Leucemias Agudas Na Infância e Adolescência
Leucemias Agudas Na Infância e Adolescência
Leucemias Agudas Na Infância e Adolescência
Incidência e Epidemiologia
A LLA é a leucemia mais frequente na criança e adolescente e
corresponde a cerca de 80% dos casos nesta faixa etária.
A sua taxa anual de incidência tem mostrado variações nas diferentes
partes do mundo, variando de 4 a 50 casos/milhão de crianças menores de 15
anos de idade. Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) estimaram 3.000
casos por ano de LLA no Brasil em crianças menores de 19 anos para os anos
de 2012-2013.
O pico de incidência ocorre entre 2 e 5 anos de idade, apresentando
uma prevalência discretamente maior em meninos (1,3:1).
Etiopatogenia
A etiopatogenia precisa da LLA é ainda desconhecida. Ela é uma
doença multifatorial, sendo necessária uma susceptibilidade genética inicial e
alterações em genes críticos para o desenvolvimento de células linfoides. Estas
alterações incluem translocações, deleções e mutações gênicas.
Menos de 5% dos casos está associado à predisposição genética.
Algumas síndromes genéticas incluindo as de Down, Bloom, Shwachman-
Diamond, Klinefelter, ataxia-telangectasia e neurofibromatose tipo 1 estão
associadas a maior predisposição para o desenvolvimento de LLA. Fatores
ambientais como radiação ionizante, agentes químicos (pesticidas, benzeno,
agentes alquilantes), vírus (EBV, HIV, HTLV3), ingestão materna de alimentos
e vegetais contendo altas doses de inibidores de topoisomerase II
(flavanóides), imunodeficiências, exposição a campos eletromagnéticos, uso
materno de álcool, contraceptivos, maconha, tabaco e exposição intrautero a
químicos e solventes tem sido associados de maneira controversa a maior
risco de desenvolvimento de LLA.
Em mais de 95% dos casos as anormalidades genéticas encontradas
são adquiridas, estando presente apenas nas células leucêmicas e
desaparecem durante a remissão. Estas anormalidades genéticas podem
apresentar implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas importantes.
Quadro Clínico
A apresentação clínica da LLA pode ser bastante variável e depende de
características biológicas e genéticas dos subtipos da doença. Os sintomas
podem ter gravidade variável, com duração destes sintomas de dias a meses.
Eles são decorrentes da infiltração medular pelas células leucêmicas, levando
a anemia, sinais de sangramento, infecções e eventualmente hiperleucocitose;
bem como infiltração extramedular que pode ocorrer em qualquer órgão ou
sistema. Anorexia é comum, mas perda de peso significante é infrequente em
crianças com LLA. Os principais achados clínicos observados ao diagnóstico
nas LLA são mostrados na tabela 1.
Outros sinais e sintomas observados nas LLA incluem alterações renais por
infiltração leucêmica ou nefropatia úrica, síndrome de compressão
mediastinal/veia cava superior (mais frequente em pacientes com LLA-T),
sintomas gastrointestinais, síndrome de lise tumoral, especialmente em
crianças com grande infiltração tumoral extra-medular e hiperleucocitose,
levando a hiperuricemia, hipopotassemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia.
Investigação diagnóstica
A investigação diagnóstica visa não só a confirmação do diagnóstico de
LLA, mas também a caracterização biológica, imunológica, genético-molecular,
avaliação de disseminação extramedular e de fatores de risco e consequente
classificação em grupo de risco para receber terapia mais ou menos intensiva,
bem como a avaliação de distúrbios hidroeletrolícos que podem acompanhar
as LLA.
Em geral o hemograma é o primeiro exame a ser solicitado, ele fornece
informações importantes que levam o médico a suspeita do diagnóstico de
leucemia aguda. São comuns os achados de anemia normocítica e
normocrômica e trombocitopenia. Alterações dos glóbulos brancos são
frequentes e podem variar de leucopenia a grandes leucocitoses, em geral
associadas a neutropenia e presença em porcentagens variadas de blastos no
sangue periférico. Vale ressaltar que as alterações hematológicas podem ser
leves e em cerca de 20-30% dos casos não são observados blastos no sangue
periférico. As frequências dos achados de hemograma observados ao
diagnóstico de LLA são mostradas na tabela 2.
