Rosilene Santos Jesus
Rosilene Santos Jesus
Rosilene Santos Jesus
Itabaiana - SE
Maio de 2016
ROSILENE SANTOS DE JESUS
Itabaiana – SE
Maio de 2016
Dedico este trabalho a Deus, meus pais e meus amigos por todo
apoio que me deram direta ou indiretamente durante esse percurso na
universidade.
AGRADECIMENTOS
Depois de uma longa jornada, enfim, consegui! Foi grande o meu esforço, as
dificuldades foram intensas, mas todas foram superadas, hoje posso dizer que tudo valeu a
pena, com a permissão de Deus, que com sua infinita bondade me conduziu a realização
desse sonho, a quem devo toda minha gratidão.
Agradeço a meus pais, Ana Maria e Reginaldo, pelo carinho e dedicação que me
criaram, e mesmo com a simplicidade de uma vida humilde me conduziram ao caminho da
honestidade e perseverança, juntamente com meus irmãos Regivaldo, Regiane e Luana que
acompanharam comigo essa caminhada. A meu sobrinho e afilhado Luiz Gustavo que com
seu sorriso de criança me faz acreditar num mundo melhor.
Aos meus amigos de classe que compartilharam comigo alegrias e angustias, jamais
esquecerei o apoio que me deram: Edson, Dayseane, Mayara, Marquise, Moniery, Michelle
Aparecida, cada um com suas particularidades, mas todos com um só objetivo, vencer
juntos, amigos estes, que quero tê- los sempre por perto, muito além de uma sala de aula,
muito obrigada. Não poderia esquecer meus colegas de trabalho que muitas vezes
facilitaram meu acesso até a universidade: Denison, Elísio, Everton, Lindival, vocês fazem
parte da minha história, levo comigo a certeza de uma amizade sincera.
(Clarice Lispector)
Resumo
Este trabalho tem como objeto questões sócio culturais envolvendo a posição da mulher na
sociedade patriarcal nordestina da primeira metade do século XX, tal como esta é
representada em A Sombra do patriarca, de Alina Paim (1950). Com enfoque na
narradora-protagonista Raquel, que encarna uma posição ambígua no que se refere ao lugar
da mulher na sociedade patriarcal do Nordeste rural da década de 1930, objetiva-se analisar
o discurso dominante da opressão e a sua negação pelo discurso feminino transgressor
como elementos estruturadores do romance. Para tanto, servirão como referenciais
teóricos, além de estudos que permitem situar a romancista e sua obra no contexto da
tradição literária brasileira, estudos contemporâneos sobre relações de gênero,
especificamente, sobre a posição histórica da mulher brasileira no século XX, dentre esses
os estudos de Elódia Xavier (2007) e Mary Del Priore (1998).
Palavras-chave: Romance Social. Relações de Gênero. Sociedade Patriarcal. Discurso
Transgressor Feminino.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................5
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................30
INTRODUÇÃO
Destacando a submissão feminina nos anos 30, momento em que o país estava em
fase de modernização consolidando-se a política da industrialização, e a política agrária
entrava em decadência, pretende-se, nesse trabalho, refletir sobre a dependência da mulher
no seio social, utilizando-se, como instrumento analítico, as categorias de corpos femininos
elencadas por Xavier (2007). Em seus estudo, a autora analisa essas categorias, ressaltando
os rótulos atribuídos à mulher nas sociedades onde o pensamento mantem-se preso aos
moldes tradicionais, colocando a mulher em segundo plano ao lhe reservar,
exclusivamente, o papel de mãe, esposa e dona de casa dedicada, condenada a viver sob a
dominação patriarcal.
de um povo oprimido. Grandes obras remetem a tal cenário de denúncias, escritos por
autores como Jose Lins do Rego, Raquel de Queirós, Graciliano Ramos, dentre outros.
