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Ensaio - Macroeconomia

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OS DÉFICES PÚBLICOS SÃO INFLACIONÁRIOS?

PUBLIC DEFICITS ARE INFLATIONARY?


Hipólito José Enoque
Milagre de Agostinho Augusto Rafael Álvaro
Mestrandos em Economia
Universidade Católica de Moçambique
Faculdade de Economia e Gestão
joseenoque11@gmail.com
milagrealvaro95@gmail.com

Resumo
Nas últimas décadas assistiu-se ao surgimento de um número apreciável de trabalhos teóricos sobre os
défices orçamentais. Isto ocorre num contexto em que a inflação tem sido colocada como uma variável de
elevado interesse na condução de políticas macroeconómicas em muitos países. Por esta razão, aborda-
se neste ensaio o facto dos défices públicos serem ou não inflacionários. Assim, no estudo procura se
estabelecer a relação dos défices públicos e a inflação sob a perspectiva de financiamento, na visão das
escolas de pensamento económico (Clássica, Keynesiana e Ricardina) – olhando para cenário
moçambicano. Em última análise, avalia-se a relação do Défice Público em Percentagem do PIB e a
Inflação. Portanto, para a materialização destes objectivos, recorre-se a uma abordagem metodológica
qualitativa, com uso do método hermenêutico, focando-se na analise vertical e horizontal, baseada em
dados secundários. Conclui-se que os défices públicos financiados por emissão monetária geralmente são
inflacionários e que o efeito do défice sobre a procura agregada será maior no caso keynesiano e nulo no
caso ricardiano. Sendo que o modelo neoclássico constitui o caso intermédio.

Palavras chaves: Défices públicos; inflação, Financiamento do défice.

Abstract
Recent decades have seen the emergence of a considerable number of theoretical works on budget
deficits. This occurs in a context in which inflation has been considered a variable of high interest in the
conduct of macroeconomic policies in many countries. For this reason, this essay addresses whether or
not public deficits are inflationary. Thus, the study seeks to establish the relationship between public
deficits and inflation from a financing perspective, in the view of schools of economic thought (Classical,
Keynesian and Ricardina) – looking at the Mozambican scenario. Ultimately, the relationship between the
Public Deficit as a Percentage of GDP and Inflation is assessed. Therefore, to materialize these objectives,
a qualitative methodological approach is used, using the hermeneutic method, focusing on vertical and
horizontal analysis, based on secondary data. It is concluded that public deficits financed by monetary
issuance are generally inflationary and that the effect of the deficit on aggregate demand will be greater
in the Keynesian case and null in the Ricardian case. The neoclassical model constitutes the intermediate
case.

Keywords: Public deficits; inflation, Deficit financing.


