Reconstruindo Sonhos - LARISSA BRAZ
Reconstruindo Sonhos - LARISSA BRAZ
Reconstruindo Sonhos - LARISSA BRAZ
Com amor,
Larissa Braz
“Reconstruir Sonhos, é mais do que refazer planos, é reconstruir a vida.”
Maya Valentine
PRÓLOGO
Quando eu era uma criança, minha mãe lia histórias infantis para
mim. A que eu mais amava era: O Pequeno Príncipe. Eu tinha um apreço
surreal por aquele livro de capa dura com ilustrações tão coloridas e que me
ensinou tantas coisas.
Era belo de se ler o amor entre ele e a rosa. Mesmo que ela
parecesse um pouco “abusiva”, ambos eram importantes um para o outro.
Também era admirável a amizade conselheira e sincera entre ele e a raposa
tão esperta. Às vezes, eu desejava ter um amor assim um dia e uma amizade
tão fiel quanto a da raposa. Porém, as coisas foram um pouquinho
diferentes para mim. Eu até tive ambos dos desejos realizados, mas não
duraram por muito tempo.
Sobre a cômoda em meu quarto, da minha casa em Tulsa, havia um
quadro que dizia o seguinte trecho do referido livro:
“É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou. Entregar
todos os teus sonhos porque um deles não se realizou, perder a fé em todas
as orações porque em uma não foi atendida, desistir de todos os esforços
porque um deles fracassou. É loucura condenar todas as amizades porque
uma te traiu, descrer de todo amor porque um deles foi infiel. É loucura
jogar fora todas as chances de ser feliz porque uma tentativa não deu certo.
Espero que na tua caminhada não cometa essas loucuras. Lembrando que
sempre há uma outra chance, outra amizade, um outro amor, uma nova
força. Para todo fim, um recomeço.”
CAPÍTULO 1
Já cheguei.
Estou bem.
Maya
20:23 p.m.
Ainda não.
Boa noite.
Maya
20:24 p.m.
Acordei às oito horas com a conversa alta das pessoas que passavam
pelo corredor lá fora. Deitada na cama e encarando o teto, resolvi que era
hora de dar sinal de vida para Clarice. Estava a ignorando há dias. Aliás,
não só ela, mas também minha avó, Dick e Penny. Sentei-me na cama e
peguei meu celular ao lado sobre o criado-mudo e busquei seu número na
agenda. Ela atendeu no segundo toque.
— Graças a Deus, Maya! — Senti o desespero em sua voz. — Sabe
como estou preocupada com você? Quase não tenho dormido à noite.
— Oi. Desculpe-me, Clarice. É que meus horários andam meio
loucos e tenho trabalhado bastante. Como você está?
— Furiosa com você, mas agora que sei que está bem, me sinto
melhor. — Suspirou aliviada.
— Perdoe-me — pedi ressentida em lhe causar isso.
— Maya... Já é hora de me dizer onde está! Com o que está
trabalhando?
— Clarice... Desculpe-me, mas não vou dizer onde estou. — Não
podia. Sabia que ela viria atrás de mim. — Eu estou bem, fique tranquila.
Estou trabalhando como garçonete em um bar no centro da cidade. É um
lugar legal e meus colegas de trabalho são pessoas ótimas. Tenho ficado
essa semana em um hotel, mas estou pensando em procurar um
apartamento.
— Então... se está pensando em procurar um apartamento, não irá
voltar logo? É isso que quer dizer?
— Sim. Não pretendo voltar agora.
— Maya... Só me diga em que cidade está. Prometo respeitar seu
espaço e tempo.
Respirando fundo pensei no que fazer. Se devia ou não dizer onde
estava. Será mesmo que irá respeitar meu espaço e tempo, com esse seu
instinto materno tão genioso?
— Se a polícia te procurar e precisar saber onde estou, me ligue. Eu
direi em qual cidade me encontrar.
— Por favor, não saia do país! Não até resolvermos tudo, okay?
— Não vou. Não tenho essa intenção. Agora me diga como está a
minha mãe. Nossa... Estou louca de saudades — revelei ficando com meus
olhos marejados.
— Ela está na mesma. Ainda não acordou e não teve evolução no
quadro de saúde. Trocaram o médico dela e nos disseram para ter
esperanças de que ela acordará. Seu pai está devastado.
Meu coração apertou e o choro embolou em minha garganta,
causando-me dor.
— Você... — Engoli o choro. — Você tem falado com meu pai?
— Sim, mas... não sobre você. Quando toco em seu nome, ele me
pede para parar de falar. Ele está com o orgulho ferido. Entenda também
que está acontecendo mil coisas com ele neste momento.
— Tudo bem. Eu sei que ainda me entenderei com ele. Como está a
Grace? Não falo com ela há um tempo.
— Grace está viajando com o novo namorado, que ainda não
conhecemos.
— Namorado? — Só podia ser o Higor. Estaria ele a usando para
fugir da polícia?
— Sim. Ela está muito feliz e radiante. Disse que se as coisas
ficarem sérias, em breve, o conheceremos.
— Fico feliz por ela — menti.
Não estava feliz por ela, porra nenhuma! Tinha certeza de que o
namorado misterioso era Higor. Aquele cretino ainda me paga!
— O processo contra o Dr. Collins e as duas enfermeiras que eram
responsáveis por sua mãe, ainda está em andamento para marcarmos a
primeira audiência. Mas fique tranquila. O caso da Meredith está nas
melhores mãos dessa cidade, meus associados — falou com enorme
certeza. Sua convicção animou-me.
— Obrigada, Clarice!
— Não precisa me agradecer. Meredith é minha família. Você é
minha família!
— Eu sei. Sentimos o mesmo por você. Eu tenho que desligar, ainda
irei ligar para minha avó.
— Não suma, Maya. Por favor... — implorou.
— Não vou. Eu só precisava de um tempo. Desculpe-me pela
preocupação.
— Eu te amo, querida.
— Também te amo. Dê um beijo na minha mãe por mim e diga que
eu a amo muito e que voltarei logo mais para casa.
— Se cuide.
Encerramos a ligação e liguei em seguida para minha avó. Levei
outro puxão de orelha por ter sumido, mas depois de convencê-la de que
estava bem e negar inúmeras vezes em dizer onde estava, enfim encerramos
a ligação e fui para o banho. Pronta, desci para o café da manhã e encontrei
Sasha sentada em uma mesa comendo sozinha. Servi-me de torradas com
geleias e fui até ela.
— Bom dia. Posso me sentar aqui? — perguntei parando ao seu
lado.
— Que pergunta, Maya. Claro que pode.
Sentei à sua frente e comecei a comer.
— Café, meninas? — ofereceu Maggie.
— Sim, obrigada — aceitei.
— Não, Maggie, valeu — falou Sasha, superconcentrada no que lia
no jornal que tinha em mãos.
— Está tudo bem? — perguntei, quando a vi fazer uma expressão
preocupada.
— Sim. Você leu o jornal de hoje?
— Não. O que tem no jornal?
— Acharam uma garota morta em um beco, a algumas quadras da
Wilcox.
— Ah, meu Deus! Que horror! Devia ser nisso que o Allan
trabalhava quando apareceu para buscar a gente.
— É, deve ser, mas... a garota estava sem a cabeça — disse baixo.
— O quê? — perguntei espantada, engasgando-me com o pedaço de
torrada que engolia.
— A cabeça foi encontrada pouco mais de duas horas depois a
alguns metros de distância, dentro de uma lata de lixo nos fundos de um
restaurante tailandês.
— Também deve ter sido por isso que Allan saiu às pressas ontem
— sussurrei para mim mesma.
— Como assim saiu às pressas? — interrogou-me com um sorriso
de divertimento.
— Nada. Não disse nada — omiti ao dar-me conta de que falei
demais.
— Nem vem, sua safadinha. Eu ouvi bem seus sussurros. Vocês
dormiram juntos? — perguntou sorrindo ansiosa.
— Não. Allan só me levou até meu quarto, aí nós nos beijamos e o
celular dele tocou, então, ele teve que ir.
— Vocês vão sair hoje à noite?
— Vamos. — Sorri recostando-me na cadeira.
— Ah, que fofo! Mais um casal para eu segurar vela — disse
dramática e humorada, arrancando-me uma risada.
— Pare com isso. Não somos um casal e eu também não sou do tipo
que fica com agarração em meio aos amigos.
— Sei... Kim me dizia a mesma coisa. Ela até tentou me juntar com
o Allan, mas fala sério. Ele é bonitinho, mas nem de longe faz meu tipo.
— Que bom. — Sorri. — Sabe... andei pensando na sua proposta de
morarmos juntas. Acho que pode ser uma boa ideia. Não posso ficar aqui
durante todo o tempo que estiver em Chicago. Preciso de um lugar.
— Isso é ótimo! — falou entusiasmada. — Vou ligar agora mesmo
para a corretora.
— Okay.
Ela se levantou quase dando pulinhos de alegria e saiu para a área de
lazer com o celular na mão. Continuei a tomar meu café da manhã e peguei
o jornal sobre a mesa que ela lia. A notícia estampada na primeira página
era sobre a morte da garota que Sasha comentou. Seu nome era Luiza
Baywood. Ela tinha apenas vinte e quatro anos. Nada foram roubados da
vítima, seus pertences estavam jogados ao lado do seu corpo encontrado
com a cabeça mutilada, nu e com hematomas no pescoço que indicavam
estrangulamento. A causa da morte ainda era desconhecida. Em seus
punhos e tornozelos também tinham marcas que mostravam que a vítima
havia sido amarrada. Senti meu estômago embrulhar e um calafrio percorrer
meu corpo. Ainda bem que Clarice ou minha avó não sabiam onde estava,
porque se soubessem surtariam e apareceriam em menos de cinco horas
para me levarem embora.
Deixei o jornal sobre a mesa e me levantei para ir até a Sasha.
Sentei-me na espreguiçadeira próximo dela e esperei até que terminasse sua
ligação. Depois que encerrou, voltamos para os nossos quartos, pegamos
nossas bolsas e tomamos um táxi na frente do hotel com destino ao bairro
Little Village, onde olharíamos nossa suposta futura casa.
CAPÍTULO 4
Tudo bem.
Allan
02:13 p.m.
Na manhã seguinte, levantei cedo e saí para correr. Não fazia isso
ultimamente e era algo que sentia muita falta. Quando saí, ainda não havia
ninguém acordado além da empregada que começava a preparar o café da
manhã. Corri pela vizinhança até o bosque que ficava perto, onde muitos
costumavam caminhar pela manhã ou tarde e levar seus bichinhos para
passear. Tive a sensação, por várias vezes, de estar sendo observada e até
mesmo seguida. Ouvi barulhos de galhos se quebrarem atrás de mim na
trilha e parei diversas vezes olhando para trás, mas nada via. Aquilo me
assustou. Não havia muita gente ali, só vi poucas pessoas correrem com
seus cãezinhos em sentido oposto. Decidi que o melhor seria voltar para a
casa da Clarice, já que não estava me sentindo confortável.
Dei meia volta e continuei a correr. Passei por um homem abaixado
à beirada da trilha e segui adiante. Ele estava amarrando o cadarço do seu
tênis e tinha um capuz do casaco de moletom cinza na cabeça sobre um
boné preto que fazia sombra em seu rosto. Ignorei aquela figura estranha e
sombria e apressei meus passos de volta. Nem é inverno para aquelas
roupas.
Passei por um casal que fazia uma caminhada moderada e logo mais
fiquei só novamente. Comecei a escutar passos apressados e pesados atrás
de mim. Eles pareciam ficar cada vez mais perto e isso me deu certa agonia
e medo. Olhei para trás e o homem estranho por quem passei na trilha, e
que parecia correr em direção oposta à minha, agora estava atrás de mim e
perto demais. Apressei meus passos e corri ainda mais rápido e assim ele
também fez chegando mais perto. Um pequeno desespero me tomou. Este
homem não está aqui apenas correndo, ele está atrás de mim. Corri ainda
mais rápido ouvindo-o apressar novamente seus passos.
Olhei outra vez para trás e ele mantinha uma distância de uns quatro
metros de mim, ou menos. Saí do bosque e atravessei a rua sem olhar para
os lados escutando uma freada brusca de um carro e sua buzina aguda. Parei
na calçada do outro lado e olhei para a saída do bosque. O homem não me
seguiu até lá. De dentro da mata quase fechada, só vi sair o casal com seu
cachorro. Voltei para a casa da Clarice ainda assustada e desconfiada,
olhando para os lados e para trás o tempo todo, mas não me sentia mais
perseguida.
— Você saiu cedo para correr? — perguntou Sammy quando entrei
pela porta da frente.
— Sim. Bom dia. — Sorri.
— Queria ainda ter esse ânimo.
— Talvez amanhã vocês devam ir juntos — falou Clarice ao passar
por nós indo para a cozinha. — Esse homem precisa se exercitar, Maya, são
ordens médicas. Me ajude, querida, por favor. Já faz um mês que tento fazê-
lo dar ao menos uma volta no quarteirão.
— Deixe comigo. — Sorri e pisquei para ela. — Vou tomar um
banho e depois desço para o café.
— Tudo bem. Não vou ao hospital agora, mas vou deixar para você
a chave do carro que era da Grace. Estará no porta-chaves perto da porta da
frente.
— Obrigada, Clarice.
— Sem problemas.
Tomei meu banho e me vesti calmamente. Depois do café, peguei o
carro e fui para o hospital parando no caminho para abastecer. Foi
impossível não me lembrar de todas as presepadas que eu e Grace fizemos
juntas com aquele carro na época da escola. Ela me dava carona todos os
dias e quando íamos às festas clandestinas no lago e a polícia aparecia, ela
dirigia como uma louca para não sermos pegas.
Quando cheguei ao hospital, minha mãe dormia. Fiquei lá por mais
de duas horas e ela não acordou. Perguntei a enfermeira quem havia
passado a noite com ela e a mesma me disse que tinha sido meu pai.
Perguntei por ele e ela me respondeu que havia saído para tomar um café,
dizendo saber que eu estava prestes a chegar. Eu queria ter ficado mais com
minha mãe, mas o médico não permitiu. Disse para voltar mais tarde, eles
iriam levá-la para fazer exames e a quimioterapia.
Fui até a casa da minha avó, onde almoçamos juntas e mais tarde a
levei para fazer compras no supermercado do centro. Quando saímos, vi um
carro preto estacionado ao lado do que eu dirigia. Um carro caro demais
para seu dono estar fazendo compras ali naquele lugar. A porta traseira se
abriu e Victor saiu de dentro dele.
— Aquele não é o Victor? — perguntou minha avó.
— O próprio — respondi baixo.
— Maya... — chamou-me ele se aproximando.
— Vai começar a me seguir agora? — perguntei impaciente.
— Talvez eu vá. Por favor... Me ouça! — pediu parando à minha
frente.
Olhei atrás dele e, além do Noberto, havia mais um homem parado
ao lado do carro, que logo o reconheci como seu segurança, que impediu
minha aproximação quando o procurei depois daquela maldita festa.
— Não irá mandar que ele me retire de perto de você desta vez? —
perguntei entregando minha amargura.
— Desculpe-me — pediu olhando para seu brutamonte atrás dele.
— Sei que mereço isso e muito mais...
— E você merece mesmo — interrompi-o. — Mas eu não mereço
gastar meu tempo com isso e nem com você. — Dei um passo para longe
dele, mas fui impedida de me afastar.
— Por favor, Maya. O que quer que eu faça para me ouvir? Me diga
que eu farei!
Encarei-o nos olhos.
— Quer que eu implore para me escutar?
— Não! O que eu quero é que suma!
Desprendi meu punho do seu aperto e entrei no carro onde minha
avó já me aguardava.
— Fiquei surpresa quando soube por Clarice que vocês haviam
terminado. Eram tão apaixonados.
— Vovó... Por favor!
— Desculpe-me.
Liguei o carro e deixei o estacionamento, vendo-o ainda parado no
mesmo lugar ao lado da sua BMW preta blindada. Deus! Como eu quis
abraçá-lo. Meus músculos do braço chegaram a estremecer. Meu coração o
quer tanto, que chega a bater acelerado fazendo meu colo e seios tremerem
minimamente. Contudo, minha mente gritava para ser forte e dizer “não”
para ele. Preciso voltar logo, ou não sei se vou aguentar por muito tempo.
Victor ainda mexe comigo de um jeito que não esperava que ainda faria.
— Não posso — sussurrei para mim mesma, enquanto dirigia de
volta para a casa da minha avó.
— Não pode o quê, querida? — perguntou confusa.
— Não posso ceder, vovó.
— Ceder ao quê? Ao que ainda queima dentro de você? —
perguntou e riu com deboche. — Vai por mim, Maya. Ceda logo. Nessa
missão de resistência, quando se trata de amor, a gente sempre falha.
As memórias invadiram minha mente deixando meus braços
arrepiados de leve. Memórias das noites de amor quente que tive com ele.
