Reumatologia 2019-Vol Único
Reumatologia 2019-Vol Único
Reumatologia 2019-Vol Único
REUMATOLOGIA
E-BOOK
Bruna Savioli
Osteoartrite
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
A osteoartrite, artrose ou osteoartrose (OA) é a mais comum das doenças
reumatológicas. A AO determina comprometimento de aproximadamente 1/5
da população mundial, sendo considerada uma das causas mais frequentes de
incapacidade laborativa após os 50 anos. Pode ser definida como uma
síndrome clínica que representa a via final comum das alterações
bioquímicas, metabólicas e fisiológicas que ocorrem, de forma simultânea, na
cartilagem hialina e no osso subcondral. A doença compreende uma variedade
de subgrupos com fatores etiológicos distintos, tendo, como substrato
patológico, a diminuição do espaço articular devido à perda cartilaginosa e à
formação de osteófitos.
2. Epidemiologia
A prevalência está correlacionada à idade e ao sexo, com predominância no
sexo feminino. É incomum quadro franco de OA abaixo dos 40 anos, quando
a prevalência entre os sexos é semelhante. A partir daí, entre a 4ª e a 5ª
décadas e no período da menopausa, a incidência aumenta bastante com a
idade e se torna mais frequente em mulheres. Estima-se que atinge 85% da
população até os 64 anos e, aos 85, torna-se praticamente universal.
Dica
A OA é uma doença com maior incidência acima dos 40 anos, no sexo
feminino, acometendo principalmente joelhos e mãos.
4. Fisiopatologia
As características histopatológicas principais da OA são a perda focal e
gradual da cartilagem articular e o comprometimento do osso subcondral.
A cartilagem normal tem 2 componentes principais: a matriz extracelular, rica
em colágeno e proteoglicanos, e os condrócitos, inseridos na matriz. Os
componentes da matriz são responsáveis por suas características de
elasticidade e resistência. Os condrócitos são responsáveis pela síntese da
matriz extracelular e por sua renovação por meio de proteinases, mantendo
equilíbrio entre a formação e a degradação de matriz. Com o passar dos anos,
os componentes da matriz se alteram: ocorrem irregularidades na rede de
colágeno, e os proteoglicanos se alteram qualitativa e quantitativamente,
diminuindo sua capacidade de reter água. Ocorre rarefação dos condrócitos
em alguns sítios e hipertrofia em outros, e passam a ser mais catabólicos,
desequilibrando o processo de formação e degradação da matriz.
O resultado desse processo é marcado por cartilagem envelhecida que contém
menos água, condrócitos mal distribuídos e desequilibrados, proteoglicanos
alterados e colágeno fissurado, o que leva a uma matriz menos resistente e
menos elástica, mais suscetível aos traumas mecânicos, com espessura
diminuída. A cartilagem começa a apresentar microfraturas e, posteriormente,
fissuras verticais, junto ao osso subcondral. Fragmentos de cartilagem se
descolam, ficam livres no espaço articular e desencadeiam o processo
inflamatório discreto da OA. Esse descolamento provoca também a exposição
do osso subcondral, com microcistos. Nesses locais de exposição óssea, os
osteófitos provocam neoformação óssea subcondral, com esclerose do osso
subcondral. A redução do volume e das propriedades da cartilagem e as suas
irregularidades levam a maior atrito entre as estruturas, redução do espaço
articular e alteração dos vetores normais de força dentro da articulação. Com
isso, ocorrem áreas de maior pressão sobre o osso subcondral, contribuindo
para a esclerose subcondral e surgimento de espículas ósseas, denominadas
osteófitos nas margens articulares. O resultado é marcado pela tríade
radiológica da OA: redução do espaço articular, esclerose óssea subcondral e
formação de osteófitos. Somando-se a isso, o envelhecimento provoca
frouxidão ligamentar e capsular, hipotrofia muscular e diminuição da
sensibilidade proprioceptiva articular, que contribuem para a instabilidade
articular com a idade.
5. Manifestações clínicas
A OA pode provocar dor articular, rigidez matinal (geralmente <30 minutos),
limitação de movimentos, crepitações, ocasionalmente derrame articular e
graus variados de inflamação local. É uma doença de caráter crônico e
evolução lenta, sem comprometimento sistêmico. Na grande maioria dos
indivíduos, desenvolve-se de maneira silenciosa.
O que leva o paciente com OA ao médico é a dor ou algum tipo de
deformidade. A dor tem características mecânicas, aparece ou se exacerba no
início dos movimentos (dor protocinética), melhora levemente após alguma
movimentação, mas é marcadamente exacerbada com o uso prolongado da
articulação. Nos estágios mais avançados, não é incomum o paciente ter dor
mesmo quando em repouso, acordando algumas vezes durante a noite.
A rigidez matinal do segmento afetado pode ocorrer, porém, na OA,
diferentemente do que ocorre na artrite reumatoide e em outras artrites
inflamatórias, é de curta duração, sendo sempre inferior a 30 minutos.
Um sinal importante para o diagnóstico é a crepitação, que pode ser fina ou
grosseira. É a sensação palpável de atrito entre as estruturas articulares, graças
à presença de irregularidades na superfície da cartilagem e fragmentos
osteocartilaginosos soltos. A crepitação é um achado de palpação, mas pode
chegar a ser audível.
Outro achado comum é a deformidade articular. Por vezes, o processo
degenerativo e inflamatório pode levar ao aumento do volume articular, com
consistência óssea, limitando a amplitude de movimento e, muitas vezes,
provocando desvio de eixo articular. A inflamação decorrente do processo
pode provocar aumento discreto da temperatura e derrames articulares
(principalmente nos joelhos).
Quadro clínico
O quadro clínico da OA envolve dor articular, rigidez matinal inferior a 30
minutos, limitação de movimentos, crepitação articular e deformidade
articular.
Quadro clínico
O quadro clínico de OA nos membros superiores envolve interfalangianas
proximais (nódulos de Bouchard) e distais (nódulos de Heberden) das
mãos, articulação trapézio-metacarpo do polegar (rizartrose) e
acromioclavicular. As articulações metacarpofalangianas são poupadas,
bem como os punhos, cotovelos e ombros (glenoumerais).
A OA axial se caracteriza pelo acometimento das articulações interapofisárias.
Os segmentos mais atingidos são o cervical e o lombar (maior mobilidade). A
dor é também de natureza mecânica, protocinética, com curta rigidez (<30
minutos). Pode haver retificação e perda da lordose cervical ou lombar, ou
hiperlordose lombar e perda de amplitude de movimentos, sobretudo com
desencadeamento de dor à extensão. Dor muscular paravertebral associada é
comum, e compressões neurológicas também podem ocorrer.
Apesar da classificação entre OA axial e periférica, é muito comum a
associação entre ambas e de OA generalizada, em que 3 ou mais grupos
articulares são comprometidos, como OA de mãos, joelhos e coluna.
Os diferentes graus de perda de função podem ser avaliados pela anamnese e
pelo exame físico. O paciente informa sobre sua capacidade de realizar
atividades diárias, como subir e descer escadas, fazer caminhadas, realizar
tarefas domésticas, praticar esportes. Isso ajuda a formar uma ideia de suas
limitações e serve como parâmetro na evolução do quadro clínico.
Quadro clínico
O quadro clínico de OA nos membros inferiores envolve quadris
(coxartrose), joelhos (gonartrose), primeiras metatarsofalangianas (hálux
valgo) e as interfalangianas dos pés. As demais articulações
metatarsofalangianas, os tornozelos e o tarso são poupados.
Figura 1 - Nódulos de Heberden (interfalangianas distais) e de Bouchard (interfalangianas
proximais)
6. Achados radiológicos
O diagnóstico clínico da OA usualmente é confirmado com radiografias das
articulações acometidas. O clássico achado radiológico é a tríade da OA
(Tabela 4 e Figuras 2 e 3).
7. Achados laboratoriais
Os exames laboratoriais de rotina habitualmente são normais e utilizados para
identificar outras condições que podem estar associadas. A avaliação da
hemoglobina, creatinina, potássio e transaminases é necessária antes de iniciar
a terapia com Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs).
As provas de atividade inflamatória (velocidade de hemossedimentação e
proteína C reativa) são comumente normais. Alguns pacientes com sinais
inflamatórios mais intensos podem apresentar uma velocidade de
hemossedimentação levemente aumentada, porém nunca comparável aos
valores presentes na artrite reumatoide, polimialgia reumática, processos
infecciosos ou tumorais. Na OA, o teste para a detecção do fator reumatoide é
negativo, todavia é preciso lembrar que 20% dos idosos saudáveis têm esse
teste positivo, o que pode levar à confusão com o diagnóstico de artrite
reumatoide.
A análise do líquido sinovial comumente revela perfil não inflamatório, com
viscosidade normal e baixa contagem celular (<2.000 células/mm3).
Excepcionalmente, quando ocorre derrame articular, alguns pacientes podem
apresentar líquido sinovial levemente inflamado, com pequenos aumentos na
celularidade e discreta diminuição da viscosidade.
8. Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se na anamnese, no exame físico e, quando necessário,
na radiografia. Deve-se dar atenção especial para curso crônico e insidioso,
articulações tipicamente envolvidas com suas deformidades clássicas, idade
do paciente (>50 anos), dor mecânica e protocinética, com rigidez matinal
curta (<30 minutos), comprometimento assimétrico dentro das articulações
envolvidas (aos raios X) e provas de atividade inflamatória normais (Tabela
5).
Figura 6 - Diagnóstico diferencial entre (A) osteoartrite e (B) artrite reumatoide, de acordo com as
principais articulações acometidas
Fonte: ABC of Rheumatology, 4ª edição.
9. Tratamento
A - Não farmacológico
B - Farmacológico
a) Analgésicos sistêmicos
c) Duloxetina
B - Tratamento cirúrgico
Resumo
Osteoartrite
Fatores de risco
Idade crescente;
Predisposição genética;
Excesso de peso;
Traumas e ocupação;
Deformidades prévias;
Fatores hormonais.
Processo inicial
Diagnóstico
Clínico e radiográfico
Tratamento
1. Introdução
A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença inflamatória autoimune crônica e
progressiva, resultante da interação entre fatores ambientais e genéticos, cuja
manifestação principal é a sinovite persistente de grandes e pequenas
articulações periféricas, de forma simétrica, nos membros superiores e
inferiores, devido ao comprometimento inflamatório da membrana sinovial
das articulações. A inflamação provoca danos à cartilagem e erosões ósseas,
marcas registradas da doença, comprometendo a integridade articular,
gerando, consequentemente, possíveis complicações e deformidades. Apesar
de seu potencial destrutivo, o curso da AR pode ser bastante variável. A
evolução clínica pode variar de doença oligoarticular moderada com duração
curta e lesão articular mínima até poliartrite progressiva irreversível com
perda funcional acentuada.
2. Epidemiologia
A AR é uma doença mundial que afeta todas as etnias, com prevalência de
cerca de 0,5 a 1% da população, com predomínio de acometimento em
mulheres (2,5 a 3 vezes maior do que em homens), e aumenta com a idade. A
diferença entre sexos diminui na faixa etária mais elevada. Em mulheres, o
início acontece durante a 4ª e a 6ª décadas de vida, com 80% de todos os
pacientes acometidos com idade entre 35 e 50 anos. Em homens, ocorre mais
tardiamente, durante a 6ª e a 8ª décadas de vida. A AR causa aumento da
mortalidade e é responsável por grande morbidade. Pelo fato de acometer
indivíduos em idade produtiva e potencialmente causar danos articulares
irreversíveis, essa patologia gera altos custos para esses pacientes e a
sociedade.
3. Etiologia
A AR ocorre como resultado da perda do mecanismo de tolerância imune.
Esse mecanismo é dependente de fatores ambientais e genéticos. Acomete 4
vezes mais os parentes de 1º grau de outros pacientes com AR do que a
população geral. Aproximadamente 10% dos pacientes com AR terão 1
parente de 1º grau acometido. Entretanto, há concordância de apenas 12 a
15% em gêmeos monozigóticos, demonstrando claramente a participação de
outros fatores. A maioria dos pacientes não tem história familiar significativa.
Os fatores genéticos envolvidos mais importantes estão relacionados aos
alelos do complexo principal de histocompatibilidade (MHC ou HLA) classe
II, principalmente alelos do HLA-DRB1 e HLA-DR4, fortemente associados
ao desenvolvimento de AR.
É possível que a AR esteja relacionada à resposta imune a agente infeccioso
em indivíduo geneticamente suscetível. Vários possíveis agentes são
sugeridos, inclusive micoplasma, vírus Epstein-Barr (EBV), citomegalovírus,
parvovírus e vírus da rubéola. Existe o papel definido de citrulinização de
proteínas e consequente formação de anticorpos anticitrulina ou antipeptídio
C citrulinado, que contribuem para o desenvolvimento de AR e para o
surgimento de doença mais agressiva. A citrulinização ocorre na mucosa oral
na presença de Porphyromonas gingivalis, encontradas em periodontites.
Possivelmente, a mucosa do intestino também está envolvida, na presença de
espécies de Prevotella. Dentre os gatilhos ambientais, o tabagismo é capaz de
provocar citrulinização de proteínas pulmonares.
Dica
A citrulinização de proteínas ocorre na mucosa oral na presença de
Porphyromonas gingivalis. O tabagismo é o único fator de risco ambiental
confirmado para o desenvolvimento da AR.
4. Patologia e patogenia
Diartroses ou articulações sinoviais são articulações móveis, formadas por
cartilagem hialina, no encontro de 2 ossos com líquido sinovial. São
revestidas externamente pela cápsula articular e internamente por uma
membrana sinovial. Entre elas, há uma camada de tecido conectivo, com
vasos e nervos. A membrana sinovial produz o líquido sinovial, que nutre e
lubrifica a cartilagem articular, e contém fibroblastos e macrófagos, que
produzem citocinas. Lá, também chegam linfócitos e neutrófilos pelo sangue.
Na AR, linfócitos T autorreativos chegam à articulação e produzem
interferon-gama (IFN-gama), que estimula fibroblastos e macrófagos a
produzirem diversas citocinas pró-inflamatórias, como interleucina 1 (IL-1),
fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucina 6 (IL-6), além de
prostaglandina E2 e metaloproteinases. Como resultado desse processo
inflamatório, há congestão, edema, exsudação e hiperplasia das células
sinoviais.
As citocinas pró-inflamatórias, por sua vez, induzem direta e indiretamente
respostas em vários tipos celulares (Tabela 1). Há produção de enzimas
proteolíticas (colagenase e metaloproteinases), inibição da síntese de novas
moléculas da matriz e estimulação de osteoclastos, promovendo
desmineralização óssea por reabsorção. Com a progressão da inflamação, a
sinóvia se espessa e avança para o espaço articular, invadindo a cartilagem e o
osso, formando, dessa forma, o pannus. As citocinas pró-inflamatórias são
responsáveis por muitas das manifestações sistêmicas da AR, como mal-estar,
febre, emagrecimento e fadiga. A IL-6 é, ainda, responsável pelo aumento das
proteínas de fase aguda (velocidade de hemossedimentação – VHS – e
Proteína C Reativa – PCR).
Há também formação de complexos imunes devido à presença de plasmócitos
na membrana sinovial inflamada. Tais complexos entram na circulação e
levam a várias manifestações da doença, como a vasculite sistêmica.
Quadro clínico
O quadro clínico da AR abrange acometimento de articulação das mãos
(metacarpofalangianas e interfalangianas proximais), metatarsofalangianas,
punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris e ombros (nessa ordem).
Quadro clínico
O quadro clínico da AR envolve dor articular, com piora ao repouso, e
melhora ao movimento, rigidez matinal superior a 1 hora, edema e
espessamento articular.
Importante
Na AR, as interfalangianas distais são geralmente poupadas, o que pode
ajudar na distinção de doenças como osteoartrite e artrite psoriásica.
Quadro clínico
Convém lembrar-se dos achados na AR: dedos “em pescoço de cisne”, “em
botoeira”, polegar em “Z”, desvio ulnar nas metacarpofalangianas, desvio
radial no punho e atrofia de músculos interósseos.
Dica
O comprometimento articular na AR costuma ser simétrico e afetar toda a
superfície articular (diferentemente da osteoartrite).
Dica
No cisto de Baker, na região poplítea, há herniação posterior da membrana
sinovial por meio da cápsula articular do joelho. Seu rompimento provoca
inflamação, com edema e muita dor na perna, podendo simular
tromboflebite ou trombose venosa profunda.
Dica
Os locais comuns dos nódulos reumatoides são bursa do olecrânio, face
extensora proximal do antebraço, tendão de aquiles e occipício, quase
exclusivamente em pacientes com fator reumatoide positivo. Podem ser
encontrados, ainda, no coração, pulmões, pleura, olhos e meninges.
Figura 6 - Nódulos reumatoides e seus sítios comuns
Importante
A síndrome de Felty é caracterizada pela tríade composta por AR,
esplenomegalia e neutropenia. É mais comum em indivíduos com doença
de longa evolução e que apresentam títulos elevados de FR, nódulos
subcutâneos e outras manifestações sistêmicas da AR.
Quadro clínico
Manifestações extra-articulares da AR incluem nódulos reumatoides,
vasculite de pequeno/médio calibre, bem como manifestações
pleuropulmonares, cardíacas, hematológicas e oculares.
7. Achados laboratoriais
Não existe marcador diagnóstico específico para AR. O FR (imunoglobulina
M contra a fração Fc da imunoglobulina G) é encontrado em mais de 85% dos
pacientes com a doença, na forma estabelecida.
A presença de FR não é específica para AR e é encontrada em 5% das
pessoas saudáveis, aumentando a sua frequência com o avançar da idade
(10 a 20% de indivíduos acima de 65 anos). Além disso, outras doenças
crônicas com estimulação persistente do sistema imunológico são
associadas à presença do FR: lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de
Sjögren (maiores títulos encontrados), hepatopatia crônica, sarcoidose,
fibrose pulmonar intersticial, mononucleose infecciosa, hepatite B,
tuberculose, hanseníase, sífilis, endocardite bacteriana subaguda,
leishmaniose visceral, esquistossomose, malária e crioglobulinemia.
O FR pode surgir transitoriamente em indivíduos normais depois de
vacinação ou transfusão e ser encontrado em parentes de indivíduos com AR.
Sua presença não estabelece o diagnóstico e tem baixo valor preditivo. Menos
de 1/3 de pacientes com FR positivo terá o diagnóstico de AR. A presença de
FR pode ter significado prognóstico, pois pacientes com títulos elevados
tendem a ter doença articular mais grave e progressiva, associada a
manifestações extra-articulares, principalmente nódulos ou vasculite.
Dica
São doenças que podem apresentar fator reumatoide positivo: lúpus
eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, hepatopatia crônica,
sarcoidose, mononucleose infecciosa, hepatite B, tuberculose, hanseníase,
sífilis, leishmaniose visceral, esquistossomose, malária e crioglobulinemia.
Dica
Tanto os títulos de fator reumatoide quanto de anti-CCP apresentam valor
prognóstico no paciente com AR.
Outros anticorpos inespecíficos podem estar presentes em até 30% dos casos,
como o FAN (fator antinúcleo) e o ANCA (anticorpo anticitoplasma de
neutrófilo, particularmente com padrão perinuclear – p-ANCA).
A anemia normocrômica normocítica é frequente na doença ativa, refletindo
eritropoese inefetiva. Em geral, a anemia e a plaquetose se correlacionam com
atividade. A linhagem branca geralmente não se altera, mas pode ocorrer
discreta leucocitose. Na presença de neutropenia, considerar o diagnóstico da
síndrome de Felty. Eosinofilia pode refletir doença sistêmica grave.
A VHS é aumentada em quase todos os pacientes com AR ativa. A proteína
de fase aguda PCR também fica acentuadamente elevada, geralmente
correlacionada com atividade da doença e a probabilidade de lesão articular
progressiva.
O complemento (CH100, C3 e C4) costuma estar elevado. Contudo, na
presença de vasculite de pequenos ou médios vasos, há consumo de
complemento.
