Apontamentos HDP
Apontamentos HDP
Apontamentos HDP
2020/2021
Periodificar consiste em dividir o tempo. É uma tarefa artificial, uma vez que corresponde
a uma divisão que não existe.
Periodificação:
(Posição do prof. Duarte Nogueira)
1
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Enuncia algumas características que o governante (Rei) tem de ter, como por
exemplo, “prudência” e “justiça”.
A Justiça
Existem duas conceções, sempre presentes nos textos judiciais, jurisprudenciais, etc:
2
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
O Rei tem a obrigação de fazer justiça (era a sua principal função) protegendo os
pequenos dos grandes, os pobres dos ricos.
Vindicta privada – Autorizava-se a pessoa (ou um familiar) sobre a qual tinha sido
cometido um crime a punir a pessoa que o cometeu. Em 1325, o Rei Afonso IV, condena
a vindicta privada:
[E nós vendo o que pediam e visto outrossim esta lei com os da nossa Corte havendo
conselho sobre tudo achamos que aquele costume antigo que os fidalgos diziam que lhes fora
guardado não podia ser direito costume, porque não tão somente era contra direito de deus,
mais ainda era contra direito natural, de si muito danoso aos que na nossa terra viviam, também
a eles mesmos como aos outros]
“Sete Partidas” – obra de meados do séc. XIII, do Rei Afonso X. Tem aplicação efetiva
em Portugal. Nesta obra, eram apontadas três modalidades de justiça particular:
o Justiça espiritual – aquilo que o homem deve atribuir a Deus.
o Justiça política – o que a comunidade deve a cada um dos seus membros.
o Justiça contenciosa – aplica-se às relações entre privados, ou seja, corresponde ao
que é devido entre as partes de um litígio.
3
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
S. Tomás de Aquino diz que existe uma razão de Deus, que se traduz na Lei
Eterna (identificada como a própria razão de Deus). Pode manifestar-se de duas maneiras:
o Através da Lei Divina – serve para que o homem alcance a salvação, o paraíso e
a ressurreição. Está escrita no antigo e no novo testamento;
o Através da lei inscrita por Deus no coração de todos os homens – serve para
distinguir o que está certo do que está errado (Lei natural, que é universal).
Todos entendiam que o Direito humano não podia ser contrário ao Direito natural.
Ideias de juristas romanos Ulpiano e Gaio:
“Direito natural é aquele que a natureza ensinou a todos os animais: na verdade, este
direito não é próprio do género humano, mas comum a todos os animais da terra e do mar e
também às aves.” – Ulpiano
“Todos os povos que se regem por leis e por costumes utilizam em parte o seu próprio
direito e em parte o que é comum a todos os homens; [...] aquele que a razão natural estabelece
entre todos os homens, observa-se com carácter geral por todos os povos.” – Gaio
4
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
No plano dos princípios, uma lei injusta pode ser desobedecida. “Se não é justo,
não é direito.”
1º, em alguns casos, a lei não só pode, como deve ser desobedecida, nomeadamente
quando a lei injusta põe em causa a salvação eterna (lei injusta quanto à matéria).
2º, quando penso em desobedecer, devo fazer o seguinte juízo: quais são as consequências
de obedecer e as consequências de desobedecer? O destinatário pondera e toma uma decisão.
Divisão do Códex:
o 1º volume: 9 primeiros livros;
o 2º volume: “volumen parvum” / volume pequeno, com 3 livros, as institutiones,
as novelae e outros textos.
Estas obras já existiam em Portugal, desde o séc. XII. No entanto, a sua aplicação
só ocorreu no séc. XIII.
5
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Direito canónico
O direito canónico corresponde ao direito da Igreja (conjunto de todos os
batizados). Inicialmente, seria um direito que se formou através dos textos sagrados
(antigo e novo testamento), depois, é considerado um direito consuetudinário.
A Igreja torna-se a instituição mais poderosa e vai ser um fator de unidade e de
representação política para todo o território do Império Ocidental.
Fontes de direito canónico:
o A Sagrada Escritura, a tradição e o costume (usos próprios da comunidade
eclesiástica, tendo de ter antiguidade, racionalidade e consensualidade);
6
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
A partir desta lei podemos ler “Direito” ou “direitos”, ou seja, são possíveis duas
interpretações.
