MPT e Suas Coordenadorias Temáticas 2a e 3a Fase. Flávia Menezes e Miziara
MPT e Suas Coordenadorias Temáticas 2a e 3a Fase. Flávia Menezes e Miziara
MPT e Suas Coordenadorias Temáticas 2a e 3a Fase. Flávia Menezes e Miziara
MENEZES
Juíza do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Ex-Procuradora do Trabalho no Ministério Público do Trabalho.
Especialista em Direito e Processo do Trabalho.
Professora em cursos preparatórios para concursos.
Instagram: @alvazirdetrabalho
Email: flaviajacoh@yahoo.com.br
RAPHAEL MIZIARA
Doutorando em Direito do Trabalho (USP).
Mestre em Direito do Trabalho e das Relações Sociais (UDF).
Especialista em Direitos Humanos e Governança Global (Universidad Castilla-La
Mancha – Espanha).
Professor convidado de diversas Escolas Judiciais e da Escola Superior do Ministério
Público da União – ESMPU.
Advogado nas áreas trabalhista e proteção de dados.
Instagram: @rmiziara e @informativos.tst
Email: rmiziara@usp.br
2022
SUMÁRIO
______________________________________________________________
CAPÍTULO I – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO: HISTÓRICO, REGIME JURÍDICO E INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO .............. 11
1 Histórico do Ministério Público do Trabalho ............................................................................................. 11
1.1 Origem da palavra Parquet ............................................................................................................... 11
1.2 Evolução histórico-constitucional do Ministério Público no Brasil ................................................... 12
1.3 Evolução histórica do Ministério Público do Trabalho...................................................................... 18
2 Regime Jurídico ......................................................................................................................................... 24
2.1 Perfil institucional na Constituição de 1988 ..................................................................................... 24
2.2 Princípios Institucionais .................................................................................................................... 30
2.3 Autonomia administrativa, funcional e financeira ............................................................................ 40
2.4 Garantias, vedações e prerrogativas................................................................................................. 41
2.4.1 Garantias ................................................................................................................................... 42
2.4.2 Prerrogativas ............................................................................................................................. 46
2.4.3 Vedações ................................................................................................................................... 48
2.4.4 Deveres ..................................................................................................................................... 51
2.5 Órgãos do MPT ................................................................................................................................. 51
2.5.1 Procurador-Geral do Trabalho .................................................................................................. 52
2.5.2 Colégio de Procuradores do Trabalho ....................................................................................... 55
2.5.3 Conselho Superior do MPT........................................................................................................ 56
2.5.4 Câmara de Coordenação e Revisão ........................................................................................... 59
2.5.5 Corregedoria-Geral do MPT ...................................................................................................... 62
2.5.6 Subprocuradores-Gerais do Trabalho ....................................................................................... 62
2.5.7 Procuradores Regionais do Trabalho ........................................................................................ 63
2.5.8 Procuradores do Trabalho......................................................................................................... 63
2.6 Litisconsórcio entre ramos do Ministério Público............................................................................. 63
3 Instrumentos de atuação .......................................................................................................................... 65
3.1 Atuação Judicial como parte ............................................................................................................. 66
3.1.1 Ação Civil Pública ...................................................................................................................... 66
3.1.1.1 Fundamento legal.............................................................................................................. 68
3.1.1.2 Legitimados ....................................................................................................................... 69
3.1.1.3 Objeto................................................................................................................................ 80
3.1.1.4 Competência funcional-territorial ..................................................................................... 80
3.1.1.5 Litispendência.................................................................................................................... 83
3.1.1.6 Coisa julgada...................................................................................................................... 86
3.1.1.7 Liquidação ......................................................................................................................... 91
3.1.1.8 Execução.......................................................................................................................... 101
3.1.1.9 Prescrição ........................................................................................................................ 115
3.1.1.10 Despesas processuais .................................................................................................... 116
3.1.2 Atuação judicial no STF ........................................................................................................... 120
3.2. Atuação Judicial como Interveniente............................................................................................. 122
3.3. Atuação Judicial como Curador ..................................................................................................... 123
3.4. Conciliação, mediação e arbitragem .............................................................................................. 124
3.4.1. Mediação no MPT .................................................................................................................. 126
3.4.2. Arbitragem no MPT ................................................................................................................ 129
3.5. Atuação Extrajudicial: Notícia de Fato ........................................................................................... 130
3.6. Atuação Extrajudicial: Procedimento Preparatório ....................................................................... 138
3.7. Atuação extrajudicial: Inquérito Civil ............................................................................................. 139
3.7.1. Conceito ................................................................................................................................. 139
3.7.2. Natureza Jurídica .................................................................................................................... 139
3.7.3. Legitimidade para propositura ............................................................................................... 140
3.7.4. Fases do Inquérito Civil .......................................................................................................... 140
3.7.5. Poderes do MPT ..................................................................................................................... 142
3.7.6. Valoração das Provas ............................................................................................................. 146
3.8. Atuação Extrajudicial: Termo de Ajuste de Conduta ..................................................................... 147
3.8.1. Conceito ................................................................................................................................. 147
3.8.2. Natureza Jurídica .................................................................................................................... 147
3.8.3. Legitimidade para propositura ............................................................................................... 148
3.8.4. Momento para propositura ................................................................................................... 148
3.8.5. Responsabilidade administrativa ou penal ............................................................................ 148
3.8.6. A multa do TAC....................................................................................................................... 149
3.8.7. Modificação, anulação e aditamento de TAC......................................................................... 150
3.9. Atuação Extrajudicial: Audiências Públicas .................................................................................... 151
3.10. Atuação Promocional: Notificação Recomendatória ................................................................... 152
4 Bibliografia do capítulo........................................................................................................................... 163
CAPÍTULO II – CODEMAT – Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho ............. 165
1 Sobre a coordenadoria............................................................................................................................ 165
2 Conceito e normas de proteção nacional e internacional ....................................................................... 168
3 Princípios................................................................................................................................................. 174
4 Monetização da da saúde ....................................................................................................................... 177
5 Doenças ocupacionais: acidentes de trabalho e doenças do trabalho ................................................... 179
6. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO CUMPRIMENTO DE NORMAS DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
................................................................................................................................................................... 183
7. REFORMA TRABALHISTA E AS INFLUÊNCIAS NO AMBIENTE DE TRABALHO .......................................... 184
8. IMPRESCRITIBILIDADE DA PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL DE DANO AMBIENTAL ........................... 186
9. CASOS EMBLEMÁTICOS ......................................................................................................................... 188
9.1. Amianto ......................................................................................................................................... 188
9.2. Frigoríficos ..................................................................................................................................... 190
9.3. Transporte de Garis ....................................................................................................................... 192
9.4. Provadores de Cigarros .................................................................................................................. 193
9.5. Formol e Sílica ................................................................................................................................ 196
9.6. Shell-Basf ....................................................................................................................................... 198
10. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA .................................................................................................. 201
11. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO ............................................................................................................... 206
CAPÍTULO VIII - CONALIS – COORDENADORIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA LIBERDADE SINDICAL ....... 348
Dentro deste contexto, esta obra busca reunir, de forma estratégica e direcionada,
temas essenciais relacionados às Coordenadorias, justamente para melhor direcionar e
otimizar a preparação dos candidatos que estão próximos da aprovação, em especial nas
segundas e terceiras fases do concurso público.
Nos termos do artigo 7º da Resolução n.º 137/2016 do CSMPT, são atribuições das
Coordenadorias Temáticas Nacionais:
V – designar reuniões sociais para propor orientações, notas técnicas, as quais serão
divulgadas na página da internet, sítio eletrônico do Ministério Público do
Trabalho – Procuradoria Geral, e diretrizes internas, publicadas na intranet, desde
que classificadas no inciso VIII do art. 23 da Lei 12.527/2011 – Acesso à
informação; (Redação dada pela Resolução nº 175, de 1º/06/2020).
VIII – propor ao PGT estudos, textos de anteprojetos de leis e atos normativos, nas
áreas afetas à Coordenadoria;
Os Autores
CAPÍTULO I – MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO: HISTÓRICO, REGIME
JURÍDICO E INSTRUMENTOS DE ATUAÇÃO
VLADIMIR ARAS informa que “Parquet” vem do francês “petit parc” ou “petit
enclos”, isto é, um local delimitado, um pequeno espaço reservado, cercado. Na França,
quando utilizada para referir-se à magistratura do Ministério Público (magistrature du
Parquet), tal palavra não tem o sentido de “assoalho”, mas sim o sentido de designar o
espaço delimitado no qual ficavam os magistrados du Parquet. Assim, os magistrados do
Ministério Público eram separados dos Magistrados Judiciais por uma espécie de cancela,
ficando dentro do seu espaço cercado (petit parc) e não no assoalho. Hoje, na França, em
países francófonos e no Brasil, a palavra “parquet” é sinônimo da bancada dos procuradores
ou da própria instituição do Ministério Público. Desse modo, ao se referir ao “parquet” no
sentido de “assoalho”, ignora-se o fato de que uma palavra pode ter várias acepções.1
1
ARAS, Vladimir. O “Parquet” e o chão do fórum. Disponível em: <https://vladimiraras.blog/2013/12/31/o-parquet-
e-o-chao-do-forum/> Acesso em 23.12.2022.
2
VITORELLI, Edilson. O Ministério Público e a palavra “parquet”. Disponível em:
<http://www.edilsonvitorelli.com/2017/01/o-ministerio-publico-e-palavra-parquet.html> Acesso em 23.12.2022.
3
Idem.
4
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 9. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2018, p. 37.
Contudo, a linha mais aceita é a de seu surgimento na França, no século XIV, na
ordenação de 25 de março de 1302, do reinado de Felipe IV, o Belo, na qual os chamados
Procuradores do rei “deveriam prestar o mesmo juramento do juízo com fim de
patrocinarem as causas do rei”.5
No Brasil, aponta-se que o Ministério Público teve suas origens fincadas nas
Ordenações Manuelinas, de 1521, e nas Ordenações Filipinas, de 1603, que faziam menção
ao “Procurador dos nossos feitos” (Liv. I, Tit. XI) e o “Prometor da Justiça da Casa da
Sopricaçam” (Liv. I, Tit. XI). De todo modo, o Ministério Público ainda não possuía, nesse
período, feição institucional.7 Vale advertir que nas Ordenações Afonsinas, de 1447, já
constava a figura do “procurador de nossos feitos”, com traços da instituição do Ministério
Público e que foram desenvolvidos nas ordenações posteriores.8
5
BASSO, Guilherme Mastrichi. Atuação do Ministério Público do Trabalho: retrospecto por ocasião dos 30 anos da
Constituição de 1988. Evolução. In: ZUBEN, Catarina Von; VALENTIM, João Hilário. 30 anos da Constituição
Federal: atuação do MPT. Brasília: Movimento, 2018, p. 14.
6
SOUZA, Motauri Ciocchetti. Ministério Público e o princípio da obrigatoriedade. São Paulo: Método, 2007, p. 133.
7
Disponível em: <https://www.mpu.mp.br/institucional/historico-do-mpu> Acesso em 23.12.2022.
8
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público, 9. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2018, p. 40. A mesma
indicação é feita por Antônio Alberto Machado: “É a partir das Ordenações Afonsinas de 1447, com o procurador de
nossos feitos, que surgirão os primeiros caracteres desta instituição, desenvolvidos depois nas Ordenações posteriores.”
(MACHADO, Antônio Alberto. Ministério Público, democracia e ensino jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.
138).
9
Art. 48. No Juizo dos crimes, cuja accusação não pertence á Camara dos Deputados, accusará o Procurador da
Corôa, e Soberania Nacional. (BRASIL, Constituição Política do Imperio do Brazil de 25 de março de 1824).
âmbito federal. Neste decreto destacam-se: a) a indicação do procurador-geral pelo
Presidente da República; b) a função do procurador de "cumprir as ordens do Governo da
República relativas ao exercício de suas funções" e de "promover o bem dos direitos e interesses
da União." (art. 24, alínea "c").
10
Art. 58. § 2º O Presidente da República designará, dentre os membros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-
Geral da República, cujas atribuições se definirão em lei. (BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891).
11
Art. 95. O Ministério Público será organizado na União, no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos
Estados, pelas leis locais. § 1º O Chefe do Ministério Público Federal nos Juízos comuns é o Procurador-Geral da
República, de nomeação do Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, dentre cidadãos com os
requisitos estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema. Terá os mesmos vencimentos desses Ministros, sendo,
porém, demissível ad nutum. § 2º Os Chefes do Ministério Público no Distrito Federal e nos Territórios serão de livre
nomeação do Presidente da República dentre juristas de notável saber e reputação ilibada, alistados eleitores e maiores
de 30 anos, com os vencimentos dos Desembargadores. § 3º Os membros do Ministério Público Federal que sirvam
nos Juízos comuns, serão nomeados mediante concurso e só perderão os cargos, nos termos da lei, por sentença
judiciária, ou processo administrativo, no qual lhes será assegurada ampla defesa. (BRASIL, Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934).
mencionando apenas que “o Ministério Público Federal terá por Chefe o Procurador-Geral
da República, que funcionará junto ao Supremo Tribunal Federal, e será de livre nomeação
e demissão do Presidente da República, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os
requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal”12.
Em 1951, a Lei Federal n.º 1.341 criou o Ministério Público da União, que se
ramificava em Ministério Público Federal, Militar, Eleitoral e do Trabalho. O MPU
pertencia ao Poder Executivo.
12
Art. 99. O Ministério Público Federal terá por Chefe o Procurador-Geral da República, que funcionará junto ao
Supremo Tribunal Federal, e será de livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a escolha
em pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, Constituição dos
Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937).
13
Art. 126. O Ministério Público Federal tem por Chefe o Procurador-Geral da República. O Procurador, nomeado
pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos
indicados no artigo 99, é demissível ad nutum. (BRASIL, Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de
setembro de 1946).
A remodelagem do Ministério Público brasileiro iniciara-se em 1981 com a Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981), cujo art. 14,
§1º, deu à instituição novas atribuições na tutela coletiva, para a defesa do meio ambiente.
Em 1985, foi publicada a Lei n.º 7.347 (LACP), que ampliou consideravelmente a
área de atuação do Parquet, ao lhe atribuir a função de defesa dos interesses difusos e
coletivos. Deu ao Ministério Público legitimidade para a instauração de inquérito civil e
propositura de ação civil pública para a tutela de direitos individuais indisponíveis e a
interesses coletivos e difusos, moldando o caráter bifronte do Ministério Público
brasileiro, uma instituição talvez sem igual no planeta, dada suas amplas atribuições na
jurisdição criminal e na tutela coletiva.14
14
ARAS, Vladimir. História institucional do Ministério Público brasileiro: seu caráter bifronte. Disponível em:
<https://vladimiraras.blog/2018/11/10/historia-institucional-do-ministerio-publico-brasileiro-1/> Acesso em
23.12.2022.
de Justiça e Presidentes de Associações do Ministério Público e posteriormente apresentada
ao Constituinte como modelo da nova identidade do MP, que reconhecia a instituição
como órgão permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, à defesa da ordem
jurídica, da democracia e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e preservava as
garantias de independência funcional, administrativa e financeira.
15
A figura do Ombudsman surge na Suécia (que, em sueco, significa “representante do povo”), para a proteção do
indivíduo contra os abusos feitos, em geral, por autoridades da Administração Pública (seja a geral ou a da Justiça).
Nesse sentido: ROMAGNOLI, Pedro Ignacio Ahumada. Ombudsman do Brasil: desafio para o Chile. Fórum de
Cortes Supremas do Mercosul. Universidade Alberto Hurtado. Santiago: 2015, p. 06.
Avanço. Fez referência expressa ao Ministério Público no capítulo "Dos
órgãos de cooperação nas atividades governamentais". Institucionaliza o
Constituição de 1934 Ministério Público em nível constitucional. Prevê lei federal sobre a
organização do Ministério Público da União. PGR escolhido dentre cidadãos
que cumpriam os requisitos para ser ministro do STF.
Retrocesso. Não fez referência expressa ao Ministério Público. Apenas
Constituição de 1937 menciona a figura do Procurador-Geral da República e o quinto
constitucional.
Avanço. Fez referência expressa ao Ministério Público em título próprio
Constituição de 1946 (artigos 125 a 128) sem vinculação aos poderes, o que conferia autonomia à
instituição.
Retrocesso. Fez referência expressa ao Ministério Público no capítulo
Constituição de 1967
destinado ao Poder Judiciário.
Fez referência expressa ao Ministério Público no capítulo destinado ao Poder
EC n.º 1 de 1969
Executivo.
Dispôs sobre o estatuto do Ministério Público, prevendo-o como instituição
permanente, instituindo garantias, atribuições e vedações aos membros do
LC n.º 40 de 1981
órgão. Importante marco histórico na evolução da instituição. Princípios da
unidade, indivisibilidade e autonomia funcional.
Documento que serviu de modelo ao Constituinte para construção do novo
Carta de Curitiba
perfil institucional do MP que viria a ser instituído em 1988.
Grande avanço. Faz referência expressa ao Ministério Público no capítulo
"Das funções essenciais à Justiça", dentro do Título da Organização dos
Constituição de 1988 Poderes. Define as funções institucionais, as garantias e as vedações de seus
membros. Nesse período o MP ganha grande evidência, tornando-se uma
espécie de Ouvidor da sociedade brasileira.
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Um pouco de história do Ministério Público do Trabalho. In: Revista do
16
Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. Ano VII, n.º 13, mar. 1997, p. 25.
criado o Departamento Nacional do Trabalho (DNT), sendo designado um Procurador-
Geral para o seu funcionamento.
17
Cada Conselho Regional possuía 05 membros, dos quais apenas o presidente deveria ser juiz ou bacharel em direito.
Com o Decreto-lei n.º 2.852/40, a Procuradoria do Trabalho passou a denominar-
se Procuradoria da Justiça do Trabalho. A respeito do perfil institucional e das funções que
eram atribuídas à Procuradoria do Trabalho à época, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
FILHO18 esclarece:
18
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Um pouco de história do Ministério Público do Trabalho. Revista do
Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. ano VII, n. 13, mar. 1997. Semestral, p.
27-28.
19
Os quatro Procuradores do Trabalho que integravam a comissão para elaboração da CLT eram: Arnaldo Süssekind,
Luiz Augusto do Rego Monteiro, Segadas Vianna e Dorval Lacerda.
Como se nota, o MPT não foi configurado na CLT como órgão autônomo e
independente, como nos dias de hoje, uma vez que era constituído por agentes diretos do
Poder Executivo (art. 736 da CLT) e era integrado, inicialmente, pela Procuradoria da
Justiça do Trabalho e pela Procuradoria da Previdência Social (artigo 737 da CLT), ambas
subordinadas ao Ministro do Estado:
Por sua vez, de acordo com a CLT, a Procuradoria da Justiça do Trabalho era
organizada da seguinte forma (art. 740, da CLT)20: 1) Procuradoria-Geral, que
funcionava junto ao Tribunal Superior do Trabalho e era constituída por um Procurador
Geral e por procuradores do Trabalho; 2) Procuradorias Regionais, que funcionavam
junto aos Tribunais Regionais do Trabalho e subordinadas diretamente ao procurador-
geral. Compunham-se de 1 (um) procurador regional, auxiliado, quando necessário, por
procuradores adjuntos.21
Nessa época não havia concurso público para ingresso na carreira. Para assumir o
cargo de Procurador-Geral, era necessário ser “bacharel em ciências jurídicas e sociais, que
tenha exercido, por 5 (cinco) ou mais anos, cargo de magistratura ou de Ministério Público,
ou a advocacia” (artigo 744, da CLT). Para nomeação como procurador, bastava o
exercício da advocacia por mais de 2 anos (CLT, artigo 745).
20
Art. 740 da CLT. A Procuradoria da Justiça do Trabalho compreende: a) 1 (uma) Procuradoria-Geral, que
funcionará junto ao Tribunal Superior do Trabalho; b) 8 (oito) Procuradorias Regionais, que funcionarão junto aos
Tribunais Regionais do Trabalho.
21
Art. 742 da CLT. A Procuradoria-Geral é constituída de 1 (um) procurador-geral e de procuradores. Parágrafo
único. As Procuradorias Regionais compõem-se de 1 (um) procurador regional, auxiliado, quando necessário, por
procuradores adjuntos.
22
Um pouco antes da Constituição de 1946, o Decreto-lei n.º 9.797/1946 já havia desenhado a estrutura judicial da
Justiça do Trabalho como integrante do Poder Judiciário, além de ter alterado o nome do CNT para Tribunal
Superior do Trabalho e os CRTs para Tribunais Regionais do Trabalho. Também, mesmo antes de 1946, conforme
União (Lei n.º 1.341/51), que se ramificava em Ministério Público Federal, Militar,
Eleitoral e do Trabalho. O MPU pertencia ao Poder Executivo.
esclarece IVES GANDRA, o STF já reconhecia à Justiça Laboral como integrante do Poder Judiciário, embora ainda se
enquadrasse como instância administrativa.
23
Art. 128. O Ministério Público abrange: I - o Ministério Público da União, que compreende: a) o Ministério
Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar; d) o Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios; II - os Ministérios Públicos dos Estados.
Ainda, é importante destacar que, embora a Lei Complementar n.º 75/93 disponha
sobre a organização, as atribuições e o estatuto do MPU, a Lei n.º 8.625/93 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público), a CLT, a Lei de Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85), o
Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Código de Processo Civil (CPC), o Código
Civil (CC), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estatuto do Idoso (Lei
10.741/2003), a Lei 13.024/201424, entre outras, complementam a regulamentação da
carreira do MPT.25
24
Esta lei trata do exercício cumulativo de ofícios pelos membros do MPU.
25
CARNEIRO, Ricardo José das Mercês. Manual do procurador do trabalho: teoria e prática. 2. ed. Salvador:
Juspodivm, 2017, p. 28.
Promulgada a Lei Orgânica do Ministério Público da União. Integração do
1951
MPT ao MPU. Exigência de concurso público para ingresso na carreira
Constituição de 1988. Autonomia do MPT. O MPT é previsto como órgão
1988
especializado do MPU.
1993 Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n.º 75/93)
2 Regime Jurídico
Outro argumento que reforça a natureza de cláusula pétrea pode ser extraído do
próprio caput do artigo 127 da CR/88 que expressamente atribui ao Ministério Público a
defesa do regime democrático. O regime democrático é um princípio constitucional que
também é cláusula pétrea, cuja inobservância inclusive rende ensejo à intervenção da União
nos Estados e no Distrito Federal (artigo 34, VII, “a”, da CR/88). Ora, se à instituição
ministerial incumbem defender o regime democrático, torna-se inquestionável a sua
inserção no rol das cláusulas pétreas. Portanto, o Ministério Público é cláusula pétrea
sobretudo em razão da sua destinação constitucional: defesa da ordem jurídica e,
especialmente, do regime democrático, pois a democracia é da essência do Estado brasileiro
(artigo 1º, caput, da CR/88).
Por fim, importa observar que o Ministério Público também é instituição essencial
à Justiça, cujo núcleo essencial também é imune ao exercício do poder constituinte
derivado. Por consequência lógica, se o Ministério Público exerce função essencial à Justiça
e sendo esta cláusula pétrea, também o é a instituição ministerial.
Como se nota, a previsão acima disse mais do que devia, devendo o intérprete se
valer da chamada interpretação restritiva. Contudo, também diz menos do que devia,
porque o Ministério Público exerce inúmeras funções não vinculadas à prestação
jurisdicional, tais como a atuação em inquérito civil, audiências públicas e administrativas
etc.
26
MAZZILLI, Hugo Nigro. A atuação do Ministério Público no processo civil. In: Revista Síntese de Direito Civil e
Processual Civil. Volume 73. SetSão Paulo: Síntese, 2011.
das normas, tampouco os interesses privados das partes. Seja como órgão agente, seja como
custos iuris, o Ministério Público deverá sempre atuar de forma imparcial.
Nesse sentido, HUGO NIGRO MAZZILLI corretamente afirma que se a lei violada se
relacionar com defesa do regime democrático, com a defesa de interesses sociais e com a
defesa de interesses individuais indisponíveis do indivíduo ou da sociedade – esses os
objetos finalísticos da atuação institucional – estará aí aberto o campo da atuação do
Ministério Público. Entretanto, se a lei violada disser respeito a um direito disponível, ou a
um interesse que não tenha suficiente abrangência ou expressão social, não haverá causa
bastante nem para a ação nem para a intervenção do Ministério Público.27
Por fim, o artigo 127, caput, da CR/88 impôs como incumbência do Ministério
Público a defesa “dos interesses sociais e individuais indisponíveis” que, em outros
termos, são os interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos e os direitos individuais
indisponíveis, todos eles merecedores de especial proteção.
27
Idem.
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica
base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
28
TST – Ag-ED-ARR-1146-28.2011.5.01.0070, 7ª Turma, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandao, DEJT
19/12/2022.
29
TST – RR-10061-77.2013.5.15.0047, 2ª Turma, Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, DEJT 03/05/2019.
relevante o bem jurídico cuja proteção é intentada.30 Uma controvérsia é socialmente
relevante quando transcende os interesses patrimoniais dos interessados, repercutindo em
toda a sociedade.
Sobre o tema, podem ser destacados alguns casos julgados pelo STF sobre a
legitimidade do parquet. No caso das mensalidades escolares, o STF, no RE 163.231, de
relatoria do Min. Maurício Corrêa, cujo objeto era a cobrança abusiva ou ilegal de
mensalidades escolares, entendeu ter o MP legitimidade para impugnar por via da ação civil
pública (ACP) direitos individuais homogêneos, quando houver relevância social, uma vez
que são subespécies dos direitos coletivos, como dispõe o artigo 129, III, da CR/88.
30
STJ – AREsp 1.325.652/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de
11/11/2022.
31
REsp 1480250/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/08/2015, DJe 08/09/2015
de direito coletivo no sentido estrito e adotou-se a tese de que a circunstância de a demanda
envolver infortúnio ocorrido com um único trabalhador não implica a limitação da
abrangência do direito postulado pelo Parquet, pois o infortúnio grave de um trabalhador
aponta para o descumprimento das normas de medicina e segurança do trabalho, afetando
toda a coletividade de trabalhadores da empresa.32
32
TST – E-ED-RR-98900-06.2008.5.03.0074, SbDI-1, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, acórdão publicado no
DEJT de 25/11/2016.
33
Por se tratar de direitos subjetivos individuais, mas com um traço de homogeneidade, devido a sua origem comum,
há autores que os classificam como direitos “acidentalmente coletivos”, podendo seus titulares, caso prefiram, buscar
individualmente a tutela judicial. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou
difusos. São Paulo: Saraiva, 198, p. 19).
seus ramos, que formaria um verdadeiro Ministério Público Nacional, chefiado pelo
Procurador-Geral da República. Essa unidade finalística e funcional não se confunde com
a divisão administrativa do órgão.
[...] não podem receber ordens funcionais como proponha a ação, ou recorra, ou
sustente esta tese e não aquela. Entretanto, quando se trate da prática dos atos da
atividade-meio, aqui devem seguir as instruções e regulamentos das autoridades
administrativas competentes, como ao realizar despesas orçamentárias, ao expedir
atos de promoções ou remoções etc. Os órgãos do Ministério Público não estão
obrigados a observar atos normativos, resoluções, portarias, instruções, ordens de
serviço ou quaisquer comandos nem mesmo dos órgãos superiores da
34
ADPF 388, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 09/03/2016, DJe 01/08/2016.
administração no que diga respeito ao mérito do que devam ou não fazer nos atos
da atividade-fim; aqui, é irrestrita a liberdade funcional.35
35
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2014, págs. 137-138.
36
ADI 5505, Rel. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2020, DJe 30/04/2020,
pois independência funcional não significa que os atos praticados no âmbito da atividade
finalística estejam imunes a qualquer controle.
Nesse sentido, os membros do Ministério Público não devem se pautar pela defesa
de convicções e interesses pessoais, sejam eles de qual natureza forem. Por isso, devem atuar
na defesa e proteção dos interesses que transcendam a individualidade. Outrossim, a
atuação ministerial não pode ocorrer de maneira contraditória, sob pena de se violar o
princípio da unidade institucional. Como se nota, a independência funcional deve se
pautar pelas ideias de unidade institucional e proteção do interesse público primário.
37
GOULART, Marcelo Pedroso. Elementos para uma teoria geral do Ministério Público. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2013, p. 136
38
CAMBI, Eduardo. Op. cit.
Partindo-se da premissa de que o princípio da independência funcional está
intrinsicamente relacionado à atividade finalística dos membros do Ministério
Público, há quem defenda a impossibilidade do controle externo, pelo CNMP, dos agentes
ministeriais por atos praticados no exercício de suas funções. Contudo, pensar assim é
transformar a independência funcional em garantia intransponível de proteção da atuação
do agente ministerial. Por isso, debate-se no âmbito do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) o caráter absoluto ou relativo do princípio da independência
funcional. Em algumas situações, o próprio CNMP possui decisões mitigando a rigidez do
princípio da independência funcional.
39
CAMBI, Eduardo. Princípio da independência funcional e planejamento estratégico do Ministério Público. In:
Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro. n. 57, jul./set., 2015.
resolução do CNMP para esclarecer que deve ser referendada, pelo órgão de revisão
competente, a decisão do membro do Parquet que conclui, após a instauração do inquérito
civil ou do respectivo procedimento preparatório, ser este ou aquele de atribuição de outro
ramo do Ministério Público. Para o STF, o regramento se insere na ambiência da
estruturação administrativa da instituição e não viola o princípio da independência
funcional, eis que é com ele compatível e, também, com o princípio da unidade, nos termos
do artigo 127, § 1º, CRFB.40
STF – ADI 5434, Relator(a): Alexandre de Moraes, Relator(a) p/ Acórdão: Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado
40
41
Art. 61, § 1º, inciso II, da CR/88 – “São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham
sobre: d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a
organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.”.
42
Art. 128, § 5º, da CR/88 – “Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos
Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas,
relativamente a seus membros.”.
43
Art. 127, § 2º, da CR/88 – “Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo,
observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares,
provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a
lei disporá sobre sua organização e funcionamento.”.
República e o Procurador Geral para a iniciativa das leis (art. 61, § 1º, II, “d” e art. 128, §
5º, ambos da CR/88).
2.4.1 Garantias
O artigo 128, § 5º, da CR/88 impõe que as leis complementares da União e dos
Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a
organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas,
relativamente a seus membros as seguintes garantias: a) vitaliciedade, após dois anos
de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão
colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus
membros, assegurada ampla defesa; c) irredutibilidade de subsídio.
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 94.
44
45
Não se pode confundir a vitaliciedade com a estabilidade. Esta última é assegurada ao servidor público regido pela
Lei n.º 8.112/90 e é adquirida após o estágio probatório de três anos (art. 41, da CR/88).
membro do Ministério Público do Trabalho que não cumprir as condições do estágio
probatório.”. Por sua vez, compete ao Conselho Superior do Ministério Público do
Trabalho “decidir sobre o cumprimento do estágio probatório por membro do Ministério
Público do Trabalho, encaminhando cópia da decisão ao Procurador-Geral da República,
quando for o caso, para ser efetivada sua exoneração” (artigo 98, XVI, da LC n.º 75/1993).
46
Antes da EC n.º 45 de 2004 o quórum previsto era de 2/3 dos membros.
47
Art. 5º, LIII, da CR/88 – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Art. 39, § 4º – O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros
de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados
exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de
qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra
espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
48
A garantia constitucional da irredutibilidade do estipêndio funcional traduz conquista jurídico-social outorgada,
pela Constituição da República, a todos os servidores públicos (CR/88, art. 37, XV), em ordem a dispensar-lhes
especial proteção de caráter financeiro contra eventuais ações arbitrárias do Estado. Essa qualificada tutela de ordem
jurídica impede que o poder público adote medidas que importem, especialmente quando implementadas no plano
infraconstitucional, em diminuição do valor nominal concernente ao estipêndio devido aos agentes públicos. (ADI
2.075 MC, Rel. Min. Celso de Mello, 7/2/2001, DJ de 27/6/2003).
565089, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Roberto
Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2019, Publicação 28/04/2020).
2.4.2 Prerrogativas
I - Institucionais:
a) sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou
presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem49;
b) usar vestes talares50;
c) ter ingresso e trânsito livres, em razão de serviço, em qualquer recinto público ou
privado, respeitada a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio;
d) a prioridade em qualquer serviço de transporte ou comunicação, público ou
privado, no território nacional, quando em serviço de caráter urgente;
e) o porte de arma, independentemente de autorização;
f) carteira de identidade especial, de acordo com modelo aprovado pelo
Procurador-Geral da República e por ele expedida, nela se consignando as
prerrogativas constantes do inciso I, alíneas c, d e e do inciso II, alíneas d, e e f, deste
artigo;
II - Processuais:
a) do Procurador-Geral da República, ser processado e julgado, nos crimes comuns,
pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Senado Federal, nos crimes de
responsabilidade;
49
Esta prerrogativa é assegurada independentemente de o membro estar atuando como agente ou como fiscal da
ordem jurídica. Justifica-se porque o Ministério Público não é parte interessada no processo, não atua em defesa de
interesse próprios, mas com imparcialidade, na defesa da ordem jurídica e do interesse público.
50
Vestes talares faz alusão a talus (calcanhar, em latim), que é até onde chega o comprimento da toga.
b) do membro do Ministério Público da União que oficie perante tribunais, ser
processado e julgado, nos crimes comuns e de responsabilidade, pelo Superior
Tribunal de Justiça;
c) do membro do Ministério Público da União que oficie perante juízos de primeira
instância, ser processado e julgado, nos crimes comuns e de responsabilidade, pelos
Tribunais Regionais Federais, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
d) ser preso ou detido somente por ordem escrita do tribunal competente ou em
razão de flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata
comunicação àquele tribunal e ao Procurador-Geral da República, sob pena de
responsabilidade;
e) ser recolhido à prisão especial ou à sala especial de Estado-Maior, com direito a
privacidade e à disposição do tribunal competente para o julgamento, quando
sujeito a prisão antes da decisão final; e a dependência separada no estabelecimento
em que tiver de ser cumprida a pena;
f) não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no parágrafo único
deste artigo;
g) ser ouvido, como testemunhas, em dia, hora e local previamente ajustados com
o magistrado ou a autoridade competente51;
h) receber intimação pessoalmente nos autos em qualquer processo e grau de
jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar52.
Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de
infração penal por membro do Ministério Público da União, a autoridade policial,
civil ou militar, remeterá imediatamente os autos ao Procurador-Geral da
República, que designará membro do Ministério Público para prosseguimento da
apuração do fato.
51
Destaque-se que o procurador do trabalho não poderá testemunhar sobre fatos que tenha tomado conhecimento
em razão de sua investigação, uma vez que é vedado aos juízes, promotores e advogados testemunharem sobre fatos
que tenham conhecimento em razão do ofício. Por sua vez, se tiverem conhecimento pessoal dos fatos, estarão
impedidos de atuar nesse procedimento. (FLEURY, Ronaldo Curado. Breves considerações sobre as prerrogativas e
vedações dos membros do Ministério Público da união e sobre as atribuições do Conselho Superior do Ministério Público
do Trabalho. In: CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho.
v. 1. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 48).
52
Nos termos dos artigos 180 e 183 do CPC, a intimação pessoal será feita por carga, remessa ou meio eletrônico.
Nesse sentido, a Resolução n.º 136 do CSJT, em seu art. 23, § 1º, estabelece que as notificações “que viabilizem o acesso
à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais”.
Art. 20. Os órgãos do Ministério Público da União terão presença e palavra
asseguradas em todas as sessões dos colegiados em que oficiem.
2.4.3 Vedações
Art. 128 [...] § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é
facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as
atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a
seus membros: [...] II - as seguintes vedações:
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou
custas processuais;
b) exercer a advocacia;
c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo
uma de magistério;
e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei.
e) exercer atividade político-partidária;
f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.
Por sua vez, o artigo 237 da LC n.º 75/93 estabelece que é vedado ao membro do
Ministério Público da União:
53
O art. 29, §3º, do ADCT estabelece que a vedação não se aplica a membros admitidos antes da CR/88, que puderam
optar pelo regime anterior no que respeita às garantias e vantagens. Nesse sentido, a Resolução n.º 08/2006 do CNMP
esclarece que, para tanto, o membro deveria integrar a instituição na data da promulgação do dispositivo e ter
permanecido regularmente inscrito na OAB, não podendo atuar em processos que tenham a intervenção do
Ministério Público de qualquer dos ramos (Ministérios Públicos dos Estados e da União). Ainda, a Resolução veda a
orientação jurídica de terceiros dissociadas as atividades finalísticas do MP. Nesse sentido, EMERSON GARCIA defende
que “ainda que filantrópicos sejam os objetivos almejados, aos membros do Ministério Público é vedado, em situações
dissociadas de suas atividades e que não se limitem ao mero encaminhamento ao órgão com atribuição, a orientação
jurídica de terceiros”. (GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 5. ed. São
Paulo Saraiva, 2015, p. 682).
54
Não pode o membro do parquet participar na direção, gerência ou administração de sociedade comercial, sendo
admitida a participação apenas como quotista ou acionista. Assim, “são compatíveis com a vedação ora analisada todos
os tipos societários em que o capital seja subdividido em contas e a função de sócio gerente não seja exercida pelo agente”.
Também a Resolução n.º 18/2017 do CNMP veda o exercício de cargo de direção e administração em Cooperativas
de Crédito, exceto aquelas constituídas para prestar serviços aos membros do Ministério Público. A vedação engloba
o recebimento de remuneração, através de honorários ou jetons, aos membros do Ministério Público integrantes de
Cooperativa de Crédito.
55
Os membros do Ministério Público não podem ocupar outra função pública fora do âmbito da Instituição, salvo
uma de magistério ou no caso dos optantes a que se refere o art. 29, §3º do ADCT. Impende destacar que não há
vedação ao exercício do magistério em instituições privadas, por não se tratar de uma função pública, conforme a
V - exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e o direito de afastar-
se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer.
Observe-se que não foi estabelecida uma regra de transição. Assim, os membros que
entraram após a CR/88 e antes da EC n.º 45/2004 também não podem exercer atividade político-
partidária.58
vedação constitucional. Nesse sentido, a Resolução 73 do CNMP. Destaca-se, ainda, que o cargo ou função de direção
nas entidades de ensino não é considerado exercício de magistério, sendo vedado. Contudo, poderá o membro ocupar
cargo de confiança que integre a administração da própria instituição ou órgão auxiliares, porque inerente à função
do MP. (ADI 2.622, rel. min. Cezar Peluso, j. 10/11/2011, p. DJE de 16/2/2012)
56
FLEURY, Ronaldo Curado Fleury. Breves considerações sobre as prerrogativas e vedações dos membros do Ministério
Público da união e sobre as atribuições do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique,
MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 54.
57
Nesse sentido: "A filiação político-partidária, a disputa e o exercício de cargo eletivo pelo membro do Ministério
Público somente se legitimam acaso precedida de afastamento de suas funções institucionais, mediante licença." (ADI
2.534-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 15-8-2002, Plenário, DJ de 13/6/2003.)
58
“Não há, efetivamente, direito adquirido do membro do Ministério Público a candidatar-se ao exercício de novo
mandado político. O que socorre a recorrente é o direito atual – não adquirido no passado, mas atual – a concorrer a
nova eleição e ser reeleita, afirmado pelo art. 14, § 5º, da CR/88. Não há contradição entre os preceitos contidos no §
5º do art. 14 e no art. 128, § 5º, II, e, da CR/88. A interpretação do direito e da Constituição não se reduz a singelo
exercício de leitura dos seus textos, compreendendo processo de contínua adaptação à realidade e a seus conflitos. A
ausência de regras de transição para disciplinar situações fáticas não abrangidas por emenda constitucional demanda a
análise de cada caso concreto à luz do direito enquanto totalidade. A exceção é o caso que não cabe no âmbito de
normalidade abrangido pela norma geral. Ela está no direito, ainda que não se encontre nos textos normativos de
direito positivo. Ao Judiciário, sempre que necessário, incumbe decidir regulando também essas situações de exceção.
Ao fazê-lo, não se afasta do ordenamento”. (RE 597.994, rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, j. 4/6/2009, DJE de 28/8/2009,
Tema 172).
vedação da atividade político-partidária e o uso das redes sociais e do e-mail institucional. A norma
estabelece diretrizes sobre a liberdade de expressão e a vedação de atividade político-partidária pelos
membros do ministério público, bem como, em um segundo momento, diretrizes sobre a
liberdade de expressão, a manifestação em redes sociais e o uso de e-mail funcional por membros
do ministério público.59
2.4.4 Deveres
Nos termos do artigo 236 da LC n.º 75/93, o membro do Ministério Público da União,
em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu
exercício e especialmente:
59
A leitura da norma é altamente recomendável, especialmente para a segunda fase do concurso. Documento
disponível no link a seguir: <https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Recomenda%C3%A7%C3%A3o_01-2016_-
_ap%C3%B3s_altera%C3%A7%C3%B5es.pdf> Acesso em 26.12.2022.
I - o Procurador-Geral do Trabalho;
II - o Colégio de Procuradores do Trabalho;
III - o Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho;
IV - a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho;
V - a Corregedoria do Ministério Público do Trabalho;
VI - os Subprocuradores-Gerais do Trabalho;
VII - os Procuradores Regionais do Trabalho;
VIII - os Procuradores do Trabalho.
Além dos órgãos, o artigo 86 da LC n.º 75 de 1993 prevê que a carreira do Ministério
Público do Trabalho será constituída pelos seguintes cargos: a) Subprocurador-Geral do
Trabalho; b) Procurador Regional do Trabalho; c) Procurador do Trabalho.
É importante notar que para ser indicado e nomeado como PGT não é necessário
ser Subprocurador-Geral do Trabalho, ou seja, não é necessário integrar o último grau da
carreira. Logo, um Procurador do Trabalho, no nível inicial da carreira, pode ser nomeado
Procurador Geral do Trabalho.
60
Vale lembrar que o Procurador-Geral do Trabalho preside não só o Colégio de Procuradores do Trabalho, mas
também o Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho – CSMPT e a Comissão de Concursos.
Para os fins previstos acima, prescindir-se-á de reunião do Colégio de Procuradores,
procedendo-se segundo dispuser o seu Regimento Interno, exigido o voto da maioria
absoluta dos eleitores. Excepcionalmente, em caso de interesse relevante da Instituição, o
Colégio de Procuradores reunir-se-á em local designado pelo Procurador-Geral do
Trabalho, desde que convocado por ele ou pela maioria de seus membros. O Regimento
Interno do Colégio de Procuradores do Trabalho disporá sobre seu funcionamento.
COMPOSIÇÃO DO CSMPT
Membros Natos PGT e o Vice-PGT.
4 Subprocuradores-Gerais do Trabalho. Mandato de 2 anos.
Eleitos pelo Colégio
Permitida uma reeleição. Eleição por voto plurinominal,
de Procuradores
facultativo e secreto.
Eleitos pelos 4 Subprocuradores-Gerais do Trabalho. Mandato de 2 anos.
Subprocuradores- Permitida uma reeleição. Eleição por voto plurinominal,
Gerais do Trabalho facultativo e secreto.
As deliberações relativas aos incisos I, alíneas “a” e “e”, XI, XIII, XIV, XV e XVII
somente poderão ser tomadas com o voto favorável de 2/3 (dois terços) dos membros do
Conselho Superior.
Observe-se que a decisão sobre remoção de membro, com base na CR/88, após
alterações promovidas pela EC n.º 45/2004, é decidida por maioria absoluta (art. 93, VIII,
da CR/88). Ademais, a perda do cargo do membro em estágio probatório deverá ser
deliberada pelo voto da maioria absoluta dos membros do CSMPT (artigo 198 da LC n.º
75/93). Em caso de empate, prevalecerá o voto do Presidente, exceto em matéria de sanções,
caso em que prevalecerá a solução mais favorável ao acusado.
61
O PGT é quem elabora a proposta orçamentária e encaminha ao PGR após a aprovação do CSMPT.
Nos termos do artigo 103 da LC n.º 75 de 1993, compete à Câmara de Coordenação
e Revisão do Ministério Público do Trabalho:
Contudo, na decisão do ACO n.º 843, sobre o mesmo tema, definiu-se que a
competência para resolver o conflito de atribuições é do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP), por se tratar de controle da atuação administrativa e financeira do
Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Ainda,
estabeleceu-se que o PGR não poderia definir o conflito de atribuições, uma vez que é parte
interessada na resolução do conflito e por não haver uma relação de hierarquia e
subordinação.
O MPT exerce suas atribuições junto aos órgãos da Justiça Trabalho, que estão
listadas no artigo 83 da LC n.º 75/93. Ainda, podem os membros do parquet trabalhista
atuar em litisconsórcio com outros ramos do MPU e do MP dos Estados perante os órgãos
do Poder Judiciário, conforme facultado pelo artigo 5º, 5º da Lei n.º 7.347/85.62 Neste
norte tem se orientado o Supremo Tribunal Federal:
62
Art. 5º, § 5° – Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal
e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.
3 Instrumentos de atuação
A atuação judicial do MPT, seja como parte, seja como custos legis, poderá se dar
em todos os graus de jurisdição. Judicialmente, como parte, o MPT poderá atuar, por
exemplo, em ações civis públicas e ações coletivas; ações anulatórias de convenções ou
acordos coletivos de trabalho; ações para defesa de direitos de menores, incapazes e índios;
revisão das Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST e dos TRTs; dissídios coletivos
de greve; mandados de injunção, quando a competência for da Justiça do Trabalho etc.
63
LACERDA, Rosângela Rodrigues Dias de. Ministério Público do Trabalho. In: Enciclopédia jurídica da PUC-SP.
Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito do Trabalho
e Processo do Trabalho. Pedro Paulo Teixeira Manus e Suely Gitelman (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/389/edicao-
1/ministerio-publico-do-trabalho> Acesso em 27/12/2022.
3.1 Atuação Judicial como parte
Nos termos do artigo 83, inciso III, da LC n.º 75 de 1993, compete ao Ministério
Público do Trabalho promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para
defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos.
A Ação Civil Pública é disciplinada pela Lei n.º 7.347 de 1985. Mas, se aplica à ação
civil pública, naquilo em que não contrarie as disposições da LACP, o Código de Processo
Civil. Portanto, o CPC tem aplicação subsidiária.64 Mas, em se tratando de ACP ajuizada
perante a Justiça do Trabalho, devem ser observadas prioritariamente, em detrimento das
regras processuais comuns, as disposições processuais celetistas.
64
A jurisprudência do STJ pacificou orientação de que o CPC só se aplica de forma subsidiária ao microssistema de
tutela coletiva, desde que não afronte os princípios do processo coletivo. Nesse sentido: REsp 1.217.554/SP, Rel.
Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 15/8/2013, DJe 22/8/2013.
65
1. Em ACP na qual se objetiva a responsabilização por desmatamento da Floresta Amazônica, o Tribunal Regional
manteve o indeferimento da petição inicial, ao entendimento de que era imprescindível o exaurimento das tentativas
de identificação dos réus, mediante fiscalização in loco, para fins de autorizar a citação por edital. [...] 3. No desiderato
de buscar a reparação do dano ao meio ambiente, foram propostas diversas ações civis públicas contra os responsáveis
pelos desmatamentos ilegais com área de mais de 60 hectares registrados entre 2015 e 2016. 4. Para identificar os
responsáveis pela degradação ambiental, os postulantes se valeram de imagens de satélite do INPE e da consulta aos
cadastros de dados públicos fundiários (Sistema de Gestão Fundiária - SIGEF, Sistema Nacional de Certificação de
Imóveis - SNCI e Programa Terra Legal, todos do INCRA) e ambientais (Cadastro Ambiental Rural - CAR), sendo
que, em algumas das demandas, como na presente, isso não foi possível, o que justificou o pedido de citação por edital.
5. De acordo com o art. 256 do CPC/2015, são três as hipóteses admitidas na lei processual para o chamamento
editalício: a) quando o citando for desconhecido ou incerto (inciso I); b) quando for ignorado, incerto ou
inacessível o lugar em que se encontrar o citando (inciso II) e c) nas hipóteses expressamente previstas em lei (inciso
III). 6. Na citação ficta do réu desconhecido ou incerto (inciso I do art. 256), o CPC de 2015 não exige as
formalidades adicionais requeridas para o caso do inciso II do mesmo preceptivo, quais sejam, a divulgação
pelo rádio e a requisição de informações sobre endereço nos cadastros de órgãos públicos e concessionários. 7.
Enquanto no caso do inciso I do preceito acima, a identidade do citando é inteiramente desconhecida do autor, na
citação por edital em que o citando se acha em local inacessível (art. 256, § 2º) ou "em local ignorado ou incerto" (art.
256, § 3º), sua identificação é conhecida, mas não seu paradeiro. 8. No caso dos autos, dada a impossibilidade de
nominar e qualificar os responsáveis pelos danos ambientais constatados pelo "Projeto Amazônia Protege", é possível
o chamamento citatório pela modalidade editalícia do inciso I do art. 256 do CPC/2015, sem a necessidade de
exaurimento de diligências in loco para esse fim, bastando as medidas de identificação já tomadas pelos autores. 9.
Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. (AREsp n. 1.696.837/RO, relator Ministro Gurgel de
Faria, Primeira Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 24/8/2021).
Antes de prosseguir na análise da Ação Civil Pública, é preciso um alerta: não se
deve confundir ação civil pública com ação coletiva. Ação civil pública é um exemplo
de ação coletiva. Há diversos outros procedimentos para a tutela coletiva, sendo o
procedimento da ação civil pública apenas um deles. Assim, são exemplos de outros
procedimentos especialmente criados para servir às causas coletivas a ação popular, o
mandado de segurança coletivo, as ações coletivas para defesa de direitos individuais
homogêneos (artigos 91 a 100 do CDC), a ação de improbidade administrativa etc. Alguns
autores defendem que também as ações de controle concentrado de constitucionalidade
podem ser vistas como modalidades de tutela coletiva.66
O artigo 129, inciso III, da CR/88 prevê que são funções institucionais do
Ministério Público, dentre outras, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos”. No mesmo sentido, o artigo 83, inciso III, da LC n.º 75/93, prevê que compete
ao MPT promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de
66
DIDIER JÚNIOR, Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Conceito de processo jurisdicional coletivo. In: Revista do
Ministério Público do Rio de Janeiro: MPRJ, n. 53, jul./ set. 2014, pág. 57.
67
REsp 1374232/ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017.
interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos.
3.1.1.2 Legitimados
O artigo 5º da Lei n.º 7.347/85 trata da legitimidade para propor a ação civil pública,
seja a principal, seja a de natureza cautelar, nos seguintes termos:
68
A legitimidade ativa da Defensoria Pública nas ações coletivas não se verifica mediante comprovação prévia e
concreta da carência dos assistidos. Ainda que o provimento beneficie públicos diversos daqueles necessitados, a
hipótese não veda a atuação da Defensoria. Esta se justifica pela mera presença teórica de potenciais assistidos entre os
beneficiados. Precedentes do STF em julgamentos vinculantes (ADI e Repercussão Geral). (REsp 1.847.991/RS, rel.
Min. Og Fernandes, 2ª Turma, j. 16/8/2022, DJe de 19/12/2022).
69
O STJ entende que Município possui legitimidade para defesa dos consumidores. O propósito do presente
recurso especial é determinar se o Município de Brusque tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública
em defesa de direitos consumeristas, questionando a cobrança de tarifas bancárias de “renovação de cadastro”. O traço
que caracteriza o direito individual homogêneo como coletivo - alterando sua disponibilidade - é a eventual presença
de interesse social qualificado em sua tutela, correspondente à transcendência da esfera de interesses puramente
particulares pelo comprometimento de bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação importa à
comunidade como um todo. A ação civil coletiva em que se defendem interesses individuais homogêneos se desdobra
em duas fases: a) a primeira, caracterizada pela legitimidade extraordinária, na qual são definidos, em sentença genérica,
os contornos homogêneos do direito questionado; e b) a segunda, onde impera a legitimidade ordinária, na qual são
estabelecidos a titularidade do direito e o quantum debeatur, essenciais à exequibilidade da primeira sentença. A
qualidade moral e técnica necessária para a configuração da pertinência temática e da representatividade adequada tem
íntima relação com o respeito das garantias processuais das pessoas substituídas, a legitimidade do provimento
jurisdicional com eficácia ampla e a própria instrumentalização da demanda coletiva, evitando o ajuizamento de ações
temerárias, sem fundamento razoável, ou propostas por motivos simplesmente políticos ou emulatórios. Em relação
ao Ministério Público e aos entes políticos, que tem como finalidades institucionais a proteção de valores
fundamentais, como a defesa coletiva dos consumidores, não se exige pertinência temática e representatividade
adequada. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem recusou legitimidade ao ente político em virtude de ter
considerado que o Município estaria defendendo unicamente os direitos do grupo de servidores públicos, por
entender que a proteção de direitos individuais homogêneos não estaria incluída em sua função constitucional e por
não vislumbrar sua representatividade adequada ou pertinência temática. Ainda que tenha sido mencionada como
causa de pedir e pedido a cobrança da tarifa de "renovação de cadastro" de servidores municipais, é certo que o direito
vindicado possui dimensão que extrapola a esfera de interesses puramente particulares dos citados servidores, o que é
suficiente para o reconhecimento da legitimidade do ente político para essa primeira fase da tutela coletiva de interesses
individuais homogêneos. 9. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1509586/SC, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018).
70
A legitimidade ativa na ação civil pública das pessoas jurídicas da administração pública indireta depende da
pertinência temática entre suas finalidades institucionais e o interesse tutelado. Da mesma forma que as associações, as
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e
social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência,
aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico.
§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará
obrigatoriamente como fiscal da lei.
§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos
deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação
legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
§ 4° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
§ 5º Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da
União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que
cuida esta lei.
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso
de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial.
pessoas jurídicas da administração pública indireta, para que sejam consideradas parte legítima no ajuizamento de ação
civil pública, devem demonstrar, dentre outros, o requisito da pertinência temática entre suas finalidades institucionais
e o interesse tutelado na demanda coletiva. (REsp n. 1.978.138/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta
Turma, DJe de 1/4/2022).
71
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas. São Paulo: LTr, 2003, p. 372.
Justiça do Trabalho pleiteando danos morais coletivos em razão do desrespeito às normas
ambientais trabalhistas.
Além disso, embora não previsto expressamente na LACP, boa parte da doutrina
sustenta que as associações devem demonstrar, além da pertinência temática e da pré-
constituição anuária, a chamada adequacy representation (representatividade
adequada).
De todo modo, o STJ entende que o juiz, ao analisar se uma associação tem
pertinência temática para propor ACP, deve adotar interpretação flexível e ampla:
Quando uma associação ajuizada uma Ação Civil Pública ela atua no feito na
qualidade de substituta processual e não em representação processual. Logo, não se
trata de ação representativa, – caso em que seria necessária autorização assemblear e rol de
substituídos –, pois os direitos tutelados não são individuais. É preciso muita atenção nessa
diferença, pois até mesmo muitos membros do MPT, Juízes e Advogados ignoram a
diferença entre as situações.
Com efeito, a parte final do artigo 82, inciso IV, do CDC é expressa em prever a
dispensa da “autorização assemblear” para o ajuizamento de ACP por associações. Com
efeito, se a associação atua na qualidade de substituta processual (e não em representação
processual), atua na esfera judicial na defesa dos interesses coletivos em geral, dispensando-
se a relação nominal dos afiliados e suas respectivas autorizações.
72
ADPF 165, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2018, Publicado em
01/04/2020.
A tese firmada pelo c. Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento do Tema
1.119 da Tabela de Repercussão Geral corrobora a prescindibilidade de autorização
assemblear quando se trata de substituição processual:
Esclareça-se que não se aplica às ACPs a tese firmada pelo c. Supremo Tribunal
Federal – STF no julgamento do RE 612.043 (Tema 499), pois a própria Suprema Corte
acolheu embargos de declaração no RE n. 612.043 para esclarecer que o entendimento nele
firmado alcança tão somente as ações coletivas submetidas ao rito ordinário, pois são
direitos meramente individuais, no qual o autor se limita a representar os titulares do direito
material, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio, o que não ocorre nas
ações civis públicas, nas quais há substituição processual.
73
Nesse sentido: REsp 1362022/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 28/04/2021, DJe
24/05/2021; AgInt nos EDcl no REsp 1787184/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, julgado
em 23/08/2021, DJe 26/08/2021; REsp 1.800.726/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em
02/04/2019, DJe 04/04/2019).
74
STF – ARE 1293130 RG, Relator(a): Ministro Presidente, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2020, Repercussão
Geral com mérito julgado, Divulg. 07.01.2021, Public. 08.01.2021; RE 612043 ED, Relator(a): Marco Aurélio,
Tribunal Pleno, julgado em 06/06/2018, DJe-157, Divulg. 03.08.2018, Public. 06.08.2018.
pedido contido na ação coletiva se refere aos interesses dos membros da associação, não
havendo interesses de terceiros75.
75
A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil
na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão
julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica
juntada à inicial do processo de conhecimento. (RE 612.043, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 10/5/2017, DJe 6/10/2017,
Tema 499).
76
AgInt no REsp 1841604/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22/04/2020,
DJe 27/04/2020
77
REsp 1865563/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado
em 21/10/2021, DJe 17/12/2021.
78
REsp 1.438.263/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria quanto à redação da tese, julgado em
24/03/2021. (Tema 948).
litigiosas de origem comum (art. 81, III, do CDC), que precisam ser solucionadas por
decisão judicial.
A exigência de que o autor arrole todas as ações judiciais ajuizadas pelos substituídos
é incompatível com o microssistema do processo coletivo, em que prevalece a repartição da
atividade cognitiva em duas fases, caracterizada pela limitação da cognição, num primeiro
momento, às questões fáticas e jurídicas comuns às situações dos envolvidos.
79
REsp 1395875/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/02/2014, DJe 07/03/2014.
80
É também a posição da Procuradora do Trabalho ROSANGELA RODRIGUES DIAS DE LACERDA: “Se um dos
legitimados coletivos interpuser (sic!) ACP e, no seu curso, decidir abandoná-la ou desistir da ação, há previsão legal para
que o MP assuma a titularidade da ação (art. 5º, §3º, da LACP). Esta assunção, contudo, não é obrigatória: como o
próprio dispositivo determina, deve ser analisado no caso concreto se o abandono ou desistência foram infundados; em
caso positivo, é função institucional do Ministério Público assumir a ação civil pública.”. (op. cit.).
81
ARE 798293 AgR, Relator(a): Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado em 08/09/2015, Publicado em
22/09/2015.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal reconhece a legitimidade ativa do
Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento de ação civil pública em que se
discutem temas relacionados à interesses difusos e coletivos de natureza trabalhista.
O STJ, por sua vez, já entendeu que o Ministério Público não tem legitimidade
para promover ACP pedindo que os proprietários de imóveis sejam desobrigados a pagar
taxa em favor de associação de moradores. Relembrou-se, no caso, que o Ministério
Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais
82
AgRg no REsp 1162946/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 04/06/2013, DJe
07/06/2013.
83
AgInt no REsp n. 1.709.093/ES, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 1/4/2022.
homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado
possua relevante natureza social. Contudo, no caso julgado, não havia relevância social na
ação civil pública, tendo em vista que a controvérsia a respeito da cobrança de taxa por
associação de moradores não transcende a esfera de interesse privado, devendo, portanto,
ser mantida a extinção do processo por ilegitimidade ad causam da promotoria pública.84
Por outro lado, entende o STF que o Ministério Público possui legitimidade
para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS. Na origem,
o parquet federal ajuizou ação civil pública que visa ao tratamento unificado ou à
unificação das contas vinculadas ao FGTS pertencentes a empregado que possui mais de
um vínculo laboral. Ao prover parcialmente embargos infringentes, o tribunal a quo
aduziu estar caracterizado direito individual homogêneo com forte conotação social. (RE
643978/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 9.10.2019 – Tema n.º 850).
84
REsp 1585794/MG, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021.
fornecimento de dados cadastrais dos correntistas contratantes de operações financeiras, a
fim de instruir ação civil pública.85
Por fim, quanto à legitimidade, o STF recentemente fixou uma das mais
importantes teses em Repercussão Geral envolvendo Ações Civis Públicas ajuizadas pelo
Ministério Público do Trabalho. Trata-se do julgamento do RE 629647/RR (Tema 1.004
RG), no qual foi fixada a seguinte tese:
“Em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho em face de
empresa estatal, com o propósito de invalidar a contratação irregular de pessoal,
não é cabível o ingresso, no polo passivo da causa, de todos os empregados
atingidos, mas é indispensável sua representação pelo sindicato da categoria.”
(RE 629647/RR, relator Ministro Marco Aurélio, redator do acórdão Min.
Alexandre de Moraes, julgado em 28.10.2022).
Com base nesse entendimento, o STF, por maioria, apreciando o Tema 1.004 da
repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário e julgou procedente o
pedido da ação rescisória para, em Juízo rescindente, desconstituir o acordo em apreço e,
em juízo rescisório, determinar a reabertura da instrução processual perante a vara do
Trabalho de origem, com a devida integração do sindicato à lide.
85
REsp 1611821/MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/06/2017, DJe 22/06/2017.
3.1.1.3 Objeto
O artigo 2º da Lei n.º 7.347/85 prevê que a competência para o julgamento da ACP
é do foro do local do dano, sendo esta competência de natureza absoluta, em que pese se
trate de competência territorial. Daí se falar em competência territorial-funcional. Este
é um ponto que passa despercebido na prática. Poucos se lembram que na Ação Civil
Pública a competência territorial é de natureza absoluta.
86
Art. 3º da Lei 7347/85 – A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer.
87
REsp 1279586/PR, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 03/10/2017, DJe 17/11/2017.
Combinando o artigo 2º da Lei n.º 7.347/85 com o artigo 93 do CDC, assim prevê
a OJ n.º 130 da SBDI-II do TST:
A regra do artigo 2º da Lei n.º 7.347/85 não é incompatível com o artigo 93 da Lei
n.º 8.078/1990, mas apenas se apresenta mais específico que aquele, posto que também se
baseia no dano para a aferição da competência, com a ampliação da redação para se referir
aos danos de âmbito regional ou nacional.
Em relação ao tema, o artigo 16 da Lei n.º 7.347/85, com redação dada pela Lei nº
9.494, de 10/9/1997, passou a prever que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes,
nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”. Todavia, o
referido artigo foi declarado inconstitucional pelo STF no julgamento do Recurso
Extraordinário n.º 1.101.937/SP, com repercussão geral reconhecida (Tema 1075), no qual
foi fixada a seguinte tese em caráter vinculante:
O STF pontuou que o artigo 16 da Lei n.º 7.347/85 confundia competência com
coisa julgada. A competência delimita o órgão da jurisdição responsável por processar e
julgar a ação; enquanto a coisa julgada se refere aos limites objetivos e subjetivos da decisão,
ou seja, a respeito da matéria e a extensão da decisão a todos, grupo, classe ou categoria de
lesados, de acordo com o interesse postulado.
88
Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 16 DA LEI 7.347/1985, COM
A REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.494/1997. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA
SENTENÇA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR. REPERCUSSÃO GERAL.
RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS. 1. A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses
difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para
garantir sua pela efetividade. 2. O sistema processual coletivo brasileiro, direcionado à pacificação social no tocante a
litígios meta individuais, atingiu status constitucional em 1988, quando houve importante fortalecimento na defesa
dos interesses difusos e coletivos, decorrente de uma natural necessidade de efetiva proteção a uma nova gama de
direitos resultante do reconhecimento dos denominados direitos humanos de terceira geração ou dimensão, também
conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade. 3. Necessidade de absoluto respeito e observância aos
princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional. 4. Inconstitucionalidade
do artigo 16 da LACP, com a redação da Lei 9.494/1997, cuja finalidade foi ostensivamente restringir os efeitos
condenatórios de demandas coletivas, limitando o rol dos beneficiários da decisão por meio de um critério territorial
de competência, acarretando grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, bem como
à total incidência do Princípio da Eficiência na prestação da atividade jurisdicional. 5. Recursos Extraordinários
desprovidos, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: "I - É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei
7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil
pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa
do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência
nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as
demandas conexas". (RE 1101937, Relator(a): Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2021,
Repercussão Geral – Mérito. Publicação 14/06/2021).
A competência, como visto, é regulada no artigo 2º da Lei n.º 7.347/85 e no artigo
93 do CDC, que a delimitam em razão do dano e de sua abrangência (local, regional,
nacional/supranacional). Por sua vez, a eficácia da sentença e a extensão da coisa julgada é
definida no artigo 103 do CDC, podendo ser erga omnes (em face de todos) ou ultra partes
(limitada ao grupo, classe ou categoria) a depender do interesse discutido (difusos, coletivos
ou individuais homogêneos).
3.1.1.5 Litispendência
O artigo 104 do CDC estabelece que não há litispendência entre as ações que
tutelam interesses difusos ou coletivos e as ações individuais:
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art.
81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa
julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior
não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua
suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento
da ação coletiva.
89
AgInt no REsp n. 1.996.276/PB, rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 5/9/2022, DJe de 9/9/2022.
individual for ajuizada anteriormente à ação coletiva. Em outros termos, a
providência do art. 104 do CDC somente é aplicável quando a ação coletiva é ajuizada
posteriormente à ação individual. Diferente é a situação na qual a demanda individual for
ajuizada após a demanda coletiva. Embora não haja óbice processual (litispendência) para
a propositura da ação individual posteriormente ao ajuizamento da ação coletiva, pois não
se configura a litispendência, afasta-se a possiblidade de se beneficiar do artigo 104 do
CDC.
Com efeito, nos termos da jurisprudência do STJ, a incidência do art. 104 do CDC
se dá em casos de propositura da ação coletiva após o ajuizamento de ações individuais, mas
não no caso de ação coletiva proposta antes da ação individual.90 Isso porque não é dado ao
jurisdicionado acionar simultaneamente a via individual ou coletiva para provocar a
jurisdição acerca da mesma questão de fato e de direito. É o que determina o art. 104, do
Código de Defesa do Consumidor, aplicável às demais ações coletivas, ex vi do art. 21, da
Lei 7347/85. Assim, a) se não houve requerimento expresso de suspensão da ação
individual ajuizada precedentemente à coletiva, ou b) se houver o ajuizamento posterior
dessa mesma ação individual, cessa a possibilidade de a demandante beneficiar-se da coisa
julgada formada no âmbito da ação coletiva.
90
REsp 1.857.769/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 17/06/2020.
91
REsp 1593142/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 07/06/2016, DJe
21/06/2016.
Ainda, a ausência de publicação do edital previsto no art. 94 do CDC, com vistas a
intimar os eventuais interessados da possibilidade de intervirem no processo como
litisconsortes, constitui vício sanável, que não gera nulidade apta a induzir a extinção da
ação civil pública, porquanto, sendo regra favorável ao indivíduo, como tal deve ser
interpretada.92 Por isso, o prazo prescricional para a execução individual é contado do
trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo desnecessária a providência de que trata
o art. 94 da Lei n. 8.078/90.93
Por fim, o STJ possui jurisprudência no sentido de que, embora não haja
litispendência, “ajuizada ação coletiva atinente a macrolide geradora de processos
multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação
coletiva.” (Informativo STJ n.º 527).96
92
REsp 1377400/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 18/02/2014, DJe 13/03/2014.
93
REsp 1388000/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, Primeira
Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 12/04/2016
94
REsp n. 1.751.667/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, DJe 1º/7/2021.
95
RR-102324-97.2019.5.01.0471, 7ª Turma, Rel. Min. Claudio Mascarenhas Brandão, DEJT 19/12/2022; E-RR-
18800-55.2008.5.22.0003, SbDI-1, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 16/03/2012.
96
REsp 1110549/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Segunda Seção, julgado em 28/10/2009, DJe 14/12/2009;
REsp 1353801/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/08/2013, DJe
23/08/2013.
3.1.1.6 Coisa julgada
O artigo 16 da Lei n.º 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 9.494, de 10/9/1997,
passou a prever que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com
idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
97
RE 1101937, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Pleno, j. 08/04/2021, Repercussão Geral – Mérito. DJe 14/06/2021.
98
STJ. Corte Especial. REsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 24/10/2016.
O STF pontuou que o artigo 16 da Lei n.º 7.347/85 confundia competência com
coisa julgada. A competência delimita o órgão da jurisdição responsável por processar e
julgar a ação; enquanto a coisa julgada se refere aos limites objetivos e subjetivos da decisão,
ou seja, a respeito da matéria e a extensão da decisão a todos, grupo, classe ou categoria de
lesados, de acordo com o interesse postulado.
Por sua vez, assim dispõem os artigos 103 e 104 do CDC, verbis:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa
julgada:
I – erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de
provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com
idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do
parágrafo único do art. 81; (interesses ou direitos difusos)
II – ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo
improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando
se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; (interesses
ou direitos coletivos)
III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas
as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
(interesses ou direitos individuais homogêneos)
§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses
e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.
§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os
interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão
propor ação de indenização a título individual.
§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da
Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por
danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista
neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores,
que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art.
81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa
julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior
não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua
suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento
da ação coletiva.
a) Direitos difusos: coisa erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente
por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova;
Por fim, como já foi dito acima (item 3.1.1.2), o STF, no julgamento do RE n.
612.043/PR (Tema n.º 499), em regime de repercussão geral, fixou o entendimento no
sentido de que a eficácia subjetiva da coisa julgada, formada a partir de ação coletiva, de
rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente
alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em
momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica
juntada à inicial do processo de conhecimento.
Contudo, o entendimento não se aplica para as Ações Civis Públicas, pois a própria
Suprema Corte acolheu embargos de declaração no RE n. 612.043/PR para esclarecer que
o entendimento nele firmado alcança tão somente as ações coletivas submetidas ao
rito ordinário, pois são direitos meramente individuais, no qual o autor se limita a
representar os titulares do direito material, atuando na defesa de interesses alheios e em
nome alheio, o que não ocorre nas ações civis públicas ou nos mandados de segurança
coletivo, nas quais há substituição processual. Portanto, nas ACPs a eficácia subjetiva
alcança a todos os beneficiados pela decisão e não somente os filiados. Nesse sentido:
Ainda sobre o tema da coisa julgada, o STJ já entendeu que é possível a atribuição
de efeitos erga omnes à sentença proferida em ação civil pública na qual se postula
medicamento para um paciente específico:
3.1.1.7 Liquidação
Outrossim, o artigo 98, caput, e seu § 1º, do CDC, dispõem: “Art. 98. A execução
poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as
vítimas cujas indenizações já tiveram sido fixadas em sentença de liquidação, sem
prejuízo do ajuizamento de outras execuções. § 1° A execução coletiva far-se-á com base em
certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do
trânsito em julgado. [...]”.
De todo modo, mesmo nos casos em que a apuração do valor devido depende
apenas de cálculos aritméticos, debate-se na jurisprudência se a liquidação prévia do julgado
é requisito indispensável para o ajuizamento de ação objetivando o cumprimento de
sentença condenatória genérica proferida em demanda coletiva.
99
GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Vol. II. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 154.
100
REsp 1.978.629, REsp 1.985.037 e REsp 1.985.491. O colegiado determinou a suspensão de todos os processos
pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no país e discutem a mesma questão.
civil pública, que condena banco ao pagamento de expurgos inflacionários em caderneta de
poupança. Com o julgamento, resolvido por maioria de votos, o colegiado pacificou
entendimentos divergentes entre a Quarta Turma – que considerava necessária a
liquidação – e a Terceira Turma – para a qual a liquidação era dispensável, podendo ser
substituída por cálculos simples.
No caso acima, o ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO apontou que a fase de liquidação
da sentença genérica, por procedimento comum, objetiva “completar a atividade cognitiva
parcial da ação coletiva, mediante a comprovação de fatos novos determinantes do sujeito
ativo da relação de direito material, assim também do valor da prestação devida,
assegurando-se a oportunidade de ampla defesa e contraditório pleno ao executado”. Com
efeito, quanto à matéria dos expurgos inflacionários, já havia precedentes do STF e do
próprio STJ no sentido de que a sentença coletiva – originada de ação civil pública – que
define os expurgos inflacionários não é determinável a ponto de, mediante simples
operações aritméticas, ser estabelecido o valor devido a cada titular. Eis a ementa:
Até que a questão seja pacificada no SJT, permanece a regra geral de que a sentença
na ação coletiva é genérica e apenas fixa a certeza do dever de prestar (obrigação), sendo
necessária a liquidação para que se demonstre os destinatários (cui debeatur) da obrigação
e a extensão da reparação de cada um deles (quantum debeatur). Apenas com a liquidação
da sentença coletiva genérica é que se poderá estabelecer os limites da obrigação em sua
totalidade, identificando-se os credores da prestação e determinando-se o valor (quantum)
devido a cada um.
101
Ficou vencida a Ministra NANCY ANDRIGHI, para quem a sentença coletiva que condena a instituição bancária ao
pagamento de expurgos inflacionários em cadernetas de poupança excepciona a regra geral da necessidade de
liquidação prévia, uma vez que contém obrigação líquida e facilmente determinável quanto a seus titulares, razão pela
qual a instauração da fase de liquidação é dispensável, podendo os beneficiários do título judicial proceder ao seu
imediato cumprimento individual mediante a demonstração da titularidade do direito e a indicação do valor devido
em memória discriminada e atualizada de cálculo, resguardada a possibilidade de o devedor refutar as alegações do
credor por meio da impugnação de que trata o art. 525 do CPC. Para ela, que ficou vencida, a iliquidez da obrigação
contida na sentença coletiva e a indispensabilidade de sua liquidação dependem de: a) existir a efetiva necessidade de
se produzir provas para se identificar o beneficiário, substituído processualmente; ou, b) ser imprescindível especificar
o valor da condenação por meio de atuação cognitiva ampla, conforme vinha decidindo a 3ª Turma do STJ.
situação pessoal e diferenciada de cada interessado, pois as peculiaridades pessoais e
diferenciadas de cada interessado realmente não devem ser consideradas na ação coletiva,
mas, sim, posteriormente - se procedente - na ação individual de cumprimento; d) na
sentença de mérito, a cognição será exauriente sobre o aspecto vertical (profundidade), e
limitada, sob o aspecto horizontal (extensão ou amplitude). Sobre esta última característica,
assim lecionava o saudoso TEORI ALBINO ZAVASCKI:
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5. ed. São Paulo:
102
103
Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS
(DIFUSOS E COLETIVOS) E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISTINÇÕES. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. ARTS. 127 E 129, III, DA CR/88. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS DE DIMENSÃO AMPLIADA.
COMPROMETIMENTO DE INTERESSES SOCIAIS QUALIFICADOS. SEGURO DPVAT. AFIRMAÇÃO DA LEGITIMIDADE
ATIVA. 1. Os direitos difusos e coletivos são transindividuais, indivisíveis e sem titular determinado, sendo, por isso
mesmo, tutelados em juízo invariavelmente em regime de substituição processual, por iniciativa dos órgãos e entidades
indicados pelo sistema normativo, entre os quais o Ministério Público, que tem, nessa legitimação ativa, uma de suas
relevantes funções institucionais (CF art. 129, III). 2. Já os direitos individuais homogêneos pertencem à categoria dos
direitos subjetivos, são divisíveis, tem titular determinado ou determinável e em geral são de natureza disponível. Sua
tutela jurisdicional pode se dar (a) por iniciativa do próprio titular, em regime processual comum, ou (b) pelo
procedimento especial da ação civil coletiva, em regime de substituição processual, por iniciativa de qualquer dos
órgãos ou entidades para tanto legitimados pelo sistema normativo. 3. Segundo o procedimento estabelecido nos
artigos 91 a 100 da Lei 8.078/90, aplicável subsidiariamente aos direitos individuais homogêneos de um modo geral, a
tutela coletiva desses direitos se dá em duas distintas fases: uma, a da ação coletiva propriamente dita, destinada a obter
sentença genérica a respeito dos elementos que compõem o núcleo de homogeneidade dos direitos tutelados (an
debeatur, quid debeatur e quis debeat); e outra, caso procedente o pedido na primeira fase, a da ação de cumprimento
da sentença genérica, destinada (a) a complementar a atividade cognitiva mediante juízo específico sobre as situações
individuais de cada um dos lesados (= a margem de heterogeneidade dos direitos homogêneos, que compreende o cui
debeatur e o quantum debeatur), bem como (b) a efetivar os correspondentes atos executórios. 4. O art. 127 da CR/88
atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender “interesses sociais”. Não se pode estabelecer
sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação expressa de
patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX). Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse
social e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos
individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo
Ministério Público (CF, art. 127). 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados
em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente
particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros
interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo
a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens,
institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em
casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a
propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da CR/88. Mesmo nessa hipótese, todavia,
a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica
sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público,
no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais
homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle
jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo
que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e §
3.º, e art. 301, VIII e § 4.º). 7. Considerada a natureza e a finalidade do seguro obrigatório DPVAT – Danos Pessoais
Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (Lei 6.194/74, alterada pela Lei 8.441/92, Lei 11.482/07 e Lei
11.945/09) -, há interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos seus
titulares, alegadamente lesados de forma semelhante pela Seguradora no pagamento das correspondentes
indenizações. A hipótese guarda semelhança com outros direitos individuais homogêneos em relação aos quais - e
não obstante sua natureza de direitos divisíveis, disponíveis e com titular determinado ou determinável -, o STF
considerou que sua tutela se revestia de interesse social qualificado, autorizando, por isso mesmo, a iniciativa do
Nesse aspecto, no microssistema do processo coletivo prevalece a repartição da
atividade cognitiva em duas fases, caracterizada pela limitação da cognição, num primeiro
momento, às questões fáticas e jurídicas comuns às situações dos envolvidos. Apenas
posteriormente, em caso de procedência do pedido, é que a atividade cognitiva é integrada
pela identificação das posições individuais de cada um dos substituídos. É justamente por
isso que se entende ser prescindível que a causa de pedir da ação coletiva propriamente
dita (primeira fase cognitiva) contemple descrição pormenorizada das situações individuais
de todos os envolvidos.
Ministério Público de, com base no art. 127 da CR/88, defendê-los em juízo mediante ação coletiva (RE 163.231/SP,
AI 637.853 AgR/SP, AI 606.235 AgR/DF, RE 475.010 AgR/RS, RE 328.910 AgR/SP e RE 514.023 AgR/RJ). 8.
Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 631.111, Relator(a): Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em
07/08/2014, Publicação 30/10/2014).
HOMOGÊNEOS DE CONSUMIDORES. EXISTÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO
PROCESSUAL. DEMONSTRAÇÃO DOS FATOS CONSTITUTIVOS
MEDIANTE APRESENTAÇÃO OU INDICAÇÃO DE INÍCIO DE
PROVA. NECESSIDADE, EM REGRA. PRAZO PRESCRICIONAL DO
ART. 27 DO CDC. RESTRITO AOS CASOS EM QUE SE CONFIGURA
FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PRAZO PARA AJUIZAMENTO. 5 ANOS. DEVER DE DIVULGAÇÃO DA
CONDENAÇÃO EM JORNAIS DE GRANDE CIRCULAÇÃO.
INEXISTÊNCIA. TESE VINCULANTE, SUFRAGADA EM RECURSO
REPETITIVO.
1. A associação autora tem legitimidade para ajuizar ação civil pública vindicando
a tutela dos consumidores, em vista de abusividade de disposição contratual
prevendo incidência simultânea de comissão de permanência com encargos
contratuais. No caso, há: a) direitos individuais homogêneos referentes aos
eventuais danos experimentados por aqueles que firmaram contrato; b) direitos
coletivos resultantes da suposta ilegalidade em abstrato de cláusula contratual, a
qual atinge igualmente e de forma indivisível o grupo de contratantes atuais da ré;
c) direitos difusos relacionados aos consumidores futuros, coletividade essa
formada por pessoas indeterminadas e indetermináveis.
2. As "associações instituídas na forma do art. 82, IV, do CDC estão legitimadas
para propositura de ação civil pública em defesa de interesses individuais
homogêneos, não necessitando para tanto de autorização dos associados. Por se tratar
do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo
em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio
ato de criação da associação, não sendo necessária nova autorização ou deliberação
assemblear" (REsp n. 1.325.857/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão,
Segunda Seção, julgado em 30/11/2021, DJe de 1º/2/2022).
3. Há uma diferença tênue, de natureza quantitativa, na formulação da causa de
pedir na demanda coletiva. Enquanto numa ação individual é factível que a
substanciação desça a minúcias do fato, que não inerentes à própria relação jurídica
de cunho material e individual, isso não se verifica com tamanho rigor na demanda
coletiva, na qual a substanciação acaba tornando-se mais tênue, recaindo apenas
sobre aspectos mais genéricos da conduta impugnada na ação. Mesmo nas ações em
defesa de interesses individuais homogêneos, basta a descrição da conduta
genericamente, o dano causado de forma inespecífica e o nexo entre ambos, sendo
impossível a especificação da narrativa com relação a cada um dos possíveis lesados.
A descrição fática deve ser formulada no limite da suficiência para a demonstração
da situação material mais ampla, decorrente da própria essência dos interesses
metaindividuais.
4. O art. 373 do CPC dispõe que o ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao
fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor. O § 1º estabelece que, nos casos
previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade
ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou ainda à
maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o
ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso
em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi
atribuído. Já o § 2º elucida que a decisão prevista no § 1º desse artigo não pode gerar
situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou
excessivamente difícil.
5. Para dar concretude ao princípio da persuasão racional do juiz, insculpido no
art. 371 do CPC/2015, aliado aos postulados de boa-fé, de cooperação, de lealdade
e de paridade de armas previstos no novo diploma processual civil (arts. 5º, 6º, 7º,
77, I e II, e 378 do CPC/2015), com vistas a proporcionar uma decisão de mérito
justa e efetiva, foi introduzida a faculdade de o juiz, no exercício dos poderes
instrutórios que lhe competem (art. 370 do CPC/2015), atribuir o ônus da prova
de modo diverso entre os sujeitos do processo quando diante de situações
peculiares (art. 373, § 1º, do CPC/2015). A instrumentalização dessa faculdade foi
denominada pela doutrina processual "teoria da distribuição dinâmica do ônus da
prova" ou "teoria da carga dinâmica do ônus da prova" (REsp n. 1.888.242/PR,
relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em
29/3/2022, DJe de 31/3/2022).
6. Malgrado o art. 370, caput, do CPC estabeleça poder instrutório amplo, em
linha de princípio, deve ser utilizado somente de forma complementar,
proporcionando às partes primeiramente se desincumbirem de seus ônus da forma
que melhor lhes aprouver. Contudo, no âmbito do processo coletivo, em razão do
princípio da indisponibilidade da demanda coletiva, haverá um poder instrutório
amplo para o juiz, uma vez que: a) deve fiscalizar a produção probatória, bem como
atuar ativamente na sua produção, inclusive com a possibilidade de averiguar a
deficiência do substituto processual em produzi-la; b) por serem os representantes
escolhidos por um rol legal, ganha ainda mais destaque a função do juiz na
instrução probatória, atuando ativamente, ainda que de forma complementar,
suprindo eventual deficiência dos substitutos processuais; c) sob um viés estático,
as provas pertencem ao campo do direito material, pois, sob esse aspecto, elas são
consideradas como meios ou fontes, relacionadas à função de certeza dos negócios
jurídicos; mas, sob um aspecto dinâmico, a prova ganha especial importância no
direito processual, em razão de importar numa reprodução ao juízo do fato a se
provar, o que ocorre no bojo do processo e obriga todos os sujeitos processuais; d)
não há nenhum impedimento para a aplicação dessa redistribuição do ônus da
prova nas ações civis públicas que veiculem relações de consumo, desde que para
beneficiar o consumidor (ou, no caso, o substituto processual dos consumidores).
7. No processo coletivo, as situações jurídicas discutidas são complexas,
envolvendo direitos essencialmente coletivos, cuja titularidade pertence a uma
coletividade, ou direitos individuais homogêneos, que envolvem a existência de um
grande número de lesados. A produção da prova, nesses casos, afigura-se
dificultosa, uma vez que, em muitas situações, é impossível demonstrar a lesão aos
sujeitos individuais, ou mesmo inviável diante do grande número de sujeitos
eventualmente lesados, sendo recorrente e válida a utilização como meio de prova
da amostragem (a partir da prova de um fato ou de alguns fatos selecionados de um
conjunto comum, formula-se um raciocínio indutivo no qual se pressupõe que,
uma vez demonstrada determinada situação para os objetos selecionados, ela
também se repetirá para os demais componentes do conjunto).
8. Por um lado, em linha de princípio, quem afirma um fato positivo tem de prová-
lo com preferência a quem sustenta um fato negativo, não sendo conveniente o
ajuizamento de ação civil pública apontando abusividade contratual sem que seja
colacionado aos autos um único contrato, extrato, recibo de pagamento ou
documento equivalente que indique a cumulação da cobrança de comissão de
permanência com outros encargos. Por outro lado, deveria o Juízo de primeira
instância ter determinado ao menos que a parte demandada colacionasse aos autos
seus contratos de adesão, de modo a aferir a efetiva existência de cláusula abusiva,
prevendo a cumulação de comissão de permanência com encargos narrada na
exordial; por sua vez, a própria recorrente, exercitando o seu lídimo direito de
defesa, poderia ter colacionado aos autos esses contratos e demais documentos que
fossem úteis para a formação do convencimento do Juízo, não se estando a falar de
prova diabólica (verdadeiramente impossível).
9. No caso concreto, não há necessidade de reabertura de instrução processual, uma
vez que, como bem ponderado pelo Tribunal de origem e também admitido no
recurso especial, a própria instituição financeira reconhece que, malgrado nunca
tenha efetivado a cumulação da cobrança, em contratos de adesão mais antigos
havia a previsão contratual de cumulação de comissão de permanência com outras
verbas - a só existência de contrato prevendo a cumulação de comissão de
permanência com outros encargos patenteia o interesse de agir da substituta
processual e a necessidade do provimento jurisdicional.
10. A causa de pedir da ação não abrange reparação de danos causados por fato do
produto ou serviço, requisito essencial para a aplicação do prazo prescricional
quinquenal, descrito no art. 27 do CDC, invocado pelo acórdão recorrido. Em que
pese não incidir esse prazo prescricional do CDC, consoante a firme jurisprudência
do STJ, a "Ação Civil Pública e a Ação Popular compõem um microssistema de
tutela dos direitos difusos, por isso que, não havendo previsão de prazo
prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, recomenda-se a aplicação,
por analogia, do prazo quinquenal previsto no art. 21 da Lei n. 4.717/65" (REsp n.
1.070.896/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em
14/4/2010, DJe de 4/8/2010).
11. O art. 94 do CDC prevê que, "proposta a ação, será publicado edital no órgão
oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes,
sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos
órgãos de defesa do consumidor". O princípio da ampla divulgação da demanda
insculpido nessa disposição legal tem a teleologia de dar ciência da ação aos
interessados, propiciando a concentração da discussão da matéria comum na ação
coletiva. Nessa linha de intelecção, a Primeira Seção sufragou, em âmbito de
recurso repetitivo, a tese de que "o art. 94 do Código de Defesa do Consumidor
disciplina a hipótese de divulgação da notícia da propositura da ação coletiva, para
que eventuais interessados possam intervir no processo ou acompanhar seu trâmite,
nada estabelecendo, porém, quanto à divulgação do resultado do julgamento" (REsp
n. 1.388.000/PR, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator para
acórdão Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe de
12/4/2016).
12. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 1.583.430/RS, relator
Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de
23/9/2022.)
3.1.1.8 Execução
Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima
e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
Art. 98. A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de
que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram sido
fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras
execuções.
§ 1° A execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação,
da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.
§ 2° É competente para a execução o juízo:
I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução
individual;
II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.
Art. 99. Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na
Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985 e de indenizações pelos prejuízos individuais
resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância
recolhida ao fundo criado pela Lei n°7.347 de 24 de julho de 1985, ficará sustada
enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos
danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser
manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.
Art. 100. Decorrido o prazo de 1 (um) ano sem habilitação de interessados em
número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82
promover a liquidação e execução da indenização devida.
Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado
pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.
AgInt no REsp n. 1.985.158/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de
105
9/6/2022; AgInt no REsp n. 1.956.280/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em
23/5/2022, DJe de 25/5/2022.
Contudo, situação diversa, e excepcional, é aquela em que o título executivo limita
expressamente a sua abrangência subjetiva diante de particularidades do direito tutelado.
Nessas situações, a jurisprudência do STJ compreende que é indevida a inclusão de servidor
ou empregado que não integrou a ação coletiva, sob pena de ofensa à coisa julgada.106
Ainda sobre o tema, importante lembrara que o Plenário do STF, ao apreciar o ARE
901.963 RG (Tema n.º 848), de relatoria do ministro TEORI ZAVASCKI, DJe de
16.9.2015, entendeu carecer de repercussão geral a controvérsia relativa à legitimidade para
executar sentença em ação coletiva na hipótese em que o título transitado em julgado define
explicitamente os titulares do direito. E o fez à anotação de que, em casos tais, a análise da
matéria impugnada necessariamente demandaria a incursão sobre os limites da coisa
106
AgInt no AREsp n. 1.883.024/ES, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 16/5/2022, DJe
de 18/5/2022; AgInt no REsp n. 1.981.501/RS, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em
20/6/2022, DJe de 23/6/2022; AgInt no REsp n. 1.691.620/DF, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira
Turma, julgado em 3/11/2021, DJe de 5/11/2021.
107
RE 1380335 AgR, Relator(a): Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 10/10/2022, Publicação
14/10/2022.
108
ARE 1385946 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 14/09/2022, Publicação 20/09/2022.
109
RE 1336975 AgR, Relator(a): Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 06/12/2021, Publicação
15/12/2021.
julgada, matéria que se reveste de natureza infraconstitucional, conforme tese firmada no
Tema n.º 660.110
Quanto às associações não sindicais, prevalece o entendimento de que para que elas
tenham legitimidade para promover a execução de sentença coletiva envolvendo direitos
individuais homogêneos é necessário que esteja presente a situação descrita no art. 100 do
CDC:
110
ARE 1376294 AgR, Relator(a): Nunes Marques, Segunda Turma, julgado em 22/08/2022, Publicação
01/09/2022.
previstas no art. 100 do CDC, cuja eventual caracterização deverá ser examinada
pelo Juízo de origem. (REsp 1955899/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 15/03/2022, DJe 21/03/2022)
O fato de tratar-se de ação coletiva não representa obstáculo para que o interessado,
favorecido pela sentença coletiva, promova, ele próprio, desde que integrante do grupo ou
categoria processualmente substituídos pela parte autora, a execução individual desse
mesmo julgado.112
111
ARE 925754 RG, Relator(a): Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2015, Publicação 03/02/2016.
Com efeito, o Plenário do STF, no exame do RE nº 568.645/SP-RG, Rel. Min. Cármen Lúcia, concluiu que a
individualização dos créditos dos litisconsortes facultativos, a fim de permitir a expedição de ofício requisitório de
pequeno valor, não implica a ocorrência de violação do disposto no art. 100, § 8º, da CR/88, nem caracteriza
fracionamento do valor devido a cada um dos beneficiários. Essa orientação se aplica também aos casos de execução
individual de sentença transitada em julgado proferida em ação coletiva. Nesse sentido: RE 861001 AgR-segundo,
Relator(a): Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 29/11/2021, Publicação 15/03/2022.
112
ARE 925740 AgR, Relator(a): Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 15/12/2015, Publicação 01/02/2016.
113
REsp n. 1.753.295/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de
27/10/2022.
No Tema 499, que discutia os beneficiários execução de ação coletiva proposta por
associação, o STF firmou tese no sentido de que os beneficiários do título executivo, no
caso de ação proposta por associação, são aqueles que, residentes na área compreendida na
jurisdição do órgão julgador, detinham, antes do ajuizamento, a condição de filiados e
constaram da lista apresentada com a peça inicial.114
Contudo, como já afirmado acima (item 3.1.1.2, supra), referida tese não se aplica
às ACPs. Com efeito, no julgamento do RE 612.043 (Tema 499) a própria Suprema Corte
acolheu embargos de declaração no RE n. 612.043 para esclarecer que o entendimento nele
firmado alcança tão somente as ações coletivas submetidas ao rito ordinário, pois são
direitos meramente individuais, no qual o autor se limita a representar os titulares do direito
material, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio, o que não ocorre nas
ações civis públicas, nas quais há substituição processual.
114
RE 612043, Relator(a): Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, Publicação 06/10/2017.
115
STP 656 AgR, Relator(a): Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2021, Publicação 02/12/2021.
Contudo, em homenagem à segurança jurídica e ao interesse social que envolve a
questão, e diante da existência de julgados anteriores do STJ, nos quais se reconheceu a
interrupção da prescrição em hipóteses análogas, gerando nos jurisdicionados uma
expectativa legítima nesse sentido, fez-se necessária a modulação dos efeitos da decisão no
REsp 1.758.708/MS, para decretar a eficácia prospectiva do novo entendimento,
atingindo apenas as situações futuras, ou seja, as ações civil públicas cuja sentença seja
posterior à publicação do referido acórdão (DJe de 11/5/2022).116 Nesse sentido:
116
AgInt no AgInt no AREsp n. 1.076.580/MS, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 14/11/2022, DJe
de 23/11/2022.
objeto os direitos individuais disponíveis dos eventuais beneficiados; (ii) a
legitimidade das vítimas e seus sucessores prefere à dos elencados no rol do art. 82
do CDC, conforme prevê o art. 99 do CDC; (iii) a legitimação para promover a
liquidação coletiva é subsidiária, na forma do art. 100 do CDC, e os valores
correspondentes reverterão em favor do Fundo Federal de Direitos Difusos, ou de
seus equivalentes em nível estadual e/ou municipal.
6. Ainda que se admita a possibilidade de o Ministério Público promover a
execução coletiva, esta execução coletiva a que se refere o art. 98 diz respeito aos
danos individuais já liquidados.
7. Uma vez concluída a fase de conhecimento, o interesse coletivo, que autoriza o
Ministério Público a propor a ação civil pública na defesa de direitos individuais
homogêneos, enquanto legitimado extraordinário, cede lugar, num primeiro
momento, ao interesse estritamente individual e disponível, cuja liquidação não
pode ser perseguida pela instituição, senão pelos próprios titulares. Num segundo
momento, depois de passado um ano sem a habilitação dos interessados em
número compatível com a gravidade do dano, a legislação autoriza a liquidação
coletiva - e, em consequência, a respectiva execução - pelo Parquet, voltada à
quantificação da reparação fluida, porque desse cenário exsurge, novamente, o
interesse público na perseguição do efetivo ressarcimento dos prejuízos
globalmente causados pelo réu, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do
fornecedor que atentou contra as normas jurídicas de caráter público, lesando os
consumidores.
8. Consequência direta da conclusão de que não cabe ao Ministério Público
promover a liquidação da sentença coletiva para satisfazer, um a um, os interesses
individuais disponíveis das vítimas ou seus sucessores, por se tratar de pretensão
não amparada no CDC e que foge às atribuições institucionais do Parquet, é
reconhecer que esse requerimento - acaso seja feito - não é apto a interromper a
prescrição para o exercício da respectiva pretensão pelos verdadeiros titulares do
direito tutelado.
9. Em homenagem à segurança jurídica e ao interesse social que envolve a questão,
e diante da existência de julgados anteriores desta Corte, nos quais se reconheceu a
interrupção da prescrição em hipóteses análogas à destes autos, gerando nos
jurisdicionados uma expectativa legítima nesse sentido, faz-se a modulação dos
efeitos desta decisão, com base no § 3º do art. 927 do CPC/15, para decretar a
eficácia prospectiva do novo entendimento, atingindo apenas as situações futuras,
ou seja, as ações civil públicas cuja sentença seja posterior à publicação deste
acórdão.
10. Convém alertar que a liquidação das futuras sentenças coletivas, exaradas nas
ações civis públicas propostas pelo Ministério Público e relativas a direitos
individuais homogêneos, deverão ser promovidas pelas respectivas vítimas e seus
sucessores, independentemente da eventual atuação do Parquet, sob pena de se
sujeitarem os beneficiados à decretação da prescrição.