A análise do líquido sinovial confirma a presença de artrite inflamatória,
porém não é resultado específico, não sendo fundamental para o diagnóstico
da doença. O líquido é normalmente turvo, com viscosidade reduzida,
proteínas aumentadas e redução discreta da glicose em relação à glicemia
sérica. A contagem de leucócitos varia entre 5 e 50.000 células/mL, com
predomínio de polimorfonucleares. Uma contagem acima de 2.000
células/mL com mais de 75% de polimorfonucleares é altamente
característica de artrite inflamatória, embora não seja diagnóstica de AR.
Dica
O líquido sinovial do paciente com AR apresenta-se turvo, com
viscosidade reduzida, proteínas aumentadas e redução discreta da glicose,
além de leucócitos entre 5 e 50.000 células/mL, com predomínio de
polimorfonucleares.
Importante
Nos raios X, sinais precoces de AR são edema de partes moles, osteopenia
justa-articular e cistos subcondrais em articulações clássicas. Perda de
cartilagem articular (redução do espaço articular) e erosões ósseas se
desenvolvem após meses de doença ativa.
Figura 12 - Joelho na artrite reumatoide: redução acentuada do espaço articular, de forma simétrica
(envolvendo os 2 compartimentos), com muita esclerose subcondral e irregularidades na superfície
da articulação
Figura 13 - Mão reumatoide: desvio ulnar das metacarpofalangianas direitas, redução dos espaços
articulares em punhos, metacarpofalangianas e interfalangianas proximais e subluxação de
interfalangianas proximais (polegar “em Z”); as interfalangianas distais são poupadas
Figura 14 - Radiografia da mão direita que mostra osteopenia justa-articular em
metacarpofalangianas com erosão no dedo indicador (seta)
9. Diagnóstico
Não existe achado patognomônico de AR. O diagnóstico baseia-se nos
achados clínicos, laboratoriais e radiográficos e na exclusão de outras
doenças. Na maioria dos pacientes, a doença apresenta as características
típicas em 1 a 2 anos após seu início. O quadro típico de poliartrite
inflamatória simétrica que envolve pequenas e grandes articulações em
extremidades superiores e inferiores é sugestivo do diagnóstico.
Características constitucionais indicativas da natureza inflamatória da doença,
como rigidez matinal, reafirmam a suspeita. Nódulos subcutâneos são
achados diagnósticos importantes. Associados a esses fatores, a presença do
FR e os achados radiológicos de desmineralização justa-articular e erosões
ósseas sugerem fortemente o diagnóstico.
O diagnóstico precoce é mais difícil quando estão presentes somente sintomas
constitucionais, artralgias intermitentes ou artrite com distribuição assimétrica
e oligoarticular. Em casos iniciais, com erosão e dúvida diagnóstica, a
dosagem do anti-CCP tem valor diagnóstico. O achado isolado de FR positivo
ou VHS elevada, especialmente em idosos com artralgia, não deve ser usado
como evidência de AR.
Atualmente, utilizamos os critérios classificatórios de AR publicados em
2010 pela EULAR (European League Against Rheumatism – Tabela 6),
entretanto, eles não são cobrados em provas. Esses novos critérios não são
diagnósticos, mas classificatórios, e permitem identificar os pacientes com
sinovite inflamatória recém-diagnosticada, com risco de desenvolver sintomas
persistentes ou danos articulares e que podem se beneficiar do uso de Drogas
Modificadoras do Curso da Doença (DMCDs).
Diagnóstico
Podem-se utilizar os critérios ACR/EULAR (2010) para o diagnóstico de
AR, em que é obrigatória a presença de sinovite clínica definida, em pelo
menos 1 articulação, associada à soma de fatores como acometimento
articular, sorologia, duração e provas inflamatórias.
10. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da AR inclui osteoartrite (sem componente
inflamatório intenso, acomete IFDs e poupa MCF e punhos), artrite reativa
(oligoartrite predominante de membros inferiores, com entesites, dactilites e
envolvimento inflamatório axial), artrite psoriásica (pode assemelhar-se
bastante à AR, principalmente se tiver o mesmo padrão de distribuição – pode
acometer esqueleto axial e IFDs e, na maioria dos casos, tem FR negativo, na
presença de lesão cutânea típica de psoríase), gota tofácea, lúpus eritematoso
sistêmico, síndrome de Sjögren, pseudogota, polimialgia reumática etc.
Síndromes virais podem causar artrite com 2 a 4 semanas de duração, como
os vírus da hepatite C, B, HIV, EBV, citomegalovírus, parvovírus e rubéola.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da AR inclui osteoartrite, artrite reativa, artrite
psoriásica, gota tofácea, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren,
pseudogota etc.
A - Tratamento medicamentoso
Tratamento
Os AINHs têm ação analgésica e anti-inflamatória, mas não alteram o
curso da AR nem previnem destruição articular.
b) Corticoides
Tratamento
Corticosteroides são usados no controle da dor e inflamação causados pela
AR, enquanto se aguarda o efeito dos DMCDs (usados conjuntamente),
sempre em baixas doses (até 15mg/d de prednisona, ou equivalente) e pelo
menor tempo possível.
Todos os pacientes com AR são candidatos ao uso de DMCDs, pois estas têm
a capacidade de reduzir e prevenir o dano articular, preservando a integridade
e a função articulares.
O início das drogas modificadoras não deve ultrapassar 3 meses após o
diagnóstico de AR. As mais comumente utilizadas no tratamento incluem
antimaláricos (difosfato de cloroquina, hidroxicloroquina), sulfassalazina,
metotrexato, leflunomida e os novos agentes biológicos. O benefício do
tratamento com DMCD ocorre de semanas a meses após o seu uso. Mais de
60% dos pacientes apresentam melhora significativa como resultado da
terapia com qualquer um desses agentes. Há também melhora dos exames de
atividade inflamatória (PCR/VHS).
O metotrexato é a DMCD de escolha como droga inicial por causa do seu
início relativamente rápido de ação, da sua capacidade de melhorar
clinicamente o paciente e de maior adesão ao tratamento. Apesar de
incomum, o metotrexato está associado a pneumopatia, desse modo, seu uso é
evitado em pacientes com AR e manifestações pulmonares. Seu uso é feito de
forma semanal e, obrigatoriamente, em associação ao ácido fólico.
A falta de resposta a um agente não exclui a troca por outro. Muitas vezes, é
usada terapia combinada com mais de 1 DMCD para controle adequado da
doença. São comuns as associações de antimaláricos, sulfassalazina e
metotrexato (tripla terapia), antimaláricos, leflunomida e metotrexato ou,
ainda, agentes biológicos com metotrexato.
As principais drogas e suas dosagens estão descritas na Tabela 8.
Tratamento
As DMCDs reduzem e previnem dano articular. Metotrexato é a droga de
escolha no início do tratamento, pela ação rápida, em relação aos demais
da classe.
d) Agentes biológicos
e) Inibidor da janusquinase-1
B - Fisioterapia
Essa forma de tratamento tem importante papel em todas as fases da doença.
Exercícios passivos ajudam a prevenir ou minimizar a perda de função, e
exercícios isométricos aumentam a força muscular e contribuem para a
manutenção da estabilidade articular. Atividades aeróbicas são importantes
para melhor condicionamento cardiovascular.
C - Tratamento cirúrgico
D - Vacinação
Vacinas de organismos não vivos podem e devem ser administradas 14 dias
antes do início das DMCDs sintéticas ou biológicas. Durante o tratamento
com DMCD ou biológicos, há contraindicação relativa ao uso de vacinas de
vírus atenuados, devendo-se pesar risco-benefício.
Dica
A tríade da síndrome de Felty envolve AR, neutropenia e esplenomegalia.
Dica
Há risco infeccioso aumentado em pacientes com síndrome de Felty e
leucócitos <500 células/mm3. Metotrexato tem sido utilizado com bons
resultados.
Resumo
Artrite idiopática juvenil
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é a forma mais comum de artrite na infância
e uma das doenças crônicas mais frequentes dessa fase, com causa
desconhecida. Na verdade, trata-se de um grupo de desordens que tem a
artrite inflamatória crônica como manifestação. O diagnóstico requer a
combinação de dados da história e do exame físico. Exames laboratoriais
podem ser úteis.
Diagnóstico
Para ser incluída como AIJ, deve haver artrite persistente na mesma
articulação, com duração mínima de 6 semanas, início antes dos 16 anos,
além de exclusão de outras causas.
2. Epidemiologia
A AIJ acomete crianças e adolescentes em todos os países do mundo. As
taxas de prevalência variam de 20 a 86/100.000 crianças por ano, e as taxas
de incidência variam entre 0,83 e 22,6/100.000 crianças. Não existem estudos
epidemiológicos brasileiros sobre a AIJ. Em 50% dos casos, a doença mantém
atividade também na fase adulta.
3. Achados clínicos
A AIJ é um diagnóstico de exclusão e inclui uma lista de subtipos que têm em
comum os critérios descritos na Tabela 1.
Diagnóstico
Na doença de Still, há febre característica (>2 semanas), serosite,
hepato/esplenomegalia, rash maculopapular eritematoso evanescente e
linfadenopatia.
É a mais frequente das AIJs (50% dos casos), sendo mais comum em menores
de 5 anos (pico de 1 a 3 anos), preferencialmente meninas (4 vezes mais que
meninos).
As articulações mais envolvidas são joelhos, tornozelos, pequenas
articulações das mãos e dos cotovelos.
Há acometimento de 4 ou menos articulações, durante os primeiros 6 meses
de apresentação da doença. Depois disso, os pacientes são subdivididos em 2
grupos distintos: a forma oligoarticular persistente, que permanece
oligoarticular ao longo da evolução da doença, e a oligoarticular estendida,
que passa a acometer mais de 4 articulações depois dos 6 meses de evolução.
Após 5 anos de doença, cerca de 50% dos casos de início oligoarticular se
mantêm persistentes e 50% evoluem para a forma estendida.A forma
oligoarticular persistente é a mais benigna, com melhor prognóstico,
geralmente em apenas 1 articulação, que é, na maioria das vezes, o joelho. A
chance de remissão na fase adulta é de 75% dos casos. A forma oligoarticular
estendida acomete pacientes mais jovens (1 a 5 anos), preferencialmente
meninas (4 vezes mais que meninos), com FAN positivo e risco elevado de
desenvolver uveíte, que ocorre em 30 a 50% dos pacientes. Tem pior
prognóstico articular, cronificando-se, e torna-se erosiva em 60% dos casos.
A chance de remissão do quadro articular na fase adulta é de apenas 12%.
Fatores de risco iniciais da oligoartrite para evolução para fase estendida são
artrite de mãos, punhos ou tornozelos, artrite simétrica, artrite em mais de 1
articulação, elevação da velocidade de hemossedimentação ou da proteína C
reativa e presença de FAN.
O FAN é positivo em até 85% dos casos de AIJ oligoarticular e está associado
a elevado risco de uveíte crônica anterior (Figura 4), sobretudo em meninas.
A uveíte pode ser bilateral e provocar perda de visão, sendo assintomática em
50% dos casos, e progride independentemente do curso da artrite. Devido às
alterações graves e irreversíveis, incluindo descolamento de córnea, catarata,
glaucoma e perda visual parcial ou total, os pacientes com AIJ devem ser
avaliados regularmente pelo oftalmologista.
Dica
A forma articular da AIJ acomete principalmente o joelho, mas pode
atingir o tornozelo e pequenas articulações das mãos e dos cotovelos.
Figura 4 - Uveíte anterior crônica complicada com sinéquias e catarata na artrite idiopática juvenil
6. Formas poliarticulares (fator reumatoide
positivo ou negativo)
Para caracterizar a forma poliarticular, a criança deve ter artrite em 5 ou mais
articulações nos primeiros 6 meses da doença (Figura 5). Cerca de 40% das
crianças com AIJ têm envolvimento poliarticular: 10% com FR positivo e
30% com FR negativo.
Figura 5 - Artrite idiopática juvenil – forma poliarticular
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.
Pacientes com FR positivo são comumente meninas (3:1 em relação a
meninos), com idade pouco mais elevada (em torno de 8 anos, até os 16), com
HLA-DR4 positivo, artrite simétrica de pequenas articulações das mãos
(metacarpofalangianas; interfalangianas proximais e distais) e pés
(metatarsofalangianas). Esse subgrupo tem elevado risco de desenvolver
erosões, nódulos e perda funcional (Figura 6). É a que mais se assemelha à
artrite reumatoide do adulto. As manifestações clínicas extra-articulares são
variáveis e incluem fadiga, anorexia, desnutrição, anemia, retardo de
crescimento, retardo na maturação sexual e osteopenia.
Quadro clínico
Quando o fator reumatoide é positivo nas formas poliarticulares de AIJ, há
artrite simétrica de pequenas articulações (metacarpofalangianas,
interfalangianas proximais e interfalangianas distais) e pés
(metatarsofalangianas), podendo-se apresentar, também, fadiga, anorexia,
desnutrição, anemia, retardo (ponderoestatural e da maturação sexual) e
osteopenia.
Figura 6 - Discrepância de membros como complicação da artrite idiopática juvenil
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.
7. Forma relacionada a entesite
O envolvimento do esqueleto axial na AIJ pode levar muito tempo para ser
diagnosticado. Assim, um subgrupo que desenvolve espondiloartrite antes dos
16 anos, na maioria das vezes, iniciará quadro de artrite associada a entesite.
Esse grupo corresponde a até 10% dos casos de AIJ. O paciente será
classificado nesse grupo se apresentar artrite com entesite ou artrite com 1 dos
seguintes achados:
Diagnóstico
Para o diagnóstico de artrite relacionada a entesite, precisa haver artrite e
entesite ou artrite e 1 dos seguintes achados: dor nas sacroilíacas e/ou dor
lombossacral inflamatória, HLA-B27 positivo, meninos ≥6 anos, uveíte
anterior aguda sintomática, parente de 1º grau com espondilite
anquilosante, artrite relacionada a entesite, doença inflamatória intestinal
com sacroileíte, artrite reativa ou uveíte anterior aguda.
Figura 7 - Artrite idiopática juvenil na forma relacionada a entesite: (A) redução da flexão lombar;
(B) oligoartrite (joelho esquerdo); (C) entesite da inserção do tendão de aquiles; (D) hálux valgo e pé
plano secundário
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.
Importante
A artrite relacionada a entesite é oligoarticular, nos joelhos, tornozelos e
quadris, sendo a entesite comum em suprapatelar, infrapatelar,
tuberosidade da tíbia, inserções do tendão de aquiles e fáscia plantar no
calcâneo e no antepé.
8. Forma psoriásica
A artrite psoriásica que se inicia antes dos 16 anos é considerada como AIJ
psoriásica. Corresponde a cerca de 2% dos casos de AIJ. Em apenas 10% dos
pacientes, a artrite se manifesta concomitantemente à psoríase. No restante
dos casos, pode manifestar-se antes ou depois. É definida pela presença de
artrite com psoríase diagnosticada por médico ou artrite com 2 dos critérios:
Diagnóstico
Estabelece-se o diagnóstico de artrite psoriásica em caso de artrite e
psoríase diagnosticada, ou artrite e mais 2 dos achados: dactilite, pitting
nail, onicólise ou parente de 1º grau com psoríase.
Figura 8 - Dactilite e distrofia ungueal em criança com artrite idiopática juvenil – forma psoriásica
Fonte: Pediatric Rheumatology in Clinical Practice, 1ª edição.
Na maioria dos casos, a artrite é periférica, poliarticular, assimétrica, com
envolvimento das pequenas articulações de mãos, pés, joelhos e tornozelos.
As sacroilíacas também podem ser acometidas em 40% dos casos ao longo da
evolução da doença.
Até 20% poderão ter envolvimento ocular (uveíte anterior), e devem ser feitas
avaliações periódicas com oftalmologista.
9. Forma indiferenciada
Alguns pacientes não fecham critérios para nenhuma das classificações e são
diagnosticados com AIJ indiferenciada. Estudos adicionais são necessários
para indicar a evolução desses pacientes, se permanecerão como forma
indiferenciada ou evoluirão para alguma outra categoria.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial de AIJ é feito com leucemias, hanseníase, doença
inflamatória intestinal, mucopolissacaridoses, lúpus eritematoso sistêmico
juvenil, vasculites e infecções.
12. Tratamento
O tratamento compreende um acompanhamento multidisciplinar, que inclui
educação do paciente e da família, cuidados domiciliares, ajustes sociais,
entre outros, e começa durante o diagnóstico. Os pacientes com manifestação
articular leve podem ser tratados com Anti-Inflamatórios Não Hormonais
(AINHs) isolados, os quais controlam a inflamação e a dor e são utilizados
por longos períodos. Corticoides sistêmicos também são utilizados
continuamente no controle da inflamação e estão reservados a casos de
serosite, acometimento ocular, febre e artrites não responsivas aos AINHs.
Injeções intra-articulares de corticoides podem ser utilizadas em casos de
mono/oligoartrites.
Dois terços dos pacientes com AIJ não respondem ao anti-inflamatório
isolado, sendo necessária a introdução de drogas de base. Os fatores de mau
prognóstico são descritos na Tabela 6. São opções terapêuticas nesse grupo:
metotrexato, sulfassalazina, leflunomida, ciclosporina ou medicamentos com
ação biológica.
O tratamento da inflamação ocular deve ser orientado pelo oftalmologista, à
base de corticoides tópicos. Imunossupressores estão indicados em caso de
uveíte grave ou dependência de corticoide.
Resumo
Subtipos da artrite idiopática juvenil
Tratamento
A - Achados clínicos
Importante
O quadro clínico de bursite infecciosa, celulite e osteomielite pode ser
facilmente confundido com artrite séptica. À beira do leito, um dado muito
útil para diferenciação é a análise do arco do movimento – somente estará
comprometido na artrite séptica, enquanto nas demais patologias o paciente
tem a movimentação ativa e passiva praticamente normal.
As articulações mais envolvidas são joelhos (40 a 50%), quadris (13 a 20%),
ombros (10 a 15%), punhos, tornozelos, cotovelos e, menos comumente,
pequenas articulações das mãos e dos pés. Bursites sépticas olecranianas e
pré-patelares podem anteceder o quadro de artrite séptica.
Febre ocorre em 60 a 80% dos casos. Focos de infecção em outros sítios
podem ser encontrados e devem ser minuciosamente pesquisados. As
bactérias atingem a articulação por via hematogênica em mais de 50% dos
casos, por inoculação direta em procedimentos ou traumas articulares ou por
contiguidade de infecções de partes moles ou osso. Além disso, deve-se
atentar ao diagnóstico diferencial da monoartrite aguda (Tabela 2).
Ainda como diagnóstico diferencial, vale lembrar a Piomiosite Tropical (PT),
infecção piogênica grave da musculatura esquelética, com tendência a formar
abscessos. O principal agente etiológico é o S. aureus, que compromete
principalmente crianças e indivíduos do sexo masculino imunossuprimidos. O
quadro clínico é marcado por dor muscular com aumento de temperatura local
e edema, além de febre. Os grupos musculares mais comumente acometidos
são quadríceps, glúteos e musculatura do tronco. Assim, faz diagnóstico
diferencial com a artrite séptica de quadril. Além dos achados laboratoriais
sugestivos de processo infeccioso, a PT não costuma gerar aumento de
enzimas musculares. Métodos de imagem, como ultrassonografia, tomografia
e ressonância, podem identificar os músculos comprometidos precocemente,
bem como definir a presença de abscessos, e auxiliam a realização de punção
guiada e drenagem cirúrgica. O tratamento é realizado por meio da
antibioticoterapia parenteral. A drenagem cirúrgica faz-se necessária na
presença de abscessos.
B - Achados laboratoriais
Dica
O S. aureus é o agente mais comumente implicado em monoartrite séptica
de articulações nativas (60 a 70% dos casos).
C - Achados de imagem
D - Tratamento
Trata-se de uma emergência médica que requer hospitalização.