Hemoglobina
<7 g/dl 43%
7-11 g/dl 45%
>11 g/dl 12%
Contagem de plaquetas
<20.000/mm3 28%
20.000-100.000/mm3 47%
>100.000/mm3 25%
*Adaptado de Rabin KR, Gramatges MM, Margolin JF, Poplack, DG, 2015.
Classificação OMS
Leucemia/linfoma linfoblástico B
Leucemia/linfoma linfoblástico B, NOS
Leucemia/linfoma linfoblástico B com anormalidades genéticas recorrentes
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(9;22)(q34;q11.2);BCR-ABL1
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(v;11q23); rearranjo MLL
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(12;21)(p13;q22) ETV6-RUNX1
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com hiperdiploidia
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com hipodiploidia
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(5;14)(q31;q32) IL3-IGH
• Leucemia/linfoma linfoblástico B com t(1;19)(q23;p13.3);TCF3-PBX1
Leucemia/linfoma linfoblástico B BCR-ABL1-like (entidade provisória)
Leucemia/linfoma linfoblástico B com iAMP21 (entidade provisória)
Leucemia/Linfoma Linfoblástico T
Leucemia/Linfoma early T-cell precursor (entidade provisória)
Leucemia/Linfoma linfoblástico de células natural killer (NK) (entidade
provisória)
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial deve ser feito com patologias que apresentam
sinais e sintomas comumente observados em crianças com leucemias agudas
como alterações hematológicas, adenomegalia e hepatoesplenomegalia. Estas
patologias podem ser benignas, e incluem doenças infecciosas como
mononucleose infecciosa, citomegalovírus, AIDS, coqueluche, leishmaniose
visceral; doenças imunológicas como púrpura trombocitopênica imune, lúpus
eritematoso sistêmico, artrite reumatoide juvenil; doenças associadas à falência
hematológica como neutropenias congênitas ou adquiridas, citopenias imunes,
aplasia de medula óssea e outras síndromes de falência medular. Neoplasias
malignas que podem infiltra medula óssea também devem ser lembradas e
incluem leucemia mieloide aguda, linfomas, sarcoma de Ewing, retinoblastoma,
neuroblastoma, rabdomiossarcoma, síndrome mielodisplásica e outras doenças
mieloproliferativas.
Fatores Prognósticos
Vários fatores clínicos e laboratoriais presentes ao diagnóstico, bem
como fatores de resposta precoce a terapia de indução apresentam valor
prognóstico. A identificação destes fatores é fundamental para estratificação
dos pacientes em grupo de risco e para o desenvolvimento de protocolos mais
racionais de tratamento.
Dos critérios clínicos, idade e leucometria ao diagnóstico são os mais
amplamente usados. Pacientes com idade inferior a 12 meses e maiores que 9-
10 anos, bem como aqueles com leucometria >50.000/mm3 ao diagnóstico
tendem a apresentar doença mais agressiva e em geral são estratificados para
protocolos de alto risco de recidiva. Outros critérios clínicos como sexo,
raça/etnia, estado nutricional, infiltração de SNC e grandes adenomegalias e
hepatoesplenomegalias tem sido associadas de forma variada a maior risco de
recaída.
Características biológicas dos blastos leucêmicos como perfil
imunofenotípico e alterações genético-moleculares também tem sido
associadas a prognóstico. Pacientes portadores de imunofenótipo T,
especialmente o subtipo ETP, e pró-B apresentam menores taxas de sobrevida
em 5 anos. Presença de hiplodiploidia, deleção do gene IKZF1, iAMP21,
translocações envolvendo o gene MLL e presença de t(9;22) também tem sido
associados a maior chance de recidiva e menor sobrevida.