Introdução
A inflação tem sido colocada como uma variável de elevado interesse na condução de
políticas macroeconómicas em muitos países. Neste contexto, múltiplos estudos têm sido
apresentados sobre as suas causas. Portanto, neste ensaio analisa-se a luz da literatura se
os défices públicos são ou não inflacionários.
Em termos gerais é costume referir que os défices têm efeitos expansionistas sobre o
produto, pois estimula a economia quando está se encontra abaixo do pleno emprego,
contribuem para a inflação e alteram a composição do investimento ao provocarem o
efeito de Crowding-out sobre o investimento privado.
Sobrinho, Olímpio e Monolesc (2006) afirmam que, quando o governo gasta mais do que
arrecada, durante um período de tempo é denominado de déficit público nominal. Este
déficit, pode ser financiado através de empréstimos externos ou internos.
Sobrinho et al. (2006) entendem ainda que o défice público equivale à parcela das
despesas realizadas, mas que não são cobertas pelas receitas, cuja principal consequência
é a desordem estrutural da economia. Em via disto, o objectivo desta pesquisa é analisar
se os défices públicos são ou não inflacionários. Deste modo, para o alcance de tal
objectivo, a pesquisa baseia-se na abordagem metodológica qualitativa. Onde, Flick
(2005) descreve que a finalidade desta abordagem é tirar ilações sobre o conteúdo dos
materiais publicados anteriormente. Ademais, do ponto de vista de métodos, usa-se do
método hermenêutico, porque o mesmo, é sustentando por uma base empírica e de textos
provenientes da pesquisa documental, com a finalidade de aclarar a temática em estudo.
Pelo que, Zandamela (2023) destaca que há sensivelmente mais de quatro décadas, a
economia moçambicana é caracterizada por défices crónicos e estruturais nas contas
fiscais e na Balança de Pagamentos, fenómeno descrito na literatura, como défices
gêmeos. Adicionalmente, a economia tem sido afectada de forma cíclica e com maior
intensidade, por choques diversos. A combinação desses factores tem como implicações
imediatas um aumento dos níveis de endividamento público. Neste sentido, Zandamela
(2023) refere ainda que, entre os anos 1977 e 2000, período em que o país foi afectado
pela guerra civil e diversas calamidades naturais, o défice público chegou a atingir cerca
de 30% do Produto Interno Bruto, e no mesmo período, o défice da conta corrente, em
percentagem do Produto Interno Bruto, atingiu 23%.
Percebe-se que estes níveis de défice são críticos e insustentáveis. Para se ter uma ideia,
a meta ao nível da região da SADC para os dois indicadores é de 3% do Produto Interno
Bruto, no máximo.
As premissas levantadas por Zandamela (2023), são as mesmas enunciadas por Chongo
(2017), quando afirma que entre os finais da década de 80 e princípios da década de 90,
a inflação em Moçambique apresentava níveis relativamente altos (dois dígitos em
média). É dentro desta realidade que teve início, a partir dos meados dos anos 90, o
processo paulatino de desinflação no país através da implementação de medidas
restritivas de política económica, no âmbito dos programas de estabilização
macroeconómica em parceria com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que na sua
fase inicial tinham ênfase na liberalização da economia moçambicana. Resultando no
ajustamento dos preços dos bens e serviços, tendo a inflação atingido 70% em 1994.
Porém em 1995, a inflação foi reduzida para 54%, portanto em 16 pontos percentuais.
Com o mesmo olhar, o Grupo Banco Africano de Desenvolvimento (2023) falando da
perspectiva económica de Moçambique para os desenvolvimentos macroeconómicos e
financeiros recentes, refere que a economia de Moçambique está a recuperar
gradualmente do impacto da COVID-19 e do conflito de Cabo Delgado. Nota-se uma taxa
de crescimento da população mais elevada que provocou um PIB per capita 0,8% mais
baixo em 2021, e cerca de 600.000 pessoas ficaram abaixo do limiar da pobreza em 2021.
Deste modo, o Grupo Banco Africano de Desenvolvimento (2023) acrescenta ainda que,
a inflação quase duplicou para 5,7% em 2021 relativamente a 3,1% em 2020 devido ao
aumento dos preços dos bens alimentares e dos combustíveis. O défice orçamental
diminuiu para 6,0% do PIB em 2021 relativamente a 7,0% em 2020, apoiado por um
aumento das receitas devido à melhoria da actividade. No entanto, o actual défice da
balança corrente diminuiu para 20,8% do PIB em 2021 relativamente a 25,8% em 2020,
para o qual contribuiu uma subida das exportações de mercadorias de base, em larga
medida financiadas por Investimento Directo Estrangeiro.
Revisão da literatura
Défice orçamental
Barbosa (1997) assume que a diferença entre receitas dos impostos e despesas
corresponde ao saldo orçamental. Portanto, o défice orçamental ocorre quando o valor
das despesas de um governo é maior que as suas receitas. Para Mankiw (2010), o défice
orçamental, conhecido também como défice público, retrata uma situação em que um
determinado Governo gasta mais do que arrecada em impostos. O qual ele financiará
mediante a tomada de empréstimos buscados no sector privado.
Sendo assim, a questão central deste ensaio é referente aos défices públicos serem ou não
inflacionários. Na abordagem levada a cabo, toma-se em conta duas formas de
financiamento do défice público para análise – a primeira relaciona-se com a emissão
monetária como método de financiamento do défice, e a segunda – o endividamento.
É importante estabelecer previamente que a relação entre o défice orçamental e a taxa de
inflação não é um facto estilizado. Na literatura económica existem abordagens que
procuram estabelecer teoricamente uma relação do défice para a inflação, embora alguns
autores tenham chegado empiricamente à relação da inflação para o défice – como é o
caso do efeito Oliveira-Tanzi.
Nesse sentido, Leite (2000) aponta que a principal razão da preocupação com o défice do
sector público é seu impacto sobre o comportamento da economia por meio de seus
efeitos sobre o produto nacional, o volume do emprego e o nível de preços. A análise
desse problema é justamente uma das funções básicas da teoria macroeconómica e tem
sido objecto das controvérsias existentes entre as escolas de pensamento económico.

