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Psicologia Escolar e o Desenvolvimento de Competencias

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Boletim Academia Paulista de Psicologia

ISSN: 1415-711X
academia@appsico.org.br
Academia Paulista de Psicologia
Brasil

Marinho Araujo, Claisy Maria


Psicologia Escolar e o Desenvolvimento de Competências
Boletim Academia Paulista de Psicologia, vol. XXV, núm. 2, maio- agosto, 2005, pp. 73- 85
Academia Paulista de Psicologia
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=94625212

Como citar este artigo


Número completo
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Boletim Academia Paulista de Psicologia - Ano XXV, nº 2/05: 73-85

• Psicologia Escolar e o Desenvolvimento de Competências1


Claisy Maria Marinho-Araujo2
Universidade de Brasília

Resumo: Este trabalho considera a Psicologia Escolar como campo de produção de


conhecimentos, pesquisa e intervenção. Discute a formação e as possibilidades de atuação
do psicólogo escolar, constituídas de forma integrada e complementar, defendendo a
necessidade do psicólogo escolar desenvolver sua identidade profissional calcada em
competências técnicas, pessoais, interpessoais e éticas, construídas no processo de
sua história pessoal e profissional. Objetiva-se contribuir para a reflexão teórico-conceitual
em Psicologia Escolar; promover o aprimoramento profissional dos psicólogos escolares
da SEDF (Secretaria de Educação do Distrito Federal) e dar visibilidade a formas de
intervenção psicológica no contexto escolar, por meio de uma formação continuada em
serviço, com o foco de atuação institucional, tendo como base o desenvolvimento de
competências. Conclui-se que o desenvolvimento de competências, como estratégia de
formação assistida, apresenta-se como ferramenta bastante útil à complementação da
formação profissional, pois permite uma mobilização de recursos por meio de vias de
desenvolvimento de competências mais complexas.

Palavras-chave: Psicologia escolar, competências, psicólogo escolar.

Abstract: This work considers School Psychology as a field of knowledge production,


research and intervention. It argues the formation and the possibilities of performance of
the school psychologist, constituted of an integrated and complementary form, defending
the necessity of the school psychologist to develop its professional identity based on
technical, personal, interpersonal and ethical competences, constructed along the process
of its personal and professional history. It was aimed to contribute for the theoretical-
conceptual reflection in School Psychology; to promote the professional improvement of
the school psychologists who act in the Secretary of Education of the Federal District,and
to visualize new forms of psychological intervention in the school context by means of a
continued formation in service, focusing the action in the institutional performance, based
on the development of abilities. The conclusions of the research indicate that the development
of abilities, as a strategy of assisted training, is presented as a useful tool to the
complementation of the professional formation, allowing a mobilization of resources by
means of ways of development of more complex abilities.

Keywords: School Psychology, abilities, school psychologist.

1. Introdução
Historicamente, a relação entre a Psicologia e a Educação se articula em
função de ideologias, objetivos, teorias e práticas que perpassam e influenciam
essas duas áreas. Esse estreitamento de diálogos e debates tem avançado por

1
Esse artigo refere-se, em parte, à tese de doutorado intitulada Psicologia Escolar e o
Desenvolvimento de Competências: uma opção para a capacitação continuada, defendida
pela autora no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, em 2003, e laureada com a
Menção Honrosa 2004-2006 pela Academia Paulista de Psicologia.
2
Psicóloga, Doutora em Psicologia, Professora Adjunto do Instituto de Psicologia da
supracitada universidade . Contato: claisy@unb.br 73
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meio de novos paradigmas e prismas, que direcionam e redefinem formas mais


dialéticas para a compreensão do desenvolvimento psicológico humano e da
construção do conhecimento, quando estas ocorrem no espaço educacional.
Dentre as contribuições teórico-conceituais contemporâneas da Psicologia
em interface com a Educação, adotou-se, para este trabalho, o conjunto de
produções da abordagem histórico-cultural, que defende uma compreensão
dialética da relação entre o indivíduo, enquanto sujeito de sua história, e o seu
contexto sócio-cultural. Para essa abordagem, os fenômenos psíquicos
especificamente humanos originam-se da mediação entre a história sócio-cultural
e a experiência individual e concreta dos sujeitos, exercida por meio de relações
sociais partilhadas. Compreende-se a educação escolarizada como lócus
privilegiado para essas trocas e mediações.
Assim, a relação entre a Psicologia e a Educação vem refletindo, nas
produções e atuações contemporâneas, uma interdependência entre processos
psicológicos e processos educacionais, referendada em um conjunto teórico
que privilegia a concepção histórica e social da constituição humana.

