3951-Texto Do Artigo-12839-13643-10-20191229
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Palavras-chaves: presunção da inocência; in dubio pro reo; in dubio pro societate; juiz
natural; pronúncia.
Abstract: This scientific article investigates the application of the principle in dubio
pro reo in the pronouncement decision as a limitation to its fundamentation. Through
doctrinaire research and jurisprudencial consultance, it´s possible to infer that in the
pronouncement decision there´s a conflict between the principles of the natural justice,
known as in dubio pro societate and the principle of presumption of innocence, known
as in dubio pro reo. The article, trough critical considerations between the principles
and the especial procedure of the Popular´s Court presents the suggestion of using the
ponderation technic to resolve the conflict.
Key-words: presumption of innocence; in dubio pro reo; in dubio pro societate; natural
justice; pronouncement.
INTRODUÇÃO
1
Recomenda-se a leitura de: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Traduzido por Ari
Marcelo Solon. 2. ed. São Paulo: EDIPRO. 2014.
2
Cediço que existem outros critérios para averiguar a diferença entre normas e princípios, mas para os
fins deste trabalhado adotaremos o critério qualitativo, amplamente adotado pela doutrina especializada
como ROBERT ALEXY.
principios es cualitativa y no de grado. Toda normas es o bien una
regla o un principio.3
3
ALEXY, Robert. Teoria de lós derechos fundamentales. Traduzido por Ernesto Garzón Valdés.
Madrid: Centro de estúdios constitucionales. 1993. p. 86-87.
4
Assim afirma Hans Kelsen que “o domínio de vigência de uma norma é um elemento do seu conteúdo, e
este conteúdo pode, como mais adiante veremos, ser predeterminado até certo ponto por uma norma
superior.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Traduzido por João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 1996. p. 14).
processo penal, deverá o acusado ser tratado como se inocente fosse, cabendo ao
legislador editar regras para garantir a incidência do princípio e, aos operadores do
Direito, aplicá-las. Portanto, a nova Carta Política trata de erigir como fundamentais
direitos e garantias presentes no processo penal. Com acerto arremata o magistério da
professora Márcia Dometila:
5
CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992. p 80. Seguindo esta linha, também podemos citar o entendimento de
Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues: “O devido processo penal deve se adequar aos novos
rumos traçados para o desenvolvimento das relações processuais. A relação processual penal, desde que
preserve todas as garantias do cidadão, tende a uma busca salutar da celeridade e economia processual. O
devido processo penal pressupõe rapidez, sob pena de ser sede de injustiças irreparáveis.” (BIZZOTO,
Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito. Processo penal garantista. Goiânia: AB, 1998. p. 21).
6
MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de
sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumem
Juris, 2010. p. 368.
O princípio da presunção de inocência possui caráter amplo e deve
resguardar o acusado durante toda a persecução penal, iniciando no inquérito e
culminando na sentença prolatada pelo juízo. Assim, é fácil perceber que a presunção de
inocência atuará de forma diferente a depender da fase processual. O professor Aury
Lopes Junior aponta para as três principais formas de manifestação do princípio da
presunção de inocência:
De maneira que o in dubio pro reo surgirá na análise feita pelo juízo das
provas produzidas pelas partes. Corroborando com tal entendimento é o que afirma a
professora Alexandra Vilela:
7
LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 228-229
8
VILELA, Alexandra. Considerações acerca da presunção de inocência em Direito Processual Penal.
Coimbra: Coimbra Editora. 2000. p 79. Ainda, a autora entende que tanto o princípio da presunção de
inocência quanto o in dubio pro reo são uma aplicação concreta do favor rei, o qual é critério superior de
liberdade e princípio geral informador do direito processual moderno.
Conforme dita o artigo 156 do Código de Processo Penal, a prova da
alegação incumbe a quem a fizer, ou seja, é da acusação o ônus probatório9, cabe a ela
arcar com o peso de amontoar provas suficientes que ensejem uma condenação. O juiz
ao se deparar com tudo o que foi produzido durante a instrução processual deverá
sopesar as provas e apenas na certeza poderá condenar criminalmente um acusado10.