11. Os juros de mora incidem a partir da citação do devedor na fase de
conhecimento da ação civil pública, quando esta se fundar em responsabilidade
contratual, sem que haja configuração da mora em momento anterior.
12. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp n. 1.758.708/MS, relatora
Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20/4/2022, DJe de
11/5/2022.)
O STJ entende que o Ministério Público não tem legitimidade para promover o
cumprimento coletivo de sentença que reconheceu a existência de direitos individuais
homogêneos (direitos divisíveis decorrentes de origem comum). Para o STJ, o interesse
público que justificaria a atuação da instituição na ação coletiva já está superado nessa fase
processual, restando ao MP somente a hipótese da execução residual (fluid recovery). Com
efeito, os direitos individuais homogêneos podem ser executados individualmente na fase
de cumprimento de sentença, conforme o artigo 97 do CDC. Além da execução individual,
é possível a execução coletiva (artigo 98 do CDC) e execução residual (artigo 100 do CDC).
Desse modo, alinhado com precedente da Quarta Turma do STJ (REsp 869.583),
o STJ vem reconhecendo a ilegitimidade ativa do MP para instaurar o cumprimento de
sentença coletivo – sem prejuízo da possibilidade da execução residual –, pois o interesse
social que justificaria a atuação da instituição (artigo 129, inciso III, da CR/88) está
vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito, o qual já não se discute nessa fase. Nesse
sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FASE DE EXECUÇÃO. ASTREINTES.
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INEXIGIBILDADE. SÚMULA
410/STJ. EXECUÇÃO COLETIVA DO ART. 98 DO CDC. DIREITOS
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. Controvérsia relativa à exigibilidade das astreintes e à legitimidade do Ministério
Público para deduzir pedido de cumprimento de sentença coletiva pertinente a
direitos individuais homogêneos.
2. Nos termos da Súmula 410/STJ: 'A prévia intimação pessoal do devedor constitui
condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer'.
3. Subsistência da referida súmula na vigência do CPC/2015, conforme precedente
da Corte Especial.
4. Caso concreto em que não constou no texto do mandado de citação/intimação
da empresa demandada a cominação de astreintes, sendo inexigível, portanto, a
multa por descumprimento da ordem judicial, à luz da Súmula 410/STJ.
5. Existência de julgado específico desta Turma no sentido de que o
comparecimento espontâneo aos autos não supre a necessidade de intimação
pessoal do devedor sobre a cominação de astreintes.
6. Nos termos do art. 98 do CDC, "poderá ser coletiva" a execução da
sentença condenatória proferida em ação civil pública referente a direitos
individuais homogêneos.
7. Distinção entre a "execução coletiva" prevista no art. 98 do CDC e a
execução residual (fluid recovery) prevista no art. 100 do CDC.
8. Ilegitimidade ativa do Ministério Público para promover a execução
coletiva do art. 98 do CDC por ausência de interesse público ou social a
justificar a atuação do 'parquet' nessa fase processual, em que o interesse
jurídico se restringe ao âmbito patrimonial e disponível de cada um dos
consumidores lesados.
9. Julgado específico da Quarta Turma nesse sentido.
10. Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.801.518/RJ, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira
Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 16/12/2021).
No caso, o STJ afirmou que não é possível definir, a priori, a natureza jurídica desse
instituto, que poderá variar a depender das circunstâncias da hipótese concreta. Se for
viável definir a quantidade de beneficiários da sentença coletiva, bem como o montante
exato do prejuízo sofrido individualmente por cada um deles, a fluid recovery terá
caráter residual. De outro lado, se esses dados forem inacessíveis, a reparação fluida
assumirá natureza sancionatória, evitando-se, com isso, a ineficácia da sentença e a
impunidade do autor do ilícito.
Com isso, a ausência das informações necessárias para a constatação dos prejuízos
efetivos experimentados pelos beneficiários individuais da sentença coletiva não deve
inviabilizar a utilização da reparação fluida. Nessa hipótese, a indenização poderá ser
fixada por estimativa, podendo o juiz valer-se do princípio da cooperação insculpido no
artigo 6º do CPC e determinar que o executado forneça elementos para que seja possível o
arbitramento de indenização adequada e proporcional. Não se pode permitir que o
executado - autor do ato ilícito - se insurja contra a execução iniciada pelo legitimado
coletivo, nos termos no artigo 100 do CDC, com base no simples argumento de que não
houve prova concreta dos prejuízos individuais, sob pena de a reparação fluida tornar-se
inócua.117
117
REsp n. 1.927.098/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de
24/11/2022.
118
AgInt no AgInt no REsp n. 1.932.536/DF, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em
3/10/2022, DJe de 5/10/2022 e STJ, AgInt no AgInt no AREsp 1.074.006/MS, relator Ministro Lázaro Guimarães,
Quarta Turma, DJe de 20/6/2018. Nesse sentido também: AgInt no AREsp 1.238.993/GO, relatora Ministra
Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 1º/3/2021, DJe 8/3/2021 e EREsp 1.676.110/RS, relatora Ministra
Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 6/11/2019, DJe 27/11/2019.
entendimento segundo o qual o ajuizamento da execução coletiva da obrigação de
fazer não repercute na fluência do prazo prescricional da execução da obrigação de
pagar, na medida em que as pretensões são distintas, não se confundem e têm regramento
próprio.119
119
AgRg no REsp n. 1.350.669/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/11/2022, DJe
de 28/11/2022.
120
Pet 6076 QO, Relator(a): Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 25/04/2017, Publicação 26/05/2017.
simplesmente por não haver referência expressa ao instituto da substituição processual.
Ademais, o próprio CDC, em seu art. 90, prevê a aplicação supletiva do Código de
Processo Civil.121
Por fim, para encerrar o tópico sobre execução de sentenças coletivas, convém trazer
à baila interessante caso julgado pelo STJ. Tratava-se de protesto interruptivo ajuizado por
sindicato da categoria e a controvérsia centrava-se em saber se a interrupção operada pelo
protesto aproveitava sucessor do servidor sindicalizado, falecido em momento anterior ao
ajuizamento do protesto.
Assim, o STJ entendeu que os artigos 81, parágrafo único, III, e 103 do CDC não
possuem comando normativo capaz de infirmar a conclusão contida no acórdão recorrido,
haja vista que a questão sub judice – possibilidade de o protesto interruptivo em tela
aproveitar, ou não, aos herdeiros de substituído processual falecido antes de seu
ajuizamento pelo SINDISPRV/RS – vincula-se à interpretação do disposto no artigo 8º,
III, da CR/88 (“ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.”).
121
REsp 1947661/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 23/09/2021, DJe 14/10/2021.
STJ que o protesto interruptivo da prescrição não aproveitava os sucessores do
substituído.122
3.1.1.9 Prescrição
122
AgInt no REsp n. 1.891.893/RS, rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 10/10/2022, DJe de 14/10/2022.
123
[...] 6. Na falta de dispositivo legal específico para a ação civil pública, aplica-se, por analogia, o prazo de prescrição
da ação popular, que é o quinquenal (art. 21 da Lei nº 4.717/1965), adotando-se também tal lapso na respectiva
execução, a teor da Súmula nº 150 do STF. A lacuna da Lei nº 7.347/1985 é mais bem suprida com a aplicação de
outra legislação também integrante do microssistema de proteção dos interesses transindividuais, como os coletivos e
difusos, a afastar os prazos do Código Civil, mesmo na tutela de direitos individuais homogêneos (pretensão de
reembolso dos usuários de plano de saúde que foram obrigados a custear lentes intraoculares para a realização de
cirurgias de catarata). Precedentes. (REsp: 1473846 SP 2014/0184129-1, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, Data de Julgamento: 21/02/2017, Terceira Turma, Data de Publicação: DJe 24/02/2017).
124
[...]. Os direitos difusos e coletivos dos trabalhadores se submetem à prescrição quinquenal prevista no art. 21 da
Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), aplicável analogicamente à ACP. Precedentes do STJ. Como no caso o MPT
teve ciência dos fatos alegados - conduta antissindical - em junho de 2009, ajuizando, porém, a presente ACP somente
em julho de 2014, quando já escoado o aludido prazo prescricional, não há como reformar a v. decisão que extinguiu
o processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, II, do CPC. (E-ED-RR-2302-73.2014.5.17.0014, SbDI-1,
Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 14/05/2021).
STJ que a ação de reparação de dano ambiental é imprescritível, notadamente pelo caráter
continuado da degradação do meio ambiente e pela indisponibilidade do direito tutelado.
(REsp 1.081.257/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 13.6.2018).
Portanto, não há prazo para pedidos indenizatórios decorrentes de danos ambientais.
O caso discutia pretensão trazida que não se referia à reparação de danos ambientais
em si, a ensejar a imprescritibilidade, mas sim à pretensão executória de obrigações de fazer
previstas em TAC, relacionadas a obras e serviços de pavimentação, pintura e instalação de
telhas, assumidos pela empresa construtora como contrapartida à comunidade vizinha pela
instalação do empreendimento imobiliário. Portanto, a insurgência executória estava
embasada em pendências oriundas de alegadas deficiências na execução de algumas
obrigações de fazer assumidas no referido instrumento, relacionadas à questões meramente
patrimoniais, que não se confundem com dano ao meio ambiente, ainda que em sentido
amplo.
AgInt no REsp 1.401.278/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 18/12/2020; AgInt no AREsp
125
443.094/RJ, Rel. Min, Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 25/02/2019.
outras despesas, nem condenação da associação autora em honorários de advogado, custas
e despesas processuais:
Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação
da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas
e despesas processuais.
Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este código não haverá adiantamento de
custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem
condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de
advogados, custas e despesas processuais.
Não se aplica às ações civil públicas propostas por associações e fundações privadas
o princípio da simetria na condenação do réu nas custas e nos honorários advocatícios.
Evidentemente, não se aplica às ações civil públicas propostas por associações e fundações
privadas o princípio da primazia na condenação do réu nas custas e nos honorários
advocatícios, pois, do contrário, barrado estaria, de fato, um dos objetivos mais nobres e
festejados da Lei n.º 7.347/1985, qual seja viabilizar e ampliar o acesso à justiça para a
sociedade civil organizada.126
REsp 1.796.436/RJ, Segunda Turma, DJe 18/6/2019; REsp 1974436/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
126
127
ProAfR no REsp n. 1.965.394/DF, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 25/10/2022, DJe
de 7/12/2022. Atualmente, há julgados pela admissão e outros pela não admissão de retenção dos honorários sem a
apresentação do contrato. Pela inadmissão: Ainda que seja ampla a legitimação extraordinária do sindicato para defesa
de direitos e interesses dos integrantes da categoria que representa, inclusive para liquidação e execução de créditos, a
retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida com a
apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados, nos temos do art. 22, § 4º, da Lei 8.906194, ou, ainda,
com a autorização deles para tanto. O contrato pactuado exclusivamente entre o Sindicato e o advogado não vincula
os filiados substituídos, em face da ausência da relação jurídica contratual entre estes e o advogado. Precedente: REsp
931.036/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 2/12/2009. (REsp
1464567/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 03/02/2015, DJe 11/02/2015).
seguinte: “Definir se é possível, ou não, a condenação da União ao pagamento de honorários
de sucumbência em sede de ação civil pública.”.
A LC n.º 75/93 estabelece, em seu art. 46, que compete ao PGR exercer as
funções do MP junto ao STF128, podendo, por delegação, o PGR designar os
Subprocuradores-Gerais da República para exercer suas funções (artigo 47 da LC n.º
75/93).
Com base nesse dispositivo normativo, o MPT é parte ilegítima para atuar
diretamente no STF, uma vez que, em decorrência do princípio da unidade institucional
(artigo 127, §1º, da CR/88), essa competência é do chefe do MPU (o Procurador-Geral da
República). É nesse caminho que tem se consagrado a jurisprudência do STF, segundo a
qual compete ao PGR exercer as funções do MPT junto ao STF, seja na qualidade de custos
iuris ou como parte no processo.129
128
Art. 46. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo
Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência. Parágrafo único. O
Procurador-Geral da República proporá perante o Supremo Tribunal Federal: I - a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e o respectivo pedido de medida cautelar; II - a
representação para intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, nas hipóteses do art. 34, VII, da Constituição
Federal; III - as ações cíveis e penais cabíveis.
129
[...] AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MPT. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO STF.
INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO REGIMENTAL DE DECISÃO DE RELATOR. AUSÊNCIA DE
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARA ATUAR PERANTE A
SUPREMA CORTE. ATRIBUIÇÃO PRIVATIVA DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.
HIPÓTESE DE NÃO-CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Incumbe ao Procurador-Geral da
República exercer as funções do Ministério Público junto ao STF, nos termos do art. 46 da LC n.º 75/93. 2. Existência
de precedentes do Tribunal em casos análogos. 3. O exercício das atribuições do MPT se circunscreve aos órgãos da
Justiça do Trabalho, consoante se infere dos arts. 83, 90, 107 e 110 da Lei Complementar 75/93. 4. Agravo regimental
interposto pelo MPT contra decisão proferida em reclamação ajuizada nesta Casa. 5. Processo que não está sujeito à
competência da Justiça do Trabalho, mas sim do próprio STF, motivo por que não pode o MPT nele atuar, sob pena
de usurpação de atribuição conferida privativamente ao PGR. 6. Parecer da própria PGR nesse sentido. (Rcl 4453
MC-AgR-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 04/03/2009, Publicação 27/03/2009).
declaração.130 Outros argumentos podem ainda ser apontados para justificar a atuação do
MPT perante o STF. Nesse sentido, CÉSAR HENRIQUE KLUGE131, traz argumentos que
corroboram a divergência levantada:
130
KLUGE, Cesar Henrique. A atuação do Ministério Público do Trabalho perante o Supremo Tribunal Federal.
CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. In: Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 02.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 599.
131
Idem, p. 603.
Público do Trabalho para atuar originariamente no STF, inclusive em sede de reclamação
constitucional, em respeito aos princípios constitucionais da unidade e da indivisibilidade
do Ministério Público (art. 127, § 1º, da CR/88).132
132
Rcl 4824 AgR-ED, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013, publicado em 06/03/2013.
V – os direitos assegurados aos indígenas e às minorias;
VI – licenciamento ambiental e infrações ambientais;
VII – direito econômico e direitos coletivos dos consumidores;
VIII – os direitos dos menores, dos incapazes e dos idosos em situação de vulnerabilidade;
X – ações que envolvam acidentes de trabalho, quando o dano tiver projeção coletiva;
XI – ações em que sejam partes pessoas jurídicas de Direito Público, Estados estrangeiros e
Organismos Internacionais, nos termos do art.83, inciso XIII, da Lei Complementar nº 75/93,
respeitada a normatização interna;
XII – ações em que se discuta a ocorrência de discriminação ou qualquer prática atentatória à
dignidade da pessoa humana do trabalhador, quando o dano tiver projeção coletiva;
XIII – ações relativas à representação sindical, na forma do inciso III do artigo 114 da Constituição
da República/88;
XIV – ações rescisórias de decisões proferidas em ações judiciais nas quais o Ministério Público já
tenha atuado como órgão interveniente;
Frise-se que, nas ações de natureza coletiva, como a ação civil pública e a ação civil coletiva,
se o MPT não for parte deve atuar obrigatoriamente como custos iuris, nos termos dos arts. 5°, §1°,
da Lei 7.347/85 e ao 92 do CDC.
Observe-se, por fim, que a necessidade de intervenção do MPT implica a necessária
remessa dos autos, ficando, todavia, dentro da discricionariedade e da independência funcional do
membro a verificação da existência ou não de interesse público que justifique a emissão de parecer
circunstanciado. Nesse sentido, o art. 180, §1º, do CPC estabelece que esgotado o prazo de
manifestação do MP, sem o oferecimento de parecer, o juiz requisitará os autos e dará andamento
ao processo.
O art. 793 da CLT estabelece que a reclamação trabalhista dos menores de 18 anos, não
assistidos por seus representantes legais, será feita “pela Procuradoria da Justiça do Trabalho, pelo
sindicato, pelo Ministério Público estadual ou curador nomeado em juízo”.
Embora de forma restrita, ainda o MPT atua nas reclamações trabalhistas em favor dos
menores de 18 anos, quando desassistidos por seus responsáveis legais, praticando todos os atos
processuais em favor da parte assistida.
Destaque-se que a intervenção do MPT, seja como fiscal da ordem jurídica ou como
curador, não se dá em todos os processos que envolvam crianças ou adolescentes, mas apenas
quando não estiverem devidamente representados ou assistidos, uma vez que o art. 793 condiciona
a curatela à ausência de assistência dos representantes legais.133
Observe-se, portanto, que essa atribuição não foi revogada pelo art. 72 do CPC, que
atribui a curatela especial à Defensoria Pública, sendo ainda inaplicável a disposição a respeito da
curadoria do réu revel (art. 72, II, do CPC).
O art. 3º, §3º do CPC estabelece que "a conciliação, a mediação e outros métodos de
solução consensual dos conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial".
A conciliação é uma forma de resolução consensual de conflitos, na qual um terceiro,
neutro e imparcial, facilitará a comunicação entre pessoas que não possuem vínculo anterior, na
busca da solução de um acordo satisfatório para ambas, podendo sugerir soluções para o litígio. Na
mediação, por sua vez, o terceiro, também neutro e imparcial, auxiliará a comunicação entre
pessoas que mantêm um anterior, proporcionando o restabelecimento da comunicação e a
identificação, pelas próprias partes, de soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.134
A primeira diferença, pois, estabelecida pelo art. 165, §§2º e 3º CPC entre mediação e
conciliação reside no fato de que o mediador não propõe soluções ao conflito entre as partes,
mas facilita o diálogo de modo que as próprias partes cheguem à solução consensual. A segunda
133
"RECURSO DE REVISTA. MAIOR INCAPAZ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA
NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. ARTIGO 793 DA CLT. LIMITAÇÃO ÀS HIPÓTESES EM QUE
OS LITIGANTES FOREM MENORES DE 18 ANOS. NÃO PROVIMENTO. No processo trabalhista o encargo
de curador especial pode ser exercido pelo Ministério Público do Trabalho no caso da reclamação trabalhista do menor
de 18 anos e quando não houver representantes legais (artigo 793 da CLT). Existe, portanto, previsão específica na
CLT tão-somente para o caso da curadoria especial para o menor incapaz. Nos demais casos, quando há necessidade
de nomeação de curador especial para representar o maior incapaz nos atos da vida civil, a Justiça do Trabalho não
detém competência para tanto, uma vez que a curatela é matéria eminentemente civil, disciplinada pelos artigos 1.767
a 1.783 do CC. A propósito, esta Corte Superior vem firmando o entendimento de que o referido artigo 793 da CLT
limita a necessidade de nomeação de curador especial às hipóteses em que os litigantes forem menores de 18 anos.
Precedentes. Dessa forma, as controvérsias envolvendo questões relativas ao estado das pessoas, tais como a
incapacidade e a curatela, devem ser submetidas à Justiça Comum, cabendo ao Juízo cível nomear o curador para
representar o maior incapaz. Portanto, não merece reparos a decisão regional que determinou a suspensão do processo
até que seja solucionada a questão da capacidade processual e representação da parte no juízo competente, nos termos
do artigo 265 do CPC. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento" (RR-94800-
81.2009.5.14.0004, 5ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 07/08/2015).
134
PEREIRA, Clovis Brasil. Conciliação e Mediação no Novo CPC. Disponível em:
<http://www.conima.org.br/arquivos/4682>. Acesso em: 08 ago. 2019.
diferença, refere-se às espécies de litígios mais adequados para à conciliação ou mediação, a
depender da existência de vínculo anterior entre as partes.
De modo similar, no âmbito da Justiça do Trabalho, a Resolução 174/2016 do CSJT
definiu que a mediação é o meio alternativo de resolução de disputas em que as partes confiam a
uma terceira pessoa – magistrado ou servidor público por este sempre supervisionado, a função de
aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo, sem a proposta de soluções, enquanto que
na conciliação há a criação ou proposta de opções para composição do litígio.135
O CSMPT, por meio da Resolução 157/2018, instituiu o Núcleo Permanente de
Incentivo à Autocomposição (NUPIA), definindo as diretrizes para a implementação da Política
Nacional de Autocomposição no âmbito do Ministério Público do Trabalho. A referida resolução
destaca que:
135
A Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação) também estabelece em seu art. 1º, parágrafo único, “considera-se mediação
a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia
e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
I - a negociação para as controvérsias ou os conflitos em que é possível atuar
como parte na defesa de direitos e interesses da sociedade;
II - a mediação para auxiliar e estimular as partes a identificar ou desenvolver
soluções consensuais para a controvérsia;
III - a conciliação para a solução de controvérsias, com apresentação de
proposta de soluções do conflito.
As práticas restaurativas, por sua vez, são recomendadas nas situações para as quais seja
viável a busca da reparação dos efeitos da infração por intermédio da harmonização entre as partes,
com o objetivo de restaurar o convívio social e a efetiva pacificação dos relacionamentos (art. 13 da
Resolução 118/2014, CNMP ).
Por fim, a Resolução 118/2014 do CNMP ainda trata da possibilidade de autocomposição
processual, que estabelece que as convenções processuais são recomendadas nas hipóteses em que
procedimento deva ser adaptado ou flexibilizado para permitir a adequada e efetiva tutela
jurisdicional aos interesses fundamentais envolvidos. Assim, poderá o membro do MP, em
qualquer fase da investigação ou durante o processo, celebrar acordos visando constituir,
modificar ou extinguir situações jurídicas processuais (arts. 15 a 17).
O art. 129 da CR/88 não elenca dentre as funções do MP atuar como mediador. Todavia,
a atuação do órgão se baseia no art. 84, II da LC 75/93, que dispõe que incumbe ao MPT instaurar
outros procedimentos administrativos para assegurar a observância dos direitos sociais dos
trabalhadores. Por conta disso, o órgão poderá atuar como mediador sempre que a mediação tiver
como objeto os interesses constituições que são de sua atribuição.
Em princípio, a mediação somente é possível em relação a direitos transindividuais e
direitos individuais indisponíveis, diante das atribuições constitucionais do MPT, não
havendo justificativa legal para atuação em dissídios individuais disponíveis, pois, neles, em regra,
há apenas a discussão de direitos patrimoniais, como as verbas rescisórias.
Entretanto, tratando-se de verbas trabalhistas devidas por conta de uma origem comum a
trabalhadores identificáveis (ex. demissão em massa), “está-se diante de direitos individuais
homogêneos, que são direitos coletivos lato sensu nos termos do art. 81, parágrafo único, inciso III,
do Código de Defesa do Consumidor”136, pelo que o MPT está legitimado para tuteá-los.137
A conciliação, nos moldes estabelecidos pelo art. 166 do CPC, é informada pelos
princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade,
da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
a) Princípio da independência e autonomia: os mediadores devem atuar de forma
independente, sem qualquer tipo de pressão (interna ou externa), sendo permitido recusar
suspender ou interromper a sessão de mediação se não houver condições necessárias para seu
desenvolvimento, não houver respeito à ordem jurídica ou for uma solução inexequível (art. 1º,
§5º, do Código de ética de conciliadores e mediadores judiciais, anexo à Resolução 125/2010 do
CNJ);
b) Princípio da imparcialidade: o mediador, ao desenvolver seu ofício, deve
proceder com neutralidade, mantendo equidistância das partes, isento de favoritismos,
preferências ou preconceitos, bem como se abstendo de tomar partido no curso da
autocomposição;
c) Princípio do consensualismo processual ou princípio da autonomia de
vontades: a mediação é um processo voluntário, somente ocorrendo se as partes consentirem com
esse processo e essa vontade não for viciada. Assim, não pode qualquer das partes sofrer ameaça ou
violência física, sob pena de nulidade da solução, devendo as partes estarem “livres para escolher a
mediação como processo para solucionar o conflito e para escolher o mediador em que depositam
confiança”;138
ESCOLHA DO MEDIADOR
136
LIMA FILHO, Cláudio Dias. Mediação nas modalidades “própria” e “imprópria” no âmbito do Ministério
Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do
Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015.
137
“Pode-se citar, como exemplo, pedido de mediação recebido pelo Ministério Público do Trabalho de
Campinas/SP, oriundo de órgão público federal, no qual relatava que havia rescindido o contrato de prestação de
recepção e telefonia mantido com empresa terceirizada e, em virtude de esta ter dispensado os empregados sem o
pagamento do saldo salarial, das verbas rescisórias e da multa fundiária, havia glosado o pagamento dos valores devidos
à empresa. Todavia, por ausência de previsão contratual, não podia efetuar o pagamento diretamente aos trabalhadores
e receava que a empresa não o fizesse, caso recebesse tais valores”. (PORTO, Lorena Vasconcelos. A mediação nos
conflitos coletivos e os termos de ajuste de conduta. Revista Magister de direito do trabalho. v. 12, n. 71 mar./abr.
2016).
138
CARNEIRO, Ricardo José das Mercês. Manual do Procurador do Trabalho. Teoria e prática. 2 ed. Salvador:
Juspodivm, 2017, p. 201.
Há corrente doutrinária que defende que “a mediação no âmbito do MPT não se compatibiliza com a
escolha do mediador pelas partes em face do Princípio da independência funcional, segundo o qual
o membro do Ministério Público deve agir em conformidade com o seu juízo”139 e em razão do
Princípio do promotor natural, não podendo haver designações casuísticas.
139
LIMA FILHO, Cláudio Dias. Mediação nas modalidades “própria” e “imprópria” no âmbito do Ministério
Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do
Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 665.
Na mesma linha, a Resolução 157/2018 do CSMPT, em seu artigo 7º, estabelece que a
mediação no MPT será orientada pelos seguintes princípios: I - imparcialidade do mediador; II -
isonomia das partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes; VI -
busca do consenso; VII – confidencialidade e VIII - boa-fé.
O §1º do art. 7º, todavia, estabelece exceções à confidencialidade na mediação no âmbito
do parquet laboral em casos de decisão das próprias partes, se o fato se relacionar a ofensa a direitos
que devam ser defendidos pelo MPT ou houver informação relacionada a crime de ação penal de
iniciativa pública.
Observa-se que é admitida a mediação ou a conciliação em investigações em curso,
contudo, a critério do membro que estiver oficiando, poderá ser suspenso o procedimento
preparatório, o inquérito civil ou ajuizamento de ação civil.
A existência de anterior procedimento de mediação não induz a prevenção no âmbito do
MPT e deverão ser observadas as regras de impedimento e suspeição previstas na legislação vigente.
Destaca-se que as mediações, as conciliações e demais procedimentos autocompositivos
envolvendo exercício do direito de greve, bem como a gestão de crises sociais decorrentes de
conflitos atípicos de trabalho, receberão tratamento prioritário, cujas audiências poderão
ocorrer, se necessário, fora do horário normal de expediente, inclusive em finais de semana, a
depender da dimensão do conflito e da disponibilidade do membro oficiante.
A CR/88, em seu art. 114, §2º, com a redação dada pela EC 45/2004, exige às partes a
prévia negociação coletiva ou a submissão à arbitragem, a fim de que possam ajuizar o dissídio
coletivo de natureza econômica, de comum acordo. Na esteira constitucional, outros diplomas
normativos infraconstitucionais previram o procedimento arbitral no âmbito da negociação
coletiva, como os arts. 3º e 7º da Lei 7.783/89 (Lei de Greve) e o art. 37 da Lei 12.815/2013 (Lei
dos Portos)140.
O art. 83, XI da LC 75/93 trata da atribuição conferida ao parquet trabalhista para “atuar
como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do
Trabalho''. Na arbitragem no âmbito do MPT, há “desnecessidade da denominada cláusula
140
O art. 37 da Lei dos Portos refere-se à arbitragem de ofertas finais, que é o procedimento no qual o árbitro se
restringe a optar por uma das soluções apresentadas pelas partes.
compromissória, ou seja, a estipulação expressa em contrato individual ou coletivo quanto à
possibilidade de solução da lide mediante arbitragem pelo Ministério Público do Trabalho.”141
A arbitragem, diferentemente mediação, é uma forma de heterocomposição, pelo qual as partes
submetem ao árbitro escolhido em comum acordo a solução do conflito, tendo sua decisão caráter
impositivo.
Esta atuação, no âmbito do MPT, está regulamentada pela Resolução 44/99 do
CSMPT, que estabelece que a arbitragem poderá ser iniciada pela vontade conjunta de todos os
conflitantes ou por um deles, mediante a convenção de arbitragem.
Observe-se que, o processo de arbitragem será arquivado independentemente de homologação,
devendo ser encaminhada cópia do relatório final à CCR, no prazo de três dias.
141
SILVA NETO, Manoel Jorge e Silva. A arbitragem e o ministério público do trabalho. Revista do Ministério
Público do Trabalho. Procuradoria Geral do Trabalho. ano III, n. 06, set. 1993. Semestral, p. 39.
142
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 10 ed. Salvador:
Editora Juspodivm, 2018, p. 78.
Observe-se que qualquer pessoa ou entidade pode apresentar informações, denúncias e/ou
pedidos de atuação ao MPT, podendo ser pessoalmente na procuradoria, pelo site, por
encaminhamento de ofício por outro órgão, inclusive podendo ser instaurada por atuação de
ofício do membro do parquet.
As NFs são apresentadas principalmente por trabalhadores, sindicatos, pela fiscalização do
trabalho e por órgãos públicos.
Não há óbice que as NF também sejam apresentadas de forma anônima, uma vez que
competirá ao Procurador Oficiante investigar os fatos denunciados, desde que a notícia contenha
elementos indiciários mínimos à deflagração da investigação. Ainda, caso seja necessário à
salvaguarda da investigação, do interesse coletivo ou direitos da personalidade dos trabalhadores
envolvidos, poderá ser decretado o sigilo dos dados dos denunciados. Nesse sentido, os Enunciados
07 e 20 da CCR.
ENUNCIADO 07/CCR
DENÚNCIA ANÔNIMA. ATUAÇÃO MINISTERIAL. INCIDÊNCIA DO ART. 2°, § 6°,
DA RESOLUÇÃO N° 69/2007 DO CSMPT. 1. Apenas o fato de a denúncia ser anônima não
justifica o indeferimento liminar da notícia de fato se esta contiver elementos indiciários mínimos
à deflagração da investigação. 2. O anonimato da denúncia, outrossim, não obsta a sua apuração,
uma vez que o Ministério Público do Trabalho, na forma da Lei Complementar n° 75/93, dispõe
de instrumentos legais de investigação necessários à perscrutação dos fatos e da sua autoria.
ENUNCIADO 20/CCR
ASSÉDIO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. SIGILO DOS DADOS DE DENUNCIANTE E
TESTEMUNHAS. SALVAGUARDA DA UTILIDADE DA INVESTIGAÇÃO, DO
INTERESSE COLETIVO E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DOS
TRABALHADORES. 1) O sigilo de dados de denunciante, testemunhas e diligências pendentes
é medida a ser utilizada pelo Membro oficiante sempre que entender necessária à salvaguarda da
investigação, do interesse coletivo ou direitos da personalidade dos trabalhadores envolvidos,
especialmente nos casos de assédio moral ou de assédio sexual, nos quais a prova é de difícil
constituição. 2) Sempre que possível, nos casos que envolvam assédio moral ou assédio sexual, há
de se privilegiar a oitiva de ex-empregados da parte investigada como forma de diminuir o receio
da parte hipossuficiente vulnerável na relação de trabalho.
A NF será registrada no sistema informatizado de controle do MPT e distribuída livre e
aleatoriamente entre os procuradores com atribuição para apreciá-la, podendo ser essa distribuição
de forma independente ou por prevenção.
A distribuição por prevenção ocorre na hipótese de ser noticiado um fato que já for
objeto de procedimento em curso, podendo ser analisada a prevenção por conexão - se houver
identidade temática - ou por aproximação temática. Os critérios de distribuição constam da
Resolução 132/2016 do CSMPT, que estabelece:
Art. 23. Nas hipóteses de conexão e de pertinência ou aproximação temática
haverá distribuição por prevenção, utilizando os seguintes parâmetros
I – Ensejam prevenção por conexão:
a) procedimento de investigação em andamento, indeferido ou arquivado há
menos de 6 (seis) meses, em face do mesmo investigado, versando sobre o (s)
mesmo (s) tema (s) da nova notícia de fato; (Redação dada pela Resolução
CSMPT nº 153, de 16/08/2018).
b) procedimento de investigação, com assinatura de Termo de Ajuste de
Conduta (TAC), em acompanhamento ou arquivado, em face do mesmo
investigado, envolvendo o (s) mesmo (s) tema (s) da nova notícia de fato;
c) ação em face do mesmo investigado, baseada no (s) mesmo (s) tema (s) da
nova notícia de fato.
II - Ensejam prevenção por pertinência ou aproximação temática:
a) procedimento de investigação em andamento, indeferido ou arquivado há
menos de 6 (seis) meses, em face do mesmo investigado, contendo pelo menos
um dos temas integrantes da mesma área temática correspondente à nova
notícia de fato, com base no elenco do Temário Unificado do MPT, observada
a regra do parágrafo único do art. 4º da Resolução nº 69/2007 do CSMPT;
(Redação dada pela Resolução CSMPT nº 153, de 16/08/2018).
b) procedimento de investigação, com assinatura de TAC, em
acompanhamento ou arquivado, em face do mesmo investigado, contendo pelo
menos um dos temas integrantes da mesma área temática correspondente à
nova notícia de fato, com base no elenco do Temário Unificado do MPT;
c) ação, tramitando ou arquivada, em face do mesmo investigado, abrangendo
pelo menos um dos temas integrantes da mesma área temática correspondente
à nova notícia de fato, com base no elenco estabelecido no Temário Unificado
do MPT.
§ 1º. O período de seis meses, mencionado neste artigo, é contado a partir da
publicação da decisão proferida pela Câmara de Coordenação e Revisão.
(Incluído pela Resolução CSMPT nº 153, de 16/08/2018).
§ 2º. Não haverá distribuição por prevenção na modalidade pertinência ou
aproximação temática em relação a procedimento ou ação vinculados a ofício
que não mais integre o núcleo e/ou divisão especializada na matéria. (Incluído
pela Resolução CSMPT nº 153, de 16/08/2018).
A CCR, para análise da existência da conexão ou aproximação temática, tem se pautado
nos grupos temáticos e assuntos existentes no Temário Unificado do Ministério Público do
Trabalho (Resolução 76/2008 do CSMPT): meio ambiente de trabalho, trabalho análogo ao
de escravo, fraudes trabalhistas, trabalho na administração pública, trabalho portuário e
aquaviário, igualdade e discriminação, trabalho de criança e adolescente, liberdade sindical e temas
gerais.
Ainda para análise da prevenção, deve-se verificar se não se trata de hipótese de
desarquivamento do inquérito civil, diante de novas provas ou fatos novos relevantes, o que poderá
ocorrer no prazo máximo de 06 meses após o arquivamento do IC. Sobre a contagem do prazo, o
Enunciado 18 da CCR esclarece que:
ENUNCIADO 18/CCR
CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. DENÚNCIA COM OBJETO IDÊNTICO
A INVESTIGAÇÃO ANTERIORMENTE ARQUIVADA. LIMITE TEMPORAL DE SEIS
MESES. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO DO ART. 12, DA RES.
69/CSMPT. Considera-se o marco inicial para contagem do prazo previsto no caput do artigo 12
da Resolução 69/CSMPT a data da publicação da deliberação desta Câmara, homologando o
arquivamento promovido, eis que este somente se aperfeiçoa com a homologação do colegiado
com atribuição para tanto.
ENUNCIADO 09/CCR
NOTÍCIA DE FATO. INÉPCIA. NOTIFICAÇÃO DO DENUNCIANTE PARA
ESCLARECER OS FATOS. NÃO HOMOLOGAÇÃO DO ARQUIVAMENTO QUANDO
EXISTENTES INFORMAÇÕES MÍNIMAS PARA A ATUAÇÃO MINISTERIAL. 1. Não
se considera inepta a notícia de fato que contenha elementos mínimos para dar ensejo a sua
investigação, como a identificação do denunciado e a delimitação do objeto a ser apurado. 2.
Constatado que a notícia de fato apresenta esses elementos mínimos à persecução ministerial, a
circunstância de o denunciante não ter prestado maiores esclarecimentos sobre os fatos
denunciados não impede a deflagração da investigação e não autoriza o arquivamento liminar do
feito, uma vez possível ao órgão oficiante diligenciar minimamente, por qualquer meio instrutório,
para apurar a veracidade dos fatos noticiados e avaliar com maior acuidade a viabilidade do
prosseguimento do feito. 3. Uma vez verificado que a notícia de fato, apesar dos esforços
engendrados pelo órgão oficiante, não ostenta condições ínfimas de prosseguimento, poderá o
membro relator da CCR homologar a promoção de arquivamento, devolvendo os autos à origem,
desde que inexistente recurso administrativo no feito
A NF também poderá ser arquivada quando seu objeto puder ser solucionado em atuação
mais ampla e mais resolutiva, mediante ações, projetos e programas alinhados ao Planejamento
Estratégico de cada ramo.
Em relação à possibilidade de indeferimento pela ausência de lesão a interesses tuteláveis
pelo MPT, a atuação do MPT deve priorizar as questões que tenham repercussão social. Essa
análise será feita sob um viés qualitativo e quantitativo.
Com efeito, incumbe ao MPT atuar em casos de lesão ou ameaça de lesão a direitos de
trabalhadores, especialmente em situação de vulnerabilidade, tais como: a) trabalhadores com
idade inferior a 18 anos; b) trabalhador com deficiência ou reabilitado; c) trabalhadores com
doença grave definida em lei; d) trabalhadores analfabetos ou analfabetos funcionais; e)
trabalhadores idosos, considerados aqueles com mais de 60 (sessenta) anos e f) trabalhadores
estrangeiros que não têm situação regularizada no país (Enunciado 31, da CCR).
Também haverá repercussão social relevante para atuação do MPT as notícias de fato
envolvendo as temáticas principais de atuação: a) saúde e segurança no meio ambiente de trabalho,
b) trabalho análogo ao de escravo, c) fraudes na relação de trabalho, d) trabalho na administração
pública, e) trabalho portuário e aquaviário, f) discriminação de trabalhadores, g) trabalho infantil
em qualquer de suas formas, h) violação a liberdade sindical e greve.
Nesse caminho, a CCR tem enunciados que buscam uniformizar a atuação do MPT e
definir os contornos dos temas objeto de atuação da instituição:
ENUNCIADO 22/CCR
INDEFERIMENTO OU ARQUIVAMENTO LIMINAR DAS NOTÍCIAS DE FATO.
REMESSA AO ÓRGÃO REVISIONAL. INTELIGÊNCIA DAS RESOLUÇÕES NºS
69/2007 DO CSMPT E 174/2017 DO CNMP. IDENTIFICAÇÃO DAS LESÕES OU
AMEAÇAS DE LESÕES AOS INTERESSES E DIREITOS TUTELÁVEIS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. PROPOSIÇÃO DE UMA ATUAÇÃO
ESTRATÉGICA ALINHADA COM AS METAS INSTITUCIONAIS. HARMONIA DOS
PRINCÍPIOS DA UNIDADE E DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL. 1. O membro, ao
utilizar o permissivo do indeferimento ou arquivamento liminar de Notícia de Fato, observada a
independência funcional, deve verificar a pertinência das metas institucionais ao caso concreto,
preservando-se, assim, a unidade institucional, visando um contemporâneo Ministério Público do
Trabalho pró ativo e resolutivo; 2. As metas institucionais do Ministério Público do Trabalho são
identificadas no planejamento estratégico nacional e nas agendas estratégicas locais, bem como nas
orientações, projetos, resultados dos grupos de trabalho e conclusões dos grupos de estudos das
Coordenadorias Nacionais Temáticas, e, ainda, nos enunciados e na jurisprudência da Câmara de
Coordenação e Revisão; 3. A reforma trabalhista compõe elemento novo, que pode ensejar
violações a direitos sociais fundamentais dos trabalhadores. A interpretação e o controle de
constitucionalidade ou convencionalidade das novidades introduzidas pela lei 13.467/2017 devem
ser também objeto da atividade de coordenação, integração e revisão da CCR, tratando-se de
matéria com relevância estratégica no atual cenário jurídico; 4. As Notícias de Fato indeferidas ou
arquivadas com fundamento na aplicação e interpretação de dispositivos das leis 13.429/17 e
13.467/17 e nos atos normativos subsequentes, bem como as relativas às metas mencionadas no
item 2, não traduzem evidência da inexistência de lesão aos interesses tuteláveis pelo MPT, motivo
pelo qual devem ser encaminhadas à Câmara de Coordenação e Revisão para exercício do seu papel
uniformizador da atividade finalística.
ENUNCIADO 28/CCR
REPERCUSSÃO SOCIAL RELEVANTE. ESPECIFICIDADE DA MATÉRIA. IMPACTO
NA EFETIVIDADE DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. Consideram-
se de repercussão social relevante para atuação do Ministério Público do Trabalho as notícias de
fato envolvendo as situações relativas às seguintes matérias, independentemente do número e da
vulnerabilidade dos trabalhadores envolvidos: a) a segurança e a saúde no trabalho, exceto quando
houver pequeno potencial de risco; b) o atentado ao exercício do direito de greve; c) a inclusão da
pessoa com deficiência ou reabilitada; d) a exploração do trabalho infantil em qualquer de suas
formas; e) a verificação do cumprimento da cota de aprendizagem; f) a submissão de pessoas à
condição análoga a de escravo; g) o tráfico de pessoas, visando o trabalho forçado ou a exploração
sexual comercial; h) a discriminação de trabalhadores em qualquer de suas formas; i) o assédio
moral, o assédio sexual e o abuso do poder hierárquico do empregador; j) a prática de atos
antissindicais; k) a fraude na relação de trabalho; l) o trabalho do indígena; m) o não pagamento de
salário, caracterizando mora salarial; n) a ameaça à liberdade de expressão, religiosa, de pensamento,
de privacidade ou de reunião/associação.
ENUNCIADO 29/CCR
REPERCUSSÃO SOCIAL RELEVANTE. URGÊNCIA E GRAVIDADE DA SITUAÇÃO.
ACIDENTE DO TRABALHO. Considera-se de repercussão social relevante para atuação do
MPT a notícia de fato referente a acidente do trabalho, que demonstre potencial de risco para a
saúde dos trabalhadores em razão do ambiente de trabalho ou da execução do contrato de trabalho.
ENUNCIADO 30/CCR
REPERCUSSÃO SOCIAL RELEVANTE. REALIDADE SOCIAL E ECONÔMICA NO
TEMPO E ESPAÇO. Para efeito de atuação do Ministério Público do Trabalho, consideram-se
de repercussão social relevante as notícias de fato referentes a situações envolvendo número
significativo de trabalhadores e/ou que causem comoção social, ampla divulgação e indignação
popular nos âmbitos municipal, estadual ou nacional.
ENUNCIADO 31/CCR
REPERCUSSÃO SOCIAL RELEVANTE. VULNERABILIDADE DOS
TRABALHADORES ENVOLVIDOS. Para efeito de atuação imediata do Ministério Público do
Trabalho, consideram-se de repercussão social relevante as notícias de fato referentes a lesão ou
ameaça de lesão a direitos de trabalhadores em situação de vulnerabilidade, tais como: a)
trabalhadores com idade inferior a 18 anos; b) trabalhador com deficiência ou reabilitado; c)
trabalhadores com doença grave definida em lei; d) trabalhadores analfabetos ou analfabetos
funcionais; e) trabalhadores idosos, considerados aqueles com mais de 60 (sessenta) anos e f)
trabalhadores estrangeiros que não têm situação regularizada no país.
Impende destacar, por fim, que a cessação das irregularidades denunciadas em na unidade da
empresa indicada na NF, por si só, não autoriza o arquivamento, devendo haver a cessão do ilícito
em todas as unidades existentes na base territorial de atuação do Procurador Oficiante.
ENUNCIADO 06/CCR
MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. IRREGULARIDADES EM EMPRESA DE
CONSTRUÇÃO CIVIL. CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES APENAS EM DETERMINADO
CANTEIRO DE OBRA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE PERDA DE OBJETO. Quando a
denúncia referir-se a descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho em empresa de
construção civil, a investigação não perde o objeto mesmo que cessadas as atividades no canteiro-
de-obra indicado na representação. A notícia de fato somente deve ser arquivada quando houver
prova da inexistência de outras obras na base territorial de atuação do Procurador Oficiante, o que
pode ser obtido mediante declaração do CREA, da SRTE, do denunciante, de testemunhas ou
qualquer outro meio idôneo de prova.
Havendo o arquivamento ou indeferimento liminar da NF, o noticiante será cientificado da
decisão de arquivamento preferencialmente por correio eletrônico, cabendo recurso no prazo de
10 dias. A cientificação é facultativa no caso de a NF ter sido encaminhada em face de dever de
ofício.
O recurso será protocolado na secretaria do órgão que a arquivou e juntado à NF, que
deverá ser remetida, no prazo de 3 dias, ao CSMPT ou à CCR para apreciação, caso não haja
reconsideração. Não havendo recurso, a NF será arquivada no órgão que a apreciou.
3.7.1. Conceito
O art. 5º da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85) assegura a legitimidade concorrente
somente para a ACP, sendo legitimidade exclusiva do MP a presidência do IC.
Contudo, o IC poderá ser instaurado por provocação: a) de ofício, b) mediante requerimento ou
representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do MP, ou
qualquer autoridade, desde que forneça, por qualquer meio legalmente permitido, informações
sobre o fato e seu provável autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação
e localização; c) por designação do PGT, do CSCMPT, CCR e demais órgãos superiores da
Instituição, nos casos cabíveis (art. 2º, Resolução 69/2007, CSMPT).
143
Art. 4º O inquérito civil será instaurado por portaria, numerada em ordem crescente, renovada anualmente,
devidamente registrada em livro próprio e autuada, contendo: I – o fundamento legal que autoriza a ação do
Ministério Público do Trabalho e a descrição do fato objeto do inquérito civil; II – o nome e a qualificação possível
da pessoa jurídica e/ou física a quem o fato é atribuído; III – o nome e a qualificação possível do autor da representação,
se for o caso; IV – a data e o local da instauração e a determinação de diligências iniciais; V – a designação do secretário,
mediante termo de compromisso, quando couber; VI - a determinação de afixação da portaria em quadro de aviso
acessível ao público, bem como a de remessa de cópia para publicação (art. 4º, Resolução 69/2007, CSMPT).
Apesar de inexistir a previsão de condução coercitiva do investigado na LC 75/93, é possível admitir sua
condução coercitiva com base no art. 26, I, a, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público
estadual), que autoriza a condução coercitiva em caso de não comparecimento injustificado do depoente.
Observe-se que a condução coercitiva somente será requisitada se a ausência for injustificada, não
podendo ser utilizada em casos de ausência justificada do depoente.
Ainda, a possibilidade de condução coercitiva se sustenta na Teoria dos Poderes implícitos, com
aplicação analógica da norma que permite às CPIs a convocação compulsória de investigados.
Contudo, há corrente em sentido contrário que entende que o art. art. 26, I, a, da Lei 8.625/93 não foi
recepcionado, baseada na fundamentação das ADPFs 395 e 444, nas quais o STF declarou que a
condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, com base no art. 260 do Código de
Processo Penal (CPP), não foi recepcionada pela CR/88.144
144
1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Constitucional. Processo Penal. Direito à não
autoincriminação. Direito ao tempo necessário à preparação da defesa. Direito à liberdade de locomoção. Direito à
presunção de não culpabilidade. [...]. 4. Presunção de não culpabilidade. A condução coercitiva representa restrição
temporária da liberdade de locomoção mediante condução sob custódia por forças policiais, em vias públicas, não
sendo tratamento normalmente aplicado a pessoas inocentes. Violação. 5. Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,
da CF/88). O indivíduo deve ser reconhecido como um membro da sociedade dotado de valor intrínseco, em
condições de igualdade e com direitos iguais. Tornar o ser humano mero objeto no Estado, consequentemente,
contraria a dignidade humana (NETO, João Costa. Dignidade Humana: São Paulo, Saraiva, 2014. p. 84). Na
condução coercitiva, resta evidente que o investigado é conduzido para demonstrar sua submissão à força, o que
desrespeita a dignidade da pessoa humana. 6. Liberdade de locomoção. A condução coercitiva representa uma
supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. Há uma clara interferência na liberdade de
locomoção, ainda que por período breve. 7. Potencial violação ao direito à não autoincriminação, na modalidade
direito ao silêncio. Direito consistente na prerrogativa do implicado a recusar-se a depor em investigações ou ações
penais contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão de responsabilidade. Art. 5º,
LXIII, combinado com os arts. 1º, III; 5º, LIV, LV e LVII. O direito ao silêncio e o direito a ser advertido quanto ao
seu exercício são previstos na legislação e aplicáveis à ação penal e ao interrogatório policial, tanto ao indivíduo preso
quanto ao solto – art. 6º, V, e art. 186 do CPP. O conduzido é assistido pelo direito ao silêncio e pelo direito à respectiva
advertência. Também é assistido pelo direito a fazer-se aconselhar por seu advogado. 8. Potencial violação à presunção
de não culpabilidade. Aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas – art. 5º,
LVII. A restrição temporária da liberdade e a condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são
tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado é claramente tratado como
culpado. 9. A legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. O direito de ausência,
por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva. 10. Arguição julgada procedente, para declarar a
incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório,
tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão
“para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP. (ADPF 444, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 14/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 21-05-2019 PUBLIC 22-05-2019)
75/93 e 330 do Código Penal (CP) e ainda a tipificação legal prevista no art. 10 da Lei 7347/85
(LACP)145.
Se, no curso do IC, novos fatos indicarem necessidade de investigação de objeto diverso do
que estiver sendo investigado, o membro do MPT poderá aditar a portaria inicial ou determinar a
extração de peças para instauração de outro IC, respeitadas as normas incidentes quanto à divisão
de atribuições.
Na fase de conclusão, o procurador irá se manifestar a respeito da existência ou não de
violação a direitos tuteláveis pelo MPT e proporá TAC, outra medida judicial cabível ou a
promoção de arquivamento do IC.
A decisão de arquivamento do IC configura ato administrativo complexo, uma vez que
depende da vontade do membro do MPT e da ratificação da decisão pela CCR. Observe-se que o
IC arquivado deverá ser remetido à CCR, no prazo de 03 dias, sob pena de falta grave.
Nos moldes estabelecidos pela Resolução 69/2017 do CSMPT (art. 9º), o IC deverá ser
concluído no prazo de 01 ano, prorrogável pelo mesmo prazo quantas vezes forem necessárias,
por decisão fundamentada. Observa-se que se suspende o curso do prazo dos procedimentos em
trâmite nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro (art. 9º, §2º, Resolução
23/2007, CNMP).
Se o membro oficiante concluir que a matéria seja de atribuição de outro ramo do
Ministério Público, deverá submeter sua decisão à CCR, no prazo de 03 dias.
Por fim, observa-se que a prévia instauração de inquérito civil não constitui condição de
procedibilidade para o ajuizamento de ação civil pública (art. 1º, da Resolução 69/2017, CSMPT).
A CR/88, no art. 129, VI, inclui entre as funções do MP, “expedir notificações nos
procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para
instruí-los, na forma da lei complementar respectiva”. A LC 75/93 regulamentou o referido
dispositivo, dispondo que, o MPU, no exercício de suas funções poderá: i) notificar testemunhas
e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada, ii) requisitar informações,
exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; iii)
requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais
145
Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000
(mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos
indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.
necessários para a realização de atividades específicas; iv) realizar inspeções e diligências
investigatórias; v) ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas
constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; vi) expedir notificações e intimações
necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar; vii) ter acesso incondicional a qualquer
banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; viii) requisitar o
auxílio de força policial.
Trata-se do poder de requisição do MP, que possibilita ao procurador do trabalho expedir
notificações e requisições, independentemente da instauração prévia de procedimento
administrativo ou inquérito civil ou de requisição ao Poder Judiciário. A Constituição garante,
assim, que o parquet realize as diligências necessárias ao fiel cumprimento de suas funções
institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas.
O MP estabelecerá um prazo razoável para atendimento das requisições, observando-se o limite de
até 10 dias úteis para atendimento, prorrogável mediante solicitação justificada, conforme o art.
8, §5º, da LC 75/93.
Cuidado! A Lei 7.347/85, em seu art. 8º, §1º, também prevê o poder de requisição, ao estabelecer a
possibilidade de o MP “requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações,
exames ou perícias”. Todavia, prevê que o prazo não poderá ser inferior a 10 dias úteis.
Considerando que a LC 75/93 regula a atividade do MP, deve prevalecer o prazo previsto na lei própria,
ou seja, até 10 dias úteis.
Observe que não cabe a recusa da requisição sob a exceção de sigilo por parte das autoridades,
devendo ser preservado o caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento
que seja fornecido ao MP.
O uso indevido das informações requisitadas acarreta a responsabilidade civil e criminal do
membro do MPT, consoante a previsão do art. 8, §1º, da LC 75/93.
Cuidado! O art. 8º, §2º, da Lei 7.347/85 prevê que, nos casos em que a lei impuser sigilo, “poderá ser
negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles
documentos, cabendo ao juiz requisitá-los”. Essa previsão não prevalece, diante do teor da LC
75/93.
SIGILO BANCÁRIO E FISCAL
A quebra do sigilo bancário146 e fiscal147 é matéria sujeita a reserva de jurisdição, pelo que o acesso às
informações protegidas por sigilo depende de prévia autorização judicial (art. 5º, XII, da CR/88),
ressalvada a competência extraordinária das comissões parlamentares de inquérito (CPIs), que possuem
poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, §3º, CR/88) e o FISCO (art. 6º da
LC 105/2001 e art. 198 do Código Tributário Nacional).
No RE 601314, com repercussão geral, o STF julgou constitucional o art. 6º da LC 105/2001, sob o
fundamento de que não há quebra de sigilo bancário, mas somente a “transferência de sigilo” dos
bancos ao Fisco, isso porque as informações são passadas em caráter sigiloso e permanecem de forma
sigilosa na Administração Tributária.
Com base nesse dispositivo, sustenta-se que o MP poderia solicitar os dados bancários e fiscais de
contribuintes ao FISCO, sem a intermediação prévia do Poder Judiciário.
146
Mandado de Segurança. Sigilo bancário. Instituição financeira executora de política creditícia e financeira
do Governo Federal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos destinados a
instruir procedimentos administrativos de sua competência. 2. Solicitação de informações, pelo Ministério Público
Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, com base em
plano de governo, a empresas do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante de não poder informar os
beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei nº
4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do Banco do Brasil S/A não é autoridade, para efeito do art.
8º, da LC nº 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica
e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem jurídica confere explicitamente poderes
amplos de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e
IV, e § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações
sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob
invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento
administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6.
No caso concreto, os empréstimos concedidos eram verdadeiros financiamentos públicos, porquanto o Banco do
Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre
sua concessão e ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica
ao setor produtivo, de acordo com a Lei nº 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido. (MS 21729, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em
05/10/1995, DJ 19-10-2001 PP-00033 EMENT VOL-02048-01 PP-0-0067 RTJ VOL-00179-01 PP-00225).
147
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-
TRIBUTÁRIO EM CURSO. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. MINISTÉRIO PÚBLICO: QUEBRA DE
SIGILO FISCAL. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA. PRECEDENTES. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. [...]jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou a ilegitimidade do
Ministério Público para determinar a quebra de sigilo fiscal de contribuinte sem prévia autorização judicial
fundamentada”. (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 523.142 DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min.
CÁRMEN LÚCIA, julgado em 11/02/2014, PUBLIC 20/02/2014).
Como regra, a jurisprudência do STF não admite o acesso direto do MP a documentos e informações
protegidos por sigilo bancário e fiscal, exigindo a autorização judicial para quebra do sigilo.
Contudo, no RE 1055941, de Relatoria do Ministro Dias Toffoli, em que se discutia, à luz dos arts. 5º,
X e XII, 145, § 1º, e 129, inc. VI, da CR/88, a possibilidade de compartilhamento com o Ministério
Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no
legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização prévia do Poder Judiciário, foi fixada a
seguinte tese:
1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do
procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os
órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização
judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente
instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela
RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com
garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração
e correção de eventuais desvios.148
Portanto, somente na hipótese em que houver suspeita de crime (“para fins criminais”), está autorizado
o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira e de procedimentos fiscalizatórios da
Receita Federal com órgãos de persecução penal, sem prévia autorização da Justiça.
148
Ementa Repercussão geral. Tema 990. Constitucional. Processual Penal. Compartilhamento dos Relatórios de
inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil com os órgãos
de persecução penal para fins criminais. Desnecessidade de prévia autorização judicial. Constitucionalidade
reconhecida. Recurso ao qual se dá provimento para restabelecer a sentença condenatória de 1º grau. Revogada a
liminar de suspensão nacional (art. 1.035, § 5º, do CPC). Fixação das seguintes teses: 1. É constitucional o
compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da
Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins
criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos
formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional; 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB
referido no item anterior deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo,
certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
(RE 1055941, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2019, Publicado em 18/03/2021)
149
. EMENTA Recurso ordinário em habeas corpus. Ação penal. Associação criminosa, fraude a licitação, lavagem de
dinheiro e peculato (arts. 288 e 313-A, CP; art. 90 da Lei nº 8.666/93; art. 1º da Lei nº 9.613/98 e art. 1º, I e II, do DL
3.7.6. Valoração das Provas
3.8.1. Conceito
O Termo De Ajuste de Conduta (TAC) constitui-se no instrumento formal assinado entre o MPT
e o investigado contendo cláusulas com obrigações para ajustamento da conduta da parte às
exigências legais e constitucionais, definindo o tempo, modo e lugar de adequação, sob pena de
multas pecuniárias em caso de descumprimento.
O TAC é um título executivo extrajudicial (art. art. 5º, §6º, da Lei 7.347/85 e art. 876, da CLT)
e um mecanismo alternativo de resolução de conflitos. Ainda, a Resolução 179/2017 do
CNMP prevê que o compromisso de ajustamento de conduta é um negócio jurídico.
Em relação a essa natureza negocial do TAC, ressalta-se que o MPT apenas irá transigir as
condições de cumprimento das exigências legais (tempo, modo, lugar e cominações) e a
mitigação e indenização dos danos, não sendo permitido ao membro do parquet concordar com
a dispensa de obrigações previstas em lei por parte daquele que se compromete através do termo
(art. 1, §1º da Resolução 179/2017 do CNMP).
Ainda, irá o membro do MPT se comprometer com a parte contrária a não ajuizar a ação civil
pública, ou outra medida judicial cabível, se houver a adequação da conduta do compromitente
no prazo e condições pactuados no termo.
NATUREZA JURÍDICA
Há quem, de outro lado, sustentasse a natureza jurídica do TAC como ato jurídico unilateral,
tendo em vista a indisponibilidade e a natureza extrapatrimonial dos interesses envolvidos, pelo
qual no termo haverá o compromisso do infrator em adequar seu comportamento às exigências
legais, não havendo assunção de compromissos ou concessões pelo MPT.
3.8.3. Legitimidade para propositura
Consoante o art. 5º, §6º, da lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), os órgãos públicos poderão
tomar dos interessados compromisso de ajuste de conduta às exigências legais, mediante sanções,
dentre os legitimados está o MPT.
Assim, possuem legitimidade para tomada do TAC: a) MPT; b), União, Estados, Municípios e
DF; c) autarquias e fundações de direito público.
Observe-se, pois, que não são todos os legitimados para propositura da ACP que podem propor o
TAC. Não poderão tomar o compromisso de ajuste de conduta as sociedades de economia mista,
empresas públicas e fundações privadas.
Observe-se que, se o TAC é firmado perante legitimado distinto do MPT, deverá haver a
intervenção obrigatória do parquet.
Já, como legitimado passivo, podem se comprometer todos aqueles que possuem capacidade de se
obrigar, como pessoas naturais, pessoas jurídicas de direito privado, órgão público, pessoas sem
personalidade jurídica.
O TAC poderá ser tomado em qualquer fase da investigação, nos autos de IC ou procedimento
correlato ou ainda no curso da ação judicial (art. 3º da Resolução 179/2017 do CNMP).
Em relação à notícia de fato (NF), o art. 3º da Resolução 179/2017 do CNMP não traz
expressamente que seria admitido o TAC no bojo da NF. Contudo, a única vedação existente é a
vedação de expedição de requisições, conforme determina a Resolução 174/2007, pelo que é
possível se admitir a tomada de TAC ainda no prazo da NF.
Observa-se que a celebração do TAC com o MPT não afasta a eventual responsabilidade
administrativa ou penal pelo mesmo fato, nem importa, automaticamente, no reconhecimento de
responsabilidade para outros fins que não os estabelecidos expressamente no compromisso (art.
1º, §3º da Resolução 179/2017 do CNMP)
3.8.6. A multa do TAC
O art. 5, §6º da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) prevê que o TAC será tomado “mediante
cominações”. Diante dessa previsão, em regra, quanto firmado o termo de compromisso, é fixada
uma multa pecuniária em caso de inadimplemento do compromitente.
No mesmo sentido, o art. 4º da Resolução 179/2017 do CNMP estabelece que “o compromisso
de ajustamento de conduta deverá prever multa diária ou outras espécies de cominação para o caso
de descumprimento das obrigações nos prazos assumidos”.
Em casos excepcionais e devidamente fundamentados, será possível que a penalidade seja fixada
judicialmente em caso de execução do TAC. Nesse sentido, o Enunciado 11 da CCR prevê que
é possível a dispensa parcial ou integral da multa, quando o interesse público assim o exigir e a
medida se revelar oportuna e compatível com as metas do MPT.
ENUNCIADO Nº 11/CCR.
EXECUÇÃO DE TAC/ACP. No processo de execução de TAC ou ACP o Procurador oficiante,
no exercício de sua independência funcional e de acordo com seu juízo de conveniência e
oportunidade, poderá renegociar prazos e condições de cumprimento das obrigações principais,
bem como o valor da multa respectiva, inclusive para dispensá-la parcial ou integralmente, quando
o interesse público assim o exigir e a medida se revelar oportuna e compatível com as metas do
Ministério Público do Trabalho.
Impende destacar que a regularização da situação no curso do procedimento não justifica a não
assinatura do TAC, uma vez que o ajustamento da conduta não se refere apenas aos danos
causados, mas também possui caráter inibitório da conduta no futuro.
Em relação à natureza jurídica da multa pecuniária, prevalece o entendimento de que se trata de
astreinte, porque tem a finalidade de constranger o compromitente a cumprir o pactuado e
adequar sua conduta aos parâmetros legais (coerção indireta), não se sujeitando à limitação de valor
do art. 412 do CC. Diferentemente da cláusula penal, que tem a finalidade de sancionar o
inadimplemento e não pode ultrapassar o valor da obrigação principal.
Em geral, por tutelar interesses transindividuais, a multa pelo descumprimento do TAC é revertida
a fundos federais, estaduais e municipais, conforme previsto no art. 13 da Lei 7.347/85. Na seara
trabalhista, usualmente a multa é revertida ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), destinado
ao custeio do seguro-desemprego, abono salarial e financiamentos de programas sociais
Contudo, o art. 13 da Lei 7.347/85 estabelece que a pena pecuniária seria revertida a um fundo
com participação necessária do MP e com a finalidade de reconstituição dos bens lesados, fundo
este que ainda não foi criado para as demandas trabalhistas.
Por essa razão em decorrência da ineficiência da gestão do FAT na reconstituição dos bens lesados,
ganha força a corrente que sustenta que o valor da multa pelo descumprimento do TAC deverá
ser revertido a fundos específicos, como o FIA (Fundo Especial para Infância e Adolescência) ou
para outros órgãos públicos ou instituições privadas, com a finalidade de reconstituição dos bens
lesados.
Nesse caminho, o art. 5º da Resolução 179/2017 do CNMP previu que é admissível a
destinação da multa a projetos de prevenção ou reparação dos de bens jurídicos, ao apoio a
entidades cuja finalidade institucional inclua a proteção aos direitos violados, a depósito em contas
judiciais ou a fundos que tenham a finalidade compatível com a natureza e a dimensão do dano,
devendo, preferencialmente, os recursos serem revertidos em proveito da região ou pessoas
impactadas.
Por fim, o art. 11 da Resolução 179/2017 do CNMP determina que, havendo o descumprimento
do TAC deverá, no prazo máximo de 60 dias, ser executado o título executivo judicial, com
relação às cláusulas em que se constatar a mora ou inadimplência, podendo esse prazo ser excedido
se o compromissário, instado pelo órgão do MP, justificar satisfatoriamente o descumprimento ou
reafirmar sua disposição para o cumprimento.
O art. 6º, XX da LC 75/93 determina que compete ao MPU “expedir recomendações, visando à
melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses,
direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das
providências cabíveis”.
A expedição de notificações recomendatórias é uma medida de caráter preventivo, que visa
cientificar aquele que é notificado do entendimento jurídico do MPT acerca de determinada
questão, especialmente quando há múltiplas interpretações, exortando o destinatário a corrigir
falhas, bem como demarcando eventuais responsabilidades civis e criminais. Nesse sentido, a
Resolução 69/2007 do CSMPT e a Resolução 164/2017 do CNMP definem recomendação
como:
Art. 15, Resolução 69/2007. O Ministério Público do Trabalho, nos autos do inquérito civil ou
do procedimento preparatório, poderá expedir recomendações devidamente fundamentadas,
visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como aos demais interesses,
direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover.
Parágrafo único. É vedada a expedição de recomendação como medida substitutiva ao termo de
ajuste de conduta ou à ação civil pública.
Art. 1º, Resolução 164/2017. A recomendação é instrumento de atuação extrajudicial do
Ministério Público por intermédio do qual este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas
sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de
praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública
ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como
instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas.
Parágrafo único. Por depender do convencimento decorrente de sua fundamentação para ser
atendida e, assim, alcançar sua plena eficácia, a recomendação não tem caráter coercitivo.
Observe-se que a recomendação pode ter como destinatário qualquer pessoa, física ou jurídica, de
direito público ou privado, que tenha condições de fazer ou deixar de fazer alguma coisa para
salvaguardar interesses, direitos e bens de que é incumbido o MP (art. 4º, Resolução 164/2017,
CNMP).
A expedição de uma recomendação requer a existência de inquérito civil, procedimento
administrativo ou procedimento preparatório, salvo situação de urgência devidamente justificada.
Ainda, na recomendação deverão ser indicadas as providências a serem adotadas para a correção
das irregularidades, além de prazo razoável para adequação da conduta, ainda a natureza dos bens
jurídicos tutelados e eventual situação de urgência (art. 8º da Resolução 164/2017 do CNMP).
Observa-se que não há sanção pelo descumprimento da recomendação expedida pelo MPT, sua
força é “persuasiva, moral e política”150. Observe-se, todavia, que há necessidade de
acompanhamento, pelo procurador oficiante, a fim de se averiguar se houve o cumprimento pelo
destinatário dos termos da notificação recomendatória. Nesse sentido, o Enunciado 16 da CCR:
ENUNCIADO 16/CCR
NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA. NECESSÁRIA AVERIGUAÇÃO DO
ATENDIMENTO DOS SEUS TERMOS. A mera expedição de Notificação Recomendatória,
sem quaisquer subsídios posteriores que indiquem a regularidade da empresa denunciada, não
serve como fundamento para arquivamento da investigação. Necessidade de complementação
investigatória a fim de averiguar seu atendimento.
ACIDENTES EM BARRAGENS
Por intermédio do PGT e do Grupo de Trabalho “Prevenção de Acidentes em Barragens” (GT 01001-
19 - Portaria 337/2019), foram expedidas notificações recomendatórias às empresas mineradoras
responsáveis por diversas barragens no país que oferecem alto risco em caso de rompimento, cobrando a
confecção de planos de segurança das barragens e planos de emergência; a revisão periódica da segurança
das barragens; o cumprimento das normas de saúde e segurança; monitoramento das condições
150
CARNEIRO, Ricardo José das Mercês. Manual do Procurador do Trabalho. Teoria e prática. 2 ed. Salvador:
Juspodivm, 2017, p. 171.
operacionais que possam afetar a estabilidade das estruturas; a indicação das áreas próximas que não
devem ser ocupadas, exceto por atividades indispensáveis à manutenção e à operação da barragem; a
indicação do número trabalhadores próprios e terceirizados, envolvidos direta ou indiretamente, em sua
operação; as estratégias para, se necessário, alertar as comunidades potencialmente afetadas em caso de
emergência, entre outras recomendações.
1 Sobre a coordenadoria
151
CARNEIRO, Ricardo José das Mercês. Manual do Procurador do Trabalho. Teoria e prática. 2 ed. Salvador:
Juspodivm, 2017. p. 89.
aumento da eficiência e a efetividades de ações hoje existentes em governos, ONGs, instituições do
setor privado e na academia, por meio da produção e disseminação de conhecimento científico.
Por meio das estatísticas de acidentes de trabalho e notificações de acidentes de trabalho (CAT) no
Brasil, constantes do SmartLab, é possível observar a gravidade do problema a ser enfrentado pela
Coordenadoria.
Paraná 41433
Faxineiro 161.036
Ocupações com os maiores números de notificações acidentárias (2012-2021)
Fratura 843.597
Dedo 1.152.513
Joelho 244.838
152
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental brasileiro. São
Paulo: LTr, 2005. p. 321.
A CR/88, seguindo essa linha, “optou por um conceito amplo de meio ambiente,
reconhecendo a integração entre elementos naturais e socioculturais (ou artificiais)”153, pelo que
na proteção ao meio ambiente, inseriu se também o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII,
CR/88).
Assim, segundo Ney Maranhão154, meio ambiente é a “resultante da interação sistêmica de
fatores naturais, artificiais, culturais e laborais que influencia as condições de vida, em todas as suas
formas.”
Em específico, nas palavras de Celso Antônio Pacheco Fiorillo155, o meio ambiente do
trabalho é definido como o “local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais,
remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência
de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores,
independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade,
celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)”.
O meio ambiente hígido e equilibrado é um direito fundamental (art. 225 da CR/88156),
além de competir ao sistema único de saúde “colaborar na proteção ao meio ambiente, nele
compreendido o do trabalho” (art. 200, VIII, CR/88). Ainda, a Carta Magna estabelece
expressamente como direito social dos trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII).
Na via repressora, para fins de desestímulo à conduta violadora à higidez do meio ambiente
laboral, aponta-se o art. 7º, XXIII e XXVIII, da CR/88, que estabelecem a obrigação de
pagamento de adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas e
seguro contra acidentes de trabalho, além de indenização em caso de danos por dolo ou culpa.
Em razão da sua relevância social, a proteção do meio ambiente e da saúde também foi
erigida ao patamar de verdadeiro direito humano do trabalhador. Inclusive, o meio ambiente
já foi reconhecido como direito fundamental pelo STF, que afirmou, no MS 22164 (Relator Min.
Celso de Mello, 30.11.1995), que:
153
MARANHÃO, Ney. Meio Ambiente: Descrição Jurídico-Conceitual. Revista Magister de Direito Ambiental e
Urbanístico, v. 66, p. 39-70, 2016.
154
Idem.
155
MIRANDA, Alessandro Santos de. Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho
(Codemat). Coordenadorias temáticas. Organização: Ricardo José Macedo de Britto Pereira. Texto de abertura:
Sandra Lia Simon. Brasília: ESMPU, 2006.
156
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.
“O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração –
constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do
processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um
poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num
sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social.
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis) – realçam o princípio
da liberdade, e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e
culturais) –que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas –
acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que
materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas
as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”.
Além disso, foi reconhecido pelo STF, na ADPF 708, que os tratados internacionais sobre
meio ambiente são tratados de direitos humanos, pelo que ostentam a hierarquia de
supralegalidade.157
O tema ganha importância, em especial, após a criação da OIT, em 1919, que foi “um
marco da preocupação internacional com a saúde e segurança do trabalhador e a disponibilização
de um meio ambiente do trabalho adequado”.158
Observe-se que, inicialmente, desde a criação das primeiras leis que objetivavam a proteção
da saúde e segurança do trabalho até a criação da OIT, a preocupação da Medicina do Trabalho se
restringia a seleção de trabalhadores saudáveis e aptos ao trabalho. Não havia preocupação com a
157
O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação para: (i) reconhecer a omissão da União, em razão da não
alocação integral dos recursos do Fundo Clima referentes a 2019; (ii) determinar à União que se abstenha de se omitir
em fazer funcionar o Fundo Clima ou em destinar seus recursos; e (iii) vedar o contingenciamento das receitas que
integram o Fundo, fixando a seguinte tese de julgamento: "O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer
funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando
vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos
e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, par. 2º), bem como do princípio constitucional da
separação dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 9º, par. 2º, LRF)".
158
MELO, 2001, p; 47. CASAGRANDA, Mariana. Normas de proteção nacional e internacional do meio ambiente
de trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho.
vol. 02. Salvador: Juspodivm, 2015.
prevenção das doenças e acidentes ocupacionais e com o afastamento dos agentes agressivos à
saúde.159
Em 1948, foi criada a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH)160, iniciando-se uma nova etapa da Medicina do Trabalho,
denominada “Saúde Ocupacional”, preocupada com os agentes causadores das enfermidades dos
trabalhadores, desenvolvendo-se, nessa época, sobretudo, os estudos no campo da ergonomia.161
Por volta de 1970, observou-se a ineficácia da legislação e das medidas adotadas na melhoria das
condições de trabalho e no combate ao excessivo número de acidentes de trabalho, tendo em vista
que o trabalhador era “considerado mero espectador das políticas de saúde ocupacional”. A partir
de então, surgem novas leis com foco na participação do trabalhador nos programas de prevenção
de acidentes e doenças ocupacionais, surgindo uma nova etapa da Medicina do Trabalho,
denominada "saúde do trabalhador”.162
No âmbito da legislação protetiva internacional, ainda se destacam o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)163, de 1966, e o Protocolo de San
Salvador164, de 1998, que reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho
justas, equitativas e favoráveis, que assegurem especialmente a segurança e higiene do trabalho.
Diversas, também, são as Convenções da OIT que objetivam a proteção do ambiente de trabalho
e da saúde, segurança dos trabalhadores165, com especial destaque à Convenção 155 da OIT, de
159
OLIVEIRA, 1998, p. 59-60. Idem.
160
Artigo III. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
161
Ibidem, p. 63.
162
Ibidem, p. 65.
163
Artigo 7º. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de
trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: b) À segurança e a higiene no trabalho;
164
Artigo 7º. Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior,
pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas, equitativas e satisfatórias, para o que esses Estados
garantirão em suas legislações, de maneira particular: e. Segurança e higiene no trabalho.
165
“Diversas foram, até o momento, as Convenções estabelecidas no âmbito da OIT com objetivo de resguardar o
meio ambiente de trabalho (muitas delas ratificadas pelo Brasil). Podem-se citar, com o objetivo de melhoria do meio
ambiente do trabalho, as seguintes: Convenção n. 103 (amparo a maternidade); Convenção n. 115 (proteção contra
radiações ionizantes); Convenção n. 136 (proteção contra os riscos de intoxicação provocados pelo benzeno);
Convenção 139 (prevenção e controle de riscos profissionais causados pelas substâncias ou agentes cancerígenos);
Convenção n. 148 (proteção dos trabalhadores contra os riscos devido à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações
no local de trabalho); Convenção n. 152 (segurança e higiene nos trabalhos portuários); n. 161 (serviços de saúdo do
trabalho); n. 167 (saúde e segurança na construção); n. 174 (prevenção dos grandes acidentes industriais); n. 176 (saúde
e segurança nas minas). CASAGRANDA, Mariana. Normas de proteção nacional e internacional do meio ambiente
de trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol
02. Salvador: Juspodivm, 2015.
1981, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, e a Convenção
161 da OIT, de 1991, relativa aos Serviços de Saúde do Trabalho, ratificadas pelo Brasil.
Diante do relevo da Convenção 155 da OIT, importante realçar que o art. 3º dispõe que
“a expressão local de trabalho abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer
ou onde têm que comparecer, e que esteja sob o controle, direto ou indireto, do empregador” e
esclarece que “o termo saúde, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de
doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente
relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.
Vê-se, pois, que a convenção está em sintonia com o que preconiza a OMS, que considera
a saúde não só a ausência de doenças, mas o bem-estar humano em todas as suas dimensões166
(físico, mental e social)167, sendo dever do empregador o seu respeito diante da eficácia horizontal
dos direitos fundamentais (Drittwirkung der Grundrechte168).
Importante destacar, ainda em âmbito internacional, que Declaração da OIT sobre os
princípios e direitos fundamentais no trabalho de 1998 impôs a obrigação a todos os
membros, ainda que não tenham ratificado as convenções da OIT, de manutenção de um
ambiente de trabalho seguro e saudável, pelo que são de aplicação obrigatórias as Convenções 155
e 187 da OIT, com ou sem ratificação.169
No plano nacional e infraconstitucional, o art. 3º, I, da Lei 6.838/81 (Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente) trouxe uma definição restrita de meio ambiente, vinculada apenas
ao elemento físico, ao definir que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”. Em ampliação ao conceito, a Lei 9795/99, que estabelece a Política Nacional de
Educação Ambiental, define o “meio ambiente em sua totalidade, considerando a
166
O ser humano deve gozar do mais elevado nível de saúde (art. 10 do Protocolo de San Salvador, art. 12, PIDESC,
art. 25 DUDH, art. 6º e 196, CR/88).
167
Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO), de 1946.
168
O leading case que aplicou pela primeira vez a teoria da eficácia contra particulares dos direitos fundamentais foi
o Caso Lüth (Lüth-Urteil), de 1958, do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha
(Bundesverfassungsgerichtshof – BVerfG). (Cf. MIJANGOS Y GONZÁLEZ, Javier, La doctrina de la Drittwirkung
Der Grundrechte en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Revista Teoria y Realidad
Constitucional. N. 20. UNED, Madrid: centro de Estudos Ramón Areces, 2007. p. 583-608.
169
Todos os Membros da OIT, ainda que não tenham ratificado as Convenções nº 29, 87, 98, 100, 111, 105, 138, 182,
155 e 187 da OIT, têm o dever de respeitar e assegurar a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de
negociação coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; a eliminação da discriminação
em matéria de emprego e ocupação, a abolição efetiva do trabalho infantil e um ambiente de trabalho seguro e
saudável.
interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da
sustentabilidade” (art. 4º, II).
Ademais, a proteção ao meio ambiente laboral é positivada por intermédio da CLT (art.
154 e seguintes), tratando-se de regras mínimas que são regulamentadas por normas técnicas e
específicas sobre cada temática (Normas Regulamentares – NR), conforme estatui o art. 200, da
CLT. Atualmente são 35 NRs vigentes, que estabelecem padrões mínimos de observância sobre
saúde, segurança e medicina do trabalho.
Em destaque, a NR 1 trata das disposições gerais sobre saúde e segurança e sobre
gerenciamento de riscos ocupacionais (GRO). A NR 03170 complementa a CLT no que concerne
ao embargo de obra ou interdição de estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento.
As NRS 04 e 05, por sua vez, tratam dos órgãos de proteção à saúde e segurança do Trabalhador,
o Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) e a
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).
A NR 06 tem como objeto o fornecimento, uso, manutenção e fiscalização dos
Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e as NRs 07 e 09 determinam aos empregadores a
elaboração do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO)171 e o Programa
de Gerenciamento de Riscos (PGR)172.
As demais NRs contém disposições específicas do meio ambiente de trabalho: edificações
(NR 8), instalações e serviços em eletricidade (NR 10); transporte, movimentação, armazenagem
e manuseio de materiais (NR 11); máquinas e equipamentos (NR 12); caldeiras e vasos de pressão
(NR 13); fornos (NR 14); atividades e operações insalubres e perigosas (NR 15 e 16); ergonomia
(NR 17); indústria da construção (NR 18); explosivos (NR 19); líquidos combustíveis e
inflamáveis (NR 20); trabalho a céu aberto (NR 21); mineração (NR 22); proteção contra
incêndios (NR 23); condições sanitárias e de conforto (NR 24); resíduos industriais (NR 25);
sinalização de segurança (NR 26); fiscalização e penalidades (NR 28); trabalho portuário (NR 29);
trabalho aquaviário (NR 30); trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e
aquicultura (NR 31); trabalho em serviços de saúde (NR 32); trabalho em espaços confinados
170
A NR 02 e a NR 27 foram revogadas.
171
O PCMSO tem como objetivo realizar o controle da integridade física e mental dos trabalhadores, com a realização
de exames médicos admissionais, de mudança de função, retorno ao trabalho, demissionais e periódicos e emissão do
Atestado de Saúde Ocupacional (ASO)
172
O PGR compreende um conjunto de iniciativas para preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, com
levantamento de todos os riscos ocupacionais, e não somente os ambientais, existentes ou que possam vir a existir no
ambiente de trabalho, decorrentes das atividades desenvolvidas, com a indicação do nível de risco e sua classificação
para determinação das medidas de prevenção e o acompanhamento do controle dos riscos ocupacionais.
(NR 33); trabalho na construção e reparação naval (NR 34); trabalho em altura (NR-35); trabalho
em frigoríficos (NR 36) e trabalho em plataformas de petróleo (NR 37).
Há atualmente relevantes questões ligadas ao meio ambiente do trabalho são enfrentadas
pelos membros da Coordenadoria, destacando-se, dentre outras: a regularização das condições
ergonômicas, entre outras, dos operadores de teleatendimento; os prejuízos à saúde devido ao
contato dos profissionais com formol e a sílica; o trabalho degradante nos lixões; os prejuízos
causados pelo benzeno à saúde dos trabalhadores, as condições precárias de trabalho na construção
civil; a promoção do trabalho decente no setor sucroalcooleiro, o banimento do amianto no Brasil;
utilização indiscriminada de agrotóxicos; transporte irregular dos trabalhadores no sistema de
coleta de lixo; assédio moral e cobranças de metas e produtividade excessiva, além dos desafios
novos trazido pela pandemia e o processo de teletrabalho.
3 Princípios
173
Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: I - a prevenção e a precaução;
174
Art. 14. § 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
175
Princípio 16. As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o
uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar
com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos
investimentos internacionais.
176
Art. 4º. VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados
e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.
177
Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: II - o poluidor-pagador e o protetor-recebedor;
Art. 17 — Sempre que duas ou mais empresas desenvolverem simultaneamente
atividades num mesmo local de trabalho, as mesmas terão o dever de colaborar
na aplicação das medidas previstas na presente Convenção.
g) Princípio do desenvolvimento sustentável: O trabalho também deverá ser
desenvolvido com observância do princípio do desenvolvimento sustentável, de modo que haja
“compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilíbrio ecológico” (art. 4º, I, da Lei 9.638/81).
O art. 6º, Lei 12.305/10 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) menciona o
desenvolvimento sustentável como um dos princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos e
na Declaração de Joanesburgo de 2002 (Rio+10), restou assentado que o desenvolvimento
econômico deve ser acompanhado dos pilares interdependentes do desenvolvimento social e da
proteção ambiental.
h) Princípio da melhoria contínua: previsto no art. 2 da Convenção 187 da OIT,
impõe o dever de melhoria contínua das medidas de prevenção e controle, com o fim de prevenir
lesões enfermidades e mortes ocasionadas no trabalho, aprimorando-se de forma constante as
técnicas e métodos utilizados em acompanhamento ao desenvolvimento da tecnologia.
i) Princípio da participação: A necessidade de preservação do meio ambiente é coletiva,
tratando-se de um dever tanto do Poder Público, dos empregadores, como de toda a coletividade
(art. 225, caput da CR/88, art. 4º, V, da Lei 6.938/81178, Princípio 10 da Declaração do Rio de
1992179, art. 6º, VI, Lei 12.305/10180 (Política Nacional de Resíduos Sólidos)). Assim, a população
deve atuar diretamente na criação e execução de políticas públicas em matéria ambiental.
j) Princípio da ubiquidade: O meio ambiente está presente em toda parte, como direito
humano e fundamental, pelo que também alberga o ambiente de trabalho, que deverá ser
destinatário de políticas públicas, legislativas e sociais para proteção e preservação do meio
ambiente.
178
Art. 4º. V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais
e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio
ecológico;
179
Princípio 10. A melhor maneira de tratar questões ambientais e assegurar a participação, no nível apropriado, de
todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao
meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas
em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar de processos de tomada de decisões. Os Estados devem
facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos.
180
Art. 6º. VI - a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da
sociedade;
k) Princípio da informação ambiental: Pela análise conjunta art 4º, V, Lei 6.938/81,
art. 6º, X, Lei 12.305/10181 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), Princípio 10 da Declaração do
Rio de 1992 e Art. 2º da Lei 10.650/03182, que dispõe sobre o acesso público aos dados e
informações existentes nos órgãos ambientais, há um dever de transparência ambiental, com a
prestação de informações e disponibilização de documentos e procedimentos que tratam de
matéria ambiental.
4 Monetização da da saúde
A Convenção 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, trata da segurança e saúde dos
trabalhadores e estabelece que todo membro deverá reexaminar periodicamente a política nacional
em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e meio-ambiente de trabalho.
Ainda estabelece que se deve reduzir ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as
causas dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho. É que se denomina Princípio da
prioridade à eliminação do risco na fonte:
Art. 4 — 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais
representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as
condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar
periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde
dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho.
2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que
forem consequência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho,
ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que
for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de
trabalho.
181
Art. 6º. X - o direito da sociedade à informação e ao controle social;
182
Art. 2º Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do Sisnama,
ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de
matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual,
sonoro ou eletrônico, especialmente as relativas a: I - qualidade do meio ambiente; II - políticas, planos e programas
potencialmente causadores de impacto ambiental; III - resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de
controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas
degradadas; IV - acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais; V - emissões de efluentes líquidos e gasosos,
e produção de resíduos sólidos; VI - substâncias tóxicas e perigosas; VII - diversidade biológica; VIII - organismos
geneticamente modificados.
Em âmbito nacional, a CR/88 elenca o direito à saúde como um dos direitos sociais
fundamentais do trabalhador (art. 6º, caput) e enuncia o Princípio da prevenção à saúde do
trabalhador (art. 7º, XXII) ou também conhecido como Princípio do risco mínimo
regressivo: Art. 7º. XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança;
Portanto, a CR/88 também tem como primeiro propósito a redução máxima dos riscos,
com a eliminação do agente prejudicial. Contudo, existem três formas de proteger os trabalhadores
que exerçam suas funções em condições prejudiciais à saúde, perigosas ou penosas: a) proibição da
forma de trabalho, b) concessão de acréscimo monetário (monetização da saúde ou risco) ou c)
redução da jornada.
Portanto, a monetização da saúde é a expressão utilizada para se referir ao pagamento de
um adicional em decorrência da exposição do trabalhador a agentes nocivos à sua saúde. É a
compensação pecuniária pelos possíveis danos ocasionados à saúde do trabalhador.
Em relação aos ambientes insalubres, penosos e perigosos, o constituinte originário
brasileiro optou pela monetização da saúde ou do risco, conforme se infere do art. 7º, XXIII, da
CRFB/88: XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas,
na forma da lei;
Em âmbito infraconstitucional, a insalubridade e periculosidade são tratadas na CLT.
Entretanto, ainda não existe regulamentação sobre atividades penosas.
O trabalho insalubre é mencionado no art. 189 da CLT e os percentuais devidos de acordo
com o grau de intensidade da insalubridade são descritos em seu art. 192: Art. 189 - Serão
consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou
métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de
tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos
seus efeitos. Art. 192 - O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de
tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional
respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do
salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.
Por seu turno, o adicional de periculosidade é tratado em seu art. 193: Art. 193. São
consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo
Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho,
impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I - inflamáveis,
explosivos ou energia elétrica; II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades
profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. § 1º O trabalho em condições de periculosidade
assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos
resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. § 2º O empregado
poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. § 3º Serão
descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já
concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo. § 4º São também consideradas perigosas as
atividades de trabalhador em motocicleta.
As atividades insalubres e perigosas, além dos limites de tolerância a agentes nocivos à saúde
e medidas de proteção, são delineadas por meio de normas técnicas.183 As NR 15 e NR 16 tratam,
respectivamente, das atividades insalubres e perigosas.
O art. 19 da Lei 8.213/91184 conceitua o acidente típico de trabalho como todo evento
que decorre do exercício da atividade laboral a serviço da empresa e provoque lesão corporal ou
perturbação funcional responsável pela morte ou redução parcial ou total, temporária ou
permanente, da capacidade para o trabalho.
Portanto o acidente de trabalho típico é aquele que apresenta as seguintes características:
a) Causa: decorre do exercício do trabalho a serviço da empresa;
b) Tipo: acidente de trabalho;
c) Consequência: provoque lesão corporal ou perturbação funcional causando morte ou redução
da capacidade para o trabalho, permanente ou temporária;
O acidente de trajeto ou acidente in itinere, por sua vez, é o acidente que ocorre com o
empregado na ida ao empregado para o local de trabalho ou na sua volta, ou seja, no percurso casa-
trabalho-casa.185
183
Art. 190 - O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas
sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção
e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes.
Parágrafo único - As normas referidas neste artigo incluirão medidas de proteção do organismo do trabalhador nas
operações que produzem aerodispersóides tóxicos, irritantes, alérgicos ou incômodos.
184
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador
doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão
corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da
capacidade para o trabalho.
185
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
Observem que até se admite pequenos desvios de rota, desde que compatíveis com o trajeto de ida
e volta da residência para o trabalho, não se considerando como acidente de trajeto quanto é
interrompido ou alterado o trajeto por interesse pessoal do empregado.
Em relação às doenças, existem três definições diversas: doenças ocupacionais, doenças do trabalho
e doenças profissionais.
Doença ocupacional é o termo genérico que abrange as demais modalidades de doenças
relacionadas com o trabalho: doença profissional e doença do trabalho186.
A doença profissional decorre do exercício de uma atividade peculiar. Tratando-se de doença
típica de determinada profissão. Exemplificativamente, empregado minerador que trabalha
exposto ao pó de sílica e a silicose ou empregado que trabalha com amianto e a asbestose.
Já a doença do trabalho é desencadeada pelas condições especiais em que o trabalho é realizado,
ou seja, a doença do trabalho decorre da forma com que o trabalho é desempenhado ou das
condições específicas do ambiente de trabalho.
O primeiro passo para o enquadramento como acidente de trabalho ou doença ocupacional é a
comunicação da ocorrência ao INSS, que é dada pela CAT (comunicação de acidente de trabalho).
Art. 169, CLT. Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude
de condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as
instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho.
Observa-se que a partir da mera suspeita de doença relacionada ao trabalho é dever do empregador
e direito do empregado a emissão da CAT.
A CAT pode ser emitida pela empresa e também pelo o próprio acidentado, seus dependentes, a
entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública.187
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção,
inclusive veículo de propriedade do segurado.
186
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o
trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
187
Art. 22. A empresa ou o empregador doméstico deverão comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até
o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de
multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas
reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social. [...]
§ 2º Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a
entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos
o prazo previsto neste artigo.
Todavia, com receios das repercussões da emissão da CAT na relação laboral, muitos
empregadores sonegam a comunicação, procurando impedir a divulgação do ocorrido e o
enquadramento do acidente ou doença ocupacional. É o que se denomina de subnotificação de
registros de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais.
As consequências do reconhecimento do acidente ou doença como decorrente da
atividade laboral podem abranger: indenização por danos materiais, morais e estéticos
(responsabilidade subjetiva ou objetiva); garantia provisória no emprego por doze meses contados
a partir da alta concedida pelo INSS (art. 118 da Lei 8.213/91 e Súmula 378 do TST);
recolhimento do FGTS durante o período do afastamento por acidente de trabalho (§5º do art. 15
da Lei 8.036/90); aplicação de multas administrativas (art. 338 do Decreto 3.048/99), possível
alteração no FAP (Fator Acidentário de Prevenção), além de eventual ação de regresso do INSS em
face da empresa (art. 341 do Decreto 3.048/99).
Consoante os dados constantes do Smartlab sobre segurança e saúde no trabalho houve
20% de subnotificação em 2021:
Para facilitar o enquadramento das doenças como de natureza ocupacional, a Lei 11.430/2006
criou o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), em especial para combater as
subnotificações das doenças ocupacionais.188
188
Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza
acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo,
decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da
incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o
regulamento.
O NTEP é uma ferramenta utilizada nas perícias do INSS para identificação de quais acidentes e
doenças estão relacionados estatisticamente com determinada atividade profissional. Para chegar a
este resultado é feito um cruzamento entre os códigos CID-10 (Classificação Internacional de
Doenças) e o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas). Ou seja, o NTEP
estabelece um indício de relação de causa e efeito entre a atividade empresarial e a entidade mórbida
incapacitante elencada na CID. Trata-se de uma presunção relativa (iuris tantum) de vínculo entre
a doença ou acidente e as atividades profissionais.
Sua constitucionalidade foi reconhecida pelo STF na ADI 3931/DF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 21-A DA LEI N. 8.213/1991 E
§§ 3º E 5º A 13 DO ART. 337 DO REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
ACIDENTE DE TRABALHO. ESTABELECIMENTO DE NEXO ENTRE O TRABALHO
E O AGRAVO PELA CONSTATAÇÃO DE RELEVÂNCIA ESTATÍSTICA ENTRE A
ATIVIDADE DA EMPRESA E A DOENÇA. PRESUNÇÃO DA NATUREZA
ACIDENTÁRIA DA INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO INC. XIII DO
ART. 5º, AO INC. XXVIII DO ART. 7º, AO INC. I E AO § 1º DO ART. 201 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. É constitucional a
previsão legal de presunção de vínculo entre a incapacidade do segurado e suas atividades
profissionais quando constatada pela Previdência Social a presença do nexo técnico
epidemiológico entre o trabalho e o agravo, podendo ser elidida pela perícia médica do Instituto
Nacional do Seguro Social se demonstrada a inexistência. 2. Ação direta de inconstitucionalidade
julgada improcedente. (STF - ADI: 3931 DF, Relator: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento:
20/04/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 12/05/2020)
Assim, havendo a incidência do NTEP, haverá a inversão do ônus da prova relativo à inexistência
do nexo causal entre o agravo e o trabalho (art. 21-A, Lei 8.213/91, art. 337, §7º do Decreto
3.048/99). Trata-se, pois, de presunção meramente relativa (iuris tantum) de vínculo entre a
§ 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo
de que trata o caput deste artigo.
§ 2º A empresa ou o empregador doméstico poderão requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja
decisão caberá recurso, com efeito suspensivo, da empresa, do empregador doméstico ou do segurado ao Conselho de
Recursos da Previdência Social.
doença do trabalhador e as atividades profissionais, pelo que é admitida a produção da contraprova
pela empresa, conforme se depreende do §11 do art. 337 do Decreto 3.048/99.189
A CR/88 prevê, em seu artigo 7º, a inclusão de outros direitos além daqueles relacionados, pelo
que também é aplicável a previsão do art. 927, parágrafo único, do CC, que prevê a
responsabilidade objetiva do causador do dano nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
Nesse sentido, inclusive, o STF firmou entendimento no sentido de que é constitucional a
imputação da responsabilidade civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes
de trabalho em atividades de risco, fixando a seguinte tese:
TEMA 932. Tese de repercussão geral: "O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é
compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a
responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza,
apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador
ônus maior do que aos demais membros da coletividade". (RE 828040, Relator(a): ALEXANDRE
DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-161 DIVULG 25-06-2020 PUBLIC 26-06-2020)
Por sua vez, o art. 14, §1º da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente)
estabelece que o poluidor é obrigado a indenizar e reparar os danos causados ao meio ambiente e a
terceiros, independentemente da existência de culpa. Extrai-se, portanto, a responsabilidade
objetiva pelos danos ocasionados ao meio ambiente, nele incluído o meio ambiente de trabalho
(art. 200, VIII, da CR/88).
189
Art. 337. O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela Perícia Médica Federal, por meio da
identificação do nexo entre o trabalho e o agravo.
§ 11. A documentação probatória poderá trazer, entre outros meios de prova, evidências técnicas circunstanciadas e
tempestivas à exposição do segurado, podendo ser produzidas no âmbito de programas de gestão de risco, a cargo da
empresa, que possuam responsável técnico legalmente habilitado.