A velocidade de resposta ao tratamento, medida através da queda do
número de células leucêmicas no sangue periférico e medula óssea é também
um indicador importante de prognóstico. Os critérios que têm sido mais
comumente utilizados para medir a velocidade de resposta são contagem de
blastos no sangue periférico após uma semana de utilização de
corticosteroides e terapia intra-tecal. A presença de >1.000 blastos/mm3 está
associada a maior risco de recaída. O status da medula óssea nos dias 14 e 35
da terapia de indução também está associado a prognóstico. A presença de
>25% de blastos leucêmicos no dia 14 e > 5% no dia 28 estão associados com
menor sobrevida.
Mas recentemente, a detecção e quantificação de células blásticas
abaixo do limite obtido pela citologia convencional, a chamada doença residual
mínima (DRM), tem se mostrado o fator prognóstico independente mais
importante em crianças com LLA. O estudo da DRM pode ser feito através de
diferentes técnicas como citometria de fluxo e técnicas moleculares como a
reação em cadeia da polimerase (PCR). Diversos grupos tem mostrado que
pacientes com níveis de DRM ao final da terapia de indução maiores que 0,1-
1% apresentam alta chance de recidiva e menor sobrevida.
Tratamento
A LLA é uma doença heterogênea e deve ser tratada de acordo com
estratificação de risco baseada em fatores prognósticos clínico-laboratoriais,
genético-moleculares e de resposta medular precoce. Estudos clínicos
recentes tem mostrado taxas de sobrevida livre de doença em 5 anos acima de
80%, sendo em geral maiores que 85-90% para os pacientes classificados
como baixo risco e 65-75% para aqueles classificados com alto risco.
Leucemias em lactentes, com deleção do gene IKZF1, hipodiplóides e com
presença de t(9;22) apresentam menores chances de sobrevida. O grande
desafio está em reduzir os efeitos tardios relacionados ao tratamento. Na
tentativa de balancear risco/benefício, protocolos mais ou menos intensos são
propostos para pacientes com maior ou menor risco de recaída de acordo com
os critérios prognósticos discutidos acima.
De modo geral a terapia da LLA é composta de 4 diferentes fases de
tratamento: indução, intensificação (consolidação/re-indução), profilaxia de
sistema nervoso central (SNC) e manutenção.
Na terapia de indução, que tem a duração na maioria dos protocolos de
28 a 35 dias, a intensão é fazer com que o paciente atinja a remissão, definida
pela ausência de sinais de leucemia avaliado por exame físico e hematológico
e pela presença de menos de 5% de blastos leucêmicos na medula óssea ao
final desta fase. Geralmente são utilizadas 4 drogas (corticosteroide, vincristina,
antracíclico e L-asparaginase). Após atingir a remissão, a terapia de
intensificação é necessária para prevenir recaída. A função da terapia nesta
fase é manter uma citorredução contínua, suprimindo o crescimento leucêmico
e impedindo o surgimento de clones leucêmicos resistentes ao tratamento.
Diferentes períodos de intensificação, utilizando terapia multimodal são usados
para evitar o desenvolvimento de resistência às drogas. Esta fase tem em
geral, duração de 4 a 8 meses na dependência do protocolo utilizado.
Protocolos mais atuais tem baseado a intensidade da terapia de intensificação
em critérios de resposta medular precoce, especialmente doença residual
mínima, estratificando pacientes em grupo de bom respondedor ou
respondedor lento. A fase de profilaxia do SNC se baseia no conceito de que o
SNC funciona como um santuário, onde as células blásticas são protegidas
pela barreira hematoencefálica das concentrações das drogas administradas
sistemicamente. Nesta fase são utilizadas diferentes abordagens, que se
iniciam na indução e são efetuadas durante todo o tratamento. Estas
abordagens incluem a terapia intratecal, onde drogas (metrotrexate,
corticosteroides e citarabina) são administradas diretamente no espaço
intratecal, intensificação de doses administradas sistemicamente,
especialmente metrotrexate e citarabina, e em casos selecionados radioterapia.
Após a intensificação, uma terapia de manutenção é mantida por 2 a 3 anos.