2. Reflexões e pressupostos

Dentre os caminhos percorridos entre a Psicologia e a Educação, destacam-


se o percurso e as perspectivas da Psicologia Escolar, enquanto campo de
reflexão teórica, de pesquisa e de intervenção profissional.
A partir dos anos 90, a história da Psicologia Escolar no país se destaca,
tendo como marcos decisivos o I Congresso Nacional de Psicologia Escolar
(ocorrido em Valinhos, SP, em 1991); a criação da Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE); a realização conjunta do XVII
Congresso Internacional de Psicologia Escolar e do II Congresso Nacional de
Psicologia Escolar (na PUC de Campinas, SP, em 1994); e a composição, na
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP),
do GT de Psicologia Escolar/Educacional.
As reflexões, pesquisas e publicações produzidas desde então, enfatizaram
aspectos da formação profissional do psicólogo escolar e formas de atuação
mais significativamente pertinentes a esta formação (Almeida, 2003; Del Prette,
2001; Guzzo, 1993, 1999; Martinez, 2005; Wechsler, 1996).
Em geral, defende-se que a formação acadêmica, tanto inicial quanto
continuada, deva direcionar-se a capacitar o psicólogo escolar para as
especificidades que sua atuação exige. No intuito de apresentar, neste trabalho,
contribuição às discussões sobre a formação do psicólogo escolar, defende-se
que a ação formativa deste perfil profissional contemple: a) conscientização
das possibilidades e capacidades prospectivas, em função das futuras
competências necessárias à inserção profissional; b) capacidade de autonomia

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frente a situações de conflito ou decisões; c) capacidade de análise, aplicação,


re-elaboração e síntese do conhecimento psicológico ao contexto de intervenção
profissional; d) clareza da relação entre as concepções teóricas sobre o
conhecimento psicológico e o trabalho a ser adotado; e) postura crítica acerca
do homem, do mundo e da sociedade, no contexto social em que está inserido;
f) estratégias interdisciplinares de comunicação e ação que integrem e legitimem
a intervenção; g) lucidez sobre a função político-social transformadora de sua
profissão, exercendo-a eticamente no campo educacional.
Focalizando as discussões no campo da atuação, é também objetivo deste
trabalho contribuir para a visibilidade de novas formas de intervenção psicológica
no contexto escolar. Acredita-se que os caminhos para a intervenção do psicólogo
escolar devem estar ancorados na compreensão de que as relações sociais
originam o processo interdependente de construções e apropriações de
significados e sentidos que acontece entre os indivíduos, influenciando, recíproca
e/ou complementarmente, como cada sujeito constitui-se enquanto tal. Para
intervir na complexidade intersubjetiva presente nessas relações, o psicólogo
deve fazer uma escolha deliberada e consciente por uma atuação preventiva,
sustentada por teorias psicológicas cujo enfoque privilegie uma visão de homem
e sociedade dialeticamente constituídos em suas relações históricas e culturais.
Assim, ao psicólogo escolar caberia, então, instrumentalizar-se para o
estudo e análise das relações interpessoais, enquanto unidade de análise da
prática pedagógica. É importante que ele se subsidie para, dentre outras ações
preventivas, criar com e entre professores, um espaço de interlocução que
privilegie não só aspectos objetivos do desenvolvimento e da aprendizagem
humana, mas, sobretudo, o exercício da conscientização dos aspectos
intersubjetivos constitutivos desse desenvolvimento e dessa aprendizagem.
Nesse movimento, o psicólogo estaria contribuindo para a promoção de
conscientização de papéis, funções e responsabilidades dos participantes das
complexas redes interativas que permeiam o contexto escolar (Araujo, 1995).
As exigências da prática em psicologia escolar, no mundo real, introduzem
problemas que se configuram por meio de estruturas pouco claras e a partir de
formas caóticas e indeterminadas, exigindo um trânsito ágil, atualizado e
competente do profissional por entre zonas de inovação de uma praxis
contextualizada e referendada no mundo do trabalho. A prática profissional
oferece, assim, o balizador necessário para se perceber como necessária a
superação dos limites convencionais da formação profissional.
Para considerar o psicólogo escolar um profissional apto a lidar com
situações de incerteza, singularidade e conflito, presentes em sua prática
profissional, é necessário, tanto nas opções formativas quanto em sua atuação,
a identificação de suas concepções e intenções e o reconhecimento de seus
medos e desânimos. A atuação prática do profissional em Psicologia no contexto