A CR/88, na mesma linha, no art. 225, §3º, positivou a responsabilidade civil objetiva ambiental190,
preocupando-se não somente com os danos presentes, mas também com os danos abstratos e
futuros191, sendo dever do Poder Público e da coletividade preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações, pelo que se destacam os princípios da prevenção e da precaução.
Caracterizada a responsabilidade objetiva, a maior dificuldade repousa na comprovação do nexo
causal, “porque as lesões ao meio ambiente e às vítimas muitas vezes são de efeito diferido no
tempo, aparecendo somente depois de alguns anos, ficando difícil e às vezes impossível a
constatação de relação de causalidade, que depende quase sempre de prova técnica pericial”192.
A solução encontrada pela doutrina e jurisprudência é a inversão do ônus da prova, com aplicação
da Teoria das probabilidades, competindo ao empregador a prova de que sua atividade não
poderia provocar danos ao meio ambiente. Nesse sentido, pode inclusive ser utilizado o Nexo
Técnico Epidemiológico (NTEP), previsto no artigo 21-A da Lei 8.213/1991.
190
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
191
MELO, Raimundo Simão de. Responsabilidade Civil do empregador pelos danos ao meio ambiente de trabalho
e à saúde do trabalhador. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do
Trabalho. vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 398.
192
Idem.
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e
remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI - troca do dia de feriado;
XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades
competentes do Ministério do Trabalho;
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de
incentivo;
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
Ainda, dispôs o art. 611-B da CLT que “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são
consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste
artigo”, possibilitando a sua negociação, supressão ou redução por meio de acordos ou convenções
coletivas.
A Lei 13.467/2017, ao permitir que os limites de jornada de trabalho sejam negociados por norma
coletiva, proporcionar a redução do intervalo intrajornada para trinta minutos, facultar a
flexibilização do enquadramento da insalubridade, admitir a prorrogação de jornada em ambiente
insalubre, sem comunicação ao Ministério do Trabalho, violou o art. 7º, XXII, da CR/88, que
conferiu status de direito fundamental do trabalhador à “redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, bem como afrontou a Convenção 155 da OIT,
que estabelece a necessidade de se “prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem
consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem
durante o trabalho” (art. 4, item 2).
Não bastasse isso, o Comitê de Peritos da OIT, em 2017, apontou que o “objetivo geral das
Convenções n. 98, 151 e 154 é de promover a negociação coletiva sob a perspectiva de tratativas de
condições de trabalho mais favoráveis que as fixadas em lei”.193 No mesmo sentido, os
precedentes do Comitê de Liberdade Sindical estabelecem que o escopo da negociação coletiva é a
obtenção de melhoria das condições de trabalho.
193
PORTO, Lorena Vasconcelos; BELTRAMELLI NETO, Silvio; RIBEIRO, Thiago Gurjão Alves. Temas da Lei
n.º 13.467/2017 (Reforma Trabalhista): à luz das normas internacionais. Brasília: Gráfica Movimento, 2018. p. 117.
Nessa quadra, a permissão de supressão e renúncia a direitos fundamentais, sem contrapartida,
contraria a Constituição e as convenções ratificadas pelo Brasil, que visam a proteção do ambiente
de trabalho íntegro e hígido. Diante disso, a CODEMAT elaborou os seguintes Enunciados:
ENUNCIADO 28/CODEMAT
Impossibilidade de redução do enquadramento do grau de insalubridade por negociação coletiva
- A negociação coletiva que tenha como objeto o enquadramento do grau de insalubridade (art.
611-A, XXII da CLT) não poderá reduzir o percentual estabelecido na NR--15 do MTb ou
suprimir o referido direito, sendo apenas admitida cláusula que estabeleça o pagamento de
adicional superior, em respeito aos arts. 611-B, XVII da CLT e 7º, XXII da CF.
ENUNCIADO 25/CODEMAT
Impossibilidade de prorrogação de jornada em ambiente insalubre sem a realização de estudo
técnico. O parágrafo único do artigo 60 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela
Lei nº 13.467/2017, viola os termos do artigo 7º, XXII, da Constituição Federal de 1988. Assim, a
prorrogação da jornada de trabalho em atividades insalubres, e considerando a necessidade de
verificação do tempo e dos limites de exposição ao agente, necessita de prévia autorização pela
autoridade competente.
ENUNCIADO 20/CODEMAT
Inconstitucionalidade do artigo 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho. Regras sobre
duração do trabalho e intervalos são normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, sendo
insuscetíveis de flexibilização por norma coletiva. Assim, o art. 611-B, parágrafo único da CLT,
deve ser interpretado de acordo com as normas constitucionais e convencionais existentes (arts. 7º,
XIII, XIV e XXII, 196 e 225 da CF, art. 3º, “b” e “e”, e 5º da Convenção nº 155 da OIT).
Observe-se, pois, que as alterações que possibilitaram a negociação coletiva, com redução e
supressão de direitos referentes às normas de saúde e segurança do trabalho são incompatíveis com
as normas constitucionais e convencionais vigentes no Brasil, na medida em que possibilitam o
incremento dos riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores.
O STF, no RE 654833, com repercussão geral (Tema 999), firmou a seguinte tese: “É
imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”, considerando que a reparação do
dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível e patrimônio comum de toda a
humanidade, à luz dos arts. 1º, inc. III, 5º, caput, V e X, 37, § 5º, e 225, § 3º, da CR/88.
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999.
CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE.
1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor
do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios
constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a
coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A
imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o
ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis
ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais,
sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a
determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente
deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral
proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal
devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e
tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar
prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade
individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo
imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos
ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir
Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil
de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual “É
imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. (RE 654833, Relator(a):
ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-157 DIVULG 23-06-2020
PUBLIC 24-06-2020)
9. CASOS EMBLEMÁTICOS
9.1. Amianto
O amianto é uma fibra mineral carcinogênica, que devido às suas propriedades de durabilidade,
flexibilidade e incombustibilidade, é utilizado como matéria-prima de um conjunto variado de
produtos, especialmente telhas, caixas d’água, isolantes térmicos, dentre outros.194
Também conhecido como asbesto, o amianto está associado a diversas formas de doenças, tais
como a asbestose195, o câncer pulmonar196, o câncer de laringe, do trato digestivo, de ovário e o
mesotelioma197 de pleura e peritônio. Os efeitos nefastos do amianto não atingem apenas os
próprios trabalhadores, mas produz efeitos de caráter intergeracional, afetando a família dos
trabalhadores, consumidores e toda sociedade198, possuindo um período de latência para
desenvolvimento dos sintomas de 30 anos.
Em que pese a Convenção 162 da OIT e a Lei 9055/95, bem como o anexo 12 da NR 15 preverem
limites de tolerância para as fibras respiráveis de asbesto (2,0 f/cm³, item 12, anexo 12, NR 15), a
OMS e a OIT (95ª Conferência Internacional de Trabalho) consideram que não existem níveis
seguros de exposição humana ao amianto, tendo sido o amianto completamente banido em mais
de 60 países. E, no Brasil, existem diversas leis estaduais que proibiram o uso do asbesto: Mato
194
JARDIM, Philippe Gomes. Entre a vida e a morte: a atuação do Ministério Público do Trabalho pelo banimento
do amianto no Brasil. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do
Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 171.
195
“A doença é causada pela deposição de fibras de asbesto nos alvéolos pulmonares, provocando uma reação
inflamatória, seguida de fibrose e, por conseguinte, sua rigidez, reduzindo a capacidade de realizar a troca gasosa,
promovendo a perda da elasticidade pulmonar e da capacidade respiratória com sérias limitações ao fluxo aéreo e
incapacidade para o trabalho. Nas fases mais avançadas da doença esta incapacidade pode se estender até para a
realização de tarefas mais simples e vitais para a sobrevivência humana.” (Geminiani, p. 327).
196
“O câncer de pulmão pode estar associado com outras manifestações mórbidas como asbestose, placas pleurais ou
não. O seu risco pode aumentar em 90 vezes caso o trabalhador exposto ao amianto também seja fumante, pois o fumo
potencializa o efeito sinérgico entre os dois agentes reconhecidos como promotores de câncer de pulmão. Estima-se
que 50% dos indivíduos que tenham asbestose venham a desenvolver câncer de pulmão. O adenocarcinoma é o tipo
histológico mais frequente entre os cânceres de pulmão desenvolvidos por trabalhadores e ex-empregados expostos ao
amianto e o risco aumenta proporcionalmente à concentração de fibras que se depositam nos alvéolos pulmonares”.
Idem.
197
“O mesotelioma é uma forma rara de tumor maligno, mais comumentemente atingindo a pleura, membrana
serosa que reveste o pulmão, mas também incidindo sobre o peritônio, pericárdio e a túnica vaginal e bolsa escrotal”.
Idem.
198
“As mulheres foram contaminadas sem nunca terem pisado na fábrica, porque seus maridos trabalhavam a semana
inteira com o macacão e o levavam para casa. Elas lavavam aquelas roupas impregnadas de pó” Revista Labor. Revista
do Ministério Público do Trabalho. ano I, n. 3, 2013.
Grosso (Lei 9.583/11), Pernambuco (Lei 12.589/04), Rio de Janeiro (Lei 3.579/01), Rio Grande
do Sul (Lei 11.643/01) e São Paulo (Lei 12.684/07).
Observe-se que na época da elaboração da Lei 9.055/1995 e do Anexo 12 da NR 15 do Ministério
do Trabalho não eram conhecidos e plenamente aceitos os riscos decorrentes do uso do amianto.
Todavia, diante da dúvida da sua nocividade, dever-se-ia ter aplicado a máxima “in dubio pro
ambiente”, em decorrência dos princípios da prevenção, da precaução e da melhoria contínua, com
vistas à redução dos riscos inerentes ao trabalho, conforme determinado art. 7º, caput e XXII, da
CR/88.
Ademais, a Lei 9.055/95 (art.7º), a Convenção 162 da OIT (art. 3.2) e a Convenção 148 da
OIT afirmam que os limites de tolerância ao amianto devem ser revisados em intervalos regulares
diante do desenvolvimento social, científico e tecnológico. Contudo, registra-se que o limite de
tolerância jamais foi objeto de revisão, em inobservância ao que dispõe o art. 7º, § 2º, da Lei
9.055/1995.199
No mesmo caminho, a Convenção 139 da OIT (art. 2º, item 1) determina a substituição das
substâncias e agentes cancerígenos a que possam estar expostos os trabalhadores durante seu
trabalho por substâncias ou agentes não cancerígenos ou menos nocivos. Nesse ponto, assevera-se
que a ciência já oferece às indústrias substâncias alternativas ao uso do amianto, como fibras
sintéticas de poliálcool vinílico (PVA) ou polipropileno (PP).200
No que tange à constitucionalidade da Lei 9.055/95 e das leis estaduais que proíbem a utilização
do amianto, o STF, no julgamento da ADI 4.066, que tinha por objeto o art. 2º da Lei 9.055/95,
não atingiu o quórum exigido pelo art. 97 da CR/88 (maioria absoluta) para declaração de
inconstitucionalidade em sede de controle concentrado, deixando de pronunciar a
inconstitucionalidade da referida lei.201
Contudo, no mesmo dia de julgamento da ADI 4.066, em análise da Lei do Estado de São Paulo,
que baniu o uso do amianto (Lei 12.684/07), foi julgado improcedente o pedido de declaração de
inconstitucionalidade da lei estadual na ADI 3.937, declarando-se incidentalmente, a
199
“Art. 7º, § 2º Os limites fixados deverão ser revisados anualmente, procurando-se reduzir a exposição ao nível mais
baixo que seja razoavelmente exequível”. Cf. GEMIGNANI, Daniel. Amianto: o Dever de Gestão em Saúde e
Segurança do Trabalho e a Insubsistência do Conceito de Limites de Tolerância como Instrumento de Elisão de
Responsabilidades. Revista do Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. ano
XXVI, n. 52, set. 2016.
200
SOUZA, Ilan Fonseca de; BARROS, Lidiane de Araújo; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. SAÚDE E
SEGURANÇA DO TRABALHO: Curso prático. Brasília: ESMPU, 2017. p. 217.
201
A votação foi de 5 votos pela procedência da ação e de 4 votos pela improcedência, não votaram os Ministros Dias
Toffoli e Luís Roberto Barroso, que se declararam impedidos. Cf. LENZA. Pedro. Direito Constitucional
Esquematizado. 22. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 9.055/95, sob o fundamento de que as leis estaduais
estariam em maior consonância com a proteção dos direitos fundamentais e com o princípio da
eficacidade máxima da Constituição.202
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o STF, ao analisar a Lei do Estado do Rio de Janeiro (Lei
3.579/01), manteve a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 9.055/95,
atribuindo a decisão efeito vinculante e eficácia erga omnes, julgando improcedente o pedido
de inconstitucionalidade da lei estadual das ADIs 3.406 e 3.470. Também, as leis dos estados de
Pernambuco (Lei 12.589/04) e do Rio Grande do Sul (Lei 11.643/01) foram declaradas
constitucionais nas ADIs 3.356, 3.357 e ADPF 109.
Diante da sensibilidade do tema, o MPT criou um projeto específico no âmbito da CODEMAT,
com atuação de forma multidirecional e interinstitucional com os demais órgãos e instituições
públicas e privadas da área de saúde e segurança do trabalho, além do ajuizamento da ADI em face
da Lei 9055/95 e ACP’s com pedido de cumprimento dos requisitos do anexo 12 da NR 15,
vinculada ao uso do amianto.
9.2. Frigoríficos
Em 2011, foi criado o Projeto Nacional de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos,
que consiste na adoção de medidas judiciais e extrajudiciais para regularização do meio ambiente
do trabalho na indústria de abate e processamento de carnes bovina, suína e de aves, com objetivo
de reduzir as incapacidades e adoecimento dos trabalhadores, seja pela “redução do ritmo,
estabelecimento de pausas de recuperação, melhorias no mobiliário, redução do tempo de
exposição aos agentes nocivos à saúde e a análise e adequação das condutas médicas”203.
As condições de trabalho encontrada nos diversos frigoríficos expõe a realidade dos ambientes de
trabalho marcados pelo ritmo intenso e repetitivo de trabalho, pela sobrecarga muscular estática e
dinâmica de membros superiores, exposição constante a facas, serras e outros instrumentos
cortantes; ausência de pausas para recuperação da fadiga, frio ou calor, o que é agravado pelas
deficiências de mobiliário (bancadas altas e/ou largas; ausências de cadeiras) e ruídos excessivos e
ininterruptos.
202
LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 22. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 553.
203
NATALI, Heiler Ivens de Souza; SARDÁ, Sandro Eduardo. Trabalhe Trabalhe Trabalhe mas não esqueça:
vírgulas representam pausas. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público
do Trabalho. vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 411.
Como se não bastasse as condições intensas de labor e a exposição a fezes, vísceras, sangue ou penas
de animais, os empregados ainda são submetidos a jornadas excessivas de trabalho, sendo
“corriqueiras as jornadas de 10h diárias, muitas vezes, sem compensação aos sábados, e vez por
outra se observam jornadas superiores a 12h diárias, havendo registro de até 16h”.204
As condições de trabalho nos frigoríficos brasileiros de abate de aves, bovinos e suínos foram
retratadas no documentário Carne & Osso, produzido pela ONG Repórter Brasil e com apoio da
Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Comissão Permanente de
Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho (CPIFCT-MS) e Associação Nacional dos
Magistrados do Trabalho (ANAMATRA).205
Os riscos à saúde dos empregados são negligenciados nos frigoríficos brasileiros, uma vez que os
laudos elaborados a respeito do método ergonômico de trabalho adequado ao posto de trabalho
não refletem a realidade da atividade.
Para realizar a análise global dos fatores de risco que atuam sobre o posto de trabalho é
indispensável a utilização de um método ergonômico que considere a dinâmica da atividade.
“Dentre os métodos recomendados pela normativa internacional ISO 11228-3 (HAL, OCRA e
MOORE&GARG), indiscutivelmente, o que melhor se adapta ao exame dos postos de trabalho
em frigoríficos é o método OCRA, por ser o único a proceder à análise global dos riscos incidentes
sobre a mão, punho, os ombros e os cotovelos e por ser o único, dentre todos, que fornece
ferramentas para reprojetação dos postos de trabalho deficientes”206.
Faz-se necessário, pois, o mapeamento completo da relação posto de trabalho e os principais
agravos à saúde, conforme determina a NR 7 (PCMSO), para que se possa estabelecer os
parâmetros necessários para adequação dos postos de trabalho de forma a elidir ou minimizar os
riscos de novos adoecimentos.
Observe-se, por fim, que foi elaborada uma NR específica para o setor, a NR 36, intitulada
“Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados”,
que tem como foco a prevenção e a redução de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, com
a análise ergonômica do trabalho, adequação do mobiliário, adoção de sistema adequado de pausa
204
Ibidem, p. 414.
205
JARDIM, Philippe Gomes; LIRA, Ronaldo José de. A CODEMAT em três momentos: o presente, o passado e
o futuro. Disponível em: <https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/outros/a-codemat-em-tres-momentos-o-presente-o-
passado-e-o-futuro/@@download/arquivo_pdf>. Acesso em 28 ago. 2019.
206
NATALI, Heiler Ivens de Souza; SARDÁ, Sandro Eduardo. Trabalhe Trabalhe Trabalhe mas não esqueça:
vírgulas representam pausas. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público
do Trabalho. vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 416.
e redução de tempo de exposição para assegurar a higidez física e psíquicas dos empregados em
frigoríficos.
207
MENDONÇA. Leonardo Osório; RIBEIRO JÚNIOR, Raymundo Lima. Atuação do MPT e o Transporte dos
Garis nos estribos dos compactadores de lixo: ilegalidade e inversão de responsabilidades. CORREIA, Henrique,
MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 03. Salvador: Juspodivm, 2017.
208
Ibidem, p. 161.
209
BUTUHY, Juliana Taís Toniazzo; MELO, Fábio Xavier de. A SEGURANÇA DO TRABALHO NA
ATIVIDADE DE COLETA DE RESÍDUOS NÃO PERIGOSOS EM SÃO PAULO. Revista Diálogos
Interdisciplinares. v. 7, n. 3, 2018. Disponível em:
<https://revistas.brazcubas.br/index.php/dialogos/article/view/462>. Acesso em: 17. Set. 2019.
210
Idem.
211
Art. 235. Conduzir pessoas, animais ou carga nas partes externas do veículo, salvo nos casos devidamente
autorizados: Infração - grave; Penalidade - multa; medida administrativa - retenção do veículo para transbordo.
ato normativo que autorize o trânsito dos trabalhadores nos estribos dos veículos que realizam a
coleta de lixo.
Diante desse quadro, a tese sustentada pelo MPT a respeito do transporte ilegal dos trabalhadores
nas partes externas dos veículos de coleta de lixo foi acolhida pela oitava turma do TST212, que a
manteve na decisão do TRT da 12ª Região, proibindo o transporte de garis nos estribos dos
caminhões de lixo e condenou a empresa de coleta a pagar R$ 100 mil a título de indenização por
danos morais coletivos.
Na decisão, foi destaque o afastamento da tese defensiva sobre a impossibilidade técnica de
adaptação dos caminhões, que atestou que “a inexequibilidade de caminhões com cabines grandes
o suficiente a comportar todos os garis que trabalham em um caminhão de coleta e mesmo a
impossibilidade de adaptá-las para esse fim não servem de entrave para a garantia de um meio
ambiente de trabalho seguro aos trabalhadores da demandada. Com efeito, o Juízo de primeiro
grau claramente determinou que o transporte dos trabalhadores até o local dos roteiros e na volta
deles seja realizado em veículos de passageiros, o que não implica a necessidade de a empresa
adquirir caminhões diferenciados” (Processo: AIRR - 1857-74.2010.5.12.0001, 8ª Turma,
Relator: Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, DJe 23/05/2014).
Sobre o tema, está em elaboração e discussão a proposta de uma nova NR para regulamentar o
trabalho na Limpeza Urbana no território nacional, especificamente sobre os requisitos mínimos
para a gestão da segurança, saúde e conforto na atividade de limpeza urbana e coleta de resíduos
sólidos.
O caso do painel sensorial constituído por provadores de cigarro constitui-se em um conflito entre
a autonomia, a liberdade de profissão e a livre iniciativa em confronto com o direito à saúde e à
vida digna.
Em 2003, a partir de uma ação individual movida por ex-empregado da Souza Cruz, ajuizada na
Justiça Comum, pleiteando a condenação ao pagamento de indenização por danos causados à
saúde decorrentes de vários anos laborando no "painel sensorial", o MPT propôs ação civil pública
perante o TRT da 1ª Região requerendo a proibição da atividade.
O parquet se posicionou no sentido de que a participação dos empregados ao painel sensorial,
provando cigarros da Souza Cruz e dos concorrentes com a finalidade de aprimorar o produto
212
Processo: AIRR-1857-74.2010.5.12.0001.
comercialmente, viola a saúde, vida e integridade física dos trabalhadores, por se tratar de uma
atividade nociva à espécie humana.
Ainda, o MPT sustentou na ação coletiva que a saúde do trabalhador e o meio ambiente de
trabalho são direitos sociais garantidos pela CR/88 (art. 6º, 196, 200, VIII e 225), normas de ordem
pública e de cumprimento obrigatório e o empregador, ao submeter os empregados, mesmo com
seu consentimento, à condição de ‘cobaia' para melhoria de seus produtos, sob a promessa de
remuneração maior, viola os preceitos legais que asseguram uma vida digna e um meio ambiente
de trabalho sadio, hígido e íntegro.
Outro fundamento utilizado na ACP é que a submissão dos trabalhadores ao painel sensorial fere
as Convenções 148, 155 e 161 da OIT e a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco
(CQCT) da OMS, pela qual o Brasil se obriga a adotar medidas eficazes de proteção contra o
consumo e a exposição à fumaça do tabaco.
Ao contestar a ação, a Souza Cruz alegou que o painel sensorial é uma técnica utilizada
internacionalmente, essencial para garantir a qualidade e a uniformidade do produto. Além disso,
aduziu que a vedação somente a ela, e não às empresas concorrentes, afetaria o mercado
concorrencial e que a legislação trabalhista brasileira não proíbe o exercício de atividades de risco,
havendo a previsão de acréscimo remuneratório para essas hipóteses.
Outro argumento utilizado pela empresa foi a voluntariedade na participação e a restrição a
maiores de idade e fumantes, podendo o painelista, a qualquer tempo e sem qualquer justificativa
prévia, desligar-se do programa de avaliação.
Acrescentou que a blender de cigarros e degustador de charutos são regulamentadas no Catálogo
Brasileiro de Ocupações (CBO) nas classificações 1246-10 (blender de cigarros) e 8422-35
(degustador de charutos) e, ao final, apontou que a proibição da atividade violaria diversos
dispositivos e princípios constitucionais, entre eles o da livre iniciativa (art. 1º, IV), da separação
dos Poderes (art. 2º), do livre exercício profissional (art. 5º, XIII) e do direito ao trabalho (art. 6º).
A demanda coletiva foi julgada pela 15ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, que condenou a
empresa a deixar de contratar os provadores de cigarro, a prestar assistência médica por 30 anos a
todos que desempenharam a função e a pagar indenização por danos morais coletivos no importe
de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
A condenação foi mantida pelo TRT da 1ª Região e a Sétima Turma do TST manteve a proibição,
mas afastou o pagamento da referida indenização.
A SBDI-I do TST213, por outro lado, quando decidiu assentir que a empresa Souza Cruz S/A
continuasse com a atividade de provadores no painel sensorial de avaliação de cigarros, por se tratar
de atividade lícita e regulamentada e em consonância com os preceitos constitucionais da livre
iniciativa e da garantia do livre exercício de qualquer ofício ou profissão.
A decisão ainda destacou que, não havendo vedação da atividade em lei, não é possível a vedação
pura e simples do exercício de atividade profissional por comando judicial, ainda que sob o
argumento da proteção à saúde dos empregados, uma vez que o art. 5º, XIII da CR/88 somente
admite a regulamentação em relação à qualificação profissional, nunca ao exercício em si de
atividade profissional, havendo reserva legal qualificada.
Consta da decisão do TST também o argumento de que a atividade não pode ser desempenhada
por máquinas, sendo imprescindível à aferição do padrão de qualidade da atividade humana,
tratando-se ainda de participação voluntária. Outrossim, destacou-se que o exercício da função se
dava por tempo reduzido (meia hora pela manhã e meia hora à tarde).
Em uma última ponderação, foi traçado um paralelo com a atividade dos mergulhadores de
plataformas de petróleo, atividade nociva, com um grande número de mortes e aposentadoria aos
40 anos devido ao desgaste da profissão.
O TST manteve, todavia, a condenação ao pagamento da indenização por dano moral coletivo,
com fundamento na Convenção-Quadro da OMS, que obriga o Brasil a adotar medidas eficazes
contra a exposição ao tabaco.
Em síntese, os argumentos contrários a tese do MPT e que fundamentaram a decisão do TRT
foram: “a) o painel sensorial é essencial para a empregadora realizar o controle de sua produção,
não podendo ser desempenhado por máquinas; b) o trabalho era voluntário e exercido durante 30
minutos pela manhã e igual tempo a tarde, sempre por empregado fumante; c) o fato de ser
fumante afasta a possibilidade de ser prejudicado pela atividade em foco; d) a atividade é
regulamentada pelo Ministério do Trabalho, está sujeita a limites legais e o fumo não é proibido;
e) a intervenção do MPT em situação na qual prepondera o acordo entre Estado, empregados e
empregadores é indevida; e f) os mergulhadores de plataformas de petróleo estão sujeitos a
condições muito piores do que a dos provadores de cigarros, sendo elevado o número de mortes e
de aposentadorias aos 40 anos devido aos desgastes da profissão, mas é aceita por imprescindível
para a prospecção petrolífera.”214
213
RR-120300-89.2003.5.01.0015.
214
PACHE, Cláudio Luiz Sales. Trabalho como Provador de Cigarros e Similares: Abordagem à Luz do Conflito
entre o Direito Fundamental à Liberdade Individual e o Direito Fundamental à Proteção da Saúde. Revista do
Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. ano XXIV, n. 47, mar. 2014. p. 227.
9.5. Formol e Sílica
A atuação do MPT nas atividades laborais em contato com formol e sílica foi um caso de
pioneirismo da atuação institucional e de grande relevância, devido à gravidade dos danos que essas
substâncias podem causar e pelo número de trabalhadores atingidos.215
O formaldeído (formol) é uma substância carcinogênica, tumorgênica e teratogênica, altamente
reativa, irritante ao trato respiratório e cáustica para a pele”216, muito utilizada em indústrias de
madeira, papel e celulose, têxtil e de fundição217 e na formulação de cosméticos, como alisantes para
cabelos e agente secante em esmaltes para unhas, entre outras aplicações.
A atuação do MPT se iniciou em 2006, na PRT da 2ª Região (PRT 2/SP), com foco na atividade
dos profissionais da beleza. À época a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
autorizava a venda do formol livremente em farmácias.
Em locais de trabalho, a exposição pode ocorrer sob várias formas: como gás ou aerossóis, sendo
absorvido pelo trato respiratório; em solução aquosa, mediante o contato com a pele íntegra. Os
efeitos para a saúde variam de acordo com a via de exposição, a concentração ou a dose absorvida.218
Todavia, somente em 2009 foi proibida, pela ANVISA, “a exposição, a venda e a entrega ao
consumo de formol ou de formaldeído (solução de 37%) em drogaria, farmácia, supermercado,
armazém e empório, loja de conveniência e drugstore.”219
Nesse quadro, a atuação do parquet se deu de forma estratégica e multifacetária, atuando junto ao
Centro de Vigilância do Estado de São Paulo, para elaboração de norma específica para os salões
de beleza, para regulamentação da exposição a produtos químicos cancerígenos, também foi
firmada parceria com o SINDIBELEZA (Sindicato dos Empregados em Instituto de Beleza e
Cabeleireiros de Senhoras de São Paulo e Região) para atuação nas escolas de formação de
profissionais da beleza e encaminhamento de denúncias. Além disso, a atuação institucional é
importante junto a ANVISA no processo de registro de produtos alisantes e outros que
contenham formol.
215
VILLELA, Ana Luiza Zorzenon Goulart; FORTES, Mariana Flesh. Formol e sílica: desafios para a atuação do
Ministério Público do Trabalho.
216
SOUZA, Ilan Fonseca de; BARROS, Lidiane de Araújo; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. SAÚDE E
SEGURANÇA DO TRABALHO: Curso prático. Brasília: ESMPU, 2017.
217
VILLELA, Ana Luiza Zorzenon Goulart; FORTES, Mariana Flesh. Formol e sílica: desafios para a atuação do
Ministério Público do Trabalho.
218
SOUZA, Ilan Fonseca de; BARROS, Lidiane de Araújo; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. SAÚDE E
SEGURANÇA DO TRABALHO: Curso prático. Brasília: ESMPU, 2017. p. 219.
219
VILLELA, Ana Luiza Zorzenon Goulart; FORTES, Mariana Flesh. Formol e sílica: desafios para a atuação do
Ministério Público do Trabalho. p. 131.
Em relação a sílica, a atuação do MPT se iniciou com uma denúncia recebida da Fundacentro
(Fundação Jorge Duprat e Figueiredo), em 2014, que noticiava o adoecimento de trabalhadores
acometidos por silicose no processo produtivo de borrachas de vedação de panelas de pressão.
A sílica ou dióxido de silício (SiO2) é um composto natural formado pelos elementos químicos
oxigênio e silício, encontrado em cerca de 60% da crosta terrestre. É um mineral pouco reativo e
pouco solúvel, razão pela qual tem uma vasta utilização em ambientes de trabalho, especialmente
na indústria e na mineração.220
Na natureza ocorrem três formas de sílica livre cristalina, representadas pelo quartzo, cristobalita e
tridimita, sendo o quartzo a forma mais comum de utilização nos processos industriais.221 A
exposição à sílica pode levar ao desenvolvimento de tuberculose, da doença pulmonar obstrutiva
crônica, doenças autoimunes, câncer de pulmão e da silicose222, uma das mais graves
pneumoconioses, doenças pulmonares causadas pela inalação de poeiras.
O desenvolvimento da Silicose depende, dentre outros fatores: tempo de exposição, dimensão das
partículas, concentração de sílica livre na poeira respirável, composição mineralógica da poeira
respirável e das condições de ventilação.
A regulamentação e os limites de exposição do trabalhador quanto à sílica constam do anexo 12 da
Norma Regulamentadora 15, que trata a sílica como agente insalubre no meio ambiente de
trabalho.
Como forma de prevenção, as empresas que se utilizam da sílica como matéria prima devem adotar
medidas coletivas e individuais de proteção. Dentre as medidas coletivas, destacam-se a
umidificação para reduzir a dispersão e contaminação pela poeira, técnicas de perfuração a
úmido223, ventilação, isolamento, limpeza, monitoramento ambiental, manutenção geral224.
Sobre as medidas de proteção individual, ressalta-se a utilização de máscaras respiratórias, higiene
com uniforme e separação das roupas de uso pessoal, exames médicos, limitação do tempo de
exposição225.
220
VILLELA, Ana Luiza Zorzenon Goulart; FORTES, Mariana Flesh. Formol e sílica: desafios para a atuação do
Ministério Público do Trabalho. p. 134.
221
DIAS, Elizabeth Costa et al. Atenção à saúde dos trabalhadores expostos à poeira de sílica e portadores de silicose,
pelas equipes da Atenção Básica/Saúde da Família: protocolo de cuidado. Belo Horizonte: Nescon/UFMG, 2017, p.
17.
222
Idem.
223
SOUZA, Ilan Fonseca de; BARROS, Lidiane de Araújo; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. SAÚDE E
SEGURANÇA DO TRABALHO: Curso prático. Brasília: ESMPU, 2017. p. 264.
224
VILLELA, Ana Luiza Zorzenon Goulart; FORTES, Mariana Flesh. Formol e sílica: desafios para a atuação do
Ministério Público do Trabalho. p. 136.
225
Idem.
9.6. Shell-Basf
A Shell Company abriu, em 1948, nos EUA, a primeira fábrica produtora dos agrotóxicos
chamados drins (Aldrin, Dieldrin e Endrin). Todavia, a própria Shell, em 1973, constatou que
esses produtos eram potencialmente carcinogênicos, tendo seu uso na agricultura sido banido a
partir de 1974, nos EUA.226
Apesar da constatação do alto risco de câncer em animais e contaminação em alimentos do uso dos
pesticidas drins, no ano de 1974, a empresa Shell do Brasil, no município de Paulínia, no estado de
São Paulo, iniciou a fabricação dos agrotóxicos organoclorados como Aldrin, Endrin e Dieldrin.
No Brasil, a comercialização, o uso e a distribuição dos agrotóxicos organoclorados somente foi
proibida em 1985. Entretanto, a proibição apenas cessa a emissão das substâncias, mas a
persistência no solo é estimada numa meia vida de 4 a 7 anos.227
Em 1993, em decorrência do acordo de venda da fábrica para a American Cyanamid Co. – que,
posteriormente, em 2000, foi revendida para a Basf S.A., a Shell fez um estudo de impacto
ambiental que constatou a poluição do meio ambiente, o que obrigou a empresa a fazer uma
autodenúncia ao MPE, em Paulínia, reconhecendo os danos ambientais.
Em sequência, foi firmado um TAC, com a Shell se responsabilizando pela elaboração de um
Sistema de Recuperação da Qualidade do Aquífero e monitoramento da água e meio ambiente.
Na época, segundo a empresa, a contaminação estava restrita à área da fábrica, sem risco de
contaminação dos trabalhadores.
Em 2000, foi constatada não somente a poluição do solo da fábrica, mas também dos terrenos
vizinhos, do Rio Atibaia, das águas do lençol freático e da atmosfera pelos organoclorados. No ano
seguinte, como condenação da ACP ajuizada pelo MPE, foi determinada a retirada de todos os
moradores vizinhos às áreas da empresa e o acompanhamento médico dos moradores da região.
Em 2002, por atuação conjunta do MPT e do Ministério do Trabalho, foi determinada a
interdição de todas as atividades da fábrica e anunciado pela Basf o encerramento da empresa e a
demissão de todos os funcionários.
Na ACP promovida pelo MPT junto com a Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias
Químicas (Atesq), Sindicato dos Químicos e Instituto Barão de Mauá, em 2007, foi reconhecida
a contaminação dos trabalhadores. “A água era utilizada pelos trabalhadores para lavagem, preparo
226
PIMENTA, Lucas de Miranda; ROHLFS, Daniela Buosi. Caso Shell, Basf e Cyanamid no município de Paulínia
- SP: análise de seus desdobramentos judiciais. Pontifícia Universidade Católica De Goiás (PUC-GO) - Programa De
Pós-Graduação Em Biociências Forenses, 2012.
227
Idem.
de alimentos e possivelmente ingerida no preparo de bebidas. Também era utilizada em banhos, o
que possibilitou o contato dérmico, bem como a inalação de vapores e aerossóis. Assim foi
comprovada a intoxicação dos trabalhadores pelas substâncias tóxicas presentes nas águas”.228
Observe-se que, até o momento, somente aos moradores da região havia sido assegurado o
acompanhamento médico, porém não aos trabalhadores e ex-trabalhadores, pelo que foram as
empresas Shell, Basf, Cyanamid condenadas solidariamente229 a promover o acompanhamento
médico dos trabalhadores, familiares, bem como a autônomos e terceirizados que trabalharam
naquela planta industrial e a pagar uma indenização de R$ 622 milhões de danos morais
coletivos230.
A decisão “abordou diversas questões de relevância naquele momento processual como, por
exemplo, a aplicação da responsabilidade objetiva na apuração dos danos ao meio ambiente do
trabalho, com a incidência do art. 225, §3º, da CF. Também reconheceu a competência da Justiça
do Trabalho, na forma prevista no art. 114 da CF, para dirimir questões relacionadas aos filhos dos
trabalhadores, autônomos e prestadores de serviços que atuaram na planta industrial”231.
Ainda, foi reconhecida a violação aos “direitos individuais homogêneos nos moldes do art. 81,
parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da sua origem comum,
qual seja, a violação do direito à proteção ao meio ambiente laboral, direito que faz parte de
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção 155 da Organização
Internacional do Trabalho, ratificada em 1993”.232
Importante também destacar ainda a inaplicabilidade reconhecida pelo juízo do instituto da
prescrição, que “seria inaplicável à espécie, na medida em que o dano promovido tem cunho
permanente e contínuo, pois os efeitos da degradação ambiental se perpetuam no tempo. De outra
parte, ainda que se entendesse aplicável a prescrição, a actio nata somente poderia ser considerada
quando da ciência inequívoca da doença pelos trabalhadores”.233
Destacou-se, ainda, a aplicação do princípio da precaução, previsto no Princípio 15 da Declaração
do Rio 92 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que estabelece que, diante da
228
ACP-MPT, 2007. PIMENTA, Lucas de Miranda; ROHLFS, Daniela Buosi. Caso Shell, Basf e Cyanamid no
município de Paulínia - SP: análise de seus desdobramentos judiciais. Pontifícia Universidade Católica De Goiás
(PUC-GO) - Programa De Pós-Graduação Em Biociências Forenses, 2012.
229
. Acórdão 19588/2011-PATR. Processo n. 0022200-28.2007.5.15.0126.
230
O valor do dano moral coletivo foi de apenas 3% do lucro das reclamadas.
231
ALIAGA, Márcia Kamei López. CASO SHELL/BASF: reflexões para um novo olhar sobre os acidentes
ampliados. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15. Região. n. 49, jul./dez., 2016. p. 84.
232
Ibidem, p. 85.
233
Ibidem, p. 86.
incerteza científica das consequências de uma medida, deverão ser tomadas medidas eficazes para
evitar a degradação ambiental.234
Após diversas negociações, foi entabulado acordo judicial que extinguiu a ACP, mantendo a
obrigação de assegurar atendimento médico vitalício às vítimas habilitadas e fixando indenização
individuais por danos morais a cada trabalhador no valor de R$ 20.000,00 por ano trabalhado ou
fração superior a seis meses, além do pagamento de uma indenização por danos morais coletivos
no valor de R$ 200 milhões, destinada a instituições que atuavam em áreas como pesquisa,
prevenção e tratamentos de trabalhadores vítimas de intoxicação decorrente de desastres
ambientais.
O caso emblemático da Shell-Basf é exemplo da importância no rigor da liberação do uso de
agrotóxicos235 e da importância da atuação conjunta entre órgãos de proteção ambiental, órgãos de
proteção à saúde, trabalhadores, movimentos sociais, entidades sindicais, MPE, MPT, Ministério
do Trabalho e o Poder Judiciário, a fim de que se resguarde a integridade do ambiente de trabalho,
saúde e a vida da população.
REPARANDO PREJUÍZOS
Alguns projetos, como o Centro Infantil Boldrini, hospital filantrópico especializado em oncologia e
hematologia pediátrica de Campinas (SP) e o Hospital do Câncer de Barretos foram contemplados com
a destinação dos valores do dano moral coletivo decorrente do acordo Shell-Basf, dentre os projetos está
a construção do Barco Hospital Papa Francisco e de uma “ambulancha”, inaugurados em Belém (PA),
em 17/08/2019, fruto da destinação de R$ 25,1 milhões pelo TRT da 15ª Região e pelo MPT, que deve
beneficiar 700 mil ribeirinhos do Rio Amazonas, com atendimento nas especialidades de ginecologia,
pediatria, urologia, oftalmologia, cardiologia, dermatologia, neurologia e odontologia e contará com sala
de mamografia, sala de raio-x, sala de teste ergométrico, ultrassom, eletrocardiograma e laboratório de
análises clínicas.236
234
Ibidem, p. 87.
235
“Segundo a OMS, o Brasil está entre os maiores usuários de agrotóxicos do planeta desde 2008. Dados do
Ministério da Saúde revelam que, de 2007 a 2014, foram registrados 1.186 casos de morte por este motivo, ou seja, 148
por ano” (Revista Labor. Revista do Ministério Público do Trabalho. ano VI, n. 9, 2018. p. 71).
236
Revista Labor. Revista do Ministério Público do Trabalho. ano VI, n. 9, 2018. p. 73.
10. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
ALIAGA, Márcia Kamei López. CASO SHELL/BASF: reflexões para um novo olhar sobre os
acidentes ampliados. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15. Região. n. 49, jul./dez.,
2016. p. 69–95.
BUTUHY, Juliana Taís Toniazzo; MELO, Fábio Xavier de. A SEGURANÇA DO TRABALHO
NA ATIVIDADE DE COLETA DE RESÍDUOS NÃO PERIGOSOS EM SÃO PAULO.
Revista Diálogos Interdisciplinares. v. 7, n. 3, 2018. Disponível em:
<https://revistas.brazcubas.br/index.php/dialogos/article/view/462>. Acesso em: 17. Set. 2019.
CASAGRANDA, Mariana. Normas de proteção nacional e internacional do meio ambiente de
trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público
do Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015.
DIAS, Elizabeth Costa et al. Atenção à saúde dos trabalhadores expostos à poeira de sílica e
portadores de silicose, pelas equipes da Atenção Básica/Saúde da Família: protocolo de cuidado.
Belo Horizonte: Nescon/UFMG, 2017.
DUPRÉ, Anali; WROBLESKI, Stefano. Shell e Basf terão que pagar indenização milionária por
contaminação em fábrica de agrotóxicos. Repórter Brasil. 08 abril. 2013. Disponível em:
<https://reporterbrasil.org.br/2013/04/shell-e-basf-terao-que-pagar-indenizacao-milionaria-por-
contaminacao-em-fabrica-de-agrotoxicos>. Acesso em: 07 set. 2019.
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental
brasileiro. São Paulo: LTr, 2005. p. 321.
GEMIGNANI, Daniel. Amianto: o Dever de Gestão em Saúde e Segurança do Trabalho e a
Insubsistência do Conceito de Limites de Tolerância como Instrumento de Elisão de
Responsabilidades. Revista do Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do
Trabalho. ano XXVI, n. 52, set. 2016.
JARDIM, Philippe Gomes. Entre a vida e a morte: a atuação do Ministério Público do Trabalho
pelo banimento do amianto no Brasil. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos
aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015.
JARDIM, Philippe Gomes; LIRA, Ronaldo José de. A CODEMAT em três momentos: o
presente, o passado e o futuro. Disponível em: <https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/outros/a-
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CAPÍTULO III - CONAETE – COORDENADORIA NACIONAL DE
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO E ENFRENTAMENTO
AO TRÁFICO DE PESSOAS
1. SOBRE A COORDENADORIA
237
MELO, Luís Antônio Camargo de. Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete).
Coordenadorias temáticas. Organização: Ricardo José Macedo de Britto Pereira. Texto de abertura: Sandra Lia Simon.
Brasília: ESMPU, 2006.
238
MPT. Cartilha do Trabalho Escravo. Disponível em: < https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/cartilhas/cartilha-
do-trabalho-escravo/@@display-file/arquivo_pdf>. Acesso em> 27 set. 2022. p. 03.
paddando a se chamar Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONAETE).
As Convenções das Nações Unidas sobre escravatura de 1926239 e 1956240 foram as primeiras
a conceituar e a proibir a escravidão, definindo a escravidão como a condição de alguém sobre o
qual se exercem os atributos do direito de propriedade. Observe-se que, inicialmente, o
conceito de trabalho escravo estava ligado à restrição da liberdade, à coisificação, mercantilização e
exploração do homem como um instrumento de trabalho.
A concepção histórico-jurídica foi sendo ampliada com o passar do tempo diante das formas
modernas de escravidão, pelo que a OIT, na Convenção 29, em 1930, preferiu adotar a expressão
trabalho forçado ou obrigatório, conceituado no art. 2º, §1º como “todo trabalho ou serviço
exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de
espontânea vontade.”
No Brasil, foi adotada a expressão trabalho em condições análogas à de escravo pelo art. 149
do CP, com a redação dada pela Lei 10.803/2003, que especificou as condutas que configuram o
crime de redução a condição análoga à de escravo.241
Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho;
239
Art. 1º. §1. A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente,
os atributos do direito de propriedade.
240
Art. 7º. §1. "Escravidão", tal como foi definida na Convenção sobre a Escravidão de 1926, é o estado ou a condição
de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade, e "escravo"
é o indivíduo em tal estado ou condição.
241
“A redação do artigo 149 do CP, antes da mudança introduzida pela Lei 10.803/2003, pecava pelo alto grau de
generalidade, não fornecendo elementos suficientes para identificação das formas pelas quais se reduz o trabalhador a
tal condição e efetiva punição do infrator”. Cf. MELO, Luís Antônio Camargo de. Trabalho escravo contemporâneo:
crime e conceito. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do
Trabalho. vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
Vê-se, pois, que o conceito de redução da pessoa a condição análoga à de escravo abrange quatro
modos de execução: a) sujeição da vítima a trabalhos forçados; b) sujeição da vítima a jornada
exaustiva; c) sujeição da vítima a condições degradantes de trabalho; d) restrição, por qualquer
meio, da locomoção da vítima.242
Nesse sentido, os Enunciados 03 e 04 da CONAETE buscam especificar os conceitos de jornada
de trabalho exaustiva e de condições degradantes de trabalho para fins de caracterização do
trabalho escravo contemporâneo:
ORIENTAÇÃO 03/CONAETE
Jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias de intensidade, frequência, desgaste ou
outras, agrida a dignidade humana do trabalhador, causando prejuízos a sua saúde física ou mental,
e decorra de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante sua vontade. A previsão
de jornada especial em instrumento coletivo não impede a caracterização da jornada exaustiva.
ORIENTAÇÃO 04/CONAETE
Condições degradantes de trabalho são as que configuram desprezo à dignidade da pessoa humana,
pelo descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes à
higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos da
personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a
vontade do trabalhador.
Portanto, o trabalho escravo não será somente aquele para o qual o trabalhador não tenha se
oferecido espontaneamente, mas também formas degradantes de trabalho, não sendo admissível
o trabalho em que são negadas as condições mais básicas, como o direito ao convívio social,
alimentação adequada, higiene, moradia, água potável, instalações sanitárias, remédios e assistência
médica, bem como não se admitindo jornadas exaustivas, que levem ao completo esgotamento
do trabalhador ou mesmo a restrição de locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída
com o empregador, sistema também chamado de truck system ou política de barracão, no qual
os empregados são obrigados a pagar pelos equipamentos de trabalho, equipamentos de proteção,
alimentação, vestuário, vendidos exclusivamente pelo empregador.
242
“Recrutar trabalhadores, mediante fraude (ex.: promessa enganosa de altos salários), com o fim de leva-los para o
território estrangeiro caracteriza o delito do art. 206 do CP. Aliciar (seduzir) trabalhadores, com o fim de leva-los de
uma para outra localidade do território nacional, se enquadra no art. 207 do CP. Nos dois casos a vontade do agente
não é tornar o empregado seu servo, mas, sim, recrutar trabalhadores visando a emigração ou migração.” CUNHA,
Rogério Sanches; ARAÚJO, Fábio Roque. Direito Penal para a Magistratura e Ministério Público do Trabalho.
Salvador: Juspodivm, 2016.
Não somente a restrição da liberdade individual do trabalhador, mas a garantia da dignidade da
pessoa humana é essencial para a atual conceituação do trabalho escravo contemporâneo.243
Assim, “podemos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como o exercício
do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou
quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador”.244
Nesse caminho de ampliação do conceito de trabalho escravo, o Protocolo à Convenção sobre
o Trabalho Forçado de 2014 reconheceu a defasagem do conceito adotado pela Convenção 29
da OIT e que o contexto e as formas de trabalho obrigatório se alteraram com o tempo, passando
a incluir diversas formas de exploração como a exploração sexual e o tráfico de pessoas245.
243
“De primeiro (a escravidão) era quando trabalhava apanhando. Hoje é quando trabalha humilhado”.
Depoimentos de trabalhadores resgatados (MPT. Cartilha do Trabalho Escravo).
244
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho –
trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, 2004.
245
Reconociendo que el contexto y las formas del trabajo forzoso u obligatorio han cambiado y que la trata de
personas con fines de trabajo forzoso u obligatorio, que puede implicar explotación sexual, suscita una creciente
preocupación internacional y que su eliminación efectiva requiere acciones urgentes. (Cf. OIT. Protocolo de 2014
relativo al Convenio sobre el trabajo forzoso, 1930).
246
O conceito de trabalho decente foi formalizado pela OIT em 1999 e é o ponto de convergência de quatro objetivos
estratégicos da OIT: a) o respeito aos direitos no trabalho, especialmente aqueles definidos como fundamentais
(liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de
emprego e ocupação e erradicação de todas as formas de trabalho forçado e trabalho infantil); b) a promoção do
emprego produtivo e de qualidade; c) a ampliação da proteção social e d) o fortalecimento do diálogo social.
Humanos (DUDH), a ONU estabeleceu que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão”,
proibindo a escravidão e o tráfico de pessoas em todas as suas formas (artigo IV), bem como a
sujeição de qualquer pessoa à tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes
(artigo V).
Em 1966, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) estabeleceu a
proibição do trabalho escravo, à servidão e aos trabalhos forçados e obrigatórios, em seu artigo 8º,
e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que
dentre outras proteções, assegurou no art. 6º o direito a “oportunidade de ganhar a vida através de
um trabalho livremente escolhido”.247
Em 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica) vedou expressamente, em seu art. 6º, a escravidão, a servidão e o tráfico de escravos e o tráfico
de mulheres, bem como o trabalho forçado ou obrigatório.
Por sua vez, a Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho
de 1998 impôs a obrigação a todos os membros, ainda que não tenham ratificado as convenções
da OIT, a respeitar, promover e tornar realidade o objetivo de eliminação de todas as formas de
trabalho forçado ou obrigatório248, pelo que são de aplicação obrigatórias as Convenções 29 e
105 da OIT, com ou sem ratificação.
Ainda sobre o tema, em 2000, o Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e
Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças) objetivou a prevenção, repressão
e punição do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças, prática pode resultar na
exploração do trabalho forçado ou sexual.249
247
Os Pactos internacionais de 1966 buscaram trazer concreção aos direitos humanos e liberdades fundamentais da
Declaração Universal de 1948.
248
2. Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso
derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade
com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, isto é: a) a
liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de
trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em
matéria de emprego e ocupação.
249
Art. 3º. a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou
o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A
exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o
trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos
(Protocolo de Palermo).
A promoção ao combate ao trabalho escravo contemporâneo foi reforçada em 2014 com o Pacto
Adicional à Convenção 29 da OIT e a Recomendação 203 da OIT, que reconheceram a
necessidade de ampliação do conceito de trabalho forçado e obrigatório, a necessidade da
responsabilização em cadeia produtiva e a existência de concorrência desleal decorrente da
exploração do trabalho forçado (dumping social).
Em 2015, a Declaração Sociolaboral do Mercosul estabeleceu como uma de suas diretrizes, em
seu art. 8º, a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório250.
No âmbito nacional, apesar da Lei Áurea ter abolido formalmente a escravidão em 1888, o
processo de abolição ainda está incompleto, tendo em vista que o trabalho em condições análogas
à de escravo persiste ainda hoje no Brasil.
O ordenamento jurídico brasileiro proíbe a escravidão em todas as suas formas, bem como o
tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, CR/88), estabelecendo como postulados
constitucionais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, III, IV,
CR/88) e a função social da propriedade, ditando, ainda, que a ordem econômica tem como
fundamento a valorização do trabalho humano e a garantia de existência digna (art. 170, caput,
III, CR/88), de modo que a livre iniciativa é limitada pelo direito ao desenvolvimento humano e
pela justiça social (art. 193, CR/88).
Importante ressaltar, nesse contexto, a alteração do art. 243 da CR/88251, por meio da Emenda
Constitucional 81/2014, que passou a prever a possibilidade de expropriação de propriedade
250
ARTIGO 8. 1. Toda pessoa tem direito a um trabalho livremente escolhido e a exercer qualquer ofício ou
profissão, de acordo com as disposições nacionais vigentes. 2. Os Estados Partes comprometem-se a adotar as medidas
necessárias para eliminar toda forma de trabalho forçado ou obrigatório exigido a um indivíduo sob a ameaça de sanção
e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente. 3. Os Estados Partes comprometem-se, ademais, a adotar
medidas para garantir a abolição de toda utilização de mão de obra que propicie, autorize ou tolere o trabalho forçado
ou obrigatório. 4. Os Estados Partes comprometem-se, de modo especial, a suprimir toda forma de trabalho forçado,
obrigatório ou degradante que possa utilizar-se: a) como meio de coerção ou de educação política, ou como punição
por não ter ou expressar, o trabalhador, determinadas opiniões políticas, ou por manifestar oposição ideológica à
ordem política, social ou econômica estabelecida; b) como método de mobilização e utilização da mão de obra com
fins de fomento econômico; c) como medida de disciplina no trabalho; d) como punição por haver o trabalhador
participado em atividades sindicais ou greves; e) como medida de discriminação racial, social, nacional, religiosa ou de
outra natureza.
251
Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de
plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma
agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81,
de 2014)
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com
destinação específica, na forma da lei.
urbanas ou rurais pelo Poder Público, independentemente de indenização, em caso de exploração
do trabalho escravo.
No plano infraconstitucional, como visto, o art. 149 do CP tipifica a conduta de reduzir alguém
à condição análoga à de escravo, quer submetendo a trabalhos forçados, jornada exaustiva ou a
condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, a sua locomoção em
razão de dívida contraída com o empregador.
Em 2002, a Lei 10.608, assegurou ao trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo o
direito de receber três parcelas do seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo cada. Nesse
caminho, a Orientação 12 da CONAETE elasteceu esse direito ao trabalhador migrante,
independentemente de sua situação migratória, quando resgatado de situação de trabalho em
condições análogas à escravidão.
A CLT, por sua vez, tem previsão expressa vedando o sistema de servidão por dívidas (art. 462, §§
2º e 3º). Dispõe, nessa senda, o dispositivo celetista:
Art. 462, §2º. É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos
empregados ou serviços destinados a proporcionar-lhe prestações in natura exercer qualquer
coação ou induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços.
§ 3º Sempre que não for possível o acesso dos empregados a armazéns ou serviços não mantidos
pela empresa, é lícito à autoridade competente determinar a adoção de medidas adequadas, visando
que as mercadorias sejam vendidas e os serviços prestados a preços razoáveis, sem intuito de lucro
e sempre em benefício dos empregados.
Segundo dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de
Pessoas, no Brasil, calcula-se que, desde 1995, mais de 50 mil pessoas foram resgatadas em
condições análogas à de escravo252.
O Observatório é uma ferramenta desenvolvida pelo MPT, pela iniciativa do SmartLab do
Trabalho Decente em cooperação com a OIT e reúne o conteúdo de diversos bancos de dados e
relatórios governamentais sobre o tema. Pela análise dos dados coletados, é possível coletar o
número de vítimas, a distribuição geográfica, perfil dos exploradores, perfil das vítimas e
estabelecer um direcionamento dos recursos e esforços no combate ao trabalho escravo, seja por
meio de operações de resgate, como também pela perspectiva da prevenção, com foco na elevação
dos padrões de vida e das oportunidades de inserção no mercado de trabalho.
252
57.666 trabalhadores resgatados em condições análogas à de escravo de 1995 a 2021, sendo 2.048,3 a média de
resgatados por ano de 1995 a 2021.
NÚMERO DE VÍTIMAS DO TRABALHO ESCRAVO RESGATADAS NO BRASIL DE 1995
A 2021 POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO
Pará 13.347
Goiás 4.413
Maranhão 3.535
ESCOLARIDADE
Analfabeto 11.503
LISTA SUJA
A “Lista suja” foi criada em 2003 e consiste no o cadastro de empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à de escravo. É considerada pela ONU como um dos principais
instrumentos de combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
O Cadastro de empregadores é publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego254, baseado nos
casos de condenações administrativas por uso de mão de obra em condições análogas à de
escravidão. Observe-se que a inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorre após decisão
administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal.
A inclusão de empregadores na “Lista Suja”, recentemente declarada constitucional pelo STF no
bojo da ADPF 509255, uma vez que decorre do dever da administração Pública de dar publicidade
253
8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, acabar com a escravidão moderna e o
tráfico de pessoas e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo recrutamento
e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas.
254
Atualmente a Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n. 4º de 11/05/2016 dispõe sobre as regras relativas ao
Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.
255
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – CABIMENTO –
SUBSIDIARIEDADE. A adequação da arguição de descumprimento de preceito fundamental pressupõe inexistência
de meio jurídico para sanar lesividade – artigo 4º da Lei nº 9.882/1999. PORTARIA – CADASTRO DE
EMPREGADORES – RESERVA LEGAL – OBSERVÂNCIA. Encerrando portaria, fundamentada na legislação
de regência, divulgação de cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condição análoga à de
escravo, sem extravasamento das atribuições previstas na Lei Maior, tem-se a higidez constitucional. CADASTRO
DE EMPREGADORES – PROCESSO ADMINISTRATIVO – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA –
OBSERVÂNCIA. Identificada, por auditor-fiscal, exploração de trabalho em condição análoga à de escravo e lavrado
a informações de interesse coletivo e geral, além de não haver violação ao devido processo legal e à
presunção de inocência, tendo em vista que a inclusão do nome no Cadastro de Empregadores que
tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo só ocorre após a realização de
regular processo administrativo, com contraditório e ampla defesa.
4. TRÁFICO DE PESSOAS
Embora o Protocolo de Palermo esteja em vigor desde 2004 no Brasil, o enfrentamento ao tráfico
de pessoas recebeu tratamento específico apenas com a Lei 13.344/2016 (Lei do Tráfico de
Pessoas). No mesmo passo, embora o MPT, embora já atue na questão desde a CR/988, voltou
a atenção especial para o tema tráfico de pessoas no ano de 2018, instituindo o Grupo de Trabalho
“Tráfico de Pessoas”, no âmbito da CONAETE.256
O tráfico de pessoas está intimamente relacionado ao trabalho em condições análogas a de escravo,
uma vez que a escravidão pode ser uma das formas de exploração sujeitas ao tráfico de pessoas. É
nesse sentido que a Orientação 14 da CONAETE dispõe:
ORIENTAÇÃO 14/CONAETE
Nas demandas coletivas envolvendo situações de trabalho análogo ao de escravo ou de tráfico de
pessoas propostas na Justiça do Trabalho, recomenda-se aos Membros do Ministério Público do
Trabalho a inclusão de pedido declaratório de reconhecimento da submissão dos trabalhadores às
situações previstas nos arts. 149 ou 149-A do Código Penal, bem como de requerimento de
expedição de ofício à União Federal para inclusão do condenado no Cadastro de Empregadores
previsto na Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4/2016 e na Portaria MTb nº
1.293/2017.
Nesse caminho, a Lei 13.344/2016 dispôs sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e
internacional de pessoas e incluiu no Código Penal o crime de tráfico de pessoas (art. 149-
A, CP), que criminaliza a conduta de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar,
auto de infração, a inclusão do empregador em cadastro ocorre após decisão administrativa irrecorrível, assegurados o
contraditório e a ampla defesa. CADASTRO DE EMPREGADORES – NATUREZA DECLARATÓRIA –
PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. Descabe enquadrar, como sancionador, cadastro de empregadores, cuja
finalidade é o acesso à informação, mediante publicização de política de combate ao trabalho escravo, considerado
resultado de procedimento administrativo de interesse público. (ADPF 509, Relator(a): MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 02-10-2020 PUBLIC
05-10-2020)
256
MPT. Cartilha Tráfico de pessoas: uma visão plural do tema. Organização: Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho...
[et al.]. Brasília: Ministério Público do Trabalho, Conaete, 2021.
alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a
finalidade de submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo e submetê-la a qualquer
tipo de servidão.
O crime de tráfico de pessoas pode ser dividido em três etapas: a) as ações para submissão ao tráfico
humano: agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa; b)
meios usados para traficar: ameaça, violência, coação, fraude ou abuso; e c) finalidade: de
remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo; submissão a trabalho em condições análogas à de
escravo ou a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal ou exploração sexual.
A redação do art. 149-A do CPC foi ao encontro do Protocolo de Palermo, que já incluía o
trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura e a servidão como
formas de exploração do tráfico de pessoas.
Quanto à relação entre o tráfico de pessoas e o trabalho escravo, a CONAETE possui a Orientação
08:
ORIENTAÇÃO 08/CONAETE
A caracterização do tráfico de pessoas, ilícito previsto no art. 149-A do Código Penal, atrai a
atribuição do Ministério Público do Trabalho em razão dos efeitos nas esferas cível e trabalhista,
para apurar as lesões a direitos coletivos e individuais indisponíveis dos trabalhadores.
Ainda quanto ao tema, o Protocolo de Palermo e a legislação nacional substituíram o paradigma
do trabalho proibido dos migrantes refugiados pelo paradigma do non refoulement (“não-
devolução”)257, que assegura à vítima do tráfico de pessoas o direito de não ser devolvido ao país de
origem, independentemente de sua situação migratória, tendo em vista sua vulnerabilidade,
reconhecendo-se direitos trabalhistas fundamentais ao migrante indocumentado e afastando a
proibição do trabalho do estrangeiro em situação irregular prevista no art. 359 da CLT258.
257
MELO, Luis Antônio Camardo de; BRASILIANO, Cristina Aparecida Ribeiro; FABRE, Luiz Carlos Michele.
O Novo Direito do Trabalho: a era das cadeias produtivas. Uma análise do Protocolo Adicional e da Recomendação
Acessórias à Convenção 29 da OIT sobre trabalho forçado ou obrigatório. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson.
Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 223.
258
Art. 359, CLT. Nenhuma empresa poderá admitir a seu serviço empregado estrangeiro sem que este exiba a
carteira de identidade de estrangeiro devidamente anotada. Parágrafo único - A empresa é obrigada a assentar no
registro de empregados os dados referentes à nacionalidade de qualquer empregado estrangeiro e o número da
respectiva carteira de identidade.
Esse novo paradigma já vinha sendo adotado pelo Brasil, por meio de resoluções editadas pelo
Conselho Nacional de Imigração (CNIg)259 e foi incorporado expressamente na Lei de Migração
(Lei 13.445/2017), em seu art. 62260. Com efeito, sobre o tema há a Orientação 09 da CONAETE:
ORIENTAÇÃO 09/CONAETE
Nos casos que envolverem tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público do Trabalho atuará
de forma a garantir os direitos sociais dos trabalhadores e não criminalizar a vítima do tráfico.
Inteligência do título II do Protocolo de Palermo.
5. MIGRAÇÃO
Os migrantes constituem parte considerável das vítimas de trabalho escravo, exploração sexual e
tráfico de pessoas, devido às condições precárias e humanitárias e a condição de refugiados que os
tornam mais vulneráveis à precarização no trabalho e à discriminação no emprego.
Nos termos do artigo 11 da Convenção 97 da OIT, que trata sobre Trabalhadores Migrantes,
trabalhador migrante “designa toda pessoa que emigra de um país para outro com o fim de
ocupar um emprego que não será exercido por sua própria conta, e compreende qualquer pessoa
normalmente admitida como trabalhador migrante”. A Convenção também se aplica aos
trabalhadores fronteiriços; à entrada, por um curto período, de pessoas que exerçam profissão
liberal e de artistas e aos marítimos.
Em sentido similar, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias dispõe que o trabalhador
migrante “designa a pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num
Estado de que não é nacional”.
A Lei 13.445/2017 (Lei de Migração) revogou o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) e
dispôs sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regulando a sua entrada e estada no
259
“Em 2010, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) – conferindo interpretação ampliativa ao art. 14 do
chamado Protocolo de Palermo (Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade
Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de
mulheres e crianças, editou a Resolução Normativa n. 93, a possibilitar a concessão de visto temporários e permanente
à vítima de tráfico de pessoas. Posteriormente, o Grupo Técnico de Trabalho de Estrangeiros constituído junto à
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (GTTE/CONATRAE) editou a Resolução Administrativa
n. 1/2013, recomendando ao Ministério da Justiça e ao Departamento da Polícia Federal que evitassem ordens de
expulsão de trabalhadores estrangeiros flagrados em condição de vulnerabilidade no trabalho pela auditoria-fiscal do
trabalho”. Ibidem, p. 224.bidem, p. 224.
260
Art. 62. Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem
razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.
País e estabelecendo princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante. A referida
lei enumera alguns conceitos importantes.
II - imigrante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece
temporária ou definitivamente no Brasil;
III - emigrante: brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no exterior;
IV - residente fronteiriço: pessoa nacional de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua
residência habitual em município fronteiriço de país vizinho;
V - visitante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que vem ao Brasil para estadas de curta
duração, sem pretensão de se estabelecer temporária ou definitivamente no território nacional;
VI - apátrida: pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado, segundo a sua
legislação, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo
Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002 , ou assim reconhecida pelo Estado brasileiro.
O art. 4º da Lei de Migração (Lei 13.445/2017) dispõe sobre direitos trabalhistas do migrante,
estabelecendo que é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais,
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como
a direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos; direito de reunião para fins pacíficos;
direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos; amplo acesso à justiça e à assistência
jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; garantia de cumprimento
de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador,
sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; direito a abertura de conta
bancária; direito de sair, de permanecer e de reingressar em território nacional, mesmo enquanto
pendente pedido de autorização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de
visto em autorização de residência; dentre outros.
Para trabalhar no Brasil, o imigrante precisa de um visto temporário de trabalho. Consoante o art.
12 da Lei de Migração existem os seguintes tipos de visto: I - de visita; II - temporário; III -
diplomático; IV - oficial e V - de cortesia.
As hipóteses de concessão de visto temporário para os migrantes no Brasil estão no art. 14: a)
pesquisa, ensino ou extensão acadêmica; b) tratamento de saúde; c) acolhida humanitária; d)
estudo; e) trabalho; f) férias-trabalho; g) prática de atividade religiosa ou serviço voluntário; h)
realização de investimento ou de atividade com relevância econômica, social, científica, tecnológica
ou cultural; i) reunião familiar; j) atividades artísticas ou desportivas com contrato por prazo
determinado; II - o imigrante seja beneficiário de tratado em matéria de vistos; III - outras hipóteses
definidas em regulamento.
O visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional
de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito
armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação
de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na
forma de regulamento (art. 14, 3º, Lei 13.445/2017).
Por sua vez, o visto temporário para trabalho poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer
atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício no Brasil, desde que comprove oferta de
trabalho formalizada por pessoa jurídica em atividade no País, dispensada esta exigência se o
imigrante comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente. Ainda, é reconhecida
ao imigrante a quem se tenha concedido visto temporário para trabalho a possibilidade de
modificação do local de exercício de sua atividade laboral (art. 14, §§5º e 8º, Lei 13.445/2017).
Contudo, não se exigirá do marítimo que ingressar no Brasil em viagem de longo curso ou em
cruzeiros marítimos pela costa brasileira o visto temporário de trabalho, bastando a apresentação
da carteira internacional de marítimo, nos termos de regulamento (art. 14, §7º, Lei 13.445/2017).
Há também o visto temporário para férias-trabalho, que poderá ser concedido ao imigrante
maior de 16 anos que seja nacional de país que conceda idêntico benefício ao nacional brasileiro,
em termos definidos por comunicação diplomática (art. 14, § 6º, da Lei de Migração).
Na hipótese do visto de visita, cujo intuito é uma estada de curta duração para turismo, negócios,
trânsito, atividades artísticas ou desportivas e outras, é vedado ao beneficiário de visto de visita
exercer atividade remunerada no Brasil. Todavia, poderá receber pagamento do governo, de
empregador brasileiro ou de entidade privada a título de diária, ajuda de custo, cachê, pró-labore
ou outras despesas com a viagem, bem como concorrer a prêmios, inclusive em dinheiro, em
competições desportivas ou em concursos artísticos ou culturais.
Os vistos diplomático e oficial são concedidos a autoridades e funcionários estrangeiros que
viajem ao Brasil em missão oficial de caráter transitório ou permanente, representando Estado
estrangeiro ou organismo internacional reconhecido, pelo que não se submetem ao disposto na
legislação trabalhista brasileira e somente podem ser remunerados por Estado estrangeiro ou
organismo internacional, ressalvado o disposto em tratado que contenha cláusula específica sobre
o assunto.
Observa-se que o dependente de titular de visto diplomático ou oficial poderá exercer
atividade remunerada no Brasil, sob o amparo da legislação trabalhista brasileira, desde que seja
nacional de país que assegure reciprocidade de tratamento ao nacional brasileiro, por comunicação
diplomática.
Em relação ao visto de cortesia, o empregado particular titular de visto somente poderá exercer
atividade remunerada para o titular de visto diplomático, oficial ou de cortesia ao qual esteja
vinculado, sob o amparo da legislação trabalhista brasileira.
A Lei de Migração ainda regulamenta o residente fronteiriço, que é a pessoa que mora ou
trabalha em município fronteiriço de país vizinho, e prevê que “a fim de facilitar a sua livre
circulação, poderá ser concedida ao residente fronteiriço, mediante requerimento, autorização
para a realização de atos da vida civil”, hipótese em que seria dispensável o visto temporário de
trabalho.
Nos termos do Decreto 9.199/17, que regulamenta a Lei de Migração, ao residente fronteiriço
poderá ser permitida a entrada no município fronteiriço brasileiro por meio apenas da
apresentação do documento de viagem válido ou da carteira de identidade expedida por órgão
oficial de identificação do país de sua nacionalidade e se pretender realizar atos da vida civil e no
município fronteiriço, inclusive atividade laboral e estudo, será registrado pela Polícia Federal e
receberá a Carteira de Registro Nacional Migratório, que o identificará e caracterizará a sua
condição.
Por sua vez, as hipóteses de concessão de autorização de residência para os migrantes
no Brasil estão no art. 30 e se dividem em três grupos de critérios para tanto:
a) finalidade: pesquisa, ensino ou extensão acadêmica; tratamento de saúde; acolhida
humanitária; estudo; trabalho; férias-trabalho; prática de atividade religiosa ou serviço voluntário;
realização de investimento ou de atividade com relevância econômica, social, científica, tecnológica
ou cultural; reunião familiar;
b) a pessoa: beneficiária de tratado em matéria de residência e livre circulação; detentora de oferta
de trabalho; já tenha possuído a nacionalidade brasileira e não deseje ou não reúna os requisitos
para readquiri-la; beneficiária de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida; menor nacional de
outro país ou apátrida, desacompanhado ou abandonado, que se encontre nas fronteiras brasileiras
ou em território nacional; vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação de direito
agravada por sua condição migratória; em liberdade provisória ou em cumprimento de pena no
Brasil;
c) outras hipóteses definidas em regulamento.
Sobre a acolhida humanitária e das pessoas vítimas de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de
violação de direito agravada por sua condição migratória, o art. 7 do Protocolo de Palermo já
definia que
Artigo 7
Estatuto das vítimas de tráfico de pessoas nos Estados de acolhimento
1. Além de adotar as medidas em conformidade com o Artigo 6 do presente Protocolo, cada Estado
Parte considerará a possibilidade de adotar medidas legislativas ou outras medidas adequadas que
permitam às vítimas de tráfico de pessoas permanecerem no seu território a título
temporário ou permanente, se for caso disso.
2. Ao executar o disposto no parágrafo 1 do presente Artigo, cada Estado Parte terá devidamente
em conta fatores humanitários e pessoais.
Antes mesmo da edição da Lei de Migração, com o advento da Lei 13.344/16 (Lei de Tráfico de
Pessoas), já havia sido acrescentado à Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) o art. 18-A, que
concedia “residência permanente às vítimas de tráfico de pessoas no território nacional,
independentemente de sua situação migratória e de colaboração em procedimento administrativo,
policial ou judicial”.
Com a edição da Lei de Migração, embora o Estatuto do Estrangeiro tenha sido revogado, deve ser
mantida a interpretação que garante a permanência das vítimas, independentemente de quaisquer
condições.
6.CASOS EMBLEMÁTICOS
261
COMISSÃO Interamericana de Direitos Humanos. RELATÓRIO Nº 95/03. CASO 11.289. SOLUÇÃO
AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL: 24 de outubro de 2003. Disponível em:
<https://cidh.oas.org/annualrep/2003port/Brasil.11289.htm>. Acesso em: 23 set. 2019.
Em 1995262, o Estado Brasileiro reconhece a existência de trabalho escravo contemporâneo em seu
território e, 2003, firma uma solução amistosa perante a Comissão, reconhecendo a
responsabilidade internacional pelas violações por violações à Declaração Americana sobre os
Deveres e Direitos do Homem e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “visto que os
órgãos estatais não foram capazes de prevenir a ocorrência da grave prática de trabalho escravo,
nem de punir os atores individuais das violações denunciadas”263.
A partir de então, o país passou a desenvolver políticas com o objetivo de combater a exploração
de mão de obra em condições análogas à de escravo. Dentre elas, é possível destacar:
a) a alteração do art. 149 do CP por meio da Lei 10.803/2003, para ampliar o conceito de
trabalho escravo que, além de encampar o conceito de trabalho forçado ou obrigatório, também
incluiu a jornada exaustiva, o trabalho degradante e a servidão por dívidas;
b) a criação dos grupos móveis de fiscalização no âmbito do Ministério do Trabalho;
c) a instituição de dois Planos Nacionais de Combate ao Trabalho Escravo;
d) a instalação de uma Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo
(CONATRAE) e as respectivas comissões estaduais (COETRAEs);
e) o fortalecimento do MPT, influenciando a criação da CONAETE;
f) criação da chamada “Lista Suja” – cadastro de empregadores flagrados com a exploração
de mão de obra em condições análogas à de escravo, publicada pela Secretaria de Inspeção do
Trabalho (SIT), do Ministério da Economia;
g) inserção da possibilidade de expropriação da propriedade em decorrência do trabalho
análogo ao de escravo no art. 243, da CR/88), dentre outras alterações.
6.2. Fazenda Brasil Verde
Entre os anos 90 e o começo dos anos 2000, fiscalizações à Fazenda Brasil Verde, localizada
em Xinguara-PA constataram a submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo.
Todavia, apesar das denúncias, a Polícia Federal não deu prosseguimento às investigações, tendo
sido ajuizada uma única ação penal contra o proprietário da fazenda, referente a uma fiscalização
de 1997, que tramitou por 10 anos apenas para a definição da competência material para o
julgamento, resultando na sua extinção, em decorrência do decurso do prazo prescricional264.
262
Em que pese tenha o Brasil somente reconhecido formalmente a existência do trabalho escravo contemporâneo
em seu território na década de 90, em decorrência do Caso José Pereira, as denúncias já eram registradas desde os anos
70, por meio do bispo Dom Pedro Casaldáliga.
263
COMISSÃO Interamericana de Direitos Humanos. RELATÓRIO Nº 95/03. CASO 11.289. SOLUÇÃO
AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL: 24 de outubro de 2003. Disponível em:
<https://cidh.oas.org/annualrep/2003port/Brasil.11289.htm>. Acesso em: 23 set. 2019.
264
BELTRAMELLI NETO, Silvio. Direitos Humanos. 5ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018. p. 500.
O caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tendo sido o Brasil
condenado. Entretanto, a decisão da Comissão não foi cumprida pelo país, pelo que o caso foi
submetido à da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 2016, condenou o
Estado Brasileiro pela violação à Convenção Americana de Direitos Humanos.
O Caso Fazenda Brasil Verde foi a primeira condenação da Corte Interamericana de Direitos
Humanos em matéria de trabalho escravo contemporâneo. Ainda, a decisão se destaca pela
definição de alguns pontos relevantes:
a decisão consagrou a imprescritibilidade do crime de submissão à condição análoga à de
escravo, por se tratar de norma imperativa de direito internacional (jus cogens), implicando em
obrigações erga omnes;
reconhecimento da discriminação estrutural pelo Estado brasileiro, visto que, pela análise das
ocorrências, as vítimas “se encontravam em situação de pobreza; provinham das regiões mais
pobres do país; com menor desenvolvimento humano e perspectivas de trabalho e emprego; eram
analfabetos e tinham pouca ou nenhuma escolarização”265;
declaração da inadequação do conceito original de trabalho em condições análogas à de
escravo do art. 149, do CP, em sua redação original, vigente à época dos fatos.
6.3. Cadeias Produtivas – Caso Zara
A Zara do Brasil é uma empresa multinacional, vinculada ao setor de vestuário, cuja atuação
depende de uma cadeia de empresas intermediárias para produção têxtil. Em 2011, foi autuada pela
exploração de trabalho em condições análogas à de escravo e, após a condenação, teve seu nome
incluído na Lista suja, do Ministério do Trabalho.
Em uma das autuações, na cidade de Americana-SP, foram flagrados 52 trabalhadores, a maioria
aliciados na Bolívia e no Peru, mantidos reclusos em decorrência de dívidas relativas ao custo do
transporte, além da submissão a jornadas exaustivas de trabalho (das 07:30 às 20 horas), com
percepção de remuneração inferior a 50% do salário mínimo266.
Na cadeia produtiva da Zara, foram encontradas oficinas de costura com condições degradantes
de trabalho, sem estrutura, máquinas sem aterramento e com a correia exposta, sem ventilação,
falta segurança e higiene, trabalho infantil, jornadas de trabalho exaustivas, baixa remuneração,
265
Ibidem, p. 501.
266
MANSOLDO, Felipe Fayer. Considerações sobre o Caso Zara do Brasil e a possível inadequação do compromisso
de ajustamento de conduta como resposta eficaz às violações de direitos humanos. Anais dos diálogos sobre direitos
humanos. Homa - Centro de Direitos Humanos e Empresas. GTII – Direitos Humanos e Empresas, Direito
Internacional dos Direitos Humanos e Integração. Disponível em:
<http://homacdhe.com/dialogossobredireitoshumanos/wp-content/uploads/sites/5/2017/02/CASO-
ZARA.pdf>. Acesso em 23 set. 2019.
cerceamento da liberdade pela servidão por dívidas (truck system), o que resultou na lavratura de
48 autos de infração contra a Zara267.
Um aspecto marcante dessa realidade, é o uso massivo de mão de obra imigrante, aliciados por
coiotes, gatos ou atravessadores e vivem na “condição de clandestinidade que caracteriza o
imigrante sem acolhimento oficial, que independe da nacionalidade e o torna mais suscetível a
abordagens aviltantes, notadamente se tiver pouca escolaridade e não for qualificado
profissionalmente, situação agravada quando se desconhece o idioma e a legislação laboral do
país”.268
Em 2011, firmou TAC no âmbito do MPT, assumindo a responsabilidade em relação ao
cumprimento da legislação trabalhista e às condições de trabalho oferecidas pelos fornecedores
integrantes da cadeia produtiva. Houve, pois, a responsabilização jurídica do detentor do
poder econômico da cadeia produtiva, que assumiu obrigações de resultado, de efetiva
responsabilização pelas situações de trabalho escravo ocorridas em cadeia, independentemente da
existência de culpa.
No Brasil, é possível ressaltar diversas teorias que fundamentam a responsabilização civil de toda a
cadeia produtiva pela ocorrência do trabalho escravo:
6.3.1. Teoria do risco-proveito (Teoria da ajenidad)
Pautada no art. 2º da CLT, que estabelece que o empregador assume os riscos da atividade
econômica, uma vez que aquele que aufere os bônus, deve arcar com os ônus da produção269.
6.3.2. Teoria da internalização das externalidades negativas
267
“A primeira oficina vistoriada mantinha seis pessoas, incluindo uma adolescente de 14 anos, em condições de
trabalho escravo. No momento da fiscalização, os empregados finalizavam blusas da Coleção Primavera-Verão da
Zara, na cor azul e laranja (fotos acima). Para cada peça feita, o dono da oficina recebia R$ 7. Os costureiros declararam
que recebiam, em média, R$ 2 por peça costurada. No dia seguinte à ação, 27 de junho, a reportagem foi até uma loja
da Zara na Zona Oeste de São Paulo (SP), e encontrou uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha,
sendo vendida por R$ 139.” Cf. PYL, Bianca Pyl; HASHIZUME, Maurício. Roupas da Zara são fabricadas com mão
de obra escrava. Repóter Brasil. Ago. 2011. Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2011/08/roupas-da-zara-
sao-fabricadas-com-mao-de-obra-escrava>. Acesso em 23 set. 2019.
268
LIMA, Camila Rodrigues Neves de Almeida. Escravos da moda: análise da intervenção jurídica em face da
exploração do trabalho em oficinas-moradia de costura paulistanas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
269
MELO, Luis Antônio Camardo de; BRASILIANO, Cristina Aparecida Ribeiro; FABRE, Luiz Carlos Michele.
O Novo Direito do Trabalho: a era das cadeias produtivas. Uma análise do Protocolo Adicional e da Recomendação
Acessórias à Convenção 29 da OIT sobre trabalho forçado ou obrigatório. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson.
Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 230.
Importada do direito ambiental, funda-se no art. 14, §1º da Lei 6.938/81270 e no Princípio 16 da
Declaração do Rio de 1992271, que sustenta que os riscos sociais externos que acompanham o
processo produtivo devem ser internalizados pelos agentes econômicos (Princípio do poluidor-
pagador)272.
6.3.3. Teoria da responsabilidade das redes contratuais
Lastreada na aplicação analógica do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor (CDC)273, que
impõe a responsabilidade solidária entre todos os componentes da cadeia produtiva pelos ilícitos e
danos causados, uma vez que há uma a interligação dos contratos voltados para uma determinada
finalidade econômica comum274.
6.3.4. Teoria da subordinação integrativa
Na qual um fornecedor tem a quase totalidade ou totalidade de sua produção voltada a uma
determinada empresa, estando os trabalhadores da cadeia inseridos na dinâmica da empresa
detentora do poder econômico relevante. A referida teoria é, assim, defina, por Lorena
Vasconcelos Porto:
A subordinação, em sua dimensão integrativa, faz-se presente quando a prestação de trabalho
integra as atividades exercidas pelo empregador e o trabalhador não possui uma organização
empresarial própria, não assume riscos de ganhos ou de perdas e não é proprietário dos frutos do
seu trabalho, que pertencem, originariamente, à organização produtiva alheia para a qual presta a
sua atividade.275
6.3.5. Teoria do domínio do fato
270
Art. 14. § 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
271
Princípio 16. As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o
uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar
com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos
investimentos internacionais.
272
Ibidem, p. 231.
273
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou
acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e
riscos.
274
Cf. SEGATTI, Ana Elisa Brito; NOVAES, Dirce Trevisi Prado; NOGUEIRA, Christiane Vieira; SABINO, João;
FORTES, Mariana Flesch. Trabalho escravo: reflexões sobre a responsabilidade na cadeia produtiva. Revista do
Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral do Trabalho. ano, XXIV, n. 48, Brasília, set. 2014.
275
Cf. PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo:
LTr, 2009.
Originária do Direito Penal, sustenta que o detentor do poder econômico relevante é o autor do
delito, por deter o controle final dos fatos e suas circunstâncias.
6.3.6. Teoria da cegueira deliberada
Criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos e originária do Direito Penal, conhecida também
por Teoria do avestruz, busca responsabilizar aqueles que se colocam intencionalmente em estado
de desconhecimento ou ignorância para não conhecer os detalhes de uma situação suspeita,
embora tenha o dever razoável e objetivo de conhecer, ante os benefícios auferidos276.
7. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
276
MELO, Luis Antônio Camardo de; BRASILIANO, Cristina Aparecida Ribeiro; FABRE, Luiz Carlos Michele.
O Novo Direito do Trabalho: a era das cadeias produtivas. Uma análise do Protocolo Adicional e da Recomendação
Acessórias à Convenção 29 da OIT sobre trabalho forçado ou obrigatório. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson.
Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 230.
ORIENTAÇÃO N. 05: Trabalho em condições análogas às de escravo. Violação à dignidade da
pessoa humana e ao patrimônio ético-moral da sociedade, ensejando danos morais individuais e
coletivos. Responsabilização do explorador. A exploração do trabalho em condições análogas às de
escravo ofende não somente a direitos individuais do lesado, mas também e, fundamentalmente,
aos interesses difusos de toda a sociedade brasileira. Tratando-se de grave violação à dignidade da
pessoa humana e ao patrimônio ético-moral da sociedade, o Membro do Ministério Público
Trabalho, observadas as peculiaridades do caso concreto, promoverá a responsabilização do
explorador mediante a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta e /ou a propositura de
Ação Civil Pública, ambos os instrumentos contendo obrigação de ressarcimento dos danos
morais individuais e/ou coletivos.
ORIENTAÇÃO N. 06: Recomenda-se que se evite, na celebração de termos de ajuste de conduta
e de acordos judiciais relacionados a trabalho análogo ao de escravo, aliciamento e tráfico de
pessoas, cláusulas ou condições que estabeleçam que, no caso de descumprimento das obrigações
assumidas no título, não incidirá imediatamente sanção pecuniária, por facultar-se ao
compromissário a possibilidade de comprovar a adoção de providências corretivas, posteriores ao
descumprimento cometido, isentando-se de multa o infrator se apresentada tal comprovação.
ORIENTAÇÃO N. 07: O permissivo legal contido no art. 4º-A da Lei n. 6.019/74 (contratação
de empresa prestadora de serviços, inclusive para a execução da atividade principal da contratante)
não elide a responsabilização de todos os componentes da cadeia de produção que se utilizem ou
se beneficiem diretamente da exploração de trabalho escravo contemporâneo, atraindo-se, neste
caso, a aplicação dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos ratificados pelo
Brasil.
ORIENTAÇÃO N. 08: A caracterização do tráfico de pessoas, ilícito previsto no art. 149-A do
Código Penal, atrai a atribuição do Ministério Público do Trabalho em razão dos efeitos nas esferas
cível e trabalhista, para apurar as lesões a direitos coletivos e individuais indisponíveis dos
trabalhadores.
ORIENTAÇÃO N. 09: Nos casos que envolverem tráfico de pessoas, o membro do Ministério
Público do Trabalho atuará de forma a garantir os direitos sociais dos trabalhadores e não
criminalizar a vítima do tráfico. Inteligência do título II do Protocolo de Palermo.
ORIENTAÇÃO N. 10: A NR 31 (segurança e saúde do trabalhador a agricultura, pecuária,
silvicultura, exploração florestal e aquicultura) não é objeto de negociação coletiva, por se tratar de
requisitos técnicos mínimos à garantia da segurança e saúde do trabalhador, exceto se for para
garantir maiores direitos indo ao encontro do inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal.
ORIENTAÇÃO N. 11: O relatório circunstanciado decorrente da operação em que constatado
o trabalho escravo ou outro ilícito penal deve conter descrição fática detalhada que permita,
inclusive, a análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal.
ORIENTAÇÃO N. 12: O trabalhador migrante, independentemente de sua situação migratória,
quando resgatado de situação de trabalho em condições análogas à escravidão, possui direito a
receber as parcelas de seguro-desemprego, nos termos do art. 2º-C da Lei nº 7.998/90 e IN
91/SIT/MTE.
ORIENTAÇÃO N. 13: Encontrando vítima de trabalho escravo ou tráfico de pessoas de
nacionalidade estrangeira, o membro do Ministério Público do Trabalho representará ao
Ministério da Justiça, na forma prevista em regulamento, pela concessão da autorização de
residência por prazo indeterminado (art.158, § 2º, do Decreto 9.199/2017).
ORIENTAÇÃO N. 14: "Nas demandas coletivas envolvendo situações de trabalho análogo ao
de escravo ou de tráfico de pessoas propostas na Justiça do Trabalho, recomenda-se aos Membros
do Ministério Público do Trabalho a inclusão de pedido declaratório de reconhecimento da
submissão dos trabalhadores às situações previstas nos arts. 149 ou 149-A do Código Penal, bem
como de requerimento de expedição de ofício à União Federal para inclusão do condenado no
Cadastro de Empregadores previsto na Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4/2016 e
na Portaria MTb nº 1.293/2017."
ORIENTAÇÃO N. 15: Conforme previsto no Protocolo Suplementar à Convenção 29 da OIT,
bem como na Resolução 60/147 da ONU, aprovada em 2005 pela Assembleia Geral, que enuncia
“Princípios e Diretrizes Básicas sobre o Direito a Recurso e Reparação para Vítimas de Violações
Flagrantes das Normas Internacionais de Direitos Humanos (...)”, deve ser promovida
interlocução interinstitucional para assegurar que às vítimas de trabalho análogo ao escravo e/ou
de tráfico de trabalhadores não recaiam processos ou sejam impostas penas por seu envolvimento
em atividades ilegais que tenham sido compelidas a realizar como consequência direta de estarem
sujeitas a trabalho forçado ou obrigatório.
ORIENTAÇÃO N. 16: Recomenda-se que, quando da propositura de ação civil pública
tratando de trabalho escravo, seja averiguado se o empregador/empreendimento econômico
possui financiamento bancário de um dos bancos demandados pelo MPT quanto ao
descumprimento de deveres de responsabilidade socioambiental (ACPs disponíveis na página do
GT na intranet) e, em caso positivo, que se inclua pedido de condenação solidária da instituição
financeira pelo dano moral coletivo.
ORIENTAÇÃO N. 17: "Há interesse social relevante a justificar a intervenção do Ministério
Público do Trabalho, na qualidade de fiscal da ordem jurídica, em ações anulatórias de quaisquer
autos de infração lavrados, independentemente de suas ementas específicas, durante operações nas
quais houve constatação de trabalho em condição análoga à de escravo ou tráfico de pessoas."
ORIENTAÇÃO N. 18: “Nos procedimentos que tenham por objeto a investigação de denúncias
de trabalho em condição análoga à de escravo, recomenda-se, de modo a preservar as diligências
investigatórias e evitar possíveis represálias ou prejuízos a direitos das vítimas, que não haja
notificação de investigados antes da organização de ação fiscal.”
ORIENTAÇÃO N. 19: “Considerando que a escravidão contemporânea configura grave
violação de direitos humanos previstos em tratados ratificados pelo Estado Brasileiro, não deve
incidir prescrição nas hipóteses de redução de trabalhador a condição análoga à de escravo,
previstas no art. 149 do Código Penal.”
8. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO
BELTRAMELLI NETO, Silvio. Direitos Humanos. 5ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2018.
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na cadeia produtiva. Revista do Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral do Trabalho.
ano, XXIV, n. 48, Brasília, set. 2014.
CAPÍTULO IV - CONATPA – COORDENADORIA NACIONAL DE
TRABALHO PORTUÁRIO E AQUAVIÁRIO
1. SOBRE A COORDENADORIA
A Coordenadoria Nacional de Trabalho Portuário e Aquaviário (CONATPA) foi criada em
2003, no contexto da Lei 8.630/93 (Lei de Modernização dos Portos), após a extinção do Grupo
Executivo para a Modernização dos Portos (Gempo) – criado em 1999, para implantação da Lei
de modernização – tendo o grupo proporcionado o trabalho coordenado do MPT na área
portuária.
A constituição da CONATPA se deu, portanto, devido à necessidade de atuação coordenada em
uma área temática especializada, uma vez que tanto o trabalho portuário como o aquaviário
possuem um grande número de normas específicas nacionais e internacionais que os
regulamentam, em que pese não se trate de um tema de prioridade institucional277.
A Coordenadoria tem como principais objetivos: a garantia da observância das normas de saúde e
segurança e um meio ambiente de trabalho adequado; a democratização do acesso às
oportunidades do trabalho avulso nos portos; a inclusão dos trabalhadores no mercado formal de
trabalho nos portos públicos e privados, na pesca, nas navegações marítimas e fluviais, na indústria
naval, nas plataformas de petróleo e nas atividades de mergulho profissional, além de assegurar a
empregabilidade dos trabalhadores brasileiros em embarcações estrangeiras que naveguem em
águas nacionais278.
Nota-se, pois, que a CONATPA atua em ações diversas contra irregularidades relacionadas ao
universo do trabalho em portos e a bordo de embarcações com uma atuação especializada voltada
à tutela das especificidades que envolvem o trabalho portuário e aquaviário.
2. NOMENCLATURAS ESSENCIAIS
Devido à existência de termos próprios relativos ao trabalho portuário e aquaviário, necessário o
esclarecimento de alguns vocábulos específicos e “jargões” adstritos aos portos:
a) Poligonal portuária: delimitação geográfica dos Portos Organizados que compreendem
as instalações portuárias (ancoradouros, docas, cais, pontes e píeres de atracação e acostagem,
terrenos, armazéns, edificações e vias de circulação interna), a infraestrutura de proteção e acesso
277
FLEURY, Ronaldo Curado. Coordenadoria Nacional de Trabalho Portuário e Aquaviário (Conatpa).
Coordenadorias temáticas. Organização: Ricardo José Macedo de Britto Pereira. Texto de abertura: Sandra Lia Simon.
Brasília: ESMPU, 2006.
278
CARNEIRO, Ricardo José das Mercês. Manual do Procurador do Trabalho. Teoria e prática. 2 ed. Salvador:
Juspodivm, 2017. p. 80.
ao porto (quebra-mares, canais, bacias de evolução e áreas de fundeio), delimitando a área de
competência, administração e de responsabilidade do porto público;
b) Porto organizado: é o conjunto de bens públicos necessários para atender às necessidades
da atividade portuária, da navegação e da movimentação e armazenagem de mercadorias,
concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e operações portuárias estejam sob a
circunscrição de uma autoridade portuária;
c) Terminais de uso privativo: instalação portuária, explorada pela iniciativa privada,
mediante autorização, localizada fora da área do porto organizado, com a possibilidade de
movimentação de cargas sem restrição quanto à natureza (carga própria ou de terceiros)279;
d) Autoridade portuária: é a administração do porto organizado, que é exercida
diretamente pela União ou pela entidade delegatária ou concessionária. É responsável, dentro dos
limites da área do porto organizado por: pré-qualificar os operadores portuários; arrecadar as tarifas
portuárias; fiscalizar ou executar as obras de construção, reforma, ampliação, melhoramento e
conservação das instalações portuárias, autorizar a entrada e saída, inclusive atracação e
desatracação, o fundeio e o tráfego de embarcação na área do porto, estabelecer o horário de
funcionamento no porto, bem como as jornadas de trabalho no cais de uso público, dentre outras
funções.
e) Operador portuário: pessoa jurídica responsável pelas atividades de movimentação de
passageiros ou movimentação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de
transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado. O operador portuário é responsável,
dentre suas atribuições, pela contração e pela remuneração dos serviços prestados pelo trabalhador
portuário e respectivos encargos;
f) Órgão Gestor de mão de obra (OMGO): é o órgão de gestão de mão de obra do
trabalho portuário, responsável pelo treinamento, registro e cadastro dos trabalhadores, sendo sua
intermediação obrigatória no fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do
trabalhador portuário avulso nos portos públicos. É criado e mantido pelos operadores portuários
em cada porto organizado.
g) Trabalhador portuário: a atividade portuária pode ser realizada por trabalhadores
portuários com vínculo empregatício ou trabalhadores portuários avulsos (cadastrados ou
registrados), que são intermediados pelo OGMO. O trabalhador portuário com vínculo
empregatício é aquele contratado pelos operadores portuários;
279
Pela legislação revogada (Lei 8.630/1993), a instalação portuária explorada por particulares somente poderia ser
movimentar cargas próprias (uso privativo exclusivo). A movimentação de cargas de terceiros somente seria possível
se realizada em caráter complementar (uso privativo misto).
h) Trabalhador portuário avulso (TPA): é o trabalhador portuário, cadastrado ou
registrado no OGMO, que presta serviços na área do porto organizado a vários tomadores de mão
de obra, sem vínculo empregatício;
i) Ternos: equipes de trabalho;
j) Fainas: tipo de movimentação ou atividade desenvolvida na embarcação. Existem
seis fainas típicas no trabalho portuário: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga,
bloco e vigilância de embarcações.
k) Capatazia: é a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações portuárias;
l) Estiva: é a atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões
das embarcações;
m) Trabalhador aquaviário: é o trabalhador com habilitação certificada pela autoridade
marítima para operar embarcações em caráter profissional. São espécies do gênero trabalho
aquaviário: os marítimos, os fluviários, os pescadores, os mergulhadores, os práticos e os agentes de
manobra e docagem.
n) Trabalhador marítimo: é o trabalhador marítimo que executa a bordo os serviços
necessários à navegação e à manutenção das embarcações, com vínculo empregatício com o
armador da embarcação (pessoa que explora o navio com fins comerciais, proprietário ou não). Os
trabalhadores marítimos são espécie do gênero aquaviário.
