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Anais Do 2 Encontro Ensinar Historia

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Anais do 2º Encontro Ensinar História

Arnaldo Martin Szlachta Junior


Camila Alice Diógenes Barbosa (Org)
UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – UPE
REITORA
Profa. Dra. Maria do Socorro de Mendonça Cavalcanti
VICE-REITOR
Prof. José Roberto de Souza Cavalcanti

CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – EDUPE


MEMBROS INTERNOS
Prof. Dr. Ademir Macedo do Nascimento
Prof. Dr. André Luis da Mota Vilela
Prof. Dr. Belmiro Cavalcanti do Egito Vasconcelos
Prof. Dr. Carlos André Silva de Moura
Profa. Dra. Danielle Christine Moura dos Santos
Profa. Dra. Emilia Rahnemay Kohlman Rabbani
Prof. Dr. José Jacinto dos Santos Filho
Profa. Dra. Márcia Rejane Oliveira Barros Carvalho Macedo
Profa. Dra. Maria Luciana de Almeida
Prof. Dr. Mário Ribeiro dos Santos
Prof. Dr. Rodrigo Cappato de Araújo
Profa. Dra. Rosangela Estevão Alves Falcão
Profa. Dra. Sandra Simone Moraes de Araújo
Profa. Dra. Silvânia Núbia Chagas
Profa. Dra. Sinara Mônica Vitalino de Almeida
Profa. Dra. Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Prof. Dr. Waldemar Brandão Neto
MEMBROS EXTERNOS
Profa. Dra. Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento - Universidade Tiradentes (Brasil)
Profa. Dra. Gabriela Alejandra Vasquez Leyton - Universidad Andres Bello (Chile)
Prof. Dr. Geovanni Gomes Cabral - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Brasil)
Profa. Dr. Gustavo Cunha de Araújo - Universidade Federal do Norte do Tocantins (Brasil)
Prof. Dr. José Zanca - Investigaciones Socio Históricas Regionales (Argentina)
Profa. Dra. Letícia Virginia Leidens - Universidade Federal Fluminense (Brasil)
Prof. Dr. Luciano Carlos Mendes de Freitas Filho - Instituto Federal da Bahia (Brasil)
Prof. Dr. Pedro Gil Frade Morouço - Instituto Politécnico de Leiria (Portugal)
Prof. Dr. Rosuel Lima-Pereira - Universidade da Guiana - França Ultramarina (Guiana Francesa)
Profa. Dra. Verónica Emilia Roldán - Università Niccolò Cusano (Itália)
Prof. Dr. Sérgio Filipe Ribeiro Pinto - Universidade Católica Portuguesa (Portugal)
DIRETOR CIENTÍFICO E COORDENADOR
Prof. Dr. Carlos André Silva de Moura
SECRETÁRIO EXECUTIVO
Felipe Ramos da Paixão Pereira Rocha
ASSISTENTE ADMINISTRATIVO
Renan Cortez da Costa
DIAGRAMADOR E DESIGNER
Aldo Barros e Silva Filho
Catalogação na Fonte (CIP)
Universidade de Pernambuco
Núcleo de Gestão de Bibliotecas e Documentação - NBID
Elaborado por Claudia Henriques CRB4/1600

E56 Encontro Ensinar História (2. : 2023 : Universidade de Pernambuco) II


Encontro Ensinar História, 4 a 6 de setembro de 2023 / Organização de
Arnaldo Martin Szlachta Junior e Camila Alice Diógenes Barbosa. -- Recife
: EDUPE, 2024.

221 p.
ISBN: 978-65-85651-43-1
[recurso eletrônico]

1. Universidade pública - Eventos 2. História - Estudo e ensino - Brasil. 3.


Aprendizagem. I. Título.

CDD: Ed. 23 -- 907


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 6
O ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DA PERSPECTIVA DECOLONIAL:
9
PROTAGONISMO NEGRO NOS LIVROS DIDÁTICOS
DIÁLOGOS ENTRE HISTÓRIA E LITERATURA:
18
UMA ANÁLISE SOBRE ESCRITORES NORDESTINOS NO ENSINO DE HISTÓRIA EM PERNAMBUCO
MEMORIAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA: POR QUÊ? 27
A REVOLUÇÃO HAITIANA E O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DA PRODUÇÃO
35
DE MATERIAL DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
ENSINO DE HISTÓRIA E SABERES HISTÓRICOS NO ESPAÇO ESCOLAR – A REPÚBLICA
43
DE PERNAMBUCO A PARTIR DO TRABALHO COM FONTES EM SALA DE AULA (1817-1824)
ENSINO DE HISTÓRIA E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O CASO DO FORTE
54
DE NOSSA SENHORA DOS PRAZERES DE PAU AMARELO NO MUNICÍPIO DO PAULISTA – PE
SABERES HISTÓRICOS EM PERSPECTIVA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA A PARTIR DO PIBID-UFPE 61
CARTOGRAFIA E MAPEAMENTO: IMPLICAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA 68
FRANCISCO BRENNAND, EGIPTOMANIA E ENSINO. 77
EDUCAÇÃO E MILITARISMO: UM BREVE ESTUDO SOBRE
88
A IMPLANTAÇÃO DO COLÉGIO DA POLÍCIA MILITAR DA PARAÍBA
O ENSINO DE HISTÓRIA E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DO ALUNO DO ENSINO FUNDAMENTAL 97
AS NOVAS ABORDAGENS SUBMETIDAS AOS LIVROS DIDÁTICOS NO ENSINO HISTÓRIA:
106
O RETRATO DA DEFASAGEM EDUCACIONAL PERANTE O ENSINO ESTADUAL
A FORMAÇÃO CONTINUADA E O FORTALECIMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA. 112
ASSOMBRAÇÕES DO RECIFE CONTAM HISTÓRIAS: O HORROR COMO NARRATIVA 120
A LUTA PELA IGUALDADE DE GÊNERO NO ENSINO BÁSICO:
130
UMA VIVÊNCIA DO NÚCLEO MARTA DE HOLLANDA
ENSINO DE HISTÓRIA, SABERES TRADICIONAIS E RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA 137
UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS ETNICO-RACIAIS PRESENTES NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA DAS
144
CULTURAS DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO/PE A PARTIR DA LEI 11.645/08
HISTÓRIA VISTA DE BAIXO NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
149
QUE TIPO DE HISTÓRIA PRECISAMOS ENSINAR AOS ALUNOS?
A PRÁTICA PARA ALÉM DA TEORIA: A RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA
159
E AS POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DA ARTE
MOVIMENTO BREGA E PATRIMÔNIO: LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA 168
O DIÁRIO DE ANNE FRANK E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA: ENSINO DE HISTÓRIA E TRAUMAS COLETIVOS. 177
MULHERES E ESPAÇO ESCOLAR: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS
186
RELAÇÕES FEMININAS EM ESCOLAS EM CABEDELO (PB).
O ENSINO DO ANTIGO EGITO NA PARAÍBA: UMA PERSPECTIVA
193
DO PROFESSOR DE HISTÓRIA SOB AS LENTES DA PROPOSTA CURRICULAR
TRADUZIR O SABER HISTÓRICO ESCOLAR EM MEMES: A PRODUÇÃO DE MEMES POR ESTUDANTES DO
201
ENSINO MÉDIO INTEGRADO NAS AULAS DE HISTÓRIA DO IFPE CAMPUS AFOGADOS DA INGAZEIRA.
PROJETO DE INTERVENÇÃO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA:
207
NARRATIVAS E CONTOS NO ENSINO DE HISTÓRIA
LUGARES DE MEMÓRIA, UM OLHAR AFETIVO PARA A EDUCAÇÃO
213
PATRIMONIAL - A EXPERIÊNCIA PIBID DA EREM SANTOS DUMONT
APRESENTAÇÃO
Ao longo dos anos, a “Ciência da História” volveu seus olhos quase que exclusivamente para a pesquisa
em si mesma, escanteando o que chamamos de Didática da História; tal bifurcação de saberes restringiu esse
último à área de pesquisa da Educação sem relação com a dita pesquisa histórica. Com a renovação de pensa-
mentos sobre o conhecimento da história e ao notar essa ausência de historiadores pesquisando sobre a forma
de se ensinar história, nomes como Jorn Rüssen, Isabel Barca, Bodo von Borries e a brasileira Maria Auxiliadora
Schmidt passam a observar, pensar e redigir sobre o tema. Mesmo sendo uma área de pesquisa muito jovem, a
Didática da História vem ganhando cada vez mais espaço dentro das salas de aula da graduação, Programas de
Pós-Graduação e mini-cursos para professores de rede básica, ainda que de forma bem tímida.
Foi visando trocas de experiências, promoção de diálogos e divulgação desse campo de estudo que, em
parceria, a Universidade Federal de Pernambuco, a Universidade Federal Rural de Pernambuco, a Universidade
de Pernambuco, seus respectivos Programas de Pós-Graduação em História, o ProfHistória e a Edupe dão vida
ao projeto “Ensinar História”, que ocorreu entre os dias 4, 5 e 6 de setembro de 2023, três dias de intensos
debates e aprendizados que contou com palestras, oficinas, simpósios temáticos e, por fim, este livro.
O trabalho de abertura do livro é intitulado “O Ensino de História a partir da perspectiva decolonial:
protagonismo negro nos livros didáticos”, o qual parte de uma atividade realizada durante o Programa de
Residência Pedagógica pela UPE do Campus Mata Norte e Petrolina, escrito por Rebeka Alves, e procura fazer
uma análise da coleção “História, Sociedade e Cidadania” utilizado nos 9º anos da Escola Municipal Pio X em
Carpina-PE, focando na prática decolonial de ensino ao refletir sobre o protagonismo negro nos livros didáticos.
A segunda pesquisa, “Diálogos entre História e Literatura: uma análise sobre escritores nordestinos
no Ensino de História em Pernambuco” parte de um PIBIC/UFPE financiado pela CNPq. Nela, a autora,
Camila Barbosa, analisa sobre como é apresentado o ensino de história através da literatura como fonte e
elemento identitário no Currículo de Pernambuco do Ensino Médio feito em função da implementação do
Novo Ensino Médio.
O próximo trabalho chama-se “Memórias no Ensino de História: por que?” realizado pelo mestrando
da UFPE, Thiago Barbosa, que reuniu apontamentos e considerações sobre a produção de memoriais como
espaços de reflexão e apropriação de saberes históricos.
Seguindo, temos a pesquisa de Isadora Bonina e Laura Sanguinette cujo título é “A revolução Haitiana
e o ensino de história através da produção de material didático-pedagógico”. Nela, as pesquisadoras apresentam
um material construído para auxiliar no ensino de história, nesse caso especificamente sobre a Revolução do
Haiti, por meio da plataforma Notion.
O quinto trabalho foi realizado por Carolina Cardoso e chamado “Ensino de História e saberes his-
tóricos no espaço escolar – A república de Pernambuco a partir do trabalho com fontes em sala de aula (1817-
1824)” do qual propõe explorar fontes primárias sobre a Revolução de 1817 e da Confederação do Equador,
em 1824, com a finalidade de promover contextualizações, construções históricas e noções do espaço-tempo.
Em seguida temos o projeto de pesquisa para mestrado de título “Ensino de História e Educação
Patrimonial: o caso do Forte de Nossa Senhora dos Prazeres de Pau Amarelo no município de Paulista-PE”
produzido pelo mestrando Romero Carvalho e a doutora Juliana Andrade que visa resgatar e valorizar o patri-
mônio histórico de Paulista através do Ensino de História buscando formar pensamento crítico e histórico nos
estudantes através do encontro com o patrimônio regional.
O próximo é um relato de vivência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
das alunas de graduação Karolina Cavalcanti e Lays da Silva. Com o título “Saberes Históricos em perspectiva:
um relato de experiência a partir do PIBID-UFPE”, as autoras trouxeram reflexões sobre os três eixos dos saberes
históricos: Ensino de História, História Pública e Educação Patrimonial.

II Encontro
6 Ensinar História
Seguidamente, o trabalho da graduanda Maria Fernanda Cavalcanti, “Cartografia e Mapeamento:
implicações no ensino de história”, discute sobre a necessidade de descentralizar a ciência da cartografia do
ensino de Geografia procurando enquadrá-la também na análise histórica.
Na sequência, temos a pesquisa de nome “Francisco Brennand, Egiptomania e Ensino”, produzida
por Otavio Ferreira com apoio financeiro da Fundação de Amparo de Pernambuco. O trabalho busca histo-
ricizar as reinterpretações de elementos da cultura egípcia nas obras “Esfinge” e “Obelisco” do artista plástico
Francisco Brennand.
O décimo texto contém o trabalho de título “Educação e Militarismo: um breve estudo sobre a
implantação do Colégio da Polícia Militar da Paraíba”, escrito por Maria do Socorro França, a qual faz parte
do programa de mestrado profissional em Ensino de História (ProfHistória) e tem como objetivo apresentar
como está sendo implementado o modelo dos Colégios da Polícia Militares na Paraíba.
Seguindo, temos a pesquisa de Walter França Filho, intitulada “O Ensino de História e a sua influência
na formação do aluno do Ensino Fundamental”, que trata das diversas contribuições que o Ensino de História
pode dar para a formação histórica dos alunos de Ensino Fundamental partindo do artigo 32 da LDB: a for-
mação cidadã.
O próximo trabalho tratará sobre a realidade da defasagem educacional no Ensino Público Estadual
focando nas escolas localizadas em regiões periféricas, assim, Isabela Goiana, busca analisar em “As novas aborda-
gens submetidas aos livros didáticos no Ensino de História: o retrato da defasagem educacional perante o Ensino
Estadual” a qualidade, criticidade, metodologia e os caminhos para a reflexão que os materiais didáticos devem
possuir partindo da perspectiva do filósofo e educador Nilson José Machado e da historiadora Circe Bittencourt.
A pesquisa seguinte tem o título “A formação continuada e o fortalecimento do Ensino de História na
Educação Básica”, escrita por Gustavo Lima, do qual propõe investigar a importância da formação continuada
de professores de história da Educação Básica, identificando seus limites e possibilidades, o contexto inserido e
seu papel na qualificação e desenvolvimento profissional do professor.
João Eduardo Leandro, em “Assombrações do Recife contam histórias: o horror como narrativa” trata
do imaginário popular pernambucano nas conhecidas “assombrações do Recife” para discutir sobre a influência
do horror na sociedade partindo para a sala de aula através de uma série de Aulas-Oficinas.
No trabalho “A luta pela igualdade de gênero no Ensino Básico: uma vivência do núcleo Marta de
Hollanda”, a mestranda Ana Mendonça Marques traz seu relato de experiência como professora e coordenadora
do núcleo Marta de Hollanda, em Vitória de Santo Antão-PE, apresentando a importância dos debates sobre
as relações de gênero durante as aprendizagens escolares relacionando-as ao Ensino de História.
O projeto de mestrado das mestrandas Olga Mendonça e Tatiana Moura, com título “Ensino de História,
saberes tradicionais e religiosidade afro-brasileira”, visa analisar o ensino de religiões de matrizes africanas no
contexto educacional de Pernambuco, explorando a interseção entre o currículo, as práticas em sala de aula e
o combate ao racismo religioso.
Claudiane Pereira apresenta seu projeto de pesquisa chamado “Uma análise das temáticas etnico-ra-
ciais presentes no currículo de história das culturas do município de Vitória de Santo Antão-PE a partir da lei
11.645/08”, o qual busca compreender quais saberes são privilegiados nesse currículo e qual noção de currículo
o município trabalha.
Em seguida, os autores Silvânia Pina e Humberto Miranda propõem uma reflexão sobre quais são
os significados de uma abordagem da história dos subalternos no ensino da Educação Básica no Brasil com a
pesquisa “História vista de baixo na Educação Básica: que tipo de história precisamos ensinar aos alunos?”.
No trabalho “A prática para além da teoria: A residência pedagógica e as possibilidades para o Ensino de
História através da arte”, Ismaelene Santos e Luan Nascimento discutem as experiências iniciais no Programa

II Encontro
Ensinar História 7
de Residência Pedagógica visando meios de ensinar história através das obras da Exposição Necrobrasiliana
promovida pela FUNDAJ.
Em “Movimento Brega e Patrimônio: limites e possibilidades para o Ensino de História”, Frederico
da Silva Neto explora a dimensão política e cultural do patrimônio, destacando a marginalização de práticas
culturais diversas na história brasileira discutindo a relação entre a patrimonialização do movimento brega e o
ensino de história.
No vigésimo trabalho deste livro, de título “O Diário de Anne Frank e a Didática da História: Ensino
de História e traumas coletivos”, a mestranda pelo ProfHistória Karine Silva e o doutor Karl Schurster tratam
da análise do uso didático do “Diário de Anne Frank” para o Ensino de História.
A mestranda pelo ProfHistória, Morgana Silva, apresenta em “Mulheres e espaço escolar: uma análise
histórica das relações femininas em escolas em Cabedelo-PB” seu projeto de pesquisa, o qual analisa as mulheres
que fazem parte do ambiente escolar e qual o papel desempenhado por elas na construção de discursos mais
igualitários.
No texto “O ensino do Antigo Egito na Paraíba: uma perspectiva do professor de história sob as lentes
da proposta curricular”, o professor Wanderson Silva apresenta algumas análises metodológicas sobre o ensino
do Antigo Egito nas aulas de história seguindo o que foi proposto pelos componentes curriculares da Proposta
Curricular do Ensino Médio da Paraíba (PCEM/PB), lançado em 2021.
Juarlyson Souza, em seu texto “Traduzir o saber histórico escolar em memes: a produção de memes por
estudantes do Ensino Médio Integrado nas aulas de história do IFPE campus Afogados da Ingazeira”, traz um
relato de experiência analisando algumas produções de memes feitas pelos estudantes como atividade pedagógica.
O penúltimo texto é um processo de elaboração de um produto pedagógico voltado para os alunos
do 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Liceu Nóbrega de Artes e Ofícios. No “Projeto de intervenção
de iniciação à docência: narrativas e contos no Ensino de História”, a professora Shirley Souza aborda debates
com os estudantes através da leitura de contos em sala de aula.
Por fim, a professora Luciana Viana apresenta um relato de experiência PIBID com a Educação
Patrimonial pelo bairro de Boa Viagem, em Recife, no texto “Lugares de memória, um olhar afetivo para a
Educação Patrimonial – A experiência PIBID da EREM Santos Dumont”, o qual teve como resultado a criação
de um podcast.
Todas as produções acadêmicas encontradas nesse livro são dissertações, artigos, pesquisas de campo
e projetos de pesquisas sobre a Didática da História e apresentados em simpósios temáticos durante a culmi-
nância do “Ensinar História”. Nas próximas páginas será possível conhecer, aprender e se inspirar com o que
os pesquisadores do Ensino de História estão produzindo. Boa leitura!
A Organização
Arnaldo Martin Szlachta Junior
Camila Alice Diógenes Barbosa

II Encontro
8 Ensinar História
O ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DA PERSPECTIVA DECOLONIAL:
PROTAGONISMO NEGRO NOS LIVROS DIDÁTICOS
ALVES, Rebeka Myrella Sobral1

Resumo: O presente trabalho apresenta uma pesquisa e análise realizada no livro didático da coleção História,
Sociedade e Cidadania utilizado nos 9° anos da Escola Municipal Pio X no município de Carpina-PE. A pesquisa
a seguir teve como origem as atividades realizadas durante o Programa de Residência Pedagógica do Campus
Mata Norte e Petrolina, visto que houve a necessidade de discutir e levar para a sala de aula a prática decolonial
de ensino. Assim, buscamos analisar e refletir sobre o protagonismo negro
nos livros didáticos de História com o objetivo de compreender a forma como esses sujeitos são abordados nesses
materiais, combater concepções racistas e repensar o ensino de História a partir de uma pedagogia decolonial e
intercultural que rompem com a lógica da colonialidade que ainda está presente na área da educação.
Palavras-chave: Decolonialidade. Livro Didático. Ensino de História.

1. Introdução
A pesquisa é fruto dos trabalhos e atividades desenvolvidas durante o Programa de Residência Pedagógica
do subprojeto de História, entre os anos de 2020 e 2022, nas turmas dos 9° anos do Ensino Fundamental II
da Escola Municipal Pio X no município de Carpina-PE. Foi a partir das nossas atividades que percebemos a
necessidade de se trabalhar o protagonismo negro nos livros didáticos, tendo em vista a relevância do tema por
enxergarmos a ausência negra nesses materiais e a propagação de concepções e ideologias racistas ainda frutos
da colonialidade.
O artigo tem como objetivo analisar e refletir sobre um possível protagonismo negro nos livros didáticos
de História, buscando compreender a forma como tais sujeitos são abordados nesses materiais com a finalidade
de combater concepções racistas disseminadas e romper com a lógica da colonialidade que silencia, inferioriza
e subalterniza os povos afrodiasporicos. Analisamos o livro da coleção História, Sociedade e Cidadania dos 9°
anos da Escola Municipal Pio X, visando entender a forma como os negros e negras são abordados no material
e se tal forma vem contribuir para a reprodução de estereótipos racistas. Propomos repensar a aula de História a
partir dessa perspectiva decolonial, refletindo acerca da importância de levar produções negras para a sala de aula.
A metodologia consiste nas discussões trazidas por Aníbal Quijano (2009), Catherine Walsh (2019),
Nilma Lino Gomes (2018), Vera Maria Candau (2020) e Veruschka de Sales Azevedo (2020) sobre decolonia-
lidade e a perspectiva decolonial de ensino, que servem de base para nossas análises e reflexões do livro didático
utilizado nas turmas dos 9° anos do Ensino Fundamental da Escola Municipal Pio X da coleção História
Sociedade e Cidadania. A partir desse material, refletimos a forma como sujeitos negros e negras vem ser trata-
dos e abordados a partir da Análise do Discurso que traz um estudo da linguagem e, principalmente na forma
como se dão as construções das ideologias em textos.

2. Colonialidade e decolonialidade
Durante a década de 1990, o grupo Modernidade/Colonialidade (M/C) possuía como objetivo repensar
o lugar da América Latina no desenvolvimento do capitalismo a partir de uma releitura do contexto histórico,
social e político do próprio continente. Os intelectuais que compunham o grupo defendiam que a ascensão da
modernidade omitiu e excluiu conhecimentos de povos explorados, e contribuiu para a manutenção das rela-
ções coloniais (MANGUEIRA, 2019). Os estudos trazidos por esses pesquisadores radicalizaram o argumento

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Graduação em


licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco (UPE) Campus Mata Norte. E-mail: rebekamirella@hotmail.com.
II Encontro
Ensinar História 9
pós-colonial no continente através da noção de giro decolonial, em que há um movimento epistemológico para a
renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI (BALLESTRIN,2013, p.89-90).
Em 1989, Quijano desenvolve o conceito de colonialidade do poder que passa a ser uma das grandes
discussões entre os membros do M/C. Para ele, as relações de colonialidade nas esferas política e econômica não
terminam com o fim do colonialismo. Assim, a colonialidade do poder traz uma dupla pretensão. A primeira é
a continuidade das formas de dominação do colonialismo posterior ao fim desse regime político e econômico,
a qual foi produzida pelas culturas coloniais e estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial. A
segunda refere-se à capacidade explicativa que atualiza e contemporiza processos os quais teriam sido suposta-
mente apagados, assimilados ou superados pela modernidade (GROSFOGUEL, 2008, p.126).
Segundo Quijano, a colonialidade do poder “se expressa através do controle da economia, autoridade,
natureza e recursos naturais, gênero e sexualidade, subjetividade e conhecimento, se reproduzindo nas dimen-
sões do poder, saber e ser” (BALLESTRIN, 2013, p. 100). Para ele, a América constitui-se como o primeiro
espaço/tempo de um padrão de poder em uma escala mundial, atribuindo a primeira identidade da moderni-
dade. Nesse desenvolvimento, dois processos históricos que convergiram e estabeleceram-se como os dois eixos
fundamentais do novo padrão de poder. O primeiro trata da afirmação da diferença racial pautada na ideia de
raça, e a naturalização de uma suposta distinção biológica que colocava alguns em condição em inferioridade e
outros de superioridade. O segundo eixo é a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho,
seus recursos e produtos em volta do capital e do mercado mundial (QUIJANO, 2005, p. 117).
A ideia de raça, na América, foi uma forma de legitimar as relações de dominação impostas pela conquista.
A partir daí, a Europa constitui uma nova identidade frente à conquista da América e expansão do colonialismo
europeu ao resto do mundo, levando à criação da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e junto a ela, “à
elaboração teórica da idéia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus
e não-europeus” (QUIJANO, 2005, p. 118). Isso representou uma legitimação das antigas ideias e práticas já
existentes das relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados.
A concepção da existência de uma “superioridade natural” europeia a (WALSH, 2010, p. 90 apud
MANGUEIRA, 2019, p. 2) denominamos de colonialidade do ser, onde contribuiu para que as populações
inferiormente racializadas fossem distintamente inseridas e exploradas no sistema mundial capitalista. A colo-
nialidade do saber nos mostra o racismo epistêmico em que o conhecimento eurocêntrico é colocado como
universal e se sobressai acima de todos os outros. Esse processo que impõe a mentalidade das nações europeia às
mentalidades dos países dominados. Assim, o sistema colonial/moderno/capitalista consegue fazer os sujeitos do
lado oprimido pensarem da mesma forma que os sujeitos dominantes pensam (GROSFOGUEL, 2008, p. 119).
As contribuições de María Lugones (2008) sobre gênero e raça para o grupo Modernidade/Colonialidade
foram fundamentais para a construção do conceito da colonialidade de gênero. Para ela, os intelectuais do M/C
baseavam suas interpretações a partir de uma perspectiva “biológica, binária e heterossexual: o que define os
papéis de gênero é a possibilidade de se apropriar dos recursos e produtos do sexo” (COSTARD, 2017, p. 166).
Além disso, Lugones critica Quijano quando afirma que sua perspectiva não questiona e nem problematiza o
suficiente a racialização do gênero no processo de desumanização dos sujeitos (SILVA, 2022, p. 2). O conceito
desenvolvido pela autora considera a interseccionalidade entre raça e gênero, a qual a “noção de que não só
raça, classe e gênero se atravessam em um mesmo indivíduo, mas como categorizações sociais, foram inventados
juntos, no âmbito da consolidação do capitalismo global eurocentrado” (COSTARD, 2017, p. 167).
O grupo Modernidade/Colonialidade aborda o pensamento fronteiriço como um projeto de resgate
daqueles conhecimentos que sempre existiram, mas que durante muito tempo foram silenciados e negados.
Esse pensamento propõe e viabiliza o diálogo de perspectivas de grupos subalternizados pela colonialidade do
saber, possibilitando a criação de novas formas de interpretar o mundo a partir de uma outra perspectiva e se
caracterizando como um projeto de “descolonização intelectual” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 26).
As colonialidades anteriormente citadas influenciam diretamente na forma como os escritos e narra-
tivas eurocêntricas chegam no Brasil, sendo muito mais receptivas e reproduzidas pelo povo. É através dessa
II Encontro
10 Ensinar História
reprodução que a colonialidade do saber se mantem no país, predominando não apenas nas salas de aula do
ensino básico, mas também no ensino superior. Desde o início, a intelectualidade brasileira se baseou em cien-
tistas e em uma literatura europeia e norte-americana. As teorias raciais do século XIX importadas da Europa
contribuíram para a consolidação do racismo científico brasileiro e legitimou a inferioridade negra e indígena
em detrimento da “superioridade branca” e europeia (SILVA, 2018, p. 236 apud MANGUEIRA, 2019, p. 8).
Pensando agora no ensino de História, não pretendemos traçar um histórico, mas apenas pontuar a
construção de sentido a partir da ideia que se tinha de nação apoiada em uma concepção de identidade única, na
qual tudo aquilo que não correspondia “a realidade branca do colonizador” era excluído (NUNES, 2017, p. 3
apud MANGUEIRA, 2019, p. 8). Logo, o conhecimento de povos subalternizados não se encaixava dentro dos
espaços de produção científica. Atualmente, apesar de termos contribuições teóricas a respeito do pensamento
decolonial, muitas delas acabam não chegando às salas de aula. Além disso, o currículo de História no Ensino
Fundamental e Médio refletem as relações de poder que são historicamente construídas durante o processo de
aprendizagem (COSTARD, 2017, p. 161)
Uma pedagogia decolonial tem como objetivo visibilizar os dispositivos de poder e questionar a ausên-
cia de grupos sociais nas narrativas sobre a História da humanidade. Não basta apenas uma epistemologia que
inclua a visão subalterna, é necessário que se questione as epistemologias predominantes (COSTARD, 2017,
p. 172). Dessa forma, é de extrema importância a introdução de produções de grupos e sujeitos que foram
subalternizados estarem presentes dentro dos espaços de conhecimento, pois, este lugar lhes foi negado por
muito tempo. Embora ainda encontremos desafios na inserção de uma perspectiva decolonial no âmbito escolar
e acadêmico, percebemos um grande esforço de intelectuais, ativistas, estudiosos que utilizam essa perspectiva
como um movimento de resistência (MANGUEIRA, 2019,p.13).
Vera Maria Candau (2020) nos mostra a relação entre decolonialidade e interculturalidade, com seu
crescimento na área da educação, em busca de reformas curriculares e no processo de formação docente. Diante
desse crescimento, por vezes, a interculturalidade é tida como uma nova tendência multicultural em que não
carrega um sentido crítico, político, construtivo e transformador. Nesse caso, corre-se o risco de apenas reeditar
novas formas de sujeição e subalternização (FLEURY, 2017, p. 178 apud CANDAU, 2020, p. 680).
Portanto, a interculturalidade crítica defendida por Candau questiona as diferenças e desigualdades
que foram construídas no decorrer da história entre diferentes grupos étnico-raciais, socioculturais, de gênero,
dentre outros. Partindo disso, essa interculturalidade conduziria à construção de sociedades que assumam as
suas diferenças como parte da democracia e capazes de construir novas relações que sejam “verdadeiramente
igualitárias entre os diferentes grupos socioculturais, o que supõe empoderar aqueles que foram historicamente
inferiorizados” (CANDAU, 2012, p. 244 apud CANDAU, 2020, p. 680). Segundo Catherine Walsh (2007, p.
9 apud CANDAU, 2020, p.680), a interculturalidade crítica está intrinsicamente ligada à perspectiva decolonial
e que deve ser compreendida como um processo e projeto político e intelectual, cujo destino é a construção de
modos outros de poder, saber e ser. A definição de decolonialidade trazida por Walsh nos apresenta a necessidade
de visibilizar, enfrentar e transformar estruturas e instituições que posicionam grupos de práticas e pensamentos
de maneira diferente dentro de uma ordem e lógica que é simultaneamente racial, moderna e colonial.
Assim como Candau, Veruschka Sales Azevedo (2020) trata a decolonialidade como uma forma de
repensar os currículos escolares e resgatar os conhecimentos e histórias das populações negras e indígenas nos
currículos, que permaneceram invisibilizados durante muito tempo, bem como a inserção destes nos espaços
de conhecimento. Veruschka nos faz perceber que a prática decolonial não deve ficar apenas presa à teoria e nos
diálogos acadêmicos, é necessário que ações decoloniais sejam colocadas em prática dentro da sala de aula. Ela
nos mostra a importância de levar as produções feitas por aqueles que foram historicamente subalternizados
para contar suas próprias histórias.
Pensar uma pedagogia decolonial e interculturalidade crítica exige a superação de padrões epistemológicos
hegemônicos ainda vivos na intelectualidade brasileira e afirmação de novos espaços de enunciação epistêmica
nos movimentos sociais (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 36). Nesse sentido, o Movimento Negro Brasileiro

II Encontro
Ensinar História 11
e as produções da intelectualidade negra, tais como Lélia Gonzáles, Abdias Nascimento, Beatriz Nascimento,
Sueli Carneiro, entre outros, fazem parte do pensamento e práticas decoloniais, trazendo análises e reflexões
críticas aos padrões coloniais de poder, raça, trabalho e conhecimento, além de questionar a própria produção
eurocentrada de mundo e de conhecimento científico. Vale destacar que várias dessas produções negras surgiram
nas periferias e vivências sociais desses sujeitos. É através do protagonismo negro que encontramos denúncias a
colonialidade (GOMES, 2018, p. 224-225). É partindo dessas discussões que analisaremos a seguir o livro didá-
tico dos 9° anos do Ensino Fundamental da Escola Municipal Pio X da coleção História, Sociedade e Cidadania
(2018), buscando compreender a forma como os negros e negras são abordados no material.

3. O livro didático
A Lei n. 10.639/03, e posteriormente a 11.654 de 2008, que tornou obrigatório o Ensino de História
e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas públicas e privadas dos ensinos Fundamental e Médio, fazia
parte das demandas reivindicadas pelo Movimento Negro. Porém, mesmo com a implementação dessa Lei,
encontramos escolas resistentes à ela na qual notamos desafios como a intolerância religiosa, preconceito racial
e até a própria formação docente (NASCIMENTO; SILVA; ÁVILA, 2015, p. 102). Diante dessa mudança, tais
abordagens também devem constar nos livros didáticos, visto que são instrumentos utilizados nos processos
de ensino e aprendizagem.
De acordo com Erinaldo Cavalcante (2018, p. 259), os livros didáticos, atualmente, precisam ser trans-
formados em objetos de investigação pelos professores e utilizados não como um depósito de verdades absolutas.
Eles devem ser usados como um recurso a mais e não como a única ferramenta de trabalho docente. O racismo
nos livros didáticos ainda é algo preocupante, visto que as temáticas que envolvem as histórias e representações
negras, em certas ocasiões, são restringidas ao período da escravidão ou poucas vezes aprofundada no decorrer
do material.
A coleção História Sociedade e Cidadania (2018) tem início com “A Proclamação da República e seus
desdobramentos” e se encerra no “Fim da Guerra Fria e globalização”. Dos quinze capítulos dispostos no mate-
rial, apenas dois desses se destinam diretamente as temáticas e discussões sobre a História e Cultura Africana e
Afro-Brasileira: “Movimento sociais: negros, indígenas e mulheres” e “Nacionalismos africano e asiático”. O
que nos parece insatisfatório por dois motivos. Primeiramente o 9º ano é aquele que no qual a Base Nacional
Comum Curricular dedica mais espaço aos negros em seu conteúdo (BNCC, 2017). E em segundo, os negros
não deveriam aparecer em capítulos e sim compor todo o livro didático, posto que maioria da população. As
narrativas históricas não poderiam prescindir da presença dos mesmos no que se refere a História do Brasil e
devia ter essa população como parâmetro para as demais histórias a serem ensinadas, não a Europa, como todavia
ocorre. É necessário que problematizar como combater o racismo com materiais que ainda atribuem pouco
espaço para o empoderamento negro (CASTRO; MIGUEL, 2019, p. 201).
Em “Movimento sociais: negros, indígenas e mulheres”, o objetivo do capítulo compreende a inserção
dos negros no período republicano pós-abolição, destacando os movimentos sociais; a cultura afro-brasileira
como mecanismo de resistência e superação das discriminações; além da participação indígena no contexto
republicano e protagonismo feminino. Como nossas discussões centram apenas nas abordagens negras e suas
representações, nossas reflexões se enfatizam nestas. O capítulo começa trazendo a situação em que os negros se
encontravam pós-abolição, retomando questões anteriormente estudadas no 8° ano, como as lutas e resistências
abolicionistas. A afirmação desses sujeitos em sociedade e a realidade no mundo do trabalho nas áreas rurais e
urbanas. A ênfase na imprensa negra é uma das grandes questões levantadas no capítulo, pois faziam parte dos
movimentos de luta por direitos e resistência das comunidades negras entre o final do século XIX e início do
século XX.
Ao tratar desse assunto, o livro visibiliza vários desses veículos de imprenssa, como “O Treze de Maio
(1888)”, “O Exemplo (1892)”, “O Baluarte (1903)” e “O Clarim da Alvorada (1924)”. Este último presente
em uma fotografia no próprio livro didático, contendo uma cena cotidiana do trabalho dos jornalistas. Os
II Encontro
12 Ensinar História
jornais advindos da imprensa negra denunciavam o racismo e a violência contra à população negra, bem como
reportagens a respeito da própria comunidade, valorizando as formas de associação e atuação política, e até
homenageando nomes como Luís Gama (1830-1882) e José do Patrocínio (1853-1905), colocando-os como
heróis. Trazer discussões como essas são importantes, pois, além de retratar o protagonismo negro, corroboram
para a formação das identidades discentes enquanto sujeitos históricos.
O capítulo ainda trata do movimento Frente Negra Brasileira (FNB) e sua luta contra o racismo,
destacando seus fundadores Francisco Lucrécio, Raul Joviano e José Correia Leite, assim como as propostas
defendidas e ações realizadas pela entidade. O material didático expõe uma fotografia dos integrantes do FNB
em frente à sua sede de organização em São Paulo. Outras formas de luta e resistência da cultura afro-brasileira
no pós-abolição encontra-se no Teatro Experimental do Negro (TEN), em que representou um protesto pela
ausência negra nos palcos brasileiros. A produção literária durante esse período é trabalhada de forma limitada,
se resumindo à apenas Lima Barreto, embora pudesse trazer outras personalidades, sobretudo femininas, como
Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de Jesus.
As mulheres negras aparecem muito pouco ao longo do livro didático, com destaque para o final do
capítulo no qual estão representadas em formato de fotografias quando se abordam sobre as mudanças da cul-
tura afro-brasileira ao longo do tempo e não são citadas diretamente nos textos principais. Nem no espaço que
se propõe a tratar do protagonismo feminino na década de 1960, elas estão presentes. As fotos das atrizes Ruth
de Souza, uma das fundadoras do TEN, e Elisa Lucinda deveriam ser anteriormente trabalhadas ao tratar do
movimento negro na arte, além disso, apenas acompanham uma breve legenda e em que se poderia aprofundar
mais a história as suas histórias e contribuições para a cultura afro-brasileira.

Figura 1. Fotografias de Ruth de Souza e Elisa Lucinda

Fonte: (BOULOS JR., 2018, p. 74).

Cláudia Regina de Paula (2009) nos mostra o quanto esses movimentos sociais de cunho racial, como
o FNB e TEN, reunidos no conceito de Movimento Negro são protagonistas na luta contra o racismo e por
políticas de promoção da igualdade racial. O Movimento Negro agrega diversas organizações de áreas políticas e
ideológicas diferentes, lutando em suas esferas por políticas de reconhecimento, identidade racial e pelos direitos

II Encontro
Ensinar História 13
civis da população afrodescendente. Foi através dessas movimentações que se tornou possível a inclusão das
histórias dessa população nos currículos escolares.
Em “Nacionalismos Africano e Asiático”, os objetivos são debater as dinâmicas do colonialismo na
África, a crise desse regime e os conflitos mundiais, os nacionalismos africanos e asiáticos, assim como os processos
de descolonização dos dois continentes. De início, o capítulo nos traz uma reflexão muito pertinente utilizando
fotografias de cidades africanas: o por quê é difundida pela mídia a imagem de uma África baseada em savanas
cercadas por animais e assolada por várias mazelas econômicas e sociais. Essas reflexões nos levam a questionar a
construção dessa visão estereotipada sobre o continente africano que nos foi imposta a partir de uma perspectiva
eurocêntrica. Marli Solange Oliveira (2009, p. 110) destaca o risco de os livros didáticos funcionarem como
veículos de propagação de preconceitos e estereótipos e contribuindo para a manutenção desses. O perigo de
uma história única apresentado por Chimamanda Ngozi Adichie, romancista nigeriana e feminista, apresenta
as consequências de uma narrativa única e que gera a criação de estereótipos. Isso é abordado de maneira breve
no texto de apoio apenas no manual do professor.
Analisando os processos de independência da África, vemos novamente os movimentos de luta e
resistência, como o pan-africanismo e a negritude. No pan-africanismo temos uma exaltação da raça, visto que
esse era um fator capaz de unir os povos negros na luta contra os dominadores no continente africano. Diante
disso, há a possibilidade de se introduzir uma discussão acerca da ideia de raça e como ela veio servir como um
meio de legitimar as relações de dominação impostas pela conquista colonial. A negritude também estabeleceu
forças para as independências africanas, trazendo intelectuais como Léopold Senghor, primeiro presidente do
Senegal e escritor, e o poeta, dramaturgo e político da negritude Aimé Césaire. Ambos buscavam a defesa da
valorização das culturas negras e a luta contra a dominação colonialista. Ainda nos é expressa a relevância da
Conferência de Bandung nas independências da África e Ásia, assim como o desenvolvimento dessas se deu no
Congo, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Nos conflitos contra os regimes segregacionistas no século XX,
sendo a figura central Nelson Mandela quando se trata do apartheid na África do Sul.
Nesses dois capítulos, percebemos que há uma ênfase nas figuras masculinas enquanto há uma ausência
considerável das mulheres negras nos conteúdos trabalhados pelo livro didático. A presença negra no próprio
material não equivale aos demais capítulos, e ainda há uma exclusão da mulher preta que apenas aparece poucas
vezes em fotografias e com uma pequena legenda. Logo, temos uma epistemologia eurocêntrica em que são
construídas narrativas de submissão e apagamentos sobre as populações não-brancas (SILVA, 2022, p. 3) e que
se apoia em uma estrutura hierárquica de gênero.
Essa epistemologia eurocêntrica foi responsável por negligenciar as histórias e saberes negros. Quando se
trabalha essa perspectiva da Europa sobre essas histórias, se parte do ponto de vista de interesse europeu. Sendo
um material atualizado e aprovado pelo PNLD, segue sendo necessário apontar as deficiências na construção
desses livros, é imprescindível que os materiais didáticos tragam produções em que sujeitos negros e negras
contem suas próprias histórias livres de estereótipos e preconceitos. Castro e Miguel (2019, p. 208) apresentam
a ausência do protagonismo negro nas literaturas dos livros e a relevância da inclusão destas em tais materiais,
já que muito das produções utilizadas são por autores brancos. Ambos defendem a ideia de que há um racismo
sutil na produção didática, na medida em que há uma diminuição considerável da presença negra nesses mate-
riais e ofuscando o protagonismo desses sujeitos, atribuindo-lhes papéis secundários ou apenas silenciando-os
(CASTRO; MIGUEL, 2019, p. 210).
Em relação a presença negra nos demais capítulos do livro, é muito inferior se comparada aos dois capí-
tulos citados anteriormente e sendo apenas pontual em alguns conteúdos, como por exemplo as reivindicações
e lutas do Movimento Negro Unificado (MNU) durante o período ditatorial no Brasil em uma seção intitulada
de “Para Saber Mais”. É possível notar tal ocorrência também na própria iconografia, onde essa presença é geral-
mente retratada em fotografias e pinturas em menor frequência do que as outras representações do material.
Segundo o IBGE, o perfil demográfico brasileiro aponta que 56% da população do país é negra, no qual são
compreendidos como não brancos e composto por pardos e negros (DEVULSKY, 2021, p.14). Dessa maneira,
nota-se uma ausência considerável da representação negra dentro do material abordado, porém mais da metade
II Encontro
14 Ensinar História
da população se identifica enquanto negro ou negra. Quando não retratados em capítulos direcionados, ocupam
espaços secundários, como o caso citado acima.
Uma outra grande questão que podemos perceber é que não há uma abordagem a respeito das reli-
giões de matriz afro-brasileiras, sobretudo no capítulo que se propõe a debater a cultura afro-brasileira como
instrumento de resistência e superação das discriminações. Isso tende a reforçar ainda mais o preconceito e
discriminação a tais religiões. Durante muito tempo, perseguidas, proibidas e demonizadas por uma cultura
Ocidental. A intolerância religiosa nos ambientes escolares é uma realidade, sendo a opressão e negação de uma
identidade consequências sofridas por seus praticantes.
O livro dispõe de diversas fotografias e textos de apoio, como aqueles citados anteriormente e que auxi-
liam o docente em demais discussões partindo do manual do professor, além de pinturas, indicações de leituras,
filmes e curtas. Porém nos dois capítulos abordados, se tem mais ênfase no uso de fotografias e nos textos de
apoio em que muitos são trabalhos e pesquisas acadêmicas. Segundo Mangueira (2019, p. 10), a epistemologia
e narrativas eurocêntricas possuem um espaço privilegiado dentro das escolas, assim como nas universidades
brasileiras. Então, já que o livro busca trazer essas pesquisas e trabalhos acadêmicos, deve-se considerar produções
que rompam com uma epistemologia eurocêntrica e tragam intelectuais que proponham uma epistemologia
“outra” a partir da interculturalidade.
Percebemos alguns problemas no material didático analisado, onde há discussões rasas e ausências
acercas das temáticas sobre História e Cultura Africana e AfroBrasileira trazidas pelo livro, além de terem um
espaço menor do que os demais temas dispostos nos outros capítulos. Vemos a ausência da mulher negra, em
detrimento de uma ênfase na figura masculina, e uma ausência das religiões afro-brasileiras quando se trata da
própria cultura. Ainda existem marcas de uma perspectiva eurocentrada presente nos textos, em que a possibi-
lidade de trazer uma história outra fica restrita apenas ao manual do professor e é abordada superficialmente.
Contudo, o livro pontua as lutas e resistências do Movimento Negro e isso indica algumas possibilidades para
debates a respeito do próprio movimento, assim como em outro momento se propõe a romper com paradigmas
eurocentrados, ao busca refletir sobre uma visão estereotipada do continente africano.
As crianças que crescem em ambientes escolares, onde há uma inferiorização da cultura africana, vila-
nização das vítimas da escravidão e invisibilização dos heróis e heroínas das resistências negras impossibilitando
o desenvolvimento da valorização da sua negritude (DEVULSKY, 2021, p.16). A não valorização das histórias
e culturas dos sujeitos negros e negras pelos livros didáticos contribui para a manutenção da colonialidade do
saber, gerando uma baixa autoestima no indivíduo que se identifica enquanto negro, posto que quase tudo
vinculado ao negro segue sendo descrito como negativo. As ideologias discriminatórias se sustentam em afir-
mações impostas por meio da fragilização da autoestima. Dessa forma, a visão negativa acerca do seu povo faz
com que o indivíduo se sinta inferior (OLIVEIRA, 2009, p. 108).
Frantz Fanon (2008, p. 94) afirma que o complexo de inferioridade e de dependência tem sua origem a
partir do branco colonizador quando esse questiona a humanidade do negro. Ao fazer esse questionamento, se
tem a desumanização do negro, que buscará ter sua humanidade reconhecida pelo branco, criando o complexo
de dependência. A destruição desses complexos traria a libertação dos sujeitos inferiorizados, devolvendo-os
sua humanidade. É repensando o ensino de História que buscamos não apenas combater o racismo, mas rom-
per com a lógica da colonialidade responsável por silenciar, negar e excluir saberes, subalternizar e inferiorizar
sujeitos, e através da interculturalidade, construir uma perspectiva “outra” sobre as histórias e culturas negras.

4. Considerações finais
Nesse sentido, repensar o ensino de História significa romper com uma epistemologia eurocentrada
dominante que, por séculos ditou o que era considerada uma “verdade universal” e o que caracterizavam-se
como crenças, lendas e folclores, e induzir outras perspectivas protagonizadas por aqueles grupos que tiveram
suas histórias, saberes e existências negadas. Esse protagonismo é uma forma de resistência perante as tentativas

II Encontro
Ensinar História 15
de epistemicídio contra esses grupos. Por isso a importância de trazer obras de autoria negra, que narrem suas
histórias a partir de uma outra interpretação que não a dominante, sobretudo a das mulheres negras sobre as
quais observamos uma grande ausência no ensino de História. Além de um ensino que ainda se concentra
nos grandes acontecimentos protagonizados por homens brancos, em que histórias e culturas negras possuem
abordagens muito reduzidas.
As discussões e práticas decoloniais não podem ficar restritas apenas às academias, embora se tenha
uma grande demanda de trabalhos a respeito, existem uma série de desafios que precisam ser superados, que
vão desde a formação docente até o preconceito de discriminação no âmbito escolar. A pedagogia decolonial
apoia-se na concepção de que educar é um ato político com potencial transformador e emancipatório, sendo a
interculturalidade um exemplo do pensamento de fronteira proposto pelo Modernidade/Colonialidade e uma
ferramenta pedagógica que questiona de forma continua a racialização, subalternização, inferiorização e seus
padrões de poder, no intuito de proporcionar maneiras diferentes de ser, viver e saber.
O livro didático, como objeto de investigação e amplamente discutido e estudado, deve ser problema-
tizado pelas professoras e professores no seu ofício docente impossibilitando a reprodução de estereótipos e
preconceitos oriundos da colonialidade. Questionar o por quê outras perspectivas que fogem a hegemônica
são pouco abordadas em sala, seja pelas imposições curriculares ou pela feitura dos livros didáticos, é um ponta
pé inicial para quebrarmos paradigmas e enxergarmos os mecanismos de poder que insistem em marginalizar
negros e negras na sociedade.

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II Encontro
Ensinar História 17
DIÁLOGOS ENTRE HISTÓRIA E LITERATURA: UMA ANÁLISE SOBRE ESCRITORES
NORDESTINOS NO ENSINO DE HISTÓRIA EM PERNAMBUCO.1
BARBOSA, Camila Alice Diógenes2

Resumo: Este trabalho apresenta uma análise sobre o uso da literatura como fonte para o ensino de história
no Currículo de Pernambuco do Ensino Médio feito em função da implementação do Novo Ensino Médio no
estado, partindo de uma discussão sobre o conceito de currículo, sua função e principais pensadores do mesmo.
Também, comenta sobre como se dá a relação entre história e literatura, as fronteiras da qual se encontra as
duas áreas, o uso da literatura dentro da sala de aula e a forma que ela pode abordar a questão de identidade,
conceito prioritário no Currículo analisado, para os alunos.
Palavras–chave: currículo, Currículo de Pernambuco, ensino de história, literatura nordestina

Introdução
Quando debate-se sobre currículo e a sua criação é comum a associação entre o currículo e o conhe-
cimento. Como afirma Elizabeth Macedo (2013), fazer um panorama teórico sobre o tema é sempre tentar
responder à pergunta feita por Herbert Spencer em 1859 e que reverbera até os dias atuais: qual conhecimento
seria o mais importante? A primeira tentativa de resposta dessa pergunta é a que Macedo chama de “tradição
técnica” (2013), a qual analisa as propostas de currículo baseado em eficiência dos anos de 1920 até os estudos
baseados em Piaget, como os de Cesar Coll e Raph Tyler, os quais trazem a ideia do currículo como uma lista
de “conteúdos e competências operacionais ou conteúdos objetificados” (Macedo, 2013) salientando que para
muitos pesquisadores da área, “ensino” e “educação” podem ser conceitos de igual significado. Cabe ainda
pontuar que esse eficientismo educacional tinha como projeto criar alunos para a vida urbana que começava
a se expandir.
Já nos anos 70 nos Estados Unidos e na Inglaterra, e posteriormente nos anos 80 no Brasil, esse ensino
técnico passou a ser criticado e colocado para escanteio, agora o foco é entender o currículo como um texto
político. A ascensão das pesquisas teóricas marxistas e foucaultianas reverberam no entendimento do currículo
e passam a questionar como as relações de poder dentro da sociedade são refletidas na organização escolar. De
acordo com esses teóricos, a escola é reprodutora das desigualdades sociais e o currículo seria uma via de liber-
tação do sujeito (aluno) da opressão capitalista. Ainda bebendo das ideias de Macedo (2013), tal projeto de
currículo torna-se um de ensino que deixa o conhecimento como ponto central da emancipação, o qual pode
ser alienígena para o aluno. Aqui, cabe citar as obras de William Pinar, William M. Reynolds, Patrick Slattery e
Peter M. Taubman, que publicaram o livro “Understanding curriculum” do qual tratava dessa nova perspectiva
acerca do ensino e do currículo.
A Nova Sociologia da Educação (NSE) surge desse movimento de relacionar o currículo e o ensino
com temas que abordam as questões de Marx e Foucault. Remodelando a discussão de Spencer levantada por
Macedo, a NSE não mais procura entender qual o conhecimento está acima na hierarquia, mas sim qual visa
superar as divisões e opressões sociais nas diversas áreas do conhecimento. Dentro desse novo campo, tere-
mos nomes como Michael Apple, o maior expoente, e Michael Young, principal nome, o qual afirma que a
NSE busca compreender por qual razão a escola promove determinados conhecimentos em relação a outros,
fazendo com que a conjuntura social permaneça graças a essa má distribuição do conhecimento (Young, 2000).
O brasileiro Paulo Freire e o seu conceito de “educação libertadora” também está inserida nesse meio junto a
outro grande nome, Raymond Williams, o qual trata do entendimento que se tem de educação, esta associada
à noção de “conteúdo da educação” ser semelhante a “conteúdo do currículo”, é “um conjunto específico de

1 Pesquisa de PIBIC realizada entre setembro de 2022 e agosto de 2023, financiada pela CNPq e com orientação do Professor
Doutor Arnaldo Martin Szlachta Júnior.
2 Graduanda de História - Licenciatura na UFPE. E-mail: camila.diogenes@ufpe.br
II Encontro
18 Ensinar História
ênfases e omissões” (Williams, 1961). Também entra nesse campo, Ivor Goodson (1997), citado na principal
fonte de análise desse projeto, o “Currículo de Pernambuco do Ensino Médio”, o qual diz que o currículo é
uma construção social e quem o constrói aplica suas questões ideológicas.
Atualmente, com os avanços dos estudos decoloniais que se debruçam sobre questionar o conceito de
Matriz Colonial do Poder, vinda dos estudos do sociólogo Aníbal Quijano, temas como negritude e as heranças
dos povos originários passam a ser o ponto central das reformas curriculares, principalmente após a promulgação
da lei n° 11.645 de 10 de março de 2008 que torna obrigatório o ensino da cultura indígena e afro-brasileira3.
Nessa linha, os currículos buscam agora dar um enfoque nos temas culturais e, consequentemente, identitários,
já que, como aborda o pesquisador Tomaz Tadeus da Silva, os currículos são documentos de identidade” (Silva,
1999). Outros nomes que compõem o quadro teórico a respeito de identidade e currículo são os de Antonio
Moreira e Vera Candau (2007), os quais debatem sobre como as identidades dentro dos currículos procuram
atingir metas pré-estabelecidas mediadas pelos conteúdos. Além disso, partindo para o campo de Ensino de
História que será melhor abordado mais adiante, Marcos Napolitano e suas perspectivas presentes no livro
“Novos temas e abordagens nas salas de aula de história”, no capítulo “Cultura”, no qual ele ressalta que o
ensino de cultura está atrelado ao “fortalecimento das identidades” (Napolitano, 2009).
A já mencionada Elizabeth Macedo e o pesquisador Bruno Mendes também estão inseridos neste
debate, porém não se limitam às discussões teóricas de como esse currículo é analisado, mas sim partindo para
a análise documental local. Macedo em seu texto “Currículo e conhecimento: aproximações entre educação e
ensino” (2013) analisa as Novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, que foram
elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2010. Já Bruno Mendes trabalha os conceitos acerca
do currículo de história e posteriormente investiga o currículo de história do município de Belo Horizonte e
do estado de Minas Gerais no artigo “Ensino de história, historiografia e currículo de história” (2020).
Sobre o Ensino de História, um campo de pesquisa que está verdadeiramente em ascensão nos últi-
mos anos, é essencial dar ênfase às ideias do alemão Jorn Rüssen cujas obras tornam-se incontornáveis quando
falamos de ensino e didática da história, em especial o livro de título “Contribuições para uma teoria da didá-
tica da história” (2016), além do seu conceito de Consciência Histórica, o qual, assim como Macedo (2013),
quebra a ideia de que a escola é o único local de aprendizagem e diz que a subjetividade do aluno já faz parte
desse conhecimento.
A respeito da relação com a literatura, O francês Roger Chartier afirma em “A história ou a leitura do
tempo” (2009) que determinadas obras literárias moldaram representações coletivas do passado mais que os
historiadores, mas foi somente nos anos 80 do século passado, com o advento da História Social e Cultural,
que estes passaram a dar certo prestígio à literatura como fonte histórica. A ideia de representação, bastante
abordada pela História Cultural como salienta Gabriela Grecco (Grecco, 2014), abre margens para que o pes-
quisador encontre nas obras literárias materiais que podem ser analisados, nisso, não é apenas as informações
editoriais dos livros que proporcionam respostas do passado para quem o procura, mas também o conteúdo
presente nas páginas.
No entanto, é vital que o historiador reconheça os limites entre o que é história e o que é literatura,
quais perguntas fazer e delimitar com clareza os problemas trabalhados, pois é uma fonte de muita fluidez. No
livro “O historiador e suas fontes”, publicado pela editora Contexto e organizado por Carla Bassanezi Pinsky,
o capítulo chamado “A fonte fecunda” aborda a necessidade que o historiador deve ter de confrontar a ficção
com outras fontes para que seja possível uma contextualização dos fatos e aproximar a narrativa ficcional da
realidade histórica porque o que se procura na literatura, como afirma Sandra Pesavento (2000), não é a leitura
literal, mas a representação de mundo existente nela. Assim, ainda de acordo com Pesavento, a ficção não é o
contrário do real, mas uma nova forma de assimilá-lo.
Ainda cabe aqui destacar que o historiador e o literato, embora utilizem a literatura como objeto de
pesquisa, não fazem o mesmo trabalho. A literata Ligia Chiappini salienta que

3 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm Acesso em 10 de agosto de 2023.


II Encontro
Ensinar História 19
o be-a-ba do historiador é contrastar as fontes e o be-a-ba do estudioso de literatura é con-
frontar segmentos uns com os outros, procurando construir sentidos que ultrapassam os
significados num todo que — embora não exista pronto e acabado, precedendo a leitura e a
interpretação — deve ser procurado, produzido e lido pelo leitor. (Chiappini, 2000, p. 22)

Deste modo, a forma que o literato observa e analisa a literatura é útil para o trabalho do historiador.
Outro exemplo disso reside na ideia de Antonio Candido (1972), ao falar que a literatura forma homens, assim,
moldando a maneira que estes se relacionam e como constroem a história em seu tempo. Os vínculos entre os
estudos historiográficos e literários podem e devem em algum momento ser suporte um do outro, já que, como
diz Pesavento, “o historiador faz ficção, mas uma ficção controlada” (2000), mostrando que as fronteiras entre
as duas áreas são bem mais maleáveis do que estamos acostumados.
Buscando criar um diálogo entre a literatura e o ensino de história, a pesquisa se dividiu em dois tópicos
principais de discussão: o primeiro momento debruça-se sobre a literatura como uma das vias para o aprendi-
zado histórico e consequentemente, como Antonio Candido nomeia seu texto (1972), a formação do homem.
Tendo em vista que essa parte da pesquisa está alicerçada na leitura bibliográfica do tema, foi feita uma leitura
sobre como a literatura é útil para a compreensão de história e identidade.
Para o segundo momento da pesquisa: analisamos a literatura nordestina presente no Currículo de
Pernambuco do Ensino Médio, o Material de Apoio à Ação Docente para os itinerários formativos e os Organizadores
Curriculares da Formação Geral Básica. A análise foi realizada a partir da seguinte pergunta: sendo a literatura
autora e componente das relações humanas, ontológicas ou sociais, como ela estaria sendo vista para o ensino
de história? Mais especificamente, como o currículo do ensino de história em Pernambuco, tendo como base a
ideia já abordada pelos teóricos do tema dos quais dizem que o currículo é 1) uma construção social e política
e 2) “documento de identidade” (Silva, 1999), tem se apropriado da literatura nordestina como fonte para o
conhecimento histórico?

A literatura e o ensino de história


Antonio Candido, em seu texto “A literatura e a formação do homem” (1972), fala sobre a literatura
ser uma força que primeiro revela e narra o homem para posteriormente participar ativamente na criação deste
mesmo homem, sendo essa força uma das principais responsáveis pelo estabelecimento de personalidade e sub-
jetividades do sujeito, em suma, sua capacidade de ver e sentir o mundo, principalmente quando compreende
que a função da literatura dá maior clareza em se relacionar com a realidade na qual o indivíduo está inserido.
Michel Foucault inicia o prefácio do seu livro “As palavras e as coisas: Uma arqueologia das ciências
humanas” publicado inicialmente em 1966 com a seguinte citação: “Esse livro nasceu de um texto de Borges”
(Foucault, 2007) e posteriormente discorre sobre como o texto em questão, “O idioma analítico de John
Wilkins” o auxiliou a pensar fora da realidade fantasiosa da ficção para o campo social. Não só tendo o intuito
de inspiração, outra forma que a literatura nos aparece é a abordada por Selva Guimarães (2003) do qual ela
menciona que a literatura – quando vista pelas lentes historiográficas – pode presentear o historiador com “pistas,
referências do modo de ser, viver e agir das pessoas”. Ainda podemos utilizar o pensamento de Cinara Triches e
Daniela de Campos (2022), as quais afirmam que por vezes a literatura pode se apossar do trabalho da história
dando voz àqueles que não aparecem nos documentos oficiais ainda tão prestigiados pelas pesquisas históricas.
A partir disso podemos fazer duas reflexões sendo a primeira analisando o conceito de Aprendizado
Histórico proposto por Rüsen (2012; 2016), do qual se compreende que é “um processo mental de construção
de sentido sobre a experiência do tempo”, assim, o experimentar, interpretar e orientar unificam-se e dão forma
ao pensamento histórico, somente assim a consciência histórica aprimora-se tornando a experiência e a subjeti-
vidade do aluno conhecimento histórico, Rafael Freitas (2016) conclui que “O aprendizado histórico permite
ao sujeito, o trato com o saber histórico de forma consciente, possibilita a interpretação e a problematização
deste saber, para finalmente utilizá-lo”, ou seja, se a literatura está no interior da criação do indivíduo ela acaba

II Encontro
20 Ensinar História
por fazer parte de seu aprendizado histórico. E, como segunda e última reflexão, se a literatura é uma forma de
dar luz ao mundo real ela também estará como participante de processos históricos e, portanto, um fragmento
do passado que pode e deve ser analisado pelos historiadores para a compreensão de um período histórico.
Assim, quando o ensino de história utiliza da literatura, essa irmã tão próxima da história, o aluno começa a
perceber elementos que enriquecem o seu repertório sociocultural e a experiência tão querida por Rüsen que
desencadeará na formação da consciência histórica.
Esse método de debate foi usado pelas pesquisadoras Triches e Campos em uma turma de 2° ano do
Ensino Médio e relatado no capítulo de título “Ensino de história e literatura: entrelaçando saberes” do livro
“História e Literatura - Relações Possíveis” publicado em 2022. Esse relato acadêmico é indispensável para a
nossa pesquisa já que ela busca dar enfoque no ensino de história através de obras nordestinas e uma das obras
escolhidas foi “Torto Arado” (2018), do baiano Itamar Vieira Júnior, que apresenta ao leitor temas como tra-
balho forçado, resquícios da escravidão, a vida do trabalhador rural e a relação de religiosidade dos povos negros
nessas localidades. De acordo com as autoras do artigo:

A ação pedagógica consistiu então na leitura da totalidade da obras, aulas dialogadas sobre
temas que remetem à História do Brasil presentes no romance, discussões coletivas sobre
trechos lidos e confecção de vídeos tratando sobre a simbologia dos elementos literários que
constituem o romance [...] analisados a partir de Chevalier e Gheerbrant (2015) autores que
abordam as simbologias por meio dos seus significados culturais e regionais.

Ao relatar a experiência dos alunos com a leitura:

A leitura de Torto Arado, para além do aprendizado de conteúdos, também proporcionou


a discussão de temas relativos à religiosidade de povos indígenas e afro-brasileiros e de como,
mesmo causando estranhamento aos alunos (numa turma em que quase todos vêm de famí-
lias cristãs), deve-se ter uma posição de respeito em relação a todas às crenças existentes, ainda
mais quando vivemos num país em que a maioria da população é composta pela população
que se autodeclara negra.

É interessante perceber que partindo desse relato podemos destacar alguns pontos que o Currículo do
Estado de Pernambuco do Ensino Médio, nosso objeto principal de análise, destaca como pontos importantes
para a formação pedagógica do aluno. Contudo, antes de debater a literatura no ensino de história do Currículo
de Pernambuco, cabe apresentá-lo.

O currículo de Pernambuco do ensino médio


O Currículo de Pernambuco do Ensino Médio teve sua necessidade de elaboração graças a lei 13.415/2017
que promove a Reforma do Ensino Médio, assim, surgiu a necessidade de uma revisão na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) neste segmento da educação, sua produção teve como pilares as Diretrizes Atualizadas
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018), os Parâmetros
Curriculares de Pernambuco (2012), a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2018) e os
Referenciais para Elaboração dos Itinerários Formativos (Portaria nº 1.432, de 28 de dezembro de 2018), sendo
assim um documento imprescindível para o ensino do estado nesses tempos onde o Novo Ensino Médio vem
sendo implementado. De acordo com o mesmo, o documento foi elaborado em parceria com todas as escolas
de ensino médio da rede pública do estado, Gerências Regionais de Educação (GRE) e consultas públicas, com
várias discussões e seminários que ocorreram de forma online graças à condição pandêmica que o mundo se
encontrava. O currículo parte da ideia de Goodson (1997) de que ele é uma construção social, o qual surge
com diferentes maneiras de se pensar e se construir o processo educativo.

II Encontro
Ensinar História 21
O Currículo de Pernambuco se apresenta como um elemento que integra a dimensão hu-
mana aos requisitos necessários para a vida em sociedade, buscando ofertar uma formação
integral aos sujeitos do processo educativo, possibilitando a estudantes e professores com-
preenderem diferentes dimensões da vida e do ser social. Reconhecendo o cenário de uma
sociedade em permanente processo de mudança e sujeita a rápidas transformações, o Currí-
culo de Pernambuco tem como perspectiva estar atrelado às práticas sociais dos estudantes,
de modo a permitir-lhe (res)significar seus próprios saberes, a partir do diálogo com aqueles
socialmente construídos pela humanidade; e garantir a todos a igualdade de acesso aos co-
nhecimentos no espaço escolar. (Pernambuco, 2021)

O documento também prevê uma educação de formação integral ao aluno, diferente de educação de
tempo integral – também prevista pelo currículo – essa se esforça para que o sujeito dialogue com diversos
conhecimentos curriculares e a própria realidade do estudante existindo um entrosamento entre a transver-
salidade e a interdisciplinaridade. Para tais temáticas o currículo apresenta um tópico à parte, o subitem 1.9
chamado “Temas transversais e integradores do currículo” do qual ele trata temas que ou estão ligados a leis ou
são sugestões do próprio currículo que são eles:

1. Educação em Direitos Humanos - EDH: baseado no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos,
2006, Decreto no 7.037/2009, Parecer CNE/CP no 8/2012 e Resolução CNE/CP n° 1/2012.
2. Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos: baseado na Resolução CNE/CP nº 1/2012
3. Direitos da Criança e do Adolescente: baseado na lei n° 9.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente,
Lei n° 12.852/2013 - Estatuto da Juventude, Lei n° 13.257/2016 - Marco Legal da Primeira Infância, de
08 de março de 2016
4. Processo de Envelhecimento, Respeito e Valorização do Idoso: com base na Lei nº 10.741/2003
5. Educação Ambiental: com base na lei n° 9.795/1999, Parecer CNE/CP n°14/2012, Resolução CNE°CP
n° 2/2012 e Programa de Educação Ambiental de Pernambuco - PEA/PE 2015
6. Educação para o Consumo e Educação Financeira e Fiscal: baseado no Parecer CNE/CEB nº 11/2010 e
Resolução CNE/CEB nº 7/2010
7. Educação das Relações Étnico-Raciais e Ensino da História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena:
baseado nas leis n° 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer CNE/CP n° 3/2004, Resolução CNE/CP n°
1/2004 e Parecer CNE/CEB nº 14/2015.
8. Diversidade Cultural: baseado no Parecer CNE/CEB n° 22/2010 e Resolução CNE/CEB n° 7/2010
9. Relação de Gênero: com base no Parecer CNE/CEB n° 07/2010, Resolução CNE/CEB n° 02/2012, lei n°
11.340/2006, Lei Maria da Penha, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, 2006, Instrução
Normativa da SEE n° 007/2017 e Portaria MEC n° 33/2018
10. Educação Alimentar e Nutricional: com base na lei n° 11.947/2009
11. Educação para o Trânsito: com base na lei n° 9.503/1997
12. Trabalho, Ciência e Tecnologia: baseado no Parecer CNE/CEB n° 11/2010 e Resolução CNE/CEB n° 7/2010
13. Saúde, Vida Familiar e Social: baseado no Parecer CNE/CEB no 11/2010, Resolução
14. CNE/CEB no 7/2010, Decreto no 7.037/2009, Parecer CNE/CP no 8/2012 e Resolução CNE/CP no 1/2012

Também é mencionado que a abordagem educativa deve desenvolver no processo de ensino o 1) apren-
der a ser; 2) aprender a fazer; 3) aprender a conviver; 4) aprender a ser (Pernambuco, 2021).
Além dos capítulos contendo o Organizador Curricular das disciplinas obrigatórias, dos quais são
divididos por ano letivo, o Currículo apresenta os Itinerários Formativos, as trilhas. Ao todo são 15 trilhas,
II Encontro
22 Ensinar História
sendo uma exclusiva para a formação técnica profissional e as demais que abordam assuntos presentes na área
de conhecimento. Como o foco dessa pesquisa é o ensino de história, logo a área de humanas, apenas cinco
dirigem-se a tal campo de estudo, são elas:

1. Direitos Humanos e Participação Social (Humanas)


2. Juventude, Liberdade e Protagonismo (Humanas)
3. Diversidade Cultural e Territórios (Linguagens e Humanas)
4. Possibilidades e rede e Humanização dos espaços (Humanas e Matemática)
5. Desenvolvimento Social e Sustentabilidade (Natureza e Humanas)

As informações sobre as trilhas e as unidades curriculares obrigatórias que devem ser abordadas pelos
docentes separadas por ano letivo podem ser encontradas no portfólio junto com um material de apoio ao
professor e o Organizador Curricular Bimestral das disciplinas obrigatórias.4

A literatura no ensino de história: análise de dois casos


Retomando para o ensino de história e a literatura, a dissertação da historiadora Vanessa Milian também
apresenta o uso de literatura dentro da sala de aula, dessa vez usando obras clássicas que não foram produzidas
na contemporaneidade dos alunos. Para os alunos do 8º ano, ela os apresentou crônicas de Lima Barreto: “O
momento” (1915) e “15 de Novembro” (1921), o intuito da atividade era identificar os processos históricos
relatados por Barreto nas crônicas e todo o contexto histórico que a obra está inserida. As respostas dos alunos
variam muito quanto a compreensão histórica, por exemplo, como afirma Milian (2015)

No que se refere ao processo de materialização da República, a maioria dos alunos apontou


que a vida dos ex-escravizados mudou substancialmente para melhor, o que pode nos repor-
tar ao fato de que como conceito de segunda ordem, existe uma tendência de os alunos pen-
sarem a história como desenvolvimento, evolução e consequentemente, enfatizam o aspecto
da mudança à despeito das continuidades e relações que podemos fazer entre presente-pas-
sado-presente.

Porém quando questionados se era possível aprender história através da literatura, os alunos com-
preendem que é possível sim e a maioria deles acredita que a literatura é uma forma de apresentação da história
(Milian, 2015). Nesses dois casos de ensino de história usando literatura podemos observar que o uso e a rela-
ção dos livros com os estudantes pode ser tanto ontológico, com Torto Arado, quanto epistemológico, com as
crônicas Barretinas.
Sobre a ação pedagógica de Triches e Campos, analisando a experiência delas é possível perceber que
ao utilizarmos a literatura no ensino de história o identitarismo se destaca, seja em se reconhecer na obra ou
desenvolver a alteridade sobre aquela temática. Temática importante na construção do currículo, Silva (1999)
dirá que a questão da identidade marca os debates curriculares de maneira constante, e por esses documentos
serem frutos de uma construção social, relembrando mais uma vez Goodson (1997), hierarquia que por vezes
dominam a construção do currículo tendem a validar saberes socialmente reconhecidos enquanto rechaça os
saberes populares. Ao tratar a cultura, por exemplo, Moreira e Candau (2007) se ressaltam que a concepção
usada em muitos currículos para o termo ainda é a de uma cultura elitizada e eurocêntrica e cita inclusive que
os professores reforçam esse pensamento classicista da cultura ao se delimitar no estudo dos clássicos, ou na
área de história em que as referências ainda são sobre as histórias dos ditos “desenvolvidos”.

4 Pode ser encontrado no site da Secretária de Educação e Esportes, pelo link: https://portal.educacao.pe.gov.br/ensino-medio/
acesso em 10 de ago de 2023
II Encontro
Ensinar História 23
Afinal, como o currículo de Pernambuco vê esse diálogo?
Por ser um documento produzido de forma política, o currículo, como também apontam Moreira e
Candau (2007)

é um conjunto de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de signifi-


cados no espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades
sociais e culturais. O currículo é, por consequência, um dispositivo de grande efeito no pro-
cesso de construção da identidade do(a) estudante.

Moreira e Candau (2007) ainda reforçam dizendo que é possível entender o currículo “como as expe-
riências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem
para a construção das identidades” dos estudantes. Assim, quando observamos para a questão da identidade no
Currículo de Pernambuco, o tema é bastante comentado visto que sua construção é recente e já está inserido no
campo de debate teórico curriculares que dão mais ênfase no ensino de história cultura e questões decoloniais,
inclusive tendo uma trilha – Diversidade Cultural e Territórios – que se propõe a debater a temática com afinco,
um exemplo é o subitem 1.9, já mencionado, na temática “Diversidade Cultural” quando o documento diz:

“devemos considerar a construção das identidades, o contexto das desigualdades e dos con-
flitos sociais. Este tema aborda a construção histórica, social, política e cultural das diferenças
que estão ligadas às relações de poder, aos processos de colonização e dominação.” (Pernam-
buco, 2021, grifo nosso)

No entanto, não é mencionado no Currículo, nem no Material de Apoio ao professor, nem nos
Organizadores Curriculares Bimestrais e nem nos Portfólios das trilhas uma busca de debate do tema dentro
do ensino de história utilizando literatura. Embora exista uma tentativa latente de interdisciplinaridade, não
é possível encontrar a literatura sequer como sugestão de fonte histórica. No portfólio da trilha “Diversidade
Cultural e Territórios” as Unidades Curriculares que mencionam um fazer uso de obras literárias para a com-
preensão cultural pede um perfil de docente ligado à Língua Portuguesa5, os textos propostos para consulta
tanto nos portfólios como no Material de Apoio para o professor também não fazem indicativos de que o pro-
fessor pode fazer uso da literatura para ministrar a temática. Em determinadas passagens citam que o docente
pode fazer uso de livros, mas não citam quais podem ser usados, também não comentam se tem algum livro de
literatura disponível no PNLD Literário com aquela temática.
Pode-se questionar que talvez não seja função do currículo fornecer maneiras interdisciplinares tão espe-
cíficas para a aula do professor, porém concordamos com Goodson (1997) quando ele afirma que “o currículo
escrito fixa parâmetros importantes para a prática da sala de aula”, inclusive com a observação entre parênteses
que ele ressalta “nem sempre, nem todas as ocasiões, nem em todas as salas de aula, mas frequentemente” (grifo
do autor). Na ausência desse uso de literatura como fonte histórica, tal meio de ensino ficará nas mãos do
professor e de seu “currículo oculto”, conceito que apareceu pela primeira vez nas obras de Philip Jackson, é
uma ideia de conteúdo útil para a aprendizagem, mas que não está inserido no currículo oficial (Araújo, 2018).

Conclusões
Após ter acesso ao Currículo de Pernambuco do Ensino Médio, o Material de Apoio à Ação Docente para
os itinerários formativos e os Organizadores Curriculares da Formação Geral Básica, pudemos pôr em perspectiva
a forma como o ensino de história tem sido percebido pelos documentos normativos, e, consequentemente,
pelos setores de poder na sociedade, pois como foi visto o currículo não é uma ferramenta criada de forma

5 Portfólio disponível em: https://portal.educacao.pe.gov.br/wp-content/uploads/2023/08/Portfolio_Trilha_Diversida-


de_Cultural_e_Territorios.pdf acesso em 10 de set de 2023
II Encontro
24 Ensinar História
imparcial, completamente técnica (afinal, algo assim seria impossível), mas sim depende de uma construção
social e política, a qual define hierarquicamente quais devem ser os conteúdos, conhecimentos e habilidades
mais ou menos válidas para o estudo dos alunos.
Percebeu-se, através da análise realizada, que os mecanismos normativos pensados pelos diferentes seto-
res educacionais de Pernambuco não levaram em conta o diálogo preciosíssimo entre a literatura e a história.
Muitos profissionais desta área apresentam resultados profícuos na utilização daquela em suas aulas, pois foi
notado que a percepção dos alunos, através da ficção, sobre a matéria se tornou mais complexificada. O material
ficcional não deve ser encarado enquanto um concorrente do trabalho historiográfico, mas sim como um forte
aliado. Com o seu auxílio, a história pode ser melhor compreendida pelo estudante, pois ela não é algo estático,
marcado apenas por documentos oficiais, mas sim um conhecimento dinâmico, que precisa constantemente
de novas perspectivas e métodos de análise.
Dessa forma, entendemos que a ausência da literatura para a matéria História no ensino médio é
notadamente problemática, pois não incentiva que os professores da disciplina exercitem essa importante ati-
vidade entre as duas formas de conhecimento. Assim, é esperado que se incentive e pressione a normatização
do entrelaçamento entre ambas, todavia, até que isso seja efetivamente alcançado, o professor de história pode
utilizar-se do currículo oculto, ou seja, não se limitar ao formalizado, mas ir além, buscando em seu próprio
repertório e autonomia formas de melhor apresentar a ciência histórica aos estudantes.

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II Encontro
26 Ensinar História
MEMORIAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA: POR QUÊ?
BARBOSA, Thiago da Silva1

Resumo: Este trabalho reúne apontamentos concernentes à produção de memoriais enquanto espaço de reflexão
e apropriação de saberes históricos. À escrita enquanto habilidade essencial ao processo de ensino-aprendizagem
e importante aliada ao ensino de história. À memória como lugar de afetos e seu registro escrito como alter-
nativa à uma história baseada na mera memorização e repetição de conteúdos esvaziados de qualquer reflexão
crítica que direcione a prática pedagógica à uma educação cidadã e emancipatória do indivíduo. As reflexões
propostas nas linhas a seguir investigam a escrita de si como prática de produção de subjetividades e possibili-
dade formativa nas aulas de história. Partem, sobretudo, da escrita como lugar de registro de experiências, e dela
própria como também experiência ou possibilidade dela. Longe de pretenderem se constituir em um manual
utilitário – um como – as considerações aqui esboçadas tomam o ato de individual de escrever – que também
é coletivo, pois circunscreve o lugar social do indivíduo – a partir do sentir, para pensar os memoriais como via
possível de transformação do já sabido – um por quê. Num presente onde a experiência é cada vez mais rara,
como diagnosticou Jorge Larrosa (2022) em seus “tremores”, não como, mas por quê pensar a escrita de si e
sua relação com o ensino de história como espaço de abertura experiencial? Por quê, e não como, pensar os
memoriais para repensar nossas próprias concepções e práticas em educação?
Palavras-chave: Memoriais. Escrita de si. Ensino de História. Educação. Experiência.

Introdução
As abordagens educacionais contemporâneas apontam para o sujeito da aprendizagem compreendido
em sua integralidade e autonomia. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) ao estabelecer “o compromisso
com a educação integral” como segundo fundamento pedagógico que lhe sustenta, propõe uma “educação
voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades”.
Na seção dedicada ao Componente Curricular História no Ensino Fundamental, o mesmo documento ressalta
que “o exercício do fazer história” exige, a priori, “a constituição de um sujeito” para, a partir daí, ampliar-se
“para o conhecimento de um ‘Outro’ […]. Depois alarga-se em direção a outros povos, com seus usos e costumes
específicos. Por fim, parte-se para o mundo, sempre em movimento e transformação”. As diferentes fontes e
registros da passagem humana através do tempo são, segundo o mesmo documento, rico material de análise para
a compreensão desse outro, pois trazem consigo os vestígios da “experiência humana” e, tomados como objetos
aplicados ao conhecimento histórico, transformam-se “em exercício [...] da memória voltado para a produção de
um saber próprio da história”, onde “docentes e discentes poderão desempenhar o papel de agentes do processo
de ensino e aprendizagem” por meio de uma “atitude historiadora”. O trabalho em sala de aula deve, funda-
mentalmente, levar em consideração a experiência tanto dos educadores, quanto dos educandos, sem perder de
vista o contexto social e a realidade em que se insere a comunidade escolar, suas referências históricas culturais
e sociais. O ensino de história teria, pois, como importante objetivo o estímulo à autonomia do pensamento
e ao reconhecimento do indivíduo como fruto de um lugar, de uma época (BRASIL, 2018, p. 14; 397 a 401).
A concepção de conhecimento histórico presente na BNCC consta da primeira linha do texto que
abre o componente curricular aqui em análise: “todo conhecimento sobre o passado é também um conheci-
mento do presente elaborado por distintos sujeitos”. O saber histórico, visto desta forma, seria um saber sobre
o presente e a partir do presente. A História, como componente integrante do currículo, se justifica, pois, por
sua capacidade de diálogo com nossos dias a partir das questões levantadas no hoje. Dito de outra forma, é na
relação com o tempo presente que encontramos sentido para “pensar a História como um saber necessário para
a formação das crianças e jovens na escola [...]” (BRASIL, 2018, p. 14).

1 Mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História. Universidade Federal de Pernambuco. (UFPE).
thiago.sbarbosa@ufpe.br.
II Encontro
Ensinar História 27
Isto posto, refletimos: por que caminhos se realiza, cotidianamente, uma prática pedagógica em ensino
de história voltada ao sujeito como ser pensante, autônomo, capaz de construir o conhecimento a partir de sua
realidade, de sua comunidade e entorno, de seus saberes prévios, de suas subjetividades em contato como o
saber escolar? A partir desta, outras questões igualmente relevantes se nos impõem e merecem nossa atenção, a
saber: que potencialidades podem apresentar a produção de memoriais em sala de aula e que contribuições ao
ensino da História do ponto de vista da experiência? Qual a relevância de uma prática de ensino que propõe a
escrita de si como prática de produção de subjetividades e possibilidade formativa nas aulas de história? Qual
o papel das narrativas sobre si como espaço possível ao compartilhamento de experiências e transformação do
saber? Por que pensar a relação entre a memória e a escrita de si como possibilidade pedagógica de abertura ao
sensível no espaço escolar?
Partindo desses questionamentos, este trabalho constitui-se menos como um manual de orientações
estratégicas e mais como um convite à abertura, à reflexão sobre os possíveis desdobramentos de um fazer
educativo que alie a prática educacional à possibilidade da experiência pautada nas subjetividades e no sentir.

1. Escrever memoriais, escrever a vida


O que nos leva a sugerir a escrita sobre si, a partir das aulas de história, como lugar e caminho possível à
construção do conhecimento? A resposta a esta questão está relacionada a algo que é a própria vida e existência de
nós, professores e alunos, como indivíduos. E ainda em encarar o ato de educar como ação aberta ao sensível, e o
próprio saber histórico como conhecimento possível à atuação social pelo sentir o mundo, experienciar o mundo.
Silva (2019), a partir de um projeto que toma os cadernos escolares produzidos por alunos do ensino
fundamental como “cadernos memoriais”, tece algumas proposições que remetem às possibilidades pedagógicas
da adoção dos registros memoriais como espaço de construção do conhecimento nas aulas de história. Para Silva,

tratar dos cadernos memoriais é, portanto, ter contato com um universo de possibilidades
de construções e disposições sociais que os estudantes passam a assimilar a partir das experi-
ências atreladas às suas concepções de mundo. Neste caminho, parece bastante pertinente as
relações com as discussões que tem na produção de sentidos e sensibilidades a problematiza-
ção das formas de educação dos sujeitos. Através destes materiais podemos buscar diferentes
apropriações e expressões de sensibilidades, afetos, emoções como parte da cultura onde es-
tão imersos/inseridos seus autores na relação da escola – lugar institucionalizado de vivência
educativa - e nas trocas com mundo ao seu redor (SILVA, 2019, p. 3).

