que doa uma assinatura ao
ILK são parceiros privados ligados a serviços que são permanentes. Doações esporádicas
como a da Marisa Serrano, que atua no Tribunal de Contas, que com a doação de um quadro
no ano de 2012 para rifa, arrecadou-se a quantia de R$ 10.200,00; vários doadores de livros
para biblioteca do ILK; as parcerias possibilitam o caminhar do ILK enquanto instituição,
afinal vários são os gastos necessários para ser mantido em funcionamento, e este vínculo
tanto com o poder público, quanto com o Mercado de modo geral, caracteriza o ILK como
uma entidade de Terceiro Setor.
142

Cotidiano dos funcionários

O cotidiano do curso pré-vestibular, que é a principal atividade do ILK,


caminha com as atividades do tipo mencionadas no interior do calendário de atividades dos
anos anteriores, e os pequenos empecilhos pedagógicos e administrativos do dia-a-dia. As
aulas são oferecidas apenas no período noturno, principalmente, por que maior parte dos
alunos são estudantes-trabalhadores.
As coordenadoras pedagógicas possuem um horário diferenciado no ILK, e
passam a estar presentes desde as 15:00 horas de segunda e quinta, sendo a sexta um dia
ímpar para instituição, por haver duas funcionárias que cumprem sua carga horária de maneira
específica, por serem e pertencerem a Igreja Adventistas do Sétimo Dia. Religião na qual o
sétimo dia – o sábado – é considerado como sendo de descanso, mas inicia-se no pôr do sol de
sexta, indo até o pôr do sol de sábado. Devido a isso, os horários são alterados para que se
respeite a religião das funcionárias e que não seja prejudicada a carga horária na instituição.
De maneira mais generalista, a maior parte dos dias típicos é marcada por
atividades pedagógicas, que diz respeito à relação aluno-professor-coordenação; que envolve
cópias das atividades, equipamentos tecnológicos como lousa digital, retroprojetores,
computadores, cabos, tomadas, extensões; ensalamento das turmas, professores presentes,
entre outras. Preocupações administrativas também compõem este cotidiano, notas fiscais,
lanches, doações, pagamentos, documentos e certificações necessários a projetos e
manutenção de recursos. Existem maiores dificuldades em acompanhar este setor, que possui
parte de suas atividades na rua, em bancos e em secretarias de governo em meio a burocracias
necessárias.
Atividades administrativas e pedagógicas tomam maior parte do tempo, das
funcionárias do administrativo e da coordenação pedagógica. Outras duas funcionárias, são
responsáveis pela limpeza, pela biblioteca e pelo lanche dos alunos. Uma delas, a Rose, está
no ILK desde 2004, a outra é uma ex-aluna do ILK, a Marilene, entre ambas ocorre uma troca
de funções e horário na sexta-feira, pelo fato da Rose ser uma das funcionárias que pertence a
Igreja Adventista do Sétimo Dia.
As atividades administrativas estão centralizadas na pessoa da Luciana, e
por terem uma linguagem mais específica foram menos acompanhadas. Esta funcionária é
nova na instituição, é a “responsável pela papelada”, é a agente da burocracia no ILK. Já as
atividades pedagógicas, as coordenadoras, - Janilce e Renilda – estão nessa função desde
2008, são responsáveis por todos os assuntos que envolvam os alunos, e são as principais
143

interlocutoras sobre o dia-a-dia da instituição. Elas são o elo, tanto com a diretoria, como com
os alunos, e também foram as minhas interlocutoras no ILK, visto que a diretoria não possui
horários fixos, enquanto, a coordenação pedagógica cumpre horários.

Mudança na diretoria

Em fevereiro de 2013, uma mudança ocorreu, a troca de diretorias no ILK,


devido fortemente aos problemas financeiros da manutenção da instituição, e aos problemas
de saúde no âmbito familiar, já que a esposa do Dr. Aleixo Paraguassú, Dona Maria se
encontra com sério problema no joelho.
Aleixo Paraguassú, fundador da instituição também foi seu primeiro
presidente, reeleito em seguida, ficou por 48 meses na direção da instituição, tornando-se
vice-presidente em seguida, por mais dois mandatos, o estatuto vigente impede uma possível
reeleição consecutiva. Retorna depois dos 04 anos à presidência novamente, no entanto, desta
vez seu mandato encerra-se em 2013, sendo que as eleições estavam previstas apenas em
2015.
Em conversas que antecediam o feito do dia 20 de fevereiro de 2013, apenas
cinco dias depois do aniversário de 10 anos da instituição, Aleixo Paraguassú se mostrava
muito preocupado com o futuro da instituição, que atravessava um problema financeiro
devido uma série fatos: demissão de uma antiga funcionária117, quebra de um importante
parceiro que colaborava nas arrecadações, uma doadora em particular cessou devido
problemas jurídicos e pessoais, e tudo ocorreu em um curto espaço de tempo, provocando
além de uma redução de dinheiro no caixa da instituição, todos esses eventos ocorridos em
2012, geraram uma maior preocupação com o futuro da instituição.
Em conversas com Aleixo Paraguassú, ele sempre externalizava algumas
preocupações, parte delas financeira; almoços e rifas foram organizados, com ajuda de alunos
e funcionários para colaborar com o caixa da instituição de maneira mais imediata. As rifas
sempre são organizadas com materiais doados: aparelhos eletrônicos como DVD e notebooks;
joias e quadros já foram objetos de rifa no ILK.
O tópico que mais foi salientado, e não por uma vez, é que o ILK consumia
muito tempo, tempo de militância e de descanso. Aleixo Paraguassú estava deveras
preocupado com a saúde da esposa, Dona Maria, companheira de uma vida, com um grave

117
No início do ano de 2013 a assistente social, Josemary Silveira Braga, do ILK teve que ser demitida pelo
ILK.
144

problema em um dos joelhos. De certa maneira esta preocupação se faz presente na ata em
que renuncia a diretoria do ILK e subsequentemente há a aclamação da nova diretoria. Em ata
consta da seguinte maneira:

Acrescentou, ainda: a) lamentou a impossibilidade de continuar a frente da


entidade, devido a problemas de saúde em pessoa da família; b) contudo,
sente-se confortado pelo fato de que a direção do Instituto passa às mãos
honradas de integrantes da instituição maçônica GRANDES LOJAS DE
MATO GROSSO DO SUL, detentora de reconhecida experiência no ramo
da Educação, como atesta da exitosa existência da FUNLEC (ILK, Ata
nº53, 2013).

A ata nº 53 é a que legitima a troca na direção do ILK e, após essa reunião a


direção se constitui da seguinte maneira: como presidente, Paulo Cesar Pereira da Silva que
assim como Aleixo Paraguassú, é um juiz de direito aposentado; como vice-presidente, Jairo
Garay Ribeiro de Oliveira; 1º secretário, Ari Vargas Leal; 2º secretário, Anderson Regis
Pasqualeto; tesoureiro, Antônio João Ferreira, 2º tesoureiro, Guilhermo Ramão Salazar (ILK,
Ata nº53, 2013).
Esta reunião também criou um Conselho Consultivo, proposto pelo então
presidente Paulo Cesar Pereira da Silva, que “em apoio a Diretoria, dar prosseguimento aos
trabalhos da entidade” e ficou deliberado que seriam 10 (dez) as pessoas que comporiam este
Conselho Consultivo, sendo os seguintes: Aleixo Paraguassú Netto, Jordão Abreu da Silva
Junior, Cláudio Roberto Madruga, Daniel Reis, Regina Maria de Campos Haendchen, Denise
Fátima Barbosa Souza e Silva, Ary Eduardo Pergolo dos Santos, Cláudio Wanderley Saab,
Antonio Farias dos Santos e Ademir Batista de Oliveira.
A foto abaixo é do dia 20 de fevereiro, ocasião em que foi formalizada a
troca de direção no ILK; maior parte da nova diretoria se fez presente no ato. A possibilidade
da presença do Aleixo Paraguassú e outros colaboradores do ILK ficou garantida através do
Conselho Consultivo, no qual, o fundador e o proprietário do espaço físico se fazem
partícipes, assim como alguns colaboradores da entidade. Acrescidos a estas pessoas também
encontra-se o Grão Mestre Jordão Abreu da Silva Junior da Grande Loja do estado de MS e
outros maçônicos.
145

Foto 5 - Reunião de troca de diretoria do ILK. 2013

Fonte: Arquivo ILK, 2013.

Apesar da satisfação expressa pelo fundador e principal ideólogo da


instituição ainda em ata por entregar o ILK a outros, aos quais ele considera extremamente
“capazes e competentes”, levanta-se outra questão: Como fica o vínculo entre ILK e
movimento negro? De que maneira a preocupação com a questão racial será trabalhada nos
anos que seguirão?

Considerações

Ao analisar uma entidade do movimento negro, é possível enxergar as


preocupações cotidianas de uma das instituições vinculadas à militância contemporânea, e
sem perder de vista, outras formas de organização deste mesmo movimento, podendo
compreender melhor, de que maneira a atuação dessas instituições colaboram ou não, com o
objetivo do movimento negro.
Concluindo os resultados dessa observação participante, temos que ao longo
dos dez anos de ILK, várias mudanças já ocorreram. O número de alunos atendidos
anualmente mais que dobrou se comparado com o primeiro ano, hoje a instituição possui
quatro salas de aula, ao invés de uma como em 2003; os professores atualmente são mantidos
com recurso do governo do estado e não mais voluntários; as instalações aumentaram,
146

principalmente, a biblioteca e salas de aula, houve troca da coordenação pedagógica em 2008,


ampliação da tecnologia e, enfim, a troca na direção da instituição.
De fato, temos que a institucionalização, via ongzação, gera preocupações
com a instituição criada e reduz o tempo para movimentos sociais. Ter um movimento social
totalmente institucionalizado não favorece a demanda por políticas públicas, uma vez que se
batalha por ganhos institucionais e não de um coletivo bem maior que se visa representar. A
institucionalização também fragmenta a mobilização.
O objetivo na análise do ILK era dar maior profundidade ao falar sobre
movimento negro em MS, podendo visualizar as aproximações com agências do estado e com
partes do mercado, ou seja, compreendendo esta instituição como sendo de terceiro setor. Ao
demonstrar aspectos da institucionalização do movimento social, tratados como processo de
ongzação observou o risco de cooptação, ou despolitização da instituição, da mesma maneira
que também se observa um aumento do potencial de intervenção da instituição. Esta
ambivalência demonstra que a institucionalização da sociedade civil, ainda é um processo
ambíguo, principalmente frente às dificuldades da democracia brasileira.
A observação participante no ILK, principalmente, mas também as
participações no CEDINE-MS colocam em perspectiva a rede institucionalizada que forma o
movimento negro. As ONGs seriam o menor agente dessa rede, entretanto, de extrema
importância, já que, nos Conselhos e no Fórum das entidades, os indivíduos partícipes são
representantes institucionais, mesmo que de uma entidade do movimento negro. Nesse
sentido, a atuação, mesmo que estratégica da militância perpassa, por uma esfera altamente
institucionalizada, e cada vez menos se atua como movimento social: de maneira pouco
organizada e não institucionalizado.
O viés do terceiro setor amplia a interação entre o poder público, o poder
privado com a sociedade civil organizada. Há uma preocupação muito grande no discurso do
ILK em manter a instituição longe de rótulos de partidos políticos, talvez até mesmo pela
experiência vivida e assistida do Grupo TEZ. O poder privado, em nenhum momento foi visto
com maus olhos no ILK, ou com ressalvas.
Através do ILK, observamos que por meio de convênios e doações, tanto do
poder público quanto do privado foi possível ampliar a instituição e sua capacidade de
atendimento. No entanto, a recente mudança no centro de decisão, ou seja, no grupo que
direciona a instituição propiciou um distanciamento entre o movimento negro e este núcleo
dirigente. Esta mudança na direção da instituição gera preocupações quanto ao vínculo entre
ILK e movimento negro, apesar de aparentemente garantir uma maior longevidade à
147

instituição, visto que, a maior dificuldade para manutenção da instituição é, a financeira, e


certamente a Grande Loja do estado de MS possui maiores condições de obter recursos
financeiros. Uma contradição nasce com a troca de diretoria, entre o próprio núcleo diretor,
representante da elite estadual e os atendidos da instituição, população carente.
Podemos observar que a ação afirmativa é vivenciada cotidianamente pelos
alunos, e representa o ponto crucial do qual a instituição se define, e é um recorte do qual não
abdica. Um termo de posse assinado pela nova diretoria garante a promessa de “trabalhar
com lealdade ao Estatuto Social da entidade” (ILK, ata nº53, 2013), que possui nas ações
afirmativas um eixo articulador da ideologia da instituição, talvez a ação afirmativa seja tudo
que reste do ILK em alguns anos. Nesse sentido, seria importante que o ILK abri-se o espaço
de uma disciplina na instituição que tivesse como objetivo tratar as relações raciais no Brasil,
para que o movimento negro também pudesse se fortalecer a ação institucional.
A participação de alunos em eventos ligados ao movimento negro faz com
que a demanda do movimento social possa ser potencializada, as entidades contribuem em
algo que o movimento negro sempre pecou: a atuação na base social. Ou seja, em cada
instituição surgem possíveis lideranças e muitos outros militantes ou no mínimo sujeitos
sensíveis às demandas políticas do movimento negro.
Os projetos coletivos de sociedade do movimento negro e das entidades são
convergentes e complementares. A “ongzação” do movimento social, no entanto, gera a
dependência de financiamentos e, por conseguinte, a necessidade de manutenção de
convênios com setores do Estado, e isso tornou a parcela institucionalizada do movimento
negro, menos rua e mais burocracia.
Os espaços públicos conquistados possibilitam cobrança de políticas
públicas mais estratégicas e representativas, uma vez que é feita em nomes de coletivos como:
Fóruns e Conselhos. O movimento negro sul-mato-grossense se enxerga na
institucionalização, CEDINE e o Fórum das Entidades ganham status de representação entre
os militantes.
No próximo capítulo, trataremos as políticas públicas raciais,
principalmente a partir do governo de Luiz Inácio “Lula” da Silva (2003 – 2010). Governo
este em que as políticas raciais foram incisivas, e a partir desses exemplos as políticas
estaduais foram se constituindo. Tentaremos mostrar o caminho trilhado no MS para
efetivação de duas políticas raciais, uma na UEMS e outra no serviço público, ambas de ação
afirmativa para acesso de negros e as maiores conquistas políticas apontadas pelos
entrevistados.
148

Acredita-se que a atuação do movimento negro durante a construção dessas


políticas públicas possam revelar aspectos da maneira que o estado trata demandas raciais e,
por conseguinte, como o movimento negro se relaciona com o estado para exigir a efetivação
de suas demandas.
Ao verificar essas políticas públicas raciais, seus critérios objetivos de
definição de “quem é negro” para elas, retomaremos a discussão sobre identidades
circunstancial e móvel, ou identidades subjetivas e objetivas e; apontaremos como o
movimento negro sul-mato-grossense se posiciona nessa questão política e racial, que envolve
a identidade racial para o movimento negro, e a identidade racial para as políticas públicas
raciais.
149

CAPÍTULO 4

4 POLÍTICAS PÚBLICAS RACIAIS NO MATO GROSSO DO SUL

Eu canto aos Palmares sem inveja de Virgílio, de Homero e Camões porque


o meu canto é grito de uma raça em plena luta pela liberdade! (Solano
Trindade, Cantos dos Palmares)
Já fizemos todas as denúncias. O mito da democracia racial está reduzido a
cinzas. Queremos agora exigir ações efetivas do Estado – um requisito de
nossa maioridade política (Marcha Zumbi dos Palmares, 1995).