3. O SETOR PORTUÁRIO BRASILEIRO
As origens do trabalho portuário avulso se confundem com o surgimento dos primeiros portos,
que possibilitou o início do comércio exterior. No caso do Brasil, sua história está intrinsecamente
ligada aos avanços dos portos e da navegação, seja com seu descobrimento pela navegação
portuguesa, seja pela “abertura dos portos às nações amigas”, em 1808.280
O trabalho nos portos, pelas próprias características, configurou-se no decorrer dos séculos como
um trabalho ocasional, dependente da existência de carga nos portos a serem embarcadas e/ou
desembarcadas, e essencialmente manual, com baixa mecanização para a movimentação da carga.
“A estruturação do trabalho ocasional foi uma perspectiva vantajosa para o capitalismo à época,
pois só demandava trabalhadores se houvesse carga a manusear e o ganho por empreitada era
liquidado no dia da realização do trabalho sem ter, portanto, compromissos trabalhistas e sociais
280
D. João VI, Rei de Portugal, assinou Carta Régia (Decreto) abrindo os Portos Brasileiros às Nações Amigas em
28/01/1808 e por esta razão que se festeja o dia do Portuário em 28 de janeiro (Cf. BASÍLIO, Paulo Sérgio. O Trabalho
Portuário. Revista LTr: legislação do trabalho. v. 72, n. 09, 2008).
com os portuários”. 281 À época, a organização da rotina do trabalho portuário, a composição dos
ternos e o pagamento eram realizados pelos sindicatos282.
Os sindicatos, até 1993, exerciam total controle do regime de trabalho necessário à realização das
operações portuárias, funcionando simultaneamente como entidades representativas da categoria
dos trabalhadores, bem como gestores de mão de obra. Essa sistemática ocasionava um conflito de
interesses, uma vez que os sindicatos atuavam na defesa dos direitos e interesses coletivos ou
individuais da categoria e, ao mesmo tempo, eram responsáveis pela contratação e a alocação de
trabalhadores portuários avulsos.
Ainda, até a Lei 8.630/1993 (Lei de Modernização dos Portos), a movimentação de carga nos
portos brasileiros (operação portuária) tinha uma dinâmica diversa do atual modelo. O trabalho
de capatazia competia ao Estado, em sistema de monopólio por meio da Companhia Docas,
responsáveis pela administração das operações do porto, e o trabalho da estiva era realizado por
empresas privadas, que se utilizavam de mão de obra avulsa junto aos sindicatos. Havia, portanto,
uma divisão de trabalho em razão do espaço em que era desenvolvida a atividade:
A operação de movimentação de cargas nos portos brasileiros era dividida em duas etapas: uma de
estivagem, realizada pelas agências estivadoras, por trabalhadores portuários avulsos escalados e
remunerados pelos respectivos sindicatos, que compreendia toda a movimentação das mercadorias
feita nas embarcações; e outra de capatazia, que era feita, com exclusividade, por companhias
docas, com pessoal próprio ou, na eventual necessidade de forma supletiva, com trabalhadores
avulsos vinculados a sindicatos, na movimentação de mercadorias no cais. Importante notar que a
responsabilidade pela mercadoria se alterava de acordo com a sua posição, ou seja, entre o trajeto
navio-cais a responsabilidade era das agências estivadoras e no trajeto cais-portão era das
companhias docas.283
À CLT, até agosto de 1993, competia disciplinar os serviços de estiva e da capatazia nos portos nos
arts. 254 a 292, em conjunto com outros diplomas normativos específicos do trabalho portuário,
como a Lei 4.860/65, que dispunha sobre o regime de trabalho nos portos organizados.
281
QUEIRÓZ, Maria de Fátima Ferreira; DIÉGUEZ, Carla Regina Mota. As metamorfoses do trabalho portuário:
mudanças em contextos de modernização. São Paulo: Sociologia e Política, 2019.
282
“Esta organização do mercado de trabalho dos portuários ficou conhecida como closed shop, ou seja, os
trabalhadores eram selecionados para o trabalho pelos próprios representantes, em locais designados para tal
finalidade, dia após dia, semana após semana”. Cf. QUEIRÓZ, Maria de Fátima Ferreira; DIÉGUEZ, Carla Regina
Mota. As metamorfoses do trabalho portuário: mudanças em contextos de modernização. São Paulo: Sociologia e
Política, 2019.
283
Ibidem, p. 150.
Em 1993, é publicada a Lei 8.630/93, que iniciou o processo de modernização dos portos,
regulamentando o regime jurídico de exploração dos portos organizados e das instalações
portuárias, posteriormente complementada pela Lei 9.719/98, que dispõe sobre as normas e
condições gerais de proteção ao trabalho portuário.
Observe-se que, com o advento da Lei de Modernização dos Portos, os arts. 254 a 292 da CLT,
foram expressamente revogados pelos arts. 75 e 76 da Lei 8.630/93.
Anteriormente à Lei 8.630/93, inexistia qualquer cultura de proteção da saúde e segurança dos
trabalhadores portuários, que se submetiam a jornadas extenuantes de trabalho, sem intervalos e
utilização de equipamentos de proteção. Havia ainda o costume de venda das oportunidades de
trabalho, com o repasse do trabalho para terceiros não pertencentes ao sistema284 e alguns
trabalhadores eram apadrinhados pelo sindicato, sendo escolhidos para as melhores funções.
Com a edição da Lei de Modernização, a maior mudança foi a criação do OGMO, que assumiu as
funções de gestão da mão de obra portuária, tendo sido retirada essas funções dos sindicatos,
passando ao OGMO a incumbência de manter o registro e cadastro dos trabalhadores portuários,
realizar a escalação da mão de obra, o pagamento da remuneração e demais encargos sociais, além
do fornecimento e fiscalização do uso dos EPIs. Aos sindicatos, passou a competir, de forma
restrita, a função de defender os interesses coletivos e individuais da categoria.
284
Esses trabalhadores são chamados de bagrinho, carteirão, cavalo ou galinha, designando o trabalhador que não
pertence ao sistema, não registrado no OGMO, mas que consegue trabalhar no porto por conta própria ou alheia (em
nome de um trabalhador do sistema) ou ainda um trabalhador do sistema que realiza o trabalho em nome de outro.”
MANUAL do Trabalho Portuário e Ementário. Brasília: MTE, SIT, 2001. pág. 37.
Também foram criadas, no âmbito do OGMO, o Conselho de Administração Portuária (CAP)285,
o Conselho de Supervisão, uma Diretoria executiva286 e uma Comissão Paritária287, tendo ainda
sido criada a figura do operador portuário, estruturas mantidas pela Lei 12.815/2003.288
A Lei 9.719/98, por sua vez, estendeu aos operadores portuários a obrigação de fiscalizar o meio
ambiente de trabalho, além de estabelecer a responsabilidade solidária com o OGMO pela
remuneração dos serviços prestados e pelas indenizações decorrentes de acidente de trabalho289.
Todavia, diante da necessidade de investimentos privados na área portuária, a Lei de Modernização
foi revogada pela Lei 12.815/13, conhecida como Novo Marco Regulatório da Atividade
Portuária, que trouxe como principal modificação a possibilidade de terminais portuários para
285
Art. 20. Será instituído em cada porto organizado um conselho de autoridade portuária, órgão consultivo da
administração do porto. § 1º O regulamento disporá sobre as atribuições, o funcionamento e a composição dos
conselhos de autoridade portuária, assegurada a participação de representantes da classe empresarial, dos trabalhadores
portuários e do poder público. § 2º A representação da classe empresarial e dos trabalhadores no conselho a que
alude o caput será paritária. § 3º A distribuição das vagas no conselho a que alude o caput observará a seguinte
proporção:
I - 50% (cinquenta por cento) de representantes do poder público;
II - 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe empresarial; e
III - 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe trabalhadora.
286
Art. 38. O órgão de gestão de mão de obra terá obrigatoriamente 1 (um) conselho de supervisão e 1 (uma) diretoria
executiva.
§ 1º O conselho de supervisão será composto por 3 (três) membros titulares e seus suplentes, indicados na forma do
regulamento, e terá como competência:
I - deliberar sobre a matéria contida no inciso V do caput do art. 32;
II - editar as normas a que se refere o art. 42; e
III - fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis do órgão e solicitar informações
sobre quaisquer atos praticados pelos diretores ou seus prepostos.
§ 2º A diretoria executiva será composta por 1 (um) ou mais diretores, designados e destituíveis na forma do
regulamento, cujo prazo de gestão será de 3 (três) anos, permitida a redesignação.
§ 3º Até 1/3 (um terço) dos membros do conselho de supervisão poderá ser designado para cargos de diretores.
§ 4º No silêncio do estatuto ou contrato social, competirá a qualquer diretor a representação do órgão e a prática dos
atos necessários ao seu funcionamento regular.
287
Art. 37. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão de obra, comissão paritária para solucionar
litígios decorrentes da aplicação do disposto nos arts. 32, 33 e 35.
§ 1º Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais.
§ 2º Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência de qualquer das partes.
§ 3º Os árbitros devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes, e o laudo arbitral proferido para solução da
pendência constitui título executivo extrajudicial.
§ 4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite
de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.
288
STEIN, Alex Sandro. Curso de Direito Portuário. Lei n. 8.630/93. São Paulo: LTr, 2002.
289
Art. 33. § 2º O órgão responde, solidariamente com os operadores portuários, pela remuneração devida ao
trabalhador portuário avulso e pelas indenizações decorrentes de acidente de trabalho.
movimentar cargas de terceiros apenas, sem a observância das normas restritivas do porto
organizado.
O art. 32, parágrafo único, da Lei 12.815/13 previu, nesse sentido, que, celebrado contrato, acordo
ou convenção coletiva de trabalho entre trabalhadores e tomadores de serviços, o disposto no
instrumento precederá sobre OGMO e dispensará sua intervenção.
Contudo, observe-se que a contratação nos terminais portuários de uso privativo sem qualquer
respeito ao sistema portuário trabalhista e sem a intermediação do OGMO significa um retrocesso,
e um menosprezo a toda evolução legislativa e modernização das relações trabalhistas portuárias.
Em que pese os terminais de uso privativo não tenham a obrigatoriedade de utilizar a mão de obra
avulsa, podendo fazê-lo através de contrato por prazo indeterminado regido pela CLT, devem
solicitar os TPAs ao OGMO mais próximo, uma vez que, o art. 32, I e II, da Lei 12.815/13
estabelece que compete ao OGMO “administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador
portuário e do trabalhador portuário avulso” e “manter, com exclusividade, o cadastro do
trabalhador portuário e o registro do trabalhador portuário avulso”, o que impossibilita a
delegação ou dispensa do OGMO.
Por fim, a NR 39 objetiva regulamentar o trabalho e proteger a vida e a saúde dos portuários,
dentro e fora do porto organizado.
Em síntese, os principais diplomas legais que regulamentam o trabalho portuário são: a
Convenção 137 da OIT, que versa sobre as Repercussões Sociais dos Novos Métodos de
Manipulação de Cargas nos Portos; a Convenção 152 da OIT, que dispõe sobre segurança e
higiene dos trabalhadores portuários; a Lei 4.860/65, que dispõe sobre o regime de trabalho nos
portos organizados; a Lei 9.719/98, que trata das condições gerais de proteção ao trabalho
portuário e a Lei 12.815/2003, que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de
portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários
3.1. Operador Portuário
O operador portuário é a pessoa jurídica de direito privado ou público (Administração do Porto)
que, após ser devidamente pré-qualificada, é responsável pela direção e coordenação da operação
portuária, que inclui as atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e
armazenagem de mercadorias, dentro da área do porto organizado.
A figura do operador portuário foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei
8.630/93, tendo sido sua previsão mantida pela Lei 12.815/13. O art. 2º, XIII, define operador
portuário como:
XIII - operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as atividades de
movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou
provenientes de transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado.
O art. 26 da Lei 12.815/13290 estabelece, dentre suas atribuições, a responsabilidade do operador
portuário: a) perante o trabalhador portuário, pela remuneração dos serviços prestados e
respectivos encargos; b) perante o OGMO, pelas contribuições não recolhidas e c) perante os
órgãos competentes, pelo recolhimento dos tributos incidentes sobre o trabalho portuário avulso.
Por sua vez, o art. 28 da Lei 12.815/2013291 lista as operações nas quais é dispensável a intervenção
do operador portuário.
Podem também ser operadores portuários as cooperativas de trabalhadores portuários avulsos,
desde que registrados292.
290
Art. 26. O operador portuário responderá perante:
I - a administração do porto pelos danos culposamente causados à infraestrutura, às instalações e ao equipamento de
que a administração do porto seja titular, que se encontre a seu serviço ou sob sua guarda;
II - o proprietário ou consignatário da mercadoria pelas perdas e danos que ocorrerem durante as operações que realizar
ou em decorrência delas;
III - o armador pelas avarias ocorridas na embarcação ou na mercadoria dada a transporte;
IV - o trabalhador portuário pela remuneração dos serviços prestados e respectivos encargos;
V - o órgão local de gestão de mão de obra do trabalho avulso pelas contribuições não recolhidas;
VI - os órgãos competentes pelo recolhimento dos tributos incidentes sobre o trabalho portuário avulso; e
VII - a autoridade aduaneira pelas mercadorias sujeitas a controle aduaneiro, no período em que lhe estejam confiadas
ou quando tenha controle ou uso exclusivo de área onde se encontrem depositadas ou devam transitar.
Parágrafo único. Compete à administração do porto responder pelas mercadorias a que se referem os incisos II e VII
do caput quando estiverem em área por ela controlada e após o seu recebimento, conforme definido pelo regulamento
de exploração do porto.
291
Art. 28. É dispensável a intervenção de operadores portuários em operações:
I - que, por seus métodos de manipulação, suas características de automação ou mecanização, não requeiram a
utilização de mão de obra ou possam ser executadas exclusivamente pela tripulação das embarcações;
II - de embarcações empregadas:
a) em obras de serviços públicos nas vias aquáticas do País, executadas direta ou indiretamente pelo poder público;
b) no transporte de gêneros de pequena lavoura e da pesca, para abastecer mercados de âmbito municipal;
c) na navegação interior e auxiliar;
d) no transporte de mercadorias líquidas a granel; e
e) no transporte de mercadorias sólidas a granel, quando a carga ou descarga for feita por aparelhos mecânicos
automáticos, salvo quanto às atividades de rechego;
III - relativas à movimentação de:
a) cargas em área sob controle militar, quando realizadas por pessoal militar ou vinculado a organização militar;
b) materiais por estaleiros de construção e reparação naval; e
c) peças sobressalentes, material de bordo, mantimentos e abastecimento de embarcações; e
IV - relativas ao abastecimento de aguada, combustíveis e lubrificantes para a navegação.
292
Art. 29. As cooperativas formadas por trabalhadores portuários avulsos, registrados de acordo com esta Lei,
poderão estabelecer-se como operadores portuários.
A pré-qualificação necessária para o operador portuário está prevista no art. 25 do Novo Marco
Regulatório da Atividade Portuária, que estabelece que a administração do porto tem o prazo de
30 dias, contado do pedido do interessado, para decidir sobre a pré-qualificação, conforme normas
estabelecidas pelo poder concedente.
Destaca-se que a Administração do Porto é operadora portuária natural, não sendo necessária a sua
pré-qualificação.
3.2. Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO)
A figura do OGMO também foi criada pela Lei 8.630/93, mantido com a Lei 12.815/13. O
OGMO é constituído exclusivamente por operadores portuários, em cada porto organizado,
sendo suas atribuições fixadas pelos arts. 32 e 33 da Lei 12.815/13.
Nesse quadro, estabelece o Novo Marco Regulatório que compete ao OGMO manter com
exclusividade o cadastro e o registro profissional do trabalhador portuário avulso; fornecer a mão
de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso, efetuar a escalação dos TPAs
em sistema de rodízio; treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário, zelar pelas
normas de saúde, higiene e segurança, aplicar penalidades disciplinares aos trabalhadores avulsos,
dentre outras incumbências.
Em relação ao controle do rodízio dos trabalhadores, destaca-se que a distribuição de trabalho deve
ser equânime, privilegiando os trabalhadores de comparecem ao porto para oferecer seu serviço,
consoante o Princípio da distribuição equânime do trabalho, havendo a possibilidade de
escalação via internet, desde que existam outros meios para que o trabalhador avulso se candidate.
Nesse sentido, são as orientações 06 e 10 da CONATPA:
ORIENTAÇÃO 06/CONATPA
ESCALAÇÃO. INTERNET. A escalação via internet é possível, desde que haja critérios objetivos
para habilitação e que exista outra forma para o trabalhador portuário avulso participar do
processo de escalação.
ORIENTAÇÃO 10/CONATPA
RODÍZIO. Sempre deverá ser defendido o rodízio numérico independente da vontade dos
sindicatos.
Apesar de suas atribuições, o OGMO está obrigado a observar as disposições das convenções e
acordo coletivos de trabalho, no que diz respeito à definição de funções, composição dos ternos,
multifuncionalidade e demais condições de trabalho dos trabalhadores portuários avulsos293.
293
Art. 36. A gestão da mão de obra do trabalho portuário avulso deve observar as normas do contrato, convenção
ou acordo coletivo de trabalho.
Assim, havendo negociação coletiva, as disposições normativas podem afastar a intervenção do
OGMO294. Trata-se do Princípio Negocial, que prestigia a negociação coletiva no trabalho
portuário.
Observe-se que o OGMO é reputado de utilidade pública, sem fins lucrativos295, sendo vedada a
prestação de serviços a terceiros ou o exercício de qualquer atividade não vinculada à gestão de mão
de obra avulsa
Por fim, o exercício das atribuições pelo OGMO não gera vínculo empregatício com os TPAs, não
respondendo ainda pelos prejuízos causados pelos trabalhadores portuários avulsos aos tomadores
dos serviços ou a terceiros, tendo, todavia, responsabilidade solidária com os operadores portuários
pela remuneração devida aos trabalhadores296.
Art. 42. A seleção e o registro do trabalhador portuário avulso serão feitos pelo órgão de gestão de mão de obra avulsa,
de acordo com as normas estabelecidas em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Art. 43. A remuneração, a definição das funções, a composição dos ternos, a multifuncionalidade e as demais
condições do trabalho avulso serão objeto de negociação entre as entidades representativas dos trabalhadores
portuários avulsos e dos operadores portuários.
294
Art. 32. Parágrafo único. Caso celebrado contrato, acordo ou convenção coletiva de trabalho entre trabalhadores
e tomadores de serviços, o disposto no instrumento precederá o órgão gestor e dispensará sua intervenção nas relações
entre capital e trabalho no porto.
295
Art. 39. O órgão de gestão de mão de obra é reputado de utilidade pública, sendo-lhe vedado ter fins lucrativos,
prestar serviços a terceiros ou exercer qualquer atividade não vinculada à gestão de mão de obra.
296
Art. 33. § 1º O órgão não responde por prejuízos causados pelos trabalhadores portuários avulsos aos tomadores
dos seus serviços ou a terceiros.
§ 2º O órgão responde, solidariamente com os operadores portuários, pela remuneração devida ao trabalhador
portuário avulso e pelas indenizações decorrentes de acidente de trabalho.
Solidariamente responsáveis pelo pagamento Solidariamente responsáveis pelo pagamento dos
dos encargos trabalhistas, das contribuições encargos trabalhistas, das contribuições
previdenciárias e demais encargos sociais previdenciárias e demais encargos sociais
Verificar a presença, no local de trabalho, dos Verificar a presença, no local de trabalho, dos
trabalhadores constantes da escala diária trabalhadores constantes da escala diária
297
Pela legislação revogada (Lei 8.630/1993), a instalação portuária explorada por particulares somente poderia ser
movimentar cargas próprias (uso privativo exclusivo). A movimentação de cargas de terceiros somente seria possível
se realizada em caráter complementar (uso privativo misto).
As disposições da Lei 12.815/13 permitem aos terminais de uso privativo a contratação de
trabalhadores com vínculo empregatício a prazo indeterminado, podendo haver a contratação,
nesse caso, de pessoas fora do sistema portuário, observado o disposto no instrumento coletivo da
categoria.298
Outrossim, por estarem os terminais de uso privativo fora da área do porto organizado (art. 2º, IV,
da Lei 12.815/13), não teriam a obrigação de requisição de mão de obra avulsa aos OGMOs, razão
pela qual os sindicatos passaram a negociar o fornecimento de mão de obra diretamente com os
terminais de uso privativo.
Contudo, o entendimento que melhor se coaduna com a proteção aos direitos dos trabalhadores
portuários e a garantia da liberdade sindical é o de que, se o terminal privativo quiser utilizar-se de
mão de obra avulsa, deverá pleitear ao OGMO, como as operadoras portuárias do porto
organizado, uma vez que compete ao OGMO, de forma exclusiva, a administração do
fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso.
No mesmo sentido, a Convenção 137 da OIT impõe que o trabalhador portuário deve ser aquele
“matriculado”, logo, deve a mão de obra ser requisitada perante o registro e cadastro do OGMO.299
Além disso, não se pode permitir a intermediação da mão de obra avulsa pelos sindicatos, eis que
não se trata da sua função, consoante art. 8º, III da CR/88, que estabelece que compete ao órgão
sindical a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria.
A única exceção à regra de intermediação obrigatória do OGMO para requisição de mão de obra
avulsa seria, nos termos do art. 44 da Lei 12.815/13, a faculdade dos portos privados de contratar
trabalhadores por prazo indeterminado nos termos do contrato, ACT ou CCT. Não havendo
referência, no citado dispositivo, sobre a dispensa da intermediação do OGMO para a requisição
dos trabalhadores portuários avulsos.
3.4. Cooperativas de Trabalhadores
O art. 29 da Lei 12.815/13 estabelece que é possível a formação de uma cooperativa de
trabalhadores portuários avulsos registrados para atuar como operadora portuária. O referido
dispositivo está em consonância com o art. 174, §2º da CR/88, que incentiva o sistema
cooperativista300.
298
Art. 44. É facultada aos titulares de instalações portuárias sujeitas a regime de autorização a contratação de
trabalhadores a prazo indeterminado, observado o disposto no contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho.
299
MELO, Maurício Coentro Pais de. O histórico da alteração normativa do setor portuário e temas sensíveis de
atuação do Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do
Ministério Público do Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015.
300
Art. 174. § 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
Extrai-se da Lei 12.815/13 que s cooperativa deve: a) ser constituída na forma da Lei 5.764/71; b)
ser exclusivamente, formadas por trabalhadores avulsos registrados; c) explorar instalações
portuárias dentro ou fora da área do porto organizado; d) obter com a autoridade portuária a pré-
qualificação como operador portuário.301
Atendidas as condições legais, a cooperativa concorrerá com as demais operadoras portuárias.
Entretanto, diferentemente dos operadores portuários, a cooperativa não necessita requisitar mão
de obra ao OGMO, uma vez que seus associados são trabalhadores avulsos registrados, que
deixarão de concorrer à escala como avulso no período302, em respeito ao Princípio da distribuição
equânime do trabalho. Havendo necessidade de complementação das equipes de trabalho, a
cooperativa de trabalhadores portuários poderá requisitar mão de obra ao OGMO.
3.5. Trabalhador Portuário
A atividade portuária pode ser realizada por trabalhadores portuários com vínculo empregatício
ou por trabalhadores portuários avulsos (cadastrados ou registrados), que são intermediados pelo
OGMO.
O trabalhador portuário com vínculo empregatício é aquele contratado pelos operadores
portuários por prazo indeterminado, sob o regime da CLT, exclusivamente dentre os
trabalhadores portuários avulsos registrados no OGMO (art. 40, § 2º da Lei 12.815/93).303
O trabalhador portuário avulso (TPA) é o trabalhador portuário, cadastrado ou registrado, que
presta serviços na área do porto organizado, sem vínculo empregatício, a vários tomadores de
serviço, que requisitam a mão de obra ao OGMO.
301
CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho Portuário Avulso - Antes e depois da Lei de Modernização dos Portos.
São Paulo: LTr, 2005, p. 06.
302
Art. 3º, Lei 9.719/98. O órgão gestor de mão-de-obra manterá o registro do trabalhador portuário avulso que:
I - for cedido ao operador portuário para trabalhar em caráter permanente;
II - constituir ou se associar a cooperativa formada para se estabelecer como operador portuário, na forma do art. 17
da Lei nº 8.630, de 1993.
§ 1º Enquanto durar a cessão ou a associação de que tratam os incisos I e II deste artigo, o trabalhador deixará de
concorrer à escala como avulso.
§ 2º É vedado ao órgão gestor de mão-de-obra ceder trabalhador portuário avulso cadastrado a operador portuário, em
caráter permanente.
303
A revogada Lei 8.630/93 não fazia referência às atividades de capatazia e bloco na hipótese de contratação por
prazo indeterminado. Essa divergência foi sanada pelo art. 40, § 2º da Lei 12.815/93, que indicou de forma expressa
que a contratação de trabalhadores a prazo indeterminado de todas as fainas (capatazia, estiva, conferência de carga,
conserto de carga, vigilância e bloco) deverá ser feita exclusivamente dentre os trabalhadores portuários avulsos
registrados.
A Lei 12.815/2013, em seu art. 40, identifica seis fainas típicas no trabalho portuário: capatazia,
estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações.304
A capatazia é a atividade de movimentação de mercadorias dentro das instalações portuárias,
abrangendo as funções de abertura de volumes, conferência, arrumação e entrega das mercadorias,
bem como carga e descarga de mercadorias, quando feitas fora do navio. É a movimentação de
mercadorias em terra nos portos públicos.
A Lei 12.815/13, em seu art. 40, §1º, I, define capatazia como a “atividade de movimentação de
mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência,
transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e
entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por
aparelhamento portuário”.
A estiva é a atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou no interior (porões) das
embarcações, objetivando a carga ou descarga das mercadorias de dentro dos navios, incluídos os
serviços de peação e despeação, assim como a arrumação das cargas, quer seja nos porões, quer seja
no convés.305
De acordo com a Lei 12.815/13, em seu art. 40, §1º, II, estiva é a “atividade de movimentação de
mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o
transbordo306, arrumação, peação e despeação307, bem como o carregamento e a descarga, quando
realizados com equipamentos de bordo”.
304
Art. 40. O trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de
embarcações, nos portos organizados, será realizado por trabalhadores portuários com vínculo empregatício por prazo
indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.
305
Ibidem, p 44.
306
Transbordo: movimentação de mercadorias entre duas embarcações. Atente-se para a diferença em relação ao
termo “remoção” que designa a transferência de carga entre porões ou conveses. MANUAL do Trabalho Portuário e
Ementário. Brasília: MTE, SIT, 2001. p. 19.
307
Peação: fixação da carga nos porões ou conveses da embarcação visando a evitar sua avaria pelo balanço do mar.
Despeação: desfazimento da peação. Idem.
308
O manifesto é o documento que identifica e quantifica a carga.
309
Ibidem, p. 45.
A Lei 12.815/2013 (art. 40, §1º, III) estabelece que a conferência de carga e descarga realiza a
“contagem de volumes, anotação de suas características, procedência ou destino, verificação do
estado das mercadorias, assistência à pesagem, conferência do manifesto e demais serviços
correlatos, nas operações de carregamento e descarga de embarcações”.
A faina de conserto de carga é responsável pela restauração e reparo das mercadorias
movimentadas, “procedendo quando necessário ao reembale, marcação, remarcação, bem como
recomposição das embalagens quando abertas para averiguação pelas autoridades aduaneiras
competentes”.310
Para a Lei 12.815/13 (art. 40, §1º, IV), a atividade de conserto de carga compreende: “reparo e
restauração das embalagens de mercadorias, nas operações de carregamento e descarga de
embarcações, reembalagem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de
volumes para vistoria e posterior recomposição”.
A categoria da vigilância de embarcação realiza toda a fiscalização referente ao acesso de cargas
ou pessoas a bordo das embarcações. Nesse sentido, o art. 40, §1º, V, da Lei n. 12.815/2013, V,
definiu a atividade de vigilância de embarcações como a “atividade de fiscalização da entrada e saída
de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, bem como da movimentação
de mercadorias nos portalós, rampas, porões, conveses, plataformas e em outros locais da
embarcação”.
Observe-se que a Orientação 02 da CONATPA estabelece que é impositiva a contratação de
vigias portuários na área do porto organizado, ainda que haja vigia na embarcação.
GUARDA PORTUÁRIA
A vigilância se difere da guarda portuária, em razão de esta não ser considerada trabalho avulso, mas
atividade exclusiva da administração portuária, tratando-se de exercício do poder de polícia,
competindo-lhe a guarda e zelo do patrimônio do porto e o controle de acesso de pessoas, veículos e
mercadorias nas instalações portuárias.
O trabalhador do bloco311, por fim, é responsável pela limpeza e conservação das embarcações e de
seus tanques, procedendo aos reparos de pequena monta, batimento de ferrugem, pintura e
serviços correlatos (art. 40, §1º, VI, da Lei 12.815/13).
310
Ibidem, p. 46.
311
“Originariamente, o serviço de bloco surgiu para atender à demanda de emprego de marítimos, atingidos pela crise
na indústria da navegação mercante. Como realizavam trabalhos em locais em que se sujavam muito (tanques de óleo),
foram apelidados pelos trabalhadores portuários como ‘bloco dos sujos’ (uma referência aos antigos blocos do
Destaca-se que vigora no sistema portuário o Princípio da restrição ao trabalho, que impõe ao
operador portuário a utilização de mão de obra avulsa tão somente dos trabalhadores registrados
ou cadastrados no OGMO e enquadrados como trabalhador portuário nas atividades definidas no
art. 40, da Lei 12.815/13, quais sejam: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga,
bloco e vigilância de embarcações. Além disso, compete ao OGMO exclusivamente o
fornecimento de mão de obra312.
Essa restrição “se faz presente não somente no Brasil, mas também nos demais portos organizados
do mundo”313 e está em consonância com a Convenção 137 da OIT, que também assegura o
Princípio da restrição ao trabalho ao estabelecer a prioridade de contratação dos trabalhadores
portuários matriculados e assegurar um mínimo de períodos de emprego e um mínimo de renda
aos portuários.
3.5.1. Trabalhador portuário avulso: cadastrado e registrado
No sistema anterior à Lei de Modernização dos Portos, havia preferência de acesso ao trabalho aos
trabalhadores sindicalizados314. No atual sistema, terão acesso ao trabalho, os trabalhadores
portuários registrados ou cadastrados perante o OGMO, independentemente de filiação sindical.
O acesso inicial ao trabalho portuário ocorre mediante o cadastro no OGMO, que depende
exclusivamente de prévia habilitação profissional do trabalhador, mediante treinamento realizado
em entidade indicada pelo OGMO, observada a disponibilidade de vagas e a ordem cronológica de
inscrição no cadastro (art. 41, §§1º e 2º, Lei 12.815/13).
Com a diminuição do quadro de trabalhadores portuários registrados ou pela necessidade de mão
de obra, os cadastrados poderão ser promovidos ao registro. Os trabalhadores portuários
registrados têm preferência na escalação rodiziaria sobre os trabalhadores cadastrados. Assim,
carnaval). Assim surgiu a denominação ‘bloco’ para essa atividade”. DUTRA, Maria Cristina. SAÚDE E
SEGURANÇA DO TRABALHADOR PORTUÁRIO: A busca de diretrizes nacionais para os portos brasileiros.
Monografia. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis: nov. 2013. p. 25.
312
Art. 40. § 3º O operador portuário, nas atividades a que alude o caput, não poderá locar ou tomar mão de obra
sob o regime de trabalho temporário de que trata a Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974.
313
CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho Portuário Avulso - Antes e depois da Lei de Modernização dos Portos.
São Paulo: LTr, 2005, p. 06.
314
Art. 257, CLT. A mão de obra na estiva das embarcações, definida na alínea "a" do art. 255 só poderá ser executada
por operários estivadores ou por trabalhadores em estiva de minérios nos portos onde os houver especializados, de
preferência sindicalizados, devidamente matriculados nas Capitanias dos Portos ou em suas Delegacias ou Agências,
exceto nos casos previstos no artigo 260 desta Seção.
Art. 264, CLT. § 1º As entidades estivadoras só poderão empregar operários estivadores ou trabalhadores em estiva de
minérios, contramestres e contramestres gerais escolhidos entre os matriculados nas Capitanias dos Portos, tendo
preferência os sindicalizados.
somente quando não houverem trabalhadores portuários registrados suficientes para atender a
demanda de serviço é que os cadastrados terão direito ao trabalho315.
Ademais, nos termos dos arts. 29 e 40, §2º, da Lei 12.815/13, somente os trabalhadores registrados
podem ser contratados por prazo indeterminado e podem constituir cooperativa de trabalhadores
portuários.
O art. 40, §2º, da Lei 12.815/13 dispõe que os trabalhadores com vínculo empregatício devem ser
selecionados exclusivamente dentre os trabalhadores portuários avulsos registrados. No mesmo
sentido, o art. 3º, 2º, da Lei 9.719/98 veda a cessão de trabalhador portuário avulso cadastrado ao
operador portuário em caráter permanente.
Todavia, questiona-se, se não havendo trabalhadores avulsos registrados interessados, é possível a
contratação dos cadastrados?
A Orientação 01 da CONATPA dispõe assim, sobre o tema:
CONTRATAÇÃO. PRAZO INDETERMINADO. Em regra, a contratação por prazo
indeterminado de trabalhadores portuários, inclusive de capatazia e bloco, far-se-á entre os TPAs
registrados no OGMO. Após exaustivas tratativas e negociações, será possível, excepcionalmente, a
contratação de TPAs cadastrados. Em casos excepcionalíssimos, comprovada a ausência de interesse de
registrados e cadastrados, poderá haver contratação de trabalhadores externos ao sistema, sempre por
intermédio do OGMO e após treinamento pelo OGMO. Em todos os casos, a contratação deverá
observar a média salarial da categoria e poderá ser aceita mediante negociação coletiva (ACT/CCT ou
termo aditivo).
A inscrição como cadastrado ou registrado extingue-se por morte ou cancelamento (art. 41, § 3º
da Lei 12.815/13).
3.5.2. Renda mínima
A Convenção 137 da OIT, assegura mínimo de renda ao trabalhador portuário. Além disso, a Lei
12.815/13 também assegurou o pagamento de renda mínima. Desse modo, deve negociação
coletiva fixar uma renda mínima316.
315
Art. 4º, Lei 9.719/98. É assegurado ao trabalhador portuário avulso cadastrado no órgão gestor de mão-de-obra o
direito de concorrer à escala diária complementando a equipe de trabalho do quadro dos registrados.
316
Art. 43. Parágrafo único. A negociação prevista no caput contemplará a garantia de renda mínima inserida no
item 2 do Artigo 2 da Convenção no 137 da Organização Internacional do Trabalho - OIT.
3.5.3. Intervalo interjornada
A Lei 12.815/13 atribui à autoridade portuária a competência para estabelecer o horário de
funcionamento do porto, bem como as jornadas de trabalho no cais de uso público (art. 17 § 1º,
XIV).
A Lei 9.719/98, em seu art. 8º, determina que seja observado um intervalo mínimo de 11 horas
consecutivas entre o término de uma jornada e o início da outra e permite que, em situações
excepcionais, o intervalo seja reduzido por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Nesse quadro, a Orientação 03 da CONATPA estabelece que o intervalo intrajornada, por se
tratar de matéria de ordem pública e de direito indisponível afeto à Medicina do Trabalho, somente
pode ser reduzido, excepcionalmente, diante da falta de trabalhadores. Assim, se houver demanda
de mão de obra, deve-se abrir o cadastro para a observância do intervalo interjornada.
3.5.4. Adicional de risco
A Lei 4.860/65, que disciplina o regime de trabalho nos portos, criou o adicional de risco
portuário317, devido no percentual de 40% sobre o valor do salário-hora ordinário do período
diurno para os trabalhadores portuários com vínculo empregatício que atuam na atividade
portuária, independentemente de movimentarem cargas consideradas perigosas ou insalubres. O
adicional visa cobrir os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros inerentes à atividade
portuária.
É devido apenas de maneira proporcional ao tempo de efetivo no serviço considerado sob risco e
apenas concedido àqueles que prestam serviços no porto organizado, conforme art. 14, §2º da Lei
4.860/65 e OJ 316 da SBDI-I, do TST.
A responsabilidade pelo pagamento do “risco portuário” é dos operadores portuários ou
tomadores de serviços, com base no art. 26 da Lei 12.815, que responsabiliza os operadores
317
Art 14. A fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, fica
instituído o "adicional de riscos" de 40% (quarenta por cento) que incidirá sôbre o valor do salário-hora ordinário do
período diurno e substituirá todos aquêles que, com sentido ou caráter idêntico, vinham sendo pagos.
§ 1º Êste adicional sòmente será devido enquanto não forem removidas ou eliminadas as causas de risco.
§ 2º Êste adicional sòmente será devido durante o tempo efetivo no serviço considerado sob risco.
§ 3º As Administrações dos Portos, no prazo de 60 (sessenta) dias, discriminarão, ouvida a autoridade competente, os
serviços considerados sob risco.
§ 4º Nenhum outro adicional será devido além do previsto neste artigo.
§ 5º Só será devido uma única vez, na execução da mesma tarefa, o adicional previsto neste artigo, mesmo quando
ocorra, simultâneamente, mais de uma causa de risco.
portuários “pela remuneração dos serviços prestados e respectivos encargos”, podendo o OGMO
responder solidariamente pelo pagamento (art. 33 da Lei 12.815)318
A extensão do adicional de risco portuário ao trabalhador portuário avulso é matéria que está
pendente de decisão no STF, no Recurso Extraordinário 597124, com repercussão geral
reconhecida (TEMA 222).
Os principais fundamentos para extensão do adicional aos trabalhadores avulso são: a) observância
da Convenção 152 da OIT, que trata da segurança e da higiene dos trabalhadores portuários, e, em
seu art. 3º, estabelece que “trabalhador” é toda pessoa ocupada nos trabalhos portuários, não se
justificando a distinção; b) tratamento isonômico estabelecido no art. 7º, XXXIV da CR/88, que
atribui ao avulso os mesmos direitos dos trabalhadores com vínculo empregatício permanente; c)
o art. 14 da Lei 4.860/65, que assegura a equiparação dos empregados com vínculo e os avulsos e
d) o fato de o referido adicional não ter sido revogado de forma expressa pela Lei 8.630/1993, nem
pela Lei 12.815/2003.
Lado outro, sustenta-se a inaplicabilidade da extensão do adicional aos avulsos, tendo em vista que
originariamente o adicional de risco era devido exclusivamente aos empregados da administração
portuária. Entretanto, com as alterações promovidas pela Lei 8.630/1993, a União deixou de
operar os portos, surgindo os operadores portuários privados, que contratam trabalhadores
permanentes e avulsos, tendo os servidores públicos deixado de atuar na capatazia, não mais se
justificando o pagamento do adicional. Nesse sentido, a CR/88 não teria recepcionado o adicional
de risco instituído pela Lei 4.860/65.
O STF decidiu, em 03 de junho de 2020, que o adicional de risco concedido aos trabalhadores
portuários permanentes também será devido aos avulsos que trabalhem nas mesmas condições.
Tese de repercussão geral: “Sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o
adicional de risco é devido, nos mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso”.
Destaca-se, todavia, que o trabalhador portuário dos terminais de uso privativo não tem
direito ao adicional de risco, consoante a OJ 402, da SBDI-I, do TST:
318
Art. 33. § 2º O órgão responde, solidariamente com os operadores portuários, pela remuneração devida ao
trabalhador portuário avulso e pelas indenizações decorrentes de acidente de trabalho.
ADICIONAL DE RISCO. PORTUÁRIO. TERMINAL PRIVATIVO. ARTS. 14 E 19 DA
LEI N.º 4.860, DE 26.11.1965. INDEVIDO.
O adicional de risco previsto no artigo 14 da Lei nº 4.860, de 26.11.1965, aplica-se somente aos
portuários que trabalham em portos organizados, não podendo ser conferido aos que operam
terminal privativo.
3.5.5. Multifuncionalidade no trabalho portuário avulso
A multifuncionalidade foi uma das inovações introduzidas pela Lei de Modernização dos Portos e
propugna que os trabalhadores portuários avulsos deverão receber formação profissional e
treinamento multifuncional do OGMO para o exercício das demais fainas típicas, visando o
alargamento das aptidões profissionais, sem prejuízo das especializações da categoria profissional
original319.
Nas palavras de Alex Stain, a “multifuncionalidade pode ser definida como uma união de duas
definições existentes, ou seja, possibilitar uma polivalência do trabalhador portuário avulso,
habilitando-o a operar os diversos tipos de equipamentos portuários, incorporando habilidades
profissionais, aumentado as ofertas de trabalho e evitando a ociosidade em caso de falta de serviço
ou não-engajamento em sua atividade originária”.320
Assim, um trabalhador portuário avulso poderá exercer, após a capacitação técnica, funções
diversas à da categoria profissional originária, com intercâmbio de funções, como um trabalhador
da capatazia desenvolvendo atividades de estiva.
Nesse sentido, a Lei 14.047/2020 modificou o art. 40 da Lei 12.815/2013, permitindo, de forma
expressa, que os trabalhadores portuários avulsos desempenhem quaisquer das seis fainas típicas
(capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações), desde
que possuam qualificação necessária, sendo vedada a exigência de novo registro ou cadastro
específico destes trabalhadores, independentemente de acordo ou convenção coletiva (§ 5º, art. 40
da Lei 12.815/2013).321
3.6. Segurança e saúde no trabalho portuário
Inexistia anteriormente à Lei de Modernização dos Portos regulamentação sobre segurança e saúde
ocupacional dos trabalhadores portuários. Todavia, a incidência de acidentes do trabalho graves e
319
Art. 33. Compete ao órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário avulso: II - promover: b) o treinamento
multifuncional do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso.
320
CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho Portuário Avulso – Antes e depois da Lei de Modernização dos
Portos. São Paulo: LTr, 2005, p. 56.
321
Art. 40. §5º Desde que possuam a qualificação necessária, os trabalhadores portuários avulsos registrados e
cadastrados poderão desempenhar quaisquer das atividades de que trata o § 1º deste artigo, vedada a exigência de novo
registro ou cadastro específico, independentemente de acordo ou convenção coletiva.
incapacitantes têm grande impacto sobre a saúde e o bem-estar dos trabalhadores portuários,
ocasionando lesões e mutilações, riscos decorrentes do trabalho em grandes alturas, riscos advindos
do tipo de carga, agentes infecciosos, alergênicos, ou mesmo, materiais cortantes.
Em 1990, é promulgada a Convenção 152 da OIT, relativa à segurança e higiene os trabalhos
portuários, que reforçou a necessidade de normatização das condições de trabalho do setor322. No
Brasil, as questões relativas à saúde e segurança dos trabalhadores portuários avulsos avançaram
com a edição da Lei 9.719/98 e com a edição da Norma Regulamentadora 29 (NR 29).
As disposições da NR 29 aplicam-se aos TPAs que executam serviço a bordo ou em terra e,
também, aos demais trabalhadores que exerçam atividades nos portos organizados e instalações
portuárias de uso privativo e retroportuárias, situadas dentro ou fora da área do porto organizado.
Ainda quanto ao tema, destaca-se que compete ao OGMO, ao operador portuário e ao
empregador, cumprir e fazer cumprir as normas concernentes à saúde e segurança do trabalho
portuário (art. 9º da Lei 9.719/98), bem como fornecer instalações, equipamentos, maquinários e
acessórios em bom estado e condições de segurança, responsabilizando-se pelo correto uso (item
29.1.4.1 da NR 29).
4. ARBITRAGEM
A Lei 8.630/93 inovou ao estabelecer que, em caso de impasse na comissão paritária, constituída
no âmbito do OGMO, as partes deverão recorrer à arbitragem de ofertas finais. Previsão mantida
pelo art. 37 da Lei 12.815//13.
A comissão paritária é composta por representantes dos trabalhadores e dos operadores portuários
e, somente no caso de impasse no âmbito dessa comissão, é que surgirá a faculdade às partes de
elegerem um árbitro para solução do litígio. Assim, havendo, por exemplo, controvérsia em relação
à penalidade disciplinar aplicada ao trabalhador portuário avulso pelo OGMO, poderão as partes
submeter o conflito à arbitragem.
A arbitragem de ofertas finais é definida pela Lei 10.101/2001, em seu art. 4º, §1º, como “aquela
em que o árbitro deve restringir-se a optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por
uma das partes”. O árbitro, na arbitragem de ofertas finais, fica condicionado a optar por uma das
ofertas apresentadas por cada parte.
Frise-se que o MPT pode ser nomeado árbitro, conforme expressa previsão do art. 83, XI, da LC
75/93.
LEI DE ARBITRAGEM
322
MANUAL do Trabalho Portuário e Ementário. Brasília: MTE, SIT, 2001. p. 51.
Com o advento da Lei 9.307/96 (Lei de arbitragem), surgem posicionamentos que defendem a
possibilidade de adoção da arbitragem por equidade no âmbito do trabalho portuário, com fundamento
no art. 21, que estabelece que as partes estabelecerão o procedimento a ser adotado.323
323
Cf. MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna; MELO, Mauricio Coentro Pais de. Trabalho Portuário e
Aquaviário - Homenagem aos 10 Anos da CONATPA. São Paulo: LTr, 2014.
b) perda do olfato;
c) dor de garganta; ou
d) dificuldade respiratória;
II - quando o trabalhador for diagnosticado com a Covid-19 ou submetido a medidas de
isolamento domiciliar por coabitação com pessoa diagnosticada com a Covid-19;
III - quando a trabalhadora estiver gestante ou lactante;
IV - quando o trabalhador tiver idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos e não
comprovar estar apto ao exercício de suas atividades; ou
V - quando o trabalhador tiver sido diagnosticado com:
a) imunodeficiência;
b) doença respiratória; ou
c) doença preexistente crônica ou grave, como doença cardiovascular, respiratória ou metabólica.
Em todas estas hipóteses, os trabalhadores poderão enviar a documentação comprobatória de sua
situação ao OGMO por meio eletrônico (art. 2º, §3º).
Observa-se que o OGMO tem a responsabilidade de encaminhar à autoridade portuária,
semanalmente, a lista atualizada dos trabalhadores impedidos de serem escalados, acompanhada da
respectiva documentação comprobatória.
Na hipótese de trabalhador com idade igual ou superior a 65 anos, a escalação pelo OGMO será
condicionada à livre iniciativa do trabalhador e à comprovação médica de que possui condições de
saúde para exercer suas atividades laborais.
Os trabalhadores portuários avulsos impedidos de serem escalados terão direito ao recebimento de
uma indenização compensatória mensal, custeada pelos operadores portuários ou por quaisquer
tomadores de serviços que requisitarem estes trabalhadores ao OGMO, correspondente a 70%
sobre a média mensal recebida pelo trabalhador portuário avulso, por intermédio do OGMO,
entre 1º de abril de 2019 e 31 de março de 2020, não podendo ser inferior ao salário-mínimo para
os que possuem vínculo apenas com o referido órgão (art. 3º).
Para os trabalhadores portuários avulsos que estiveram afastados e em gozo de benefício pelo INSS
no período de apuração da citada média, será considerado o valor dele para o referido cálculo no
período de afastamento.
Ainda, o valor pago por cada operador portuário ou tomador de serviço, para fins de repasse aos
beneficiários da indenização, será proporcional à quantidade de serviço demandado ao OGMO,
que se responsabilizará pelo cálculo, arrecadação e repasse do valor das indenizações aos
beneficiários.
Não terão direito à indenização compensatória mensal, ainda que estejam impedidos de concorrer
à escala, os trabalhadores portuários avulsos:
a) que estiverem em gozo de qualquer benefício do Regime Geral de Previdência Social
(RGPS) ou de regime próprio de previdência social (RPPS), exceto nos casos de pensão por morte
ou auxílio-acidente ou;
b) perceberem o benefício assistencial mensal, de até 1 salário mínimo, aos trabalhadores
portuários avulsos, com mais de 60 anos, que não cumprirem os requisitos para a aquisição das
modalidades de aposentadoria.324
Na hipótese de indisponibilidade de trabalhadores portuários avulsos para atendimento das
requisições do OGMO, os operadores portuários que não forem atendidos poderão contratar
livremente trabalhadores com vínculo empregatício por tempo determinado para a
realização de serviços de capatazia, de bloco, de estiva, de conferência de carga, de conserto de carga
e de vigilância de embarcações.
Importante destacar que a lei considera como “indisponibilidade de trabalhadores portuários”
qualquer causa que resulte no não atendimento imediato às requisições apresentadas pelos
operadores portuários ao OGMO, tal como greve, movimento de paralisação e operação-padrão,
não sendo limitada às situações relacionadas à pandemia.
6. O TRABALHO AQUAVIÁRIO
A Lei n. 9.537/97 (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário - LESTA) define o trabalhador
aquaviário como todo aquele desenvolvido por pessoa com habilitação certificada pela autoridade
marítima para operar embarcações em caráter profissional.
Observe-se que “o requisito da profissionalidade é fundamental para a qualificação do trabalhador
como aquaviário. Desta forma, a pessoa que é proprietária de uma embarcação de esporte e recreio
(um veleiro ou uma lancha, por exemplo) e tem habilitação para conduzi-la, não é aquaviário pois
não exerce a função a bordo de forma profissional”.325
324
rt. 10-A. É assegurado, na forma do regulamento, benefício assistencial mensal, de até 1 (um) salário mínimo, aos
trabalhadores portuários avulsos, com mais de 60 (sessenta) anos, que não cumprirem os requisitos para a aquisição
das modalidades de aposentadoria previstas nos arts. 42, 48, 52 e 57 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e que não
possuam meios para prover a sua subsistência.
Parágrafo único. O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro
no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza
indenizatória.
325
MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna. Trabalho aquaviário: noções introdutórias. Revista do Ministério
Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. ano XIII, n. 45, mar. 2013. p. 200.
O aquaviário deve portar a Caderneta de Inscrição e Registro (CIR), emitida pela Autoridade
Marítima, após aprovação em curso realizado pela Capitania dos Portos. Vale ressaltar que a CIR
não substituiu a CTPS, que é obrigatória para o exercício de qualquer emprego (art. 13 da CLT)
e deve ser assinada pelo armador.326
O Decreto 2.596/98 (RLESTA), ao regulamentar a Lei 9.537/97, classifica os aquaviários nos
seguintes grupos: marítimos, fluviários, pescadores, mergulhadores, práticos, agentes de manobra
e docagem:
a) marítimos são aqueles trabalhadores aquaviário que operam embarcações que navegam
em mar aberto;
b) fluviários, os tripulantes que operam embarcações que navegam no interior dos lagos,
lagoas e rios (águas abrigadas);
c) pescadores são aqueles que exercem sua atividade nas embarcações de pesca (tanto no mar
aberto, quanto em águas interiores);
d) mergulhadores são tripulantes ou profissionais não tripulantes com habilitação
certificada pela autoridade marítima para exercer atividades subaquáticas;
e) práticos são trabalhadores aquaviários não tripulantes que prestam serviços de praticagem
a bordo dos navios. A praticagem é a atividade privada de condução da embarcação, com manobras
como atracação e desatracação, em áreas que apresentem dificuldades ao tráfego livre e seguro das
embarcações (“Zonas de Praticagem”);
f) agentes de manobra e docagem, trabalhadores aquaviários não-tripulantes que
manobram navios em diques, estaleiros e carreiras.
Importa esclarecer que tripulante é o aquaviário que exerce atividades ligadas às operações da
embarcação, enquanto que o aquaviário não tripulante é o que atua a bordo, sem exercer atividades
vinculadas à operação, como os mergulhadores, práticos e os agentes de manobra e docagem.327
O posicionamento do MPT é no sentido de se adotar uma perspectiva ampliativa do conceito de
trabalhador aquaviário, a fim de se abranger todos os trabalhadores que exercem atividades dentro
das embarcações, em consonância com a Maritime Labour Convention (MLC)328, a Convenção
326
MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna; MELO, Mauricio Coentro Pais de. Trabalho Portuário e Aquaviário
- Homenagem aos 10 Anos da CONATPA. São Paulo: LTr, 2014. p. 146.
327
Idem.
328
A MLC/06 é conhecida como o 4º pilar das normas internacionais de direito marítimo junto a Convenção
Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Convenção SOLAS); a Convenção sobre Formação,
Certificação e Serviço de Quartos para os Marítimos (Convenção STCW); e a Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL), todas três ratificadas pelo Brasil. (Cf. MEIRINHO, Augusto Grieco
de Trabalho Marítimo de 2006, que designa marítimo como “qualquer pessoa empregada ou
contratada ou que trabalha, a qualquer título, a bordo de um navio”. Observe-se que a MLC
“agregou princípios e direitos básicos a todos os trabalhadores do mar, de modo a garantir
condições mínimas de trabalho e a qualidade de vida a bordo de embarcações”329.
Assim, busca-se incluir todos aqueles que prestam algum tipo de serviço em caráter contínuo e
relacionado com a operação da embarcação e não somente aqueles com curso de formação
específica, como médicos, enfermeiros e cozinheiros, que, regularmente, permanecem
embarcados. Destaca-se que “prático, trabalhadores portuários, assim como pessoas ligadas ao
entretenimento a bordo, inspetores, técnicos de reparo” não são considerados trabalhadores do
mar330.
Nesse sentido, é a Orientação 16 da CONATPA, que assegura que “trabalhadores em barco-
hotel devem ser enquadrados como aquaviários”.
Em razão das peculiaridades do trabalho a aquaviário, a OIT editou algumas convenções sobre o
tema, merecendo destaque a Convenção 147 da OIT, de 1992, sobre as Normas Mínimas da
Marinha Mercante, importante parâmetro para a inspeção de navios não abrangidos pela legislação
nacional; a Convenção 178 da OIT, de 1996, relativa à inspeção das condições de vida e de
trabalho dos trabalhadores marítimos, a Convenção 185 da OIT, de 2003, que trata sobre a
identificação da gente do mar e buscou criar um documento único que incorporasse todas as
normas das convenções e recomendações internacionais existentes sobre marítimo, bem como
princípios fundamentais de outras convenções internacionais sobre trabalho331 e a Convenção
188 da OIT, de 2007, referente ao trabalho no setor pesqueiro, ainda não ratificada pelo Brasil.
No plano internacional, a Organização Marítima Internacional (IMO - International Maritime
Organization) concentra as principais normas que regulam os aspectos técnicos das
embarcações332, destacando-se, ainda no plano internacional, a Convenção STCW (International
Convention on Standards of Training, Certification and Watchkee - Convenção Internacional
sobre Padrões de Instrução, Certificação e Serviço de Quarto para Marítimos, de 1978), ratificada
Sant'Anna; MELO, Mauricio Coentro Pais de. Trabalho Portuário e Aquaviário - Homenagem aos 10 Anos da
CONATPA. São Paulo: LTr, 2014. p. 126).
329
Ibidem, p. 128.
330
Ibidem, p. 134.
331
Convenção sobre o Trabalho (n. 29), Liberdade Sindical e a Proteção do Direito Sindical (n. 87), Direito
Sindicalização e de Negociação Coletiva (n. 98), Igualdade de Remuneração (n. 100), Abolição do Trabalho Forçado
(n. 105), Discriminação no Emprego e Profissão (n. 111) Idade Mínima (n. 138) e Piores Formas de Trabalho Infantil
(n. 182).
332
As convenções da IMO têm natureza de tratados internacionais. Ibidem. p. 143.
pelo Brasil, que regulamenta o exercício de funções a bordo de navios, cuidando de aspectos ligados
à promoção da segurança marítima, à preservação do meio ambiente e à salvaguarda da vida
humana, navios e carga no transporte marítimo.
No plano normativo interno, destacam-se os arts. 22 e 177, IV, da CR/88333; arts. 150 a 152, 231,
248 a 252, 368 a 371 da CLT; a Lei 9.537/97 (LESTA), regulamentada pelo Decreto 2.596/98
(RLESTA); a NR 30, que regulamenta as condições de segurança e saúde dos trabalhadores
aquaviários, e as Normas da Autoridade Marítima, conhecidas como NORMAM334, tratando a
NORMAM 13 de forma específica sobre trabalhadores aquaviários.
6. CASOS EMBLEMÁTICOS
6.1. Processo de modernização: automação e conteinerização
O processo de modernização e privatização dos portos brasileiros visa o aumento da produtividade,
diminuição dos custos operacionais, aumento da quantidade de cargas movimentadas e inserção
do Brasil na economia globalizada, com maior capacidade concorrencial.
A automação do processo de trabalho portuário se iniciou no século XX, com o uso de guindastes
e grabs, se intensificou ao longo dele, tendo seu ápice na introdução do contêiner, por volta dos
anos 1960/1970.
O contêiner é o marco desse processo de modernização e da transnacionalização da produção,
que se caracteriza pela internacionalização do modo de organização da produção e do processo de
trabalho portuário. Assim, em um contêiner “é possível transportar para o Brasil, as peças de
computadores produzidas em Taiwan, que serão montadas nas fábricas da região de Campinas;
enviar para os EUA, os tênis Nike produzidos no Camboja; ou mesmo enviar para a Europa, os
biquínis que fazem sucesso no verão brasileiro”.335
333
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial,
marítima, aérea e aeroespacial. Art. 177. Constituem monopólio da União: IV - o transporte marítimo do
petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte,
por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.
334
A Lei Complementar n. 97/1999 prescreve, em seu art. 17, caber à Marinha do Brasil prover a segurança da
navegação aquaviária, bem como implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas
interiores. Segundo o parágrafo único desse mesmo artigo, ficou consignado ser da competência do Comandante da
Marinha o trato dos assuntos dispostos no art. 17, ficando designado como “Autoridade Marítima”. A Autoridade
Marítima exerce as suas atribuições normativas por meio das denominadas Normas da Autoridade Marítima
(Normam). Cf. MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna. Trabalho aquaviário: noções introdutórias. Revista do
Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. ano XIII, n. 45, mar. 2013.
335
QUEIRÓZ, Maria de Fátima Ferreira; DIÉGUEZ, Carla Regina Mota. As metamorfoses do trabalho portuário:
mudanças em contextos de modernização. São Paulo: Sociologia e Política, 2019 p. 159.
Atualmente, são inúmeros os equipamentos utilizados no manuseio de cargas, como grab,
shiploader, porteiner, transteiner336, que modificam a paisagem dos portos.
A esse processo de desenvolvimento tecnológico, soma-se a redução dos postos de trabalho337,
requerendo dos trabalhadores portuários novas habilidades, qualificação e capacitação para lidar
com as modificações das operações portuárias, existindo, inclusive, “como visto em alguns portos
do mundo, áreas de cais sem a presença de trabalhadores”338.
Em decorrência, algumas categorias, como a dos consertadores, estão em extinção, visto que a
utilização dos contêineres demanda menor necessidade de reparos e reembalagem. Outra
consequência do processo de conteinerização é o crescimento da demanda dos empregadores por
uma força de trabalho mais qualificada e estável.
A modernização do processo de trabalho portuário é, pois, “duplamente excludente”339, uma vez
que, de um lado, reduz o contingente de mão de obra empregado na operação portuária e, de outro,
requer a qualificação e especialização dos trabalhadores no manuseio dos novos aparelhos e
instrumentos de trabalho.
Vê-se, portanto, que a automação é vista como importante por proporcionar melhores condições
de trabalho, reduzir o tempo da produção, aumentar a produtividade e a capacidade concorrencial
dos portos brasileiros. Contudo, as inovações tecnológicas modificam a estrutura do processo de
trabalho, com a redução nos postos de trabalho e a exigência de uma mudança na qualificação do
trabalhador, o que demandará uma reorganização do trabalho portuário.
Organização do trabalho em carga geral e na operação de contêineres
336
Ibidem, p. 156.
337
“A operação de embarque de açúcar com uso do shiploader é uma delas. A quantidade de toneladas de açúcar
embarcadas em Santos entre os anos de 2009 e 2015 cresceu quase 30%, no entanto, não foi observado o mesmo
aumento na quantidade de trabalhadores presentes na operação”. Ibidem, p. 160.
338
Ibidem. p. 156.
339
Ibidem, p. 160.
O trabalho é concentrado numa área O trabalho acontece em uma vasta área de pátio
pequena
Fonte: Bosselaar (1983:144) apud Turnbull et al. (1992:58). In: QUEIRÓZ, Maria de Fátima
Ferreira; DIÉGUEZ, Carla Regina Mota. As metamorfoses do trabalho portuário: mudanças em
contextos de modernização. São Paulo: Sociologia e Política, 2019 p. 159.
6.2. O trabalho realizado em navios: conflito espacial de normas trabalhistas
Uma das situações complexas no âmbito do trabalho marítimo é a controvérsia a respeito da
legislação aplicável nas embarcações, especialmente em decorrência de as tripulações serem
compostas por pessoas de diferentes nacionalidades e pelo fato de que as embarcações atravessam
diversos mares e oceanos, atuando em diferentes países.
O Código de Bustamante, foi o primeiro instrumento a regular a questão, estabelecendo que a
lei material que regularia as relações jurídicas no âmbito de determinado navio seria a do país de
registro da embarcação. É a chamada Lei do Pavilhão. Ainda, a Convenção das Nações
Unidas sobre Direitos do Mar (CNUDM) exige um vínculo substancial entre o Estado do
pavilhão e o navio.
Em uma publicação da OIT, sobre “As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil: o setor
marítimo”, constatou-se que “os armadores nacionais de 35 países diferentes possuíam registros de
embarcações correspondentes a 95,35% da frota total mundial” 340. Acresça-se que, atualmente,
estima-se que 65% da frota mundial seja registrada em bandeiras de conveniência.341
A partir de tal dado, extrai-se que o transporte marítimo tem se utilizado das bandeiras de
conveniência (flag of convenience) – prática empresarial de registrar o navio mercante em um
país conforme a sua conveniência – em busca de facilidade de registro (registros abertos),
fiscalização reduzida, incentivos fiscais, possibilidade de contratação de tripulação não nacional,
com mão de obra mais barata e menor proteção trabalhista e social.
À título de exemplo, no caso do Brasil, para a embarcação adquirir a nacionalidade brasileira, é
necessário que o proprietário, se pessoa física, seja residente e domiciliado no Brasil342, além da
exigência de dois terços da tripulação deve ser de brasileiros343, consoante arts. 3º e 4º da Lei
3.432/97.
Em decorrência desse quadro, os armadores buscam arvorar bandeira em países como Panamá,
Libéria, Costa Rica e Honduras, Bahamas, Bermudas, Cingapura, Filipinas, Malta, Antígua,
Aruba, Barbados, Belize, Bolívia, Birmânia, Camboja, Ilhas Canárias, Ilhas Cayman, Ilhas Cook,
Chipre, Guiné Equatorial, Gibraltar, dentre outros344.
Uma das soluções para redução do uso de bandeiras de favor é a tentativa de uniformização do
direito em âmbito internacional, incentivando-se os países de registro aberto a regulamentar as
relações trabalhistas, observar os tratados internacionais, realizar programas de inspeção mais
eficazes e a aplicação de sanções mais rigorosas aos que se utilizaram de falsa bandeira por entidades
internacionais, como a OMC.
340
As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil: o setor marítimo. Organização Internacional do Trabalho.
Brasília: OIT, 20195%0. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-
brasilia/documents/publication/wcms_233540.pdf>. Acesso em 14 ou. 2019. In: MEIRINHO, Augusto Grieco
Sant'Anna; MELO, Mauricio Coentro Pais de. Trabalho Portuário e Aquaviário - Homenagem aos 10 Anos da
CONATPA. São Paulo: LTr, 2014. p. 158.
341
Idem.
342
Art. 3º da Lei 9.432/97. Terão o direito de arvorar a bandeira brasileira as embarcações: I - inscritas no Registro
de Propriedade Marítima, de propriedade de pessoa física residente e domiciliada no País ou de empresa brasileira.
343
Art. 354 da CLT. Art. 354 - A proporcionalidade será de 2/3 (dois terços) de empregados brasileiros, podendo,
entretanto, ser fixada proporcionalidade inferior, em atenção às circunstâncias especiais de cada atividade, mediante
ato do Poder Executivo, e depois de devidamente apurada pelo Departamento Nacional do Trabalho e pelo Serviço
de Estatística de Previdência e Trabalho a insuficiência do número de brasileiros na atividade de que se tratar.
Art. 4º da Lei 9.432/97. Nas embarcações de bandeira brasileira serão necessariamente brasileiros o comandante, o
chefe de máquinas e dois terços da tripulação.
344
Dentre esses países, têm se destacado o Panamá e a Libéria como os maiores registradores. Cf. BARBOSA, Nicole
Miranda. Dos navios no direito internacional: sua nacionalidade e a questão do uso da bandeira de conveniência.
Revista Jus Navigandi, ISSN. Teresina, ano 24, n. 5795, 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73414.
Acesso em: 14 out. 2019.
Sobre o tema, o TST, no RR 10285-19.2016.5.09.0001 (Informativo 204)345, a respeito do
conflito espacial de normas na hipótese em que há o trabalho a bordo de navios de cruzeiros
marítimos, mas com a pré-seleção dos empregados no Brasil, decidiu ser aplicável a legislação
brasileira (CLT), norma mais benéfica em relação à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito
do Mar (CNUDM).
A decisão teve como um de seus fundamentos o fato de que, em que pese o trabalho em
embarcações seja regulado pela “Lei do pavilhão”, conforme o Código de Bustamante, no caso
analisado foi configurada a hipótese denominada pela doutrina e pela jurisprudência de "Bandeira
de favor", não havendo vínculo entre o país em que matriculada a embarcação e o explorador da
atividade (armador).
Assim, o TST afastou a aplicação da lei da bandeira da embarcação e, diante da pré-contratação do
trabalhador ter sido feita no Brasil e tendo ele atuado, pelo menos em alguns meses do ano, em
águas brasileiras, aplicável a Resolução Normativa 71/2006 do Conselho Nacional de
Imigração (CNIg), segundo a qual “Os brasileiros recrutados no Brasil embarcados para laborar
apenas durante a temporada de cruzeiros marítimos pela costa brasileira deverão ser contratados
pela empresa estabelecida no Brasil ou na ausência desta, pelo agente marítimo responsável pela
operação da embarcação, cujo contrato de trabalho será vinculado à legislação trabalhista brasileira
aplicável à espécie cumprindo examinar o local da contratação e da prestação de serviços” (art. 8º).
Observa-se, pois, que foi aplicada a Teoria do centro de gravidade (the most significant
relationship doctrine), teoria que surgiu nos Estados Unidos e afirma que as regras de Direito
Internacional Privado deixarão de ser aplicadas, excepcionalmente, quando nas circunstâncias do
caso se verificar que a causa tem uma ligação muito mais forte com outro direito. É o que se tem
chamado de “válvula de escape”, proporcionando liberdade ao juiz para decidir que direito é
aplicável ao caso concreto.
Ainda, destacou a decisão que, tendo sido a Súmula 207 do TST – que previa que a relação
trabalhista era regulada pelas regras do país da prestação de serviços e não da celebração do contrato
(Lex loci executionis) – cancelada, deve prevalecer a norma mais favorável ao trabalhador.
Outro fundamento utilizado foi a Lei 7.064/82, que disciplina a situação de trabalhadores
contratados no Brasil ou transferidos para prestar serviço no exterior e assegura “a aplicação da
legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto
nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação
a cada matéria” (art. 3º, II).
345
TST, RR 10285-19.2016.5.09.0001, 5ª Turma, rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, 4.9.2019.
Diante desse quadro, concluiu o C. TST que, em se tratando de empregado pré-contratado no
Brasil, para trabalho parcialmente em águas brasileiras, a Teoria do centro de gravidade da relação
jurídica atrai a aplicação da legislação brasileira, devendo-se observar a norma mais benéfica.
6.3. Pessoas com deficiência e o trabalho aquaviário
A Lei 7.573/86, que dispõe sobre o ensino profissional marítimo, foi alterada pela Lei 13.194/2015
e passou a estabelecer, em seu art. 16-A, que “os marítimos exercendo atividades embarcadas, por
serem submetidos às exigências contidas em convenções e acordos internacionais ratificados pelo
Brasil relativas às condições físicas, médicas e psicológicas, não integram a soma dos trabalhadores
das empresas de navegação para o disposto no art. 93 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991”.
Pela análise da alteração legislativa, verifica-se que o art. 16-A da Lei 7.573/86 teve por finalidade
excluir os trabalhadores marítimos embarcados da base de cálculo do art. 93 da Lei 8.213/1991,
que assegura um percentual de vagas de emprego às pessoas com deficiência346, além de ter afastado
as pessoas com deficiência do direito de realizar o curso de ensino profissional marítimo, sob o
fundamento de que as exigências físicas, médicas e psicológicas da formação profissional dos
aquaviários são incompatíveis com as restrições de uma pessoa com deficiência.
Nesse sentido, inclusive, a STCW estabelece padrões de aptidão física e médica para os marítimos,
devendo-se considerar qualquer debilitação ou doença que vá limitar a habilidade do marítimo de
desempenhar suas atribuições:
Os padrões de aptidão física e médica estabelecidos pela Parte deverão assegurar que os marítimos
satisfaçam os seguintes critérios:
1. ter a capacitação física, levando em conta o parágrafo 5 abaixo, de atender a todas as exigências
da instrução básica exigida pela Seção A-VI/1, parágrafo 2;
2. demonstrar ter uma audição e uma fala adequadas para se comunicar de maneira eficaz e detectar
quaisquer alarmes sonoros;
3. não possuir qualquer problema de saúde ou debilitação que impeça a realização eficaz e segura
de suas atribuições de rotina e de emergência a bordo, durante o período de validade do seu
certificado médico;
4. não estar sofrendo de qualquer problema de saúde que possa ser agravado pelo serviço no mar
ou tornar o marítimo inapto para esse serviço, ou colocar em perigo a saúde e a segurança de outras
pessoas a bordo; e
346
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5%
(cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na
seguinte proporção: I - até 200 empregados........2%; II - de 201 a 500...........3%; III - de 501 a 1.000...........4%; IV - de
1.001 em diante...........5%.
5. não estar tomando qualquer medicamento que tenha efeitos colaterais que possam prejudicar o
seu julgamento, seu equilíbrio ou quaisquer outros requisitos para um desempenho eficaz e seguro
de atribuições de rotina e de emergência a bordo.
Diante desse quadro, o MPF apresentou ADI contra a Lei 13.194/2015, por violação do direito à
ação afirmativa de acesso ao emprego por pessoas com deficiência, conforme art. 27 da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi inserida no ordenamento jurídico com status
de emenda constitucional (art. 5º, §3º, da CR), além de violação ao dever de adaptação razoável.
Ainda, apontou afronta ao direito à educação profissional, previsto nos arts. 205, 206, I e 227, II,
da CR, além do art. 24, item 2, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e dos
princípios constitucionais da proporcionalidade e da vedação de retrocesso social.
Em análise da ADI 5.760, o STF julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade
do artigo 16-A da Lei 7.573/86, inserido pelo art. 1º da Lei 13.194/2015, tendo em vista que a
deficiência física, por si só, não incapacita o trabalhador de forma genérica para o desempenho das
atividades laborais em embarcações, não existindo exigência legal ou convencional de plena
capacidade física para toda e qualquer atividade marítima.
Ademais, apontou o STF que eventual incompatibilidade entre as atividades aquaviárias e certas
limitações físicas não justifica a exclusão do trabalhador marítimo do direito a política pública de
inclusão social das pessoas com deficiência, tratando-se de uma diferenciação normativa
discriminatória, desprovida de razoabilidade e de proporcionalidade.
Por fim, ressalta-se que o art. 93 da Lei 8.213/91, que estabelece o percentual de vagas destinadas
à contratação de beneficiários reabilitados ou portadores de deficiência, não estabelece nenhuma
ressalva ou exceção de cargos ou atividades para o cálculo do percentual legal, devendo-se incluir
no cálculo os marítimos que exercem atividades embarcadas.
6.4. Seguro Defeso do Pescador Artesanal
A Lei 10.779/2003 dispõe sobre a concessão do benefício de seguro desemprego, durante o
período de defeso, ao pescador profissional.
O seguro defeso do pescador artesanal é uma assistência temporária paga pelo INSS ao trabalhador
enquadrado como segurado especial, que exerça a atividade de pesca profissional profissional
ininterruptamente, de forma artesanal e individualmente ou em regime de economia
familiar, durante o período de defeso de atividade pesqueira para a preservação da espécie.
Fazendo jus ao benefício, o trabalhador receberá benefício do seguro-desemprego, no valor
de 1 salário-mínimo mensal.
Destaca-se que o trabalhador deverá exercer a atividade de forma habitual ou como o principal
meio de vida durante o período compreendido entre o defeso anterior e o em curso, ou nos 12
(doze) meses imediatamente anteriores ao do defeso em curso, o que for menor.
O período do defeso é o fixado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis - IBAMA, em relação à espécie marinha, fluvial ou lacustre a cuja captura o
pescador se dedique.
Ainda, somente terá direito ao seguro-desemprego o segurado especial pescador artesanal que não
disponha de outra fonte de renda diversa da decorrente da atividade pesqueira e o não esteja em
gozo de nenhum benefício previdenciário ou assistencial de natureza continuada, exceto pensão
por morte e auxílio-acidente.
7. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
ORIENTAÇÃO N. 01. CONTRATAÇÃO. PRAZO INDETERMINADO. Em regra, a
contratação por prazo indeterminado de trabalhadores portuários, inclusive de capatazia e bloco,
far-se-á entre os TPAs registrados no OGMO. Após exaustivas tratativas e negociações, será
possível, excepcionalmente, a contratação de TPAs cadastrados. Em casos excepcionalíssimos,
comprovada a ausência de interesse de registrados e cadastrados, poderá haver contratação de
trabalhadores externos ao sistema, sempre por intermédio do OGMO e após treinamento pelo
OGMO. Em todos os casos, a contratação deverá observar a média salarial da categoria e poderá
ser aceita mediante negociação coletiva (ACT/CCT ou termo aditivo).
ORIENTAÇÃO N. 02. VIGIAS PORTUÁRIOS. CONTRATAÇÃO. É impositiva a
contratação de vigias portuários na área do porto organizado, a qual engloba as embarcações ao
largo ou fundeadas, devendo a requisição incluí-lo, ainda que haja vigia na embarcação.
ORIENTAÇÃO N. 03. INTERVALO INTERJORNADA. Por se tratar de matéria de ordem
pública e de direito indisponível afeto à Medicina do Trabalho, deve-se observar o intervalo de 11
horas interjornadas, excepcionalmente diante da falta de trabalhadores. Se houver a necessidade de
se abrir o cadastro para a observância de tal intervalo, obrigatoriamente deverá sê-lo por processo
de seleção pública. Se houver redução dos ternos, deve-se estabelecer a obrigatoriedade de
atendimento das condições da saúde e segurança do trabalho através de estudo ergonômico.
ORIENTAÇÃO N. 04. OPERADORES PORTUÁRIOS. Os operadores portuários que não
possuem acesso ao cais, mas situam-se na área secundária e dentro do porto organizado, que
pretendam contar com empregados, devem dar prioridade a trabalhadores do sistema do OGMO.
ORIENTAÇÃO N. 05. MOVIMENTAÇÃO DE CARGAS FORA DE PORTO NÃO
ORGANIZADO. É inviável a movimentação de carga fora de porto não organizado ou de
instalação portuária privativa, bem como a instalação de OGMO em porto não organizado por
ausência de previsão legal, mas que se deve buscar a regularização, ou por meio do fechamento do
cais irregular ou pela aplicação da Lei no 8.630/93 ao caso concreto.
ORIENTAÇÃO N. 06. ESCALAÇÃO. INTERNET. A escalação via internet é possível, desde
que haja critérios objetivos para habilitação e que exista outra forma para o trabalhador portuário
avulso participar do processo de escalação.
ORIENTAÇÃO N. 07. DA CAPATAZIA. A movimentação de mercadorias na faixa portuária
é atividade de capatazia, conforme definido pelo artigo 57 da Lei n. 8.630/93. A execução destas
atividades deve ser realizada por trabalhadores portuários avulsos requisitados ou contratados com
vínculo empregatício a prazo indeterminado, em ambos os casos os trabalhadores deverão ser
inscritos no OGMO.
ORIENTAÇÃO N. 08. TERCEIRIZAÇÃO. A terceirização de engate do mangote no quadro
de boias na carga e descarga de petróleo pela Petrobras devido à especificidade e especialização do
serviço é lícita por se inserir na atividade meio da empresa.
ORIENTAÇÃO N. 09. FÉRIAS E RSR. Existe o direito ao gozo das férias e à fruição do
descanso dos trabalhadores avulsos, assim como vinculação do direito com o estabelecimento das
regras de assiduidade (apresentação para o trabalho na ‘parede’, disponibilidade para o trabalho).
A forma de gozo de férias, especificamente o quantum de dias, depende, na ausência de negociação
coletiva, do número de dias trabalhados.
ORIENTAÇÃO N. 10. RODÍZIO. Sempre deverá ser defendido o rodízio numérico
independente da vontade dos sindicatos.
ORIENTAÇÃO N. 11. MULTAS. REVERSÃO AO OGMO. Impossibilidade da destinação
de recursos oriundos de multas ao OGMO, ainda que para fins de implementação de sistema de
escalação eletrônica.
ORIENTAÇÃO N. 12. TRABALHO AQUAVIÁRIO. TRIPULANTES BRASILEIROS.
Deve-se assegurar a observância do percentual legal de trabalhadores brasileiros (inclusive quanto
à proporcionalidade de funções) e a necessidade de treinamento/capacitação técnica, tanto em
embarcações brasileiras como estrangeiras, tudo nos termos da Resolução n. 72 do Conselho
Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego.
ORIENTAÇÃO N. 13. TRABALHO AQUAVIÁRIO. TRANSPORTE DE
PASSAGEIROS. Cabe ao MPT tomar todas as medidas cabíveis com vistas a assegurar o respeito
às normas de Segurança e Saúde no meio ambiente do trabalho aquaviário. Cite-se, a título
exemplificativo, proceder a fiscalização do rol de equipagem, tripulação mínima, registro em
CTPS da tripulação, EPI’s, listagem de passageiros e condições dos equipamentos de salvatagem.
ORIENTAÇÃO N. 14. TRIPULAÇÃO. FARDAMENTO. É obrigatório o uso de
uniformes/fardamento pela tripulação de navios da Marinha Mercante Nacional (aquaviários),
tanto a bordo como em terra, nos termos da NORMAM n. 21/DPC-2006 (Portaria n. 92/DPC,
de 13 de setembro de 2006).
ORIENTAÇÃO N. 15. ALIMENTAÇÃO. A etapa alimentação somente poderá ser somada à
soldada básica para alcançar o valor salário mínimo quando retribuída em espécie (retribuição pelo
trabalho). Direitos trabalhistas, como férias e adicionais por trabalho extraordinário, não podem
ser computados na soma para o salário mínimo.
ORIENTAÇÃO N. 16. BARCO-HOTEL. Trabalhadores em barco-hotel devem ser
enquadrados como aquaviários.
ORIENTAÇÃO N. 17. NAVEGAÇÃO. SERVIÇO DE QUARTO. DESCANSO. O
trabalhador aquaviário, submetido a serviço de quarto, deve ter um mínimo de 10 (dez) horas de
descanso em qualquer período de 24h. As horas de descanso podem ser divididas em até 2 períodos,
um dos quais deverá ter pelos menos 6 horas de duração (Convenção STCW). Nos demais casos
aplica-se a CLT.
ORIENTAÇÃO N. 18. MERGULHO. Não aplicação da Lei N. 5.811 aos trabalhadores em
mergulho profundo, diante da preservação que se lhes impõe a norma específica, sendo menos
relevante a vantagem financeira que lhes seria conferida pelo tratamento de trabalho extraordinário
realizado no período entre os dias que superassem a quinzena prevista para o período de mergulho,
até os 28 dias efetivamente praticados.
ORIENTAÇÃO N. 19. CONTRATAÇÃO DE MARÍTIMOS. EXAMES
TOXICOLÓGICOS. É razoável e legítima a exigência de realização de exames toxicológicos como
pressuposto para contratação de trabalhadores marítimos que desempenharão suas funções em
ambiente confinado, embarcados por períodos consideráveis. Medida que visa resguardar a
segurança da embarcação, preservando a saúde e a vida da coletividade de trabalhadores a bordo.
ORIENTAÇÃO N. 20. PESCA INDUSTRIAL. EMBARCAÇÕES SUPERIORES A 10 AB.
REGISTRO DA CTPS. A atividade pesqueira em embarcações superiores a 10AB descaracteriza
a pesca artesanal, implicando a obrigatoriedade do registro do contrato de trabalho de todos os
obreiros envolvidos na atividade.
ORIENTAÇÃO N. 21. PESCA. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. É possível
contratar trabalhador aquaviário por contrato a prazo determinado, quando a pesca se enquadrar
no conceito de atividade empresarial de caráter transitório, ainda que, por sazonal, venha a ser
retomada quando cessado o defeso.
ORIENTAÇÃO N. 22. COLÔNIA DE PESCADORES. É atribuição da CONATPA
investigar possíveis irregularidades cometidas durante processo eleitoral promovido por colônia de
pescadores, ainda mais agora que a colônia foi alçada à categoria de entidade sindical.
ORIENTAÇÃO N. 23. ATRIBUIÇÕES DA CAPATAZIA. É atribuição da
capatazia/arrumadores a movimentação de mercadorias na área do porto organizado, ainda que
tão somente entre armazéns, ou em único armazém, mesmo que não proveniente de carga e
descarga de embarcações.
ORIENTAÇÃO N. 24. INTERCÂMBIO. LIMITES O intercâmbio de trabalhadores
portuários avulsos entre portos brasileiros deve ser medida excepcional, com prazo determinado,
não superior a 90 (noventa) dias, comprovada a necessidade no OGMO que recebe mão de obra e
a ociosidade no OGMO que a cede, condicionada à previsão de realização de seleção pública para
readequação do quadro do OGMO interessado. Será dada a preferência a trabalhadores do mesmo
Estado.
ORIENTAÇÃO N. 25. RN Nº 72. MERCOSUL. O tratado do MERCOSUL, aprovado pelo
Decreto 6975/09, não confere a nacionalidade brasileira aos trabalhadores oriundos do
MERCOSUL para efeito do cumprimento da cota prevista na Resolução Normativa nº 72/2006
do Conselho Nacional de Imigração.
8. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO
BARBOSA, Nicole Miranda. Dos navios no direito internacional: sua nacionalidade e a questão
do uso da bandeira de conveniência. Revista Jus Navigandi, ISSN. Teresina, ano 24, n. 5795, 2019.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73414. Acesso em: 14 out. 2019.
BASÍLIO, Paulo Sérgio Basílio. O Trabalho Portuário. Revista LTr: legislação do trabalho. v. 72,
n. 09, 2008.
CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho Portuário Avulso - Antes e depois da Lei de
Modernização dos Portos. São Paulo: LTr, 2005.
MACHIN, Rosana. BASTOS, Matheus Ferreira Guimarães. O Trabalho Portuário no Processo
de Modernização. QUEIRÓZ, Maria de Fátima Ferreira; MACHIN, Rosana; COUTO, Márcia
Thereza. (Org.). Porto de Santos: Saúde e Trabalho em Tempos de Modernização. 1 ed. São Paulo:
FAP-Unifesp, 2015. p. 49-63.
Manual do Trabalho Portuário e Ementário. Brasília: MTE, SIT, 2001.
MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna; MELO, Mauricio Coentro Pais de. Trabalho
Portuário e Aquaviário - Homenagem aos 10 Anos da CONATPA. São Paulo: LTr, 2014.
MEIRINHO, Augusto Grieco Sant'Anna. Trabalho aquaviário: noções introdutórias. Revista do
Ministério Público do Trabalho. Procuradoria Geral da Justiça do Trabalho. Ano XIII, n. 45, mar.
2013. Semestral.
MELO, Maurício Coentro Pais de. O histórico da alteração normativa do setor portuário e temas
sensíveis de atuação do Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson.
Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol. 02. Salvador: Juspodivm, 2015.
MIGUEL, Monick; GARCIA, Denise Schmitt Siqueira. A importância do órgão gestor de mão
de obra para o trabalho portuário. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.9, n.1, 1º quadrimestre de
2014. Disponível em: < www.univali.br/direitoepolitica>. Acesso em: 24 set. 2019.
PAIXÃO, Cristiano; FLEURY, Ronaldo Curado. Trabalho portuário: a modernização dos portos
e as relações de trabalho no Brasil. São Paulo: Método, 2008.
QUEIRÓZ, Maria de Fátima Ferreira; DIÉGUEZ, Carla Regina Mota. As metamorfoses do
trabalho portuário: mudanças em contextos de modernização. São Paulo: Sociologia e Política,
2019.
STEIN, Alex Sandro. Curso de direito portuário. Lei n. 8.630/93. São Paulo: LTr, 2002.
CAPÍTULO V - CONAP – COORDENADORIA NACIONAL DE
PROMOÇÃO DA REGULARIDADE DO TRABALHO NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1. SOBRE A COORDENADORIA
A Coordenadoria Nacional de Promoção da regularidade do Trabalho na Administração Pública
foi criada em 2003 e tem como objetivo combater o desrespeito ao ordenamento jurídico-
trabalhista na Administração Pública, como contratações sem concurso público, terceirização
ilícita, desvirtuamento de contratação temporária e empregos em comissão, improbidade
administrativa e demais condutas que afrontam os princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
As práticas irregulares mais enfrentadas no âmbito da Coordenadoria são: a) meio ambiente de
trabalho dos servidores estatutários, celetistas e terceirizados, com a fiscalização do cumprimento
da NR 32, que trata da segurança e saúde no trabalho em estabelecimentos de saúde; b) contratação
de trabalhadores sem concurso público; c) terceirizações ilícitas, seja através de cooperativas,
OSCIP, OS etc; d) responsabilização solidária ou subsidiária da Administração Pública.
2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ATRIBUIÇÕES DO MPT: ADI Nº 3395
A EC 45/2004 trouxe significativas alterações na competência da Justiça do Trabalho, tendo
acrescentado ao art. 114, I, da CR a competência para processar e julgar o trabalho estatutário.
Nesse sentido, passou o dispositivo normativo a prever que são da competência da justiça
especializada “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios”.
O STF, todavia, na ADI 3395347, reconheceu a inconstitucionalidade da alteração efetuada pelo
constituinte no art. 114 da CR para declarar a inconstitucionalidade de toda interpretação que
incluía na competência da Justiça do Trabalho as causas instauradas entre o Poder Público e
servidor que lhe seja vinculado por relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-
administrativo.
347
EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência
reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação
de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc.
I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no
art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe
seja vinculado por relação jurídico-estatutária. (ADI 3395 MC, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno,
julgado em 05/04/2006, DJ 10-11-2006 PP-00049 Ement. Vol-02255-02 PP-00274 RDECTRAB v. 14, n. 150, 2007,
p. 114-134 RDECTRAB v. 14, n. 152, 2007, p. 226-245).
Inclusive, nesse caminho, o STF tem declarado a incompetência da Justiça do Trabalho para
processar e julgar os contratos de trabalho temporário entre os entes públicos e os trabalhadores,
por se tratar de relação jurídico-administrativa348.
Observe-se, todavia, que a ADI 3395 teve como objeto a competência da Justiça do Trabalho, pelo
que a decisão do STF não restringe a atuação investigativa do MPT e sua atuação extrajudicial. É
nesse sentido, a Orientação 05 da CONAP:
Orientação 05/CONAP
ADI 3395. Atuação Extrajudicial do MPT. Conforme posição adotada pelo Supremo Tribunal
Federal na Reclamação n. 5976, a atividade investigativa do Ministério Público do Trabalho e os
Termos de Ajuste de Conduta já firmados, antes ou depois da referida decisão cautelar, ou que
venham a ser firmados, não se compreendem na abrangência do quanto decidido cautelarmente
na ADI 3.395-MC, haja vista que não sendo causa, não se compreende no objeto da decisão
paradigma da ADI MC 3.395, relativa à demarcação de competências jurisdicionais entre a Justiça
do Trabalho e a Justiça Comum.
Em relação ao meio ambiente de trabalho, ainda que se trate de questão afeta a servidores
estatutários ou vinculados por relação jurídico-administrativa, remanesce a competência da Justiça
do Trabalho e a atribuição do MPT para processar e investigar as questões relativas à saúde, higiene
e segurança, uma vez que não se discute a natureza jurídica do vínculo havido entre os
trabalhadores e o Poder Público.
Sobre o tema, há a Súmula 736 do STF e as Orientações 06 e 07 da CONAP, que dispõem
que:
Súmula 736 do STF
348
Cf. Conflito de competência. Justiça do trabalho versus justiça comum. Conflito negativo suscitado pela justiça
comum. Servidor público. Contrato temporário. Relação jurídico-administrativa. Lei federal 8.745/1993.
Competência da justiça comum. Conflito conhecido para declarar a competência da justiça comum. Determinação
de remessa dos autos ao juízo competente. (CC 7890, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2019, Publicação 04/09/2019). Agravo regimental no
recurso extraordinário com agravo. Servidor público. Contrato temporário. Natureza do vínculo. Existência de termo
de conduta que determina a natureza jurídico-administrativa do contrato firmado entre as partes. Competência.
Justiça comum. Precedentes. 1. O Tribunal Superior do Trabalho expressamente consignou a existência de termo de
ajustamento de conduta entre o ora agravado e o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, no qual se afirmou
que o contrato existente entre o agravante e a FURB seria de natureza jurídico-administrativa. 2. Assentada a natureza
estatutária do vínculo mantido entre o agravante e a Fundação Universidade Regional de Blumenau, a competência
para o julgamento do feito é da Justiça comum (ADI nº 3.395/DF-MC), consoante a reiterada jurisprudência da
Corte. 3. Agravo regimental não provido, com imposição de multa de 2% (art. 1.021, § 4º, do CPC). (ARE 1004808
AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-250 DIVULG 30-10-2017 PUBLIC 31-10-2017).
Compete à justiça do trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento
de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.
Orientação 06/CONAP
Meio Ambiente do Trabalho. Cabe ao Ministério Público do Trabalho investigar e processar
questões que tratem do cumprimento, pela Administração Pública, das normas relativas ao meio
ambiente do trabalho, independentemente do regime jurídico, sendo as normas regulamentadoras
expedidas pelo Ministério da Economia aplicáveis à Administração Pública Direta e Indireta.
Orientação 07/CONAP
Meio Ambiente do Trabalho. Assédio Moral – Administração Pública Direta e Indireta. Cabe ao
Ministério Público do Trabalho investigar e processar questões que tratem da prática de assédio
moral organizacional na Administração Pública Direta e Indireta, independentemente do regime
jurídico de trabalho, uma vez que a ofensa se relaciona ao meio ambiente do trabalho.
Por fim, o STF, na ACO 2169, firmou entendimento ampliativo da competência da Justiça do
Trabalho e da atribuição do MPT para todas as questões que envolvam a Administração Pública
e ser servidores, desde que não seja discutida a natureza jurídica do vínculo e desde que trate sobre
direito social de alcance coletivo geral349.
3. CASOS EMBLEMÁTICOS
3.1. Terceirização
No âmbito da Administração Pública, a terceirização, inicialmente, era compreendida como a
“técnica de contratação de serviços auxiliares e de apoio à atividade estatal que possibilite ao gestor
concentrar-se nas atividades e serviços principais”.350
Um dos primeiros instrumentos a regulamentar a terceirização surgiu inicialmente no âmbito da
Administração Pública, por meio do Decreto-Lei 200/1967351 e da Lei 5.645/1970. Logo após,
com o advento da Lei 6.019/1974, foi regulamentado o trabalho temporário e, em 1983, com a
Lei 7.012, foi disciplinada a terceirização de atividades de vigilância e de transporte de valores.
349
CAVALHEIRO, Ruy Fernando Gomes Leme. A ADI 3395, a competência da JT e as atribuições do MPT.
CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol. 02.
Salvador: Juspodivm, 2015.
350
KLUGE, Cesar Henrique; TURA, Marco Antônio Ribeiro; SILVA JÚNIOR, Paulo Isan Coimbra da.
Atividade-Fim: Manual de Atuação da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na
Administração Pública. Ministério Público do Trabalho. Brasília: 2014. p. 01
351
Art. 10. [...] §7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e
com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará
desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta,
mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a
desempenhar os encargos de execução.
Com a EC 19/1998, que promoveu a Reforma Administrativa e instituiu a Administração
Gerencial, com ênfase no princípio da eficiência, foi reforçada a necessidade de descentralização e
terceirização no serviço público.
O TST, sobre o tema, firmou as teses constantes da Súmula 331, que dispõe:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo
diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de
03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de
emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da
CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº
7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à
atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja
participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente,
nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das
obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das
obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida
responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela
empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da
condenação referentes ao período da prestação laboral.
Diante da regulamentação existente, era permitida a execução indireta de tarefas meramente
executivas ou de caráter instrumental e acessórias às atividades principais do ente público,
desde que não houvesse pessoalidade e subordinação direta. Nesse sentido, se encaminhavam as
Orientações 08 e 09 da CONAP:
Orientação 08/CONAP
SUBSTITUIÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO POR TERCEIRIZADO.
IMPOSSIBILIDADE. Não é possível a substituição de servidor público por terceirizado, em
atividade inserida na estrutura de provimento efetivo do tomador, por importar em mera
intermediação de mão de obra.
Orientação 09/CONAP
Terceirização. Limpeza urbana. Possibilidade. É possível a terceirização do serviço público de
limpeza urbana, desde que feita por empresa especializada e que possua meios materiais para a
execução dos serviços contratados, sendo vedada em qualquer hipótese a mera intermediação de
mão-de-obra.
A mera intermediação de mão de obra é rechaçada no ordenamento jurídico, tratando-se de
princípio basilar da OIT, que estabelece que “o trabalho não é uma mercadoria” (Declaração de
Filadélfia, 1944), assim, somente de forma excepcional se admite a mercantilização do trabalho.
A terceirização traz repercussões negativas às relações de trabalho, “uma vez que leva (i) à
precarização das condições de trabalho; (ii) ao esfacelamento da organização sindical dos
servidores; (iii) à discriminação entre os servidores públicos e os terceirizados e (iv) à burla ao
concurso público.”352
Em continuidade, com a Lei 13.429/2017, diversos dispositivos da Lei 6.019/1973 foram
alterados, passando a lei a tratar do trabalho temporário e da terceirização e com a Lei
13.467/2017 (Reforma Trabalhista), a regulamentação da terceirização de serviços foi
novamente alterada, com objetivo de sanar algumas omissões da Lei 13.429/2017.
A partir de então, foi possibilitada expressamente a terceirização das atividades-fim das empresas,
admitindo-se a transferência de qualquer das atividades da empresa contratante, inclusive suas
atividades principais, desde que ausente a pessoalidade e subordinação direta e seja mantida a
capacidade econômica da pessoa jurídica prestadora de serviços a terceiros.353
Todavia, as alterações promovidas pela Lei 13.429/2017 e pela Lei 13.467/2017, não tiveram
como destinatário a Administração Pública direta ou indireta, em razão do disposto no art.
37, II e XXI, da CR/88, que exige a realização de concurso público para ingresso nos quadros
dos entes públicos, observadas as normas da Lei 8.666/1993. Nesse sentido, a Orientação 13 da
CONAP:
Orientação 13/CONAP
352
KLUGE, Cesar Henrique; TURA, Marco Antônio Ribeiro; SILVA JÚNIOR, Paulo Isan Coimbra da.
Atividade-Fim: Manual de Atuação da Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na
Administração Pública. Ministério Público do Trabalho. Brasília: 2014. p. 10.
353
Art. 4º-A, Lei 6.019/74. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da
execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado
prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.
Não obstante as alterações previstas pela Lei n. 13.467/2017, permanece vedada a intermediação
de mão de obra na Administração Pública direta e indireta, haja vista a obrigatoriedade de
contratação de pessoal por concurso público prevista no art. 37, II, da CRFB/1988.