As diferentes formas de experienciar o mundo, de ser e estar nele, de se perceber como parte de uma
coletividade, assim como as experiências a partir do sensível compõem o universo das emoções, dos sentimentos,
e se correlacionam aos múltiplos contextos históricos, culturais sociais em que cada indivíduo – também parte
de um grupo – se insere. Tais contextos, para Silva, articulam-se de maneira tênue em terreno limítrofe entre a
esfera coletiva e a individual.
Pesavento (2004), tece algumas proposições acerca do conhecimento pautado nas sensibilidades ao
considerar que

as sensibilidades são formas pelas quais os indivíduos e os grupos se dão a perceber, a si e ao


mundo. A sensibilidade é, pois, capacidade humana, que fundamenta a apreensão do real; é
uma habilitação sensorial que marca a capacidade de ser afetada pelo mundo ou de reagir a
estímulos físicos ou psíquicos por meio de sensações. Por outro lado, a sensibilidade estaria
na base do próprio conhecimento sobre o mundo que o espírito é capaz de produzir. Entre-
tanto, o conhecimento sensível marca um assalto contra o pensamento cognitivo racional.
Por que opera na esfera das sensações e pertence à ordem da intimidade, porque atua na
esfera dos sentimentos e fundamenta a percepção, interpretando e qualificando o mundo,
o conhecimento sensível não segue exatamente as regras da racionalidade, mas não deixa,
II Encontro
28 Ensinar História
com isso de produzir verdades, valores, ou seja, critérios de interpretação da realidade (PESA-
VENTO, 2004 apud SILVA, 2019, p. 3).

Propomos, portanto, a introdução das “histórias de vida” como artifício pedagógico mobiliza e abre
horizontes que podem, aparentemente, se nos apresentar como “miragem ilusória”. Ao perseguir o objetivo de
“construção de sentido temporal”, a partir dos relatos biográficos, “que recua quando se avança, não se pode
fazer sem riscos e perigos. Porém, essa busca parece inerente à pulsão vital” (PINEAU, 2006, p. 341). Sugerimos
os memoriais como prática aliada ao ensino da História, como algo relacionado à vida, ao viver do sujeito, este
indivíduo, que também é coletivo, que sente e percebe o mundo à sua maneira, cujo conhecimento vai sendo
construído pelas relações que estabelece com os outros, consigo mesmo e com os espaços onde convive, dos
quais a escola é apenas um.
Partindo destas reflexões nos dedicamos, a partir de agora, a explorar alguns dos porquês da introdução
dos memoriais nas salas de aula de história como abertura ao conhecimento, ao sensível, a si.

2. Memória, este campo em disputa


Michael Pollak, sociólogo austríaco radicado na França, em seus estudos sobre identidade social, pensa
a memória como um terreno de disputa. Em “Memória, Esquecimento, Silêncio”, Pollak (1992) reflete sobre
a eclosão das “memórias subterrâneas” nos estudos atuais como resistência ao apagamento imposto a diversos
grupos sociais minoritários ao longo da história. Tais perspectivas contemporâneas, ao deslocar o foco de suas
pesquisas para os autores e processos que atuam na constituição, formação e formalização da memória coletiva,
enfatizam as memórias submetidas ao apagamento e acentuam o caráter homogeneizador da memória coletiva
e nacional.
Pollak contrapõe esses novos olhares, aos estudos do sociólogo francês Maurice Halbwachs, desenvol-
vidos em sua obra A Memória Coletiva (1990). Halbwachs, ao cunhar o termo “memória coletiva”, introduz
os estudos sobre a memória na área das ciências sociais, antes restritos à psicologia e à filosofia, postulando que
a memória não poderá ser estudada sem que se leve em consideração os fenômenos sociais que a circunscre-
vem. Por estas proposições, a memória deixava de ser apenas um fenômeno individual, restrito ao universo do
indivíduo, já que as memórias do sujeito nunca são apenas suas, uma vez que não pode existir isolado de seu
grupo social. “Para Halbwachs, o indivíduo que lembra é sempre um indivíduo inserido e habitado por gru-
pos de referência; a memória é sempre construída em grupo, mas é também, sempre, um trabalho do sujeito”
(SCHMIDT; MAHFOUD; 1993, p. 288).
Os pontos de referência, para Halbwachs, estruturam a nossa memória e a inserem na memória coletiva
do grupo a que pertencemos. Tais referenciais – monumentos, ou os lugares de memória como pôs Pierre Nora
(1993), o patrimônio arquitetônico, as paisagens, datas e personagens da história, nossos costumes e tradições.
“Na tradição metodológica durkheimiana” – e Maurice Halbwachs era discípulo de Durkheim –

que consiste em tratar fatos sociais como coisas, torna-se possível tomar esses diferentes pon-
tos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado gru-
po, uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também
que, ao definir o que é comum a um grupo e o que, o diferencia dos outros, fundamenta e re-
força os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais (POLLAK, 1989, p. 3).

Para Pollak, no entanto, as considerações elaboradas por Halbwachs a respeito da memória coletiva,
enfatizam seu papel conciliatório em detrimento de uma ação impositiva de violência simbólica, pois reforçam
a coesão social, não pela imposição, mas pela adesão afetiva ao grupo, à “comunidade afetiva”. As perspectivas
atuais ao abordarem a memória como terreno de disputa, trazem ao foco de suas análises os processos e atores
inseridos na constituição, formação e formalização da memória coletiva, enfatizam as memórias subterrâneas e
acentuam o caráter homogeneizador da memória coletiva. Trata-se, pois, de analisar os fatos sociais, os referenciais,
II Encontro
Ensinar História 29
não como coisas em si, mas como estes vêm a se tornar coisas, que processos levaram à sua consolidação, solidi-
ficação ou continuidade como memórias. Pollak toma tais referenciais não como dados, mas como processos,
e os estudos contemporâneas que se dedicam à memória e suas implicações sociais, estão voltados à investigar
como são formados esses referenciais, que fatores determinam a predominância e a continuidade de uns e não de
outros, como adquirem continuidade nas memórias individuais e coletivas, que atores ou processos formalizam
a memória como dimensão coletiva de um grupo. Estas novas perspectivas acentuam o caráter homogeneizador,
opressor e violento da memória coletiva, trazendo à superfície o grande lençol freático das “memórias subterrâ-
neas”, soterradas pela memória oficial, ao se debruçar sobre os silêncios impostos pela violência simbólica das
memórias nacionais. O silêncio, por este viés, não significaria esquecimento ou conformidade, mas a resistência
que uma sociedade civil silenciada contrapõe ao excesso de memória oficial que pouco ou nada lhe diz respeito.
Por outro lado, em meio ao silêncio, esta mesma resistência cuida de transmitir “cuidadosamente as lembranças
dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas
e ideológicas” (POLLAK, 1989, p. 5).
O trabalho de manutenção da coesão interna e defesa das fronteiras do que se tem como comum ao
grupo, se dá, para Pollak, a partir do fornecimento de certas referências que enquadram a memória. Memória
enquadrada, portanto, seria um termo melhor apropriado, por ser mais específico, em alternativa à memória
coletiva. Tal

trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história. Esse


material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de referências
associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também
demodificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos comba-
tes do presente e do futuro (POLLAK, 1989).

É perseguindo esta perspectiva que propomos os memoriais como apelo às memórias dos estudantes,
a contrapelo de uma História que se paute apenas pelas versões oficiais dos acontecimentos e nelas encontre
o seu fim, a partir daquilo que podem sentir e perceber para registrar, de suas visões de mundo compatilhadas
conosco pela escrita de si.

3. A escrita: um corpo
Em seu texto A Escrita de Si, Michel Foucault (1992), referindo-se às anotações do caderno de notas de
Sêneca, concebe a escrita como exercício pessoal de si e para si como “uma arte da verdade contrastiva”, ou como
ele mesmo define “mais precisamente, uma maneira reflectida de combinar a autoridade tradicional da coisa já
dita com a singularidade da verdade que nela se afirma e a particularidade das circunstâncias que determinam
o seu uso”. (FOUCAULT, 1992). Dito de outra forma, a verdade contrastiva constitui-se pelo já dito – ou pela
força ou autoridade exercida pela coisa já dita – pelo que será dito pelo sujeito como verdade sobre o já dito, e
pelos modos como o sujeito emprega essa combinação.
Se por um lado a escrita é contraste, ela tende a unificação que se estabelece dentro do próprio sujeito
da escrita, na própria ação de escrever, na suas leituras e releituras, que mesmo em meio à heterogeneidade
dos fragmentos, unifica-os através de um processo de subjetivação que se dá em sua prática pessoal de escrever
(FOUCAULT, 1992, p. 133).

Esta unificação, compara-a Séneca, segundo metáforas de longa tradição, quer à colheita de
néctar pela abelha, quer à digestão dos alimentos, quer ainda à adição de números que forma
uma soma: “Não consintamos que nada do que em nós entra fique intacto, por receio de que
não seja nunca assimilado. Digiramos a matéria: de outro modo, ela passará à nossa memória,
mas não à nossa inteligência [...]. Adiramos cordialmente aos pensamentos de outrém e sai-
bamos fazê-los nossos, de tal modo que unifiquemos cem elementos diversos assim como a

II Encontro
30 Ensinar História
adição faz, de números isolados, um número único. O papel da escrita é constituir, com tudo
o que a leitura constituiu, um “corpo” (FOUCAULT, 1992, p. 133).

O papel da escrita, portanto, é construir um corpo, como o próprio corpo do sujeito que escreve que,
ao fazê-lo, se apropriou de suas leituras, transformando-as. É neste sentido que propomos o exercício da escrita
de si como ato de transformação: do lido, do ouvido, do vivido, e de si, como prática da transformação do
sabido e do próprio sujeito da escrita, constituindo “a sua própria identidade mediante essa recoleção das coisas
ditas”, já que “a escrita transforma a coisa vista e ouvida em forças de sangue” (FOUCAULT, 1992, p. 33-34).

4. A experiência da escrita
O que viria a ser uma experiência? Jorge Larrosa, professor de Filosofia da Educação da Universidade
de Barcelona, entende experiência como um não-conceito, como algo que nos acontece e que às vezes nos faz
vibrar, padecer, tremer. Às vezes, porque nem sempre algo vem a se tornar experiência para nós. Experiência é
contingência e incerteza. Experiências são “tremores” (LARROSA, 2022). Experiência é “isso que me passa”
(LARROSA, 2011, p. 5).
“Isso”. O que não sou eu, o acontecimento, o que não está ao meu alcance e acontece na exterioridade,
fora de mim. É aquilo “que não sou eu, nem minhas palavras, ou o que sei”. Este seria o primeiro princípio
da experiência para Larrosa: o princípio de exterioridade – porque “não há experiência […], sem a aparição de
alguém, ou de algo, ou de um isso, de um acontecimento em definitivo, que é exterior a mim, estrangeiro a
mim, estranho a mim […]” – ou de alteridade – “porque isso que me passa tem que ser outra coisa que eu. Não
outro eu, ou outro como eu, mas outra coisa que eu” – ou de alienação – “porque isso que me passa tem que
ser alheio a mim, quer dizer, que não pode ser meu, que não pode ser de minha propriedade” (LARROSA,
2011, p. 5-6).
“Me”. O acontecimento que se passa, é o acontecimento que me passa. “O lugar da experiência sou
eu”. O sujeito é o lugar onde se realiza a experiência. Larrosa chama a isso de princípio de subjetividade – “a
experiência é sempre subjetiva. […] não há experiência em geral, [...] a experiência é sempre experiência de alguém
[…] cada um faz ou padece sua própria experiência, e isso de um modo único, singular, particular, próprio” – ou
de reflexividade – “porque a experiência é um movimento de ida e volta. […] de ida porque a experiência supõe
um movimento de exteriorização, de saída de mim mesmo, [...] ao encontro do acontecimento. […] de volta
porque a experiência supõe que o acontecimento afeta a mim” – ou de transformação – “porque esse sujeito
sensível, vulnerável e ex/posto é um sujeito aberto a sua própria transformação” (LARROSA, 2011, p. 6-7).
“Passa”. Experiência é passagem, e o sujeito seria este “território de passagem” onde a experiência se
dá. O sujeito da experiência, para Larrosa, é exposto, o que corre o risco, aberto ao incerto e duvidoso. Eis o
princípio de passagem – “a experiência supõe, portanto, uma saída de si para outra coisa, um passo para outra
coisa […] supõe também que algo passa desde o acontecimento para mim, que algo me vem ou me advém”. E
esse algo que passa, me passa, me marca, deixa em mim algum “vestígio, uma marca, um rastro, uma ferida”: eis
o princípio de paixão – o sujeito da experiência não a faz, mas padece dela, como “uma superfície de sensibili-
dade” […]. Daí que o sujeito da experiência não seja, em princípio, um sujeito ativo, um agente de sua própria
experiência, mas um sujeito paciente, passional” (LARROSA, 2011, p. 7-8).
O que seria, então, pensar a escrita como e pela experiência? Para Larrosa, é preciso pensar a educação pela
experiência. É a experiência que dá sentido à educação. É a experiência que dá sentido à escrita. Não a verdade.
Educamos e escrevemos para transformar o que sabemos, vimos. E com isso, também nos transformamos. Se há
alguma coisa que nos impele à escrever ou a educar, “é a possibilidade de que esse ato de escritura [educação],
essa experiência em palavras [gestos] nos permita libertar-nos de certas verdades de modo a deixarmos de ser o
que somos para ser outra coisa, diferente do que vimos sendo” (LARROSA, 2022, p. 6-7).

II Encontro
Ensinar História 31
É por este viés que propomos a introdução do uso de memoriais no ato de ensinar História: como
possibilidade de transformação do já conhecido e de si mesmo, como caminho possível para uma prática do
ensinar que abra horizontes, expanda os sentidos, possibilite o conhecimento pelo sentir. E isto quer dizer pensar
a educação, também o ato de escrever sobre si mesmo, como abertura à experiência ou possibilidade dela, como
espaço possível ao sensível, onde os conteúdos sejam encarados para além de suas habilidades e capacidades de
transmitir informações. Este ato de escrever, para além do registro, seria fazer das palavras construção de si, do
conhecimento e do mundo,

a partir da convicção de que as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, fun-
cionam como potentes mecanismos de subjetivação. [...] As palavras determinam nossos
pensamentos porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras (LARROSA,
2022, p. 16).

O que propomos é o que Jorge Larrosa chama de “saber da experiência”, uma outra relação com o
conhecimento, para além da assimilação de informações - no caso do que aqui discutimos, conteúdos curriculares
– mas pela experiência, pela abertura ao sensível, porque “informação não é experiência”. O saber da experiência
seria algo que não se assemelha o saber da ciência ou científico, ou ao saber da informação. O saber que vem da
experiência seria algo relacionado à própria vida. A noção que temos de saber, muitas vezes é de algo progressivo e
universal, essencialmente científico ou tecnológico, impessoal, objetivo, do qual devemos apropriar-nos e, então,
utilizá-lo. Por outro lado, a vida, reduzida às suas funções biológicas (satisfação de necessidades, manutenção da
sobrevivência) tem sido direcionada à lógica do capital e de consumo. Conhecimento e vida, compreendidos
por este modo, sua relação não seria “outra coisa que a apropriação utilitária, a utilidade que se nos apresenta
como ‘conhecimento’, para as necessidades que se nos dão como ‘vida’, e que são completamente indistintas
das necessidades do mercado e do capital” (LARROSA, 2022, p. 30). Eis o saber da experiência:

o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao
longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece. No
saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-
-sentido do que nos acontece. [...] O saber da experiência é um saber que não pode separar-se
do indivíduo concreto em que encarna (LARROSA, 2022, p. 32).

O sujeito informado é pobre em experiência, pois o que a informação faz é cancelar a possibilidade da
experiência (LARROSA, 2022, p. 19). O memorial e seu apelo à escrita de si mesmo, agiria como uma pausa,
um respiro, uma interrupção, desde que

a experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de in-
terrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar,
parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais
devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes [...] suspender o auto-
matismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que
nos acontece, aprender a lentidão, [...] dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2022, p. 25).

Imersos nesse gigantesco universo de estímulos visuais e sonoros, ante imensidão cotidiana de informa-
ções – entre as quais se inserem os conteúdos curriculares quando são tomados de maneira meramente utilitária,
como uma espécie de cartilha, ou de lista pré-programável, como autossuficientes ao processo de construção
do conhecimento no âmbito da escola e fora dela – nossa sugestão é que o memorial em sua potência de subje-
tivação pela escrita seja uma pausa. Um parar. Parar para escrever. Parar para escrever com lentidão. Parar para
escrever sobre si.

II Encontro
32 Ensinar História
Memoriais no ensino de História: por quê?
Não se pode pedagogizar, didatizar, programar uma experiência. Ela não se fundamenta em nenhuma
prática, técnica, ou metodologia. Porque a experiência é o inesperado, é o casual, é singular, irrepetível, e única.
Parece-nos paradoxal, então, propor a introdução dos memoriais como prática possível ao ensino aliado ao sensível.
Não estariam, os memoriais, praticando exatamente o contrário? Pedagogizando a experiência? Didatizando-a?
Aprisionando a experiência a um formato previamente estabelecido? A resposta a estas questões talvez não possa
saná-las, mas nos dará indícios de, não como, mas por qual motivo deveríamos nós, professores de história e
de qualquer outra disciplina, considerar os memoriais como meio para uma educação que se deseja emancipa-
dora, transformadora do indivíduo, que tenha menos a ver com a verdade que com a experiência do próprio
ato de educar como potência possível de transformação da realidade e de ação do mundo. Uma educação que
se confunda com a própria vida.
Voltando à questão da palavra. Para Larrosa, nós, seres humanos, somos viventes “com palavra”. Esta
afirmação, para ele, não quer dizer que possuímos a palavra, ou tenhamos na linguagem uma coisa como nossa,
uma habilidade ou ferramenta: “o homem é palavra, [...] o homem é enquanto palavra, [...] todo humano tem a
ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido em palavra [...]” (LARROSA, 2022, p. 17). Pensar o memorial por
esta perspectiva, pela perspectiva da palavra, da palavra não como dom ou aptidão do ser humano, mas como o
próprio ser humano, talvez nos auxilie na árdua tarefa de encontrar respostas que justifiquem sua introdução no
cotidiano escolar. O sujeito, este sujeito que é o da experiência, apaixonado, que padece, que sofre a experiência,
seria a própria palavra a materializar-se em escrita, esta escrita que é um processo de subjetivação, também de
construção de si, não como verdade, mas como transformação do já sabido, e de si mesmo, formando-se e se
transformando pela experiência. E esta é

a relação constitutiva entre a ideia de experiência e a ideia de formação. Daí que o resultado
da experiência seja a formação ou a transformação do sujeito da experiência. Daí que o sujei-
to da experiência não seja o sujeito do saber, ou o sujeito do poder, ou o sujeito do querer,
senão o sujeito da formação e da transformação. Daí que o sujeito da formação não seja o
sujeito da aprendizagem (a menos que entendamos aprendizagem em um sentido cognitivo),
nem o sujeito da educação (a menos que entendamos educação como algo que tem que ver
com o saber), mas o sujeito da experiência (LARROSA, 2011, p. 7).

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília, 2018.
BENJAMIN, W. A pobreza da experiência. In: Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Ensaios
sobre literatura e história da cultura. São Paulo, 1987.
FOUCAULT, M. A Escrita de Si. In: MOTTA, M.B. Ética, sexualidade, política/Michel Foucault. Rio de
Janeiro, 2004.
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo, 1990.
LARROSA, J. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte, 2022.
__________. Experiência e Alteridade em Educação. Revista Reflexão e Ação, v. 19, n. 2. Rio Grande do
Sul, 2011.
__________. Tecnologias do eu e a educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.) O sujeito da educação:
estudos foucaultianos. Petrópolis, 1994.
NORA, P. Entre a memória e a história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p.
7-28, dez. 1993.
II Encontro
Ensinar História 33
PINEAU, G. As histórias de vida em formação: gênese de uma corrente de pesquisa-ação-formação existencial.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.2, p. 329-343, maio/ago, 2006.
POLLAK, M. Memória e identidade social. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 5, 1992.
_________. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 2, 1989.
SCHMIDT, M.L.S.; MAHFOUD, M. Halbwachs: Memória coletiva e experiência. In: Psicologia USP, São
Paulo, v. 4, n. 1-2, p. 285-298, 1993.
SILVA, F.L. Experiências Narrativas: relações e reflexões a partir das aulas de História através dos registros memo-
riais de estudantes do Ensino Fundamental. ANPUH – 30º Simpósio Nacional e História. Recife, 2019.

II Encontro
34 Ensinar História
A REVOLUÇÃO HAITIANA E O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DA PRODUÇÃO
DE MATERIAL DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
BONINA, Isadora1
SANGUINETTE, Laura2

Resumo: O presente resumo apresenta um material didático-pedagógico construído para auxiliar no ensino
de história por meio da plataforma Notion que é uma ferramenta de organização e distribuição de tarefas mul-
tifuncional, acessado por meio de um link ou QR code, o conteúdo produzido é voltado majoritariamente para
Ensino médio e auxiliando os professores na docência. O produto é organizado em tópicos de fácil compreensão
sobre a Independência do Haiti, trazendo conteúdos acessíveis através de mídias visuais compostas por filmes,
vídeos e podcasts e indicações literárias, usando principalmente como referência o livro “Os Jacobinos Negros”
de C.L.R James (1938), analisarmos alguns aspectos anteriores e durante, o uso de atividades de ferramentas
digitais como uma alternativa no auxílio do professor no sentindo que possibilita trabalhar conteúdos não
abordados em sala de aula tradicionalmente.
Palavras chaves: Conteúdo digital. Independência do Haiti. Material didático-pedagógico.

1. Criação do site
O site foi pensado para o auxílio dos professores em sala, trazendo em sua bagagem conteúdos confiá-
veis e rastreáveis, a plataforma tem em vista o público de ensino médio e pessoas que desejam saber mais sobre
a Independência do Haiti. No corpo de nosso produto tentamos trazer o máximo de materiais possíveis como:
vídeos, podcasts e indicações de livros, tudo isso para chamar a atenção dos leitores, também dentro da plata-
forma contamos com vários exercícios, para a melhor fixação do conteúdo.
Colocar todo conteúdo num lugar só, foi possível, por causa da plataforma Notion, um aplicativo de
produtividade focado na organização de tarefas e no trabalho colaborativo em projetos. Criado no ano de 2013,
mesmo não sendo um local especializado em criação de site, mas sim uma plataforma de planejamento, por
conta de sua interface de criação ser versátil, permite ao usuário testar seus limites, no nosso caso e de muitos
outros foi a criação de um site.
O notion tem duas vertentes, uma paga e a outra gratuita, para um grupo pequeno de até cinco pessoas
ou o uso individual, pode se usar gratuitamente, para grupos maiores ou empresas recomenda-se o pagamento
para o acesso de uma versão melhorada. Para o uso ou a criação de conteúdos, para o ensino, pode usar a versão
gratuita tranquilamente, e qualquer pessoa pode acessar a página independente de ter uma conta ou não, ou
de ser um site ou um blog, a pessoa só precisa de um link, que será gerado pelo próprio aplicativo, depois é só
enviar para as pessoas, então quem tiver o link pode acessar, o link nunca muda então se alguém guardar essa
pessoa sempre terá acesso. Agora vamos ensinar como entrar no notion.

1 Graduanda. Unicap. isadora.2020200321@unicap.br.


2 Graduanda. Unicap. laura.2020201857@unicap.br.
II Encontro
Ensinar História 35
1.1. Abra o site ou baixe o aplicativo.
Figura 1: página inicial do site Notion.

Fonte: Site Notion. Acesso por: https://www.notion.so/

1.2. Entre na plataforma e crie uma conta


Figura 2: Página de login

Fonte: Site Notion. Acesso por: https://www.notion.so/

1.3. Assim que entrar, desenvolva o seu projeto.


Depois de aprender a como entrar na plataforma, agora é só entrar no site ou baixar o aplicativo para
smartphone, desvendar aos poucos a interface de criação. Caso opte por utilizar a página da internet, recomendo
o utilizar a tradução automática feita pelo google, caso não saiba ler a língua inglesa, pois o site está completa-
mente em inglês.
II Encontro
36 Ensinar História
2. Site independência do Haiti
A construção do site e a forma em que é apresentado para a compreensão dos estudantes e professores
que irão utilizá-los em sala de aula, é construído na forma didático pedagógica, o site foi construido a base do
livro Os Jacobinos Negros do autor Trinidad C.L.R. James, livro de 1938, uma história da Revolução Haitiana
de 1791-1804, dividimos o site em tópicos, o que ocorre antes da Independência do Haiti até chegar a revolução
promulgada, sendo primeira, segunda, terceira e quarta fase, com pequenos tópicos de fácil compreensão com
perguntas, dicas de filmes, podcasts e livros, sendo construído por historiadores e levando informações concre-
tas sobre o assunto, um leque de estudos e perspectivas de outros estudiosos sobre a temática pesada, a forma
de como os alunas possam levar da sala de aula, para casa por ser um site disponível online para esse estudo, a
finalidade e repassar esse assunto pouco abordado dentro das escolas, e que dessa forma possam compreender
o que está sendo repassado.

Figura 1. QR Code Site Independência do Haiti

Fonte: Autoria própria, 2023.

QR Code utilizado para entrar no site por meio do celular facilitando assim em que diversas pessoas
possam adentrar ao site, e por meio do celular a qualquer momento, pensamos que utilizando os alunos nos
quais já utilizam o celular possam pesquisar e responder perguntas e saberem de filmes, documentários e etc,
em apenas um local.

Figura 2. Página inicial do site

Fonte: Autoria própria, 2023.


Página Inicial do site com os tópicos que serão abordados ao longo dos estudos, formas como pesquisar
dentro do site dividido em:

II Encontro
Ensinar História 37
1. Introdução;
2. Haiti antes da independência;
3. Impactos da revolução francesa na independência haitiana;
4. Revolução Haitiana;
5. Materiais de apoio;
6. Referências.
Explicação em imagens sobre a temporalidade, o sistema escravista, a economia colonial, dinâmicas
sociais e raciais, os conflitos gerados até o despertar para a independência, o início das revoltas e conflitos, resis-
tências e lutas pela liberdade, influência externas, o papel das mulheres na luta, influência dos revolucionários,
até chegada a fase de embates do início da revolução, relações da revolução francesa e a independência do haiti.

Figura 3. Página Divisão do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

Logo após a introdução do assunto passando pelo Haiti antes da revolução e os impactos da Revolução
Francesa, constituímos uma divisão construída em fases sobre e a Revolução Haitiana.

Figura 4. Página Divisão do site.

Fonte: Autoria própria, 2023


O ponto chave central e seus principais líderes revolucionários, como o nome de Toussaint Louverture
que se levanta como líder junto aos escravos, imagens para que possam constituir uma imagética sobre a temá-
tica abordada.
II Encontro
38 Ensinar História
Figura 5. Página Divisão do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

Imagens que repassam o contexto para que compreendam o assunto.

Figura 6. Página Divisão do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

As fases em que foram divididas repassam uma forma em que seja fácil compreender sobre o assunto,
com pequenos capítulos centrais sobre cada parte.

Figura 7. Página Materiais de apoio do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

II Encontro
Ensinar História 39
Figura 8. Página Materiais de apoio do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

Figura 7. Página Materiais de apoio do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

Adicionamos filmes/ documentários e vídeo aulas para que o conhecimento sobre o assunto não seja
apenas de textos mas também de outras formas em que se pode aprender, logo após assistirem tem perguntas
sobre o que entendem do assunto.

Figura 9. Página Materiais de apoio do site

Podcasts e livros para se aprofundarem mais no assunto de diferentes formas.


Fonte: Autoria própria, 2023.

II Encontro
40 Ensinar História
Figura 10. Página Materiais de apoio do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

Livros para serem utilizados como referência e estudarem mais sobre o assunto.

Figura 11. Exercícios de fixação do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

Exercícios formulados pelos professores.

Figura 12. Exercícios de fixação do site

Fonte: Autoria própria, 2023.

Exercícios retirados de vestibulares.


Logo após estudarem, lerem os textos, os podcasts, vídeo aulas, e os livros que foram separados espe-
cialmente para melhor compreensão, utilizamos exercícios de fixação feitos por professores e outros retirados
de vestibulares.

II Encontro
Ensinar História 41
3. Como utilizar no auxílio em sala de aula
A plataforma se torna um grande auxiliar em sala de aula na construção de uma uma ferramenta em
que o professor e os alunos possam ensinar de forma mais específica e centralizada, aberto para maior desen-
volvimento no assunto, por materiais didático-pedagógicos.

3.1. Ideia de como utilizar o site


1. Pedir para os alunos responderam um formulário do google, sobre o que sabem ou entendem sobre
a Independência Haitiana;
2. Pedir aos alunos a leitura do material e a elaboração de alguma atividade valendo nota;
3. Formação de um debate, em sala e no final o professor dará uma aula tirando as dúvidas que restarem.

Objetivos
1. Trazer um assunto que geralmente não é abordado: Material que auxilie o professor no sentido
que possibilita trabalhar conteúdos não abordados em sala de aula tradicionalmente, utilizando
para compreender uma história decolonial;
2. A produção de um material consultável confiável: Hoje se tem bastante meios na internet porém
nem todos servem para o meio educativo, assim um site formulado e transcrito por professores com
base educacional, com referências e formas de um ensino fácil e de diferente abordagem;
3. Compilado de materiais-didáticos: Trazer uma maior junção de materiais didáticos pedagógicos,
de forma simples em que os alunos e os professores possam gerar uma aula produtiva e compreensiva
sobre o determinado assunto.

REFERÊNCIAS
Independência do Haiti. Disponível em: <https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/independencia-do-haiti/>.
CABRAL, G. A Revolução Haitiana e o nascimento do mundo contemporâneo. Disponível em: <https://
negre.com.br/a-revolucao-haitiana-e-o-nascimento-do-mundo-contemporaneo/>. Acesso em: 3 set. 2023.
Escravidão na história: quando a França extorquiu o Haiti. Disponível em: <https://revistaplaneta.com.
br/escravidao-na-historia-quando-a-franca-extorquiu-o-haiti/>. Acesso em: 3 set. 2023.
‌ á 214 anos da Revolução Haitiana. Disponível em: <https://www.esquerdadiario.com.br/Ha-214-anos-
H
da-Revolucao-Haitiana>. Acesso em: 3 set. 2023.
‌ oussaint Louverture. Disponível em: <https://nobilified.com/products/toussaint-louverture?va-
T
riant=31531732303966>. Acesso em: 3 set. 2023.
JAMES, C. L. R. Os jacobinos negros : Toussaint L’Ouverture e a Revolução de São Domingos. São
Paulo: Boitempo, 2000.
Notion.so

II Encontro
42 Ensinar História
ENSINO DE HISTÓRIA E SABERES HISTÓRICOS NO ESPAÇO ESCOLAR – A
REPÚBLICA DE PERNAMBUCO A PARTIR DO TRABALHO COM FONTES EM SALA
DE AULA (1817-1824)
CARDOSO, Carolina Rodrigues1

Resumo: O uso de fontes históricas em sala de aula como recurso de análise no processo de ensino-aprendizagem
não é uma proposta recente, há diversos registros em relação a sua incorporação nos parâmetros curriculares e
em livros didáticos, assim como na defesa do seu uso em sala de aula. Nessa perspectiva, acerca da República
de Pernambuco (1817-1824) no que se refere à Revolução de 1817 e à Confederação do Equador em 1824,
busca-se trabalhar o uso de fontes primárias, tais como documentos veiculados no período citado, em sala de
aula, como uma nova abordagem no processo de ensino-aprendizagem, através das análises das construções
históricas, contextualizações, noções de espaço-tempo e memória. Dessa forma, faz-se necessário entender que
o emprego de documentos históricos no ambiente escolar não deve ser tratado como um fim em si mesmo, mas
sim para atuar nas possíveis respostas de problematizações, indagações entre os professores e alunos, buscando
estabelecer o objetivo de construir um diálogo com o passado e o presente, incrementando como referência o
conteúdo a ser ensinado. O projeto foi desenvolvido como uma proposta de pesquisa aplicada, diferente do
Ensino Tradicional de História, com uso de documentos históricos e instituindo os alunos como sujeitos ativos
no processo de construção do conhecimento, a medida em que foi estabelecida a presença em sala de aula, dado
pelo Estágio Supervisionado 3, cadeira obrigatória no currículo do curso de Licenciatura em História. Com o
objetivo de buscar compreender os benefícios e o papel do uso documentos na construção do conhecimento
histórico por meio de questionários, relatórios e análises baseados nos conceitos de Aula-Oficina de Isabel Barca
(2004), para verificar através da utilização das fontes primárias, como recurso, o processo de ensino-aprendiza-
gem, gerando uma maior aproximação dos alunos com a produção do conhecimento histórico, com efeito de
transformá-los em agentes sociais.
Palavras-chave: Ensino de história. Fontes Históricas. Ensino-aprendizagem. Aula-Oficina.

Introdução
A partir de meados do século XIX, desde o estabelecimento da História como disciplina acadêmica,
métodos, análises e propostas rigorosas foram impostas a concepção de “fazer história”. Pautadas nos preceitos
da escola positivista e metódica, as fontes históricas eram apenas os documentos escritos e oficiais vistos como
“relatores da verdade absoluta” do fato histórico (JANOTTI, 2006, p. 9-22). Essas concepções estavam ligadas
ao entendimento dos registros como privilegiados, devido a sua suposta “neutralidade” e “verdade”, permi-
tindo reconstruir acontecimentos do passado, formando uma correlação de causa e consequência, sendo essas
condições entendidas como necessárias para uma pesquisa histórica coerente.
Nesse sentido, as noções acerca das fontes históricas foram sendo amplamente redefinidas no campo da
historiografia ao longo dos anos, deixando de lado, a ortodoxia positivista e, posteriormente, inserida a marxista,
foram acrescentados variados tipos de fontes nesse processo de entender a História, como os diários, cartas,
fotografias, desenhos, inventários, jornais, revistas, filmes, mapas, conjuntos arquitetônicos, fontes sonoras,
orais, literárias e etc., através de novos objetos, campos de estudos e metodologias (ROSA, 2011, p.13-24). Na
segunda metade do século XX, os seguidores da Nova História, influenciados pela historiografia dos Annales,
integraram seus estudos históricos as mais diversas fontes como, por exemplo, a literatura, imagens, cultura
material, entre outras, e assim modificando os conceitos acerca das fontes históricas, compreendendo-as como
vestígios, registros do passado, referências às tradições, estudos ligados ao cotidiano, cultura, imaginários etc.
Visto que a partir da Nova História, aconteceu um alargamento do termo “documento”, por uma verdadeira
revolução documental que é, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa, segundo Le Goff (1924). Pois, as

1 Graduada. carolcrcardoso@hotmail.com.
II Encontro
Ensinar História 43
noções de memória coletiva e história não estão pautadas apenas sobre os grandes acontecimentos, homens, a
história militar ou política, e sim, entende-se a importância da documentação e do interesse por todos os homens
que constituem a História. Portanto, infere-se que os documentos escritos passaram a ser interpretados por
meio de metodologias interdisciplinares.
Conforme as possibilidades anunciadas pelas transformações historiográficas, foram projetados dife-
rentes olhares no que se tinha como base de “documentos”, entendendo-os agora de forma crítica, buscando
praticar o exercício de determinar as fontes quanto às condições de produção, enquanto vestígios gerados pela
ação dos homens, transmitidas através de linguagens. Além de reconhecer as especificidades das ciências his-
tóricas, porque as fontes estão longe de poder validar a “verdade” sobre o passado e sim, oferecer visões sobre
eles, as quais são avaliadas e ressignificadas à luz de métodos e teorias selecionadas pelo historiador, a partir de
sua historicidade e literacia histórica (LEE, 2006, p.131-150).
A mudança no conceito de documento histórico, entende-se que o documento não é qualquer coisa
que fica por conta do passado, e sim, um produto da sociedade que o fabricou e segundo as relações de forças
que tinham o poder. Portanto, o historiador precisa usá-lo cientificamente, ou seja, com pleno conhecimento
de causa (LE GOFF, 1924). Por isso, há um grande benefício de o professor utilizá-lo como material pedagógico
em sala de aula, porque traz a possibilidade de auxiliar os alunos na compreensão dos conteúdos e contribuir
para entender o processo de construção da narrativa histórica, demonstrando que há novas perspectivas do
passado, novos personagens e interesses em uma História que nunca estaria pronta e/ou acabada.
O uso de documentos no ensino de História, segundo CAIMI (2008), não é uma proposta recente, há
diversos registros durante todo o século XX, em relação a sua incorporação nos manuais e livros didáticos, assim
como na defesa de seu uso em sala de aula. As transformações vistas com o passar dos anos, estão relacionadas
com contexto das fontes e às suas finalidades nas aulas de História. Atualmente, é necessário que o trabalho do
professor e do aluno atue na problematização e significação dos documentos, utilizando-os de modo a ultrapassar
funções meramente ilustrativas, motivacionais ou apenas vistas como “provas” de fatos.
Nessa perspectiva, o uso de fontes históricas em sala de aula não deve ser tratado como um fim em si
mesmo e sim, atuar na resposta de questionamentos, indagações entre os professores e alunos, buscando esta-
belecer o objetivo de construir um certo diálogo com o passado e o presente, tendo como referência o conteúdo
a ser ensinado (SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M., 2011). Nota-se então, que não há possibilidade de utilizar
fontes históricas em sala de aula sem repensar no seu uso para o desenvolvimento da análise histórica, pois, as
fontes facilitam ao aluno a associação do conceito histórico que está em questão, fazendo com que ele se torne
um sujeito crítico, capaz de fazer a leitura das distintas temporalidades analisadas e fortaleça a sua capacidade
de raciocínio acerca do tema estudado (SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M ., 2009).
No caso dessa pesquisa, pretende-se utilizar as fontes documentais acerca da República de Pernambuco
entre 1817 e 1824, no que se refere à Revolução Pernambucana e à Confederação do Equador, a fim de com-
preender os benefícios e o papel do uso de fontes na construção do conhecimento histórico na Educação Básica,
por meio de uma nova abordagem no ensino-aprendizagem com o modelo de Aula Oficina trazida por Isabel
Barca (2004). Busca-se ir além do método tradicional expositivo, com a lógica de que o aluno é um dos agentes
de sua própria formação, com ideias prévias e experiências diversas, levando em consideração Caimi (2008),
ao passo em que o professor é um investigador social e organizador das atividades problematizadoras, com
efeito de transformá-los em agentes sociais, possibilitando uma maior ampliação e autonomia na construção
do conhecimento e da literacia histórica. Propõe-se com o uso de fontes em sala de aula, não apenas transmitir
o conteúdo histórico, mas possibilitar ao aluno uma formação integrada para a construção de um pensamento
crítico e conscientizá-los como sujeitos históricos. Até porque ensinar e aprender História de modo a proble-
matizar a realidade, a percebê-la como uma construção histórica, não como um dado natural, e, com base nisso,
fazer escolhas pessoais, profissionais, sociais, é um desafio presente.

II Encontro
44 Ensinar História
Ensino de História e o uso de fontes históricas na sala de aula
O uso de fontes em sala de aula como recurso metodológico do ensino-aprendizagem representa
desafios relacionados a aproximação da Ciência Histórica e as finalidades específicas da Educação Básica, seus
espaços, rotinas, e, por isso, esse encontro entre dois campos divergentes, exige reflexões, mediações específicas
e objetivos definidos. Ao mesmo tempo em que possibilita a ampliação dos alunos, permitindo o confronto,
diálogo, crítica das fontes textuais que expressam diferentes pontos de vista, abrindo espaço para uma maior
autonomia na construção do conhecimento histórico e na sua leitura de mundo.
Desse modo, é preciso entender o papel da disciplina histórica e do professor, na formação das persona-
lidades cognitivas demonstrando e contextualizando as construções dos discursos do passado, pois, de acordo
com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o trabalho do professor consiste em introduzir o aluno na
leitura das diversas fontes de informação, para que adquira, pouco a pouco, autonomia intelectual. O percurso
do trabalho escolar inicia, dentro dessa perspectiva, com a identificação das especificidades das linguagens dos
documentos — textos escritos, desenhos, filmes —, das suas simbologias e das formas de construções dessas
mensagens (BRASIL, 1998).
O uso dessa metodologia pelos professores, precisa atentar-se aos interesses que os materiais despertam
nos discentes, assim como na grande disponibilidade de acervos digitais, porque, apesar de ter indicações posi-
tivas com base no avanço da historiografia, é necessário considerar os descompassos fundamentais que possam
comprometer a incorporação de fontes nos processos de educação histórica, ainda que não seja predominante
no contexto escolar, para a escrita da História e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p.521-
22), a abrangência de fontes históricas evidenciam modificações no ensino, com expressões, contornos mais
amplos, estão em busca um novo entendimento mais contextualizado e crítico da História.
Em vista disso, compreende-se que o uso de documentos históricos em sala de aula, auxilia e colabora
com os objetivos e finalidades especificas da Educação Básica prevista nas escolas, como por exemplo o desenvol-
vimento do pensamento crítico e reflexivo é um dos principais objetivos presentes nos Parâmetros Curriculares
Nacionais. Pois, servem de base para eficazes instrumentos didáticos no ensino de História, porque demonstra
com seus usos na construção do conhecimento, a produção de reflexões, complexidades aos saberes e despertam
nos estudantes interesses múltiplos. Percebe-se que a utilização de fontes serve pedagogicamente como porta de
entrada à participação mais ativa dos alunos em sala de aula, os quais são chamados a perceber a História como
um campo de conhecimento em constante processo de (re)construção.
Nessa perspectiva, infere-se que as Instituições Escolares são produtoras de conhecimento histórico
próprios e que, esse saber não é de fato nem superior, nem inferior ao acadêmico, apenas diferente, e negar a
sua existência é ignorar a sua influência cultural e social. Portanto, faz-se necessário ressaltar que as interpreta-
ções das fontes estão intimamente relacionadas com o nível de contextualização dada pelo professor, pois, os
alunos dão sentido aos materiais históricos utilizando conceitos fornecidos pelas suas vivências na realidade
atual (BARCA, 2000).
O presente estudo apreende-se na área de Educação Histórica, nas quais pesquisadores centram seus
focos em investigar, conhecer e analisar as ideias históricas dos alunos e professores, bem como na contribuição
da formação da identidade dos alunos e na redescoberta dos documentos, à medida em que eles o passariam
a vê-los com um novo olhar, aproximando-os de uma realidade que eles conhecem. De acordo com Schmidt
(2011), é a partir desses elementos que se torna possível a construção de pontes com o passado por meio de
vestígios que dele encontramos no presente e, com base no referencial de Educação Histórica, isso oportuniza
os alunos a refletirem sobre o a construção do conhecimento histórico, que é próprio da produção científica e
os auxilia a ouvir diversos pontos de vista e aceitar que outros argumentos podem ser válidos.
O uso e o trabalho com documentos em sala de aula, representam um ponto de partida para a supe-
ração do ensino tradicional, porque contribui com o aprimoramento do educando em sua formação ética e
intelectual, no pensamento crítico e na atitude científica. Além de auxiliar o professor na tarefa de estimular o
imaginário do aluno, tornando-o ativo, como um agente social. Pois, com o contato, os discentes estão acessando
II Encontro
Ensinar História 45
materialmente, parte desse passado e, a partir do seu uso, estão se transformando em protagonistas na construção
do conhecimento histórico, desenvolvendo uma atitude cientifica, quando criticam, questionam o documento
e exploram as fontes utilizadas pelos historiadores no seu dia a dia, na prática do ensino-aprendizagem escolar,
as quais devem visar o protagonismo do estudante, de acordo com as normas e objetivos da PCN de História.
É de fundamental relevância utilizar as fontes históricas, na sala de aula, a partir destas novas concep-
ções, pois assim o documento permite o diálogo do aluno com as realidades passadas e desenvolve o sentido da
análise histórica (SCHMIDT, M. A.; CAINELLE, M., 2010). Por isso a importância e a valorização da leitura
nas aulas de História, interrogando as palavras e ampliando seus significados e a partir dessa troca, desse con-
tato, nasce o prazer de conhecer, imaginar, já que existe uma representação e que a linguagem histórica tem um
contexto. Deixando evidente o objetivo da disciplina de desenvolver uma certa autonomia intelectual capaz de
propiciar análises críticas da sociedade em uma perspectiva temporal. O ensino de História contextualizado é
imprescindível para que ocorra a compreensão dos processos históricos e para sua conexão com o atual con-
texto. Dessa forma, o ensino de História tem um papel relevante na valorização da compreensão, na tolerância
e confiança entre os indivíduos, porque sem conhecimento histórico, os indivíduos se tornam mais vulneráveis
às manipulações políticas ou outras (SCHMIDT, M. A.; URBAN, A. C., 2016, p.17-42).

República de Pernambuco a partir das fontes históricas: o projeto aplicado


De acordo com Isabel Barca (2001) não faz sentido apenas saber História, mas sim o uso que se faz
dela, dessa forma, entende-se que há diferentes “tipos” de passado, tendo como base as diversas formas de ler
o presente, sendo que o passado precisa ser descrito e explicado em coerência com as fontes existentes. Nesse
sentido, a compreensão do passado, é mobilizada a partir das orientações temporais dos sujeitos, ou seja, da
“consciência histórica” que dialoga com a concepção desenvolvida por Rüsen (2001), a qual preocupa-se com
o saber histórico e o pensar historicamente, princípios também utilizados por Lee (2006), os quais são identi-
ficados como Literacia Histórica e a capacidade de ler o mundo historicamente.
Portanto, partindo do pressuposto que a consciência histórica é um local de aprendizagem, o presente
texto faz parte de um projeto de pesquisa aplicada, o qual buscou estabelecer diferenças do ensino tradicional
de História, os quais eram baseados na memorização e na repetição oral dos textos escritos, quando o professor
era o detentor do verdadeiro conhecimento e os alunos “não sabiam de nada” (BARCA, 2004, p.131-144).
Fazendo uso de fontes primárias acerca da República de Pernambuco, no período entre 1817 e 1824, no que
refere especificamente à Confederação do Equador, as quais foram veiculadas contemporaneamente, encon-
tradas nos acervos nacionais digitais, como instrumento didático. Dessa maneira, procura-se identificar o papel
e os possíveis benefícios no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, objetivando o desenvolvimento da
consciência histórica (RÜSEN, 2010).
O projeto teve como base o conceito de Aula-Oficina da historiadora Isabel Barca o qual, com uso
de fontes históricas como proposta pedagógica, buscou instituir os alunos da turma do 8º ano do Ensino
Fundamental do Colégio da Polícia Militar na cidade de Recife, como sujeitos ativos no processo de construção
do conhecimento histórico, a medida em que foi estabelecida a presença em sala de aula, dado pelo Estágio
Supervisionado 3, cadeira obrigatória no currículo do curso de Licenciatura em História. Esse trabalho assume-se
como um estudo descritivo e tem como fundamento relatar e discutir a experiência vivida em sala de aula com
base em autores conceituados no campo da Educação Histórica, como Isabel Barca, Maria Auxiliadora Schmidt,
Marlene Cainelli. A partir dos conceitos de Aula-Oficina, a dinâmica do Ensino de História faz-se presente, ao
passo em que foram explorados documentos históricos, levando em consideração, primeiramente, os conhe-
cimentos tácitos, ou seja, existência das ideias prévias ou as chamadas ideias tácitas que os alunos constroem a
partir de suas vivências, sobre acontecimentos ou instituições históricas, vistas como uma fonte de hipóteses
explicativas para poder compreender o passado, instituições, valores, crenças e comportamentos, que foram
utilizadas como ponto de partida para intervenções na aula de História (MELO, 2000).

II Encontro
46 Ensinar História
Nesse modelo, pretende-se obter um conhecimento histórico contextualizado do passado, com base nas
evidências disponíveis – documentos – e desenvolver uma orientação temporal, traduzido no entendimento
de relações entre o passado compreendido, presente problematizado e o futuro perspectivado. Por isso, as aulas
foram separadas por fases, levando em consideração o período de duração do Estágio Obrigatório 3, no total
foram 12 horas, divididas entre o período de observação, aplicação de provas da própria instituição e regência.
Portanto, para a projeção das aulas, partiu-se do pressuposto que o ensino de História deve ser orientado para
o desenvolvimento de instrumentalização essencial - fontes, vestígios, tempo e recorte espaço-tempo; específi-
cas – próprias da disciplina, o conteúdo; e articulada– o que transita entre as disciplinas e estabelece relações.
Para isso, torna-se necessário atentar-se as formações das aulas organizadas por temáticas e por um conjunto de
objetivos a serem atingidos com o debate em classe.
A aula-oficina inicia com a organização de questões que o professor, por meio de indagações levantado
junto aos alunos, consegue ter noções e algumas ideias as quais seus alunos possuem sobre o tema. E após esse
primeiro momento, o professor utiliza seus recursos para dialogar com as ideias apresentadas pelos alunos.
Dessa forma, dividiu-se as aulas conforme o cronograma e o tempo disponibilizado pelo professor supervisor
do Estágio e, foram desenvolvidas as aulas em duas fases. A primeira, para estabelecer o contato com os alunos,
apreender o nível de entendimento deles, por meio de questionários para identificar seus conhecimentos prévios
(MELO, 2000). Conforme observa-se no trecho do Relatório do Estágio Supervisionado 3, abaixo:

Antes de iniciar o conteúdo com os alunos, lancei para eles algumas questões “problematiza-
dores e orientadoras” e pedi para que eles fossem respondendo abertamente na sala de aula,
ao passo que escrevi as respostas “unanimes” no quadro, aquelas que os alunos foram falan-
do e discutindo entre si e chegaram em um ponto em comum. Foi um momento de descon-
tração e ao mesmo tempo muito importante para iniciar o projeto, levando em consideração
os conhecimentos tácitos dos alunos e o papel do professor como mediador e auxiliador na
construção do conhecimento.

Fez-se o levantamento das ideias dos alunos, por meio 3 perguntas norteadoras, com o objetivo de tra-
balhar de forma diferenciada os conhecimentos iniciais que os alunos manifestam tacitamente, analisando que
estas podem ser mais vagas ou precisas, alternativas à ciência ou consistentes: 1. Para você o que é ter liberdade?
2. Dá para ter liberdade em uma Monarquia? 3.O que é uma República? Por conseguinte, os alunos foram res-
pondendo abertamente em sala de aula, formando um grande momento de partilha de pensamentos e opiniões,
mais ou menos históricos, fazendo-os refletir sobre temáticas que estão presentes no seu dia a dia – questão da
liberdade - e no cotidiano das aulas de História, ao passo em que são perguntas sobre conceitos fundamentais
para o entendimento histórico – monarquia e república. As respostas foram utilizadas como ponto de partida
para as futuras aulas, de acordo com o planejamento temático, já que são de extrema importância para a cons-
trução do conhecimento histórico e de sua consciência histórica.

Respostas “unânimes” após discussão em sala:


1. Se expressar do jeito que quiser
1.1 Independência financeira
1.2 Sustento
1.3 Ter direitos

2. Não
2.2 Bandido
2.3 Seguindo a ordem do rei

II Encontro
Ensinar História 47
3. Sistema não monárquico
3.2 Voto
3.3 Representante do povo
3.4 Não só da realeza
3.5 Poderes públicos

As aulas iniciais foram fundamentadas nessa sistematização, com base nas respostas dos alunos, intro-
duziu-se o conteúdo acerca da Revolução de 1817, o seu contexto, antecedentes e suas continuações, visando
fundamentar a ideia de continuidade histórica e suas consequências para a Confederação do Equador em
1824, utilizando o quadro para anotações. Foram abordadas as temáticas das repressões da Revolução de 1817,
levando em consideração os ideais de liberdade dentro da monarquia, ideias que foram levantadas e discutidas
anteriormente, evidenciando o que afirma Barca (2004) no conceito de aula-oficina, a qual propõe questões
orientadoras problematizadoras, que constituam um desafio cognitivo adequado aos alunos em presença e não
apenas um simples percorrer de conteúdo sem significado para os jovens.
Em continuidade, foram abordadas as temáticas de liberdade junto aos conteúdos programáticos, ao
traçar o processo de Independência do Brasil, “liderada” por Dom Pedro I e todo o contexto de autoritarismo
envolvendo as questões acerca da centralização política com a dissolução da Constituição de 1823, criando a
sua própria Constituição, outorgando-a em 1824 junto a criação de um novo poder, o moderador, fatos que
irão ter totais relações com as causas da Confederação do Equador em 1824 (SCHWARCZ, 2018, p.236).
Depois de trabalhar de forma diferenciada as ideias que os alunos manifestaram tacitamente com a
proposta das questões orientadoras problematizadoras, urgiu a necessidade de desenhar tarefas adequadas ao
desenvolvimento das interpretações das fontes, conforme os preceitos da aula-oficina, segundo Barca (2004).
A partir da temática da Confederação do Equador em 1824, foram utilizadas fontes primárias, veiculadas no
período em questão, encontradas no Arquivos Nacionais de Domínio Público. Com o auxílio dos arquivos
digitais e os recursos da instituição foram impressos dois documentos publicados no ano de 1824 e distribuídos
à turma para que tivesse total interação com os materiais, sem interferência do professor e para isso, as fontes
foram divididas em partes e pediu-se para que eles lessem em voz alta com participação toda da turma.
Ao passo em que os alunos obtiveram os primeiros contatos com os documentos sucedeu um estranha-
mento da ortografia e da linguagem utilizada, apresentaram dificuldades na compreensão e na leitura. Conforme
iam lendo as fontes, surgiam dúvidas, questionamentos do uso e dos significados de algumas frases e palavras,
ao mesmo tempo existia muito entusiasmo quando conseguiam “traduzir” e entender os significados.
O primeiro documento foi uma carta escrita por Dom Pedro I, publicada do dia 27 de julho de 1824
(anexo 1), a qual demonstra total insatisfação com a Confederação do Equador e todas as formas de protesto
contra a sua administração no Brasil. E o segundo documento foi um panfleto distribuído pelos revolucionários
da Confederação aos moradores de Pernambuco (anexo 2) atestando seus ideais, expectativas e objetivos. Com
a intenção de demonstrar os “dois lados” da História, após esse primeiro contato mais livre, sem interferências,
buscou-se junto aos alunos, colocando-se com o papel de professor mediador e investigador, o desenvolvimento
da interpretação de fontes, com mais debates abertos e os alunos analisaram esses conjuntos de fontes repre-
sentando posturas divergentes assumidas por atores da História sobre o mesmo assunto. Para cruzar as fontes,
foram realizadas 4 perguntas para que respondessem individualmente: 1. Os autores do dos documentos 1
(Dom Pedro) e 2 (Revolucionários) concordam ou discordam em relação a Confederação do Equador? 2. Os
autores dos documentos 1(Dom Pedro) e 2 (Revolucionários) tem semelhanças em relação aos seus posiciona-
mentos? 3. Na sua opinião, o que seria a liberdade para o autor do documento 1? (Dom Pedro I) E para o autor
do documento dois? (Revolucionários) 4. Após as leituras das fontes, levando em consideração os conteúdos
expostos, para você, existe algum lado certo ou errado?
A avaliação sistemática das aprendizagens é fundamental para conseguir entender a evolução das ideias
dos alunos entre o momento inicial e o momento final da intervenção educativa, através desses exercícios pode-se
II Encontro
48 Ensinar História
compreender os conceitos apreendidos pelos alunos, se houve uma progressão gradual ou, por vezes, oscilante
(LEE, 2001). No total, 28 alunos responderam dos 35 que compõe a turma, o professor supervisor como uma
forma de incentivo atribuiu nota a atividade, as notas foram estabelecidas da seguinte forma: Zero (0,0) para
quem não respondeu ou colocou apenas respostas únicas (sim, não, não sei); um ponto (1,0) para os que colo-
caram respostas curtas ou que não interpretaram o conteúdo; dois pontos (2,0) para aqueles que responderam
corretamente e obtiveram a compreensão do conteúdo.
Seguiu-se as concepções de Barca (2004) para a compreensão dos princípios de aprendizagem em História,
nesse sentido, torna-se importante avaliar as questões para necessidade de entender as contribuições do uso das
fontes em sala. A primeira questão: “Os autores do dos documentos 1 (Dom Pedro) e 2 (Revolucionários) con-
cordam ou discordam em relação a Confederação do Equador?”, tiveram 25 alunos escrevendo que discordam e
3 alunos que concordam, revelando o fato de que os alunos conseguiram atribuir conexões entre os conteúdos
analisados anteriormente em relação a ideia de liberdade, destacando as seguintes respostas:

- Eles discordam, pois a Confederação do Equador foi um movimento separatista com ca-
ráter revolucionário e liberal, onde os revolucionários defendiam a “separação” do Brasil da
regência de Dom Pedro e a instauração de uma república; enquanto Dom Pedro I tinha esse
ato como uma “traição”, já que ele retirou a dependência do Brasil da Coroa Portuguesa,
considerando-se o salvador da pátria, e em troca recebeu a realização de um movimento para
tirá-lo do poder.
- Dom Pedro I discordava da Confederação do Equador, pois ela ia contra a sua autoridade,
além do fato de que a confederação promovia uma forma diferente de “liberdade”, enquanto
os revolucionários concordavam.
- Discordam, estão contra as atitudes. No documento 1 a pessoa que escreveu sente que a sua
autoridade está sendo anulada. Já no documento 2 os revolucionários reclamam da sua gestão.
- Dom Pedro I discordava da Confederação do Equador, pois ela ia contra a sua autoridade,
além do fato de que a confederação promovia uma forma diferente de “liberdade”, enquanto
os revolucionários concordavam.
- Discordavam. Os revolucionários estavam insatisfeitos com a autoridade de D. Pedro I e
queriam se separar, e D. Pedro se sentiu extremamente ofendido com a revolta porque para
ele, ele era o salvador do Brasil.

Na segunda pergunta “Os autores dos documentos 1 (Dom Pedro) e 2 (Revolucionários) tem seme-
lhanças em relação aos seus posicionamentos?” 16 alunos responderam sim e 12 responderam não, podendo
compreender da resposta deles as análises e comparações entre os ideais de liberdade e de ideias entre os dois
atores. Destacando-se as seguintes respostas:

- Sim, ambos estavam em busca de liberdade.


- Não, Dom Pedro queria continuar com o seu governo absolutista e os revolucionários eram
claramente contra esse tipo de governo.
- Não, pois ambos tentam provar que a sua visão de “sociedade livre” é a correta.
- Sim, os dois queriam mandar em Pernambuco.
- Ambos presam pela liberdade, mas de formas diferentes.
- Não, os autores têm pensamentos opostos. Por mais que ambos (Dom Pedro I e os revo-
lucionários) falassem de liberdade, os autores do documento 2, discordavam da “liberdade”
dada por Dom Pedro.

II Encontro
Ensinar História 49
- O autor do 1º documento está em uma posição mais alta, e reclamando do desmerecimento
da sua autoridade, porém ambos estão em posição de revolta com o acontecimento.
- Em suma não, mas de certa forma sim; pois ambos os autores alegam defenderem a liber-
dade do Brasil, a diferença é que os revolucionários tinham o posicionamento de lutarem
pela liberdade do país em relação a Dom Pedro I e a qualquer outro governo monárquico,
almejando uma república, entre os objetivos o direito de elegerem seus representantes, já
Dom Pedro I defendia a independência do Brasil em relação a outro país, com ele no poder.

As respostas da pergunta 3: “Na sua opinião, o que seria a liberdade para o autor do documento 1?
(Dom Pedro I) E para o autor do documento dois? (Revolucionários)” são exatamente baseadas na leitura dos
documentos somado as ideias construídas tacitamente, podendo observar uma construção do pensamento
histórico de forma mais contextualizada.

-No documento 1 a liberdade seria o respeito a sua autoridade, já no documento 2 a liberda-


de seria o direito de se manifestar.
-Pra Dom Pedro era obedecê-lo e ninguém rejeitar as suas autoridades, já para os revolucio-
nários conseguir se expressar dentro da sociedade e ser ouvido.
-Para Dom Pedro, os brasileiros já tinham toda a liberdade que poderiam desejar, já para os
revolucionários eles queriam uma república justa e livre de tiranos. Mas, na minha opinião,
nenhum dos dois teria a total liberdade, já que os revolucionários não tinham nenhuma in-
tenção de libertar os escravos e dar-lhes a alforria. A mesma coisa Dom Pedro.
-Para o autor do documento 1 (Dom Pedro), liberdade seria independência do país em rela-
ção a outro Estado, sem dependência econômica, social e administrativa de outra nação. Para
o autor do documento 2 (Revolucionários), liberdade seria a independência do Brasil em
relação a um governo opressor e absolutista, ou seja, em relação a uma monarquia: onde ha-
veria uma república democrática, direitos e o poder do povo em escolher seus representantes.

Por último, para averiguar a compreensão do conteúdo por meio dos documentos e das aulas passadas, a
questão 4: “Após as leituras das fontes, levando em consideração os conteúdos expostos, para você, existe algum
lado certo ou errado?” demonstra uma conotação que se manifesta na avaliação que consiste em utilizar critérios
redutores de certeza - certo versus errado- uma dicotomia válida nas avaliações em história, porém observa-se
na resposta a seguir a construção do conhecimento histórico contextualizado, a partir de um entendimento
“além” da dicotomia de certo e errado, e sim, visões e pensamentos diferentes:

- Na minha opinião, levando em consideração os conteúdos expostos, não existe um lado


certo ou errado, mas sim opiniões, pontos de vista, posicionamentos e pensamentos diferen-
tes; pois cada autor dos documentos possui o “seu lado da história” e seus motivos baseados
em uma decorrência de fatos julgados por eles e determinantes em seus posicionamentos
enquanto, segundo os autores, defendendo a liberdade.
- Na minha opinião, os revolucionários estavam lutando pela liberdade de fazer o povo deci-
dir e não as ordens de alguém com poderes absolutos, o que D. Pedro chamava de liberdade
na verdade era absolutismo.
- Para mim não tem um lado certo ou errado, cada um protege seus direitos e seus pensa-
mentos. O de D. Pedro é não querer ser controlado em sua autoridade e ao lado da revolução
querendo seus direitos e “mais liberdade”.

II Encontro
50 Ensinar História
Considerações finais
Por fim, a partir do trabalho com fontes, como metodologia para o ensino de História, firmado no
conceito de Aula-Oficina, proporcionou aos alunos outra experiência com a História, favorecendo a relação
diferente com a construção do conhecimento, compreendendo-o como algo diferente do acúmulo de informa-
ções, certo ou errado, história dos vencedores e vencidos, permitiu a experiência da provocação, do “confronto”,
pois a relação com a fontes favoreceu a comparação e a observação de um passado contextualizado.
É importante destacar que o projeto contribuiu para o desenvolvimento de argumento sobre a expli-
cação de um ponto de vista sobre o documento, auxiliando os estudantes entenderem outros pontos de vista
e aceitar que todos os argumentos são válidos para a construção do conhecimento histórico. Nesse sentido,
interpretar o passado não significa compreender uma versão acabada da História que é reproduzida nos livros
didáticos ou pelo professor, a interpretação das diversas “versões”, é importante para integrar o conhecimento.
Para finalizar, no último contato com os alunos, após a entrega das avaliações, pedi para os alunos votarem
em “Bom”, “Médio” e “Ruim” para o uso das fontes históricas na construção do conhecimento deles, no
entanto, 24 dos que responderam votaram em “Bom” e 4 em “Médio”. Somado a isso pedi para eles aponta-
rem os pontos positivos do uso dos documentos: Contexto histórico; Contato com a fonte histórica; Melhor
entendimento dos fatos da confederação e a reação de Dom Pedro e Elucidou as motivações da confederação
do Equador. E os pontos negativos: Vocabulário; Escrita; Leitura difícil e Objetividade do texto dos revolu-
cionários devido a escrita.
Por fim, acredita-se que o projeto obteve o resultado esperado ao colaborar com a construção do ensino
de história a partir do trabalho com fontes em sala de aula, estabelecendo a importância das fontes primárias,
evidenciando os aspectos problemáticos existentes no uso das fontes em avaliação e contextualização. No âmbito
do desenvolvimento da consciência histórica, o aluno ocupa o lugar principal na construção desse conhecimento
e, para alcançá-lo, é necessário que primeiramente ele compreenda que a História é formada por teorias, que
são aptas a mudanças e ser capaz de entender as diferentes relações presentes nas sociedades (SCHMIDT,1998).
Nesse sentido, as fontes foram utilizadas para ampliar e auxiliar o aluno a ter uma compreensão do conteúdo
de forma contextualizada, para além da dicotomia histórica entre certo e errado, abrindo espaço para debates,
diálogos e críticas às fontes históricas.

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Ensinar História 51
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SHWARCZ, L. M. Brasil: uma biografia / Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling — 2a - ed. — São
Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Anexos
Anexo 1 Anexo 2

II Encontro
Ensinar História 53
ENSINO DE HISTÓRIA E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: O CASO DO FORTE DE
NOSSA SENHORA DOS PRAZERES DE PAU AMARELO NO MUNICÍPIO DO
PAULISTA – PE
CARVALHO, Romero Antônio da Silva Gonçalves de1
ANDRADE, Juliana Alves2

Resumo: Este projeto de pesquisa em nível de mestrado encontra-se em andamento nasce da necessidade de
fazer um resgate e valorização do patrimônio regional, histórico e cultural da cidade do Paulista – PE por meio
do ensino de História. Para isso tem como objetivo geral analisar a relação do ensino de história nas séries finais
e das práticas da educação patrimonial nas escolas municipais do Paulista com o Forte de Nossa Senhora dos
Prazeres de Pau Amarelo ou simplesmente conhecido como Forte de Pau Amarelo. De forma mais específica:
historicizar a construção da Fortificação de Pau Amarelo; identificar os recursos didáticos para o ensino de
história nas escolas públicas municipais da cidade do Paulista/PE e verificar a contribuição para o ensino de
história utilizando as fontes históricas e o patrimônio regional/local. Observamos que nosso projeto de pesquisa
será inédito, haja vista que foi feita uma busca no portal de periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes) e não existe nenhuma pesquisa que discuta a educação patrimonial e o
Forte de Nossa Senhora dos Prazeres (Forte de Pau Amarelo) na cidade do Paulista - PE como fonte de ensino,
patrimônio e cultura. Apoiar-nos-emos na metodologia de Educação Patrimonial e Ensino de História das
pesquisadoras Gil & Possamai (2014, p.23) “o bem patrimonial não é o elemento estruturante da educação
patrimonial, mas a relação que se estabelece entre sujeito, o patrimônio e o espaço onde está situado este bem”.
E do historiador Dominique Poulot (2012) para discutir o patrimônio cultural. A nossa análise documental
se baseara em Carla Pinsk (2008) para buscarmos documentos históricos sobre a história da construção e
tombamento do forte. Faremos entrevistas com professores/as indicados pela comunidade educacional que
realizam trabalhos com os estudantes das séries finais nas escolas municipais do Paulista. E para a história oral
temática utilizaremos (ALBERTI, FERNANDES, FERREIRA, 2000). Assim, esperamos contribuir com essa
pesquisa para a formação do pensamento critico e histórico dos estudantes das séries finais e para a prática dos
professores de história.
Palavras-chave: Ensino de História; Educação Patrimonial; Forte de Pau Amarelo –PE.

1. Introdução
Inicialmente apontamos que a História escolar no Brasil tem diversas denominações como, por exem-
plo, História Universal ou História da Civilização, História do Brasil ou História da Pátria, tem um percurso
de mudanças quanto os seus objetivos, conteúdos e práticas educacionais do século XIX até o século XXI
(BITTENCOURT, 2018). Ainda, conforme a pesquisadora Bittencourt o ensino de história:

(...) se destaca por mudanças marcantes em sua trajetória escolar que a caracterizavam, até
recentemente, como um estudo mnemônico sobre um passado criado para sedimentar uma
origem branca e cristã, apresentada por uma sucessão cronológica de realizações de “grandes
homens” para uma “nova” disciplina constituída sob paradigmas metodológicos que bus-

1 Mestrando da pós-graduação do ensino de história da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. E-mail:ro-
mero.recife@yahoo.com.br CV: http://lattes.cnpq.br/7465427834913344; romero.recife@yahoo.com.br. ORDID: https://orcid.
org/0009-0009-3667-9725.
2 Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-Doutora em Educação pela Universidade de Passo
Fundo. Docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, atuando nos cursos de Licenciatura em História e Pedago-
gia. É professora do Programa de Pós-Graduação em HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL (UFRPE) e do Mestrado
Profissional em Ensino de História-ProfHistória (UFPE/UFRPE). E-mail: julianadeandrade.ufrpe@gmail.com CV: http://lattes.
cnpq.br/9273063697259288;
II Encontro
54 Ensinar História
cam incorporar a multiplicidade de sujeitos construtores da nação brasileira e da história
mundial. (BITTENCOURT, 2018, p. 127).

Baseado nessas diversas possibilidades de denominações para o ensino de história os parâmetros cur-
riculares de Pernambuco (2013) traz uma proposta para o ensino de história na educação básica, que o ensino
tenha uma flexibilidade e que os professores em suas unidades escolares possam, num processo de discussão e
construção coletiva, selecionar e organizar, de forma sistemática, os recortes temporais, os conteúdos e meto-
dologias, estratégias e materiais, as fontes históricas que atendam às singularidades e demandas locais, na sua
relação com a problemática da formação do cidadão, no contexto da sociedade global e multicultural em que
vivemos. Assim, podemos considerar que as fontes históricas e os patrimônios são

(..) consideradas as “matérias-primas da história”. O aprendizado do fazer, do produzir sa-


beres históricos, por meio da identificação, levantamento, leitura, problematização, seleção,
interpretação e crítica, confronto e preservação de múltiplas fontes – oral, imagética, arqui-
tetônica, material, escrita. (PERNAMBUCO, 2013, p.42).

Nesse sentido propomos questionar e problematizar se o ensino de história no cotidiano escolar,


envolvendo a história de vida dos estudantes, a história local, a história oral, documentos e fontes históricas
contribuem para uma melhor contextualização do ensino básico na escola?
A busca de elementos de resposta à questão acima nos conduziu a formular o seguinte objetivo geral
da pesquisa, analisar as contribuições para o ensino de história utilizando as fontes históricas e os patrimônios
regionais. Para isso nos apoiaremos na linha de pesquisa ensino de história e cultura regional na temática edu-
cação patrimonial nas escolas.
De forma mais específica: conhecer a realidade do ensino de história nas escolas pública do município
de Paulista – PE; identificar os recursos didáticos para o ensino de história; verificar a contribuição para o ensino
de história utilizando os recursos das fontes históricas e o patrimônio (Forte Nossa Senhora dos Prazeres em
Paulista - PE) para aprendizagem.
Observamos que nosso projeto de pesquisa será inédito, haja vista que foi feita uma busca no portal
de Periódicos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e não existe nenhuma
pesquisa que discuta a educação patrimonial e o Forte de Nossa Senhora dos Prazeres (Forte de Pau Amarelo)
na cidade do Paulista-PE como fonte de ensino, patrimônio e cultura.

1.1 Potencial do Forte como fonte histórica para o ensino de história.


Pernambuco entre outros estados brasileiros no início do período colonial, se desenvolveu a partir da
sua área litorânea e posteriormente em toda a sua região Nordeste, para se proteger de outras nações invasoras
europeias, grandes fortificações foram erguidas ainda no século XVI e de forma continua nos demais séculos
seguintes.
Com uma crescente economia açucareira no início do século XVII, uma maior segurança se fez neces-
sário em outros pontos do seu litoral deslocando-se do eixo principal do seu povoamento a partir do Recife e
de Olinda.
Numa faixa de praia bastante extensa onde hoje se localiza o bairro de Pau Amarelo, em setembro de
1703 o Rei de Portugal D. Pedro II, rotulado de “O pacífico”3 ordenou que fosse construída uma nova forti-
ficação chamada de Forte de Nossa Senhora dos Prazeres de Pau Amarelo, já que nesta área em 14 de fevereiro
de 1630, a Companhia das Índias Ocidentais, uma empresa holandesa com 65 embarcações e mais de 7.000
homens desembarcaram para mudar o cotidiano da população local por 24 anos após a sua expulsão em 1654.

3 Conforme o site, o termo “O pacifico”, pode ser visto em: http://www.casarealportuguesa.org/dynamicdata/Cronologia.asp


II Encontro
Ensinar História 55
O responsável designado para a sua construção, o Engenheiro português Francisco Pimentel foi con-
tratado e veio a Pernambuco para dar início a obra. Mas uma fatalidade aconteceu; o mesmo veio a se afogar nas
águas do rio que divide as cidades de Paulista e Olinda, atrasando todo o projeto de construção da edificação.
Curiosamente, ao invés de permanecer em Pernambuco, a planta da construção original foi enviada de volta a
Lisboa em Portugal.
Retomada a obra em 1719, a construção se arrastou por mais de 19 anos permanecendo incompleto
de acordo com o seu projeto original mesmo em 1740, quando teve suas obras paralisadas novamente. Apenas
em 1808 é que a planta original do forte retorna a Pernambuco, mas mesmo assim apenas em 1877 um tenente
da Marinha brasileira de nome Souza, decide dar continuidade até aquele momento ao que fora construído.
Tendo esse formato que conhecemos hoje protegido por uma muralha e duas guaritas; e que se mantém de pé,
apesar da sua degradação.
Mesmo encontrando estas dificuldades para a sua conclusão, o forte funcionou com sua artilharia e
guarnição composta por um corpo de 14 homens. Já no final do século XIX, o forte entrou em pleno abandono
e foi tombado em 24 de maio de 1938 sob o número 84 como Monumento Nacional tendo como Número
do Processo: 155-T-1938 e registro no Livro do Tombo Histórico: Inscr. nº 45, de 24/05/1938. Rezende et
al, (2015). Sofrendo com as ações do tempo, foi restaurado pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional- DPHAN em 1973, que depois passou a ser o responsável pelas obras e preservação do patrimônio
artístico e cultural e imaterial do nosso País.
Apesar da importância histórica do Forte de Nossa Senhora dos Prazeres de Pau Amarelo – PE inda não
há registros de intervenção arqueológica no local para que sejam encontrados objetos e artefatos no entorno do
forte. Durante décadas, comércio e novas construções tomaram conta da faixa de terra a sua volta dificultando
ainda mais a ampliação de uma possível busca e pesquisa histórica. De acordo com o anuário estatístico de
Pernambuco de 2016, a área é de sítio arqueológico potencialmente propenso a ter artefatos.
De acordo com o pesquisador Funari (2008, p.84) “A História se faz com testemunhos, com objetos,
com paisagens, não necessariamente com documentos escritos, consultados apenas marginalmente e citados
de forma indireta, reportada”.
Ainda nos questionamos qual será a importância para o ensino de história usando como recurso o
potencial histórico do Forte de Nossa Senhora dos Prazeres?
Destarte que a última reforma do Forte de Pau Amarelo e sua requalificação ocorreu em 2002 com
recursos da União onde a sua pintura original foi retomada e os contornos das janelas em pedra de cantaria,
que foram pintadas equivocadamente tiveram as tintas removidas. (SILVA, 2021)
Atualmente o imóvel é gerido pela prefeitura municipal do Paulista e uma nova requalificação ainda
para este ano (2023). Na obra, estão previstas a pintura das paredes, a troca de telhas quebradas e a ocupação
das salas do andar térreo com atividades ligadas ao turismo e ao patrimônio histórico. A previsão é que o Forte
seja entregue em 2023. (SILVA, 2021)
Os pesquisadores Cabral e Oliveira (2005, p. 38, grifos nossos), citam que:

Não basta apenas o bem ser tombado para ser salvo da destruição. A existência de políticas
públicas de preservação e educação patrimonial é fundamental para a manutenção desse pa-
trimônio. No entanto, é preciso conjugar essas políticas com interesses da comunidade de
seu entorno para que aconteça, de fato, uma preservação consciente e socialmente compro-
metida, o que será primordial para a existência de uma vitalidade desse patrimônio, a exem-
plo da restauração e utilização dos prédios já tombados que é considerado, de fundamental
importância para sua conservação e sustentabilidade. Destarte, a preservação do patrimônio
será significativa para que o cidadão consiga se afirmar enquanto participante de uma socie-
dade e de sua cultura.

II Encontro
56 Ensinar História
Podemos dizer que a importância do registro histórico quando é entregue ao abandono tende a se perder
com o tempo, deixando apenas para a historiografia fragmentos dessa história. Uma memória local quando não
é preservada faz com que as pessoas que residem no local desconheçam a possível potencialidade para o ensino
de história, pois é certo que um monumento histórico guarda mais que sua estrutura física, guarda resquícios
de uma memória coletiva que pode ser alimentada com a sua preservação por novas gerações de apreciadores
evitando assim a sua possível degradação.
Conforme o pesquisador Bacellar (2008, p. 38) “cabe ao historiador, ao acessar tais documentos, o
papel fundamental de alertar para sua importância, pressionando por melhores atenções para com os registros
do passado”.
Na próxima seção traremos como ferramenta metodológica a educação patrimonial e o estudo do meio
que irá nos ajudar analisar as contribuições históricas para o ensino de história.

1. Metodologia
Nesta seção, apresentamos a fundamentação metodológica a qual utilizaremos para esta pesquisa. As
metodologias da educação patrimonial e do estudo do meio serão as ferramentas, pois será uma ponte entre a
história materializada nos objetos expostos e os conhecimentos históricos dispostos pelos livros e demais recursos
didáticos utilizados pelo (a) professor (a) em sala de aula.
Entendemos que a metodologia da educação patrimonial é parte de uma educação integral, preocupada
com a formação dos sujeitos que saibam ler o mundo e agir dentro da sociedade.
Assim, para conceituar a metodologia da educação patrimonial nos apoiaremos em Horta, Grunzberg
e Monteiro (1999).

Um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio


Cultural como fonte primária de conhecimento. A Educação Patrimonial é um instrumento
de alfabetização cultural que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia,
levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em
que está inserido. (HORTA; GRUNZBERG; MONTEIRO, 1999, p.4).

Nossa pesquisa também se ampara no estudo do meio proposto pela pesquisadora Circe Bittencourt,
que define:

É um método de investigação cujos procedimentos se devem ater a dois aspectos iniciais. O


primeiro deles é que esse método é um ponto de partida, não um fim em si mesmo. O segun-
do é que sua aplicação resulta sempre de um projeto de estudo que integra o plano curricular
da escola e pode ser integral ou parcial. (BITTENCOURT, 2011, p. 280-281).

Podemos dizer que ambas as metodologias buscam o esforço de repensar o ensino tradicional diante de
uma realidade dos estudantes (indivíduos) que se constroem dentro da lógica do mundo (ocidental) pós-mo-
derno e globalizado para aguçar o olhar curioso e crítico dos estudantes e desenvolver habilidades responsáveis
para estimular neles a compreensão do mundo que o cerca e a ação consciente na sociedade.

2. Fontes de pesquisa
Apoiar-nos-emos em alguns documentos oficiais como:

O Guia Básico de Educação Patrimonial (1999), do IPHAN (Instituto do Patrimônio His-


tórico e Artístico Nacional), que constitui um material a ser explorado pela sala de aula,

II Encontro
Ensinar História 57
por ser organizado para que a sociedade passe a ter contato com seus bens culturais (locais e
nacionais). No documento, há o campo orientativo de como trabalhar com a educação patri-
monial em relação às manifestações culturais locais, reconhecendo e identificando os valores
e os bens móveis e imóveis culturais. (LUNA, 2021 p. 10).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) também propõe que as discussões sobre memória e
patrimônio sejam feitas nas aulas de história (BRASIL, 1996), e contemple a visitação a museus e a patrimônios
históricos uma ferramenta didática para o ensino.
Já a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2019), que rege o ensino brasileiro hoje, propõe para
o ensino fundamental de História o estudo dos:

Patrimônios históricos e culturais da cidade e/ou do município em que vive. A produção


dos marcos da memória: os lugares de memória (ruas praças, escolas, monumentos, museus
etc.). A produção dos marcos da memória: formação cultural da população. A produção dos
marcos da memória: a cidade e o campo, aproximações e diferenças (BRASIL, 2019, p.410).

Conforme o Artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que nos traz como exemplo cinco instrumen-
tos de proteção ao patrimônio cultural e o define como: Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas
de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras,
objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
E o Decreto-Lei 25 de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional,
destarte que o patrimônio cultural brasileiro tem recebido, nos últimos anos, atenção especial derivada das
mais variadas esferas social; dos órgãos estatais através da criação e reformulação das leis, que dispõe os meios
de proteção que podem ser usados pela sociedade a favor do Patrimônio Cultural, como: os inventários, os
tombamentos, os registros, entre outros.
Tanto os PCNs (1996) quanto os Parâmetros Curriculares de Pernambuco (2013) e a BNCC (2019)
destacam a importância da utilização do patrimônio histórico e cultural na formação dos estudantes, reco-
nhecendo e reforçando que o estudo das memórias coletivas é fundamental para a formação da cidadania e da
identidade dos alunos.

3. Fundamentação teórica e diálogo com a historiografia que fundamenta o tema proposto.


Para estabelecer um diálogo entre o ensino de história e a utilização do recurso como fonte histórica
(Forte de Nossa Senhora dos Prazeres de Pau Amarelo -PE) nos apoiaremos na Teoria da Historiografia.
A palavra “historiografia” significa conforme dicionário da língua portuguesa Aurelio Buarque de
Holanda Ferreira (2019, p. 560) “Arte de escrever história, a descrição dos acontecimentos. Estudo crítico e
histórico sobre os historiadores.”
Para Certeau (1982, p.57) “a historiografia mexe constantemente com a história que estuda e com o
lugar onde se elabora”.
Conforme Diehl (2006) a historiografia propõe o diálogo entre tradição historiográfica e o conjunto
de inovações verificadas nos estudos históricos atuais.
Baseado no artigo publicado na revista Educar em Revista do professor pesquisador Estevão Chaves
Rezende Martins (2019) pode definir a Teoria Historiográfica como:

II Encontro
58 Ensinar História
Historiografia é, por conseguinte, o termo que se utiliza para designar a totalidade dos pro-
dutos narrativos científicos que tratam da história humana, de seu fazer e desfazer. Há dois
elementos sistêmicos na historiografia: a produção e o produto. A historiografia-processo é
a pesquisa (e todas suas etapas), em que se produz conhecimento confiável e demonstrável.
(MARTINS, 2019, p.25).

Em síntese, realizaremos um estudo apoiado na Teoria da Historiografia como fundamentação teórica e


com a metodologia Educação Patrimonial e do Estudo do Meio, para dar conta dos nossos objetivos da pesquisa.

Considerações parciais.
Esperamos contribuir com essa pesquisa em andamento para a formação do pensamento crítico e
histórico dos estudantes das séries finais e para a prática dos professores de história.

REFERÊNCIAS
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Médio (EREM) do bairro do Ibura. Programa de Pós-Graduação em História – UFRPE (2021).
MARTINS, E. C. de R. História, Historiografia e Pesquisa em Educação Histórica. Educar em Revista,
Curitiba, Brasil, v. 35, n. 74, p. 17-33, mar./abr. 2019.
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II Encontro
Ensinar História 59
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a partir de jogo de trilha digital. Dissertação de mestrado. UFPE - Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Mestrado Profissional em Ensino de História (2021).