Conclui-se então que o princípio da presunção de inocência é gênero11; é o
tronco de uma árvore, enquanto o in dubio pro reo é um dos galhos, ramos da árvore. O
in dubio é utilizado na análise das provas, como verdadeira regra de julgamento:
9
Sobre os principais objetos da prova de acusação: MITTERNAIIER, C.J.A. Tratado da prova em
matéria criminal. Campinas: Bookseller. 2008. p. 164-165
10
Entende-se que o início de uma persecução penal já é um grande fardo que carrega o acusado, de
maneira que a absolvição pela incerteza é a constatação de que o processo pode ser falho. Nesse conceito
é a lição do mestre Carnelutti: “A declaração negativa de certeza, ainda que se chame absolvição, não é
outra coisa, na verdade, que o descobrimento e a declaração de um erro judicial. Ainda que esta fórmula
possa surpreender, porque estamos habituados a pensar que com a absolvição, pelo contrário, o erro
judicial é evitado, tão logo que se medite um pouco sobre ela a surpresa desaparece; mesmo quando a
absolvição seja pronunciada nas primeiras fases do juízo, ela vem depois de um início de processo contra
quem mais tarde se reconhece inocente; mas precisamente porque, grande ou pequeno, o processo é uma
pena, como negar que quanto àquele tanto de pena que o inocente sofreu com ele, foi injustamente
castigado? Tudo o que se pode admitir é que, sem a absolvição, o erro judicial teria sido mais grave;
portanto não para excluir o erro judicial, mas para diminuir-lhe o alcance serve a absolvição. Em outras
palavras, a declaração negativa de certeza do delito é a constatação oficial da falibilidade do processo
penal e por isso da diferença entre seu resultado e sua finalidade. O que é válido, entenda-se bem, mesmo
para o caso em que a absolvição em si seja um erro, que consista, assim, não em haver iniciado o processo
mas em havê-lo encerrado com a declaração negativa de certeza; em todo caso, com efeito, quando o
juízo se conclua assim, não responde à sua finalidade; se a absolvição é justa, porque foi iniciado contra
um inocente; se é injusta, porque não prosseguiu contra um culpado.” (CARNELUTTI, Francesco. Lições
sobre o processo penal. Traduzido por Francisco José Galvão Bruno. Campinas: Bookseller. 2004. p
145-146).
11
Nessa linha de pensamento, o professor Edilson Mougenot Bonfim, entende ser o favor rei e o in dubio
pro reo idênticos e fundamentados na presunção de inocência, assim, ao falar do princípio do favor rei
dita o professor: “Esse princípio tem por fundamento a presunção de inocência. Em um Estado de Direito,
deve-se privilegiar a liberdade em detrimento da pretensão punitiva. Somente a certeza da culpa surgida
no espírito do juiz poderá fundamentar uma condenação (art. 386, VII, do CPP). Havendo dúvida quanto
à culpa do acusado ou quanto à ocorrência do fato criminoso, deve ele ser absolvido.” (BONFIM, Edilson
Mougenot. Curso de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 91).
12
BADARÓ, Gustavo Henrique Ivathy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2003. p. 301.
O in dubio pro reo é, portanto, regra de julgamento que deve ser obedecida
pelo juízo, pois possui fundamento no princípio constitucional de presunção de
inocência, o que, por sua vez, rege todo o processo penal, tendo em vista que as regras
do processo penal só podem ser tidas como válidas se respeitarem os parâmetros
impostos pela Constituição Federal. Eventualmente – como todo princípio – poderá a
presunção de inocência ser flexibilizada, mas apenas em casos extremos, pois como
visto, tal princípio garante a aplicação de garantias ligadas a direitos humanos. A dúvida
em favor do réu atua como garantia do ser humano, diante do poderoso arsenal
acusatório, de que aquele não precisará, necessariamente, de produzir prova em seu
favor, pois é a acusação quem deve demonstrar a certeza de sua condenação; nas
palavras do professor Antonio Scarance Fernandes:
13
FERNANDES, Antonio Scarance. O processo penal constitucional. 6. ed. São Paulo. Revista dos
Tribunais. 2010. p. 49.