Dos dias bons que passamos juntos e da maneira bruta que fazíamos sexo
depois de algum desentendimento bobo, quando ainda não sabia que estava
apaixonada por ele. Um sorriso bobo invadiu meu rosto ao me recordar de
uma manhã de passeio em Seattle. Victor quando queria era bem-humorado
e naquela manhã, quando me levou para conhecer a cidade, me fez rir com
suas gracinhas e provocações obscenas sussurradas ao meu ouvido.
Lembrei-me de desejar mais manhãs como aquela ao seu lado.
Por que acabou? Porque tinha que ser assim! É melhor desse jeito,
não é?
CAPÍTULO 11
Na noite anterior tive que brigar com meu pai para dormir com
minha mãe. Ele se recusava a me deixar ficar e dizia que ia dar um jeito de
impedir minha entrada no quarto. Ele parecia me odiar tanto, que doía.
Depois que minha mãe acordou pela manhã, eles a levaram para a
quimioterapia e minha avó chegou para ficar com ela. Antes que a
levassem, eu tive a oportunidade de vê-la acordada e de ouvir o som rouco
da sua voz dizendo que me amava e que sentiu saudades.
Voltei à casa da Clarice depois de passar na lavanderia para ela. Ao
entrar, escutei a risada alta do Sammy vinda da sala de estar. Caminhei até
lá e vi Grace sentada ao lado do seu pai no sofá. Os dois riam de algo que
ele contava a ela.
— Oi — disse os interrompendo, anunciando minha chegada.
— Maya. Como está Meredith? — perguntou Sammy.
— Ela está ótima. Tive a chance de falar com ela hoje, por breves
segundos — respondi sorrindo grata por sua preocupação e olhei em
seguida para Grace. — Oi — cumprimentei-a apreensiva.
— Oi — retribuiu ríspida, levantando-se. — Eu já vou, pai. Nós nos
vemos à noite?
— Certo.
— O que tem à noite? — perguntei tentando estender o assunto com
ela.
— Vou levar meus pais para jantar — respondeu rude.
— Você nos acompanha, Maya? — perguntou Sammy.
— Eu adoraria...
— Eu gostaria que fôssemos só nós, pai! — Grace me interrompeu.
— Grace! — repreendeu Sammy.
— Tudo bem, Sammy. Eu estava dizendo que adoraria, mas já tenho
compromisso esta noite.
— É mesmo? Ainda tem amigos aqui? — perguntou ela com um
sorriso debochado. Quem é você e o que fez com minha amiga de infância?
— Grace! — repreendeu Sammy novamente.
— Me acompanha até a porta, pai?
— Claro. — Ele passou por mim logo atrás dela. — Ah, Maya... —
chamou-me e eu me virei para ele. — Chegou flores para você. Estão na
cozinha.
— Obrigada.
Fui até a cozinha e ao entrar, vi que a empregada começava a
preparar o almoço. Um jarro de cristal estava sobre a mesa do café com um
lindo buquê de rosas brancas e desabrochadas. Ao me aproximar, meu peito
se encheu de felicidade com a possibilidade de serem do Allan. Eu havia
passado a ele o endereço e número de telefone da casa da Clarice, para caso
algo acontecesse, ele ter por onde me procurar. Cheirei as rosas tão
perfumadas e vi que havia um envelope de papel dourado preso ao jarro. Eu
o peguei e abri. Ao puxar o cartão que havia lá dentro, logo meus olhos
bateram nas iniciais timbradas no papel branco acetinado: “V. W.”.
Querida, Maya.
Sei que a última pessoa de quem quer receber flores no mundo sou eu,
mas não resisti. Não achei outro meio de falar com você, a não ser desta
forma.
Em primeiro lugar, quero lhe pedir desculpas. Desculpas pela forma
que lhe tratei e pelas palavras grosseiras que disse na última vez que esteve
em minha casa. Sei que as frases que cuspi, pesaram tanto quanto minha
mão, que ousei levantar para você. Também tenho conhecimento de que
será difícil me desculpar por elas, afinal, não engolimos palavras de volta.
Mas quero que saiba que não a esqueci nem um dia sequer. E que estar sem
você foi mais difícil do que imaginei que poderia suportar ou ignorar. Eu
adoeci a cada dia que passou. Senti meu orgulho me devorar a cada noite
que adormeci sem você.
Quero olhar novamente em seus olhos e tocar suas mãos quando você
me der a oportunidade de me desculpar e me explicar. Há tanto que quero
poder lhe dizer pessoalmente. Por favor, Maya. Me dê a chance de
conversarmos. Jante comigo esta noite. Vou lhe esperar no mesmo
restaurante onde tivemos nosso primeiro jantar juntos. Lago Green Pine, às
20h. Espero por você!
Victor White
Meus olhos queimavam quando terminei de ler sua carta. Não sei ao
certo se era de raiva por lembrar daquela manhã, ou de saudades que batia
forte em meu peito.
— Uau! São lindas! — disse Clarice atrás de mim. — É do seu
namorado? — perguntou parando ao meu lado e cheirando as flores.
— Não — respondi guardando a carta de volta no envelope.
— São do Victor? — perguntou olhando-me com cautela.
— Sim.
— O que diz aí? — perguntou curiosa, olhando para o envelope em
minhas mãos.
— Ele pede desculpas e quer jantar comigo esta noite.
— Você vai?
— Não.
— Devia ir, ele...
— Clarice... — interrompi-a. — Por favor... — implorei quase sem
voz.
— Claro. Desculpe-me. Pegou as roupas?
— Sim. As coloquei na sala.
— Obrigada. Vou mandar guardá-las e logo desço para almoçarmos.
— Tudo bem.
Respirei fundo e concentrei-me na minha nova vida em Chicago.
Apesar da minha situação com Allan, estava tudo indo bem por lá. Não
tinha motivo para estragar tudo com um jantar.
Depois do almoço, eu dormi tudo o que não dormi à noite. Acordei
às seis e às sete, Clarice e Sammy saíram para jantar com Grace. Eu fiquei
só em casa e pedi uma pizza. Quando o relógio marcou oito e meia, sentei-
me à mesa e encarei as flores diante de mim. Cruzei meus braços sobre o
vidro e apoiei meu queixo sobre eles, ainda namorando as rosas tão
delicadas. Será que ele desistiu e foi embora, ou ainda espera por mim com
alguma esperança de que eu apareça?
Sorri com seu bilhete e fui para o quarto. Ao abrir a porta, fiquei
surpresa com a iluminação à luz de vela e as pétalas de rosas sobre a cama.
— Oi — o cumprimento veio do canto do quarto.
— Allan... Oi — disse, vendo-o sair da penumbra.
— Senti sua falta.
— Também senti a sua. — Honestamente? Falei sem ter certeza se
realmente havia sentido saudades dele. Talvez não tenha sentido, porque me
mantive ocupada e sempre preocupada.
Deixei a mala perto da porta e caminhamos um de encontro ao
outro. Parei diante dele, que me tomou em um abraço apertado e carinhoso.
Abracei-o e respirei fundo seu perfume marcante e, de repente, me dei
conta de que não era esse o cheiro que queria sentir.
— Você está bem? — perguntou soltando-me.
— Estou. Eu te liguei, mas você não me atendeu.
— Desculpe-me. Estava de cabeça cheia e estressado com o
trabalho. Achei melhor não atender para não correr o risco de descontar em
você minha frustração.
— O que houve? — interroguei-o preocupada.
— Depois falamos sobre isso, é só trabalho.
— Tudo bem.
— Quer sair para jantar?
— Prefiro pedir alguma coisa, estou um pouco cansada. A viagem
foi longa.
— Okay. Por que você não toma um banho para descansar e eu peço
algo?
— Ótima ideia. — Sorri e ganhei um beijo rápido.
— O que quer comer?
— O que acha de tacos?
— É uma boa pedida. Eu já volto.
Allan acendeu a luz e saiu fechando a porta atrás de si. Fiquei ali,
reparando em mais detalhes da sua arrumação. Além das velas e as pétalas
vermelhas, havia um lindo buquê de rosas brancas sobre a poltrona perto da
janela. Ao lado da cama, sobre o criado-mudo, um balde de inox com
bastante gelo e uma champanhe com mais duas taças dentro. Aquilo tudo
era lindo e devia ter enchido meu coração de emoção, mas isso não
aconteceu. Ao invés disso, uma enorme tristeza me abateu e me fez
perceber que não era ali que eu queria estar. Sabe quando somos crianças e
vamos dormir na casa de um amigo, mas nos arrependemos e sentimos uma
saudade inexplicável dos nossos pais? Era exatamente esse sentimento
desesperador que eu estava sentindo, mas não havia nada que eu pudesse
fazer contra ele.
Depois do banho, fui até a sala e encontrei Allan ao telefone na
pequena varanda com as portas fechadas. Ele parecia nervoso, gesticulava e
falava alto, mas não dava para entender o que dizia. A campainha tocou e
fui até a porta atendê-la: era o nosso jantar. Arrumei a mesa e bati na porta
de vidro da varanda para chamar sua atenção. Ele olhou para trás e fiz um
sinal para que entrasse. Allan assentiu com sua cabeça e fui para a mesa.
Logo ele entrou e disse, sem eu perguntar nada, que era uma ligação do
trabalho.
Comemos sem muita conversa e durante nosso jantar, ele não me
olhou sequer uma vez, apenas encarou a comida que tinha nas mãos. Senti
que o clima estava meio pesado sem motivos, só não sabia se era eu ou ele
quem o deixava assim. Terminamos e eu recolhi os pratos e os copos,
levando-os para a cozinha. Allan juntou todo o lixo sobre a mesa e depois
se encostou ao balcão.
— Quer falar sobre a sua viagem?
— Está tudo bem por lá. Minha mãe está bem melhor do que
quando me mudei para cá.
— Por que se mudou e deixou sua mãe em estado de coma? —
Encarei-o. Não esperava por essa pergunta. — Desculpa, mas eu tinha que
perguntar. Tudo bem se não quiser responder...
— Porque foi preciso — interrompi-o. — Eu precisava ir embora.
Dar um tempo de tudo que me aconteceu. Só queria um recomeço, eu não
abandonei ou ignorei minha mãe.
— E o que aconteceu?
Terminei de colocar os pratos na lava-louças e olhei-o sem saber por
onde começar uma conversa que eu já devia ter tido com ele, mas não
queria.
— Eu namorava alguém antes de vir para cá e isso você já sabe. A
questão é que... as coisas não acabaram bem entre nós porque pessoas
fizeram de tudo para nos separar. Essas mesmas pessoas me fizeram muito
mal — disse baixo.
— Está fugindo dessas pessoas? O que elas fizeram?
— Não quero falar sobre isso.
— O que foi que elas te fizeram? — insistiu firme e preocupado.
— Me incriminaram por algo que não fiz e, como se isso não
bastasse, fizeram meu pai acreditar nisso e hoje ele me odeia! Armaram
uma situação pavorosa que quase me deixou louca!
— Meu Deus, Maya! E quem são essas pessoas?
— Uma delas é um cara que não sai do meu pé, mas, graças a Deus,
parece que finalmente me esqueceu. A outra... é a ex-mulher do meu ex-
namorado.
— Que tipo de situação armaram para você?
Respirei fundo e tomei coragem para contar.
— Me drogaram em uma festa — falei de cabeça baixa. — Eu achei
que havia sido abusada, mas... a cena só foi criada para me causar pavor e o
término no meu relacionamento.
— Essas pessoas têm que pagar na justiça o mal que te fizeram.
Você precisa procurar a polícia e um bom advogado. Quando alguém dopa
outra pessoa, ela está assumindo o risco de homicídio. Isso não é
brincadeira, Maya. Você precisa colocar essas pessoas atrás das grades.
— Eu concordo com você, mas não tenho como provar nada. Eu já
fui à polícia e já tenho uma boa advogada, a melhor em Oklahoma, na
verdade. Se as coisas fossem tão fáceis assim, acredite... eu já teria
resolvido, Allan.
— Não devia ter fugido.
— Eu sei. Mas como eu já disse... precisava de um recomeço.
— Do que acusaram você?
Respirei fundo outra vez.
— Prostituição — murmurei, sentindo-me completamente
envergonhada.
— Acusaram você de prostituição? — perguntou incrédulo.
— É, mas não importa o que digam, não é verdade. Eu sei quem sou
e isso basta. Você acredita em mim, não é?
— Claro que sim, mas isso é uma acusação séria. Se você quiser,
posso te ajudar a fazer justiça, Maya.
— Eu não quero. O que quero é que minha mãe fique boa logo.
— Vem aqui — chamou-me abrindo seus braços. — Você é a garota
mais forte que já conheci. Vai ficar tudo bem. Você consegue, eu sei!
Retribuí seu abraço e aconcheguei minha cabeça em seu peitoral
definido. Allan seria o homem perfeito com quem dividir uma vida, se eu
não amasse o Victor.
— Sobre as fotos... desculpe-me — pediu e me soltou.
— São só fotos, Allan. Não há motivo para agir daquela forma.
— Exagerei, eu sei. — Segurou meu rosto entre suas mãos. — Por
isso estou pedindo desculpas. — Sorri e o abracei novamente. — Logo mais
as fotos irão ser substituídas por outras. Só não faça isso de novo, está bem?
— Isso o quê? — Olhei-o.
— Tirar fotos nuas outra vez.
— Não foram fotos nuas, Allan! — disse com raiva, dando um
passo para trás.
— Claro que são! Você expôs partes do seu corpo que apenas eu
deveria ver! — falou alto.
— O quê? Minhas costas, pernas e barriga? Me poupe, Allan! —
disse nervosa e voltei para a sala.
— Não acredito que já vamos brigar por isso de novo. — Veio atrás
de mim.
— Olha só... — Virei-me para ele. — Eu vou sim tirar fotos outra
vez, você goste ou não. A grana é boa e eu preciso dela para dar uma vida
decente aos meus pais! Preciso ter condições de voltar a estudar. Não quero
ser garçonete para o resto da vida!
— Então esse é seu plano? Chegar a capa da Playboy um dia? —
perguntou alto e irado.
— O quê? Allan, você está se ouvindo?
— Se fizer isso, Maya... não vamos mais poder ficar juntos.
— Como é? — questionei incrédula.
— Estou lutando para chegar a tenente. O que os outros vão pensar
de mim se a minha mulher está estampada na lateral de um ônibus, vestindo
apenas peças íntimas? Como vão me respeitar como tenente da polícia de
Chicago, se você estará estrelando capa de revista em todas as bancas de
jornais da cidade?
Seu machismo me chocou, deixando-me em silêncio. O Allan todo
protetor e carinhoso que esteve comigo nas últimas semanas não pode
habitar o mesmo corpo que esse troglodita, não conseguia crer. Qual seria o
próximo passo? Proibir o uso de saias?
— Allan... Não sou sua mulher e nem quero ser.
As palavras saíram da minha boca sem que eu percebesse. Nem
mesmo me dei conta de quando minha mente as formou e minha boca as
pronunciou, assustando não só a mim.
— O que está dizendo?
— Que não vou parar com as fotos. E que também não quero
atrapalhar você com seus planos de carreira.
— Maya, eu...
— Já basta! — interrompi-o. — Acho que é melhor pararmos por
aqui. Você está sendo um completo estranho para mim e se esse é seu
verdadeiro eu... não quero me envolver com ele. Vim para Chicago atrás de
liberdade e mudanças. Você não está sendo uma grande mudança na minha
vida agora. Desculpe-me.
— Maya... — Allan interrompeu-se e passou as mãos pelos cabelos
encarando um ponto fixo atrás de mim. — Não está falando sério, está?
— Estou — respondi firme.
Meu coração apertou, mas no fundo um alívio brilhou fazendo-me
respirar leve.
— Okay! — Caminhou até seu casaco que estava jogado sobre o
sofá. — Eu já vou.
Allan passou por mim, mas não consegui olhá-lo. Ele caminhou até
a porta e parou. Olhei por cima do ombro e o vi ali, parado por alguns
segundos de costas para mim, segurando a maçaneta dourada. Acho que ele
esperou por eu chamá-lo ou ir até ele, mas não fiz e não tive vontade de
fazer. Pelo contrário, eu queria muito que ele fosse logo de uma vez. Ele
abriu a porta e saiu a fechando logo atrás de si. Sentei-me no sofá e me
recostei fitando o teto, pensando no que havia acabado de acontecer.
Quando o final de tarde chegou, era hora de ir para mais uma noite
de trabalho. Eu e Sasha deixamos para sair um pouco mais tarde e pegamos
um táxi com destino a Wilcox. Depois de pagar a corrida, entramos e dei de
cara com um enorme palco preto e um poste cromado de pole dance ao
centro dele.
— Mas... o que... é isso? — perguntei pausadamente.
— Não quis te contar antes para não lhe assustar, mas é uma
coisinha nova que o Pette inventou. Segundo ele, é para atrair mais clientes
homens e gerar mais lucros — explicou Sasha.
— Então, agora a Wilcox é uma boate de stripper?
O que será aconteceu com: “Se tem algo que não aceito aqui são
putas”? Onde há esse tipo de trabalho, sempre existem programas sexuais
acomunados. Nunca é só dança.