II Encontro
60 Ensinar História
SABERES HISTÓRICOS EM PERSPECTIVA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA A
PARTIR DO PIBID-UFPE
CAVALCANTI, Karolina Beatriz Barros1
SILVA, Lays Caetano da2

Resumo: Ao longo dos últimos anos, vem crescendo os estudos sobre ensino de História, História Pública e
Educação Patrimonial - três áreas relacionadas à construção dos saberes históricos. Nessa perspectiva, o presente
trabalho tem o objetivo de trazer reflexões acerca desses três eixos por meio da experiência vivenciada por duas
bolsistas do PIBID (programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) de História da Universidade
Federal de Pernambuco na Escola de Referência em Ensino Médio Santos Dumont (Recife-PE) entre os anos
de 2020 e 2022. A partir da necessidade de superar as barreiras do ensino remoto emergencial e de dar prosse-
guimento ao projeto do programa, em um contexto pandêmico, foram utilizados vários recursos nas regências,
que culminaram em um podcast intitulado: Lugares de Memória em Boa Viagem.
Palavras-chave: Ensino de História. História Pública. Educação Patrimonial. PIBID.

1. Introdução
O PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) visa interligar as universi-
dades com a rede básica de ensino, “[...] possibilitando ao licenciando componentes essenciais para a docência
que o tornarão um profissional melhor e mais preparado” (Cavalcanti e Silva, 2021, p. 1). É uma experiência de
formação inicial de professores fundamental, na medida que proporciona o contato direto com a sala de aula,
apesar de todos os desafios imbuídos nesse processo. Em relação à História, além do exercício da docência, essa
iniciativa permite que o estudante coloque em prática metodologias e teorias aprendidas ao longo da graduação,
como é o caso da Educação Patrimonial e da História Pública.
Memória, História e patrimônio são temas bastante presentes na vida do historiador, no entanto, é
viável questionar qual o vínculo que estabelecem entre si. Tomando Hartog (2006) como base, compreende-se
que a memória e o patrimônio podem ser interpretados como sintomas de um novo regime de historicidade
instaurado com a queda do muro de Berlim. Tais sintomas dialogam com uma série de temas sensíveis e trau-
mas históricos, como nazismo/fascismo, escravidão e ditadura civil-militar, que dizem muito sobre o tempo
histórico que o século XXI está vivenciando. Desse modo, a História Pública emerge como uma forma de lidar
com esses traumas, possibilitando que não caiam no esquecimento.
Dessa maneira, cabe examinar o significado desse conceito, ao que Liddington (2011, p. 32) coloca que
é algo bastante escorregadio, difícil de definir. Nessa perspectiva, o certo seria não perguntar “o que é História
Pública?”, mas “como essa História Pública é construída?”, em que se pode englobar produções acadêmicas e
não-acadêmicas. No que se refere ao segundo tipo de produção, abre-se espaço para novas análises, como, por
exemplo, a inserção de novos agentes históricos na produção do conhecimento histórico e sobre as demandas
sociais do presente e os usos políticos do passado.
Seu surgimento se deu na Califórnia e segundo Leal (2021), tem relação com a “[...] a crise de emprega-
bilidade que atingia os recém-formados na época, especialmente no setor público”. Esses profissionais precisavam
de um espaço que não fosse apenas a sala de aula e a solução encontrada foi se aventurar em novos meios, como
a Internet, a Televisão, consultorias, dentre outros. No entanto, é pertinente refletir que o ensino de História
oportuniza trabalhar a partir dos pressupostos da História Pública em sala de aula — há até quem discuta na
historiografia se o ensino de História não seria uma forma de História Pública, mas tamanho debate necessitaria
de maior espaço para ser realizado.

1 Graduanda em Licenciatura em História. Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: karolina.barroscavalcanti@ufpe.br.


2 Graduanda em Licenciatura em História. Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: lays.caetano@ufpe.br.
II Encontro
Ensinar História 61
Quanto à Educação Patrimonial, em consonância com Moraes et al. (2017, p. 70), entende-se que pode
servir de instrumento para a leitura do mundo e para a comunicação com o outro. Esta se apresenta, por sua vez,
como elemento que também possibilita a prática do ensino de História voltado para o estudo do patrimônio.
Assim sendo, por meio de abordagens diversas sobre problemáticas centrais em torno da temática, tem como
objetivo construir conhecimento crítico e reflexivo, suscitando a tomada de consciência acerca das tensões e
relevâncias envolvidas na relação dos grupos sociais com os patrimônios no tempo.
Contudo, Horta (apud Pacheco, 2010, p. 148) aponta a Educação Patrimonial como uma metodolo-
gia que tem os museus como seu lugar natural de atuação. Todavia, esta constata também a possibilidade de
aplicação em qualquer contexto educativo, bem como a qualquer objeto cultural. Em vista disso, é possível
constatar uma ampliação do seu espaço de atuação, se estendendo, como, por exemplo, ao espaço escolar, locais
informais, bem como o ambiente virtual.
Ainda no tocante às questões mencionadas acima, o ambiente escolar se mostra um dos espaços onde
a característica interdisciplinar desta metodologia pode possibilitar a realização de projetos capazes de articular
as diversas disciplinas do currículo escolar. Assim, levando em consideração que a concepção de patrimônio
esteve ligada ao belo e heroico, a qual privilegia a preservação da memória de grupos dominantes, Teixeira
(2008, p. 203) pontua o papel da Educação Patrimonial é de desmistificar o senso comum a partir da ação dos
estudantes e da comunidade em geral, de perceberem a sua casa, escola e bairro como patrimônios culturais
pertencentes a sua história.
Nesse sentido, esse trabalho tem como finalidade relacionar a História Pública e a Educação Patrimonial
com nossa experiência enquanto bolsistas do PIBID para compreender como ocorre a prática de tais meto-
dologias e teorias. Sendo assim, para embasar essa discussão utilizou-se como referencial teórico Liddington
(2011), Teixeira (2008) e Rausch e Frantz (2013). Não obstante, configura-se em uma produção de relevância
acadêmico-científica por contribuir nos debates desse segmento. Também possui relevância sociopolítica ao
trabalhar a sala de aula enquanto espaço formador e integrador, com potencial de emancipação tanto dos alu-
nos, como dos professores. Tendo em vista a atual conjuntura, discutir o cenário educacional de forma crítica
e fundamentada se mostra um ato poderoso.

2. Metodologia
O objeto analisado por esse artigo é a nossa vivência no decorrer do processo de construção e de produção
da atividade final do PIBID de História da Universidade Federal de Pernambuco, sendo um podcast chamado
“Lugares de Memória em Boa Viagem” (disponível na plataforma Spotify), entre novembro de 2020 e março
de 2022, sobretudo os meses finais do programa no ano de 2022, realizado com os alunos e as alunas da EREM
Santos Dumont (localizada no bairro de Boa Viagem, em Recife). O enfoque principal girará em torno de como
essa atividade permitiu a aplicação da História Pública e da Educação Patrimonial enquanto teorias e metodo-
logias que podem ser utilizadas na educação básica, inclusive como aliadas para inserir o aluno na construção
do conhecimento histórico. Para tanto, foi feito um levantamento bibliográfico que incluiu artigos científicos,
livros e até mesmo outros relatos de experiências, onde os diversos autores visitados contribuíram para ampliar
a compreensão acerca do debate sobre a Educação Patrimonial e a História Pública. Também foram utilizados
artigos científicos com outras temáticas, em que se voltaram para a discussão da importância do PIBID para
formação docente, bem como seus impactos no Ensino de História.

3. Resultados e discussão
No início do programa, no ano de 2020, foi o momento de estruturar as ações que haveriam
nas duas escolas participantes (EREM Santos Dumont e Escola Professor Leal de Barros), sobretudo na EREM
Santos Dumont, e elaborar ideias para a atividade final. Estabelecer vínculo entre a equipe de pibidianos, conhe-
cer mais a professora supervisora e se ambientar com a escola foram fatores decisivos para assegurar um bom
II Encontro
62 Ensinar História
funcionamento do que tinha sido decidido. O caminho que viria pela frente não seria fácil, pelo contrário, foi
bastante desafiador lidar com o nervosismo de estar na sala de aula, bem como pensar em algo que pudesse cha-
mar atenção dos alunos em meio a uma pandemia de Covid-19, com a vigência do ensino remoto emergencial.
Como o eixo norteador era o estudo sobre o patrimônio, principalmente levando em consideração a
importância da Educação Patrimonial, logo no primeiro contato com os discentes, cada dupla de graduandos
ficou encarregada por apresentar textos concernentes ao assunto. Foi o momento de conhecê-los, desvendar o
perfil de cada turma, traçar estratégias metodológicas e, claro, introduzi-los nas discussões. A partir daí, começou
a se delinear melhor qual seria a atividade final do PIBID, algo relacionado com os patrimônios das redondezas
da região, mais especificamente, no bairro de Boa Viagem, em que cada dupla ficou responsável por um, sendo
o nosso o Parque e Centro Esportivo Santos Dumont.
Para aprofundar o estudo sobre o patrimônio, foi criado um evento chamado “Semana de Educação
Patrimonial”. Durante o período de vigência da bolsa, foram realizadas quatro edições, sendo três em formato
remoto e uma presencial. Na primeira, que aconteceu entre 12 e 16 de abril de 2021, o tema foi patrimônio
material, em que cada dupla de pibidianos apresentou algum debate para sua respectiva turma. No nosso
caso, foi a turma B, que nessa época era 2º ano do Ensino Médio, em que se falou sobre a preservação do sítio
histórico de Olinda. Já na segunda, entre 17 e 21 de maio de 2021, o eixo temático teve a ver com os museus
de Pernambuco, pela comemoração do Dia Internacional dos Museus (18/05). Nessa ocasião, o 2º ano B pôde
refletir com mais profundidade sobre o 13 de maio, dia que foi assinada a Lei Áurea, o protagonismo negro
nesse processo e o Museu da Abolição. Na penúltima semana, entre 14 e 19 de junho de 2021, em decorrência
das festividades juninas o tema foi patrimônio imaterial no São João. Partindo de uma proposta de gamificação,
com a plataforma Mentimeter, discutiu-se sobre as danças juninas e a cultura popular.
Sabendo qual seria nosso objeto de pesquisa específico, algumas tarefas foram realizadas. Uma delas,
quiçá a mais significativa, foi a 4ª Semana de Educação Patrimonial da EREM Santos Dumont (figura 1) em
outubro de 2021, a única presencial. Dessa vez, a ideia foi de colocar os alunos enquanto protagonistas, na
medida em que houve espaço para cada turma apresentar sua produção sobre seu patrimônio. O alunado do
2º ano B foi dividido em grupos, no qual cada um precisou criar um roteiro de pesquisa para coletar fontes,
colocando em prática o que aprenderam sobre o papel do historiador, e um vídeo como se fosse um telejornal,
apresentando a estrutura do Parque e Centro Esportivo Santos Dumont, sua história e quem eram as pessoas
que usufruíam dele. O resultado foi incrível e diverso, sendo possível perceber como a liberdade criativa dada
a eles possibilitou abordagens diferenciadas em cada vídeo.

Figura 1: 4ª Semana de Educação Patrimonial – bolsistas, supervisora e estudantes que representaram o 2º ano B

Fonte: As autoras (2021)

II Encontro
Ensinar História 63
Após esse dia, como cada turma já havia coletado informação suficiente sobre cada patrimônio, foi defi-
nido, em reunião, qual seria a abordagem usada para a realização da atividade final. Tendo em vista o aumento
significativo do número de espectadores e de produtores de podcast durante a pandemia, assim como a facilidade
de alcançar um público expressivo proporcionado por esse formato, a decisão foi de aproveitá-lo para divulgar o
que vinha sendo feito na escola. Além disso, já era de conhecimento de todos que os alunos dominavam técnicas
de edição e gostavam desse tipo de conteúdo, possibilitando unir o útil ao agradável.
Em vista disso, foi dada a largada para a organização do podcast “Lugares de Memória em Boa Viagem”,
sendo este composto por seis episódios — uma para cada dupla e sua respectiva turma. Todavia, vale ressaltar
que, antes do início do trabalho com os estudantes, foi necessário pensarmos toda a trajetória de pesquisa feita
por estes e orientada por nós. Também foram revisitados os pressupostos da Educação Patrimonial e História
Pública, pilares teórico-metodológicos também utilizados para a estruturação de atividades anteriores, como
as já citadas “Semanas de Educação Patrimonial”. Assim, foi elaborada uma sequência didática voltada para
a produção desse episódio, a qual tinha como um de seus objetivos principais a rememoração de conceitos e
problematizações indispensáveis para o estudo do patrimônio.
Ainda no que tange a sequência didática, esta foi composta por duas aulas no formato presencial e
alguns encontros por meio das redes sociais. A primeira aula tratou de apresentar à turma a proposta do produto
a ser confeccionado, evidenciando que esta nova atividade não foi criada de forma impensada e somente para
obtenção de uma nota, mas sim como a elaboração de um material com função de garantir o acesso da sociedade
à pesquisa realizada. A etapa seguinte foi responsável pela divisão de tarefas para a confecção do episódio “Parque
e Centro Esportivo Santos Dumont”. Com a contribuição dos alunos e da professora supervisora, foi seguida a
nossa orientação para a divisão em quatro grupos, cada um responsável por uma das seguintes funções: edição,
pesquisa sobre o objeto, entrevistas e reflexões finais.
Diante disso, se iniciou um acompanhamento à distância do andamento do processo de produção
e finalização do podcast. Este formato de orientação se deu através de grupos criados no WhatsApp, onde os
alunos informavam a situação das tarefas e as dificuldades vivenciadas pelo grupo em que estavam inseridos. As
equipes da edição e reflexões finais, nesse primeiro momento, não participaram assiduamente, devido à neces-
sidade dos materiais produzidos pelos outros grupos. Nesse cenário, orientamos os outros grupos, de forma
a direcioná-los a uma análise crítica das fontes e materiais. Para além destes grupos, foi aproveitado um outro
grupo que já existia com todos os estudantes da turma, que serviu de espaço virtual para compartilhamento
de materiais, informes e dúvidas.
A última aula da sequência foi pensada como elemento para fortalecer a prática de uma construção
colaborativa do podcast. Nesse sentido, voltou-se para a rememoração de reflexões feitas em conjunto durante
as tarefas anteriores, levando em consideração que estas formaram a base teórica dos alunos acerca da temática
pesquisada. Para dar início, perguntou-se sobre o que a turma lembrava dos temas trabalhados durante o pro-
grama, no intuito de criar uma nuvem de palavras com os principais conceitos no campo do patrimônio. Após
esse momento, a partir de uma espécie de “retrospectiva” das aulas, falou-se sobre o conceito de patrimônio,
identidade e memória.
Ademais, nesse último encontro, foram debatidas ideias, como “a preservação do patrimônio e sua
importância” e a “função social do patrimônio”. Ao que findada essa discussão, foi feita uma ligação entre
estas temáticas e o patrimônio objeto de pesquisa, para uma maior compreensão do assunto tratado, possibi-
litando assim, que este se tornasse instrumento teórico para a confecção do material. Por fim, mas não menos
importante, esta aula se encerrou com uma dinâmica (figura 2), cujos alunos abriram uma caixa e dentro dela
estava um espelho, acompanhado pelas perguntas: ”Qual sua relação com o Parque e Centro Esportivo Santos
Dumont? Como foi participar da pesquisa?”, os quais vários se voluntariaram a participar.

II Encontro
64 Ensinar História
Figura 2: Dinâmica com os estudantes

Fonte: As autoras (2022)

Tendo como perspectiva as vivências apresentadas, é pertinente frisar que estas colaboram
para que os alunos consigam ter um “senso de passado”, através do estudo do patrimônio e da inserção deles
enquanto sujeitos históricos nesse processo. O que é algo que possui relação com a História Pública, ao passo
que Liddington (2011, p. 34) pontua sobre esse tema que “[...] está ligado a como adquirimos nosso senso de
passado — por meio da memória e da paisagem, dos arquivos e da arqueologia (e por consequência, é claro, do
modo como esses passados são apresentados publicamente)”. Desse modo, quando o podcast abre espaço para
que os discentes atuem de maneira ativa, pesquisando, indo a campo e se apropriando daquele local, no caso o
Parque e Centro Esportivo Santos Dumont, este deixa de ser apenas um ponto de encontro para ser ressignifi-
cado enquanto parte da sua história diante da função social que ali existe.
Nesse contexto, a partir das proposições de Liddington (2011), percebe-se que a História deixa
de ser escrita apenas por uma pessoa para vir a ser um exercício coletivo e melhor ainda, não sendo consumida
apenas passivamente, pelo contrário, ao construí-la em conjunto surge um novo olhar sobre o resultado obtido.
Certamente o rigor científico não vai ser deixado de lado e é nesse momento que o docente tem papel essencial,
pois acompanha a ação do aluno para que ele entre em contato com as fontes, com referências confiáveis e com
modelos de escrita convenientes. Ou seja, como Liddington (2011, p.42) advoga, a confecção do podcast permi-
tiu que muitas pessoas tenham tido acesso à parte das suas próprias histórias, tendo a figura do historiador (no
caso, nós enquanto profissionais em formação com auxílio da professora supervisora) a função de “devolver”
essas histórias.
Outro aspecto a ser percebido em relação às ações desenvolvidas diz respeito à metodologia da
Educação Patrimonial, que significou um passo contrário à constante desvalorização e desconhecimento do
patrimônio. Nesse sentido, Teixeira (2008, p. 199) afirma que esta ausência de valorização e conhecimento acerca
do patrimônio levou à reflexão sobre a necessidade de investimentos na área da Educação para valorização desses
bens. Esta ainda vai mencionar que, esse tipo de ação educativa suscita um grau de pertencimento, levando o
indivíduo a adquirir o hábito de valorizar e preservar.
II Encontro
Ensinar História 65
Por fim, Hall (apud Teixeira, 2008, p. 206) aponta a ocorrência de uma “crise de identidade”
que abala os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ‘ancoragem’ estável no mundo social. Diante
disso, ações educativas fundamentadas em uma metodologia de ensino, como a aqui relatada, também contribui
para nortear os indivíduos dentro deste cenário teorizado por Hall, pois, assim como defende Teixeira (2008),
estas possibilitam a diferenciação dos indivíduos com os outros ao construir sua identidade cultural.

4. Considerações finais
Meinerz (2013, p. 227), pontua que planejar não é o suficiente, viver situações que exigem improvisação
em sala de aula é igualmente importante. Nesse sentido, durante o período de execução das atividades planejadas,
foi recorrente refletirmos acerca dessa questão, levando em conta que, para além das ações educativas ocorrerem
em um período pandêmico, eventuais imprevistos corriqueiros no cotidiano dentro da sala de aula também
acontecem e devem ser contornados. Em vista disso, o PIBID aparece como possibilitador de uma formação para
além dos limites teóricos da academia ao vivenciar o ensino e a aprendizagem na prática, pois, como defendem
Rausch e Frantz (2013, p. 622), o programa tem como objetivos principais: integrar educação básica à superior,
contribuir para formação inicial de professores, fomentar práticas docentes e vivências metodológicas inovadoras,
bem como tornar a escola pública um ambiente para reflexão e crescimento na construção do conhecimento.
Nesse âmbito, de acordo com Ferreira (2012, p. 110), o interesse crescente do grande público pelo
passado, as próprias demandas sociais ocasionadas pelo tempo presente, colaborou para que os historiadores
ocupem mais espaços nas mídias, contudo, tal empreitada pode acabar se tornando uma armadilha, uma vez
que pode cair na tentação de recorrer a fórmulas simplistas para atingir mais pessoas. Como mencionado ante-
riormente, essa inserção em outros meios, como no digital, não precisa ser incompatível com o que é produzido
na universidade, longe disso, ao trabalhar sob os pressupostos da História Pública em sala de aula, construindo
conhecimento coletivamente, proporciona-se um meio para ensinar aos mais jovens que a ciência histórica
tem método, teoria e fontes para ser constituída. Ou seja, um ensino de História aliado a História Pública
colabora tanto para a divulgação científica, quanto para que mais indivíduos façam parte disso de modo sério
e comprometido.
Além disso, conforme Pacheco e Santos (2013, p 104), os lugares de memória em Recife, cidade locali-
zada em Pernambuco, ainda são pouco utilizados, seja por ausência de tempo e logística, ou também por falta de
conhecimento teórico e metodológico que sirvam de instrumento para o professor na organização das atividades
pedagógicas. Assim sendo, as ações pautadas na Educação Patrimonial que aqui foram relatadas, para além de
incentivar a preservação da memória e a construção de identidades, contribuem para levar aos professores do
ensino básico novas perspectivas teórico-metodológicas necessárias para a exploração dos lugares de memória
enquanto objetos de estudo.
Dessa forma, levando em consideração os desafios de um contexto pandêmico, onde a realidade passou
a ser caracterizada também pelo uso da tecnologia de forma acentuada, combinar os pressupostos teórico-meto-
dológicos da História Pública e da Educação Patrimonial a esse novo cenário contribuiu para a sistematização
e construção do podcast “Lugares de Memória em Boa Viagem”, este que espelha a importância do PIBID
para a formação inicial de professores, devido o seu caráter adaptativo e possibilitador de novas propostas.
Igualmente, esse produto reflete a relevância do programa para a criação de uma escola pública comprometida
com a produção de um conhecimento crítico e sério que se atente e se ligue à realidade da comunidade escolar.

6. Referências
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66 Ensinar História
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II Encontro
Ensinar História 67
CARTOGRAFIA E MAPEAMENTO: IMPLICAÇÕES NO ENSINO DE HISTÓRIA
CAVALCANTI, Maria Fernanda Dias1

Resumo: O objetivo deste trabalho será apresentar à princípio uma discussão a respeito da ciência cartográ-
fica e da urgência de sua descentralização do ensino de Geografia, buscando enquadrá-la na análise histórica
e didática dentro do ambiente da sala de aula. Após tal apresentação, o artigo irá referenciar alguns aspectos
iconográficos e técnicos - inseridos em percepções políticas e culturais - presentes em mapeamentos produzidos
durante o período da Idade Moderna - especialmente, séculos XV e XVII. A partir desse prisma, o que irá se
perceber são perfis de análise encontrados dentro do âmbito acadêmico sobre os esses mapeamentos que, em
geral, ficam limitados ou esquecidos no que tange ao ensino de História. Esse trabalho irá propor justamente
um aprofundamento no tratamento desses aspectos e uma complexificação da análise histórica proporcionada
pelos mapas como essencial para o desenvolvimento e compreensão da narrativa histórica.
Palavras-chave: Cartografia. Ensino de História. Mapeamento. Modernidade. Didática.

1. Geografia e História em concorrência


Antes de qualquer caminhar analítico, é pertinente perceber a Cartografia como uma ciência que está
inserida em um campo de disputa – discussão esta que não se encontra restrita somente ao ambiente acadêmico,
mas em definitivo se torna evidente na sala de aula (PINA, 2017). O que se visualiza é um monopólio não-oficial
que é detido pela Geografia em relação ao estudo dessa ciência e suas formas de abordagem no ensino. Tal fato
contribui, consequentemente, para um empobrecimento do debate e das análises possíveis em relação a este
objeto de pesquisa.
A Geografia como disciplina procura estudar e estabelecer saberes sobre o relacionamento do homem
com o seu espaço, e a História busca compreender a vivência humana em correlação com os seus processos
temporais. Ambas entram em aproximação no momento em que o espaço e a natureza são estruturados em
uma racionalização, ou seja, são pensados de forma dependente da existência humana - a natureza, a exemplo,
não pode ser tomada como natural em um processo histórico: “ela pode ser natural na sua existência isolada,
mas, no processo histórico, ela é social” (SANTOS, 2009, p.18). Pois de que serve estudar um espaço sem
percebê-lo inevitavelmente ligado ao social que nele está incluso? Até o próprio estudo se dá a partir de um
lugar e de um tempo, de uma intenção específica em relação ao que se estuda. É nesse ponto em que “pensar a
natureza” e entender “limites naturais” entra em contradição enquanto entende-se este espaço, em perspectiva
de processos históricos – essencialmente, humanos e sociais -, como algo que é social e permeado de política e
ideologia (SANTOS, 2009).
Ao estudar então noções de território e espaço, a atuação humana dentro deste espaço é algo que se
torna projeto de estudo e trabalho também da disciplina histórica quando se põe esses processos ao longo de
diferentes temporalidades, culturas, sociedades e políticas. Perceber a humanidade passada não somente em
distância histórica e temporal, mas também em distância socioespacial. Ou seja, a alma do estudo do historia-
dor se envolve em compreender os processos na relação espaço-tempo em interdependência contínua, sendo
impossível um distanciamento disciplinar.
O presente texto encontra-se estruturado nesta perspectiva, sendo interessante apontar o Milton Santos
como um dos principais geógrafos que buscará enquadrar a Geografia em um título de ciência humanizada,
socializada e indiscutivelmente alinhada às nuances temporais – históricas:

[...] a retificação que ando fazendo é que não serve falar de território em si mesmo, mas de
território usado, de modo a incluir os atores. O importante é saber que a sociedade exerce per-

1 Graduanda em Licenciatura em História. Universidade Federal de Pernambuco. mariafernanda.cavalcanti@ufpe.br.


II Encontro
68 Ensinar História
manentemente um diálogo com o território usado, e que esse diálogo inclui as coisas naturais
e artificiais, a herança social e a sociedade em seu movimento atual (SANTOS, 2009, p. 26).

Nesse raciocínio, o mapa, enquanto produto material da ciência cartográfica, igualmente se insere como
algo que enuncia o caráter social do espaço (PINA, 2017), pois é produzido com o objetivo de realizar ações
sobre ele e, ao estar inserido em um tempo de produção e análise, torna-se por consequência um documento
histórico passível de pesquisa:

O mapa é uma construção social, sendo assim, não se pode naturalizar as concepções, os luga-
res, as ideologias, sobretudo, presentes nos livros didáticos. O espaço só é dotado de sentido
quando construído socialmente, pois não existe relação social sem a dimensão espacial. Con-
sequentemente, o espaço também é construído por relatos e narrativas que o produzem e o
descrevem. Neste sentido, o mapa é uma enunciação e uma prática organizadora do espaço
(PINA, 2017, p. 9).

Estabelece-se, desse modo, um ponto de encontro entre tempo, espaço e suas nuances, técnicas cientí-
ficas de representação e contextos históricos. O que muda é a forma de abordagem: a Geografia busca focar nos
aspectos técnicos, visuais e estáticos desse mapeamento, enquanto a História procura estender esse olhar para
pensar além do que se vê, ou seja, as entrelinhas do discurso visual, compreendendo o que é mutável para além
do que se representa, permeando essa análise de aspectos humanos e temporais (BUENO, 2009).
Decerto, um dos objetivos deste trabalho é estender esta ideia metodológica para além da prática de
pesquisa do campo acadêmico e possibilitar projetar sobre os alunos em sala de aula uma análise igualmente
ampla desses processos envolvendo e tomando a interdisciplinaridade como competência essencial no ensino e
no respectivo aprendizado histórico (GUIMARÃES, 2011, p. 99-108), buscando introduzir o conhecimento
de forma múltipla ao entendimento - principalmente ao correlacioná-lo com a disciplina geográfica. Enfim,
buscar a compreensão de um passado enquanto existente e distante no espaço-tempo a partir do mapeamento.

2. Mapa como recurso didático


Nesse momento, após estabelecida essa correlação disciplinar como pertinente, cabe apontar - de forma
breve – o mapeamento enquanto produto, seu papel enquanto recurso didático no ambiente escolar e seu
respectivo esquecimento por parte dos professores de História em suas abordagens didáticas. Não é ignorado
aqui o papel que o livro didático possui ao introduzir temáticas em sala de aula por meio do uso de recursos
diversos e, muito menos, como o seu guia previamente estruturado influencia os caminhos que a aprendizagem
e a didática utilizada podem tomar (BITTENCOURT, 2010, p. 69-90).
A estrutura da Cartografia presente nos livros didáticos influencia diretamente o seu consumo e o modo
como a sua utilização serão pensados no ambiente da sala de aula. Entretanto, é adequado colocar a figura do
professor como um agente principal que intermedia este aprendizado e que, portanto, irá destinar os esforços dos
alunos para a compreensão histórica de tais produções. Alinhado a isto, direcionar a interpretação das narrativas
que envolvem os mapeamentos visto que o docente possui o poder de estruturar a leitura do livro didático em
questão, a escolha dos capítulos utilizados, atividades alinhadas ao estudo por este material, complexificando o
seu uso (BITTENCOURT, 2010). É compreensível que a análise crítica proposta pelo material escolar prévio
não é, necessariamente, alinhada com os objetivos que o docente irá adotar para si, e é, neste momento, que
ele terá a possibilidade de modificação dos usos dessa obra em suas aulas – podendo, inclusive, escolher não a
utilizar. Por maior que seja a limitação que o profissional possa ter nesta questão por parte da instituição em
que atua, o docente ainda terá a possibilidade mínima de estruturar as abordagens que fará sobre as imagens
contidas no material (BITTENCOURT, 2010, p. 74).
Fora do eixo de iconografia de mapeamentos, são percebidos estudos mais profundos sobre o uso de
fotografias, pinturas, cinema, músicas, literatura, ilustrações gerais, tudo isso alinhado à sala de aula. Isto reflete
II Encontro
Ensinar História 69
uma problemática de esquecimento do mapeamento em se tratando de utilizações didáticas (PINA, 2017).
Porém, como lidar com a escassez de metodologias possíveis para se utilizar desses recursos?
A partir deste questionamento, pode-se porventura hesitar transferir a necessidade desses métodos
para a utilização de métodos já conhecidos e utilizados na abordagem de imagens – sejam estas em forma de
pinturas, fotografias ou filmes - em sala de aula, ou seja, aquelas que não possuem sentidos cartográficos de
representação. São comuns estudos destas imagens e de caminhos dos quais o professor pode utilizar-se para
levar aos alunos uma análise crítica da fonte histórica, tais como os de Circe Bittencourt (2011), Selva Guimarães
(2011), Elias T. Saliba (2010). Certamente, o uso destas metodologias é, muitas vezes, aplicável aos mapas, visto
que estes são permeados por traços artísticos, representações humanas, pinturas complexas. De certo modo,
existe arte na Cartografia a partir do momento em que a arte é essencialmente humana e a representação que
se faz igualmente o é. Neste ponto, entra o questionamento do que de fato é aquilo que se olha e se percebe
como representante de um espaço: mapa, desenho ou arte, afinal (RICHTER, 2017)? Antes de tudo, porém, a
produção cartográfica possui em individual o aspecto espacial e técnico que é distinto em suas particularidades,
objetivos de localização, delimitação de fronteiras mutável em prioridades ao longo dos séculos (BLACK, 2005).
Portanto, por mais que a ideia de que o mapa se aproxima do conceito de imagem possa vir a ser utilizada, o
mapeamento existe em sua singularidade de nuances gráficas, geográficas - como já foi citado – e históricas,
visto que irá possuir uma intenção própria para se construir como tal a depender de objetivos primariamente
políticos - característica esta que antecede a noção ilustrativa e estética de algo.
Os mapas do século XXI, a tomar como exemplo os digitais, estão cada vez mais distantes do objetivo
de embelezamento, estando satisfeitos em cumprir o simples teor localizacional, distintos de representação do
que é humano e adequando-se a efeitos minimalistas na sua estrutura visual (RITCHER, 2017).
Em síntese, é essencial uma análise mais específica dessa fonte e de seu uso como ferramenta para a
construção do saber histórico. A partir de tal circunstância, pode-se proporcionar um uso efetivo e amplo desse
recurso por parte do corpo docente em História, e não parcial ou aleatório – fato este que também causa um
distanciamento de sua utilização.

2.1 A parcialidade da produção


Prosseguindo ainda nos aspectos de produção, traz-se para a discussão a camada perspectivista que per-
meia a utilização do mapa como fonte – nesse caso, está a ser apontado fonte e recurso didático em um mesmo
tom analítico. Em base teórica, alinha-se a Beatriz P. Bueno (2009) que estruturou níveis de análise possíveis ao
pensar um mapa enquanto documento histórico oriundo de um sentido contextual. Na compreensão do mapa
não somente como fruto de um meio, mas também como agente produtor e influente deste, esta metodologia
de leitura se fragmenta em três aspectos de relevância: contexto do cartógrafo, contexto social e contexto de
intertextualidade. Ou seja, a observação do mapa como um discurso dotado de linguagem e, portanto, um texto
escrito e, em simultâneo, não-escrito, produzido por alguém localizado em um determinado lugar de produção
e existência. De tal forma, a leitura do documento em questão não irá situar-se simplesmente em uma análise
visível, iconográfica, mas irá se estender para contextos que não estão ditos na representação e que são buscados
com objetivo de serem compreendidos pelo historiador (BUENO, 2009, p. 232).
O que é buscado ao trazer tal viés metodológico para um texto que é construído para a área do ensino
de História está presente em perceber aquele mapa - tanto no livro didático quanto nos materiais que são bus-
cados externamente pelo próprio professor - de modo a incluir humanidade naquela fonte. Perceber os agentes
que a envolvem. Frisar a importância do trabalho com fontes em sala de aula vai além de simplesmente expô-las
como representação de um passado, mas envolvê-las em questionamentos que são comuns ao historiador em
sua formação contemporânea: quais são as relações causais, como este testemunho se envolve com o seu tempo,
o que comunica sobre ele, quais são suas ênfases, o que foi ignorado de ser representado, como isso constrói
narrativas? Enfim, aplicar o método crítico (BLOCH, 2002, p. 89-124).

II Encontro
70 Ensinar História
Certamente, pensar o mapa envolvido em intertextualidades torna-se mais complexo, porém também
possibilita o aluno perceber que a produção humana de representação jamais surge de um ponto vazio, pois é
sempre produto de outras heranças textuais e, portanto, envolvida em aspectos sociais, políticos, culturais em
um entrelaçamento contínuo (BUENO, 2009, p. 234). Buscar a “genealogia” dos mapas, como diz Bueno,
como uma competência que o historiador deve tomar para si em sua crítica histórica também é buscá-la como
recurso didático para envolver o aluno na compreensão das narrativas e construções temporais. Enfim, intro-
duzir aquele que aprende no fazer histórico, colocá-lo em posição ativa no pensar e na criação do entendimento
narrativo sobre a História.

3. Século XV e XVII
A partir desta parte do texto, toma-se para debate dois mapas produzidos em séculos específicos da
Idade Moderna – Planisfério de Enrico Martello (1489) e o Brasilia qua parte paret Belgis (1647) - para pensar
a aplicação didática do mapeamento em sala de aula.
O período das Navegações ultramarinas modernas como um momento histórico rico em representa-
ções e imaginários múltiplos (FONSECA, 2017) que entram em contradição constante se torna essencial para
pensar na utilização de mapeamentos diversos como objetos no ensino de História. Antes de tudo, revolução de
perspectiva, conhecimento, arte, técnica, trocas culturais intensas, contextos políticos e científicos sobrepostos
entre si e tempos em que o consumo de mapas tinha nuances de divulgação muito específicas a depender da
região e do século (BLACK, 2005, p. 23-40). Em linhas gerais, compreender e analisar a produção cartográfica
e sua efervescência torna-se, a partir do século XV, uma tarefa extremamente árdua.
Cabe restringir o debate aos séculos XV e XVII neste trabalho especificamente para pôr em estudo
dois mapas que comunicam de forma precisa aspectos temporais, nem sempre óbvios, e que se enquadram de
modo adequado ao percebê-los como representações do conhecer, das intencionalidades e das perspectivas de
mundo próprias de quem produz.
O primeiro mapa a ser analisado é o seguinte:

Figura 1. Planisfério de Enrico Martello Germano, 1489

Fonte: https://www.fruugo.co.uk/martellus-world-map-1489-nworld-map-c1489-of-henricus-martellus-copies-of-whi-
ch-are-believed-to-have-reached-christopher-columbus-in-spain-and-martin-behaim-in-nuremberg-where-in-1492-pos-
ter/p-15600052-33461428

II Encontro
Ensinar História 71
Esta obra foi escolhida por conseguir abarcar aspectos complexos da Modernidade em um único plano:
contradição, sobreposição de ideias acumuladas ao longo do tempo que possuem uma herança da Antiguidade
e um desconhecimento – ou conhecimento - nítido em relação a outras áreas do mundo por parte de quem
o produz. É notável uma herança ptolomaica de representação da parte oriental do mapa, tal fato caracteriza
uma intertextualidade precisa que o período moderno mantém com as produções cartográficas e técnicas da
Antiguidade, ou seja, utiliza-se de representações e leituras de mundo anteriores para basearem suas produções –
ademais, representações de locais que jamais haviam sido visitados fisicamente pelo cartógrafo. Consequentemente,
ocorre uma reprodução de distorções já familiares às técnicas de produção de mapas deste século nas dimensões
da área do continente asiático e africano. Esta arte se enquadra de certo modo, portanto, em um contexto de
produção de gabinete, sendo esta aquela produzida por intermédio de relatos de viagem, imagens, textos ou
mapas que vieram antes do que então se produz (BUENO, 2009). Fato é que a grande maioria dos mapas deste
período estão envolvidos em relatos escritos primários que estavam em constantes atualizações ao longo dos
contatos culturais e científicos que estavam em curso.
Em continuação de análise, a América não entra como existente, pois não fora ainda conhecida pelos
europeus em seu ano de produção - caso que não ocorre em se tratando da parte ocidental, norte e sul do con-
tinente africano, em grande parte, já detalhadas em múltiplos topônimos costeiros.
Para além dos destaques citados, um aspecto que chama atenção e que é conveniente de realce é o
que é citado indiretamente por Charles Boxer (2002) em relação ao planisfério de Martello, o qual afirma o
seguinte: “Logo depois de Bartolomeu Dias ter descoberto o Cabo da Boa Esperança (1488), o cartógrafo
italiano Enrico Martello Germano elaborou esse planisfério, em 1489 [...] (BOXER, 2002, p. 226)”. De modo
pontual, o que se percebe é que, em um contexto de imprevisibilidades em travessias marítimas, a escolha do
que será representado em um mapa está interligado de modo direto ao conhecimento do mundo - adquirido à
medida que as Navegações progridem – e às modificações de entendimento em relação às distintas percepções
que são projetadas sobre o espaço. Em compreensão, representa-se o que se acredita ser a realidade e a possível
forma do mundo real e das pessoas que nele habitam em suas diferentes partes. Se representado está, existência
se dá – representação do conhecimento do espaço localizada no tempo (RITCHER, 2017). Importante incluir
nas ideias de conhecimento do distinto a percepção de imaginários que perpassaram aquelas vivências passa-
das, percebendo os que se adequam a contextos de continuidade e descontinuidade ao longo do tempo desses
aspectos presentes nas nuances iconográficas dos mapas, notando os mitos expostos e divulgados em diferentes
formatos a fim de compreendê-los em correlações com o seu tempo e crença (FONSECA, 2007).
Como aqueles mitos se representam e quais os motivos se tinha para crer no que está posto? Enfim,
envolver-se no seguinte questionamento: “como discutir ainda hoje, o imaginário como elemento conformador
das representações que os homens fazem de si e do mundo?” (FONSECA, 2007, p. 169).
Encontrar exemplos de representações oriundas do século XV que se interligam com o que foi abor-
dado acima é a atividade que fica aberta ao professor, portanto, como uma área de possibilidades infindável e
seus caminhos de abordagem igualmente – decerto, objetiva-se uma aula estruturada que foge ao óbvio do livro
didático, porém a sua utilização não entra em descarte. Pensar em análises comparativas entre os mapeamentos
de diferentes épocas - tal como aponta Bittencourt (2010) ao estabelecer um método próprio de ensino de
História pelo uso de ilustrações em livros didáticos como “necessárias para que os alunos possam estabelecer
relações históricas entre permanências e mudanças e para relativizar o papel que determinados personagens
tendem a desempenhar na História” (BITTENCOURT, 2010, p. 88). Isto é construir uma análise crítica sobre
os fatos comumentemente postos como finalizados em seus acontecimentos. Além disso, incluir seus contex-
tos de produção (BUENO, 2009), podendo até envolver o aluno em um pensar não somente histórico, mas
artístico – além do geográfico. Isto irá coincidir com o objetivo de introduzir a Cartografia como um recurso
de compreensão da construção da História enquanto ciência humana e, a seu modo, inclusa em uma categoria
de duração própria (BLOCH, 2002, p. 55).
A continuar a análise específica sobre os mapeamentos, o que se tem a seguir foi produzido no século
XVII e possui características extremamente únicas para reflexão sobre o Brasil Holandês:
II Encontro
72 Ensinar História
Figura 2. Mapa BRASILIA QUA PARTE PARET BELGIS, Georg Marcgraf e Frans Post, 1647

Fonte: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/19545/brasilia-qua-parte-paret-belgis#zoom19545

Sobre esta obra, foi lançada uma pesquisa estruturada pela Bartira F. Barbosa (2019), na qual são
abordados diversos ângulos de análise possíveis que podem ser realizados e postos em prática ao esmiuçá-la
em estudos acadêmicos. Estendem-se estes desde questões de relações interpessoais e culturais entre indígenas,
portugueses, holandeses, africanos livres ou escravizados até aspectos econômicos e comerciais que são expostos
de forma direta ou indireta nesta representação seiscentista do território americano – as ilustrações de engenhos
e das relações produtivas que os envolvem, gado em caça, entre outros detalhes presentes.
De modo destacado, é apontado um envolvimento interétnico no processo de constituição e represen-
tação daquele espaço e isto se torna confirmado a partir da visualização do mapa e das conclusões que a seguem
que “apontam para uma fundamental participação de indígenas, cafuzos, caboclos e africanos como intérpre-
tes, intermediários, colaboradores, informantes locais e testemunhas oculares” (BARBOSA, 2019, p. 45). Em
simultaneidade, a abordagem faunística, as localizações exatas de quilombos, taperas, caminhos de expedições
militares – tais como os de Felipe Camarão e Henrique Dias (BARBOSA, 2019, p. 73) -, engenhos; todos esses
traços e minúcias são presentes no mapeamento e corroboram com a perspectiva de diferentes influências no
processo produtivo do cartógrafo Marcgraf e do ilustrador Frans Post que vão além dos relatos de cronistas
apenas europeus, envolvendo agentes e alianças esquecidos nesse processo histórico.
O que se conclui acerca dessa obra é que se caracteriza como um documento histórico que expõe, em
um mesmo plano, uma geografia econômica e humana do Nordeste holandês, imbuído de aspectos iconográ-
ficos e iconológicos únicos ao pensar a representação do que viria a se tornar parte do atual território brasileiro,
pondo em perspectiva a cartografia holandesa como inovadora nos aspectos técnicos mesclados aos artísticos
que iam além do que se buscava em um mapeamento moderno do século XV por exemplo. Tal realidade se
constituía ao longo do século XVII:
II Encontro
Ensinar História 73
Os avanços científicos empreendidos pelos holandeses no século 17, especialmente na ótica,
fizeram-nos enfatizar a visão como o sentido através do qual Deus revela sua criação mais
claramente para a humanidade. Essa admiração pelo sentido da visão levou os pintores a
tentar “descrever” o mundo como eles o viam. A cartografia holandesa tem sido ligada à
pintura holandesa na medida em que ambas tentavam a “descrição” da realidade física. Dessa
forma, passou-se a dar maior valor ao “realismo geográfico” na cartografia do que aos mapas
estilizados mais antigos que não dependiam de uma descrição topográfica precisa (BLACK,
2005, p. 28).

Certamente, este contexto alinha-se com a percepção anteriormente defendida no presente trabalho
acerca da interligação que a Cartografia possui indiscutivelmente com a arte.
Em síntese, percebe-se este mapa mural envolvido em análise dos seus contextos de produção - histórico,
do cartógrafo e das intertextualidades que possibilitaram sua existência (BUENO, 2009) – e de divulgação, visto
que se buscava uma representação intencional e solicitada do território de domínio político do Conde Maurício
de Nassau – ou seja, intenção estatal e financiada - expondo os aspectos naturais, geográficos, étnicos. Em geral,
aspectos da riqueza do espaço em representação.
Porém, em qual parte desses pontos discutidos entra o infinito de possibilidades que o docente pode
escolher abordar em sala de aula? Afinal, por que motivo os questionamentos frequentes aos historiadores não
podem tornar-se de modo distinto perguntas que também envolvem os alunos no ambiente escolar?

4. O que perguntar e o que propor?


Não é esperada uma resposta direta e única a essas perguntas. As ideias de questionamentos são infi-
nitas. O que se propõe aqui, de forma ampla, é um redirecionamento das abordagens comuns sobre os mapea-
mentos em sala de aula - principalmente ao refletir acerca da Modernidade - para não somente pensá-los como
documento históricos para os historiadores, mas envolver os alunos nestas questões como agentes do pensar
historicamente (PINA, 2017).
Tem-se como conceito estabelecido neste trabalho os mapas citados como símbolos criados sobre o
mundo concreto moderno, ou seja, a representação da realidade espacial vivida pelos homens desse passado.
Não sendo necessariamente a realidade fechada e finalizada em si, mas sendo esta específica para quem os pro-
duziu e para quem os consumiu.
Então, como ensinar sobre um período histórico turbulento em perspectivas espaciais, contradições de
imaginários (FONSECA, 2007), religiosidades diversas, imerso em questões políticas singulares, sem se utilizar
dos principais instrumentos e produções de compreensão desse mundo, sendo os mapas estruturantes e reflexos
complexos da ideia do conhecer e da verdade naquele tempo?
Certamente, trabalhar sobre tal período histórico - independentemente do nível de ensino -, sem
introduzir os mapas como recurso didático pertinente, é conceder à figura do aluno uma análise parcial deste
passado moderno. Pois como olhar o outro em um tempo que conhecer o mundo físico em suas dimensões
globais era desejo e realidade sem buscar olhar e compreender a sua forma representativa deste mesmo mundo
e do seu passado?
A estruturação da consciência histórica e da construção da narrativa no processo de aprendizagem em
todos os seus níveis é objetivo e tarefa do professor em sala de aula, isto é, buscar construir a experiência do
tempo e do sentido narrativo:

A narrativa histórica pode, então, em princípio, ser vista como aprendizado quando, com ele,
as competências forem adquiridas através de uma função produtiva do sujeito, com as quais a
história será apontada como fator de orientação cultural na vida prática humana. Trata-se de
uma significativa orientação da vida prática humana relacionada a três dimensões temporais,

II Encontro
74 Ensinar História
através da visualização do passado, resumidamente formulado em um termo: “competência
narrativa” (RÜSEN, 2016, p. 86).

Entretanto, como alcançá-lo a partir de um estudo que se molda em incompletudes? Fato é que será
feito de modo igualmente incompleto.
De toda forma, dá-se como necessária a introdução das questões abordadas ao longo deste artigo como
princípios não somente acadêmicos, mas escolares a serem moldados pelo professor a partir de suas competências
didáticas e pedagógicas que irão adentrar em variações e limites, dependendo das circunstâncias de ensino –
sociais, financeiras ou educacionais. A finalidade em si é buscar localizar o aluno envolto nos processos interpre-
tativos da realidade que o cerca e dos tempos que a formaram com base em perguntas sobre das formas visuais
representativas destes momentos históricos – os mapas. Afinal como perceber o mundo presente e suas atuais
representações em tecnologias digitais, definitivamente, distintas do que passou, porém, em simultaneidade,
produtos destes conhecimentos adquiridos ao longo da Modernidade e de suas expansões do conhecimento?
Utilizar Cartografia como recurso pedagógico para mergulhar os pensamentos em tempos históricos é
uma prática secularmente utilizada pelo ensino histórico e muitos mapas foram, inclusive, produzidos apenas
com o objetivo de facilitar a atividade didática:

Os mapas passaram a representar um papel integral na apresentação do passado; na verdade,


passaram a ser um modo pelo qual o passado poderia ser apresentado. Além disso, o conhe-
cimento do mundo da Bíblia e dos clássicos continuava a ser um aspecto vital da educação
refinada e a cartografia era cada vez mais vista como um auxílio para o conhecimento (BLA-
CK, 2005, p. 44).

Porém o que se busca é ir além da simplicidade de um passado estático, é pensá-lo e apresenta-lo dotado
de vida e movimento. Isto é envolvido em humanidade e espacialidade. Portanto, complexo por natureza.
Percebê-lo na correlação homem-espaço e sociedade para não o separar das competências de compreensão deste
passado inevitavelmente interligado à disciplina geográfica. Pois, como já exposto anteriormente, é impossível
separar a História e a Geografia ao correlacioná-las na abordagem de qualquer documento cartográfico e, de
modo amplo, de qualquer conhecimento sobre as ações sociais a partir deste.

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II Encontro
Ensinar História 75
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II Encontro
76 Ensinar História
FRANCISCO BRENNAND, EGIPTOMANIA E ENSINO. 1
FERREIRA NETO, Otavio Vicente.

Resumo: Conhecer as sociedades antigas reflete situações presentemente vividas, permite a compreensão dessas
situações e sua análise. Este trabalho explora um ethos privilegiado para o estudo da Antiguidade: a presença de
elementos egípcios e clássicos na contemporaneidade. Nesse sentido (BAKOS, 2004) destaca a importância dos
estudos que atentam para a presença do antigo no presente, mais especificamente, os elementos do Egito antigo.
Desta feita, este trabalho se propõe a historicizar as reinterpretações de elementos culturais egípcios nas obras
esfinge e obelisco de um dos mais importantes artistas plásticos brasileiros: Francisco Brennand (11/07/1927
– 19/12/2019). Para tanto se faz necessária a compreensão do termo egiptomania, conforme proposto pela
egiptóloga brasileira Margaret Bakos (2004, p.10), “a reinterpretação e o re-uso de traços cultura do antigo Egito,
de uma forma que lhe atribua novos significados” Atentando também para as releituras de Francisco Brennand
a partir da concepção de Renata Garrafoni (2018) de que tais obras não são simplesmente cópias dos originais,
mas sim versões novas, atualizadas.
Palavras-chave: Egiptomania. Obelisco. Esfinge. Arte plástica. Francisco Brennand.

1. A oficina.
Ateliê, templo e oficina. Estas são as denominações dadas ao local de produção de F.Brennand. Tudo
teve início com Ricardo Brennand, o Coronel Ricardinho, como era conhecido entre seus funcionários. A
família possuía diversos empreendimentos, dentre eles usinas e engenhos, desde muito cedo Ricardo se mostrava
interessado na administração dos negócios da família. Conforme aponta a Associação Nacional dos Fabricantes
de cerâmica para Revestimento, louças sanitárias e congêneres, ANFACER (2019) os engenhos de açúcar
tinham como item obrigatório em sua estrutura uma olaria, para produção de telhas, tijolos e louças de barro
para o consumo diário. Atento a tal necessidade, Ricardo construiu em 1917 “no mesmo lugar uma pequena
indústria de cerâmica, instalando-a em galpões cobertos com telhas de zincos” (ARAUJO; LEAL; FIALDINI,
1991, p. 42). Essa demanda levou à fundação da R. L. de Brennand & Irmão, intitulada também Cerâmica São
João, que fabricava materiais cerâmicos, telhas e tijolos. A produção se encerrou em 1950, mas como aponta
Weydson Barros Leal (1991), o forno do sonho permaneceu aceso.
Do casal Ricardo Brennand Monteiro e Francisca de Paula Cavalcanti de Albuquerque nascera Antônio
(1926), Francisco (1927), Cornélio (1928), Jorge (1929), Tereza (1932) e Maria (1933). Devido às condições
abastadas, todos foram matriculados em renomadas escolas. Teve início já no ambiente escolar o contato com
artistas como Aberlado da Hora, Cicero Dias e Álvaro Amorim que inspiraram Francisco em direção à arte.
Além disso, a influência e incentivo por parte do seu pai foram cruciais para sua formação artística.
Apesar da aptidão artística, Francisco, junto com Cornélio e Ricardo, desenvolveram funções adminis-
trativas na fábrica da família, mas o contato adquirido durante o período escolar rendeu-lhe um tutor, Cicero
Dias, que observando a competência de seu aluno para a arte, propôs ao pai: “Por que você não manda seu
filho para a Europa em caráter experimental? Será bom para desenvolver o seu talento” (ARAUJO; LEAL;
FIALDINI, 1991, p. 52). Ricardo Brennand já havia por vezes incentivado o filho, propusera um estágio junto
a Álvaro Amorim, pintor da Cerâmica São João, e a criação do seu primeiro ateliê. A experiência adquirida na
Europa foi um dos acontecimentos centrais para a formação artística de Brennand, pois ao enviar o filho para o
exterior, Ricardo pretendia que ele aplicasse os conhecimentos adquiridos na indústria da família. Ficou acordado
que Francisco iria cumprir estágio numa fábrica de cerâmica em Deruda, cidade conhecida por suas porcelanas
maiólicas. Em seu diário Brennand (2016, p.133) confessa: “Quem diria, não mais do que três meses depois,
eu já me preparo para de novo viajar à Europa, onde deverei permanecer mais um ano, estudando cerâmica na
região da Úmbria, Centro da Itália”. Acerca deste período de estudo, diz Weydson Leal:

1 Trabalho desenvolvido com apoio financeiro da Fundação de Amparo de Pernambuco.


II Encontro
Ensinar História 77
As horas que Francisco passava na linha de produção serviam-lhe apenas como curiosidade
técnica. Só após o expediente, quando tinha a liberdade de pintar as próprias placas e pra-
tos, experimentava tintas e pigmentos em sucessivas queimas que embora desaconselhada
pelos operários, traziam os mais belos e desconhecidos resultados. Assim, através de breves e
instintivas experiências, acordava em si a semente de um novo espirito conhecedor. (LEAL,
1991, p.58)

A experiência adquirida nas queimas fora do expediente moldou e conferiu um estilo próprio à
cerâmica de Brennand. Conforme aponta Emanoel Araújo (2004), a ida à Europa proporcionou-lhe enri-
quecimento profissional e pessoal. O artista pôde conhecer obras clássicas, e em seus registros Brennand
(2016) destacou a viagem como uma oportunidade de conhecer a produção de pintores como Caravaggio e
obras como O sepultamento de Santa Lúcia, A queda de São Paulo, David com a cabeça de Golias e A morte
da Virgem Maria.
De volta ao Brasil, Brennand dedicou-se à reforma da casa do Engenho São Francisco e aos trabalhos
na fábrica. Em 1954, a família inaugurou seu mais novo empreendimento, a Industria de Azulejos S.A., e
conforme pontua Weydson Leal (1991), Francisco viu neste fato uma oportunidade de caráter pessoal e
profissional, pois poderia ser tanto uma homenagem ao seu pai, fundador primeiro da RL de Almeida &
Irmão, quanto sua primeira produção mural cerâmica. Utilizando o forno da antiga fábrica de porcelana,
Francisco passa a produzir pratos, jarros e ornamentos cerâmicos a partir das técnicas aprendidas em Deruda.
Apesar da liberdade no uso dos recursos, tanto da IASA como da antiga fábrica da família, o seu trabalho
artístico demandava uma separação, pois a “autonomia necessária para definir seus projetos ainda estavam
atreladas as condições, cada vez delicadas, de um atelier dentro da fábrica da família. Brennand sabia que
sua atividade de artista, inviável, sem o espaço e o isolamento, se chocava com o caráter eminentemente
industrial” (LEAL, 1991, p.59).
Em 22 de Fevereiro de 1960, Brennand registrou em seu diário: “o trabalho prossegue, mesmo que
esta exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo marcada para o dia 24 de maio fosse hoje, tudo estaria
pronto”. Os anos de 1955 a 1962 foram tempos de ascensão na carreira do artista, marcados por participações
em eventos e encomendas artísticas. O ano de 1961 marca um grande crescimento na visibilidade do artista,
que obtém o reconhecimento de diversos setores da sociedade. Neste período começa a tomar conta do país
um sentimento nacionalista, e a sua obra se adequa a esse momento: a presença da fauna e flora foram um
marco dessa modificação. No mesmo ano, os irmãos Farias, em nome do Banco da Lavoura de Minas, solici-
taram ao artista um dos mais importantes murais de sua arte: a Batalha dos Guararapes. Acerca da produção
desta, em seus escritos, Brennand explica: “Comecei a elaborar as placas definitivas para o mural da batalha
[...] seguindo pacientemente o valoroso exemplo do pintor Miró e do Ceramista Lorenzo Artigas, no mural
da Unesco (Paris). Como eles, efetuarei essas sucessivas queimas até conseguir uma matéria adequada, cujas
superfície e entranhas lembrem a própria natureza da pedra (Rocha basáltica)”.
A batalha dos Guararapes foi um importante acontecimento da história de Pernambuco e do
Brasil, acerca deste fato Bóris Fausto (2015) informa que sob a liderança de André Vidal de Negreiros e João
Fernandes Vieira foram deflagradas ações bélicas contra a presença holandesa no Nordeste brasileiro, que
terminaram com a vitória dos insurretos. O cenário de combate no mural de Brennand tem como inspiração
a tapeçaria de Bayeux e afrescos romanos, ambos vistos pessoalmente pelo artista quando de sua estada na
Europa. Conforme aponta a pesquisadora Lúcia Padilha (2019) as obras de Francisco Brennand produziram
um legado por retratar momentos significativos da história pernambucana, de que é exemplos o mural da
Batalha dos Guararapes.
O Mural da batalha correspondeu ao estágio de ascensão da obra do artista; a partir de então, suas
produções cerâmicas passaram a ser aceitas em maior escala, em locais públicos como o Banco Bandeirante
S.A, a Universidade Federal de Pernambuco, a Biblioteca Pública de Pernambuco, a Rua do Sol. Além disso,
o artista passou a participar de eventos de cunho internacional, como a Bienal de artes aplicadas (URU), a
Exposição Internacional de Cerâmica de Ostende (BE). Essas experiências permitiram que suas produções
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78 Ensinar História
cerâmicas obtivessem maior visibilidade e reconhecimento. Anos mais tarde, em seu diário, Brennand
demonstrou surpresa com o sucesso alcançado por suas peças:

Situação realmente muito engraçada: a maior parte dos artistas e dos críticos locais jamais me
deu a mínima atenção. Eles duvidavam do meu talento, da minha capacidade de trabalho e
até da minha honestidade profissional. No entanto, hoje, recorrem a mim e querem ainda
a minha opinião sobre vários assuntos concernentes à arte. Desejam saber, inclusive, o que
penso sobre os seus trabalhos, quais os meus planos. Agora é a vez deles me culparem por não
lhes dar atenção, logo eu, de quem jamais souberam apreciar, e muito menos respeitar a arte.
De uma certa forma, sou grato a todos eles por não acreditarem em mim; deixando-me de
lado, permitiram-me levar meu trabalho muito longe e sem compromisso de espécie alguma.
(BRENNAND, F. 2016, p. 288)

1971 representou o estágio final do amadurecimento de sua arte cerâmica, cujo indicio veio por
intermédio de uma solicitação feita a seu pai para a reconstrução da velha fábrica. Em entrevista concedida à
Funarte, Brennand explicou como transcorreu esse diálogo: “ [...] passei a tarde na cerâmica, me veio de súbito
uma ideia, de que eu poderia restaurar aquilo tudo, e essa ideia veio como uma homenagem ao senhor e onde
tudo foi iniciado”2. Pai e filho chegaram a um acordo, este pôde instalar o seu ateliê do artista e ganhou o
direito de reconstruir gradualmente a fábrica, e nas palavras de Weydson Leal (1991) o mesmo espaço que
alimentou o sonho de um jovem empreendedor, em 1917, alimentaria agora o sonho de um jovem artista.
Em 09 de março de 1974, Brennand (2016, p. 263) menciona em seus escritos: “Manhã pregando
recortes de papel (notícias sobre mim mesmo) num caderno; aplicada tarefa de alguém que pretende colocar
a vida em ordem [...] De contrapartida a repentina ousadia de queimar3 grande parte dos meus cadernos de
1964 a 1974”. Assim como o artista, de recorrer a matérias jornalísticas (sem falar na bibliografia atualizada)
para analisar a fundação da Oficina de Cerâmica Francisco Brennand. A destruição inconsiderada dos docu-
mentos deixou, nas palavras do próprio artista, um lapso temporal no mais importante momento da carreira.
Gradualmente, a reconstrução prosseguiu. O contato com as ruínas da velha fabrica produziram
sobre o artista uma série de inquietações sobre como ocorreriam as mudanças, e acerca disso vale destacar a
fala do próprio Brennand:

Desde o primeiro dia em que aqui cheguei, pelo menos para mim eram todas visíveis, palpá-
veis, dimensionáveis. Restava apenas saber o que delas pretendia. A princípio, confesso, não
sabia por onde começar; mas sabia muito bem que, desse jogo totalmente cego, tudo, por de-
finição, pode sair – inclusive a própria visão [...] logo começaram as transformações de todas
essas velhas paredes semidestruídas, de todas essas madeiras carcomidas e enegrecidas pelo
tempo, dos corredores de altos telhados esburacados e gotejantes, ou dos velhos fornos api-
nhados de morcegos, do chão de terra batida surdo às nossas pisadas. E dos fantasmas. Sim,
dos fantasmas ainda tão vivos de minha infância, que certamente permaneciam escondidos
nos corredores cheirando a óleo e à terra queimada. (MONTEIRO, 1987, p.45)

Enfrentados os temores, progressivamente as ruínas se modificavam, assumindo um caráter artístico


o que antes era totalmente industrial. O ambiente passou a possuir um pequeno ateliê-escritório, feito a par-
tir da união de dois espaços, recheado de livros, coleções e memórias – antes um local de trabalho, assumira
agora um caráter improdutivo. Conforme apontou Felipe Monteiro (1987. p. 50) era o lugar de produção
do artista, onde ele se refugiava, reunia-se com amigos e descansava.
2 Transcrição da entrevista dada a Fundação Nacional de Arte, em 2017, quando o artista pernambucano celebrava seus 90
anos. Disponivel em: https://www.youtube.com/watch?v=PoFNn6BqI1Y.
3 Os registros foram queimados por Francisco Brennand, por medo de perseguição pelo governo militar, vigente no
período. Apesar deste fato o general Castelo Branco era um grande admirador de seu trabalho, chegando até a visita-lo em anos
anteriores, no período em que ainda era coronel. E atuava no Comando Militar do Nordeste do Exército brasileiro, situado no
Recife. BRENNAND (2016)
II Encontro
Ensinar História 79
Em 1975, o artista deu o maior passo de sua carreira: vendeu suas ações na empresa de sua família
e comprou a Companhia Agrícola Industrial São João, as ruínas da fábrica que pertenciam ao seu pai. A
partir desse momento o que era, inicialmente, um simples acordo entre pai e filho, tornou-se um dos mais
importantes acontecimentos da vida do artista: o nascimento de seu empreendimento, a Oficina de Cerâmica
Francisco Brennand Ltda.
A aquisição da propriedade é o marco para o início do projeto denominado, segundo o próprio
artista, um “work in progress”, um plano para toda a vida. A proposta se iniciou com o povoamento gradual do
ambiente do ateliê com esculturas, e sobre isso escreveu: “novos bichos. A oficina encheu-se gradativamente
de esculturas zoomórficas de todos os tipos e tamanhos. Acabarei por transformá-la em uma imensa Arca de
Noé” Brennand (2016, p. 286). Conforme aponta Weydson Leal (1991, p. 72), entre os anos de 1975 a 1985,
a oficina gradativamente ganhou novas obras, das mais variadas inspirações. Elas passaram a fazer parte do
local como uma árvore que cria raízes e que, caso seja deslocada do habitat, falece. Fora daquele ambiente,
as peças perdem seu significado. Emanoel Araújo (2004, p. 18) retrata bem essa dificuldade em transplantar
as produções de Brennand: “mostrar a escultura de Brennand em outro espaço que não seja o seu próprio
em Pernambuco será sempre um desafio, diante do complexo diálogo criado entre a escultura e o espaço
em que ela se desenvolve [...]”. Ou seja, elas pertencem a um único local, a Oficina do artista, localizada no
bairro da Várzea, no Recife.
Levando em consideração os estudos de Fernando Monteiro (1981) e Jacob Klintowitz (1995), a oficina
de Brennand é uma grande tela em branco, na qual ele pinta usando suas esculturas e murais. Dispostos à sua
maneira, os monumentos em tudo têm significado, desde a posição à forma. Nesta perspectiva, Klintowitz
(p.10) faz um importante apontamento: “é interessante que Francisco Brennand designe um lugar para cada
escultura e que esse conjunto escultórico, sempre novo e sempre expansível, se nos apresente como templo”
De ateliê a templo, a denominação dada ao local de trabalho do artista se modifica conforme o tempo.
Quando utilizava o forno das ruínas da fábrica, quando a propriedade ainda não o pertencia, o espaço era
definido como ateliê, “local onde trabalham artistas” (BUENO, 2000, p. 97). Mas ao adentrar a proprie-
dade e iniciar seu projeto gradual de povoamento, a área se tornou a Oficina. Com o fim do planejamento,
e com o lugar já habitado pelas esculturas, a edificação assumiu um caráter de um templo religioso, onde o
Deus criador era Francisco Brennand, segundo os estudos de Olívio Tavares, Jacob Klintowitz e Emanoel
Araújo. E foi assim, assumindo suas diversas identidade (ateliê, oficina, templo), que se formou a Oficina
de Cerâmica Francisco Brennand.
Logo no início do presente estudo sobre o artista pernambucano, surgiu a questão sobre como seria
o contato com a fonte. Como bem colocou Jacob Klintowitz (1995), as peças de Brennand são indissociáveis
de sua Oficina de Cerâmica, indicando, pois, a relevância da análise de um conjunto: obra e ateliê. Inserido
em meio à vegetação da Mata Atlântica, o local de produção do artista gera sobre o visitante uma serie de
reações, tais como inquietação, encantamento, horror. Adentrar a oficina, percorrer o caminho cercado pela
floresta, é como inserir-se em um novo mundo, ou como aludiu Alessandra Paiva (2007, p.19), “a agradável
sensação de sair do tumulto da cidade e seguir este caminho, mais silencioso e rodeado por espécies nativas
da Mata Atlântica, torna-se uma breve preparação para a nova experiência que lhe aguarda”, experiência
essa que reflete o sentimento não só dessa autora, mas nosso também, quando tivemos contato com esse
universo artístico.
Alessandra Paiva (2007) observou que a opção por construir a oficina em uma área afastada da cidade
e envolta pela floresta, demostra elementos primordiais do pensamento mítico. A manifestação da relação
entre a natureza e o mito observa-se logo a partir do logotipo da oficina, a marca da divindade iorubá Oxóssi.
Denominado como “caçador de uma flecha só”, seu símbolo são um arco com a flecha na posição vertical,
indicando assim o sentido da vida, do crescimento.

II Encontro
80 Ensinar História
Figura 1. O símbolo de Oxóssi interpretado por Brennand.

Fonte: Acervo instituto Oficina Cerâmica Francisco Brennand, 2019.

Na mitologia africana, Oxotocanxoxô era filho de Iemanjá, irmão de Ogum e Exu, e se tornou Oxóssi
no momento da caça, encantado por Ossanha. Sem nunca mais poderia deixar a mata, desse momento em
diante se estabeleceu como o orixá da caça e das florestas. Paiva (2009). Como explicou Reginaldo Prandi
(2001, p.116), “Oxóssi se deparou com uma ave e percebeu que só lhe restava uma única flecha. Mirou com
precisão e a atingiu. Quando voltou para a aldeia, Orunmilá estava encantado e agradecido com o feito do
filho. Ofereceu-lhe a cidade de Queto para governar até sua morte, fazendo dele o orixá da caça e das florestas”.
De acordo com Brennand (2005), ele poderia ter escolhido qualquer orixá, mas o seu olhar não conseguia
se afastar da flecha.

Deus da caça e protetor dos animais, o que pode parecer uma contradição, mas ele é protetor
à medida que afugenta os homens que invadem o reino da floresta pelo simples poder de
matar. Oxóssi é um predador, apenas para sobreviver, como todos os animais [...] é um deus
inquieto, à procura simultaneamente em várias florestas do mundo de uma caça que sabe de
antemão que jamais encontrará. Chega-me a vez de perguntar: essa caça não é o anseio deses-
perado do ser humano em busca da verdade, da beleza e até do Absoluto? (BRENNAND,
F. 2005, p. 41)

O motivo da escolha por Oxóssi fica bem claro nessa fala: senhor da natureza e das matas, ele seria
um protetor da oficina de Francisco Brennand. Essa ligação é a ideal para a oficina do artista, circundada pela
floresta nativa. Ou como colocou Alessandra Paiva, quando imerso na mata, Francisco Brennand se torna o
próprio Oxóssi.
Nas palavras de Camila da Costa Lima (2009, p. 119), “ao entrar na Oficina Brennand, sente-se que há
algo de especial naquele lugar. O que se encontra não é uma mera exposição de obras de arte, é muito mais que
isso. Há uma reunião de crenças e significados que se intensificam ainda mais quando combinados à história e
riqueza do local, o que colabora com a ideia de um lugar especial”. Baseados nessa visão de mundo, desenvol-
vemos esse estudo, buscando “escavar”, na perspectiva de Michel Foucault, buscar a presença dos elementos da
Antiguidade nas obras do artista Pernambuco.

II Encontro
Ensinar História 81
2. A egiptomania
Figura 2: Interior do templo do ovo primordial

Fonte: Acervo pessoal, 2020.

Diversas mitologias principiam com a ideia de um ovo primordial (STEIN, 2017, p. 46), que con-
tinha tudo dentro de si até se partir. Esse ovo original é um dos elementos mais característicos da Oficina de
Brennand, e uma das primeiras interfaces com a egiptomania. Como descreveu Alessandra Paiva (2007, p. 21),
“Em meio à Praça, onde há um pequeno templo, construção arquitetônica com arcadas, onde em seu interior
está o ovo primordial, pendente do teto abobadado, composto por vitrais azuis, através dos quais atravessa a
luminosidade natural”.
Notavelmente, a presença desse ovo primordial, na mitologia egípcia, está vinculada a uma divindade:
Khnum (Quenúbis), figura central da teogonia tebana, que numa roda de oleiro molda uma porção de argila
em uma forma oval, e dali criou toda a humanidade:

(...) orientou o sangue a fluir sobre os ossos e ligou a pele ao corpo. Ele instalou um sistema
respiratório no corpo, vértebras para suportá-lo e um aparelho digestivo (...) as moldagens
feitas por Khnum na roda é um processo contínuo e não restrito apenas aos egípcios, mas
também àqueles que falam línguas estrangeiras. Ele é assim um criador universal que formou
deuses e pessoas, animais, pássaros, peixes e répteis. (HART, 1992, p. 26).

Um dos mais relevantes elementos da temática “os personagens históricos e mitológicos” da obra bren-
nandiana é a esfinge, cuja associação com a arte egípcia é bem conhecida.
Margaret Bakos (2004) levanta uma questão: o que faz uma civilização tão antiga como a egípcia conti-
nuar influenciando aspectos da vida contemporânea? É possível levar essa pergunta às produções de Francisco
Brennand, cujas obras evidenciam símbolos expressivos da antiguidade faraônica, que podem ser observados

II Encontro
82 Ensinar História
nas esfinges, localizadas na Oficina de Cerâmica Francisco Brennand, mas também em dois obeliscos, existentes
na própria oficina e num logradouro público do Recife.
Há dois tipos de esfinges, a saber: as gregas e as egípcias. As primeiras têm torsos femininos em corpos
de leão com asas. São oriundas do Oriente Médio, onde há exemplos hititas, fenícios e assírios, e sua represen-
tação mais antiga num contexto helênico vem da cidade de Micenas. Já entre os egípcios, o torso era felino
enquanto a cabeça poderia ser humana ou de animais como o carneiro (como era o caso do deus Khnum).
Segundo Margaret Bakos:

Esculpida em monólitos de vários tamanhos, eram consagrados a Amon ou Rá, guardiões


dos templos e dos túmulos, simbolizando poder, sabedoria e eternidade. Na construção an-
tropozoomorfica, representa a união entre a realeza e a invencibilidade do leão e a persona-
lidade humana, evidenciada na expressão serena, mas austera, do rosto da esfinge. (BAKOS,
M. 2004, p. 49)

No Egito, as esfinges desempenhavam funções protetivas. Na cidade egípcia de Tebas, elas ladeavam
a avenida que ligava os templos de Luxor e Karnak.
Em 5 de março de 1982, Brennand escreveu em seu diário (2016, p.89): “Ainda com os olhos ver-
melhos lacrimejando em abundância, retorno o trabalho de modelagem na IV Esfinge, num conjunto de
doze esculturas um pouco semelhante a freiras medievais e muito a certas esculturas egípcias”. Doze dessas
estátuas ladeiam a entrada principal da Oficina de Francisco Brennand, e como no Egito, escoltam e prote-
gem os visitantes.

Figura 3: Avenida das esfinges/ Visão frontal de uma esfinge

Fonte: Acervo pessoal, 2020.

As esculturas de Francisco Brennand apresentam divisões em volumes, mais especificamente três:


inferior, intermediária e superior. Observando as esfinges, a elas apresentam uma sequência justaposta desses
elementos: o inferior tem como função sustentar a escultura; o intermediaria faz ligação até a superior, este o
componente que recebe maior elaboração de detalhes, onde encontramos a assinatura do artista e a data de
produção da escultura. A esfinge de Brennand possui suas próprias peculiaridades, pouco se assemelhando às
originais egípcias. Talvez o elemento comum mais saliente seja a semelhança função protetiva, que o artista
pernambucano conservou em suas obras e em sua avenida.

II Encontro
Ensinar História 83
Figura 4: Esfinges egípcias/ Esfinges de Francisco Brennand

Fonte: Hart, 2000/ Acervo pessoal, 2020.

Fisicamente, as esfinges brennandianas apresentam poucos aspectos comuns com as egípcias, parecen-
do-se mais com “freiras medievais”, segundo suas próprias palavras. Na proposta egípcia, a esfinge era um ser
híbrido, usualmente o corpo leonino encimado com o rosto humano real portando um Nemés, um toucado
faraônico, representação que simboliza a encarnação do poder divino. Antônio Brancaglion Junior (2004) des-
taca as variadas formas de esfinges encontradas na arte egípcia: com cabeças de falcão ou carneiro, e troncos de
carneiro ou crocodilo. Em seus escritos, Brennand não deixa clara a inspiração/motivação dessas suas esculturas,
assemelhadas às crioesfinges, figuras com cabeças de carneiro cuja função era de proteger as vias de acesso aos
santuários – não por acaso, as esfinges de Brennand encontram-se na entrada oficial da oficina.

Figura 5: Obelisco da estação central do metro/ obelisco da Oficina Francisco Brennand.

Fonte: Acervo pessoal, 2020


II Encontro
84 Ensinar História
O vínculo entre as obras egípcias e as de Brennand demonstra a reutilização do passado, e nessa pers-
pectiva destacamos dois termos, “uso” e “recepção” do passado, acerca dos quais Gleydson Silva, Pedro Funari
e Renata Garrafonni escrevem: “recepção aponta para a verificação da distância entre a gênese e a recriação
posterior; já os usos do passado enfatizam os contextos posteriores” (2020, pg. 44). Diante disso, surge uma
questão: as produções de Francisco Brennand são um caso de uso do passado ou recepção da Antiguidade?
Percebemos sua arte claramente como representação de recepção da Antiguidade -bem como um caso de
egiptomania. Acerca dessa relação e as obras Garrafonni (2018) pontua referente a significação das produções,
que não são totalmente determinadas por sua origem, ela ainda atenta para as obras não como imitações do
clássico, mas sim, uma nova criação. Levando isso para a arte de Brennand, ela é feita ao seu mofo, com a sua
significação, uma versão das obras egípcias.
O outro caso de reinterpretação e reuso de traços culturais do antigo Egito nas obras de Brennand são
os obeliscos que ele projetou, o primeiro situado na Estação Central do Metrô, em Recife, e o outro na entrada
da Oficina.
Em 20 de julho de 1984, as autoridades do governo do Estado encomendam uma escultura em forma
de obelisco a Francisco Brennand, que em seu diário (2016, p.142) revelou surpresa e apreensão diante de tal
pedido: “fico sem saber como desenvolver algumas ideias, sobretudo com esse modelo que foi magistralmente
explorado e executado pelos artistas egípcios. Suponho, inclusive ser pretensioso imaginar um obelisco depois
deles”. Essa fala deixa evidente o seu respeito pela antiga arte egípcia, e deixa um questionamento: em que pese
ser uma obra feita a pedido, como se deu a influência egípcia na execução dessa sua criação?
Na visão de mundo egípcia, o obelisco representa os primeiros raios solares que descem à terra, conec-
tando o humano ao celeste. Margaret Bakos (2004, p.51) o define como “um pilar alto de pedra, geralmente
monólito, esculpido em forma de pirâmide no ápice. Símbolo do culto ao deus-sol, Rá, representa a ligação entre
céu e terra, identificando-se com a arvore da vida, o paraíso perfeito dos primórdios da civilização. Indica, como
as outras colunas, limites e passagens de um mundo a outro”. Difundidos por sua função sagrada, eram geral-
mente colocados aos pares na entrada de templos, dos quais os mais conhecidos são os de Heliópolis e Karnak.
Com o decorrer do tempo, os obeliscos se popularizam e foram introduzidos em outras culturas fora do
Egito, como os canaanitas, assírios, romanos e gregos, destacando-se nesse particular a figura do rei Assurbanípal
da Assíria, por ser o primeiro a transportar um desses monumentos para fora do território original. Entre 13
e 10 AEC o imperador Otávio Augusto trouxe dois obeliscos e os erigiu em Roma com o intuito de reafirmar
seu poder. Foram os primeiros de muitos levados para a capital do império.
Voltando-se para o contexto nacional, Margaret Bakos observa que:

No Brasil, eles são as referências arquitetônicas egípcias mais presentes entre nós, ainda
que não haja nenhuma informação sobre a existência de obeliscos egípcios autênticos no
país: Todos os monólitos aqui existentes são copias ou recriações de seus modelos originais.
(BAKOS, 2004, p. 74)

Fincados em centros urbanos, esses monólitos brasileiros são encontrados isoladamente, diferentemente
daqueles do antigo Egito, colocados em pares. O estudo de Margaret Bakos expôs quatro motivos pelos quais
os obeliscos foram levantados no Brasil. O primeiro deles, como homenagens a personalidades e figuras impor-
tantes, vindo em seguida os marcos de fronteira ou entrada de cidades, a celebração de efemérides e a exaltação
a colônias de imigrantes. Nenhum deles é originário do Egito, são todos cópias ou recriações inspiradas no
design original. Neste sentido, aquele produzido por Francisco Brennand é uma reelaboração do egípcio, pois
confere-lhe nova significação. Citando mais uma vez Garaffoni (2018), é interessante pensar que tais recriações
não anulam nem imitam as sociedades antigas, mas sim produzem novas versões.
Francisco Brennand realizou duas dessas releituras, localizadas em locais distintos e com diferentes moti-
vações. Uma delas está situada em sua Oficina, celebra a Restauração Pernambucana, o término da Dominação
Holandesa no Nordeste (1630-1654), e é fiel ao design egípcio original, inclusive por sua ponta piramidal.
II Encontro
Ensinar História 85
O primeiro, e mais importante, obelisco está localizado na Estação Central do Metrô, Bairro de São
José, cidade do Recife, e tem 12 metros de altura e 1,15 de largura. O artista pernambucano optou por não se
ater ao design convencional, criando um monumento em formato quadrangular e com duas extremidades, algo
que segundo o próprio artista, atribui à obra um caráter moderno.
Em 1 de fevereiro de 1985, Brennand (2016, p. 161) escreveu: “depois de meses de trabalho chego
ao fim do obelisco, cuja estrutura vertical é de 12 metros de altura[...] Todo monumento esfriou com súbitas
transformações”. Como já vimos, ele consegue dar cor às suas obras através das sucessivas queimas, proporcio-
nando-as tons singulares. Na produção do obelisco, ele enfrentou a difícil tarefa de atingir a vermelho açafrão
sobre esta. Com prazo para entrega se esgotando, além da pressão dos de arquitetos e engenheiros da rede
ferroviária, Brennand finalizou a obra, mas com sentimento de que poderia ter trabalhado ainda mais nela, ou
como escreveu em seu diário: “o obelisco estará pronto e repleto de suas inscrições, embora confesse que, se por
acaso me permitissem, ainda trabalharia por mais quatro anos nas suas quatro faces. Mas, como já assegurei,
será entregue no prazo acertado” (BRENNAND, 2016, p.164).
As ‘inscrições’ citadas pelo artista tratam-se de grafismos presentes em seu monólito, que fazem as vezes
dos hieróglifos presentes nos monumentos egípcios. No centro da inscrição tem-se um tríscele (triskélion), uma
espiral tríplice com simetria rotacional que, não raro, apresenta a forma de três pernas humanas, um motivo
bastante comum na Antiguidade. Os demais signos apresentam aspectos tipicamente ameríndios e africanos,
mas que, segundo Margaret Bakos (2004), vistos de longe recordam os hieróglifos presentes nos antigos monu-
mentos egípcios.
Uma vez fincado entre as duas estações do metrô, o obelisco passou pelos últimos preparativos antes da
inauguração. Se o objeto em si é quadrangular, a imagem formada pelas cerâmicas brinca com a forma clássica dos
obeliscos e possui duas extremidades, uma apontando para o céu e a outra para a terra. Em seu diário, Brennand
(2016, p.171), comentou: “novamente diante do obelisco que é ‘por sua forma, símbolo do raio solar. Por sua
matéria que se integra no simbolismo geral da pedra. Acha-se relacionado com os mitos de ascensão solar e da
luz, como espírito penetrante, por causa de sua posição ereta e da ponta piramidal que arremata”.
Em 11 de março de 1985, o obelisco foi inaugurado. Se em seu diário Brennand não fez menção ao
evento em si, no dia seguinte à solenidade ele escreveu:

Ontem inauguraram solenemente as instalações do Metrô do Recife (Metrorec), contando


com a presença do Presidente da República e outras autoridades. Como não compareço a
cerimônias nem a espetáculos públicos, de longe aguardei alguma alusão aos trabalhos dos
diferentes artistas pernambucanos que colaboraram para o ‘embelezamento’ do local, entre
eles o pintor e escultor José Cláudio da Silva. Nenhuma referência falada ou escrita foi feita,
nem ontem, nem hoje e, acredito que não será feita jamais. (BRENNAND, 2016, p. 173)

Esse não-reconhecimento perdura até hoje. O visitante atento percebe a inexistência de quaisquer
referências ao trabalho do artista, a ausência de sua assinatura e da data de produção. O “embelezamento da
praça” era uma colocação recorrente do artista, a principal função a que deveria servir o obelisco. Não obstante.
Ela se encontra depredada e sem cuidado, com vegetação encobrindo boa parte da obra e parte do revestimento
cerâmico original já ausente. É este o lamentável cenário que rodeia a recriação egípcia do artista pernambucano.
Conforme ele mesmo apontou, o Recife foi uma grande tela em branco, que ele preencheu com suas obras.
Suas produções são um importante patrimônio da cidade, que deveriam ser cuidadas e preservadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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86 Ensinar História
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FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 3. Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015.
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GARRAFFONI, Renata S. Os Antigos Gregos no acervo do Museu Paranaense: recepção dos clássicos,
poesia simbolista e política. Curitiba: Samp, 2018.
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LIMA, Camila da Costa. Francisco Brennand: aspectos na construção de uma obra em escultura cerâmica.
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.
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OLIVIO, Tavares. Esculturas – 1974/ 1998. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 1998.
PAIVA, Alessandra Melo Simões. Horror e encantamento na arte de Francisco Brennand: A dimensão
mítica e ritualística e a visão trágica na obra do artista. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.
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STEIN, Rebecca L.; STEIN, Philip L. The anthropology of religion, magic, and witchcraft. Abingdon,
Oxon; Nova York, NY :Routledge, 2017.

