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Reconstruindo Sonhos - LARISSA BRAZ

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Copyright © 2018 Larissa Braz

Capa: Mia Klein


Revisão: Carla Santos

Livro registrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em Outubro de


2018.
Goiás – GO, Brasil, 2018.

Todos os direitos reservados.


Informamos que todos os direitos desta obra são reservados e protegidos
pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte ou personagens deste livro,
sem a autorização prévia da autora por escrito e registrada, poderá ser
reproduzido ou transmitido, seja em quais forem os meios empregados:
eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravações ou quaisquer outros.
Esta é uma obra fictícia, quaisquer semelhanças com pessoas reais vivas ou
mortas é mera coincidência.
Contato:
E-mail: autora@larissabraz.com
Instagram: @author.lbraz
Site: larissabraz.com
Sumário
Contato:
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
OUTROS LIVROS DA AUTORA
BIOGRAFIA
Dedico este livro para aqueles que me apoiam com a escrita desde o
princípio. Aqueles que ficam por horas escutando e lendo prévias de novas
ideias para obras futuras. Dedico a vocês, pai e mãe!

P.S.: Amarei vocês para todo o sempre.

Com amor,
Larissa Braz
“Reconstruir Sonhos, é mais do que refazer planos, é reconstruir a vida.”
Maya Valentine
PRÓLOGO

Quando eu era uma criança, minha mãe lia histórias infantis para
mim. A que eu mais amava era: O Pequeno Príncipe. Eu tinha um apreço
surreal por aquele livro de capa dura com ilustrações tão coloridas e que me
ensinou tantas coisas.
Era belo de se ler o amor entre ele e a rosa. Mesmo que ela
parecesse um pouco “abusiva”, ambos eram importantes um para o outro.
Também era admirável a amizade conselheira e sincera entre ele e a raposa
tão esperta. Às vezes, eu desejava ter um amor assim um dia e uma amizade
tão fiel quanto a da raposa. Porém, as coisas foram um pouquinho
diferentes para mim. Eu até tive ambos dos desejos realizados, mas não
duraram por muito tempo.
Sobre a cômoda em meu quarto, da minha casa em Tulsa, havia um
quadro que dizia o seguinte trecho do referido livro:
“É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou. Entregar
todos os teus sonhos porque um deles não se realizou, perder a fé em todas
as orações porque em uma não foi atendida, desistir de todos os esforços
porque um deles fracassou. É loucura condenar todas as amizades porque
uma te traiu, descrer de todo amor porque um deles foi infiel. É loucura
jogar fora todas as chances de ser feliz porque uma tentativa não deu certo.
Espero que na tua caminhada não cometa essas loucuras. Lembrando que
sempre há uma outra chance, outra amizade, um outro amor, uma nova
força. Para todo fim, um recomeço.”
CAPÍTULO 1

Quase dois dias na estrada e eu já estava sentindo-me extremamente


cansada. Meu corpo implorava por uma cama e um bom banho quente,
enquanto meu estômago reclamava dizendo não aguentar mais nenhuma
comida de estrada. Estava a meia hora da última parada onde seria meu
destino final, quando tive curiosidade de abrir o aplicativo do banco em
meu celular para consultar meu saldo atual. Tinha apenas oitocentos e vinte
três dólares na minha conta. Isso não seria o suficiente nem mesmo para
uma semana. Recostei-me na poltrona e fechei meus olhos tentando me
manter otimista com minha nova vida.
— Moça... Moça! — Uma voz grave chamou-me, cutucando meu
ombro com o dedo.
Abri meus olhos lentamente e pisquei rápido algumas vezes,
tentando limpar minha visão embaçada. Eu havia caído no sono sem
perceber.
— Já chegamos — avisou o motorista de pé ao meu lado.
— Obrigada — agradeci e me levantei.
Peguei minhas malas no bagageiro e as arrastei comigo até uma
parada de ônibus do outro lado da rua. Olhei no mapa gasto pregado na
parede de uma farmácia, os hotéis mais próximos para onde eu poderia ir e
pagar. Achei um que ficava a duas ruas de onde estava. Peguei minhas
coisas e caminhei calmamente pelas calçadas, até lá.
O hotel era simples, daqueles de dois andares, recepção separada no
térreo, e próxima ao estacionamento vasto, um refeitório e uma simples área
de lazer com uma pequena piscina. Era parecido com um daqueles hotéis da
beira de estrada, apesar de estarmos dentro de uma cidade grande.
Entrei na recepção, mas não havia ninguém. Toquei a campainha
sobre o balcão gasto de madeira e logo uma mulher loira surgiu por uma
porta lateral.
— Bem-vinda ao Maggie Palace. Sou Maggie e quem é você,
docinho?
A mulher era simpática e receptiva. As rugas ao redor dos olhos ao
sorrir, denunciavam sua idade beirando os cinquenta anos.
— Oi. Meu nome é Maya. Você teria algum quarto disponível?
— Mas é claro que tenho. Para quantas pessoas? — perguntou com
sua voz suave e de fala lenta.
— Só uma, apenas eu.
— Certo. São oitenta dólares a diária com café da manhã.
Assenti concordando com o valor cobrado e lhe entreguei meu
cartão de débito junto com a minha carteira de motorista para fazer o check-
in.
— Você coloca o seu nome, número da sua identidade e telefone
aqui — instruiu-me marcando os locais onde colocar minhas informações
em uma ficha de papel amarelo.
— Okay.
Puxei a ficha para mim e comecei a preenchê-la. Ela saiu pela
mesma porta de onde veio e logo voltou trazendo consigo uma chave de
bronze com um chaveiro de plaqueta vermelha, contendo o número do
quarto escrito.
— Aqui está a chave. Quarto duzentos e nove — informou,
estendendo-a para mim.
— Obrigada — agradeci e peguei a chave de sua mão.
— Quer ajuda? — ofereceu ao notar minha dificuldade em sair
arrastando as malas.
— Eu adoraria — aceitei sorrindo envergonhada.
Maggie pegou a mala maior e abriu a porta dando-me passagem,
vindo logo atrás de mim.
— Então, docinho? De onde você veio? — perguntou, enquanto
subíamos a escada com a bagagem pesada.
— Eu vim do Texas, mas sou de Oklahoma.
— Você veio de muito longe. Marido abusivo? — perguntou
encarando-me com sutileza e um pouco de seriedade.
— Não. Eu só... — Fiz uma breve pausa buscando a palavra certa
para definir o que de fato havia ido fazer em Chicago — estou recomeçando
— concluí por fim.
— Recomeçar é bom. — Sorriu.
Atravessamos o corredor deserto até a porta vermelha com números
de ferro pregados nela. Abri-a e entrei colocando a mala que carregava ao
lado da cama larga de solteiro. Maggie entrou logo depois de mim
guardando a que trouxe consigo ao lado da outra.
— Prontinho. Tudo aqui é muito simples, mas bem limpo. — Deu
uma boa olhada ao seu redor com olhos estreitos e as mãos repousadas na
cintura, procurando se havia algo fora de ordem. — Fique à vontade. Se
precisar de algo, a recepção fica aberta vinte e quatro horas, é só ligar. —
Apontou para o telefone ao lado da cama.
— Certo. Obrigada.
— Não servimos o jantar, mas tem uma lanchonete do outro lado da
rua. O café da manhã é servido das sete às nove no salão.
— Tudo bem.
— Boa noite, querida — desejou saindo do quarto.
— Boa noite — retribuí antes de fechar a porta, trancando-a na
chave e, em seguida, passando o trinco de segurança.
Abri uma das malas e peguei o carregador do meu celular ligando-o
na tomada acima da escrivaninha, ao lado da TV. Tirei os tênis e calcei
meus chinelos sentindo um grande alívio nos pés cansados. Espichei-me de
pé esticando os braços para cima e depois para baixo tocando o chão,
tentando me livrar da dor incômoda nas costas.
Peguei a toalha dobrada sobre os pés da cama e entrei no banheiro
surpreendendo-me ao ver uma banheira ao canto. Liguei a água quente e
deixei-a enchendo enquanto me despia. Ao entrar, senti instantaneamente
um enorme alívio quando minha pele entrou em contato com a temperatura
elevada da água. Respirei fundo e aconcheguei-me para trás me entregando
ao cansaço e deixando que meus músculos relaxassem.
Depois de um banho demorado, tudo o que eu mais queria era me
deitar na cama e dormir até o dia seguinte. Peguei meu celular e deitei-me
sob o edredom macio. Ao destravar a tela, vi que havia seis ligações
perdidas da Clarice, somente na última hora. A última vez que nos falamos,
eu estava passando por Memphis. Estava tão cansada e nada a fim de
conversa, então, resolvi apenas mandar uma mensagem a ela.

Já cheguei.
Estou bem.
Maya
20:23 p.m.

Não vai me dizer onde está?


Clarice
20:24 p.m.

Ainda não.
Boa noite.
Maya
20:24 p.m.

Deitada, comecei a pensar um pouco na bagunça que se encontrava


minha vida. Abri a galeria de imagens e comecei a buscar fotos das minhas
férias no ano passado. Minha mãe estava bem e havia acabado de se curar
do primeiro câncer. Seus cabelos ainda estavam curtinhos, mas lindos e bem
arrumados. Seu sorriso era grande e de pura gratidão.
Em meio a tantas fotos de momentos especiais com meus pais e em
dias bons com amigos da faculdade, achei uma que marejou meus olhos
deixando-me triste e com os batimentos do coração acelerados. Era uma
foto em que estava com o Victor. Eu mesma quem havia tirado na cobertura
do hotel em Seattle. Estava sentada em seu colo com nossas testas coladas e
meu braço esquerdo enlaçado em seu pescoço. Nós sorríamos um para o
outro, felizes e de olhos fechados. Seus braços davam a volta na minha
cintura, levando-me para mais junto dele. Essa foto era linda e uma das
minhas favoritas.
Suspirei fechando meus olhos e permitindo a saudade me invadir.
Era quase como se eu pudesse sentir o calor do seu corpo no meu naquele
exato momento. Nunca imaginei que sentiria tanta falta de alguém, como
sentia a sua, chegava a doer fundo no peito.
Adormeci agarrada ao meu celular e acordei assustada com o
barulho de conversa alta vindo do corredor depois da porta. Sentei-me na
cama e peguei o celular que estava caído no chão e nele vi que já passava
das oito da manhã. Levantei-me e troquei de roupa, arrumando-me para ir
atrás de um emprego.
Ao sair do quarto, desci para o salão no térreo onde o café da manhã
estava sendo servido. Entrei e algumas famílias estavam reunidas à mesa
fazendo sua primeira refeição do dia. Caminhei até a mesa farta e me servi
de algumas coisas sentando-me perto da janela, observando a área de lazer
com piscina que tinha um pequeno trampolim. Mais ao lado, algumas
crianças brincavam em um balanço de ferro pintado com várias cores vivas.
— Café, docinho? — perguntou Maggie parando ao meu lado,
segurando uma jarra de vidro com café fumegante.
— Não, obrigada.
— Bom apetite — desejou antes de se retirar.
— Maggie? — chamei-a e ela aproximou-se novamente com um
sorriso gentil.
— Pois não, docinho?
— Sabe de algum lugar onde esteja precisando de garçonete ou
ajudante?
Ela respirou fundo e fez um bico engraçado com os lábios,
encarando a janela com os olhos estreitos, parecendo estar fazendo um
pouco de esforço para se lembrar de algo.
— Não no momento, mas posso ver com alguns amigos
comerciantes se estão com vagas abertas. Conheço muita gente.
— Agradeço imensamente se puder fazer isso.
— Não se preocupe, docinho. Chicago é uma cidade enorme, tenho
certeza de que vai encontrar um trabalho logo mais. — Agradeci suas gentis
palavras com um sorriso aberto.
Ela afastou-se e continuou a servir o café nas mesas, enquanto eu
comia em silêncio observando o ambiente calmo. Satisfeita, levantei-me e
caminhei até a saída onde havia alguns mapas dentro de uma cesta sobre
uma pequena mesa alta. Peguei um deles e uma caneta dentro da minha
bolsa, e saí andando pela calçada marcando alguns bares e restaurantes na
redondeza, onde eu iria tentar a sorte em busca de um emprego.
Andei por horas em alguns bairros da cidade, entrando e saindo de
vários estabelecimentos, mas ainda não havia arranjado nada. Sempre me
davam a mesma resposta: “Não estamos contratando no momento”.
Algumas pessoas me dispensaram de maneira educada, mas outras, nem
tanto. Quando voltei ao hotel, já eram três da tarde. Estava suada, cansada e
sentindo meus pés doloridos.
— Maya! — A voz doce da Maggie gritou-me ao me aproximar da
escada. Virei-me e a vi caminhar apressada em minha direção. — Que bom
que te achei, já estava com o telefone na mão para te ligar.
— O que houve? — perguntei um pouco preocupada.
— Conseguiu o emprego?
— Infelizmente não — respondi desanimada.
— Acho que consegui um para você.
— Ah, meu Deus! Isso é sério? Onde é?
— É em um bar bem movimentado no centro. Uma das minhas
hóspedes, Sasha, trabalha lá e falei com ela. Sasha disse que tem algo para
você, mas como garçonete.
— Isso é perfeito! Eu tenho experiência nessa área — disse
animada.
Empolgada, abracei Maggie apertado, que levou alguns segundos
para retribuir.
— Obrigada, Maggie. Obrigada mesmo! — Sorri feliz apertando
suas mãos.
— Sem problemas — respondeu e retribuiu meu sorriso. — Ela irá
te procurar em seu quarto hoje, às cinco, para você ir até lá fazer um teste
esta noite.
— Tudo bem. Perfeito! Obrigada mais uma vez.
Verdadeiramente otimista outra vez, eu subi para o quarto e passei
direto para o banheiro. Tomei um banho e me arrumei pronta para lutar por
essa vaga de emprego. Quando o relógio marcou cinco horas, uma leve
batida soou do outro lado da porta.
— Oi. Você é a Maya? — perguntou uma garota negra, de cabelos
pretos encaracolados na altura dos ombros e de estatura um pouco mais
baixa que a minha.
— Sim, sou eu. Você deve ser a Sasha.
Estendi minha mão para ela em cumprimento.
— Sim. Muito prazer. — Apertou minha mão. — Já está pronta?
Podemos ir?
— Claro. Vamos lá.
Fechei a porta e descemos para o térreo. Caminhamos pela calçada
até o ponto de ônibus a alguns metros mais à frente.
— Então... qual é a sua história? — perguntou ela.
— Como assim, a minha história?
— Você não é daqui, está sozinha e desempregada. Então, você tem
uma história.
— Ah, bom... Eu sou de Oklahoma e vim para Chicago, porque
precisava de um novo ponto de partida. História curta. E você?
— Meu pai é um alcoólatra machista, que acredita que amor se
demonstra com socos e chutes. Seu talento é bater na minha mãe e nos seus
filhos. Fugi dele e vim parar aqui, mas voltarei em breve para livrar minha
família daquele crápula.
— Sinto muito.
Realmente sentia, tive pena da sua história.
— Seus irmãos ficaram na sua cidade? — perguntei curiosa.
— Sim, mas estão em uma casa de apoio para menores.
— E a sua mãe?
— Ela se recusa a deixá-lo e toda vez que apanha, justifica dizendo
que ele só está em um dia ruim e sempre acredita quando ele diz que vai
mudar.
— Você vai conseguir buscá-los, eu sei — consolei-a, repousando
minha mão sobre seu ombro esquerdo.
— Deus lhe ouça! — Sorriu tristonha. — Tenho trabalhado duro
para conseguir realizar isto.
Chegamos à parada de ônibus e tomamos um que nos levou para o
centro da cidade. Ao desembarcar, caminhamos por duas quadras até o bar.
Por fora, ele era grande e com design sofisticado e moderno. O Roger’s,
onde trabalhava, nem mesmo chegava aos pés deste lugar. Dentro, o
ambiente não deixava a desejar na sofisticação. Ele era meio escuro, mas os
detalhes cromados do alumínio nos móveis de estofado e forro de cor azul,
se destacavam. O piso da pista de dança era feito de cacos de espelhos e
recebia uma iluminação incrivelmente linda vinda do teto em tons de lilás e
roxo.
— Vem. Vamos procurar o Pette.
Segui Sasha por um corredor que nos levou até a cozinha, onde uma
equipe de dez pessoas, no mínimo, trabalhava a todo vapor.
— Pette! — chamou ela ao entrarmos.
Um homem que vestia calça jeans escura e camisa preta justa com
as mangas dobradas até os cotovelos, virou-se em nossa direção e encarou
Sasha cruzando seus braços à frente, exibindo sua musculatura definida por
baixo do tecido.
— Está atrasada, Sasha — disse ele com sua voz grossa e rude,
caminhando a passos firmes em nossa direção.
— Eu não estou atrasada, quem se atrasou foi o ônibus — respondeu
com humor, mas ele permaneceu sério. — Pette, esta é a Maya. Maya, este
é o Pette. — Ele encarou-me de baixo a cima, analisando meu perfil com
um olhar crítico. — Ela é nova na cidade e está hospedada na Maggie...
— Está procurando emprego? — perguntou ele para mim,
interrompendo-a.
— Estou — respondi sentindo-me um pouco nervosa com seu olhar
rude e azul.
— Já trabalhou como garçonete antes?
— Sim, por dois anos.
— E onde foi?
— Em um bar universitário em Houston.
— Hum... — resmungou encarando-me com os olhos estreitos. —
Farei um teste com você esta noite, mas já vou logo avisando. Chicago não
é Houston, garota. Seja ágil! Mostre a ela como as coisas funcionam, Sasha.
— Está bem. Vamos? — chamou-me pegando minha mão e me
levando para fora da cozinha. — Não fique intimidada. Ele não gosta de
empregados que tem medo dele. Pette tem esse jeito todo bronco, mas não é
esse mostro todo. Aqui é o vestiário — disse ao entrarmos em um cômodo
com armários na parede e dois longos bancos de madeira ao meio. — Ali
ficam os uniformes limpos, é só chegar e vestir. — Apontou. — Lembre-se
de tirá-lo antes de sair e colocar naquele cesto perto da porta. Você pode
guardar suas coisas no último armário, era da garota que saiu.
— Certo.
Caminhei até a pilha de camisetas do uniforme e peguei uma do
meu tamanho, trocando-me ali mesmo. Guardei minhas coisas no armário e
tranquei a portinha guardando a chave no bolso de trás da calça. Sasha me
levou até o balcão de bebidas nos fundos e mostrou-me que era ali que eu
devia pegar o avental de cintura, a bandeja e o tablet para fazer os pedidos
que iam direto para a tela de TV na cozinha.
— Tyler? — chamou Sasha por um rapaz que entrava pela porta da
frente, segurando na mão um capacete de motociclista.
— E aí, lindinha — cumprimentou ele ao se aproximar de nós.
— Quero que conheça a Maya. Ela vai fazer um teste com a gente
hoje, mas tenho certeza de que irá ficar — disse convicta e sorri para ela.
Gostava do seu otimismo, era de pessoas assim que precisava perto
de mim naquele momento crítico em que vivia.
— Sendo assim... seja bem-vinda à equipe do Wilcox Night —
desejou ele com um largo sorriso.
— Obrigada — agradeci observando-o.
Tyler era um rapaz bonito de descendência oriental. Alto, cabelos
pretos e lisos, dono de um belo sorriso de dentes brancos e olhos castanhos.
Ele devia ter cerca de vinte e cinco anos, ou um pouquinho mais.
Sasha apresentou-me para os outros funcionários e, segundos antes
do bar abrir, desejou-me boa sorte assumindo o atendimento na área VIP
que ficava em uma parte suspensa. Quando as portas foram abertas, uma
enorme fila estava se formando lá fora. Aos poucos, o segurança liberava a
entrada das pessoas e o local enchia-se rapidamente fazendo o ambiente
enorme parecer menor.
Levei um tempinho para aprender a fazer os pedidos no tablet, mas
logo peguei o jeito e já estava me virando sozinha no atendimento. Nem de
longe o movimento se comparava ao do Roger’s. A noite foi longa e
agitada, porém, as gorjetas valeram muito a pena o cansaço. Acho que
nunca ganhei tanto em uma noite.
— E aí? Gostou daqui? — perguntou Tyler, debruçando-se sobre o
balcão de vidro do bar.
— Gostei. É bem mais movimentado do que o lugar que trabalhei,
mas é ótimo!
— Bom mesmo são as gorjetas nas noites de quinta e sexta — disse
uma morena com mechas roxa e rosa nos cabelos. Ela tinha alguns
piercings na face e tatuagens grandes e coloridas por cima de cada
centímetro de pele à mostra. — Eu sou a Zoe — apresentou-se estendendo
sua mão.
— Maya.
— Aperto de mão firme. Gosto assim — falou quando apertei sua
mão.
— Novata! — Uma voz masculina e grossa rugiu atrás de mim.
Olhei por cima do ombro e vi Pette caminhando em direção à escada que
levava ao seu escritório no mezanino. — Me acompanhe.
Segui-o em silêncio e ele abriu a porta dando-me passagem para
entrar primeiro. Pette entrou em seguida e fechou-a nos dando privacidade.
Tomou seu lugar atrás da mesa espelhada com base de ferro cromado.
Fiquei parada de pé à sua frente enquanto ele abria uma pasta preta sobre
sua mesa.
— Pode se sentar, eu não mordo — disse sem me dirigir o olhar.
Aproximei e me sentei em uma das poltronas postas à frente da sua
mesa. Meu rosto formigava e minhas mãos suavam frio. Senti um nervoso
de pura ansiedade gelar meu estômago.
— Gostei do seu trabalho — elogiou quebrando o minuto tenso de
silêncio.
Ele recostou-se em sua cadeira e me dirigiu seu olhar duro. Pette era
um homem bonito e jovem, mas seu jeito me intimidava. Seus curtos
cabelos pretos eram bem penteados para trás e cheios de gel. A pele
levemente bronzeada dava destaque a sua barba um pouco cheia e bem-
feita. Seus belos olhos azuis eram o que chamava a atenção, nunca havia
visto uma íris tão clara como a sua.
— Você aprendeu rápido e não me deu prejuízo. A última garota que
passou por aqui servia mais cervejas no chão do que nas mesas. Se você
quiser e tiver interesse, o emprego é seu.
— Eu gostei e quero muito esse emprego! — respondi animada, sem
deixar dúvidas de que queria mesmo aquela chance.
— Okay. Aqui você trabalha dez horas por noite e, às vezes, mais,
normalmente até as quatro. O salário é de onze dólares a hora. Tem que
estar aqui às seis em ponto todos os dias, não tolero atrasos! Os domingos e
feriados são por escala e quem cuida disso é a Zoe. Você começa amanhã.
Vamos fazer um contrato inicial de um mês e, se tudo fluir bem, falaremos
de mais tempo — disse entregando-me uma folha que tirou da pasta aberta
à sua frente. — Traga amanhã os documentos aí listados. — Apontou para o
papel.
— Tudo bem. Obrigada — agradeci e saí de seu escritório.
Desci as escadas e encontrei todos se preparando para irem embora.
— Então... você trabalha oficialmente conosco? — perguntou Sasha.
— Sim — afirmei sorridente.
Ela deu um gritinho e pulou batendo palmas antes de vir até mim e
surpreender-me com um abraço rápido.
— Então nos vemos amanhã. Boa noite — Tyler despediu-se e foi
embora.
— Boa noite — retribuí.
— Vamos trocar o uniforme e pegar sua bolsa — falou Sasha
arrastando-me para o vestiário.
Já passava das quatro da manhã e estava um pouco frio na rua,
mesmo sendo verão. Caminhamos pela calçada iluminada pelos letreiros
das lojas fechadas e as luzes amareladas dos postes, até o ponto de ônibus.
— Tyler gostou de você — disse Sasha quando se sentou ao meu
lado no ônibus
Sorri com seu comentário.
— Ele é bonitinho — falei observando a cidade deserta pela janela.
— Ele me perguntou se você tinha namorado.
— E o que disse a ele?
— Que não sabia. — Nós duas rimos baixo. — Você tem namorado?
— Essa pergunta me tirou o sorriso e me deu uma angústia em troca.
— Não — respondi baixo escorando minha cabeça no vidro.
— O término foi recente? — perguntou cautelosa.
— Sim — respondi secando a única lágrima que se atreveu a descer
por meu rosto.
— Eu já amei uma vez, também. Tinha dezessete anos e ele vinte.
Dizia me amar, mas quem ama não trai, não é?
— Você está certa — respondi cabisbaixa.
— Nosso relacionamento não acabou bem. Ter vindo para cá, não
me livrou apenas do meu pai, mas de ter que ficar o assistindo desfilar pela
cidade com a esposa e filhinha de dois anos.
— Você vai encontrar alguém melhor — consolei vendo-a sorrir
triste.
Logo chegamos ao hotel e despedi-me da Sasha em frente meu
quarto. Abri a porta e esperei que ela entrasse no seu, três quartos adiante.
Ao acender a luz, avistei uma bandeja coberta com um pano branco sobre a
escrivaninha. Caminhei até ela e a descobri encontrando um sanduíche
natural, uma maçã e um bilhete.

Imaginei que estaria com fome.


O suco está no frigobar. Boa noite.
Maggie

Sorri com o carinho e cuidado de alguém que ainda não me


conhecia. Peguei o suco no frigobar e me sentei aos pés da cama comendo
enquanto assistia à programação das quatro e quarenta da madrugada no
canal aberto. Depois de um banho rápido, entreguei-me a um esgotamento
imenso e o latejar dos meus pés cansados, dormindo ao som de Noviça
Rebelde, que reprisava pela milésima vez na TV.
CAPÍTULO 2

Acordei com batidas insistentes na porta. Tateei minha mão sobre o


criado-mudo ao lado, à procura do meu celular. Com a visão embaçada,
consegui enxergar que já eram dez da manhã.
— Maya... Sou eu, a Sasha. Vai dormir o dia todo?
— Eu já vou! — gritei com a voz rouca de sono.
Levantei-me da cama juntando meus cabelos bagunçados em um
coque e caminhei até a porta esfregando os olhos, tentando limpar minhas
vistas sonolentas. Destranquei-a e abri apenas uma fresta, estava quase nua
vestindo somente calcinha e uma camiseta da universidade.
— Bom dia — desejou ela toda feliz. — Vamos tomar café?
— Mas já passou das nove.
— A Maggie sempre guarda alguma coisa para mim, ela deve ter
guardado para você também. Vamos?
— Okay, vou me trocar. Me espere aí.
Fechei a porta e fui ao banheiro. Depois de vestida decentemente
para sair e com os cabelos devidamente arrumados, encontrei Sasha
escorada à grade de proteção do corredor digitando algo em seu celular.
— Pronto — disse ao trancar a porta.
— Conseguiu descansar?
— Mais ou menos. E você?
— Consegui sim. Logo você se acostuma com esse horário maluco.
— Sorriu.
— Tomara — desejei cobrindo meus olhos da claridade do sol, com
meus óculos escuros.
— O que vai fazer hoje até a hora do trabalho?
— Não sei. Não fiz planos.
— Podíamos ir fazer um passeio pela cidade, para você conhecê-la
melhor. O que acha?
— Por mim, tudo bem.
— Bom dia, meninas — desejou Maggie, de pé, do outro lado do
balcão da recepção.
— Bom dia! — respondemos em uníssono.
— Guardou alguma coisa para nós? — perguntou Sasha.
— Mas é claro que sim. Venham até o salão. Kimberley está
limpando o chão.
Ao entramos no salão, havia uma moça de cabelos loiros limpando o
piso. Ela estava com fones de ouvidos e cantarolava alta e desafinada uma
música da Katy Perry.
— Kim! — gritou Maggie indo até ela e puxando os fones dos seus
ouvidos.
— Ai, mãe! Que chato! Já não basta eu ter que esfregar o chão,
agora você quer me arrancar os fones?
— Deixe de ser malcriada! As meninas querem tomar café da
manhã — explicou Maggie, apontando para nós duas.
— Já não bastava a Sasha, agora arranjou outra?
Kimberley nos olhou com um sorriso cínico no rosto e apoiou a mão
esquerda em sua cintura, enquanto segurava o esfregão com a outra.
— Kim! — repreendeu Maggie.
— Se me tratar assim de novo, nunca mais falo com você e também
não terá cervejas grátis na Wilcox! — ameaçou Sasha, em um tom
humorado.
Kimberley riu negando com sua cabeça e chamou Sasha de
chantagista. Foi então que entendi que elas estavam apenas brincando, nada
ali passava de ironia ou humor sarcástico.
— Essa é a Maya — Maggie apresentou-me.
— Oi, Maya. Desculpe-me se pareci rude, só estava zombando. Seja
bem-vinda e me chame de Kim. — Estendeu-me sua mão.
— Obrigada.
Sorri simpaticamente e apertei sua mão macia e fina.
— Vamos sair daqui a pouco para Maya conhecer a cidade antes do
trabalho. Quer vir com a gente? — perguntou Sasha.
— Eu bem que gostaria, mas tenho que terminar de limpar o salão e
pôr o lixo da cozinha para fora — respondeu fazendo uma careta engraçada,
revirando os olhos.
— A gente te ajuda depois do café. Não é, Maya?
— Por mim, tudo bem. Não me importo em ajudar — respondi.
Maggie saiu da cozinha com uma bandeja cheia de frutas, pães e
café. Ela desceu as cadeiras de cima de uma das mesas ao canto e nos disse
para ficar à vontade.
Depois que comemos, Sasha levou o lixo da cozinha para fora,
enquanto eu ajudava Kim a terminar de limpar o salão. Conversamos um
pouco e ela me pareceu ser alguém bem legal e divertida. Contou-me
empolgada sobre seu noivo e alguns dos planos que faziam juntos.
Era quase hora do almoço quando saímos do hotel. Kim sugeriu que
parássemos em uma pizzaria próxima para almoçarmos. Fomos caminhando
até lá, enquanto Sasha tagarelava sem parar. Eu apenas acompanhava as
duas pela calçada escutando a conversa que parecia estar animada entre
elas, em um modo automático. Minha cabeça estava em Oklahoma e tudo
que eu desejava era poder ligar para minha mãe e contar-lhe como havia
sido o dia anterior.
Chegamos à pizzaria, que estava cheia. Fizemos o pedido no balcão
e nos sentamos a uma mesa no fundo, perto da cozinha. Kim não largava o
celular nem por um minuto e tinha um sorriso bobo no rosto. Eu reconhecia
aquele sorriso e o motivo dele era simplesmente... o amor.
— Então, Maya... — começou ela por fim, colocando o celular
sobre a mesa e dirigindo-me sua atenção. — De onde você veio?
— Texas. Mas sou de Oklahoma.
— Já estive no Texas uma vez, em Dallas. O meu pai morava lá.
— E para onde ele se mudou agora? — perguntei esticando a
conversa.
— Para sete palmos debaixo da terra. Eu tinha nove anos —
respondeu-me rápida e deu um sorriso sem graça.
— Sinto muito — pedi sentindo-me sem graça.
Não devia ter perguntado, se bem que ela não demonstrou sentir-se
mal em me dar a resposta.
— Não, tudo bem. Já faz quinze anos e foi melhor assim — disse
pegando o pedaço de pizza que estava em seu prato e o levando até a boca
dando uma mordida sedenta.
— Maggie sofreu muito com o ex-marido. Ele a machucava bastante
e mesmo depois do divórcio, não a deixou em paz — explicou Sasha.
— Aí, em um belo dia, ele invadiu a casa em que morávamos com
minha avó e tentou matar minha mãe. Mas ela foi mais rápida e tomou a
arma dele atirando em seu peito. Legitima defesa e fim da história —
concluiu Kim.
Mudamos de assunto e começamos a interagir em outra conversa
mais leve, adequada para um almoço. A movimentação intensa no balcão
chamou minha atenção. Encostado a ele muita gente comia de pé e
apressada. A maioria, homens de terno com suas gravatas jogadas sobre o
ombro e suas pastas presas entre as pernas.
O pequeno sino acima da porta badalou anunciando a entrada de
mais clientes no lugar abarrotado, atraindo meu olhar. Fiquei estática com
quem vi entrar. Não queria acreditar no que meus olhos enxergavam. Não
pode ser! Será? Olhei mais uma vez, encarando-o atentamente e não me
restaram dúvidas.
— O que foi? — Escutei Sasha me interrogar.
— Eles chegaram! — disse Kim animada.
Olhei para ela e a vi com um enorme sorriso no rosto. Ela se
levantou e ergueu a mão acenando para os dois homens que haviam
acabado de passar pela porta. Olhei sorrateiramente pelo canto dos olhos e
vi que os dois se aproximavam. Abaixei minha cabeça sentindo-me
envergonhada e sem saber o que fazer.
— Oi, amor — saudou uma voz grossa.
— Oi, baby — respondeu Kim.
— Olá, meninas — disse outra voz masculina, que fez com que os
pelos do meu braço se arrepiassem.
— Oi, Allan — cumprimentou Sasha. — Essa é minha amiga,
Maya.
Ergui minha cabeça e, respirando fundo, encarei o homem para
quem eu estava sendo apresentada. Deus... é mesmo ele!
— Oklahoma... — disse o homem em tom baixo, demonstrando
surpresa. Um lindo sorriso se abriu em seu rosto.
— Oklahoma? — perguntou alto o outro homem, a quem Kim
estava agarrada, olhando-me assustado.
Eu encarei-o confusa, perguntando-me se ele sabia sobre mim,
porque parecia que a resposta era sim. É claro que devia saber, senão não
teria ficado tão surpreso. Ele desmanchou o sorriso e tentou disfarçar sua
feição pasma, quando Allan olhou-o de cara feia. Finalmente sei o seu
nome, Chicago. Um silêncio enorme se estabeleceu na mesa, enquanto
sentia o olhar de todos queimarem sobre mim. Droga! Odeio ser o centro
das atenções, ainda mais quando ela não é boa.
— De onde vocês se conhecem? — perguntou Kim, quebrando
finalmente o silêncio constrangedor.
— Nos conhecemos em Oklahoma quando estive por lá há pouco
mais de um mês, em uma investigação — respondeu Allan.
— Achei que não conhecesse ninguém em Chicago — falou Sasha
para mim.
— E não conheço — respondi abaixando minha cabeça novamente,
sentindo-me desconcertada.
— Conhece a mim, agora — retrucou Allan. Senti um pouco de
divertimento em sua voz.
— Sentem-se — convidou Kim.
Os dois puxaram as cadeiras e se sentaram à mesa conosco. Allan se
sentou ao meu lado ficando tão perto, que eu conseguia sentir a fragrância
de seu perfume e o calor que sua pele emanava.
— Então, Maya... — começou ele a dizer. — Há quanto tempo está
aqui?
— Há três dias — respondi olhando-o finalmente, mas ainda me
sentindo envergonhada.
— Vai ficar por quanto tempo?
— Não sei ainda. — Desviei meu olhar de seu rosto e tomei um gole
do refrigerante que havia pedido.
— Maya — chamou Kim. — Esse é meu noivo de que lhe falei.
Jack.
— É um prazer — disse a ele, que me olhava tentando disfarçar sua
surpresa e curiosidade.
— Que mundo pequeno — sussurrou ele.
— Tenho que concordar — sussurrei de volta.
— O que aconteceu entre vocês? — perguntou Kim curiosa.
— Nada — respondi junto a Allan.
— Sei... Até parece! — disse Sasha. — Aqui... Peguem! —
Estendeu-me uma faca de mesa.
— Para que isso? — perguntei confusa.
— Para cortar um pouco dessa tensão sexual entre vocês —
respondeu ela fazendo Kim gargalhar.
Senti-me ainda mais envergonhada do que já estava. Meu rosto
queimou como brasa ao me recordar daquela noite do sexo dentro do carro,
no estacionamento do pub em Tulsa. Essas memórias vieram como uma
avalanche em minha mente.
— Eu vou ao banheiro, com licença. — Levantei-me rapidamente.
Entrei no corredor onde havia uma plaquinha na parede indicando
os sanitários e fui ao banheiro feminino. Ao entrar, para minha sorte, ele
estava vazio. Parei diante da pia e encarei-me no espelho, observando meu
rosto corado. Por que estou sentindo-me assim? Não há porquê. A porta do
banheiro foi aberta e, pelo espelho, vi Sasha entrar.
— Desculpe-me. Não quis te constranger — pediu com um sorriso,
cabisbaixa.
— Tudo bem.
Liguei a torneira e lavei minha mão engordurada de pizza.
— O que rolou entre vocês dois? — investigou curiosa, escorando-
se na bancada.
— Nada de mais.
— Tudo bem se não quer falar agora, mas... Nossa! Vocês têm
mesmo uma grande tensão sexual e sei que algo rolou só pelo jeito em que
ele te olhou quando a viu.
Mordi meu lábio inferior e virei-me para ela.
— Nós transamos. Eu estava em um bar, bêbada, e ele estava lá,
encarando-me como se eu fosse um pedaço de bife e, quando menos
percebi, estávamos dentro do carro dele. Foi uma hora de sexo e nada mais.
Nem mesmo dissemos nossos nomes um para o outro.
— Ele ficou bem animadinho em te ver. Você foi marcante. Pelo
visto, ela contou sobre vocês ao Jack, deu para notar pela cara de surpresa
dele quando Allan a chamou de Oklahoma.
— É, eu notei. Jack não é muito sutil.
— Sutileza, definitivamente, não é a praia dele. — Riu. — E olha
que o trabalho deles exige isso.
— O que eles fazem?
— Não notou os distintivos nas cinturas? Eles são detetives da
polícia de Chicago.
— Vão ficar fofocando aqui no banheiro? — perguntou Kim ao
entrar abrindo a porta de supetão, nos assustando. — Eles já foram embora
— Olhou-me, enquanto chegava mais perto. — Então, você é a garota. —
Sorriu.
— Como assim, eu sou a garota? — perguntei confusa.
— Desde que o Allan voltou de Oklahoma, ele sempre falava sobre
uma garota que conheceu por lá, mas que nem mesmo sabia o nome. Eu
ficava meio perdida nos comentários que ele fazia, até que um dia Jack me
contou sobre o que aconteceu.
— Ui! Tem alguém que achou o sexo no carro incrível! — zombou
Sasha, fazendo-me sorrir.
— Se você tivesse dito seu nome a ele naquela noite, Allan já teria
ido atrás de você. Aproveita! Ele é um gato e está solteiro — falou
entusiasmada, piscando para mim.
— Não estou à procura disso. — Fui direta com minha resposta e saí
do banheiro.
Pegamos nossas coisas sobre a mesa e seguimos com nosso “plano
turístico”, assim chamado por Sasha, caminhando pela cidade. Já passava
das quatro quando voltamos de táxi para o hotel. Atravessamos o
estacionamento conversando e rindo, quando Maggie apareceu dando
broncas em Kim por ter demorado tanto. Assumi a culpa, já que era
verdade, explicando-lhe que perdemos a noção do tempo no passeio pela
linda Chicago.
Subi para o meu quarto e tomei um banho renovando minhas
energias e disposição para trabalhar até as quatro da manhã. Prontas, eu e
Sasha pegamos o ônibus e fomos para a Wilcox. Já sabia como tudo
funcionava e devia ser. Fui direto para o vestuário feminino e troquei de
camiseta, indo depois para o bar pegar minha bandeja, o avental e o tablet.
Estávamos prestes a abrir as portas, quando Pette veio até mim e me
chamou em seu escritório.
— Feche a porta! — mandou rude. Eu a fechei e caminhei até sua
mesa, parando à frente dele. — Vou ser direto, não sou de rodeios. Já tive
problemas com uma garota aqui antes, que aproveitava o fluxo de clientes
ricos para aumentar sua lista de contatos.
Olhei para ele com estranheza, franzindo o cenho, sentindo-me
confusa.
— Por que está me di... — Foi então que pensei um pouquinho mais
e entendi. — Você puxou minha ficha criminal.
— Puxei sim.
Fechei meus olhos e respirei fundo, esfregando as pontas dos meus
dedos pela minha testa.
— Foi uma acusação falsa de uma denúncia anônima — expliquei
abrindo meus olhos e o encarando novamente. — Eles pediram sete dias a
minha advogada para retirar a queixa.
Senti necessidade de esclarecer, não queria perder a oportunidade de
emprego.
— Espero que seja somente isso, porque se não for... você pode tirar
esta camiseta e sair do meu estabelecimento. Se tem algo que não aceito
aqui são putas! — falou rude, encarando-me duro.
Seu modo de falar me pareceu ser acusatório, deixando-me irritada.
— Não sou garota de programa! — retruquei irritada, cruzando
meus braços à frente e o encarando da mesma forma. — Mas se não me
quer na sua equipe de funcionários, é só dizer. — Também fui bem direta.
Ele escorou-se em sua cadeira, amparou seu cotovelo direito sobre o
apoio lateral da mesma e, de leve, roçou o indicador em seus lábios.
Encaramo-nos olho no olho, em silêncio, por longos segundos. Pode ter me
intimidado ontem, mas hoje não. Hoje, o que conseguiu foi me deixar
furiosa!
— Volte ao seu trabalho — quebrou o silêncio.
Sem dizer nada, saí do seu escritório fechando a porta atrás de mim.
Não sei se quero continuar aqui, talvez deva procurar outro emprego. Vim
para Chicago deixando meus problemas para trás, não queria que me
acompanhassem. Que diabos esse homem tinha que fuçar minha ficha
criminal? Tenho cara de bandida, por acaso?
Comecei a trabalhar e, enquanto esperava por Tyler colocar mais
cervejas em minha bandeja, desejei muito estar no Roger’s. Quando eu
tinha algum problema, Dick sacava logo de cara e me perguntava o que
havia de errado e, entre uma ida e outra até o bar para reabastecer minha
bandeja, conversávamos sobre o problema e ele fazia com que eu me
sentisse melhor. Quanta saudade sentia do meu amigo.
A noite foi longa e cansativa. Eu e Sasha voltamos ao hotel de
ônibus fazendo o caminho em silêncio. Estava sentindo-me triste por uma
das complicações da minha vida ter me perseguido até aqui e com saudades
de casa, da minha família e, principalmente, do homem que amava e que
me desprezou. Quando descemos do ônibus, caminhamos pela calçada e
atravessamos a rua até o hotel. Já estava muito escuro e silencioso, afinal,
passava das quatro e meia da manhã.
— Devíamos morar juntas. Dividir um apartamento, o que você
acha? — perguntou Sasha, deixando-me surpresa com seu convite.
— Você mal me conhece.
— E daí? Você também mal me conhece.
— Por que quer que eu vá morar com você? — questionei curiosa.
— Já estou morando aqui no hotel há um ano, quero meu cantinho
com sala e cozinha. Eu e a Kim íamos morar juntas, mas aí o Jack
atrapalhou nossos planos quando a pediu em casamento. — Ela me pareceu
magoada com isso. — Eu e a Kim estamos em uma lista de espera para um
apartamento perto do nosso trabalho. O que você me diz? Não quer ficar em
um hotel para sempre, não é?
— Não, claro que não.
— Pense bem e depois me fale. Não posso pagar o aluguel sozinha,
terei que dispensar um bom apartamento se não achar alguém com quem
dividi-lo.
— Vou pensar, eu prometo. Boa noite — despedi-me abrindo a porta
do meu quarto.
— Boa noite.
Entrei e tranquei a porta. Sobre a escrivaninha, havia uma nova
bandeja com biscoitos caseiros e um bilhete que dizia que o leite estava no
frigobar. Depois de um banho e comer, deitei sem ligar a TV e adormeci
exausta.

No dia seguinte, passamos a tarde na recepção conversando sobre


bobagens e ideias para a decoração do casamento da Kim, que aconteceria
em janeiro.
— Oi, amor — cumprimentou Jack ao passar pela porta.
— Oi, lindinho — retribuiu Kim, indo até ele e lhe dando um beijo
nos lábios. — Estamos vendo ideias de decoração para o casamento. Quer
opinar?
— Não, eu confio em você — disse ele sorridente, puxando-a pela
cintura.
Os dois começaram a sussurrar e rir baixinho no canto, trocando
alguns beijos e carícias no rosto. Senti-me uma intrusa ali. Olhei para
Sasha, que estava de pé à minha frente, escorada no balcão, e fiz um sinal
com minha cabeça para sairmos dali. Ela assentiu e eu me levantei saindo
de fininho à frente dela.
— Eles são tão fofos, não são? — perguntou ela rindo.
— Até demais. — Ri também.
— Oi, Maya — cumprimentou uma voz masculina, vinda do
estacionamento. Olhei e vi Allan se aproximar de nós. — Não deu para
ficar muito lá, não é? — Riu.
— Oi, Allan. Não. — Sorri aproximando-me dele.
— Aqueles dois são uns melosos — falou Sasha fazendo cara de
nojo.
— Isso é só uma demonstração grátis do que eu aguento quando
saio com os dois — disse humorado.
— Tem que arrumar outra namorada logo, Allan — provocou Sasha,
rindo.
— Vou tentar — respondeu olhando-me com um sorriso sem-
vergonha, que me fez sorrir de volta.
Jack e Kim saíram de dentro da recepção e se aproximaram.
— Vamos, parceiro — chamou Jack.
— Vamos!
— Estava falando com o Jack para irmos naquele bar de karaokê, no
sábado. O que vocês acham? Gosta de karaokê, Maya? — perguntou Kim.
— Eu não sei. Nunca fui a um.
— Estou fora — disse Sasha levantando as mãos.
— E eu trabalho — descartei logo minha presença.
— É verdade — confirmou Sasha.
— Então, a gente marca para o domingo. Que tal assim? — sugeriu
Jack.
— Meu trabalho e o da Sasha é por escala. É complicado marcarmos
compromissos, eu nem mesmo sei quando será minha folga — respondi.
— Você é difícil de levar para sair, hein?! — disse Allan ao meu
lado, desapontado.
— Ah... agora eu entendi! É você quem quer levar a Maya para sair,
não é? Por isso aquele papinho anteriormente de que é difícil sair só com
eles dois — disse Sasha, apontando para Kim e o Jack. — Foi tudo
combinado entre os detetives, eu sei. — Riu.
Olhei para Allan e ele estava com o maxilar contraído e uma feição
clara de que não havia gostado nada do que Sasha falou.
— Mentiras têm pernas curtas, Sr. Detetive. Já devia saber —
provocou-o ainda mais.
Acabei rindo da situação sem querer. Fazer o quê, foi engraçado.
Sasha era abusada e não deixava nada passar batido ou barato.
— Vamos, Jack — chamou ele, nos dando as costas e seguindo para
o carro sem se despedir.
— Coitadinho. Parece até um adolescente com vergonha de chamar
a garota para o baile — zombou Kim.
Jack riu baixo e lhe deu um beijo rápido de despedida, antes de se
afastar chamando pelo amigo. Eu não o entendo. Depois do que fizemos em
Oklahoma, por que ele está agindo assim, tão envergonhado? Fiquei com
pena e senti-me uma idiota por ter rido das coisas que Sasha disse.
— Allan! — chamei-o indo até ele, que estava prestes a entrar no
carro.
Allan parou e virou-se para mim. Eu peguei a caneta que estava no
bolso externo da sua jaqueta e puxei sua mão esquerda anotando meu
número de telefone nela.
— Esse é meu número. — Ele me deu o mesmo sorriso de quando
nos despedimos naquela noite. — Me liga.
— Eu vou! — falou convicto.
Sorri e me afastei. Ele assumiu a direção do carro e saíram sumindo
alguns metros adiante ao virar na esquina.
CAPÍTULO 3

Às cinco horas, nós fomos para o trabalho. A noite passou rápida,


assim como os últimos três dias que se foram. Allan ainda não havia me
ligado, o que achei estranho, já que parecia bem interessado. Perguntei a
Kim sobre ele e ela me disse que Allan e Jack estavam fora da cidade em
uma investigação e, talvez, fosse por isso que ainda não tinha me
procurado. Mesmo assim, pensei: “Poxa, mas nem uma mensagem?”. Não
sei porquê, mas me sentia ansiosa.
Estava chegando para mais um expediente no sábado, quando Zoe
se aproximou e me disse que minha folga seria aos domingos. Quando a
noite de trabalho acabou, era quase cinco da manhã. Estava pegando minhas
coisas no armário do vestiário feminino, quando alguém pigarreou atrás de
mim chamando minha atenção. Olhei em direção à porta e vi Pette parado
no batente, com os braços cruzados à frente do peitoral sarado.
— Pette — cumprimentei-o surpresa em vê-lo ali.
— Maya — retribuiu entrando no vestiário. — Notei que os clientes
gostam de você. É uma moça educada, comunicativa e... atraente. Querendo
ou não, isso os cativa. Gostaria que, a partir de segunda, você atendesse a
área VIP. Preciso de atendentes como você por lá. Trocarei Sasha de lugar
com você.
— Tudo bem.
— Tem mais uma coisa. Chegaram uniformes novos, lembre-se de
pegar com a Zoe na segunda. Era só isso. Boa noite.
— Boa noite.
Ele saiu sem olhar para trás com seu jeito arrogante. Não sei se
gosto dele.
— Aí está você! Vamos logo, já está tarde — falou Sasha ao
encontrar-me saindo do vestiário.
— Vamos.
Saímos todos juntos do bar pela porta da frente, rindo das piadinhas
clichês que Tyler fazia da própria cultura. A madrugada estava fria e eu não
via hora de chegar logo no hotel e tomar um banho quente antes de ir para a
cama.
— Opa! — disse Zoe apreensiva. — “Tira” na área, galera —
sussurrou para nós o alerta.
Todos encaravam tensos algo atrás de mim. Virei-me e encontrei um
cara bonito encostado em seu carro preto que reluzia a pintura encerada sob
a luz do poste na calçada.
— Está tudo bem. Eu o conheço — disse baixo, acalmando-os antes
de me afastar deles.
— Oi — cumprimentei Allan com um sorriso tímido.
— Oi — retribuiu ele, desencostando-se do carro e dando alguns
passos até mim.
— O que faz nas ruas tão tarde, detetive?
— Fui chamado para uma emergência não muito longe daqui e
resolvi vir buscar você. Conheço esse bar e sei que fecha tarde.
— Então vamos ter carona? — perguntou Sasha parando ao meu
lado.
— Você é uma chata, mas vou dar carona para você também —
respondeu sério, arrancando dela uma risada irônica.
— Também te amo, Allan — falou Sasha com sarcasmo, indo até a
porta traseira do carro.
Allan riu do deboche negando com a cabeça. Entramos no carro e
agradeci mentalmente por ele ter surgido para nos levar embora. Estava tão
cansada, que nem fome sentia. Quando ele parou no estacionamento do
hotel, Sasha se despediu dele e o agradeceu saltando do carro às pressas
desejando-me uma boa-noite.
— Obrigada, Allan — agradeci e lhe dei um sorriso grato.
— Desculpe-me por não te ligar antes. Eu estava em um caso fora
da cidade.
— Tudo bem, eu entendo.
— Você vai trabalhar amanhã?
— Não. Estou de folga.
— Eu não canto, mas adoro ver meu parceiro cantar e ter novos
motivos para zoá-lo a semana toda. — Sorriu divertido. — Karaokê
amanhã, então?
— Combinado. Obrigada por me trazer em segurança até aqui.
— Sem problemas. Acompanho você até a porta.
Descemos e ele me acompanhou até a porta do meu quarto. Paramos
diante dela e Allan olhou para os lados, desconfiado. Devia ser coisa de
quem vivia vinte e quatro horas em alerta por causa do trabalho.
— Boa noite — desejei depois que abri a porta.
— Boa noite.
Ele aproximou-se e deu-me um beijo delicado em meu rosto
tocando minha nuca com sua mão quente, por baixo dos cabelos soltos.
Afastou-se e parou seu rosto a centímetros do meu, encostando a ponta do
seu nariz gelado no meu. Seus olhos encararam-me de um jeito sedutor,
enquanto seu polegar fazia desenhos circulares em minha bochecha,
acariciando-a com leveza. Não demorou muito mais segundos para que seus
lábios tomassem os meus em um beijo suave e lento, envolvendo meu corpo
pequeno que sentia frio, com seus braços fortes e grandes. Retribuí o beijo
que começava a me aquecer, abraçando sua cintura por baixo da jaqueta,
tocando sem querer seu coldre com a arma.
Seu beijo era tão gostoso quanto me lembrava. Seu corpo estava tão
quente, que gostaria de poder apenas dormir abraçada a ele a noite toda,
somente para me aquecer. Allan abraçou minha cintura ainda mais forte e
tirou-me do chão, me erguendo com seus braços e entrou no quarto
fechando a porta com seu pé. Ele me pôs de volta ao chão e sem
interromper o beijo, senti quando seu braço direito se afastou de mim e a
luz foi acesa rapidamente. Interrompi nosso beijo e olhei para ele,
admirando seu belo rosto com traços marcantes e másculos. Não sei qual
idade tinha, mas diria que não mais do que trinta anos. Ele sorriu e beijou-
me outra vez.
Dando pequenos passos para trás, chegamos à cama de solteiro.
Suas mãos calmamente tiraram minha jaqueta e, em seguida, invadiram por
baixo da camiseta, subindo-as até a lateral dos meus seios e os tocando por
cima do sutiã de renda. Senti minha pele arrepiar sob seu toque. Envolvi seu
pescoço com meus braços e aprofundei nosso beijo tornando-o mais
excitante. Suas mãos grandes desceram até minha bunda e a agarraram com
força puxando-me contra ele. Pude sentir em minha barriga sua ereção se
formar dentro do jeans.
Sua mão esquerda se entranhou em meus cabelos puxando minha
cabeça um pouco para trás, o suficiente para separar nosso beijo e dar a ele
um bom acesso ao meu pescoço com seus lábios. Meu corpo se arrepiou
outra vez e desejei tê-lo em minha cama naquele exato momento, por tempo
indeterminado. Não queria mais apenas dormir e me aquecer nele, queria
uma noite de sexo incrível.
Tirei sua jaqueta; e ele, minha camiseta. Sua mão ainda apertava
minha bunda puxando-me contra sua ereção que estava ainda maior,
deixando-me com água na boca. Ele desabotoou meu sutiã e o tirei jogando-
o no chão. Allan se afastou um passo para trás e encarou meus seios nus
enquanto retirava seu coldre, colocando-o sobre a poltrona perto da porta.
Ele voltou até mim e sorriu malicioso pegando-me em seu colo e deitando-
me na cama, antes de me cobrir com seu corpo e aconchegar-se entre
minhas pernas.
Levou sua boca até meus seios, deixando uma trilha de beijos
úmidos em minha pele, antes de abocanhá-los e sugar meus mamilos
rígidos de excitação, com vontade e desejo. Quando seus lábios voltaram
para os meus, eu logo arranquei a camiseta branca que ele usava em seu
corpo atlético. Como foi gostoso sentir sua pele na minha, emanando um
calor extremamente excitante. Sua mão direita desabotoou minha calça e
abaixou o zíper, invadindo minha calcinha em seguida e tocando meu
clitóris com uma massagem gostosa que me fez gemer em sua boca,
enquanto me beijava ferozmente deixando-me sem ar.
Infelizmente, nosso clima cheio de tesão foi quebrado quando senti
algo vibrar no alto da sua coxa esquerda.
— Droga! — praguejou ao separar nossos lábios.
Allan afastou-se e pegou seu celular do bolso da frente, em sua
calça, fazendo uma expressão infeliz e balbuciando algumas palavras que
não compreendi.
— Está tudo bem? — perguntei.
— Preciso atender. — Ele sentou-se nos pés da cama e atendeu a
ligação. — Decker — falou ao atender. — Okay. Já estou indo. — Essas
palavras me fizeram suspirar triste. Ele desligou e olhou-me com um sorriso
fraco no rosto. — Preciso ir. É uma emergência.
Deitou-se sobre mim novamente.
— Tudo bem. Continuamos depois? — perguntei acariciando seu
rosto.
— Nem precisa perguntar. — Deu-me um grande sorriso. — Te ligo
mais tarde. Se precisar de qualquer coisa, você pode me ligar também. Vou
te mandar uma mensagem para salvar meu número.
— Okay, detetive. — Sorri.
Ele abaixou sua cabeça e deu um beijo molhado em cada um dos
meus seios, mordendo levemente meus mamilos. Depois dele se vestir
rapidamente, nós nos despedimos com um beijo caloroso. Allan se foi e eu
fui para o banho, partindo em seguida para a cama.

Acordei às oito horas com a conversa alta das pessoas que passavam
pelo corredor lá fora. Deitada na cama e encarando o teto, resolvi que era
hora de dar sinal de vida para Clarice. Estava a ignorando há dias. Aliás,
não só ela, mas também minha avó, Dick e Penny. Sentei-me na cama e
peguei meu celular ao lado sobre o criado-mudo e busquei seu número na
agenda. Ela atendeu no segundo toque.
— Graças a Deus, Maya! — Senti o desespero em sua voz. — Sabe
como estou preocupada com você? Quase não tenho dormido à noite.
— Oi. Desculpe-me, Clarice. É que meus horários andam meio
loucos e tenho trabalhado bastante. Como você está?
— Furiosa com você, mas agora que sei que está bem, me sinto
melhor. — Suspirou aliviada.
— Perdoe-me — pedi ressentida em lhe causar isso.
— Maya... Já é hora de me dizer onde está! Com o que está
trabalhando?
— Clarice... Desculpe-me, mas não vou dizer onde estou. — Não
podia. Sabia que ela viria atrás de mim. — Eu estou bem, fique tranquila.
Estou trabalhando como garçonete em um bar no centro da cidade. É um
lugar legal e meus colegas de trabalho são pessoas ótimas. Tenho ficado
essa semana em um hotel, mas estou pensando em procurar um
apartamento.
— Então... se está pensando em procurar um apartamento, não irá
voltar logo? É isso que quer dizer?
— Sim. Não pretendo voltar agora.
— Maya... Só me diga em que cidade está. Prometo respeitar seu
espaço e tempo.
Respirando fundo pensei no que fazer. Se devia ou não dizer onde
estava. Será mesmo que irá respeitar meu espaço e tempo, com esse seu
instinto materno tão genioso?
— Se a polícia te procurar e precisar saber onde estou, me ligue. Eu
direi em qual cidade me encontrar.
— Por favor, não saia do país! Não até resolvermos tudo, okay?
— Não vou. Não tenho essa intenção. Agora me diga como está a
minha mãe. Nossa... Estou louca de saudades — revelei ficando com meus
olhos marejados.
— Ela está na mesma. Ainda não acordou e não teve evolução no
quadro de saúde. Trocaram o médico dela e nos disseram para ter
esperanças de que ela acordará. Seu pai está devastado.
Meu coração apertou e o choro embolou em minha garganta,
causando-me dor.
— Você... — Engoli o choro. — Você tem falado com meu pai?
— Sim, mas... não sobre você. Quando toco em seu nome, ele me
pede para parar de falar. Ele está com o orgulho ferido. Entenda também
que está acontecendo mil coisas com ele neste momento.
— Tudo bem. Eu sei que ainda me entenderei com ele. Como está a
Grace? Não falo com ela há um tempo.
— Grace está viajando com o novo namorado, que ainda não
conhecemos.
— Namorado? — Só podia ser o Higor. Estaria ele a usando para
fugir da polícia?
— Sim. Ela está muito feliz e radiante. Disse que se as coisas
ficarem sérias, em breve, o conheceremos.
— Fico feliz por ela — menti.
Não estava feliz por ela, porra nenhuma! Tinha certeza de que o
namorado misterioso era Higor. Aquele cretino ainda me paga!
— O processo contra o Dr. Collins e as duas enfermeiras que eram
responsáveis por sua mãe, ainda está em andamento para marcarmos a
primeira audiência. Mas fique tranquila. O caso da Meredith está nas
melhores mãos dessa cidade, meus associados — falou com enorme
certeza. Sua convicção animou-me.
— Obrigada, Clarice!
— Não precisa me agradecer. Meredith é minha família. Você é
minha família!
— Eu sei. Sentimos o mesmo por você. Eu tenho que desligar, ainda
irei ligar para minha avó.
— Não suma, Maya. Por favor... — implorou.
— Não vou. Eu só precisava de um tempo. Desculpe-me pela
preocupação.
— Eu te amo, querida.
— Também te amo. Dê um beijo na minha mãe por mim e diga que
eu a amo muito e que voltarei logo mais para casa.
— Se cuide.
Encerramos a ligação e liguei em seguida para minha avó. Levei
outro puxão de orelha por ter sumido, mas depois de convencê-la de que
estava bem e negar inúmeras vezes em dizer onde estava, enfim encerramos
a ligação e fui para o banho. Pronta, desci para o café da manhã e encontrei
Sasha sentada em uma mesa comendo sozinha. Servi-me de torradas com
geleias e fui até ela.
— Bom dia. Posso me sentar aqui? — perguntei parando ao seu
lado.
— Que pergunta, Maya. Claro que pode.
Sentei à sua frente e comecei a comer.
— Café, meninas? — ofereceu Maggie.
— Sim, obrigada — aceitei.
— Não, Maggie, valeu — falou Sasha, superconcentrada no que lia
no jornal que tinha em mãos.
— Está tudo bem? — perguntei, quando a vi fazer uma expressão
preocupada.
— Sim. Você leu o jornal de hoje?
— Não. O que tem no jornal?
— Acharam uma garota morta em um beco, a algumas quadras da
Wilcox.
— Ah, meu Deus! Que horror! Devia ser nisso que o Allan
trabalhava quando apareceu para buscar a gente.
— É, deve ser, mas... a garota estava sem a cabeça — disse baixo.
— O quê? — perguntei espantada, engasgando-me com o pedaço de
torrada que engolia.
— A cabeça foi encontrada pouco mais de duas horas depois a
alguns metros de distância, dentro de uma lata de lixo nos fundos de um
restaurante tailandês.
— Também deve ter sido por isso que Allan saiu às pressas ontem
— sussurrei para mim mesma.
— Como assim saiu às pressas? — interrogou-me com um sorriso
de divertimento.
— Nada. Não disse nada — omiti ao dar-me conta de que falei
demais.
— Nem vem, sua safadinha. Eu ouvi bem seus sussurros. Vocês
dormiram juntos? — perguntou sorrindo ansiosa.
— Não. Allan só me levou até meu quarto, aí nós nos beijamos e o
celular dele tocou, então, ele teve que ir.
— Vocês vão sair hoje à noite?
— Vamos. — Sorri recostando-me na cadeira.
— Ah, que fofo! Mais um casal para eu segurar vela — disse
dramática e humorada, arrancando-me uma risada.
— Pare com isso. Não somos um casal e eu também não sou do tipo
que fica com agarração em meio aos amigos.
— Sei... Kim me dizia a mesma coisa. Ela até tentou me juntar com
o Allan, mas fala sério. Ele é bonitinho, mas nem de longe faz meu tipo.
— Que bom. — Sorri. — Sabe... andei pensando na sua proposta de
morarmos juntas. Acho que pode ser uma boa ideia. Não posso ficar aqui
durante todo o tempo que estiver em Chicago. Preciso de um lugar.
— Isso é ótimo! — falou entusiasmada. — Vou ligar agora mesmo
para a corretora.
— Okay.
Ela se levantou quase dando pulinhos de alegria e saiu para a área de
lazer com o celular na mão. Continuei a tomar meu café da manhã e peguei
o jornal sobre a mesa que ela lia. A notícia estampada na primeira página
era sobre a morte da garota que Sasha comentou. Seu nome era Luiza
Baywood. Ela tinha apenas vinte e quatro anos. Nada foram roubados da
vítima, seus pertences estavam jogados ao lado do seu corpo encontrado
com a cabeça mutilada, nu e com hematomas no pescoço que indicavam
estrangulamento. A causa da morte ainda era desconhecida. Em seus
punhos e tornozelos também tinham marcas que mostravam que a vítima
havia sido amarrada. Senti meu estômago embrulhar e um calafrio percorrer
meu corpo. Ainda bem que Clarice ou minha avó não sabiam onde estava,
porque se soubessem surtariam e apareceriam em menos de cinco horas
para me levarem embora.
Deixei o jornal sobre a mesa e me levantei para ir até a Sasha.
Sentei-me na espreguiçadeira próximo dela e esperei até que terminasse sua
ligação. Depois que encerrou, voltamos para os nossos quartos, pegamos
nossas bolsas e tomamos um táxi na frente do hotel com destino ao bairro
Little Village, onde olharíamos nossa suposta futura casa.
CAPÍTULO 4

Little Village Era uma pequena vila com grande concentração de


moradores mexicanos. Era até bonito de se ver as pinturas das casas. Havia
alguns comércios nas esquinas, crianças brincando nas ruas e barracas de
comida nas calçadas. Um lugar bem agradável e convidativo a se morar. O
táxi parou em frente ao prédio e nós descemos depois de pagar a corrida.
Ao entrarmos no pequeno hall vimos uma mulher encostada no balcão
conversando com o porteiro. Ela era loira e estava com os cabelos
amarrados em um elegante rabo de cavalo alto, usava um vestido roxo justo
ao corpo de comprimento mídi, que com certeza custava cerca de
quinhentos dólares, e calçava sandálias Jimmy Choo brancas.
— Celeste! — chamou Sasha, ao nos aproximar dela.
— Sasha! Como vai, querida? — cumprimentou a mulher apertando
sua mão. — Achei que havia desistido de alugar um apartamento.
— Eu? Não, não. Jamais! Foi minha amiga Kim quem desistiu
porque vai se casar, mas agora eu tenho outra colega com quem dividir o
meu novo lar — disse Sasha, olhando-me com um sorriso enorme.
— Então, vamos subir? — convidou Celeste.
Subimos de elevador até o segundo andar. O apartamento precisava
de uma boa pintura, mas era um bom lugar para se morar. Tinha dois
quartos grandes, um banheiro com banheira e chuveiro separados, sala
grande e larga com uma vista bonita para o bairro colorido e uma cozinha
planejada com lava-louças.
— O aluguel são trezentos e oitenta dólares por semana. Água e gás
são encanados. A portaria é de vinte e quatro horas e são revezadas em dois
turnos — explicou a corretora.
Já estava quase convencida de que aquele era nosso novo lar,
quando meu celular vibrou no bolso. Ao pegá-lo, o nome do Allan brilhava
na tela. Pedi licença e me afastei para atender.
— Oi, Allan.
— Oi. Você está no hotel?
— Não. Eu e Sasha viemos olhar um apartamento para alugar.
— É mesmo? E onde vocês estão?
— Em Little Village...
— O quê? — perguntou quase em um grito, interrompendo-me. —
Maya, saiam daí agora! — mandou.
— Por quê? Qual é o problema?
— Digamos que esse não é um dos melhores bairros de Chicago. É
território de gangues. Não é seguro para vocês morarem aí. A boa
aparência do lugar engana.
— Mas a corretora disse...
— Foda-se o que corretora disse. O que ela quer é a comissão dela.
Olhe para ela agora. Se esta mulher estiver usando alguma joia ou
bijuteria que custe mais do que dez dólares, eu dou minha cara a tapa.
Olhei discretamente para ela e observei que nenhuma joia
acompanhava o vestido e as sandálias caras. Nem mesmo um par de brincos
de latão ou um colar de pérolas de plástico.
— Eu não posso entrar aí para te buscar. Pegue um táxi e voltem
para o hotel agora mesmo! Eu te encontro lá em meia hora.
— Está bem. Tchau. — Encerrei a ligação. — Sasha? — chamei-a
caminhando em sua direção. — Temos que ir. Preciso resolver um
problema. Uma emergência na verdade.
— Está tudo bem? — perguntou preocupada.
— Sim. Nada com que deva se preocupar. Podemos ir?
— Claro! — concordou e virou-se para a corretora. — Celeste,
obrigada pela visita. Eu e a Maya vamos conversar e te ligo mais tarde para
lhe dar a nossa resposta.
— Eu quem agradece. Vou ficar aguardando vocês — falou ela com
um sorriso falso e congelado no rosto.
Descemos para o térreo e o porteiro nos chamou um táxi que chegou
dez minutos depois. Assim que entramos, ele logo tocou para o hotel.
— O que houve, Maya? — perguntou Sasha preocupada.
— O Allan me ligou. Quando eu disse a ele onde estávamos, ele
mandou que saíssemos de lá o mais rápido possível e voltássemos para o
hotel.
— Mas que droga! Não acredito que saímos praticamente correndo
por causa de um encontro seu com o Allan! — bradou furiosa.
— Você não entendeu, Sasha. Não é para encontrá-lo que saí ás
pressas e sim porque ele disse que o lugar é barra pesada.
— Isso é conversa. Eu conheço o Allan, ele é um exagerado.
— Little Village é um bairro bonito e cultural — disse o taxista,
intrometendo-se em nossa conversa.
— Viu só! — disse Sasha, se vangloriando por achar que estava
certa.
— Mas... desde que a gangue Angeles de la Muerte tomaram o lugar
há seis anos, a coisa virou um caos — continuou ele a dizer, dividindo seu
olhar entre a rua à frente e nós, pelo retrovisor. — O que é uma pena. Era
um bom lugar para se viver.
— Viu só! — retruquei, encarando-a com os olhos estreitos.
Sasha revirou os olhos e seguiu em silêncio o caminho, observando
a cidade pela janela. Quando o táxi estacionou à frente do hotel, pagamos a
corrida e descemos. Allan já estava lá, nos aguardado no estacionamento,
escorado em seu carro de braços cruzados. Ele simplesmente estava de tirar
o fôlego usando a mesma jaqueta preta que usava horas atrás e óculos
escuros que o deixava supersexy e misterioso.
— Muito obrigada, Allan. Primeiro, a Kim me faz perder um bom
apartamento que estava esperando há meses por ele e agora você estraga
nosso sonho de morar no México. Valeu! — disse com ironia ao passar por
ele.
— Você pode ir para onde quiser. Mas não vou permitir que a Maya
vá com você. Ao menos não, quando se é um lugar perigoso! — retrucou
sério, afastando-se do carro.
— Grosso! — gritou entrando na recepção.
— Ela só está chateada. Não liga para a grosseria dela — falei indo
até ele.
— Já estou acostumado com a Sasha. — Sorriu. — Vocês querem
um apartamento? Então deixe que eu cuide disso para vocês. Vou arrumar
um que não fique em um bairro que ofereça perigo.
— Tudo bem — concordei e sorri grata por sua intenção de ajudar.
— Vem aqui — chamou puxando-me pela cintura e tomando minha
boca em um beijo calmo. — Venho às oito te buscar — avisou ao separar
nossos lábios.
— Combinado. — Dei-lhe um beijo rápido e delicado.
— Até mais tarde, meu anjo — sussurrou em meu ouvido, enquanto
me abraçava.
“Meu anjo”. Era assim que Victor me chamava, às vezes. Como
pude passar de anjo para vadia em sua vida, em tão pouco tempo? Allan
entrou em seu carro e foi embora. Eu subi direto para o meu quarto, com
uma tristeza enorme em meu peito. Será mesmo que devo me deixar
envolver com o Allan agora? Não é cedo demais, por mais que não seja
nada sério? Estava tentando ignorar completamente o fato de que amava
um homem que me odiava e que me feriu profundamente. A dor que sentia
de não estar com ele era dilacerante! Mas chegou ao ponto que, aos poucos,
estava adormecendo.
Victor foi alguém extremamente importante em minha vida e eu não
podia negar. Não havia como esconder isso, mas não podia mais viver presa
a esse sentimento torturante. Eu precisava seguir em frente. Afinal, foi para
isso quem vim parar aqui! Tomara que minha aproximação com Allan, não
fira nenhum de nós. Talvez, eu deva conversar com ele, pôr tudo em cartas
brancas sobre a mesa. Dizer que amo outra pessoa e pedir para irmos
devagar com nosso envolvimento. Sei que ele irá querer mais do que
transas casuais, bastava eu me lembrar do modo protetor com que falou
comigo por telefone para ter certeza disso.
A noite chegou e fui me arrumar. Deixei meus cabelos soltos e vesti
um short-saia azul-marinho com comprimento acima do meio das coxas,
uma blusa de seda banca de alcinhas e sandálias pratas de saltos finos. Fiz
uma leve maquiagem e coloquei alguns acessórios. Quando Allan chegou,
ele bateu na porta do quarto e saí em seguida vestindo um sobretudo bege,
que ia até quase a barra do short-saia. Ele estava ainda mais lindo do que
mais cedo, vestindo calça jeans azul-escuro, camisa branca aberta no
colarinho, um casaco da mesma cor do meu short-saia e botas pretas. Que
gato!
— Pronta?
— Estou.
— Você está linda — disse com um sorriso sedutor e deu-me beijo
rápido nos lábios.
— Você também não está nada mau — retribuí o elogio com humor.
— Obrigado. — Lançou-me uma piscada de olho.
Caminhamos até o carro e encontramos Jack e Kim no
estacionamento. Fomos em carros separados até o bar de karaokê e
estacionamos à sua frente, próximo ao meio-fio. O lugar era bonito e se
notava que era um ambiente badalado, devido à enorme fila que dobrava a
esquina.
— Fala sério! Essa fila toda é só para cantar mal? — perguntei ao
Allan, fazendo-o rir.
— Sim. Mas conheço o dono do lugar, não vamos precisar pegar a
fila enorme para entrar.
— Ainda bem, senão iria desistir aqui mesmo.
Ele riu novamente.
— Vamos, Maya — chamou Kim indo em direção à entrada.
O brutamonte, que guardava a entrada, liberou nossa passagem
cumprimentando Allan e Jack por seus sobrenomes.
— Eu reservei uma mesa próxima do bar — avisou Jack, falando
alto por causa da música estridente que tocava nas caixas de som.
Allan ficou atrás de mim e apoiou suas mãos em minha cintura,
guiando-me pela multidão em direção à nossa mesa, enquanto eu observava
atentamente o lugar. Assim como lá fora, também era muito bonito ali
dentro. Apesar de ser movimentado, tudo estava muito bem organizado. O
bar chamava a atenção com todos os letreiros coloridos de marcas famosas
de cerveja. O palco era grande e tinha uma banda bem equipada que tocava
música para o cantor da vez, que cantarolava desafinado e destemido na
frente de todos. Mas, apesar disso, as pessoas curtiam o “show”. Elas
cantavam junto com o homem, batiam palmas no ritmo da música e
algumas até balançavam o corpo sentadas nas cadeiras, de um lado para o
outro.
— Aqui. É essa — disse Jack quando chegamos à mesa.
— O que vocês vão querer beber? — perguntou Allan.
— Eu vou querer uma Mimosa — respondeu Kim.
— Eu te acompanho — disse para ela.
— Duas Mimosas e duas cervejas, então — falou Jack para Allan e
sentou-se ao lado da sua amada.
— Eu já volto — avisou ele em meu ouvido.
— Está bem.
Acomodei-me na cadeira ao lado da Kim e continuei a observar o
lugar que ficava cada segundo mais cheio.
— Sasha me disse sobre a visita ao apartamento. Eu já tinha dito a
ela que o bairro não era muito legal, mas você já sabe como ela é — disse
Kim, alto.
— Vamos procurar outro apartamento e um local melhor.
— E eu me comprometi em ajudar. — completou Allan, sentando-se
ao meu lado e colocando as cervejas na mesa. — A garçonete já vem trazer
as Mimosas.
— Okay — respondemos.
Em segundos, a garçonete apareceu trazendo nossos drinques.
Começamos a conversar animadamente sobre diversos assuntos e eu estava
realmente me divertindo pela primeira vez em dias. Todos eles eram boas
companhias. Allan puxou sua cadeira para mais perto da minha, passou seu
braço por trás das minhas costas e puxou-me para ele. Quando Jack e Kim
subiram ao palco para cantar, nós dois ficamos na mesa sentados de frente
para o palco e abraçados. Allan era extremamente prestativo e carinhoso. Se
meu coração já não estivesse ocupado, teria me apaixonado fácil, fácil, por
ele.
— Você quer mais uma Mimosa? — perguntou em meu ouvido.
— Quero.
— Já volto. — Levantou-se e foi ao bar.
Eu continuei sentada, assistindo aos meus dois novos amigos
pagarem mico no palco. Definitivamente, não sabia quem cantava pior,
mas, mesmo desafinados, eles eram uma dupla incrível.
— Oi, princesa — disse um homem alto, de cabelos presos em um
coque, sentando-se ao meu lado na cadeira em que estava ocupada por
Allan.
— Estou acompanhada. Pode dar licença, por favor? — pedi
encarando-o séria e depois voltei minha atenção para o palco.
— Qual é, lindinha? Não estou vendo ninguém aqui — debochou
falando perto do meu rosto e, então, eu pude sentir o cheiro forte de álcool.
— Escuta aqui, cara! — disse irritada, encarando-o novamente. —
Mesmo se eu estivesse sozinha, a resposta para você continuaria sendo
“não”!
Uma mão caiu pesada sobre o ombro do homem, apertando-o com
força. Olhei para cima e vi Allan encará-lo com uma feição nada satisfeita.
— Talvez uma noite em uma cela te faça entender melhor que ela
não quer sua companhia! — ameaçou Allan. — Dá o fora daqui!
O homem me olhou mais uma vez e levantou-se encarando Allan de
frente, chamando-o para briga. Tive medo de que uma confusão começasse
e fiz uma prece rápida pedindo que isso não acontecesse. Engoli em seco
quando vi Allan cerrar os punhos com força e dar um passo à frente de
encontro ao babaca que o peitava.
— Allan? — chamei-o tocando seu braço e atraindo seu olhar para
mim. — Por favor... ele está muito bêbado, sequer irá se lembrar disso
amanhã. Ignore-o.
— Volte para o buraco de onde saiu! — mandou Allan rude.
Outro homem apareceu e pediu desculpas pela confusão que o
amigo estava causando e o levou para longe de nós. Allan se sentou tenso e
deu um grande gole em sua cerveja.
— Você está bem? — perguntei pegando sua mão, que ainda estava
com o punho cerrado sobre a coxa esquerda.
— Estou!
— Depois que eles voltarem, podemos ir embora se você quiser.
— Ótimo! — Concordou e olhou-me finalmente. — Mas não vou te
levar para o hotel. Você vai para minha casa. — Deu-me um sorriso
malicioso.
— Não vou discordar. — Sorri e lhe dei um beijo lento,
aconchegando-me nele.
Logo o casal maravilha voltou para a mesa, depois de cantar duas
músicas seguidas, e nós nos despedimos deles. Ao sair do bar, Allan me
ajudou a vestir meu casaco e caminhamos até o carro em silêncio. Ele abriu
a porta para mim olhando daquele jeito desconfiado para os lados e deu a
volta pela frente do carro assumindo a direção em seguida. Não demorou
muito e logo chegamos a nosso destino. Uma linda casa com cerca branca
na frente, garagem fechada, jardim impecável e um sótão com um vitral
redondo virada para a rua. O bairro lembrava um pouco o que eu morava
em Oklahoma.
— Bem-vinda a minha casa — disse quando entramos.
— Uau! Não era isso que eu esperava — revelei tirando meu casaco.
— E o que você esperava? — perguntou pegando o sobretudo das
minhas mãos.
— Roupas sujas espalhadas, caixas com restos de pizza e garrafas
de cerveja vazias sobre a mesa de centro. Ah, e não vamos esquecer do pó
nos móveis — brinquei.
— Tenho cara de ser desorganizado assim? — perguntou rindo.
— Não. Mas é assim que eu imagino a casa de um homem solteiro.
— Pode até ser assim a casa de muitos solteiros por aí, mas não a
minha. Pelo menos não, enquanto eu tiver a Judite.
— Quem é a Judite? Sua mãe? — perguntei rindo, provocando-o.
— Não. Minha mãe se isentou de cuidar de mim, quando saí de casa
há sete anos. Judite é a senhora que limpa minha casa três vezes por
semana.
— Ah... Então, se você não tivesse a Judite, aqui seria a casa de
solteirão como eu imaginava?
— Provavelmente! — assumiu humorado, fazendo-me rir. — Quer
beber alguma coisa?
— Não. Minha cota de álcool já estourou por hoje.
— Então, venha. Vamos subir.
Ele pegou minha mão e guiou-me escada acima tomando frente no
caminho. Atravessamos o corredor e paramos em frente uma porta branca.
Ele a abriu e deu-me passagem para entrar primeiro. Seu quarto era grande,
bem mobiliado e organizado como o resto da casa, por onde passei até
chegar ali. Allan fechou a porta e abraçou-me por trás, puxando meu cabelo
para o lado e beijando meu pescoço. Entreguei-me aos seus braços e deixei
o momento me levar.
Aproximamo-nos da cama e ele começou a me despir tirando peça
por peça, deixando beijos por meu corpo e causando-me arrepios. Ele tirou
tudo, deixando-me somente calçada. Carregou-me e deitando-me
cuidadosamente sobre seu colchão macio. Seus lábios se encontraram com
os meus beijando-me ferozmente enquanto beliscava meus mamilos, antes
de afastar-se e tirar toda sua roupa também, ficando completamente nu.
Sentei-me na cama e fiz menção de tirar minhas sandálias, mas ele não
deixou segurando minhas mãos e subiu novamente no colchão.
— Fique com elas — sussurrou, deitando-me novamente na cama e
aconchegando-se entre minhas pernas.
Allan beijou meu pescoço, desceu para os meus seios e os sugou por
longos minutos arrancando-me gemidos cheios de desejo. Seus lábios
desceram por minha barriga, até minha intimidade e a invadiu com sua
língua quente e molhada. Gemi arqueando minhas costas e agarrando seus
cabelos. Gritei de desejo quando ele mordeu meu clitóris e os sugou com
pressão. Não demorou muito e gozei necessitada pedindo por mais, quando
seus dedos invadiram lentamente minha entrada lubrificada.
— Que delícia você é. Tão apertada! — sussurrou em meus lábios e
beijou-me em seguida.
Seus dedos saíram e senti seu pênis roçar em meu clitóris, deixando-
me ainda mais louca de desejo por ele. Gemi suplicando para que parasse
de me torturar, mas ele não parou. Continuou a roçar seu pau longo, grosso
e rígido, enquanto apertava meu seio com uma de suas mãos e sugava o
outro. Seu membro deslizava para baixo, indo do clitóris até minha entrada,
pressionando-a um pouco, e depois deslizava para cima novamente. Um
tremor familiar tomou meu corpo para si e senti que gozaria novamente
somente com sua tortura gostosa.
— Allan... — supliquei em um sussurro ofegante. — Me foda!
Ele gemeu abafado em meu seio, cheio de tesão, com meu pedido e
estendeu sua mão até o criado-mudo ao lado, abrindo a gaveta e pegando
um preservativo. Ele rasgou a embalagem e o colocou, deitando-se sobre
mim novamente, antes de invadir-me com uma estocada bruta. Gemi alto,
quase em um grito, envolvendo sua cintura com minhas pernas e
abraçando-o. Seus ombros eram largos e seu físico tão sarado, que era uma
delícia se agarrar a ele. Seu corpo me cobria como um manto. Sua boca se
juntou a minha, enquanto ele me penetrava rápido e com força, fazendo-me
gozar pela segunda vez. Seus gemidos misturados aos meus era rítmico e
sensual demais.
— Fica de quatro para mim — pediu diminuindo seu ritmo.
Sem demora, virei-me de costas para ele e me pus de quatro. Ele
agarrou meu quadril e penetrou-me novamente começando a me foder
vagarosamente, aumentando a velocidade das estocadas gradativamente.
Sua mão direta deixou meu quadril e agarrou meus cabelos puxando minha
cabeça para trás. O quarto foi tomado por nossos gemidos exasperados e
cheios de tesão. Sua mão esquerda, que estava com os dedos cravados em
meu quadril, foi para o meu ânus fazendo deliciosos movimentos lentos e
circulares. Aquilo era um pedido claro e delicado para um sexo anal que
não aconteceria naquela noite.
— Goza no meu pau, Maya! — mandou e eu senti seu pênis ficar
ainda mais rígido dentro de mim e latejar forte.
Allan aumentou a velocidade com que me fodia duro, introduzindo a
ponta do seu dedo polegar em meu ânus, masturbando-me. Eu podia sentir
o orgasmo se aproximar, porém, algo faltava para que ele chegasse em uma
explosão de sensações gostosas me levando à loucura. Mordi meu lábio
com força e concentrei-me. Allan enrolou ainda mais a mão em meus
cabelos, puxando-os com mais força, e com a outra acertou-me um tapa
ardido e estalado em minha bunda. Era isso que faltava para eu gozar
enlouquecida de excitação. Gozei com desespero em um gemido alto, que
ecoou pelo quarto. Mesmo inebriada pelo gozo que me deixou de pernas
fracas, senti quando ele gozou diminuindo o ritmo das estocadas investidas
contra mim.
Desabamos os dois juntos na cama e Allan deitou-se ao meu lado
puxando-me para si, abraçando-me de “conchinha”. Ele tirou os fios de
cabelo pregados no suor do meu pescoço e o beijou com delicadeza. Fechei
meus olhos com minha cabeça deitada em seu braço e respirei fundo
algumas vezes para normalizar minha respiração ofegante. Ele acariciava-
me, passeando com sua mão por meu corpo. A última carícia que senti antes
de adormecer foi um beijo em meu ombro e sua mão apertar de leve meu
quadril.
CAPÍTULO 5

Acordei no dia seguinte com uma leve dor de cabeça. Ainda de


olhos fechados, mexi-me na cama recordando-me de que não havia
adormido no hotel. Abri meus olhos vagarosamente e encarei o teto,
absorvendo a claridade do quarto e sentindo minha cabeça latejar forte por
alguns segundos. Levantei-me vagarosamente e vi sobre o criado-mudo ao
lado, uma cueca samba canção de seda preta e uma camiseta cinza do
Chicago Bulls. Ambas estavam dobradas e havia um bilhete escrito em um
post-it amarelo em cima delas dizendo para eu ficar à vontade para um
banho e também pedia que eu vestisse as roupas e descesse para o café da
manhã.
Tomei um banho quente e agradável, lavando meus cabelos e senti-
me com as energias renovadas. A dor chata de cabeça se aliviou me dando
ânimo para começar o dia. Desci as escadas e, ao entrar na sala, senti um
delicioso cheiro de bacon e ovos. Segui o cheiro até chegar à cozinha e
encontrei Allan de costas para mim vestindo apenas uma bermuda jeans e
descalço, preparando o desjejum no fogão. Aproximei-me do balcão e me
escorei nele, observando aquele homem lindo, com uma enorme tatuagem
de um leão nas costas, cozinhar. Eu poderia tanto me apaixonar por ele e
esquecer de vez o Victor! Seguir em frente e ser feliz, finalmente. Mas fazer
acontecer não era tão simples como pensar e desejar.
— Com fome? — perguntou ainda de costas para mim, ao notar
minha presença.
— Estou — respondi sentando-me na banqueta alta.
— A noite de ontem sugou suas energias? — Virou-se para mim
com um sorriso safado.
— Talvez... — Sorri. — E você?
— Foi uma noite deliciosa — disse colocando dois pratos de bacon
com ovos e torradas sobre o balcão. — Você vai trabalhar hoje? —
perguntou sentando-se ao meu lado e selou meus lábios com um beijo.
— Vou. E você?
— Mais tarde. Estou esperando o legista me ligar.
— É sobre o caso da garota que está nos jornais?
— Sim.
— Você já tem uma ideia de quem fez aquilo com ela?
— Não. Nenhuma.
— Foi um crime bárbaro.
— Foi sim. Mas já vi piores e coloquei seus autores atrás das grades.
Farei o mesmo com esse — falou convicto, enquanto nos servia duas
xícaras de café.
— Tenho certeza de que vai — incentivei-o, acariciando seu braço.
Comemos nosso café da manhã e conversamos sobre assuntos mais
leves. A ligação que ele esperava ansiosamente interrompeu nossos beijos
no sofá da sala. Enquanto me vestia, ele se arrumava com uma carranca
séria e imaginei o quanto seu trabalho deveria ser tenso. Prendi meus
cabelos em um rabo de cavalo, desci e pegando meus pertences na saída.
Allan me deixou no hotel e depois de me despedir, ele se foi. Caminhei em
direção a recepção e encontrei Sasha e Kim conversando e rindo alto
quando entrei.
— Olha só. Não precisa mais ligar para a polícia, Kim — zombou
Sasha, quando me viu entrar.
— Com as mesmas roupas de ontem? Então a noite foi boa — falou
Kim, dando-me um sorriso malicioso.
— Foi ótima! — confirmei, sorridente. — E você... — Virei-me
para Sasha. — Deixa de drama. — Revirei os olhos fingindo tédio.
— Não é drama. Você ao menos poderia ter ligado para dizer que
estava bem. Chicago tem um assassino em série à solta, decapitando
mulheres — falou Sasha com um pouco de tensão.
— Desculpe-me, você está certa, mas... que história é essa de
assassino em série? Não era apenas uma mulher?
Ambas me encararam sérias.
— Disseram há pouco no rádio, que acharam outra garota
decapitada na orla do lago Michigan — explicou Kim.
— O quê? Meu Deus, que horror! Allan não me disse nada.
— Jack também não é de comentar muito sobre o trabalho comigo,
não leve o Allan a mal.
— Eu só sei que voltaremos de táxi para casa, até esse lunático ser
preso! — anunciou Sasha.
— Concordo! — falei amedrontada.
— Vamos falar de coisa boa? Esse papo está mórbido demais —
disse Kim.
— Eu escolho falar sobre Maya e Allan. — Sasha sorriu de maneira
travessa.
— Não tem nada para falar sobre nós. Estamos nos conhecendo e é
só isso!
— Só sexo? — questionou Kim. — Ele é um homem para amar.
Allan é um cara incrível!
— E eu não discordo. Mas não posso me apegar agora. Não
enquanto eu amar outra pessoa — respondi com tristeza.
— Foi disso que você fugiu? De um amor não correspondido? —
interrogou Sasha.
— Não foi por isso que vim para Chicago. Foram outros motivos,
além desse. E depois... eu não fugi. Me mudei. Esse é o termo certo.
— Maya, o que aconteceu com você em Oklahoma? Ou foi no
Texas? Você fica estranha quando fala sobre isso — falou Kim.
— É. Você fica com uma feição meio triste e emotiva. Se quiser
conversar, tudo bem. Estamos aqui. Pode desabafar.
— Não quero falar disso agora. A história é longa e ainda me dói.
No momento, só quero esquecê-la. Eu vou para o meu quarto. Você me
chama as cinco? — perguntei a Sasha.
— Estou de folga hoje. Vai ter que voltar só para o hotel.
— Tudo bem. Tchau, meninas. — Saí da recepção.
Voltei para o quarto e troquei de roupa, deitando-me na cama depois
de ligar a TV. Meu celular vibrou ao meu lado sobre o colchão, soando o
alerta de mensagem. Peguei-o e, ao destravar a tela, vi que a mensagem era
de um número privado. Estranhei imaginando quem poderia ser. Ao abrir a
mensagem, sentei-me na cama repentinamente segurando o pequeno
aparelho com força entre minhas mãos, sentindo meu coração disparar forte
no peito. Fechei meus olhos e respirei fundo pensando que eu estava vendo
coisas. Mas ao abri-los, a imagem ainda continuava na tela estreita.
— Meu Deus! — murmurei com o fio de voz que havia em minha
garganta.
Uma lágrima quente escorreu por meu rosto e uma dor aguda atingiu
meu coração. Justo agora que as coisas começavam a ficar bem, mais uma
adaga havia cravada em meu peito, ou costas, ainda não me decidi onde.
Na foto à minha frente, eu via uma imagem de Penny conversando
com Eliza no estacionamento de um supermercado no centro de Houston.
Que diabos as duas conversavam ali? Desde quando se conhecem? Eliza
entregava a Penny um pacote retangular embrulhado em papel pardo. O que
teria dentro dele? No momento só consigo pensar em uma coisa: dinheiro!
Abaixo da foto, havia a seguinte frase: “Amigas para sempre”.
Levantei-me da cama e deixei meu celular sobre o colchão. Comecei a
caminhar de um lado para o outro dentro do quarto. As coisas a minha volta
começaram a girar. Um enjoo repentino tomou meu estômago e corri para o
banheiro colocando todo o café da manhã para fora. Eu sabia que tudo o
que aconteceu comigo foi uma armação e por momentos cheguei a pensar,
com uma quase certeza, de que tinha sido a ex-esposa do Victor. Mas não
queria acreditar que ela seria capaz de ir tão longe e prejudicar alguém
como fizera comigo, por simplesmente não aceitar um término.
Sentei-me no chão do banheiro e abracei minhas pernas chorando
compulsivamente. A garota que eu acreditava ser minha melhor amiga,
alguém que eu considerava uma irmã, que eu amei até mais do que já amei
a Grace, simplesmente me traiu. Mas pelo quê? Por dinheiro? Nossa
amizade teve um preço? Mas que droga de vida eu tenho! Tentei me
acalmar e foquei nas coisas positivas que estavam me acontecendo desde
que cheguei em Chicago. Então, comecei a repetir para mim mesma, a
seguinte frase sucessivamente: “Para todo fim, um recomeço”. Eu não
permitiria me deixar abater outra vez. Eu sou forte. Tenho que ser!
Levantei-me do chão, lavei meu rosto respirando fundo inúmeras vezes,
buscando calma e controle. Não vou deixar que toda essa merda estrague
meus planos de me reerguer.
Saí do banheiro e deitei-me novamente na cama, fechando meus
olhos e adormecendo depois de um tempinho. Acordei com o despertador
do celular tocando às quatro da tarde. Arrumei-me para o trabalho, fazendo
uma maquiagem mais leve e deixando os cabelos soltos. Era segunda e seria
meu primeiro dia trabalhando na área VIP, e eu já havia notado como as
garotas que trabalhavam lá em cima costumavam se arrumar.
Quando o relógio marcou cinco horas, fui para a parada e peguei o
ônibus chegando em meia hora no trabalho. Ao entrar, a primeira pessoa
que avistei foi o Pette parado no meio da pista de dança espelhada, em
reunião com os seguranças. Ele encarou-me com sua feição fechada e
aquele olhar estranho intimidou-me. Abaixei minha cabeça e fui para o
vestiário encontrando Zoe ao entrar.
— E aí, menina? — cumprimentou-me ela.
— Oi, Zoe. Pette me disse no sábado, para eu pegar o novo
uniforme da área VIP com você.
— Ele me avisou. Já coloquei no seu armário. Você está linda! Tem
cabelos muitos bonitos para ficarem sempre presos em um rabo de cavalo
sem graça. — Sorriu.
— Obrigada. — Retribuí seu sorriso.
Abri meu armário, guardei minha bolsa e peguei a camiseta do
uniforme. Segurei-a estendida à minha frente e encarei o pedaço de pano
com o logotipo da Wilcox.
— Gostou? — perguntou ela.
— Não! Olha para isso, meus seios vão ficar saltando para fora e
minha barriga à mostra.
Zoe gargalhou negando com sua cabeça e se aproximou.
— Vai ficar uma puta gostosa com ela. Olha só para esses peitões...
— falou agarrando meus seios com suas duas mãos e dando-me uma
piscada.
Encarei-a confusa e envergonhada, e Zoe riu ainda mais alto. Ela
tirou as mãos dos meus seios e saiu do vestuário. Ela fez isso de propósito
para me deixar constrangida? Ou... isso foi tipo uma cantada com uma
tirada de casquinha?
Vesti a blusa e senti-me mal de ter que sair dali de dentro com
aquele pedaço de pano no corpo exageradamente decotado e justo. Já até
imaginava as cantadas constrangedoras e nojentas que iria receber durante
toda noite. O que Pette viu de errado com as camisetas comuns, que eu já
achava coladas demais ao corpo?
Saí e subi direto para a área VIP. Natasha, outra atendente, iria me
ajudar até que eu pegasse o ritmo do atendimento lá em cima. Não demorou
muito para o lugar lotar. Havia um DJ convidado para tocar especialmente
naquela noite. Tentei trabalhar da melhor maneira possível e ágil, relevando
as passadas de mãos, os olhares que me faziam sentir nua e, é claro, as
cantas grotescas. Ainda eram duas da manhã e eu já me sentia exausta e
suja de tantas mãos que “esbarraram” em minha bunda e seios,
“intencionalmente”. Além dos meus pés que doíam muito, também estava
sentindo uma dorzinha chata na base da coluna.
— Um champanhe, por favor — pedi ao barman, que assentiu e se
afastou para buscar.
— Sabe... você é bonita demais para estar aqui servindo esses
babacas que não respeitam nem a si mesmos — disse um homem sentado
no bar da área VIP, ao meu lado. Encarei-o desconfiada. — Me chamo
Tyrone. — Estendeu-me sua mão. — Vamos... aperte minha mão, não vou
mordê-la. — Sorriu com simpatia.
— Maya — apresentei-me aceitando seu cumprimento.
— Eu sou fotógrafo e acho que tenho o trabalho perfeito para você.
— Não sou modelo.
— Mas devia ser. Você tem um corpo esbelto, cabelos bonitos e um
rosto lindo. Suas mãos são macias e finas. Sua face tem traços sutis e
delicados. E seus olhos... bom... seus olhos não enxergo direito devido a
falta de luz, mas me parecem meigos. — Pegou um cartão de visita, de
dentro do bolso interno do paletó. — Me ligue, se tiver interesse. Esse lugar
é podre. Você merece trabalho melhor e eu posso te ajudar.
Ele não esperou que eu dissesse algo, simplesmente se levantou e
saiu em direção a escada, depois que peguei o cartão de sua mão. O cartão
preto era bonito, com suas descrições feitas em letras desenhadas e o papel
rígido era sedoso ao toque dos meus dedos. Nele havia dois números de
telefone, um endereço comercial e e-mail. Guardei o cartão em meu bolso
da frente da calça e voltei ao trabalho.
— Aí, gostosa! — chamou um cara na mesa ao lado da que eu
servia. — Traz uma garrafa dessa daí para gente.
Eu não disse nada. Apenas terminei de servir as pessoas à mesa e
me dirigi até o bar novamente para pegar mais uma garrafa de champanhe.
— Aqui — disse ao colocá-la sobre a mesa. — Mais alguma coisa,
rapazes?
— Claro! — respondeu outro homem. — Que você derrame o
champanhe nessa sua camisetinha e nos deixe bebê-lo em suas tetas.
— Como é, seu babaca? — perguntou Natasha, parando ao meu
lado.
— Ou pode ser você, amorzinho. Não vou reclamar, também adoro
uma ruiva — falou outro imbecil, passando a língua nos lábios de forma
sugestiva.
— Escutem aqui, seus tarados machistas do caralho! — gritou ela.
— Se não nos respeitarem, vou colocar vocês para fora! Entenderam? Para
fora!
— Vai se foder, garota! — disse um dos cretinos.
— Como é que é? — perguntou zangada, dando um passo em
direção ao homem.
— Está tudo bem, Natasha — disse segurando-a pelo braço. —
Esqueça. Estão bêbados demais e são ricos. Vamos voltar ao trabalho,
somos empregadas e nunca temos razão.
Ela encarou-me descontente e então saiu. Sabia que essa era a nossa
realidade. Se procurássemos briga com esses homens, era mais fácil nós
sermos demitidas do que eles expulsos por nos desrespeitar. Segui para o
lado oposto e continuei a trabalhar até às quatro e meia da manhã. Enquanto
eu recolhia as garrafas vazias sobre as mesas, Natasha limpava as bandejas,
escorada no balcão.
— Me diga que não volta amanhã — falou ela de costas para mim?
— Por que está me dizendo isso?
— Eu tenho uma filhinha de três anos que precisa de um teto para
morar e o que comer. Qual é o seu motivo de continuar aqui e aguentar
isso? — questionou-me virando-se para mim. — Todas as noites são assim,
Maya. Às vezes, até piores.
— Não tenho filho, mas preciso de dinheiro para sobreviver. Eu não
sou daqui. Não tenho família na cidade, não tenho ninguém! Minha única
experiência de trabalho é como garçonete. Seja aqui ou em outro bar, o
tratamento vindo dos clientes sempre será o mesmo. Terá os que vão lhe
respeitar e os que vão achar que você está ali para entretê-los.
— Eu vi o Tyrone conversando com você. Ele é um fotógrafo
respeitado, já fez trabalhos até para a Gucci. Já ofereceu trabalho para uma
garota que trabalhou aqui antes e hoje ela tem uma carreira bem
encaminhada. Também vi que ele ofereceu essa chance para você?
— Sim. Ele ofereceu.
— E você vai aceitar, não é? Soube que a grana das campanhas para
as quais ele fotografa, é boa.
— Eu não sei.
— Você devia ao menos considerar essa oportunidade.
— Conversem menos e trabalhem mais! — disse Pette ao entrar na
área VIP.
Já passavam das cinco quando saímos do bar. Eu estava tão cansada,
que nem me lembrei de chamar um táxi para voltar ao hotel. Esqueci
completamente de que não tinha companhia para minha caminhada noturna.
— Vai voltar sozinha para casa? — perguntou Tyler, quando saímos
na calçada.
— Sim. Minha companheira está de folga hoje, se lembra?
— Se quiser, eu te levo até o hotel. Nunca se sabe se sua caminhada
será perigosa ou não, ainda mais com esse maníaco à solta.
— Não precisa — disse uma voz masculina conhecida.
Olhei para o lado e vi Allan se aproximar de nós.
— Tudo bem. Vou nessa... Tchau, Maya.
Tyler saiu em direção do seu carro e Allan parou à minha frente
dando-me um beijo leve nos lábios.
— Você está bem? — perguntou acariciando meu rosto.
— Estou cansada. E você?
— Estou bem. — Sorriu docemente. — Desculpe-me não te ligar
durante a tarde, é que foi tudo uma loucura hoje.
— Eu soube do outro corpo que encontraram.
— É... Por isso vim buscá-la.
— Não estava trabalhando por perto desta vez, estava? — perguntei
humorada, fazendo-o sorrir.
— Não. Eu estava na delegacia até agora. Vamos?
— Vamos.
Entramos no seu carro e logo já estávamos a caminho do hotel.
Allan não conversou muito pelo caminho, vi que ele não estava muito bem.
Parecia tenso e imaginei que fosse por causa do trabalho. Esse louco que
surgiu do nada, matando mulheres de maneira tão cruel, devia estar
causando uma grande tensão e dor de cabeça para a polícia. Ele estacionou
o carro no hotel, descemos juntos e caminhamos em direção à escada.
— Posso te pedir algo? — perguntou ele, segurando minha mão e
entrelaçando nossos dedos.
— Claro — respondi olhando para nossas mãos unidas.
— Esse assassino aparenta ser bem seletivo com suas vítimas. O
padrão dele é mulheres bonitas e jovens, com características físicas
semelhantes a sua, como: cabelos longos, estatura mediana, pele branca...
Você é tão linda quanto as vítimas desse lunático. Vou pedir que tome muito
cuidado, Maya, quando eu não puder cuidar de você.
— Não se preocupe, sei me cuidar.
— Eu sei que sabe, mas... não podemos adivinhar quando o pior vai
acontecer. — Allan respirou fundo e derrotado pelo cansaço. — Eu vou
buscá-la todos os dias no trabalho.
— Não precisa, Allan. Eu posso vir de táxi para o hotel.
— Não, você não pode. — Olhou para cima, no rumo da porta do
meu quarto. — Saber que você dorme nesse hotel sem a mínima segurança,
também está me incomodando.
— Allan, eu...
— Arranjei um apartamento para você e a Sasha — interrompeu-
me. — Fica perto da minha casa, vinte minutos de caminhada. Eu virei
buscar vocês duas amanhã as dez e vou levá-las até lá. Se vocês gostarem, é
um aluguel sem contrato.
— Okay. Tudo bem — concordei por fim. — Vai para casa e durma.
Você está com uma aparência péssima. — Sorri.
— Eu sei. — Sorriu. — Vou tentar fazer isso.
Despedi-me dele na frente do meu quarto com um beijo longo e
carinhoso. Allan era um amor de homem. Queria que o destino tivesse me
dado a chance de conhecê-lo antes do meu caminho se cruzar com o do
Victor. Ele com toda certeza, seria o cara para quem meu pai me levaria até
o altar com muita confiança e alegria. Allan me abraçou forte e aprofundou
nosso beijo, provocando um pequeno calor em meu corpo.
— Boa noite — sussurrei em seus lábios depois de interrompermos
o beijo.
— Boa noite.
Selou meus lábios com um último beijo rápido antes de seguir de
volta para seu carro. Entrei em meu quarto e tranquei a porta seguindo para
o banho logo depois. Como sempre, havia um lanchinho para mim sobre a
escrivaninha, com um bilhete carinhoso da Maggie. Depois do banho,
deitei-me na cama e me entreguei ao cansaço imenso, adormecendo em
segundos.
CAPÍTULO 6