Se lermos “Direito”, consideramos que, no que respeita ao direito canónico, as
leis do reino não são válidas se não respeitarem esse direito canónico. Ou seja, afirma-se
a superioridade do direito canónico face ao direito régio. Perspetiva tradicional.
Se considerarmos “direitos”, no sentido subjetivo da palavra, então, o que está
aqui é que as leis não são válidas quando não respeitam os direitos/privilégios da Igreja.
É apenas dizer que o direito régio não pode pôr em causa os privilégios/direitos da Igreja.
Segundo o prof. Braga da Cruz, aplica-se o Direito Canónico nas matérias
especiais dos privilégios da Igreja.
No conjunto da lei da cúria encontramos:
o Reconhecimento de alguns privilégios do clero e da Igreja – parte da lei X, leis
XII, XV, XVII
o Tentativa de restrição desses privilégios e até de sanções – parte da lei X, leis
XI, XIII
Lei XII (do foro eclesiástico) – Reconhece privilégios, assim como limitações dos
mesmos. Ver pág. 30.
7
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Beneplácito régio – todos os diplomas de direito canónico, para poderem circular e serem
aplicados no território, devem ter a aprovação do governante (Rei).
Nas cortes de Elvas, em 1361 (Reinado de D. Pedro I), há uma queixa do clero em
relação à existência do beneplácito régio.
Justificação para a existência do beneplácito régio – Os monarcas dizem que, no
reino, circulam vários escritos (decretos, decretais, etc) que são falsificações. Assim, o
Rei tem de proteger o direito canónico para que circule, em Portugal, apenas os diplomas
verdadeiros e autênticos. Mas aquilo que também quer é limitar a aplicação do direito
canónico em Portugal, para que predomine o direito régio.
Lei que identifica o costume como uma prática obrigatória. A lei identifica
completamente a sua origem, que é o costume.
A lei também podia proibir o costume. Ex.: lei de Afonso IV que proibia a vindicta
privada (por ser injusto); Lei III – “antigo e mau costume em Coimbra (…) revogamo-lo para
sempre.”. Há uma tentativa de impor requisitos ao costume. Ex.: ser conforme à Justiça,
antiguidade, racionalidade, etc.
8
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Uma conduta que se repete durante muito tempo é um uso. Quando se lhe junta o
“dever ser” dá origem ao costume. E do costume nasce o foro. O costume tem força de
lei e pode revogar uma lei mais antiga. Assim como a lei também pode revogar o costume
(através de um costume contrário, por “mandado do senhor e com consentimento dos da
terra”).
o Façanha
Corresponde a uma decisão exemplar, que pode servir como exemplo para casos
futuros. Ou porque a matéria julgada é um caso invulgar ou porque a solução em si é
muito exemplar. Distingue-se do estilo porque aqui não existe a prática reiterada.
o Alvidros
A palavra “alvidros” tem duas aceções:
- Corresponde aos árbitros escolhidos pelas partes para decidir os seus litígios.
Podia ser um ou mais.
- Designa as decisões dos juízes alvidros/árbitros.
“Juizes aluidros son aqueles que som feytos he elegudos a prazer das partes E podem
fazer hũu Juiz ou dous ou tres. ou mais aluidros sobre hũu preyto soo. e sobre hũua demanda ou
sobre mays”
O estilo, a façanha e os alvidros (decisões dos juízes) são tipos de direito judicial.
o Direito local
Resulta de cartas de privilégio, que criam um regime jurídico específico. O
estatuto jurídico vai regular uma determinada comunidade.
Ex.: cartas de povoação; cartas de forais (ou forais); foros municipais, estatutos
municipais ou costumes municipais.
- Cartas de povoação – contém condições atrativas para as pessoas, de modo a
povoar e cultivar uma determinada terra. Normalmente, estas terras encontram-se em
9
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
zonas perigosas (Ex.: devido a uma guerra). As cartas têm uma natureza
contratual/pactual (as pessoas aceitam as condições, que lhes são atrativas).