II Encontro
Ensinar História 87
EDUCAÇÃO E MILITARISMO: UM BREVE ESTUDO SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO
COLÉGIO DA POLÍCIA MILITAR DA PARAÍBA
FRANÇA, Maria do Socorro Félix Pereira de1

Resumo: O presente trabalho é um dos desdobramentos da pesquisa acadêmica - vinculada ao programa


de mestrado profissional em Ensino de História (ProfHistoria), que tem sido realizada durante o biênio de
2022/2023 no Colégio da Polícia Militar da Paraíba - Estudante Rebeca Cristina Alves Simões, situado no
município de João Pessoa – PB, e tem como objetivo principal apresentar a história da implantação do modelo
dos Colégios da Polícia Militar no território paraibano. Neste sentido, é válido ressaltar que tais instituições
de ensino passam a ser criadas em vários estados brasileiros (exceto Rio Grande do Norte, Pará, Mato Grosso
do Sul, Sergipe, Espírito Santo e São Paulo), através de parcerias firmadas entre as Secretarias Estaduais de
Educação e Secretarias de Segurança Pública, com parte dos corpos docentes e sistemas administrativos sob a
responsabilidade das Polícias Militares ou Corpos de Bombeiros. A escola analisada foi implantada na Paraíba
no ano de 1994, quase quinze anos após a publicação do primeiro decreto que versa sobre seu funcionamento,
e, até a implantação do projeto das escolas cívico-militares, permaneceu sendo a única escola paraibana com
regimento interno dotado de tais características. Nas páginas que seguem, nos debruçaremos no documento
nacional que regula o funcionamento das instituições militares espalhadas pelo Brasil e nos decretos estaduais
que versam a respeito da existência de instituições desta natureza no território paraibano.
Palavras chave: Educação. Sistemas de Ensino. Colégios Militares

1. Introdução:
Desde a década de 1990, o Colégio da Polícia Militar é uma realidade na educação paraibana. Vinculado
à Secretaria Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (SEECT-PB), o CPM – Estudante Rebeca
Cristina Alves Simões se difere das demais instituições estaduais de ensino, seja pelo fardamento e postura
ostentados pelos seus estudantes - durante os eventos que reúnem os alunos das escolas públicas, ou pelos
resultados obtidos durante os exames de aferição do processo de ensino-aprendizagem, a exemplo do Índice
de Desenvolvimento da Educação da Paraíba (IDEPB), aplicado nas escolas vinculadas ao Governo do Estado
da Paraíba.2
Todavia, as diferenças não se restringem ao comportamento e notas apresentados pelos seus alunos.
Elas se expressam no cotidiano escolar, através do currículo adotado, que além de contar com as disciplinas
ofertadas nas demais escolas, possui matérias específicas, como Ordem Unida – que auxilia os estudantes a se
comportarem em ambientes militares, ou nos famosos desfiles de Independência - e Xadrez, atrelado à disciplina
de Matemática. Também há oferta de Modalidades Esportivas (como handebol, atletismo, taekwondo etc.), em
horário oposto ao das aulas regulares e uma coordenação, cujos membros são policiais e que tem por objetivo
manter a disciplina dos estudantes em ambiente escolar, o Comando do Corpo de Alunos (do qual falaremos
adiante).
Tais dissimilitudes provém do fato do colégio também estar ligado à Secretaria Estadual de Segurança
Pública, sob a responsabilidade administrativa e pedagógica da Polícia Militar da Paraíba. Embora saibamos da
forte influência das instituições militares nos rumos das decisões políticas ao longo da história do Brasil, preci-
samos discutir e buscar compreender como o militarismo chegou e se arraigou ao sistema educacional no país.

1 Professora da Secretaria Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (SEECT-PB)


2 O índice de Desenvolvimento da Educação na Paraíba – IDEPB, foi implementado no ano de 2012, em parceria com o
Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd/UFJF) com aplicação de avaliações das disciplinas de Língua Portuguesa
e Matemática nas escolas estaduais. Através dos resultados obtidos nas avaliações, aliados à frequência dos estudantes envolvidos,
busca-se aferir a qualidade do ensino ofertado pela rede estadual paraibana. Disponível em: https://avaliacaoparaiba.caedufjf.net/
avaliacao-educacional-2/o-avaliando-idepb/ e https://paraiba.pb.gov.br/noticias/indice-de-desenvolvimento-da-educacao-da-parai-
ba-aponta-crescimento-em-todas-as-etapas-de-escolaridade. Acesso em: 21/08/2023.
II Encontro
88 Ensinar História
Para realização desta pesquisa, foram utilizados alguns documentos oficiais, um deles, nacional - a Lei
Nº 3.809/1939, que regulamentou o funcionamento das escolas militares em solo brasileiro, e alguns estaduais,
voltados para implantação e regulamentação das escolas militares na Paraíba - Leis Nº 4.103/1979, Nº 5.269/1990
e Nº16.094/1994, respectivamente, além de alguns trabalhos acadêmicos voltados às escolas militares, a exemplo
da A cultura escolar no Colégio da Polícia Militar Alfredo Vianna – Juazeiro – BA, de Amilton Gonçalves dos
Santos. Nas páginas que seguem, nos dedicaremos a analisar tais processos.

2. A oficialização dos Colégios Militares no Brasil


Através de um golpe de Estado, Getúlio Dornelles Vargas ascendeu ao cargo de presidente da república.
Ao longo do tempo em que esteve no poder – período que compreende aos anos de 1930-1945 - foi responsável
pela criação de inúmeras instituições, a exemplo do Ministério da Educação e Saúde Pública (1930), cujos objeti-
vos era o desenvolvimento de “atividades pertinentes a vários ministérios, como saúde, esporte, educação e meio
ambiente” (BRASIL. Ministério da Educação).3 e do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN) (1937), “com a finalidade de promover, em todo o País e de modo permanente, o tombamento, a
conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional” (Rezende et
al, 2015. P. 01).
Durante a ditadura varguista, conhecida como Estado Novo (1937-1945), o governo buscou regula-
mentar o funcionamento de algumas instituições que remontavam o Período Imperial, mas que não possuíam
nenhuma legislação oficial: os Colégios Militares4, num claro alinhamento com o contexto político nacional.
No livro, A História da Educação Brasileira, temos:

“aliados à rigidez, estavam presentes dispositivos para mantê-lo [Ensino Secundário] alinha-
do com a ideologia autoritária do regime. A lei aconselhava a não adoção da coeducação dos
sexos, além de instituir a educação militar para os meninos, com diretrizes fixadas pelo Minis-
tério de Guerra.” (Ghiraldelli, 2015, p. 110, grifos nossos)

A simpatia do regime brasileiro com os regimes fascistas, motivou a oficialização das escolas adminis-
tradas pelos militares. Através da Lei Nº 3.809/1939, publicada no Diário Oficial da União, foi aprovado o
Regulamento do Colégio Militar, para atender (preferencialmente) aos órfãos e filhos de militares, preparan-
do-os, em regime de internato, durante um período de cinco anos, para seguir carreira nas Forças Armadas. É
válido ressaltar que, para se matricular e se manter nestes espaços geridos pelo Exército, era necessário o paga-
mento de mensalidades, bem como o custeio do enxoval necessário para permanecer nestas instituições. Havia
a possibilidade do oferecimento de bolsas de estudo, desde que os pagantes assim o quisessem – contribuindo
mensalmente com donativos.

3 Informações disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/conaes-comissao-nacional-de-avaliacao-da-educacao-superior/97-co-


nhecaomec-1447013193/omec-1749236901/2-historia. Acesso em: 07/10/2023.
4 A primeira escola militar implantada no Brasil é datada do ano de 1889, batizada de Imperial Colégio Militar da Corte
(atual Colégio Militar do Rio de Janeiro). A partir dos resultados apresentados pela instituição, foram criadas unidades nos estados do
Rio Grande do Sul, Minas Gerais (1912) e Ceará (1919). Mais informações, consultar o site: http://www.cmb.eb.mil.br/index.php/
historico#:~:text=TEXTO%20HIST%C3%93RICO&text=O%20primeiro%20Col%C3%A9gio%20Militar%20nasceu,Militar%20
do%20Rio%20de%20Janeiro e o texto de Amilton Gonçalves dos Santos, A cultura escolar no Colégio da Polícia Militar Alfredo
Viana, presentes nas referências bibliográficas.
II Encontro
Ensinar História 89
No tocante à Grade Curricular proposta, eram oferecidas as matérias comuns aos estudantes de nível
secundário5, e disciplinas voltadas ao preparo para vida militar, dispostas em dois cursos simultâneos, Curso
Teórico e Curso Prático. Conforme documento publicado6:

“Art. 2: O curso no Colégio Militar compreende dois cursos ministrados simultaneamente:


a) Curso Teórico – que abrange todas as disciplinas do curso secundário fundamental, encarados
sob aspectos teórico, teórico-prático, e, minimamente prático para línguas vivas estrangeiras;
b) Curso Prático – Que abrange Instrução Militar e Educação Física.” (Diário Oficial da
União - DOU, 17/03/1939, Art.2)

Como mencionado acima, as disciplinas presentes no Curso Teórico correspondiam às mesmas discipli-
nas ministradas no Curso Secundário7 de outras instituições de ensino, durante o período. Nas disciplinas do
Curso Prático os estudantes deveriam receber instruções essencialmente práticas, apresentadas em dois grupos:
Instrução Militar, que se desdobraria em Instrução Pré-Militar (movimento da escola do soldado desarmado);
Esgrima; Infantaria e Tiro; e Educação Física (Diário Oficial da União - DOU, 17/03/1939, Artigos Nº 3-9).
O comando técnico-administrativo destas escolas era de inteira responsabilidade da Inspetoria Geral
do Ensino do Exército (DOU, 1939, Art.142), subordinada ao Ministério da Guerra. Os militares nomeados
pela inspetoria ocupavam os cargos de “comandante (equivalente ao cargo de diretor escolar), sub-diretor, fiscal
de pessoal, fiscal administrativo, ajudante e secretário” (Diário Oficial da União - DOU, 17/03/1939, Art.143),
sendo requisito para compor o quadro administrativo pertencer ao grupo de militares oficiais8, isto é, com
patente mínima de tenente.
Os professores eram classificados em três categorias: catedráticos, adjuntos dos catedráticos e contratados.
Os dois primeiros eram nomeados por concurso de provas e títulos (Diário Oficial da União - DOU, 17/03/1939,
Artigos 203-216), enquanto os prestadores de serviço, deveriam apresentar comprovação de competência e
idoneidade moral. Seguindo o curso contrário ao das demais esferas destas escolas (corpo discente e técnico
administrativo), os membros do corpo docente poderiam civis ou militares. Os membros das Forças Armadas
ocupariam o cargo, desde que ocupassem o posto de capitão e tivessem dez anos de serviço prestado às cor-
porações militares. Havia, ainda, os instrutores das disciplinas militares, vagas ocupadas apenas por militares.
Independente da procedência do quadro pedagógico – militares ou civis, o regimento determinava qual
deveria ser a postura adotada em ambiente escolar, num capítulo voltado à Liberdade de Cátedra:

“Por liberdade de cátedra entende-se o direito que tem qualquer membro do magistério de expor
e criticar as teorias referentes à sua matéria e de sustentar os pontos de vista pessoais, porém em

5 O sistema educacional proposto através da Reforma Francisco Campos, organizou o Ensino Básico em dois cursos: Fun-
damental e Complementar, totalizando sete anos. Após o término do ciclo, os estudantes eram submetidos ao Exame Admissional,
pago pelos pais ou responsáveis. Caso fossem aprovados, poderiam prosseguir com os estudos, pagando a matrícula nas escolas de
nível Secundário. Esta fase escolar não se destinava à toda a população, apenas “aos homens que deverão assumir as responsabilidades
maiores dentro da sociedade e da nação” (Ghiraldelli, 2015, p. 109). Aos “membros comuns” do país, apresentava-se a alternativa dos
cursos tecnicistas, preparando a mão de obra para o trabalho nas indústrias ou comércio. Para maiores informações sobre o assunto,
consultar os textos O Ensino Secundário na Era Vargas, de Rocha, Severino e Rodriguez e História da Educação Brasileira, de Paulo
Ghiraldelli Júnior, ambos presentes nas referências bibliográficas.
6 Diário Oficial da União, publicado no dia 17/03/1939. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/402267/publi-
cacao/15764435 . Acesso em: 09/10/2023.
7 As disciplinas selecionadas para compor os currículos escolares secundários são: Português, Histórias da Civilização e
Natural, Matemática, Francês, Desenho, Música, Ciências Físicas e Naturais, Inglês, Física, Química, Latim e Alemão.
8 Neste sentido, é interessante tecer uma diferenciação entre os membros das forças armadas em dois grupos distintos, os
praças, militares de baixa patente, portadores do curso técnico ofertado durante os primeiros anos de formação e os oficiais, que
ingressam nas instituições militares portanto diplomas de curso superior. Disponível em: https://www.asstbm.org.br/2011/01/05/
pracas-e-oficiais-pm-qual-a-diferenca/#:~:text=Nesta%20estrutura%2C%20existem%20duas%20formas,capit%C3%A3es%2C%20
majores%20e%20coron%C3%A9is). Data de acesso: 26/04/2023.
II Encontro
90 Ensinar História
presença do Conselho de Professores, atendendo tratar-se de um curso propedêutico e não convir sejam
defendidos perante os alunos, criando confusão no espírito dos mesmos. Assim, adotada pelo Conselho
a orientação a seguir, ficam os professores obrigados a ministrar o ensino dentro dessas normas, embora
contrariando opiniões pessoais.” (Diário Oficial da União - DOU, 1939, Art. 18. Grifos nossos).

De acordo com o trecho, aos professores era dado o direito de expressar o que pensavam a respeito das
disciplinas pelas quais eram responsáveis, desde que diante do Conselho de Professores, para não causar nos
estudantes qualquer espírito de confusão. O que era ministrado em sala de aula sobrepunha-se às críticas que
porventura existissem. Embora não esteja expresso diretamente na citação, mesmo se enquadrando em um
nível de ensino destinado aos líderes da nação (como citado anteriormente), os alunos assumiam uma posição
passiva processo de aprendizagem, meros depositórios de informações. Não lhes era dado o direito de criticar,
para não causar conflitos com os interesses das instituições e dos órgãos que elas representavam.
A ausência de criticidade do alunado aliava-se com o fato de que os alunos precisavam aprender sobre
submissão, hierarquia, disciplina e padronização: os membros das corporações militares deveriam formar uma
unidade, e, portanto, pensar e se comportar de maneira semelhante. Todavia, a oferta de disciplinas de caráter
prático, a vivência com membros militares nos cargos de direção, organização escolar e até mesmo como docen-
tes das disciplinas básicas não eram vistas como suficientes para imbuir os estudantes da dinâmica disciplinar
vivida pelas Forças Armadas.
Tais princípios tornavam-se palpáveis com a criação de uma coordenação voltada para este fim, a
Companhia de Alunos. Conforme escrito no Art. 242 da Lei Nº 3.809/1939, “o Comandante de Companhia
é o verdadeiro educador e orientador do aluno. Através de uma assistência contínua, permanente e dedicada,
compete-lhe desenvolver as qualidades morais dos seus comandados. É, o responsável pela parte disciplinar.”
De acordo com o artigo, o coordenador da Companhia era, de fato, o verdadeiro responsável pela
educação dos alunos matriculados nas instituições militares. Acima do aprendizado das matérias presentes no
Curso Teórico e até mesmo, do Curso Prático, estava o desenvolvimento das qualidades morais, necessárias ao
bom desempenho nas unidades das forças armadas, e era na parte disciplinar que se atingiria tal objetivo.
Ainda há, no documento apresentado, uma gama de aspectos passíveis de uma análise mais rigorosa,
porém, neste momento, atenho as discussões aos aspectos citados – Organização Curricular, Companhia de
Alunos, Corpos Administrativo e Docente, pois tais características estão presentes no regimento interno do
primeiro colégio militar da Paraíba, foco do nosso texto.

3. A jornada até a fundação do Colégio da Polícia Militar da Paraíba


É pouco provável que entendamos o processo de expansão das escolas militares no Brasil sem vinculá-lo
aos contextos políticos do país. Houve uma preocupação de regulamentação destes centros de ensino durante
a Era Vargas, associada não apenas com a política varguista de criação de órgãos administrativos, mas que se
deve ao fato de que os últimos anos de sua administração estiveram alinhadas com as ditaduras totalitaristas,
que tinham como uma das características a militarização escolar. Num processo marcado por fechamentos,
inaugurações e reordenamentos, as escolas sob o comando do Exército Brasileiro chegam à década de 1960 -
véspera do Golpe Militar de 1964 - com sete unidades em funcionamento, distribuídas entre os estados do Rio
de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Pernambuco, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul.

II Encontro
Ensinar História 91
Graças a Doutrina de Segurança Nacional9, idealizada e propagada por membros da Escola Superior
de Guerra (ESG), inspirados em ideologias difundidas em escolas militares norte-americanas10, criou-se um
Estado do Exceção no Brasil, que indicou a existência da figura do inimigo interno, contrário aos interesses do
país e favorável às ideologias comunistas soviéticas, denominado de subversivo (FERREIRA, 2012, p. 28). Esse
adversário, conflitante com os interesses desenvolvimentistas da nação, deveria ser combatido e exterminado, o
que culminou na organização e implantação do Regime Militar, que perdurou 21 anos (1964-1985).
Neste movimento de consolidação dos militares como chefes do Executivo Nacional, gozando de
amplos poderes de intervenção nas demais esferas administrativas, foi criada a DEPA – Diretoria de Ensino
Preparatório e Assistencial (Decreto n° 71.823 de 1973), voltada para o planejamento e coordenação das atividades
das escolas militares (SANTOS, 2018, p. 22). Vislumbrando a ampliação das unidades educacionais militares,
foram idealizados os Colégios da Polícia Militar, custeados pelos Governos Estaduais, através das Secretarias de
Educação, mas sob responsabilidade administrativa das Polícias ou Bombeiros Militares, firmando-se, assim,
uma parceria entre duas secretarias: de Educação e Segurança Pública.
Tratando-se de escolas públicas, onde não haveria nenhum pagamento de mensalidade por parte dos
estudantes, temos nestas escolas algumas alterações, se comparadas às instituições geridas pelo Exército, espe-
cialmente no tocante ao funcionamento, que passa para o regime de externato; proposta pedagógica, agora
voltada ao Ensino Básico, e não mais ao processo de preparação para se tornar membros das Forças Armadas; e
público-alvo, que passa a incluir a incluir pessoas do sexo feminino. As disciplinas pertencentes ao Curso Prático
são adaptadas à nova realidade, sendo substituídas por matérias como Xadrez e ampliação da Educação Física,
oferecida através de modalidades esportivas em horário oposto ao das atividades escolares cotidianas (como
citamos anteriormente).
Contudo, não houve apenas transformações. Alguns aspectos das Escolas Militares mantêm-se nos
Colégios da Polícia Militar, a exemplo dos membros do Corpo Docente, composto por professores militares e
civis; Direções Administrativa e Pedagógica nas mãos dos policiais oficiais; Corpo Discente formado majoritaria-
mente por filhos de militares; e existência da Companhia de Alunos, órgão de incursão dos valores disciplinares
das Forças Armadas.
A partir do aparato legal nacional, foram criadas na Paraíba duas legislações voltadas à regulamentação
dos Colégios Militares no estado. A primeira delas foi a Lei nº 4.103/1979, publicada durante o governo de João
Batista de Figueiredo. Nela, foi permitido ao Poder Executivo Estadual a criação de Escolas Militares, ficando
a decisão de implementação nas mãos do governador.
Embora o contexto ditatorial indicasse uma alta probabilidade de consolidação destas instituições em
solo paraibano, o então governador, Tarcísio de Miranda Burity, publicou a lei com um veto parcial. Conforme
o documento:

“O projeto, sob exame, é parcialmente inconstitucional (Art. 5) e inconveniente aos interesses


da Administração, porque se conflita com os princípios que informam nosso Sistema Esta-
dual de Ensino. Sancionado o projeto na íntegra e, executada a lei, a unidade de ensino, uma
vez criada, poderia escapar do controle do setor oficial, ao qual compete a gerência da ação
governamental relativa às atividades educacionais, visto que prescreve o Decreto Legislativo

9 A Doutrina de Segurança Nacional, difundida no Brasil, baseava-se em alguns princípios desenvolvidos na literatura militar:
integridade territorial; integridade nacional; preservação da democracia; a conquista do progresso; a manutenção da paz social; e a
garantia da soberania. De acordo com a Escola Superior de Guerra (ESG), havia uma ameaça a ser combatida, e, por isso, era preciso
a intervenção dos membros das Forças Armadas. Mais detalhes no texto Os Fundamentos da Doutrina de Segurança Nacional e seu
Legado na Constituição do Estado Brasileiro Contemporâneo, de Bruno Bruziguessi Bueno.
10 Conforme Luciano Vaz Ferreira, no texto Os preceitos da Doutrina de Segurança Nacional e sua implementação no Brasil
(2012), destacavam-se as escolas americanas National War College (NWC), o Industrial College of Armed Forces (ICAF) e Army
School of Americas, situado no Panamá. Os registros das instituições apontam a presença de latino-americanos em suas turmas, o que
se tornou determinante para difusão da visão geopolítica defendida pelos Estados Unidos.
II Encontro
92 Ensinar História
que a escola se subordinaria diretamente ao Comando Geral da Polícia Militar.” (Lei Nº
4.103/1979, 17/10/1979. Grifos nossos)11

Conforme parecer assinado pelo representante do Executivo da Paraíba, as atribuições legais do campo
educacional eram de responsabilidade do Sistema Estadual de Ensino. Desta forma, a criação de Colégios
Militares, submetidos diretamente ao Comando Geral da Polícia Militar se caracterizaria como um escape no
controle por parte do setor oficial.
Após a declaração governamental, as discussões sobre educação militar na Paraíba são abandonadas por
um período de onze anos. No ano de 1990 a pauta é retomada, mas com uma proposta maior e mais arrojada
que a anterior. Através da Lei nº 5.269/1990, publicada em 18/04/1990, é criado o Sistema de Ensino da Polícia
Militar da Paraíba, e não apenas o Colégio da Polícia Militar. Por coincidência, o estado vivenciava o segundo
mandato do jurista Tarcísio de Miranda Burity.
Tal extensão da Polícia Militar seria composta por quatro diretorias, “de finanças, de pessoal, de apoio
logístico e de ensino” (Lei nº5.269/1990, p. 02). A Diretoria de Ensino, enfoque desta breve discussão, tinha
como finalidade o “planejamento, a supervisão e avaliação de todas as atividades relacionadas com a capacitação
profissional de policiais militares e civis, de interesse da corporação” (Lei nº5.269/1990, p. 03)12. O funciona-
mento da diretoria educacional seria garantido pela criação de órgãos, cujo objetivo era promover o apoio ao
ensino militar. Dentre os órgãos criados estava o Colégio da Polícia Militar. No documento, ficou definido que
esta instituição de ensino básico e o Centro de Estudos Superiores deveriam ser progressivamente implantados,
mediante disponibilidade de espaço físico e de pessoal que se adequasse ao trabalho a ser desenvolvido.
Embora se trate do mesmo governador no poder, Tarcísio de Miranda Burity, o cenário político vivido
no Brasil era bastante diferente do encontrado durante a publicação da Lei nº 4.103/1979, em que a documen-
tação foi publicada com veto parcial. No ano de 1990 já havia sido elaborada uma nova Constituição para o
país e escolhido o primeiro presidente da república pós ditadura militar. Note-se que a Lei nº 5.269/1990 não
versa sobre uma escola, mas a regulamentação de toda preparação policial na Paraíba. O CPM aparece como
parte deste contexto mais abrangente.
A materialização do espaço físico (uma das condições ao funcionamento da escola) do Colégio da
Polícia Militar da Paraíba estava em curso em meados do ano de 1993. As dependências desta escola foram
construídas no mesmo espaço do Centro de Ensino da Polícia Militar da Paraíba, local destinado à formação
básica e superior dos policiais militares e civis. Desta forma, os trabalhos escolares poderiam ter início no ano
letivo subsequente, 1994.
O documento que regularizou o acordo firmado entre governo do Estado da Paraíba e sua Polícia
Militar, bem como o funcionamento da escola foi o Decreto-Lei Nº 16.094, publicado no dia 07/02/199413.
O primeiro Colégio da Polícia Militar foi chamado Escola Estadual Dr. Fernando Moura Cunha Lima14.

11 Disponível em: https://www.pm.pb.gov.br/arquivos/legislacao/Leis_Ordinarias/1979_AUTORIZA_A_CRIAR_O_CO-


LEGIO_DA_POLICIA_MILITAR.pdf. Acesso em: 21/04/2023
12 Disponível em: https://www.pm.pb.gov.br/arquivos/legislacao/Leis_Ordinarias/1990_CRIA_O_SISTEMA_DE_EN-
SINO_DA_POLICIA_MILITAR_E_ALTERA_DISPOSITIVOS_DA_LEI_3_907.pdf. Acesso em: 21/04/2023
13 Disponível em: https://www.pm.pb.gov.br/arquivos/legislacao/Decretos/1994_REGULAMENTA_A_LEI_4103_E_PA-
RAGRAFO_UNICO_DO_ART_1_DA.pdf. Acesso: 21/04/2023.
14 Fernando Moura Cunha Lima nasceu no município de Guarabira, em 26/07/1934, filho de Demóstenes da Cunha Lima
e Francisca Bandeira da Cunha. Foi um político e empresário paraibano. Conforme relatos, ingressou nos cursos de Engenharia Civil
e Administração de Empresas. Não há notícias de conclusão das graduações. Membro do clã dos Cunha Lima, participou da política
do estado da Paraíba, inicialmente como líder estudantil na cidade de Campina Grande e, em 1963, candidatando-se ao cargo de
prefeito do município de Cabaceiras-PB, sofrendo derrota para Abdias Aires de Queiroz. No ano de 1978, apresentou candidatura
pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) para o cargo de Deputado Federal. Como empresário, destacou-se na presidência
da ITN Trading do Brasil, terceira maior exportadora de soja do país. Meses antes das eleições, foi encontrado morto em um carro
em Grumari – RJ. Conforme relatos, além dos dois tiros no peito, o empresário apresentava sinais de tortura, com queimaduras de
cigarro e estrangulamento com fio de nylon. Conforme investigações avançaram, seu sócio, o empresário José Carlos Succar Farah
II Encontro
Ensinar História 93
Posteriormente, teve seu nome modificado para Colégio da Polícia Militar Estudante Rebeca Cristina Alves
Simões15. Neste documento, encontramos as principais diretrizes de funcionamento da recém-criada escola e
os dispositivos legais que garantem sua existência e funcionamento.
A escola seria destinada à Alfabetização e o Ensino de 1º e 2º Graus, com implantação gradativa do que
atualmente denominamos Ensino Médio. Também foi apresentado, no mesmo texto, o interesse em, futuramente,
ofertar o Ensino Profissionalizante. As vagas ofertadas aos estudantes deveriam ser divididas entre indivíduos
com grau imediato de parentesco com policiais militares – denominados pelo decreto como “público interno”
- e indivíduos provenientes da comunidade civil, o chamado “público externo”, de forma que, 60% do corpo
discente fosse formado por filhos e netos de militares e 40% fosse de membros da sociedade civil. O documento
determinava, ainda, que quando a procura por vagas fosse superior ao número de vagas disponíveis, deveria ser
realizado um processo seletivo. Entretanto, a forma de acesso foi modificada, e o ingresso de estudantes passou
a acontecer mediante sorteio de vagas.
As instalações físicas da escola passam a integrar o conjunto de bens patrimoniais pertencentes à Polícia
Militar do Estado da Paraíba. No que concerne ao corpo administrativo, seria de incumbência da mesma insti-
tuição. O Corpo Docente da instituição seria formado por praças e oficiais da Polícia Militar, legalmente habili-
tados nos cursos de Licenciatura. Embora não aponte como uma obrigatoriedade – sim como um caso de “real
necessidade”, o colégio poderia receber professores civis, igualmente formados, admitidos por concurso público.
No ano de 2015, a Resolução Estadual de Nº 001/2015 reconheceu o funcionamento do Ensino Médio
Integrado ao Ensino Técnico, com a implantação dos Cursos de Informática para Internet e Jogos Digitais. A
inserção de tal modalidade de ensino atendeu, mesmo que tardiamente, aos anseios do Decreto original de fun-
cionamento da escola, que pretendia oferecer cursos de caráter profissionalizante. Ao mesmo tempo, a resolução
demonstrou o indicativo de que o Colégio da Polícia Militar poderia se tornar uma Escola Técnica ou Integral,
acompanhando as reformas nacionais aprovadas para o funcionamento do Ensino Médio.
No ano de 2022, a escola possuía 639 estudantes matriculados - sendo 272 no Ensino Fundamental e
367 no Ensino Médio - funcionando nos turnos Matutino e Vespertino. As turmas de Ensino Fundamental
assistem aulas no turno da tarde, enquanto os discentes do Ensino Médio se revezam para que, em alguns dias
da semana aconteçam aulas em tempo integral. Assim como em outras instituições que funcionam ofertando
cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, os estudantes chegam à escola pela manhã, realizam as refeições
(merenda e almoço) e assistem aula no turno vespertino.
Os estudantes da instituição estão distribuídos em oito turmas de Ensino Fundamental e doze turmas
de Ensino Médio Integrado ao Técnico. Como falado anteriormente, a obtenção de vagas ocorre através de
sorteio, geralmente transmitido pelas Redes Sociais (Facebook e Instagram) e aberto ao público que deseje
acompanhar o processo.
No que concerne à estrutura física, a escola possui em suas dependências três laboratórios de internet,
um laboratório de Ciências da Natureza, uma biblioteca com acervo de livros do Ensino Básico e diversas áreas
do conhecimento, um pequeno auditório, com capacidade para 100 pessoas, uma quadra poliesportiva, uma
foi considerado o autor do crime. Disponível em: http://cgretalhos.blogspot.com/2010/09/memoria-fernando-cunha-lima.html#.
ZD8PjHbMK3A. Acesso em 18/04/2023. Disponível em: https://pt.everybodywiki.com/Fernando_Cunha_Lima. Acesso em:
18//04/2023.
15 No dia 11/07/2011, a estudante do Colégio da Polícia Militar, Rebeca Cristina Alves Simões, saiu de sua casa, no bairro
de Mangabeira, em direção à escola. Entretanto, jamais chegou a seu destino. Durante o percurso, foi interceptada e levada para a
Mata de Jacarapé, onde foi assassinada com um tiro na cabeça. Durante a autópsia, foram encontrados sinais de violência sexual. O
padrasto da moça, o cabo Edivaldo Soares da Silva, foi indiciado e condenado a 31 anos pelo crime. Sabe-se que o acusado contou
com ajuda de um coparticipe (indivíduo que cometeu o crime de estupro), que não foi por ele denunciado. O crime ganhou grande
notoriedade, especialmente no bairro onde a vítima residia. Disponível em: https://www.mppb.mp.br/index.php/47-noticias/
criminal?start=80. Acesso em 23/04/2023. Próximo à casa onde Rebeca morava, estava a Creche Jaciara Felino, frequentada por ela
durante a infância. O prédio foi reformado e, em 2014, foi reinaugurado como a Creche de Ensino Integral Rebeca Cristina Alves
Simões. No ano seguinte, o Colégio da Polícia Militar também recebe seu nome. Disponível em: http://antigo.joaopessoa.pb.gov.
br/prefeito-entrega-crei-em-mangabeira-vii-e-destaca-novo-padrao-em-educacao-infantil/. Acesso em: 23/04/2023.
II Encontro
94 Ensinar História
sala de coordenação pedagógica, uma sala dos professores com banheiros, uma sala de AEE (Atendimento
Educacional Especializado), uma sala para o Corpo de Alunos, uma cantina, refeitório, pátio, doze salas de
aula, almoxarifado, 04 banheiros, sendo dois femininos e dois masculinos, um núcleo administrativo e banheiro
exclusivo para pessoas com deficiência.

4. Conclusão
Os Colégios Militares surgem ainda no Período Imperial, porém, a regulamentação destas instituições
de ensino foi aprovada apenas no ano de 1939, através da Lei Nº 3.809/1939. Ao longo dos anos, a incum-
bência sobre este tipo de escola foi ampliada, sendo firmados acordos entre as Secretarias de Segurança Pública
e as Secretarias de Educação, em seus respectivos estados. Com a assinatura dos convênios, a gestão, assuntos
pedagógicos e a administração dos Colégios Militares passaram a ser compartilhadas entre os órgãos diretivos
da educação e as Polícias Estaduais. O resultado foi a criação de escolas onde houve a inserção de elementos
militares, atrelados ao cotidiano escolar.
O Colégio da Polícia Militar (CPM) Estudante Rebeca Cristina Alves Simões é uma instituição perten-
cente ao Centro de Ensino da Polícia Militar da Paraíba e vinculada à Secretaria do Estado de Educação, Ciência
e Tecnologia da Paraíba (SEECT-PB). Está localizada na zona urbana do município de João Pessoa – PB, em um
terreno que fica nos fundos do Centro de Ensino da Polícia Militar da Paraíba. Embora tenha sido uma inicia-
tiva pioneira no estado da Paraíba, as escolas pertencentes à Polícia Militar são uma realidade em todo o Brasil.

5. Referências
BUENO, Bruno Bruziguessi. Os fundamentos da Doutrina de Segurança Nacional e seu legado na Constituição
do Estado Brasileiro. Revista Sul Americana de Ciência Política. v. 2, n. 1, 2014, p. 47-64;
BRASIL. Decreto nº 3.809, de 13 de março de 1939. Aprova o regulamento do Colégio Militar. Disponível
em: < https://legis.senado.leg.br/norma/402267/publicacao/15764435> . acesso em: 09/10/2023;
FERREIRA, Luciano Vaz. Os preceitos da Doutrina de Segurança Nacional e sua implementação no Brasil.
FARDESGS. v.4, n. 2, ago.-dez. 2012, p. 21-33;
GHIRALDELLI JR, Paulo. História da Educação Brasileira. Cortez Editora, São Paulo-SP, 5º edição, 2015;
PARAÍBA. Decreto nº 4.103/1979, de 17 de outubro de 1979. Autoriza criar o Colégio Militar da
Paraíba e dá outras providências. Disponível em: <https://www.pm.pb.gov.br/arquivos/legislacao/Leis_
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21/04/2023;
PARAÍBA. Decreto nº5.269/1990, 18 de abril de 1990. Cria o Sistema de Ensino da Polícia Militar da
Paraíba. Disponível em: <https://www.pm.pb.gov.br/arquivos/legislacao/Leis_Ordinarias/1990_CRIA_O_
SISTEMA_DE_ENSINO_DA_POLICIA_MILITAR_E_ALTERA_DISPOSITIVOS_DA_LEI_3_907.
pdf> . Acesso em: 21/04/2023;
PARAÍBA. Decreto nº16.094, 07 de fevereiro de 1994. Dispõe sobre o Colégio da Polícia Militar da Paraíba.
Disponível em: <https://www.pm.pb.gov.br/arquivos/legislacao/Decretos/1994_REGULAMENTA_A_
LEI_4103_E_PARAGRAFO_UNICO_DO_ART_1_DA.pdf>. Acesso: 21/04/2023.
REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia. Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN. In: ______. (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio
Cultural. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015. (verbete). ISBN 978-85-7334-279-6;

II Encontro
Ensinar História 95
ROCHA, Paolla Rolon; SEVERINO, Josemary Lescano; RODRÍGUEZ, Margarita Vitória. O Ensino Secundário
na Era Vargas (1930-1945). In: VII Congresso Nacional de Educação (Conedu). 2020. Maceió – AL;
SANTOS, Amilton Gonçalves. A cultura escolar no Colégio da Polícia Militar Alfredo Vianna –
Juazeiro-BA. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas.
PPGESA. Campus III. 2018;

II Encontro
96 Ensinar História
O ENSINO DE HISTÓRIA E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO
DO ALUNO DO ENSINO FUNDAMENTAL
FRANÇA FILHO, Walter Ferreira de1
(SEE-PE)

Resumo: A educação formal é de extrema importância para os indivíduos. O ensino de história, adequado a
visão de cidadão que se busca criar, pode auxiliar nesse processo. Sendo a disciplina de história importante para
desenvolver nos alunos a capacidade reflexiva, senso crítico e opiniões. O ensino de história tem se destacado e,
nos últimos anos, desenvolvido pelos professores e pesquisadores, a partir de uma visão crítica, transformando-a
em uma ferramenta importante dentro das salas de aula. Sendo assim, apontaremos as diversas contribuições
do ensino de história para os alunos do Ensino Fundamental, a partir daquilo que o artigo 32 da LDB objetiva,
a formação cidadã.
Palavras-chave: Ensino de História. Ensino Fundamental. Formação do aluno.

Introdução.
A construção da consciência crítica sólida que o ensino de história pode proporcionar aos alunos do
curso de Ensino Fundamental, é, sem sombra de dúvidas, incontestável, pois contribui para a formação indi-
vidual e coletiva dos indivíduos. O Ensino de história vem ganhando notoriedade no Brasil, durante as duas
últimas décadas entre os séculos XX e XXI. Para além dos autores como Katia Abud (2007), Circe Bittencourt
(2021), Sônia Nikitiuk (2007), Luiz Cerri (2012), Jaime Pinski (2009), Jörn Rüsen (2011), Alexandre Avelar
(2012) etc., vemos, nos últimos anos, principalmente nos cursos de pós-graduação pelo Brasil, uma quantidade
considerável de trabalhos publicados. São artigos, livros e dissertações e teses abordando temas que conectam
o ensino de história com os mais variados temas. O que contribui, sem sombra de dúvidas, para o ensino, cada
vez mais efetivo, formativo e crítico do aluno.
A educação é um direito fundamental de todos e dever do estado e da família conforme o artigo 205 da
Constituição Federal do Brasil (Brasil, 1988). Não há dúvidas que, por ser constitucional, torna-se fundamental
para o futuro dos cidadãos e cidadãs, consequentemente, estratégico para o país. É no Ensino Fundamental
que os alunos possuem os primeiros contatos com as disciplinas escolares, dentre elas a história. A disciplina de
História contribui, sobretudo, para a compreensão de mundo dos alunos, para fazê-los compreender-se dentro
de uma sociedade. As matérias de ciência humanas são importantes para auxiliar na construção do senso crítico.
O Ensino Fundamental é dividido em duas frentes, Anos iniciais e Anos Finais, totalizando 9 anos. (BNCC,
2018) De acordo com a Base Nacional Comum Curricular, o componente curricular da disciplina de História
deve estar presente em todas as fases da educação básica. Podemos interpretar esta ação como um reconhecimento
da história como formadora de valores humanos e coletivos para os cidadãos em formação.
É evidente que, a maneira como a história será ensinada, deverá seguir a complexidade de acordo
com os Anos Iniciais, Anos Finais e Ensino Médio. Nunca é demais lembrar que as questões relacionadas ao
Ensino de História, não podem ser emolduradas em datas comemorativas como dia do Folclore, independên-
cia, Proclamação da República, ou ainda utilizadas como anedotas ou curiosidades por parte dos professores
dentro das salas de aula. É necessário compreender os eventos, bem como os processos que levaram a acontecer,
e o que tem transmitido como valores para a história do país.
As leis são redigidas para organizar, regulamentar e/ou fazer valer os direitos dos cidadãos. Um deles con-
siste em garantir a obrigatoriedade da matrícula para as crianças a partir dos 6 anos de idade nas escolas regulares
de ensino (Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006). A propósito, isso permite maior tempo de escolarização e,

1 Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de história na rede pública estadual e privada de
educação. Graduação em história pela Universidade Católica de Pernambuco e Pedagogia pela Universidade Católica de Brasília. Prof.
walterfranca@gmail.com
II Encontro
Ensinar História 97
consequentemente, obtenção de conhecimentos para formação humana dos alunos. O que vem a ser um ganho
significativo no que diz respeito a educação pública de qualidade.

1. Sobre a ampliação do Ensino Fundamental.

“Olhar para trás após uma longa caminhada pode fazer perder a noção da distância que
percorremos, mas se nos detivermos em nossa imagem, quando a iniciamos e ao término,
certamente nos lembraremos o quanto nos custou chegar até o ponto final, e hoje temos a
impressão de que tudo começou ontem.
Guimarães Rosa

O Ensino Fundamental, atualmente, possui uma duração de nove anos, divido entre Ensino Fundamental
Anos Iniciais (EFAI), com duração de 5 anos (1º ao 5º ano); e Ensino Fundamental Anos finais (EFAF) com
duração de 4 anos (6º ao 9º ano). Não há dúvidas que, os documentos norteadores para a área de educação,
cumprem um papel fundamental para ampliação, manutenção e qualidade da oferta do ensino básico. A saber,
leis como 9.394/1996, Leis de Diretrizes e Bases da Educação, implementada a partir de 20 de dezembro, ‘admite
a matrícula no Ensino Fundamental a partir dos seis anos de idade’, permitindo a ampliação do tempo médio
das crianças dentro da escola.

Lei nº 11. 114, de 16 de maio de 2005 – torna obrigatória a matrícula das crianças de seis anos
de idade no Ensino Fundamental. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 – amplia o Ensino
Fundamental para nove anos de duração, com a matrícula de crianças de seis anos de idade e
estabelece prazo de implantação, pelos sistemas, até 2010. (BRASIL, p. 1, S/D)

O sítio eletrônico do Ministério da Educação (MEC) se apresenta como campo fértil para as pesquisas
em educação. A fartura de documentos que auxiliam a compreensão das leis normativas, portarias e decretos,
produzidos no país sobre a pasta de educação em âmbito federal não se apresenta apenas oportuno, mas necessário.
Neste sítio, pode-se ter acesso a documentos esclarecedores sobre o Ensino fundamental de nove anos. Neste
sítio eletrônico encontrei um documento muito esclarecedor intitulado: “ENSINO FUNDAMENTAL DE
NOVE ANOS: PERGUNTAS MAIS FREQUENTES E RESPOSTAS DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
BÁSICA (SEB/MEC)” 2 tal documento contém 39 perguntas, respondidas pela secretaria de educação básica
(SEB), servindo para compreender o percurso da legislação até o presente. Nossa legislação educacional objetiva
promover e ampliar a educação pautada na valorização profissional e formação de alunos dotados de capacidade
reflexiva, senso crítico e opiniões (BRASIL, 1996). Ao analisar todo percurso, percebemos quais caminhos
foram percorridos, em cada época, e o quanto necessitamos ajustar as legislações para responder e atender as
demandas da sociedade.
Entretanto, se na atualidade vemos um sem-número de leis e regulações que propõe a ampliação e a
qualidade do que é ofertado no ensino fundamental, é necessário rememorar que a caminhada, além de longa
e penosa, foi acompanhada de inúmeros percalços ao longo da nossa história.

1.1 Um “Olhar para trás após uma longa caminhada” da educação no Brasil.
Demerval Saviani (2008) inicia seu texto sobre a política educacional brasileira descrevendo muito bem
como houve uma grande resistência histórica a manutenção da educação pública no Brasil. Desde o período
colonial apresentou momentos de dificuldades e carências no tocante ao financiamento público da educação.

2 Para acessar a íntegra do documento com 39 perguntas e as respostas da secretaria de educação básica: http://portal.mec.
gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ensfund9_perfreq.pdf

II Encontro
98 Ensinar História
Ainda de acordo com Saviani (2008, p. 08) o primeiro documento a ser considerado como uma política educa-
cional no Brasil data de 1548, chamado de ‘Regimentos’ de D. João III. Chegaram com Tome de Souza alguns
jesuítas que se responsabilizariam pela educação na colônia, aliás, voltada para a catequese, chefiados por Manuel
da Nóbrega, a partir de 1549. A redizima, fora o imposto pago pelos colonos a época, e essa pode ser apontada
como o primeiro aporte de recursos públicos do próprio território (Brasil) para a educação, 10% deste imposto
foi destinado a manutenção dos colégios jesuíticos.
Mesmo sendo custeado com recursos públicos, a educação jesuítica envolvia requisitos pedagógicos
e curriculares sob a perspectiva da religião católica. Só com a expulsão dos jesuítas em 1759 das colônias por-
tuguesas, definido por meio do alvará de 28 de junho, é que o marques de Pombal, sob o reinado de D. José I
(1750-1777), implementou reformas na educação. As ‘aulas régias’ contrapunha os conceitos religiosos, baseou-se
nas ideias iluministas para organizar a educação em todo o território imperial, “...institui o privilégio do Estado
em matéria de instrução, surgindo assim, a nossa versão da ‘educação Pública Estatal’” (LUZURIAGA, 1959, p.
23-39 Apud SAVIANI, 2008, p. 09). As aulas Régias eram custeadas por meio do imposto chamado ‘subsídio
literário’, com ele foi possível custear o ensino secundário, o que corresponde ao atual ensino fundamental.
Após a Proclamação da Independência do Brasil em 1822, surge um Império, e com ele algumas demandas
inerentes ao novo estado, dentre elas apresentar uma constituição. De acordo com Sofia Vieira (2007, p. 294) a
constituição de 1824, apresentada por D. Pedro I, apresenta apenas dois parágrafos referentes ao Ensino. Tudo
se resume em apenas um artigo, o nº 179, que rege a ‘inviolabilidade dos direitos civis e políticos’. Desse artigo,
fora dedicado a educação apenas dois parágrafos, o 32, que estabelece ‘A instrução primárias e gratuita a todos
os cidadãos’ e o parágrafo § 33, que trata dos ‘Colégio e universidades, onde serão ensinados os elementos das
ciências, belas letras e artes’. Ou seja, há uma certa despreocupação com relação a educação em nossa primeira
carta magna, ao dispor apenas de um artigo e dois parágrafos.
Em 1827, na lei de 15 de outubro, o Imperador do Brasil, Pedro I, “Manda crear escolas de primeiras
letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Imperio.” Conhecida como leis das escolas das
primeiras letras e, de acordo com a lei, estão dispostos os critérios para se criar as escolas, a disposição dos recur-
sos, dos pagamentos dos professores bem como o que ensinar. É aqui, nesta passagem, onde podemos ver a
primeira menção a disciplina de história, apresentada como componente a ser ensinada, tipificada no artigo 6º

Art. 6º Os Professores ensinarão a ler, escrever as quatro operações de arithmetica, pratica de


quebrados, decimaes e proporções, as nações mais geraes de geometria pratica, a grammatica
da lingua nacional, e os principios de moral christã e da doutrina da religião catholica e apos-
tolica romana, proporcionandos á comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a
Cosntituição do Imperio e a Historia do Brazil.3

Ainda não é neste momento que a História figurará como disciplina independente, porém, é utilizada
como auxiliar na alfabetização, pois é com o auxílio da ‘história do Brazil’, que os professores irão ensinar a
ler e escrever. Para Vieira (2007, p. 294) continuava clara a pequena relevância dada ao tema da educação e a
História a época. O ato de criar escolas permaneceu letra morta, mesmo após a lei ser promulgada, de acordo
com Saviani (2008, p. 09). Em 1834, como o Ato adicional, a educação primária ficou sob a responsabilidade
das províncias, retirando do estado nacional a responsabilidade de preocupar-se com o referido nível de ensino
(SAVIANI, id.). Ainda de acordo com o autor, o período imperial obteve uma média anual de investimento de
1,80 % do orçamento do governo. Para ilustrar esse panorama, em 1882, enquanto a educação recebia 1,99%
do orçamento, as despesas militares contavam com 20,86%, o que contribui, como podemos ver com a sequela
histórica em matéria de educação’ em nosso país (op. cit. P. 10).

3 Ver: Coleção de Leis do Império do Brasil - 1827, Página 71 Vol. 1 pt. I


II Encontro
Ensinar História 99
Em 1837, sob a regência de Araújo, o ministro do Império Bernardo Pereira de Vasconcelos, apresenta uma
proposta para organização do primeiro colégio secundário oficial do Brasil, o colégio Pedro II. De acordo com o
Website da MultiRio, 4 Empresa Municipal de MultiMeios da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

O Colégio de Pedro II, cuja primeira sede se situa na atual Avenida Marechal Floriano, no
centro do Rio de Janeiro, originou-se do Seminário dos Órfãos de São Pedro, criado em
1739, por Frei de Guadalupe, “para criação de meninos nas costas da igreja de São Pedro”.
Recebeu diversos nomes: Seminário de São Joaquim, e Imperial de São Joaquim até receber
a denominação de Colégio de Pedro II.

O colégio Pedro II funcionou a sua época como um ‘laboratório de experiência educacional’ no Brasil,
porque a educação, basicamente, era ofertada por particulares e seu idealizador afirmara que uma educação
pública seria melhor e mais adequada aos interesses da nação. Assim, ficou criado o colégio Pedro II por meio do

decreto de 2 de dezembro de 1837 que dizia:


Art. 1. - O Seminário de São Joaquim é convertido em colégio de instrução secundária.
Art. 2 - Este colégio é denominado Colégio de Pedro II.
Art. 3 - Neste colégio serão ensinadas as línguas latina, grega, francesa, inglesa, retórica e os
princípios elementares de geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, álgebra, geome-
tria e astronomia.” (Website da Multirio)

Neste momento podemos perceber que a história aparece como disciplina a ser ensinada, não mais como
auxiliar na alfabetização. Mesmo havendo a criação de um colégio público, percebemos que a maior parte da
população ficava fora dessa escola. Ainda de acordo com o Website da Multirio “a população brasileira girava
em torno de 8.800.000 habitantes, apenas 1,2% eram de alunos matriculados nas escolas do Império.” Isto é, a
esmagadora maioria da população estava excluída da escola. É evidente que a instituição serviria aos interesses
aristocráticos, “destinada a oferecer ‘a cultura básica necessária às elites dirigentes’, a ‘boa sociedade’ formada
por aqueles que eram brancos, livres e proprietários de escravos e terras.’” (Website da Multirio)
Em 1838, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Extraordinária iniciativa para
criar uma ideia coesa de nação. De acordo com ABUD (2021, p. 30) em 1843 os sócios do IHGB, que também
eram professores no colégio Pedro II, fizeram uma pergunta, ‘como se deve ensinar a história do Brasil?’ Von
Martius, teve a tese vencedora. Afirmara que, em primeiro lugar, devia-se atentar para a formação étnica e a
contribuição de cada etnia para a nação, obviamente enaltecendo os feitos dos heróis da pátria. Desde então a
história nacional aparece sistematicamente elevando figuras selecionadas como heróis nacionais, fincando datas
históricas e influenciando os conteúdos da história ensinada e da memória coletiva do país, inclusive presente
em manuais didáticos atuais.
Com o advento da República (1889), o Brasil precisa responder aos anseios de uma nova dinâmica
social e política. E com ela, um novo projeto para a educação. A constituição de 1891 traz em seu corpo textual
mais dispositivos que a constituição de 1824 (VIEIRA, 2007, p. 295). Um dos fatores importantes é que,
rememorando o Ato Adicional de 1834, a educação volta a ficar a cargo também dos entes federados que,
“determinarão a natureza, o número e a abrangência da educação pública”. (CURY, 2001 apud VIEIRA, op.
cit. loc. cit.) Lamentavelmente, com a República, não houve muita mudança. Os analfabetos eram a grande
maioria da população e as escolas não eram frequentadas pelo povo, entre os anos de 1900 e 1920 os números
de analfabetos só aumentavam (SAVIANI, 2008, p. 10).
Logo após dar fim a política do café com leite, em 1930, é que se inicia um processo de mudança
educacional no Brasil. O Ministério da Educação (e saúde pública) foi criado em 1930, logo após a chegada de

4 Para mais informações ver: https://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/criacao_pedroii.html


II Encontro
100 Ensinar História
Vargas ao poder. Até então a área de educação era atrelada ao ministério da justiça (o Departamento Nacional
do Ensino). O manifesto dos pioneiros da escola nova (1932) contribui para a existência de uma escola pública,
laica, obrigatória e gratuita. Representando uma mudança importante no rumo da educação do país. No bojo
das mudanças nos anos 1930 está a constituição de 1934 que de acordo com Vieira (2007, p. 296) “A carta de
1934, é a primeira a dedicar espaço significativo a educação, com 17 artigos, 11 dos quais em capítulo específico
sobre o tema (Cap. II, art. 148 a 158)”. Sendo assim o art. 150 parágrafo único “estabelece o ensino primário
integral e gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos e tendências à gratuidade do ensino ulterior
ao primário, a fim de tornar mais acessível (o ensino).
O art. 156 trata de algo muito importante, o financiamento da educação. Definindo receitas para ser
aplicada. A união e os municípios cabiam aplicar nunca menos de 10%, e aos estados e DF nunca menos de
20% dos impostos arrecadados. (VIEIRA, 2007, p. 297) (SAVIANI, 2008, p. 10). Este artigo foi suprimido pela
constituição de 1937 (polaca) do Estado Novo varguista. Entretanto, retomada com a constituição de 1946 do
presidente Dutra, após a deposição de Vargas e sua ditadura estadonovista. Fixando 20% estados e municípios e
10% união, Saviani (2008, id.). Infelizmente, os dados colhidos por Saviani (2008, p. 10-12) demostram que os
governantes não cumprem as determinações, o que influenciam diretamente na qualidade do ensino ofertado.
Em 1955 ‘tínhamos o seguinte índice: união 5,7%; os estados 13,7%; os municípios, 11,4%. Durante a ditadura
civil militar a receita para a educação “caiu de 9,6% em 1965 para 4,31% em 1975.”
Dentro da constituição de 1988, a chamada constituição cidadã, estabeleceu os percentuais de aplicação
dos impostos revertidos para a educação. 18% para a união e 25% para estados e municípios. Porém, nos anos
1990, “especialmente a partir do governo de FHC, um outro mecanismo de burlar essa exigência”, criaram outras
taxações com o termo ‘contribuição’, pois sem o nome ‘Imposto’ não seriam obrigados a investir os valores em
educação. Foram os casos das taxações COFINS, CPMF, CIDE etc. (SAVIANI, 2008, p. 10-11)

1.2 A fundamentação legal sobre a ampliação do Ensino Fundamental.


Para se apropriar do amparo legal da ampliação do Ensino Fundamental, é necessário realizar uma pers-
pectiva histórica do ordenamento político-legal. A atual política de educação no Brasil segue se adequando ao
contexto econômico político mundial da política capitalista, que conduzem os países signatários a cumprirem
algumas metas em seus acordos. Em 1964, o Brasil tinha embarcado em uma ditadura civil-militar que durou
até janeiro de 1985. Antes mesmo de estourar a ditadura, houve o acordo de Punta del Este e Santiago, ocorrido
em 1961. Onde foi firmado o compromisso entre os países signatários de estabelecerem algumas metas, dentre
elas o aumento no tempo de escolarização, seis anos para o Ensino Fundamental (primário) até 1970. (FLACH,
2015, p. 741) Até então, nossa LDB 4.024/61 estabelecia o Ensino fundamental de 4 anos.
Buscando atende a ampliação do ensino do primeiro grau, a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971,
determina a obrigatoriedade do curso em oito anos. Denominando de 1º grau, o ensino básico. Ao mesmo
tempo causando um baque ao ensino de história, pois a disciplina de História foi suprimida dos currículos da
educação básica, do então 1º grau.
Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências.

Art. 7º. Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação
Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus,
observado quanto à primeira o disposto no Decreto-lei no 869, de 12 de setembro de 1969.
Parágrafo único. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 5.692, de 11 de
agosto de 1971).

Pois ao alterar a LDB de 1961, retirando a individualidade e a construção da criticidade por meio
da história, precariza as disciplinas de História e Geografia, criando os Estudos Sociais, inserindo também a
disciplina de Educação Moral e Cívica (em todo 1º grau). A fim de concordar com a ideologia do governo, ou

II Encontro
Ensinar História 101
seja, uma proposta diretiva, acrítica e linear do ensino. Desse modo, se criava uma visão de Brasil harmonioso,
sem conflitos ou desigualdades. Visão superada apenas nos anos 1980 com a redemocratização e a retomada
da história como campo crítico e independente, reestruturando os conteúdos, metodologias, dinâmico e par-
ticipativo. (SILVA, 2015, p. 21-22)
Em março de 1990 ocorreu uma importante conferência em Jomtiem, na Tailandia. Esta conferência
reuniu diversos governos, organizações governamentais e não governamentais, autoridades em educação de
todo o planeta para discutir e propor melhorias e ampliação das políticas públicas para educação. Dela, surgiu
um documento “declaração mundial de educação para todos”. O Brasil e mais 154 países participantes, subs-
creveram a declaração com o compromisso de ampliar a educação básica de qualidade para todas as pessoas.
(SILVA, 2015, p. 23) (FLACH, 2015, p. 742) Essa declaração, influenciou a política de educação que viria a
ser implementada pelo Brasil por meio da LDB em 1996.
Segundo a lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola
pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cida-
dão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006)

A LDB passa a admitir matrícula de alunos a partir dos seis anos de idade no Ensino Fundamental de
nove anos. O que irá ampliar o tempo médio das crianças nas escolas. A ampliação vai se dando progressiva-
mente. Por meio da Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação/PNE,
o ensino Fundamental de nove anos. Progressivamente a educação nacional vai se adequando ao que define a
LDB 1996. A lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005: torna obrigatória a matrícula das crianças de seis anos de
idade no Ensino Fundamental. Já a lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006: amplia o Ensino Fundamental para
nove anos de duração, com a matrícula de crianças de seis anos de idade, estabelecendo prazo de implantação
até 2010. Através da oferta de escola em tempo integral. Estamos no ano de 2023 e este aspecto ainda se coloca
como um desafio a ser enfrentado, a oferta do Ensino Integral nas escolas do país.

2. Como ensinar história a jovens imediatista? Algumas reflexões.

“o dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historia-


dor convencido de que nem os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer...”
Walter Benjamin, Sobre o conceito de história, tese VI.

Todos os elementos abordados anteriormente, são fatores com repercussões até o presente na política
educacional e impactam diretamente tanto no ensino dos professores, quanto a aprendizagem dos alunos. As
mudanças constantes de currículos e políticas públicas para a educação, afeta diretamente o Ensino Básico
público ofertado no Brasil.
No que diz respeito ao ensino da disciplina história, ela não pode ser entendida como uma disciplina
de coisas velhas, tediosas ou mofadas. Por isso, a visão sobre a didática deve auxiliar tanto a escrita da história
quanto o ensino visando ampliar a compreensão histórica aos alunos em salas de aula. (Rüssen, 2011, p. 24)
Memória, tempo, revolução etc., são temas abstratos e subjetivos que o professor deve animar-se para traduzir
em sentido prático e cotidiano, para que os alunos adquiram consciência Histórica como parte de sua forma-
ção. Para isso, devemos analisar ao longo do tempo os conceitos, mecanismos e processos para que possamos
comparar as evoluções dos movimentos da sociedade. (NIKITIUKI, 2007, p. 17)

Consciência histórica não é memória, mas a envolve: o tempo significado é a experiência pen-
sada em função do tempo como expectativa e perspectiva, compondo um sistema dinâmico.
A consciência histórica não é definida aqui como conquista particular, mas como aquisição
II Encontro
102 Ensinar História
cultural elementar e geral, na qual os sujeitos fazem suas sínteses entre objetivo e subjetivo,
empírico e normativo. (CERRI, 2021, p. 48.)

A construção da história envolve vários sujeitos, sendo a função a qual o professor exerce, de extrema
importância na condução desse saber. É impossível que, diante de tantas violências em vários períodos da his-
tória, assuntos como escravidão, conquista da América, guerras mundiais, nazifascismo, bombas em Hiroshima
e Nagazaki etc., sejam ensinadas com a mesma isenção com que se ensina regra de três na matemática. Não há
como ser isento frente a assuntos que causam tanta dor e cicatrizes históricas na sociedade, deve-se ensinar de
modo crítico. (MICELI, 2009, p. 39)
Uma das críticas realizadas ainda hoje, é a relação desconexa com que os saberes construídos e pesqui-
sados dentro das universidades e o que é ensinado nas escolas não convergem. Parecem que são de universos
paralelos, uma verdadeira relação de hierarquia. Não é possível que, em tempos atuais, ainda exista um grande
abismo entre a produção da história dentro das universidades e a história que chega por meio dos manuais
didáticos aos professores e alunos.

“Distante dessa imagem que a grande maioria das escolas e Universidades nos impuseram e
continuam a reproduzir imagem que representa a história como um tédio, um saber baseado
na memorização que se ocupa de coisas velhas e de um passado já morto e distante, a atual
historiografia de vanguarda é, pelo contrário, viva e apaixonante, preocupada com os mais
relevantes problemas do ser humano e das sociedades contemporâneas, rica em instrumentos
intelectuais, métodos e técnicas que imediatamente deslumbram os neófitos dos campos de
Clio.” (AGUIRRE ROJAS, 2007, p. 06)

O Ensino de história consiste em um processo contínuo de interpretação e reinterpretação, envolve


o professor, o aluno, as fontes, os livros didáticos e os fatos. Sendo assim, as demandas do saber partem das
inquietações e questionamentos do presente no qual todos estão inseridos. (CHAUVEAU & TETART, 1999,
p. 7-38) O papel do professor neste mundo é tentar articular e aplicar seus conhecimentos sobre os conteúdos
e pedagógicos com o universo jovem desses alunos. É evidente que a relação frente a educação mudou. O pro-
fessor não possui o privilégio de ser o detentor do conhecimento como antes, o conhecimento está na palma da
mão do aluno, a distância de um ‘click’ no Google. A palavra navegar nunca fez tanto sentido. O mar é imenso,
sendo assim, deve-se saber para onde ir, ou seja, a direção correta. Diante de um mar de informações, o docente,
com a habilidade correta, pode ser o responsável por articular e direcionar essa comunicação entre o saber his-
tórico, a busca por informações relacionadas e os dados oferecidos pelo mar de informação, representado pelas
telas dos smartphones. Por isso deveríamos nos perguntar o que fazer com estes alunos, ensiná-los ou levá-los
a aprender? (MICELI, 2009)
O professor de história não é apenas o mediador do conhecimento, é o proponente das investigações,
problematizações e desafios com o objetivo de desvelar a fato histórico. Engajado, pode produzir uma prática
transformadora diante dos seus alunos. Podendo ajudar a desmistificar, junto com o educando, a cultura domi-
nante, criando condições para que cada estudante analise seu contexto e produza criticidade. Mesmo sendo
o professor responsável por conduzir o processo de ensino e aprendizagem, pode colocar o aluno no lugar de
protagonista ao buscar a informação. No que diz respeito aos papeis dos alunos, devem ser apontados como
atores principais e, por esse motivo, devem perceber o quanto os conteúdos fazem parte de suas vidas cotidianas
em diversas ocasiões.
Algumas atividades podem ser realizadas pelos alunos para que entendam a passagem do tempo em
sua vida cotidiana. Atividades como montar linha do tempo de suas vidas, desde o nascimento até a série a
qual pertencem, é um exemplo. Com essa atividade, eles terão contatos com algumas fontes históricas como:
documentos de nascimento, fotografias, podem realizar entrevistas com familiares para montarem sua própria
biografia. Parafraseando Bourdieu, um verdadeiro ‘desafio biográfico’ para os alunos. (BOURDIEU, 2006)

II Encontro
Ensinar História 103
Ainda é possível realizar exposições de objetos antigos. Realizar uma pesquisa com pais, avós e tios,
perguntando como eram o cotidiano deles, como brincavam? Como se comunicavam? Como ou o que comiam
e bebiam? Como compravam (dinheiro)? Ou seja, confrontar realidades geracionais. Coletar objetos que os
familiares ainda possuem e montar a exposição. Alguns objetos que os alunos provavelmente encontrarão serão
moedas, penicos, pilão, filtro de barro, câmeras fotográficas, candeeiro etc., serão alguns dos artigos possíveis
para montar a exposição que permitirá observar a passagem do tempo e a diferença do modo de viver de gera-
ções anteriores.
Algumas das opções que professores estão descobrindo, são os estímulos por meio de jogos. Estimular
a criação de jogos analógicos/tabuleiros ou digitais produzidos pelos alunos, os faz articular pesquisas de con-
teúdo para sua elaboração, relacionam os conteúdos, elaboram a estética e regras de condução do jogo, estão
entrando na fase da recepção dos conteúdos de modo eficaz. Por isso a escola deve ser vista como espaço não
apenas de conhecimento, mas de criação de experiências sociais. (MEINERZ, 2018)

Considerações parciais
Portanto, a falta de maturidade histórica da sociedade, também é fruto dos diversos movimentos de
idas e vindas dos projetos de educação para o país. E a falta de reflexão sobre temas históricos, passa pelo sistema
de educação que acaba deixando de lado as disciplinas de ciências humanas tão importante para a construção
do senso crítico do cidadão e cidadã. Durante muito tempo, dominar a disciplina e conhecer os conceitos era
suficiente para ser definido como um bom professor. Porém, atualmente, só isso não é suficiente. Se pensarmos
assim, sem articular os saberes pedagógicos, não atingiremos o objetivo, ou seja, fazer os alunos aprenderem. A
interdisciplinaridade nos possibilita usar as variadas linguagens para auxiliar o ensino de história. A música, os
quadrinhos, o cinema são exemplos de linguagens atuais que os alunos conhecem e podem ser utilizadas para
dinamizar nossa relação com os conteúdos da história e o mundo desses jovens na escola.
É sabido que muitas escolas não possuem estrutura para condições de realizar determinadas propostas
apresentadas. Os desafios são numerosos, porém, diante de tudo que conhecemos, dizer que professor é sinô-
nimo de desafio, não é exagero. Por esse motivo, seguimos como entusiastas e transformando dificuldades em
oportunidade criativa. Isso não é romantizar a educação, é muito distante disso, entretanto somos especialistas
em fazer muito com pouco. Mesmo com todas as dificuldades conhecidas pelo professor regente, podemos
vislumbrar o engajamento dos alunos em nossas aulas. Para que possam aprender com propriedade a história.
Criar nos jovens o interesse pela história é desafiador, mesmo assim traçar estratégias como a criação de clubes
de leituras, aulas dialogadas, debates e metodologias ativas, são estratégias possíveis na busca por mais interação
e participação dos estudantes em nossas aulas. Atitudes como as apontadas podem contribuir para que, no
futuro, os jovens de hoje cresçam e se tornem adultos dotados de valores sociais partilhados, pois foi possível
compreender e aprender melhor os textos, contextos e narrativas dos fatos estudados dentro da escola.

Referências
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II Encontro
104 Ensinar História
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II Encontro
Ensinar História 105
AS NOVAS ABORDAGENS SUBMETIDAS AOS LIVROS DIDÁTICOS NO
ENSINO HISTÓRIA: O RETRATO DA DEFASAGEM EDUCACIONAL
PERANTE O ENSINO ESTADUAL
GOIANA, Isabela1

Resumo: Nesta presente comunicação, tencionar apresenta a realidade enfática da defasagem educacional
inserida no Ensino Público Estadual, principalmente em escolas localizadas em regiões periféricas, compostas
majoritariamente pela população marginalizada. Associando-se ao fator, corrobora a importância dos livros
didáticos e as novas abordagens interdisciplinares. Tendo em vista, o papel de suporte na construção do conheci-
mento. Logo, este artigo busca analisar seu conteúdo - especificamente no Ensino História- atrelado a qualidade,
criticidade, metodologia, e os caminhos reflexivos que o material deve possuir, a partir das óticas do filósofo e
educador Nilson José Machado e da historiadora Circe Maria Fernandes Bittencourt.
Palavras-chave: LIVROS DIDÁTICOS. ENSINO HISTÓRIA. ENSINO ESTADUAL.

Introdução
Em primeira instância, segundo dados da FIRJAN-SESI2 (2023), “o cenário de defasagem educacional
vem aumentando gradativamente, em média de 6 a cada 10 estudantes terminam o ensino médio”, resultando
nos baixos índices de aprendizagem. Por outro viés, tendo em vista o papel fundamental dos livros didáticos
como suporte nas mediações entre aluno e docente, inseridos no processo construtivo de ensino e conheci-
mento, faz-se necessário um estudo abordando as novas linhas de abordagens destes materiais, sob a ótica do
Ensino História. Corroborando com a narrativa discorrida, a Bittencourt pontua uma crítica reflexiva acerca
dos panoramas que constituem esses instrumentos de aprendizagem, no seguinte trecho:

O crescimento, nos últimos anos, no número de materiais didáticos é inegável, com a mul-
tiplicação de publicações didáticas e paradidáticas, dicionários especializados, além de mate-
riais em suportes diferenciados daqueles que originalmente têm sido utilizados pela escola,
baseados em vídeos e computadores. Diante dessa variedade de materiais didáticos, desigual-
mente distribuídos pelas diferentes escolas do país, torna-se urgente uma reflexão que ultra-
passe uma visão apenas pragmática do problema (BITTENCOURT, 2005, p. 295).

Portanto podemos denotar a evidente preocupação deste ângulo pragmático limitado, acerca de quais
diretrizes e prismas que esses materiais estão sendo fomentados, dentre eles insere: a perspectiva dos conteú-
dos sensíveis, os conceitos históricos, a pedagogia como está insertada? Em suma, a problemática em questão,
engloba diversos âmbitos que necessitam do aprofundamento mediante a análise crítica reflexiva, em virtude
da importância do material didático, pois por vezes os demais recursos necessitam de acessibilidade, tal qual,
infelizmente, não são todas as escolas que possuem disponibilidade de alcance. Logo, seu papel de suporte no
aprendizado torna-se mais latente.
Por outra instância, referente à perspectiva ao currículo, material que discerne e seleciona os conteúdos
(estabelecendo níveis e tipos de exigências para os graus sucessivos) que devem estar presentes nessa construção
educacional dos livros didáticos. Faz-se necessário a compreensão, perante atuação ou ausência, dessa formação
política, cultural, econômica, social sob a ótica de uma história global, cujo algumas estão enquadradas nestes
materiais. Sendo assim, fica perceptível os diversos limites insertados, como forma de controle mediante as
temáticas do LD3. Contudo, devido a vasta quantidade, torna-se de suma importância um recorte crítico, coeso,

1 Graduanda em História. Universidade Católica de Pernambuco. Isabela.2020201839@unicap.br


2 A sigla FIRJAN significa Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
3 A sigla LD refere-se a Livros Didáticos
II Encontro
106 Ensinar História
estruturado no enfoque desta composição, principalmente na área das Ciências Humanas, por uma consciência
filosófica por parte do alunado. Corroborando com a narrativa, o pedagogo Sacristán afirma,

[...] Principalmente quando em nossa tradição pela história de controle sobre a educação e
a cultura que nela se distribui, as decisões sobre o currículo tem sido patrimônio de instân-
cias administrativas que monopolizaram um campo que, nesta sociedade, sob a democracia,
deveria ser proposto e gestionado de forma bem diferente da qual se tem conhecimento (SA-
CRISTÁN, 2000, p. 9).

Consequentemente, ao trecho crítico pontuado em Sacristán, a discussão em torno dos conteúdos


inseridos nos livros didáticos, alcança destaque em âmbitos sociopolíticos e linhas semelhantes, que podem vir a
transformar uma sociedade, tendo em vista que o resultado conjuntivo por intermédio do currículo, demonstra
as preocupações com qualidade de educação, a formação de seus cidadãos, além das medidas políticas cujo obtém
enfoque. Levando em consideração, que estes materiais são fomentados pelo Estado. Logo, as determinações
dessas diretrizes temáticas orientam o ensino-aprendizagem e o processo pedagógico anexado ao contexto.
Por outro viés, corpóreo aos fatores apresentados, fazendo um recorte significativo -proposital ao obje-
tivo do artigo- entre os Livros Didáticos e seu teor contido associado a metodologia no Ensino História, que
desde a década de 80, oriunda como alvo de diversas pesquisas perante o campo da História escolar, fazendo
análise acerca da ótica do caráter ideológico da disciplina, inclusive sendo aflição atual cujo reverbera na socie-
dade brasileira do século XXI, ademais ao modo como o poder institucional manipula ou influência no ensino,
principalmente público, que é submetido aos propósitos de determinadas classes sociais.

Metodologia
A metodologia deste trabalho é baseada nos questionamentos e reflexões, a partir das óticas principais
do filósofo e educador Nilson José Machado e da historiadora Circe Maria Fernandes Bittencourt, visando
construir um estudo analítico atrelado aos diversos âmbitos do material didático. Obtendo como embasamento
bibliográfico, as seguintes obras intituladas: Sobre livros didáticos: quatro pontos, por Machado em 1996;
Ensino de História: fundamentos e métodos, Bittencourt, 2005. Anexado aos materiais, insere especificamente
as denominadas produções textuais didáticas, Ética e Cidadania e Trabalho e Transformação Social, oriunda da
coleção Conexões, provinda da editora Moderna, lançada em 2020. Projetados a partir da reforma do Ensino
Médio vigente, e disseminados mediante ao meio educacional público, coletados particularmente, em uma
instituição governamental, localizada na zona metropolitana do Recife.

Objetivos
Referente aos objetivos dispostos desta pesquisa, insere analisar os conteúdos e conceitos históricos,
ademais as bibliografias e a utilização de fontes múltiplas, verificando estratégias utilizadas nas atividades,
somativo ao exame de qualidade, e sua forma de apresentação. Corroborando com os intuitos apresentados,
Machado pontua,

[...] Existem livros de má qualidade e livros de boa qualidade no mercado; existem hoje e
poderíamos dizer que sempre existiram. Alguns livros de indiscutível qualidade, inclusive,
deixaram de circular; morreram de “inanição” por falta de adoção, por não serem escolhidos
pelos professores e não serem utilizados pelos alunos (MACHADO, 1996, p. 30).

Como destaca Machado, a problemática requerente acerca da qualidade dos livros didáticos, é recor-
rente, logo engloba diversos fatores que poderiam desqualificar a sua utilização em sala de aula. Entretanto,
faz-se uma ressalva ao modo como esses recursos situam-se mediados no processo de ensino-aprendizagem, e

II Encontro
Ensinar História 107
quais ações estão sendo realizadas, tendo em vista, que o autor anuncia uma desvalorização de alguns LD, por
parte dos docentes e alunos. Outrora, determinados produtos são designados ao “afastamento”, devido a apre-
sentação de incorreções teóricas, ou então, a propagação de óticas estereotipadas e preconceituosas, portanto
qualificando a má qualidade.
Referente a análise conteudista associada também aos conceitos históricos, por intermédio da questão
interliga-se os conteúdos significativos, cujo concerne a uma seleção criteriosa respaldada, direta ou indireta-
mente, na vida do estudante adjunto aos retrospectivos problemas, por contexto cultural ou de classe social, logo,
colocando em xeque o “conteúdo tradicional”, contribuindo com a narrativa abordada, conforme Bittencourt
(2005) afirma, “Trata-se de optar por manter os denominados conteúdos tradicionais ou selecionar conteúdos
significativos para um público escolar proveniente de diferentes condições sociais e culturais”, portanto deno-
ta-se a importância da auto identificação sociocultural atrelado a trajetória de estudos do discente, permeada
na autonomia do trabalho do docente.
Fundamentando ao apresentado, anexa a problemática tendencial sobre o privilégio da História Geral
em comparação a História no Brasil, logo acarretando desatenção no ensino e desvalorização dessa narrativa
nacional. Análogo a questão, evidencia os impactos da globalização perante o sistema educacional. Somativo a
ótica, denota-se frisar a relevância da seleção dos conteúdos escolares, cujo necessita de critérios e reflexões acerca
desta estrutura disciplinar. Obtendo como concepções básicas determinados conceitos históricos, cujo são de
extremo valor para essa ciência social, englobados a este campo insere, a narrativa, principalmente quando se
debruça no aprofundamento da realidade dos fatos, buscando comprovações mediante a processos metodoló-
gicos, respaldando a argumentação, o historiador e filósofo alemão Rüsen, afirma,

A aprendizagem que constitui a consciência histórica vem em destaque nas narrativas, ou


seja, no ato de contar histórias, porque esta é uma forma coerente de comunicação e porque
trata da identidade histórica tanto do comunicador como do receptor. Isso ocorre porque as
narrativas são produtos da mente humana e, com o auxílio dessas, as pessoas envolvem lugar
e tempo de uma forma aceitável por elas próprias (RÜSEN, 1993, p. 85).

Por conseguinte, evidenciar a relação intrínseca entre a narrativa, consciência, confinante a identidade
atrelado aos retrospectivos vieses abordados anteriormente. Corpóreo aos conceitos históricos, seguindo a sua
ligação com a metodologia referente à História, cujo perpassa pela mediação do historiador articulada aos seus
objetos de análise. Vinculado a construção da temática, Bittencourt pontua,

É comum a afirmação de que o ensino e a aprendizagem de História acontecem por intermé-


dio do domínio de conceitos, de modo que não basta, evidentemente, o aluno saber nomes
de pessoas famosas ou fatos ocorridos em determinado tempo e espaço que podem ser com-
provados pelos documentos (BITTENCOURT, 2005, p. 183).

Corroborando aos conceitos e noções fundamentais, citados pela historiadora acima, o Tempo e Espaço,
posicionam-se indispensáveis dentro dessa construção social, oriunda de diversos processos do homem ao
decorrer da trajetória da humanidade. Logo, “ Todo objeto do conhecimento histórico é delimitado em deter-
minado tempo e em determinado espaço”, conforme Bittencourt (2005). Interligado ao apresentado, somativo
a compreensão reflexiva acerca do assunto, segundo a abordagem piagetiana (1975) “ O espaço é um instantâneo
tomado sobre o curso do tempo e o tempo é o espaço em movimento”, em suma, são elementos inseparáveis.
A notabilidade do livro didático, reside também, nesse condicionamento de repositório de conheci-
mento (oriundo dos conteúdos históricos escolares) referente, principalmente, aos alunos. Portanto, é de suma
importância, uma análise da bibliografia deste material observando as tendências dominantes, tal como a seleção
de documentos que estão inseridos. Todavia, mediante ao exame de verificação denota-se a atualização do autor,
ou quiçá autores, perante o LD. Respaldando a temática abordada:

II Encontro
108 Ensinar História
A pesquisa bibliográfica é importante desde o início de uma pesquisa científica, pois é através
dela que começamos a agir para conhecer o assunto a ser pesquisado, ou seja, desde o início,
o pesquisador deve fazer uma pesquisa de obras já publicadas sobre o assunto pesquisado,
investigando as conclusões e se ainda é interessante desenvolver a pesquisa sobre esse deter-
minado assunto (SOUSA, A. S.; OLIVEIRA, S. O.; ALVES, L H. 2021. p. 68).

Contribuindo a temática abordada, Bittencourt aponta a pluralidade que se constituem o livro didático,
inclusive no âmbito bibliográfico cujo há existência é alvo deste estudo, interligado aos divergentes modos de
utilização em relação ao método de ensino, fazendo a ressalva que:

Trata-se de objeto cultural de difícil definição, por ser obra bastante complexa, que se carac-
teriza pela interferência de vários sujeitos em sua produção, circulação e consumo. Possui ou
pode assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que
é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares (BITTENCOURT, 2005, p. 301).

Outrora, a partir da análise pedagógica, outro objetivo deste trabalho, faz-se presente acerca do conteúdo
pedagógico, ou, método de aprendizagem ativo inserido devido às atividades impostas no material, tais quais,
necessitam de averiguação. Atrelado ao apresentado, engloba o modo como está sendo exibida dentro do livro
didático. Recortando para a área de História, é essencial que contenha comparações junto às semelhanças entre
fatos e eventos históricos, tendo em vista, o processo de aprendizagem, por intermédio dessas identificações
permeadas pelo estudante. Logo, culminando no estabelecimento dessas conexões primordiais, levando em
consideração que esta estrutura é projetada em retrospectivo ao alunado, assim como ao seu referente desen-
volvimento pelo pensamento crítico.
Análogo aos intuitos da presente pesquisa, anexa a apresentação do livro didático, que se detalha da
seguinte forma, previamente ao sumário, submete introduzida, como geralmente na segunda página. Entretanto,
distintamente de coleções anteriores, obtém seis seções pedagógicas com funções diversas, intituladas como:
“Entre saberes” (cujo faz uma aproximação entre as diferentes áreas, situada nos âmbitos das Ciências Humanas
e Sociais); “Oficina” (sistematização e ampliação dos principais conteúdos estudados de modo reflexivo e argu-
mentativo, através de atividades); “Foco no texto/imagem” (compreensão de tópicos abordados anteriormente,
a partir de uma análise imagética ou textual); “Contraponto” (exposição e estudo de diferentes interpretações
do mesmo evento); “Pesquisa em foco” (realização de divergentes práticas de pesquisa, consolidadas em proje-
tos); “Explorando outra fontes” (desdobramentos de conhecimentos com sugestão de livros, vídeos e site com
o assunto trabalhado em questão).
Concluindo deste modo este setor, mediante a análise de apresentação dos conceitos históricos, e a forma
como estão inseridos no corpo do texto. Adjunto as Competências Gerais da Educação Básica, submetidas ao
material obtendo como intuito que o estudante consiga acompanhar suas diretrizes, tendo assim discernimento
sobre as mesmas, tal qual, ao decorrer do ano letivo devem ser aplicadas pelos professores, segundo a BNCC4.

Resultados
O resultado foi obtido com o livro didático intitulado “ Trabalho e Transformação Social”, fruto
da coleção Conexões, decorrente da editora Moderna, publicada em 2020. Faz- se a ressalva que o material é
interdisciplinar, sendo assim os textos impostos são empregados em várias disciplinas, neste caso, as englobadas
no campo das Ciências Humanas e Sociais. Correlativo ao LD, debruça-se em contextualizar a História do
Trabalho perpassando pelas divisões periódicas na linha do tempo histórica da humanidade, logo caminhando
da antiguidade até a contemporânea. Ressaltando as modificações sociais que surgiram à medida do tempo,
contendo viés marxista dentro da vasta bibliografia com utilização de fontes múltiplas, tendo em vista, o vasto
leque de possibilidades que a globalização proporciona, dentre eles podemos citar reportagens submetidas

4 BNCC sigla referente para Base Nacional Comum Curricular


II Encontro
Ensinar História 109
em sites que contribuam com a temática abordada, vídeos aulas cujo possibilitam a imersão de determinado
aprendizado, entre outros.
Entretanto, através das análises, deficiências de conteúdos são notáveis, como: a ausência de sujeitos no
período da formação das cidades, conceitos históricos importantes, cujo anteriormente foi abordado a relevância.
Somativo a ótica, acarreta perspectivas mais globais, contribuindo nessa desvalorização da História nacional.
Referente às estratégias utilizadas nas atividades, denota um método mais ativo, acerca do desenvolvimento
referente ao processo de aprendizagem, contendo questões mais discursivas e poucas assinaladas, favorecendo
o pensamento crítico do aluno.
Por outra ótica de análise, o seguinte livro didático, denominado Ética e Cidadania, resultado da cole-
ção citada anteriormente. Abordar inicialmente, a perspectiva gradual da História acerca da ética, portanto,
é possível perceber semelhanças entre ambos LD. Posteriormente, é retratado algumas revoluções atreladas
aos Direitos Humanos, de modo que, em geral, essa linha se inclina em divergentes ângulos históricos, com
variadas complexidades, que não estão aprofundadas. Desse modo, acarretando ausência de alguns conteúdos
significativos para o aprendizado, como abordado anteriormente.
Referente à análise bibliográfica, denota-se também vasta, englobada de autores que fomentam o início
de uma bagagem crítica social perante o discente, incorporada principalmente na unidade quatro, cujo, temá-
tica intitula Exclusão e Inclusão, tal qual, anexa problemáticas atuais persistente na sociedade contemporânea,
incorporada aos seus paradigmas estruturais. No âmbito da qualidade, proposta por Nilson Machado, revela-se
desconstrução estereotipada tocante ao conteúdo. Ademais, em respeito à construção da autonomia intelectual
do alunado fica evidente caminhos para o desenvolvimento, a partir dos exercícios, interligados a sessão “Foco
no texto/imagem”. Entretanto, nas oficinas sugeridas, o docente abdica de projetar os caminhos que poderiam
ser trilhados pelos estudantes, tendo em vista, que o manual imposto no LD retira, tal autonomia.