Acordei na manhã seguinte, com meu celular tocando e, para meu


desgosto, era uma ligação da Penny. Sentei-me na cama e pensei em
atender, tirar satisfações e dizer o quanto estava ferida por sua traição, mas
não. Minha parte sensata dizia-me para seguir em frente em relação a isso
também. Bloqueei seu número e decidi que iria providenciar um novo.
Depois de me arrumar, desci para o café da manhã. Sasha não estava
por lá, então liguei para ela e perguntei se ainda estava no hotel. Ela disse
que estava em seu quarto e não se sentia muito bem. Fui até lá para vê-la e
ela contou que passou a noite com uma terrível dor no estômago.
Providenciei algo leve para ela comer e levei até seu quarto. Nós
conversamos um pouco e contei que Allan havia arrumado um apartamento
para vermos e que ele chegaria em dez minutos.
— Vai você, eu realmente não me sinto bem. Sei que se for um bom
lugar, você vai gostar. Também sei que Allan não nos arranjaria qualquer
moradia.
— Tudo bem. Caso se sentir pior, me ligue.
— Está bem.
— Quer que eu traga algum remédio, quando voltar?
— Já estou medicada. Vai passar. — Deu-me um sorriso fraco.
— Okay. Até mais tarde.
Beijei seu rosto e deixei o quarto, encontrando Allan no corredor.
— Bom dia! — desejou com um enorme sorriso.
— Bom dia! — Retribuí o sorriso e lhe dei um beijo leve em seus
lábios.
— A Sasha não vem?
— Não. Ela não está se sentindo muito bem. Vamos?
— Claro.
Ele pegou minha mão entrelaçando nossos dedos e fomos até o carro
estacionado à frente da recepção. Entramos e seguimos para o bairro de
Bucktown. À primeira vista, se parecia ser um ótimo lugar para se morar.
Muitos comércios, como: cafeterias, restaurantes, floriculturas e etc.. As
ruas eram limpas e as calçadas organizadas, nada de barraquinhas de
comida montadas sobre elas, apenas algumas mesas de restaurantes eram
postas ali fora, de modo que não atrapalhava o fluxo dos pedestres. O
prédio era de esquina e meio antigo, se percebia pelo design retrô da obra,
porém, recém-reformado.
Descemos do carro e subimos pelo elevador direto para o quarto
andar. Allan tirou a chave do bolso de sua calça e abriu a porta dando-me
passagem para entrar primeiro. O apartamento era pequeno e lindo. As
paredes brancas davam um ar clean ao lugar. Era gostoso e aconchegante de
se estar ali, já pude até me imaginar morando com Sasha. As janelas da sala
eram de vidro e iam de um metro acima do piso de madeira clara, até o teto.
Uma ilha espaçosa de pedra clara com uma pia acoplada e banquetas altas,
azul-turquesa, era o que separava a cozinha planejada, com uma bela lava-
louças inclusa, da sala.
— São quatro apartamentos por andar. Além do elevador, tem a
escada de incêndio interna. — Caminhei até a janela para ver o bairro dali
de cima, enquanto o ouvia. — São dois quartos, sala e cozinha em conceito
aberto, e um banheiro com ducha separada da banheira. A lavanderia é no
subsolo. Ele já vem mobiliado, o único móvel que não tem é o sofá da sala.
— Gostei de tudo aqui — disse, admirando a vista arborizada e o
movimento lá de baixo.
— Também gostei. É mais seguro do que o hotel e fica a menos de
meia hora da minha casa — falou com entusiasmo e abraçou-me por trás.
— Vem, vamos olhar os outros cômodos.
Fomos até os quartos, banheiro e depois voltamos para a sala, indo
até a pequena varanda na parede oposta das janelas, com vista para outra
rua.
— E então? — perguntou, parando ao meu lado escorando-se no
parapeito de ferro tubular.
— E quanto é o aluguel?
— Quatrocentos e cinquenta dólares por semana. Água quente e
limpeza da parte social do prédio já estão inclusos no valor do aluguel, mas
o gás e a eletricidade são à parte.
Respirei fundo, tentando não pensar demais. O valor era um pouco
acima do que eu esperava pagar, mas tanto o apartamento quanto o lugar
eram perfeitos.
— Vamos ficar — disse convicta e virei-me para ele. — Obrigada,
Allan.
Sorri grata e feliz, sentindo minha vida caminhar mais um passo.
— Não me agradeça por isso. Só estou cuidando de vocês.
Pegou meu rosto entre suas mãos.
— Você pode se mudar ainda esta semana, se quiser. Eu ajudo.
— Eu quero sim! Obrigada, mais uma vez.
Aproximei-me mais dele e juntei seus lábios aos meus em um beijo
delicado, que tomou intensidade aos poucos. Seu braço esquerdo laçou
minha cintura colando-me a ele e sua mão direita foi para minha nuca,
agarrando-a de leve. Um calor cresceu dentro de mim. Envolvi sua cintura
com meus braços e o abracei.
— Já escolheu seu quarto? — sussurrou em meus lábios.
— O último, no final do corredor.
Allan sorriu e me pegou em seu colo. Lacei seu quadril com minhas
pernas e ele nos levou até lá, colocando-me de pé ao lado da cama. Ele
retirou o lençol branco, que a cobria para proteger da poeira, e depois seu
casaco colocando-o sobre uma cômoda ao lado, antes de aproximar-se
novamente e me deitar sobre o colchão. Lentamente, entre beijos e carícias,
Allan me despiu tirando peça por peça. Excitada e pronta para ele,
arranquei a camisa do seu corpo sarado e trabalhado na academia.
Seus beijos e suas mãos pesadas percorreram minha pele deixando-
me arrepiada. Seus lábios desceram da minha boca passando por entre meus
seios e partiu em direção a minha intimidade, que pulsava úmida entre
minhas pernas. Como aquilo era gostoso! Gemi alto, quando sua boca
atacou meu clitóris e suas mãos agarraram minhas coxas, abrindo-as mais.
Rebolei em seu rosto e gemi exasperada desejando mais.
Entranhei minha mão esquerda em seus cabelos e me deixei levar
pela chupada delirante que recebia. A outra mão levei até meu seio e
comecei a massageá-lo lentamente, beliscando meu mamilo. O celular do
Allan tocou no bolso de sua calça, despertando-me do clímax que me
sucumbia aos poucos. Ele se separou de mim e pegou-o apressadamente no
bolso e o arremessou sobre uma poltrona ao canto perto da janela, sem nem
mesmo olhar quem ligava, ignorando completamente a chamada.
— Foda-se! — disse meio ofegante e cobriu meu corpo com o seu
tão grande, acomodando-se entre minhas pernas. — Você é minha
prioridade agora — declarou olhando-me nos olhos e beijou-me
calorosamente.
Ele pressionou sua ereção presa no jeans da calça em meu clitóris e
sugou meus seios, prendendo meus punhos contra o colchão. Isso deixou-
me perturbada e cheia de tesão.
— Allan... — chamei-o completamente ofegante. — Me fode com
força, por favor! — implorei em meio a gemidos.
Ele se afastou e ficou de pé fora da cama, tirando um preservativo
da carteira, e, por último, terminou de se despir. Nu, caminhou até seu
casaco e pegou suas algemas guardadas no bolso de fora. Sorri prevendo o
que aconteceria a seguir. Ele revestiu seu membro com o preservativo e
voltou para a cama, ajeitando-se outra vez entre minhas pernas, e pegou
meus punhos algemando-os na cabeceira da cama.
— É ser fodida com força que você quer, meu anjo? — perguntou
em um tom provocativo e sexy.
— Sim — sussurrei.
Ele sorriu perverso e penetrou-me com força abrindo mais minhas
pernas, uma para cada lado e as segurando pelo lado interno das coxas,
fazendo-me gritar de tesão. Suas estocadas eram brutas e excitantes. Seu
membro era o maior que eu já havia provado e era gostoso senti-lo pulsar
forte.
Allan fodeu-me com vontade e força, como eu havia pedido.
Gememos sem pudor e sem se importar se estaríamos sendo ouvidos pelos
vizinhos, ou não. Nossos corpos faziam barulho ao se chocar e seu pau
provocava um leve dorzinha toda vez que entrava fundo em mim
novamente. Mas não era uma dor que me fazia querer parar, ou perder o
tesão. Era uma dor gostosa que me mostrava o quanto estava sendo bem
fodida.
Ele não parou depois que gozei, Allan continuou e pediu de maneira
rude, que soou mais como uma ordem, para que eu gozasse novamente
apertando seu pau como da última vez. Assim fiz sem demora, e ele
finalmente gozou em urros animalescos. Ainda não tínhamos feito sexo de
maneira tão bruta e intensa. Eu mal conseguia me lembrar em detalhes de
como tinha sido a vez em que transamos no carro. Confesso que aquela
noite estava meio alcoolizada, e tudo que me recordava era que tinha sido
gostoso e que ele era um gato. A segunda vez, em sua casa, havia sido
incrível, mas ele não me mostrou esse seu lado tão... bruto, digamos assim.
Saciados, ele se deitou sobre mim e beijou-me tirando o resto de
fôlego que existia em meu peito. As chaves estavam nas algemas,
facilitando para desprendê-las, enquanto ainda me beijava. Sem dizer nada
um ao outro, ficamos assim; abraçados, com seu rosto enterrado em meu
pescoço, até que nossa respiração e batimentos cardíacos se normalizassem
outra vez.
— Você é uma delícia — sussurrou em meu ouvido e beijou meu
rosto. — Desculpe-me, querida, mas temos que ir. Eu ainda tenho que ir ao
laboratório.
Ele saiu vagarosamente de dentro de mim, sentando-se nos pés da
cama.
Enquanto Allan se vestia, continuei deitada encarando o teto branco
e percebendo o quanto estávamos ficando mais próximos a cada encontro.
Isso me levou a pensar em minha vida e relembrar toda a confusão que
deixei para trás quando parti. Respirando fundo, fechei meus olhos. Será
difícil saber quando contar a ele sobre meu passado e que amo
perdidamente um homem de sessenta anos. Ainda mais difícil será contar
sobre minha mãe, algo que caracterizo como íntimo, para alguém que
conheci há pouco. Tomara que ele não faça o que Pette fez. Se pesquisar
por meu nome no sistema da polícia, irá encontrar as acusações ainda não
retiradas. Seria ainda mais complicado contar a ele desse jeito. Apertei
meus olhos e os abri, tirando os questionamentos da minha cabeça, ao
menos naquele instante.
— Vou ligar para o corretor e dizer que vocês ficam com
apartamento — avisou saindo do quarto.
Enquanto ele falava com o corretor na sala, vesti-me e liguei para
Sasha. Contei como era o apartamento, valor do aluguel e que era perfeito
para nós. Ela disse que tudo bem e que se eu havia gostado, ela iria gostar
também.
— Pronto. Ele vai me mandar o contrato por e-mail e eu levo até
vocês para assinarem. Ele só precisa de uma cópia do documento de vocês.
— Por que está intermediando tudo? — perguntei curiosa.
— Por nada. Só quero ajudar vocês a encontrarem um lar decente e
ao dono do apartamento, novos inquilinos confiáveis. Ele é um senhor de
idade, é amigo do meu avô.
— Está bem. Podemos ir?
— Claro. Precisa ir a algum lugar, antes de voltarmos para o hotel?
— Na verdade, sim. Preciso de um número novo para o meu celular.
— Vamos resolver isso, então.
Saímos do apartamento e ele me levou até uma loja ali perto, para
que eu comprasse um novo chip. Lá mesmo fiz as trocas dos números e
depois fomos almoçar em um restaurante do outro lado da rua. Durante a
hora que passamos sentados naquele lugar, nós conversamos animados
sobre diversos assuntos. Allan deu-me sua atenção e sempre fazendo
carinho em minha mão sobre a mesa.
Depois que almoçamos, ele me levou de volta para o hotel e nos
despedimos com beijos e carícias na porta do meu quarto. Antes de ir, ele
pediu-me para que o esperasse na saída do trabalho, caso não estivesse lá no
fim do meu expediente. Eu recusei dizendo que não precisava fazer isso,
mas ele insistiu. Allan foi embora para o trabalho e eu me sentei em minha
cama ligando para Clarice. Precisava contar a ela sobre a mensagem que
recebi do número estranho e dar-lhe meu novo número.
— Dra. Montgomery — identificou-se ao atender a chamada.
— Oi. Sou eu.
— Maya? O que houve com seu número? De quem é esse?
— Eu troquei meu número. Esse é o novo, mas já vou logo avisando
que não é para passar a ninguém, ouviu bem?
— Mas é claro que eu não irei fazer isso — disse o óbvio. — Você
está em Illinois? É o código daí, não é?
— É sim. Também não é para falar a ninguém onde estou,
principalmente para a Penny, caso ela te procure.
— Ela me ligou ontem à noite. O que houve entre vocês? Ela me
pareceu estar bem angustiada.
— Aconteceu que ela é uma traíra filha da mãe!
— O quê? Não estou entendendo.
— Eu sempre desconfiei que, talvez, quem tenha feito a denúncia
contra mim foi uma pessoa que aparentemente me odeia sem o menor
motivo. Fez o que fez comigo somente para me encrencar.
— Quem é essa pessoa, Maya? — interrogou-me intrigada.
— Eliza. A ex-esposa do Victor. Ela não gostou de mim e muito
menos de me ver com seu ex-marido. Deixou isso bem claro nas poucas
vezes em que nos encontramos. Também ficou irada quando Victor pediu o
divórcio, depois de seis anos separados, porque eu exigi. Por muitas e
muitas noites, eu me questionei quem poderia querer me fazer tanto mal
assim. Em todas as vezes que me perguntei isso, só me vinha seu nome em
mente. Ela pode sim ter feito a denúncia e armado o suposto estupro
somente para me afastar do Victor, ou, ao menos, no intuito de causar uma
grande intriga entre nós.
— Meu Deus! Por que nunca me contou isso?
— Sei lá. No começo eu não queria acreditar que fosse ela, eu acho.
Ou, talvez, eu só quisesse tocar o barco, entende?
— Maya... Se realmente esta mulher fez isso, podemos processá-la.
Posso fazê-la pagar por tudo o que te fez!
— Esqueça isso, Clarice! Quero essa gente bem longe de mim e dela
não quero nada. Nem mesmo um pedido de desculpa. Acabou! Ela
conseguiu o que tanto queria e isso me fez ver que eu possa ter amado o
homem errado, que não me deu a chance de me explicar. Que me expulsou
da sua casa e de sua vida, quando eu mais precisei dele. Passou! Estou
seguindo adiante. Quero que esse assunto morra!
— O que Penny tem a ver com tudo isso, afinal?
— Recebi uma foto de um número privado ontem. Era uma foto da
Penny se encontrando com a Eliza no estacionamento de um supermercado
em Houston. Penny era a única que sabia sobre minha tentativa de me
prostituir. E se foi ela quem passou essa informação a Eliza? De que outro
jeito essa mulher iria descobrir sobre isso? Ou pior... e se Penny me induziu
a ir àquela maldita festa, porque sabia o que iria acontecer? Eu chorei
abraçada a ela, Clarice.
— Faz todo sentido. Não sei o que dizer, Maya. Vocês eram muito
amigas.
— Não. Eu era muito amiga dela. Penny apenas fingiu e, na
primeira chance por dinheiro, apunhalou-me pelas costas.
— Eu sinto muito.
— Como já disse... Esqueça. Me fale sobre minha mãe. Como ela
está?
— Está na mesma, querida. Talvez uma visita sua a faça reagir.
— Ainda não estou pronta para voltar, Clarice. Não estou pronta
para o meu pai.
— Tudo bem. Irei respeitar seu tempo, mas... só não demore demais,
Maya.
— Não vou — prometi antes de despedir e encerrar a ligação.

Três dias se passaram trazendo o fim de semana. Sasha já havia


sarado da dor no estômago, então, resolvemos aproveitar a manhã de
sábado ensolarada e fazer a mudança. Não tínhamos muito o que levar,
apenas malas com nossas roupas. Quando fomos nos despedir da Maggie,
ela ameaçou chorar e disse que sentiria nossa falta. Meu contato com ela era
curto, comparado ao de Sasha, que morou no hotel por um ano, porém, eu
gostava bastante dela e seu jeito “mãezona” de ser. Nós fizemos nossa
promessa de vir visitá-la sempre que desse e partimos.
Quando chegamos ao apartamento, tudo já estava mais ou menos
ajeitado. No dia anterior, Sasha e Kim saíram para comprar utensílios
domésticos e um sofá novo para a nossa sala, enquanto eu fiquei com
Maggie faxinando nosso novo lar. Tudo estava brilhando ao passarmos pela
porta com nossas malas.
Nos dias que se foram, Allan e eu só nos víamos durante trinta e
cinco minutos. Era esse o tempo que levava o caminho da boate até o hotel
e nossa despedida na porta do quarto. Ele estava trabalhado cada vez mais
no caso do assassino, que agora era considerado um serial killer, e dormido
cada vez menos, desde que uma terceira vítima apareceu há duas noites em
um beco ao sul de Chicago. Isso deixou a cidade em estado de alerta, o que
fez com que a população entrasse em pânico e cobrasse uma rápida ação da
polícia e, consequentemente, essa pressão deixou Allan e seu departamento
inteiro ainda mais atarefado com a segurança pública.
Na madrugada anterior, quando parou o carro no estacionamento do
hotel, chegamos a ter um pequeno desentendimento depois que ele disse
achar melhor que eu saísse do meu emprego e procurasse outro trabalho
mais perto de casa e durante o dia. Tentei explicar a ele que não podia
atender ao seu pedido, por mais cansativo e difícil que fosse os horários de
trabalho na Wilcox, o salário não era ruim e as gorjetas tampouco. Ele se
exaltou um pouco e disse para eu ser “menos” difícil e deixá-lo cuidar de
mim. Rebati dizendo que o deixaria fazer isso sem problema algum, porém,
não podia deixar o emprego naquele momento com obrigações financeiras
como o aluguel e outros gastos.
— Não estou pedindo que faça, Maya! Estou mandando! Aquilo não
é emprego para uma mulher que se dê o respeito! — gritou.
— Vai com calma aí, Allan! Dê um tempo desse seu pensamento
machista. Quem você pensa que é para falar assim comigo? — perguntei
exaltada.
Ele olhou-me sério e vi em seus olhos que minhas palavras o
fizeram perceber o quanto havia sido idiota e incompreensivo. Em seguida,
pediu desculpas e nos despedimos ali mesmo antes que eu descesse e
subisse para o quarto.
— Maya! — Sasha chamou-me alto da sala.
— Estou no quarto! — gritei de volta, enquanto continuava a
arrumar minhas roupas no armário.
Uma batida soou da porta aberta, chamando minha atenção para ela.
— Oi — disse ao ver Allan parado no batente.
— Oi.
Ele entrou vindo até mim e deu-me um beijo casto na testa.
— Será que podemos conversar? — perguntou sério.
— Claro. — Caminhei até a porta e fechei-a. — Sente-se — pedi
apontando para a cama.
Ele se sentou e eu fiz o mesmo ao seu lado. Allan curvou-se para
frente e apoiou seus cotovelos sobre os joelhos encarando as palmas das
suas mãos.
— Maya... Eu preciso saber que tipo de relação nós temos. — Sua
pergunta pegou-me totalmente de surpresa. Não estava esperando dar um
título ao que tínhamos naquele momento. — Um namoro? Ou... a gente só
está se conhecendo, porque... — Ele fez uma pausa breve e respirou fundo
soltando todo o ar pela boca. — Porque eu tenho mesmo que saber.
Olhou-me.
— Eu não sei — respondi baixo.
— Eu gosto mesmo de você, Maya. E me sinto mal por termos
brigado. Para ser honesto, essa situação está me deixando angustiado.
Preciso que me diga se estou sendo correspondido.
— É claro que está. Também gosto de você, Allan. Desculpe por ter
me exaltado com você. É só que não posso fazer o que me pede. Não agora.
— Eu só quero cuidar de você, Maya. Te proteger. Proteger ao
menos você, já que não posso fazer isso com cada garota dessa cidade que
pode estar na mira desse assassino.
Toquei suas mãos que se esfregavam uma na outra com agonia e
aproximei-me mais dele, deixando nossos corpos colados.
— Entendo sua preocupação, mas você também precisa entender
que não posso deixar meu trabalho agora. Tenho um aluguel para pagar.
— Eu sei. Por isso também peço desculpas pela forma que lhe tratei
e as palavras que usei.
— Tudo bem. — Sorri. — E quanto ao que somos... não sei o que
dizer. Gosto de você e dos seus cuidados comigo, ou de quando estamos
juntos e de tudo o que fazemos juntos, mas... não sei se um dia poderei dar
a você tudo o que quer e merece em um relacionamento. Começando pelo
amor.
— E por que não? — questionou acariciando meu rosto.
— Quando vim para cá, parti deixando um amor para trás. Um amor
que acredito estar perdido, mas que ainda está vivo em mim. Mudei para
tentar seguir em frente e recomeçar de novo a vida. Claro que não foi
somente por isso que tomei essa decisão, mas esse foi um dos principais
motivos que me levou a ela. Acho que por isso não quis dar um nome para
o que está acontecendo entre nós. Não quero lhe dar falsas expectativas
sobre nós. Só queria que as coisas fossem legais e descomplicadas. E por
favor... por favor, Allan, não pense que estou lhe usando para esquecer
alguém, porque não estou. Quando digo que gosto de você, eu realmente
estou falando a verdade.
— Ele foi tão forte assim na sua vida, para você ter que recomeçar?
— Foi.
Foi com Victor que descobri o significado da palavra amor. Achava
que já tinha amado antes, mas não. Só havia me apaixonado e, outras vezes,
me iludido.
Allan ficou em silêncio por alguns segundos, enquanto olhava para
o nada atrás de mim, como se pensasse em algo para me dizer.
— Espero não ter o magoado.
— Vamos tentar, por favor. Talvez... eu seja o seu recomeço e...
você seja o meu.
Sorri para ele e selei seus lábios. Talvez ele esteja certo. Allan pode
ser meu recomeço. Talvez eu não tenha vindo para Chicago por acaso. Kim
me disse certa vez, antes nos envolvermos, que Allan havia sido noivo no
passado e se magoado. Quem sabe, assim como eu, ele ainda tenha uma
ferida aberta para ser curada. Por isso fala que, talvez, possamos ser o
recomeço um do outro.
— Quer aproveitar o momento para falar de você também? —
perguntei ao separar nossos lábios.
— Acho que você já deve saber que tive alguém que quase se tornou
minha esposa — respondeu desviando seu olhar do meu.
— Sei sim. Kim contou. O que aconteceu? — perguntei curiosa.
— Estávamos juntos há cinco anos e eu a pedi em casamento.
Compramos a casa, reformamos, decoramos... sempre fazendo tudo
exatamente do jeito que ela queria. Mas, quatorze meses atrás, ela me disse
que não se sentia pronta para ser esposa de alguém e, então, um mês depois
ela se mudou para França aceitando uma promoção do trabalho. O
engraçado foi que ela se sentiu pronta para se tornar esposa de outro
homem, bem rapidinho. — Senti mágoa em sua voz.
— Uau... parece até história de novela mexicana.
Ele riu baixo e assentiu voltando seu olhar para o meu.
— Talvez eu ainda a ame, eu não sei. O que sei... é que eu quero
você, Maya. Eu quero tentar te fazer feliz e ser feliz de novo.
CAPÍTULO 7

Morar com a Sasha era divertido e supertranquilo. Ela era uma


ótima colega de apartamento e cozinhava superbem. Eu até mesmo aprendi
a cozinhar algumas coisas com ela nas últimas duas semanas em que já
estávamos morando juntas.
Entre mim e Allan, as coisas pareciam estar começando a entrar nos
eixos e ambos estávamos bem um com o outro. Nós resolvemos que iríamos
tentar um namoro, enquanto nos esforçaríamos para fechar nossas feridas.
Para mim, isso não estava funcionando como esperado, mas a dor e a
saudade ao menos estavam adormecidas em algum lugar por dentro de
mim.
Allan e Jack, juntamente a uma equipe tática especializada em
crimes em série, ainda tentavam descobrir quem era o assassino
desconhecido. Em todos os meios de comunicação só se falava dessa
investigação e talvez seja por isso que o monstro cruel tenha simplesmente
sumido e parado de cometer seus crimes bárbaros, trazendo um pequeno
alívio para a população. Entretanto, não para a polícia que estava às cegas
sem saber quando ou o que ele poderia estar planejando para o seu próximo
ato.
A pressão sobre a polícia era tanta, que na última semana Allan
andava ainda mais estressado e afoito, mas eu conseguia levar ele do meu
jeito e acalmá-lo algumas vezes. Quando notava que ele estava algumas
noites sem dormir, o chamava para subir comigo depois que me trazia do
trabalho e o colocava deitado ao meu lado e, enfim, dormíamos juntos.
Nas duas folgas que tive nesses últimos quatorze dias, passei os
domingos em sua casa tentando mantê-lo o mais longe possível do trabalho
a pedido do Jack, que disse que o amigo estava se envolvendo demais no
caso e permitindo que isso afetasse em sua vida pessoal ficando à beira de
colapso por estresse. Também não era para menos, eu li os e-mails que eles
receberam da corregedoria cobrando a prisão do serial killer, que
aterrorizou e ainda poderia aterrorizar Chicago, ceifando vidas de jovens e
inocentes.
Para ocupá-lo, inventava passeios pela cidade e pedia que ele me
levasse a todos os lugares alegando ainda não ter tido a chance de conhecer,
ou então, sessões de cinema, almoços fora, jogos de basquete e, claro, sexo
bruto e gostoso do jeito que a gente gostava. De vez em quando, Allan
ainda tocava no assunto sobre eu deixar meu emprego e só parava quando
eu me exaltava e ficava imensamente irritada com ele.
Durante a última semana, mexendo em minha bolsa, encontrei o
cartão do Tyrone, o fotógrafo que conheci noites atrás na Wilcox, e pensei
em ligar para ele. Quem sabe ele tenha algum trabalho para mim e se for
algo que pague bem e que aconteça mais vezes, talvez eu faça o que Allan
tanto me pede e a discussão acaba. Sentei-me na cama e encarei o cartão
preto sedoso em minhas mãos, pensando um pouco mais se deveria tentar
me aventurar nessa, ou não. Sentindo-me imensamente tentada a ligar, sem
hesitar mais uma vez, peguei o celular e disquei o número.
— Agência Golden Girls. Stephania.
— Ah... Oi. Eu procuro pelo Tyrone — disse um pouco nervosa.
— Quem deseja? — perguntou ríspida.
— Meu nome é Maya, nós...
— Tyrone! — esgoelou a mulher ao telefone, interrompendo-me. —
Tem uma garota no telefone querendo falar com você. O nome dela é Maya.
— Escutei alguém dizer algo ao fundo da chamada, mas não consegui
entender o que dizia. — Escuta aqui, lindinha, ele não sabe quem é você!
— Foi grosseira.
— Diga a ele que sou a garçonete da Wilcox.
— Ela disse que é a garçonete da Wilcox. — A ligação ficou muda
por alguns segundos até que ela falou novamente. — Ele mandou você vir
amanhã, às nove. Venha depilada e de cabelo lavado. Não... se... atrase! —
falou pausadamente.
— Ah... certo, mas é que eu gostaria de falar com ele antes a
respeito dos trabalhos que tem para mim e...
Ela riu alto e debochada ao telefone, interrompendo-me.
— Lindinha! Nesse ramo não se escolhe o trabalho, você pega o
que tem e faz sem reclamar. O cachê é bom, vai por mim. Amanhã às nove.
Depilada e cabelos limpos. Bye, bye. — Reforçou as exigências e o horário,
antes de encerrar a chamada.
Fiquei por alguns minutos olhando para o celular e pensando no que
poderia estar me aguardando no dia seguinte. Deixei o celular sobre a cama
e fui até a sala. Já era quase meio-dia e Sasha ainda não havia voltado para
casa depois que saiu logo pela manhã dizendo que estava indo resolver
alguns assuntos pessoais. Então, eu fui para a cozinha preparar qualquer
coisa para comer. Estava pegando os ingredientes para preparar um
sanduíche natural, quando a campainha tocou. Caminhei até a porta e olhei
pelo olho mágico antes de abri-la.
— Com fome? — perguntou Allan erguendo duas sacolas com
comida chinesa.
— Estou faminta. Entra.
Ele entrou e deu-me um beijo rápido nos lábios antes de ir até a
mesa e colocar as sacolas sobre ela.
— Como você está? Dormiu esta noite? — perguntei aproximando-
me dele.
— Dormi sim — respondeu-me tirando sua jaqueta preta de couro e
colocando-a no encosto de uma das cadeiras. — Mas bem eu não estou.
Estava com saudade de você. — Sorriu encantador.
Com movimentos rápidos, ele puxou-me pela cintura colando
nossos corpos.
— Eu também estava — revelei laçando seu pescoço com meus
braços.
— Adoro esse seu perfume — falou cheirando meu pescoço e
fazendo-me arrepiar antes de mordê-lo de leve.
— Vamos comer antes que esfrie — disse afastando-me dele.
Se continuássemos tão juntos daquele jeito, acabaríamos transando
ali mesmo na mesa. Nós sentamos, nos servimos e depois de almoçarmos,
ele se deitou comigo no sofá curtindo preguiça de barriga cheia.
Conversamos sobre algumas bobagens e demos carinho um para o outro.
— Você nunca pensou em fazer faculdade? — perguntou
acariciando meus cabelos.
— Já sim.
Eu e Allan conversávamos sobre muita coisa de nossas vidas e até
mesmo sobre alguns planos tolos para o futuro que sequer envolvia o outro,
mas a respeito de como minha vida era antes de eu chegar em Chicago,
nunca falamos. Ele jamais perguntou e eu também não quis contar, então,
ficou por isso mesmo. Ele não tinha noção de que era estudante de
medicina. Tudo o que ele sabia era que sou de Oklahoma, filha única e tive
um grande amor que me feriu, por isso parti em busca de um recomeço. Ele
jamais soube da real história entre mim e Victor, meus desentendimentos
com meu pai e muito menos sobre o estado de saúde da minha mãe, que no
momento era estável, mas ainda preocupante.
— Temos ótimas faculdades aqui. Poderia relevar uma. Posso fazer
visitas com você, o que acha? Ainda dá tempo de começar este ano.
— Vou pensar nisso — cortei o assunto e selei seus lábios com um
beijo. — Mas... eu tenho uma boa notícia para você.
— Ah, é? E o que é? — perguntou curioso e sorridente.
— Há algumas semanas, eu conheci um fotógrafo na Wilcox. Ele
pediu para eu procurá-lo e me deu seu cartão. Então, eu liguei mais cedo e
falei com a secretária dele e ele tem um trabalho para mim! — contei
entusiasmada.
Aquela era uma oportunidade para finalmente sair do bar e, quem
sabe, faturar um pouco a mais.
— E você aceitou?
— Sim, claro! Está marcado para amanhã às nove. Quer ir comigo?
— Tenho que trabalhar, mas posso te levar até lá. Está com o
endereço?
— Sim. O endereço está no verso do cartão que ele me deu.
— Tudo bem. — Puxou-me para mais junto. — Você é linda, Maya.
Vai arrasar, tenho certeza. — Sorri e o beijei.
Passamos resto do meu dia de folga largados no sofá e, quando a
noite chegou, ele foi embora e fui para o meu quarto dormir, já que tinha
compromisso logo que amanhecesse o dia. Eu estava tão ansiosa, que
demorei horas para pegar no sono e quando enfim consegui, fui despertada
pelo celular que tocou às sete da manhã anunciando que já era hora de eu
levantar e me preparar. A noite parecia ter sido tão curta.
Como combinado, Allan chegou às oito e meia para me levar até o
estúdio. Entreguei a ele o cartão com o endereço e fomos. O trânsito não
estava ruim e colaborou para que eu chegasse com alguns minutos de
antecedência do horário marcado. Allan e eu nos despedimos no carro e
combinamos que eu voltaria para casa de táxi. Não queria que ele ficasse
sempre parando seu trabalho para me buscar ou levar aos lugares, então
entramos no acordo que começaria a pegar táxi quando precisasse.
Agradeço-o e acho fofo sua preocupação e cuidado, mas ele está sempre em
cima de mim, ligando e mandando mensagem quase toda hora querendo
saber o que estou fazendo. Às vezes, chego a me sentir pressionada e
sufocada.
Parei diante das portas de vidro espelhado e observei o prédio de
sete andares com algumas das janelas basculantes abertas. Olhei para trás e
Allan estava com o carro ainda estacionado no meio-fio, esperando que eu
entrasse. Empurrei a porta e entrei no saguão climatizado com um longo
balcão de mármore preto. Atrás dele, havia três atendentes que trabalhavam
atendendo ligações, recepcionando e sempre atentas aos computadores à
sua frente.
— Com licença — pedi ao me aproximar do balcão, parando de
frente a uma das moças.
— Em que posso ajudá-la? — perguntou uma delas.
— Eu vou até a agência Golden Girls.
— É no sétimo andar. Sua identidade, por favor — pediu
educadamente.
Dei a ela minha carteira de motorista e ela fez um rápido cadastro
pedindo-me um número de telefone e liberou minha entrada depois de me
dar um adesivo de visitante para pregar na roupa, indicando-me o elevador
à esquerda. Ao entrar, senti um pequeno frio na barriga de puro nervosismo.
Quando as portas se abriram no sétimo andar, fiquei impressionada com a
sofisticação do pequeno hall de entrada. Caminhei até uma pequena mesa
onde havia um laptop sobre ela e dois aparelhos de telefone. Não havia
ninguém ali ou uma campainha para chamar alguém. Olhei para os lados e
vi duas portas à direita, onde uma levava ao banheiro e outra para uma
copa. À esquerda, havia uma terceira porta dupla de aço escovado.
— Posso ajudar? — perguntou uma mulher atrás de mim,
assustando-me.
Virei-me para trás em um pulinho e vi uma mulher loira de estatura
baixa, que vestia preto da cabeça aos pés.
— Sim. Meu nome é Maya. Eu vim ver o Tyrone...
— Já sei o que veio fazer — interrompeu-me sendo um tanto hostil.
— Vou avisar que você chegou.
Ela passou por mim e desapareceu pelas portas de aço, mas logo
voltou com Tyrone, que abriu um enorme sorriso quando me viu.
— Achei que não me ligaria mais — disse animado, vindo até mim.
— Como você está, querida? — cumprimentou-me com um beijo no rosto.
— Bem, obrigada. E você?
— Ótimo, como todos os dias. — Gargalhou. — Venha e seja bem-
vinda. — Ele saiu à minha frente e eu o segui passando pelas portas duplas.
— Fique à vontade, Maya. Este é meu estúdio, onde minha mágica
acontece.
O lugar era enorme, ocupava praticamente todo o andar e continha
vários cenários diferentes.
— Ela é nossa salvadora? — perguntou uma mulher de cabelos
negros encaracolados.
— Ela mesma — respondeu Tyrone.
— Prazer em conhecê-la. Sou Lucy — apresentou-se com um largo
sorriso, estendendo-me sua mão.
— O prazer é meu. Sou Maya. — Apertei sua mão.
— Tyrone tem razão, você é linda! Ele estava ansioso para que você
o procurasse logo.
— E estava mesmo, assumo. Você não poderia ter ligado em hora
melhor. Tenho um ensaio para uma marca famosa de lingerie que está
atrasado em dois dias. Minha modelo contratada há semanas simplesmente
desapareceu e assim, tão de última hora, não consegui ninguém com o perfil
que quero fotografar.
— Mas ela está bem? — perguntei preocupada.
— Ah, não se preocupe. Com certeza está por aí enchendo-se de
entorpecentes na orgia. Essas modelos que estão com a estrela da fama
acima da cabeça são sempre assim, irresponsáveis. Logo mais, ela aparece.
— Tomara que sim — sussurrei. — Então... meu trabalho é
fotografar para essa marca?
— Sim. É uma marca aqui mesmo de Illinois, mas está se
expandindo pelo país. Sinful Angels. Conhece?
— Sim. Vejo banners da marca a cada esquina de Chicago. São
lindas peças.
— Ótimo! E você topa? São fotos um pouco sensuais.
Fiquei um pouco apreensiva, não sabia o quanto era o seu “sensual”.
— Relaxe, querida. É tudo muito tranquilo. Será apenas você, eu,
Tyrone e seu assistente Bash — explicou Lucy.
— Você vai curtir. Além, é claro, de que o cache é de dois mil
dólares — falou Tyrone.
— O quê? — questionei impressionada.
— Isso mesmo! — confirmou ele.
Deus... Que dúvida! E se essas fotos propagarem até Oklahoma? E
se meu pai as vir? Acho que o máximo que pode acontecer é ele me
arranjar um insulto novo.
— Quer saber... A grana é boa e essa é uma oportunidade única.
Okay. Vamos lá — aceitei confiante da minha resposta.
Eles sorriram satisfeitos.
— Assim que se fala, garota! — disse Lucy.
Ela arrumou meus cabelos em ondas mais volumosas e fez uma
maquiagem clara em meus olhos, combinando-a com um batom rosado e
delicado em meus lábios, dando uma impressão de “beleza natural”.
— Você está lindíssima! Seu rosto tem traços finos e suaves. Vai
chamar muita atenção nos banners da cidade. — Ela sorriu.
— Pronta? — perguntou Tyrone.
— Sim — respondi.
— Pode se trocar atrás do biombo, as peças que vai usar estão todas
lá. Vamos começar pela lingerie branca.
— Okay.
Levantei-me da cadeira e fui para trás do biombo. Lá havia cinco
belíssimas peças de cores branca, vermelha, preta, azul e rosa. Como
pedido, vesti as peças brancas de seda com lindos detalhes em renda
francesa. A lingerie era delicada, porém, sensual. Tirei toda minha roupa e
me troquei deixando a cinta-liga e as meias finas por último. Calcei o par de
saltos Louboutin preto envernizado de bico fino, que uma assistente trouxe
para mim, e saí de trás do biombo de madeira escura.
— Lindíssima! — elogiou Tyrone.
Senti-me um pouco envergonhada por estar tão exposta daquele
jeito na frente de gente estranha. Com minhas mãos suando frio, logo tratei
de me acalmar para conseguir realizar o que tinha ido fazer ali.
— Maya, este aqui é Bash. Meu assistente. — Ele apresentou um
homem ao canto da sala, que sorriu e veio até mim.
Ainda não tinha percebido sua presença em meio a todos os outros
poucos funcionários que preparavam os cenários para o ensaio. Bash era
alto, tinha cabelos loiros escuros e levemente ondulados, uma barba rala
desleixada e um corpo magro escondido por baixo de uma camisa preta. Em
uma avaliação final, ele era um homem bonito.
— Prazer em conhecê-la.
— O prazer é meu. — Apertei sua mão e sorri amigável.
— Vamos começar? — perguntou Tyrone.
— Vamos. Estou um pouco nervosa — confessei.
— Você vai se soltar durante o ensaio. Fique à vontade e não
coloque pressão em si mesma. Vai se sair bem, tenho certeza — falou Bash
com a intenção de me acalmar.
Sorri grata por sua tentativa e segui até a área perto da parede de
vidro, onde haviam preparado um cenário com um fundo claro em variados
tons pastel. Também tinha duas poltronas e um sofá de dois lugares feito de
couro branco, almofadas vermelhas e douradas espalhadas sobre os
estofados e um tapete felpudo cinza-claro estendido por toda a área.
Nos primeiros cliques, eu ainda estava um tanto tensa. Bash colocou
músicas com batidas lentas para tocar em um volume não muito alto e
pediu-me para tentar relaxar o corpo e entrar na onda da música sensual que
embalava nosso trabalho. Pouco a pouco, finalmente consegui. Lucy me
serviu champanhe entre as trocas de peças. Ela disse que um pouco de
álcool nas veias me deixaria mais solta para as poses e mais à vontade com
o ensaio. Tyrone me auxiliou nas posições das fotos e me ensinou quais
eram meus melhores ângulos.
Trocamos de cenário e fomos para onde montaram parte de um
quarto usando apenas uma cama com cabeceira de ferro e criados-mudos
nas laterais. No ferro com desenhos em arabescos da cabeceira, havia
algumas pequenas luzes brancas enroladas por toda ela. Um lindo lençol de
seda creme forrava o colchão e almofadas prata davam um toque final. Eu
me destaquei naquele fundo com a lingerie vermelha. Tiraram fotos minhas
deitada, outras de joelhos sobre o colchão e algumas sentada. Mas nada que
fosse revelador demais, ou que soasse como um ensaio para a capa da
revista Playboy.
No fim, me diverti durante as quatro e horas e meia em que me
fotografaram e escutei muitos elogios. Senti-me viva outra vez, como não
me sentia há semanas desde que meu mundo desmoronou. O dia havia me
rendido não apenas uma boa grana, mas uma levantada em minha
autoestima.
Quando saí da agência, já passava das quatro da tarde. Estávamos
tão envolvidos com o trabalho, que ninguém se ligou que a hora do almoço
chegou e passou. Tyrone disse que me ligaria assim que pintasse outro
trabalho que combinasse com meu perfil.
Peguei um táxi e fui direto para casa. Ao chegar, logo preparei algo
para comer. Enquanto devorava um sanduíche de geleia com pasta de
amendoim, contei a Sasha como havia sido o ensaio. Por natureza da sua
curiosidade, ela quis saber tudo nos mínimos detalhes.
Quando o relógio marcou cinco horas, pegamos um ônibus para o
trabalho. No caminho, troquei algumas mensagens com Allan. Ele também
queria saber como as coisas tinham ido na agência e contei que tinha sido
incrível, mas não falei nada sobre ser um ensaio de lingerie. Disse apenas
que foram para uma marca de roupas femininas local. Seu ciúme, às vezes,
me deixava impaciente e tinha sido um bom dia desde o começo para
acabar com um estresse ou desentendimento bobo entre nós.
Na Wilcox, a noite fluiu bem na área VIP. Sem muitos problemas
com clientes e boas gorjetas. Às três da manhã fechamos o bar e fomos
todos para casa. Allan nos buscou e ficou para dormir comigo.
Estava deitada em minha cama esperando por ele, quando entrou no
quarto e tirou a toalha que tinha enrolado na cintura, ficando nu. Nos seus
lábios, havia um sorriso sem-vergonha e sedutor. De joelho sobre o colchão,
entre minhas pernas, ele tirou minha camisola lentamente e debruçou-se
sobre mim beijando meu pescoço. Rapidamente fiquei excitada e lacei sua
cintura com minhas pernas e agarrei-o. Fizemos sexo de modo lento e
apaixonado, até que amanhecesse. Cansados, deitamos abraçados. Ele logo
dormiu, mas eu não conseguia adormecer. Virei-me de costas para ele com
minha cabeça deitada em seu braço e, em seguida, senti seu corpo se
aconchegar ao meu por trás.
No relógio sobre o criado-mudo ao lado, já mostrava que eram sete
da manhã. Fechei meus olhos para insistir no sono, quando meu celular
tocou. Estendi minha mão e o peguei sentando-me em um pulo ao ver o
nome da Clarice se iluminar na tela.
— Clarice? — atendi com a voz trêmula, sentindo o medo tomar
meu corpo. Era cedo demais para ela estar ligando.
— Maya, querida... — Fez uma pausa e fungou engolindo seu
choro. — É a sua mãe, ela... — interrompeu-se.
— Diga logo o que aconteceu! — disse alto e impaciente,
levantando-me da cama.
— Ela acordou, Maya! Um milagre de Deus aconteceu. Meredith
acordou! — falou com a voz embargada pelo choro emocionado.
Sem conseguir conter minha emoção, caí no choro de mais puro
alívio e felicidade. Finalmente Deus parecia ter ouvido minhas preces.
Minha mãe estava de volta para nós.
CAPÍTULO 8

Um mês havia se passado e Maya não me procurou mais. Confesso


que achei que ela seria insistente, mas, ao invés disto, me surpreendeu
deixando-me em paz. Ótimo, que continue assim!
Eu a perdoei uma vez e não farei isso de novo. Às vezes, Noberto
me olhava com reprovação; se fosse por ele, já teríamos ido atrás daquela
que me traiu e mentiu.
Algumas vezes, quando estávamos em meio ao trânsito caótico de
Houston e surgia uma garota na calçada com características semelhantes às
dela, ele diminuía a velocidade do carro olhando para fora na esperança de
que fosse Maya, como fez minutos atrás no caminho para casa.
Por duas vezes, as garotas se pareceram tanto com ela, que deixou
meu coração disparado. Eu ainda a amava, não podia negar.
— Senhor — chamou Noberto, despertando-me dos pensamentos.
— Sim.
— Aquela não é a Penny? — perguntou estacionando o carro na
entrada da mansão.
— O que essa garota faz aqui? — perguntei rude.
— Quer que eu chame a segurança? — perguntou olhando-me pelo
retrovisor.
Parei por um minuto e avaliei a garota, que encarava o vidro traseiro
do carro com uma expressão chorosa e desesperada. Ela estava mais magra
e abatida, tinha um pequeno corte no canto direito do lábio e um pequeno
roxo abaixo do olho esquerdo, sinais claros de uma agressão.
Penny esfregava suas mãos uma na outra com angústia. Pensei em
mandar os seguranças a retirarem dali, mas eu queria ouvir o que ela tinha a
me dizer.
Desci do carro e caminhei até ela parando à sua frente e lhe
encarando. Ela engoliu em seco, preparando-se para falar algo e deu um
passo à frente em minha direção.
— Diga logo o que quer. E já vou logo avisando, que se foi a sua
amiga quem lhe mandou aqui, você já pode ir — disse rude.
— Não foi a Maya quem me mandou aqui. Estou aqui para falar
dela, mas, por favor... me escute com atenção.
— Fale logo! — mandei com arrogância.
— Victor... Maya foi embora há um mês. Ela simplesmente sumiu.
Não está na casa dos familiares em Oklahoma e nem com a Clarice. Ela não
fala com os amigos há semanas e o número do seu telefone não atende
mais. Eu não sei o que fazer e nem por onde começar a procurá-la, eu...
— Precisa da minha ajuda? — interrompi-a rude.
— Sim. Ela sumiu porque fiz algo ruim. Muito ruim. E agora tenho
medo de perder minha única amiga.
— Do que você está falando, Penny? — perguntei apressado e alto,
pressentindo algo tenebroso por vir.
— Prefiro que se sente, para me ouvir.
— Entre no carro! — mandei entredentes.
Algo me dizia que talvez eu fosse querer matá-la. Penny entrou no
carro e seguimos para dentro da propriedade até a mansão. Desci do carro
sem esperar Noberto abrir a porta e ela saiu logo depois me seguindo até o
escritório.
— Sente-se! — ordenei.
— Estou bem, obrigada. — Permaneceu de pé.
— Mandei se sentar! — disse alto, encarando-a. O nervoso já se
espalhava em mim. Ela olhou-me assustada e sentou-se. — Fale logo!
Parei à sua frente de braços cruzados no peito.
— Victor... Maya não teve culpa do que aconteceu naquela festa. Eu
sim, tive culpa.
— Explique isso melhor! — Senti uma enorme tensão em meus
ombros.
Sentei-me de frente a ela na poltrona.
— Além da prostituição estou envolvida com um cartel de drogas,
aqui mesmo do Texas. Cocaína, para ser mais exata. Estava precisando de
mais grana e isso apareceu tão rápido, em uma oferta irrecusável que eu
aceitei. Houve uma noite em que fui até um hotel no centro fazer um
programa e uma entrega para pessoas distintas. Eu deixei a droga no local
combinado, mas alguém me seguiu até lá chegando antes do comprador e
roubando a encomenda. Uma encomenda que valia muito dinheiro.
Ela abaixou sua cabeça e olhou para as mãos, que se contorciam
nervosas em seu colo.
— A pessoa para quem trabalho ficou muito furiosa. Disse que se eu
não recuperasse a droga, me mataria com tortura — falou com a voz
embargada. — Me deram quinze dias para recuperar o produto ou conseguir
a grana. Eu estava desesperada tentando conseguir o dinheiro, já que não
sabia por onde começar a procurar o que me roubaram, até que na manhã
anterior ao dia da festa... eu recebi uma correspondência na fraternidade.
Nela havia fotos que me colocariam na cadeia por anos, além de
comprometerem meus clientes também. Gente poderosa e da alta.
Lágrimas começaram a escorrer por seu rosto e minha paciência em
ouvir a história, que até o momento era somente sobre ela, estava me
deixando louco e furioso.
— Também havia uma carta no envelope. Uma que me deixava
ordens claras. O remetente mandava que eu levasse Maya até a festa, ou
aquelas imagens e outras mais comprometedoras iriam parar nas mãos da
polícia à meia-noite daquele sábado.
Meu corpo inteiro se tensionou dolorosamente. Um desespero
rompeu dentro de mim, deixando-me com o coração acelerado e
angustiado.
— As cartas não pararam depois daquela noite. Vieram outras. A
primeira chegou na manhã em que fui até a delegacia quando Maya foi
presa. Nela dizia que se eu quisesse recuperar as drogas roubadas, teria que
ficar de bico fechado.
— Mas o que foi que você fez, Penny? — sussurrei.
— Desculpe-me, Victor. Eu não tinha noção de que as coisas
tomariam aquela proporção. Não sabia que um cara contratado, ou
ameaçado, estaria naquela festa para drogá-la e encenar um maldito estupro.
Achava que só queriam que ela quebrasse uma ordem sua, te
desobedecesse. Também fui castigada por minha traição naquela festa,
acredite. Fui dopada e, ao contrário da Maya, meu abuso sexual foi real.
Muito real!
Penny soluçava, chorando desesperada. Levantei-me da poltrona e
passei as mãos agoniadas por meus cabelos, andado de um lado para o outro
tentando digerir toda aquela informação.
— Eu estou com o coração partido. Se eu não tivesse feito isso a ela,
Maya não teria sofrido tanto e não teria fugido.
— Fugido? Como assim fugido? Pensei que ela tivesse apenas se
mudado e estivesse ignorando os amigos — falei apressado, parando à sua
frente.
— Depois que Clarice a tirou da cadeia e o abuso sexual que ela
achou ter sofrido não ter sido comprovado, ela fugiu no meio da noite antes
de voltar para Oklahoma. Maya deixou apenas um bilhete para Clarice
dizendo que ficaria bem e pedindo para que ela não a procurasse. Depois
desse dia, ela falou comigo duas vezes através de mensagens, mas não quis
dizer onde estava. Estou tentando falar com ela há dias, mas não consigo. O
número dela diz não existir mais. Já liguei para a casa dela, mas o Sr.
Valentine disse que para ele a filha está morta. Clarice também não sabe
onde ela está.
— Quem foi o homem que a dopou?
— Um idiota da universidade. Ele encenou uma noite de sexo
depois de dopá-la, deixou Maya quase louca e desnorteada. Eu acabei com
a vida da única amiga que eu tive. Como fui egoísta!
Minha visão ficou nublada e um ódio gigantesco se apossou de
mim. Irei encontrar esse infeliz e fazê-lo pagar por isso. Por que você foi a
esta festa, Maya? Por quê?
— Tudo não passou de uma grande armação para cima dela, Victor.
Uma armação da Eliza para afastá-la de você!
— O quê? — questionei confuso e espantado.
— Há alguns dias, eu recebi uma última correspondência, que dizia
que iriam devolver as drogas. Havia um endereço e horário para o encontro.
Mandaram que eu fosse sozinha e fui. Quando cheguei até o
estacionamento do supermercado, foi a Eliza quem desceu do banco traseiro
de um carro que estacionou à minha frente e me entregou o pacote com a
encomenda.
— Meu Deus! — exclamei sentando-me novamente.
— Maya não foi culpada de tudo o que aconteceu. A culpa foi
minha. Eu insisti tanto para que ela fosse comigo... Ela não queria
desobedecê-lo, mas estava magoada e por isso cedeu à minha insistência.
Maya não traiu você, Victor. Ela foi apenas uma vítima ingênua de toda
essa loucura. Ela te ama, ou... ao menos amou verdadeiramente.
— Preciso encontrá-la — disse baixo para mim mesmo, com meu
rosto escondido entre minhas mãos.
— Por isso estou aqui. Estou preocupada com ela. E se o pior tiver
acontecido? Preciso contar a verdade para Maya do que fiz e pedir perdão,
mesmo ciente de que não o terei!
— Eu quero mais que você vá para o inferno! — esbravejei alto,
encarando-a. — Saia daqui! Saia desta casa!
— Victor... por favor! Preciso encontrá-la, saber se ela está bem...
— Saia! — gritei interrompendo-a e levantei apontando para a
porta. — Eu irei encontrá-la, mas saiba que, quando isso acontecer, farei
questão de que Maya saiba o tipo de amiga que você é!
Penny se levantou chorando e deixou meu escritório. Segundos
depois, Noberto entrou.
— Algum problema, senhor?
— Precisamos achar a Maya... — Caminhei até minha mesa. —
Mande que preparem meu jatinho, irei para Oklahoma agora mesmo.
— Sim, senhor! — Pude sentir a alegria em sua voz.
Subi para o quarto e entrei no closet para fazer minha mala. Olhei
para o lado reservado a ela, onde ficavam suas coisas que mandei que
queimassem, e meu coração apertou ainda mais e um nó se formou em
minha garganta. Como fui estúpido! Arrumei minha bagagem e peguei de
dentro do cofre algo que eu havia comprado para ela em Shangai. Ou
melhor... que eu havia mandado fazer. As únicas coisas que não me desfiz
foi deste presente e das joias que lhe dei, incluindo o bracelete que
arranquei do seu pulso com tanta estupidez.
Lembrar-me do dia que a escorracei para fora do meu escritório,
jogando-a no chão, me doeu imensamente. Como fui cruel! Onde estava
meu amor por ela, que não venceu a raiva e o orgulho ferido? Não consigo
imaginar como ela deve ter sofrido depois daquela manhã que a mandei
embora. Onde estará Maya agora? Será que está bem? Não saber me
deixava louco. Era preciso encontrá-la, era necessário! Será que a terei
novamente em meus braços? Temia que a resposta fosse “não”. Guardei o
presente no canto da mala e a fechei.
Ao sair de casa, Noberto já me esperava ao lado do carro. Seguimos
para o aeroporto e logo embarcamos. Nunca a viagem para Oklahoma foi
tão longa. Ao chegarmos à cidade, a primeira porta em que bati foi da casa
de Clarice.
— Pois não? — perguntou uma senhora ao atender a porta.
— Clarice está?
— Lamento, mas ela acabou de sair. Quer deixar algum recado?
— Sabe onde eu posso encontrá-la, é um assunto urgente.
— Talvez em seu escritório. Honestamente, não sei dizer. O senhor
tem o número dela para entrar em contato?
— Para onde ela foi? — perguntei impaciente e entredentes,
aproximando-me em um passo e lançando-a um olhar fulminante, que a
intimidou. — Tenho certeza de que se pensar um pouco mais, irá saber onde
ela está.
A mulher me encarou amedrontada e de olhos arregalados. Ela
engoliu em seco e olhou tensa para a rua à procura de um movimento
inexistente. Senti que ela pensou duas vezes em gritar pedindo por socorro.
— Ligaram do hospital. Ela saiu há mais ou menos uma hora. É
tudo o que sei.
— É tudo o que me basta. Obrigado.
Dei-lhe as costas e voltei para o carro. Sabia bem para onde ir, não
havia outro hospital nessa cidade para Clarice ter ido. Ao chegar lá, fui até a
recepção e disse que gostaria de saber em qual andar Meredith Valentine
estava.
— O senhor é da família? — interrogou outra enfermeira parando ao
meu lado.
— Sim — menti sem hesitar.
— Estão todos se reunindo no quarto andar — respondeu ela.
— Se reunindo? — questionei temendo o pior.
— Sim, mas não se preocupe. Logo mais o médico irá até lá dar
maiores detalhes do quadro de saúde da Sra. Valentine.
— Obrigado.
Tomei o elevador e, quando as portas se abriram no quarto andar, na
sala de espera encontrei algumas pessoas ali reunidas. Entre elas, a primeira
que notou minha aproximação foi justamente quem eu estava procurando.
— Victor? — disse Clarice surpresa.
Ela levantou-se do assento onde estava sentada ao lado da avó da
Maya e veio até mim.
— Mas o que faz aqui? — perguntou um tanto arrogante.
— Estou procurando por você.
— O que você quer? Estamos em um momento delicado agora. Um
momento em família!
— Estou procurando pela Maya. E tenho certeza de que você sabe
onde ela está.
— Eu não sei.
— Eu sei que você sabe. — Olhei para as pessoas chorosas atrás
dela, que me pareceram um tanto fúnebres. — Mas o que está acontecendo
aqui?
— Meredith acordou.
Olhei-a surpreso.
— Como ela está?
— Os médicos deram calmantes para que ela durma mais algumas
horas. Eles têm medo de que haja um tipo de choque no cérebro por acordar
de uma vez depois de tanto tempo em coma e que isso acarrete uma sequela
cerebral.
— E você já avisou a Maya, presumo.
— Já disse que não sei onde ela está!
— É mentira! Se não soubesse estaria louca atrás dela! Sei a ligação
que vocês têm.
— Vai embora daqui antes que Teddy apareça!
— Que se foda aquele inútil que rejeita a própria filha! — disse
exaltado e Clarice riu com deboche.
— Acho que não tem o direito de dizer isso. Você também a rejeitou
quando ela mais precisou de você, Victor. Na verdade, foi o primeiro. A
mandou embora depois de humilhá-la. Ela me contou o que você fez e
falou.
Suas palavras foram como um “tapa” em minha face.
— Agora reconheço que errei. Preciso encontrá-la para me redimir...
Preciso dela!
— Acho que ela não tem interesse no seu pedido de perdão e muito
menos em você!
— Por favor, Clarice... Onde ela está? — insisti em saber, mais uma
vez.
— Já disse que não sei e digo a verdade.
— Mais cedo ou mais tarde, ela irá aparecer aqui. E eu estarei de
olho. Não há nada e nem ninguém que vá conseguir me impedir de
encontrá-la ou de me aproximar. — Virei-me para ir embora.
— Deixe-a em paz, Victor. Ela está bem e recomeçando sem você!
— Olhei-a novamente e a encarei.
— O que quer dizer com recomeçando sem mim?
— Exatamente o que entendeu. — Deu-me um sorriso sarcástico,
cruzando os braços à frente.
— Eu não creio em você — retruquei e saí.
Não acredito que ela tenha seguido em frente. Não acredito que
tenha deixado de me amar! Eu irei encontrá-la onde quer que esteja. Já
perdi muito tempo longe dela, não quero perder mais. Eu preciso dela para
estar realmente bem e não só da boca para fora. Farei o que tiver que ser
feito para tê-la comigo novamente.
CAPÍTULO 9

— Maya? O que houve? — perguntou Allan preocupado,


levantando-se da cama e vindo até mim.
Abracei-o e chorei de felicidade em seu peito. Seus braços me
apertaram pela cintura contra seu corpo nu e grande.
— Fala comigo, por favor — implorou.
Soltei-o e o olhei. Allan secou minhas lágrimas delicadamente com
seus polegares e encarou-me preocupado, enquanto eu ainda tentava
recuperar meu fôlego e cessar o choro.
— Estou ficando preocupado. — Beijou minha testa.
— Desculpe-me, não quis preocupar você.
— Então diga o que aconteceu?
— É minha mãe...
— Ela está bem?
— Sim, está. Acredite, essas lágrimas são de felicidade. — Sorri
abertamente. — Eu sei que nunca falamos sobre minha família, mas algo
incrível aconteceu. Diria até que foi um milagre.
— Então me conte — pediu puxando-me para a cama.
Vesti meu robe e me sentei nela. Ele vestiu sua cueca e sentou-se a
meu lado pegando minha mão.
— Minha mãe está muito doente. Ela teve um câncer de mama que
foi curado, mas a doença voltou atacando seu fígado e depois se espalhando
por mais alguns órgãos. Mas, antes de me mudar para cá, ela sofreu um
ataque cardíaco e entre outras complicações que agravaram seu quadro de
saúde. Eles a induziram ao coma, mas quando retiraram os sedativos, ela
não acordou. Mas hoje isso mudou. Me ligaram para dizer que ela
finalmente despertou. — Comecei a chorar outra vez.
— Maya... Por que nunca me contou isso? — perguntou
decepcionado e soltando minha mão.
— Acho que porque o assunto nunca surgiu. Nós nunca falamos das
nossas famílias.
— Tudo bem... — Respirou fundo. — Então, presumo que você irá
voltar para Oklahoma.
— Só por alguns dias. Logo mais estarei de volta.
Allan assentiu com sua cabeça e olhou-me por alguns segundos
antes de se levantar. Caminhou até suas roupas e começou a se vestir.
— Allan... — chamei-o indo até ele.
— Eu tenho que ir. Preciso passar em casa antes de ir para a
delegacia.
Terminou de se vestir e selou meus lábios com um beijo rápido.
— Tchau — despediu-se e saiu do quarto fechando a porta atrás de
si.
Achei seu comportamento um tanto estranho, mas não quis me
preocupar com isso naquele momento. Deitei-me na cama e fechei os olhos
pensando em como seria minha volta para casa depois de pouco mais de um
mês longe. Desde que voltei para Houston, depois do coma da minha mãe,
não voltei mais para Tulsa. E para completar minha tensão, teria que
encarar meu pai depois de tudo o que ele me disse quando nos falamos pela
última vez.
Depois do café, falei para Sasha que precisava voltar para casa e que
ficaria lá por uma semana. Ela não fez perguntas, apenas concordou.
— Só fale com Pette. Não o deixe na mão — disse ela.
— É claro.
Ela tinha razão, precisava avisá-lo depressa. Peguei um táxi e fui
para a boate depois do almoço, sabia que Pette chegava por volta das onze
da manhã.
— Oi, garota. O que faz aqui essa hora? — perguntou Zoe.
— Vim falar com Pette, ele já chegou?
— Acabou de chegar. Está lá em cima.
Subi para seu escritório no mezanino e dei duas leves batidas na
porta.
— Entre — mandou alto lá de dentro.
— Oi, Pette — cumprimentei-o ao entrar. Ele olhou-me e estreitou
seus olhos. — Posso falar com você?
— Okay. Senta aí. — Indicou a cadeira à sua frente com um aceno
de cabeça.
— Eu sei que não posso pedir isso agora, faz pouco tempo que
trabalho aqui...
— Você quer um aumento?
— Aumento? Não! Eu preciso de cinco dias de folga.
— Cinco dias de folga? — perguntou recostando-se na cadeira.
— Sim — confirmei envergonhada.
— E quando seria?
— Hoje. — Forcei um sorriso. — Eu preciso voltar para Oklahoma,
tenho assuntos pessoais para resolver por lá. Uma emergência na verdade.
— Porque ver minha mãe e saber como ela estava era uma emergência.
— Maya... — interrompeu-se e respirou fundo. Ele pensou um
pouco em sua resposta, encarando-me de modo que me provocava
ansiedade. — Tudo bem. Porém, você vai ficar me devendo essa. Vou
chamar alguém para te cobrir, mas esteja aqui na segunda-feira. Vai
começar me pagando sua dívida, trabalhando nos próximos domingos.
— Certo. Tudo bem. — Sorri feliz. — Obrigada. — Levantei e saí
do seu escritório.
— Está tudo bem? — perguntou Zoe quando desci a escada.
— Está sim. Vou precisar de cinco dias para resolver umas coisas
em Oklahoma, mas na segunda estarei de volta.
— Okay. Vai lá. Boa viagem — desejou e sorriu simpática.
Voltei para casa de táxi e no caminho comecei a pesquisar por
passagens aéreas. Não encontrei nada para o mesmo dia, somente para a
manhã seguinte, logo pelas oito horas. Finalizei a compra e escrevi uma
mensagem para o Allan. Depois que ele saiu do meu apartamento, não nos
falamos mais. O que achei estranho, porque ele sempre me ligava várias
vezes ao dia.

Vou embarcar para Oklahoma


amanhã, às oito.
Maya
02:12 p.m.

Tudo bem.
Allan
02:13 p.m.

Não virá se despedir?


Vou ficar fora por cinco dias.
Só volto no domingo.
Maya
02:13 p.m.

Quando sair do trabalho,


eu te ligo.
Allan
02:14 p.m.

— Droga, Allan! Não estrague as coisas entre a gente. — Respirei


fundo com pesar.
Mais tarde comecei a arrumar minha mala. Já passava das dez da
noite quando Allan chegou. Ao abrir a porta, ele estava parado depois dela,
ainda de cara amarrada e com um jeito todo marrento com as mãos
guardadas no bolso da frente da calça. Era até sexy.
— Está tudo bem? — perguntei dando-lhe passagem para entrar.
— Só estou cansado — respondeu ao passar por mim.
— Allan... Sei que você está chateado por eu não ter contado antes
sobre a minha mãe, mas me entenda! — Aproximei-me dele.
— Está tudo bem, Maya. Esqueça isso, okay? Vem aqui. — Abriu
seus braços.
Caminhei até ele e o abracei. Allan me apertou contra seu corpo e
beijou o topo da minha cabeça. Nós conversamos um pouco sobre seu dia,
deitados em minha cama, e logo ele apagou depois de um banho. Fiquei
deitada encarando o teto do quarto escuro, sem conseguir dormir. A
ansiedade estava me consumindo. Eu vi o dia amanhecer em seus braços.
Quando meu celular soou o despertador as seis, levantei-me e fui ao
banheiro. Depois de um banho rápido, saí e não encontrei Allan na cama.
Vesti-me, arrumei minha cama e peguei minha mala indo para a sala. Ao
sair do corredor, senti um delicioso aroma de café recém-coado.
— Bom dia — desejou ele ao me ver, servindo duas canecas com o
café quente.
— Bom dia. — Sorri aproximando-me.
Abracei-o por trás dando-lhe um beijo nas costas cobertas pela
mesma camisa que usava na noite anterior. Depois de tomarmos café, bati
na porta da Sasha para me despedir antes de ir para o aeroporto. Allan e eu
dissemos tchau, trocamos alguns beijos e abraços no portão de embarque.
Ainda assim, mesmo naquele momento de despedida, senti-o um pouco frio
e distante de mim. Preferi acreditar que ainda estivesse magoado por eu ter
omitido parte da minha vida, como o caso de saúde da minha mãe. Assumo
que o peguei de surpresa e que, talvez, eu devesse ter contado sobre isso.
Não era que eu não quisesse que ele não soubesse a respeito, só que ainda
não me sentia pronta para contar.
O voo foi longo e agonizante, parecia nunca chegar e ter durado o
dobro de tempo. Quando enfim desembarquei em Tulsa, logo avistei Clarice
esperando por mim no saguão. Ela sorriu e me abraçou apertado beijando
várias vezes meu rosto.
— Que saudades, querida! — disse ela pegando meu rosto entre
suas mãos e olhando-me com os olhos marejados.
— Também senti sua falta. — Estava igualmente emocionada, não
só em vê-la, mas também por estar de volta a minha cidade.
— Chicago? Então é lá que mora agora? Ou devo dizer que é lá que
você se escondeu de mim? — perguntou humorada, secando as poucas
lágrimas que ousaram escorrer por sua face maquiada.
— É sim. — Sorri sem graça.
— Você parece bem, Maya. Fico feliz em ver que está bem.
— E estou! — afirmei confiante.
— Isso é amor?
— Diria que amor-próprio. — Rimos.
Fomos para o carro e seguimos para o hospital. No caminho, contei
a ela com o que e onde estava trabalhando e sobre minha colega de
apartamento. Também disse que havia conhecido alguém legal e bonito,
mas não entrei em detalhes.
Quando chegamos, um nervoso imenso embrulhou meu estômago
causando-me um leve enjoo. Um pequeno tremor abalou minhas pernas e
mãos. Clarice as segurou firme e de mãos dadas entramos no hospital
seguindo de elevador até o quarto andar onde minha mãe estava. Enquanto
subíamos, eu rezava para não encontrar meu pai. Não me sentia pronta para
confrontá-lo naquele momento. Clarice disse não saber se ele estaria ali, ou
não. As portas se abriram e caminhamos em passos vacilantes até a
recepção.
Na pequena sala de espera, encontrei minha avó sentada em uma das
poltronas de pernas cruzadas e cabeça baixa, enquanto tricotava um suéter.
Quando sentiu minha presença, ela olhou-me e sorriu com os olhos cheios
de lágrimas. Fui até ela e a abracei apertado entregando-me à emoção e toda
a saudade que estava guardada em mim. Foram semanas longe de casa e da
minha família. As saudades estavam maiores do que quando eu passava
nove meses longe, morando na faculdade.
— Por onde se meteu, minha menina?
— Desculpe-me, vovó — pedi com a voz embargada, engolindo
meu choro silencioso.
— Que bom que voltou. — Soltou-me. — Você viu só? Deus proveu
um milagre. Ele sempre ouvirá nossas orações.
— Eu sei. Sempre tive fé. Onde ela está? Estou com tantas saudades
dela.
— Meredith acordou do coma durante a madrugada de ontem e
viemos todos para cá, mas ela dormiu de novo e apenas acordou por breves
minutos à tarde. Ainda não despertou hoje.
— Eu posso vê-la? — Antes que ela pudesse me responder, uma voz
rude falou atrás de mim.
— Não, você não pode!
Virei-me para trás e lá estava quem eu mais temia ver: meu pai.
— Teddy! Vai com calma — pediu minha avó o repreendendo e
tomando minha frente.
— O que você faz aqui? — perguntou ele.
Seu maxilar estava contraído e sua respiração um pouco pesada.
Meu pai não estava mesmo feliz em me ver.
— Vim ver a minha mãe.
— Agora se lembra que tem família? Onde estávamos para você
quando resolveu se tornar uma prostituta? — interrogou-me alto, atraindo
olhares de quem passava.
— Não diga isso, Teddy! — pediu Clarice, ficando ao meu lado.
— Fale baixo! — pedi saindo de trás da minha avó e encarando-o
séria. Não iria abaixar minha cabeça para mais humilhações injustas. — Já
disse que não fiz nada daquilo. Agora, acreditar em mim, só cabe a você. Se
me desse a chance de explicar o que aconteceu, você entenderia que...
— Que você não presta! — interrompeu-me entredentes, cheio de
raiva e mágoa.
— Pare! — mandou minha avó. — Não irei aceitar que trate minha
neta desta forma! Ao menos, não na minha frente. Independente de se essa
história é verdade ou não, Maya ainda é sua filha e merece devido respeito!
— Deixe ele, vovó. Se ele quer pensar e dizer isso de mim, o deixe à
vontade. Eu já não ligo mais. Vim até aqui para ver a minha mãe e não para
discutir esse assunto. — Sustentei seu olhar rude e rancoroso com firmeza.
— Estou cansada disso! Esgotada das suas ofensas e do seu desprezo.
Escute o que vou lhe dizer, pai... Você virá me pedir perdão quando, enfim,
reconhecer seus erros. Quero que saiba que, quando isso acontecer, não
precisa se preocupar. Eu estarei lá para ouvi-lo e te perdoar, porque sou
diferente do que pensa.
Ele empinou seu nariz e deu-me um olhar vazio, que me doeu o
coração. Onde estava o amor do meu pai por mim?
— Vou ver a minha mãe.
Dei minhas costas a todos e me dirigi até o balcão onde havia duas
enfermeiras atrás dele. Pedi informações sobre minha mãe e elas pediram
que eu aguardasse por quinze minutos até que ela voltasse dos seus exames.
Sentei-me ali mesmo em uma cadeira de espera, em silêncio e isolada com
o rosto virado para o outro lado evitando olhar para onde meu pai estava.
Logo uma enfermeira voltou e disse que eu podia entrar. Fui até o
quarto com minha avó, mas apenas eu entrei. De coração dilacerado e de
corpo estremecido, caminhei até minha mãe que adormecia com uma feição
cansada sobre a cama hospitalar. Ela estava pálida e com os lábios
esbranquiçados e trincados. Seu corpo estava mais magro do que a última
vez que a vi e isso me doeu ainda mais deixando-me completamente
desesperada. Dava-se para contar as pontas dos ossos em seu corpo. No
pescoço, tinha um curativo onde havia sido feito uma traqueostomia.
Sentei-me na cadeira ao lado da sua cama e segurei delicadamente
sua mão frágil entre as minhas. Chorei em silêncio, sentindo meu peito
rasgar. Eu não devia ter fugido, devia ter ficado e encarado os problemas
de frente ao invés de tê-la abandonado. Deus! Como pude ser tão egoísta?
Levei sua mão até meus lábios e beijei seu dorso quente e anêmico. Fechei
meus olhos e pedi perdão a ela silenciosamente pôr tê-la deixado. Uma
enorme culpa me assolava naquele momento tornando-o insuportável.
Lágrimas escorreram por meu rosto e lembranças de um passado
não tão distante vieram em minha mente assombrando-me como fantasmas.
Também surgiram lembranças do verão antes de me mudar para a
faculdade. Naquela época, ainda não havíamos descoberto o primeiro
câncer em suas mamas. Nós estávamos felizes e reunidos no churrasco de
domingo ensolarado no quintal dos fundos da nossa casa. O sol brilhava
forte em um céu azul perfeito e sem nuvens, mas o tempo estava fresco e
ventava fraco. Meu pai virava hambúrgueres na churrasqueira e minha avó
brigava com minha tia Jenna por ter colocado limão demais na salada verde.
Eu e minha mãe estávamos sentadas nas espreguiçadeiras à beira da
pequena piscina assistindo tudo com diversão.
— Não acredito que já vai para a faculdade — disse ela me
olhando com ternura.
— Não fique triste, mãe. Virei para casa em todas as férias e festas
de fim de ano.
— Eu sei, mas... saiba que vou morrer de saudades mesmo assim.
— Será que vou gostar de ir para a faculdade? — perguntei
apreensiva. Tinha medo de ir e não conseguir me adaptar em uma nova vida
longe de casa e dos meus pais que sempre foram tudo para mim.
— É claro que vai! Fará bons amigos, você verá. E, se tiver sorte,
encontrará seu futuro príncipe o qual irá nos apresentar no Natal e com
quem vai se casar depois de se formar. Ah, e não se esqueça dos meus netos
— disse humorada e rimos juntas.
Escorei-me na espreguiçadeira e fechei meus olhos desejando
naquele instante, enquanto respirava fundo, que esse fosse exatamente o
futuro destinado a mim. Ah, mas eu mal sabia que a história seria outra e
bem diferente ou que o destino havia traçado coisa inesperadas para nós. Se
ao menos eu tivesse sonhado que os anos seguintes seriam assim, não teria
saído de casa depois daquele verão.
Os dedos que estavam juntos aos meus lábios se mexeram
lentamente, quase sem força, chamando minha atenção. Abri meus olhos
molhados e vi um par de outros olhos castanhos, muitos parecidos com os
meus, observando-me.
— Mãe! — disse começando a chorar alto. — Mamãe!
Debrucei-me cuidadosamente sobre ela e a abracei encostando
minha testa em seu peito magro, dando-me o direito de chorar de dor,
angústia e felicidade. Uma mistura assustadoramente sufocante!
— Mãe... Você pode me ouvir? — perguntei olhando-a novamente e
em resposta um sorriso mínimo brotou em seus lábios secos. — Senti tanto
sua falta. Me perdoe por não estar aqui quando acordou. Perdoe-me, por
favor, mãezinha! — implorei tentando conter meu choro.
Ela apertou a minha mão com um pouco de força e eu a beijei.
— Eu vou chamar o médico, está bem? Eles precisam saber que
você acordou outra vez. — Ela assentiu com sua cabeça em um pequeno
gesto e me afastei.
Saí do quarto e não encontrei minha avó ali fora, então, caminhei até
o balcão.
— Com licença. Meredith Valentine do quarto mil trezentos e seis
acabou de acordar. Será que pode chamar o médico?
— Mas é claro! Vou bipar o médico. Peço que o aguarde no quarto e
continue conversando com ela, para mantê-la acordada. Teste a lucidez dela
com perguntas de sim ou não, como: Se ela lembra quem você é e etc. —
pediu-me a enfermeira.
— Tudo bem. Obrigada.
— Maya? — Uma voz grossa me chamou causando-me uma
enorme tensão, que fez meus ombros doerem instantaneamente.
Minha postura ficou rígida e minha respiração pesada. Engoli em
seco e virei minha cabeça lentamente olhando para trás por cima dos
ombros e lá estava ele. O homem que acreditei que nunca mais veria. Meu
coração batia descompassado e minhas mãos tremiam suando frio.
Faltavam-me voz e forças nas pernas para correr dali. Não estava pronta
para esse encontro, porque eu achava que ele nunca aconteceria.
— Maya... — chamou ele novamente, aproximando-se em mais um
passo.
Abri minha boca e nada saiu. Ainda não conseguia respondê-lo. Mas
o que lhe dizer, afinal? Sem palavras, apenas o observei. Victor aparentava
estar bem mais velho, ou devia dizer... acabado? Ele era um homem que
nunca aparentou ter a idade que tinha, sempre estava com boa postura,
corpo malhado, barba bem-feita, cabelos perfeitamente cortados e
arrumados... O senhor à minha frente, definitivamente, não era o mesmo
pelo qual me apaixonei tão perdidamente e rapidamente. Nem mesmo o
lembrava. Parecia mais com um homem largado, daqueles que nunca ligou
sequer uma vez para sua aparência. Victor estava muito magro — o que me
fez perguntar para mim mesma se ele estava doente ou se esteve
recentemente, acendendo uma ponta de preocupação dentro de mim —,
seus ombros estavam caídos, sua barba não era feita há dias, ou semanas,
dando-lhe ainda mais a aparência desleixada. Os cabelos penteados para
trás estavam um pouco maiores do que o costume, roçando as pontas no
colarinho da camisa branca que vestia. Por falar em suas roupas, ao menos
elas ainda eram impecáveis e, claro, peças feitas sob medida que se
encontravam largas em seu corpo.
Agora sim podia dizer que ele aparentava ter sessenta anos. Mas o
que houve com esse homem? Ele parecia alguém que sofreu uma perda
terrível de um ente querido ou passado por problemas infernais que custou
o desgaste da sua fisionomia e saúde, dando-lhe uns dez anos a mais em sua
aparência.
— Sei que não é um bom momento, mas... será que podemos
conversar? — pediu ficando a poucos centímetros de mim.
— Não temos o que conversar — consegui falar por fim.
— Por favor... — pediu baixo.
— Acho melhor você ir embora — disse séria e afastei-me, mas ele
me deteve segurando meu antebraço quando passei ao seu lado.
Confesso que senti um pequeno choque saudoso no local onde me
tocou e um leve arrepio percorrer meu corpo deixando os cabelos da minha
nuca eriçados.
— Não faça isso — pediu, encarando-me olho no olho.
— Não fui eu quem quis assim. Foi você quem disse “adeus”.
Livrei meu braço do seu aperto e segui pelo corredor de volta para o
quarto, deixando-o para trás. Senti seu olhar queimar em minhas costas e
um nó se formar em minha garganta causando dor. Eu me recusava a chorar
por ele, por mais que meus olhos queimassem pedindo por isso. Não podia
me dar ao luxo de desmoronar naquele instante. O que ele quer de mim,
afinal? Pedir perdão pelo que me fez naquela manhã em que me escorraçou
da sua casa? Não sei se sou capaz de perdoar. Não sei se o quero de volta
em minha vida, apesar de ainda o amar com cada célula do meu corpo.
CAPÍTULO 10

Caminhei pelo corredor sem conseguir respirar e a passos lentos,


pensando pela milésima vez se aquele reencontro de segundos atrás havia
mesmo sido real. Por algumas noites, eu dormi imaginando como seria
encontrá-lo após nosso término, mas tinha certeza de que isso não
aconteceria. Algumas vezes, imaginei uma cena em que eu me jogava em
seus braços e sentia seu calor me envolver novamente. Em outra, eu
imaginei que seria movida pela raiva e rancor, o acertaria um forte tapa em
seu rosto no intuito de lhe causar ao menos a menor dor que fosse, além de
dizer aquelas boas verdades entaladas em minha garganta sobre o que me
fez. No entanto, minha reação não foi como fantasiei diversas vezes.
Victor me mandou para fora da sua vida como alguém descarta um
objeto velho sem mais uso ou valor. Suas palavras e sua agressividade me
feriram não só externamente, mas por dentro pegando em cheio meu
coração que tanto o amou e ainda o amava, não dava para negar. Senti uma
dor sem fim por longos dias que inteiraram semanas. Ele era um homem
cheio de poder e dono de um orgulho impenetrável e imenso. Não entendo o
porquê de aparecer aqui. O que será que o fez mudar de opinião sobre
mim? Mas isso não importava. Estava de volta a Tulsa por outro motivo e
ele se chamava Meredith.
Entrei no quarto e fechei a porta vagarosamente, antes de me
aproximar da cama. Infelizmente minha mãe estava dormindo. Acariciei seu
rosto e curvei-me beijando sua testa demorando um pouco mais com meus
lábios nela.
O médico logo apareceu para conversar comigo e examiná-la
rapidamente. Ele disse que o cérebro dela ainda estava se acostumando com
a ideia de ficar acordado outra vez, então, ela passaria alguns dias assim,
acordando e dormindo. Também me informou que seu quadro de saúde era
estável em partes, porém, delicado e que mesmo em coma, os novos
médicos optaram por voltar minha mãe para o tratamento da quimioterapia
diária, que estava sendo custeada pelo hospital. Sua diabetes estava
controlada outra vez e seu coração se recuperando do ataque cardíaco que
teve. Quanto ao câncer, o médico disse que ele ainda estava se espalhando,
porém, com menos agressividade do que antes e estavam atribuindo os
créditos desse acontecimento milagroso ao tratamento alternativo que ela
fez durante um mês. Ele também informou que logo mais voltariam a
estudar a possibilidade da minha mãe poder passar pela cirurgia de
ressecamento dos tumores. No final da nossa conversa, ele usou as palavras
"sob controle" para seu estado de saúde e isso me encheu de esperança.
Durante as poucas vezes que falei com Clarice por telefone, ela me
informava sobre o processo que movia sobre o médico e as enfermeiras que
eram responsáveis pela minha mãe na época do incidente. O hospital
decidiu afastar ambos de seus cargos e o conselho hospitalar decidiu iniciar
uma investigação por conta própria para dizer se foi ou não um erro médico
gravíssimo.
Fiquei por mais alguns minutos no hospital e dediquei toda minha
atenção para ouvir o que os médicos tinham para me dizer. Eles foram
pacientes e me explicaram como e quais exames estavam sendo feitos nos
últimos dias, e concentrei-me em entender principalmente os vasculares.
Quando saí do hospital, depois de me despedir da minha avó e Clarice que
ficaram, vi meu pai ao telefone próximo à saída para o estacionamento. Ele
virou de costas para mim quando me viu, ignorando-me. Não sofri. Apenas
fiz o mesmo e segui em frente. Não iria forçar uma conversa que,
provavelmente, terminaria em uma grande confusão em um lugar indevido.
Caminhei pacientemente e de cabeça baixa pelo passeio de pedras
que cortava o estacionamento levando até um ponto de táxi na calçada,
pensando na minha mãe que havia ficado dormindo e nessa situação difícil
que enfrentávamos.
— Maya!
Parei e virei-me para trás.
— Noberto! — exclamei sorridente e feliz em vê-lo. — Como vai?
— perguntei aproximando-me dele.
— Bem e você?
— Eu estou bem. Minha mãe finalmente acordou. — Compartilhei
alegre a notícia.
— Eu soube, Victor me disse. Fico muito feliz por você e sua
família.
— Como ele soube? — Não resisti a perguntá-lo.
— Clarice. Mas saiba que ela não contou por mal.
— Tudo bem. — Respirei fundo e lhe dei um sorriso forçado. — Eu
tenho que ir agora. Foi bom rever você. — Fiz menção de afastar-me.
— Espere, por favor! — pediu tocando meu braço. — Estou aqui
para falar com você.
— Se for sobre ele, não quero saber.
— Você o viu?
— Você sabe que sim.
— Então notou como ele está. Notou sua aparência devastada.
— Honestamente, não me interessa.
— Não diga isso, se não é verdade. Você o conhece, Maya. Sabe o
quanto é orgulhoso. Victor acreditou que havia sido traído por você. Até eu
acreditei. Ele não foi atrás de você, mas nunca te esqueceu. Não tem sequer
se alimentado adequadamente, anda bebendo mais que o seu normal e não
tem ido trabalhar direito. Sei que ele está sofrendo. E sofre mais agora que
sabe que estava errado. Converse com ele. Dê-lhe uma chance para ouvi-lo.
— Ele o mandou aqui?
— Não. O levei para casa e voltei até aqui para falar com você.
Estou aqui por vontade própria e porque gosto de ambos e conhecia os
sentimentos que tinham um pelo outro. O que é real, não acaba assim tão
rápido.
Meus olhos ficaram marejados e um bolo se formou em minha
garganta outra vez.
— Eu não quero conversar. Na verdade... quero que as coisas
continuem como estão. — Tentei esconder a voz embargada pela minha dor.
— Maya...
— Não! — interrompi-o. — Por favor, Noberto. Estou começando a
tocar minha vida adiante depois de tudo que me aconteceu. Estou seguindo
em frente e deixando o passado para trás, onde é seu lugar. Victor faz parte
dele agora. — Tentei dizer com uma falsa determinação, sentindo um
enorme aperto no peito.
Nunca havia dito isso em voz alta, apesar de já ter repetido isso em
mente milhões de vezes. E o que tinha a dizer sobre isso era que doeu
muito. Noberto encarou-me por alguns segundos e depois assentiu cortês,
colocando suas mãos para trás.
— Tudo bem. Foi bom ver você e saber que está bem.
Sorri em despedida e virei-me para partir, mas parei por um segundo
e fui até ele lhe dando um abraço apertado, que o pegou de surpresa. Ele
retribuiu imediatamente e sussurrei um "adeus" perto do seu ouvido antes
de soltá-lo e seguir para a calçada onde tomei um táxi para a casa da
Clarice.
Quando chegamos no hospital, ela ligou para seu assistente e
mandou que ele trouxesse uma chave reserva de sua casa para mim e
buscasse minha mala para levar até lá. Ao chegar, a empregada já havia
arrumado o quarto de hóspedes e estava à minha espera. Subi e tomei um
bom banho na banheira para relaxar. Quando Clarice chegou do trabalho, no
início da noite, ela subiu para tomar um banho antes do jantar e eu me
sentei na sala com Sammy, seu marido, assistindo ao jornal local. Depois de
comermos os três juntos à mesa, Sammy resolveu nos servir um licor na
sala de estar. Nós conversamos e rimos das suas piadas clichês de sempre e
aquilo foi divertido. Eles me trataram tão bem, como sempre fizeram, e o
tempo todo me diziam para eu ficar à vontade e me sentir em casa.
Aquele momento com eles me fez sentir grandes saudades dos meus
pais como não sentia há tempos. Queria poder voltar no tempo para a época
de escola, quando eu chegava em casa e minha mãe brigava comigo para
sair da frente da TV e ir ajudá-la com as roupas ou o jantar. Para o tempo
em que meu pai chegava do trabalho chamando por suas garotas e trazendo
consigo biscoitos de chocolate, que comprava das escoteiras que ficavam
vendendo na calçada à frente da sua oficina. Deus! Como sinto falta desses
dias. Eram dias em que meu pai não me odiava e minha mãe não estava
doente. Em que minhas maiores preocupações eram tirar A nas provas
finais e tentar não ficar de recuperação em francês. Dias em que eu tinha
uma melhor amiga chamada Grace, que sempre estava comigo em todos os
momentos. Éramos inseparáveis e nos amávamos como irmãs. Quando foi
que essa amizade se perdeu?
Meu celular tocou e o nome do Allan brilhou na tela. Pedi licença
aos dois e saí para a sala de TV. Havia tentado ligar para ele mais cedo, mas
não me atendeu e nem respondeu as três mensagens que mandei, o que me
deixou um pouco chateada.
— Oi. Senti sua falta, você sumiu o dia todo — disse ao atendê-lo.
— Que porra de fotos são essas, Maya? — perguntou alto,
assustando-me.
— O quê? Não entendi.
— Estou falando dessas fotos suas espalhadas em outdoors por
toda a cidade e nas revistas. Mas que droga, Maya! Acabei de chegar à
delegacia e fui obrigado a ouvir piadinhas dos meus subordinados, porque
viram minha namorada seminua por aí. Então é esse o trabalho de modelo
que ia fazer? Sinceramente, não sei o que é pior: se é essa sua carreira de
modelo ou de garçonete! — debochou.
— Allan...
— Você sabia que eu tenho uma reputação a zelar? — gritou
interrompendo-me e tirando-me completamente do sério.
— Allan, cale a boca! — mandei alterada. — Olha só, não tem nada
de mais nessas fotos, okay? São apenas fotos de lingerie. Peças que toda
mulher usa, incluindo as esposas e namoradas de quem estão fazendo
piadinhas com o meu ensaio. O que há de errado nelas? Achei que você
fosse gostar, sempre elogia meu corpo e diz que sou bonita!
— E você é, Maya! E está certa, gosto do seu corpo, mas à mostra
desse jeito eu gosto somente para mim e entre quatro paredes. Não
sensualizando em páginas de revistas, que correm à solta por aí nas mãos
dos meus policiais e do resto dos homens dessa cidade maldita! — disse
ainda alterado.
— Quer saber, Allan? Você está sendo um machista filho da puta, e
já se foi a época que eu aceitaria isso de um homem. Não vou discutir esse
assunto com você por telefone. A gente se fala quando eu voltar. —
Encerrei a ligação e respirei fundo sentindo-me estressada mais uma vez.
— Está tudo bem? — perguntou Clarice.
— Está sim. Desculpe-me pelos gritos, é só que me alterei com
alguém.
— Quem é Allan? — perguntou sentando-se no braço do sofá, à
minha frente.
— É um cara que conheci aqui antes de ir embora e que, por puro
acaso, encontrei em Chicago.
— Vocês estão juntos?
— É, quer dizer... estamos tentando namorar e vendo onde isso vai
dar.
— Namorando? Achei que isso fosse demorar um pouco mais para
acontecer.
— Pois é, eu também, mas aconteceu. Ele é um cara legal, mas
acabou de pisar na bola.
— Eles sempre fazem isso — afirmou humorada, arrancando-me
uma risada baixa. — Você parecia flamejar de paixão pelo Victor, mas fico
feliz que esteja seguindo adiante. Ele, no entanto, parece que não está
conseguindo fazer o mesmo muito bem. Está péssimo, na verdade. Até me
assustei quando apareceu no hospital ontem.
Fiquei em silêncio e me sentei na poltrona à sua frente.
— Mais licor, garotas? — perguntou Sammy.
— Não, obrigada — respondemos em uníssono.
— Okay. Estarei em meu escritório. — Ele deu um beijo rápido em
Clarice e saiu nos deixando a sós novamente.
— Vocês conversaram hoje, quando ele apareceu lá? — perguntou.
— Não. Não temos o que conversar. Acabou.
— Sei lá, Maya. Parece que o relacionamento de vocês ficou tão...
mal resolvido. Vocês eram tão intensos e apaixonados. A troca de olhar
entre vocês chegava a ser excitante. — Sorriu. — É difícil acreditar que já
tenha acabado. Não me leve a mal, não estou o defendendo e nem do lado
dele. Mas, talvez, vocês devam ter, pelo menos, uma última conversa
civilizada para pôr um ponto final na história de vocês. Porque ele não vai
desistir de você. Sabe disso, não é?
— Não quero fazer isso agora.
— Faça antes de ir. Quanto antes acabar com tudo, mais livre estará
para seguir com Allan.
— Eu sei — concordei respirando fundo.
— Me conte sobre ele. Aliás, me conte sobre Chicago, como foi
parar lá?
Ficamos sentadas ali por mais de uma hora. Conversamos sobre
muita coisa, desde como fui parar em Chicago até sobre meu novo
relacionamento. Contei também sobre meus colegas de trabalho e meu
chefe estranho na boate e do novo freelancer como modelo. Mostrei a ela
algumas das fotos que Tyrone havia me mandado mais cedo por e-mail e ela
amou todas elas. Disse que eu devia investir nisso e parar de me desgastar
tanto nas noites como garçonete. Também me cobrou o retorno para a
faculdade e disse que, quando eu quisesse e precisasse, ela estaria aqui para
me ajudar fosse com os custos financeiros ou com qualquer outra coisa. Eu
a agradeci imensamente e me despedi antes de subir para o quarto.

