Improb I Dade Estrategia
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constitucional expresso (CF, art. 37, caput). Assim, a exigência de uma atuação moral se relaciona com o
dever de probidade, ética e honestidade da Administração Pública.
Nesse sentido, a Constituição da República se referiu à improbidade administrativa como forma de violação
à moralidade administrativa, incluindo diversos dispositivos sobre o tema.
No art. 15, V, da Constituição, a improbidade administrativa é tratada como forma de suspensão dos
direitos políticos: “é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos
de: [...] V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º”. O art. 85, V, dispõe que são crimes
de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e,
especialmente, contra a probidade na administração; enquanto o art. 14, § 9º, trata a proteção da
probidade administrativa como um dos parâmetros para definição dos casos de inelegibilidade. Por fim, o
art. 97, § 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT prevê que o chefe do Poder
Executivo responderá na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa
no caso de não liberação tempestiva dos recursos para o pagamento de precatórios.
Nesse contexto, a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) define os sujeitos ativo e
passivo do ato de improbidade (arts. 1º ao 3º); o próprio ato de improbidade (arts. 9ª ao 11º); as sanções
cabíveis (art. 12); e as normas da ação judicial em decorrência da prática do ato de improbidade (art. 17).
A Lei 8.429/1992 e as suas alterações, especialmente a Lei 14.230/2021, foram editadas pela União. Porém,
não existe previsão constitucional expressa outorgando à União a competência para legislar sobre
improbidade.
Porém, a Lei de Improbidade versa sobre assuntos de diversas naturezas, todos (ou basicamente todos)
enquadrados como competência legislativa privativa da União, na forma do art. 22 da Constituição
Federal, vejamos:
a) a suspensão dos direitos políticos é tema relacionado ao direito eleitoral (art. 22, I) e à cidadania (art.
22, XIII);
b) há disposições sobre direito civil (art. 22, I), como a recomposição patrimonial do dano
(ressarcimento ao erário);
c) as penalidades inserem-se no âmbito penal, em um sentido amplo do regime punitivo de infrações
contra o Estado, logo também se trata de competência legislativa da União (art. 22, I);1
d) envolve também a tramitação no âmbito judicial, motivo pelo qual trata de direito processual, que
também é matéria de competência da União (art. 22, I).
Por isso, a Lei 8.429/1992 é norma de âmbito nacional, ou seja, é uma lei editada pela União, mas com
aplicação em todos os entes da Federação. Dessa forma, a Lei de Improbidade Administrativa alcança a
União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Por outro lado, há dúvidas se haveria competência legislativa dos demais entes federados para elaborar
normas específicas, aplicáveis exclusivamente ao seu âmbito de atuação. Marçal Justen Filho entende que
inexiste competência normativa das demais órbitas federativas, uma vez que as normas editadas pela
União são exaustivas.2
Nesse aspecto, entretanto, preferimos a posição de José dos Santos Carvalho Filho, que entende que os
estados e o Distrito Federal podem legislar suplementarmente sobre procedimentos em matéria
1 Cumpre adiantar que o ato de improbidade, por si só, não é crime, não se tratando de matéria de direito penal em sentido
estrito. Nesse caso, o termo “penal” está sendo adotado em sentido amplo, para abranger o regime punitivo das infrações
contra o Estado (Justen Filho, 2021).
2 Justen Filho, 2021.
processual, desde que observem as normas gerais editadas pela União (CF, art. 24, XI e § 2º). O referido
autor também defende que, em casos específicos, haverá competência legislativa concorrente para todos
os entes da Federação, citando como exemplo: as regras sobre a declaração de bens (LIA, art. 13); o
processamento administrativo para apuração dos fatos, por se tratar de processo administrativo (LIA, art.
14, § 3º); o direito de representação à autoridade competente para apurar a prática do ato de improbidade,
pois se trata de direito de petição previsto no art. 5º, XXXIV, “a”, da CF (LIA, art. 14, caput).3
a) a Lei 8.429/1992 é lei nacional, aplicável a todos os entes da Federação, cuja competência legislativa
é privativa da União (CF, art. 22, I e XIII);
b) apesar de divergência na doutrina, consideramos que:
i). os procedimentos em matéria processual admitem a legislação suplementar dos estados e do
DF (CF, art. 24, XI e § 2º);
ii). as matérias de processo administrativo, declaração de bens e de representação admitem a
legislação concorrente, de todos os entes da Federação.
Genericamente falando, podemos conceituar o ato de improbidade administrativa como uma conduta
dolosa desonesta e imoral com a coisa pública. Na verdade, esse é um conceito inicial, que vamos utilizar
apenas para fins didáticos.
Porém, não há um conceito único e suficiente de improbidade desassociado de previsão legal. Por isso, já
vamos ressaltar que a Lei de Improbidade apresenta um conceito legal, dispondo que “consideram-se atos
de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas4 nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados
tipos previstos em leis especiais”. Portanto, pelo conceito constante na Lei 8.429/1992, os atos de
improbidade são aqueles previstos na própria Lei de Improbidade ou em outras leis, conforme vamos
estudar adiante.
Mas voltando ao nosso conceito inicial, entenda por coisa pública não só o patrimônio público, mas também
os princípios e valores protegidos pela legislação de improbidade.
Nesse sentido, a Lei de Improbidade dispõe que os atos de improbidade violam a probidade na
organização do Estado e no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social (art.
1º, caput).
Trata-se, ademais, de um ilícito de natureza civil e política. Assim, as consequências e sanções decorrentes
dos atos de improbidade poderão ter natureza civil, como o ressarcimento ao erário e a multa, ou política,
como a suspensão dos direitos políticos.
Além disso, não podemos confundir atos de improbidade com crimes. De acordo com o já citado art. 37,
§ 4º da Constituição Federal, os atos de improbidade administrativa importarão: (a) a suspensão dos
direitos políticos; (b) a perda da função pública; (c) a indisponibilidade dos bens; e (d) o ressarcimento ao
erário, “sem prejuízo da ação penal cabível”.
Portanto, a natureza da ação não é penal, ou seja, os atos de improbidade não são, por si sós, crimes.
Entretanto, é possível que uma mesma conduta esteja prevista simultaneamente na Lei de Improbidade e
na legislação penal. Vejamos dois exemplos:
1) “realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares” é um ato de
improbidade administrativa, na forma do art. 10, VI, da LIA. Essa mesma conduta, porém, não consta
na legislação penal. Logo, é um ato de improbidade, mas não é um crime;
2) dispensar indevidamente a licitação, acarretando perda patrimonial efetiva, é ato de improbidade,
nos termos do art. 10, VI, da LIA. Ademais, a mesma conduta poderá ser enquadrada no art. 337-E do
Código Penal: “Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em
lei”. Nesse caso, será um ato de improbidade e um crime, pois está previsto nas duas normas.
Assim, o ensinamento que você deverá guardar é: o ato de improbidade não é, em si, um crime; mas a
mesma conduta poderá constar na Lei de Improbidade (por isso, será um ato de improbidade) e na
Legislação Penal (e, por isso, será também um crime). Nesse caso, o agente poderá sofrer duas ações
independentes: a ação penal e a ação de improbidade. Mas vamos deixar para falar sobre isso mais adiante,
no capítulo sobre a independências das instâncias e as suas exceções.
Com efeito, devemos notar que as sanções por atos de improbidade não são aplicadas na esfera
administrativa. Vale dizer: as sanções são aplicadas no âmbito judicial, em processo próprio, instaurado
por iniciativa do Ministério Público ou da pessoa jurídica interessada.
Dessa forma, ainda que a sanção possa ter repercussão na esfera administrativa (como ocorre com a perda
da função pública, com a proibição de contratar com o Poder Público e com a proibição de receber do Poder
Público benefícios fiscais ou creditícios), a sanção em si é aplicada no âmbito judicial.
Ademais, o “ato” de improbidade poderá se manifestar por ações ou omissões, como ocorre, por exemplo,
quando o agente público “deixa de prestar contas” com vistas a ocultar irregularidades (omissão) (art. 11,
VI).
Por fim, atualmente, os atos de improbidade somente podem ser manifestar de forma dolosa, ou seja, com
a intenção. Dada a particularidade desse caso, vamos deixar um capítulo específico para explicar melhor.
a) uma ação ou omissão, dolosa, desonesta e imoral com a coisa pública, que ofende:
(i). a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções; e
(ii). a integridade do patrimônio público e social;
b) cujo ilícito tem natureza civil e política, não constituindo, por si só, crime;
c) sendo que o seu processamento é realizado pelo Poder Judiciário, em ação própria, apresentada
pelos órgãos com legitimidade para isso.
Conceito de ato
de improbidade Natureza do ilícito Política
Lei de Improbidade
Conceito legal Condutas tipificadas na
Em legislação especial
Há bastante debate doutrinário sobre os conceitos de ilegalidade, imoralidade e improbidade. De nossa
parte, desde já, fica a ressalva de que os avaliadores de concursos públicos não deveriam entrar nesse
embate, justamente porque não podemos dizer que o autor X ou Y está certo, em detrimento dos
demais.
De qualquer forma, é interessante observar que a ilegalidade é o descumprimento do ordenamento
jurídico. Assim, o ato ilegal é aquele praticado em desconformidade com alguma norma jurídica. Nesse
caso, entenda a ilegalidade como um gênero, que poderá comportar diversas espécies, sendo uma
dessas a improbidade. Por isso, podemos afirmar que a ilegalidade é mais ampla que a improbidade. De
outra forma, podemos dizer que todo ato de improbidade é um ato ilícito, mas nem toda ilegalidade é
um ato de improbidade.
Por exemplo: se um agente público, conduzindo um veículo oficial, atingir um veículo de terceiro,
mediante ação culposa, haverá uma ilicitude. Afinal, não é lícito ao Estado danificar o patrimônio alheio,
muito menos mediante negligência de seu agente público. Essa conduta, porém, não será um ato de
improbidade administrativa.
O próprio STJ já ressaltou que a improbidade é uma ilegalidade qualificada, ou seja, uma ilegalidade
causada por impulsos de desonestidade, malícia ou dolo.5
Por outro lado, a relação entre a imoralidade e a improbidade desperta bastante divergência doutrinária.
Por exemplo: enquanto Justen Filho (2021) entende que a imoralidade é mais ampla que a improbidade,
Maria Di Pietro defende justamente o contrário, afirmando que a improbidade teria um conceito mais
amplo do que a imoralidade (Di Pietro, 2020).
Na verdade, o posicionamento dos dois autores depende muito do ponto de vista, mas como foge ao
objetivo deste trabalho, vamos nos limitar a afirmar que há divergência na doutrina, motivo pelo qual
não podemos afirmar que A ou B está certo.
Atualmente, porém, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, os conceitos de imoralidade
e de improbidade são mais próximos. Isso porque a Lei 14.230/2021 passou a exigir dolo na ação do
agente, ou seja, a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito. Dessa forma, é quase
impossível imaginar que a conduta do agente público, além de ilícita e desonesta, não seja também
imoral, já que a sua conduta ilícita estará impregnada de dolo, de intenção, de vontade de alcançar um
resultado ilícito.
De qualquer forma, voltando agora para o conceito de improbidade, já comentamos acima que o nosso
conceito foi utilizado apenas para fins didáticos, uma vez que não existe um conceito único e universal
capaz de esgotar o que seria um ato de improbidade. Por isso, na verdade, os atos de improbidade são
aqueles assim definidos na legislação, especialmente na Lei de Improbidade Administrativa. Dessa forma,
a LIA estabeleceu três espécies de atos considerados como de improbidade administrativa:
5REsp, 1.416.313, julgada em 26/11/2013. Obs.: nesta oportunidade, o STJ mencionou que o ato de improbidade deveria
ter dolo ou culpa grave. Contudo, atualmente, o conceito legal do ato de improbidade somente admite a conduta dolosa.
a) os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º);
b) os que causam prejuízo ao erário (art. 10);
c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).
Ademais, o próprio art. 1º define que são atos de improbidade as “condutas tipificadas nos arts. 9º, 10 e
11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais”. Logo, também é possível que outras leis
definam atos de improbidade. Como exemplo podemos citar o 52 da Lei 10.527/2001 (Estatuto da Cidade),
que define alguns casos específicos de improbidade que podem ser cometidos por prefeitos municipais.
Vimos acima que, agora, o ato de improbidade depende da ocorrência de dolo. Vamos entender melhor
isso.
Uma das mudanças mais importantes da reforma que a Lei de Improbidade passou em virtude da Lei
14.230/2021 foi a exigência de dolo para todas as espécies de atos de improbidade. Antigamente, admitia-
se o ato de improbidade na forma culposa, no caso de ato que causava lesão ao erário. As demais espécies
somente se configuravam com o dolo. Agora, todas as espécies exigem a forma dolosa.
Todavia, a mudança não para por aí. O próprio conceito de dolo passou a ser definido na Lei de
Improbidade, nos seguintes termos:
Assim, o dolo se configura quando o agente tem consciência de que a sua conduta é antijurídica, mas a
exerce voluntariamente, com o objetivo de alcançar um resultado ilícito. Portanto, além da intenção, o
desejo por um resultado ilícito também será necessário. Dessa forma, a mera voluntariedade não é
suficiente para configurar o dolo.
Vamos explicar melhor! A Lei 14.133/2021 exige, em regra, a realização de licitação. Agora, imagine que
um agente público, mesmo ciente do dever de licitar, resolva contratar diretamente, ou seja, contratar sem
licitação. Há intenção, ou seja, voluntariedade do agente público. Porém, imagine que este agente não
tinha qualquer intenção com a contratação sem licitação, ou seja, ele não praticou o ato com o propósito
de alcançar algum resultado (por exemplo: não tinha a intenção de causar prejuízo ao erário ou de se
enriquecer ilicitamente). Nesse caso, não estará configurado o dolo da Lei de Improbidade. Por outro lado,
se ele dispensar a licitação, com o objetivo de alcançar um resultado específico, como a obtenção de
vantagem econômica, o favorecimento da empresa de um amigo, a lesão ao erário; nesse caso, aí sim
haverá ato de improbidade.
Portanto, repita-se, o dolo ocorre quando há vontade livre e consciente, além do desejo de alcançar um
resultado ilícito específico, não bastando a mera voluntariedade.
Com efeito, essa modalidade de dolo é denominada dolo específico. Dessa forma, a mudança promovida
na Lei de Improbidade não se resume apenas na exigência do dolo para todas as espécies de atos de
improbidade. A própria modalidade de dolo também foi “alterada”. Antes da reforma da Lei de
Improbidade, admitia-se o denominado dolo genérico, ou seja, a intenção de cometer o ato ilícito, mas sem
um fim específico. Isso não constava de forma expressa na Lei 8.429/1992, mas era admitido na
jurisprudência do STJ.6 Todavia, agora a legislação expressamente exige um propósito específico, de tal
forma que o dolo deverá ser específico.
Ainda nessa batida, é interessante adiantar que as descrições de algumas condutas da Lei de Improbidade
foram alteradas, em virtude da exigência do dolo. Isso porque, com a mudança, não mais são admitidas
condutas culposas, como aquelas que permitiam as condutas “negligentes”. Por exemplo, o art. 10, X,
capitulava como improbidade “agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no
que diz respeito à conservação do patrimônio público”. Agora, a conduta passa a ser “agir ilicitamente na
arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”.
Mudanças equivalentes ocorreram nos incisos XIX e XX desse mesmo art. 10.
Ademais, com a exclusão da forma culposa, não mais se admite um ato praticado com negligência,
imprudência ou imperícia, que são formas de manifestação da conduta culposa.
Por fim, a Lei de Improbidade afirma que o mero exercício da função ou desempenho de competências
públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de
improbidade administrativa (art. 1º, § 3º). Essa afirmação, por si, é desnecessária, uma vez que a ausência
do dolo com o fim ilícito não configura ato de improbidade, motivo pelo qual já não haveria
responsabilidade. De certo, a afirmação, nesse caso, ocorre para afastar qualquer possibilidade de
responsabilização de alguém por conduta que não seja dolosa com o fim ilícito.