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escolar instala, portanto, o exame de uma questão mais profunda que passa
pela complexidade das subjetividades individual e social.
Preparar-se, na atuação profissional, para esta realidade e para a presença
dessas zonas indeterminadas da prática, constitui-se como marco de identidade
que pode vir a resgatar a confiança dos profissionais em seus saberes e
conhecimentos, suas habilidades e capacidades.
A superação do desafio da constituição de uma identidade profissional
preparada para atuar em uma realidade fecunda em zonas indeterminadas da
prática vem nos motivando, nos últimos 10 anos, para o desenvolvimento de
pesquisas, cursos e assessorias dirigidas aos psicólogos escolares da SEDF.
Tais ações têm visado o exame crítico do modelo de atuação até então exercido
e o acompanhamento de propostas de atuação em psicologia escolar preventiva,
com o foco de inserção, compreensão, análise e intervenção na realidade escolar
voltado para a perspectiva institucional e relacional.
Neste sentido, mais especificamente durante o período de 2000 a 2003,
desenvolveu-se uma capacitação continuada em serviço junto a um grupo de
seis (06) psicólogas escolares da rede pública de ensino do Distrito Federal, por
meio de uma assessoria à implementação de uma forma de intervenção
institucional, com base nas relações sociais e sustentada pelo desenvolvimento
de competências (Araujo, 2003; Araujo & Almeida, 2003).
O desenvolvimento de competências nas psicólogas constituiu-se como
foco do trabalho de assessoria aqui apresentado, visando consolidar uma atuação
profissional a partir de uma praxis vivenciada em situações únicas e específicas.
Ao legitimar as funções do psicólogo, à medida que os resultados das suas
ações emergissem e transformassem o cotidiano escolar, buscou-se constituir
um marco de identidade no resgate da confiança dos profissionais em seus
saberes e conhecimentos, suas habilidades e capacidades.
Acreditando, portanto, que o locus da escola é rico em manifestações
concretas de transformações, e que estas podem permear atividades simples e
cotidianas, acredita-se que a natureza da atuação do psicólogo escolar precisa
ser estabelecida diante e em resposta às reais e complexas demandas que a
escola, como instituição sócio-cultural, lhe coloca.
As reflexões apresentadas até aqui pretendem justificar que, na construção
da sua identidade profissional, o psicólogo escolar pode eleger a abordagem por
competências como uma das possibilidades de formação continuada em serviço.
Entretanto, sabe-se que o trabalho por competências deve ser diferenciado
em função das especificidades conceituais, teóricas, metodológicas e
operacionais de cada profissão. É preciso orientar o debate para a natureza das
competências que são necessárias ao psicólogo que trabalha no contexto escolar.
A capacitação por competências surge como alternativa de formação que pode
vir a contemplar, de forma integral, a articulação entre os conhecimentos