Neste capítulo apresentaremos o conteúdo das principais políticas públicas


raciais do estado, e de dois planos de intervenção, um municipal e um estadual. O objetivo é
verificar qual o perfil das políticas públicas raciais adotadas no estado, e em que discurso se
assenta a proposta dessas políticas. Concomitante a este processo, relacionar, com a atuação
do movimento negro sul-mato-grossense, aferir a participação e de que maneira atuou o
movimento negro na construção dessas políticas.
As políticas analisadas serão as seguintes: A lei n°3.594 que institui cotas
para negros em concursos públicos de MS, de autoria do deputado Amarildo Cruz (PT), e a lei
2.605, de janeiro de 2003, de autoria do Deputado Estadual Pedro Kemp (PT) instituindo
ações afirmativas na UEMS. Estas leis possuem, principalmente, um caráter redistributivo,
que visa aproximar negros de uma igualdade substantiva. Uma premiação – Mister Apa118 –
homenageia instituições e militantes, através da câmara municipal de Campo Grande, e é
realizado em comemoração ao dia da África e ao mês da consciência negra. Nasceu por meio
do Decreto Legislativo nº 954/2006, de autoria da vereadora Thais Helena (PT), esta
premiação, por sua vez, possui um caráter de reconhecimento, um meio de valorização das
iniciativas e personalidades negras de MS.
Os planos de intervenção que serão analisados aqui são: o Plano Municipal
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – População Negra (Campo Grande) e o
Programa de Superação das desigualdades raciais de MS. Os planos foram políticas públicas
divulgadas como sendo, uma estratégia de combate ao racismo e à desigualdade nos limites
que o pacto federativo permite atuar. Ambos foram modestamente implementados, apesar de
significarem um diagnóstico construído por várias mãos, inclusive e principalmente
militantes, das demandas necessárias à população negra de MS.

118
Em homenagem a um militante do movimento negro sul-mato-grossense, Aparício Luis Xavier de Oliveira,
conhecido como Mister Apa, que faleceu em 12 de julho de 2001, em Brasília.
150

4.1 POR POLÍTICA PÚBLICA ENTENDEMOS

Este subitem pretende definir política pública, mas principalmente, cerca-la


de todas as especificidades que compõem sua caracterização no âmbito dessa pesquisa. O
conceito em si, é de extrema complexidade, sobretudo, porque, ganha diversas conotações e
áreas, ou seja, uma escassa acumulação de conhecimento no campo, somada a uma
abundância de estudos setoriais (MELO, 1999).
Melo (1999) ressalta que a crescente popularização do conceito de políticas
públicas é simultânea aos avanços democráticos no mundo, “essa difusão reflete novos
valores na cultura política relativos à publicização de decisões e a noção da esfera pública
como distinta da esfera estatal” (MELO, 1999, p.65). Como apontado por Melo (1999),
apesar de política pública representar decisões políticas, provavelmente o mais importante
seria os novos valores da cultura política envolvidos durante o processo de tomada de decisão,
sobretudo, via fortalecimento da esfera pública como arena de conflitos e de decisões.
Certamente vivenciamos um período em que o conceito política pública
vem se cristalizando no vocabulário público. Constantemente o vemos nas mídias, discursos
políticos, em movimentos sociais, documentos públicos, ou seja, o tema está cada vez mais
próximo do cotidiano democrático.
Apesar de assumir a importância dos conflitos para a tomada de decisão, o
lócus das políticas públicas ainda são os governos. Assumir que essas políticas públicas
repercutem em esferas como política, sociedade, governos, economia implica em inter-
relações maiores e mais complexas entre políticas públicas e sínteses de teoria social, política
ou econômica. Dessa maneira podemos tratar política pública como:

[...] o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o


governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando
necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável
dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em
que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas
eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no
mundo real (SOUZA, 2006, p.26).

As políticas públicas são entendidas, de maneira geral, como sendo o


“Estado em ação”, implementando projetos e programas de governo voltados para setores
específicos da sociedade, e de responsabilidade do Estado. O Estatuto da Igualdade racial
define, como sendo “as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado, no
151

cumprimento de suas obrigações institucionais”. Apesar das políticas públicas serem de


responsabilidade do Estado, sobretudo, quanto à implementação e manutenção, elas não
podem ser inteiramente rotuladas de políticas estatais, pois elas partem, ou deveriam partir, de
um processo de tomada de decisão que envolve não apenas órgãos institucionais, mas também
a sociedade civil organizada (HÖFLING, 2001; SOUZA, 2006).
Outra diferenciação importante é quanto ao conceito de política social,
entendida no interior da pesquisa como tendo a abrangência de mecanismos de proteção e
também de promoção social, conforme a definição:

[...] composta por um conjunto de programas e ações do Estado que se


concretizam na garantia da oferta de bens e serviços, nas transferências de
renda e regulação de elementos do mercado. Para tanto, a política social
busca realizar dois objetivos conjuntos que são a proteção social e a
promoção social para dar respostas aos direitos sociais (CASTRO, 2012,
p.1014).

Como apresentado na citação de Castro (2012), por políticas sociais são


compreendidas respostas aos direitos sociais adquiridos como: educação, saúde, moradia entre
outros, enquanto que, políticas públicas se referem à ação do Estado, sem necessariamente ter
como paralelo direto a promoção ou proteção aos direitos sociais, que são abrangentes e
universais119.
Este capítulo trata de políticas públicas raciais do MS, sendo assim algumas
especificidades devem ser notadas, primeiramente, se trata de uma dimensão focalizada de
política pública, a racial e; segundo, traz o recorte regional. Entendendo que estas políticas
raciais são reflexos da ação da sociedade civil negra regional e dos avanços de políticas
públicas nacionais, analisamos a implementação das políticas regionais como um processo
imbricado às políticas raciais nacional. Quanto à dimensão regional do recorte da pesquisa,
retomaremos o processo de descentralização política, iniciado com o fim da ditadura militar e
intensificado nos anos de 1980 e 1990 no Brasil.
Nessa perspectiva, avaliamos as políticas focalizadas como sendo
complementar das políticas universalistas, e uma das bases para efetivação de políticas
raciais, pois sem esta centralidade em demandas raciais, as desigualdades raciais seriam
mantidas por muito mais tempo. O reconhecimento da demanda racial gera esta política focal,

119
O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 define: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação,
o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
152

ou seja, o momento negro se caracteriza como sendo o passo rumo à efetivação da temática
racial numa agenda política de governo nacional.

A focalização, por sua vez, é incorporada pelo reconhecimento da


necessidade de se estabelecerem prioridades de ação em contexto de limites
de recursos e por se entender que é preciso atender de forma dirigida alguns
segmentos da população, que vivem situações de carência social extrema.
No entanto, as políticas seletivas devem ser entendidas como
complementares a políticas universais de caráter redistributivo e a políticas
de desenvolvimento orientadas para a superação de desigualdades estruturais
(FARAH, 2000, p.13).

A descentralização política se encontra no Brasil, enquanto matéria de


mudança, desde os anos de 1970, mais acentuada com o processo de democratização do país,
onde a descentralização tornou-se um valor operacional da luta pela democratização, já que
reduziria a intervenção estatal arbitrária, centralizadora, fragmentada e excludente. A
Constituição Federal de 1988 legitimou o princípio da descentralização ao definir o novo
arranjo federativo, e sob a fórmula da descentralização participativa para gestão da nova área
de seguridade social (art. 194 e 204) (NOGUEIRA, 1997, p.8).

A descentralização e a participação eram vistos como ingredientes


fundamentais desta reorientação substantiva das políticas sociais, voltada
para a garantia da equidade e para a inclusão de novos segmentos da
população na esfera do atendimento estatal (FARAH, 2000, p.10).

Nos anos 1990, com crise fiscal e escassez de recursos, o Estado preocupa-
se cada vez mais com eficiência, efetividade da ação estatal, e com a qualidade dos serviços
públicos. No início dos anos 1990, ainda buscava-se integrar a agenda democrática dos anos
1980 com esses novos valores, alguns componentes da proposta neoliberal, que se inserem na
plataforma de reformas políticas e sociais do Brasil, (DRAIBE, 1992; FARAH, 2000)
principalmente via novas formas de articulação com a sociedade civil e o mercado.

Assim, no final dos anos 80 e nos anos 90, as propostas se redefiniram,


sendo enfatizadas - além das teses de descentralização e de participação - a
necessidade de estabelecimento de prioridades de ação; a busca de novas
formas de articulação com a sociedade civil e com o mercado,
envolvendo a participação de ONG, da comunidade organizada e do setor
privado na provisão de serviços públicos; e a introdução de novas formas de
gestão nas organizações estatais, de forma a dotá-las de maior agilidade,
eficiência, e efetividade, superando a rigidez derivada da burocratização de
procedimentos e da hierarquização excessiva dos processos decisórios
(FARAH, 2000, p.15 grifos da autora).
153

São os ingredientes da reforma de Estado que adensam uma série de


mudanças que vinham ocorrendo no Brasil, desde o processo de redemocratização, e afetaram
diretamente a sociedade civil organizada. Medidas como: a criação do Conselho de
Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, em São Paulo, visava à
descentralização participativa, além de representar demandas do movimento negro; a Lei
9.790/99, que regula as OSCIPs faz parte dessa nova relação entre sociedade civil e mercado.
Essas ações vinculadas à Reforma de Estado afetaram diretamente a maneira de relacionar
sociedade civil e Estado, principalmente, a maneira de atuar da sociedade civil organizada.
A descentralização tratada até como “imperativo democrático” de acordo
com Marco Aurélio Nogueira (2011), conferiu contornos de aperfeiçoamento gerencial do
setor público. No entanto, ainda segundo Nogueira, o conceito de descentralização traz
consigo as ideias de participação, cidadania e sociedade civil, mas tornam essas máximas, na
prática, algo próximo das associações, mais cooperativos que conflituosas, fazendo da
sociedade civil um local de colaboração governamental. Nesse entremeio surge e se fortalece
o terceiro setor, a parte da sociedade civil capaz de organizar-se e colaborar com o governo,
desenvolvendo atividades e cumprindo papéis do Estado.
Como de certa maneira tentamos demonstrar com o ILK, onde ele consegue
cumprir suas atividades educacionais, com maior competência do que o Estado o fez via seus
cursinhos populares. O ILK se mantém devido suas relações tanto com o mercado, quanto
com o estado. Ainda lembrando que um grande convênio existe entre o ILK e o estado,
desonerando uma grande receita institucional ao se responsabilizar pelo pagamento dos
professores.
A descentralização fiscal garantida via a CF de 1988 alterou, em grande
medida, as relações intergovernamentais. A autoridade de governadores e prefeitos não deriva
mais de um governo central, mas sim do voto popular direto, que paralelamente também
expandiram suas autoridades sobre os recursos fiscais. Os estados e prefeituras passaram a ter
papéis muito diferentes do período da Ditadura Militar sob as funções de gestão de políticas
públicas, tendo agora, de ser induzidos para assumirem o compromisso de gerenciarem a
novas atribuições (ARRETCHE, 1999).
De qualquer maneira, cabe ressaltar que a descentralização tinha um valor
operacional, no sentido de reconstruir o pacto federativo e dividir o poder, antes centralizado;
mas também havia um valor político, ou seja, uma forte associação entre descentralização,
participação, cidadania com a democratização da sociedade brasileira. De fato, é devido
154

principalmente a seu valor operacional, que podemos falar de políticas públicas regionais, no
caso, do estado de MS.
Dessa maneira, ao discutir políticas públicas, estamos na verdade tentando
traçar aspectos do diálogo entre Estado e sociedade civil organizada, em nosso recorte: MS e
movimento negro regional. Nesse sentido política pública não é encarada simplesmente em
seu aspecto instrumental, mas em seu aspecto dialógico, de articuladora de uma relação entre
Estado e sociedade civil.

[...] política pública como uma forma contemporânea de exercício do poder


nas sociedades democráticas, resultante de uma complexa interação entre o
Estado e a sociedade, entendida aqui num sentido amplo, que inclui as
relações sociais travadas também no campo da economia. Penso, também,
que é exatamente nessa interação que se definem as situações sociais
consideradas problemáticas, bem como as formas, os conteúdos, os meios,
os sentidos e as modalidades de intervenção estatal (DI GIOVANI, 2009,
p.1-2).

Essa prerrogativa das políticas públicas como sendo parte intrínseca da


relação, Estado e Sociedade em democracias, acarreta a participação da sociedade civil
organizada na construção de agendas públicas, atuando por meio da esfera pública. O
movimento negro brasileiro da virada do século XX e início do século XXI conquistou uma
participação nas agendas governamentais federais, solidificando o que atualmente são
conhecidas como políticas de promoção da igualdade racial. Jaccoud e Beghin (2002)
apontam que: “Dessa forma, vê-se que, para fazer frente às desigualdades raciais, devem ser
implementadas políticas públicas de diferentes escopos que visem ao enfrentamento de
diferentes fenômenos” (p.43).
As autoras, Jaccoud e Beghin (2002), diferenciam as políticas de promoção
da igualdade racial em três escopos: políticas repressivas, políticas afirmativas e políticas
valorizativas. Sendo que por políticas repressivas, são as que orientam contra comportamentos
e condutas, visando combater o ato discriminatório, seu principal instrumento seria a
legislação criminal; enquanto que as políticas afirmativas apesar de também orientar
comportamentos e condutas, visa o combate à discriminação indireta120, de difícil punição
pelos instrumentos legais, em geral, são políticas que visam garantir a oportunidade de acesso

120
As políticas repressivas visam combater o ato discriminatório – a discriminação direta – usando a legislação
criminal existente. Note-se que as ações afirmativas procuram combater a discriminação indireta, ou seja,
aquela discriminação que não se manifesta explicitamente por atos discriminatórios, mas sim por meio de
formas veladas de comportamento cujo resultado provoca a exclusão de caráter racial (JACCOUD; BEGHIN,
2002, p.55).
155

de grupos discriminados a vários setores da vida social. As ações valorizativas, tem como
foco principal o combate a estereótipos negativos consolidados sob a forma de racismo e
preconceito, quase sempre ressaltando a pluralidade étnica nacional, e tentando valorizar a
contribuição da comunidade negra brasileira (JACCOUD; BEGHIN, 2002).
As autoras ressaltam um último aspecto, em meio à efetivação das políticas
de promoção da igualdade racial (políticas de repressão, afirmativas e valorizativas) surge
também uma nova institucionalidade, responsável pela implementação, monitoramento e
avaliação das políticas de promoção da igualdade racial. Exemplos: Em 1995, o Grupo
Interministerial de Valorização da População Negra – GTI população negra; e a criação da
SEPPIR em 2003, já sob os auspícios de outro governo.
Dessa maneira, o movimento negro possui uma participação direta na esfera
pública que problematiza a temática. A entrada da questão racial na agenda pública é fruto de
anos de militância do movimento negro, e consequentemente, as políticas públicas
decorrentes desse processo tem interferência da sociedade civil organizada. Salienta-se ainda
que esse tipo de processo visa direcionar o Estado, político e institucionalmente como um
instrumento da sociedade civil:

[...] direcionar-se para fazer do Estado não só um instrumento eficiente de


racionalização, de intervenção e de promoção do desenvolvimento, mas
também um ambiente político-institucional no qual se concretize a mediação
dos conflitos e das diferenças e que se estabeleçam as bases do contrato
social, as relações de reciprocidade entre os cidadãos (um marco normativo,
um parâmetro cultural, um “pacto fundacional”) (NOGUEIRA, 2011, p.66).