Livre
Vontade Consciente
Dolo na LIA
Destinada a alcançar o resultado ilícito
Não basta a mera voluntariedade
Agora que entendemos melhor o conceito do ato de improbidade, vamos começar a analisar todos os
aspectos da Lei 8.429/1992.7
6Diversos julgados do STJ consolidavam esse entendimento, tanto que o entendimento constou na publicação da Edição
nº 40 da Jurisprudência em Teses do STJ. Na ocasião, foi publicada a seguinte tese: “o ato de improbidade administrativa
previsto no art. 11 da Lei n. 8.429/92 não requer a demonstração de dano ao erário ou de enriquecimento ilícito, mas exige
a demonstração de dolo, o qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico”. Entretanto, com
a reforma da Lei 14.230/2021, não há mais como se admitir o dolo genérico.
7Nesta aula, quando falarmos em “Lei”, com inicial em letra maiúscula, ou quando mencionarmos diretamente um artigo,
sem especificar a lei, considere que estamos falando da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). No mesmo
sentido, adotaremos a expressão LIA para nos referir à Lei de Improbidade Administrativa.
A divergência interpretativa de lei
Para explicar esse caso, vamos imaginar uma situação. Vamos considerar a controvérsia sobre o alcance da
pena de suspensão temporária e de declaração de inidoneidade da antiga Lei de Licitações (Lei
8.666/1993).8 O TCU entendia que havia uma hierarquia no alcance dessas penalidades, aplicando-se a
suspensão temporária somente ao órgão ou à entidade que aplicou a sanção; enquanto a declaração de
inidoneidade produziria efeitos em toda a administração pública. O STJ, por outro lado, entendia que as
duas sanções possuíam um alcance amplo, impedindo a participação em licitações em toda a administração
pública. Suponha que uma autoridade pública adotou o posicionamento do TCU e, por isso, permitiu que a
empresa Dilapidando o Erário S.A., que sofreu a sanção de suspensão temporária em outro ente,
participasse de licitação. Vamos imaginar que o TCU resolveu rever o seu posicionamento, dando um
alcance amplo para a suspensão temporária (lembrando que isso é só uma hipótese).
Nesse caso, a administração adotou um posicionamento, mas depois a interpretação adotada deixou de
prevalecer na decisão do órgão de controle (o TCU).
Essa mudança de interpretação não poderá ser usada para enquadrar a conduta do agente público como
ato de improbidade.
Na verdade, isso nem seria possível, já que haveria a necessidade de praticar o ato com dolo e com o
objetivo de alcançar um fim ilícito e, certamente, tais elementos não estariam presentes no caso de adoção
de uma interpretação razoável de norma jurídica, ainda que esse posicionamento depois não prevaleça.
(TCDF) O ato de improbidade, que, em si, não constitui crime, caracteriza-se como um ilícito de natureza
civil e política.
Comentários:
O art. 37, § 4º, da LIA determina que as penalidades decorrentes dos atos de improbidade administrativa
devem ser aplicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”. Portanto, a ação e suas penalidades não
possuem natureza penal.
8 Cumpre alertar que a Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) inovou nesse tema. Agora, há o impedimento de licitar
(aplicável apenas ao ente sancionador) e a declaração de inidoneidade (aplicável a todos os entes da Federação) (Lei
14.133/2021, art. 156, §§ 4º e 5º).
De acordo com Maria Di Pietro, o ato de improbidade administrativa caracteriza um ilícito de natureza civil
e política, uma vez que pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário. Dessa forma, o item está correto.
(MJ) Um ato de improbidade administrativa praticado por servidor público não pode ser
simultaneamente enquadrado como um ilícito administrativo, o que exime a autoridade competente de
instaurar qualquer procedimento para apuração de responsabilidade de natureza disciplinar.
Comentários:
As instâncias são independentes. Logo, um ato de improbidade administrativa também poderá ser
enquadrado nas esferas administrativa e penal. Por exemplo, um servidor público federal que dispensar
licitação fora das hipóteses previstas em lei poderá ser responsabilizado na esfera penal (CP, art. 337-E); na
esfera administrativa (Lei 8.112/1990, art. 132, I e IV); e por ato de improbidade administrativa – esfera
civil (Lei 8.429/1992, art. 10, VIII).
Logo, o servidor público poderá ser enquadrado simultaneamente pelo ilícito administrativo. E sendo assim
a questão está incorreta.
Dessa forma, a ação de improbidade deverá observar diversos princípios, como o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa e o princípio da legalidade. Outros princípios também podem ser aplicados,
como a segurança jurídica, a razoabilidade e a proporcionalidade, a individualidade da pena, etc.
Esse tema já é fruto de bastante debate na doutrina, inclusive sobre as consequências de sua previsão
literal no art. 1º, § 4º.
Provavelmente, o principal debate a partir desse princípio foi sobre a (ir)retroatividade da reforma da Lei
de Improbidade promovida pela Lei 14.230/2021. Sobre este tema, o STF fixou a seguinte tese de
repercussão geral no julgamento do RE
[ARE 843.989 (Tema 1.199). Rel. Min. Alexandre de Moraes. Julg. em 18/8/2022].
Vamos analisar cada um dos itens do julgado. O primeiro item apenas confirmou que é constitucional exigir
apenas o dolo para a configuração do ato de improbidade.
O segundo item, por sua vez, definiu que a reforma da Lei de Improbidade NÃO RETROAGE para beneficiar
réus já condenados, em ação de improbidade por ato culposo que já transitou em julgado.
Para o STF, O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF/1988, art. 5º, XL) não tem aplicação
automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de
expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da
Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e
enfraquecimento do direito administrativo sancionador.
Tal princípio baseia-se em particularidades do direito penal, o qual está vinculado à liberdade do criminoso,
fundamento inexistente no direito administrativo sancionador. Logo, o princípio da retroatividade da lei
penal mais benéfica é exceção e, assim, deve ser interpretada restritivamente, prestigiando-se a regra
geral da irretroatividade da lei e a preservação dos atos jurídicos perfeitos, especialmente porque, no
âmbito da jurisdição civi, prevalece o princípio tempus regit actum.9
Por exemplo: Jorge é prefeito municipal e foi condenado, em ação transitada em julgado, por ato de
improbidade, consistente em dano ao erário culposo. Na condenação, os direitos políticos de Jorge ficaram
suspensos pelo prazo de cinco anos. Após a condenação, Jorge solicitou ao seu advogado o ingresso de ação
rescisória, para desconstituir a sua condenação, argumentando a aplicação retroativa da lei mais benéfica.
Questiona-se: a ação rescisória deverá ser provida? Resposta: NÃO! Nesse caso, não haverá aplicação
retroativa da reforma da LIA, uma vez que a ação de improbidade goza de natureza civil e não penal.
Logo, ainda que o ato não seja mais punível na reforma da LIA, Jorge terá que cumprir as sanções impostas,
pois a decisão já transitou em julgado.
O terceiro tópico trata da retroatividade da reforma da Lei de Improbidade em relação aos atos culposas
que ainda não transitaram em julgado. Para o STF, a Lei 14.230/2021 se aplica (retroage) aos atos de
improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei 8.429/1992, desde que não exista
condenação transitada em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo
por parte do agente.
Por fim, o quarto “item” da tese trata dos prazos prescricionais. Para o Supremo, os prazos prescricionais
previstos na Lei 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal,
ou seja, a partir de 26/10/2021.
Por exemplo: a reforma da Lei de Improbidade instituiu a prescrição intercorrente nas ações de
improbidade, ou seja, um processo poderá prescrever se ficar “parado” na mesma instância no Judiciário
por mais de quatro anos. Antes da reforma, não existia esse prazo. Após a reforma, ele passou a existir.
Entretanto, se uma ação estiver “parada” em determinada instância antes da reforma, não haverá
prescrição intercorrente, já que os novos prazos somente começaram a contar no dia 26/10/2021.
Imagine o seguinte exemplo: uma ação de improbidade foi apresentada no juízo de primeiro grau em
janeiro de 2017. Em 26/10/2021 a L14230 entrou em vigor. Neste dia, considerando que ainda não houve
qualquer sentença no processo, podemos considerar que ele se encontra há mais de quatro anos “parado”
no primeiro grau (de Jan17 até Out21). Pergunta-se: houve prescrição intercorrente? A resposta é: NÃO!
Isso porque o marco temporal começa a contar somente em 26/10/2021. Em outras palavras, a prescrição
intercorrente somente ocorrerá em outubro de 2025, já que o prazo “começou” junto com a vigência da
reforma da LIA.
Note que o debate do STF se limitou aos atos culposos, tendo em vista que a reforma extinguiu os atos
dessa natureza. Há uma série de “perguntas” em aberto, mas que somente serão resolvidas em futuras
demandas. Por enquanto, só podemos fazer as seguintes afirmações:
a) a L14230 NÃO RETROAGE em relação aos atos CULPOSOS, se a ação TRANSITOU em julgado;
b) a L14230 RETROAGE em relação aos atos CULPOSOS, se a ação NÃO TRANSITOU em julgado;
c) a L14230 NÃO RETROAGE quanto ao regime prescricional, aplicando-se os novos marcos
prescricionais a partir da sua vigência (26/10.2021).
Os sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa são todas as entidades que podem ser
atingidas por atos dessa natureza, ou seja, são as entidades contra as quais os atos de improbidade
administrativa podem ser praticados. O sujeito passivo poderá propor a ação de improbidade, na figura de
“pessoa jurídica interessada”, conforme vamos explicar adiante.10
De acordo com a Lei 8.429/1992, os atos de improbidade administrativa podem ser praticados contra
(sujeitos passivos) (art. 1º, §§ 5º a 7º):
a) administração direta e indireta, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no âmbito da União,
dos estados, dos municípios e do Distrito Federal;
b) entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes
públicos ou governamentais, previstos no item anterior;
c) entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu
patrimônio ou receita atual, limitado o ressarcimento de prejuízos, nesse caso, à repercussão do
ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.11
Portanto, os sujeitos passivos abrangem todas as pessoas políticas (União, estados, Distrito Federal e
municípios); os órgãos dos três Poderes (incluindo o Tribunal de Contas e o Ministério Público); as
administrações direta e indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de
economia mista). Portanto, a Lei de Improbidade alcança as entidades administrativas de direito público e
de direito privado. Ademais, mesmo nos casos das entidades de direito privado, é irrelevante a atividade
desempenhada, uma vez que a nova de improbidade se aplica às empresas estatais prestadoras de serviços
públicos e exploradoras de atividade econômica.
É importante notar que, nos dois grupos subsequentes, a Lei de Improbidade é aplicável em virtude da
presença de recursos públicos, decorrente da atividade de fomento realizada pelo Estado. Por isso, a LIA
dispõe que os atos são cometidos contra o patrimônio dessas entidades privadas.
Ademais, no caso de contribuição do Estado para a criação ou custeio, o ressarcimento dos prejuízos é
limitado à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.12 Por exemplo: imagine uma
entidade privada que recebeu do Estado R$ 10 milhões de reais e, adicionalmente, recebeu em doações de
10A legitimidade para propor a ação de improbidade é concorrente do Ministério Público e da pessoa jurídica interessada
(STF, ADIs 7042 e 7043, j. em 31/8/2022).
11 Teoricamente, há uma diferença no alcance da Lei de Improbidade entre o grupo de entidades da letra “a” e os outros
dois grupos. No primeiro caso, a LIA dispõe que “os atos de improbidade violam a probidade na organização do Estado e
no exercício de suas funções e a integridade do patrimônio público e social”. Já nos demais grupos (letras “b” e “c”), os
atos de improbidade são praticados “contra o patrimônio” das mencionadas entidades privadas. Não sabemos, ainda, se
isso será uma diferença prática ou até mesmo se será relevante para fins de concursos. Há autores que defendem que,
nos dois últimos casos, não seriam aplicáveis os atos de improbidade que atentam contra os princípios, uma vez que os
atos deveriam ter natureza patrimonial e os princípios da administração não seriam aplicáveis às entidades privadas
(Justen Filho, 2021). Porém, ainda é cedo para "cravar" esse entendimento para fins de concurso. Não obstante, fica o
registro da “pequena diferença”, ou seja, de que nos dois últimos casos os atos são praticados "contra o patrimônio" das
entidades privadas que receberam os recursos públicos.
12 Na redação anterior, a LIA previa a limitação da “sanção patrimonial” à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos
cofres públicos quando a contribuição do Estado fosse inferior a 50%. Se fosse superior a 50%, em tese, não haveria essa
limitação. Na verdade, isso não fazia muito sentido, pois como haveria um ressarcimento, por exemplo, que fosse superior
à contribuição dos cofres públicos. Por esse motivo, o legislador deixou de separar as contribuições superiores ou inferiores
a 50%. Agora, em qualquer caso, o ressarcimento dos prejuízos fica limitado à repercussão do ilícito sobre a contribuição
dos cofres públicos.
particulares outros R$ 15 milhões de reais. Suponha, ainda, que os dirigentes desviaram da entidade um
montante de R$ 20 milhões de reais. Portanto, eles desviaram um total de R$ 20 milhões, mas o máximo
de desvio de recursos públicos alcançaria R$ 10 milhões, sendo que o restante versaria sobre desvio de
recursos privados. Nesse caso, o ressarcimento decorrente da ação de improbidade ficará limitado aos R$
10 milhões, sendo que os outros valores serão recuperados por ações de outras naturezas, já que o
ressarcimento decorrente da ação de improbidade é limitado à repercussão do ilícito sobre a contribuição
dos cofres públicos.
Podemos mencionar como exemplos de entidades privadas que recebem recursos públicos os serviços
sociais autônomos (Sesi, Senai, Sesc, etc.), as organizações sociais, as organizações da sociedade civil de
interesse público e qualquer outro tipo de entidade privada que receba recursos públicos por meio de
alguma parceria com o Estado.
Executivo
Administração Judiciário
Autarquias
Prestadoras de
serviços públicos
Sujeito passivo do Empresas
ato de estatais
improbidade Exploradoras de
atividade econômica
subvenção
O sujeito ativo é representado pelas pessoas que podem praticar os atos de improbidade administrativa e,
por consequência, sofrer as devidas sanções previstas na Lei 8.429/1992.
Nós podemos separar os sujeitos ativos do ato de improbidade em duas categorias: (i) agentes públicos; (ii)
terceiros.
Entenda o termo agente público em sentido amplo. Por isso, a Lei de Improbidade dispõe que:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o
servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem
remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra
forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades
referidas no art. 1º desta Lei.
a) agente político;
b) servidor público;
c) todo aquele que exercer função nas entidades abrangidas pela Lei de Improbidade.
O termo agente político é utilizado para designar as autoridades que exercem a função de governo,
possuindo garantias, prerrogativas e responsabilidades no nível constitucional. Nessa categoria,
encontramos, por exemplo:
1) os chefes do Poder Executivo (veremos uma exceção, adiante) e seus auxiliares imediatos (ministros
de Estado, secretários estaduais, distritais e municipais);
2) os parlamentares em geral (senadores, deputados e vereadores);
3) os membros do Poder Judiciário (ministros, desembargadores e juízes);
4) os membros do Ministério Público, etc.
Outras autoridades podem ser listadas no conceito de agente político, a depender do ponto de vista de
cada autor que aborda o tema. Contudo, o aprofundamento desse conceito foge ao objetivo desta aula.
Por ora, apenas anote o conceito: os agentes políticos estão no conceito de agente público para os fins da
Lei de Improbidade.
Se a questão de prova afirmar que os agentes políticos estão dentro do conceito de agente público para
os fins da Lei de Improbidade, você deve considerar que SIM, uma vez que é assim que consta
expressamente no art. 2º da Lei 8.429/1992.
Todavia, precisamos saber que existe uma exceção, mas que você somente deverá considerá-la se
houver esse debate na questão.
Trata-se do Presidente da República. No julgamento da Pet 3240, o STF entendeu que:13
1. Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a um
duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos
de improbidade administrativa, quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de
responsabilidade. Não há qualquer impedimento à concorrência de esferas de responsabilização
distintas, de modo que carece de fundamento constitucional a tentativa de imunizar os agentes
políticos das sanções da ação de improbidade administrativa, a pretexto de que estas seriam
absorvidas pelo crime de responsabilidade. A única exceção ao duplo regime sancionatório em
matéria de improbidade se refere aos atos praticados pelo Presidente da República, conforme
previsão do art. 85, V, da Constituição.
Nesse caso, o art. 85, V, do texto constitucional, dispõe que são crimes de responsabilidade os atos do
Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal, citando, entre outros, os atos que
atentam contra a probidade na administração. Dessa forma, o Presidente da República somente
responde por crime de responsabilidade, não se submetendo ao regime da Lei 8.429/1992.