Na manhã seguinte, levantei cedo e saí para correr. Não fazia isso
ultimamente e era algo que sentia muita falta. Quando saí, ainda não havia
ninguém acordado além da empregada que começava a preparar o café da
manhã. Corri pela vizinhança até o bosque que ficava perto, onde muitos
costumavam caminhar pela manhã ou tarde e levar seus bichinhos para
passear. Tive a sensação, por várias vezes, de estar sendo observada e até
mesmo seguida. Ouvi barulhos de galhos se quebrarem atrás de mim na
trilha e parei diversas vezes olhando para trás, mas nada via. Aquilo me
assustou. Não havia muita gente ali, só vi poucas pessoas correrem com
seus cãezinhos em sentido oposto. Decidi que o melhor seria voltar para a
casa da Clarice, já que não estava me sentindo confortável.
Dei meia volta e continuei a correr. Passei por um homem abaixado
à beirada da trilha e segui adiante. Ele estava amarrando o cadarço do seu
tênis e tinha um capuz do casaco de moletom cinza na cabeça sobre um
boné preto que fazia sombra em seu rosto. Ignorei aquela figura estranha e
sombria e apressei meus passos de volta. Nem é inverno para aquelas
roupas.
Passei por um casal que fazia uma caminhada moderada e logo mais
fiquei só novamente. Comecei a escutar passos apressados e pesados atrás
de mim. Eles pareciam ficar cada vez mais perto e isso me deu certa agonia
e medo. Olhei para trás e o homem estranho por quem passei na trilha, e
que parecia correr em direção oposta à minha, agora estava atrás de mim e
perto demais. Apressei meus passos e corri ainda mais rápido e assim ele
também fez chegando mais perto. Um pequeno desespero me tomou. Este
homem não está aqui apenas correndo, ele está atrás de mim. Corri ainda
mais rápido ouvindo-o apressar novamente seus passos.
Olhei outra vez para trás e ele mantinha uma distância de uns quatro
metros de mim, ou menos. Saí do bosque e atravessei a rua sem olhar para
os lados escutando uma freada brusca de um carro e sua buzina aguda. Parei
na calçada do outro lado e olhei para a saída do bosque. O homem não me
seguiu até lá. De dentro da mata quase fechada, só vi sair o casal com seu
cachorro. Voltei para a casa da Clarice ainda assustada e desconfiada,
olhando para os lados e para trás o tempo todo, mas não me sentia mais
perseguida.
— Você saiu cedo para correr? — perguntou Sammy quando entrei
pela porta da frente.
— Sim. Bom dia. — Sorri.
— Queria ainda ter esse ânimo.
— Talvez amanhã vocês devam ir juntos — falou Clarice ao passar
por nós indo para a cozinha. — Esse homem precisa se exercitar, Maya, são
ordens médicas. Me ajude, querida, por favor. Já faz um mês que tento fazê-
lo dar ao menos uma volta no quarteirão.
— Deixe comigo. — Sorri e pisquei para ela. — Vou tomar um
banho e depois desço para o café.
— Tudo bem. Não vou ao hospital agora, mas vou deixar para você
a chave do carro que era da Grace. Estará no porta-chaves perto da porta da
frente.
— Obrigada, Clarice.
— Sem problemas.
Tomei meu banho e me vesti calmamente. Depois do café, peguei o
carro e fui para o hospital parando no caminho para abastecer. Foi
impossível não me lembrar de todas as presepadas que eu e Grace fizemos
juntas com aquele carro na época da escola. Ela me dava carona todos os
dias e quando íamos às festas clandestinas no lago e a polícia aparecia, ela
dirigia como uma louca para não sermos pegas.
Quando cheguei ao hospital, minha mãe dormia. Fiquei lá por mais
de duas horas e ela não acordou. Perguntei a enfermeira quem havia
passado a noite com ela e a mesma me disse que tinha sido meu pai.
Perguntei por ele e ela me respondeu que havia saído para tomar um café,
dizendo saber que eu estava prestes a chegar. Eu queria ter ficado mais com
minha mãe, mas o médico não permitiu. Disse para voltar mais tarde, eles
iriam levá-la para fazer exames e a quimioterapia.
Fui até a casa da minha avó, onde almoçamos juntas e mais tarde a
levei para fazer compras no supermercado do centro. Quando saímos, vi um
carro preto estacionado ao lado do que eu dirigia. Um carro caro demais
para seu dono estar fazendo compras ali naquele lugar. A porta traseira se
abriu e Victor saiu de dentro dele.
— Aquele não é o Victor? — perguntou minha avó.
— O próprio — respondi baixo.
— Maya... — chamou-me ele se aproximando.
— Vai começar a me seguir agora? — perguntei impaciente.
— Talvez eu vá. Por favor... Me ouça! — pediu parando à minha
frente.
Olhei atrás dele e, além do Noberto, havia mais um homem parado
ao lado do carro, que logo o reconheci como seu segurança, que impediu
minha aproximação quando o procurei depois daquela maldita festa.
— Não irá mandar que ele me retire de perto de você desta vez? —
perguntei entregando minha amargura.
— Desculpe-me — pediu olhando para seu brutamonte atrás dele.
— Sei que mereço isso e muito mais...
— E você merece mesmo — interrompi-o. — Mas eu não mereço
gastar meu tempo com isso e nem com você. — Dei um passo para longe
dele, mas fui impedida de me afastar.
— Por favor, Maya. O que quer que eu faça para me ouvir? Me diga
que eu farei!
Encarei-o nos olhos.
— Quer que eu implore para me escutar?
— Não! O que eu quero é que suma!
Desprendi meu punho do seu aperto e entrei no carro onde minha
avó já me aguardava.
— Fiquei surpresa quando soube por Clarice que vocês haviam
terminado. Eram tão apaixonados.
— Vovó... Por favor!
— Desculpe-me.
Liguei o carro e deixei o estacionamento, vendo-o ainda parado no
mesmo lugar ao lado da sua BMW preta blindada. Deus! Como eu quis
abraçá-lo. Meus músculos do braço chegaram a estremecer. Meu coração o
quer tanto, que chega a bater acelerado fazendo meu colo e seios tremerem
minimamente. Contudo, minha mente gritava para ser forte e dizer “não”
para ele. Preciso voltar logo, ou não sei se vou aguentar por muito tempo.
Victor ainda mexe comigo de um jeito que não esperava que ainda faria.
— Não posso — sussurrei para mim mesma, enquanto dirigia de
volta para a casa da minha avó.
— Não pode o quê, querida? — perguntou confusa.
— Não posso ceder, vovó.
— Ceder ao quê? Ao que ainda queima dentro de você? —
perguntou e riu com deboche. — Vai por mim, Maya. Ceda logo. Nessa
missão de resistência, quando se trata de amor, a gente sempre falha.
As memórias invadiram minha mente deixando meus braços
arrepiados de leve. Memórias das noites de amor quente que tive com ele.
Dos dias bons que passamos juntos e da maneira bruta que fazíamos sexo
depois de algum desentendimento bobo, quando ainda não sabia que estava
apaixonada por ele. Um sorriso bobo invadiu meu rosto ao me recordar de
uma manhã de passeio em Seattle. Victor quando queria era bem-humorado
e naquela manhã, quando me levou para conhecer a cidade, me fez rir com
suas gracinhas e provocações obscenas sussurradas ao meu ouvido.
Lembrei-me de desejar mais manhãs como aquela ao seu lado.
Por que acabou? Porque tinha que ser assim! É melhor desse jeito,
não é?
CAPÍTULO 11

Na noite anterior tive que brigar com meu pai para dormir com
minha mãe. Ele se recusava a me deixar ficar e dizia que ia dar um jeito de
impedir minha entrada no quarto. Ele parecia me odiar tanto, que doía.
Depois que minha mãe acordou pela manhã, eles a levaram para a
quimioterapia e minha avó chegou para ficar com ela. Antes que a
levassem, eu tive a oportunidade de vê-la acordada e de ouvir o som rouco
da sua voz dizendo que me amava e que sentiu saudades.
Voltei à casa da Clarice depois de passar na lavanderia para ela. Ao
entrar, escutei a risada alta do Sammy vinda da sala de estar. Caminhei até
lá e vi Grace sentada ao lado do seu pai no sofá. Os dois riam de algo que
ele contava a ela.
— Oi — disse os interrompendo, anunciando minha chegada.
— Maya. Como está Meredith? — perguntou Sammy.
— Ela está ótima. Tive a chance de falar com ela hoje, por breves
segundos — respondi sorrindo grata por sua preocupação e olhei em
seguida para Grace. — Oi — cumprimentei-a apreensiva.
— Oi — retribuiu ríspida, levantando-se. — Eu já vou, pai. Nós nos
vemos à noite?
— Certo.
— O que tem à noite? — perguntei tentando estender o assunto com
ela.
— Vou levar meus pais para jantar — respondeu rude.
— Você nos acompanha, Maya? — perguntou Sammy.
— Eu adoraria...
— Eu gostaria que fôssemos só nós, pai! — Grace me interrompeu.
— Grace! — repreendeu Sammy.
— Tudo bem, Sammy. Eu estava dizendo que adoraria, mas já tenho
compromisso esta noite.
— É mesmo? Ainda tem amigos aqui? — perguntou ela com um
sorriso debochado. Quem é você e o que fez com minha amiga de infância?
— Grace! — repreendeu Sammy novamente.
— Me acompanha até a porta, pai?
— Claro. — Ele passou por mim logo atrás dela. — Ah, Maya... —
chamou-me e eu me virei para ele. — Chegou flores para você. Estão na
cozinha.
— Obrigada.
Fui até a cozinha e ao entrar, vi que a empregada começava a
preparar o almoço. Um jarro de cristal estava sobre a mesa do café com um
lindo buquê de rosas brancas e desabrochadas. Ao me aproximar, meu peito
se encheu de felicidade com a possibilidade de serem do Allan. Eu havia
passado a ele o endereço e número de telefone da casa da Clarice, para caso
algo acontecesse, ele ter por onde me procurar. Cheirei as rosas tão
perfumadas e vi que havia um envelope de papel dourado preso ao jarro. Eu
o peguei e abri. Ao puxar o cartão que havia lá dentro, logo meus olhos
bateram nas iniciais timbradas no papel branco acetinado: “V. W.”.

Querida, Maya.
Sei que a última pessoa de quem quer receber flores no mundo sou eu,
mas não resisti. Não achei outro meio de falar com você, a não ser desta
forma.
Em primeiro lugar, quero lhe pedir desculpas. Desculpas pela forma
que lhe tratei e pelas palavras grosseiras que disse na última vez que esteve
em minha casa. Sei que as frases que cuspi, pesaram tanto quanto minha
mão, que ousei levantar para você. Também tenho conhecimento de que
será difícil me desculpar por elas, afinal, não engolimos palavras de volta.
Mas quero que saiba que não a esqueci nem um dia sequer. E que estar sem
você foi mais difícil do que imaginei que poderia suportar ou ignorar. Eu
adoeci a cada dia que passou. Senti meu orgulho me devorar a cada noite
que adormeci sem você.
Quero olhar novamente em seus olhos e tocar suas mãos quando você
me der a oportunidade de me desculpar e me explicar. Há tanto que quero
poder lhe dizer pessoalmente. Por favor, Maya. Me dê a chance de
conversarmos. Jante comigo esta noite. Vou lhe esperar no mesmo
restaurante onde tivemos nosso primeiro jantar juntos. Lago Green Pine, às
20h. Espero por você!
Victor White

Meus olhos queimavam quando terminei de ler sua carta. Não sei ao
certo se era de raiva por lembrar daquela manhã, ou de saudades que batia
forte em meu peito.
— Uau! São lindas! — disse Clarice atrás de mim. — É do seu
namorado? — perguntou parando ao meu lado e cheirando as flores.
— Não — respondi guardando a carta de volta no envelope.
— São do Victor? — perguntou olhando-me com cautela.
— Sim.
— O que diz aí? — perguntou curiosa, olhando para o envelope em
minhas mãos.
— Ele pede desculpas e quer jantar comigo esta noite.
— Você vai?
— Não.
— Devia ir, ele...
— Clarice... — interrompi-a. — Por favor... — implorei quase sem
voz.
— Claro. Desculpe-me. Pegou as roupas?
— Sim. As coloquei na sala.
— Obrigada. Vou mandar guardá-las e logo desço para almoçarmos.
— Tudo bem.
Respirei fundo e concentrei-me na minha nova vida em Chicago.
Apesar da minha situação com Allan, estava tudo indo bem por lá. Não
tinha motivo para estragar tudo com um jantar.
Depois do almoço, eu dormi tudo o que não dormi à noite. Acordei
às seis e às sete, Clarice e Sammy saíram para jantar com Grace. Eu fiquei
só em casa e pedi uma pizza. Quando o relógio marcou oito e meia, sentei-
me à mesa e encarei as flores diante de mim. Cruzei meus braços sobre o
vidro e apoiei meu queixo sobre eles, ainda namorando as rosas tão
delicadas. Será que ele desistiu e foi embora, ou ainda espera por mim com
alguma esperança de que eu apareça?

Na manhã seguinte, fiz um caminho diferente até o hospital


passando em frente à oficina do meu pai. E para minha surpresa, ela estava
fechada com um aviso de "Imóvel Confiscado pelo Banco" e um cartaz de
"À Venda". Aquilo me doeu imensamente. A oficina era tudo que meu pai
tinha de mais importante em sua vida, depois da minha mãe, é claro. Dei
partida no carro e fui até o escritório da Clarice. Ao chegar, a secretária
interfonou e comunicou para ela minha presença, que permitiu minha
entrada em sua sala.
— Obrigada — agradeci a secretária e atravessei o corredor até a
porta, no final dele.
— Maya? O que houve? Achei que fosse para o hospital.
— Você sabia que meu pai perdeu a oficina? — perguntei indo
direto ao ponto e pegando-a de surpresa.
Clarice soltou sobre a mesa os papéis que tinha nas mãos e recostou-
se em sua cadeira acolchoada de couro preto. Ela me encarou por alguns
segundos e, por fim, respirou fundo antes de me responder.
— Sim.
— Por que não me contou? — Aproximei-me dela.
— Porque seu pai pediu para não contar nada.
— Meu Deus... Mas por quê? Como cabe tanto orgulho nele?
— Eu fiz o possível para ajudá-lo, mas não foi o suficiente. Seu pai
estava com dividas enormes, que aumentaram ainda mais quando o sócio
resolveu cair fora do negócio. E não foi só a oficina que ele perdeu, Maya.
A casa também foi confiscada e posta à venda.
— Não acredito que isso está acontecendo — disse baixo, sentindo-
me desolada e com uma leve tontura.
— Sente-se, Maya — pediu Clarice e eu me sentei na cadeira à
frente de sua mesa.
— Não há nada que possamos fazer para reverter isso? — Senti
lágrimas transbordarem dos meus olhos.
— A casa já foi vendida. E mesmo que não tivesse sido, não havia
nada que eu ou você pudéssemos fazer. Acredite, eu tentei.
— E onde ele está morando?
— Em um trailer no parque Green Pine.
— Meu pai está vivendo na margem de um lago? No
estacionamento de trailers?
— Sim, já faz um mês. Eu e Sammy oferecemos para que ficasse
conosco, mas você conhece seu pai.
— E quanto às despesas hospitalares? Isso está virando um bolo de
neve também? Ou o hospital está arcando com o restante dos custos, além
da quimioterapia?
— Não. Há uma instituição filantrópica que ajuda famílias que não
podem pagar pelos custos e tratamento básico. No caso, os gastos
excessivos estão sendo pagos pela instituição. Quanto às despesas geradas
durante o coma, por enquanto estão na conta do hospital até que a
investigação seja concluída e saibamos o que realmente ocorreu com
Meredith. Se não for comprovado negligencia médica, infelizmente teremos
que achar um jeito de pagar a dívida, já que seu pai não está mais pagando
pelo plano de saúde.
— Eu não devia ter ido embora. Deveria ter ficado e ajudado meu
pai nessa situação.
— Você sabe que ele não teria aceitado, Maya! Não se culpe, por
favor. Continue com o que está fazendo, está dando certo para você.
— Okay. — Engoli meu choro e me levantei. — Eu já vou.
Deixei seu escritório e fui para o hospital. Minha mãe estava
sozinha, não havia nem meu pai ou minha avó com ela. Entrei no quarto e a
encontrei dormindo tranquilamente. Ela parecia ter ganhado um pouquinho
de peso nesses últimos dias desde que cheguei, ou seria inchaço? Sua cor
não estava mais tão pálida e suas mãos estavam mais quentes. Sentei-me na
cadeira ao seu lado e peguei uma revista que estava sobre o aparador para
ler. Era a Vogue do mês passado. Um rastro claro de que Clarice esteve por
aqui. Comecei a folhear a revista e ler algumas coisas, entretendo-me.
— Oi — disse minha mãe com a voz baixa, atraindo minha atenção.
— Oi, mamãe. — Levantei e me sentei à beirada de sua cama. —
Como se sente?
— Bem. Um pouco mais forte que ontem.
— Quem bom. — Sorri. — Está com fome?
— Não.
— Acho que devia comer algo.
— Não estou com fome agora.
— Tudo bem. Você passou a noite sozinha? — perguntei a ela.
— Não. Seu pai ficou aqui.
— A noite toda?
— A noite toda eu não sei dizer, porque adormeci. Mas quando
dormi, ele estava aqui.
— E quando acordou?
— O médico era quem estava no quarto. Por que está me
perguntando isso?
— Por nada. Eu cheguei e não vi ninguém.
— Victor esteve aqui.
— O quê? Quando?
— Hoje de manhã, bem cedinho.
— O que ele queria, mãe?
— Ver como eu estava. Disse que gostaria de poder me ajudar mais,
mas não pode. Não entendi o que ele quis dizer. — Ajudá-la mais?
— Confesso que também não entendi.
— Me soltem! — berrou alguém de fora do quarto.
Gritos e uma barulheira alta começou vinda do corredor. Minha mãe
olhou assustada para porta e perguntou o que estava havendo lá fora.
— Eu não sei. Vou olhar.
Levantei e saí do quarto. Havia uma multidão mais à frente, perto da
sala de espera e caminhei até lá.
— Me soltem! Eu quero ver minha esposa! — gritou a voz rude que
falava embolada.
— Pai! — disse surpresa ao vê-lo sendo barrado pelos seguranças.
— O senhor não está em condições de ver a sua esposa agora. Se
acalme, por favor. Vamos ajudá-lo — falou uma enfermeira.
— Mas o que está acontecendo aqui? — perguntei.
— Ele está bêbado e completamente fora de si. Sem condições de
ver a esposa, mas insiste — respondeu a enfermeira e saiu.
— Tudo bem, ele é meu pai. Podem soltá-lo — pedi.
Os seguranças o soltaram, mas não se afastaram. Meu pai caiu no
chão incapaz de se manter de pé. Ele tinha um olho roxo e um pequeno
corte sobre o nariz.
— Pai... — Abaixei-me à sua frente.
— O que você quer? — perguntou rude e alto.
— Por que bebeu tanto assim? Você nunca fez isso. Agora não é
hora para se tornar um alcoólatra — repreendi-o baixo.
— Quem é você para me dizer o que fazer ou não fazer?
— Sou sua filha! — respondi impaciente. — E tenho conhecimento
de que, no fim daquele corredor, tem uma mulher que precisa do marido
tanto quanto você achou que precisava de toda essa bebida! Você deixou a
mamãe sozinha, pai. Ela não pode ficar só e sabe disso!
Havia raiva em seu olhar.
— Por que não volta para o buraco onde você estava? Estávamos
melhores sem você aqui.
— Estava mesmo? Morando em um trailer à beira de um lago e
desempregado. Isso é estar melhor para você? Desculpe-me, acho que
realmente as coisas estavam perfeitas sem mim aqui. — Fui irônica. —
Minha mãe não pode vê-lo assim. — Levantei-me e assenti para os
seguranças, concordando com sua retirada do hospital.
— Venha, Sr. Valentine. Vamos levar o senhor para um lugar onde
possa se recuperar — falou um deles ajudando-o a se levantar.
— Obrigada — agradeci e voltei para o quarto.
No caminho, encontrei o médico da minha mãe e o parei para saber
mais sobre a instituição que tem ajudado famílias com o tratamento do
câncer.
— Clarice disse que minha mãe tem recebido ajuda de uma
instituição filantrópica. O que pode me dizer sobre eles?
— Sim. Ela e mais quatro pacientes estão recebendo essa ajuda
incrível — disse sorridente. — É uma instituição nova que surgiu em boa
hora para muitos aqui.
— Pode me dizer quem são eles?
— White Enterprise. Eles já nos ajudam há quatro meses com
doações generosas, mas agora custeiam dívidas de alguns pacientes
necessitados.
— White Enterprise? — perguntei surpresa.
— Sim. Todo mês fazemos um cartão de agradecimento e
mandamos ao CEO. Os familiares e os pacientes sempre assinam. Gostaria
de assinar também?
— Adoraria.
— Ótimo! Levo para você mais tarde.
— Okay. Obrigada.
Voltei para o quarto e minha mãe assistia TV.
— O que era aquela confusão lá fora?
— Um homem bêbado recusando atendimento.
— Coitado.
— É. Também senti pena dele. — Era a mais pura verdade.
— Dormi por tanto tempo que estou por fora das últimas notícias —
falou humorada.
— O que quer saber? — Sorri.
— Você e Victor ainda estão juntos? Quando ele esteve aqui, veio
sozinho.
— Não. Nós terminamos.
— Por quê?
— Você não devia estar conversando tanto, mãe, ainda está com a
garganta machucada pela intubação e rouca.
— Tudo bem. Não vou falar, mas quero ouvir.
— Não tenho nada para falar do Victor.
— Então me fale sobre Chicago. Me conte tudo.
Contei a ela que havia me mudado depois que tranquei a faculdade
após sentir dúvidas em relação ao curso de medicina. Uma mentira, eu sei, e
também estou ciente que mentiras só nos enrolam mais, mas não podia
contar a história real para ela. Pelo menos, não naquele momento. Falei
sobre meus novos amigos, um pouco sobre o Allan, o trabalho na Wilcox e
sobre o lance de modelo. Quando o assunto sobre mim acabou, comecei a
falar sobre o final da sua novela preferida, que ela, infelizmente, havia
perdido e procurei os dois últimos episódios na internet para ela assistir.
No final do dia, quando voltei à casa da Clarice, encontrei-a com
Sammy tomando vinho tinto sentados na sala de estar e conversando
animadamente.
— Boa noite, querida — disse Sammy.
— Boa noite — respondi.
— Vinho, Maya? — ofereceu Clarice.
— Não, obrigada.
— O jantar está no forno. Quer que eu esquente? — perguntou ela.
— Eu já comi. Vou subir e arrumar minha mala.
— Você irá voltar amanhã? — perguntou Sammy.
— Se eu não quiser ficar desempregada, tenho que voltar — disse
humorada, mas triste.
— Queria que você ficasse mais — falou Clarice com pesar.
— Eu também. Mas voltarei e, quem sabe, para ficar.
— Conto com isso e espero que aconteça em breve — disse ela com
um sorriso triste.
Depois de algum tempinho conversando com eles, subi e comecei a
arrumar minha mala. O dia seguinte seria corrido, até fiz uma lista dos
afazeres. Pela manhã, eu iria ao hospital; à tarde, até a casa da minha avó; e
depois, à casa da tia Jenna para me despedir; e, às seis horas, pegaria meu
voo de volta para Chicago.
Saí do banho e peguei meu celular para mandar uma mensagem ao
Allan. Desde nossa discussão na quarta, não nos falamos mais e isso me
incomodava bastante. Eu liguei duas vezes para ele, mas fui ignorada e
chamada foi para a caixa de mensagens.
— Maya? — Clarice chamou-me alto batendo na porta.
— Entra! — gritei e a porta foi aberta.
— Teddy foi preso.
— O quê? Por quê?
— Direção perigosa. Disseram que ele dirigia em alta velocidade
pela rodovia, bêbado.
— Ele está de brincadeira? — perguntei furiosa.
— Teddy pediu para que me ligassem, estou indo até a delegacia.
— Eu vou com você.
— Tem certeza?
— Tenho! Meu pai precisa de alguém que o traga de volta à
realidade e esse alguém sou eu! Me dê um minuto para me vestir.
Troquei-me rápido e fomos para a delegacia. Ao chegarmos, meu
pai estava detido em uma cela pequena junto a mais outros dois homens.
— Demos café para ele recuperar logo os sentidos — informou o
policial. — Ele estava tão embriagado que mal conseguiu sair do carro.
Pessoas que passaram por ele na rodovia foram quem nos ligaram fazendo a
denúncia.
— E quanto é a fiança? — perguntou Clarice.
— Oitocentos dólares e carteira suspensa por tempo indeterminado.
Ele estará liberado amanhã de manhã, mas ainda irá responder um processo
por direção perigosa e por dirigir embriagado.
— Deixe-o aqui, Clarice — pedi.
— Não posso. Se não pagarmos a fiança em vinte e quatro horas, ele
será mandado para o presidio municipal.
— Tudo bem — concordei desapontada.
Caminhei até a cela que ficava um pouco mais adiante e pedi ao
policial que fazia a guarda, para me deixar falar com ele. O oficial me deu
cinco minutos e nada mais. Meu pai estava deitado de barriga para cima
sobre um banco de ferro e com o antebraço direito jogado sobre os olhos.
— Pai! — chamei-o alto.
— O que está fazendo aqui? — perguntou sentando-se assustado.
— Pagando sua fiança.
— Não quero que pague nada!
— Então você quer ficar aqui e ser mandado para a prisão em vinte
e quatro horas? A mamãe precisa de você agora. E de preferência que não
esteja bêbado ou atrás de uma grade.
— Vai dar sermão em mim agora, garota? — perguntou com
estupidez, vindo até mim.
— Vou sim. Você precisa que alguém lhe diga verdades, pai. Está
agindo como um adolescente irresponsável — disse impaciente. — Estou
voltando para Chicago amanhã à tarde. Cuide dela, até que eu possa voltar.
Você teve a carteira suspensa e irá responder dois processos. Vou ligar para
a tia Jenna e pedir que fique de olho em você. Seu carro irá ficar confiscado
na casa dela.
— Não preciso de babá. Não sou uma criança!
— Então pare de agir como uma! — Dei-lhe as costas e fui de
encontro a Clarice.
— Aqui já está tudo certo — disse ela quando me aproximei.
— Então vamos. Eu venho buscá-lo amanhã antes de ir ao hospital.
— Tudo bem. Vocês conversaram um pouco? — perguntou
enquanto íamos até seu carro.
— Sim. Eu só precisava avisá-lo que estou voltando e também pedi
para que ele pare com isso e cuide da mamãe na minha ausência.
— Eu estarei aqui para ajudá-los.
— Talvez eu devesse voltar. Acho que ele precisa mais de mim
agora, do que eu preciso da minha vida em Chicago.
— Maya... — Parou e segurou meu braço com sutileza. — Vai ficar
tudo bem. Ele só está passando por uma fase ruim, é só isso.
— Não, não é. Ele está tentando se punir por ter perdido a casa e a
oficina. Meu pai está tentando se destruir. Ele é uma bomba-relógio e está
armada. Preciso ajudá-lo.
— Não pode ajudá-lo se não a quer por perto. Volte para Chicago e
resolva as coisas por lá primeiro. Afinal, você tem um trabalho, amigos,
uma vida lá. Dê mais tempo ao Teddy. E quanto a Meredith, não se
preocupe. Cuidarei dela.
CAPÍTULO 12

Na manhã seguinte, acordei cedo e tomei café na companhia da


Clarice e Sammy, antes de ir para a delegacia. Quando cheguei me
informaram que meu pai já havia saído minutos atrás e pegado um táxi.
Entrei no carro e dirigi até o lago Green Pine. No caminho, parei no
supermercado e comprei para ele algumas frutas, porções prontas
congeladas, já que sabia que ele não gostava muito de cozinhar, geleias,
torradas e alguns dos seus bolinhos favoritos. Eu sabia que a única coisa
que ele andava colocando em sua boca era álcool. Estava tão magro,
abatido e com aparência de doente, se é que não estava.
Parei no estacionamento, peguei as sacolas no porta-malas e
caminhei até a área onde tinha vários trailers estacionados. Eu não sabia
qual deles era o do meu pai, então, perguntei a uma mulher que estendia
roupas no varal. Ela disse saber de quem eu perguntava e me indicou o
último trailer branco e amarelo. Caminhei até ele e bati na porta. A cortina
da janela foi puxada e vi seu rosto apontar. Ele a fechou novamente e ficou
quieto lá dentro. Ele vai mesmo me ignorar?
— Qual é, pai! Eu vi que você está aí.
Ele continuou em silêncio e eu bati na porta novamente de modo
insistente. Nada aconteceu, então comecei a bater de novo sem parar
causando um barulho que despertou a curiosidade do vizinho à frente, até
que escutei a porta ser destrancada e me afastei.
— O que você quer aqui? — perguntou com arrogância.
— Ver como você está.
— Eu estou vivo, já pode ir embora!
— Não vai me convidar para entrar?
— Não! — disse e puxou a porta.
Larguei as sacolas no chão e a segurei impedindo que fosse fechada.
— Pai... Por favor. Deixe-me entrar. Eu fui até o supermercado e fiz
compras para você.
— Não te pedi isso e nem quero nada que venha de você! —
desdenhou, encarando-me com repulsa da cabeça aos pés.
— Quando você vai me ouvir e entender que não fiz aquilo? —
perguntei alto e impaciente. — Como pode me odiar tanto assim, pai? Você
me repugna toda vez que chego perto. As fotos que te mandaram, não são o
que parecem! Victor não era meu cliente e sim meu namorado! Nós
estávamos apaixonados um pelo outro antes de acabar, tudo entre nós foi
verdadeiro. Pode até julgar não ter sido coerente nosso amor por causa da
diferença de idade, mas isso é só um número, não é? Foi você mesmo que
me ensinou a aceitar o que o coração nos dá de bom agrado.
Ele continuou parado na porta e encarando-me sem dizer nada.
Olhava-me apenas com frieza e sem menor comoção. Eu respirei fundo de
olhos fechados antes de encará-lo novamente, preparando-me para contar a
ele a verdade que precisava saber.
— Quando o câncer da mamãe agravou, eu me desesperei. Voltei
para Houston e tentei... Eu assumo que tentei sim me prostituir. — Um nó
se formou em minha garganta e não consegui mais olhá-lo. — Achei que
conseguiria fazer isso por você e ela, mas não consegui. Não foi para isso
que vocês me criaram com tanto sacrifício. Entenda, por favor... eu só
queria ajudar vocês.
Olhei-o novamente, sentindo-me envergonhada. Como estava sendo
difícil contar tudo a ele e, por mais que eu soubesse que não, no fundo do
meu coração tinha uma pequena esperança de que ele saísse de dentro
daquele trailer e me abraçasse apertado dizendo que ficaria tudo bem, como
sempre fez.
— Eu já conhecia o Victor antes disso tudo acontecer e, só para
você saber, ele me ajudou sim financeiramente, mas eu não era sua
acompanhante. Nós realmente estávamos em um relacionamento sério. —
Encarei-o novamente. — A acusação, a prisão e tudo mais o que me
aconteceu, foi uma armação de alguém. Acredito que, talvez, para me
afastar dele.
Calei-me e busquei em seus olhos qualquer sinal de compreensão,
mas ele continuou em silêncio absoluto com um olhar enojado. Estendeu
sua mão e puxou a porta outra vez fechando-a em um baque sem dizer nem
mesmo “tchau”. Sua rejeição doeu tanto quanto um soco no estômago,
causando-me uma pequena falta de ar.
Deixei as sacolas caídas no chão e voltei para o carro. Não
importava o que eu dissesse ou fizesse, ele parecia decidido a não me ouvir
ou acreditar em minhas palavras. Nunca entenderá o motivo pelo qual eu
tentei essa ideia estúpida. Respirei fundo e cheguei à conclusão que Clarice
estava certa. Tinha que pensar em mim também e dar mais tempo para o
meu pai dar-se conta da sua estupidez e ignorância. Voltar para Tulsa era
tudo o que mais queria, porém, sem uma casa para morar, eu precisava me
preparar financeiramente primeiro antes de retornar.
Dirigi até o hospital, ainda me sentindo abalada pelo que havia
acontecido minutos atrás. Tentei não transparecer nada a minha mãe. Ela
não sabia do meu desentendimento com meu pai e, por ora, preferi que
ficasse assim. Estive com ela até uma da tarde, quando Clarice chegou.
— Achei que só viria mais tarde depois do trabalho — sussurrei
para ela.
— Teddy me ligou e pediu esse favor. Ele disse que estava cansado
demais e sem condições de vir ficar com a Meredith.
— Imagino que ele deve estar de porre.
— Com toda certeza.
— Não fale nada a ela, por favor.
— Mas é claro. — Sorriu com empatia.
— Bom... é hora de dizer tchau.
Despedi-me de Clarice e, em seguida, da minha mãe. Depois de
muito choro, consegui me desvencilhar dos seus braços, que sempre me
acalentaram, e deixei o quarto.
— Vai falar com Victor antes de ir? — perguntou Clarice, que me
acompanhou até o elevador.
— Não.
— Maya... Não faça isso! — repreendeu-me. — Sabe que ele não
vai desistir fácil!
— Estou indo embora. Se ele aparecer e perguntar por mim, diga
que já fui. Não diga para onde, por favor. Não quero que ele saiba. — Ela
encarou-me em silêncio, com sua sobrancelha arqueada. — Clarice... Por
favor! — insisti em meu pedido.
— Okay. Se cuide. — Abraçou-me.
— Eu irei. Qualquer coisa me ligue. Qualquer coisa mesmo! — pedi
soltando-a.
Tomei o elevador e depois caminhei até o carro. Dirigi até a casa da
minha avó e, depois de comer uma fina fatia de bolo de limão e tomarmos
chá em sua varanda da frente, era hora de me despedir dela também.
Deixei-a com o rosto banhado de lágrimas. Como hoje está sendo um dia
cruel para mim.
No caminho de volta para a casa da Clarice, liguei para a tia Jenna
reforçando os pedidos de cuidados com meu pai. Ela estava tão chateada
com seu comportamento quanto eu e se responsabilizou por mantê-lo longe
do carro. Quando cheguei, subi e tomei um rápido banho. Logo o táxi
chegou e levou-me para o aeroporto. Cheguei lá as seis em ponto, fiz o
check-in e embarquei meia hora depois. O voo de volta foi mais longo do
que imaginei, parecia não chegar nunca.
Ao desembarcar, peguei minha mala e tomei outro táxi com destino
a minha casa. Quando entrei no apartamento, tudo estava escuro e
silencioso. Acendi as luzes e vi um bilhete preso no mural de contas a
pagar.

Seja bem-vinda de volta ao nosso lar.


XOXO
Sasha

Sorri com seu bilhete e fui para o quarto. Ao abrir a porta, fiquei
surpresa com a iluminação à luz de vela e as pétalas de rosas sobre a cama.
— Oi — o cumprimento veio do canto do quarto.
— Allan... Oi — disse, vendo-o sair da penumbra.
— Senti sua falta.
— Também senti a sua. — Honestamente? Falei sem ter certeza se
realmente havia sentido saudades dele. Talvez não tenha sentido, porque me
mantive ocupada e sempre preocupada.
Deixei a mala perto da porta e caminhamos um de encontro ao
outro. Parei diante dele, que me tomou em um abraço apertado e carinhoso.
Abracei-o e respirei fundo seu perfume marcante e, de repente, me dei
conta de que não era esse o cheiro que queria sentir.
— Você está bem? — perguntou soltando-me.
— Estou. Eu te liguei, mas você não me atendeu.
— Desculpe-me. Estava de cabeça cheia e estressado com o
trabalho. Achei melhor não atender para não correr o risco de descontar em
você minha frustração.
— O que houve? — interroguei-o preocupada.
— Depois falamos sobre isso, é só trabalho.
— Tudo bem.
— Quer sair para jantar?
— Prefiro pedir alguma coisa, estou um pouco cansada. A viagem
foi longa.
— Okay. Por que você não toma um banho para descansar e eu peço
algo?
— Ótima ideia. — Sorri e ganhei um beijo rápido.
— O que quer comer?
— O que acha de tacos?
— É uma boa pedida. Eu já volto.
Allan acendeu a luz e saiu fechando a porta atrás de si. Fiquei ali,
reparando em mais detalhes da sua arrumação. Além das velas e as pétalas
vermelhas, havia um lindo buquê de rosas brancas sobre a poltrona perto da
janela. Ao lado da cama, sobre o criado-mudo, um balde de inox com
bastante gelo e uma champanhe com mais duas taças dentro. Aquilo tudo
era lindo e devia ter enchido meu coração de emoção, mas isso não
aconteceu. Ao invés disso, uma enorme tristeza me abateu e me fez
perceber que não era ali que eu queria estar. Sabe quando somos crianças e
vamos dormir na casa de um amigo, mas nos arrependemos e sentimos uma
saudade inexplicável dos nossos pais? Era exatamente esse sentimento
desesperador que eu estava sentindo, mas não havia nada que eu pudesse
fazer contra ele.
Depois do banho, fui até a sala e encontrei Allan ao telefone na
pequena varanda com as portas fechadas. Ele parecia nervoso, gesticulava e
falava alto, mas não dava para entender o que dizia. A campainha tocou e
fui até a porta atendê-la: era o nosso jantar. Arrumei a mesa e bati na porta
de vidro da varanda para chamar sua atenção. Ele olhou para trás e fiz um
sinal para que entrasse. Allan assentiu com sua cabeça e fui para a mesa.
Logo ele entrou e disse, sem eu perguntar nada, que era uma ligação do
trabalho.
Comemos sem muita conversa e durante nosso jantar, ele não me
olhou sequer uma vez, apenas encarou a comida que tinha nas mãos. Senti
que o clima estava meio pesado sem motivos, só não sabia se era eu ou ele
quem o deixava assim. Terminamos e eu recolhi os pratos e os copos,
levando-os para a cozinha. Allan juntou todo o lixo sobre a mesa e depois
se encostou ao balcão.
— Quer falar sobre a sua viagem?
— Está tudo bem por lá. Minha mãe está bem melhor do que
quando me mudei para cá.
— Por que se mudou e deixou sua mãe em estado de coma? —
Encarei-o. Não esperava por essa pergunta. — Desculpa, mas eu tinha que
perguntar. Tudo bem se não quiser responder...
— Porque foi preciso — interrompi-o. — Eu precisava ir embora.
Dar um tempo de tudo que me aconteceu. Só queria um recomeço, eu não
abandonei ou ignorei minha mãe.
— E o que aconteceu?
Terminei de colocar os pratos na lava-louças e olhei-o sem saber por
onde começar uma conversa que eu já devia ter tido com ele, mas não
queria.
— Eu namorava alguém antes de vir para cá e isso você já sabe. A
questão é que... as coisas não acabaram bem entre nós porque pessoas
fizeram de tudo para nos separar. Essas mesmas pessoas me fizeram muito
mal — disse baixo.
— Está fugindo dessas pessoas? O que elas fizeram?
— Não quero falar sobre isso.
— O que foi que elas te fizeram? — insistiu firme e preocupado.
— Me incriminaram por algo que não fiz e, como se isso não
bastasse, fizeram meu pai acreditar nisso e hoje ele me odeia! Armaram
uma situação pavorosa que quase me deixou louca!
— Meu Deus, Maya! E quem são essas pessoas?
— Uma delas é um cara que não sai do meu pé, mas, graças a Deus,
parece que finalmente me esqueceu. A outra... é a ex-mulher do meu ex-
namorado.
— Que tipo de situação armaram para você?
Respirei fundo e tomei coragem para contar.
— Me drogaram em uma festa — falei de cabeça baixa. — Eu achei
que havia sido abusada, mas... a cena só foi criada para me causar pavor e o
término no meu relacionamento.
— Essas pessoas têm que pagar na justiça o mal que te fizeram.
Você precisa procurar a polícia e um bom advogado. Quando alguém dopa
outra pessoa, ela está assumindo o risco de homicídio. Isso não é
brincadeira, Maya. Você precisa colocar essas pessoas atrás das grades.
— Eu concordo com você, mas não tenho como provar nada. Eu já
fui à polícia e já tenho uma boa advogada, a melhor em Oklahoma, na
verdade. Se as coisas fossem tão fáceis assim, acredite... eu já teria
resolvido, Allan.
— Não devia ter fugido.
— Eu sei. Mas como eu já disse... precisava de um recomeço.
— Do que acusaram você?
Respirei fundo outra vez.
— Prostituição — murmurei, sentindo-me completamente
envergonhada.
— Acusaram você de prostituição? — perguntou incrédulo.
— É, mas não importa o que digam, não é verdade. Eu sei quem sou
e isso basta. Você acredita em mim, não é?
— Claro que sim, mas isso é uma acusação séria. Se você quiser,
posso te ajudar a fazer justiça, Maya.
— Eu não quero. O que quero é que minha mãe fique boa logo.
— Vem aqui — chamou-me abrindo seus braços. — Você é a garota
mais forte que já conheci. Vai ficar tudo bem. Você consegue, eu sei!
Retribuí seu abraço e aconcheguei minha cabeça em seu peitoral
definido. Allan seria o homem perfeito com quem dividir uma vida, se eu
não amasse o Victor.
— Sobre as fotos... desculpe-me — pediu e me soltou.
— São só fotos, Allan. Não há motivo para agir daquela forma.
— Exagerei, eu sei. — Segurou meu rosto entre suas mãos. — Por
isso estou pedindo desculpas. — Sorri e o abracei novamente. — Logo mais
as fotos irão ser substituídas por outras. Só não faça isso de novo, está bem?
— Isso o quê? — Olhei-o.
— Tirar fotos nuas outra vez.
— Não foram fotos nuas, Allan! — disse com raiva, dando um
passo para trás.
— Claro que são! Você expôs partes do seu corpo que apenas eu
deveria ver! — falou alto.
— O quê? Minhas costas, pernas e barriga? Me poupe, Allan! —
disse nervosa e voltei para a sala.
— Não acredito que já vamos brigar por isso de novo. — Veio atrás
de mim.
— Olha só... — Virei-me para ele. — Eu vou sim tirar fotos outra
vez, você goste ou não. A grana é boa e eu preciso dela para dar uma vida
decente aos meus pais! Preciso ter condições de voltar a estudar. Não quero
ser garçonete para o resto da vida!
— Então esse é seu plano? Chegar a capa da Playboy um dia? —
perguntou alto e irado.
— O quê? Allan, você está se ouvindo?
— Se fizer isso, Maya... não vamos mais poder ficar juntos.
— Como é? — questionei incrédula.
— Estou lutando para chegar a tenente. O que os outros vão pensar
de mim se a minha mulher está estampada na lateral de um ônibus, vestindo
apenas peças íntimas? Como vão me respeitar como tenente da polícia de
Chicago, se você estará estrelando capa de revista em todas as bancas de
jornais da cidade?
Seu machismo me chocou, deixando-me em silêncio. O Allan todo
protetor e carinhoso que esteve comigo nas últimas semanas não pode
habitar o mesmo corpo que esse troglodita, não conseguia crer. Qual seria o
próximo passo? Proibir o uso de saias?
— Allan... Não sou sua mulher e nem quero ser.
As palavras saíram da minha boca sem que eu percebesse. Nem
mesmo me dei conta de quando minha mente as formou e minha boca as
pronunciou, assustando não só a mim.
— O que está dizendo?
— Que não vou parar com as fotos. E que também não quero
atrapalhar você com seus planos de carreira.
— Maya, eu...
— Já basta! — interrompi-o. — Acho que é melhor pararmos por
aqui. Você está sendo um completo estranho para mim e se esse é seu
verdadeiro eu... não quero me envolver com ele. Vim para Chicago atrás de
liberdade e mudanças. Você não está sendo uma grande mudança na minha
vida agora. Desculpe-me.
— Maya... — Allan interrompeu-se e passou as mãos pelos cabelos
encarando um ponto fixo atrás de mim. — Não está falando sério, está?
— Estou — respondi firme.
Meu coração apertou, mas no fundo um alívio brilhou fazendo-me
respirar leve.
— Okay! — Caminhou até seu casaco que estava jogado sobre o
sofá. — Eu já vou.
Allan passou por mim, mas não consegui olhá-lo. Ele caminhou até
a porta e parou. Olhei por cima do ombro e o vi ali, parado por alguns
segundos de costas para mim, segurando a maçaneta dourada. Acho que ele
esperou por eu chamá-lo ou ir até ele, mas não fiz e não tive vontade de
fazer. Pelo contrário, eu queria muito que ele fosse logo de uma vez. Ele
abriu a porta e saiu a fechando logo atrás de si. Sentei-me no sofá e me
recostei fitando o teto, pensando no que havia acabado de acontecer.

Na manhã seguinte, levantei e saí para caminhar. Encontrei Sasha


em um café no centro para colocarmos o papo em dia, estava com saudades
da minha amiga. Logo o pequeno sino acima da porta da frente, anunciou a
entrada de uma linda loira de cabelos até a cintura vestindo um belo vestido
rosa de comprimento nos joelhos.
— Oi! — cumprimentei-a sorridente, tirando minha bolsa da cadeira
ao lado que reservei a ela.
— Que história é essa de que você terminou com o Allan? —
perguntou parecendo estar furiosa.
— O quê? Você terminou com o Allan? — perguntou Sasha
surpresa.
— Eu ainda ia contar para vocês — disse em minha defesa.
— Por que terminaram? — perguntou Kim sentando-se à mesa.
— Porque “nós” não éramos para ser.
— Então, está me dizendo que o ajudei a preparar tudo aquilo no
seu quarto ontem, para nada acontecer e vocês terminarem? Não teve nem
mesmo sexo de despedida? — perguntou Sasha.
— Sim, para a primeira pergunta; e não, para a segunda! — respondi
dando um gole em meu café.
— Mas que droga, Maya! — disse Kim. — Allan era perfeito para
você! Ele é cavalheiro, gentil, bondoso e está apaixonado.
— Parece que você ainda conhece o Allan que eu conheci.
— Do que está falando? — perguntou Sasha.
— Ele surtou com as fotos e colocou as garrinhas machistas para
fora.
— Não há nada de errado com as fotos — disse Sasha.
— Também acho, mas ele disse que se eu tirasse fotos como
aquelas, estarei prejudicando sua credibilidade no trabalho e o
envergonhando. Bom... ele disse isso em outras palavras, porém, no fim, foi
isso o que ele quis dizer.
— Assim não dá para te defender, Allan — sussurrou Kim, negando
com sua cabeça. — Mas... sei lá. Conversem. Talvez tudo se resolva.
— Não, Kim. Não vai. Eu tentei conversar e fazê-lo entender que
preciso desse trabalho, mas ele não me compreendeu. Preciso de pessoas ao
meu lado que me entendem e apoiem. Não aquelas que querem que eu faça
tudo do jeito delas.
— Você está certa e apoiada — falou Sasha.
— Mas eu torcia por vocês — resmungou Kim, fazendo um bico.
— Kim... — Sasha chamou sua atenção. — Você tem que torcer
pela felicidade da nossa amiga, esteja ela solteira, com Allan ou outro cara.
E depois... estava na cara que ela nem estava apaixonada por ele.
— Não? — perguntou Kim, olhando-me com estranheza.
— Eu tentei, mas não consegui. Acho que ele também não estava
apaixonado por mim, mas nos gostávamos de um jeito especial.
— Desculpe-me — pediu ela.
— Está tudo bem. — Dei-lhe um sorriso. — Mas me contem...
Como foi o fim de semana de vocês?
— Tive um encontro na sexta — disse Sasha.
— E eu marquei a data do meu casamento — falou Kim com um
enorme sorriso que ia de orelha a orelha.
— Ai, meu Deus! Meus parabéns, Kim. Até que enfim! — disse
fazendo-as rirem.
— É, até que enfim! — concordou Sasha.
Começamos a conversar sobre o encontro fracassado da Sasha e
depois sobre o casamento. Ficamos empolgadas com inúmeras ideias que
nos vinha à cabeça e mal vimos a manhã passar. Era bom estar com amigas
que eu já amava.
CAPÍTULO 13

Quando o final de tarde chegou, era hora de ir para mais uma noite
de trabalho. Eu e Sasha deixamos para sair um pouco mais tarde e pegamos
um táxi com destino a Wilcox. Depois de pagar a corrida, entramos e dei de
cara com um enorme palco preto e um poste cromado de pole dance ao
centro dele.
— Mas... o que... é isso? — perguntei pausadamente.
— Não quis te contar antes para não lhe assustar, mas é uma
coisinha nova que o Pette inventou. Segundo ele, é para atrair mais clientes
homens e gerar mais lucros — explicou Sasha.
— Então, agora a Wilcox é uma boate de stripper?
O que será aconteceu com: “Se tem algo que não aceito aqui são
putas”? Onde há esse tipo de trabalho, sempre existem programas sexuais
acomunados. Nunca é só dança.
— É isso aí! — respondeu Pette atrás de nós, chamando nossa
atenção para ele. — Espero que tenha gostado da novidade. Acho que vocês
vão trabalhar bem mais agora — falou com um enorme sorriso idiota,
cruzando os braços à frente.
— O que quer dizer com trabalhar mais? — perguntei encarando-o
com os olhos estreitos.
— Relaxe, Maya. Quando digo trabalhar mais, me refiro a você ter
mais clientes para servir nas mesas. — Riu debochado, antes de nos dar as
costas e sair em direção à escada, que levava à área VIP.
— Não estou gostando nem um pouco disso — falei baixo para
Sasha.
— Ainda bem que você não estava aqui no sábado. Foi noite da
inauguração do palco. Você tinha que ver a euforia dos homens com as
mulheres que dançavam sobre ele. Era nojenta!
— Talvez devêssemos começar a procurar outro emprego.
— Eu concordo.
A noite foi passando e tudo parecia estar indo até bem. Havia muita
gente estranha e os mesmos clientes de sempre. Alguns sabiam se portar,
mas outros nem tanto. Zoe havia me mandado trabalhar na pista naquela
noite, já que os clientes lucrativos estavam lá embaixo babando pelas
dançarinas que se apresentavam sem intervalo.
— Tyler? — chamei-o quando parei no bar para pegar mais cerveja.
— E aí, gatinha?
— Mais cerveja.
— É para já.
— Me diga... onde está a Natasha? Não a vi hoje.
Tyler olhou para mim e depois para o palco.
— Logo será a vez dela — disse e entregou-me as cervejas.
— Como assim? — perguntei confusa.
— Olhe para trás.
Os homens à frente do palco começaram a gritar a assoviar. Olhei
para lá e uma mulher de cabelos ruivos começava a dançar agarrada ao pole
dance, vestindo minúsculas peças íntimas de cor vermelha.
— Mas o que ela está fazendo? — perguntei incrédula.
— Pette ofereceu uma vaga para ela como dançarina e ela aceitou.
Foi o que aconteceu. Ela já foi dançarina antes, sabia como fazer o trabalho.
— Meu Deus!
— E não é só ela. A novata que chegou depois de você também.
Peguei a bandeja com minhas cervejas e as levei até as mesas.
Natasha dançou uma música longa e depois, antes de sair, recolheu o
dinheiro que jogaram para ela no palco.
— Maya, querida! — Uma voz cumprimentou-me em meio à
multidão.
Olhei a minha volta procurando por quem me chamava e vi Tyrone
sentado algumas mesas adiante, acenando para mim. Sorri e fui até ele.
— Oi. Que bom ver você — cumprimentei-lhe com um beijo no
rosto.
— Se lembra do Bash? — perguntou ele.
— Claro. Como vai? — cumprimentei-o, dando-lhe um pequeno
sorriso.
— Bem, obrigado.
— Parece que a boate mudou bastante desde a última vez que estive
aqui — disse Tyrone.
— Nem me fale. — Observei a euforia dos homens a minha volta.
— O que vão beber?
— Eu quero um mojito — pediu Tyrone.
— Uma cerveja artesanal — disse Bash.
— Eu já volto.
Fui até o bar e busquei suas bebidas, levando-as em seguida até a
mesa.
— Me diga, querida... Ainda com interesse na carreira de modelo?
— perguntou Tyrone.
— Claro!
— Então tenho o trabalho perfeito para você. Na quarta tenho um
ensaio para uma marca de calças jeans bem conhecida no país. Já estou com
meu casting fechado, mas posso dar um jeito de colocar você. Tem
interesse?
— Se tenho interesse? Mas é claro que sim! — respondi
entusiasmada.
— Depois te mando os detalhes do trabalho por e-mail.
— Okay, vou aguardar. Muito obrigada. — Sorri grata.
— Não tem de quê, querida.
— Agora tenho que voltar ao trabalho. Se precisarem de qualquer
coisa, é só me chamarem.
— Tudo bem.
Voltei para o meu trabalho e a noite seguiu até as quatro da manhã.
— Aí, Maya! — Zoe me chamou.
— Sim.
— Já que a Natasha está em outra função, quem ajudará o Tobby a
levar o lixo para fora será você.
— Okay.
Peguei dois sacos de lixos pesados e arrastei-os para fora junto com
Tobby. Saímos pela porta lateral que dava para um beco sujo e escuro. Ele
jogou seus sacos no contêiner e foi para dentro sem me esperar ou me
ajudar com os que eu carregava. Fiz meu trabalho sozinha e, quando estava
voltando para dentro, escutei risadas e conversa baixa vindo de mais adiante
no beco. Caminhei mais à frente e, escondida na penumbra, consegui ver
uma das dançarinas conversando com um homem para quem servi algumas
bebidas na noite. Ele a imprensava contra a parede e estava com sua mão
esquerda por baixo do seu microvestido.
— Então, gata. Quanto esta noite vai me custar?
— Duzentos dólares, lindinho — respondeu ela ao homem, com
manha na voz.
— O quê? Duzentos dólares por uma foda? — perguntou alto,
afastando-se dela com estupidez. — Está me achando com cara de trouxa?
— gritou.
— Calma, gato. Podemos entrar em um acordo com o valor. — Ela
se aproximou e tentou tocá-lo.
— Então acerte o valor com outro! — Empurrou-a para trás,
fazendo com que ela batesse as costas contra a parede. — Nem é tão
gostosa assim — desdenhou e saiu do beco sumindo ao virar à esquerda na
calçada.
— Merda! — murmurou ela jogando os cabelos loiros para trás.
— Você está bem? — perguntei ao me aproximar.
— Não te importa! — respondeu alto e grosseira, virando-se para
mim.
— Desculpe-me. Eu não queria ouvir, mas vim trazer o lixo e acabei
escutando.
— Se manda, garçonete. Estou de boa! — disse rude e se foi.
— Quanta grosseria — sussurrei para mim mesma, antes de voltar
para dentro e ir embora em seguida.
Na terça pela manhã, recebi um e-mail do Tyrone com detalhes do
trabalho. Ele tinha razão, o ensaio era para uma marca bastante conhecida
no país. O cachê era mais do que maravilhoso. Iriam me pagar dois mil e
quinhentos dólares, mas, no entanto, o ensaio seria diferente do que fiz
anteriormente. As fotos seriam feitas em um galpão abandonado, ali mesmo
na cidade. Além de mim, teria mais dois homens e duas mulheres que eram
modelos profissionais.
No cair da tarde, fui para o trabalho e a noite seguiu a todo vapor.
De longe avistei Bash sentado sozinho em uma mesa à frente do palco. Ele
observava de maneira estranha Natasha apresentar-se dançando
sensualmente no pole dance. Ela usava uma peruca de cabelos sintéticos
brancos, uma pequena lingerie de couro preto envernizado e luvas até os
cotovelos de veludo vermelho.
— Bash! — chamei-o ao me aproximar.
— Maya — disse ao me ver, dando-me um pequeno sorriso. —
Como vai?
— Bem, obrigada. E você?
— Ótimo! — Forçou um sorriso maior. — Pode me trazer mais uma
cerveja?
— Claro.
Saí e logo voltei com sua bebida. Ele agradeceu com um aceno de
cabeça e continuou a observar a dança. Retirei-me para atender outras
mesas e assim a noite foi indo até as três da madrugada, quando fechamos.
Depois de colocar o lixo para fora, fui para casa sentindo-me exausta,
desejando minha cama mais do que tudo. Deitei-me com os cabelos
molhados após o banho, sem coragem para secá-los.
Antes de fechar olhos, encarei entristecida o relógio sobre o criado-
mudo ao ver que só me restavam três míseras horas de sono. Eu mal havia
adormecido quando o celular tocou o despertador ao meu lado na cama às
sete horas. Confesso que tive vontade de desistir do ensaio, mas a
necessidade pela grana falou mais alto.
Levantei e me aprontei para o ensaio, peguei um táxi às oito e meia
e segui até o endereço do galpão no lado sul da cidade. O taxista me levou
até lá e, quando parou à frente, havia dois carros e um furgão branco
estacionado à esquerda.
— Moça! — chamou-me o taxista virando-se para trás. — Tem
certeza de que vai descer aqui?
— Tenho! — respondi entregando-lhe o dinheiro.
— Não sabe que tem sumido mulheres na cidade?
— Sei sim, mas fique tranquilo. É um ensaio fotográfico para uma
agência.
— Tudo bem. Depois não diga que não avisei. — Virou-se para
frente.
Desci do táxi e o portão da frente foi aberto. Tyrone surgiu com a
câmera dependurada no pescoço e acenou para mim.
— Bom dia, querida! — cumprimentou-me ao me aproximar.
— Bom dia! — retribuí com um sorriso animado.
— Venha. Já chegaram todos.
Entramos e logo vi toda a arrumação diante de mim. Os outros
modelos já estavam sendo maquiados e Bash terminava de ajeitar a
iluminação.
— Esta é Dorate — apresentou-me a uma mulher negra, baixinha e
de seios fartos. — Ela vai maquiar você e arrumar seu cabelo. Depois você
vai para trás daquele biombo — disse apontando para o mesmo — onde
improvisamos um camarim. Você irá se vestir com as roupas que tiver seu
nome, começando pelas peças número um.
— Tudo bem.
Dorate fez uma maquiagem marcante nos olhos e passou um batom
rosado nos lábios antes de aplicar um gloss superespesso e brilhante. Ela
arrumou meu cabelo em ondas perfeitas, depois aplicou spray fixador antes
de despenteá-lo levemente deixando-o com uma aparência propositalmente
um pouco bagunçada.
Fui até o “camarim” e procurei pelas roupas que estavam dentro de
sacos plásticos transparente etiquetados com meu nome e enumerados.
Vesti a calça justa com detalhes desfiados na coxa e o top decotado, ambos
feitos de jeans claro. Pronta, me juntei aos outros modelos e começamos o
ensaio, acompanhado de um troca-troca de roupas sem fim. Entre todos os
modelos, um em específico me chamou a atenção: Sean. Ele era alto,
musculoso, olhos verdes e cabelos castanho-claros encaracolados. Sean me
deu alguns olhares e sorrisos, que me deixou um pouco sem graça, mas que
me fizeram sorrir timidamente. Não estava sentindo-me preparada para
flertes.
— Ótimo. Agora... quero algo mais ousado — disse Tyrone. —
Talvez com apenas dois modelos. Maya? — chamou-me.
— Sim.
— Que tal alguns cliques com você e Sean?
— Por mim, tudo bem — respondeu Sean em meu lugar, olhando-
me com um sorriso largo. Tyrone me olhou esperando minha resposta.
— Tudo bem, também.
— Sean, tire a camisa! Maya... tire o colete! — mandou Tyrone.
— Como é? — perguntei assustada. Não usava nada por baixo do
colete.
— O que escutou, querida — respondeu ele observando-me com
tédio.
— Olha só... isso sempre tem em ensaios. Fica tranquila, é algo
normal neste meio — Sean tentou me acalmar com sua fala baixa e suave,
alisando meu braço.
— Vamos! É para hoje, Maya! — falou Tyrone impaciente.
— Acho que... que eu não consigo fazer isso — recusei baixo.
— Maya... Se você quer mesmo dar certo neste ramo, tem que
perder o pudor. É só uma foto, não é nada demais. Todas aqui já fizeram
isso.
Olhei para Sean e ele já estava sem camisa. Virei-me de costas para
todos, ficando de frente para uma parede, e respirei fundo buscando
coragem para ficar nua cintura acima na frente de vários estranhos.
Comecei a desabotoar botão por botão e tirei o colete descendo-o
lentamente pelos ombros. Joguei a peça no chão ao canto e virei-me para
Sean cobrindo os seios com os braços cruzados à frente.
— Ótimo! Maya, encoste seus seios no tronco do Sean. Sean, segure
suavemente Maya pela cintura — ordenou Tyrone.
Um tanto constrangida, aproximei-me do Sean e tirei meus braços
da frente do meu corpo, encostando meus seios em seu peitoral e abdome
sarados. Ele repousou suas mãos quentes em minha cintura, causando-me
um leve arrepio.
— Maya, querida... Relaxe o corpo e apoie suas mãos com
delicadeza nos braços dele. — Forcei-me a relaxar e olhei-o envergonhada.
— Está ótimo. Agora... se entreolhem e faça parecer que são um casal com
intimidade.
Grudei meus olhos nos seus e um sorriso brotou em seus lábios.
Seus dedos polegares fizeram um “carinho” em minha cintura nua,
provocando-me outro arrepio. Encarei sua imensidão verde e, por um
instante, achei seus olhos muitos parecidos com os de Victor. Eles me
levaram por uma viagem de lembranças até ele e me fez imaginar como
devia ser sua beleza no auge dos seus vinte e cinco anos. Devia ser ainda
mais lindo do que era aos sessenta.
— Muito bom, pessoal... As fotos ficaram ótimas. Obrigado, Maya.
Obrigado, Sean — disse Tyrone trazendo-me de volta para a realidade.
Perdi-me tão profundamente em meus pensamentos e imaginação,
que nem mesmo ouvi os “cliques” dos flashes disparados pela câmera.
Afastei-me novamente cobrindo meus seios e peguei o colete no chão para
cobri-los.
— Já posso me vestir? — perguntei ao Tyrone.
— Claro. Hoje encerramos por aqui.
Caminhei até o camarim improvisado e vesti minhas roupas junto às
outras meninas, que também se aprontavam para ir embora. Quando
terminei de me vestir, caminhei até Tyrone e lhe agradeci pela oportunidade
de trabalho.
— Imagina, querida, eu quem agradeço. Foi uma boa sessão.
— É, foi mesmo.
— Aqui está o seu cheque. — Estendeu-me o papel assinado por
ele, com o valor de dois mil e quinhentos dólares.
— Obrigada. — Sorri contente.
— Acho que tenho algo para você na semana que vem.
— O que seria?
— Ainda não posso falar muito, mas garanto que vai lhe render uma
boa grana.
— Tudo bem. É só me mandar um e-mail. Tchau.
— Até logo, Maya.
Saí do galpão e chamei um táxi. Não demorou muito e o carro
chegou. Embarquei para casa e no caminho, meu celular tocou dentro da
bolsa.
— Clarice! Oi, como você está? — disse ao atender.
— Bem. E você?
— Estou ótima! — E aquela resposta era verdade. Era exatamente
assim que me sentia. Ótima! — Como estão as coisas por aí? Tenho falado
com a vovó todos os dias, mas ela sempre me dá a mesma resposta.
— Sua mãe está bem, porém, seu pai continua bebendo e ontem à
noite o hospital me ligou dizendo que barrou outra vez sua entrada. Eu fui
até lá e seu estado era deplorável. Ele estava sujo, com mau cheiro e muito
bêbado.
— Meu Deus! Mas o que posso fazer, se ele não quer a minha
ajuda?
— Ele não quer a ajuda de ninguém. Eu e Sammy já tentamos de
tudo. Sammy até ofereceu internação a ele ontem, mas Teddy respondeu que
não precisa disso. Ele alegou a nós que pode parar com a bebida quando
quiser.
Essa situação deixou-me entristecida. Meu pai estava se
autossabotando e prejudicando não só sua saúde, mas seu bom
relacionamento com minha mãe. O que ele estava fazendo era tudo o que
ela desaprovaria. Será que ele ainda não percebeu ou era proposital? Quanto
egoísmo de sua parte fazer algo assim, tão estúpido, quando sua esposa
estava acamada em um hospital precisando dele.
— Preciso voltar logo, tenho medo que essa situação fique ainda
pior. Por mais que eu tenha sonhado em seguir minha vida aqui, sei que
meu lugar é aí... com a minha família.
— Pense bem, Maya. Sabe que farei o possível para cuidar bem da
sua mãe e tentar manter o controle da situação por aqui. Talvez você não
possa resolver nada, sabe que Teddy não irá aceitar sua ajuda.
— Eu sei, mas preciso tentar.
Nós nos falamos por mais alguns segundos e encerramos a ligação
logo depois de nos despedir. O táxi parou à frente do meu prédio, paguei a
corrida e desci. Ao entrar no hall, o porteiro me cumprimentou como fazia
todos os dias, em todas as vezes que me via sair ou chegar.
— Oi... Cheguei! — disse ao entrar no apartamento, dependurando
o casaco e a bolsa no suporte na parede da minúscula antessala.
— Na sala! Como foi o ensaio? — perguntou Sasha.
— Foi ótimo! — respondi ao entrar na sala, assustando-me e
parando subitamente onde estava. Uma enorme tensão provocou uma
imensa rigidez nos músculos do meu corpo.
— Como vai, Maya? — cumprimentou Victor, levantando-se da
poltrona.
Encarei-o com olhos arregalados, perguntando-me se eu estava
delirando ou se estava mesmo o vendo ali, de pé em minha sala, sorrindo
para mim.
— O que está fazendo aqui? — perguntei quase sem voz.
— Foi bem difícil achar você.
— Bom... Já que você chegou e ele está aqui há quase uma hora
esperando por você, vou sair para ir até a lavanderia buscar minha jaqueta
— anunciou Sasha indo em direção da porta. — Volto logo.
Ela saiu e fechou a porta, deixando um silêncio absurdamente
maçante no apartamento. Ao contrário de quando o vi em Tulsa, sua
aparência estava bem melhor. Ele parecia ter ganhado um pouco de peso e
estava com os cabelos e barba bem aparados. Estava quase como eu me
lembrava, antes do nosso término.
— Como me achou aqui? — quebrei o silêncio.
— Foi difícil, confesso.
— Mas o que você quer? Não ficou claro quando nos vimos em
Tulsa, que eu não quero mais ver você! — disse alto e irritada.
— Você disse que não queria mais me ver e não que não me amava
mais. Suas palavras refletiram mágoa e não uma decisão. Aposto que não
era o que você queria dizer.
— Você é ridículo! Quem pensa que é para dizer o que eu queria ou
não falar?
— Sou alguém que conhece você.
— Vou perguntar mais uma vez... Como soube que eu estava aqui?
Foi a Clarice? Foi ela quem contou a você? — interroguei-o grosseira.
— Não. Mandei que seguissem você até o aeroporto e descobrissem
em qual portão você embarcou e para onde ia o avião. Então, mandei
Noberto para cá e você não imagina a minha surpresa quando ele me enviou
imagens de fotos suas espalhadas pela cidade. Confesso que as fotos me
irritaram um pouco, mas... eu gostei.
— Mandou que me seguissem? Meu Deus... você é mais louco do
eu imaginava!
— Inteiramente, querida. Porém, saiba que será sempre por você. —
Aproximou-se a passos lentos.
— E como descobriu meu endereço?
— Primeiro descobri de qual agência eram as fotos, depois vim para
cá e fui até lá onde conversei com uma moça não muito gentil, mas depois
de lhe dar um “agrado” ela me abriu um sorriso e passou seu endereço.
— Nossa... — Não sabia o que dizer. Eu já devia ter imaginado que
Victor não desistiria fácil, ou ele não seria mais o homem que conheci. —
Vai embora!
— Eu vou. Mas saiba que agora sei onde te encontrar. Não pode
mais fugir de mim. — Sorriu lindamente.
Como eu me odeio por achá-lo ainda bonito e sedutor. Victor
passou por mim e caminhou até a saída.
— Nos vemos logo mais, amor — disse com pura provocação na
voz.
— Eu não sou... — Antes que eu pudesse terminar minha frase, a
porta se fechou em um baque. Virei-me para trás e não o vi mais ali. Ele me
provocou e saiu deixando-me falando sozinha. — Filho da mãe! —
murmurei indo para o meu quarto.
CAPÍTULO 14

A tarde chegou e era hora de ir para mais uma exaustiva noite de


trabalho na Wilcox. Saí do meu quarto e, ao passar pelo da Sasha, dei duas
leves batidas para avisá-la de que já estava na hora.
— Já estou indo! — gritou lá de dentro. — Então... O que seu tio
veio fazer aqui? Está tudo bem em Oklahoma? — perguntou ela ao entrar
na sala.
— Meu tio? — perguntei, olhando-a confusa.
— É. Aquele homem que estava aqui mais cedo. Ele não é seu tio?
— perguntou apreensiva e com um olhar assustado.
Não me aguentei e ri alto, negando com minha cabeça.
— Quem lhe disse isso?
— Ele.
— Não. Victor não é meu tio — respondi ainda achando graça. —
Desculpe-me se ele ficou aqui te importunando.
— Na verdade, ele é um homem bem legal. E cheiroso —
acrescentou mordendo o lábio inferior, que estava curvado em um
sorrisinho saliente. — Ele é um cara muito bonito para a idade dele.
— Tenho que concordar, mas ele não é tão legal quanto você pensa.
— Por quê? Quem é ele?
— Alguém do meu passado não tão distante. É uma longa história.
Prometo contar outra hora.
— Transou com ele, não foi, safada? — perguntou humorada, vindo
até mim que já estava de pé na porta.
— É.
— Uau! E como é transar com um homem de cinquenta anos? É um
sexo preguiçoso ou algo experiente e ardente? — perguntou enquanto
caminhávamos até o elevador.
— Ele tem sessenta anos. E sim! É algo ardente e experiente.
Entramos no elevador.
— Por que não transam mais? Quer dizer... Está na cara que vocês
não transam mais.
— Aconteceram algumas coisas e rompemos de um jeito
complicado.
— Ele perguntou umas coisas sobre você.
— O quê? — perguntei curiosa, ao sairmos do elevador.
— Quando você se mudou para Chicago. Se você estava
namorando. Onde trabalha... essas coisas.
— Você contou a ele?
— O quê?
— Onde trabalhamos.
— Contei. Eu achei que ele fosse seu tio, não sabia que ele era um
ex caso maluco.
— Ele foi mais que isso — murmurei. — Se ele vier aqui outra vez,
não o deixe entrar e nem diga nada sobre mim. Por favor!
— Claro, pode deixar.
Pegamos o ônibus e fomos para a boate. Ao chegar, vi que todos já
se preparavam para mais uma noite tumultuada. Logo as portas foram
abertas e sem demora o lugar começou a lotar. As horas foram passando e
show no palco prosseguindo.
— Maya! — Zoe chamou-me.
— Sim.
— Tem um homem sentado em uma das mesas à frente do palco e
ele exige ser atendido por você.
— Quem é? — perguntei com estranheza.
— Eu não sei — respondeu e saiu.
Entreguei as bebidas que estavam em minha bandeja e fui até lá. Ao
me aproximar das mesas de frente ao palco, logo avistei quem chamava por
mim. Victor estava sentado observando uma dançarina com peruca ruiva
dançar enrolada no pole dance. Caminhei até ele e parei à sua frente
tapando sua visão privilegiada da stripper. Ele encarou-me e sorriu, mas
não foi sorriso de cumprimento ou de surpresa em me ver. Foi um daqueles
bem safados que me dava quando estávamos na cama ou provocando um ao
outro em público.
— Até aqui vai me perseguir? — perguntei colocando a bandeja
sobre a mesa e cruzando os braços à frente.
— Vou! — respondeu absoluto e deu um gole em seu uísque.
— O que você quer, Victor?
— Já disse o que eu quero. Eu quero poder conversar com você e
me desculpar. Quero você de volta.
Não acreditei que havia mesmo escutado aquilo. Sorri com
provocação para ele e apoiei minhas mãos à beirada da mesa, inclinando-
me em sua direção. Ele inclinou-se também de encontro a mim, deixando
seu rosto a centímetros de distância.
— Você precisa começar a compreender o sentido da palavra “não”
— disse baixo e desci meu olhar para os seus lábios.
Na intenção de provocá-lo ainda mais, passei minha língua por meus
lábios lentamente vendo-o observar cada movimento com sua boca
entreaberta. Sorri e afastei-me levando a bandeja comigo.
A noite foi indo e dando lugar a madrugada. Victor ficou sentado no
mesmo lugar até meia-noite e foi embora quando viu um cliente colocar em
meu decote um papel com seu número de telefone. Por mais desinteressada
que eu estivesse naquele estranho fedido a tabaco, eu lhe dei um sorriso
aberto. Admito, fiz na intenção de provocar ciúmes ao Victor. Foi algo tolo
de fazer, eu sabia, mas foi maior do que eu!
Quando fechamos, caminhei até os sacos de lixo amontoados perto
do bar e comecei a pegá-los. Tobby estava de folga e tive de tentar me virar
sozinha.
— Eu te ajudo — disse Tyler pulando o balcão.
— Obrigada.
Ele pegou o restante dos sacos e veio logo atrás de mim. Com as
mãos ocupadas, empurrei a porta com as costas e saí para o beco escuro.
— Não enxergo nada — disse Tyler.
— Nem eu — respondi aproximando-me do contêiner, quando
tropecei em algo caído no chão.
— Maya! — chamou-me ele preocupado, soltando os sacos no chão
e vindo apressado até mim. — Você está bem? — perguntou ajudando-me a
me levantar.
— Estou, eu acho... — respondi-o sentando-me no chão úmido.
— Espere — pediu quando tentei me levantar. — Vou ligar a
lanterna do celular.
Ele acendeu a luz forte do flash do seu celular e iluminou o chão.
Berrei desesperada ao ver um par de pernas estiradas à minha frente.
— Mas o que é isso? — gritou ele levantando-se apressado e
pulando para trás em um susto.
Tentei levantar rápido, mas minhas pernas falharam me
impossibilitando de ficar de pé e fazendo-me cair novamente. Tyler
iluminou o corpo escorado na parede e gritei novamente arrastando-me para
trás ao ver que era uma das dançarinas da Wilcox. Ela estava com um fino
cabo de aço enrolado no pescoço e sua cabeça pendida para o lado. Seus
olhos estavam vermelhos de sangue pelo sufocamento e havia uma peruca
ruiva caída ao seu lado no chão.
— Ai, caramba! É a Bridget.
— Ela está morta. Tyler... ela está morta! — gritei desesperada.
A porta se abriu em um baque e de dentro do bar saíram Sasha, Zoe,
Pette e Natasha.
— Mas que merda! — exclamou Pette ao iluminar o corpo com uma
lanterna.
— Maya! — Sasha gritou e correu até mim.
Eu estava estática, apenas encarando o corpo à minha frente. Não
conseguia chorar e nem voz tinha para responder as perguntas que me eram
feitas por ela. Meu corpo inteiro tremia. Meu coração batia acelerado, a
ponto de explodir causando-me uma crise de pânico. Eu não conseguia
sentir o ar entrar em meus pulmões. Nunca havia visto algo assim, estava
completamente aterrorizada e em estado de choque.
— Estou ligando para a polícia — disse Zoe.
— Maya... Olhe para mim! — pediu Sasha, virando meu rosto para
ela.
— Ela... esta morta — sussurrei com meu único fio de voz que me
sobrou.
— Não olhe — pediu abraçando-me e virando meu rosto para o
outro lado. — Fique calma. Vai ficar tudo bem! — garantiu-me.
Sasha e Zoe me levaram para dentro do bar e a polícia logo chegou.
Um policial veio falar comigo e me fez inúmeras perguntas que não soube
responder. Afinal, eu não conhecia a garota morta, apenas havia visto
algumas das suas apresentações enquanto trabalhava. Relatei a ele como
nós a encontramos e disse não ter notado nada de diferente no movimento
da noite. Ele agradeceu e saiu para falar com outras dançarinas. Sasha
buscou meus pertences no vestiário e saímos pela porta da frente para ir
embora.
— Maya. — Escutei Allan me chamar.
— Oi — disse ao virar-me e vê-lo.
— Como você está?
— Eu não sei. — Senti um bolo se formar em minha garganta. —
Não sei o que estou sentindo, eu... Eu não entendo por que alguém faria
aquilo.
— Vem aqui. — Ele puxou-me para um abraço e eu aceitei deitando
minha cabeça em seu peito. — Vou levar você para casa. Tudo bem? Não
posso deixar que volte de ônibus. — Assenti aceitando sua carona.
Ele me guiou até seu carro e abriu a porta do passageiro para mim.
Sasha entrou no banco de trás e ele ligou o motor retornando com o veículo
no meio da rua. Do outro lado da rua, vi Noberto de pé em meio aos
curiosos que se acumulavam. Fechei meus olhos e recostei minha cabeça
para trás ignorando sua presença ali para me “espionar”. Não demorou
muito e logo estávamos em casa. Allan desceu e abriu a porta para mim e
Sasha.
— Eu tenho que voltar. Você vai ficar bem? — perguntou ele.
— Vou sim, não se preocupe.
— Eu me preocupo sim. Posso te ligar amanhã? É só para saber
como você está.
— Claro. Boa noite e... obrigada.
— Não tem que me agradecer por isso — respondeu ele.
— Tenho sim. — Sorri.
Entrei no prédio e subimos direto para o nosso apartamento. Sasha
mandou que tomasse um banho, enquanto ela fazia um chá para mim. Saí
do banheiro e entrei no quarto, encontrando-a sentada em minha cama
esperando-me com uma caneca fumegante nas mãos.
— Aqui — disse estendendo-me a caneca. — Beba tudo, você vai se
sentir melhor.
Peguei a caneca de sua mão e me sentei ao seu lado.
— Quem faria algo assim? — perguntei.
— Talvez o assassino em série que tem matado mulheres pela
cidade.
— Não se parece com os crimes dele.
— Sei lá... Não sei o que dizer. Zoe disse que ela era garota de
programa, talvez seu assassinato esteja relacionado a isso. Um cliente
insatisfeito talvez?
— Eu a vi no beco da Wilcox, na segunda, quando fui colocar o lixo
para fora. Ela estava combinando um programa com um homem, que não
saiu muito satisfeito com o valor cobrado.
— Beba o chá, Maya! Não tem que se preocupar com isso, deixa
que a polícia resolva. Okay? — Assenti. — Vou tomar um banho e volto
para ver como você está.
— Obrigada por cuidar de mim.
— É isso que amigas fazem. Cuidam umas das outras.
Sasha saiu do quarto e eu bebi todo o chá quente que ela me
preparou com tanto carinho. Agradecia sempre por tê-la em minha vida,
quando não tinha mais muita coisa. Sasha já morava em meu coração, onde
eu pretendia deixá-la para sempre. Depois do seu banho, ela veio me ver e
desejar uma boa-noite.
Acomodei-me na cama, mas só consegui dormir quando o sol já
estava nascendo. Acordei às dez da manhã e saí do quarto para comer algo,
estava faminta. Sasha estava na cozinha fazendo panquecas enquanto
cantarolava a música I lived it, do Blake Shelton, que tocava na rádio. A
música me fez viajar até Oklahoma para a família que eu amava e havia
deixado para trás.
— Bom dia — desejou-me ela, tirando-me das minhas lembranças
felizes, mas que me deixaram tristes por breves segundos. — Está tudo
bem?
— Está — respondi e forcei um sorriso.
— Então por que está chorando? — perguntou.
Passei a mão por meu rosto e foi quando percebi que minha face
estava úmida por algumas lágrimas que escorreram sem eu perceber ou
sentir.
— Não é nada. É só que... essa música me trouxe saudades de casa.
— Quer que eu mude a estação?
— Não! Claro que não.
— Pette ligou. Disse que iremos trabalhar normalmente hoje, que
apenas o palco não irá funcionar em sinal de luto pela Bridget.
— O quê? Mas que filho da mãe insensível! — esbravejei.
— Vai se acostumando, Pette é sim. Mas se você não quiser ir hoje,
não tem que ir.
— Não, eu vou! Já faltei por dias quando precisei viajar e ele não irá
descontar do meu salário, eu tenho que ir.
— Tudo bem. Venha, vamos comer.
— Eu estou faminta. — Segui até a mesa.
Depois do café, eu e Sasha limpamos a casa e lavamos nossas
roupas. Ela resolveu sair para se encontrar com a Kim, mas eu não estava
muito a fim, então fiquei em casa tentando ler um livro. O alerta de
mensagem soou em meu celular ao meu lado, sobre o sofá, e para minha
surpresa era uma mensagem do Victor. Até meu número ele tem?

Preciso saber se você está


bem? Soube do que houve
esta madrugada na boate.
Ainda acha que aquele lugar
é ambiente para você?
Volte comigo para o Texas.
Victor
03:15 p.m.

— Você não sabe o que é bom ou não para mim — sussurrei para
mim mesma.
Pensei respondê-lo, mas não fiz. Logo mais, o fim de tarde chegou e
era hora de irmos para o trabalho. Apesar do terrível assassinato da noite
passada, a boate estava ainda mais abarrotada de gente do que nas noites
anteriores. Havia pessoas de todo tipo e lugares da cidade. Não tinha sequer
uma mesa vazia, estava difícil até mesmo para andar entre a multidão para
servi-los.
— Tyrone... Oi! — cumprimentei-o ao vê-lo sentado só em uma
mesa mais ao fundo.
— Oi, Maya.
— Mais um uísque? — perguntei ao vê-lo virar o restante em um só
gole.
— Sim, por favor. — Saí e logo voltei com sua bebida. — Soube da
garota. Está em todos os jornais.
— É, aquilo foi horrível.
— Quem era ela?
— Bridget. Ela só tinha vinte e cinco anos — disse com pesar.
— Pobre garota. Não me recordo dela aqui.
— Ela era novata. Fazia parte das dançarinas. — Olhei para o palco
apagado, pela primeira vez na semana.
— Ah, sim. Já sabem quem cometeu esse ato bárbaro?
— Infelizmente não.
— Eu sinto muito pela perda.
— Obrigada, mas não éramos próximas.
— Sabe se a polícia já tem um suspeito?
— Eu não sei.
— Tomara que prendam logo quem fez isso, antes que machuque
outra pessoa.
— Também espero. Você quer mais alguma coisa?
— Não, obrigado.
Afastei-me e continuei a trabalhar. Com o decorrer da noite, percebi
que muitos ali estavam por pura curiosidade. As pessoas faziam as mesmas
perguntas que Tyrone. Eu respondi algumas e ignorei outras. Tinha gente
querendo saber demais o que não era da conta deles. Mais uma madrugada
chegou e eu estava exausta como sempre. Sasha e eu pegamos o ônibus e
voltamos para casa. Após um banho, desmaiei em minha cama acordando
ao meio-dia com batidas leves na porta e seus chamados para almoçarmos
juntas.
Depois do almoço, o tempo estava seco e um pouco frio devido ao
outono. As temperaturas estavam marcando abaixo de vinte graus na última
semana e, às vezes, dezoito. Resolvi sair para caminhar um pouco e pensar
no que fazer da minha vida. Tudo parecia estar indo tão bem, mas no
momento parecia não estar mais. No começo, morar em Chicago era
empolgante, mas desde que eu havia voltado de Oklahoma, isso começou a
me parecer um ato egoísta.
Em Tulsa, as coisas só pioravam com meu pai. Estava praticamente
impossível não me preocupar com ele e seu novo vício. Mas, para um
pouco de alívio, minha mãe havia acordado do seu coma preocupante,
porém, ela ainda continuava muito doente. E meus problemas não paravam
por aí, ainda tinha a questão de meu pai não ter mais uma renda para
manter-se, ou uma casa para morar. E essa era uma das minhas maiores
motivações para continuar em Chicago trabalhando como garçonete e
tentando a sorte como modelo fotográfico. No entanto, talvez fosse melhor
deixar tudo de lado e buscar o sonho de uma vida estável para mim e meus
pais em Tulsa. Pelo menos lá, eu estaria ao lado deles todos os dias.
Caminhei até uma praça não tão longe de casa e me sentei em um
banco observando algumas pessoas andando por ali com seus cães e babás
com suas crianças. A vida de todos que passavam por mim rindo e
brincando parecia estar tão boa, aparentavam estar tão felizes. Será que era
apenas eu que estava com essa vida angustiante e de indecisão? Ou nem
toda felicidade que vemos estampada no rosto dos outros é real? Queria que
Deus provesse outro milagre e curasse minha mãe. As coisas seriam tão
mais fáceis para mim se ela estivesse com saúde. Eu tinha certeza de que
ela daria um jeito de fazer meu pai me perdoar e voltar a falar comigo. Eu
poderia contar sobre tudo o que me aconteceu e ela me daria seus sábios
concelhos e eu os amaria ouvir, mesmo que viessem acompanhados com
puxões de orelha.
— Oi.
Um leve arrepio percorreu meu braço, chegando à nuca.
Lentamente, virei minha cabeça e olhei por cima do ombro. Victor estava
parado atrás de mim vestindo jeans escuro, suéter preto e uma camisa
branca por dentro, com a gola dobrada para fora do suéter e calçava tênis de
couro preto. Mesmo sem seu terno elegante, ele tinha o dom de continuar
absurdamente lindo.
— Oi — respondi baixo.
Ele deu a volta no banco e sentou-se ao meu lado, estendendo-me
um copo fumegante de café.
— Não está envenenado. Pegue — insistiu ele, quando viu minha
resistência.
— Obrigada — agradeci e peguei.
— Podia ao menos ter respondido minha mensagem ontem — disse
olhando para frente e deu um gole em seu café. — Realmente estava
preocupado com você.
— Estou bem.
— Não parece. Sou todo ouvidos se quiser conversar.
— Não quero conversar com você! Não tenho o que conversar com
você! — disse ríspida, encarando o copo quente entre minhas mãos.
— Mas eu quero. Converse comigo, Maya, mesmo que seja para me
ofender. Estou aqui me humilhando para você! Não sabe o quanto isso é
difícil para mim. Sinto minha masculinidade ir embora a cada segundo. Mas
ainda estou aqui e vou continuar, porque amo você. Saiba que não vou
desistir! — disse convicto e senti seu olhar pesar em mim.
— Você não quis me ouvir quando eu precisava falar. Você não
estava para mim quando mais precisei. — Olhei-o finalmente. — Vá
embora. Já fez isso uma vez, não será difícil fazer de novo! — disse com a
voz carregada de amargura e orgulho.
Levantei-me do banco e joguei o café na lixeira ao lado. Distanciei-
me em dois passos, quando o ouvi dizer uma frase que me doeu fundo no
peito e me abalou por dentro, deixando meus olhos marejados.
— Volta para mim.
Mas o rancor de uma ferida ainda não cicatrizada falou mais alto.
— Você me mandou embora. Me expulsou da sua casa... da sua
vida. Você me bateu! — Virei-me e o vi de pé, próximo a mim.
— E me arrependo amargamente de ter feito isso.
Queria ceder. Queria me jogar em seus braços e implorar para que
cuidasse de mim outra vez. Porém, mais uma vez, o orgulho gritou mais
alto. Respirei fundo e engoli minha emoção.
— O que fez você mudar de ideia? Não conseguiu outra a quem dar
ordens?
A intenção de minhas perguntas idiotas era apenas feri-lo, mesmo
que fosse só um pouquinho. Mas acho que ele percebeu e não se deixou
abater, notei pelo seu sorriso no canto dos lábios.
— Infelizmente não consegui passar por cima desse sentimento
estúpido chamado orgulho e parece que você também não está conseguindo
— disse sério. — O que me fez mudar de ideia, foi saber a verdade e
aprender com meu erro. Se não me quer de volta, ao menos aceite minhas
desculpas. Não estou pedindo que me perdoe, apenas que aceite meu pedido
de desculpas — disse encarando-me fundo nos olhos e deu-me as costas
indo embora.
— Foi Clarice quem disse a você o que não quis ouvir de mim?
— Não. — Parou e olhou-me. — Foi a Penny quem me procurou e
contou o que houve nos mínimos detalhes.
— A Penny? — perguntei incrédula.
— É. Sua amiga Penny.
— O que ela disse?
— Tudo.
— Tudo o quê? Ela falou sobre a Eliza?
— Falou sim. Mas como soube sobre isso?
— Recebi uma foto no meu número antigo e foi então que descobri
que Eliza é muito mais mau-caráter do que imaginava e que Penny não é
minha amiga.
— Exatamente o quê você viu?
— Penny recebendo um pacote da Eliza. Nem mesmo sabia que elas
se conheciam.
— Você as viu, mas não sabe o que era aquilo, não é? Não tem
noção do que fizeram com você.
— Mas algo me diz que você sabe.
— Ah... Então agora você quer conversar? — perguntou debochado,
com um sorriso irônico.
— Se não quer me contar, não precisa! — disse irritada e lhe dei as
costas.
Tentei me afastar depressa, mas fui impedida quando Victor me
puxou pela cintura e virou-me de frente para ele prendendo meu corpo entre
seus braços. Um imenso nervoso tomou conta de mim por estar tão próxima
dele. Uma vontade inesperada e desesperada de beijá-lo surgiu fazendo-me
engolir em seco e deixando-me ofegante.
— Quer saber o que eu sei? Jante comigo amanhã.
— Eu trabalho — respondi baixo, observando os detalhes do seu
rosto.
— Arranje uma folga. Você dará um jeito, eu sei.
Ele me soltou e partiu sem olhar para trás, deixando-me ali meio
atordoada com minhas emoções. O que ele sabe? Minha curiosidade estava
falando alto.
Fui para casa e à noite para o trabalho. Saí do bar às três e meia da
manhã e depois de me despedir dos meus colegas, comecei a caminhar
sozinha para o ponto de ônibus, já que era folga da Sasha. Estava a uma
quadra de distância quando ouvi passos pesados e apressados virem atrás de
mim. Assustada, olhei para trás e não vi ninguém. Comecei a andar mais
rápido e os passos começaram outra vez, vindo ainda mais perto e
apavorando-me.
A poucos metros da esquina, ofegante e com o coração acelerado de
medo, corri e olhei outra vez para trás vendo um corpo alto de ombros
largos, vestindo uma jaqueta marrom e capuz preto de moletom na cabeça,
fazendo sombra em seu rosto, correr atrás de mim. Aquela figura pavorosa
era quem me perseguia. Ao virar a esquina, bati de frente a uma parede de
músculos negros, caindo sentada no chão.
— Ai! — exclamei ao sentir dor, quando minha bunda se chocou
com o concreto úmido pela última chuva de horas atrás.
— Moça... Você está bem? — perguntou o homem com quem
trombei, estendendo-me sua mão para me ajudar a levantar.
— Não — respondi levantando-me depressa e virando para trás, mas
não havia nada e nem ninguém ali. Seja quem for que estivesse me
perseguindo, simplesmente desapareceu com o vento.
— Está trêmula, quer se sentar? — perguntou ele apontando para o
banco no ponto de ônibus.
— Obrigada — agradeci com a voz falha e sentei-me respirando
fundo, tentando me acalmar.
— Tentaram te assaltar?
— Tinha alguém me perseguindo. Eu não sei se ia me assaltar ou
não... eu...
— Se acalme. Vou ligar para a polícia.
— Não precisa. — Levantei-me.
— Mas é claro que precisa. Existe um maníaco à solta, e se tiver
sido ele que a perseguiu? Precisa registrar uma ocorrência!
— Okay. — Sentei-me novamente.
A polícia logo chegou e, por mais que eu afirmasse estar bem, eles
insistiram para que eu fosse até a delegacia. Disseram que qualquer
informação mínima poderia ser útil para saber quem me perseguiu. Entrei
na viatura depois de agradecer ao homem que me ajudou e fui para o
distrito policial. Um dos policiais me levou até sua mesa e pediu para que
me sentasse na cadeira ao lado. Ele serviu-me um copo d'água e começou a
me fazer várias perguntas.
— Chegou a ver o rosto dele? — perguntou o oficial.
— Não. Ele tinha... acho que um capuz de um casaco de moletom na
cabeça, por baixo da jaqueta marrom.
— Viu mais alguma coisa? Ele disse algo?
— Não. Eu não vi mais nada além das suas roupas cintura acima; e
ele, ou ela, também não me disse nada.
— Viu os sapatos dele? Cor da calça...
— Não. Mas pelos barulhos dos passos atrás de mim, eu diria estar
calçando botas masculinas, talvez.
— Acha que o que viu era um homem ou mulher?
— Não posso afirmar, mas acredito que seja homem. Era alto. Muito
alto e tinha ombros largos. Não acredito que fosse mulher.
— Maya? — Alguém chamou-me e eu olhei para trás, vendo Jack
de pé com uma pasta na mão.
— Jack... Oi!
— O que faz aqui? Está tudo bem?
— Agora está.
— Allan sabe que você está aqui?
— Não. — E por que ele teria de saber?
— Ele acabou de sair da delegacia, vou ligar e pedir para que volte
— disse sacando o celular do bolso da calça.
— Não faça isso. Não é necessário — pedi.
— Allan vai me matar se souber que você esteve aqui e não o avisei.
— Afastou-se ao telefone.
Não demorou mais do que cinco minutos e Allan chegou. Ele quis
saber tudo o que houve comigo e o que vi. Repeti a ele exatamente o que já
havia dito ao policial. Ele ficou preocupado e se ofereceu para levar-me até
em casa. Com medo, eu aceitei. Allan me amedrontou dizendo que o
perseguidor poderia ter sido o serial killer e que, talvez, por pouco, não fui
mais uma de suas vítimas.
Quando chegamos ao prédio, ele subiu comigo sem eu pedir ou me
perguntar se poderia, apenas me acompanhou em silêncio e eu não o
impedi. Allan pediu-me cuidado redobrado e também disse que, quando um
assassino em série escolhe suas vítimas, ele não desiste até pegá-las. Isso
deixou-me ainda mais apavorada do que já estava. E se ele estiver certo? E
se o homem que me perseguiu foi o serial killer? Meu coração batia
descompassado e, pela primeira vez, o motivo não era amor.
— Vou me cuidar, eu prometo.
— Okay. Bom... Você já está em casa e eu já vou indo.
— Espere — pedi quando ele virou-se em direção a porta. — Quer
beber alguma coisa? Você estava no trabalho até agora.
Ele olhou-me surpreso.
— Tudo bem. — Sorriu.
Fui até a cozinha e busquei duas cervejas.
— Sei que não é da minha conta, mas... o que faziam na delegacia
até tão tarde? — perguntei entregando-lhe uma cerveja.
— Efetuando uma prisão. Fizemos uma operação para pegar um
traficante foragido e conseguimos. Espero receber reconhecimento por isso.
— E irá, com certeza. Você... quer se sentar e conversar um pouco?
— Quero. — Sorriu outra vez e se sentou.
CAPÍTULO 15