A antibioticoterapia intravenosa empírica deve ser iniciada imediatamente
após a punção, com cobertura obrigatória para S. aureus. Caso o indivíduo
seja sexualmente ativo, a artrite gonocócica também deve ser tratada
empiricamente. Culturas de sangue periférico devem ser colhidas. De acordo
com o achado de coloração ou o resultado da cultura, os antibióticos devem
ser modificados. O tempo de tratamento é de 4 semanas, mas, em casos de
osteomielite aguda, aumenta para 6 semanas e, se houver osteomielite crônica
ou infecção de prótese, chega a 6 meses. O tratamento pode ser inicialmente
intravenoso, mas, com a boa resposta e a cultura confirmando sensibilidade,
pode ser trocado para via oral após as 2 primeiras semanas, de acordo com as
culturas.
Um bom esquema inicial é a oxacilina, 8 a 12g/d IV, para cobrir S. aureus (se
não houver suspeita de resistência a meticilina), e gentamicina, 240mg (dose
única), ou cefalosporina de 3ª geração (para cobertura dos Gram negativos).
Se houver suspeita de artrite gonocócica (indivíduos sexualmente ativos e
descritos a seguir), a cefalosporina de 3ª geração será preferível. Casos
específicos, como indivíduos imunossuprimidos, hospitalizados, colonizados
e usuários de drogas, devem ser considerados separadamente.
A drenagem articular é indicada para acelerar a melhora e evitar dano
permanente. Pode ser feita lavagem artroscópica inicial com debridamento e
drenagem ou punções articulares de repetição, para reduzir o risco de dano
articular permanente. A cirurgia aberta pode ser indicada a casos de falência
de tratamento após 5 a 7 dias de terapia, osteomielite adjacente, articulações
de difícil abordagem (quadris, ombros e sacroilíacas), infecções em próteses
articulares e artrite séptica de quadril em crianças.
Tratamento
Um exemplo de esquema empírico para artrite não gonocócica: oxacilina, 8
a 12g/d IV, + gentamicina, 240mg (dose única).
Figura 4 - Tratamento
Fonte: adaptado de UpToDate.
3. Artrite gonocócica
A - Achados clínicos
Quadro clínico
O quadro clínico da artrite gonocócica envolve poliartrite (joelho,
tornozelo ou punho), tenossinovite (migratória, em tendões de dorso da
mão, punho, tornozelo e joelho) e dermatite (lesão pustulosa, vesicular ou
maculopapular, com base eritematosa, centro necrótico e distribuição em
tronco e membros). Sintomas inespecíficos, como febre, calafrios e
poliartralgia migratória, antecedem a artrite.
B - Achados laboratoriais
C - Tratamento
Tratamento
No início do tratamento da artrite gonocócica, utiliza-se ceftriaxona 1g/d
IM/IV ou ciprofloxacino 400mg IV, a cada 12 horas, se alérgico. Em caso
de sensibilidade, recorre-se a ampicilina, 1g IV, a cada 6 horas, passando
para amoxicilina, 1g VO, a cada 8 horas. A duração é de 2 semanas ou 4
semanas (se complicada).
A artrite da IGD costuma melhorar rapidamente seus sintomas em cerca de 24
a 48 horas. Artrocenteses de repetição são indicadas.
4. Artrite viral
A artrite viral pode apresentar-se de 3 formas clássicas: aguda, autolimitada e
crônica ou latente. Os principais agentes envolvidos estão resumidos na
Tabela 9.
Outros possíveis agentes virais envolvidos são HIV, HTLV, febre Mayaro,
Igbo-Ora, Ross River e febre chikungunya.
5. Micobactérias
A - Mycobacterium tuberculosis
O envolvimento articular é raro e representa apenas 5% dos casos. Em
crianças, o comprometimento articular ocorre basicamente por disseminação
hematogênica, já nos adultos, o comprometimento pode ser secundário a foco
pulmonar quiescente ou a sítio extrapulmonar. O PPD (derivado de proteína
purificada) pode ser positivo em pacientes com comprometimento
osteoarticular, mesmo com raios X de tórax normais. O diagnóstico da artrite
é confirmado pela demonstração do Mycobacterium tuberculosis no líquido
sinovial.
O quadro clínico osteoarticular da tuberculose pode cursar com
comprometimento da coluna vertebral (doença de Pott), artrites ou
tenossinovites periféricas e/ou, ainda, artrite reativa (doença de Poncet).
b) Artrite tuberculosa
Trata-se de uma artrite monoarticular que afeta quadril ou joelho, mas pode
envolver outras articulações. O início é tipicamente insidioso. Dor e edema
articular estão presentes com sinais inflamatórios limitados. São decorrentes
da reativação de foco latente, por via hematogênica, podendo associar-se à
osteomielite adjacente, mas não necessariamente concomitante com
envolvimento articular. Em adultos, comprometem metáfises de ossos longos.
São achados radiográficos encontrados: osteopenia justa-articular, erosões
marginais e redução gradual do espaço articular (tríade de Phemister). Pode
haver, ainda, edema de partes moles, cistos subcondrais, esclerose óssea,
periostite e calcificações. No líquido sinovial, observa-se contagem de células
elevadas, com predomínio de neutrófilos e, ocasionalmente, de linfócitos. A
glicose usualmente está baixa, e cultura, positiva em 80% dos casos. É mais
bem diagnosticada pelos achados histológicos e microbiológicos da sinóvia,
sendo a cultura sinovial positiva em 90% dos casos. A histologia demonstra o
granuloma não caseoso, e o tratamento é igual ao da tuberculose pulmonar.
Dica
A tríade de Phemister é composta de osteopenia justa-articular, erosões
marginais e redução gradual do espaço articular.
c) Doença de Poncet
B - Mycobacterium leprae
Dica
A EA inicia-se no adolescente/adulto jovem, e é infrequente seu início após
os 40 anos; há grande associação a HLA-B27 (90%).
A - Achados clínicos
a) Manifestações articulares
Figura 5 - Flexão lateral do tronco: (A) marca na coxa ao nível dos dedos; (B) nova marca após
flexão lateral do tronco; (C) diferença entre as 2 marcas
Figura 6 - Teste de Schöber modificado
Figura 7 - Rotação cervical
b) Manifestações extra-articulares
- Acometimento ocular
Importante
A manifestação extra-articular mais comum na EA é a ocular (uveíte
anterior) e está fortemente associada à presença do HLA-B27.
Figura 13 - Uveíte anterior em paciente com espondilite anquilosante; uveíte anterior aguda
associada à presença de HLA-B27
- Cardíaco e pulmonar
- Gastrintestinal
- Renal
- Neurológico
Quadro clínico
O quadro clínico das manifestações extra-articulares da EA é formado por
acometimentos ocular (uveíte anterior), cardíaco (dilatação do anel aórtico,
insuficiência aórtica, distúrbios de condução), pulmonar (fibrose
progressiva dos ápices), gastrintestinal (inflamação inespecífica), renal
(raro) e neurológico (compressão neurológica).
B - Achados radiológicos
As alterações radiológicas são predominantemente observadas no esqueleto
axial (sacroilíacas, interapofisárias, discos vertebrais e articulações
costovertebrais) e em locais de entesopatia (Tabela 3).
A sacroileíte das espondiloartrites envolve a porção sinovial, nos 2 terços
inferiores da articulação sacroilíaca. Na EA, o acometimento é bilateral e
simétrico, assim como nas espondiloartrites associadas a doenças intestinais
inflamatórias (enteroartrites). Já nas artrites reativas e na psoriásica, o
acometimento geralmente é unilateral e assimétrico.
Na EA e em enteroartrites, os sindesmófitos são geralmente simétricos e
regulares, bem verticalizados e marginais, ao contrário do que ocorre nas
artrites reativas e na psoriásica (sindesmófitos assimétricos, irregulares e mais
grosseiros). Também se distinguem dos osteófitos da osteoartrite, que têm
orientação bem lateralizada.
C - Achados laboratoriais
D - Diagnóstico
E - Tratamento
Dica
A síndrome de Reiter é composta por artrite, uretrite não gonocócica e
conjuntivite, após processo infeccioso gastrintestinal ou geniturinário.
A - Apresentação clínica
b) Manifestações extra-articulares
Quadro clínico
Uretrite não gonocócica (disúria e descarga uretral purulenta), conjuntivite
e uveíte anterior aguda unilateral, ceratoderma blenorrágico, úlceras orais e
balanite circinada podem ocorrer como manifestações extra-articulares da
ARe.
c) Associação a HIV
A ARe tem sido relatada com frequência em indivíduos HIV positivos, e sua
prevalência e gravidade podem estar aumentadas quando estão associadas aos
vírus. O HIV isolado não causa a doença, mas sua relação com outras
doenças, como infecção por Chlamydia, pode ser responsável pelo
desenvolvimento de ARe.
B - Achados radiográficos
Diagnóstico
Achados radiográficos na ARe incluem sacroileíte, unilateral ou bilateral
assimétrica, e sindesmófitos, mais grosseiros e unilaterais.
C - Achados laboratoriais
D - Diagnóstico
E - Tratamento
A - Apresentação clínica
A artrite periférica ocorre em cerca de 20% dos pacientes com Doença de
Crohn (DC) ou Retocolite Ulcerativa (RU). A prevalência é ligeiramente
maior na DC. Pode ocorrer acometimento periférico, com artralgias
migratórias ou artrite aditiva, não erosiva, oligoarticular, usualmente
assimétrica e predominantemente de membros inferiores, acometendo mais
comumente joelhos, tornozelos e pés. Grandes derrames articulares,
especialmente nos joelhos, são comuns. Deformidades são raras. O
aparecimento da artrite pode anteceder os sintomas gastrintestinais,
apresentando-se inicialmente como uma forma indiferenciada da EA.
Comumente, a artrite acompanha a atividade da doença inflamatória intestinal
e melhora com o controle desta. Na RU, a colectomia para controle da doença
intestinal pode levar à remissão da artrite, mas isso não acontece na DC. Não
está associada à presença de HLA-B27.
Acometimento da coluna, incluindo sacroileíte, acontece em cerca de 10% de
pacientes com doenças inflamatórias intestinais e frequentemente é
assintomático. O envolvimento axial tem curso independente da atividade da
doença intestinal, podendo antecedê-la, e a colectomia terapêutica não se
reflete na atividade de doença axial. O HLA-B27 é encontrado com menor
frequência nessa doença (aproximadamente 50% nos casos com envolvimento
axial).
Manifestações extra-articulares da doença inflamatória intestinal também
podem ocorrer em 24% dos casos: a complicação cutânea mais comum é o
eritema nodoso, que costuma acompanhar a atividade inflamatória intestinal e
articular periférica. O pioderma gangrenoso é menos frequente, mas é mais
grave, com aparecimento de úlceras profundas e dolorosas na pele. É possível
haver úlceras orais recorrentes, as quais refletem a atividade intestinal da DC.
Uveíte anterior aguda, unilateral, alternante, similar àquelas encontradas nas
outras espondiloartrites, é vista em 11% dos casos de enteroartrites. Na DC,
pode ocorrer uveíte granulomatosa, mais grave e persistente. Febre e perda de
peso também são comuns.
Quadro clínico
O quadro clínico de artrite enteropática envolve artralgias migratórias ou
artrite aditiva, não erosiva, oligoarticular, usualmente assimétrica e
predominantemente de membros inferiores, acometendo mais comumente
joelhos, tornozelos e pés.
B - Achados radiográficos
C - Tratamento
A - Achados clínicos
Costuma ser oligoarticular no início da doença, mas, com o passar dos anos e
um número maior de articulações acometidas, tende a tornar-se poliarticular.
Algumas características ajudam a diferenciar a AP da artrite reumatoide: a AP
é mais frequentemente assimétrica, pode acometer as interfalangianas distais
(poupadas na artrite reumatoide), tem FR costumeiramente negativo (embora
possa ser positivo em uma minoria de casos – <10% se medido por ELISA),
acomete homens e mulheres igualmente e tem características radiográficas
peculiares com a lesão tipo pencil-in-cup. Pode, ainda, manifestar-se como
artrite mutilante.
b) Envolvimento axial
Quadro clínico
O quadro clínico da AP envolve artrite periférica, oligoarticular,
assimétrica, podendo acometer interfalangianas distais, com FR negativo e
lesões tipo pencil-in-cup na radiografia, que também pode demonstrar
envolvimento axial assimétrico e sindesmófitos grosseiros.
d) Manifestações cutâneas
B - Achados radiológicos
Diversos aspectos radiográficos podem ser encontrados na doença. A artrite
periférica geralmente causa lesões assimétricas e manifesta-se
radiograficamente por erosões ósseas destrutivas, com proliferação óssea
intensa associada, inclusive em interfalangianas distais. A destruição óssea
intensa (osteólise) pode provocar esculpimento e afilamento da porção distal
das falanges e lesão “em aspecto de taça” nas porções proximais. Uma
falange afilada distalmente na articulação com outra cuja base foi alargada em
forma de taça leva à característica lesão tipo pencil-in-cup (Figura 31). A
artrite mutilante se manifesta radiograficamente por total desarranjo articular
e intensa (e até total) destruição óssea. O envolvimento axial é caracterizado
pela formação de sindesmófitos grosseiros, não marginais, na coluna,
organizados de forma assimétrica, e sacroileíte também grosseira e
assimétrica. A anquilose na coluna e em sacroilíacas também é possível.
Figura 31 - Acometimento assimétrico das articulações, mais evidente nas interfalangianas distais:
aspecto pencil-in-cup na 3ª interfalangiana distal
C - Diagnóstico
Dica
O EBHGA (S. pyogenes) é responsável por infecções como
faringotonsilites, infecções de pele, FR e glomerulonefrite.
2. Epidemiologia
A FR geralmente afeta indivíduos entre 5 e 15 anos, de qualquer raça e em
qualquer parte do mundo. Em adultos, os ataques iniciais acontecem no final
da 2ª e no começo da 3ª décadas de vida. Sua incidência varia de acordo com
a região geográfica e as características socioeconômicas de cada população.
Baixos níveis de higiene, alta densidade demográfica e difícil acesso ao
sistema de saúde favorecem o seu aparecimento. Estudos realizados na
população de escolares em algumas capitais brasileiras estimaram a
prevalência de cardiopatia reumática crônica em 1 a 7 casos/1.000, o que é
significativamente maior do que a prevalência da doença em países
desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde varia entre 0,1 e 0,4 caso/1.000
escolares.
Estima-se que ela seja responsável por cerca de 60% de todas as doenças
cardiovasculares em crianças e adultos jovens. No Brasil, é responsável por
8.000 a 10.000 cirurgias cardíacas por ano na rede pública.
Os EBHGAs são a causa mais comum da faringite bacteriana, atingindo
principalmente crianças e jovens com idades entre 5 e 18 anos. Alguns
estudos demonstram que até 70% das crianças em idade escolar em países
europeus apresentam títulos significativos (acima de 200UT – Unidades
Todd) de antiestreptolisina O (ASLO). Os sorotipos ditos “reumatogênicos”
são, entre outros, 1, 3, 5, 6 e 18.
3. Etiopatogenia
Nem todas as infecções por EBHGAs causam FR, ou seja, nem todas as cepas
desse grupo de bactérias são reumatogênicas, e nem todos os indivíduos são
suscetíveis. As cepas que causam piodermites e infecções de tecidos moles
não causam faringite nem FR, mas podem causar glomerulonefrite aguda. Das
cepas que causam faringite, as ricas em proteína M, uma proteína externa da
parede bacteriana, são as mais artritogênicas.
A patogenia da doença ainda não é totalmente compreendida, mas parece
ocorrer por meio de reação cruzada, ou seja, mimetismo molecular: a
similaridade entre sequências antigênicas do ser humano e do EBHGA levaria
à produção de anticorpos induzida pela infecção estreptocócica e seria
direcionada contra antígenos bacterianos, mas que agiriam contra estruturas
do hospedeiro, desencadeando a lesão tecidual.
Pacientes com FR apresentam altos níveis de anticorpos contra a proteína M,
que pode atuar como um superantígeno, induzindo a uma resposta imune
excessiva e autoimunidade. Ela impede a fagocitose e a ação do complemento
e ajuda a fixar a bactéria na célula epitelial da faringe.
De 2 a 3% das crianças com infecção estreptocócica desenvolverão FR, o que
mostra predisposição genética de alguns indivíduos e que pode estar
associada à presença de antígenos leucocitários humanos (HLAs) nas diversas
populações, como DR4 em caucasianos, DR2 em negros e DR3 em indianos.
Em nosso meio, foi observada maior frequência do HLA-DR7 e do HLA-
DR53. Foram descritos aloantígenos na superfície de células B, não
associados ao sistema HLA, denominados 883 e D8/17, que teriam forte
associação à FR. No entanto, outros estudos não confirmaram esses achados,
e o marcador genético definitivo para a doença ainda não foi encontrado.
4. Quadro clínico
A - Artrite
Quadro clínico
O quadro clínico da artrite envolve poliartrite intensa, migratória e fugaz,
assimétrica, articulações grandes e médias (joelho, tornozelo, ombro e
punhos), com boa resposta aos anti-inflamatórios, e resolução espontânea
em 1 a 4 semanas, sem deixar sequelas.
B - Cardite
Importante
A classificação da cardite em leve, moderada e grave pode ser cobrada por
alguns concursos, mas recomenda-se que não seja mais utilizada, pois
qualquer cardite deve ser considerada grave.
Dica
A válvula mitral é a mais acometida pela cardite, gerando repercussões
cerca de 10 a 20 anos após o surto. Na fase aguda, a lesão mais comum é a
insuficiência mitral; na crônica, estenose.
Figura 1 - Cardiomegalia em paciente com febre reumática
C - Coreia
Quadro clínico
A coreia de Sydenham manifesta-se por movimentos abruptos,
involuntários e desordenados nos membros e na face, que desaparecem
durante o sono, acomete mais meninas e ocorre em cerca de 6 a 8 semanas
após infecção.
Dica
A coreia de Sydenham é manifestação tardia da febre reumática, podendo
ocorrer isoladamente e dar o diagnóstico da doença sem a presença de
outros critérios.
Quadro clínico
Os nódulos subcutâneos são pequenos (1 a 2cm), firmes e indolores,
localizados sob proeminências ósseas, próximas aos tendões, em
superfícies extensoras, como cotovelos, joelhos, punhos e região occipital.
E - Eritema marginado
Quadro clínico
O quadro clínico do eritema marginado compreende rash cutâneo
evanescente, não pruriginoso, de coloração rósea a avermelhada, que
acomete frequentemente o tronco e a porção proximal dos membros e
poupa a face.
Dica
Anticorpos pesquisados na suspeita de FR são ASLO (pico de 3 a 6
semanas), anti-DNAse B (pico de 6 a 8 semanas) e anti-hialuronidase.
6. Diagnóstico diferencial
Como o quadro clínico e as alterações laboratoriais não são específicos da FR,
e esse diagnóstico implica tratamento prolongado, recomenda-se sempre
excluir outras patologias possíveis e tentar evidenciar a infecção
estreptocócica pregressa. O quadro de poliartrite na faixa etária da FR entra
no diagnóstico diferencial de artrite idiopática juvenil, Lúpus Eritematoso
Sistêmico (LES) juvenil e, em adolescentes, artrite gonocócica. A coreia pode
ser encontrada em pacientes com síndrome antifosfolípide e LES, em tumores
de gânglios basais e na gravidez. A presença de sopro cardíaco novo com
febre, poliartrite e aumento das provas de atividade inflamatória exige a
exclusão de endocardite bacteriana com ecocardiograma e pelo menos 3 pares
negativos de hemocultura.
7. Tratamento
Tratamento
O tratamento da FR é feito com penicilina G benzatina (≥20kg:
1.200.000UI IM); se alergia, utiliza-se estearato de eritromicina 40mg/kg/d
VO, a cada 8 ou 12 horas, por 10 dias.
B - Tratamento sintomático
a) Artrite
b) Cardite
Tratamento
Para o tratamento da cardite moderada a grave, utilizam-se
corticosteroides, iniciados em dose alta (1 a 2mg/kg/d) e fracionada (2
tomadas/d), por cerca de 2 a 4 semanas, seguida de redução lenta, até a
retirada em 12 semanas.
c) Coreia
C - Profilaxia secundária
Tratamento
Utiliza-se penicilina benzatina 1.200.000UI a cada 21 dias na profilaxia
secundária da FR; está indicada por toda a vida a pacientes que tiveram
cardite, e aqueles que não a tiveram devem manter a profilaxia até os 21
anos.