A sociedade patriarcal brasileira, que se busca configurar em A sombra do
patriarca, tem início com o cultivo da cana-de-açúcar no Nordeste, o qual deu origem à
cultura açucareira no Brasil, elevando ao alto da escala social, nessa região, o poderoso
senhor de engenho, proprietário de latifúndios, ainda no período colônia. Fornecendo todos
os requisitos para a grandeza da sociedade patriarcal, a cultura açucareira terá forte
influência na visão de mundo a partir da qual se deu a modelagem do corpo feminino nesse
contexto. No decorrer da história do Brasil, especificamente, do Nordeste brasileiro,
notamos que a mulher foi, por muitas vezes, privada do espaço público, vítima de um
discurso opressor e cercada pelo domínio masculino, decorrente das formas de relação
instituídas com a sociedade patriarcal. Nesse contexto, o gênero feminino é relegado às
margens e a mulher resta sem o direito básico de assegurar sua própria sobrevivência,
sendo submetida à dependência financeira de seus pais, maridos ou seus senhores. Para
CARDOSO (2009), no contexto patriarcal, à mulher cabia apenas o confinamento
doméstico, legitimado em nome da conservação da dignidade e da manutenção dos valores
tradicionais: “os maridos patriarcais tinham um verdadeiro pavor de que suas mulheres
saíssem à rua, pois era o espaço das novidades, das quitandeiras, dos moleques e das
mulheres de vida fácil” (CARDOSO, 2009, p. 02).
Essa limitação feminina também pode ser observada no campo literário. Já nos
anos 50, Alina Paim, como, possivelmente, muitas outras mulheres de sua época, também
protagonizou o drama da repressão imposta ao feminino pelo poder vigente da época.
Vítima da invisibilidade imposta pelo governo militar brasileiro, a autora, que teve uma
agitada vida política como militante do PCB, no Rio de Janeiro, foi, no entanto, esquecida
pela história da literatura brasileira canônica, vivendo, ao longo de sua vida, à margem dos
meios literários nacionais. Segundo Ana Leal Cardoso (CARDOSO, 2009), no Brasil,
quando iniciam as transformações nas áreas política e econômica em meados do século
XIX, algumas escritoras buscam espaço no ambiente cultural, mas, somente na metade do
século XX surge a crítica feminista. Nesse contexto, Paim traz, em suas obras, reflexões
acerca da condição da mulher em diferentes aspectos, por meio de personagens que atuam
tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais, mostrando a problemática feminina em diversas
situações. Considerando esses aspectos, no estudo intitulado Escritoras Marginalizadas
(2009), Carlos Gomes destaca a importância da luta pelos direitos da mulher e pela defesa
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dos oprimidos empreendida pela escritora: “marcada por uma literatura de cunho socialista,
Alina Paim foi uma escritora preocupada com denúncias, questionamentos e luta de
classes” (GOMES: 2014, p. 31). Como ressalta o autor, é possível afirmar que a mulher
está no centro da sua literatura, visto que, “o discurso feminista sempre entrecorta as falas
de suas personagens, sedentas por justiça e igualdade de direito, tanto no cotidiano da
família patriarcal como no espaço de trabalho” (GOMES: 2014).
Seguindo essa linha, Farias (2012) reconhece a importância da obra de Paim, que
traz à tona a conscientização da mulher em relação à sua identidade enquanto sujeito,
revelando a autoconsciência da mulher que reivindica o próprio valor diante do poder
patriarcal: “as obras de Alina Paim servem para entendermos a construção da formação da
identidade e da sexualidade feminina brasileira, principalmente nordestina” (FARIAS,
2012, p, 01). Farias destaca as influências do romantismo na modelagem da família e da
mulher no âmbito sociocultural e as mudanças ocorridas a partir da segunda metade do
século XX, enfatizando a contribuição da sociedade para a formação de mecanismos
culturais e sociais referentes à sexualidade humana e o poder do indivíduo de recriar seus
papeis sociais.