— É isso aí! — respondeu Pette atrás de nós, chamando nossa
atenção para ele. — Espero que tenha gostado da novidade. Acho que vocês
vão trabalhar bem mais agora — falou com um enorme sorriso idiota,
cruzando os braços à frente.
— O que quer dizer com trabalhar mais? — perguntei encarando-o
com os olhos estreitos.
— Relaxe, Maya. Quando digo trabalhar mais, me refiro a você ter
mais clientes para servir nas mesas. — Riu debochado, antes de nos dar as
costas e sair em direção à escada, que levava à área VIP.
— Não estou gostando nem um pouco disso — falei baixo para
Sasha.
— Ainda bem que você não estava aqui no sábado. Foi noite da
inauguração do palco. Você tinha que ver a euforia dos homens com as
mulheres que dançavam sobre ele. Era nojenta!
— Talvez devêssemos começar a procurar outro emprego.
— Eu concordo.
A noite foi passando e tudo parecia estar indo até bem. Havia muita
gente estranha e os mesmos clientes de sempre. Alguns sabiam se portar,
mas outros nem tanto. Zoe havia me mandado trabalhar na pista naquela
noite, já que os clientes lucrativos estavam lá embaixo babando pelas
dançarinas que se apresentavam sem intervalo.
— Tyler? — chamei-o quando parei no bar para pegar mais cerveja.
— E aí, gatinha?
— Mais cerveja.
— É para já.
— Me diga... onde está a Natasha? Não a vi hoje.
Tyler olhou para mim e depois para o palco.
— Logo será a vez dela — disse e entregou-me as cervejas.
— Como assim? — perguntei confusa.
— Olhe para trás.
Os homens à frente do palco começaram a gritar a assoviar. Olhei
para lá e uma mulher de cabelos ruivos começava a dançar agarrada ao pole
dance, vestindo minúsculas peças íntimas de cor vermelha.
— Mas o que ela está fazendo? — perguntei incrédula.
— Pette ofereceu uma vaga para ela como dançarina e ela aceitou.
Foi o que aconteceu. Ela já foi dançarina antes, sabia como fazer o trabalho.
— Meu Deus!
— E não é só ela. A novata que chegou depois de você também.
Peguei a bandeja com minhas cervejas e as levei até as mesas.
Natasha dançou uma música longa e depois, antes de sair, recolheu o
dinheiro que jogaram para ela no palco.
— Maya, querida! — Uma voz cumprimentou-me em meio à
multidão.
Olhei a minha volta procurando por quem me chamava e vi Tyrone
sentado algumas mesas adiante, acenando para mim. Sorri e fui até ele.
— Oi. Que bom ver você — cumprimentei-lhe com um beijo no
rosto.
— Se lembra do Bash? — perguntou ele.
— Claro. Como vai? — cumprimentei-o, dando-lhe um pequeno
sorriso.
— Bem, obrigado.
— Parece que a boate mudou bastante desde a última vez que estive
aqui — disse Tyrone.
— Nem me fale. — Observei a euforia dos homens a minha volta.
— O que vão beber?
— Eu quero um mojito — pediu Tyrone.
— Uma cerveja artesanal — disse Bash.
— Eu já volto.
Fui até o bar e busquei suas bebidas, levando-as em seguida até a
mesa.
— Me diga, querida... Ainda com interesse na carreira de modelo?
— perguntou Tyrone.
— Claro!
— Então tenho o trabalho perfeito para você. Na quarta tenho um
ensaio para uma marca de calças jeans bem conhecida no país. Já estou com
meu casting fechado, mas posso dar um jeito de colocar você. Tem
interesse?
— Se tenho interesse? Mas é claro que sim! — respondi
entusiasmada.
— Depois te mando os detalhes do trabalho por e-mail.
— Okay, vou aguardar. Muito obrigada. — Sorri grata.
— Não tem de quê, querida.
— Agora tenho que voltar ao trabalho. Se precisarem de qualquer
coisa, é só me chamarem.
— Tudo bem.
Voltei para o meu trabalho e a noite seguiu até as quatro da manhã.
— Aí, Maya! — Zoe me chamou.
— Sim.
— Já que a Natasha está em outra função, quem ajudará o Tobby a
levar o lixo para fora será você.
— Okay.
Peguei dois sacos de lixos pesados e arrastei-os para fora junto com
Tobby. Saímos pela porta lateral que dava para um beco sujo e escuro. Ele
jogou seus sacos no contêiner e foi para dentro sem me esperar ou me
ajudar com os que eu carregava. Fiz meu trabalho sozinha e, quando estava
voltando para dentro, escutei risadas e conversa baixa vindo de mais adiante
no beco. Caminhei mais à frente e, escondida na penumbra, consegui ver
uma das dançarinas conversando com um homem para quem servi algumas
bebidas na noite. Ele a imprensava contra a parede e estava com sua mão
esquerda por baixo do seu microvestido.
— Então, gata. Quanto esta noite vai me custar?
— Duzentos dólares, lindinho — respondeu ela ao homem, com
manha na voz.
— O quê? Duzentos dólares por uma foda? — perguntou alto,
afastando-se dela com estupidez. — Está me achando com cara de trouxa?
— gritou.
— Calma, gato. Podemos entrar em um acordo com o valor. — Ela
se aproximou e tentou tocá-lo.
— Então acerte o valor com outro! — Empurrou-a para trás,
fazendo com que ela batesse as costas contra a parede. — Nem é tão
gostosa assim — desdenhou e saiu do beco sumindo ao virar à esquerda na
calçada.
— Merda! — murmurou ela jogando os cabelos loiros para trás.
— Você está bem? — perguntei ao me aproximar.
— Não te importa! — respondeu alto e grosseira, virando-se para
mim.
— Desculpe-me. Eu não queria ouvir, mas vim trazer o lixo e acabei
escutando.
— Se manda, garçonete. Estou de boa! — disse rude e se foi.
— Quanta grosseria — sussurrei para mim mesma, antes de voltar
para dentro e ir embora em seguida.
Na terça pela manhã, recebi um e-mail do Tyrone com detalhes do
trabalho. Ele tinha razão, o ensaio era para uma marca bastante conhecida
no país. O cachê era mais do que maravilhoso. Iriam me pagar dois mil e
quinhentos dólares, mas, no entanto, o ensaio seria diferente do que fiz
anteriormente. As fotos seriam feitas em um galpão abandonado, ali mesmo
na cidade. Além de mim, teria mais dois homens e duas mulheres que eram
modelos profissionais.
No cair da tarde, fui para o trabalho e a noite seguiu a todo vapor.
De longe avistei Bash sentado sozinho em uma mesa à frente do palco. Ele
observava de maneira estranha Natasha apresentar-se dançando
sensualmente no pole dance. Ela usava uma peruca de cabelos sintéticos
brancos, uma pequena lingerie de couro preto envernizado e luvas até os
cotovelos de veludo vermelho.
— Bash! — chamei-o ao me aproximar.
— Maya — disse ao me ver, dando-me um pequeno sorriso. —
Como vai?
— Bem, obrigada. E você?
— Ótimo! — Forçou um sorriso maior. — Pode me trazer mais uma
cerveja?
— Claro.
Saí e logo voltei com sua bebida. Ele agradeceu com um aceno de
cabeça e continuou a observar a dança. Retirei-me para atender outras
mesas e assim a noite foi indo até as três da madrugada, quando fechamos.
Depois de colocar o lixo para fora, fui para casa sentindo-me exausta,
desejando minha cama mais do que tudo. Deitei-me com os cabelos
molhados após o banho, sem coragem para secá-los.
Antes de fechar olhos, encarei entristecida o relógio sobre o criado-
mudo ao ver que só me restavam três míseras horas de sono. Eu mal havia
adormecido quando o celular tocou o despertador ao meu lado na cama às
sete horas. Confesso que tive vontade de desistir do ensaio, mas a
necessidade pela grana falou mais alto.
Levantei e me aprontei para o ensaio, peguei um táxi às oito e meia
e segui até o endereço do galpão no lado sul da cidade. O taxista me levou
até lá e, quando parou à frente, havia dois carros e um furgão branco
estacionado à esquerda.
— Moça! — chamou-me o taxista virando-se para trás. — Tem
certeza de que vai descer aqui?
— Tenho! — respondi entregando-lhe o dinheiro.
— Não sabe que tem sumido mulheres na cidade?
— Sei sim, mas fique tranquilo. É um ensaio fotográfico para uma
agência.
— Tudo bem. Depois não diga que não avisei. — Virou-se para
frente.
Desci do táxi e o portão da frente foi aberto. Tyrone surgiu com a
câmera dependurada no pescoço e acenou para mim.
— Bom dia, querida! — cumprimentou-me ao me aproximar.
— Bom dia! — retribuí com um sorriso animado.
— Venha. Já chegaram todos.
Entramos e logo vi toda a arrumação diante de mim. Os outros
modelos já estavam sendo maquiados e Bash terminava de ajeitar a
iluminação.
— Esta é Dorate — apresentou-me a uma mulher negra, baixinha e
de seios fartos. — Ela vai maquiar você e arrumar seu cabelo. Depois você
vai para trás daquele biombo — disse apontando para o mesmo — onde
improvisamos um camarim. Você irá se vestir com as roupas que tiver seu
nome, começando pelas peças número um.
— Tudo bem.
Dorate fez uma maquiagem marcante nos olhos e passou um batom
rosado nos lábios antes de aplicar um gloss superespesso e brilhante. Ela
arrumou meu cabelo em ondas perfeitas, depois aplicou spray fixador antes
de despenteá-lo levemente deixando-o com uma aparência propositalmente
um pouco bagunçada.
Fui até o “camarim” e procurei pelas roupas que estavam dentro de
sacos plásticos transparente etiquetados com meu nome e enumerados.
Vesti a calça justa com detalhes desfiados na coxa e o top decotado, ambos
feitos de jeans claro. Pronta, me juntei aos outros modelos e começamos o
ensaio, acompanhado de um troca-troca de roupas sem fim. Entre todos os
modelos, um em específico me chamou a atenção: Sean. Ele era alto,
musculoso, olhos verdes e cabelos castanho-claros encaracolados. Sean me
deu alguns olhares e sorrisos, que me deixou um pouco sem graça, mas que
me fizeram sorrir timidamente. Não estava sentindo-me preparada para
flertes.
— Ótimo. Agora... quero algo mais ousado — disse Tyrone. —
Talvez com apenas dois modelos. Maya? — chamou-me.
— Sim.
— Que tal alguns cliques com você e Sean?
— Por mim, tudo bem — respondeu Sean em meu lugar, olhando-
me com um sorriso largo. Tyrone me olhou esperando minha resposta.
— Tudo bem, também.
— Sean, tire a camisa! Maya... tire o colete! — mandou Tyrone.
— Como é? — perguntei assustada. Não usava nada por baixo do
colete.
— O que escutou, querida — respondeu ele observando-me com
tédio.
— Olha só... isso sempre tem em ensaios. Fica tranquila, é algo
normal neste meio — Sean tentou me acalmar com sua fala baixa e suave,
alisando meu braço.
— Vamos! É para hoje, Maya! — falou Tyrone impaciente.
— Acho que... que eu não consigo fazer isso — recusei baixo.
— Maya... Se você quer mesmo dar certo neste ramo, tem que
perder o pudor. É só uma foto, não é nada demais. Todas aqui já fizeram
isso.
Olhei para Sean e ele já estava sem camisa. Virei-me de costas para
todos, ficando de frente para uma parede, e respirei fundo buscando
coragem para ficar nua cintura acima na frente de vários estranhos.
Comecei a desabotoar botão por botão e tirei o colete descendo-o
lentamente pelos ombros. Joguei a peça no chão ao canto e virei-me para
Sean cobrindo os seios com os braços cruzados à frente.
— Ótimo! Maya, encoste seus seios no tronco do Sean. Sean, segure
suavemente Maya pela cintura — ordenou Tyrone.
Um tanto constrangida, aproximei-me do Sean e tirei meus braços
da frente do meu corpo, encostando meus seios em seu peitoral e abdome
sarados. Ele repousou suas mãos quentes em minha cintura, causando-me
um leve arrepio.
— Maya, querida... Relaxe o corpo e apoie suas mãos com
delicadeza nos braços dele. — Forcei-me a relaxar e olhei-o envergonhada.
— Está ótimo. Agora... se entreolhem e faça parecer que são um casal com
intimidade.
Grudei meus olhos nos seus e um sorriso brotou em seus lábios.
Seus dedos polegares fizeram um “carinho” em minha cintura nua,
provocando-me outro arrepio. Encarei sua imensidão verde e, por um
instante, achei seus olhos muitos parecidos com os de Victor. Eles me
levaram por uma viagem de lembranças até ele e me fez imaginar como
devia ser sua beleza no auge dos seus vinte e cinco anos. Devia ser ainda
mais lindo do que era aos sessenta.
— Muito bom, pessoal... As fotos ficaram ótimas. Obrigado, Maya.
Obrigado, Sean — disse Tyrone trazendo-me de volta para a realidade.
Perdi-me tão profundamente em meus pensamentos e imaginação,
que nem mesmo ouvi os “cliques” dos flashes disparados pela câmera.
Afastei-me novamente cobrindo meus seios e peguei o colete no chão para
cobri-los.
— Já posso me vestir? — perguntei ao Tyrone.
— Claro. Hoje encerramos por aqui.
Caminhei até o camarim improvisado e vesti minhas roupas junto às
outras meninas, que também se aprontavam para ir embora. Quando
terminei de me vestir, caminhei até Tyrone e lhe agradeci pela oportunidade
de trabalho.
— Imagina, querida, eu quem agradeço. Foi uma boa sessão.
— É, foi mesmo.
— Aqui está o seu cheque. — Estendeu-me o papel assinado por
ele, com o valor de dois mil e quinhentos dólares.
— Obrigada. — Sorri contente.
— Acho que tenho algo para você na semana que vem.
— O que seria?
— Ainda não posso falar muito, mas garanto que vai lhe render uma
boa grana.
— Tudo bem. É só me mandar um e-mail. Tchau.
— Até logo, Maya.
Saí do galpão e chamei um táxi. Não demorou muito e o carro
chegou. Embarquei para casa e no caminho, meu celular tocou dentro da
bolsa.
— Clarice! Oi, como você está? — disse ao atender.
— Bem. E você?
— Estou ótima! — E aquela resposta era verdade. Era exatamente
assim que me sentia. Ótima! — Como estão as coisas por aí? Tenho falado
com a vovó todos os dias, mas ela sempre me dá a mesma resposta.
— Sua mãe está bem, porém, seu pai continua bebendo e ontem à
noite o hospital me ligou dizendo que barrou outra vez sua entrada. Eu fui
até lá e seu estado era deplorável. Ele estava sujo, com mau cheiro e muito
bêbado.
— Meu Deus! Mas o que posso fazer, se ele não quer a minha
ajuda?
— Ele não quer a ajuda de ninguém. Eu e Sammy já tentamos de
tudo. Sammy até ofereceu internação a ele ontem, mas Teddy respondeu que
não precisa disso. Ele alegou a nós que pode parar com a bebida quando
quiser.
Essa situação deixou-me entristecida. Meu pai estava se
autossabotando e prejudicando não só sua saúde, mas seu bom
relacionamento com minha mãe. O que ele estava fazendo era tudo o que
ela desaprovaria. Será que ele ainda não percebeu ou era proposital? Quanto
egoísmo de sua parte fazer algo assim, tão estúpido, quando sua esposa
estava acamada em um hospital precisando dele.
— Preciso voltar logo, tenho medo que essa situação fique ainda
pior. Por mais que eu tenha sonhado em seguir minha vida aqui, sei que
meu lugar é aí... com a minha família.
— Pense bem, Maya. Sabe que farei o possível para cuidar bem da
sua mãe e tentar manter o controle da situação por aqui. Talvez você não
possa resolver nada, sabe que Teddy não irá aceitar sua ajuda.
— Eu sei, mas preciso tentar.
Nós nos falamos por mais alguns segundos e encerramos a ligação
logo depois de nos despedir. O táxi parou à frente do meu prédio, paguei a
corrida e desci. Ao entrar no hall, o porteiro me cumprimentou como fazia
todos os dias, em todas as vezes que me via sair ou chegar.
— Oi... Cheguei! — disse ao entrar no apartamento, dependurando
o casaco e a bolsa no suporte na parede da minúscula antessala.
— Na sala! Como foi o ensaio? — perguntou Sasha.
— Foi ótimo! — respondi ao entrar na sala, assustando-me e
parando subitamente onde estava. Uma enorme tensão provocou uma
imensa rigidez nos músculos do meu corpo.
— Como vai, Maya? — cumprimentou Victor, levantando-se da
poltrona.
Encarei-o com olhos arregalados, perguntando-me se eu estava
delirando ou se estava mesmo o vendo ali, de pé em minha sala, sorrindo
para mim.
— O que está fazendo aqui? — perguntei quase sem voz.
— Foi bem difícil achar você.