2 DA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA
JULGAR OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
14
MARREY, Adriano. Teoria e Prática do Júri. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. p. 66
15
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas. 2004. p. 524
estabelecê-la, seria bem provável que a instituição, na prática,
desaparecesse do Brasil. Foi o que houve em outros países ao não
cuidarem de fixar, na Constituição, a competência do Tribunal
Popular (conferir: Portugal, art. 210; Espanha, art. 125, locais onde a
instituição do júri não obtém predominância). A cláusula pétrea, no
direito brasileiro, impossível de ser mudada pelo Poder Constituinte
Reformador (ou Derivado), não sofre nenhum abalo caso a
competência do júri seja ampliada, pois sua missão é impedir
justamente o seu esvaziamento16
16
NUCCI, Guilherme de Sousa. Tribunal do Júri. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 35
17
Em excelente estudo nos demonstra Edilson Mougenot Bonfim que: “Contemplam ainda o júri as
legislações da Austrália, Canadá, Inglaterra, Gales, Irlanda do Norte, República da Irlanda, Nova
Zelândia, Escócia, Estados Unidos, frança, Grécia, Bélgica, Itália, Alemanha, Suíça, Portugal, Noruega e
pelo menos outros 40 países. Seus críticos alegam ser uma instituição vetusta, pouco racional, mas a
verdade é que, ao contrário de desaparecer como órgão de justiça, tem sido prestigiado e incrementado
contemporaneamente. Assim, a Espanha (1995) e a Rússia recentemente o reintroduziram, e o Japão, que
tivera Júri entre 1929 e 1943, discute vivamente a possibilidade de reinstaurá-lo. Algumas legislações
estrangeiras, especialmente nos países de commom Law, reconhecem expressamente o direito
constitucional ao julgamento pelo Júri, como no Canadá, nos Estados Unidos, na Espanha e, em certa
medida, na Itália. Da mesma forma, a Inglaterra ainda que não tenha uma Constituição escrita, assegura-
lhe status quase Constitucional. Aliás, é na Inglaterra que se pode buscar as origens do Júri moderno, uma
vez que a instituição inglesa nasceu de um procedimento antigamente usado na Normandia (parte da
frança), levado a solo britânico após a tomada da Inglaterra por William, o Conquistador (1066). Assim,
depois que o julgamento das ordálias foi proibido pelo Papa Inocêncio III, em 1215, por ocasião do 4º
Concílio de Latrão, a Inglaterra se orientou no sentido de um então novo modelo de Justiça,
estabelecendo para tanto, àquela época, o número de 12 jurados, em alusão aos 12 apóstolos do
Evangelho” (BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 9.ed. São Paulo: Saraiva. 2014. p.
624)
18
MOSSIN, Antônio Heráclito. Júri: Crimes e processo. São Paulo: Atlas. 1999.
19
Há discussão neste tópico se a doutrina penal pátria admite o concurso de pessoas em tal crime ou se
infanticídio seria crime de mão própria não admitindo participação ou coautoria, o que não importa para o
suicídio, mas incriminou a colaboração que se dá a este; a colaboração poderá ser feita
através de induzimento, instigação ou auxílio, de maneira que apenas os responsáveis
pela indução, instigação e auxílio do suicida responderão pelo crime, não havendo que
se falar que o suicida responderia por atentado contra sua própria vida, por força do
princípio da não incriminação da auto lesão. Configura-se o aborto quando houver a
destruição do embrião durante sua vida intrauterina. Alguns outros crimes poderão
também atingir o bem jurídico „vida‟, mas estes não serão julgados pelo Tribunal
Popular do Júri, pois somente serão julgados aqueles delitos que atentem
especificamente e primordialmente contra a vida. Assim, no latrocínio, o autor está
tentando contra o patrimônio do sujeito e acaba por tolher-lhe a vida; nota-se que o dolo
do agente era o ganho patrimonial, sendo o atentado contra a vida da vítima a maneira
que este achou para concluir seu intento. Nos dizeres de Aníbal Bruno:
presente estudo, visto que admitida a participação, ou não, ambos iriam responder perante o Tribunal
Popular do Júri por terem atentado dolosamente contra uma vida.