É importante não perder de vista que o Estado não foi completamente


omisso no que diz respeito ao tratamento da população negra, de fato, o negro permeou
diversas decisões políticas ainda que indiretamente. Como exemplo disso, podemos apontar a
Lei do Ventre Livre121 que, já trazia um papel para o Estado desempenhar com as crianças
acima de oito anos libertas; as políticas de imigração122; o higienismo123, nas proibições de

121
Se a Lei Áurea (nº 3.353, de 13 de maio de 1888), não previa nenhuma outra ação que não a abolição da
escravidão no Brasil, a Lei do Ventre Livre (nº 2.040 de 28.09.1871) previa intervenção do Estado em seu
parágrafo primeiro já anunciava: “Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores
de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos.
Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a
indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No
primeiro caso, o Govêrno receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei”.
122
“Como o Brasil deve ser povoado da raça branca, não se concedão benefícios de qualidade algumas aos
pretos, que queirão vir habitar o paiz [...] E como havendo mistura de raça preta com branca, a segunda, ou
terceira geração ficam brancos, terá o Brasil em menos de 100 annos todos os seus habitantes da raça
branca (SEQUEIRA, 1821. Apud. HOFBAUER, 2006; p.187).” E J. B. Lacerda, disse essas importantes
156

capoeira e de religiões afro-brasileiras124, entre outros casos. Sendo assim, o negro circulou na
agenda do Estado, no entanto, somente a partir dos anos 1990, principalmente após a
declaração oficial de que, é sim, um país racista, que políticas públicas mais efetivas, visando
à promoção da igualdade racial dos negros, e de sua cultura, se fortalecem na agenda pública
federal.

4.2 CENÁRIO NACIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS RACIAIS

Antes de compor o cenário presente e recente de políticas públicas raciais,


temos que apontar as primeiras intervenções governamentais na defesa da população negra
brasileira. Primeiramente, podemos observar que as políticas repressivas são as primogênitas
entre as políticas de promoção da igualdade racial, posteriormente, sendo acompanhada pelas
políticas afirmativas e valorizativas.
A Lei Afonso Arinos, de nº 1.390, de 1951, torna contravenção penal
condutas que barram o acesso de pessoas a órgãos públicos ou privados por preconceito de
cor ou raça. Em seguida o Brasil ratifica uma convenção da ONU em 1968, que gera no plano
interno a tipificação da incitação ao ódio racial ou a discriminação como crimes contra a
segurança nacional, isso através da Lei 6.620, de 1978 (MACHADO, 2009).
Avanços de políticas repressivas ainda surgiram por ocasião da CF de 1988,
onde o racismo passa a ser considerado crime inafiançável e imprescritível, regulamentada
através da Lei 7.716 de 1989, conhecida como Lei Caó enrijecendo as penas e estabeleceu
novos tipos penais. Essa lei foi modificada três vezes em 1990, 1994 e 1997 que agravaram a
injúria no Código Penal, podendo gerar reclusão de até três anos e multa (MACHADO,
2009).

palavras num pronunciamento no Congresso Universal das Raças em Londres (1911), onde sua previsão era
do desaparecimento total dos negros em um prazo de um século, muito devido a política de imigração
europeia.
123
Ver detalhadamente em Freire Costa (1989), mas a afirmação de Schwarcz (1993) da o tom: “Guardando
uma certa especificidade, no Brasil, a questão da higiene aparece associada à pobreza e a uma população
mestiça negra (p.230)”.
124
A Capoeira e o Candomblé chegaram a ser considerados ilegais como demonstram (ALBULQUERQUE;
FILHO, 2006). “Quando a República foi proclamada veio a revanche: a capoeira passou a ser contravenção
prevista no Código Penal de 1890, com pena de dois a seis meses de prisão (p.257)”. Enquanto que, os
terreiros: “Apesar dessa investida e da repercussão do congresso, só em janeiro de 1976, durante os festejos
ao Senhor do Bonfim na Bahia, o então governador Roberto Santos assinou o ato administrativo que
garantiu a liberdade de culto para as religiões afro-brasileiras. Só então, os terreiros deixaram de ser
obrigados a pedir licença para funcionarem e foi suspenso o pagamento de taxa ou registro na polícia
(p.243)”.
157

Ainda em 1988 nasce sob a gestão do presidente Sarney, o primeiro órgão


voltado para assuntos da comunidade negra – a Fundação Palmares – ligado ao Ministério da
Cultura. Outros avanços podem ser notados quanto às comunidades quilombolas,
principalmente na CF de 1988. As políticas não vieram em fases e linearmente, mesmo antes
dos avanços Constitucionais teve a criação do Conselho de Participação e Desenvolvimento
da Comunidade Negra de São Paulo, nascido em 1983.
Desses Conselhos outros similares foram nascendo, inclusive o de MS.
Houve intensa participação da população negra durante todo o processo da constituinte; e da
criação da Coordenadoria dos Assuntos da População Negra, em São Paulo, que caminhava
na mesma linha do Conselho estadual de São Paulo; ou mesmo da Secretaria Extraordinária
de Defesa das Populações Negras do Rio de Janeiro, primeira Secretaria de Estado criada com
a finalidade de se ocupar da demanda racial, esses movimentos são exemplares da nova
institucionalidade que se forjava.
Um marco da situação nacional nos anos de 1990, certamente foi a Macha
Zumbi dos Palmares, teve aproximadamente 30 mil ativistas em Brasília, no dia 20 de
novembro de 1995, na ocasião foi entregue um documento ao então presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso.

A Marcha Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida é uma iniciativa do


Movimento Negro brasileiro e se constitui num ato de indignação e protesto
contra as condições subumanas em que vive o povo negro deste país, em
função dos processos de exclusão social determinados pelo racismo e a
discriminação racial presente em nossa sociedade (MARCHA ZUMBI DOS
PALMARES, 1995).

O documento entregue ao presidente exigia políticas públicas frente a uma


realidade estatisticamente comprovada no âmbito do próprio documento. As políticas públicas
são reivindicadas como “requisito da maioridade política” e, como contrapartida da grande
mobilização, foi criado no mesmo dia da Marcha, o Grupo de Trabalho Interministerial de
Valorização da População Negra – GTI. A população negra passa a constar nos dois
Programas Nacionais dos Direitos Humanos, correspondentes ao período de gestão do FHC.
Um Seminário Internacional de título – Multiculturalismo e Racismo: o
Papel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos Contemporâneos, realizado em 1996,
faz com que o debate sobre a ação afirmativa passe a se fortalecer e, enfrentamentos na esfera
pública nacional surgem, tornando-se mais visível nas proximidades da realização da III
158

Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as


Intolerâncias Correlatas, realizado em Durban, África do Sul, em 2001.
Nos documentos levados a Durban encontrava-se um respaldo jurídico para
execução de políticas de ação afirmativa no Brasil. Ele propunha essas políticas para um
maior acesso a universidades públicas e, em licitações públicas, como critério de desempate
que considere a presença de negros, mulheres, homossexuais no quadro funcional
(PIOVESAN, 2005, p.50). Nessa ocasião o Brasil se posicionou perante o mundo como uma
nação de fortes desigualdades raciais, onde o racismo tinha um papel importante nas relações
sociais do país.
As ações afirmativas para acesso de negros ao ensino superior no Brasil
iniciaram em 2003, melhor dizendo, os primeiros alunos cotistas do país tiveram seu ingresso
em 2003, nas seguintes Universidades: Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ,
Universidade Estadual da Bahia – UNEB e Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul –
UEMS e em junho de 2003 e a Universidade de Brasília – UNB, criou seu programa de cotas,
que foi implementado em 2004.
Nesse momento observamos que a questão racial é parte de uma agenda
pública governamental. Outras políticas de recorte racial nasceram no então Governo Lula,
eleito em 2002, políticas como o ProUni125, a criação da Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade racial – SEPPIR126, a aprovação da Lei 10.639/03127 que dispõe sobre
a obrigatoriedade do ensino de história e cultura Afro-brasileira e Africana na Educação
Básica, assistimos a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial128 e, a declaração por parte do
Supremo Tribunal Federal – STF, da Constitucionalidade das Cotas, negando assim uma

125
O Programa Universidade Para Todos foi criado por meio da Medida Provisória n° 213, em 10 de setembro
de 2004, e institucionalizado pela Lei 11.096, no dia 13 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a concessão de
bolsas integrais, parciais e complementares, nos cursos de graduação e sequenciais de formação específica
das instituições privadas de educação superior (com ou sem fins lucrativos), para os estudantes de baixa
renda oriundos da rede pública de ensino ou de instituições privadas, na condição de bolsista integral e que
tenham prestado o Exame Nacional do Ensino Médio. As bolsas integrais são destinadas a estudantes que
possuam renda familiar, por pessoa, de até um salário mínimo e meio, as bolsas parciais de 50% são para
estudantes que possuam renda familiar, por pessoa, de até três salários mínimos e as bolsas complementares
de 25% são para estudantes que possuam renda familiar, por pessoa, de até três salários mínimos, destinadas
exclusivamente a novos estudantes ingressantes [...] é destinado um percentual de bolsas de estudo à
implementação de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior de autodeclarados negros e indígenas. O
percentual de bolsas destinado aos cotistas é igual àquele de cidadãos negros, pardos e indígenas, por
Unidade da Federação, segundo o Censo do IBGE do ano anterior à seleção (MARQUES, 2010, p.94-95).
126
A Medida Provisória nº 111 de 21 de março de 2003, cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, mesma data em que ocorre a cerimônia de posse de Matilde Ribeiro no cargo de Ministra-
chefe da SEPPIR.
127
A lei foi alterada para 11.645/08 acrescendo a cultura indígena no corpo da lei, tornando assim obrigatório o
ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena.
128
Lei nº 12.288 de 20 de julho de 2010, em meio a outros avanços na promoção da igualdade racial o Estatuto
da Igualdade Racial é aprovado. O projeto é do Senador Paulo Paim – PT.
159

medida encaminhada pelo DEM129 ao STF e por fim, a aprovação da lei de cotas para
Universidades e Institutos Federais130.
O Estado ainda está aprendendo a lidar com políticas de identidade, elas
passam a ser exigidas com força suficiente para serem ouvidas pelas instituições. A identidade
cultural, da maneira como apontada por Hall (2005), como fluida e em construção torna-se
parâmetro para elaboração de políticas públicas; são muitos sujeitos antes calados que querem
gritar pelos seus direitos. Essa politização da identidade gera novos desafios, e o Estado é
“exigido”, as novas agendas e as institucionalidades que surgem são, reflexos também das
exigências da sociedade civil fortalecida em processos identitários.
Hall (1997) aborda a centralidade da cultura131 em nossa modernidade, ele
opera com uma distinção entre cultura em seus aspectos substantivos e epistemológicos.
Compreendendo por substantivo “o lugar da cultura na estrutura empírica real e na
organização das atividades, instituições, e relações culturais na sociedade, em qualquer
momento histórico particular” enquanto que por epistemológico entende-se: “[...] à posição
da cultura em relação às questões de conhecimento e conceitualização, em como a “cultura”
é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo”
(p.16).
Hall (1997) diferencia a cultura em duas partes apenas para colaborar nas
discussões teórico-metodológicas, “o lugar da cultura na estrutura empírica real” é
amplamente significativa ao tratar identidade, pois, segundo Hall as identidades são formadas
culturalmente, e ao tratar identidades sociais, deve-se analisar o contexto cultural no qual está
imerso.

129
“O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais
para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). Por unanimidade, os ministros julgaram
improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada na Corte pelo
Partido Democratas (DEM)”. In:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206042
130
A Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto deste ano, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e
turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os
demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. In: http://portal.mec.gov.br/cotas/perguntas-
frequentes.html
131
“A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida
social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo” (HALL, 1997).
160

Nossas identidades são, em resumo, formadas culturalmente [...] Isto, de


todo modo, é o que significa dizer que devemos pensar as identidades sociais
como construídas no interior da representação, através da cultura, não fora
delas. Elas são o resultado de um processo de identificação que permite que
nos posicionemos no interior das definições que os discursos culturais
(exteriores) fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles) (HALL, 1997,
p.08).

O ponto chave da argumentação de Hall (1997) que queremos chegar é a


politização da cultura, ou demonstrar mais especificamente que “o político tem sua dimensão
cultural”. Abaixo segue um parágrafo do texto, onde o crédito da abrangência ou alargamento
do político é dado as feministas:

Agora, o poder político tem efeitos materiais muito reais e palpáveis.


Contudo, seu verdadeiro funcionamento depende da forma como as pessoas
definem politicamente as situações. Por exemplo, até recentemente, as
relações familiares, de gênero e sexuais eram definidas como fora do
domínio do poder: isto é, como esferas da vida nas quais a palavra “política”
não tinha qualquer relevância ou significado. Teria sido impossível conceber
uma “política sexual” sem que houvesse alguma mudança na definição do
que consiste o âmbito “político”. Da mesma maneira, só recentemente —
desde que o feminismo redefiniu “o político” (como por exemplo: “o pessoal
é político”) — que passamos a reconhecer que há uma “política da família”.
E isto é uma questão de significado — o político tem a sua dimensão
cultural (p.13).

O que, de fato vemos nesse cenário que Hall (1997) tenta detalhar é um
alargamento na esfera pública, que em um movimento simultâneo, também acaba por baralhar
ainda mais dimensões públicas e privadas da vida social. A esfera da cultura passa, cada vez
mais, a fazer parte dos debates e embates presentes na esfera pública, e a própria identidade
acompanha esse movimento. As feministas deram subsídios políticos e teóricos para
politização da raça, etnia, sexualidade entre outras identidades.
O movimento negro e sua luta por políticas públicas focais são parte dessa
caminhada rumo à politização de identidades culturais, a insuficiência da homogeneidade em
torno dos discursos sobre Estado-Nação são sintomáticos da politização cultural. Políticas de
gênero, de raça, de etnias passam a ser reconhecidas como necessárias frente à ampliação da
agenda da sociedade civil organizada.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2008) enxerga no mesmo
movimento, a tensão social que tem como resultado a mediação por meio da cultura:
161

As novas-velhas identidades constroem-se numa linha de tensão entre o


demos e o ethnos e contra a identificação entre ambos, até a pouco julgada
não problemática, e que o Estado nacional liberal levou a cabo [...] Cabe,
pois, perguntar: quem sustenta a nova, ou renovada tensão entre demos e
ethnos? Julgo que a cultura (SANTOS, 2008, p.148).

Com isso esperamos ter apontado que políticas de promoção da igualdade


racial e a nova institucionalidade decorrente dessas políticas de identidade, representam uma
mudança do padrão de relação entre movimento negro e Estado. Também esperamos
demonstrar, que tais iniciativas influenciam unidades da federação, nesse sentido, as políticas
de promoção da igualdade racial de MS são oriundas de um contexto nacional de debates em
torno das ações afirmativas e outras políticas focais.