Considerações Finais
Previamente, referente aos conteúdos e conceitos históricos denota ausências significativas, abordagens
de temáticas relativa a História mediadas por outras disciplinas, de modo que, essa construção perante o conhe-
cimento se torna conflitante para o educador adjunto ao estudante, logo, a utilização deste recurso que tem um
papel fundamental no suporte dessa aprendizagem, como foi demonstrada ao longo do trabalho, resulta em
questionável, salientando acerca destes LD examinados.
Por outra perspectiva, revela-se notável a preocupação dos autores na prática de métodos mais ativos
acerca da construção da autonomia intelectual do estudante, tendo em vista, as diversas funções que o livro
didático fornece para auxílio deste desenvolvimento. No entanto, é necessário atentar aos caminhos e delimi-
tações que estas propostas possuem, pois, a realidade acerca do cenário educacional no Brasil é preocupante,
tendo em vista, que segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2022, aponta que:

Os números também evidenciam que as taxas de insucesso (reprovação + abandono) são mais
altas nos anos de transição entre as etapas escolares – como o sexto ano do Ensino Fundamen-
tal e primeiro ano do Ensino Médio. No 6º ano, foi verificada taxa de insucesso de 4,3%. Já no
primeiro ano do Ensino Médio, o percentual foi de 9,8%. (BASILIO, 2023, Online)

Portanto, denota-se uma alta evasão e reprovação acerca das escolas, logo é necessário refletir o nivelamento
de aprendizagens destes alunos. Correlacionado a problemática, insere o grau destas atividades impostas, cujo
obtém algumas complexidades, de modo geral, estimulam o senso crítico do estudante, mediante a realização
das análises colocadas, quando assim estão aptos à execução da mesma. Sendo assim, faz-se imprescindível com-
preender a importância dos livros didáticos nessa equação social, cujo ambiente ao redor retrata a disparidade
educacional, adjunto a defasagem principalmente no setor público, tendo em mente a facilitação relativo a
acessibilidade para os discentes.

II Encontro
110 Ensinar História
Referências
BASILIO, A. Os grandes desafios educacionais do Brasil, a partir do Censo Escolar da Educação Básica 2022.
Carta Capital, 08 fev. 2023. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/educacao/os-grandes-desafios-
-educacionais-do-brasil-a-partir-do-censo-escolar-da-educacao-basica-2022/. Acesso em: 09 out. 2023
BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Editora Cortez, 2005.
BOM DIA BRASIL. Jovens que não concluem o ensino médio ganham salário mais baixos e vivem menos,
diz estudo. G1, 18 abr. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2023/04/18/
jovens-que-nao-concluem-o-ensino-medio-ganham-salario-mais-baixos-e-vivem-menos-diz-estudo.ghtml.
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COTRIM, G; L., A; A A; O, L; M, M. Conexões Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: Ética e cidadania.
São Paulo: Moderna, 2021
COTRIM, G; L., A; A A; O, L; M, M. Conexões Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: Trabalho e trans-
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MACHADO, Nilson. Sobre livros didáticos-, quatro pontos. Em Aberto, Brasília, v. 16, n. 69, jan./mar.
1996. Disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/ojs3/index.php/emaberto/article/view/2371. Acesso em:
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PIAGET, J. A noção de tempo na criança. Tradução de Rubens Fiúza. Rio de Janeiro: Record, 1975.
RÜSEN, J. Experience, interpretation, orientation: three dimensions of historical learning. In: DUVENAGE,
P. (Ed.). Studies in metahistory. Pretoria: Human Sciences Research Council, 1993.
SACRISTÁN, J.G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
SOUSA, A. S.; OLIVEIRA, S. O.; ALVES, L. H. A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA: PRINCÍPIOS E
FUNDAMENTOS. Cadernos da Fucamp, Minas Gerais, v. 20, n. 43, 08 mar. 2021. Disponível em: https://
revistas.fucamp.edu.br/index.php/cadernos/article/view/2336. Acesso em: 09 out. 2023

II Encontro
Ensinar História 111
A FORMAÇÃO CONTINUADA E O FORTALECIMENTO
DO ENSINO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA.
LIMA, Gustavo Henrique de

Resumo: Este trabalho de pesquisa tem por ideia a proposição de investigar a importância da formação
continuada de professores de história da educação básica, objetivando a identificação de suas possibilidades e
limites, seu contexto e seu papel na qualificação e no desenvolvimento profissional desse professor-formador
e professor-aluno, tenta buscar com isso indicativos para uma postura conceitual e metodológica de formação
contínua. As exigências cada vez mais complexas da sociedade, constituídas no tocante ao acesso, domínio e
produção do conhecimento, questionam os professores de História quanto às suas funções e a desafiam no
sentido de estarem em constante metamorfose, a fim de que o seu papel social seja cumprido. Sem um programa
de formação contínua os professores dificilmente darão conta de uma educação de qualidade, mesmo levando
em consideração o seu potencial e dos seus sujeitos. Vale insistir que a competência docente não é inata e neutra,
mas sim construída e inserida num espaço que é cíclico na presença de currículos que devem ser rizomáticos,
porque é território de proliferação de sentidos e multiplicação de significados. Precisamos, então, desnudar
os currículos existentes utilizando formações contínuas. Na perspectiva de qualquer currículo que queira ser
inter/multi/transdisciplinar principalmente no componente curricular de História, passa por uma formação
inicial e continuada dos professores, para que esses saberes se relacionem em constante diálogo com a sociedade.
A formação docente inicial e continuada para a educação básica constitui um processo dinâmico e complexo,
direcionado à melhoria permanente da qualidade social da educação e à valorização profissional. A competência
docente é, portanto, uma elaboração histórica continuada. Um eterno processo de desenvolvimento, no qual o
educador, no cotidiano do seu trabalho, no exercício consciente de sua prática social pedagógica, vai revendo,
criticamente, analisando e reorientando suas competências de acordo com as exigências do momento histórico,
do trabalho pedagógico e dos seus compromissos sociais, enquanto cidadão -profissional - educador.
Palavras-chave: Formação de professores. Ensino de História. Currículo.

1. O currículo na relação ensino-aprendizagem


O currículo é visto como campo de batalha aberto, em que ocorrem disputas entre diversas culturas
e modos de pensar a sociedade, em que se travam lutas entre diferentes significados do indivíduo enquanto
ser social, do mundo e da comunidade onde vive, no processo de formação de identidades. Essa constatação
levanta, inevitavelmente, várias questões - que nem sempre encontramos respostas simples. Nada mais natural
diante da complexidade teórica que é o tema currículo. Que identidades os atuais currículos estão ajudando
a produzir na nossa sociedade? Que identidades deveriam ou poderiam produzir? Identidades singulares em
sintonia com padrões dominantes ou identidades plurais, multiculturais? Identidades engessadas com o arranjo
social existente do dominante ou identidades questionadoras dos padrões morais e culturais?
Pensando dessa forma, entende-se que o currículo não é meramente uma prescrição, mas, acima de
tudo, um campo de lutas e tensões que traduz a escola e a sociedade que se pretende construir (SILVA, 2002).
Compreendido como fruto de uma construção que deve obrigatoriamente ser coletiva para que possamos
chamar de democrática, o produto final, ou seja, o fruto maduro, não deve visar apenas e unicamente definir
os conhecimentos a serem replicados e supostamente aprendidos e ensinados, mas permitir práticas educativas
críticas, reflexivas e contextualizadas, que estejam pautadas na dialogicidade como ato primordial na busca do
conhecimento daqueles que fazem o processo educativo no seu dia a dia.
As Diretrizes Atualizadas Curriculares Nacionais definem currículo como “a proposta de ação educativa
constituída pela seleção de conhecimentos construídos pela sociedade, expressando-se por práticas escolares
que se desdobram em torno de conhecimentos relevantes e pertinentes, permeadas pelas relações sociais, articu-
lando vivências e saberes dos estudantes e contribuindo para o desenvolvimento de suas identidades e condições

II Encontro
112 Ensinar História
cognitivas e socioemocionais” (Resolução CNE/CEB Nº. 3/2018, p.4). O currículo é aqui compreendido como
fruto de uma construção conjunta, colaborativa que envolve diversas etapas, instâncias, sujeitos, intenções e
finalidades. Pode-se assim dizer que ele personifica a escola, orienta as relações que são estabelecidas no ambiente
escolar e fora dela e se constitui como um dos elementos responsáveis pela formação humana na instituição
escolar e que serão por consequência norteadores da vida social.
Reconhecendo o cenário de uma sociedade em permanente processo de mudança como um rio caudaloso,
que muda a si mesmo, mas também, quem estar a sua margem, e consequentemente sujeita a transformações
rápidas ou mais demoradas, o Currículo tem como perspectiva estar atrelado às práticas sociais dos estudantes,
de modo a permitir-lhes exprimir seus próprios saberes, a partir do diálogo com aqueles socialmente construídos
pela humanidade; e garantir a todos a igualdade de acesso aos conhecimentos no espaço escolar. Dessa forma,
faz-se necessário que as práticas pedagógicas que transbordam do currículo promovam o desenvolvimento
integral dos estudantes e sua preparação para a vida, para o trabalho e para a cidadania, a fim de que se tornem,
progressivamente, sujeitos sociais e protagonistas aptos a contribuírem para a construção de uma sociedade
mais justa, igualitária, ética, democrática, responsável, inclusiva, sustentável e solidária.
Para filosofia de Deleuze e Guattari (2019) trata-se de uma revisão das estruturas de conhecimento pelo
movimento de transversalidade, em que implicaria expandir-se para todos os pontos possíveis, adentrando novas
especificidades e gerando outras formas de misturas. Tal noção ganha um destaque ao longo da obra, na medida
em que, não se bastou apenas a sua descrição, também fora preciso que apresentassem a sua cartografia e os
princípios que o agenciam. Neste sentido, ao longo da pesquisa, presou-se especialmente por tais características
para refletir-se acerca de algumas práticas escolares. Tal noção aparece como subversão ao modelo representado
pela árvore. Tradicionalmente a metáfora arbórea do conhecimento sustenta que o sujeito conhece e determina
a realidade a partir de fundamentos e princípios enraizados, que são ramificados em seus desenvolvimentos
técnicos. Para Deleuze e Guattari o rizoma busca gerar multiplicidades, recortando estruturas de pensamento
e indicando novas perspectivas. Desta forma, tais campos de saberes seriam atualizados a partir de novos acon-
tecimentos. O conceito busca descrever que a realidade não é acessada a partir de fundamentos básicos, mas de
diferentes formas de experimentação.

Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-
-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore
impõe o verbo “ser’’, mas o rizoma tem como tecido a conjunção ‘e... e... e...’ Há nesta con-
junção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. [...] Entre as coisas não designa
uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, uma direção perpen-
dicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim,
que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio” (DELEUZE; GUATTARI, 2019,
pp. 48-49).

Ao conceber uma educação curricular, não arbórea e sim rizomática, como um direito humano, o currí-
culo define como eixo norteador o fortalecimento de uma sociedade democrática, igualitária e socialmente justa
e que isto possa alcançar a todos. Para tanto, deve ser princípios orientadores: equidade e excelência, formação
integral, educação em direitos humanos e inclusão. É nessa lógica que compreendemos a escola enquanto espaço
e tempo de aprendizagem que deve favorecer a formação de esquemas, de ações e de interações estáveis que, de
forma dependente, possam ser utilizadas nos diversos contextos sociais (PERRENOUD, 1999).
Sob a égide dos verbos ensinar e aprender se constitui a base para todo o processo de construção do
conhecimento. Numa perspectiva histórica e de desenvolvimento da ciência, esses dois verbos já foram bastante
questionados e inferia-se que, se houve ensino, a aprendizagem aconteceu. Assim, era suficiente um professor que
dominasse um determinado conhecimento e “ensinasse”, transmitisse, esse saber para seu grupo de estudantes.
Aquilo que os estudantes repetissem com exatidão e reproduzissem nas avaliações, resultando na medição do
quanto tinham conseguido absorver, era a aprendizagem. A partir das contribuições da epistemologia para os
processos de desenvolvimento subjetivo humano e, mais recentemente, das neurociências, com o mapeamento

II Encontro
Ensinar História 113
cerebral de todas as condições do sujeito em situações de interação com os outros e com as ideias/fatos/expe-
riências, muda a concepção do que é aprender, de como se aprende e, por correspondência, de como devem ser
desenvolvidas práticas na sala de aula que despertem o interesse, o desejo e a motivação para o efetivo sucesso
desse processo. No que se refere ao ensino de história, é importante observar que a construção do currículo
não pode se limitar a um enfoque meramente disciplinar, pois, estudar o passado significa fazer referência às
múltiplas experiências dos seres humanos no tempo, que são, antes de tudo, permeadas por um conjunto de
conhecimentos e aspectos que não podem ser reduzidos a um recorte disciplinar.
Tal discussão tem sido proposta por vários teóricos que abordam a prática educativa e do que se torna
imprescindível desenvolver no processo de ensino e de aprendizagem: aprender a conhecer, apontando para
o interesse do estudante pelo conhecimento (conteúdos factuais); aprender a fazer, que mostra a coragem de
arriscar, de executar, até mesmo de errar, na busca de acertar (conteúdos procedimentais); aprender a convi-
ver, oportunizando o desafio da convivência, do respeito ao próximo e aprender a ser, que traz o objetivo de
viver como o papel central do estudante como cidadão (conteúdos atitudinais) (ZABALA, 1998; ZABALA
& ARNAU, 2009). Por fim, um aspecto extremamente relevante também nesse ‘novo’ processo do binômio
ensino e aprendizagem é compreendê-lo como constituído mutuamente – ou seja, o ensino e a aprendizagem
enquanto aspectos indissociáveis – assim como são constituídas no estudante as dimensões cognitiva e afetiva.
O objetivo é promover o olhar para o desenvolvimento global deste, pensando na complexidade de sua cons-
trução e desenvolvimento integral, de forma que o olhar centrado no estudante considere a sua singularidade
e o respeito às diversidades.

1.1. A Formação continuada e currículo.


As exigências cada vez mais complexas da sociedade, constituídas no tocante ao acesso, domínio e pro-
dução do conhecimento, questionam a escola quanto às suas funções e a desafiam no sentido de se transformar
constantemente, a fim de que o seu papel social seja cumprido. Quando abordamos o ensino de história den-
tro da realidade brasileira, sabemos que estamos tratando de um assunto bem complexo e que merece muita
atenção. Pois começamos questionando o que ensinar em uma sociedade multicultural, onde existem valores e
percepções sociais diferentes. Consequentemente, essas exigências requerem professores cada vez mais engajados
e competentes profissionalmente para responderem a elas. Dessa forma, o currículo e a sua organização aparecem
como elementos de destaque, uma vez que revelam opções acerca de um determinado modelo de formação
profissional caracterizado pelas articulações que se estabelecem, no seu interior, entre os saberes teóricos e os
saberes práticos necessários à atividade do professor e ao desenvolvimento profissional cuja construção deve ser
o objetivo de qualquer programa de formação. É importante destacar que o saber do professor é, então, definido
como “um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (TARDIF, 2002, p. 36).
No que se refere às políticas públicas de formação continuada para professores, essas têm se mostrado
extremamente variáveis em termos de seus formatos curriculares (cursos de curta, média e longa duração, semi-
nários, palestras, assessorias no contexto escolar, entre outros), concernentes à Política Nacional de Formação
dos Profissionais da Educação Básica (Decreto nº 8.752/2016), aos Parâmetros de Formação Docente (2014).
Sejam as ações definidas pelos órgãos centrais das redes de ensino, sejam aquelas que são contextualizadas na
escola, os desafios de organizar processos integrados, sistemáticos e que respondam ao projeto pedagógico das
instituições escolares estão colocados. Na perspectiva de um modelo de colaboração, considera-se a correspon-
sabilidade dos professores pela sua formação, a legitimidade das instituições de ensino superior na organização
de uma formação centrada na escola, assim como a responsabilidade das secretarias de educação na elaboração
de critérios e de parâmetros para a formação docente.
Assim, ressalta-se que as ações de formação continuada contam com a colaboração dos diversos sujeitos
do sistema educativo, orientados pelas necessidades formativas dos professores. Essa perspectiva supõe a escola
como lócus privilegiado de formação e produção de conhecimentos. Nóvoa (1997) destaca a necessidade de

II Encontro
114 Ensinar História
“(re)encontrar espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais, permitindo aos professores
apropriar-se dos seus processos de formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida” (p.
25). Nessa dimensão, a formação de professores contribui para a consolidação de espaços institucionalizados
de trabalho coletivo; para direcionamento de metas comuns, oriundas das necessidades da comunidade escolar
definidas em seu Projeto Pedagógico e parametrizadas pelas diretrizes e políticas educacionais. A práxis dessa
formação concebe-se como um movimento dialético de ação-reflexão-ação transformada, sendo alimentada por
posturas metodológicas que privilegiam procedimentos investigativos, reflexivos e colaborativos, ancorando-se
no constante diálogo e partilha entre os entes envolvidos no decorrer do processo formativo.
Dessa forma, os professores são compreendidos como sujeitos em transformação e transformadores da
realidade e do contexto socioeducacional no qual estão inseridos. Esse cenário instiga a qualidade dos processos
formativos, seja na formação inicial ou continuada de professores. Tais processos devem ir ao encontro do perfil
de professor do contexto atual em que se observam mudanças sociais, culturais, tecnológicas, econômicas, entre
outras, as quais demandam profissionais com competências que extrapolam o ato de “transmitir” conteúdos,
que estejam abertos às inovações e às constantes aprendizagens, que respeitem as diversidades, que construam
a partilha e o diálogo com seus pares, com seus estudantes, bem como com os demais agentes educativos, e que
sejam voltados para a construção de um conhecimento holístico. É possível perceber que os esforços empreendidos
para a superação dos obstáculos tendo em vista a formação de um profissional com o perfil descrito, ao mesmo
tempo que constituem um desafio, abrem horizontes para a construção de propostas curriculares formativas
fundamentadas em outras lógicas para além da especialização disciplinar.
A perspectiva do currículo, numa dimensão interdisciplinar na formação inicial e continuada dos
professores, representa um desses horizontes em que os saberes se relacionam em constante diálogo. A inte-
gração curricular tem sido recorrente nos atuais discursos que orientam as políticas e as práticas curriculares
da Educação Básica do Brasil. Essa tônica é apresentada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para
a Educação Básica (Parecer CNE/ CEB n o.7/2010) quando enfatiza que o trabalho do professor, que tem
como um dos desafios a transposição didática, deve ser pautado na perspectiva de integrar as diferentes áreas
do conhecimento, articulando-as com os saberes e experiências dos estudantes. O propósito dessa abordagem
é superar a compartimentação disciplinar que predominou, por muito tempo, como característica do trabalho
pedagógico. Tal como instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada
em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica (Resolução CNE/CP n° 2/2015),
entendemos que:

A formação docente inicial e continuada para a educação básica constitui processo dinâmico
e complexo, direcionado à melhoria permanente da qualidade social da educação e à valo-
rização profissional, devendo ser assumida em regime de colaboração pelos entes federados
nos respectivos sistemas de ensino e desenvolvida pelas instituições de educação credenciadas
(p.4). […] Deverá ser garantida, ao longo do processo, efetiva e concomitante relação entre
teoria e prática, ambas fornecendo elementos básicos para o desenvolvimento dos conheci-
mentos e habilidades necessários à docência (p. 11).

Diante do exposto, a formação inicial e a formação continuada compõem momentos distintos do


desenvolvimento profissional, mas, ao mesmo tempo, constituem um percurso de formação, se considerar-
mos a história de socialização profissional do professor. Nas últimas décadas as discussões sobre o ensino de
História foram ampliadas, considerando, sobretudo a realidade educacional brasileira. Diversos aspectos do
ensino- aprendizagem em História passaram a ser temas de estudo e publicados, tais como: história do ensino de
História, livros didáticos e paradidáticos, produção do conhecimento, currículos, linguagens, novas tecnologias,
saberes, diversidade, formação de professores, entre outros. Como se observa, há um conjunto de horizontes
que emergiram, visando tornar o ensino de História mais participativo e interpretativo. Nesse percurso, há
um profícuo e intenso debate sobre o papel do professor e da própria disciplina História, cujas abordagens
filiadas às chamadas “Historiografia Tradicional”, por um lado, e da “Historiografia Renovada”, por outro,

II Encontro
Ensinar História 115
têm sido permanentemente objetos dos debates em diferentes fóruns, o que demonstra a necessidade de se
avançar na discussão sobre a disciplina de História, bem como sobre os métodos a serem utilizados em sala de
aula Os cursos de Licenciatura em História têm buscado responder a essas questões e às perspectivas criadas
em torno das mudanças esperadas no ensino e à necessidade de aproximar o ensino e a pesquisa em sala de aula,
o que pode resultar no aprofundamento da profissionalização do professor/historiador. Tal esforço pode ser
verificado a partir das disciplinas de práticas de ensino e de estágio supervisionado em História e dos projetos
de pesquisas desenvolvidos nos cursos de graduação e nos de pós-graduação no país. A trajetória profissional
resulta de experiências vividas na formação inicial, relativas às teorias, práticas pedagógicas, saberes docentes,
influência de professores, lembranças de escolas, compondo, de tal maneira, o modo único de cada educador ser
e estar na profissão. Em A aventura de formar professores, Veiga fomenta um debate crítico frente à formação
de professores, para ela:

[...] a formação de professores é uma ação contínua e progressiva que envolve várias instân-
cias, e atribui uma valorização significativa para a prática pedagógica, para a experiência,
como componente constitutivo da formação. Ao valorizar a prática como componente for-
mador, em nenhum momento assume-se a visão dicotômica da relação teoria-prática. A prá-
tica profissional da docência exige uma fundamentação teórica explícita. A teoria também é
ação e a prática não é receptáculo da teoria. Esta não é um conjunto de regras. É formulada e
trabalhada com base no conhecimento da realidade concreta. A prática é o ponto de partida
e de chegada do processo de formação (2009, p. 27).

O desafio do professor de história reveste se de duplo significado. De um lado, é preciso selecionar os


conteúdos a serem apresentados aos alunos o que, inevitavelmente, implica escolhas temáticas e a adoção de
determinada versão dos acontecimentos. De outro, é necessário empenhar-se para que os alunos desenvolvam
uma reflexão crítica em relação aos conteúdos estudados e, com isso, construam seu próprio saber. É importante
o professor saber que: “quanto mais o aluno sentir a história como algo próximo dele, mais terá vontade de
interagir com ela, não como uma coisa externa, distante, mas como uma prática que ele se sentirá qualificado e
inclinado a exercer” (Karnal, 2008, p. 28). É na ação educadora entre professores e alunos que surgem as ques-
tões, os problemas, as formas mais adequadas de lidar com o material de estudo e as iniciativas de trabalho. A
preparação de uma aula e sua efetivação é tarefa complexa, comportando inúmeras variáveis que somente são
dominadas pelo educador em seu contato singular com os educandos.
Além disso, um dos desafios que temos a frente é a inclusão de conteúdos de História da África e de
História Indígena nas aulas de História da educação básica, conforme as Leis 11.645/ 08 e 10.639/03. Desafio
que atinge as universidades, afinal, elas formam os professores. Neste caso, precisamos rever as matrizes cur-
riculares, e muitas estão revendo, no sentido de tornar as disciplinas de História África e a História Indígena
obrigatórias no ensino superior, isto para que os graduandos em História possam ter informações para ministrar
esses conteúdos quando forem para a sala de aula1 . Outro aspecto a ser considerado relaciona-se à acelerada
produção das informações resultantes das inovações tecnológicas. Diante desses “novos tempos”, como seria
possível democratizar tais informações em sala de aula? Os alunos, em seu conjunto, dispõem de recursos mate-
riais e formação intelectual desejáveis? Utilizar-se de novos recursos tecnológicos poderá condicionar um ensino
de História “menos tedioso” para os alunos? Ainda, a utilização de diferentes documentos em sala de aula, por
exemplo, dá-nos a medida dos caminhos que podemos seguir, visando ao debate que não se prenda apenas aos
livros didáticos. Nesse sentido, a utilização de instrumentos como recortes de jornais e/ou análise de cronistas
poderão constituir-se em importantes elementos a serem explorados nas aulas.
É cada vez mais frequente o uso de documentos em livros didáticos. Entre outras coisas, a leitura e a
pesquisa dos documentos encontrados em livros didáticos permitem que o aluno possa compreender alterida-
des e ampliar seu vocabulário, além de melhor interpretar imagens, tabelas, sons, dentre outros. Para que esteja
habilitado a fazê-lo, deverá ser ensinado e dispor de conhecimentos específicos para a leitura e interpretação de
tais linguagens. O ensino de História tem que ser qualitativo, democrático, exemplificado, aberto ao diálogo
e a discussão. Os alunos precisam aprender a pensar historicamente, se expressar de forma clara e objetiva,
II Encontro
116 Ensinar História
argumentar, obter hipóteses, defender ideias, questionar o professor em relação às dúvidas que surgem, como
também, trocar experiências e obter opiniões diversificadas, sobre o conhecimento histórico já produzido
pelo homem na sociedade. Atualmente, é possível verificar em muitas escolas, professores despreparados para
desenvolver um trabalho concreto com os alunos no ensino de História. Sendo que, a má formação do professor
historiador, reflete negativamente no ensino-aprendizagem dos estudantes, e no conhecimento do patrimônio
cultural da humanidade. Em relação a isso, Pinsky; Pinsky, (2005, p. 22-23) acrescentam:

O professor precisa ter conteúdo. Cultura. Até um pouco de erudição não faz mal algum.
Sem estudar e saber a matéria não pode haver ensino [….] Afinal, se o professor é o elemento
que estabelece a intermediação entre o patrimônio cultural da humanidade e a cultura do
educando, é necessário que ele conheça, da melhor forma possível, tanto um quanto outro
[….] Noutras palavras, cada professor precisa, necessariamente, ter um conhecimento sólido
do patrimônio cultural da humanidade. Por outro lado, isso não terá nenhum valor opera-
cional se ele não conhecer o universo sociocultural específico do seu educando, sua maneira
de falar, seus valores, suas aspirações. A partir desses dois universos culturais é que o profes-
sor realiza o seu trabalho, em linguagem acessível aos alunos.

Considerações Finais
A percurso da disciplina História em nosso Brasil possui um caráter dialético com grandes embates. Em
seu início contribuiu aos interesses de uma elite, que em si já apresentava suas contradições no seio da sociedade
e necessitava de uma visão de país como uma sociedade uniforme e integrada, no entanto, observa-se que mesmo
no bojo das discussões sobre a formação de uma História nacional e posteriormente a implementação da disci-
plina nas escolas secundárias do país, o debate acerca do tema não era homogêneo e estanque. Observando-se a
trajetória da disciplina no país, os currículos que foram executados e a formação do corpo docente, apreende-se
seu caráter de formadora de embates e por isso a alusão ao conceito de dialética para entender tal processo. Nós,
professores de História e sujeitos históricos, construímos a quebra de paradigmas por meio de processos aos
quais muitas vezes não temos a consciência na efetivação curricular e por consequência na formação continua
deste professor/formador. O professor de História precisa compreender que ele é também um pesquisador e
um construtor de conhecimento. A dimensão epistemológica de seu trabalho precisa ser ressaltada, bem como,
seu papel enquanto intelectual. Tempos vindouros ao de surgir onde Ensino de História nas escolas do país
se constituirá como um locus privilegiado da dimensão reflexiva e (por que não?) revolucionária da sociedade
brasileira, acompanhada de uma formação profissional com começo, meio e sem fim.

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II Encontro
Ensinar História 119
ASSOMBRAÇÕES DO RECIFE CONTAM HISTÓRIAS: O HORROR COMO NARRATIVA
LEANDRO, João Eduardo Ferreira.1

Resumo: Esta pesquisa procura utilizar o imaginário popular pernambucano evidente nas chamadas “Assombrações
do Recife”, para fomentar discussões sobre a influência do Horror na sociedade contemporânea e como isso se
conecta a momentos diferentes da História do Brasil, sobretudo a partir do Período Imperial. O que se propõe
no trabalho é a criação de uma série de Aulas-Oficinas onde haverá a exposição do conteúdo programático
voltado para o 3° ano do Ensino Médio, através de passagens da obra “Assombrações do Recife Velho” que
transcende vários recortes históricos. Objetiva-se que os estudantes compreendam a importância de estudar
História tendo o cinema e lendas urbanas como ponto de partida. Ao final, espera-se que a interação em sala
de aula seja mais dinâmica, com a relação professor-aluno sendo entendida como uma alternativa para destacar
o protagonismo do discente.
Palavras-chave: Horror. História do Brasil. Aula-Oficina. Lendas urbanas.

1. Introdução
O sobrenatural está enraizado na cultura brasileira, algo que pode ser observado no aspecto da reli-
giosidade, mas também superficialmente na maneira como parte da população se comporta ao consumir pro-
duções audiovisuais e literárias com temática metafísica. É evidente a influência da indústria cinematográfica
na sociedade, uma vez que os filmes mais notáveis dos gêneros influenciados pelo Horror estão entre os mais
comentados nas redes sociais e também nas relações interpessoais. A maior fonte de consumo é proveniente
dos Estados Unidos, cujas produtoras realizaram obras aclamadas pelo público, embora nem sempre tenham
conquistado grande aprovação entre os veículos de imprensa.
Nos últimos dez anos, as bilheterias têm destacado produções de horror cujo roteiro se baseia
livremente em fatos - com excesso de liberdade poética, em quase todos os casos - e nesse caminho, a fran-
quia “Invocação do mal”, iniciada com direção de James Wan (também responsável pelo violento “Jogos
Mortais), ocupou uma posição central ao atrair o interesse das massas pela temática sobrenatural nos filmes.
Coincidentemente ou não, foi lançada quarenta anos após o clássico “O Exorcista” se tornar um fenômeno de
bilheteria, uma obra audiovisual que também se baseia em uma história supostamente verdadeira para contar
uma trama aterrorizante, mexendo com as emoções dos espectadores.
Já “Invocação do mal”, embora tenha um roteiro que toma como base um caso supostamente sobre-
natural investigado pelos demonologistas Edward e Lorraine Warren , possui muitas liberdades criativas, com
personagens criados exclusivamente para a produção. O objetivo era assustar o espectador, e isso funciona
perfeitamente na geração atual, adepta aos jumpscares (sustos, em tradução livre). Embora seja um terreno
metafísico sustentado por uma história parcialmente verídica, as entidades fictícias provocam medo, seja por
conta do visual ou pela mixagem de som, recursos essenciais para provocar imersão nos filmes de terror.
Segundo Carroll, que disserta sobre o assunto:

Embora, em certo sentido, os monstros das ficções de horror não existam, eles parecem ter
conseqüências causais no mundo real - provocam horror artístico no público. Assim, uma
questão que devemos enfrentar é a de explicar como é que as ficções podem ter impacto sobre
o mundo real (CARROLL, 1999, p. 94)

As sensações de medo e desconforto fazem parte de um mantra que está fixo no imaginário do
público que consome esse tipo de conteúdo nos cinemas, e a experiência os permite conectar com aquele universo

1 Graduando em História na UFPE. joao.eduardoferreira@ufpe.br


II Encontro
120 Ensinar História
metafísico. Noel Carroll, em suas considerações, presentes na obra “A Filosofia do Horror ou os Paradoxos do
Coração”, procura questionar sobre a possível causa para esse impacto no “mundo real”.
Dessa forma, parte significativa dos espectadores se concentra nos jovens, que também são estudantes
do ensino básico. A proposta deste trabalho consiste em criar uma conexão entre as produções audiovisuais
consumidas majoritariamente por adolescentes, e os mecanismos que tornam o processo de aprendizagem na
escola algo natural, utilizando elementos intimamente conectados com a realidade do aluno. Isso fica evidente
em uma pesquisa realizada pela empresa Vibezz, que constata: em 2020, entre aproximadamente 27 mil jovens,
75% das pessoas entre 16 e 24 anos desejava prioritariamente ir ao cinema após o fim da pandemia de covid-19,
que teve início daquele mesmo ano. Esse recorte ilustra uma preferência desse público pelas produções audio-
visuais acima de outras atividades, e especialmente após esse período turbulento, a rotina dos estudantes foi
modificada, o que torna o retorno deles à sala de aula um desafio. Isso fica evidente quando atentamos ao fato
de que as aulas foram majoritariamente remotas ou híbridas, entre 2020 e 2021.
Embora pareçam, à primeira vista, dois fatos distintos, é possível conectá-los por meio da interseção: o
jovem estudante do Ensino Médio, que fora do ambiente escolar faz parte do grupo de espectadores da mencio-
nada pesquisa, por exemplo. Tomando como base o estado de Pernambuco, observa-se, de acordo com dados
do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no censo de 2021, que há 59.761 alunos matriculados
efetivamente no Ensino Médio em escolas pernambucanas - públicas e privadas . Quanto ao número de insti-
tuições voltadas para essa modalidade, o mesmo censo contabiliza 195, que expressa inferioridade em relação
ao Ensino Fundamental, que estão em maioria: 719 escolas, que até então, contemplavam 175.876 estudantes.
A quantidade superior de jovens provenientes das instituições que oferecem formação básica do 1° ao 9° ano
escolar, em relação aos que frequentam o Ensino Médio, coloca em evidência questionamentos sobre a evasão
escolar cercando os mais velhos, quando se fala das instituições estaduais.
Isso se deve ao fato de que, embora o censo contemple instituições de ensino particulares e públicas,
é nesta segunda categoria que está um número significativamente maior de estudantes: de 59.761 indivíduos,
44.188 frequentam a escola estadual.
A dúvida se revela ainda mais preocupante quando se constata uma queda do número de adolescentes
matriculados em escolas de Pernambuco, em relação aos números apresentados treze anos antes:

Figura 1 - Percentual de estudantes matriculados no Ensino Médio em escolas de Pernambuco (2008-2021)

Fonte: IBGE

II Encontro
Ensinar História 121
Em 2008, os registros mostram que, naquele censo, havia 97.631 alunos efetivamente vinculados a
instituições de ensino estaduais e privadas, e isso não deixa dúvidas sobre o contraste. Dito isso, ideias para
adaptar as dinâmicas das salas de aula - diferentes para cada componente curricular - têm sido discutidas, de
forma que a abordagem dos conteúdos siga as tendências “mundanas”, ou seja, planejar aulas com conexões
mais evidentes com a realidade dos estudantes.
Embora não seja o fator que irá solucionar efetivamente a problemática da evasão escolar, certamente
uma aula “mais dinâmica” - conforme dito no senso comum - irá permitir que a imersão dos estudantes com
o conteúdo ministrado seja tão profunda quanto o que eles sentem ao mergulhar no universo audiovisual.
Além disso, estão à disposição elementos que podem ser incorporados à sala de aula, tais como filmes, livros,
histórias em quadrinhos e música.
É na primeira e segunda categorias que o presente trabalho de pesquisa foca, trazendo uma nova
abordagem para o Ensino de História em Pernambuco, mesclando elementos da chamada “cultura pop” - que
compila filmes, séries, músicas, livros e jogos em destaque - com o folclore local, tendo como eixo central as
lendas urbanas do Recife que foram rotuladas como “assombrações”, por Gilberto Freyre.
O autor pernambucano, notável por obras como “Casa Grande e Senzala”, “Sobrados e mucambos”,
“Nordeste”, entre outras, também foi responsável por reunir relatos de moradores do Recife e dos arredores
que compõem a atual Região Metropolitana. As afirmações que partiram dos cidadãos evocam o medo que
determinadas figuras provocaram em parte da população, em diferentes recortes históricos que marcaram a
chamada “Veneza Brasileira”. É por meio desses períodos que entra a proposta de uma nova forma de estudar
Ciências Humanas no Ensino Médio, ao mesmo tempo em que os estudantes aguardam o vestibular.
Foi em “Assombrações do Recife Velho” que Freyre compilou testemunhos de pessoas que suposta-
mente teriam avistado manifestações sobrenaturais em casarões antigos, nas ruas desertas ou nas margens do
Rio Capibaribe. Sobre a importância de estudar a cidade na ótica metafísica, o autor enfatiza:

O Recife não tem motivos para envergonhar-se do que, no seu passado, se apresenta tocado
de sugestões sobrenaturais. Grande parte dessas sugestões terá sido simples crendice, supers-
tição, histeria, até. Outra parte, porém, não se deixa facilmente explicar pelo simplismo cien-
tificista: retém o seu mistério. (FREYRE, 1987, p. 12)

Essa afirmação define a abordagem do presente trabalho científico, que também levará em consideração
o histórico de Freyre, assim como o seu conservadorismo e como o livro teve seu devido impacto na época que
foi publicado - a primeira edição saiu em 1955, mas a segunda foi lançada em 1974, em plena Ditadura Civil-
Militar, regime autoritário marcado por governos que o próprio Gilberto Freyre apoiou.
O projeto consiste em uma série de aulas-oficinas, nas quais a abordagem de alguns conteúdos da com-
ponente curricular História poderá se dar através de vivências que conscientizem o estudante sobre a importância
do folclore “maldito” do Recife, o tratando como patrimônio imaterial, de certa forma. Porém, mais do que
isso, esta tese está preocupada em conectar os relatos sobre determinada “assombração” à época em que eles
surgiram, traçando paralelos com acontecimentos que marcaram a História do Brasil e cujos impactos puderam
ser observados na capital pernambucana, repercutindo no que ela é hoje enquanto historicamente importante
e também como o centro comercial e cultural vendido pela indústria do Turismo.
A proposta também se conecta aos mencionados filmes de terror através da memória coletiva, que defi-
niu o tom como as lendas urbanas seriam transmitidas, inicialmente de forma oral, e posteriormente, escrita.
No cenário atual, com o cinema exercendo forte influência na sociedade, - sobretudo entre os jovens - ficou
fácil para as produções de horror com temática sobrenatural se destacarem. Isso é reflexo da forma em que um
filme é produzido - quando o gênero é terror, o orçamento é relativamente acessível - e isso permite que várias
produtoras independentes se arrisquem ao lançar um novo “produto” direcionado para os cinemas. Foi nessa
safra que, em 2019, surgiu “Recife Assombrado”, produção nacional dirigida pelo pernambucano Adriano

II Encontro
122 Ensinar História
Portela que teve circulação comercial limitada, mas que tentou transmitir a imersão dos filmes de terror famosos
para terras recifenses.
O filme de Portela serve como peça essencial para prosseguimento deste projeto, que irá aperfeiçoar a
forma como o entretenimento também pode ser levado para a sala de aula quando conveniente, e rendendo
uma ótima aula em potencial.

2. Justificativa
“Por que motivo devemos estudar sobre lendas urbanas?”, “A História deve ser levada a sério, se preo-
cupando com fatos estritamente verdadeiros, deixando de lado as fantasias”, “Uma pesquisa histórica tendo
o horror como ponto de partida?! Muito desconexo!”, “Ideia inusitada, porém improvável”: São declarações
semelhantes que se escuta quando a temática da presente pesquisa é revelada, uma vez que lida com mídias
distintas - produções audiovisuais e literárias, sendo estas últimas oriundas de pesquisas utilizando a História
Oral, com objetivo de compilar os relatos acerca das supostas assombrações que marcam a cultura recifense.
O Ensino de História permanece sendo um campo que, na academia, é subestimado, em prol de pes-
quisas historiográficas que supostamente atraem maior visibilidade, trabalhando com o que Peter Lee chama de
“valores comuns patrióticos” para expor um caráter um tanto comercial da História, que permanece apelando
para abordagens positivistas. Ainda de acordo com Lee:

“[...] o ensino de história envolve o desenvolvimento de um aparato conceitual de segunda


ordem que permite que a história siga em frente, em vez de imobilizá-la e, ao fazê-lo, abre a
perspectiva de mudança de uma visão cotidiana da natureza e do estado do conhecimento do
passado para uma de conhecimento histórico” (LEE, 2016, p. 107)

O autor se preocupa em dissecar suas considerações nos estudos sobre a chamada “Literacia histórica”,
uma perspectiva do estudo da componente curricular de forma desconstruída, na qual o foco está no estudante,
que deve se localizar no tempo, visto aqui como algo móvel. Dessa maneira, a noção que se adquire no ensino
básico com base na Pedagogia Tradicional - tendência que é parcialmente mantida nos dias atuais - alimenta
estereótipos que não cabem no presente cenário, atribuindo um caráter significativo à falácia que “resume” a
História à uma ciência que estuda o passado para compreender o presente.
Essa ideia coloca a Educação Histórica numa zona onde seu alcance é limitado, conduzindo o estudante
a uma “história fixa”, e assim ele passa a ter uma perspectiva apenas do que lhe for conveniente acerca de tempos
precedentes que tenha um impacto visível na sua realidade. É nesse recorte que entra a “Literacia Histórica”,
que promove uma transformação social na visão de mundo de crianças que estão no processo de aprendizagem
e nos adultos (LEE, 2016, p. 108). Esse ponto de vista amplo permite que sejam observadas as demais versões
do passado, e não apenas a oficial, de forma que elementos de cada época evidenciam determinadas realidades.
Nessa linha tênue, encontram-se as lendas urbanas que incorporam o folclore pernambucano, parte
de um imaginário popular que foi enraizado na população ao longo das gerações, utilizando relatos orais como
ferramenta. A escrita de Gilberto Freyre, por exemplo, apesar do caráter conservador evidente em obras como
“Casa Grande & senzala” e “Nordeste”, expressa detalhes dentro de relatos de pessoas que supostamente teriam
presenciado fenômenos sobrenaturais. O sociólogo, que direciona seus estudos na “civilização do açúcar”,
também serve como referência para que sejam observadas as relações sociais até pouco depois da abolição oficial
da escravatura.
Em “Assombrações do Recife Velho”, essa construção é notória quando o autor discorre sobre a lenda
do “Papa-Figo”, que também é conhecido no imaginário nordestino como “O velho do saco”. Na narrativa
popular, essa entidade se manifestava para sequestrar crianças e remover seus fígados, que seriam entregues ao
mandante do crime, que teria devorado os órgãos para se curar de uma suposta enfermidade. Sobre essa con-
dição clínica, considerada “arcaica”, Freyre tem a dizer: “Há quem guarde o nome arrevesado que os doutores
II Encontro
Ensinar História 123
davam então ao mal raro: nome hoje arcaico. Na medicina é assim: os nomes técnicos das doenças depressa se
tornam arcaicos” (FREYRE, 1987, p. 107)
O fato de não revelar a doença da qual o homem era vítima teria levantado questionamentos, o que
se torna perceptível ao analisar o discurso do autor, que se refere à enfermidade como “uma das doenças mais
inimigas do homem, seja ele rico ou pobre, preto ou branco” (FREYRE, 1987). Talvez essa lacuna a ser preen-
chida tenha despertado o interesse alheio, e relatos divergentes passaram a atribuir um caráter sobrenatural a
esse misterioso recorte.
Continuando na versão do senso comum sobre a história, nessa perspectiva, o “Papa-Figo” teria sido
um escravizado que, na segunda metade do século XIX, teria sido ordenado pelo senhor a cometer esses atos
bárbaros, já que o mandante do crime estaria acometido da licantropia, que basicamente se refere à maldição
na qual o sujeito estaria condenado a se transformar em lobisomem nas noites de lua cheia.
Essa nomenclatura deriva do vírus lykanthropminus, que por sua vez faz referência ao Rei Licaão da
Arcádia. Sobre o mito dessa metamorfose:

Júpiter, pai dos deuses e dos homens, desceu dos céus sob forma humana, para verificar o
que ocorria no mundo. [...] Chegando à região da Arcádia, Júpiter penetra no palácio real,
apresentando-se como um deus, e é saudado pelo povo piedoso. O rei Licáon, porém, conhe-
cido por sua crueldade e por sua impiedade, planejava matar o hóspede divino. Para testar
sua divindade, serviu-lhe carne humana em um banquete. Imediatamente o deus lançou um
raio, destruindo a casa do tirano, e transformou -o em lobo. (MOLINARI, 2016, p.1)

Percebe-se, então, as fortes raízes da mitologia clássica nas raízes dos mitos sobrenaturais, como o do
próprio lobisomem. No caso da suposta criatura pernambucana - que foi apenas uma entre várias que foram
relatadas entre a segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX - o acometido da enfermidade
estivera convencido que a cura para sua condição seria “figo de menino”, expressão a qual Freyre classifica de
forma racista e preconceituosa como “português do negro”. Nesse ponto de vista, a “solução milagrosa” para
acabar definitivamente com a metamorfose teria sido recomendação do escravizado, que teria sido descrito em
outras ocasiões pelo autor - principalmente em “Nordeste” - como conhecedor da mata e, consequentemente,
dos recursos naturais que poderiam servir como soluções a curto prazo para enfermidades recorrentes da época.
No relato sobre o “Papa-Figo” presente em “Assombrações do Recife Velho”, o autor conclui afirmando
que, de alguma maneira, a suposta enfermidade à qual o membro da elite fora acometido, teria sido curada. A
abordagem sobrenatural que cerca essa lenda urbana é usada como linguagem fantástica para referenciar uma prática
do período da escravidão. A presente pesquisa tem por finalidade abraçar a importância desses relatos - sejam eles
fruto de histeria ou não - respeitando a visão de mundo de cada época, através da suspensão da nossa descrença.
Não nos cabe julgar a veracidade dessas declarações: apenas utilizá-las como ponto de partida para uma
análise historiográfica de determinado recorte, tomando como base a ideia de que as supostas aparições sobrena-
turais compõem a memória coletiva de um certo grupo de indivíduos que teria sido impulsionada pelo medo.
No que diz respeito ao potencial criativo que essa abordagem metodológica alternativa tem para ser
aplicada em sala de aula, isso pode ser feito traçando paralelos entre as produções audiovisuais e literárias con-
sumidas pelo público jovem e a cidade do Recife, cuja estrutura física apresenta espaços arquitetônicos que
remetem à primeira metade do século XX, mas que evocam uma versão do passado marcado pelo horror que
narram as páginas de “Assombrações do Recife Velho”.
A contextualização dos estudantes com um espaço previamente conhecido serve como fator essencial
para provocar a imersão deles com o conteúdo, ministrado ora na sua abordagem convencional - de forma que
evite uma cartilha positivista, obviamente - ora na perspectiva da fantasia, onde o cenário do Recife Assombrado
evoca indiretamente elementos, crenças e costumes próprios da sociedade da época. No que diz respeito à
imersão nos espaços físicos, há orientações de como isso pode ocorrer:

II Encontro
124 Ensinar História
“[...] Não é sem propósito que abundam as descrições de espaços ou de natureza sombria e
misteriosa. Tal espécie de descrição é valorizada, uma vez que, geralmente, as personagens
que integram textos de terror/horror, suspense/mistério apresentam estados emocionais atí-
picos, fóbicos, melancólicos ou desequilibrados. Sendo assim, espaço/natureza e persona-
gens fundem-se num mesmo processo de emoção, aqueles revelando e ampliando o interior
destes.” (MENON, 2008, p. 84)

Dessa forma, as afirmações de Maurício Menon refletem o caráter que a cartilha de Aulas-Oficinas a
serem propostas nesta pesquisa devem adotar, pegando referências à cultura pop para servirem como ponto
de partida para estudos sobre as “assombrações” do Recife e o contexto histórico no qual elas estão inseridas.

3. Discussão sobre fontes


Para a elaboração do presente documento, foram consultadas fontes que serviram como base e ponto
de partida para o desenvolvimento do projeto. Inicialmente, as contribuições do sociólogo Gilberto Freyre
foram essenciais para direcionar a pesquisa, uma vez que o autor oferece em suas obras - especialmente em
“Assombrações do Recife Velho”, que possui um caráter um tanto comercial - um panorama geral do que cerca
a atmosfera supostamente sobrenatural da cidade, através dos relatos de pessoas que teriam testemunhado esses
fenômenos se manifestando em figuras humanas que remetem a um passado sombrio.
Outra obra de Freyre, “Nordeste”, também se mostrou útil, uma vez que aqui o pesquisador discorre
sobre aspectos naturais e sociais da região, sobretudo durante o período colonial, indo até o Império. Nessa
obra, fica evidente o caráter conservador do autor ao observar a forma como ele trata o aspecto social enquanto
predominava o período da escravidão. Isso demonstra que, embora Gilberto Freyre tenha sido um nome indis-
pensável para iniciar o presente projeto, não é possível deixar de levantar questionamentos e tecer críticas sobre
a abordagem problemática notável através de passagens racistas e generalizantes.
Bebendo diretamente do trabalho de Freyre sobre a “Civilização do Açúcar”, a antropóloga Fátima
Quintas oferece em seu livro “Assombrações e coisas do além” - publicado pela Fundação Gilberto Freyre - uma
discussão social sobre a maneira em que o aspecto sobrenatural está enraizado no folclore nordestino. Apesar da
importância indiscutível do seu trabalho, a obra publicada em 2009 basicamente se dedica a dissecar as pesquisas
do sociólogo falecido em 1987, trazendo uma abordagem mais conveniente para os dias atuais. A autora oferece
também uma perspectiva sociológica, trazendo um apanhado sociocultural do período colonial e o impacto
que isso tem na comunidade recifense nos dias de hoje.
No entanto, assim como Gilberto Freyre, Maria de Fátima de Andrade Quintas - embora tenha ocupado
cargo de presidenta da Academia Pernambucana de Letras, em 2012, ficando até 2016, sendo a primeira mulher
a ocupar esse posto desde a fundação do órgão - é preciso reconhecer o seu lugar de fala ao ter acesso a suas
obras. Quintas, enquanto mulher branca de classe média, pertence a uma elite intelectual que torna evidente o
caráter de exclusão presente na APL, conforme fica explícito após os comentários de Amaral e Cavalcanti (2020):

Entendendo, de antemão, que, de sua parte, houve grande esforço e muito trabalho para
galgar tais espaços, mas os fatores socioculturais também são pautas relevantes para perceber-
mos as nuances de sua ascensão. Por exemplo, de todas as mulheres imortalizadas pela Aca-
demia Pernambucana de Letras, até os dias de hoje, nenhuma é negra e, somente um século
depois da sua fundação, uma figura feminina tornou-se presidente desta instituição, a saber,
a própria Fátima Quintas. (AMARAL, W. V; CAVALCANTI, L. V, 2020, p. 2)

Dessa forma, é notória a importância da contribuição da autora para a presente pesquisa, embora se
tenha reconhecimento de sua posição privilegiada socialmente. O trabalho de Quintas é referenciado aqui
sobretudo no que diz respeito à relação de Pernambuco com o sobrenatural, e como esses fenômenos evocam
um passado trágico imortalizado em supostas entidades sustentadas por lendas urbanas enraizadas no folclore
pernambucano.
II Encontro
Ensinar História 125
Neste capítulo, não se pretende estender além do necessário aspectos importantes da biografia de
cada autor consultado. Porém, é essencial mostrar como as pesquisas dos intelectuais citados influenciaram na
composição deste Trabalho de Conclusão de Curso. É a partir daí que entram sujeitos cujo reconhecimento na
Academia - sobretudo no Nordeste - é limitado, como é o caso de Noel Carroll, que escreveu “A Filosofia do
Horror ou os Paradoxos do Coração”, que foi lançado em 1990, chegando ao Brasil nove anos depois, e possui
poucas edições físicas - não atualizadas - para venda. Assim, a opção de ler o material em seu idioma original - o
inglês estadunidense - se mostrou uma opção viável, visto que as discussões de Carroll são mais aprofundadas
e relacionadas ao contexto atual.
Em sua obra, o autor, filósofo formado pela Hofstra University e PhD em Estudos de Cinema pela
New York University e em Filosofia na University of Illinois Chicago, se dedica a explorar questões que cercam
o horror enquanto gênero cinematográfico e literário. Entre as discussões, está a clássica pergunta: “Por que
gostamos tanto do Horror, ainda que ele nos assombre?”. A pesquisa de Carroll se aplica aos presentes estudos
por conta do público-alvo das aulas-oficina sobre o “Recife Assombrado”, que é formado majoritariamente por
jovens adolescentes que consomem esse tipo de conteúdo. Os questionamentos do filósofo estadunidense, bem
como suas contribuições para os levantamentos, nos ajudam a compreender a razão pela qual as novas gerações
- se levarmos em conta que o livro foi publicado no início da década de 1990 e abrange novas abordagens para
o Horror no cinema - se conectam facilmente sobretudo com produções audiovisuais do gênero. A partir dessa
constatação, utilizam-se os filmes de terror como ponto de partida para discussões sobre o poder do medo na
sociedade, bem como a importância da memória coletiva representada em determinadas produções, traçando
paralelos com o imaginário pernambucano no que diz respeito ao folclore enraizado, que incluiu as chamadas
“assombrações” na cultura popular, embora essas entidades tenham provocado medo, repulsa e incômodo em
diferentes gerações.
Outras fontes dizem respeito ao campo Ensino de História, tendo como principal referência Peter
Lee, que foi responsável pela abordagem da chamada Literacia Histórica. Lee foi professor da University of
London, tendo comandado diversos projetos voltados para o processo de ensino-aprendizagem da História.
A experiência do autor se deve ao fato de ele ter ministrado aulas na educação básica, dando a ele inspirações
para tomar o seu rumo. Dessa forma, Peter Lee será usado ao longo desse trabalho para falar sobre a aplicação
do projeto em sala por meio das chamadas “Aulas-oficina”.
Vale ressaltar que a bibliografia, extensa, também incluem as contribuições de Mari-Pepa Vicente Perrotta,
que fala sobre a preferência dos mais jovens pelas produções audiovisuais de terror, e assim será devidamente
extraído dos seus argumentos o fundamento por trás da conexão dos adolescentes com esses filmes.

4. Metodologia
No que diz respeito aos mecanismos para a construção do projeto como um todo, do aspecto teórico
até o prático, cabe a este capítulo explicá-los em detalhes, a começar pela sua concepção inicial. Ao longo deste
trabalho, serão discutidas as possibilidades em potencial para a aplicação das aulas-oficina de História tendo
as lendas urbanas do Recife como ponto de partida. Ao conceber este projeto, foram levadas em consideração
ideias para dar maior fundamento às afirmações, como o fato de entrevistar autores como a Fátima Quintas,
bem como autoridades ligadas à Fundação Gilberto Freyre. As perguntas serão direcionadas ao caráter atribuído
às histórias de supostas assombrações que cercam o imaginário popular do Recife.
Além disso, também se fazem necessárias experimentações em sala de aula para comprovar o
potencial da temática para ser utilizada ao ministrar determinados conteúdos de História. Dito isso, foram
realizadas quatro aulas sobre o assunto - Recife Assombrado - em duas instituições de ensino diferentes: a
Escola de Referencia em Ensino Médio Professor Leal de Barros, e a Escola Técnica Estadual Porto Digital. As
abordagens ocorreram com supervisão de um docente qualificado na componente curricular, sendo respecti-
vamente dentro do projeto de Residência pedagógica - que visa a iniciação a docência - com turmas da 1a série
do Ensino Médio; e no Estágio Supervisionado Obrigatório 4, onde foi a segunda oportunidade de regência,
II Encontro
126 Ensinar História
enquanto a terceira havia sido realizada no Ensino Fundamental. O objetivo de preparar planos de aula com
essa temática foi conectado à necessidade de compor algo didático e, ao mesmo tempo, esclarecedor para os
estudantes, indo além de uma abordagem pedagógica tecnicista.

5. Crítica historiográfica
No que diz respeito ao aspecto crítico do projeto, torna-se necessário fazer uma breve avaliação acerca
das fontes que se dedicam a tratar sobre a temática “Assombrações do Recife” de forma acadêmica, uma vez
que o assunto é visto numa perspectiva comercial. Isso fica evidente quando entidades enxergam a cultura
popular como produto, visando atrair um número maior de turistas para o estado de Pernambuco. Esse apelo,
no entanto, é focado no núcleo regional, com ações de marketing e divulgação sendo voltadas para a população
local - pernambucanos, sobretudo na Região Metropolitana do Recife.
Agências especializadas em Turismo Cultural ou roteiros alternativos em geral, começaram a se interessar
pela “história sobrenatural” da cidade - ou, como ficou conhecido o título comercial, “Recife Assombrado” -
recentemente, em meados dos anos 2010. Como exemplo podemos citar a empresa Catamaran Tours, que oferece
passeios na embarcação que dá nome à razão social da entidade, oferecendo rotas diferentes para os clientes,
como “Recife e suas pontes”, “Ilha de Deus”, e o chamado “Catamaran assombrado”, um roteiro oferecido
para as noites de sábado. Este último, assim como os demais, consiste em vários passageiros navegando pelas
águas do Rio Capibaribe, apesar de ser focado nos locais onde as supostas figuras sobrenaturais foram vistas,
como a Cruz do Patrão, localizada atrás da sede da Prefeitura do Recife, local que, antes da proibição do tráfico
de escravizados e até os dias de hoje, consiste em:

[...] uma coluna de alvenaria construída em estilo dórico, com seis metros de altura e dois de
diâmetro. No topo tem uma pequena cruz de pedra, o que a torna semelhante ao “bispo” do
jogo de xadrez. Em séculos passados, era usada como referência para os navios que precisa-
vam atracar. Alinhado à cruz da velha igreja de Santo Amaro das Salinas, o marco orientava
o patrão da embarcação no canal de acesso do ancoradouro interno do porto recifense. E
“patrão da embarcação” era um termo náutico para designar o chefe da guarnição de um
barco pequeno. (BELTRÃO, 2022)

Embora o foco das entidades turísticas no chamado “Recife Assombrado” tenha sido recent, o apelo
comercial evidente na concepção dos roteiros é um fator que remete à primeira metade do século XX, quando
Gilberto Freyre publicou não apenas “Assombrações do Recife Velho” (1955), mas também os primeiros “Guias
práticos, históricos e sentimentais de cidades Brasileiras”, sendo o do Recife publicado em 1934 - apenas um
ano após “Casa Grande e Senzala” - enquanto o guia de Olinda foi lançado, de acordo com o IBGE, dez anos
depois, em 1944. Esses exemplares, cuja circulação na época foi limitada, são os primeiros “Guias Turísticos”
focados em cidades no Brasil.
Essa recapitulação breve e parcial da bibliografia de Gilberto Freyre é útil ao ilustrar o que pode ser
considerado um elemento precursor da tendência comercial que teve a temática, onde as lendas urbanas foram
incorporadas a roteiros turísticos. Vale ressaltar que até mesmo uma expressão foi criada, dando a ideia de um
novo “segmento” de atrativos: o dark tourism (NASCIMENTO, F; EVANGELISTA, G; BRAMBILLA;
A.VANZELLA, E, 2021). Mesmo em “Assombrações do Recife Velho” fica evidente esse caráter, apesar dos
relançamentos terem trazido prefácios que contextualizam o leitor e problematizam o assunto numa perspec-
tiva social e antropológica. Foram a partir dessas análises que foram encontradas algumas inconsistências no
que diz respeito à maneira como esses elementos do folclore pernambucano foram passados entre gerações por
meio da História Oral.
Isso diz respeito a versões diferentes de um mesmo suposto acontecimento, que pode ser definido
também como memória, sendo ela individual ou coletiva. Nessa perspectiva:

II Encontro
Ensinar História 127
[...] abre-se a possibilidade de que a memória, ao invés de ser recuperada ou resgatada, possa
ser criada e recriada, a partir dos novos sentidos que a todo tempo se produzem tanto para os
sujeitos individuais quanto para os coletivos, já que todos eles são sujeitos sociais. A polisse-
mia da memória, que poderia ser seu ponto falho, é justamente a sua riqueza. (GOLDAR,
2008, p.5)

Dessa maneira, fica evidente a linha tênue onde estão memórias distintas sobre uma mesma história,
contada em diferentes versões. Vale ressaltar que a forma como essas narrativas estão enraizadas na sociedade
recifense reflete o imaginário da população, entretanto, é necessário fazer um adendo à contextualização his-
tórica. Ou seja, cada “assombração” foi vista em uma época diferente, o que muitas vezes é omitido para se
encaixar em roteiros turísticos, como foi o caso da “Perna Cabeluda” - que não foi mencionada pela primeira
vez na obra de Freyre, mas sim por meio dos textos do jornalista Raimundo Carreiro, durante a década de 1970.
Versões propagadas por alguns guias de turismo contextualizam essa lenda urbana em cenários distintos, como
na Rua do Sol, localizada no centro do Recife, local onde, segundo essa narrativa, a tal perna teria perseguido
um cidadão enquanto este esperava um ônibus. Tais afirmações se chocam com o que foi dito por Carreiro
na época, mas reflete também o caráter popular que tomou a mencionada lenda urbana, sendo retratada em
diferentes mídias, como cordéis e até mesmo Histórias em Quadrinhos, onde a Perna Cabeluda chegou a figurar
como “Anti-Herói”.
A crítica que deve ser feita, portanto, está na forma como as lendas urbanas estão enraizadas na cul-
tura popular, algo a ser discutido em sala de aula, uma vez que os estudantes terão uma contextualização sobre
memória individual e coletiva, além de diferenciar esses fatores da História propriamente dita. As diferentes
versões sobre os avistamentos das entidades devem expostas de forma que seja extraído o que realmente importa:
o que isso diz sobre o recorte histórico específico de uma época. Porém, vale ressaltar que os primeiros relatos
acerca das lendas serão priorizados, sendo comparados com outras narrações feitas com o tempo. Os dois con-
ceitos - História e Memória - são utilizados ao abordarmos as “assombrações” de forma que se conectam ao
contextualizar a história do Recife utilizando o horror como narrativa central.

REFERÊNCIAS
AMARAL, Walter Valdevino; CAVALCANTI, Luiza Vieira. Jamais esquecer: vida e obra da imortal Fátima
Quintas. XIII Encontro Estadual de História - História e mídias: Narrativa em disputa, ANPUH-PE, 2020
CARROLL, Noel. A Filosofia do Horror ou Os paradoxos do coração. 1a edição. São Paulo: Papirus, 1999
FRASSON, Luana. Arte com Noel Carroll: do formalismo ao pluralismo. Revista Anagrama: Revista
Científica Interdisciplinar da Graduação: São Paulo, 2011
FREYRE, Gilberto. Assombrações do Recife velho. 4a edição. Rio de Janeiro: Record, 1987
FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil.
7. ed. revista e aumentada. São Paulo: Global editora, 2004
GOLDAR, Jô. Memória individual, Memória Coletiva, Memória Social. Morpheus: Revista Eletrônica
em Ciências Humanas, Ano 08, número 13, 2008
LEE, Peter. Literacia histórica e história transformativa. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 60, p.
107-146, abr./jun. 2016
MENON, Maurício. A narrativa de mistério/suspense, terror/horror no ensino médio: ponderações e
esclarecimentos. In: Educação literária em foco: entre teorias e práticas. 1a edição: Universidade Estadual do
Norte do Paraná, 2008

II Encontro
128 Ensinar História
MOLINARI, Edison Lourenço. O mito do rei Licaón, segundo as metamorfoses de Ovídio. II CILF &
XX CNLF: Círculo Fluminense de estudos filológicos e linguísticos, 2016.
PERROTTA, Mari-Pepa Vicente. Terror e mistérios da adolescência e juventude: Uma análise da pre-
ferência dos jovens pela história de terror. Dissertação de Mestrado em Educação, Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1988
QUINTAS, Fátima. Assombrações e coisas do além: a convivência entre vivos e mortos na civilização do
açúcar. 1a edição, Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2009
Pesquisa IBGE (Censo 2008). Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pe/recife/
pesquisa/13/5908?indicador=5913&ano=2008
Pesquisa IBGE (Censo 2021). Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pe/recife/pesquisa/13/5908?indicador=5913&ano=2021
https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2021/TR ABALHO_EV150_MD1_SA119_
ID4451_05112021233202.pdf

II Encontro
Ensinar História 129
A LUTA PELA IGUALDADE DE GÊNERO NO ENSINO BÁSICO: UMA VIVÊNCIA DO
NÚCLEO MARTA DE HOLLANDA 1
MARQUES, Ana Mendonça 11

Resumo: Os Núcleos de Estudos de Gênero fazem parte da parceria entre a Secretaria da Mulher e Secretaria
da Educação de Pernambuco, estado pioneiro na implantação dessa política pública afirmativa dentro das
escolas. Nesse sentido, surge em 2013 o Núcleo Marta de Hollanda da Escola de Referência em Ensino Médio
José Joaquim da Silva Filho em Vitória de Santo Antão (hoje, Escola Técnica), com o objetivo de combater as
mais variadas formas de violências e preconceitos de gênero no ambiente escolar, estimulando o protagonismo
juvenil, a pesquisa e criando espaços de conexões. Esse relato de vivência traz a minha experiência como profes-
sora e coordenadora do núcleo supramencionado (2013-2018), objetivando compreender a importância dos
debates sobre as relações de gênero no contexto das aprendizagens escolares, relacionando-os com a disciplina
de História, entendida como prática essencial para formação do cidadão democrático e solidário. Para uma
construção estruturada do estudo, trago o desenho metodológico a ser desenvolvido. Primeiramente, no que
se refere ao tipo de pesquisa, quanto à finalidade utilizei a pesquisa explicativa, já quanto ao procedimento,
pesquisa documental e empírica trazida a partir de um relato de experiência como coordenadora do Núcleo
Martha de Holanda. Ademais, a abordagem é qualitativa. Por isso, entender as relações de gênero é crucial para
fomentar o respeito às diferenças e a luta por igualdade e equidade, sendo os Núcleos uma política pública de
longo prazo e imprescindíveis no espaço escolar, estimulando a criticidade, a escrita e a produção científica.
Palavras-chave: Ensino. Aprendizagem. Gênero. Igualdade.

1. Educação de gênero: estimulando a igualdade


Nos últimos anos, falar sobre educação de gênero se transformou em um tabu, o Movimento Escola
sem Partido colocou o professor à margem, interrogando a sua capacidade profissional e ditando como ele
deveria agir, ferindo os princípios constitucionais que garantem, à educação brasileira, o pluralismo de ideias
e a liberdade de ensinar (BRASIL, 1988. Art:206). Propulsionar o aluno a conhecer e participar da sociedade,
ensinando os valores democráticos, é crucial para o mundo contemporâneo. Por isso, entender as relações de
gênero é uma forma de fomentar o respeito às diferenças e a luta por igualdade e equidade.
Pinsky (2010) analisa que o principal é entender o conceito de gênero e saber utilizá-lo corretamente,
compreendendo suas mudanças no âmbito temporal, social e cultural. Nesse sentido, essa temática se comunica
com inúmeras disciplinas e traz, para o ambiente escolar, um universo dialógico. Dessa maneira, descobertas,
através do conhecimento e da pesquisa, são primordiais para os discentes que farão de suas dúvidas, sementes
férteis para análises e comprovações, tornando-os indivíduos promotores de mudanças sociais, e esse é o papel
da escola (MORETTO, 2023).
É impossível não trazer à tona os problemas de gênero, visto que os discentes vivem numa sociedade
desigual: homens recebem mais se comparados aos salários das mulheres e estas são vítimas constantes das estru-
turas patriarcais que assombram, silenciam e invisibilizam. É analisando esses contextos de subalternizações,
durante os processos históricos, que essas discussões surgem, é partindo dos questionamentos do presente. Por
isso, constitui-se como problemática: como a educação de gênero pode ser implementada no ensino básico? Em
Histórias do Cotidiano, Mary Del Priore enfatiza:

Mas, afinal, poderíamos nos perguntar para que serve a história de nossas mães ou avós? E
a resposta viria simples: para fazê-las continuar a existir, viver e ser. Essa é, afinal, uma das

1 Mestranda em Ensino de História (PPGPEH/UFPE). Professora da Escola Técnica Estadual José Joaquim da Silva Filho.
anamendonca20@hotmail.com.

II Encontro
130 Ensinar História
funções potenciais da história. Não cabe fazer a história das mulheres por meio de erros ou
acertos sobre o seu passado, contar a saga de heroínas ou mártires, o que seria de um terrível
anacronismo. O que importa é desvendar as tensões, contradições e negociações que se esta-
beleceram, em diferentes épocas, entre elas e seu tempo; entre elas e a sociedade que estavam
inseridas. (PRIORE, 2001, pág. 84)

A disciplina de História pode ser um dos componentes curriculares para o debate, devido a sua própria
construção na historiografia que denuncia as desigualdades nas relações de gênero. Por que a ausência das mulheres
nos livros didáticos de histórias? Elas não eram sujeitos? Elas não ergueram nações? Elas não opinaram? Partindo
dessas indagações é possível abrir um leque de pesquisas protagonizadas pelos próprios alunos, a partir da análise dos
construtos históricos. Não podemos reproduzir uma história única, isso é perigoso (ADICHIE, 2019), conhecer
a diversidade que nos cercas e dar voz aos que, por muito tempo, foram apagados é uma forma de reconstruir os
saberes, pois a história “é uma vasta experiência de variedades humanas” (BLOCK, 2001, pág: 128).
Portanto, partimos do meu relato de experiência na Escola José Joaquim da Silva Filho (hoje Escola
Técnica Estadual), onde coordenei o Núcleo de Gênero Martha de Hollanda nos anos de 2013 a 2018. Com o
objetivo de investigar os Núcleos de Gênero como política capaz de promover a compreensão e a importância
dos debates sobre as relações de gênero no contexto das aprendizagens escolares, relacionando-os com a dis-
ciplina de História, entendida como prática essencial para formação do cidadão democrático e solidário. Para
uma construção estruturada do estudo, trago o desenho metodológico a ser desenvolvido. Primeiramente, no
que se refere ao tipo de pesquisa, quanto à finalidade utilizei a pesquisa explicativa, já quanto ao procedimento,
pesquisa documental e empírica trazida a partir de um relato de experiência como coordenadora do Núcleo
Martha de Holanda. Ademais, a abordagem é qualitativa.

2. Núcleos de Gênero
Os Núcleos de Estudos de Gênero fazem parte da parceria entre a Secretaria da Mulher e Secretaria da
Educação de Pernambuco, estado pioneiro na implantação dessa política pública afirmativa no ano de 2011,
quando governado por Eduardo Henrique Accioly Campos.
Com o objetivo de combater as mais variadas formas de violências e preconceitos de gênero na escola,
estimulando o protagonismo juvenil, a pesquisa e criando espaços de conexões. A implantação dessa política
representa formação continuada para os professores e o desenvolvimento de práticas acolhedoras e preventivas
que reconhecem a escola como um lugar plural e diverso. A constituição cidadã brasileira de 1988 garante os
direitos à igualdade e à liberdade, porém, é coeso dizer, ao analisarmos as estruturas de gênero, classe e raça que
as desigualdades ainda são gritantes e isso torna eminente o dever do Estado de criar políticas equitativas. Em
um país que mais mata a população trans (ANTRA, 2022) e é recorde em feminicídio, urge que a educação
seja o agente direto no enfrentamento dessas violências.
É impossível conceber o ambiente escolar como único, com adolescentes que aprendem e se compor-
tam da mesma forma. Coll e Solé (2006) analisam que devemos nos preocupar com aquela escola que é estática
e alienante, pois a mesma deve ter caráter social e socializador e alunos construtores de conhecimento. Dessa
forma, o meio em que o aluno está inserido é elemento crucial para sua formação, como enfatiza o Caderno da
igualdade nas escolas, produzido pela secretaria da mulher do estado de Pernambuco:

É Justamente essa qualidade de ambiente de transformação de valores e condutas que a Edu-


cação precisa assumir, abrindo, definitivamente, as portas da sociedade para as relações justas,
solidárias e igualitárias entre as pessoas e, consequentemente, para uma cultura em que os
seres humanos e o seu bem-estar sejam o centro dos interesses de toda a sociedade. Nesse sen-
tido, a concepção de Educação como um trabalho que busca fomentar a igualdade de gênero
não pode ser entendida de outra forma que não seja a de uma prática voltada à humanização
das pessoas e suas relações. (PERNAMBUCO, 2014, pág:102)

II Encontro
Ensinar História 131
Ante o exposto, a implantação de um núcleo em uma escola não representa uma nova sala ou novo
componente curricular, no entanto um zona combativa e socializadora, uma política que integra os contextos e
convida a educação a construir uma superfície democrática que respeite e lide com as diferenças, “os resultados
dessa parceria não deixam dúvidas de que a prevenção, o enfrentamento e a erradicação de todas as formas de
preconceito, discriminação e violência contra as mulheres são de interesse de docentes, estudantes e da sociedade
em geral” (PERNAMBUCO, 2023, pág:71).

3. Núcleo Martha de Hollanda: relato de experiência


O Núcleo foi implantado em 2013 na Escola de Referência em Ensino Médio José Joaquim da Silva
Filho em Vitória de Santo Antão (hoje, Escola Técnica), propondo desenvolver, na escola, um conjunto de
ações que levem à identificação, reflexão e ao debate sobre as questões relativas às desigualdades entre homens
e mulheres, à discriminação étnica e racial e aos direitos das minorias, através da iniciação científica e práticas
pedagógicas integradoras que resultem na igualdade de gênero.
Martha de Hollanda, nome escolhido para o núcleo em homenagem a vitoriense e primeira eleitora em
Pernambuco, surgiu diante de um trabalho protagonizado por alguns estudantes da escola que pesquisaram
histórias de mulheres não retratadas nos livros didáticos e na história da cidade. A autora de “O delírio do nada”,
tornou-se figura polêmica em Vitória de Santo Antão, ferindo “valores” patriarcais. Os alunos quiseram trazer
uma linha do tempo, evidenciando histórias de diversas mulheres que foram silenciadas e/ou invisibilizadas,
conectando-as aos conteúdos estudados em sala: Dandara, Joana D’arc, Olympe de Gourges, Maria Quitéria,
Mary Wollstonecraft, Berta Lutz, Celina Guimarães, Malala, Aung San Suu Kyi. Estas são algumas das resistências
presentes nos estudos que como culminância inaugurou uma sala para o núcleo e o nome oficial do mesmo.
Bittencourt (2009, pág:121) enfatiza que “Um dos objetivos centrais do ensino de História, na atua-
lidade, relaciona-se à sua contribuição na construção de identidades”, sendo assim, é importante a análise de
uma história formada por representatividades, conduzindo o aluno a reconhecer-se como parte desse processo.
A ausência de estudos que democratizem os espaços na escola não pode ser negligenciada, por isso, o compo-
nente curricular de história atuou de forma interdisciplinar com o Núcleo, interrogando as relações de gênero
na história e evidenciado essas representatividades.
O Núcleo Martha de Hollanda seguiu, entre os anos 2013 à 2018, obtendo parcerias com universida-
des, participando do Prêmio Naíde Teodósio e, não menos importante, pesquisando as relações de gênero no
ambiente escolar e no município. No ano de 2018, concretizamos a I Jornada Científica de Estudos de Gênero
que envolveu toda a comunidade escolar e, também, contou com a participação de outras escolas públicas e
particulares da cidade e estudantes e professores da UNIVISA e da UNINASSAU.
A Jornada apresentou as seguintes temáticas: 1- “Eu sou, eu posso” discutiu sobre as relações de gênero
no mundo do trabalho, inclusive detectando desigualdades entre homens e mulheres na comunidade escolar e
na cidade; 2- “Nenhum direito a menos” relatou os direitos adquiridos pelas mulheridades como voto, educação
e trabalho; 3- “O normal é ser diferente” refletiu sobre os direitos das pessoas LGBTQIAPN+, estimulando o
respeito às diferenças; 4- “Gênero e geração: entre o imposto e o mutilado analisou a discriminação étnico-racial
e de gênero nas produções cinematográficas, na música e na literatura
Para exemplificar um pouco do trabalho produzido pelos discentes, disponibilizo, abaixo, alguns dos
folders (figuras 1, 2, 3) elaborados para a Jornada Científica. A figura 1 expõe as relações de gênero no mundo do
trabalho com elementos oficiais do IPEA (2014) comparando-os com dados de 2017. O mesmo folder, também,
menciona pesquisas realizadas pelos alunos na cidade de Vitória de Santo Antão quanto aos seguintes cargos:
caixas de supermercado, prefeita, vereadoras e cabeleireiro. A figura 2 cita a participação das mulheres na arte,
música e literatura. E, por último, a figura 3 traz informações sobre o feminicídio no Brasil.

II Encontro
132 Ensinar História
Os folders evidenciam uma pequena parte dos trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo Martha de Hollanda
entre os anos de 2013 e 2018, durante o tempo em que estive como coordenadora do mesmo. Destarte, é crucial
afirmar que trabalhar gênero na escola é extremamente fértil para a construção de um ambiente solidário e demo-
crático, mas encontramos, a todo o tempo, os entraves de uma educação que ainda tem raízes no patriarcado
e reproduz estruturas, muitas vezes, desestimulantes para a prática docente. A ativista bell hooks já enfatizava
sobre a educação em seu livro O feminismo é para todo mundo:

Movimentos feministas futuros precisam necessariamente pensar em educação feminista


como algo importante na vida de todo mundo. Apesar dos ganhos econômicos de mulheres
feministas individuais, de muitas mulheres que acumularam riqueza ou aceitaram a contri-
buição de homens ricos e que são nossas companheiras na luta, não criamos escolas funda-
mentadas em princípios feministas para meninas e meninos, para mulheres e homens. Ao
falhar na criação de um movimento educacional de massa para ensinar a todo mundo sobre
feminismo, permitimos que a mídia de massa patriarcal permanecesse como o principal lo-
cal em que as pessoas aprendem sobre feminismo, e a maioria do que aprende é negativa.
(HOOKS, 2023, pág:46-47)

Sendo assim, temos nos núcleos de estudos de gênero uma das bases para trans(formar) a educação
e romper com as barreiras que o patriarcado impõe à sociedade, estimulando docentes e discentes a pensar e
problematizar o espaço em que vivem para encontrar novos caminhos para uma escola equitativa.

Figura 1. Folder da Primeira Jornada Científica do Núcleo Martha de Hollanda

Fonte: Produção dos alunos do Ensino Médio da Escola José Joaquim da Silva Filho, 2018

II Encontro
Ensinar História 133
Figura 2. Folder da Primeira Jornada Científica do Núcleo Martha de Hollanda

Fonte: Produção dos alunos do Ensino Médio da Escola José Joaquim da Silva Filho, 2018

Figura 3. Folder da Primeira Jornada Científica do Núcleo Martha de Hollanda

Fonte: Produção dos alunos do Ensino Médio da Escola José Joaquim da Silva Filho, 2018

II Encontro
134 Ensinar História
Referências
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BEARD, Mary. Mulheres e Poder - Um Manifesto. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.
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Ensinar História 135
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II Encontro
136 Ensinar História
ENSINO DE HISTÓRIA, SABERES TRADICIONAIS E RELIGIOSIDADE
AFRO-BRASILEIRA1
Mendonça Cavalcante de, Olga Cristiana2
Moura Rodrigues de, Tatiana3

Resumo: O desejo de estudar as religiões de matrizes africanas e os saberes tradicionais está relacionado com a
nossas experiências de vida e de ensino. Um primeiro ponto, a escola que trabalho no município do Cabo de
Santo Agostinho, Escola Técnica Estadual Epitácio Pessoa. Me deparei com um projeto realizado com as pro-
fessoras(res) de humanas: O Ciclo de Atividades para Afirmação da Cultura Afro-brasileira. Outro ponto em
questão são as minhas vivências em sala de aula, trabalhando temas relacionados com as questões étnico-raciais.
Dentre esses temas, o mais sensível certamente é trabalhar as religiões de matrizes africanas, com o objetivo de
contribuir para o combate ao racismo religioso. Uma experiência que me marcou ocorreu quando em uma
certa aula abordando esse tema, escrevi o nome Exu, prontamente ouvi: “Tá repreendido em nome de Jesus”.
Além disso, a lei 10.639/2003 que versa sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura Africana e Afro-
brasileira nos impele a buscarmos alternativas para a quebra de paradigmas eurocêntricos que estão enraizados
nas práticas de ensino de muitos e muitas profissionais de história. Nessa perspectiva, analisar o currículo de
Pernambuco e percebê-lo como um agente de promoção, ou não, ao enfrentamento do racismo religioso me
fez refletir sobre o papel do ensino de história na construção ou na desconstrução de um tipo de violência que
afeta o corpo e o espírito daqueles(as) que são vítimas. Tendo em vista que o ensino de História pode contribuir
para a desconstrução do medo ou da demonização das religiões de matrizes africanas, em que medida o currículo
de Pernambuco produz elementos para a problematização e o enfrentamento ao racismo religioso? Segundo o
professor doutor Sidnei Noguera o racismo religioso condena a origem, a existência, a relação entre uma crença e
uma origem preta (NOGUEIRA, 2020, pág.89). Objetivamos analisar as narrativas do currículo de Pernambuco
em torno da temática das religiões de matrizes africanas, problematizar o conceito de racismo religioso, investigar
a construção do Currículo de Pernambuco e utilizar o conhecimento tradicional das plantas para aplicar como
proposta no ensino de história, destacando aspectos estruturantes da história dos povos tradicionais do Brasil,
entre os alunos do ensino médio. A nossa motivação para o desenvolvimento da nossa produção acadêmica no
Profhistória está associada à nossa vivência no ambiente escolar permeado por embates relacionados à intolerância
religiosa principalmente no que tange às religiões de matrizes africanas, as novas tendências da historiografia,
dando visibilidade aos que por muito tempo estiveram fora do fazer historiográfico. Estudar o ensino de história
e as relações étnico-raciais perpassa pelo currículo, três caminhos que se cruzam. É no meio da encruzilhada que
refletimos sobre nossa escolha e sabemos que ela reflete a nossa visão filosófica a respeito do mundo e do nosso
compromisso social e político. Como afirma Schmidt:” (...)decidir-se por uma definição de currículo está em
se definir por uma determinada concepção, que inclui compromissos sociais e políticos(...) (SHMIDT,2003,p
68) Utilizamos em nossa análise a teoria pós-crítica pois são esses teóricos que trazem para o centro do debate
do currículo categorias como gênero, raça, etnia e sexualidade, isso não significa dizer que os teóricos críticos já
não trabalhassem com esses temas, entretanto, a categoria classe social prevalecia dentro da análise crítica. Um
dos elementos que nos chamam a atenção dentro da análise pós-crítica é que o currículo é formulado dentro
de diferentes níveis e áreas, logo deve-se distinguir o currículo escrito do currículo como atividade em sala de
aula. Uma outra lente teórica dialogada em nossa pesquisa: a decolonialidade e interculturalidade, conceitos
essenciais para refletirmos sobre as subjetividades produzidas pela colonialidade em que as religiões de matrizes
africanas ocupam um lugar de algo que precisa ser combatido e exterminado, pois está ligado ao mal, criado pelas
religiões hegemônicas. Defendemos em nosso trabalho o enfrentamento ao racismo religioso, a construção de
uma escola plural e democrática onde estudantes adeptos das religiões afro-diaspóricas não tenham medo de
declarar publicamente a crença em seus ancestrais. Desde a infância observava minha avó cuidando da família
com seus chás, lambedores e banho de ervas, adorava ajudar ela mexer na terra, plantar, cuidar da sua horta e
1 Trabalho desenvolvido com apoio financeiro da CAPES.
2 Mestranda em Ensino de História. UFPE. Bolsista CAPES. olga.mendonca@ufpe.br
3 Mestranda em Ensino de História. UFPE. tatirmoura26@gmail.com
II Encontro
Ensinar História 137
colher. O tempo foi passando, me tornei adulta e fui reproduzindo seus hábitos, me cuidando e cuidando da
família com os usos das plantas, mesmo diante da potência industrial farmacêutica, minha vó, eu e o restante das
mulheres da família procurávamos resistir aos remédios sintéticos, não só pela carência que tínhamos do acesso
aos remédios industrializados, mas principalmente por optarmos ao uso natural das plantas medicinais, por
considerarem uma forma de cura sem quase nenhum dano à saúde. Diante de todos os meus questionamentos
em busca de como eu poderia relacionar as plantas que é especificamente para a ciência um estudo particular
da biologia vegetal, botânica, e atualmente da etnobotânica, com as aulas de história. trabalhar as plantas e seus
conhecimentos tradicionais, simultaneamente ao componente curricular do ensino de história, apontando
as plantas como um elemento que pode ser trabalhado o processo de colonialidade, de modo que os efeitos
da colonialidade do poder, do saber e do ser, possibilite a construção de novas configurações de relações, não
mais permeada por valores que certifica a colonialidade, principalmente os valores que estabelece como base as
relações raciais desiguais e hierárquicas ( PAIM; PEREIRA, 2018, p. 13).
Palavras chave: Racismo religioso. Ensino de história. Currículo. Saberes Tradicionais.