20
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 3.ed. Rio de Janeiro: Rio. 1975. p. 60
O procedimento do júri é especial e escalonado, entendendo a maioria dos
autores - como Aury Lopes Junior, Mirabete, Mougenot - ser o procedimento dividido
em duas fases: a instrução preliminar, conhecida também como juízo de formação da
culpa e o julgamento em plenário21. A primeira fase é compreendida entre o
recebimento da denúncia ou queixa e a decisão irrecorrível de pronúncia, não havendo
que se confundir com a fase inquisitorial, que é pré-processual. A segunda fase do
procedimento especial do júri se confirma com a pronúncia e segue até o plenário do
Tribunal do Júri, com a decisão final dos jurados22. Nota-se que na primeira fase não há
que se falar em jurados, sendo todo o procedimento presidido pelo juiz presidente do
Tribunal.
Na primeira fase do procedimento, o juiz ao receber a denúncia ou queixa
(nos casos de ação penal privada subsidiária da pública)23 determinará a citação do réu e
concederá prazo para que o mesmo responda à acusação, conforme o previsto no artigo
406 do Código de Processo Penal. Em sua reposta o réu poderá arguir preliminares de
direito, arrolar até 8 (oito) testemunhas e especificar as provas que pretendem ser
produzidas. Feito isso, será dada vista ao Ministério Público para se manifestar sobre
eventuais preliminares e sobre as provas pretendidas pela defesa no prazo de 5 (cinco)
dias24. Importante ressaltar que há aqui no procedimento especial do júri grande
divergência do procedimento especial comum, pois não existe a previsão de julgamento
antecipado da lide, conforme dispõe o artigo 397 do Código de Processo Penal. Após,
dispõe o artigo 410 do mesmo Códex que o juiz determinará a intimação das
21
Nucci entende ser o procedimento do júri dividido em três fases, sendo elas: a fase da formação da
culpa, a fase de preparação do processo para o julgamento em plenário e o julgamento em plenário. O
autor justifica seu entendimento no fato de que após a edição da Lei 11.689/2008 criou-se a seção III, do
Capítulo II (referente ao júri) como intitulada “da preparação do processo para o julgamento em
plenário”. Assim, o autor entende que após a decisão de pronúncia todos os atos preparatórios, enquanto
não forem abertos os trabalhos para o julgamento do plenário, fazem parte da segunda fase do
procedimento do júri. Tal classificação é puramente doutrinária (NUCCI, op. cit., p. 68).
22
LOPES JUNIOR, op. cit., p. 583.
23
BONFIM, op. cit., p. 641.
24
Cabe relatar o inconformismo de Jader Marques com esta situação, pois entende o autor que é dado
direito de réplica à acusação importando na violação do devido processo legal: “É a ampliação do debate
em torno das alegações da defesa, permitindo que a acusação tenha prazo para livre manifestação no
momento exatamente anterior à ida dos autos para decisão sobre as provas. Na sistemática do direito
processual penal, não é lícito à acusação falar depois da defesa, pois a violação dessa ordem importa
quebra dos princípios constitucionais norteadores do devido processo legal, conforme referido pelos
Ministros do Supremo Tribunal Federal” (MARQUES Jader. Tribunal do Júri: Considerações críticas à
Lei 11.689/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2008. p. 45).
testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas partes em um prazo máximo
de 90 (noventa) dias, prosseguindo-se à audiência. São ouvidas as testemunhas e o
acusado procedendo-se ao debate25.
Uma vez encerrados os debates, o juiz togado, terá quatro opções: decisão
interlocutória de pronúncia, decisão interlocutória de impronúncia, sentença de
absolvição sumária e decisão interlocutória de desclassificação. É de fácil constatação
que ao juiz togado não compete proferir sentença condenatória, uma vez que apenas os
jurados possuem competência para tanto.
Seja qual for a decisão tomada pelo magistrado resta encerrada a primeira
fase do procedimento especial do júri e, caso ocorra a pronúncia do acusado, passa-se à
segunda fase do procedimento. É na segunda fase do procedimento que o júri possui seu
maior brilho, pois é quando se chama a comunidade para exercer a importante função de
jurado; ou até mesmo como plateia dos debates entre os membros da acusação e da
defesa, haja vista a grande exposição da mídia de crimes passionais ocorridos.
25
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19.ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 637.