Com base nesses autores, pode-se dizer que a obra de Alina Paim se destaca pela
representação dos excluídos e, sobretudo, pela luta pelos direitos da mulher. Veremos a
seguir como isso se apresenta em A sombra do patriarca, em que o espírito de denúncia e
inconformismo feminino encarna-se na protagonista Raquel, em sua luta diante dos
desafios que se configuram à sombra do patriarcado nordestino.
inteira, os irmãos, esposa, os filhos, genros, sobrinhos” (p. 58), diz Raquel durante um
diálogo com Leonor, neta de Ramiro, que o descreve como um Senhor feudal.
Em A sombra do patriarca, Alina faz um relato ficcional do modo de sobrevivência
de um povo marcado pelo domínio patriarcal e principalmente sobre o processo de
modelagem sofrido pela mulher nesse âmbito. Evidenciando a ambiguidade em suas
personagens, ao mesmo tempo em que mostra as marcas da opressão, a autora também
enfoca o processo de aprendizagem da mulher transgressora.
Narradas em primeira pessoa, as ações trazem personagens diversificadas,
centrando-se na estada da protagonista Raquel na casa do seu tio, o patriarca Ramiro, onde
conhece a história de seus familiares, viventes sob o domínio patriarcal, a partir de seus
relatos. A protagonista conhece a Usina Fortaleza, símbolo do poder patriarcal, onde,
durante um período, vive aprisionada como todos que nela convivem. A sombra da
dominação patriarcal se faz presente também na fazenda Curral Novo, um antigo engenho
marcado por um passado não esquecido, cuja narrativa reforça o poder do patriarca; lugar
onde, porém, a protagonista pode sentir-se em liberdade, longe da presença física do tio.
Desse modo, a obra, apresenta um diálogo com a realidade histórica, inserindo, em sua
representação literária, personagens pobres em oposição ao poderoso Senhor de engenho.
Porta voz do discurso transgressor, a personagem Raquel clama pela democracia e pela
igualdade de direito entres os sexos, sonhando com um futuro promissor para todos. A
autora põe em destaque, nesse romance, algumas personagens que passam por um processo
de aprendizagem que as leva à transgressão da ordem masculina. Nesse contexto, a
primeira a romper com as normas do modelo patriarcal encontrado na Usina do tio Ramiro
é a protagonista Raquel:
Consciente de que aquele ar que invadia meu ser [...] um dia varreria do
mundo os patriarcas, colocando tudo em seus limites, reduzindo a sombra
dos poderosos apenas a alguns palmos além de seus pés (PAIM: 1950, p.
115)
Através de Raquel, Alina dialoga com suas leitoras para mostrar um possível
caminho em busca da liberdade. Ao retratar a protagonista, a autora a destaca como mulher
politizada, que sonha em mudar o mundo, buscando a igualdade de direitos entre homens e
mulheres.
Como se denuncia no romance, o descentramento da identidade feminina se
encontra também associado à formação educacional. Como ressalta a ficção de Alina Paim,
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Como se pode perceber, a presença do coronelismo, por volta de 1930, era marca de
poder e dominação, que consolidou a hegemonia do senhor de terras através do sofrimento
do povo oprimido. O sistema vigente aumentava as desigualdades sociais e os
latifundiários ganhavam prestigio e poder: “o dinheiro nesse caso é causador de todas as
desgraças dessa família e de todos que convivem nesse meio” (FARIAS: 2012). O
patriarca não mediu esforços para alcançar essa hegemonia, projetando sua sombra em
muitas vidas, como denuncia o pensamento inconformista de Raquel: “o grupo silencioso
marchava à sombra desse homem, meu tio, o coronel Ramiro da Usina Fortaleza _ o
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Tio Ramiro surgiu diante de meus olhos como um patriarca sua sombra
alongando-se pelas terras, extinguindo a felicidade em volta dele,
porque seu dinheiro onde passava ia semeando maldição (PAIM: 1950,
p. 16)
O patriarca, certo de que todos ao seu redor irão acatar suas ideias sem contestá-lo,