- Forais – exigem um mínimo de organização da comunidade. Têm várias
classificações:
Tendo em conta a complexidade do foral (pode ser rudimentar, imperfeito e
perfeito ou rural, urbano e distrital). Relacionada com o caráter originário ou não
originário do foral (há forais que são confirmados por outros forais). Pode haver forais
que foram ampliados a partir de outros. Também se classifica os forais através de quem
o concedeu (a maioria foi concedido por reis, mas também podem ser concedidos por
senhores – foral senhorial). Classificação em função da matriz – foral de Salamanca
(para o norte); foral de Santarém (para o centro); foral Ávila/Évora ou Évora/Ávila (para
o sul).
- Foros municipais – Normalmente, surgem por iniciativa da comunidade, que
reúne os vários tipos de direito que existem naquele local num único caderno. Depois,
sujeitam esse caderno à aprovação do Rei ou senhor da terra em causa (aquele que tem
jurisdição na terra). Para que exista o foro municipal é necessário que a comunidade já
tenha uma vivencia jurídica continuada. Quando isso se verifica em Portugal, o país já
tinha bastante legislação.
o Direito legislado
No séc. XII, Portugal já é independente e tem maior preocupação com a legislação.
As cúrias régias pode ter duas formações:
- Cúria régia ordinária: é o órgão onde estão todos aqueles que são da confiança
do Rei. É mais pequena e existe em todos os reinos da Península Ibérica.
- Cúria régia extraordinária ou plena: reúne-se quando o Rei entende que têm de
ser discutidas certas matérias, como a desvalorização da moeda. É composta por membros
da cúria ordinária e pelos nobres e clérigos mais importantes do Reino, que são chamados
pelo Rei. É desta cúria que nascem as cortes, em Leiria, em 1254.
O Rei via a tarefa de legislar como uma tarefa extraordinária, até que começa a
legislar sem convocar uma cúria extraordinária. Em 1211 foram feitas 30 leis. No reinado
de D. Afonso II, foram elaboradas 200 leis. Assim, verifica-se um aumento significativo
do número de leis.
10
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
o Direito prudencial
Por um lado, aplicou-se no Reino, mas por outro lado, era muitas vezes entendido como
estando acima do direito régio.
11
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Através do utrumque ius, o direito romano vai dar ao direito canónico ferramentas
técnico-jurídicas mais sofisticadas que permitem ao direito canónico um
desenvolvimento técnico. O direito canónico vai influenciar de forma valorativa o direito
romano/civil, ou seja, transmitir-lhe alguns dos seus valores.
Entre os glosadores e os comentadores, há uma Escola de transição, na qual os
seus alunos e professores ter-se-iam dedicado ao estudo da “Magna Glosa” de Acúrsio.
No final do séc. XII, Pierre de Belleperche e Jacques de Revigny começaram a
ensinar de forma diferente, com um comentário crítico aos textos.
Cino de Pistóia foi aluno de Pierre de Belleperche e espalhou os seus
ensinamentos em várias universidades italianas. Vai fundar a Escola dos Comentadores.
Na Escola dos Comentadores, faz-se uma exploração prática dos textos,
articulando os textos de direito romano justinianeu com os iura propria (direitos que se
aplicavam nos diferentes territórios). Esta articulação é a principal diferença entre a
Escola dos Glosadores e a Escola dos Comentadores.
Utilizavam a opinião de Bártolo, que foi bastante importante e contribuiu para a
transição das duas Escolas.
12
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
o Leges ou “textos”
Este elemento está ligado à gramática (no seu sentido racional, ou seja, ela é igual
em todas as línguas). Nas frases, é preciso ter uma construção racional. Há uma lógica
comum, que nos permite aprender outra língua. Ex.: Texto 5 (pp. 37-38).
No fundo, recorriam à gramática para analisar e estudar os textos.
o Rationes ou “argumentos”
Podiam utilizar todo o tipo de argumentos, que ainda hoje são utilizados para
fundamentar as nossas conclusões.
Este tipo de argumentação só pode existir porque o direito é um acontecimento
provável (que pode ser provado).
Utilizam o trivium, composto pela gramática, pela dialética (arte de bem falar) e
pela retórica (arte de persuadir ou convencer).
o Auctoritates ou “opiniões”
Constituem opiniões de quem tem um saber socialmente reconhecido (juristas,
etc). Começam a surgir opiniões divergentes e, consequentemente, critérios para trazer
segurança. A opinião comum pode ser encontrada por critérios diferentes:
- Critério quantitativo: prevalece a opinião que é defendida por um maior número
de juristas;
- Critério qualitativo: tem-se em conta as opiniões daqueles que são melhores, ou
seja, de que têm mais auctoritas;
- Critério misto: é uma tentativa de conjugar os dois critérios anteriores; a opinião
que deve vencer é aquela que tem uma maioria qualificada, ou seja, a maior quantidade
entre as melhores.