Observe que a exceção mencionada pelo STF não alcança os demais chefes do Poder Executivo. Assim,
governadores e prefeitos municipais estão sujeitos ao regime da Lei de Improbidade, sem prejuízo da
responsabilização por crime de responsabilidade, formando o denominado duplo regime sancionatório.
O conceito de servidor público, por outro lado, poderá ter um significado estrito (somente os servidores
estatutários) ou amplo14 (servidores estatutários, empregados públicos e temporários). Porém, a adoção
do conceito estrito ou amplo de servidor público é irrelevante para a Lei de Improbidade, uma vez que o
“próximo item” do conceito abrange “todo aquele que exercer função” nas entidades abrangidas pela Lei
de Improbidade. Logo, os empregados públicos e os temporários podem ser enquadrados tanto no conceito
de agente público como no conceito residual de exercer função nas entidades submetida ao alcance da LIA.
[...] e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por
eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou
vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei.
Esse é o conceito mais abrangente. Na verdade, esse conceito é tão amplo que até “abrange” as outras
duas partes que vimos acima (agentes políticos e servidores públicos). Assim, nesse ponto, podemos ter
agentes públicos:
Dessa forma, o conceito de agente público pode alcançar particulares que exercem a função pública em
entidades privadas que recebem recursos públicos. Exemplos seriam os dirigentes de entidades
paraestatais. Nesse caso, tais “particulares” são enquadrados no conceito de “agentes públicos”, uma vez
que estão exercendo atividade pública com recursos públicos.16
15 Colocamos a expressão “provimento” entre aspas, pois a forma de investidura aqui pode ter diversas na
16 Sobre o tema, é bastante esclarecedora a decisão do STJ no AgInt no REsp 1.845.674 (julgamento em 18/12/2020):
1. Nos termos da jurisprudência pacificada no Superior Tribunal de Justiça, afigura-se inviável o manejo da ação civil
de improbidade exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo
da demanda.
2. O art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 8.429/1992 submete as entidades que recebam subvenção, benefício ou
incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público à disciplina do referido diploma legal, equiparando os seus dirigentes
à condição de agentes públicos.
3. Hipótese em que os autos evidenciam supostas irregularidades perpetradas pela organização não governamental
denominada Instituto Projeto Viver, quando da execução de convênio com recursos obtidos do Governo Federal,
circunstância que equipara o dirigente da referida ONG a agente público para os fins de improbidade
administrativa, nos termos do dispositivo acima mencionado.
Pessoa física ou jurídica que tenha firmado parceria com o Poder Público
A Nova Lei de Improbidade acrescentou uma nova categoria de sujeitos ativos do ato de improbidade
administrativa, vejamos:
Art. 2º [...] Parágrafo único. No que se refere a recursos de origem pública, sujeita-se às
sanções previstas nesta Lei o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a
administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de
parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente.
Os diversos instrumentos mencionados são meios de parcerias entre o Estado e as entidades paraestatais,
ou seja, entidades privadas sem fins lucrativos, que firmam com o Poder Público algum tipo de parceria,
para receberam recursos públicos ou outros incentivos para a realização de atividades de interesse social.
Note que o dispositivo menciona diversos exemplos de parcerias. Na verdade, basta pensarmos no conceito
de convênio em sentido amplo. Nesse sentido, os convênios representam parcerias em que há mútua
cooperação para o alcance de um objetivo comum. Por exemplo: quando o Estado transfere recursos para
uma organização social de saúde (OSS), tanto o Estado como a OSS têm o interesse comum de prestar um
serviço de saúde para a população. Seguindo a mesma linha, quando o Estado firma uma parceria com uma
organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), para a promoção de esportes em localidades
carentes, tanto o Estado como a Oscip terão o objetivo de promover a prática esportiva nessas regiões.
Com efeito, os instrumentos mencionados pela LIA são apenas exemplificativos.17 Vamos citar,
brevemente, os conceitos tratados nesse dispositivo, mas não se preocupe em decorar esses conceitos,
pois a menção aqui será meramente ilustrativa.
17 Saber o significado de cada um desses instrumentos não parece ser relevante para provas. Cumpre observar que há
instrumentos mencionados que já foram até revogados. É o caso do termo de cooperação, que era citado no Decreto
6.170/2007, mas que foi revogado pelo Decreto 10.426/2020. Além disso, esses termos evoluem muito rapidamente e,
O contrato de gestão é previsto na Lei 9.637/1998 e trata da parceria entre o Estado e as organizações
sociais. Já o termo de parceria versa sobre o vínculo entre a administração e as organizações da sociedade
civil de interesse público (Oscip), conforme prevê a Lei 9.790/1999. O contrato de repasse é instrumento
por meio do qual a transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou
agente financeiro público federal (Decreto 6.170/ 2007, art. 1º. II). Por exemplo: a Caixa Econômica (agente
financeiro) faz a transferência de recursos para a implementação de um programa de interesse mútuo,
entre a União e outra entidade. O termo de cooperação, por sua vez, era instrumento mencionado no
Decreto 6.170/2007, mas deixou de constar em atualizações subsequentes desse regulamento. Outros
instrumentos de parcerias, que não foram citados expressamente nas novas disposições da Lei de
Improbidade, constam na Lei 13.019/2014, conhecida como regime jurídico das parcerias entre a
administração pública e as organizações da sociedade civil.
Enfim, independentemente do “nome” que o instrumento de parceria receba, o fato é que está sujeito ao
alcance da Lei de Improbidade o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração
pública algum tipo de parceria, no que se refere aos recursos de origem pública.
Por sinal, o termo “recursos de origem pública” deve ser lido em sentido amplo, uma vez que as parcerias
poderão envolver benefícios de natureza não financeira, como a transferência da gestão de bens ou de
pessoal administrativo.18 Por exemplo: o Estado pode firmar uma parceria com organizações da sociedade
civil para o empréstimo não oneroso de equipamentos, que deveriam ser utilizados em programa social.
Caso o beneficiário do empréstimo utilize os equipamentos para fins privados, ficará configurado o ato de
improbidade administrativa.
Bom, agora já entendemos o “X” do art. 2º, parágrafo único, da Lei de Improbidade. Porém, uma grande
questão pode surgir. Seriam os “particulares” citados no parágrafo único do art. 2º considerados “agentes
públicos” para os fins da Lei de Improbidade?
Primeiro, vamos considerar que, em tese, não havia necessidade do parágrafo único do art. 2º, uma vez
que os §§ 6º e 7º do art. 1º já incluíam no alcance da Lei de Improbidade as entidades privadas beneficiadas
pela transferência de recursos públicos. Ademais, combinando esses dois últimos dispositivos com o caput
do art. 2º, já poderíamos considerar que os particulares encarregados da gestão dessas entidades poderiam
responder, como agentes públicos, pelo ato de improbidade administrativa, quanto à gestão dos recursos
de origem pública.
O problema desse dispositivo, porém, é mencionar a “pessoa jurídica” dentro do conceito. Isso porque o
conceito de agente público, na doutrina, envolve as pessoas físicas que exercem a função pública. Assim,
enquadrar uma “pessoa jurídica”, que é uma entidade, no conceito de agente público poderia gerar muito
debate. Logo, não há como fazer uma conclusão “cabal” nesses primeiros “dias de vida” da Lei 14.230/2021.
Mas acreditamos que esse não será o foco das questões de concursos, tendo em vista que, naturalmente,
as questões de prova focam mais no texto literal.
atualmente, há uma “salada” de instrumentos, mas que no final representam o mesmo fim: firmar uma parceria de
interesse recíproco, em regime de mútua cooperação.
18 Justen Filho, 2021.
Assim, considere apenas que “o particular, pessoa física ou jurídica” está sujeito ao alcance da Lei de
Improbidade, quanto à gestão de recursos de origem pública, pouco importando se ele será considerado
“agente público” ou não.
O outro ponto que poderá ser discutido é: mas o “o particular, pessoa física ou jurídica” poderia responder
de forma isolada (sem “outro” agente público) na ação de improbidade? Bom, o STJ já entendeu que os
dirigentes de entidades privadas que recebem recursos públicos são equiparados a agentes públicos para
os fins da Lei de Improbidade.19 A novidade, contudo, seria uma pessoa jurídica responder nessa condição.
Observa-se que o STJ já admitia que pessoa jurídica pudesse responder por ato de improbidade, na
condição de terceiro, que induz ou concorre para a prática do ato. Mas não temos informações, neste
momento, para dizer qual será a aplicação prática do art. 2º, parágrafo única, da Lei 8.429/1992 (com
redação da Lei 14.230/2021).
Por enquanto, vamos nos resumir à literalidade desse dispositivo, que já será suficiente para responder às
questões de concurso público.
Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de
improbidade.
Esse grupo trata dos terceiros, ou seja, de particulares, não enquadrados no conceito de agente público,
mas que induzam ou concorram, de forma dolosa, para a prática do ato de improbidade. O terceiro seria
“o diabinho” que fica no ombro do agente público oferecendo vantagens, incentivando o agente a cometer
o ato ou praticando o ato em conjunto com este.
Há duas novidades promovidas pela Lei 14.230/2021. A primeira é que foi retirada a expressão “se
beneficia”. Agora, só temos dois verbos:
Tais requisitos são cumulativos. Assim, uma vez comprovada a participação e os benefícios diretos, os
sócios, cotistas, diretores e colaboradores poderão ser responsabilizados, nos limites de suas participações.
Por exemplo: João é diretor da empresa Dilapidando o Erário S.A. e ofereceu, em nome da empresa,
vantagens indevidas para um agente público facilitar a aquisição de bem imóvel por preço superior ao valor
20Lembrando que, com o advento da Lei 14.230/2021, a pessoa jurídica também poderá responder como “particular”
enumerado no art. 2º, § 2º, mas ainda não sabemos qual será a natureza desse enquadramento.
21 REsp 1.122.177/MT (julgamento em 3/8/2010).
22Antes da reforma da LIA, o STJ já admitia a responsabilização de pessoa jurídica. Entretanto, a pessoa jurídica não se
submete, por incompatibilidade com a sua natureza, às sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos
políticos. Por outro lado, as PJs poderão sofrer as sanções de ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, nos termos e limites do art. 12 da LIA (REsp 1.038.762/RJ).
de mercado. Com a venda, João ficou com 10% do valor da transação. Logo, ele participou do ato
(oferecendo a vantagem em nome da empresa) e obteve benefício direto (com a cota de 10% do valor da
transação).
Por fim, é importante já adiantar a regra do § 2º do art. 3º, que dispõe que as sanções de improbidade não
se aplicarão à pessoa jurídica caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como
ato lesivo à administração pública de que trata a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Dessa forma, as
sanções aplicadas a pessoas jurídicas com base na Lei de Improbidade e na Lei Anticorrupção deverão
observar o princípio constitucional do non bis in idem (LIA, art. 12, § 7º). Isso significa que a pessoa jurídica
não poderá ser punida, pelo mesmo fato, com base nas duas leis, uma vez que haveria um duplo
sancionamento, de mesma natureza, pelo mesmo fato.
Bom, vamos fazer um breve resumo do que vimos sobre os sujeitos ativos dos atos de improbidade.
SUJEITO ATIVO DO ATO DE IMPROBIDADE
▪ Agente político
▪ A jurisprudência exclui o PR (mas tome cuidado, pois esta exceção não consta
literalmente na LIA).
▪ Servidor público
Agente público ▪ Quem exerce a função em entidades sujeitas ao alcance da LIA:
▪ ainda que transitoriamente ou sem remuneração;
▪ por eleição, nomeação, designação, contratação;
▪ mandato, cargo, emprego ou função; ou
▪ qualquer outra forma de investidura ou vínculo.
▪ PF ou PJ
Particular
▪ que firma parceria com o Estado (parcela dos recursos recebidos)
O sucessor ou o herdeiro daquele que causar dano ao erário ou que se enriquecer ilicitamente estão
sujeitos apenas à obrigação de repará-lo até o limite do valor da herança ou do patrimônio transferido
(art. 8º).
Nesse sentido, a Constituição Federal dispõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado,
podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei,
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (CF,
art. 5º, XLV).
Assim, a responsabilidade do sucessor ou herdeiro está limitada aos efeitos patrimoniais do ato de
improbidade, com o objetivo de reparar a lesão causada ao interesse público. Por outro lado, as sanções
propriamente ditas, como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, não podem passar
para o herdeiro ou sucessor.
O entendimento desse caso é bastante simples. Imagine que João cometeu ato de improbidade, causando
dano ao erário no montante de R$ 200 mil. Porém, ele faleceu antes de arcar com o prejuízo, mas deixou
R$ 150 mil de herança. Nesse caso, os herdeiros somente poderão ser responsabilizados pelo valor de R$
150 mil, que é o limite do patrimônio transferido. Imagine que, pelo mesmo ato, João foi condenado à
suspensão dos direitos políticos. Aqui, não haverá como passar essa sanção para os herdeiros, em virtude
do princípio da personalidade da pena.
causar dano ao erário ou
Quando o
condenado
se enriquecer ilicitamente
Responsabilidade do
sucessor ou herdeiro
obrigação de reparar o dano
sujeitos
apenas à
até o limite do valor da herança ou do
patrimônio transferido
Ainda de acordo com a Lei de Improbidade, nas hipóteses de fusão e de incorporação, a responsabilidade
da sucessora será restrita à obrigação de reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio
transferido. Nesse caso, a sucessora não responderá pelas demais sanções decorrentes de atos e de fatos
ocorridos antes da data da fusão ou da incorporação.
Essa regra, entretanto, não se aplicará no caso de simulação ou de evidente intuito de fraude,
devidamente comprovados. Seria o caso, por exemplo, de a empresa realizar a fusão com outra pessoa
jurídica, de porte muito menor, mas com o propósito comprovado de escapar das sanções decorrentes do
ato de improbidade.
alteração contratual
transformação
Aplica-se
incorporação
também
fusão ou
cisão societária
simulação ou fraude
Exceto se
Nesse caso Sucessora responde pelas sanções
(MJ) A Lei de Improbidade Administrativa é aplicável a qualquer agente público que seja servidor
estatutário vinculado às pessoas jurídicas de direito público, não abrangendo os empregados públicos
vinculados à administração indireta.
Comentários:
A Lei 8.429/1992 abrangem todas as pessoas políticas (União, estados, Distrito Federal e municípios); os
órgãos dos três Poderes (incluindo o Tribunal de Contas e o Ministério Público); as administrações direta e
indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista); e as
entidades privadas que recebam recursos públicos (na forma dos §§ 6º e 7º).
Com efeito, o art. 2º estabelece que “consideram-se agente público o agente político, o servidor público e
todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou
função nas entidades” abrangidas pela LIA.
Dessa forma, o conceito é amplo, abrangendo quase todos os tipos de agentes públicos. Por isso a questão
está incorreta.
(Inédita – Prof. Herbert Almeida) A responsabilidade patrimonial pela lesão ao erário tem natureza
pessoal, extinguindo-se com a morte do responsável.
Comentários:
De acordo com o art. 8º da LIA, o sucessor ou o herdeiro daquele que causar dano ao erário ou que se
enriquecer ilicitamente estão sujeitos apenas à obrigação de repará-lo até o limite do valor da herança ou
do patrimônio transferido. Logo, o item está errado.
A Lei 8.429/1992 classifica os atos de improbidade administrativa em três espécies:1
A partir do enquadramento do ato em um desses grupos, serão aplicadas as penalidades previstas na Lei
de Improbidade. Nesse caso, há uma verdadeira hierarquia das sanções, sendo que as penalidades mais
rigorosas se aplicam aos atos que importam enriquecimento ilícito, as sanções intermediárias aos atos que
causam lesão ao erário e as penas mais brandas aos que atentam contra os princípios da administração
pública.
Uma importante novidade é que, a partir de agora, todos os atos de improbidade exigem conduta dolosa.
Na antiga redação, admitia-se a configuração de lesão ao erário de forma culposa. Isso não é mais possível!2
Lesão ao erário
Dolo
Utilizamos a expressão “rol taxativo” quando as hipóteses citadas são exaustivas. Por exemplo: na Lei de
Licitações, as hipóteses de licitação dispensável são taxativas, constando no art. 75 da citada Norma. Assim,
1A Lei 14.230/2021 enquadrou a conduta de conceder benefício financeiro ou tributário indevido dentro do art. 10 (atos
que causam lesão ao erário). Dessa forma, deixou de existir a categoria isolada constante no art. 10-A da Lei de
Improbidade. Por isso, a Lei de Improbidade voltou a contar apenas com as três categorias clássicas de atos de
improbidade.