4.3 CENÁRIO SUL-MATO-GROSSENSE DAS PÚBLICAS RACIAIS

As políticas públicas são frutos do movimento negro sul-mato-grossense e


do momento histórico e político vivenciado no Brasil. O mo(vi)mento negro converteu em
políticas públicas algumas de suas demandas, mas o mais importante ainda foi, que conseguiu
agir enquanto sociedade civil, e levar demandas à sociedade política. Essas demandas foram
debatidas em um espaço público que envolveu mídias, universidades, movimentos sociais,
partidos políticos e indivíduos. Dessa maneira, a questão racial também colaborou para um
aprofundamento do sistema democrático nacional.
Algumas políticas devem ser ressaltadas em nosso cenário regional,
nenhuma delas de caráter repressivo, diferenciando-se assim apenas entre políticas afirmativas
e valorizativas. As políticas de ação afirmativa são duas mais incisivas, uma para o acesso na
UEMS, e a outra de acesso no funcionalismo público estadual; temos ainda um decreto-lei de
caráter valorizativo, uma homenagem, conhecida como “Mister Apa”, direcionada a pessoas e
entidades do movimento negro, é realizada pelos vereadores e normalmente na câmara
municipal.
Os planos são praticamente símbolos da construção de agendas políticas que
incluíam a demanda racial. Dois planos serão citados um estadual, e outro municipal de
Campo Grande, apesar de pouco implementados, constituem-se enquanto fruto da interação
entre movimento negro e estado no MS.
O governo de MS teve participações diretas em algumas ações de promoção
da igualdade racial, principalmente via capacitações e eventos. Em 1997, mesmo ano em que
o curso pré-vestibular do Grupo Tez iniciou suas atividades tivemos o “Seminário de
162

Promoção da Igualdade de Oportunidades no Trabalho e a Implementação da Convenção


111” (BORGES, 2008).
A partir de 1999, temos o período em que Zeca do PT (1999 -2007) estava
como governador, as medidas que seguem são referentes a esse período, centralizadas
principalmente na SED, mas também na CPPIR-MS após sua criação. Em 1999, surge a
Escola Guaicuru, projeto realizado pela SED. No interior do projeto surgem os Cadernos da
Escola Guaicuru, estes “foram utilizados como estratégias de divulgação do campo
pedagógico e revelam as pretensões referentes ao papel da escola idealizado pelo Governo,
no que diz respeito à conquista da gestão do Estado” (BRAZIL; VALEMTIM; FURTADO,
2012, p.385).
Os Cadernos foram editados nas seguintes séries: “Fundamentos Políticos-
Pedagógicos (10 volumes); a série Calendário da Cidadania – subsídios para aulas especiais
(10 volumes); e a série Constituinte Escolar (20 volumes)” (BRAZIL; VALEMTIM;
FURTADO, 2012, p.386).

A série Calendário da Cidadania destinava-se a oferecer subsídios para


aulas especiais e se constituía em dez volumes. Nela havia orientação para se
trabalhar com aspectos étnico-raciais; críticas à história oficial, a questão da
diferença, a resistência do negro e do indígena brasileiro e sul mato-
grossense; lições de cidadania; educação infanto-juvenil e temas voltados
para o combate às drogas. Na série “Subsídios para Aulas Especiais”, os
volumes 2 e 7 (Ilustração 2 e 3) foram destinados à educação multicultural,
com foco para o segmento negro e indígena. Ou seja, os Cadernos da Série
Calendário da Cidadania nº 2, intitulados “Negro (a) Vivendo Novas Lições
de Etnia” (Ilustração 2) vieram a lume no ano 2000 e foram elaborados para
servir de suporte referencial aos professores que, no cotidiano escolar,
vivenciam situações de discriminação racial (BRAZIL; VALEMTIM;
FURTADO, 2012, p.388).

Entre 1999 e 2005, também teve voltado para a educação para as relações
etnicorraciais o “Curso de Capacitação de Educadores AWA DE!”, oferecido pela SED. A
capacitação de professores era a maior preocupação em relação a uma Afroeducação, ou
educação para relações etnicorraciais, ou diversidade, que foram os rótulos mais marcantes
desse período.
Em 2000, houve a inauguração da Escola Estadual Antônio Delfino Pereira,
localizada na comunidade Tia Eva, seguida pela implementação do ensino médio na Escola
163

Estadual Zumbi dos Palmares, na Comunidade Rural Furnas do Dionísio132. E, por fim, a
introdução da temática racial no movimento da Constituinte Escolar133.
O Governo estadual pressionado pelas lideranças estudantis, implementou
um curso pré-vestibular na rede estadual de educação em 29 de setembro de 2001. Nesse
curso pré-vestibular 30% das vagas eram reservadas a alunos negros. O primeiro curso teve
duração de dois meses e ocorreu em cinco escolas de Campo Grande. Com os resultados
obtidos houve ampliação do projeto, que em 2002 ocorreu em 14 municípios.
Entre os anos de 2002 e 2003, gestavam-se as ações afirmativas da UEMS:
Por meio da Lei 2.589, de 26 de dezembro de 2002, dispôs sobre a reserva de vagas para
indígenas e a Lei 2.605, de 06 de janeiro de 2003, destinou 20% das vagas para os negros.
Entre 2003 e 2006, a SED sob a direção de Hélio de Lima apresentou, o projeto político
pedagógico (2003 – 2006) chamado Escola Inclusiva: espaço de cidadania. Na sequência, em
2004, é realizado pela SED o “I Fórum Estadual: Educação e Diversidade Étnico-Racial –
Implementando a lei 10.639 em Mato Grosso do Sul”. Evento apoiado pelo Governo Federal,
através da SECAD e com a participação de professores dos diversos níveis de ensino
(BORGES, 2008).
Em 2005 foi publicado o “Caderno de Diálogos Pedagógicos – Combatendo
a Intolerância e Promovendo a Igualdade Racial na Educação Sul-Mato-Grossense”. Este
dirigido a professores da rede estadual de ensino, com intuito de subsidiar intervenções
antirracistas nas escolas. Em conformidade com as políticas no plano federal, o governo
estadual realizou trabalhos específicos para demanda racial, com professores da rede estadual
de ensino (BORGES, 2008).
Tivemos ainda a formulação do Plano Municipal de Políticas de Promoção
da Igualdade racial para o Município de Campo Grande, na gestão de Nelsinho Trad (2005-
2008 e 2009-2012) do PMDB. (BORGES, 2008). Ainda em 2006 tivemos a aprovação do
projeto de decreto legislativo nº 487/06, de 09 de maio de 2006, que institui o prêmio
Aparício Luis Xavier de Oliveira - Mister Apa, em comemoração ao Dia da África.
Em 2008, houve a aprovação da lei nº 3.594, de 10 de dezembro de 2008,
que institui, como medida de promoção da igualdade de oportunidades no mercado de
trabalho, o programa de reserva de vagas, para negros, em concursos públicos para

132
Esta comunidade está localizada atualmente no município de Jaraguari, que nasceu depois da chegada dos
Dionísio, no final do século XIX, foi reconhecida pela Fundação Palmares em 2005, e abriga cerca de 89
famílias.
133
A Constituinte Escolar elaborou o Plano de Educação para a Rede Estadual Mato Grosso do Sul (BRAZIL;
VALEMTIM; FURTADO, 2012).
164

provimento de cargos no estado de MS, e dá outras providências. Através do decreto n°


12.810, de 8 de setembro de 2009, regulamenta-se a lei n° 3.594, de 10 de dezembro de 2008.

Políticas Valorizativas no MS

O cenário estadual é carente de políticas de promoção da igualdade racial


que tenham como escopo principal, a valorização. Desta maneira observamos que em 2010,
houve uma tentativa, através da Lei 3.958/10, de autoria do Deputado estadual Amarildo Cruz
(PT), que propunha o 20 de novembro134 como feriado estadual. E em Campo Grande, capital
do estado, verificamos a premiação intitulada “Mister Apa”, onde um prêmio é entregue a
militantes e instituições comprometidos com a igualdade racial no município, é entregue por
vereadores e as indicações são feitas por coletivos do movimento negro.
O Deputado Amarildo Cruz com o projeto de lei 043/2010 propôs, o 20 de
novembro como feriado estadual, data em que se celebra o Dia Nacional da Consciência
Negra, por ser a data da morte de Zumbi dos Palmares, herói nacional negro. A Lei Estadual
3.958/10 foi aprovada e sancionada, porém a Federação do Comércio de MS (Fecomércio)
entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade que foi deferida pelos desembargadores
em 2012. A Fecomércio baseou-se na Lei Federal 9.093/95, que dispõe sobre a criação dos
feriados, o Tribunal de Justiça de MS entendeu, por unanimidade, que a criação de feriados é
de competência federal, e como estes interferem nas relações trabalhistas, também
interfeririam em outra competência federal. O fato é que o 20 de novembro é feriado em
outros estados como Rio de Janeiro, Alagoas, Mato Grosso, mas também em várias cidades,
entre elas, duas de MS: Jaraguari e Corumbá.
O “Mister Apa” foi instituído através do projeto de decreto legislativo nº
487/06, de autoria da então vereadora Thais Helena (PT). O nome do prêmio é uma
homenagem a Aparício Luis Xavier de Oliveira, conhecido como Mister Apa, que foi um dos
pioneiros do movimento negro sul-mato-grossense, idealizador de um Fórum Brasil-África
em 1993135, um dos fundadores e primeiro presidente do ICCAB, entre outras ações.

134
Em 20 de novembro é comemorado o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra desde que a presidente
Dilma Rousseff decretou a lei 12.519, de 10 de novembro de 2011, uma homenagem ao dia da morte de
Zumbi dos Palmares. A ideia de marcar o 20 de novembro é de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, iniciativa
do poeta Oliveira Silveira, membro do Grupo Palmares, uma associação cultural negra (MUNANGA, 2006).
135
O Fórum teve a presença dos Embaixadores de Gana, Gabão e Nigéria, e mais 9(nove) Diplomatas de
Camarões, Senegal, Togo, Marrocos, Nigéria, Angola, Gabão, Gana e Costa do Marfim, realizado nesta
Capital, tendo como tema “A criação da Casa de África no Brasil. (PROJETO DE DECRETO
LEGISLATIVO Nº 487/06).
165

A premiação é direcionada a pessoas e a instituições que tenham trabalhos


desenvolvidos na promoção da igualdade racial, o decreto-legislativo prevê que algumas
entidades indiquem pessoas e instituições dignas da premiação. Os vereadores escolhem os
premiados. O Decreto prevê que as entidades que podem indicar são: CEDINE; Grupo Tez;
Associação Afro-Indígena Quilombo de Jabaquara; Associação Beneficente dos Descendentes
de Tia Eva; Coletivo de Mulheres Negras – Raimunda Luzia de Brito; Instituto Afro-
Vida; Instituto Martin Luther King; Associação Familiar Comunidade Negra São João
Batista; Comunidade Quilombola Chácara Buriti; Federação Sul-Mato-Grossense de
Capoeira; ICCAB – Instituto Casa da Cultura Afro-Brasileira; CONERG – Coordenação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas de MS; Fórum Permanente das Entidades do
Movimento Negro de MS; Conselho Municipal do Direito do Negro; CEPPIR –
Coordenadoria de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial; GEPPIR – Gestão
de Processos Pedagógicos para Promoção da Igualdade Racial; CDDH – Centro de Defesa
dos Direitos Humanos.

Políticas Afirmativas no MS

A UEMS através da Lei estadual 2.605 de 2003, e a Lei n° 3.594,


regulamentada pela lei nº 12.810, de 08 de setembro de 2009, efetiva seu programa de ação
afirmativa para o acesso a Universidade. E a lei que dispõe sobre uma reserva de vagas em
concursos públicos estaduais para negros (Lei estadual nº 3.594), são as políticas estaduais de
caráter afirmativo de maior impacto social, como sugerem Jaccoud e Beghin (2002).
A discussão na UEMS inicia-se a partir da Lei nº 2.589136, de 26/12/2002,
esta reservava um percentual de vagas para os indígenas, em seguida, 06/01/2003 através da
Lei nº 2.605137, estabelece a reserva de vagas de 20% para negros. O Conselho Universitário
da UEMS, após discussões com os movimentos negro e indígena, decide por meio das
resoluções 241/03 e 250/03, o percentual de 10% para indígenas e de 20% para os negros,
estes ainda sendo exigidos que fossem oriundos da escola pública ou bolsistas de escola
privada (BITTAR; CORDEIRO; ALMEIDA, 2007).
136
Este lei é de autoria do Deputado Estadual Murilo Zauith (PFL) e foi criada sem nenhum percentual de
reserva de vagas para os indígenas. O mesmo deputado não compareceu a nenhuma audiência ou debate
público sobre o tema.
137
O autor da lei foi o Deputado Estadual Pedro Kemp (PT) , que aponta que foi chamado pelo movimento
negro para propor a Lei de cotas para negros na UEMS. “E aí quando eu assumi a vaga na Assembleia
Legislativa, eu recebi lá a visita de representantes do movimento negro e da Coordenadoria do negro, essa da
Casa Civil. Eles me colocaram a proposta de discutir a questão da Lei de cotas para negros na UEMS”
(CONCEIÇÃO, 2003, p.131).
166

Ainda restava decidir os critérios para inscrição, já pautado na reunião do


Conselho Universitário da UEMS. A discussão ocorreu na Câmara de Ensino do Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão, de onde surgiu uma comissão, com participação do movimento
negro, CEDINE, de lideranças indígenas e da CPPIR-MS além dos partícipes da UEMS. Foi
organizado um fórum de discussão: “Reserva de vagas para indígenas e negros na UEMS:
Vencendo preconceitos” que percorreu nos quatorze municípios onde a UEMS se encontra e
mais Dourados, a sede. Esse processo deu início a uma série de palestras, seminários,
conferências, audiências públicas na tentativa de sensibilizar a comunidade acadêmica e
discutir os critérios para inscrição.
No interior dessa comissão, o movimento negro trouxe a necessidade de se
somar aos critérios já definidos, a questão do fenótipo e da pobreza; enquanto que, os
indígenas Guaranis Kaiowá e Terena, atestaram a necessidade da comunidade indígena
juntamente com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) atestar a descendência indígena
(BITTAR; CORDEIRO; ALMEIDA, 2007).
Os argumentos do movimento negro regional na defesa do fenótipo,
enquanto um dos critérios de seleção assentava-se na crença de que, quem possui pele mais
escura (preta) é mais discriminado. Sendo assim, ainda defendendo o conceito enquanto algo
social e não biológico, apesar de discussões em torno do fenótipo, enquanto critério de
inscrição para as ações afirmativas do processo seletivo da UEMS, ele se manteve
(CORDEIRO, 2008, p.61-62).
A comissão responsável pela avaliação dos fenótipos foi construída, por
meio da Pró-reitoria de Ensino, e é composta por: representantes da UEMS, do movimento
negro, do Fórum Permanente de Entidades do Movimento Negro de MS e do CEDINE. Os
representantes dessas estâncias deferem ou não a inscrição dos candidatos que se
autodeclararam negros.
Já em 2008, o Deputado Amarildo Cruz (PT) consegue a aprovação da Lei
Estadual nº 3.594, em 10 de dezembro de 2008, esta lei, foi regulamentada a através do
decreto n° 12.810, de 8 de setembro de 2009. Institui reserva de vagas de 10% para negro no
provimento de cargos em concursos públicos de MS.