— Bom... Já que você chegou e ele está aqui há quase uma hora
esperando por você, vou sair para ir até a lavanderia buscar minha jaqueta
— anunciou Sasha indo em direção da porta. — Volto logo.
Ela saiu e fechou a porta, deixando um silêncio absurdamente
maçante no apartamento. Ao contrário de quando o vi em Tulsa, sua
aparência estava bem melhor. Ele parecia ter ganhado um pouco de peso e
estava com os cabelos e barba bem aparados. Estava quase como eu me
lembrava, antes do nosso término.
— Como me achou aqui? — quebrei o silêncio.
— Foi difícil, confesso.
— Mas o que você quer? Não ficou claro quando nos vimos em
Tulsa, que eu não quero mais ver você! — disse alto e irritada.
— Você disse que não queria mais me ver e não que não me amava
mais. Suas palavras refletiram mágoa e não uma decisão. Aposto que não
era o que você queria dizer.
— Você é ridículo! Quem pensa que é para dizer o que eu queria ou
não falar?
— Sou alguém que conhece você.
— Vou perguntar mais uma vez... Como soube que eu estava aqui?
Foi a Clarice? Foi ela quem contou a você? — interroguei-o grosseira.
— Não. Mandei que seguissem você até o aeroporto e descobrissem
em qual portão você embarcou e para onde ia o avião. Então, mandei
Noberto para cá e você não imagina a minha surpresa quando ele me enviou
imagens de fotos suas espalhadas pela cidade. Confesso que as fotos me
irritaram um pouco, mas... eu gostei.
— Mandou que me seguissem? Meu Deus... você é mais louco do
eu imaginava!
— Inteiramente, querida. Porém, saiba que será sempre por você. —
Aproximou-se a passos lentos.
— E como descobriu meu endereço?
— Primeiro descobri de qual agência eram as fotos, depois vim para
cá e fui até lá onde conversei com uma moça não muito gentil, mas depois
de lhe dar um “agrado” ela me abriu um sorriso e passou seu endereço.
— Nossa... — Não sabia o que dizer. Eu já devia ter imaginado que
Victor não desistiria fácil, ou ele não seria mais o homem que conheci. —
Vai embora!
— Eu vou. Mas saiba que agora sei onde te encontrar. Não pode
mais fugir de mim. — Sorriu lindamente.
Como eu me odeio por achá-lo ainda bonito e sedutor. Victor
passou por mim e caminhou até a saída.
— Nos vemos logo mais, amor — disse com pura provocação na
voz.
— Eu não sou... — Antes que eu pudesse terminar minha frase, a
porta se fechou em um baque. Virei-me para trás e não o vi mais ali. Ele me
provocou e saiu deixando-me falando sozinha. — Filho da mãe! —
murmurei indo para o meu quarto.
CAPÍTULO 14
— Você não sabe o que é bom ou não para mim — sussurrei para
mim mesma.
Pensei respondê-lo, mas não fiz. Logo mais, o fim de tarde chegou e
era hora de irmos para o trabalho. Apesar do terrível assassinato da noite
passada, a boate estava ainda mais abarrotada de gente do que nas noites
anteriores. Havia pessoas de todo tipo e lugares da cidade. Não tinha sequer
uma mesa vazia, estava difícil até mesmo para andar entre a multidão para
servi-los.
— Tyrone... Oi! — cumprimentei-o ao vê-lo sentado só em uma
mesa mais ao fundo.
— Oi, Maya.
— Mais um uísque? — perguntei ao vê-lo virar o restante em um só
gole.
— Sim, por favor. — Saí e logo voltei com sua bebida. — Soube da
garota. Está em todos os jornais.
— É, aquilo foi horrível.
— Quem era ela?
— Bridget. Ela só tinha vinte e cinco anos — disse com pesar.
— Pobre garota. Não me recordo dela aqui.
— Ela era novata. Fazia parte das dançarinas. — Olhei para o palco
apagado, pela primeira vez na semana.
— Ah, sim. Já sabem quem cometeu esse ato bárbaro?
— Infelizmente não.
— Eu sinto muito pela perda.
— Obrigada, mas não éramos próximas.
— Sabe se a polícia já tem um suspeito?
— Eu não sei.
— Tomara que prendam logo quem fez isso, antes que machuque
outra pessoa.
— Também espero. Você quer mais alguma coisa?
— Não, obrigado.
Afastei-me e continuei a trabalhar. Com o decorrer da noite, percebi
que muitos ali estavam por pura curiosidade. As pessoas faziam as mesmas
perguntas que Tyrone. Eu respondi algumas e ignorei outras. Tinha gente
querendo saber demais o que não era da conta deles. Mais uma madrugada
chegou e eu estava exausta como sempre. Sasha e eu pegamos o ônibus e
voltamos para casa. Após um banho, desmaiei em minha cama acordando
ao meio-dia com batidas leves na porta e seus chamados para almoçarmos
juntas.
Depois do almoço, o tempo estava seco e um pouco frio devido ao
outono. As temperaturas estavam marcando abaixo de vinte graus na última
semana e, às vezes, dezoito. Resolvi sair para caminhar um pouco e pensar
no que fazer da minha vida. Tudo parecia estar indo tão bem, mas no
momento parecia não estar mais. No começo, morar em Chicago era
empolgante, mas desde que eu havia voltado de Oklahoma, isso começou a
me parecer um ato egoísta.
Em Tulsa, as coisas só pioravam com meu pai. Estava praticamente
impossível não me preocupar com ele e seu novo vício. Mas, para um
pouco de alívio, minha mãe havia acordado do seu coma preocupante,
porém, ela ainda continuava muito doente. E meus problemas não paravam
por aí, ainda tinha a questão de meu pai não ter mais uma renda para
manter-se, ou uma casa para morar. E essa era uma das minhas maiores
motivações para continuar em Chicago trabalhando como garçonete e
tentando a sorte como modelo fotográfico. No entanto, talvez fosse melhor
deixar tudo de lado e buscar o sonho de uma vida estável para mim e meus
pais em Tulsa. Pelo menos lá, eu estaria ao lado deles todos os dias.
Caminhei até uma praça não tão longe de casa e me sentei em um
banco observando algumas pessoas andando por ali com seus cães e babás
com suas crianças. A vida de todos que passavam por mim rindo e
brincando parecia estar tão boa, aparentavam estar tão felizes. Será que era
apenas eu que estava com essa vida angustiante e de indecisão? Ou nem
toda felicidade que vemos estampada no rosto dos outros é real? Queria que
Deus provesse outro milagre e curasse minha mãe. As coisas seriam tão
mais fáceis para mim se ela estivesse com saúde. Eu tinha certeza de que
ela daria um jeito de fazer meu pai me perdoar e voltar a falar comigo. Eu
poderia contar sobre tudo o que me aconteceu e ela me daria seus sábios
concelhos e eu os amaria ouvir, mesmo que viessem acompanhados com
puxões de orelha.
— Oi.
Um leve arrepio percorreu meu braço, chegando à nuca.
Lentamente, virei minha cabeça e olhei por cima do ombro. Victor estava
parado atrás de mim vestindo jeans escuro, suéter preto e uma camisa
branca por dentro, com a gola dobrada para fora do suéter e calçava tênis de
couro preto. Mesmo sem seu terno elegante, ele tinha o dom de continuar
absurdamente lindo.
— Oi — respondi baixo.
Ele deu a volta no banco e sentou-se ao meu lado, estendendo-me
um copo fumegante de café.
— Não está envenenado. Pegue — insistiu ele, quando viu minha
resistência.
— Obrigada — agradeci e peguei.
— Podia ao menos ter respondido minha mensagem ontem — disse
olhando para frente e deu um gole em seu café. — Realmente estava
preocupado com você.
— Estou bem.
— Não parece. Sou todo ouvidos se quiser conversar.
— Não quero conversar com você! Não tenho o que conversar com
você! — disse ríspida, encarando o copo quente entre minhas mãos.
— Mas eu quero. Converse comigo, Maya, mesmo que seja para me
ofender. Estou aqui me humilhando para você! Não sabe o quanto isso é
difícil para mim. Sinto minha masculinidade ir embora a cada segundo. Mas
ainda estou aqui e vou continuar, porque amo você. Saiba que não vou
desistir! — disse convicto e senti seu olhar pesar em mim.
— Você não quis me ouvir quando eu precisava falar. Você não
estava para mim quando mais precisei. — Olhei-o finalmente. — Vá
embora. Já fez isso uma vez, não será difícil fazer de novo! — disse com a
voz carregada de amargura e orgulho.
Levantei-me do banco e joguei o café na lixeira ao lado. Distanciei-
me em dois passos, quando o ouvi dizer uma frase que me doeu fundo no
peito e me abalou por dentro, deixando meus olhos marejados.
— Volta para mim.
Mas o rancor de uma ferida ainda não cicatrizada falou mais alto.
— Você me mandou embora. Me expulsou da sua casa... da sua
vida. Você me bateu! — Virei-me e o vi de pé, próximo a mim.
— E me arrependo amargamente de ter feito isso.
Queria ceder. Queria me jogar em seus braços e implorar para que
cuidasse de mim outra vez. Porém, mais uma vez, o orgulho gritou mais
alto. Respirei fundo e engoli minha emoção.
— O que fez você mudar de ideia? Não conseguiu outra a quem dar
ordens?
A intenção de minhas perguntas idiotas era apenas feri-lo, mesmo
que fosse só um pouquinho. Mas acho que ele percebeu e não se deixou
abater, notei pelo seu sorriso no canto dos lábios.
— Infelizmente não consegui passar por cima desse sentimento
estúpido chamado orgulho e parece que você também não está conseguindo
— disse sério. — O que me fez mudar de ideia, foi saber a verdade e
aprender com meu erro. Se não me quer de volta, ao menos aceite minhas
desculpas. Não estou pedindo que me perdoe, apenas que aceite meu pedido
de desculpas — disse encarando-me fundo nos olhos e deu-me as costas
indo embora.
— Foi Clarice quem disse a você o que não quis ouvir de mim?
— Não. — Parou e olhou-me. — Foi a Penny quem me procurou e
contou o que houve nos mínimos detalhes.
— A Penny? — perguntei incrédula.
— É. Sua amiga Penny.
— O que ela disse?
— Tudo.
— Tudo o quê? Ela falou sobre a Eliza?
— Falou sim. Mas como soube sobre isso?
— Recebi uma foto no meu número antigo e foi então que descobri
que Eliza é muito mais mau-caráter do que imaginava e que Penny não é
minha amiga.
— Exatamente o quê você viu?
— Penny recebendo um pacote da Eliza. Nem mesmo sabia que elas
se conheciam.
— Você as viu, mas não sabe o que era aquilo, não é? Não tem
noção do que fizeram com você.
— Mas algo me diz que você sabe.
— Ah... Então agora você quer conversar? — perguntou debochado,
com um sorriso irônico.
— Se não quer me contar, não precisa! — disse irritada e lhe dei as
costas.
Tentei me afastar depressa, mas fui impedida quando Victor me
puxou pela cintura e virou-me de frente para ele prendendo meu corpo entre
seus braços. Um imenso nervoso tomou conta de mim por estar tão próxima
dele. Uma vontade inesperada e desesperada de beijá-lo surgiu fazendo-me
engolir em seco e deixando-me ofegante.
— Quer saber o que eu sei? Jante comigo amanhã.
— Eu trabalho — respondi baixo, observando os detalhes do seu
rosto.
— Arranje uma folga. Você dará um jeito, eu sei.
Ele me soltou e partiu sem olhar para trás, deixando-me ali meio
atordoada com minhas emoções. O que ele sabe? Minha curiosidade estava
falando alto.
Fui para casa e à noite para o trabalho. Saí do bar às três e meia da
manhã e depois de me despedir dos meus colegas, comecei a caminhar
sozinha para o ponto de ônibus, já que era folga da Sasha. Estava a uma
quadra de distância quando ouvi passos pesados e apressados virem atrás de
mim. Assustada, olhei para trás e não vi ninguém. Comecei a andar mais
rápido e os passos começaram outra vez, vindo ainda mais perto e
apavorando-me.
A poucos metros da esquina, ofegante e com o coração acelerado de
medo, corri e olhei outra vez para trás vendo um corpo alto de ombros
largos, vestindo uma jaqueta marrom e capuz preto de moletom na cabeça,
fazendo sombra em seu rosto, correr atrás de mim. Aquela figura pavorosa
era quem me perseguia. Ao virar a esquina, bati de frente a uma parede de
músculos negros, caindo sentada no chão.
— Ai! — exclamei ao sentir dor, quando minha bunda se chocou
com o concreto úmido pela última chuva de horas atrás.
— Moça... Você está bem? — perguntou o homem com quem
trombei, estendendo-me sua mão para me ajudar a levantar.
— Não — respondi levantando-me depressa e virando para trás, mas
não havia nada e nem ninguém ali. Seja quem for que estivesse me
perseguindo, simplesmente desapareceu com o vento.
— Está trêmula, quer se sentar? — perguntou ele apontando para o
banco no ponto de ônibus.
— Obrigada — agradeci com a voz falha e sentei-me respirando
fundo, tentando me acalmar.
— Tentaram te assaltar?
— Tinha alguém me perseguindo. Eu não sei se ia me assaltar ou
não... eu...
— Se acalme. Vou ligar para a polícia.
— Não precisa. — Levantei-me.
— Mas é claro que precisa. Existe um maníaco à solta, e se tiver
sido ele que a perseguiu? Precisa registrar uma ocorrência!
— Okay. — Sentei-me novamente.
A polícia logo chegou e, por mais que eu afirmasse estar bem, eles
insistiram para que eu fosse até a delegacia. Disseram que qualquer
informação mínima poderia ser útil para saber quem me perseguiu. Entrei
na viatura depois de agradecer ao homem que me ajudou e fui para o
distrito policial. Um dos policiais me levou até sua mesa e pediu para que
me sentasse na cadeira ao lado. Ele serviu-me um copo d'água e começou a
me fazer várias perguntas.
— Chegou a ver o rosto dele? — perguntou o oficial.
— Não. Ele tinha... acho que um capuz de um casaco de moletom na
cabeça, por baixo da jaqueta marrom.
— Viu mais alguma coisa? Ele disse algo?
— Não. Eu não vi mais nada além das suas roupas cintura acima; e
ele, ou ela, também não me disse nada.
— Viu os sapatos dele? Cor da calça...
— Não. Mas pelos barulhos dos passos atrás de mim, eu diria estar
calçando botas masculinas, talvez.
— Acha que o que viu era um homem ou mulher?
— Não posso afirmar, mas acredito que seja homem. Era alto. Muito
alto e tinha ombros largos. Não acredito que fosse mulher.
— Maya? — Alguém chamou-me e eu olhei para trás, vendo Jack
de pé com uma pasta na mão.
— Jack... Oi!
— O que faz aqui? Está tudo bem?
— Agora está.
— Allan sabe que você está aqui?
— Não. — E por que ele teria de saber?
— Ele acabou de sair da delegacia, vou ligar e pedir para que volte
— disse sacando o celular do bolso da calça.
— Não faça isso. Não é necessário — pedi.
— Allan vai me matar se souber que você esteve aqui e não o avisei.
— Afastou-se ao telefone.
Não demorou mais do que cinco minutos e Allan chegou. Ele quis
saber tudo o que houve comigo e o que vi. Repeti a ele exatamente o que já
havia dito ao policial. Ele ficou preocupado e se ofereceu para levar-me até
em casa. Com medo, eu aceitei. Allan me amedrontou dizendo que o
perseguidor poderia ter sido o serial killer e que, talvez, por pouco, não fui
mais uma de suas vítimas.
Quando chegamos ao prédio, ele subiu comigo sem eu pedir ou me
perguntar se poderia, apenas me acompanhou em silêncio e eu não o
impedi. Allan pediu-me cuidado redobrado e também disse que, quando um
assassino em série escolhe suas vítimas, ele não desiste até pegá-las. Isso
deixou-me ainda mais apavorada do que já estava. E se ele estiver certo? E
se o homem que me perseguiu foi o serial killer? Meu coração batia
descompassado e, pela primeira vez, o motivo não era amor.
— Vou me cuidar, eu prometo.
— Okay. Bom... Você já está em casa e eu já vou indo.
— Espere — pedi quando ele virou-se em direção a porta. — Quer
beber alguma coisa? Você estava no trabalho até agora.
Ele olhou-me surpreso.
— Tudo bem. — Sorriu.
Fui até a cozinha e busquei duas cervejas.
— Sei que não é da minha conta, mas... o que faziam na delegacia
até tão tarde? — perguntei entregando-lhe uma cerveja.
— Efetuando uma prisão. Fizemos uma operação para pegar um
traficante foragido e conseguimos. Espero receber reconhecimento por isso.
— E irá, com certeza. Você... quer se sentar e conversar um pouco?
— Quero. — Sorriu outra vez e se sentou.
CAPÍTULO 15
Mais tarde, depois do jantar, Victor pediu licença para fazer uma
videoconferência no escritório. Estava uma noite de brisa fresca e saí para o
jardim dos fundos com Bow. Joguei algumas vezes a bolinha para ele, até
sermos interrompidos pelo meu celular, que tocou no bolso traseiro do short
que usava.