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estruturados e os saberes flexibilizados na ação, provenientes tanto da Psicologia


quanto da Educação. Entende-se que a capacitação continuada, ainda que não
se configure como única possibilidade do trabalho por competências, apresenta-
se como um locus eficaz para o monitoramento, acompanhamento e atualização
do perfil profissional do psicólogo escolar.
Acredita-se, portanto, que desenvolver competências por meio de um
processo formativo, continuado e em serviço, que contemple, simultaneamente,
conhecimentos técnicos, empíricos e posturas profissionais, oportuniza a
construção de um perfil profissional que integra características práticas e
reflexivas, capazes de sustentar ações competentes diante de diversas situações
profissionais.
Considerando o contexto diferenciado da escola, a formação profissional
continuada dos psicólogos escolares deve tornar oportuno, ao mesmo tempo, a
construção de uma trajetória pessoal e personalizada de competências
profissionais e, em outra direção, de uma rede de formação de competências
profissionais nos atores da escola.
Esses processos se tecem, entrecruzam e se definem nas opções
pessoais e nas demandas institucionais de cada profissional em cada escola.
São processos, antes de tudo, construídos com tempos, espaços e histórias
definidos pelas rupturas ocasionadas pelas “urgências”, pelos “continuísmos”
catalisadores de paralisias.
Os psicólogos escolares, hoje, são profissionais “movidos” a desafios
múltiplos e prementes, impetrados por uma “escola” que eles não conhecem e
que demanda ações as quais eles não dominam.
Exercitar competências necessárias para a resolução dos problemas
comuns presentes no trabalho do psicólogo que atua na escola é articular, de
forma intencional e planejada, os conhecimentos formais às habilidades e
saberes, incorporando-os à sua atuação e ao seu processo de identidade
profissional, compreendendo como e quando utilizá-los. Desenvolver
competências é, portanto, mobilizar recursos, internos e externos, de forma lúcida
e intencional.

3. Problematização e objetivos

As orientações metodológicas pautaram-se em problematizações relativas


às temáticas sobre identidade, formação e atuação profissional do psicólogo
escolar, destacando-se:
• Como responder às angústias do psicólogo escolar que pretende adequar
e aplicar os conhecimentos teóricos da sua formação em Psicologia às
demandas urgentes e insólitas do contexto escolar?

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• Como mobilizar o psicólogo escolar a desenvolver um perfil com


competências necessárias que o levem à construção de formas de ação
intencionalmente planejadas que propiciem transformações na
subjetividade e na atividade dos atores do processo educativo?
• Como sensibilizá-lo a buscar, refletidas na sua própria capacitação,
competências de formação para os demais sujeitos da instituição?
Buscar rotas, caminhos possíveis, estratégias executáveis no sentido de
legitimar a ação do psicólogo escolar, de recriar sua identidade profissional, de
consolidar suas funções em um cotidiano de ações tão complexas, foi o desafio
diante do qual esta investigação se colocou, concretizado nos seguintes objetivos:
1. Contribuir para a reflexão teórico-conceitual em Psicologia Escolar.
2. Utilizar a abordagem por competências para promover o aprimoramento
profissional dos psicólogos escolares da SEDF (Secretaria de Educação
do Distrito Federal), a partir de ações de capacitação continuada em
serviço.
3. Delinear uma proposta de atuação em Psicologia Escolar institucional,
preventiva e relacional, com o foco de intervenção no contexto escolar.

4. Estratégias metodológicas

4.1 Contexto e Participantes


A SEDF instituiu, desde 1987, o Atendimento Psicopedagógico para todo o
sistema público de ensino, com o objetivo de oferecer suporte a crianças e
professores em situações de dificuldades no processo de ensino-aprendizagem.
À época do trabalho aqui apresentado, esse atendimento estruturava-se por meio
de duas equipes: atendimento especializado (equipes de atendimento
psicopedagógico trabalhando com grupos de alunos que apresentavam
dificuldades de aprendizagem) e o atendimento preventivo (atuação do psicólogo
no cotidiano escolar). Foi com os psicólogos que atuavam no âmbito do
atendimento preventivo que a assessoria desenvolveu-se.
Essa modalidade de atendimento previa que o psicólogo estivesse na
escola, fazendo parte do quadro de profissionais e desenvolvendo suas atividades
junto à instituição, aos professores, aos alunos e suas famílias.
No sistema público de ensino do Distrito Federal, esses profissionais são
graduados em Psicologia e categorizados como “especialistas” no plano de
carreira. Eram lotados nas escolas ou nas gerências regionais de ensino1,
exercendo a função específica de psicólogos escolares preventivos, o que os
diferenciava dos demais psicólogos da rede, tanto daqueles das equipes do
atendimento psicopedagógico, quanto os das equipes do ensino especial.