26
Com grande acerto, arremata José Frederico Marques que “O júri e o juiz possuem atribuições
funcionais distintas, mas não é na separação do direito e do fato que se dividirão as competências de um e
de outro (..) enquanto os jurados apreciam a culpabilidade do acusado, não só em relação ao fato
principal, mas ainda no que concerne às circunstâncias acessórias que o podem agravar ou atenuar, os
conformidade com o artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, tem-se que os
jurados são o juiz natural da causa, nas palavras de Adelino Marcon que “O Tribunal do
Júri é Juiz Natural porque seu veredicto é soberano e provém do próprio povo, de onde
emana o poder, e não dos seus representantes”.27
O juiz natural é um direito fundamental, pois está previsto expressamente na
conjugação dos incisos XXXVII e LII, do artigo 5 da nossa Constituição Federal.
Portanto, pode-se dizer que o juiz natural é aquele juiz competente para o deslinde da
causa previsto antecipadamente pela lei, para que não haja juízo ou tribunais de
exceção. É princípio amplamente aceito em Estados Democráticos de Direito, pois é o
direito que todo o cidadão possui em saber desde anteriormente à prática do crime,
quem irá julgá-lo28. Constituindo garantia fundamental do cidadão, resguardando-o de
injustiças as quais poderia ser exposto no caso de manipulação dos julgadores29.
Destarte, afirma-se que o princípio do juiz natural da causa possui tríplice função:
Tendo por certo que os jurados são o juiz natural da causa, entende-se o
porquê se dá a separação em duas fases no procedimento especial do júri. Na fase
chamada de formação de culpa, o juiz togado, por não ser o juiz natural da causa,
entendendo ser o crime de competência do Tribunal do Júri, deverá remeter o acusado
magistrados decidem sobre os incidentes contenciosos da ação penal e sobre a aplicação da pena em face
do veredicto (MARQUES, José Frederico. A instituição do Júri. Campinas: Bookseller. 1997. p. 72).
27
MARCON, Adelino. O princípio do juiz natural no processo penal. Curitiba: Juruá. 2011. p. 174.
28
Para Valdir Sznick: “O princípio do juiz natural visa afastar as chamadas cortes especiais, juízes
especiais designados a dedo para determinados caos já ocorridos, subtraindo-se assim, da competência
comum. Em síntese, o juiz natural é o juiz previsto antecipadamente pela lei; é o juiz que julga todos os
casos assemelhados e cuja competência já está assinalada em lei. Com o princípio do juiz natural, o
cidadão tem a certeza do juiz que o deve julgar, antecipadamente à ocorrência do fato, ao contrário do
juiz designado para o caso” (SZNICK, Valdir. Liberdade, Prisão Cautelar e Temporária. São Paulo:
Universitária de Direito. 1994. p. 154)
29
MARCON, op. cit., p. 170.
30
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crime Continuado e Unidade Processual. São Paulo:
Método. 2001. p. 201.
para que o juiz competente, ou seja, para a comunidade do local onde ocorreram os
fatos, consubstanciada nos jurados que comporão o conselho de sentença. A esta
decisão que remeterá o réu ao julgamento em plenário, dá-se o nome de pronúncia.
31
Em que pese tratar-se de decisão, como bem aponta Nucci: “Embora se trate de decisão interlocutória, a
pronúncia mantém a estrutura de uma sentença, ou seja, deve conter o relatório, a fundamentação e o
dispositivo” (NUCCI, op. cit., p. 85).
32
NUCCI, op. cit., p. 86.
33
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas. 2012. p. 732.
qualquer caráter condenatório ou punitivo. Todos os efeitos da pronúncia são puramente
processuais34, possuindo os seguintes efeitos:
É certo que o juiz poderá pronunciar o acusado e não acatar por inteiro o
que pede a acusação, podendo pronunciar o réu, a título de exemplo, sem acolher
alguma qualificadora de um homicídio por entender estar expressamente provada que
no caso não incide tal qualificadora37, tendo em vista que as dúvidas deverão ser
34
MARQUES, op. cit., p. 376.
35
CAMPOS, op. cit., p. 74.
36
MARQUES, op. cit., p. 380.