— Jack?! Oi, como vai? — perguntei ao atender sua ligação.
— Oi, Maya. Vou bem e você? Ainda em Nova Iorque?
— Não. Estou em Tulsa, mas volto logo para Chicago. Como está
Kim? Não tenho falado com ela nos últimos dias.
— Ela está bem e com saudade, é melhor ligar senão ela irá ficar
chateada.
— Eu vou sim. Mas, e aí... novidades sobre o caso da Bridget?
— Tenho sim e estou ligando por isso. Talvez sobre uma coisa
naquele dia você estivesse certa, Maya. Eu não sei como não pensei nisso
antes, mas vou atribuir minha falha ao fato do crime ter tido um final
diferente.
— Está me deixando ansiosa.
— Como você já sabe, as vítimas foram encontradas decapitadas,
mas isso não foi a causa da morte. Elas foram mortas por estrangulamento
e relendo os laudos do legista, eu me toquei de uma coisa. Ele disse que o
objeto usado devia ser uma corda de trama grossa, mas aí eu pensei... Ou,
pode ser um cabo de aço. Suas marcas podem ser parecidas, não é? Então,
fui falar novamente com o legista e perguntei se ele achou algum material
como fibra nas vítimas que indicasse que o objeto usado para o
sufocamento fosse especificamente uma corda e sabe o que ele me
respondeu? Que não! Que baseou sua suposição apenas nas marcas
deixadas no pescoço. Cordas costumam deixar vestígios de seu material.
Eu comprei algumas espessuras e marcas diferentes de cabo de aço e levei
para que ele refizesse as análises e adivinha só? Uma marca e espessura de
cabo não só bateram com as marcas das garotas, como também bateu com
a marca no pescoço da dançarina. O cabo era exatamente igual ao pedaço
que encontramos na Bridget.
— Minha nossa... É informação demais para absorver — disse
baixo. — Você já tem alguma ligação entre elas?
— Ainda não encontrei nada. Pode ser que ele as escolhia de forma
aleatória. Eu até cheguei a investigar se elas tinham alguma ligação com a
agência Golden Girl ou com o cara que trabalha lá, o Bash, mas não há
absolutamente nada.
— E agora, o que vai fazer? Já tem quase certeza de que quem
assassinou Bridget também matou as outras meninas, mas não tem um
suspeito.
— Mandei vasculharem outra vez os locais da desova, talvez o
objeto do crime esteja por lá e nele, o que acho difícil, podemos achar algo
que nos leve ao assassino, como: digitais, pele, suor, sangue ou saliva.
— E quanto ao Bash? Se realmente foi aquele cara estranho quem
matou Bridget, podemos supor também que tenha assassinado as garotas.
Eu estou dizendo, Jack. Eu senti algo quando nos esbarramos na saída da
agência e o modo como ele olhava para Natasha era bem estranho. Eu só
temo que realmente Bridget tenha sido morta em seu lugar e que ele tente
de novo com a Natasha.
— São apenas suposições, Maya. Não há fato concreto que o acuse,
mas prometo continuar trabalhando nisso e concordo com você que tudo o
que viu é, no mínimo, estranho, porém, infelizmente, apenas com base no
que Natasha me contou e no seu sexto sentido, não posso considerá-lo
suspeito. Mas agradeço tudo o que me disse quando fui até o seu
apartamento, você foi a luz que eu precisava para sair da estaca zero com a
investigação. Se não fosse você e seus pensamentos meios doidos, admito,
não teria descoberto essa ligação entre os crimes.
— Não tem que me agradecer por isso, só queria ajudar. Não
consigo nem imaginar a angústia e tristeza que as famílias estejam passando
nesse momento.
— Eu prometo que se descobrir que Bash cometeu um ou mais
desses assassinatos, eu te pago um café — falou humorado. — Mas, por
ora, só quero agradecer e pedir que não compartilhe com ninguém as
informações que te passei. Entende que isso coloca meu emprego em risco,
não é? Não devia ter contado a você, mas pensei que era, no mínimo, seu
direito saber da minha descoberta, já que tudo se desenrolou graças a você,
Maya.
— É claro que entendo, Jack. Fique tranquilo, não vou falar para
ninguém. Fico feliz em ter ajudado. Mas... saiba que se eu vir algo suspeito
com aquele cara, vou te ligar!
Ele riu.
— Tudo bem e eu irei atender.
— Ótimo — disse rindo.
— Bom... Se cuide e avise quando voltar, podemos marcar outra
noite de karaokê.
— Claro. Boa noite.
Ele se despediu e desligamos.
— Com quem estava falando? — perguntou Victor, fazendo-me dar
um pulinho de susto.
— Meu Deus, Victor! Você me assustou! — disse apertando o
celular contra meu peito.
Ele riu e aproximou-se.
— Desculpe-me. Mas então... quem era?
— Que enxerido! — disse em tom de brincadeira e sorri. — Estava
falando com a Sasha — menti. A verdade geraria um desentendimento entre
nós. Victor diria para eu ficar de fora disso, porque é perigoso e não é da
minha conta.
— Conte-me um pouco sobre suas novas amizades — pediu
abraçando-me pela cintura.
— Elas são garotas incríveis. A Sasha é... a Sasha. — Ri ao me
lembrar do seu jeito Sasha de ser. — Ela tem uma história de vida bem
difícil e triste. Pai alcoólatra e abusivo, uma mãe que se recusa a deixá-lo e
irmãos mais novos que estão aos cuidados de uma casa de apoio para
menores. Já a Kim, ela é meiga e divertida. Está noiva de um cara
superbacana, que se chama Jack. Ele é detetive da polícia de Chicago. O
casamento deles está marcado para janeiro, o qual serei a dama de honra. E
tem a Maggie, ela é a mãe da Kim e também outra mulher com histórico de
marido abusivo. Ela foi uma pessoa incrível comigo quando cheguei a
Chicago. Me acolheu como quem já me conhecesse há anos e me ajudou a
arranjar o emprego na Wilcox.
— Vai me levar com você ao casamento da sua amiga?
— Não seja bobo. Você sempre estará comigo para qualquer lugar
que eu for no mundo! — disse convicta.
Ele sorriu e eu o beijei.
— Quer assistir a um filme? Ainda está cedo.
— Filme? — Ri de sua proposta. — A gente nunca consegue assistir
um por inteiro, Victor.
— Eu adoro tentar assistir filmes com você — falou com malícia e
apertou minha bunda.
— Então vamos lá.
Peguei sua mão e o puxei para dentro. Bow brincava rolando na
grama e eu cortei seu barato chamando-o para dentro e fechando a porta em
seguida. Victor e eu subimos para o quarto, mas, desta vez, chegamos aos
trinta e cinco minutos do clássico de noventa três que tentávamos assistir
pela segunda vez: Proposta Indecente. Acho que esse foi nosso recorde!
CAPÍTULO 23
Mais dois dias haviam se passado e três dias sem Victor era uma
eternidade. Nesse tempo, eu havia conseguido fazer mais um trabalho para
uma loja de vestidos de gala, assinados por uma renomada estilista de
Chicago. A própria foi quem procurou Tyrone para me contratar e eu me
senti lisonjeada por isso, é claro. No fim, a publicação do The Moon me
trouxe algo de bom chamado: reconhecimento. Eu estava com mais um
trabalho agendado para o dia seguinte, no qual também tinha sido
requisitada e o melhor é que este aconteceria em Los Angeles, para uma
marca muito famosa de roupas de banho. Quando contei ao Victor por
telefone na noite anterior sobre esse ensaio, ele não gostou nem um pouco.
A exposição do meu corpo ainda o desagradava muito. Ele pediu-me, mais
uma vez, para parar com as fotos e aceitar sua ajuda financeira, mas
novamente eu disse: não! Quando percebeu que eu não abaixaria minha
guarda para ele e que iríamos começar mais uma discussão, Victor se
rendeu dizendo que não iria mais se meter a respeito de eu modelar. Apenas
pediu-me para me cuidar e alertou, pela milésima vez, sobre os perigos e
ilusões que esse mundo cheio de glamour, flashes, sorrisos falsos e bons
cachês, também podia me oferecer.
Eu estava terminando de tomar meu café da manhã quando o
porteiro interfonou avisando de que o táxi que me levaria para o aeroporto
já havia chegado. Despedi-me da Sasha, peguei minha pequena mala e
desci. Enquanto estava presa no trânsito caótico de Chicago às oito da
manhã, troquei mensagens com minha mãe e Clarice. Quando finalmente
cheguei ao aeroporto com cinco minutos de atraso. O avião particular no
qual viajaria já estava pronto na pista de decolagem privada. Eu iria para
Los Angeles em um voo comercial, mas Victor insistiu que fosse em um de
seus jatinhos e, por fim, aceitei. Afinal, viajar com mais conforto não fazia
mal a ninguém. Ao entrar na aeronave, avistei sobre o sofá de couro
marfim, uma grande caixa redonda de camurça marsala, com o emblema
dourado da Venus et Fleur. Sentei-me ao lado da caixa e tirei sua tampa,
vendo dezenas de rosas brancas delicadas. Era simplesmente divino! Sobre
elas, havia um cartão escrito a punho.
— Quer falar sobre o que aconteceu? Sinto que algo não está certo.
— Você realmente me conhece tão bem. — Fechei a porta. —
Realmente aconteceu algo hoje, mas... por favor... só me deixe falar antes
que comece a surtar.
— Está me preocupando. — Senti tensão na sua voz.
Respirei fundo buscando coragem para contar-lhe logo o que houve.
Eu não conseguiria esconder isso por muito tempo.
— Fui assediada por um homem, enquanto me trocava para vir
embora.
— O quê? Quem é o filho da mãe? — perguntou alto.
— Não grite. E respondendo a sua pergunta, foi um dos modelos
com quem tirei algumas fotos. Ele é um cretino pervertido que não sabe
respeitar uma mulher, mas acho que ensinei isso a ele.
— Era isso que eu tanto temia o tempo todo! — disse entredentes,
tentando conter sua ira.
— Desculpe-me, Victor. Não quero que fique nervoso. Estou bem.
Ele falou umas coisas nojentas e depois me encurralou, mas aí eu soube me
defender acertando-lhe uma boa joelhada entre as pernas, que o deixou no
chão sem ar e gemendo de dor.
Victor se afastou e arremessou o copo, que ainda continha um gole
do seu drinque, contra uma parede de pedras, assustando-me com sua ação
repentina.
— Amor... Eu estou bem! Está tudo bem, acredite em mim. Ele não
me machucou. — Aproximei-me dele por trás. — Desculpa, por favor...
devia ter ouvido você quando me alertou sobre os perigos, mas não dei
importância, porque achei que você só estava de implicância com meu
trabalho. Agora entendi sua cautela.
Toquei seu ombro e ele se virou para mim. Seu rosto chegava a estar
vermelho, o maxilar contraído e as mãos fechadas cerrando os punhos.
— Por que não consegue me ouvir? Acha que eu, com sessenta anos
de idade, não tenho tempo de vida suficiente para identificar o perigo?
— Eu não imaginei que isso fosse acontecer.
— Sabe o que rola nos bastidores da moda, Maya? Eu acho que
ainda não é do seu conhecimento, não é mesmo? Você sempre tentando ver
o melhor em tudo e todos, mas isso acaba lhe tirando a capacidade de ver a
verdade atrás das máscaras! O mundo está cheio de gente perversa e
doente! Pessoas que machucam os outros por prazer e tratam o ser humano
como um objeto banal. Não vou dizer eu te avisei, porque também já fui
assim um dia, mas vou pedir que me escute da próxima vez. — Ele passou
por mim e subiu para o quarto, batendo a porta.
Um pouco confusa com sua reação, subi indo atrás dele. Ao entrar,
ele estava de pé próximo às portas duplas que levam para a varanda.
— Será que agora você enxerga que algo assim também poderia ter
acontecido no seu antigo emprego de garçonete ou na volta para casa em
plena madrugada? Ou continua achando que estava de implicância apenas?
— perguntou furioso e respirou fundo buscando calma. — Não é que eu não
quisesse que você trabalhasse, mas é só que... eu não irei estar lá o tempo
todo para cuidar de você. — Virou-se para mim. — E se você não tivesse
sido forte o suficiente para se livrar dele? Maya... ele teria a machucado e,
desta vez, eu não chegaria a tempo de tirá-lo de cima de você — falou com
pesar.
Senti que uma enorme culpa e responsabilidade por mim o
consumia. Aproximei-me e segurei-o pelos ombros duros de raiva e tensão.
— Nada de ruim aconteceu, Victor. Já me desculpei por julgar mal
seu instinto de proteção e por não tê-lo escutado. Por favor, amor... não se
culpe pelo acontecido. Nós não podemos ficar grudados o tempo todo e,
como você mesmo disse, isso poderia ter acontecido em qualquer outro
lugar.
— Me diga quem é ele.
— Não. Você irá procurá-lo e cometer uma besteira.
— Com toda certeza irei matá-lo! — disse rude.
— Não pode cuidar de mim da cadeia. — Sorri na tentativa de
descontrair a tensão terrível que pesava no ar.
— Não brinque comigo, Maya! Diga-me o nome! — disse irritado.
— Não vou falar! — Afastei-me. — Não quero que cometa uma
estupidez movido pela raiva!
— Então você irá prestar uma queixa! Se não vai dizer para mim o
nome deste canalha, irá dizer para a polícia!
— Eu não vou falar nada! É óbvio que vai fazer uma merda e
depois, não quero atração negativa para cima de nós! Entenda!
Dei-lhe as costas e fui ao banheiro, deixando a porta aberta.
— Você está mesmo bem? — perguntou parando no batente,
observando me despir.
— Apesar de tudo... sim, vou ficar bem e aprendi a lição.
— Não vai mesmo me dizer quem é ele?
— Eu vou tomar um banho. Você me acompanha ou quer continuar
discutindo e insistindo com algo que não irei te contar?
— Maya...
— Por favor, Victor... Não insista, apenas venha tomar banho
comigo.
Ele respirou fundo e entrou no banheiro fechando a porta atrás de si.
Eu não poderia lhe dar um nome, tinha certeza de que agiria por ódio e
poderia acabar se prejudicando e sujando suas mãos com algo que não valia
a pena. Enchi a banheira enquanto ele se despia e entramos. Depois de
alguns minutos entrelaçados em silêncio, apenas recebendo seu aconchego
e afeto, senti que era hora de reagir para a vida e virar a página, afinal, o
pior não havia acontecido, pela graça de Deus ou sorte. E se eu tinha a
intenção de fazer com que Victor também virasse essa página, eu tinha que
começar logo.
— Acha que é tarde para jantar fora? — perguntei olhando-o.
— Não temos que sair hoje. Podemos pedir o serviço de quarto.
— Eu sei, mas quero sair com você. Vai ser bom.
— Onde deseja ir?
— Não sei. Não conheço nada aqui.
— Conheço um bom restaurante de frutos do mar não muito longe.
— Ótimo — disse e selei seus lábios com um beijo.
Depois de nos arrumar, fomos para o restaurante e tivemos um bom
jantar, apesar dele ter passado boa parte da noite sério e calado. Não sabia
se estava forçando a barra com a decisão de sairmos após o episódio que me
aconteceu, mas eu queria que aquele sentimento ruim fosse logo embora.
— Quer dar uma volta na praia? — perguntei a ele quando saímos
do restaurante.
— É melhor voltarmos para o hotel.
— Por favor. Vamos!
— Está frio, Maya.
— Será rapidinho, aí voltamos para o hotel.
Ele respirou fundo e revirou os olhos para minha insistência.
— Não tem que se forçar em fazer parecer que está tudo bem, só
para me distrair da raiva que sinto pelo que houve.
— Só queria dar uma volta na praia com você, Victor. O jantar foi
uma tentativa de distração, mas a caminhada não. Só queria conversar, você
ficou mudo boa parte do jantar.
— Desculpe. Tudo bem, vamos lá.
Ele pegou minha mão e atravessamos a rua. Tiramos nossos
calçados e caminhamos para a areia, que já estava um pouco fria.
— Como foi em Miami?
— Ocorreu tudo bem, mas... eu estava no lugar errado. Devia ter
vindo para cá junto com você.
— Já pedi para não se culpar, Victor. — Parei e encarei-o. — Você
não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo ou todo minuto
comigo, cercando-me com seus cuidados maravilhosos. Entenda isso! A
culpa não foi sua ou minha. A culpa foi do agressor. Eu devia ter me
cuidado mais, mas aconteceu. Eu quero mudar de assunto.
Ele respirou fundo, assentiu e continuamos a caminhar.
— Seu cabelo ficou lindo. A deixou ainda mais bela, eu gostei.
Sorri.
Ele ainda não havia elogiado meu cabelo. Também não teve
oportunidade para isso, eu cheguei e logo começamos a discutir.
— Fico feliz que tenha gostado. — Passei a mão pelas minhas
madeixas.
— Acho que anda merecendo um castigo — disse e sorriu.