1.O Ensino de História, Currículo e as Relações étnico-raciais


Pensar sobre o Ensino de História, Currículo e as relações étnico-raciais passa pela definição do termo
étnico-racial, para esse fim, utilizaremos os escritos da doutora em Antropologia Nilma Lino Gomes. Segundo
esta autora, esse termo, vem sendo adotado para se referir às questões concernentes à população negra brasileira
sobretudo na educação (GOMES, 2011, p.24). Torna-se necessário compreender que a realidade do negro do
Brasil passa também pela dimensão simbólica, cultural territorial, política e identitária e não só por caracterís-
ticas físicas e a classificação racial, ou seja, mais do que uma união de palavras essa fórmula pode ser vista como
uma tentativa de sair do empasse de uma postura dicotômica entre os conceitos de raça e etnia. As várias esferas
que compõem o ser negro no Brasil de acordo com Gomes, estiveram longe do ensino de história nos bancos
escolares do ensino fundamental e médio, tendo em vista que os conflitos em torno do teor eurocêntrico nas
abordagens de vários temas ligados a prática educativa não são recentes. (PEREIRA, ROZA.2012).
No período republicano houve uma tentativa de implantar um projeto de modernidade no Brasil, como
exemplo temos o “bota a baixo” dos cortiços e dos mocambos nos centros das capitais brasileiras. Essas alterações
nas paisagens urbanas buscando atender a um modelo dito moderno também alcançou a escola, influenciando
diretamente as ciências humanas, estas, serviram como base para a modernidade que tinha como pressuposto
conhecer para controlar, dominar redefinindo os projetos ocidentais de regimes e relações políticas, econômi-
cas, sociais e culturais. (GOMES, 2020). A escola moderna disseminava uma narrativa que visibilizava, inseria
no centro da escrita da história o homem, branco, racional, patriarcal, urbano, burguês, cristão, heterossexual
(GOMES, 2020). Desta maneira quem fugia desse patrão heteronormativo estava a margem, fora do currículo
e consequentemente dos livros didáticos. Entretanto, vale ressaltar, que a escola é um espaço de luta cotidiana
e suas formas de resistência, como nos aponta Gustavo Gomes:

Se de um lado ela é uma instituição que disciplina, seleciona, insere ou descarta os indivíduos
da vida social, dominandos de diversas maneiras e localizando-os em seus devidos lugares
dentro do projeto social que se deseja alcançar, de outro lado também ela mesma é palco de
micropoderes, de conflitos, de lutas cotidianas e suas formas de resistência (FOUCAULT,
1979; 2011). A escola é, portanto, um espaço de disputas. (GOMES, 2020, pág.14)

Disputas que existiram ao longo da história escolar. Durante a Era Varga, por exemplo, houve uma
construção da identidade nacional brasileira, durante esse período da história nacional o Estado no Brasil criou
várias estratégias para disciplinar a sociedade. Dentro desse processo a História enquanto disciplina, exerceu
um papel fundamental. Segundo Kátia Maria Abud, em seu artigo Formação da Alma e do caráter nacional:
Ensino de História na Era Vargas:

II Encontro
138 Ensinar História
As listas de conteúdos, sua distribuição pelas séries da escola secundária, as orientações para
o trabalho pedagógico elaborados pelas instituições educacionais durante o período em que
Vargas governou, traduziam a preocupação oficial e as discussões que perpassavam os meios
intelectuais brasileiros. Mais do que isso, eram um instrumento ideológico para a valorização
de um corpus de idéias, crenças e valores centrados na unidade de um único Brasil, num pro-
cesso de uniformização, no qual o sentimento de identidade nacional permitisse a omissão da
divisão social, a direção das massas pelas elites e a valorização da “democracia racial”, que teria
homogeneizado num povo branco a população brasileira.(Abud, 1998,p.3)

O desenvolvimento educacional na era Vargas apresentou a preocupação do Estado brasileiro e do meio


intelectual do período em construir uma unidade nacional num processo de uniformização que omitisse os
vários grupos sociais que estavam sendo invisibilizados, marginalizados dentro de uma falsa ideia da “democracia
racial. O grande modelo apresentado como ideal ainda era a do colonizador europeu. Um outro aspecto bastante
relevante é analisar a presença do negro nos livros didático desse período, a mesma autora citada a cima, observa
que naquela época existia pouco para estudar a população afro-brasileira a partir dos seus aspectos etnográfi-
cos. O tema no qual o africano se fazia presente era no conteúdo que tratava da economia sendo visto como
mercadoria, produtor de outras mercadorias.” (...) os livros didáticos salientavam a importância do africano
para a vida econômica do país, mas procura mostrar que a negritude estava sendo diluída pela miscigenação”,
(Abud,p.5). Além da questão econômica, alguns aspectos culturais eram destacados, como a língua, a culinária
e as “superstições” como os manuais de História abordavam as religiões de matrizes africanas.
A forma como os currículos e consequentemente os livros didáticos abordavam as questões religiosas
ligadas ao negro, contribuíram para uma mentalidade que ligava as religiões de matrizes africanas ao mal, ao
diabo. Além de cultos da religiosidade afro-brasileira serem um obstáculo para a unidade nacional embasada
na língua portuguesa e na religião católica, ainda existia claramente uma perseguição estatal a essas práticas,
pois um período de maior perseguição policial contra os terreiros ocorreu no Estado Novo. A maneira como as
religiões de matrizes africanas era tratada nos livros didáticos em conjunto com a ação do Estado e o discurso das
religiões hegemônicas contribuíram para a construção do Racismo religioso que se configurava na perseguição
a essas formas de culto ao longo da história do Brasil desde que teve início a diáspora africana para América
portuguesa como aponta Nogueira:

João José Reis (2005, p. 25) afirma que pouco se sabe sobre a história das religiões afro-brasi-
leiras no século 19. Informações sobre os adeptos dessas religiões aparecem frequentemente
em dois tipos de fontes: os registros policiais e as notícias de jornal. É sabido que na segunda
metade do século 19 a escravidão e o racismo científico resultaram na perseguição ao can-
domblé e na punição de seus seguidores. Com o fim da escravidão, o “baixo espiritismo”,
designação por meio da qual candomblé e umbanda foram desqualificados e rebaixados de
forma sistemática nos planos moral e religioso, foi mantido sob forte repressão institucional
até a década de 1940. Sobre isso Mariano (2001, p. 127) afirma: “Nesse período, prepon-
deraram contra eles acusações de prática ilegal da medicina, curandeirismo e magia negra
expressas, documentalmente, em discursos da imprensa, da polícia, da justiça, muitos deles
oriundos, inclusive, da pena de diversos intelectuais.”(NOGUEIRA, 2020,p.50)

Resistência foram desenvolvidas pelos negros e negras desde o período da escravização e a partir da Criação
Movimento Negro Unificado transformaram-se em pressão para a criação de políticas afirmativas, uma delas é
a instituição das leis nº 10.639/2004 e nº 11.645/2008. A alteração na Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996) – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – quando instituiu as Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008,
marcou significativamente quanto à obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, africana
e Indígena, explicitado no ensino de História. Podemos ver isso no artigo 1º, inciso 2º: O Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história
e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes
africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas. (BRASIL, 2003). Concordamos com
II Encontro
Ensinar História 139
Gomes quando afirma que o percurso de normalização decorrente da aprovação da lei nº 10.639/03 deveria
ser mais conhecido pelos educadores das escolas públicas e privadas do país (Gomes, 2011). A construção desse
caminho que possibilitou aprovação das leis citadas acima revela muita luta da sociedade civil, como também
uma mudança de postura por parte do Estado brasileiro ao aprovar essas iniciativas e práticas afirmativas na
educação básica, possibilitou uma forma de correção de desigualdades históricas que incidem sobre a população
negra em nosso país.
Entretanto, nas nossas primeiras análises realizadas no Currículo de Pernambuco para o ensino médio
encontramos poucas referências as religiões de matrizes africanas. No organizador curricular para as turmas do
2º ano, nas habilidades específicas do componente((EM13CHS503HI15PE) temos, analisar e compreender
as relações de dominação e resistência, evidenciando conflitos e negociações existentes entre diferentes grupos
sociais, culturais, territoriais, religiosos, étnicoraciais, de gênero, de orientação sexual, de idade, comparando
os diferentes contextos históricos (CURRÍCULO DE PERNAMBUCO, 2021). Em seguida o Objetivo de
Conhecimento: Império Bizantino. Reforma religiosa e Contrarreforma. Expansão Islâmica. Religiões orientais
e de matizes africanas. (CURRÍCULO DE PERNAMBUCO). As religiões de matrizes africanas são citadas
dentro de um contexto específico de uma série apenas, 2 anos, utilizando nas habilidades específicas termos
genéricos, dominação e resistência, para englobar conteúdos distintos sem nenhum aprofundamento.

2. Epistemologia de Terreiro e o Ensino de História


A instituições escolares possui o papel disciplinador, no Brasil a escola normaliza e exclui as crianças
e jovens negras que a abandonam por vários fatores sociais.(CARNEIRO, 2023) O dispositivo de racialidade
articulado ao epistemicídio, de acordo com Suely Carneiro, na educação parece encontrar, segundo a autora,
uma realização explícita.(CARNEIRO, 2023,pág.310) Carneiro reforça que a escola é um espaço de negação do
sujeito, da identidade negra utilizando o discurso da miscigenação destituindo o negro da condição de partici-
pante de um grupo de interesse no qual seja reconhecido, utilizando estratégias de controle e anulação do sujeito
político. Do ponto de vista filosófico, o dispositivo de racialidade produz uma subjetivação negativa da pessoa
negra na perspectiva de anulação do Outro como o Não Ser. São os processos de resistência apresentados nas
entrevistas, dadas a autora na construção da sua tese de doutorado, que contribuirão para uma ética renovada
no cuidado de Si refletido no cuidado com o outro.
Estas ideias de Sueli Carneiro que me fazem pensar a partir do meu lugar de atuação profissional, pro-
fessora de história que tem como ideário de futuro uma sociedade justa e igualitária, repensar as metodologias
utilizadas durante as minhas aulas. Seguir com um modelo quadripartite embasado em uma perspectiva da
colonialidade eurocentrada, não possibilitará a concretização do meu desejo em vislumbrar uma sociedade que
prevaleça a equidade. A desconstrução desse modelo produtor de desigualdades perpassa pela adoção de novos
aportes teóricos metodológicos. Paim e Souza em seu artigo Decolonialidade e interculturalidade: pressupostos
teóricos-metodológicos para a educação das relações etnicorraciais no ensino de História problematizam as
razões da não obediência a lei 10.639/2003 pelos estabelecimentos de ensino no Brasil.
Estudar sobre a história da comunidade negra não interessa apenas aos pretos e pretas mais também a
pessoas de outras etnias, pois trabalhar essas temáticas em sala de aula nos permite trazer reflexões que contri-
buam para uma reformulação psíquica, concordamos com Munanga quando afirma “[...] não interessa apenas
aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente
branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas
psíquicas afetadas.” (Munanga, 2005, p. 16).
Boa parte das ideias etnocêntricas que formulam o racismo religioso são consolidadas nos bancos
escolares reflexo de um ensino que não valoriza a pluralidade cultural reproduzindo o discurso do dominador
propagando crenças das religiões hegemônicas. Um dos maiores alvos do racismo religioso é a divindade Exu.
Segundo a definição dos historiadores da Universidade de Pernambuco,

II Encontro
140 Ensinar História
Essa figura é complexa e contraditória, uma vez que tem um perfil irreverente, esperto e viril,
responsável pela movimentação do sistema que orienta a vida humana. Ele tem o poder de
controlar as práticas mágicas, de produzir os feitiços, de levar as mensagens dos homens às
divindades. Por isso é um comunicador, um tradutor dos enigmas. Do mesmo modo que
é possível levar as verdades, ele também faz as mentiras tomarem proporções gigantescas.
Por este motivo, é a primeira divindade a ser reverenciada nos cultos, a receber oferendas e
cânticos, com a intenção de agraciá-la, acalmá-la, com o objetivo de facilitar o desenrolar das
coisas. (MOURA, SANTOS E ARAÚJO, 2022, p.337)

Diante dos aspectos da personalidade de Exu e o que ele representa, não foi difícil para os missionários
cristãos no processo de colonização no final do século XIX associá-lo ao mal ao demônio, essa visão dualista
judaico-cristão contribuiu para inferiorizar, demonizar, os valores pretos na diáspora. Trazer esses debates para
as aulas de história busca dar visibilidade a saberes culturais ancestrais que foram e são perseguidos e silenciados
a ponto de estudantes adeptos das religiões de matrizes africanas não se sentirem seguros em propagar a sua
religiosidade é o que nos aponta o professor Sidnei Nogueira:

Ainda sobre a questão da vergonha, da invisibilidade e até do medo dos adeptos das tradições
religiosas de origem africana se identificarem como umbandistas, candomblecistas, de ter-
reiro ou do axé, o ato de se esconderem a fim de se tornaram invisíveis – sempre mais seguro
do que a visibilidade – pode ser reforçado pelo trabalho do professor e babalorixá Patrício
Carneiro Araújo (2017). (NOGUEIRA, 2020, p.76).

Segundo o professor Patrício que realizou uma pesquisa quantitativa em cinco escolas estaduais em
São Paulo, evidencia-se a ausência quase total de alunos e professores pertencentes a religiões de matriz africana.
Chamou a atenção do pesquisador os fatos de existirem nos bairros dessas escolas comunidades tradicionais de
terreiro e mesmo assim, não haver pessoas se auto declarando pertencentes as essas religiões, sendo esses espaços
frequentados por um grande número de adeptos em idade escolar e dessa maneira, não aparecem na pesquisa
empreendida pelo babalorixá. É mais seguro para essas, esses estudantes e professores permanecerem no anoni-
mato ou se declararem pertencentes a outras religiões do que publicitarem a crença nos orixás.
Aspectos pessoais, profissionais e sociais nos impulsionam a tratar dessas questões no mestrado acadê-
mico em História na tentativa de contribuir para uma ressignificação na visão de mundo das nossas e nossos
estudantes, vislumbrando um mundo no qual as pessoas não sejam perseguidas ou mortas devido a fé que
professam ou mães não percam a guardas dos seus filhos e filhas pelo fato de seguirem uma religião que ao longo
do tempo com a ajuda dos saberes escolares foi vista como algo que necessita ser combatido e exterminado.

3. Conhecimentos tradicionais e o ensino de história


A nossa proposta pretende utilizar o conhecimento tradicional das plantas para aplicar como proposta
no ensino de história, destacando aspectos estruturantes da história dos povos tradicionais do Brasil, entre os
alunos do ensino médio e fundamental. Com essa proposta desejamos desenvolver um documentário, com
entrevistas e aulas de campo para que os alunos experimentem novas formas de aprender história.
Desde a minha infância observava minha avó cuidando da família com seus chás, lambedores e banho de
ervas, adorava ajudar ela mexer na terra, plantar, cuidar da sua horta e colher. O tempo foi passando, me tornei
adulta e fui reproduzindo seus hábitos, me cuidando e cuidando da família com os usos das plantas, mesmo
diante da potência industrial farmacêutica, minha vó, eu e o restante das mulheres da família procurávamos
resistir aos remédios sintéticos, não só pela carência que tínhamos do acesso aos remédios industrializados, mas
principalmente por optarmos ao uso natural das plantas medicinais, por considerarem uma forma de cura sem
quase nenhum dano à saúde.

II Encontro
Ensinar História 141
Em um certo momento da minha vida comecei a frequentar um terreiro de umbanda, me tornei filha
de santo, e descobrir o quanto os grupos das religiões de matriz africana se relacionam de forma tão particular
com as plantas, como também os de jurema (culto indígena). Para os praticantes desses cultos, os usos das plan-
tas são imprescindíveis nos rituais, Ewé ó! Kó si ewé, kó sí Òrìsà, que significa: sem folha não há orixá,
saudação à Ossain4.
E a partir daí, fui percebendo como de uma forma ou de outra as plantas estão no nosso dia a dia, seja
através dos conhecimentos que aprendemos com nossos antepassados, através de ritos religiosos, dos bons hábitos
alimentares, do autocuidado com as ervas, nas produções de chás, lambedores, garrafadas e até mesmo através
da indústria farmacêutica, quando os cientistas descobrem suas fórmulas benéficas à saúde e as transformam
sinteticamente para seus usos comerciais.
E a partir dessa minha observação e experiência, surgiu o interesse de aproveitar minhas aulas de História,
em outros espaços da escola que não fosse a sala de aula, por conta da pandemia percebi que os alunos não
queriam mais estar nas salas, não se detinham a filmes por mais de 10 min, eles queriam qualquer outra coisa,
menos sala de aula.
Comecei a me questionar, como atrair esses jovens do ensino médio para as aulas de história? Pensei
em aulas de campo, mas ainda não podíamos ocupar outros espaços, por conta das medidas de restrições, que
ainda não haviam sido liberadas às visitações, e ao observar em torno da escola, percebi uma horta sem uso, um
espaço tranquilo e bem espaçoso, levei os alunos para esse espaço e começamos a perceber o quanto seria inte-
ressante retomar a horta, plantar, e foi a partir daí que surgiu a ideia de trabalhar em minhas aulas de história
o conhecimento com as plantas tradicionais, apresentando as plantas como elemento constante do processo
histórico, que está presente em vários contextos históricos e em vários aspectos das ciências, como nas ciências
biológicas, na geografia, etnobotânica, na história, na química, como também no conhecimento popular que
nossos ancestrais desenvolveram na observação, na necessidade do uso em busca de curas dos seus males físicos
e espirituais.

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II Encontro
Ensinar História 143
UMA ANÁLISE DAS TEMÁTICAS ETNICO-RACIAIS PRESENTES NO CURRÍCULO
DE HISTÓRIA DAS CULTURAS DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DE SANTO ANTÃO/PE
A PARTIR DA LEI 11.645/08
PEREIRA, Claudiane Ferreira

Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar os conteúdos presentes no currículo de História das
Culturas do município de Vitória de Santo Antão/PE a partir da Lei 11.645/08. O currículo apresenta-se como
uma ferramenta indispensável no processo de ensino-aprendizagem, nele temos a organização dos saberes que
chegarão às salas de aula. Nesta pesquisa iremos investigar como as discussões etnico-raciais e o debate intercul-
tural estão organizados neste documento. Para isso, formulamos alguns questionamentos: Quais saberes estão
sendo privilegiados? Com qual noção de currículo o município trabalha? Entre outras questões pertinentes.
Palavras-chave: Currículo de História. Lei 11.645/08. Ensino etnico-racial.

Introdução
A lei 11.645 exige uma reforma significativa nos currículos escolares de todo o Brasil. A medida instituída
em 2008, acrescenta o ensino de história e cultura indígena em toda rede básica, sendo em escolas públicas ou
privadas, no ensino fundamental e médio. O estudo das temáticas da cultura africana já estava regulamentado
no Brasil desde de 2003, contudo, os aspectos culturais indígenas só passaram a compor os currículos em 2008.
Sendo assim, observamos que há uma ampliação das temáticas etnico-raciais e interculturais nas escolas, uma vez
que as contribuições dos povos indígenas em diversos setores da sociedade brasileira passam, nesse momento,
a ser consideradas.
É importante ressaltar que essa lei é resultado do esforço e manifestações dos movimentos sociais
ocorridos no país, sobretudo no início do século XX, a exemplo do Movimento Negro (PENHA,2010.). A
introdução dos estudos étnicos no Brasil ganhou bastante engajamento após a Constituição de 1988, a qual
garantiu direitos fundamentais aos povos indígenas e afro-brasileiros. Através de muitas reivindicações, esses
povos conseguiram conquistar espaço na elaboração desse documento. Após o reconhecimento e o assegura-
mento do respeito à diversidade étnica existente no Brasil, feito pela Constituição de 1988, a lei 9.394/1996 que
estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) busca reforçar e organizar o ensino das temáticas
etnico-raciais nas escolas e uma das ferramentas utilizadas para isso será o currículo.
Contudo, neste trabalho busca-se observar de forma minuciosa a organização desse currículo e como
tais discussões se apresentam nele. Apesar de termos uma medida que assegure as temáticas etnico-raciais e
interculturais nas escolas, é necessário uma análise mais aprofundada de como essas ideias estão articuladas. Esse
trabalho tem como objetivo analisar os conteúdos presentes no currículo de História das Culturas do município
de Vitória de Santo Antão/PE a partir da lei 11.645/08, visando tentar identificar as temáticas privilegiadas
por esse documento. Através dos termos utilizados para abordar a história e cultura afro-brasileira e indígena,
buscaremos analisar os saberes em que esse currículo está alicerçado.

Justificativa
Analisar as discussões em torno da lei 11.645/08 presentes no currículo de História das Culturas de
Vitória de Santo Antão é fundamental para compreender como o ensino das temáticas etnico-culturais estão
sendo abordadas pelas escolas do município. A criação da lei 11.645/2008 não é suficiente para garantir um ensino
adequado sobre a história e cultura indígena e africana, ela não garante que as escolas irão abordar esse assunto
de forma crítica e eficiente, dando protagonismo aos saberes desses povos, por exemplo. Em muitos currículos
ainda é comum limitar a história e cultura indígena e africana a formação da identidade e cultura brasileira,
ou até mesmo a formação do território nacional. O que passa a noção de que esses povos foram importantes
II Encontro
144 Ensinar História
apenas no passado, e que na sociedade contemporânea seus saberes não são mais relevantes. Portanto, vemos
que apesar da promulgação da lei 11.645/2008, que altera os currículos de todo o Brasil, o ensino das temáticas
etnico-culturais chegam muitas vezes deformados nas escolas. Tendo isso em vista, é de suma importância com-
preender a construção desses currículos e analisar quais saberes sobre a história e cultura dos povos africanos e
indígenas estão chegando às escolas.

Fontes e Metodologia
Para a realização deste trabalho serão analisados dois documentos principais: o currículo de História
das Culturas do município de Vitória de Santo Antão/PE, lançado em 2022, que aparece como uma exceção no
estado de Pernambuco e a lei 11.645/08 que estabelece o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena
no ensino básico. Através de uma análise minuciosa desses documentos textuais, buscaremos entender como o
ensino da temática étnico-racial está organizado nas escolas de ensino fundamental do município mencionado
acima.
A fim de identificar as temáticas presentes no currículo de História das Culturas de Vitória de Santo
Antão/PE a partir da lei 11.645/08, faremos uma análise dos conteúdos e habilidades que esse documento esta-
belece respaldados em alguns referenciais teóricos, a fim de contemplar quais saberes estão sendo privilegiados
pelo currículo em detrimento de outros. É importante ressaltar que as duas fontes mencionadas estarão inter-
ligadas para o cumprimento do objetivo desta pesquisa, uma vez que a elaboração do currículo só foi possível
devido a medida instituída em 2008.
O percurso metodológico presente na nossa pesquisa é de caráter documental, qualitativa, bibliográfica
e exploratória, caracterizado pelo trabalho de Gonçalves (2011). Se apresenta como documental no momento
em que iremos explorar um documento que ainda não recebeu tratamento analítico, no caso aqui, o currículo
de História das Culturas e a lei 11.645/08, que se apresentam como fontes primárias. Contudo, é importante
ressaltar que o fato de se tratar de uma fonte primária não lhe isenta de parcialidades. “A fonte primária não se
refere à exatidão ou veracidade do registro em termos absolutos. Qualquer pessoa que relata um problema não
o faz imparcialmente” (GONÇALVES,2011). Ao analisarmos as duas fontes, será possível identificar quais
grupos serão beneficiados ou excluídos com a criação de ambas.
Ao analisarmos os diversos sentidos dados a lei 11.645/08 e as temáticas etinico- raciais e intercultu-
rais, podemos também classificar essa pesquisa como qualitativa, visto que, tal metodologia preocupa-se com
a compreensão e interpretação do fenômeno, considerando os significados que os outros dão às suas práticas.
(GONÇALVES, 2011, p. 70) Ao longo do tempo, é possível identificar os diversos sentidos dados à história
indígena e africana, desde a tentativa de ocultação e silenciamento dessas histórias , até a marginalização delas.
Buscaremos neste trabalho, investigar os sentidos e a compreensão que os povos indígenas e afro-brasileiros
obtiveram dessa problemática. E como tal compreensão impulsiona os movimentos sociais para reivindicação
de direitos básicos, entre eles, o do ensino de história indígena e africana nas escolas. Desse modo, vemos como
mais uma vez o percurso metodológico da pesquisa se mostra também como qualitativa, uma vez que essa
metodologia “é um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou grupos atribuem a
um problema social ou humano” ( Richardson (2017, p. 67).
Ademais, à medida em que consultaremos livros, artigos e dissertações para tentar compreender como
o ensino das temáticas etinico-raciais e interculturais é tratada por alguns grupos da sociedade e nas escolas do
município de Vitória de Santo Antão/PE, constata-se que essa pesquisa também se apresenta como bibliográ-
fica. Esse tipo de material se mostra indispensável aqui, uma vez que as narrativas construídas sobre a história e
a cultura dos povos indígenas e africanos irão nos auxiliar a compreender determinados acontecimentos, entre
eles, a criação da lei 11.645/08. Investigar o contexto em que essa lei foi instaurada é fundamental para entender
como o ensino das temáticas etinico-raciais e interculturais chegam às escolas.

II Encontro
Ensinar História 145
Ao analisar alguns fenômenos que estão ocorrendo no Brasil no período em que a lei é promulgada tam-
bém irá caracterizar essa pesquisa como exploratória. Visto que esse tipo de metodologia oferece dados elementares
que dão suportes para a realização de estudos mais aprofundados sobre o tema” (GONÇALVES,2011,p.67.)
Observar a ação de alguns movimentos sociais e as disputas de poder no campo educacional, pode nos fornecer
uma visão mais ampla do contexto em que as temáticas etinico-raciais passam a compor os currículos escolares.

Currículo como uma Construção Social


Ao trabalhar currículo, é necessário antes de tudo, referenciar a noção que será empregada a este
documento, tendo em vista as concepções diversas dessa ferramenta tão fundamental para o processo de ensi-
no-aprendizagem. Aqui será utilizada a visão de currículo como uma construção social, a qual é defendida por
diversos pesquisadores da área. Um deles é o especialista em teoria da aprendizagem Ivor Goodson, o qual em
seu artigo intitulado A Construção Social do Currículo, analisa a historicidade desse documento e os agentes
políticos e sociais que o constrói, reforçando a ideia de que o currículo está sempre passível a modificações de
acordo com o contexto em que é elaborado (GOODSON,1997). Nas “dimensões de currículo”; feita pelo
pesquisador Tomaz Tadeu da Silva (SILVA, 2000, p.82.), podemos observar bem um pouco dessa dinâmica.
Segundo ele, podemos dividir o currículo da seguinte forma: Currículo Formal; se refere ao currículo prescrito,
definido e explícito através dos documentos oficiais dos estabelecimentos educacionais, Currículo Real: aquele
que de fato se concretiza na sala de aula, levando em conta a realidade dos alunos e o Currículo Oculto: tudo
que se aprende nas relações sociais entre professor e aluno. Na dimensão do currículo real, é possível enxergar
como os próprios alunos são responsáveis por sua construção, levando em consideração se esse documento está
ou não associado a sua realidade, caso não esteja, é necessário modificá-lo para a efetivação de uma aprendizagem
histórica que tenha sentido
Utilizando o trabalho da Ana Maria Monteiro, “Aulas de História: questões do/no tempo presente”;,
é importante analisar os sentidos que os professores dão aos saberes que ensinam. A autora ressalta como esses
sentidos estão associados à temporalidade e ao contexto em que são produzidos. O conhecimento disciplinarizado
História é entendido como produção dos docentes/agentes culturais em diálogo com seus alunos, em contextos
curriculares específicos (Monteiro, 2015, p.166). Ainda seguindo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que,

“Na teoria educacional e na prática do currículo, esses dois conjuntos de epistemologias são
produzidos por um movimento dinâmico: as reflexões internas à ciência e as questões colo-
cadas pelos sujeitos sociais organizados em movimentos sociais e ações coletivas no campo
educacional” (GOMES, Nilma, p. 99).

Vê-se assim, mais uma vez, como a construção do currículo está associada às questões do período em
que ele é pensado e este documento não pode está desconectado do seu tempo nem da realidade em que atua. A
partir dessa perspectiva, é possível observar como as questões etnico- raciais passam a fazer parte dos currículos
no Brasil. Após análise de alguns teóricos, a historiadora Maria da Penha da Silva conclui que:

“A introdução dos estudos sobre esse tema por meio dos debates e discussões teve início nas
duas primeiras décadas do século XX, ganhando mais significado nos anos 1940, com a ên-
fase dos grupos étnicos com o enfoque no “movimento negro” se contrapondo ao mito da
“democracia racial” (PENHA, Silva, 2010, p. 39).

Desse modo, a lei 11.645/08 que regulamenta o ensino da história e cultura africana e indígena no
ensino fundamental e médio de todo país é resultado das lutas dos movimentos sociais que se intensificaram a
partir do século XX. A presença da temática etinico-racial nos currículos escolares é com certeza uma conquista
desses movimentos, contudo, é importante analisar como e quais saberes chegam aos alunos. Para isso, foram
formulados alguns questionamentos: Quais saberes estão sendo privilegiados? O saber indígena tem espaço
nesse currículo? Quais modos de aprendizado e de transmissão do conhecimento estão sendo utilizados? Entre
II Encontro
146 Ensinar História
outros questionamentos pertinentes. De acordo com o pesquisador Ruben Caixeta, no ensino da história e
cultura indígena “esquece-se, a começar, dos próprios modos de aprendizado e transmissão do conhecimento
baseados na transmissão oral” (QUEIROZ, Ruben, 2011, p.146) , um elemento fundamental da cultura dos
povos indígenas no Brasil.
Analisar os conceitos presentes no currículo de História das Culturas do município de Vitória de
Santo Antão/PE, é sobretudo, tentar compreender como o ensino da cultura africana e indígena estão sendo
abordadas pelas escolas do município. A criação da lei 11.645/2008 não é suficiente para garantir um ensino
adequado e de qualidade sobre a história e cultura indígena e africana, ela não garante que as escolas irão abor-
dar as temáticas etinico-raciais e interculturais de forma crítica e eficiente, dando protagonismo a produção de
conhecimento desses povos, por exemplo.

As temáticas étinico-raciais e o debate intercultural na formação inicial de professores


Para além da chegada das temáticas etinico-raciais e do debate intercultural nas escolas, é de suma
importância investigar como os professores dessas escolas vêm incorporando esse diálogo nas universidades
em sua formação inicial. Tal debate tornou-se obrigatório nas universidades a partir de 2015 com a resolução
CNE/CP nº 2/2015. Algumas correntes teóricas serviram de alicerce para essa nova perspectiva no âmbito do
ensino superior, como é o caso dos estudos decoloniais, que busca romper com a lógica hegemônica e opressora
do colonialismo. A pesquisadora Sawana Araújo em sua tese Os Diálogos Interculturais e as Relações Étinico-
Raciais na Formação Inicial de Professores: da obrigatoriedade a sua implementação nos curso de licenciatura
da UFPB ressalta que:

A decolonialidade é uma forma encontrada pelos professores para a inserção do diálogo in-
tercultural e das relações étnico-raciais nas instituições de ensino superior do nosso país, pois
significa saímos de uma formação eurocêntrica, hegemônica e a e branca e entrarmos em um
debate que trabalhe com o conhecimento e intercâmbio entre as culturas.branca e entrarmos
em um debate que trabalhe com o conhecimento e intercâmbio entre as culturas (SOU-
ZA,2022,p.117).

Apesar do trabalho de Sawana se limitar a uma instituição específica, ele nos ajudará a compreender
o contexto em que essa resolução é instaurada e como esse debate chega ao ensino superior. É pertinente res-
saltar que antes da Resolução de 2015 mencionada acima, tivemos a Lei nº 10.639/2003, a Lei 11.645/08 e a
Resolução CNE/CP nº 01/2004, regulamentando esse debate nos espaços educacionais. Em um de seus artigos,
a Resolução CNE/CP nº 01/2004 estabelece que as instituições de ensino superior devem incluir em seus cur-
rículos e práticas a educação das relações étinico-raciais para o ensino de História Afro-brasileira e Africana1.
Vê-se assim, como tais medidas buscam impulsionar o combate a uma educação eurocêntrica perpetuada a
tanto tempo. Esse debate precisa estar cada vez mais presente na formação de professores, sobretudo, na sua
formação inicial. Através de pesquisas e projetos de extensão, é fundamental que esses futuros docentes tenham
a oportunidade de se preparar para trabalhar o ensino das relações etinico-raciais nas salas de aula. Contudo, é
necessário que haja um prática conscientizadora e transformadora dentro das instituições de ensino superior,
sejam elas públicas ou privadas, caso contrário, esse debate chegará esvaziado às escolas.
As temáticas étinico-raciais e o diálogo intercultural nas instituições de ensino superior, regulamen-
tado por algumas Resoluções, entre elas a Resolução CNE/CP nº 01/2004, é reflexo de uma sociedade que
está passando por algumas transformações, sobretudo, no meio cultural. Tais mudanças são reivindicadas por

1 1 Art. 1° A presente Resolução institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas Instituições de ensino, que atuam nos níveis
e modalidades da Educação Brasileira e, em especial, por Instituições que desenvolvem programas de formação inicial e continuada
de professores (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CONSELHO PLENO, 2004).

II Encontro
Ensinar História 147
alguns grupos marginalizados, como é o caso dos indígenas e afro-brasileiros. Essas medidas não podem estar
dissociadas do contexto social em que são instauradas, elas são resultados de reivindicações feitas por esses
grupos, os quais passam a cobrar seu espaço na produção do saber. Contudo, é importante que esses saberes
cheguem às instituições de ensino, dessa forma haverá a possibilidade de combater a educação hegemônica e
eurocêntrica consolidada a tanto tempo.

REFERÊNCIAS
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Pesquisa, v. 17, n.2, 2010.
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II Encontro
148 Ensinar História
HISTÓRIA VISTA DE BAIXO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: QUE TIPO DE HISTÓRIA
PRECISAMOS ENSINAR AOS ALUNOS?
PINA, Silvânia de Jesus1
MIRANDA, Humberto da Silva2

Resumo: Entendendo o ensino de história como um fenômeno social, este artigo propõe uma reflexão sobre
os significados de uma abordagem da História vista de baixo no ensino da Educação Básica no Brasil. Com esse
objetivo, recorremos as abordagens de teóricos como Koselleck (2013), Trouillot (2016), Thompson (2001),
Hobsbawm (1998), Albuquerque Júnior (2007), Jim Sharpe (1992) e Lynn Hunt (1992) para construção do
entendimento sobre o conceito de História e o surgimento de uma tendência historiográfica vista de baixo. Para
analisar os desígnios do ensino de História, buscamos fundamentar as discussões em autores como, Bittencourt
(2008), Cerri (2011), Davies (2009), Abud (2011), Fenelon (2008), Carmem Gil (2017), dentre outros. Os
resultados comprovam certa configuração do ensino de História na perspectiva da História vista de baixo a partir
das Leis 10.639/03 e 11.645/08 e das orientações elencadas pela Base Nacional Comum Curricular.
Palavras-chave: Ensino de História. Educação Básica. História vista de baixo.

1. Observações introdutórias
A busca por um conceito de História é um passo relevante para construção de uma análise das tendên-
cias do ensino de História, principalmente, tendo em vista o ensino na perspectiva da História vista de baixo
como sinônimo da História Inclusiva.
Conforme as considerações de José D’Assunção Barros (2019, p. 255) “a História Vista de Baixo torna-se
um capítulo fundamental da História Inclusiva, que por outro lado atravessa a sociedade de alto a baixo, por
todos os lados, em todas as profundidades”. Assim, acreditamos que as desigualdades decorrentes do capitalismo
podem ser em boa parte afrontadas por uma História Vista de Baixo. Desse modo, a História vista de todos os
lados seria sinônima de uma História verdadeiramente inclusiva.
A partir dessa perspectiva, é importante enfatizar que nas últimas décadas, a história dos grupos subal-
ternos e silenciados vem ganhando visibilidade e a ampla produção sobre esse tema conduz ao destaque dos
estudos do historiador Edward Palmer Thompson3 sobre a formação da classe operária inglesa (1998). Nesse
processo, Thompson não se limitou apenas a identificar o problema geral da reconstrução da experiência de um
grupo de pessoas comuns, mas, “percebeu também a necessidade de tentar compreender o povo no passado, tão
distante no tempo, quanto o historiador moderno é capaz, à luz de sua própria experiência e de suas próprias
reações a essa experiência” (JIM SHARPE, 1992, p. 41).
A partir de Thompson começou a aparecer uma produção historiográfica marxista com ênfase em
conteúdos sociais, articulando o conceito de classe social ao de cultura. Em decorrência dos debates suscitados,
houve renovação importante sobre a concepção de poder, este era entendido sempre em suas relações com
o Estado, e os novos estudos passaram a preocupar-se com outras esferas de lutas e de dominação. Assim, a
produção da história social incorporou as lutas e os movimentos sociais provenientes de diferentes setores da
sociedade (BITTENCOURT, 2008).

1 Mestra em Educação, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFRPE, silvaniajesuspina12@gmail.com.


2 Pós-Doutor em História, professor do Programa de Pós-Graduação em História da UFRPE, humbertoufrpe@gmail.com
3 Thompson afirma que durante décadas, a História Social sistemática tem se mantido na retaguarda da História econômica,
e isso continua até os dias de hoje. Um número muito grande de nossos historiadores do crescimento incorre num reducionismo
económico crasso, obliterando as complexidades da motivação, comportamento e função, fato que, se percebessem no trabalho
análogo de marxistas, provocaria seu protesto. A debilidade comum a essa explicação é uma visão redutora do homem econômico
(THOMPSON, 1998, p. 151).
II Encontro
Ensinar História 149
No entanto, é preciso ressaltar que no Brasil, as histórias e as memórias dos trabalhadores, das mulhe-
res, dos negros, dos indígenas, enfim, das pessoas comuns, “foram propositalmente esquecidas pelos grupos
sociais que exerciam o controle político, econômico e cultural” (DANTAS e SOUZA, 2021, p. 2). Contudo,
de acordo com Silva e Alegro (2010, p. 287) “a partir da década de 1980 o retorno dos diversos movimentos
sociais reivindicou mudanças na escola, nos conteúdos e nas disciplinas”. A História, anteriormente suprimida
e substituída por disciplinas de conteúdo mnemônico, foi restabelecida no ensino básico.
No campo historiográfico houve uma expansão no debate de metodologias e teorias em busca de novos
temas e fontes que privilegiavam a história dos grupos até então excluídos, como crianças, mulheres, minorias
e trabalhadores. Tais mudanças, foram decisivas para o currículo nas escolas e nas interpretações de modo de
se fazer e pensar o ensino de História. Na escola, “as novas orientações historiográficas centradas na história
vista de baixo além de ensejarem um ensino mais crítico e noções de cidadania favoreceram a proposição de
eixos temáticos que privilegiaram grupos até então ausentes nos conteúdos dos manuais didáticos (SILVA e
ALEGRO, 2010, p. 288).

2. Concepções de História e as finalidades da História vista de baixo


Questão fundamental para este estudo é a concepção de História, “dela depende a produção dos histo-
riadores, e o conhecimento histórico é produzido de maneira que torne os acontecimentos inteligíveis de acordo
com determinados princípios e conceitos” (BITTENCOURT, 2008, p. 139). Porém, conhecer e acompanhar
as principais tendências da produção historiográfica não é apenas uma questão de caráter teórico, mas trata-se
também de uma necessidade prática para o trabalho docente que permanentemente se realiza na escola, porque
é com base em uma concepção de História que podemos assegurar um critério para uma aprendizagem efetiva
e coerente (BITTENCOURT, 2008).
Ademais, a escrita e o ensino da História implicam sempre a tomada de posição política e a defesa de
valores. Nesse sentido, Albuquerque Junior (2012, p. 33) argumenta que “a história serve para formar não apenas
subjetividades, mas para formar cidadãos, membros de convivência pública, membros dos espaços públicos,
preparados para viverem uma realidade constituída pela agonística dos interesses e opiniões divergente”. No
entanto, “os seres humanos4 participam na história não apenas como atores, mas também como narradores,
onde a ambivalência inerente à palavra “História” em várias línguas modernas alude a esta participação dual”
(TROUILLOT, 2016, p. 21). Desse modo, a História significa tanto o que ocorreu quanto aquilo que se diz
ter ocorrido.
A análise do sentido da palavra “História”, pode ser construída a partir do entendimento discutido por
Reinhart Koselleck (2013), o qual, afirma que na antiguidade encontramos determinadas correspondências
para concepções que hoje em dia atendem pela designação de “concepção de História”. Para Koselleck (2013) a
palavra “História” na Antiguidade pode se referir aos acontecimentos político-militares. Por um lado, tratava-se
das ações, dos episódios, dos destinos sobre os quais cabia meditar. Por outro lado, tratava-se da reconstrução e
da compreensão histórica de transcursos mais longos. É nesses detalhes que se pensava quando falava de historia
magistra vitae5.
Todavia, quando hoje se fala de História estamos diante de uma expressão cujo significado e cujo con-
teúdo só se consolidou no último terço do século XVIII. Assim, de acordo com Koselleck (2013) a História
é um conceito moderno que apesar de resultar da evolução continuada de antigos significados da palavra, na

4 A História, como processo social, envolve pessoas em três posições distintas: 1) como agentes ou ocupantes de posições es-
truturais; 2) como atores, em constante contato com o contexto; e 3) como sujeitos, ou seja, como vozes conscientes de sua vocalidade.
Agentes são os estratos e agrupamentos aos quais pertencem as pessoas, tais como classe e status, ou os papéis com eles associados
(TROUILLOT, 2016, p. 52).
5 Cícero, referindo-se a modelos helenísticos, cunhou o emprego da expressão historia magistra vitae. A expressão pertence
ao contexto da oratória, nesse caso, o orador é capaz de emprestar um sentido de imortalidade à História como instrução para a vida,
de modo a tornar perene o seu valioso conteúdo de experiência (KOSELLECK, 2006, p. 43).
II Encontro
150 Ensinar História
prática, corresponde a uma configuração nova. Trata-se da criação do coletivo singular6, que reúne a soma das
histórias individuais em um conceito comum.
Com isso, o conceito subjacente à História tinha uma complexidade maior para explorar uma nova
realidade de mundo. Nesse sentido, Marques (2013, p. 65) enfatiza que, “o fim do século XVIII introduziu a
emergência do novo, do progresso e da revolução. A modernidade, em constante conflito de identidade perante
o antigo, assumia-se como triunfante, em um superior rumo em direção ao futuro”. Discutindo o estatuto do
saber histórico na pós-modernidade, Albuquerque Júnior (2007, p. 61) afirma que “estamos céticos quanto a
possibilidade de conhecer o passado, tal como ele realmente foi”. Pensamos, hoje, o passado como uma invenção,
de que fizeram parte sucessivas camadas de discursos e práticas.
A História, a partir do século XIX, instaurou-se como uma disciplina, pretensamente científica e anun-
ciava o encontro futuro da humanidade com a sua redenção, proporcionada pelo avanço do conhecimento,
da ciência, da razão, da consciência. “É esta história científica que, passando por sucessivas críticas, desde a
Escola dos Annales, procurou livrar a História das filosofias e dotá-la de uma teoria e um método próprios”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 62). Os vários trabalhos produzidos por escritores, que atuam dentro
da tradição dos Annales, além de aprofundar o conhecimento do passado gerou significativas reflexões sobre uso
metodológico de documentos e a possibilidade de problematizar novas questões sobre o passado. Contudo, Jim
Sharpe (1992, p. 51) afirmar que “a maior contribuição da abordagem dos Annales7 tem sido a demonstração
de como compor o contexto dentro do qual poderia ser escrita a História vista de baixo”. Esta abordagem his-
toriográfica desempenha um papel importante para construção da identidade que não foi estruturada apenas
por monarcas, primeiros-ministros ou generais.
Por isso, cabe lembrar que em 1966, quando Edward Thompson publicou um artigo sobre ‘The History
from Below’ em The Times Literary Supplementd, daí em diante o conceito da História vista de baixo8 entrou
na linguagem comum dos historiadores. Essa perspectiva atraiu de imediato aqueles historiadores ansiosos por
ampliar os limites de sua disciplina, abrir novas áreas de pesquisa e, acima de tudo, explorar as experiências
históricas daqueles homens e mulheres, cuja existência é tão frequentemente ignorada, tacitamente aceita ou
mencionada apenas de passagem na principal corrente da história (SHARPE, 1992). Por conseguinte, este
ponto tem outras implicações:

Por mais valiosa que a História vista de baixo possa ser no auxílio ao estabelecimento da
identidade das classes inferiores, deve ser retirada do gueto (ou da aldeia de camponeses, das
ruas da classe trabalhadora, dos bairros miseráveis ou dos altos edifícios) e usada para criticar,
redefinir e consolidar a corrente principal da História [...]. Desse modo, a História vista de
baixo mantém sua aura subversiva (SHARPE, 1992, p. 61-62).

6 A ideia do coletivo singular permitiu que se atribuísse à história aquela força que reside no interior de cada acontecimento
que afeta a humanidade, aquele poder que a tudo reúne e impulsiona por meio de um plano, oculto ou manifesto, que reúne em
si, ao mesmo tempo, caráter histórico e linguístico (KOSELLECK, 2006, p. 52). Na segunda metade do século XVIII, a partir de
um grande número de escritos histórico-teóricos o coletivo singular designa a soma das Histórias individuais como essência de tudo
aquilo que aconteceu no mundo (KOSELLECK, 2013, p. 120).
7 Os periódicos dignos de nota incluem Comparative Studies in Society and History, Le Mouvement Sociale, Sociologie et
Travail e Economic Development and Cultural Change. Um tanto mais empiricamente, isso está ocorrendo também na Inglaterra.
Um resultado da dissolução de uma definição institucional de história operária é renovada e súbita ruína de contornos temporais.
No mesmo instante em que historiadores dos séculos XVI e XVII lançam pontes em direção à Revolução Industrial, alguns de
nós abandonamos o “ponto de partida” em 1789 ou 1832 e estamos escavando na direção daqueles. Tanto é assim que o estudo de
Christopher Hill, “The uses of sabbatarianism”, presente em Society and puritanism in pre-revolutionary England, debruça-se, por
notáveis meios, sobre o tema da ética puritana e da disciplina do trabalho (THOMPSON, 2001, p. 192).
8 Eric Hobsbawm acreditava que foi o desenvolvimento dos movimentos de massa no final do século XVIII que primeiro
alertou os estudiosos para a possibilidade de se escrever a história vista de baixo, e prosseguiu declarando que “a Revolução Francesa,
especialmente desde que o jacobinismo foi revitalizado pelo socialismo e o Iluminismo pelo marxismo, tem sido o campo de prova
para esse tipo de história” (HOBSBAWM,1998, p. 218).
II Encontro
Ensinar História 151
O autor indica a existência do passado dos subalternos mediante uma abordagem que desempenha um
importante papel, ajudando a corrigir e a ampliar aquela História política da corrente principal que é ainda o
cânone aceito nos estudos históricos. Para Lynn Hunt (1992, p. 02) “o avanço para História social foi estimulado
pela influência de dois paradigmas de explicação dominantes: o marxismo, por um lado, e a escola dos Annales, por
outro. Embora dificilmente se pudesse considerar o marxismo como uma novidade nas décadas de 1950 e 1960”.
Nesse período um grupo de jovens historiadores marxistas começou a publicar livros e artigos sobre a História
vinda de baixo, inclusive os atualmente clássicos estudos de George Rudé sobre as classes populares parisienses, de
Albert Soboul sobre os sans-culottes parisienses, e os de E. P. Thompson sobre a classe operária inglesa.
Com essa inspiração, os historiadores das décadas de 1960 e 1970 abandonaram os mais tradicionais
relatos históricos de líderes políticos e instituições políticas e direcionaram seus interesses para as investigações
da composição social e da vida cotidiana de operários, criados, mulheres, grupos étnicos e congêneres (HUNT,
1992). Entretanto, no início da década de 1970 os historiadores sociais empenharam-se em ampliar suas pes-
quisas para além da análise demográfica e socioeconômica da vida da classe baixa, passando também a explorar
as percepções culturais populares.
Portanto, a “contribuição da História não é só a compreensão da própria realidade e a formação da
identidade, mas também a concepção e compreensão da diferença, da alteridade, tanto para ensinar a convivência
nas sociedades que hoje são, na maioria, multiculturais, quanto para ensinar a julgar o próprio sistema político
e social em que se vive” (CERRI, 2011, p. 126). É dentro desse raciocínio que passaremos a refletir sobre as
tendências do ensino de História no contexto educacional brasileiro, buscando compreender a importância e
significados da História vista de baixo na prática pedagógica do ensino de História na Educação Básica.

3. Ensino de História vista de baixo na educação básica


A trajetória da História ensinada nas escolas não corresponde, necessariamente, à da História campo do
conhecimento, mesmo porque, “durante muito tempo, da Idade Média ao século XIX, parte dela confundiu-se
com a história sagrada, isto é, com a história bíblica, que era ensinada nas escolas onde a influência de igrejas
cristãs era significativa” (FONSECA, 2004, p. 21). No entanto, a História como disciplina escolar autônoma
surgiu nos fins do século XIX, na Europa, imbricada nos movimentos de laicização da sociedade e de consti-
tuição das nações modernas.
No Brasil, “a constituição da História como matéria de pleno direito ocorreu no interior dos mesmos
movimentos de organização do discurso laicizado sobre a História universal, discurso no qual a organização
escolar foi um espaço importante das disputas então travadas entre o poder religioso e o avanço do poder laico,
civil” (NADAI, 1993, p.145). A História como disciplina escolar, no Brasil, evoluiu das dificuldades iniciais
em se conceber certo consenso do programa, objeto e método da História da civilização, ainda no século XIX.
Nesse sentido, apreender o estatuto da História no Brasil é acompanhar a constituição do campo e do
método da História que privilegia e também reforçar uma memória na qual a História serve de legitimadora e
justificadora do projeto político de dominação burguesa, no interior do qual a escola secundária9 foi um dos
espaços iniciais de formação da elite cultural e política que deveria conduzir os destinos nacionais, em nome do
conjunto da nação (NADAI, 1993). O nascimento do ensino da História no Brasil coincide temporalmente
com o nascimento do curso secundário e a inclusão da História como uma de suas matérias, como destaca
Kátia Maria Abud:

No Brasil, ainda na primeira metade do século XIX, tiveram início as formas institucionais
de escolarização e ensino, sob a responsabilidade do Estado: as escolas de primeiras letras e
o curso secundário, este materializado pela criação, em dezembro de 1837, do Colégio D.
Pedro II. [...] A História e seu ensino, no Brasil, encontram suas raízes mais longínquas na

9 Atualmente denomina-se Ensino Médio, etapa final da educação básica, de acordo com o Art. 35 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei n° 9394/1996.
II Encontro
152 Ensinar História
historiografia francesa. Surgiram ao mesmo tempo e com os mesmos pressupostos: positivi-
dade e linearidade dos acontecimentos históricos (ABUD, 2011, p. 165).

Assim, Kátia Abud nos lembra que a produção histórica brasileira herdou seus elementos constitutivos
da historiografia francesa e os adequou à necessidade de construção da identidade nacional brasileira. “A ideia
de nação, no contexto intelectual e político do século XIX, enlaçada à de cidadania, se embasava na crença de
uma identidade comum dos indivíduos de variados grupos étnicos e/ou classes sociais” (ABUD, 2011, p. 167).
A história dos grupos dominantes, política e economicamente, seria necessariamente a mesma daqueles que
eram por eles governados. Aliava-se ainda à concepção de História dominante a narrativa dos feitos daquela
classe, comprovados pelos documentos10 que os mesmos protagonistas produziam (ABUD, 2011).
Nessa conjuntura, nasceu a História como disciplina escolar. Desse modo, a História inicialmente
estudada no país foi a História da Europa Ocidental, apresentada como a verdadeira História da Civilização. “A
História pátria surgia como seu apêndice, sem um corpo autônomo e ocupando papel externamente secundário.
Relegada aos anos finais dos ginásios, com número ínfimo de aulas, sem uma estrutura própria, consistia em
um repositório de biografias de homens ilustres, de datas e de batalhas” (NADAI, 1986, p. 146).
Não obstante, Nicholas Davies (2009) ao analisar a participação das camadas populares11 nos livros
didáticos de História do Brasil alerta que é importante registrar e compreender a omissão e a apatia das massas
frente a acontecimentos ou processos prejudiciais a elas. Por mais importante que seja realçar as iniciativas
populares na História, não se deve cair em exagero nem se esquecer que o poder e a força das camadas populares
são diversos e contraditórios. Os interesses dominantes tornam-se predominantes não apenas pela sua força
material ou ideológica, como também pela incapacidade de os dominados reagirem aos grupos dominadores.
Cabe ainda ressalvar que para Davies (2009):

Essa participação não ocorre apenas de maneira explícita, ou seja, as camadas populares não
se fazem presentes apenas pelas suas organizações e movimentos, mas também pelo temor
de sua participação embutido em muitas propostas e iniciativas dos grupos dominantes. A
participação, mesmo a latente, potencial, faz-se presente na História, ainda que de modo di-
fuso, não articulado ou incoerente ou invertido, no temor implícito nas propostas de grupos
dominantes (DAVES, 2009, p. 131).

Pelo argumento apresentado acima, é possível compreender que a representação da participação popular
na História não é apenas uma questão científica na perspectiva de apreensão do real, mas, uma problematização
para se contrapor à História elitista que atribui aos subalternos a função de atender aos interesses e iniciativas
dos grupos dirigentes. Por isso, “discutir o ensino de História, hoje, é pensar os processos formativos que se
desenvolvem nos diversos espaços, é pensar fontes e formas de educar cidadãos, numa sociedade complexa
marcada por diferenças e desigualdades” (FONSECA, 2003, p. 15).
Ao analisar a realidade do ensino de História, Déa Fenelon (2008), questiona o tipo de História que
estamos transmitindo aos alunos e enfatiza os limites da visão da História, onde se destacam as figuras, os
indivíduos, os acontecimentos de cunho político, as grandes decisões de governantes, a partir dos quais se

10 No século XIX o trabalho do cientista se resume em investigar a realidade a partir de modelos de análise (visão empirista e
fragmentada do social), em juntar os fatos acontecidos e estes são sempre irrefutáveis porque comprovados pelos documentos, consiste
em organizá-los cronologicamente ou em torno de conceitos e ai está pronta a ciência, no nosso caso, a História. Muitas vezes, nem
mesmo se questiona o caráter das próprias fontes utilizadas tão preocupados estão os historiadores em comprovar sua fidedignidade.
Não se apercebem de que a própria organização dos documentos e das fontes preservadas, guarda em si a marca de uma visão já
definida do processo, quase sempre a do dominador (FENELON, 2008, p. 25).
11 Uma história a serviço das camadas populares precisa buscar a maior aproximação possível do real, ainda que tal aproximação
não conduza ao enaltecimento do “povo”. Só uma história que se pretenda científica, sempre em busca da apreensão do real, pode
servir autenticamente aos interesses populares. A compreensão da participação popular na história não possui a finalidade de encon-
trar heróis das causas populares, mas pretende perceber a totalidade histórica, não redutível a um dos polos, ainda que dominante
(DAVIES, 2009, p. 124).
II Encontro
Ensinar História 153
“constrói uma visão da História, de exaltação do mais forte e do vencedor. Daí, é apenas um passo para a visão
maniqueísta de vilão versus herói, representando o mal e o bem” (FENELON, 2008, p. 30). Nesse processo, os
professores não podem ser reprodutores de uma ciência já pronta e acabada, sendo necessário recorrer à prática
de investigação, através da qual se poderia aprender, sobretudo:

A problematizar e a questionar não apenas a historiografia no sentido da produção intelec-


tual, mas também a própria realidade concreta que nos rodeia, numa prática mais sadia de
ensinar a praticar a própria disciplina, olhando em volta, tentando mostrar uma História
viva, que permita aos alunos sua própria identificação social (FENELON, 2008, p. 27).

De fato, esta afirmação permiti entender que o ensino de História pode ser encarado como um processo
de constituição de identidade12. Pois, destacando o ponto de vista de Cerri (2009) é possível considerar o ensino
e a aprendizagem de História, em sua versão escolar moderna, como “a síntese móvel entre as demandas políticas
e sociais por identidade coletiva e orientação no tempo e ainda as visões sobre qual conhecimento do passado
é essencial para ser conhecido e assimilado pelas novas gerações” (CERRI, 2009, p. 151).
Na prática, entretanto, a História que ensinamos está pronta e acabada, cheia de verdades absolutas e
de dogmas tradicionais e rançosos, porque na verdade para a maioria a concepção de História é esta mesma de
um passado morto. Raramente o aluno é colocado diante do problema de tentar conduzir qualquer investiga-
ção, raramente aprende a fazer ciência, a fazer História e fazer História significa lidar com a sociedade, objeto
dinâmico e em constante transformação, aprende a reconhecer seus próprios condicionamentos sociais e sua
posição como agente e sujeito da História (FENELON, 2008).
Neste particular, é preciso dizer que, na maioria das vezes, a única relação possível que os alunos con-
seguem estabelecer entre os fatos históricos é a de causa e consequência, sem nenhuma percepção de relações
ou mediações. “Sendo o fato político o mais importante, cria-se em decorrência o personagem que a realizou,
decidiu ou optou e daí se passa aos heróis, aos grandes vultos, como os reais personagens de História, vista
também como uma sucessão linear e mecânica de acontecimentos e personagens” (FENELON, 2008, p. 27).
No entanto, no final do século XX, algumas perspectivas de mudanças puderam ser sentidas no ensino
de História da educação básico a partir das determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
n° 9394/1996, que em seu Art. 24 e parágrafo 2º instituiu que “o ensino da História do Brasil levará em conta
as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes
indígena, africana e europeia”. Em resposta, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) publicados em
1997 como orientações gerais para a educação no país, foram criados os Temas Transversais, que propunham
conteúdos que podem ser trabalhados em quaisquer séries. Um dos temas a ser contemplado trata da pluralidade
cultural (SILVA e ALEGRO, 2010, p. 288). Assim, no movimento historiográfico e educacional ocorrido nesse
período, é possível apreender uma nova configuração do ensino de História.
Houve uma ampliação dos objetos de estudo, dos temas, dos problemas, das fontes históricas utilizadas
em salas de aula. “Os referenciais teórico-metodológicos são diversificados e chegam ao ensino médio e fun-
damental mediados pela ação pedagógica de professores que não se contentam com a reprodução dos velhos
manuais” (FONSECA, 2003, p. 36). O conteúdo do documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
expressa, em grande medida, essa ampliação.
Essa prática veio a ser efetivada com mais critérios quando da implementação da Lei 10.639/03 que
alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, obrigando o estudo da cultura e história dos africa-
nos e afro-brasileiros nos currículos de escolas públicas e privadas em todo o país. Outra legislação importante

12 De acordo com Bauman (2005, p.17) “as decisões que o próprio individuo toma, os caminhos que percorre, a maneira como
age, são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade” (BAUMAN, 2005, p.17). Além disso, “a ideia de
identidade nasceu da crise do pertencimento e do esforço que esta desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o “deve” e o
“é” e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela ideia de recriar a realidade” (BAUMAN, 2005, p. 18).

II Encontro
154 Ensinar História
é a Lei 11.645/08 que obriga a inclusão da história de negros e indígenas nos currículos escolares. “Ambas se
constituíram dentro de outro cenário político, marcado pela ascensão dos governos populares e acompanhar a
análise desse processo nas escolas, sobretudo no ensino de História, é pensar a escola e o processo de descoloni-
zação curricular” (AZEVEDO, 2020, p.148).
Como destaca Carmem Gil (2017, p. 22) “o contexto inaugurado com a promulgação das Leis 10.639/03
e 11.645/08 inserido no conjunto das políticas afirmativas para a promoção da igualdade racial, foi historica-
mente inovador ao trazer para o embate público as práticas do racismo, do preconceito e da discriminação,
tradicionalmente negadas ou mantidas”. Deste modo, no campo da educação, a inovação se anunciou com
força, convocando em especial, mas não somente, os professores de História a um redimensionamento de suas
práticas pedagógicas, capazes de fundamentar uma educação das relações étnico-raciais balizada por valores que
promovam a justiça, a cidadania, o diálogo intercultural, a ética, a paz e a igualdade racial.
A lei expressa à vontade popular, mas é parte e não fim do trabalho. Para que não vire “letra morta”
é preciso refletir não apenas sobre os pressupostos históricos e sociológicos, mas também sobre a necessidade
de ressignificação cultural. É, nesse sentido, que o processo escolar de ensinar e aprender deve pensar sobre
sua dimensão cognitiva e ética, uma vez que conceitos históricos geram valores que orientam a vida cotidiana
(SILVA e ALEGRO, 2010). Além disso, Souza e Silva (2016, p. 185) argumentam que:

É necessário um processo de democratização real, para além das leis e propostas que cos-
tumeiramente se perdem apenas nos documentos e discursos, mas também reflexiva, com
a participação dos segmentos sociais organizados na busca da efetivação de uma educação
popular13 e de qualidade e que rompa com a hierarquização dos saberes, promovendo um
verdadeiro diálogo entre as formas de conhecer e saber.

A partir do posicionamento dos autores é coerente compreender a educação popular como um fazer
pedagógico pautado na pergunta, na problematização constante e no processo inconcluso da constituição do
conhecimento histórico. Diante disso, é imprescindível questionar como a nossa formação escolar foi e continua
sendo construída; como os conteúdos foram e são selecionados para comporem nossos currículos e livros, ou
como nossas instituições escolares estão organizadas e como os manuais didáticos são escolhas feitas por outros
e dificilmente pelo conjunto dos professores, e nunca em conjunto com os alunos (SOUZA e SILVA, 2016).
Contudo, as políticas curriculares contemporâneas para educação no Brasil, têm apresentado narrativas
que projetam rompimento com um ensino centrado na História europeia. Nesse contexto, a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC)14 nas páginas iniciais expõe as competências gerais para Educação Básica e determina
a necessidade de “valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social,
cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de
uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2017, p. 09). Essa análise precisa acontecer a partir do
ensino fundamental, “cuja ênfase está em pensar a diversidade dos povos e culturas e suas formas de organização.
A noção de cidadania, com direitos e deveres, e o reconhecimento da diversidade das sociedades pressupõem
uma educação que estimule o convívio e o respeito entre os povos” (BRASIL, 2017, p. 404).
Cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e
competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que
afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora.

13 Educação Popular é um paradigma teórico que surge no calor das lutas populares. Trata de codificar e decodificar os temas
geradores dessas lutas, busca colaborar com os movimentos sociais e os partidos políticos que expressam essas lutas. Trata de diminuir
o impacto da crise social na pobreza e de dar voz à indignação e ao desespero moral do pobre, do oprimido, do indígena, do camponês,
da mulher, do afro-americano, do analfabeto e do trabalhador industrial (TORRES; GADOTTI, 1994, p.8).
14 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento normativo desenvolvido pelo Ministério da Educação que
define as principais aprendizagens que os alunos precisam desenvolver durante as etapas e modalidades da Educação Básica. Prevista
no artigo 210° da Constituição Federal de 1988 e no artigo 26° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, esse documento
começou a ser desenvolvido a partir do Plano Nacional da Educação (PNE) em 2014.
II Encontro
Ensinar História 155
Entre esses temas, destacam-se: educação em direitos humanos (Decreto nº 7.037/2009, Parecer CNE/CP
nº 8/2012 e Resolução CNE/CP nº 1/201221), bem como educação das relações étnico-raciais e ensino de
História e cultura afro-brasileira, africana e indígena (Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer CNE/CP
nº 3/2004 e Resolução CNE/CP nº 1/200422). “Na BNCC, essas temáticas são contempladas em habilidades
dos componentes curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas especificidades,
tratá-las de forma contextualizada” (BRASIL, 2017, p. 19).
Todavia, não podemos considerar a BNCC um documento revolucionário ou inovador. Junto com a
perspectiva do outro, da diferença e da alteridade, muitas marcas do eurocentrismo são encontradas na proposta
para o componente de História. Por isso, é importante refletir sobre os sentidos produzidos na comunidade de
História a partir da BNCC e explorar como professores de História poderão e podem se apropriar desse docu-
mento curricular. Consideramos que ainda há muitas questões em aberto nas quais os profissionais do campo
poderão se debruçar para incrementar e amplificar as discussões relativas à relação entre o ensino de História e
a políticas curriculares para educação no Brasil (RALEJO; MELLO; AMORIM, 2021).

4. Considerações finais
A História no passado, quase sempre, era escrita para a consagração dos soberanos. Assim sendo, para
Hobsbawm (1998, p. 231) “os historiadores dos movimentos populares15 passam grande parte de seu tempo
descobrindo como as sociedades funcionam e quando não funcionam, e também como mudam”. Não podem
deixar de fazer isso, uma vez que seu objeto, as pessoas comuns, constituem a maioria de qualquer sociedade.
Partem com a enorme vantagem de saber que são em grande medida ignorantes, seja dos fatos, seja das respostas
a seus problemas. É importante nos lembrarmos que não sabemos todas as respostas sobre a sociedade e que o
processo de as descobrir não é simples (HOBSBAWM, 1998).
Deste modo, produzir conhecimento é ato de ensino e aprendizagem e aprender História é ato de
construção e reconstrução que resulta do modo de agir de um ou um conjunto de sujeitos. Essa idiossincrasia
resulta de determinados aprendizados do conhecimento histórico então disponível, mediados por determinadas
leituras de mundo, por sua vez condicionadas por conceitos e pré-conceitos aprendidos ao longo das respectivas
histórias de vida (CERRI, 2009).
Por isso, pensar a História ensinada, em particular nas escolas da Educação Básica significa se inscrever
em um espaço de enunciação no qual se materializam disputas que envolvem definições de conhecimento his-
tórico, de escola, de História ensinada, de aprendizagem em História, de licenciatura de História produzidos
nessas diferentes formações discursivas, evidenciando os mecanismos de reprodução e de subversão das relações
de poder que se manifestam no processo de produção, classificação e distribuição do conhecimento (GABRIEL,
2019). Assim, “o ensino de História como um fenômeno social deve ser integrado por todos os esforços por
estabelecer sentidos para o tempo experienciado pela coletividade” (CERRI, 2009, p. 149).
Desse modo, “o aluno que entender a participação popular no passado, com todas as suas características
e contradições, estará mais apto a atuar criticamente, sem idealização ingênua (heroização), nem autodepreciação
da transformação social” (DAVIES, 2009, p. 124). Nessa perspectiva, a representação da participação popular
é, assim, não só uma questão científica, de esforço de apreensão do real, mas também política, uma vez que a
compreensão dessa participação real na história permite ao aluno, tanto das camadas populares como de setores
identificados com suas causas, posicionar-se melhor em relação ao presente.

15 Uma grande parte da história dos movimentos populares modernos emergiu do estudo da Revolução Francesa. Esse grande
evento na história combina características que raramente ocorrem juntas antes dessa data. Sendo uma revolução de vulto, subitamente
colocou em ação e trouxe ao conhecimento público enormes quantidades de gente do tipo que anteriormente atraía muito pouca
atenção fora de seu círculo familiar e de vizinhança (HOBSBAWM, 1998, p. 219).
II Encontro
156 Ensinar História
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II Encontro
158 Ensinar História
A PRÁTICA PARA ALÉM DA TEORIA: A RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA E AS
POSSIBILIDADES PARA O ENSINO DE HISTÓRIA ATRAVÉS DA ARTE1
SANTOS, Ismaelene2
NASCIMENTO, Luan3

Resumo: O presente trabalho visa discutir as experiências iniciais no Programa de Residência Pedagógica, abor-
dando possibilidades para o ensino de História através das obras da Exposição Necrobrasiliana, promovida pela
Fundação Joaquim Nabuco - FUNDAJ. O conjunto das artes é formado por doze autores brasileiros que recriam
obras documentais – visual e escritas – denominadas: brasiliana. A coletânea foi realizada a partir de produções
dos séculos XVI e XIX, por aqueles chamados “viajantes”. Os artistas brasileiros fazem uso de artefatos atuais
nas imagens de modo que representam o lugar de corpos brancos e não-brancos, nos dando a possibilidade
de trabalhar, também, o ensino antirracista. Deste modo, utilizamos de metodologias ativas com o intuito de
incentivar o aluno – neste caso, estudantes da Escola de Referência em Ensino Médio Luiz Delgado – a pensar
o estudo da história através dessa exposição. Os resultados obtidos vão revisitar reflexões acerca da participação
dos residentes em ambiente escolar e o ensino-aprendizagem de história nas escolas públicas. Partindo das teorias
de Huberman (1995); Marcelo Garcia (1999); Nóvoa (1995), entre outros.
Palavras-chave: Residência Pedagógica. História. Ensino-aprendizagem.

1. Introdução
Como bem se sabe, a docência é um tema recorrente nas pesquisas e estudos há muito tempo, entre-
tanto, nos últimos anos muitos pesquisadores têm voltado seu olhar para além de questões relativas à formação
inicial (BROSTOLIN, DE OLIVEIRA, 2015). No que diz respeito à formação de futuros professores dentro
da graduação, o Estágio Curricular Obrigatório era a experiência mais próxima que o licenciando tinha do
âmbito escolar, onde muitas vezes seu papel estava restrito a trabalhos pequenos, desvio de tarefas, que em sua
maioria não ultrapassavam a simples observação em sala de aula. O Programa de Residência Pedagógica – PRP,
lançado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior – CAPES, vai surgir para dar um
espaço maior para o aluno em processo de formação, oferecendo a oportunidade de ir além do que o estágio
pode proporcionar no chão da escola.
O programa tem por objetivo estimular o aprimoramento da formação prática nos cursos de ensino,
possibilitando a atuação do licenciando na escola de educação básica, a fim de construir habilidades e compe-
tências que possibilitem realizar um ensino de qualidade enquanto residente e após a sua formação. Com isso,
o futuro docente se vê imerso na escola de educação básica, atuando em atividades que sequer realizava durante
o estágio curricular obrigatório. Essa imersão vai contemplar as relações dialéticas de ensino-aprendizagem em
construção, a regência em sala de aula e intervenção pedagógica, por exemplo, onde o discente vai estar sempre
acompanhado por um professor preceptor dentro da chamada escola-campo, e fora dela através do orientador
do programa em sua instituição superior de ensino.

O estágio é parte fundamental do desenvolvimento profissional de todos os acadêmicos em


Pedagogia no processo de formação, pois o mesmo proporciona ao graduando o primeiro
contato com a prática pedagógica, seguindo os conhecimentos teóricos adquiridos na sua
formação (MARQUES, 2018, p.1).

Segundo a professora norte-americana especializada na área da educação Linda Darling-Hammond


(2000), os professores mais preparados para ensinar são mais bem sucedidos e confiantes com os alunos do

1 Trabalho desenvolvido com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
2 Graduanda em História. Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. ismaelene.2020201848@unicap.br.
3 Graduando em História. Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. luan.2020201866@unicap.br.
II Encontro
Ensinar História 159
que aqueles que estudaram pouco ou quase nada para se tornarem professores. Ou seja, a existência desse tipo
de programa acadêmico é de extrema importância durante o processo formativo do discente, pois é imerso na
escola que o graduando em um curso de licenciatura vai se tornar realmente capacitado para atuar assim que se
formar. Além da oportunidade de se obter bolsas remuneradas, da qual auxilia a permanência do discente no
programa e dentro da universidade.

2. Metodologia
O método utilizado vai partir de um processo relatado dos residentes que compõem este trabalho, através
de experiências dentro de uma escola pública estadual, observações e fotos registradas durante o período datado
do final de 2022.2 a 2023.1, onde os autores exerceram seu papel dentro do programa, com notável crescimento
pessoal e profissional, como também será discutido e trazido para a reflexão, teorias socioeducativas abordadas
por pesquisadores e importantes teóricos da área da educação, como Nóvoa e Huberman, por exemplo. Neste
período, o Programa de Residência Pedagógica vai servir como o principal meio onde os residentes já citados
poderão exercer a docência para além da teoria absorvida no ambiente acadêmico. A atuação em sala de aula
vai proporcionar a mais profunda experiência do que é ser professor.
Desse modo, a presente trajetória está sendo realizada na Escola de Referência em Ensino Médio Luiz
Delgado, que fica localizada no bairro de Santo Amaro, região central da cidade de Recife/PE, onde foi cons-
truído o presente projeto – ainda não executado em sala de aula – a partir da Exposição Necrobrasiliana, da qual
buscamos elaborar e discutir as possibilidades para o ensino de História através da arte. Partindo da premissa
da análise de imagens selecionadas, do ponto de quem faz a arte, para quem e com qual objetivo, realizando
uma releitura e comparações entre as obras, respeitando cada momento histórico, como também, abordando
as problemáticas dos lugares ocupados de corpos não brancos na atualidade brasileira.

3. Justificativa
No ano de 2003, foi sancionada a Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08 de 2008, que torna obri-
gatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do
ensino fundamental até o ensino médio. Inicialmente, a lei 10.639/03 vai propor diretrizes curriculares para o
estudo da história e cultura afro-brasileira e africana, posteriormente sendo alterada para incluir no currículo a
obrigatoriedade do estudo da história e cultura dos povos indígenas. Assim, a legislação vai tornar obrigatória
no currículo oficial da rede de ensino tanto o estudo da história e cultura afro-brasileira quanto a história e
cultura indígenas.
Sabemos que a prática se difere da teoria quando entramos dentro do ambiente escolar, haja vista a não
realização do que as leis de 2003 e 2008 determinavam quando sancionadas. Surge então a necessidade de agir,
enquanto estudantes de licenciatura e residentes do Programa de Residência Pedagógica, para a não manutenção
desse sistema falho que insiste em fechar os olhos para um assunto tão delicado.

Desse modo, as práticas pedagógicas influenciam na construção da consciência do aluno des-


de que trabalhadas de maneira correta e não excludente, pois abrangem os aspectos culturais,
políticos, sociais, éticos, históricos e democráticos e assim o/a professor/a possa repassar ao
aluno a ideia de seu posicionamento na sociedade/comunidade enquanto cidadão portador
de direitos e livre para manifestar suas tradições e costumes. Por isso, a formação escolar deve
estar ligada a descentralização do currículo europeizado para que o educando construa em si
o discurso crítico à medida que se encontre e se identifique com os conteúdos que abordam
características particulares em torno da pluralidade sociocultural contornando o seu com-
portamento para que se conheça a história e cultura da real formação étnica que compõe a
sociedade brasileira e os direitos que permeiam esses valores (AGOSTINHO, 2016, p.265).

II Encontro
160 Ensinar História
Agostinho (2016) afirma que faz-se necessário para nós, enquanto futuros docentes, a busca pelo dis-
tanciamento entre o estudante e o discurso eurocêntrico enraizado na sociedade brasileira, aproximando-o de
temáticas relacionadas ao estudo indígena e afro-brasileiro, como proposto pelas leis 10.639/03 e 11.645/08.

4. A necrobrasiliana atrelada ao ensino de história


A Exposição Necrobrasiliana realizada na Fundação Joaquim Nabuco - FUNDAJ, no período de 15
de setembro de 2022 a 29 de janeiro de 2023, com a curadoria de Moacir dos Anjos, é formada por obras de 12
artistas brasileiros que recriaram obras documentais – visual e escritas – da qual se adotou denominar: brasi-
liana. Coleções de artistas estrangeiros conhecidos como “viajantes”, que tinham como objetivo registrar, por
motivos científicos ou políticos, o mundo que “estava se formando”. A exposição veio para fazer uma releitura
dessas produções dos séculos XVI e XIX, de artistas, escritores e fotógrafos, como: Albert Eckhout, Auguste
Sthal, Frans Post, Jean-Baptiste Debret, Johan Moritz Rugendas, José Christiano Jr., Nicolas-Antoine Taunay,
Theodore de Bry, Thomas Ender e Victor Frond.
Artistas trazidos pelos invasores para produzir uma narrativa muitas vezes imagética do Brasil, transpor-
tando violência e exoticidade. A apresentação, que foi realizada pela Fundação Joaquim Nabuco - FUNDAJ, faz
uma nova leitura, usando novas simbologias e representações a partir das obras originais. Criticando e defendendo
a construção de uma nova sociabilidade onde esses corpos marginalizados deveriam estar, problematizando
os períodos de violência colonial e como isso se perpetuou ao longo dos séculos. Assim, a Necrobrasiliana
é comporta com as obras dos artistas: Ana Lira, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Gê Viana, Jaime Lauriano,
Rosana Paulino, Rosângela Rennó, Sidney Amaral, Tiago Sant’Ana, Thiago Martins de Melo, Yhuri Cruz e
Zózimo Bulbul.
Nesta perspectiva, mesmo sendo uma vasta opção de artes que poderiam ser trabalhadas em sala de
aula, inicialmente, foram escolhidas quatro obras para a discussão aqui inserida. Sendo a primeira delas, a série
Atualizações Traumáticas de Debret, da artista Gê Viana. A autora de origem indígena e formada em artes visuais,
produz colagens e fotomontagens, analógicas e digitais, confrontando o costume colonizador e os sistemas de arte.

Figura 1. Um jantar brasileiro. Jean-Baptiste Debret, 1827.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:A_Brazilian_family_in_Rio_de_Janeiro_by_Jean-Baptiste_Debret_1839.jpg.
Acesso em: 17 de set. de 2023.
II Encontro
Ensinar História 161
Figura 2. Sentem para jantar. Gê Viana, 2020.

Fonte: https://www.museuparanaense.pr.gov.br/Pagina/Necrobrasiliana#&gid=1&pid=7. Acesso em: 17 de set. de 2023.

Na série citada acima, ela se apropria de algumas artes do francês Jean-Baptiste Debret, pintadas durante
seu tempo no Brasil durante o Império e realiza um novo olhar, propiciando uma diferente narrativa através das
suas obras, refazendo como o povo preto é representado na pintura do século XIX, com elementos e detalhes
atuais. Em contrapartida à arte original de Debret, na obra da Viana, ela redistribui as posições que os corpos
negros ocupam, onde os escravizados que antes estavam em pé, prontos para servirem aos seus senhores, agora
estão sentados à mesa. Contém também elementos detalhados para se analisar com calma e atenção, pois inclui
várias referências da atualidade para se notar. Destacado a isso, é notável a perspectiva necessária presente no
material, propiciando a mudança na forma como são reproduzidos as obras originais, principalmente nos livros
didáticos. Tornando o negro como protagonista, e não somente como um corpo onde é depositado o trabalho,
a crueldade e a violência, trazendo significados de resistência e imposição.
Entretanto, como Bittencourt (2008) afirma, alguns cuidados precisam ser adotados ao se utilizar as
imagens como recurso didático, para que “não se limite a ser usado apenas como ilustração para um tema ou
como recurso para seduzir um aluno acostumado com a profusão de imagens e sons do mundo audiovisual”.
Assim, abordar o assunto de modo problemático e contextualizado é essencial para que o discente venha a ter
uma aprendizagem significativa através da metodologia aplicada em sala de aula.

II Encontro
162 Ensinar História
Figura 3. Levantamento de mastro. Festa do Divino Espírito Santo, Gê Viana, 2020. Colagem digital.
Releitura da obra “Aplicação do Castigo do Açoite”, Jean-Baptiste Debret, 1824.

Fonte: https://nutricaovisual.art.br/historia/artistas-em-pesquisa/ge-viana . Acesso em: 17 de set. de 2023.

Na segunda obra da Gê Viana, fica evidente a transformação da qual ela faz ressignificando a pintura
original de modo em que as divergências ficam extremamente visíveis. O escravizado no tronco vertical, também
conhecido como pelourinho, sendo brutalmente chicoteado, sendo um dos mecanismos mais usados como
forma de castigo, cena comum no Brasil escravagista. Logo, Viana transforma a exibição de um escravizado
sendo açoitado em público, por uma festa religiosa. Substituindo ações de violência por costumes comuns e
adicionando elementos do cotidiano atual.
Portanto, é de extrema importância usar as ilustrações de Debret em comparação a série da Gê Viana em
sala de aula. Sendo possível construir discussões e fomentar os alunos a criticar e problematizar as duas obras,
fazendo comparações e debatendo as diferenças de como os indivíduos são retratados. Além de analisar como
essas imagens afetam o modo de pensar o hoje das pessoas afrodescendentes.

II Encontro
Ensinar História 163
Figura 4. Religião é Religar Pra rimas pobres verbais vingar Exterminar Calar Acabar Rezar Para o tempo passar _________
Religar. Rasura à nanquim de ilustrações do livro “Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, Denilson Baniwa, 2019.

Fonte: https://issuu.com/museuparanaense/docs/necrobrasiliana_issuu/s/15919485. Acesso em: 24 de set. de 2023.

Se distanciando da proposta de intervenção artística da artista Gê Viana, o autor e ativista dos


direitos indígenas Denilson Baniwa vai utilizar de imagens já existentes em livros, jornais, folhetos, entre outros,
para descolonizar pensamentos pré-estabelecidos acerca da imagem original. Seu método para a realização da
intervenção artística parte da rasura a nanquim, onde o autor vai adicionar símbolos, textos e falas em personagens,
modificando o significado anterior e adicionando uma nova forma de interpretação. Levando como exemplo
a figura 4, o foco é mostrar ao estudante em sala de aula, como sua visão de mundo já está formulada a partir
do momento em que ele observa aquela imagem, de forma consciente ou não. O intuito vai ser indicar novas
direções a partir das rasuras feitas por Denilson Baniwa, descolonizando seus conceitos anteriores, florescendo
então um novo significado ao que o autor apresenta através das intervenções.
II Encontro
164 Ensinar História
Figura 5: A Catequização. Rasura à nanquim de ilustrações do livro “Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, Denilson Baniwa, 2019.

Fonte: https://issuu.com/museuparanaense/docs/necrobrasiliana_issuu/s/15919485. Acesso em: 24 de set. de 2023.

Na figura 5, pode-se observar novas rasuras feitas por Denilson Baniwa, que reforça seu objetivo de dar
novos significados às imagens já existentes em livros. Baniwa acrescenta frases sobre a reprodução que indica a
pregação de um padre durante o período colonial, rodeado de indígenas despidos que se aglomeram ao seu redor.
A intervenção vai nos mostrar a rejeição daqueles que observavam o sermão, se diferenciando da imagem original
e seu significado, que tinha como função passar uma imagem positiva da catequização de povos originários.

5. Considerações finais
Sabemos que a noção de mundo e a normalização do olhar europeu sobre a invasão colonizadora
em território brasileiro está presente em quase toda a sociedade brasileira, por este motivo, a partir das obras
presentes na Exposição Necrobrasiliana, o principal foco será a utilização das obras de arte para descolonizar a
visão do estudante em sala de aula. O objetivo dentro do Programa de Residência Pedagógica é proporcionar
ao alunado um desprendimento do conhecimento eurocêntrico que os mesmos possuem, inseridos em seu
subconsciente desde sua infância, se desenvolvendo durante o seu crescimento.