O método ars inveniendi utiliza sempre a conjugação destes três elementos para a
construção das soluções.
Primeiro, é colocado o problema (quaestio), através de uma pergunta concreta.
Podia ser respondida num contexto de sala de aula, da universidade (entre os professores),
ou aberta a toda a gente. Depois, apresentava-se as soluções possíveis, através dos textos,
dos argumentos e das opiniões, e fazia-se uma ponderação.
13
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Ordenações Afonsinas
Foram terminadas em 1446, no reinado de D. Afonso V. Depois, fez-se uma
revisão e em 1447 estavam em vigor (sendo que não há certeza desta data).
14
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
No fundo, foram utilizadas muitas fontes para criar as soluções que se aplicavam
naquele momento (meados do séc. XV).
No caso da lei, existem muitas palavras para designar a lei da altura. Quando as
fontes que não era legais (como o costume) são integradas nas ordenações, passam a ter
natureza legal/força de lei. No entanto, muitas vezes o costume ainda não é visto com lei.
Existem inúmeras referências ao direito romano e prudencial. Ex.: “disserom os
sabedores antíguos”; “Leys Imperiaaes”.
➢ Processo de compilação:
Começou dois reinados antes, no reinado de D. João I. Há um momento em que
as cortes pedem ao Rei para compilar todas as normas, ou seja, ordenar o direito, porque
havia uma grande confusão de fontes de direito.
“foi requerido algumas vezes em cortes pelos Fidalgos, e Povoos dos ditos Regnos (…)”
– Pedido dos representantes em cortes ao Rei, para se fazer a codificação. “porque achou seu
requerimento seer justo, commetteo a reformaçom, e compillaçom dellas a Johãne Meendes
Cavalleiro” – resposta do Rei.
➢ Divisão da obra:
As Ordenações estão divididas em 5 livros.
- Livro I – Regulação dos cargos públicos (podiam ser régios ou municipais). Também
se referia ao regimento da guerra.
- Livro II – Matéria eclesiástica, principalmente relações entre a coroa e a Igreja; direitos
reais (direitos do rei); jurisdição dos donatários (aqueles que recebem terras do rei);
privilégios da nobreza; regras que se aplicam às minorias religiosas (muçulmanos e
judeus).
- Livro III – Regras de processo civil.
- Livro IV – Direito civil (ex.: contratos, obrigações, família, sucessões ...).
- Livro V – Direito penal e direito processual penal.
Estas designações são atuais, não eram utilizadas na altura. Estas matérias vão
manter-se +/- as mesmas nas três ordenações (Manuelinas e Filipinas).
A organização das ordenações não é cronológica. Há uma divisão em títulos, para
além da divisão em livros.
16
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
O humanismo jurídico tem uma presença na península ibérica e começa uma nova
via – da segunda escolástica.
Na segunda escolástica começou a estudar-se o direito internacional público, que
resolvia conflitos entre povos. Também estudavam a origem do direito político,
nomeadamente o pensamento de S. Tomás de Aquino.
1ª Corrente, dominicana – Francisco de Vitoria e Domingo de Soto.
Viveram e estudaram em Salamanca (Espanha). Enviavam cartas, através dos
missionários, para Portugal, dando a conhecer o que se passava na colonização espanhola.
Também se preocupavam com o problema da reforma protestante e as guerras e conflitos.
17
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Ordenações Manuelinas
Começaram em 1505, no reinado de D. Manuel, um tempo de reforma, ao qual o
Rei D. Manuel quis ficar associado.
Os principais autores foram Rui Boto e João Cremona.
Em 1512/13 está concluída a 1ª versão das Ordenações. Em 1514 sai uma nova
edição, muito parecida. A última edição é de 1521.
Tem 5 livros, com as mesmas matérias das Ordenações Afonsinas, apenas com
algumas alterações. Passa a ter o estilo decretório em todos os livros. Entre as ordenações
há uma grande diferença na forma de redigir.