— Ah, é? Que tipo de castigo?
— Do tipo bem dolorido.
— O que meu Senhor pretende fazer?
— Seu Senhor deseja colocá-la em seu colo e lhe dar algumas boas
cintadas, para ensiná-la a ter mais obediência e que os mais velhos e bem
vividos sempre tem a razão.
— Então, acho que é hora de voltarmos para o hotel.
Quando as portas do elevador se abriram no pequeno hall, Victor
impediu que eu saísse à sua frente e puxou-me pelo braço me jogando sobre
seu ombro. Dei um gritinho de susto com sua ação rápida e depois ri de
mim mesma. Ele destravou a porta e entrou ainda me carregando jogada em
seu ombro esquerdo como se eu fosse uma leve boneca de pano. Quando
chegamos à frente do sofá, ele me jogou sobre o estofado macio e se sentou
virando-me de costas para ele. Lentamente suas mãos se enfiaram por baixo
da minha saia e tiraram minha calcinha. Olhei-o por cima do ombro e o vi
cheirar a pequena peça aspirando fundo meu cheiro que sem dúvidas estava
impregnando nela. Seus olhos verdes foram tomados imediatamente pela
luxúria. Ele me puxou para seu colo e colocou-me deitada de bruços sobre
suas coxas, antes de expor minha bunda.
— Que bundinha linda. Tão redondinha e macia — disse
acariciando-a. — Comprei um presente para você, que a deixará ainda mais
bonita, querida.
— E onde está?
— É surpresa. Terá o momento certo de usá-lo.
— Aguardarei ansiosa.
— Tenho certeza de que irá amar.
Ele escorou-se para trás no sofá e tirou seu cinto. O tilintar da fivela
deixou-me ansiosa pelo castigo. Victor ainda nem havia começado e a
umidade já aumentava entre minhas pernas. Não demorou muito para que a
primeira cintada acertasse minhas duas nádegas em cheio. Gemi alto de dor
e prazer. Sua mão esquerda agarrou meus cabelos da nuca e os puxou com
vontade levando minha cabeça um pouco para trás. Então, logo senti mais
outra lapada tão forte quanto a primeira causando uma grande ardência em
minha pele. Outras mais vieram seguidas uma das outras, sem cessar. Eu
gemia cada vez mais alto, quase em gritos, agarrando o estofado com
minhas mãos e cravando minhas unhas nele. Não contei quantas foram e
acho que ele também não. Minhas nádegas queimavam como brasa, mas eu
o deixei que me castigasse, não o pedi para parar. Eu sabia que ele estava
pondo para fora sua frustração por inúmeros motivos seus.
Uma necessidade urgente de me tocar surgiu em meio toda aquela
dor prazerosa. Incapacitada, apertei minhas coxas uma na outra em busca de
alívio. Victor parou de repente com seu castigo e soltou o cinto no chão. Ele
afastou minhas coxas e tocou meu clitóris fazendo-me estremecer e gemer
manhosa.
— Olha só você. Está à beira de um orgasmo — disse com
provocação, acariciando vagarosamente minha intimidade latejante.
— Por favor... — implorei ofegante e senti seus dedos me
invadirem.
Não precisou de nem mais meio segundo e gozei rebolando em sua
mão. Quando, enfim, o orgasmo passou, eu estava sem forças para levantar.
Victor me virou para ele e me puxou para os seus braços.
— Vou cuidar de você. — Acariciou suavemente minha coxa. Olhei
fundo em seus olhos tão apaixonantes e sorri antes de beijá-lo com amor.
Na manhã seguinte, fui até o hospital e passei o dia por lá. Clarice
chegou no fim da tarde para uma visita rápida, mas minha mãe dormia.
Saímos para o corredor deixando minha avó com ela.
— Por favor, avise Meredith de que estive aqui — pediu-me
enquanto esperava o elevador para ir embora.
— É claro que direi — garanti a ela. — Me diga... Como está
Grace? Não a vejo desde aquele encontro desconfortável em sua casa.
— Ah... Eu não sei se "bem" é a resposta. Ela não têm ido nos ver
ou trabalhar nos últimos dias. Tenho falado com ela apenas por ligação.
— Essa viagem que ela fez pela Europa foi bem longa, não acha?
— Sim. Primeiro, ela embarcou para um cruzeiro romântico com o
namorado, o qual não conhecemos até hoje, e depois partiu em um
mochilão. Eu nem sabia que Grace curtia esse tipo de aventura, ela foi
sempre tão exigente com os hotéis em que nos hospedávamos nas férias de
verão.
— Muito menos eu — disse achando aquilo muito estranho.
Essa não era ela. Aliás, Grace não estava sendo ela mesma há muito
tempo.
— Esse namorado dela... Eu não sei nada sobre ele. Já tentei
descobrir de quem se trata, mas ela diz que quer esperar para ver se tudo
entre eles irá dar certo para nos apresentar. Sinto-me tão mal de não
conseguir saber o que está acontecendo com minha própria filha. — Senti o
pesar da tristeza em suas palavras. — Mas fazer o quê, não é mesmo? Não
posso forçá-la a me contar nada, ela já é uma mulher adulta.
— Ela ainda está namorando esse cara? — perguntei preocupada e
instigada.
— Eu acho que sim, porque sempre que conversamos e pergunto
pelo relacionamento, ela diz que eles estão bem.
— Ela deve estar vivendo inebriada na bolha do amor. Se eu
pudesse, também sumiria com Victor por algumas semanas pelo mundo —
falei e forcei um sorriso para Clarice, na intenção de despreocupá-la. Mas,
no fundo, sentia que havia algo de muito errado acontecendo com a minha
amiga. Talvez ela precise da minha ajuda.
— Posso ver em seus olhos que está muito feliz com ele. — Sorriu
com afeto.
— Você não sabe o quanto, Clarice! — disse e sorri
verdadeiramente.
Seu elevador chegou e ela partiu depois de nos despedirmos com um
rápido abraço. Voltei para o quarto e fiquei um pouco mais até começar o
cair da noite. A caminho para a casa do Victor, pensei em ir até Grace, mas
tive medo de encontrar Higor por lá, então desisti. Porém, mais alguns
metros à frente, um aperto em meu peito falou mais alto e, quando menos
percebi, já estava parando à frente do seu prédio. Ao entrar, cumprimentei o
porteiro noturno e subi direto para o apartamento sem precisar ser
anunciada. Quando cheguei a seu andar, meu estômago se encheu com um
friozinho de ansiedade. Diante da porta, toquei a campainha e logo ouvi
passos se aproximar, mas a porta não foi aberta. Eu sabia que ela estava do
outro lado observando quem chamava pelo olho mágico, podia sentir sua
presença próxima ali.
— Grace... Por favor. Deixe-me entrar, eu vim até aqui apenas para
te ver e saber como você está.
— É melhor ir embora — falou com a voz baixa.
— Você sabe que eu não vou embora. Se lembra de quando éramos
mais jovens e sentíamos quando uma estava precisando da outra? Era
exatamente isso que sentia enquanto dirigia para casa. Abra a porta. —
Nada aconteceu. — Eu acho que vou me sentar aqui no chão do corredor e
esperar você sair. Vai ter que sair uma hora, não é?
Eu sabia que ela não estava colocando fé em minhas palavras.
Joguei minha bolsa no chão ao canto da parede e sentei-me diante da sua
porta cruzando as pernas. Cinco minutos se passaram e eu ainda estava ali,
sentada e esperando. Sabia que a qualquer momento Higor poderia chegar,
mas aceitei assumir o risco, eu precisava ver a Grace. Meu celular soou o
alerta de mensagem e era do Victor. Ele perguntava onde eu estava e o
porquê de eu ainda não ter voltado para casa. Já passava das oito da noite e
ele devia estar preocupado, desde o momento em que saí pela manhã, ainda
não havíamos nos falado. Respondi sua mensagem dizendo que já estava a
caminho. Eu não podia dizer onde estava, ele chegaria aqui em minutos.
Escorei-me na parede e fechei meus olhos pensando a que ponto
nossa amizade inseparável chegou. Eu já estava ali há quase dez minutos,
quando fui surpreendida com o barulho da porta sendo destrancada. Grace a
abriu e me levantei em um pulo ao ver seu rosto e pescoço todo marcado e
machucado.
— Mas o que foi que aconteceu? — perguntei com o coração
disparado.
— É melhor entrar antes que ele apareça — disse e deu-me
passagem.
Peguei minha bolsa e entrei rapidamente. Ela trancou a porta e
fomos até a sala mais adiante.
— Grace... Por favor... converse comigo. É por isso que tem evitado
seus pais e o trabalho? — questionei-a me sentando no sofá.
— É tão difícil... — Sua emoção a interrompeu com o choro.
Ela se sentou na poltrona à minha frente e respirou fundo tentando
controlar as lágrimas.
— Foi ele, não foi? Higor?
— Sim — respondeu-me com a voz embargada.
— Meu Deus, eu sinto muito, Grace! Conte-me: o que houve?
Ela encarou-me por alguns segundos e, então, respirou fundo
buscando fôlego para começar a falar.
— Ele era um cara incrível. Um homem romântico, cheio de boas
surpresas e um deus na cama. Me fez apaixonar por ele... aí começamos a
namorar. Depois aconteceu aquele encontro horrível e ele começou a dizer
coisas sobre você, enchendo minha cabeça com palavras que acreditei.
Palavras que me deixaram com muita raiva de você e isso era tudo o que
aquele manipulador desgraçado queria! — disse com ira. — Então ele
apareceu aqui e... — engoliu seu choro mais uma vez — e disse que você e
seu namorado estavam o acusando injustamente por tentativa de
assassinato, porque você estava com raiva de nós. Ele estava me induzindo
a alimentar a raiva misturada a mágoa que eu sentia por você. Quando a
polícia me cercou um dia, na saída do trabalho, perguntando por ele, eu dei
a ideia de sairmos fora de cena por um tempo. Foi aí que ele sugeriu,
enquanto tomávamos o café da manhã, que fizéssemos um cruzeiro para
relaxar e aproveitarmos mais um ao outro sem você querendo armar para
cima dele ou nos separar. Eu aceitei e alguns dias depois partimos. Durante
toda a viagem, ele falava sem parar de um mochilão pela Europa que ele
tinha muita vontade de fazer, mas nunca encontrado a companhia perfeita.
Eu falei sobre as questões do passaporte, que ele seria impedido de deixar o
país, mas ele disse que conhecia alguém no Texas que poderia dar um jeito
nisso para ele. Cegamente apaixonada cedi ao seu sonho. — Fez aspas com
os dedos. — Eu topei e nós fomos. Mas no final da viagem começamos a
nos desentender. As perguntas que ele sempre me fazia eram sobre você.
Nós começamos a brigar o tempo todo.
— Aposto que isso a fez me odiar mais ainda...
— Eu não entendia o porquê de ele querer saber tantas coisas sobre
você e o porquê de tocar tanto em seu nome, quando foi ele mesmo quem
sugeriu a viagem para nos afastarmos de tudo o que estava acontecendo
aqui e viver mais nosso relacionamento. Isso me deixava zangada e com
muita... muita raiva. Era como se você fosse um fantasma que voltava a
todo momento para nos assombrar.
— O ódio, a mágoa e a raiva que sentia de mim não era real. Era ele
induzindo-a a isso. Higor estava usando-a para fugir da punição do crime
que cometeu.
— Eu sei... eu comecei a perceber, então, quando voltamos, eu pedi
um tempo. Comecei a notar que talvez a garota que ele amasse, era você e
não eu. Estava me sentindo como o peão no tabuleiro de xadrez dele. Uma
peça sem valor, descartável e feita para ser sacrificada pela rainha. Aquilo
me doía tanto... Quando a vi na casa dos meus pais, eu... Eu surtei por
ciúme, raiva e inveja. Eu fiz tanto por ele, mas era você quem tinha o seu
amor e não eu.
— Por isso me tratou a pedras e pau.
— Perdoe-me, Maya! Por favor! — implorou em lágrimas.
— É claro que eu perdoo você, Grace! Perdoo porque te amo. Você
ainda é minha melhor amiga, é minha irmã de outra mãe. — Sorri.
Ela se levantou e eu fiz o mesmo. Nós nos abraçamos e choramos
juntas até que nos acalmássemos de novo.
— Ele esteve aqui na semana passada — falou ainda abraçada a
mim e soltou-me. — Ele veio me pedir desculpas assumindo que errou e
dizendo me amar, mas eu não acreditei. Aí ele insistiu tentando me
convencer, até que revelou o que queria. Ele precisava de dinheiro. Muito
dinheiro. Disse que estava com problemas financeiros. Contou que suas
contas estavam bloqueadas a mando da justiça e culpou você mais uma vez.
Também disse que seu negócio em Dallas estava à beira da falência e a
única pessoa que poderia ajudá-lo era eu. Foi aí que eu percebi o porquê de
se aproximar e pedir desculpas. Era apenas interesse. Eu neguei e mandei-o
ir embora, mas ele se negou. Então, eu me revoltei e falei demais.
— O que disse?
— A verdade. Disse que finalmente estava conseguindo ver seu jogo
sujo de manipulação e que ele apenas me usou para foragir por um tempo.
Ele se irritou e tentou me intimidar. Mandei-o embora novamente e ele se
recusou outra vez. Então lhe disse que, se não fosse embora naquele
momento para nunca mais voltar, eu mesma ligaria para a polícia dizendo
saber onde ele estava. E foi aí que... — começou a chorar novamente — ele
me agrediu e só parou quando eu disse que assinaria um cheque.
— Quanto deu a ele?
— Tudo o que havia na única conta que ele tinha conhecimento.
Cinquenta e três mil dólares. Ele se foi dizendo que, se eu abrisse a boca ou
sustasse o cheque, ele voltaria para mostrar quem manda.
— Meu Deus... — murmurei chocada.
— Tenho vivido a última semana com medo, Maya. Medo de que
ele apareça para me matar!
— Eu não vou deixar, confie em mim. — Apertei firme suas mãos.
— Victor ainda está procurando por ele e só irá parar quando o encontrar,
assim como a polícia. Existem imagens que comprovam que foi Higor
quem atirou nele. Cedo ou tarde, ele será pego.
— Vocês estão juntos outra vez?
— Estamos... e posso sentir que mais fortes do que nunca, apesar de
tudo.
— Fico realmente feliz por você. — Sorriu com tristeza.
— Obrigada. — Dei-lhe mais um abraço. — Agora eu tenho que ir.
— Soltei-a. — Vou falar com Victor e pedir a ele que ceda um segurança
para cuidar de você a distância, assim não se sentirá incomodada e ficará
segura. Tudo bem?
— Eu agradeço.
Ela me acompanhou até a porta e nos despedimos. Voltei para casa
e, ao entrar, Victor logo apareceu no hall com uma feição irritada. Ele
estava sério, com a postura rígida e braços cruzados à frente do peito.
— Antes que comece a brigar comigo... eu estava no apartamento da
Grace. E antes que brigue comigo por isso também... é melhor ouvir o que
eu tenho para contar.
— Você foi até lá sozinha? Não acredito nisso! E se ele estivesse lá?
Por que você insiste em viver no perigo?
— Podemos deixar para discutir depois? O que tenho para falar é
realmente importante! — disse séria.
Assim que nos sentamos na sala, eu contei a ele tudo o que Grace
me contou. Ele se enfureceu comigo mais uma vez por ter ido até lá sozinha
e por não ter lhe dito a verdade sobre onde estava quando trocamos
mensagens.
— Desculpe-me, amor — pedi.
— Tenho que ir para Seattle amanhã e você não ficará aqui! — falou
alterado. — Não confio em lhe deixar sozinha!
— Eu não posso ir embora agora e nem quero! — contestei. —
Tenho que ficar. O meu pai precisa de ajuda e minha mãe precisa de mim na
ausência dele. Por favor... Entenda!
— E se ele não tiver usado o dinheiro para fugir, mas sim para se
esconder aqui? Com qual paz irei viajar e deixá-la nessa cidade, sabendo
que tem um ex-namoradinho lunático querendo você sabe-se lá para fazer o
quê? — perguntou alto e exasperado, fazendo-me lembrar de ter tido quase
certeza de vê-lo aquela manhã em frente ao hospital.
— Deixe quantos seguranças quiser ou nenhum. Eu não irei viajar
com você agora — mantive-me firme. — Já coloquei meus caprichos acima
da minha família e não quero mais fazer isso. Eu vou ficar! Preciso ficar! —
Encarei-o séria.
— Às vezes, tenho vontade de amarrá-la na cama e...
— Me bater? — interrompi sua frase ficando de pé diante dele.
— É! — respondeu rude.
— Então eu vou subir na frente e esperar você lá em cima. — Dei-
lhe as costas e saí em direção à escada.
Ele ficou surpreso, não esperava por aquela resposta, pude ver em
seu rosto. No quarto tirei toda minha roupa e tomei um bom banho lavando-
me da cabeça aos pés. Quando saí do banheiro, enrolada em uma toalha
branca, vi que as cordas já estavam presas no dossel da cama esperando por
mim. Sobre o colchão havia uma venda de seda vermelha, um flogger com
finas tiras de couro preto, um colar tailandês com cinco esferas metálicas,
uma gag ball e um vibrador grande para clitóris. Parei nos pés da cama e
observei tudo aquilo.