2 Esse assunto despencava em questões de concurso. Por isso, tome cuidado com questões desatualizadas. E como se trata
de importante novidade, certamente as bancas vão tentar aplicar algumas pegadinhas. Fique atento!
somente as hipóteses literalmente mencionadas no referido artigo permitem a dispensa de licitação, não
cabendo ao administrador ampliar esse rol.
Já as hipóteses “exemplificativas” são aquelas que representam meros exemplos. Nesse caso, a legislação
apresenta um conceito geral e depois cita alguns exemplos para melhor compreensão desse conceito.
Assim, caberá ao administrador interpretar a norma e aplicá-la nos casos concretos enquadrados no
conceito, ainda que tais situações não se enquadrem literalmente nos exemplos citados. Novamente
adotando a Lei de Licitações como exemplo, o art. 74, caput, apresenta o conceito de inexigibilidade de
licitação (competição inviável), enquanto os cinco incisos deste artigo apresentam exemplos dessa
situação. Dessa forma, seria possível aplicar a inexigibilidade em outros casos, mesmo que não citados nos
incisos, mas desde que enquadrados no conceito geral. Logo, o rol de inexigibilidade é exemplificativo.
Mas peraí, professor! Esta aula não é de improbidade? É sim, nobre aluno e aluna. Mas eu preferi
exemplificar com a Lei de Licitações, uma vez que, na Lei de Improbidade, esse tema não ficou tão claro.
Na anterior redação da Lei de Improbidade, as condutas descritas nos arts. 9º, 10 e 11 eram meramente
exemplificativas. A LIA citava o conceito geral no caput de cada um dos artigos, citando exemplos em seus
incisos. Isso ficava claro com a utilização da expressão “e notadamente”, que significava uma natureza
exemplificativa.3
Porém, durante a tramitação da reforma da Lei de Improbidade, vários parlamentares deram declarações
de que as “listas” passariam a ser exaustivas.4
Corrobora com esse entendimento a redação do art. 1º, § 1º, da Lei de Improbidade, com redação dada
pela Lei 14.230/2021, que dispõe que:
Ademais, quanto ao art. 11, a expressão “e notadamente” de seu caput foi substituída pela expressão
“caracterizada por uma das seguintes condutas”. Dessa forma, é indiscutível que o legislador passou a
definir as hipóteses de atos que atentam contra os princípios de forma exaustiva (ou taxativa).5
Por outro lado, as redações dos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 10 (lesão ao erário) continuam adotando
a expressão “e notadamente”.
3 “Notadamente” é um advérbio que tem o mesmo significado que “especialmente”, daí o sentido de representar
exemplos.
4 No site do Senado, em um resumo sobre as mudanças, consta expressamente que a lista passa a ser taxativa:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/26/lei-define-novas-regras-para-improbidade-administrativa
5 Nesse sentido: Justen Filho (2021, p. 172).
Portanto, parece mais razoável entender que o rol de atos que atentam contra os princípios (art. 11) 6 é
taxativa, enquanto o rol de atos que causam lesão ao erário (art. 10) e que importam em enriquecimento
ilícito (art. 9º) são exemplificativos.
Enriquecimento ilícito (art. 9º) Atos que atentam contra os princípios (art. 11)
Essa é a categoria mais grave dos atos de improbidade, motivo pelo qual enseja a aplicação das sanções
mais rígidas.
Em resumo, consiste em perceber, mediante conduta dolosa, uma vantagem patrimonial indevida em
razão do exercício da função pública.
6O art. 11 era justamente o mais criticado, em virtude do caráter subjetivo da violação de princípios. Assim, fazia sentido
alterar o art. 11 para um rol exaustivo, mantendo o caráter exemplificativo das demais hipóteses.
Perceber
vantagem
patrimonial
Nas
entidades
sujeitas ao Indevida
alcance da
LIA Enriquecimento
ilícito
Em razão do
exercício da Forma
função dolosa
estatal
Essa vantagem patrimonial poderá decorrer da apropriação indevida de patrimônio público, mas também
poderá ser oriunda de uma fonte externa, ou seja, de recursos privados. Justamente por isso que o
enriquecimento ilícito poderá, ou não, causar lesão ao erário. Por exemplo: se um agente público recebe
um suborno de um escritório de advocacia para “agilizar” um processo de interesse deste, não haverá uma
lesão ao patrimônio público, pois “simplesmente” haverá uma violação à ordem natural de instrução dos
processos. Assim, o Estado, em si, não sofrerá um dano patrimonial. Entretanto, em virtude da percepção
da vantagem indevida, restará configurado o ato que importa em enriquecimento ilícito.
Por outro lado, se um agente público perceber vantagem econômica para facilitar a alienação de bem
público por preço inferior ao valor de mercado, haverá o enriquecimento ilícito, ao mesmo tempo em que
o poder público sofrerá uma lesão patrimonial. Nesse caso, entretanto, o agente público responderá pelo
enriquecimento ilícito, uma vez que a lesão ao erário estará absorvida pelo ato que importa em
enriquecimento ilícito.
Na verdade, podemos simplificar da seguinte forma: sempre que um ato configurar, simultaneamente,
ato de improbidade de mais de uma espécie, o agente responderá somente pelo ato mais grave.
Ademais, não custa lembrar que a conduta depende de dolo específico. Logo, se um servidor público, por
exemplo, receber indevidamente uma remuneração maior do que lhe era devido, não haverá ato de
improbidade se não houver dolo na atuação do agente público. Se, por exemplo, ele recebeu o valor a
maior, mas não tinha consciência disso, consequentemente não haverá ato de improbidade, por falta do
elemento subjetivo dolo. Há hipóteses em que até caberia exigir a devolução dos valores, mas não haveria
responsabilidade por ato de improbidade.
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra
vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação
ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou
amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
Nesse caso, o agente percebe a vantagem econômica para si ou para terceiro. Por exemplo: o agente
público recebe, de “presente”, uma passagem aérea para que sua esposa possa participar de eventos na
Europa, com tudo pago. Assim, ele terá percebido a vantagem para “outrem”.
Não confunda com o caso em que o agente público permite que terceiro se enriqueça ilicitamente, que é
hipótese de lesão ao erário (art. 10, XII). A diferença consiste no fato de que, no art. 9º, I, o agente recebe
a vantagem para si ou para terceiro (no exemplo, ele recebeu a vantagem para a esposa dele). Agora, se o
agente não receber nada, mas deixar que um terceiro se enriqueça indevidamente, haverá um ato que
causa lesão ao erário.
Aqui, o Estado vai pagar mais do que deveria pagar pelo bem ou pelo serviço e o agente público vai ganhar
alguma coisa, indevidamente, para facilitar a ocorrência desse fato.
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta
ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço
inferior ao valor de mercado;
Agora, temos a situação inversa. Nesse caso, o Estado vai receber menos do que deveria pela venda, troca,
locação de bem público ou prestação de serviço e, para isso, o agente público perceberá vantagem
econômica indevidamente.
Tome cuidado com os casos enumerados nos incisos II e III, uma vez que eles possuem “equivalentes” no
art. 10, incs. IV e V, mas que configuram lesão ao erário. A diferença é que, nas duas últimas, o agente
público não perceberá a vantagem econômica.
Imagine um secretário municipal que utilizou um caminhão, o motorista e funcionários terceirizados, que
estava à disposição do município, para realizar a sua “mudança”. Esse seria um caso clássico de ato de
improbidade que importa em enriquecimento ilícito.
Um ponto interessante é que o agente nem precisa receber a vantagem, uma vez que aceitar a promessa
já é suficiente para configurar o ato de improbidade.
Por exemplo: um fiscal de obra pública recebe vantagem econômica indevida para atestar a quantidade de
concreto utilizado no empreendimento.
Imagine a seguinte situação: Maria ocupa cargo público efetivo, percebendo remuneração de cerca de R$
10 mil por mês. Entretanto, em apenas um ano de exercício, o seu patrimônio evoluiu de “nada” para algo
em torno de R$ 1 milhão, ou seja, muito além do que ela poderia acumular apenas com o cargo público. A
legislação permite, entretanto, que Maria comprove a origem lícita da evolução patrimonial, já que ela
poderia ter outras fontes regulares de rendimentos.
A Lei 14.230/2021 promoveu várias mudanças nessa conduta. Primeiro, deixou claro que a evolução
patrimonial indevida deverá ocorrer “em razão” do exercício do mandato, cargo, emprego ou função
pública. Por exemplo: o agente público recebe uma mesada de uma empresa privada para favorecê-la em
contratações públicas. Nesse caso, a mesada é paga em razão do exercício irregular da atividade estatal.
Ademais, a evolução patrimonial indevida deverá decorrer de algum ato de improbidade, entre aqueles
enumerados no caput do art. 9º, ou seja, deverá decorrer de alguma prática dolosa que implique aumento
patrimonial indevido, em razão do exercício da função estatal.
Por fim, ainda que, em linhas gerais, ocorra alguma presunção relativa7 da prática do ato de improbidade,
a legislação defere ao agente público o direito de comprovar a origem lícita dessa evolução patrimonial.
7 Apesar da argumentação acima, parece-me que não há lógica em presumir algo e, ao mesmo tempo, exigir o dolo
específico. Ademais, o próprio dispositivo exige a comprovação da relação da evolução patrimonial com as condutas
descritas no art. 9º. Porém, há na doutrina autores que defendem essa presunção, como explica Justen Filho (2021, p.
128): “A Lei consagra uma presunção relativa de que o aumento injustificável do patrimônio de um agente público
decorreu de práticas reprováveis. É desnecessário comprovar a origem ilícita do aumento patrimonial, quando inexistir
causa legítima aparente para tanto”. O fato é que a redação é bastante capciosa e dependerá de muito discussão para a
obtenção de sua compreensão. Logo, assim como muitos trechos polêmicos da reforma da Lei de Improbidade, vamos ter
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento
para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado
por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
Imagine, por exemplo, que o agente público é secretário de fazenda de um estado da Federação e prestou
consultoria à uma pessoa jurídica – PJ com sede no referido estado sobre “como diminuir os gastos com o
imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS”. Oras, como secretário de fazenda ele adota
decisões ligadas diretamente à arrecadação de ICMS. Logo, a PJ tem interesse nas ações do secretário,
motivo pelo qual é incompatível a prestação da consultoria ou assessoria.
que aguardar os futuros posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais para melhor compreensão e conclusões, se é que
algum dia haverá consenso (rs).
Aqui, o agente público funciona como intermediador (exemplo: fazer um lobby8) da liberação ou aplicação
dos recursos. Por exemplo, ele pode perceber uma vantagem patrimonial para influenciar indevidamente
a liberação de recursos para a realização de um “falso” programa social.
Nesse caso, o agente público recebe vantagem econômica para “engavetar” alguma providência que ele
deveria tomar de ofício (por iniciativa própria), ou para omitir providência (exemplo: instaurar um processo
disciplinar) ou omitir declaração (exemplo: declarar a nulidade de um processo).
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
Imagine um diretor de uma organização social que desvia recursos públicos para a sua conta bancária, ou
que transfere indevidamente, para si, a propriedade de um veículo, adquirido com recursos públicos.
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Dois exemplos são bons: um servidor que utiliza indevidamente um veículo da administração para ir para a
faculdade ou que utiliza a impressora do seu setor para imprimir os trabalhos também da faculdade.
Agora que já vimos todos os atos dessa categoria, vou lhe passar um macete. A maioria das condutas possui
a expressão “perceber vantagem econômica” ou algo parecido, como “receber” esse tipo de vantagem.
Assim, como a maioria das questões de prova são literais, se constar na sua assertiva tal expressão, você já
saberá que se trata de enriquecimento ilícito.
Por outro lado, temos cinco condutas que não adotam essa expressão, que são as que constam nos incisos
IV, VII, VIII, XI e XII do art. 9º. É lógico que as bancas gostam desses incisos, justamente porque, assim, a
resposta não ficará tão óbvia. Por isso, foque nessas condutas. De forma simplificada elas consistem em:
a) utilizar bem móvel ou o trabalho de pessoas à disposição das entidades protegidas pela LIA, em obra
ou serviço particular (IV);
b) adquirir bem em valor desproporcional à evolução de seu patrimônio ou renda (VII);
c) aceitar emprego, comissão ou exercer consultoria ou assessoramento para PF ou PJ com interesse
em suas ações ou omissões como agente público (VIII);
d) incorporar ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades protegidas pela LIA (XI);
e) usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das
entidades protegidas pela LIA (XII).
8 O lobby é justamente uma pressão ou intermediação sobre políticos e autoridades públicas, com o propósito de
influenciar as decisões, em benefício de determinadas pessoas ou categorias.
A figura a seguir faz um resumo do que vimos neste tópico.
O art. 10 enumera os atos que causam lesão ao erário. De início, cabe observar que tanto faz a expressão
“prejuízo ao erário” ou “lesão ao erário”. As duas significam a mesma coisa e ambas são mencionadas na
Lei de Improbidade, no título da Seção II e no conceito no caput do art. 10, respectivamente.
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer
ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: [...].
Cabe observar que esse foi um dos artigos mais alterados na LIA pela reforma da Lei 14.230/2021. A
primeira mudança, mais evidente, é a necessidade de comprovação de dolo. Antigamente, os atos que
causavam lesão ao erário eram os únicos que admitiam a forma culposa. Agora, isso não é mais possível,
uma vez que todas as espécies dependem de dolo.
Na tramitação da Lei 14.230/2021, foram divulgadas muitas informações de que os agentes públicos não
teriam mais o dever de ressarcir o erário por prejuízos causados no exercício da função pública de forma
culposa. Isso, entretanto, não é uma verdade.
Os agentes públicos podem responder civilmente pelos prejuízos causados ao erário ou a terceiros de
forma dolosa ou culposa. Nessa linha, a própria Constituição Federal permite que o Estado mova ação
de regresso contra o agente público no caso de dolo ou culpa (CF, art. 37, § 6º). Ademais, a
responsabilidade civil pode decorrer de outras leis. No âmbito federal, por exemplo, a Lei 8.112/1990
expressamente dispõe que “a responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou
culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros”. Poderíamos ainda citar várias outras
hipóteses de responsabilização pelos prejuízos causados ao erário.
Assim, deve ficar claro que o agente público poderá ser demandado civilmente por prejuízos causados
ao erário, sendo a conduta dolosa ou culposa. Porém, tal prejuízo não representará ato de improbidade
administrativa, e, portanto, não poderá ser sancionado na forma da Lei 8.429/1992.
Por exemplo: João dispensou indevidamente um processo de licitação, em virtude da imperícia no
exercício de suas funções, causando prejuízo ao erário devidamente comprovado. Nesse caso, ele não
poderá responder por ato de improbidade, já que a imperícia é manifestação da culpa. Porém, poderá
ser demandado em ação de ressarcimento, já que esta é cabível com dolo ou culpa.
Logo, a mudança não alcança o dever de ressarcir o erário (responsabilidade civil), mas apenas a
responsabilização por ato de improbidade, uma vez que este, a partir de agora, somente se manifesta
mediante dolo.
A segunda mudança é que a legislação passa a exigir que a lesão ao erário seja efetiva e comprovada.
Nesse contexto, antes da reforma, o STJ admitia algumas hipóteses em que a lesão ao erário era presumida
(in re ipsa).9 O exemplo mais clássico era o caso de dispensa de licitação indevida. Nesse caso, entendia-se
que a ausência de competição impedia que a administração alcançasse proposta mais vantajosa,
presumindo, assim, a lesão ao erário. Entretanto, o próprio inciso sobre dispensa de licitação foi alterado,
passando a definir que a conduta deverá ensejar “perda patrimonial efetiva” (art. 10, VIII).
Ademais, o § 1º do art. 10, também incluído pela reforma da LIA, afirma que, nos casos em que a
inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não
ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades sujeitas à Lei de
Improbidade. Isso porque exigir o ressarcimento sem comprovar o dano é o mesmo que cobrar de alguém
sem que haja prova de que essa pessoa lhe deve. Daí porque tal prática é denominada de enriquecimento
sem causa, hipótese vedada pela legislação.