Em arremate à possibilidade de terceirização de forma irrestrita, o STF, ao julgar a ADPF 324 e o
RE 958.252, com repercussão geral, fixou a seguinte tese: “I - É lícita a terceirização de toda e
qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o
empregado da contratada; II - A terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a
capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das
normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei
8.212/1993.”
Direito do Trabalho. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Terceirização de
atividade-fim e de atividade-meio. Constitucionalidade. 1. A Constituição não impõe a adoção
de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias
empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista
sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que
permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se
adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade. 2. A terceirização das
atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios
constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes
econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica
e competitividade. 3. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação
da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício
abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações. 4. Para evitar tal exercício
abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser
compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante:
i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder
subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por
obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993). 5. A responsabilização subsidiária da
tomadora dos serviços pressupõe a sua participação no processo judicial, bem como a sua inclusão
no título executivo judicial. 6. Mesmo com a superveniência da Lei 13.467/2017, persiste o objeto
da ação, entre outras razões porque, a despeito dela, não foi revogada ou alterada a Súmula 331 do
TST, que consolidava o conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria, a indicar que
o tema continua a demandar a manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito dos aspectos
constitucionais da terceirização. Além disso, a aprovação da lei ocorreu após o pedido de inclusão
do feito em pauta. 7. Firmo a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade,
meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da
contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade
econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas
trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”. 8.
ADPF julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio.
Restou explicitado pela maioria que a decisão não afeta automaticamente decisões transitadas em
julgado. (ADPF 324, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em
30/08/2018, Publicado em 06-09-2019).
Diante desse quadro de terceirização ampla e irrestrita e para assegurar que a terceirização não seja
utilizada como uma ferramenta de precarização de direitos, o MPT adota o posicionamento de
que deve ser assegurado “aos empregados da empresa contratada que prestarem serviços à empresa
contratante em atividades similares às dos empregados diretos o piso salarial e benefícios
previstos na norma coletiva aplicada para a categoria profissional preponderante na empresa
contratante, desde que mais benéficos do que os previstos no instrumento coletivo de sua
categoria”.354
Sobre esse tema, a Lei 6.019/74, em seu art. 4º-C, §1º, faculta a contratante de serviços terceirizados
estabelecer ao empregado da empresa terceirizada salário equivalente ao pago aos empregados da
contratante. Enquanto que, em relação ao trabalho temporário, impõe “remuneração equivalente
à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à
base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional” (art. 12, a
da Lei 6.019/74).
Todavia, a Lei 6.19/74 deve ser lida à luz do princípio da isonomia (art. 5°, caput e 7º, XXX e
XXXII, da CR/88) e dos tratados internacionais de direitos humanos (art. 7º, a, I, do PIDESC;
art. 7º, a, do Protocolo de San Salvador; art. 2º, 1, da Convenção 100 da OIT), devendo-se aplicar
analogicamente o art. 12, a, da Lei 6.019/74 aos empregados terceirizados que realizarem funções
iguais aos empregados da contratante, ainda que se trate de terceirização lícita.
Observe-se ainda, que o argumento defendido pelo MPT tem fundamento na Teoria do Joint
Employment (“emprego conjunto”, “coemprego” ou “vínculo compartilhado”), construída pela
354
“É oportuno esclarecer que, quando o tomador de serviços for ente da Administração Pública, não há que
se falar em equidade remuneratória, haja vista que apenas poderão ser terceirizadas atividades distintas daquelas
desempenhadas por servidores ou empregados públicos, haja vista o princípio da obrigatoriedade de concurso público
previsto no art. 37, II, da CRFB/1988”. Vide Nota Técnica n. 01, de 06/02/2019 – CONAP/MPT.
jurisprudência trabalhista dos Estados Unidos, por volta da década de 1940, que sustenta que
havendo um contrato de trabalho compartilhado, sendo o trabalho prestado pelo empregado em
benefício de duas ou mais empresas, deverá haver um tratamento igualitário a todos empregados
da empresa prestadora de serviços em face dos direitos assegurados aos empregados da tomadora.355
Consoante a NOTA TÉCNICA 03, de 24/06/2019, da CONAP, no Brasil, essa teoria foi adotada
pelo TRT da 3ª Região, no julgamento do Recurso Ordinário 0010517-31.2017.5.03.0173:
Joint Employment é uma doutrina construída pela jurisprudência trabalhista dos Estados Unidos,
que prevê a existência de um contrato de trabalho compartilhado, quando o trabalhador
desempenha uma função que, simultaneamente, beneficia duas ou mais empresas. Em geral, a
teoria do joint employment é concebida em três situações:
(i) quando existe um acordo entre empresas para compartilhar os serviços do empregado (Slover v.
Wathen, 140 F. 2d 258 - C.A. 4; Mitchell v. Bowman, 131 F. Supp.);
(ii) quando uma empresa atua direta ou indiretamente no interesse de outra ou outras empresas
em relação ao trabalhador (Greenberg versus Arsenal Building Corp., et al., 144 F. 2d 292 - C.A.
2).
(iii) quando as empresas não estão completamente desassociadas em relação ao emprego de um
empregado em particular e podem ser consideradas como compartilhando o controle do
empregado, direta ou indiretamente (Dolan v. Day & Zimmerman, Inc., et al.,65 F. Supp. 923 -
D. Mass. 1946).
[...]
Essa teoria parece perfeitamente compatível com a dogmática brasileira. O trabalhador que exerce
habitualmente função inserida nas atividades essenciais do tomador final de seus serviços e, nessa
condição, sujeito a supervisão, direção ou regramento operacionais estabelecidos pela res
productiva, para além das ordens executivas emanadas do empregador putativo, tem direito ao
status jurídico do vínculo empregatício compartilhado entre as empresas que se beneficiam
conjuntamente de seu trabalho, independentemente da ilicitude ou não da terceirização.
3.2. Terceirização de agentes penitenciários
Como visto, no âmbito da administração pública direta e indireta, a análise da licitude da
terceirização necessariamente deve ser realizada à luz do art. art. 37, II e XXI, da CR/88. O inciso
II do art. 37 é explícito ao dispor que os servidores ou empregados dos entes da administração
pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, somente poderão ser admitidos mediante prévia aprovação em concurso público,
355
NOTA TÉCNICA n. 03, de 24/06/2019 – CONAP/MPT.
ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração,
enquanto que o inciso XXI exige a realização de licitação pública para contratação de obras,
serviços, compras e alienações, ressalvados os casos especificados na lei.
Assim, para a Administração Pública, a licitude da terceirização deve ser analisada à luz da Súmula
331 do TST e do Decreto-Lei 200/1967.
Nesta senda, a Orientação 13 da CONAP prevê que, “não obstante as alterações previstas pela
Lei n. 13.467/2017, permanece vedada a intermediação de mão de obra na Administração Pública
direta e indireta, haja vista a obrigatoriedade de contratação de pessoal por concurso público
prevista no art. 37, II, da CRFB/1988”.
Observe-se que o entendimento estabelecido pelo STF, no julgamento da ADI 890, de que a
administração pública direta e indireta deve obediência cogente à regra geral do concurso público
para admissão de pessoal, ressalvadas as duas únicas exceções contempladas pela própria
Constituição, relativamente ao provimento de cargos em comissão e à contratação destinada a
atender necessidade temporária e excepcional, permanece inalterado. É nesse sentido, inclusive,
que a Orientação 14 da CONAP destaca que:
Orientação 14/CONAP
A contratação de trabalhadores temporários com fundamento na Lei n. 13.429/2017, no âmbito
das empresas estatais e suas subsidiárias, apenas pode ocorrer em caráter excepcional, emergencial
e provisório, tendo em vista o teor do art. 37, II, da CRFB/1988.
Portanto, os entes da administração pública direta e indireta, inclusive as empresas públicas e as
sociedades de economia mista (MS 21.322/DF), são obrigados a nomear funcionário público ou
contratar empregado público mediante prévia aprovação em concurso público para as atividades
finalísticas, restando a autorizada apenas para atividades acessórias e executivas.
Nesse caminho, a Lei 14.133/2021, que estabelece as normas gerais para licitações e contrato da
Administração Pública em âmbito nacional, e a Lei 13.303/2016, que estabelece as regras de
licitação para empresas públicas e sociedades de economia mista, dispõem que a execução das
atividades da Administração Pública deve ser descentralizada, desobrigando-se o ente público das
tarefas executivas.
Diante desse quadro, foi publicado o Decreto 9.507/2018, que estabelece um conjunto de regras
determinando as atividades que podem ser objeto de terceirização pela Administração Pública
direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista
controladas pela União.
Em regras gerais, o decreto veda a terceirização de atividades: a) relacionadas a questões de
repercussão institucional e estratégica para o órgão ou entidade; b) decorrentes de poderes
extroversos da Administração Pública, como o poder de polícia e c) inerentes às atribuições legais
dos cargos e empregos abrangidos pelo plano de cargos do órgão ou entidade.356
Assim, verifica-se que uma das hipóteses é a vedação de terceirização de atividades relacionadas às
atribuições de cargos permanentes do órgão, tendo em vista o respeito ao Princípio da
Legalidade. Se houve a criação de cargo com suas atribuições definidas no Plano de Cargos e
Salários (PCCS) da entidade, deixar de provê-lo por meio do concurso público, viola frontalmente
o art. 5º, II e art. 37, II da CR/88. Ademais, é vedada a terceirização de atividades decorrente do
Poder de Polícia.
Portanto, a função de agente penitenciário, por estar definida em PCCS do ente público e estar
inserida nas atividades de segurança pública (art. 144 da CR/88 e art. 3º, IV, da Lei 11.473/2007),
não está sujeita a terceirização, sob pena de violação à regra constitucional do concurso público,
nos termos do art. 37, II, da CR/88, sendo nulos os contratos que tenham como objeto essa
função.
Entretanto, em contraposição aos argumentos expostos, o STF, em decisão monocrática (STP
138), suspendeu a tutela provisória concedida nos autos da ACP, que objetivava vedar a
contratação de mão de obra terceirizada para as funções de agentes penitenciários nas unidades
prisionais na Bahia. O fundamento da decisão proferida pela Corte Suprema foi a superlotação
extrema no sistema carcerário do estado, que acarreta risco potencial à ordem pública, à segurança
pública e afronta a dignidade da pessoa humana, tratando-se de uma autorização para terceirização
provisória, até a realização de concurso público.
Ressalte-se, todavia, que o STF, na citada ADI 890, destacou que a possibilidade de contratação
temporária e excepcional “não abrange aqueles serviços permanentes que estão a cargo do Estado
nem aqueles de natureza previsível, para os quais a Administração Pública deve alocar, de forma
356
Art. 3º Não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional,
os serviços:
I – que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação,
supervisão e controle;
II – que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle
de processos e de conhecimentos e tecnologias;
III – que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de
sanção; e
IV – que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto
disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral
de pessoal.
planejada, os cargos públicos para isso suficientes, a serem providos pela forma regular do concurso
público, sob pena de desídia e ineficiência administrativa”.
Portanto, observando-se os ditames da ADI 890, a atividade de agente penitenciário, por se tratar
de uma função permanente e previsível, somente poderia ser exercida por servidores públicos
admitidos pela via do concurso público, não se admitindo a contratação de forma temporária,
ainda que justificável devido à superlotação, sob pena de violação do art. 37, II, da CR/88.
DECRETO 9.507/2018
357
Nota Técnica n. 03, da CONAP/MPT.
responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela
empresa regularmente contratada.
Observa-se que esse entendimento foi ratificado na redação do artigo 121, §2º da Lei
14.133/2021 (Nova Lei de Licitações).
Art. 121. § 2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação
exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos
previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na
fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.
No que diz respeito à intensidade e qualidade da efetiva fiscalização, determina o artigo 117 da Lei
14.133/2021:
Art. 117. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais
do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos
estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de
terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.
Inclusive, o artigo 121, §3º da Lei 14.133/2021, dispõe que, para assegurar o cumprimento de
obrigações trabalhistas pelo contratado, a Administração, mediante disposição em edital ou em
contrato, poderá, entre outras medidas: I - exigir caução, fiança bancária ou contratação de seguro-
garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas; II - condicionar o pagamento à
comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao contrato; III - efetuar o
depósito de valores em conta vinculada; IV - em caso de inadimplemento, efetuar diretamente o
pagamento das verbas trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado; V -
estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro salário, a ausências legais e a verbas
rescisórias dos empregados do contratado que participarem da execução dos serviços contratados
serão pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do fato gerador.
Entretanto, nos moldes estabelecidos pela Nota Técnica 03, da CONAP/MPT, não é razoável que
a Administração Pública, beneficiária principal dos serviços prestados pelos trabalhadores
terceirizados, não possa ser diretamente responsabilizada pelos direitos trabalhistas assegurados a
esses trabalhadores sob pena de violação dos princípios constitucionais da valorização social do
trabalho e da dignidade da pessoa humana, bem como a função social do contrato e da propriedade
(arts. 1º, III e IV, 5º, XXIII, e 170, III, da CR/1988).
O art. 121, §2º da Lei 14.133/2021 já prevê a responsabilidade solidária da Administração
Pública pelos débitos previdenciários da empresa contratada, devendo também responder de
forma solidária pelas verbas trabalhistas que deram origem a esses encargos previdenciários.
A mesma lógica de responsabilização jurídica deve ocorrer em relação aos tomadores de serviços da
iniciativa privada, que devem responder solidariamente com a empresa que presta serviços a
terceiros pelos empregados que efetivamente participarem da execução dos serviços
terceirizados.358
3.3. Terceirização nos serviços de saúde por meio de organizações sociais
O STF, na ADI 1923, deu interpretação conforme a Constituição à Lei 9.637/98, que dispôs
sobre a qualificação de entidades como organizações sociais (OS), e do art. 24, XXIV, da Lei
8.666/93, que previu a dispensa de licitação para a celebração de contratos de prestação de serviços
com as organizações sociais359.
Entretanto, em que pese a decisão do STF na ADI 1923 e a decisão do STF possibilitando a
terceirização irrestrita, a atuação do MPT não é afastada em caso de precarização decorrente da
prestação de serviços públicos por meio de Organizações Sociais, como a utilização do contrato de
gestão com a OS apenas para mascarar intermediação de mão de obra ou em caso de fiscalização
do cumprimento dos direitos trabalhistas ou, ainda, na hipótese de reconhecimento de
responsabilidade subsidiária do Poder Público quando constatada sua culpa “in vigilando” por
ausência ou má fiscalização contratual, nos termos e limites das decisões proferidas pelo STF na
ADC 16/DF e RE 760.931/DF. Nesse sentido, é a Orientação 16 da CONAP:
Orientação 12/CONAP
Cabe ao Ministério Público do Trabalho investigar situações de precarização das relações de
trabalho decorrentes da utilização de Organizações Sociais (OS’s) ou Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (Oscip’s) por entes da Administração Pública, sendo possível se apurar
a corresponsabilidade do ente público por danos trabalhistas sofridos por empregados das OS’s e
Oscip’s.
3.4. Improbidade Administrativa
Com alargamento da competência da Justiça do Trabalho após o advento da EC 45/2004, que
alterou o inciso I do art. 114, da CR/88 para atribuir à justiça especializada a alçada de processar e
358
Registra-se que há diversos países que adotam a responsabilidade solidária do tomador de serviços em relação aos
débitos trabalhistas da contratada, entre eles: a) Espanha: art. 42 do Estatuto dos Trabalhadores (Lei n. 8/1980, com
alterações do Real Decreto Legislativo n. 1/1995); b) Uruguai (Leis ns. 18.098/2007, 18.099/2007 e 18.251/2008); c)
Argentina (Leis ns. 30/2003, 25.013/1998 e Lei del Contracto de Trabajo); d) Peru (Lei ns. 27.626/2002,
29.245/2008 e Decreto Legislativo n. 1.038/2008); e) Chile (Código del Trabajo e Lei n. 20.123/2006); f) Paraguai
(Código del Trabajo e Lei n. 213/1993); e g) Colômbia (Código Sustantivo del Trabajo). DELGADO, Gabriela
Neves; AMORIM, Helder Santos. Os limites constitucionais da terceirização. 2.ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 24, 25 e
27.
359
A Lei 14.133/2021 não contempla a hipótese de dispensa de licitação para a celebração de contratos de prestação
de serviços com as organizações sociais.
julgar “as ações oriundas da relação de trabalho”, parte da doutrina passou a defender a
competência da justiça laboral para julgamento de ações de improbidade administrativa em face de
administradores públicos em matéria trabalhista.
O MPT, seguindo esse entendimento, passou a adotar a posição de defesa da importância do
manejo das ações de improbidade administrativa pelo parquet e defesa da competência da Justiça
do Trabalho para o julgamento de tais ações, tendo em vista se tratar de instrumento adequado
para alcançar maior efetividade dos direitos sociais fundamentais no âmbito da Administração
Pública, considerando a vocação e maior compreensão sobre o tema das instituições que tratam
especificamente das relações laborais, bem como, a maior celeridade do processo do trabalho.
Com efeito, desde a nova redação do art. 114, I, da CR/88, parte da doutrina passou a entender
que o legislador privilegiou o “Princípio da unidade de convicção”, conferindo à Justiça do
Trabalho competência para julgar qualquer matéria referente aos direitos sociais dos
trabalhadores, bem como outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho.360
Um exemplo de atuação do MPT sobre o tema são as investigações de denúncias de precarização
das condições de trabalho decorrentes da inobservância de normas de saúde e segurança do
trabalho por agentes públicos. A Lei 8.666/93 estabelece que os projetos básicos e executivos de
obras e serviços devem adotar normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas (art.
12, VI, da Lei 8.666/93361). Portanto, o não cumprimento do dever legal de incluir, nos editais e
contratos, a obrigação de a contratada comprovar a adoção das normas de saúde e segurança do
trabalho caracteriza ato de improbidade administrativa. Também haverá ato de improbidade caso
o administrador público não cumpra a obrigação de fiscalizar o cumprimento dessas normas.362
Outra hipótese, são as denúncias de assédio moral na administração pública direta e indireta, que,
quando praticado por agente público, configura ato de improbidade, como já decidido pelo STJ,
no julgamento do REsp 1.286.466.363
Quanto à competência, contudo, o TST firmou entendimento pela incompetência da Justiça
do Trabalho para processar e julgar os gestores públicos por atos de improbidade364, uma
vez que a ação de improbidade não tem como objeto relação de emprego entre o empregado e a
Administração Pública, mas a prática de qualquer ato por agente público contra a administração
360
NOTA TÉCNICA n. 05, de 23/10/2019, da CONAP/MPT.
361
Atualmente o art. 6º da Lei 14.133/2021 prevê os parâmetros do projeto básico e executivo.
362
Idem.
363
Idem.
364
Cf. RR-187/2005-013-08-00; AIRR-780/2005-105-08-40; RR-278/2005-015-08--00.5.
direta, indireta, autárquica ou fundacional, o que refoge à competência definida no art. 114, I, da
CR.
Acresça-se que, em face do Princípio da impessoalidade365, o titular da relação de emprego é a
Administração pública direta e indireta, enquanto pessoa jurídica, não se incluindo os agentes
políticos, aos quais não se pode imputar a responsabilidade pelo ato administrativo.
Ademais, a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) não dispõe sobre relação
de emprego ou de trabalho, tratando de sanções penais, civis e administrativas, pelo que se infere
que não há competência da Justiça do Trabalho para decidir a respeito de atos de improbidade
praticados por qualquer agente público.
Por fim, consoante o Princípio da especialidade366, a ação de improbidade é autônoma e tem
procedimento próprio (arts. 14 a 18 da LIA), não podendo ser tratada no bojo de uma ação civil
pública, que, nos termos da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), possui regramentos
específicos.
O posicionamento do TST foi referendado pelo STF, que também proferiu decisão no sentido de
que a “responsabilização do gestor público por atos de improbidade administrativa não é
competência da Justiça do Trabalho, tal como preconiza o art. 114 da Constituição Federal,
sobretudo porque atos de improbidade administrativa acarretam necessariamente sanções penais,
civis e administrativas, nos termos do que dispõe a Lei 8.429/92”367. Ressalte-se, todavia, que o
STJ, em conflito de competência368, decidiu ser competência da justiça do trabalho processar e
365
ARRUDA, Paulo Germano Costa de. A competência da justiça do trabalho para julgar ato de improbidade
administrativa. Revista trabalhista: direito e processo. Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
Imprenta: Rio de Janeiro, Forense, 2002.
366
Idem.
367
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 713.273, Relatora: Min. Cármen Lúcia, 18 out. 2012.
368
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 136.583 - PR (2014/0266626-4). Trata-se de Conflito de Competência,
instaurado entre o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ora suscitante, e o Juízo da Vara do Trabalho de Telêmaco
Borba/PR, ora suscitado, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Deliberação de Dirigentes Sindicais, ajuizada
por Marcos Augusto Lagos, ora primeiro interessado, contra Wilde José Lemes e outros, ora segundos interessados.
Na petição inicial da aludida Ação, o autor pleiteia a declaração de nulidade dos atos praticados pelos demais membros
da diretoria do "Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Papel, Celulose, Pasta de Madeira para Papel e Papelão
de Telêmaco Borba/PR", que determinaram o seu afastamento do cargo de Diretor Presidente do referido Sindicato,
com a consequente perda do mandato (e-STJ fls. 4/17). O Juízo da Vara do Trabalho de Telêmaco Borba/PR, ora
suscitado, declinou de sua competência para processar e julgar o feito, aduzindo que: a apreciação de tais pretensões
refogem à competência material desta Justiça do Trabalho, na medida em que sendo o sindicato uma associação civil
e não estando a lide subsumida com as relações de trabalho e nem de representação sindical propriamente dita (Art.
114, III, da CF/88), pois não decorrente de atos relacionados à representação sindical voltados aos interesses da
categoria, ou mesmo divergências entre sindicatos quanto a legítima representatividade, pois quanto a isto não há
qualquer controvérsia. Portanto, sendo questão originária de divergências na administração e organização internas do
sindicato, como associação civil, deve ser resolvida perante a Justiça Estadual (fl. 118e). Encaminhados os autos para a
julgar pretensão na qual se postula a perda do mandato de membros da diretoria sindical por ato
de improbidade administrativa, por se tratar de matéria relacionada à representação sindical (art.
Justiça Comum, foi proferida sentença, julgando procedente o pedido do autor (fls. 417/424e). Após a interposição
da Apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná suscitou o presente Conflito (fls. 461/474e), ao argumento de que, em
se tratando de atos praticados por membros da diretoria sindical contra o respectivo presidente e o regular exercício de
suas funções, está em contenda a própria representação interna do Sindicato. Neste sentido, a atual redação do art.
114, III, (conferida pela EC 45/2004) da Constituição Federal abrange as questões de representação externa (citadas
pelo Digníssimo Juiz do Trabalho) e de representação interna (em debate nos presentes autos) (fl. 466e). O Ministério
Público Federal, em seu parecer (fls. 791/793e), manifesta-se pelo conhecimento do Conflito, para declarar a
competência do Juízo da Vara do Trabalho de Telêmaco Borba/PR, ora suscitado. Assiste razão ao Tribunal de Justiça
do Estado do Paraná, ora suscitante. Consoante o judicioso parecer do Ministério Público Federal, discute-se no
presente Conflito sobre o juízo competente para processar e julgar ação proposta por ex-dirigente de sindicato, que
busca a declaração de nulidade de atos praticados pelos demais membros da diretoria que culminaram na perda de seu
mandato. A Emenda Constitucional 45/2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho, atribuindo-lhe o
julgamento de ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos
e empregadores (art. 114, III da CF/88). Em virtude dessa modificação, o STJ firmou o entendimento, em casos como
o dos autos, de que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar litígio concernente à representação
interna de sindicatos, incluindo as matérias relacionadas a destituição de dirigentes. Nesse sentido: "CONFLITO
NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA DO TRABALHO - EC 45/2004 - AÇÃO
CAUTELAR MOVIDA EM FACE DE SINDICATO POR EX-DIRETOR - ART. 114, III, DA CF/88 -
PROCESSO EM FASE DE CITAÇÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. Com a nova
redação do art. 114, III, da Constituição Federal, dada pela EC 45/04, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar
as ações sobre representação sindical, inclusive sobre representação interna, como as relacionadas à escolha de
dirigentes e sobre destituições, bem como causas intersindicais e que envolvam sindicatos e empregadores ou
sindicatos e trabalhadores. 2. A EC 45/2004 se aplica aos processos em curso, deslocando-os de modo imediato, desde
que não exista sentença de mérito proferida. Precedentes do STF e STJ. Conflito de competência conhecido, para
declarar competente o Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Araçatuba-SP, o suscitante" (STJ, CC 64.192/SP, Rel.
Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU de 09/10/2006). "CONFLITO DE
COMPETÊNCIA - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AFASTAMENTO DA DIRETORIA -
REFLEXO NA REPRESENTAÇÃO SINDICAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. Após
a edição da EC 45/2004, as questões relacionadas ao processo eleitoral sindical, ainda que esbarrem na esfera do direito
civil, estão afetas à competência da Justiça do Trabalho, pois se trata de matéria que tem reflexo na representação
sindical. Precedentes. 2. Entendimento que se estende à hipótese de ação de improbidade administrativa, em que se
pretende afastar a diretoria de sindicato, implicando em reflexo na representação sindical. 3. Conflito de competência
provido para declarar competente o Juízo da 6ª Vara do Trabalho de São Luís - MA" (STJ, CC 59.549/MA, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU de 11/09/2006). "PROCESSO CIVIL. CONFLITO
POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES RELACIONADAS À ESCOLHA DE DIRIGENTES SINDICAIS.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO TRABALHO. 1. Conflito positivo de competência suscitado em 2008, visando
à definição do Juízo competente para o processamento de ações que versam a escolha de dirigentes sindicais. 2. 'Após
a Emenda Constitucional 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a deter competência para processar e julgar não só as
ações sobre representação sindical (externa - relativa à legitimidade sindical, e interna - relacionada à escolha dos
dirigentes sindicais), como também os feitos intersindicais e os processos que envolvam sindicatos e empregadores ou
sindicatos e trabalhadores (CC 48.891/PR, Rel. Min. Castro Meira, 1ª Seção, DJ de 01/08/2005). 3. Conflito de
competência conhecido para declarar a competência do Juízo do Trabalho" (STJ, CC 113.723/SP, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 19/08/2014). Ante o exposto, com fundamento no art. 120,
caput, do CPC, conheço do Conflito, para declarar a competência do Juízo da Vara do Trabalho de Telêmaco
Borba/PR, ora suscitado. (STJ – CC: 136583 PR 2014/0266626-4, Relator: Ministra Assusete Magalhães, DJ
02/06/2015).
114, III, CR/88). No mesmo sentido, foi a decisão da SDI-II do TST, que seguindo o precedente
do STJ, definiu ser competência da justiça especializada apreciar as diferentes causas relacionadas
à representatividade sindical.369
4. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
ORIENTAÇÃO N. 1. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para investigar e
processar na Justiça do Trabalho questões que envolvam a terceirização na Administração Pública,
independentemente da existência de regime jurídico para o provimento dos cargos efetivos objetos
da terceirização. As investigações e processos judiciais podem tratar de todas as fases do contrato
respectivo, sua execução e fiscalização pela Administração Pública, bem como dos editais que
eventualmente os precedam.
ORIENTAÇÃO N. 2. Cabe ao Ministério Público do Trabalho atuar no sentido de coibir as
ascensões funcionais mediante provimento derivado, nas situações de empregos públicos,
requerendo, na Justiça do Trabalho, a reversão ao emprego anterior e a declaração de nulidade do
progresso funcional.
ORIENTAÇÃO N. 3. Alteração de competência. Execução de TAC firmado por outro ramo do
Ministério Público. No caso de alteração de competência ou atribuição ministerial, o Termo de
Ajuste de Conduta firmado perante outro Ministério Público pode ser executado na Justiça do
Trabalho, desde que o seu objeto seja ratificado e referendado unilateralmente e expressamente
pelo membro do Ministério Público do Trabalho designado para atuar no caso concreto.
369
"PRETENSÃO RESCISÓRIA FUNDAMENTADA NO ARTIGO 485, II, DO CPC/1973.
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Cuida-se, no processo
anterior, de ação civil pública em que pleiteada a condenação por improbidade administrativa, ajuizada pelo MPT em
face dos membros da diretoria do Sindicato dos Empregados no Comércio de Derivados do Petróleo, Postos de
Lavação e Lubrificação, Borracharias e Similares da Região Sul de Santa Catarina. 2. A pretensão rescisória calcada em
incompetência absoluta (art. 485, II, do CPC de 1973) somente se viabiliza nas hipóteses em que a incompetência da
Justiça do Trabalho revela-se manifesta, fácil e objetivamente evidenciada, à luz das regras legais e constitucionais
aplicáveis. 3. Diferentemente do exposto no recurso ordinário, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações
de improbidade administrativa decorrentes de atos praticados por dirigentes sindicais, por se tratar de matéria
relacionada à representação sindical, cuja apreciação é atribuída a esta Justiça Especializada, nos termos do artigo 114,
III, da CF (com a redação dada pela EC 45/2004). Precedente da SBDI-2/TST e julgado do STJ em Conflito de
Competência. 4. As Turmas do TST, igualmente, vêm reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho para
apreciar as diferentes causas relacionadas à representatividade sindical. Precedentes. 5. Muito embora o TST
reconheça, em vários julgados, a incompetência da Justiça do Trabalho em casos que versam sobre atos de improbidade
praticados por agentes ou gestores públicos, essa não é a hipótese dos autos, pois examinadas, na ação primitiva,
irregularidades atribuídas a dirigentes sindicais. 6. Não há falar, portanto, em incompetência do juízo prolator da
decisão rescindenda, em ordem a autorizar o deferimento do corte rescisório calcado no artigo 485, II, do CPC de
1973" (RO-1035-
-20.2012.5.12.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar
Rodrigues, DEJT 04/10/2019).
ORIENTAÇÃO N. 4. ADI 3395. Empresas Estatais. Cabe ao Ministério Público do Trabalho
investigar e processar empresas estatais e suas subsidiárias, inclusive em questões que tratem da
nulidade dos contratos de trabalho, empregos em comissão, funções de confiança ou cargos com
nomenclaturas afins.
ORIENTAÇÃO N. 5. ADI 3395. Atuação Extrajudicial do MPT. Conforme posição adotada
pelo Supremo Tribunal Federal na Reclamação n. 5976, a atividade investigativa do Ministério
Público do Trabalho e os Termos de Ajuste de Conduta já firmados, antes ou depois da referida
decisão cautelar, ou que venham a ser firmados, não se compreendem na abrangência do quanto
decidido cautelarmente na ADI 3.395-MC, haja vista que não sendo causa, não se compreende no
objeto da decisão paradigma da ADI MC 3.395, relativa à demarcação de competências
jurisdicionais entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum.
ORIENTAÇÃO N. 6. Meio Ambiente do Trabalho. Cabe ao Ministério Público do Trabalho
investigar e processar questões que tratem do cumprimento, pela Administração Pública, das
normas relativas ao meio ambiente do trabalho, independentemente do regime jurídico, sendo as
normas regulamentadoras expedidas pelo Ministério da Economia aplicáveis à Administração
Pública Direta e Indireta. OBS: Houve a substituição do “Ministério do Trabalho” pelo
“Ministério da Economia”, pois o primeiro passou a integrar a estrutura do segundo.
ORIENTAÇÃO N. 7. Meio Ambiente do Trabalho. Assédio Moral – Administração Pública
Direta e Indireta. Cabe ao Ministério Público do Trabalho investigar e processar questões que
tratem da prática de assédio moral organizacional na Administração Pública Direta e Indireta,
independentemente do regime jurídico de trabalho, uma vez que a ofensa se relaciona ao meio
ambiente do trabalho.
ORIENTAÇÃO N. 8. SUBSTITUIÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO POR
TERCEIRIZADO. IMPOSSIBILIDADE. Não é possível a substituição de servidor público por
terceirizado, em atividade inserida na estrutura de provimento efetivo do tomador, por importar
em mera intermediação de mão de obra.
ORIENTAÇÃO N. 9. Terceirização. Limpeza urbana. Possibilidade. É possível a terceirização
do serviço público de limpeza urbana, desde que feita por empresa especializada e que possua meios
materiais para a execução dos serviços contratados, sendo vedada em qualquer hipótese a mera
intermediação de mão-de-obra.
ORIENTAÇÃO N. 10. Lei de Responsabilidade Fiscal e concurso público. A Lei de
Responsabilidade Fiscal (LCP 101/2000) não se presta a justificar a contratação sem concurso
público. OBS: Foi corrigido erro material, quanto ao ano de publicação da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
ORIENTAÇÃO N. 11. Cabe a execução do TAC ou de decisão judicial, mesmo que a
Assembleia Legislativa ou Câmara Municipal se recuse a aprovar a lei criando os cargos e empregos
públicos.
ORIENTAÇÃO N. 12. Cabe ao Ministério Público do Trabalho investigar situações de
precarização das relações de trabalho decorrentes da utilização de Organizações Sociais (OS’s) ou
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip’s) por entes da Administração
Pública, sendo possível se apurar a corresponsabilidade do ente público por danos trabalhistas
sofridos por empregados das OS’s e Oscip’s.
ORIENTAÇÃO N. 13. Não obstante as alterações previstas pela Lei n. 13.467/2017, permanece
vedada a intermediação de mão de obra na Administração Pública direta e indireta, haja vista a
obrigatoriedade de contratação de pessoal por concurso público prevista no art. 37, II, da
CRFB/1988.
ORIENTAÇÃO N. 14. A contratação de trabalhadores temporários com fundamento na Lei n.
13.429/2017, no âmbito das empresas estatais e suas subsidiárias, apenas pode ocorrer em caráter
excepcional, emergencial e provisório, tendo em vista o teor do art. 37, II, da CRFB/1988.
ORIENTAÇÃO N. 15. Estágio. Necessidade de processo seletivo que observe os princípios da
Administração Pública. É possível a empresas estatais e suas subsidiárias contratar estagiários, desde
que a contratação se dê por processo seletivo e seja observada a legislação específica.
ORIENTAÇÃO N. 16. Conselhos Profissionais. Necessidade de concurso público. Os
conselhos de fiscalização profissional estão submetidos ao regime constitucional do concurso
público. Relativamente aos contratos de trabalho firmados sem concurso público a partir de
5/10/1988, serão considerados nulos apenas os celebrados a partir da publicação do acórdão do
MS n. 21797-9 do E. STF. (18.05.2001).
ORIENTAÇÃO N. 17. Cabe ao Ministério Público do Trabalho suscitar a inaplicabilidade da
Orientação Jurisprudencial n. 247 da SDI-1 DO TST, quando ocorrer dispensa imotivada de
empregado público concursado, em especial quando ocorrer violação aos princípios da
impessoalidade e moralidade que regem a Administração Pública, sem prejuízo do pedido
administrativo de revisão da Orientação Jurisprudencial com base no Precedente do STF no RE
589.998-PI.
ORIENTAÇÃO N. 18. ASSÉDIO POLÍTICO E ELEITORAL. ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. O Ministério Público do Trabalho é parte legítima para
coibir o assédio político e eleitoral, praticado por agente público e equiparado, independentemente
do vínculo jurídico, da modalidade de que se revista (horizontal ou vertical) e do número de
trabalhadores atingidos. A atuação do MPT visa tutelar o meio ambiente do trabalho, incluindo o
risco psicossocial, para a proteção dos direitos políticos e de cidadania, os quais constituem
interesse público. O MPT deve buscar, dentre outras providências, a retratação cabal, a cominação
de obrigações de fazer e não fazer, o pagamento de indenizações e quaisquer outras medidas
apropriadas à reconstituição dos bens jurídicos lesados.
5. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO
ARRUDA, Paulo Germano Costa de. A competência da justiça do trabalho para julgar ato de
improbidade administrativa. Revista trabalhista: direito e processo. Associação Nacional dos
Magistrados do Trabalho (Anamatra). Imprenta: Rio de Janeiro, Forense, 2002.
CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
CAVALHEIRO, Ruy Fernando Gomes Leme. A ADI nº 3395, a competência da JT e as
atribuições do MPT. In: CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do
Ministério Público do Trabalho. Vol. 02. Salvador: Juspodivm, 2015.
DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Os limites constitucionais da
terceirização. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.
KLUGE, Cesar Henrique; TURA, Marco Antônio Ribeiro; SILVA JÚNIOR, Paulo Isan
Coimbra da. Atividade-Fim: Manual de Atuação da Coordenadoria Nacional de Combate às
Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública. Ministério Público do Trabalho. Brasília:
2014.
CAPÍTULO VI - CONAFRET – COORDENADORIA NACIONAL DE
COMBATE ÀS FRAUDES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
1. SOBRE A COORDENADORIA
A COORDENADORIA NACIONAL DE COMBATE ÀS FRAUDES NAS RELAÇÕES DE
TRABALHO foi instituída em 2003, diante da necessidade de inibir fraudes nas relações de
emprego e combater o desvirtuamento da aplicação dos direitos trabalhistas previstos na CF, CLT
e demais leis esparsas.
As principais áreas de atuação da coordenadoria são: combate às fraudes por meio de cooperativas
intermediadoras de mão de obra, terceirizações irregulares; “pejotização”, fraudes por meio de
contratos civis, estágio, “socialização” de empregados, trabalho intermitente, tribunal arbitral.
2. PRINCIPAIS TIPOS DE FRAUDES TRABALHISTAS
2.1. Pejotização370
Como elucida Célia Regina Camachi Stander, o termo “pejotização” constitui um neologismo
originado da sigla PJ, a qual é utilizada para designar a expressão pessoa jurídica. Por meio do
processo de pejotização, o empregador exige que o trabalhador constitua uma pessoa jurídica
(empresa individual) para a sua admissão ou permanência no emprego, formalizando-se um
contrato de natureza comercial ou civil, com a consequente emissão de notas fiscais pelo
trabalhador, não obstante a prestação de serviços revelar-se como típica relação empregatícia.
Conquanto a pejotização encontre-se presente em diversos setores econômicos e ramos de
atividade, há alguns setores emblemáticos, nos quais esse procedimento fraudulento encontra-se
amplamente empregado, como nas áreas hospitalar, de informática, indústria de entretenimento
(cinema, teatros, eventos) e de veículos de comunicação. Nas mais diversas empresas de
comunicação (escrita, radiofônicas, televisivas e veículos de comunicação virtual), tornou-se a
tônica a contratação de jornalistas, apresentadores de TV, artistas etc. por meio de empresas
individuais abertas somente para a prestação dos respectivos serviços, que se desenvolvem com
pessoalidade, subordinação, onerosidade, habitualidade, alteridade, nos termos dos artigos 2º e 3º
da CLT, até porque constituem típicas atividades-fim, essenciais ou permanentes dessas entidades.
Trata-se de expediente fraudulento também utilizado para a contratação de empregados ocupantes
de altos cargos nas empresas.
Com vistas em conceder ares de legalidade a esta prática, por lobby de entidades interessadas, foi
promulgada a Lei 11.196/2005, cujo artigo 129 dispõe, in verbis:
370
Retirado de: SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraudes nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. In:
Boletim Científico do MPU, n. 28 e n. 29 – Julho/Dezembro de 2008.
Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza
científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de
quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta
realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da
observância do disposto no art. 50 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
Em relação ao referido dispositivo legal são aplicáveis as mesmas observações a respeito do
parágrafo único do art. 442 da CLT, uma vez que, o sistema de relações de trabalho brasileiro,
por meio do contrato-realidade (CLT, arts. 2º e 3º), concede uma rede de proteção social a todos
aqueles que prestem serviços com pessoalidade, habitualidade, continuidade, onerosidade e
alteridade, imputando o vínculo de emprego diretamente ao tomador dos serviços,
independentemente da configuração jurídica dada à relação ou da forma de contratação do
empregado.
O art. 129 da Lei n. 11.196/2005 deve ser interpretado sistematicamente com as demais normas
do ordenamento jurídico brasileiro, não possuindo o condão de afastar o reconhecimento do
vínculo de emprego entre o trabalhador – contratado sob o manto de pessoa jurídica – e o
empregador. Ademais, referido preceito legal é flagrantemente inconstitucional por violação do
princípio da igualdade insculpido no artigo 5º, I, e no artigo 7º, XXX e XXXII, ambos da CF/88,
e este último dispositivo constitucional é peremptório ao prescrever a “proibição de distinção entre
trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”, pois, presentes os
requisitos da relação de emprego, é indiferente para a configuração da relação de emprego o
exercício ou não de atividade intelectual.
A aferição legal da condição intelectual do empregado como forma de afastamento do vínculo de
emprego, per si, não encontra guarida na nossa ordem constitucional, sendo manifestamente
inconstitucional o art. 129 da Lei n. 11.196/2005, por consistir em preceito discriminatório,
violador do artigo 7º, XXXII, da CF/88 e dos demais preceitos consagradores do princípio da
igualdade.
A contratação irregular de trabalhadores por intermédio da constituição de pessoa jurídica não se
confunde com a terceirização de atividades da empresa principal, nos moldes configurados
pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. No processo de pejotização, o empregado
encontra-se subordinado ao empregador, prestando serviços com todos os requisitos da relação de
emprego; o trabalhador pode até exercer uma atividade específica, mas a sua especialização
confunde-se com as atividades finalísticas do empregador, sendo geralmente este o prestador dos
respectivos serviços especializados a terceiras empresas (tomadoras); embora o trabalhador detenha
conhecimentos técnicos, o know-how do desenvolvimento das atividades é determinado pelo
empregador, que detém todo o controle da prestação de serviços; a pessoa jurídica não detém o
capital e/ou os meios materiais para a realização dos respectivos serviços, que são fornecidos pelo
empregador, diretamente ou por meio das empresas tomadoras dos seus serviços; a pessoa jurídica
geralmente presta serviços exclusivos para o empregador, com a geração de uma dependência
econômica, uma vez que todos os ganhos são aferidos na condição de remuneração do labor, tendo
natureza salarial, conquanto o empregado seja obrigado à emissão de notas fiscais; a pessoa jurídica
não possui a assunção de riscos econômicos, pois estes estão concentrados na entidade
empregadora, sendo esta que atua verdadeiramente no mercado.
2.2. Socialização371
Consiste o contrato de sociedade no instituto jurídico pelo qual determinadas pessoas se obrigam
a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de uma atividade econômica e a partilhar entre
si os resultados (CC, art. 981).
O principal aspecto que o distingue do contrato de trabalho é a affectio societatis, ou seja, o espírito
de comunhão e a identidade de interesses entre os sócios, que se configura pelo compartilhamento
dos lucros e perdas. Trata-se de um elemento subjetivo ausente no contrato de trabalho, no qual o
empregado não assume os riscos do empreendimento, sendo que a sua participação figura no
campo da contraprestação e não da associação. Por outro lado, o elemento subordinação é inerente
à relação de emprego, pois exsurge diretamente do poder diretivo do empregador, não se
verificando no contrato de sociedade, no qual os poderes decisórios são distribuídos conforme a
participação social de cada membro ou de acordo com aquilo voluntariamente por eles deliberado
e constante do contrato social da entidade.
Entretanto, dentro da análise da linha evolutiva da fraude, paralelamente ao processo de
“pejotização”, vem ganhando cada vez mais foro a denominada “socialização” dos trabalhadores,
isto é, a contratação dos trabalhadores como sócios da própria empresa empregadora, não obstante
o suposto sócio realizar materialmente suas atividades com todas as características da relação de
emprego. Por meio da socialização, o trabalhador é materialmente inserido na estrutura orgânica
da empresa com todos os requisitos da relação de emprego e formalmente inserido no contrato
social do empreendimento na condição de sócio minoritário.
Como assinala Maurício Godinho Delgado, embora não sejam, em princípio, incompatíveis as
figuras de sócio e de empregado, que podem ser sintetizadas numa mesma pessoa física (como nas
371
Retirado de: SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraudes nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. In:
Boletim Científico do MPU, n. 28 e n. 29 – Julho/Dezembro de 2008.
sociedades anônimas, sociedades limitadas ou comanditas por ações), a dinâmica judicial
trabalhista vem registrando o uso do contrato de sociedade como instrumento simulatório, com o
intuito de transparecer, formalmente, uma situação fático-jurídica de natureza civil/comercial,
conquanto oculte uma efetiva relação empregatícia.
A socialização de empregados revela um grau de sofisticação da fraude nas relações de trabalho,
tendo em vista que o empregador insere materialmente o trabalhador numa relação empregatícia
e, concomitantemente, concede-lhe o status de sócio, com a sua inclusão no contrato social da
empresa. Esse tipo de fraude geralmente ocorre em atividades exercidas por profissionais
qualificados – muitos dos quais outrora eram predominantemente profissionais liberais –
(advogados, médicos, arquitetos, veterinários, fisioterapeutas etc.) ou em atividades especializadas
(radiologias), cuja formação técnica pressupõe qualificação e cujo grau de conhecimento torna
mais plausível a sua inserção fraudulenta como sócio.
A transformação de trabalhadores em sócios geralmente ocorre em entidades empresariais menores
(empresas de radiologia, clínicas de fisioterapia, clínicas veterinárias, escritórios de arquitetura
etc.), e os proprietários do negócio figuram como sócios majoritários no contrato social, com
detenção de quase todas as cotas do capital social, e os demais trabalhadores aparecem como
detentores de cotas irrisórias, que lhes retiram qualquer poder decisório ou de participação real na
administração da empresa e no direcionamento dos negócios. Os trabalhadores contratados por
essa forma dissimulada de sociedade limitam-se à prestação pessoal de serviços sob o controle e
direção dos sócios majoritários. Importante assinalar que, ordinariamente, esses sócios majoritários
possuem a mesma qualificação profissional dos sócios-trabalhadores (radiologistas, advogados,
engenheiros etc.), circunstância que concede uma fictícia presença do affectio societatis, tendo em
vista o exercício da mesma atividade profissional entre os empregadores (sócios majoritários) e os
empregados (sócios minoritários).
O próprio contrato social dessas entidades demonstra a subserviência dos sócios-trabalhadores aos
verdadeiros empregadores – os sócios majoritários –, uma vez que esses estatutos jurídicos são
permeados por disposições leoninas, que retiram qualquer possibilidade de ingerência na
administração da sociedade ou do exercício do poder decisório pelos sócios-trabalhadores. Entre
outros aspectos, essa submissão é demonstrada pela presença de cláusulas que relegam a deliberação
final de qualquer medida administrativa ou empresarial à aprovação dos sócios majoritários, como
o ingresso de novos sócios, a preferência (e/ou exclusividade) na compra das cotas dos sócios
majoritários que queiram retirar-se da sociedade, a tomada de medidas disciplinares e a adoção de
sanções contra os demais sócios etc. Tais cláusulas demonstram a pessoalidade e a subordinação da
prestação de serviços dos sócios-trabalhadores.
A hierarquia societária presente no contrato social é uma expressão formal da hierarquia
subordinativa que envolve a prestação pessoal de serviços dos empregados contratados sob o falso
manto de sócios da entidade empresarial:
Vínculo de emprego. Sócio cotista minoritário – Fraude – Não pode ser considerado sócio, mas
autêntico empregado, aquele que detém participação mínima no capital da sociedade,
especialmente quando não restou demonstrado nos autos qualquer tipo de gestão na atividade
empresarial, revelando, ainda, os autos o labor como empregado antes e após o período consignado
no contrato social (TRT 3ª Região, Recurso Ordinário, Processo n. 211.2007.001.03.00-7, 1ª
Turma, rel. juíza Maria Laura Franco Lima de Faria, DJMG de 20.6.2008).
Em determinadas situações, a presença de um relativo grau de autonomia dos sócios minoritários
na execução dos serviços pode capitular uma zona gris, devendo-se analisar os demais aspectos
jurídico-materiais do caso concreto para concluir-se sobre a presença do vínculo empregatício, pois
não é incomum, mesmo em determinadas relações de emprego, que trabalhadores qualificados
exerçam a prestação de serviços com uma contingencial liberdade organizacional, até porque,
como assinalado alhures, na maior parte dos casos de contratação irregular de trabalhadores como
sócios, aqueles possuem a mesma qualificação profissional destes últimos. Nessas hipóteses, a mera
condição de sócio minoritário no contrato social, com a concentração de todos os poderes
decisórios nas pessoas dos sócios majoritários constitui indício da existência de uma subordinação
empregatícia, sendo, em determinadas situações, elemento suficiente para o reconhecimento do
vínculo de emprego, ou, no mínimo, um fator de inversão do ônus da prova, sujeitando o
empregador, in casu, ao encargo de provar a inexistência da relação de emprego vindicada em juízo
pelo trabalhador.
A análise das disposições do contrato social da entidade é fundamental para a caracterização da
fraude, uma vez que, como não se trata de uma autêntica relação societária, o real empregador
(sócio majoritário), de modo algum, poderá repartir poderes com os trabalhadores ilicitamente
constantes do quadro societário, obrigando o trabalhador a aceitar a inserção de cláusulas leoninas
de concentração de poderes na pessoa do real empregador e que possibilitem o controle sobre os
demais sócios.
Nesse tipo de expediente fraudatório, os sócios-trabalhadores retiram pro labore simplesmente
para formalização da fraude, sendo a onerosidade do seu trabalho calculada geralmente pelas horas
trabalhadas. Diferentemente dos sócios majoritários, os trabalhadores não auferem parte dos
lucros obtidos pela sociedade, sendo limitados ao recebimento de pro labore. Porém, referidas
parcelas não se confundem, os lucros são obtidos em razão do capital investido, calculado sobre a
cota societária, independentemente do efetivo labor do sócio, ao passo que o pro labore apenas
remunera o trabalho realizado. A retirada de lucros, quando existente, restringe-se a valores
ínfimos, não refletindo a existência de uma verdadeira sociedade em razão da desigualdade entre as
partes, típica da relação de emprego.
A transmutação irregular da relação material de emprego em relação formal de sociedade pode
ocorrer em qualquer fase do contrato de trabalho; conquanto geralmente ocorra ab initio da
contratação do trabalhador, não têm sido raras as situações em que trabalhadores são inseridos
irregularmente no contrato social da empresa como sócio minoritário no decorrer da relação de
emprego:
Sócio – Não configuração – Vínculo de emprego – Evidenciado nos autos que o autor, após ter
sido contratado como empregado, veio a fazer parte do quadro societário da empresa/reclamada,
continuando a exercer a mesma função e em iguais condições, tem-se que sua inclusão
como sócio teve por escopo apenas mascarar a continuidade do liame empregatício. Reconhece-se
a fraude, nos termos do art. 9º da CLT, assim como a unicidade contratual (TRT 3ª Região,
Recurso Ordinário, Processo n. 00856.2006.067.03.00-0, rel. juíza Maria Cristina Diniz
Caixeta, DJMG de 1º.9.2007).
A condição de sócio, como excludente da relação empregatícia, requer prova contundente de que
o empregado, por livre iniciativa, inseriu-se na composição societária da entidade empresarial, com
a participação efetiva no capital social e na gestão do negócio, na assunção dos riscos do
empreendimento e no usufruto dos lucros e rendimentos, independentemente do labor por ele
realizado.
2.3. Terceirização ilícita ou abusiva372
Atualmente, o que torna uma terceirização ilícita? Ou seja, quais são os requisitos de validade do
Contrato de Prestação de Serviços a terceiros?
Com as modificações legislativas introduzidas na Lei nº 6.019/74, tornaram-se irrelevantes, para
aferição da validade da terceirização, a análise de centralidade ou de acessoriedade da
atividade na dinâmica empresarial da empresa Contratante, pois atualmente, como se sabe,
qualquer atividade da empresa, seja ela principal ou acessória, pode ser transferida a terceiros, desde
372
Retirado de: MIZIARA, Raphael; PINHEIRO, Iuri. Manual da terceirização: teoria e prática. 2. ed. Salvador:
Juspodivm, 2020.
que atendidos certos requisitos formais e substanciais do contrato, já exaustivamente analisados
acima.
Com os parâmetros normativos dados pela Súmula nº 331 do TST, a atuação ministerial
centrava-se na perquirição da natureza da atividade desempenhada pelo trabalhador terceirizado,
se incluída ou não na finalidade da produção empresarial. Agora, com a terceirização ampla, a
distinção entre fim e meio da atividade é inócua. Passa a ser basilar para descobrir a retidão da
prestação de serviços a terceiros a análise da presença dos elementos caracterizadores do vínculo de
emprego, como ainda estabelecem os arts. 2º e 3º da CLT.373
A CONAFRET – Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes Nas Relações de Trabalho do
MPT editou, já em data posterior a essas modificações, algumas Orientações, cujo objetivo é balizar
o entendimento do órgão acerca do contrato de prestação de serviços a terceiros, bem como para
apresentar critérios para subsidiar a investigação acerca legalidade da terceirização.
Merece destaque a Orientações 16 da CONAFRET, que dispõe que a validade da prestação de
serviço a terceiros está condicionada ao cumprimento de três requisitos: 1. efetiva transferência da
execução de atividades a uma empresa prestadora de serviço, como objeto contratual; 2. execução
autônoma da atividade pela empresa prestadora, nos limites do contrato de prestação de serviço; e,
3. capacidade econômica da empresa prestadora, compatível com a execução do contrato.
Ausentes quaisquer desses requisitos, desvirtua-se a prestação de serviço, configurando-se
intermediação ilícita de mão de obra (art. 9º da CLT), com consequente reconhecimento de
vínculo de emprego entre os trabalhadores intermediados e a empresa contratante do serviço.
Por sua vez, as Orientações 17, 18 e 19 explicam cada um dos três requisitos acima, da seguinte
forma, verbis:
Orientação 17/CONAFRET
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITO DE VALIDADE:
EFETIVA TRANSFERÊNCIA DA EXECUÇÃO DA ATIVIDADE. A transferência da
execução da atividade por meio de contrato de prestação de serviço, na forma do art. 4º-A da Lei
6.019/1974, com redação conferida pela Lei 13.467/2017, pressupõe autonomia formal,
administrativa, organizacional, finalística e operacional da empresa contratada, à qual cabe exercer
com exclusividade o controle do processo de produção da atividade, sem interferência da
contratante, mera credora do serviço como resultado útil, pronto e acabado. Configura fraude ao
373
CAMARGO NETO, Rubens Bordinhão de. Terceirização ilícita e atuação do Ministério Público do Trabalho
em face da “reforma” trabalhista. In: Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 279-303 – jan./jun. 2019.
p. 292.
regime de emprego o uso de contrato de prestação de serviço para transferência de vínculos formais
de emprego à empresa contratada, sem efetiva transferência da execução da atividade.
Orientação 18/CONAFRET
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITO DE VALIDADE:
AUTONOMIA NA EXECUÇÃO DA ATIVIDADE. No contrato de prestação de serviço, de
que trata o art. 4º-A, caput, da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017, a execução
autônoma da atividade por empresa prestadora de serviço pressupõe: (a) que a empresa prestadora
contrate e remunere os empregados necessários à execução da atividade, exercendo com
exclusividade a direção de seu trabalho (art. 4º-A, § 1º); e (b) que a empresa contratante se abstenha
de utilizar a mão de obra contratada pela prestadora de serviço para finalidade distinta da prevista
no contrato (art. 5º-A, § 1º). A presença de subordinação pessoal ou estrutural de trabalhador
intermediado à empresa contratante descaracteriza a prestação de serviço, ensejando
reconhecimento de vínculo de emprego (art. 9º da CLT).
Orientação 19/CONAFRET
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITOS DE VALIDADE:
CAPACIDADE ECONÔMICA DA PRESTADORA. A capacidade econômica da empresa
prestadora de serviço, compatível com a execução do contrato, nos termos do art. 4º-A da Lei n.
6.019/1974, deve ser aferida pela contratante e não se restringe à observância do capital social
mínimo exigido pelo art. 4º-B, inciso III, que é mero requisito de funcionamento. Consiste na
situação econômica positiva para cumprir todos os compromissos decorrentes da atividade
contratada, pressupondo: (a) pactuação de preço do serviço compatível com os custos operacionais
(comerciais, trabalhistas, previdenciárias, tributárias etc.); e (b) inexistência de passivo comercial,
trabalhista, previdenciário e/ou fiscal, decorrente de outro(s) contrato(s), que constitua risco ao
adimplemento contratual.
De seu turno, ao tratar da perda da capacidade econômica superveniente da EPS, as Orientações
20 e 21 rezam que:
Orientação 20/CONAFRET
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITOS DE VALIDADE.
PERDA DA CAPACIDADE ECONÔMICA DA EMPRESA PRESTADORA DE
SERVIÇO. INVALIDADE CONTRATUAL SUPERVENIENTE. A perda da capacidade
econômica da empresa prestadora de serviço enseja invalidade contratual superveniente, com
consequente caracterização de vínculo de emprego entre os trabalhadores intermediados e a
empresa contratante, caso esta não adote posturas para preservar o adimplemento contratual, tais
como: (a) a readequação do preço do serviço, sempre que se mostrar defasado, para garantir o
equilíbrio econômico do contrato; (b) exigir da empresa contratada garantia bastante para
satisfação das obrigações contratuais (art. 477 do Código Civil) ou (c) promover a resolução do
contrato por inadimplemento (art. 475 do Código Civil).
Orientação 21/CONAFRET
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO VÁLIDO. INADIMPLEMENTO DE
DIREITOS TRABALHISTAS PELA EMPRESA PRESTADORA.
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA EMPRESA CONTRATANTE. Presentes os
requisitos de validade do contrato de prestação de serviço, o inadimplemento de direitos
trabalhistas pela empresa prestadora enseja responsabilidade subsidiária da empresa contratante,
independente de culpa (art. 5º-A, § 5º, da Lei n. 6.019/1974). O inadimplemento decorrente de
ausência ou perda de capacidade econômica da empresa prestadora enseja invalidação do contrato
de prestação de serviço, por inobservância de requisito de validade (art. 4º-A, caput, da Lei
6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017), configurando intermediação ilícita de mão
de obra.
Para a CCR, o “contrato de prestação de serviços” deve preencher cumulativamente os seguintes
requisitos de validade:
a) ter a efetiva transferência da execução da atividade à prestadora como objeto central do
contrato formal/escrito de prestação de serviços;
b) a prestadora deve manter autonomia formal, organizacional, administrativa e finalística na
execução dos serviços, nos limites do contrato de prestação de serviços;
c) a prestadora deve manter durante toda a vigência do contrato de prestação de serviços
capacidade econômico-financeira para sua execução;
d) não pode haver subordinação clássica ou subordinação estrutural, também chamada
subordinação integrativa ou parassubordinação, entre os empregados da prestadora e os
prepostos/empregados da contratante/tomadora.
Desse modo, para o MPT, será ilícita a terceirização quando qualquer das circunstâncias se
fizerem presentes:
a) ausência de efetiva transferência da execução da atividade para Empresa Prestadora de Serviços
a terceiros, pois cabe a ela exercer, com exclusividade, o controle do processo de produção da
atividade, sem interferência da contratante, mera credora do serviço como resultado útil, pronto e
acabado. E, como visto, restará configurada a fraude ao regime de emprego o uso de contrato de
prestação de serviço para transferência de vínculos formais de emprego à empresa contratada, sem
efetiva transferência da execução da atividade. Assim, não se admite, sob pena de tornar ilícita a
terceirização, qualquer ingerência da Contratante (Empresa-cliente) na escolha dos empregados da
Empresa Prestadoras dos Serviços, pois isso afetaria a autonomia da EPS;
b) presença de subordinação jurídica do empregado da EPS à empresa Contratante;
c) incapacidade econômica, atual ou superveniente, da Empresa Prestadora de Serviços a terceiros.
De nossa parte, concorda-se que a EPS deve ter autonomia para prestação dos serviços e que haja
efetiva transferência da atividade. No entanto, é preciso registrar que pode haver certo controle de
qualidade e algum direcionamento ou ingerência sobre o rumo dos serviços, o que é absolutamente
aceitável, sem que com isso reste descaracterizada a licitude da terceirização.
Igualmente, de fato, a EPS deve manter durante toda a vigência do contrato de prestação de
serviços capacidade econômico-financeira para sua execução.
Por fim, importante acrescentar um quinto requisito que deve estar ausente para não
desvirtuamento da terceirização: ausência de desvio de finalidade quanto ao objeto dos serviços
contratados. Assim, por exemplo, não poderá o contrato de prestação de serviços prever que o
objeto será limpeza e, no decorrer do contrato, transmudar-se informalmente para segurança.
A propósito, esse requisito de validade está previsto no art. 5º-A, § 1º, da Lei nº 6.019/74, ao dispor
que “é vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que
foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços”.
A normatividade que se extrai desse dispositivo foi a de evitar a utilização indiscriminada dos
trabalhadores, pela contratante, em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato
com a empresa prestadora de serviços, evitando-se, inclusive, eventual desvio de função. Portanto,
não se admite a terceirização, pela empresa contratante, de atividades sem prévia determinação e
especificação contratual.
Logo, caso haja a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto
do contrato com a EPS configurada estará a situação de ilicitude e, por consequência, a formação
do vínculo diretamente com a empresa contratante.
Por fim, entendemos que também tornará ilícita a terceirização – sexto requisito – a ausência de
qualquer requisito formal para contratação, como, por exemplo, a inobservância dos
requisitos para o funcionamento da Empresa Prestadora de Serviços (registro na Junta Comercial;
inscrição no CNPJ; Capital Social mínimo que, embora seja um requisito formal para o seu
funcionamento, se ausente, também torna ilícita a terceirização).
Em resumo, esquematicamente, os requisitos de validade da terceirização podem ser assim
dispostos:
REQUISITOS DE VALIDADE OU LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO
DE SERVIÇOS
2. Autonomia formal, organizacional, administrativa e finalística na execução dos serviços pela EPS, nos
limites do contrato de prestação de serviços.
5. Manutenção pela EPS, durante toda a vigência do contrato de prestação de serviços, da capacidade
econômico-financeira para sua execução.
6. Observância de todos os requisitos formais para a contratação, bem como do art. 104 do Código Civil.
374
ALONSO OLEA, Manuel. Introducción al derecho del trabajo. Sexta Edición, Editorial Civitas, Madrid 2002. p.
75. Essa é também a visão de Américo Plá Rodriguez, que assinalou: “Lo esencial y definitivo del Trabajo por
cuenta ajena está en la atribución originaria, en que los frutos, desde el momento mismo de su producción,
pertenecen a otra persona, nunca al trabajador” (PLÁ RODRÍGUEZ, Américo. A propósito de las fronteras del
Derecho del Trabajo. In: Estudios sobre Derecho Laboral. Homenaje a Rafael Caldera. Tomo I. Universidad Católica
Andrés Bello. Editorial Sucre. Caracas 1977. p. 327).
375
SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 82.
376
A doutrina brasileira muitas vezes, equivocadamente, trem tratado a “ajenidad” como sinônimo de princípio da
alteridade. Em verdade, “trabajo por cuenta ajena” (ajenidad) em nada se cunfunde com “alteridade”. Esta última
deriva do latim “alter”, que significa “outro”. Logo, alteridade não significa trabalho por conta alheia, mas sim trabalho
em benefício de outrem. É uma característica da relação de trabalho pela qual o trabalho é prestado em benefício de
outro (o empregador), em troca de salário. Essa é a percepção de Bayon Chacon e Perez Botija, in: Manual de derecho
del trabajo. volumen I. Madrid: Marcial Pons, 1974. p. 11 e 16.
377
idem. ib idem.
el trabajador sea afectado por el mismo, ni exista, pues, paticipación suya em el riesgo
económico”.378
Por fim, na “ajenidad” do mercado, segundo Manuel-Ramón Alarcón Caracuel, citado por Lorena
Porto, ocorre a desconexão jurídica entre o trabalhador e o destinatário final do produto de seu
trabalho, pois entre eles está a figura do empregador. É dizer, no trabalho autônomo há uma
bipolaridade entre o consumidor e o trabalhador autônomo. Já na relação de emprego, fala-se em
tripolaridade, pois o fruto do trabalho do empregado, ao ser colocado no mercado, o é por
intermédio do empregador, ou seja, o empregado não se lança diretamente no mercado. Com
efeito, na relação de emprego há a presença de um terceiro (empregador) que se coloca entre o
trabalhador e o cliente, “rompendo” ou impedindo que nasça a relação jurídica com o destinatário
final (clientes).379
Portanto, no caso concreto, para a correta análise da existência ou não da relação de emprego, deve
o intérprete percorrer o seguinte caminho: primeiro, verifica-se se o trabalhador se insere nos fins
do empreendimento (subordinação objetiva). Presente a subordinação objetiva, passa-se então à
verificação das diversas formas de "ajenidad" ou alienação. Se qualquer uma delas estiver ausente,
o indivíduo não é empregado, mas sim, autônomo. Dito de outro modo, só haverá relação de
emprego se, na relação fática, o empregado estiver alheio aos riscos, aos meios de produção, ao
mercado e aos frutos do trabalho.
ENTRA IMAGEM
4. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
ORIENTAÇÃO N. 1. CORRESPONDENTES BANCÁRIOS.
É ilícita a prestação de serviço autorizada pela Resolução n° 3.110/2003 do Banco Central, porque
autorizada em atividades pertencentes à área-fim da instituição bancária, o que contraria os artigos
2° e 3° da CLT, nos termos da interpretação jurisprudencial consagrada pela Súmula n. 331/TST.
A referida Resolução é, ainda, material e formalmente inconstitucional, pois afronta o princípio
do valor social do trabalho, insculpido na Carta Magna, e cuida de matéria cuja regulamentação
está sujeita à competência legislativa privativa da União. Quando a terceirização for praticada por
378
CHACON, Bayon; BOTIJA, Peres. Manual de derecho del trabajo. volumen I. Madrid: Marcial Pons, 1974. p.
16.
379
PORTO, Lorena Vasconcelos. Por uma releitura do conceito de subordinação: a subordinação integrativa. In:
PORTO, Lorena Vasconcelos; ROCHA, Cláudio Jannotti da. Trabalho: diálogos e críticas. São Paulo: LTr, 2018. p.
63.
instituição integrante da Administração Pública haverá, ainda, violação à exigência constitucional
de admissão de pessoal mediante concurso público.
ORIENTAÇÃO N. 2. COOPERATIVAS DE PRODUÇÃO.
É lícita a constituição de cooperativas de produção, quando os associados forem os legítimos
possuidores ou proprietários do respectivo meio de produção, cabendo ao MPT atuar nas
hipóteses em que se revelem a fraude e a contratação de mão de obra subordinada.
ORIENTAÇÃO N. 3. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 4. ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE.
A contratação de pessoas jurídicas e de empresas interpostas pelos estabelecimentos de saúde,
quando revelar expediente para burlar a relação de emprego, por meio da intermediação e o
fornecimento puro e simples de mão de obra, constitui fraude, mormente quando a prestadora de
serviços, pessoa física ou jurídica, não seja proprietária dos meios de produção.
ORIENTAÇÃO N. 5. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 6. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO POR MEIO DA
FORMALIZAÇÃO DE CONTRATO SIMULADO DE NATUREZA CIVIL ENTRE
PESSOAS JURÍDICAS. “PEJOTIZAÇÃO” E TRABALHO AUTÔNOMO.
CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO POR MEIO DA FORMALIZAÇÃO DE
CONTRATO SIMULADO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL.SIMULADO.
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL.
1) A contratação de trabalhador mediante a formalização de contrato simulado, de natureza civil,
entre pessoas jurídicas, quando houver desvirtuamento de modo a desaparecer a autonomia,
configura fraude que visa burlar a incidência de direitos trabalhistas, aplicando-se o disposto no
artigo 9o da CLT, devendo o Ministério Público do Trabalho priorizar a atuação no combate a essa
modalidade de fraude.
2) Havendo desvirtuamento da modalidade contratual de representação comercial, com o
desaparecimento da autonomia do representante, forma-se o vínculo empregatício entre as partes
contratantes, ensejando a atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa de interesses
coletivos, difusos ou individuais homogêneos.
ORIENTAÇÃO N. 7. ESTÁGIO E RELAÇÕES DE TRABALHO. UNIDADES
CONCEDENTES QUE DESCUMPREM OBRIGAÇÕES LEGAIS. DESVIRTUAMENTO
DO INSTITUTO. POSSÍVEL FRAUDE À RELAÇÃO DE EMPREGO. ATUAÇÃO DO
MPT.
O estágio, obrigatório ou não-obrigatório, é, ao mesmo tempo, ato educativo escolar e relação de
trabalho lato sensu. É sempre curricular, supervisionado e integra o projeto pedagógico do curso.
Uma vez desvirtuado, mediante prevalência do aspecto produtivo sobre o educativo, pela ausência
dos requisitos formais e materiais do instituto, deve o MPT atuar para exigir o cumprimento das
obrigações legais impostas às unidades concedentes de estágio, de modo a coibir que usem o
instituto com o objetivo de fraudar a relação de emprego.
ORIENTAÇÃO N. 8. FACÇÕES DA INDÚSTRIA E DO VESTUÁRIO.
Constitui missão institucional do Ministério Público do Trabalho combater a intermediação
irregular de mão de obra na indústria da confecção ou vestuários e demais segmentos relacionados,
quando se dá por meio de contratos de facção, de parceria, ou de qualquer outra modalidade
contratual, como forma de mascarar a relação de emprego. As leis números 13.429 de 2017 e
13.467 de 2017 não autorizam ou legitimam a intermediação de mão de obra.
ORIENTAÇÃO N. 9. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL.
Constitui missão institucional do Ministério Público do Trabalho promover o combate à
intermediação de mão de obra ou desvirtuamento dos contratos de prestação de serviços no setor
de construção civil, em fraude a relação de emprego. Cabe ao Procurador Oficiante, no exame do
caso concreto, atuar visando à responsabilização do tomador de serviços, seja como empregador
direto, caso identificada a fraude, com mera intermediação de mão de obra, seja assegurando a
isonomia de direitos.
ORIENTAÇÃO N. 10. CONTRATAÇÃO DE MOTORISTAS AGREGADOS POR
COMPANHIAS DE TRANSPORTE.
A configuração de vínculo empregatício e, portanto, de contratação irregular de motoristas
agregados, deve ser aferida em cada caso concreto, não sendo a propriedade do veículo elemento
determinante para o afastamento da relação empregatícia.
ORIENTAÇÃO N. 11. AGÊNCIAS DE EMPREGO E CONVENÇÃO N. 181 DA OIT.
Constitui missão institucional do Ministério Público do Trabalho o combate às fraudes
trabalhistas praticadas por meio de agências de emprego, devendo tais fraudes serem apuradas em
cada caso concreto, nos moldes preconizados pela Convenção 181 da Organização Internacional
do Trabalho.
ORIENTAÇÃO N. 12. PRODUÇÃO DE CANA DE AÇÚCAR POR USINAS.
1) As usinas devem registrar diretamente os trabalhadores necessários ao cultivo e ao corte da cana
de açúcar, em terras próprias ou por elas arrendadas (usina arrendatária);
2) É lícita, em tese, a compra pelas usinas de cana de açúcar de fornecedores independentes (compra
de cana na esteira); neste caso, o produtor deve registrar os empregados utilizados na atividade;
3) É possível haver, no caso concreto, deturpação da figura do arrendamento (usina arrendante),
devendo o MPT investigar as condições reais do negócio;
4) É ilícita a atividade de mero fornecimento de mão de obra, qualquer que seja a modalidade
contratual adotada, por pessoa física ou jurídica;
5) Deve-se analisar com cautela a figura da parceria, ante a possibilidade de ser utilizada para
mascarar verdadeira relação de emprego.
ORIENTAÇÃO N. 13. LEIS N. 13.429/2017 E 13.467/2017. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
E ATIVIDADE-FIM. CHECK-IN PELAS COMPANHIAS AÉREAS.
Independentemente das discussões em curso no âmbito do Judiciário acerca da
constitucionalidade ou não da prestação de serviços na atividade-fim, o mero fornecimento de mão
de obra para check-in nas companhias aéreas continua a ser ilícito, bem como também é possível
analisar a presença da pessoalidade e subordinação em relação à empresa contratante.
ORIENTAÇÃO N. 14. CORTE DE MADEIRA.
É ilícita a mera intermediação de mão de obra, tanto nas fazendas dos vendedores da madeira,
quanto na terra da empresa reflorestadora. Caberá ao Ministério Público do Trabalho, em cada
caso concreto, combater a fraude trabalhista e, ainda, buscar, em relação aos fornecedores da
matéria prima, o cumprimento integral da legislação trabalhista, para que não se utilizem, em
contrato, da figura da intermediação e do fornecimento puro e simplesde mão de obra.
ORIENTAÇÃO N. 15. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 16. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ARTIGO 4º-A
DA LEI N. 6.019/1974, COM REDAÇÃO DA LEI N. 13.467/2017. REQUISITOS DE
VALIDADE.
A validade da prestação de serviço a terceiros, tal como definida pelo art. 4o-A, se sujeita ao
cumprimento dos seguintes requisitos:
a) efetiva transferência da execução de atividades a uma empresa prestadora de serviço, como
objeto contratual;
b) execução autônoma da atividade pela empresa prestadora, nos limites do contrato de prestação
de serviço; e
c) capacidade econômica da empresa prestadora, compatível com a execução do contrato.
Ausentes quaisquer desses requisitos, desvirtua-se a prestação de serviço, configurando-se
intermediação ilícita de mão de obra (art. 9o da CLT), com consequente reconhecimento de
vínculo de emprego entre os trabalhadores intermediados e a empresa contratante do serviço.
ORIENTAÇÃO N. 17. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITO DE
VALIDADE: EFETIVA TRANSFERÊNCIA DA EXECUÇÃO DA ATIVIDADE.
A transferência da execução da atividade por meio de contrato de prestação de serviço, na forma
do art. 4o-A da Lei 6.019/1974, com redação conferida pela Lei 13.467/2017, pressupõe
autonomia formal, administrativa, organizacional, finalística e operacional da empresa contratada,
à qual cabe exercer com exclusividade o controle do processo de produção da atividade, sem
interferência da contratante, mera credora do serviço como resultado útil, pronto e acabado.
Configura fraude ao regime de emprego o uso de contrato de prestação de serviço para
transferência de vínculos formais de emprego à empresa contratada, sem efetiva transferência da
execução da atividade.
ORIENTAÇÃO N. 18. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITO DE
VALIDADE: AUTONOMIA NA EXECUÇÃO DA ATIVIDADE.
No contrato de prestação de serviço, de que trata o art. 4o-A, caput, da Lei 6.019/1974, com
redação dada pela Lei 13.467/2017, a execução autônoma da atividade por empresa prestadora de
serviço pressupõe: (a) que a empresa prestadora contrate e remunere os empregados necessários à
execução da atividade, exercendo com exclusividade a direção de seu trabalho (art. 4o-A, § 1o); e (b)
que a empresa contratante se abstenha de utilizar a mão de obra contratada pela prestadora de
serviço para finalidade distinta da prevista no contrato (art. 5ºA, § 1º). A presença de subordinação
pessoal ou estrutural de trabalhador intermediado à empresa contratante descaracteriza a prestação
de serviço, ensejando reconhecimento de vínculo de emprego (art. 9º da CLT).
ORIENTAÇÃO N. 19. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITOS DE
VALIDADE: CAPACIDADE ECONÔMICA DA PRESTADORA.
A capacidade econômica da empresa prestadora de serviço, compatível com a execução do
contrato, nos termos do art. 4o-A da Lei n. 6.019/1974, deve ser aferida pela contratante e não se
restringe à observância do capital social mínimo exigido pelo art. 4º-B, inciso
III, que é mero requisito de funcionamento. Consiste na situação econômica positiva para cumprir
todos os compromissos decorrentes da atividade contratada, pressupondo:
(a) pactuação de preço do serviço compatível com os custos operacionais (comerciais, trabalhistas,
previdenciárias, tributárias etc.); e
(b) inexistência de passivo comercial, trabalhista, previdenciário e/ou fiscal, decorrente de outro(s)
contrato(s), que constitua risco ao adimplemento contratual.
ORIENTAÇÃO N. 20. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. REQUISITOS DE
VALIDADE. PERDA DA CAPACIDADE ECONÔMICA DA EMPRESA PRESTADORA
DE SERVIÇO. INVALIDADE CONTRATUAL SUPERVENIENTE.
A perda da capacidade econômica da empresa prestadora de serviço enseja invalidade contratual
superveniente, com consequente caracterização de vínculo de emprego entre os trabalhadores
intermediados e a empresa contratante, caso esta não adote posturas para preservar o
adimplemento contratual, tais como:
(a) a readequação do preço do serviço, sempre que se mostrar defasado, para garantir o equilíbrio
econômico do contrato;
(b) exigir da empresa contratada garantia bastante para satisfação das obrigações contratuais (art.
477 do Código Civil) ou
(c) promover a resolução do contrato por inadimplemento (art. 475 do Código Civil).
ORIENTAÇÃO N. 21. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO VÁLIDO.
INADIMPLEMENTO DE DIREITOS TRABALHISTAS PELA EMPRESA
PRESTADORA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA EMPRESA
CONTRATANTE.
Presentes os requisitos de validade do contrato de prestação de serviço, o inadimplemento de
direitos trabalhistas pela empresa prestadora enseja responsabilidade subsidiária da empresa
contratante, independente de culpa (art. 5o-A, § 5o, da Lei n. 6.019/1974). O inadimplemento
decorrente de ausência ou perda de capacidade econômica da empresa prestadora enseja
invalidação do contrato de prestação de serviço, por inobservância de requisito de validade (art. 4o-
A, caput, da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017), configurando
intermediação ilícita de mão de obra.
ORIENTAÇÃO N. 22. TRABALHADOR AUTÔNOMO EXCLUSIVO.
RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO.
A norma do artigo 442-B da CLT não impede o reconhecimento da relação de emprego, quando
presentes os requisitos previstos nos artigos 2o e 3o da CLT e configurado o desvirtuamento do
trabalho autônomo. O dispositivo inviabiliza apenas a presunção de vínculo empregatício com
base unicamente nos elementos trabalho exclusivo e de forma continuada, os quais representam
forte indício de fraude à relação de emprego e devem ser avaliados no conjunto da prova e à luz do
artigo 9o da CLT. O verdadeiro autônomo desenvolve atividade por conta própria, não por conta
alheia, assumindo os riscos inerentes e sua organização, não se submetendo à direção ou poder
disciplinar do contratante.
ORIENTAÇÃO N. 23. “PEJOTIZAÇÃO”. FRAUDE À RELAÇÃO DE EMPREGO. LEI
6019/74, COM A REDAÇÃO DEFINIDA PELAS LEIS 13.429/2017 E 13.467/2017.
A regulamentação da prestação de serviços a terceiros não legitima a “pejotização”. A Lei considera
prestadora de serviços a empresa dotada de estrutura funcional e define como elementos essenciais
para a licitude do contrato a transferência do serviço, com a autonomia a ela inerente, a capacidade
econômica compatível com sua execução e a direção dos trabalhos. Ainda que a atividade seja
executada pelos sócios da contratada, a prestação de serviços somente será lícita quando presentes
as características definidoras da atividade empresarial, com exercício de uma atividade econômica
organizada, assumindo os riscos da mesma. Presentes os requisitos, deve ser reconhecida a relação
de emprego (art. 9o da CLT).
ORIENTAÇÃO N. 24. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. GARANTIA
AOS EMPREGADOS DA PRESTADORA DOS MESMOS DIREITOS DOS
EMPREGADOS DA CONTRATANTE. ART. 4o-C, § 1º, DA LEI N. 6.019/1974.
ISONOMIA.
Havendo contrato de prestação de serviços válido com a transferência de atividades em que
convivam, executando as mesmas tarefas, empregados da contratante e da prestadora, deverão ser
garantidos a estes os mesmos direitos previstos para aqueles, sob pena de afronta ao princípio
constitucional da isonomia.
ORIENTAÇÃO N. 25. LEI 12.592 DE 2016. SALÃO-PARCEIRO E PROFISSIONAL-
PARCEIRO. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO.
A norma não impede o reconhecimento da relação de emprego quando presentes os pressupostos
previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, vez que desvirtuado o trabalho autônomo. A inserção do
trabalhador na dinâmica operacional da empresa configura fraude ao vínculo de emprego atraindo
o disposto no artigo 9o da CLT. O verdadeiro autônomo desenvolve atividade por conta própria,
não por conta alheia, assumindo os riscos inerentes e sua organização, não se submetendo à
subordinação ao salão parceiro. Por isso, recomenda-se o aprofundamento das investigações para
verificar a existência de subordinação direta ou estrutural e pessoalidade.
ORIENTAÇÃO N. 26. ESTÁGIO E RELAÇÃO DE TRABALHO. INSTITUIÇÕES DE
ENSINO QUE DESCUMPREM OBRIGAÇÕES PREVISTAS EM LEI. MERA
INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. ATUAÇÃO DO MPT.
RESPONSABILIZAÇÃO.
O estágio, obrigatório ou não-obrigatório, é, ao mesmo tempo, ato educativo escolar e relação de
trabalho lato sensu. É sempre curricular, supervisionado e integra o projeto pedagógico do curso,
o que exige supervisão obrigatória e permanente das instituições de ensino, sob pena de estas
atuarem como meras intermediadoras de mão de obra. É atribuição do MPT investigar se há ação
ou omissão das instituições de ensino que resulte em mero fornecimento de mão de obra a
unidades concedentes de estágio, caso em que atuará para responsabilizar tais instituições de ensino
como meras intermediadoras de mão obra, sem embargo da atuação em face das unidades
concedentes, possíveis fraudadoras da relação de emprego.
ORIENTAÇÃO N. 27. ESTÁGIO EM PROFISSÃO REGULAMENTADA.
SUPERVISÃO. OBRIGATORIEDADE DE FORMAÇÃO OU PROVISIONAMENTO E
REGISTRO NO CONSELHO DE PROFISSÕES. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 5o,
XIII, DA CRFB/1988 e 9o DA LEI No 11.788/2008.
A supervisão de estágio em unidades concedentes é exercício profissional. Tratando-se de cursos
de profissões regulamentadas, nos termos da CRFB/1988 (Art. 5o, XIII), da Lei de Estágio (Lei n.
11.788/2008, art. 9o), e das leis que regulamentam profissões, tal supervisão só poderá ser exercida
por pessoa com formação no respectivo curso (ou provisionada) e registrada no Conselho
Profissional respectivo (exceto quando permitida atuação sem o registro). Profissional sem
formação específica e apenas com a “experiência” referida na lei só pode supervisionar estágio de
cursos de profissão não regulamentada, de nível médio não profissionalizante/técnico, ou da
educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da
educação de jovens e adultos, sob pena de exercício ilegal da profissão ou atividade (Art. 47, II e 56
do CP; art. 47, DL n. 3.688/1941) e caracterização do vínculo empregatício em relação ao
estagiário.
ORIENTAÇÃO N. 28. AGENTES DE INTEGRAÇÃO. ATUAÇÃO FACULTATIVA.
RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA COM UNIDADES CONCEDENTES.
ATUAÇÃO DO MPT.
Os agentes de integração atuam facultativamente na relação de estágio. Não podem atuar em
substituição à instituição de ensino, não lhes sendo cabível elaborar relatórios de atividade de
estágio, avaliar instalações de unidade concedente ou supervisionar o estágio. O MPT atuará para
responsabilizar, de forma solidária com a unidade concedente, agentes que encaminharem
estagiário vinculado à instituição de ensino que não tenha o estágio como integrante do seu Projeto
Pedagógico ou para realização de atividades incompatíveis com o curso frequentado.”
ORIENTAÇÃO N. 29. TRABALHO DE DUBLADORES E DIRETORES DE
DUBLAGEM.
O trabalho dos profissionais de dublagem é regulado pela lei especial dos artistas (Lei nº
6.533/1978), que somente admite que o trabalho seja realizado de duas formas: 1) por contrato de
trabalho padronizado (art. 9º), por prazo determinado ou indeterminado; ou 2) por nota
contratual, para a contratação eventual de artistas, na forma e nos limites temporais do art. 12 da
mesma lei (não podendo ultrapassar 7 dias consecutivos ou recontratação pelo mesmo empregador
nos 60 dias subsequentes, salvo previsão de norma coletiva em outro sentido, observado o
princípio da norma mais favorável), não sendo admitida qualquer outra forma de contratação.
Assim, a contratação não pode se dar pelo fenômeno da pejotização seja, inclusive por MEI ou por
PJ, por expressa previsão legal.
5. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO
ALONSO OLEA, Manuel. Introducción al derecho del trabajo. Sexta Edición, Editorial Civitas,
Madrid 2002.
CHACON, Bayon; BOTIJA, Peres. Manual de derecho del trabajo. volumen I. Madrid: Marcial
Pons, 1974.
MIZIARA, Raphael; PINHEIRO, Iuri. Manual da terceirização: teoria e prática. 2. ed. Salvador:
Juspodivm, 2020.
MIZIARA, Raphael. Breves notas sobre a “ajenidad”: no que ela pode ser útil? Disponível em:
<http://ostrabalhistas.com.br/breves-notas-sobre-ajenidad-no-que-ela-pode-ser-util/>.
PLÁ RODRÍGUEZ, Américo. A propósito de las fronteras del Derecho del Trabajo. In: Estudios
sobre Derecho Laboral. Homenaje a Rafael Caldera. Tomo I. Universidad Católica Andrés Bello.
Editorial Sucre. Caracas 1977.
PORTO, Lorena Vasconcelos. Por uma releitura universalizante do conceito de subordinação: a
subordinação integrativa. In: PORTO, Lorena Vasconcelos; ROCHA, Claudio Jannotti da.
Trabalho: diálogos e críticas. São Paulo: LTr, 2018.
REDÓN, Iván Alí Mirabal. Zonas fronterizas del Derecho del Trabajo. Revista Derecho del
Trabajo, n° 1/2005 (enero-diciembre).
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Fraudes nas relações de trabalho: morfologia e transcendência. In:
Boletim Científico do MPU, n. 28 e n. 29 – Julho/Dezembro de 2008.
SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2016.
CAPÍTULO VII - COORDINFÂNCIA – COORDENADORIA
NACIONAL DE COMBATE À EXPLORAÇÃO DO TRABALHO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
1. SOBRE A COORDENADORIA
A Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente
foi a primeira coordenadoria nacional criada pelo MPT, em 2000, com o objetivo de promover,
supervisionar e coordenar ações contra as várias formas de exploração do trabalho de crianças e
adolescentes.
A coordenadoria busca uma atuação uniforme, coordenada e intersetorial no enfrentamento de
temas sensíveis que evidenciam situações de risco às crianças e adolescentes, a exemplo do trabalho
infantil doméstico, exploração sexual comercial, tráfico de drogas, trabalho em lixões, trabalho na
agricultura familiar, trabalho desportivo e trabalho infantil artístico.
A atuação ministerial vai além das medidas legais e judiciais no tema, enfatizando uma atuação mais
ampla e articulada com outros setores, com a promoção de políticas públicas para prevenção e
erradicação do trabalho infantil, buscando-se medidas como encaminhamento à escola, apoio
familiar e conscientização da sociedade, o que demanda a atuação em conjunto com órgãos como
a UNICEF, OIT, Conselhos Tutelares, CREAS (Centro de Referência Especializado de
Assistência Social), Secretarias de Direitos das Crianças e de Direitos Humanos, Ministério da
Justiça, ONGS, Polícia Federal, Pastoral da Terra, APAE, entre outros.
2. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL
Até 1988, vigorava a doutrina da situação irregular, amparada no Código de Menores (Lei nº
6.697/1979), que tinha como diretriz a preservação da ordem social e do Estado, sendo as crianças
e adolescentes (chamados de “menores”) apenas sujeitos de direitos ou dignas de consideração
judicial quando se encontrassem em determinadas situações irregulares380, como em caso de
abandono ou infração penal.
380
Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais
à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos
pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou
castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo
habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV -
privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta,
em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se
por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor,
ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.
Assim, os “menores infratores e abandonados” eram retirados da situação em que se encontravam
e segregados, tendo restringidos seus direitos como forma de punição por sua delinquência e
carência.
A CR/88 promoveu uma alteração do paradigma do menor em situação irregular, positivando a
doutrina da proteção integral, que representou um avanço na proteção dos direitos
fundamentais das crianças e adolescentes, pautada na Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948 e na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, seguindo, à
época, a ideologia que culminaria, em 1989, na Convenção sobre os direitos da criança e, em
1990, na promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
A doutrina da proteção integral foi positivada nos arts. 227 a 229 da CR/88, que declarou ser dever
da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O novo paradigma assenta-se em cinco eixos fundamentais:
1) As crianças e adolescentes passam a ser sujeitos de direito, “deixando de ser objetos
passivos para se tornarem titulares de direitos”381;
2) Há a positivação da tríplice responsabilidade, competindo à família, à sociedade e ao
Estado colocar à salvo os direitos das crianças e adolescentes;
3) Prioridade absoluta da criança e do adolescente, seja na garantia de direitos, seja na
destinação de recursos e orçamento que prestigiem e protejam seus direitos;
4) Proteção integral, que deverá abranger todos os aspectos físicos, psíquicos, morais e
culturais;
5) Respeito a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
3. TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
3.1. Proteção integral
O trabalho infantil, no ordenamento jurídico pátrio, consoante a CR/1988, art. 7º, XXXIII,
configura-se como qualquer trabalho realizado por menores de 16 anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de 14 anos e o trabalho noturno, perigoso ou insalubre realizado por menores de
18 anos.
381
FERREIRA, Luiz Antônio Miguel; DÓI, Cristina Teranise. A Proteção Integral das Crianças e dos Adolescentes
Vítimas (Comentários ao art. 143 do ECA). Ministério Público do Paraná. Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/protecao_integral_ferreira.pdf>.
No mesmo caminho, o ECA, em seus arts. 60 a 69, proíbe o trabalho a menores de 16 anos, salvo
na condição de aprendiz a partir dos 14 anos, desde que assegurada à frequência à escola,
compatibilidade de horários, proibição do trabalho noturno, insalubre, perigoso e penoso a
menores de 18 anos e prejudiciais à formação do adolescente.
Para a Convenção Sobre Direitos da Criança da ONU, considera-se criança a pessoa com
menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável, a maioridade seja
alcançada antes.
A Convenção 138 da OIT, por sua vez, definiu o trabalho infantil como o trabalho prestado, a
partir dos 14 anos ou mais, com fundamento em fatores como a escolaridade obrigatória e a
proteção à saúde e à segurança da criança. Assim, é permitido qualquer trabalho a partir dos 14
anos, em países cuja economia e sistemas educacionais não estejam suficientemente desenvolvidos
e, a partir dos 15 anos ou a partir da idade em que cessa a obrigação escolar, nos demais países382.
Tratando-se de trabalho que, por sua natureza ou condições em que se realize, possa ser perigoso
para a saúde, segurança ou moralidade das crianças e adolescentes, a idade mínima de trabalho
não poderá ser inferior a 18 anos, salvo se ficarem plenamente garantidas a saúde, a segurança e a
moralidade dos adolescentes, e que estes tenham recebido instrução ou formação profissional
adequada e específica, no ramo de atividade correspondente, ocasião em que a idade não poderá
ser inferior a 16 anos.
Todavia, em caso de trabalhos leves, que não sejam suscetíveis de prejudicar a saúde e o
desenvolvimento das crianças e adolescentes e que não prejudiquem a frequência escolar,
participação em programas de orientação ou formação profissionais, será permitido o trabalho de
382
Artigo 2, Convenção 138 da OIT. 1. Todo Membro, que ratifique a presente Convenção, deverá especificar, em
uma declaração anexa à sua ratificação, a idade mínima de admissão ao emprego ou ao trabalho em seu território e nos
meios de transporte registrados em seu território; à exceção do disposto nos artigos 4 e 8 da presente Convenção,
nenhuma pessoa com idade menor à idade declarada, deverá ser admitida ao emprego ou trabalhar em qualquer
ocupação. 2.Todo Membro, que tenha ratificado a presente Convenção, poderá notificar, posteriormente, o Diretor
Geral do Secretariado da Organização Internacional do Trabalho, mediante outra declaração, que estabeleça uma
idade mínima mais alta que a que determinou inicialmente. 3. A idade mínima fixada em cumprimento do disposto
no parágrafo 1 do presente artigo, não deverá ser inferior à idade em que cessa a obrigação escolar, ou em todo caso, a
quinze anos. 4. Não obstante os dispositivos do parágrafo 3 deste artigo, o Membro cuja economia e sistemas
educacionais não estejam suficientemente desenvolvidos poderá, mediante prévia consulta às organizações de
empregadores e de trabalhadores interessadas, se tais organizações existirem, especificar, inicialmente, uma idade
mínima de quatorze anos. 5. Todo Membro, que tenha especificado uma idade mínima de quatorze anos, conforme
o disposto no parágrafo precedente, deverá declarar, nos relatórios que se comprometeu a apresentar por força do
artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho: a) que subsistem os motivos para tal
especificação, ou b) que renuncia ao direito de continuar amparando-se no parágrafo acima, a partir de uma
determinada data.
pessoas de 12 a 14 anos, em países cuja economia e sistemas educacionais não estejam
suficientemente desenvolvidos e dos 13 aos 15 anos, nos demais países.
Idade mínima para serviços leves que não prejudiquem a saúde e a escola Entre 13 e 15 anos
383
MEDEIROS NETOS, Xisto Tiago; MARQUES, Rafael Dias. Manual de Atuação do Ministério Público na
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Brasília: CNMP, 2013. p. 07.
almejada pela norma é ampla, a compreender todos os aspectos da vida da criança e do adolescente
(pessoal, familiar, educacional e social).
Na realidade brasileira, identificam-se situações variadas de trabalho infantil, sob as mais diversas
configurações, que podem ser assim classificadas:
Em relação à área, tem-se o trabalho urbano (comércio e indústria) e o trabalho rural (agricultura
e pecuária).
Quanto ao tempo, verifica-se o trabalho contínuo (extração e venda de pedras; mineração), o
trabalho sazonal (plantação e colheita de frutas e outras culturas) e o trabalho de natureza eventual
ou episódica (eventos esportivos ou culturais).
No que respeita à forma, caracteriza-se o trabalho subordinado (cerâmicas; carvoarias e salinas), o
trabalho autônomo ou por conta própria (vendedor ambulante; flanelinha), o trabalho eventual
(produção de peças publicitárias veiculadas nos meios de comunicação), o trabalho terceirizado
(tecelagem) e o trabalho forçado, degradante ou em condições análogas à de escravo (em fazendas).
Considerado o local, observa-se o trabalho em estabelecimentos privados (galpão; fábrica; loja) e
em espaços e vias públicas (lixões; matadouros; feiras; ruas e avenidas).
Em face da natureza da atividade, destaca-se o trabalho produtivo (que visa ao lucro); o trabalho
voluntário e assistencial (entidades beneficentes; igrejas); o trabalho doméstico (realizado no
âmbito residencial e voltado para a família, própria ou de terceiros, como acontece nos casos em
que um adolescente labora como babá de uma criança); o trabalho sob regime de economia familiar
(que ocorre dentro do núcleo familiar, podendo ser doméstico ou não, como por exemplo, o
serviço de ordenha do gado, em uma pequena propriedade familiar); o trabalho de subsistência; o
trabalho artesanal; o trabalho artístico; o trabalho desportivo; e, ainda, o trabalho ilícito (tráfico de
drogas; exploração sexual).384
Os dados constantes do Smartlab, no Observatório da Prevenção e da Erradicação do
Trabalho Infantil, com base Censo Demográfico de 2010385, apontam que 3,4 milhões de
crianças e adolescentes estão ocupados entre os 10 e 17 anos, sendo 170,1 mil crianças e
adolescentes entre 10 e 13 anos. No trabalho doméstico, o número de crianças e adolescentes
ocupados, entre 10 e 17 anos, é de 253,3 mil (relembrando-se que o trabalho doméstico é vedado
a menores de 18 anos).
Ainda, pela análise da ocupação de crianças e adolescentes, é possível se apontar:
384
Ibidem, p. 08.
385
Fonte: IBGE - Censo Demográfico. Tratamento e análise: SmartLab (https://smartlabbr.org/trabalhoinfantil).