1
A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal descentraliza suas ações, em cada
cidade, por meio das Gerências Regionais de Ensino, que têm sede, estrutura organizacional
e atribuições administrativo-pedagógicas próprias, funcionando como sub-órgãos
78 intermediários entre as escolas vinculadas a cada Gerência e a SEDF.
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A assessoria acompanhou seis (06) psicólogas escolares que atuavam, à


época, tanto em escolas como em funções de coordenação no sistema (nas
gerências regionais de ensino e na coordenação central).

4.2 Processos e Produtos


A assessoria à prática profissional das psicólogas constituiu-se como
estratégia privilegiada de imersão na realidade investigada; de acompanhamento
sistemático dos seus avanços e dificuldades nas atividades da escola; de
discussão sobre a especificidade do processo de construção da identidade
dessas profissionais; e de oportunidade para o desenvolvimento compartilhado,
co-responsável e reflexivo de competências e habilidades necessárias à
intencionalidade da prática profissional.
O assessoramento realizou-se por meio de reuniões periódicas que
ocorreram tanto nas próprias escolas quanto no Laboratório de Psicogênese da
Universidade de Brasília.
Elaborou-se um cronograma de reuniões, de modo a contemplar uma
regularidade semanal de encontros. Essa regularidade manteve-se durante o
primeiro ano da assessoria (de outubro de 2000 a, aproximadamente, outubro
de 2001); a partir de então, as reuniões eram agendadas de acordo com as
necessidades das psicólogas que, por várias ocasiões, solicitaram um intervalo
maior para que pudessem exercitar, sozinhas, o que havia sido trabalhado na
assessoria. Foram realizadas, no total, 104 reuniões, com a duração 142 horas,
ao longo de 26 meses (de Setembro de 2000 a Novembro de 2002).
Todas as reuniões foram gravadas em áudio e registradas em protocolos,
posteriormente organizados a partir das datas das reuniões, da identificação
das participantes e dos principais temas tratados. Os registros foram analisados
de forma intensiva, no sentido de subsidiar futuras comparações com os dados
que foram gravados nas fitas.
As gravações das reuniões foram transcritas e organizadas por data,
horário e local de ocorrência, identificando-se, também, suas participantes. Este
material foi submetido a várias leituras, para a apreensão dos significados
semânticos e lingüísticos que permearam as trocas e orientações, e, também,
foi ouvido por algumas vezes, considerando que inúmeros aspectos
intersubjetivos se apresentaram nos diálogos e construções registrados.
Como tal material resultou muito extenso, optou-se por trabalhar a análise
dos dados por meio de uma síntese dos temas trabalhados nos encontros da
assessoria. Os dados de cada participante foram tratados separadamente, em
quadros demonstrativos organizados cronologicamente por dia de reunião,
contendo as seguintes categorias: Temas tratados, Demanda por capacitação,
Indicadores para desenvolvimento de competências.

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Tais sínteses, consideradas resultados e processos do percurso,


expressam a circulação de reflexões e procedimentos, relações e situações,
etapas e estratégias mediadas na e entre assessorias.