37
STJ, HC 128.620/MG, 6ª Turma, rel. Celso Limongi, j. 3-9-2009, DJe, 21-9-2009. Ainda, entende a
jurisprudência que a ausência de fundamentação sobre as qualificadoras na sentença de pronúncia é causa
de nulidade absoluta: STJ, HC 136.446/RJ, 5ª Turma, rel. Arnaldo Esteves de Lima, j. 25-5-2010, DJe,
14-6-2010.
dirimidas pelos juízes naturais da causa. De maneira peremptória, afirma-se que a
pronúncia admite o jus accusationis e transporta o réu para seu juiz natural.
38
Conforme dispões o artigo 472, parágrafo único, do Código de Processo Penal, o jurado escolhido para
compor o conselho de sentença receberá cópia da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação. Deste modo, é salutar que o jurado ao ler uma decisão de pronúncia afirmando a
certeza da ocorrência do crime e da autoria do acusado irá influenciar por demais a opinião do conselho
de sentença.
39
NUCCI, op. cit., p. 86.
Como o juiz não poderá adentrar no mérito do causa, analisará se estão
presentes requisitos suficientes de autoria e materialidade. Quanto à materialidade é
necessário que esta seja indicada com segurança, o qual poderá se dar através de laudos
periciais, testemunhos e outras provas, mas lembrando-se que os jurados podem refutar
até mesmo a materialidade do crime40. Em relação à autoria, a lei exige a existência de
indícios suficientes, não adentrando na seara da certeza41, com muito acerto nos ensina
Eugênio Pacelli:
40
Conforme dispõe o artigo 483 do Código de Processo Penal é obrigatória a quesitação sobre a
materialidade e a autoria do crime.
41
Conforme nos ensina Mougenot: “Note-se, a propósito, que certeza e verdade não são sinônimos. A
teor de antigas lições, a verdade está no fato, a certeza, na cabeça do juiz. Assim, pode-se estar certo de
algo que, a rigor, não seja verdadeiro. (BONFIM, op. cit., p. 176).
42
PACELLI, op. cit., p. 731.
43
Assim dispõe o artigo 239 do Código de Processo Penal: “Considera-se indício a circunstância
conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a existência de
outra ou outras circunstâncias.”
44
Assim chancela o Supremo Tribunal Federal: “Como se sabe, para a decisão de pronúncia basta um
juízo de probabilidade em relação à autoria delitiva. Nessa fase, não deve o Juiz revelar um
convencimento absoluto quanto à autoria, pois a competência para o julgamento dos crimes contra a vida
é do Tribunal do Júri” (HC 97252/SP, 2.ª T., j. 23.06.2009, v.u., rel. Ellen Gracie).
competência do Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, a
dúvida deverá favorecer a sociedade, pois é esta a interessada em resolver os crimes
deste tipo45. Ensina-nos o Superior Tribunal de Justiça que:
45
BONFIM, op. cit., p. 176.
46
NUCCI, op. cit., p. 92.
limites ao poder de revisar as decisões do júri. Nada tem a ver com
carga probatória47
47
LOPES JUNIOR, op.cit., p. 320.
48
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2002. p. 79.
49
BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal: Tomo II. Rio de Janeiro: Elsevier. 2007. p.
26.
50
NUCCI, op. cit., passim.
51
Entendemos direitos fundamentais como: “normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade
da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado
Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o
reo, e o do juiz natural, representado pelo interesse da sociedade no julgamento do
delito através da máxima in dubio pro societate.
É certo que a jurisprudência vem dirimindo o in dubio pro societate quando
em questões técnicas diante da dificuldade de compreensão de alguns conceitos, nos
quais muitos estudantes e operadores do direito também possuem dificuldades.
Porém, cremos que a flexibilização do referido princípio não deverá se dar
somente diante de provas técnicas, mas também pela incidência do in dubio pro reo. O
que se demonstra é que o juiz ao fundamentar a pronúncia deverá exercer a ponderação
entre a presunção de inocência do acusado e o juiz natural da causa.
ordenamento jurídico.” MARMELSTEIN, Jorge. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas.
2009.
52
Ibid., p. 90
53
De maneira alguma cremos que, mesmo na decisão de pronúncia, o princípio do juiz natural poderá
causar malefícios ao acusado, tendo em vista a importância de tal princípio em um ordenamento jurídico
democrático e humanitário.
54
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed.