Por fim, o conceito apresenta algumas hipóteses de manifestação da lesão ao erário: perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres. Não existe um conceito
específico para cada uma dessas espécies. Assim, basta entender que essas situações ensejam a diminuição
do patrimônio público, motivo pelo qual constam como lesão ao erário.
Agora, vamos analisar cada uma das condutas enumeradas no art. 10, tecendo comentários quando
necessário (observação: para fins didáticos, alguns incisos não estarão na ordem):
9 Como exemplo, o STJ adotou esse entendimento no REsp 728.341/SP, julgado em 14/3/2017. Na ocasião, afirmou-se
que: “1. No que tange à possibilidade de imposição de ressarcimento ao erário, nos casos em que o dano decorrer da
contratação irregular proveniente de fraude a processo licitatório, como ocorreu na hipótese, a jurisprudência desta Corte
de Justiça tem evoluído no sentido de considerar que o dano, em tais circunstâncias, é in re ipsa, na medida em que o
Poder Público deixa de, por condutas de administradores, contratar a melhor proposta. Precedentes: REsp
1.280.321/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 9/3/2012. AgRg nos EDcl no AREsp
419.769/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/10/2016, DJe 25/10/2016. REsp 1.376.524/RJ,
Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 2/9/2014, DJe 9/9/2014”. Com a reforma da LIA, entretanto,
é provável que tal entendimento deixe de prevalecer, por contrariar disposição expressa adotada pela Lei 14.230/2021.
I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio
particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.
1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie; [...]
Essas condutas se assemelham a algumas hipóteses de enriquecimento ilícito, mas com a diferença de que,
nesses casos, o agente público não recebe vantagem patrimonial indevida. Em outros termos, são
terceiros que gozarão da incorporação ou utilização indevida do patrimônio público. Ademais, no caso dos
incisos IV, V e XIII, a única diferença para o enriquecimento ilícito é que o agente público não perceberá
a vantagem patrimonial indevida.
Por sinal, note que quem define a espécie de ato de improbidade é o agente público. Logo, mesmo que o
terceiro se enriqueça, o ato de improbidade que os dois responderão (o agente público e o terceiro) será a
lesão ao erário. Assim, no caso do inciso XII, o terceiro se enriquece ilicitamente, mas o ato praticado será
lesão ao erário, uma vez que o agente público não terá percebido vantagem patrimonial indevida.
Além disso, não confunda o fato de permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente com receber para outrem vantagem patrimonial indevida. Esta será enriquecimento ilícito, pois
o agente público recebe a vantagem, ainda que ela seja direcionada para outra pessoa (como cônjuge ou
filhos). Já no caso de permitir que terceiro se enriqueça o agente não ganha nada, mas permite, facilita ou
concorre para que terceiro se enriqueça indevidamente.
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de
fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das
formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
Esse caso é bastante capcioso. Note que a doação poderá até ter fins educativos ou assistências. Porém, se
não houver observância das formalidades aplicáveis, restará configurado o ato de improbidade.
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou
aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
Imagine, por exemplo, que um agente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
conceda financiamentos com recursos públicos, mas propositalmente não exija garantia suficiente e idônea
para resguardar o patrimônio estatal. Outro exemplo seria a liberação de recursos pela União, mediante
operação de crédito, sem observar as normas aplicáveis.
O benefício fiscal versa sobre algum tipo de vantagem fiscal, como a redução ou isenção de determinada
carga tributária. Não há, por outro lado, uma definição precisa do que seria benefício administrativo.
Evitaremos aprofundar nesse debate, pois a discussão conceitual foge ao objetivo desse curso.
O Estado pode contratar particulares para o fornecimento de bens, prestação de serviços, realização de
obras, etc. Para isso, em regra, a seleção do contratado dependerá de prévia licitação.
Por outro lado, também é possível que o Estado firme parcerias com entidades privadas sem fins lucrativos,
por meio de vários instrumentos, como os convênios, contrato de gestão, termo de parceria, termo de
colaboração, termo de fomento, etc. Nesse caso, a seleção poderá depender de um processo seletivo,
muitas vezes denominado chamamento público.
Assim, seja na licitação para firmar um contrato ou no processo seletivo para firmar parceria, haverá ato
de improbidade que causa lesão ao erário se o responsável frustrar a licitude desses procedimentos e restar
comprovada a perda patrimonial efetiva.
Da mesma forma, também será ato de improbidade a dispensa indevida10 desses procedimentos, também
se exigindo a comprovação da perda patrimonial efetiva para a configuração da modalidade que enseja
lesão ao erário. Tome cuidado, entretanto, pois a dispensa deverá ser indevida, uma vez que existem
hipóteses lícitas de dispensa de licitação.
10 O legislador adotou apenas o termo “dispensá-los” indevidamente. Entretanto, a dispensa de licitação é apenas uma
espécie de contratação direta, ou seja, de contratação sem licitação. Sendo mais específico, as hipóteses de contratação
sem licitação se subdividem em dispensa (dispensada e dispensável) e inexigibilidade (Lei 14.133/2021, arts. 72 a 76). De
fato, pelo contexto, parece que o legislador quis tratar de todas as hipóteses de contratação direta. Nessa linha, Marçal
Justen Filho esclarece que (2021, p. 145): “Deve-se reputar que o dispositivo abrange não apenas as hipóteses de dispensa
propriamente dita de licitação, mas também aqueles qualificados na legislação própria como inexigibilidade de licitação.
Também compreende as situações previstas no art. 28, § 3º, da Lei 13.303 (Lei das Estatais), indicadas como caso de
descabimento de licitação”.
Por fim, é importante adiantar uma novidade apresentada pela Lei 14.230/2021. Conforme vimos, agora a
LIA exige a perda patrimonial efetiva, afastando a possibilidade de dano presumido pelo ato de
improbidade. Mas imagine que uma autoridade pública, com o objetivo de alcançar benefício para si ou
para terceiro, frustra a licitude do processo de licitação, mas a contratação acontece sem lesão ao erário.
Nesse caso, o ato também configurará improbidade administrativa, mas como ato que atenta contra os
princípios da administração. Vamos detalhar melhor isso quando abordarmos o art. 11 da LIA.
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de
qualquer forma para a sua aplicação irregular;
Anteriormente, a redação afirmava que configurava ato de improbidade “agir negligentemente”. Todavia,
com a exclusão da conduta culposa, não há mais como admitir a negligência como manifestação do ato de
improbidade. Logo, a designação das condutas foi alterada para “agir ilicitamente”.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de
serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas
na lei;
Com efeito, o contrato de rateio é o instrumento que prevê o quanto de recurso que cada ente associado
terá que passar para o funcionamento do consórcio. Como as despesas dependem de autorização em lei
orçamentária, não é possível firmar o contrato de rateio sem que haja dotação (autorização na lei
orçamentária) para isso. Logo, firmar o contrato de rateio de forma irregular será ato de improbidade.
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas,
verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada
mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
Todas essas condutas foram inseridas na Lei de Improbidade por intermédio da Lei 13.019/2014,11 que
trata do regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil,
em regime de mútua cooperação. O objetivo é impedir que as parcerias sejam utilizadas com propósitos
ilícitos.
Anota-se ainda que, no inciso XIX, a redação anterior previa a conduta negligente. Conforme já explicado,
não mais se admite essa forma de manifestação de ato de improbidade.
Essa conduta foi inserida na L8429, inicialmente, como uma quarta categoria de atos de improbidade,
constando no “art. 10-A”. Essa previsão em separado, entretanto, causava bastante estranheza, pois se
tratava de conduta isolada e que quebrava o escalonamento das clássicas três espécies de atos de
improbidade. Por isso, a reforma da Lei de Improbidade revogou o art. 10-A e transferiu a mesma conduta
para o inciso XXII do art. 10. Agora, trata-se de uma das condutas que configuram lesão ao erário.
Nesse contexto, constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder,
aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem a LC 116/2003.
O art. 8º-A, § 1º, da LC 116/2003, por sua vez, estabelece que a alíquota mínima do Imposto sobre Serviços
de Qualquer Natureza é de 2%. Com efeito, tal imposto não poderá ser objeto de concessão de isenções,
incentivos ou benefícios tributários ou financeiros que venham a resultar em carga tributária menor que a
decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%.12
Em resumo, o ato de improbidade que estamos falando configura-se quando uma autoridade, por ação ou
omissão, conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário que enseje a aplicação de uma
alíquota abaixo dos 2% para o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, exceto em relação aos
serviços que a própria LC 116/2003 permita instituir alíquota menor.
12 A própria Lei Complementar 116/2003 apresenta exceções, ou seja, apresenta casos em que poderá ser instituída uma
carga tributária abaixo dos 2%, sem que isso represente uma irregularidade. Os serviços que podem ter alguma isenção
que enseje uma alíquota abaixo dos 2% são os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003,
quais sejam:
7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e
de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem,
pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de
mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de
mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
16.01 - Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros.
Disposições complementares sobre a lesão ao erário
A Lei 14.230/2021 incluiu dois parágrafos no art. 10. O primeiro deles veda o enriquecimento sem causa da
administração, conforme vimos na introdução desse subtítulo sobre a lesão ao erário.
A exploração de atividade econômica é atividade que se submete a riscos e, por isso, não há como esperar
que toda atuação estatal nesse ramo seja bem-sucedida. Naturalmente, danos decorrentes de eventos
imprevisíveis e extraordinários, a exemplo da pandemia de Covid-19, não poderiam ser sancionados como
atos de improbidade. O dispositivo, entretanto, vai além disso, abarcando danos decorrentes dos riscos
ordinários da atividade empresarial, como a concorrência com outras empresas, inovações, novas
tendências, riscos de operações, etc.
Por exemplo: se o Banco do Brasil (empresa estatal) sofrer um “calote” em virtude de operação financeira
que observou as cautelas e regras esperadas para esse negócio, não haverá ato de improbidade dos
responsáveis.
Assim, somente o dano decorrente de conduta dolosa poderá, de fato, ser sancionado como improbidade.
Por exemplo, “a concessão de financiamentos com recursos públicos, sem observar as regras aplicáveis,
com o propósito de favorecer indevidamente a empresa de um amigo” será um ato de improbidade e o
ressarcimento ao erário poderá ser imputado ao agente responsável.
A violação dos princípios da administração pública independe da ocorrência de dano ao patrimônio público
ou de enriquecimento ilícito do agente (art. 11, § 3º). Nesta categoria de improbidade, o agente público
viola algum princípio fundamental protegido pelo ordenamento jurídico. Entretanto, não basta a mera
violação do princípio, uma vez que a conduta deverá ser dolosa e com um objetivo específico.
Nessa linha, a L8429 dispõe que:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade,
de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: [...].
(i) a expressa exigência de dolo, que na definição da LIA passa a ser o dolo específico, logo não mais
admitindo dolo genérico;
(ii) o rol de condutas passa a ser taxativo;
(iii) foi excluída a violação do dever de “lealdade às instituições”, que constava no caput do art. 11;
(iv) foram revogadas as condutas descritas nos incs. I, II, IX e X do art. 11;
(v) foram inseridas duas novas condutas: inc. XI (nepotismo) e XII (promoção pessoal).
Na verdade, quase todas as condutas listadas no art. 11 foram ou revogadas, ou alteradas ou novas foram
inseridas.
Ademais, os parágrafos do art. 11 apresentaram algumas regras para melhor compreensão do que seria
um ato que viola princípios da administração. Isso ocorre principalmente porque essa é a conduta com
maior “subjetividade”. Não podemos generalizar o alcance de violação de princípios, senão toda e qualquer
ilegalidade seria também ato de improbidade, já que seria uma violação “ao dever de legalidade”.
Nessa linha, a Lei de Improbidade dispõe que somente haverá improbidade administrativa que atenta
contra os princípios quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter
proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (art. 11, § 1º). Essa regra,
ademais, será aplicada a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados tanto na L8429 como
em leis especiais13 e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei
(art. 11, § 2º).
Além disso, o enquadramento de conduta funcional na categoria de ato de improbidade que atenta contra
os princípios pressupõe a demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública,
com a indicação das normas constitucionais, legais ou infralegais violadas (art. 11, § 3º). Logo, não se
pode punir um agente por ato de improbidade sem que tal princípio viole um dever específico de
honestidade, de imparcialidade e de legalidade previamente definidos na legislação.
Por fim, a legislação dispõe que os atos de improbidade exigem lesividade relevante ao bem jurídico
tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos
ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos. Nas palavras de Marçal Justen Filho: “não se
configura improbidade quando a violação ao dever de honestidade, de imparcialidade ou de legalidade
envolver bens jurídicos de pequeno valor econômico, produzir efeitos nocivos diminutos ou irrelevantes
ou revelar elemento subjetivo de reprovabilidade muito limitada”. Portanto, a legislação adotou o
princípio da insignificância no sancionamento por atos de improbidade.
dolo
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou
colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado;
Nesse caso, o agente público revela um segredo cujo teor conheceu em razão das atribuições do cargo.
Ademais, a conduta exige que o vazamento tenha como consequência:
13A tipificação de condutas como atos de improbidade não é exclusividade da Lei 8.429/1992, em que pese a maioria dos
atos dessa natureza sejam nela enumerados. Um exemplo é a Lei 10.527/2001 (Estatuto da Cidade), que enumera algumas
hipóteses de atos de improbidade no art. 52. Para fins de concurso, todavia, essas disposições especiais somente são
cobradas se literalmente exigidas em edital.
14 Lembrando que os incisos I, II, IX e X foram revogados pela Lei 14.230/2021
a) benefício pela informação privilegiada; ou
b) risco para a segurança da sociedade e do Estado.
Vamos avançar!
IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para
a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei;
Trata-se de uma violação ao princípio da publicidade. A regra é a ampla divulgação de informações, mas a
própria Constituição Federal admite o sigilo quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado
(CF, art. 5º, XXXIII). Ademais, a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) regulamenta a regra
constitucional, protegendo também as informações pessoais.
Provavelmente, esta será a conduta mais cobrada em questões de concursos sobre atos que violam os
princípios. Anteriormente, somente frustrar a legalidade de concurso público figurava nesta hipótese de
improbidade. Porém, o rol foi ampliado pela reforma da LIA.
Nesse contexto, configura ato de improbidade frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial
de:
a) concurso público;
b) chamamento;
c) procedimento licitatório.
Entenda por “chamamento” como um procedimento de seleção. Muitas vezes, denomina-se chamamento
público a seleção de entidades privadas sem fins lucrativos para a celebração de parcerias com a
administração.15
Ademais, a frustração deverá ter um propósito: obtenção de benefício, que poderá ser próprio, direto ou
indireto, ou para terceiros.
15 Algumas normas adotam este termo de forma expressa, como a Lei 13.019/2014 (Lei das Parcerias), em seu art. 2º, XII.
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das
condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;
Todos aqueles que recebem recursos públicos possuem o dever de prestar contas (CF, art. 70, parágrafo
único). Se o agente não prestar contas, dispondo de condições para isso e com o objetivo de ocultar
irregularidades, haverá o ato de improbidade.
Imagine, por exemplo, um servidor do Ministério da Economia ou do Banco Central que toma
conhecimento de medida econômica, em virtude da função que ocupa, e vaza a informação antes do
momento indicado para a sua divulgação, obtendo vantagens na compra ou venda de ações na bolsa de
valores.
Este é mais um caso sobre as parcerias firmadas com entidades privadas, mas aqui sem dano ao erário.
Essa conduta foi inserida na Lei de Improbidade pela Lei 14.230/2021. Trata-se da mesma redação da
Súmula Vinculante 13 do STF.
a) cônjuge;
b) companheiro; ou
c) parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive.
Por exemplo, um tio é parente de terceiro grau, enquanto o primo é parente de quarto grau. Logo, o tio
não pode ser nomeado, já que a vedação alcança, inclusive, o terceiro grau. Por outro lado, o primo poderá
ser nomeado, pois é parente de quarto grau. A figura a seguir, retirada do site da CGU, ajuda a entender
melhor a relação de parentesco.16
16 https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/prevencao-da-corrupcao/nepotismo/perguntas-e-respostas
A segunda pergunta é: mas parentes de quem? Bom, essas pessoas não podem ser parentes:
a) da autoridade nomeante;
b) de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento
(DCA).