Relação dos défices públicos e a inflação sob a perspectiva de financiamento


Numa abordagem proposta por Sargent e Wallace (1981), num trabalho intitulado de
Aritmética Monetarista Desagradável, assumem que a autoridade fiscal toma as medidas
sem ter em conta as políticas monetárias correntes ou futuras. Assim, a autoridade
monetária tem de tomar medidas restritivas no curto ou no longo prazo para combater a
inflação. Desta forma, uma política monetária restritiva implica um aumento da taxa de
juro e a consequente redução do produto dessa economia, o que originará um aumento do
défice ceteris paribus a política fiscal. Logo, a autoridade fiscal terá de financiar esse
aumento do défice, quer por impressão de moeda, quer por endividamento. No primeiro
caso implica um aumento da inflação.
Esta mesma colocação é feita por Reis (1998), em seu trabalho sobre a Casualidade entre
Défice Orçamental e Inflação. Onde declara que existem várias formas do Estado se
financiar, das quais se destacam: o financiamento monetário, a emissão de dívida pública
(interna ou externa) e o uso de reservas externas. Evidentemente, cada uma destas formas
de financiamento está associada a um tipo de desequilíbrio macroeconómico. Enfatizando
a primeira aproximação, temos que a emissão monetária está associada com a inflação –
portanto –, fica evidente a concordância, entre Reis (1998) e Sargent e Wallace (1981),
que em uma situação onde o financiamento do défice público é feito por meio de emissão
monetária implica num aumento da inflação.
Já Carsane (2005), em seu trabalho sobre os Determinantes da Inflação em Moçambique,
ao mesmo tempo que observou uma complexidade no entendimento do processo
inflacionário nacional, estabeleceu como fortes determinantes da inflação, as dificuldades
no controle monetário, a importação da inflação sul-africana e os factores climáticos que
afectam a produção agrícola.
Samirkas (2014), por sua vez, corrobora com a visão de Reis (1998), quando enuncia que
o financiamento do défice a partir da emissão monetária através do banco central leva ao
aumento da oferta de moeda, o que por sua vez causa inflação. Esta declaração aponta
nitidamente para uma situação em que a fonte de financiamento dos défices públicos os
torna inflacionários. No entanto, esta não é a única forma do governo financiar o défice.
Há ainda a possibilidade de financiar o défice pela emissão de dívida pública.
Antes de continuar, importa realçar que os impostos constituem a principal fonte de
financiamento da despesa pública e a maior parcela das receitas públicas. Por esta razão,
Júnior (2018) afirma que o nível de arrecadação de receitas fiscais depende muito de
factores tais como: a performance da economia, o grau de cumprimento dos sujeitos
passivos no que diz respeito às suas obrigações fiscais, o sistema tributário e a capacidade
de fiscalização. O que faz com que o ritmo de crescimento das receitas públicas seja
relativamente menor ao ritmo de crescimento da despesa pública.
Olhando para conjuntura dos factores que influenciam o nível de arrecadação de receitas
fiscais, Júnior (2018) acrescenta que, Moçambique apresenta um orçamento cuja situação
é de superioridade da necessidade de receitas para financiar o conjunto de actividades que
o orçamento impõe limite, quando comparado com a capacidade da captação de receitas
resultantes da tributação. Em consequência, Moçambique é uma economia que apresenta
défices orçamentais ao longo do tempo, e para fazer face a esta situação, tem de recorrer
ao endividamento.
Lwanga e Mawejje (2014) afirmam que a emissão da dívida pode ser a nível doméstico
ou externo. Entretanto, no caso de financiamento de défice por via de emissão de dívida
externa. É certamente um meio de financiamento que levará ao crescimento do estoque
de dívida externa do país, o qual pode resultar na crise da dívida.
Por esta razão, Blanchard (1990) demonstra que, sob a condição de eficiência dinâmica,
o governo não pode financiar o défice para sempre emitindo dívida pública, a não ser que
seja capaz de gerar superávites primários. Na impossibilidade de o fazer, o governo acaba,
mais cedo ou mais tarde, por monetarizar o défice ou, até mesmo, a dívida pública e,
como resultado, gerar pressões inflacionistas. Combinando este resultado com a provável