5. Analisando os caminhos e seus resultados

Uma das metas orientadoras do processo de capacitação continuada das


psicólogas escolares, por meio da assessoria, enfatizou o desenvolvimento de
uma proposta de atuação caracterizada por uma intervenção dinâmica,
participativa e sistemática na instituição. Foram desencadeadas ações e
estratégias orientadas para a reflexão e a conscientização de papéis e
responsabilidades das psicólogas que deveriam, por meio da capacitação
continuada, se comprometer com seu desenvolvimento pessoal e com o
desenvolvimento da equipe da escola.
Especificamente, a intervenção institucional foi ancorada em quatro grandes
dimensões: 1) Mapeamento Institucional; 2) Espaço de Escuta Psicológica;
3)Assessoria ao Trabalho Coletivo; 4) Acompanhamento ao Processo de Ensino-
Aprendizagem.
Neste trabalho, acompanhou-se o desenvolvimento de competências e
habilidades das psicólogas escolares para investigar e analisar a instituição
escolar, evidenciando e não camuflando as contradições entre as práticas
educativas e as efetivas demandas dos sujeitos neste contexto, no sentido de
contribuir para que as rupturas ou reformulações institucionais levassem a um
novo direcionamento das práticas profissionais. Foi realizado, inicialmente, um
mapeamento institucional evidenciando as convergências, incoerências, conflitos
ou avanços existentes: nas concepções e influências ideológicas, filosóficas e
teóricas subjacentes aos planejamentos, projetos e práticas educacionais; nas
experiências de gestão coletiva e participativa; na análise documental comparativa
das normas, valores, procedimentos e formas de avaliação previstos em estatutos
e regimentos internos, em relação aos indicadores de direitos, deveres, papéis
e responsabilidades dos sujeitos no contexto escolar.
A assessoria objetivou orientar as psicólogas a desenvolverem,
concomitante ao mapeamento institucional, a realização de planejamento e
assessoria ao trabalho coletivo e às relações interpessoais junto ao corpo docente,
à direção e à equipe técnica no que concerne ao conhecimento psicológico, na
tentativa de promover reflexões articuladas entre os objetivos de cada área de
atuação e as concepções de ensino e de aprendizagem, as expectativas de
atuação interdisciplinar e a outros aspectos teórico-metodológicos que norteiam
o fazer pedagógico. Nesse sentido, tornou-se imperioso o desenvolvimento, nas
psicólogas, de uma “atitude clínica” e da sensibilidade da escuta dos processos
intersubjetivos construídos na complexidade deste cenário.

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Para a instrumentalização das psicólogas escolares neste modelo de


intervenção, pautado em uma leitura crítica e reflexiva sobre as inúmeras “vozes”
da escola, apoiou-se a assessoria em torno de algumas competências, tais
como: construção coletiva de soluções apropriadas à escola; compreensão do
contexto educativo; utilização de estratégias de comunicação criativas e
diversificadas; construção de um clima de confiança e respeito mútuo;
flexibilização para atuação frente às mudanças; negociação e não camuflagem
de ambigüidades e diversidades; coordenação de processos coletivos de decisão;
gestão de redes relacionais com visão compartilhada para diferentes rotas de
procedimentos; potencialização do uso de tecnologias; apropriação de questões
técnicas sobre planejamento pedagógico, currículo e avaliação (Araujo, 2003).
Assim, durante o processo de assessoria, a imersão na realidade das
participantes, a redefinição da identidade profissional, o desenvolvimento
compartilhado de competências e intencionalidades, as demandas do contexto
e das psicólogas, estiveram sempre permeando a proposta de intervenção
institucional. Essa proposta funcionava como guia orientador ao qual as
profissionais eram confrontadas à temática das competências: àquelas que lhes
faltava, às que deveriam subsidiar aos outros, às que precisavam confirmar, às
que necessitavam rever. As trajetórias de identidade profissionais afiançavam-
se nas expectativas de sucesso que as próprias psicólogas confirmavam de si
e para si, na medida em que eram impelidas a atuar em dimensões coletivas,
relacionais e institucionais sem o descuido dos processos intersubjetivos nem
o lapso da singularidade do sujeito.
Uma das dimensões da capacitação por competências foi, portanto,
ocorrendo a partir dos indicadores construídos durante os momentos da
assessoria. A validação e adequação do processo de desenvolvimento de
competências ocorriam em função da re-significação que a psicóloga
assessorada conferia às suas concepções e práticas.
Ao longo de mais de dois anos de assessoria ao desenvolvimento de
competências, desencadeou-se um processo compartilhado de trocas e
construções entre cada participante e a pesquisadora, de tal modo que o
desenvolvimento de competências ocorreu em uma dimensão bi-direcional, na
qual tanto o formador (na figura da pesquisadora), quanto os profissionais
assessorados (psicólogas participantes) afetaram-se e desenvolveram-se,
intercambiando relações, interinfluenciando subjetividades, construindo
competências.
Os tempos e espaços de cada encontro, cada reunião, cada momento da
assessoria desenharam uma temporalidade diferenciada para cada participante,
com conseqüências distintas ao seu processo de construção de competências.
As subjetividades individuais, com suas configurações singulares, iam
construindo sentidos próprios, re-definindo limites e conduzindo suas histórias