18
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Quando não houver solução através de nenhuma destas fontes, aplica-se o direito
romano, exceto quando dessa aplicação resulte pecado. Nesse caso, aplica-se direito
canónico. (É um texto mais simples e rigoroso, em relação ao texto das Ordenações
Afonsinas.)
A Glosa de Acúrsio aplica-se apenas quando não é reprovada pela opinião comum
dos juristas/ “Doutores”. Se ainda assim não houver solução, recorre-se à opinião de
Bártolo, salvo se a opinião comum dos juristas / “Doutores” não lhe for contrária. Ou
seja, passa a haver um “filtro” na aplicação da Glosa e da opinião. Pode ser uma influência
do Humanismo jurídico.
O restante texto é semelhante.
Ordenações Filipinas
As Ordenações Filipinas são aprovadas em 1595, por D. Filipe I, de Portugal. No
entanto, só entram em vigor em 1603, no reinado de D. Filipe II, de Portugal.
São confirmadas pela Lei de 29 de janeiro de 1643 (D. João IV), depois da
restauração da independência, dizendo que se tinha de fazer uma reforma, que nunca
aconteceu.
Compiladores: Jorge de Cabedo; Afonso Vaz Tenreiro; Duarte Nunes de Leão.
Mantém-se a sistematização das Ordenações Manuelinas, assim como o conteúdo.
Há, sim, uma mudança de sítio de livros.
O título V do livro II (matéria das fontes) passa para o livro III (direito processual
civil), porque entendeu-se que era uma matéria mais técnica.
Estas Ordenações continham muitos erros e lacunas, às quais se deu o nome de
“filipismos”.
Vigoraram, em Portugal, até ao Séc. XIX (quando foram revogadas pela
Constituição de 1822) e no Brasil, até ao séc. XX.
19
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
o Estilos
Houve uma tentativa de determinar os estilos e de os uniformizar. Queriam ter a
certeza dos estilos que estavam em vigorar, que deveriam ser só os da Casa da Suplicação.
o Costume
Refere-se ao costume antigo. Há uma produção doutrinal imensa sobre o costume,
sendo que o prazo mais seguido para a determinação de costume antigo era de 10
anos.
Continua a ser uma fonte muito importante (principalmente a nível local), mas que
a lei e a doutrina tentam limitar e impor requisitos.
o Direito canónico
O direito canónico também é uma fonte importante. O Concílio de Trento vai
emitir muitos decretos sobre um enorme número de matérias, principalmente contra as
reformas protestantes. Também há uma tentativa de reforma interna. Esteve reunido entre
1545-1548; 1551-1552; 1562-1563.
o Direito romano
20
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
o Forais
Não estão referidos nas Ordenações.
No reinado de D. Afonso V, há uma tentativa de reforma dos forais quando há
queixas da sua desatualização.
Nas cortes de 1481/82 (reinado de D. João II) fazem uma nova queixa e o rei
ordena que lhe sejam enviados todos os forais. Contudo, a reforma não teve lugar nessa
altura, mas sim no reinado de D. Manuel I.
Por carta régia, o rei ordena que todos os forais fossem revistos. Em 1520 essa
reforma está concluída e são devolvidos 589 forais às populações.
Esta reforma foi, também, um pretexto para retirar autonomia aos concelhos. Há
a intervenção régia que quer uma uniformização. São chamados os “forais novos”. Todos
os que foram concedidos depois de 1520 – forais novíssimos.
➢ Humanitarismo jurídico
Vai surgir já no séc. XVIII. Defende uma profunda reforma no direito penal e
processual penal.
Os principais autores foram: Voltaire; Marquês de Beccaria; Filangieri.
Defendiam a supressão dos crimes de natureza religiosa, a finalidade
essencialmente preventiva das penas, a ideia da reabilitação de quem é condenado a uma
pena, proporcionalidade entre os crimes e as suas penas, eliminação das penas corporais,
infâmias e transmissíveis e alguns defendiam a abolição das penas de morte.
Defendiam, também, que o direito penal tinha de ter uma lei prévia, estrita e
certa/determinada.
Esta lei vai regular a matéria dos assentos e a matéria das fontes de direito das
Ordenações (fazendo queixas e críticas), alterando profundamente o sistema de fontes.