impossibilidade de o governo financiar o défice para sempre com emissão de dívida
pública, na situação em que a taxa de juro da dívida pública é superior à taxa de
crescimento da economia, Sargent e Wallace (1981) mostram que, sob certas condições e
dada a trajectória para o défice primário (défice total expurgado do pagamento de juros
da dívida pública), o financiamento do défice por emissão de dívida será mais
inflacionista do que no caso em que o défice é financiado por moeda. Deste modo, a
questão que se coloca à autoridade monetária deixa de ser se monetariza o défice para
passar a ser quando monetariza o défice. Se o país for caracterizado por uma situação de
eficiência dinâmica e o governo não consegue gerar superávites primários e financia o
défice por emissão de dívida pública, então, o acumular dos juros desta dívida vai gerar
maiores défices. Caso, o financiamento inicial fosse por emissão monetária, o acréscimo
dos défices gerado pelo aumento da despesa em juros não ocorreria, de modo que o
financiamento no futuro por emissão de moeda seria menor do que na situação em que o
défice é, inicialmente, financiado por emissão de dívida. Por esta razão, a taxa de inflação
será maior no caso em que o financiamento do défice é feito por emissão de dívida do que
no caso em que o financiamento é feito por emissão de moeda.
Sargent e Wallace (1981) demonstram ainda que, sob certas condições, a redução da oferta
de moeda no presente leva, obrigatoriamente, a um aumento da oferta de moeda no futuro,
concluindo pela existência de um trade-off entre inflação presente e inflação futura. Por
isso, os autores concluem que ao introduzirem no modelo as expectativas racionais, uma
redução da oferta de moeda no presente leva a um aumento de taxa de inflação no presente
e no futuro. Estas hipóteses foram revistas por Liviatan (1984), com base num modelo
diferente, mas sob condições idênticas, tendo chegado às mesmas conclusões que Sargent
e Wallace (1981).
A visão das escolas de pensamento económico
Percebe-se que, a evidência empírica da relação entre défices fiscais e inflação está longe
de ser conclusiva, ainda que diversos estudos sobre a estabilização de preços enfatizem a
importância dos défices fiscais nos processos inflacionários.
Reis (1998) afirma que, uma das formas pela qual o défice orçamental pode originar
inflação está ligada ao seu impacto sobre a procura agregada. Contudo, o maior ou menor
efeito sobre a inflação depende, não apenas da forma como a procura reage, mas também
do comportamento da oferta, em particular da situação em que a economia se encontra
relativamente à utilização dos factores produtivos. Neste sentido, vale apresentar as
ilações das principais escolas de pensamento económico sobre a relação entre défice
público e inflação, na perspectiva da procura agregada.
De acordo com a teoria keynesiana, um aumento do défice gerado por um aumento da
despesa pública ou por uma redução dos impostos aumenta a procura agregada. O maior
ou menor impacto sobre o nível de preços dependerá da situação em que a economia se
encontra, em particular, se existem ou não recursos desempregues.
Para Eisner (1989), se a economia tiver recursos desempregues, um défice aumentará a
procura agregada, quer real quer nominal, até se atingir o pleno emprego. Só a partir deste
ponto é que a inflação começará a aumentar. Eisner (1989) estabelece ainda que, o
aumento do défice aumenta, não apenas o nível de rendimento da economia, mas também
o nível de consumo e o nível de investimento. Deste modo, em vez de existir crowding-
out do investimento existe crowding-in. Portanto, fica evidente que o efeito do défice
sobre a procura agregada será maior no caso Keynesiano. Assim, o défice orçamental só
terá efeito sobre o nível de preços se a economia se encontrar ao nível de pleno emprego,
caso contrário os preços não têm que se alterar.
Por sua vez, Nayab (2015) afirma que os neoclássicos acreditam igualmente que défices
orçamentais levantam consigo vários problemas macroeconómicos tais como: elevação
do nível de inflação, elevação do nível de dívida na economia, défice na conta corrente e
redução do crescimento económico. No paradigma neoclássico, ao considerar-se que os
indivíduos tomam as suas decisões com base no seu período de vida, os efeitos do défice
orçamental sobre a procura agregada são atenuados. Contudo, o pressuposto de pleno