Em geral esta terapia está baseada no uso contínuo de baixas doses de 6-
mercaptopurina e metrotrexate, associado ou não a pulsos de outras drogas. O
transplante de medula óssea tem sido reservado para pacientes com leucemias
de muito alto risco, com altos índices de DRM durante a terapia de
intensificação e leucemias recidivas, especialmente recidivas precoces.
Para os subgrupos de leucemias de linhagem T, de lactentes
(especialmente com rearranjos do gene MLL) e pacientes com t(9;22),
protocolos específicos tem sido utilizados pela maioria dos grupos de
tratamento na tentativa de aumentar a sobrevida livre de doença.
Incidência e epidemiologia
A leucemia mieloide aguda (LMA) corresponde a um grupo heterogêneo
de leucemias com prognósticos bastante distintos. Corresponde a 15-20% das
leucemias em pacientes menores de 15 anos, porém é responsável por um
terço das mortes por leucemia. Apresenta uma incidência variável nas
diferentes partes do mundo, variando de 2 (Kwait) a 14,4 (Nova Zelândia) por
milhão/ano em menores de 15 anos. Alguns subtipos de LMA parecem estar
associados a diferentes grupos étnicos. Hispânicos e chineses apresentam
uma incidência significantemente maior de leucemia promielocítica aguda
quando comparados a outros grupos.
A LMA acomete igualmente meninos e meninas e sua incidência varia
com a idade, apresentando na faixa pediátrica uma incidência maior e crianças
menores de 1 ano de idade e adolescentes. Entretanto a incidência da doença
aumenta dramaticamente em pacientes acima de 50 anos de idade.
Etiopatogenia
De forma semelhante ao discutido acima para as LLA, diferentes fatores
genéticos e ambientais tem sido relacionados ao desenvolvimento de LLA na
criança e no adolescente. Em crianças a LMA em geral ocorre de novo, sendo
que leucemias secundárias são raras e quando ocorrem em geral são
precedidas por evolução clonal de doenças miloproliferativas, especialmente
síndrome mielodisplásica e leucemia mielomonocítica juvenil. Algumas
síndromes genéticas como anemia de Fanconi, Bloom, ataxia-telangectasia,
Noonan e neurofibromatose tipo 1 estão associadas a maior risco de
desenvolvimento de LMA. Crianças com síndrome de Down apresentam um
risco 500-600 vezes maior de desenvolver leucemia megacarioblástica aguda
até os 3 anos de idade que a população não Down. Este aumento de incidência
está associado à mutação somática do gene GATA1, frequente nestes
pacientes. Esta leucemia usualmente é altamente sensível à quimioterapia com
um bom índice de sobrevida. A síndrome de Down também está associada
com uma alteração mielóide específica chamada mielopoiese anormal
transitória (TAM), que ocorre em cerca de 10% dos neonatos e que é
clinicamente semelhante a leucemia megacarioblástica aguda, porém
geralmente com resolução espontânea em poucas semanas.
Aproximadamente 20-30% dos pacientes com TAM irão desenvolver leucemia
megacarioblástica aguda até os 4 anos de idade.
Entre os fatores ambientais são de importância a exposição a radiação
ionizante, uso de agentes alquilantes e inibidores de topoisomerase II. O uso
de alimentos ricos em inibidores de topoisomerase II (flavanóides e catecinas)
pela mãe durante a gestação tem sido associado a aumento de LMA com
rearranjo de MLL. Exposição a carcinógenos como benzeno, pesticidas,
derivados de petróleo e metais pesados também tem sido associados a uma
maior chance de desenvolvimento de LMA.
Anormalidades genéticas adquiridas são frequentes em LMA e de
forma semelhante ao observado nas LLA, podem apresentar implicações
diagnósticas, terapêuticas e prognósticas importantes.
Quadro Clínico
A LMA se apresenta com uma variedade de sinais e sintomas
resultantes da infiltração das células leucêmicas nos diferentes órgãos e
tecidos. A substituição das células hematopoiéticas normais da medula óssea
por blastos irá resultar em anemia, neutropenia e plaquetopenia, levando a
palidez, fadiga, infecções e sangramento. Hepatoesplenomegalia tem sido
observada em metade dos casos e linfadenomegalia em cerca de 10-20% dos
pacientes. Infiltração de pele (leukemia cutis) e hipertrofia gengival também
podem ser observadas.