Allan e eu terminamos a cerveja e começamos outra. O papo estava


bom e conversamos até as seis da madrugada. O medo que eu sentia havia
ido embora temporariamente. Acho que ele sabia que eu não queria ficar só
e mesmo não sendo mais meu namorado, eu precisava dele naquele
momento e ele ficou.
Os raios de sol invadiram a sala e só então notamos que o dia
começava a amanhecer. Allan se levantou, despediu-se de mim com um
beijo no rosto e um rápido abraço, antes de ir embora esquecendo seu
casaco preto sobre a poltrona. Eu tentei alcançá-lo, mas não cheguei ao
térreo a tempo. Ao voltar para o apartamento, um cheiro bom de café forte
invadiu minhas narinas fazendo-me suspirar. Aproximei da cozinha e
encontrei Sasha de pé preparando o desjejum no balcão.
— Acordou cedo — disse a ela.
— Você também. De quem é o casaco? — Olhou para o mesmo que
eu segurava nas mãos.
— Do Allan. Eu tentei alcançá-lo para devolver, mas ele já havia ido
quando cheguei lá embaixo.
— Do Allan? Ele dormiu aqui? — perguntou surpresa.
— Dormir não é o termo certo. Mas ele passou a noite aqui.
— Então foi com ele que tomou todas aquelas cervejas? — Apontou
para as seis garrafas vazias sobre a mesa de centro na sala.
— Foi sim.
— Vocês voltaram?
— Não! Aconteceu algo meio assustador ontem e ele me deu uma
carona até em casa e, quando chegamos, ele subiu comigo. Acabamos
virando o resto da madrugada conversando e tomamos algumas cervejas.
Nada de mais, só como bons amigos.
— Ser amiga de ex? Isso existe? — perguntou com sarcasmo.
— Acho que a pergunta é: por que não sermos amigos? As coisas
não terminaram de modo trágico entre a gente. Namoramos e foi legal, mas
acabou.
— Simples assim?
— Simples assim.
— Se você está dizendo, eu acredito. Agora me conte o que houve
ontem à noite — pediu tirando os bacons da frigideira e colocando-os em
um prato.
— Antes de eu contar, saiba que está tudo bem comigo.
— Fale logo! — Encarou-me preocupada.
— Fui perseguida quando ia para a parada de ônibus.
— O quê? — perguntou espantada, olhando-me com olhos
arregalados.
— Calma! Também fiquei apavorada na hora, mas já passou. Está
tudo bem.
— Como assim passou? Me conte direito o que houve? — exigiu
indo até a cafeteira com duas canecas.
— Estava a uma quadra do ponto de ônibus, quando notei que
alguém vinha atrás de mim. Já era tarde e estava escuro. A primeira vez que
olhei para trás, não vi ninguém na rua. Eu caminhei mais rápido e escutei os
passos novamente, e eles pareciam estar ainda mais perto. Corri e ele
também. Quando cheguei à esquina, bati de frente com um homem que me
ajudou a levantar e chamou a polícia. A pessoa que me perseguiu
simplesmente sumiu do nada. Fui para a delegacia e encontrei o Jack. Foi
ele quem ligou para o Allan e o resto do que aconteceu depois você já sabe.
— Acha que era o maníaco? — perguntou entregando-me uma
caneca com café.
— Sinceramente, eu não sei, mas acho que quem me perseguiu era
um homem. Não vi muito, mas consegui ver que ele usava jaqueta marrom
e tinha capuz na cabeça encobrindo o rosto com a sombra. Era alto...
ombros largos... Não acho que aquilo era uma mulher, não mesmo!
— Meu Deus! — disse baixo. — Acho que realmente está na hora
de procurarmos outro emprego. Somos pequenas, que força teremos para
nos defender? Ainda acha que talvez a morte da Bridget esteja relacionada a
algum programa malsucedido?
— Quanto ao assassinato eu não sei, mas sobre arrumar outro
emprego, estou certa sobre isso. Na verdade... estive pensando seriamente
em voltar para Oklahoma.
Sasha ficou séria e afastou a caneca que levava à boca.
— Mas e quanto ao seu recomeço aqui? Achei que era esse seu
plano.
— Ainda é, mas preciso resolver algumas questões familiares.
Desde que voltei sinto-me tão mal por ter deixado minha família. Meu
coração está me mandando voltar e ficar com eles. Sinto que precisam de
mim.
— Eu entendo. — Apertou de leve meu ombro. — Quando você
vai?
— Ainda não sei. Vou falar com o Tyrone e pedi-lo que me arrume
mais alguns trabalhos, assim eu terei uma grana para me manter até que eu
ache algo por lá ou volte.
— Sem querer ser indelicada, mas... e quanto ao aluguel? Devo
procurar outra pessoa para ficar aqui até que volte? Não consigo pagar tudo
sozinha.
— Não se preocupe. Vou continuar pagando minha parte.
— Tudo bem. Vai ser ruim ficar sem você aqui — disse triste.
— Não fique assim. — Fui até ela e lhe abracei. — Eu vou voltar.
Não vai se livrar de mim tão fácil.
— E nem quero, Maya. Você realmente é uma grande amiga. Não
vou usar o termo: melhor amiga, porque isso é coisa de gente fresca, mas eu
amo você. É como minha irmã.
— Eu também te amo. — Sorri.
Depois do café, eu dormi até as dez quando Kim chegou. Ela estava
um pouco apavorada. Jack havia contado a ela sobre a perseguição na
madrugada. Nós almoçamos em casa e depois fomos encontrar a
cerimonialista.
— Você já decidiu qual de nós será sua dama de honra e qual será a
madrinha? — perguntou Sasha a Kim, enquanto esperávamos pela
cerimonialista em sua ampla sala.
— Ainda não — respondeu ela.
— Acho que posso ser a madrinha e Sasha sua dama de honra —
disse atraindo a atenção das duas.
— Não quer ser minha dama de honra? — perguntou Kim
desapontada.
— Não é isso, você sabe que jamais recusaria esse convite. A
questão é que eu não estarei aqui para ajudá-la como uma dama de honra
deve fazer. Por isso Sasha devia ser, ela estará aqui.
— Eu aceito! Obrigada! — disse humorada.
— Tudo bem. Agradeço sua honestidade, porque estava mesmo
pensando em chamar você, Maya.
— Você é uma falsa, Kim! — brincou Sasha. — Conhece ela há
menos tempo que eu!
— Você usa crocs. Não dá para confiar muito em alguém que usa
crocs para me ajudar com meu casamento — brincou Kim.
— Sua vaca! Elas são confortáveis e eu só uso em casa! — Sasha
retrucou fingindo estar brava.
— Acalmem-se, meninas! — brinquei, enquanto folheava uma
revista de vestidos de noivas. Era um mais lindo do que o outro. Será que
algum dia entrarei em um desses?
A cerimonialista chegou e o papo sobre casamento começou. Kim
reservou a igreja, escolheu o salão de festas e passou à mulher a lista de
convidados. A cerimonialista marcou com o buffet a prova dos pratos que
seriam servidos no jantar e a dos bolos com a confeitaria.
Chegamos em casa pouco mais de quatro horas. Deitei para cochilar
um pouco, antes de ir para o trabalho, mas foi sem sucesso. Mal fechei os
olhos, tive um pesadelo. Sonhei que estava voltando do trabalho por um
caminho diferente e o mesmo homem me perseguiu novamente usando as
mesmas roupas. No entanto, no sonho, ele conseguiu me pegar. Gritei,
esperneei e pedi alto por ajuda, mas ninguém apareceu. Ele me arrastou
pela calçada e sob a claridade de um poste, consegui ver seu rosto. Não me
recordo quem era exatamente, mas lembro-me de assustar ao ver alguém
que conhecia.
Sasha me acordou com sacolejos e me disse que eu estava gritando e
chorando. Passei as mãos por meu rosto banhado por lágrimas. Olhei para o
relógio sobre o criado-mudo ao lado e vi que havia passado somente vinte
minutos desde que me deitei. Levantei e fui ao banheiro, um banho me faria
bem. Demorei um pouco mais do que o costume, perdida em pensamentos
tentando me recordar de quem era o rosto familiar.
Às seis, Sasha e eu pegamos um táxi para a Wilcox. Quando
chegamos, um pouco atrasadas, percebi que Natasha estava com olhos
inchados e úmidos, sentada em uma mesa perto do palco.
— Você está bem? — perguntei a ela.
— Podemos conversar em particular? — perguntou-me.
— Claro!
Fomos até o camarim das dançarinas, que ainda estava vazio, e
Natasha fechou a porta nos dando privacidade. Em seus olhos encontrei
sofrimento. Ela sentou-se em uma poltrona e encarou suas mãos, que
esfregavam uma na outra com agonia, sobre seu colo.
— O que houve? — perguntei de pé à sua frente.
— Preciso contar isso para alguém, senão vou explodir — disse com
a voz embargada.
— Está me preocupando.
— Acho que... talvez... eu seja a culpada pela morte da Bridget —
falou aos prantos.
— O quê? Por que está dizendo isso?
— Na noite em que ela foi assassinada, eu recebi um bilhete. Ele foi
jogado no palco junto das notas de dinheiro, enquanto eu me apresentava.
No pedaço de papel estava escrito que a pessoa queria me encontrar no beco
após a última apresentação. Fiquei com medo e o joguei fora, mas ela viu e
o pegou. Bridget me perguntou se eu iria e respondi que não. Então, ela me
chamou de tola, colocou uma peruca ruiva par se apresentar e no final da
noite disse que se o dono do bilhete queria uma ruiva, ela daria uma a ele e
foi em meu lugar. Eu a alertei dizendo que isso poderia ser perigoso, mas
ela disse para eu deixar de ser tola.
— Não havia uma assinatura no bilhete? Nome ou um apelido?
— Não. Só havia um “Até breve, anjo ruivo” no final dele.
— Então esse era o motivo de ela ter usado uma peruca ruiva parte
daquela noite? — perguntei e ela assentiu com a cabeça. — Onde está esse
bilhete agora?
— Eu não sei. Ela o pegou. — Começou a chorar outra vez. — Eu
podia tê-la impedido, mas não fiz. Seja quem for, ele queria a mim, Maya.
— Mas por que acha que o assassino queria matá-la?
— Eu não sei. Estou com medo. — Soluçou em meio ao choro.
— Não chore! A culpa não foi sua — tentei confortá-la. — Mas...
você devia falar com a polícia.
— Não posso.
— Por que não?
— Tenho ficha suja na polícia. Devo serviço social a eles e posso ser
presa, se for pega.
— E se eu falar com um amigo da polícia e ele me garantir que nada
irá acontecer com você, falaria com ele? Eles precisam saber de tudo isso
que me contou. Essas informações farão toda diferença na investigação do
caso e pode ajudar a prenderem esse assassino antes que ele faça outra
vítima.
— Talvez, mas... prometa que eu estarei segura.
— Prometo!
Natasha se acalmou após alguns segundos e voltamos ao trabalho.
Tentei falar com Allan por várias vezes, mas ele não respondeu minhas
mensagens ou me atendeu quando liguei. A noite foi extremamente
cansativa, que nem mesmo me lembrei do convite para jantar com Victor.
Não que eu fosse, porque não iria. Porém, sentia que eu devia ao menos ter
lhe enviado uma mensagem dizendo que não compareceria.
No domingo, depois de lavar todas as minhas roupas, peguei um táxi
às dez da manhã e fui até a casa do Allan. Eu tentei outra vez falar com ele,
mas não consegui. Tomei a iniciativa de ir até ele, porque o que tinha para
lhe falar era urgente e sério. Aproveitei a ida e levei seu casaco para
devolvê-lo. Depois de pagar a corrida, desci do carro e toquei a campainha.
Demorou, mas quando toquei pela segunda vez, a porta foi aberta e ele
surgiu vestindo apenas um short. Seus cabelos estavam levemente
despenteados, mas ele não tinha cara de alguém que havia acabado de
acordar.
— Maya? — disse surpreso ao me ver e fechou um pouco mais a
porta. — O que faz aqui? Está tudo bem?
— Sim. Eu vim lhe devolver seu casaco que esqueceu lá casa
naquela noite e...
— Allan! O café vai esfriar! — gritou uma voz feminina, vindo de
dentro da casa.
— Desculpe-me — pedi constrangida ao notar que ele não estava
sozinho. — Não quis atrapalhar. Não sabia que...
— Quem está aí, amor? É o Jack? — perguntou a mulher e puxou a
porta abrindo-a mais.
Ela tinha cabelos loiros e lisos, pernas longas e pálidas, e vestia
apenas com uma camisa branca que pertencia a ele. A mulher deu-me um
largo sorriso. Olhei para o Allan e ele me encarava como quem pedia
desculpas apenas com o olhar.
— Oi. Sou Emma, noiva do Allan — apresentou-se estendendo-me
sua mão.
— Maya. — Aceitei o cumprimento, apertando-a brevemente. — Eu
só vim lhe entregar isto. Pegue — pedi lhe estendendo a sacola de papel
com seu casaco dentro.
— O que é isso? — perguntou a mulher pegando a sacola. — Ah! É
o casaco que te dei no Natal! Você disse que não se lembrava onde havia
perdido — falou sorridente. — Obrigada por devolver — agradeceu-me.
— De nada — respondi entendendo de quem se tratava ela. Era a ex
ou... a atual noiva dele. Há quanto tempo isso está rolando?
Sem dizer nada, afastei-me deles para ir embora. Caminhei até a
esquina e rezei para que um táxi aparecesse logo. Por algum motivo que eu
desconhecia, estava me sentindo envergonhada por ter aparecido na porta
de sua casa.
— Maya! — Allan gritou correndo atrás de mim.
— O que foi?
— Perdoe-me por isso.
— Tudo bem, Allan. Não estamos mais juntos e você não me deve
satisfações.
— Devo sim! Eu queria te contar na noite que me mandou ir
embora, mas...
— Espere aí! — interrompi-o alto. — Como assim ter me contado
na noite que mandei você embora? Não estou entendendo, Allan! — Ele
ficou tenso e desviou seu olhar do meu, respirando fundo. — Quando ela
voltou?
— Há uma semana.
— Transou com ela enquanto eu estava em Oklahoma? Quando
ainda estávamos namorando? — perguntei me sentindo irritada.
— Perdoe-me, por favor — pediu baixo e tornou a me encarar.
— Nossa... — Aquilo me magoou. — Uau! Além de um machista
filho da mãe, é também um traidor? Fala sério, Allan! — disse histérica e
empurrei-o pelos ombros.
— Fique calma e fale baixo! — pediu entredentes.
— Quem você pensa que é para me mandar calar? Vai para o
inferno, Allan! — esbravejei e atravessei a rua, pegando a maior distância
possível dele. — Onde estão os táxis dessa cidade quando a gente precisa?
— perguntei enfurecida para mim mesma.
Caminhei até um ponto de ônibus e fui para casa. No caminho,
Allan mandou uma mensagem de texto pedindo-me perdão pelo seu erro.
Na mesma, ele tentou se defender que sempre foi claro quando dizia que
ainda não havia esquecido seu relacionamento com a ex-noiva. Isso só
deixou-me ainda mais irritada com ele. Quando cheguei, contei a Sasha o
que aconteceu na casa dele e sobre sua traição na minha ausência. Ela ficou
tão chocada quanto eu. Disse que Allan sempre demonstrou estar magoado
com a ex e já o ouviu jurar diversas vezes que jamais voltaria para ela. Eu
desabei minha indignação com Sasha. Precisava desabafar e conversar para
não explodir de raiva. Será que foi assim que Victor se sentiu quando
descobriu que fui para a cama com Higor?
As horas passaram, a noite chegou e eu não estava nem um pouco a
fim de ir para o trabalho, mas era preciso, eu tinha um trato com Pette.
— Você falou com seu amigo da polícia? — perguntou Natasha no
fim do expediente.
— Não, ainda não. O amigo que pensei que poderia nos ajudar anda
meio ocupado. — Era para Allan que eu iria pedir ajuda, mas depois de
descobrir sua falta de caráter, só me restou Jack. — Mas fique tranquila.
Tenho outro amigo e vou falar com ele.
Depois de me trocar, saímos por último: eu, Sasha, Zoe e Tyler.
Estava mal me sustentando de pé de tanto cansaço. Tudo o que eu mais
desejava era um banho quente e minha cama.
— Preciso de doze horas de sono — resmunguei.
— Parece mesmo estar precisando, está péssima! — brincou Tyler.
— Obrigada, Tyler! — agradeci falsamente fingindo irritação e ele
riu.
— Maya! — A voz grossa e imponente de Victor ecoou pela rua
silenciosa atrás de mim.
Virei-me e encarei-o incrédula, perguntando-me que diabos ele fazia
ali. Olhei para trás e todos nos olhavam com curiosidade. Afastei-me a
passos largos e caminhei até ele.
— O que está fazendo aqui? — perguntei baixo, parando à sua
frente.
— Você não deu sinal de vida ontem, só fiquei preocupado.
— Eu estou bem! Vai embora!
— Deixe-me levá-las para casa, já está tarde.
— Não precisa! — falei rude e um pouco mais alto.
— O quê? Precisa sim, você está louca? Já se esqueceu de que quase
foi sequestrada na sexta? — Sasha intrometeu-se, vindo até nós.
— Cale a boca, Sasha! — disse verdadeiramente enfurecida com
ela.
— Isso é sério? — perguntou Victor alterado, lançando-me seu olhar
duro. — Entre nesse carro agora! — ordenou alto, abrindo ele mesmo a
porta traseira. Sasha entrou rapidamente e eu fiquei parada na calçada,
recusando-me a entrar. — Não me faça colocá-la aí dentro! Você me
conhece, Maya! — ameaçou-me entredentes, encarando-me com ira.
Respirei fundo e entrei. Não duvidei que ele fosse capaz de fazer tal
coisa. Ele veio logo depois de mim e Noberto fechou a porta assumindo a
direção em seguida, colocando o carro em movimento. O caminho foi feito
em um silêncio cheio de tensão. Victor tinha o punho esquerdo cerrado
sobre a coxa, mostrando o quanto estava à beira de explodir em gritos
comigo. O cotovelo direito estava apoiado na porta e o punho estava
fechado apoiando seu queixo. Ele encarava a cidade que passava pela sua
janela, com uma feição dura e o maxilar contraído.
O carro estacionou próximo ao meio-fio, em frente ao nosso prédio.
Sasha desejou-lhe uma boa-noite e saltou do carro sem esperar por Noberto
fazer seu trabalho, abrindo a porta. Antes que eu pudesse fazer o mesmo,
ela foi fechada e as travas se abaixaram, trancando-me ali dentro com
Victor.
— Me deixe sair — pedi e olhei-o sobre o ombro, irritada.
— Quando irá entender que essa cidade não é para você? Por mais
quanto tempo irá querer pagar para ver, Maya? Quando o pior tiver
acontecido, será tarde.
— Eu sei me cuidar. Estou bem, já lhe disse isso!
— Não, não está! Volte comigo para Houston.
— Não!
— Por que não quer voltar? É por alguém aqui? Ou por seu trabalho
como modelo?
— Quero recomeçar minha vida aqui, é difícil de aceitar? — Virei-
me para ele. — Se eu tiver que voltar para algum lugar, será para Tulsa com
o dever de cuidar da minha mãe e resolver-me com meu pai! Houston não é
mais um lugar para mim. Eu quero esquecer toda a humilhação pela qual
passei naquele lugar, toda a tortura que me causaram sem o menor motivo!
— desabafei sentindo lágrimas quentes escorrerem por meu rosto e um
aperto dilacerante no peito. — Quero poder seguir em frente. Esquecer os
momentos de terror que vivi e, principalmente, as ofensas que ouvi de você!
Calei-me e sequei minhas lágrimas atrevidas que derramaram
mostrando o quanto eu estava frágil e fraca.
— Eu sinto muito...
— Não, não sente! — interrompi-o e olhei para o outro lado.
— Eu ainda amo você, Maya. — Fechei meus olhos e busquei não
desabar em seus braços, porque era exatamente isso que eu queria fazer. —
Tentei te esquecer e isso me levou para o fundo do poço. Eu percebi que era
mais fácil ignorar a minha dor e sofrimento do que o quanto ainda sou
louco por você. — Sua mão tocou meu braço, provocando-me um arrepio
por baixo do casaco que eu vestia. — Sinto-me perdido. Talvez eu seja um
velho que esteja louco por amar uma garota de vinte e um anos, mas você,
Maya, fez com que eu me sentisse vivo outra vez, como não me sentia há
muito... muito tempo. — Abri meus olhos e vi seu rosto pelo reflexo do
vidro. — Não quero ficar sem você. Perdoe-me se levei tempo demais para
perceber isso e procurá-la.
— Com quem estava em Shanghai? Quem era a mulher que chamou
você de "amor"?
— Margot, minha irmã. Ela me chama assim. Chama a qualquer um
desta forma, desde que dê a ela liberdade.
Pelo canto dos olhos, vi-o sacar o celular do bolso e procurar por
algo nele.
— Veja... Essa foto foi tirada ao fim de uma reunião de sucesso em
Shanghai. — Entregou-me seu celular. — Foi a mesma que me mandou.
Esta mulher loira com cabelos curtos é Margot. — Apontou-me a mulher na
imagem.
Na foto havia três homens, Victor, Margot e outra mulher de cabelos
curtinhos e grisalhos. Devolvi o celular a ele e não tive coragem de olhá-lo
nos olhos. Eu acreditei fielmente que ele havia me traído e me sentia
envergonhada pela minha ignorância. Se não fosse por ela e minha
estupidez, eu não teria ido àquela festa e não teria acontecido nada daquilo.
Com certeza, muita coisa que me doía naquele momento seria diferente.
— Jamais trairia você! Jamais! — repetiu baixo, com sua boca
próxima ao meu ouvido.
As portas foram destravadas e era hora de eu entrar em casa, mas ao
invés disso eu queria ficar. Com muito aperto no peito e um bolo na
garganta, abri a porta do carro e desci. Noberto sorriu para mim, mas não
tive força para retribuir.
Quando entrei em casa, meu celular soou o alerta de mensagem.
Espero que me perdoe.
Saiba que quero ter a chance de cuidar novamente de você.
Estou no hotel Cloud Gate, quarto 3003.
Victor
04:59 p.m.

Coloquei o celular sobre o criado-mudo ao lado e me deitei depois


do tão desejado banho quente, mas não consegui dormir. O sono veio
depois de muitas lágrimas derramadas e saudades não só de casa, como
também de Victor.
CAPÍTULO 16

Na manhã seguinte, eu acordei às dez e fiquei o máximo de tempo


possível na cama, apenas pensando na vida e dando vazão às lágrimas.
Sasha bateu preocupada na porta algumas vezes, mas me livrei dela dizendo
que estava apenas cansada demais. Às duas da tarde, eu ainda estava
trancada, sem comer nada. Não sentia fome, apenas angústia e uma
imensidão vazia dentro de mim que me apavorava, era como se eu estivesse
oca.
— Maya! — Sasha chamou-me novamente batendo a porta.
— O que foi? — perguntei escondida em meio aos cobertores.
— Allan está aqui. Disse que quer falar com você e só vai embora
quando conseguir. Ele está chato e bem insistente. Levante e venha colocá-
lo para fora, por favor.
Respirei fundo buscando coragem para levantar e paciência para
lidar com ele.
— Estou indo.
Contrariada, troquei de roupa, prendi meus cabelos emaranhados em
um coque e escovei os dentes rapidamente.
— O que faz aqui, Allan? — perguntei ao chegar à sala. — Não
estou em um bom dia.
— Precisava saber se estava tudo bem.
— Agradeço a preocupação, mas você poderia ter ligado. Porém,
respondendo a sua pergunta... Estou bem, Allan. Agora você já pode ir. —
Apontei a porta.
— Por favor... Vamos conversar. Deixe-me explicar melhor o que
aconteceu...
— Pare! — interrompi-o. — Em primeiro lugar, saiba que nada
justifica o que fez. Mesmo não estando mais juntos, quando descobri,
aquilo me decepcionou. Em segundo, você não tem mais nada para me
dizer. Já se explicou o suficiente, pediu desculpas e eu digo que está
desculpado. Agora... por favor... Será que você pode ir? Realmente não
estou em um bom dia! — Estava ficando extremamente irritada, mas tentei
não ser grossa com ele.
— Eu me odeio por ter te magoado. Você tem razão, nada justifica o
que fiz. Você não merecia isso, Maya.
Respirei fundo de olhos fechados e o encarei de volta.
— Eu a amei loucamente um dia e sofri muito quando ela se foi.
Quando a mesma apareceu batendo em minha porta, pedindo-me perdão e
dizendo que me amava, isso me deixou balançado, confesso, e nem sei o
porquê! O que irei dizer não é desculpa, mas... estávamos brigados e sentia
raiva pelas coisas não estarem indo bem entre nós como eu queria, então...
agi de maneira estúpida e egoísta. Não sei por que fiz aquilo. No fundo,
acho que queria estar com ela mais uma vez, ou sei lá. Foi completamente
errado e me arrependo! Mandei-a ir embora no dia seguinte e ela se
chateou. Me ligou na noite em que você chegou, chantageando-me e decidi
que ia te contar, mas, antes que eu pudesse fazer isso, nós discutimos mais
uma vez e você rompeu nosso namoro.
— Era com ela que falava ao telefone na varanda naquela noite?
— Sim.
— Vocês estão juntos agora, não estão?
— Ficamos por mais algumas vezes depois que eu e você
terminamos. Uma delas foi naquela manhã que esteve em minha casa.
Estranhamente, nada do que o ouvi me contar doeu. Eu esperava
sentir ao menos uma raiva momentânea, como a que senti quando descobri
sua traição, mas nada aconteceu dentro de mim. Aos poucos, percebi que
Allan estava sentindo exatamente o que eu senti quando transei com Higor
em Tulsa. Não sabia por que queria transar com ele, apenas deixei acontecer
e me arrependi logo depois. O motivo do meu arrependimento era porque
estava me apaixonando por Victor e ainda não havia me dado conta disso.
Mas, honestamente, não achava que esse também seria o porquê do
arrependimento do Allan e sim sua consciência pesada. Naquele exato
momento, olhando-o a minha frente me dei conta de algo bem simples que
eu já sabia, mas não queria me permitir ver. Eu jamais amaria o Allan,
assim como ele também nunca me amaria. Isso seria impossível de
acontecer, porque amávamos outras pessoas.
— Allan... Sejamos honestos um com o outro. Nós nunca daríamos
certo juntos. Talvez você não a ame, apesar de eu acreditar que sim, mas eu
amo outra pessoa. Relacionamentos não dão certo sem amor, não é? —
Senti um pequeno aperto no peito. — Eu preciso parar de mentir para mim
mesma e você também devia parar de querer iludir seus sentimentos. A
quem queremos enganar? — Sorri com tristeza.
Ele encarou-me confuso.
— Eu desculpo você e não guardarei mágoas. Estávamos insistindo
em algo que nunca iria adiante, ou seria grande. Não vamos perder mais
tempo. É hora de irmos atrás de quem nos faz feliz verdadeiramente.
Obrigada por tudo o que fez por mim, mas volte para casa. Aconselho você
a pensar melhor sobre seus sentimentos por sua ex-noiva. Talvez você ainda
a ame, mas não se permita ver. Não faça com sua felicidade o que eu estava
fazendo com a minha: autossabotagem.
— Nossa... — Engoliu em seco. — Tudo bem. Fico feliz que não
haverá ressentimentos.
— Não vai. Eu garanto!
Dei-lhe um sorriso amigável e o conduzi até a porta. Nós nos
despedimos com um aceno breve e logo a fechei.
— Uau! Que diálogo maduro — disse Sasha ao entrar na sala.
— Estava escutando a conversa alheia? — Estreitei meus olhos para
ela.
— Sim. — Riu.
— Se eu disser que amo loucamente um homem de sessenta anos, o
que você diria? Pareço louca por sentir isso?
— Não, claro que não! — Veio até mim. — Eu diria a você para
correr atrás do teu homem, porque o tempo dele já não é tão longo quanto o
seu. E que não há uma regra sobre idades para o amor. — Sorri e lhe
abracei.
— Acha que eu devia ir atrás dele? — perguntei ainda agarrada a
ela. — Eu o amo, mas tenho medo. E se ele me magoar novamente?
— Tenha fé em vocês. Se o ama, o que ainda faz aqui?
— Eu não sei. Honestamente, não sei.
— Eu chamo o táxi enquanto você se arruma.
Sorri para ela.
Tomei um banho rápido, penteei os cabelos e vesti uma calça jeans
justa, uma blusa branca decotada e um casaco vermelho. Calcei um par de
sandálias pretas de salto Anabela e passei um batom rosado nos lábios. Dei
uma rápida conferida diante do espelho e aproveitei para colocar alguns
acessórios. Queria estar bonita para ir atrás do Victor.
— Uau! Você está linda! — elogiou Sasha quando cheguei à sala. —
O táxi acabou de chegar.
Despedi-me dela e desci. Passei ao motorista o endereço do hotel e
seguimos viagem. A cada minuto mais perto, mais meu estômago se
contorcia forte causando-me ânsia e minhas mãos tremiam suando frio. Eu
estava tão nervosa, como jamais fiquei. Era como se eu estivesse vivendo
aquelas cenas finais dos filmes de romance onde a moça, ou o cara, corre
com destino ao aeroporto para impedir a partida do seu grande e verdadeiro
amor. Eu não parava de sorrir e de imaginar o que lhe dizer quando
chegasse até lá.
Ao chegar no hotel, paguei a corrida e desci olhando para cima
observando o mais badalado prédio cinco estrelas de Chicago. Quando
passei pelas portas giratórias e entrei no saguão, senti uma leve tontura
causada pelo nervoso, mas obriguei-me a me manter de pé e seguir em
frente até a recepção.
— Com licença — pedi a uma das moças atrás do balcão.
— Seja bem-vinda ao Cloud Gate. Em que posso ajudá-la?
— Preciso ir até ao quarto três mil e três.
— Um documento com foto, por favor? — pediu e eu lhe entreguei
minha carteira de motorista.
— Maya Valentine?
— Isso mesmo — confirmei.
— Tudo bem, você pode subir.
— Não vai ligar, para saber se ele pode me receber agora?
— Não. Sua entrada é liberada.
— Ah... — murmurei surpresa. — Certo. Obrigada.
Peguei meu documento de volta e tomei o elevador. Quando as
portas de aço dourado se abriram para um corredor no último andar, um frio
percorreu minha espinha arrepiando meus pelos da nuca e braços.
Engolindo minha tensão juntamente ao meu orgulho que insistia em
aparecer para me atrapalhar, dei o primeiro passo para fora e as portas se
fecharam rapidamente atrás de mim, impedindo-me de voltar atrás na
decisão de procurá-lo.
Caminhei com passos vacilantes e lentos sentindo minha respiração
ficar levemente ofegante e pesada. Parei diante da porta marfim e respirei
fundo tentando controlar meu nervoso, que me sucumbia pouco a pouco.
Dei duas leves batidas contra a madeira trabalhada a mão e, em segundos,
ela foi aberta, mas não era Victor quem estava depois dela, era outro
homem desconhecido.
— Em que posso ajudá-la? — perguntou ele, que segurava uma
pasta cinza nas mãos.
— Eu... — Minha voz falhou. Eu estava perturbadoramente tensa.
— Maya? — chamou-me Victor baixo e surpreso ao me ver parada
no corredor.
Ele ficou ali, encarando-me por alguns segundos como se não
acreditasse no que via. Será que já estava certo de que eu havia desistido de
nós? Também não seria para menos, perdi as contas de quantas vezes o
rejeitei desde Tulsa.
— Não cheguei em uma boa hora. Eu volto depois. — Afastei-me e
virei-me para ir embora.
— De jeito nenhum! — exclamou ele vindo até a porta. — Entre. —
Puxou-me delicadamente pelo braço para dentro da suíte. Seu toque me
causou uma descarga elétrica. — Michael! Acabamos por hoje, você já
pode ir.
— Claro, senhor. Com licença — pediu e retirou-se depois de vestir
seu paletó, fechando a porta ao sair.
Sozinhos, ficamos em silêncio por alguns segundos nos encarando.
Ele parecia estar tão nervoso quanto eu. Seu peito arfava alto ofegante e
seus dedos esfregavam freneticamente a folha que segurava nas mãos.
— Então... O que lhe trouxe até mim? Algum problema?
— E-eu... Eu não sei o que vim fazer aqui, na verdade — disse
baixo, dando uma leve engasgada de nervoso.
— Está nervosa? — Assenti concordando. — Eu também. — Sorriu
envergonhado e caminhou até a mesa de centro, depositando o papel sobre
ela. — Venha até aqui! — chamou-me com a voz baixa e suave, mas
deixando claro não ser um pedido.
Caminhei até ele e parei próxima ficando a um metro de distância,
ou talvez menos.
— Mais perto — sussurrou.
Fechei o pouco espaço que havia entre nós, deixando meu corpo a
centímetros dele. Victor olhou-me nos olhos. Seu perfume inundava minhas
narinas, trazendo desejo e saudades de nós.
— O que veio fazer aqui, Maya? Diga-me.
Perdida em seu olhar, sentia o vazio que me sucumbia mais cedo,
preencher dentro de mim deixando meus olhos marejados.
— Dizer que amo você — sussurrei, sentindo as primeiras gotas de
lágrimas escorrer.
— Eu também te amo, Srta. Valentine — declarou-se segurando
meu rosto entre suas mãos quentes e secando meu choro que caía em
silêncio.
Lentamente, seus lábios se juntaram aos meus com delicadeza, em
um beijo lento e sedutor com sabor de saudade, e completamente
apaixonado. Passei meus braços por seu pescoço e ele laçou minha cintura
com os seus, colando nossos corpos que flamejavam com desespero um
pelo outro. Não havia outro lugar no mundo que eu quisesse estar naquele
exato momento, que não fosse em seus braços e com sua boca na minha.
Aos poucos, nosso beijo contínuo se tornou cheio de tesão. Suas
mãos me apertavam, enquanto as minhas entravam em seus cabelos. Era
como se nós quisemos uma prova real durante o beijo de que aquele
momento estava mesmo acontecendo.
— Quero rasgar sua roupa e lhe castigar por me fazer humilhar por
você — disse ofegante, com seus lábios colados nos meus.
— Me ame hoje e me puna amanhã — sussurrei antes de beijá-lo
novamente.
Victor levantou-me do chão e eu agarrei sua cintura com minhas
pernas. Olho no olho, e ofegantes, ele me levou até o quarto e deitou-me na
cama macia, onde me despiu com lentidão retirando peça por peça deixando
beijos por toda minha pele. Suas mãos percorreram meu corpo com carícias
apertando com certa força algumas partes fartas causando-me um
pouquinho de dor. Ele se deitou sobre mim e beijou-me prendendo meus
punhos sobre o colchão com suas mãos. Eu queria tocá-lo, minhas mãos
ardiam de saudades da sua pele, mas ele não permitiu. Percebi que, de
algum jeito, ele queria me punir pelo meu orgulho enquanto começava a me
amar.
Eu já estava enlouquecida de desejo, gemendo contido em nosso
beijo, quando ele mordeu meu lábio inferior antes de se afastar para se
despir. Gloriosamente nu, Victor acomodou-se entre minhas pernas e sorriu
cheio de malícia antes de me penetrar com força fechando os olhos. Gemi
alto enterrando a cabeça para trás no colchão e o agarrei com pernas e
braços. Nossos lábios se encontraram novamente enquanto ele investia cada
vez mais rápido contra mim.
Era um sexo saudoso, rude, amável e cheio de emoção. Meus olhos
estavam queimando com as lágrimas que tentava conter fechando os olhos
com força. O quarto se encheu com nossos gritos de prazer intenso e o
barulho dos nossos corpos que se chocavam um contra o outro com força.
— Victor! — chamei-o com desespero, sentindo um tremor gostoso
e calorosamente familiar subir pelos meus pés indo direto para a minha
cabeça.
— Estou aqui, querida! — sussurrou em meu ouvido, escondendo
seu rosto em meu pescoço.
Explodi em um orgasmo e não fui mais capaz de controlar minhas
lágrimas, que escorreram grossas e pesadas por minhas têmporas fazendo-
me soluçar. Victor mordeu o lóbulo da minha orelha direita e depois beijou
meu pescoço desmanchando-se dentro de mim. Fechei meus olhos e
continuei agarrada a ele. Tive medo de abri-los e esse momento não passar
de mais um sonho onde eu acordava tendo um orgasmo com memórias das
nossas fodas malucas e deliciosas.
— Abra os olhos — pediu ele.
— Não — respondi com a voz baixa e embargada.
— Abra!
Eu os abri e fui surpreendida com minha visão levemente turva e
meu choro que escorria sem parar.
— Não chore. Vou cuidar de você agora. — Secou minhas lágrimas
com um toque suave do seu dedo. — Desculpe-me, amor. Desculpe-me por
ter sido um miserável que não quis lhe ouvir. Por não cuidar de você como
deveria e por permitir que alguém lhe causasse a dor pela qual passou.
Desculpe por lhe ter machucado.
— Não me deixe — sussurrei, acariciando seus cabelos da nuca.
— Não vou, eu prometo! Nem mesmo se você me mandar ir.
Passamos horas deitados na cama sem muita conversa, apenas
trocando carícias e beijos. Transamos com lentidão e depois ele permitiu
que eu ficasse por cima, até que ficássemos satisfeitos do corpo um do
outro, se é que isso era possível. O sol já estava baixo quando, enfim,
levantamos para um banho. Victor deixou o chuveiro primeiro que eu,
quando seu celular começou a tocar insistentemente no quarto. Saí do
banheiro e me vesti com minhas roupas. Ao sair do quarto, encontrei-o ao
telefone fixo da suíte pedindo serviço de quarto.
— Por que está vestida? Onde pensa que vai?
— Trabalhar. Já são cinco horas, eu tenho que ir.
— Não... Fique! — Veio até mim.
— Victor... Eu tenho que ir!
— Eu não quero que trabalhe mais nem um dia naquele lugar! —
disse sério e ri com deboche. Mal havíamos reatado e o mandão já estava de
volta.
— Infelizmente, eu preciso ir. Tenho contas para pagar e não posso
simplesmente faltar sem uma boa justificativa. Não sou esse tipo de
funcionária.
Victor ficou em silêncio e avaliou-me com olhos estreitos e braços
cruzados à frente.
— Tudo bem. Mas hoje mesmo você pedirá demissão. Estamos
acertados?
— Você mal acabou de voltar para a minha vida e já quer começar a
comandar em tudo de novo? Não é assim, Victor! Isso de você querer
mandar em tudo, ser o único quem dita as regras também acabou com a
gente! Precisamos de um pouco de espaço. Eu entendo os motivos pelos
quais não quer que eu trabalhe naquele lugar, eu também não gosto de lá e
pretendo sair logo, mas não é assim. Okay? Tenho um contrato para
cumprir.
— Não acredito que já estamos brigando! — exclamou alto.
— Não estamos brigando, amor. Estou apenas dizendo que não
posso deixar o trabalho como quer que eu faça e explicando o porquê. Não
grite comigo, porque não estou gritando com você!
— É que eu fico louco só de imaginar que tem dezenas de homens
encarando-a como leões famintos e os perigos que corre trabalhando
naquele lugar.
— Não precisa se preocupar, vou ficar bem. Agora tenho que ir. Nos
falamos depois — despedi-me com um rápido beijo e saí apressada antes
que ele tentasse me impedir e eu deixasse.
Ao sair do hotel, avistei Noberto parado junto ao carro estacionado
próximo ao meio-fio.
— Olá, Maya! — saudou-me sorridente.
— Oi, Noberto. — Retribuí o sorriso.
— Fico feliz que, enfim, a tempestade tenha passado.
— Eu também — admiti.
— Entre. A levarei para casa em segurança e depois para Wilcox. —
Abriu a porta do carro para mim.
— Obrigada. — Entrei.
Ao chegar em casa, Sasha já estava pronta para o trabalho. Ela
olhou-me com os olhos estreitos e balançou a cabeça em negação.
— Isso são horas de chegar? Vamos perder o ônibus! — disse ela.
— Não se preocupe, temos carona hoje.
— A julgar pelos cabelos molhados, você já está de banho tomado.
Podemos ir?
— Vou trocar de roupa, é rápido.
CAPÍTULO 17

O momento pelo qual esperei por dias finalmente havia chegado. Eu


a tinha outra vez em meus braços e pretendia nunca mais soltá-la. Quando
Maya passou pela porta minutos atrás indo embora, senti uma tremenda
vontade de puxá-la pelos cabelos e impedir que fosse; de proibi-la de voltar
àquele lugar imundo, que chamava de trabalho. Tive vontade de colocá-la
em meu colo e lhe dar umas boas palmadas, deixando suas nádegas alvas
marcadas pelas minhas mãos, mas soube me conter.
Ainda tinha mais trabalho para fazer e algumas reuniões com
clientes e alguns fornecedores por teleconferências que durariam até as
nove da noite, ou talvez mais. O problema era que o relógio ainda marcava
cinco da tarde e eu não conseguia me concentrar em nada do que tentava
fazer. Já estava louco só de pensar que Maya não passaria a noite comigo,
meus pensamentos estavam somente nela. Eu a queria ao meu lado! Era
demais desejar isso?
Resolvi aceitar o convite para jantar na casa de um antigo amigo da
faculdade, Cole. No caminho, parei em uma movimentada adega no centro
e comprei uma garrafa de um bom vinho chileno. Saí e caminhei em
direção ao carro, mas antes que eu chegasse até ele, um gigantesco banner,
que se estendia do teto ao chão na vitrine da loja ao lado, chamou minha
atenção. Nele, uma foto da Maya e outro homem, que mataria naquele exato
momento se cruzasse meu caminho. Ela estava com os seios nus colados no
corpo do infeliz modelo. Embora não estivessem tão em evidência na foto,
ela estava com os MEUS seios à mostra para Chicago inteira ver!
— Ah, Maya! Você não perde por esperar — murmurei baixo,
sentindo o ódio travar meu maxilar.
— Está tudo bem, senhor? — perguntou Noberto.
— Não! Quero jogar uma pedra nesta vitrine! — respondi irritado e
entrei logo no carro, antes que fizesse uma besteira.

O jantar na casa de Cole havia sido bom e tranquilo. Foi ótimo


poder confraternizar com toda sua família e conhecer seus netos. Sua filha
mais nova tinha a idade da Maya e era uma linda futura professora, que
estava indo contra a carreira de gerações da família, que sempre
administrou um império bem-sucedido de joias. A moça estava noiva e
falava em filhos. Não pude evitar perguntar-me se Maya um dia iria querer
o mesmo. Infelizmente isso não poderia dar a ela.
— Ainda tem um gosto apurado para bons vinhos, Victor — elogiou
Cole.
— Sempre — disse e levantei minha taça para ele em um brinde.
— Ainda fuma charutos? — perguntou enchendo mais minha taça.
— Mas é claro.
— Tenho um caixa de excelentes cubanos em meu escritório. Venha.
Fomos até lá, acendemos dois charutos e nos sentamos na varanda
do seu sofisticado escritório com mobília moderna e cores claras.
— O que aconteceu a garota com quem estampou algumas revistas
de fofocas?
— Maya é o nome dela. Ela mora aqui, por isso estou em Chicago.
— É mesmo? E o que ela faz?
— No momento? Coisas para me contrariar, mas no futuro será uma
exímia cardiologista, não tenho dúvida alguma! — respondi convicto.
— Maravilha. Assim se você infartar durante o sexo, ela poderá lhe
dar os primeiros socorros — brincou, fazendo-me rir.
— Ainda dou conta do serviço. E um serviço de qualidade, eu lhe
asseguro — respondi igualmente humorado fazendo Cole gargalhar.
— Você ainda tem o mesmo humor da faculdade. Mas me diga...
Estou curioso. O que quer com uma garota tão jovem? Provar aos velhos
amigos que ainda é viril? — perguntou e gargalhou com deboche. — Ela
tem idade para ser sua filha, Victor. Talvez até sua neta. Eu tenho um neto
de dezoito anos.
— Maya é minha namorada! E, em breve, será minha mulher. Sei
que não está no alcance da sua compreensão entender que nós nos amamos,
mas este é o único motivo pelo qual estamos juntos. Eu te entendo... Já
conheci muitos seres humanos que não tinham a mente evoluída o bastante
para compreender questões como essa, assim como você!
Levantei-me da cadeira irritado e aproximei-me do parapeito lhe
dando as costas.
— Já passou pela sua cabeça que ela pode estar apenas lhe usando
para conseguir vitória na vida? Para custeá-la? Pare com isso. É ridículo!
Tenho uma filha de vinte e um anos e sei como essas moças de hoje em dia
pensam, Victor! São apenas mulheres ambiciosas que querem que tudo
venha fácil.
— Você não sabe de nós! — Encarei-o. — Não sabe nada sobre ela,
ou o que já vivemos juntos e separados! — Tentei controlar minha raiva.
Ele gargalhou alto, como se alguém tivesse lhe contado a mais
hilária piada de todos os tempos. Cole levantou-se e veio até mim parando à
minha frente.
— Você está próximo do fim da vida. Logo precisará de alguém
para cuidar de você. Garanto que ela não se oferecerá para fazer isso. Essa
diferença de idade entre vocês não é coerente!
— A única coisa que para mim não é coerente, é esse seu
pensamento ignorante!
Foi inevitável não demonstrar um pouco da minha raiva na voz.
— Ignorância é você amar uma jovem e acreditar que ela o ama!
Esse relacionamento de vocês é nojento!
— Foi bom revê-lo, Cole. Obrigado pelo jantar.
Caminhei até a mesa e apaguei o charuto no cinzeiro sobre ela, antes
de deixar o escritório sem olhar para trás. Atravessei a sala de estar e
despedi-me de seus filhos e esposa, que conversavam animados sentados ali
bebendo café. Caminhei até o carro e Noberto abriu a porta para mim.
— Algum problema, senhor? — perguntou assim que assumiu a
direção.
— Que horas são?
— São onze horas, senhor.
— Não percebi que já era tão tarde.
— Para onde vamos agora? — perguntou dando partida no carro.
— Para o bar.
— Onde Maya trabalha?
— Sim.
— Tem certeza? — questionou, olhando-me pelo retrovisor.
— Tenho! — respondi irritado.
— Tudo bem, então.
Fomos para o bar e, quando entrei, o lugar estava lotado. Homens se
amontoavam à frente do palco, gritando e assobiando para a mulher que se
apresentava quase nua sobre ele. Sentei-me no bar e pedi uma dose dupla de
uísque.
— Aqui está? Mais alguma coisa? — perguntou o barman.
— Onde está a Maya?
— Ah... Você é o cara que buscou ela noite passada, não é? Ela está
por aí no meio da multidão. Quer que eu mande chamá-la?
— Não. — Dei um grande gole no uísque cowboy servido a mim.
— Qual a ligação de vocês dois? São parentes?
Encarei-o com os olhos estreitos, surpreso por sua pergunta
invasiva.
— Pergunte a ela — respondi e lhe dei um sorriso sarcástico, antes
de virar o restante do uísque e pedir por mais uma dose dupla.
Se está tão curioso sobre nós, que ela lhe responda, então. Ainda
quero ouvir de sua boca que é MINHA namorada.
Entre um drinque e outro, eu apenas observava o lugar de grande
movimento. Havia gente de todo tipo e idade. Uns se esbaldavam com
moderação, mas outros não. Ao canto, vi um homem brigar com uma das
dançarinas. Ele não me pareceu nada satisfeito com a pobre moça, que
estava apenas o ouvindo de cabeça baixa, assentindo uma vez ou outra. Pelo
tipo arrogante, entendi que ele devia ser o dono do lugar, ou ao menos
alguém que mandava em alguma coisa na boate. Será que em algum
momento ele tratou Maya assim?
Virei o restante da minha bebida em um só gole e levantei-me indo
até ele, aproximando-me como quem não queria nada ou que estivesse indo
para outra direção.
— A próxima vez que vacilar com outro cliente, será demitida e vou
cuidar pessoalmente para que não arranje emprego em nenhum outro lugar
nesta cidade! Eles pagam bem pela dança particular, portanto, podem pedir
o que quiser a vocês! Olhe para mim! — gritou agarrando forte o maxilar
da mulher, forçando-a encará-lo. — Você entendeu?
— Sim. Desculpe, não irá acontecer outra vez.
Ele soltou seu rosto com brutalidade, empurrando-a para trás.
— Saia daqui! Volte para o trabalho e trate de sorrir para os homens!
Não consigo crer ou entender por que Maya ainda quer ficar neste
lugar. Será que cenas como essa não a apavora?
— O que está encarando, velho? — perguntou-me ele, rude.
Não havia me dado conta de que estava encarando-o assim tão
indiscretamente.
— É dono deste lugar?
— Sou sim! Está querendo alguma das dançarinas?
— Não. Quero falar de outra funcionária sua.
— É reclamação? De quem estamos falando? — perguntou
cruzando os braços à frente, mantendo uma pose de durão de merda.
— Maya. Mas não é uma reclamação, fique tranquilo.
— Maya é garçonete. Ela não faz parte do cardápio. — Deu-me as
costas e se afastou.
— Quero que a demita — disse rapidamente, detendo-o.
Ele virou e caminhou até mim.
— E por que faria isso, se você não tem uma reclamação dela?
— Porque irei pagar muito bem para demiti-la.
Tirei meu talão de cheques do bolso interno do paletó. Ele sorriu ao
ver o que eu tinha em mãos.
— E quanto estaria disposto a pagar?
— Por que não me diz seu preço?
— Cem mil — disse sem hesitar.
Senti em seu tom de voz e olhar debochado que ele duvidou que eu
pagasse aquela quantia.
— Okay.
Abri meu talão de cheques e assinei meu nome antes de preencher o
valor.
— Eu disse cem mil? Não, não... Eu queria dizer duzentos. Acho
que por esse preço farei isso mais rápido.
Encarei-o e respirei fundo contendo minha raiva e vontade de socar
o troglodita à minha frente.
— Tudo bem.
Aproximei a caneta novamente do papel para preencher o valor.
— Acho que... duzentos é pouco. Que tal quinhentos mil?
— Que tal trezentos e não fecho esse prostíbulo que você chama de
boate? — ofertei, completamente irritado com ele. — Você não me
conhece, garoto. Posso te jogar atrás de grades antes mesmo que você se dê
conta — disse sério.
Ele deu-me uma boa olhada de baixo a cima e descruzou os braços.
— Trezentos e cinquenta, e eu a demito amanhã antes do
expediente.
— Trezentos e cinquenta, e você a demite hoje no final do
expediente!
Qualquer quantia não era nada para afastar Maya daquele lugar
imundo.
— Certo.
Preenchi rapidamente o valor e destaquei a folha entregando-a a ele.
— Lembre-se de ficar com o bico fechado ou você não terá esse
dinheiro em sua conta.
— Combinado. — Sorriu e estendeu-me sua mão como se
tivéssemos acabado de fechar o negócio do ano.
Ignorei-o e me retirei voltando ao bar. Foi horrível negociá-la
daquele jeito, como se fosse uma mercadoria, mas era minha única solução
de tirá-la daquele lugar nojento. Maya merecia mais do que ficar servindo
bebidas a assediadores e ela precisava entender isso. Entender que seu
futuro era maior e que eu estava com ela novamente para ajudá-la em tudo.
CAPÍTULO 18

A caminho do trabalho, liguei para o Jack e pedi que me encontrasse


na boate. Ainda acreditava que a polícia devia saber o que Natasha me
contou.
— Está tudo bem? Você está me preocupando — disse ele ao
telefone.
— Eu estou bem, Jack. Na verdade, é outra pessoa quem precisa da
sua ajuda. Você pode ir para lá agora, estou quase chegando.
— Estou perto. Chego em cinco minutos.
Encerrei a ligação.
— O que está acontecendo, Maya? — especulou Sasha.
— Eu te conto mais tarde. Prometo!
Quando chegamos, Jack já estava parado na calçada escorado em
seu carro.
— Pode entrar, vou falar com o Jack — comuniquei a Sasha.
Ela encarou-me com olhos estreitos e entrou sem fazer mais
perguntas.
— Então... O que está havendo?
— É uma colega de trabalho, Natasha. Ela tem coisas para dizer que
podem ajudar na investigação do assassinato da Bridget.
— Como assim? — Desencostou-se de seu carro.
— Antes de qualquer coisa, você tem que saber que Natasha deve
serviço social e pode ser presa por isso. Ela precisa de uma garantia que
cooperar com a polícia, não vai lhe trazer problemas.
— É só serviço social?
— Que ela tenha me dito, sim!
— Não vai trazer problemas para ela. Talvez até retirem isso do
sistema dependendo da cooperação que ela tiver conosco.
— Ótimo! Era isso que eu queria ouvir. — Sorri. — Vem, vamos
entrar.
Entramos e eu o levei até o camarim. Natasha estava se maquiando
junto com outras duas dançarinas, em frente à extensa penteadeira com
iluminação própria. Jack se identificou como detetive e pediu para que as
moças nos dessem licença. Elas nos olharam com o nariz retorcido, mas
saíram.
— Natasha. Esse é o amigo de quem te falei. Jack, esta é a Natasha.
— Como vai? — perguntou ele, apertando levemente sua mão.
— Ele garante que nada vai acontecer com você. Pode contar ao
Jack tudo o que me contou.
— Guardarei sigilo. Ninguém saberá que foi você quem me contou
o que tem para dizer, dou minha palavra. Talvez, eu até possa te ajudar com
sua dívida na justiça. Podemos começar?
Natasha olhou-me nervosa, mas assentiu concordando em falar. Ela
sentou-se na cadeira da penteadeira e Jack no sofá de frente para ela. Eu
fiquei de pé próximo a porta para impedir que alguém entrasse.
Os dois começaram a conversar e a cada palavra dita por ela, ele
tomou nota em seu bloquinho de folhas brancas. Natasha respondeu a todas
as perguntas feitas por ele e conteve sua emoção quando ela desejava vir à
tona. A conversa durou por mais de meia hora. Jack a agradeceu e pediu
que ela ficasse à disposição dele para eventuais perguntas e dúvidas em seu
depoimento informal.
Depois de anotar seu número de telefone e endereço, ele foi embora.
A boate já tinha sido aberta e Pette estava furioso por termos atrapalhado as
meninas a terminarem de se arrumar a tempo para o show no palco começar
sem atrasos. Ele me deu uma bronca por estar lá dentro em uma conversa
que não era minha, quando devia estar trabalhando e mandou que eu fosse
logo servir as mesas.
Sem enrolar mais, comecei a trabalhar. A boate estava tão cheia e
agitada, que mal estava vendo as horas passar. Peguei o pedido de uma
mesa onde estava acontecendo uma despedida de solteiro e fui até o bar
para pegar as cervejas e drinques pedidos. Ao me aproximar, avistei um
homem de ombros largos sentado no banco alto, encostado no balcão de
vidro. Ele vestia um paletó cinza-claro sob medida e tinha inconfundíveis
cabelos grisalhos.
— Está me vigiando, Sr. White? — perguntei parando ao seu lado.
— Não. Só vim beber um uísque — respondeu e sorriu com ironia.
— Tenho certeza de que na suíte do hotel em que está hospedado
tem melhores do que este que está bebendo!
— Isso é verdade. Mas o que aconteceu foi que minha namorada me
deixou sozinho esta noite e resolvi sair para beber.
— Namorada? — Banquei a desentendida, arqueando minha
sobrancelha.
— Ela não é? — perguntou com um sorriso sacana estampado no
rosto.
Não era necessário dizer com todas as letras que já havíamos
reatado. O sexo amoroso e quente que fizemos horas atrás, já havia definido
isso.
— Acho que devia ir. Você nem gosta desse tipo de ambiente!
— Tem razão. — Inclinou-se em minha direção e sussurrou em meu
ouvido: — Meu tipo de ambiente favorito é um quarto e você nua dentro
dele.
Sua voz e palavras provocaram-me arrepios na nuca e pescoço.
— Volte para o hotel — sussurrei de volta para ele.
Peguei os pedidos que havia ido buscar e os levei até a mesa.
Quando terminei de servi-las, olhei para o bar e Victor já não estava mais
lá. Continuei trabalhando e ignorando cantadas repugnantes até o fim da
noite. Levei o lixo para fora com Tobby e, ao voltar, Zoe me deu o recado
de que Pette me chamava em seu escritório.
— Chamou por mim? — perguntei ao entrar.
— Feche a porta e sente-se! — mandou grosseiro, com o olhar
atento ao dinheiro que contava espalhado sobre a mesa.
— O que houve? — Sentei, perguntando-me se havia feito algo de
errado. Ele me parecia estar descontente com algo.
— Estou demitindo você!
— O quê? Por quê? — questionei surpresa.
— Porque sim. Acho que tem feito muito corpo mole por aqui,
desde o assassinato da garota.
Mas do que ele está falando? Sou uma das garçonetes que mais
trabalha neste bar! Sua desculpa esfarrapada e falta de respeito em se
referir a Bridget me deixou furiosa.
— Bridget! A garota tem nome, Pette. Ela era sua funcionária e
morreu em um beco imundo ao lado do seu estabelecimento. Tenha mais
respeito para falar dela, por favor! — pedi irritada.
— Ela era uma puta. Coisas assim acontecem com mulheres como
ela. — Cretino miserável! — Aqui está seu pagamento. — Estendeu-me um
pequeno envelope de papel pardo. — Já pode se retirar.
Levantei e caminhei até a porta, parando antes de abri-la e virei-me
para ele.
— Você precisa começar a ter mais respeito com seus funcionários!
Confesso que não gostei muito de você quando cheguei aqui, mas me
surpreendeu mostrando ser pior do que imaginei! — Saí de sua sala batendo
a porta com força atrás de mim.
Quando Sasha e eu saímos para ir embora, o carro do Victor estava
estacionado em frente à boate do outro lado da rua. Noberto saiu do banco
do motorista e abriu a porta do passageiro para nós. Atravessamos a rua e
entramos.
— Victor foi para o hotel? — perguntei ao Noberto, quando pôs o
carro em movimento.
— Sim, e está aguardando por você. Ordenou que a leve para lá,
depois de deixar sua amiga em casa.
Respirei fundo e recostei-me no banco deitando minha cabeça para
trás. Não estava certa se era dele que eu precisava naquele momento, mas
não contestei sua ordem e seguimos viagem em silêncio. Despedi-me da
Sasha e depois que ela entrou no prédio, seguimos para o hotel. Quando as
portas do elevador se abriram, Victor já esperava por mim na porta da suíte
às quatro da madrugada.
— Oi — disse ao me aproximar.
— Oi! — Ele sorriu e deu-me um beijo carinhoso na testa.
Entramos e eu me joguei sentada no sofá, sentindo a exaustão tomar
meu corpo de uma só vez me provocando uma leve dor de cabeça.
— Está com fome? Vou pedir algo para você — falou enquanto
abastecia seu copo com conhaque.
— Não precisa. Estou apenas cansada.
— Não irá dormir sem comer.
— Eu fui demitida hoje.
— É mesmo? — Virou-se com um olhar falso de surpresa.
Estreitei meus olhos para ele, imaginando o porquê de fingir
surpresa, quando o que contei era novidade.
— Eu lamento. Você gostava daquele emprego.
Veio até mim e sentou-se ao meu lado, dando um gole em sua
bebida. Ri e virei-me para ele.
— Não lamenta nada! Quanta falsidade, Victor!
Ele riu e inclinou-se em minha direção.
— Está certa! Eu não lamento! Esse seu emprego era uma merda e
estava me deixando louco de preocupação.
— Teve algo a ver com isso? — Encarei-o olho no olho.
Ele demorou a responder pensando na resposta, enquanto sustentava
meu olhar.
— Não. — Desviou seus olhos dos meus.
Seu “não” era duvidoso. Eu sabia que ele estava mentindo, era
óbvio.
— Eu não acredito em você! Porém, estou cansada demais para
discutir isso agora! Vou tomar um banho. — Levantei-me.
— Vista uma camiseta minha, elas estão no closet.
— Okay.
Tomei um banho relaxante e demorado imersa na banheira cheia de
água quente. Depois de secar meus cabelos, fui para o closet em busca de
algo para vestir. Sobre um aparador de madeira branca ao centro do
cômodo, estava algo que pensei nunca mais ver. Caminhei até o móvel e
peguei o bracelete em formato de prego, que estava dentro de sua caixa que
se encontrava aberta. Tocá-la me remeteu a memórias dolorosas daquela
manhã fatídica.
— Quer colocá-la novamente? — perguntou ele atrás de mim.
— Não! — Olhei por cima do ombro, vendo-o parado na porta. —
Guarde-a. — Devolvi a joia dentro de sua caixa.
— Tudo bem. Se vista e venha comer. — Ele deixou o closet.
Vesti uma camiseta azul, que apesar de limpa tinha seu cheiro
grudado nela, e voltei para a sala. Victor havia pedido uma salada e um
suco natural de lima. Alimentada, fomos para o quarto e ele se sentou nos
pés da cama, desatando o cadarço do seu sapato esquerdo.
— Eu faço isso — disse e caminhei até ele, colocando-me de
joelhos à sua frente.
Cuidadosamente, tirei um sapato e depois o outro, fazendo o mesmo
com suas meias em seguida, os colocando de lado. Ergui minha cabeça e
olhei para ele, que me observava com um olhar dominante.
— Apoie as mãos no colchão e empine sua bunda! — ordenou com
a voz baixa e severa.
Coloquei-me de pé e fiz o que me foi mandado. Ele levantou-se em
seguida e foi até o closet voltando segundos depois com uma palmatória de
couro em forma de coração. Uma ansiedade percorreu meu corpo
provocando-me uma excitação e um leve formigamento entre as pernas. Ele
parou atrás de mim e levantou a barra da camiseta, que cobria parte do meu
bumbum, até minha cintura. Agarrei a colcha aveludada sob minhas mãos
cravando minhas unhas nela e fechei meus olhos inspirando fundo pelo
nariz e soltando vagarosamente o ar pela boca, preparando-me para o ardor
que viria a seguir.
— Senti saudades de lhe dar carinho.
Acertou minha nádega direita fazendo-me gemer contido mordendo
meu lábio inferior.
— Mas não qualquer carícia que um homem comum possa lhe dar.
Bateu novamente com mais força.
— E sim um carinho especial que somente eu possa oferecer a você!
Acertou-me outra vez pegando em cheio minha nádega esquerda.
Gritei pelo ardor intenso sem conseguir me conter.
— Diga-me, Maya! Diga-me que também sentiu saudade!
— Eu senti saudade disso — disse ofegante, sentindo minha pele
queimar.
— E do que mais? — perguntou acariciando minha bunda com
leveza.
— Senti saudade sua, meu Senhor. — Olhei-o por cima do ombro.
— Nunca serei de alguém como sou sua!
— Fico feliz que saiba disso. Erga-se! — ordenou e obedeci ficando
de frente para ele, encarando-o olho no olho. — Você pode não mais me
amar ou estar comigo, porém... uma vez que se entregou a mim e descobriu
sua essência sob meu domínio, apenas eu serei capaz de satisfazê-la por
completo.
Victor estava certo e eu tinha consciência daquilo. Não é que isso
significasse que nós não daríamos mais certo ou que não viveria sem ele,
porque a vida continua. Porém, meu coração sabia que ninguém mais seria
capaz de provocar em mim os efeitos que ele conseguia. E sabe por quê?
Porque Victor White era único! Eu poderia até procurar no mundo inteiro,
mas não acharia alguém como ele.
— Eu sei.
— Você é linda! — Acariciou meu rosto. — Perfeita para mim!
Sorri e ele colou gentilmente seus lábios nos meus, abraçando-me
pela cintura. Firmei-me na ponta dos pés e passei meus braços por seu
pescoço, aprofundando mais nosso beijo. Sua mão direita subiu para minha
nuca agarrando meus cabelos, enquanto a esquerda desceu até minha bunda
e a apertou com um pouco de força.
Nas poucas horas restantes daquela madrugada, não fizemos nada
além de dormir abraçados um ao outro. Ele respeitou minha exaustão e não
exigiu nada de mim, apenas confortou-me em seus braços acariciando meus
cabelos, até que eu caísse em sono profundo.

Na manhã seguinte, acordei às dez e meia me sentindo ainda um


pouco cansada, e sozinha na cama. Levantei, escovei os dentes com uma
escova nova que estava embalada sobre a pia do banheiro, e vesti as roupas
que estavam em uma sacola da Gucci aos pés da cama. Grampeada em sua
borda tinha um bilhete que dizia: “Vista-se!”.
A sair do quarto, não havia sinais do Victor por nenhuma parte da
suíte. Tudo estava quieto demais e muito silencioso. Na pequena cozinha,
um farto café na manhã estava posto sobre a mesa redonda de vidro. Sentei
e me servi de uma caneca bem cheia de café preto fumegante. A porta da
suíte foi aberta e ele passou por ela com um largo sorriso quando me viu.
— Bom dia! — desejei sorridente.
— Bom dia, querida!
Ele se aproximou e sentou-se na cadeira ao meu lado.
— Dormiu bem? — perguntou servindo-se de uma xícara de café.
— Dormi sim, apesar de ainda estar me sentindo um pouco cansada.
E você?
— Divinamente bem, afinal, você estava ao meu lado. — Piscou
para mim. — Preciso ir à Nova Iorque e quero que venha comigo. Já que
não tem mais o emprego de garçonete, não há motivo para me dizer não.
Depois voltaremos para cá, pegamos suas coisas e vamos para Tulsa —
disse tudo com uma enorme certeza de que as coisas aconteceriam
exatamente como planejou.
— Victor... Eu adoraria ir à Nova Iorque com você, nunca estive lá e
passarmos um tempo juntos será maravilhoso. Mas quanto a eu voltar para
Tulsa agora, isso ainda não vai acontecer.
Ele encarou-me contrariado.
— Entenda, por favor. — Toquei sua mão que estava sobre a mesa.
— Ainda não tenho dinheiro suficiente para partir e me manter por lá até
que eu encontre algum trabalho. E também tem a questão do aluguel do
apartamento, não posso ir embora despreparada e deixar Sasha arcando com
tudo sozinha. Preciso continuar pagando minha parte.
— Eu pago!
— Eu sei que faria isso por mim, mas tem que entender que certas
coisas são eu que tenho que resolver. Preciso me organizar melhor para ir.
Me dê mais tempo. Até lá, tudo bem se você quiser voltar para Houston, sei
que seu trabalho depende muito de você.
— Não vou sair daqui sem você!
— Então se prepare para resolver tudo por teleconferência por mais
alguns dias ou semanas. — Sorri.
— E qual é o seu plano? — Recostou-se na cadeira, cruzando as
pernas.
— Já que não tenho mais meu emprego na Wilcox, irei procurar
Tyrone e pedi-lo que me consiga o máximo de trabalhos que puder. Quando
eu achar que já tenho uma quantia suficiente, vou para casa.
Victor continuou olhando-me sério. Ele não estava nem um pouco
satisfeito com minha decisão e não fez a mínima questão de esconder isto.
— Okay.
Ele se retirou da mesa e se sentou na sala ligando seu laptop sobre a
mesa de centro à sua frente. Quando terminei meu desjejum, meu celular
tocou no quarto. Fui até lá e o peguei sobre o criado-mudo.
— Oi, Tyrone! Estava mesmo querendo falar com você — disse ao
atender.
— Que maravilha, eu também. Está livre agora?
— Estou.
— Tenho uma emergência. Minha modelo simplesmente não
apareceu. Está uma hora atrasada e deixando-me constrangido na frente
do cliente! — falou com indignação.
— Tudo bem. Qual é o trabalho?
— São fotos para a nova coleção de joias artesanais da Michelle
Poulain. Não vai precisar ficar nua desta vez, eu prometo! — Riu. — O
foco hoje será da cintura para cima. Cachê de mil dólares! E aí? Você
topa?
— Uau! Claro que sim! Eu já estou indo, me mande o endereço.
— O ensaio será aqui mesmo no estúdio.
— Chego em quinze minutos, não estou longe.
— Até daqui a pouco!
— Tchau. — Encerrei a chamada.
— Para onde você já está indo? — perguntou Victor parado na porta
do quarto.
— Até a agência. Precisam de alguém com urgência.
— Vai tirar mais fotos nua e abraçada a outro cara? — perguntou
cruzando os braços à frente. O ciúme era nítido em seu tom de voz.
— Você viu a foto?
— Vi sim! Foi ótimo ver você com os seios colados em outro
homem. Superdivertido! — ironizou.
— Faz parte desse trabalho, Victor.
— Acha divertido esse trabalho? — Fez aspas com os dedos. — É
por causa dele que não quer voltar?
— Já disse o motivo de não ir para Tulsa agora! — disse irritada. —
E quer saber... É divertido sim e paga muito bem!
— Maya... — Veio até mim. — Você não precisa se sujeitar a isso,
eu posso...
— Pare! — interrompi-o. — As fotos são um lance temporário, mas
é um trabalho digno assim como qualquer outro ou como o seu! Não estou
me sujeitando a nada, faço porque quero! É tão difícil compreender que sou
capaz de me virar sozinha? Você não crê na minha capacidade? — Ele
encarou-me em silêncio. — Eu amo você, mas as coisas serão assim agora.
Só quero que me ajude financeiramente quando eu pedir. Você precisa me
deixar caminhar sozinha, mesmo que isso me custe alguns tombos.
Victor fechou os olhos e respirou fundo.
— Se tirar a roupa... — Abriu seus olhos. — eu mato alguém
naquela agência! — ameaçou.
— Eu sei! Agora tenho que ir.
Dei-lhe um beijo e um rápido abraço em despedida, antes de deixar
o quarto.
Saí apressada e segui com Noberto para a Golden Girls. No ensaio,
tudo ocorreu de modo fantástico. A designer das joias disse ter me adorado
e querer trabalhar comigo mais vezes. Antes de ir, agradeci ao Tyrone por
ter se lembrado de mim quando precisou de alguém para o trabalho e
aproveitei para dizê-lo que estava à disposição para o que aparecesse.
Depois de me despedir de todos, peguei meu cheque na recepção e tomei o
elevador para o térreo. Quando as portas se abriram, distraída no celular,
esbarrei-me acidentalmente em alguém ao sair.
— Droga! — murmurou alguém ao deixar a caixa que tinha nas
mãos cair esparramando alguns objetos pelo hall.
— Desculpe-me, Bash — pedi ao vê-lo. — Eu não o vi, sinto muito.
— Abaixei-me para ajudá-lo a pegar as coisas caídas no chão.
— Pode deixar, eu faço isso — disse um tanto rude catando tudo
rapidamente, jogando de volta na caixa.
Entre as coisas que caíram havia alguns metros de um fino cabo de
aço enrolado. Peguei-o e foi inevitável não me recordar da trágica noite em
que encontrei o corpo de Bridget no beco da Wilcox com um cabo como
aquele enrolado em seu pescoço.
— Obrigado! — agradeceu e tomou o cabo das minhas mãos,
levantando-se depressa.
— De quem são essas coisas?
— Do estúdio. — Apertou o botão chamando o elevador que havia
subido.
— Para que se usa o cabo de aço? — perguntei curiosa, engolindo
em seco. Não sabia o porquê, mas senti uma vibração ruim ao tocá-lo.
— Quanta pergunta. Mas respondendo... Tyrone usa para suspender
coisas no enquadramento dos ensaios para publicidade e propaganda. Ele
diz que o cabo de aço se apaga melhor no Photoshop. Eu discordo.
— Entendi... — disse baixo ainda sentindo a tal vibração.
O elevador chegou e Bash entrou sem se despedir. Ele parecia de
mau humor ou nervoso, não pude deixar de perceber sua feição fechada e
grosseria em falar comigo. Saí do prédio e senti um calafrio passar por meu
corpo deixando uma rigidez em meus ombros. Olhei novamente para o
prédio e um pensamento louco veio em minha mente após uma lembrança.
— É bobagem! — sussurrei para mim mesma. — Só pode ser coisa
da minha cabeça.
Atravessei a rua e voltei caminhando para o hotel.

— Está tudo bem? — perguntou Victor quando entrei na suíte.


— Está! — respondi e forcei um sorriso para encobrir minha tensão.
— Eu tenho que me encontrar com um acionista agora. Quer ficar
ou voltar para o apartamento?
— Eu vou voltar para o apartamento.
— Tudo bem. Vamos!
Ele me deixou em casa e nos despedimos rápido depois de me
prometer que ligaria assim que estivesse livre. Entrei e Sasha não estava.
Depois de um banho, sentei-me na sala e liguei a TV, mas não assistia ou
ouvia nada do que os personagens dos filmes diziam. Minha mente estava
me martirizando com meus pensamentos mirabolantes e hipóteses loucas.
Já estava quase pirando ou saindo fumaça pelas orelhas de tanto pensar. Eu
precisava conversar com alguém sobre aquilo. Levantei-me e peguei meu
celular sobre a mesa de jantar.
— Oi... espero não estar atrapalhando, é que... gostaria de conversar
sobre algo! Na verdade, está mais para dividir um pensamento maluco, mas
eu tenho que falar disso com você. Pode vir até o meu apartamento agora?
CAPÍTULO 19

A campainha tocou e fui até a porta, abrindo-a.


— Desculpe-me. Não atrapalhei seu jogo, atrapalhei? — perguntei
ao ver Jack vestido com uma camiseta do Manchester United.
— Eu estava em um pub com alguns amigos, mas o jogo já tinha
acabado.
— Entra.
Ele entrou e fechei a porta. Fiz um gesto com a mão para que ele se
sentasse no sofá e sentei-me à sua frente na poltrona.
— Então... o que aconteceu? — perguntou com um tom de
preocupação na voz.
— Pode ser algo meio idiota o que vou falar, mas... lembra do que
Natasha contou, não é? Sobre o bilhete e dela achar que mataram Bridget
em seu lugar.
— É claro. O que tem essa história?
— E se a Natasha estiver certa? E se foi exatamente isso que
aconteceu?
— Honestamente, eu não creio nisso. Investiguei e nada achei. Tudo
o que descobrimos é que Bridget tinha uma dívida de drogas. Acreditamos
que tenha sido um acerto de contas. Talvez o assassino tenha chegado antes
da pessoa que queria se encontrar com Natasha.
— O que matou Bridget foi aquele cabo de aço que tinha em seu
pescoço?
— Sim. O legista atestou que a causa da morte foi asfixia por
estrangulamento. Aonde quer chegar, Maya?
— Eu me lembrei de que em certa noite, há alguns dias, eu vi um
conhecido encarando fixamente Natasha se apresentando no palco. Ele a
observava de um jeito estranho, nem mesmo piscava. Depois o bilhete
apareceu e então... o assassinato.
— Quem era ele?
— Bash. Eu o conheço do estúdio fotográfico onde faço alguns
trabalhos. Acho que ele possa estar ligado a isso. É loucura, eu sei.
— E por que acha isso? O ouviu dizendo algo ou tendo um
comportamento suspeito?
— Estive no estúdio hoje e acabei me esbarrando com ele na saída
do elevador. Bash tinha uma caixa nos braços e a deixou cair
acidentalmente. De dentro da caixa caiu um cabo de aço da mesma
espessura do que estava no pescoço da Bridget.
— Okay... Deixe-me ver se entendi, porque está tudo meio confuso.
Você acha que esse tal de Bash pode ser nosso assassino porque você o viu
encarando Natasha certa noite no palco e porque ele carregava, em uma
caixa, um cabo de aço parecido com o que Bridget tinha no pescoço. E aí
tem o lance do bilhete e a Natasha achar que a dançarina foi morta em seu
lugar.
— É. Eu senti uma vibração ruim quando toquei aquele cabo e ele o
tomou da minha mão de um jeito grosseiro.
— Ele disse que o cabo era dele?
— Disse que era do estúdio.
— Maya... Você tem razão, isso é meio louco sim. Na verdade, é
muito louco. Qualquer um pode ter um cabo como esse, e depois é algo
comum em estúdios fotográficos.
— Mas...
— Não posso investigá-lo com base nisso. Entende? —
interrompeu-me.
— Entendo, mas ele encarava Natasha de um jeito estranho.
— Ele só devia estar admirado em ver uma mulher bonita dançar de
forma sensual. Homem pode ser escroto até no modo como olha.
— Mas ele pode ter mandado o bilhete e feito aquilo com Bridget,
quando descobriu que a mulher que foi ao seu encontro não era quem ele
esperava, não pode? Ele pode ter problemas e ter tido um surto psicótico.
— Qualquer pessoa pode ter feito aquilo. Acho que quem fez tinha
um motivo. E qual seria o de Bash? Não faz sentido matar uma pessoa só
porque ficou bravo por ter sido enganado.
— Eu não o conheço tão bem para afirmar que ele não pode ser um
sádico assassino, desses que se diz apaixonado por uma mulher sem nunca
ter conversado com ela.
— Ainda assim, não posso interrogá-lo. Entendo o que me diz e,
apesar de acreditar no sexto sentido das mulheres, não há uma base concreta
para investigá-lo. Posso ser processado por isso.
— Mas alguma coisa me diz que há algo suspeito nisso tudo.
— Eu lamento. Infelizmente se não existe algo que ligue ele à cena
do crime ou à vítima, nada posso fazer.
— Tudo bem. — Sorri desapontada.
— Certo. — Levantou-se. — Fique tranquila, Maya. Vamos achar
quem fez aquilo com Bridget. Se eu descobrir que o assassino é a pessoa
que mandou o bilhete a Natasha, irei cuidar para que nada aconteça a ela.
— Obrigada.
Ele caminhou em direção a porta e eu o acompanhei.
— Acha que esse crime pode ter ligação com os outros assassinatos
do serial killer?
— Não. Esse crime não segue o mesmo padrão que os outros. As
garotas foram mortas em outro lugar, diferente de onde eram encontradas.
Além de que todas foram decapitadas após a morte.
— As vítimas tinham alguma ligação? — perguntei curiosa.
— Além de que moravam na mesma cidade, não encontramos
nenhuma ligação direta. Bom... Eu tenho que ir. Vou levar Kim para jantar
hoje à noite.
— Até mais, Jack. E me desculpe por fazê-lo vir até aqui para
enchê-lo com meus devaneios.
— Tudo bem. Amigos também servem para isso. — Sorriu e se foi.
Mais tarde, Victor ligou pedindo que eu arrumasse minha mala e
para me avisar de que iríamos ainda naquela noite para Nova Iorque.
Arrumei a mala em tempo recorde verificando se não estava esquecendo
nada. Estava com Sasha ao telefone avisando-a de que estava indo viajar,
quando, às oito, ele chegou perfeitamente bem-vestido em um terno azul-
escuro de três peças.
— Está lindo! — elogiei-o, quando entrou.
— Está pronta?
— Estou.
Noberto entrou, pegou minha mala e, então, descemos. A caminho
do aeroporto, Victor me parecia um tanto longe com seus pensamentos,
olhando distraído pela janela. Quando embarcamos, nos sentamos um ao
lado do outro.
— Você está bem? — perguntei tocando sua mão, que repousava
sobre sua coxa.
— Estou somente cansado. E você?
— Estou pensando que ainda não conversamos sobre o que Penny
lhe contou quando o procurou. Também estou pensando se... — Desviei
meu olhar do seu para nossas mãos. — não teremos um encontro
desagradável com Eliza enquanto estivermos em Nova Iorque.
— Acredito que não. Para o evento que vamos, ela não foi
convidada.
Um comissário apareceu e nos serviu dois drinques. Quando ele se
retirou, Victor pegou seu laptop e abriu-o sobre a mesinha à nossa frente.
— O que vai fazer? — perguntei.
— Preciso checar umas coisas.
— Não! — respondi e abaixei a tela do seu laptop. — Vamos
conversar sobre a Penny. — Ele encarou-me sério, estreitando os olhos. —
Por favor! — insisti.
— Tudo bem — cedeu a contragosto. — Por onde quer começar?
— Quero saber o que ela disse a você.
— Que estava amargamente arrependida e queria minha ajuda para
encontrá-la, porque há dias não conseguia falar com você. Disse também
que havia feito algo horrível e que eu tinha que me sentar para ouvi-la. Ela
contou que você não teve culpa do que houve naquela festa e também me
fez duas revelações.
— Que tipo de revelações?
— Que, além da prostituição, ela também estava envolvida com
tráfico de drogas. Ela era o aviãozinho de algum traficante no Texas.
— O quê? — perguntei surpresa.
— Certa noite em que ela foi fazer uma entrega, colocou a droga no
local combinado, mas alguém a seguiu e roubou o produto antes do
comprador. Penny ficou muito encrencada, como pode imaginar. Deram a
ela um curto prazo para resolver a questão até que, na manhã anterior ao dia
da festa, ela recebeu uma correspondência com ameaças.
— Ameaças?
— Sim, ameaças vindas da Eliza, mas Penny ainda não sabia que
era ela. As ameaças eram de que se Penny não fizesse exatamente o que
estava escrito em uma carta, as provas de que ela estava envolvida com
drogas e prostituição seriam entregues à polícia.
— O que dizia a carta?
— Eram ordens expressas para que ela levasse você até a festa na
fraternidade.
— Meu Deus! — exclamei baixo, sentindo um enjoo.
— Precisa saber que ela não teve nada a ver com o que houve
depois que doparam você. Penny também sofreu abusos naquela noite e,
diferente de você, eles foram bem reais.
Meus olhos ficaram marejados deixando minha visão levemente
turva. Um enorme aperto comprimiu meu peito. Penny estava muito mais
envolvida no submundo do que eu tinha conhecimento.
— Ela recebeu outra carta com mais ameaças na manhã em que
tentou ver você na delegacia.
— O que dizia?
— Mandava que ela ficasse de bico fechado se quisesse ter as
drogas de volta.
— Mesmo assim, ela ia se arriscar por mim. Quando cheguei à
fraternidade com Clarice, ela estava de saída para ir até a delegacia.
— Dias antes da Penny me procurar, ela recebeu uma última carta
com um endereço e hora marcada para um encontro. Quando chegou ao
local, era Eliza quem foi ao encontro dela para devolver o pacote com a
cocaína.
— A foto que recebi era exatamente deste encontro, não era?
— Sim.
— Como você pôde se casar com essa mulher? — perguntei irritada.
— Nem eu sei — respondeu baixo e deu mais um gole em seu
uísque.
— A foto que recebi foi tirada de longe, parecia que a pessoa estava
dentro de um carro, eu não sei.
— Suspeita de quem lhe mandou a foto?
— Não. Mas com certeza não foi Eliza que a enviou. Ela não se
colocaria em exposição deste modo.
— Também não acredito que tenha sido ela.
— Onde está a Penny agora?
— Eu a mandei para o inferno e realmente espero que esteja lá! —
disse com ódio evidente na voz.
— Victor! Ela não teve culpa. Foi ameaçada pela sua ex-esposa! Ela
quis ir até a polícia tentar me livrar das acusações, mas eu não a deixei ir.
Talvez Penny esteja precisando de ajuda, até mais do que eu precisei meses
atrás!
— Ela traiu a sua amizade, Maya! Como pode estar preocupada com
ela? — perguntou alto.
— Quem pode afirmar se eu ou você, nas circunstâncias dela, não
teríamos feito o mesmo? Você deveria ter sido grato a ela por lhe procurar e
contar a verdade. Se não fosse isso, não estaríamos juntos agora, você
nunca saberia sobre o que me aconteceu e muito menos do que a víbora da
sua ex-mulher me fez! — Desafivelei o cinto e levantei-me. — Espero que
você já tenha feito algo para puni-la! — Descarreguei minha raiva.
Caminhei para o fim da aeronave e tranquei-me dentro do
minúsculo banheiro. Meus olhos queimavam pela ira que se apossava e
minha respiração pesava no peito. Queria poder gritar e chorar ao mesmo
tempo, para aliviar o ódio misturado a angústia que sentia. Eu nunca na vida
pensei que sentiria ódio algum dia, mas era inevitável esse sentimento
quando se tratava daquela mulher. Minha angústia aos poucos se fundiu ao
arrependimento por ter cortado contato com Penny, sem lhe dar direito de se
explicar. Fui tão estúpida com essa ação, quanto Victor foi comigo naquela
manhã em que me expulsou de sua casa.
Sentei-me na tampa fechada do vaso sanitário e abaixei meu rosto
escondendo-o em minhas mãos apoiando meus cotovelos sobre os joelhos.
As lágrimas desceram silenciosamente por minha face e um bolo se formou
em minha garganta causando-me aquela dor estranha de quando se retinha
um choro desesperado.
Uma leve batida soou na porta do lado de fora. Corrigi minha
postura e encarei-a secando as lágrimas delicadamente com as pontas dos
dedos.
— Maya! Vamos conversar como dois adultos, okay? Saia daí!
— Você nem mesmo a procurou, não é?
— Estava mais preocupado em descobrir onde você estava e se
estava bem, do que em procurá-la! Eu amo você e não ela. Era atrás de você
que eu devia ir primeiro e fui!
— O que vai fazer quando encontrá-la?
Por mais difícil que fosse assumir para mim mesma, eu tinha desejo
de vingança. Sabia que isso era errado, que não devia, mas era inevitável.
— Vou colocá-la contra os fatos e fazê-la se arrepender de ter feito
mal a você! De ter feito mal a nós!
Sequei meu rosto úmido pelo choro com um lenço de papel e
levantei-me destrancando a porta. Victor a abriu e estendeu-me sua mão,
que aceitei, e saí do banheiro.
— Estava chorando? — perguntou observando meus olhos
molhados e vermelhos. — Não fique assim, por favor. Se ainda não
procurei justiça para o que lhe aconteceu, é porque estive mais preocupado
em tê-la nos meus braços novamente.
Abracei-o e segurei as lágrimas que insistiam em cair. Ele me
apertou em seu peito e eu levantei minha cabeça para olhá-lo. Victor
aproximou seu rosto do meu e segurou com firmeza minha nuca com sua
mão esquerda, antes de juntar nossos lábios em um beijo cheio de amor,
enquanto seu outro braço apertava minha cintura mantendo-me presa a ele.
— Se recorda do que fiz com a última porta que fechou entre nós?
— perguntou após findar nosso beijo.
— Sim. — Sorri com a lembrança.
— É melhor que isso não se repita! — Acertou um doloroso tapa em
minha bunda. — Agora vá se sentar e espere até que eu termine de checar
alguns contratos e transferências.
— Está bem.
Soltei-o e caminhei à sua frente até nossos assentos. Ele sentou-se
ao meu lado e abriu seu laptop. Peguei em minha bolsa um livro que há dias
tentava terminar de ler e iniciei minha leitura.
Quando desembarcamos em Nova Iorque, já passava de meia-noite
e meia. O clima estava frio e ventava um pouco. Entramos no carro e fomos
direto para o hotel cinco estrelas, em frente ao Central Park. Victor estava
tão cansado quanto eu. Ele entrou na suíte da cobertura arrancando o
casaco, paletó, gravata e, por último, seu colete, jogando-os sobre o sofá da
sala.
— Vou tomar um banho — disse a ele depois que nossas malas
foram entregues e quando finalmente ficamos a sós. — Você vem? —
perguntei abraçando-o por trás.
— Tenho que fazer uma ligação para Shanghai. Pode ir sem mim.
— Okay. Tudo bem.
Caminhei para o banheiro e tomei meu banho sem pressa. Saí à
procura do Victor enrolada em um roupão felpudo branco e encontrei-o na
sala ainda em uma ligação. Sentei-me no sofá ao seu lado e esperei até que
ele se desocupasse.
— Está com fome? — perguntou ao encerrar a chamada.
— Não. E você?
— Também não. Quer beber algo?
— Não. A que tipo de evento iremos? — perguntei curiosa.
— A um leilão beneficente, que é realizado todos os anos através da
união empresarial americana — explicou servindo-se de uma dose de
Armagnac. — As empresas White fazem parte desta união há quatro
gerações.
— Quando vai ser?
— Amanhã à noite — respondeu e sentou-se na poltrona à minha
frente. — Tenho uma reunião amanhã bem cedo, mas volto até uma hora
para irmos comprar algo para usar à noite.
— Está bem. Estou com sono, você vem agora?
— Me dê mais alguns minutos — pediu escorando sua cabeça para
trás na poltrona, apoiando os braços e o copo no apoio lateral.
Voltei para o quarto, vesti uma camisola curta e fina de seda rosa-
clara e deitei-me. Estava cansada, mas dormir não era exatamente o que eu
queria fazer naquele momento. Onde está aquele apetite sexual voraz e
sadomasoquista do Victor? Eu me mexi e remexi na cama por meia hora
esperando por ele, que não veio. Até que por fim... adormeci só.
CAPÍTULO 20

Acordei no dia seguinte e o outro lado da cama estava vazio.