emprego faz com que os preços sejam muito sensíveis a pequenas alterações da procura
agregada. Deste modo, uma pequena alteração na procura agregada poderá ter, no modelo
neoclássico, o mesmo efeito sobre a inflação que uma grande alteração tem no modelo
keynesiano.
Ademais, Blanchard (1985) salienta que o défice orçamental, gerado por uma redução
dos impostos apenas estimula as despesas de consumo se os indivíduos não anteciparem
um aumento dos impostos no seu período de vida. Por outro lado, o aumento da despesa
pública pode não estimular significativamente a procura agregada, uma vez que os
indivíduos, esperando um aumento de impostos no futuro, reduzem o consumo corrente
devido à redução do rendimento permanente, compensando parcialmente o aumento
inicial da procura agregada. De notar que, na teoria neoclássica, a inflação é um fenómeno
monetário. Logo, de acordo com as teorias monetaristas, o défice orçamental conduzirá a
inflação se der origem a criação monetária.
Já a teoria ricardiana considera, ao contrário da teoria neoclássica, que o horizonte de
planeamento dos indivíduos é infinito. O alargamento do horizonte de planeamento
introduz alterações significativas no que se refere ao impacto da política orçamental sobre
as variáveis macroeconómicas, em particular, sobre a procura agregada.
Em suma, o maior ou menor efeito da procura agregada sobre a inflação, depende de qual
das teorias é considerada.
No modelo neoclássico, ao considerar-se que os indivíduos tomam as suas decisões com
base no seu período de vida, os efeitos do défice orçamental sobre a procura agregada
tendem a ser menores. Contudo, o pressuposto de pleno emprego faz com que os preços
sejam mais sensíveis às alterações da procura agregada, de modo que pequenas alterações
na procura agregada tendem a ser mais inflacionistas que no caso keynesiano. No entanto,
o modelo ricardiano, ao alargar para infinito o horizonte de planeamento dos indivíduos,
anula os potenciais efeitos que a política orçamental possa ter sobre a procura agregada.
Deste modo, o défice orçamental, gerado pelo aumento da despesa pública ou pela
redução dos impostos, não terá qualquer efeito sobre o nível de preços.
É importante notar que, pelas próprias características da gestão cíclica da procura
agregada (o défice tende a aumentar em períodos de recessão e a diminuir em períodos
de expansão económica) os potenciais efeitos do défice sobre a inflação, pela via da
procura agregada e de acordo com as teorias analisadas, tendem a ser reduzidos.
Dado que, na teoria neoclássica, a inflação é um fenómeno monetário, de modo que o
défice será inflacionista se der origem à criação monetária. O défice apenas poderá levar
à inflação se alterar a oferta de moeda presente ou futura. Esta situação é válida mesmo
no caso ricardiano. Portanto, a condição da neutralidade dos défices (assumida na teoria
ricardiana) é violada no caso em que os indivíduos esperam que o défice seja financiado,
no futuro, com recurso à criação de moeda.
Discussão
Nas últimas décadas assistiu-se ao surgimento de um número apreciável de trabalhos
teóricos sobre os défices orçamentais. O estudo desta variável macroeconómica e os
mecanismos através dos quais ela se relaciona com as demais variáveis económicas,
tornou-se numa das áreas de estudo privilegiadas da teoria económica. Portanto, como
ficou dito na secção da introdução de que o governo para realizar despesas necessita de
arrecadar receitas.
Tabela 1: Evolução das Receitas e Despesas do Governo de Moçambique em Milhões de
Meticais.
Ano 2015 2016 2017 2018 2019
Receitas 160.707.6 165.540.9 186.333.5 222.859.7 244.220.0
Despesas 226.425.1 243.350.0 272.280.0 302.928.1 340.414.7
Défice público -65.717.5 -77.759.1 -85.946.5 -80.068.4 -96.194.7
Fonte: Autores (Adaptado) – Orçamento do Cidadão 2019 e Conta Geral do Estado de 2015 – 2019.
De acordo com o Plano Quinquenal do Governo 2015 – 2019 através da tabela acima
mostra-se que na maior parte dos períodos as despesas representam maior proporção em
relação as receitas, o que nos coloca em questionamento a sustentabilidade do orçamento
público uma vez que os recursos alocados para a realização das actividades de
investimento, sobretudo com efeito do multiplicador maior sobre o produto e o emprego,
constituem uma fasquia menor.