TRABALHO INFANTIL ENTRE 10 E 13 ANOS (TRABALHO A SER ABOLIDO)
Rondônia 9,2%
Amazonas 8,5%
Pará 8,3%
Acre 8,2%
Roraima 8%
TRABALHO INFANTIL
HOMEM MULHER
URBANO RURAL
Com base no PNAD Contínua do IBGE referentes ao ano de 2019, há 1,7 milhões de crianças e
adolescentes em situação de trabalho infantil no país, sendo 66% de meninos e 34% meninas.
Quanto à faixa etária, 21,3% tinham de 5 a 13 anos; 25,0%, 14 e 15 anos e a maioria, 53,7%, tinha
16 e 17 anos de idade. A distribuição do trabalho infantil por cor ou raça revela que 2 de cada 3
crianças e adolescentes eram pretas ou pardas.
Pernambuco 176 67 65 44
386
Ibidem, p. 15.
disso, essas pressões podem causar diversos problemas psicológicos, tais como medo, tristeza e
insegurança;
(5) crianças têm fígado, baço, rins, estômago e intestinos em desenvolvimento, o que provoca
maior contaminação pela absorção de substâncias tóxicas;
(6) o corpo das crianças produz mais calor que o dos adultos quando submetidos a trabalhos
pesados, o que pode causar, dentre outras coisas, desidratação e maior cansaço;
(7) crianças têm a pele menos desenvolvida, sendo mais vulneráveis que os adultos aos efeitos dos
agentes físicos, mecânicos, químicos e biológicos;
(8) crianças possuem visão periférica menor que a do adulto, tendo menos percepção do que
acontece ao seu redor. Além disso, os instrumentos de trabalho e os equipamentos de proteção não
foram feitos para o tamanho de uma criança. Por tudo isso, ficam mais sujeitos a sofrer acidentes
de trabalho;
(9) crianças têm maior sensibilidade aos ruídos que os adultos, o que pode provocar perdas
auditivas mais intensas e rápidas;
(10) o trabalho infantil prova uma tríplice exclusão: na infância, quando a criança perde a
oportunidade de brincar, estudar e aprender; na idade adulta, quando perde oportunidades de
trabalho por falta de qualificação profissional; na velhice, pela consequente falta de condições
dignas de sobrevivência387.
Paraná 2.544
387
Ibidem, p. 16.
c) Econômica: uma vez que a ocupação de postos de trabalho próprios dos adultos aumenta
a escala de desemprego e menor renda na idade adulta, devido à baixa formação escolar pela
inserção prematura no mercado de trabalho, além de incrementar a informalidade e a fraude,
Registre-se que, em média, quem começou a trabalhar entre 15 e 17 anos não chega aos 30 anos
com uma renda muito diferente de quem ingressou com 18 ou 19 anos. Entretanto, à medida que
a pessoa envelhece, há maior probabilidade de que, se começou a trabalhar entre os 18 ou 19 anos,
consiga melhor renda do que quem começou a trabalhar entre 15 e 17 anos. As possibilidades de
obter rendimentos superiores ao longo da vida laboral são maiores para aqueles que começam
depois dos 20 anos. Um dos fatores que podem explicar essa relação é a probabilidade de que essas
pessoas tenham níveis superiores de escolaridade e qualificação (CEPAL/PNUD/OIT - 2008)388.
d) Cultural: o trabalho precoce acarreta a privação de instrução, da capacitação e da
qualificação adequada, também a frequência e abandono escolar;
e) Jurídica: crianças e adolescentes não possuem a capacidade de compreensão plena dos
termos de um contrato, direitos e deveres e de valoração das condições que lhes são impostas ou
exigidas.
Destaca-se que o trabalho infantil insere as crianças e adolescentes em um círculo da pobreza e
provoca uma tríplice exclusão, na infância, a criança perde a oportunidade de brincar, estudar e
aprender; na idade adulta, há baixa empregabilidade, com a perda de oportunidades de trabalho
por falta de qualificação profissional e, na velhice, pela ausência de qualificação e escolaridade
adequada, há a consequente falta de condições dignas de sobrevivência e de saúde mínima, pelo
trabalho precoce.
3.2. Piores formas de Trabalho Infantil (Lista TIP)
A Convenção 182 da OIT dispõe sobre a eliminação das piores formas de trabalho infantil e o
Decreto 6.481/2008, regulamentando a convenção, trouxe a classificação das atividades, locais e
trabalhos prejudiciais à saúde, segurança e formação das crianças e adolescentes.
O Decreto nº 6.481/2008 estabelece trabalhos que não podem ser exercidos por pessoas com idade
inferior a 18 anos e prevê 89 atividades que não podem ser executadas por crianças e adolescentes,
porque prejudiciais à sua saúde e segurança (item I), e outros 4 tipos prejudiciais à moralidade (item
II). Dentre as atividades consideradas prejudiciais, destacam-se:
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico
de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive
recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;
388
Ibidem, p. 17.
b) utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia
ou atuações pornográficas;
c) utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para
a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais
pertinentes;
d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são
suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
Todavia, existem exceções à regra geral de proibição ao trabalho infantil e da observância da idade
mínima estabelecida pela legislação nacional e internacional. São atividades e ações que visam à
promoção do trabalho digno do adolescente e o incentivo às atividades culturais e artísticas, ao
encontro das normas específicas de proteção que asseguram o direito à formação profissional e
cultura (art. 227, CR/1998).
Observe-se, pois, que o ordenamento jurídico corporifica, simultaneamente o direito fundamental
ao não trabalho das crianças e ao trabalho protegido dos adolescentes de 16 a 18 anos (viés
combativo), assim como o direito à educação fundamental, cultural e à profissionalização (viés
promocional).
Nesse caminho, estão a aprendizagem (art. 428 da CLT e art. 29, §4º da Lei 9615/1998), o trabalho
artístico (art. 8º, I da Convenção 138 da OIT) e o trabalho desportivo (art. 3º da Lei 9615/1998).
3.3. Aprendizagem, estágio e trabalho educativo
O contrato de aprendizagem está previsto nos arts. 428 e seguintes da CLT e busca a inserção
de adolescentes no mundo do trabalho, com a garantia dos direitos trabalhistas e de proteção de
acordo com sua condição de pessoas em desenvolvimento, em respeito ao direito à
profissionalização, assegurado pelo art. 227 da CR/88.
A aprendizagem é definida como o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo
determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 e menor de 24 anos,
inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com
o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as
tarefas necessárias a essa formação.
A aprendizagem corresponde, dessa forma, a uma relação de emprego especial, na qual há 03 atores
principais: o empregador, o aprendiz e a entidade formadora, devendo-se observar todos os
requisitos do art. 428 da CLT389, sob pena de nulidade.
389
Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo
determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e
quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu
Não há necessidade, nessa hipótese, de autorização judicial, uma vez que o art. 7º, XXXIII, da
CR/88, permite o trabalho a partir dos 14 anos na condição de aprendiz, com todos os direitos
trabalhistas e previdenciários.
Observa-se, em relação ao percentual de contratação, que os estabelecimentos de qualquer
natureza são obrigados a empregar e matricular número de aprendizes equivalente a 5%, no
mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas
funções demandem formação profissional. Sobre essa base de cálculo, a orientação 23 da
COORDINFÂNCIA pontua que:
ORIENTAÇÃO N. 23
APRENDIZAGEM PROFISSIONAL. BASE DE CÁLCULO DA COTA LEGAL.
IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO. Nos termos do artigo 429 da Consolidação das
Leis do Trabalho c/c com o artigo 52 do Decreto nº 9.579/2018, a Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO) é o critério normativo para fins de definição das funções que demandam
formação profissional, base para cálculo da cota legal de aprendizagem profissional. A
aprendizagem constitui a concretização do direito à profissionalização abrangido pela proteção
integral prevista no artigo 227 da Constituição Federal, a ser assegurado a todos(as) os(as)
adolescentes e jovens brasileiros(as). Não é admissível, portanto, a flexibilização da base de
cálculo da cota da aprendizagem, para reduzir ou restringir seu alcance, diminuindo-se o
número potencial de vagas de aprendizagem profissional no mercado de trabalho. A
flexibilização da base de cálculo da cota legal, contrariando as normas jurídicas pertinentes, gera
desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa
formação.
§ 1º A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social,
matrícula e freqüência do aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em programa de
aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.
§ 2º Ao aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora.
§ 3º O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de
aprendiz portador de deficiência.
§ 4º A formação técnico-profissional a que se refere o caput deste artigo caracteriza-se por atividades teóricas e práticas,
metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho.
§ 5º A idade máxima prevista no caput deste artigo não se aplica a aprendizes portadores de deficiência.
§ 6º Para os fins do contrato de aprendizagem, a comprovação da escolaridade de aprendiz com deficiência deve
considerar, sobretudo, as habilidades e competências relacionadas com a profissionalização.
§ 7º Nas localidades onde não houver oferta de ensino médio para o cumprimento do disposto no § 1o deste artigo, a
contratação do aprendiz poderá ocorrer sem a freqüência à escola, desde que ele já tenha concluído o ensino
fundamental.
§ 8º Para o aprendiz com deficiência com 18 (dezoito) anos ou mais, a validade do contrato de aprendizagem pressupõe
anotação na CTPS e matrícula e frequência em programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade
qualificada em formação técnico-profissional metódica.
tratamento desigual e prejudicial relativamente aos empregadores que cumprem adequadamente
a legislação. O Ministério Público do Trabalho deve adotar as medidas cabíveis, necessárias e
disponíveis em face de instrumentos normativos (convenções e/ou acordo coletivos) ou decisões
judiciais que eventualmente estabeleçam a flexibilização da base de cálculo da cota legal, não sendo
possível, por consequência lógica, a celebração de Termos de Ajuste de Conduta ou acordos
judiciais em contrariedade ao disposto no artigo 429 da CLT e no artigo 52 do Decreto nº
9.579/2018.
Ainda, a Orientação 22 da COORDINFÂNCIA esclarece que, mesmo quando
comprovadamente, não for possível para a empresa proporcionar ao aprendiz a atividade prática
em suas dependências, não serão as mesmas eximidas do cumprimento da cota aprendizagem.
Nesta hipótese, o aprendiz será contratado pela própria empresa e desenvolverá as atividades
práticas em unidade concedente para a prática do aprendiz, conforme dispõe o art. 66 do Decreto
9.579/2018390, que trata do cumprimento alternativo da cota.
Diversamente do contrato de aprendizagem, o estágio não é uma modalidade de contrato de
emprego, trata-se de ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho,
que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino
regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da
educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da
educação de jovens e adultos (art. 1º, Lei 11.788/2008).
390
Art. 66. O estabelecimento contratante cujas peculiaridades da atividade ou dos locais de trabalho constituam
embaraço à realização das atividades práticas poderão, além das hipóteses de contratação de forma indireta previstas
no inciso II do caput do art. 57, realizá-las nas entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica ou
em entidades concedentes da experiência prática do aprendiz.
§ 1º Ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência disporá sobre as hipóteses, as condições, os procedimentos
e os setores da economia em que as atividades práticas poderão ser ministradas nas entidades concedentes da
experiência prática do aprendiz.
§ 2º Para fins do disposto neste Capítulo, consideram-se entidades concedentes da experiência prática do aprendiz:
I - órgãos públicos;
II - organizações da sociedade civil, nos termos do disposto no art. 2º da Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014 ; e
III - unidades do sistema nacional de atendimento socioeducativo.
§ 3º O estabelecimento contratante e a entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica por ele
contratada firmarão, conjuntamente, parceria com uma das entidades concedentes para a realização das atividades
práticas.
§ 4º Compete à entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica o acompanhamento pedagógico das
atividades práticas.
§ 5º A seleção dos aprendizes priorizará a inclusão de adolescentes e jovens que se enquadrem nas hipóteses previstas
no art. 51-C.
O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à
contextualização do currículo escolar, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida
cidadã e para o trabalho (art. 1º, 2º, Lei 11.788/2008), não havendo limitação de idade. Percebe-se,
pois, que “no estágio, o escopo principal é a formação profissional do estagiário, tendo finalidade
pedagógica e de aprendizado”391.
Há ainda outra modalidade de trabalho que poderá ser desenvolvido por crianças e adolescentes, o
trabalho educativo, positivado pelo art. 68 do ECA392. O trabalho educativo também não é uma
modalidade de contrato de emprego, configurando-se como atividades nas quais as exigências
pedagógicas prevalecem sobre o aspecto produtivo, sendo que a remuneração eventualmente
recebida não desfigura o caráter educativo, bem como não gera vínculo empregatício.
O trabalho educativo deve ser desenvolvido por programas sociais ou entidades sem finalidade
lucrativa, devendo ter como parâmetro o desenvolvimento pessoal e social do educando, com
prevalência na educação, estando ausente o vínculo empregatício, com a possibilidade de
remuneração pelo trabalho prestado393. Como exemplo do trabalho educativo, tem-se atividade
em grupos de teatro, pintura, música394, entre outras.
3.2.1. Trabalho desportivo: atletas mirins
Segundo o art. 3º da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé), há quatro espécies de manifestação do desporto:
educacional, de participação, de rendimento e de formação.
Art. 3º O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:
I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação,
evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar
o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática
do lazer;
II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas
praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida
social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;
391
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 11ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo, 2015. p.
518.
392
Art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade
governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições
de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada. § 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade
laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre
o aspecto produtivo. § 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na venda
dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo.
393
CORREIA, Henrique Correia. Direito do Trabalho. 4. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 435.
394
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática
desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e
comunidades do País e estas com as de outras nações.
IV - desporto de formação, caracterizado pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos
desportivos que garantam competência técnica na intervenção desportiva, com o objetivo de
promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos
recreativos, competitivos ou de alta competição.
§ 1º O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:
I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho
entre o atleta e a entidade de prática desportiva;
II - de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato
de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio.
É, pois, no contexto do desporto de rendimento que se pode identificar a formação profissional de
atletas adolescentes ou sua contratação como empregados. Nas demais formas de desporto, não há
trabalho395.
Também há a figura da aprendizagem desportiva, regulamentada pelo art. 29, §4º da Lei
9.615/1998:
Art. 29, § 4º O atleta não profissional em formação, maior de 14 e menor de 21 anos de idade,
poderá receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de
bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado
vínculo empregatício entre as partes.
Observe-se que, na aprendizagem desportiva, diverso da aprendizagem comum, não há vínculo de
natureza empregatícia, por expressa previsão legal. Todavia, é inegável que a natureza jurídica da
relação entre o atleta e sua entidade formadora é de relação de trabalho396, pelo que aplicáveis as
regras laborais protetivas destinadas às crianças e adolescentes.
Consoante destaca o Manual de Atuação do Ministério Público na Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil, as principais irregularidades encontradas no trabalho dos atletas mirins são “a)
desrespeito à idade mínima; b) ausência de testes ou seleções informais; c) inexistência de contrato
de formação desportiva; d) condições inadequadas de alojamento e alimentação e) falta de registro
do programa de formação no CMDCA; f) ausência de assistência médica” 397. Em decorrência
395
MEDEIROS NETOS, Xisto Tiago; MARQUES, Rafael Dias. Manual de Atuação do Ministério Público na
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Brasília: CNMP, 2013. p. 43.
396
Ibidem, p. 44.
397
Idem.
dessas irregularidades, a COORDINFÂNCIA elaborou diversas orientações, a fim de que seja
protegido o trabalho desportivo de crianças e adolescentes, com destaque:
ORIENTAÇÃO 08
Atletas. Aprendizagem. Relação de Trabalho. Legitimidade do MPT. Ainda que a Lei Pelé
mencione que a aprendizagem profissional no futebol do atleta se dará sem vínculo
empregatício, está preservada a legitimidade do MPT, pois a natureza da relação jurídica entre
atleta e entidade formadora é de trabalho.
ORIENTAÇÃO 10
Atleta. Aprendizagem. Duração mínima do contrato. Na falta de norma específica no bojo da Lei
Pelé, deve ser garantida duração mínima ao contrato de formação profissional, pois se trata
de uma modalidade de contrato a prazo (analogia à Aprendizagem da CLT). Além disso, a fixação
de prazo mínimo é necessária para frear o fenômeno de “descartabilidade” dos atletas, que
prejudica seus direitos fundamentais. Seis (6) meses é o tempo mínimo de duração a ser
admitido para não prejudicar o desenvolvimento da atividade (nesse período já se pode avaliar o
potencial do atleta) e garantir minimamente os direitos dos adolescentes, especialmente o direito à
educação.
ORIENTAÇÃO 11
Atletas. Aprendizagem. Testes para admissão em programas de formação profissional. Gratuidade.
Não poderá ser instituída qualquer cobrança com respeito aos testes aplicados a atletas, sob pena
de ofensa ao princípio segundo o qual os riscos da atividade econômica correm por conta do
empregador.
ORIENTAÇÃO 12
Atletas. Aprendizagem. Testes. Condições mínimas. Durante a realização dos testes prévios à
admissão de atletas aprendizes, deverão ser observadas as seguintes regras, concebidas para evitar
que atletas permaneçam longos períodos treinando na informalidade sob a justificativa de
estarem “em teste”, bem como para combater os prejuízos, notadamente aqueles decorrentes
da ausência escolar que padecem esses adolescentes:
a) duração não superior a uma semana;
b) autorização específica dos responsáveis legais, vedada a autorização de agentes;
c) registro em “livro de testes” a ser instituído pela entidade formadora;
d) Comprovação de prévia matrícula e freqüência escolar;
e) Realização de exame médico prévio e específico.
ORIENTAÇÃO 13
Atletas. Aprendizagem. Idade mínima: 14 anos. A idade mínima admissível para a aprendizagem
profissional de atletas é 14 anos, de acordo com a interpretação sistemática dos art. 29, §§ 3º e 4º da
Lei Pelé (LP) com os art. 227, caput, e 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Antes dessa
idade o atleta pode praticar esportes apenas sob a modalidade de desporto educacional,
prevista no art. 3º, inciso I, da LP, sem quaisquer restrições à liberdade de prática desportiva.
ORIENTAÇÃO 14
Atletas. Aprendizagem. Alojamento. Responsabilidade da entidade de formação.
I - Não será permitido que o atleta adolescente seja alojado em repúblicas, hotéis, pensões
ou similares que não estejam sob controle da entidade de formação profissional. II – Em
qualquer caso, tanto nos alojamentos próprios dos clubes ou de terceiros, deverão ser
asseguradas alimentação e condições adequadas de higiene e segurança, entre outras
previstas na legislação aplicável.
ORIENTAÇÃO 15
Atletas. Aprendizagem. PPRA e PCMSO. Obrigatoriedade. Aplica-se a NR-4 às entidades
de formação profissional, que deverão implementar Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais para os atletas adolescentes, em
consonância com os art. 7º, XXI e 227, ambos da Constituição Federal. (Orientação elaborada e
aprovada por maioria com base em estudo da Coordinfância).
ORIENTAÇÃO 16
Atletas. Aprendizagem. Representação. Limites. I - São nulas quaisquer modalidades de contratos
de agenciamento esportivo para atletas com idade inferior a 14 anos. II - A partir de 14 anos, é
obrigatória a representação ou assistência dos responsáveis legais em todos os atos jurídicos
praticados pelos atletas, vedada a transferência contratual de direitos inerentes ao poder familiar a
agentes ou terceiros.
ORIENTAÇÃO 19
ALOJAMENTOS DE ATLETAS ADOLESCENTES. EXCEPCIONALIDADE. REGISTRO
NO CMDCA. REQUISITOS MÍNIMOS DE PROTEÇÃO. A possibilidade de os clubes
formadores manterem alojamentos para os atletas em formação só pode ser entendida como
unidade de acolhimento excepcional, sujeita a registro nos CMDCA’s e controle pelas
Promotorias da Infância e Juventude e pelo MPT. Para tanto, devem ser observados estritamente
os direitos de assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como
alimentação, transporte e convivência familiar, além de instalações desportivas adequadas,
sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade, corpo de
profissionais especializados em formação técnico-desportiva, incluindo profissionais da
área médica, e profissionais que exerçam a supervisão dos adolescentes residentes e
acompanhamento das famílias.
ORIENTAÇÃO 20
EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO FUTEBOL.
RECRUTAMENTO POR FRAUDE, COAÇÃO, ABUSO EOUTROS.
ENQUADRAMENTO COMO TRÁFICO DE PESSOAS. A exploração de crianças e
adolescentes no futebol é um grave desrespeito aos direitos humanos, podendo vir a ser enquadrada
como tráfico de pessoas quando presentes as condições descritas no Protocolo de Palermo,
especialmente quando o recrutamento é praticado mediante coação, fraude, engano, abuso de
autoridade ou por meio da situação de vulnerabilidade, utilizada para obter o consentimento dos
atletas, que, nesse caso, é considerado irrelevante, devendo o MPT adotar as medidas pertinentes
ao resgate das vítimas e, em caso de flagrante, prisão dos responsáveis.
3.3. Trabalho artístico
Outra exceção encontrada no ordenamento jurídico à regra geral de vedação do trabalho à menores
de 16 anos é o trabalho infantil artístico, que nesse caso poderá, inclusive, ser prestado por
menores de 14 anos, com fundamento no art. 8º da Convenção 138 da OIT398.
Com efeito, nessa hipótese, excepcionalmente é admitida a prestação de trabalho por crianças e
adolescentes em diversos meios de expressão artística, como teatros, cinema, televisão, desde que
devidamente autorizados pela autoridade judiciária competente e sejam asseguradas as garantias de
trabalho protegido, em respeito à proteção integral e a condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. Nesse sentido, prescreve a Orientação 02 da COORDINFÂNCIA:
ORIENTAÇÃO 02
-- É imprescindível a concessão de alvará judicial, sempre com a manifestação do Ministério
Público. Além disso, que estejam presentes os seguintes requisitos:
-- excepcionalidade, analisar em cada situação individual e específica, se há a imprescindibilidade
de contratação de uma criança ou adolescente menor de 16 anos
-- a atividade deve envolver manifestação propriamente artística;
398
Artigo 8. 1. A autoridade competente poderá conceder, mediante prévia consulta às organizações interessadas de
empregadores e de trabalhadores, quando tais organizações existirem, por meio de permissões individuais, exceções à
proibição de ser admitido ao emprego ou de trabalhar, que prevê o artigo 2 da presente Convenção, no caso de
finalidades tais como as de participar em representações artísticas. 2.As permissões assim concedidas limitarão o
número de horas do emprego ou trabalho autorizadas e prescreverão as condições em que esse poderá ser realizado.
-- a licença ou alvará deverá definir em que atividades poderá haver labor, e quais as condições
especiais de trabalho;
-- impossibilidade de trabalho em caso de prejuízos ao desenvolvimento biopsicossocial da criança
e do adolescente, devidamente aferido em laudo médico-psicológico;
-- matrícula, frequência e bom aproveitamento escolares, além de reforço escolar, em caso de mau
desempenho;
-- compatibilidade entre o horário escolar e a atividade de trabalho, resguardados os direitos de
repouso, lazer e alimentação, dentre outros;
-- assistência médica, odontológica e psicológica;
-- proibição de labor a menores de 18 anos em situação e locais perigosos, noturnos, insalubres,
penosos, prejudiciais à moralidade e em lugares e horários que inviabilizem ou dificultem a
frequência à escola;
-- depósito, em caderneta de poupança, de percentual mínimo incidente sobre a remuneração
devida;
-- jornada e carga horária semanal máximas de trabalho, intervalos de descanso e alimentação;
-- acompanhamento do responsável legal do artista, ou quem o represente, durante a prestação do
serviço;
-- garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários quando presentes, na relação de trabalho, os
requisitos previstos em lei (arts. 2° e 3° da CLT).
Para validade do trabalho infantil artístico é imprescindível a concessão de alvará judicial, com
a manifestação do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, em cada caso
individualizado, devendo-se delimitar as condições de “execução da atividade (duração da jornada;
condições ambientais; horário em que o trabalho pode ser exercido pela criança ou adolescente; e
outras questões relacionadas ao trabalho que estejam presentes no caso concreto)”399.
O alvará judicial deverá ser expedido pelo Juiz da infância e Juventude, conforme determina o
art. 149, II e §§1 e 2º do ECA, que assim dispõe:
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante
alvará:
II – a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza.
399
MEDEIROS NETOS, Xisto Tiago; MARQUES, Rafael Dias. Manual de Atuação do Ministério Público na
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Brasília: CNMP, 2013. p. 41.
§ 1º. Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros
fatores:
a) os princípios desta lei;
b) as peculiaridades locais;
c) a existência de instalações adequadas;
d) o tipo de frequência habitual ao local; e) a adequação do ambiente a eventual participação ou
frequência de crianças e adolescentes; f) a natureza do espetáculo.
§ 2º. As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso,
vedadas as determinações de caráter geral.
A legitimidade da justiça comum para concessão de alvará autorizando o trabalho artístico de
crianças e adolescentes foi ratificada pelo STF na ADI 5326, ajuizada pela Associação Brasileira
de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que defendia que, após as alterações promovidas no
art. 144 da CR/88, seria atribuição da Justiça do Trabalho analisar pedidos de autorização de
crianças e adolescentes em representações artísticas.
No entanto, para o STF a competência para autorizar a participação de crianças e adolescentes em
eventos ou representações artísticas – a exemplo dos festivais de música ou de dança e concursos
de beleza – está a cargo da Justiça comum. Nas palavras do Ministro Marco Aurélio, em análise da
medida cautelar:
Não há dúvidas quanto à obrigatoriedade de os pedidos de autorização, para crianças e
adolescentes atuarem em eventos artísticos, serem submetidos a Juízes da Infância e Juventude. A
questão é definir se devem ser juízos próprios da Justiça Comum, ou se podem ser os criados no
âmbito da Justiça do Trabalho. Em parecer juntado ao processo, a professora Ada Pellegrini
Grinover defende que a competência no tocante ao que chamou de “verdadeira tutela diferenciada
dos seres humanos em desenvolvimento” cabe à Justiça Comum. Consoante a autora, “a existência
de órgãos judiciais voltados exclusivamente à solução de conflitos ou à jurisdição voluntária
inerente ao direito de crianças e adolescentes remonta ao revogado Código de Menores, que previa
a 'a jurisdição de menores' a ser exercida por juiz 'especializado ou não'. Na órbita da organização
judiciária, foram criadas 'Varas' ou 'Juizados de Menores', sempre no âmbito da Justiça Comum
Estadual”. Compartilho dessa visão. Concretizando o comando do artigo 227 da Constituição
Federal, o legislador ordinário, ao estabelecer o Estatuto da Criança e do Adolescente, previu a
“Justiça da Infância e da Juventude”. Determinou fosse o “Juiz da Infância e da Juventude” a
autoridade judiciária responsável pelos processos de tutela integral dos menores, o qual, apesar da
especialização, pertence à Justiça Comum. Trata-se, portanto, de ramo especializado dessa última.
[...] O Juízo da Infância e da Juventude é a autoridade que reúne os predicados, as capacidades
institucionais necessárias para a realização de exame de tamanha relevância e responsabilidade, ante
o fato de ser dever fundamental “do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão” (artigo 227 da Carta da República). E, tendo em conta a natureza
civil do processo de autorização discutido, esse só pode ser o Juiz da Infância e da Juventude
vinculado à Justiça Estadual. Ante tal quadro, é de se consignar não alcançar o artigo 114, incisos
I e IX, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, versada a competência da
Justiça do Trabalho, os casos de pedido de autorização para participação de crianças e adolescentes
em eventos artísticos, ante a ausência de conflito atinente a relação de trabalho. (ADI 5326 MC /
DF, Medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, DJe-165 DIVULG 21/08/2015 PUBLIC 24/08/2015).
Diante desse quadro, as autorizações para participação de crianças e adolescentes em eventos
artísticos, ante a ausência de controvérsia relacionada à relação de trabalho, é do Juiz da Infância
e Juventude, inserido no âmbito da Justiça Comum, conforme decisão do STF.
Em que pese a decisão da Corte Suprema, é importante destacar que o trabalho infantil artístico se
distingue da manifestação artística pura e simples. A manifestação artística diz respeito às
“apresentações artísticas escolares, em ambientes privados, familiares, sem qualquer interesse ou
conteúdo econômico, visando primordialmente ao desenvolvimento de habilidades artísticas
manifestação e expressão cultural, enfim, ao próprio desenvolvimento saudável, social, psicológico
da criança, através da arte”400, estando assegurado como direito fundamental no art. 5º, IX, da
CR/88. De outro lado, o trabalho infantil se utiliza da expressão artística da criança e adolescente
para atingir lucros ou objetivos empresariais401.
Importante destaque é a ausência de autonomia de vontade na prestação de trabalho artístico,
característica que marca as relações jurídicas de natureza civil, não havendo igualdade de condições
entre a criança e adolescente contratado para prestação de um trabalho em espetáculos e o tomador
de serviços. Neste sentido, ressaltam Elisiane Santos e Rafael Dias Marques:
400
SANTOS, Elisiane; MARQUES, Rafael Dias. Trabalho Infantil Artístico: a proteção integral de crianças e
adolescentes e o sistema de justiça do trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do
Ministério Público do Trabalho. vol 02. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 382.
401
Idem.
É cediço que as relações jurídicas de natureza civil são pautadas pelo princípio da autonomia da
vontade, em que os particulares atuam na relação jurídica em igualdade de condições. Na relação
de trabalho, por outro lado, há, em regra, hipossuficiência econômica do trabalhador em relação
ao tomador do serviço, o que avoca a competência da Justiça Especializada para a garantia da
igualdade material entre os litigantes. Outra não é a hipótese que se vislumbra no trabalho infantil
artístico. A criança ou o adolescente, enquanto polo mais fraco da relação de trabalho lato sensu,
não atua em pé de igualdade com o tomador de serviços. Ao contrário, é flagrantemente
hipossuficiente em relação a ele, atraindo a competência da justiça do trabalho para julgamento da
lide”402.
Portanto, havendo a finalidade econômica, o labor infantil artístico constitui-se em relação de
trabalho, não em contratação de natureza civil, pelo que deve ser analisado à luz dos princípios
protetivos do Direito do Trabalho, harmonizados com os princípios protetivo da criança e
adolescente, competindo de forma mais adequada ao juiz do trabalho autorizar o trabalho das
crianças e adolescentes em eventos artísticos, “enquanto órgão voltado a apreciar ações oriundas
da relação de trabalho lato sensu”403.
4. CASOS EMBLEMÁTICOS
4.1. Boleiros de quadra de tênis
Um dos casos de repercussão no qual houve atuação do Ministério Público do trabalho foram os
projetos de inserção de crianças menores de idade como boleiros ou apanhadores de bolas de tênis.
Os projetos possibilitavam que menores de 16 anos e 18 anos trabalhassem recolhendo as bolas
durante as partidas de tênis. Todavia, sem “intenção de alguma forma conferir saberes a serem
usados imediatamente, de forma a contribuir para diminuir o pauperismo das pessoas
atendidas”404.
Ademais, o trabalho prestado pelas crianças e adolescentes como boleiros se enquadra na lista de
atividades enquadradas como piores formas de trabalho infantil (LISTA TIP), listadas pelo
Decreto 6481/2008, por se tratar de atividade ao ar livre, sem proteção adequada contra exposição
à radiação solar, chuva e frio, o que poderia acarretar queimaduras na pele; envelhecimento
precoce; câncer de pele; desidratação; doenças respiratórias; hipertemia; dermatites; conjuntivite;
pneumonite; fadiga; entre outros.
402
Ibidem, p. 391.
403
Ibidem, p. 393.
404
SANTOS, Bárbara Cristina Felismino dos. Pelas mãos das organizações não-governamentais: Responsabilidade
social empresarial, educação e geração de trabalho e renda. Universidade Federal Fluminense. Dissertação de Mestrado
para obtenção do grau de Mestre em Educação. Niterói: 2009. p. 86.
Ressalta-se que o trabalho em condições que possam prejudicar saúde, à segurança e à moral das
crianças e adolescentes somente pode ser realizado por maiores de 18 anos, em especial, no caso
relatado, além do enquadramento como uma das piores formas de trabalho infantil, o trabalho
também era desenvolvido no período noturno, devido ao horário das partidas de tênis, em violação
ao art. 7º, XXXIII, da CR/88.
A fim de que se fosse regularizada a condição de trabalho prestada pelas crianças e adolescentes
como boleiros das quadras de tênis, o Ministério Público do Trabalho buscou, junto aos clubes, a
conversão do programa em contratos de aprendizagem, com a obrigação de não mais explorar mão
de obra infantil, sob pena de multa, além de pagamento de indenizações individuais e coletivas.
4.2. Trabalho doméstico
Segundo a OIT, “trabalho infantil doméstico em casa de terceiros se refere a todas as atividades
econômicas realizadas por pessoa menor de 18 anos fora de sua família nuclear e pelas quais podem
ou não receber alguma remuneração”.405
O trabalho infantil doméstico pode se dividir em três situações, consoante identificado por
Terçalia Suassuna Vaz406: a) Trabalho infantil doméstico remunerado: trabalho prestado para
outra pessoa em troca de remuneração; b)Trabalho infantil doméstico com caráter de
socialização: realizado na própria casa da criança ou adolescente, com intuito de ensinar pequenas
responsabilidades, contribuir para formação do caráter e inserção na vida familiar e social; c)
Trabalho infantil doméstico com caráter de ajuda: trabalho realizado na casa da família ou de
terceiros, emque a criança ou o adolescente assume responsabilida-des pelo cuidado da casa ou de
pessoas (crianças, velhosou doentes).
Sobre o trabalho infantil doméstico com caráter de ajuda, Terçalia Suassuna Vaz destaca que
“no caso da própria família, pode ou não receber pagamento, sendo que, na maioria das vezes, ao
assumir as responsabilidades, disponibiliza outros adultos para o trabalho fora de casa ou assume
sozinha todo o processo de trabalho. Quando o TID ajuda é para terceiros, o pagamento é mais
ínfimo ainda e o caráter de ajuda esconde a precariedade da relação ou a situação de exploração.
Neste último caso, é comum a ajuda a uma vizinha ou parente”.
405
MPT, Contribuições para o enfrentamento das piores formas de trabalhoinfantil. Organizado por Ana Maria Villa
Real Ferreira Ramos... [et al.]. Colaboradoras: Simone Beatriz Assis de Rezende, Margaret Matosde Carvalho. Brasília:
Ministério Público do Trabalho, 2021. p. 23
406
VAZ, Terçalia Suassuna (coord.). O trabalho infantil doméstico em João Pessoa-PB: um diagnóstico rápido à luz
das piores formas de trabalho infantil. João Pessoa: OIT, 2005. Disponível em:
<https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_233671/lang--pt/index.htm> Acesso em: 28/09/2022.
O trabalho infantil doméstico constitui-se em uma das piores formas de trabalho infantil,
conforme lista o Decreto 6481/2008 (LISTA TIP), diante dos riscos de esforços físicos intensos;
isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor;
exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna
vertebral; sobrecarga muscular e queda de nível, o que pode ocasionar bursites, tendinites,
tenossinovites; contusões; fraturas; ferimentos; queimaduras; ansiedade; alterações na vida
familiar; transtornos do ciclo vigília-sono; DORT/LER; deformidades da coluna vertebral;
síndrome do esgotamento profissional traumatismos; tonturas e fobias, entre outras repercussões
à saúde.
Em tópico específico, referente aos “Serviços Coletivos, Sociais, Pessoais”, a Lista TIP traz também
como pior forma de trabalho infantil o trabalho de “cuidado e vigilância de crianças, de pessoas
idosas ou doentes”.
No mesmo sentido, a Lei Complementar 150/2015, que regulamentou o contrato de trabalho
doméstico, trouxe de forma expressa, em seu art. 1º, parágrafo único, a vedação à contratação de
menor de 18 anos para desempenho de trabalho doméstico, de acordo com a Convenção no 182
da OIT e o Decreto 6481/2008.
Constitui-se em um trabalho de difícil fiscalização, “pois oculta-se entre os muros domiciliares,
que têm a prerrogativa da inviolabilidade, de acordo com o que prevê a Constituição Federal (art.
5º, XI)”.407 Estima-se que, 257,6 mil crianças e adolescentes estão submetidas ao trabalho infantil
doméstico, conforme dados do IBGE, no ano de 2011408.
O Caderno de notas da OIT n. 03, sobre Trabalho doméstico remunerado na América Latina e
Caribe409, distingue os simples afazeres domésticos do trabalho doméstico, uma vez que os afazeres
domésticos na própria casa não prejudicam o desenvolvimento normal de meninos e meninas,
passando a ser considerados como trabalho infantil quando adquirem as características de
perigosos e ultrapassam a quantidade máxima de horas na semana permitidas para estas atividades,
segundo as legislações nacionais.
407
MEDEIROS NETOS, Xisto Tiago; MARQUES, Rafael Dias. Manual de Atuação do Ministério Público na
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Brasília: CNMP, 2013. p. 13.
408
SANTOS, Elisiane. Desafios no combate ao trabalho infantil doméstico sob a perspectiva da atuação do
Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério
Público do Trabalho. vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 791.
409
OIT. Nota 3 – Erradicar o trabalho infantil doméstico. Série O Trabalho doméstico remunerado na América
Latina, n.3. Data de publicação: 1 de Dezembro de 2011. Disponível:
<https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_233908/lang--pt/index.htm>.
Portanto, o trabalho infantil doméstico é caracterizado quando importe em “privação ou limitação
de direitos humanos e fundamentais, com exigências de trabalho superiores a suas forças ou que
lhes traga prejuízos físicos, psicológicos, sociais, morais, ultrapassando a mera contribuição na
organização e no cuidado com o espaço em que habita.”410
4.3. Atuação do MPT
O trabalho infantil é difícil de ser visualizado, uma vez que acontece no espaço privado das
residência, tratando-se de ambiente in violável (art. 5º, XI, CR/88). Acresça-se que culturalmente
admite-se o trabalho de crianças e adolescentes, com fundamento de que auxilia na formação e
promove a retirada da marginalidade e criminalidade, o que dificulta o combate à prática.
Portanto, em primeiro plano é importante promover a educação e conscientização da sociedade
e o dever de vigilância social, tanto no núcleo familiar da criança ou adolescente, como na
prestação de serviços ou auxílio na residência de terceiros, além de informar a população sobre as
possibilidade de denúncia dos fatos ocorridos através do Disque Direitos Humanos (Disque 100),
Conselho Tutelar, Fiscalização do Trabalho ou MPT, para que sejam adotadas as providências
necessárias.
Ademais, a atuação do MPT no combate ao trabalho infantil, incluso, o trabalho infantil
doméstico, tem-se pautado em três eixos fundamentais: eixo políticas públicas, eixo educação e
eixo da aprendizagem, que buscam a implementação de políticas públicas pelo Municípios no
combate ao trabalho infantil, conscientização e sensibilização da comunidade escolar e sociedade
a respeito das formas de exploração do trabalho de crianças e adolescentes e suas consequências e
inserção de adolescentes em programas de aprendizagem, em cumprimento ao art. 429 da CLT.
No eixo políticas públicas, são analisadas três situações dentro do município: “a previsão de rubrica
orçamentária específica no orçamento do município para área da infância e adolescência; a
estruturação e articulação intersetorial da rede de proteção; e as alternativas existentes e ofertadas
para a população em situação de vulnerabilidade”411 (escolas em tempo integral, projetos
contraturno escolar, projetos de esporte, cultura e profissionalização). Em relação a rede de
proteção, inclui-se a articulação com Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e
410
SANTOS, Elisiane. Desafios no combate ao trabalho infantil doméstico sob a perspectiva da atuação do
Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério
Público do Trabalho. vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 798.
411
MONTE, Valesca de Morais do Monte; OLIVEIRA, Tiago Raniere de. Resgate a infância: o combate ao trabalho
infantil pelo Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do
Ministério Público do Trabalho. vol 03. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 289.
Adolescentes (CMDCA), Conselho Tutelar, Centros de Referência e Assistência Social (CRAS),
Centros de Referência Especial em Assistência Social, Educação e Saúde.
Com relação ao eixo educação, busca-se afastar a questão cultural que reforça a ideia de que o
trabalho infantil é alternativa à miserabilidade e marginalidade, desenvolvendo-se nas escolas e na
comunidade a construção de conhecimento a respeito das formas de exploração e suas
consequências prejudiciais à saúde e formação das crianças e adolescentes, bem como a
desconstrução do mitos existentes sobre os aspectos positivos do trabalho infanto-juvenil.
Por fim, o eixo aprendizagem busca efetivamente apresentar uma forma de inserção dos
adolescentes no mercado de trabalho, mas com respeito aos direitos fundamentais e as garantias de
prioridade absoluta, proteção integral e condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
realizando-se seminários, audiência públicas, procedimentos promocionais, campanhas
publicitárias, que promovam a sensibilização das empresas quanto aos benefícios da aprendizagem
e o dever de cumprimento da obrigação legal prevista no art. 429 da CLT.
5. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
ORIENTAÇÃO N. 01. AUTORIZAÇÕES JUDICIAIS PARA O TRABALHO ANTES DA
IDADE MÍNIMA. INVALIDADE POR VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 405 E 406 DA CLT. INAPLICABILIDADE DO ART.
149 DA CLT COMO AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES.
I - Salvo na hipótese do art.8°, item I da Convenção n. 138 da OIT, as autorizações para o trabalho
antes da idade mínima carecem de respaldo constitucional e legal. A regra constitucional insculpida
no art. 7o, inciso XXIII, que dispõe sobre a idade mínima para o trabalho é peremptória, exigindo
aplicação imediata.
II – As disposições contidas nos arts. 405 e 406 da CLT não mais subsistem na Ordem Jurídica,
uma vez que não foram recepcionadas pela Ordem Constitucional de 1988, a qual elevou à
dignidade de princípio constitucional os postulados da proteção integral e prioridade absoluta (art.
227), proibindo qualquer trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir
dos 14.
III – A autorização a que se refere o art. 149, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
não envolve trabalho, mas a simples participação de criança e de adolescente em espetáculo público
e seu ensaio e em certame de beleza.
ORIENTAÇÃO N. 02. TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO. PROIBIÇÃO GERAL
PARA MENORES DE 16 ANOS. EXCEPCIONALIDADES. CONDIÇÕES ESPECIAIS.
I. O trabalho artístico, nele compreendido toda e qualquer manifestação artística apreendida
economicamente por outrem, é proibido para menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz,
a partir dos 14 anos, nos termos do art. 7°, XXXIII da Constituição Federal.
II. Admite-se, no entanto, a possibilidade de exercício de trabalho artístico, para menores de 16
anos, na hipótese do art. 8°, item I da Convenção n. 138 da OIT, desde que presentes os seguintes
requisitos:
A) Excepcionalidade;
B) Situações Individuais e Específicas;
C) Ato de Autoridade Competente (autoridade judiciária do trabalho);
D) Existência de uma licença ou alvará individual;
E) O labor deve envolver manifestação artística;
F) A licença ou alvará deverá definir em que atividades poderá haver labor, e quais as condições
especiais de trabalho.
III. Em razão dos princípios da proteção integral e prioridade absoluta, são condições especiais de
trabalho a constar em qualquer alvará judicial que autorize o exercício de trabalho artístico para
menores 16 anos, sob pena de invalidade:
A) Imprescindibilidade de Contratação, de modo que aquela específica obra artística não possa,
objetivamente, ser representada por maior de 16 anos;
B) Prévia autorização de seus representantes legais e concessão de alvará judicial, para cada novo
trabalho realizado;
C) Impossibilidade de trabalho em caso de prejuízos ao desenvolvimento biopsicossocial da criança
e do adolescente, devidamente aferido em laudo médico-psicológico; D) Matrícula, frequência e
bom aproveitamento escolares, além de reforço escolar, em caso de mau desempenho;
E) Compatibilidade entre o horário escolar e atividade de trabalho, resguardos dos direitos de
repouso, lazer e alimentação, dentre outros;
F) Assistência médica, odontológica e psicológica;
G) Proibição de labor a menores de 18 anos em locais e serviços perigosos, noturnos, insalubres,
penosos, prejudiciais à moralidade e em lugares e horários que inviabilizem ou dificultem a
frequência à escola;
H) Depósito, em caderneta de poupança, de percentual mínimo incidente sobre a remuneração
devida;
I) Jornada e carga horária semanal máxima de trabalho, intervalos de descanso e alimentação;
J) Acompanhamento do responsável legal do artista, ou quem o represente, durante a prestação do
serviço;
L) Garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários quando presentes, na relação de trabalho, os
requisitos do arts. 2° e 3° da Consolidação das Leis do Trabalho. (Orientação elaborada e aprovada
com base em estudo da Coordinfância.)
ORIENTAÇÃO N. 03. APRENDIZAGEM NAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA
E EMPRESAS PÚBLICAS. OBRIGATORIEDADE. ART. 173 DA CF/88 C/C ARTS. 429 E
SS. DA CLT. No âmbito das sociedades de economia mista e empresas públicas, a contratação de
aprendizes é obrigatória, por força do contido no art. 173 do CF 88 e no art. 429 e ss. da CLT,
cumulado com o art. 16 do Decreto n. 5580/2005, devendo a contratação obedecer a processo
seletivo prévio, na forma do art. 37 da mesma Constituição.
ORIENTAÇÃO N. 04. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PREVENÇÃO E
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO PARA ATUAÇÃO. Pode ser ajuizada perante a Justiça do
Trabalho ação civil pública pleiteando a elaboração e execução de políticas públicas voltadas à
prevenção e erradicação do trabalho infantil. Aplicação do artigo 83, III, da Lei Complementar
75/93 e artigo 114, I, da Constituição da República.
ORIENTAÇÃO N. 05. EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES. RELAÇÃO DE TRABALHO ILÍCITA E DEGRADANTE.
RESPONSABILIZAÇÃO POR DANO MORAL. A exploração sexual comercial de crianças e
adolescentes é relação de trabalho ilícita e degradante e constitui, na forma da Convenção n. 182
da OIT e do Decreto n. 6.481/08, uma das piores formas de trabalho infantil, que ofende não
somente a direitos individuais do lesado, mas também e, fundamentalmente, aos interesses difusos
de toda a sociedade brasileira. Constitui-se como grave violação da dignidade da pessoa humana e
do patrimônio ético-moral da sociedade, autorizando a celebração de Termos de Ajuste de
Conduta e propositura de Ações Civis Públicas, pelo Ministério Público do Trabalho, para
ressarcimento do dano individual indisponível e metaindividual dela decorrente.
ORIENTAÇÃO N. 06. EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES. RESPONSABILIDADE DOS EXPLORADORES.O cliente e/ou o
tomador dos serviços sexuais prestados por crianças e adolescentes, bem como o respectivo
intermediador e quaisquer pessoas que venham a favorecer tais práticas, são responsáveis
solidariamente por todos os danos, materiais e morais, individuais e coletivos, decorrentes de sua
conduta lesiva, nos termos do art. 942, parágrafo único, do Código Civil, art. 4o, II do Decreto
6.481/2008, sobre piores formas de trabalho infantil, c/c art. 8o da Consolidação das Leis do
Trabalho.
ORIENTAÇÃO N. 07. EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Nos
termos dos arts. 114, I, 127 e 129 da CF/88, do art. 83, V da LC 75/93 e do art. 1º da Lei 7.347/85,
cabe ao Ministério Público do Trabalho a investigação e o ajuizamento de ações em relação às
questões decorrentes do trabalho sexual ilícito de crianças e adolescentes junto à Justiça do
Trabalho.
ORIENTAÇÃO N. 08. ATLETAS. APRENDIZAGEM. RELAÇÃO DE TRABALHO.
LEGITIMIDADE DO MPT. Ainda que a Lei Pelé mencione que a aprendizagem profissional no
futebol do atleta se dará sem vínculo empregatício, está preservada a legitimidade do MPT, pois a
natureza da relação jurídica entre atleta e entidade formadora é de trabalho.
ORIENTAÇÃO N. 09. ATLETAS. APRENDIZAGEM. FORMALIZAÇÃO DO
CONTRATO DE APRENDIZAGEM. OBRIGATORIEDADE. REMUNERAÇÃO
MÍNIMA. É obrigatória a celebração de contrato de formação profissional previsto no art. 29, §
4o da Lei no 9615/1998 (Lei Pelé). A liberdade das partes restringe-se à negociação do valor da bolsa
(remuneração) correspondente, que não poderá ser inferior ao salário-mínimo hora.
ORIENTAÇÃO N. 10. ATLETA. APRENDIZAGEM. DURAÇÃO MÍNIMA DO
CONTRATO. Na falta de norma específica no bojo da Lei Pelé, deve ser garantida duração
mínima ao contrato de formação profissional, pois se trata de uma modalidade de contrato a prazo
(analogia à Aprendizagem da CLT). Além disso, a fixação de prazo mínimo é necessária para frear
o fenômeno de “descartabilidade” dos atletas, que prejudica seus direitos fundamentais. Seis (6)
meses é o tempo mínimo de duração a ser admitido para não prejudicar o desenvolvimento da
atividade (nesse período já se pode avaliar o potencial do atleta) e garantir minimamente os direitos
dos adolescentes, especialmente o direito à educação.
ORIENTAÇÃO N. 11. ATLETAS. APRENDIZAGEM. TESTES PARA ADMISSÃO EM
PROGRAMAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL. GRATUIDADE. Não poderá ser
instituída qualquer cobrança com respeito aos testes aplicados a atletas, sob pena de ofensa ao
princípio segundo o qual os riscos da atividade econômica correm por conta do empregador.
ORIENTAÇÃO N. 12. ATLETAS. APRENDIZAGEM. TESTES. CONDIÇÕES
MÍNIMAS. Durante a realização dos testes prévios à admissão de atletas aprendizes, deverão ser
observadas as seguintes regras, concebidas para evitar que atletas permaneçam longos períodos
treinando na informalidade sob a justificativa de estarem “em teste”, bem como para combater os
prejuízos, notadamente aqueles decorrentes da ausência escolar que padecem esses adolescentes: a)
duração não superior a uma semana; b) autorização específica dos responsáveis legais, vedada a
autorização de agentes; c) registro em “livro de testes” a ser instituído pela entidade formadora; d)
Comprovação de prévia matrícula e frequência escolar; e) Realização de exame médico prévio e
específico.
ORIENTAÇÃO N. 13. ATLETAS. APRENDIZAGEM. IDADE MÍNIMA: 14 ANOS. A
idade mínima admissível para a aprendizagem profissional de atletas é 14 anos, de acordo com a
interpretação sistemática dos art. 29, §§ 3o e 4o da Lei Pelé (LP) com os art. 227, caput, e 7o, inciso
XXXIII, da Constituição Federal. Antes dessa idade o atleta pode praticar esportes apenas sob a
modalidade de desporto educacional, prevista no art. 3o, inciso I, da LP, sem quaisquer restrições
à liberdade de prática desportiva.
ORIENTAÇÃO N. 14. ATLETAS. APRENDIZAGEM. ALOJAMENTO.
RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE DE FORMAÇÃO. I - Não será permitido que o
atleta adolescente seja alojado em repúblicas, hotéis, pensões ou similares que não estejam sob
controle da entidade de formação profissional. II – Em qualquer caso, tanto nos alojamentos
próprios dos clubes ou de terceiros, deverão ser asseguradas alimentação e condições adequadas de
higiene e segurança, entre outras previstas na legislação aplicável.
ORIENTAÇÃO N. 15. ATLETAS. APRENDIZAGEM. PPRA E PCMSO.
OBRIGATORIEDADE. Aplica-se a NR-4 às entidades de formação profissional, que deverão
implementar Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional e o Programa de Prevenção de
Riscos Ambientais para os atletas adolescentes, em consonância com os art. 7º, XXI e 227, ambos
da Constituição Federal.
ORIENTAÇÃO N. 16. ATLETAS. APRENDIZAGEM. REPRESENTAÇÃO. LIMITES. I
- São nulas quaisquer modalidades de contratos de agenciamento esportivo para atletas com idade
inferior a 14 anos. II - A partir de 14 anos, é obrigatória a representação ou assistência dos
responsáveis legais em todos os atos jurídicos praticados pelos atletas, vedada a transferência
contratual de direitos inerentes ao poder familiar a agentes ou terceiros.
ORIENTAÇÃO N. 17. ESTÁGIO. EDUCAÇÃO BÁSICA. ENSINO MÉDIO NÃO
PROFISSIONALIZANTE. CONSTITUCIONALIDADE. O Estágio é ato educativo escolar
supervisionado que visa à preparação para o trabalho produtivo do educando. A profissionalização
não se restringe à qualificação para uma profissão específica, alcançando, também, o preparo
básico para o mundo do trabalho. A educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho. Diante de tais premissas, têm-se como
constitucionais as previsões normativas que autorizam o estágio na educação básica, na etapa de
ensino médio não profissionalizante. Inteligência dos arts. 205, 214, IV e 227, caput, da
Constituição Federal combinados com os arts. 4º, 53 e 69, do Estatuto da Criança e do Adolescente
– ECA; arts. 1o, 2o e 82 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB; arts. 1º e 9º da
Lei 11.788/2008 e, ainda, a Resolução do CNE/CEB 01, de 21 de janeiro de 2004.
ORIENTAÇÃO N. 18. ESTÁGIO. EDUCAÇÃO BÁSICA. ENSINO MÉDIO NÃO
PROFISSIONALIZANTE. REQUISITOS. A validade do estágio na educação básica, na etapa
de ensino médio não profissionalizante, pressupõe a observância dos seguintes requisitos:
a) formais: previsão no projeto pedagógico da instituição de ensino e no planejamento curricular
do respectivo curso; celebração de termo de parceria entre a instituição de ensino e a entidade
concedente; matrícula e frequência regular e comprovada em curso de ensino médio público ou
particular; celebração de termo de compromisso entre a unidade concedente, a instituição de
ensino e o estagiário vinculado ao termo de parceria; e, contratação de seguro de acidentes pessoais,
cuja apólice seja compatível com valores de mercado;
b) cronológicos: idade mínima de 16 anos; compatibilidade da jornada, da carga horária semanal,
da duração e do horário de estágio com a jornada escolar; coincidência entre o recesso do estágio e
as férias escolares; jornada máxima de 6 horas e carga horária semanal máxima de 30 horas; e,
duração máxima do estágio de 02 (dois) anos ou coincidente com a duração do curso; no entanto,
considerando possíveis prejuízos ao aprendizado, exposição a riscos e desgaste da saúde física e
mental do adolescente, é recomendável a adoção de jornada máxima de 4h
c) físicos: designação de supervisores de estágio pela instituição de ensino em proporção que
permita a efetiva supervisão do estágio; observância do número máximo de estagiários conforme
número de empregados; e meio ambiente de trabalho seguro e salubre;
d) materiais: adequação das atividades do estágio ao projeto pedagógico da instituição de ensino;
capacidade de o estágio proporcionar preparação para o mundo do trabalho; acompanhamento e
avaliação por parte de supervisor designado pela instituição de ensino; preparo do aluno, pela
instituição de ensino, para que este apresente condições mínimas de competência pessoal, social e
profissional, que lhe permita a obtenção de resultados positivos desse ato educativo; e, gratuidade
quanto a quaisquer cobranças decorrentes da contratação do estagiário.
ORIENTAÇÃO N. 19. ALOJAMENTOS DE ATLETAS ADOLESCENTES.
EXCEPCIONALIDADE. REGISTRO NO CMDCA. REQUISITOS MÍNIMOS DE
PROTEÇÃO. A possibilidade de os clubes formadores manterem alojamentos para os atletas em
formação só pode ser entendida como unidade de acolhimento excepcional, sujeita a registro nos
CMDCA’s e controle pelas Promotorias da Infância e Juventude e pelo MPT. Para tanto, devem
ser observados estritamente os direitos de assistência educacional, psicológica, médica e
odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar, além de instalações
desportivas adequadas, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade,
corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva, incluindo profissionais da
área médica, e profissionais que exerçam a supervisão dos adolescentes residentes e
acompanhamento das famílias.
ORIENTAÇÃO N. 20. EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO
FUTEBOL. RECRUTAMENTO POR FRAUDE, COAÇÃO, ABUSO E OUTROS.
ENQUADRAMENTO COMO TRÁFICO DE PESSOAS. A exploração de crianças e
adolescentes no futebol é um grave desrespeito aos direitos humanos, podendo vir a ser enquadrada
como tráfico de pessoas quando presentes as condições descritas no Protocolo de Palermo,
especialmente quando o recrutamento é praticado mediante coação, fraude, engano, abuso de
autoridade ou por meio da situação de vulnerabilidade, utilizada para obter o consentimento dos
atletas, que, nesse caso, é considerado irrelevante, devendo o MPT adotar as medidas pertinentes
ao resgate das vítimas e, em caso de flagrante, prisão dos responsáveis.
ORIENTAÇÃO N. 21. EMENTA: APRENDIZAGEM NAS EMPRESAS DE TRABALHO
TEMPORÁRIO. COTA DE APRENDIZES. EMPRESAS PRESTADORAS. Os trabalhadores
temporários contratados na forma da Lei 6.019/73 (com as alterações trazidas pela Lei
13.429/2017) são computados pelas empresas prestadoras de serviços para fins de cálculo de cota
de aprendizes independentemente do local em que estejam trabalhando. Para a definição das
funções que demandam formação profissional deverá ser considerada a Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO). Aplicação dos artigos 429 da CLT e 52 e 54 do Decreto nº 9.579/2018.
ORIENTAÇÃO N. 22. EMENTA: APRENDIZAGEM. CUMPRIMENTO
ALTERNATIVO DA COTA. ART. 66 DO DECRETO Nº 9.579/2018. APLICABILIDADE.
Quando comprovadamente não for possível às empresas contratantes proporcionarem ao aprendiz
a parte prática em suas dependências, não serão as mesmas eximidas do cumprimento da cota
aprendizagem ou terão suas cotas reduzidas, pois deverão atender o disposto no art. 66 do Decreto
nº 9.579/2018, que trata do cumprimento alternativo da cota. Nesta hipótese, o aprendiz será
contratado pela própria empresa, mas desenvolverá as atividades práticas em unidade concedente
para a prática do aprendiz.
ORIENTAÇÃO N. 23. EMENTA: APRENDIZAGEM PROFISSIONAL. BASE DE
CÁLCULO DA COTA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO. Nos termos
do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho c/c com o artigo 52 do Decreto nº
9.579/2018, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) é o critério normativo para fins de
definição das funções que demandam formação profissional, base para cálculo da cota legal de
aprendizagem profissional. A aprendizagem constitui a concretização do direito à
profissionalização abrangido pela proteção integral prevista no artigo 227 da Constituição Federal,
a ser assegurado a todos(as) os(as) adolescentes e jovens brasileiros(as). Não é admissível, portanto,
a flexibilização da base de cálculo da cota da aprendizagem, para reduzir ou restringir seu alcance,
diminuindo-se o número potencial de vagas de aprendizagem profissional no mercado de trabalho.
A flexibilização da base de cálculo da cota legal, contrariando as normas jurídicas pertinentes, gera
tratamento desigual e prejudicial relativamente aos empregadores que cumprem adequadamente
a legislação. O Ministério Público do Trabalho deve adotar as medidas cabíveis, necessárias e
disponíveis em face de instrumentos normativos (convenções e/ou acordo coletivos) ou decisões
judiciais que eventualmente estabeleçam a flexibilização da base de cálculo da cota legal, não sendo
possível, por consequência lógica, a celebração de Termos de Ajuste de Conduta ou acordos
judiciais em contrariedade ao disposto no artigo 429 da CLT e no artigo 52 do Decreto nº
9.579/2018.
6. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo, 2015.
CORREIA, Henrique Correia. Direito do Trabalho. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
FERREIRA, Luiz Antônio Miguel; DÓI, Cristina Teranise. A Proteção Integral das Crianças e
dos Adolescentes Vítimas (Comentários ao art. 143 do ECA). Ministério Público do Paraná.
Disponível em:
<http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/protecao_integral_ferreira.pdf>.
MEDEIROS NETOS, Xisto Tiago; MARQUES, Rafael Dias. Manual de Atuação do Ministério
Público na Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Brasília: CNMP, 2013.
MONTE, Valesca de Morais do Monte; OLIVEIRA, Tiago Raniere de. Resgate a infância: o
combate ao trabalho infantil pelo Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique,
MIESSA, Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. vol 03. Salvador:
Juspodivm, 2017.
MPT, Contribuições para o enfrentamento das piores formas de trabalhoinfantil. Organizado por
Ana Maria Villa Real Ferreira Ramos... [et al.]. Colaboradoras: Simone Beatriz Assis de Rezende,
Margaret Matosde Carvalho. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2021.
OIT. Nota 3 – Erradicar o trabalho infantil doméstico. Série O Trabalho doméstico remunerado
na América Latina, n.3. Data de publicação: 1 de dezembro de 2011. Disponível:
<https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_233908/lang--pt/index.htm>.
SANTOS, Bárbara Cristina Felismino dos. Pelas mãos das organizações não-governamentais:
Responsabilidade social empresarial, educação e geração de trabalho e renda. Universidade Federal
Fluminense. Dissertação de Mestrado para obtenção do grau de Mestre em Educação. Niterói:
2009.
SANTOS, Elisiane. Desafios no combate ao trabalho infantil doméstico sob a perspectiva da
atuação do Ministério Público do Trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA, Élisson. Estudos
aprofundados do Ministério Público do Trabalho. Vol 01. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
SANTOS, Elisiane; MARQUES, Rafael Dias. Trabalho Infantil Artístico: a proteção integral de
crianças e adolescentes e o sistema de justiça do trabalho. CORREIA, Henrique, MIESSA,
Élisson. Estudos aprofundados do Ministério Público do Trabalho. Vol. 02. Salvador: Juspodivm,
2015.
VAZ, Terçalia Suassuna. O SENTIDO DO TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO:
particularidades e contradições na esfera da reprodução social nas economias periféricas
dependentes. Tese apresentada à Banca Examinadora do Curso de Doutorado em Serviço Social
da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2016.
VAZ, Terçalia Suassuna (coord.). O trabalho infantil doméstico em João Pessoa-PB: um
diagnóstico rápido à luz das piores formas de trabalho infantil. João Pessoa: OIT, 2005. Disponível
em: <https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_233671/lang--pt/index.htm> Acesso
em: 28/09/2022.
CAPÍTULO VIII - CONALIS – COORDENADORIA NACIONAL DE
PROMOÇÃO DA LIBERDADE SINDICAL
1. SOBRE A COORDENADORIA
A Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS) foi a última
coordenadoria a ser criada, o que se deu no ano de 2009. Tem como principais objetivos: defender
a liberdade sindical, buscar a pacificação dos conflitos coletivos, combater os atos antissindicais,
assegurar o direito de greve, atuar como mediador ou árbitro nos conflitos coletivos de trabalho e
incentivar a negociação coletiva como forma de melhoria das condições de trabalho.
2. LIBERDADE SINDICAL E CONVENÇÃO 87 DA OIT
2.1. Conceito
A liberdade sindical é a pedra angular do direito coletivo do trabalho, consistindo no mais
importante de seus princípios, cujo conceito pode ser encontrado no art. 2º da Convenção nº 87
da OIT, que dispõe sobre a liberdade sindical e a proteção ao direito de sindicalização e é uma das
Convenções fundamentais da OIT412. É o princípio fundamental sobre o qual repousa todo o
direito coletivo do trabalho.
Com efeito, entende-se por princípio da liberdade sindical o mandamento nuclear do direito
coletivo do trabalho pelo qual “os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer
espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o
direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das
mesmas” (art. 2º da Convenção nº 87 da OIT).413
Doutrinariamente, conceitua-se o princípio da liberdade sindical como o direito dos trabalhadores
e empregadores de não sofrerem interferências nem dos poderes públicos nem uns em relação aos
412
A Organização Internacional do Trabalho possui, agora, 10 Convenções Fundamentais, que correspondem às
chamadas core obligations. A Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu
seguimento afirma, em seu item 2: “Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as Convenções,
têm um compromisso derivado do simples fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de
boa fé e de conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas
Convenções, isto é: (a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (b) a eliminação
de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; (c) a efetiva abolição do trabalho infantil; e (d) a eliminação da
discriminação em matéria de emprego e ocupação”. A OIT acrescentou, ainda, a obrigação a todos os membros, ainda
que não tenham ratificado as convenções da OIT, de manutenção de um ambiente de trabalho seguro e saudável, pelo
que também são de aplicação obrigatórias as Convenções 155 e 187 da OIT.
413
É importante registrar que, embora não ratificada pelo Brasil, por razões mais adiante tratadas, o conceito de
liberdade sindical estampado na Convenção nº 87 da OIT é o mais aceito e utilizado na doutrina e na jurisprudência.
outros, no processo de se organizarem, bem como o de promoverem interesses próprios ou dos
grupos a que pertençam.414
2.2. Normas de proteção
Em âmbito internacional, dentre outros diplomas que consagram a liberdade sindical, destacam-
se a Declaração Universal dos Direitos do Humanos (DUDH) de 1948 e o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966.
No mesmo passo, a constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata da
liberdade de associação como condição indispensável para o progresso e prosperidade geral a
Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho de 1998 impõe
a obrigação à todos os membros, ainda que não tenham ratificado as convenções reconhecidas
como fundamentais, a obrigação de promover e tornar realidade os princípios relativos aos direitos
fundamentais tratados nessas convenções, quais sejam:
a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
c) a abolição efetiva do trabalho infantil;
d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação;
e) a Segurança e Saúde no Trabalho.
Ainda, no âmbito internacional, além das convenções fundamentais e de observância
obrigatória - Convenção 87 da OIT (sobre liberdade sindical e proteção ao direito de
sindicalização) e a Convenção 98 da OIT (sobre direito de sindicalização e de negociação
coletiva), destacam-se a Convenção 135 da OIT (proteção de representantes de trabalhadores),
Convenção 151 da OIT (direito de sindicalização e negociação coletiva na Administração
Pública) e Convenção 154 da OIT (fomento à negociação coletiva) da OIT.
Por sua vez, a CR/88 incluiu a liberdade sindical dentro do rol de direitos fundamentais Art. 5º,
XVII e art. 8º, caput), além de prever como direitos dos trabalhadores o “reconhecimento das
convenções e acordos coletivos de trabalho” (art. 7º, XXVI).
2.3. Classificação
A partir do citado conceito pode-se classificar a liberdade sindical, dentre outras classificações,
principalmente, em liberdade sindical positiva e liberdade sindical negativa e liberdade sindical
individual e coletiva.
414
MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito coletivo do trabalho. Volume III. 3. ed. São
Paulo: LTr, 1993. p. 27.
A liberdade sindical positiva reflete a faculdade que os trabalhadores ou empregadores possuem
de constituir organizações sindicais e a ela se filiarem. Ou seja, trata-se de livre constituição e livre
filiação. Observa-se, como bem lembra Luciano Martinez, que o direito de constituir o que não
existe e o direito de filiar-se ao que existe está presente na DUDH – Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, no artigo XXIII, item 4: “toda pessoa tem direito a organizar sindicatos
e nele ingressar para proteção de seus interesses”.415
De outro flanco, a liberdade sindical negativa consiste no direito que o trabalhador ou o
empregador possui de não constituir e/ou se filiar a uma organização sindical ou dela sair quando
bem entender, bastando que, para isso, expresse sua vontade. Assim, como decorrência da
liberdade sindical negativa, há de se respeitar a expressão da faculdade à desconexão sindical que
pode manifestar-se a priori, por atos omissivos de constituição ou de filiação, ou a posteriori, por
atos de desfiliação.416
A liberdade sindical pode ser ainda individual ou coletiva. A primeira consiste na liberdade dos
empregados, individualmente considerados, criarem organizações e a ela se filiarem (liberdade
sindical individual positiva) ou de não criarem, não se filiarem, ainda, se desfiliarem, caso já filiados
(liberdade sindical individual negativa). A segunda diz respeito ao direito que as próprias
organizações coletivas possuem ou são titulares de, enquanto entidades coletivas, criarem novas
agremiações e a ela se filiarem.
Diante das classificações apresentadas, pode afirmar, como bem elucida a autorizada doutrina de
Luciano Martinez, que a liberdade sindical possui duas dimensões diferentes e entre si
complementares, a individual e a coletiva, cada uma delas sob perspectivas positivas ou negativas.417
2.4. Condutas antissindicais
Pode-se afirmar que qualquer ato que viole ou contrarie o conteúdo do princípio da liberdade
sindical é uma conduta ou comportamento antissindical. Assim, qualquer comportamento, de
quem quer que seja, que tentar impedir ou limitar ou, de fato, obstar o exercício da liberdade
sindical é considerado ato antissindical. Com efeito, ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-
se filiado a sindicato (art. 8º, inciso V, da CRFB/88).
Sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho possui jurisprudência pacífica no sentido de que
“as cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título,
obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação
415
MARTINEZ, Luciano. Condutas antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 246.
416
Idem. p. 311.
417
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 882.
e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução,
por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados” (Orientação Jurisprudencial nº 17
da Seção de Dissídios Coletivos).
Também nesse sentido é o teor da Súmula Vinculante nº 40 pela qual “a contribuição confederativa
de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato
respectivo”.
Outrossim, viola a liberdade sindical, mais especificamente o art. 8º, inciso V, da CRFB/88418,
cláusula de instrumento normativo que estabelece a preferência, na contratação de mão de
obra, do trabalhador sindicalizado sobre os demais (Orientação Jurisprudencial nº 20 da Seção
de Dissídios Coletivos).
Igualmente, entendeu o Supremo Tribunal Federal, que viola os princípios constitucionais da
liberdade de associação (art. 5º, XX) e da liberdade sindical (art. 8º, V), ambos em sua dimensão
negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o recebimento do benefício do
seguro-desemprego à filiação do interessado a colônia de pescadores de sua região (ADI 3.464, rel.
min. Menezes Direito, j. 29-10-2008, P, DJE de 6-3-2009). No caso, impunha-se legalmente (art.
2º, IV, a, b e c, da Lei 10.779/2003) a filiação obrigatória à colônia de pescadores como condição
sine qua non para a habilitação ao seguro-desemprego. Trata-se de tentativa de sindicalização
forçada contrária ao princípio da liberdade sindical.
Vale registrar que prevalece no Tribunal Superior do Trabalho o entendimento pelo qual a
conduta antissindical gera danos morais coletivos, dada a gravidade da falta. Com efeito, “o
financiamento do sindicato profissional com recursos provenientes do empregador (taxa negocial),
conforme firmado em cláusula de convenção coletiva de trabalho, configura conduta antissindical
que, ao impossibilitar a autonomia da negociação coletiva, fragiliza o sistema sindical e a relação
entre empregados e empregadores, ensejando, portanto, a reparação por dano moral coletivo”.419
Quanto aos sujeitos ativos, qualquer pessoa ou instituição pode incorrer em conduta antissindical.
Por exemplo, o Estado, quando cria taxas exorbitantes para fins de registro sindical ou quando
interfere na criação de uma entidade sindical; o empregador, quando obriga o empregado a se
desfiliar, sob a ameaça de dispensá-lo; o próprio sindicato, quando cobra contribuições sindicais
exigíveis apenas dos associados ou quando se utiliza de expedientes ilícitos para forçar a
sindicalização; o próprio empregado, quando força seu colega a se filiar ou desfiliar; a mídia,
418
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: [...] V – ninguém será obrigado a filiar-
se ou a manter-se filiado a sindicato;
419
Informativo TST nº 100 – TST-E-ARR-64800-98.2008.5.15.0071, SBDI-I, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga,
12.2.2015.
quando tenta incutir no senso comum a ideia de que greve é prejudicial a toda população, na
tentativa de colocar a população contra os grevistas.
Quanto às condutas antissindicais, Maurício Godinho Delgado conceitua as práticas antissindicais
como as medidas sistemáticas de desestímulo à sindicalização e desgaste à atuação dos sindicatos,
em confronto com o princípio da liberdade sindical. Como exemplo, tem-se nas cláusulas:
a) closed shop: cláusula que impõe a contratação de empregados filiados ao respectivo
sindicato;
b) union shop: cláusula que impõe ao empregador a obrigação de manter apenas empregados
que, após prazo razoável da contratação, filiem-se ao respectivo sindicato;
c) open shop: cláusula que impõe a contratação apenas de empregados não sindicalizados;
d) preferencial shop: preferência na contratação de empregados sindicalizados. Vê-se, pois,
que não recepcionado o art. 544, I, da CLT, conforme OJ 20 da SDC;
e) label: consiste na colocação de uma marca do sindicato nos produtos comercializados pelo
empregador, com o intuito de demonstrar que há sindicalização naquela empresa;
f) maintence of membership: cláusula que impõe a filiação a determinado sindicato
durante o prazo de vigência do instrumento coletivo;
g) agency shop: cláusula que impõe a obrigação de contribuição com o sindicato,
independentemente da filiação;
h) yellow dog contract: compromisso de não filiação ao sindicato como critério de admissão
ou manutenção do contrato;
i) company union: (sindicatos de empresa ou sindicatos amarelos, sindicatos
controlados pelo empregador;
j) mise à i'index: lista negra dos trabalhadores com significativa atuação sindical.
Observe-se que a Convenção 98 da OIT comporta os atos de discriminação antissindical e os atos
de ingerência, sendo os primeiros destinados aos a um ou vários trabalhadores, enquanto que os
segundos têm como destinatários as organizações profissionais.
Ainda dentro das condutas sindicais, importante conhecer a figura do selo sindical ou label
sindical. Segundo Luciano Martinez, label é uma palavra de origem inglesa que significa selo,
estampilha, etiqueta, rótulo ou marca. Aplicada no contexto sindical, o label deve ser entendido
como um selo de qualidade que os sindicatos atribuem aos produtos que tenham sido elaborados
por empregadores que respeitam os direitos sociais dos seus contratados. Já num sentido mais
restrito, entretanto, o label é compreendido como o selo aposto exclusivamente sobre os produtos
que tenham sido fabricados por operários filiados à entidade sindical.
Segundo o mesmo autor, diante dessas variáveis, pode-se concluir que o label atribuído unicamente
em favor de quem fabrica produtos mediante trabalhadores filiados (ou que contrata um
percentual mínimo destes) é considerado, em última análise, como o resultado de uma “cláusula
de segurança sindical” e que, nesses moldes, ele estaria, sim, proibido nos ordenamentos jurídicos
que aclamam a liberdade sindical individual negativa. Isso porque o oferecimento do selo –
especialmente se ele for reputado valioso pelos consumidores – estimulará, por via oblíqua, a
contratação preferencial de trabalhadores filiados em detrimento daqueles que não queiram se
filiar às entidades sindicais.420
2.5. Aplicabilidade do princípio da liberdade sindical no âmbito da Administração
Pública
Até a Constituição de 1988 não existia no Brasil a consagração de liberdade sindical para os
servidores públicos. As Constituições anteriores nada falavam e havia expressa vedação no art. 566
da CLT421 que proclamava a proibição de sindicalização dos servidores do Estado. Existia, assim,
um traço marcadamente autoritário no tocante à possibilidade de os funcionários intervirem na
relação de trabalho com o Estado, inexistindo canais de comunicação com a Administração
Pública, seja por meio da sindicalização, da greve ou da negociação coletiva.422
Atualmente, não mais se discute que o princípio da liberdade sindical é aplicado aos servidores
públicos civis. A Convenção 87 da OIT não fez qualquer distinção entre trabalhadores da
iniciativa privada ou da administração pública, prevendo apenas a possibilidade de a legislação
nacional atenuar sua abrangência em relação às forças armadas e à polícia, chegando muitos a
afirmar, como José Martins Catharino, que “desde a Convenção nº 87, é esmagadora a consagração
internacional da sindicalização dos servidores públicos, em igualdade com os trabalhadores
privados”.423
Ademais, no ordenamento jurídico brasileiro atual, a liberdade sindical é assegurada pelo art. 8º,
caput, da CRFB, ao prever que “é livre a associação profissional ou sindical”. No entanto, a
liberdade sindical em terrae brasilis não é absoluta e a própria Constituição da República
estabelece algumas condicionantes ao exercício da liberdade de associação sindical, o que será visto
no item “1.1.6 Limitações ao princípio da liberdade sindical na ordem constitucional brasileira”.
420
MARTINEZ, Luciano. Condutas antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 316.
421
“Art. 566 da CLT – Não podem sindicalizar-se os servidores do Estado e os das instituições paraestatais”. O
dispositivo ainda está vigente, porém não foi recepcionado pela CRFB/88.
422
PAES, Arnaldo Boson. Negociação coletiva na função pública. São Paulo: LTr, 2013. p. 105.
423
Apud CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira Jorge. O empregado
público. 5. ed. São Paulo, LTr, 2016.
Especificamente no tocante ao Poder Público, a liberdade sindical encontra guarida constitucional
no art. 37, VI, da CRFB/88, segundo o qual “é garantido ao servidor público civil o direito à livre
associação sindical”. Portanto, a liberdade sindical é também garantida aos servidores públicos civis
e não só aos chamados empregados públicos (celetistas).
Portanto, não foi recepcionada pela Constituição de 1988 o art. 566 da CLT que estabelece a
proibição de sindicalização dos servidores do Estado e os das instituições paraestatais.
Na Lei nº 8.112/90, intitulada Estatuto dos Servidores Públicos da União, o princípio da liberdade
sindical está previsto no artigo 240, segundo o qual “ao servidor público civil é assegurado, nos
termos da Constituição Federal, o direito à livre associação sindical e os seguintes direitos, entre outros,
dela decorrentes: a) de ser representado pelo sindicato, inclusive como substituto processual; b) de
inamovibilidade do dirigente sindical, até um ano após o final do mandato, exceto se a pedido; c) de
descontar em folha, sem ônus para a entidade sindical a que for filiado, o valor das mensalidades e
contribuições definidas em assembleia geral da categoria”.
Também é manifestação do princípio da liberdade sindical na Lei nº 8.112/90 o disposto no seu
art. 117, pelo qual “ao servidor é proibido: [...] VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de
filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político”.
Por sua vez, aos Militares das Forças Armadas são proibidas tanto a sindicalização, como a greve
(art. 142, § 3º, IV, da CRFB/88) e, por consequência, o direito à negociação coletiva.
De igual modo, aos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios são proibidas tanto
a sindicalização, como a greve (art. 42, § 1º, da CRFB/88 c/c art. 142, § 3º, IV, da CRFB/88) e, por
consequência, o direito à negociação coletiva.
A propósito, tais limitações aos Militares não constituem violação da liberdade sindical, tanto é
que a própria OIT reconhece a possibilidade da legislação interna de cada país determine a medida
segundo a qual a Convenção se aplicará aos Militares. Com efeito, dispõe o art. 9º da Convenção
nº 87 OIT (sobre a liberdade sindical) e o art. 1º, item 3, da Convenção nº 151 da OIT (sobre as
relações de trabalho na Administração Pública), ambos com idêntica redação que “a medida
segundo a qual as garantias previstas pela presente Convenção se aplicarão às forças armadas e à
polícia será determinada pela legislação nacional”.
Nesse prumo, observa-se que a legislação pátria não admite a sindicalização e a greve dos Militares
das Forças Armadas e dos Militares dos Estados e do Distrito Federal, tampouco autoriza a
negociação coletiva, direito este extensível apenas aos empregados públicos e servidores públicos
civis, dentre os quais se incluem a polícia civil, polícia federal, polícias rodoviária e ferroviária
federais, como será demonstrado oportunamente.
O direito à negociação coletiva e o direito de greve integram o conteúdo essencial da liberdade
sindical e serão estudados oportunamente nos Capítulos correspondentes.
Pois bem, estabelecidas essas premissas, é preciso saber se a unicidade sindical se aplica também à
esfera pública. Inicialmente, convém registrar entendimento pacífico pelo qual a existência, na
mesma base territorial, de entidades sindicais que representem estratos diversos da vasta categoria
dos servidores públicos – servidores públicos pertencentes à administração direta, de um lado, e
empregados públicos vinculados a entidades paraestatais, de outro, cada qual com regime jurídico
próprio – não ofende o princípio da unicidade sindical (RE 159.228, rel. min. Celso de Mello, j.
23/8/1994, 1ª Turma, DJ de 27/10/1994).
Em outras palavras, nada impede que existam concomitantemente dois sindicatos, na mesma base
territorial de um Município, por exemplo, um representando os empregados públicos e outro os
servidores públicos, em caso de coexistência de regimes jurídicos.
Mas, a controvérsia está mesmo em saber se a unicidade sindical também se aplica para os casos de
regime jurídico único. Por exemplo, pode-se falar em dois ou mais sindicatos de servidores públicos
municipais do Município de São Paulo?
A questão é polêmica e a doutrina diverge a respeito. A resposta a essa indagação perpassa,
necessariamente, pela aplicabilidade ou não das restrições previstas no art. 8º da CRFB/88 ao
servidor público.
A sindicalização no serviço público é prevista no art. 37, inciso VI, da Constituição, verbis: “é
garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical”. A previsão é semelhante
àquela prevista no caput do art. 8º da CRFB/88: “É livre a associação profissional ou sindical,
observado o seguinte: [...]”.
É preciso observar que o art. 37, inciso VI é norma especial em relação ao caput do art. 8º e, por
isso, prevalece sobre a mesma. Ainda, do cotejo entre os dois dispositivos, nota-se que a parte final
da cabeça do art. 8º estabelece uma condicionante ao caput: “observado o seguinte”. Essa mesma
condicionante não é repetida no inciso VI do art. 37, o que leva a concluir que as limitações do art.
8º, notadamente a unicidade sindical, não se aplica à sindicalização dos servidores públicos.
Não se está aqui a defender a completa inaplicabilidade do art. 8º ao funcionalismo público, mas
tão somente afirmando que as restrições do art. 8º não se aplicam ao servidor público, pois o art.
37, inciso VI, da CRFB/88 não estabelece essas restrições. Pelo contrário, fala em livre associação
sindical e ponto final. Esse resultado interpretativo é extraído, como se vê, justamente da
interpretação sistemática da Constituição.
Na doutrina administrativista JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, por exemplo, leciona
que a o enquadramento sindical sempre obedeceu à presença de dois critérios básicos – a categoria
profissional e a categoria econômica. Mas, afirma que em relação aos sindicatos de servidores
públicos, todavia, está excluída a noção de categoria econômica, porque a Administração não tem
objetivos empresariais como os empregadores da iniciativa privada. Preside, pois, para a criação do
sindicato e para o enquadramento sindical o exclusivo critério de categoria profissional.
Por sua vez, DIÓGENES GASPARINI assevera que “na Constituição Federal de 1988, o tema
sindicalização foi tratado em dois momentos: num é disciplinada a matéria em relação ao
trabalhador em geral (art. 8º e incisos), noutro apenas é garantido, no que concerne ao servidor
público civil, “o direito à livre associação sindical” (art. 37, VI). Essa sistematização e o tratamento
diverso dado aos dois grupos de trabalhadores nos levam a dizer que a sindicalização do servidor
civil não é a instituída na legislação consolidada, nem a disciplinada no art. 8º e seus incisos pode
ser-lhe aplicada automática e analogicamente de imediato”.
A autorizada doutrina de OCTAVIO BUENO MAGANO vai mais além e leciona que “ao
contrário do que ocorre com os sindicatos do setor privado, os do setor público não ficam jungidos
ao critério da unicidade sindical. Essa conclusão se impõe, em primeiro lugar, porque tal critério
constitui exceção à regra da liberdade sindical, e as exceções como se sabe, interpretam-se
restritivamente; em segundo lugar, porque não há falar-se em categorias profissionais,
relativamente aos servidores públicos; em terceiro lugar, porque o artigo 37, VI, da Constituição,
não se limita a dispor o direito do servidor público civil à associação sindical, acrescentando que se
trata de direito à livre associação sindical, o que só pode significar prerrogativa desvinculada do
critério restritivo da unicidade”.
No mesmo sentido, ANTÔNIO ÁLVARES DA SILVA leciona que “como a Constituição lhe
garantiu o direito à livre associação sindical (art. 37, inciso VI), está liberdade deve ser exercida sem
nenhuma limitação de ordem estrutural, resguardando-se apenas o respeito à ordem jurídica e aos
demais direitos fundamentais, como, aliás, acontece com o exercício de todo e qualquer direito”.
Essa também é a opinião de ARION SAYÃO ROMITA que, invocando o PIDESC – Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ratificado pelo Brasil e incorporado
pelo Decreto n.º 591, de 6 de julho de 1992) doutrina que “os sindicatos dos servidores públicos
podem constituir-se livremente, afastados os entraves à mesma liberdade, imposto pelo art. 8º da
Constituição, uma vez que o campo de aplicação desse preceito limita-se ao setor privado, o único
em que se pode cogitar de categorias”.
Mas, como já dito, o tema é bastante controvertido. Vozes abalizadas sustentam a aplicabilidade
integral do art. 8º aos servidores públicos, tais como MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO,
JOSÉ CARLOS AROUCA, ARNALDO SUSSEKIND, JOSÉ CLÁUDIO MONTEIRO DE
BRITO FILHO, dentre outros ). Este último, por exemplo, ao comentar o art. 47, inciso VI, da
CRFB/88 defende que as restrições à liberdade sindical coletiva de organização, tais como a
unicidade sindical, a base territorial mínima e a sindicalização por categoria se estendem ao direito
de sindicalização dos servidores públicos civis.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, embora a questão nunca tenha sido enfrentada
especificamente, percebe-se que a jurisprudência parece entender pela aplicabilidade da unicidade
também ao funcionalismo público, embora não seja essa a posição mais acertada.
Mas, ainda que não se aceite os argumentos acima alinhavados, é preciso registrar a ratificação, pelo
Brasil, do Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos
Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), incorporado ao ordenamento
jurídico interno pelo Decreto nº 3.321 de 1999, com status de supralegalidade . Com efeito, a
primeira parte do art. 8º, item 1, alínea “a” determina aos Estados partes que garantam “o direito
dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar‑se ao de sua escolha, para proteger e promover
seus interesses”.
Essa regra é garantidora da liberdade sindical plena e completa, que afasta, por consequência, a
eficácia de todas as regras celetistas de recolhimento de contribuição sindical obrigatória mesmo
antes da Reforma Trabalhista, pois tal norma possui caráter supralegal e, portanto, prevalece sobre
as regras celetistas em contrário.
Com base nessa ratificação, a própria unicidade sindical para o setor privado vem sendo
questionada pela doutrina mais moderna desde o julgamento, pelo STF, do HC nº 91.361. A partir
desse caso, o STF tem sinalizado que, havendo situações de conflito entre normas internacionais e
normas de direito interno, deve ser adotada interpretação que confira primazia à norma que se
revele mais favorável à pessoa humana, em razão do princípio pro homine.
Portanto, é possível concluir, na esteira do raciocínio já desenvolvido pelo STF no julgamento da
prisão civil do depositário infiel , que a previsão constitucional da unicidade sindical não foi
revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Protocolo de San Salvador, mas deixou de ter
aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação
infraconstitucional que disciplina a matéria.
Portanto, desde a adesão do Brasil do Brasil ao Protocolo de San Salvador, não há mais base legal
para aplicação do inciso II, do art. 8º, da Constituição da República, ou seja, para a unicidade
sindical, seja para o setor privado, seja para o público , já que o conceito de categoria, dado pela
CLT tem seu efeito paralisado pela norma de direito internacional com status supralegal.
Não obstante, o TST parece entender que o princípio da unicidade se aplica também aos servidores
públicos, pois não aceitou a dissociação sindical dos peritos criminais em relação ao sindicato dos
policiais civis em geral. (RR-1769-78.2015.5.22.0002, 5ª Turma, Relator Ministro Breno
Medeiros, DEJT 04/05/2018).
2.6. Garantias à atuação sindical
Para que possam bem desempenhar seu mister livres de ingerências indevidas e sem nenhum tipo
de pressão, os dirigentes sindicais gozam das chamadas “imunidades” ou garantias sindicais, tais
como a proteção contra dispensas imotivadas, vedação às transferências punitivas ou
discriminatórias, facilitação do acesso ao local de serviço, meios concretos para divulgação da
atividade sindical, etc.
O artigo 8º, inciso VIII, da CRFB/88, por exemplo, expressamente dispõe que é vedada a dispensa
do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação
sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta
grave nos termos da lei.
Aqui, convém chamar a atenção para o instituto do “foro sindical”. Segundo Alfredo J. Ruprecht,
a defesa que é feita para que as associações profissionais de trabalhadores possam cumprir
satisfatoriamente a missão que lhes foi confiada é conhecida como “foro sindical” e consiste na
garantia do livre direito de associação, impedindo que o empregador faça represálias contra seus
trabalhadores, propiciando, assim, o amplo desenvolvimento da atividade sindical.424
A concepção de “foro sindical” segundo Oscar Ermida Uriarte, se limitava inicialmente à proteção
do dirigente sindical contra a despedida e, posteriormente, se ampliou até chegar à proteção de
todo e qualquer trabalhador, em virtude de qualquer atitude sua protegida pela liberdade
sindical.425
Na verdade, quanto ao campo de atuação ou alcance do foro sindical, o correto é entender que se
trata de garantias tanto para os indivíduos ou membros que integram o sindicato, como para o
próprio sindicato como pessoa jurídica.426
424
RUPRECHT, Alfredo J. Relações coletivas de trabalho. Tradução Edilson Alkmin Cunha. São Paulo: LTr, 1995.
p. 223.
425
URIARTE, Oscar Ermida. A proteção contra os atos antissindicais. Tradução Irany Ferrari. São Paulo: LTr, 1989.
p. 9-10.
426
RUPRECHT, Alfredo J. Relações coletivas de trabalho. Tradução Edilson Alkmin Cunha. São Paulo: LTr, 1995.
p. 223.
No ordenamento jurídico brasileiro o “foro sindical” é expressamente reconhecido e assegurado
nos seguintes casos elencados por Cláudio Couce Menezes:427
● No art. 8º, VIII, da CR/88428 e no § 3º do art. 543 da CLT429, no tocante aos dirigentes
sindicais;
● Nos arts. 10, II, “a”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e 165 da CLT
quanto aos dirigentes de comissões internas de prevenção de acidentes;
● Na estabilidade provisória do representante dos empregados nas empresas com mais de
duzentos empregados (art. 11 da CR/88 c/c art. 510-D, § 3º, da CLT) e na Convenção nº 135 da
OIT430, sobre a Proteção de Representantes de Trabalhadores, ratificada pelo Brasil em 1991;
● No direito de afixar, no interior das empresas, publicações relativas à matéria sindical (art.
614, § 2º, da CLT) e no PN Nº 104 do TST431;
● Nos arts. 543 da CLT e no PN nº 83 do TST432 sobre a frequência livre dos dirigentes às
assembleias devidamente convocadas.
● Na Convenção n.º 98 da OIT, o artigo 1º prevê que “1. Os trabalhadores deverão gozar de
proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego.
2. Tal proteção deverá, particularmente, aplicar-se a atos destinados a: a) subordinar o emprego de
um trabalhador à condição de não se filiar a um sindicato ou deixar de fazer parte de um sindicato;
b) dispensar um trabalhador ou prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um
427
MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Proteção contra condutas antissindicais. In: Rev. TST, Brasília, vol. 71,
nº 2, maio/ago. 2005. p. 44.
428
Art. 8º, VIII, da CR/88: “é vedada a dispensa do em pregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a
cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se
cometer falta grave nos termos da lei”.
429
Art. 543, § 3º, da CLT: “Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do
registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1
(um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente
apurada nos termos desta Consolidação”.
430
Art. 1º da Convenção nº 135 da OIT – “Os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados
com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los, inclusive o licenciamento, e que
seriam motivadas por sua qualidade ou suas atividades como representantes dos trabalhadores, sua filiação sindical, ou
participação em atividades sindicais, conquanto ajam de acordo com as leis, convenções coletivas ou outros arranjos
convencionais vigorando”. E, art. 2º, item 1 – “Facilidades devem ser concedidas, na empresa, aos representantes dos
trabalhadores, de modo a possibilitar-se o cumprimento rápido e eficiente de suas funções”.
431
Precedente Normativo nº 104 da SDC do TST – “QUADRO DE AVISOS. Defere-se a afixação, na empresa, de
quadro de avisos do sindicato, para comunicados de interesse dos empregados, vedados os de conteúdo político-partidário
ou ofensivo”.
432
Precedente Normativo nº 83 da SDC do TST – “DIRIGENTES SINDICAIS. FREQÜÊNCIA LIVRE.
Assegura-se a frequência livre dos dirigentes sindicais para participarem de assembleias e reuniões sindicais devidamente
convocadas e comprovadas, sem ônus para o empregador”.
sindicato ou de sua participação em atividades sindicais, fora das horas de trabalho ou com o
consentimento do empregador, durante as mesmas horas.”
Em relação às normas estatais que prescrevem garantias para o desempenho das atividades sindicais
no âmbito do Poder Público, em virtude da diversidade de regimes – cada ente componente da
federação tem o seu –, não há uniformidade de tratamento, podendo ser pensadas nas mais variadas
garantias, segundo a lei de cada entidade da federação.
No âmbito federal, o art. 92 da Lei nº 8.112/90 estabelece garantias à atuação sindical, verbis:
Art. 92. É assegurado ao servidor o direito à licença sem remuneração para o desempenho de
mandato em confederação, federação, associação de classe de âmbito nacional, sindicato
representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão ou, ainda, para participar de
gerência ou administração em sociedade cooperativa constituída por servidores públicos para
prestar serviços a seus membros, observado o disposto na alínea c do inciso VIII do art. 102 desta
Lei, conforme disposto em regulamento e observados os seguintes limites:
I - para entidades com até 5.000 (cinco mil) associados, 2 (dois) servidores; (Redação dada pela Lei
nº 12.998, de 2014)
II - para entidades com 5.001 (cinco mil e um) a 30.000 (trinta mil) associados, 4 (quatro)
servidores; (Redação dada pela Lei nº 12.998, de 2014)
III - para entidades com mais de 30.000 (trinta mil) associados, 8 (oito) servidores. (Redação dada
pela Lei nº 12.998, de 2014)
§ 1º Somente poderão ser licenciados os servidores eleitos para cargos de direção ou de
representação nas referidas entidades, desde que cadastradas no órgão competente. (Redação dada
pela Lei nº 12.998, de 2014)
§ 2º A licença terá duração igual à do mandato, podendo ser renovada, no caso de reeleição.
(Redação dada pela Lei nº 12.998, de 2014)
Oportuno assentar que o direito à licença sem remuneração para o desempenho de mandato
sindical não se estende ao servidor em estágio probatório, a quem somente poderão ser
concedidas as licenças e os afastamentos previstos nos arts. 81, incisos I a IV, 94, 95 e 96 da Lei nº
8.112/91, bem assim afastamento para participar de curso de formação decorrente de aprovação
em concurso para outro cargo na Administração Pública Federal (art. 20, § 4º, da Lei nº 8.112/90).
Sobre essa limitação numérica o STF, ao analisar semelhante situação para os empregados
celetistas, entendeu que a estabilidade dos dirigentes sindicais está condicionada ao atendimento
da limitação prevista no art. 522 da CLT, o qual foi recepcionado pela Constituição (RE 394.579
AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 29-5-2012, 2ª T, DJE de 25-6-2012). Portanto, mutatis
mutantis, os limites do art. 92 da Lei nº 8.112/90, segundo o entendimento do STF, não ofendem
a Constituição.
Ainda, o art. 240, alínea “b”, da Lei nº 8.112/90 assegura, durante o período em que o servidor
estiver atuando como dirigente sindical, a sua inamovibilidade, ou seja, ele não pode ser removido,
a menos que assim requeira:
Art. 240. Ao servidor público civil é assegurado, nos termos da Constituição Federal, o direito à
livre associação sindical e os seguintes direitos, entre outros, dela decorrentes: [...] b) de
inamovibilidade do dirigente sindical, até um ano após o final do mandato, exceto se a pedido.
Importa saber que o reconhecimento de qualquer das garantias para o bom desenvolvimento da
atividade sindical não está condicionada ao registro do sindicato perante o Ministério do Trabalho,
nem que o servidor público goze de estabilidade funcional433, pois o registro no Ministério do
Trabalho é fato posterior à existência da entidade. Nesse sentido:
Estabilidade sindical provisória (CF, art. 8ª, VIII): reconhecimento da garantia a servidora pública
municipal no exercício de cargo de dirigente sindical, não condicionada ao registro do sindicato
respectivo no Ministério do Trabalho, nem que a servidora goze de estabilidade funcional.