caracteriza-se pelo sentimento de superioridade. Esse sentimento é apontado por Bourdieu
como característica social concernente ao homem de posses, que se difere de seus
semelhantes por capacidade de produção e condição de gênero:
Esse trecho nos revela a herança de uma sociedade que oprime a mulher e exalta o
homem. Mas, ao contrário do que pensa o personagem Ramiro em relação à submissão, a
protagonista Raquel é diferente de todos os outros que acatam as ordens do tio e lança o
desafio de contrapô-lo, sempre com a ideia fixa da transgressão, certa de que “a mulher
tem possibilidades iguais às dos homens, a educação é que a atrofia, dando um valor
exagerado a seus sentimentos e neutralizando suas energias intelectuais” (p. 40). Os ideais
da protagonista a respeito do papel feminino, contudo, são vistos pelos dominadores como
um desrespeito, uma afronta à autoridade. Como na sociedade patriarcal da época, na
ficção, Ramiro é responsável pelo processo de socialização de todos: esposa, filhos, o
genro, netos, irmãos, sobrinhos, e até seus empregados, submetidos ao poder de seu chefe
sem direito de contestar: “o dia inteiro estava tomado pelo programa que tio Ramiro
traçava na véspera, depois do jantar” (p. 18). Já as personagens femininas são aprisionadas
pelo condicionamento familiar que, ao mesmo tempo em que as protege e lhes dá
segurança, as priva do mundo exterior. Nesse processo de socialização, os subordinados
são envolvidos pela soberania do senhor de engenho, o dono do poder econômico e social.
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Qual o laço que existe entre mim e meu avô, entre mim e mamãe? Laços de
sangue, a mesma carne, as tradições, a usina? A carne e o sangue foram por
acaso, não escolhi. Se tivesse escolhido onde nascer, o último lugar
preferido seria a Usina (PAIM 1950, p, 52).
filhos e certo número de escravos, com direito de vida e morte sobre todos eles ( XAVIER,
p.25)
Segundo Antônio Cândido apud Xavier (1998) “a família, como sólida estrutura
patriarcal, foi, do século XVI ao século XIX, o fundamento de toda a organização
econômica, política e social, sob o domínio familiar, latifundiário, guerreiro e chefe
político”(p. 113). Assim, a família nada mais seria que um lugar para adestramento e
adequação social e modelagem do corpo feminino. A mulher, sendo submetida ao
condicionamento familiar, era privada de seus direitos, cabendo-lhe apenas a função
doméstica e de cuidadora do marido e dos filhos, dando ao sexo masculino a superioridade
a tudo e a todos, sobretudo, o poderoso dono de engenho, que movimentava a economia
em torno da cana-de-açúcar na década de 30. Nesse contexto, Elódia Xavier aponta a
sociedade vigente como responsável pela formação de regras destinadas ao domínio
masculino sobre a mulher.
Para Bourdieu (1999), a dominação masculina se dá quando as mulheres mantêm
seus pensamentos e suas percepções em conformidade com as estruturas de dominação que
lhe são impostas. Nesse âmbito, seus atos de conhecimento são, inevitavelmente, atos de
reconhecimento, de submissão, cabendo-lhes “o lugar de assembleia ou de mercado” (p.
18), ou seja, de objetos reservados aos homens e à casa.
É na fazenda Curral Novo que Raquel descobre que “nas sombras do patriarcado, a
diversidade de mulheres oprimidas não para na disciplina, elas escondem muitos corpos
subalternos” (CARDOSO, 2007). Aí, ela pôde reconhecer-se na trajetória da sua família e
de outras famílias aprisionadas àquele lugar, como a velha Lucrécia que havia trabalhado
na casa de Ramiro como escrava.
Estava velha, não aguentava mais nada, só prestava mesmo pra dar
um “ajutório na boa hora”. Era aparadeira, assistia às mulheres
quando tinham criança [...] Os olhos miúdos e amarelados da velha
Lucrécia tinham visto muito coisa, sabiam de muita desgraça.
Muitos ventos tinham soprado sobre as matas desde que ela pisava
no mundo (PAIM, 1950, p.145-146).