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profissionais permeadas por outros contextos – dos sentidos sociais mais amplos
a particularidades pessoais mais preservadas.
A partir dos resultados que foram sendo desenhados no processo, ia-se
procedendo à análise do impacto da assessoria tanto no desenvolvimento de
uma identidade profissional mais competente como na praxis das psicólogas
escolares pesquisadas. Desenvolveu-se, nesse processo de análise, uma síntese
reflexiva utilizada como recurso metodológico para recuperar o conhecimento
produzido no decorrer do processo e os indicadores que delinearam o
desenvolvimento de competências.
Assim, foi possível verificar, recuperando a história do desenvolvimento
das participantes, indicadores avaliativos da construção de competências.
Utilizando-se, como ponto de partida, uma base de categorização de
competências (Araujo, 2003), realizou-se um estudo diagnóstico e comparativo
pontuando: os saberes e habilidades que as psicólogas apresentavam no início
da assessoria, bem como aqueles que, em função da categorização, estavam
ausentes; as demandas para o desenvolvimento de competência que foram
mais recorrentes durante a assessoria; os indicadores de competências que
foram desenvolvidas durante a assessoria; e os desdobramentos, procedimentos
e produtos a partir das competências desenvolvidas na consultoria.
A base do aporte teórico orientador para a análise desse complexo processo
de construção de competências, foram as “vias de desenvolvimento de
competências” definidas por Wittorski (1998).
Considera-se que, antes de ocorrer a intervenção desta pesquisa, as
psicólogas da SEDF atuavam no que Wittorski (1998) chamou de “primeira via
de desenvolvimento”, que equivale a uma formação em serviço realizada por
meio de mecanismos de tentativa e erro: quando uma nova situação exigia do
sujeito novas competências para agir e solucionar as demandas que lhes
surgiam, sua ação ocorria por ajustes sucessivos e adaptações progressivas
de comportamentos, sem que esses tivessem um acompanhamento reflexivo.
Uma “lógica da ação” era desencadeada o que, com o tempo, conduzia à
produção de rotinas cristalizadas, específicas e até eficazes para situações com
as mesmas características, levando à utilização de competências já conhecidas
e desenvolvidas. Wittorski (1998) denomina as competências desenvolvidas nesta
via de “competências incorporadas”.
Quando da implantação da assessoria, configurou-se o que Wittorski (1998)
define como a “terceira via” para o desenvolvimento de competências: as práticas
de trabalho institucionalizadas demandam competências implícitas produzidas
na ação, que são formalizadas e transformadas em “saberes de ação”,
comunicáveis e transmissíveis ao grupo. O processo reflexivo é desenvolvido a
partir das práticas (a “lógica de reflexão sobre a ação”).

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Ainda na assessoria, foi contemplada também a “quinta via” de


desenvolvimento defendida por Wittorski (1998), quando se buscou integrar os
saberes teóricos apropriados na formação conceitual em conhecimentos, nutrindo
capacidades que teriam a função de subsidiar o desenvolvimento de diferentes
competências em função das diversas situações encontradas.
O impacto da assessoria no perfil profissional das seis (06) participantes
da pesquisa (e também da pesquisadora) deve ser analisado, antes e acima de
tudo, como um processo de construções e transformações históricas, afetivas,
relacionais, que, como tal, constituiu-se não em um crescente de produções e
conquistas, mas na dinâmica própria de construções dialógicas e dialéticas:
com alternância de humores, desejos, resultados, intenções. Assim, inúmeros
foram os momentos de paralisia, de ansiedade e angústia, de irritação e
desânimo, de aflições e desgostos, nutridos principalmente pela ética da
responsabilidade e pelo compromisso com ideais de transformação social
historicamente validados.
Dessa forma, histórica e processual, é que se analisa a trajetória das
psicólogas participantes, desenvolvida a partir da mobilização de habilidades e
saberes iniciais às competências articuladas em favor de uma identidade
profissional mais competente e de uma praxis mais consciente.
Levar os profissionais a perceberem que o desenvolvimento de
competências é, também, função de processos sociais e produtivos, é evidenciar
a importância das formas de organização do trabalho que, pela práxis, podem
vir a materializar-se em ações transformadoras da realidade.
Assim, um espaço privilegiado para o desenvolvimento de competências
é a intervenção assistida, a estratégia da assessoria como ferramenta eficaz na
capacitação continuada em serviço, que ocorre no locus da atividade profissional,
considerando a praxis como importante atributo para a construção da
competência.