No que diz respeito aos objetivos fundamentais, o professor deve estimular no aluno o gosto
pela criação artística nas suas múltiplas vertentes. Este objetivo mais abrangente implica qua-

II Encontro
Ensinar História 165
tro objetivos específicos fundamentais: ensinar/aprender a ver; ensinar/aprender a ouvir; en-
sinar/aprender a interpretar; ensinar/aprender a contextualizar (ALDINHAS, 2017, p.43).

Outro objetivo a ser buscado pelos residentes, será a desconstrução do significado que a arte traz consigo,
seja a obra clássica ou até mesmo uma imagem construída em edições dentro da internet. Aldinhas (2017), diz
que são inúmeras as vantagens da educação através da arte, contribuindo fortemente para o desenvolvimento
harmonioso da personalidade do ser humano, afirmando que o ensino da história com foco na arte pode con-
tribuir também para a valorização do património nacional e regional. É preciso aproximar o aluno do mundo
das artes, incentivando o mesmo a ver as obras presentes na Necrobrasiliana como uma verdadeira fonte de
conhecimento, a partir de uma visão crítica, onde ele passa a observar a arte e a história como imprescindíveis
para o seu cotidiano, para além do ambiente escolar.

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II Encontro
Ensinar História 167
MOVIMENTO BREGA E PATRIMÔNIO: LIMITES E POSSIBILIDADES PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA
SILVA NETO, Frederico Vitoria da1

Resumo: O patrimônio não se trata somente do passado, é uma construção política, cultural e histórica em
determinado tempo (POULOT, 2009). Partindo desse pressuposto, ao pensarmos a história da sociedade bra-
sileira, vemos a marginalização de grupos com suas práticas culturais diversas por não se encaixarem dentro de
um padrão branco e eurocêntrico. O patrimônio não é imutável, entra no campo das disputas, assim como a
memória, numa arena que percebe o passado em permanente construção, ressignificando seus valores de acordo
com a sociedade em seu tempo histórico. Desta forma, o presente trabalho se apresenta com a proposta de discu-
tir a relação de patrimonialização do brega e ensino de história, utilizando o conceito de “cultura escolar como
objeto histórico” do Dominique Julia e os documentos produzidos pelo Estado, como o advento da lei 10.639.
O trabalho também consistirá em analisar a história do brega e o seu processo de reconhecimento pelo Estado de
Pernambuco como Expressão Cultural (Lei 16.044/2017) e pela Prefeitura do Recife como Patrimônio Cultural
(18.807/21), discutindo seus impactos na sociedade. Os procedimentos metodológicos a serem utilizados será
primeiramente a aplicação de formulário (Google Forms) com os/as docentes da Rede Básica de Pernambuco para
dados quantitativos e, posteriormente, haverá entrevistas com os/as docentes. Como resultado, será apresentada
uma proposta para o uso do Movimento Brega como ferramenta para o ensino de história.
Palavras-chave: Movimento Brega. Ensino de História. Patrimônio.

Ensino de História, movimento brega e educação multicultural


Durante muito tempo o ensino de história ficou à margem dos professores de história, vista somente
como a aplicação de um saber que é produzido na Universidade e posteriormente didatizado, esse conhecimento
seria transmitido formalmente para as escolas. (SILVA, 2019). Essa compreensão tradicional de desconsiderar o
ambiente escolar e um ensino de história desvinculado da sua função política foi rompida na década nas escolas
francesas e alemães, onde a História passou a ser discutida pelas suas formas, funções e os usos na vida pública.
As escolas alemãs e francesas contribuíram nesse processo de reanálise do ensino com a história. Sendo
a primeira por evidenciar uma reflexão mais profunda e ampla sobre os fundamentos dos estudos históricos e
a sua relação com a vida pública e com a educação, permitindo perceber os meandros que envolvem o espaço
escolar. Da escola francesa, o entendimento é de que as pesquisas voltadas para o ensino de história trouxeram
como resultados uma distorção entre a história acadêmica e a história ensinada. Ambas as escolas contribuíram
para a consolidação dos conceitos no ensino de história e a pesquisa no Brasil.
Segundo Silva (2019), o ensino de história no Brasil acaba se consolidando como objeto e campo de
pesquisa por volta da década de 1980 e 1990, com discussões conceituais, dentre as quais encontra-se a que utilizo
nesse projeto: o conhecimento histórico escolar. No qual, esse conhecimento que é produzido na academia
possibilita ao estudante a apreensão e a oportunidade de estabelecer relações entre distintas temporalidades e
experiências, desenvolvendo habilidades de articular e estabelecer conexões entre os acontecimentos históricos
(locais, regionais e nacionais) e a história vivida no tempo presente (SILVA, 2019).
A escola deve ser vista como um espaço de construção do conhecimento, cabendo o desafio de identi-
ficar que tipo de conhecimento histórico ela produz (BITTENCOURT, 2004). Nessa complexidade que é o
âmbito escolar, devemos entender o papel do professor, não como o detentor do conhecimento, mas sim aquele
que considera as possibilidades, a cultura escolar, da comunidade, as tensões internas e externas que regem o
currículo, as escolhas que são feitas como recurso didático em determinado conteúdo. Compreender as razões
que envolvem a escolha ou não do movimento brega na sala de aula é a questão que atravessa esse projeto.

1 Graduado em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestrando em Ensino de História pela
Universidade Federal de Pernambuco. Email: Frederico.silvaneto@ufpe.br
II Encontro
168 Ensinar História
Silva (2019) contribui com a discussão proposta ao mostrar o reposicionamento do espaço escolar na
produção do conhecimento histórico. Na obra O Dicionário do Ensino de História, evidencia que:

Nos debates que se seguiram, o espaço escolar foi reconstituído como um espaço político de
construção do conhecimento e não apenas de sua reprodução. Nesse mesmo movimento,
o lugar do professor da educação básica foi reconfigurado, passando a ser percebido e a se
perceber como sujeito que produz, domina e mobiliza saberes plurais e heterogêneos para
ensinar o que ensina (SILVA, 2019, p. 53).

Napolitano (2002) aborda a relação entre a música e o ensino de história, partindo entendimento de
que a arte pode ser compreendida como documento, um produto de determinado tempo, sendo ponto de
encontro de etnias, religiões, ideologias, classes sociais, experiências diversas, ora complementares, ora confli-
tantes; a música no Brasil foi mais que um veículo neutro de ideias. As características históricas, sociológicas,
linguísticas, multicultural de um povo podem ser encontradas em várias representações, sendo a música uma
delas. Desta forma, a música brega e o Movimento mostram um caminho que faz parte da cultura local que
não pode ser desprezado pelo historiador.
O estudo das transformações sociais nos conecta a sua influência nos movimentos culturais, sendo
exemplos o Festival de Woodstock, o Tropicalismo, entre tantos outros que são produtos de um tempo, de
tensões, rebeldia, afetividade; frutos de um momento histórico que está marcado na música e a sua singulari-
dade. Com o Movimento Brega não é diferente, acaba sendo uma necessidade do contexto histórico de nossa
época que buscou o reconhecimento do Estado e de uma educação multicultural. Silva (2019) considera que:

O enfrentamento desse desafio implica observar a singularidade de cada escola, sala de aula,
professor e estudantes. É uma observação situada no tempo e com muitas variáveis. Isso por-
que a história escolar é uma construção social produzida por elaborações e reelaborações
constantes de conhecimentos produzidos a partir das relações e interações entre as culturas
escolar, política e histórica; com os livros didáticos; com outros saberes que não apenas os his-
tóricos e muito menos circunscritos aos formais; com as idéias sobre a história que circulam
em novelas, filmes, jogos etc.; e, não menos importante, com a história pública (história de
grande circulação, ou de massa). (SILVA, 2019, p. 52).

De acordo com o pensamento de Marcos Silva e Selva Guimarães Fonseca, o conceito de multicul-
turalismo diz respeito à sociedade globalizada, inserida no movimento de mundialização do capital, com sua
diversidade geográfica, racial, religiosa, política (SILVA, FONSECA, 2007). Essa compreensão evidencia também
um caminho mais flexível para a construção do conhecimento em sala de aula, cabendo ao professor ir além dos
limites do saber institucionalizado, estando mais flexível para os saberes do cotidiano (SILVA, FONSECA, 2007).
A compreensão de uma educação multicultural no contexto a que esse projeto se propõe, considera o
Movimento Brega um caminho possível para o ensino de história, sendo um traço cultural do Estado e estando
presente em vários espaços, inclusive as redes sociais, fruto do mundo globalizado. Um dos papéis de uma edu-
cação multicultural é “a capacidade de interdisciplinarizar, de integrar, de incluir em contextos específicos os
sujeitos e saberes dos excluídos: negros, índios, pobres, homossexuais, portadores de deficiências físicas, mentais
e outros” (SILVA, FONSECA, 2007, p. 45).
Compreender o multiculturalismo e o ensino de história é perceber que o mesmo se “constitui num
movimento, num campo político de embates, de constituição de identidades, no qual as relações de classe, gênero
e etnia são relações de poder, autoridade, dominação e resistência na lógica da sociedade capitalista” (SILVA,
FONSECA, 2007, p. 47). A complexidade e as negociações que há no espaço escolar quanto ao conteúdo que
será vivenciado e a sua relação com a cultura da juventude, além de desafiador, oferece ao professor de história
possibilidades inimagináveis para a sua prática pedagógica.

II Encontro
Ensinar História 169
Um dos pontos que favorece pensar uma educação multicultural no ensino de história é a Lei Federal
n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003 que torna obrigatório nos estabelecimentos de ensino público e privado, no
ensino fundamental e médio, o estudo da história e cultura afro-brasileira. Apesar do fundamento jurídico, os
currículos e as práticas pedagógicas deixam de lado a cultura local, favorecendo o estudo de um global. Nesse
sentido, pensar o multiculturalismo como uma forma de comunicação e integração parcial entre os conjuntos
culturais não reconhecidos na formação da cidadania (MUNANGA, 2015) é uma necessidade e mostra o
compromisso político do poder público. O multiculturalismo também é concebido como resultante de reivin-
dicações de grupos, como mulheres, negros, indígenas, homossexuais, para que seus saberes, suas manifestações
culturais, suas histórias sejam contadas e reconhecidas. (SILVA, FONSECA, 2007).
Analisar as potencialidades que o Movimento Brega pode proporcionar ao ensino de história é possi-
bilitar ao docente meios para a utilização de recursos didáticos que o envolvem como por exemplo a história do
brega recifense, como o gênero ultrapassou a esfera musical e se tornou um movimento, estando inserido tão
fortemente no cotidiano e na construção cultural e identitária da juventude, compreendendo sua linguagem,
vestuário, os locais de produção, a relação com os espaços públicos e privados, o processo de silenciamento.
São caminhos que esse projeto busca seguir, relacionando-o com o entendimento da consciência histórica e a
identidade do indivíduo.
A cultura brega é um elemento marcante das periferias do Recife e que se irradiou pelas demais regiões
de Pernambuco. Surgiu nas décadas de 70 e 80 do século XX, marcado pelo romantismo de nomes como
Reginaldo Rossi, Waldick Soriano, Adilson Ramos, Augusto Cesar, Amado Batista, Gino Liver, Odair José
e Diana. O pesquisador Paulo César Araújo na sua obra Eu não sou cachorro, não: Música popular cafona e
ditadura militar afirma que a palavra brega acaba surgindo para se referir a esses artistas que possuíam a origem
em camadas mais populares sendo vista como um estilo de música que é feito para as classes mais populares.
Este autor evidencia como a historiografia musical brasileira invisibiliza os sucessos produzidos por esses
artistas, caracterizando suas obras como tendo baixo valor artístico, compreendendo assim a construção social
de um estilo musical em detrimento de outro (Jovem Guarda x Brega), partindo de uma lógica elitista, branca e
acadêmica. Acerca disso, Antônio Lira em sua matéria na Revista Continente, sobre o mesmo tema afirma que:

Investigar o silêncio e as ausências da música brega dentro daquilo de que um dia foi chama-
do de linha evolutiva da música popular brasileira, permite que compreendamos um tanto
das assimetrias sociais e raciais que compõem a nossa sociedade (e a nossa memória). Talvez
as dificuldades que parte da intelectualidade tenha em lidar com essa música evidenciam
também o abismo entre os valores das elites culturais e as massas2.

O recorte racial é importante para a discussão do brega, tendo em vista que a sua produção acontece nas
comunidades do Recife, principalmente na Zona Norte em bairros como Casa Amarela, Alto José do Pinho,
Alto José Bonifácio, Nova Descoberta, Vasco da Gama, Arruda, Agua Fria, Bomba do Hemetério, bairros pre-
dominantemente negros, de acordo com o último censo do IBGE (2010), mais de 60% se auto declara negra ou
parda. É possível entender historicamente a ocupação desses espaços com o processo de higienização do Centro
do Recife e as práticas culturais que envolvem essa população que acaba sendo deslegitimada por causa do
racismo estrutural, naturalizado por instituições, relações políticas, econômicas, jurídicas (ALMEIDA. 2021).
Com a virada do século XX para o XXI, o brega acaba sendo influenciado pelo funk e penetra nas
classes mais altas da cidade, tocando em festas de casamento, boates e formaturas. Atualmente, os principais
nomes dessa cena artística são Raphaela Santos, Priscila Sena, Conde Só Brega, Os Neiffs, Mc Tróia, Mc Sheldon,
Cego Abusado, entre outros.

2 LIRA, Antonio. O brega é nosso!. À revelia da historiografia hegemônica e na luta por espaços de legitimação, gêneto se
afirma em Pernambuco e amplia alcance nacional a partir da produção que sai do Grande Recife. Revista Continente. Ed. 259. Julho
de 2022.). Disponivel em: https://revistacontinente.com.br/edicoes/259/o-brega-e-nosso-. Acesso em 25 de novembro de 2022).
II Encontro
170 Ensinar História
Com músicas que podem ser feitas através de um celular, o brega possui narrativas que vão desde o
cotidiano da cidade do Recife ao amor não correspondido. Os grandes centros de produção do brega são as
periferias, onde também se localizam as escolas e jovens que vivenciam essa cultura, seja a forma de vestir, falar,
de reproduzir trechos de músicas em suas redes sociais.
O professor Thiago Soares considera que esse preconceito com o brega se justificado porque “as ideias
de músicas populares, como um fenômeno da indústria musical, são mercadorias padronizadas, superficiais,
com consumidores passivos e meros agenciamentos do ouvinte no capitalismo” (SOARES, 2017, p. 28).
Desconsiderar o brega como expressão cultural é nesse contexto educacional, perder uma gama de possibilida-
des que o envolve e vão desde o vocabulário que é dinâmico, com inúmeras figuras de linguagem, narrativas do
cotidiano, autenticidade, criatividade, entre tantos outros elementos.

O brega como patrimônio cultural


“Muito feliz de representar todo mundo”3, foi essa a frase dita por Priscila Senna, a Musa do brega,
ao ser entrevistada após o show de abertura do carnaval do Recife em 2020. Esse momento é um marco histó-
rico para o gênero musical por ser o primeiro show em um evento de grande porte do Estado de Pernambuco,
possibilitando uma grande “vitrine”.
Entender as razões que levaram a música brega e posteriormente o Movimento Brega a serem reconhe-
cidos pelo Estado é um dos objetivos dessa seção, discutindo as motivações e as possibilidades construídas com
o seu advento, nos âmbitos estadual e municipal, respectivamente.
A música brega é caracterizada por Paulo César como “uma vertente da música popular brasileira
consumida pelo público de baixa renda, pouca escolaridade” (2003), possuindo como local de produção as
periferias do Recife, não deixando de existir no centro da cidade em locais considerados boêmios como o 100%
Brasil na rua 7 de Setembro, o Cais de Santa Rita, o Largo de Santa Cruz, entre outros pontos históricos da
cidade, em especial nas suas noites.
Na Enciclopédia da Música Brasileira, a música brega é tida como “música mais banal, óbvia, direta,
sentimental e rotineira possível, que não foge ao uso sem criatividade de clichês musicais (1998), o que leva o
reforço de um estereótipo de música voltada para o consumo, associada às classes subalternas, com hits tempo-
rários e com o adicional versões de músicas estrangeiras.
As versões de músicas estrangeiras é uma característica marcante da música brega que ainda permanece
na atualidade, principalmente com as canções mais tocadas nas rádios, trazendo uma “tradução não literal” da
letra e permanecendo o ritmo original. Uma das canções de maior sucesso de Reginaldo Rossi, Ilha de Itamaracá,
é um exemplo disso.
No ano de 1979, a banda alemã Goombay Dance Band lançou a música Sun Of Jamaica, onde é nar-
rada a história de um jovem que havia assistido um filme e por isso tinha o desejo de conhecer a Jamaica, como
podemos observar na canção em inglês, traduzida a seguir:

Sun of Jamaica4
Long time ago, when I was a young boy
I saw that movie “Mutiny on the Bounty”
Starring my idol, Marlon Brando
And I felt
a yearning for that great adventure

3 https://g1.globo.com/pe/pernambuco/carnaval/2020/noticia/2020/02/22/muito-feliz-de-estar-representando-todo-mun-
do-diz-priscila-senna-primeira-artista-de-brega-a-comandar-palco-do-marco-zero.ghtml - Acesso em 20/08/2023
4 https://www.youtube.com/watch?v=NvngDNsJrHU – Acesso em 10/06/2023
II Encontro
Ensinar História 171
So many nights I woke up out of a dream
A dream of blue seas, white sands,
Paradise birds, butterflies
and beautiful warm-hearted girls

Sol da Jamaica
Há muito tempo atrás, quando eu era um menino novo
Eu vi esse filme “mutiny on the Bounty”
Estrelando o meu ídolo, Marlon Brando
E eu me senti
Um anseio por que grande aventura
Tantas noites eu acordei de um sonho
Um sonho de mar azul, areias brancas,
Pássaros, borboletas do paraíso
E belas garotas quentes de coração5

A música Ilha de Itamaracá de Reginaldo Rossi não é uma “cópia” literal de Sun Of Jamaica, apesar de
possuir o mesmo ritmo, é notório perceber as mudanças, como local (saindo do Caribe para falar de uma Ilha
de Pernambuco), a referência à língua nativa (tupi guarani) que dá nome ao lugar, entre outras características,
da forma que podemos observar a seguir:

Itamaracá, em Tupi Guarani quer dizer


Pedra que canta
E também é uma ilha do Atlântico
Que fica lá em Recife
A minha Terra
Itamaracá é uma ilha encantada
Lugar mais bonito que eu vi (o Lugar mais bonito que eu vi)
Itamaracá é um reino encantado
E todos são reis por aqui

Souza (2009) entende que a música brega é relativa, pois cada artista concebe uma definição diferente,
cabendo o aspecto de cópia de outros ritmos, música romântica, desilusão amorosa, baixa criticidade voltada
para o consumo, etc., chegando a conceituar como inexistente numa perspectiva estética frente a outros gêneros
musicais, devido a mistura de elementos que a envolve, fica difícil uma definição precisa.
Ainda sobre o brega, é em um documentário produzido por Gilberto Gil que ouvimos de Wanderley
Andrade, ícone do tecnobrega paraense que “Somos indiscutivelmente uma cópia, dos americanos e dos france-
ses”6. No mesmo documentário temos Chimbinha, principal nome do brega paraense que afirma que “brega é
a cabeça das pessoas”. Então podemos perceber o quanto é complexo a definição de música brega inicialmente,
mas isso não impede uma reflexão para sua conceituação e partimos em busca da sua rota de patrimonialização.
Devido a sua plasticidade e indefinições históricas quanto ao seu surgimento e preconceito, a música
brega pode ser entendida como um gênero musical popular que possui influência de outros ritmos, possuindo
como pano de fundo as crônicas do cotidiano, o amor não correspondido, o entretenimento das classes popu-
lares, etc., bastante associado com uma música de baixo padrão, devido sobretudo por quem é produzido e
consumido. Aprofundaremos esse tema quando tratar sobre a história do brega em Pernambuco.

5 Tradução livre do autor


6 https://www.youtube.com/watch?v=5KbTTzE2Ne8&ab_channel=DjaCorreia Acesso em 12/08/2023
II Encontro
172 Ensinar História
Nesse momento, tratar sobre o patrimônio é essencial para a compreensão de como a ascensão do brega
nas classes populares e nas redes sociais foram fundamentais para que fosse não só reconhecido pelo Estado de
Pernambuco, como também em outros lugares, pensando uma nacionalização do brega (THIAGO; BENTO, 2020).
O patrimônio não se trata somente do passado, é uma construção política, cultural e histórica em
determinado tempo (POULOT, 2009). Partindo desse pressuposto, ao pensarmos a história da sociedade bra-
sileira, vemos a marginalização de grupos com suas práticas culturais diversas por não se encaixarem dentro de
um padrão branco e eurocêntrico. O patrimônio não é imutável, entra no campo das disputas, assim como a
memória, numa arena que percebe o passado em permanente construção, ressignificando seus valores de acordo
com a sociedade em seu tempo histórico (POULOT, 2009).
Na concepção de Hartog, “o patrimônio é uma maneira de viver as rupturas, de reconhecê-las e reduzi-las,
referindo-se a elas, elegendo-as, produzindo semióforos” (HARTOG, 2006, p. 272). Cada sociedade tem sua
forma de enxergar o passado e de elaborar seus significados, forjar sua identidade, elementos que constituam a
cultura que os cerca. Uma das reflexões possíveis é pensar a identidade cultural brasileira, onde inúmeros gru-
pos, em especial os indígenas e negros ficaram alijados desse processo de reconhecimento das práticas culturais.
É sob essa perspectiva do patrimônio enquanto construção política e dotada de significado que trata-
remos sobre o carnaval de Pernambuco em 2016. A convocatória para habilitação e a seleção de propostas de
atividades artísticas e culturais para compor a programação do Ciclo Carnavalesco 2016 do Governo do Estado
de Pernambuco, é executada pela Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco - SECULT-PE, Secretaria de
Turismo, Esportes e Lazer – SETUREL-PE, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco -
FUNDARPE e Empresa de Turismo de Pernambuco – EMPETUR.
A finalidade é promover apresentações de artistas, grupos, orquestras e agremiações tradicionais do ciclo
carnavalesco pernambucano nas 12 (doze) regiões de desenvolvimento do Estado de Pernambuco. O parágrafo
primeiro da seção 3.1.4. da Convocatória traz em seu conteúdo a normativa que evidencia a exclusão do brega
na participação do processo de uma das festas mais tradicionais do país, como podem observar a seguir, outros
grupos também foram excluídos

3.1.4. MÚSICA POPULAR BRASILEIRA (Palco): Artistas e grupos de MPB, Axé, Pop
Rock Nacional, Pop e de Forró desde que ligados à tradição carnavalesca ou que tenha a tra-
dição carnavalesca como fonte de pesquisa no trabalho a ser apresentado.
Parágrafo Primeiro. Para efeito desta Convocatória, por não se identificarem com o ci-
clo carnavalesco, não se incluem nas categorias descritas acima os seguintes gêneros mu-
sicais: Forró Eletrônico, Forró Estilizado, Brega, Swingueira, Arrocha, Funk, Sertanejo e
Pagode Estilizado7.

A medida estatal acaba causando revolta nos artistas que fazem a música brega pois não poderiam par-
ticipar do edital, causando um enorme prejuízo a inúmeras bandas, mc’s e os segmentos que compõem a cadeia
de produção do brega, passando do cantor ao figurinista, a empregabilidade do setor é bastante significativa e
veremos posteriormente como a lei do Movimento Brega essa menção.
É discutível ainda o fato de que participaram desse e de outros carnavais atrações que não tinham qual-
quer ligação com o Carnaval. Um exemplo disso é a banda Jota Quest, e aqui não cabe falar de gosto musical,
porém porque não é possível bandas ou mc’s de brega que são da localidade e trazer uma de Belo Horizonte
que não possui uma relação direta Carnaval ou outra festividade do Estado? Uma das incoerências que per-
maneceram em outros carnavais mas que recentemente, após a efetivação da lei, a descentralização dos polos
de carnaval não só nos Centros das cidades, como também nos morros do Recife, contribuem para um maior
equilíbrio de atrações nacionais e locais.

7 https://www.cultura.pe.gov.br/wp-content/uploads/2016/12/Convocatoria-Ciclo-Carnavalesco-2017.pdf Acesso em
15/08/2023.
II Encontro
Ensinar História 173
Outros ritmos musicais como a Swingueira, Arrocha, Funk, Pagode Estilizado, Forró Eletrônico e
Estilizado são ritmos que porém não ter uma relação direta com a festividade, porém possuem uma relação direta
com a juventude que se organizavam em grupos de dança, nas comunidades de Pernambuco. A Swingueira8
é um documentário produzido e exibido na 58° Bienal de Veneza que narra a história de três grupos de dança
de brega funk, swingueira e batidão dos malocas.
Forjar uma identidade nacional como nos remete a discussão sobre o patrimônio e o tempo histórico
no Brasil. Marcado por uma concepção branca e eurocêntrica, as práticas culturais negras foram invisibilizadas
e ao se discutir sobre os direitos culturais dessas pessoas, estamos falando não somente do patrimônio, a cul-
tura de um local, falamos de identidade, cidadania, direitos culturais, este último que possui sua validação nos
artigos 22 e 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do qual o Brasil é país signatário, onde afirma
que “toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de
participar do processo científico e de seus benefícios” (ONU, 1948).
No artigo 215 da Constituição vemos a incumbência de que o “Estado protegerá as manifestações das
culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional” (BRASIL, 1988), e apesar dos inúmeros desafios que pensou o constituinte originário, o racismo e
o preconceito ainda é bastante presente na sociedade brasileira.
A música brega é consumida pelas classes populares e boa parte dela é predominantemente negra,
principalmente nas periferias. Os locais de produção do brega acabam sendo nas comunidades, onde os jovens
buscam no ritmo uma forma de mudar a sua trajetória de vida, conseguir ascensão social, trabalhar com a música,
etc., são possibilidades que podem ser trilhadas. Desta forma, a medida do Estado em barrar o gênero musical
popular também reproduz o racismo institucional contra o povo negro.
Coube ao então deputado Edilson Silva, filiado ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) a propositura
do projeto de lei 16.044/2017, na Assembléia Legislativa do Estado (ALEPE), após conversa com o segmento
brega e por considerar o gênero como uma expressão genuinamente pernambucana. Nas palavras de Edilson,
o projeto de lei surge em meio a “postura discriminatória do Governo”9.
A aprovação do projeto de lei alterou a Lei n°14.679/2014 que versa sobre as expressões culturais
pernambucanas, ficando dessa forma:

Art. 1º O art. 3º da Lei nº 14.679, de 24 de maio de 2012, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 3º Para efeito desta Lei são consideradas expressões artísticas pernambucanas: afoxé,
baião, brega, bumba meu boi, caboclinho, capoeira, cavalo marinho, ciranda, coco, forró,
frevo, mangue beat, maracatu, mazurca, pastoril, reisado, repente, toré, urso e outros ritmos
devidamente reconhecidos pela Fundação de Cultura do Estado de Pernambuco - FUN-
DARPE.” (NR)

A inclusão do brega como expressão cultural de Pernambuco acaba mostrando a importância que o
Estado possui para o financiamento e divulgação da cultura local frente aos eventos de grande porte e conse-
quentemente o desenvolvimento da sua economia. O brega que até então se limitava a clubes privados, casas
de shows, etc. pode agora representar o Estado em um evento oficial, como foi o Show de Priscila Senna na
abertura do Carnaval de 2020, além dos polos descentralizados durantes o Carnaval, São João e Natal, principais
eventos da cidade.
Ainda sobre a lei, há um dispositivo que reserva de 60% das vagas nas festividades estaduais ou muni-
cipais, para artistas ou grupos que se encaixem na lei, além das alterações nos editais da FUNDARPE e demais
instituições para o fomento do ritmo

8 https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/swingueira-pernambucana-vai-representar-brasil-na-58-bienal-de-vene-
za-23505717 Acesso em 11/08/2023
9 https://www.alepe.pe.gov.br/2017/08/18/brega-e-reconhecido-como-expressao-cultural-pernambucana/ Acesso em 16/08/2023.
II Encontro
174 Ensinar História
Art. 1º Fica determinado que os convênios firmados entre o Poder Executivo do Estado e
dos Municípios, ao remeterem recursos para a realização de atividades culturais, que têm por
objetivo oferecer à população de Pernambuco apresentações artísticas nas áreas de música,
teatro, dança, literatura e outras áreas afins, deverão prever a reserva de 60% (sessenta por
cento) das vagas para artistas e grupos que expressem a cultura pernambucana.

O ano de 2021 foi marcado principalmente pela pandemia do Coronavírus e as suas consequências de
ordem global. Os milhões de mortos e as medidas de restrições, como o lockdown, medidas com o objetivos de
conter a proliferação do vírus que ainda não possuía vacina para controlar a situação.
No cenário do brega, a pandemia ocasionou o fechamento das casas de shows, prejudicando as pessoas
que trabalhavam na noite, restaurantes. Como forma de dirimir os efeitos na economia local e não só isso, uma
forma de também reconhecer a cadeia produtiva do brega, o então vereador Marco Aurélio Filho propôs o pro-
jeto de lei 01/2021 (Lei 18.807/21) na Câmara Municipal, onde após duas votações, conseguiu a sua aprovação.
O artigo 1° da lei afirma que é declarado Patrimônio Cultural Imaterial do Recife o “Movimento
Brega”. Diferentemente da lei anterior que considerava apenas o brega como expressão cultural, quis o legislador
adicionar a palavra Movimento, causando no leitor uma interrogação, já que nas pesquisas recentes não há a
nomenclatura. Então o que seria?
Uma resposta possível é encontrada no justificativa do Projeto de lei onde é abordada a cadeia produ-
tiva, como podemos destacar que:

Ao denominar Patrimônio Cultural Imaterial do Município do Recife e o Movimento Bre-


ga, estamos incentivando e valorizando Artistas, Bailarinos, Empresários e todos aqueles que
direta ou indiretamente contribuem com o cenário econômico e cultural da Cidade do Re-
cife. Compreender e dar o devido valor ao Movimento Brega é ir além desse ritmo musical,
encarando-o como um movimento popular que traduz principalmente a expressividade da
periferia de nossa cidade.

Pela primeira vez um documento normativo faz referência aos bastidores da música brega, periferia e
preconceito. É uma justificativa de lei bem avançada comparada ao do Estado, porém existe a menção de pre-
conceito com o brega, aquilo que já havia falado no início desta seção e talvez a palavra que melhor se encaixaria
seria racismo estrutural, na qual podemos observar as violências simbólicas, verbais, policiais com quem fizer
parte, por reforçar um estereótipo de música de pouca qualidade associando às classes trabalhadoras, as periferias.
A patrimonialização do brega e do Movimento Brega acabam encontrando ao longo da sua rota, esta-
dual e municipal, resistências com o discurso sobre a sexualidade precoce, as músicas de baixo valor cultural
e pornofonia. Também haverá inúmeros avanços como as parcerias com instituições públicas e privadas que
utilizarão o brega como campanha publicitária ou para o entretenimento, os eventos que acontecem na cidade
com artistas do gênero, não sendo mais necessário ter o Carnaval para que possam se apresentar.
Analisar a história do brega nos âmbito nacional e local possibilitará uma compreensão melhor da
importância das juventudes e da cultura periférica no processo de patrimonialização do bem cultural, observando
os distanciamentos e proximidades, rupturas e continuidades de determinada sociedade no tempo histórico.

Metodologia
É através do brega, porta de entrada comum aos estudantes da rede pública estadual e principalmente na
periferia, que podemos pensar uma educação patrimonial para o reconhecimento das marcas, territórios, possibili-
dades que são construídas através da participação efetiva e crítica deles.
Compreender a dinâmica escolar perpassa pelo conceito de cultura escolar (JULIA, 2001), onde é possível
perceber as práticas pedagógicas e as influências/resistência que existem nos espaços internos e externos da escola. A
II Encontro
Ensinar História 175
potencialidade criativa que há na sala de aula, assim como os recursos didáticos propiciam um ambiente de troca entre
estudantes e professores, troca essa que muitas vezes acompanha as transformações que se dão em nossa sociedade.
Analisar a cultura escolar como um objeto histórico faz com que o professor de história compreenda as
tensões presentes no currículo das escolas e na cultura que é reproduzida ou combatida dentro e fora da sala de aula.
É nessa linha que o Movimento Brega e o ensino de história possibilita uma gama de caminhos para trabalharmos
a problematização do próprio movimento, compreendendo as suas nuances, o seu alcance entre os estudantes, os
recursos didáticos nos conteúdos históricos e as formas de resistências presentes no âmbito educacional.
Para o desenvolvimento dessa pesquisa será necessário a aplicação de formulários entre os professores de
História da Gerência Metropolitana do Sul do Estado de Pernambuco, com o objetivo de investigar a utilização ou
não do Movimento Brega nas práticas pedagógicas. Esse formulário será importante para o levantamento quanti-
tativo, onde de acordo com as respostas haverá a segunda etapa para entrevista e/ou acompanhamento da atividade
desenvolvidas pelo docente. Nesse levantamento, será elaborado um perfil da escola, com informações sobre a sua
localização, perfil social dos estudantes e integração com a comunidade escolar.
Por se tratar de um tema novo a ser pesquisado no ensino de História, será necessário fazer uma pesquisa
bibliográfica sobre o que foi produzido, entrevistas com pessoas que participaram do processo de patrimonialização
e artistas, além de visitas aos centros de produção da música, vestuário, linguagem etc.
Através da coleta e análise, a pesquisa consistirá em problematizar as práticas pedagógicas, propondo pos-
sibilidades de usos do Movimento Brega no Ensino de História, discutindo sobre metodologias para o uso como
recurso didático para uma educação patrimonial. A construção de uma “Rota do Brega” será o produto a ser desen-
volvido pela pesquisa, terá como proposta a construção de um roteiro para trabalhar a História do Recife, utilizando
o Movimento Brega como pano de fundo, mostrando as relações possíveis para o professor de História.

REFERÊNCIAS
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das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana”: uma conversa
com historiadores. Estudos Históricos, 2008, v. 21, n.41.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez,
2004, 2. ed.
HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia Historia, Belo Horizonte, v.22, n.36, jul-dez.2006, p.261-273
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação,
Campinas, n. 1, 2001, p. 9-43.
MUNANGA, Kabengele. Por que ensinar a história da África e do negro no Brasil de hoje? Revista do
Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 62, dez. 2015, p. 20–31.
NAPOLITANO, Marcos. História e música – história cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
SILVA, Cristiane Bereta. O Conhecimento Histórico Escolar In FERREIRA, Marieta de Moraes; OLIVEIRA,
Maria Dias de (Coord.). Dicionário de Ensino de História. Rio de Janeiro: FGV, 2019. 248 p.
SILVA, Marcos e FONSECA, Selva Guimarães. Ensinar História no Século XXI: Em Busca do Tempo
Entendido. Campinas, SP. PAPIRUS. 2007.
SOARES, Thiago. “Ninguem é perfeito e a vida é assim”: a música brega em Pernambuco/ Thiago Soares;
[ensaio fotográfico Chico Ludermir]. – Recife, PE: Carlos Gomes de Oliveira Filho, 2017.
SOUZA, Monica Lima e. Fundamentos Históricos das Heranças Africanas. In.: Samba em Revista - Heranças
africanas no Brasil: história, conhecimento e criação. Edição Especial. Dez 2021, Ano 13, n 11. pp 15-25.
II Encontro
176 Ensinar História
O DIÁRIO DE ANNE FRANK E A DIDÁTICA DA HISTÓRIA:
ENSINO DE HISTÓRIA E TRAUMAS COLETIVOS.
SILVA, Karine1
SCHURSTER, Karl2

Resumo: Uma das questões mais latentes no tempo presente não está exclusivamente em como se faz a história,
mas em como ensiná-la. O Ensino de História dos traumas sociais coletivos e dos temas socialmente vivos vem
crescendo de forma substancial e cada vez mais toma relevância mediante as apropriações, os usos e abusos do
passado, pelo presente. Assim, o presente trabalho busca analisar os usos didáticos do “Diário de Anne Frank”
para o Ensino de História da Shoá, utilizando como referência as teorias de Rüsen, dentre outros pesquisadores
brasileiros que se dedicam ao campo da Didática da História e ao Ensino dos traumas coletivos.
Palavras-chave: Holocausto. Didática da História. Traumas Coletivos. Diário de Anne Frank.

O campo da Didática da História no Brasil vem crescendo de maneira substancial, tanto de forma
quantitativa, quanto qualitativa, segundo Rüsen, “[...] a história como uma matéria a ser ensinada e aprendida
tem de passar por um exame didático referente à sua aplicabilidade de orientar para a vida.” (2010, p. 36). Assim,
o autor apresenta uma forte militância referente à utilidade do Ensino de História voltado às questões da vida
prática. Aprender história deve servir como orientação no tempo; por isso, requer uma abordagem específica
teórica e metodológica. A Didática da História estuda as diversas formas de aprendizagem da História no
âmbito escolar, e também para além dos muros da escola. Diversos autores brasileiros têm voltado sua atenção
aos estudos da Didática da História, influenciados em grande parte pelas obras de Rüsen.
Ao empregar as perspectivas da Didática da História alemã, é importante considerar as produções
nacionais no campo da Educação Histórica, professores como Saddi, Cerri, Schmidt e Martins, dentre outros,
desenvolvem pesquisas significativas no campo da Didática da História considerando principalmente o con-
texto brasileiro. Embora a Didática da História (Geschichtsdidaktik) seja um campo epistemológico vasto e
complexo, que abrange uma variedade de autores com diferentes concepções, a tradução dos livros de Rüsen foi
fundamental para expandir esse conhecimento no Brasil e ajudar a responder a questões específicas no âmbito
no Ensino de História.
A Didática da História segundo Klaus Bergmann “[...] é a disciplina científica que investiga e expõe
sistematicamente os processos de ensino e aprendizagem, processos de formação e autoformação de indivíduos,
grupos e sociedades a partir da e pela História.”(BERGMANN, 1990, p.30). Partindo desse princípio pode-
mos compreendê-la como uma disciplina que busca refletir sobre o ensino e aprendizagem da História, e sua
fundamentação teórica e prática, investigando o significado geral da circulação do conhecimento histórico por
meio da práxis social. Partindo desse pressuposto, a Geschichtsdidaktik, trás uma perspectiva mais abrangente
de análise do conhecimento Histórico, abordamos conceitos fundamentais, como e de Cultura Histórica,
Consciência Histórica e a Aprendizagem Histórica.
Segundo o pesquisador Rafael Saddi (2014), embora aqui no Brasil as teorias de Rüsen tenham ganhado
um grande destaque, diversos autores que não foram traduzidos para o português são muito reconhecidos na
Alemanha como fundadores da Neu Geschichtsdidaktik. “ [...] a didática da história alemã tem sido apropriada
no Brasil. Nossa hipótese é que essa apropriação implica em um processo de ressignificação” (SADDI, 2014,
p. 135). Essa teoria espalhou-se pelo Brasil, e deu fôlego a diversas pesquisas que rompem com a compreensão
simplista da didática, pensada tradicionalmente como um “conjunto de técnicas pedagógicas” que traduz o
1 Mestranda em Ensino de História pelo ProfHIstória da Universidade de Pernambuco. Professora de História dos anos
finais da Educação Básica. E-mail: karinef3008@gmail.com
2 Professor da Universidade de Vigo ao abrigo do Contrato Maria Zambrano de Talento Internacional e livre docente pela
Universidade de Pernambuco. Pós Doutor em História pela Universidade Livre de Berlim e bolsista de produtividade do CNPq.
E-mail: karl.schurster@upe.br
II Encontro
Ensinar História 177
conhecimento “científico” produzido na academia em um conhecimento escolar a ser ensinado pelos profes-
sores. Compreendendo que o professor não faz uma “transposição didática” ou simplesmente transforma o
saber acadêmico em um conhecimento escolar “simplificado”, segundo o professor Cerri

O professor de história definitivamente não é um tradutor de conhecimento erudito para o


conhecimento escolar, um simplificador de conteúdo. É, sim, um intelectual capaz de iden-
tificar os quadros de consciência histórica subjacentes aos sujeitos do processo educativo —
inclusive o seu próprio — e de assessorar a comunidade na compreensão crítica do tempo,
da identidade e da ação na história. ( CERRI, 2011, p. 18)

Essa mudança de paradigma teve início na Alemanha nos anos 60 e 70, quando os historiadores pas-
saram a ser confrontados sobre qual é a função social do conhecimento histórico na vida social e cultural,
sendo obrigados a repensar a relação da história com a vida prática e sua articulação com a educação. (RÜSEN,
2010) Rüsen, desenvolveu conceitos de suma importância para compreender o valor educativo da Consciência
Histórica. Três obras são fundamentais para compreender o vasto campo da Didática da História: Razão histó-
rica (2001), Reconstrução do passado (2007) e História viva (2007). Outros artigos traduzidos para o português
podem ser encontrados no livro “Jörn Rüsen e o Ensino de História” organizados pelas pesquisadoras Maria
Auxiliadora Schmidt, Isabel Barca e o pesquisador Estevão Rezende Martins, grandes referências para o Ensino
de História no Brasil.
Após a Segunda Guerra Mundial, grandes transformações ocorreram no cenário mundial, o conflito
que abalou drasticamente a história da humanidade deixou resquício catastrófico e para Alemanha, duplamente
derrotada, havia uma grande necessidade de encontrar maneiras de lidar com seu passado traumático e os desdo-
bramentos históricos, dentro desse contexto, o caso alemão pode servir como exemplo para diversos países sobre
como lidar com suas próprias querelas e aborda traumas da história do Tempo Presente (CARDOSO, 2019).
Certamente, as traduções das obras Rüsen realizadas inicialmente pelo professor Estevão Rezende
Martins, abriram caminhos para ampliação das pesquisas em Didática de História no Brasil, entretanto, deve-se
ressaltar que não se trata de fazer uma cópia das teorias alemãs, mas de usá-las como referencial teórico para a
construção de soluções e análises das problemáticas que envolvem o campo educacional no contexto brasileiro.
Em suma, as pesquisas em Didática da História ampliaram a compreensão sobre as diversas formas teóricas e
metodológicas do Ensino da História dentro da escola e para além dela. Como analisar os diferentes espaços de
circulação dos conhecimentos históricos e os diálogos que podemos estabelecer entre o Ensino de História e as
questões da vida prática dos estudantes.
Dentre os muitos conceitos que perpassam o campo de análise da Didática da História, a construção e o
desenvolvimento da Consciência Histórica ocupa um lugar de destaque, segundo Saddi (2014, p.135), embora
o conceito de Consciência Histórica não tenha sido elaborado necessariamente por Rüsen, foi abordado por ele
de forma mais profunda. Os professores Bonete e Szlachta (2021) ressaltam que embora não existam consensos
sobre a concepção de Consciência Histórica, atualmente ela é compreendida como universal e antropológica,
partindo do pressuposto que cada ser humano é dotado da habilidade de pensar temporalmente sua existência,
articulando de modo intencional suas ações no tempo e no espaço. Deste modo, a Consciência Histórica não
está restrita apenas aos seres humanos de um determinado espaço geográfico ou de um tempo histórico especí-
fico. Está relacionada diretamente à forma como todos os seres humanos interpretam o mundo em que vivem
e articulam seus projetos de futuro, compreendendo o tempo como experiência e como intenção. (BONETE
; SZLACHTA, 2021). “[...] se entende por consciência histórica a suma das operações mentais com as quais
os homens interpretam sua experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmo, de forma tal que
possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo.” (RÜSEN, 2001 p. 57).
Desta forma, podemos compreender que a construção da análise do conhecimento histórico não deve
estar restrita apenas ao espaço escolar, contudo devemos compreender como os estudantes ao entrarem em salas
de aulas elaboram o pensamento histórico, dentro do meio social no qual estão inseridos. De acordo com Cerri,
esse campo epistemológico — referente a Didática da História — proporciona um amplo espaço de pesquisas,
II Encontro
178 Ensinar História
e não apenas aquelas concebidas para e a partir das escolas, mas abre um leque muito maior às reflexões sobre o
Ensino de História e a aprendizagem histórica, além do que é ensinado nos currículos escolares, mas também
na utilização didática de programas de TV, filmes, revistas histórias em quadrinhos, etc. (CERRI, 2011, p. 52).
Partindo do princípio que o Ensino de História aborda as experiências sociais ao longo tempo e espaço, com-
preendendo que existe uma relação entre o passado, o presente e o futuro que desejamos — embora tenhamos
pouco, ou quase nenhum controle sobre o futuro — podemos projetá-lo com esperança em dias melhores.
Assim, analisarmos as possíveis abordagens de temas sensíveis nas aulas de história representa uma questão de
suma importância.
Dentro desse contexto, o ensino de História do Holocausto é um tema fundamental para a História
no tempo presente e os temas sensíveis, constituindo-se como um dos centros de gravidade para a mudança de
perspectiva da Didática da história alemã, que precisou lidar com seu passado traumático, vivenciando uma
crise no Ensino de história “[...] a história e o ensino de história não eram capazes de responder às carências de
orientação da sociedade alemã pós-guerra, perdendo em importância social” (SADDI, 2014, p. 136). Segundo
Saddi, o sociólogo Norbert Elias (1997), destacou o conflito geracional da juventude que cresceu no contexto
da derrota alemã, com seu território ocupado e dividido “Crescida no pós-guerra, por um lado, ela não havia
participado da experiência do nazismo, mas por outro, acabava inviavelmente por se culpada pelo Holocausto.”
(SADDI, 2014, p. 136).

1. O diário de Anne Frank e o Ensino de História do Holocausto.


Assim, o ensino de História do Holocausto é especialmente importante por sua relevância para a com-
preensão dos direitos humanos e dos crimes de ódios cometidos ao longo da história. A História do Holocausto
não se restringe apenas a análise de um acontecimento específico, mas também oferece a oportunidade de discutir
questões mais amplas, como o racismo, o antissemitismo e a xenofobia, além de abordar temas como a memória
e a representação histórica. Segundo Theodor Adorno, em seu célebre texto “Educação após Auschwitz”, todos
os debates acerca da educação devem ocorrer com base na perspectiva de que “[...] Auschwitz não se repita. Ela
foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação.” (2022, p. 129) Portanto, toda a iniciativa de Ensino de
História da Shoá, deve partir de princípios humanísticos, contra as formas de violência que permanecem em
nossa sociedade.
O Ensino de História do Holocausto foi inserido na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
do Ensino Fundamental, sancionada em 2017. Ela aborda temas obrigatórios como, “Judeus e outras vítimas
do Holocausto” e o estudo “do extermínio de judeus”. Ambos foram introduzidos na matriz curricular do 9º
ano.3 Ainda sob essa perspectiva, em 2021, fora promulgada em Pernambuco a Lei de Nº 17.404/20214, esse
decreto estabelece que o ensino de História do Holocausto “sob os prismas do negacionismo ou revisionismo
histórico” passa a ser configurado como prática criminosa de apologia ao nazismo e ao racismo. O decreto deve
ser cumprido em instituições públicas e privadas, estaduais e municipais, da Educação Básica, em todo o estado.
As escolas devem tratar o Holocausto como “o genocídio ou assassinato em massa e crime de lesa-humanidade,
identificado como uma ação sistemática de extermínio do povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial”.
Para Yehuda Bauer5, o ensino de história do Holocausto deve estar diretamente relacionado ao público
ao qual se dirige e às suas experiências históricas e culturais. Assim, ao abordamos um tema sensível em sala de
3 Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental, aborda como temas obrigatórios do 9º ano, na
unidade temática “Totalitarismos e conflitos mundiais” como objetivos do conhecimentos “A emergência do fascismo e do nazismo;
A Segunda Guerra Mundial ; Judeus e outras vítimas do holocaustonas” páginas 428 e 429.
4 lei nº 17.404, de 23 de setembro de 2021. institui a proibição do ensino ou abordagem disciplinar do holocausto sob os
prismas do negacionismo ou revisionismo histórico, no âmbito do sistema estadual de educação básica do estado de pernambuco.
Disponível em:<https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?id=58004&tipo=> acesso em: 10 de janeiro de 2023.
5 Professor de Estudos do Holocausto (emérito) na Universidade Hebraica, Conselheiro Acadêmico do Yad Vashem, Membro
da Academia de Ciências de Israel e Honorável Presidente da Aliança Internacional de Memória do Holocausto. Internacionalmente,
também faz parte da rede de esforços do ComitêConselheiro para a Prevenção do Genocídio. Escreveu o texto “La educación sobre
II Encontro
Ensinar História 179
aula partimos do pressuposto que o Ensino de História tem função tácita na luta contra a desmemória que assola
a sociedade contemporânea, e as violências que ainda persistem em nosso próprio tempo, segundo Bittencourt

[...] para referenciar o ensino e a aprendizagem da História, é a de identificar as relações entre


as atuais necessidades da sociedade contemporânea e o conhecimento histórico a ser veicula-
do pelas propostas curriculares. [...] a necessidade urgente do ofício do historiador e do pro-
fessor de História no sentido de evitar a amnésia da sociedade atual marcada por incertezas e
perspectivas indefinidas. (2021, p. 14).

O Yad Vashem, em Jerusalém, é, atualmente, um dos maiores centros de formação de professores


e atua também na produção de material didático voltado para o Ensino de História da Shoá. Criado em 1953,
representa uma importante referência de formação acadêmica e desenvolvimento de pesquisas educacionais.
Em 2013 o Estado de Israel incorporou em seu currículo oficial a filosofia do Yad Vashem, que consiste em
ensinar às crianças, ainda na primeira infância, a importância da negação ao fascismo. ( SCHURSTER, 2017).
Para tal propósito a construção dos materiais didáticos estão centrados em mostrar “Como os indivíduos
viviam antes, durante e depois do Holocausto”, dentro do currículo, também encontramos demonstrações de
luta dos Judeus pela vida e as formas de resistência, bem como das designações que usamos com frequência
quando falamos dos sujeitos históricos que vivenciaram a Shoá: vítima, perpetradores, observadores passivos.
Também é abordado como os sobreviventes dessa tragédia reconstruíram suas vidas. Todos os recursos foram
desenvolvidos de forma adequada para a faixa etária e a capacidade cognitiva e emocional dos estudantes.
Partindo desses princípios, utilizar o relato do “O Diário de Anne Frank”, como material didático, permite
desenvolver uma autoidentificação com um depoimento de uma adolescente real em uma linguagem acessível
para construir um diálogo mais próximo à realidade dos estudantes. Annelies Marie Frank, certamente, escreveu
um dos relatos mais conhecidos no mundo sobre a perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
O Diário de Anne Frank é uma das mais importantes e influentes obras literárias do século XX. Como
uma narrativa pessoal, escrito por uma adolescente judia durante a Segunda Guerra Mundial, tornou-se um
documento histórico precioso para entender o período do Holocausto. No diário encontramos um relato íntimo
e emocionante dos anos em que Anne e sua família esconderam-se dos nazistas em Amsterdã. Além disso, o
relato proporciona uma reflexão sobre a luta pela sobrevivência. Partindo de um exemplo singular, podemos
tomar a Shoá como arquétipo para debater os genocídios que ocorreram em nossa história, e aqueles que per-
manecem em curso no século XXI. Diversas vezes temáticas como essas são silenciadas dentro das Instituições
de Ensino, a exemplo do genocídio do povo de negro, dos povos originários e a questão dos refugiados em
diferentes partes do mundo, a permanência dos conflitos armados, fatos que reverberam em graves violações
de direitos humanos na contemporaneidade.
Sob essa perspectiva, quando utilizamos relatos como o de Anne Frank para o Ensino de História da
Shoá, estamos rompendo com o silêncio, muitas vezes institucionalizado, sobre assuntos considerados tabus, e
assumindo um compromisso ético, de usar a memória do Holocausto contra os negacionismos, e as violências
que permanecem no tempo presente. Ao passo que nos comprometemos com o desenvolvimento de uma
educação pautada por princípios de respeito aos valores democráticos e antifascistas.

2. Proposta de sequência didática Ensino De História Da Shoá


A presente sequência didática tem como principal objetivo analisar e selecionar imagens, sejam foto-
grafias ou desenhos e pinturas; filmes, sejam documentários, ou filmes ficcionais, as séries de TV e mais recente
websérie, tratando cada material como objetos de investigação e o seu potencial uso em sala de aula como recurso
didático para o Ensino de História da Shoá. Para tal proposta, seguiremos os seguintes passos:

el Holocausto y la prevención del genocidio”. UNESCO. La enseñanza del Holocausto en América Latina: Los desafios para los
educadores y legisladores. Unesco, 2015.
II Encontro
180 Ensinar História
1. Selecionar e analisar as diferentes paratraduções sobre a História de Anne Frank disponíveis em sites, no
youtube e nas plataformas de streaming.
2. Desenvolver os roteiros com apontamentos para a utilização do material selecionado em sala de aula.
Salientando a importância de cada conteúdo selecionado deve estar voltado para os contextos sociais dos
alunos, tendo em vista que qualquer proposta didática de ensino deve encontrar sentido na vida prática
dos Estudantes.
3. Construir atividades que estimulem os alunos a desenvolver sua própria narrativa histórica. O ponto prin-
cipal para utilizar a história de Anne, como material didático, perpassa pelo processo e de autoidentificação
dos adolescentes com uma narrativa, que embora esteja temporalmente distante, é tão próxima dos dilemas
que eles enfrentam na contemporaneidade, a exemplo: a dificuldade de diálogo com os adultos, os pro-
blemas de convivência familiares, o primeiro amor, e as preocupações com o futuro, todos são dilemas tão
próprios desta fase. Partindo desse princípio, os estudantes podem, além de entender o diário como uma
fonte histórica, perceberem o valor de suas próprias narrativas enquanto sujeitos históricos.

Consideramos que a construção deste produto, parte do pressuposto que o Ensino de História, deve
estar voltado principalmente para o desenvolvimento do pensamento crítico de jovens e adolescentes. Como
disse Isabel Barca “Eles precisam de exercitar um pensamento crítico, de aprender a selecionar respostas mais
adequadas sobre real, passado e presente” (2001, p. 30). Partindo dos princípios de respeito às diferenças, e
do exercício constante do diálogo, tão necessário para ensinar a convivência em sociedade de forma pacífica,
salientando o potencial transformador que cada pessoa possui tanto em sua trajetória pessoal, quanto coletiva,
mostrando que nós não estamos aprisionados a um destino, a realidade que vivenciamos em nosso presente é
fruto de um processo historicamente construído. “[...]portanto modificável, depende da ação humana, e que
vale a pena agir da esfera coletiva [...]”. (CERRI: 2021, p. 127).
As sequências didáticas serão elaboradas segundo a metodologia da aula de história desenvolvida pela pro-
fessora Schmidt, que já integra as Diretrizes Curriculares para o Ensino de História da Rede Municipal de Ensino
de Curitiba (SCHMIDT: 2017, p. 69). A proposta foi desenvolvida seguindo a referência da Matriz Didática da
História de Rüsen. A autora destaca cinco pontos principais para o desenvolvimento da aula de história:

1. A aula deve ser iniciada com uma investigação a respeito dos interesses e carência dos alunos em sua consciên-
cia histórica. Partindo do princípio que todas as pessoas possuem consciência histórica, porém é necessário
construir uma orientação para a vida dando sentido à sua experiência temporal;
2. Cabe ao professor selecionar os conceitos, que serão trabalhados em sala aula, partindo das carências e
interesse dos alunos;
3. O professor deve sistematizar metodologicamente sua prática, levando os alunos a interpretar e problema-
tizar diferentes tipos de fontes históricas em sala de aula.
4. Levar os alunos a construção de suas narrativas com base nas interpretações e problematizações
5. Avaliação metacognitiva tem como objetivo fazer com que os sujeitos compreendam e percebam seu próprio
processo de aprendizagem, atribuindo significado ao conhecimento adquirido e construindo suas narrativas.

Cabe destacar também que, como instrumento normativo, foram seguidas as habilidades e os conteú-
dos estabelecidos pela BNCC e o Currículo de Pernambuco, que seguem basicamente os mesmos parâmetros
para o Ensino Básico nos Anos Finais do Ensino Fundamental. Quanto ao Ensino Médio, os debates seguem
em aberto em função da grande pressão dos segmentos da sociedade civil para revogação da Nova BNCC, que
basicamente reduz de forma drástica a carga horária estabelecida para o Ensino de História, não cita em nenhum
momento o Holocausto como conteúdo a ser abordado, referindo-se genericamente e de forma generalizante
a temas como: “Reconhecer e combater as diversas formas de desigualdade e violência, adotando princípios

II Encontro
Ensinar História 181
éticos, democráticos, inclusivos e solidários, e respeitando os Direitos Humanos.” Seguindo o modelo abaixo
serão desenvolvidas sequências didáticas para o Ensino Fundamental Anos Finais e o Ensino Médio.

3. Roteiro proposto à sequência didática:


Tema: Diário de Anne Frank como instrumento para o Ensino de História do Holocausto.
Público-alvo: 9º ano do Ensino Fundamental Anos finais.
Objetos de conhecimento e habilidades (BNCC)
A emergência do fascismo e do nazismo A Segunda Guerra Mundial Judeus e outras vítimas do holocausto.
(EF09HI10) Identificar e relacionar as dinâmicas do capitalismo e suas crises, os grandes conflitos mundiais e
os conflitos vivenciados na Europa.
(EF09HI13) Descrever e contextualizar os processos da emergência do fascismo e do nazismo, a consolidação
dos estados totalitários e as práticas de extermínio (como o holocausto)
Tempo estimado: 5 aulas de 50 minutos.

Objetivos:
• Compreender o contexto histórico do Holocausto;
• Identificar as principais características do diário de Anne Frank;
• Analisar a relevância do diário de Anne Frank como fonte histórica;
• Desenvolver habilidades de escrita e interpretação de texto.

Metodologia:
1ª aula:
• Introduzir o conteúdo com um diálogo, indagando quais são seus conhecimentos prévios sobre a temática
do Holocausto e sobre o sobre a História de Anne Frank. É importante que o professor estabeleça um
contato inicial investigando os conhecimentos prévios dos alunos a respeito do tema;
• Posteriormente o professor inicia o processo de contextualização dos conceitos, falando sobre o Holocausto,
destacando os principais aspectos históricos, políticos e culturais que levaram ao genocídio dos judeus.
Durante esse processo pode ser utilizado a linhas do tempo disponíveis no site Centro Anne Frank Educação6,
a linha do tempo conta com diversas informações e fotografias que podem servir como fontes e recursos
didáticos para os alunos.
• Por fim, apresentação do Diário de Anne Frank para os alunos e explicação sobre sua importância como
fonte histórica.

2ª aula:
• No início da aula deve ser apresentado o primeiro episódio da websérie do Vídeo Diário7, composta por
quinze episódios, a série está disponível no youtube, a obra foi co-produzida pela Casa de Anne Frank na
Holanda e pela Every Media. Nela o diário escrito por Anne Frank, é substituído por uma câmera, onde
adolecente faz seus próprios vídeos compartilhando sua vida, seus pensamentos e sentimentos no anexo

6 Disponível em: <https://ipbrasil.org/centroannefrankeducacao/linha-tempo-anne-frank.html> Acesso em: 05 de abril de . 2023.


7 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uTray5x3WKs> Acesso em: 05 de abril de . 2023.
II Encontro
182 Ensinar História
secreto. Todos os personagens, locais e eventos da série são baseados em cartas do Diário de Anne Frank. A
série pode levantar debates interessantes sobre o uso das redes sociais na sociedade contemporânea e abre
possibilidades para que os alunos sintam-se motivados a produzirem seus próprios vídeos.
• O segundo momento será proposto aos estudantes que realizem uma análise da estrutura do Diário,
destacando os principais elementos que compõem a obra, o professor pode propor um roteiro de análise,
com as questões que devem ser observadas pelos estudantes e pedir ainda que anotem as principais dúvidas
que podem surgir durante a leitura. Os alunos devem fazer uma identificação das principais características
do Diário de Anne Frank, como o estilo de escrita, o tom pessoal e o registro cotidiano, e a mudança de
perspectivas em relação à vida da adolescente, antes de ir para o Anexo Secreto.

3ª aula:
• Para essa aula, a proposta é a realização da leitura coletiva de trechos do Diário de Anne Frank, com foco
na relação da autora com a família e com os demais refugiados que estavam escondidos no Anexo Secreto;
O professor pode selecionar previamente trechos considerados mais importantes do Diário, é importante
que os alunos compreendendo as transformações ocorridas da vida da população judaica antes e durante
a Segunda Guerra, devem ser consideradas também os partes do diário onde Anne relata sua preocupação
com as inseguranças futuras.
• Posteriormente o professor pode desenvolver uma roda de conversa com os alunos para que eles discutam em
grupo sobre os sentimentos e emoções presentes no Diário, com destaque para as dificuldades enfrentadas
pelos judeus durante o Holocausto.

4ª aula:
• Nesta Aula o professor deve sugerir uma análise de fotografias e imagens relacionadas ao Holocausto, com-
parando-as com as descrições presentes no Diário de Anne Frank, é importante salientar que a escolha de
cada imagem deve ser feita cuidadosamente evitando o uso de imagens com cadáveres de forma massificada.
O professor pode utilizar como recurso o material online do Museu do Holocausto de Curitiba, que lançou
uma exposição virtual, “Caminho do Holocausto: 90 anos da ascensão do nazismo”8. Relatando a ascensão
do regime nazista ao poder, a exposição visa ampliar a compreensão histórica do Holocausto e lembrar ao
público que o nazismo foi e é resultado de uma construção social e histórica.
• É importante realizar um debate em grupo sobre a importância das fontes históricas para a compreensão
do passado, questionando junto aos estudantes, quanto do passado permanece em nosso presente, e o que
ansiamos para o nosso futuro, outro importante material que pode ser utilizado são os testemunhos dos
sobreviventes. Diversos testemunhos podem ser encontrados em plataformas onlines. Como atividade
proposta os alunos podem pesquisar diferentes testemunhos e escrever as partes que mais lhes chamaram
a atenção, é importante estimular que os estudantes escrevam e produzam diversas formas de narrativas.

5ª aula:
• Nesta aula, os alunos deverão se dividir em grupos para produção de um podcast, a ideia é sugerir aos estu-
dantes que produzam como produto para avaliação um podcast sobre o Diário de Anne Frank.
• O trabalho em grupo possibilita que os estudantes aprendam com seus pares, os alunos podem trabalhar
em grupos para pesquisar e produzir os episódios sobre a história de Anne Frank. Cada grupo deve abordar
diferentes aspectos da História e o contexto histórico em que ela viveu e o Holocausto em geral. O objetivo

8 Disponível em:< https://www.museudoholocausto.org.br/memoria/exposicoes/o-caminho-para-o-holocausto/> Acesso


em: 05 de abril de . 2023.
II Encontro
Ensinar História 183
é fazer com que os episódios sirvam como recurso didático para outros alunos que estejam estudando o
tema e despertar o interesse de outros estudantes que ainda não conhecem a temática.
• Cada grupo poderia escolher um tema específico relacionado ao Diário e produzir um episódio sobre ele,
como, por exemplo: a vida de Anne Frank antes de se esconder, a rotina no Anexo Secreto, o papel de Miep
Gies na história, o processo de publicação do Diário, entre outros.

Ao criar o podcast, os alunos estarão praticando habilidades importantes como pesquisa, seleção de
informações relevantes, organização de ideias, roteirização e oratória. Além disso, o produto final poderá ser
compartilhado com outros alunos e até mesmo disponibilizado em plataformas de streaming para alcançar um
público mais amplo. A sequência didática apresentada pode ser adaptada de acordo com as necessidades de cada
turma e professor. O importante é que ocorra um trabalho reflexivo e crítico sobre o Holocausto e a relevância
das fontes históricas para a compreensão do passado.

REFERÊNCIAS
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Trad. Wolgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022.
BARCA, Isabel. Concepções de adolescentes sobre múltiplas explicações em história. In: BARCA, Isabel,
org. - “Perspectivas em Educação Histórica : actas das Jornadas Internacionais de Educação Histórica, 1, Braga,
2001”. Braga : Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho, 2001.
BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 19,
p.29-42, set. 1989/fev. 1990, pp. 29-42.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Ensino Médio (Ciências Humanas e Sociais Aplicadas). p. 558
CARDOSO, Oldimar. Didática da História. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; OLIVEIRA, Margarida Dias
de. Dicionário de ensino de história. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2019. p. 79- 84.
CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência histórica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.
BITTENCOURT, Circe (org.) e outros. O saber histórico na sala de aula. São Paulo, Contexto, 2021.
BONETE, WILIAN JUNIOR ; SZLACHTA JUNIOR, Arnaldo Martin . Didática da História e consciência
histórica: princípios para a pesquisa e aprendizagem histórica. In: Wesley Oliveira Kettle. (Org.). História
Ensinada: em múltiplas abordagens. 1ed.Maceió, AL: Editora Olyver, 2021, v. 1, p. 101-118.
FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Edição integral. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2021.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectiva a partir do caso alemão. In:
SCHMIDT, Maria Auxiliadora.;BARCA, Isabel.; MARTINS, Estevão de Rezende. (Org). Jörn Rüsen e o
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RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da história III: formas e funções do conhecimento histórico. Trad.
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RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão
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SADDI, Rafael. Didática da história na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de sur-
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II Encontro
Ensinar História 185
MULHERES E ESPAÇO ESCOLAR: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DAS RELAÇÕES
FEMININAS EM ESCOLAS EM CABEDELO (PB).
SILVA, Morgana Maria Cardoso de Souza1

Resumo: No Brasil, a difusão das ideias nacionalistas através da educação, vai impulsionar a inserção das mulheres
nas salas de aula, primeiro como alunas, depois como profissionais, que vão ver no ensino escolar uma porta de
acesso ao espaço público. Porém, a presença feminina nessas instituições vai representar também um mecanismo
para referendar as ideias de domínio do sexo masculino sobre o feminino. Como professora, a preocupação em
construir uma educação voltada para a equidade se torna cotidiana, e a motivação em trabalhar com gênero se faz
presente desde a graduação em História, sendo ampliada na Especialização em Gênero e Diversidade na Escola.
Agora, no Mestrado Profissional em Ensino de História, a proposta da minha dissertação é analisar as diversas
personagens femininas que fazem parte do ambiente escolar, e qual o papel de cada uma delas na construção de
discursos mais igualitários ou na reprodução de padrões patriarcais, comparando duas instituições (uma pública
e uma privada), no município de Cabedelo, a partir de uma pesquisa quali-quantitativa.
Palavras-chave: Gênero. Mulher. Espaço escolar. Professoras. Alunas.

1. Apresentação do tema
A presença da mulher no espaço escolar aconteceu recentemente no contexto histórico mundial e espe-
cialmente brasileiro. As meninas que antes se preparavam apenas para serem boas esposas e dedicadas mães, vão
ver na educação uma porta de acesso ao espaço público. No entanto, ao mesmo tempo em que essa oportunidade
de trabalho serviu para emancipar a mulher, vai servir como caminho para que os estereótipos recaídos sobre
a mulher continuem a ser reforçados. E a escola será o ambiente propício para a reprodução desses modelos.
Como professora, a preocupação em construir uma educação voltada para a equidade se torna coti-
diana, e a motivação em trabalhar com gênero se faz presente desde a graduação em História, sendo ampliada
na Especialização em Gênero e Diversidade na Escola. A proposta da minha dissertação é analisar as diversas
personagens femininas que fazem parte do ambiente escolar, e qual o papel de cada uma delas na construção
de discursos mais igualitários e/ou na reprodução de padrões patriarcais, comparando duas instituições (uma
pública e uma privada), no município de Cabedelo, a partir de uma pesquisa quali-quantitativa.

2. Justificativa
Por muito tempo em nossa história tradicional, o papel da mulher foi tido como irrelevante para os
desdobramentos da sociedade ocidental, visto que ela foi isolada das funções públicas, não só pelos mandos e
desmandos do homem, mas também através da formação de uma autoconsciência, que fez com que as próprias
mulheres se vissem com uma capacidade reduzida perante o sexo masculino. Aos poucos o “sexo frágil” foi
enxergando que poderia lutar para ter acesso ao “mundo dos homens”, obviamente sem escapar de críticas até
de outras mulheres que insistiram em se manter presas à situação patriarcal conservadora.
No Brasil, a difusão das ideias nacionalistas através da educação, vai impulsionar a inserção das mulhe-
res nas salas de aula, primeiro como alunas, depois como profissionais, que aparecem como segundas mães:
“É um trabalho para mulheres; é preciso ser mãe para as criancinhas” (BELOTTI, 1975, p. 123). Igualmente
responsável pela formação de alunos e de alunas, preparados e preparadas para ocuparem as suas respectivas
funções sociais, a presença feminina na educação vai representar a vitória da ocupação do espaço público, ao
passo que serve para referendar as ideias de domínio do sexo masculino sobre o feminino, através da educação
reproduzida pelas próprias mulheres: “[...] os mesmos argumentos desenvolvidos para defender relações mais

1 Mestranda ProfHistória - Mestrado Profissional em Ensino de História. UFPB – Universidade Federal da Paraíba. E-mail:
profmorghistoria@gmail.com
II Encontro
186 Ensinar História
justas, dependendo do contexto e do jogo político em que se inserem, podem ser ressignificados para legitimar
processos de sujeição e exclusão.” (FLEURI, 2006, p. 499).
Essa relação dicotômica que vem sendo debatida, discutida, combatida e estimulada durante os últi-
mos anos, se fortalece a partir da década de 1990, sob influência da nova história, com a introdução de novos
temas a serem tratados com criticidade pelos alunos, sob orientação do professor (MATHIAS, 2011). Entre
esses diversos temas, estão os conflitos de gênero, que chegam até nós, nos mais diversos espaços de socialização,
entre os quais tomarei como foco a instituição escolar, destacando todas as relações construídas nesse ambiente.
Como profissional da educação, me deparo cotidianamente com diversas dificuldades, especialmente
se tratando das instituições públicas, que vêm sendo prejudicadas pela ausência familiar e pela crescente trans-
ferência da responsabilidade sobre crianças e adolescentes, dos pais para a escola. Se antes as “tias” já deveriam
ter uma boa formação doméstica para dar continuidade ao papel maternal na ausência da mãe, hoje essa res-
ponsabilidade sobre os profissionais da educação só aumenta. Nesse contexto, devemos refletir até que ponto
a educação, dada aos alunos e às alunas, limita-se a reafirmar estereótipos, e de que forma podemos começar a
trabalhar pela inserção da diversidade dentro do ambiente escolar. Afinal, como afirma Benjamin “ (o historia-
dor) [...] deve muito mais apanhar tudo aquilo que [...] parece não ter nem importância nem sentido, algo com
que a história oficial não sabe o que fazer” (GAGNEBIN, 2009, p. 54).
A escola aparece como meio de socialização fundamental para o desenvolvimento do caráter de cada
pessoa. É nesse ambiente que várias descobertas acontecem. Minha tese visa comparar diferentes períodos da
nossa História e analisar minha vivência enquanto professora, tanto na escola pública quanto na instituição
privada para refletir se as mesmas continuam comprometidas em referendar as visões sexistas do início da
trajetória feminina na educação, ou se as diversas transformações do pensamento durante os últimos séculos
conseguiram modificar suficientemente a postura das próprias professoras diante de alunas e alunos. Pretende-se
ainda observar a influência que tais posturas causam na construção do olhar de meninos e meninas sobre a
diversidade, e propor mecanismos para a difusão de um olhar mais inclusivo e democrático.

3. Objetivos
3.1. Geral
• Avaliar a relação de inserção e exclusão social presente entre as figuras femininas que compõem o espaço escolar.

3.2. Específicos
• Analisar a postura pessoal e profissional de professoras e de alunas diante da temática gênero;
• Observar como as relações de gênero interferem historicamente na prática pedagógica de professoras e em
sua relação com as alunas;
• Refletir sobre as problemáticas ainda criadas, assim como as conquistas alcançadas, a partir da inserção
feminina no ambiente escolar, nas diversas funções ocupadas.

4. Discussão teórica
O objetivo desse trabalho é analisar a postura das mulheres e meninas que transitam pelo ambiente
escolar, diante da temática gênero, buscando detectar inicialmente como os conflitos em torno desse tema vêm
sendo encarados por cada um dos grupos, para identificar como eles interferem na construção social e na postura
de todas essas mulheres, a partir das práticas pedagógicas e da inserção no mundo do trabalho (esfera pública).
Para tanto, será realizada uma pesquisa em duas instituições escolares situadas na cidade de Cabedelo/PB, nas
quais atuo como professora de História: a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio João XXIII e o
Invictus Colégio e Curso.
II Encontro
Ensinar História 187
A E.E.E.F.M. João XXIII funciona com turmas do Ensino Fundamental Anos Finais, Ensino Médio e
EJA, nos turnos da manhã, da tarde e da noite, numa região periférica, circundada por inúmeras comunidades
carentes. A maior parte dos alunos e das alunas é oriunda dessas comunidades. Por isso, os problemas como ausência
de pai, mãe e/ou responsável na escola, envolvimento de discentes com drogas etc. são frequentes. A instituição foi
fundada por uma família norte-americana, que construiu o espaço como um projeto social, para atender à comu-
nidade, passando a funcionar como escola em 1970. Possui um gestor, uma coordenadora pedagógica (apenas para
a EJA) e, em 2023, trabalha com 392 discentes matriculados. Nesta instituição atuo como professora de História
das turmas do 6º ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino Médio, nos turnos da manhã e da tarde.
Já o Invictus Colégio e Curso funciona com turmas do Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino
Médio, divididas nos turnos da manhã e da tarde. Fica localizada numa região mais central da cidade, atendendo não
só alunos e alunas de Cabedelo, mas também um público significativo de Lucena e Forte Velho, que utilizam a balsa
para seu deslocamento. A instituição foi fundada no ano de 2020, e possui uma diretora, uma equipe pedagógica
e, em 2023, trabalha com 386 discentes matriculados. Na referida instituição atuo também como professora de
História nas turmas do 6º ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino Médio, nos turnos da manhã e da tarde.
A observação da escola estadual foi iniciada ainda na Especialização em Gênero e Diversidade na Escola,
no ano de 2015, para meu artigo de conclusão. Já a inclusão da análise da escola privada aparece agora, na realização
do pré-projeto, para ampliar a discussão a partir de uma comparação entre classes sociais diferentes. A temática
está sendo definida aos poucos, mas a escolha por mesclar técnicas qualitativas e quantitativas existe para que uma
possa dar embasamento à outra.
Em 2015, um questionário foi aplicado com quatro professoras do Ensino Fundamental Anos Iniciais e
três professoras do Ensino Fundamental Anos Finais, e entrevistas foram realizadas com duas professoras, sendo
uma de cada nível, para que quaisquer dúvidas remanescentes dos questionários fossem retiradas. Também foram
realizadas entrevistas com quatro alunas, do sexto ao nono ano, sendo uma de cada série, buscando analisar como
as estudantes se sentem enquanto meninas e quais influências as posturas das suas professoras exercem sobre
elas. Inicialmente se pretendia realizar também uma entrevista com uma aluna de alguma das séries do Ensino
Fundamental Anos Iniciais, mas nenhuma das alunas se colocou à disposição para isso.
Para gerar dados para esse trabalho, e iniciar a reflexão para o trabalho de conclusão, foi aplicado um novo
questionário no corrente ano, baseado no anterior. Dessa vez duas professoras e duas alunas de cada instituição res-
ponderam ao questionário. As professoras da escola estadual e também da escola privada lecionam tanto ao Ensino
Fundamental Anos Finais quanto ao Ensino Médio. Com relação às alunas que responderam ao questionário, as
da escola estadual são todas do Ensino Médio. Quanto as da escola privada, uma é do Ensino Fundamental Anos
Finais e outra do Ensino Médio. Vale salientar que o questionário foi aplicado com alunas de turmas distintas,
mas provavelmente, para execução da minha dissertação, haverá foco em apenas uma série nas duas instituições
(provavelmente a terceira série do ensino médio).
O que me chama a atenção nessa breve pesquisa é que, mesmo passados oito anos entre a aplicação dos
questionários, os resultados obtidos são bem semelhantes como demonstrados na tabela abaixo:

Tabela 1. Tabela comparativa com as pesquisas preliminares realizadas entre 2015 e 2023.
Questionamentos/anos 2015 2023
Professoras que trabalham a temática Gênero em suas aulas 42% 25%
Professoras que já participaram de alguma formação sobre a temática Gênero 30% 25%
Alunas que afirmam que a temática Gênero não faz parte do seu cotidiano escolar 100% 100%
Fonte: Autoria própria.

A questão de gênero ainda gera bastante debates, especialmente pela resistência de alguns setores em
concordar com a inclusão do tema no ambiente escolar. Porém, independente da inclusão oficial ou não dessa
temática, ela já se faz presente enquanto tema transversal dos Parâmetros Curriculares Nacionais desde 1998:
II Encontro
188 Ensinar História
A construção do que é pertencer a um ou outro sexo se dá pelo tratamento diferenciado
para meninos e meninas, inclusive nas expressões diretamente ligadas à sexualidade, e pelos
padrões socialmente estabelecidos de feminino e masculino. Esses padrões são oriundos das
representações sociais e culturais construídas a partir das diferenças biológicas dos sexos, e
transmitidas através da educação, o que atualmente recebe a denominação de “relações de
gênero”. (MEC, 1998, p. 296).

O conceito de gênero “[...] foi criado para distinguir a dimensão biológica da dimensão social, basean-
do-se no raciocínio de que [...] a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. ” (GDE, 2009,
p. 39). É uma definição enraizada no movimento feminista onde “[...] não é negada a biologia, mas enfatizada
[...] a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas. ” (LOURO, 1997, p. 22). Como
afirma Simone de Beauvoir (1967):

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico
define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização
que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de femi-
nino. (p. 9)

Os profissionais da educação precisam entender a importância desse e de outros temas transversais


na construção cidadã de alunos e alunas e devem aplicar tais discussões em suas atividades, independente das
formalidades ou não que elas alcancem. Afinal de contas, como afirma Seffner (2016, p. 54):

“A apresentação do mundo se dá a partir do que está definido nas políticas públicas que abor-
dam a educação, preservando a liberdade criativa do professor [...]. Um adulto de referência
deixa claro que sua ação opera dentro de diretrizes fixadas em políticas públicas, sejam elas de
gênero [...], de sexualidade [...]. ”

Também vale salientar que a ausência de discussões acerca de temáticas como gênero pode ser explicada
pela escassez de orientação apresentada pelos documentos que deveriam nortear os profissionais da educação.
Analisando a BNCC, na parte de Competências Gerais das Ciências Humanas para o Ensino Médio, vemos:

“[...] a ampliação e o aprofundamento das aprendizagens essenciais desenvolvidas no Ensino


Fundamental [...] tem como base as ideias de justiça, solidariedade, autonomia, liberdade de
pensamento e de escolha, ou seja, a compreensão e o reconhecimento das diferenças, o res-
peito aos direitos humanos e à interculturalidade, e o combate aos preconceitos de qualquer
natureza. ” (p. 561).

Observa-se a presença de termos generalistas como “direitos humanos”, ou “combate aos preconceitos”,
sem ênfase às especificidades dos diversos grupos.
No que tange a rede Estadual de Ensino, existem documentos norteadores que são lançados anualmente.
Além de documentos específicos, para cada seguimento, existe um geral, chamado Diretrizes Operacionais das
Escolas da Rede Estadual de Educação da Paraíba. Neste documento, palavras como gênero e sexualidade já
aparecem de forma mais explícita:

“A educação em Direitos Humanos é toda a aprendizagem que desenvolve o conhecimento,


as habilidades e os valores desses direitos, garantindo o direito ao acesso, à permanência e ao
sucesso das pessoas, tendo como princípio reconhecer e respeitar as diversidades (de gênero,
de orientação sexual, socioeconômica, religiosa, cultural, étnico-racial, territorial, físico-indi-
vidual, geracional e de opção política).” (p. 33).

II Encontro
Ensinar História 189
Porém, mesmo com um documento que parece mais inclusivo, as formações continuadas para pro-
fessores são escassas e, o próprio PPP da Escola João XXIII não segue a tendência documentada pelo Estado:

“[...] A entidade repense as imperfeições sociais, políticas e econômicas, garantido a todos as


condições necessárias de obter uma educação de qualidade; valorizar o ser humano multidi-
mensional e os direitos coletivos, fortalecendo o comprometimento com a educação para a
diversidade [...]” (p. 7).

Na verdade, no PPP da escola estadual em questão, percebe-se um discurso tradicionalista, pouco ali-
nhado com as últimas mudanças legislativas da educação, e com as transformações que vemos acontecendo ao
nosso redor. Fala-se em “educação para a diversidade”, mas visando os direitos coletivos, que em outras partes
do texto se ligam mais a valores como família, como ética, mas sem muito foco nas individualidades.
E quando partimos para a legislação a nível municipal, a situação fica ainda mais crítica. Primeiro que
não há um documento norteador municipal. O município trabalha apenas com estatísticas e números a serem
alcançados e batidos. Além disso, como a escola privada também a ser analisada na dissertação possui turmas da
educação infantil, ela funciona submetida à rede municipal. Uma rede sem documentação. Vale salientar que,
de acordo com a LDB, mesmo as escolas particulares precisam ter PPP. E o Invictus possui o seu. No entanto,
se tratando de uma instituição privada, a elaboração desse documento se faz pela própria direção e coordenação,
sem a participação de representantes do corpo docente, discente ou comunidade.
No caso do PPP do Invictus, encontra-se desatualizado, tendo sido feito em 2021, e apresenta apenas
a questão do combate à discriminação quando refere-se ao Ensino Fundamental: “[...] posicionando-se contra
qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou de
outras características individuais e sociais” (p. 12).
As considerações supracitadas nos conduzem aos seguintes questionamentos: Quais estratégias devem
ser utilizadas para sanar tais defasagens? Quais objetivos devem ser ressaltados na hora de trabalhar sobre gênero?
Para analisarmos melhor as mudanças (ou não) ocorridas no pensamento das professoras das institui-
ções escolhidas como objeto de estudo, precisamos refletir sobre a chegada das mulheres no meio da educação
formal e o discurso que foi construído diante dessa inserção.
Se recuarmos um pouco no tempo, veremos a presença da educação na vida das meninas apenas como
meio de prepará-las para assumirem seu papel social de boas donas de casa, boas esposas, boas mães. Elas rece-
biam uma educação formal para aprender a ler, escrever, contar, coser e bordar, o que era feito em suas próprias
casas. Recomendavam até que as mulheres só saíssem em três ocasiões: para se batizarem, para se casarem e para
serem enterradas. Aprendiam também os princípios da religião para que pudessem se proteger dos “defeitos
ordinários do seu sexo” (ARAÚJO apud DEL PRIORE, 1997, p. 122).
A entrada no mundo contemporâneo, e todas as suas transformações, marcado pela busca incessante
do progresso reforçará o modelo da mulher enquanto “pilar de sustentação do lar” (DEL PRIORE, 1997, p.
447), a educadora das gerações do futuro. Mas, se antes a participação feminina limitava-se ao espaço privado,
essa ligação com o social trouxe certo grau de liberdade, alcançada através de um aprofundamento intelectual
que terá, dentre outros caminhos, o acesso à educação como meio de emancipação e acesso ao espaço público.
De acordo com Louro (1997), logo após a Proclamação da Independência, o Brasil sentia a necessidade
de crescer e perder o caráter de país atrasado e primitivo. No entanto, grande parte da sua população era anal-
fabeta. Aos poucos, então, foram sendo criadas as primeiras escolas, separadamente para meninos, obviamente
com maior número, ensinados por professores, e para meninas, ensinadas por professoras (DEL PRIORE,
1997, p. 444).
Contudo, com o tempo, começou a ocorrer a “feminização do magistério”, provocada pelo crescimento
do número de alunas do magistério e o simultâneo decréscimo do número de alunos, causado no mundo todo,
principalmente pela ampliação do mercado de trabalho gerada pela urbanização e a industrialização (DEL
II Encontro
190 Ensinar História
PRIORE, 1997, p. 449), e reforçado pela ideia de que as mulheres teriam uma inclinação natural para cuidar
de crianças. Como declarado por uma professora: “É um trabalho para mulheres; é preciso ser uma mãe para
as criancinhas” (BELOTTI, 1975, p. 123).
Por mais que a frase acima tenha sido retirada da obra de Belotti (1975) há quase cinco décadas, esse
pensamento continua a ser reproduzido dentro do ambiente escolar. E é essa trajetória histórica e suas conse-
quências na prática escolar que geram as inquietações que me trazem a essa proposta de trabalho.
Há ainda a possibilidade, sugerida pelo professor Ângelo, de trabalhar com as demais figuras femininas
que compõem o espaço escolar, destacando a diversidade de classes, lutas e problemáticas (diretora, secretárias,
merendeiras...). Porém, como ainda não foi realizada uma pesquisa mais aprofundada com o meu orientador,
não aprofundarei uma discussão nessa vertente.
A partir da bibliografia que está sendo construída e da contextualização realizada, somadas aos ques-
tionários e entrevistas, espero poder sinalizar sobre alguns traços que se modificaram no pensamento feminino
sobre sua função social, e sobre o que permanece sendo referendado pela cultura ocidental até hoje, e chegar
a um produto que colabore para reflexões e mudanças significativas nas estatísticas previamente levantadas.
Ainda sobre o produto, também existe uma dúvida sobre qual será aplicado. A primeira ideia é a elabo-
ração de um jogo de cartas ou de tabuleiro, partindo da experiência que já tenho com jogos, como um hobby,
e também pelo fato de se tratar de uma ferramenta que vem sendo bastante utilizada na educação, devido a
seus diversos benefícios. “O termo gamificação designa a aplicação de elementos e mecanismos de jogos em
atividades ou situações de não jogos”. (ZAFONI apud PAZ, 2018, P.7).
A segunda proposta seria a da elaboração de um espetáculo de dança que abordasse a temática gênero.