Altera o conteúdo do título LXIV (64) do livro III das Ordenações Filipinas (equivale ao
título V do livro II das Ordenações Manuelinas).
O principal objetivo é regular a matéria das interpretações abusivas.
o Parágrafos 1 a 8:
Previam matéria sobre os assentos (servem para regular as interpretações da lei),
que estava prevista nas ordenações Manuelinas e Filipinas.
Estipulava como é que os assentos deviam ser regulados e aplicados e estabelecia
que estes tinham exatamente o mesmo valor das leis régias (caráter vinculativo, geral e
abstrato). O seu objetivo era interpretar as leis régias, reforçando o papel dos assentos
interpretativos.
Denuncia uma prática abusiva – outras entidades, como o Tribunal da Relação do
Porto, Bahia, Rio de Janeiro e India, para além da Casa da Suplicação (o mais alto
Tribunal do Reino), emitiam assentos interpretativos. Era uma prática contra legem
porque as Ordenações não o permitiam.
o Parágrafos 9, 10 e 11
Referem-se ao direito romano, nomeadamente ao seu uso, que não era respeitado
nas Ordenações. Utilizavam as leis romanas para interpretar erradamente o direito pátrio.
Para evitar estes abusos, a Lei da Boa Razão atacou o prestígio e a autoridade do
direito romano.
A “boa razão” referida muitas vezes no texto, pretendia salientar que o direito
romano apenas se aplicava quando era conforme à boa razão.
Verifica-se a introdução de uma nova fonte de direito subsidiário, que passa a
ser a única – Leis das Nações Cristãs, “iluminadas e polidas”.
Nas matérias políticas, económicas, comerciais ou marítimas, se não houver
direito pátrio, aplica-se estas leis. Era preferível utilizar esta lei em vez do direito romano,
que estava desatualizado. O legislador muda o critério anterior.
Proíbe a interpretação da lei segundo o direito romano (interpretação restritivas
ou extensivas), porque punha em causa a segurança jurídica. No entanto, há uma exceção:
as interpretações podiam ser utilizadas quando se deduzem do espírito das leis régias.
o Parágrafos 12 e 13:
Abordava os abusos na aplicação do direito canónico. Usavam o critério do
pecado para afastar o direito régio – prática abusiva. O direito canónico já não pode
aplicar-se nos tribunais régios e civis. Apenas nos Tribunais eclesiásticos.
23
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
24
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
25
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Monismo (1820-atualidade)
Por influência das revoluções liberais francesas, aparece em Portugal o Estado
representativo, que tem como valores fundamentais a garantia da liberdade, da
igualdade perante a lei, da segurança e da propriedade. Estes valores são muito
visíveis nos novos textos constitucionais, nomeadamente na Constituição de 1822 e na
Carta Constitucional de 1826.
A Constituição de 1838 (era uma “mistura” da CRP de 1822 e da Carta de 1826)
teve uma duração breve. Em 1842, volta a vigorar a Carta de 1826, até 1910.
Com a CRP de 1822 verificou-se a destruição da estrutura do antigo regime,
nomeadamente através da abolição de privilégios, de penas diferenciadas que tinham em
conta o estatuo social, etc. Esta Constituição revogou alguma legislação, nomeadamente
das Ordenações.
26
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
A codificação
Há uma pré-codificação doutrinária, que inclui as obras dos juristas portugueses
da 1º metade do séc. XIX que prepararam os códigos (Correia Teles, Borges Carneiro,
Coelho da Rocha).
Características da codificação:
o Sistemática, sintética e científica;
o Presença do jusracionalismo;
o Legitimidade acrescida da lei, que agora é a expressão da própria vontade popular.
É muito mais difícil para os juristas pôr em causa a vontade do povo.
o Texto simples e acessível a todos.
A Escola da Exegese, que surgiu no séc. XIX, em França, terá influência em
Portugal, ainda antes da existência dos Códigos.
Há um autêntico caos legislativo. Coelho da Rocha vai substituir as Instituições
do Direito Civil de Mello Freire pelas suas.
As primeiras alterações são as que resultam dos novos textos constitucionais,
sendo que a primeira verdadeira codificação em Portugal é a CRP de 1822.