Precedentes (RE 205.107, Plenário, Pertence, DJ de 25-9-1998; RE 227.635-AgR, Segunda
Turma., Néri, DJ de 2-4-2004) (RE 234.431, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 14-2-2006, 1ª T, DJ
de 17-3-2006).
Assim, a eleição do servidor público para o cargo de dirigente sindical, tenha ele ou não a
estabilidade funcional, torna-o detentor da estabilidade provisória até um ano após o término do
mandato, só podendo ser dispensado em decorrência de falta grave, apurável em inquérito judicial,
por aplicação analógica dos arts. 853 a 855 da CLT.
Mas, advirta-se que “a condição de dirigente ou representante sindical não impede a exoneração do
servidor público estatutário, regularmente reprovado em estágio probatório (...)”. (RE 204.625, rel.
min. Octavio Gallotti, j. 2-10-1998, 1ª T, DJ de 12-5-2000). Logo, a garantia de atuação sindical
encontra limitações indispensáveis a que o exercício de tal direito não entre em choque com as vigas
mestras do regime administrativo que preside as relações funcionais, entre essas, a relativa à
estabilidade sindical do art. 8º, VIII, que importaria a supressão do estágio probatório, a que estão
sujeitos todos os servidores (RE 208.436, rel. min. Ilmar Galvão, j. 13-10-1998, 1ª T, DJ de 26-3-
1999).
433
Oportuno assentar que estabilidade não se confunde com efetividade. Esta última é uma característica do
provimento de certos cargos e decorre da nomeação. A primeira, por sua vez, é um atributo pessoal do ocupante do
cargo, adquirido após a satisfação de certas condições (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro.
22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 388).
Igualmente, não se fala em estabilidade provisória dos dirigentes sindicais para o servidor
temporário (art. 37, IX, CRFB/88) e para o servidor ocupante de cargo em comissão. Estes não
adquirem a estabilidade, pois incompatível com a precariedade da situação (RE 183.884, rel. min.
Sepúlveda Pertence, j. 8-6-1999, 1ª T, DJ de 13-8-1999).
Outrossim, insubsistente o ingresso no serviço público ante o desrespeito à norma do inciso II do
art. 37 da CF – aprovação em concurso –, descabe assentar a existência da estabilidade prevista no
inciso VIII do art. 8º da CF (RE 248.282, rel. min. Marco Aurélio, j. 13-2-2001, 2ª T, DJ de 27-4-
2001).
2.7. Limitações ao princípio da liberdade sindical na ordem constitucional brasileira
A liberdade sindical no Brasil não é plena. Fala-se em liberdade sindical incompleta, pois o sistema
constitucional brasileiro, em que pese prever expressamente o princípio da liberdade sindical (art.
8º, caput, CR/88), prevê sérias e graves restrições a esse princípio, como adiante se demonstrará.
A Constituição de 1988, apesar de romper de forma significativa com o modelo corporativista
anterior, manteve traços ou características desse corporativismo, representados por normas que se
mostram incompatíveis com um sistema pleno de direito à liberdade sindical.434 Tratam-se de
marcas características do modelo corporativista que ainda resiste em pleno Estado Democrático de
Direito.
Atualmente, são limitações ao princípio da liberdade sindical plena ou completa: i) a unicidade
sindical (art. 8º, II, CR/88) e o ii) enquadramento sindical por categorias, como fórmula de
agregação dos trabalhadores (art. 8º, II, CR/88).
A unicidade sindical representa a imposição normativa de sindicato único, na mesma base
territorial, representativa da mesma categoria. Está prevista no art. 8º, inciso II, da CR/88, verbis:
“é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de
categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos
trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município”.
Em outros termos, unicidade é a imposição normativa de sindicato único, organizado por categoria
profissional ou categoria diferenciada, em se tratando de trabalhadores, ou por categoria
econômica, em se tratando de empregadores.435
Consectário lógico da unicidade é o monopólio sindical ex vi legis, pois os trabalhadores, nesse
sistema, não são livres para constituírem e se filiarem aos sindicatos de sua escolha, pois estão
434
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Análise do modelo brasileiro de relações coletivas de trabalho à luz do
direito comparado e da doutrina da OIT: a proposta da comissão de empresa. São Paulo: LTr, 2000. p. 111-112.
435
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 1402.
obrigatoriamente e automaticamente representados pelo sindicato de sua categoria imposto pela
lei.
Assim, por exemplo, caso um indivíduo comece a trabalhar hoje em determinada instituição
financeira ele estará, automaticamente, vinculado e representado pelo sindicato dos bancários
daquela região (base territorial, que pode ser o sindicato dos bancários do Município, do Estado
ou, se de âmbito nacional, sindicato nacional dos bancários). E, mais adiante, caso insatisfeito com
o seu sindicato, não poderá fundar outro, sendo que lhe restará apenas a via eleitoral dentro
daquele único sindicato imposto por lei. Nesses casos, a agregação de trabalhadores não é
espontânea (livre).
A propósito, já disse o STF que “o princípio da unicidade sindical, previsto no art. 8º, II, da CR/88,
é a mais importante das limitações constitucionais à liberdade sindical” (RE 310.811 AgR,
rel. min. Ellen Gracie, j. 12-5-2009, 2ª T, DJE de 5-6-2009).
Nesse prumo, havendo identidade entre categoria de trabalhadores representados por dois
sindicatos e sendo idênticas também as bases territoriais de atuação de um e de outro, surge um
conflito que deve ser resolvido com base no princípio da anterioridade, ou seja, deve prevalecer o
primeiro deles, pois se registrou primeiro (nesse sentido: RE 199.142, rel. min. Nelson Jobim, j. 3-
10-2000, 2ª T, DJ de 14-12-2001 e RE 209.993, rel. min. Ilmar Galvão, j. 15-6-1999, 1ª T, DJ de
22-10-1999).
Compete ao Ministério do Trabalho zelar pela observância do princípio da unicidade sindical. É
certo que, nos termos do art. 8º, inciso I, da CRFB/88, a lei não poderá exigir autorização do Estado
para a fundação de sindicato. Mas, o próprio inciso ressalva o registro no órgão competente. E, nos
termos da súmula nº 677 do STF, até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do
Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da
unicidade.
Como já assentado pelo STF, esse registro é que propicia verificar se a unicidade sindical, limitação
constitucional ao princípio da liberdade sindical, estaria sendo observada ou não, já que o
Ministério do Trabalho é detentor das informações respectivas (RE 222.285 AgR, rel. min. Carlos
Velloso, j. 26-2-2002, 2ª T, DJ de 22-3-2002 e AI 789.108 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 5-10-2010,
2ª T, DJE de 28-10-2010).
Mas, o ato de fiscalização estatal se restringe à estrita observância e zelo pela unicidade. É mero ato
vinculado de fiscalização. Desse modo, se a unicidade foi observada, não pode o Estado negar o
registro sindical. Logo, uma vez respeitada a unicidade quanto a certa base territorial, descabe
impor exigências incompatíveis com a liberdade de associação (RMS 21.053, rel. p/ o ac. min.
Marco Aurélio, j. 24-11-2010, P, DJE de 25-3-2011). Ainda:
o decisivo, para que se resguardem as liberdades constitucionais de associação civil ou de associação
sindical, é, pois, que se trate efetivamente de simples registro – ato vinculado, subordinado apenas
à verificação de pressupostos legais –, e não de autorização ou de reconhecimento discricionários.
(...) O temor compreensível – subjacente à manifestação dos que se opõem à solução –, de que o
hábito vicioso dos tempos passados tenda a persistir, na tentativa, consciente ou não, de fazer da
competência para o ato formal e vinculado do registro, pretexto para a sobrevivência do controle
ministerial asfixiante sobre a organização sindical, que a Constituição quer proscrever – enquanto
não optar o legislador por disciplina nova do registro sindical, – há de ser obviado pelo controle
jurisdicional da ilegalidade e do abuso de poder, incluída a omissão ou o retardamento indevidos
da autoridade competente. (MI 144, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 3-8-1992, P, DJ de 28-5-1993
e AI 789.108 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 5-10-2010, 2ª T, DJE de 28-10-2010).
Pois bem, estabelecidas essas premissas, é preciso saber se a unicidade sindical se aplica também à
esfera pública.
Inicialmente, convém registrar entendimento pacífico pelo qual a existência, na mesma base
territorial, de entidades sindicais que representem estratos diversos da vasta categoria dos servidores
públicos – funcionários públicos pertencentes à administração direta, de um lado, e empregados
públicos vinculados a entidades paraestatais, de outro, cada qual com regime jurídico próprio –
não ofende o princípio da unicidade sindical (RE 159.228, rel. min. Celso de Mello, j. 23-8-1994,
1ª T, DJ de 27-10-1994).
Em outras palavras, nada impede que existam concomitantemente dois sindicatos, na mesma base
territorial de um Município, por exemplo, um representando os empregados públicos e outro os
servidores públicos, em caso de coexistência de regimes jurídicos.
Mas, a controvérsia está mesmo em saber se a unicidade sindical também se aplica para os casos de
regime jurídico único. Por exemplo, pode-se falar em dois ou mais sindicatos de servidores públicos
municipais do município de São Paulo?
A questão é polêmica e a doutrina diverge a respeito. A resposta a essa indagação perpassa,
necessariamente, pela aplicabilidade ou não das restrições previstas no art. 8º da CRFB/88 ao
servidor público.
A sindicalização no serviço público é prevista no art. 37, inciso VI, da Constituição, verbis: “é
garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical”. A previsão é semelhante
àquela prevista no caput do art. 8º da CR/88: “É livre a associação profissional ou sindical,
observado o seguinte: [...]”.
Aqui, é preciso observar que o art. 37, inciso VI é norma especial em relação ao caput do art. 8º e,
por isso, prevalece sobre a mesma. Ainda, do cotejo entre os dois dispositivos, nota-se que a parte
final da cabeça do art. 8º estabelece uma condicionante ao caput: “observado o seguinte”. Essa
mesma condicionante não é repetida no inciso VI do art. 37, o que leva a concluir que as limitações
do art. 8º, notadamente a unicidade sindical, não se aplica à sindicalização dos servidores públicos.
Não se está aqui a defender a completa inaplicabilidade do art. 8º ao funcionalismo público, mas
tão somente afirmando que as restrições do art. 8º não se aplicam ao servidor público, pois o art.
37, inciso VI, da CR/88 não estabelece essas restrições. Pelo contrário, fala em livre associação
sindical e ponto final. Esse resultado interpretativo é extraído, como se vê, justamente da
interpretação sistemática da Constituição.
Na doutrina administrativista, por exemplo, José dos Santos Carvalho Filho leciona que a o
enquadramento sindical sempre obedeceu à presença de dois critérios básicos – a categoria
profissional e a categoria econômica. Mas, afirma que em relação aos sindicatos de servidores
públicos, todavia, está excluída a noção de categoria econômica, por que a Administração não tem
objetivos empresariais como os empregadores da iniciativa privada. Preside, pois, para a criação do
sindicato e para o enquadramento sindical o exclusivo critério de categoria profissional.436
Por sua vez, Diógenes Gasparini assevera que “na Constituição Federal de 1988, o tema
sindicalização foi tratado em dois momentos: num é disciplinada a matéria em relação ao
trabalhador em geral (art. 8º e incisos), noutro apenas é garantido, no que concerne ao servidor
público civil, “o direito à livre associação sindical” (art. 37, VI). Essa sistematização e o tratamento
diverso dado aos dois grupos de trabalhadores nos levam a dizer que a sindicalização do servidor civil
não é a instituída na legislação consolidada, nem a disciplinada no art. 8º e seus incisos pode ser-lhe
aplicada automática e analogicamente de imediato”.437
A autorizada doutrina de Octavio Bueno Magano vai mais além e leciona que “ao contrário do que
ocorre com os sindicatos do setor privado, os do setor público não ficam jungidos ao critério da
unicidade sindical. Essa conclusão se impõe, em primeiro lugar, porque tal critério constitui exceção
à regra da liberdade sindical, e as exceções como se sabe, interpretam-se restritivamente; em segundo
lugar, porque não há falar-se em categorias profissionais, relativamente aos servidores públicos; em
terceiro lugar, porque o artigo 37, VI, da Constituição, não se limita a dispor o direito do servidor
436
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. p. 527.
437
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 151.
público civil à associação sindical, acrescentando que se trata de direito à livre associação sindical, o
que só pode significar prerrogativa desvinculada do critério restritivo da unicidade”.438
No mesmo sentido, Antônio Álvares da Silva leciona que “como a Constituição lhe garantiu o
direito à livre associação sindical (art. 37, inciso VI), esta liberdade deve ser exercida sem nenhuma
limitação de ordem estrutural, resguardando-se apenas o respeito à ordem jurídica e aos demais
direitos fundamentais, como, aliás, acontece com o exercício de todo e qualquer direito”.439
Essa também é a opinião de Arion Sayão Romita que, invocando o PIDESC – Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ratificado pelo Brasil e incorporado pelo Decreto nº
591, de 6 de julho de 1992) doutrina que “os sindicatos dos servidores públicos podem constituir-se
livremente, afastados os entraves à mesma liberdade, imposto pelo art. 8º da Constituição, uma vez
que o campo de aplicação desse preceito limita-se ao setor privado, o único em que se pode cogitar de
categorias”.440
Mas, como já dito, o tema é bastante controvertido. Vozes abalizadas sustentam a aplicabilidade
integral do art. 8º aos servidores públicos, tais como Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José Carlos
Arouca, Arnaldo Süssekind, José Cláudio Monteiro de Brito Filho, dentre outros441). Este último,
por exemplo, ao comentar o art. 47, inciso VI, da CRFB/88 defende que as restrições à liberdade
sindical coletiva de organização, tais como a unicidade sindical, a base territorial mínima e a
sindicalização por categoria se estendem ao direito de sindicalização dos servidores públicos civis.442
No âmbito do Supremo Tribunal Federal percebe-se que a jurisprudência caminha pela
aplicabilidade da unicidade também ao funcionalismo público, embora não seja essa a posição mais
acertada.443
Mas, a despeito da posição do STF e, ainda que não se aceite os argumentos acima alinhavados, é
preciso registrar a ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e
438
MAGANO, Octavio Bueno. Sindicalização e direito de greve dos servidores públicos. In: ROMITA, Arion Sayão
(coord.) Curso de direito constitucional do trabalho: estudos em homenagem ao Professor Amauri Mascaro
Nascimento. v. 2. São Paulo: LTr, 1991. p. 295.
439
SILVA, Antônio Álvares da. Os servidores públicos e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 75.
440
Apud CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira Jorge. O empregado
público. 5. ed. São Paulo, LTr, 2016. p. 407.
441
Por todos, CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira Jorge. O
empregado público. 5. ed. São Paulo, LTr, 2016. p. 408.
442
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Comentários ao art. 37, inciso VI. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;
MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lênio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 839.
443
ARE 807155 AgR, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 07/10/2014, DJe-211 Divulg
24-10-2014 Public 28-10-2014.
Culturais), incorporado ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto nº 3.321 de 1999, com
status de supralegalidade444. Com efeito, a primeira parte do art. 8º, item 1, alínea “a” determina
aos Estados partes que garantam “o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiarse
ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses”.
Essa regra é garantidora da liberdade sindical plena e completa, que afasta, por consequência, a
eficácia de todas as regras celetistas de recolhimento de contribuição sindical obrigatória mesmo
antes da Reforma Trabalhista, pois tal norma possui caráter supralegal e, portanto, prevalece sobre
as regras celetistas em contrário.
Com base nessa ratificação, a própria unicidade sindical para o setor privado vem sendo
questionada pela doutrina mais moderna desde o julgamento, pelo STF, do HC nº 91.361. A partir
desse caso, o STF tem sinalizado que, havendo situações de conflito entre normas internacionais e
normas de direito interno, deve ser adotada interpretação que confira primazia à norma que se
revele mais favorável à pessoa humana, em razão do princípio pro homine.445
Portanto, é possível concluir, na esteira do raciocínio já desenvolvido pelo STF no julgamento da
prisão civil do depositário infiel446, que a previsão constitucional da unicidade sindical não foi
revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Protocolo de San Salvador, mas deixou de ter
aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação
infraconstitucional que disciplina a matéria.
Portanto, desde a adesão do Brasil do Brasil ao Protocolo de San Salvador, não há mais base legal
para aplicação do inciso II, do art. 8º, da Constituição da República, ou seja, para a unicidade
sindical, seja para o setor privado, seja para o público447, já que o conceito de categoria, dado pela
CLT tem sei efeito paralisado pela norma de direito internacional com status supralegal.
2.8. A polêmica em torno da revogação da contribuição sindical obrigatória
O financiamento compulsório das entidades integrantes da estrutura sindical por meio da
chamada contribuição sindical obrigatória (art. 8º, IV, parte final, CRFB/88) foi extinto pela
Reforma Trabalhista. Com efeito, todos os dispositivos da CLT (arts. 578, 579 e 582, caput, 583,
444
RE 466343, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, REPERCUSSÃO GERAL –
Mérito. DJe-104 Divulg 04-06-2009 Public 05-06-2009 Ement Vol-02363-06 PP-01106, RTJ Vol-00210-02 PP-
00745 RDECTRAB v. 17, n. 186, 2010, p. 29-165).
445
Nesse sentido, conferir tese de doutorado de Carlos Eduardo Oliveira Dias defendida perante a Universidade de
São Paulo e intitulada “A efetivação jurisdicional da liberdade sindical: os critérios de legitimação sindical e sua
concretização pela jurisdição trabalhista”.
446
STF – HC nº 91.361. Revista Trimestral de Jurisprudência. Volume 210 – nº 2. p. 777.
447
Advirta-se que ainda é amplamente majoritário na doutrina e na jurisprudência a manutenção da unicidade
sindical para o setor privado. No setor público, prevalece na jurisprudência a manutenção da unicidade e, a doutrina,
encontra-se dividida, como já exaustivamente demonstrado nesse capítulo.
caput, 587, 601, 602 e 604)448 que continham previsões sobre o antigo “imposto sindical” foram
modificados pela Lei nº 13.467/2017449.
Logo, a partir da Reforma Trabalhista, nos termos do art. 582 da CLT, “os empregadores são
obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada
ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu
recolhimento aos respectivos sindicatos”.
É cediço que as antigas contribuições sindicais compulsórias possuíam natureza tributária e,
portanto, constituíam-se em receita pública. Inclusive, estavam os responsáveis pela sua gestão
sujeitos à competência fiscalizatória do TCU, como já acertadamente decidiu a 1ª turma do STF,
no julgamento do Mandado de Segurança nº 28465, de relatoria do Min. Marco Aurélio, julgado
em 18/03/2014.450
Justamente em razão de sua natureza tributária, pulularam perante o Supremo Tribunal Federal
uma série de ADIs questionando a revogação da contribuição sindical em comento ao argumento
de que a norma apresenta inconstitucionalidade formal, pois a alteração na natureza da
contribuição não poderia ter sido feita por lei ordinária, mas somente por lei complementar, nos
termos do artigo 146 da Constituição da República.451
Todas as ADIs ajuizadas estão pendentes de julgamento. Mas, vale lembrar que o STF possui
jurisprudência no sentido de que não é necessária que criação de contribuições de interesse das
categorias profissionais seja levada a efeito por Lei Complementar:
448
MIZIARA, Raphael; MIESSA, Élisson; LENZA, Breno; CORREIA, Henrique. CLT comparada com a reforma
trabalhista. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
449
Importa advertir que a discussão ora levantada diz respeito à espécie de receita sindical denominada “contribuição
sindical obrigatória”, que não se confunde com a “contribuição confederativa”. Sobre essa última, a Reforma
Trabalhista nada dispôs e o STF já havia se pronunciado nos termos da Súmula Vinculante nº 40: “A contribuição
confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”. Para
maior aprofundamento sobre as Receitas Sindicais, consultar Capítulo III – Organização Sindical Brasileira.
Igualmente, a presente discussão nada tem a ver com as contribuições assistenciais compulsórias em favor de entidade
de serviço social e de formação profissional previstas no art. 240 da CRFB/88, que são obrigatórias. Com efeito, já
decidiu o C. TST que, consoante o artigo 240 da CRFB/88, a contribuição assistencial devida pela categoria
econômica e destinada às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical
é compulsória para os empregadores, ainda que a empresa não seja filiada ao sindicato patronal. Nesse sentido: TST-
RO-3384-84.2011.5.10.0000, SBDI-II, rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 18.8.2015 – Informativo
TST nº 114.
450
MIZIARA, Raphael. Competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de improbidade
administrativa sindical. Disponível em: <http://ostrabalhistas.com.br/competencia-da-justica-do-trabalho-para-
processar-e-julgar-as-acoes-de-improbidade-administrativa-sindical/> Acesso em: 10/03/2018.
451
ADIs 5806, 5810, 5811, 5813, 5815, 5850, 5859, 5865, todas pendentes de julgamento.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÕES DE
INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E DE INTERESSE DAS CATEGORIAS
PROFISSIONAIS. CRIAÇÃO. DISPENSABILIDADE DE LEI COMPLEMENTAR. O
Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido da dispensabilidade de lei
complementar para a criação das contribuições de intervenção no domínio econômico e de
interesse das categorias profissionais. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI
739715 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 26/05/2009, DJe-113
DIVULG 18-06-2009 PUBLIC 19-06-2009 EMENT VOL-02365-13 PP-02745).
O caso trata de contribuições de interesse das categorias profissionais (contribuições corporativas),
gênero do qual a contribuição sindical é uma das espécies. Logo, caso o STF siga sua jurisprudência,
o destino das ADIs mencionadas será a improcedência.
Na doutrina tributarista especializada, afirma Roque Antônio Carrazza, com a propriedade que
lhe é peculiar, que “tais contribuições também são tributos (revestindo, no caso dos conselhos
profissionais, a natureza de taxa de polícia), devendo, destarte, ser instituídas ou aumentadas por
meio de lei ordinária, sempre obedecido o regime jurídico tributário”.452
Mas, não obstante a determinação expressa contida na CLT de que a contribuição sindical
somente poderá ser descontada da folha de pagamento dos empregados que autorizarem prévia e
expressamente, a Superintendência Regional do Trabalho no Estado de Goiás emitiu parecer sobre
a contribuição sindical entendendo que a Lei reformada não trouxe a obrigatoriedade, em seu
texto, de que a autorização se dê de forma individual, razão pela qual podem as entidades coletivas,
via Assembleia e observado o estatuto da entidade, autorizar de forma coletiva o desconto da
referida contribuição.
No entanto, não se pode concordar com o entendimento exposto pelo representante do Ministério
do Trabalho e Emprego. Ora, a Reforma Trabalhista retirou o caráter tributário da contribuição
sindical, que passou a ser facultativa. Assim, precisamente por não se revestir de caráter tributário,
somente se revela exigível daqueles que se acham formalmente filiados à entidade sindical – e, ainda
assim, se houver previsão estatutária – ou dos empregados que autorizarem prévia e expressamente
o seu recolhimento. Tal pensamento, por certo, é o que mais se coaduna com o postulado
constitucional que garante a liberdade de associação e sindical.
Ainda, a imposição de contribuições sindicais por negociação coletiva, de modo geral e obrigatório,
aos que não autorizaram individualmente de forma expressa viola o princípio da legalidade
452
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.
354.
tributária, pois estaria transmudando em compulsória uma receita sindical que é facultativa,
travestindo, assim, em tributo parcela de natureza jurídica facultativa.453
Outro argumento que sustenta a posição acima consiste na ratificação, pelo Brasil, do Protocolo
de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), incorporado ao ordenamento jurídico
interno pelo Decreto nº 3.321 de 1999, com status de supralegalidade454. Com efeito, a primeira
parte do art. 8º, item 1, alínea “a” determina aos Estados partes que garantam “o direito dos
trabalhadores de organizar sindicatos e de filiarse ao de sua escolha, para proteger e promover seus
interesses”.
Essa regra é garantidora da liberdade sindical plena, que afasta, por consequência, a eficácia de
todas as regras celetistas de recolhimento de contribuição sindical obrigatória mesmo antes da
Reforma Trabalhista, pois tal norma possui caráter supralegal e, portanto, prevalece sobre as regras
celetistas em contrário.
Nesse sentido, Tese nº 11 aprovada no XV CONAMAT, verbis:
LIBERDADE SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. PROTOCOLO DE SAN
SALVADOR. INCONVENCIONALIDADE. A liberdade sindical deve ser compreendida com
lentes que maximizam a dignidade da pessoa humana (CRFB/88, art. 1º, III) e focalizam a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CRFB/88, art. 3º, I), dando-se cor, brilho e
nitidez ao valor social do trabalho (CRFB/88, art. 1°, IV). Nessa perspectiva, o artigo 8º do
Protocolo de San Salvador, incorporado ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto 3.321/99,
afastou a eficácia de todas as regras celetistas que disciplinam o recolhimento da contribuição
sindical, ao fundamento de que a liberdade sindical consagrada no referido tratado internacional
é incompatível com a instituição por lei da obrigatoriedade do custeio do sistema sindical. (Tese 11
aprovada no XV CONAMAT)455
453
Nesse sentido, embora tratando de contribuições assistenciais, mas com a mesma ratio juris: “Recurso
Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Acordos e convenções coletivas de trabalho. Imposição de contribuições assistenciais
compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossibilidade. Natureza não
tributária da contribuição. Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso
extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte”. (ARE 1018459 RG, Relator(a): Min. Gilmar
Mendes, julgado em 23/02/2017, DJe-046 Divulg 09-03-2017 Public 10-03-2017).
454
RE 466343, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, REPERCUSSÃO GERAL –
Mérito. DJe-104 Divulg 04-06-2009 Public 05-06-2009 Ement Vol-02363-06 PP-01106, RTJ Vol-00210-02 PP-
00745 RDECTRAB v. 17, n. 186, 2010, p. 29-165).
455
In: Congressos Nacionais dos Magistrados da Justiça do Trabalho: a história dos Conamats de 1990 a 2014 (1ª a
17ª edições). Disponível em:
https://www.anamatra.org.br/images/conamat/Cadernos_Anamatra_Conamats_site.pdf Acesso em: 10/03/2018.
Lembra Luciano Martinez que a tese foi apresentada, naquela ocasião, pelos magistrados Cristiano Siqueira de Abreu
Outrossim, vale registrar, na esteira da advertência feita por Luciano Martinez, que a contribuição
sindical compulsória atenta também contra o art. 22 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos (Pacto de Nova York de 1966), segundo o qual “toda pessoa terá o direito de associar-se
livremente a outras, inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiar-se, para proteção de
seus interesses”.456
Portanto, ainda que se insista na tese de que a revogação da obrigatoriedade da contribuição
sindical só pode se dar por intermédio de Lei Complementar – o que, lembre-se, é contrária ao que
já decidiu o STF, como já dito – a normativa internacional incorporada ao ordenamento jurídico
interno fulmina por completo a tese da subsistência da receita obrigatória, ainda que instituída por
negociação coletiva.
Por fim, no serviço público, sempre foi controvertida a aplicabilidade da contribuição sindical
obrigatória, pelos mesmos motivos já expostos no item 1.1.6.1, quando se tratou da unicidade
sindical. Com efeito, além do conceito de categoria profissional e econômica, base no modelo
sindical celetista, não se aplica aos servidores públicos – como já dito –, pesa a circunstância de que
os direitos coletivos dos servidores públicos estão regulamentados pela Lei nº 8.112/90, art. 240.
Nessa linha, diante da existência de regramento específico, não se aplicam aos servidores
estatutários as normas celetistas que dispõem sobre contribuição sindical, incidindo, a respeito da
matéria, exclusivamente as normas contidas no regime jurídico único.457
A propósito, o próprio Ministério do Trabalho, por meio da Portaria Normativa nº 3/2017 já
havia revogado a obrigatoriedade de contribuição sindical dos servidores públicos.
De todo modo, sobre a facultatividade da Contribuição Sindical, a posição firmada no STF foi a
seguinte:
Ementa: Direito Constitucional e Trabalhista. Reforma Trabalhista. Facultatividade da
Contribuição Sindical. Constitucionalidade. Inexigência de Lei Complementar. Desnecessidade
de lei específica. Inexistência de ofensa à isonomia tributária (Art. 150, II, da CRFB).
Compulsoriedade da contribuição sindical não prevista na Constituição (artigos 8º, IV, e 149 da
CRFB). Não violação à autonomia das organizações sindicais (art. 8º, I, da CRFB). Inocorrência
e Lima e pelo atual Ministro do TST Douglas Alencar Rodrigues (MARTINEZ, Luciano. Condutas antissindicais.
São Paulo: Saraiva, 2013. p. 332).
456
MARTINEZ, Luciano. Condutas antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 332.
457
TRT da 22ª Região. ROMS Nº 0000621-22.2012.5.22.0104. Desembargador Arnaldo Boson. Julgamento
14/03/2014. No entanto, essa não era a posição do STF: “O Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de
que a contribuição sindical é devida pelos servidores públicos, independentemente da existência de lei específica
regulamentando sua instituição. Agravo regimental a que se nega provimento”. (ARE 807155 AgR, Relator(a): Min.
Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 07/10/2014, DJe-211 Divulg 24-10-2014 Public 28-10-2014)
de retrocesso social ou atentado aos direitos dos trabalhadores (artigos 1º, III e IV, 5º, XXXV, LV
e LXXIV, 6º e 7º da CRFB). Correção da proliferação excessiva de sindicatos no Brasil. Reforma
que visa ao fortalecimento da atuação sindical. Proteção às liberdades de associação, sindicalização
e de expressão (artigos 5º, incisos IV e XVII, e 8º, caput, da CRFB). Garantia da liberdade de
expressão (art. 5º, IV, da CRFB). Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas improcedentes.
Ação Declaratória de Constitucionalidade julgada procedente. 1. À lei ordinária compete dispor
sobre fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes quanto à espécie tributária das
contribuições, não sendo exigível a edição de lei complementar para a temática, ex vi do art. 146,
III, alínea ‘a’, da Constituição. 2. A extinção de contribuição pode ser realizada por lei ordinária,
em paralelismo à regra segundo a qual não é obrigatória a aprovação de lei complementar para a
criação de contribuições, sendo certo que a Carta Magna apenas exige o veículo legislativo da lei
complementar no caso das contribuições previdenciárias residuais, nos termos do art. 195, § 4º, da
Constituição. Precedente (ADI 4697, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno,
julgado em 06/10/2016). 3. A instituição da facultatividade do pagamento de contribuições
sindicais não demanda lei específica, porquanto o art. 150, § 6º, da Constituição trata apenas de
“subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou
remissão”, bem como porque a exigência de lei específica tem por finalidade evitar as chamadas
“caudas legais” ou “contrabandos legislativos”, consistentes na inserção de benefícios fiscais em
diplomas sobre matérias completamente distintas, como forma de chantagem e diminuição da
transparência no debate público, o que não ocorreu na tramitação da reforma trabalhista de que
trata a Lei nº 13.467/2017. Precedentes (ADI 4033, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA,
Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2010; RE 550652 AgR, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 17/12/2013). 4. A Lei nº 13.467/2017 emprega
critério homogêneo e igualitário ao exigir prévia e expressa anuência de todo e qualquer
trabalhador para o desconto da contribuição sindical, ao mesmo tempo em que suprime a natureza
tributária da contribuição, seja em relação aos sindicalizados, seja quanto aos demais, motivos pelos
quais não há qualquer violação ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da Constituição),
até porque não há que se invocar uma limitação ao poder de tributar para prejudicar o
contribuinte, expandindo o alcance do tributo, como suporte à pretensão de que os empregados
não-sindicalizados sejam obrigados a pagar a contribuição sindical. 5. A Carta Magna não contém
qualquer comando impondo a compulsoriedade da contribuição sindical, na medida em que o art.
8º, IV, da Constituição remete à lei a tarefa de dispor sobre a referida contribuição e o art. 149 da
Lei Maior, por sua vez, limita-se a conferir à União o poder de criar contribuições sociais, o que,
evidentemente, inclui a prerrogativa de extinguir ou modificar a natureza de contribuições
existentes. 6. A supressão do caráter compulsório das contribuições sindicais não vulnera o
princípio constitucional da autonomia da organização sindical, previsto no art. 8º, I, da Carta
Magna, nem configura retrocesso social e violação aos direitos básicos de proteção ao trabalhador
insculpidos nos artigos 1º, III e IV, 5º, XXXV, LV e LXXIV, 6º e 7º da Constituição. 7. A legislação
em apreço tem por objetivo combater o problema da proliferação excessiva de organizações
sindicais no Brasil, tendo sido apontado na exposição de motivos do substitutivo ao Projeto de Lei
nº 6.787/2016, que deu origem à lei ora impugnada, que o país possuía, até março de 2017, 11.326
sindicatos de trabalhadores e 5.186 sindicatos de empregadores, segundo dados obtidos no
Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do Ministério do Trabalho, sendo que, somente no ano
de 2016, a arrecadação da contribuição sindical alcançou a cifra de R$ 3,96 bilhões de reais. 8. O
legislador democrático constatou que a contribuição compulsória gerava uma oferta excessiva e
artificial de organizações sindicais, configurando uma perda social em detrimento dos
trabalhadores, porquanto não apenas uma parcela dos vencimentos dos empregados era transferida
para entidades sobre as quais eles possuíam pouca ou nenhuma ingerência, como também o
número estratosférico de sindicatos não se traduzia em um correspondente aumento do bem-estar
da categoria. 9. A garantia de uma fonte de custeio, independentemente de resultados, cria
incentivos perversos para uma atuação dos sindicatos fraca e descompromissada com os anseios
dos empregados, de modo que a Lei nº 13.467/2017 tem por escopo o fortalecimento e a eficiência
das entidades sindicais, que passam a ser orientadas pela necessidade de perseguir os reais interesses
dos trabalhadores, a fim de atraírem cada vez mais filiados. 10. Esta Corte já reconheceu que
normas afastando o pagamento obrigatório da contribuição sindical não configuram indevida
interferência na autonomia dos sindicatos: ADI 2522, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal
Pleno, julgado em 08/06/2006. 11. A Constituição consagra como direitos fundamentais as
liberdades de associação, sindicalização e de expressão, consoante o disposto nos artigos 5º, incisos
IV e XVII, e 8º, caput, tendo o legislador democrático decidido que a contribuição sindical, criada
no período autoritário do estado novo, tornava nula a liberdade de associar-se a sindicatos. 12. O
engajamento notório de entidades sindicais em atividades políticas, lançando e apoiando
candidatos, conclamando protestos e mantendo estreitos laços com partidos políticos, faz com que
a exigência de financiamento por indivíduos a atividades políticas com as quais não concordam,
por meio de contribuições compulsórias a sindicatos, configure violação à garantia fundamental
da liberdade de expressão, protegida pelo art. 5º, IV, da Constituição. Direito Comparado:
Suprema Corte dos Estados Unidos, casos Janus v. American Federation of State, County, and
Municipal Employees, Council 31 (2018) e Abood v. Detroit Board of Education (1977). 13. A
Lei nº 13.467/2017 não compromete a prestação de assistência judiciária gratuita perante a Justiça
Trabalhista, realizada pelos sindicatos inclusive quanto a trabalhadores não associados, visto que
os sindicatos ainda dispõem de múltiplas formas de custeio, incluindo a contribuição
confederativa (art. 8º, IV, primeira parte, da Constituição), a contribuição assistencial (art. 513,
alínea ‘e’, da CLT) e outras contribuições instituídas em assembleia da categoria ou constantes de
negociação coletiva, bem assim porque a Lei n.º 13.467/2017 ampliou as formas de financiamento
da assistência jurídica prestada pelos sindicatos, passando a prever o direito dos advogados sindicais
à percepção de honorários sucumbenciais (nova redação do art. 791-A, caput e § 1º, da CLT), e a
própria Lei n.º 5.584/70, em seu art. 17, já dispunha que, ante a inexistência de sindicato, cumpre
à Defensoria Pública a prestação de assistência judiciária no âmbito trabalhista. 14. A
autocontenção judicial requer o respeito à escolha democrática do legislador, à míngua de razões
teóricas ou elementos empíricos que tornem inadmissível a sua opção, plasmada na reforma
trabalhista sancionada pelo Presidente da República, em homenagem à presunção de
constitucionalidade das leis e à luz dos artigos 5º, incisos IV e XVII, e 8º, caput, da Constituição,
os quais garantem as liberdades de expressão, de associação e de sindicalização. 15. Ações Diretas
de Inconstitucionalidade julgadas improcedentes e Ação Declaratória de Constitucionalidade
julgada procedente para assentar a compatibilidade da Lei n.º 13.467/2017 com a Carta Magna.
(ADI 5794, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX,
Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2018, DJe-083 DIVULG 22-04-2019 PUBLIC 23-04-2019).
2.9. Organização de trabalhadores nos locais de trabalho
No Brasil não é possível a formação de sindicatos por empresa, modelo no qual o fator de
aglutinação é a empresa a qual se vinculam os trabalhadores, já que no Brasil prepondera o critério
de agregação por ofício ou profissão, ou por categoria profissional.
A Recopilação de Decisões e Princípios do Comitê de Liberdade Sindical do Conselho de
Administração da OIT estabelece em seu parágrafo 334 que “os trabalhadores deveriam poder
decidir se preferem formar, em primeiro grau, um sindicato de empresa ou outra forma de
organização de base, como um sindicato de indústria ou de profissão.”. Adiante, o parágrafo 360 da
referida Recopilação dispõe que “os trabalhadores deveriam poder, se desejarem, afiliarem-se
simultaneamente a um sindicato por ramo e a um sindicato por empresa”.
Apesar de não se admitir o sindicato por empresas no Brasil, há outras figuras que se
consubstanciam em organização coletiva de trabalhadores, como a Comissão de Representantes,
prevista na CLT, nos artigos 510-A e seguintes.
O artigo 11 da CR/88 estabelece que: "Nas empresas de mais de 200 empregados, é assegurada a
eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto
com os empregadores.". A reforma trabalhista, para dar concretude ao dispositivo acima, incluiu na
CLT o Título IV-A, “Da representação dos empregados”, mais especificamente os artigos 510-A
ao 510-D, que regula sua composição, mandato e atribuições, cuja leitura é altamente
recomendável.
Embora a correta interpretação do novo Título IV-A da CLT possa explicitar, sem dúvida, uma
importante dimensão da parceria entre a Comissão e as entidades sindicais (com a prevalência dos
sindicatos na função representativa e, inclusive, o seu protagonismo nas negociações coletivas
trabalhistas), o fato é que o art. 510-C, § 1º, in fine, passa a ideia equivocada de que o sindicato não
pode participar do pleito para a composição da comissão de representantes dos empregados – o
que seria regra ou dinâmica jurídica manifestamente antissindical, ferindo não só a Constituição
de 1988 como também as Convenções 98 e 135 da OIT.
Maurício Godinho Delgado defende a necessária abertura à participação dos trabalhadores
terceirizados que atuem de maneira permanente na empresa tomadora de serviços (empresa
contratante) — sob pena de se configurar também clara regra ou dinâmica antissindicais, além de
traduzir discriminação vedada pela Constituição da República (art. 3º, IV, in fi ne, c./c. art. 7º,
XXXII, da CF/88).
Segundo a OIT, a Convenção dos Representantes dos Trabalhadores, 1971 (n.º 135) e a
Convenção sobre Negociação Coletiva, 1981 (nº 154), contêm disposições expressas para garantir
que, onde existam sindicatos e representantes eleitos dos trabalhadores na mesma empresa, sejam
tomadas as medidas apropriadas assegurar que a existência de representantes eleitos não seja
utilizada para minar a posição dos sindicatos em causa (Enunciado n.º 1235 da Recopilação de
decisões do Comitê de Liberdade Sindical).
De igual modo, o Comitê lembra que o artigo 5º da Convenção n. 135 prevê que quando na mesma
empresa houver representantes sindicais e representantes eleitos, medidas apropriadas devem ser
tomadas, se necessário, para assegurar que a existência de representantes eleitos não seja usada para
minar a posição dos sindicatos interessados ou dos seus representantes e incentivar a colaboração
em todos os assuntos pertinentes entre os representantes eleitos e os sindicatos interessados e seus
representantes (Enunciado n.º 1236 da Recopilação de decisões do Comitê de Liberdade Sindical).
Sobre a representação dos empregados na empresa, a CONALIS editou, em 18/11/2020, a
Orientação n.º 10, com a seguinte redação:
REPRESENTAÇÃO DOS EMPREGADOS NA EMPRESA. ART. 11 DA CF/88.
COMISSÃO DE REPRESENTANTE DOS EMPREGADOS. ART. 510-A/510- D, DA CLT.
CONVENÇÃO 135 DA OIT. RECOMENDAÇÃO 143 DA OIT. INSTITUIÇÃO.
INTERESSE. (Aprovada em 18 de novembro de 2020).
I - É dos empregados da empresa que se pretende o entendimento direto com o empregador o
interesse exclusivo de instituir ou não a representação prevista no art. 11, da CF.
II - Não cabe à empresa adotar medidas para a instituição ou não da comissão de representação dos
empregados e/ou interferir em seu funcionamento, devendo-se observar a autonomia privada
coletiva dos trabalhadores.
III - Os atos materiais do empregador que indiquem interferência quanto à instituição e/ou o
funcionamento, com autonomia, da representação dos trabalhadores na empresa são passíveis de
investigação pelo Ministério Público do Trabalho.
Confira a fundamentação da CONALIS, ipsis litteris:
A representação dos trabalhadores na empresa constitui um direito de caráter coletivo,
constitucionalmente previsto no artigo 11 da Constituição Federal de 1988.
A Lei nº 13.467, de 2017, no entanto, ao parecer regulamentá-lo, com a inclusão dos artigos 510-
A a 510-D à CLT, o fez sem a necessária legitimação pelo pressuposto do diálogo social tripartite,
tal como preconizado pela Convenção 144 da OIT. Neste sentido o entendimento do Comitê de
Liberdade Sindical da OIT, com se verifica dos seguintes verbetes, in verbis:
1070. A consulta tripartite deve ocorrer antes que o Governo submeta um projeto à Assembleia
Legislativa ou estabeleça uma política trabalhista, social ou econômica.
1073. O Comitê tem chamado a atenção dos governos para a importância de uma consulta previa
com as organizações de empregadores e de trabalhadores antes que se adote qualquer lei no âmbito
do direito do trabalho.
1074. O Comitê sublinhou a importância que se deve atribuir à celebração de consultas francas e sem
obstáculos sobre qualquer questão ou legislação projetada que afete os direitos sindicais.
Por outro lado, passados três anos do advento da denominada “Reforma Trabalhista”, restou
consolidado o evidente propósito de desestabilização do movimento sindical, com a retirada
abrupta da base de sustentação econômica do sistema de organização sindical brasileiro delineado
na CF/88, com as tentativas de ampliação da autonomia individual e o consequente afastamento
da negociação coletiva, a proibição de ultratividade das normas coletivas, a previsão de prevalência
do negociado sobre o legislado em temas adrede escolhidos pelo legislador, entre outros, além da
tentativa de sobreposição das atribuições da representação dos empregados na empresa (art. 510-
B, VI e VII, CLT) àquelas conferidas ao sindicato (art. 8º, III, CF).
Essa última situação conflituosa foi objeto de forte resistência, pelo movimento sindical,
resultando no acordo entre o Senado e a Presidência da República no sentido de que o primeiro
não promovesse emendas ao então projeto de reforma trabalhista, enquanto o segundo se
comprometia a editar medida provisória com o fim de corrigir determinados pontos, dentre eles,
no caso em debate, a inclusão do art. 510-E à CLT que ressaltava as atribuições dos sindicatos.
Assim, em 14 de novembro de 2017 a Presidência da República editou a MPV nº 808, prevendo a
inclusão, dentre outros dispositivos, do referido art. 510-E, à CLT, e não obstante a base do
Governo se moveu para que a referida MPV perdesse a vigência, o que, de fato, ocorreu,
rompendo-se com o acordo de cavalheiros inicialmente firmado.
Adite-se a isso o desejo de excluir a vontade da categoria na formação da representação dos
trabalhadores na empresa (art. 510-C, §1º, CLT), o que, sem dúvida, concorreria, sem a
interpretação crítica desse dispositivo, sob a ótica da Convenção nº135, da OIT, para o
enfraquecimento do movimento sindical.
Assim, extraem-se importantes vetores a interpretar o dispositivo previsto no artigo 11 da CR/88,
tais sejam a autonomia de vontade, a liberdade dos empregados da empresa eventualmente
interessados e coletivamente considerados e o fortalecimento do movimento sindical enquanto
categoria.
Neste diapasão, a Lei n. 13.467/2017, além de não ser procedida do pressuposto do diálogo social
tripartite, constitui também uma legislação antissindical, tendo em vista que afasta, a priori, a
participação das entidades sindicais da representação dos trabalhadores (art. 510-C, § 1º, da CLT).
Referida norma não sobrevive a eventual análise de constitucionalidade e/ou
inconvencionalidade, pois fere a autonomia privada coletiva dos trabalhadores, uma vez que
compete à coletividade profissional decidir se a representação será sindical ou não, não podendo
haver vedação à presença das entidades sindicais.
A OIT, por meio das suas diversas instâncias, demonstra uma preocupação intensa com a questão
da representação dos trabalhadores no local de trabalho, para que esta não se torne um instrumento
de oposição e resistência às entidades sindicais e de submissão ao empregador. Neste sentido,
dispõe o artigo 5º da Convenção 135 da OIT.
É imperioso ponderar que a efetividade da representação dos trabalhadores na empresa decorre do
fortalecimento do movimento sindical e não o contrário. Não é o ato de implantar a representação
dos trabalhadores que fortalece a coletividade profissional e o movimento sindical como um todo,
mas uma entidade sindical forte pode impulsionar a representação local como parte integrante de
uma estratégia mais ampla de luta dos trabalhadores.
Tem-se, assim, como nortes interpretativos, o artigo 11 da CR/88, a Convenção nº 135 e a
Recomendação nº 143, ambas editadas pela OIT e os artigos 510-A a 510-D da CLT. Deve-se
observar e valorizar o princípio da liberdade e da autonomia dos trabalhadores (artigo 8º, I, CF/88)
que, em dada empresa, revelem o interesse coletivo em instituir e executar as atribuições da
representação dos empregados (artigo 11 da CF/88) ou de não o fazer.
Ao mesmo passo, tende-se a compreender a representação dos trabalhadores da empresa sob a
perspectiva do fortalecimento da categoria profissional como um todo (artigo 8º, incisos I e III,
CF), e não como meio de cisão da representação sindical e da unidade dos trabalhadores ou de
submissão à pressão dos trabalhadores pelos empregadores.
Importante destacar, ainda, que de acordo com o artigo 5º da Convenção nº135 da OIT, a
representação dos trabalhadores na empresa não pode servir como instrumento a prejudicar e/ou
enfraquecer a atividade sindical, por isso, não compete, a priori, ao MPT determinar a instituição
da representação dos trabalhadores na empresa, uma vez que referida decisão é de atribuição da
autonomia privada coletiva.
Porém, o MPT como órgão promotor das liberdades sindicais, do diálogo e da democracia sindical,
tem toda a legitimidade para investigar e verificar eventuais irregularidades no processo eleitoral,
na instituição e na atuação das comissões de trabalhadores na empresa.
Por estes fundamentos fáticos e jurídicos, bem como em decorrência do amplo debate no âmbito
do colegiado da CONALIS, foi aprovada a Orientação n. 10, com o enunciado em epígrafe.
3. NEGOCIAÇÃO COLETIVA E CONVENÇÕES 98 E 151 DA OIT
Em relação à pacificação dos conflitos coletivos, o destaque é da Convenção 98 e 151 da OIT,
que em seu art. 4º estabelece que “para estimular e promover o pleno desenvolvimento e utilização
de mecanismos de negociação voluntária entre empregadores ou organizações de empregadores e
organizações de trabalhadores, com o objetivo de regular, mediante acordos coletivos, termos e
condições de emprego”.
Em relação à Administração Pública, a Convenção 151 da OIT trata a respeito do direito à
negociação coletiva dos servidores públicos, uma vez que seus arts. 7º e 8º indicam a negociação
coletiva entre os mecanismos que permitem às autoridades públicas e as organizações de
trabalhadores da Administração Pública a solução de conflitos em razão da busca por melhores
condições de trabalho.
Acresça-se, ainda, que a impossibilidade do reconhecimento à negociação coletiva é defendida
pelos doutrinadores, haja vista:
(1) a sujeição da Administração Pública ao Princípio da Legalidade e ao Princípio da Reserva
Legal, que vinculam a Administração Pública às disposições legais. Assim, a Administração Pública
não disporia de liberdade para negociar condições de trabalho de seus servidores.
(2) indisponibilidade do interesse público, visto que a Administração Pública não possui a
disponibilidade sobre os interesses que lhe cumpre representar, não podendo transigir direitos ou
firmar negociação coletiva, uma vez que não age em nome próprio, mas em nome do interesse
público.
(3) as limitações orçamentárias, uma vez que a Administração Pública somente poderá
negociar direitos desde que não implique em aumento de despesas, tendo em vista a necessidade
de manutenção do equilíbrio econômico-atuarial e da exigência de anterioridade orçamentária.
Se por um lado o legislador constituinte não propiciou, expressamente, o direito de
reconhecimento das convenções coletivas e acordos coletivos aos servidores públicos ocupantes de
cargos públicos, por outro, não vedou de modo expresso a possibilidade da negociação.
Já não se concebe o conflito coletivo como meramente econômico. Sob tal ótica, questões de
cunho econômico não poderiam ser diretamente negociadas com a Administração Pública, como,
por exemplo, reajustes salariais, que esbarrariam em entraves de ordem legal. Contudo, existe uma
vasta gama de matérias que não esbarram nesses óbices apresentados pela doutrina, que poderiam
ser solucionadas através da via negocial.
Por outro prisma, ainda que se tratassem de assuntos que acarretem aumento de despesa, poderiam
os servidores públicos obter, via negocial, a assunção de compromissos por parte da Administração
de envio de projetos de lei de proposta orçamentária, de modo a atender ao princípio da legalidade
e da reserva legal e as limitações orçamentárias.
4. MPT E MECANISMOS DE AUTOCOMPOSIÇÃO COLETIVA
Conforme a Resolução 118/2014 do CNMP e Resolução 157/2018 do CSMPT, incumbe ao
parquet implementar e adotar mecanismos de autocomposição, como a negociação, a mediação, a
conciliação, o processo restaurativo e as convenções processuais.
Em princípio, a mediação somente é possível em relação a direitos transindividuais e direitos
individuais indisponíveis, diante das atribuições constitucionais do MPT. Entretanto, tratando-se
de verbas trabalhistas devidas por conta de uma origem comum a trabalhadores identificáveis (ex.
demissão em massa), “está-se diante de direitos individuais homogêneos, que são direitos coletivos
lato sensu nos termos do art. 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do
Consumidor”, pelo que o MPT está legitimado para tuteá-los.
Com relação à arbitragem, o art. 114 § 2º da CR/88 e o art. 83, XI da LC 75/93 tratam da
atribuição conferida ao parquet trabalhista para “atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas
partes, nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho''. Na arbitragem no âmbito do MPT,
há desnecessidade da cláusula compromissória, mas a Resolução CSMPT 44/99, que estabelece
que a arbitragem poderá ser iniciada pela vontade conjunta de todos os conflitantes ou por um
deles, estabelece a necessidade da convenção de arbitragem.
5. DESMEMBRAMENTO E DISSOCIAÇÃO SINDICAIS
O fracionamento dos sindicatos pode se dar por meio de desmembramentos ou dissociações das
categorias econômicas e profissionais. A Jurisprudência e a doutrina, entretanto, não apresentam
uma posição uniforme com relação aos termos utilizados, sendo que por vezes utilizam as
expressões descentralização ou desconcentração como substitutas destes termos ou mesmo as
divisões em fracionamento subjetivo ou objetivo. O fato é que são duas, basicamente, as
situações em que se permite o fracionamento das categorias: o baseado no critério
geográfico e o no da especificação da categoria.
Parte da jurisprudência e da doutrina diz que o sistema sindical brasileiro comporta a possibilidade
de criação por dissociação (categorial/especificação x agregação da categoria ou subjetiva ou
desconcentração) e de criação por desmembramento (geográfico ou objetivo ou
descentralização). A primeira refere-se à criação de sindicato para representar categoria mais
específica antes contemplada em sindicato mais abrangente. A segunda relaciona-se à criação de
sindicato para representar categoria em base territorial mais reduzida, observado o módulo
municipal, nos termos do art. 571 da CLT458.
O art. 571 da CLT consagra o princípio da especificidade. Assim, a dissociação,
impropriamente designada de desmembramento, é apanágio legal da categoria e célula-mater do
sindicalismo, sendo certo que o sindicato não se desmembra nem é desmembrável e as categorias
458
Art 571 da CLT. Qualquer das atividades ou profissões concentradas na forma do parágrafo único do artigo
anterior poderá dissociar-se do sindicato principal, formando um sindicato específico, desde que o novo sindicato, a
juízo da Comissão do Enquadramento Sindical (não recepcionado – art. 8º, I, CR/88), ofereça possibilidade de vida
associativa regular e de ação sindical eficiente.
associadas ou reunidas para constituir sindicato é que podem se dissociar. Nada impede este
chamado 'desmembramento' da categoria, segundo o princípio legal da especificidade, através
da dissociação, admitida pelo art. 571, da CLT, um sindicato eclético, constituído por ramos
não específicos, porém similares ou conexos, que pode sofrer redução em sua representação
por determinada categoria, a ele, até, então, acoplada simplesmente pelo critério genérico
da mera similitude ou conexão. Dá-se, assim, a especialização, do ramo de
representatividade sindical, de categoria genérica para categoria específica, que, mediante
registro, torna-se autônoma. Assim, as categorias formadas a partir de atividades similares e
conexas compõem as chamadas categorias ecléticas, que podem ser dissociadas em categorias
específicas de atividades idênticas (art. 571, CLT).
Ocorre desmembramento quando a entidade é fracionada mantendo-se a mesma categoria (de
atividades idênticas, similares ou conexas), mas alterando-se a base territorial. Já na dissociação, há
cisão da própria categoria, ainda que seja na mesma base territorial do sindicato preexistente.
Quanto às espécies de desdobramento sindical, explica a doutrina: “O desmembramento tanto pode
ser geográfico, pela divisão da ocupação de espaço, capilarizando-se a presença sindical, criando-se
nova(s) entidade(s) para atuar especificamente em parte do território que antes estava coberto por
uma entidade-matriz, com jurisdição em múltiplos municípios, quanto pode ser categorial, pela
valorização do critério da especialização e da especificidade, fazendo-se com que de um sindicato,
antes congregando duas categorias, surjam, pela vontade dos próprios interessados, duas entidades,
cada uma tratando dos interesses peculiares de uma só delas”.459
O desmembramento ou a dissociação independe do consentimento da entidade sindical
pré-existente. Mas, de todo modo, se deve respeitar a unicidade. Ainda, deve haver autorização
das categorias respectivas em assembleia especificamente convocada para este fim; deve ter o
registro em cartório de Títulos e documentos, bem como registro no Cadastro Nacional de
entidades sindicais. Além disso, tem se entendido pela jurisprudência do STF (RMS 21305 e RE
2141935-8/DF), que não poderá haver fracionamento de categoria quando existir esvaziamento
do conceito de categoria, que se dá quando se criam sindicatos baseados em meras funções
exercidas ou ainda quando se tem o desmembramento de categorias profissionais diferenciadas.
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. REPRESENTAÇÃO DE
SEGMENTO EMPRESARIAL. ESPECIFICIDADE. PORTE. LEGITIMIDADE. A regra
geral para a dissociação sindical fundamenta-se na especificidade do labor ou da atividade
empresarial, a teor dos artigos 570 e 571 da CLT. É inviável a representação de segmento de
459
CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes. Trabalho na constituição. Vol. II, São Paulo: LTr, 1990, p. 35.
categoria profissional ou econômica com base no maior ou menor porte de cada ramo ou do
empreendimento, consoante a Orientação Jurisprudencial 23 da SDC do TST. (TST - ED-
RODC - 2027000-52.2006.5.02.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de
Divulgação, Rel. Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 21/11/2008)
Dissociação: Critério da Especialização x Critério da Agregação
Mauricio Godinho Delgado critica o critério da especialização que, segundo ele, leva à
fragmentação. Aponta que o critério consentâneo com o associativismo e com o regime
democrático é da agregação. Godinho explica que o enfraquecimento e pulverização sindical no
Brasil se dá justamente pela adoção, inclusive pela jurisprudência majoritária, do critério da
especialização. Afirma que o melhor seria aplicação do critério da agregação. O critério da
especialização, embora seja critério válido e funcional ao exame de inúmeras questões na vida social
e econômica, especialmente questões reguladas pelo Direito Civil, não é, claramente, o critério de
classificação e avaliação mais adequado ao exame das estruturas dos sindicatos, ou seja, o cerne das
questões principais do Direito Coletivo do Trabalho. Neste campo jurídico sabe-se que as
entidades sindicais visam, precipuamente, por meio de seu fortalecimento, a criar condições mais
equânimes de equalização e diálogo perante o poder empresarial. Tais condições não se alcançam
com o fracionamento, com a incessante especialização, porém, ao revés, com a agregação, a
unificação das respectivas entidades associativas. A história e conceito de associações sindicais
remete-se ao apelo da união, da unidade, da agregação – e não seu inverso. De fato, a ideia de
similitude de condições de vida e labor, em função de vínculo dos obreiros a atividades econômicas
empresariais similares ou conexas (ideia que forma o núcleo do conceito de categoria) permite o
alargamento dos sindicatos – e não, necessariamente, seu definhamento, como verificado na
década de 1990. Entretanto, não obstante essas ponderações, torna-se necessário enfatizar que a
jurisprudência do STF e a dominante no TST tem insistido na adoção do critério da
especialidade, considerando-o mais consentâneo com os princípios da liberdade de associação e
da autonomia sindical. Nesse quadro interpretativo hegemônico, havendo especialização
relativamente à nova entidade resultante do desmembramento do sindicato mais amplo e sendo
respeitada a base territorial mínima do Município quanto a essa nova entidade, tem essa
jurisprudência prevalecente tendido a considerar válida a criação de nova entidade sindical. Veja
acórdão de relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado, no qual a terceira turma do TST,
no julgamento do processo RR-126600-88.2010.5.16.0020, definiu como legítimo e
representativo o sindicato que comprovadamente melhor atendeu o princípio da agregação, do
fortalecimento sindical, em vez do critério da especialidade, que a Turma considerou permissivo
do fracionamento e da pulverização dos sindicatos:
RECURSO DE REVISTA. REPRESENTAÇÃO SINDICAL. INFERÊNCIA DO
SINDICATO MAIS REPRESENTATIVO E LEGÍTIMO, AFIRMATIVO DA
UNICIDADE CONSTITUCIONALMENTE DETERMINADA. PRINCÍPIO DA
AGREGAÇÃO SINDICAL COMO DIRETRIZ REGENTE DESSA ANÁLISE.
SINDICATO OBREIRO MAIS AMPLO, ABRANGENTE, FORTE E
REPRESENTATIVO, USUALMENTE MAIS ANTIGO, EM DETRIMENTO DO
SINDICATO MAIS RESTRITO E DELIMITADO, USUALMENTE MAIS RECENTE.
AGREGAÇÃO SINDICAL PRESTIGIADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
E PELO TRT DE ORIGEM. A Constituição Federal afastou a possibilidade jurídica de
intervenção e interferência político-administrativas do Estado, via Ministério do Trabalho e
Emprego, no sindicalismo (art. 8º, I, CF/88). Reforçou o papel dos sindicatos na defesa dos
direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e
administrativas (art. 8º, III, CF/88). Alargou os poderes da negociação coletiva trabalhista, sempre
sob o manto da participação sindical obreira (art. 8º, VI; art. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI, CF/88).
Entretanto, manteve o sistema de unicidade sindical (art. 8º, II, CF/88), no sentido de estruturação
por categoria profissional ou diferenciada, com monopólio de representação na respectiva base
territorial, preceito direcionado no texto constitucional às organizações sindicais de qualquer grau
(art. 8º, II, CF). Decidiu o TRT o conflito intersindical com suporte no princípio da agregação,
de modo a identificar como mais legítimo e representativo o sindicato com categoria profissional
mais larga e abrangente, além de mais antigo, que na hipótese é o Sindicato dos Trabalhadores na
Agricultura Familiar de Joselândia. Esse sindicato representa diversos trabalhadores enquadrados
como rurais, entre os quais os agricultores e agricultoras que exerçam suas atividades
individualmente ou em regime de economia familiar, portanto, de forma mais ampla do que o
segmento específico e delimitado referenciado pelo outro sindicato mais recente (SINTRAF). Esse
entendimento ajusta a interpretação ao melhor e mais consistente sentido objetivado pelo Texto
Máximo de 1988 (art. 8º, I, II e III, CF). A diretriz da especialização pode ser útil para a análise de
certos aspectos de outras relações jurídicas, sendo, porém incompatível para a investigação da
estrutura sindical mais legítima e representativa, apta a melhor realizar o critério da unicidade
sindical determinado pela Constituição (art. 8º, I e II CF/88) e concretizar a consistência
representativa que têm de possuir os sindicatos (art. 8º, III e VI CF/88). Para esta investigação
sobre a legitimidade e representatividade dos sindicatos torna-se imprescindível, portanto, o
manejo efetivo e proporcional do princípio da agregação, inerente ao Direito Coletivo do
Trabalho. Sendo assim, o recurso de revista não preenche os requisitos previstos no art. 896 da
CLT, pelo que inviável o seu conhecimento. Recurso de revista não conhecido. (TST, 3ª Turma,
RR-126600-88.2010.5.16.0020; publicação 01/07/2013).
Assim, pelo critério da agregação, devem ser observados outros critérios para a definição da
representatividade os seguintes: quantitativos, institucionais, ideológicos, funcionais, estruturais.
Então, a representação sindical a ser aferida pela Justiça do Trabalho não pode se limitar a critérios
burocráticos, pautado unicamente em registros no órgão competente, sem que se tenha uma
concreta inspeção sobre a efetiva capacidade de determinado ente sindical de defender os interesses
de uma categoria.
6. GREVE
Por fim, quanto à greve, o art. 8º III da CF, regulamente de forma ampla (ao sindicato cabe a defesa
dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas). Todavia, a Lei 7.783/89 impõe alguns condicionantes ao exercício não abusivo
do direito de greve, como a frustração da negociação coletiva, convocação da assembleia geral,
prazo prévio de notificação de 48 ou 72 horas, dentre outros requisitos.
É preciso atenção para a Lei nº 13.846, de 18/06/2019, que alterou o art. 10 da Lei n. 7.783/89
(Lei de Greve), acrescentando ao rol de atividades ou serviços essenciais as seguintes atividades:
(...) XII – atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e
assistência social;
XIII – atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico,
mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes
multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direitos previstos em lei, em
especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência);
XIV – outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispensáveis ao
atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade."
Outrossim, o inciso X teve sua redação alterada pela Lei nº 13.903, de 2019 (fruto da MP 866 de
2019) para dispor que são considerados serviços ou atividades essenciais o controle de tráfego aéreo
e navegação aérea. A novidade foi “navegação aérea”.
Sobre o tema também, tem destaque a decisão do STF (ARE 654.432), que estendeu a vedação da
greve do serviço militar greve às todas carreiras que compõem os serviços de segurança pública (art.
142 e 144 da CRFB/88), bem como a decisão proferida no RE 693456, com repercussão geral
reconhecida, que discutiu a constitucionalidade do desconto dos dias paradas em razão de greve de
servidor. O Plenário decidiu que a Administração Pública deve fazer o corte do ponto dos grevistas,
mas admitiu a possibilidade de compensação dos dias parados mediante acordo. Também foi
decidido que o desconto não poderá ser feito caso o movimento grevista tenha sido motivado por
conduta ilícita do próprio Poder Público.
6. DISPENSA EM MASSA
A dispensa coletiva se caracteriza pela dispensa simultânea de uma pluralidade empregados de
uma mesma empresa, em um ato único ou em um curto lapso de tempo, por um motivo único,
não relacionado à conduta individualizada do empregado, sem que ocorra a substituição dos
empregados dispensados e que afete de modo sensível o ambiente econômico e social em
que inserida a empresa.
Portanto, o que é relevante analisar na dispensa em massa:
a) a quantidade de empregados dispensados (nominal ou percentual);
b) o período em que ocorrem as demissões (ato único ou em um curto lapso de tempo);
c) que o motivo seja único e não baseado nas características ou desempenho individual do
empregado dispensados (por exemplo, reestruturação da empresa ou fechamento de filial);
d) sem que haja a substituição dos empregados despedidos, ou seja, que haja redução definitiva do
quadro pessoal;
d) que gere graves consequências econômicas e sociais decorrentes da dispensa coletiva;
Diversamente, na dispensa plúrima, embora também possa haver uma pluralidade de dispensas,
o motivo das rescisões é relacionado à conduta individualizada de cada um dos trabalhadores que
foram dispensados. Neste caso, pode haver a contratação de empregados substitutos.
O núcleo do conceito de demissão coletiva, portanto, está associado a um fato objetivo alheio à
pessoa do empregado.
Por ocasião da Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/17) foi inserido o art. 477-A na CLT,
com o objetivo de equiparar as dispensas individuais, plúrimas ou coletivas e prever a
inexigibilidade de negociação coletiva ou prévia autorização sindical.
Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos
os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de
convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Antes da Reforma Trabalhista, a jurisprudência brasileira, a partir do Caso Embraer
(TST-RODC-30900-12.2009.5.15.0000) - que implicou o despedimento de mais de 4.000
trabalhadores, estabelecia que para a regular dispensa coletiva era necessária a prévia informação e
negociação com o sindicato representativo da categoria profissional, tratando-se de requisito
procedimental imprescindível para a validade da dispensa, tendo em vista que o art. 8º, III e VI,
exigem a participação do sindicato em qualquer negociação de impacto coletivo e para defesa dos
direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria.
O STF, no julgamento do RE 999.435, com repercussão geral (Tema 638), que discutia a
necessidade de negociação coletiva para a dispensa em massa de trabalhadores conforme decidido
pelo TST, definiu que é imprescindível a participação prévia de sindicatos para a dispensa em
massa de trabalhadores. A seguinte tese foi fixada:
"A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa
de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou
celebração de convenção ou acordo coletivo."
Observa-se, todavia, que é obrigatória apenas uma tentativa de negociação coletiva antes da
efetivação de dispensas em massa de trabalhadores, em prestígio prestigiou o papel dos sindicatos
profissionais na proteção coletiva dos trabalhadores ao papel dos sindicatos profissionais na
proteção coletiva dos trabalhadores, não sendo exigida autorização prévia por parte da
entidade sindical ou convenção ou acordo coletivo.
7. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
ORIENTAÇÃO N. 01. CUSTEIO PATRONAL A SINDICATO PROFISSIONAL. Afronta
a liberdade sindical o financiamento patronal do sindicato profissional.
ORIENTAÇÃO N. 02. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 03. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 04. INCENTIVO À DESFILIAÇÃO. Configura ato antissindical o
incentivo patronal ao exercício do direito de oposição à contribuição assistencial/negocial.
ORIENTAÇÃO N. 05. Malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou entidades
sindicais. Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou
entidades sindicais são de interesse público tutelável pelo parquet trabalhista.
ORIENTAÇÃO N. 06. DISPENSA COLETIVA. Considerando os princípios constitucionais
da dignidade da pessoa humana (art. 1o, III), da democracia nas relações de trabalho e da solução
pacífica das controvérsias (preâmbulo da Constituição Federal de 1988), do direito à informação
dos motivos ensejadores da dispensa massiva e de negociação coletiva (art. 5o, XXXIII e XIV, art.
7o, I e XXVI, e art. 8o, III, V e VI), da função social da empresa e do contrato de trabalho (art. 170,
III e Cód. Civil, art. 421), bem como os termos das Convenções ns. 98, 135, 141 e 151, e
Recomendação no 163 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a dispensa coletiva será
nula e desprovida de qualquer eficácia se não se sujeitar ao prévio procedimento da negociação
coletiva de trabalho com a entidade sindical representativa da categoria profissional.
ORIENTAÇÃO N. 07. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 08. BENEFÍCIOS PRESTADOS AOS REPRESENTADOS PELO
SINDICATO PROFISSIONAL. FINANCIAMENTO PELA EMPRESA. PREVISÃO EM
NORMA COLETIVA. SUPOSTA CONDUTA ANTISSINDICAL. CONVENÇÃO Nº 98
DA OIT. I- A previsão, em norma coletiva, de repasse de verbas para o custeamento de benefícios
e serviços aos trabalhadores por intermédio da respectiva entidade sindical profissional que se
responsabiliza pela operacionalização e concessão dos benefícios, de acordo com critérios
previamente fixados na norma coletiva ou no regulamento da entidade associativa, observada a
publicidade aos trabalhadores, não constitui, por si só, ato ou conduta antissindical ou
inobservância do artigo 2º, item 2 da Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho.
II- Eventual ato ou conduta antissindical deve ser analisada em cada caso concreto, com os demais
elementos e condições materiais que lhe são subjacentes, como o caráter vinculado e/ou não das
verbas e à efetiva concessão dos benefícios ou serviços pela entidade sindical ou da
tentativa/existência de ingerência ou controle do sindicato profissional pelo empregador ou
entidade patronal.
ORIENTAÇÃO N. 09. IRREGULARIDADES ADMINISTRATIVAS, FINANCEIRAS E
MALVERSAÇÃO OU DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO DE ENTIDADE SINDICAL.
RESPONSABILIZAÇÃO. No Caso de irregularidades administrativas, financeiras e atos de
malversação ou dilapidação do patrimônio de entidade sindical, a responsabilização deve recair, em
tese,sobre as pessoas físicas que supostamente praticaram o ato ou o fato noticiado, as quais devem
constar como investigadas, sem prejuízo de, no caso concreto, a investigação também recair sobre
a pessoa jurídica da entidade sindical, se houver elementos para tanto.
ORIENTAÇÃO N. 10. REPRESENTAÇÃO DOS EMPREGADOS NA EMPRESA. ART.
11 DA CF/88. COMISSÃO DE REPRESENTANTE DOS EMPREGADOS. ART. 510-
A/510- D, DA CLT. CONVENÇÃO 135 DA OIT. RECOMENDAÇÃO 143 DA OIT.
INSTITUIÇÃO. INTERESSE.. I - É dos empregados da empresa que se pretende o
entendimento direto com o empregador o interesse exclusivo de instituir ou não a representação
prevista no art. 11, da CF. II - Não cabe à empresa adotar medidas para a instituição ou não da
comissão de representação dos empregados e/ou interferir em seu funcionamento, devendo-se
observar a autonomia privada coletiva dos trabalhadores. III - Os atos materiais do empregador
que indiquem interferência quanto à instituição e/ou o funcionamento, com autonomia, da
representação dos trabalhadores na empresa são passíveis de investigação pelo Ministério Público
do Trabalho.
ORIENTAÇÃO N. 11. DIRIGENTE SINDICAL. GARANTIA DE EMPREGO.
DISPENSA. TRANSFERÊNCIA. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. TUTELA DA
LIBERDADE SINDICAL. ATO ANTISSINDICAL. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO. I – A proteção contra a transferência, dispensa ou conduta
discriminatória contra dirigente sindical ou qualquer trabalhador com representação profissional
constitui interesse que transcende a mera esfera individual, uma vez que o trabalhador está no
exercício de um direito-função de representação da coletividade, sendo que eventual violação da
garantia de emprego, estipulada por norma autônoma ou heterônoma, ou do exercício das suas
funções, invoca a atuação do Ministério Público do Trabalho, pois é corolário dos princípios de
liberdade sindical, podendo, inclusive configurar ato antissindical. II – A existência de inquérito
judicial para a apuração de falta grave ou de ação trabalhista com pretensão de reintegração do
trabalhador, de invalidação do ato de sua transferência ou violador do exercício das suas funções,
não afasta a atribuição do Ministério Público do Trabalho, inclusive para intervir na ação judicial,
desde que subsista o interesse de tutela da liberdade coletiva dos trabalhadores e da representação
profissional.
ORIENTAÇÃO N. 12. LEGITIMIDADE CONCORRENTE E DISJUNTIVA.
RELEVÂNCIA SOCIAL DA ATUAÇÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DA
ENTIDADE SINDICAL. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. I -
A legitimidade conferida às entidades sindicais para a tutela dos direitos dos trabalhadores não
exclui ou implica, por si só, atuação do Ministério Público do Trabalho, pois tal legitimidade, no
caso, é concorrente e disjuntiva. II – O Ministério Público do Trabalho, em razão da dimensão
social do dano ou de sua ameaça e/ou da hipossuficiência técnica da entidade sindical,
principalmente em matéria de produção probatória, tem atribuição para atuar nas violações à
liberdade sindical e ao direito de negociação coletiva, a exemplo de atos ou condutas antissindicais
e dispensas coletivas.
ORIENTAÇÃO N. 13. CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS. OPOSIÇÃO. ATO OU
CONDUTA ANTISSINDICAL DO EMPREGADOR OU TERCEIRO. ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. I - O ato ou fato de o empregador ou de terceiro
de coagir, estimular, auxiliar e/ou induzir o trabalhador a se opor ou resistir ao desconto de
contribuições sindicais legais, normativas ou negociadas, ou de qualquer outra espécie, constitui,
em tese, ato ou conduta antissindical, podendo implicar atuação do Ministério Público do
Trabalho. II - O ato ou fato de o empregador exigir, impor e/ou condicionar a forma, tempo e/ou
modo do exercício da oposição, a exemplo de apresentação perante o departamento de pessoal da
empresa ou de modo virtual, também constitui, em tese, ato ou conduta antissindical, pois se trata
de decisão pertinente à autonomia privada coletiva.
ORIENTAÇÃO N. 14. ORIENTAÇÃO CONJUNTA INTERCOORDENADORIAS
CONALIS/COORDIGUALDADE/COORDINFÂNCIA
NORMA COLETIVA. FLEXIBILIZAÇÃO, REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DE COTAS
SOCIAIS EM AÇÕES AFIRMATIVAS. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA.
INDISPONIBILIDADE. OBJETO ILÍCITO. I - As ações afirmativas consistentes na previsão
de cotas sociais para a contratação de determinados grupos ou pessoas, a exemplo de aprendizes
(art. 429 da CLT) e pessoas com deficiência (art. 93 da Lei n. 8.213/91), não podem ser objeto de
negociação coletiva e/ou norma coletiva com intuito de flexibilizar, reduzir ou suprimir seu
conteúdo, por ausência de pertinência temática, tendo em vista ultrapassar o interesse de categoria
profissional ou econômica, pois retratam políticas público-sociais de interesse de toda a sociedade
[CRFB/88, art. 1º, III e IV; art. 3º, I, III e IV, art. 6°; art. 7º, XX e XXXI, art. 23, II; art. 24, XIV;
art. 37, VIII; 201, I; 203, I e IV e V; art. 208, III; art. 227; Convenção 100, sobre Igualdade de
Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por Trabalho de Igual Valor (OIT, 1951);
Convenção n. 111, Sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (OIT,1958);
Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância (OEA, 2013); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher (ONU, 1979); Convenção n. 159 da OIT sobre Reabilitação Profissional e
Emprego de Pessoas Deficientes (OIT, 1983); Convenção 182, sobre a Proibição das Piores
Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (OIT, 1999); Convenção dos
Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU,2006)]. II - As ações afirmativas de cotas sociais
atendem a interesse transindividual de toda a sociedade, razão pela qual são indisponíveis, não
podendo ser objeto de negociação coletiva e/ou norma coletiva com intuito de flexibilizar, reduzir
ou suprimir seu conteúdo, em virtude da indisponibilidade dos interesses difusos e coletivos. III -
Constitui objeto ilícito de norma coletiva (artigo 611-B, XXIV, CLT) a flexibilização, redução ou
supressão de cotas sociais, a exemplo de cotas de aprendizes e pessoas com deficiência, bem como
que atentem a quaisquer outras ações afirmativas ou políticas antidiscriminatórias preconizadas
em lei, como às referentes à igualdade racial (Lei n. 12.288/2010), à pessoa idosa (Lei n.
10.741/203), à pessoa com deficiência (Lei 8.213/1991 e Lei n. 13.146/2015); às crianças e aos
adolescentes (art. 428 à 433, CLT e Lei n. 8.069/90); à mulher (art. 373-A, caput e parágrafo único,
CLT) e, aos grupos e pessoas vulneráveis ou tutelados por quaisquer ações afirmativas em geral
(Decreto 9.571/2018). IV - O ato ou fato de o empregador ou o sindicato da categoria econômica
exigir, impor e/ou condicionar a celebração de acordo ou convenção coletiva à flexibilização,
redução ou supressão de cotas sociais ou de qualquer outra ação afirmativa constitui, em tese, ato
ou conduta antissindical e ato discriminatório (Lei 9.029/1995).
ORIENTAÇÃO N. 15. CONFLITO DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL. AUTONOMIA
PRIVADA COLETIVA. PRIVILEGIAMENTO. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DO TRABALHO. I – Nos conflitos nos quais se discute somente representação sindical, como
nos casos de criação, desmembramento, fusão, incorporação ou reconhecimento de novas
categorias, cabe aos próprios atores sociais, por meio do exercício da autonomia privada coletiva, a
busca da solução do respectivo conflito, inclusive se utilizando dos métodos de autocomposição
ou heterocomposição, sem prejuízo da atuação do Ministério Público do Trabalho na qualidade
de custos legis, mediador ou árbitro. II – Compete ao Ministério Público do Trabalho atuar no
conflito de representação sindical nas hipóteses em que este envolva ato ou conduta antissindical
ou violação dos princípios de liberdade sindical, nos termos da Convenção 98 da OIT, a exemplo
da ingerência de empregador ou entidade sindical patronal na criação de sindicato profissional ou
patrocínio a uma das partes.
ORIENTAÇÃO N. 16. MOVIMENTO PAREDISTA. GREVE. APLICAÇÃO DE
SANÇÕES AOS TRABALHADORES. ATO ANTISSINDICAL. A aplicação de sanções ou
abertura de procedimentos disciplinares contra os trabalhadores em razão de movimento grevista
ou estado de greve, a exemplo de apuração por participação em assembleias, piquetes ou ausências
ao trabalho, consiste, em tese, em ato ou conduta antissindical, tendo em vista que tais medidas,
individuais ou coletivas, constituem ações de intimidação, repressão, esvaziamento ou
desestabilização do direito fundamental social de greve (art. 9º CF/88).
ORIENTAÇÃO N. 17. REPRESENTATIVIDADE SINDICAL. EFETIVIDADE DA
ATUAÇÃO DAS ENTIDADES SINDICAIS. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA. I - A representatividade sindical, isto é, a medida da
efetividade da representação das entidades sindicais, é matéria concernente à autonomia privada
coletiva dos trabalhadores e à democracia sindical, não competindo a nenhum órgão de Estado
fiscalizar, controlar ou determinar o conteúdo das atividades de uma entidade sindical e do seu
programa de ação. II - Cabe aos trabalhadores, coletivamente organizados, a prerrogativa da
representatividade sindical, seja cobrando diretamente dos próprios dirigentes sindicais eleitos, seja
concorrendo nas eleições sindicais ou por qualquer outro meio de tutela de seus interesses
individuais ou coletivos. III – O Ministério Público do Trabalho, excepcionalmente, poderá atuar
em notícia de fato que versa sobre representatividade sindical, quando envolva ato ou conduta
antissindical ou violação dos princípios de liberdade sindical, nos termos das Convenções 87 e 98
da OIT, a exemplo de atuação e/ou conluio de agentes e que prejudique a efetividade da atividade
sindical.
ORIENTAÇÃO N. 18. ELEIÇÕES SINDICAIS. DEMOCRACIA SINDICAL INTERNA.
AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO. I – A liberdade sindical implica o direito de os trabalhadores e empregadores
escolherem livremente seus representantes, conforme os princípios de democracia sindical interna
e da autonomia privada coletiva, de forma que cabe aos próprios interessados a busca da solução
de eventuais conflitos decorrentes de eleições sindicais, inclusive se utilizando dos métodos de
autocomposição ou heterocomposição, sem prejuízo da atuação do Ministério Público do
Trabalho na qualidade de custos legis, mediador ou árbitro. II – O Ministério Público do
Trabalho, excepcionalmente, poderá atuar nas hipóteses de eleições sindicais, diante da gravidade
do conflito ou nas situações em que envolvam ato ou conduta antissindical ou violação dos
princípios de liberdade sindical, nos termos das Convenções 87 e 98 da OIT, a exemplo de eleições
fraudulentas, alterações estatutárias irregulares, ingerência externa de empregador, entidade
patronal ou terceiro.
ORIENTAÇÃO N. 19. ELEIÇÕES SINDICAIS. FISCALIZAÇÃO. AUTONOMIA
PRIVADA COLETIVA. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. I –
Em matéria de eleições sindicais, cabe aos próprios interessados, direta ou indiretamente, a
fiscalização do procedimento eleitoral, não competindo ao Ministério Público do Trabalho o
papel de órgão fiscalizador, pelo que não foram recepcionados, pela Constituição Federal de 1988
(art. 8º), dispositivos normativos que induzem interferência, ingerência ou intervenção nas
atividades sindicais, a exemplo do art. 524, parágrafo terceiro, da CLT. II – O Ministério Público
do Trabalho, excepcionalmente, poderá, à vista do caso concreto, proceder ao acompanhamento
das eleições sindicais, primordialmente nas hipóteses em que se observe a gravidade da situação ou
diante da atuação do Parquet em face de ato ou conduta antissindical ou violação dos princípios
de liberdade sindical, nos termos das Convenções 87 e 98 da OIT, a exemplo de ação judicial com
pedido de anulação de eleição sindical fraudulenta, sem prejuízo da atuação como custos legis,
mediador ou árbitro.
ORIENTAÇÃO N. 20. FINANCIAMENTO SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO
ASSISTENCIAL/ NEGOCIAL. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INTERESSE
PATRIMONIAL. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. PREVALÊNCIA DO INTERESSE
COLETIVO. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Nas notícias de
fato que versem sobre alcance subjetivo de cláusula de contribuição assistencial/negocial prevista
em norma coletiva, prevalece o interesse da coletividade sobre eventuais interesses individuais ou
plúrimos de não contribuição, revelando-se, no caso, interesse patrimonial disponível do (s)
interessado (s), bem como, a princípio, irrelevância social de atuação do Parquet, devendo-se
privilegiar a manifestação da coletividade de trabalhadores e trabalhadoras, exercida por meio da
autonomia privada coletiva na assembleia que deliberou sobre o entabulamento da norma coletiva.
8. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO
CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira Jorge. O
empregado público. 5. ed. São Paulo, LTr, 2016.
MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito coletivo do trabalho. Volume
III. 3. ed. São Paulo: LTr, 1993
MARTINEZ, Luciano. Condutas antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013.
MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Proteção contra condutas antissindicais. In: Rev. TST,
Brasília, vol. 71, nº 2, maio/ago 2005.
MIZIARA, Raphael; BRAGA, Roberto. Informativos do TST comentados e organizados por
assunto. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
MPT. Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical e do Diálogo Social –
CONALIS/MPT. 3ª Versão. Julho de 2022. Brasília: MPT, 2022.
PAES, Arnaldo Boson. Negociação coletiva na função pública. São Paulo: LTr, 2013.
RUPRECHT, Alfredo J. Relações coletivas de trabalho. Tradução Edilson Alkmin Cunha. São
Paulo: LTr, 1995.
URIARTE, Oscar Ermida. A proteção contra os atos antissindicais. Tradução Irany Ferrari. São
Paulo: LTr, 1989.
CAPÍTULO IX - COORDIGUALDADE – COORDENADORIA
NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
E ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
1. SOBRE A COORDENADORIA
A Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da
Discriminação no Trabalho (COORDIGUALDADE) foi criada em 2002, por meio da Portaria
nº 273, e tem como principais objetivos a promoção da igualdade de oportunidades e eliminação
da discriminação e da exclusão social, da violência e do assédio no trabalho, com a adoção de uma
perspectiva interseccional de gênero nos espaços físicos e virtuais, além da proteção da privacidade
das trabalhadoras e trabalhadores, com especial ênfase à proteção de dados pessoais.
2. CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO
A Constituição de 1988, logo em seu Preâmbulo, aponta que a igualdade é um dos valores
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos e que tem como objetivo
fundamental a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV da CRFB/88).
Vários outros dispositivos reforçam a vedação à discriminação (art. 5º, caput, I, VIII, XLI, XLII;
art. 7º, XX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIV; art. 37, VIIII).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica
ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão,
nos termos da lei;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social:
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da
lei;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do
trabalhador portador de deficiência;
XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os
profissionais respectivos;
XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o
trabalhador avulso
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de
deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948, logo em seu art. 1º, traz
o direito à igualdade em dignidade e direitos, sendo vedada a discriminação, em quaisquer de suas
formas (art. 7º).
Nesse caminho, também estão os arts. 2º e 3º do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)460, art. 1º do Pacto de San José da Costa Rica461
e art. 3 do Protocolo de San Salvador462.
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), destacam-se sobre o tema
duas importantes convenções: a Convenção 100, de 1951, que trata da igualdade de
remuneração entre homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor, e a
Convenção 111, de 1958, que trata da discriminação em matéria de emprego e ocupação.
460
ARTIGO 2º. [...] 2. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele
enunciados e exercerão em discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. [...]
ARTIGO 3º. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no
gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto.
461
Artigo 1º. Obrigação de respeitar os direitos. 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os
direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua
jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer
outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
462
Artigo 3. Obrigação de não discriminação. Os Estados Partes neste Protocolo comprometem‑se a garantir o
exercício dos direitos nele enunciados, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião,
opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou
qualquer outra condição social.
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), destacam-se sobre o tema duas
importantes convenções: a Convenção 100, de 1951, que trata da igualdade de remuneração entre
homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor, e a Convenção 111, de 1958, que
trata da discriminação em matéria de emprego e ocupação.
A normatização internacional traz um conceito aberto de discriminação (art. 1º, b, da
Convenção 111, da OIT), que estabelece que o termo “discriminação” compreende: “qualquer
outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de
oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão”.
Em outras palavras, discriminação é qualquer conduta tendente a negar a uma pessoa, em
razão de um critério injustamente desqualificante, um tratamento compatível com o
padrão jurídico esperado para determinada situação, privando-lhe do acesso equitativo às
oportunidades existentes.
Com relação ao ordenamento jurídico interno, tem destaque a Lei 9.029/95, bem como a CLT
(art. 3º, parágrafo único, art. 5º, art. 461, art. 373-A), que são dispositivos compromissados
com a promoção da não discriminação como um verdadeiro direito humano e fundamental nas
relações laborais, tendo em vista a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, bem como a
existência de direitos trabalhistas inespecíficos.463
Ressalta-se, ainda, que as reivindicações por justiça social são, cada vez mais, divididas em dois
tipos.
a) Reivindicação redistributiva, que almeja a maior distribuição de recursos e riqueza;
b) “Políticas de reconhecimento”, que busca a inserção de componentes dos grupos
historicamente marginalizados em posições de destaque na sociedade, de modo que produzam um
efeito psicológico multiplicador da inclusão social dessas pessoas.
3. TEORIA DO IMPACTO DESPROPORCIONAL
A Convenção 111 da OIT, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão, alénm do
conceito aberto de discriminação, prevê, ainda, a chamada discriminação indireta:
Art. 1 — 1. Para os fins da presente convenção o termo “discriminação” compreende:
463
Direitos laborais inespecíficos são direitos fundamentais não especificamente laborais, mas que o indivíduo exerce,
enquanto trabalhador, na empresa. Em outros termos, são direitos atribuídos genericamente aos cidadãos – como
liberdade de expressão, intimidade, etc., por exemplo – exercidos no quadro de uma relação trabalhista. São direitos
do cidadão-trabalhador que os exerce enquanto trabalhador-cidadão (ABRANTES, José João. Contrato de trabalho e
direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 60) Portanto, são direitos laborais inespecíficos em
relação aos direitos laborais específicos dos trabalhadores. São, entre outros, os direitos da personalidade, o direito à
informação, o direito à presunção de inocência, o direito à ampla defesa e o direito ao contraditório. Pode-se observar
que são aqueles relacionados à própria condição de cidadão do indivíduo e que não podem ser afastados pelo simples
fato de se encontrarem vinculados a um contrato de trabalho.
a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política,
ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de
oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a
igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser
especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de
empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.
A emnçao no art. 1º, b, da Convenção 111, da OIT ao termo “que tenha por efeito” no conceito
geral de discriminação significa que, mediante tal termo, a discriminação abrange não só práticas
intencionais e conscientes (discriminação direta), mas também realidades permanentes e medidas
aparentemente neutras, mas efetivamente discriminatórias (discriminação indireta).
Ou seja, a discriminação indireta dispensa a voluntariedade do ato discriminatório, podendo ser
caracterizada por ações aparentemente neutras que gerem o efeito de distinguir ou excluir
determinados grupos da igualdade de acesso às oportunidades existentes.
Sobre o tema, é importante a chamada Teoria do Impacto Desproporcional, que é definida pela
discriminação indireta (implícita ou construtiva) decorrente da existência de norma
aparentemente neutra, mas geradora de discriminação quando aplicada. Ou seja, é a discriminação,
“ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, (...) se,
em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente
desproporcional sobre certas categorias de pessoas”.464
Em sentido mais abrangente, e a discriminação que decorre de uma medida pública ou privada que
se pretende neutra, mas que desfavorece um grupo vulnerável na prática.
É criação do direito norte-americano, baseada na teoria do impacto desproporcional
(disparate impact doctrine) ou impacto adverso. Por isso, a discriminação indireta é também
conhecida como discriminação por impacto adverso. Para outros, esta é apenas uma modalidade
de discriminação indireta.
Manifesta-se em processos organizacionais que se anunciam imparciais, mas que permitem a
influência de subjetividade, a exemplo de processos seletivos que parecem oferecer oportunidades
iguais aos candidatos, mas acabam por permitir a escolha de certos tipos de pessoas em detrimento
de outros pertencentes a grupos estigmatizados.
GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar,
464
2001.
A discriminação indireta é difícil de ser detectada, pois feita de forma implícita e sem a necessidade
do elemento volitivo. Por isso, Otávio Brito Lopes465 defende que sua verificação se faça a partir da
disparidade estatística. Assim, havendo um distanciamento entre determinados grupos, seja no
tocante a salário, seja no tocante a oportunidade, no tocante a admissão, no tocante a ascensão
funcional, haverá, no mínimo, uma presunção de que aquele grupo está sendo discriminado.
4. DISCRIMINAÇÃO POSITIVA
As previsões normativas não se restringem ao viés combativo às práticas discriminatórias. Há
também, em um viés promocional, o dever legal do Estado, empresas e toda sociedade de
promover a efetiva inclusão de todo indivíduo que esteja sujeito a condutas discriminatórias.
Cita-se, nesse sentido, o art. 7º, XX e o art. 37, VIII da CRFB/88: “XX - proteção do mercado de
trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; VIII - a lei reservará
percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os
critérios de sua admissão”.
Em relação às empresas, esse dever se fundamenta na função social da propriedade e no valor
social do trabalho, assegurados constitucionalmente nos artigos 1º, IV e 170, III da CRFB/88.
Essa vertente promocional do princípio da não discriminação é exposta mediante a instituição de
ações afirmativas, que podem ser conceituadas como medidas transitórias, de caráter
legislativo, administrativo ou privado, destinadas a neutralizar ou atenuar desigualdades
vivenciadas por grupos historicamente discriminados.
Nesse sentido, para que a discriminação seja lícita, seguindo esse viés promocional, é necessário que
sejam atendidos cinco requisitos básicos, consoante as lições Manoel Gonçalves Ferreira Filho466:
1) identificação do grupo que será favorecido e estabelecimento de uma regra objetiva de
identificação de quem compõe esse grupo (regra de objetividade);
2) a vantagem oferecida a esse grupo deve ser proporcional e razoável à desigualdade a ser
corrigida (regra de proporcionalidade);
3) a medida deve ser adequada a correção das desigualdades sociais (regra de adequação e de
razoabilidade);
4) a finalidade das medidas deve ser a correção das desigualdades sociais (regra de finalidade);
5) As medidas adotadas devem ser temporárias (regra de temporariedade).
465
LOPES, Otavio Brito. Minorias, discriminação no trabalho e ação afirmativa judicial. Revista do Tribunal Superior
do Trabalho, São Paulo, v. 76, n. 4, p. 149-158, out./dez. 2010. P. 152
466
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos jurídicos das ações afirmativas. Revista do Tribunal Superior
do Trabalho, Porto Alegre, v. 69, n. 2, p. 74, Julho-Dezembro, 2003.
No mesmo caminho, Celso Antônio Bandeira de Mello467 indica quatro elementos para que a
discriminação efetivada por uma ação afirmativa seja compatível com o princípio da isonomia :
a) não atingirem um único indivíduo (medida ampla);
b) as pessoas desequiparadas estejam efetivamente em situações distintas;
c) exista um liame/nexo entre a discriminação e a finalidade buscada pela conduta.
A Convenção 111 da OIT, nessa orientação, estabelece que não são consideradas
discriminatórias as medidas especiais de proteção ou de assistência necessárias por motivos tais
como o sexo, a invalidez, os encargos de família ou o nível social ou cultural (art. 5º, item 1 e 2).
5. ESPÉCIES DE DISCRIMINAÇAO
Roger Raupp Rios, na obra Direito da Antidiscriminação468, assim classifica as espécies de
discriminação:
a) Classificação das discriminações pela intencionalidade
a.1) Discriminação intencional ou direta: é a prática intencional ou consciente de
discriminação contra um indivíduo ou grupo.
a.2) Discriminação não intencional (ou discriminação indireta ou disparate
impact): não há intencionalidade. Não é necessário comprovar-se qualquer motivação
discriminatória para a censura judicial de uma medida aparentemente neutra, que, todavia, tem
impacto diferenciado sobre indivíduos ou grupos. A própria Convenção 111 da OIT contempla a
discriminação indireta quando faz referência a distinções, exclusões, restrições ou preferências que
tenha o propósito OU EFEITO de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em
pé de igualdade, de direitos. É dizer, não precisa ser intencional, basta a causa, o efeito, para que se
configure a discriminação indireta. São medidas aparentemente neutras, mas efetivamente
discriminatórias.
b) Classificação das discriminações pela prejudicialidade
b.1) Discriminações negativas: são aquelas que podem tratar alguém de maneira menos
favorável que outra pessoa ou grupo, bem como implicam em exclusão ou prejuízo acentuado para
determinada pessoa ou grupo e carregam uma noção de prejudicialidade.
b.2) Discriminações positivas (ou discriminação reversa ou ações afirmativas):
previstas no art. 5º, item 1 e 2, da Convenção 111 da OIT e são aquelas deliberadamente adotadas,
por meio de atitudes diferenciadoras, para procurar promover socialmente determinados grupos
467
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
1999, p. 41-42.
468
RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2008.
historicamente prejudicados, conferindo-lhe maior igualdade de oportunidades. São positivas pelo
fato de promover uma equalização social desses grupos.
6. QUALIFICAÇÕES OCUPACIONAIS DE BOA-FÉ
De acordo com art. 1º, item 2 da Convenção 111, as distinções, exclusões ou preferências fundadas
em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como
discriminação. São as chamadas qualificações ocupacionais de boa-fé.
Com efeito, a BFOQ – Bona Fide Occupational Qualification trata-se de uma exceção
expressa à previsão de discriminação e, conforme menção do art. 703, “e”, (1) da Lei dos Direitos
Civis de 1964 (Civil Rights Act of 1964), marco nos direitos civis e trabalhistas nos Estados Unidos,
não será ilegal a prática de contratar diretamente empregados, ou por meio de agências de
empregos, com base nos motivos proibidos, em certas situações em que a religião, sexo ou origem
nacional é uma qualificação vocacional de boa-fé, necessária para a operação normal de
determinado negócio ou empreendimento.