— Será uma noite tortuosa — murmurei baixo para mim mesma.
— Quer se ajoelhar e pedir perdão? Ainda dá tempo — disse Victor
atrás de mim.
— Não! Quero pagar para ver o que vai me acontecer — debochei e
tirei a toalha deixando-a cair no chão.
A noite foi tortuosa sim, mas imensamente prazerosa. Ele me
castigou como queria deixando minha pele marcada, mas não soube ser
firme perante aos meus gemidos de prazer depois que me tirou a mordaça.
Victor sucumbiu a isso e descumpriu sua palavra de que não iria foder
comigo naquela noite. Saciados, estávamos deitados abraçados um ao outro
na cama. Ele acariciava meu ombro e eu seu peitoral. Estava me sentindo
bem ali com ele, queria que pudéssemos ficar assim para sempre.
— Eu entrei em sociedade com uma marca de joias — disse
quebrando nosso silêncio confortável. — Terá um lançamento em dez dias
em Las Vegas da nova coleção e nós iremos para lá, então se programe.
— Tudo bem.
— Eu gostaria que você fosse a modelo a ser fotografada usando as
joias para a campanha. — Ergui-me um pouco apoiando meu peso no braço
esquerdo e olhei para ele.
— Quer que eu seja a modelo da campanha?
— Quero sim. Não imagino beleza melhor para combinar com
tantas pedras raras e valiosas, do que a sua.
— Okay. Será um grande prazer. — Sorri e sentei-me sobre seu
quadril, curvando-me para frente levando meus lábios de encontro aos seus.
— Me faça gozar outra vez — pedi sussurrando.
— Com as mãos, meu pau ou a boca?
— Tenho direito de escolha?
— Tem sim.
— Então escolho a boca.
Na manhã seguinte, Victor viajou cedo para Seattle. Antes de ir, ele
me fez prometer de que não irei sair de casa sem escolta e nem agir com
estupidez me colocando em perigo. Foi preciso jurar a ele de joelhos que
seguiria suas regras à risca, para que ele pudesse fazer uma viagem
tranquila de negócios que duraria quatro longos dias. Os dois primeiros dias
sem ele se passaram arrastando. Nós nos falávamos por mensagens e
ligações quando ele podia, mas mesmo assim era difícil não sentir saudade.
Os seguranças me acompanhavam de uma distância confortável para todo
lugar que eu ia. Grace me ligou para dizer que estava bem e agradecer o
segurança que Victor destinou para cuidar dela. Eu aproveitei o ensejo e
perguntei se Higor havia dado as caras, mas ela deu graças a Deus que não.
Ao mesmo tempo que desejava que ele sumisse, queria que aparecesse para
que fosse finalmente pego e preso para que pagasse pelo seu crime. No
terceiro dia me ocupei em esvaziar o trailer em que meu pai estava
morando, quando meu celular tocou e era tia Jenna ligando.
— Oi. Está tudo bem? — perguntei ao atender.
— Eu não sei. Há pouco fui passar o aspirador do quarto do Teddy
e encontrei uma garrafa pequena de vodca debaixo da cama.
— Ai, merda! — murmurei irritada.
— Sem dizer que achei a garrafa, eu o abordei com jeitinho e
perguntei se estava bebendo e ele respondeu que não.
— Que droga! Era só o que me faltava. Por que ele está fazendo isso
consigo mesmo? Agora ele vai começar a mentir também? Acho que só
tirar o carro dele e levá-lo para aí não será o suficiente para afastá-lo disso.
— O que faremos agora?
— Soube que na igreja do pastor Billy tem umas reuniões que
ajudam pessoas na mesma situação que ele. Talvez devêssemos levá-lo até
lá.
— Maya... Seu pai não entra em uma igreja desde o primeiro
câncer da sua mãe. Acha mesmo que entraria agora?
Suspirei cansada.
— Ainda tem aquelas reuniões do AA no ginásio da escola Green
Palace?
— Tem sim. Uma amiga minha é voluntária lá. Vou ligar e procurar
saber mais sobre dias e horários.
— Por favor, faça isso, tia Jenna. Ele está em casa agora?
— Acabou de sair. Disse que ia visitar sua mãe. Pelo menos, não
estava cheirando a bebida.
— Tudo bem. Eu estou esvaziando o trailer e levando tudo para um
boxe que aluguei.
— O que vai fazer com essa lata velha enferrujada?
— Vou tentar vender. Se não conseguir, vou mandar que façam
descarte adequado.
— Ótimo.
Encerramos a chamada e continuei com meu trabalho. No fim do
dia, eu tinha guardado tudo em um boxe com a ajuda dos seguranças e
levado o trailer para uma agência de automóveis velhos na tentativa de
vendê-lo. Quando cheguei em casa, estava morta de cansaço e queria
apenas um banho quente e cama. Estava esperando a banheira encher,
quando meu celular tocou e eu corri para atendê-lo achando que seria
Victor, mas era tia Jenna novamente. Ela me avisou de que a reunião seria
no dia seguinte às sete da noite e que sua amiga disse que meu pai seria
mais do que bem-vindo a participar. Pedi a ela que não lhe dissesse nada e o
segurasse em sua casa até eu chegar lá para buscá-lo no final do dia. Na
noite seguinte, eu me vesti enquanto falava com Victor por videochamada
no Skype, dentro do closet. Pronta, encerrei a chamada e parti para a casa
da tia Jenna colocar meu plano em prática. Quando cheguei, a porta da
frente estava aberta, então entrei sem bater.
— Boa noite! — disse animada ao entrar na cozinha, onde os dois
tomavam chá.
— Boa noite, querida. Chá? — ofereceu ela.
— Não, tia. Obrigada. Eu tomei uma vitamina antes de sair de casa.
— Casa? — perguntou meu pai e senti um tom de ironia em sua
voz.
— É! Eu vim buscar você para darmos uma voltinha e você vem
com a gente, tia Jenna.
— Tudo bem, vou adorar. Vou trocar os sapatos e pegar minha
bolsa.
— O senhor já está pronto para sairmos, pai?
— Não vou a lugar algum com você!
— Não perguntei se você quer ir. Perguntei se está pronto para
irmos.
— Eu estou — disse tia Jenna ao voltar.
— Então vamos — disse animada caminhando para a saída.
Saí na frente e os esperei no carro. Contra toda sua vontade, meu pai
saiu da casa e entrou no banco passageiro ao meu lado. Dirigi para a escola
e o caminho foi feito em um silêncio que eu diria ter sido até confortável.
Quando chegamos, parei o carro em meio aos outros no estacionamento nos
fundos da escola e desliguei o motor. Meu pai olhou com estranheza para o
prédio e depois para mim.
— Que diabos estamos fazendo aqui? — perguntou um tanto
grosseiro.
— Viemos participar de um evento e conhecer pessoas novas —
respondi.
— Acha que eu sou burro? Que não sei o que acontece aqui nas
segundas à noite? — perguntou alto, quase em um grito, tirando-me do
sério.
— Acha que somos burras? Que não sabemos que ainda está
bebendo escondido, mesmo depois de prometer a tia Jenna que não faria
mais isso? — perguntei no mesmo tom alterado.
— O que faço da minha vida, não é da sua conta!
— Passou a ser desde o momento em que eu comecei a frequentar a
delegacia, para tirá-lo da cadeia por agir como um adolescente babaca
irresponsável! — gritei. — Deixe de ser tão estúpido!
— Fale direito comigo, mocinha!
— Ou o quê? Vai me deixar de castigo sem TV? Eu não sou mais
uma criança, pai! Estou aqui insistindo com toda essa merda porque quero o
seu melhor, quero o seu bem! Por que não aceita a nossa ajuda?
— Olha só quem está querendo o melhor de alguém! A garota que
criei com tanto sacrifício para se tornar uma prostituta barata! — berrou.
Algo em mim se quebrou e eu soube que era hora de desistir de
alguém que não queria ser ajudado. Uma lágrima quente escorreu por meu
rosto sendo seguida por muitas outras. Tirei a chave da ignição e olhei para
frente vendo tia Jenna parada ali fora. Eu nem mesmo a vi sair do carro.
Desci, fui até ela e lhe entreguei a chave.
— Leve-o para casa — pedi.
— Mas e você? Como irá voltar? — perguntou preocupada.
Olhei para trás e vi o carro dos dois seguranças que me
acompanhavam, parado a alguns metros.
— Não se preocupe.
Despedi-me dela com um beijo em seu rosto e caminhei até a BMW
preta blindada. O segurança que estava no passageiro desceu e abriu a porta
para mim quando me aproximei. A caminho da mansão, eu mandei uma
mensagem para Victor. Estava precisando tanto dele naquele momento.
Dois dias sem Victor era uma eternidade. Cair em seus braços era
tudo o que eu desejava, mas me mantive firme em todas as vezes que senti
saudade ou vontade de ir até ele. Nós nos falamos somente por mensagens
algumas vezes. Eu não ligava e ele também não. Acho que ambos sabíamos
que, ao ouvirmos a voz um do outro, não conseguiríamos mais nos manter
tão duros. Sua primeira mensagem chegava logo pela manhã perguntando-
me como eu estava e quais eram meus planos para o decorrer do dia. É
claro que ele não estava interessado na minha agenda, esse era apenas seu
jeito de me "manter" sob seu controle. Como eu não tinha nada para
esconder, dizia logo o que ele queria saber e pronto. No passar das horas,
mais algumas mensagens chegavam e meu coração se apertava com uma
vontade grande de lhe dizer "Eu te amo" no fim de cada texto digitado, mas
Victor não estava merecendo minhas declarações.
Para pensar menos nele, eu tentava me manter ocupada o máximo
possível. No primeiro dia, assim que voltei a Chicago, fiz uma surpresa para
Sasha e cheguei sem avisá-la em nosso apartamento. Ela ficou muito feliz
em me ver e abraçou-me apertado dizendo ter sentido minha falta.
Passamos o dia comendo besteiras, conversando e assistimos a uma
comédia romântica que passava na TV. No segundo dia, visitamos Kim e
Maggie no hotel e almoçamos todas juntas. Na parte da tarde, Kim me
colocou a par de todos os preparativos do seu casamento.
Depois de me vestir adequadamente para a temperatura de dez graus
lá fora, saí do meu quarto para tomar um café da manhã antes de ir para a
rua e começar a resolver minha vida para de voltar a Tulsa. Ainda não havia
contado a ninguém, além do Victor, sobre minha decisão de voltar para casa
por tempo indeterminado, ou definitivamente, mas pretendia fazer isso
logo. Sasha precisava encontrar uma nova colega de apartamento com quem
rachar as despesas e não seria justo eu deixar para contar a ela, quando
fosse a hora de dizer “tchau”, até mesmo porque achar alguém com quem
dividir um lar era muito difícil.
— Como você está bonita. Vai sair? — perguntou ela da cozinha,
quando me viu chegar à sala.
— Vou até o estúdio, tenho que ir falar com Tyrone. Sumi por dias
depois de Los Angeles sem dar nenhuma explicação. Nem mesmo lhe
mandei uma mensagem, ele deve estar no mínimo magoado comigo.
— Isso, com certeza! Você era a nova galinha dos ovos de ouro dele.
Ri e caminhei até ela.
— Quer vir comigo? — convidei-a, servindo-me de uma caneca de
café com leite.
— Não, valeu. O dia hoje está frio, prefiro ficar em casa e ter uma
tarde de encontro com a Netflix — falou humorada e sorriu indo para a sala.
— Tudo bem.
— Você e o Victor ainda estão dando gelo um no outro?
— Não estamos dando gelo em ninguém. Só estamos dando um
pouquinho de espaço um para o outro.
— Ele já ligou?
— Não.
— E você não vai ligar?
— Também não.
— Você já disse que está com saudade? Porque eu sei que está, não
precisa nem dizer. — Riu.
— É claro que eu sinto falta dele. Como não sentir saudade de quem
a gente ama?
— Ficando juntos. Essa história de espaço é besteira — disse
destacando a palavra, fazendo aspas com os dedos. — Liga logo e chama
ele para vir te ver. Diz que o ama. Desculpe se o que vou dizer é indelicado,
mas... vocês não têm muito tempo para ficar de charme para cima do outro.
Tem que aproveitar.
— Eu sei. — Abaixei minha cabeça e olhei para a caneca vazia em
minhas mãos. — Eu tenho que ir. A gente se fala mais tarde.
Despedi-me dela e saí. Na rua, logo encontrei um táxi sendo
desocupado e embarquei com destino ao estúdio. Quando cheguei, sua
secretária liberou minha entrada para ir até ele, onde fotografava um ensaio
para uma propaganda de perfumes com belas modelos morenas vestidas de
anjo. Parei perto da porta e esperei pelo intervalo. Cumprimentei algumas
pessoas conhecidas e de longe avistei Bash auxiliando Tyrone. Enfim,
anunciaram a pausa para as modelos se trocarem e me aproximei.
— Oi — disse ao Tyrone.
— Ora, ora... Quem é vivo sempre aparece, não é mesmo? —
debochou, encarando-me com a sobrancelha arqueada e um olhar
impaciente.
— Desculpe-me, Tyrone, mas é que...
— Desculpas? — perguntou e riu sarcástico, interrompendo-me. —
Garota, você é mesmo muito sem noção, não é? Fiz coisas por você, que
nenhum outro fotógrafo de renome faria e, em troca, o que recebi? Ao
menos um “muito obrigada”? Não! Nem isso! — disse alto e enraivecido.
— Você desapareceu sem ao menos me dar uma explicação. Onde mesmo
estava? Ah, me lembrei. Viajando com o Matusalém rico e posando para
outro fotógrafo. Eu vi seu rosto estampado em revistas e propagandas de
publicidade na internet! Você só se aproveitou de mim para aparecer e,
quando chegou ao topo, deu-me as costas como uma traidora!
— Meu Deus, Tyrone, se acalme! Não tinha a intenção de magoá-lo,
desculpe. Mas você precisa se lembrar de que não temos nenhuma espécie
de contrato ou acordo com você ou seu estúdio. Não pode me acusar de
traição, só porque fiz outro trabalho para uma das empresas do meu
namorado. Eu errei em desaparecer sem avisar ou mandar um e-mail
dizendo que ia viajar com Victor por alguns dias, mas é que algumas coisas
aconteceram em Los Angeles e me deixaram muito assustada. Se quiser
saber o que houve, eu posso contar tudo.
Tyrone gargalhou alto, jogando a cabeça para trás.
— Todos aqui já sabem o que aconteceu em Los Angeles com você,
queridinha. Quer dizer então, que o tamanho do pau do Sean foi o que te
assustou? — debochou.
— O quê? — perguntei confusa.
— Qual é? Vai bancar a santa agora? — perguntou irritado. — Nós
sabemos que vocês transaram no trailer depois do ensaio na praia, o próprio
contou em detalhes para quem quisesse ouvir. Achava que você não era
mais uma dessas garotas burrinhas, mas francamente... cair nas garras do
Sean mostrou-me o quanto estava enganado a seu respeito. — Cruzou os
braços à frente e encarou-me com repulsa.
— Sean e eu não transamos! — disse alto e com raiva. — Jamais
transaria com um babaca sem escrúpulos como aquele homem!
Um silêncio se formou a nossa volta. Olhei para os lados e vi que
todos estavam parados ouvindo e observando a conversa que ficava fora do
controle.
— Eu pensei que você fosse um cara legal, mas pelo visto... é só
mais um idiota no mundo. Quem se enganou aqui fui eu! Como pode me
julgar na frente das pessoas, sem ao menos saber da verdade sobre o que
aconteceu no trailer?
— Todos nós já sabemos o que aconteceu lá. E, honestamente, não
queremos ouvir de novo.
— Nossa... Qual é o seu problema? Não houve sexo naquele trailer e
se tivesse tido, não teria sido consensual! Sean tentou abusar de mim! —
gritei nervosa.
— Ouvi meu nome?
Olhei para o lado assustada e o vi se aproximar.
— Sean, querido! Você chegou em boa hora. Maya veio até aqui,
para acusá-lo de estupro — disse Tyrone, com divertimento na voz.
Senti que ele zombou de mim com suas palavras, como se o que eu
tivesse dito a ele fosse mentira ou brincadeira. Sean gargalhou alto, pondo a
mão em sua barriga e aproximou-se de mim.
— O que foi, Maya? Arrependeu-se da nossa trepada? Achei que
você tinha gostado, gata.
Ele estendeu sua mão para tocar meu rosto, mas eu a empurrei e
afastei-me para trás. Minhas mãos tremiam de raiva e meu coração batia
acelerado, angustiado, deixando-me levemente ofegante.