Coimbra: Almedina. 1998. p. 1137. Ainda, há a doutrina que, seguindo ALEXY, declara que os conflitos
entre direitos fundamentais podem se dar na forma de concorrência entre direitos fundamentais, colisão
de direitos fundamentais em sentido estrito e colisão de direitos fundamentais em sentido amplo:
(ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado
de Direito democrático. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n 217, p. 67-79, jul./set. 1999
Reforcemos que, em que pese ser o princípio do juiz natural um direito também
pertencente ao acusado, no caso do Popular Tribunal do Júri tal princípio atua também
em favor da sociedade, sendo que é na decisão de pronúncia o momento em que se pesa
o interesse da sociedade em julgar o caso e a presunção de inocência.
Conforme ilustrado anteriormente, os princípios são mandados de
otimização, de maneira que “se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos
proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes”55. Diferenciando-se das
regras, onde o conflito ocorrerá na dimensão da validade, a colisão de princípios será
resolvida considerando o peso ou a importância relativa de cada princípio para que seja
determinado qual deles prevalecerá no caso concreto. Destarte, inexistindo qualquer tipo
de hierarquia ente princípios e havendo colisão, o aplicador do direito deverá realizar
trabalho de ponderação entre tais princípios para que haja concordância prática:
57
Nas palavras de Humberto Ávila: “Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de
causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa
proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade
(dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos
restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as
vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do
meio?)” (ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 112.)
consideradas como partes de uma unicidade sistêmica não há como resolver o conflito
simplesmente afastando a incidência de uma das normas, daí a importância de realizar a
ponderação olhando para o caso em concreto, com muito acerto aduz o atual Ministro
do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso:
58
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva.
2004. p 357
59
BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. Rio de Janeiro:
Renovar. 2005. p 91.
dois estão em conflito. Rememora-se que não há como crer que no caso específico desta
fase do Tribunal do Júri o princípio do juiz natural sirva de amparo ao acusado; na
pronúncia, o princípio do juiz natural está ligado ao interesse da sociedade e à soberania
das decisões do Tribunal do Júri. Na decisão de pronúncia há verdadeiro conflito de
normas.
Na segunda fase identificam-se os fatos relevantes do caso em questão.
Deverão ser analisadas todas as circunstâncias do processo, as provas, tudo o que foi
produzido durante toda a instrução processual e arranjá-las para ver de qual maneira
estas incidem nos elementos normativos em questão60. Cada circunstância poderá ter
um peso maior ou menor de importância, de modo que o depoimento de um informante
não pode ser levado em conta com o mesmo peso do depoimento de uma testemunha.
Este etapa de identificação dos fatos relevantes é de extrema importância, pois é aqui
onde recai toda a carga probatória produzida pelas partes. O laudo ou a ausência dele, as
testemunhas, a oitiva da vítima quando possível, o interrogatório do réu61. Deste modo,
aqui o juiz colherá a certeza da materialidade e os indícios suficientes de autoria que são
exigidos para uma decisão de pronúncia. Quando se fala aqui em indícios suficientes
quer dizer apenas aqueles indícios que aproveitem à acusação, sem analisá-los ao lado
das provas produzidas pela defesa. Conclui-se que nesta fase o juiz separará de um lado
as circunstâncias que aproveitam à presunção de inocência e de outro às que admitem a
acusação para que o acusado seja levado a julgamento em plenário.
Finalmente chega-se à fase de decisão. Nesta etapa o juiz avaliará tudo o
que foi produzido, sopesará as normas em conflito e decidirá qual deve prevalecer,
assim nos ensina mais uma vez, o Ilustre Ministro Luis Roberto Barroso:
60
Ibid., p. 116.
61
Atualmente tem-se entendido que o interrogatório do réu é meio de defesa, mas não é por isso que este
perde seu valor, até porque pode muitas vezes ser esclarecedor quando consoante com as demais provas
produzidas.
decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser
aplicada. Todo este processo tem como fio condutor o princípio
instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade62
CONCLUSÃO
62
BARROSO. op. cit., p. 360.
pronúncia sempre deverá atentar-se ao caso em concreto e só pronunciar o acusado nos
casos em que o direito da sociedade não afete sua presunção de inocência.
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