Presença de coleções tumorais de mieloblastos, conhecidas como
sarcomas granulocíticos ou cloromas, podem ocorrer isoladamente ou
acompanhar infiltração medular. Podem aparecer em qualquer sítio anatômico,
porém são mais comuns em ossos, pele, região retro orbitária, região
paravertebral, parênquima cerebral e testículos. Estão mais frequentemente
associados às leucemias com translocação envolvendo o gene MLL, com
t(8;21) e inv(16), mas podem ocorrer em outros subtipos.
Hiperleucocitose (>100.000 glóbulos brancos/mm3) tem sido reportada
em cerca de 20% das crianças. Os sintomas mais frequentemente observados
incluem alterações neurológicas e respiratórias associadas à leucoestase e
complicações metabólicas, especialmente síndrome de lise tumoral. São mais
frequentes nos subtipos M1, M4, M5, inv(16) e com FLT3-ITD.
Coagulopatia pode ser observada em qualquer subtipo de LMA, mas é
mais frequente nos subtipos FAB M4, M5 e especialmente na leucemia
promielocítica aguda (M3). Reconhecimento e tratamento precoce desta
complicação é crítico, especialmente em pacientes com LMA M3. Inicio
precoce de ácido transretinóico (ATRA) nos pacientes com leucemia
promielocítica aguda, bem como suporte agressivo com hemoderivados são
fundamentais para reduzir o risco de sangramento severo e óbito nestes
pacientes.
Investigação diagnóstica
De forma semelhante ao discutido anteriormente para as LLA, a
investigação diagnóstica é importante não só para a confirmação diagnóstica,
mas também para a caracterização biológica, imunológica, genético-molecular,
avaliação de disseminação extramedular e determinação de fatores de risco.
Hemograma, coagulograma, exame do líquor cefarraquidiano, exames
de imagem, exames para avaliação de função renal, hepática, desidrogenase
láctica, eletrólitos, gasometria, glicemia, amilase, dosagem de ácido úrico e
sorologias devem ser solicitados para a avaliação inicial de todos os casos.
Análise da medula óssea por mielograma ou biópsia é exame essencial
para o diagnóstico de LMA, sendo necessária a presença de mais de 20% de
blastos mieloides no aspirado para a confirmação diagnóstica. A distinção
precisa do subtipo de LMA é feita através da análise morfológica/citoquímica,
associada à imunofenotipagem. Os marcadores frequentemente usados para a
imunofenotipagem incluem marcadores de linhagem mieloide (Cd11b, CD13,
CD14, CD15, CD33, CD64 e CD48), de linhagem eritroide (glicoforina A e
hemoglobina A), de linhagem megacariocítica (CD36, CD41, CD42, CD61) e de
células tronco (CD34, CD117). Esta classificação foi proposta pelo grupo FAB
(franco-americano-britânico) e diferencia 8 subtipos específicos (tabela 6)
Classificação FAB
M0 - Leucemia mieloblástica aguda indiferenciada
M1 - Leucemia mieloblástica aguda sem maturação
M2 - Leucemia mieloblástica aguda com maturação
M3 - Leucemia promielocítica aguda ou promielocítica
M4 - Leucemia mielomonocítica aguda
M4Eo- variante eosinofílica
M5 - Leucemia monocítica aguda
M6 - Leucemia eritroide aguda ou Eritroleucemia
M7 - Leucemia megacarioblástica aguda
Fatores prognósticos
Alguns fatores clínicos têm sido associados a prognóstico desfavorável
em LMA da criança do e adolescentes e incluem leucometria inicial
>100.000/mm3, raça (negros e hispânicos) e menor velocidade da resposta a
terapia de indução avaliada após o primeiro ciclo e analisado através de
morfologia convencional ou mais recentemente por doença residual mínima
utilizando marcadores genético-moleculares presentes ao diagnóstico ou por
imunofenotipagem através de citometria de fluxo. De forma diferente do
observado para as LLA, a detecção e interpretação dos níveis de DRM em
LMA são mais complexas e ainda não estão completamente estabelecidas.