Por exemplo, Jorge é casado com Ana. Vamos supor que Ana seja a responsável pela nomeação de cargos
em comissão na “autarquia X”. Nesse caso, ela não poderá nomear Jorge, em virtude do grau de
parentesco. Vamos pensar em um segundo exemplo. Joana é casada com Antônio, que ocupa cargo de
direção na “autarquia X”. Vamos manter Ana como a autoridade nomeante e considerar que ela não tem
parentesco com Joana. A pergunta é: Ana poderia nomear Joana para cargo em comissão, mesmo que uma
não tenha parentesco com a outra? A resposta é não, uma vez que o marido de Joana ocupa cargo de
direção na mesma pessoa jurídica. Portanto, o grau de parentesco trata da autoridade nomeante ou de
outro servidor que ocupe cargo de direção, chefia ou assessoramento na mesma pessoa jurídica.
A vedação trata da nomeação ou designação para:
Não vamos entrar no mérito do significado das expressões utilizadas nesse caso. De forma mais simples,
não se permite nomear alguém para ocupar cargo comissionado ou (designar) para função de confiança.
Ademais, como não poderia deixar de ser, a vedação vale para toda a administração pública, direta ou
indireta, de todos os Poderes e em todos os entes da Federação, ou seja, para a União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios.
Por fim, a legislação também veda o ajuste mediante designações recíprocas, também conhecido como
nepotismo cruzado. Imagine duas diretoras de órgãos públicos. Para “esconder” o nepotismo, uma
combina de nomear o marido da outra. Assim, não haverá parentesco direto entre a autoridade nomeante
e o nomeado, mas será apenas uma forma de “esconder” o nepotismo. Tal prática também configurará ato
de improbidade administrativa.
Há, entretanto, uma última disposição na Lei de Improbidade sobre esse tema. A LIA prevê que não se
configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos
eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente (art. 11, § 5º).
O significado dessa disposição é incerto. Não há como saber o que seria “mera nomeação” e outros pontos
desse trecho são duvidosos. Porém, uma possível interpretação é restringir o alcance do inciso XI somente
para os cargos de natureza administrativa. Assim, não haveria nepotismo e improbidade no caso de
nomeações para os cargos de natureza política. Por sinal, esse é o posicionamento do STF em relação ao
alcance da Súmula Vinculante 13 e não haveria motivo para interpretar o inciso XI do art. 11 da LIA de forma
diferente (por mais que o anseio republicano causa estranheza).
Assim, de forma simplificada, o STF entende que a Súmula Vinculante 13 não veda a nomeação de parentes
para os cargos de natureza política, como o cargo de secretário estadual ou municipal.17 Portanto, um
governador, por exemplo, poderia nomear a sua esposa para o cargo de secretária estadual, sem que
houvesse nepotismo. O entendimento do STF é que os cargos políticos não se submetem aos princípios do
art. 37 da Constituição Federal, em virtude da sua função de governo, motivo pelo qual o tratamento
constitucional seria distinto.
Logo, é muito provável que a intenção do legislador, com o art. 11, § 5º, foi justamente o de excepcionar
as nomeações políticas. Entretanto, mesmo nesse caso, haverá improbidade administrativa se a nomeação
for realizada com dolo com finalidade ilícita.
17STF, RE 579.951/RN, julgado em 20/8/2008. Este tema será analisado pelo STF em repercussão geral no RE 1133118
(Tema 1000).
XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de
publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma
a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de
programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.
Trata-se da promoção pessoal das autoridades públicas, conduta que ofende, entre outros princípios, a
impessoalidade e a moralidade. Esta conduta também é novidade da Lei 14.230/2021.
Nesses termos, a Constituição Federal dispõe que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e
campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela
não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades
ou servidores públicos”.
Um exemplo seria a autoridade pública colocar uma placa no local de reforma de uma escola com a sua
foto e dizeres “o Prefeito João da Improbidade felicita a população com esta nova obra realizada na sua
gestão”. No caso, ao invés de ter o caráter informativo, a placa terá o fim de enaltecer o Prefeito João da
Improbidade, configurando, assim, ato que atenta contra os princípios da administração pública.
(TJDFT) A procrastinação é uma conduta que pode configurar ato de improbidade administrativa que
causa prejuízo ao erário, por gerar atrasos e ineficiência do serviço público.
Comentários:
A procrastinação se refere ao atraso, adiamento de alguma ação que deveria ser tomada. Essa conduta,
entretanto, não poderá configurar ato de improbidade, por si só, uma vez que a LIA exige dolo na conduta,
com um propósito específico. Na procrastinação, entretanto, o agente deixa de fazer algo que ele queria
fazer, para fazer outra coisa. Logo, não há dolo específico nesse tipo de conduta. Logo, o item está errado.
(IBAMA) A utilização de cargo público para favorecer enriquecimento ilícito de amigo ou parente é
considerada improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário.
Comentários:
Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa,
que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades protegidas pela LIA. Além disso, a L8429 cita como exemplo
de ato de improbidade dessa natureza: “XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente”.
Portanto, o caso descrito na questão: “utilização de cargo público para favorecer enriquecimento ilícito de
amigo ou parente”, enquadra-se nas hipóteses de atos que causam prejuízo ao erário. Portanto a questão
está correta.
A reforma da Lei de Improbidade alterou todo o capítulo sobre as penalidades cabíveis pelos atos de
improbidade administrativa.
Inicialmente, cabe lembrar que as sanções pelos atos de improbidade são aplicadas pelo Poder Judiciário,
em ação judicial disciplinada pelo Código de Processo Civil e pelas disposições específicas da Lei de
Improbidade Administrativa.
Primeiro que o ressarcimento integral do dano patrimonial deixa de constar “na lista” de penalidades. Na
verdade, o ressarcimento do dano não chega a ser uma sanção em sentido estrito. Trata-se, na verdade, de
obrigação civil de reparação do prejuízo. Vamos explicar: se João bate no carro de Ana, causando prejuízo
patrimonial para esta, ele terá o dever de reparar esse dano. Isso não é uma sanção, mas apenas a
“correção” do que ele fez.
Entretanto, é comum chamar o ressarcimento, da forma imprópria, de sanção, até porque antes da reforma
da LIA o ressarcimento era uma “penalidade” prevista para quase todos os atos. Não há como saber, de
imediato, se o ressarcimento será ou não chamado de penalidade. Mas acreditamos que esse não seja o
“X” da questão.
Além disso, a LIA consagra a independência das instâncias. Logo, a aplicação das penas pelo ato de
improbidade independe das sanções previstas na legislação específica relativas às responsabilidades:
Observe que expressamente a reforma da LIA passa a consagrar o duplo regime sancionatório, ou seja, o
agente público poderá responder por crime de responsabilidade, se for o caso, sem prejuízo da
responsabilização pelo ato de improbidade administrativa. Essa tese já havia sido consagrada pelo STF antes
das mudanças promovidas pela L14230.1
Com efeito, o responsável também poderá ficar sujeito a outras penalidades nos âmbitos penais, civis e
administrativos. Exemplo: o agente poderá sofrer a pena de demissão, mediante processo administrativo
disciplinar.
Ademais, as sanções podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, conforme a gravidade do
fato. Assim, caberá ao juiz, no momento de realizar a dosimetria das penas, definir qual ou quais sanções
serão impostas, definindo também o seu conteúdo de forma motivada.
a) da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto: (i) à pena de ressarcimento; e
(ii) às condutas que causam lesão ao erário (art. 10);
b) da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de
Contas.
Para entender a letra “a” é só lembrar que o enriquecimento ilícito e os atos que atentam contra os
princípios não precisam ter dano. Logo, a aplicação de penalidades por essas condutas independe da efetiva
ocorrência de dano ao erário.
Além disso, a aprovação ou rejeição das contas, por si só, não afasta a responsabilidade pelo ato de
improbidade. Se o TCU, por exemplo, julga as contas do responsável como regulares, não estará afastada
a responsabilidade pelo ato de improbidade, especialmente porque a análise das contas sequer tem o
objetivo de averiguar esse tipo de ilícito.
Entretanto, os atos do órgão de controle interno ou externo serão considerados pelo juiz quando tiverem
servido de fundamento para a conduta do agente público e as provas produzidas perante os órgãos de
controle e as correspondentes decisões deverão ser consideradas na formação da convicção do juiz, sem
prejuízo da análise acerca do dolo na conduta do agente (art. 21, §§ 1º e 2º).
Nessa linha, os atos que importam em enriquecimento ilícito (EI) podem culminar nas seguintes sanções:
Por outro lado, se o ato causar lesão ao erário (LE), as penalidades cabíveis serão:
a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância;
b) perda da função pública;
c) suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos;
d) pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano; e
e) proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos.
Por fim, no caso de ato que atenta contra os princípios da administração pública (AP), a penalidades
cabíveis são as seguintes:
a) pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo
agente; e
b) proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos.
Perceba que as penalidades do enriquecimento ilícito e da lesão ao erário são basicamente as mesmas,
com as seguintes diferenças:
i) a perda dos bens, na lesão ao erário, somente ocorrerá de forma excepcional, ou seja, quando o
agente contribuir para isso (no caso, contribuir para terceiro se enriquecer);
ii) a multa é equivalente ao acréscimo ou ao dano, conforme se trate de EI ou LE, respectivamente;
iii) os prazos da suspensão dos d. políticos e da proibição de contratar ou receber benefícios são de até
14 ou até 12 anos, para EI e LE, respectivamente.
EI LE
EI X Se houver X 8 – 10 3x Acrésc. 10
LE Se concor. X X 5–8 2x Dano 5
CIB - - X 5–8 3x Benefício -
AP - Se houver X 3–5 100x remun. 3
Em regra, a sanção de perda da função pública atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza
que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração.
Por exemplo: João Dilapidando o Erário de Souza era prefeito municipal quando cometeu ato de
improbidade administrativa. Após o término do mandato, ele prestou concurso público e passou a ocupar
cargo de provimento efetivo. Nesse caso, a perda da função pública não ensejará a perda do cargo público
efetivo, uma vez que este não tem a mesma “qualidade e natureza” do vínculo que ocupava no momento
do cometimento do ato de improbidade.
Porém, no caso de enriquecimento ilícito (e somente nesse caso), o magistrado poderá, em caráter
excepcional, estender a perda da função pública aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do
caso e a gravidade da infração (art. 12, § 1º).
Disposições especiais sobre a multa
A multa pode ser aumentada até o dobro, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do
réu, o valor calculado pelas regras gerais é ineficaz para reprovação e prevenção do ato de improbidade
(art. 12, § 2º).
Na responsabilização da pessoa jurídica, deverão ser considerados os efeitos econômicos e sociais das
sanções, de modo a viabilizar a manutenção de suas atividades (ar. 12, § 3º).
Trata-se de aplicação da função social da pessoa jurídica. Pense comigo da seguinte forma: se uma
penalidade inviabilizar a atividade da pessoa jurídica, a entidade poderá ser fechada e, com isso, alguns
postos de trabalho também serão fechados. Logo, na aplicação das penalidades, isso deverá ser levado em
consideração, buscando viabilizar a manutenção das atividades das pessoas jurídicas.
Vimos acima que uma penalidade poderá ser a proibição de contratar e de receber benefícios. Mas qual
seria o alcance da proibição de contratar? A resposta encontra-se no art. 12, § 4º, da LIA:
Se o “caráter excepcional” é passar do ente público lesado, então podemos afirmar que o “caráter
ordinário” é que a penalidade tenha alcance restrito ao ente público lesado.
Por exemplo: se a empresa Malbaramento S. A. causa lesão ao erário do “município X”, a penalidade de
proibição de contratar será restrita ao município X (ente lesado). Porém, o juiz poderá ampliar o alcance da
sanção para os demais entes, desde que haja motivo relevante para isso. Imagine, por exemplo, que as
irregularidades foram graves e generalizadas, demonstrando que a empresa não é idônea para contratar
com o poder público. Nesse caso, com as justificativas, o juiz poderá ampliar o alcance da sanção para os
demais entes da Federação.
Ainda assim, o magistrado deverá considerar os impactos econômicos e sociais das sanções, de forma a
preservar a função social da pessoa jurídica.
Atos de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados
No caso de atos de menor ofensa aos bens jurídicos tutelados pela Lei de Improbidade, a sanção ficará
limitada à aplicação de multa, sem prejuízo do ressarcimento do dano e da perda dos valores obtidos,
quando for o caso (art. 12, § 5º).
Temos que cuidar um pouco com a redação desse dispositivo. Ele menciona apenas a sanção de multa, mas
isso não exclui: (i) o ressarcimento; (ii) a perda dos valores obtidos.
A sanção de proibição de contratação com o poder público deverá constar do Cadastro Nacional de
Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) de que trata a Lei Anticorrupção.2 O Cadastro, entretanto, deverá
observar as limitações territoriais contidas em decisão judicial, conforme vimos acima (art. 12, § 8º).
Momento da execução das penas e contagem de prazo da suspensão dos direitos políticos
A L8429 dispõe que as sanções pelos atos de improbidade somente poderão ser executadas após o trânsito
em julgado da sentença condenatória (art. 12, § 9º).
Essa disposição é curiosa, uma vez que o art. 20 dispõe que “a perda da função pública e a suspensão dos
direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória” (art. 20, caput).
2Lei Anticorrupção: Art. 23. Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de
governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e
Suspensas - CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por
eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
Não existe contradição entre as duas regras. Na verdade, o art. 20, caput, é um “resquício” das antigas
disposições da LIA, mas provavelmente esqueceram de atualizá-lo. Porém, trata-se de disposição que ficou
desnecessária, já o art. 12, § 9º, possui regra mais abrangente.
Com isso, podemos dizer que todas as penas por ato de improbidade somente se efetivam com o trânsito
em julgado, ou seja, com a decisão definitiva exarada pelo Poder Judiciário, da qual não caiba mais recurso.
Todavia, para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-
á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença
condenatória (art. 12, § 10). É uma regra bastante inusitada, uma vez que a sanção só produz os efeitos
após o trânsito em julgado, mas o prazo conta de forma retroativa, desde a decisão colegiada.
Note que o afastamento não é uma sanção, mas medida cautelar. Tanto que será aplicado sem prejuízo
da remuneração. Em outros termos, o agente público não poderá exercer as suas funções, mas perceberá
a remuneração como se estivesse efetivamente trabalhando.
Pelo mesmo motivo, também não é uma exceção da regra do “trânsito em julgado”, pois não podemos
confundir o afastamento preventivo (medida cautelar) com a sanção de perda da função pública (esta
sempre dependerá do trânsito em julgado).
Ademais, o afastamento preventivo será de até 90 (noventa) dias, prorrogáveis uma única vez por igual
prazo, mediante decisão motivada.
Dessa forma, podemos notar que ocorreram duas mudanças relevantes com a reforma da L14230:
i) a medida somente poderá ser determinada pelo Poder Judiciário (antes, a autoridade administrativa
também poderia fazê-lo);
ii) houve a fixação de prazo máximo, que antes não existia.
A regra de responsabilização diz que as sanções penais, civis e administrativas são independentes entre si.
Esse comando inclusive consta no caput do art. 12 da LIA, que prevê que as sanções por improbidade serão
aplicadas “independentemente [...] das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e
administrativas previstas na legislação específica”.
Essa regra, entretanto, não é absoluta e vamos ver inúmeras exceções na LIA.
Primeiro porque a L8429 prevê que as sanções aplicadas a pessoas jurídicas com base na Lei de Improbidade
e na Lei Anticorrupção deverão observar o princípio constitucional do non bis in idem (art. 12, § 7º). Por
isso, a própria LIA afasta a sua aplicação à pessoa jurídica caso o ato de improbidade administrativa seja
também sancionado como ato lesivo à administração pública de que trata a Lei Anticorrupção. Em outros
termos, no caso da pessoa jurídica – PJ, sendo o ato punível com base nas duas leis, aplicar-se-á a Lei
Anticorrupção para o sancionamento da PJ.
Nesse contexto, as sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando
concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria (art. 21, § 3º). Geralmente, somente
a sentença penal costuma vincular as demais instâncias. Todavia, a L14230 ampliou o rol para as sentenças
civis e penais.
Por exemplo: João estava sendo acusado de se apropriar de recursos públicos. Porém, em ação penal, ele
prova que os recursos foram aplicados em finalidade pública. Portanto, ele provou a negativa do fato, isto
é, o fato (desvio dos recursos) não aconteceu. Agora, imagine que João provou, na verdade, que quem
desviou os recursos foi Maria, sendo que ele não foi responsável por este fato. Nesse caso, a sentença
negará a autoria.