D - Profilaxia da endocardite bacteriana
Tratamento
Para a profilaxia da endocardite bacteriana, utiliza-se amoxicilina 1 hora
antes e 6 horas depois do procedimento cirúrgico ou dentário.
8. Alergia à penicilina
Estudos em pacientes tratados em longo prazo com penicilina mostram que
somente 3,2% deles apresentam algum tipo de alergia. Reações anafiláticas
graves apresentam incidência na ordem de 0,04 a 0,2%, e as reações
potencialmente fatais são extremamente raras, na ordem de 0,001%. Na faixa
etária pediátrica, essas cifras são ainda menores.
Na ausência de reações após a 1ª aplicação de penicilina benzatina, a presença
de reações à 2ª dose é extremamente baixa. A 1ª aplicação deve ser realizada
em local com recursos para atendimento de possíveis reações alérgicas.
Testes cutâneos para detecção de alergia a penicilina costumam ser
inadequados, pela falta de utilização dos determinantes antigênicos
apropriados e, ainda, por erros técnicos na sua execução e interpretação. A
utilização prévia de penicilina pelo paciente e a ausência de alergia nos
familiares são dados importantes na caracterização da provável alergia.
Os benefícios da penicilina benzatina na profilaxia secundária da FR superam
os riscos.
Resumo
Gota
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
Gota é uma doença articular inflamatória, causada pelo depósito de cristais de
monourato de sódio no tecido articular e periarticular, relacionada ao aumento
da concentração sérica de ácido úrico (hiperuricemia). É classificada como
artrite microcristalina, já que é o depósito de cristais que a causa.
2. Epidemiologia
Compromete predominantemente homens de meia-idade, a partir da 5ª década
de vida, mas existe aumento gradual na prevalência tanto em homens quanto
em mulheres. Após os 60 anos, a prevalência entre os sexos se torna
equivalente. Raramente se observa gota em mulheres pré-menopausadas, a
não ser em casos de erro inato do metabolismo ou associados a doenças
subjacentes, ou uso de medicação.
A incidência e a prevalência de gota são paralelas à incidência e prevalência
de hiperuricemia na população geral. Muitos pacientes com ácido úrico
elevado não têm gota. A Tabela 2 demonstra fatores correlacionados com
aumento do ácido úrico e prevalência de gota.
3. Fisiopatologia
Os níveis séricos de ácido úrico (monourato de sódio) variam no homem (até
7mg/dL) e na mulher (até 6,5mg/dL). Acima desses valores, define-se
hiperuricemia, e os fluidos que contêm ácido úrico ficam supersaturados,
favorecendo a precipitação de cristais nos tendões, ligamentos, bursas,
bainhas sinoviais, interstício, túbulos renais e pavilhão auricular. A
precipitação dos cristais está relacionada com o nível de ácido úrico e o tempo
em que o indivíduo fica com hiperuricemia. Algumas situações, como pH
tecidual baixo e baixas temperaturas, favorecem a deposição dos cristais. O
pool ou o conteúdo total de ácido úrico no corpo é resultante do equilíbrio
entre a formação e a excreção de uratos (uricosúria), que é principalmente
renal e ocorre no túbulo contorcido proximal. Qualquer alteração levando à
hiperprodução ou hipoexcreção pode ocasionar hiperuricemia. Indivíduos
podem ser hipoexcretores (90% dos casos) ou hiperprodutores (10%), com
base na uricosúria: aqueles que eliminam menos de 800mg de ácido úrico na
urina de 24 horas são hipoexcretores; os que eliminam ao menos 800mg em
24 horas têm rins funcionando adequadamente e eliminam o excesso de ácido
úrico produzido (hiperprodutores – Figura 1). Entretanto, pode haver a
associação das 2 situações. Vários fatores, incluindo doenças, álcool e
medicações (Tabela 3), são causas importantes de diminuição na excreção
renal do ácido úrico.
Dica
Pacientes com hiperuricemia podem ser hipoexcretores (90%, <800mg/24
horas) ou hiperprodutores de ácido úrico (10%, >800mg/24 horas).
Importante
Na hipoexcreção de ácido úrico, apresentam-se obesidade, hipotireoidismo,
hiperparatireoidismo, diuréticos tiazídicos e de alça, etanol, salicilatos
(AAS®), insuficiência renal crônica, desidratação e hipertensão arterial.
Dica
Na hiperprodução de ácido úrico, apresentam-se psoríase, hemólise,
policitemia vera, obesidade, síndrome de lise tumoral, hipertireoidismo,
etanol, varfarina, vitamina B12 e deficiência de G6PD.
A - Hiperuricemia assintomática
Dica
Hiperuricemia não diagnostica gota isoladamente nem é uma doença
propriamente dita.
Quadro clínico
O quadro clínico da gota aguda intermitente envolve dor aguda, intensa,
monoarticular (em geral, 1ª metatarsofalangiana – podagra), com sintomas
gerais (febre, calafrios e mal-estar) e eritema cutâneo (envolve a
articulação e pode se assemelhar a uma celulite bacteriana).
Figura 2 - Podagra
Quadro clínico
Dez anos ou mais após a gota aguda, há acometimento poliarticular,
simétrico, em articulações de pés e mãos, podendo ocorrer a formação dos
tofos, principalmente em dedos, punhos, orelhas, joelhos, olecrânio, região
ulnar e tendão de aquiles.
Figura 3 - Gota tofácea crônica
Figura 4 - Tofos nos quirodáctilos
Figura 5 - Tofo no pavilhão auricular
Figura 6 - Tofos no olecrânio
Figura 7 - Tofo rompido drenando secreção rica em monourato de sódio
5. Associações clínicas
A - Doença renal
Diversas formas de doença renal induzida por hiperuricemia são
reconhecidas, incluindo nefropatia crônica por urato, nefropatia aguda por
ácido úrico e nefrolitíase por ácido úrico.
Falência renal progressiva é comum em pessoas com gota. Hipertensão,
diabetes, obesidade e doença isquêmica coronariana são as comorbidades
mais importantes que contribuem para complicações. Nefropatia crônica por
urato é uma entidade causada pela deposição de cristais de monourato de
sódio na medula renal, associados a albuminúria. Falência renal aguda pode
ser causada por hiperuricemia na síndrome da lise tumoral, que ocorre em
pacientes que recebem quimioterapia no tratamento de linfomas e leucemias.
Com a liberação de purinas durante a lise tumoral, ocorre a precipitação de
ácido úrico nos túbulos distais e ductos coletores no rim. Nefropatia aguda
por ácido úrico pode resultar em poliúria e anúria.
Depósito renal de ácido úrico ocorre em 10 a 25% de todas as pessoas com
gota. A incidência correlaciona-se diretamente com o nível sérico de ácido
úrico, e cálculos se desenvolvem em 50% dos pacientes quando o urato está
maior que 13mg/dL. Sintomas de calculose renal precedem o
desenvolvimento de gota em 40% dos pacientes, e cálculos contendo cálcio
têm frequência 10 vezes maior em indivíduos com gota que na população
geral.
B - Hipertensão
C - Obesidade
D - Hiperlipidemia
Os triglicérides séricos estão elevados em 80% dos indivíduos com gota. A
associação entre hiperuricemia e níveis séricos de colesterol é controversa. De
fato, a gota tem sido estudada como parte da síndrome plurimetabólica, que
também contribui para o aumento do risco para doenças coronarianas.
6. Achados radiográficos
Os achados radiográficos nas fases iniciais podem não existir. Na artrite
aguda, pode ser encontrado apenas aumento de partes moles nas articulações
afetadas (Figura 9). Na maioria dos casos, anormalidades ósseas e articulares
podem se desenvolver após anos de doença, e podem ser vistos depósitos de
cristais de urato (Figura 8). Mais frequentemente, as anormalidades são
assimétricas e encontradas nos pés, nas mãos, nos punhos, nos ombros e nos
joelhos.
A erosão óssea da gota é radiologicamente distinta das alterações erosivas das
artrites inflamatórias. Erosões da gota estão presentes nas margens ósseas
(lesão “em saca-bocado” – Figura 10). Osteopenia justa-articular, um achado
comum e precoce na artrite reumatoide, é ausente ou mínima na gota.
Diagnóstico
Na radiografia, lesão “em saca-bocado” (erosões nas margens ósseas) é
típica da gota.
Figura 8 - Presença de depósito de ácido úrico no 1º pododáctilo, com total destruição da porção
distal do 1º metatarso
Figura 9 - Aspecto radiográfico de um tofo: notar aumento de partes moles no local
Figura 10 - Lesão erosiva tipo “saca-bocado” no 1º metatarso
7. Achados laboratoriais
A elevação de ácido úrico tem sido considerada a chave no diagnóstico da
gota. O nível normal de ácido úrico sérico para o sexo masculino é de cerca
de 7mg/dL e, para o sexo feminino, 6 a 6,5mg/dL. Na realidade, esse achado
laboratorial não é diagnóstico. A maioria dos estados hiperuricêmicos não
desenvolve gota, e os níveis de urato podem estar normais durante a crise,
devido à precipitação tecidual.
Em pacientes em investigação de artrite gotosa, devem-se avaliar, além dos
níveis de ácido úrico e uricosúria, exames laboratoriais associados a síndrome
metabólica.
O diagnóstico definitivo é possível pela aspiração do líquido sinovial ou do
tofo que demonstra cristais de monourato de sódio. Os cristais geralmente
assumem forma de agulha com intensa birrefringência negativa ao
microscópio de luz polarizada (Figura 11). Isso os distingue dos cristais de
pirofosfato de cálcio, encontrados na pseudogota, que são curtos e rombos e
têm birrefringência positiva fraca. Os cristais usualmente são intracelulares,
durante os ataques agudos, e extracelulares, quando fora de crise. O líquido
sinovial mostra inflamação intensa a moderada, com predomínio de
neutrófilos.
Figura 11 - (A) Cristal de monourato de sódio localizado intracelularmente e (B) sob luz polarizada:
fusiformes e fortemente birrefringentes
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.
Diagnóstico
No líquido sinovial ou tofo da gota, há cristais de monourato de sódio, em
forma de agulha, com intensa birrefringência negativa ao microscópio de
luz polarizada.
8. Diagnóstico
Em 1977, o American College of Rheumatology aprovou os critérios
diagnósticos propostos por Wallace et al., que se baseiam no encontro de
cristais de monourato de sódio ou tofos ou 6 ou mais dos 12 critérios clínicos,
radiológicos e laboratoriais (Tabela 5).
A - Gota aguda
Tratamento
Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) são drogas de escolha na crise
aguda de gota, devendo ser mantidos até 48 horas após o fim dos sintomas,
em dose plena.
b) Colchicina
Tratamento
O tratamento de gota é feito com colchicina 0,5mg, a cada 8 horas. Os
efeitos colaterais mais comuns são diarreia, náuseas, vômito e dor
abdominal. Convém atentar-se ao risco de supressão medular, coagulação
intravascular disseminada, convulsões e óbito, se a dose for excessiva.
c) Corticoides
Podem ser usados (em doses baixas por curto intervalo de tempo) em
pacientes a quem a colchicina e os AINHs são contraindicados ou inefetivos,
principalmente àqueles com insuficiência renal. A gota usualmente responde à
colchicina, AINHs ou corticoides isolados. Entretanto, se a terapia falha ou o
ataque é intenso, 1 único agente não é o suficiente. Na maioria das situações,
os agentes são utilizados em combinação.
A pacientes com monoartrite associada a insuficiência renal, a administração
intra-articular de corticoides pode ser uma opção útil.
Tratamento
Utiliza-se prednisona com dose máxima de 35mg/d até o início da melhora
dos sintomas, geralmente durante 7 a 10 dias.
B - Profilaxia
Tratamento
Utiliza-se alopurinol em hiperprodutores de ácido úrico, em doses de
300mg/d, e, como alternativa, febuxostate 40 a 80mg/d.
b) Agentes uricosúricos
Tratamento
No caso de agentes uricosúricos para tratamento da gota, utiliza-se
benzbromarona 50 a 200mg/d (não administrar em indivíduos com
uricosúria elevada – >800mg/24 horas).
Dica
Condrocalcinose ou pseudogota ocorre por depósito de cristais de
pirofosfato de cálcio diidratado em pacientes com 60 a 70 anos, sendo rara
antes dos 40 anos.
A - Quadro clínico
Quadro clínico
O quadro clínico da forma pseudo-osteoartrítica de pseudogota tem
envolvimento bilateral, com degeneração progressiva de múltiplas
articulações, como joelhos, punhos, articulações metacarpofalangianas,
articulações coxofemorais, ombros, cotovelos e tornozelos.
d) Artropatia pseudoneuropática
B - Achados radiológicos
Diagnóstico
Aos raios X na condrocalcinose, observa-se calcificação coalescente em
linhas ou bandas paralelas à borda do osso subcondral, principalmente no
menisco do joelho, com ligamento triangular do carpo e fibrocartilagem da
sínfise púbica.
C - Exames laboratoriais
Diagnóstico
No líquido sinovial do paciente com condrocalcinose, há cristais de
pirofosfato de cálcio, que, vistos à microscopia de luz polarizada,
apresentam-se com birrefringência positiva fraca e forma curta, com
extremidades rombas.
Figura 15 - Cristal de pirofosfato de cálcio sob luz polarizada: romboide e fracamente birrefringente
D - Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos, radiológicos e laboratoriais.
Entram, no diagnóstico diferencial, doenças que podem ser mimetizadas
(gota, osteoartrite, artrite reumatoide, artropatia neuropática) e as que podem
estar associadas.
E - Tratamento
Tratamento
Nas crises de condrocalcinose, utilizam-se AINHs, esvaziamento da
articulação por meio de punção articular e corticoides injetáveis.
12. Doença articular por deposição de outros
cristais
Uma série de outros cristais pode produzir inflamação aguda osteomuscular.
Dentre eles, destaca-se a deposição de cristais de hidroxiapatita e de oxalato
de cálcio (Tabela 11).
Resumo
Síndromes reumáticas
dolorosas regionais
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
As síndromes dolorosas regionais formam um grupo de doenças
musculoesqueléticas heterogêneo, cujas origens são múltiplas, acometendo
estruturas periarticulares em diversas partes do corpo e representando grande
número de consultas na prática clínica, por isso sua grande importância.
Neste capítulo, serão estudadas as principais síndromes dolorosas regionais,
de acordo com a topografia dos sintomas.
2. Ombro
A dor no ombro é uma queixa comum em indivíduos acima de 40 anos.
Entre jovens, injúrias, devido à prática esportiva, estão frequentemente
associadas. Essa articulação possui grande mobilidade, o que confere grande
instabilidade e favorece lesões. As principais patologias estão expostas na
Tabela 1.
Figura 1 - Teste do impacto ou de Neer
Figura 2 - Manobra do impacto de Hawkins-Kennedy
Figura 3 - Manobra do impacto de Yocum
Quadro clínico
Na tenossinovite de DeQuervain, observa-se inflamação dos tendões
abdutor longo e extensor curto do polegar (movimento de pinça),
confirmada pelo teste de Finkelstein (dor ao desvio ulnar forçado do
punho, com este cerrado, envolvendo o polegar).
Figura 12 - Teste de Finkelstein para tenossinovite de DeQuervain
Dica
A síndrome do túnel do carpo ocorre por compressão do nervo mediano.
Dica
Quando há rotura do cisto poplíteo, sinais e sintomas simulam trombose
venosa profunda ou tromboflebite, sendo a ultrassonografia com Doppler
útil para diferenciação.
Figura 18 - Cisto de Baker
7 - Lombalgia
A dor lombar constitui uma causa frequente de morbidade e incapacidade,
sendo sobrepujada apenas pela cefaleia na escala dos distúrbios dolorosos
que afetam o homem. No entanto, quando o atendimento primário é
realizado por médicos não especialistas, uma causa específica para a dor é
encontrada em apenas 15% das lombalgias e lombociatalgias. Cerca de 84%
dos adultos apresentarão algum episódio de lombalgia durante a vida, mas a
grande maioria será autolimitada.
De forma geral, limitamos a investigação para os casos descritos na Tabela
6, denominados red flags, nos quais anamnese e exames complementares
são necessários.
- Sinais e sintomas
Quadro clínico
O quadro clínico de fibromialgia envolve dor difusa e crônica, em
queimação ou peso, exaustiva e insuportável, associada a fadiga profunda,
dificuldade para dormir (sono não reparador e superficial), distúrbios do
humor, fenômeno de Raynaud, frio excessivo e olhos e boca secos.
Importante
Entendem-se por tender points: occipital, cervical baixo (na projeção
anterior do processo transverso de C5), trapézio, supraespinoso, 2º espaço
intercostal, epicôndilo lateral (2cm distalmente), glúteo (quadrante lateral
superior), trocânter maior e joelho.
5. Investigações laboratorial e radiológica
Na ausência de comorbidades associadas, toda a investigação laboratorial e
radiológica é normal. Alguns exames de triagem são úteis para excluir outras
condições: hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína C
reativa, creatinofosfoquinase, fator antinúcleo e hormônio tireoestimulante.
Devem-se excluir infecções virais crônicas, como vírus da hepatite C e HIV.
6. Critérios diagnósticos
O American College of Rheumatology, em 1990, publicou critérios de
classificação da fibromialgia, os quais também foram validados para a
população brasileira.
Segundo os critérios de classificação, os pacientes devem ter dor difusa por
3 meses, envolvendo as extremidades superiores e inferiores, os lados direito
e esquerdo, assim como o esqueleto axial, associada à presença de 11 dos 18
pontos dolorosos à digitopressão (Figura 2 e Tabela 2).
Diagnóstico
Estabelece-se o diagnóstico de fibromialgia quando há dor difusa em
esqueleto axial, simétrica, em 11 dos 18 tender points, por mais de 3
meses, além de alguns critérios menores: ondas alfa na fase não REM do
sono no eletroencefalograma, sono não restaurador, fadiga e cansaço
diurnos, agravamento com frio, estresse ou atividade, cefaleia crônica e
síndrome do cólon irritável.
A - Não farmacológico
B - Farmacológico
A - Introdução
O esqueleto é formado por 2 tipos de ossos: cortical e trabecular (Figura 1).
B - Fisiologia
O crescimento e a manutenção da integridade e da função óssea dependem da
remodelação, processo constante que leva cerca de 4 a 6 meses para
completar-se (talvez mais, no osso cortical). Duas células são as principais
envolvidas nesse processo: os osteoclastos, responsáveis pela reabsorção
óssea, e os osteoblastos, responsáveis pela formação óssea. O processo de
remodelação ocorre, simplificadamente, das maneiras explicadas a seguir.
a) Ativação de osteoclastos
b) Reabsorção óssea
c) Reversão
d) Formação
e) Regulação
Dica
O principal fator de risco do desenvolvimento da osteoporose é a história
familiar, com mãe que apresentou fraturas vertebrais ou de colo de fêmur.
Diagnóstico
A DMO é indicada para o diagnóstico de osteoporose, pois é um método
sensível, preciso, rápido e seguro.
B - Avaliação laboratorial
a) Rotina
Tratamento
O tratamento não medicamentoso consiste em dieta, exercícios e combate
ao tabagismo; e o tratamento medicamentoso, principalmente com
bisfosfonatos.
A - Prevenção
C - Tratamento farmacológico
Importante
Na maioria dos casos, a 1ª linha de tratamento será o uso dos bisfosfonatos,
por sua boa eficácia na prevenção de fraturas, baixo custo e bom perfil de
tolerabilidade.
O tratamento medicamentoso deve ser indicado não apenas com base no valor
da densidade mineral óssea, medida pela DMO, mas também pelo risco de
fraturas no paciente, que pode ser medido com outras ferramentas. A National
Osteoporosis Foundation, no seu último consenso, de 2014, recomenda
tratamento para OP em mulheres pós-menopausadas ou homens com 50 anos
ou mais, que apresentem 1 dos seguintes fatores:
b) Bisfosfonatos
d) Denosumabe
f) Outros medicamentos
A - Arterite de Takayasu
Dica
A arterite de Takayasu possui predomínio em mulheres, com início entre 15
e 40 anos e causa claudicação de extremidades, sopros vasculares e
diferença de pulso e pressão entre membros.