Outra personagem que sentira o poder da opressão imposta por Ramiro foi Joana
Louceira, que vendia louça e tivera a ilusão de que fora livre em seu inconformismo: “ouvi
toda espécie de humilhações sem o direito de dizer nada, arrebentar de trabalhar e não
chegar nunca a possuir um pedaço dessa terra” (p. 171). Como na época medieval, os
moradores do engenho prestavam vassalagem ao velho senhor de terras Ramiro, em troca
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Aos homens, como símbolo da força e do poder, cabiam às tarefas mais árduas,
enquanto às mulheres, consideradas o sexo frágil, cabiam a maternidade, os cuidados
domésticos e uma submissão que perdura até os dias de hoje, apesar das mudanças sócio
culturais vivenciadas pelas mulheres.
A esse respeito, Pierre Bourdieu (1930), em A dominação masculina, afirma que,
nesse contexto, ao homem cabia, naturalmente, o mundo exterior e à mulher, “a casa”,
onde ela vivia sob a constante vigilância dos maridos:
No que concerne o espaço doméstico e familiar, Ana Maria Leal Cardoso (2007), em
seu artigo “O descentramento da Mulher”, traça um panorama da obra de Paim, em uma
análise crítica da família que “como lugar de adestramento para adequação social é, muitas
vezes, a responsável pelos conflitos narrados”. Nesse contexto, o resgate da infância e da
família de origem pela personagem Raquel, torna visível a ação repressora do
condicionamento familiar sobre a mulher, que se mantém sob as rédeas do patriarcalismo.
As figuras femininas apresentam-se aí multifacetadas, manifestando-se nelas, tanto as
marcas da opressiva sombra do senhor Ramiro, quanto o incontrolável desejo de libertação
do poder patriarcal.
Para melhor entendermos a modelagem dos corpos em sua concepção, Elódia
Xavier (2007) aponta as características marcantes dos corpos femininos presentes no
romance de Alina Paim, destacando, a partir de um olhar feminista, uma diversidade de
posturas femininas, da postura característica do corpo liberado às posturas em que o corpo
feminino se revela como espaço de aprisionamento e de inscrições socioculturais
excludentes.
Não compreendia como conseguira defender a vivacidade do olhar
no decorrer de tantos anos subjugada ao lado do marido, sempre
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asfixiada por sua vontade de ferro que não perdoava ter-lhe dado
uma filha em vez do menino tão desejado (PAIM, 1950, p. 17)
passar por uma criatura mansa e cordata, pregando justamente o contrário do que fazia na
realidade” (PAIM, 1950, p. 39).
Nesse contexto, sobressai-se também, na representação da personagem Teresa, que
é submetida a um casamento arranjado pelo pai Ramiro, as marcas do corpo disciplinado
da mulher incapaz de construir algum tipo de laço amoroso com o marido, Oliveira, o qual
não tinha o direito sequer de interferir na educação dos filhos. Teresa vê em seu filho
Aberlardo, o neto homem de Ramiro, aquele que será capaz de dar continuidade aos
negócios do avô e, com base nessa crença, ensina-lhe suas ideias patriarcalistas,
convencendo-o da carreira de engenheiro, dada a sua utilidade à formação do herdeiro do
patriarca.
A força da disciplina que caracteriza a personagem Teresa, se fazia sentir sobre
seus filhos, a exemplo de Aberlardo, que sonhava em ser oficial da marinha, sendo, por
isso, repreendido pela mãe: “Nunca você desejou uma coisa dessas. Escute, Abelardo,
desde pequenino que você vem mostrando sua inclinação [...] Ninguém duvida mais que
você seja no futuro um grande engenheiro” (p. 30). O sonho é esmagado pela sombra do
patriarca, que permeia toda narrativa:
Quando a disciplina interna não pode mais neutralizar o tema de
sua própria contingência, o corpo disciplinado migra para
dominação, subjugando o corpo dos outros a um controle que ele
não pode exercer sobre si mesmo” (XAVIER, 2007, p. 67)
Outro exemplo de corpo disciplinado é o da sua filha, Anita, que, tida como a
preferida da mãe, trata de seguir seus caprichos: “uma vez que não compete ao corpo
disciplinado questionar os procedimentos” (XAVIER, 2007, p.62), para a mãe, Anita é a
“filhinha do coração”, pois parece perfeita em sua total submissão aos desejos maternos:
“não sei fazer nada longe da mamãe. Não leio um livro sem primeiro consultá-la, nem
sinto prazer quando escolho um vestido sem a sua presença”(p, 38), diz Anita toda
satisfeita em realizar as vontades de Teresa.