Com efeito, a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada,
impede o trâmite da ação da Lei de Improbidade, havendo comunicação com todos os fundamentos de
absolvição no Código de Processo Penal (art. 21, § 4º).1
Se ocorrer lesão ao patrimônio público, a reparação do dano deverá deduzir o ressarcimento ocorrido nas
instâncias criminal, civil e administrativa que tiver por objeto os mesmos fatos (art. 12, § 6º).
Ademais, as sanções eventualmente aplicadas em outras esferas deverão ser compensadas com as
sanções aplicadas nos termos da LIA (art. 21, § 5º). Por ora, entretanto, não temos como saber como essa
regra será aplicada.
É bastante comum a confusão entre a perda da função pública e a demissão. Aquela é a sanção judicial em
virtude do ato de improbidade, que somente se efetiva com o trânsito em julgado. Assim, podemos dizer
que a perda da função pública prevista na LIA é:
A demissão, por outro lado, é penalidade administrativa, ou seja, aplicada por uma autoridade da
administração pública, em virtude de infrações funcionais do servidor. Ademais, a aplicação da demissão
ocorre em processo administrativo disciplinar. Como se trata de ato administrativo, a demissão goza de
presunção de legitimidade e, por isso, não precisa do “trânsito em julgado administrativo”. No caso, a
penalidade poderá produzir os efeitos, ainda que pendente a análise de recurso.
O resultado das duas penas, todavia, será quase o mesmo: as duas encerram o vínculo do servidor público
com a administração.
Nesse contexto, um servidor público poderá ser “processado” na via judicial, com base na Lei 8.429/1992
e também poderá sofrer um processo administrativo disciplinar, pelo mesmo fato, na via administrativa.
Como exemplo, podemos citar a Lei 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Federais), que prevê a aplicação
da pena de demissão caso o servidor cometa “improbidade administrativa” (L8112, art. 132, IV).
De acordo com a Lei de Improbidade, os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de
suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei 9.096/ 1995, que dispõe justamente sobre os
partidos políticos. Logo, nessa apuração, será afastada a aplicação da Lei 8.429/1992.
a) anualmente; e
b) na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, do cargo, do emprego ou da função.
Ademais, será apenado com a pena de demissão, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público
que se recusar a prestar a declaração dos bens dentro do prazo determinado ou que prestar declaração
falsa.
2 Antes da Reforma, a LIA exigia a apresentação de declaração de bens, que poderia ser substituída pela declaração de
imposto de renda. Agora, a legislação já exige diretamente a declaração de imposto de renda.
Inicialmente, vamos explicar essa história de “procedimento administrativo” e de “processo judicial”. Você
já sabe que as penalidades pelo ato de improbidade são aplicadas em ação judicial, proposta pelos órgãos
competentes. Contudo, para propor a ação, é preciso apurar os fatos, reunir provas, identificar possíveis
responsáveis, identificar o dano, se for o caso, etc. Essa apuração ocorrerá antes da petição inicial, por meio
de um “inquérito”.
Vamos fazer uma analogia com o processo penal. Muitas vezes, a ação é apresentada pelo MP, mas antes
disso ocorre um inquérito, conduzido, em regra, pela polícia civil ou pela Polícia Federal. No inquérito são
produzidas as provas que, depois, serão utilizadas na ação penal.
Na ação de improbidade a apuração poderá ocorrer de forma muito semelhante. A administração pública
ou o Ministério Público se encarregarão de apurar os fatos e de produzir provas em processo
administrativo. Após a apuração, o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada será encarregado de
propor a ação de improbidade, na forma do art. 17 e seguintes, que serão estudados logo mais.
É facultado a qualquer pessoa representar à autoridade administrativa competente para que seja
instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade (art. 14, caput). Fique atento
com a designação, pois o termo “qualquer pessoa” tem um alcance bastante amplo.1
Como requisito de validade, a representação deverá ser escrita ou reduzida a termo e assinada, contendo:
a) a qualificação do representante;
b) as informações sobre o fato e sua autoria; e
c) a indicação das provas de que tenha conhecimento.
Perceba que é requisito a identificação do representante. A denúncia anônima será rejeitada, uma vez que
não atende aos requisitos legais. Trata-se de reflexa da regra constitucional de vedação ao anonimato.
Entretanto, isso não significa que a administração não poderá fazer nada com a denúncia anônima. Nesse
aspecto, tanto o STF2 como o STJ3 admitem a utilização das provas fornecidas em denúncias anônimas,
permitindo a instauração de procedimentos investigativos preliminares, de caráter reservado, para
comprovar a veracidade das provas. A partir daí, a administração poderá agir com o seu poder-dever de
1 Às vezes, as bancas gostam de fazer pegadinhas do tipo: “somente cidadão” poderá representar contra ato de
improbidade. Tal afirmação está errada, pois “qualquer pessoa” tem alcance mais amplo do que “qualquer cidadão”.
2 STF, RMS 29.198/DF, julgado em 30/10/2012.
3 A Súmula 611 do STJ trata de procedimento administrativo disciplinar, mas os seus fundamentos também se aplicam ao
procedimento administrativo de apuração de ato de improbidade, dada a natureza administrativa dessa apuração:
“Súmula 611 – Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a
instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de
autotutela imposto à Administração”.
investigação, instaurando o procedimento administrativo de ofício. O que não se admite é a instauração do
procedimento exclusivamente a partir da denúncia anônima.
Portanto, a identificação é requisito da representação (logo, ela será rejeitada se não atender a esta
exigência), mas a administração poderá aproveitar o conteúdo da denúncia anônima, por meio de
procedimentos preliminares, a partir de seu poder-dever de apuração.
Casos sejam atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos
fatos. Nesse caso, a decisão é vinculada, pois, caso sejam atendidos os requisitos da L8429,
obrigatoriamente a autoridade deverá apurar a representação, utilizando-se do devido processo
administrativo disciplinar. Por sinal, a LIA dispõe que a apuração observará a legislação que regula o
processo administrativo disciplinar aplicável ao agente.
Por exemplo: se a representação envolver servidor público federal, a apuração ocorrerá conforme regras
do processo disciplinar da Lei 8.112/1990.
Na mesma linha, a L8429 dispõe que, se houver indícios de ato de improbidade, a autoridade que conhecer
dos fatos representará ao Ministério Público competente, para as providências necessárias (art. 7º).
Em que pese não seja objetivo da LIA definir crimes, há um crime específico previsto na
L8429. Segundo o art. 19 da Lei de Improbidade:
Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro
beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos
danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.
Segundo a L8429, para apurar qualquer ilícito previsto na LIA, o Ministério Público poderá instaurar
inquérito civil ou procedimento investigativo assemelhado e requisitar a instauração de inquérito policial
(art. 22). Essa apuração do MP poderá ocorrer:
a) de ofício;
b) a requerimento de autoridade administrativa; ou
c) mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14 (aquele que pode ser
apresentada por qualquer pessoa).
De acordo com a LIA, a ação para a aplicação das sanções de improbidade será proposta pelo Ministério
Público e seguirá o procedimento comum previsto no Código de Processo Civil (CPC - Lei 13.105/2015),
salvo o disposto na própria Lei de Improbidade (art. 17, caput). Portanto, podemos dizer que a ação de
improbidade é regida pelo CPC, exceto as regras especiais definidas na Lei de Improbidade.
A intenção do legislador, com a reforma realizada pela Lei 14.230/2021, foi atribuir a competência
exclusiva para o MP mover a ação de improbidade.
Todavia, o STF julgou declarou a inconstitucionalidade em parte de dispositivos da LIA1, sem redução de
texto, para considerar que o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas possuem
legitimidade ativa concorrente e disjuntiva para a propositura da ação por ato de improbidade
administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil.
A pessoa jurídica interessada é aquela que sofreu o ato de improbidade. Por exemplo: se o ato for
cometido contra um município, tanto este (o município) como o MP poderão propor a ação de
improbidade.
Na mesma oportunidade, o Supremo declarou parcialmente inconstitucional, com redução de texto, o
art. 17, § 20, considerando que não existe “obrigatoriedade de defesa judicial”; havendo, porém, a
possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial,
por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos
administrativos praticados pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica. [ADIs
7042 e 7043. Rel. Min. Alexandre de Moraes. Julgamento em 31/8/2022].
Fique atento, entretanto, pois a decisão não suprimiu o texto do art. 17, caput, mas apenas se fixou o
sentido de sua interpretação (ou seja, não se afasta a possibilidade de a pessoa jurídica interessada
também ingressar com a ação).
É possível que ocorra a cobrança literal, conforme consta na redação, no sentido de que somente o MP
terá legitimidade para mover a ação. Por outro lado, as bancas poderão cobrar o entendimento “real”
em questões contextualizadas (questões perguntando sobre uma situação hipotética) ou poderão
cobrar expressamente a posição do STF. Nesses dois casos, dê prioridade para a responder que a
competência é concorrente do MP e da pessoa jurídica interessada.
1 L8429, art. 17, caput §§ 6º-A e 10-C; e art. 17-B, caput e §§ 5º e 7º.
Portanto, podemos dizer que a ação de improbidade poderá ser movida pelo Ministério Público (conforme
consta literalmente na Lei de Improbidade) ou pela pessoa jurídica interessada (conforme posição do STF).
Entenda como pessoa jurídica interessada aquela que sofreu o ato de improbidade. Por exemplo: se o ato
de improbidade foi cometido contra o Município Gama, este terá a prerrogativa de mover a ação de
improbidade, por intermédio de sua procuradoria jurídica (advocacia pública).
LIA MP
Legitimidade ativa
+ PJ Interessada
STF
Ação de (concorrente)
improbidade
Comum
Procedimento
Exceto normas
Previsto no CPC
específicas da LIA
A ação deverá ser proposta perante o foro do local onde ocorrer o dano ou da pessoa jurídica prejudicada
(art. 17, § 4º-A). Por exemplo, se o dano foi causado no município X e contra este município, a ação será
apresentada no foro deste referido ente.
O Ministério Público (ou a pessoa jurídica interessada) 2 poderá requerer as tutelas provisórias adequadas
e necessárias, nos termos dos arts. 294 a 310 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo
Civil). Isso significa que o MP poderá pedir tutelas urgentes, como medidas para assegurar o ressarcimento
(como a indisponibilidade dos bens).
2 Com o julgamento das ADIs 7042 e 7043, o STF também reconheceu esta competência à pessoa jurídica interessada.
2) se não atender aos requisitos, o juiz rejeitará petição inicial;
3) por outro lado, estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a citação dos
requeridos para contestação;
4) o prazo para a contestação será comum (para todos os requeridos) de 30 (trinta) dias, contado na
forma do CPC (art. 231);
5) o réu poderá apresentar questões preliminares na sua contestação;
6) da decisão que rejeitar questões preliminares suscitadas pelo réu em sua contestação caberá agravo
de instrumento;
7) oferecida a contestação e, se for o caso, ouvido o autor, o juiz:
a) procederá ao julgamento conforme o estado do processo, observada a eventual inexistência
manifesta do ato de improbidade;
b) poderá desmembrar o litisconsórcio,3 com vistas a otimizar a instrução processual.
8) após a réplica do Ministério Público4, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a
tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu (essa ainda não é a decisão “final”,
pois aqui estamos debatendo o início da ação de improbidade);
9) é vedado ao juiz modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor (por exemplo:
se o MP indicou violação ao “inciso W do art. 9º, não poderá o juiz alterar o enquadramento para o
“inciso Z do art. 10”);
10) proferida a decisão mencionada no item “8”, as partes serão intimadas a especificar as provas que
pretendem produzir; e
11) segue o processo conforme rito do CPC e regras especiais da LIA.
3Em termos simples, o litisconsórcio ocorre quando há mais de uma pessoa em algum polo de um processo judicial. Por
exemplo: se houver dois réus sobre a mesma ação de improbidade, podemos dizer que eles estão em litisconsórcio passivo.
4 Caso a ação seja proposta pela pessoa jurídica interessada, a réplica será concedida à pessoa jurídica interessada,
conforme decisão monocrática nas ADIs 7042 e 7043.
Adicionalmente, o § 14 prevê que, sem prejuízo da citação dos réus, a pessoa jurídica interessada será
intimada para, caso queira, intervir no processo. Isso acontece porque a pessoa jurídica interessada não
goza mais de legitimidade para propor a ação de improbidade. Assim, mesmo que a ação seja apresentada
pelo MP, a pessoa jurídica interessada poderá intervir no processo, caso queira.
Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre
aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA (art. 17, § 10-D). Logo, não pode o autor indicar “vários incisos”
para enquadrar um único ato de improbidade.
Além disso, será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que (art.
17, § 10-F):
Ainda sobre os aspectos processuais, é importante a reprodução do § 19 do art. 17, que dispõe que:
A revelia acontece quando o réu é citado e não apresenta contestação. Entretanto, na ação de improbidade,
são aplicados os princípios do direito administrativo sancionador. Logo, não podemos presumir a
responsabilidade do réu. Assim, não vale a regra do “quem cala consente”, permanecendo a obrigação de
o MP comprovar a responsabilidade pelo ato de improbidade.
Ademais, ao réu será assegurado o direito de ser interrogado sobre os fatos de que trata a ação, e a sua
recusa ou o seu silêncio não implicarão confissão (art. 17, § 18).
Além disso, a regra do inciso IV é corroborada com a disposição do § 3º do art. 17-C, que dispõe que não
haverá remessa necessária nas sentenças da Lei de Improbidade.
A remessa necessária, também denominada duplo grau de jurisdição obrigatório, consta no art. 496 do
Código de Processo Civil e ocorre, entre outros casos, quando for proferida decisão “contra a União, os
Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público”.
Assim, se o juiz emitir sentença em desfavor dessas entidades, ele deverá, de ofício, enviar o processo para
o segundo grau de jurisdição. Logo, independentemente de recurso, a ação deveria tramitar na segunda
instância antes de produzir os seus efeitos.
Entretanto, como a L8429 é norma especial sobre a ação de improbidade, não haverá remessa necessária
nas ações de improbidade. Portanto, não se aplica a regra do duplo grau de jurisdição obrigatório nas ações
de improbidade administrativa. Isso, entretanto, não impede que o MP apresente apelação contra a
decisão de primeiro grau. O que se está dizendo é que a ação não vai “subir” de ofício para o segundo grau.
Na ação de improbidade, não se aplica a remessa necessária
(duplo grau de jurisdição obrigatório)
Ademais, a propositura da ação de improbidade prevenirá a competência do juízo para todas as ações
posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto (art. 17, § 5º). Se, por
exemplo, inicia-se uma ação sobre um fato em determinado foro, as novas ações sobre esse mesmo caso
também deverão iniciar neste mesmo foro.
Por fim, das decisões interlocutórias caberá agravo de instrumento, inclusive da decisão que rejeitar
questões preliminares suscitadas pelo réu em sua contestação (art. 17, § 20).
Em regra, os sócios e administradores não respondem pelos ilícitos da pessoa jurídica. Entretanto, há
situações em que a PJ é utilizada para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos; ou para
provocar confusão patrimonial.
Vamos dar um exemplo: a Empresa X tem como sócios João e Maria. Porém, após fraude comprovada em
licitação, a Empresa X foi devidamente penalizada com a proibição de contratar. Porém, João e Maria
abriram uma nova empresa, agora denominada Empresa Y, com o objetivo de poder participar de novas
licitações e cometer novas fraudes. Perceba que o problema aí são os sócios e não a empresa. Nesse caso,
a personalidade jurídica da Empresa X será desconsiderada, estendendo os efeitos da penalidade para os
dois sócios. Logo, se eles abrirem uma nova empresa, esta nova empresa também não poderá contratar,
tendo em vista que os seus sócios foram penalizados, desconsiderando-se a personalidade jurídica das
empresas.
Segundo a LIA, se a imputação envolver a desconsideração de pessoa jurídica, serão observadas as regras
previstas nos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 do CPC (LIA, art. 17, § 15).
Nessa linha, a reforma promovida pela L14230 inseriu o art. 17-D, nos seguintes termos:
Dessa forma, a ação de improbidade administrativa não tem o objetivo de promover o controle de
legalidade, mas sim de punir os agentes públicos ou terceiros pelos atos de improbidade.