Firmino Alves Lima469, enumera exemplos de BFOQ citados pela doutrina norte-americana e que
foram aceitas com sucesso pela jurisprudência estrangeira. Podem ser citados: a) o caso de uma
garçonete de origem chinesa para laborar em um restaurante chinês autêntico; b) alguns casos em
que a privacidade dos clientes de determinada atividade exige pessoas de determinado sexo, como
enfermeiras em determinados tipos de hospitais.
Assim, há um direito para discriminar, mas mediante uma razão que seria a qualificação
ocupacional de boa-fé, sendo que o ônus da prova é do empregador para articular e demonstrar
motivos que justifiquem o trato diferenciado.
Na análise de situações concretas, vale lembrar as lições de Celso Antônio Bandeira de Melo, para
quem o ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside
na existência ou não de correlação lógica entre o fato erigido em critério de descrímen e a
discriminação legal decidida em função dele.
7. ORGANIZAÇÕES DE TENDÊNCIA
O tema das organizações de tendência perpassa necessariamente sobre o estudo sociológico das
organizações, seu conceito e abrangência. Uma organização pode ser uma empresa de
administração pública, uma empresa industrial, comercial ou de serviços, uma associação de bairro,
de empregados, de membros ou de clientes, um partido político ou qualquer outro tipo de grupo.
Para que esse grupo seja considerado uma organização ele deve estar regularmente
469
LIMA, Firmino Alves. Teoria da discriminação nas relações de trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
constituído e hierarquizado para assegurar a cooperação e a coordenação de seus membros
no cumprimento de determinados fins, especialmente a defesa de uma ideologia.
As partes contratuais devem se pautar de maneira proba e leal durante a execução do contrato (art.
422, do CC). Nas organizações de tendência exige-se, mais do que o comum, uma lealdade
ideológica do obreiro, consistente em um alinhamento de convicções entre o empregado e a
organização, de maneira que o trabalhador, previamente identificado com a ideologia da
instituição, espontaneamente adere ao pacto laboral ciente de que a fidelidade de seus ideais é
determinante para a saúde do contrato.
Certo é, pois, que as opiniões e atitudes dos empregados estão imbricadas com o próprio objeto do
ajuste. São aquelas, pois, que implicam na defesa ou respeito por determinados princípios
ideológicos e com isso limitam os direitos e liberdades do empregado às suas convicções. Em face
dessa limitação, opera-se o exacerbamento do poder diretivo do empregador, na medida em que
impõe legitimamente certas restrições aos direitos fundamentais dos empregados, principalmente
o direito de livre manifestação de pensamento.
Por haver limitação a um direito fundamental do trabalhador, deve-se interpretar restritivamente
o que se entende por organização de tendência, não sendo possível o enquadramento de qualquer
pessoa empresária nessa classificação. Assim, apenas quando a manifestação contrária do
empregado aos dogmas empresariais implicarem a impossibilidade da atividade econômica
empresarial é que poderá haver limitação da liberdade do empregado.
8. DISCRIMINAÇÃO POR RECUSA AO DEVER DE ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova York) e
seu Protocolo facultativo, aprovadas sob o rito do art. 5º, § 3º da CRFB/88 e com equivalência de
emenda constitucional. O artigo 1º da Convenção, nesse quadro, conceitua pessoa com
deficiência:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Por sua vez, com base na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, foi editado
o Estatuto da pessoa com deficiência (Lei 13.146/2015), que, no mesmo caminho, define
pessoa com deficiência como:
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Segundo o art. 3º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, as barreiras são quaisquer entraves,
obstáculos, atitudes ou comportamentos, que limitem ou impeçam a participação social da pessoa,
bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos, o que pode incluir barreiras urbanísticas,
arquitetônicas, atitudinais, tecnológicas, nos transportes e comunicações.
Um dos destaques da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência é o direito à adaptação
razoável, que se constitui no direito à modificação ou ajustes necessários e adequados, a fim de
assegurar que as pessoas com deficiência possam desfrutar, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, desde que não acarrete ônus
desproporcional ou indevido, a depender de cada caso concreto.
Concomitantemente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Convenção de
Nova York) em seu no artigo 2º define que a
“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não
acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar
que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
O art. 4, §1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência o art. 2º da Convenção da Nova York ainda
estabelecem que a recusa à adaptação razoável é considerada forma de discriminação.
Destaca-se, contudo, que não será configurada a conduta discriminatória se a modificação ou
adaptação necessária for demasiadamente onerosa, em proporção aos benefícios, ou
desproporcional.
O tema foi enfrentado pela 7ª Turma do TST. que asseverou-se que para que cumpram sua função
social (artigos 1º, IV, e 170, caput e III, da CF) e o dever de inclusão pelo trabalho, inclusive quanto
ao direito do trabalhador com deficiência às adaptações razoáveis no posto de trabalho (artigo 27,
1, "i", da Convenção de Nova Iorque), as empresas precisam comprovar que, de fato, adotaram
ações eficazes com o fito de viabilizar a efetiva inserção dos trabalhadores com deficiência às
atividades empresariais. A ementa do julgamento, que é de leitura obrigatória, está a seguir
transcrita:
[...] A proteção das pessoas com deficiência na realidade hodierna segue padrões diferenciados
daqueles vigentes no passado. Incorporados pelo Decreto nº 6.949, de 25/08/2009, a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo compreendem normas material e formalmente constitucionais, na
medida em que aprovados pelo quórum previsto no § 3º do artigo 5º da Constituição
Federal e, por conseguinte, são equivalentes a Emenda à Constituição, consoante a clara
dicção do citado dispositivo constitucional. Tal norma constitucional altera a perspectiva
acerca do tema, na medida em que evidencia o papel determinante das barreiras impostas pela
sociedade a esses cidadãos e releva sua responsabilidade pela extirpação desses empecilhos.
Estabelece, assim, o dever de promover adaptações razoáveis e fixa que a recusa implica
discriminação por motivo de deficiência, o que se coaduna com os princípios que lhe são
inerentes, em especial, os da não discriminação, da plena e efetiva participação e inclusão
na sociedade, do respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como
parte da diversidade humana e da humanidade, da igualdade de oportunidades e da
acessibilidade (artigo 3, itens "b", "c", "d", "e" e "f"). Ainda no âmbito da ONU, destaca-se a
Convenção nº 159 da Organização Internacional do Trabalho. As obrigações assumidas pelo
Estado brasileiro quanto ao tema, perante a sociedade internacional, não se esgotam no sistema das
Nações Unidas. Com efeito, no âmbito do sistema Interamericano, a preocupação com questões
trabalhistas já exsurge na Carta da Organização dos Estados Americanos. Na Carta Democrática
Interamericana, de 2001, fixa-se que a garantia do exercício pleno e eficaz dos direitos dos
trabalhadores, tal qual consagrado na Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho (1998), é elemento primacial para a promoção e fortalecimento da
democracia (artigo 10). Somam-se a esses instrumentos as previsões do Pacto de San José da Costa
Rica (1966) e do Protocolo de San Salvador (1988). Neste, reitera-se a obrigação de não
discriminação (artigo 3) e, em relação às pessoas com deficiência, destaca-se, em seu artigo
18, que têm "[...] direito a receber atenção especial, a fim de alcançar o máximo
desenvolvimento de sua personalidade". Na seara da integração latino-americana, erigida a
norma constitucional (artigo 4º, parágrafo único, da CRFB), a Declaração Sociolaboral do
Mercosul garante a não discriminação como direito individual (artigo 1º) e, acerca das pessoas
com deficiência, consigna que "[...] serão tratadas de forma digna e não discriminatória,
favorecendo-se sua inserção social e no mercado de trabalho" (artigo 2º). [...] Reclama-se,
agora, a atuação do Estado-juiz no sentido de concretizá-las. A mencionada Convenção da ONU
inova sobremaneira o sistema internacional dos direitos humanos ao alterar substancialmente o
conceito de discriminação, para nele incluir "a recusa de adaptação razoável". Adaptações
razoáveis são compreendidas como "as modificações e os ajustes necessários e adequados
que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a
fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais". Tais mudanças objetivam densificar os princípios da inclusão e da igualdade, da
não discriminação e da dignidade inerente. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional consignou:
"Em que pese a suficiência de provas nos autos quanto a grande dificuldade de deambulação da
reclamante (limitada a pequenas distâncias e com o uso de muletas), restou igualmente
comprovado que a mesma pode e faz uso de cadeira de rodas" e "o equipamento em questão,
embora não resolva por completo os problemas de locomoção da autora, certamente os ameniza
sobremaneira, a ponto de evitar alguns dos possíveis incidentes". Nesse passo, fixou a tese de que
"inexiste no ordenamento jurídico, e mesmo no plexo das normas tuitivas do deficiente, qualquer
previsão que obrigue a distribuição geográfica dos postos de trabalho" e "a mudança de local de
trabalho, desde que não implique alteração do domicílio do empregado, está inserida no poder
diretivo do empregador, conforme se infere do art. 469 da CLT, não configurando alteração
contratual lesiva." E concluiu: "As dificuldades relatadas pela obreira para o deslocamento da sua
casa ao novo local de trabalho, e vice e versa, decorrem de condições pessoais suas, quais sejam,
limitações físicas pré-existentes ao contrato de trabalho e perda do auxílio até certo momento
prestado pela sua genitora, e não por culpa do reclamado". Com o devido respeito à Corte de
origem, depreende-se da leitura das citadas normas que compõem o direito internacional e também
o direito interno a conclusão no sentido de que não mais se admite postura passiva das empresas
no Brasil, em face do direito às adaptações razoáveis fixado no instrumento internacional ratificado
e na Lei interna. Não lhes cabe apenas oferecer vagas para pessoas com deficiência ou reabilitadas
e esperar que se adequem ao perfil exigido. Para que cumpram sua função social (artigos 1º, IV, e
170, caput e III, da CF) e o dever de inclusão pelo trabalho previsto no artigo 27, inclusive quanto
ao direito do trabalhador com deficiência às adaptações razoáveis no posto de trabalho (artigo 27,
1, "i", da Convenção de Nova Iorque), precisam comprovar, de forma patente, que, de fato,
adotaram ações eficazes com o fito de viabilizar a efetiva inserção dos trabalhadores com deficiência
às atividades empresariais. Cabe-lhes, não apenas introduzir medidas aptas a possibilitar a
criação dos postos de trabalho, mas também modificar o ambiente de trabalho para que as
pessoas com deficiência possam exercer o direito à manutenção de "um trabalho de sua
livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto,
inclusivo e acessível ..." (artigo 27, 1), tornar efetiva a proibição de "discriminação baseada
na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego,
inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego,
ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho" (artigo 27, 1, "a") e até
mesmo implementar programas internos de conscientização dos demais trabalhadores a
receberem os seus colegas com deficiência. No caso, o Banco réu, sabidamente uma das maiores
instituições financeiras do país, com agências espalhadas por todo o território nacional, ao optar
por concentrar todos os empregados com deficiência em um local dotado de rampas e outros
elementos propiciadores da acessibilidade, conquanto positiva e satisfatória para muitos (embora
também possa até ser compreendida como modalidade sutil de segregação, por não viabilizar a
convivência entre iguais), não se demonstrou suficiente e eficaz para a autora, que, de acordo com
o acórdão regional, "possui severa dificuldade de deambulação em razão de ser portadora de
paralisia cerebral." Com efeito, as barreiras enfrentadas pela pessoa com deficiência não são apenas
físicas, mas também culturais e atitudinais, estas, aliás, não raras vezes, muito maiores. E, no caso
da recorrente, não é aceitável que, de muletas ou mesmo de cadeira de rodas, tenha que percorrer,
de ônibus ou metrô, cerca de quarenta quilômetros por dia nos trajetos de ida e volta para o local
de trabalho oferecido pelo réu, distância essa reconhecida pela Corte de origem. Como dito,
constitui dever do empregador a implementação de meios eficazes e razoáveis que propiciem não
apenas a inserção, mas precipuamente, a manutenção do empregado com deficiência no emprego,
de acordo com as particularidades de cada caso (conceito previsto nos artigos 2 e 27, 1, "i", da
Convenção de Nova Iorque e 2º, VI, da LBI). Na situação em análise, a autora apresentou
alternativas que seriam razoáveis para o adequado retorno ao trabalho e que não acarretariam ônus
excessivo ao empregador, quais sejam: sua transferência para uma das agências bancárias indicadas
e localizadas próximas à sua residência; reativação do contrato de trabalho em regime de
teletrabalho; ou a disponibilização de transporte especial para ida e vinda do trabalho. Tal atitude
do empregador, ao realocar a empregada de maneira a facilitar o acesso ao trabalho, não representa
favor, gesto piedoso ou caridade; muito ao contrário, revela cumprimento do compromisso de
inclusão social que decorre do já citado artigo 170 da Constituição, o qual, nas palavras José
Afonso da Silva, constitui um dos "princípios políticos constitucionalmente conformadores ou
princípios constitucionais fundamentais" da ordem econômica e social1, além de viabilizar o
direito fundamental à igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência, expressamente
reconhecido pelo Estado brasileiro, em face da previsão contida no artigo 27, I, "a", da Convenção
mencionada. Decisão regional que merece reforma. Recurso de revista conhecido e provido.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO
EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECUSA DO
EMPREGADOR À PROMOÇÃO DE ADAPTAÇÕES RAZOÁVEIS. A responsabilidade
civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe
a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente
dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O
primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico
reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser
contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta
culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões
socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo
nos casos de conduta lícita. O segundo elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri
Filho, consiste na "[...] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua
natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria
personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de
um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em
patrimonial e moral". Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma
existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana
e os efeitos por ela gerados. Conforme amplamente dirimido no tópico anterior, a empresa, ao
ignorar a sua responsabilidade e função social, que a impede de ser apenas fonte geradora de lucro,
perdeu uma grande oportunidade de valorizar-se não apenas junto à autora, como também na
comunidade interna e, sobretudo, junto à sociedade. Com efeito, ao se recusar a implementar
condições de trabalho adequadas à empregada com sérias restrições de locomoção,
decorrentes de uma paralisia cerebral, o Banco réu não exerceu seu direito potestativo de
acordo com a finalidade social que deveria ser respeitada, cometendo verdadeiro abuso.
Como se constata na hipótese, o dano sofrido corresponde ao desgaste e frustração da autora diante
da incerteza e da ausência do trabalho. Além da privação do sustento e do exercício de atividade
produtiva e remunerada. Tal situação de aflição psicológica é o sofrimento humano
experimentado no presente caso. Evidenciado o dano, assim como a conduta culposa do
empregador e o nexo causal entre ambos, deve ser reformado o acórdão regional que, a despeito de
reconhecer a ocorrência da situação fática acima descrita, excluiu da condenação a reparação por
danos morais. Outrossim, levando-se em conta a proporcionalidade, a razoabilidade e os comandos
resultantes das normas jurídicas, os quais devem ser interpretados segundo critérios que ponderem
equilíbrio entre meios e fins a elas vinculados, e, ainda, de acordo com um juízo de verossimilhança
e ponderação, majoro o valor da indenização por danos morais arbitrados na origem para R$
100.000,00 (cem mil reais), com base na extensão do dano, observando-se, para tanto, que a autora
se encontra afastada do trabalho, por culpa do réu, desde agosto de 2011; foi privada do convívio
social; no ambiente de trabalho e da possibilidade de demonstrar o seu potencial, como
profissional, e na necessidade de se imprimir caráter pedagógico à pena. Recurso de revista
conhecido e provido. 1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23.
ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 93. (RR-1076-13.2012.5.02.0049, Relator Ministro: Cláudio
Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 24/04/2019, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT
03/05/2019)
9. COTAS. ART. 93 DA LEI 8213/91
O art. 93 da Lei 8.213/91 institui a obrigatoriedade de reserva de postos de trabalho de 02% a 05%
para beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. O art. 93, fixa os seguintes
percentuais:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por
cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras
de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados................................................................................2%;
II - de 201 a 500...........................................................................................3%;
III - de 501 a 1.000.......................................................................................4%;
IV - de 1.001 em diante. ..............................................................................5%.
Observa-se que somente empresas com 100 ou mais empregados estão obrigadas à reserva dos
postos de trabalho nas condições pontuadas pelo art. 93 Lei 8.213/91.
A base de cálculo para o sistema de cotas considera o número de empregados da totalidade dos
estabelecimentos da empresa. Destaca-se, que para apuração da base de cálculo, deve ser
considerada a empresa como um todo e não cada estabelecimento de forma individual.
Não há, ainda, no dispositivo legal previsão de exclusão de qualquer atividade econômica,
comercial ou industrial. Eventual incapacidade do empregado para exercer certa atividade deve ser
comprovada na prática, não podendo ser meramente presumida, uma vez que se trata de norma de
ordem pública, cujo cumprimento não pode sofrer qualquer restrição.
ORIENTAÇÃO N. 06. Elaboração dos termos de ajuste de conduta, acordos judiciais e ações civis
públicas. Art. 93 da Lei nº 8.213/91. 1. Na elaboração dos termos de ajuste de conduta, acordos
judiciais e ações civis públicas que versem sobre o cumprimento do artigo 93 da Lei nº 8.213/91,
deverá ser considerado o número total de empregados da empresa, não devendo ser inserida
cláusula que excepcione qualquer função ou atividade. 2. Os casos de impossibilidade de
inclusão de pessoas com deficiência e reabilitadas devem ser analisados quando da verificação do
cumprimento dos acordos e das decisões judiciais.
No caso de a aplicação do percentual sobre a base de cálculo resultar em frações de unidade, o
número de empregados a serem contratados deve ser arredondado para cima. Nesse sentido é a
Orientação n. 01 da COORDIGUALDADE:
ORIENTAÇÃO N. 01. Limite dos percentuais da Lei 8.213/91. Quando a aplicação do
percentual legal previsto no art. 93 da Lei 8.213/91 resultar em número fracionário, este será
elevado até o primeiro número inteiro subsequente.
Acresça-se que para a reserva dos cargos será considerada somente a contratação direta de pessoa
com deficiência, excluído o aprendiz com deficiência (art. 93, §3º). Não é admitida a sobreposição
das cotas, já que cada uma delas possui finalidades diversas. Nesse caminho, foi criada a Orientação
n. 14 da COORDIGUALDADE:
ORIENTAÇÃO N. 14. Base de cálculo do art. 93 da Lei 8213/91. 1. O “aprendiz com
deficiência” não será computado como “pessoa com deficiência contratada”, conforme Lei
13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), que acrescentou o § 3º ao art.
93 da Lei 8.213/1991.
2. Serão computados na “base de cálculo” para incidência dos percentuais previstos no art. 93 da
Lei 8.213/1991:
(a) as demais pessoas com deficiência e
(b) os empregados com contratos de trabalho suspensos, salvo os contratos suspensos por motivo
de aposentadoria por invalidez.
3. Não serão computados na “base de cálculo” para incidência dos percentuais previstos no art. 93
da Lei 8.213/1991 os aprendizes, independentemente se pessoa com deficiência;
4. Os empregados que estão com contratos suspensos por motivo de aposentadoria por invalidez
não serão computados na “base de cálculo” para incidência dos percentuais previstos no art. 93 da
Lei 8.213/1991, assim como não serão computados como “pessoa com deficiência contratada”.
Outro ponto importante é que cabe à empresa que possui 100 ou mais empregados ofertar no
mercado de trabalho a quantidade de vagas necessárias ao cumprimento da cota legal mínima
prevista no artigo 93 da Lei 8.213/1991. O descumprimento dessa obrigação, caso haja culpa da
empresa, pode levar à sua condenação ao pagamento de multa e de indenização por danos morais
coletivos. Nesse sentido, decisão proferida pela 1ª Turma do TST:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MPT. CONTRATAÇÃO DE PESSOAS
PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. ART. 93 DA LEI 8.213/91. DESCUMPRIMENTO.
DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1.
Constatado pela Corte de origem que "a ré descumpriu a norma jurídica, falhando na tomada de
atitudes concretas com vistas ao seu enquadramento nos ditames da legislação aplicável à
contratação de trabalhadores portadores de deficiência, especialmente no que diz respeito ao
respectivo enquadramento nas cotas legalmente estabelecidas", restou violado o art. 93 da Lei
8.213/91, que prevê a obrigação das empresas com cem ou mais empregados em preencher parte
de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência. 2. A
desobediência do empregador em contratar pessoas portadoras de deficiência ofende toda
a população, por caracterizar prática discriminatória, vedada pela Constituição Federal,
em seu art. 7º, XXXI, que prevê a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário
e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Precedentes. 3.
Considerando a infração da empresa ao ordenamento jurídico, diferentemente do decidido pelo
Tribunal Regional, resta caracterizado o dano moral coletivo. 4. Quanto ao valor da
indenização por danos morais coletivos, considerando as particularidades do caso concreto e os
parâmetros fixados na doutrina e na jurisprudência para a sua fixação, em especial o bem jurídico
danificado, a extensão da repercussão do agravo no patrimônio jurídico dos trabalhadores e da
coletividade, a intensidade do ânimo em ofender determinado pela culpa do ofensor e a condição
econômica do responsável pela lesão, razoável fixar a quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil
reais), a serem revertidos ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). (TST-ARR-596-
11.2013.5.09.0015, 1º Turma, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 24/05/2019).
A alegação de certas empresas de que não existem pessoas com deficiência qualificadas de forma
satisfatória ao preenchimento de vagas não exclui, por si só, a sua obrigação de cumprir a cota, uma
vez que deverá ser comprovado seus efetivos esforços na contratação, como ampla divulgação
da contratação por meio de jornais e da internet e até a promoção de cursos de qualificação.
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 – AÇÃO
ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO – CRITÉRIO PARA CUMPRIMENTO DO
ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91 – DIVULGAÇÃO EM JORNAL E INTERNET –
OFERECIMENTO DE VAGAS
1. É possível depreender do acórdão regional a mobilização da Autora no sentido de promover
campanhas com o intuito de contratar trabalhadores na forma exigida pelo art. 93 da Lei nº
8.213/91. Há prova nos autos de que ofereceu vagas e procedeu a convocação em jornal e pela
internet.
2. Esta Corte já se posicionou no sentido de reconhecer o ônus da empregadora pelo cumprimento
das exigências do art. 93 da Lei 8.213/91, mas de afastar sua responsabilidade pelo insucesso em
contratar pessoas com deficiência, em razão dos esforços comprovadamente empenhados.
Julgados.
3. O art. 93 da Lei nº 8.213/91 não especifica as condições de cumprimento da cota legal. Assegura
tão-só percentual de contratação de empregados com deficiência. Recurso de Revista conhecido e
provido. (TST-RR-2249-26.2015.5.11.0014, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi, DEJT 31/05/2019).
Por fim, a Convenção 159 da OIT, ratificada pelo Brasil, prevê que a finalidade da reabilitação
profissional é a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e progrida
no mesmo, e que se promova, assim, a integração ou a reintegração dessa pessoa na sociedade,
pelo que há incompatibilidade do contrato de trabalho intermitente com a finalidade de inclusão
de pessoas com deficiência ou reabilitadas, não devendo esta modalidade contratual ser computada
na reserva legal.
ORIENTAÇÃO N. 16. Incompatibilidade do contrato de trabalho intermitente com a finalidade
de inclusão de pessoas com deficiência ou reabilitadas na reserva legal (artigo 93 da Lei 8.213/91).
O contrato de trabalho intermitente não promove efetiva inclusão da pessoa com deficiência ou
reabilitada, considerando que a ausência de habitualidade pode reforçar a discriminação e
estimular a inserção precária desse grupo vulnerável. Portanto, não devem ser consideradas para
cumprimento da cota legal as contratações de pessoas com deficiência ou reabilitadas
mediante contrato intermitente. Considera-se, outrossim, na base de cálculo da cota legal,
todos os cargos da empresa, independentemente da modalidade de contratação, na forma
expressamente prevista no artigo 93 da Lei n° 8.213/91. Inteligência do disposto na Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (artigos 3, letra c e 27), Lei n°
13.146/2015, Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (artigos 34 parágrafos 2 e 3 e
37), Constituição Federal de 1988 (arts. 1º, II, III e IV; 3º, IV; 7º XXXI) e art. 93 da Lei 8.213/91.
10. DIREITO À MENTIRA
Debate-se em doutrina se o empregado, na fase pré-contratual da relação de trabalho, possui o
direito à mentira quando perguntado sobre dados sensíveis que não guardam relação alguma
com as funções a serem desempenhadas.
João Leal Amado, defende que, em nome da preservação da reserva da vida privada e da prevenção
de práticas discriminatórias, deve-se reconhecer ao candidato a emprego um direito à mentira,
se e quando confrontado com semelhantes questões ilegítimas. Ele assim leciona:
Com efeito, só por uma indesculpável ingenuidade se ignorará que o silêncio, nestes casos,
comprometerá irremediavelmente as hipóteses de emprego do candidato. O empregador pergunta,
o candidato cala, o emprego esfuma-se... Julga-se, pois, que, neste tipo de casos, o único meio
susceptível de preservar a possibilidade de acesso ao emprego e de prevenir práticas discriminatórias
consiste em o trabalhador não se calar, antes dando ao empregador a resposta que ache que este
pretende ouvir (e assim, eventualmente, mentindo). Prática contrária à boa fé? Comportamento
doloso do candidato? Penso que não. A boa fé não manda responder com verdade a quem coloca
questões ilegítimas e impertinentes. E o dolo na negociação não revelará em sede anulatória, pois
incide sobre aspectos que o próprio ordenamento jurídico considera não poderem relevar na
decisão de contratar ou não.470
Fato é que o candidato ao emprego deve informar o empregador sobre aspectos relevantes para a
prestação da atividade laboral. Em outros termos, se o empregador formular questões sensíveis
acerca de aspectos irrelevantes ao emprego (muitas vezes de cunho discriminatório), poderá o
empregado não prestar essas informações e, inclusive, reagir ativamente por meio da mentira.
A propósito, o art. 8º do Estatuto dos Trabalhadores da Alemanha proíbe ao empregador, para
efeitos de contratação, assim como no desenvolvimento da relação de trabalho, fazer indagações,
também por meio de terceiros, sobre as opiniões políticas, religiosas ou sindicais do trabalhador,
bem como sobre fatos não relevantes à valoração de uma aptidão profissional.
Assim, em determinadas situações o trabalhador não tem o dever de informar o empregador dados
sensíveis, tais como sua orientação sexual, sua religião ou orientação política, por exemplo. Isso
porque não pode o empregador, legitimamente, exigir e esperar receber do trabalhador, no decurso
das negociações de um contrato de trabalho, dados que não possuam pertinência com a futura
função a ser desempenhada pelo empregado. Portanto, se o empregador colocar perguntas
ilegítimas ao trabalhador, como pode este mentir, como forma de exercício do direito de
resistência.
11. PROTEÇÃO DE DADOS
No ano de 1890 foi publicado na “Harvard Law Review” o famoso ensaio acadêmico intitulado
“The right to privacy”, de Samuel D. Warren e Louis D. Brandes471. Considerado um marco
doutrinário sobre o direito à privacidade, o estudo demonstrou, já à época, a preocupação com os
impactos das novas tecnologias nas esferas menos penetráveis da vida de cada pessoa.472
470
AMADO, João Leal. Contrato de trabalho: noções básicas. Coimbra: Coimbra Editora, 2015. p. 144.
471
WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right to privacy. In: Harvard Law Review, vol. 4, nº 5 (Dec.
15, 1980), p. 193-220.
472
A seguinte passagem que bem ilustra a preocupação dos autores citados: “Recent inventions and business methods
call attention to the next step which must be taken for the protection of the person, and for securing to the individual what
Judge Cooley calls the right ‘to be let alone (Cooley on Torts, 2. ed., p. 29)’. Instantaneous photographs and newspaper
enterprise have invaded the sacred precincts of private and domestic life; and numerous mechanical devices threaten to
Desde então, foram notáveis, em diversos ordenamentos jurídicos, os avanços na tutela da
privacidade dos indivíduos. Na Europa, sobretudo, múltiplas foram as produções normativas que
buscaram o resguardo da privacidade e da intimidade, especialmente do chamado “direito à
proteção de dados”473, hoje alçado ao patamar de direito autônomo em relação à privacidade,
dada a especialidade de regras e princípios que o ordenam.474
Medidas legislativas são bem-vindas e necessárias, na medida em que o dado pessoal é atualmente
um dos principais componentes daquilo que se convencionou chamar de “economia dirigida por
dados” (data driven economy), no seio da qual os dados são, cada vez mais, processados e valorados
economicamente, servindo de valioso instrumento para tomada de importantes decisões (DDDM
– Data Driven Decision Making)475
Com a pretensão de se alinhar ao cenário mundial de crescente busca pela proteção de dados476, o
Poder Legislativo brasileiro editou a Lei nº 13.709 de 2018, a chamada Lei Geral de Proteção
make good the prediction that ‘what is whispered in the closet shall be proclaimed from house-tops’” (WARREN, Samuel
D.; BRANDEIS, Louis D. op. cit., p. 195. Em tradução livre: Recentes invenções e métodos de negócios chamam a
atenção para o próximo passo que deve ser dado para a proteção da pessoa e para garantir ao indivíduo o que o juiz
Cooley chama de direito de direito de “ser deixado sozinho” (Cooley on Torts, 2. ed., p. 29). Fotografias instantâneas e
empresas de jornais invadiram os recintos sagrados da vida privada e doméstica; e inúmeros dispositivos mecânicos
ameaçam retificar a previsão de que “o que é sussurrado no armário deve ser proclamado do topo da casa”.
473
Desde a década de 70, por exemplo, o Conselho da Europa já disciplinava juridicamente o tratamento de dados
pessoais, por meio das Resoluções nº 22 de 1973 e nº 29 de 1974, ambas versando sobre princípios para proteção de
informações pessoais em bancos de dados automatizados, tanto no setor público, como privado. No ano de 1981 foi
editada a Convenção nº 108, do Conselho da Europa, para a Proteção de Indivíduos com Relação ao Processamento
Automático de Dados Pessoais, considerado o primeiro instrumento internacional disciplinando especificamente o
assunto com força legal, aberta inclusive a países não membros da Comunidade Europeia. Já em 1995 foi editada a
Diretiva nº 46, recentemente sucedida pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados, que entrou em vigor no dia 25
de maio de 2018.
474
Pode-se mencionar, apenas a título exemplificativo, o princípio da autodeterminação informativa, pelo qual à toda
pessoa deve ser atribuída a total capacidade controle sobre o tratamento de seus dados pessoais, desde a coleta até o
término do tratamento. Segundo a doutrina constitucional, o direito à autodeterminação informativa é o “direito de
controlar a informação disponível a seu respeito, impedindo-se que a pessoa se transforme em ‘simples objeto de
informação’” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; VITAL, Moreira. Constituição da República Portuguesa
anotada. 4. ed., v. 1, Coimbra: Coimbra Editora: 2007, p. 552) A propósito, tramita no Congresso Nacional a
Proposta de Emenda à Constituição nº 17/2019, que objetiva incluir no artigo 5º da CRFB/88 o inciso XII-A para
então consagrar como fundamental para todo indivíduo o direito à proteção de dados pessoais.
475
A quantidade crescente de conteúdos (dados) produzidos principalmente por clientes, empregados e
colaboradores em geral permite ao controlador dos dados o mapeando de comportamentos, a identificação de
tendências e a visualização de oportunidades de negócios e, portanto, de tomada de decisões mais seguras e certeiras,
com minimização dos riscos. Fala-se então em big data. O tratamento de dados aliado a inteligência artificial é capaz
de armazenar e trabalhar um grande volume de dados, gerando insights preciosos e cada vez mais certeiros para as
organizações em geral.
476
Há patente necessidade de adequação do Brasil aos padrões mundiais. No total, cerca de 125 países no mundo já
adotaram normas específicas de proteção e dados, o que revela a grande adesão global à questão, dos quais 6, na
América do Sul: Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru e Colômbia, conforme informação constante no Relatório
de Dados Pessoais – LGPD. Considerada um marco regulatório da proteção de dados no Brasil,
a Lei busca impor novos paradigmas à tutela normativa da privacidade e da intimidade dos
indivíduos.477
De incontestável transversalidade, pois provoca expressivos impactos em todas as áreas do direito,
a Lei tem por objetivo principal proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e
o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (art. 1º). Contudo, não se pode negar
que além do declarado objetivo de proteção à pessoa humana, razões de ordem econômica também
impulsionaram a atividade legiferante, pois a norma busca evitar o risco de isolamento das
empresas brasileiras do mercado global, além de perdas de competitividade e de investimentos
estrangeiros.478
Justamente em razão de seu caráter transversal é que a LGPD atinge substancialmente o campo
normativo das relações de trabalho subordinado, que possuem como característica a desigualdade
fático-jurídica entre os contratantes. Com efeito, na medida em que em uma relação contratual o
objeto do contrato se mostra essencial para sobrevivência de um dos sujeitos (paradigma da
essencialidade), mostra-se imperiosa a proteção jurídico-retificadora imposta pela lei.
A própria nomenclatura da Lei 13.709 de 2018 é sugestiva, pois busca proteger os dados da pessoa
natural, no caso, o empregado, figura em regra vulnerável no cotidiano das relações trabalhistas,
sobretudo nos momentos pré-contratual e contratual. Na tutela dos chamados direitos inespecíficos
dos trabalhadores, tais como a privacidade e a intimidade, embora a Lei Geral de Proteção de Dados
nada diga expressamente sobre as relações de trabalho subordinado, tem inegável alcance
sobre a proteção de dados dos empregados, pois dispõe genericamente sobre o tratamento479 de
do Senador Ricardo Ferraço nos PLs nºs: 53/2018 (Câmara); 330/13 e 181/2014 (Senado); 131/2014 (Comissão
Parlamentar de Inquérito da Espionagem – CPIDAESP).
477
Antes da LGPD o Brasil já possuía esparsas manifestações legislativas que contemplavam a proteção de dados em
âmbito nacional, embora de forma deficiente. Destacam-se, por exemplo, a Lei nº 8.078, de 11.10.1990 (CDC); a Lei
nº 9.507, de 12.11.1997 (Habeas Data); a Lei nº 12.414, de 9.06.2011 (Cadastro Positivo); a Lei nº 12.527, de
18.11.2011 (Lei de Acesso à Informação); a Lei nº 12.965, de 23.04.2014 (Marco Civil da Internet).
478
O viés econômico consta, por exemplo, no próprio Relatório do Senador Ricardo Ferraço, a edição de uma lei
geral de proteção de dados se mostrava necessária porque o Brasil “tem perdido oportunidades valiosas de investimento
financeiro internacional em razão do isolamento jurídico em que se encontra por não dispor de uma lei geral e nacional
de proteção de dados pessoais (LGPD)”. Fala-se em isolamento jurídico, porque desde a data de vigência da GDPR –
General Data Protection Regulation, em 25 de maio de 2018, principal norma de proteção de dados da União
Europeia, as empresas europeias ficaram praticamente impedidas de contratar com empresas situadas em países que
não dispõem do nível de proteção adequado, o que incluía o Brasil, daí se falar em “isolamento” que diminui a
competitividade das empresas brasileiras no cenário internacional.
479
Tratamento de dados pessoais engloba toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a
coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento,
dados pessoais por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado (art. 1º), o
que, por certo, inclui a pessoa do trabalhador, na sua inegável qualidade de pessoa natural.
Basta imaginar o enorme fluxo de dados de titularidade dos empregados que circula no âmbito
organizacional, o que vai desde as entrevistas de seleção até os momentos posteriores ao término
da relação contratual. Nesse contexto, será preciso ao empregador saber quais os fundamentos e
hipóteses que legitimam, ou seja, tornam lícito, o tratamento de dados pessoais dos trabalhadores.
É claro que a proteção de dados do trabalhador – o que inclui o seu direito à autodeterminação
informativa –, não é absoluta, devendo ser adaptada às exigências da convivência laboral, que
franqueia ao empregador o tratamento de certos dados sob determinadas circunstâncias.
Para facilitar o entendimento do modo pela qual a LGPD reflete nas práticas trabalhistas, pode-se
segmentar as inúmeras situações que despertam o cuidado do empregador em três grandes períodos
ou fases:
a) período pré-contratual;
b) período contratual; e, por fim,
c) período pós-contratual.
No período pré-contratual, as atenções devem se voltar, por exemplo, para as solicitações de
certidão de antecedentes criminais, consulta de crédito e pedidos de referência e bons antecedentes
funcionais a outros empregadores; testes de gravidez e esterilização; acesso ao patrimônio genético
do trabalhador; correta elaboração de formulários de entrevistas e perguntas sobre dados sensíveis,
tais como, convicção religiosa, opinião política, filiação sindical ou a organizações de caráter
religioso, filosófico ou político, dados relacionados à saúde ou à vida sexual e outros. Ainda,
importa saber como realizar o tratamento dos dados dos candidatos não selecionados para a
contratação.
Já para a proteção de dados no período contratual, as cautelas devem ser canalizadas para o
tratamento de dados insertos, por exemplo, nos atestados de Saúde Ocupacional admissionais; na
coleta de dados comumente exigidos para a contratação, tais como fotografias, número do CPF,
PIS, CTPS, filiação sindical e outros; no uso de recursos para coleta de dados biométricos, tais
como impressão digital, geometria da mão, reconhecimento facial, leitura biométrica de íris e
retina; na coleta de dados atinentes à vida extralaboral do empregado; no monitoramento das redes
sociais, correio eletrônico, chamadas telefônicas e internet; no controle do trabalhador via sistemas
480
Dado pessoal sensível é qualquer dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política,
filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual,
dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural (art. 5º, inciso II, da LGPD).
481
Não se pretendeu neste texto o exame detalhado de cada uma das hipóteses legais que autorizam o empregador a
realizar o tratamento de dados dos seus trabalhadores subordinados. Objetivou-se, tão somente, traçar as linhas gerais
sobre o tema, no afã de despertar no leitor a importância do tema e de seus impactos nas relações trabalhistas.
livre, como exige a lei, é sempre passível de questionamento, ante à assimetria e
(hiper)vulnerabilidade próprias no âmbito das relações de trabalho subordinado. Muitas vezes,
deverá o empregador optar por outras hipóteses de tratamento de dados, pois menos suscetíveis a
riscos e à revogação do titular, equalizando assim as assimetrias para um controle mais efetivo dos
dados pessoais dos empregados.
As empresas e organizações brasileiras não podem ficar alheias a tantas mudanças. Por diversos
motivos câmbios estruturais se farão necessários no cotidiano dos agentes econômicos. E, não se
está a falar aqui de uma opção estratégica, mas sim de uma necessidade real e imperiosa, até porque
a adequação às normas de proteção de dados constitui-se em uma obrigação legal, ou seja, não
facultativa, com a previsão de multas pecuniárias elevadíssimas e riscos de responsabilidade civil, o
que poderá criar um passivo considerável.482
Para além de consubstanciar-se em obrigação legal, pode-se mencionar ainda outros motivos que
conduzem à necessidade de adequação empresarial aos ditames da LGPD. Cite-se,
ilustrativamente, a existência de evidente tendência de mercado em agregar valor à marca e à
empresa em razão da maior transparência e controle dos dados que estão em seu poder. Outrossim,
é preciso que se evite o isolamento mercantil, pois a lei europeia de proteção de dados proíbe que
as empresas lá situadas tenham relações comerciais com empresas que não dispõem do nível de
proteção de dados adequado.
Mostra-se, assim, clara a necessidade e preocupação que todas devem ter para promoverem a devida
adequação de suas práticas e rotinas aos comandos da LGPD. Simples tarefas que antes não
despertavam a preocupação de determinados setores da empresa (o setor de recursos humanos, por
exemplo) passam a ser complexas e exigem enormes cautelas no tocante ao tratamento de dados,
sob pena de responsabilidade civil do empregador controlador, além das penalidades de ordem
administrativa previstas na Lei.
482
Por exemplo, multa de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou
conglomerado no Brasil, limitada a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração; ou, ainda, bloqueio e
até a eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização (art. 52 da LGPD).
Apesar das indubitáveis vantagens associadas a esta modalidade de operações de tratamento –
como, por exemplo, a tutela de interesses de mercado, de eficiência, de investigação e segurança –,
ela pode implicar em exclusões ilegítimas, com base em critérios desqualificantes. Assim se dá
porque a tomada de decisões de forma automatizada se baseia em linguagens artificiais muitas vezes
enviesadas. Tal qual se dá nos processos decisórios humanos, as decisões algorítmicas podem ser
afetadas por vieses, com alto potencial discriminatório.
O lado escuro do machine learning, que contribui para a incorporação de vieses, é que os
algoritmos aprendem com dados representativos do mundo como ele é – profundamente
impregnado de discriminação –, e não como ele deveria ser, de tal feita que, se os vieses não forem
corrigidos nas raízes da programação, eles serão automatizados e reproduzidos em escala
exponencial.
Quando se começa a usar algoritmos em larga escala, eles recebem o poder de mediar as maneiras
pelas quais interagimos com o mundo ao nosso redor. Como consequência desse processo, ocorre
a reprodução de preconceitos históricos por algoritmos. Não necessariamente o programador de
código ou a empresa para a qual ele codifica é, por exemplo, racista. No entanto, um algoritmo que
reflete nosso mundo também pode refletir e expandir padrões discriminatórios existentes em nossa
sociedade, mesmo que de forma indireta ou inconsciente.
Não obstante a implantação da IA pretendesse minimizar discriminações na contratação,
tornando-a “objetiva”, a ferramenta pode excluir, com base em critérios ocultos e inescrutáveis,
pessoas cujas características não coincidem com as representadas no banco de dados de
treinamento do algoritmo selecionador ou com outras características que o algoritmo “aprendeu”
serem relevantes.
Um dos exemplos mais notórios dessa negligência algorítmica foi testemunhado no início de 2019,
quando a IA da Amazon se revelou manifestamente sexista em seu processo seletivo automatizado.
O software havia sido criado em 2014 como meio de classificar currículos e selecionar
automaticamente os candidatos mais talentosos; no entanto, o sistema foi treinado em um banco
de dados apresentado pelos resultados dos proponentes contratados ao longo de dez anos, um
grupo majoritariamente composto por homens. Desta feita, em função dos dados de treinamento
não representativos, a tecnologia manifestou uma aprendizagem tendenciosa e não neutra em
relação ao gênero: o algoritmo rapidamente aprendeu a favorecer candidatos do sexo masculino
sobre os do sexo feminino, penalizando os currículos que incluíam a palavra “mulheres”.
A preocupação em torno tema da discriminação algorítmica, que se manifesta nas mais diversas
áreas das relações sociais, não surgiu juntamente com a inteligência artificial, mas somente em razão
do uso mais recente e desregulado de algoritmos que se revelaram enviesados, colocando em xeque
os tradicionais estudos sobre direito antidiscriminatório. Por isso, o tema tem sido objeto de
inúmeros e recentes estudos perante as mais variadas Universidades ao redor do globo, o que
também revela com evidência sua atualidade, contemporaneidade e relevância. O tema é, portanto,
contemporâneo e relevante.
Com o uso cada vez mais frequente dos sistemas de Inteligência Artificial, especialmente no campo
da tomada de decisões nas relações trabalhistas, a discussão sobre o funcionamento dos algoritmos
e de como evitar que eles não repliquem processos discriminatórios é cada vez mais importante.
A importância do tema é tamanha que legisladores ao redor do mundo têm demonstrado suas
preocupações em disciplinar expressamente o uso de decisões automatizadas. Cite-se, v. g., o, o
artigo 22, número 3, do Regulamento Geral de Proteção de Dados da Europa, que contempla um
conjunto de salvaguardas obrigatórias de titularidade da pessoa natural, dentre as quais se incluem,
por exemplo, o direito a “obter intervenção humana por parte do responsável”, o direito em
“manifestar o seu ponto de vista”, o direito a “contestar a decisão”, dentre outros.
Nos Estados Unidos, por exemplo, foi editado no ano de 2019 o Algorithmic Accountability Act.
Outrossim, tramita no parlamento do Estado de Nova Iorque o Projeto de Lei nº 1894 de 2020,
específico sobre o uso, pelo empregador, de ferramentas de decisão automatizada. Trata-se de tema
de importância mundial, portanto. Similarmente, em abril de 2021, a União Europeia editou
diretrizes para o uso ético dos recursos de aprendizado de máquina, estabelecendo medidas que
responsabilizam empresas por eventuais consequências sociais da utilização de IA. Na Europa
também tramita a passos largos a proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do
Conselho que “estabelece regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial”, que tem como
epicentro uma abordagem coordenada às implicações humanas e éticas da inteligência artificial.
Embora o legislador brasileiro também tenha demonstrado essa preocupação, manifestada com a
publicação da Lei n.º 13.709 de 14 de agosto de 2018 – LGPD, fato é que a Lei em questão trata
do tema de forma muito mais tímida quando comparada ao direito europeu, mostrando-se muitas
vezes inefetiva para coibir as potencialidades discriminatórias dos algoritmos.
É certo que a LGPD contempla expressamente os princípios da não discriminação (artigo 6º, inciso
IX) e da transparência (artigo 6º, inciso VI) para o tratamento de dados pessoais. Contudo, ainda
é preciso uma regulamentação mais detalhada para impor mecanismos de governança algorítmica,
bem como para prever requisitos e condições específicas para o uso de decisões automatizadas no
âmbito trabalhista.
A urgência da abordagem teórico-prática desta temática é salientada pelo uso de tais ferramentas
no contexto empregatício. Em primeiro lugar porque envolve o direito fundamental ao trabalho.
Em segundo lugar porque já são inúmeros os casos noticiados de discriminação algorítmica nas
relações de emprego.
Dentre todos os casos, destaca-se o da gigante Amazon, que abandonou um dispositivo de
inteligência artificial desenvolvido para o recrutamento de novos empregados depois de o
algoritmo adotado ter apresentado fortes indícios de discriminação de gênero. No caso citado, o
sistema para seleção de empregados foi “treinado” com dados de currículos recebidos ao longo de
10 (dez) anos. Como a maioria dos selecionados ao longo do período eram do sexo masculino, o
algoritmo, que se baseia em padrões genéricos do passado, priorizou apenas candidatos do sexo
masculino, simplesmente porque o banco de dados era composto preponderantemente por
profissionais do sexo masculino.
Há outros inúmeros exemplos. Foi constatado também que empresas, como a Amazon, utilizam
algoritmos para controlar a produtividade dos empregados, cujos despedidas são decididas por um
software inteligente que “descarta” os trabalhadores mais “lentos” na execução de suas tarefas. A
média do tempo gasto pelos empregados é calculada a partir dos scanners pessoais que eles usam
para a expedição dos produtos de suas prateleiras e esteiras. Todavia, entre os trabalhadores havia
mulheres grávidas, cujo tempo de execução das tarefas é maior devido à sua condição e à maior
frequência de utilização do banheiro, de modo que o algoritmo as classificou entre as mais
ineficientes e as despediu, o que gerou ações trabalhistas por discriminação.
A atenção aos vieses discriminatórios embutidos nas decisões automatizadas é ainda mais urgente
no contexto da gig economy em que os algoritmos são determinantes da renda dos trabalhadores.
Pesquisas evidenciaram que criadores de conteúdo online negros têm seu trabalho valorado
negativamente sob o viés algorítmico, como será detalhado no desenvolver da tese. Ou, ainda, que
anúncios de empregos para cargos de alto escalão são geralmente ocultados para as mulheres no
buscador Google. Estes e muitos outros exemplos serão explorados durante a pesquisa.
Há inúmeros e múltiplos outros eventos de falha na codificação com a produção de resultados
discriminatórios, especialmente racistas, restando demonstrado que nos usos diários de tecnologia
e da rede mundial de computadores, a discriminação está embutida em códigos de computação e,
cada vez mais, em tecnologias de IA das quais dependemos, por escolha ou não.
Fato é que a falta de transparência dos algoritmos é uma preocupação real em relação às
consequências de sua aderência no mercado de trabalho da gig economy, pois, se implantados de
forma descuidada, os sistemas de recomendação de conteúdo e tomada de decisão orientados por
algoritmos podem acabar reforçando os resultados discriminatórios em vez de combatê-los, como
será detalhado.
O estudo tema se justifica ainda mais quando se observa que a LGPD é uma lei geral, dotada de
inegável e significativa transversalidade, espraiando influências em praticamente todas as áreas do
direito. Não poderia ser diferente no direito do trabalho, disciplina que tem por objeto o estudo
das normas que regulam as relações jurídicas firmadas, em sua maior parte, entre empregado e
empregador, marcadas pelo intenso fluxo de dados, desde o momento do preenchimento de um
formulário de candidatura ao emprego até o período pós-contratual.
Este elevado fluxo de dados nas relações de trabalho assume grandes proporções e atrai especial
atenção sobre a questão, pois é terreno fértil para o uso de ferramentas de inteligência artificial pelo
empregador.
E a preocupação é crescente guarda relação direta com o avanço da inteligência artificial. Para se
ter ideia, o número de patentes de IA registradas em 2021 é mais de 30 vezes maior do que em 2015,
mostrando uma taxa de crescimento anual composta de 76,9%, conforme demonstra o AI Index
Report Master de 2022 , um dos principais documentos estatísticos da área.
A ratio subjacente está em abrir a “caixa preta” das decisões automatizadas e, com isso, impedir que
o trabalhador se torne num mero objeto de informações sujeito a discriminações algorítmicas em
razão de enviesamentos cognitivos artificiais.
É preciso trilhar uma zona de compromisso e acomodação de interesses, caracterizada pela
importância em dispor de normas de proteção do núcleo essencial dos direitos humanos, sem
impedir que os progressos tecnológicos continuem avançando, mas sempre com vistas a servirem
de instrumentos para concretização dos direitos fundamentais e não para sua vulneração.
Acredita-se que a construção de uma teoria normativo-pragmática para mitigação dos vieses
algorítmicos e consequente eliminação da discriminação algorítmica nas decisões automatizadas
na relação de emprego é extremamente relevante e contribuirá de forma significativa na prática e
no cotidiano das relações laborais e para sociedade em geral, pois os estudos poderão ser utilizados
em todas as relações sociais em que se utilizam decisões automatizadas..
483
CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.
Discriminação racial é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da
vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo
ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades
fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes. A
discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica.
Um outro conceito importante sobre o tema é termo colorismo, que destaca a discriminação que
ocorre a partir da cor da pele. Diferentemente do racismo, que atinge diferentes grupos
considerados como raças inferiores, por exemplo, asiáticos, latinos, indígenas, o colorismo se refere
à discriminação pela tonalidade da cor da pele, ou seja, quanto mais escura a pele da pessoa negra,
maior discriminação e exclusão ela sofrerá.
Ainda a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas
Correlatas de Intolerância, de 2013, destaca a discriminação racial indireta, que é “aquela que
ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério
aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas
pertencentes a um grupo específico”.
Como vimos, portanto, a discriminação indireta dispensa a voluntariedade do ato discriminatório,
podendo ser caracterizada por ações aparentemente neutras que gerem o efeito de distinguir ou
excluir determinados grupos da igualdade de acesso às oportunidades existentes.
A discriminação ainda pode ocorrer pela sobreposição ou intersecção de outros critérios
discriminatórios, como gênero com as de outras minorias, como classe social, raça, orientação
sexual, deficiência física.
A interseccionalidade é um conceito desenvolvido por Kimberlé Crenshaw, em 1989, para
analisar de que forma a raça, o gênero e a classe se interseccionam e geram diferentes formas de
opressão.
Sobre o tema, partindo de Simone de Beauvoir, Grada Kilomba, em seu livro “Memórias da
plantação: episódios de racismo cotidiano”484, destaca que na intersecção entre gênero e raça, a
mulher negra é “o outro do outro”, posição que a coloca em um local de mais difícil reciprocidade.
Segundo Kilomba:
Mulheres brancas tem um oscilante status, enquanto si mesmas e enquanto o “outro” do homem
branco, pois são brancas, mas não homens; homens negros exercem a função de oponentes dos
homens brancos, por serem possíveis competidores na conquista das mulheres brancas, pois são
484
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogá, 2019.
homens, mas não brancos; mulheres negras, entretanto, não são nem brancas, nem homens, e
exercem a função de o “outro” do outro.
Para encerrarmos as importantes definições, um conceito a ser ressaltado é o de epistemicídio, que
nas palavras de Sueli Carneiro, consiste na desvalorização, negação ou ocultamento das
contribuições do Continente Africano e da diáspora africana para o patrimônio cultural da
humanidade. Epistemicídio é, pois, o esvaziamento e apagamento dos saberes e contribuições de
alguns grupos sociais.
Diante desse quadro, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que o racismo é crime
inafiançável e imprescritível (art. 5.º, XLII, CR/88) e dentre as condutas tipificadas como
crimes de preconceitos de raça ou de cor pela Lei 7.716/89, estão as seguintes:
1) Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da
Administração Pública, bem como negar ou impedir emprego em empresa privada.
2) Recusar, negar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, hospedagem em hotel, pensão,
estalagem, restaurantes, bares, confeitarias, estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou
clubes sociais abertos ao público, salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem,
edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso, transportes públicos, como
aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô.
3) Recusar, negar ou impedir a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino público de
qualquer grau;
4) Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.
Há ainda a Lei 12.288/10, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à
população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos
individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância
étnica.
Um dos pontos centrais do Estatuto da Igualdade Racial é destacar o papel do Estado na garantia
dos direitos fundamentais à população negra, que tem o dever de desenvolver e efetivar políticas
públicas e ações afirmativas.
13.2. Sexismo
Sexismo ou discriminação de gênero consiste no preconceito ou na discriminação baseada no
gênero ou sexo de uma pessoa. Consoante a Recomendação do Conselho da Europa sobre a
prevenção e a luta contra o sexismo consiste em:
Qualquer atitude, gesto, representação visual, linguagem oral ou escrita, prática ou
comportamento baseado no pressuposto de que uma pessoa ou grupo de pessoas é
inferior em razão do sexo, que ocorra na esfera pública ou privada, por via eletrônica ou
não, com o objetivo de, ou que tenha como consequência:
i. ofender a dignidade intrínseca ou os direitos de uma pessoa ou um grupo de pessoas; ou
ii. provocar danos ou sofrimento físico, sexual, psicológico ou socioeconómico a uma pessoa
ou um grupo de pessoas; ou
iii. criar um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo; ou
iv. entravar a autonomia e o pleno gozo dos direitos humanos de uma pessoa ou um grupo
de pessoas; ou
v. perpetuar e reforçar estereótipos de gênero.
Para melhor compreensão do tema é importante destacar que sexo é um conceito analisado do
ponto de vista biológico, relacionado aos órgãos sexuais, aparelhos reprodutivos, se referindo às
categorias macho e fêmea / masculino e feminino, enquanto que gênero é uma construção social
e cultural, são os papéis sociais relacionados ao gênero feminino e masculino, ou seja, é o conjunto
de valores que definem as características (emocionais, intelectuais ou físicas) e comportamentos
que cada sociedade designa para homens e mulheres.
O termo ganhou notoriedade a partir da segunda onda do feminismo, que compreendeu a fase
do pós-segunda guerra mundial até meados da década de 90 e debatia temas relacionados à
sexualidade e direitos reprodutivos.
ONDAS DO FEMINISMO
As ondas do feminismo foram momentos históricos relevantes para a garantia e consolidação dos
direitos das mulheres. É comum se falar em três ondas do movimento feministas, que se dividem
pelas reivindicações majoritárias de cada período.
12.3. LGBTQIA+FOBIA
LGBTQIA+FOBIA é a discriminação que decorre da aversão, medo, ódio ou preconceito de
pessoas homossexuais, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, queer, intersexos, assexuais, que
integram o grupo LGBTQIA+. Consoante definição trazida por Rafael de Tilio e Flávia Gomes
Silveira485:
“A LGBTfobia deve ser compreendida como um conjunto de crenças e mecanismos contrários as
expressões sexuais e de gênero não enquadradas nas normas de gênero pressupostas pela
cisheterossexualidade e das quais resultam violências físicas (atingindo a integridade do corpo do
indivíduo) e/ou simbólicas (xingamentos, tratamento diferenciado e impedimento de participação
em instituições, entre outros)”.
TILIO, Rafael de, SILVEIRA, Flávia. Integrantes de movimentos LGBT+ e enfrentamento da LGBTfobia.
485
L lésbicas
G Gays
B bissexuais
Q Queer
I Intersexual
A Assexual ou aliados
Para melhor compreendermos todos os termos, é importante reforçar que identidade de gênero
não se confunde com o sexo biológico da pessoa. Gênero, como vimos, é o conjunto de valores e
comportamentos atribuídos pela sociedade à determinado sexo, enquanto que sexo se relaciona
aos aspectos biológicos.
Outro conceito importante é de atração ou orientação sexual, que se refere à atração afetiva e/ou
sexual.
Assim, temos que:
a) Cisgênero: é a pessoa que tem concordância entre a identidade de gênero e o sexo biológico;
b) Transexual, transgênero ou travesti: é a pessoa que se identifica com o gênero oposto ao
atribuído ao sexo biológico. Por exemplo, transmulher é a pessoa que possui sexo biológico de
homem, mas se identifica como mulher.
c) Intersexual: é a pessoa que possui variação de caracteres sexuais, como cromossomos e/ou
órgãos reprodutivos, que dificultam sua identificação como feminino ou masculino.
d) Gay e lésbicas: termo designado para representar o indivíduo homossexual, que é a pessoa
que sente atração afetiva e/ou sexual por pessoa do mesmo sexo ou gênero.
e) Bissexual: pessoa que sente atração afetiva e/ou sexual por mais de um gênero.
f) Queer, agênero ou não-binária: se refere à pessoa que não se identifica totalmente com
nenhum dos gêneros, masculino ou feminino. Não se enquadra em nenhuma identidade ou
expressão de gênero.
g) Assexual: não sente nenhum tipo de desejo/atração afetiva ou sexual.
Destaca-se que apenas em 1985, o Conselho Federal de Medicina não considerou mais a
homossexualidade como doença mental, sendo que, em âmbito internacional, a organização
Mundial de Saúde apenas em 1990 excluiu a homossexualidade da lista internacional de doenças
(Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID).
A transexualidade, todavia, que era vista como “transtorno de identidade sexual” ou “transtorno
de identidade de gênero”, somente deixou de ser classificada como doença mental pela
OMS em junho de 2018.
Há, contudo, alguns avanços quanto ao tema. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental 132, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
“O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário,
não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do
art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
“promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do
sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não
estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do
direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”:
direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da
felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade
sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais.
Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente
tuteladas. [...] O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado.
Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado
de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada
por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da
expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária,
celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente
constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação
tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos
fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art.
5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de
sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família
como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação
não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas
do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada
na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo
Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental
atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das
pessoas. [...] A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226,
deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas
horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais
eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra
da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a
cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da
terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de
hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e
autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo
perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo.
Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de
proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese
sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica
com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a
evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem
“do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.[...] Ante a
possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do
Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de
“interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer
significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas
do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com
as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADI 4277, Relator(a): AYRES
BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011)
Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade por omissão (ADO 26) e do Mandado de injunção (MI 4733), reconheceu
a omissão do Congresso Nacional para criminalizar condutas homofóbicas e transfóbicas que
envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, reconhecendo
a homofobia e a transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/89).
DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. DEVER DO ESTADO DE
CRIMINALIZAR AS CONDUTAS ATENTATÓRIAS DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS. HOMOTRANSFOBIA. DISCRIMINAÇÃO
INCONSTITUCIONAL. OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL. MANDADO DE
INJUNÇÃO JULGADO PROCEDENTE. 1. É atentatório ao Estado Democrático de Direito
qualquer tipo de discriminação, inclusive a que se fundamenta na orientação sexual das pessoas ou
em sua identidade de gênero. 2. O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou
expressão de gênero e a orientação sexual. 3. À luz dos tratados internacionais de que a República
Federativa do Brasil é parte, dessume-se da leitura do texto da Carta de 1988 um mandado
constitucional de criminalização no que pertine a toda e qualquer discriminação atentatória dos
direitos e liberdades fundamentais. 4. A omissão legislativa em tipificar a discriminação por
orientação sexual ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar que o
sofrimento e a violência dirigida a pessoa gay, lésbica, bissexual, transgênera ou intersex é tolerada,
como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade. A Constituição não autoriza tolerar o
sofrimento que a discriminação impõe. 5. A discriminação por orientação sexual ou identidade de
gênero, tal como qualquer forma de discriminação, é nefasta, porque retira das pessoas a justa
expectativa de que tenham igual valor. 6. Mandado de injunção julgado procedente, para (i)
reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, até que o Congresso
Nacional venha a legislar a respeito, a Lei 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. (MI 4733, Relator(a):
EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2019).
13.4. Intolerância Religiosa
Intolerância religiosa é o ato de discriminar indivíduos em razão de sua religião. Geralmente, está
vinculada a religiões minoritárias e a fatores como etnia, cultura e nacionalidade.
A Constituição Federal de 1988 traz de forma expressa que a liberdade religiosa, de crença e de
consciência é direito fundamental, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (art. 5º, VI).
No Brasil, conforme destaca o autor Sidnei Nogueira, no livro Intolerância Religiosa486, “a religião
cristã foi usada como forma de conquista, dominação e doutrinação, sendo a base dos projetos
políticos dos colonizadores”, pelo que se observa que a estruturação do Brasil já não foi pautada
em uma democracia religiosa.
Em âmbito internacional, a liberdade religiosa também é protegida como um direito humano,
como se observa na Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 18), no Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 2), no Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos (art. 18), na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica – art. 12), no Protocolo de San Salvador (art. 3), na Declaração sobre a eliminação de
todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções.
Sobre o tema, a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e
discriminação fundadas na religião ou nas convicções conceitua "intolerância e discriminação
baseadas na religião ou nas convicções" como “toda a distinção, exclusão, restrição ou preferência
fundada na religião ou nas convicções e cujo fim ou efeito seja a abolição ou o fim do
reconhecimento, o gozo e o exercício em igualdade dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais.”
O direito de liberdade religiosa abrange a liberdade de conservar uma religião ou crença, de mudar
de religião ou crença e também de manifestar, professar e divulgar sua religião ou suas crenças,
individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
Em reforço ao sistema de repúdio à intolerância religiosa, o Código Penal, em seu art. 208, tipifica
a conduta de escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa;
impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou
objeto de culto religioso, aplicando a pena de detenção, de um mês a um ano, ou multa, majorada
se houver o emprego de violência, com aumento da pena em um terço, sem prejuízo da
correspondente à violência.
A Lei 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, também protege
a liberdade e religiosa e, em seu art. 20, tipifica a conduta de praticar, induzir ou incitar a
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, estabelecendo
uma pena de reclusão de um a três anos e multa.
486
NOGUEIRA, Sidnei Barreto. Intolerância religiosa. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.
13.5. Direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais
O Código Civil de 1916 tratava os povos indígenas como “silvícolas”, incapazes relativamente de
exercer os atos da vida civil, sendo que sua incapacidade cessaria à medida que se adaptassem à
civilização do país.
Em 1973 foi publicado o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973), que definiu o indígena ou silvícola
como todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado
como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade
nacional (art. 3º, I).
Ainda, o Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) subdivide os povos indígenas a depender de sua
integração à sociedade nacional. Assim, os índios são considerados:
a) isolados: quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos
informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;
b) em vias de integração: quando, em contato intermitente ou permanente com grupos
estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas
práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão
necessitando cada vez mais para o próprio sustento;
c) integrados: quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício
dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.
O Código Civil de 2022, já sobre a vigência da Constituição Federal de 1988, estabeleceu que a
capacidade dos indígenas seria regulada por legislação especial, sendo o Estatuto do Índio (Lei
6.001/1973) o documento que permanece regulamentando o tema.
O Estatuto do índio trata os povos indígenas como pessoas naturais carentes de adaptação à
civilização, adotando uma perspectiva de integração e assimilação da cultura, sem qualquer
espaço para autodeterminação dos povos originários.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 231, reconhece aos índios sua organização social, a
preservação de seus costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam.
Com a Constituição Federal de 1988 inicia-se o processo de reconhecimento da identidade do
povo indígena e de seu patrimônio cultural. Nesse sentido, o art. 232 da Carta Maior dispõe que
os índios, suas comunidades e organizações possuem autonomia para tomar decisões, inclusive
possuindo legitimidade para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo.
O reconhecimento trazido pela Constituição de 88 vai ao encontro do disposto na Convenção
169 da OIT, que trata sobre Povos Indígenas e Tribais, criada no intuito de revisar a Convenção
107 da OIT, uma vez que esta tinha uma perspectiva de integração e assimilação das populações
indígenas à sociedade nacional.
Observem que tanto a Constituição de 1988, como a Convenção 169 da OIT, não fazem
qualquer distinção do indígena a partir de sua localização ou estado de integração à comunidade
nacional, ao contrário reconhece autonomia às populações tradicionais, garantindo-lhes o
exercício de seus direitos fundamentais e a preservação de seus usos, costumes e práticas
tradicionais.
Portanto, após a Constituição de 1988, o multiculturalismo, a autodeterminação e o respeito à
diversidade e aos direitos fundamentais, constitui o norte da relação do Estado e da sociedade com
os povos indígenas.
O Decreto 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais, em uma definição mais atual, conceitua povos e comunidades
tradicionais como os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que
possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;
Por seu turno, territórios tradicionais são os espaços necessários à reprodução cultural, social e
econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou
temporária.
No mesmo sentido, devido a esta importância dos territórios tradicionais para as comunidades
indígenas que a Constituição de 1988 definiu no parágrafo 1º do seu artigo 231, o conceito de
Terras Indígenas:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente,
cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do
Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre
elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso
Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse
da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese,
o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas
naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da
União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da
ocupação de boa fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
Destaca-se, portanto, que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são inalienáveis e
indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
Outro ponto de destaque é a definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, que
abrange não só as terras habitadas em caráter permanente, como todas as necessárias para assegurar
meios dignos de subsistência econômica e preservar sua identidade somática, linguística e cultural,
não abrangendo aquelas que eram possuídas pelos nativos no passado remoto.
Conforme entendimento consubstanciado na Súmula 650 do STF, o conceito de "terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios" não abrange aquelas que eram possuídas pelos nativos no
passado remoto. (...) Renitente esbulho não pode ser confundido com ocupação passada ou com
desocupação forçada, ocorrida no passado. Há de haver, para configuração de esbulho, situação de
efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco
demarcatório temporal atual (vale dizer, a data da promulgação da Constituição de 1988), conflito
que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória
judicializada. [ARE 803.462 AgR, rel. min. Teori Zavascki, j. 9-12-2014, 2ª T, DJE de 12-2-2015.]
14. CASOS EMBLEMÁTICOS
14.1. Caso Griggs vs. Duke Power Co.
O caso “Griggs vs. Duke Power Co.” julgado pela Suprema Corte norte-americana, em 1971, é
um exemplo importante da Teoria do Impacto Desproporcional na seara juslaboral. Neste caso,
várias pessoas negras questionavam uma prática adotada pela empresa Duke Power Co., que
condicionava a promoção dos seus funcionários a obtenção de pontuação mínima em “testes de
inteligência” , além da exigência de graduação do ensino médio.
Em que pese a medida aparentemente neutra, os autores alegavam que os testes não eram
relacionados e necessários para o desempenho das funções dos empregados, possuindo um
impacto negativo desproporcional sobre os trabalhadores negros, já que estes, em sua imensa
maioria, haviam estudado em escolas segregadas, em que o nível de ensino era muito inferior, o que
os impedia de concorrer em igualdade de condições naqueles testes com empregados brancos.
Em defesa, a empresa Duke Power Co. alegou que o art. 703, da Lei dos Direitos Civis de 1964
(Civil Rights Act of 1964) permite a exigência de testes de habilidades profissionais.
No caso, a Suprema Corte decidiu que tanto a exigência de graduação mínima, como os testes de
aptidão eram discriminatórios e ilegais, pois, mesmo que não houvesse intenção da empresa em
discriminar ao elaborar a politica de promoção, as exigências criavam barreiras desnecessárias, não
relacionadas aos aspectos técnicos das funções desempenhadas, em violação ao Título VII da Lei
dos Direitos Civis de 1964 (Civil Rights Act of 1964), que veda a adoção de medidas que restrinjam
direitos de um indivíduo por causa de sua raça, cor, religião, sexo ou nacionalidade.
14.2. Caso Simone André Diniz vs. Brasil
Um caso paradigma a respeito do racismo institucional no Brasil foi o Caso Simone André
Diniz vs. Brasil, no qual houve a responsabilização do Brasil perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, diante dos fatos que ocorreram na fase pré-contratual.
Em março de 1997, uma família publicou um anúncio no jornal, no qual comunicava o seu
interesse em contratar uma empregada doméstica e informava que tinha preferência por pessoas
de cor branca.
Simone André Diniz apresentou-se como candidata ao emprego. Ao ser atendida, foi indagada
sobre a cor de sua pele, sendo informada, então, que não preenchia os requisitos para o emprego.
O caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela
violação dos artigos 1, 8, 24 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e os arts. 1, 2
(a), 5(a)(I) e 6 da Convenção Internacional para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, que responsabilizou a União no caso de Simone André Diniz, por ter sido vítima de
discriminação racial.
14.3. Caso Neusa dos Santos Nascimento e outros vs. Brasil
O Caso Neusa dos Santos Nascimento e outros vs. Brasil, que diz respeito à discriminação
racial no ambiente de trabalho.
Em 1998, após um anúncio publicado no jornal Folha de São Paulo sobre uma vaga na empresa
Nipomed, Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira, ambas afrodescendentes, se
apresentaram na empresa manifestando interesse no cargo. A pessoa que as atendeu informou-lhes
que todas as vagas estavam já preenchidas, sem pedir nenhuma informação às candidatas. Horas
depois, uma mulher branca esteve na mesma empresa expressando interesse na vaga anunciada e
foi recebida pela mesma pessoa, que a contratou imediatamente.
O caso foi denunciado ao Ministério Público em março de 1998, mas a ação penal foi julgada
improcedente em primeiro grau de jurisdição e, em agosto de 2004, o Tribunal reconheceu a
extinção da punibilidade pela prescrição.
O Ministério Público recorreu da decisão, sob o fundamento de que o crime de racismo é
imprescritível e, até o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),
em 2007, o julgamento ainda estava pendente e o condenado cumpria a pena em regime aberto.
A CIDH, diante da demora excessiva (20 anos) e do contexto geral de discriminação, sem a
implementação de medidas de restituição dos direitos violados, nem reparação integral das vítimas,
apresentou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), concluindo
que o Brasil é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial
reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação aos direitos à igualdade
perante a lei e ao trabalho consagrados nos artigos 24 e 26, e as obrigações estabelecidas no artigo
1.1, em detrimento das vítimas.
Até o fechamento da edição, o caso continuava em trâmite perante a Corte IDH.
14.4. Caso Nadia Eweida487
No dia 15 de janeiro de 2013 a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) julgou interessante
caso envolvendo diversos temas de direito do trabalho, tais como compliance, dress code e
discriminação religiosa no âmbito laboral. Trata-se do emblemático “Case of Eweida and others
v. The United Kindgom”.
Em apertada síntese, a decisão final reconheceu o dever de acomodação razoável em favor de
uma empregada cristã, no contexto de uma relação empregatícia firmada com a companhia aérea
britânica British Airways, como adiante se explicará.
487
MIZIARA, Raphael. Moderno dicionário de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2019.
A companhia aérea British Airways possuía uma política de vestimenta (dress code) que proibia
seus empregados de deixarem à mostra adereços de cunho religioso, tais como colares com
crucifixo.
Nesses casos, quando um empregado era advertido por vestir um elemento ou objeto que não
cumpria com a normativa sobre o uniforme de trabalho, era prática da empresa pedir ao
empregado a retirada do objeto em questão ou, se necessário, voltar para a sua casa e trocar de
roupa. Ainda, o tempo dedicado pelo empregado para corrigir sua vestimenta era deduzido de seu
salário.
Mesmo sabendo que a política de vestimenta da empresa vedava especificamente a utilização visível
adornos religiosos, no dia 20 de maio de 2006, Nadia compareceu ao trabalho vestindo um colar
que continha um pequeno crucifixo de prata, pelo que sua superior hierárquica determinou que a
cruz fosse colocada por baixo do lenço do uniforme, de modo a ficar oculta para o público.
Inicialmente, a empregada se opôs, mas logo depois resolveu cumprir a ordem.
Em 7 de setembro de 2006, Nadia compareceu novamente ao trabalho vestindo o crucifixo, mas
dessa vez se negou a cumprir a ordem de sua superior para que a cruz ficasse escondida, mesmo
advertida de que se não o fizesse seria enviada para casa, sem direito aos salários.
Em razão de tal conduta, a empresa determinou à empregada que fosse para sua casa, sem direito à
remuneração, até que ela resolvesse trabalhar sem o seu colar. Tempos depois, voltou a trabalhar
porque a companhia passou a permitir o uso da cruz.
Já em 23 de outubro de 2006, a empresa lhe ofereceu um trabalho administrativo, sem contato
com o público, que não exigia o uso de uniforme, mas a empregada rechaçou a oferta.
O caso foi duramente criticado na mídia e, em 24 de novembro de 2006, a empresa British Airways
resolveu rever sua política de vestimentas em relação ao uso de símbolos religiosos e passou a
permitir o uso de crucifixos.
Eweida regressou ao trabalho em 3 de fevereiro de 2007, com permissão para usar a cruz segundo
a nova política. Sem embargo, a empresa se negou a indenizar a empregada pelos salários não
recebidos no período de tempo no qual ela decidiu não ir trabalhar.
Diante dos fatos, Nadia ajuizou, em dezembro de 2006, ação contra a British Airways alegando
que sofreu discriminação religiosa indireta. Alegou ainda violação de seu direito em manifestar sua
religião, assegurado no art. 9º da CEDH.
Os tribunais ingleses julgaram improcedentes os pedidos, sob o fundamento de que a política de
vestimenta da empresa não colocava os empregados cristãos, especialmente Nadia, em
desvantagem em relação aos demais empregados não cristãos que não utilizam seus símbolos em
formas de joias. Ainda, os tribunais ingleses entenderam que o código de vestimentas era legítimo,
pois visava resguardar a imagem da empresa e promover o reconhecimento de sua marca.
Nadia Eweida apresentou então uma queixa perante a Corte Europeia de Direitos Humanos
contra o governo do Reino Unido, alegando violação do art. 9º da CEDH, que trata da liberdade
de pensamento, de consciência e de religião.
A Corte decidiu que a política da British Airways não equilibrava de forma justa as crenças
religiosas de seus empregados e o desejo da empresa de projetar uma certa imagem corporativa,
razão pela qual entendeu violado o art. 9º da CEDH.
Ainda considerou que o comportamento da empregada foi uma manifestação de sua crença
religiosa que deve ser protegida com base no art. 9º da CEDH e que a conduta da empresa de não
a deixar trabalhar consubstanciou-se em ingerência indevida em seu direito de manifestar sua
religião.
Outrossim, a sentença também se fundamentou no dever de acomodação ou adaptação
razoável (“reasonable accommodation”), ao entender que as autoridades nacionais inglesas não
protegeram de maneira suficiente o direito da empregada de manifestar sua religião, vulnerando a
obrigação positiva prevista no artigo 9º da CEDH.
A título de compensação, a empregada foi indenizada em lucros cessantes pelo período no qual
ficou sem trabalhar, bem como por danos morais, pois a CEDH considerou que a violação de seu
direito de manifestar sua crença religiosa causou a Eweida uma angústia, frustração e sofrimento
considerável.
14.4. Caso Bărbulescu
O caso Bărbulescu vs. Romania (nº 61496/08), foi julgado em 12 de janeiro de 2016,488 e
discutiu suposta violação do art. 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, que consagra
o direito ao respeito pela vida privada e familiar.
Em apertada síntese, o autor da ação, de nome Bogdan Mihai Bărbulescu, alegou, que a decisão de
seu empregador de rescindir seu contrato se baseava na violação de seu direito de respeitar sua vida
e correspondência pessoais e que os tribunais nacionais não haviam protegido seu direito.
Bărbulescu foi contratado por uma empresa privada como engenheiro responsável pelas vendas e,
a pedido do empregador, criou uma conta do Yahoo Messenger com o objetivo de responder às
perguntas dos clientes.
488
Disponível em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-1599 06%22]}, Acesso em
24/12/2019.
Em determinado momento da relação contratual, o empregador informou ao empregado que suas
comunicações com o Yahoo Messenger haviam sido monitoradas de 5 a 13 de julho de 2007 e que
os registros demonstravam que ele usou a Internet para fins pessoais, contrariamente aos
regulamentos internos da empresa.
O requerente respondeu por escrito que só utilizara o Yahoo Messenger para fins profissionais.
Quando recebeu uma transcrição de quarenta e cinco páginas de suas comunicações no Yahoo
Messenger, contendo todas as mensagens que o requerente havia trocado com sua noiva e seu
irmão.
Em 1 de agosto de 2007, o empregador rescindiu o contrato de trabalho do solicitante por violação
dos regulamentos internos da empresa, que declaravam, dentre outras coisas: “É estritamente
proibido perturbar a ordem e a disciplina dentro das instalações da empresa e, especialmente [...]
usar computadores, fotocopiadoras, telefones, aparelhos de telex e fax para fins pessoais”.
Perante os tribunais de seu país o Empregado não obteve êxito, sob o fundamento de que o
empregador havia cumprido o processo de demissão previsto no Código do Trabalho da Romênia.
Ainda, a decisão fundamentou-se no fato de que o requerente havia sido devidamente informado
dos regulamentos do empregador que proibiam o uso de recursos da empresa para fins pessoais.
Em âmbito nacional, o Empregado alegou que os e-mails também estavam protegidos pelo artigo
8 da Convenção no que se refere à “vida privada” e “correspondência”. Igualmente, afirmou que
o Tribunal nacional não havia permitido que ele chamasse testemunhas para provar que o
empregador não sofreu como resultado de suas ações.
Em uma decisão final de 17 de junho de 2008, o Tribunal de Apelação de Bucareste negou
provimento ao seu recurso e confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Nacional. Baseando-
se na Diretiva da UE 95/46/EC (atual GDPR), o Tribunal de Apelação decidiu que a conduta do
empregador era razoável e que o monitoramento das comunicações do requerente era o único
método de estabelecer se havia uma violação disciplinar.
14.5. Caso Índios Xucuru vs Brasil
O caso trata da violação do direito à propriedade coletiva e à integridade pessoal do Povo Indígena
Xucuru, em consequência da demora de mais de 16 anos, entre 1989 e 2005, no processo
administrativo de reconhecimento, titulação, demarcação e delimitação de suas terras e territórios
ancestrais; da impossibilidade, durante longos anos, de exercer pacificamente e de maneira
exclusiva o direito à propriedade coletiva sobre suas terras e territórios, e a demora em resolver duas
ações judiciais interpostas por pessoas não indígenas respeito de parte de suas terras e territórios.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) submeteu o caso a Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em março de 2016, pela necessidade de
obtenção de justiça e reparação para o povo indígena Xucuru e seus membros, levando em conta
que, apesar de ter concedido uma prorrogação ao Brasil, este não forneceu informação substancial
sobre o cumprimento das recomendações.
Em 2018, a Corte IDH declarou o Estado brasileiro internacionalmente responsável pela violação
do direito à garantia judicial de prazo razoável, previsto no artigo 8.1 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, bem como pela violação dos direitos de proteção judicial e à propriedade
coletiva, previstos nos artigos 25 e 21 da Convenção Americana, em detrimento do Povo Indígena
Xucuru e seus membros.
489
CRENSHAW, Kimberlé. Background paper for the expert meeting on the gender- Related aspects of race
discrimination. Dossiê III Conferência Mundial contra o Racismo. Rev. Estud. Fem. jan/2002. Disponível em
<https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011>. Acesso em: 18/08/2022.
equitativas e satisfatórias, sem discriminação, nem tampouco o direito à igualdade, previstos
nos artigos 24 e 26, em relação ao artigo 1.1 da Convenção (p.58)
Portanto, a sentença da Corte analisou o caso sob uma perspectiva da interseccionalidade de
gênero, apontando a relação entre a pobreza, raça, gênero e gravidez, que aumentaram a
vulnerabilidade e a exposição das vítimas da explosão da fábrica de fogos de Santo Antônio de
Jesus.
14. ORIENTAÇÕES DA COORDENADORIA
ORIENTAÇÃO N. 01. Limite dos percentuais da Lei 8.213/91. Quando a aplicação do
percentual legal previsto no art. 93 da Lei 8.213/91 resultar em número fracionário, este será
elevado até o primeiro número inteiro subsequente. (Aprovada na III Reunião Nacional da
Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Atualizada na XXIV Reunião Nacional da Coordigualdade,
dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 02. Inadmissibilidade de revista íntima dos empregados. Não serão
admitidas revistas íntimas dos empregados, assim compreendidas aquelas que importem contato
físico e/ou exposição visual de partes do corpo ou objetos pessoais. (Aprovada na III Reunião
Nacional da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Mantida na XXIV Reunião Nacional da
Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016)
ORIENTAÇÃO N. 03. 1. Atuação Institucional do Ministério Público do Trabalho na inclusão
de pessoas com deficiência e reabilitadas. Questões suprarregionais e/ou regionais. Em empresas
de âmbito suprarregionais e/ou regionais, a Procuradoria Regional do Trabalho que tem o
procedimento investigatório poderá consultar as demais unidades nas quais a empresa desenvolva
suas atividades para a definição da atuação. 2. A empresa deverá ser orientada, quando do
cumprimento do percentual legal previsto para a contratação de pessoas com deficiência e
reabilitadas, a buscar a inclusão dessa mão de obra, na medida do possível, em cada local onde exista
um estabelecimento, observadas as necessidades, a adequação do local e as atividades desenvolvidas.
(Aprovada na III Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Atualizada na XXIV
Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 04. Contratos com a Administração Pública. Nos contratos com a
Administração Pública, para as atividades passíveis de terceirização, na forma da lei, tais como
recepção, limpeza e conservação, é possível a contratação direta com associação de pessoa com
deficiência, desde que haja contrato de trabalho entre a pessoa com deficiência e a associação, sendo
recomendável a inserção de cláusula que estabeleça a reserva de valor para o pagamento de verbas
rescisórias, no caso de dispensa, destacando-se que tal contratação não implica dispensa ou
diminuição da cota legal a que estiver obrigada a tomadora. (Aprovada na III Reunião Nacional
da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Atualizada na XXIV Reunião Nacional da
Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 05. Contratação de associação de pessoas com deficiência. Nos casos de
contratação de associação de pessoas com deficiência pela Administração Pública, é recomendável
que se insiram nos termos de ajuste de conduta cláusulas que assegurem os pisos salariais das
categorias que exerçam as mesmas funções dos empregados contratados. (Aprovada na III Reunião
Nacional da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Atualizada na XXIV Reunião Nacional da
Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 06. Elaboração dos termos de ajuste de conduta, acordos judiciais e ações
civis públicas. Art. 93 da Lei nº 8.213/91. 1. Na elaboração dos termos de ajuste de conduta,
acordos judiciais e ações civis públicas que versem sobre o cumprimento do artigo 93 da Lei nº
8.213/91, deverá ser considerado o número total de empregados da empresa, não devendo ser
inserida cláusula que excepcione qualquer função ou atividade. 2. Os casos de impossibilidade de
inclusão de pessoas com deficiência e reabilitadas devem ser analisados quando da verificação do
cumprimento dos acordos e das decisões judiciais”. (Aprovada na III Reunião Nacional da
Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Atualizada na XXIV Reunião Nacional da Coordigualdade,
dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 7. Área de atuação da Coordigualdade. Denúncias de assédio moral.
Discriminação. Em regra, são afetas à área de atuação da COORDIGUALDADE as denúncias de
assédio moral. (Aprovada na III Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04.
Mantida na XXIV Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016. Alterada
na XXXVIII Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 23 de março e 06 de abril de 2021).
ORIENTAÇÃO N. 08. Exigência de certidão de antecedentes criminais. É discriminatória a
exigência de certidão de antecedentes criminais, salvo previsão legal, e certidão negativa em órgão
de consulta creditória, como SERASA, SPC ou qualquer outra entidade similar, bem como a
exigência de carta de fiança, para admissão, promoção ou permanência no emprego. (Aprovada na
III Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Alterada na XXIV Reunião
Nacional da Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 09. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 10. Discriminação. Pedido de Sigilo. Impossibilidade. Nos casos em que o
denunciante requerer sigilo e o procurador entender que a investigação necessita da identidade do
denunciante, é recomendável solicitar-lhe a liberação do sigilo com esclarecimento da
impossibilidade de continuidade da investigação, na hipótese de sua manutenção. (Aprovada na
III Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04. Atualizada na XXIV Reunião
Nacional da Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 11. Cancelada.
ORIENTAÇÃO N. 12. Interesse público que justifica a intervenção do Ministério Público do
Trabalho. Em ações em que sejam discutidos direitos fundamentais dos trabalhadores, tais como
discriminação, direito à intimidade, revista íntima, assédio moral e sexual, entre outros, há interesse
público que justifica a intervenção do Ministério Público do Trabalho. (Aprovada na IV Reunião
Nacional da Coordigualdade, dias 27 e 28/04/05. Atualizada na XXIV Reunião Nacional da
Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 13. Atuação do Ministério Público do Trabalho e acessibilidade. A atuação
do Ministério Público do Trabalho deve buscar não apenas o cumprimento da quota prevista no
artigo 93 da Lei n° 8.213/91, mas também a plena acessibilidade. (Aprovada na V Reunião
Nacional da Coordigualdade, dias 24 e 25/04/06. Alterada a redação na XXIV Reunião Nacional
da Coordigualdade, dias 15 e 16 de junho de 2016).
ORIENTAÇÃO N. 14. Base de cálculo do art. 93 da Lei 8213/91. 1. O “aprendiz com
deficiência” não será computado como “pessoa com deficiência contratada”, conforme Lei
13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), que acrescentou o § 3º ao art.
93 da Lei 8.213/1991. 2. Serão computados na “base de cálculo” para incidência dos percentuais
previstos no art. 93 da Lei 8.213/1991: (a) as demais pessoas com deficiência e (b) os empregados
com contratos de trabalho suspensos, salvo os contratos suspensos por motivo de aposentadoria
por invalidez. 3. Não serão computados na “base de cálculo” para incidência dos percentuais
previstos no art. 93 da Lei 8.213/1991 os aprendizes, independentemente se pessoa com
deficiência; 4. Os empregados que estão com contratos suspensos por motivo de aposentadoria
por invalidez não serão computados na “base de cálculo” para incidência dos percentuais previstos
no art. 93 da Lei 8.213/1991, assim como não serão computados como “pessoa com deficiência
contratada”. (Aprovada na XXV Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 10 e 11 de dezembro
de 2016 e alterada na XVI Reunião Nacional da Coordigualdade, dia 26 de abril de 2017).
ORIENTAÇÃO N. 15. Exposição de trabalhadora gestante e lactante ao meio ambiente de
trabalho insalubre. Prorrogação de jornada em condições insalubres. Inconstitucionalidade,
contrariedade às Convenções Internacionais e impossibilidade de disposição por norma coletiva.
Arts. 394-A e 444, parágrafo único, da CLT. Vedação. A trabalhadora gestante e lactante não deve
ser exposta a condições de trabalho insalubres, nem à prorrogação de jornada de trabalho em
ambiente insalubre. Ademais, o afastamento temporário da mulher gestante e lactante do
ambiente insalubre não autoriza o cancelamento do adicional de insalubridade. O direito à redução
dos riscos inerentes ao trabalho, o princípio da dignidade humana, a proteção integral ao nascituro
e à criança e o direito social à saúde são direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
Inteligência dos artigos. 1º, III; 6º; 7º, XXII; 196; 200; 201, II; 203, I; 225; 226 e 227, da
Constituição Federal; Convenção nº. 103 e 183 da OIT; art. 25, I e II da Declaração Universal dos
Direitos Humanos. (Aprovada na XXVII Reunião Nacional da Coordigualdade, dia 22 de
novembro de 2017).
ORIENTAÇÃO N. 16. Incompatibilidade do contrato de trabalho intermitente com a
finalidade de inclusão de pessoas com deficiência ou reabilitadas na reserva legal (artigo 93 da Lei
8.213/91). O contrato de trabalho intermitente não promove efetiva inclusão da pessoa com
deficiência ou reabilitada, considerando que a ausência de habitualidade pode reforçar a
discriminação e estimular a inserção precária desse grupo vulnerável. Portanto, não devem ser
consideradas para cumprimento da cota legal as contratações de pessoas com deficiência ou
reabilitadas mediante contrato intermitente. Considera-se, outrossim, na base de cálculo da cota
legal, todos os cargos da empresa, independentemente da modalidade de contratação, na forma
expressamente prevista no artigo 93 da Lei n° 8.213/91. Inteligência do disposto na Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (artigos 3, letra c e 27), Lei n°
13.146/2015, Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (artigos 34 parágrafos 2 e 3 e
37), Constituição Federal de 1988 (arts. 1º, II, III e IV; 3º, IV; 7º XXXI) e art. 93 da Lei 8.213/91.
(Aprovada na XXVIII Reunião Nacional da Coordigualdade, dia 25 de abril de 2018).
ORIENTAÇÃO N. 17. Terceirização. Vedação ao tratamento discriminatório entre
empregados da tomadora e da prestadora de serviços. Art 4º-C, § 1º, da Lei n. 6.019/74. O trabalho,
como fonte de subsistência e propulsor da dignidade humana, não pode admitir tratamento
discriminatório ao empregado da prestadora de serviço em relação ao trabalhador da tomadora,
quando realizem o mesmo trabalho, no mesmo local, pois não se trata de subespécie de empregado,
mas de empregado que tem assegurado constitucionalmente o direito ao trabalho, em condições
de liberdade, equidade, segurança, sendo, portanto, vedada qualquer prática discriminatória,
consoante artigo 225 da CF e princípio da não discriminação, consagrado nos artigos 5º, XLI, 7º,
XXX e XXXI, da CF, e Convenção 111 da OIT. (Aprovada na XXVII Reunião Nacional da
Coordigualdade, dia 22 de novembro de 2017).
ORIENTAÇÃO N. 18. Prejudicada.
ORIENTAÇÃO N. 19. Definição de padrão de vestimenta e uso de logomarcas no uniforme.
Limites. A previsão do artigo 456-A da CLT, que confere ao empregador o poder de definir o
padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, com inclusão no uniforme de logomarcas da
própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade
desempenhada, encontra limite nos direitos fundamentais do trabalhador relativos à privacidade,
honra, pudor, liberdade de consciência, de crença, de manifestação do pensamento e de expressão
e no contido no artigo 20 do Código Civil, sendo vedada qualquer forma injustificada de
discriminação estética. (Aprovada na XXVII Reunião Nacional da Coordigualdade, dia 22 de
novembro de 2017).
ORIENTAÇÃO N. 20. Dano extrapatrimonial: critérios e valores do artigo 223 da CLT. A
compensação do dano moral deve ser integral e efetiva, em respeito ao princípio da dignidade da
pessoa humana, conforme preceito constitucional. A indenização por danos extrapatrimoniais
resultantes da relação de trabalho deve assegurar o respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana e conferir a devida tutela ao bem jurídico violado do cidadão trabalhador, com a
compensação mais ampla e efetiva possível, em valores e parâmetros cujos limites máximos não
podem ser previamente definidos, tampouco baseados em critérios discriminatórios, segundo o
previsto nos artigos 1º, III, 3º, IV, 5º, caput e incisos V e X, bem como artigo 7º, caput, da
Constituição Federal. (Aprovada na XXVII Reunião Nacional da Coordigualdade, dia 22 de
novembro de 2017).
ORIENTAÇÃO N. 21. Área de atuação da Coordigualdade. Ação Anulatória. Autos de
Infração. Cota de Pessoas com Deficiência. Intervenção como fiscal da lei. Há interesse social
relevante a justificar a intervenção do Ministério Público do Trabalho, qualidade de fiscal da
ordem jurídica, em ações anulatórias de autos de infração lavrados nos casos de descumprimento
da cota de pessoas com deficiência e de não observância da acessibilidade e adaptações razoáveis.
(Aprovada na XXXVIII Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 23 de março e 06 de abril de
2021).
ORIENTAÇÃO N. 22. Área de atuação da Coordigualdade. Denúncia de racismo ou
discriminação racial. Interesse coletivo. Notícias de Fato que veiculem situações de racismo,
inclusive racismo recreativo (p. ex. expressões jocosas), racismo religioso e de discriminação racial,
em geral, ensejam a atuação do Ministério Público do Trabalho, seja no âmbito investigativo, seja
no âmbito promocional, pois, ainda que os fatos possam ter atingido apenas um trabalhador ou
uma trabalhadora, refletem o racismo estrutural e institucional presente na organização produtiva.
Os efeitos da discriminação fundada na cor e/ou raça têm potencial para atingir toda a coletividade
de trabalhadoras e trabalhadores do ambiente de trabalho ou da localidade. (Aprovada na
XXXVIII Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 23 de março e 06 de abril de 2021).
ORIENTAÇÃO N. 23. Norma Coletiva. Flexibilização, redução ou supressão de cotas sociais
em ações afirmativas. Ausência de Pertinência Temática. Indisponibilidade. Objeto ilícito. I - As
ações afirmativas consistentes na previsão de cotas sociais para a contratação de determinados
grupos ou pessoas, a exemplo de aprendizes (art. 429 da CLT) e pessoas com deficiência (art. 93 da
Lei n. 8.213/91), não podem ser objeto de negociação coletiva e/ou norma coletiva com intuito de
flexibilizar, reduzir ou suprimir seu conteúdo, por ausência de pertinência temática, tendo em vista
ultrapassar o interesse de categoria profissional ou econômica, pois retratam políticas público-
sociais de interesse de toda a sociedade [CRFB/88, art. 1º, III e IV; art. 3º, I, III e IV, art. 6°; art. 7º,
XX e XXXI, art. 23, II; art. 24, XIV; art. 37, VIII; 201, I; 203, I e IV e V; art. 208, III; art. 227;
Convenção 100, sobre Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres Trabalhadores por
Trabalho de Igual Valor (OIT, 1951); Convenção n. 111, Sobre Discriminação em Matéria de
Emprego e Ocupação (OIT,1958); Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação
Racial e Formas Correlatas de Intolerância (OEA, 2013); Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Contra a Mulher (ONU, 1979); Convenção n. 159 da OIT sobre
Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes (OIT, 1983); Convenção 182, sobre a
Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (OIT,
1999); Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU,2006)]. II - As ações afirmativas
de cotas sociais atendem a interesse transindividual de toda a sociedade, razão pela qual são
indisponíveis, não podendo ser objeto de negociação coletiva e/ou norma coletiva com intuito de
flexibilizar, reduzir ou suprimir seu conteúdo, em virtude da indisponibilidade dos interesses
difusos e coletivos. III - Constitui objeto ilícito de norma coletiva (artigo 611-B, XXIV, CLT) a
flexibilização, redução ou supressão de cotas sociais, a exemplo de cotas de aprendizes e pessoas
com deficiência, bem como que atentem a quaisquer outras ações afirmativas ou políticas
antidiscriminatórias preconizadas em lei, como às referentes à igualdade racial (Lei n.
12.288/2010), à pessoa idosa (Lei n. 10.741/203), à pessoa com deficiência (Lei 8.213/1991 e Lei
n. 13.146/2015); às crianças e aos adolescentes (art. 428 à 433, CLT e Lei n. 8.069/90); à mulher
(art. 373-A, caput e parágrafo único, CLT) e, aos grupos e pessoas vulneráveis ou tutelados por
quaisquer ações afirmativas em geral (Decreto 9.571/2018). IV - O ato ou fato de o empregador
ou o sindicato da categoria econômica exigir, impor e/ou condicionar a celebração de acordo ou
convenção coletiva à flexibilização, redução ou supressão de cotas sociais ou de qualquer outra
ação afirmativa constitui, em tese, ato ou conduta antissindical e ato discriminatório (Lei
9.029/1995). (Aprovada na XLII Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 06 e 07 de abril de
2022).
15. BIBLIOGRAFIA DO CAPÍTULO
ABRANTES, José João. Contrato de trabalho e direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra
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LOPES, Otavio Brito. Minorias, discriminação no trabalho e ação afirmativa judicial. Revista do
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