Teresa, orgulhosa, demonstra seu grau de satisfação: “Anita é mais dócil, é para mim
um livro aberto. Habituou-se desde pequenina a contar-me tudo. Com esta, meu coração
está tranquilo” (p. 39). Anita parece ser um desdobramento da mãe e da avó Amélia:
nascida “encantadora menina”, crescia “casta donzela” e filha obediente, para tornar-se fiel
esposa e mãe dedicada, merecedora do título “rainha do lar”, “por que outro cetro a
sociedade não lhe admitiria. Apresenta os requisitos fundamentais para submeter-se, sem
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Num país em transição política e econômica, a obra de Alina traz à tona a opressão e
a subordinação da mulher silenciada pela estrutura familiar patriarcal, no Nordeste rural da
década de 30, contrapondo a visão de mundo aí predominante à visão libertária que se
propagava na cidade grande, com base na qual a protagonista luta pela afirmação de suas
convicções, as quais faz aflorar no ambiente patriarcal, ainda que lentamente.
a “certeza de que se pode esperar tudo de quem olha pra frente, de quem caminha com
algum objetivo” (p. 90), a despeito das normas preestabelecidas que aprisionam os sujeitos
sociais.
Outro fato relevante se configura quando as jovens Leonor e Raquel são
surpreendidas pelo amor conjugal. Cúmplices, elas encorajam uma a outra no sentido da
realização do desejo amoroso, que envolve, respectivamente, Carlos e Oliveira. O amor
entra na narrativa como um meio de fuga das condições opressivas que as envolvem,
abrindo caminho à almejada liberdade. A esse respeito, confessa a narradora protagonista:
“Se Oliveira não tivesse sofrido, sido espezinhado e descido muito no conceito de todos,
talvez meu interesse por ele nunca tivesse despertado. Aceitava-o como ele era e não
levava em minha aproximação o desejo de julgar e condenar” (p. 198).
Como se observa, Raquel, assim como Leonor, vive uma luta diária em busca de
liberdade e independência. “Seus sonhos vão além de se libertar do domínio do avô, já que
incluem também liberar seu pai e ajudar tantas pessoas que vivem na sombra de Ramiro,
denominado por ela um Senhor Feudal” (ALMEIDA, 2008), um desejo que se multiplica e
ultrapassa as amarras do patriarca. Alina dá voz a essas personagens capazes de romper e
desestruturar o modelo patriarcal incrustado no ambiente rural nordestino.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antônio, 1989- A educação pela noite & outros ensaios. In:
http;//groups.google.com.br/group/digitalsource. Editora Ática S.A.- Rua Barão de Iguape,
110. “Bomlivro”- São Paulo.
CARDOSO, Ana Leal. O imaginário na narrativa de Alina Paim. In: Anais do seminário
nacional literatura e cultura. vol. 1, UFS/São Cristóvão, Brasil: agosto de 2009.
PAIM, Alina Leite. A sombra do patriarca. Rio de Janeiro: Editora: Globo, 1950.
PRIORE. Mary Del. História das mulheres no Brasil. (org); Carla Bassanezi (coord. De
textos). _ 2 ed. _ São Paulo: contexto, 1997.
CAVALCANTE, José Lins do Rego. Menino de Engenho (1932). 38ª ed., Nova Fronteira,
Rio de Janeiro, 1986.