Agora, imagine que o MP propôs ação de improbidade com o objetivo de punir agente público, mas “no
meio do caminho”, o juiz percebe que não estão presentes os requisitos para aplicação de sanções aos
agentes envolvidos, mas subsiste a ilegalidade. Logo, temos um ato que deveria ser desfeito, mas não
temos elementos para aplicar as sanções. Nesse caso, podemos aplicar a regra do § 16 do art. 17 da LIA:
Assim, não existindo condições para aplicar as penas, mas existindo a ilegalidade passível de controle,
poderá o juiz converter a ação de improbidade em ação civil pública. Dessa decisão, entretanto, caberá
agravo de instrumento (art. 17, § 17).
Vamos iniciar esta parte pela literalidade do texto aprovado pela L14230, mas na sequência faremos uma
ressalva relevante.
A L14230 chegou a estabelecer que a assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia
dos atos administrativos praticados pelo administrador público ficaria obrigada a defendê-lo
judicialmente, caso este viesse a responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão
transitasse em julgado (art. 17, § 20).
Imagine, por exemplo, que um ministro de Estado editou ato com base em parecer emitido pela AGU.
Entretanto, o MP entendeu que a ação do ministro configurou ato de improbidade, motivo pelo qual moveu
a devida ação. Nesse caso, a AGU deveria (na redação da L14230) defender o ministro de Estado, até o
trânsito em julgado. Logo, ainda que o ministro deixasse o cargo, a AGU continuaria com o encargo de
defendê-lo.
Assim, a Advocacia Pública pode realizar a defesa, desde que autorizado em lei específica de cada ente da
Federação.
A Advocacia Pública que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia do ato pode (mas não é
obrigada) realizar a defesa do agente público na ação de improbidade, conforme previsto em lei
específica de cada ente (STF, ADIs 7042 e 7043, j. em 31/8/2022).
A Lei de Improbidade admite que o MP e o réu celebrem acordo de não persecução civil. Com o julgamento
das ADIs 7042 e 7043, esta prerrogativa também cabe à pessoa jurídica interessada. Assim, tanto o MP
como a pessoa jurídica interessada podem firmar, com o réu, o acordo de não persecução civil.
Trata-se de mecanismo de solução consensual da questão. Assim, ao invés de esperar um longo processo
judicial, as partes podem firmar um acordo, agilizando a resolução da questão.
Segundo a L8429, o Ministério Público (ou a pessoa jurídica interessada, conforme entendimento do STF)
poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que
dele advenham, ao menos, os seguintes resultados:
Assim, havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção
do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias (art. 17, § 10-A).
Além disso, para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do
Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de
90 (noventa) dias (art. 17-B, § 3º).
O acordo poderá ser celebrado (art. 17-B, § 4º): (i) no curso da investigação de apuração do ilícito; (ii) no
curso da ação de improbidade; ou (iii) no momento da execução da sentença condenatória.
Ademais, as negociações ocorrerão entre o Ministério Público (ou a pessoa jurídica interessada), de um
lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu defensor.
Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de
observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de
Processo Civil):
I - indicar de modo preciso os fundamentos que demonstram os elementos a que se
referem os arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, que não podem ser presumidos;
II - considerar as consequências práticas da decisão, sempre que decidir com base em
valores jurídicos abstratos;
III - considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas
públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados e das circunstâncias
práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente;
IV - considerar, para a aplicação das sanções, de forma isolada ou cumulativa:
a) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade;
b) a natureza, a gravidade e o impacto da infração cometida;
c) a extensão do dano causado;
d) o proveito patrimonial obtido pelo agente;
e) as circunstâncias agravantes ou atenuantes;
f) a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua
conduta omissiva ou comissiva;
g) os antecedentes do agente;
V - considerar na aplicação das sanções a dosimetria das sanções relativas ao mesmo fato
já aplicadas ao agente;
VI - considerar, na fixação das penas relativamente ao terceiro, quando for o caso, a sua
atuação específica, não admitida a sua responsabilização por ações ou omissões para as
quais não tiver concorrido ou das quais não tiver obtido vantagens patrimoniais
indevidas;
VII - indicar, na apuração da ofensa a princípios, critérios objetivos que justifiquem a
imposição da sanção.
Na hipótese de litisconsórcio passivo (várias pessoas respondendo pelo mesmo fato), a condenação
ocorrerá no limite da participação e dos benefícios diretos, vedada qualquer solidariedade (art. 17-C, §
2º). Logo, o juiz não poderá simplesmente condenar todo mundo de forma genérica, pois deverá definir, a
partir da participação e benefícios diretos, a responsabilidade de cada envolvido.
A sentença que julgar procedente a ação fundada em enriquecimento ilícito e lesão ao erário condenará
ao ressarcimento dos danos e à perda ou à reversão dos bens e valores ilicitamente adquiridos, conforme
o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (art. 18, caput).
Ademais, para fins de apuração do valor do ressarcimento, deverão ser descontados os serviços
efetivamente prestados. Trata-se de lógica da vedação ao enriquecimento sem causa da administração.
Além disso, o juiz poderá autorizar o parcelamento, em até 48 (quarenta e oito) parcelas mensais
corrigidas monetariamente, do débito resultante de condenação pela prática de improbidade
administrativa se o réu demonstrar incapacidade financeira de saldá-lo de imediato (art. 18, § 4º). Perceba,
portanto, que a regra é a liquidação de imediato, admitindo-se o parcelamento quando o réu demonstrar
incapacidade financeira.
Há no art. 18-A importante regra da unificação de sanções. Isso ocorre quando houver continuidade de
ilícito ou a prática de diversas ilicitudes, cujas penalidades sejam aplicadas em outros processos. Vamos
debater essa regra:
II - no caso de prática de novos atos ilícitos pelo mesmo sujeito, o juiz somará as sanções.
Parágrafo único. As sanções de suspensão de direitos políticos e de proibição de contratar
ou de receber incentivos fiscais ou creditícios do poder público observarão o limite
máximo de 20 (vinte) anos.
Por exemplo: João dispensava indevidamente licitações públicas para a manutenção de contrato com
empresa de seu irmão, com o objetivo de obter proveitos patrimoniais indevidos. Há aqui uma situação de
continuidade do ilícito, já que periodicamente ele realizada nova dispensa, indevidamente, cometendo
novos atos de improbidade com o mesmo objetivo.
Se ele sofrer a sanção de suspensão dos direitos políticos por 10 anos na primeira condenação e por mais
5 na segunda, deverá prevalecer a regra do aumento de 1/3. Assim, a suspensão será de “13,33 anos” (10
anos + 1/3). Se, por outro lado, a segunda condenação fosse de apenas dois anos, seria melhor realizar a
soma das condenações (10 anos + 2 anos = 12 anos).
Agora, vamos imaginar que João cometeu ato de improbidade de dispensar indevidamente licitações e, em
outra ocasião, cometeu ato de improbidade de deixar de prestar contas quando estava obrigado a fazê-lo.
A segunda conduta é um novo ato ilícito, praticado pelo mesmo agente. Nesse caso, o juiz, no momento do
cumprimento, realizará a soma das sanções, observando o limite do parágrafo único (máximo 20 anos para
a suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar e receber benefícios).
Já vimos que a ação de improbidade deverá ser proposta perante o foro do local onde ocorrer o dano ou
da pessoa jurídica prejudicada (art. 17, § 4º-A).
Com efeito, a competência para processar e julgar a ação civil por ato de improbidade administrativa é do
juiz de 1º grau (Federal ou estadual) com jurisdição na sede da lesão. A ação tramitará na Justiça Federal
se houver interesse da União, autarquias ou empresas públicas federais (CF, art. 109, I); caso contrário, será
de competência da justiça estadual.
Já houve debate se haveria foro especial por prerrogativa de função nas ações de improbidade,
especialmente pelas disposições da Lei 10.628/2002, que acrescentou o § 2 º no art. 84 do Código de
Processo Penal, determinando que a ação de improbidade deveria ser proposta perante o tribunal
competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de foro em
razão do exercício de função pública.
Ocorre que as ações de improbidade possuem natureza civil e, portanto, não existe amparo constitucional
para conceder foro especial. Por conseguinte, o STF, ao julgar a ADI 2797/DF5 declarou o dispositivo
inconstitucional, afirmando a competência do juiz de 1ª instância para julgar as ações de improbidade.
Com efeito, o tema foi novamente abordado pelo STF recentemente, concluindo-se mais uma vez que não
há foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa.6
5 ADI 2797/DF.
6 Pet 3.245/DF, de 18/5/2018.
Portanto, não existe foro especial por prerrogativa de função em ações de improbidade administrativa.7
(PGE-AL / 2021) Ação de improbidade administrativa interposta contra ministro de Estado deve ser
processada e julgada
a) no Tribunal de Justiça do Estado do local do dano.
b) no Tribunal Regional Federal do local do dano.
c) no Superior Tribunal de Justiça.
d) em instância ordinária.
e) no Supremo Tribunal Federal.
Comentários:
Como não há foro por prerrogativa de função, a ação de improbidade contra ministro de Estado deverá ser
processada e julgada na instância ordinária. Por isso, o gabarito é a letra D.
O art. 16 trouxe regras sobre a indisponibilidade dos bens. Trata-se de regra processual bem específica, da
qual recomendamos a leitura direta desse artigo. Porém, vamos fazer algumas observações pontuais.
A LIA prevê que, na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente
ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do
erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.
O objetivo da indisponibilidade é evitar que o réu se desfaça dos seus bens, de tal forma que, no momento
da condenação, seja possível adotar medidas para ressarcir o erário ou realizar o perdimento dos bens
acrescidos ilicitamente.
a) não se admite mais a presunção do periculum in mora, uma vez que a reforma da LIA passou a exigir
a demonstração de “no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do
processo”;
b) da decisão que deferir ou indeferir a indisponibilidade, caberá agravo de instrumento;
c) não poderá incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre
acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita;
7O STF já entendeu que os ministros do próprio STF responderiam por improbidade perante a própria Corte. No entanto,
podemos dizer que tal posicionamento foi superado, uma vez que não foi feita qualquer ressalva no julgamento da Pet.
3.245/DF, julgada recentemente.
d) não poderá alcançar os bens de família (exemplo: casa de moradia), salvo se comprovado que o
imóvel seja fruto de vantagem patrimonial indevida;
e) é vedada a decretação de indisponibilidade da quantia de até 40 (quarenta) salários mínimos
depositados em caderneta de poupança, em outras aplicações financeiras ou em conta-corrente.
Esse prazo poderá ser suspenso ou interrompido nas hipóteses definidas na LIA. A suspensão faz o prazo
“congelar”. Por exemplo, se houve a suspensão quando o prazo já estava em quatro anos, o prazo ficará
“parado” e, quando retornar, contará a partir dos quatro anos. A interrupção, por outro lado, faz o prazo
“zerar”.
Fazendo uma analogia com aqueles jogos de tabuleiro de nossa infância, a suspensão deixaria você
algumas rodadas sem jogar, mas uma vez superada você continuaria da mesma casa. A interrupção, por
outro lado, seria um “volte para o começo”.
Assim, a instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos suspende
o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr
após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão (art. 23, § 1º).
Dessa forma, quando o MP instaura o inquérito civil ou quando a administração inicia o processo
administrativo de apuração, o prazo fica suspenso. Esta suspensão, entretanto, não poderá ser eterna. Ela
terá o prazo de até 180 dias ou até a conclusão do processo administrativo ou inquérito, o que ocorrer
primeiro.
A reforma da LIA também instituiu um prazo máximo para o inquérito civil instaurado pelo MP. Lembrando
que esse inquérito constitui a fase de produção de provas. Nesse caso, o inquérito civil para apuração do
ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias corridos,
prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da
instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica (art. 23, § 2º).
Encerrado o prazo do inquérito, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de
arquivamento do inquérito civil (art. 23, § 3º).
Note que são dois temas diferentes! A suspensão tem como prazo máximo 180 dias, enquanto o inquérito
civil poderá durar 365 dias, prorrogável uma vez por igual período. Na prática, o inquérito poderá
prosseguir, mesmo que já esgotado o prazo de suspensão.
1 Na antiga redação, existiam distintos prazos, conforme a natureza do vínculo do agente com o Estado.
Suspensão da prescrição Prazo máximo do inquérito civil
▪ com a instauração do inquérito civil ou ▪ até 365 dias corridos;
processo administrativo; ▪ prorrogável uma vez por igual período.
▪ prazo máximo de 180 dias.
Entretanto, interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do
prazo enumerado no caput do art. 23, ou seja, pela metade do prazo de oito anos. Dessa forma, o prazo é
“zerado” pela interrupção, mas agora a prescrição vai se consumar em quatro anos.
Voltando à analogia com o jogo de tabuleiro, você volta para a casa inicial, mas agora terá que ir até a
metade do caminho.
Porém, conforme vimos, as causas de interrupção formam “uma escadinha”. Começa com o ajuizamento
da ação, depois com a sentença condenatória (primeira instância) e depois com as decisões ou acórdãos,
respectivamente, de TJ/TRF, do STJ e do STF. Logo, o processo poderá ser interrompido diversas vezes,
sempre reiniciando-se a contagem, que deverá correr até o limite de quatro anos.
Dessa forma, a partir do ajuizamento da ação, começa a correr a denominada prescrição intercorrente,
que é aquela que poderá ocorrer ao longo do prazo. Esta prescrição tem a metade do prazo total, ou seja,
tem o prazo de até quatro anos. Assim, o processo poderá tramitar, em cada instância, por no máximo
quatro anos.
2 Na figura, os momentos do ajuizamento da ação, da sentença e da decisão ou acórdão de Tribunal são meramente
hipotéticos. Eles poderiam ocorrer a qualquer momento, dentro do respectivo prazo prescricional. Assim, colocamos eles
em “determinada posição” somente para demonstrar a interrupção do prazo e a possibilidade de prescrição intercorrente
no prazo de quatro anos.
A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que concorreram
para a prática do ato de improbidade (art. 23, § 6º). Da mesma forma, nos atos de improbidade conexos
que sejam objeto do mesmo processo, a suspensão e a interrupção relativas a qualquer deles estendem-se
aos demais (art. 23, § 7º).
Ademais, o juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento
da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de
imediato, caso, entre os marcos interruptivos (ajuizamento da ação, decisão de Tribunal, decisão do STJ,
decisão do STF), transcorra o prazo de quatro anos.
Por fim, cabe lembrar o novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se
os novos marcos temporais a partir da publicação da lei (ARE 843.989 – Tema 1.199, Rel. Min. Alexandre
de Moraes. Julg. em 18/8/2022). Logo, a contagem dos prazos da reforma da Lei de Improbidade somente
começou a correr em 26/10/2021, não gerando uma “prescrição” retroativa.
Na antiga redação, não havia uma regra específica para os terceiros. Por essa razão, o STJ editou a seguinte
súmula:
A reforma não altera essa previsão, mas torna ela desnecessária, uma vez que agora o prazo é único, de
oito anos. Assim, naturalmente, será o prazo aplicado também ao terceiro, que somente poderá sofrer a
ação de improbidade com o agente público.
As ações de improbidade administrativa sempre serão prescritíveis, aplicando-se as regras do art. 23.
Todavia, não podemos confundir a ação de improbidade, que se destina a aplicar as sanções previstas no
art. 12 da LIA, com a ação de ressarcimento, cujo objetivo é executar (cobrar) o prejuízo causado ao poder
público. A ação de improbidade será, repita-se, sempre prescritível. Logo, se o MP desejar obter sanções
como perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, etc., deverá observar o prazo legal para a
propor a ação.
Por outro lado, quando o ente lesado desejar mover ação de ressarcimento, a regra é outra. Nesse caso, o
dano ao erário decorrente do ato de improbidade é imprescritível, conforme decidiu o STF no RE 852.475,
cuja ementa dispõe que:
Antes da reforma, os atos de improbidade poderiam ser praticados com dolo ou culpa (no caso de lesão ao
erário). Logo, o prejuízo decorrente de ato culposo seria prescritível, ao passo que o dano decorrente de
ato doloso seria imprescritível.
Entretanto, como agora os atos de improbidade somente se manifestam de forma dolosa, podemos afirmar
que o dano ao erário decorrente de ato de improbidade é imprescritível.
****
Pessoal, agora que concluímos todo o conteúdo da aula, vamos resolver algumas questões!