Gráfico 1: Evolução do Défice Público em Moçambique

Evolução do Défice Público


200000
2015 2016 2017 2018 2019
0
1 2 3 4 5
-200000

-400000
-657175
-600000
-777591 -800684
-859465
-800000
-961947
-1000000

-1200000

Anos Défice público Linear (Défice público)

Fonte: Autores (adaptado) – Orçamento Geral do Estado.


O saldo orçamental Moçambicano é deficitário ao longo da série em estudo (2015-2019),
como ilustra o gráfico acima. Apresentando uma média do défice em relação ao PIB em
torno de -28,24% ao longo dos cinco anos. E o valor mais alto do défice é verificado no
ano de 2019 em volta de -961947 milhões de meticais, sendo este influenciado pelas
despesas de realização das eleições, a logística resultante das calamidades naturais – com
ênfase para os ciclones IDAI e Kenneth – ocorridos na zona Centro e Norte de
Moçambique. Nota-se também, que a há uma tendência geral do aumento das despesas
comparativamente a arrecadação de receitas, culminando com o aumento do défice
público.

Gráfico 2: Relação do Défice Público em Percentagem do PIB e a Inflação (e o inverso).

Défice Público em percentagem do PIB e Inflação


45
40 3,55 17,42
38,1 15,11
35 2,8
33,3
30
25 3,91
24,1 23,2 22,5
20
15
10
5
0
2015 2016 2017 2018 2019

Défice em Percentagem do PIB Inflação

Fonte: Autores (adaptado) – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, indicador de inflação CPI da
OCDE e Oçamento Geral do Estado.

Pelo gráfico acima se estabelece a ideia de ausência de correlação entre o défice público
e a inflação entre os anos 2015 e 2016. Isto porque, a diminuição do défice público em
percentagem do Produto Interno Bruto de 38.1% para 24.1% não resulta igualmente em
uma diminuição da inflação no mesmo período, pelo contrário, houve um incremento da
inflação, passando de 3.55% em 2015, para 17.42% em 2016. Entretanto, nota-se uma
“relação casual” nos períodos seguintes. Pois, à medida que o défice orçamental em
percentagem do Produto diminui de 24.1% para 23.2%, a inflação também diminuiu,
passando de 17.42% para 15.11% entre 2016 a 2017. Já entre os anos de 2018 e 2019,
percebe-se também, um comportamento similar para as duas variáveis, visto que o défice
orçamental começa a elevar-se e a inflação regista o mesmo comportamento.
De acordo com estas variações dos défices públicos em percentagem do PIB não
resultarem igualmente é uma variação – causa efeito – na inflação, é coerente afirmar que
a evidência empírica da relação entre défices fiscais e a inflação está longe de ser
conclusiva.