Esfreguei sutilmente meus olhos tentando limpar as vistas embaçadas e
sentei-me na cama ouvindo o barulho do chuveiro ligado. Levantei-me e
caminhei até lá tirando minha camisola e deixando-a no chão pelo caminho.
Ao entrar, Victor estava lavando os cabelos de costas para a porta.
Aproximei-me a passos silenciosos e entrei no boxe abraçando-o por trás e
lhe dando um beijo em suas costas.
— Bom dia — desejei.
— Bom dia, querida — retribuiu e puxou-me para sua frente
colocando-me debaixo da água quente. — Você acordou cedo.
— Só queria me despedir antes que fosse para sua reunião.
Ele sorriu e abraçou-me juntando nossos corpos. Acariciei seu rosto
e beijei-o com desejo escorregando lentamente minha mão entre nós dois.
Para minha surpresa e felicidade, seu membro estava duro como uma rocha.
Comecei a masturbá-lo aumentando gradativamente a intensidade dos
movimentos. Nosso beijo ficou mais profundo e gostoso. Sua mão esquerda
agarrou meus cabelos da nuca puxando-os com certa força levando minha
cabeça para trás. Sua boca percorreu meu pescoço deixando leves beijos e
mordidas causando-me um arrepio. Gemi excitada mordendo meu lábio e
desejando que ele me tomasse ali mesmo.
A fumaça da água quente encheu o boxe encurtando o oxigênio e
embaçando os vidros. Seus lábios voltaram para os meus em um beijo voraz
e cheio de tesão. Sua mão direita se espalmou em minha bunda e apertou-a
com força antes de deixar um tapa estalado, que ardeu em minha pele.
Separei-me dele e me coloquei de joelhos à sua frente tornando rapidamente
a massagear seu pau inchado que latejava forte em minhas mãos. Olhei para
ele em busca de sua permissão para colocá-lo em minha boca e Victor
sorriu, consentindo. Sem pressa, deslizei minha língua por seu comprimento
indo da base até a glande rosada e, pouco a pouco, coloquei seu membro
dentro da minha boca. Novamente ele agarrou meus cabelos molhados, mas
não impediu que eu o degustasse da forma que queria.
Victor segurou seu orgasmo ao máximo. Tive dúvidas se ele
desejava que aquele momento excitante e delicioso se prolongasse ou se só
queria me castigar deixando-me de joelhos na cerâmica morna e molhada o
máximo de tempo possível. Demorou para ele se libertar em gemidos
gostosos de ouvir deitando sua cabeça para trás. Quando voltou a si, depois
de alguns segundos, ele olhou-me de cima e estendeu-me suas mãos para
me ajudar a levantar. Eu o abracei e deitei minha cabeça em seu peitoral e
fui agraciada com seu aconchego e beijos no topo de minha cabeça.
Terminamos nosso banho e Victor foi se arrumar para mais uma
manhã de trabalho, enquanto eu secava meus cabelos com o secador no
banheiro. Vestida, saí do quarto e o encontrei na sala falando ao celular em
mandarim. Ele encerrou a ligação e veio até mim.
— Já sabe o que vai fazer hoje? — perguntou enlaçando-me pela
cintura.
— Não. Não conheço nada por aqui, então...
— Noberto vai me deixar no trabalho enquanto você toma seu café
da manhã e depois lhe mostrará a cidade. Assim como eu, ele é nova-
iorquino, conhece tudo por aqui.
— Tudo bem. — Sorri e me inclinei em sua direção para lhe dar um
beijo, quando a porta da suíte foi aberta.
— Bom dia! — disse Caleb animado ao entrar.
— Já não lhe ensinei a bater na porta antes de entrar, moleque? —
perguntou Victor furioso.
— Foi mal. Eu não sabia que você estava acompanhado. Oi, Maya!
É bom te ver de novo.
Deu-me um abraço.
— É bom ver você também, Caleb.
— Eu tenho que ir. Peça seu café da manhã antes de sair! —
ordenou apontando o dedo para mim e caminhou em direção a sua pasta,
que estava sobre o sofá.
— Você vai trabalhar? Mas quem vai levar a Maya para conhecer a
tão esplêndida Nova Iorque? — perguntou Caleb.
— Já que está aqui, faça isso! Eu os quero de volta à uma hora.
Esperem por mim no saguão.
— Deixe comigo, senhor! — Bateu continência ao pai. — Vou
cuidar direitinho dela.
— Sei... — disse Victor com ironia. — Até mais tarde — despediu-
se e selou meus lábios com um rápido beijo saindo em seguida.
— Ainda não comeu?
— Não. E você?
— Já tomei o desjejum em casa, mas como de novo — brincou,
rindo. — O que você quer fazer?
— Eu não sei. Me diga você o que podemos fazer pela manhã.
— Podemos sair agora, pegar o café na Starbucks a caminho para o
Museu. Depois podemos fazer um tour pela Times Square e almoçar por lá
mesmo antes de voltar e encontrar meu pai.
— Por mim, tudo bem. Vou pegar meu casaco.
Como planejado, paramos na Starbucks e Noberto desceu para
comprar nossos cafés e alguns muffins enquanto ficamos no carro
esperando.
— Então... você e meu pai voltaram.
— Sim. — Sorri.
— Graças a Deus! — falou de maneira dramática. — Não o
aguentava mais, ele estava um velho chato. Se vocês demorassem mais um
pouquinho para reatar, acho que seria eu quem estaria o levando para um
acampamento de reabilitação. — Riu. Olhei-o sem entender. — Ele não
contou a você?
— Não contou o quê?
— Depois que vocês terminaram, ele foi comigo para um
acampamento de reabilitação. Eu estava andando com as pessoas erradas,
sabe? Acabei me ferrando por causa disso.
— Você está bem agora? — perguntei com preocupação.
— Sim! Estou sóbrio há um tempinho. Vou ficar melhor. Ainda é
difícil.
— Ele não me contou sobre isso.
— Meu pai não gosta muito de ficar falando desse assunto. Mas ele
ainda deve te contar.
Noberto voltou e seguimos para o Museu de História Natural. Lá
dentro era tudo incrivelmente lindo e a rica diversidade cultural nos
permitia viajar para várias partes do mundo. Ficamos por horas na visitação
que decidimos fazer por nossa conta, dispensamos tour em grupo oferecido
pelo museu.
— Eu adoro esse lugar. Já estive tantas vezes aqui, que já nem posso
mais contar.
— É realmente incrível.
— Algumas cenas daquele filme Uma Noite no Museu foram
realmente gravadas aqui.
— Sério? Isso é muito legal! Eu adoro aquele filme.
— Também gosto.
Finalizada a visita, fomos para a Time Square. Fiquei encantada
com a tão famosa e apaixonante avenida. Era tão lindo quanto se ver nos
filmes. Estar ali foi impossível não me lembrar do triste passado da minha
mãe e Clarice. A viagem delas poderia ter sido bem diferente do que foi.
Mas, por outro lado, poderia ter sido pior se não fosse por Victor.
Deixei de lado a tristeza e curti o resto da nossa manhã. Caleb foi
uma ótima companhia e eu realmente me diverti cada segundo. Após nosso
almoço voltamos para o hotel e, ao entrar no saguão rindo das piadas
ridículas e ruins do Caleb, encontramos Victor vindo em nossa direção com
uma feição de completa insatisfação.
— Vocês estão quinze minutos atrasados! — disse ele.
— A culpa foi minha, demoramos mais do que devíamos no
restaurante — expliquei-me e o abracei passando meus braços em volta da
sua cintura. — Desculpe-me. — Dei-lhe um beijo rápido em sua boca.
Saímos do hotel de braços dados e, como sempre, foi impossível não
atrair alguns olhares curiosos. A caminho da loja, deixamos Caleb para
mais uma reunião do grupo de apoio para adolescentes dependentes
químicos. Ele se despediu de mim e saltou do carro dizendo que nos
veríamos mais tarde na festa.
— Como foi a manhã de vocês? — perguntou Victor quando
Noberto colocou o carro em movimento outra vez.
— Foi ótima! Caleb é um bom menino.
— Por isso se perdeu tão facilmente. Ele confia com facilidade nas
pessoas e elas se aproveitam disso colocando-o em mau caminho.
— Ele me contou sobre o vício e os processos da reabilitação.
— Não foi fácil e ainda não está sendo fácil, nem para ele ou para
mim.
— Mas agora eu estou aqui com você. Pode contar comigo assim
como ele. — Sorri.
— Obrigado, querida. — Beijou o dorso de minha mão.
— Por que não leva ele para morar com você? Assim, ele ficaria
longe das más influências.
— Não é assim tão fácil. — Desviou seu olhar do meu.
Noberto estacionou o carro e abriu a porta para nós. Victor desceu
primeiro e eu logo em seguida.
— Venha. Esta loja é de uma estilista amiga minha.
Entramos e logo uma mulher nos abordou. Victor perguntou pela
amiga e foi informado de que ela estava em uma viagem pela Índia
buscando tecidos para sua nova coleção.
— Mas não se preocupem, vou ajudá-los a encontrarem o que
procuram — disse a atendente com simpatia.
Ela nos guiou para o piso de cima, onde havia centenas de peças
únicas feitas à mão.
— Então... O que espera que eu use esta noite? — perguntei ao
Victor.
— Algo longo e que não seja sensual demais — disse ele para a
atendente.
— Alguma preferência por cor?
— Amarelo, preto ou dourado — respondeu Victor.
A mulher nos deixou a sós e foi à procura de vestidos.
— Adoro quando usa gravata vermelha. — Deslizei delicadamente
minha mão pela qual ele usava sobre a camisa cinza-chumbo, que
compunha seu terno preto. — Realça seus olhos.
— Adoro quando me faz gozar, como fez hoje de manhã — disse
baixo com um sorrisinho malicioso no canto dos lábios.
— Posso fazer isso todos os dias sem me cansar — falei com a voz
carregada de provocação.
A atendente voltou com vários vestidos nos braços e nós nos
afastamos prontos para começar a busca implacável pelo vestido perfeito
para a noite. Experimentei vários e já estava me cansando do troca-troca
infinito de roupas, até que, por fim, vesti um que o agradou. Ele era feito de
seda amarela cintilante, longo e com um decote raso nos seios. Também
tinha delicadas alças finas, costas tampadas até as clavículas em um corte
reto e justo ao corpo até o quadril abrindo levemente até os pés. O corte do
vestido não era sensual demais como ele havia recomendado. A
sensualidade havia ficado toda por conta do tecido delicado e da fenda que
ia da barra esvoaçante até um pouco acima do meu joelho direito. Saí do
provador e Victor sorriu quando me viu.
— Ficou um arraso! — elogiou a atendente aproximando-se de nós.
— Eu adorei. Não ficou linda, Tiffany? — perguntou a opinião da outra
atendente, que entrava no espaço.
— Uau! Ficou sim — concordou ela.
— Sua neta vai abalar corações no evento — disse a mulher que nos
atendia, com um enorme sorriso.
Rapidamente olhei para Victor e ele a encarava com ira expressa no
olhar e maxilar contraído. Seu comentário ridículo também havia me
deixado com raiva, porém, a ele muito mais. Ela não reparou que somos um
casal e não o avô e sua neta? Eu devia ter dito a ela o que éramos, mas ao
invés disso resolvi brincar um pouco com sua falta de noção.
— E então... vovô? — perguntei com sarcasmo, atraindo sua ira
para mim. — O que achou do vestido? — Dei uma volta com as mãos na
cintura, para que ele pudesse conferir todos os detalhes. — Eu gostei. A
seda é macia e delicada. — Aproximei-me dele e peguei sua mão esquerda.
— Sinta! — disse baixo, colocando sua mão na lateral do meu seio direito e
desci-a vagarosamente pela cintura até meu quadril. — Gostou? —
perguntei com provocação, olho no olho. — Gosta da fenda? — Entrei com
sua mão por ela, sentindo-a apertar minha coxa de leve.
— Eu adorei!
Ele encarava-me com excitação, escorregando sua mão para baixo
em minha coxa e subindo-a de volta até minha bunda.
— Vamos levar — falei para a atendente, que nos olhava com
espanto.
Seus olhos pareciam que iam saltar para fora de sua cabeça e sua
boca não estava entreaberta, ela estava totalmente aberta. Acho que
considerou nossa ceninha um absurdo incestuoso. Eu não consegui conter
um riso.
— Eu já volto — sussurrou e sumiu por uma porta levando a outra
atendente com ela.
— Você adora provocar — disse Victor sorrindo.
— Qual é o problema dessa gente? É tão difícil cogitar que podemos
ser um casal? — perguntei um tanto indignada e chateada.
— Não se importa com esse tipo de comentário e o que ele pode
trazer para a sua imagem?
— Imagem? Fui intitulada prostituta e você nem estava comigo.
Que se dane o que eles pensam! — Sentei-me em seu colo. — Que se foda
o politicamente correto e a diferença das nossas idades. Só porque é um
homem mais velho, não pode amar ou ser amado? Me irrita o preconceito
deles.
— Acho que o problema não é um homem de sessenta anos amar. E
sim se relacionar com uma jovem que ainda nem mesmo se formou.
— Às vezes me esqueço da sua idade, sabia? Esqueço-me do quanto
nosso namoro é espantoso para muita gente.
— Às vezes também me esqueço de que é tão nova. Uma hora ou
outra, você age conforme sua idade, mas sempre é tão madura e adulta. —
Acariciou meu rosto.
— Eu te amo, Victor — declarei-me, mais uma vez, antes de beijá-
lo com paixão.
Depois de me trocar e pagar pelo vestido, fomos dar uma volta pelo
Central Park. Apenas nós dois. É claro que Noberto estava conosco pela
segurança do Victor, mas ele ficou alguns metros de distância atrás de nós,
nos dando um pouco de privacidade.
— Vamos falar sobre quando pretende voltar para casa?
— Já disse que não sei quando será. Ainda não é a hora.
— Maya... sua mãe precisa de você agora.
— Eu sei.
— Soube que seu pai perdeu a oficina.
— E a casa também. Foram postos à venda. A oficina fechou depois
que o Higor sumiu no mundo e deu para trás nos negócios. A casa foi para o
banco quando meu pai não pôde mais pagar a hipoteca.
— Ainda estou atrás dele.
— Do Higor?
— Sim. Ele tentou me matar, tenho contas a acertar com ele.
— Quando foi a última vez que teve notícias do paradeiro dele?
— Ele estava fora do país brincando de viajante com sua amiguinha
Grace. Eu esperei pelo retorno deles, mas só ela desembarcou no aeroporto.
— Acha que ele ainda está usando ela para se esconder?
— É provável que sim.
— Tenho pena dela. Higor a fez crer que ele a amava e que ambos
estavam vivendo um romance incrível, mas isso não era real. Ela voltou de
viagem quando estava visitando meus pais no início do mês e me tratou
com sete pedras nas mãos. Clarice havia me dito, antes dela voltar, que
estava viajando com o namorado que ainda não conheciam.
— Essa garota tem que tomar cuidado. Esse homem é um doente
psicopata. Um ser totalmente desequilibrado. Ele tentou me matar porque
você não o quis e sinto que ainda não está conformado com isso.
— Caso contrário, acha que ele já teria aparecido e ao menos pedido
desculpas?
— Ao menos isso!
Voltamos para o hotel no cair da tarde e era hora de nos prepararmos
para o evento da noite. Tomamos banho juntos e enquanto ele vestia seu
smoking cinza-grafite com lapela e gravata borboleta de seda preta, eu
arrumei meus cabelos em ondas comportadas e fiz uma leve maquiagem.
Saí do banheiro e sentei-me na cama para calçar as sandálias prata de salto
fino e alto, com amarração nos tornozelos. Victor saiu do closet
divinamente lindo, fazendo meu coração se encher de calor e palpitar. Ele
sorriu para mim e veio em minha direção segurando uma caixa quadrada e
fina de veludo azul-escuro.
— O que tem aí? — perguntei curiosa levantando-me.
— Quero que use algo importante esta noite.
— O que é? — Sorri.
Ele abriu a caixa me ofuscando com um divino colar de ouro branco
cravejado com inúmeros diamantes minúsculos por toda sua corrente e uma
belíssima e enorme pedra de diamante amarelo pendia no meio do colar
chamando ainda mais a atenção para a joia. Além dele, também tinha um
par de pequenos brincos de diamantes.
— Este é o Isadora. Está na minha família há quatro gerações. Foi
um presente que minha bisavó ganhou de um príncipe norueguês, o qual foi
apaixonado por ela.
— E você... quer que eu o use esta noite?
— Quero sim. Vire-se, deixe-me colocar em você.
Virei-me de costas e Victor colocou o colar em meu pescoço,
enquanto eu erguia meus cabelos dando a ele uma melhor visão do fecho.
Além de exuberante, era pesado. Toquei-o cuidadosamente com as pontas
dos meus dedos, sentindo o relevo dos diamantes encrustados. Acho que
nunca na vida toquei em algo tão valioso, não apenas financeiramente, mas
também em questões sentimentais.
— Agora coloque você mesma os brincos.
Tirei os brincos que usava e coloquei os que estavam na caixa.
— Está simplesmente perfeita!
Sorri boba e apaixonada.
Descemos pelo elevador privado, direto para a garagem. Caleb já
nos aguardava bem-vestido em um smoking preto dentro da limusine.
— Uau! Você está linda, Maya.
— Obrigada.
— Até que você não está ruim, pai — disse humorado provocando
Victor.
— Você também não está nada mal, Caleb — respondeu e sorriu
para o filho, que tanto se parecia com ele.
— Está usando o Isadora? — perguntou ao notá-lo em meu pescoço.
— É lindo, não é? Já tinha o visto em fotos no pescoço da minha avó. Está
na família há anos.
— Victor me disse. É uma honra poder usá-lo esta noite.
Chegamos ao baile e Victor entrou de braços dados comigo. Ele me
apresentou a alguns de seus velhos amigos e sócios, como sua namorada.
Esse título era maravilhoso de se ouvir. Em compensação, as piadas
grosseiras não eram. Sorrimos para disfarçar a vontade que tínhamos de
mandar as pessoas irem se ferrar e nos afastávamos. Essa foi a melhor
maneira que achamos de lidar com a situação chata e cansativa. Eu sonhava
com a época que isso acabaria.
Victor pegou uma taça de champanhe para mim e uma dose de
uísque para ele. Caleb se contentou com um suco natural, sem reclamar.
Ficamos um pouco afastados da movimentação maior, a fim de evitarmos
os comentários inconvenientes.
— Caleb! Fique com a Maya, eu já volto — pediu ao filho e virou-
se para mim. — Você ficará bem?
— Claro que sim.
Ele beijou-me rápido e saiu em direção a um grupo de homens que
conversavam centrados e sérios, então, imaginei que ele estivesse indo
tratar a respeito de negócios.
— Posso te dizer algo? — perguntou Caleb.
— Claro.
— Meu pai nunca deixou que minha mãe usasse o Isadora. Ela
pediu inúmeras vezes, mas ele nunca permitiu. Depois que minha avó
faleceu e deixou o colar para ele, a joia ficou apenas trancada no cofre
particular de um banco aqui em Nova Iorque. Você é muito especial para
ele, Maya. Às vezes, meu pai é meio estúpido e egocêntrico, mas, no fundo,
ele tem o jeito dele de dizer que ama.
— Eu sei. — Olhei para Victor. Ele podia ter todos os defeitos do
mundo, mas eu o amava como nunca imaginei que amaria alguém. —
Victor também é muito importante para mim.
— Quer dançar?
— Quero.
Finalizei minha taça de champanhe e fui para a pista de dança com
Caleb. Nós dançamos algumas músicas e conversamos um pouco. Ele me
fez rir bastante contando suas histórias de encrencas na escola e das vezes
que aprontava com o pai nas férias de verão quando mais novo. Saímos da
pista de dança e ele se afastou para ir ao banheiro. O garçom passou
servindo mais champanhe e aceitei. Um homem alto, jovem e bonito —
confesso — se aproximou com um enorme sorriso de dentes brancos e
perfeitamente bem alinhados. Parecia até um daqueles sorrisos que
estampava propagandas de consultório odontológico.
— Oi. Sou Jeremy — apresentou estendendo-me sua mão que
apertei por educação.
— Maya Valentine.
— Você é linda. Vi que chegou na companhia do White. São
namorados?
— Sim. Algum problema com isso? — perguntei sendo um tanto
rude.
— Não! Claro que não. — Riu sem graça. — Quer dançar?
— Eu adoraria, mas não com você — respondi sorridente e olhei
para Victor, que parou ao seu lado. — Quer dançar, amor? — convidei-o
estendendo minha mão para ele.
— Mas é claro — respondeu Victor pegando minha mão.
— Pode segurar isso, por favor? — perguntei ao Jeremy,
estendendo-lhe minha taça de champanhe. — Obrigada — agradeci quando
ele a pegou desconcertado.
Victor levou-me para a pista de dança, onde a banda começava a
tocar a música The Way You Look Tonight, do Frank Sinatra. Com nossos
corpos colados, começamos a dançar olhando um para o outro. Sorri para
ele me sentindo nas nuvens. Parecia que naquele exato momento só havia
eu e ele dançando pela vasta pista e que a música era cantada especialmente
para nós dois. Encostei meu rosto no seu e fechei meus olhos para desfrutar
melhor do nosso momento, sentindo-me protegida em seus braços como
nunca me senti em nenhum outro lugar por onde passei. Não sei quanto
tempo tenho com Victor. Talvez dez ou menos anos, não importa. O que sei
é que estou pronta para passar todo o tempo que nos for dado por Deus ao
seu lado.
Quando a música acabou, abri meus olhos e olhei para ele, que me
beijou com lentidão. Ao separar nossos lábios, silabei para ele, sem emitir
som, a frase: “Eu te amo!”. Ele sorriu e selou meus lábios mais uma vez e
foi como se dissesse: “Eu também amo você!”. Mais tarde, o jantar foi
servido e depois dele, durante a sobremesa, o leilão beneficente iniciou.
Victor arrematou uma temporada no verão em uma pequena ilha particular
nas Maldivas e entre outras coisas como: joias, um carro importado zero
quilometro, mais viagens e dois quadros de um artista abstrato nacional
renomado.
Ao final da festa, era hora de irmos embora. Antes de seguirmos
para o hotel, levamos Caleb até sua casa. O carro estacionou em frente ao
prédio de alto luxo em Manhattan e ele desceu depois de se despedir. Olhei
pela janela a cobertura onde ele morava com a mãe víbora e me permiti
imaginar sua reação quando ela descobrisse que eu e Victor reatamos nosso
relacionamento que tanto tentou arruinar. Mas acho que melhor ainda será
sua reação quando souber sobre a joia que exibi na noite. Victor e eu fomos
fotografados durante toda a festa para sites, revistas e jornais. Amanhã com
certeza estaremos estampando muitas capas ou primeiras páginas. Senti
um pequeno triunfo se erguer dentro de mim.
— Tudo bem? — perguntou Victor segurando minha mão e
chamando minha atenção para ele.
— Está tudo ótimo! — Sorri confiante.
CAPÍTULO 21

Ao voltarmos para o hotel, Victor abriu a porta da suíte e deu-me


passagem para entrar primeiro. Ele entrou fechando-a atrás de si e
caminhou até o bar tirando seu paletó do smoking no caminho. Sentei-me
no sofá e retirei as sandálias deixando-as jogadas ao canto perto na mesa de
apoio ao meu lado. Victor serviu-se de uma dose dupla de uísque e sentou-
se junto a mim.
— Então... O que achou da noite? — perguntou-me antes de dar o
primeiro gole em seu drinque.
— Foi muito agradável. Eu gostei.
— Fico feliz que tenha gostado. — Estendeu seu braço direito sobre
o encosto do sofá, passando-o por trás de minhas costas. — Por que não vai
se deitar? Já está tarde e amanhã será um longo dia e, à noite, retornaremos
para Chicago.
— Você não vem? — Senti que estava sendo dispensada.
— Vou logo mais. — Levantou-se.
Ele caminhou para o outro lado da sala e abriu uma caixa retangular
de ferro dourado, que estava sobre um aparador, e tirou de dentro um
charuto. Senti-me extremamente desapontada com seu comportamento
estranho. Ele estava me tratando naquele momento como se eu fosse
qualquer pessoa em sua vida e eu não era! Onde estava o Dominador que
adorava me amarrar e chicotear minha bunda enquanto me fodia de quatro?
Ele foi até as portas da varanda e as abriu antes de acender seu charuto
dando a primeira tragada e então retornou ao bar com seu copo vazio,
enchendo-o outra vez e sentou-se em um banco de costas para mim. Ele
agia como se eu não estivesse ali e isso me irritou muito.
Levantei pegando minhas sandálias e fui para o quarto fechando a
porta. Tirei o vestido e joguei-o sobre a cama antes de ir ao closet. Ao
entrar, avistei uma mala de couro preto guardada em uma das prateleiras ao
canto. Eu já havia visto aquela mala outras vezes e tinha certeza do que
havia dentro dela. Olhei para a porta do quarto certificando-me de que ele
não havia entrado e peguei a bendita mala colocando-a sobre a mesa no
centro do closet. Abri e dentro tinha exatamente o que eu esperava:
algemas, chicotes diversos, palmatória, grampos, plugs de vários tamanhos,
vibradores e outras coisinhas mais, como: velas, penas e etc.. Sorri contente
em perceber que o Dominador não havia morrido como eu temia. Ele ainda
estava lá, apenas esperando a hora de sair para brincar e talvez fosse eu
quem devesse lhe dizer a hora.
Estava usando apenas uma calcinha de renda nude para que não
marcasse no vestido de tecido maleável e leve. Apesar de bonita, ela não era
nem um pouco sexy. Troquei de lingerie vestindo uma de cor púrpura com
detalhes em pequenos cristais amarelos no busto e nas laterais da minúscula
calcinha fio dental e com frente rendada. Olhei-me no espelho e adorei a
combinação da lingerie com as joias que ainda usava. Peguei na mala um
par de braceletes de couro revestido com um veludo macio, um plug anal
médio que ele me presenteou certa vez, feito de titânio com a base de rubi, e
um chicote fino de equitação.
Ao sair do quarto, Victor continuava sentado exatamente no mesmo
lugar. Caminhei a passos silenciosos até ele e ajoelhei-me no chão
sentando-me sobre meus calcanhares, deixando os pesados braceletes
caírem no chão fazendo um barulho alto chamando sua atenção. De cabeça
baixa, estendi minhas mãos espalmadas para cima, entregando-lhe o chicote
e o plug. Ele nem sequer ainda havia me tocado e eu já estava excitada com
os pelos do corpo levemente arrepiados.
— Parece que você encontrou nossos brinquedinhos — disse com
seu tom imponente e sedutor. Vi seus pés apoiarem-se no chão e ele se
levantar. — O que quer, Maya? Diga-me!
Lentamente ergui minha cabeça e olhei a figura tão alta e sexy
diante de mim, que me encarava com tamanho desejo explícito em sua
postura e feição. Parecia um leão cercando sua presa.
— Que o Senhor me domine. Que faça de mim seu objeto de prazer.
Que sacie seus desejos, para que eu tenha os meus atendidos.
— Está certa de que é isso que você quer? — perguntou
aproximando-se em passos firmes.
— Sim. Quero isso mais que tudo neste momento.
— Não sabe o quanto esperei para que me implorasse por isso,
querida. Pensei que não pediria nunca. — Pegou o chicote e o plug das
minhas mãos. — Levante-se!
Fiquei de pé diante dele.
— Vá até a parede e apoie suas mãos nela ficando de costas para
mim. — Obedeci e ele acompanhou-me. — Quer ser fodida esta noite, meu
anjo? — perguntou enrolando sua mão em meus cabelos.
— Sim, por favor... — pedi baixo sentindo meu coração disparar.
— Sim, o quê? — perguntou alto e rude, acertando minha bunda
com o chicote causando uma enorme ardência em minha pele.
— Sim, Senhor — corrigi-me.
— Abra as pernas e empine sua bunda para trás! — Atendi sua
ordem. — Agora abra a boca!
Ele colocou o plug em minha boca e eu entendi o que devia fazer.
Chupei, deixando-o bem lubrificado com minha própria saliva. Victor
puxou minha calcinha para o lado e mandou que eu empinasse um pouco
mais minha bunda. Obedeci e ele introduziu o plug lentamente em meu
ânus. Soltei pequenos gemidos de desconforto e outro de prazer quando ele
deslizou a ponta de seus dedos entre os lábios da minha boceta tocando
suavemente meu clitóris.
— Está molhadinha — sussurrou em meu ouvido. — Venha, meu
anjinho excitado. Vou algemar você à mesa de centro. — Ele arrastou-me
até lá pelos cabelos. — Ajoelhe-se e deite seu tronco de bruços sobre a
mesa! — mandou soltando meus cabelos.
Ajoelhei-me à cabeceira da mesa retangular, que ficava entre os
sofás e poltronas da grande sala da suíte, e debrucei-me sobre ela. Victor
pegou os braceletes e os prendeu em meus punhos passando-os por baixo da
mesa. Eu estava presa e totalmente à sua mercê. Parado atrás de mim, ele
acariciou minhas nádegas e, pegando-me desprevenida, as chicoteou
algumas vezes seguidas. Eu gemi alto e manhosa com tremenda saudade
daquilo. Tinha certeza de que ficariam marcas, mas honestamente não
estava me importando. Elas seriam meu lembrete pela manhã da noite
prazerosa que tivemos.
— Você está me parecendo muito carente. — Deslizou a ponta do
chicote por minhas costas. — Está precisando de carinho, amor?
— Estou sim, Senhor — respondi sentindo uma ansiedade se formar
dentro de mim.
— Gosta do carinho que dou a você? — perguntou com um tom
grave.
— Eu adoro, meu Senhor. — Olhei-o por cima do ombro e recebi
uma chicotada dolorosa no meio das costas.
— Não mandei que olhasse para mim! Abaixe a cabeça quando eu
estiver falando com você! — disse alto e com extrema autoridade.
Sorri e abaixei minha cabeça recebendo de bom grado uma pequena
punição que queimou como brasa em minha nádega direita.
— Já passamos da hora de eu lhe instruir um pouco mais sobre
disciplina. — Parou à minha frente.
De cabeça baixa, vi apenas seus sapatos caríssimos de couro italiano
feito especialmente para ele.
— Olhe para mim!
Victor estava sério e com seus ombros inflados em um pouco de
tensão. Involuntariamente meu olhar foi atraído para o grande volume
rígido dentro de sua calça. Salivei com grande vontade de atacá-lo e o
colocar por inteiro em minha boca.
— Está olhando para o meu pau? — perguntou com sarcasmo.
Olhei para seu rosto novamente e ele tinha um pequeno sorriso nos
lábios.
— Você o quer? — Acariciou sua ereção por cima do tecido,
enchendo sua mão e apertando de leve.
— Sim.
— Sim o quê, Maya? — perguntou irritado. — Se não começar a me
dar o devido tratamento de respeito, vou colar o meu bichinho de estimação
na coleira e levá-la para dar uma voltinha em um lugar especial onde irá
aprender de um jeito ou de outro! — disse encarando-me com tamanha
seriedade.
— Desculpe-me, meu Senhor — pedi envergonhada, abaixando
minha cabeça outra vez.
Victor abaixou-se à minha frente e agarrou meus cabelos da nuca
fazendo-me olhá-lo novamente.
— Não quero ser assim, mas, às vezes, é necessário. Compreenda!
Nem tudo nesse estilo de vida pode ser somente chocolate e algemas,
querida. Se abusarmos desse romantismo, perderemos o foco, tempo e o
equilíbrio da nossa relação. E tempo é algo que não tenho em abundância.
— Desculpe-me — sussurrei.
— Você ainda se recorda da sua palavra?
— Caramelo.
— Não tenha medo de usá-la se necessário. — Beijou minha testa
antes de se colocar de pé. — Abra a boca... e agora segure! — mandou
colocando o chicote em minha boca.
Mordi o cabo e o segurei firme entre meus dentes. Victor começou a
se despir tirando primeiro seus sapatos e depois seguiu retirando peça por
peça até que ficasse completamente nu à minha frente. Tomando um pouco
de distância, ele tocou seus testículos com carícias leves fazendo seu pau
ficar ainda mais duro e suas veias saltarem pulsando forte. Minha visão não
era apenas excitante, ela era bela. A tortura de ver o que tanto desejava estar
tão próximo, mas intocável, me doía no baixo ventre e formigava entre
minhas pernas deixando tudo lá embaixo bem úmido. Com sua outra mão,
ele iniciou uma lenta masturbação deixando escapar um gemido contido.
Victor se aproximou colocando seu membro a centímetros do meu rosto de
modo que eu pude sentir seu cheiro único, que me deixou ainda mais louca
por ele. Gemi de desejo e descontentamento. Queria poder esticar minhas
mãos e agarrar seu quadril trazendo-o para mim.
— Ah, Maya... Sempre me masturbo pensando em você. — Ele
apanhou com o dedo uma gota de sua pré-ejaculação que escorria e a
espalhou por meus lábios. — Às vezes, no banho, quando estou só e me
tocando, se eu fechar os meus olhos consigo me recordar da sonoridade dos
seus gemidos cheios de tesão ecoando junto ao barulho da água que cai do
chuveiro. Gosta quando transamos durante o banho?
Ajoelhou-se à minha frente e tirou o chicote da minha boca. Meu
desejo era tanto, que um pouco de saliva escorreu pelo canto. Ele agarrou
meus cabelos mantendo minha cabeça imóvel e passou a ponta do seu pau
melado por meus lábios, como se estivesse aplicando um batom por eles.
Estiquei minha língua para fora e tentei tocá-lo, mas Victor puxou meus
cabelos levando minha cabeça para trás e impedindo-me. Sua força e a
tentação foram demais para mim. Eu estava tão desesperada para ser fodida
e gozar, quanto estava para degustá-lo. Apertei minhas coxas uma na outra
imprensando minha intimidade, na busca de encontrar qualquer pequeno
alívio.
— Não aperte as coxas. Quem dará alívio a você será eu! — disse
rude, porém baixo.
— Por favor... eu imploro! Por favor, meu Senhor... Me foda! —
implorei ofegante, olho no olho.
Ele sorriu e com uma mão agarrada a minha nuca, trouxe minha
cabeça até sua virilha e preencheu minha boca com seu membro. Eu o
suguei e mamei sentindo um tremor intenso abalar meu corpo dos pés à
cabeça, fazendo-me quase chegar a um orgasmo. Victor fodeu minha boca
indo fundo em minha garganta, chegando a provocar pequenas ânsias,
enquanto pedia-me ofegante para olhá-lo nos olhos. Ele gemia de um jeito
gostoso encarando-me com seu olhar verde-acinzentado, que me
hipnotizava. Suguei-o com mais pressão, querendo que gozasse para provar
do seu gosto mais uma vez, mas antes que isso acontecesse, ele se afastou
tirando seu pau e deixando-me contrariada.
— É hora do meu pau matar saudade da sua boceta.
Ele levantou-se e foi para trás de mim. Meu corpo continuava
arrepiado e trêmulo, ansiando muito por ele. Seu membro me invadia
centímetro por centímetro quando chicotadas foram desferidas em minhas
costas. O êxtase estava tanto, que eu não conseguia mais sentir dor ou
ardência na pele. Tudo se aglomerou em uma sensação perfeita que me
levou a um prazer sem tamanho. Fechei meus olhos apertando-os com força
e gemi sem ar, sentindo suas investidas entrarem e saírem cada vez mais
rápido. O chicote ainda estalava uma vez ou outra em minha pele, mas não
foi o suficiente para eu me controlar e não me desfazer sem sua permissão.
Gozei apertando seu pau e gemendo loucamente cravando as unhas na
palma da minha mão. Victor gozou metendo fundo, rápido e apertando
minha bunda. Quando seus espasmos, enfim, cessaram, ele beijou minhas
costas e retirou seu membro de mim. Suas mãos acariciaram meu corpo
contemplando cada centímetro de pele. Victor se debruçou sobre mim, tirou
meus cabelos que tampava meu rosto para um lado e deixou beijos por
minha face, ombro, pescoço e nuca. Seu rosto entrou em meu campo de
visão e sorri satisfeita para ele.
— Eu amo quando sorri assim para mim — disse manso e sorriu.
— Eu amo quando me satisfaz.
— Que tal um banho na banheira?
— Seria ótimo!
Ele riu e levantou-se soltando os braceletes e, em seguida, me
ajudou a sentar sobre a mesinha. Eu não atrevi a levantar, meu corpo estava
exausto e trêmulo, principalmente minhas pernas. Tinha certeza de que
falhariam me jogando no chão.
— Vou preparar nosso banho e já volto.
— Tudo bem.
Ele foi para o quarto e fiquei ali respirando fundo e normalizando
minha respiração. Depois de alguns minutos, senti que meus músculos das
pernas já não tremiam mais, então me levantei cuidadosamente e fui ao
banheiro. Ao entrar, encontrei Victor colocando sais de banho na água que
fumegava quente. Ele olhou-me por cima do ombro e sorriu vindo até mim
pedindo que eu terminasse de me despir enquanto ele pegava toalhas limpas
no closet.
Primeiro tirei as joias colocando-as na bancada da pia sobre uma
toalhinha de rosto e, em seguida, tirei a lingerie. Limpei o espelho
embaçado com a mão e virei-me de costas para ele olhando a vermelhidão
causada pelo chicote, que ia até minha bunda. Tinha quase certeza de que
algumas marcas ficariam roxas no dia seguinte.
— Está ardendo? — perguntou Victor ao voltar segurando toalhas e
roupões de banho.
— Não. — Ainda.
— Vem. — Estendeu-me sua mão.
Ele entrou primeiro e ajudou-me a entrar logo depois dele. Sentada
entre suas pernas, escorei-me nele e ficamos ali por um bom tempo
conversando um pouco. Victor esfregou meu corpo com todo cuidado e me
encheu de beijos. Nós transamos outra vez dentro da banheira, de modo
apaixonado. Já na cama, depois de me aplicar uma pomada nas costas e na
bunda, ele abraçou-me de conchinha e assim nós adormecemos logo e
exaustos.

Na manhã seguinte, acordei só novamente, mas entendia que Victor


tinha seus negócios a tratar e que não estávamos de férias. Levantei
enrolada no cobertor e me aproximei da janela perto da cama. Lá fora, a
cidade corria a todo vapor. As calçadas estavam cheias de gente andando
apressadas, trombando uma nas outras. Na rua, se via um mar de carros de
luxo e, entre eles, inúmeros táxis amarelos fazendo mais uma corrida do
dia. Respirei fundo e encarei o sol que não brilhava muito forte com o
friozinho do doce outono nova-iorquino.
Eu sabia que Victor tinha ido para uma reunião e que só retornaria
depois do almoço, então, tinha a manhã toda livre para dar mais uma volta
pela cidade e almoçar fora. Depois de um banho, procurei no closet por algo
mais adequado para vestir na temperatura lá fora. Enquanto me vestia, meu
celular soou o alerta de mensagem sobre a cama. Era uma mensagem da
Clarice com diversos links de alguns sites.

É melhor ver o que está


rolando pela internet.
Clarice
09:18 a. m.

— Do que ela está falando? — perguntei para mim mesma


acessando o primeiro site. — Ai, meu Deus!
Um pequeno pânico surgiu ao ler o título da matéria publicada em
um site especializado sobre fofoca de famosos.

Sociedade de Economista e seus podres.


Quando se trata da sociedade intocável, como: socialites, atletas,
economistas e etc., o escândalo nunca para. O bilionário e recém-
divorciado, Victor White, marcou presença no Gran Baile Anual
Beneficente que ocorreu na noite de ontem em Nova Iorque, onde sua
família é uma das anfitriãs do evento há mais de três gerações.
Em sua tão aguardada chegada, ele posou para os paparazzi ao
lado do filho Caleb, de 17 anos, e de braços dados com uma jovem
mulher anônima (ou não tão anônima assim). Curiosos para saber de
quem se tratava, ativamos nosso modo FBI e começamos nossa busca
implacável por sua identidade e, como bons detetives que somos,
descobrimos que há pouco tempo eles foram flagrados juntos em outro
evento sediado na White Enterprise em Houston, no Texas. A notícia
sobre o suposto novo casal se propagou na manhã seguinte mais rápido
do que pó no ar, mas foi rapidamente retirada da internet e das bancas
de revistas a mando da assessoria de imprensa do bilionário.
Uma fonte anônima, que se declarou próxima ao “casal”, nos deu
informações sobre a mulher vista com o herdeiro de 60 anos, que nos
deixa com aquela pontinha de dúvida a respeito da índole do Sr. White.
A informação que temos é de a moça se chama Maya Valentine e tem
vinte e um anos de idade. Também fomos informados de que ela seria
uma acompanhante de luxo contratada pelo Sr. White e que, inclusive,
já teria passagem pela polícia onde foi acusada pela prática ilegal de
prostituição em solo americano. Nós, do The Moon, não sabemos a
veracidade desta notícia, mas vamos averiguar e contar logo mais em
detalhes o que descobrimos para vocês, aguardem!
Enquanto isso, para a imagem do Sr. Victor White, quanta
vergonha! Levar uma suposta “acompanhante de luxo” para um baile
beneficente que arrecada dinheiro para uma fundação não
governamental, a qual trabalha em prol da proteção de mulheres
vítimas de abuso e violência doméstica, não foi algo muito inteligente a
se fazer. Ainda recordamos que o magnata doou há alguns anos uma
quantia significativa para mulheres da América Latina resgatadas do
tráfico humano na Turquia e de seu invejado discurso. Seria Victor
White mais um rico escondendo suas podridões atrás de boas ações
generosas?
— Mas o que é tudo isso? — Sentei-me na cama.
Os outros links mandados por Clarice não forneciam fofocas e
difamações diferentes, porém, foram mais cautelosos em me acusar de ser
uma prostituta e Victor meu contratante. Eu sabia quem havia feito aquilo,
conhecia bem a “fonte anônima” que passou informação minhas para os
fofoqueiros de tabloides. Era óbvio que havia sido a mesma megera que
tentou me colocar atrás das grades e que pagou pessoas para me doparem e
perseguir por toda parte tirando fotos minhas. A mesma vadia que subornou
minha amiga com severas ameaças era quem tentava me difamar para a
mídia.
Quando fomos fotografados na chegada ao baile, eu já esperava ler a
qualquer momento por aí a notícia do nosso relacionamento “chocante”,
mas, honestamente, não esperava por isso. Seu ódio por mim é tão grande,
que não pensou na sujeira que deixaria cair na imagem e no nome do
homem que diz amar, colocando em dúvida suas ações beneficentes e
reputação.
— Já chega! Isso tem que parar! — disse irritada.
Levantei me sentindo determinada a ir atrás daquela mulher e
confrontá-la. Aquela situação ridícula já havia ido longe demais, era hora de
nos encontrarmos para uma conversa adulta e colocar um ponto final. Tinha
certeza de que Victor desaprovaria o que estava prestes a fazer, mas era
necessário e se fosse preciso desenhar para que ela entendesse seu lugar
como ex e lhe mostrar que seu único dever agora era apenas de mãe do filho
dele, eu faria! Mas, para minha inesperada surpresa, ao sair do quarto a
passos largos em direção à porta, Victor entrou na suíte com uma feição
séria e postura rígida.
— Aonde acha que ia? — perguntou aproximando-se.
— Você viu essa merda que está em todos os lugares na internet? —
perguntei sem poupá-lo da minha irritação.
— Eu vi sim e por isso estou aqui. É melhor voltar agora para
Chicago; se continuarmos aqui, logo mais esses abutres virão atrás de nós.
— Você quer fugir? Acha que fugir é a solução para isso? —
confrontei-o alto.
— Não estamos fugindo, Maya! Eu já mandei que meu pessoal
retire isso do ar. Meus advogados já estão trabalhando em um processo
contra os jornais que publicaram isso! — respondeu no mesmo tom
exaltado.
— Fala sério, Victor! É isso que vai sempre fazer? Mandar seu
pessoal retirar a notícia do ar e processar os responsáveis? — Fiz aspas com
os dedos. — E quanto aquela que a gente sabe que é a verdadeira
responsável por tudo isso? Nem preciso te dizer que Eliza é a tal fonte
anônima, não é?
— Já chega, Maya! — gritou. — Arrume suas malas, já mandei
prepararem o avião. — Ele passou por mim em direção ao quarto.
— Por que você não está fazendo nada para me proteger dela? —
perguntei com a voz embargada e olhos marejados. — Você sabe de tudo o
que aquela louca fez a mim e com a Penny, mas ainda assim não tomou
nenhuma providência contra ela. Victor, ela é um ser humano horrível e
capaz de tudo. Eliza pagou um homem para me dopar e simular um estupro!
Será que você não entende a gravidade disso? — As lágrimas escorreram
por meu rosto. — Você não tem noção do quanto aqueles dias foram
pavorosos para mim. Do quanto foi aterrorizante acordar nua sem me
lembrar de nada e achar que fizeram comigo o mesmo que fizeram com
minha mãe no passado. Você não estava lá, Victor. Você nunca terá ideia do
inferno que vivi na Terra e eles foram todos causados pela sua ex-mulher!
Não percebe que ela não vai parar, até que alguém a faça?
— Já disse que vou resolver isso...
— Mas quando? — interrompi-o. — Quando sair outra manchete na
qual irão se referir a mim como uma prostituta outra vez, ao invés de me
tratarem com respeito e dignidade, me tratarem como quem realmente sou,
a sua namorada?
Ele permaneceu em silêncio.
— Será mesmo que sou isso para você? Eu já nem sei mais.
— Maya...
— Eu amo você, Victor — interrompi-o novamente. — Mas, às
vezes, não posso evitar de pensar o quanto mais simples e bem resolvida
minha vida seria se não o tivesse conhecido. — Engoli meu choro e sequei
minhas lágrimas.
Sem esperá-lo dizer nada, dei-lhe as costas e deixei a suíte ouvindo-
o me chamar alto. Entrei no elevador e apertei o botão do térreo, e antes que
ele pudesse me alcançar, as portas se fecharam e o elevador desceu.
CAPÍTULO 22

Ao atravessar o saguão do hotel senti olhares repulsivos


direcionados para mim. Com certeza todos por ali já leram as malditas
publicações e tiraram suas próprias conclusões a meu respeito sem ao
menos me conhecer. Respirei fundo e de cabeça erguida saí pela porta
giratória da frente, não havia nada para temer ou me envergonhar de
ninguém presente.
— Maya! — Fui chamada quando cheguei na calçada e virei-me
para trás vendo Caleb correr em minha direção. — Estava vindo ver você.
Eu li as fofocas. Como você está?
— Eu não estou bem com isso, Caleb — respondi com sinceridade.
— Eu imagino. O meu pai já sabe?
— Sabe. Ele está lá em cima.
— E aonde você vai?
Atrás da vadia da sua mãe! Apenas pensei porque não tive coragem
de dizer. Caleb não tinha nada a ver com tudo que estava acontecendo.
— Quer saber... você parece chateada. Vamos dar uma volta no
Central Park, estamos na estação mais bonita do ano — disse sorrindo e
oferecendo-me seu braço.
— Não se incomoda que algum paparazzo possa nos flagrar por aí e
ainda mais de braços dados?
— Absolutamente não! Sei quem você é, Maya. É o amor da vida do
meu pai e não o que estão dizendo por aí. Então... você vem? Te pago um
café.
— Tudo bem — aceitei sua oferta de entretenimento e entrelacei
meu braço no seu.
Nós caminhamos para o Central Park e compramos dois cafés
quentes. Caleb começou a falar com entusiasmo sobre seu penúltimo ano na
escola e sobre ir cursar a faculdade na Europa. Foi bom ver sua
empolgação, me fez lembrar de quando eu estava eufórica com minha ida
para Houston. Era um sonho sendo realizado e o começo de outro.
— Vamos nos sentar ali? — Apontou para um banco em frente à
pista de patinação no gelo.
— Ah, nossa... Faz anos que não patino. — Sentei-me cruzando as
pernas.
— Onde patinou? — perguntou ele sentando-se ao meu lado.
— Vancouver. Viagem de formatura no ensino médio.
— Que demais! Você foi sozinha? Quero dizer, sem seus pais?
— Sim. Foram apenas os alunos e alguns professores.
— Eu nunca viajei sozinho. Sempre estou com minha mãe ou meu
pai, e a vigilância sobre mim está ainda maior agora depois de... você sabe.
— Sei.
Ele referia-se ao seu envolvimento muito recente com drogas. Victor
estava de marcação cerrada em cima do garoto, não lhe dando brechas para
nada.
— Maya... Eu acho que fiz algo que não deveria ter feito.
— O que você fez? — perguntei intrigada, ele me parecia tenso.
— Quando cheguei do baile ontem à noite, minha mãe não estava
sóbria. Na verdade, ela tem feito muito isso ultimamente. Mas o que
aconteceu foi que ela veio me encher a paciência fazendo inúmeras
perguntas a respeito do meu pai e eu me estressei com isso. Acabei gritando
com ela e dizendo para seguir em frente e largar o álcool, porque ele não
estava ajudando-a em nada. Também disse que, enquanto ela estava se
autodestruindo, meu pai estava vivendo feliz com você. Ela berrou,
começou a quebrar algumas coisas e dizer que eu não estava falando a
verdade, que estava dizendo aquilo apenas para magoá-la e eu jamais faria
isso! Só quero que ela saia do fundo do poço.
Senti a chateação e mágoa em seu olhar tristonho.
— Eu sei, Caleb.
— Mas não para por aí. Ela ficou dizendo coisas estranhas e
desconexas do tipo que ela tinha que te colocar na prisão outra vez e
também te xingou com vários nomes pejorativos. Minha mãe estava
transtornada. Já a tinha visto nervosa antes, mas ontem ela estava...
— Louca?
— É — respondeu-me depois de alguns segundos. — Ela disse que
você é garota de programa e que ia contar isso para todo mundo. Acho que
foi ela quem espalhou fofocas por aí. Desculpe-me, Maya. Não devia ter
dito nada, acho que ela ainda nem sabia que vocês reataram.
— Não é você quem me deve pedir desculpas. Você não fez nada de
mais, Caleb. Apenas deu um conselho a sua mãe. Talvez, ela devesse
procurar ajuda especializada para lidar com o álcool e o fim do casamento.
— Desde que se separaram, minha mãe criou uma obsessão pelo
meu pai. No início, eu era pequeno e achava que ela fazia aquelas coisas
malucas de ficar seguindo os passos dele por aí e me pedindo para espioná-
lo quando estávamos juntos, porque ela ainda o amava, mas com o tempo
entendi que isso não era amor. As coisas com ela só têm piorado depois que
vocês começaram a namorar. Ela até ficou de boa por alguns dias quando
vocês terminaram, mas aí se afundou de novo depois de um dia em que foi
atrás do meu pai e ele a rejeitou mais uma vez.
— Eliza realmente precisa de ajuda urgente!
— Eu sei, mas ela não aceita isso. Minha mãe fica na internet
vigiando meu pai para saber onde ele está, quais eventos vai comparecer e
tudo mais. Hoje de manhã, quando ela viu a foto de vocês juntos no jornal e
percebeu que usava o colar, ela surtou e quebrou o celular. Disse que você
estava usando algo que lhe pertence e que iria pagar caro por tentar tirar
mais uma coisa dela.
— Já contou sobre esse comportamento dela ao seu pai?
— Não, mas creio que não seja preciso. Ele vê as loucuras dela.
Meu pai tentou ajudá-la anos atrás, mas não deu certo. Minha mãe não quer
ser ajudada.
— Obsessão quando não tratada se transforma em doença letal,
Caleb. Não só para ela, mas também para quem for seus alvos.
— Tenho medo de que ela tente algo estúpido contra si mesma. Não
tenho sentido confiança em deixá-la sozinha por muito tempo. Ainda bem
que, quando preciso, recorro a Leona, nossa governanta.
— Você não tem que ser responsável pela sua mãe. Suas loucuras
são um fardo muito grande para carregar sozinho. Esses cuidados deveriam
ser ao contrário.
— Merda! — exclamou ele olhando para o lado. — É melhor a
gente ir, tem um paparazzo aqui. É só questão de tempo para surgir outros.
Vamos! — Levantou-se.
Olhei para a minha esquerda entre as árvores e vi um homem nos
apontando uma câmera. Levantei-me jogando o copo vazio na lixeira ao
lado e segui Caleb, que deixava o parque de cabeça baixa e passos
apressados. Ele segurou minha mão e atravessamos a rua juntos. Ao
chegarmos à esquina do hotel, vimos vários jornalistas e fotógrafos
aglomerados na calçada em frente à entrada principal.
— Acha que estão aqui por mim e Victor?
— Tenho quase certeza de que sim.
— Droga! — exclamei. — Eles brotaram do chão? Como nos
acharam e chegaram aqui tão rápido?
— Olhem! É ela! — falou alto uma mulher apontando o dedo para
mim e atraindo a atenção de todos a sua volta.
— Acho melhor a gente correr ou tentar entrar no hotel por outro
lugar — disse Caleb.
— Mas que merda! Por que não nos deixam em paz? — esbravejei
baixo.
— Vem! — chamou Caleb agarrando meu braço e puxando-me para
trás.
Quando nos viramos para correr até a entrada da garagem, demos de
cara com mais dois paparazzi que começaram a falar e disparar flashes em
nossa direção.
— Olhe para cá! — gritou um deles apontando a câmera para mim.
Olhei a minha volta procurando por uma brecha para fugir, mas não
tinha para onde correr, estávamos completamente cercados por fofoqueiros
de plantão, que mais se pareciam com carniceiros desesperados de fome.
Eles gritavam pedindo para que eu olhasse para eles e me faziam perguntas
descabidas a respeito do meu envolvimento com Victor e sobre minha
prisão. Alguns chegaram a ser grosseiros e hostis com as palavras usadas.
Aquilo me desesperou deixando-me sem ar e me fez sentir que estava cada
segundo mais perto de uma crise de pânico. Caleb tentou me proteger e
afastá-los os ameaçando de processo, mas nenhum deles parecia se importar
ou abalar com isso. Como podem fazer isso a alguém que não conhecem?
Como essas pessoas dormem à noite, sabendo que podem ter ferrado com a
vida ou o psicológico de alguém por dinheiro? Tudo por um clique. Tudo
por um inédito.
— Se afastem! — Escutei Victor gritar.
Olhei em direção ao som de sua voz e o vi quebrar o bloqueio de
gente estúpida, chegando até nós.
— O que vocês querem, afinal? Digam-me? — perguntou aos berros
parando ao nosso lado.
Seus seguranças surgiram afastando todos de nós, criando um
espaço para que eu pudesse respirar outra vez.
— Nós queremos saber quem é ela, Sr. White — disse uma
jornalista. — Foi confirmado há poucos minutos que Maya Valentine tem
sim uma passagem na polícia do Texas por prática ilegal de trabalho em
nosso país. Tem algo a declarar sobre isso, Srta. Valentine?
— O que o senhor, uma figura pública endeusada por muitos na
sociedade e embaixador de inúmeros projetos que vetam práticas ilícitas no
país, assim como bem apoia várias ONGs que tem como objetivo ajudar
mulheres desamparadas para que não se deixem envolver com coisas do
tipo... prostituição, tem a nos dizer sobre estar em companhia desta moça?
— perguntou outro jornalista.
— Se tivessem investigado melhor, teriam descoberto que as
acusações não passaram de um terrível mal-entendido e que processos
correm em total sigilo na justiça contra este caso! — disse Victor
abraçando-me pela cintura. — Maya não é o que sites de fofocas
ridicularizados afirmam. Ela é uma estudante de medicina, futura cirurgiã
cardíaca e, não menos importante, ela é minha namorada! — declarou
apertando-me mais em seus braços.
Olhei para os jornalistas e fotógrafos diante de nós e eles nos
encaravam em silêncio com olhares espantosos. Obviamente não era uma
declaração como esta que eles esperavam.
— E antes que comecem a especular qualquer coisa a respeito do
nosso envolvimento e da enorme diferença entre nossas idades, acreditem...
Nós sabemos e estamos pouco importando com isso. Já nos acostumamos
com olhares cheios de julgamento, críticas infelizes e bochichos maldosos.
Isso jamais nos abalou e não será agora que irá acontecer. Idade é apenas
um número, não é? — Olhou-me. — Se vocês ao menos tivessem dado a
chance de conhecê-la antes de atacar, teriam se surpreendido com a mulher
incrível que ela é, com tão pouca idade!
Sorri emocionada e ainda mais apaixonada.
— Vocês queriam uma declaração, então agora vocês têm. — Olhou
para eles novamente. — Maya e eu estamos juntos. Com licença.
Nós nos afastamos de mãos dadas e escoltados por seus seguranças
até o hotel. Tomamos o elevador para a suíte e depois de alguns minutos,
quando tudo se acalmou lá fora, Victor mandou que levassem Caleb para
casa em segurança e pediu-lhe para evitar a imprensa.
— Você me deixou preocupado — disse Victor quando ficamos a
sós. — Saí atrás de você, prevendo que algo do tipo como aquele ataque lá
embaixo, aconteceria.
— Por que não me ligou? — perguntei sentando-me no apoio de
braço do sofá, de frente para ele.
— Porque conheço você. Saiu daqui com raiva, sabia que não me
atenderia. — Aproximou-se. — Amor... não vou dizer que sei como foram
os dias infernais que viveu, porque a verdade é que não sei e nunca irei
saber, mas posso imaginar. Me dói tomar conhecimento de todo seu
sofrimento e saber que agi de maneira estúpida, canalha e egoísta, quando
devia ter lhe dado todo meu amor e proteção. Quero que saiba que não
tomei nenhuma decisão quanto a Eliza e suas loucas ações estúpidas
porque, pela primeira vez na vida, não sei o que fazer, Maya. Não pense que
não a quero proteger, porque farei isso com minha vida. Mas não sei por
onde começar com aquela mulher.
— Caleb me contou que ela tem exagerado com o álcool. Ele
concorda comigo que ela precisa de ajuda especializada e, principalmente,
com a obsessão que tem por você. Eliza não tem mais uma vida própria,
Victor. Está vivendo essa fixação doentia desde a separação de vocês e tudo
tomou proporções maiores quando começamos a namorar. Ela tem tido
surtos psicóticos que tem preocupado o seu filho, um garoto de dezessete
anos.
— Tentar conversar e convencê-la de que amo outra mulher e que
ela precisa seguir adiante, não é uma opção. Já tentei e não funcionou. O
que eu gostaria é de poder ajudá-la com uma distância mínima de três
estados entre nós, mas Eliza é sozinha nesse mundo, ela não tem ninguém
além do filho. Caleb é menor de idade e alguém terá que se responsabilizar
por ela enquanto não estiver mentalmente capaz de responder por si mesma
e esse alguém terá de ser eu, não há outro jeito. Não posso simplesmente
colocá-la em uma clínica psiquiátrica e dar as costas. Meu filho nunca me
perdoaria se eu fizesse algo assim com sua mãe. Entende agora o porquê eu
não sei o que fazer? Não quero que o fato de eu me tornar seu responsável
legal, nos afete — revelou com tristeza.
— Não vai ser muito legal dividir sua atenção e preocupações com a
ex-esposa maluca, confesso. Mas nós iremos achar um jeito de lidar com
toda essa situação complicada. Vamos pensar que iremos fazer isso pelo
Caleb e não por ela. Vamos prometer um ao outro, aqui e agora, que não
vamos deixar que isso nos afete. Tudo bem?
— Tudo bem, eu prometo.
Levantei e o abracei pela cintura, ele correspondeu ao meu abraço e
colou nossas testas.
— Não será fácil ajudar Eliza. Até isso acontecer, temos que estar
preparados para coisas terríveis, porque ela não vai parar — falei.
— Seja lá o que ela tiver em mente, não irá nos separar. Ela
conseguiu uma vez, porque fomos fracos. Eu fui um fraco! Agora já
estamos calejados e isso não irá se repetir.
— Prometa!
— Prometo que nada será capaz de levá-la de mim, Maya! Nada! —
prometeu acariciando minha maçã esquerda do rosto, com seus polegares.
Passei meus braços por seu pescoço e beijei-o. Victor me apertou
contra seu corpo e retribuiu meu beijo de forma apaixonada. Depois do
almoço na suíte, arrumamos nossas malas e embarcamos de volta para
Chicago. Dormi aconchegada nele durante todo o voo, o estresse que havia
rolado pela manhã deixou-me exausta. Como era gostoso dormir e acordar
em seus braços sentindo seu cheiro. Quando estávamos prestes a realizar o
pouso, ele me acordou com carícias na face, beijos na testa e chamando-me
baixo. Espreguicei-me esticando os braços para cima e sentei corretamente
afivelando o cinto.
Em terra firme, a porta foi aberta e Victor levantou-se primeiro
estendendo sua mão para mim. Coloquei a minha sobre a sua e ele guiou-
me até a saída me dando passagem para descer primeiro. Parei bruscamente
no alto da escada quando me assustei ao perceber onde estávamos. Olhei
confusa para ele, que estava parado atrás de mim com um belo sorriso no
rosto. Nós não estávamos em Chicago e sim em Tulsa. Ele havia me trazido
para casa.
— Será só por alguns dias. Dois ou três no máximo. E então...
Gostou da surpresa? — perguntou.
— Se eu gostei? Victor, eu amei! — Pulei contente em seus braços.
— Obrigada, amor. — Dei-lhe um beijo rápido.
Descemos e entramos no carro que nos aguardava. A caminho para
sua casa, ele me contou algumas piadas bobas sobre avião, que me fizeram
rir. Amava tanto esses momentos de descontração com ele. Pena que eram
raros e curtos.
— Será que podemos mudar a rota? — perguntei quando passamos
nas proximidades do hospital.
— Quer ir ao hospital agora?
— Quero.
— Você ouviu, Noberto? Para o hospital.
— Sim, senhor — respondeu ele nos olhando pelo retrovisor.
O carro estacionou à frente do hospital e Noberto desceu para abrir a
porta.
— Eu te espero aqui — disse Victor quando estava saindo do carro.
— Você não vem? — Virei-me e perguntei. — Por favor, venha.
— Tem certeza?
— É claro que tenho!
Ele sorriu e aceitou meu convite com um aceno.
Entramos juntos e pegamos o elevador. Ao me aproximar do quarto
da minha mãe, dei duas leves batidas na porta e a abri. Encontrei-a deitada
na cama conversando baixinho com minha avó, que estava sentada na
poltrona ao seu lado.
— Oi!
— Filha! — Esforçou-se para demonstrar entusiasmo.
Corri até ela e a abracei apertado, claro que não com muita força, e
beijei seu rosto pálido e magro inúmeras vezes.
— Senti saudade, mamãe.
— Também senti a sua. Como foi em Nova Iorque?
A última vez que nos falamos ao telefone, eu estava indo para lá.
Depois disso, tive notícias suas somente através da minha avó e Clarice,
com quem falava todos os dias.
— Foi boa. Espero poder voltar em breve. — Sorri.
— Olá, Victor. Que bom revê-lo — disse minha mãe.
Eles se cumprimentaram, enquanto eu falava com minha avó de
quem também senti saudade.
— Viajaram juntos? — minha avó perguntou baixo para mim,
olhando para Victor, que conversava com minha mãe.
Não havia contado a ninguém, além da Clarice, que era com ele que
eu estava em Nova Iorque.
— Então... Eu e Victor reatamos.
— Ah, eu sabia! Vocês formam um belo casal. Fico muito feliz por
vocês.
— Obrigada, vovó. — Sorri contente.
Nós nos sentamos e colocamos a conversa em dia. Rolou papo sobre
tudo, desde meu retorno para a faculdade no próximo ano a uma leve
cobrança da minha mãe para eu voltar para Tulsa. Ela estava me cobrado
ambas as coisas desde que acordou do coma e descobriu que eu havia
perdido o começo do quarto ano de medicina e ido embora. É claro que não
contei a ela a verdade do porquê tudo isso aconteceu. Disse somente que eu
estava sem cabeça para os estudos mediante o ocorrido com ela e que a
mudança foi uma oportunidade de espairecer e conhecer um novo
horizonte.
O celular da minha avó tocou e ela saiu para atender. Quando
voltou, nos disse que meu pai estava a caminho. Eu e Victor nos
entreolhamos e depois olhei para minha mãe.
— Não sei o que está acontecendo, mas está na hora de vocês se
acertarem — disse minha mãe.
— Eu sei. Mas não hoje, está bem? Vou ficar na cidade por mais
alguns dias e prometo tentar conversar com ele.
— Não volte para Chicago sem se acertarem.
— Não vou garantir isso, mas prometo tentar.
Nós nos despedimos e minha avó se ofereceu para nos acompanhar
até o corredor. Aproveitei para perguntar como meu pai estava. Sempre que
perguntava a Clarice, ela me dizia que estava tudo certo, mas temia que
apenas não quisesse me preocupar com suas bebedeiras.
— Não temos o deixado ficar muito tempo ou passar a noite. Teddy
continua bebendo, mas, pelo menos, não apareceu aqui embriagado outra
vez.
— Pelo menos isso! Ele ainda está no trailer?
— Está sim, mas mudou de estacionamento. Parece que arranjou
briga onde estava e o expulsaram de lá.
— Uau! Nossa... — Respirei fundo. — E onde ele está agora?
— Em um estacionamento do outro lado da cidade.
— Ele chegou — disse Victor.
Virei-me e vi meu pai parado em frente ao elevador nos encarando
com o cenho franzido. Também havia sentido muito a sua falta. Queria
poder, como antes, correr até ele e o abraçar apertado, mas esse desejo era
impossível. Ao mesmo tempo que ele estava tão perto, eu sentia-o tão
distante e isso era muito doloroso. Era como se toda nossa ligação tão
intensa entre pai e filha tivesse sido quebrada ou nunca existido.
— Nós já vamos — disse e nos despedi da minha avó. Victor
segurou minha mão e caminhamos em direção ao elevador. — Oi, pai —
cumprimentei-o parando próxima a ele.
Ele olhou-me com desdém e depois para Victor, antes de voltar seu
olhar crítico e desgostoso para mim. Ele não retribuiu meu cumprimento,
apenas o ignorou e se afastou. Magoada, respirei fundo buscando forças
para não chorar, não queria desmoronar ali. Victor apertou de leve meus
ombros, parado atrás de mim, e beijou o topo de minha cabeça.
— Vamos, amor — chamou ele.
O caminho para sua casa foi feito em silêncio. Durante o percurso,
eu me perguntava até quando esse orgulho ferido do meu pai iria nos
manter afastados e nessa situação desconfortável. Ao chegarmos, Victor
abriu a porta da frente e fez um gesto com sua mão para que eu entrasse
primeiro. Mal passei por ela entrando na casa e escutei um latido alto e
estridente.
— Ai, meu Deus! Bow?!
Abaixei-me e abri meus braços. Ele correu em minha direção e eu o
abracei recebendo suas lambidas no rosto. Bow estava eufórico e inquieto,
chorava em um chiado manhoso e latia ao mesmo tempo.
— Oi, lindinho. Que saudade, garoto!
— Achei que vocês gostariam de se reencontrar — disse Victor.
— Quando o buscaram na casa da tia Jenna?
— Hoje pela manhã.
— Obrigada, amor. — Levantei. — Você sempre cheio de surpresas,
Sr. White. — Abracei-o com gratidão.
— Tudo para vê-la feliz.
— Eu te amo! — declarei-me, mais uma vez.

Mais tarde, depois do jantar, Victor pediu licença para fazer uma
videoconferência no escritório. Estava uma noite de brisa fresca e saí para o
jardim dos fundos com Bow. Joguei algumas vezes a bolinha para ele, até
sermos interrompidos pelo meu celular, que tocou no bolso traseiro do short
que usava.
— Jack?! Oi, como vai? — perguntei ao atender sua ligação.
— Oi, Maya. Vou bem e você? Ainda em Nova Iorque?
— Não. Estou em Tulsa, mas volto logo para Chicago. Como está
Kim? Não tenho falado com ela nos últimos dias.
— Ela está bem e com saudade, é melhor ligar senão ela irá ficar
chateada.
— Eu vou sim. Mas, e aí... novidades sobre o caso da Bridget?
— Tenho sim e estou ligando por isso. Talvez sobre uma coisa
naquele dia você estivesse certa, Maya. Eu não sei como não pensei nisso
antes, mas vou atribuir minha falha ao fato do crime ter tido um final
diferente.
— Está me deixando ansiosa.
— Como você já sabe, as vítimas foram encontradas decapitadas,
mas isso não foi a causa da morte. Elas foram mortas por estrangulamento
e relendo os laudos do legista, eu me toquei de uma coisa. Ele disse que o
objeto usado devia ser uma corda de trama grossa, mas aí eu pensei... Ou,
pode ser um cabo de aço. Suas marcas podem ser parecidas, não é? Então,
fui falar novamente com o legista e perguntei se ele achou algum material
como fibra nas vítimas que indicasse que o objeto usado para o
sufocamento fosse especificamente uma corda e sabe o que ele me
respondeu? Que não! Que baseou sua suposição apenas nas marcas
deixadas no pescoço. Cordas costumam deixar vestígios de seu material.
Eu comprei algumas espessuras e marcas diferentes de cabo de aço e levei
para que ele refizesse as análises e adivinha só? Uma marca e espessura de
cabo não só bateram com as marcas das garotas, como também bateu com
a marca no pescoço da dançarina. O cabo era exatamente igual ao pedaço
que encontramos na Bridget.
— Minha nossa... É informação demais para absorver — disse
baixo. — Você já tem alguma ligação entre elas?
— Ainda não encontrei nada. Pode ser que ele as escolhia de forma
aleatória. Eu até cheguei a investigar se elas tinham alguma ligação com a
agência Golden Girl ou com o cara que trabalha lá, o Bash, mas não há
absolutamente nada.
— E agora, o que vai fazer? Já tem quase certeza de que quem
assassinou Bridget também matou as outras meninas, mas não tem um
suspeito.
— Mandei vasculharem outra vez os locais da desova, talvez o
objeto do crime esteja por lá e nele, o que acho difícil, podemos achar algo
que nos leve ao assassino, como: digitais, pele, suor, sangue ou saliva.
— E quanto ao Bash? Se realmente foi aquele cara estranho quem
matou Bridget, podemos supor também que tenha assassinado as garotas.
Eu estou dizendo, Jack. Eu senti algo quando nos esbarramos na saída da
agência e o modo como ele olhava para Natasha era bem estranho. Eu só
temo que realmente Bridget tenha sido morta em seu lugar e que ele tente
de novo com a Natasha.
— São apenas suposições, Maya. Não há fato concreto que o acuse,
mas prometo continuar trabalhando nisso e concordo com você que tudo o
que viu é, no mínimo, estranho, porém, infelizmente, apenas com base no
que Natasha me contou e no seu sexto sentido, não posso considerá-lo
suspeito. Mas agradeço tudo o que me disse quando fui até o seu
apartamento, você foi a luz que eu precisava para sair da estaca zero com a
investigação. Se não fosse você e seus pensamentos meios doidos, admito,
não teria descoberto essa ligação entre os crimes.
— Não tem que me agradecer por isso, só queria ajudar. Não
consigo nem imaginar a angústia e tristeza que as famílias estejam passando
nesse momento.
— Eu prometo que se descobrir que Bash cometeu um ou mais
desses assassinatos, eu te pago um café — falou humorado. — Mas, por
ora, só quero agradecer e pedir que não compartilhe com ninguém as
informações que te passei. Entende que isso coloca meu emprego em risco,
não é? Não devia ter contado a você, mas pensei que era, no mínimo, seu
direito saber da minha descoberta, já que tudo se desenrolou graças a você,
Maya.
— É claro que entendo, Jack. Fique tranquilo, não vou falar para
ninguém. Fico feliz em ter ajudado. Mas... saiba que se eu vir algo suspeito
com aquele cara, vou te ligar!
Ele riu.
— Tudo bem e eu irei atender.
— Ótimo — disse rindo.
— Bom... Se cuide e avise quando voltar, podemos marcar outra
noite de karaokê.
— Claro. Boa noite.
Ele se despediu e desligamos.
— Com quem estava falando? — perguntou Victor, fazendo-me dar
um pulinho de susto.
— Meu Deus, Victor! Você me assustou! — disse apertando o
celular contra meu peito.
Ele riu e aproximou-se.
— Desculpe-me. Mas então... quem era?
— Que enxerido! — disse em tom de brincadeira e sorri. — Estava
falando com a Sasha — menti. A verdade geraria um desentendimento entre
nós. Victor diria para eu ficar de fora disso, porque é perigoso e não é da
minha conta.
— Conte-me um pouco sobre suas novas amizades — pediu
abraçando-me pela cintura.
— Elas são garotas incríveis. A Sasha é... a Sasha. — Ri ao me
lembrar do seu jeito Sasha de ser. — Ela tem uma história de vida bem
difícil e triste. Pai alcoólatra e abusivo, uma mãe que se recusa a deixá-lo e
irmãos mais novos que estão aos cuidados de uma casa de apoio para
menores. Já a Kim, ela é meiga e divertida. Está noiva de um cara
superbacana, que se chama Jack. Ele é detetive da polícia de Chicago. O
casamento deles está marcado para janeiro, o qual serei a dama de honra. E
tem a Maggie, ela é a mãe da Kim e também outra mulher com histórico de
marido abusivo. Ela foi uma pessoa incrível comigo quando cheguei a
Chicago. Me acolheu como quem já me conhecesse há anos e me ajudou a
arranjar o emprego na Wilcox.
— Vai me levar com você ao casamento da sua amiga?
— Não seja bobo. Você sempre estará comigo para qualquer lugar
que eu for no mundo! — disse convicta.
Ele sorriu e eu o beijei.
— Quer assistir a um filme? Ainda está cedo.
— Filme? — Ri de sua proposta. — A gente nunca consegue assistir
um por inteiro, Victor.
— Eu adoro tentar assistir filmes com você — falou com malícia e
apertou minha bunda.
— Então vamos lá.
Peguei sua mão e o puxei para dentro. Bow brincava rolando na
grama e eu cortei seu barato chamando-o para dentro e fechando a porta em
seguida. Victor e eu subimos para o quarto, mas, desta vez, chegamos aos
trinta e cinco minutos do clássico de noventa três que tentávamos assistir
pela segunda vez: Proposta Indecente. Acho que esse foi nosso recorde!
CAPÍTULO 23

Victor estava sentado no sofá da sala e eu cavalgava em seu pau


completamente em êxtase. O espaço se enchia com nossos gemidos de
prazer e o estalar da sua mão contra minha bunda e coxa, que se
encontravam doloridas e cheias de vergões vermelhos. Tudo estava tão
gostoso e cheio de tesão, que foi fácil ignorar meu celular que tocava pela
segunda vez seguida sobre o outro estofado. Aquele não era o toque
especial que havia definido para Clarice, minha avó, tia Jenna, meu pai e o
hospital. Então, eu não precisava me preocupar ou interromper nossa transa
tão quente.
Meus mamilos estavam anestesiados, graças aos grampos novos que
os prendiam com pressão. Na base do seu membro tinha um anel peniano
com uma esfera fria vibratória que me dava mais prazer quando descia com
força, engolindo seu pênis duro por inteiro, batendo meu clitóris contra ela.
Meus antebraços estavam amarrados para trás, um sobre o outro, com finas
cordas vermelhas aveludadas. Victor apertava suas mãos em meu quadril,
ajudando-me a manter o ritmo acelerado das minhas investidas. Senti o
prazer aumentar e a contração familiar apertar no pé da minha barriga, eu
estava prestes a gozar. Fechei meus olhos e joguei minha cabeça para trás
gemendo exasperada, quando senti novamente outro tapa dolorido.
— Não goze! Abra os olhos, Maya! Olhe para mim! — mandou alto
e ofegante.
— Por favor... — implorei encarando-o nos olhos. — Por favor, meu
Senhor!
Victor gemeu em um rugido e puxou meus cabelos da nuca levando
minha cabeça para trás. Seus lábios depositaram beijos em meu pescoço
alternando com leves mordidas que me fizeram arrepiar.
— Não quero que goze agora! Entendeu? — perguntou rude em
meu ouvido.
— Não sei se consigo, amor — disse olhando para ele e vendo-o
ficar zangado por eu chamá-lo de amor, quando devia tratá-lo por Senhor.
Em movimentos rápidos, ele agarrou minha cintura e me tirou do
seu colo jogando-me para o lado no sofá. Assustada com seu ato repentino,
encarei-o com medo de uma punição. Victor me virou de costas para ele,
colocando-me de quatro sobre o assento do sofá, apoiando meus seios no
apoio de braço. Com uma mão agarrou meus cabelos os puxando para trás e
com a outra segurou meus antebraços presos. Victor me penetrou com força
e avidez levando-me rapidamente à loucura outra vez. Suas estocadas
fundas me preenchiam por completo e o toque de suas bolas contra meu
clitóris era delicioso. Eu realmente não conseguiria aguentar muito mais
tempo. Cerrei meus punhos e fechei meus olhos os apertando em busca de
um mínimo de controle que não conseguia mais achar.
— Adoro quando me aperta assim. Por que tem que ser tão gostosa?
Tenho vontade de morar com meu pau dentro de você! — disse chegando
ao ápice do seu tesão.
Ele debruçou sobre minhas costas e mordeu meu ombro com força
fazendo-me gritar de dor.
— Goza, meu amor... Eu deixo. Goza comigo.
Suas frases foram como músicas para os meus ouvidos, era tudo o
que eu esperava ouvir. Libertei-me para o orgasmo ao mesmo tempo que
gozamos juntos como ele desejava. Victor me encheu com seu líquido
quente, gemendo rouco e baixo no pé do meu ouvido deixando-me
arrepiada. Mordiscou o lóbulo da minha orelha e apertou minha cintura com
suas duas mãos enquanto seu membro terminava de se liberar nos últimos
espasmos. Eu estava ofegante e com os pulmões queimando pela falta de ar.
Estava me sentindo exausta e merecedora de um banho. Deitei minha
cabeça no largo apoio de braço do sofá e respirei fundo e devagar. Ele tirou
os cabelos caídos em meu rosto e beijou minha nuca iniciando uma trilha de
beijos descendo por minhas costas. Seus lábios foram até minha bunda
deixando beijinhos carinhosos nos meus glúteos doloridos.
— Maya? — chamou-me com a voz rouca.
— Sim.
— Deixe-me tirar uma foto de você do jeito como está agora. De
quatro, toda marcada, amarrada, bem comida e com minha porra escorrendo
de você! — disse acariciando minha bunda.
— É melhor não.
— Por favor, amor. Vamos passar alguns dias longe.
— E se alguém invadir a rede do seu celular? Essas fotos irão parar
direto na internet e não precisamos de mais um escândalo. Terá que usar e
abusar de sua imaginação, Sr. White.
— Tudo bem. Se não quer, eu respeito — disse e beijou minhas
costas.
— Daremos outro jeito de nos satisfazermos a distância, eu
prometo.
Victor desatou a corda que prendia meus braços para trás e virou-me
de barriga para cima ajeitando-se entre minhas pernas em seguida, cobrindo
meu corpo com o seu. Ele encarou-me em silêncio por alguns segundos,
apenas acariciando meus cabelos com uma mão e minha coxa direita com a
outra. A expressão em seu rosto era de um homem saciado e era fato que a
minha não estava muito diferente. Acariciei sua barba que espetava minha
mão e sorri recordando o quanto esses três dias em Tulsa foram incríveis.
Nós saímos para correr juntos na trilha perto do lago e foi divertido, nunca
havíamos feito isso antes. Fomos até um bom restaurante francês no centro
da cidade e jantamos na companhia de Clarice e Sammy, foi uma noite
maravilhosa. No outro dia, Victor dirigiu o próprio carro quando fomos às
compras com minha avó no supermercado. Depois, passamos a tarde inteira
no hospital com minha mãe. Foi admirável ver o carisma e esforço dele em
tentar fazê-la sorrir e se sentir melhor com suas histórias da adolescência,
algumas que eu até já conhecia, e suas piadas bobas, mas que eram sempre
engraçadas. Fizemos mais algumas coisas juntos nesses dias, como preparar
o jantar para nós, levar Bow para passear na vizinhança, nadar nus no lago
aos fundos da casa à noite e por aí seguia a lista de coisas boas que fizemos
juntos. Tudo foi ótimo e nos aproximou ainda mais. O sexo também foi
extremamente quente. Nós transávamos sempre que ficávamos sozinhos e
foi gostoso em todas elas. Victor sendo sempre tão dominante, mas por duas
vezes ele cedeu e fizemos amor de forma lenta, carinhosa e apaixonada.
— Divide comigo o que está pensando — pediu ele.
— Só estou me recordando desses três dias. Foram tão bons.
— Foram sim. Gosto da forma como nosso relacionamento está indo
bem e amadurecendo.
— Quando voltarmos para Chicago, você vai ficar por mais alguns
dias comigo? — perguntei abraçando sua cintura com minhas pernas.
— Tenho que ir a Seattle. Na verdade, já devia estar lá ontem. Venha
comigo. Assim vamos poder aproveitar muito mais dias juntos.
— Tudo bem.
Ele sorriu com minha resposta e me beijou. Não havia porque não
aceitar seu convite. Eu queria que esses dias bons se prolongassem ainda
mais, porque, no fundo, sentia que uma forte tempestade estava prestes a
chegar a nossas vidas.
Depois do banho, Victor e eu decidimos pedir uma pizza ao invés de
irmos para a cozinha preparar nosso jantar, já que havíamos dispensado a
empregada logo após o almoço, para que pudéssemos ficar mais à vontade
pela casa. Ele estava em uma ligação importante no escritório, enquanto eu
colocava a mesa para nós dois. Noberto entrou com a caixa de pizza na mão
e a entregou para mim. Eu o agradeci e ele se retirou para a casa dos fundos
da propriedade, destinada aos empregados. Fui até o escritório e dei uma
leve batida na porta antes de abri-la. Avisei ao Victor, que ainda estava em
sua ligação, de que nosso jantar havia chegado. Ele fez um gesto pedindo-
me mais um minuto e voltei para a sala de jantar passando pela sala de
estar, onde avistei meu celular sobre o sofá e me lembrei de que mais cedo
alguém havia me ligado. Peguei-o e vi que havia duas ligações perdidas do
Tyrone e uma mensagem sua de voz.
— Oi, querida. É o Ty. Sei que está fora da cidade, mas tenho um
trabalho excelente para você. Porém, o ensaio vai acontecer na terça,
então tem que estar de volta o quanto antes. Me liga. Beijos.
Encarei o celular após ouvir a mensagem, pensando no que fazer e
qual decisão tomar. Eu havia dito ao Victor que iria para Seattle com ele e a
questão naquele momento era que eu precisava da grana para seguir com
meus planos de voltar para Tulsa por um tempo. Os ensaios estavam
acontecendo com frequência e pagando cada vez melhor, eu não poderia me
dar ao luxo de dispensar o trabalho e viajar com Victor por mais dias. Ou eu
iria com ele, ou voltaria para Chicago.
— Está tudo bem? — perguntou ele entrando na sala.
— Era o Tyrone quem ligou mais cedo.
— E o que ele quer? — interrogou-me um tanto rude.
— É que... apareceu um trabalho, mas tenho que estar de volta a
Chicago o quanto antes.
Victor encarou-me sério e mudo com os braços cruzados à frente do
peitoral nu.
— Não faça isso, por favor — pedi ao perceber que, diante de sua
postura, estávamos dando início a uma discussão.
— Quando vai parar com isso? Quando vai se cansar dessa
brincadeira de ser modelo? — perguntou alto.
— Não é brincadeira, Victor! Já te expliquei isso! — retruquei-o
com a voz um pouco alterada. — Achei que já tivesse compreendido que eu
preciso dele! O que você preferia, afinal? Que eu estivesse servindo bebidas
em um bar imundo, recebendo cantadas baratas e desrespeitosas? E nem
vamos falar sobre as passadas de mão pelo meu corpo com desculpinhas
falsas. — Fiz uma pausa esperando que ele dissesse algo, mas nada falou.
Eu respirei fundo, de olhos fechados, e quando tornei a abri-los o encarei
com tamanha tristeza por sua falta de compreensão. — Você pode até não
aceitar, mas eu não vou parar agora. Não faço o tipo namorada troféu e você
já devia saber disso, Victor. Eu sou uma pessoa ambiciosa pelo meu futuro e
não meço esforço. Quero voltar a estudar, poder devolver uma vida decente
aos meus pais e o mínimo que espero de você é que ao menos me apoie.
Deixei-o na sala e caminhei para a varanda dos fundos sentando-me
no balanço. Uma brisa fresca veio da direção do lago contra meu rosto.
Bow sentou-se no chão e apoiou sua cabeça ao meu lado no assento,
encarando-me com olhinhos tristonhos e eu acariciei o topo de sua cabeça.
É desejar demais que o homem que eu amo me apoie e seja meu porto
seguro quando eu precisar me ancorar em alguém? Não quero que ele seja
a pessoa a falar “Eu te avisei” ao contrário de dizer “Vai ficar tudo bem.
Vamos tentar de novo”, quando algo não der certo.
Quando o clima esfriou, entrei em casa com Bow. Na sala de jantar,
não havia mais nada sobre a mesa. Minha mágoa foi tanta, que perdi até
mesmo minha fome. Bow foi para sua cama perto da lareira na grande sala
de estar e se deitou. Eu lhe dei uma boa-noite e subi a escada. Victor não
estava no quarto e nem no banheiro, ele só podia estar trancado no
escritório. Perto da porta, vi sua mala encostada na parede, pronta para sua
viagem a Seattle logo pela manhã. Deitei e me aconcheguei sob o edredom
adormecendo rapidamente sem esperar que ele viesse para a cama.
Durante meu sono cheio de sonhos, fui levemente despertada ao
sentir o outro lado da cama afundando lentamente. Não precisei abrir meus
olhos para saber que era ele quem se deitava ao meu lado, bastou inalar o ar
para sentir o cheiro forte do seu uísque. Tive vontade de me virar para ele e
me aconchegar em seus braços, dizer-lhe o quanto o amava mesmo com sua
arrogância e falta de compreensão, mas senti que ele não merecia meu afeto
naquele momento, então, tornei a dormir.

Na manhã seguinte acordei às seis e meia. Simplesmente despertei e


não consegui mais dormir. Victor ainda dormia ao meu lado com o cenho
levemente franzido. Com delicadeza para não o acordar, passei meu dedo de
leve desmanchando sua ruga de expressão entre as sobrancelhas e ele
sequer se mexeu ao meu toque. Levantei-me e vesti o robe antes de deixar o
quarto. Na cozinha, a empregada preparava o café da manhã que cheirava
deliciosamente bem. Desejei-lhe um bom-dia e peguei uma caneca cheia de
café indo para a varanda dos fundos e sentando-me no balanço com o
celular na mão. Esperei que desse sete horas e resolvi arriscar a ligar para o
Tyrone, que atendeu no terceiro toque. Especulei-o sobre o ensaio e ele me
disse que se tratava de uma marca badalada de jaquetas de couro. Ele
também me informou de que o cachê era muito bom. Eu iria substituir uma
modelo que havia se acidentado em outro ensaio fotográfico no dia anterior
pela manhã, por isso ele entrou em contato comigo tão em cima da hora.
Depois de pensar por breves segundos, confirmei a ele minha presença.
Após encerrar a chamada, terminei meu café na companhia do meu
amigo mais fiel. Noberto veio me chamar e dizer que o desjejum estava
posto à mesa. Ao entrar, logo escutei o barulho do pisar forte do Victor com
seus sapatos caros no assoalho de madeira. Sentei no lugar de sempre, à sua
direita à mesa, e ele apareceu devidamente bem-vestido para a viagem,
usando um terno preto de três peças com finas riscas de giz cinza-escuro,
camisa azul-claro e uma gravata azul-marinho de seda lisa. Ele parou de pé
ao meu lado e, antes de se sentar, beijou o topo da minha cabeça desejando-
me bom-dia.
— Bom dia — respondi-o servindo de mais café.
— Eu verifiquei e todos os meus jatinhos particulares da empresa
estão sendo usados hoje. Tenho que voar o quanto antes para Seattle e,
como já lhe disse, eu já devia estar lá. Então, não posso fazer um traçado
longo de voo. Se importa de ir para Chicago na primeira classe? Noberto
ficará aqui com você até que embarque e depois irá ao meu encontro.
— Não tem que se preocupar com isso, Victor. Pode ir cuidar do seu
trabalho sossegado, eu pego um voo comercial, está tudo bem.
— Vou pedir para comprarem sua passagem.
— Okay. Tudo bem.
Terminamos nosso café sem mais conversa e ele então se levantou
anunciando que já precisava ir. Eu o acompanhei até a porta e me despedi
dele com um longo abraço apertado e depois um beijo que já dizia:
“saudade, amor”.
— Faça uma boa viagem — desejou ele com sua testa colada na
minha e abraçando-me pela cintura.
— Você também.
Victor beijou minha testa segurando meu rosto entre suas mãos e
afastou-se abrindo a porta, então saiu em direção ao carro, que o esperava
na frente da casa sem nem mesmo olhar mais uma vez para trás. Mesmo
depois do beijo e a troca rápida de carícias, senti que eu e ele estávamos tão
distantes quanto ontem depois da breve discussão.
— Victor... — chamei-o e saí parando no topo da pequena escadaria
de pedras. Ele parou apoiando a mão na porta traseira do carro e se virou
para mim. — Eu amo você.
— Eu também amo você. — Deu-me um sorriso, que não alcançou
seus olhos.
Ele partiu e fiquei parada ali, vendo o carro se distanciar e
desaparecer depois de passar os portões. Não consigo acreditar que os três
maravilhosos dias que tivemos se findaram assim.
Mais tarde, Victor mandou a passagem para o meu e-mail e o voo
sairia às duas da tarde. No caminho para o aeroporto passei no hospital para
me despedir da minha mãe e minha avó. Contei a minha mãe que estava
voltando a Chicago para um trabalho, mas prometi que assim que desse eu
voltaria. Despedi-me da Clarice por mensagem, ela estava presa em um
julgamento e não teve como nos despedir pessoalmente. Ela me desejou boa
viagem e pediu para que mantivéssemos contato constante. Na saída do
hospital parei na calçada próxima ao carro falando ao telefone com tia
Jenna, quando olhei para o outro lado da rua e me assustei ao ver um rosto
conhecido de pé com as mãos guardadas no bolso da jaqueta jeans surrada
que usava.
— Maya? Você está aí? Maya? — tia Jenna chamou-me.
Um grande ônibus passou e, quando saiu da minha frente, a figura
assustadora não estava mais lá.
— Maya? — Noberto chamou tocando meu ombro e tirando-me do
transe.
— Sim — respondi olhando-o.
— Está bem? — perguntou preocupado.
— Estou — menti.
Eu não estava bem, estava assustada. Tornei a olhar para o outro
lado da rua e não o vi mais. Entrei no carro e Noberto assumiu a direção.
Será que realmente o vi ou isso foi apenas minha mente pregando-me uma
peça? E se era ele, aquilo não era apenas uma coincidência. Higor está
mais perto do que imaginamos. A ligação com tia Jenna havia caído, então
mandei uma mensagem dizendo que nos falaríamos depois.
Foram pouco mais de duas horas de voo pensando no que vi na
saída do hospital. Escolhi não contar nada ao Victor sobre o Higor, porque
em primeiro lugar não tinha certeza se era real, poderia ser uma pessoa
parecida com ele ou sei lá. Em segundo, não queria preocupá-lo, ele estava
do outro lado do país ocupado com seu trabalho que deixou acumular para
estar comigo nos últimos dias. Assim que desembarquei, peguei minha
bagagem e saí do aeroporto em busca de um táxi que logo consegui. A
caminho do apartamento recebi uma mensagem do Victor perguntando se
eu havia chegado bem e feito boa viagem. Eu respondi dizendo que sim e
que já estava quase em casa. Esperei por outra mensagem sua me dizendo
que já estava com saudade, ou até mesmo uma com sacanagens do tipo que
ele sempre gostou de mandar, mas não recebi nada.
Ao chegar, Sasha não estava, mas havia me deixado um bilhete me
desejando boas-vindas em nosso mural. Eu mandei uma mensagem a
Clarice e outra para ela e Kim avisando que já estava de volta. Kim me
ligou no mesmo instante me convidando para jantar com ela e sua mãe no
hotel. Eu aceitei o convite e combinamos para as sete, estava mesmo com
saudade dela e da Maggie. Quando retornei do jantar já passavam das onze
da noite. Victor não me ligou ou mandou uma mensagem sequer depois de
termos nos falado tão brevemente quando cheguei à cidade. Isso estava me
incomodando muito. Era ridículo ficarmos brigados.
Sentei na cama e retirei as botas que calçava. Com o celular na mão,
me joguei para trás e encarei a tela com uma foto nossa que salvei de um
site que havia feito a cobertura completa do evento em Nova Iorque.
Perguntei-me se devia ligar para ele. Ainda estava relativamente cedo em
Seattle, lá o relógio marcava nove e vinte da noite. E se ele ainda estiver
com raiva e decidir ignorar minha ligação? Isso irá doer. Talvez seja
melhor mandar uma mensagem ou... seja melhor eu ir dormir.
CAPÍTULO 24

No dia seguinte acordei as sete com o despertador do celular. Depois


de um banho quente, me vesti e saí do quarto tentando não fazer muito
barulho para não acordar Sasha, que dormia no quarto ao lado. Preparei um
café e fiz torradas antes de sair de casa. Tyrone havia me mandado uma
mensagem com a localização do endereço onde aconteceria a sessão de
fotos. Dando uma olhadinha rápida na internet, descobri que era um estádio
de beisebol. Dei o endereço ao motorista do táxi e cheguei alguns
minutinhos atrasada, graças ao trânsito caótico da manhã.
— Até que enfim você chegou, borboleta — disse Tyrone ao me ver.
— Oi, Ty — cumprimentei-o animada.
— Como foi a viagem?
— Foi ótima, obrigada por perguntar.
— Nancy! — ele chamou uma mulher jovem negra, trinta anos
talvez, e de cabelos cacheados volumosos. — Querida, esta é Maya, a
modelo de quem te falei. — Virou-se para mim. — Nancy irá cuidar da sua
maquiagem e Tônia do seu cabelo. É só ir com elas, está bem?
— Claro.
Ele sorriu e saiu gritando com algumas pessoas dizendo que
estavam fazendo errado a montagem do cenário.
— Venha. Sente-se — pediu Nancy.
Ela começou a me maquiar e logo depois Tônia apareceu assumindo
os cuidados dos meus cabelos. Ela os arrumou em ondas e depois as desfez
usando um pente e um pouco de fixador em spray, deixando-o
propositalmente despenteado. Pronta, olhei-me no pequeno espelho que ela
deu em minhas mãos e observei a combinação do penteado despojado com
a maquiagem de olhos pretos e boca neutra, apenas coberta por um gloss
labial transparente espesso e brilhante.
Entrei no trailer estacionado próximo, que estava servindo de
camarim, e vesti a primeira troca de roupa, formada por um conjunto de
calça e jaqueta de couro preto. Por baixo, não usei nada além de um sutiã de
renda vinho. Calcei botas de salto feitas em camurça azul-marinho. A calça
era justa e de cintura baixa, a jaqueta feminina tinha detalhes de zíper
prateado nos punhos, ombros e frente.
No cenário montado sobre a terra vermelha do campo, tinha uma
Harley-Davidson cinza-chumbo. Ela era linda e completamente restaurada.
Atrás da mesma, uma grande tela de chroma key verde, para que o fundo
das imagens pudesse ser editado mais tarde. Segundo Tyrone, o fundo seria
transformado para parecer que estávamos em um deserto.
— Onde estão os outros modelos? — perguntei ao Tyrone. — Só
estou vendo eu aqui.
— A sessão só será feita com você e Sean. Se lembra dele?
— Sim.
Não demorou muito e Sean apareceu pedindo desculpas pelo
enorme atraso. Sua preparação foi rápida e logo começamos o trabalho que
demorou um dia inteiro. Fizemos centenas de trocas de roupas e mudamos o
cabelo e batom algumas vezes. Quando o sol começou a se pôr, Tyrone
pediu para que mudassem o cenário, ficando de frente para a claridade do
sol.
— Maya, querida... Não feche a jaqueta, deixe-a aberta. Vamos
pregar as bordas com fita dupla face, para que cubra somente os mamilos
— disse Tyrone.
Hesitei por um momento. Eu tinha toda certeza de que, quando
aquelas fotos fossem expostas pela cidade, Victor logo as veria e não ficaria
nem um pouco contente com elas.
— Vamos, garota! — chamou minha atenção, irritado. — Está
esperando o quê?
Tônia apareceu e pregou as bordas da jaqueta nos meus seios com
fita, cobrindo somente minhas aréolas.
— Relaxe. Irá expor somente o que mostraria em um decote
profundo, além de parte da sua barriga. Não é nada demais, isso faz parte do
trabalho. O ensaio que fizemos no galpão teve mais nu que este — disse
Sean com humor, tentando me fazer relaxar com a exposição.
Respirei fundo e engoli minha timidez, concentrando-me no que
havia ido fazer. Continuamos com o ensaio e, quando finalmente acabou, já
passava das seis da tarde. Passamos o dia todo ali mudando de roupa sem
parar, fazendo pequenas pausas para água, banheiro e pequenas doses de
vitaminas que substituíram nossas refeições do dia todo. Eu estava exausta
e faminta por comida de verdade.
Entrei no trailer, tirei a maquiagem, troquei de roupa e penteei os
cabelos grudentos de fixador e poeira, prendendo-os em um coque. Pronta
para ir, eu peguei meu celular na bolsa para chamar um táxi e me surpreendi
em ver que não havia chamadas perdidas do Victor, ou uma mensagem
sequer. Isso me entristeceu. Estaria ele ainda com raiva de mim por ter
escolhido o ensaio ao invés de Seattle com ele? Chamei um táxi e, ao sair
do trailer, assustei-me quando Sean saiu em silêncio do escuro.
— Desculpe, não quis te assustar. Estava esperando você sair.
— Por mim? Por quê?
— Você foi muito bem hoje. Estava muito gata. — Sorriu fechando
o espaço entre nós, ficando com seu corpo a centímetros do meu.
— Ah... Valeu. — Dei um passo para trás.
— Quer uma carona? Posso te levar em casa. — Aproximou-se
novamente.
Tentei dar mais um passo para trás, mas bati de costas contra a porta
do trailer.
— Talvez a gente possa fazer uma parada no meio do caminho —
falou baixo e com tom de malícia na voz, encarando-me nos olhos.
Ele encurralou-me com seus braços, apoiando suas mãos na lataria
do trailer, acima dos meus ombros.
— E então... O que você diz?
— E-eu tenho um compromisso e já chamei um táxi. Mas agradeço
— gaguejei de nervoso.
Ele aproximou seu rosto do meu e tentou me beijar, mas
rapidamente me esquivei passando por baixo do seu braço e afastei-me
depressa correndo em direção à saída, sem olhar para trás. Quando cheguei
do lado de fora do estádio, avistei o táxi que havia chamado estacionar
próximo ao meio-fio. Passei pela catraca e corri em sua direção, quando
esbarrei de frente com alguém, que saía de trás do muro. A pessoa deixou
cair uma sacola no chão e eu abaixei-me para pegar.
— Ai, Deus! Desculpe-me — exclamei e pedi envergonhada. Olhei
para cima para ver em quem havia trombado e um nervoso tomou meu
corpo. — Bash? Eu não sabia que estava aqui hoje?
— Eu não estava. Só vim para ajudar a recolher tudo — disse sério.
— Sua sacola. — Estendi-a para ele.
Bash a pegou da minha mão com um pouco de rispidez e passou por
mim sem se despedir. Eu estava sentindo uma tensão misturada ao medo.
Era óbvio que ele estava estranho, não se parecia nem um pouco com o
assistente um tanto tímido que conheci quando cheguei à primeira vez no
estúdio.
Caminhei até o táxi e entrei passando o endereço ao motorista. Ao
chegar em casa, paguei a corrida e subi para o apartamento. Quando as
portas do elevador se abriram no meu andar, peguei minha chave na bolsa e
caminhei até a porta. Ao entrar, escutei a risada alta da Sasha vir da
cozinha.
— Cheguei! — disse alto, tirando meu casaco e o dependurando em
seguida no suporte da parede, junto à bolsa.
— Que bom. Chegou bem na hora. — Escutei Victor dizer.
Entrei na sala e encarei-o incrédula. Não conseguia acreditar que ele
estava ali, na minha cozinha, preparando o que parecia ser o jantar na
companhia da Sasha.
— Oi... — cumprimentei-o baixo.
Ele lavou suas mãos e as secou no pano de prato antes de vir até
mim com um sorriso largo no rosto.
— Oi, amor. Senti sua falta — falou parando à minha frente e
segurando-me pela cintura. — Como foi seu dia? — perguntou com a voz
mansa, demonstrando real interesse.
— Foi bom. — Sorri contente em vê-lo.
Abracei-o fechando meus olhos e apreciando o aperto dos seus
braços em volta do meu corpo pequeno que se perdia entre eles. Deus!
Como senti saudade dele. Por que está sendo cada vez mais difícil ficarmos
longe um do outro? Soltei-o e peguei seu rosto entre minhas mãos, olhando-
o brevemente antes de beijá-lo. Nossos lábios se encontraram com paixão e
urgência, em um desejo quase desesperado. Escutei um pigarreado e
recordei-me de que não estávamos a sós. Interrompi nosso beijo e olhei-o
em seus belos olhos.
— Eu te amo, Sr. White — sussurrei para que só ele pudesse ouvir.
— Não quero ficar longe de você. Eu não consigo — sussurrou e eu
me aconcheguei em seu peito.
— O jantar já está quase pronto — alertou Sasha.
Arrumamos a mesa e tivemos um jantar agradável regado de boa
conversa e risadas. Victor estava humorado e amoroso, sempre me
abraçando e sorrindo. Ele estava sentado ao meu lado e eu não conseguia
parar de olhá-lo. Ele me parecia tão relaxado usando um visual leve e
descontraído, bebendo uma cerveja direto na garrafa. Eu estava adorando
aquilo. Era tão raro vê-lo usando calça jeans, tênis e camiseta, que o que eu
tinha para fazer era somente admirá-lo. Talvez fosse a soma de tudo junto.
Eu amava vê-lo assim. Se fosse na época da primeira fase do nosso
relacionamento, eu teria procurado uma discussão e exigido satisfações do
porquê me ignorou ontem e hoje, mas isso já era passado e ele estava ali
comigo, isso era o que importava realmente. Não havia motivos para
perdermos tempo com brigas e aborrecimento, quando eu tinha recebido a
maior prova de amor. Victor havia deixado Seattle antes da hora e
atravessado o país para me ver, eu estava feliz por isso.
Depois do jantar, Sasha se retirou dizendo que ia se deitar mais cedo
para aproveitar suas últimas horas da sua folga semanal, enquanto eu e
Victor ficamos para cuidar da limpeza da cozinha. Ela se despediu de nós, o
agradeceu pela ajuda com o jantar e então foi para o seu quarto. Nós
arrumamos tudo e sentamos no sofá assistindo a programação dos canais
abertos na TV em um volume baixo. Eu me agarrei a ele e deitei minha
cabeça em seu ombro sentindo o cheiro tão agradável do seu perfume e
pele.
— Eu encontrei a Penny — disse ele enquanto assistíamos a reprise
do filme De volta para o futuro 2.
Sentei-me e o encarei.
— Onde ela está?
— Ela está muito encrencada, Maya. Os homens que mandei
procurá-la a encontraram em um famoso prostíbulo de Dallas.
— Dallas? Prostíbulo? — perguntei confusa, imaginando o que ela
fazia em um lugar como aquele. — Mas Penny não trabalha assim. Ela
sempre fez tudo por conta.
— Eu sei e por isso pedi que investigassem o lugar. Tenho minhas
dúvidas de que, talvez, Penny esteja em um trabalho escravo.
— Meu Deus... — murmurei baixo e chocada. — Você tem que
ajudá-la, Victor! Infelizmente, eu não posso. O que a polícia no Texas pode
pensar se me virem rondando um lugar como esse, ou se a mídia souber?
Seremos bombardeados.
— Mesmo que não houvesse mídia ou polícia, eu jamais a deixaria
se aproximar de um lugar como este ou se envolver nesta situação. Mas
fique tranquila, querida. Já estou procurando saber o que posso fazer para
ajudá-la, sem nos expor.
— O que será que aconteceu? Como ela foi parar em um lugar
assim?
Um aperto enorme estava em meu peito, comprimindo meu coração.
Minha melhor amiga estava em situação de risco para a sua vida e isso me
desesperava.
— Eu ainda não sei, mas vou descobrir. — Acariciou meus cabelos,
entranhando seus dedos entre eles. — Fique calma, amor. Vamos conseguir
ajudá-la, confie em mim.
— Eu confio! — Abracei-o.
Victor passou a noite comigo, mas não nos sentimos confortáveis
para fazer sexo com Sasha no quarto ao lado. Eu não era uma das pessoas
mais silenciosas do mundo quando estava com tesão correndo nas veias e
ele também não. Ficamos no sofá namorando como um casal de
adolescentes no colegial e depois fomos para a cama. Lá, ainda trocamos
alguns carinhos, cheios de mãos bobas, e beijos apaixonados até que
adormecemos agarrados um no outro.
No dia seguinte, eu acordei com a claridade do sol que passava por
uma fresta da cortina, batendo diretamente em meu rosto. Victor ainda
dormia ao meu lado e, ao contrário da última vez que acordei e o observei
dormir, seu semblante estava sereno sem nenhuma ruga de expressão na
testa entre as sobrancelhas.
Saí da cama com cuidado para não o acordar, vesti meu robe e
deixei o quarto indo para a cozinha, levando meu celular comigo. Ainda era
sete e meia e ele estava programado para despertar às oito horas, então
desativei o despertador antes que ele esgoelasse acordando Victor e Sasha.
Coloquei o café para passar na cafeteira e peguei alguns ingredientes na
geladeira para preparar nosso café da manhã. Já estava com quase tudo
pronto quando Victor apareceu na sala e sorriu me desejando um bom-dia
com seus cabelos um pouco despenteados.
— Bom dia, amor — retribuí com um sorriso igualmente aberto.
Coloquei tudo à mesa com sua ajuda e logo Sasha apareceu usando
um moletom branco com desenhos de unicórnios. Tomamos café juntos e,
dessa vez, foi ela quem se encarregou de limpar a cozinha. Victor e eu
voltamos para o meu quarto e ele se sentou em minha cama me observando
trocar de roupa à sua frente.
— Você é tão linda...
Olhei para ele por cima do ombro e sorri.
— Tão gostosa! — Deu-me uma piscada de olho.
— É tudo seu, amor. É tudo seu! — falei com divertimento.
— Eu lamento não poder ficar mais. Gostaria, mas não posso. Tenho
que ir para Houston.
— Tudo bem, eu entendo. Só não some, okay? — Aproximei e
sentei-me em seu colo, de frente para ele.
— Desculpe-me por sumir. É que eu estava concentrado em tentar
acelerar tudo o que tinha para fazer em Seattle, para que eu pudesse vir até
você. — Colocou meus cabelos para trás do ombro esquerdo e o beijou.
— Eu sei. Só fiquei com saudade.
— Estamos muito dependentes um do outro, não estamos?
— Estamos sim. Espero que isso não seja ruim ou que atrapalhe seu
lado dominante.
— Isso não irá acontecer. Afinal, o dominante em mim também a
ama! — Sorriu e puxou-me para um beijo.
Victor foi embora logo depois de almoçarmos juntos em um
restaurante no centro da cidade. Antes de ir para o aeroporto, ele deixou-me
em casa e nós nos despedimos com longos abraços e beijos dentro do carro.
Antes de partir, ele reforçou sua promessa de que tentaria ajudar Penny o
quanto antes. Então foi para Houston, levando com ele um pedaço de mim e
deixando saudade.