Dica
Diferentemente da arterite de Takayasu (<40 anos), a arterite temporal tem
início após 50 anos.
Dica
A polimialgia reumática caracteriza-se por dor e rigidez nos músculos do
pescoço e nas cinturas escapular e pélvica.
Dica
A PAN tem acometimento predominante em homens, diferentemente das
vasculites citadas anteriormente.
Figura 3 - Arteriografia renal em paciente com poliarterite nodosa: observar aneurismas saculares
intraparenquimatosos em artérias de médio calibre
Quadro clínico
O quadro clínico da PAN é composto de nódulos subcutâneos, livedo
reticularis, gangrena digital, nervos periféricos (fibular, tibial, ulnar,
mediano e radial – pés e mãos caídos), rins (insuficiência renal e
hipertensão) e trato gastrintestinal (dor periumbilical pós-prandial).
Diagnóstico
São associações fortemente sugestivas de PAN: vasculite cutânea,
mononeurite múltipla, dor muscular e perda da função renal com
hipertensão em paciente com provas de atividade inflamatória elevadas.
Figura 4 - Nódulos subcutâneos em paciente com poliarterite nodosa
Fonte: site Logical Images.
A - Vasculites pauci-imunes
a) Poliangiite microscópica
Dica
O p-ANCA é geralmente positivo (70%) em pacientes com PAM, porém
não se relaciona com atividade da doença.
Dica
A granulomatose com poliangiite acomete principalmente as vias aéreas
superiores e inferiores e os rins.
Deve-se suspeitar de, caso ocorram: otite, rinite ou sinusite persistente; lesões
destrutivas das vias aéreas superiores; ou, ainda, sinais e sintomas sistêmicos:
artralgias, perda de peso e elevação de provas inflamatórias.
O envolvimento pulmonar também é extremamente comum. Tosse produtiva,
dispneia, hemoptise, dor e desconforto torácico são os principais sintomas.
Anormalidades nas radiografias de tórax são vistas em mais de 90% dos casos
e incluem lesões nodulares escavadas não calcificadas, largas, múltiplas e
bilaterais (Figura 14).
As características nefrológicas da GPA são, predominantemente,
representadas por glomerulonefrite focal necrosante, que leva a hematúria,
leucocitúria e anormalidades nos níveis de ureia e creatinina, podendo
provocar falência renal e morte. Esse acometimento está presente em 80% dos
pacientes em algum momento da evolução, porém apenas 20% dos casos
como manifestação inicial. A síndrome pulmão-rim pode aparecer na GPA,
assim como na PAM.
As manifestações oculares incluem pseudotumor orbital (Figura 12), massa
inflamatória retrobulbar, que leva a proptose; dor; diplopia e perda visual
devido à isquemia do nervo óptico, a qual constitui a lesão mais refratária ao
tratamento; esclerite, com dor e vermelhidão ocular, podendo complicar com
escleromalácia perforans e cegueira; ceratite ulcerativa periférica, que pode
evoluir com perfuração da córnea e cegueira; outros: uveíte, conjuntivite,
episclerite e obstrução do ducto lacrimal.
Manifestações no sistema nervoso, como mononeurite múltipla, neuropatia
sensorial, anormalidades de nervos cranianos e perda auditiva
neurossensorial, podem ocorrer.
Figura 12 - Pseudotumor orbital na granulomatose com poliangiite
Figura 13 - Nariz “em sela” e ulceração cutânea em paciente com granulomatose com poliangiite
Fonte: ABC of Rheumatology, 4ª edição.
Dica
O c-ANCA (anticorpo antiproteinase-3) é encontrado em até 90% dos
pacientes com granulomatose com poliangiite.
Dica
A crioglobulinemia é uma doença por anticorpos que se precipitam em
condições de baixa temperatura, dissolvem no calor e apresentam púrpura
palpável nos membros inferiores, neuropatia, glomerulonefrite, artralgia,
mialgia e fadiga.
b) Vasculite de hipersensibilidade
Quadro clínico
O quadro clínico da púrpura de Henoch-Schönlein é composto de quadro
agudo de febre, púrpura palpável em membros inferiores e nádegas, dor
abdominal (tipo cólica pós-prandial), artrite (grandes articulações) e
glomerulonefrite (hematúria e proteinúria).
A - Doença de Behçet
A doença de Behçet é uma doença vascular inflamatória crônica de etiologia
desconhecida que ocorre em todo o mundo, com prevalência mais elevada em
países do Mediterrâneo, do Oriente Médio e da Ásia. Acomete,
principalmente, adultos jovens, com idade entre 25 e 30 anos.
As aftas orais são, usualmente, os primeiros sintomas. Geralmente são
discretas e dolorosas e podem estar presentes na língua, na gengiva e no
palato (Figura 18). Úlceras genitais podem ocorrer na vulva, na vagina, no
escroto e no pênis (Figura 19) e, também, podem estar presentes as perianais.
Dica
Sempre se deve pensar em doença de Behçet quando há a presença de
úlceras orais, úlceras vaginais e uveíte.
Figura 18 - Aftas orais em paciente com doença de Behçet
Figura 19 - Ulceração na bolsa escrotal de paciente com doença de Behçet
Quadro clínico
O quadro clínico da doença de Behçet é composto de aftas orais (discretas
e dolorosas), úlceras genitais e perianais, além de lesões cutâneas (eritema
nodoso, pseudofoliculite), teste de patergia positivo e uveíte anterior com
hipópio.
a) Sintomas
Quadro clínico
Os sintomas da doença de Buerger decorrem da obstrução dos vasos de
membros superiores e membros inferiores, com a formação de úlceras e
gangrena.
Figura 21 - Gangrena digital em paciente com tromboangiite obliterante
b) Diagnóstico
Diagnóstico
A ecografia com Doppler confirma a diminuição de fluxo sanguíneo para
os pés, mãos e dedos na doença de Buerger.
c) Tratamento
A pessoa com essa doença deve deixar de fumar, caso contrário o quadro se
agravará, culminando em amputação. Também devem ser evitadas exposição
ao frio; lesões por calor ou frio, ou substâncias como o iodo ou os ácidos
usados para tratar calos e calosidades; lesões provocadas por calçado mais
apertado ou por pequena cirurgia (por exemplo, alisar as calosidades);
infecções provocadas por fungos e por fármacos, que podem levar à
constrição dos vasos sanguíneos (vasoconstrição).
O iloprosta, um análogo da prostaciclina, pode ser utilizado para o controle
álgico, e bloqueadores dos canais de cálcio são úteis para o tratamento do
vasoespasmo associado ao fenômeno de Raynaud. São raros os casos que
evoluem para cirurgia de derivação (bypass) com enxertos (as artérias
afetadas, normalmente, são muito pequenas).
Tratamento
Realiza-se o tratamento da doença de Buerger com cessação do tabagismo,
cuidado com lesões nos membros afetados, atividade física, medicamentos,
como iloprosta e bloqueadores dos canais de cálcio, e cirurgias em casos
raros.
C - Doença de Kawasaki
a) Introdução
b) Epidemiologia
c) Etiopatogenia
d) Manifestações clínicas
Quadro clínico
O quadro clínico da doença de Kawasaki é composto de 3 fases: aguda (1 a
2 semanas), com febre (39 a 40°C), miocardite, diarreia e artrite; subaguda
(4 semanas), que se inicia quando febre, rash e linfadenopatia cessam, e
podem ocorrer descamação periungueal, formação de aneurismas
coronarianos e risco de morte súbita; de convalescença (6 a 8 semanas),
que se inicia quando sinais clínicos desaparecem e dura até a normalização
da VHS.
Quadro clínico
Na doença de Kawasaki, há conjuntivite bilateral não exsudativa, edema
labial com fissuras, língua “em framboesa”, rash cutâneo polimórfico,
maculopapular eritematoso e difuso e envolvimento cardíaco (mais
importante), com a formação de aneurismas coronarianos.
São fatores de risco para surgimento de aneurismas: sexo masculino, idade <1
ano, febre recorrente apesar do tratamento, aumento de VHS, anemia e
hipoalbuminemia, trombocitopenia e hiponatremia.
Figura 26 - Arteriografia evidenciando aneurisma da artéria coronária esquerda
f) Diagnóstico
O diagnóstico exige 5 entre os 6 critérios anteriores (a febre é um critério
obrigatório). O início agudo e a evolução em surtos sugerem etiologia
infecciosa.
Laboratorialmente, observam-se aumento da VHS ou PCR, leucocitose,
trombocitose caracteristicamente a partir da 2ª semana de doença e fator de
von Willebrand elevado. Podemos ainda evidenciar hipoalbuminemia,
aumento moderado de transaminases, piúria estéril, hiponatremia e líquido
sinovial com leucocitose. O liquor demonstra pleocitose com predomínio de
mononucleares.
O diagnóstico diferencial inclui síndrome de Stevens-Johnson,
farmacodermias, exantemas virais, artrite reumatoide juvenil, síndrome da
pele escaldada, síndrome do choque tóxico e linfadenites cervicais
bacterianas.
g) Tratamento
Tratamento
O tratamento da doença de Kawasaki é feito com imunoglobulina 2g/kg IV
em infusão única, em 10 a 12 horas + ácido acetilsalicílico de 80 a
100mg/kg, reduzindo a dose após 48 a 72 horas de estado afebril, seguidos
de diminuição para 3 a 5mg/kg/d, por período de 6 a 8 semanas a partir do
início da doença.
Resumo
Síndrome de Sjögren
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
A Síndrome de Sjögren (SS) é uma doença autoimune sistêmica crônica
caracterizada pelo comprometimento das glândulas exócrinas, e tem como
principais alvos as glândulas salivares e lacrimais. O processo inflamatório da
doença gera o funcionamento inadequado das glândulas comprometidas,
levando à redução na produção salivar e lacrimal.
A forma primária da doença tem maior probabilidade de acometimento
extraglandular e ocorre em indivíduos sem outras doenças inflamatórias
sistêmicas. A forma secundária associa-se a outras condições autoimunes,
principalmente a artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, mas
também esclerose sistêmica, polimiosite e tireoidite autoimune.
2. Epidemiologia
A incidência e prevalência mundial de SS variam diversamente de acordo
com os critérios de classificação utilizados e com a população avaliada. Além
disso, a minoria dos casos tem critérios bem estabelecidos para a doença. A
incidência da doença é de cerca de 7 casos por 100 mil pessoas, sendo maior
na Europa e na Ásia. A prevalência da doença é de 43 casos em 100 mil
habitantes. A síndrome sicca em idosos tem, entretanto, prevalência maior,
chegando a 30%. Não existem dados brasileiros.
Compromete indivíduos com mais de 40 anos, e a relação entre mulheres e
homens é de 9:1. Devido à sua apresentação insidiosa, o diagnóstico pode ser
retardado por vários anos.
Dica
A síndrome de Sjögren apresenta-se geralmente após os 40 anos, com
prevalência 9 vezes maior em mulheres.
4. Quadro clínico
Os principais achados na SS são os sintomas de secura oral (xerostomia) e
ocular (xeroftalmia). Os pacientes podem apresentar, também, hipertrofia de
parótidas, artrites e/ou artralgias, fenômeno de Raynaud e sintomas sistêmicos
(febre, fadiga e perda ponderal).
Dica
Lembrar sempre de síndrome de Sjögren na mulher idosa com artrite
reumatoide e que passa a descrever sinais de xeroftalmia e xerostomia.
A - Manifestações oculares
B - Manifestações orais
Quadro clínico
O quadro clínico da síndrome de Sjögren envolve secura ocular, com
sensação de “corpo estranho”, “areia nos olhos”, visão borrada e
fotossensibilidade por ceratoconjuntivite seca, que pode evoluir para úlcera
de córnea, diminuição da saliva, secura oral e alteração do paladar. Ao
exame físico, pode haver cáries, úlceras, atrofia de papilas gustativas e
candidíase de repetição.
Figura 1 - Mucosa oral com ressecamento
Fontes: Cristiane Alencar e UpToDate.
Figura 2 - Hipertrofia da parótida esquerda
C - Outras manifestações
a) Cutâneas
b) Respiratórias
d) Neurológicas
e) Hematológicas
f) Geniturinárias
Dica
A paralisia periódica hipocalêmica pode ser a 1ª manifestação da síndrome
de Sjögren.
g) Gastrintestinais
h) Outras
Dica
A complicação mais importante na síndrome de Sjögren é a malignidade da
linhagem linfoide, geralmente linfoma não Hodgkin, sendo o linfoma
MALT o mais comum.
5. Achados laboratoriais
O fator reumatoide e os anticorpos antinucleares (FAN) estão presentes em,
respectivamente, 90 e 80% dos casos, o autoanticorpo anti-SS-A-Ro em 60%,
e o anti-SS-B/La, em cerca de 40%. O penúltimo autoanticorpo é mais
frequentemente encontrado em casos de SS primária ou associada ao lúpus, e
o último é mais específico da SS primária. Todos esses autoanticorpos são
importantes ao diagnóstico.
Metade dos pacientes apresenta hipergamaglobulinemia, geralmente
policlonal. Alguns apresentam gamopatia monoclonal benigna, geralmente do
tipo kappa.
Anemia, leucopenia, trombocitopenia, hipocomplementenemia,
imunocomplexos circulantes e crioglobulinemia (geralmente mista tipo II
com fator reumatoide IgM kappa) podem ocorrer e associam-se a
manifestações extra-articulares.
Dica
Fatores reumatoide e antinúcleo são positivos (90 e 80%) em pacientes
com síndrome de Sjögren, além dos autoanticorpos anti-SS-A/Ro (60%) e
anti-SS-B/La (40%).
6. Outros exames
Para o diagnóstico de SS primária ou secundária, é preciso que alguma
evidência concreta de xeroftalmia e/ou xerostomia seja observada, além da
queixa do paciente. Pode-se obter o diagnóstico pela mensuração da produção
lacrimal pelo teste de Schirmer, pela avaliação da estabilidade do filme
lacrimal (break-up time) ou pela quantificação do dano ao epitélio corneano
por meio do teste de rosa-bengala, mais específico do que o teste de Schirmer
para o diagnóstico da SS.
a) Teste de Schirmer
b) Break-up time
c) Rosa-bengala
B - Testes de xerostomia
a) Sialografia de parótidas
c) Fluxometria de saliva
Importante
7. Diagnóstico
Vários critérios já foram formulados para o diagnóstico e a classificação da
SS. Os mais comumente usados incluem dados de sintomas, achados
objetivos de síndrome seca e sorologia autoimune (Tabela 1).
O diagnóstico de SS primária é feito na presença de 4 dos 6 critérios, desde
que o critério histopatológico ou os autoanticorpos sejam um deles, e na
exclusão dos seguintes: linfoma preexistente, síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS), sarcoidose ou doença enxerto contra hospedeiro, história
de radiação de cabeça e pescoço, hepatite C, uso de agentes anticolinérgicos
ou de outras doenças inflamatórias sistêmicas do tecido conjuntivo, aos quais
a SS pode ser secundária.
Se houve doença inflamatória sistêmica do tecido conjuntivo, o diagnóstico
de SS pode ser obtido na presença de 1 dos critérios clínicos da síndrome seca
(1 ou 2) e mais 2 de qualquer um dos outros critérios de 3 a 5.
É necessário estabelecer o diagnóstico diferencial com desordens não
autoimunes ou síndromes de sobreposição, doenças infecciosas ou processos
neoplásicos. É fundamental a exclusão de efeitos colaterais de tricíclicos,
antidepressivos e anti-histamínicos, bem como neurolépticos, anticolinérgicos
e diuréticos. Entre os principais diagnósticos diferenciais para SS, incluem-se
sarcoidose, amiloidose, linfoma, doença relacionada a IgG4, doença do
enxerto contra hospedeiro, infecção por vírus da hepatite C, HIV e diabetes.
8. Tratamento
B - Tratamento farmacológico
Resumo
Lúpus eritematoso sistêmico
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Definição
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica,
multissistêmica, de causa desconhecida e natureza autoimune, na qual ocorre
lesão mediada por autoanticorpos e complexos imunes contra órgãos, tecidos
e células.
2. Epidemiologia
O LES tem prevalência de 20 a 150 casos por 100.000 habitantes nos Estados
Unidos. Um estudo brasileiro no Nordeste encontrou prevalência de 8,7 casos
por 100.000 habitantes. Mulheres são mais acometidas em todas as faixas
etárias, principalmente adultas, com a proporção de 7 a 15 mulheres para cada
homem. Esse fato é justificado pelo possível papel do estrogênio na
patogênese da doença. Pacientes do sexo masculino costumam apresentar a
doença com maior gravidade.
Aproximadamente 65% dos pacientes desenvolvem a doença entre os 16 e 55
anos. Pacientes acometidos em idade mais avançada, bem como aqueles com
quadros fármaco-induzidos, apresentam formas mais brandas da patologia.
3. Etiopatogenia
A causa do LES é desconhecida. Acredita-se que um processo multifatorial
seja responsável pela doença. As interações entre genes suscetíveis e fatores
ambientais levariam a respostas imunológicas inapropriadas, com hiper-
reatividade de células B e T e falência do circuito imunorregulatório.
No LES, inúmeros grupos de autoanticorpos são produzidos contra
complexos proteicos, DNA, RNA, membranas celulares e moléculas
intracelulares. A ligação entre antígenos próprios e autoanticorpos formaria
imunocomplexos patogênicos, capazes de se depositarem sobre várias paredes
endoteliais. Os imunocomplexos que fixam complemento são responsáveis
por lesões teciduais no LES, por iniciarem agressão tecidual onde estão
depositados.
Os fatores relacionados à etiopatogenia do LES estão descritos na Tabela 1.
4. Manifestações clínicas
A - Articulares/musculares
Figura 1 - Radiografia de mãos e pés em paciente com lúpus eritematoso sistêmico e artropatia de
Jaccoud
Fonte: Imaging in Rheumatology, 2003.
Figura 2 - Deformidade fixa no 5º quirodáctilo “em pescoço de cisne”, semelhante à da artrite
reumatoide (o dedo permanece deformado), e não fixa (artropatia de Jaccoud) das
metacarpofalangianas: (A) luxadas, com desvio palmar, e (B) de volta à posição normal
Quadro clínico
O quadro clínico da poliartrite do LES envolve poliartralgia ou poliartrite
intermitente, principalmente em mãos (interfalangianas proximais e
metacarpofalangianas), punhos e joelhos, sem lesão erosiva, em associação a
frouxidão ligamentar e de tendões (artropatia de Jaccoud).
B - Mucocutâneas
Dica
Convém lembrar que o rash malar poupa o sulco nasolabial, dando a
conformação “em asa de borboleta” à lesão causada pelo LES.
Figura 3 - Lúpus eritematoso sistêmico bolhoso
Figura 4 - Eritema macular difuso com fotossensibilidade
Figura 5 - Eritema fotossensível na face de paciente lúpica, que compromete as regiões malares e o
dorso do nariz (lesão “em asa de borboleta”)
Figura 6 - Lúpus cutâneo subagudo: (A) lesões no antebraço, com aspecto infiltrativo, anulares e
marginadas, e (B) lesões psoriasiformes
Quadro clínico
O quadro clínico envolve lesões mucocutâneas agudas do LES: eritematosas,
bolhosas ou maculares, em áreas fotoexpostas, superficiais; lesões subagudas:
pápulas eritematosas ou placas anulares confluentes, simétricas e em áreas
fotoexpostas; lesões crônicas: os lúpus túmido (lesão contendo mucina),
profundo (nódulos intradérmicos) e discoide (pápulas/placas com atrofia
central).
Figura 7 - Paciente com lúpus eritematoso sistêmico, lesões discoides e alopecia
C - Renais
Dica
A nefrite lúpica proliferativa difusa (classe IV) é a forma mais comum e mais
grave de comprometimento renal e, classicamente, cursa com sedimento
urinário rico, consumo de complemento e anti-DNA positivo.
Dica
A nefrite lúpica membranosa (classe V) cursa com síndrome nefrótica
clássica.
Constituem fatores de pior prognóstico na nefrite lúpica: raça negra, início da
nefrite em idade jovem, proteinúria nefrótica, alto índice de cronicidade,
doença renal intersticial, hipertensão arterial, formação de crescentes,
hipocomplementenemia e anemia.