Impacto da Inflação sobre o défice orçamental


Embora se tenha dado especial atenção à forma como o défice orçamental pode dar
origem a pressões inflacionistas – por se tratar da temática em estudo –, também há efeitos
da inflação sobre o défice. Nesta secção apresentam-se, ainda que de uma forma sumária,
algumas das formas da inflação alterar a dimensão do défice orçamental. A teoria
económica aponta três vias pelas quais a taxa de inflação pode alterar a dimensão do
défice orçamental, são elas:
1. O efeito da inflação esperada sobre a taxa de juro real e, consequentemente, sobre os
juros da dívida pública emitida internamente;
2. O efeito Tanzi-Oliveira;
3. O efeito da inflação sobre os salários.

O efeito da inflação esperada sobre os juros da dívida pública vem directamente implícito
na definição de défice orçamental convencional, dado por:

𝐷𝑡 = 𝐺𝑡 − 𝑇𝑡 + 𝑖𝐵𝑡−1

Portanto, se o aumento da taxa de inflação esperada aumenta a taxa de juro nominal, de


modo a manter constante a taxa de juro real, então o défice orçamental também aumenta.
Tanzi, Blejer e Teijeiro (1987), em seu trabalho sobre a inflação e a medição dos défices
orçamentais demonstram que, os efeitos que a inflação tem no défice orçamental
considerando a seguinte situação: de modo a isolar os efeitos que a taxa de inflação possa
ter nas outras rubricas do orçamento, assumem que a despesa pública assim como a receita
crescem, simultaneamente, com a inflação; admitem ainda que o rendimento real é
constante, o orçamento está inicialmente em equilíbrio e a taxa de inflação realizada e
esperada são iguais.
Conclusão
Ainda que a evidência empírica da relação entre défices fiscais e a inflação está longe de
ser conclusiva, este ensaio analisa se os défices públicos são inflacionários ou não, sob
perspectivas determinadas de antemão, a saber, na perspectiva de financiamento e na
visão das escolas de pensamento económico.
Deste modo, importa referir que a forma como o défice orçamental é financiado,
geralmente, determina se o mesmo será inflacionário ou não. Isto porque, os défices
públicos financiados a partir da emissão monetária através do banco central leva ao
aumento da oferta de moeda, o que por sua vez causa inflação. Entretanto, o
financiamento do défice por endividamento externo levará ao crescimento do estoque de
dívida externa do país, o qual pode resultar na crise da dívida. Portanto, fica evidente que,
apesar do financiamento monetário ser, a priori, a forma de financiamento mais
inflacionista, o financiamento por dívida, numa situação de eficiência dinâmica, não se
pode fazer para sempre, a menos que o governo consiga gerar superávites primários.
Ainda assim, historicamente verifica-se que a maioria dos planos de estabilização que
conseguiram acabar com episódios hiperinflacionários foi acompanhada de ajustamentos
fiscais que reduziram os défices orçamentários, podendo-se considerar a redução do
déficit ou sua virtual eliminação como um facto estilizado do fim de episódios de alta
inflação. Nesta situação, e sob certas condições, o financiamento por dívida pode tornar-
se mais inflacionista. Contudo, a importância do efeito do défice sobre a inflação depende,
em particular, das expectativas dos indivíduos sobre o financiamento do défice no futuro.
Já para as escolas de pensamento económico, fica evidente que o efeito do défice sobre a
procura agregada será maior no caso keynesiano e nulo no caso ricardiano. Sendo que o
modelo neoclássico constitui o caso intermédio.
Portanto, ainda que não se tenha conseguido estabelecer uma relação sistemática entre
défices fiscais e taxas de inflação, vale salientar que a redução ou total eliminação de
défices orçamentários pode ser considerada um fato estilizado dos programas de
estabilização que obtiveram sucesso. Como défices persistentes têm como contrapartida
um aumento do endividamento, a discussão sobre a sustentabilidade continua gerando
interesse tanto de pesquisadores quanto de agentes que financiam o governo.
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