Art. 1° Ficam reservadas para os negros 10% das vagas oferecidas em todos
os concursos realizados pelo Poder Executivo Estadual para provimento de
cargos e empregos públicos, da administração direta e indireta (MATO
GROSSO DO SUL, DECRETO N° 12.810, 2009).
167

Esta lei, de acordo com o deputado foi objeto de debate por


aproximadamente um ano com os demais deputados. Uma de suas assessoras, Vania Lucia B.
Duarte, esteve em constante diálogo com o movimento negro, que se fez presente na
Assembleia Legislativa no dia da aprovação. A Lei aprovada pela unanimidade dos deputados
presentes, ressalva observada pelo autor da lei (Entrevista, Amarildo Cruz, 2012).
Nos moldes de como ocorre na UEMS, o fenótipo torna-se critério de
seleção, também somado a uma autodeclaração. A estratégia é a mesma, cria-se uma
comissão que avaliará a procedência da autodeclaração racial, como já esta previsto no artigo
terceiro da Lei 12.810/09.

Art. 3° A Secretaria de Estado de Administração constituirá comissão


composta por, no mínimo, cinco pessoas para, mediante processo de
entrevista, verificar a veracidade da declaração firmada pelo candidato, nos
termos do art. 2°, confrontando-a com o seu fenótipo (MATO GROSSO DO
SUL, DECRETO N° 12.810, 2009).

A comissão para esse fim é composta por dois servidores estaduais


designados pela Secretária de Estado de Administração – SAD; um representante da CPPIR-
MS; um representante do Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de MS e um
representante do CEDINE. As Entrevistas serão todas realizadas após primeira fase dos
concursos. E para que os indeferidos não fiquem totalmente impossibilitados de ser admitido
o artigo 5º prevê:

§ 1° O candidato que não receber parecer conclusivo favorável da Comissão


Especial sobre sua condição de negro, mas cuja aparência suscite dúvida
razoável, será excluído da lista específica, permanecendo somente na
listagem geral de classificação para cargo (MATO GROSSO DO SUL,
DECRETO N° 12.810, 2009).

Como demonstrado, as políticas afirmativas de MS trazem o fenótipo como


marcador da identidade negra, e criam Comissões para julgar a veracidade de
autodeclarações. O movimento negro é participe dessas comissões, parte dele a escolha do
fenótipo enquanto critério de inscrição na UEMS, mas a lei nº 12.810, apenas seguiu alguns
encaminhamentos já realizados pela lei de reserva de vagas na UEMS, o fenótipo, e
abandonou a pobreza como outro critério.
Outra política merece destaque no MS, em janeiro do ano 2000, a Lei
Estadual no 2.079, de autoria de Geraldo Rezende então no PPS, tornou obrigatório o exame
168

em recém-nascidos de todo o estado para detecção de doenças falciformes138. Em pesquisa


publicada em 2008 aponta que a medida contribui para um diagnóstico precoce e melhora os
resultados do tratamento.

A contribuição científica desse primeiro estudo de triagem realizado no


estado de Mato Grosso do Sul confirma que o diagnóstico foi precoce para
as alterações falciformes, como previsto no Programa de Anemia
Falciforme. Nos casos de anemia falciforme, o diagnóstico precoce aponta
para atendimentos ambulatoriais que favoreçam a redução da
morbimortalidade em indivíduos acometidos por essas afecções
(HOLSBACH, et al., 2008, p.281)

Esta política valoriza uma peculiaridade na saúde, visto que são doenças de
predominância na população negra e a lei possibilita uma melhora no diagnóstico139 e,
portanto, no tratamento de uma doença caracterizada pelo traço falciforme.

4.3.1 MS e Campo Grande: Plano de Promoção da Igualdade Racial

O Programa de Superação das Desigualdades Raciais de MS, foi elaborado


em 2001, tendo o Estado e a Sociedade Civil como partícipes de um objetivo claro
“implementar propostas de política pública para negros (ação afirmativa), direcionadas para
setores da Administração Pública considerados estratégicos no combate às desigualdades
raciais” (CONCEIÇÃO, 2003, p.19). Neste período, MS estava sob o governo do Partido dos
Trabalhadores (PT), com José Orcírio Miranda dos Santos, - conhecido como Zeca do PT
(1999 - 2002).
Grande parte da demanda por políticas públicas de promoção da igualdade
racial deste período trazem a SED como principal agente institucional, o movimento negro
historicamente pauta maior parte de suas ações no âmbito educacional, e a realidade vivida no
contexto regional propicia o fortalecimento de políticas educacionais. O Grupo Tez se
solidificou no estado por suas atuações no âmbito educacional, parte de seus militantes de fato
eram educadores, e a aproximação de pessoas deste Grupo com o Governo Petista
desencadeou as primeiras políticas de promoção da igualdade racial em MS.

138
O termo “doença falciforme” é usado para determinar um grupo de afecções genéticas caracterizadas pelo
predomínio da Hemoglobina S (HOLSBACH, et al., 2008). São doenças de predominância da raça negra.
139
De 190.809 indivíduos triados, 2.624 (1,38%) encontraram-se alterados, correspondendo a 2.385 neonatos e
239 crianças maiores de 28 dias. Não houve diferença entre os sexos, sendo 1.335 do sexo feminino e 1.289
do masculino. Os genótipos alterados encontrados foram traço falciforme (FAS [99,16%]) e doenças
falciformes (FS [0,61%] e FSC [0,23%]) (HOLSBACH, et al., 2008, p.277).
169

O Programa de Superação das desigualdades raciais de MS era o próximo


passo. Em 2001, uma técnica da SED, Lucimar Rosa Dias, é nomeada pelo então Secretário
de Estado de Governo, Ben-Hur Ferreira, como chefe da Interlocução de Governo para
Assuntos da População Negra. Partindo da Interlocução, que se reuniu com vários técnicos da
administração pública estadual e segmentos da sociedade civil para definir o esboço do
programa de superação das desigualdades raciais numa oficina ministrada por Edson Cardoso.
Participaram da oficina o CEDINE, membros da sociedade civil, 17 órgãos
do governo do estado e representantes da prefeitura de Campo Grande e Corguinho. O
Programa surge 90 dias depois da capacitação, e as propostas foram estruturadas no Programa
de Superação das Desigualdades Raciais:

O Objetivo do programa era implementar propostas de políticas públicas


para negros (ação afirmativa), direcionadas para setores da Administração
Pública considerados estratégicos no combate às desigualdades raciais,
juntamente com a colaboração de entidades da Sociedade Civil, em especial
as entidades do Movimento Negro (CONCEIÇÃO, 2003: p.19).

O Programa foi criado em 2001, num governo que encerrava o mandato em


2002, e apesar dos esforços de manter um comprometimento orçamentário por parte das
secretárias de governo com o Programa, ele não foi desenvolvido. O programa era composto
das áreas: Educação, Saúde, Comunidades Negras, trabalho e emprego, justiça e segurança
pública.
Os compromissos orçamentários não foram cumpridos. Aleixo Paraguassú
Netto, então presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro (CEDINE),
afirma que ao tentar verificar o que de fato havia sido implementado do programa, criado há
apenas um pouco mais de um ano para o fim do mandato do PT no estado, era uma
quantidade irrisória das medidas propostas.

[...] durante uma semana tiveram aulas para entender a problemática racial
no Brasil, e a necessidade de elaboração de políticas públicas, que
contemplassem e provocassem a iniciativa em todas as áreas de governo,
isso foi um fato significativo no governo do Zeca, é bem verdade que pouco
se implementou. Quase que não passou do ato significativo de elaborar,
pouco se implementou, tanto é verdade que, eu era então presidente do
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro (CEDINE), que uma
instituição no rol daquelas que tem a incumbência de exercer o controle
social das ações governamentais, e nós convocamos Lucimar Rosa Dias, que
era da casa civil para, em nome do Governo prestar contas ao conselho. Bom
o plano está aqui, o que é que vocês fizeram? Esse é o nosso papel, e aí a
Lucimar foi lá, deu explicações e, ora, a grosso modo, nós avaliamos na
época que o governo não conseguiu passar perto dos 20% de implemento das
ações programadas (Entrevista, Aleixo Paraguassú, 2012).
170

O mesmo Programa foi a base das ações realizadas no segundo mandato do


governo Zeca do PT, agora sob a coordenação da renomeada CPPIR, que teve garantido para
o segundo mandato um orçamento, o que possibilitou viagens, seminários, capacitações,
visitas às comunidades de remanescentes de quilombolas, entre outras realizações modestas,
se comparado ao Programa inicial.

Plano Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Este Plano é uma iniciativa da prefeitura Municipal da cidade de Campo


Grande, sob a gestão de Nelson Trad Filho (2005 -2012) do PMDB, publicizado em 2006, o
Plano foi um ato elogiável de aproximação entre sociedade civil e o Estado. É fruto de uma
série de Conferências Locais, realizadas em diversos pontos da cidade, incluindo área rural,
tendo o cidadão comum como alvo, seja ele engajado ou não. O Conselho Municipal dos
Direitos do Negro teve participação nas conferências e em seu planejamento, assim como
outras entidades da sociedade civil também tiveram essa participação garantida (PLANO
MUNICIPAL, 2006).
Foi criado em 2006 um Grupo de Trabalho, responsável por coordenar as
Conferências Locais, foram dez ao todo. 1.513 pessoas assinaram as listas de presença, e os
participantes eram divididos de acordo com alguns eixos temáticos: Valorização da
diversidade étnico-racial, educação e cultura, saúde, geração de emprego e renda e
infraestrutura, meio ambiente e habitação, e três prioridades de cada eixo eram apontadas,
estas prioridades foram sistematizadas e se materializaram como ações do plano em questão.
(PLANO MUNICIPAL, 2006: p.33-34). Estes mesmos eixos se apresentam no interior do
Plano municipal com várias “propostas e ações” já sistematizadas.
O Plano Municipal afirma seguir tais diretrizes: Incorporação da questão
racial nas políticas governamentais da Prefeitura de Campo Grande; Adoção do principio
antirracista como diretriz para políticas globais de governo; Consolidação de formas
democráticas de gestão de políticas de promoção da igualdade racial e; Melhoria da qualidade
de vida da população negra (CAMPO GRANDE, 2006).
Utilizando dados do IPEA e do IBGE principalmente, uma série de aspectos
da vida social demonstra a desigualdade entre negros e não negros em vários índices: Renda,
emprego, acesso à educação superior, maior incidência no trabalho precoce entre outros.
Vários gráficos surgem ao longo do Plano, apontando para a proposição de políticas públicas
de promoção da igualdade racial em várias frentes de atuação, em oposição às políticas
171

universalistas, uma defesa das ações afirmativas como sendo uma maneira de combater as
desigualdades raciais é colocada no interior do Plano Municipal.
As primeiras páginas do Plano trazem uma discussão conceitual sobre ação
afirmativa, racismo, preconceito, discriminação, políticas universalistas e equidade. Um
quadro com “a cronologia das lutas por igualdade de direitos no Brasil” também contribui
historicamente com os argumentos conceituais, no entanto, nenhuma referência estadual ou
municipal da resistência negra é citada. Este fato é sintomático da presença negra no
imaginário coletivo municipal, apesar das festas, de comunidades remanescentes e até mesmo
da escravidão que ocorreu no estado.
As propostas são gerais, quase sempre trazendo o sufixo “Campo Grande”
apenas como símbolo de uma municipalização das políticas, ou seja, as especificidades da
cidade na desigualdade racial não são tratadas, dificultando a capacidade de “estabelecer
parâmetros e fomentar a execução de políticas com capilaridade para combater as
desigualdades raciais de Campo Grande (PLANO MUNICIPAL, 2006, p.37)”. Nem um
diagnóstico sobre a situação da população negra da cidade foi feito, o que de fato teria que ser
a primeira medida, conhecer o público-alvo das políticas governamentais propostas no Plano
Municipal.
A crítica que deve ser feita ao Plano, além de sua não implementação, é que
ele não foi capaz de municipalizar as demandas por promoção da igualdade racial, suas ações
e propostas são similares a outros planos já realizados, como o Programa Superação das
desigualdades raciais de MS.

4.4 SOCIEDADE CIVIL “NEGRA” E O ESTADO NO MATO GROSSO DO SUL

No MS temos a pauta racial como parte de uma pseudo agenda pública, que
de acordo com Eliane Barbosa da Conceição (2010, p.90) “seria formada pelos itens que, de
alguma forma, são registrados ou cuja demanda é reconhecida, para os quais não ocorra, no
entanto, a explícita consideração de seu mérito”. Os planos, tanto o municipal quanto o
estadual, foram aprovados sem verbas para sua real efetivação. Os planos em alguns pontos
não servem nem para um diagnóstico sério da população negra da região, são apenas parte de
uma pseudo agenda governamental.
172

[...] os tomadores de decisão sempre lançaram mão da pseudoagenda para


aplacar frustrações de grupo de eleitores, ou para evitar consequências
políticas advindas de falhas no reconhecimento de algumas demandas. Essa
situação ocorre quando ações que nunca serão de fato levadas a cabo são
inseridas na agenda com a única motivação de abrandar grupos de ativistas
(CONCEIÇÃO, 2010, p.90).