Dica
São critérios de pior prognóstico renal no LES: raça negra, início da nefrite
em idade jovem, proteinúria nefrótica, doença renal intersticial, hipertensão
arterial, formação de crescentes, hipocomplementenemia e anemia.
D - Hematológicas
Quadro clínico
O quadro clínico hematológico no LES é composto de anemia normocítica e
normocrômica, leucopenia (por linfopenia) e plaquetopenia (aumento do risco
de sangramentos).
Figura 10 - Lúpus eritematoso sistêmico com manifestação de sangramento cutâneo: (A) petéquias
nos membros inferiores; e mucoso: (B) petéquias palatinas – por plaquetopenia grave
E - Neuropsiquiátricas
Quadro clínico
Quanto ao componente neuropsiquiátrico no LES, os mais comuns são
deficiência orgânica cognitiva, convulsões e psicose lúpica.
F - Vasculares
G - Cardíacas
Quadro clínico
Pericardite é a manifestação cardíaca mais frequente no LES, com dor que
piora à inspiração e à manobra de Valsalva, e supradesnivelamento difuso de
segmento ST; o tratamento feito com anti-inflamatórios não hormonais e
corticosteroides é efetivo.
A miocardite é incomum e pode se manifestar com febre, dispneia,
palpitações, arritmias, anormalidades de condução ou insuficiência cardíaca.
Comprometimento endocárdico pode ocorrer por várias razões, incluindo
endocardite bacteriana em imunossuprimidos e endocardite asséptica
fibrinosa de Libman-Sacks (Figura 12), também denominada endocardite
marântica. Tal manifestação não está diretamente relacionada a atividade de
doença e requer anticoagulação da paciente, podendo regredir com o uso de
corticoterapia. O envolvimento endocárdico pode conduzir a insuficiência
valvar, geralmente da válvula mitral ou aórtica ou por evento trombótico
(lembrar a associação com SAF). A arterite coronariana é rara e geralmente
coexiste com aterosclerose.
Quadro clínico
O envolvimento endocárdico no LES pode conduzir a insuficiência valvar,
geralmente da válvula mitral ou aórtica.
H - Pulmonares
Dica
O derrame pleural no LES possui características exsudativas (aumento de
proteína, glicose normal, <10.000 células e baixo nível de complemento).
I - Gastrintestinais
J - Oculares
5. Avaliação laboratorial
O seguimento laboratorial permite estabelecer o diagnóstico, a monitorização
de um novo surto e a identificação dos efeitos colaterais do tratamento.
A - Pesquisa de autoanticorpos
Importante
No paciente com LES, devem-se avaliar hemograma completo (citopenias),
provas de fase aguda (elevadas na vigência de sintomas sistêmicos), urina I,
proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina (comprometimento renal),
dosagem de complemento (baixo durante atividade), CPK e transaminases
(acometimento muscular e hepático) e sorologias para hepatites B e C e HIV
(diferencial).
Diagnóstico
Para o paciente ser classificado como portador de LES, pelos critérios do
Systemic Lupus International Collaborating Clinics, devem ser preenchidos 4
dos 17 critérios, incluindo 1 clínico e 1 imunológico. Por esses novos
critérios, o paciente também pode ser classificado como portador de lúpus
caso apresente somente acometimento renal com biópsia compatível com
nefrite lúpica e FAN ou anti-DNA positivo.
Os principais diagnósticos diferenciais de LES são artrite reumatoide (artrite
com FAN positivo), dermatomiosite (miosite, artrite, rash cutâneo), infecções
virais crônicas como hepatite C com crioglobulinemia (artrite,
glomerulonefrite, vasculite de SNC, queda do complemento), hepatite B
(vasculite), endocardite bacteriana (artrite, rash cutâneo, queda do
complemento) etc.
7. Tratamento
O objetivo do tratamento consiste em monitorizar e evitar novas crises, por
meio de estratégias para a supressão dos sintomas em nível aceitável e
prevenção de danos em órgãos-alvo. A estratégia terapêutica deve levar em
conta vários fatores: se o acometimento orgânico da crise envolve risco de
morte ou lesão grave; se as manifestações são potencialmente reversíveis; e a
escolha da melhor abordagem para prevenir complicações da doença e seu
tratamento. O tratamento do LES envolve não só o tratamento
medicamentoso, mas também orientações gerais e tratamento das
comorbidades.
A - Orientações gerais
B - Tratamento farmacológico
Os Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs) são usados nos casos de artrite
e de manifestações em partes moles. Normalmente são utilizados para a
atividade leve antes que corticosteroides em baixa dose sejam iniciados, ou
associados a antimaláricos.
Os antimaláricos estão indicados a praticamente todos os casos de LES. O uso
contínuo de agentes antimaláricos (cloroquina 250mg/d ou hidroxicloroquina
400mg/d), mesmo em pacientes fora de atividade, reduz a frequência de
recidivas da doença. A toxicidade ocular é responsável pela maior
preocupação no que diz respeito ao tratamento antimalárico. Lesão precoce
geralmente é reversível, mas, na maioria das vezes, assintomática, por isso a
necessidade de exame oftalmológico regular, incluindo acuidade visual,
lâmpada de fenda, teste de campo visual e fundoscopia, normalmente a cada 6
a 12 meses. O desenvolvimento da retinopatia geralmente depende da dose e
da duração.
Além dos efeitos terapêuticos dos antimaláricos nas manifestações do LES, os
efeitos benéficos têm sido relatados no que diz respeito à melhora nos perfis
de lipoproteínas, o que é particularmente importante em pacientes tratados
com corticosteroides ou com síndrome nefrótica e hipercolesterolemia
secundária. Outro benefício potencial é o de antimaláricos na profilaxia contra
eventos tromboembólicos.
Nos casos de LES cutâneo, corticoides tópicos e antimaláricos são efetivos na
redução das lesões. Corticoide sistêmico está indicado a casos de dermatites
extensas. Nos quadros refratários, podem-se utilizar dapsona ou talidomida.
Doses moderadas de corticoide (<0,5mg/kg/d de prednisona ou equivalente)
costumam ser efetivas no tratamento de serosites.
Em casos de artralgia e artrite que não respondem, podem-se usar doses
baixas de prednisona ou equivalente e anti-inflamatórios. Em casos de artrite
franca, crônica e recorrente, uma boa opção é o metotrexato.
A pedra angular no tratamento do LES é o corticoide. Tem rápido início de
ação na resolução da inflamação e dos quadros de atividade da doença.
Normalmente é prescrito por via oral, em baixa, média (0,5mg/kg) ou dose
elevada (1mg/kg), dependendo da manifestação-alvo, em dose única matinal
ou fracionada (2 a 4x/d). Podem ser necessários pulsos de metilprednisolona
1g/d, por 3 dias consecutivos, a depender da gravidade da manifestação.
Embora a interrupção total de corticoide seja uma meta desejada, muitos
necessitam de manutenção com dose baixa de corticosteroide (5 a 10mg/d)
para evitar a recorrência.
Tratamento
O corticoide destina-se para início rápido de ação na resolução da inflamação
e quadros de atividade do LES. Utiliza-se em doses baixa e média (0,5mg/kg)
ou elevada (1mg/kg). É importante que, após o controle da atividade, seja
feita redução gradual da dose, embora a interrupção total de corticoide seja
difícil, devendo-se manter com dose baixa (5 a 10mg/d), para evitar
recorrência.
Tratamento
A ciclofosfamida é utilizada em LES grave (vasculites e nefrite lúpica grave),
na forma de pulsoterapia IV 0,5 a 1mg/m2, inicialmente a cada mês. Recorre-
se a imunoglobulina 2g/kg IV, em 2 a 5 dias, e plasmaférese, quando não há
resposta.
8. Prognóstico e sobrevida
A sobrevida em pacientes com LES é de 90 a 95% em 2 anos, 82 a 90% em 5
anos, 71 a 80% em 10 anos e 63 a 75% em 20 anos. No momento do
diagnóstico, o pior prognóstico (50% de mortalidade em 10 anos) está
associado a creatinina elevada (>1,4mg/dL), hipertensão, síndrome nefrótica,
anemia, hipoalbuminemia, hipocomplementenemia e presença de anticorpo
antifosfolípide. Transplantados renais têm maior índice de rejeição do
enxerto, e a nefrite lúpica pode ocorrer em 10% dos casos.
9. Situações especiais
Dica
O autoanticorpo anti-Ro materno é preocupante, pois está associado a LES
neonatal, com lesões cutâneas e bloqueio atrioventricular congênito.
Dica
Prednisona, hidroxicloroquina e ácido acetilsalicílico em baixas doses podem
ser utilizados na gravidez de pacientes com LES.
Dica
Na amamentação, prednisona >20mg/d pode determinar riscos para a criança,
por isso recomenda-se intervalo de 4 horas entre medicação e amamentação.
Figura 14 - Lúpus neonatal
A SAF está comumente associada ao LES (50% dos casos de SAF têm LES),
mas pode ser secundária a outras doenças inflamatórias do tecido conjuntivo e
mesmo aparecer isolada (SAF primária). É uma coagulopatia adquirida,
provocada pelo efeito protrombótico de autoanticorpos como o anticoagulante
lúpico, a anticardiolipina e a antibeta-2-glicoproteína.
Pode manifestar-se pela presença de fenômenos trombóticos arteriais e/ou
venosos e/ou perdas fetais repetidas. A trombose venosa profunda com ou
sem embolia pulmonar é a apresentação mais comum. Tromboses arteriais
geralmente acometem o SNC, como ataques isquêmicos transitórios ou
acidente vascular cerebral tromboembólico.
A SAF pode associar-se também a eventos gestacionais, como perdas
gestacionais de repetição no 1º trimestre, morte fetal intrauterina por infartos
placentários e nascimentos prematuros por insuficiência placentária. Se a SAF
se manifestar apenas com eventos gestacionais, sem tromboses arteriais ou
venosas associadas, a paciente será portadora de SAF gestacional.
Outras manifestações comumente associadas são plaquetopenia leve
(geralmente de consumo) e livedo reticularis. Pode provocar, também, mais
raramente, coreia, mielite transversa e endocardite asséptica, que pode
embolizar. A SAF catastrófica é uma complicação grave, caracterizada por
múltiplas tromboses em vários órgãos em curto espaço de tempo, com alta
mortalidade (50%).
Faz-se o diagnóstico na presença de ao menos 1 critério clínico e 1
laboratorial.
Diagnóstico
Para o diagnóstico de síndrome do anticorpo antifosfolípide, recorre-se a 1
critério de cada categoria: clínicos (≥1 episódio de trombose vascular),
morbidades gestacionais (1 ou mais óbitos de fetos normais após a 10ª
semana; ou 1 ou mais partos prematuros de neonatos morfologicamente
normais até a 34ª semana de gestação; ou 3 ou mais abortamentos
espontâneos até a 10ª semana de gestação) e laboratoriais (anticorpos em 2 ou
mais ocasiões, com intervalo mínimo de 12 semanas).
1. Definição
A Esclerose Sistêmica (ES), também chamada esclerodermia sistêmica, é uma
doença crônica, multissistêmica, caracterizada por alterações funcionais e
estruturais de pequenos vasos sanguíneos, fibrose da pele e de órgãos internos
e autoimunidade.
2. Epidemiologia
Trata-se de uma doença rara, de etiologia desconhecida. Todas as faixas
etárias podem ser acometidas, mas a maior incidência ocorre entre 30 e 50
anos. A relação entre mulheres e homens é de 4 a 5:1. É incomum em crianças
menores de 13 anos (0,1/1.000.000), mas que, quando acometidas, possuem
menor incidência de crise renal, porém maior propensão a atingir o sistema
cardiopulmonar.
A ES tem distribuição mundial e acomete todas as raças, mas com graus
variáveis. Negros tendem a ter maior incidência da forma difusa, com
comprometimento pulmonar e pior prognóstico e idade de início mais baixa,
enquanto quadros cutâneos limitados são comuns em mulheres brancas. Na
idade pós-menopausa, ocorre pequena redução na prevalência em relação aos
homens (2 a 4:1).
A maioria ocorre esporadicamente, mas, raramente, pode haver agrupamento
familiar. Alguns casos foram relatados em associação à exposição a solventes,
sílica ou metais. A contribuição genética também tem sido estudada, havendo
associação a HLA-A1, B8 e DR3.
Os autoanticorpos antitopoisomerase I e anti-RNP U3 estão associados a
doença mais severa, mais frequentes em afro-americanos. O anticentrômero é
mais frequente em brancos e se associa a doença mais moderada.
Dica
Antitopoisomerase I e anti-RNP U3 associam-se a ES mais severa, em
afro-americanos, e anticentrômero, a doença moderada, mais frequente em
brancos.
3. Etiopatogenia
Ocorrem 2 processos patológicos básicos na ES que explicam os sinais e
sintomas da doença e determinam a extensão da sua morbimortalidade:
desenvolvimento insidioso de fibrose nos tecidos e órgãos afetados e
disfunção vascular de pequenas artérias e microvasos (Figura 1).
No desenvolvimento da fibrose, ocorrem ativação anormal do sistema imune
por estímulo não identificado, ativação de linfócitos T e B autorreativos,
liberação de citocinas e quimiotaxia de células inflamatórias, como os
macrófagos. Essas células inflamatórias, em conjunto com as plaquetas
ativadas e o endotélio, liberam fatores de crescimento, capazes de atrair e
ativar os fibroblastos, levando à deposição excessiva de colágeno
(principalmente, tipos I, III e VI).
As alterações vasculares podem ser explicadas pela produção de maior
quantidade de fatores vasoconstritores (endotelina-1) e menor quantidade de
substâncias vasodilatadoras (óxido nítrico e prostaciclina), ativação
plaquetária, com formação de microagregadores de plaquetas nos capilares e
nas vênulas, e liberação de tromboxano A2 (vasoconstritor). Esse
desequilíbrio a favor de uma vasoconstrição persistente provoca episódios
repetidos de isquemia e hipoperfusão tecidual, acarretando injúria celular,
sendo o estímulo principal para o acúmulo dos fibroblastos ativados e a
formação de fibrose.
O papel dos autoanticorpos encontrados ainda não é conhecido até o
momento.
Figura 1 - Patogênese
4. Classificação
Em 2013, o American College of Rheumatology (ACR), em conjunto com a
European League Against Rheumatism (EULAR), desenvolveu critérios
diagnósticos para ES, descritos na Tabela 1.
Pacientes com pontuação ≥9 têm o diagnóstico confirmado. Note que apenas
o comprometimento cutâneo de dedos de ambas as mãos até a região
proximal de metacarpofalangianas já é capaz de indicar ES, mas esses
pacientes costumam apresentar outros achados sugestivos da doença.
A ES pode acontecer em 2 formas: difusa e limitada, de acordo com a
distribuição do acometimento cutâneo, com implicações clínicas, sorológicas
e prognósticas (Figura 2).
Figura 2 - Esclerose sistêmica (A) limitada e (B) difusa
Dica
A forma limitada de ES tem espessamento cutâneo nos membros distais
(pode acometer a face), associada a hipertensão pulmonar e ACA.
Figura 3 - Síndrome CREST
Fontes: Rheumatology in Practice, 2010.
Dica
A doença mista do tecido conjuntivo engloba manifestações clínicas de
mais de 1 doença reumatológica (artrite reumatoide, lúpus e ES) e
apresenta anti-RNP positivo. Os casos em que há manifestações clínicas de
mais de 1 doença reumatológica, sem autoanticorpos definidores, são
denominados como doença indiferenciada do tecido conjuntivo.
5. Manifestações clínicas
Tema frequente de prova
O quadro clínico rico da ES pode ser cobrado em questões de concursos
médicos.
Dica
O 1º sinal clínico que sugere diagnóstico de ES na pele é o edema dos
quirodáctilos ou da mão.
A - Fenômeno de Raynaud
Dica
No FRy, a palidez é seguida de cianose, que é seguida de rubor
(hiperemia); 2 fases, em ordem, já definem o fenômeno.
Figura 7 - Fenômeno de Raynaud – fases: (A) e (F) palidez (vasoespasmo); (B) e (D) cianose –
isquemia e dessaturação da hemoglobina; (C) e (E) rubor (hiperemia reativa)
Dica
Deve-se pensar em FRy primário quando ele for brando, simétrico, sem
alterações isquêmicas, além de VHS e capilaroscopia estarem normais.
Dica
São lesões de isquemia gerada pelo FRy: reabsorção de polpas digitais,
pitting scars, reabsorção óssea e perda de falanges.
Figura 8 - Reabsorção de polpa digital em paciente com esclerose sistêmica difusa
Figura 9 - Fenômeno de Raynaud com pitting scars ou úlcera digital por isquemia: (A) úlcera ainda
aberta e (B) úlcera já cicatrizada
Figura 10 - Reabsorção de falanges distais em paciente com esclerose sistêmica difusa, fenômeno de
Raynaud e pitting scars: (A) infarto digital e (B) reabsorção de falanges distais
Em pacientes com FRy isolado, podemos prever a gravidade das lesões por
meio da capilaroscopia ungueal. A presença de lesões e dilatações de
capilares ou a ausência de capilares (deleções) caracteriza o padrão SD
(Figura 11), que é peculiar da ES e ocorre na DMTC e em miopatias
inflamatórias, em menor frequência. Outras doenças reumatológicas que
apresentam FRy, como LES, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren, têm
capilaroscopia normal ou com alterações leves e inespecíficas, que não
definem o padrão SD.
Dica
O padrão SD (lesões e dilatações de capilares ou a ausência de capilares)
na capilaroscopia é peculiar da ES, da doença mista do tecido conjuntivo e
das miopatias inflamatórias.
Figura 11 - Capilaroscopia periungueal: observar a dilatação dos capilares e áreas sem capilares
(deletados) – padrão SD
B - Cutânea
Quadro clínico
Espessamento da pele proximal às metacarpofalangianas e
metatarsofalangianas, esclerodactilia, telangiectasias, edema de
mãos/dedos/pés, lesões “em sal e pimenta”, calcinoses, pitting scars,
gangrenas e úlceras são algumas manifestações cutâneas da ES.
C - Pulmonar
a) Doenças
Dica
A principal causa de óbito em pacientes com esclerodermia sistêmica é o
acometimento pulmonar (doença intersticial pulmonar ou hipertensão
pulmonar).
b) Pneumopatia intersticial
Dica
A doença pulmonar intersticial é a manifestação grave mais associada à ES
difusa. Relaciona-se ao antitopoisomerase I e mostra alterações restritivas
nas provas de função pulmonar.
Dica
As principais alterações da doença pulmonar intersticial vistas na
tomografia de alta resolução são faveolamento, opacidades “em vidro
fosco” e infiltrado reticulonodular.
Figura 19 - (A) Radiografia de tórax e (B) tomografia correspondente em paciente com esclerose
sistêmica
c) Hipertensão pulmonar
Pacientes com ES podem ter hipertensão pulmonar por várias razões: doença
ventricular esquerda, doença pulmonar fibrosante ou HAP. A HAP ocorre
sobretudo na forma limitada com ACA positivo, em que o problema está na
vasculopatia esclerodérmica do leito arterial pulmonar. Ela é, inicialmente,
assintomática, e seu rastreamento precoce e periódico também é necessário.
Como discutido no capítulo sobre hipertensão pulmonar, na ausência de
doença fibrosante e indícios claros de doença cardíaca esquerda, o cateterismo
estará indicado para avaliação hemodinâmica conclusiva, definindo o
diagnóstico e direcionando o tratamento.
Dica
A colagenose mais frequentemente associada à hipertensão arterial
pulmonar é a esclerodermia na forma limitada.
D - Gastrintestinal
O aparelho digestivo é o 2º mais atingido depois da pele. O acometimento
neurológico do plexo mioentérico, com atrofia e fibrose da musculatura lisa,
leva a dismotilidade gastrintestinal. O esôfago acometido, principalmente nos
2/3 distais, pode chegar a ficar aperistáltico e provocar disfagia,
principalmente para sólidos. O esfíncter esofágico inferior acometido causa
doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), com pirose, podendo evoluir com
disfagia, erosões de mucosa, constrição esofágica, esôfago de Barrett e até
pneumopatia secundária à aspiração. O acometimento gástrico pode levar a
gastroparesia, saciedade precoce, náuseas e vômitos.