Pacientes com Síndrome de Down, menores que 4 anos de idade apresentam
um prognóstico mais favorável, com índices de sobrevida em 5 anos maiores
de 80%
Características genético-moleculares também têm sido associadas a
prognóstico: presença de t(8;21), inv(16) e t(15;17) estão associados a índices
de sobrevida maiores que 70-80%. Mutações dos genes NPM1 e bialélica do
CEBPA também tem sido relacionadas a prognóstico mais favorável.
Monossomia do cromossomo 7, do 5, del(5q), inv(3), translocações específicas
envolvendo o gene MLL [t(4;11), t(6;11) e t(10;11)], mutação do gene WT1 e
presença de FLT3-ITD tem sido associados a prognóstico desfavorável.
Tratamento
Apesar da grande evolução no conhecimento dos mecanismos que
levam ao desenvolvimento das LMA, em comparação as LLA, o seu
prognóstico ainda é reservado, com sobrevida global livre de doença em 5
anos variando de 30-60% nos diferentes protocolos de tratamento. Este
prognóstico desfavorável está associado principalmente à resistência intrínseca
das células blásticas aos quimioterápicos comumente utilizados e a alta
mortalidade associada às complicações advindas do tratamento, especialmente
infecciosas e coagulopatias.
Classicamente o tratamento da LLA é composto de 2 fases, a indução
da remissão e consolidação/intensificação. A grande maioria dos protocolos
utiliza durante a terapia de indução 2 ciclos de citarabina e antracíclicos,
acrescidos ou não de etoposide. Na fase de consolidação/intensificação em
geral são utilizadas altas doses de citarabina acrescidos de antracíclicos e
etoposide por um período de 4 a 6 meses. O uso de quimioterapia em baixas
doses de manutenção após a fase de consolidação/intensificação, como
utilizadado nas LLA, parece não alterar a sobrevida dos pacientes com LMA e
não tem sido usado pela maioria dos grupos cooperativos. Exceção feita às
leucemias promielocíticas agudas, onde a terapia de manutenção utilizando
ciclos de ácido transretinóico (ATRA), associado a 6-mercaptopurina e
metotrexate tem sido amplamente utilizada por diferentes protocolos de
tratamento.
O uso de transplante alogênico de medula óssea (TMO) em primeira
remissão tem sido reservado para pacientes com LMA de alto risco. São
considerados como de alto risco pacientes com cariótipo complexo, -7, -5,
del(5q), presença de FLT3-ITD sem mutação do NPM1, resposta morfológica
pobre ao final da terapia de indução ou manutenção de altos índices de DRM.
Pacientes recidivados e com LMA secundária ao tratamento ou síndrome
mielodisplásica também são candidatos a TMO.
Alguns subtipos de LMA possuem particularidades biológicas e devem
ser tratados com protocolos diferenciados. Na leucemia promielocítica aguda, o
acréscimo de agentes de diferenciação como o ATRA e eventualmente o
trióxido de arsênico, associado à quimioterapia (antracíclicos ± citarabina) nas
fases de indução e intensificação e uso de terapia de manutenção com ATRA,
6-mercaptopurina e metotrexate elevou a sobrevida livre de doença em 5 anos
destes pacientes para 85-90%.
Em pacientes com síndrome de Down e leucemia megacarioblástica
aguda, o uso regimes quimioterápicos menos intensivos, com redução de dose
é capaz de elevar a sobrevida destes pacientes em 80-90%.
Para pacientes com LMA secundária a uso de inibidores de
topoisomerase II e agentes alquilantes, bem como as LMA secundárias a
síndrome mielodisplásica, o uso de transplante alogênico de medula óssea
parece ser até o momento a melhor opção terapêutica.
Devido aos altos índices de complicações, especialmente infecção
bacteriana severa, infecção fúngica invasiva e complicações hemorrágicas o
tratamento das LMA deve ser reservado a centros de alta complexidade para
que as melhores chances de cura possam ser atingidas.
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