“Historicamente, a dança tem se manifestado como uma possibilidade de manifestar o cor-


póreo, o sensível, o estético; dimensões estas negligenciadas ou tidas como menos importan-
tes no pensamento educacional do ocidente, marcado pela forte priorização do racional em
detrimento da sensibilidade”. (PORPINO, 2018, P. 15).

Essa ideia também se relaciona a uma prática pessoal, que já faz parte da minha vida há 20 anos, e que
já deixou de ser um hobby, tornando-se quase profissional. Além da dança por si só, a própria temática gênero,
especialmente entre as mulheres invisibilizadas, é corriqueiramente abordada nas apresentações do grupo de
dança da qual faço parte.
O fato é que, independentemente do produto escolhido, o levantamento preliminar de dados deixa
evidente que a intervenção para reflexão sobre gênero ainda se faz necessária. A instituição escolar se transfor-
mou e continua sendo um espaço majoritariamente feminino, mas que ainda prossegue propagando ideias que
submetem ao gênero feminino: “[...] a escola é feminina, porque é, primordialmente, um lugar de atuação de
mulheres [...]. [...] os discursos pedagógicos buscam demonstrar que as relações e as práticas escolares devem
se aproximar das relações familiares [...]. ” (LOURO, 1997, p. 88). Mas como falar de relações familiares tradi-
cionais se essas também vêm sofrendo mudanças?
O tipo de educação que devemos reproduzir aos discentes precisa buscar “desenvolver uma postura
crítica em relação aos processos de naturalização da diferença, embora reconheçamos que desigualdades sociais
e políticas acabam sendo inscritas nos corpos [...]. Precisamos [...] ir além da promoção de uma atitude apenas
tolerante para com a diferença [...]. ” (GDE, 2009, p. 14 – 15).
A escola é realmente um espaço de (re) produção de valores, como defendido desde sempre. O que
deve ser motivo de atenção e preocupação de todos e todas envolvidos e envolvidas na educação é o tipo de
valores e a forma como eles vem sendo repassados. E sem a formação adequada de nossos e nossas profissionais,
o pensamento repassado será sempre o de promoção das diferenças, e não da equidade.

II Encontro
Ensinar História 191
Os dados sugerem que as escolas têm negligenciado seu importante papel político de instrumento de
modificação social, e não contam com o devido suporte legal. As discussões sobre gênero devem permanecer
inseridas e ser problematizadas no campo educacional, e é isso que me proponha a fazer na minha dissertação.

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Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/pcn/pcn_5a8_historia.pdf. Acesso em 12/07/2023.
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Pós-Graduação ProfHistória da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.
PORPINO, Karenine de Oliveira. Dança é educação: interfaces entre corporeidade e estética. 2ª ed. – Natal,
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SEFFNER, Fernando. Escola pública e professor como adulto de referência: indispensáveis em qualquer
projeto de nação. Educação Unisinos. Porto Alegre, RS, v. 20, p. 48-57, janeiro/abril 2016.

II Encontro
192 Ensinar História
O ENSINO DO ANTIGO EGITO NA PARAÍBA: UMA PERSPECTIVA DO PROFESSOR
DE HISTÓRIA SOB AS LENTES DA PROPOSTA CURRICULAR
SILVA, Wanderson Alberto da1.

Resumo: Este trabalho é parte do resultado das nossas pesquisas, desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação
em História da UFPB, na dissertação intitulada História, a gente aprende vivendo: o ensino da história egípcia
entre a prática em sala de aula e a Proposta Curricular do Novo Ensino Médio da Paraíba (2016-2021). Tem
por objetivo apresentar algumas análises metodológicas de ensino de História do Antigo Egito, com referência
nos objetivos de aprendizagem e sua consonância com os componentes curriculares apresentados em 2021,
na Proposta Curricular do Ensino Médio da Paraíba (PCEM/PB). As análises são oriundas dos dados do
Questionário de Pesquisa elaborado por nós que foi respondido por 15 professores de História da rede de
ensino pública e privada. A partir dos estudos de Ensino de História, das discussões conceituais e dos resulta-
dos do questionário, foi possível chegar a algumas considerações: as vivências dos professores em sala de aula
demonstram em suas práticas de ensino que o Antigo Egito, indubitavelmente apreciado pelos estudantes, não
é desenvolvido em suas diversas possibilidades de abordagens disponíveis no currículo vigente do Estado e, esses
mesmos professores não realizaram Formação Continuada sobre os documentos normatizadores da educação,
a exemplo da Proposta Curricular do Ensino Médio.
Palavras-chave: Ensino. História. Egito. Currículo. Paraíba.

1. O antigo Egito no currículo da Paraíba.


As vinte e sete unidades da federação organizaram seus currículos de acordo com o Programa de Apoio
à Implementação da Base Nacional Comum Curricular – ProBNCC, instituído de acordo com a PORTARIA
Nº 331, de 5 de abril de 2018. Esse é o caso da Proposta Curricular do Ensino Médio da Paraíba – PCEM/
PB, de 2021, que tivemos a honra de participar como Coordenador de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Tal documento teve seu início de produção em agosto de 2019 e foi concluído em março de 2021, sendo
publicado no site da Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia - SEECT, no portal Paraíba
Educa, em maio do mesmo ano, após aprovação unânime do Conselho Estadual de Educação – CCE/PB.
Na PCEM/PB está presente a necessidade do ensino de conteúdos de História, que geralmente eram
chamados, na 1ª Série do Ensino Médio, de Introdução à História, Historiografia, Pré-História, Antiguidade
Oriental (contendo o Antigo Egito) e Antiguidade Ocidental. Com novos olhares, novas abordagens, novas
temáticas, trazendo como ator da história o próprio estudante e sua realidade local e regional, a PCEM/PB
oferece, ainda, uma reflexão sobre o quadro de organização dos Objetos de Conhecimento e Objetivos de
Aprendizagem do componente curricular História.
A PCEM/PB apresenta no tópico 2.4.6.1.2 Organização Curricular de História, como primeiro dos
objetos de conhecimento para a 1ª Série do Ensino Médio: “Tempo, memória, culturas, identidades e diversi-
dades, da Pré-História ao Medievo, do local ao global” (PCEM/PB, 2021, p. 400, grifos nossos).
Destacamos aqui, o cuidado em colocar “do local ao global”, ou seja, os professores devem partir do
micro para o macro, da realidade própria do estudante de cada turma e da sua comunidade escolar, para somente
depois seguir na corrente crescente de expansão do conhecimento para o município, para a sua macrorregião,
para o estado, a nação e, por fim, o planeta como um todo.
Respeitando esse “do local ao global”, partindo das vivencias do próprio estudante, Paulo Freire (1996),
em Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, questiona o seu leitor no tópico 1.3 –
Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos:

1 Professor do Ensino Médio da Rede Pública da Paraíba e Mestre em História (PPGH/UFPB). wanderson.silva@see.pb.gov.br
II Encontro
Ensinar História 193
Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuida-
das pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os
baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gen-
tes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos
centros urbanos? (...) Por que não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?
(FREIRE, 1996, p. 15).

Paulo Freire (1996), uma das maiores referências em educação do nosso país, enfatiza a necessidade dos
educadores de aproveitarem as experiências dos educandos, em suas realidades cotidianas como saberes curri-
culares fundamentais, como prática educativa. No entanto, na nossa pesquisa com 15 (quinze) professores de
História que lecionam a 1ª Série do Ensino Médio da Paraíba, quando perguntamos no Questionário de Pesquisa
– QP, se para planejar suas aulas, eles fazem um levantamento prévio com seus alunos sobre o que conhecem
do Egito, apenas 3 (três) marcaram SIM como resposta. O que atesta o possível desinteresse dos professores
em relação ao repertório cultural dos discentes, a respeito do tema, ou que simplesmente, que o professor não
tem tempo hábil para realização dessa etapa diagnóstica de aprendizagem, que acreditamos ser o mais provável.
Mesmo não levantando material prévio dos conhecimentos dos educandos sobre o assunto a ser minis-
trado, os professores levam à sala de aula uma série de tópicos escolhidos a partir das referências que já estudaram,
ou dos livros didáticos adotados pela escola. Sendo assim, perguntamos no QP “Você costuma trazer para a sua
aula algum dos assuntos abaixo sobre o Egito Antigo?”. Os 15 (quinze) professores consultados tinham 21 (vinte
e uma) opções a serem marcadas em caixa de seleção, lembrando que poderiam marcar quantas quisessem.
Obtivemos o seguinte resultado:

QUADRO I. Algumas Temáticas Tratadas em Sala de Aula.


Opções de assuntos Quantidade de Professores
para o professor marcar. que escolheram essa opção.
A Vida dos Faraós 9
As Pirâmides e os Templos 12
A Mumificação 15
Os Hieróglifos 11
O Nilo 13
A Religião e a Mitologia Egípcia 14
A Astronomia 4
A Medicina 9
As Artes Visuais 4
A Música 1
O Teatro 0
Casa, Culinária e Vestuário 2
Instrumentos, Ferramentas e Técnicas 3
A Fauna e a Flora 0
A Mulher 7
A Negritude Egípcia 4
As Guerras 7
As Profissões 5
Lazer, Diversão e Passatempos 2
Os Festivais 0
Os Museus 6
Fonte: Quadro elaborado por nós a partir das informações contidas no QP, 2023.

II Encontro
194 Ensinar História
Nada nos surpreende ao encontrarmos a temática “A Mumificação” como unanimidade de marcações
pelos professores. Tal como, 14 (quatorze) marcações para “A Religião e a Mitologia Egípcia” e 13 (treze) para
“O Nilo” ou 12 (doze) para “As Pirâmides e os Templos”. Estes assuntos são também recorrentes na maioria dos
materiais didáticos do Ensino Básico, sejam do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio, quando o objeto de
conhecimento é o Antigo Egito.
Muito embora, até podemos considerar esperado que alguns temas sejam pouco trabalhados em sala de
aula pelos professores de História da 1ª Série do Ensino Médio, como “O Teatro”, por frequentemente só asso-
ciarem-no a partir da antiguidade grega, ou “A Fauna e a Flora” e “Os Festivais”, por serem bem específicos, e “A
Música”, pela dificuldade de encontrar fontes históricas, como notações gráficas que possibilitem sua reprodução
o mais próximo da veracidade. Porém, a temática “A Negritude Egípcia”, só foi marcada por apenas 4 (quatro) dos
15 (quinze) professores pesquisados. O mesmo quantitativo de “A Astronomia” e “As Artes Visuais”.
Fugindo de qualquer hierarquização temática, esse resultado surpreende-nos, demonstrando certa
inconsistência sobre a identificação por parte dos professores consultados de que o Egito pertence ao Continente
africano, talvez até negligenciando a territorialidade originária da humanidade.
Esse quantitativo mínimo, de que 4 (quatro) entre 15 (quinze) professores tocam na “Negritude
Africana”, pode demonstrar que não é discutido em sala a origem do nome Egito em egípcio Kmt (pronuncia-se
Kemet), significando Terra Negra, ou Terra dos Negros. Ao mesmo tempo que, provavelmente, também não
abordem a origem da civilização egípcia, que para Diop (2010), uma corrente migratória do Sul para o Norte
da África teria levado grandes contingentes populacionais dos Grandes Lagos até a bacia do Nilo, dando origem
“a civilização nilótica sudanesa e o que conhecemos como Quemet” (LOPES, 2021, p. 17).
Além do mais, é importante destacar que o conceito de etnicidade, ainda que não fosse conhecido no
Antigo Egito, pois, eles não se definiam enquanto identidade a partir deste (SAGREDO, 2023, p. 266), con-
sideramos relevante que os estudantes tenham em mente a necessidade de levar ao debate questões como esta
nos tempos atuais, principalmente em uma perspectiva antirracista.
Mesmo que isso não fosse um interesse de tamanha discussão na antiguidade egípcia, para nós na atua-
lidade faz todo o sentido, uma vez que vivemos em pleno século XX. Mostram-se gritantes as consequências
dos atos colonizadores, principalmente aqueles que tentaram modificar a história colocando a África como
subalterna e, o Egito, que com toda a sua grandiosidade, foi realocado como se fosse à parte da África, à parte
da negritude, branqueando sua sociedade inclusive na mídia para reforçar por eras a “supremacia branca”2.
Dessa maneira, como está disponível no atual currículo do Ensino Médio da Paraíba, no Quadro
2.4.6.1.2 Organização Curricular de História, o Obejto de Conhecimento “Desdobramentos do patriarcalismo,
da escravidão e das desigualdades: machismo, xenofobia, racismo, intolerância religiosa e outras formas de
preconceito e exclusão, da Antiguidade ao Medievo” (PCEM/PB, 2021, p. 401, grifos nossos), não só podemos,
como devemos, enquanto professores, aprofundar tais discussões em sala de aula.
No mesmo Quadro Curricular, em paralelo, podendo-se associar imediatamente ao Objeto de
Conhecimento mencionado acima, encontra-se como Objetivo de Aprendizagem:

Debater opiniões, acontecimentos e vivências atuais, relacionando aos diversos tempos his-
tóricos e posicionando-se criticamente; Criticar concepções e discursos reducionistas e etno-
cêntricos a respeito de povos, sociedades, processos históricos, culturais, sociais e econômicos
(PCEM/PB, 2021, p. 401).

2 Foi a partir do século XIX que essa visão se tornou mais forte, apontando a ideia de uma hierarquia racial, tendo como base
os estudos de craniometria, por exemplo, que mostravam “a inferioridade do negro”, e que eles eram “biologicamente inferiores”. São
esses tipos de discursos que deram margem para uma justificativa ideológica de dominação imperialista.
II Encontro
Ensinar História 195
Portanto, esse alinhamento entre Objetivos de Aprendizagem e Objetos de Conhecimento, na constru-
ção do componente curricular História no Estado Paraíba, no que tange o Antigo Egito e os demais povos da
Antiguidade, possibilita encontrar caminhos para se aprofundar conteúdos durante as três séries do Ensino Médio.
Além disso, o “programa de conteúdos” proposto não é engessado, portanto, não segue necessariamente
uma história linear, permitindo interdisciplinaridades e transdisciplinaridades de acordo com as perspectivas e
demandas de cada turma. A PCEM/PB visa estratégias de planejamento anual de aula flexível, em que o professor
de História, a partir das próprias vivências dos educandos e novas metodologias ativas de aprendizagem, não se
limite mais em ter que seguir cega e unicamente a linha mestra dos sumários dos livros didáticos.

Quando o professor trabalha com jogos, desafios, atividades variadas, leituras estimulantes
para os estudantes e outras práticas, ele supera aquela aula “presa”, maçante, engessada pelos
conteúdos do livro didático. Precisamos abolir o antigo professor que luta para “vencer o
conteúdo”. E o termo “abolir” cai muito bem aqui, pois é uma abolição da escravatura que
aqui se propõe. É preciso libertar-se de um modelo único (SILVA, 2021, p. 30).

Esse caminho tomado pelos professores que, possivelmente são conduzidos a seguir no veio de “luta
para vencer conteúdos”, permite que o Antigo Egito seja saltado ou tratado superficialmente, assim como
outras sociedades, caso não estejam em itens de proposições do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM,
este que se tornou a medida de ingresso na maioria das Universidades do país.
E por falar em saltar conteúdos, como o Antigo Egito, Frizzo (2016), explica que as experiências dessa
civilização seriam fundamentais para o reconhecimento de nossas raízes identitárias, muito mais antigas do
que os cinco séculos de História do Brasil, como é proposto pela primeira versão da Base Nacional Comum
Curricular - BNCC.
Nessa versão, a História da África foi tratada como relevante apenas com as proximidades do tempo
histórico do início da Modernidade, impedindo que os estudantes possam compreender as diversas tempora-
lidades da trajetória humana. Há uma centralização de tal maneira que “a força gravitacional que a história do
Brasil exerce sobre os demais conteúdos acaba comprometendo diversos dos objetivos do ensino” (FRIZZO,
2016, p. 55).
A partir da terceira versão da BNCC (2018), que seguimos atualmente, mesmo com a suspensão
momentânea da Lei 13.415/17, de implemntação do Novo Ensio Médio, para consulta pública desde abril
de 2023, os conteúdos referentes ao que chamávamos de Pré-História, Antiguidade (Oriental e Ocidental) e
Idade Média, estão de volta. Mas enquanto não há normativa definida para um Novo Ensino Médio, o ENEM
também permanece inalterado.
Sendo assim, os professores do Ensino Médio no Brasil, continuam presos e tangidos no seu cotidiano
pela prioridade em seguir uma “matriz de referência do Enem”, perfazendo um modelo de ensino concurseiro, sob
as rédeas das escolas competitivas que se perpetuam em função das propagandas dos seus aprovados no certame.
Entre outras coisas, esse modelo de educação classificatória/eliminatória mostra-se como uma arga-
massa na manutenção excludente das temáticas que, cronologicamente estariam antes da Antiguidade Clássica,
privando os estudantes de experienciar a riqueza do que se convencionou chamar de Pré- História e de outras
antiguidades, com a do Egito. Para Frizzo, “não é aceitável privar todos e todas da possibilidade de se identificar
com as conquistas dos milênios de experiências humanas interessantíssimas guardadas na História Antiga como
um todo e na do Egito” (2016, p. 55).
É como se só tivesse valor a História a partir da Modernidade Europeia, ou de qualquer outro tempo
e espaço, desde que seja regido pelo seu filtro eurocêntrico excludente. É preciso ter o cuidado em relação aos
conceitos inerentes a formação das sociedades no tocante ao tempo e ao espaço, “por exemplo, a compreensão
de que nem todos os países passaram pela Idade Média ou pela Antiguidade sendo essas denominações algo,
fundamentalmente europeu” (DURÃO, 2017, p. 30).

II Encontro
196 Ensinar História
Nesse sentido, se a História da África que tem chegado aos estudantes é aquela apenas a partir da Idade
Moderna, tende-se a estreitar a visão de um continente pobre, rotulado pelas desigualdades sociais, persistências
de racismo e discriminações múltiplas, tendo em conta que essa “África Moderna, marcada pela escravidão, pela
dominação colonial, e pela pobreza, pode levar ao reforço de estereótipos” (FUNARI, 2018, p. 195). Tal fato
ainda é bem perceptível nos mais variados materiais didáticos adotados nas escolas.
Na Paraíba, assim como no Brasil, o livro didático é ainda o principal instrumento dos professores.
Muito embora, “muitos docentes ainda utilizam o livro como um manual, cujo conteúdo é seguido à risca.
Outros o utilizam como um documento que oferece diferentes possibilidades de análise e de interpretações”
(VASCONCELOS, 2020, p. 14).
Os livros didáticos ainda possuem problemas, como a continuidade de uma visão da Antiguidade
eurocêntrica, com simplificações, generalizações, erros graves, como por exemplo, atribuir aos escravizados a
autoria das construções das pirâmides egípcias, além de anacronismos e juízo de valores, contribuindo para a
manutenção de preconceitos.
Por conseguinte, se os itens (questões) do ENEM são construídos, além de outros critérios, a partir dos
conteúdos presentes nos livros didáticos, certamente problemas virão à tona sobre a atualização dos conheci-
mentos referentes ao Antigo Egito. Sabemos que, pelo menos há duas décadas os livros didáticos procuraram
atualizar as informações acerca daqueles trabalhadores que construíram as pirâmides, procurando erradicar
a antiga teoria de que foram os escravizados os responsáveis pela força de trabalho braçal na edificação dos
monumentos faraônicos.
Tyldesley, quanto à construção da pirâmide escalonada de Sakara, explica que

Djoser não enfrentava escassez de mão-de-obra – durante a estação das cheias, poderia con-
vocar todo camponês sadio no Egito, se assim o desejasse – e era apenas o ritmo de forneci-
mento dos blocos que limitaria suas ambições de construção (TYLDESLEY, 2005, p. 122).

Nesse mesmo livro, intitulado Pirâmides: a verdadeira história por trás dos antigos monumentos do
Egito, no capítulo 10, Os Construtores de Pirâmides, a autora contesta a imagem, que atravessou toda a Idade
Moderna e foi reforçada pelo cinema da Contemporaneidade, de que a pirâmide de Quéops (Khufu) foi um
trabalho de milhares de escravos.

(...) isso é errado por dois motivos. Khufu não tinha um vasto conjunto de escravos à sua dispo-
sição e, ainda que o tivesse, não haveria como 100 mil pessoas pudessem trabalhar, simultanea-
mente, no sítio da construção e na respectiva pedreira. (...) Os muitos milhares de trabalhadores
manuais temporários, aqueles que visitavam Giza para trabalhar um turno de três ou quatro
meses antes de voltar para casa, eram alojados em ambientes menos confortáveis, em um cam-
pamento temporário ao lado da cidade das pirâmides (TYLDESLEY, 2005, p. 194).

No ENEM do ano de 2009, como podemos perceber na questão abaixo, ainda mantém conhecimentos
dissonantes sobre a escravidão no Egito, que sabemos ser em sua maioria oriunda de prisioneiros de guerra.

O Egito é visitado anualmente por milhões de turistas de todos os quadrantes do planeta,


desejosos de ver com os próprios olhos a grandiosidade do poder escupida em pedra há́ milê-
nio: as pirâmides de Gizeh, as tumbas do Vale dos Reis e os numerosos templos construídos
ao longo do Nilo.
O que hoje se transformou em atracão turística era, no passado, interpretado de forma muito
diferente, pois
A. significava, entre outros aspectos, o poder que os faraós tinham para escravizar grandes
contingentes populacionais que trabalhavam nesses monumentos.

II Encontro
Ensinar História 197
B. representava para as populações do alto Egito a possibilidade de migrar para o sul e encon-
trar trabalho nos canteiros faraônicos.
C. significava a solução para os problemas econômicos, uma vez que os faraós sacrificavam
aos deuses suas riquezas, construindo templos.
D. representava a possibilidade de o faraó ordenar a sociedade, obrigando os desocupados a
trabalharem em obras públicas, que engrandeceram o próprio Egito.
E. significava um peso para a população egípcia, que condenava o luxo faraônico e a religião
baseada em crenças e superstições (INEP, 2009).

Mesmo sendo alvo de inúmeras críticas, o INEP manteve o gabarito na alternativa A, afirmando que
havia a escravização de grande parcela da população para trabalhar nas obras arquitetônicas.
Dentre essas e outras problemáticas no ensino de História sobre o Antigo Egito no Ensino Médio,
podemos extrair do QUADRO I. Algumas Temáticas Tratadas em Sala de Aula, que apenas 7 (sete) dos 15
(quinze) professores afirmaram que levantam a temática A Mulher. O que é lamentável, uma vez que o Egito,
se o comparamos aos povos contemporâneos, é a civilização da Antiguidade que tratou a mulher consideravel-
mente com destaque.
Nesse aspecto, o currículo da Paraíba orienta que essa temática pode ser trabalhada de acordo com o
Objeto de Conhecimento: Trabalho, economia, relações de gênero e de poder da Pré-História ao Medievo (PCEM/
PB, 2021, p. 401). E, dentro de uma gama de trabalhos sobre essa temática, preferimos citar, pelo menos o de
Crhistiane Noblecourt, A mulher no tempo dos faraós (1994), que detalha sobre a mulher no Antigo Egito em
3 (três) partes: a Parte I: A mulher no mundo divino; a Parte II: A mulher na realeza e; a Parte III: a mulher do
Egito. O estudo dessa obra pode render muitos frutos no planejamento de interesse dos estudantes, com uma
rica passagem sobre as mais varáveis atuações da mulher no Antigo Egito.
Vale ressaltar que, a temática de relações de gênero e de poder, está entre algumas das mais discutidas na
atualidade, permitindo aos professores que sejam trazidas à tona situações contemporâneas, inclusive em virtude
dos caminhos democráticos tomados pela gestão governativa federal, com a criação do incipiente, e de urgência
tardia, Ministério das Mulheres, cuja pasta, está à frente, a ministra Aparecida Gonçalves.
Nessa questão, Trabalho, economia, relações de gênero, pode ser discutido com os estudantes, compa-
rando as relações de trabalho no Antigo Egito e a recente aprovação, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
da Lei Nº 14.611, de 3 de julho de 2023, que “Dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios
entre mulheres e homens; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto- Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943”.
Inevitavelmente, diante dos dados apresentados no QP, com suas 101 (cento e uma) questões, perce-
bemos que os professores não se apropriaram do documento que deve servir como instrumento basilar para as
particularidades específicas do Estado da Paraíba que é a PCEM/PB, hoje já denominado currículo da Paraíba.
Um material robusto que possibilita caminhos de construção democrática junto aos estudantes em suas relações
cotidianas do seu entorno.
Na realidade, as repostas do QP, como demonstram o Quadro II, abaixo, trouxeram evidências alar-
mantes. Dentre tantas, precisamos destacar o fato de que apenas 3 (três) dos 15 (quinze) professores realizaram
algum tipo de formação sobre a BNCC e a PCEM/PB, e diga-se de passagem, polindo bem as lentes, notamos
que não são os mesmo professores que fizeram a formação nesses documentos norteadores.

II Encontro
198 Ensinar História
QUADRO II: Quantitativo de professores com formação em BNCC, PCEM/PB e NEM.

Fonte: Quadro elaborado por nós a partir das informações contidas no QP, 2023.

Isso nos leva a refletir que a formação dos professores é algo de extrema urgência tanto na esfera pública
como na privada, em um Estado com 223 municípios, subdividido em 14 Gerências Regionais de Ensino –
GRE, e mais de 15 mil profissionais da educação.
Mas, como sabemos, as formações que nos referimos acima, são aquelas oferecidas pelos órgãos com-
petentes, como as Secretarias de Educação e Institutos especializados nessa área. Isso não impede que esses
profissionais tenham buscado outros caminhos para o estudo desses documentos.

2. Considerações finais
Neste trabalho, que teve como ponto de partida a análise de um Questionário de Pesquisa, elaborado
por nós como parte constitutiva da dissertação de mestrado em História com o título: “História, a gente
aprende vivendo: o ensino da história egípcia entre a prática em sala de aula e a Proposta Curricular
do Novo Ensino Médio da Paraíba (2016-2021)3”, constatamos que um dos pontos nevrálgicos foi, espe-
cificamente, a respeito da falta de formação dos professores de História, no tocante aos conteúdos refentes ao
Antigo Egito e seu desconhecimento em sua relação a PCEM/PB.
Sem ter o pleno conhecimento sobre os documentos norteadores da educação do Estado da Paraíba,
assim como a nível nacional, com a BNCC e a reforma do Novo Ensino Médio, de acordo com a Lei 13.415/17,
percebemos que, pelas respostas, a maioria dos professores, em suas abordagens nas aulas sobre o Objeto de
Conhecimento Antigo Egito, tendem a repetir assuntos que estão anos a fio nos livros didáticos.
Tal ênfase, pode reforçar a continuidade de uma abordagem sobre o “Egito Faraônico”, como centro
das discussões, prevalecendo, ainda, as permanências de visões eurocêntricas. Reforçamos a ideia de que temas
como O papel da mulher na sociedade egípcia, podem e, devem ser trabalhados em sala de aula, principalmente,
em virtude de sua relevância nos debates sobre as lutas pela igualdade de direitos na atualidade.
A tendência persitente de uma educação mercadológica, cuja mola propulsora capitalista fundamen-
ta-se na competitividade concurseira da avaliação somativa (eliminatória, portanto excludente) do ENEM,
corrobora com a seleção de conteúdos a serem inseridos nos materiais didáticos sem ao menos encejar mudanças
nos paradigmas imperialistas. Dessa forma, o silenciamento de novas reflexões acerca do Egito e africanidades,
por exemplo, permanece reinante.
Por conseguinte, a ausência de formações mais consistentes para o aprofundamento destes profissionais,
que poderiam levar a questionamentos e possíveis rupturas, principalmente, em relação às atualizações norma-
tivas nacionais (BNCC e NEM) e estaduais (PCEM/PB), ocasiona uma deficiência no acompanhamento das

3 Dissertação de mestrado defendida em agosto de 2023, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
da Paraíba, na Linha de Pesquisa Ensino de História e Saberes Históricos.
II Encontro
Ensinar História 199
mudanças necessárias, como a proposta para o Novo Ensino Médio, que permanece em suspensão para escuta
pública desde abril de 2023.

REFERÊNCIAS
DIOP. C. A. Origem dos antigos egípcios. In: MOKHTAR, G. (Org.). História geral da África: a África
antiga. São Paulo: Cortez/Brasília: UNESCO, 2010.
DURÃO, Gustavo de Andrade. Antiguidade e Afrocentrismo: crítica e mito na História Antiga. Faces da
História, vol. 4. Nº 2. Assis – SP, Jun – Dez, 2017, p. 28-41.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FRIZZO, Fábio. A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e os descaminhos do ensino de Antiguidade
Egípcia no Brasil. In: SEMNA – Estudos de Egiptologia III. Rio de Janeiro: Seshat – Laboratório de Egiptologia
do Museu Nacional: 2016.
FUNARI, Raquel S. A África antiga no Ensino de História. In: Heródoto. Unifesp, Guarulhos, v. 3, n. 2,
dezembro de 2018, p. 194 – 204.
LOPES, Nei. Dicionário da Antiguidade Africana. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.
NOBLECOURT, Christiane Desroches. A mulher no tempo dos faraós. São Paulo: Papirus, 1994.
PCEM/PB. Proposta Curricular do Ensino Médio da Paraíba. João Pessoa: SEECT, 2021.
SAGREDO, Raisa. (Re)Pensando o Egito em sala de aula: estratégias e metodologias decoloniais. Revista
História Hoje, v.12, nº. 24. Florianópolis: UFSC, 2023, p. 253-273.
SILVA, Wanderson Alberto da. 1.3.1 Processos Metodológicos. In: Proposta Curricular do Ensino Médio
da Paraíba. João Pessoa: SEECT, 2021, p. 29-33.
TYLDESLEY, Joyce. Pirâmides: a verdadeira história por trás dos antigos monumentos do Egito. Trad. Cid
Knipel. São Paulo: Globo, 2005.
VASCONCELOS, Paulo Henrique Gonçalves. O Egito antigo nos livros didáticos brasileiros e portu-
gueses. Dissertação realizada de Mestrado em História Contemporânea. Faculdade de Letras da Universidade
do Porto. Portugal: FLUP, 2020.
SITE:
https://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2009/dia1_caderno1.pdf

II Encontro
200 Ensinar História
TRADUZIR O SABER HISTÓRICO ESCOLAR EM MEMES: A PRODUÇÃO DE
MEMES POR ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO NAS AULAS DE
HISTÓRIA DO IFPE CAMPUS AFOGADOS DA INGAZEIRA.
SOUZA, Juarlyson Jhones Santos de1

Resumo: Um dos desafios vivenciados por professores em sua prática pedagógica em sala de aula é o de
oportunizar a aprendizagem histórica de modo a ser compreendido pelas novas gerações de nato-digitais.
Pretendemos realizar um relato de experiência sentida no cotidiano escolar durante as aulas de História para
turmas do Ensino Médio Integrado, no IFPE campus Afogados da Ingazeira. Os usos didáticos dos memes têm
sido analisados em alguns estudos. E, dentre suas possibilidades, os memes podem ser tanto o já viralizado na
internet, incorporado pelo professor em suas abordagens, quanto pode ser produto de sua inventividade, ao
veicular saberes por meio de uma linguagem típica da cibercultura. Porém, neste trabalho, pretendemos analisar
algumas produções meméticas fabricadas pelos estudantes como atividade pedagógica orientada pelo professor
para refletirmos sobre as suas percepções e traduções do saber histórico escolar por meio de uma linguagem
amplamente difundida no ciberespaço: os memes.
Palavras-chave: Memes. Didática da História. Recurso didático-pedagógico.

1. A Didática da História de Jörn Rüsen e o fazer pedagógico com memes


Jörn Rüsen, ao conferir algumas indicações epistemológicas para a Didática da História, sugeriu que o
seu objeto de estudo seria a aprendizagem histórica. Como “ciência da aprendizagem histórica” (RÜSEN, 2022,
p. 32), algumas das questões mais elementares sobre as quais a Didática da História deveria se debruçar seriam
as maneiras de como “o passado é experienciado e interpretado de modo a compreender o presente e antecipar
o futuro” (RÜSEN, 2006, p. 16). Segundo este autor (2006), o aprendizado da História auxilia os sujeitos no
processo de elaboração de um quadro de referências que os ajuda a se orientar na vida e na construção de uma
identidade histórica que lhes proporciona coerência e estabilidade.
Estas reflexões teóricas, muito embora voltadas à realidade prática do cotidiano da vida humana, nos
permitiram pensar e analisar com melhor acuidade o objeto de estudo sobre o qual nos dedicaremos neste tra-
balho: a expressão da aprendizagem histórica através dos memes elaborados pelos estudantes. Nosso interesse
reside em discutir como os saberes socializados nas aulas de História permitiram aos estudantes um processo
prático de ressignificação ao exprimi-los através de uma linguagem com a qual eles estariam familiarizados: a
linguagem dos memes. Outra questão que surgiu a partir da reflexão sobre esta experiência foi a efetividade
da aprendizagem por meio da opção consciente por uma metodologia alternativa aos padrões tradicionais
de transmissão de conteúdos vinculados a uma concepção em que se pressupõe que o professor deposita seu
conhecimento acadêmico formal aos estudantes, agentes passivos do processo de aprendizagem. (RÜSEN,
2006, p. 8; FREIRE, 1983)
Como professores, frequentemente presumimos que nosso ensino está sendo apreendido da maneira
como o colocamos diante dos alunos, mas diferentemente disso, as formas de recepção são muito criativas e
escapam aos objetivos que fixamos previamente com relação ao que será trabalhado em sala de aula. Segundo
Jörn Rüsen, isto ocorre porque os processos de percepção dos sujeitos destinatários de nossa ação pedagógica
são orientados por estruturas mentais complexas, dinâmicas em relação à experiência de vida, e que não são
construídas apenas pelo que é transmitido nas aulas de História – embora este aspecto exerça um papel igual-
mente importante –, denominadas pelo autor como consciência histórica. A este respeito, o autor comentou:

1 Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Professor do Instituto Federal de Pernambuco
(IFPE) campus Afogados da Ingazeira. E-mail de contato: juarlyson.souza@afogados.ifpe.edu.br.
II Encontro
Ensinar História 201
(...) nós sabemos muito pouco sobre a maneira de como a história é percebida e os efeitos da
introdução da história na sala de aula. Algumas pesquisas empíricas que temos feito em Bo-
chum sugerem que os padrões de educação exemplar – história como uma coleção de exem-
plos conduzindo a regras gerais do comportamento humano – é a forma pela qual a história
é apropriada pelos alunos, sem que os professores atentem para isso. Os professores tinham
certeza que eles estavam implementando os modelos modernos de estudos históricos. Mas a
realidade da experiência de aprendizado mostrou um padrão muito diferente. Assim o pro-
cesso de ensino e aprendizado na sala de aula é governado por uma estrutura da consciência
histórica não reconhecida pelos próprios participantes. (RÜSEN, 2006, p. 13)

A produção de memes pelos estudantes nos ofereceu uma oportunidade de perceber como a
aprendizagem histórica se processou a partir de uma forma de expressão que possui ampla popularidade entre
os estudantes do ensino médio e que estimula o uso da criatividade. Ao adotarmos os memes como recurso
didático nos deparamos com um terreno fértil que permitiu aos estudantes o uso de seu próprio universo
cultural, referências com as quais eles se identificam e possuem familiaridade, e como eles poderiam utilizar a
linguagem dos memes para comunicar sua maneira peculiar de perceber os conhecimentos difundidos em sala
de aula, por meio do ensino de História. A produção memética dos estudantes constituiu o principal material
e fonte de análise para elaborarmos nossas reflexões.
Neste aspecto, em particular, nosso trabalho se singularizou em relação a outros trabalhos acadêmicos
que estudam os memes e sua relevância e viabilidade para o ensino de História a partir das reflexões possibilitadas
pela Didática da História. Como a transmissibilidade online na internet é um dos aspectos elementares para
definir os memes (CHAGAS, 2021, p. 10), os trabalhos de Silvio Cadena (2018) e Dora Gallindo (2023) têm
buscado analisar e discutir os usos de memes já compartilhados nas redes sociais, pela perspectiva dos discursos
políticos e representações históricas que eles podem veicular, além de sua problematização para questões relativas
ao ensino de História. Embora reconhecendo que a produção dos memes pelos estudantes no ambiente das
aulas de História não seja previamente veiculado na internet – o habitat natural dos memes – a estrutura típica
da linguagem memética foi a que nós adotamos para estimular os estudantes a produzirem seus memes sobre
a História. Ao pensarmos a sala de aula como o lugar de produção do saber histórico escolar, a partir de uma
relação dialógica e colaborativa entre o professor e os estudantes, podemos afirmar que os memes elaborados
seriam “memes de laboratório”, considerando que a aula de História se converteu em um autêntico laboratório
do ensino de História, onde experiências práticas de aprendizagem histórica são realizadas (RÜSEN, 2022, p. 34).
A partir das reflexões realizadas por Jörn Rüsen é possível percebemos as abordagens da Didática da
História como uma estrada duplicada: englobando tanto as questões ligadas ao ensino e a aprendizagem histórica
escolar como a formação da consciência histórica de forma mais ampla no tecido social, por meio de maneiras
de aquisição e de construção do saber histórico para além dos espaços acadêmicos e escolares e da mediação dos
seus agentes – os historiadores e professores de História (RÜSEN, 2006, p. 12). Através do estudo dos memes
é possível abrir possibilidades que demonstrem de forma prática os caminhos elencados por Rüsen, pois pode-
mos explorá-los tanto como ferramenta didático-pedagógica no contexto escolar, quanto se pode abordá-los
como uma maneira de produção, difusão e expressão do conhecimento e da consciência histórica pelos/para os
usuários da internet nas redes sociais. Neste trabalho, especificamente, pretendemos nos ater ao tratamento dos
memes no ambiente escolar do ensino de História, embora não podemos nos furtar de reconhecer a amplitude
das possibilidades de investigação.

2. Os historiadores, a narrativa historiográfica, a Carreta Furacão e os Vingadores.


O meme que pretendemos analisar em seguida foi elaborado por um estudante do 1º período
(equivalente ao primeiro semestre do 1º ano do Ensino Médio) do Curso Técnico Integrado em Informática
do Instituto Federal de Pernambuco, campus Afogados da Ingazeira – situado na região do Sertão do Pajeú, no
interior de Pernambuco. Esta atividade foi proposta durante as primeiras aulas de História do período letivo de

II Encontro
202 Ensinar História
2023 cuja temática abordada era a introdução à História, em que questões relativas aos conceitos de História,
tempo histórico, fontes históricas, historicidade e escolas historiográficas foram discutidas para instrumentalizar
os estudantes com algumas noções e aspectos teóricos fundamentais da História como área do conhecimento e
como ofício do historiador. Estes saberes foram compartilhados com os estudantes com o objetivo de orientar
o estudo da História que se seguirá ao longo de todo o Ensino Médio. Trata-se de um momento em que os
estudantes são informados acerca das formas de produção da História acadêmica e profissional.
Diante do desafio de tornar o debate teórico sobre a História como ciência com algum nível de utilidade e
relevância prática para estudantes recém-chegados ao ensino médio de um curso técnico em Informática da Rede
Federal de Ensino – integrantes das novas gerações de nato-digitais (PRENSKY, 2001) –, a atividade proposta
aos estudantes foi a de elaborar memes baseados nos conceitos problematizados em sala de aula. Esperava-se
que esta seria uma maneira de tentar aproximar os conceitos epistemológicos de uma área altamente especia-
lizada como a História da realidade de estudantes da educação básica que buscavam no Instituto Federal uma
formação técnica em Informática. Na prática, porém, nos deparamos com uma forma autêntica de expressão
do conhecimento histórico produzido no contexto escolar por sujeitos que, embora não fossem historiadores
profissionais, manifestaram uma consciência histórica que estava familiarizada e se utilizava das referências
meméticas típicas da cibercultura. Um dos objetivos era também o de familiarizar os estudantes com outras
formas de produção do saber histórico alternativas à historiografia profissional, tendo em vista a existência de
diversas páginas nas redes sociais que se dedicam a compartilhar memes com temática histórica (“História no
Paint” é um exemplo, e com ampla repercussão na internet). O curioso foi retratar a historiografia acadêmica
através de uma forma não convencional de representação histórica: os memes.
O meme a seguir foi criado pelo estudante Lucas Gabriel Lopes de Lima, de 16 anos de idade, para o
componente curricular de História ofertado em sua turma no IFPE. Ele o apresentou no formato audiovisual,
editando trechos de um vídeo de uma das apresentações públicas do grupo Carreta Furacão ao som da música
“Ziriguidum” (2012) da banda Filhos de Jorge, viralizado na internet, e de um dos filmes da franquia Vingadores,
criando uma edição de 21 segundos. Para representá-lo abaixo, selecionamos algumas imagens do vídeo que
transmitirão a ideia geral e a narrativa que o Lucas Gabriel pretendia apresentar a partir dos seus saberes acerca
da escrita da História pelos historiadores profissionais:

Figura 1. Meme como atividade pedagógica da disciplina de História.

II Encontro
Ensinar História 203
Fonte: Produzido pelo estudante do 1º período do Curso Técnico Integrado em Informática do IFPE campus Afogados da
Ingazeira Lucas Gabriel Lopes de Lima (16 anos).

Dentre as questões problematizadas em sala de aula, o tema do fato do passado, fato histórico e o
processo de construção de uma narrativa historiográfica que busca recontá-lo e analisá-lo através da escrita da
História foi retratado pelo estudante neste meme. Para isto, ele recorreu às referências e formas de narrativa
meméticas, além do trecho de uma obra fílmica – produto da industrial cultural norte-americana com amplo
consumo entre os jovens de sua idade –, com as quais estava familiarizado. Embora este meme não tenha sido
diretamente coletado da internet, mas produzido no ambiente escolar do ensino de História, ele se apropriou
de aspectos meméticos já viralizados, como os vídeos das apresentações da Carreta Furacão, bem como das cenas
virais dos filmes da franquia Vingadores. Estes aspectos foram ressignificados como estrutura narrativa para
expressar o conhecimento histórico que problematiza a relação entre o fato histórico e a sua historicização pelos
historiadores. Dessa forma, o estudante não apenas interpretou esta reflexão, mas o interpretou do seu modo,
apropriando-se tanto de um saber compartilhado na aula de História quanto de saberes práticos adquiridos
em sua vivência online. Este meme, como os demais produzidos pelos seus colegas de turma, pôde servir de
material de análise para discutirmos questões relativas à aprendizagem histórica. Podemos supor que, por uti-
lizar referências narrativas da linguagem dos memes, o estudante foi capaz de demonstrar com maior liberdade
criativa a sua aprendizagem do que se apenas tivéssemos recorrido aos mecanismos tradicionais de verificação
da aprendizagem, como provas escritas, por exemplo, em que conceitos teóricos seriam explicados por meio de
uma narrativa igualmente teórica, prejudicando ou tolhendo a aprendizagem histórica.
Possivelmente, a abordagem realizada em sala de aula que inspirou o meme em questão foi baseada
nas reflexões do historiador britânico E. H. Carr, em um clássico da historiografia chamado “Que é História?”
(1982). Há uma percepção no meme de que existe uma diferença entre o fato e o fato histórico como uma pro-
dução dos historiadores, apresentada por Carr como um trabalho de interpretação. A apresentação do grupo
Carreta Furacão, notadamente a dança realizada pela pessoa fantasiada de Homem-Aranha, seria a expressão de
um acontecimento do passado, talvez até corriqueiro. Mas, ao ser selecionado e abordado pelos historiadores
adquire relevância graças ao trabalho de interpretação histórica, retratado na cena do filme por meio de uma
entrada impactante do personagem do Homem-Aranha. A diferença entre fato do passado e fato histórico –
ou a conversão de um em outro, conforme retratado no meme de Lucas Gabriel – por meio do trabalho de
interpretação do historiador foi assim comentada por E. H. Carr:
II Encontro
204 Ensinar História
É comum dizer-se que os fatos falam por si. Naturalmente isto não é verdade. Os fatos falam
apenas quando o historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vêm à cena e
em que ordem ou contexto. (...) É o historiador quem decide por suas próprias razões que
o fato de César atravessar aquele pequeno riacho, o Rubicão, é um fato da história, ao passo
que a travessia do Rubicão, por milhões de outras pessoas antes ou desde então não interessa
a ninguém em absoluto. O fato de você ter chegado neste edifício meia hora atrás a pé, ou de
bicicleta, ou de carro, é exatamente tanto um fato do passado quanto o fato de César ter atra-
vessado o Rubicão. Mas provavelmente será ignorado pelos historiadores. (...) O historiador
é necessariamente um selecionador. A convicção num núcleo sólido de fatos históricos que
existem objetiva e independentemente da interpretação do historiador é uma falácia absurda,
mas que é muito difícil de erradicar. (CARR, 1982, p. 39)

De alguma maneira, o contato com a problematização realizada pelo Professor em sala de aula acerca das
formas de produção da narrativa historiográfica conferiu ao estudante um entendimento crítico de como ocorre
este processo, especialmente ao lançar mão de um enredo humorístico que caracteriza a linguagem memética.
Podemos nos questionar sobre como a apropriação destes saberes e a sua expressão por meio de uma estrutura
narrativa memética pode ter contribuído para a sua consciência histórica, ao compreender que o conhecimento
histórico se expressa por meio de uma narrativa historiográfica profissional e por representar este dado através
de uma outra narrativa alternativa, a dos memes. Isto porque as narrativas, e possivelmente a reflexão de como
elas são elaboradas, são pertinentes ao desenvolvimento da consciência histórica individual, à luz das reflexões
provocadas pela Didática da História de Jörn Rüsen.

3. Considerações finais
As reflexões que apresentamos neste trabalho se encontram ainda em sua fase parcial e integram um
trabalho de pesquisa mais amplo elaborado a partir das inquietações suscitadas pela experiência com o ensino
de História em um Instituto Federal. As leituras dos escritos de Jörn Rüsen nos instrumentalizaram e nos
permitiram pensar o objeto de estudo em tela para discutirmos a problemática da aprendizagem histórica no
Ensino Médio Integrado à formação técnica e profissional.
Conforme foi possível perceber, o saber acadêmico e epistemológico da História como ciência foi utili-
zado, mas não exclusivamente. O trabalho de mediação exercido pelos Professores permite o diálogo tanto com
as maneiras tradicionais de elaboração do conhecimento histórico, adquirido nos espaços acadêmicos de pesquisa
histórica, quanto com outras formas virtuais de História com as quais, crescentemente, os estudantes estão em
contato dinâmico e diário, através do uso das redes sociais. O uso dos memes possibilitou, dentre outras coisas,
conferir a estes estudantes uma oportunidade de protagonismo ao expressarem os conhecimentos históricos
apropriados, habilidades narrativas típicas da cibercultura e sua própria consciência histórica.
Considerando que os memes estão sendo estudados sob diferentes perspectivas nos últimos anos devido
à sua quase onipresença nos espaços virtuais, a demonstração de sua viabilidade como um recurso legítimo à
aprendizagem histórica no contexto escolar, e de como ela se processa, pode ajudar a consolidar ainda mais estas
investigações. Afirmar os memes como objeto de estudo sério, no entanto, esbarra nos preconceitos acadêmicos de
que esta forma de linguagem não carece de ser estudada cientificamente como um fenômeno cultural autêntico.

REFERÊNCIAS
CADENA, Silvio. Narrativas digitais e a história do Brasil. Uma proposição para a análise de memes com
temáticas coloniais e seu uso nas aulas de História. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Rural de
Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em História. Recife, 2018.
CARR, Edward Hallet. Que é História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3ª ed., 1982.

II Encontro
Ensinar História 205
CHAGAS, Viktor. Da memética aos memes de internet: uma revisão de literatura. BIB - Revista Brasileira
de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. São Paulo, n. 95, 2021, p. 1-22. Disponível em: https://
bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/119/113. Acesso em 19 out. 2023.
FREIRE, Paulo. Educação “bancária” e educação libertadora. In: SOUZA PATTO, Maria Helena (org.).
Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1983.
GALLINDO, Dora de Sá. Revisar o passado e negar a História: o meme como uso político do passado pela
extrema-direita. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA. João Pessoa, 2023.
PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants. From On the Horizon (MCB University Press, Vol.
9 No. 5, October 2001). Disponível em https://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20
Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf. Acesso em 16 mar. 2023.
RÜSEN, Jörn. Sobre alguns fundamentos teóricos da didática da história. In: OLIVEIRA, Margarida M. D.;
SANTIAGO JÚNIOR, Francisco C. F.; LIMA, Caio R. C. (orgs.). Jörn Rüsen: teoria, historiografia, didá-
tica. Ananindeua: Cabana, 2022.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa.
Ponta Grossa, PR. v. 1, n. 2, p. 07 – 16, jul.-dez. 2006. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?scrip-
t=sci_arttext&pid=S180943092006000200002&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 9 set. 2023.

II Encontro
206 Ensinar História
PROJETO DE INTERVENÇÃO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: NARRATIVAS E
CONTOS NO ENSINO DE HISTÓRIA
SOUZA, Shirley Maria Pires de

Resumo: Esse trabalho tem como objetivo compartilhar o processo de elaboração de um produto pedagógico
através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, voltado para alunos do 9º ano do ensino
fundamental da Escola Liceu Nóbrega de Artes e Ofícios. Do qual possui o intuito de levar contos míticos de
algumas regiões do mundo como o Brasil, com narrativas dos nossos povos originários a partir de autores como:
Daniel Munduruku e Renato Nogueira, como também, abordar contos gregos e africanos em sala de aula. Desse
modo, temos como finalidade instigar debates a partir dos contos para a sala de aula, visto que o debate é uma
metodologia que pode proporcionar aos estudantes uma formação que visa criticidade, além de proporcionar
protagonismo à fala dos discentes. Partindo com base em teóricos da educação como Paulo Freire, que defende
a criticidade dos alunos para além do ensino tradicional como matemática e português, para ir além do ensino
clássico onde o alunado apenas reproduz a fala de seus professores.
Palavras-chave: Contos míticos. Debate. Criticidade.

1. Introdução
Esse trabalho foi idealizado para ser um projeto de intervenção do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência – PIBID, na Escola Liceu Nóbrega de Artes e Ofícios, localizada na rua do Príncipe,
no bairro de Recife. Para ser feito entre as turmas do 9º do ensino fundamental, para que esses alunos tenham
contato com contos místicos de diferentes culturas como os que vamos abordar aqui, que são contos indígenas
e moçambicanos com o auxílio de um ebook feito pela plataforma de design Canva. Esse ebook servirá como
material de apoio para os alunos na construção das atividades e debates na sala de aula.
Com o PIBID podemos vivenciar experiências bastante diferenciadas de aprendizagem, visto que temos
um papel mais livre em sala de aula se comparado à estágios curriculares obrigatórios, onde podemos encontrar
desvios de função, observação de aula, sem a realização da prática e pouca interação com o funcionamento da escola.
O programa possui o objetivo de melhora na formação da prática nos cursos de licenciatura, possi-
bilitando a atuação dos estudantes de licenciaturas no chão das escolas da educação básica pública, a fim de
trazerem melhorias para a escola a partir de projetos e intervenções, aos quais não temos a mesma possibilidade
de desenvolver dentro de estágios curriculares obrigatórios.
Segundo Gilberto Januário, durante o estágio o professor passa a enxergar a educação com outro olhar,
procurando compreender a realidade da escola e dos alunos, além da realidade dos professores e outros profis-
sionais que compõem a escola, esse programa nos traz esse olhar mais delicado para a educação.
O método utilizado na aplicação desse projeto será por meio de debates e atividades integrativas.
Queremos trazer o debate a fim de que os alunos possam expressar as ideias que eles tiveram a partir da leitura
dos contos trazidos no ebook. Parafraseando Paulo Freire, ensinar não é apenas transferir conhecimento, mas é
criar possibilidades para a sua própria produção/construção, com a leitura desses contos queremos explorar o
imaginário e emoções dos alunos, fazer com que eles possam ir além do que for falado por nós em sala de aula.

2. Justificativa
No ano de 2008 foi sancionado a lei 11.645, alteração da lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino
da história e cultura dos povos indígenas brasileiros em todas as escolas públicas e particulares do Brasil, do
ensino médio ao ensino fundamental.

II Encontro
Ensinar História 207
Na prática sabemos que existem divergências quanto a aplicação desta lei, devido a falta de capacitação
para professores que não tiveram disciplinas em sua formação que abordasse esta temática, além de diversos
problemas que presenciamos em nosso dia a dia. Por isso precisamos agir enquanto licenciandos para que não
repitamos essas práticas desse sistema que é falha e que fecha os olhos diante do problema que a educação básica
possui diante o ensino da temática indígena.

3. Ebook
Idealizado através da plataforma digital canva, surgiu da ideia de trabalhar com histórias que fossem
além do tradicional, como os contos indígenas da vitória régia ou do saci, que são mais citados em sala de aula.
Visamos usar os contos aqui escolhidos para fazer discussões acerca das emoções encontradas na leitura deles,
ir além do místico e adentrar um pouco no campo emocional, levando em consideração como a história oral
passada por nossos antepassados podem trazer lições para nossa vida.
O ebook é divido em 3 contos, sendo 2 indígenas, o primeiro, “A onça valentona e o raio poderoso”, do
povo Taurepang, que vive em sua maioria na Venezuela e uma pequena parte no Brasil, no estado de Roraima,
escrito pelo autor Daniel Munduruku, no livro Conto Indígenas Brasileiros, que reúne uma coleção com con-
tos de etnias de muitas partes do Brasil e que foi coletado de maneira oral. O terceiro conto também é extraído
do livro citado anteriormente do autor Daniel Munduruku, com o nome “A pele nova da mulher velha”, do
povo Nambikwara, localizados nos estados brasileiro de Roraima e Mato Grosso. O segundo conto “Coração
sozinho”, de origem moçambicana, difundido através da cultura oral e reunido pelo autor brasileiro Ricardo
Ramos, em seu livro “Contos Moçambicanos”.
Serão desenvolvidos debates a partir da leitura dos contos e como continuidade, será feito um momento
de atividade lúdica, onde os alunos poderão expressar pontos que chamaram atenção por meio de desenhos ou
produções textuais, ao final desses dois momentos, faremos uma exposição em sala de aula para que cada aluno
possa mostrar sua produção coletivamente. Desse modo, pretendemos estimular o protagonismo dos alunos,
dando oportunidade de expôr seus pontos de vista e o material produzido a partir do imaginário estimulado
com a leitura e o debate.

Capa. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023.


II Encontro
208 Ensinar História
Contracapa. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023.

Índice. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023.

Figura 1. Introdução. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023.

II Encontro
Ensinar História 209
Figura 2. Objetivos. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023.

Figura 3. Conto: A onça valentona e o raio poderoso. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023.

Figura 4. Conto: Coração sozinho. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023

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210 Ensinar História
Figura 5. Conto: A pele nova da mulher velha. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023.

Figura 6. Conto: A pele nova da mulher velha. Fonte: acervo pessoal. Acesso em 20 de outubro de 2023

4. Considerações finais
Como bem sabemos, existe o padrão normativo da educação vista pelo viés eurocêntrico, onde podemos
observar nas escolas a maior disseminação da história da europa e com isso acabamos esquecendo a história do
nosso povo indígena, que compõe parte significativa no desenvolvimento de nossa sociedade, cultura, língua
e costumes, sem esquecer do povo africano que veio forçadamente para nosso território, também construindo
grande parte do que o nosso país é. O foco deste ebook é trazer à tona que povos de regiões diferentes como
Moçambique e Brasil, também possuem suas lendas e contos, queremos desviar da visão estereotipada de que
apenas contos europeus possam ser divertidos e possam nos ensinar de várias maneiras, pois nossos antepassados
tem um grande legado de ensinamentos que precisamos reavivar nas mentes de nossos alunos.

REFERÊNCIAS
EBOOK. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1DIdsqo3fxEnqmn-X4cbA6bai4s6RaF_u/
view?usp=sharing

II Encontro
Ensinar História 211
RAMOS, Ricardo. Contos Moçambicanos. 1. ed. São Paulo: Global, 1990. 157 p. v. 1. ISBN SBN-13:
9788526002463.
MUNDURUKU, Daniel. Contos indígenas brasileiros. 2. ed. São Paulo: Global, 2005. 64 p. ISBN
978-85-260-0936-3.
Saraiva, E. (2020). A literatura dos povos indígenas canadenses e a construção do conhecimento através da
lenda e da tradição oral. Garrafa, 18(52), 225 - 246. Recuperado de https://revistas.ufrj.br/index.php/garrafa/
article/view/36519
DEMARCHE, Tina. A rica tradição oral dos povos indígenas. In: DEMARCHE, Tina. A rica tradição oral
dos povos indígenas. Curitiba: Curitiba de Graça, 20 ago. 2021. Disponível em: https://curitibadegraca.com.
br/a-rica-tradicao-oral-dos-povos-indigenas/. Acesso em: 24 ago. 2023.
FENNER, Camila Knebel; PAZ, Demétrio Alves; SPAREMBERGER, Alfeu. MARCAS DA ORATURA EM
CONTOS DE MOÇAMBIQUE. In: CADERNO SEMINAL - ESTUDOS DE LITERATURA: Imagens
de infâncias em literaturas africanas e/ou das diásporas africanas. [S. l.], 30 abr. 2022. Disponível em: https://
www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cadernoseminal/article/view/71508. Acesso em: 23 ago. 2023.
JANUARIO, Gilberto. O Estágio Supervisionado e suas contribuições para a prática pedagógica do professor.
In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA E INVESTIGAÇÕES DE/EM AULAS DE MATEMÁTICA, 2, 2008,
Campinas. Anais: II SHIAM. Campinas: GdS/FE-Unicamp, 2008. v. único. p. 1-8.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 1. ed. [S. l.]: Paz e Terra, 1996. 144 p. v. 1. ISBN 978-85-7753-163-9.

II Encontro
212 Ensinar História
LUGARES DE MEMÓRIA, UM OLHAR AFETIVO PARA A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
- A EXPERIÊNCIA PIBID DA EREM SANTOS DUMONT
VIANA, Luciana Xavier.1

Resumo: O presente trabalho relata a experiência com a Educação Patrimonial através da parceria da Escola
de Referencia em Ensino Médio (EREM) Santos Dumont e o PIBID História da Universidade Federal de
Pernambuco com a Coordenação do Professor Arnaldo Martin Szlachta Junior. Os objetos de estudo são
lugares de memória, estima, diversão, aprendizado, moradia e convivência para quem transita pelo bairro de
Boa Viagem, em Recife - Pernambuco. Através das Semanas de Educação Patrimonial, criamos um Podcast
chamado Lugares de Memória em Boa Viagem. Segue link de acesso através da plataforma Spotify: <https://
open.spotify.com/show/2zm87zFukYcMbjWt4bFLUH>.
Palavras-chave: Educação Patrimonial. História Local. Ensino de História.

Este trabalho com Educação Patrimonial veio através da parceria da Escola de Referencia em Ensino
Medio Santos Dumont e o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – o PIBID História da
Universidade Federal de Pernambuco sob a Coordenação do Professor Arnaldo Martin Szlachta Junior que
fez a proposta de atuação na área. As pesquisas giraram em torno do cotidiano do bairro de Boa Viagem onde
está inserida nossa Escola. A importância de trabalharmos com lugares onde pudessem mexer com a memória
afetiva das pessoas envolvidas impulsionaram registros de uma História local, do cotidiano e da engrenagem
que move várias pessoas que circulam, vivem, estudam, se movimentam, trabalham e tem a sua vida vinculada
a esses espaços.

A partir da inserção dos temas e conteúdo que versem sobre o patrimônio cultural nas di-
retrizes curriculares, tem-se uma ampliação dos conceitos e noções histórico culturais em
âmbito local, regional e global. Além de propiciar a conscientização sobre as contribuições
de diferentes grupos culturais, dos lugares, das memórias, dos costumes e das identidades.
(Zarbato, 2015 p. 80).

Estávamos dispostos a obter um trabalho que pudesse alcançar a toda comunidade escolar, visando a
introdução de conceitos para a temática da Educação Patrimonial estimulando o olhar desse estudante fazendo
com que ele enxergasse a ocupação desses espaços urbanos e como a cidade consegue cuidar desses lugares de
vivência coletiva.

É preciso olhar e sentir a cidade, apreciar seus cheiros, seus odores, seus sabores. É preciso
tocar o intocável, é necessário caminhar pelas ruas conhecidas e desconhecidas, ermas e po-
pulosas. É preciso ver, viver e conviver com os habitantes da cidade. E essa experiência urbana
efetivamente se concretiza somente fora da sala de aula, em projetos que entendam que o
conhecimento também está no ordinário, no saber fazer, nas artes e táticas de sobrevivência
das ruas. Uma cidade é o que fazemos dela. E a educação patrimonial possibilita um olhar
mais generoso para as pessoas que concretamente produzem a cidade em que vivemos. (Sou-
za, 2017, p.26).

Fundamentamos nossos estudos através de uma abordagem metodológica onde envolvessem pesquisas,
entrevistas, levantamentos bibliográficos, abordagens teóricas, mas principalmente a busca por uma memória
afetiva que pudesse envolver os nossos estudantes através de um olhar crítico e diferenciado.

1 Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Federal de Pernambuco (Pro-
fHistória/UFPE). E-mail: lucianaxviana1311@gmail.com
II Encontro
Ensinar História 213
Escolhemos trabalhar com os alunos dos Segundos Anos do Ensino Médio, pois poderíamos ficar
durante os 18 meses da extensão do projeto com os mesmos. São alunos moradores de diversos bairros de nossa
cidade, incluindo o do nosso objeto de estudo principal que foi o de Boa Viagem, suas faixas etárias estavam
entre 15 e 18 anos. A condição econômica variava de classificação socioeconômica de 1 a 3 salários mínimos.
Os hábitos sociais os mais variados possíveis dentro da faixa etária apresentada.
Estabelecemos critérios para a escolha do que era necessário para as nossas pesquisas e decidimos sele-
cionar locais do Recife que pudessem trazer algum tipo de ligação com os nossos estudantes. Buscamos uma
memória afetiva acerca dos objetos de estudo propostos, associando-os à sua função social e seu legado cultural
e urbanístico levando em consideração suas especificidades e atualmente as suas respectivas funcionalidades.
Durante os estudos prévios com os pibidianos, as muitas leituras sobre o tema da Educação Patrimonial
fez com que entendêssemos a relevância do trabalho que estávamos iniciando. Em relação a esta temática o
Professor Doutor Ricardo Pacheco da Universidade Federal Rural de Pernambuco diz que:

De forma privilegiada, mas não exclusiva, cabe à disciplina escolar de história propor, ao
conjunto dos demais componentes curriculares, ações educativas voltadas a potencializar o
diálogo sobre a preservação patrimonial e a valorização da memória na prática pedagógica.
No cenário escolar, compete à história, como disciplina mais próxima da problemática da
memória social, desenvolver ações de percepção dos bens culturais e de reflexão dos seus pro-
cessos de constituição e reprodução. (Pacheco, 2017, p.87)

Diante desta afirmação, buscamos compreender uma atividade em que nossos objetivos eram analisar
as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que envolvem os objetos de estudos deste trabalho,
identificando-os através da Educação Patrimonial e entender como foi o processo de ocupação de espaço, fina-
lidade, objetivos e impactos Sociais e Culturais que as construções analisadas tiveram na elaboração do bairro
de Boa Viagem e seu entorno.
Através das Competências Gerais da Educação Básica Base Nacional Comum Curricular, identificamos
critérios para justificar as nossas ações:

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico,


social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colabo-
rar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a
investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas,
elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnoló-
gicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e
também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. (http://portal.
mec.gov.br/docman/abril-2018-pdf/85121-bncc-ensino-medio/file Pág. 09).

Também utilizamos as Competências Específicas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas


Para O Ensino Médio com o mesmo objetivo:
1. Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local,
regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir de procedimentos epistemoló-
gicos e científicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente com relação a esses
processos e às possíveis relações entre eles.
Nesta competência específica, pretende-se ampliar as capacidades dos estudantes de elaborar
hipóteses e compor argumentos com base na sistematização de dados (de natureza quantita-
tiva e qualitativa); compreender e utilizar determinados procedimentos metodológicos para
discutir circunstâncias históricas favoráveis à emergência de matrizes conceituais (moderni-

II Encontro
214 Ensinar História
dade, Ocidente/Oriente, civilização/barbárie, nomadismo/sedentarismo, tipologias evoluti-
vas, oposições dicotômicas etc.); e operacionalizar conceitos como temporalidade, memória,
identidade, sociedade, territorialidade, espacialidade etc. e diferentes linguagens e narrativas
que expressam conhecimentos, crenças, valores e práticas que permitem acessar informações,
resolver problemas e, especialmente, favorecer o protagonismo necessário tanto em nível in-
dividual como coletivo.
A avaliação dos processos de longa e curta duração, das razões que justificam diversas formas
de rupturas, dos mecanismos de conservação ou transformação e das mudanças de paradig-
mas, como as decorrentes dos impactos tecnológicos, oferece material e suporte para uma
prática reflexiva e ética. As habilidades estão citadas abaixo.
(EM13CHS101) analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas
linguagens, com vistas à compreensão e à crítica de ideias filosóficas e processos e eventos
históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.
(EM13CHS102) identificar, analisar e discutir as circunstâncias históricas, geográficas,
políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais da emergência de matrizes conceituais
hegemônicas (etnocentrismo, evolução, modernidade etc.), comparando-as a narrativas que
contemplem outros agentes e discursos.
(EM13CHS103) elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a
processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na
sistematização de dados e informações de natureza qualitativa e quantitativa (expressões artísti-
cas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos, gráficos, mapas, tabelas etc.).
(EM13CHS104) analisar objetos da cultura material e imaterial como suporte de conheci-
mentos, valores, crenças e práticas que singularizam diferentes sociedades inseridas no tempo
e no espaço. (pág. 559-560).

De acordo com o Organizador Curricular por Bimestre - História Formação Geral Básica da Secretaria
de Educação do Estado de Pernambuco a Habilidade específica dos componentes relativos aos objetos de
conhecimento contidos neste documento é:

(EM13CHS104HI04PE) compreender o significado histórico dos patrimônios culturais


materiais e imateriais e sua função identitária na construção de diferentes grupos em variados
tempos e espaços, destacando o patrimônio cultural material e imaterial de Pernambuco.

Visando o desenvolvimento de uma Educação Patrimonial voltada para uma História Local, começa-
mos as nossas pesquisas analisando o que pudesse ser mais próximo e ao mesmo tempo despertasse o interesse
dos estudantes.
A nossa escola fica situada no bairro de Boa Viagem, na cidade de Recife, em Pernambuco. Ao pensar-
mos em como iríamos trabalhar a Educação Patrimonial, estabelecemos o que chamamos de cinco “objetos de
estudo”. Lugares emblemáticos do bairro que não são necessariamente patrimônios (ficamos sabendo depois
que um realmente é, a Pracinha de Boa Viagem) mas que são lugares de memória, estima, diversão, aprendizado,
moradia e convivência para quem transita por aqui.
Escolhemos a própria EREM Santos Dumont, que foi criada como Grupo Escolar Santos Dumont
em 1947. Em 1974 passou a ser Centro Interescolar Santos Dumont. Em 1999 Escola Santos Dumont. Em
2010 a Escola de Referencia em Ensino Medio Santos Dumont na condição de regime semi-integral e em 2012
o regime modificou para integral e encontra-se nesta condição até a presente data. A Escola abrange estudantes
de vários locais do Recife e Região Metropolitana por ser de fácil acesso e estarmos continuamente buscando a
excelência no ensino-aprendizagem fazendo com que nossos alunos obtenham êxito nas suas escolhas futuras,
sejam elas através da formação superior ou optando pelo ingresso no mercado de trabalho.

II Encontro
Ensinar História 215
O Parque Santos Dumont que fica localizado exatamente atrás da Escola e foi a nossa segunda opção
de escolha por conta da proximidade e do desenvolvimento no aspecto esportivo e de lazer tanto para a nossa
comunidade escolar como para os moradores do bairro de Boa Viagem;
O Edifício Acaiaca tem uma importância significativa para o bairro de Boa Viagem não só pelo aspecto
arquitetônico. Construído no fim da década de 50, o Edifício tem 11 andares e 44 apartamentos – quatro
por andar. No meio de tantos prédios, chama a atenção por ser um dos poucos que são horizontais na praia.
É também em frente a este edifício que a Prefeitura do Recife instala seu palco para a contagem regressiva do
Ano Novo. Na década de 80 e 90 do século 20 haviam os campeonatos de surf e também foi nesta mesma área
de praia em que houve os primeiros incidentes com tubarões por conta do desequilíbrio ambiental por conta
da reformulação do Porto de SUAPE alterando o hábito dos banhos de praia naquela área.
A Pracinha de Boa Viagem é um dos pontos turísticos da nossa cidade e também fica próximo de nossa
escola. Ela é um importante local de descontração com uma feirinha que faz a venda de artesanatos de nossa
região e uma gastronomia típica. Este foi o nosso quarto objeto de estudo escolhido.
Por fim, o Edifício Holiday também foi escolhido por sua arquitetura com uma imensa estrutura de
concreto curvada, em forma de meia lua, com 17 andares, construído em 1957. O prédio que outrora foi todo
um símbolo da expansão imobiliária no bairro tornou-se, ao longo do tempo, uma espécie de favela vertical
que abrigou cerca de 2.000 pessoas, distribuídas em 476 apartamentos — 28 por andar. Um lugar com famílias
humildes cravadas no meio de um território disputado pela elite econômica pernambucana.
Como ainda estávamos iniciando um projeto em meio a Pandemia do Coronavírus, escolhemos locais
que fossem próximos da escola, mesmo sabendo que a princípio faríamos o projeto de forma remota e ele assim o
foi iniciado. Seguindo as etapas do desenvolvimento do Guia Prático da Educação Patrimonial do IPHAN, através
da Observação, Registro, Exploração e Apropriação, iniciamos o projeto com estudos coletivos sobre as definições
de Patrimônio, as leis que eram voltadas para tal situação e criamos assim as Semanas de Educação Patrimonial.
Segundo o Guia Prático da Educação Patrimonial: “A Educação Patrimonial consiste em provocar situações de
aprendizado sobre o processo cultural e seus produtos e manifestações, que despertem nos alunos o interesse em
resolver questões significativas para a sua vida, pessoal e coletiva”. ( Horta, Grunberg, Monteiro, 1999, p.06)
A 1° semana de Educação Patrimonial ocorrida entre os dias 12 e 16 de abril de 2021 de forma remota
através da plataforma Google Meet foi voltada para análise dos principais locais tombados pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em Recife e em Olinda com os temas: Patrimônio
Material e a especulação Imobiliária no Recife/O Forte do Brum (12/04); Preservação do Sítio Histórico de
Olinda (13/04); Os diferentes tipos de patrimônio material - O Museu do Estado de PE (13/04); O Mercado
de São José (15/04) e a Ponte de Ferro da Boa Vista (16/04). Esta primeira semana foi organizada, pesquisada
e exposta pelos Estagiários do PIBID.
A 2° Semana de Educação Patrimonial foi voltada para apresentação dos museus em alusão à semana
dos museus que ocorreu no mês de maio entre os dias 17 e 21/05/2021. Como ainda estávamos vivenciando
toda a nossa vivência escolar de forma remota, este evento também foi realizado através da plataforma Google
Meet. Foram abordados os temas: Museu enquanto lugar de construções narrativas e suas implicações no estudo
da História - exposto pelas estagiárias Keli Rodrigues e Rebeca Barbosa em 17/05; Repensando a abolição e
o protagonismo negro - o Museu da Abolição do Recife, com as estagiárias Carolina Barros e Lays Caetano
18/05; Tipologias Museológicas: o Webmuseu em foco na construção de narrativas por Maria Eduarda Viana
e Márcia Progenia em 19/05: Nordeste: Territórios e culturas plurais - Museu do Homem do Nordeste por
Larissa Carolina e José Mateus em 20/05, finalizando esta semana com a apresentação Arquitetura de museus
e o Museu de Brennand por Alexsandro Barbosa e Maria Vitória Souza em 21/05.
A 3° Semana de Educação Patrimonial ocorreu entre os dias 14 e 18/06/2021, voltada para o ciclo
junino ela começou a ter um sentido para os nossos objetos de estudo. As duas primeiras semanas também
foram realizadas pelos estagiários do PIBID História da UFPE. Com apresentações remotas, feitas pelo Google
Meet, voltadas para os segundos anos e para alguns convidados, a 3° Semana de Educação Patrimonial produzida
II Encontro
216 Ensinar História
pelos alunos com a ajuda dos estagiários. Decidimos fazer a produção de vídeos relacionados ao ciclo junino.
Iniciamos com a apresentação do 2°A - o Bolo Souza Leão – a EREM Santos Dumont fica situada na av. Barão
de Souza Leão e o bolo é uma receita tradicional desta família. O fazer destes bolo era algo antes impensável
para famílias de baixa renda devido ao uso demasiadamente caro de determinados ingredientes. A turma toda
colaborou, o bolo foi feito e distribuído entre eles. O 2° B ficou com a apresentação das danças do ciclo junino,
em virtude de o Parque Santos Dumont abrigar o Centro Esportivo, onde as atividades físicas são prioridades
para aquele local. O 2°C ficou com as manifestações religiosas e a influência afro-indígena, uma vez que, seu
objeto de estudo - o Edifício Acaiaca- tem seu nome de origem tupi. O 2°D ficou responsável por fazer o com-
parativo entre a Feirinha de artesanato da Pracinha de Boa Viagem e a Feira de Caruaru. Fechamos esta semana
com a apresentação das comidas típicas do ciclo junino, já que várias famílias que moravam no edifício Holiday
tinham sua renda voltada para a produção dessas iguarias.
A 4° Semana de Educação Patrimonial ocorreu em 07 de outubro de 2021 e foi voltada para a apresentação
das pesquisas diretas dos objetos de estudo: A EREM Santos Dumont; O Parque Santos Dumont; O Edifício
Acaiaca; A Pracinha de Boa Viagem e o Edifício Holiday. Ela ocorreu de forma presencial com representação
de alunos das turmas, por causa do período pandêmico e não poderíamos promover aglomerações, houveram
as apresentações na Biblioteca da Escola e transmitimos por lives nas páginas do Instagram da EREM Santos
Dumont e do PIBID História da UFPE.
A forma como conduzimos o nosso trabalho durante este período nos levou a tomar decisões em que
as Semanas de Educação Patrimonial sempre estivessem com algum tipo de vínculo com as nossas pesquisas.
De alguma forma, precisávamos dar sentido a toda uma investigação onde buscamos o sentimento de pertenci-
mento daquelas pessoas àqueles lugares. Ao entendermos o que precisávamos deixar como registro, começamos
a perceber a necessidade de envolver as informações que pudessem elevar a condição de relevância dos nossos
objetos de estudo. Segundo o Guia Prático de Educação Patrimonial do IPHAN:

A metodologia específica da Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidência


material ou manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento
ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de
proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma
manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou
artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação
entre os indivíduos e seu meio ambiente. (Horta, Grunberg, Monteiro, 1999, p.4 )

Para a elaboração das pesquisas diretas dos nossos cinco objetos de estudos, procuramos estabelecer um
questionário norteador onde poderíamos sincronizar as perguntas com a real funcionalidade dos locais investigados.

1°) Data do início da construção do imóvel estudado?


2°) Qual a sua finalidade inicial?
3°) Quem patrocinou a sua construção?
4°) Como era o seu entorno e de quem foi a decisão de construí-lo?
5°) Ao longo do tempo, quais os grupos sociais que participavam ativamente do seu espaço?
6°) Conseguir material iconográfico dos imóveis (objetos de estudo)
7°) Qual a função social do imóvel hoje?
8°) Quais as principais mudanças ocorridas no seu entorno?
9°) Quais os grupos sociais que hoje utilizam o imóvel?
10°) A função social do imóvel que foi projetado originalmente, permanece o mesmo nos
dias atuais?
11º) Esse imóvel faz parte da sua vida?
12º) Como ele se articula na história do Recife

II Encontro
Ensinar História 217
Segundo Pierre Nora a história, o tempo e a mudança interagem para que esses espaços possam tomar
importância para aqueles de alguma forma usam, desfrutam, ou dá sentido ao seu funcionamento, e segue enu-
merando uma série de situações materiais e imateriais que possam ser entendidas como Lugares de Memória.
Em seu texto intitulado Entre Memória e História, A Problemática dos Lugares - Nora detalha a importância
da classificação onde ele diz que: “São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e
funcional, simultaneamente, somente em graus diversos” (Nora, 1993, p.21). Desta forma, entendemos que
os objetos de estudos abordados neste artigo e para a história local do bairro de Boa Viagem tem relevância
significativa das mais variadas possibilidades colocando assim o “material, o simbólico e o funcional” de Nora
em evidência. Através deste trabalho, buscamos este sentimento de pertencimento e dar sentido a esses locais
onde os envolvidos nos mostraram das mais diversas formas essa sua entrega.
Estávamos sempre mexendo com uma memória afetiva onde as lembranças dos locais abordados em
nossas pesquisas estavam recheadas de fatos marcantes onde a cada entrevista realizada para obter as informações
necessárias, nos deparamos diante de um material que não poderia ser desperdiçado. Desde o começo do projeto,
sempre tivemos a preocupação de saber que essa produção teria que estar voltada para um produto final. Com
o material de pesquisa, faremos também produções visuais com documentários para deixarmos registrado todo
nosso trabalho com a possibilidade também da construção de um site que possa abrigar todo esse material. Usar
a memória afetiva faz com que a sensação de pertencimento e de identidade esteja presente não só em situações
individuais mas também em situações coletivas. São essas memórias que o austríaco Michael Pollak nos relata
em “Memória e Identidade Social” e nos trouxe várias reflexões sobre memória, identidade e a construção dessas
narrativas visto que as memórias também são territórios de disputas. O mesmo também não faz distinção entre
fonte oral e fonte escrita, classificando ambas em igual valor. E as fontes orais com entrevistas e depoimentos
feitos para esses locais foram fundamentais na construção de nossa pesquisa.

Existem lugares de memória, lugares particularmente ligados a uma lembrança, que pode ser
uma lembrança pessoal, mas também pode não ter apoio no tempo cronológico. Pode ser,
por exemplo, um lugar de férias na infância, que permaneceu muito forte na memória da
pessoa, muito marcante, independente da data real em que a vivência se deu. Na memória
mais pública, nos aspectos mais públicos da pessoa, pode haver lugares de apoio da memória,
que são os lugares de comemoração. (POLLAK, 1992, p. 202)

Quando iniciamos o projeto, desde as nossas primeiras reuniões estudamos o conceito de patrimônio,
quais os principais patrimônios existentes na cidade, os museus, a análise do que é patrimônio material e ima-
terial e assim, através das chamadas “Semanas de Educação Patrimonial”, construímos as informações para que
os nossos estudantes pudessem ter a base necessária para entender a importância dos objetos de estudo aqui
propostos. Sempre com o pensamento do que poderíamos fazer para a conclusão deste trabalho, numa das nossas
reuniões com os Pibidianos, surgiu a proposta lançada por Maria Eduarda na criação de um podcast e chegamos
ao consenso de lançarmos com o material das respectivas pesquisas o Lugares de Memória em Boa Viagem (título
dado por Keli Rodrigues). Segue o link: <https://open.spotify.com/show/2zm87zFukYcMbjWt4bFLUH>.
Precisamos deixar registrado aqui o empenho, esforço, realização e brilho deste projeto só pôde ser
possível com a participação efetiva e afetiva dos estagiários do PIBID História e a dedicação e engajamento dos
nossos alunos. Todos abraçaram a ideia e estamos fazendo valer a pena cada instante de forma leve e prazerosa.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Base Nacional Curricular Comum. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/abril-2018-p-
df/85121-bncc-ensino-medio/file>. Acesso em 02/10/2023.
HORTA, Maria de Lourdes P.; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Q. Guia básico de educação
patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.

II Encontro
218 Ensinar História
NORA, Pierre. Entre a memória e a história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n. 10, p.
7-28, dez. 1993.
PACHECO, Ricardo. Ensino de História e Patrimônio Cultural: Um percurso docente. São Paulo: Paco
Editorial, 2017.
PERNAMBUCO. Organizador Curricular por Bimestre: Formação Geral Básica - História. Ensino Médio.
Site da Secretaria de Educação e Esportes. Disponível em: <https://portal.educacao.pe.gov.br/wp-content/
uploads/2023/08/Organizador_Curricular_FBG_Historia.pdf > . Acesso em 27 de julho de 2023.
PIBID HISTÓRIA UFPE. Lugares de Memória em Boa Viagem. Disponível em: <https://open.spotify.com/
show/2zm87zFukYcMbjWt4bFLUH>. Acesso em 7 de setembro de 2023.
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, p. 202, 1992.
SOUZA, Giane Maria de. A cidade sob um olhar. Educação Patrimonial e Ensino Superior: Experiências para
o debate. In: TOLENTINO, Átila; BRAGA, Emanuel Oliveira (orgs.) Educação Patrimonial: práticas e diá-
logos interdisciplinares. Caderno Temático de Educação Patrimonial nº 06. João Pessoa: IPHAN-PB; Casa do
Patrimônio da Paraíba, 2017. p. 12-27.
VIANA, Iamara da Silva; MELLO, Juçara da Silva Barbosa de. Educação Patrimonial e Ensino de História.
Diálogos. Disponível em: <https://portalespiral.cp2.g12.br/index.php/encontros/article/view/327>. Acesso
em 09/10/2023.
ZARBATO, Jaqueline Aparecida Martins. Ensino de história, patrimônio cultural e currículo: reflexões sobre
ações educativas em educação patrimonial. Revista Labirinto, Porto Velho-RO, Ano XV, Vol. 22, p. 77-90, 2015.

PRODUTO FINAL

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Ensinar História 219

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