Pode ocorrer, ainda, dismotilidade intestinal: no intestino delgado, pode
provocar borborigmos, pseudo-obstrução, distensão abdominal, diarreia,
hipercrescimento bacteriano e síndrome de má absorção, necessitando de
cursos intermitentes de antibióticos. No intestino grosso, a dismotilidade
causa constipação e pode provocar incontinência fecal, caso atinja o esfíncter.
Casos graves de pseudo-obstrução intestinal também são possíveis.
Além da dismotilidade, a ES pode provocar telangiectasias com sangramento
e perda sanguínea crônica. A atrofia da mucosa gástrica pode provocar ectasia
vascular gástrica antral, também conhecida com o estômago “em melancia”,
que pode ser observada à endoscopia.
Exames como radiografias contrastadas de Esôfago-Estômago-Duodeno
(EED) mostram a dismotilidade do tubo digestivo (Figura 21), DRGE e lesões
constritivas. Pode ser necessária pHmetria para definir a DRGE. Endoscopias
periódicas para avaliar complicações e outras alterações são necessárias.
Quadro clínico
O quadro clínico gastrintestinal da ES envolve disfagia, doença do refluxo
gastroesofágico, pseudo-obstrução intestinal, diarreia, síndrome de má
absorção, constipação e sangramento gastrintestinal crônico.
Figura 21 - Síndrome CREST: dilatação e hipoperistalse do esôfago distal
E - Musculoesquelética
Quadro clínico
O quadro clínico musculoesquelético da ES envolve artrite de mãos e
punhos, simétrica, não erosiva e responsiva à terapia com
imunossupressores.
F - Renal
Fatores de risco para crise renal incluem doença cutânea difusa, doença
precoce (4 primeiros anos), uso de altas doses de corticoide e presença de
anticorpo anti-RNA polimerase III.
Já foi a principal causa de morte em pacientes com ES, mas o uso dos
Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECAs) revolucionou o
tratamento, devendo ser rapidamente instituída a terapia com IECA no
diagnóstico de hipertensão arterial em pacientes com ES. Fatores de mau
prognóstico são sexo masculino, idade avançada e creatinina >3mg/dL.
Quadro clínico
A crise renal esclerodérmica é caracterizada por hipertensão arterial grave
com perda da função renal, proteinúria e hematúria microscópica.
G - Cardiovascular
Importante
Os principais autoanticorpos presentes na ES são o antitopoisomerase I
(forma difusa, com pior prognóstico), o ACA (forma limitada e síndrome
CREST) e os anti-RNA polimerase.
O padrão SD encontrado no exame de capilaroscopia é altamente sugestivo de
esclerodermia (Figura 23), encontrado em quase todos os pacientes com ES.
Figura 23 - Capilaroscopia periungueal: (A) normal; (B) vasos tortuosos e dilatação segmentar; (C)
capilares gigantes, desorganização da estrutura capilar e hemorragias; (D) áreas avasculares e áreas
de neoformação capilar
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.
7. Tratamento
O tratamento de pacientes com ES deve ser individualizado de acordo com as
manifestações predominantes, levando em consideração o subtipo da doença e
os órgãos comprometidos. Não existe tratamento específico da doença, porém
pacientes com envolvimentos graves são usualmente tratados com
imunossupressão. Consideramos, portanto, tal tratamento em: envolvimento
cutâneo difuso, Doença Pulmonar Intersticial (DPI), miocardite e miopatia
inflamatória e/ou artrite graves.
Iniciamos o tratamento precocemente com o objetivo de minimizar danos ao
paciente, porém a terapêutica usualmente tem benefícios limitados. De forma
geral, no momento do diagnóstico e, rotineiramente, os pacientes são
avaliados para possíveis complicações cardíacas, pulmonares e renais.
Para tratamento com base no comprometimento de órgãos, as últimas
diretrizes publicadas são da EULAR de 2017 e serão resumidas a seguir.
A - Pele
B - Fenômeno de Raynaud
O objetivo do tratamento é prevenir eventos isquêmicos e melhorar a
qualidade de vida dos pacientes. A exposição ao frio e o estresse emocional
são fatores que podem influenciar no sucesso terapêutico. São medidas
iniciais no tratamento de pacientes com FRy: educação do paciente,
manutenção de membros aquecidos, mudanças comportamentais e tratamento
farmacológico.
Os pacientes devem ser estimulados a realizar mudanças de estilo de vida e
interromper o uso de drogas que possam desencadear o vasoespasmo. Evitar
exposição ao frio ou a grandes variações de temperatura, manter extremidades
aquecidas (usar luvas e meias) e, ao presenciar manifestações relacionadas ao
vasoespasmo, manter o membro aquecido em água quente. Além disso, é
importante incentivar a cessação do tabagismo e o uso de medicações
simpaticomiméticas (descongestionantes nasais e anfetaminas, por exemplo),
bem como medicações para enxaqueca (sumatriptana).
Quando apenas orientações e mudanças no estilo de vida são insuficientes, há
necessidade do tratamento farmacológico. Nesse contexto, bloqueadores dos
canais de cálcio como nifedipino, anlodipino ou diltiazem podem ser úteis.
Porém, há um subgrupo de pacientes com ES que não tolera altas doses de
tais medicações e geralmente necessita de alternativa. De forma geral, os
bloqueadores de canais de cálcio são contraindicados ou pouco tolerados em
pacientes com dismotilidade gastrintestinal grave, HAP grave, doença
cardíaca com edema significativo ou hipotensão sintomática. Para esses
pacientes, são possíveis opções: sildenafila, nitratos tópicos, losartana,
fluoxetina ou ainda injeção local de toxina botulínica.
C - Comprometimento renal
D - Comprometimento gastrintestinal
O tratamento do comprometimento esofágico é direcionado para os sintomas
do paciente. Na presença de DRGE, mudanças no estilo de vida são indicadas,
bem como substituição de medicações possivelmente associadas aos sintomas
(bloqueadores dos canais de cálcio, por exemplo). Além disso, recomenda-se
o tratamento com inibidores da bomba de prótons 2x/d. Em casos refratários,
há possibilidade de associação de ranitidina noturna. O uso de procinéticos
não parece ser útil.
Alguns pacientes têm predomínio de sintomas relacionados à dismotilidade
esofágica e podem cursar com síndrome dispéptica e disfagia. Nesses casos,
além dos inibidores de bomba de prótons, recomendam-se procinéticos
(domperidona, metoclopramida).
A gastroparesia depende de mudanças no estilo de vida e controle de outros
fatores agravantes, como glicemia e hidratação. Em casos graves, associam-se
procinéticos e antieméticos. No tratamento da hiperproliferação bacteriana
pelo acometimento do intestino delgado, preconiza-se o uso de
antibioticoterapia rotativa, com doxiciclina 100mg, a cada 12 horas;
ciprofloxacino 500mg, a cada 12 horas; metronidazol 250mg, a cada 8 horas.
Em geral, cada antibiótico é utilizado por 10 dias, com intervalos de 15 dias
em esquema de rodízio, com o objetivo de evitar a resistência bacteriana.
A pseudo-obstrução intestinal pode ser tratada com aspiração nasogástrica e
nutrição parenteral. Na desnutrição, deve-se instituir nutrição parenteral
prolongada.
Tratamento
Na doença do refluxo gastroesofágico, utilizam-se inibidores da bomba de
prótons em doses altas e drogas procinéticas. E, na hiperproliferação
bacteriana, antibioticoterapia rotativa, com doxiciclina 100mg, a cada 12
horas; ciprofloxacino 500mg, a cada 12 horas; metronidazol 250mg, a cada
8 horas. Cada medicamento deve ser usado por 10 dias, com intervalo de
15 dias, em esquema de rodízio.
E - Comprometimento pulmonar
F - Acometimento musculoesquelético
G - Acometimento cardiovascular
Pacientes com distúrbios de condução, arritmias e insuficiência cardíaca
devem ser tratados de acordo com a manifestação. Derrame pericárdico
sintomático pode necessitar de corticoterapia em doses baixas e
imunossupressores. Se houver risco de tamponamento, a drenagem
pericárdica deverá ser realizada, com corticoterapia e terapia
imunossupressora para evitar novo derrame.
8. Prognóstico
A doença é crônica, sem cura definitiva, e o prognóstico está diretamente
relacionado à extensão dos acometimentos cutâneo e visceral. O diagnóstico
do envolvimento visceral deve ser feito precocemente, com terapias
necessárias instituídas prontamente para evitar progressão rápida.
Resumo
Dermatomiosite e polimiosite
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
As miopatias inflamatórias idiopáticas formam um grupo heterogêneo de
desordens raras caracterizadas por fraqueza muscular proximal e inflamação
não supurativa do músculo esquelético, com achados eletroneuromiográficos
característicos e aumento de enzimas musculares. As doenças inclusas nesse
grupo estão listadas na Tabela 1.
2. Epidemiologia
Possuem baixa incidência na população geral, em torno de 0,5 a 8,4
casos/1.000.000 de pessoas. A incidência parece estar aumentando devido ao
diagnóstico mais acurado. De forma geral, são encontradas em todos os
grupos etários, mas há distribuição bimodal, com picos nas faixas entre 10 e
15 anos e 45 e 60 anos. Entretanto, de acordo com o tipo de miopatia
inflamatória encontrada, a incidência nos grupos etários pode ser bem
diferente.
Enquanto a distribuição da miosite associada à doença do colágeno segue a da
doença de base à qual está associada, a DMJ acomete crianças e adolescentes
com menos de 16 anos, tendo algumas características clínicas peculiares. A
MCI e a miosite associada a malignidade são mais comuns após os 50 anos.
Em todas as formas de miosite inflamatória, as mulheres são mais afetadas do
que os homens, a uma relação de 2:1, com exceção da MCI, que afeta mais o
sexo masculino. Quando a miopatia acomete fora do período de menacma,
como em crianças e idosos, a distribuição é mais uniforme entre ambos os
sexos, refletindo as influências hormonais sobre essas doenças.
Dica
Há pico bimodal da dermatomiosite e polimiosite (de 10 a 15 anos e de 45
a 60 anos), sendo as mulheres mais afetadas (exceto na miosite por
corpúsculos de inclusão).
3. Patogênese
A etiologia da doença muscular inflamatória é desconhecida. A hipótese mais
aceita sugere a associação de múltiplos fatores. As miopatias idiopáticas
inflamatórias são processos imunomediados, em que estão envolvidos vários
fatores em pacientes geneticamente suscetíveis. Duas hipóteses têm reforçado
o envolvimento autoimune: a associação de outras doenças autoimunes
(tireoidite de Hashimoto, miastenia gravis, diabetes mellitus tipo 1, cirrose
biliar primária e doenças do tecido conjuntivo) e a presença de autoanticorpos
circulantes.
A importância de fatores genéticos foi demonstrada: indivíduos com HLA-
DR3 têm risco aumentado para o desenvolvimento de doença muscular
inflamatória. Todos os pacientes com anticorpo anti-Jo-1 têm HLA-DR52. Na
polimiosite e na MCI, ocorre resposta imunomediada citotóxica, em que as
fibras apresentam invasão de células T. Ao contrário, na dermatomiosite, a
resposta humoral parece ser o principal evento, ocorrendo invasão de
infiltrado celular de localização perivascular. A vasculopatia, tão proeminente
na DMJ e ocasionalmente presente na forma adulta, é mediada por
mecanismo humoral.
Apesar de os mecanismos imunes que envolvem a polimiosite e a MCI serem
semelhantes, a patologia é diferente. Na MCI, têm-se vacúolos, onde se
deposita uma substância amiloide.
4. Quadro clínico
Dica
A musculatura ocular extrínseca, por definição, é poupada, mesmo nos
casos avançados. Seu acometimento não condiz com o diagnóstico de
miopatia inflamatória.
Quadro clínico
Na polimiosite, observa-se fraqueza muscular progressiva (de 3 a 6 meses
de instalação), simétrica e proximal, dos músculos das cinturas escapular e
pélvica, além de disfagia, mialgias inespecíficas e artralgias e alveolite que
evolui para fibrose pulmonar simétrica.
Pode ocorrer o acometimento intersticial, com alveolite ativa evoluindo com
fibrose pulmonar, simétrica, predominante nas bases e nas regiões pulmonares
inferiores (Figura 2). O envolvimento cardíaco pode manifestar-se como
arritmias, cardiomiopatia e insuficiência cardíaca congestiva. Alguns
pacientes podem apresentar a síndrome antissintetase. Trata-se de
comprometimento sistêmico grave associado a marcadores sorológicos
específicos (anti-Jo-1 e outros), acometimento pulmonar com fibrose
intersticial, fenômeno de Raynaud, quadro articular grave, acometimento
cardíaco e “mãos de mecânico” (uma alteração típica em que as laterais dos
dedos e as palmas ficam ressecadas, com fissuras e linhas horizontais e
coloração escuro-acastanhada, com aspecto sujo – Figura 3). O prognóstico
da síndrome antissintetase é reservado, e, classicamente, os pacientes
apresentam dispneia como sintoma predominante.
Dica
Na síndrome antissintetase, observam-se anti-Jo-1 positivo, fenômeno de
Raynaud, fibrose pulmonar intersticial, quadro articular, acometimento
cardíaco e “mãos de mecânico” (laterais de dedos e palmas ressecadas,
com fissuras e coloração escuro-acastanhada, de aspecto sujo).
Figura 2 - Doença intersticial pulmonar: observar a lesão “em vidro fosco” (alveolite) nas porções
inferiores e posteriores dos pulmões, simetricamente
Figura 5 - Pápulas de Gottron: (A) pápulas eritematosas nas superfícies extensoras das mãos, sobre
metacarpofalangianas, interfalangianas proximais e distais, e (B) múltiplas pápulas eritematosas
sobre metacarpofalangianas e interfalangianas
Figura 6 - Rash “em heliotropo”: pigmentação rosa ou violácea nas pálpebras de pacientes com
dermatomiosite
Fonte: UpToDate.
Dica
As 2 lesões mais características da dermatomiosite são as pápulas de
Gottron e a lesão “em heliotropo”.
Dica
A miosite associada a neoplasia possui maior relação com
adenocarcinomas.
Dica
Na miosite por corpúsculos de inclusão, o curso é mais insidioso acima de
50 anos e no sexo masculino, com miopatias proximal e distal, assimétrica,
com atrofia muscular e pouca ou nenhuma resposta ao tratamento.
5. Exames laboratoriais
A maioria dos pacientes com miopatia inflamatória apresenta aumento dos
níveis das enzimas musculares em algum momento do curso da doença; a
manifestação de tais enzimas na circulação demonstra a presença de dano
muscular. A enzima muscular mais comumente dosada é a
creatinofosfoquinase (CPK), que apresenta, também, maior sensibilidade. O
nível de CPK sérico se correlaciona com a atividade da doença. Na MCI, as
enzimas são muito pouco elevadas. A isoenzima MB da creatinina (CK-MB)
pode estar elevada, devido à isoforma presente no músculo esquelético.
Outras enzimas que podem ser dosadas e estar aumentadas são aldolase,
aspartato aminotransferase ou Transaminase Glutâmico-Oxalacética (AST ou
TGO), alanina aminotransferase ou Transaminase Glutâmico-Pirúvica (ALT
ou TGP) e desidrogenase láctica (DHL).
As provas de atividade inflamatória, velocidade de hemossedimentação
(VHS) e Proteína C Reativa (PCR) podem estar normais em uma grande
parcela dos pacientes.
Autoanticorpos contra antígenos nucleares (FAN) são encontrados em 50%
das miopatias inflamatórias. Alguns autoanticorpos frequentes não são
específicos para as miosites e são encontrados em outras desordens
autoimunes (anti-RNP, anti-Ro etc.). Outros autoanticorpos praticamente só
são encontrados nos casos de miosite e, geralmente, são marcadores de
características clínicas e prognóstico específicos: são os chamados
autoanticorpos miosite-específicos. Ocorrem em, aproximadamente, 30% dos
pacientes.
Três grupos de autoanticorpos miosite-específicos são definidos. O primeiro
engloba a presença de anticorpos contra RNA-sintetases (o principal é o anti-
Jo-1), que se associam à síndrome antissintetase (ver quadro clínico) e à
doença persistente, principalmente em pacientes com polimiosite. O 2º grupo
inclui indivíduos com anticorpos anti-SRP (Signal Recognition Particle, ou
partícula reconhecedora de sinal), associados ao envolvimento da musculatura
cardíaca e à doença aguda, com mau prognóstico e pouca resposta a
corticoterapia e imunossupressores. O 3º grupo é identificado com anticorpos
anti-Mi-2 ou anti-helicase. Ocorre em pacientes com dermatomiosite e DMJ,
com sinal “do xale”, rash “em tronco” e alterações na cutícula e apresenta
bom prognóstico.
Diagnóstico
São autoanticorpos miosite-específicos: anti-Jo-1 (relação com síndrome
antissintetase), anti-SRP (mau prognóstico e pouca resposta a
corticoterapia e agentes imunossupressores) e anticorpos anti-Mi-2 (relação
com dermatomiosite e dermatomiosite juvenil).
6. Outros exames
A eletroneuromiografia ajuda no diagnóstico, por demonstrar o padrão de
envolvimento miopático, simétrico e proximal das miopatias inflamatórias
idiopáticas, diferenciando-o de outros padrões de miopatia ou de neuropatia.
Na miopatia inflamatória idiopática, observam-se potenciais polifásicos de
baixa amplitude e curta duração, fibrilações e complexos motores bizarros de
alta frequência. Na MCI, a eletroneuromiografia pode apresentar achados
mistos de miopatia e neuropatia, além de comprometimento assimétrico e
distal.
Os alvos musculares habituais para biópsia são quadríceps ou deltoide. Se o
exame clínico falhar em determinar qual grupo muscular deve ser biopsiado,
pode-se optar por biopsiar o músculo contralateral no qual tenha sido
demonstrada lesão pela eletroneuromiografia. Grupos musculares atróficos ou
locais submetidos a ela não devem ser biopsiados.
A confirmação histológica de inflamação muscular é desejável em todos os
casos, mas não é sempre realizada. A presença de achado inflamatório é
importante, mas a variação no tamanho das fibras, necrose e degeneração,
com atrofia de fibras tipo 2 e substituição por colágeno são achados indiretos.
Na polimiosite, predomina o infiltrado inflamatório focal e endomisial com
macrófagos e linfócitos T CD8; na dermatomiosite, há predomínio de
infiltrado por linfócitos T CD4, com predomínio perivascular e atrofia
perifascicular. Na MCI, encontram-se vacúolos intracitoplasmáticos na
microscopia comum e inclusões intranucleares ou intracitoplasmáticas.
Estudos de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância
magnética, podem determinar o melhor lugar para biópsia. O uso da última
pode ser reservado para avaliar o curso da doença e a resposta à terapia,
demonstrando áreas de inflamação muscular, edema, fibrose e calcificação.
7. Diagnóstico
O diagnóstico de dermatomiosite e polimiosite é fundamentado em achados
clínicos compatíveis, associados a exames complementares (enzimas,
eletromiograma – EMG –, biópsia). Os critérios mais utilizados são os
propostos por Bohan e Peter (1975), descritos na Tabela 4. Tradicionalmente
não são cobrados em concursos, mas a análise é interessante, pois retrata as
principais características da doença.
Diagnóstico
O diagnóstico de dermatomiosite e polimiosite é estabelecido seguindo-se
todos os critérios: fraqueza muscular proximal e simétrica (cinturas pélvica
e escapular), miosite característica à biópsia muscular, elevação de
qualquer enzima muscular sérica (CPK, DHL, TGO) e eletromiografia
compatível; na dermatomiosite, há, ainda, lesões cutâneas características
(heliotropo, pápulas de Gottron, sinal de Gottron).