Na tarde seguinte, eu estava sentada na lavanderia trocando


mensagens com a Kim, enquanto esperava por minhas roupas que estavam
na secadora. Ela me falava sobre as inúmeras ideias que estava tendo para o
casamento dos sonhos e sobre o problema com a futura sogra que se metia
em tudo a chateando, quando chegou uma mensagem do Tyrone.

Você viu o que diz o


The Moon ao seu respeito?
Garota, você é um estouro!
Não sabia que namorava o rei
sexy do mundo dos investimentos.
Tyrone
02:07 p.m.

Anexado à mensagem havia um link que, ao clicar, levou-me direto


para uma matéria específica no site do The Moon. Era o mesmo site que
havia publicado aquelas abobrinhas a meu respeito quando estávamos em
Nova Iorque. Mas, daquela vez, o texto dizia que a garota do bilionário
Victor White estava conquistando seu espaço na indústria da moda
fotográfica. Eles elogiaram meu corpo e disseram que eu era fotogênica.
Também elogiaram o trabalho do Tyrone e o citaram como meu agente, o
que não era verdade, mas vendo por outro lado, ele que estava me
arrumando os trabalhos. Em meio ao pequeno artigo incluíram fotos dos
dois ensaios mais recentes que havia feito para a marca de joias e jaquetas
de couro, que já havia sido publicada. Porém, como sempre, eles não
poderiam perder a oportunidade de causar intrigas. No final do texto, eles
levantavam a seguinte questão ao seu público: "O que pensa Victor White
sobre sua jovem namorada estar ingressando no mundo da moda? Será
que não ficará incomodado quando surgir um assédio de jovens
bonitos?". Eu respirei fundo e fechei meus olhos fazendo uma pequena e
rápida prece, pedindo aos céus para que Victor não surtasse com o artigo e
as fotos do último ensaio que já começavam a se espalhar por toda parte.
Quando terminei de cuidar das minhas roupas, já era um pouco tarde
e Sasha já havia ido para o trabalho. Eu estava só e um pouco entediada,
então tomei banho e fui para a cama. Estava entretida lendo um e-book,
quando Victor me ligou. Nós ainda não tínhamos nos falado e, antes de
atendê-lo, eu me preparei para ouvir seu chilique de ciúme tolo, que mais
me pareciam com crise de insegurança.
— Oi, amor — disse ao atender a ligação.
— Oi, querida. Como você está? — falou com a voz mansa.
Franzi o cenho estranhando sua calma. Será que ainda não leu o
artigo ou viu as fotos?
— Estou bem e você?
— Um pouco estressado com o trabalho. Queria você aqui para
relaxarmos juntos — disse com um tom de malícia na voz, que me fez
sorrir.
— Eu adoraria estar com você, acredite.
— Eu sei. Estaremos juntos em breve. — Fez uma breve pausa e
respirou fundo antes de tornar a falar: — Sem querer quebrar nosso clima,
mas já fazendo isso... Liguei para falar da Penny.
— Aconteceu alguma coisa? Ela está bem? — interroguei-o
preocupada.
— Está tudo como antes, então, não sei se isso é estar bem.
Descobri que o homem com quem ela está trabalhando é perigoso. Ele está
sendo investigado por tráfico de drogas e trabalho escravo sexual.
— Talvez fosse para ele que Penny trabalhava fazendo as entregas
das drogas.
— Também suspeito disso. Se Penny tiver entrado nessa por dívidas
com esse homem e estiver se prostituindo para pagá-lo, será mais difícil
ajudá-la do que pensei.
— Meu Deus... E agora?
— Sinceramente, eu não sei.
— Talvez a melhor forma de saber o que realmente está
acontecendo é perguntando a ela.
— Como vamos fazer isso? Não posso ir até lá e nem você. Se eu
mandar alguém fazer perguntas por nós, ela pode não querer falar nada
por medo, afinal, será um estranho a interrogando.
— Você tem razão. — Suspirei tensa.
— Mas não quero que se preocupe, nós resolveremos isso em breve.
Penny é esperta, ela sabe se cuidar para que nada de mal aconteça lá
dentro.
— Mesmo assim eu me preocupo. Sabemos o que rola em um lugar
como aquele.
— Confie em mim, meu anjo. Vou dar um jeito nessa situação.
— Em você, confio de olhos vendados. — Eu não disse com
malícia, mas foi assim que ele interpretou.
— Ah, é? Que tal descontrairmos um pouquinho?
— E como quer fazer isso?
— Se toque para mim, Maya — pediu com a voz baixa carregada de
tesão.
— O quê? — perguntei rindo e incrédula com seu pedido.
— Quero que se toque. Quero ouvi-la se tocar. Vamos, Maya. Se
masturbe para mim. Sei que está sozinha em casa, então pode gemer alto o
quanto quiser.
Nada disse, eu estava surpresa por notar que ele estava mesmo
falando sério e isso deixou-me excitada.
— Vamos, amor... Imagine que eu esteja aí e mandei você se tocar
para mim. Se masturbe, Maya! — ordenou.
Respirei fundo para tentar controlar a respiração que começava a
ficar ofegante e fechei os olhos para me concentrar no que estava prestes a
fazer. Puxei para cima a barra da minha camisola e escorreguei minha mão
para dentro da calcinha fina de algodão, ficando surpresa ao notar o quanto
estava lubrificada. Pressionei meu dedo médio e indicador contra meu
clitóris e comecei uma leve massagem pressionando-o pouco a pouco com
mais força, até que deixei escapar um gemido manhoso.
— Que delícia — disse ele com a voz grave do outro lado da
chamada. — Continue, Maya. Quero que goze apenas pensando em mim e
se concentrando no som da minha voz.
Introduzi dois dos meus dedos em minha vagina e comecei lentos
movimentos de vai e vem, aumentando gradativamente a velocidade com
que me penetrava. Outros gemidos escaparam e um calor começou a crescer
dentro e fora de mim.
— Isso, querida... Leve seus dedos mais fundo. Foda sua boceta
mais rápido. Tente tocar seu clitóris com seu polegar. Quero que goze para
o seu Dono!
Ele continuou a falar e isso me deixava cada vez mais excitada. Eu
gemia mais alto a cada penetração dos meus dedos, desejando ardentemente
que fosse ele a me tocar. De olhos ainda fechados, entreguei-me ao mais
puro prazer que se apossava ferozmente do meu corpo comprimindo meu
ventre. Perdida em meio à névoa de um orgasmo excitante que se
aproximava, de repente ouvi seu gemido e soube que ele também se
masturbava. Sorri em descobrir que ele fazia isso pensando em mim.
— Goza! — mandou ele com a voz ofegante.
Relaxei meu corpo e obedeci a sua ordem, gozando com gemidos
desesperados, quase gritados, permitindo minha mente criar a alucinação
dele se tocando à minha frente. Minha boca se encheu d'água com vontade
de chupá-lo e provar do seu líquido espesso. Ele chamou por mim no seu
ápice, assim como chamei por ele. Gozamos juntos e separados ao mesmo
tempo. Quando abri meus olhos, confesso que me senti desapontada em não
ver a miragem que estava tão viva em minha cabeça. Tirei meus dedos e vi
o vestígio do meu prazer escorrer deles pingando em minha virilha.
— Tudo o que eu queria agora era estar aí para te chupar até que
ficasse limpa outra vez.
— Porra... — praguejei em um resmungo sussurrado, mas ele me
ouviu e riu. Eu mal havia saído de um orgasmo e ele já queria me provocar
outro falando assim?
— Boa noite, querida. Eu amo você, minha garota. Você vale mais
do que todos os meus bilhões. E saiba que estou preparado para lidar com
sua futura legião de fãs.
E assim eu soube que ele já tinha conhecimento do texto publicado
pelo The Moon e das fotos do recente trabalho. Sorri com o toque de humor
que senti em sua voz e feliz pelo nível de maturidade que nosso
relacionamento estava atingindo aos poucos.
— Boa noite, meu bilionário. Também amo você, Sr. White.
CAPÍTULO 25

Mais dois dias haviam se passado e três dias sem Victor era uma
eternidade. Nesse tempo, eu havia conseguido fazer mais um trabalho para
uma loja de vestidos de gala, assinados por uma renomada estilista de
Chicago. A própria foi quem procurou Tyrone para me contratar e eu me
senti lisonjeada por isso, é claro. No fim, a publicação do The Moon me
trouxe algo de bom chamado: reconhecimento. Eu estava com mais um
trabalho agendado para o dia seguinte, no qual também tinha sido
requisitada e o melhor é que este aconteceria em Los Angeles, para uma
marca muito famosa de roupas de banho. Quando contei ao Victor por
telefone na noite anterior sobre esse ensaio, ele não gostou nem um pouco.
A exposição do meu corpo ainda o desagradava muito. Ele pediu-me, mais
uma vez, para parar com as fotos e aceitar sua ajuda financeira, mas
novamente eu disse: não! Quando percebeu que eu não abaixaria minha
guarda para ele e que iríamos começar mais uma discussão, Victor se
rendeu dizendo que não iria mais se meter a respeito de eu modelar. Apenas
pediu-me para me cuidar e alertou, pela milésima vez, sobre os perigos e
ilusões que esse mundo cheio de glamour, flashes, sorrisos falsos e bons
cachês, também podia me oferecer.
Eu estava terminando de tomar meu café da manhã quando o
porteiro interfonou avisando de que o táxi que me levaria para o aeroporto
já havia chegado. Despedi-me da Sasha, peguei minha pequena mala e
desci. Enquanto estava presa no trânsito caótico de Chicago às oito da
manhã, troquei mensagens com minha mãe e Clarice. Quando finalmente
cheguei ao aeroporto com cinco minutos de atraso. O avião particular no
qual viajaria já estava pronto na pista de decolagem privada. Eu iria para
Los Angeles em um voo comercial, mas Victor insistiu que fosse em um de
seus jatinhos e, por fim, aceitei. Afinal, viajar com mais conforto não fazia
mal a ninguém. Ao entrar na aeronave, avistei sobre o sofá de couro
marfim, uma grande caixa redonda de camurça marsala, com o emblema
dourado da Venus et Fleur. Sentei-me ao lado da caixa e tirei sua tampa,
vendo dezenas de rosas brancas delicadas. Era simplesmente divino! Sobre
elas, havia um cartão escrito a punho.

Minha querida garota,


Espero que possa compreender que os ciúmes que sinto são apenas
cautela. Entenda que é apenas medo de que algo ruim lhe aconteça quando
eu não puder te proteger. Talvez o que sinto esteja misturado a um pouco de
insegurança, afinal, temo te perder outra vez por um erro meu.
Meu anjo... Quando a vejo em outdoors pelas cidades por onde passo,
não consigo deixar de admirá-la com fascínio e me sentir orgulhoso,
porém, ainda assim é difícil não me preocupar, porque nunca amei uma
mulher como amo você. Não quero passar pelos dias de ruínas que
enfrentei quando ficamos separados. Não quero me sentir quebrado ou
incompleto outra vez. Você me trouxe de volta à vida quando nossos
caminhos se cruzaram, quando eu já acreditava estar morto, ainda que
houvesse um coração batendo dentro de mim. Quero poder continuar me
sentindo reluzente e inteiro, como me sinto quando estamos juntos.
Acredite em mim, meu amor... Por mais que, às vezes, não pareça,
desejo tanto o seu sucesso quanto você mesma, seja aonde for ou como for.
Para sempre seu.
Victor

Meus olhos se encheram de lágrimas e meu peito comprimiu meu


coração, que batia acelerado de paixão e saudade. Aquilo foi uma
declaração de amor onde ele expôs, pela primeira vez, com clareza, seu
sentimento e motivo de não querer que eu prosseguisse com o trabalho de
modelo. Depois de levantarmos voo, coloquei a caixa sobre a mesinha à
minha frente e peguei meu celular na bolsa para enviar uma mensagem a
ele.

Saiba que meu coração pertence


a você, mais do que a mim mesma.
Eu te amo, Victor.
P.S.: Amei as flores!
Maya
09:25 a.m.

Estava consciente de que estávamos dizendo a frase de três palavras


com muita frequência um para o outro, mas não me importava em gastá-la,
algo dentro de mim pedia por isso. Era tanto amor e paixão que eu sentia,
que até parecia que meu peito iria explodir a qualquer instante. Nós
estávamos muito mais envolvidos do que já estivemos. Aquele sentimento
enorme estava entranhado em nós e não dava para tirar. Estávamos vivendo
um pelo outro.
Levamos três horas e meia de voo para atravessar o país até a
Califórnia. Quando desembarquei no aeroporto, pedi a um dos comissários
que mandasse junto com minha mala, a caixa com as flores para a suíte em
que estava hospedada. O carro que me aguardava, levou-me direto para o
restaurante beira-mar onde me encontraria com Tyrone para almoçarmos
juntos. Ele já estava em Los Angeles desde a tarde anterior, quando veio se
encontrar com o cliente pela primeira vez.
— Aí está você! Como foi o voo? — perguntou quando me
aproximei e cumprimentou-me com um beijo no rosto.
— Foi ótimo. — Sorri e sentei-me.
— Queria eu ter um namorado que me emprestasse seu jatinho para
eu viajar por aí. — Riu. — Até arranjar um, contento-me com o que já
tenho.
Seu comentário pegou-me de surpresa. Namorado? Tyrone é gay?
Nunca havia percebido, ele era sempre tão centrado e... másculo, digamos
assim.
— Mas pelo menos um voo de primeira classe, eu posso me permitir
com meu próprio dinheiro. — Riu novamente.
— Voar de primeira classe é tão confortável quanto voar em um
jatinho.
Enquanto escolhíamos nossos pratos, Tyrone pediu duas taças de
vinho branco que escolheu diretamente da carta. Eu demorei um pouco para
me decidir o que comer. Desde que percebi que minha "carreira" como
modelo fotográfico estava indo para frente e não era mais só um trabalho
freelancer, estava pegando leve com os fast-food e optando por comer
comidas mais leves e naturais.
— E então? O que está achando de ser uma modelo requisitada
agora? — perguntou ele enquanto olhava o cardápio.
— Não vou mentir, estou adorando! É legal ser escolhida. Mas do
que estou gostando mesmo é da parte em que os cachês estão ficando bem
maiores.
— Essa é a melhor parte para todo mundo, até para mim.
— Como vai ser o ensaio?
— Vamos fotografar à beira de uma belíssima piscina com bordas
infinitas em um resort de luxo e na praia de Santa Monica.
— Uau! É a primeira vez que venho a Los Angeles. Ou melhor, é a
primeira vez que venho a Califórnia.
— Você vai amar. Devia ficar mais uns dois ou três dias para
conhecer melhor a cidade das estrelas. Isso é, se não aparecer mais trabalho.
— Sorriu.
Fizemos nosso pedido e almoçamos cedendo à tentação de mais
duas taças de vinho. Conversamos sobre variados assuntos tentando nos
conhecer melhor, mas sem entrar em detalhes mais "íntimos". E quando
digo íntimo, refiro-me à minha família ou das coisas que aconteceram
alguns meses atrás.
— Vamos. Marquei hora para você em um salão aqui perto — disse
pagando a conta, que se recusou a dividir.
— Salão? Mas as fotos não são amanhã?
— É sim, querida. Mas já está na hora de você perder esse visual de
caloura da faculdade e ficar mais o estilo... femme fatale. Entende?
Olhei-o, apreensiva. Eu adorava meu cabelo como ele era e sempre
tive medo de mudanças quando se tratava dele. Podia contar nos dedos das
mãos quantas vezes meu cabelo foi cortado e quem sempre fazia esse
trabalho era tia Jenna.
— Eu nunca pintei meu cabelo ou fiz qualquer outro processo de
química nele. Ele nunca esteve com seu comprimento acima da minha
cintura — disse demonstrando meu medo da mudança.
— Está nervosa?
— Muito.
— Fique tranquila, Maya. Não vou mandar que platinem seu cabelo
ou que cortem um chanel — disse com humor e riu. — Você vai gostar,
garanto. Mudanças no visual são boas até para aquecer o relacionamento.
— Lançou-me uma piscada e levantou-se.
Juntos, fomos até o salão onde fui muito bem recebida. Tyrone
mandou que fizesse as unhas e as pintasse em um tom mais neutro. Escolhi
um nude com um tom de cappuccino e o passei tanto nas unhas dos pés
quanto das mãos. Também fizeram minhas sobrancelhas e uma depilação
completa.
— Bom... chegou a hora de trabalharmos nos seus cabelos. Está
preparada? — perguntou a cabeleireira parando atrás da cadeira em que eu
estava sentada diante do comprido espelho.
Não sei se preparada era a palavra certa, mas a mudança era precisa.
Quem sabe isso me traria mais trabalho.
— Não tenha medo, Maya. Confie em mim — pediu Tyrone
apertando de leve meu ombro esquerdo, parado ao lado da cabeleireira.
— Tudo bem. Vamos lá antes que eu me arrependa.
— Não vai se arrepender — falou a cabeleireira sorridente e virou
minha cadeira deixando-me de costas para o espelho.
Foram quase três horas dedicadas aos meus cabelos. Meus ombros
estavam doloridos de um pouco de tensão e ansiedade. Eu já havia visto
muito cabelo picado cair no chão, sentido cheiro de descolorante, lavado os
cabelos diversas vezes e passado pelo calor do secador, chapinha e babyliss.
— Uau! — disse Tyrone parado diante de mim. — Você está...
simplesmente... linda! — falou pausadamente.
Sua feição realmente mostrava que estava impressionado e isso me
fez ficar ainda mais ansiosa.
— Já posso ver o que fizeram comigo?
— Claro. Preparada? — perguntou a cabeleireira.
— Estou! — respondi-a e sorri nervosa.
Ela virou a cadeira e fiquei surpresa com minha imagem. Estava
sem palavras com o resultado. Eu estava linda!
— Tiramos um palmo do seu cabelo, demos uma leve desfiada no
comprimento, fizemos uma franja mais longa e a transformamos em uma
morena iluminada.
— Eu amei!
— Viu só? Estava com medo de que eu a deixasse loira, mas eu
disse que podia confiar no meu trabalho, não foi?
— Está incrível! Obrigada. — Levantei-me e a abracei.
Meu cabelo estava parecendo ter mais volume do que o normal. Não
sei se devo atribuir isso ao corte desfiado, à nova cor ou às belas ondas
feitas com todo capricho por todo seu comprimento. Tinha certeza de que
Victor ficaria tão surpreso com o novo visual quanto eu fiquei. Espero que
ele goste.
Depois de nos despedirmos dos profissionais, seguimos para o hotel.
Tyrone e eu estávamos hospedados no mesmo lugar, mas enquanto ele
deixou o elevador do sétimo andar, eu subi direto para a cobertura. As
portas cromadas se abriram para um pequeno hall com uma mesinha ao
canto e um carpete felpudo vermelho com detalhes azul, diante da porta.
Peguei na bolsa o cartão magnético e entrei na suíte. Tudo estava tão
silencioso que me deixou entediada. Era estranho estar em um lugar como
aquele, sozinha sem a minha companhia especial de toda viagem. A suíte
era linda e luxuosa, também não poderia ser menos que isso, quando foi
Victor quem providenciou a reserva. Eu iria ficar no mesmo andar que
Tyrone, mas, quando meu namorado descobriu, ele insistiu e mudou a
reserva para a cobertura presidencial, que mais se parecia com um loft de
dois andares.
Caminhei até as portas da varanda e as abri deixando a brisa fresca
entrar trazendo consigo o cheirinho salgado do mar que estava a duzentos
metros. Saí e escorei-me no parapeito de vidro com barras de alumínio
cromado e sorri grata ao pensar no quanto minha vida estava mudando tão
rapidamente em pouco tempo. Quem diria que a garota de coração partido e
rechaçada de casa, assim como também da faculdade, estaria hoje sendo
requisitada para trabalhos fotográficos pelo país e estaria tão bem com o
homem que acreditou nunca mais ter em sua vida. Olhando para o céu
estrelado, desejei com todo meu coração que em casa as coisas estivessem
bem resolvidas também. Que a fase ruim com meu pai tivesse passado e
que ele tivesse entendido que eu não era o que via. Desejei também que
minha mãe estivesse melhor e livre daquela maldita doença que parecia não
querer ir embora sem ela. Enquanto passava a tarde no salão arrumando
meus cabelos, foi impossível não pensar nela e recordar das inúmeras vezes
que passamos horas no salão tendo o nosso "dia de meninas" ou do dia em
que raspamos seus cabelos pela primeira vez. Foi difícil conter a emoção.
Um vento gelado foi soprado da praia, fazendo meus pelos dos
braços se arrepiarem de frio. Voltei para dentro da suíte e fechei as portas.
Já era oito da noite e eu estava com fome, então resolvi pedir meu jantar e ir
tomar um banho. Enquanto me despia no banheiro, meu celular tocou no
quarto e eu fui atendê-lo, vestindo um robe curto cor-de-rosa. Para minha
alegria era Victor quem ligava.
— Olá, Sr. White — disse ao atender, sentando-me na cama sobre
minha perna esquerda.
— Olá, Srta. Valentine. Como foi o seu dia?
— Foi bom e o seu?
— Cansativo, mas produtivo. Estou com saudade.
— Eu também.
— Ansiosa para o ensaio de amanhã?
— Mais ou menos. Estou mais ansiosa para saber quando vou te ver.
— Em breve. Acabei de chegar a Miami, tenho uma reunião
amanhã bem cedo.
— Tudo bem — disse com pesar da saudade. — Eu mudei o visual
do cabelo hoje.
— Ah, é? Mande-me fotos. De preferência de corpo inteiro e sem
roupas — brincou, fazendo-me rir.
— Não, senhor. Verá somente quando nos encontrarmos.
A campainha tocou dando-me um pequeno susto.
— Está esperando alguém? — perguntou ele curioso.
— Estou, sim. Estou esperando meu jantar. A gente se fala amanhã?
— Eu te ligo quando puder.
— Está bem. Eu amo você. Ah, e obrigada pelas flores novamente.
Elas são lindas.
— Não mais do que você. Até amanhã, minha garota. — Sorri com
sua despedida.
— Até amanhã.
Depois do jantar e de um banho quente, deitei-me na cama para
assistir um filme que passava na TV a cabo, mas logo acabei adormecendo
como uma pedra, acordando somente no outro dia com o despertador
estridente do meu celular, às sete e meia da manhã. Depois de me arrumar,
desci para tomar café com Tyrone e, em seguida, fomos para o resort onde
aconteceria a primeira sessão de fotos. Assim que chegamos, a primeira
pessoa que reconheci no local, foi Bash. Ele estava fazendo os últimos
ajustes na iluminação com a ajuda de uma mulher.
Tyrone mandou que eu fosse logo me preparar para as fotos. Além
de mim, outros cinco modelos iriam participar, sendo três homens e duas
mulheres. Todos ali pareciam ter mais tempo nisso do que eu e não eram
muito amigáveis. As vezes que tentei puxar assunto com um deles, fui
ignorada ou recebi respostas grosseiras.
— É melhor se acostumar, nesse ramo é assim. Ninguém é amigo de
ninguém — disse Sean parando ao meu lado, enquanto eu esperava pronta
para ser chamada.
— Sean? — disse surpresa em vê-lo. — Não sabia que você também
iria participar deste trabalho.
— Eu estou em todas, baby. Em todas! — garantiu e se afastou ao
ser chamado.
— Maya, querida? Vou formar um par com você e Sean — disse
Tyrone.
— Por quê? — questionei-o.
— Porque eu quero. Sem questionamentos, lindinha! — respondeu-
me antipático.
Respirei fundo e tomei coragem para seguir em frente e acabar logo
com aquilo, afinal era um trabalho e ele tinha suas exigências como outro
qualquer. Olhei para Sean e ele sorriu com malícia e cinismo ao mesmo
tempo. A marra em sua feição estúpida e a pose de queixo empinado com
braços cruzados à frente do peitoral sarado, era irritante. Sean era o típico
macho que se acha foda e incrivelmente irresistível. Eu conhecia bem esse
tipinho de homem, eles eram bem frequentes nos bares onde trabalhei.
Sentei-me em uma cadeira mais distante com fones de ouvido, esperando
por minha vez. Logo me chamaram e foi a hora de "contracenar" com o
senhor babaca na frente das lentes. Ele, é claro, quis tirar o máximo de
proveito do meu corpo com suas mãos bobas e sem respeito nas poses mais
próximas e naquelas que simulávamos intimidade entre nós. Ele estava
agindo com total antiprofissionalismo, deixando-me desconfortável.
Sempre que nossos corpos ficavam mais juntos, ele dava um jeitinho de
imprensar meus seios contra seu tórax ou apertar minha cintura com suas
mãos. Eu já estava irritada ao ponto de fazer um escândalo, mas não queria
atrapalhar o ensaio ou fazer aquilo na frente dos representantes da marca
que nos assistiam. Então, comecei a rezar para que aquilo acabasse logo e
quando, enfim, nossas fotos acabaram, desgrudei-me e esquivei de sua mão
quando tentou agarrar meu braço. Respirei aliviada quando tomei distância
e caminhei apressada até meu roupão, que estava pendurado sobre o
encosto da cadeira em que estava sentada anteriormente. Eu o vesti e fui até
uma mesa mais adiante onde estavam servindo chá, sucos, vitaminas e etc.,
e peguei uma garrafa d’água. Tomei aos poucos tentando manter minha
paciência de pé. Eu estava me sentindo violada com o desrespeito do Sean.
Será que ninguém mais viu aquilo ou acharam que era algo normal
acontecendo? Ele não foi nada discreto.
— Todas ficam tensas quando estão a fim de mim — sussurrou em
meu ouvido quando passou por trás de mim.
— Que nojo — murmurei baixinho.
Terminei minha água e joguei a garrafa fora no cesto de lixo ao lado
da mesa. Senti-me observada e olhei a minha volta já imaginando ser Sean,
mas era Bash que me encarava lançando-me um olhar raivoso. Isso deixou-
me ainda mais tensa do que já me sentia, eu não entendia por que ele me
olhava daquele jeito. Desviei meu olhar para o outro lado e tentei não
demonstrar meu nervosismo. Ainda tinha minhas suspeitas em relação a
Bridget.
Após o almoço, seguimos para a praia de Santa Monica. Eu fiquei
encantada pelo lugar tão lindo e pelo parque barulhento no píer. Na noite
anterior, da varanda da suíte, era possível ver a bela iluminação colorida do
parque um pouco de longe.
O ensaio na praia se estendeu até seis da tarde e foi difícil lidar com
o egocêntrico machista do Sean. Para minha sorte, a maioria das fotos
foram solo e algumas poucas junto as outras garotas. Quando acabamos, eu
estava faminta e desejando um banho. Havia areia até nos lugares que
achava impossível entrar. Entrei no trailer parado no estacionamento para
me trocar junto com as outras modelos, antes de voltar para o hotel. Esperei
que todas elas se trocassem e fossem embora, para que eu tivesse um pouco
de privacidade para fazer o mesmo sem pressa ou esbarrando em alguém.
Depois de passar uma água no corpo dentro do minúsculo banheiro para
tirar um pouco da areia grudada em mim, saí enrolada em uma tolha e
peguei dentro da bolsa peças limpas de lingerie. A única porta do trailer se
abriu e eu pensei ser umas das meninas voltando para pegar algo que tivesse
esquecido, então continuei de costas prendendo meu sutiã.
— Não precisa prender o que já vou tirar. — Escutei Sean dizer
atrás de mim.
Virei-me para trás em um pulo, assustada.
— Mas o que está fazendo aqui? — perguntei alto, empurrando-o
quando tentou se aproximar.
— Por que você sempre me diz não? Elas nunca me dizem não! Não
há uma única garota no ensaio de hoje, com quem eu já não tenha trepado!
— falou com desaforo.
— Saia daqui, Sean! Tenha mais respeito! Já fui bem clara que não
quero nada com você! — gritei tentando me cobrir com a toalha.
— Sabe o que eu acho... que você é uma daquelas safadinhas que
bancam a difícil inocente somente para atiçar o homem. Do que você gosta,
Maya?
Encurralou-me no canto entre o banheiro e um armário.
— Gosta de ser agarrada? Curte isso? Sexo bruto e sujo?
— Eu vou gritar — disse tentando disfarçar minha voz trêmula de
medo.
— Só se for de tesão, amor. — Sorriu com uma malícia diabólica,
agarrando meus seios com suas duas mãos.
Tentei afastá-las de mim empurrando-o novamente, mas ele agarrou
meus punhos com força, detendo-me. Sem pensar muito e, apavorada com
seu corpo tão junto ao meu, acertei-lhe em cheio uma joelhada entre suas
pernas macetando sua genitália. Sean soltou-me em gritos e distanciou-se
caindo sentado no chão segurando suas bolas com as mãos gemendo de dor.
Aproveitei seu momento de fraqueza, vesti meu vestido rapidamente,
peguei minha bolsa e minhas sandálias e deixei o trailer sem olhar para trás
correndo pelo estacionamento até o píer. Quando cheguei ao calçadão, meu
coração batia tão acelerado que parecia que ia sair pela boca. Sentei-me em
um banco de cimento e calcei minhas sandálias. Perguntei a um senhor que
vendia lanches em sua barraca mais à frente, onde eu encontraria um ponto
de táxi perto e ele me disse que o mais próximo ficava a um quilometro, na
saída do parque, mas que se eu tivesse sorte poderia encontrar um passando
pela rua. Eu o agradeci e resolvi tentar arranjar algum na rua e, pelo poder
do acaso, encontrei um que estava sendo desocupado por duas adolescentes.
A caminho do hotel tentei me acalmar. Eu ainda estava apavorada,
trêmula e com o coração disparado pelo sufoco de minutos atrás.
Estranhamente, eu não sentia vontade de chorar, apenas ódio dele. Quando
o vi fragilizado no chão, tive vontade de bater mais em Sean e ensiná-lo o
que um NÃO de uma mulher significa. Eu não consegui parar de me
perguntar qual era a dificuldade de um homem compreender e aceitar a
rejeição de uma mulher que não o quer ou não está a fim no momento. Por
que cargas d’água sempre querem justificar nosso NÃO com a ideia
ridícula de que estamos nos fazendo de difícil? De onde vem o pensamento
repugnante de que queremos ser agarradas à força, porque isso nos
provoca mais tesão? Quando estava no colegial sofri vários tipos de
assédio, principalmente em festas onde quase todos estavam alcoolizados.
Os garotos que se achavam homens feitos, tentavam a todo custo te levar
para a cama e quando não conseguiam, mesmo assim saíam por aí
difamando as garotas. E na vida adulta esse assédio era muito mais cruel e
brutal. Primeiro teve o Evan e seu despeito quando o rejeitei. Não sei
exatamente o que passou por sua mente quando tentou me agarrar no
banheiro da empresa do Victor, mas acredito que tenha pensado que eu
estava fazendo jogo duro. Depois teve o primeiro assédio de Sean no
estádio e agora pela segunda vez. E nem vamos nos esquecer do quase
estupro do segurança do Victor, que achou que eu fosse uma prostituta e
que estivesse aberta a qualquer negociação, como se fosse um produto da
prateleira. Chegou, comprou, comeu. Nossa... como isso me deixa com
raiva dessa raça de canalhas!
Quando finalmente cheguei ao hotel, paguei pela corrida e subi para
a suíte. Ao abrir a porta, encontrei meu porto seguro parado no centro da
sala segurando um copo de uísque na mão. Victor sorriu para mim e
naquele momento senti-me bem e segura de novo.
— Maya? — perguntou vindo até mim. — Você está bem? O que
houve, amor? Por que está me encarando desse jeito? — Segurou meu rosto
com uma de suas mãos.
O que explicar a ele? A verdade? Talvez ela não seja uma boa ideia
no momento. Victor irá querer ir atrás do Sean, eu sei, e talvez faça
besteiras no calor da raiva. Mas será que omitir seja a melhor opção?
CAPÍTULO 26

— Quer falar sobre o que aconteceu? Sinto que algo não está certo.
— Você realmente me conhece tão bem. — Fechei a porta. —
Realmente aconteceu algo hoje, mas... por favor... só me deixe falar antes
que comece a surtar.
— Está me preocupando. — Senti tensão na sua voz.
Respirei fundo buscando coragem para contar-lhe logo o que houve.
Eu não conseguiria esconder isso por muito tempo.
— Fui assediada por um homem, enquanto me trocava para vir
embora.
— O quê? Quem é o filho da mãe? — perguntou alto.
— Não grite. E respondendo a sua pergunta, foi um dos modelos
com quem tirei algumas fotos. Ele é um cretino pervertido que não sabe
respeitar uma mulher, mas acho que ensinei isso a ele.
— Era isso que eu tanto temia o tempo todo! — disse entredentes,
tentando conter sua ira.
— Desculpe-me, Victor. Não quero que fique nervoso. Estou bem.
Ele falou umas coisas nojentas e depois me encurralou, mas aí eu soube me
defender acertando-lhe uma boa joelhada entre as pernas, que o deixou no
chão sem ar e gemendo de dor.
Victor se afastou e arremessou o copo, que ainda continha um gole
do seu drinque, contra uma parede de pedras, assustando-me com sua ação
repentina.
— Amor... Eu estou bem! Está tudo bem, acredite em mim. Ele não
me machucou. — Aproximei-me dele por trás. — Desculpa, por favor...
devia ter ouvido você quando me alertou sobre os perigos, mas não dei
importância, porque achei que você só estava de implicância com meu
trabalho. Agora entendi sua cautela.
Toquei seu ombro e ele se virou para mim. Seu rosto chegava a estar
vermelho, o maxilar contraído e as mãos fechadas cerrando os punhos.
— Por que não consegue me ouvir? Acha que eu, com sessenta anos
de idade, não tenho tempo de vida suficiente para identificar o perigo?
— Eu não imaginei que isso fosse acontecer.
— Sabe o que rola nos bastidores da moda, Maya? Eu acho que
ainda não é do seu conhecimento, não é mesmo? Você sempre tentando ver
o melhor em tudo e todos, mas isso acaba lhe tirando a capacidade de ver a
verdade atrás das máscaras! O mundo está cheio de gente perversa e
doente! Pessoas que machucam os outros por prazer e tratam o ser humano
como um objeto banal. Não vou dizer eu te avisei, porque também já fui
assim um dia, mas vou pedir que me escute da próxima vez. — Ele passou
por mim e subiu para o quarto, batendo a porta.
Um pouco confusa com sua reação, subi indo atrás dele. Ao entrar,
ele estava de pé próximo às portas duplas que levam para a varanda.
— Será que agora você enxerga que algo assim também poderia ter
acontecido no seu antigo emprego de garçonete ou na volta para casa em
plena madrugada? Ou continua achando que estava de implicância apenas?
— perguntou furioso e respirou fundo buscando calma. — Não é que eu não
quisesse que você trabalhasse, mas é só que... eu não irei estar lá o tempo
todo para cuidar de você. — Virou-se para mim. — E se você não tivesse
sido forte o suficiente para se livrar dele? Maya... ele teria a machucado e,
desta vez, eu não chegaria a tempo de tirá-lo de cima de você — falou com
pesar.
Senti que uma enorme culpa e responsabilidade por mim o
consumia. Aproximei-me e segurei-o pelos ombros duros de raiva e tensão.
— Nada de ruim aconteceu, Victor. Já me desculpei por julgar mal
seu instinto de proteção e por não tê-lo escutado. Por favor, amor... não se
culpe pelo acontecido. Nós não podemos ficar grudados o tempo todo e,
como você mesmo disse, isso poderia ter acontecido em qualquer outro
lugar.
— Me diga quem é ele.
— Não. Você irá procurá-lo e cometer uma besteira.
— Com toda certeza irei matá-lo! — disse rude.
— Não pode cuidar de mim da cadeia. — Sorri na tentativa de
descontrair a tensão terrível que pesava no ar.
— Não brinque comigo, Maya! Diga-me o nome! — disse irritado.
— Não vou falar! — Afastei-me. — Não quero que cometa uma
estupidez movido pela raiva!
— Então você irá prestar uma queixa! Se não vai dizer para mim o
nome deste canalha, irá dizer para a polícia!
— Eu não vou falar nada! É óbvio que vai fazer uma merda e
depois, não quero atração negativa para cima de nós! Entenda!
Dei-lhe as costas e fui ao banheiro, deixando a porta aberta.
— Você está mesmo bem? — perguntou parando no batente,
observando me despir.
— Apesar de tudo... sim, vou ficar bem e aprendi a lição.
— Não vai mesmo me dizer quem é ele?
— Eu vou tomar um banho. Você me acompanha ou quer continuar
discutindo e insistindo com algo que não irei te contar?
— Maya...
— Por favor, Victor... Não insista, apenas venha tomar banho
comigo.
Ele respirou fundo e entrou no banheiro fechando a porta atrás de si.
Eu não poderia lhe dar um nome, tinha certeza de que agiria por ódio e
poderia acabar se prejudicando e sujando suas mãos com algo que não valia
a pena. Enchi a banheira enquanto ele se despia e entramos. Depois de
alguns minutos entrelaçados em silêncio, apenas recebendo seu aconchego
e afeto, senti que era hora de reagir para a vida e virar a página, afinal, o
pior não havia acontecido, pela graça de Deus ou sorte. E se eu tinha a
intenção de fazer com que Victor também virasse essa página, eu tinha que
começar logo.
— Acha que é tarde para jantar fora? — perguntei olhando-o.
— Não temos que sair hoje. Podemos pedir o serviço de quarto.
— Eu sei, mas quero sair com você. Vai ser bom.
— Onde deseja ir?
— Não sei. Não conheço nada aqui.
— Conheço um bom restaurante de frutos do mar não muito longe.
— Ótimo — disse e selei seus lábios com um beijo.
Depois de nos arrumar, fomos para o restaurante e tivemos um bom
jantar, apesar dele ter passado boa parte da noite sério e calado. Não sabia
se estava forçando a barra com a decisão de sairmos após o episódio que me
aconteceu, mas eu queria que aquele sentimento ruim fosse logo embora.
— Quer dar uma volta na praia? — perguntei a ele quando saímos
do restaurante.
— É melhor voltarmos para o hotel.
— Por favor. Vamos!
— Está frio, Maya.
— Será rapidinho, aí voltamos para o hotel.
Ele respirou fundo e revirou os olhos para minha insistência.
— Não tem que se forçar em fazer parecer que está tudo bem, só
para me distrair da raiva que sinto pelo que houve.
— Só queria dar uma volta na praia com você, Victor. O jantar foi
uma tentativa de distração, mas a caminhada não. Só queria conversar, você
ficou mudo boa parte do jantar.
— Desculpe. Tudo bem, vamos lá.
Ele pegou minha mão e atravessamos a rua. Tiramos nossos
calçados e caminhamos para a areia, que já estava um pouco fria.
— Como foi em Miami?
— Ocorreu tudo bem, mas... eu estava no lugar errado. Devia ter
vindo para cá junto com você.
— Já pedi para não se culpar, Victor. — Parei e encarei-o. — Você
não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo ou todo minuto
comigo, cercando-me com seus cuidados maravilhosos. Entenda isso! A
culpa não foi sua ou minha. A culpa foi do agressor. Eu devia ter me
cuidado mais, mas aconteceu. Eu quero mudar de assunto.
Ele respirou fundo, assentiu e continuamos a caminhar.
— Seu cabelo ficou lindo. A deixou ainda mais bela, eu gostei.
Sorri.
Ele ainda não havia elogiado meu cabelo. Também não teve
oportunidade para isso, eu cheguei e logo começamos a discutir.
— Fico feliz que tenha gostado. — Passei a mão pelas minhas
madeixas.
— Acho que anda merecendo um castigo — disse e sorriu.
— Ah, é? Que tipo de castigo?
— Do tipo bem dolorido.
— O que meu Senhor pretende fazer?
— Seu Senhor deseja colocá-la em seu colo e lhe dar algumas boas
cintadas, para ensiná-la a ter mais obediência e que os mais velhos e bem
vividos sempre tem a razão.
— Então, acho que é hora de voltarmos para o hotel.
Quando as portas do elevador se abriram no pequeno hall, Victor
impediu que eu saísse à sua frente e puxou-me pelo braço me jogando sobre
seu ombro. Dei um gritinho de susto com sua ação rápida e depois ri de
mim mesma. Ele destravou a porta e entrou ainda me carregando jogada em
seu ombro esquerdo como se eu fosse uma leve boneca de pano. Quando
chegamos à frente do sofá, ele me jogou sobre o estofado macio e se sentou
virando-me de costas para ele. Lentamente suas mãos se enfiaram por baixo
da minha saia e tiraram minha calcinha. Olhei-o por cima do ombro e o vi
cheirar a pequena peça aspirando fundo meu cheiro que sem dúvidas estava
impregnando nela. Seus olhos verdes foram tomados imediatamente pela
luxúria. Ele me puxou para seu colo e colocou-me deitada de bruços sobre
suas coxas, antes de expor minha bunda.
— Que bundinha linda. Tão redondinha e macia — disse
acariciando-a. — Comprei um presente para você, que a deixará ainda mais
bonita, querida.
— E onde está?
— É surpresa. Terá o momento certo de usá-lo.
— Aguardarei ansiosa.
— Tenho certeza de que irá amar.
Ele escorou-se para trás no sofá e tirou seu cinto. O tilintar da fivela
deixou-me ansiosa pelo castigo. Victor ainda nem havia começado e a
umidade já aumentava entre minhas pernas. Não demorou muito para que a
primeira cintada acertasse minhas duas nádegas em cheio. Gemi alto de dor
e prazer. Sua mão esquerda agarrou meus cabelos da nuca e os puxou com
vontade levando minha cabeça um pouco para trás. Então, logo senti mais
outra lapada tão forte quanto a primeira causando uma grande ardência em
minha pele. Outras mais vieram seguidas uma das outras, sem cessar. Eu
gemia cada vez mais alto, quase em gritos, agarrando o estofado com
minhas mãos e cravando minhas unhas nele. Não contei quantas foram e
acho que ele também não. Minhas nádegas queimavam como brasa, mas eu
o deixei que me castigasse, não o pedi para parar. Eu sabia que ele estava
pondo para fora sua frustração por inúmeros motivos seus.
Uma necessidade urgente de me tocar surgiu em meio toda aquela
dor prazerosa. Incapacitada, apertei minhas coxas uma na outra em busca de
alívio. Victor parou de repente com seu castigo e soltou o cinto no chão. Ele
afastou minhas coxas e tocou meu clitóris fazendo-me estremecer e gemer
manhosa.
— Olha só você. Está à beira de um orgasmo — disse com
provocação, acariciando vagarosamente minha intimidade latejante.
— Por favor... — implorei ofegante e senti seus dedos me
invadirem.
Não precisou de nem mais meio segundo e gozei rebolando em sua
mão. Quando, enfim, o orgasmo passou, eu estava sem forças para levantar.
Victor me virou para ele e me puxou para os seus braços.
— Vou cuidar de você. — Acariciou suavemente minha coxa. Olhei
fundo em seus olhos tão apaixonantes e sorri antes de beijá-lo com amor.

Fomos despertados às seis e meia na manhã seguinte pelo meu


celular, que tocou estridente sobre o criado-mudo; e, pelo toque, já soube
que devia ser Clarice ou minha avó quem ligava. Apenas as duas me
ligariam assim tão cedo. Sentei-me na cama em um pulo assustada e peguei
o aparelho.
— Alô — atendi com a voz sonolenta.
— Maya? Ainda estava dormindo? — perguntou Clarice surpresa.
— Aqui ainda são seis horas.
— Droga! — repreendeu-se resmungando. — Desculpe-me.
Esqueci completamente de que na Califórnia são duas horas a menos, mas
é que eu precisava muito falar com você.
— O que houve? Minha mãe está bem? — perguntei preocupada.
— Está sim. O problema é o seu pai.
— O que ele fez agora?
— Provocou um acidente dirigindo embriagado.
— Ele o quê? — perguntei alto me levantando da cama e levando o
lençol comigo, enrolando-o em meu corpo.
— Calma, não se preocupe. Ninguém se machucou, mas ele foi
preso e fichado. Teddy ainda estava com a carteira suspensa e aguardava
audiência por direção perigosa. Sem a menor dúvida, sua última infração
irá dar a ele um novo processo.
— Ai, meu Deus! Isso só pode ser brincadeira! Como ele pegou o
carro? Deixei-o na casa da tia Jenna antes de voltar para Chicago — disse
de olhos fechados, negando a situação com minha cabeça. — Quando isso
aconteceu?
— Ontem à noite, por volta de umas onze horas. Ele estava a
caminho do estacionamento de trailers, havia acabado de sair de um bar
na rodovia onde causou uma pequena confusão.
— Tenho que dar um jeito nisso e tem que ser logo, antes que meu
pai mate um inocente ou se machuque.
— Por isso te liguei. Tinha certeza de que iria querer saber.
— Obrigada, Clarice. Estou voltando o quanto antes.
— Está bem. Até logo.
— Até logo.
Encerrei a ligação e encarei a foto que havia colocado na tela de
fundo na manhã anterior. Uma foto minha com meus pais no Natal passado.
— O que aconteceu? — perguntou Victor abraçando-me por trás e
beijando meu pescoço.
Respirei fundo e lentamente antes de respondê-lo.
— Meu pai está preso.
— Como é? — perguntou incrédulo.
— Isso mesmo que ouviu. — Virei-me para ele. — Ele estava
bêbado mais uma vez e provocou um acidente. Graças a Deus, ninguém se
machucou.
— É hora de voltarmos, então.
— Sim. Vamos tomar café e fazer as malas.
Foram três longas horas de viagem de volta para Tulsa. Durante o
voo, Victor ligou para cancelar algumas reuniões e adiar outras. Mesmo eu
afirmando que não precisava que ele fosse comigo para casa, ele insistiu
dizendo que não me deixaria só em um momento complicado como aquele.
Depois da aterrissagem, fomos direto para o escritório da Clarice. Ela nos
informou que já havia conseguido direito de fiança para o meu pai, porém,
ele não poderia sair da cidade até que acontecessem as duas audiências.
Além disso, se fosse pego outra vez dirigindo com habilitação suspensa,
embriagado ou não, ele seria preso sem direito a fiança. Minha cabeça
chegou a doer com tanta informação e preocupação.
— Já podemos ir tirá-lo de lá agora? — perguntou Víctor para
Clarice, segurando minha mão.
— Claro. Vamos. — Nos chamou levantando-se da cadeira.
Nós nos levantamos em seguida e saímos à sua frente. Enquanto
esperávamos o elevador, Victor levou minha mão, que estava entrelaçada a
sua, até seus lábios e beijou meu dorso em um sinal de afeto olhando em
meus olhos como quem dizia: "Estou aqui para você". A caminho da
delegacia, uma enorme tristeza abalou-me. Dúvidas surgiram em minha
mente com perguntas como: por que meu pai está sendo tão
autodestrutivo? Será que ele não está pensando na mulher que ama e nem
no quanto ela precisa dele neste momento, mais do que ele acha precisar da
bebida? Deus... essa situação tem que acabar! Meu coração dói.
— Chegamos — alertou Victor tocando minha perna para chamar
minha atenção.
Estava tão perdida em minha mágoa e pensamentos, que nem
mesmo vi quando o carro estacionou na vaga em frente à delegacia.
— Está pronta para encarar essa situação?
— Estou. Se há alguém que precisa que eu seja firme nesse
momento, esse alguém está preso lá dentro — disse olhando para o prédio
pela janela.
Descemos do carro e entramos. Clarice tomou a frente e foi logo
falar com um oficial explicando a ele o que fazíamos ali e lhe apresentando
os papéis necessários para a soltura do meu pai. O celular do Victor tocou e
ele se retirou para atender, enquanto eu fiquei ali próximo a Clarice.
— Maya? — Uma voz masculina chamou-me e olhei para trás.
— Louis. Oi.
Louis foi o primeiro namorado da Grace e também era um amigo
meu da época de escola.
— Veio ver o seu pai?
— Sim — disse sentindo-me um pouco envergonhada.
Meu pai foi treinador do time de futebol juvenil da cidade, Louis,
assim como muitos outros meninos e meninas que estudaram conosco,
fizeram parte do time e o admiravam por ser uma espécie de "paizão" para
todos.
— Lamento pela situação.
— Eu também.
— Olha... Tem um grupo na igreja do pastor Billy para ajudar quem
está passando por problemas com o alcoolismo — disse em um tom mais
baixo, aproximando-se. — Se Teddy quiser, posso levá-lo em uma dessas
reuniões. Meu pai é um dos coordenadores e será um prazer recebê-lo e
ajudá-lo.
— Obrigada, Louis. Eu vou conversar com ele a respeito.
— Tudo bem — disse sorrindo simpaticamente e afastou-se.
— Louis... — chamei-o e ele parou virando-se para mim. — Posso
falar com meu pai? Será bem rápido, eu prometo.
— Não sei se eu...
— Por favor... — interrompi-o, demonstrando um pouco de
desespero.
Ele suspirou fundo e olhou disfarçadamente para os lados.
— Tudo bem. Venha. Mas tem que ser bem rápido, okay? — disse
enquanto caminhávamos até a cela.
— Sem problemas.
Parei diante da minúscula cela e ele a abriu. Meu pai dormia deitado
no banco com o braço direito jogado sobre os olhos, os tapando da
claridade. Caminhei até ele e o observei ressonar um pouco alto.
— Pai! — chamei-o alto, mas ele não acordou. — Pai! — chamei
novamente o cutucando no braço e finalmente ele acordou.
— O quê? — perguntou abrindo seus olhos e se espantando ao me
ver. — Maya? — perguntou um pouco confuso olhando-me com
estranheza.
— Oi, pai.
— Mas o que você faz aqui? — perguntou sentando-se.
— Vim tirá-lo daqui.
— E quem foi que lhe disse que eu quero sair? — perguntou com
certa arrogância.
— Ninguém disse. Mas, infelizmente, você querendo ou não vim
tirá-lo daqui.
— Quem ligou para você? — perguntou rude e alto.
— Não interessa quem me ligou! Mas entrei aqui para lhe dizer uma
coisa... Estou farta dessa situação ridícula entre nós! — disse séria. — Está
na hora de um ser o maduro e responsável nessa relação familiar, e esse
alguém terá de ser eu, já que você parece estar regredindo! Se o senhor não
quer voltar a falar comigo, tudo bem. Que assim seja, eu não irei mais me
importar com isso por mais que me doa essa situação. No entanto, eu
preciso que entenda que você não vive apenas por você. Vive também pela
mulher com quem se casou e jurou amor e cuidados eternos. E no momento,
infelizmente, o senhor não está tendo ambos os sentimentos por quem está
acamada em um hospital precisando de você! Não seja negligente,
destrutivo ou irresponsável. Se quer brincar com sua vida, okay! Mas não
coloque as dos outros em risco, como fez.
— Tudo certo. Você já está liberado, Teddy — disse Clarice parando
no corredor diante da cela.
— Levante-se! — falei duro e autoritária. — Vá pegar suas coisas,
eu vou esperá-lo no estacionamento. — Saí da cela lhe dando as costas, sem
dar oportunidade para ele me retrucar.
— Está tudo bem? — perguntou Victor quando voltei para a
recepção.
— Honestamente?
Ele assentiu.
— Não. Estou muito puta com o meu pai. Como ele pode agir
assim? Minha mãe está em um hospital com câncer, ela precisa dele.
— Já sabe o que vai fazer agora?
— Sei sim.
— Okay. Se precisar de algo estarei na nossa casa. Não quero me
meter ou ser inconveniente. Além do mais, acho que agora não é o
momento certo para ele nos ver juntos outra vez.
— Nossa casa? — perguntei sorrindo.
— De tudo o que eu disse, você apenas registrou isso?
Ri e o abracei.
— Não. Obrigada por sua compreensão, amor.
— Se precisar de mim, não hesite em me ligar. Vou deixar Noberto a
sua disposição.
— Não precisa. Vou retirar o carro do meu pai e ele vai ficar
comigo.
— Mas o carro não estragou devido ao acidente?
— Um pouco na frente, mas não foi nada demais.
— Tudo bem, cuidamos desse estrago depois. Nos vemos à noite?
— Claro.
Nós nos despedimos e ele foi para casa. Retirei o carro do meu pai
de onde estava preso e o esperei no estacionamento, escorada na porta do
carona. Meu pai saiu da delegacia e Clarice veio logo depois dele.
— Então é isso, Teddy. Você não pode dirigir e nem deixar a cidade
até o fim dos julgamentos. Tente não se meter em confusão, porque, se for
preso outra vez, não terá habeas corpus para livrá-lo — alertou Clarice
encarando-o com seriedade. Ele bufou e revirou os olhos impaciente.
— Ele não vai aprontar — garanti.
— Para aonde vocês vão? — perguntou ela.
— Vou levá-lo para a casa da tia Jenna.
— Eu não vou para lá! — disse ele rude.
— Não perguntei se você quer! Estou dizendo que você vai! —
disse mantendo minha postura firme.
— Okay. Acho melhor eu ir nessa. Qualquer coisa me ligue, Maya
— falou ela ao notar que a situação era somente entre mim e ele.
— Obrigada, Clarice — agradeci e lhe dei um abraço.
— Não precisa agradecer, querida.
— Preciso sim. Você está fazendo mais por nós do que devia. —
Soltei-a e sorri para ela com carinho.
Ela se foi e meu pai encarou-me com indiferença. Ele não
demonstrava nenhum sentimento, como: raiva, mágoa ou qualquer coisa do
tipo. Acho que um desconhecido receberia uma encarada mais emotiva do
que a que ele me deu. Abri a porta e fiz um sinal para que ele entrasse no
carro e assim fez sem questionar. Assumi a direção e coloquei o cinto de
segurança. Dei partida no motor e comecei a dirigir em direção à casa da tia
Jenna, que ficava quase a vinte minutos de onde estávamos. Eu já havia
ligado para ela enquanto esperava por meu pai, avisando-a de que
estávamos a caminho. Contei tudo a ela sobre o incidente da noite anterior e
ela não sabia de nada ou sequer havia reparado que o carro não estava mais
em sua garagem. Pedi que o deixasse ficar por uns tempos em sua casa e
ela, mais do que depressa, permitiu garantindo que me ajudaria com ele.
Quando chegamos, meu pai abriu a porta e saltou apressado sem ao
menos esperar que eu desligasse o motor. Ao entrarmos, depois de sermos
recebidos na porta por sua irmã, ele lhe fez uma promessa vaga dizendo que
não iria mais beber depois de levar uma boa bronca por sua
irresponsabilidade. A chaleira na cozinha apitou e tia Jenna correu até lá
pedindo para ficarmos à vontade. Meu pai caminhou até uma estante onde
havia alguns exemplares raros de Shakespeare, que pertenceram a minha
avó, além alguns retratos de família e parou diante dela. Suas mãos foram
diretas a uma foto onde estava ele e minha mãe antes da primeira luta
contra o câncer. Aproximei-me e parei ao seu lado, bem pertinho,
observando o registro de um momento de muita alegria. Eu não me
recordava qual dia era aquele, mas era a mesma foto que tinha ao lado da
minha cama na fraternidade. Era para ela que dormia olhando quase todas
as noites.
— Perdoe-me, pai — pedi baixo com meus olhos marejados de
emoção. — Se o que fiz o envergonha ou ofendeu sua honra, eu peço
perdão. Sei que foi uma ação estúpida e mal pensada, mas eu estava
desesperada. Tão desesperada quanto o senhor. Se pudesse faria tudo
diferente hoje, mesmo que isso me custasse outras coisas. — Sequei minhas
lágrimas que teimavam em cair. — Quero que saiba que,
independentemente de você me odiar para sempre, eu não desistirei de
cuidar do senhor e farei isso pelo simples fato de que o amo mais que tudo
nesse mundo! — disse com a voz embargada. — Pode até ser tortuoso
insistir em estar perto de alguém, quando tudo o que se recebe é desprezo,
mas não irei abandoná-lo como está fazendo comigo.
Ele não me olhou ou disse qualquer coisa. Manteve-se encarando a
foto como se eu não estivesse ali ou lhe dito nada. Ao perceber que, ainda
assim, ele manteria erguida sua muralha construída com tijolinhos de
orgulho ferido, soube que era hora de ir embora e dar um tempo para mim
mesma daquele momento doloroso e frustrante. Peguei as chaves sobre o
aparador perto da porta e fui embora sem me despedir da tia Jenna. A
caminho da casa do Victor, senti um aperto no peito me sufocar e não
consegui me conter, debulhei-me em lágrimas de desespero. Eu tive
vontade de sair do carro e correr por quilômetros sem parar, bater em
alguma coisa para aliviar a raiva, berrar até ficar sem voz e jogar tudo para
o alto mais uma vez e fugir para longe. Mas o momento que vivia exigia de
mim força e maturidade para lidar com todas as aprovações que estavam
acontecendo e as que estavam por vir.
Antes de descer do carro sequei minhas lágrimas. Não queria que
Victor notasse que havia chorado. Quando passei pela porta da frente, Bow
logo surgiu para me recepcionar pulando em mim e latindo alto. Abaixei-
me no chão e abracei-o forte lhe dando um pouco de carinho e recebendo o
mesmo dele, sem ao menos precisar pedir. Uma vez li em algum lugar, que
os cachorros vivem menos, porque já nascem sabendo amar de um jeito que
levamos a vida inteira para aprender. Naquele instante entendi que isso era
verídico. Talvez meu pai ainda não tenha aprendido como amar outra
pessoa ou a si mesmo, principalmente.
— Oi. Você não demorou tanto quanto imaginei que demoraria —
disse Victor descendo a escada, vindo ao meu encontro.
— Precisava de um tempo de toda aquela tensão emocional.
— Entendo — disse e beijou minha testa. — Às vezes, uma taça de
um bom vinho ajuda a aliviar um pouco da tensão. — Seus braços
envolveram minha cintura e puxaram-me para junto dele.
— Quer transar? — perguntei encarando seus olhos verdes-
acinzentados.
— Isso também ajuda, mas acho que...
Não deixei que ele terminasse sua frase na qual me negaria o que
mais sentia precisar naquele momento e beijei-o com euforia agarrando-o.
Victor não rejeitou minha ação rápida como temi que talvez faria. Ao invés
disso, pegou-me em seu colo e eu passei minhas pernas envolta de sua
cintura. Ele nos levou para seu escritório, que era o cômodo mais próximo e
onde teríamos um pouco mais de privacidade, já que tínhamos empregados
por toda parte cuidando da casa.
CAPÍTULO 27

Na manhã seguinte, fui até o hospital e passei o dia por lá. Clarice
chegou no fim da tarde para uma visita rápida, mas minha mãe dormia.
Saímos para o corredor deixando minha avó com ela.
— Por favor, avise Meredith de que estive aqui — pediu-me
enquanto esperava o elevador para ir embora.
— É claro que direi — garanti a ela. — Me diga... Como está
Grace? Não a vejo desde aquele encontro desconfortável em sua casa.
— Ah... Eu não sei se "bem" é a resposta. Ela não têm ido nos ver
ou trabalhar nos últimos dias. Tenho falado com ela apenas por ligação.
— Essa viagem que ela fez pela Europa foi bem longa, não acha?
— Sim. Primeiro, ela embarcou para um cruzeiro romântico com o
namorado, o qual não conhecemos até hoje, e depois partiu em um
mochilão. Eu nem sabia que Grace curtia esse tipo de aventura, ela foi
sempre tão exigente com os hotéis em que nos hospedávamos nas férias de
verão.
— Muito menos eu — disse achando aquilo muito estranho.
Essa não era ela. Aliás, Grace não estava sendo ela mesma há muito
tempo.
— Esse namorado dela... Eu não sei nada sobre ele. Já tentei
descobrir de quem se trata, mas ela diz que quer esperar para ver se tudo
entre eles irá dar certo para nos apresentar. Sinto-me tão mal de não
conseguir saber o que está acontecendo com minha própria filha. — Senti o
pesar da tristeza em suas palavras. — Mas fazer o quê, não é mesmo? Não
posso forçá-la a me contar nada, ela já é uma mulher adulta.
— Ela ainda está namorando esse cara? — perguntei preocupada e
instigada.
— Eu acho que sim, porque sempre que conversamos e pergunto
pelo relacionamento, ela diz que eles estão bem.
— Ela deve estar vivendo inebriada na bolha do amor. Se eu
pudesse, também sumiria com Victor por algumas semanas pelo mundo —
falei e forcei um sorriso para Clarice, na intenção de despreocupá-la. Mas,
no fundo, sentia que havia algo de muito errado acontecendo com a minha
amiga. Talvez ela precise da minha ajuda.
— Posso ver em seus olhos que está muito feliz com ele. — Sorriu
com afeto.
— Você não sabe o quanto, Clarice! — disse e sorri
verdadeiramente.
Seu elevador chegou e ela partiu depois de nos despedirmos com um
rápido abraço. Voltei para o quarto e fiquei um pouco mais até começar o
cair da noite. A caminho para a casa do Victor, pensei em ir até Grace, mas
tive medo de encontrar Higor por lá, então desisti. Porém, mais alguns
metros à frente, um aperto em meu peito falou mais alto e, quando menos
percebi, já estava parando à frente do seu prédio. Ao entrar, cumprimentei o
porteiro noturno e subi direto para o apartamento sem precisar ser
anunciada. Quando cheguei a seu andar, meu estômago se encheu com um
friozinho de ansiedade. Diante da porta, toquei a campainha e logo ouvi
passos se aproximar, mas a porta não foi aberta. Eu sabia que ela estava do
outro lado observando quem chamava pelo olho mágico, podia sentir sua
presença próxima ali.
— Grace... Por favor. Deixe-me entrar, eu vim até aqui apenas para
te ver e saber como você está.
— É melhor ir embora — falou com a voz baixa.
— Você sabe que eu não vou embora. Se lembra de quando éramos
mais jovens e sentíamos quando uma estava precisando da outra? Era
exatamente isso que sentia enquanto dirigia para casa. Abra a porta. —
Nada aconteceu. — Eu acho que vou me sentar aqui no chão do corredor e
esperar você sair. Vai ter que sair uma hora, não é?
Eu sabia que ela não estava colocando fé em minhas palavras.
Joguei minha bolsa no chão ao canto da parede e sentei-me diante da sua
porta cruzando as pernas. Cinco minutos se passaram e eu ainda estava ali,
sentada e esperando. Sabia que a qualquer momento Higor poderia chegar,
mas aceitei assumir o risco, eu precisava ver a Grace. Meu celular soou o
alerta de mensagem e era do Victor. Ele perguntava onde eu estava e o
porquê de eu ainda não ter voltado para casa. Já passava das oito da noite e
ele devia estar preocupado, desde o momento em que saí pela manhã, ainda
não havíamos nos falado. Respondi sua mensagem dizendo que já estava a
caminho. Eu não podia dizer onde estava, ele chegaria aqui em minutos.
Escorei-me na parede e fechei meus olhos pensando a que ponto
nossa amizade inseparável chegou. Eu já estava ali há quase dez minutos,
quando fui surpreendida com o barulho da porta sendo destrancada. Grace a
abriu e me levantei em um pulo ao ver seu rosto e pescoço todo marcado e
machucado.
— Mas o que foi que aconteceu? — perguntei com o coração
disparado.
— É melhor entrar antes que ele apareça — disse e deu-me
passagem.
Peguei minha bolsa e entrei rapidamente. Ela trancou a porta e
fomos até a sala mais adiante.
— Grace... Por favor... converse comigo. É por isso que tem evitado
seus pais e o trabalho? — questionei-a me sentando no sofá.
— É tão difícil... — Sua emoção a interrompeu com o choro.
Ela se sentou na poltrona à minha frente e respirou fundo tentando
controlar as lágrimas.
— Foi ele, não foi? Higor?
— Sim — respondeu-me com a voz embargada.
— Meu Deus, eu sinto muito, Grace! Conte-me: o que houve?
Ela encarou-me por alguns segundos e, então, respirou fundo
buscando fôlego para começar a falar.
— Ele era um cara incrível. Um homem romântico, cheio de boas
surpresas e um deus na cama. Me fez apaixonar por ele... aí começamos a
namorar. Depois aconteceu aquele encontro horrível e ele começou a dizer
coisas sobre você, enchendo minha cabeça com palavras que acreditei.
Palavras que me deixaram com muita raiva de você e isso era tudo o que
aquele manipulador desgraçado queria! — disse com ira. — Então ele
apareceu aqui e... — engoliu seu choro mais uma vez — e disse que você e
seu namorado estavam o acusando injustamente por tentativa de
assassinato, porque você estava com raiva de nós. Ele estava me induzindo
a alimentar a raiva misturada a mágoa que eu sentia por você. Quando a
polícia me cercou um dia, na saída do trabalho, perguntando por ele, eu dei
a ideia de sairmos fora de cena por um tempo. Foi aí que ele sugeriu,
enquanto tomávamos o café da manhã, que fizéssemos um cruzeiro para
relaxar e aproveitarmos mais um ao outro sem você querendo armar para
cima dele ou nos separar. Eu aceitei e alguns dias depois partimos. Durante
toda a viagem, ele falava sem parar de um mochilão pela Europa que ele
tinha muita vontade de fazer, mas nunca encontrado a companhia perfeita.
Eu falei sobre as questões do passaporte, que ele seria impedido de deixar o
país, mas ele disse que conhecia alguém no Texas que poderia dar um jeito
nisso para ele. Cegamente apaixonada cedi ao seu sonho. — Fez aspas com
os dedos. — Eu topei e nós fomos. Mas no final da viagem começamos a
nos desentender. As perguntas que ele sempre me fazia eram sobre você.
Nós começamos a brigar o tempo todo.
— Aposto que isso a fez me odiar mais ainda...
— Eu não entendia o porquê de ele querer saber tantas coisas sobre
você e o porquê de tocar tanto em seu nome, quando foi ele mesmo quem
sugeriu a viagem para nos afastarmos de tudo o que estava acontecendo
aqui e viver mais nosso relacionamento. Isso me deixava zangada e com
muita... muita raiva. Era como se você fosse um fantasma que voltava a
todo momento para nos assombrar.
— O ódio, a mágoa e a raiva que sentia de mim não era real. Era ele
induzindo-a a isso. Higor estava usando-a para fugir da punição do crime
que cometeu.
— Eu sei... eu comecei a perceber, então, quando voltamos, eu pedi
um tempo. Comecei a notar que talvez a garota que ele amasse, era você e
não eu. Estava me sentindo como o peão no tabuleiro de xadrez dele. Uma
peça sem valor, descartável e feita para ser sacrificada pela rainha. Aquilo
me doía tanto... Quando a vi na casa dos meus pais, eu... Eu surtei por
ciúme, raiva e inveja. Eu fiz tanto por ele, mas era você quem tinha o seu
amor e não eu.
— Por isso me tratou a pedras e pau.
— Perdoe-me, Maya! Por favor! — implorou em lágrimas.
— É claro que eu perdoo você, Grace! Perdoo porque te amo. Você
ainda é minha melhor amiga, é minha irmã de outra mãe. — Sorri.
Ela se levantou e eu fiz o mesmo. Nós nos abraçamos e choramos
juntas até que nos acalmássemos de novo.
— Ele esteve aqui na semana passada — falou ainda abraçada a
mim e soltou-me. — Ele veio me pedir desculpas assumindo que errou e
dizendo me amar, mas eu não acreditei. Aí ele insistiu tentando me
convencer, até que revelou o que queria. Ele precisava de dinheiro. Muito
dinheiro. Disse que estava com problemas financeiros. Contou que suas
contas estavam bloqueadas a mando da justiça e culpou você mais uma vez.
Também disse que seu negócio em Dallas estava à beira da falência e a
única pessoa que poderia ajudá-lo era eu. Foi aí que eu percebi o porquê de
se aproximar e pedir desculpas. Era apenas interesse. Eu neguei e mandei-o
ir embora, mas ele se negou. Então, eu me revoltei e falei demais.
— O que disse?
— A verdade. Disse que finalmente estava conseguindo ver seu jogo
sujo de manipulação e que ele apenas me usou para foragir por um tempo.
Ele se irritou e tentou me intimidar. Mandei-o embora novamente e ele se
recusou outra vez. Então lhe disse que, se não fosse embora naquele
momento para nunca mais voltar, eu mesma ligaria para a polícia dizendo
saber onde ele estava. E foi aí que... — começou a chorar novamente — ele
me agrediu e só parou quando eu disse que assinaria um cheque.
— Quanto deu a ele?
— Tudo o que havia na única conta que ele tinha conhecimento.
Cinquenta e três mil dólares. Ele se foi dizendo que, se eu abrisse a boca ou
sustasse o cheque, ele voltaria para mostrar quem manda.
— Meu Deus... — murmurei chocada.
— Tenho vivido a última semana com medo, Maya. Medo de que
ele apareça para me matar!
— Eu não vou deixar, confie em mim. — Apertei firme suas mãos.
— Victor ainda está procurando por ele e só irá parar quando o encontrar,
assim como a polícia. Existem imagens que comprovam que foi Higor
quem atirou nele. Cedo ou tarde, ele será pego.
— Vocês estão juntos outra vez?
— Estamos... e posso sentir que mais fortes do que nunca, apesar de
tudo.
— Fico realmente feliz por você. — Sorriu com tristeza.
— Obrigada. — Dei-lhe mais um abraço. — Agora eu tenho que ir.
— Soltei-a. — Vou falar com Victor e pedir a ele que ceda um segurança
para cuidar de você a distância, assim não se sentirá incomodada e ficará
segura. Tudo bem?
— Eu agradeço.
Ela me acompanhou até a porta e nos despedimos. Voltei para casa
e, ao entrar, Victor logo apareceu no hall com uma feição irritada. Ele
estava sério, com a postura rígida e braços cruzados à frente do peito.
— Antes que comece a brigar comigo... eu estava no apartamento da
Grace. E antes que brigue comigo por isso também... é melhor ouvir o que
eu tenho para contar.
— Você foi até lá sozinha? Não acredito nisso! E se ele estivesse lá?
Por que você insiste em viver no perigo?
— Podemos deixar para discutir depois? O que tenho para falar é
realmente importante! — disse séria.
Assim que nos sentamos na sala, eu contei a ele tudo o que Grace
me contou. Ele se enfureceu comigo mais uma vez por ter ido até lá sozinha
e por não ter lhe dito a verdade sobre onde estava quando trocamos
mensagens.
— Desculpe-me, amor — pedi.
— Tenho que ir para Seattle amanhã e você não ficará aqui! — falou
alterado. — Não confio em lhe deixar sozinha!
— Eu não posso ir embora agora e nem quero! — contestei. —
Tenho que ficar. O meu pai precisa de ajuda e minha mãe precisa de mim na
ausência dele. Por favor... Entenda!
— E se ele não tiver usado o dinheiro para fugir, mas sim para se
esconder aqui? Com qual paz irei viajar e deixá-la nessa cidade, sabendo
que tem um ex-namoradinho lunático querendo você sabe-se lá para fazer o
quê? — perguntou alto e exasperado, fazendo-me lembrar de ter tido quase
certeza de vê-lo aquela manhã em frente ao hospital.
— Deixe quantos seguranças quiser ou nenhum. Eu não irei viajar
com você agora — mantive-me firme. — Já coloquei meus caprichos acima
da minha família e não quero mais fazer isso. Eu vou ficar! Preciso ficar! —
Encarei-o séria.
— Às vezes, tenho vontade de amarrá-la na cama e...
— Me bater? — interrompi sua frase ficando de pé diante dele.
— É! — respondeu rude.
— Então eu vou subir na frente e esperar você lá em cima. — Dei-
lhe as costas e saí em direção à escada.
Ele ficou surpreso, não esperava por aquela resposta, pude ver em
seu rosto. No quarto tirei toda minha roupa e tomei um bom banho lavando-
me da cabeça aos pés. Quando saí do banheiro, enrolada em uma toalha
branca, vi que as cordas já estavam presas no dossel da cama esperando por
mim. Sobre o colchão havia uma venda de seda vermelha, um flogger com
finas tiras de couro preto, um colar tailandês com cinco esferas metálicas,
uma gag ball e um vibrador grande para clitóris. Parei nos pés da cama e
observei tudo aquilo.
— Será uma noite tortuosa — murmurei baixo para mim mesma.
— Quer se ajoelhar e pedir perdão? Ainda dá tempo — disse Victor
atrás de mim.
— Não! Quero pagar para ver o que vai me acontecer — debochei e
tirei a toalha deixando-a cair no chão.
A noite foi tortuosa sim, mas imensamente prazerosa. Ele me
castigou como queria deixando minha pele marcada, mas não soube ser
firme perante aos meus gemidos de prazer depois que me tirou a mordaça.
Victor sucumbiu a isso e descumpriu sua palavra de que não iria foder
comigo naquela noite. Saciados, estávamos deitados abraçados um ao outro
na cama. Ele acariciava meu ombro e eu seu peitoral. Estava me sentindo
bem ali com ele, queria que pudéssemos ficar assim para sempre.
— Eu entrei em sociedade com uma marca de joias — disse
quebrando nosso silêncio confortável. — Terá um lançamento em dez dias
em Las Vegas da nova coleção e nós iremos para lá, então se programe.
— Tudo bem.
— Eu gostaria que você fosse a modelo a ser fotografada usando as
joias para a campanha. — Ergui-me um pouco apoiando meu peso no braço
esquerdo e olhei para ele.
— Quer que eu seja a modelo da campanha?
— Quero sim. Não imagino beleza melhor para combinar com
tantas pedras raras e valiosas, do que a sua.
— Okay. Será um grande prazer. — Sorri e sentei-me sobre seu
quadril, curvando-me para frente levando meus lábios de encontro aos seus.
— Me faça gozar outra vez — pedi sussurrando.
— Com as mãos, meu pau ou a boca?
— Tenho direito de escolha?
— Tem sim.
— Então escolho a boca.

Na manhã seguinte, Victor viajou cedo para Seattle. Antes de ir, ele
me fez prometer de que não irei sair de casa sem escolta e nem agir com
estupidez me colocando em perigo. Foi preciso jurar a ele de joelhos que
seguiria suas regras à risca, para que ele pudesse fazer uma viagem
tranquila de negócios que duraria quatro longos dias. Os dois primeiros dias
sem ele se passaram arrastando. Nós nos falávamos por mensagens e
ligações quando ele podia, mas mesmo assim era difícil não sentir saudade.
Os seguranças me acompanhavam de uma distância confortável para todo
lugar que eu ia. Grace me ligou para dizer que estava bem e agradecer o
segurança que Victor destinou para cuidar dela. Eu aproveitei o ensejo e
perguntei se Higor havia dado as caras, mas ela deu graças a Deus que não.
Ao mesmo tempo que desejava que ele sumisse, queria que aparecesse para
que fosse finalmente pego e preso para que pagasse pelo seu crime. No
terceiro dia me ocupei em esvaziar o trailer em que meu pai estava
morando, quando meu celular tocou e era tia Jenna ligando.
— Oi. Está tudo bem? — perguntei ao atender.
— Eu não sei. Há pouco fui passar o aspirador do quarto do Teddy
e encontrei uma garrafa pequena de vodca debaixo da cama.
— Ai, merda! — murmurei irritada.
— Sem dizer que achei a garrafa, eu o abordei com jeitinho e
perguntei se estava bebendo e ele respondeu que não.
— Que droga! Era só o que me faltava. Por que ele está fazendo isso
consigo mesmo? Agora ele vai começar a mentir também? Acho que só
tirar o carro dele e levá-lo para aí não será o suficiente para afastá-lo disso.
— O que faremos agora?
— Soube que na igreja do pastor Billy tem umas reuniões que
ajudam pessoas na mesma situação que ele. Talvez devêssemos levá-lo até
lá.
— Maya... Seu pai não entra em uma igreja desde o primeiro
câncer da sua mãe. Acha mesmo que entraria agora?
Suspirei cansada.
— Ainda tem aquelas reuniões do AA no ginásio da escola Green
Palace?
— Tem sim. Uma amiga minha é voluntária lá. Vou ligar e procurar
saber mais sobre dias e horários.
— Por favor, faça isso, tia Jenna. Ele está em casa agora?
— Acabou de sair. Disse que ia visitar sua mãe. Pelo menos, não
estava cheirando a bebida.
— Tudo bem. Eu estou esvaziando o trailer e levando tudo para um
boxe que aluguei.
— O que vai fazer com essa lata velha enferrujada?
— Vou tentar vender. Se não conseguir, vou mandar que façam
descarte adequado.
— Ótimo.
Encerramos a chamada e continuei com meu trabalho. No fim do
dia, eu tinha guardado tudo em um boxe com a ajuda dos seguranças e
levado o trailer para uma agência de automóveis velhos na tentativa de
vendê-lo. Quando cheguei em casa, estava morta de cansaço e queria
apenas um banho quente e cama. Estava esperando a banheira encher,
quando meu celular tocou e eu corri para atendê-lo achando que seria
Victor, mas era tia Jenna novamente. Ela me avisou de que a reunião seria
no dia seguinte às sete da noite e que sua amiga disse que meu pai seria
mais do que bem-vindo a participar. Pedi a ela que não lhe dissesse nada e o
segurasse em sua casa até eu chegar lá para buscá-lo no final do dia. Na
noite seguinte, eu me vesti enquanto falava com Victor por videochamada
no Skype, dentro do closet. Pronta, encerrei a chamada e parti para a casa
da tia Jenna colocar meu plano em prática. Quando cheguei, a porta da
frente estava aberta, então entrei sem bater.
— Boa noite! — disse animada ao entrar na cozinha, onde os dois
tomavam chá.
— Boa noite, querida. Chá? — ofereceu ela.
— Não, tia. Obrigada. Eu tomei uma vitamina antes de sair de casa.
— Casa? — perguntou meu pai e senti um tom de ironia em sua
voz.
— É! Eu vim buscar você para darmos uma voltinha e você vem
com a gente, tia Jenna.
— Tudo bem, vou adorar. Vou trocar os sapatos e pegar minha
bolsa.
— O senhor já está pronto para sairmos, pai?
— Não vou a lugar algum com você!
— Não perguntei se você quer ir. Perguntei se está pronto para
irmos.
— Eu estou — disse tia Jenna ao voltar.
— Então vamos — disse animada caminhando para a saída.
Saí na frente e os esperei no carro. Contra toda sua vontade, meu pai
saiu da casa e entrou no banco passageiro ao meu lado. Dirigi para a escola
e o caminho foi feito em um silêncio que eu diria ter sido até confortável.
Quando chegamos, parei o carro em meio aos outros no estacionamento nos
fundos da escola e desliguei o motor. Meu pai olhou com estranheza para o
prédio e depois para mim.
— Que diabos estamos fazendo aqui? — perguntou um tanto
grosseiro.
— Viemos participar de um evento e conhecer pessoas novas —
respondi.
— Acha que eu sou burro? Que não sei o que acontece aqui nas
segundas à noite? — perguntou alto, quase em um grito, tirando-me do
sério.
— Acha que somos burras? Que não sabemos que ainda está
bebendo escondido, mesmo depois de prometer a tia Jenna que não faria
mais isso? — perguntei no mesmo tom alterado.
— O que faço da minha vida, não é da sua conta!
— Passou a ser desde o momento em que eu comecei a frequentar a
delegacia, para tirá-lo da cadeia por agir como um adolescente babaca
irresponsável! — gritei. — Deixe de ser tão estúpido!
— Fale direito comigo, mocinha!
— Ou o quê? Vai me deixar de castigo sem TV? Eu não sou mais
uma criança, pai! Estou aqui insistindo com toda essa merda porque quero o
seu melhor, quero o seu bem! Por que não aceita a nossa ajuda?
— Olha só quem está querendo o melhor de alguém! A garota que
criei com tanto sacrifício para se tornar uma prostituta barata! — berrou.
Algo em mim se quebrou e eu soube que era hora de desistir de
alguém que não queria ser ajudado. Uma lágrima quente escorreu por meu
rosto sendo seguida por muitas outras. Tirei a chave da ignição e olhei para
frente vendo tia Jenna parada ali fora. Eu nem mesmo a vi sair do carro.
Desci, fui até ela e lhe entreguei a chave.
— Leve-o para casa — pedi.
— Mas e você? Como irá voltar? — perguntou preocupada.
Olhei para trás e vi o carro dos dois seguranças que me
acompanhavam, parado a alguns metros.
— Não se preocupe.
Despedi-me dela com um beijo em seu rosto e caminhei até a BMW
preta blindada. O segurança que estava no passageiro desceu e abriu a porta
para mim quando me aproximei. A caminho da mansão, eu mandei uma
mensagem para Victor. Estava precisando tanto dele naquele momento.

Você é a melhor coisa


no meu mundo.
Maya
06:58 p.m.

E você é o meu mundo!


Victor
06:59 p.m.

Sorri com sua mensagem carinhosa, ainda que eu estivesse


chorando. Quando cheguei em casa, subi com Bow para o quarto e o deixei
deitar nos pés da cama enquanto assistia TV e tomava sorvete. Meu celular
tocou ao meu lado e era Jack quem ligava. Estranhei sua ligação, ainda mais
naquela hora.
— Jack? Está tudo bem?
— Oi, Maya. Desculpa ligar tão tarde, mas é que eu preciso
perguntar algo a você e não conseguiria esperar até amanhã.
— Tudo bem, ainda estou vendo TV. O que houve? — perguntei
preocupada.
— Conhece Sean Renald?
— Conheço sim, mas gostaria de não conhecer. É um modelo
babaca assediador com quem já fiz alguns trabalhos e já tive problemas.
Mas por que está perguntando isso?
— Imaginei que o conheceria, vi que ele trabalha para a mesma
agência que você. Acho que finalmente descobri um vínculo entre as
garotas mortas, com exceção da dançarina.
— Como assim, Jack? — perguntei endireitando minha coluna.
— Todas as garotas tiveram encontros malsucedidos, segundo
relatos de amigas, com esse Sean Renald alguns dias antes de serem
assassinadas.
— Ai... meu... Deus! — disse pausadamente e chocada.
— Seja o que for que esteja acontecendo, por favor, se cuide. Se já
teve problemas com ele, não quero que tenha de novo. Ele é ficha limpa na
polícia, mas isso não quer dizer que seja um cara bom.
— Posso afirmar que ele não é um cara bom! Sean tentou me beijar
em um trabalho anterior e depois tentou forçar relações comigo no trabalho
mais recente que fizemos juntos em Los Angeles. Talvez, se eu não tivesse
reagido e conseguido me proteger, ele tivesse abusado de mim!
— Maya... isso é um assunto sério, você devia ter procurado uma
delegacia e registrado uma ocorrência contra esse cara! Ainda pode fazer
isso!
— Eu sei. Mas você sabe com quem namoro e não quero
escândalos. E agora, se ele for considerado um suspeito é melhor cortar
qualquer chance de contato. Com certeza, eu sou uma das pessoas que ele
mais odeia nesse momento. Não é uma ideia inteligente provocá-lo.
— Em parte você tem razão, mas só em parte. De qualquer jeito...
evite esse cara e, principalmente, trabalhos com ele. Se é um serial killer
ou um estuprador escroto, ele pode tentar algo de novo ou coisa pior. Se
cuide.
— Certo! Irei me cuidar sim.
— Qualquer coisa me ligue. Até mais.
— Obrigada. Até mais.
Que notícia! Sean, o assediador, é o vínculo que tanto a polícia
procurou entre as vítimas do serial killer. O estranho é que a pessoa que
matou Bridget tem 99,9% de chances de ser o mesmo monstro que ceifou
vidas jovens inocentes. Há muito por trás de tudo isso ainda. Talvez Bridget
realmente tenha sido morta por engano no lugar de Natasha. Será que...
poderia ser ela a ter algum vínculo com Sean? Ele costumava frequentar a
boate, já o vi lá por algumas vezes.
CAPÍTULO 28

Eu havia acabado de preparar o jantar e pôr a mesa. Desci até a


adega no porão e tentei fazer uma boa escolha no vinho para acompanhar o
nosso prato de entrada, usando as dicas que Victor me deu certa vez. Passei
o dia ansiosa esperando com agonia por sua volta e planejando o que
cozinhar. Estávamos longe há quatro dias, que mais pareceram semanas, e
já estava morrendo de saudades. Tudo pronto, subi para o nosso quarto e
tomei um banho rápido. Ao sair do banheiro, vi que Noberto havia me
mandado uma mensagem há dez minutos avisando-me de que o jatinho
havia pousado.
— Com certeza já estão a caminho — murmurei animada.
Soltei meus cabelos que estavam presos em um coque e vesti um
vestido preto leve, de alças largas, decote coração, busto justo, cinturado e
com a saia levemente rodada de comprimento até o meio das coxas. Estava
passando o perfume quando escutei o barulho do carro estacionar à frente
da casa e corri até a janela para me certificar de que era ele quem chegava.
Victor abriu a porta traseira e desceu enquanto Noberto pegava sua
bagagem no porta-malas. Um nervoso retorceu meu estômago e eu sorri
achando graça dessa sensação misturada de agonia e paixão.
Ao sair do quarto, escutei a porta da entrada fechar em um pequeno
baque. Desci a escada descalça e correndo ao seu encontro. No final dela, lá
estava ele parado enquanto tirava seu blazer preto. Quando me viu, seus
lábios se abriram em um belo sorriso e eu me joguei em seus braços
sentindo-os se apertarem a minha volta.
— Senti tanto sua falta — disse baixo, enquanto ainda me enroscava
nele de olhos fechados.
— Também senti a sua, meu amor.
Nós nos soltamos e olhamos um para o outro com sorrisos largos.
— Como foram esses dias sem mim? — perguntou.
— Não foram tão ruins, mas senti saudade o tempo todo. Ficar sem
você é triste. Eu te amo, Victor — declarei-me acariciando seu rosto.
— Também amo você.
Beijei-o passando meus braços por seu pescoço e entregando-me aos
seus lábios quentes e macios. A vontade que tinha naquele exato momento
era de subir de volta para o quarto e nos trancafiar lá dentro por horas.
— O que cheira tão bem na cozinha? — perguntou curioso depois
de findar nosso beijo.
— Ratatouille para entrada e Coq au vin para o prato principal.
— Uau! Passou o dia todo na cozinha?
— Passei sim e é exatamente por isso que, se algo estiver ruim, você
irá comer do mesmo jeito sem reclamar e fingir que está ótimo — brinquei.
— Não se preocupe, querida. Estou faminto e com o desejo de
comer muitas coisas diferentes esta noite. Não irei reclamar de nada que me
servir — disse com malícia e selou meus lábios com um beijo rápido. — E
para sobremesa?
— Ah... Essa já está bem aqui na sua frente — respondi convencida.
— Que delícia — falou e acertou-me um tapa em minha bunda.
— Vem, vamos comer.
Enquanto ele se sentava, servi o jantar à mesa. Primeiro comemos o
ratatouille, que ele disse estar divino e melhor do que em muitos
restaurantes onde já comeu. Em seguida foi a vez do Coq au vin, que
também foi só elogios. Sei que não estava tão bom assim, mas admirei sua
tentativa em me agradar. Satisfeitos, retirei a mesa e sentei-me novamente
ao seu lado para terminamos a garrafa do vinho rosé que escolhi para o
prato de entrada. Peguei sua mão que estava sobre a mesa e entrelaçando
nossos dedos observei-o saborear o restante do líquido rosado em sua taça,
sem pressa.
— Acertei na escolha do vinho?
— Sim e devo admitir que me surpreendeu. Rosé para o Ratatouille
é sempre uma boa pedida. E o tinto seco é o mesmo que foi utilizado no
prato principal, então eu diria que você foi bem esperta.
— Obrigada. — Sorri.
— Já está na hora da minha sobremesa? — perguntou recostando-se
na cadeira, depois de esvaziar sua taça.
— Está sim. — Soltei sua mão e me levantei indo sentar em seu
colo de frente para ele.
Victor jogou meus cabelos para trás dos ombros e puxou-me para
ele apoiando suas mãos em minhas costas. A ponta do seu nariz tocou meu
pescoço com delicadeza e percorreu um caminho subindo para trás da
minha orelha, onde ele depositou um beijo suave deixando-me arrepiada.
— Seu cheiro é viciante. É difícil dormir sem senti-lo.
Relaxei em seus braços e soltei minha respiração lentamente pela
boca fechando os olhos. Seus lábios percorreram o caminho de volta
descendo por meu pescoço até minha clavícula, esfregando-os levemente
fazendo-me uma carícia antes de deixar mais um beijo e se afastar um
pouco em seguida. Abri meus olhos e encontrei os seus observando-me
atentos.
— Faça-me sua! — sussurrei levemente ofegante.
— Você já é minha! Mas lhe lembrarei o quanto me pertence esta
noite.
Seu rosto se aproximou do meu e nossos lábios se encontraram em
um beijo ardente e apaixonado, nos enchendo de tesão, pouco a pouco. Ele
se levantou rápido comigo em seu colo e me colocou sentada sobre a mesa
deitando-me para trás na madeira mogno. Seus dedos puxaram as alças do
meu vestido para baixo expondo meus seios e, em seguida, sua boca se
encheu deles chupando-os com fome e desejo.
— Victor... — chamei-o em um gemido baixo agarrando seus
cabelos, sentindo a umidade brotar em minha intimidade.
Lacei sua cintura com minhas pernas e tentei esfregar-me nele em
busca de mais prazer, mas Victor se afastou e encarou-me com um olhar
repleto de luxúria. Suas mãos percorreram minhas coxas acima subindo
meu vestido e expondo uma pequena surpresa para ele.
— Sem calcinha? — perguntou maravilhado e depois sorriu
diabolicamente sexy. — Que garotinha maliciosa eu tenho.
Sorri.
Victor sentou-se novamente na cadeira puxando-a para mais perto
da mesa e pegou minhas pernas passando-as por cima dos seus ombros e
jogando para as costas. Estremeci de ansiedade pelo que viria a seguir. Ele
distribuiu beijos e leves mordidas na parte interna da minha coxa subindo
até minha boceta excitada por ele. Sua barba um pouco cheia roçava em
minha pele sensível na virilha provocando-me uma sensação gostosa.
Primeiro, sua língua percorreu entre meus lábios vaginais como se
estivesse abrindo caminho. Em seguida, ele sugou meu clitóris como se
beijasse minha intimidade de língua. Gemi alto e agarrei as bordas da mesa
implorando mentalmente por mais, muito mais. Sua língua desceu até
minha entrada e a circulou antes de penetrar-me com ela. Gemi outra vez
quase em um grito e chamei por ele apertando com ainda mais força a
madeira.
Victor se esbaldou entre minhas pernas, chupando e sugando-me
sem piedade ou acanho. Suas grandes mãos arrochavam minhas coxas,
deixando sem dúvidas marcas vermelhas que demorariam a sumir. Foram-
se longos minutos de prazer até que eu me desmanchei sem sua permissão.
Gozei louca e afobada, arqueando minhas costas e implorando para ser
fodida.
— É o que quer? — perguntou levantando-se e limpando o queixo
melado com o dorso da sua mão e passando a língua pelos lábios. — Então
darei a você!
Abriu sua calça e a puxou para baixo junto com sua cueca. Sua
glande inchada pressionou meu clitóris e desceu vagarosamente em busca
da minha abertura para penetrar-me lentamente. Debruçado sobre mim, ele
investiu estocadas em um ritmo não tão lento e constante.
— Me beija... — implorei cheia de manha e tesão.
Sua boca beijou a minha de um jeito meio agressivo, enquanto suas
mãos seguravam firmes meus punhos acima da cabeça.
— Foda-me com mais força... Por favor! — pedi ao interromper
nosso beijo.
Victor sorriu e ergueu seu tronco outra vez abrindo mais minhas
pernas. Gradativamente seu quadril começou a se chocar com mais rapidez
contra o meu, levando seu membro rígido mais fundo em mim. Delirei de
prazer e gozei em sua carne quente e pulsante. Sem perder tempo, Victor
virou-me de bruços e me fodeu outra vez agarrando com força minha
cintura. Senti seu pau estremecer com mais intensidade e ouvi seus gemidos
ficarem mais altos, anunciando que seu orgasmo estava próximo.
— De joelhos! — mandou saindo de dentro de mim e afastando-se.
— Sim, Senhor.
Ajoelhei-me à sua frente e ele agarrou meu pescoço, não tão forte,
levando minha cabeça para trás. Abri minha boca sem esperar por mais uma
ordem e esperei que se libertasse. Victor se masturbou gemendo baixo e
olhando-me nos olhos, até que por fim gozou em minha boca. Seus olhos
verdes-acinzentados estavam tão claros, que mais pareciam prateados.
Admirei a visão que tinha ali de baixo, enquanto recebia tudo com amor e
tesão.
No chuveiro, repetimos de novo a dose de sexo quente. No quarto,
fizemos de um jeito mais lento e apaixonado, trocando beijos, carícias e
frases de amor.
— Não posso... não quero... não consigo ficar sem você! —
declarei-me enquanto ainda transávamos.
Ele acariciou meu rosto e continuou com seus movimentos lentos e,
então, beijou-me com amor.
Satisfeitos, adormeci nua e suada em seu peitoral, vencida pelo
cansaço de horas de sexo bom e gostoso.