O momento negro é marcado pelo incremento na agenda governamental da


questão racial, mais propriamente, baseado no compromisso de redução das desigualdades
raciais. Na agenda pública estadual ainda tem outro problema, representado pela fala do Ben-
Hur Ferreira, que afirma: “ Na verdade, as políticas públicas aqui tinham um peso pessoal,
tinha muito assim de uma empolgação de um pessoal que estava no poder: eu na Casa Civil a
Lucimar também” (CONCEIÇÃO, 2003, p.124). Essa pessoalização da discussão não trouxe
benefícios à política racial do estado em longo prazo, faltou maior institucionalização, como o
próprio Ben-Hur reconhece em seguida: “ Talvez tenha ficado o gostinho de não ter
conseguido realmente, em que pese ter a Coordenadoria, ter discutido orçamento,
planejamento” (p.124).
O peso pessoal, no qual se refere Ben-Hur, também é observado entre os
militantes do movimento negro de MS. Pessoas como Dr. Aleixo Paraguassú, Raimunda L. de
Brito, “Zezão” entre poucos outros, ainda são exemplos da militância estadual, que pese o
fato, de serem militantes lembrados desde a fundação da primeira instituição em 1985, apesar
de nenhum deles pertencer ao núcleo fundador do Grupo TEZ.
Por outro lado, o momento negro, traz uma nova institucionalidade, melhor
exemplificado na criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial –
SEPPIR, pelo governo federal em 2003. E ao olhar para MS reconhecemos uma pseudo
institucionalidade também. Em Campo Grande percebemos no organograma da prefeitura a
existência de uma coordenadoria para assunto da população negra, que não possui ninguém
nomeado. A situação foi assumida pela atual Secretária Municipal Thais Helena, durante a
realização da II Conferência Municipal de promoção da igualdade racial, em 2013. Não muito
distante é a situação no governo estadual que, possui uma coordenadora, Raimunda Luzia de
Brito, que passou vários anos como sendo a única pessoa da CPPIR, a “euquipe” como ela
afirma.
Os fóruns, tanto das entidades do movimento negro, quanto o FORPEDER,
encontram-se desarticulados, um sem reuniões há quase um ano, e o outro sem ações efetivas,
respectivamente. Mesmo um sendo, em parte internalizado, o FORPEDER, por prever agentes
173

do governo estadual, não consegue recursos nem força política suficiente para propor novas
políticas públicas.
Se o momento negro é marcado por uma nova institucionalidade e pelo
avanço nas agendas públicas em relação às demandas raciais, o que temos no MS, ainda é
pouco. Grande parte da agenda pública ainda é uma pseudo agenda, enquanto que o mesmo
pode se afirmar da institucionalidade. Nesse sentido, os avanços mais concretos são as
conquistas que se tornaram leis. As leis são a maneira pela qual o movimento negro sul-mato-
grossense mais adquiriu conquistas de maneira sustentável.
As estâncias legislativas trazem uma extrema debilidade para a construção
de políticas de promoção da igualdade racial. Na Câmara dos vereadores nenhum possui
aproximação com o movimento negro, na Assembleia Legislativa um deputado estadual,
Amarildo Cruz – PT, pauta demandas raciais na assembleia, sem esquecer Pedro Kemp,
também do PT, ambos propositores das políticas afirmativas do estado e ainda na Assembleia.
As políticas afirmativas são as maiores conquistas, e as de mais fácil
monitoramento por parte da sociedade civil, as leis tornam políticas compromisso de estado.
A via jurídico-legislativa ainda permanece como sendo a alternativa mais concreta de
construção de políticas de promoção da igualdade racial, não menosprezando os programas,
capacitações, seminários e outros eventos realizados no estado, mas, ao tratar políticas
afirmativas no estado tem sido a única maneira de assegurar compromissos políticos com o
movimento negro de maneira mais consistente e contínua. Ou seja, o movimento negro,
consciente dessa relação dissimulada, encontra nas leis a única força capaz de ater o estado a
seus compromissos com a promoção da igualdade racial.
Maria José de Jesus A. Cordeiro, afirma em sua tese de doutorado, ao tratar
da aprovação das cotas na UEMS:

Nesse sentido, os movimentos sociais ligados ao Movimento Negro e as


lideranças indígenas de Mato Grosso do Sul lutaram e conquistaram as leis
que garantem as cotas na UEMS. Restava a esta como instituição cumprir as
determinações legais no sentido de implementar os direitos adquiridos
(CORDEIRO, 2008, p.60).

Esta afirmação exemplifica bem a postura de instituições quando são


coagidas por meio da lei. Apesar dos avanços que representam a conquista de políticas
públicas raciais, há muito por se fazer, enquanto o estado mantiver seu compromisso com o
movimento negro firmado com base em pseudo agendas e pseudo institucionalidades não
haverá progresso na relação entre ambos fora do texto gélido da lei. Pode-se observar que
174

essas políticas públicas, que são frutos da relação entre estado e sociedade civil no estado, são
também devedoras de heranças da cultura política brasileira: pessoalizada, patrimonialista, de
favorecimentos, de grandes desigualdades sociais e ainda com traços autoritários.

O ILK

O ILK, uma das entidades do movimento negro sul-mato-grossense que


atendem maior número de pessoas, demonstra muitas dificuldades em sua manutenção, tanto
que o núcleo diretor foi substituído visando longevidade e sustentabilidade maior do trabalho
da instituição. Ou seja, a sociedade civil organizada por meio de ONGs torna-se cada vez
mais dependente de recursos financeiros, e mais dependente do ato de pedir.
O “pedir”, conserva as relações de dominação presentes no Brasil, e nesse
sentido o terceiro setor não contribui para o avanço de interações mais democráticas entre
sociedade civil e as agências de governo. O pedir ainda contribui para que se mantenham
políticas baseadas em compromissos pessoais, e muitas entidades dependem desse pedir para
manutenção de suas atividades. Roberto Schwarz (2000) credencia essa relação de favor entre
pessoas com a colonização:

Esquematizando, pode-se dizer que a colonização produziu, com base no


monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo e o
“homem livre”, na verdade dependente. Entre os primeiros dois a relação é
clara, é a multidão dos terceiros que nos interessa. Nem proprietários nem
proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do
favor, indireto ou direto, de um grande. O agregado é a sua caricatura. O
favor é, portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes
classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que têm (SCHWARZ,
2000, p.15-16).

Teresa Sales (1994) também olhando para o favor o relaciona com a cultura
da dádiva. A cultura política da dádiva, que apesar de relacionar-se, primordialmente ao poder
que emana do latifúndio no início da república brasileira, faz com que os homens livres
percebam a conquista dos direitos básicos e da cidadania, como uma dádiva outorgada pelos
senhores das terras, uma cidadania concedida.
175

O pedir, para além do obedecer, que faz parte do cerne da cultura política da
dádiva, implica necessariamente um provedor forte. Ao lado do legado
escravista, esse provedor forte, a respeito do qual há um consenso entre os
vários autores que se debruçaram sobre nossa herança colonial, foi o
domínio territorial. Seja ele expresso como sesmaria, como latifúndio
escravocrata ou como grande propriedade, o aspecto que aqui quero resgatar
é o de domínio rural ou domínio territorial, ou seja, o que implica a
contrapartida do favor, da dádiva, do mando e subserviência (SALES, 1994,
p.28).

Senhores e escravos mantinham relações baseadas na violência, a sociedade


escravista não reconhecia o negro escravizado enquanto cidadão, no entanto, o homem livre
não gozava de sua liberdade sem uma relação com os senhores de terra. A dependência é um
dos traços formadores da cidadania brasileira, e ainda permanente em algumas relações entre
sociedade civil e Estado no Brasil. De fato, mesmo o homem livre, em período de escravidão,
como analisa Franco (1976) teve sua cidadania mediada pelos senhores de terras (e de
escravos), mais do que isso, o favor assegurava que nenhuma das partes, ou seja, senhor e
homem livre eram escravos (SCHWARZ, 2000).

O outro caminho trilhado pelo homem pobre teve seu ponto de partida no
caráter prescindível desse sujeito na estrutura sócio-econômica. Essa
existência dispensável levou-o, em última instância, a conceber sua própria
situação como imutável e fechada, na medida em que as suas necessidades
mais elementares dependeram sempre das dádivas de seus superiores
(FRANCO, 1976, p.104).

O pedir ou o favor enquanto relação política preserva a dependência, que


somada a uma relação altamente pessoalizada entre agentes do estado e militantes do
movimento negro, dificulta que relações entre estado e sociedade civil sejam encaradas como
agenda pública de governo; enquanto contradições políticas, que devem ter debates públicos,
a política é baseada no conflito.
É necessário reconhecer que as relações de favor são diferentes, altamente
distintas das teorizadas até aqui, e a negação do favor, no contexto que enquadramos o ILK,
não implica em um risco maior do que o fechamento de entidade que solicita o favor. A
relação contemporânea encontra-se permeada pelas necessidades financeiras propiciadas por
reformas de Estado que, disseminaram certos valores neoliberais na sociedade, de qualquer
forma, torna-se prudente atentar-se para esse tipo de relação institucional, que envolve a
sociedade civil, talvez em próximas pesquisas esse dado possa ser mais bem analisado.
176

Como apresentado no subitem 3.4, seguidos problemas financeiros afetaram


a continuidade do trabalho no ILK, e certamente preocuparam a presidência da instituição.
Talvez, essa ongzação demonstre ser necessário voltar a discutir sobre a autonomia dessas
entidades militantes. No MS, não houve grandes protestos de rua por parte do movimento
negro, suas instituições enfraquecidas e, sua parca representação política, tornam o
movimento negro muito dependente de figuras emblemáticas da militância e suas inserções
sociais.
O movimento negro não consegue atuar plenamente, enquanto sociedade
civil que cobra e exige do estado. Há, na verdade, negociações pessoais entre militantes e
alguns dirigentes estratégicos do governo. Há uma pessoalização das relações nas
negociações, o conflito, característico do ato político, não ocorre na esfera pública. O
movimento negro certamente traz grandes contribuições à sociedade civil sul-mato-grossense,
mas ainda conserva traços de nossa cultura política.

A identidade

Por fim, resta um ponto a ser tratado: a identidade. Apesar de o referencial


teórico apontar para fluidez e mobilidade das identidades culturais, podemos observar que as
políticas sul-mato-grossenses trazem o fenótipo como marcador da diferença racial, ou seja,
essencializa uma identidade negra na cor da pele. O movimento negro tenta fortalecer uma
identidade que se centra na afirmação da negritude, enquanto identidade racial. Como tratar
esse movimento duplo?
Essa resposta intervém diretamente no caráter da identidade e do processo
de identificação utilizado em políticas públicas, pois, de qualquer outra forma que não a
autodeclaração, o processo de seleção é passível de um maior número de fraudes, pois o
público alvo da ação afirmativa pode não ser o de direito. Por exemplo, adotando-se um
caráter fenotípico somente, se assume que as desigualdades raciais recaem apenas sobre a
sub-representação dos negros, e isso não contribui para constituição de uma negritude
politizada. E caracteriza-se a fraude para todos aqueles que possuem características físicas
díspares das estabelecidas como preceitos básicos da constituição biológica de um negróide.
Guimarães (2005) aponta para um aspecto importante das políticas de ação
afirmativa, e das políticas de reparação de desigualdades de um modo geral, definindo as
prerrogativas de sua implementação:
177

Uma política compensatória (de ação afirmativa) só tem sentido quando o


grupo para o qual tal política se dirige vive, de fato, uma situação de
inferiorização e privilegiamento negativo, no âmbito social geral, de tal
modo que os mecanismos de privilegiamento positivo, criados para certos
âmbitos específicos, não representem uma reversão total e imediata daquela
situação (GUIMARÃES, 2005: p.208).

De acordo com essa citação de Guimarães (2005) pode-se dizer que as


políticas afirmativas devem conter entre seus critérios de seleção um corte social, para que
possa caracterizar “uma situação de inferiorização e privilegiamento negativo”. Tomar o
fenótipo enquanto critério para validação da inscrição enquanto cotista, além de enfraquecer a
identidade política que o movimento negro tenta enrijecer desde a criação MNU, também faz
com que os fenotipicamente negros e de origem social já privilegiada, possam utilizar das
ações afirmativas para alcançar seus objetivos pessoais.
A política de reserva de vagas da UEMS prevê um recorte social, os
estudantes devem ser oriundos de escola pública ou bolsistas em escolas privadas para
validação da inscrição enquanto cotista140; “Na regulamentação dos critérios de inscrição, o
Movimento Negro por meio das várias instituições que o compõem, trouxe para a discussão o
critério do fenótipo e da pobreza” (BITTAR; CORDEIRO E ALMEIDA, 2007, p.146). No
entanto, a Lei nº 12.810/08, que regulamenta a lei de cotas no serviço público estadual, não
prevê esse recorte social, e utiliza um sistema já debatido e defendido pelo movimento negro
sul-mato-grossense, por ocasião do debate na UEMS, que é o fenótipo. Mas esta lei faz
menção apenas ao critério do fenótipo para validação da inscrição enquanto cotista, ou seja,
essencializa a identidade racial e descaracteriza o corte social, rejeitando a discussão sobre a
pobreza.
Chantal Mouffe (2001) ao tecer críticas ao essencialismo com que eram
tratadas as identidades, ou melhor, os sujeitos, até recentemente; observa que, como uma
reação a crítica do essencialismo, outro movimento torna-se concomitante e oposto:

Existe, portanto um duplo movimento. De um lado, um movimento de


descentralização, que evita a fixação de um conjunto de posições em torno
de um ponto pré-constituído. E de outro, e como resultado dessa não-fixação
essencial, o movimento oposto: a instituição de pontos nodais, fixações
parciais que limitam o fluxo do significante sobre o significado (MOUFFE,
2001, p.412-413).

140
No ILK, assim como na UEMS, a dimensão social da renda é considerada para fazer a seleção das inscrições
realizadas.
178

Esta afirmação de Mouffe nos permite maior compreensão desses


movimentos de negociação da identidade (fixa e não-fixa). A identidade racial ou a negritude
como coloca Munanga (2009), não é uma questão de pele apenas, e tampouco a coesão
cultural de determinadas atividades como seria a religião, capoeira, dança, entre outros. Esta
identidade tem de ser afirmada enquanto política, contra a exclusão vivenciada.
Boaventura de S. Santos (2008) faz os seguintes questionamentos quanto à
identidade: “É, pois, crucial conhecer quem pergunta pela identidade, em que condições,
contra quem, com que propósitos e com que resultados” (p.135). Nessa perspectiva os
resultados obtidos trazem ganhos apenas de reconhecimento, no interior de uma
representação. Acredito que as ações afirmativas trazem um potencial maior, elas podem criar
uma maior e melhor distribuição, tanto de recursos como de poder e, não apenas na
representação.
179

CAPÍTULO V

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Negro para ser igual tem que ser melhor” (frase dita por Aleixo
Paraguassú Netto, após realização da entrevista em sua residência, 2012).
A simples negligência de problemas culturais, étnicos e raciais numa
sociedade nacional tão heterogênea indica que o impulso para a preservação
da desigualdade é mais poderoso que o impulso oposto, na direção da
igualdade crescente. [...] Nenhuma democracia será possível se tivermos
uma linguagem “aberta” e um comportamento “fechado”. (Florestan
Fernandes, 1972).