6. Desdobramentos e Possibilidades

As conclusões do trabalho apontaram para a gênese de uma


epistemologia da ação, enquanto sustentação para a compreensão do
movimento dialético entre conhecimento e ação, no qual o conhecimento se
transforma na ação e a ação se converte em conhecimento.
A partir de tais conclusões, duas grandes questões se colocaram como
desdobramentos finais da pesquisa e da produção de conhecimento:
• Como assegurar, coadunado à função básica de formação da Universidade,
o compromisso com a capacitação continuada de psicólogos escolares
que se encontram, nas distintas situações de trabalho, exercitando papéis

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e funções de identidade muitas vezes em uma via básica e inicial de


desenvolvimento de competências, experimentando ações e intervenções
na “lógica da tentativa e erro”, desgastando-se nos insucessos, isolando-
se nas angústias?
• Como proliferar, por meio de novos desenhos e compromissos nas políticas
públicas, respostas à crise de competência que se instala de forma
avassaladora no sistema público de educação, impingindo atuações
intuitivas e improvisadas diante das urgências de metas pouco validadas
enquanto processos efetivos de transformações sociais coletivas e
fecundas?
Algumas ações, tanto no interior da Universidade quanto no sistema público
de ensino, já se configuram enquanto propostas concretas a essas duas grandes
inquietações.
No âmbito das responsabilidades da Universidade com a formação
continuada dos psicólogos escolares, foi estruturado, pelo Laboratório de
Psicogênese, um Curso de Especialização Lato Sensu em Psicologia Escolar,
com propostas curriculares inovadoras que contemplam a formação assistida
como via eficaz para o desenvolvimento de competências, cujo início está previsto
para o segundo semestre de 2005.
No que concerne à Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal,
a partir de 2004, o Atendimento Psicopedagógico foi re-estruturado e novas
modalidades interventivas foram desenvolvidas, com o foco principal na ação
institucional, e não só no atendimento às queixas escolares de alunos
encaminhados pelas escolas. As equipes de atendimento e os psicólogos
escolares fundiram-se em uma equipe ampliada (com a participação de um
psicólogo, um pedagogo e um orientador educacional), e re-distribuídas no
sistema, de modo a que cada equipe tenha sob sua responsabilidade de duas a
quatro escolas, para atuarem de forma preventiva, enfatizando processos de
desenvolvimento de competências em professores, alunos e equipe escolar,
além do atendimento individualizado, quando as opções de trabalho institucional
não se mostrarem satisfatórias.
Acredita-se que essas possam ser ações iniciais de forte impacto técnico-
político, dando início à institucionalização da atuação da Psicologia Escolar, em
uma escala considerada minimamente adequada às demandas que urgem ser
respondidas.
Finalmente, o caminho percorrido neste trabalho sinaliza a urgência de se
priorizar contextos formativos que representem possibilidades de fertilidade para
saberes e competências, para a re-significação histórica de subjetividades, para
uma interpretação mais crítica do mundo na construção da identidade profissional
do psicólogo escolar. É necessário comprometer-se com uma dimensão

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Boletim Academia Paulista de Psicologia - Ano XXV, nº 2/05: 73-85

formativa ampliada, configurada por um contexto de desenvolvimento profissional,


no qual as bases de referência devem estar claramente definidas e coadunadas
a um perfil profissional cujo delineamento deve contemplar a mobilização de
saberes, da ciência e da experiência, em processos de construção e re-
construção de competências.
Espera-se que, assim, os psicólogos escolares experimentem construir e
reconstruir as possíveis alternativas de suas trajetórias profissionais, recuperem
processos de identidade, questionem ou alimentem suas práticas, confrontando-
as para recriá-las. E acima de tudo, reconheçam-se em movimento e, portanto,
históricos.

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