Na manhã seguinte, acordei revigorada e com ele ainda adormecido


ao meu lado. Velei seu sono e contemplei sua beleza madura. Toda vez que
pensava ser impossível amá-lo mais, eu me assustava ao perceber o quanto
estava enganada. Durante nosso café da manhã, eu recebi uma mensagem
da Grace avisando-me de que estava bem e agradecendo pela milésima vez
o segurança designado para fazer sua guarda. Ela estava mesmo vivendo
arredia com medo, mas agora poderia viver em segurança, porque em paz
somente quando Higor fosse preso.
Sempre que falava com ela pensava na Penny e nos momentos de
terror que ela também devia estar vivendo em Dallas. Desejava tanto poder
vê-la, conversar com ela, pedir desculpas por ignorá-la e, enfim, entender
melhor tudo o que aconteceu e que estava havendo, mas como poderia fazer
isso, nós ainda não sabíamos. Eu já havia pensado em tudo, até mesmo em
ir para lá escondida do Victor e arriscar entrar em contato.
— Ah, meu Deus! Por que não pensei nisso antes? — perguntei
baixinho para mim mesma, sentada à mesa do café.
— Pensado em quê? — perguntou Victor curioso.
— Acho que tive uma ideia.
— Ideia? Do que está falando, Maya? — interrogou-me um pouco
confuso.
— Uma ideia de como ver a Penny.
Victor respirou fundo e encarou-me sério.
— Não! Seja lá o que for, esqueça! Já disse que estou vendo o que
posso fazer para ajudá-la sem atrair mais problemas para nós ou para ela.
— Por favor, Victor, me ouça. Não sabe nem mesmo o que eu ia
dizer.
— E nem quero saber, Maya.
— Contrate um programa com ela.
— Como é? Ficou louca? — perguntou alterado.
— Não, e estou dizendo para apenas contratar um programa e não
para realizá-lo, fique calmo. Voyeurismo não é a minha praia — falei com
humor. — Deixo você escolher o local que achar mais seguro e adequado
para nós nos encontrarmos.
Victor encarou-me com olhos estreitos.
— Quem sabe se falarmos com ela, isso possa nos ajudar a saber
como tirá-la de lá. Eu preciso vê-la, Victor. Preciso saber como ela está e
entender o que houve para que acabasse nessa enrascada! — continuei a
dizer ignorando sua feição nada agradável. — Por favor, amor! — implorei
segurando sua mão sobre a mesa.
Ele continuou a me encarar, dando a entender com sua expressão
que avaliava meu pedido.
— Okay.
— Isso! Obrigada! — festejei empolgada sentando em seu colo e
abracei-o.
— Porém... — Olhei-o — saiba desde já que terá condições para
esse encontro e um preço a ser pago por você.
— Tudo bem! Certo. Farei o que mandar.
— Acordos são acordos, Maya. Não vá quebrá-lo ou me desapontar
com falsa promessa. Lembre-se de que está diante de um homem de
negócios.
Sorri.
— Não vou desapontá-lo, amor. Eu prometo!
Depois do desjejum começamos a nos preparar para partir com
destino a Dallas e no final da tarde embarcamos. Victor mandou que um de
seus homens intermediasse a negociação por três horas de programa com
Penny, a fim de preservar sua identidade. O valor cobrado foi um tanto
absurdo e abusivo, por motivo das condições exigidas por Victor, mas no
fim tudo estava indo como planejado. Durante o voo com duração de pouco
mais de uma hora, ele se sentou à minha frente e trabalhou todo o tempo em
seu laptop. Eu tentei ler um livro, mas foi impossível, não conseguia me
concentrar ou interagir com a ação dos personagens, devido a minha insana
ansiedade. Só pensava em como seria encontrá-la depois de meses.
— Está apreensiva? — perguntou Victor sem tirar os olhos da tela.
— Um pouco. Acha que algo pode dar errado com o encontro de
amanhã à noite?
— Tudo está sujeito a dar errado, mas não há nada que o dinheiro
não dê um jeito, querida.
E ele tinha razão. A humanidade é movida pela grana e a índole de
alguns estará sempre aberta a negociações. Quando finalmente chegamos,
fomos direto para a cobertura em um prédio de luxo no centro da cidade.
Ao entrar, percebi de imediato que o imóvel pertencia a Victor. Tudo ali era
tão ele. Exalava o magnata clássico que era.
— Já morou aqui? — perguntei parando no centro da sala de estar.
— Não, mas venho sempre a negócios e fico aqui. Nosso quarto é
no fim do corredor à esquerda. Tome um banho e vá dormir. Não espere por
mim — disse ele indo em direção ao pequeno bar no canto do vasto
cômodo.
— Por quê? — questionei-o com receio de que ele estivesse
zangado pelo que estávamos prestes a fazer, o que claramente ele era
contra, mas fazia por mim.
— Tenho que resolver algumas coisas de trabalho, para que
possamos fazer uma viagem mais tranquila a Las Vegas.
— É só isso? — Caminhei até ele e o abracei pela cintura.
— Sim — respondeu acariciando meu rosto com os nós dos dedos.
— Okay. Eu te amo, Victor. E agradeço muito o que está fazendo
por mim.
— Não agradeça ainda. Isso terá um preço, não se esqueça — falou
e deu-me uma piscada antes de dar mais um gole em seu conhaque.
— Estou curiosa para saber o quanto isso irá me custar.
— Descobrirá em breve. Agora vá descansar, está tarde.
— Sim, Senhor.
Beijei-o em despedida e desejei boa-noite, antes de ir para o quarto.
Perto do closet estavam nossas malas e sobre os pés da cama, um robe de
seda rosa-claro. Antes do banho, resolvi desfazer as malas retirando apenas
algumas coisas necessárias que usaríamos nas próximas horas, afinal,
embarcaríamos em dois dias para Las Vegas. No banheiro enrolei um
pouquinho mais na banheira com a esperança de que Victor aparecesse, mas
ele não veio. Devia mesmo estar concentrado no trabalho. De dedos
enrugados e sentindo a água já quase fria, saí e fui me deitar. Não demorou
muito para que pegasse no sono pesado. Acordei com beijos em minha
panturrilha, que subiram por minhas costas até minha nuca, deixando uma
leve mordida em meu ombro. Remexi-me preguiçosamente deitada de
bruços e suspirei fundo ainda de olhos fechados, sentindo um cheiro
másculo que sempre abalava minhas emoções.
— Bom dia, querida — sussurrou em meu ouvido.
— Bom dia — resmunguei com a voz rouca de sono.
— Levante. Vamos tomar café da manhã e depois você virá comigo
para um dia de trabalho.
— Está bem.
Virei-me de barriga para cima a tempo de vê-lo deixar o quarto.
Depois do banho, entrei no closet e procurei por uma roupa que fosse
apropriada para acompanhá-lo em seu trabalho, mas o que encontrei foram
apenas dificuldades em achar algo adequado. Minhas roupas não eram nada
sociais, meu guarda-roupa se resumia em camisetas de séries e personagens
de TV, algumas blusinhas decotadas, casacos para a temperatura amena do
inverno no Texas, e jeans rasgados.
— Ainda não está pronta? — perguntou Victor ao entrar no closet.
— Por que quer que eu vá com você ao trabalho? — questionei-o
me virando para ele.
— Porque sim, Maya. Qual é o problema de me acompanhar?
— Não sei se já notou, mas eu não sou nem um pouco clássica ou
social. Eu não trouxe roupas apropriadas para desfilar por aí com um
homem importante. Não dá para acompanhá-lo usando jeans e casaquinho.
— E daí? Eu gosto do seu estilo e acho suas roupas apropriadas para
a sua idade.
— Não quero acompanhar você sem estar vestida adequadamente,
enquanto está tão perfeito nesse terno italiano de três peças.
— Okay, então... vista qualquer coisa e venha fazer seu desjejum.
Antes de irmos para a empresa, passaremos em um lugar especial e vamos
comprar um vestido para você. Tudo bem agora? — perguntou
aproximando-se.
— Está — respondi abraçando-o pelo pescoço. — Talvez esteja na
hora de eu começar a mudar um pouco mais meu guarda-roupa e meu
estilo.
— Não quero que mude por mim, Maya. Se tiver que fazer isso,
faça por você e para se sentir melhor e não porque se sinta obrigada a
mudar algo em seu guarda-roupa por causa do que visto. Amo você assim...
do jeitinho que é. Mas se hoje o que quer é um vestido social para me
acompanhar ao trabalho, tudo bem! Iremos comprar quantos quiser — falou
com delicadeza.
— Deus... — murmurei baixinho derretendo-me de amor segurando
seu rosto entre minhas mãos. — Você é maravilhoso! Tinha que ser um
homem tão incrível, assim? — Victor gargalhou e apertou-me mais em seus
braços.
— Você também é maravilhosa! Mas agora seja rápida e se vista! —
mandou com um tom mais baixo e autoritário.
Ele beijou minha testa com carinho e deixou o closet. Vesti-me e
tomei meu café da manhã apressada, enquanto ele falava ao telefone em
espanhol na sala de estar. Quantos idiomas esse homem fala?
— Estou pronta — avisei-o baixo pegando minha bolsa sobre o
sofá.
Noberto nos levou até uma loja, que só de olhar para sua fachada de
vidro espelhado e o nome reluzente feito em letras grandes e desenhadas, já
imaginei que nada ali devia custar menos de mil dólares. Victor desceu
primeiro e entramos de mãos dadas na loja. Dentro, tudo era ainda mais
fantástico e inspirava ao luxo. Naquele momento tive mais certeza ainda de
que as roupas custavam uma enorme fortuna, que só nos meus sonhos eu
poderia pagar.
— Senhor White! Bem-vindo de volta a Le Blanc — disse um
homem sorridente, vindo até nós. Ele parecia como um daqueles estilistas
que se vê em programas de moda na TV. Ele usava um terno de três peças
em um tom verde-oliva com lapela preta, camisa branca e gravata borboleta
lilás. As calças eram um pouco curta no comprimento exibindo seus
tornozelos e os sapatos Oxford pretos envernizados.
— Ricco... Como vai? — cumprimentou Victor educadamente
estendendo sua mão para o homem.
— Estou ótimo, senhor. Em que posso ajudá-los?
— Esta é Maya, minha namorada. Ache algo rápido, mas que a
agrade, para que ela possa me acompanhar em uma manhã de negócios.
— Seu pedido é uma ordem! Venha, senhorita. Vamos achar algo
perfeito para você! — disse ele oferecendo-me seu braço para acompanhá-
lo.
Olhei para Victor e ele assentiu com um pequeno gesto da cabeça
para que eu acompanhasse Ricco. Passei meu braço no seu e ele nos levou
até uma outra parte mais ao fundo da loja. Ricco me fez algumas perguntas
como: sobre o que eu gostaria de usar, opção de cor e minhas numerações
do quadril, busto e cintura. Com as informações necessárias, ele caminhou
até a parede de espelhos, onde havia vestidos diversos pendurados, e
escolheu quatro modelos de cores diferentes. Eu experimentei todos os
vestidos e todos ficaram perfeitos. Mas eu estava à procura de algo que
combinasse com o que Victor vestia. Ele estava simplesmente de “matar”
com um terno de três peças modelo Window pane cinza-chumbo, camisa
branca, gravata lisa de tom marsala e sapatos pretos de camurça.
— Então, querida? Algum deles? — perguntou Ricco quando saí do
provador com o quarto modelo.
— Eu não sei — respondi-o encarando minha imagem no espelho de
corpo inteiro.
Pelo reflexo avistei em um manequim um belo vestido da mesma
cor que a gravata que Victor usava, com decote quadrado, justo ao corpo
com comprimento até os joelhos e sem mangas.
— E aquele? — perguntei e fui em sua direção.
— Gostou desse? Ele é bem clássico e tem uma pequena fenda de
uns trinta centímetros na parte posterior da coxa, que dá um belo toque de
sensualidade.
— Vou provar.
— Okay.
Ele pegou outro vestido do mesmo modelo no cabideiro e entregou-
me. Entrei no provador e o vesti tento a certeza de aquele era o vestido
perfeito. Ricco bateu na porta chamando-me e quando saí, ele me entregou
um par de scarpin Louboutin preto envernizados. Parei novamente diante
do espelho e admirei o conjunto completo de sapato e vestido, e
simplesmente havia ficado esplêndido.
— O que achou? — perguntei sua opinião.
— Incrivelmente linda! — respondeu Victor em seu lugar, parando
atrás de mim.
— Você gostou?
— Adorei. Mas acho que merece algo a mais nesse colo tão belo
emoldurado por este decote. — Sorriu e passou por meu pescoço um colar
de ouro branco com contas de pérolas dispersas pela corrente.
— É lindo! — disse baixo e impressionada.
Além de lindo era delicado e dava um toque especial em todo meu
visual clássico e sensual.
— Já podemos ir? — perguntou baixo apoiando suas mãos
suavemente em meus ombros.
— Podemos sim! — respondi segura de que agora estava à sua
altura.
Enquanto caminhava para a saída, Victor parou para assinar algo no
balcão. Parei perto da porta esperando por ele e algo à minha esquerda na
parede chamou-me a atenção. Era um quadro de moldura metálica com uma
foto em preto e branco. Na imagem estava Victor entre duas mulheres. A
primeira mulher eu reconheci de imediato como sua irmã, Margot. A
segunda, eu desconhecia. Ela era jovem, magra, alta, de postura esbelta,
cabelos anelados na altura dos ombros, realmente uma mulher muito bonita.
Victor, assim como sua irmã estavam mais novos do que agora, a foto havia
sido registrada em dezessete de abril de mil novecentos e noventa e três,
segundo a data na descrição abaixo da imagem. No mesmo lugar também,
abaixo da data, havia os nomes Margot White, Victor White e Madalene B.
White. Eu me recordava daquele último nome.
— Esta foto foi tirada na inauguração desta loja — disse Ricco atrás
de mim.
— Victor é o dono desta loja? — perguntei-o sem tirar meus olhos
da mulher “desconhecida” ao seu lado no quadro.
— Sim, mas a majoritária do negócio é Margot, sua irmã.
— Quem é ela? — Fiz a pergunta incapaz de conter minha
curiosidade, apontando para a mulher que eu já imaginava saber quem era.
— Foi minha primeira esposa — respondeu Victor parando ao meu
lado e apoiando sua mão na base da minha coluna.
— Ela era linda — disse observando seu sorriso tão vivo naquele
registro.
— Era sim.
Olhei para ele e o vi encarar a foto com o cenho franzido, mas seu
olhar me parecia um pouco triste e distante, saudoso talvez. Acho que
naquele instante estava se recordando dos bons momentos ao lado da
mulher que amou antes de mim. Aquela com quem ele planejou envelhecer
e ter filhos.
— Vocês formavam um belo par — disse para trazer sua atenção de
volta para mim.
Ele olhou-me e curvou seus lábios em um sorriso meigo.
— Nós dois também formamos um belo e atraente par, não
concorda?
— Concordo! — falei com convicção, fazendo-o abrir mais seu
sorriso. — Podemos ir?
— Devemos! Senão me atrasarei.
Nós nos despedimos do Ricco e entramos no carro. A caminho do
seu escritório, Victor me contou um pouco sobre os negócios que tem com
sua irmã no ramo de importação de tecidos e da moda.
— Ela se formou em Paris. Desde pequena gostava de roubar as
cortinas da minha mãe e fazer vestidos para as suas bonecas. Aos quinze,
meu pai deu a ela uma sua primeira máquina de costura, seus gritos de
alegria foram insuportáveis. — Sorriu.
— Quando vou conhecê-la?
— Em breve, eu espero. Margot é uma mulher incrível, às vezes
meio chata, mas eu a amo.
— A loja que visitamos foi a primeira unidade da Le Blanc?
— Sim. Em seguida inauguramos uma unidade em Houston e depois
fomos para cidades maiores como: Nova Iorque, Miami, Albuquerque, San
Francisco, Seattle, entre outras. Hoje temos cento e três lojas somente aqui
e outras mil em outros países.
— Uau! — disse impressionada. — E de quem foi a ideia do nome?
— Ah... Essa ideia surgiu de Madalene. Ela era sócia e estilista.
Como era francesa, teve a genialidade de traduzir meu sobrenome.
— Houve tempo para que ela pudesse ver o desenvolvimento do seu
trabalho?
— Infelizmente não. Ela sofreu o acidente antes que pudéssemos
inaugurar a quarta loja em San Francisco.
Segurei sua mão apertando-a com leveza.
— Sei que você não é um homem de falar muito sobre o passado e
de si mesmo, mas... se quiser falar sobre isso, eu estarei aqui para ouvi-lo.
Entendo o quanto ela foi importante para você e quanto se amaram.
— Eu agradeço, mas... meu primeiro casamento, apesar de ser uma
parte dolorosa da minha vida, é algo bem resolvido. — Sorriu. — Gostei da
sua atitude madura, dou valor a isso.
— Me dê um beijo, Sr. White — pedi.
— Quantos quiser.
Então, ele beijou-me.
CAPÍTULO 29

Ao chegarmos à empresa, muitos vieram até nós e nos


cumprimentaram. Victor me apresentou a todos eles, intitulando-me de
modo orgulhoso como sua namorada. Nós fomos para seu escritório e ele
pediu-me para ficar à vontade enquanto estivesse em reunião. Não se tinha
muito a fazer ali dentro, então eu me sentei em sua cadeira e comecei a
pesquisar no computador por universidades no estado de Oklahoma, onde
eu pudesse voltar a estudar depois do verão e que ficasse perto de casa.
Fiquei ali perambulando pelos sites de dezenas de universidades por um
bom tempo, que nem vi as horas passarem. A porta foi aberta e Victor
entrou em sua sala.
— Eu demorei? — perguntou vindo até mim.
— Oi. Na verdade, eu nem vi o tempo passar — respondi fechando
as abas de navegação e levantando-me da sua cadeira.
— O que fazia no computador que te distraiu por quase três horas?
— perguntou curioso vindo até mim.
— Nada. Só olhando coisas aleatórias pela internet. Como foi sua
reunião?
Preferi não falar nada sobre a faculdade por ora. Sei que ele iria
querer que eu voltasse a estudar em algum campus no Texas e de
preferência em Houston ou outra cidade mais próxima, mas não era o que
eu queria e isso teria de ser bem conversado com ele em outro momento.
— Cansativa, mas cumpriu com a obrigação. Quer ir almoçar? Já é
meio-dia — falou olhando as horas em seu Rolex de ouro amarelo no punho
esquerdo.
— Okay, vamos lá.
Almoçamos em um restaurante não muito longe dali e voltamos
para a empresa andando, escoltados por dois dos seus seguranças. Sua
próxima reunião seria em duas horas e eu o acompanharia. Até dar a hora
de irmos, nós namoramos um pouquinho no sofá da pequena sala do vasto
escritório e conversamos sobre eu ficar em Tulsa por mais um tempo com
minha família. A reunião que estava marcada para as três da tarde, era a
respeito do evento em Las Vegas, no qual Victor me convidou para ser a
modelo a posar com as joias. Por isso ele exigiu minha presença, queria me
apresentar como o novo rosto propaganda da Crystal Lux ao conselho.
— Victor, ainda temos detalhes para acertar até o grande evento
como: Qual será a joia de abertura no desfile ou qual a ideia de exposição
para a peça central? Ela tem que chamar a atenção entre as outras, precisa
estar bem exposta — disse uma mulher.
— Também temos a questão de sequer ainda termos decidido qual
nome batizar a nova coleção das joias. Isso é um grande problema para um
evento que está tão perto. Temos que mandar fazer os banners — falou um
homem que parecia estar um pouco estressado com a proximidade do
evento.
— Eu e Emma cuidaremos desses últimos detalhes, não se
preocupem — falou Victor em um tom autoritário. — O que tiver de
resolver, será resolvido e depois passado a vocês. E lembrem-se, ela é o
meu porta-voz e filtro de problemas futuros, então tudo que acontecer de
bom ou errado, a procurem. Eu realmente espero muito só falar com vocês
no dia do evento, a não ser que o local pegue fogo ou que alguém morra,
neste caso vocês estão permitidos me contatarem diretamente! — Ele foi
duro, porém, no limite da educação.
O Victor que estava ao meu lado era um homem que eu ainda não
conhecia. Ele era centrado, direto e rude, às vezes, de um jeito que dava um
pouquinho de medo. Mas notei que todos ali já estavam familiarizados com
essa personalidade e temiam com respeito. Olhando-o sentado à cabeceira
da mesa, sorri disfarçadamente. Ninguém sentado naquela reunião jamais
conheceria o homem romântico, sexy, dominante e que fodia bem para
caralho. Essa personalidade, apenas eu a tinha!
Depois da reunião que acabou um pouco antes das seis da tarde, nós
voltamos para a cobertura. Victor e eu mal esperamos a porta do elevador se
fechar e nos agarramos ali mesmo entrando no apartamento arrancando a
roupa um do outro. O calor que exalava de nossos corpos estava tanto, que
transamos ali mesmo no chão da sala de estar sobre o raro tapete persa de
dez mil dólares.
— Acho melhor irmos para o banho. O encontro com a Penny está
marcado para as nove. Já quero que estejamos lá, quando ela chegar —
disse ele apalpando meu seio nu.
— Então é melhor nos apressarmos, só falta uma hora e meia —
falei olhando as horas no celular que estava ao meu lado no chão. — Banho
juntos ou separados?
— Melhor separados. Senão vou foder você de novo.
— Como podemos gostar tanto de sexo? — perguntei rindo.
— A questão não é gostar tanto de sexo apenas, mas sim gostar
muito de fazer sexo com você! A química, o tesão, a paixão, o amor... esse
entrelace que temos é surreal. Eu simplesmente adoro e sou viciado!
Quando estou dentro de você, é como se sentisse uma ligação densa e
repleta de desejo. Não sei explicar.
— Tudo bem, eu entendo porque sinto exatamente a mesma coisa.
— Beijei-o.
— Agora vai para o seu banho.
— Está bem. — Selei seus lábios e levantei-me indo para o quarto.
Depois de nos vestir casualmente, fomos para o hotel reservado para
o encontro. Chegamos quinze minutos adiantados e a espera foi agonizante.
Victor se sentou em uma poltrona e colocou a garrafa do uísque que bebia
sobre o aparador ao lado. Eu andava de um lado para o outro, pensando em
como seria nossa conversa e por onde começar.
— Você vai furar o chão se continuar andando desse jeito — falou
Victor humorado.
Uma leve batida soou do outro lado da porta e meu coração disparou
quase saindo pela boca.
— Ela chegou — disse muito apreensiva.
Junto a nós na suíte havia três seguranças. Victor mandou que um
deles abrisse a porta e levantou-se vindo até mim, ficando de pé ao meu
lado.
— Entre, por favor — pediu o segurança, dando passagem para ela.
O barulho dos seus saltos ecoou pelo quarto ao passar pela porta e,
então, eu a vi. Penny parou assustada ao me ver e empalideceu
instantaneamente encarando-me com olhos arregalados.
— Maya? — falou baixo como se não cresse no que via, colocando
a mão sobre o coração.
Seus olhos desviaram de mim para Victor e engoliu em seco,
ficando ainda mais tensa.
— Oi. — Foi tudo o que consegui dizer.
— Meu Deus! — murmurou colocando as mãos na boca. — Maya...
— chamou-me, mais uma vez, e correu de encontro a mim abraçando-me.
Retribuí seu abraço e segurei meu choro com grande esforço.
— Como você está? — perguntei ainda abraçada a ela.
— Como eu estou não importa. Quero saber de você! — Soltou-me
e se afastou.
Pelo seu rosto escorria lágrimas sem parar, borrando sua
maquiagem.
— Eu estou mais do que bem agora. — Fui sincera e olhei para
Victor, que me deu um pequeno sorriso.
— Que bom. Eu fico muito feliz em saber que está tudo bem. —
Sorriu e secou suas lágrimas, fungando. — Perdoe-me, Maya. Por favor...
Perdoe-me por tudo o que fiz a você. Eu sei que fui uma filha da puta, mas
é que o medo me apavorou e agi com estupidez.
— Eu te perdoo, Penny — falei de coração. — Mas quero ouvir
tudo o que você tem para me dizer. Quero que me conte tudo sobre a festa,
Eliza e de como você foi parar nessa enrascada.
— Eu conto. Conto tudo o que quiser saber.
Nós nos sentamos e Victor entregou a ela uma caixa de lenços antes
de voltar a se sentar na poltrona onde estava anteriormente. Ela o agradeceu
e, então, começou a falar do princípio, quando a entrega de drogas foi
roubada e ela recebeu a primeira carta. Tudo o que ela me contou fez com
que a história que ouvi do Victor se confirmasse em cada detalhe, não que
eu duvidasse dela, jamais suspeitei de suas palavras! Depois, ela contou
sobre a armação da festa e sobre o seu pavor na manhã seguinte quando
acordou e descobriu que também tinha sido drogada e, ao contrário de mim,
seu estupro foi muito real. Meu coração doeu por ela. Penny disse ter
suspeitado de várias prováveis pessoas que poderiam ter um interesse de
vingança em mim, para ter feito isso conosco usando ela. Primeiro ela
suspeitou do Mark e seu orgulho ferido. Em seguida desconfiou do Higor e
sua obsessão maluca. E por último, cogitou Eliza e antes dela até mesmo a
Violet entrou nessa lista. Ela disse que chegou até a imaginar ser alguma
ex-submissa maluca do Victor, que poderia estar tentando contra mim, mas
quando tentava investigar o caso por conta, para descobrir algo para virar o
jogo, encontrava um grande nada e o jeito era ceder às chantagens para não
morrer.
Victor não se intrometeu nem uma vez na conversa. Ele apenas
ficou sentado e quieto bebendo em completo silêncio enquanto Penny
continuava a contar sobre tudo o que aconteceu a ela depois que fugi do
Texas para Chicago. Ela me contou que o homem para quem estava
traficando era o mesmo para quem estava se prostituindo. Ela explicou que
entrou nesse grande problema, porque no pacote onde estavam os pinos de
cocaína que foram “roubados” por Eliza, estavam faltando quatro e ela não
havia se dado conta disso antes de devolvê-lo ao traficante. Então, ele
cobrou dela um valor estupidamente abusivo pelos quatro pinos de droga,
um valor que Penny não poderia pagar e não tinha de onde tirar. Então, ele a
agrediu fisicamente e mandou que ela escolhesse entre sua vida ou trabalhar
para ele até que quitasse sua dívida, mas o problema no momento era que
essa maldita dívida nunca parava de crescer.
— Você não tem noção do meu medo — falou em meio ao choro. —
Ele me deu uma enorme surra que demorei quase duas semanas para me
recuperar. Eu não sabia o que iria me acontecer se eu não fosse trabalhar
para ele, temia que dissesse a verdade sobre me matar, então... eu aceitei.
Foi quando fui atrás do Victor e contei a ele toda a verdade e pedi que lhe
encontrasse, já que eu não conseguiria fazer isso.
— Por isso estava tão machucada quando foi me ver? — perguntou
ele, nos interrompendo pela primeira vez em quarenta minutos de conversa.
— Sim. Depois que saí da sua casa aquele dia, Marcel, o traficante,
me fez uma visita — falou fazendo aspas com os dedos. — Ele me pegou
de surpresa quando estava chegando em casa e me jogou dentro de um carro
me levando para um local afastado... — Seus olhos não paravam de
debulhar lágrimas grossas e pesadas. — Ele estava pronto para me matar e
eu implorei pela minha vida dizendo que aceitava trabalhar para ele até que
eu não o devesse mais nem um centavo.
— Mas você nunca vai parar de devê-lo, sabe disso, não é? —
perguntou Victor a ela, aproximando-se.
— Eu sei. Eu já sabia disse quando implorei pela minha vida e me
sujeitei ser mais umas das suas escravas. Eu moro em uma casa junto a
outras dezoito meninas. Algumas nem são americanas, vieram para cá com
propostas falsas de trabalho, deixando filhos e a família para trás. Ele as
colocou em uniformes de empregadas domésticas e as forçou tirar fotos ao
lado de uma árvore de Natal para enviar a família em algumas semanas.
— Que horror... — murmurei. — Nenhuma delas nunca tentou pedir
ajuda ou fugir?
— Marcel tem subordinados em todo canto da cidade, até dentro da
polícia. Se elas tentarem fugir, serão pegas antes que saiam da cidade. Além
de que ele também as mantém sob ameaças de que matará suas famílias e
confisca seus documentos.
— Meu Deus! — murmurei ainda mais horrorizada.
— Eu tranquei a faculdade, entreguei o quarto que nos pertencia e
fui com ele. Sempre quando é dia de pagamento, ele nos dá merreca e diz
que o restante é para pagar o teto em que moramos e o que comemos, além
de todas as roupas, sapatos e maquiagem que usamos para os programas.
— Você não pode continuar vivendo desse jeito. O que podemos
fazer para ajudá-la? Para te tirar daquele lugar e das garras desse monstro?
— Nada! Não há nada que você possa fazer. Se tentar me tirar dele,
você estará se pondo em risco. Só sairei de lá o dia em que ele achar que
não sirvo mais para ser sua escrava.
— Eu não acredito nisso. Não acredito que não há nada que
possamos fazer! — disse angustiada. — Ele gosta de dinheiro, não é? Vai
ver, sua liberdade tenha um preço.
— Ele nunca me deixará em paz, Maya. Marcel é como um gato e
eu sou seu rato. Ele pode até deixar eu ir, mas só para ter o prazer de me
caçar e aterrorizar de novo. Não há dinheiro que pague minha liberdade.
— Maya está certa. Talvez você tenha um preço. Todo produto tem
um preço — falou Victor atraindo nossa atenção para ele. — E você para
Marcel é como um brinquedo sexual. Quem sabe, você já esteja à venda e
nem sabe.
— Ele não faria isso. Sou uma das que mais dá lucro a ele.
— Sou um grande negociante, Penny. Não me subestime. Se tem
algo que aprendi há muito tempo, é que tudo tem seu valor e momento de
compra. Negociar você será como negociar uma casa no mercado
imobiliário em alta. Eu só preciso não ir com muita sede ao pote e esperar a
temporada de baixa, esse será o momento em que ele estará desacreditado
de você e quando se for, vai esquecer sua existência.
— Victor tem mais do que razão. Marcel precisa achar que você não
renderá mais lucros, então colocará você à venda. Ele não irá deixar que
você simplesmente vá, pode imaginar que talvez queira abrir o bico. Se ele
achar que você foi vendida para servir como escrava sexual de alguém, se
esquecerá de você para sempre.
— Mas se ele me colocar à venda, um monte de homens vai
aparecer. Como vamos saber se Victor irá conseguir me comprar?
— Já disse para não me subestimar. O jogo de compra e venda
funciona da seguinte maneira. Darei um jeito de demonstrar interesse em
você antes de ser colocada à venda. Só que, é claro, ele vai me pedir muito
dinheiro e irei recusar. Quando ele decidir que você não serve mais para ele,
irá me procurar para negociar você por um preço que irá julgar justo. E aí
nós fechamos o acordo. Se houver um contratempo e mais homens entrarem
na jogada, ele vai fazer um leilão de você e quem der mais, leva. Viu só? É
assim que funciona o mercado financeiro em muitos aspectos.
Olhei-o surpresa com seu plano.
— E como vou fazer para cair na crise e ser desvalorizada? —
perguntou com um tom de humor negro.
— Garotas novas devem surgir a todo instante nesse lugar. Existe
competitividade entre vocês, não existe? — perguntou Victor.
— É... Às vezes aparece alguma louca querendo se mostrar melhor
que a outra, achando que irá ganhar um pouco mais de moral com ele.
— Então deixe que uma delas seja melhor que você. Faça um
péssimo serviço. Assim começará a ter menos procura e ficará
desvalorizada. Sem ofensas, é claro! — explicou ele.
— Não ofendeu. — Ela sorriu para ele e depois para mim,
segurando minha mão.
— Então é isso... Vamos manter contato através dos programas
contratados, será mais seguro assim — disse Victor.
— Por mim, tudo bem. Ele confiscou meu celular.
— Está com fome? Victor pediu o jantar.
— Estou sim. Não como nada decente há muito tempo.
Depois do jantar, Victor nos deu um pouco de privacidade indo para
o quarto e nos deixando na sala. Nós conversamos um pouco mais e contei
a ela sobre Chicago, Allan, minha volta com Victor, o estado de saúde da
minha mãe e também desabafei sobre a situação entre mim e meu pai.
Nossa... como aquela hora de conversa foi boa! Parecia que eu estava
tirando um enorme peso de dentro de mim. Estava mesmo precisando falar
sobre isso com uma amiga, mas uma amiga que soubesse do princípio dos
meus problemas e bom... Penny, depois de Clarice, era a única que tinha
conhecimento de tudo o que houve comigo.
Quando a hora dela partir chegou, despedi-me com uma enorme
tristeza em saber que ela estava voltando para aquele lugar horrível. Eu
temia que algo ruim lhe acontecesse, Penny não estaria segura enquanto
estivesse nas garras daquele homem.
— Não fique triste. Ela saberá se cuidar e nós iremos conseguir
ajudá-la, tenha fé em mim — pediu Victor abraçando-me.
— Eu tenho, amor. Fé em você e na sua capacidade, é tudo o que eu
mais tenho.
— Vamos voltar para a cobertura e preparar nossas malas.
Partiremos amanhã cedo para Las Vegas.
— Okay.
Nós voltamos para a cobertura e, ao entrar no quarto, havia dezenas
de sacolas sobre a cama, que não estavam ali antes.
— São sacolas da Le Blanc — disse ao notar o emblema branco
estampado nas sacolas prateadas.
— Bem observado — falou com sarcasmo e riu.
Subi na cama e comecei a abrir cada uma delas. Eram vários
vestidos lindos, de diferentes modelos e cores, indo do clássico ao sensual.
Todos eram exatamente do meu tamanho. Além deles também havia
sapatos, sandálias, bolsas, echarpes e joias que combinavam perfeitamente
com cada peça.
— São para você. Monte sua mala para Vegas com algumas das suas
peças e estas daí. As noites por lá costumam ser bem luxuosas.
— Por que está me dando tudo isso?
— Porque você é minha mulher e eu quero mimá-la, só por isso.
Sorri e puxei-o pela mão, para que deitasse sobre mim.
— Obrigada, amor. Eu amei tudo.
— Eu amo ver esse sorriso no seu rosto, minha garota.
— Beije-me — sussurrei e ele fez.

Acordamos às nove da manhã, no dia seguinte, e prontos para seguir


viagem para a cidade do pecado. O voo para Las Vegas foi prazeroso e nem
vimos as duas horas passar, enquanto estávamos trancados na pequena suíte
no final da aeronave. Em terra firme, seguíamos de carro para o hotel que
ele havia reservado para nós. Enquanto Victor se ocupava respondendo e-
mails no celular, eu observava atenta a linda cidade pela janela. Estava tão
maravilhada com Las Vegas quanto estive a primeira vez que pisei na
Disney.
— Depois que almoçarmos, você tem que trabalhar? — perguntei
sem tirar os olhos dos pontos turísticos magníficos que eram deixados para
trás.
— Não. Eu reservei a tarde de hoje para conhecermos a cidade.
Sorri feliz e olhei para ele que ainda digitava no celular sem parar.
— Conhecermos a cidade? Duvido muito que já não conheça Las
Vegas.
— Eu conheço sim. Mas você sempre me mostra tudo com olhos
diferentes, então acho que visitar com você a cidade do pecado será como
vê-la pela primeira vez — falou terminando de responder seu e-mail e
olhou-me guardando o celular no bolso interno do seu blazer.
Abri ainda mais meu sorriso para ele, suas palavras foram tão fofas
e românticas.
— Vou fazer você andar muito, já vou logo avisando.
— Mais do que me fez andar em Seattle? Eu duvido.
— Em Seattle não tem todas as atrações que tem aqui.
— Eu dou conta de cansar você na cama. Acho que também darei
conta de te acompanhar pela cidade. — Sorriu com malícia.
Nós nos hospedamos no Hotel Cassino Bellagio. Nunca vi lugar
mais incrível e luxuoso na vida, simplesmente fiquei maravilhada e
apaixonada pelo lugar. Victor foi recepcionado no hotel como um príncipe e
onde quer que passássemos juntos, atraíamos olhares na certa.
— A atenção que chamamos ainda te incomoda? — perguntou ele
enquanto caminhávamos para o elevador.
— Na verdade, a atenção que atraímos nunca me incomodou. O que
costuma me deixar puta de raiva é o fato do preconceito ainda existir em
pleno século XXI e de ser tão óbvio nos olhares das pessoas, além das
coisas absurdas que, às vezes, ouvimos. Mas... não adianta eu surtar com
essa situação, mentes não serão revolucionadas por isso. Acho que o que
temos que fazer é ignorar e passar por cima de cabeça erguida — respondi-
o e depois olhei para ele, que me sorria orgulhoso da minha resposta.
As portas do elevador se abriram no último andar e saí à sua frente.
Victor veio logo atrás de mim e, de repente, senti um forte tapa estalar em
minha bunda fazendo-me soltar um gritinho de susto, no exato momento em
que uma porta no corredor foi aberta e um casal com a mesma idade que a
sua, saiu de dentro da sua suíte. O homem encarou Victor com repulsa, pelo
que o viu fazer comigo. Eu sorri envergonhada, mas achando graça da
situação. Fomos nos aproximando do casal que caminhava em sentido
oposto ao nosso, quando Victor resolveu fazer mais uma gracinha para
chamar a atenção. Ele me puxou pelo braço virando-me de frente para ele e
em movimentos rápidos, abaixou-se um pouco e me jogou sobre seu ombro,
fazendo com que meu curto vestido lilás se levantasse expondo minha
bunda e muito mais que foi possível.
— Oh, meu Deus! — disse a senhora horrorizada ao passar por nós.
Tirei o cabelo do rosto e olhei para eles, que chegavam ao elevador.
Victor riu baixo e colocou-me de volta no chão quando chegamos à porta do
quarto.
— Você me mata de vergonha fazendo isso! — disse brava e lhe dei
um tapinha no braço.
Ele riu mais alto, abriu a porta e fez um sinal com a mão para que eu
entrasse primeiro.
— Relaxe, amor. É só para que eles saibam de onde virão os
gemidos desesperados que ouvirão nos próximos dias.
— Aquele senhor viu tudo o que é só para você ver — disse um
pouco irritada.
— Tudo bem... Desculpe — pediu com um sorrisinho cínico no
canto dos lábios. — Vou pedir nosso almoço enquanto trazem as malas.
— Tudo bem. Quais são os planos para a noite?
— Jogatina no cassino do hotel. Vou encontrar algumas pessoas e
lhe apresentar a elas.
— Certo.
Enquanto ele estava ao telefone fazendo nosso pedido, as malas
foram entregues e pedi que as colocassem no quarto. Depois do almoço, nós
nos trocamos colocando roupas mais confortáveis e descemos para
conhecer a cidade, sempre com dois seguranças atrás de nós ficando a
alguns metros de distância. Foi uma tarde divertida, onde nos esquecemos
do resto do mundo e focamos somente em nós. Não conseguimos ver todas
as atrações, mas fizemos o passeio de gôndola e andamos pela The Strip.
Em minutos fizemos um giro pelo “mundo” indo de Veneza a Paris ou de
Nova Iorque ao Egito, apenas atravessando a rua ou indo até o final da
avenida.
— Antes de irmos quero levá-la até o Grand Canyon e fazermos um
passeio de balão, o que acha? — perguntou ele enquanto voltávamos para o
hotel, andando abraçados pela calçada.
— Eu vou amar. Mas se não der tempo, tudo bem. Nós poderemos
voltar.
— Podemos sim. É só você me dizer quando e trarei você — disse e
beijou minha cabeça.
De volta à suíte, eu estava sentindo-me muito cansada. Tomamos
um banho juntos e cheio de troca de carinhos. Nos deitamos depois que
sequei meus cabelos para descansarmos um pouco e não demorou muito
para que pegássemos no sono abraçados um ao outro.
CAPÍTULO 30

Às nove e meia, eu estava acabando de me arrumar sentada na


penteadeira no closet. Já havia escolhido a roupa, sandálias, feito a
maquiagem e estava finalizando meu cabelo, deixando-o mais liso possível.
Victor estava na sala bebendo champanhe enquanto esperava por mim,
divinamente bem-vestido em um smoking roxo-escuro de veludo com
lapela e gravata borboleta de seda preta. O vestido que escolhi usar foi um
de seus presentes da Le Blanc. O modelo solto ao corpo, frente única com
alças finas, costas nuas até a base da coluna e um decote generoso que
valorizou bem meus seios. Ele era feito de um tecido leve, molinho e um
pouco áspero devido aos fios de brilho dourado entranhados na trama de cor
creme. O comprimento era um pouco acima do meio das coxas. Calcei um
maravilhoso par de sandálias, assinadas por Giuseppe Zanotti, douradas
com tiras finas; e sobre o dorso do pé havia três belas rosas cravejadas por
minúsculas pedras escuras, que o enfeitavam. Os saltos eram bem altos e
finos, porém, confortáveis.
Pronta, peguei uma clutch preta colocando dentro apenas o batom
que eu usava e meu celular. Ao sair do closet escutei um som abafado de
uma música solo no piano vir da sala. Era uma sinfonia calma e familiar.
Parei perto da porta e prestei melhor atenção nas notas, tentando identificar
que música era aquela, até que consegui recordar: Perfect, de Ed Sheeran.
Saí do quarto e fiquei surpresa ao ver que a melodia não vinha do sistema
de som integrado no teto da suíte e sim direto do piano que era tocado por
Victor, de costas para mim. Aproximei dele a passos lentos e observei-o
com curiosidade e fascínio. Nem mesmo sabia que ele tocava e muito
menos que era tão bom. Ao chegar mais perto, avistei sobre o piano uma
caixa quadrada de couro preto. Ela estava aberta e isso me permitiu ver o
que havia dentro dela. Era a mesma coleira valiosa que usei em uma noite
especial em Seattle. Aquela tão bela cravejada de pedras preciosas e
pérolas.
Encostei-me ao piano e o assisti terminar a música que tocava com
toda sua alma. Ele tirou os olhos das suas mãos e olhou-me com um
pequeno sorriso nos lábios e, então, findou as últimas notas.
— Você realmente é uma caixinha de surpresas, Sr. White.
Ele apenas sorriu e puxou a caixa com a joia para ele.
— Quero que use sua coleira esta noite.
— Tudo bem. Você a coloca?
— Com o maior prazer.
Ele a pegou em suas mãos e levantou-se do banco. Virei-me de
costas para ele e segurei meu cabelo no alto, para que colocasse a
gargantilha reluzente em meu pescoço. Depois que a prendeu em minha
nuca, soltei meus cabelos e ele os ajeitou nas costas para mim.
— Você está linda, amor — elogiou em meu ouvido segurando de
leve meus ombros.
— Obrigada, querido. — Virei-me para ele e passei meus braços por
seu pescoço. — Você também está maravilhoso! — Ele acariciou meu rosto
e beijou minha testa. — Por que nunca tocou para mim antes?
— Acabei de tocar — respondeu humorado, acariciando minha
maçã do rosto com seu polegar.
— É uma música linda — disse sorridente. — Toque para mim mais
vezes, por favor.
— Eu irei, com certeza. — Selou meus lábios com um beijo rápido.
— Está pronta?
— Sim.
Descemos para o cassino e lá alguns amigos e sócios do Victor já
nos aguardavam. Ele me apresentou a todos, incluindo as esposas de cada
um. Mas o casal que mais me chamou a atenção foi o que se via de longe
que também havia uma grande diferença de idade entre eles. O homem
devia ter uma idade aproximada a do Victor e sua esposa, Aurora, era uma
jovem mulher de uns trinta anos ou menos. Eu os observei com discrição
enquanto conversávamos todos no bar. Era como ver Victor e eu. O carinho
entre eles era mútuo e bonito. Ela esbanjava sorrisos e simpatia, não foi
difícil gostar dela. Ao contrário das outras mulheres, que pareciam não
querer muito papo conosco. Depois de alguns drinques, Victor e seus outros
quatro amigos se sentaram à mesa para jogar Blackjack. As esposas ficaram
no bar e apenas Aurora e eu os acompanhamos até o jogo. Nós ficamos de
pé um pouco afastadas apenas os assistindo jogar. Quando as fichas das
apostas chegaram, assustei-me ao ver o valor de cada uma delas.
— Duzentos mil dólares? — perguntei embasbacada.
— É de impressionar, não é? — perguntou Aurora, perto do meu
ouvido. — Mas existem valores bem acima, você ainda não viu nada.
Espere só até eles ficarem empolgados. Eu e Ferdinando visitamos Vegas
três vezes por ano. Já vi muita gente ganhar muito dinheiro, mas também já
vi várias pessoas saírem daqui à beira da falência.
Continuamos ali e assistimos nossos homens levarem a melhor em
quase todas as rodadas. Victor era muito bom naquilo. Eu desconfiava que
ele estivesse contando as cartas, já que números sempre foi seu forte e
especialidade.
— Ah, droga! — murmurou Aurora baixinho, encarando um ponto à
sua frente com os olhos estreitos.
Segui seu olhar e vi que ela observava duas mulheres que se
aproximavam da mesa, uma morena e outra ruiva. Elas rondaram a mesa e
pararam atrás do Victor e seu marido, muito próximas.
— O que foi? — perguntei sem entender o que exatamente estava
acontecendo.
— Aquelas mulheres ali... — começou a explicar-me, apontando
discretamente com sua cabeça para as mesmas moças — são o que chamam
de Cavalo de Tróia.
— Cavalo de Tróia?
— É... Vulgo; interesseiras. Fique esperta. São boas estrategistas e
sabem como caçar e seduzir um homem rico. São terríveis e se for preciso
se atirarem em seus colos, elas farão. Olhos bem abertos. Elas não se
acanham por eles já estarem acompanhados ou por usarem alianças no
dedo.
— Bom saber... — disse as observando.
— Venha. Vamos para mais perto.
Caminhei até Victor e parei atrás dele apoiando minhas mãos em
seus ombros. Olhei para as mulheres ao meu lado, que nos encaravam com
desdém, e lhes dei um pequeno sorriso debochado antes de voltar minha
atenção ao jogo, que já chegava ao fim.
— Que tal irmos jogar algo mais animado? — perguntou Victor ao
se levantar.
— Vamos lá — concordei antes de lhe dar um beijo lento e gostoso
com direito a uma pequena mordida em seu lábio inferior, para mostrar
àquelas caçadoras de dotes, que aquele homem lindo já tinha uma mulher
em sua vida.
— Ciúme deixa você tão sexy. Foderia você aqui e agora sobre essa
mesa, se não tivesse tanta gente — falou em meu ouvido.
Victor repousou sua mão em minhas costas e fomos até outra mesa
mais à frente, onde algumas pessoas apostavam no jogo da Roleta da Sorte.
Ali, novamente ele apostou alto e ganhou um bom dinheiro, que perto de
sua fortuna não era nada. Estávamos nos divertindo muito e a aglomeração
de gente a nossa volta que nos assistia gritavam empolgados com o jogo.
Victor me pedia para que beijasse os dados todas as vezes antes de os
lançarem sobre a mesa.
— Vermelho doze! — anunciou alto o dealer.
— Vocês ganharam outra vez! — disse um homem ao nosso lado,
que acompanhava entusiasmado nossas apostas.
— Estou acompanhado da sorte — falou Victor para ele e piscou
para mim.
Depois da roleta fomos para os caça-níqueis em busca apenas de
entretenimento.
— Maya... Vamos ao banheiro comigo? — chamou Aurora.
— Claro. — Levantei-me do colo do Victor e ele segurou minha
mão, detendo-me.
— Não demore — pediu ele.
— Enquanto vou até lá, se importa de pegar alguma coisa para eu
beber? Estou com sede.
— Claro que não.
Selei seus lábios com um beijo rápido e fomos. No banheiro
demoramos um pouco, havia uma quantidade razoável de mulheres à nossa
frente esperando por sua vez. Ao voltarmos, Victor não estava mais junto a
Ferdinando, que ainda apostava sentado em uma das máquinas.
— Onde está o Victor? — perguntei a ele.
— Foi até o bar e ainda não voltou.
Olhei a nossa volta à sua procura, mas não consegui enxergá-lo no
bar mais próximo. Saí sozinha para encontrá-lo e o avistei apoiado no
balcão esperando pelo barman, mas Victor não estava só. Uma mulher
sussurrava algo em seu ouvido e segurava seu braço com suas duas mãos.
Aquilo me deixou irritada e ainda mais brava, quando constatei que era
umas das mulheres que o cercava enquanto jogava Blackjack. Que porra
Victor estava fazendo, que ainda não havia colocado aquele projeto de
mulher para correr? Andei rápido de encontro a eles com a ira borbulhando
dentro de mim. Um bolo se formou em meu estômago e a pele da minha
face formigou de leve. Sem pensar ou medir as consequências do que estava
prestes a fazer, puxei-a pelos seus cabelos ruivos, afastando-a dele. Ela
virou-se me olhando assustada e eu lhe acertei um tapa estalado em seu
rosto com toda a força que tinha, chegando a arder a palma da minha mão.
— Você é louca? — perguntou ela alto, apoiando sua mão sobre a
marca vermelha e levemente inchada no lado esquerdo da sua face.
— Qual é o seu problema, garota? Não viu que ele está
acompanhado? — berrei completamente exaltada.
— Qual é o seu problema? Você acha que pode sair por aí, batendo
nos outros? — gritou ela.
Minha ira triplicou no momento que ela tentou bancar a coitadinha
inocente. Peguei uma taça cheia de alguma bebida que estava sobre o
balcão do bar e joguei o líquido em seu rosto, sem saber ou me importar a
quem pertencia aquele drinque.
— Maya! — Victor chamou-me com autoridade, me puxando pelo
braço para trás.
— Solte meu braço! — mandei alto virando-me para ele. — Estava
gostando da companhia dela? Hã? Me diga?
— Pare já com isso! É ridículo! — falou baixo entredentes.
— Ridículo é você dar ousadia a uma vadia, quando tem um
relacionamento sério comigo! — gritei com ele.
Dei-lhe as costas e caminhei em direção a saída do cassino,
enfurecida. Eu tinha vontade de bater nele, de xingá-lo aos berros, gritar de
raiva e chorar de ciúme, ao mesmo tempo que me odiava por ter me
comportado daquela maneira tão infantil e exaltada, mas minhas emoções
falaram mais alto. De onde vinha aquele ciúme louco, afinal? Estava
confusa, nunca havia sentido isso antes, nem por Victor ou por Mark. Na
verdade, não sabia que era possível sentir aquilo. O pior era que eu não
poderia jogar a culpa do meu ataque e o escândalo na TPM, desta vez.
Entrei no elevador e subi para a suíte. Ao entrar, arranquei as
sandálias e as deixei jogadas ali mesmo na entrada. Minhas mãos foram
depressa até o fecho da coleira na nuca e a tirei arremessando-a para longe
sobre o sofá. A porta foi aberta e fechada em um estrondo alto atrás de
mim. Virei-me assustada e vi Victor parar ali encarando-me em silêncio.
Seus ombros estavam rígidos e inflados. Seu peito arfava alto com a
respiração ofegante. Ele se aproximou a passos firmes e encurralou-me
contra a parede com seus braços, colocando uma mão espalmada de cada
lado da minha cabeça. Seus olhos estavam vermelhos e seu maxilar
contraído. Aquela sua feição me causava um pouco de medo.
— Espero nunca mais vê-la repetir uma cena como aquela! — disse
baixo e ameaçador.
— Vai se ferrar! — retruquei ainda irritada, entredentes. — Você
nem mesmo tinha que estar conversando com ela. Por que não a tirou para
longe de você? O que de tão interessante ela sussurrava em seu ouvido,
afinal?
Ele soltou um risinho debochado e voltou a ficar sério outra vez.
— Acho que hoje meu bicho de estimação está descontrolado —
falou com um sorriso irônico, passando para trás da orelha uma mecha do
meu cabelo caída sobre o rosto. — Eu estava a mandando ir embora. O que
queria que eu tivesse feito? Que a empurrasse para longe de mim em meio a
uma multidão de testemunhas, para que mais tarde meu nome fosse
sensação na internet sendo acusado de agredir uma mulher em um cassino
de Vegas?
— Que tivesse saído dali e a deixado falando sozinha. Isso já estava
bom para começar — retruquei-o.
— Esse tipo de mulher não para até conseguir o que quer ou
entender de uma vez que não a querem. Eu estava tentando fazê-la
compreender, sem atrair atenção indesejada, que não a queria e que já tenho
você — disse sério encarando-me fixo nos olhos. Engoli minha raiva e a
vontade de gritar com ele. — Seu ciúme descomunal me deixou de pau
duro na frente de mais de cinquenta pessoas — falou e encoxou-me de
frente, fazendo com que eu sentisse sua dureza dentro da calça,
imprensando-a em minha intimidade. — Saiba que irei puni-la por me tratar
com desrespeito em público.
— O que vai fazer? — perguntei baixo, um pouco assustada, curiosa
e tentando esconder os primeiros indícios de que estava ficando excitada.
— Foder você de um jeito que amanhã não usará calcinha ou jeans
— disse rude e com um tom de malícia ao mesmo tempo.
— E depois?
— Não tem depois. Depois você apenas desmaiará exausta. Mas...
tem o antes.
— E o que vem antes de me foder?
— Vou domar meu bichinho possessivo e mostrar quem manda
nessa porra!
Sorri e relaxei sob ele.
— Okay — sussurrei.
Victor se afastou e foi até o quarto depois de mandar que eu
continuasse onde estava. Ele não demorou muito e logo voltou com a bolsa
de couro preto, colocando-a sobre a mesa de centro entre os estofados.
— Tire a roupa! — ordenou e rapidamente me desfiz do vestido e a
minúscula calcinha. — Venha até aqui! — mandou e dei o primeiro passo
em sua direção. — Pare! — reverberou alto fazendo-me levar um pequeno
susto. Ele se virou para mim e me encarou com um olhar severo. — Venha
até mim... de joelhos!
De início algo dentro da minha mente contestou, porém, algo mais
embaixo se excitou. Coloquei-me de joelhos e engatinhei até ele como uma
felina encarando-o olho no olho. Quando cheguei a ele, sentei-me sobre
meus calcanhares e esperei pela próxima ordem. Victor abriu a bolsa e tirou
de dentro uma larga coleira de couro preto com uma guia comprida de ferro
e prendeu-a em meu pescoço.
— Tenho outra coisa para você. Se lembra do presente que lhe
comprei em uma das minhas recentes viagens?
— Sim, Senhor.
Ele pegou mais um objeto de dentro da bolsa, algo que se parecia
com um rabo de algum animalzinho de pelúcia. Olhei-o curiosa e sem
entender que tipo de presente era aquele, até que percebi que, em uma de
suas pontas, havia um plug anal de tamanho médio. Aquilo não só se
parecia com um rabo, ele era um rabo de pelagem fofa e volumosa de cor
escura com manchinhas cinza e ponta branca. Victor sorriu com pura
luxúria e lubrificou o plug com um óleo especial.
— Gostou? Foi escolhido com muito carinho.
Eu não sabia o que lhe dizer. Não tinha certeza se gostava daquilo
ou não.
— Nossa cena esta noite será diferente de tudo que já fizemos e tão
excitante quanto, eu lhe prometo! Não precisa se assustar. Agora... Mãos no
chão e empine a bunda para trás.
Engoli em seco e o obedeci. Coloquei minhas mãos espalmadas no
chão, inclinei meu busto para frente e empinei bem minha bunda para trás.
Não demorou muito e logo senti o metal oleoso penetrar meu ânus
vagarosamente indo fundo. Gemi baixinho com a sensação familiar. Suas
mãos acariciaram minhas nádegas e subiram por minhas costas até meus
ombros, os apertando de leve. Elas retornaram até minha bunda e sem
nenhum ou menor aviso, ele desferiu um tapa forte e pesado causando uma
grande ardência em minha pele, que me fez gritar de dor.
— Calada! — mandou alto, bateu novamente e se afastou.
De volta à bolsa, ele retirou de lá um par de prendedores de
mamilos, uma máscara coberta por lantejoulas pretas e brilhantes, um par
de braceletes de couro branco com forro aveludado vermelho e uma
mordaça diferente feita de madeira revestida por couro, no lugar da habitual
bola de plástico perfurada ou o aro metálico.
— Sente-se!
Victor parou à minha frente pedindo primeiro meus punhos. Ele os
algemou e, em seguida, soltou o gancho que os unia separando meus pulsos.
Depois, ele mandou que abrisse minha boca e colou a mordaça prendendo-a
firme atrás da minha cabeça e na nuca. Abaixado à minha frente, ele
mandou que eu ficasse de joelhos outra vez e sugou meus mamilos
deixando-os entumecidos, antes de prender os grampos, arrochando-os bem
causando-me uma grande dor. Tive vontade de gemer quando senti sua boca
quente e úmida em mim e vontade de berrar quando os prendeu nos
malditos e adorados grampos, mas não podia. Por último, ele prendeu a guia
na coleira e colou a máscara em meu rosto.
— Belíssima — elogiou de pé diante de mim, segurando firme a
guia. — Venha, meu bichinho. Vamos dar uma volta na área de lazer
privado.
Ele começou a caminhar em direção às portas que levavam para
uma área reservada em nossa suíte com piscina e jacuzzi, arrastando-me
pela coleira. Eu não acreditei que ele estava mesmo fazendo aquilo comigo,
mas o acompanhei engatinhando atrás dele, como uma cadela adestrada.
Aquilo era estranho, engraçado, um pouco assustador, porém, excitante. A
espera e a ansiedade por não saber o que viria a seguir era intrigante. A
curiosidade estava alimentando minhas ideias mirabolantes de como aquela
noite seria.
CAPÍTULO 31

Victor deitou-se em uma das espreguiçadeiras à beira da piscina e


mandou que eu tirasse seus sapatos. Sem demora, obedeci-o tirando um e
depois o outro. Em seguida, retirei as meias colocando-as sobre os sapatos
postos ao meu lado no chão. Feito, olhei para ele esperando pela próxima
ordem. Ele puxou a guia da coleira em sua direção para que eu subisse em
seu colo e assim fiz sentando-me em suas coxas. Com as duas mãos, ele
agarrou meus seios olhando-me fixo nos olhos e os apertou com um pouco
de força fazendo-me grunhir de dor abafado na mordaça.
— Acho que seu Dono mais do que merece um pedido de desculpas
depois de você tê-lo aborrecido e envergonhado na frente de estranhos.
Honestamente, eu não concordava. Tudo bem que a situação poderia
ter sido resolvida sem escândalos, mas fala sério! Aquela garota bem que
mereceu e Victor também. Ele devia ter corrido em direção oposta da
biscate interesseira quando ela se aproximou. Ele soltou a mordaça e
esperou por minhas desculpas, que não vieram.
— Vamos, meu bichinho... estou esperando! — Continuei a encará-
lo em silêncio. — Minha gatinha comeu a própria língua? — perguntou
humorado e tive vontade de sorrir, mas soube me conter. — É melhor pediu
desculpa, Maya! — ameaçou-me de modo que me fez temer um castigo
ruim.
— Desculpe-me, meu Senhor, por... — Exatamente pelo quê eu devo
pedir desculpas? — por fazer um escândalo na frente de uma multidão de
desconhecidos.
— Não senti firmeza ou verdade nas suas palavras! — disse rude e
alto, desencostando-se da espreguiçadeira e pegando-me firme pelo
pescoço, me assustando. — Peça de novo! — ordenou em um grito.
Engoli em seco e percebi que Victor queria mesmo um pedido de
desculpas, ele não estava só me provocando ou tentando quebrar meu
orgulho. Ele havia se ofendido de verdade.
— Desculpe-me, meu Senhor... — pedi desviando meu olhar do seu
para baixo. — Não devia ter agido de tal forma, peço que me perdoe.
— Por que agiu daquela maneira estúpida? — questionou-me
usando um tom alto e firme.
— Eu não sei. — E era verdade, eu não sabia por que tinha me
exaltado daquela maneira. — Talvez eu... eu tenha medo de perder você —
disse baixo.
— Não há motivos para temer a isso. Jamais me perderá!
Pertencemos um ao outro, Maya — falou trazendo paz para o meu coração
enciumado. — Agora... fique de joelhos no chão. Quero foder sua boquinha
antes de lhe dar uma surra.
Desci de seu colo e coloquei-me de joelhos um pouco afastada da
espreguiçadeira. Victor se levantou e prendeu o gancho que unia os
braceletes para trás em minhas costas e, em seguida, começou a retirar seu
paletó, colete e a gravata deixando-os sobre a mesa próxima. Caminhando
de volta até mim, desabotoou os primeiros botões do colarinho da camisa e
dobrou as mangas até os cotovelos. Parado à minha frente, e bem próximo,
ele abriu sua calça e a desceu junto com a cueca libertando sua ereção
rígida, que bateu pesada contra meu rosto. Poder sentir seu cheiro de macho
me excitou. Ele retirou a guia da coleira e deu algumas voltas dela em suas
mãos, encurtando seu comprimento, e passou-a por trás da minha cabeça,
apoiando-a em minha nuca.
— Abra a boca!
Obedeci-o e seu membro a invadiu vagarosamente indo cada vez
mais fundo, sem parar, chegando a minha garganta e causando-me uma leve
ânsia de vômito.
— Estique a língua para fora e deixe-me ir mais fundo!
Coloquei o máximo que consegui da minha língua para fora e seu
pau entrou ainda mais começando a causar-me um sufocamento. Ele foi tão
fundo, que suas bolas chegaram a tocar meu queixo e eu não conseguia
mais respirar pelo nariz. Meus olhos se encheram de lágrimas rapidamente
e a ânsia se tornou ainda mais forte. Quanto mais entrava em minha
garganta, mais ele puxava a guia trazendo minha cabeça contra sua virilha.
Eu estava ficando cada vez mais sem ar, ele estava sufocando-me de
verdade. Acho que era exatamente isso que ele queria, fazia parte do seu
castigo. Tentei conter a ânsia fechando meus olhos e cerrando os punhos
atados nas costas, rezando para que aquela tortura acabasse logo. Senti meu
rosto esfriar e meu rosto formigar. Quando tornei a abrir os olhos, minha
visão estava estranhamente turva e escurecida, senti que eu estava prestes a
desmaiar. Victor retirou seu pau da minha garganta e a guia da parte de trás
da minha cabeça, afastando-se alguns passos para trás. Desmoronei para o
lado caindo sentada no chão, tossindo e tentando recuperar meu fôlego,
enquanto continha meu vômito.
— Em breve ficará boa nisso, não se preocupe. Vai gostar de
agradar seu Dono, quando estiver experiente em fazer uma boa garganta
profunda.
Ele se aproximou outra vez e puxou-me pelos cabelos colocando-me
de joelhos novamente.
— Quer usar sua palavra agora? — perguntou sério, dando-me a
chance de pensar por segundos e escolher meu destino pelo restante da
noite.
Talvez eu devesse ter dito e acabado com aquela punição tortuosa
que mal havia começado, mas eu temia me arrepender depois de não tê-lo
permitido me mostrar o que tanto desejava fazer comigo. E se o que tem em
mente for bom para mim? Melhor não arriscar em perder a chance de
experimentar.
— Não, Senhor.
Ele sorriu e passou sutilmente o polegar sobre meus lábios babados.
— É assim que se fala, meu anjo.
Ele agarrou meus cabelos novamente e os puxou para cima
colocando-me de pé. Gemi baixinho de dor, mordendo meu lábio inferior.
Victor arrastou-me até a espreguiçadeira em que estava deitado e jogou-me
sobre ela de bruços. Ele desprendeu o gancho dos braceletes nas costas e os
prendeu para frente passando meus punhos por baixo da espreguiçadeira.
— Eu já volto — disse prendendo outra vez a mordaça, antes de
sair.
Fiquei ali, ansiosa pelo que viria a seguir e com a pele toda
arrepiada devido ao vento frio que soprava lá em cima. Demorou para que
Victor voltasse, não sei exatamente quanto tempo, mas pareceu se passar
uma hora. Quando enfim retornou, ele estava nu e trazia consigo uma
garrafa de uísque e alguns objetos nas mãos que eu não consegui ver direito
o que eram por causa da pouca iluminação lá fora. Senti ele amarrar meu
tornozelo direito um laço apertado e prendê-lo na perna da espreguiçadeira,
e em seguida fez o mesmo com o outro. Agarrando meu quadril, ele ergueu-
o um pouco e colocou sob mim, em contato direto com meu clitóris, um
vibrador ligado em seu volume máximo. Gemi surpresa ao senti-lo e escutei
uma risada contida. Victor derramou um óleo em minhas nádegas e, em
seguida, o espalhou com as mãos, causando um pequeno calor na pele.
Enquanto isso, eu cerrava os punhos e mordia com força a mordaça
tentando manter-me quieta e em silêncio, sentindo a vibração constante em
meu clitóris, que estava me levando ao delírio.
— Como é lindo ver você assim, todo exposta para mim — disse e
logo senti uma forte chicotada queimar minha bunda.
Sem cessar, vieram outras e mais outras. Victor não estava medindo
a força com a qual me punia. Ele estava mesmo me dando a surra que havia
prometido. Com certeza estava se deliciando em fazer aquilo comigo e em
ver minha pele toda marcada por ele.
— Quero vê-la me implorar para que eu pare... Implorar para que
lhe foda duro e com força! — falou rude e voltou a açoitar minhas nádegas
com força total, machucando-me.
Não sei ao certo definir em palavras exatas o que estava sentindo
naquele momento. Eu estava sentindo uma pequena raiva por ele estar
fazendo aquilo comigo, mas também, no fundo, uma parte minha estava
gostando. Era estranho, eu sei! Porém, simplesmente não sei como explicar
a sensação de dor e prazer misturada que me sucumbia. Era bom demais!
Doloroso demais! Eu parecia sentir que merecia aquilo.
Gemia cada vez mais alto, desorientada e cravando as unhas nas
palmas das minhas mãos. Victor ainda batia com o chicote de tiras de couro
contra minha bunda, enquanto o vibrador me deixava cada vez mais perto
do orgasmo. Tudo o que desejava era ele dentro de mim pegando-me do seu
jeito Victor dominante de ser.
— Quer gozar? — perguntou fazendo uma pausa na sessão de
chicotadas. — Está me parecendo que quer gozar, Maya. Então, quero que
imagine o quanto seria libertador agora ter um orgasmo comigo entrando
duro como pedra em você. Imaginou? — Ele estava me provocando, era
óbvio, e eu estava gostando.
Victor mexeu com o vibrador cutucando de leve meu clitóris e
aquele foi meu fim. Gozei louca remexendo o quadril enquanto ele
penetrava-me com um dedo. Ele tirou o aparelho debaixo de mim e eu senti
sua língua quente em minha entrada, chupando-me.
— Olha só... minha garota gozou esguichando longe e ensopando
minha mão. Isso tudo é tesão, querida? — Senti ironia em sua pergunta. —
Vou levá-la para dentro. Aqui fora está começando a ficar muito frio.
Ele desatou as cordas dos meus tornozelos e, em seguida,
desprendeu meus punhos. Com sua ajuda sentei-me tentando recompor meu
fôlego e sentindo minhas pernas moles e fracas. Victor prendeu a guia na
coleira novamente e segurou meu queixo em sua mão, levantando meu
rosto para olhá-lo.
— Está bem? — perguntou preocupado e assenti em resposta. —
Quer usar sua palavra? — Neguei com minha cabeça. — Okay. Vamos.
Ele se afastou e puxou a guia. De quatro, segui-o como um gatinho
carente por seu dono. Para alguns olhos, isso pode até parecer uma cena
humilhante ou exagerada, mas, para mim, isso havia sido extremamente
excitante pelo simples motivo de eu estar servindo a quem eu amava!
Entramos e ele mandou que eu ficasse de joelhos próximo a porta,
de cabeça baixa e as palmas das mãos estendidas para cima, repousadas
sobre minhas coxas. Victor se afastou e logo voltou colocando uma pequena
tigela cromada à minha frente. Ela estava cheia de leite e eu não entendi o
significado daquilo. Ele parou atrás de mim, tirou a mordaça e juntou meus
cabelos em suas mãos os amarrando em um coque mal feito.
— Beba seu leite, gatinha. Sei que não é o seu preferido, mas
garanto que está tão gostoso quanto o meu. Meu bichinho precisa se
alimentar.
Não conseguia crer que ele me pedia mesmo aquilo. Ele queria que
eu bebesse leite em uma tigela de cachorro? Qual era a finalidade disso,
afinal? Mostrar que na relação quem manda é ele e que eu era apenas seu
bicho que lhe devia obediência? Talvez fosse. Mas também poderia ser
apenas um fetiche.
— Beba! — mandou alto e ríspido, assustando-me.
Curvei-me apoiando meus antebraços no chão e encarei a tigela à
minha frente. Vi que havia algo escrito nela, mas não consegui ler. Girei a
escrita para mim e então consegui ver. Nela estava gravado meu nome com
letras desenhadas e feitas à mão.
— Gostou, querida? Mandei fazer especialmente para você. Agora,
beba!
Estiquei minha língua para fora e tentei tomar o leite, como um
animalzinho faria. Na primeira “lambida”, senti que havia mais do que leite
naquela tigela. Tinha alguma bebida alcoólica forte e meio amarga
misturada, que queimou levemente minha língua. Victor ainda estava atrás
de mim acariciando minhas nádegas. Um arrepio eriçou meus finos pelos
do corpo, quando sua ereção tocou minha entrada ainda melada pelo
orgasmo. Lentamente ele penetrou-me introduzindo somente sua glande
pulsante em mim. Gemi contido e manhosa, cheia de tesão. Queria mais do
que somente a ponta do seu pau.
— Quer mais? Então, implore! — provocou-me e tirou seu membro,
deixando escapar um gemido que soou doloroso aos meus ouvidos.
Percebi que Victor queria tanto me foder, quanto eu queria ser
fodida por ele. Achei ali a oportunidade de virar o jogo erótico. Se ele
achava que eu iria implorar, estava enganado.
— Implore, Maya. Eu sei que você quer.
Olhei-o por cima do ombro e curvei meus lábios em um pequeno
sorriso.
— Eu quero sim. Mas sei que você quer mais do que eu.
Sua feição ficou séria e o maxilar contraído. Ele deu-me um forte e
doloroso tapa na bunda, que me fez gritar alto de dor e olhar para frente
abaixando a cabeça. Minha pele estava queimando como brasa, nunca havia
me castigado assim antes. Eu havia conseguido irritá-lo. Victor colocou-me
de pé puxando meu cabelo pelo coque, desfazendo-o em sua mão, e virou-
me para ele segurando firme minha garganta. Olho no olho, senti sua fúria.
— Vou lhe ensinar a me respeitar! — gritou.
Ele jogou-me de frente para o sofá e mandou que eu ficasse de
joelhos sobre o assento e apoiasse as mãos no encosto. De costas para ele,
escutei-o caminhar em direção ao quarto e voltar em seguida. Ao se
aproximar, pude ouvir o tilintar da fivela de um cinto. Sabia que seria mais
uma vez severamente punida naquela noite. Fechei meus olhos os apertando
e me preparei para a dor e ardência intensa que viria a seguir.
— Peça-me perdão! — mandou alto e acertou na minha bunda a
primeira cintada que me fez gritar. — Peça, Maya! Peça agora! — Bateu
outra vez com mais força.
Agarrei o estofado do encosto cravando minhas unhas no tecido
macio de cor marrom e mordi meu lábio inferior. Não cederia a isso agora.
Estava disposta a ver até onde iríamos com aquilo. Outra cintada veio
acertando minhas costas e cintura, fazendo-me gritar ainda mais alto de dor.
Ele agarrou meu cabelo e puxou minha cabeça para trás, para que o olhasse.
— Fale! — gritou com seu rosto perto do meu. — Quero um pedido
de perdão, agora mesmo! — Sorri e fechei meus olhos para não encarar sua
ira. — Olhe para mim — mandou com um tom baixo. Abri meus olhos e o
encarei. — Peça!
— Desculpe-me.
— Não pedi desculpa. Pedi perdão! Peça perdão ao seu Dono por
afrontá-lo!
— O que realmente meu Dono quer é perdão? Ou me foder? —
perguntei baixo com a voz carregada de provocação.
— Quero te foder inteira até te deixar inchada e depois chupar seu
mel até a última gota — falou sério e baixo.
Fechei meus olhos e soltei minha respiração lentamente pela boca,
sentindo um pulsar forte entre as pernas.
— Peça... e farei — sussurrou em meu ouvido, deixando-me
completamente louca.
— Perdoe-me, meu Senhor. Perdoe-me por ter sido malcriada —
pedi olhando-o nos olhos outra vez.
Victor tomou minha boca em um beijo bruto mordendo meu lábio
inferior com força e fazendo-me sentir o gosto enferrujado do meu próprio
sangue. Ele interrompeu nosso beijo e encaixou-se atrás de mim invadindo
minha intimidade com sua ereção dura. Suas estocadas eram intensas e
chocavam seu quadril violentamente contra minha bunda. Com uma mão,
ele agarrou firme minha cintura e continuou a puxar meus cabelos levando
minha cabeça para trás. Mesmo depois de tudo, como posso desejar tanto
esse homem assim e amá-lo ainda mais?
Nós dois gemíamos alto e desesperados, não só ansiosos pelo
orgasmo que se aproximava depressa, mas um pelo outro. Não demorou
muito para que me desfizesse em seu membro rígido, chamando manhosa
por meu Senhor. Victor veio ao êxtase do prazer segundos depois de mim
diminuindo a velocidade com a qual me penetrava. Desabei no sofá
deitando-me de barriga para cima e ele desmoronou sobre mim beijando
meu pescoço. Nós ficamos ali, inertes, apenas tentando recuperar o fôlego e
as forças do corpo.
— Gosto de desafiá-lo — revelei sussurrando.
— Eu sei. Sabe por que faz isso? — perguntou olhando-me. —
Porque gosta de ser castigada. Ser punida te deixa louca.
Nada disse, apenas sorri. Odiava admitir, mas ele estava correto.
— Cansada, minha gatinha?
— Sim — respondi fechando os olhos.
— Tudo bem. Continuamos amanhã. — Ele se levantou e tirou os
braceletes dos meus punhos. — Vire-se!
Eu me virei de barriga para baixo e, lentamente, ele retirou o plug.
Gemi baixinho de alívio. Victor beijou minhas costas onde ainda ardia e
acariciou minha bunda.
— Vou cuidar disso. Já volto.
Ele saiu e pisquei sentindo meus olhos pesados de cansaço. Pisquei
pela segunda vez e não consegui mais abri-los.
CAPÍTULO 32

Acordei com a claridade do sol invadindo o quarto. Remexi na cama


me espreguiçando e percebi o quanto ainda me sentia cansada, ardida e
dolorida, pela madrugada intensa e insana com Victor. Como de costume,
ele já não estava mais ao meu lado. Com muita dificuldade, levantei-me e
fui ao banheiro indo para debaixo da água quente do chuveiro que caía
pesada sobre mim. Tomei meu banho sem pressa, esfregando meu corpo
com a mão sobre as marcas do meu castigo. Ao sair do banheiro entrei no
closet e tirei a toalha enrolada no meu corpo diante o espelho, virando-me
de costas para ele. Minha bunda estava com marcas avermelhadas das finas
tiras de couro do chicote. Amanhã, talvez, já tenham sumido. Já em minhas
costas, as marcas do cinto estavam bem evidentes em um tom mais escuro.
Essas com certeza demorariam dias para sair.
— Bom dia, querida — desejou-me Victor ao entrar no closet.
— Bom dia. Onde estava? — perguntei indo até ele.
— Tive alguns problemas de trabalho para resolver — respondeu e
beijou-me. — Como está se sentindo?
— Bem.
— As marcas não doem?
— As das costas doem um pouco.
— Marquei um SPA para você hoje. Tome seu café da manhã e vá.
Um segurança irá acompanhá-la até lá, mas esteja de volta antes das duas.
A sessão de fotos será hoje.
— Certo. — Sorri e beijei-o, passando meus braços por seu pescoço.
— Eu desmaiei ontem?
— Sim, de cansaço. Acho que esgotei você.
— Eu não acho, tenho certeza — disse e rimos.
Depois do café, despedi-me dele e fui para o SPA do hotel. Havia
feito as unhas e estava indo para uma massagem relaxante, quando avistei
Aurora conversando com uma funcionária do lugar.
— Aurora? — chamei-a ao me aproximar.
— Maya! Oi. Como estão as coisas?
— Bem. Desculpe-me por sumir ontem sem me despedir.
— Está tudo bem, não se preocupe. Ferdinando e eu fomos para a
nossa suíte logo depois que você e Victor sumiram — disse sorrindo. — Eu
soube sobre a vadia que se esfregou no seu namorado. Victor comentou o
ocorrido essa manhã com meu marido.
— É... pois é! Acabei me exaltando um pouco e me arrependi
depois. Mas o que importa é que estamos bem.
— Estou indo fazer uma massagem, quer vir comigo?
— Eu também estava indo quando vi você — respondi animada.
Aurora era uma boa companhia, gostei de conhecê-la.
— Ótimo! Então vamos juntas. — Passou seu braço no meu. — Vou
às compras mais tarde, ainda não tenho o que usar no evento. Vem comigo?
— convidou-me enquanto caminhávamos até o vestiário para nos
trocarmos.
— Não posso, mas agradeço o convite. Já tenho compromisso para
mais tarde com Victor.
— Tudo bem, não faltará oportunidades de gastarmos juntas. —
Riu.
Chegamos ao vestiário, trocamos nossas roupas por um robe de seda
branca e fomos para a ala de massagens. Estávamos indo para a sala onde
seríamos atendidas, quando olhei para dentro de um cômodo e vi a vadia
ruiva da noite passada. Parei e segurei o braço da Aurora.
— O que foi? — perguntou confusa.
— É ela! A garota que provocou a confusão ontem à noite — disse
olhando-a e Aurora seguiu meu olhar vendo o que eu encarava.
— Eu a vi nos rondando por algumas vezes ontem. Do que será que
ela tanto ri?
A ruiva estava de pé conversando com outra mulher e as duas
pareciam estar em uma conversa bem animada.
— Não faço a mínima ideia.
— Vamos chegar mais perto — falou puxando-me pela mão, para
mais perto da porta, nos escondemos atrás da parede.
— E quanto recebeu por isso? — Escutei a outra mulher lá dentro
perguntar.
— Cinco mil dólares. E se eu tivesse cobrado mais, ela teria pago.
Acho que fui uma boba em perder essa oportunidade — respondeu a ruiva e
riu.
— Devia mesmo ter cobrado mais! Cinco mil não pagam o tapa no
rosto que levou daquela vadia. — Tapa no rosto?
Olhei para Aurora, que me encarou de volta tão espantada com a
história quanto eu. Como assim? Alguém pagou a ela para dar em cima do
Victor? Era isso mesmo que estava entendendo?
— Nem me fale! Aquela puta tinha a mão pesada — falou e as duas
gargalharam alto.
— Mas que vaca! — sussurrei olhando para Aurora.
— Então alguém pagou a ela para provocar você? Quem faria isso?
No momento eu consegui pensar em apenas uma única pessoa. Mas
será possível que até aqui? Revirei os olhos, começando a ficar irritada.
— Acho que conheço uma pessoa que seria capaz disso.
— Então vamos até lá tirar satisfações.
— O quê? Não!
— Maya... Alguém pagou aquela vaca para causar intriga entre você
e seu homem na noite passada. Isso é o tipo de coisa que não se deixa
barato. Reaja, garota!
Mais duas mulheres passaram por nós e entraram na sala onde elas
estavam. Elas nos notaram ali à espreita e nos olharam com estranheza.
— Okay, tudo bem. Mas não aqui, está cheio de gente e não preciso
de mais atração pública para essa história.
— A gente pega ela logo mais. Com certeza depois da massagem
vão para a sauna. Lá é bem reservado. — Sorriu diabólica.
Respirei fundo fechando os olhos. Eu estava prevendo encrenca,
podia sentir o cheiro.
— Victor não pode saber disso — disse e abri meus olhos.
— Ele não vai. Não vamos bater em ninguém, apenas conversar. —
Riu.
— Okay. Agora vamos para a nossa massagem.

Fomos para a massagem, que eu realmente estava precisando. Quase


adormeci com aquelas mãos de anjo, que delicadamente amaciava cada
músculo tenso e dolorido em meu corpo. Quando terminamos, vestimos o
robe e saímos para fazer uma limpeza de pele facial. No hall, a caminho
para lá, vimos quando a ruiva maldita e sua amiguinha atravessaram na
nossa frente e foram em direção à sauna.
Olhei para Aurora e ela estava com um sorriso encrenqueiro enorme
no rosto.
— Elas estão indo para sauna. Vamos! — Saiu caminhando à minha
frente, seguindo-as.
As mulheres entraram em uma das pequenas saunas e, pelo vidro da
porta, vimos que elas estavam só. Perguntei-me em pensamento se aquilo
era uma boa ideia e se devia mesmo fazer. E se essa mulher procurar a
polícia por se sentir ameaçada? Ou pior! E se ela procurar a imprensa?
Pensei em desistir.
— Tem certeza? Talvez seja melhor deixar isso para lá? Se Victor
descobre, ele...
— Tarde demais para amarelar, Maya. Relaxe, ele não tem como
saber, a não ser que você conte — falou e abriu a porta entrando primeiro.
— Oi. Eu sou a Aurora e esta aqui é minha amiga Maya.
— Mas o que você faz aqui? — perguntou a ruiva alto, levantando-
se em um pulo quando me viu. — Está me perseguindo? É isso?
Seu jeito defensivo e abusado me intrigou e irritou.
— Vai com calma aí! Não tem ninguém te perseguindo aqui, ao
contrário de você, não é mesmo? — enfrentei-a.
— Não sei do que está falando — retrucou cruzando os braços à
frente.
— Ah, não? Tem certeza? — questionou Aurora, dando um passo à
frente com as duas mãos na cintura.
— Nós escutamos você relatar sua história a sua amiguinha aí! —
Apontei para mulher ao seu lado, que nos olhava tensa e de olhos um pouco
arregalados. — Quero saber quem lhe pagou para me provocar na noite
passada! — disse encarando-a séria.
Ela perdeu sua feição debochada, trocando-a por uma amedrontada.
— É melhor vocês duas saírem daqui! — disse sua amiga chegando
mais perto.
— Fica quietinha na sua, ou você vai conhecer meu lado irritado! —
ameaçou Aurora.
— Vamos... fale logo! — mandei.
— Já disse que não sei do que está falando! Achei que você fosse
somente uma companhia, não sabia que eram um casal.
— Corta essa, garota! — disse Aurora alto, batendo as palmas das
mãos perto do seu rosto, assustando-a.
Olhei para Aurora e ela estava séria, encarando a ruiva com um
olhar fixo e raivoso. Aquela cena me deu vontade de rir, mas não podia,
tínhamos que manter a intimidação. Ela estava mesmo pronta para briga.
— É melhor você falar, minha amiga aqui está bem nervosa — falei
para ela, que engoliu em seco e respirou fundo antes de falar.
— Ela só me disse o primeiro nome. Eliza.
— Eliza? Tem certeza? — questionei-a.
— Tenho. Não sei se é o nome dela ou não, mas foi como ela se
apresentou.
— Quando a viu?
— Ontem pela manhã. Ela chegou a mim no bar do hotel e fez a
proposta.
— Ela está hospedada aqui?
— Não sei! — respondeu impaciente. — Não perguntei e ela não
falou. Apenas me mostrou uma foto de vocês dois e disse que eu devia
provocar uma discórdia à noite no cassino. Em troca, ganharia cinco mil. E
como combinado, o dinheiro está em minha conta hoje pela manhã.
Eu estava com muita raiva. Meus ombros estavam tensos outra vez e
minha respiração pesada. Eliza realmente não tinha limites. Ela nos
perseguiu até em Vegas para nos infernizar. Por que é tão difícil para ela
seguir em frente e nos deixar em paz?
— Quem é Eliza? Ela está falando da ex-esposa do Victor? —
perguntou Aurora.
— A própria! — respondi entredentes.
— Que filha da puta! — exclamou Aurora.
Minha vontade era de procurá-la e lhe colocar para correr dali.
Deus... até quando teremos essa tormenta? Sem dizer mais nada, deixei a
sauna. Aurora veio atrás de mim a passos apressados, perguntando-me se eu
estava bem.
— Sinceramente, não! Essa mulher não nos deixa em paz. — Parei
no corredor e virei-me para ela. — Ela quer fazer com que a gente se separe
a qualquer custo. Você nem iria crer nas coisas que essa maluca já fez.
Victor precisa saber que ela está aqui e que foi a culpada por ontem à noite.
— Fique calma. Se chegar nervosa assim até ele, vocês vão acabar
discutindo outra vez por causa dela. Não permita que isso aconteça.
— A gente se vê depois, vou voltar para a suíte.
— Tudo bem.
Ela abraçou-me e nós nos despedimos. Depois de me trocar, voltei
para a suíte. Ao entrar, notei rapidamente que Victor não estava. Perto das
portas duplas do quarto, que levavam para uma pequena varanda, um lindo
vestido de seda mostarda estava dependurado ali. Aproximei-me dele e o
toquei sentindo a maciez leve do tecido em meus dedos. Ele era de alça fina
com um caimento suave até os pés. Nos seios, um pequeno decote; e nas
costas, um generoso que descia até quase a base da coluna. Era perfeito!
Porém, teria que dar um jeito de esconder as marcas do cinto. Ou esse
decote seria intencional para que as marcas de “adestramento” fossem
expostas? Quando se tratava de Victor era difícil saber o que estava
pensando quando o comprou.
— Espero que tenha gostado. — Escutei sua voz grave dizer atrás de
mim.
— Eu amei! É lindo, obrigada — agradeci e virei-me para ele.
— Vou pedir nosso almoço.
— Tudo bem. Enquanto isso vou tomar um banho.
Caminhei até ele, selei seus lábios com um beijinho rápido e fui ao
banheiro. Depois de um bom banho relaxante, parei diante do enorme
espelho no closet e tentei ao máximo esconder com maquiagem as marcas
nas costas. Tinha medo que alguém de fora as visse e tivessem a impressão
errada daquilo.
— Acho que está bom — disse para mim mesma, vendo o resultado
final do meu trabalho de cobertura.
Vesti-me e encontrei Victor na pequena sala de jantar, onde nosso
almoço acabava de ser servido. Nós nos sentamos e ele começou a falar de
algumas coisas que ainda tinha para resolver sobre o evento, que
aconteceria no dia seguinte. Enquanto o ouvia, eu comia esperando pela
hora de contar a ele sobre minha descoberta de mais cedo.
— Você sabia que a Eliza está aqui? — perguntei quando finalizou
seu assunto.
— O quê? — perguntou surpreso, olhando-me incrédulo.
— Pois é... Minha ida ao SPA hoje rendeu boas descobertas. Uma
delas é que a noite de ontem foi uma armação. A outra, que o plano foi
arquitetado pela sua ex-esposa.
— Meu Deus! — exclamou recostando-se na cadeira. — Isso já está
indo longe demais.
— Isso já FOI longe demais, Victor! Aquela mulher subornou a
polícia para me colocar atrás de grades, depois de mandar alguém me dopar
e simular uma noite de sexo. O que ela fez ontem não foi nada perto disso.
— Desculpe, querida. Eu sei que é preciso pôr um fim em tudo isso
e eu irei.
— Tudo bem, mas quando? Está me prometendo isso desde que
reatamos. Era algo que já devia ter feito! O que vai esperar acontecer para
agir? Essa maluca tentar me matar?
Ele olhou-me com pesar e respirou fundo fechando os olhos
brevemente.
— Desculpe-me... por favor.
— Você tem pedido muitas desculpas ultimamente, quando se trata
desse assunto — falei e voltei minha atenção ao prato à minha frente.
Terminamos nosso almoço em silêncio e depois seguimos viagem
para o estúdio onde ocorreria o ensaio. O lugar era grandioso e bonito,
havia modelos lindas e altas desfilando por toda parte, indo e vindo usando
roupas de grife ou lingeries. Uma equipe de cabelo e maquiagem estava à
minha espera. Depois de quase uma hora aos cuidados deles, finalmente
estava pronta.
Durante o ensaio, Victor ficou apenas de longe me observando com
um olhar intenso e braços cruzados à frente. A fotógrafa era incrível. Ela
conseguiu fazer com que eu ficasse à vontade rapidamente. O ensaio foi
algo glamoroso, mudei o penteado do cabelo algumas vezes e combinei
vestidos belíssimos de gala com as joias da nova coleção. Eram peças de
valor quase inestimável, que reluziam mais do que uma lâmpada em meu
pescoço. A joia central da coleção com tema Jardim do Éden era um colar
de serpente inteiro cravejado por diamantes translúcidos com olhos de rubi.
Era simplesmente extravagante e perfeito.
O cenário atrás de mim era uma representação do jardim do pecado
e desta vez, ao invés de usar um vestido exclusivo e assinado por algum
estilista famoso, fiquei apenas de calcinha e sutiã sem alça do mesmo tom
que minha pele. Recostada de lado em uma chaise coberta por folhas secas,
a fotógrafa ajeitou alguns metros de seda vermelha sobre meu corpo
tapando minha intimidade e seios, enquanto o cabeleireiro terminava de
arrumar meu cabelo com longos apliques volumosos com a ajuda de sua
assistente. Em minha mão, colocaram uma maçã cenográfica tão linda e
brilhante, que dava mesmo vontade de dar uma mordida sedenta.
— Olhe para mim, Maya — pediu a fotógrafa, abaixada a alguns
metros à minha frente apontando sua câmera para mim. — Quero que faça
um carão de mulher poderosa, que manda no Jardim do Éden. — Riu.
— Acho que seria um carão igual ao que você faz quando insiste
em me desobedecer — falou Victor humorado ao canto, desconcentrando-
me e me fazendo rir.
Olhei-o e ele encarava-me de sobrancelha arqueada e com um
pequeno sorriso nos lábios. Olhei para a fotógrafa novamente recompondo-
me e dei o melhor de mim em fazer o “carão” que me pediu.
— Ótimo! A foto ficou incrível. Agora quero que olhe para a maçã e
encare-a com sedução. Como se você fosse a serpente seduzindo-a para o
pecado.
Victor estava bem na mira, atrás da maçã. Desviei meu olhar para
ele e encarei-o nos olhos. Seu sorriso aumentou tornando-se um malicioso.
— Perfeito! — elogiou a fotógrafa. — Você realmente é uma garota
cheia de talento. Adoraria trabalhar mais vezes com você.
— Obrigada — agradeci sorridente, sentindo-me orgulhosa.
Fizemos mais algumas fotos com poses diferentes, sempre tornando
a joia o destaque da imagem.
— Sr. White? Gostaria de tirar algumas fotos com a Maya, enquanto
ainda usa a peça central? — perguntou a fotógrafa. — Posso mandá-la para
a revista que fará a cobertura do evento.
— Tudo bem — concordou aproximando-se.
O cenário foi alterado para um fundo cinza-claro, enquanto o
cabeleireiro tirava as extensões de cabelo e fazia um coque baixo deixando
alguns fios soltos em torno do rosto. Troquei as peças íntimas por um
vestido para lá de sensual, feito de seda azul-marinho. Ele tinha alças finas,
uma fenda generosa na perna esquerda e um decote profundo na frente que
descia até o estômago. Não foi preciso que Victor trocasse de roupa, ele já
usava seu habitual terno de três peças, com belas abotoaduras de titânio e
diamantes, que reluziam em seus punhos dando um charme extra ao seu
traje de empresário de sucesso. Nós nos posicionamos e ele passou seu
braço por minhas costas repousando sua mão delicadamente em minha
cintura. Nós sorrimos para a câmera e flashes foram disparados.
— Olhem um para o outro, afinal, vocês são um casal — falou a
fotógrafa.
Nós nos entreolhamos e vi seus belos olhos brilharem com carinho
para mim. Um sorriso aberto surgiu vagarosamente em seu rosto expondo
seus dentes brancos e alinhados. Sorrimos um para o outro com amor.