Os resultados alcançados dialogam em duas esferas, uma é a relação direta


entre estado e movimento negro, e as dificuldades desse diálogo no MS; outra, um pouco
mais ampla, trata-se da identidade negra no Brasil, e de como as políticas públicas raciais do
MS compreendem o atual debate sobre identidade negra. Estas considerações finais
encaminham a pesquisa para uma discussão sobre a classe dirigente local e, para busca de
maneiras de complementar a historiografia regional com a presença negra.
Primeiramente, é importante o fato de se ter um panorama geral da história
do movimento negro de MS, que o tome como objeto e sujeito. Nesse sentido esta dissertação
contribui para que futuros pesquisadores encontrem nesse texto uma base sobre qual iniciar
novas pesquisas. Através da observação participante podem-se apontar alguns emperramentos
para sociedade civil, oriundos do processo de institucionalização do movimento negro.
Verificou-se com esta pesquisa que as entidades do movimento negro sul-
mato-grossense (ONGs e OSCIPs) edificaram-se sobre bases materiais pouco estáveis, devido
principalmente, a forte dependência tanto do Estado, como do Mercado. O ILK é uma
instituição que traz um potencial para fortalecer a base popular do movimento negro, ou seja,
além de criar futuros universitários, também capacitar futuros militantes e sensibilizar seus
alunos, a instituição falha nesse sentido, e o movimento negro sul-mato-grossense possui a
mesma característica.
No, o ILK, o “pedir” é um elemento constituinte da sua manutenção, e
acredito que não apenas o ILK. Apesar dessas instituições (ONGs) atuarem através de
parcerias com o Estado, e com o mercado, elas representam a parte sujeitada, subalterna, em
qualquer uma das parcerias, Estado ou Mercado. O risco apresentado por Habermas (1997) de
colonização do mundo da vida torna-se consideravelmente real, e torna mais importante as
180

ações enquanto movimento social, ou seja, mobilizações coletivas pouco institucionalizadas


de reivindicação e de mudanças sociais.
Esta característica não faz parte do legado do movimento negro sul-mato-
grossense, melhor dizendo, não foram realizados grandes protestos, reivindicações ou
marchas no estado. A rua, em seu sentido político, não foi palco para apresentações do
movimento negro. A atuação do movimento negro é com base em uma política de influência,
direcionada a gestores estaduais, parlamentares, líderes partidários, empresários da região, ou
mesmo ao governador. Esta atuação dificulta a renovação dos quadros militantes e colabora
para uma personalização da política, além de compor um cenário para política de
favorecimento. De certo modo, a falta de um número maior de militantes, encaminha a
atuação do movimento negro para este arranjo político. O discurso da democracia racial
dificulta que o discurso do movimento negro se solidifique com as bases da pirâmide social
brasileira, onde se encontram maior parte dos negros no Brasil.
O monitoramento e a avaliação das políticas implementadas no MS, quase
não existem por parte da sociedade civil negra. Espaços conquistados, como os Conselhos
(CEDINE-MS e CMDN-CG), os Fóruns (Fórum das Entidades do Movimento negro de MS e
o FORPEDER) e a CPPIR-MS não são capazes de realizar procedimentos de monitoramento
e avaliação, quanto mais de atuar eficazmente como propositor de políticas, ou de articulador
das mesmas. Não é por serem poucas as estâncias que estas ações não são desenvolvidas, é
devido à falência institucional dessas estâncias, não se deve brigar por mais espaços e sim
pelo uso qualificado desses, é necessário brigar por garantias orçamentárias. A conquista de
mais espaço não representou aumento na participação política da população negra, em parte,
ainda são os mesmos militantes da década de 1980, que atuam de maneira mais incisiva no
estado, sendo impossível não haver certo grau de personalismo no interior do movimento
negro, devido ao próprio protagonismo desses.
O movimento negro do MS também deve retomar seus debates internos
sobre a autonomia. A institucionalização faz com que os bônus das conquistas sejam
divididos entre todos os envolvidos (Entidade, Estado e Mercado), enquanto que o ônus é
implicado apenas à entidade da sociedade civil, isso se tratando de entidades incorruptíveis.
Do outro lado da moeda, o estado de MS atua com base numa pseudo
agenda política e numa pseudo institucionalidade, o que torna inviável a realização de
medidas mais eficazes de políticas de promoção da igualdade racial, assim como de qualquer
outra política. O estado ainda não incorporou a questão racial como sendo uma importante
181

clivagem nas políticas de segurança pública, saúde, habitação entre outras, ele apenas
responde as leis aprovadas, e mantém “instituições representativas”.
Podemos apontar como resultados dessa pesquisa sobre a sociedade civil
sul-mato-grossense, que ela ainda preserva vícios políticos oriundos da colonização, e que
apesar de várias conquistas, aqui retratadas pelas políticas públicas raciais, ainda não
consegue pautar uma agenda pública para o Estado. A institucionalização (internalização e
Ongzação) nem sempre representa um ganho de espaço político de fato, o caso sul-mato-
grossense é um exemplo de pseudo institucionalidade, na qual o movimento negro regional
ainda não soube como atuar. A entrada da sociedade civil na sociedade política, em termos
gramscinianos, não representa, necessariamente, uma política ofensiva da sociedade civil
(COHEN; ARATO, 2000).
Os principais avanços conquistados pelo movimento negro sul-mato-
grossense são medidas legais, da qual o próprio Estado não pode se furtar a não realizar pela
devida compreensão do Estado democrático de direito. Na esfera nacional a situação não é tão
diferente, a lei tornou-se um dos principais instrumentos de promoção da igualdade racial no
Brasil.
No que tange a identidade negra, o MS realizou seu próprio debate, a
princípio, em torno das ações afirmativas, mas também construiu suas políticas de promoção
da igualdade racial estaduais. A identidade negra passa a ser pautada a partir das políticas de
ação afirmativa na UEMS, que faz uso como critério de definição dos negros, o fenótipo e
características socioeconômicas.
É de extrema importância retratar que as políticas de promoção da igualdade
racial, em especial as políticas afirmativas, trazem uma nova perspectiva para o debate racial
brasileiro. No século XIX, esse debate foi marcado por uma grande biologização da raça, com
políticas de imigração, eugênicas, higienista, entre outras tentativas de branqueamento da
população e de seus costumes, mas também pelo “pecado da omissão” do Estado brasileiro
para com os negros após abolição.
Apartir da década de 1930, se fortalece um discurso assimilacionista, de
integração de brancos, negros e indígenas e seus mestiços, este discurso é formador do
Estado-nação brasileiro e legitimador da democracia racial. Entre as décadas de 1930 e 1970,
o discurso de democracia racial cristalizou-se no Estado, e no meio social, somente com as
denúncias do movimento negro das décadas de 1980 e 1990 foi possível (re) formular as
estratégias de luta antirracista, nas quais, somente os negros da virada do século XX começam
a usufruir das conquistas políticas dessa luta.
182

As políticas afirmativas foram capazes de gerar um grande debate nacional;


o movimento negro é responsável por essa guinada para politização das demandas raciais. O
movimento negro contemporâneo através de suas estratégias conquistou o reconhecimento
estatal da clivagem racial como sendo constituinte das desigualdades sociais brasileiras; o
reconhecimento da desigualdade racial, que foi pauta de várias pesquisas dos anos 1980,
tornou-se ponto de partida das políticas de promoção da igualdade racial, apesar do
movimento negro, desde 1940 e 1950 reivindicarem ações afirmativas para negros, fato
observável ao final do I Congresso do Negro, em 1950.
É possível notar que as demandas raciais, se encaradas apenas em seu
sentido fenotípico, acaba por não combater um mal nacional, a desigualdade social. Políticas
afirmativas devem contribuir para que esse fosso de desigualdade social seja reduzido. Apesar
das grandes mudanças que o reconhecimento gera num imaginário coletivo altamente
colonizado como o brasileiro, perder a oportunidade de contribuir com a distribuição de renda
e recursos na sociedade brasileira seria deixar de contribuir para um direito social.
No MS, identidade negra é parte do esquecimento necessário para criar a
narrativa da história do estado. Dos grandes momentos regionais, apesar de marcados por
forte participação negra, são contados sem que os negros sejam mencionados, a escravidão no
sul de Mato Grosso é obliterada, e os símbolos atuais de identidade regional também se
esquecem dos negros. É parte do papel do movimento negro sul-mato-grossense, cobrar do
estado a complementação da história regional com a presença negra, principalmente, e (re)
escrever a história do estado.
O movimento negro sul-mato-grossense com a conquista de políticas
públicas raciais pautadas no fenótipo demonstra que a cor, é o sinal diacrítico, o marcador da
diferença racial por excelência e, critério sem o qual não é considerado, portador do direito de
usufruir das políticas afirmativas no estado. Esta postura revela que os critérios de identidade
objetiva se sobrepõem aos critérios de identidade subjetiva, e com razão, no entanto, não se
relacionam ambos, a um critério socioeconômico, no caso da lei nº 12.810, que regulamenta
as cotas no acesso ao serviço público estadual. É necessário não perder de vista que estas
políticas são de promoção da igualdade, e posteriormente, uma igualdade racial.
Esta primeira sistematização das políticas de promoção da igualdade racial
de MS, revelam que os ganhos se referem a conquistas de uma nova institucionalidade
política, ainda frágil e pouco eficaz, mas também aponta que a via jurídica representa a
principal maneira de se fazer política racial no estado. No entanto, políticas voltadas a
mudanças de mentalidade, principalmente as direcionadas à educação, sobretudo a Lei
183

10.639/2003, que trazem consigo esse potencial, necessitam de monitoramento, de


capacitação e de avaliação. Essas ações devem ser cobradas, especialmente, pela sociedade
civil.
O MS em suas características agroindustriais possui como maior bem a
terra, ainda pouco pautada no interior do CEDINE-MS, da CPPIR-MS e do próprio
movimento negro de maneira geral. Pleitear essas demandas por terra, ou buscar novas formas
de desenvolvimento econômico para o estado que não a agroindústria, é entrar em uma
discussão direta com elite hegemônica do estado, e talvez essa discussão propicie novos
caminhos a serem trilhados pela sociedade civil sul-mato-grossense.
184

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193

ANEXOS
194

ANEXO A
Hino De Mato Grosso Do Sul
Os celeiros de farturas,
Sob um céu de puro azul,
Reforjaram em Mato Grosso do Sul
Uma gente audaz.

Tuas matas e teus campos,


O esplendor do Pantanal,
E teus rios são tão ricos
Que não há igual.

A pujança e a grandeza
de fertilidades mil,
São o orgulho e a certeza
Do futuro do Brasil.

Moldurados pelas serras,


Campos grandes: Vacaria,
Rememoram desbravadores,
Heróis, tanta galhardia!

Vespasiano, Camisão
E o tenente Antonio João,
Guaicurus, Ricardo Franco,
Glória e tradição!

A pujança e a grandeza
De fertilidades mil,
São o orgulho e a certeza
Do futuro do Brasil.
195

ANEXO B
Três poemas de Lobivar Matos

NEGRINHO LAMBIDO
O tempo está batuta, cotuba de bom
e os moleques jogam bola no meio da rua...
Tranco, cachaço, canelada, fulêpa.
Trepado no muro,
o negrinho da família Barros
bate palmas, grita, faz um berreiro do barulho
Se o negrinho estivesse jogando
vê lá se aquele trouxa do Romeu
fazia de besta.
Negrinho tem canela de ferro,
negrinho não tem medo de cachaço,
negrinho sabe tirar fulêpa.
Mas o negrinho não se póde jogar,
o negrinho foi achado na rua,
o negrinho foi creado na chinela
e é todo quebrado de tanta pancada no lombo.
Negrinho é cínico.
perdeu a vergonha
o “rabo de tatú” tirou a vergonha do negrinho.
Negrinho deixa vassoura no canto,
negrinho pára no meio da rua e atrasa o almoço,
negrinho só sabe mentir;
rouba doce no armario,
furta tostão na gaveta,
embrulha, treiteiro, chorão
e por qualquer coisa abre a boca no mundo.
Negrinho treiteiro,
negrinho lambido,
“rabo de tatú” te entortou,
a família Barros te lambeu.

MULATA ISAURA
Mulata Isaura, cuidado com o filho da patrôa.
Você pensa que ele gosta de você.
Não gosta, não, boba.
Seu riso é falso.
Suas promessas são falsas.
Seus carinhos são falsos.
Tudo nele é falso.
Ele quer pegar você
como pegou Josefa, aquela morena alegre
que morreu de fome
abandonada
no hospital.
Não vá atrás dele não, boba
196

Ele chama você no quarto dele,


despe você com palavras bonitas,
acende em você a fogueira da carne e da volúpia
e depois...
depois você não resiste, não, mulata boba.
E quando a patrôa vir sua barriga crescendo
expulsa você de casa com palavrões e injurias
Diz que você nunca prestou, que você é uma perdida
e que não quer mulher perdida em sua casa.
Aí, então, começará o verdadeiro mundo pra você.
Sem casa, sem parentes, sem dinheiro,
com a barriga cheia chiando de fome,
coração despedaçado,
humilhada,
exausta,
desiludida,
você irá vender seu corpo
numa das ruas da prostituição.
Será mais uma “mulher de vida alegre”,
“de vida fácil”,
mais uma “infeliz” que bebe iodo,
que retalha os pulsos,
que incendeia os trapos,
para fugir da vida,
da miséria da vida.
Mulata Isaura, tome cuidado,
se você não quer morrer de fome,
abandonada, sem remédios,
num catre imundo de hospital.
Mulata Isaura, tome cuidado!
Nos hospitais ainda reina o privilegio
e reinam também os preconceitos de raça,
as diferenças de côr.
E você é de côr, Mulata Isaura!

SAROBÁ
Bairro de negros,
negros descalços, camisa riscada,
beiçolas caídas,
cabelo carapinha;
negras carnudas rebolando as curvas,
bebendo cachaça;
negrinhos sugando as mamas murchas das negras, .
negrinhos correndo doidos dentro do mato,
chorando de fome.

Bairro de negros,
casinhas de lata,
197

água na bica pingando, escorrendo, fazendo lama;


roupa estendida na grama;
esteira suja no chão duro, socado;
lampião de querosene piscando no escuro;
negra abandonada na esteira tossindo
e batuque chiando no terreiro;
negra tuberculosa escarrando sangue,
afogando a tosse seca no eco de uma voz mole
que se arrasta a custo
pelo ar parado.

Bairro de negros,
mulatas sapateando, parindo sombras magras,
negros gozando,
negros beijando,

negros apalpando carnes rijas;


negros pulando e estalando os dedos
em requebros descontrolados;
vozes roucas gritando sambas malucos
e sons esquisitos agarrando
e se enroscando nos nervos dos negros.

Bairro de negros
chinfrim,
bagunça,
Sarobá.
198

ANEXO C
Lista de entidades do movimento negro de MS141

Nº Entidade Município Responsável Endereço Contato


01 Afro Brasil São Gabriel do Nunes / Nelson 3295-6468
Oeste
02 Afro Rica Costa Rica Roseli 9964-1582 / 3247-1928

03 AfroNavi Navirai Sebastião 9226-6992

04 Assentamento Sucesso Nova Alvorada Zilda 9627-1295


do Sul
05 Associação dos Descendentes de Campo Grande Lucia da Silva Rua Eva MARIA de Jesus, 9204-3635
TIA EVA Araújo Almeida 20, Vila São Benedito, comunidadequilombolatiaeva@gmail.com
cep. 79.118-440, Campo
Grande-MS

06 Associação dos Remanescentes Nioaqaue Lazaro Nunes R. Eustacio Peres, s/n, 3236-1971 / 9627-3273
Quilombolas das Famílias Araújo Ribeiro Bairro Monte Alto,
e Ribeiro 79.220-000, Nioaque-MS
07 Associação dos Remanescentes Nioaque Edmara da Silva R. Eustacio Peres, s/n, 9653-5642 / 3236-1804
Quilombolas das Famílias Araújo Ribeiro Bairro Monte Alto, edmaragen@hotmail.com
e Ribeiro 79.220-000, Nioaque-MS
08 Associação Familiar da Campo Grande Rosana Claudia Rua Barão de Limeira, 3346-8199
Comunidade Negra São João Anunciação 1700, Bairro Santa
Rosana.afcnsjb@gmail.com
Batista Branca,
cep. 79.050-120, afcnsb@ibest.com.br
Campo Grande-MS

141
Lista disponibilizada pela Presidente do Fórum das Entidades do Movimento Negro de Mato Grosso do Sul.
199

09 Associação Riobrilhantense de Rio Brilhante Maria de Fátima Brito R. São Luiz de Cáceres, 801, 9957-2398
Negros “Juliana Cardoso de Brito” Vila Olímpica, cep. 79.130-
000
10 Associação Trabalho, Estudos, Campo Grande Lucio Martins da Silva Rua Meriti, 18, Bairro 8403-2093 / 3314-3955
Cultura Afrodescendente em Moreninha II, cep. 79.065-
Movimento” José Mauro de Souza 206 Campo Grande – MS luciotudodebom@hotmail.com
11 CENAB–Congresso Nacional Paranaiba Lourisvaldo Joaquim Rua Da Saudade, 10, Santo 8111-4019
Afro-Brasileiro da Silva Antonio, cep. 79.500-00