Assim, verifica-se uma dificuldade em fazer uma codificação, num tempo curto.
o Decreto de 1832 – centralizador.
o 1º Código Administrativo, de 1836 – descentralizador.
o Código de 1842, de Costa Cabral – centralizador. Em vigor até 1878.
o Código de 1878, de Rodrigues Sampaio – descentralizador.
o Código de 1886, de Luciano Castro – centralizador.
o Código de 1896 – centralizador. Vigora até ao Código Administrativo de 1936.
➢ Direito Penal
A área do direito penal também sofreu modificações, primeiramente, pelos textos
constitucionais, muito próximos dos princípios atuais.
27
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
A comissão de 1845, é nomeada para fazer o Código Penal e o Código Civil, sendo
que este não fez. O Código Penal de 1852 foi muito criticado, sobretudo, pelo penalista
Levy Maria Jordão. Estas críticas fazem com que seja nomeada uma nova comissão, que
elabora um novo projeto, que acabou por não vigorar.
A grande transformação dá-se com a reforma penal e das prisões, de 1867.
Introduziu alterações na forma de concluir as penas, assim como a abolição da pena de
morte, para os crimes civis (a pena de morte para os crimes políticos já tinha sido abolida
em 1852).
Em 1884, faz-se outra reforma e o novo Código Penal surge em 1886. Em alguns
aspetos reproduz o Código de 1852, mas noutros aspetos, vai similar as anteriores
reformas. Vigorou praticamente 100 anos, até 1982, quando entra em vigor o 3º Código
Penal.
➢ Direito privado
Primeiro, surgiu o Código Comercial de 1833, de Ferreira Borges. Era uma
matéria que não estava tão sujeita à pressão do ensino anterior do direito civil (esteve
sempre à parte das restantes áreas). Para além disso, era uma área que interessava muito
a quem tinha feito a revolução liberal – burguesia comercial.
Foi revogado pelo Código Comercial de 1888, de Veiga Beirão. É bastante
diferente do código anterior. Ainda estão em vigor 275 artigos, sendo que com muitas
alterações.
O Código Civil de 1867, de Seabra, foi aprovado pela Carta de Lei de 1 de julho
de 1867, tendo entrado em vigor no ano seguinte. Foi fortemente influenciado pelo
modelo francês de 1804.
Verifica-se uma inovação na sistemática. Pretendia que a lei tivesse uma
autoridade mínima no campo da liberdade contratual (contexto das corporações de
ofícios, que impunham inúmeros limites) – influência do liberalismo. No entanto, não
existe igualdade material entre as pessoas.
O seu artigo 16º equivale/é semelhante ao atual art. 10º e distancia-se muito mais
do texto das Ordenações. Tem a seguinte redação:
“Se as questões sobre direitos e obrigações não poderem ser resolvidas, nem pelo texto
da lei, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos, prevenidos em outras leis, serão decididas
pelos princípios de direito natural, conforme as circunstâncias do caso.”
28
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
“direitos naturais” sãos aqueles que o próprio direito natural garante a todos os
indivíduos. O art. 359º enumera estes direitos:
“Dizem-se direitos os que resultam da propria natureza do homem, e que a lei civil
reconhece, e protege como fonte e origem de todos os outros. Estes direitos são: 1º O direito de
existência; 2º O direito de liberdade; 3º O direito de associação; 4º O direito de apropriação; 5º O
direito de defesa.”
Há muitos artigos do Código Civil que são um espelho dos textos constitucionais.
Ex.: Art. 7º - “A lei civil é igual para todos, e não faz distinção de pessoas, nem de sexo,
salvo nos casos que forem especificamente declarados.”.
29
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
Modernismo jurídico
As Escolas de Direito Livre ou do Modernismo jurídico surgem no início do séc.
XX e vão contestar o afastamento entre o direito construído pelo legislador e a vida real.
No funco, afirmam que o direito está afastado da vida real.
Opõem-se à Escola Histórica e à Escola da Exegese.
Surgem num contexto de mudanças profundas, em que há inúmeras críticas às
ideias iluministas e liberalistas do séc. XVIII, assim como à nova vida industrial e os seus
problemas.
Tem duas vertentes:
➢ Escola do Direito Livre
Valoriza a solução justa e adequada ao caso concreto. Admite uma interpretação
corretiva, embora excecional.
30
Beatriz Ventura, TB
2020/2021
31