Depois do ensaio saímos para jantar em um restaurante badalado da


cidade na companhia de Aurora e Ferdinando. O jantar foi regado de boa
conversa, comida e vinho. O divertimento estava tanto, que voltamos para
casa à uma da madrugada. Eu estava exausta e Victor também. Tomamos
um banho rápido e caímos na cama acordando no outro dia com meu celular
tocando ao meu lado, às oito e meia. Era minha mãe dizendo que estava
com saudade e me cobrando a ligação do dia anterior que fiquei de retornar
e havia me esquecido. Pedi mil desculpas e conversamos um pouco, até que
ela teve que desligar.
— Quais são os planos para hoje? — perguntei jogando-me sobre
Victor, que ainda estava deitado, olhando para o teto.
— Estarei livre até as duas.
— Okay. Acho que podíamos ir até o Grand Canyon, o que acha?
— Por mim, tudo bem. — Abraçou-me.
— Quer tomar um banho comigo? — perguntei de maneira
sugestiva, alisando com a ponta do dedo indicador em seus lábios.
— É melhor você ir e depois, eu vou. Sabemos que se entramos
juntos naquele boxe, não vamos sair de lá antes das onze.
Ri e selei seus lábios antes de me levantar e ir ao banheiro. Tirei sua
camiseta que usava, deixando-a jogada no chão ao canto, e entrei no boxe.
Tomei meu banho sem pressa e quando saí fui me vestir enquanto Victor
ocupava o banheiro. Optei por tênis confortáveis, calça jeans e uma leve
camiseta branca com gola “V”. Nos cabelos fiz uma trança raiz. Nas orelhas
coloquei brincos de argola e no pulso um relógio.
— Está linda — elogiou ele, ao entrar no closet.
Sorri.
— Já estou pronta, te espero na sala.
Não demorou muito para que Victor saísse do quarto de calça jeans
clara, óculos escuros dependurado na gola da camiseta cinza e calçando
tênis preto.
— Uau! Que gato!
Ele riu alto ao ouvir meu elogio e veio até mim.
— Peguei óculos de sol para você também — falou estendendo-os
para mim.
— Obrigada.
Tomamos café da manhã em uma cafeteria ali perto e depois
seguimos para o Grand Canyon de helicóptero. O voo durou pouco mais de
meia hora até lá. Sobrevoamos aquele lugar incrível, admirando do alto o
Lago Mead. Era impossível não se apaixonar pela paisagem rochosa de tirar
o fôlego. Aterrissamos as margens do Rio Colorado e um guia nos levou até
Guano Piont. Para todos os lados que se olhava, se via as belas paredes do
Canyon formadas pela natureza.
— Preciso confessar algo... — falou Victor, abraçado a mim por
trás.
— O quê?
— Já sobrevoei esse lugar por duas vezes, mas nunca parei para
admirá-lo como estou fazendo com você, agora.
— Está falando sério? — perguntei incrédula, virando-me para ele.
— Estou! Sempre que viajo é a trabalho. Tirando minha primeira lua
de mel, que foi na Rússia e durou três dias, nunca viajei por lazer.
— Nunca?
— Nunca!
— Victor... Você tem dinheiro para ir a qualquer lugar do mundo e
ficar por quanto tempo quiser. Ter uma conta bancária bilionária, um
histórico de viagens e um passaporte cheio de carimbos não significa que
teve uma boa vida. Devia aproveitá-la mais, afinal, é apenas uma.
— Eu sei, mas é que...
— Não consegue abandonar o mundo business, eu entendo —
interrompi-o. — Mas ao menos tente reduzir o trabalho, aproveitar mais os
dias fora do escritório e ter almoços de verdade, ao invés de tratar negócios
no horário de meio-dia. Aproveite as oportunidades únicas que surgem.
— O problema é que eu não consigo identificar essas oportunidades.
Como elas seriam?
Ele sempre teve tudo e o tempo todo ao seu redor, de maneira tão
rápida e eficiente, que nunca fora capaz de perceber qual era o momento
único de cada dia.
— O que estamos vivendo agora é uma oportunidade única. Não
sabemos quando poderemos voltar aqui e fazer isso de novo, então devemos
curtir ao máximo!
— Há tanto no mundo que ainda quero ver com você, Maya — disse
e segurou meu rosto entre suas mãos. — Mas temo que nosso tempo seja
curto...
— Não diga isso — sussurrei triste, sentindo um aperto no peito.
— Sejamos honestos... Sabemos que nosso “felizes para sempre”
não será tão longo como desejamos.
Engoli minha vontade de chorar.
— Prometo tentar viver mais meus dias. Vivê-los mais por você e
Caleb.
— Por favor... Faça isso! — Sorri e beijei-o em seguida.
Eu sabia que nosso cronômetro já estava disparado e não dava para
pedir pausa. Porém, evitava pensar nisso porque me doía saber que ainda
teria anos de vida para caminhar e ele não estaria ao meu lado! Meu grande
e verdadeiro amor, não seria eterno em Terra, mas estaria para sempre vivo
em mim.
Nosso passeio continuou. Em um Jeep seguimos até Eagle Point, um
lugar fantástico que abrigava não só a tão famosa ponte de vidro Skywalk,
mas também uma história incrivelmente rica em cultura nativa americana.
Nós tiramos algumas fotos na ponte e ficamos ali por alguns minutos
contemplando a vista feita pela natureza agarrados um ao outro.
Senti fome e assustei-me quando vi que horas eram no meu relógio
de pulso. Já passavam das duas e meia da tarde. Victor também havia se
desligado do tempo e perdido a hora com sua agenda de compromissos. Nós
comemos em um restaurante ali perto, antes de voltarmos para o hotel.
Estávamos passando pelo hall quando Ferdinando ligou para Victor e lhe
disse que estava com um de seus sócios no bar do hotel, convidando-o para
ir até tomar alguns drinques e conversarem sobre trabalho.
— Se importa, querida?
— Claro que não. Estou cansada, talvez até durma depois de um
banho.
Nós nos despedimos e ele seguiu para o bar, enquanto eu subi para a
nossa suíte. Ao entrar no quarto, paralisei no batente da porta, tomando um
susto com a desordem que vi no cômodo. Haviam penas dos travesseiros
por toda parte misturadas aos cacos dos objetos de decoração quebrados
pelo chão. O vestido que estava dependurado próximo as portas, o qual
usaria na festa, estava completamente destruído sobre o colchão. Na
cabeceira espelhada da mesma, a palavra “vadia” estava escrita com uns
dos meus batons vermelhos que guardava no banheiro. Nas portas do closet
marcas de chutes. Provavelmente o “invasor” tentou abri-las, mas elas eram
fechadas por trancas eletrônicas com senha cadastrada por mim e Victor.
Aproximei-me novamente da cama e encarei o vestido aos pedaços
que Victor escolheu com tanto cuidado. Eu sabia quem tinha feito aquilo e
não havia a menor dúvida, estava convicta de que havia sido Eliza. Uma
raiva enorme me encheu por dentro, fazendo algumas lágrimas de ódio se
derramarem. Ela nunca vai parar! Não vai, até que eu a faça!
CAPÍTULO 33

Enquanto limpava toda a bagunça, remoía-me de ódio por aquela


mulher. Tudo bem, eu entendia que Victor devia ser meticuloso com suas
ações a respeito da Eliza, não só porque tinha receio de que seu filho o
odiasse e ficasse a favor da mãe maluca, mas também porque temia que ela
fizesse um escândalo com os documentos que ainda tinha sob seu domínio,
que a qualquer momento poderia ir parar nas mãos da polícia. Ela havia se
calado a respeito por enquanto, mas isso não significava que tinha
esquecido ou desistido das ameaças. No entanto... minha espera por uma
atitude dele com aquela mulher, havia se encerrado. Eu juro que tentei
compreender a situação e atribuir sua perseguição a uma doença psicológica
e entender que precisava de ajuda psiquiátrica, mas minha empatia havia se
esgotado. Não dava mais para simplesmente esperar Victor agir no
momento em que julgasse ser propenso. Eu sentia o desejo de vingança
correr quente junto ao sangue em minhas veias. Estava mais do que
decidida a fazer algo por minha conta e risco, mesmo que isso gerasse uma
enorme punição.
— Maya? — Escutei Noberto me chamar da sala.
— Aqui! — gritei do quarto.
— Mas o que houve? — perguntou assustado ao entrar.
— Eliza, foi o que houve! — respondi enfurecida.
— Como assim? Quando ela esteve aqui?
— Quando eu e Victor estávamos fora.
— Mas como ela... — interrompeu-se. — Ah! Deixe para lá. Aquela
mulher é a rainha do suborno!
— Não diga nada ao Victor. Tivemos um dia incrível e não quero
estragar tudo que estava indo tão bem, até agora. Sem falar que o evento
acontecerá em algumas horas, não quero um clima ruim.
— Precisa de algo?
— Que me ajude a limpar o quarto antes que ele volte.
— Claro. — Abaixou-se me ajudando a catar os cacos de vasos
quebrados no chão.
— Acha que ele ainda demora no bar? — perguntei, enquanto
limpava o espelho cheio de batom.
— Acho que sim. Ele está com dois dos seus mais importantes
sócios. Por que pergunta?
— Tenho que providenciar outro vestido. Preciso encontrar um novo
o quanto antes, senão não terei o que vestir no evento.
— Sabe que é provável que ela esteja lá, não é?
— Sei sim. Estarei preparada para lidar com ela.
— Cuidado com o que irá fazer, Maya! — advertiu-me.
— Cuidado, não é bem o que terei com ela.
— Não faça nada por impulso e que vá se arrepender.
— Impulso? — perguntei alto, levantando-me da cama. — Quer
falar de agir por impulso? Aquela mulher fez com que eu fosse presa,
Noberto! Presa! E por decorrência disso fui afastada da minha faculdade,
meu bom relacionamento com meu pai foi arruinado e virei piada na
fraternidade! Ela colocou minha amiga em sérios problemas. Ah... E não
vamos nos esquecer daquela fatídica noite na festa! — berrei sentindo
minha garganta arder e meus olhos ficarem marejados. — Por que parece
que ninguém, nem mesmo o Victor, vê isso? Qual a dificuldade em
enxergar o mal que esta mulher me fez e ainda faz? — perguntei aos
prantos. — Será que ninguém vê o quanto ainda estou machucada com tudo
o que aconteceu? Eu não posso mais esperar por ele, Noberto. Não dá mais
para ficar apenas curtindo nossas viagens e fingindo estar tudo bem, ter
superado tudo. Preciso fazer alguma coisa por mim... qualquer coisa!
Talvez, seja mais do que precisar... é uma necessidade de me sentir aliviada
desse sentimento angustiante.
Noberto atravessou o quarto até mim e surpreendeu-me com um
abraço apertado, que não recusei. Envolvi seu corpo com meus braços e
deitei minha cabeça em seu ombro. Chorei de olhos fechados, imaginando e
desejando que fosse meu pai a me acalentar. Em partes, a vida estava ótima
para mim. Minha mãe havia acordado, eu estava de volta à vida do Victor e
ele na minha. Tinha adquirido novos amigos incríveis e feito viagens
memoráveis com meu namorado. Mas uma dor martelava sem parar dentro
de mim. Às vezes, ela parecia adormecer; e em outros instantes, me
machucava forte por dentro fazendo-me sangrar, como naquele exato
momento.
Mais calma, terminamos de limpar tudo. Enquanto Noberto
esperava por mim na sala, tomei um banho rápido e me vesti para ir atrás de
um vestido antes que Victor voltasse. Desci para o segundo andar do hotel,
onde havia várias lojas de grifes, e comecei uma busca implacável por algo
que estivesse à altura do que havia sido destruído. Na segunda loja em que
entramos, uma vendedora de nome Sandy me abordou e se dispôs a me
ajudar. Ela perguntou que tipo de evento seria e lhe expliquei dizendo ser
algo muito glamoroso e formal.
— Espere-me aqui e fique à vontade — disse Sandy antes de ir
buscar alguns modelos.
— Obrigada.
Enquanto esperava por ela, tomei uma taça de champanhe e olhei
algumas peças que estavam expostas pela loja, mas nada ali chegava aos
pés do vestido anterior. Antes de ir, a vendedora disse que havia algumas
peças especiais e exclusivas que ainda não haviam sido expostas e essas
eram minha esperança de encontrar o vestido ideal.
— Voltei! Trouxe três modelos diferentes. Já sabe as joias que vai
usar?
Na verdade, eu não sabia. Nem sequer havia pensado nisso, era
sempre Victor quem cuidava de tudo.
— Não, mas... encontrei algo para combinar com alguns deles.
— Está bem.
Ela os dependurou à minha frente e abriu os sacos preto que os
envolvia com todo cuidado. O primeiro vestido era azul-cobalto com
detalhes de aplicações douradas na cintura, alças finas e babados demais
para meu gosto por toda a saia. O segundo era feito de um tecido acetinado
roxo-escuro, mangas três-quartos, decote quadrado nas costas até a metade,
mas a saia era muito rodada e isso foi o que não me agradou. O terceiro era
feito de organza preta, decote tomara que caia em formato coração, justo ao
corpo até os joelhos e depois se abria levemente até os pés formando uma
pequena cauda atrás.
— Uau! — exclamei tocando o tecido macio. — Este é lindo! Acho
que nunca usei nada desse modelo.
— Temos este modelo na cor vermelha. Se quiser, posso buscá-lo.
— Eu quero!
Ela saiu e logo voltou com o vestido e um par de sandálias prata,
com detalhes em cristais translúcidos nas tiras que transpassavam o dorso
do pé. O modelo vermelho era ainda mais lindo e com toda certeza eu
chamaria muito a atenção. Fui ao provador e com a ajuda de Sandy, vesti-o
e calcei as sandálias. Ela prendeu meu cabelo em um coque baixo e colocou
em meu pescoço um colar com um pingente deslumbrante de diamante em
formato de gota, com pequenas pedrinhas de rubi em seu contorno.
— Este é um modelo Sole com um diamante translúcido de dez
quilates ao centro e pequenos rubis de quinze pontos, cada um. Combinou
bem com o vestido, não acha?
Era lindo, mas eu não podia me dar esse luxo.
— É belíssimo, porém, hoje estou à procura somente do vestido. Eu
já tinha um, mas houve um probleminha com ele.
— Tudo bem. E quanto ao vestido, o que achou?
— Eu amei! Vou ficar com ele e o par de sandálias — respondi,
admirando-me pelo espelho.
Depois de retirá-lo e vestir minhas roupas, fui até o caixa realizar o
pagamento.
— São nove mil e trezentos dólares. Qual será a forma de
pagamento, senhorita?
— À vista — respondeu Noberto, entregando-lhe um cartão Black,
que pertencia ao Victor.
— Eu posso pagar por isso. Os últimos trabalhos como modelo têm
pagado muito bem! — disse olhando-o de cara feia.
— Eu não duvido disso, mas imagino que essa quantia é tudo o que
tem em sua conta, não é?
— É, mas... eu preciso desse vestido!
— Sabemos como Victor é. Talvez seja melhor que ele pague por
isso, por favor — pediu com um olhar de súplica.
Respirei fundo.
— Okay — cedi.
Ele fez o pagamento e, então, voltamos para o quarto. Quando
entrei, Victor estava sentado no sofá de frente para a porta tomando uma
dose de algum drinque.
— Onde estava? Já são sete horas! — interrogou-me, quando passei
pela porta.
— Achei que fosse demorar mais no bar. — Segui direto para o
quarto com as sacolas nas mãos.
— Perguntei onde estava! — falou alto seguindo-me até o closet.
— Fui até o segundo andar. Não tem com o que se preocupar,
Noberto estava comigo.
— O que faziam lá? — perguntou encarando-me de braços cruzados
à frente.
— É um andar comercial, Victor. Estava fazendo compras —
respondi impaciente.
— Isso é outro vestido? Qual o problema com o que lhe dei? Você
disse ter gostado.
— E gostei muito, de verdade! Mas o que aconteceu foi que, quando
fui prová-lo esta tarde, pisei na barra sem querer e o rasguei. Pedi a Noberto
que achasse alguém para consertá-lo, mas ele não conseguiu encontrar
ninguém a essa hora. Desculpe-me.
Menti descaradamente e sem medo. Era preciso. Se dissesse a
verdade, ele diria o mesmo de sempre: “se acalme, vou resolver”. Mas,
honestamente, estava começando a achar que nunca resolveria e logo outra
merda aconteceria. Ele encarou-me por alguns segundos com um olhar
semicerrado e aproximou-se.
— Posso ver o que comprou?
— Claro!
Retirei o vestido da sacola e depois do saco que o envolvia. Ele o
analisou e depois o colocou cuidadosamente sobre o aparador ao nosso
lado.
— Você está bem? — perguntou voltando até mim.
— Estou.
— Não está chateada por eu ter ido ao bar, ao invés de subir com
você?
— Claro que não, Victor.
Abracei seu pescoço e colei minha testa na sua.
— Eu amo você — declarou-se e selou meus lábios.
— Acho melhor começarmos a nos arrumar.
— Concordo.
Tomamos um banho juntos, com trocas de carícias e depois fomos
nos vestir. Victor havia chamado uma cabeleireira para fazer meu penteado.
Ela chegou às oito e meia e nós nos sentamos na sala, enquanto Victor
terminava de se arrumar no quarto. A mulher foi rápida com sua prática em
cabelos. Optei por fazer um coque “banana” com um topete um pouquinho
alto, tranças laterais e alguns fios soltos à frente. Depois que ela se foi,
entrei no quarto e encontrei Victor ao telefone vestido somente com a calça
do smoking e sapatos. Entrei no closet e sentei-me diante da penteadeira.
Com calma fiz minha maquiagem caprichando no batom um tom mais
escuro do que o vermelho do vestido. Levantei-me e tirei o roupão de banho
que usava e comecei a me vestir.
— Quer ajuda? — perguntou Victor parado na porta.
— Quero sim, por favor.
Ele veio até mim e fechou o zíper do vestido em minhas costas.
Suas mãos acariciaram meus ombros suavemente e as desceram
escorregando por meus braços. Ele roçou a pontinha do seu nariz em meu
pescoço e aspirou fundo meu perfume. Arrepiei-me toda aos seus toques.
— Está linda — sussurrou em meu ouvido. — Tenho algo para
você.
Ele afastou-se até o cofre, abriu-o e pegou uma caixa quadrada de
couro preto.
— Quero que você seja quem vá exibi-la esta noite — disse
voltando até mim e abriu a caixa.
— Ai, meu Deus! É a peça central.
Encarei-a incrédula.
— Não imagino exposição melhor para esta peça. Ela é sua.
Sorri e peguei-a.
— Coloque em mim, por favor.
Entreguei-a para ele e virei-me de costas. Victor colocou o colar em
meu pescoço e depois me entregou um bracelete e pequenos brincos de
diamantes, que coloquei sozinha enquanto ele terminava de se vestir. Victor
usava um smoking preto com lapela aveludada da mesma cor, com camisa
branca com botões pretos e gravata borboleta de seda preta. Nos punhos, ele
colocou suas novas abotoaduras de diamantes amarelo.
— Você está maravilhoso — elogiei sorridente.
Ele sorriu e selou meus lábios. Descemos para a limusine que nos
aguardava à frente do hotel e ele ajudou-me a entrar primeiro vindo logo
depois. Fizemos o caminho em silêncio e de mãos dadas. Ao chegarmos no
local do evento, um homem abriu a porta e ele saiu primeiro oferecendo-me
sua mão. Ao sair do carro, uma chuva de flashes foi disparada em nossa
direção. Um largo tapete verde nos guiou até a entrada. De ambos os lados,
depois das cordas de contenção, havia fotógrafos e jornalistas de todos os
veículos de informação que se possa imaginar. Nós paramos e sorrimos para
algumas fotos, ignorando perguntas curiosas a respeito do nosso
relacionamento. Ao entrarmos, tive uma grande surpresa. No centro do
enorme salão, um banner descia do teto ao chão com minha foto no “jardim
do Éden”, usando a peça central e enrolada somente em um lençol de seda.
Abaixo dela, o nome da nova coleção que eu ainda não sabia qual seria.
Maya, era como se chamava. Senti-me lisonjeada. Olhei para Victor e ele
sorriu com um lindo brilho nos olhos.
— Estavam todos em dúvida de que nome escolher para a nova
coleção, então... eu escolhi o seu.
— Por quê?
— Porque achei justo. Você é tão valiosa quanto qualquer uma
dessas peças expostas aqui hoje. Nenhuma joia no mundo terá o valor que
você tem. Na verdade, acho que o seu valor é inestimável, ao menos para
mim! Você é rara, Maya! Acho que a pergunta certa seria: por que não
nomear a nova coleção com seu nome?
Sorri completamente apaixonada e emocionada. Nunca na vida
esperei ouvir palavras assim de um homem. Mas Victor não era apenas um
homem. Ele era O HOMEM da minha vida. E naquele momento, tive a
certeza de que jamais outro tomaria meu coração como ele.
— Eu adorei! — disse, controlando minha emoção.
— Fico feliz por isso.
Ele beijou carinhosamente minha testa e nós continuamos a andar,
sempre parando para cumprimentar e conversar com algumas pessoas. De
longe, avistei Aurora e Ferdinando. Ela estava linda em um vestido amarelo
de mangas longas e um decote quase na altura do estômago. Fomos até eles
e Victor pegou duas taças de champanhe para nós. A noite foi passando e
fui apresentada para muitas pessoas que elogiaram as fotos e minha
aparência. Todos foram extremamente educados, respeitosos e não
escutamos sequer uma piadinha a respeito da nossa diferença de idade.
Victor foi chamado para fazer um breve discurso no palco, enquanto
fiquei junto a Aurora, apenas o admirando falar tão bem lá em cima para
uma multidão de pessoas. Quando desceu, após agradecer a presença de
todos, ele convidou-me para dançar. Estávamos agarrados sussurrando
bobagens no ouvido um do outro e nos divertindo na pista de dança. Tudo
estava indo muito bem e perfeito, até eu ver Eliza passar a alguns metros de
nós a caminho dos banheiros. Naquele instante, meu sangue aqueceu no
corpo e minha raiva de mais cedo, que já havia passado, reapareceu.
— Victor, amigo... como vai? — cumprimentou um homem, que se
aproximou quando a música acabou.
— Michael! Estou bem e você? — respondeu Victor apertando a
mão do homem.
— Preciso ir ao banheiro, já volto — sussurrei apressada em seu
ouvido, antes de me afastar rapidamente.
Entrei no banheiro feminino e havia duas mulheres conversando
enquanto lavavam as mãos na pia. Elas saíram e tranquei a porta, esperando
que Eliza saísse da única cabine de porta fechada. Quando ela me viu, parou
e lançou-me um olhar cheio de ira contraindo seu maxilar. Seus olhos me
analisaram da cabeça aos pés com desdém.
— Belo vestido — debochou.
— Pensou que destruindo aquele, não me veria aqui esta noite? —
Sorri.
— Talvez da próxima, o que eu deva rasgar seja você! — disse e
sorriu, mas pude sentir sua raiva na voz.
— Pode ter a certeza de que, antes que cogite tentar, eu já terei a
colocado em um manicômio ou atrás das grades.
— Pobre garota... Você pode até tentar, mas não irá conseguir.
— Por favor, Eliza... Não duvide da minha capacidade para fazer as
coisas. — Aproximei-me dela. — Eu, sinceramente, não entendo essa sua
necessidade de ficar correndo atrás dele como um cãozinho abandonado.
Não percebe que isso é humilhante para você? Já não está óbvio demais que
Victor não a quer? O que lhe faz pensar que me atacando, o terá de volta?
Conte-me — falei com uma falsa calma, sempre sorrindo com ironia.
— Ele só está se divertindo com você, acredite! É o que Victor faz!
Acha mesmo que não fez por outras, o que faz para você? Coitada iludida!
— despejou seu veneno.
— Eu não acho, tenho certeza! E quer saber por que sei que sou
única e especial em sua vida? Porque ele me diz isso com todas as letras,
todos os dias, quando fala que me ama enquanto faz amor comigo. Ele já
fez amor com você, Eliza? Ou o que vocês tinham era apenas sexo
dominante com algemas e açoites?
Seus olhos estavam vermelhos e marejados. Sua respiração pesada,
arfando alto, em seu peito. O maxilar estava contraído e os dentes rangiam.
Eliza levantou sua mão preparando-se para desferir contra meu rosto, mas
antes que executasse seu tapa com êxito, segurei seu punho com força no ar
e forcei-a a abaixar o braço.
— Não ouse tocar em mim! Honestamente, eu tenho pena de você!
Você precisa aceitar que está doente e precisa de ajuda. Essa sua obsessão
por ele não é amor ou paixão, Eliza! Deixe Victor te ajudar, pense no filho
de vocês que ainda precisa da mãe com boa saúde mental. Caleb é apenas
um menino! — falei encarando-a nos olhos.
— Quem você pensa que é para falar de mim ou do meu filho? —
berrou, desprendendo seu punho da minha mão com um puxão.
— Alguém que está sofrendo com suas loucuras e perturbações!
Alguém que quer te ajudar! — gritei. — Estou dizendo somente o que vejo!
Por que não aceita a realidade?
— Eu não sou louca ou estou doente! Você roubou o homem que é
meu. Quer roubar meu filho também? Por isso quer me colocar em um
hospício? Para fazer uma lavagem cerebral nele e colocá-lo contra mim,
como fez com Victor? — berrou novamente.
— Jamais afastaria Caleb de você e Victor não é seu objeto ou
propriedade, para ser roubado. Ele é um homem adulto, que sabe tomar suas
decisões por conta própria! Aceite que, se ele a quisesse, vocês estariam
juntos! Aceite que a vida dele é comigo e nos deixe em paz de uma vez por
todas!
— Eu sei qual é seu jogo, sua vadia imunda! — Apontou seu dedo
indicador em meu rosto. — Vai virá-los contra mim e me acusar de
insanidade mental, porque está se sentindo ameaçada! Sabe que se eu
continuar a insistir, mais cedo ou mais tarde Victor verá a vagabunda
estúpida que você é de verdade e voltará correndo para os meus braços! Aí
você estará de novo na merda e irá morrer sozinha naquilo que chama de
cidade, em Oklahoma! — esgoelou cerrando os punhos.
Sem pensar e possuída pela raiva, acertei-lhe um forte tapa no rosto,
fazendo-a virar a cabeça para o outro lado e cambalear para trás apoiando-
se na bancada da pia. Minha mão ardeu e gostei daquilo. Era errado, eu sei,
mas gostei! Eliza olhou-me incrédula e cheia de ódio, revidando de
imediato o tapa acertando minha face em cheio. Ela pulou em cima de mim
tentando me atacar, mas eu a empurrei para trás fazendo-a bater de costas
na parede. Senti meus braços arderem e vi neles arranhões feitos por ela que
minavam sangue. Parti para cima dela agarrando seus cabelos e joguei-a no
chão. Ela xingou-me e não conseguiu se levantar. Abaixei-me ao seu lado e
a fiz olhar para mim segurando-a firme pelo queixo.
— Olhe para mim! Você é mais louca do que pensei! Livrar-me de
você, agora, é uma questão de honra! Estou farta das suas maluquices que
sempre me machucam, ou a alguém perto de mim! Sei do que fez com
Penny e do que armou na festa da fraternidade. Victor também já sabe de
tudo! Ele a odeia tanto quanto eu. Saiba que, se ele ainda não fez nada com
você para puni-la, foi pelo filho e não porque te ama! Esse sentimento ele
nunca teve e nem terá por você! Porque ele ama a mim! Entendeu? A mim!
— berrei, esperando que ao menos minhas palavras a ferissem da forma que
eu desejava fazer com minhas mãos.
— Está começando a deixar sua máscara cair, minha cara. Logo ele
verá! — disse cheia de ódio e sorrindo, deixando escapar algumas lágrimas.
— Não. Só estou cansada de ser tola e fraca! É confusão que você
queria comigo? Então fique feliz, porque acabou de conseguir!
Soltei-a e me levantei deixando-a caída no chão banheiro, sem olhar
para trás.
CAPÍTULO 34

— Onde está a Maya? — perguntou Aurora.


— Ela foi ao banheiro. Já deve estar voltando.
— Ah! Olha ela aí. Estava procurando por você. Venha, vamos tirar
uma foto juntas para a Vanity Fair — chamou Aurora pegando Maya pela
mão.
— Claro, vamos lá.
— Ai, meu Deus! O que foi isso no seu braço, Maya? — perguntou
Aurora assustada.
— Não foi nada — respondeu Maya apressada, colocando a mão no
braço direito. — Só esbarrei em algo na saída do banheiro, não sei
exatamente em quê. Vamos tirar a foto?
Maya me pareceu um tanto nervosa e tentou afastar-se rapidamente,
mas a impedi segurando-a pelo braço, achando seu comportamento muito
suspeito.
— Deixe-me ver o que houve! — Não era um pedido, era uma
ordem.
— Não foi nada, eu já disse. Estou bem. — Tentou livrar seu braço
do meu aperto e se afastar novamente.
Segurei-a com força puxando-a para mim e procurei em seu braço
onde estava machucado. Nele havia quatro profundos arranhões que
minavam sangue. Mas não eram arranhões feitos por esbarrar em algo, eram
feitos por alguém. Por unhas!
— Mas o que foi que aconteceu no banheiro? — perguntei
entredentes, encarando-a sério.
Ela engoliu em seco e tinha um olhar assustado.
— Nada. Estou bem. Está tudo bem, Victor — tentou manter-se
calma falando baixinho.
Não acreditei em suas palavras. Conhecia-a bem e sabia que estava
mentindo e escondendo-me alguma coisa, e isso me deixava louco. Estreitei
meus olhos para ela, dando-lhe mais uma chance de mudar sua resposta
para a minha pergunta e dizer-me a verdade, mas ela não fez. Soltei-a e
caminhei apressado em direção ao banheiro. Maya chamou-me pedindo-me
que a esperasse e veio atrás de mim. Ao me aproximar do banheiro
feminino, vi Eliza deixá-lo com sua mão apoiada na lateral de seu rosto. Ela
parou abruptamente quando me viu e retirou a mão da face permitindo-me
ver a marca vermelha em sua bochecha. Seus olhos estavam molhados por
lágrimas, a maquiagem levemente borrada abaixo deles e seus cabelos
completamente bagunçados. Olhei para Maya por cima do meu ombro e ela
encarava Eliza com pleno ódio. Caminhei até minha ex-esposa e parei à sua
frente olhando-a com firmeza nos olhos.
— Se ainda tiver o mínimo de decência e amor-próprio é melhor que
pare agora! Isso já foi longe demais, Eliza! Não me faça agir, você me
conhece! Em consideração aos anos em que fomos parceiros e pelo nosso
filho, peço que pare! — disse baixo e rude.
Uma lágrima grossa e solitária escorreu por seu rosto, mas ela
manteve sua postura firme, sustentando meu olhar. Dei-lhe as costas e voltei
para Maya, pegando-a pela mão e nos tirando dali.
— Se despeça de todos! — ordenei ao voltarmos para a festa.
— Não somos nós que temos que ir embora, é ela! — Parou e soltou
minha mão.
— Não me faça arrastá-la daqui! — disse entredentes a encarando
com raiva por seu comportamento explosivo.
— É isso mesmo? Vai fugir outra vez e deixá-la ir para voltar logo
mais e nos infernizar?
— Conversaremos sobre isso depois! Se despeça da Aurora e vamos
embora!
— Às vezes, tenho vontade de mandá-lo para o inferno.
Aquela foi a primeira vez que vi ódio em seus olhos direcionados a
mim. Confesso que doeu. Ela passou por mim com passos duros e
caminhou em direção à saída sem falar com ninguém. Esta noite será
longa, eu sinto. Alcancei-a antes que deixasse o salão e agarrei-a de lado
pela cintura juntando seu corpo pequeno ao meu. Saímos para o tapete
verde onde ainda estavam as dezenas de fotógrafos e repórteres. Ela tentou
desprender-se de mim, mas não permiti. Quando chegamos ao carro, ela
entrou primeiro e eu logo em seguida. O caminho de volta para o hotel foi
feito em um completo e desconfortável silêncio. Maya não olhou para mim
uma vez sequer, apenas observou a cidade que passava pela janela do carro
e manteve seus braços cruzados. Sua mão esquerda estava repousada sobre
os arranhões no braço direito, que certamente ardiam. Ao chegarmos, ela
andou até a suíte sempre alguns passos à minha frente e sem olhar para trás.
Entramos e ela foi para o quarto fechando a porta em um baque. Eu a segui
até lá e encontrei-a sentada nos pés da cama tirando suas sandálias.
— Mas o que foi que aconteceu naquele banheiro? Por que bateu
nela, Maya? Não pensou nas consequências que sua ação estúpida poderia
ter? — perguntei irado.
— Que se foda! — gritou levantando-se. — Não aguento mais isso!
Não aguento mais essa situação de merda em sempre ter que esperar por
você fazer alguma coisa, não por mim, mas por nós! Ela está destruindo
NÓS e não apenas eu! Essa mulher nunca vai nos deixar em paz, Victor,
você não vê? Estou farta dela, farta de você nunca tomar nenhuma decisão e
de eu não poder fazer nada por mim mesma! Sua ex-esposa infernal, que
você tanto teme, fez coisas horríveis comigo e você parece ignorar! Ela
destruiu a minha vida! — falou com a voz embargada, ficando com os olhos
marejados de lágrimas. — Você diz gostar de mim, me amar, mas não faz
nada para me proteger dela. Joias, roupas, viagens... Isso não é o bastante
para mim em um relacionamento, Victor.
— O que quer que eu faça? — perguntei aproximando-me.
— Que a faça pagar por tudo que me fez! Que a tire do nosso
caminho. — Respirou fundo tomando fôlego e fechando os olhos, fazendo
com que algumas lágrimas escorressem por sua face. — Deus... Como eu
queria não amar você agora.
Aquilo foi muito doloroso de se ouvir. Doeu fundo em meu peito e,
pela primeira vez em anos, senti uma terrível vontade de chorar. Ela sentia
tanta dor e tanta mágoa e eu me senti culpado por causar aquilo a ela.
— Caleb não é mais uma criança, Victor. Quem sabe, esteja na hora
dele conhecer a mãe que tem. Se esse é seu real motivo, medo que ele o
odeie... não tenha. Aquela mulher é louca e precisa de ajuda! Cuide dela
antes que a mesma tente fazer algo pior com alguém ou consigo mesma! Aí
sim, seu filho irá odiá-lo para o resto da vida. — Ela secou sua lágrima e foi
ao banheiro. — Preciso ficar sozinha — falou antes de entrar e fechar a
porta atrás de si.
Sentei-me nos pés da cama e apoiei meus cotovelos nos joelhos,
afundando meu rosto em minhas mãos. Acreditei que em algum momento
Eliza desistiria de infernizar nossas vidas e seguiria com a sua adiante, mas
isso não aconteceu. Quando soube de tudo o que ela fez a Maya, tive
vontade de agir com minhas próprias mãos, mas isso não era o certo. Eu
tinha pleno conhecimento do sofrimento pelo qual meu amor passava. Sabia
o quanto os últimos meses foram difíceis para ela; e no pior dos seus
momentos, eu não estava lá para ajudá-la. Havia dado as costas para ela
covardemente. Pensei muitas vezes em falar com advogados e deixar que a
justiça do homem punisse Eliza pelas suas loucuras, mas, honestamente,
temi que Caleb me acusasse de afastá-lo da sua mãe quando fosse presa ou
internada em uma clínica psiquiatra.
Quando nos divorciamos há seis anos, ele tinha apenas onze e foi
com ela que preferiu morar. Caleb era um garoto inocente que foi
influenciado e manipulado pela mãe e colocado contra mim. Por meses,
meu único filho não quis me ver ou falar comigo. Nas raras vezes que nos
encontramos, ele dizia que me odiava e pude sentir que isso era verdade em
suas palavras. Sabia que Eliza precisava de ajuda para enxergar sua
condição e aceitar um tratamento com bons profissionais que eu estava
disposto a pagar, mas isso não seria nada fácil ou simples, no entanto,
estava na hora de tentar e fosse o que Deus quisesse. Ela ainda tinha os
documentos que podiam me pôr em grandes problemas, mas estava disposto
a me arriscar.
Levantei-me da cama e fui para a sala, peguei uma garrafa de
Armagnac, um copo e sentei no sofá. A noite se foi lentamente e junto a ela,
uma garrafa cheia de bebida. Vi o dia amanhecer e a angústia aumentar em
meu peito. Maya não saiu do quarto e eu não entrei. Diversas vezes, durante
a madrugada, caminhei até a porta e tive vontade de entrar, deitar-me com
ela, abraçá-la apertado a mim e dizer o quanto a amava, mas fui forte e
resisti. Respeitei seu espaço, ela havia deixado claro que precisava ficar
sozinha. Esperei até mais tarde e quando escutei barulhos vindos lá dentro,
soube que ela já tinha acordado e entrei. Para meu desespero, ela já estava
vestida e arrumando suas malas.
— Para onde vai às oito da manhã? Por que está fazendo as malas?
— Está na hora de voltar para Chicago — respondeu sem me dirigir
o olhar, arrumando suas roupas na mala aberta sobre a cama.
— Não faça isso! — pedi indo até ela. — Por que vai voltar para lá?
Pensei que fôssemos juntos para Tulsa! — Ela nada disse, apenas continuou
o que fazia. — Acha que precisa de um tempo com suas amigas? É isso?
Por isso quer ir para Chicago?
— Não sou eu quem precisa de um tempo, Victor. — Encarou-me.
— É você! Tempo para pensar no que realmente importa na sua vida e listar
suas prioridades. — Voltou para o closet.
— Eu não preciso de um tempo para saber que você é minha
prioridade! — Fui atrás dela.
— Precisa sim. — Parou e olhou para mim, que estava de pé no
batente da porta. — Não estou deixando você, Victor. Estou lhe dando
tempo para pensar em nós. Pensar em si mesmo. Talvez seja disso que
precisa para tomar certas atitudes.
— Já penso em nós o tempo todo e não preciso pensar em mim. —
Aproximei-me. — Eu amo você, Maya.
— Se me ama tanto como diz... então também deseja o meu bem e a
minha paz. Eu não queria ter que fazer isso, mas é preciso. Victor... Você
precisa escolher quem irá manter em sua vida. Não há espaço para mim e
Eliza nela. O bem que vocês têm em comum é apenas o Caleb. Não tem o
porquê de ela estar sempre onde estamos e atrás de você da maneira
desesperada como faz. Eu não quero mais ter que me encontrar com essa
mulher ou não irei me responsabilizar por meus atos! Não quero mais ter
problemas na vida causados por ela. Faça-a entender que o casamento de
vocês acabou... Ou... o que terá acabado será nós, porque não posso mais
lidar com isso. É demais para mim.
— Maya...
— Estou indo para Chicago, porque tenho coisas pendentes para
resolver por lá. Depois vou voltar para casa e me concentrar em meus pais,
porque eles são as pessoas com as quais mais me importo na vida e já os
deixei de lado por tempo demais nos últimos meses — interrompeu-me.
— Okay — concordei cedendo finalmente.
Não adiantaria tentar impedi-la, isso só deixaria a situação ainda
pior entre nós. Ela abraçou-me envolvendo minha cintura e beijou meu
rosto antes de me soltar.
— A gente vai se falando pelo telefone.
Maya pegou seus últimos pertences no closet e os colocou na mala
fechando-a em seguida. Ela já havia ligado para Noberto e lhe pedido para
comprar uma passagem para ela e buscá-la as nove, mas ele já sabia o que
devia fazer sem me consultar, então, mandou que preparassem o jatinho e
veio até mim antes de pegar sua bagagem, para me perguntar se tinha
autorização de levá-la e eu apenas assenti. Maya parou na porta e deu-me
um sorriso fraco antes de deixar a suíte acompanhada por ele. Naquele
minuto, senti que estava perdendo a mulher que mais amei na vida. Estava
perdendo minha garota.

Dois dias haviam se passado e eu procurei Eliza como agulha em


um palheiro. Nem mesmo Caleb sabia da localização exata da mãe. Para
ele, ela disse que estava em um SPA em Los Angeles com amigas, que
procurei e me disseram que não a viam há meses. Eu a procurei em cada
SPA da Califórnia e não a encontrei. Como da outra vez que aprontou
comigo, ela sumiu da face da Terra. Eu e Maya nos falamos poucas vezes
através de mensagens diretas e de poucas palavras nos últimos dias. Ela
estava em Chicago com as amigas e eu já estava morrendo de saudade dela.
Não só da sua presença, mas também do seu cheiro, sua voz, sua risada, seu
beijo... Olhei as horas em meu relógio de pulso e passava das cinco da
tarde. O que Maya estaria fazendo agora? Suspirei frustrado.
— Quer saber... Já chega dessa distância — falei para mim mesmo,
levantando-me da cadeira em meu escritório no centro da cidade.
Saquei meu celular do bolso interno do paletó, a caminho do
elevador, e busquei por Noberto em minha agenda.
— Senhor — cumprimentou-me ao atender minha ligação.
— Mande que preparem o avião, vou para Chicago agora mesmo.
— Okay. Peço a uma das empregadas que faça uma mala?
— Sim, obrigado.
Encerrei a chamada e entrei no elevador.
CAPÍTULO 35

Dois dias sem Victor era uma eternidade. Cair em seus braços era
tudo o que eu desejava, mas me mantive firme em todas as vezes que senti
saudade ou vontade de ir até ele. Nós nos falamos somente por mensagens
algumas vezes. Eu não ligava e ele também não. Acho que ambos sabíamos
que, ao ouvirmos a voz um do outro, não conseguiríamos mais nos manter
tão duros. Sua primeira mensagem chegava logo pela manhã perguntando-
me como eu estava e quais eram meus planos para o decorrer do dia. É
claro que ele não estava interessado na minha agenda, esse era apenas seu
jeito de me "manter" sob seu controle. Como eu não tinha nada para
esconder, dizia logo o que ele queria saber e pronto. No passar das horas,
mais algumas mensagens chegavam e meu coração se apertava com uma
vontade grande de lhe dizer "Eu te amo" no fim de cada texto digitado, mas
Victor não estava merecendo minhas declarações.
Para pensar menos nele, eu tentava me manter ocupada o máximo
possível. No primeiro dia, assim que voltei a Chicago, fiz uma surpresa para
Sasha e cheguei sem avisá-la em nosso apartamento. Ela ficou muito feliz
em me ver e abraçou-me apertado dizendo ter sentido minha falta.
Passamos o dia comendo besteiras, conversando e assistimos a uma
comédia romântica que passava na TV. No segundo dia, visitamos Kim e
Maggie no hotel e almoçamos todas juntas. Na parte da tarde, Kim me
colocou a par de todos os preparativos do seu casamento.
Depois de me vestir adequadamente para a temperatura de dez graus
lá fora, saí do meu quarto para tomar um café da manhã antes de ir para a
rua e começar a resolver minha vida para de voltar a Tulsa. Ainda não havia
contado a ninguém, além do Victor, sobre minha decisão de voltar para casa
por tempo indeterminado, ou definitivamente, mas pretendia fazer isso
logo. Sasha precisava encontrar uma nova colega de apartamento com quem
rachar as despesas e não seria justo eu deixar para contar a ela, quando
fosse a hora de dizer “tchau”, até mesmo porque achar alguém com quem
dividir um lar era muito difícil.
— Como você está bonita. Vai sair? — perguntou ela da cozinha,
quando me viu chegar à sala.
— Vou até o estúdio, tenho que ir falar com Tyrone. Sumi por dias
depois de Los Angeles sem dar nenhuma explicação. Nem mesmo lhe
mandei uma mensagem, ele deve estar no mínimo magoado comigo.
— Isso, com certeza! Você era a nova galinha dos ovos de ouro dele.
Ri e caminhei até ela.
— Quer vir comigo? — convidei-a, servindo-me de uma caneca de
café com leite.
— Não, valeu. O dia hoje está frio, prefiro ficar em casa e ter uma
tarde de encontro com a Netflix — falou humorada e sorriu indo para a sala.
— Tudo bem.
— Você e o Victor ainda estão dando gelo um no outro?
— Não estamos dando gelo em ninguém. Só estamos dando um
pouquinho de espaço um para o outro.
— Ele já ligou?
— Não.
— E você não vai ligar?
— Também não.
— Você já disse que está com saudade? Porque eu sei que está, não
precisa nem dizer. — Riu.
— É claro que eu sinto falta dele. Como não sentir saudade de quem
a gente ama?
— Ficando juntos. Essa história de espaço é besteira — disse
destacando a palavra, fazendo aspas com os dedos. — Liga logo e chama
ele para vir te ver. Diz que o ama. Desculpe se o que vou dizer é indelicado,
mas... vocês não têm muito tempo para ficar de charme para cima do outro.
Tem que aproveitar.
— Eu sei. — Abaixei minha cabeça e olhei para a caneca vazia em
minhas mãos. — Eu tenho que ir. A gente se fala mais tarde.
Despedi-me dela e saí. Na rua, logo encontrei um táxi sendo
desocupado e embarquei com destino ao estúdio. Quando cheguei, sua
secretária liberou minha entrada para ir até ele, onde fotografava um ensaio
para uma propaganda de perfumes com belas modelos morenas vestidas de
anjo. Parei perto da porta e esperei pelo intervalo. Cumprimentei algumas
pessoas conhecidas e de longe avistei Bash auxiliando Tyrone. Enfim,
anunciaram a pausa para as modelos se trocarem e me aproximei.
— Oi — disse ao Tyrone.
— Ora, ora... Quem é vivo sempre aparece, não é mesmo? —
debochou, encarando-me com a sobrancelha arqueada e um olhar
impaciente.
— Desculpe-me, Tyrone, mas é que...
— Desculpas? — perguntou e riu sarcástico, interrompendo-me. —
Garota, você é mesmo muito sem noção, não é? Fiz coisas por você, que
nenhum outro fotógrafo de renome faria e, em troca, o que recebi? Ao
menos um “muito obrigada”? Não! Nem isso! — disse alto e enraivecido.
— Você desapareceu sem ao menos me dar uma explicação. Onde mesmo
estava? Ah, me lembrei. Viajando com o Matusalém rico e posando para
outro fotógrafo. Eu vi seu rosto estampado em revistas e propagandas de
publicidade na internet! Você só se aproveitou de mim para aparecer e,
quando chegou ao topo, deu-me as costas como uma traidora!
— Meu Deus, Tyrone, se acalme! Não tinha a intenção de magoá-lo,
desculpe. Mas você precisa se lembrar de que não temos nenhuma espécie
de contrato ou acordo com você ou seu estúdio. Não pode me acusar de
traição, só porque fiz outro trabalho para uma das empresas do meu
namorado. Eu errei em desaparecer sem avisar ou mandar um e-mail
dizendo que ia viajar com Victor por alguns dias, mas é que algumas coisas
aconteceram em Los Angeles e me deixaram muito assustada. Se quiser
saber o que houve, eu posso contar tudo.
Tyrone gargalhou alto, jogando a cabeça para trás.
— Todos aqui já sabem o que aconteceu em Los Angeles com você,
queridinha. Quer dizer então, que o tamanho do pau do Sean foi o que te
assustou? — debochou.
— O quê? — perguntei confusa.
— Qual é? Vai bancar a santa agora? — perguntou irritado. — Nós
sabemos que vocês transaram no trailer depois do ensaio na praia, o próprio
contou em detalhes para quem quisesse ouvir. Achava que você não era
mais uma dessas garotas burrinhas, mas francamente... cair nas garras do
Sean mostrou-me o quanto estava enganado a seu respeito. — Cruzou os
braços à frente e encarou-me com repulsa.
— Sean e eu não transamos! — disse alto e com raiva. — Jamais
transaria com um babaca sem escrúpulos como aquele homem!
Um silêncio se formou a nossa volta. Olhei para os lados e vi que
todos estavam parados ouvindo e observando a conversa que ficava fora do
controle.
— Eu pensei que você fosse um cara legal, mas pelo visto... é só
mais um idiota no mundo. Quem se enganou aqui fui eu! Como pode me
julgar na frente das pessoas, sem ao menos saber da verdade sobre o que
aconteceu no trailer?
— Todos nós já sabemos o que aconteceu lá. E, honestamente, não
queremos ouvir de novo.
— Nossa... Qual é o seu problema? Não houve sexo naquele trailer e
se tivesse tido, não teria sido consensual! Sean tentou abusar de mim! —
gritei nervosa.
— Ouvi meu nome?
Olhei para o lado assustada e o vi se aproximar.
— Sean, querido! Você chegou em boa hora. Maya veio até aqui,
para acusá-lo de estupro — disse Tyrone, com divertimento na voz.
Senti que ele zombou de mim com suas palavras, como se o que eu
tivesse dito a ele fosse mentira ou brincadeira. Sean gargalhou alto, pondo a
mão em sua barriga e aproximou-se de mim.
— O que foi, Maya? Arrependeu-se da nossa trepada? Achei que
você tinha gostado, gata.
Ele estendeu sua mão para tocar meu rosto, mas eu a empurrei e
afastei-me para trás. Minhas mãos tremiam de raiva e meu coração batia
acelerado, angustiado, deixando-me levemente ofegante.
— Você é nojento, Sean! Um ser sem caráter e desprezível! Você
sabe o que tentou fazer comigo! E quanto a você, Tyrone... — Virei-me
para ele. — Você me decepcionou! Sabe que não estou mentindo, mas
mesmo assim faz isso, porque está com raiva de mim por sumir e porque
quer proteger seu garoto de ouro! Deus... Me pergunto agora, se já não foi
capaz de debochar de alguém em situação pior que a minha, somente para
livrar o garoto sucesso de problemas. Mas quer saber... vão para inferno
vocês dois! — gritei e afastei-me em alguns passos, parando e virando-me
novamente para trás. — E Sean... A gente se vê em um tribunal! Porque eu
irei levar você para a justiça e o farei pagar pelo seu crime!
Dei-lhes as costas e deixei o estúdio. Como podem todas aquelas
pessoas permitirem que eu fosse humilhada depois de acusá-lo de algo tão
grave? Nenhuma delas teve a decência de sair em minha defesa, apenas
assistiram em silêncio. A que ponto chegamos no mundo, em que uma
vítima denuncia seu agressor e ninguém faz nada para ajudá-la? Vim até
aqui para pedir desculpas ao Tyrone e tudo se transformou em um show de
piadas para ele e Sean. Eu não esperava ser atacada daquela forma nem em
meus pesadelos. Senti-me sozinha contra o mundo naquele momento.
Caminhei até o elevador e parei diante das portas. Enquanto o
esperava chegar, fechei meus olhos e respirei fundo tentando me acalmar.
Minha vontade era de voltar até lá, xingar Sean e lhe acertar um soco no
rosto. As portas se abriram e eu entrei. Quando elas começaram a se fechar,
alguém colocou sua mão impedindo-as. Elas se abriram novamente e então
Sean entrou com um largo sorriso no rosto, que me deixou ainda mais
nervosa.
— Vou pegar uma carona com você até o térreo.
Eu o encarei com sangue nos olhos e respiração pesada.
— Sabe, Maya... ao contrário de você, que conseguiu ótimos
trabalhos caídos do céu, comigo foi bem diferente. Eu tive que ralar muito e
dormir com muita gente para conseguir bons ensaios que me dessem um
bom retorno. — Riu sem humor encarando-me parado do outro lado do
elevador de braços cruzados.
— Não estou interessada na sua história! — disse rude.
— Okay, então, irei direto ao ponto. — Aproximou-se. — Eu não
estou disposto a perder minha carreira por causa de uma garota com boca
grande. Então se aquilo que disse lá dentro não foi apenas um blefe para me
intimidar, você terá sérios problemas. — Sorriu.
— Está me ameaçando?
— Digamos que eu só esteja dizendo a você o que não deve fazer
para preservar sua vida — disse baixo com seu rosto perto do meu.
O elevador apitou avisando ter chegado ao térreo e as portas se
abriram.
— Até mais, Maya. Não se esqueça do nosso bate-papo. — Piscou e
saiu primeiro.
— Você não me intimida, Sean! — falei alto.
Ele continuou andando e sequer olhou para trás. Saí do elevador e
deixei o prédio.
— Maya!
Parei na calçada e virei-me para trás, vendo Bash correr de encontro
a mim.
— Oi — disse apenas.
— Eu só queria dizer que as coisas que Sean disse ter feito com
você, eu sei que não foi verdade. Eu o conheço bem e sei o quanto babaca,
estúpido e cretino ele é. Sean é assim, sempre foi. Quando não consegue o
que quer com aquela conversinha barata de galã, ele faz à força. Ainda bem
que não a machucou.
— Obrigada... eu acho.
— Você devia mesmo denunciá-lo. Não foi a primeira garota. Era só
isso que eu queria dizer. Eu sinto muito. E não se deixe abater por Tyrone.
O criador é tão estúpido quanto a criatura. Até mais. — Afastou-se.
— Bash.
Ele parou e virou-se.
— Posso perguntar por que tem me olhado de um jeito estranho? —
A essa altura já não achava mais que ele era o assassino. Tinha mais
motivos para duvidar de outro homem do que dele.
Ele sorriu e voltou até mim.
— No começo eu achei que vocês tivessem tendo algo, sei lá...
parecia que vocês se paqueravam nos ensaios.
— Eu não... Não estou entendendo.
— Eu sou gay, Maya. — Sorriu. — Sean também é gay, mas ele não
se aceita. Só fica com homens quando está bêbado ou por algum interesse.
— Ah, meu Deus... — Sorri sem graça. — Me desculpe. Eu não
havia notado. Então... você só estava apenas com ciúme, é isso?
— Sim, mas cheguei à conclusão que quem não me assume e só me
quer em momentos de fraqueza não merece meu amor, não é?
— Você está certo. Se valorizar em primeiro lugar.
— É... Bom... eu tenho que voltar. A gente se vê por aí.
— Tchau, Bash. Se cuide.
— Você também.
Ele entrou no prédio e eu respirei fundo. Aquelas eram palavras de
apoio que não esperava ouvir de alguém que julguei ser um serial killer. Ri
sozinha com minha loucura de pensar que ele era o assassino, quando só
estava com ciúmes pensando que eu estava tendo algo com o cara por quem
era apaixonado.
Senti-me sendo observada e olhei para o outro lado da rua. Sentado
em uma moto estacionada no meio-fio, estava Sean. Ele sorriu, acenou e
colocou seu capacete antes de acelerar sumindo ao virar a esquina. Um táxi
parou próximo a mim e um casal desembarcou. Entrei em seguida e passei
o endereço do apartamento para o motorista. Recostei-me no banco e fechei
meus olhos. Eu sentia que precisava falar com Jack e contar a ele sobre as
ameaças que recebi daquele estuprador de merda. Sabe-se lá se ele
resolvesse fazer algo comigo, ao menos ele teria por onde começar a
investigar meu sumiço. Peguei meu celular na bolsa e fitei-o na dúvida se
ligava para o ele ou não. Sem me dar a chance de pensar demais, toquei em
seu nome nos contatos e coloquei o aparelho em meu ouvido.
— Maya! Oi, como vai?
— Oi, Jack. Estou de volta.
— A Kim me disse. É bom ter você de volta!
— Será que a gente pode se encontrar? Quero muito te contar algo
tenebroso que aconteceu há pouco.
— O que aconteceu? Você está bem? — perguntou preocupado.
— Estou. É sobre Sean.
— Minha nossa... me diga que está longe dele.
— Estou — respondi sentindo um calafrio. Havia espanto misturado
a preocupação em sua voz.
— Você pode me encontrar em quinze minutos, no café aqui perto
da delegacia?
— Posso sim, claro!
— A gente se vê lá. — Encerrou a chamada.
Avisei a mudança de rota ao motorista do táxi e segui para o café.
Quando cheguei, Jack ainda não estava lá. Sentei-me em uma mesa ao
canto, perto da janela, e pedi um café enquanto aguardava por ele. Não
demorou muito e logo ele chegou.
— Você está bem mesmo? — perguntou ele ao se sentar.
— Estou sim.
— Então... me conte o que aconteceu.
— Você se lembra do que contei a você, sobre o que o Sean tentou
fazer comigo em Los Angeles?
— É claro que me lembro. Como eu poderia me esquecer. Ele tentou
de novo?
— Não. Ele fez pior... me ameaçou. Ele disse que, pelo bem da
minha vida, eu devia ficar de bico fechado.
— Você foi à polícia?
— Não. Mas agora estou decidida a ir.
— Onde ele fez as ameaças?
— Na agência quando eu estive por lá alguns minutos.
— Ele tocou em você?
— Não.
— Você precisa prestar queixa sobre o que ocorreu em Los Angeles
e sobre as ameaças!
— Eu sei. Vou ligar para o Victor e pedir que ele venha para cá.
Quero que ele esteja comigo quando eu for fazer isso.
— Okay. Mas até ele chegar, por favor, fique em casa! Não dê
bobeira por aí.
— Você está sabendo de mais alguma coisa que eu ainda não sei?
— Estou quase certo de que Sean é o nosso serial killer. Não posso
dizer muito, mas... sinto pela primeira vez que finalmente estou chegando
perto desse cretino!
— Mas e quanto a Bridget?
— Ainda não sei. Conversei com pessoas próximas a ela e ninguém
reconheceu Sean como sendo um amigo, cliente ou possível namorado. Mas
e se você estiver certa? E se ela foi assassinada no lugar da Natasha? Por
isso ele não concluiu o serviço. Quando viu que matou a pessoa errada,
pode ter se apavorado e fugido.
— Então para essa minha tese ser real, ele tem que ter tido um
envolvimento malsucedido com a Natasha.
— É exatamente nisso que tenho pensado nos últimos dias.
— Você não a procurou para saber ou tentou falar com ela?
— Eu a procurei na boate, mas ela não estava. Liguei para seu
celular e ela não atendeu. Pode ser que você ela atenda.
— Vamos tentar.
Saquei o celular da bolsa e liguei para ela. A ligação chamou até que
foi encaminhada para a caixa de voz. Eu insisti por mais duas vezes e nada
aconteceu.
— Ela não me atende. Eu não sei onde ela mora, teremos que
esperar anoitecer para irmos até a boate.
— Acho que eu ainda tenho o endereço dela no meu bloco de notas
no carro.
— Então vamos lá! — Levantei-me e vesti meu casaco.
Jack revirou o interior do seu carro até que achou o pequeno
bloquinho com o endereço da Natasha. Ele dirigiu até lá e estacionou o
carro em frente a um prédio todo pichado e malcuidado no lado sul da
cidade. Nós descemos e entramos. Na pequena escadaria da porta de
entrada, havia alguns jovens sentados ali fumando cigarros de maconha.
Eles claramente estavam fugindo da aula. Jack ignorou aquilo e passou
direto por eles, sem olhá-los.
— Não podemos demorar muito aqui. Se desconfiarem que sou da
polícia, teremos problemas.
— Certo. Vamos ser rápidos, então.
Subimos quatro lances de escadas e chegamos ao segundo andar.
Atravessamos o corredor sujo, até o apartamento duzentos e seis. Jack se
escondeu no canto, para que se caso ela olhasse pelo “olho mágico” não o
veria. Dei duas fortes batidas contra a madeira e ela gritou lá dentro
avisando que já estava vindo. Uma fresta se abriu e metade do seu rosto
apareceu.
— Maya? O que faz aqui? Como sabe onde moro?
— Eu dei um jeito de descobrir. Posso entrar?
— Pode. Claro.
Ela fechou a porta e retirou a tranca de segurança, tornando a abri-la
novamente em seguida.
— Entre.
Quando me convidou, Jack saiu do canto da parede e Natasha
encarou-me com raiva.
— Desculpe-me, por favor. Mas precisamos falar com você e temos
que ser rápidos!
— Entre logo antes que alguém aqui te veja! — mandou rude ao
Jack.
Ele entrou e ela rapidamente fechou a porta, trancando-a.
— Então é aqui que você mora? — perguntei a ela.
— É!
— Mama!
Uma pequena garotinha de cabelinhos lisos e ruivos, chamou-a
entrando na pequena sala dividida da cozinha por apenas um balcão
estreito, trazendo consigo uma mamadeira vazia nas mãos.
— Venha, querida — chamou Natasha pegando-a em seu colo.
A menina nos olhou com curiosidade e timidez ao mesmo tempo.
Seus olhinhos puxados e o nariz pequeno e achatado, entregaram que a
linda boneca à nossa frente era portadora da Síndrome de Down.
— Filha, estes são amigos da mamãe. Esta é a Maya e este é... —
fez uma pausa tentando recordar-se o nome do Jack.
— Jack — disse ele.
— Esta é minha filha, Lorrayne. Ela tem quatro anos — falou
sorridente olhando para ela e beijou-a na testa.
— Oi, Lorrayne — cumprimentei-a e ganhei um sorriso.
— A mamãe vai te colocar sentadinha aqui para brincar, enquanto
ela conversa com os amigos, tudo bem?
A garotinha apenas assentiu e permaneceu sentada na poltrona velha
com uma boneca de pano nas mãos, onde Natasha a colocou.
— Ela é linda! — elogiei, admirando apaixonada a beleza da
pequena menina de cabelos ruivos e olhos claros.
— É sim. Se ainda estou viva, é por ela.
— Será que agora podemos conversar? — perguntou Jack.
— O que vocês querem?
— Você conhece esse cara? — ele interrogou-a, mostrando uma foto
do Sean em seu celular.
Ela ficou séria e tensa. Uma ligeira palidez brotou em seu rosto e
seus ombros ficaram rígidos. Seu olhar demonstrou certo nervosismo.
— Não minta. E se achar que não se lembra, se esforce. Essa
informação é muito importante — falou Jack.
— Eu não sei. — Engoliu em seco e cruzou os braços. — Pode ser
que sim ou que não. Conheço muitos homens na boate... Você sabe como é,
Maya. Já trabalhou lá.
— Faça um esforço — pedi a ela e Jack lhe mostrou outra foto.
Eu sabia que ela escondia algo e Jack também notou, percebi
quando ele olhou-me desconfiado.
— Esse homem pode ser um assassino em série. E também pode ser
quem matou a Bridget. Temos motivos para crer que ele tenha feito isso por
engano, querendo ferir outra pessoa. No caso, você! — disse ele. — Eu sei
que você o conhece, vejo isso em seu rosto.
— Pode ser que você corra perigo.
Ela abaixou a cabeça e fechou os olhos respirando fundo, antes de se
sentar no sofá atrás dela.
— Ele já foi à boate algumas vezes com Tyrone. Costumava servi-
los na área VIP, mas achava que ele era gay, porque ele e o fotógrafo me
pareciam... íntimos demais. Mas aí teve uma noite, na verdade, a primeira
noite em que me apresentei no palco. Ele estava lá, sentado na primeira
mesa encarando-me como se eu fosse um pedaço de carne. Aquilo me
deixou nervosa. Ele sorria com malícia e jogava notas de dez dólares em
cima do palco, aos meus pés.
Ela ergueu sua cabeça e finalmente nos olhou.
— Assim ele fez por mais de duas noites seguidas, até que... em
uma madrugada, quando estava indo embora, ele me cercou na rua e
ofereceu-me uma carona. Eu estava tão cansada que aceitei. Eu disse onde
morava e ele seguiu o caminho, mas quando chegamos perto das velhas
usinas, ele desviou entrando em uma estrada estreita... — Começou a
chorar. — Quando perguntava onde estava me levando, ele só dizia para eu
ficar calma. Ele parou o carro no meio do nada, travou as portas e começou
a me beijar. Eu reagi. Empurrei-o de cima de mim, dei tapas, gritei, mas
ninguém apareceu. — Ela fez uma pausa e tentou controlar seu choro. —
Eu o pedi para parar.
— Mas ele não parou, não é? — perguntei a ela.
— Não. Mas eu consegui me livrar dele. Tinha uma garrafa vazia de
cerveja no painel do carro. Eu a acertei em sua cabeça, destravei as portas e
consegui fugir. Corri com minha roupa rasgada até chegar em casa. Porém,
o terror não acabou por aí. Na noite seguinte, quando virei a esquina depois
do expediente, alguém chegou por de trás de mim, tapou minha boca e
arrastou-me para um beco escuro. Tentei gritar, mas sua mão em minha
boca me impediu. Então, ele falou em meu ouvido e reconheci sua voz. Ele
disse que se eu ousasse contar para alguém o que houve no carro, ele me
mataria. Eu jurei pela vida da minha filha que não faria isso. Aí ele me
jogou no chão, me acertou dois chutes, cuspiu em mim e foi embora. Eu
nunca mais o vi depois daquela terrível madrugada. O bilhete eu recebi
depois e, em seguida, o assassinato aconteceu.
Jack olhou para mim com um olhar furioso e sedento.
— Eu sinto muito por fazê-la se lembrar disto, mas espero que saiba
que ajudou bastante hoje e que seu depoimento pode pôr fim a um assassino
frio e infame — falou Jack.
— Desculpe por isso — pedi baixo, ajoelhando-me à sua frente. —
Você não foi a única que ele tentou ferir. Eu também fui uma de suas
vítimas, mas, assim como você, lutei pela minha vida.
— Mesmo que ele não seja o serial killer que a polícia tanto
procura, ele precisa ser preso. Porque mulher nenhuma merece passar por
isso!
— Eu sei!
— Não tenha dúvidas disso. Se ele não for quem esperamos que
seja, irei fazê-lo pagar pelo que fez não só a vocês duas, mas a todas as
mulheres que agrediu e feriu — prometeu Jack. — Temos que ir, Maya.
Eu a abracei e despedi-me dela e de sua filha. Nós deixamos o lugar
rapidamente, antes que Jack fosse notado ali.
— E agora? — perguntei a ele.
— Agora você tem que tomar muito cuidado com Sean. Vou pedir
ao meu tenente que mande um policial à paisana para ficar de olho em
Natasha na boate. Se nosso modelo é o assassino e comete os crimes para
calar suas vítimas, ele pode tentar matá-la novamente.
— Que filho da puta!
— Talvez ele tenha se sentido ameaçado pelas vítimas fatais.
Quando ele consegue o que quer, deve deixar a vítima amedrontada e
conquistar seu silêncio com pavor. Quando não...
— Ele as mata de forma cruel — completei sua frase. — Isso não é
um ser humano, é um demônio!
Jack me deixou em casa e, ao entrar no apartamento, Kim e Sasha
faziam um bolo de chocolate.
— Chegou na hora certa. Já estamos passando a cobertura no bolo
— falou Kim, toda sorridente. — Como foi seu dia?
Não sabia o que responder. Em primeiro lugar, não queria assustá-
las com o que houve na agência e nem contar o que aconteceu em Los
Angeles. Em segundo, Jack me fez prometer que eu não contaria nada sobre
o caso e das vezes que o ajudei para ninguém, principalmente sua noiva.
— Foi ótimo. — Sorri. — Eu... fui até a agência, saí para tomar um
café com Tyrone e nós conversamos — menti descaradamente.
— Então, está tudo certo entre vocês? — perguntou Sasha.
— Está! — E as mentiras não pararam.
— Ele vai arrumar outros trabalhos para você? Ou ficou algum
ressentimento?
— Sasha... eu me despedi de todos na agência. Ser modelo foi bom
e a grana me ajudou bastante, mas é hora de parar, pelo menos por
enquanto. Tem algo que quero contar a vocês — falei aproximando-me do
balcão onde elas estavam.
— Não está grávida, não é? — perguntou Kim com os olhos
arregalados, fazendo-me rir.
— Não, eu não corro esse risco. Ao menos enquanto estiver com
Victor, não!
— Então desembucha logo! — mandou Sasha impaciente.
— Eu resolvi que irei voltar para casa agora. Está na hora de
retornar para a minha cidade e consertar as coisas por lá. Minha família
precisa de mim. Como vocês já sabem, minha mãe está doente e, para
piorar, meu pai se tornou um alcoólatra que me odeia. Acreditem, será tão
difícil deixá-las quanto voltar para casa, mas isso não será para sempre.
Virei visitá-las quando puder, prometo. E quem sabe, eu até volte a morar
aqui.
As duas me encararam tristes e deram a volta no balcão, abraçando-
me em grupo.
— Você será sempre nossa amiga, Maya — declarou Kim.
— Vocês são minhas únicas amigas. Antes de Chicago, eu não tinha
ninguém. Então conheci a Kim e meses depois você, Maya — confessou
Sasha.
— A gente te ama! — disseram as duas em uníssono.
— Também amo muito vocês — declarei emocionada.
Durante minha adolescência, Grace foi minha única amiga. Na
faculdade, Penny foi a melhor delas e ainda era mesmo depois de tudo que
aconteceu. Ali, em Chicago, encontrei duas pessoas maravilhosas que
foram quem me ajudaram a começar uma vida incrível, cheia de novas
experiências. Eu mal tinha onde dormir quando desci daquele ônibus e
agora tinha tudo. Eu levaria dali não somente a amizade da Kim ou da
Sasha, como também levaria comigo a amizade do Jack e da Maggie.
Talvez, até mesmo, a do Allan. Ele também foi alguém fundamental e
especial para os meus dias deprimentes e longe de casa serem melhores,
mesmo que por pouco tempo. Seria ignorância da minha parte eu não
reconhecer isto. Apesar do nosso fim nada legal, eu era grata a ele por tudo.
Nada na vida é desperdício, tudo vira aprendizado.
— Quer saber... Chega de chororô — disse Sasha afastando-se de
nós, quebrando nosso abraço em grupo. — Acho que podíamos sair e beber
umas cervejas.
— É isso aí! Só nós três e nada de meninos — falou Kim.
— Eu não sei... está tão frio hoje.
A verdade era que eu não queria sair de casa por medo de que o
lunático do Sean tentasse cumprir sua promessa. Jack havia me pedido para
que eu tivesse cuidado e não desse bobeira na rua.
— Estou de folga, Maya! Qual é?! Essa pode ser nossa última noite!
— insistiu Sasha.
— Por que a gente não compra umas cervejas e bebe aqui? Podemos
fazer uma noite do pijama — sugeri forçando um sorriso.
— O quê? Não temos doze anos! — disse Kim gargalhando.
— Sem desculpas, Maya! A gente não vai voltar tão tarde, eu
prometo — argumentou Sasha.
— Por favor... Vamos! — persistiu Kim, juntando as mãos na frente
e fazendo biquinho.
Não tinha como escapar daquela sem contar a verdade.
— Okay... Tudo bem. — Dei-me por vencida.

A noite chegou e Kim se arrumou vestindo roupas minhas. Nós não


nos produzimos muito, eu havia decidido que iríamos a um pub
movimentado no centro. Raciocinei que em um lugar público e cheio de
gente, nada poderia me acontecer. Sean não seria tão louco assim. Ou
seria? Prontas, pegamos um táxi e fomos para lá. O lugar estava cheio e
uma banda indie tocava no pequeno palco ao fundo. Nós pegamos algumas
cervejas e ficamos de pé em volta de uma mesa alta, perto da porta de
entrada e saída principal. Estava um pouco tensa, mas com o passar dos
minutos e o efeito de dois shots de tequila e três cervejas comecei a relaxar,
mas sempre atenta nas pessoas que se aproximavam ou entravam no pub.
Meu celular soou um alerta sobre a mesa e era uma mensagem do Victor.
Nós passamos o dia sem nos falarmos, conversamos apenas pela manhã
quando acordei.

Diga-me onde está.


Estou em Chicago.
Não aguento mais essa distância!
Perdoe-me, amor.
Victor
11: 13 p.m.

— Ah, meu Deus... — murmurei.


— O que foi? — perguntou Sasha.
— É o Victor... Ele está aqui em Chicago.
— Isso que chamo de estar apaixonado! — zombou Kim, fazendo-
nos rir.
— O que eu faço?
— Diga para ele onde está — falou Sasha.
— O aeroporto não é longe daqui. Se ele chegou agora deve
aparecer aqui em quinze ou vinte minutos — disse Kim.
— Okay. — Sorri boba. — Não acredito que ele veio mesmo para cá
sem dizer nada.
— Isso se chama amor, minha cara — disse Sasha.
— Enviei a localização do pub. Eu preciso ir ao banheiro. Fiquem
de olho na entrada. Se ele chegar e eu ainda não tiver voltado, acenem para
ele achar vocês. Tudo bem?
— Deixe com a gente — falou Kim.
Deixei meu celular sobre a mesa e fui ao banheiro. A fila não estava
muito grande, então consegui rápido me aliviar. Na saída, quando passei
pela porta, não havia ninguém no corredor. Escutei a porta pesada da saída
de emergência ranger atrás de mim ao ser aberta e, antes que eu tivesse
chance de olhar para trás, minha boca foi tapada e meu corpo agarrado com
força sendo puxado para fora do pub. Tentei gritar, me debati, esperneei
tentando me livrar de quem me arrastava, mas não consegui. À minha
frente, havia um furgão branco e velho com as portas traseiras abertas e,
quando chegamos até ele, um pano foi colocado em meu rosto e o forte
cheiro de clorofórmio invadiu minhas narinas fazendo meus olhos pesarem
instantaneamente e minhas vistas escurecerem fazendo-me apagar.
CAPÍTULO 36

— O lugar parece estar bem agitado. Tem certeza de que vai descer
aqui? — perguntou Noberto.
— Tenho sim.
Abri a porta e desci do carro. Por fora, o pub parecia grande e havia
uma fila de jovens para entrar. Caminhei até o segurança que fazia a ronda
na portaria e tirei uma nota de cem dólares no bolso.
— Preciso mesmo pegar a fila? — perguntei a ele, lhe mostrando
discretamente o dinheiro.
— Entra aí.
O segurança retirou a corrente que obstruía a passagem e ao passar
por ele, lhe entreguei o dinheiro em um aperto de mãos. Lá dentro, o
ambiente não parecia ser tão grande, o lugar estava abarrotado de gente que
chegava a estar abafado e quente. Parado na entrada, eu olhei ao meu redor
à procura da Maya. Por que ela não me disse que estava vindo para este
lugar? De repente, vi Sasha acenar. Aproximei-me dela, que estava na
companhia de uma garota loira.
— Oi. Como vai? — cumprimentou ela, estendendo-me sua mão.
— Sasha... estou bem e vocês?
— Ótima! — disse otimista. — Esta é a Kim, já deve ter ouvido
falar dela. Kim, este é Victor, o namorado da Maya. Mas você já sabe quem
é ele, já viu fotos — falou como se dissesse o óbvio para a amiga.
— Prazer em conhecê-la. — Apertei sua mão.
— Você quer beber alguma coisa? — ofereceu Sasha.
— Não, obrigado. Onde está a Maya? — perguntei olhando ao meu
redor e não a vendo em lugar algum.
— Ela foi ao banheiro.
— Não acha que ela está demorando? — interrogou Kim. — Já faz
uns vinte minutos.
— Tem razão. A fila deve estar grande, mas eu vou até lá ver o que
está rolando.
Sasha saiu e sumiu pelo corredor que levava aos banheiros, mas
voltou dois ou três minutos depois.
— Ela não está no banheiro. Não está na fila e nem dentro — disse
ela.
— Vou ligar para ela. — Saquei meu celular do bolso e busquei seu
número da agenda.
— Não adianta! — disse Kim. — Ela deixou o celular. — Mostrou-
o sobre a mesa. Teimosa!
Liguei para Noberto e mandei que ele entrasse e ligasse para mais
seguranças os mandando ir para lá. As duas saíram à sua procura e logo
voltaram.
— Olhei no bar e ela não está — disse Kim.
— Procurei na área dos fumantes e de frente ao palco, também não a
vi — falou Sasha.
— Droga, Maya! Onde você se enfiou? — fiz uma pergunta a mim
mesmo.
— Acha que ela pode ter saído? — perguntou Kim.
— Nós teríamos a visto, estamos praticamente ao lado da entrada e
saída principal. Só se ela saiu pela saída de emergência, que fica ao lado dos
banheiros — respondeu Sasha. Essa conversa estava me deixando louco.
— Senhor White — chamou Noberto ao se aproximar. — O que
houve, senhor?
— Maya desapareceu!
— Como assim?
— Ela estava aqui e agora não está mais. Afastou-se das amigas
dizendo que ia ao banheiro, mas não voltou. Não está lá e nem aqui em
canto algum — disse desesperado.
— Já chamei os seguranças, eles estão a caminho. Enquanto isso,
senhor, preciso que saia e volte para o carro. Eu ficarei aqui à procura dela.
Pode ser que isso não seja nada, ou que... seja o Higor.
— Eu vou ligar para o Jack. O meu noivo é detetive, ele pode nos
ajudar. — Kim pegou o celular sobre a mesa e saiu do pub com Sasha.
— Vá com elas, senhor. Assim que os seguranças chegarem, um
deles fará sua guarda.
Relutante, saí. Não demorou muito mais do que dez minutos e meus
homens chegaram ao mesmo tempo que o detetive, noivo da Kim. Ela
explicou a ele exatamente o que houve. O detetive olhou cheio de tensão
para seu parceiro de pé ao seu lado, que demonstrava imensa preocupação.
— Fique calma, nós vamos achá-la — disse ele para a sua noiva.
— Jack! Este é o Victor, namorado da Maya — Sasha nos
apresentou.
— Olá! — cumprimentou-me Jack, apertando minha mão. — Este é
meu parceiro, Allan.
Encarei o homem alto, branco e de cabelos pretos ao seu lado. Eu
sabia quem ele era. Foi nos braços dele que Maya se afugentou quando a
mandei ir embora da minha vida meses atrás e ela veio para cá. O detetive
de nome Allan, encarou-me com um olhar de julgamento, que apenas
ignorei.
— Posso falar com o senhor por um instante? — pediu Jack.
Assenti e nos afastamos das meninas que estavam apavoradas,
abraçadas uma a outra.
— Eu sei que o senhor sabe sobre o que houve com a Maya em Los
Angeles. Ela me contou que lhe disse.
— Aonde quer chegar?
— Talvez o cara que tentou forçar um abuso, seja quem a polícia
está atrás há meses. Temos motivos para crer que Sean Renald pode ser o
assassino em série que procuramos. E talvez Maya seja sua próxima vítima.
Ao ouvir aquilo foi como se eu tivesse levado um soco no estômago.
Por que todo o perigo do mundo tem que justamente rondar a mulher que
eu amo? Meu corpo inteiro doía de tensão. Fechei meus olhos e respirei
fundo, tentando não ter um ataque de pânico ou fúria.
— Se tem motivos para crer nisso, então, temos que agir rápido e
encontrá-la o quanto antes — falou Noberto, ao se aproximar.
— Este é Noberto. Meu motorista e chefe da minha segurança —
apresentei-os.
— Já vasculhamos cada canto lá dentro, ela não está lá. Eu vi que
não há câmeras no interior do pub, mas há duas do lado de fora. Uma na
entrada — apontou para a câmera focada na porta de entrada, onde havia
grande movimentação — e outra no beco, focada na saída de emergência —
informou Noberto.
— Okay. Vou precisar da sua ajuda. Não posso emitir um alerta para
a polícia, porque ainda não tem vinte e quatro horas — informou Jack.
— A não ser que encontremos algo que prove que Maya foi levada
por um suspeito que se encaixe nos padrões do serial killer — falou Allan
juntando-se a nós.
— Kim disse que ela se afastou dizendo ir ao banheiro e a saída de
emergência fica próxima. Sugiro que comecemos averiguando as imagens
daquela câmera — disse Jack.
— Vou entrar e pedir para olhar — disse Allan ao Jack, antes de se
afastar e entrar no pub.
Jack se afastou e foi falar com o homem que estava na portaria. Ele
fez algumas perguntas e lhe mostrou uma foto da Maya pelo meu celular.
Ele disse não tê-la visto sair, mas se lembrava dela quando chegou com as
amigas mais cedo. Allan o chamou e Jack entrou depois de devolver meu
aparelho.
— O senhor está bem? — perguntou Noberto.
— Mas é claro que não! Estou à beira de um infarto. — E sentia
estar mesmo.
— Tem minha palavra de que iremos encontrá-la! — disse com
firmeza, colocando sua mão em meu ombro.
Jack apareceu na porta e fez um sinal para entrarmos com ele no
pub. Ele nos levou até a minúscula sala de segurança do local, onde havia
duas telas de quatorze polegadas sobre uma mesa gasta, ligadas às duas
câmeras em tempo real.
— Isso foi o que descobrimos na câmera dos fundos — disse ele e
olhou-me com tamanha tensão e preocupação.
Meu coração apertou e disparou acelerado no peito, ao assistir as
imagens. Maya foi arrastada pela saída de emergência por um homem
grande que não conseguimos ver o rosto. A câmera filmou tudo de cima
para baixo e ele usava um boné que encobria seu rosto. Ela se debateu forte
e tentou se livrar, mas não conseguiu. Ele a arrastou até um furgão velho e
dopou antes de jogá-la em sua traseira e fechar as portas assumindo a
direção em seguida.
— Meu Deus! — exclamei baixo, sentindo o aperto aumentar.
— Já sabem a quem pertence a placa? — perguntou Noberto ao
Jack.
— Allan está ao telefone resolvendo isso, mas a placa será fria, com
certeza. Ele sabia que tinha a câmera, por isso cobriu o rosto — respondeu
ele.
— A placa pertence a um Honda CR-V dois mil e dez, roubado há
três semanas — informou Allan. — Acho que, com essa imagem, podemos
pedir reforço?
— Liga para o oficial Brody e peça para acessar as câmeras das
barreiras de velocidade e fazer uma busca por essa placa. Preciso saber para
qual lado da cidade esse furgão foi e tem que ser o mais rápido possível! —
ordenou ao Allan. — Enquanto isso, ligarei para o tenente e explicarei o
que está acontecendo, depois pedirei autorização para reforços.
Allan saiu da sala e Jack fez sua ligação sendo rápido em explicar ao
seu tenente o que estava havendo. Enquanto isso, minha preocupação e
angústia somente crescia. Eu devia tê-la impedido de sair daquela suíte,
mesmo que ela me odiasse pelo resto da vida. Eu devia ter sido mais Dono
dela e menos um homem apaixonado. Eu não me sentia nada bem. Minha
cabeça doía, meu rosto queimava e meu peito estava com uma pressão
enorme parecendo que iria explodir a qualquer instante. Saímos do pub para
que eu pudesse respirar um pouco e tentar me acalmar, quando Allan correu
em nossa direção com o celular na orelha.
— O furgão acabou de passar por uma barreira eletrônica. Está indo
para a zona sul da cidade — disse ele.
— Certo. Vou ligar para o tenente, novamente — falou Jack. — O
furgão está indo para o sul da cidade. Há muitos lugares abandonados para
onde ele pode levá-la. — Fez uma pausa de segundos na chamada e, então,
olhou para mim e assentiu com a cabeça. — Okay, tenente. Obrigado!
— Então? — perguntei agoniado.
— Ele autorizou — respondeu-me aliviado, antes de chamar seu
parceiro. — Allan! Peça para o Brody nos mandar a localização atualizada a
cada trinta segundos; e assim que o veículo parar, ele deve mandar o
máximo de reforço para o local, incluindo a SWAT. Pode ser que
precisemos negociar uma refém — disse caminhando até seu carro.
— Acredito que não queira deixar isso somente nas mãos da polícia
— falou Noberto.
— Jamais! Mande que um dos seguranças levem as garotas para o
apartamento da Maya e fique com elas. Os demais vêm conosco.
Entramos no carro e Noberto os seguiu. Jack dirigia rápido, furando
todas as barreiras eletrônicas em direção ao outro lado da cidade. Entramos
em uma estrada estreita de chão de terra e seguimos por alguns metros até
uma velha fábrica abandonada. Na frente, o furgão estacionado. Em
seguida, mais policiais chegaram, incluindo a SWAT assim como Jack havia
pedido. Desci do carro e caminhei de encontro a ele.
— Sr. White, vou pedir que mantenha a calma e confie em nós. Vai
acabar tudo bem. Porém, preciso que, para sua segurança e de seus homens,
fiquem afastados do local.
— Não me peça isso! — disse um tanto rude.
— Victor! — Noberto chamou-me. — Deixe-os fazer seu trabalho.
Sei que é difícil, mas precisa dá-los espaço.
Assenti e afastei-me. Para mim, naquele momento, só restava rezar
para que ela ficasse bem e, em breve, estivesse de volta aos meus braços.
CAPÍTULO 37

Acordei com uma enorme dor de cabeça e ao abrir os olhos, tudo


girou a minha volta. Demorou alguns segundos até meus olhos fixarem e a
tontura passar. Eu não sabia onde estava ou como tinha ido parar naquele
lugar. Aos poucos fui me recordando de tudo e um enorme desespero bateu
em mim. Tentei me mexer, mas não consegui. Foi então que percebi que
estava amarrada pelos pés e as mãos em uma cadeira de ferro. Olhei ao meu
redor e me desesperei ainda mais. Eu estava em um lugar sujo, velho e
abandonado. A fraca iluminação dali vinha de algumas poucas luminárias
de LED espalhadas pelo chão ao meu redor. Tentei me soltar, mas foi em
vão, as cordas apenas apertaram mais meus punhos e tornozelos. Meus
olhos marejaram e meu coração parecia que iria sair pela boca a qualquer
instante.
— Veja só quem acordou. Foi até rápido — falou uma voz
masculina à minha frente e riu debochado.
Olhei, mas nada vi, estava escuro. Então a sombra de um homem
grande e alto, foi saindo da penumbra e vindo em minha direção mostrando
seu rosto na luz.
— Tyrone... — disse em um fio de voz.
Ele gargalhou diabólico e caminhou mais alguns passos até mim.
— Oi, Maya. Gostou da surpresa?
— O que você quer comigo? — perguntei e senti uma lágrima
grossa escorrer por minha face.
Todo o sentimento que existia em mim naquele momento era
somente MEDO.
— Relaxe. A cabeça eu só arranco depois que você morre. —
Sorriu.
Arregalei meus olhos espantada.
— Ai, meu Deus! É você? Você matou aquelas garotas?
— E agora vou matar você!
— Não consigo entender... Por quê? Por que fez aquilo com elas?
— Porque elas eram umas vadias, iguais a você! — gritou.
— Mas do que está falando? Eu não estou entendendo! — disse
apavorada.
— Ah, não? — falou com sarcasmo. — Pare de ser sonsa, garota!
Eu saquei a sua de menina inocente desde a primeira vez que te vi. Eu não
gosto de gente assim, mas resolvi te dar uma chance, até que você me
decepcionou e estragou tudo. Eu podia fazer de você uma modelo de
sucesso, sabia? Mas você dar em cima de um homem que não era seu
estragou nossa relação.
— Está falando de quem? Você é louco? — perguntei alto.
— Cale a boca! — berrou e desferiu um forte tapa em meu rosto,
acertando meu lábio e fazendo-me sentir gosto de sangue. — Assim como
as outras, você vai fazer esse joguinho de desentendida?
Permaneci em silêncio e confusa. Para mim, parecia que Tyrone
estava delirando. Ele estava transtornado, ou drogado, sei lá! Só sabia que
ele me metia pavor.
— Então vamos lá... deixa explicar. Você... transou... com o Sean —
disse pausadamente.
— O quê? Eu não transei com aquele babaca! — retruquei furiosa.
Tudo isso é por essa mentira?
— Transou sim! Ele não mentiria para mim! — gritou e esfregou as
mãos nos cabelos, bagunçando-os.
— Eu não transei! — disse em alto e bom som. — O que aconteceu
foi que ele tentou abusar de mim, assim como fez com a Natasha e
certamente com todas as outras garotas mortas! Eu jamais me deitaria com
aquele escroto. Jamais!
— Cale a merda da boca! Todas só tiveram o que mereciam! O que
procuraram! Vocês se ofereceram a ele e, quando conseguiram o que
queriam, o acusaram! Por quê? Para ter o prazer de destruir a vida dele? Por
dinheiro?
— Você está se ouvindo, Tyrone? Não foi isso que aconteceu! Ao
menos, não comigo. Foi ele quem disse isso a você? Hã? É isso que ele
disse? Que todas tiveram apenas o que merecia? Nenhuma delas mereceu
passar pelo que passei e muito menos morrerem porque não se calaram!
— Só estou tentando protegê-lo! Não consegue entender?
— Protegê-lo de quê? Da polícia?
— Não! De vocês, mulheres aproveitadoras!
— Está mesmo me dizendo que faz isso para proteger um estuprador
de suas vítimas? Onde estamos? No mundo invertido?
— Só estou tentando proteger quem eu amo! — berrou chegando
mais perto, apertando meu pescoço com suas mãos. — Não consegue
entender?
— Você é completamente louco... Engana a todos direitinho — disse
baixo.
— Ah... pelo amor de Deus! — Escutei outra voz exclamar, saindo
da escuridão. — Acabe logo com isso, Tyrone! Esse lugar fede a sangue e
mofo.
— Sean... — sussurrei ao vê-lo.
— Ela, assim como as outras, vai implorar pela vida e querer pagar
de inocente. Mas sabe o que vai fazer quando sair daqui, não é? Ela vai
direto acabar com a minha vida e com a sua também. O namorado dela tem
dinheiro e influência o suficiente para ferrar a gente para o resto da vida!
Tyrone me encarava com seu rosto perto do meu. Sua feição
entregava o completo psicopata que ele era de verdade. Seus ombros e peito
arfavam alto com sua respiração ofegante. Sean pegou um pedaço de cabo
enrolado sobre uma mesa suja mais adiante e aproximou-se de nós.
— Ela quis, Tyrone. E gostou muito! Mas agora... deve ter se
arrependido e quer ser a vítima para acabar comigo — disse baixo, parando
atrás dele. — Não a deixe fazer isso com a gente! — implorou. — Não
deixe ela nos separar. — Calou-se e estendeu a ele o cabo de aço.
Tyrone virou-se para ele e pegou o cabo em suas mãos.
— Por que você sempre escolhe as vadias para me trair? Na
verdade... por que me trair, Sean? — perguntou, encarando-o de frente. —
Eu faço tudo por você. Dei-lhe onde morar quando não tinha um teto e
ninguém quis ampará-lo. Te coloquei nos melhores trabalhos e fiz o seu
nome. Construí a sua carreira. Levei-o para desfilar em mais de doze países,
mas... você sempre me decepciona.
— Se deixá-la ir... ela vai destruir em segundos tudo o que você
levou seis anos para construir. Ela tem amigos na polícia, Tyrone. Serei
preso e você também! Assim... nunca mais vamos poder ficar juntos e se
amar — falou tocando seu rosto com carícias e, então, o beijou.
O que vi me chocou. Por isso Sean estava em todos os trabalhos, era
sempre o mais bem pago e requisitado. Ele era amante do Tyrone. Mas o
que me chocou de verdade, foi notar os problemas sérios de desequilíbrio
emocional e psicológico que Tyrone apresentava. Sean era um aproveitador,
induzindo o pobre homem louco e apaixonado a fazer coisas terríveis com
mulheres que ele tentou ou conseguiu abusar, e quiseram denunciá-lo. Tudo
para se livrar da cadeia e manter segura a sua carreira de modelo (machão
de merda) internacional, intacta.
Os dois interromperam o beijo e Tyrone virou-se para mim.
— Já sabe o que tem que fazer, não é? Ela quer me separar de você.
Não permita! — disse Sean.
— Você vai parar? Algum dia vai parar, para que eu pare também?
— perguntou Tyrone de costas para ele, encarando-me com frieza.
— Eu prometo que ela será a última.
— Você sempre promete isso, mas ela nunca é a última — retrucou
Tyrone com a voz embargada.
— Quando sairmos daqui... vou contar para todo mundo que amo
você. Chega de nos esconder, amor.
Tyrone o olhou sobre o ombro e sorriu contente ajeitando nas mãos
o cabo de aço para me estrangular. Meu coração parecia que ia explodir no
peito. Lágrimas e mais lágrimas desciam em abundância por meu rosto,
deixando minha visão turva. Tyrone me encarou novamente e Sean se
afastou com os braços cruzados no peito. Meu corpo todo tremia e minha
respiração mal entrava nos pulmões. Eu estava completamente aterrorizada!
Em uma tentativa inútil, eu me debati tentando livrar-me das amarrações
mais uma vez.
— Por favor... Você não tem que fazer isso por ele. Sean não te ama!
Se amasse, não o faria fazer isso com mulheres inocentes! — implorei
chorando com desespero.
— Não dê ouvido a ela, meu amor.
— Você matou alguém que nem mesmo o conhecia.
— Aquela dançarina foi só um acidente de percurso! — disse Sean
aproximando-se. — Ninguém mandou que ela fosse no lugar da outra!
— Tyrone... não. Por favor, não! — implorei novamente, quando ele
se posicionou atrás de mim e colocou o cabo à frente do meu pescoço.
Um forte estrondo ecoou no andar vazio, vindo de algum canto atrás
de mim. Sean correu e Tyrone se afastou deixando o cabo cair no chão e
também tentou fugir, mas rapidamente o lugar foi invadido por centenas de
policiais armados que o mandaram parar e se deitarem no chão. Tyrone se
jogou no piso grosso de sujeira e Sean conseguiu fugir por uma porta
lateral.
— Maya! — Escutei Jack me chamar. Olhei por cima do meu ombro
e o vi correr em minha direção. — Você está bem? — perguntou
preocupado, abaixando-se à minha frente.
— Não! — disse chorando.
— Está ferida?
— Não. Ele não me feriu. — Engoli meu choro.
Ele tirou uma pequena faca de caça da cintura e cortou as cordas me
livrando delas. Com sua ajuda, levantei-me e consegui me manter de pé.
— É tudo culpa dele... culpa do Sean. Mas foi o Tyrone quem as
matou... Ele matou todas elas, Jack!
— Você vai ficar bem! — Consolou-me e me puxou para um
abraço.
— Onde ela está? Maya! — A voz do Victor saiu quase como um
rugido.
— É melhor ir acalmá-lo. Ele quase invadiu o lugar sozinho — disse
Jack humorado, fazendo-me rir fraco.
Eu o soltei e corri em direção ao Victor, que me recebeu em seus
braços com um abraço apertado.
— Graças a Deus! Você está bem?
— Estou sim — respondi cessando o choro.
Soltei-o e o olhei. Havia tanto medo e preocupação em seus olhos,
que me senti culpada por fazê-lo passar por isso. De leve, ele acariciou o
machucado provocado pelo tapa em meu lábio inferior e encarou-me com
pesar.
— Não se preocupe. Estou bem! — garanti colocando minha mão
sobre a sua.
Victor selou meus lábios com cuidado, antes de abraçar-me pela
cintura e juntar nossos corpos outra vez.
— Eu devia punir você por ser tão teimosa! — repreendeu-me mais
relaxado.
— Eu sei. — Sorri.
— Eu te amo, Maya, e estou disposto a fazer o que eu puder por
você nesse mundo, mas... não me peça para voltar a Chicago. Isso, eu não
irei fazer! Estou oficialmente riscando esta cidade no seu mapa!
Havia humor na entonação da sua voz, porém, era sério. Eu ri
incapaz de me conter e senti suas mãos apertarem minha cintura.
— Eu também te amo, Victor — declarei-me olhando-o. — Daqui
até o céu!
— Gostei de ouvir isso. Foi bonitinho.
— Bonitinho? — gargalhei e soltei-o. — Bonitinho é ver você dizer
essa palavra.
Ele riu.
— Maya! — Allan chamou-me, vindo até nós.
— Allan... Oi — cumprimentei-o e olhei para Victor um pouco
tensa.
— Você está bem?
— Estou. Obrigada por tudo — disse olhando a minha volta,
observando a operação policial que ainda acontecia. — Sean conseguiu
fugir?
— Não. Nós o pegamos quando tentou escapar pelos fundos. Você
precisa ir até a delegacia, mas pode fazer isso amanhã.
— Eu a levarei até lá antes de irmos embora — falou Victor.
— Você vai embora? — perguntou Allan olhando-me com o cenho
franzido.
— Vou.
— Mas por quê? Por que ele quer? — perguntou apontando para
Victor. Senti ressentimento em sua voz, ou seria uma pontadinha de ciúme?
— Não. Vou embora, porque o meu lugar é junto da minha família
que precisa de mim nesse momento, mais do que qualquer um por aqui. E
também, porque o meu lugar é ao lado do homem que eu amo! — disse
claro e convicta, abraçando Victor de lado pela cintura.
— Okay — respondeu ele, encarando meu namorado de forma
hostil.
— Não se preocupe. Ela está em boas mãos — falou Victor, colando
mais nossos corpos.
Allan soltou uma risadinha irônica e nos deu as costas sem dizer
nada mais. Olhei para Victor e ele sorriu para mim, como quem havia
acabado de ganhar o jogo.
— Problemão lá em baixo — disse Jack vindo até nós.
— O que houve? — perguntei aflita, já imaginando o pior.
— Não sei como, mas a mídia já ficou sabendo que prendemos os
assassinos e eles estão em peso aqui. Como sei que você é uma figura
pública, achei melhor avisá-los. Há uma saída nos fundos da fábrica, podem
ir por lá.
— Merda! — murmurei.
— Obrigado — agradeceu Victor.
— Não tem de quê, Sr. White. Está realmente bem, Maya?
— Estou. Obrigada por tudo, Jack. Se não fosse você e sua equipe,
talvez, agora eu...
— Nem termine essa frase, Maya. Vem cá. — Sorriu e chamou-me
para um abraço. — Agora vá para casa. Sasha e Kim estão mortas de
preocupação com você. — Soltou-me. — Já as avisei que você está bem.
Precisa que alguém olhe isso? — Apontou para a minha boca.
— Não, está tudo bem. Cuido disso em casa.
— Vamos? Já tem um carro nos esperando nos fundos — avisou
Victor.
— Vamos.
Nós nos despedimos do Jack e fomos escoltados por um policial até
a saída, onde Noberto e mais seguranças nos esperavam. Ele também
demonstrou preocupação, mas garanti a ele que estava bem, assim como
tive que fazer mil vezes com a Kim e a Sasha. Elas estavam nervosas e
choraram quando me viram entrar no apartamento. Depois de conversarmos
e contar a elas tudo o que aconteceu, fui para o meu quarto com Victor. Ele
entrou, tirou seu paletó e a gravata, e sentou-se em minha cama jogando-se
para trás. De olhos fechados, ele respirou fundo algumas vezes e passou a
mão por seu peito, como se o massageasse. Aquele ato me preocupou.
— Você está bem? — perguntei, sentando-me ao seu lado.
— Estou.
— Tem certeza? Não parece.
— Só estou exausto, querida. Voei de Houston até aqui depois de
um dia de trabalho e quando chego, descubro que você foi sequestrada por
um serial killer. Foi um dia conturbado, mas não se preocupe. Fora isso...
está tudo bem agora.
— Desculpe-me, amor. — Deitei ao seu lado e o abracei. — Vamos
voltar para casa amanhã e tudo será como antes. Quero deletar essa noite
horrível da minha memória.
— Eu também quero — revelou acariciando meus cabelos. — Por
alguns instantes, o medo de te perder foi real e imenso. Cheguei até mesmo
a cogitar que, talvez, pudesse ser o Higor a fazer isso com você.
— Talvez ele já tenha me esquecido.
Recordei-me novamente de tê-lo visto do outro lado da rua, em
frente ao hospital em Tulsa.
— Se você tivesse ao menos noção do efeito que causa nas pessoas,
apenas de estar perto... saberia que não dá para esquecer você, Maya!
Olhei-o e sorri apaixonada, antes de abraçá-lo mais apertado e beijá-
lo lentamente.

Na manhã seguinte, fui à delegacia. Era preciso fazer exame de


corpo de delito e dar meu depoimento diante de uma câmera. Jack permitiu
que Victor ficasse na sala comigo, desde que ficasse quieto e em silêncio.
Eu tive de relatar tudo o que ouvi Tyrone e Sean conversarem na minha
frente, enquanto estava amarrada. Também tive de dizer tudo o que
aconteceu entre mim e Sean, começando pelos ensaios que fizemos juntos,
depois partindo para as vezes em que ele deu em cima de mim, em seguida
a noite em que tentou me beijar logo após o trabalho no campo de beisebol,
a tentativa de estupro e, por fim, a manhã fatídica no estúdio antes do
sequestro. Muitas das coisas reveladas, Victor não sabia, eu não havia
contado a ele. O ódio por minha omissão se estampou em seu rosto e me
senti mal e arrependida por fazer isso. Eu não devia ter escondido nada
dele.
Quando enfim acabou, nós saímos da delegacia e fomos
surpreendidos por paparazzi e jornalistas de TV que estavam aglomerados
na larga calçada e na rua. Eles nos encheram de perguntas e pediram para
que eu dissesse algo. Os seguranças apareceram e os afastaram para que
pudessem sair dali o mais rápido possível. Fomos para o apartamento e
assim que entrei, na TV da sala ligada, assisti que meu sequestro era a
bomba do momento. Em todos os canais era noticiado que a namorada de
Victor White havia quase sido uma vítima de dois homens que atuavam em
uma série de assassinatos em Chicago. Tudo o que eu menos precisava
naquele instante era desta notícia se propagando em Tulsa.
— Quanto tempo acha que demora para fazer as malas? —
perguntou Victor parado atrás de mim.
— Vou tentar ser o mais rápida possível — disse aflita e corri para o
quarto.
Peguei as malas sobre o armário e comecei a fazê-las com pressa,
sem o menor capricho. Enquanto arrumava tudo, meu celular tocou e era
Clarice quem ligava.
— Droga!
— É melhor atender. Diga que estou aqui, que estamos voltando e
chegaremos antes do anoitecer.
— Certo — concordei e atendi sua chamada. — Oi, Clarice.
— Por Deus, Maya! Onde eu estava com minha cabeça, que não fui
atrás de você quando fugiu? Ou pior... Por que eu não a impedi de voltar,
ou a busquei quando descobri que estava em Chicago?
— A culpa não foi sua, Clarice. Se existe algum culpado pelo que
me aconteceu, esse alguém sou eu mesma! Vim para cá porque quis; e
mesmo sabendo do perigo, eu voltei. Mas estou bem! Já estou voltando para
casa hoje mesmo.
— Mas aqui não está nada bem! Sua mãe passou mal quando viu a
reportagem na TV em seu quarto do hospital. Sua avó era quem estava com
ela na hora e ambas tiveram que ser atendidas.
— Elas estão bem? — perguntei angustiada e imensamente
preocupada.
— Agora estão, mas... Maya... Seu lugar é aqui, com a sua mãe!
Chega dessa distância. Chega desse recomeço.
— Eu sei.
— Victor está com você?
— Sim.
— Deixe-me falar com ele.
— Tudo bem.
Passei meu celular para ele, que o pegou em minha mão e saiu do
quarto para falar com ela. Enquanto isso, apressei em arrumar tudo. De
malas prontas, Noberto chegou e as levou para o carro, enquanto eu fui me
despedir da Sasha.
— Não se preocupe. Vou ficar bem e vamos nos ver em breve.
— Você jura?
— Juro! — Abracei-a. — Ah, e... enquanto você não conseguir
alguém com quem dividir o aluguel, eu irei dar um jeito de continuar
mandando minha parte — falei ao soltá-la.
— Não tem que se preocupar com isso — disse Victor, próximo de
nós, e olhei-o confusa. — O prédio pertence a mim agora.
Arregalei meus olhos, completamente surpresa.
— Desde quando? — perguntei.
— Desde alguns dias atrás.
— Mas como conseguiu?
— Tenho o meu jeito de conseguir o que quero.
Estreitei meus olhos para ele.
— Vamos falar sobre isso mais tarde.
— Então... eu pago a minha metade do aluguel para você agora? —
perguntou Sasha a ele.
— Não. Pode ficar aqui o quanto quiser, Sasha, sem se preocupar
com aluguel.
— Está falando sério? Porque eu não vou bancar a boa samaritana e
recusar essa oferta — falou ela com seu jeito Sasha de ser, nos fazendo rir.
— Estou falando muito sério!
— Okay. Obrigada — disse feliz e deu-lhe um rápido abraço
pegando Victor de surpresa.
Fizemos um desvio no caminho ao aeroporto e paramos no hotel da
Maggie, para me despedir dela e da Kim. Maggie finalmente conheceu
Victor e o ameaçou dizendo que se ele não cuidasse bem de mim como eu
merecia, ela iria atrás dele pessoalmente. Ela melhor do que ninguém sabia
como eu cheguei ali: sozinha, fraca e frágil.
— Você tem a minha palavra de que ela será bem cuidada —
prometeu ele.
Depois de muitas lágrimas derramadas, entrei no carro com o
coração partido. Era difícil deixar todos. Chicago foi meu lar por meses e,
apesar de tudo, eu aprendi a gostar desse lugar que me acolheu quando tudo
à minha volta desmoronou. Aprendi a enxergá-lo como um lugar especial e
hospitaleiro, para onde eu sempre poderei voltar quando precisar. Não que
eu espere por isso, porque quero não precisar recomeçar nada, nunca mais
na vida.
Sentada no jatinho, eu me perdia em inúmeros pensamentos,
olhando as nuvens pela pequena janela ao meu lado. Por um período, achei
ter pedido meus sonhos. Acreditei que todos eles haviam sidos destruídos.
Porém, descobri e aprendi que posso reconstruí-los quantas vezes for
preciso. O que importa é nunca desistir. Reconstruir Sonhos, é mais do que
refazer planos, é reconstruir a vida. E agora... estou mais do que preparada
para realizá-los e não irei medir esforços.
— E agora? Quais são os planos? — perguntou Victor.
— Me diz você — respondi e olhei para ele, que sorriu e pegou
minha mão.
— Sermos felizes juntos. Esse é o meu plano. Mas quero saber quais
são os seus.
— São tantos... Cuidar da minha mãe. Restabelecer meu
relacionamento com meu pai. Retornar para a faculdade... — Encarei-o e
sorri.
Eram muitos planos e desejos, mas o maior deles era estar com
Victor para todo o nosso sempre. Eu não sabia ao certo quanto tempo eu iria
aguentar viver “separada” dele, encontrando-o somente quando pudesse ir
me visitar em Tulsa. Eu sentia uma necessidade de algo maior e
desconhecido que crescer dentro de mim. A única coisa que eu conseguia
identificar nela era que tinha relação a nunca mais me afastar dele.
— Case comigo? — pedi encarando-o.
Victor arregalou os olhos e encarou-me surpreso, arqueando sua
sobrancelha. Sua feição era engraçada e me fez rir.
— Como é? — perguntou confuso.
— Eu perguntei: Case comigo?
Ele gargalhou e negou com sua cabeça, como quem não acreditava
no que tinha acabado de ouvir.
— Acho que não estou ouvindo direito — disse ainda rindo.
Desafivelei meu cinto e levantei-me indo para o corredor,
colocando-me de joelhos para ele ao seu lado e segurando sua mão. Victor
cessou o riso no mesmo instante e encarou-me sério. Encaramos um ao
outro em silêncio, por alguns segundos, olho no olho.
— Repete o que você disse! — mandou rude.
— Case comigo, Sr. White?
Ele não respondeu com uma palavra. Respondeu com um beijo
quente de tirar o fôlego, agarrando meus cabelos pela nuca e mordendo meu
lábio que estava levemente ferido.
— Ser minha esposa é um dos seus sonhos? — perguntou ofegante
com seu rosto colado ao meu.
— Sim. Com toda certeza do mundo! — respondi igualmente sem
fôlego pelo beijo voraz.
— Então só me resta realizá-lo.

CONTINUA...
OUTROS LIVROS DA AUTORA
Trilogia Valente:
1. Sonhos Quebrados
2. Reconstruindo Sonhos
3. Realizando Sonhos

Protegida por um Mafioso (Volume único)

Eva – Genuíno Amor (Volume único)

Ex-Namorados: O que o destino uniu, ninguém separa (Conto Erótico)

O que eu não sei de mim (Conto Lésbico)

Domina-me: Seduzindo o prazer (Conto Erótico)


BIOGRAFIA
Sou escritora profissional desde 2017 com oito livros publicados.
Primeiro romance foi desenvolvido no Wattpad, onde ainda escrevo
histórias recheados de muita paixão, drama e mistério. Convido você a
mergulhar nestas leituras, explorando lugares e vivendo momentos com
personagens incríveis.

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