12 Centro de Educação Infantil Eva Campo Grande Cleidevana Maria do Rua Eva Maria de Jesus, s/n , 314-7494
Maria de Jesus /Tia Eva Socorro Chagas Vila São Benedito, cep.
79.118-732, Campo Grande
– MS
13 CNAB-MS Paranaíba Olinezia Moreira da R. Barão do Raio Branco, 8129-4719 / 9104-8856
Silva 2126, Jardim Beira Mar, cep. olineziauems@yahoo.com.br
79.500-00 Paranaiba-MS
14 Coletivo de Mulheres Negras de Campo Grande Ana José Alves Lopes Rua João Rosa Pessoa, 426, 9914-6155
Mato Grosso do Sul “Raimunda Bairro Monte Castelo – anajolopes@terra.com.br
Luzia de Brito” Campo Grande – MS, cep.
79.010 -120
15 COMAFRO Dourados Wander Nishiima 8129-3182
vander.neshijima@gmail.com
vrnishijima@hotmail.com
16 Comunidade de Ourolândia Rio Negro Nilza Maria Silva dos Comunidade de Ourolândia 9964-4101
Santos ,Cep. 79.470-000 Rio Negro-
MS
17 Comunidade Quilombola Dourados Ramão Castro de Rua Deziderio Felipe de 8127-8660
Dezidério Felipe de Oliveira/ Oliveira Oliveira, 1100, Jardim
Picadinha Florida 2, cep. Dourados
– MS

18 Comunidade dos Pretos Terenos Miguel Jerônimo da Rua Eduardo Carlos 9628-6798
Silva Junior Gaglaus, 171, Vila
Demétrios, cep. 79.190-000
Terenos -MS
200

19 Comunidade Furnas dos Dionísio Jaraguari Maria Aparecida Furnas dos Dionísio 9637-1531
20 Comunidade Quilombola Quintino Pedro Gomes João Batista Elias Rua 15 de novembro, 141, 9269-8664
Bairro São Luis, cep. 79.410- Bia 9982-2018
00
Pedro Gomes – MS
21 Comunidade Santa Tereza Figueirão Adauto Candido Av. Bráulio Barbosa de 3274-1412
Pereira Souza, s/n°, cep. 79.428-000
Figueirão - MS

22 Comunidade São Miguel Maracaju Jorge São Miguel 9933-0966 / 9634-5779


23 Conselho Estadual dos Direitos do Campo Grande Delegada Mirian Rua: Marechal Rondon, 713, 3382-9206 / cedinems@hotmail.com
Negro Centro, cep. 79.002-200 –
Campo Grande – MS

24 Conselho Municipal dos Direitos Campo Grande Lucio Martins da Silva Rua Helio de Castro Maia, 3314-5189 luciotudodebom@hotmail.com
do Negro – Campo Grande 279, Bairro Jardim Paulista,
cep. 79.050-020, Campo
Grande-MS
25 Coordenação das Comunidades Campo Grande Ramão Castro de Rua Jornalista Belizário 8127-8660
Negras Rurais Quilombolas do Oliveira Lima, 263, Vila Sobrinho,
Estado de Mato Grosso do Sul - cep. 79.00-420 Campo
CONERQ-MS Grande - MS

26 Coordenação de Promoção da Bataguassu Marilza Barros Av. Campo Grande, 163, 9919-4047/ 3541-1818
Igualdade Racial centro, cep. 79.780-000
Bataguassu - MS

27 Coordenadoria de Políticas para a Costa Rica José Edson Narcizo R. Ambrosina PaesCoelho, 3247-7000 / 3247-4078
Promoção da Igualdade Racial Gonçalves 228, centro, cep. 79.550-000 subal@costarica.ms.gov.br
Costa Rica - MS
28 Coordenadoria de Políticas para Campo Grande Raimunda Luzia de Parque dos Poderes, Bloco 3318-1016
Promoção da Igualdade Racial Brito VIII, cep. 79.031-902 , raimundaluzia@terra.com.br
Campo Grande – MS
29 Departamento de Direitos Dourados Anísio dos Santos Rua Coronel Ponciano, 1700. 3411-7746 / 8423-3621
201

Humanos Parque dos Jequitibás, cep.


79.830-220 - Dourados-MS
30 Escola Estadual Antonio Delfino Campo Grande Diretoria Marinete R. Eva Maria de Jesus, , 3365-8006
Pereira Nogueira Bairro Jardim Seminário, eeadpcete@sed.ms.gov.br
cep. 79.118-732, Campo
Grande – MS
31 Família Bispo Sonora Lucia Bispo da Silva Rua 11 de outubro, 250, 9629-1796
Bairro Corrente, cep. 79.415-
00 – Sonora – MS
32 Família Cardoso Nioaque Ramão Bezerra R. Eugenia, Bairro Bahia, 9296-0840
s/n, Nioaque-MS
33 Federação de Capoeira de Mato Campo Grande Moacir Babosa da Rua Do Vermelho Q - 6, 3355-7470
Grosso do Sul Silva Lote – 13, jd. Arco-Iris Moacir2004@bol.com.br
cep. 79.000-000, Campo presifescapoeira@yahoo.com.br
Grande – MS

34 Fórum Permanente de Entidades Campo Grande Vania Lucia Baptista Rua Eva Maria de Jesus, 9637-7157
do Movimento Negro do Mato Duarte 274, Vila São Benedito, Cep. vanialucia.duarte@gmail.com
Grosso do Sul 79.118-732
35 Fórum Permanente Diversidade Campo Grande Rute Martins Valentim Parque dos Poderes Bloco V, 3318-2235
Educação Étnico-Racial Av. do Poeta, Campo
Grande-MS rutemv@gmail.com
36 Gerencia de Promoção da Corumbá Edmir Moraes R. 15 de Novembro, 400, 9623-2199 / 3907-5434
Igualdade Racial Centro, cep. 79.300-000
Rogério
37 Grupo Raízes Negras Aquidauana Artur Padilha Rua Candido Mariano, 1973, 9909-6348 / 9269-6617
Bairro Guanandi, cep. Artur.padilha@gmail.com
79.200-000, Aquidauana-MS

38 Grupo TEZ – Trabalhos Estudos Campo Grande Vania Lucia Baptista Rua EVA Maria de Jesus, Vanialucia.duarte@gmail.com
Zumbi Duarte 274, Vila São Benedito, 9108-7078 / 9637-7157
CEP.79118-732, Campo
Grande -MS
39 Igreja Bíblica Cristã Internacional Campo Grande Bispo Tsinduka Rua Ine Nakamura, 218, 8128-8467 / 8135-7218
Antonio Muana Uta Jardim das Nações, Campo tsimuana@yahoo.com.br
202

Grande – MS
40 INCRA-MS/ Setor de Quilombos Campo Grande Cindia Brustolin Av. Afonso Pena, Campo 3383-2008
Grande-MS cindia.brustolin@cpe.incra.gov.br
Mauro
41 Instituto Cultural Negraeva Campo Grande Sandra Mara Martins Rua Ciro Nantes Silveira, 8412-0206
dos Santos 382, Vila São Benedito, Dandara-mahia@hotimail.com
cep.79.118-400, Campo
Grande-MS

42 Instituto Casa da Cultura Afro Campo Grande Antonio Borges dos Rua Eva Maria de Jesus, 30, 9946-3665 / 9239-4942
Brasileira Santos Vila São Benedito, Cep. borginho_santos@hotmail.com,
79.118-732
43 Instituto da Mulher Negra do Corumbá Ednir de Paulo Alameda João Leite de 3231-6770 /9623-2199
Pantanal - IMNEGRA Barros, 317, Bairro Popular
Novo, cep. 79.321-340 ednirdepauloMS@hotmail.com
Corumbá - MS
44 Instituto Luther King – Ensino, Campo Grande Regina Av. Fernando Correia da 3384-8919
Pesquisa, Ação Afirmativa Costa, 603, Vila Carvalho – cursos_king@yahoo.com.br
Campo Grande-MS

45 Instituto O Giro 380 Campo Grande Luis Santana 8119-2899 / 9129-8195

46 Kilombata Bataguassu Marilza Barros


/ Av. Campo Grande, 163, 8127-3738
Francisco Valério cep. 79.780-000, Bataguassu chicovalerio@hotmail.com
– MS
47 Kituala Movimento Negro de Itaporã Neorandi Pereira de Rua Coronel Antonino, casa 9608-7539
Itaporã Oliveira 47, cep. 79.890-000 nueraper@hotmail.com
Itaporã – MS
48 Kituala Itaporã Oswaldo R. Pedro Rocha, 40, Bairro 9608-7539 / 9613-1984
Irmã Daniela, cep. 79.890- necowsg@hotmail.com
000 Itaporã -MS
49 Movimento Negro Santa Rita do Aparecida Candido da R. Deputado Julio César 3591-1333
Pardo Silva Paulino Maia, 1010, Centro,
Santa Rita do Pardo – MS
50 Movimento Negro Ribas do Rio Adriana 9268-8264
203

Pardo
51 Movimento Negro Maracaju Hermes 9941-3269 / 3554-6966
Jeane 9602-0249
52 Movimento Negro de Nova Nova Andradina Maria Felix de R. Da Saudade, 366, Bairro 9215-1714
Andradina Carvalho Capilé, cep. 79.750-000 liafelix@msn.com

53 Movimento Negro de Três Lagoas Três Lagoas Luzia Nunes Mariano R. 35 Casa 30, Vila Piloto 5, 9237-1962 / 9243-0510
Isabela cep. 79.612-290, Três Luzia_nunesmariano@hotmail.com
Lagoas – MS 9267-4885

54 NEAB-UFGD Dourados Maria Ceres Pereira Rua Albino Torraca, 770, 3411-3600
Jardim América, cep.
79.803-020 - Dourados
– MS

55 Secretaria Municipal de Educação Campo Grande Wanessa Odorico Rua Oniceto S. Monteiro, 3314-3813
- Núcleo de Ação Afirmativa 460, Vila Margarida, cep.
79.023-200 - Campo
Grande-MS
56 Universidade Estadual de Mato Dourados Maria José de Jesus Cidade Universitária de 3411-9000
Grosso do Sul Alves Dourados – CP 351 – maju@uems.br
Campo Grande Marlon 79.804-970 Dourados - MS 9264-4582 marlon@uems.br

57 Religiões de Matrizes Africanas Campo Grande Alexandre 8422-1178 / 9113-9737


alexandre_ms05@hotmail.com

58 INSTITUTO MADÊ KORÊ Corumbá Nara Sede provisória: Rua: (67)9214-7621 / (67)9667-4034
ODARA DO PANTANAL - Paraíba, casa nº. 25 Q 03 – negranara@hotmail.com
IMKOP Nova Corumbá. CEP:
79321-250
194

ANEXO D
Ficha de inscrição do ILK

FICHA DE INSCRIÇÃO
CURSO PRÉ-VESTIBULAR

I - DADOS PESSOAIS
Nome:_______________________________________________________________________________
Endereço: _____________________________________________nº_____________________________
Bairro: ___________________Cidade:____________________Estado:___________________________
Ponto de referência:____________________________________________________________________
Telefones: Residencial:_______________/Celular:_______________/Recado:_____________________
e-mail:______________________________________________________________________________
Estado Civil: ( ) Casado(a) ( )Solteiro(a) Outros:_______________
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade:______________
Tem filhos? ( ) Não ( ) Sim Quantos: _____ Idade: ___-___-___-___-___
Etnia: ( ) Branca ( ) Indígena ( ) Negra ( ) Pardo ( ) Outra:______________
Portador de necessidade especial: Qual?
( ) Surdo ( ) Visão sub-normal ( ) Cego ( ) Deficiente Físico
Outro: _______________________________________________________________________________

II – SITUAÇÃO SÓCIO ECONÔMICA DO(A) CANDIDATO(A)


Possui Plano de Saúde? _________________________Qual?__________________________________
Em caso de emergência recorrer a:____________________________________fone:_______________
Você trabalha? ( ) Sim ( ) Não Há quanto tempo? anos meses semanas dias
Local de Trabalho (Nome): _____________________________________________________________
Telefone: ______________________________________ Salário: _____________________________
Recebe ajuda financeira? ( ) Não ( ) Sim. De quem? ___________Quanto?___________________
Total renda individual:_________________________________________________________________

III – INFORMAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA DO(A) CANDIDATO(A)

COMPOSIÇÃO FAMILIAR

Paren- Data de Instrução Profissão/ Remuneração


Nome
Nº tesco Nasc ocupação (R$)
1
2
3
4
5
6
7
8
Total da renda familiar

SITUAÇÃO HABITACIONAL
Forma de ocupação: ( ) Alugada ( ) Cedida ( ) Própria quitada ( ) Própria financiada ( ) Outra
195

Número de cômodo: ( ) Um ( ) Dois ( )Três ( ) Quatro ( ) Cinco ( ) Seis ( ) Mais de seis


Característica de construção: ( ) Alvenaria ( ) Madeira ( ) Mista ( ) Outro

BENS DA FAMÍLIA
Veículo: ( ) Moto ano: modelo: ( ) Carro ano: modelo: ( )Bicicleta
Outros Bens:

Quais são as despesas mensais da família do(a) Candidato?


Aluguel: _________________________________ Alimentação: ________________________________
Prestação Casa Própria: _____________________ Saúde: _____________________________________
Combustível: _____________________________ Telefone:____________________________________
Luz: ____________________________________ Transporte Público: ___________________________
Água: ___________________________________ Outros: _____________________________________
Educação: _______________________________ TOTAL:____________________________________

OUTRAS INFORMAÇÕES:
Como ficou sabendo do curso pré-vestibular?
( ) amigo ( ) internet ( ) TV ( ) rádio ( ) jornal ( ) cartazes ( ) outro Qual?_____________
Em que ano terminou o Ensino Médio? ______________________
Já estudou no Instituto Luther King? ( ) sim ( ) não Qual curso?___________________ano?___
Possui algum certificado de curso de informática?
( ) Básico ( ) Intermediário ( ) Avançado ( ) Nenhum
Para qual curso universitário pretende prestar vestibular?
___________________________________________________________________________

Escreva de próprio punho os motivos pelos quais você gostaria de ingressar no Curso Pré-Vestibular do
Instituto Luther King:

DECLARAÇÃO FEITA PELO (A) CANDIDATO(A)

Declaro, para os devidos fins, ter conhecimento de que o INSTITUTO LUTHER KING é uma instituição de
direito privado, sem fins lucrativos, destinada ao atendimento de pessoas de baixa renda, com enfoque especial nas minorias
sociais, e ainda ser propósito desta instituição atender seus alunos, na seguinte proporção: 45% de etnia branca, 45% de etnia
negra, 5% de indígenas ou descendentes, 5% de portadores de necessidades especiais.
Estou ciente de que a entidade não fornece passe escolar.
Declaro, mais e sob as penas do artigo 299 do Código Penal Brasileiro, que define o crime de FALSIDADE
IDEOLÓGICA, que os dados acima são expressão da verdade.

_______________________________________________
Assinatura do (a) Candidato(a)

Campo Grande-MS, _________ de __________________________ de _________.

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