8. Diagnóstico diferencial
Diante de quadro de miopatia inflamatória, outras doenças que causam
sintomas de miopatia devem ser pesquisadas e excluídas, já que as miopatias
de origem autoimune são extremamente raras. Podem ser incluídas no
diagnóstico diferencial: miastenia gravis, síndrome miastênica de Lambert-
Eaton, doença do neurônio motor, distrofia de Duchenne, miopatia por drogas
(álcool, amiodarona, cocaína, colchicina, fibratos, corticoides, zidovudina,
lovastatina), infecções (vírus influenza, agentes oportunistas, síndrome da
imunodeficiência adquirida, fungos, toxoplasmose, citomegalovírus, rubéola,
vírus Epstein-Barr) e desordens endócrinas (hipotireoidismo, deficiência de
miofosforilase, miopatia mitocondrial, doenças da adrenal e anormalidades
eletrolíticas).
9. Tratamento
A terapia física é importante no tratamento, e o repouso no leito é necessário
em casos de inflamação severa. Exercícios passivos devem ser realizados a
fim de manter o movimento e prevenir contraturas.
Corticosteroides são o tratamento de 1ª linha nas miopatias inflamatórias,
inicialmente na dose de 1mg/kg/d de prednisona ou equivalente. Em casos
mais graves, pode ser utilizada metilprednisolona intravenosa em
pulsoterapia. A melhora clínica pode ser observada nas primeiras semanas,
mas pode ser mais demorada. Cerca de 90% dos pacientes têm alguma
resposta com corticoide.
Se o indivíduo não responde satisfatoriamente à corticoterapia, se há recidiva
do quadro ou se o paciente tem achados de maior gravidade ou de pior
prognóstico, outros agentes podem ser utilizados em associação ao corticoide,
para que ele possa ser lentamente retirado, como metotrexato ou azatioprina.
Outros imunossupressores que podem ser utilizados são ciclofosfamida,
clorambucila, ciclosporina, micofenolato de mofetila e, até mesmo, em casos
refratários, os agentes anti-TNF-alfa – fator de necrose tumoral (infliximabe,
etanercepte, adalimumabe) e o rituximabe. A imunoglobulina intravenosa
(IVIg) é uma boa opção a pacientes infectados ao diagnóstico ou em surtos de
atividade desencadeados por infecção, como aqueles com pneumonia
aspirativa. Os antimaláricos (hidroxicloroquina e cloroquina) e corticoides
tópicos podem ser usados no tratamento de lesões cutâneas da
dermatomiosite, sem ação sistêmica.
Tratamento
O tratamento da dermatomiosite e polimiosite é feito por meio de terapia
física, além de corticosteroides (1ª linha – prednisona 1mg/kg/d; ou
pulsoterapia em casos graves), metotrexato, azatioprina, ciclofosfamida ou
ciclosporina (terapêutica inefetiva, casos recidivantes ou muito graves).
Dica
A dermatomiosite juvenil possui pico entre 5 e 10 anos, e acomete mais o
sexo feminino.
Resumo
Doença mista do tecido
conjuntivo
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Epidemiologia
Poucos estudos avaliaram a prevalência e a incidência da doença. Um estudo
norueguês constatou a prevalência de 3,8/100.000 indivíduos, com incidência
de 2,1/1.000.000 ao ano. É uma doença que acomete mais mulheres do que
homens, com estimativas que variam de 3,3:1 até 16:1.
2. Quadro clínico
As características clínicas iniciais da Doença Mista do Tecido Conjuntivo
(DMTC) são inespecíficas e podem consistir em mal-estar geral, artralgias,
mialgias e febre baixa. Uma pista específica de que esses sintomas são
causados por uma doença do tecido conjuntivo é a descoberta do fator
antinúcleo (FAN) positivo em associação ao fenômeno de Raynaud. Muitos
pacientes são diagnosticados com Artrite Reumatoide (AR), Lúpus
Eritematoso Sistêmico (LES) ou doença indiferenciada do tecido conjuntivo
(quando não fecham critérios para outras doenças reumatológicas). A
presença de altos títulos de anti-U1 RNP em pacientes com doença
indiferenciada é um forte preditor de evolução para DMTC.
Qualquer órgão pode estar envolvido na doença, no entanto algumas
características sugerem a presença da DMTC em vez de outra doença, como
LES e Esclerose Sistêmica (ES) (Tabela 1).
Figura 1 - A doença mista do tecido conjuntivo incorpora características clínicas de doenças como o
lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica e polimiosite
A - Pele e mucosas
B - Febre
A febre de origem indeterminada pode ser a característica inicial de
apresentação da DMTC. Nesse contexto, pode ser atribuída a uma miosite
coexistente, meningite asséptica, serosite, linfadenopatia ou infecção
concomitante.
C - Artrite
D - Miosite
Uma das 3 características de sobreposição necessárias para o diagnóstico de
DMTC é uma miopatia inflamatória clínica e histologicamente idêntica à
polimiosite (PM). A mialgia é um sintoma comum, e na maioria dos casos não
há anormalidades na eletroneuromiografia ou elevação de enzimas
musculares, porém, em surtos agudos, esses exames podem se alterar. Muitas
vezes não está claro se o sintoma representa uma miosite de baixo grau, um
descondicionamento físico ou um quadro de fibromialgia associada.
E - Coração
F - Pulmão
Está envolvido em cerca de 75% dos pacientes, e a HP é a principal causa de
morte na DMTC. Sua detecção precoce é muito importante, e a presença dos
achados a seguir pode auxiliar na suspeita diagnóstica: dispneia aos esforços,
pulsação sistólica na borda esternal esquerda, acentuação do componente
pulmonar da B2, dilatação da artéria pulmonar na radiografia, hipertrofia
ventricular direita no eletrocardiograma e aumento do ventrículo direito no
ecocardiograma.
Outras manifestações, como derrame pleural, dor pleurítica, doença pulmonar
intersticial, doença tromboembólica e hemorragia alveolar, podem acontecer.
G - Rins
H - Trato gastrintestinal
Dica
Um forte preditor de evolução para DMTC é a presença de altos títulos de
anti-U1 RNP em pacientes com doença indiferenciada. Cerca de 60%
apresentam artrite evidente e 75%, acometimento pulmonar. A pericardite é
a manifestação cardíaca mais comum, com comprometimento do trato
gastrintestinal em 60 a 80% dos casos, sendo o esôfago o órgão mais
acometido. Há pouco envolvimento do sistema nervoso central, e a doença
renal é geralmente benigna.
3. Diagnóstico
O diagnóstico definitivo da DMTC é, muitas vezes, difícil, pelo fato de que as
características das doenças tendem a ocorrer sequencialmente. Vários anos
podem se passar até que apareça toda a constelação de achados. Diversos
critérios diagnósticos já foram criados, e um estudo que revisou 4 deles
definiu os critérios de Alarcon-Segovia como os melhores; eles apresentam
sensibilidade de 63% e especificidade de 86%.
O diagnóstico será estabelecido se o critério sorológico estiver acompanhado
de 3 ou mais critérios clínicos (1 deles deve incluir sinovite ou miosite). A
presença do anti-U1 RNP é indispensável para o diagnóstico.
O paciente que apresente FAN positivo com padrão pontilhado ou salpicado
em altos títulos (>1:1.000 até >1:10.000) associado a alterações como edema
de mãos deve ser atentamente acompanhado, pois apresenta risco de evolução
para síndromes de superposição. A existência de altos títulos de anti-U1 RNP
nesses pacientes é um forte preditor para evolução futura para DMTC. Outros
autoanticorpos, como o anti-dsDNA, anti-Sm e anti-Ro, também podem estar
presentes, e caso sejam dominantes e persistentes, há maior chance no
desenvolvimento de outras colagenoses. Caso o anti-U1 RNP seja dominante,
é mais provável que a DMTC se desenvolva. A relação com o HLA-DR4
(principalmente) e HLA-DR2 já foi constatada.
Cerca de 75% dos pacientes têm anemia leve. A leucopenia (principalmente
linfopenia) pode estar relacionada a atividade da doença, enquanto a maioria
dos pacientes apresenta hipergamaglobulinemia. Os anticorpos
antifosfolípides ocorrem com menor frequência do que no LES e, se
presentes, tendem a se correlacionar com trombocitopenia e HP, mas não com
trombose e/ou abortos.
Diagnóstico
São utilizados os critérios de Alarcon-Segovia, sendo o diagnóstico
definido pela presença obrigatória do anti-U1 RNP acompanhado de 3 ou
mais critérios clínicos.
4. Prognóstico
A descrição original de pacientes com DMTC enfatizou o prognóstico
relativamente bom e excelente resposta aos glicocorticoides. Esses pacientes
apresentam baixa prevalência de doença renal grave e problemas neurológicos
potencialmente fatais. A doença renal geralmente é benigna, na forma de
nefropatia membranosa, enquanto o envolvimento do SNC é mais comumente
relacionado a neuropatia do trigêmeo.
A mortalidade global é aparentemente mais baixa do que naqueles com LES.
O maior estudo de mortalidade (280 pacientes) revelou taxas de sobrevivência
de 98, 96 e 88% aos 5, 10 e 15 anos de doença, respectivamente. As
principais causas de morte incluem HP e suas complicações cardíacas,
miocardite, hipertensão renovascular e hemorragia cerebral.
5. Tratamento
A terapia utilizada para o tratamento da DMTC consiste nas já conhecidas
drogas para as diversas colagenoses.
Uma vez que a HP é a principal causa de morte, recomenda-se o diagnóstico
precoce com ecocardiograma de rotina a todos os pacientes. Terapias incluem
um bloqueador dos canais de cálcio (geralmente nifedipino de ação
prolongada), anticoagulação, prostaciclina intravenosa, imunossupressão
prolongada (começando com corticoides, podendo-se associar ciclofosfamida)
e inibidor da enzima conversora de angiotensina. A bosentana, um antagonista
oral da endotelina-1 e inibidores da fosfodiesterase, como o sildenafila, estão
se mostrando úteis no manejo dessa complicação.
Os corticoides são muito úteis no manejo das diversas complicações, porém
se deve ter em mente que alguns quadros podem ser secundários a doenças
como fibromialgia e síndrome dolorosa miofascial, que não apresentam
resposta a essa terapia.
Importante
Ecocardiograma de rotina é fundamental para o diagnóstico precoce da
principal causa de morte: hipertensão pulmonar.
Resumo
A DMTC engloba doenças como LES, ES e PM;
Alguns achados que sugerem a presença da DMTC:
1 - Fenômeno de Raynaud, assim como mãos ou dedos
edemaciados.
2 - Ausência de doença grave acometendo rins e SNC.
3 - Artrite mais grave (deformante em alguns casos).
4 - Início insidioso de HP (não relacionada à fibrose pulmonar).
5 - Autoanticorpos como o anti-RNP U1, especialmente anticorpos
contra a proteína 68kD.
6 - Altos títulos de FAN com padrão pontilhado ou salpicado.
O autoanticorpo mais importante é o anti-U1 RNP;
O paciente que apresente FAN positivo com padrão pontilhado ou
salpicado em altos títulos (>1:1.000 até >1:10.000), associado a
alterações como edema de mãos, deve ser atentamente acompanhado,
pois apresenta risco de evolução para síndromes de superposição;
A glomerulonefrite membranosa é a lesão renal mais comum;
A alteração neurológica mais comum é a neuropatia do trigêmeo;
A HP é a principal causa de morte;
É preciso ter atenção com o uso de corticoides, pois doenças como
fibromialgias e síndrome dolorosa miofascial não apresentam resposta.
Síndrome antifosfolípide
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
A - Anticoagulante lúpico
B - Anticorpos anticardiolipina
São, geralmente, detectados por ELISA e podem ser da classe IgM, IgG ou
IgA. Vale ressaltar que aproximadamente 50% dos pacientes com SAF
portadores de anticorpos anticardiolipina podem apresentar testes falsos
positivos para VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), uma vez
que, nesse exame, o substrato é formado por partículas contendo
cardiolipina. No entanto, o VDRL falso positivo apresenta baixa
sensibilidade e fraca correlação com a ocorrência de tromboses, não
devendo ser usado como teste de screening para SAF.
3. Critérios diagnósticos
Os critérios definidos pelo American College of Rheumatology para a
classificação da SAF são:
A - Clínicos
a) Trombose vascular
b) Morbidades gestacionais
B - Laboratoriais
Diagnóstico
Para o diagnóstico de SAF, recorre-se a 1 critério de cada categoria:
clínicos (≥1 episódio de trombose vascular), morbidades gestacionais (1 ou
mais óbitos de fetos normais após a 10ª semana; ou 1 ou mais partos
prematuros de neonatos morfologicamente normais até a 34ª semana de
gestação; ou 3 ou mais abortamentos espontâneos até a 10ª semana de
gestação) e laboratoriais (anticorpos em 2 ou mais ocasiões, com intervalo
mínimo de 12 semanas).
4. Quadro clínico
Por tratar-se de uma síndrome relacionada a um estado de
hipercoagulabilidade, a SAF pode produzir eventos tromboembólicos em,
virtualmente, qualquer tecido ou órgão. Como exemplos mais comuns e
importantes, podem-se citar tromboses venosas profundas (em 32% dos
casos), oclusões arteriais agudas de membros, acidentes vasculares
encefálicos (em 13% dos casos), ataques isquêmicos transitórios do sistema
nervoso central (em 7% dos casos), tromboembolismo pulmonar (em 9%
dos casos), infarto agudo do miocárdio, infartos hepáticos ou esplênicos,
síndrome de Budd-Chiari, insuficiência adrenal isquêmica e neuropatia
óptica.
Do ponto de vista obstétrico, além das manifestações citadas nos critérios de
classificação da SAF, são possíveis outras condições mórbidas durante a
gravidez, como pré-eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome HELLP e retardo de
crescimento intrauterino.
Outra alteração comum na SAF é a plaquetopenia (em 22% dos casos),
causada por consumo ou mesmo destruição imunomediada de plaquetas.
Geralmente é leve, mas pode ser grave a ponto de predispor o paciente a
quadros hemorrágicos variados.
Também são frequentes as alterações cutâneas, e o livedo reticularis (20%
dos casos de SAF) é uma das manifestações mais características (embora
não específica) da síndrome. Outras morbidades cutâneas comuns na SAF
são tromboflebites superficiais (9% dos casos) e úlceras de pele,
especialmente nos membros inferiores.
Dica
Lembrar de SAF sempre que houver um quadro clínico de mulher jovem
que chega ao pronto-socorro com acidente vascular encefálico isquêmico.
Importante
A síndrome de Sneddon é caracterizada pela presença de acidente vascular
encefálico isquêmico e livedo reticularis, e, em cerca de 50% dos casos,
anticorpos antifosfolípides são detectados.
Quadro clínico
O quadro clínico de SAF envolve eventos tromboembólicos (trombose
venosa profunda, tromboembolismo pulmonar, infarto agudo do miocárdio,
acidente vascular encefálico, ataque isquêmico transitório, síndrome de
Budd-Chiari e neuropatia óptica), além de plaquetopenia (por consumo),
livedo reticularis, tromboflebites superficiais, alterações cognitivas e
síndromes demenciais.
5. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial inclui, necessariamente, outras causas de
trombofilias. Dentre as congênitas, podem ser citados fator V de Leiden,
mutação de protrombina, deficiências de proteínas C e S, deficiência de
antitrombina III e hiper-homocisteinemia. As causas adquiridas mais
importantes de trombofilia são o uso de anticoncepcionais orais, terapia de
reposição hormonal, gravidez, neoplasias, traumas, cirurgias e imobilidade.
Na sua forma catastrófica, a SAF pode requerer diagnóstico diferencial com
quadros de púrpura trombocitopênica trombótica e coagulação intravascular
disseminada.
6. Tratamento
O tratamento inicial dos eventos trombóticos agudos relacionados à SAF é o
mesmo de qualquer outra trombose, requerendo anticoagulação com
heparina. Podem ser usadas tanto a heparina subcutânea de baixo peso
molecular em dose plena quanto a não fracionada em infusão intravenosa
contínua.
Em todos os pacientes com SAF confirmada, está indicada a anticoagulação
oral com varfarina em longo prazo, muitas vezes por tempo indeterminado,
dado o elevado risco de recorrência dos quadros trombóticos. A intensidade
de anticoagulação atualmente recomendada tem, como meta, a manutenção
do valor do INR (razão normatizada internacional) entre 2 e 3. Estudos
recentes demonstraram que, em pacientes com SAF, a manutenção do INR
nesses níveis é tão eficaz quanto em níveis mais agressivos (3 a 4) para a
prevenção de tromboses, não sendo indicada, portanto, anticoagulação de
alta intensidade em longo prazo na SAF. Vale ressaltar que os novos
anticoagulantes orais (como dabigatrana e rivaroxabana) têm sido estudados
no tratamento da SAF, porém ainda não há recomendação oficial para seu
uso nesses casos, como alternativa à varfarina. Quando houver
plaquetopenia (níveis >50.000/mm3), a anticoagulação oral tem as mesmas
metas.
Na gestação, a heparina e o ácido acetilsalicílico passam a ter papel central
no tratamento da SAF, dados os riscos do uso de varfarina durante a
gravidez. A gestantes com SAF definida e história de tromboses ou perdas
embrionárias precoces (antes da 10ª semana de gestação), recomenda-se o
uso de anticoagulação plena com heparina de baixo peso molecular
associada a baixas doses de ácido acetilsalicílico. Nos casos de gestantes
com SAF e história de perdas fetais após a 10ª semana, mas sem
antecedentes de tromboses, recomenda-se ácido acetilsalicílico durante a
gravidez, associado a doses profiláticas de heparina de baixo peso molecular.
Em gestantes com SAF e história de partos prematuros (antes da 34ª
semana), ou em gestantes portadoras de anticorpos antifosfolípides, mas sem
manifestações clínicas de SAF, pode-se usar somente ácido acetilsalicílico
durante a gravidez, especialmente no 2º e no 3º trimestres. Vale ressaltar que
o uso de corticoides no manejo da SAF durante a gravidez é contraindicado,
devido ao aumento de morbidade materna (pré-eclâmpsia e diabetes). Após
o parto, a anticoagulação deve ser iniciada assim que possível.
Em condições específicas, pode-se lançar mão de outras linhas terapêuticas.
Quadros de plaquetopenia grave podem requerer prednisona e
gamaglobulina intravenosa. Episódios de coreia e mielite transversa exigem
o emprego de pulsoterapia com metilprednisolona. Nos casos de SAF
catastrófica, há necessidade de terapêutica agressiva, incluindo, além da
anticoagulação com heparina, pulsoterapia com corticoide e plasmaférese. E,
em casos resistentes, o rituximabe ou eculizumabe pode ser utilizado.
Do ponto de vista profilático, em pacientes com LES portadores de
anticorpos antifosfolípides sem manifestações clínicas de SAF, pode-se
considerar o uso de ácido acetilsalicílico associado a cloroquina, embora a
eficácia dessa medida não tenha sido rigorosamente demonstrada nos
estudos realizados até o momento.
Em outubro de 2017, a Associação Pediátrica de Reumatologia da Europa
publicou o 1º consenso exclusivo de SAF em crianças (SHARE). Porém, as
evidências ainda são pequenas. O estudo objetivou o diagnóstico e
tratamento de SAF em crianças reunindo estudos previamente publicados. A
conclusão do consenso é que os critérios diagnósticos de SAF do adulto são
pouco sensíveis para a faixa pediátrica, e novos critérios são necessários
para tal faixa etária. Além disso, as recomendações sobre o tratamento são
semelhantes às dos adultos, apresentando contradições sobre a manutenção
do INR entre 3 e 4 em pacientes com eventos trombóticos arteriais, visto que
não existem estudos com evidência significativa na literatura.
Importante
SAF e gestação são assuntos muito abordados em provas.
Dica
Anticorpos positivos e/ou 1 perda <10 semanas: nenhum tratamento ou
AAS® 100 mg/d; anticorpos positivos e morbidade gestacional:
enoxaparina 1mg/kg/d + AAS® 100mg/d até 6 a 12 semanas do puerpério;
anticorpos positivos e trombose vascular: enoxaparina 1mg/kg a cada 12
horas + AAS® 100mg/d até 6 a 12 semanas do puerpério.
Resumo
Principais características laboratoriais e autoanticorpos das doenças
autoimunes
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Autoanticorpos
2. Padrões de imunofluorescência indireta
Resumo