— Você é nojento, Sean! Um ser sem caráter e desprezível! Você
sabe o que tentou fazer comigo! E quanto a você, Tyrone... — Virei-me
para ele. — Você me decepcionou! Sabe que não estou mentindo, mas
mesmo assim faz isso, porque está com raiva de mim por sumir e porque
quer proteger seu garoto de ouro! Deus... Me pergunto agora, se já não foi
capaz de debochar de alguém em situação pior que a minha, somente para
livrar o garoto sucesso de problemas. Mas quer saber... vão para inferno
vocês dois! — gritei e afastei-me em alguns passos, parando e virando-me
novamente para trás. — E Sean... A gente se vê em um tribunal! Porque eu
irei levar você para a justiça e o farei pagar pelo seu crime!
Dei-lhes as costas e deixei o estúdio. Como podem todas aquelas
pessoas permitirem que eu fosse humilhada depois de acusá-lo de algo tão
grave? Nenhuma delas teve a decência de sair em minha defesa, apenas
assistiram em silêncio. A que ponto chegamos no mundo, em que uma
vítima denuncia seu agressor e ninguém faz nada para ajudá-la? Vim até
aqui para pedir desculpas ao Tyrone e tudo se transformou em um show de
piadas para ele e Sean. Eu não esperava ser atacada daquela forma nem em
meus pesadelos. Senti-me sozinha contra o mundo naquele momento.
Caminhei até o elevador e parei diante das portas. Enquanto o
esperava chegar, fechei meus olhos e respirei fundo tentando me acalmar.
Minha vontade era de voltar até lá, xingar Sean e lhe acertar um soco no
rosto. As portas se abriram e eu entrei. Quando elas começaram a se fechar,
alguém colocou sua mão impedindo-as. Elas se abriram novamente e então
Sean entrou com um largo sorriso no rosto, que me deixou ainda mais
nervosa.
— Vou pegar uma carona com você até o térreo.
Eu o encarei com sangue nos olhos e respiração pesada.
— Sabe, Maya... ao contrário de você, que conseguiu ótimos
trabalhos caídos do céu, comigo foi bem diferente. Eu tive que ralar muito e
dormir com muita gente para conseguir bons ensaios que me dessem um
bom retorno. — Riu sem humor encarando-me parado do outro lado do
elevador de braços cruzados.
— Não estou interessada na sua história! — disse rude.
— Okay, então, irei direto ao ponto. — Aproximou-se. — Eu não
estou disposto a perder minha carreira por causa de uma garota com boca
grande. Então se aquilo que disse lá dentro não foi apenas um blefe para me
intimidar, você terá sérios problemas. — Sorriu.
— Está me ameaçando?
— Digamos que eu só esteja dizendo a você o que não deve fazer
para preservar sua vida — disse baixo com seu rosto perto do meu.
O elevador apitou avisando ter chegado ao térreo e as portas se
abriram.
— Até mais, Maya. Não se esqueça do nosso bate-papo. — Piscou e
saiu primeiro.
— Você não me intimida, Sean! — falei alto.
Ele continuou andando e sequer olhou para trás. Saí do elevador e
deixei o prédio.
— Maya!
Parei na calçada e virei-me para trás, vendo Bash correr de encontro
a mim.
— Oi — disse apenas.
— Eu só queria dizer que as coisas que Sean disse ter feito com
você, eu sei que não foi verdade. Eu o conheço bem e sei o quanto babaca,
estúpido e cretino ele é. Sean é assim, sempre foi. Quando não consegue o
que quer com aquela conversinha barata de galã, ele faz à força. Ainda bem
que não a machucou.
— Obrigada... eu acho.
— Você devia mesmo denunciá-lo. Não foi a primeira garota. Era só
isso que eu queria dizer. Eu sinto muito. E não se deixe abater por Tyrone.
O criador é tão estúpido quanto a criatura. Até mais. — Afastou-se.
— Bash.
Ele parou e virou-se.
— Posso perguntar por que tem me olhado de um jeito estranho? —
A essa altura já não achava mais que ele era o assassino. Tinha mais
motivos para duvidar de outro homem do que dele.
Ele sorriu e voltou até mim.
— No começo eu achei que vocês tivessem tendo algo, sei lá...
parecia que vocês se paqueravam nos ensaios.
— Eu não... Não estou entendendo.
— Eu sou gay, Maya. — Sorriu. — Sean também é gay, mas ele não
se aceita. Só fica com homens quando está bêbado ou por algum interesse.
— Ah, meu Deus... — Sorri sem graça. — Me desculpe. Eu não
havia notado. Então... você só estava apenas com ciúme, é isso?
— Sim, mas cheguei à conclusão que quem não me assume e só me
quer em momentos de fraqueza não merece meu amor, não é?
— Você está certo. Se valorizar em primeiro lugar.
— É... Bom... eu tenho que voltar. A gente se vê por aí.
— Tchau, Bash. Se cuide.
— Você também.
Ele entrou no prédio e eu respirei fundo. Aquelas eram palavras de
apoio que não esperava ouvir de alguém que julguei ser um serial killer. Ri
sozinha com minha loucura de pensar que ele era o assassino, quando só
estava com ciúmes pensando que eu estava tendo algo com o cara por quem
era apaixonado.
Senti-me sendo observada e olhei para o outro lado da rua. Sentado
em uma moto estacionada no meio-fio, estava Sean. Ele sorriu, acenou e
colocou seu capacete antes de acelerar sumindo ao virar a esquina. Um táxi
parou próximo a mim e um casal desembarcou. Entrei em seguida e passei
o endereço do apartamento para o motorista. Recostei-me no banco e fechei
meus olhos. Eu sentia que precisava falar com Jack e contar a ele sobre as
ameaças que recebi daquele estuprador de merda. Sabe-se lá se ele
resolvesse fazer algo comigo, ao menos ele teria por onde começar a
investigar meu sumiço. Peguei meu celular na bolsa e fitei-o na dúvida se
ligava para o ele ou não. Sem me dar a chance de pensar demais, toquei em
seu nome nos contatos e coloquei o aparelho em meu ouvido.
— Maya! Oi, como vai?
— Oi, Jack. Estou de volta.
— A Kim me disse. É bom ter você de volta!
— Será que a gente pode se encontrar? Quero muito te contar algo
tenebroso que aconteceu há pouco.
— O que aconteceu? Você está bem? — perguntou preocupado.
— Estou. É sobre Sean.
— Minha nossa... me diga que está longe dele.
— Estou — respondi sentindo um calafrio. Havia espanto misturado
a preocupação em sua voz.
— Você pode me encontrar em quinze minutos, no café aqui perto
da delegacia?
— Posso sim, claro!
— A gente se vê lá. — Encerrou a chamada.
Avisei a mudança de rota ao motorista do táxi e segui para o café.
Quando cheguei, Jack ainda não estava lá. Sentei-me em uma mesa ao
canto, perto da janela, e pedi um café enquanto aguardava por ele. Não
demorou muito e logo ele chegou.
— Você está bem mesmo? — perguntou ele ao se sentar.
— Estou sim.
— Então... me conte o que aconteceu.
— Você se lembra do que contei a você, sobre o que o Sean tentou
fazer comigo em Los Angeles?
— É claro que me lembro. Como eu poderia me esquecer. Ele tentou
de novo?
— Não. Ele fez pior... me ameaçou. Ele disse que, pelo bem da
minha vida, eu devia ficar de bico fechado.
— Você foi à polícia?
— Não. Mas agora estou decidida a ir.
— Onde ele fez as ameaças?
— Na agência quando eu estive por lá alguns minutos.
— Ele tocou em você?
— Não.
— Você precisa prestar queixa sobre o que ocorreu em Los Angeles
e sobre as ameaças!
— Eu sei. Vou ligar para o Victor e pedir que ele venha para cá.
Quero que ele esteja comigo quando eu for fazer isso.
— Okay. Mas até ele chegar, por favor, fique em casa! Não dê
bobeira por aí.
— Você está sabendo de mais alguma coisa que eu ainda não sei?
— Estou quase certo de que Sean é o nosso serial killer. Não posso
dizer muito, mas... sinto pela primeira vez que finalmente estou chegando
perto desse cretino!
— Mas e quanto a Bridget?
— Ainda não sei. Conversei com pessoas próximas a ela e ninguém
reconheceu Sean como sendo um amigo, cliente ou possível namorado. Mas
e se você estiver certa? E se ela foi assassinada no lugar da Natasha? Por
isso ele não concluiu o serviço. Quando viu que matou a pessoa errada,
pode ter se apavorado e fugido.
— Então para essa minha tese ser real, ele tem que ter tido um
envolvimento malsucedido com a Natasha.
— É exatamente nisso que tenho pensado nos últimos dias.
— Você não a procurou para saber ou tentou falar com ela?
— Eu a procurei na boate, mas ela não estava. Liguei para seu
celular e ela não atendeu. Pode ser que você ela atenda.
— Vamos tentar.
Saquei o celular da bolsa e liguei para ela. A ligação chamou até que
foi encaminhada para a caixa de voz. Eu insisti por mais duas vezes e nada
aconteceu.
— Ela não me atende. Eu não sei onde ela mora, teremos que
esperar anoitecer para irmos até a boate.
— Acho que eu ainda tenho o endereço dela no meu bloco de notas
no carro.
— Então vamos lá! — Levantei-me e vesti meu casaco.
Jack revirou o interior do seu carro até que achou o pequeno
bloquinho com o endereço da Natasha. Ele dirigiu até lá e estacionou o
carro em frente a um prédio todo pichado e malcuidado no lado sul da
cidade. Nós descemos e entramos. Na pequena escadaria da porta de
entrada, havia alguns jovens sentados ali fumando cigarros de maconha.
Eles claramente estavam fugindo da aula. Jack ignorou aquilo e passou
direto por eles, sem olhá-los.
— Não podemos demorar muito aqui. Se desconfiarem que sou da
polícia, teremos problemas.
— Certo. Vamos ser rápidos, então.
Subimos quatro lances de escadas e chegamos ao segundo andar.
Atravessamos o corredor sujo, até o apartamento duzentos e seis. Jack se
escondeu no canto, para que se caso ela olhasse pelo “olho mágico” não o
veria. Dei duas fortes batidas contra a madeira e ela gritou lá dentro
avisando que já estava vindo. Uma fresta se abriu e metade do seu rosto
apareceu.
— Maya? O que faz aqui? Como sabe onde moro?
— Eu dei um jeito de descobrir. Posso entrar?
— Pode. Claro.
Ela fechou a porta e retirou a tranca de segurança, tornando a abri-la
novamente em seguida.
— Entre.
Quando me convidou, Jack saiu do canto da parede e Natasha
encarou-me com raiva.
— Desculpe-me, por favor. Mas precisamos falar com você e temos
que ser rápidos!
— Entre logo antes que alguém aqui te veja! — mandou rude ao
Jack.
Ele entrou e ela rapidamente fechou a porta, trancando-a.
— Então é aqui que você mora? — perguntei a ela.
— É!
— Mama!
Uma pequena garotinha de cabelinhos lisos e ruivos, chamou-a
entrando na pequena sala dividida da cozinha por apenas um balcão
estreito, trazendo consigo uma mamadeira vazia nas mãos.
— Venha, querida — chamou Natasha pegando-a em seu colo.
A menina nos olhou com curiosidade e timidez ao mesmo tempo.
Seus olhinhos puxados e o nariz pequeno e achatado, entregaram que a
linda boneca à nossa frente era portadora da Síndrome de Down.
— Filha, estes são amigos da mamãe. Esta é a Maya e este é... —
fez uma pausa tentando recordar-se o nome do Jack.
— Jack — disse ele.
— Esta é minha filha, Lorrayne. Ela tem quatro anos — falou
sorridente olhando para ela e beijou-a na testa.
— Oi, Lorrayne — cumprimentei-a e ganhei um sorriso.
— A mamãe vai te colocar sentadinha aqui para brincar, enquanto
ela conversa com os amigos, tudo bem?
A garotinha apenas assentiu e permaneceu sentada na poltrona velha
com uma boneca de pano nas mãos, onde Natasha a colocou.
— Ela é linda! — elogiei, admirando apaixonada a beleza da
pequena menina de cabelos ruivos e olhos claros.
— É sim. Se ainda estou viva, é por ela.
— Será que agora podemos conversar? — perguntou Jack.
— O que vocês querem?
— Você conhece esse cara? — ele interrogou-a, mostrando uma foto
do Sean em seu celular.
Ela ficou séria e tensa. Uma ligeira palidez brotou em seu rosto e
seus ombros ficaram rígidos. Seu olhar demonstrou certo nervosismo.
— Não minta. E se achar que não se lembra, se esforce. Essa
informação é muito importante — falou Jack.
— Eu não sei. — Engoliu em seco e cruzou os braços. — Pode ser
que sim ou que não. Conheço muitos homens na boate... Você sabe como é,
Maya. Já trabalhou lá.
— Faça um esforço — pedi a ela e Jack lhe mostrou outra foto.
Eu sabia que ela escondia algo e Jack também notou, percebi
quando ele olhou-me desconfiado.
— Esse homem pode ser um assassino em série. E também pode ser
quem matou a Bridget. Temos motivos para crer que ele tenha feito isso por
engano, querendo ferir outra pessoa. No caso, você! — disse ele. — Eu sei
que você o conhece, vejo isso em seu rosto.
— Pode ser que você corra perigo.
Ela abaixou a cabeça e fechou os olhos respirando fundo, antes de se
sentar no sofá atrás dela.
— Ele já foi à boate algumas vezes com Tyrone. Costumava servi-
los na área VIP, mas achava que ele era gay, porque ele e o fotógrafo me
pareciam... íntimos demais. Mas aí teve uma noite, na verdade, a primeira
noite em que me apresentei no palco. Ele estava lá, sentado na primeira
mesa encarando-me como se eu fosse um pedaço de carne. Aquilo me
deixou nervosa. Ele sorria com malícia e jogava notas de dez dólares em
cima do palco, aos meus pés.
Ela ergueu sua cabeça e finalmente nos olhou.
— Assim ele fez por mais de duas noites seguidas, até que... em
uma madrugada, quando estava indo embora, ele me cercou na rua e
ofereceu-me uma carona. Eu estava tão cansada que aceitei. Eu disse onde
morava e ele seguiu o caminho, mas quando chegamos perto das velhas
usinas, ele desviou entrando em uma estrada estreita... — Começou a
chorar. — Quando perguntava onde estava me levando, ele só dizia para eu
ficar calma. Ele parou o carro no meio do nada, travou as portas e começou
a me beijar. Eu reagi. Empurrei-o de cima de mim, dei tapas, gritei, mas
ninguém apareceu. — Ela fez uma pausa e tentou controlar seu choro. —
Eu o pedi para parar.
— Mas ele não parou, não é? — perguntei a ela.
— Não. Mas eu consegui me livrar dele. Tinha uma garrafa vazia de
cerveja no painel do carro. Eu a acertei em sua cabeça, destravei as portas e
consegui fugir. Corri com minha roupa rasgada até chegar em casa. Porém,
o terror não acabou por aí. Na noite seguinte, quando virei a esquina depois
do expediente, alguém chegou por de trás de mim, tapou minha boca e
arrastou-me para um beco escuro. Tentei gritar, mas sua mão em minha
boca me impediu. Então, ele falou em meu ouvido e reconheci sua voz. Ele
disse que se eu ousasse contar para alguém o que houve no carro, ele me
mataria. Eu jurei pela vida da minha filha que não faria isso. Aí ele me
jogou no chão, me acertou dois chutes, cuspiu em mim e foi embora. Eu
nunca mais o vi depois daquela terrível madrugada. O bilhete eu recebi
depois e, em seguida, o assassinato aconteceu.
Jack olhou para mim com um olhar furioso e sedento.
— Eu sinto muito por fazê-la se lembrar disto, mas espero que saiba
que ajudou bastante hoje e que seu depoimento pode pôr fim a um assassino
frio e infame — falou Jack.
— Desculpe por isso — pedi baixo, ajoelhando-me à sua frente. —
Você não foi a única que ele tentou ferir. Eu também fui uma de suas
vítimas, mas, assim como você, lutei pela minha vida.
— Mesmo que ele não seja o serial killer que a polícia tanto
procura, ele precisa ser preso. Porque mulher nenhuma merece passar por
isso!
— Eu sei!
— Não tenha dúvidas disso. Se ele não for quem esperamos que
seja, irei fazê-lo pagar pelo que fez não só a vocês duas, mas a todas as
mulheres que agrediu e feriu — prometeu Jack. — Temos que ir, Maya.
Eu a abracei e despedi-me dela e de sua filha. Nós deixamos o lugar
rapidamente, antes que Jack fosse notado ali.
— E agora? — perguntei a ele.
— Agora você tem que tomar muito cuidado com Sean. Vou pedir
ao meu tenente que mande um policial à paisana para ficar de olho em
Natasha na boate. Se nosso modelo é o assassino e comete os crimes para
calar suas vítimas, ele pode tentar matá-la novamente.
— Que filho da puta!
— Talvez ele tenha se sentido ameaçado pelas vítimas fatais.
Quando ele consegue o que quer, deve deixar a vítima amedrontada e
conquistar seu silêncio com pavor. Quando não...
— Ele as mata de forma cruel — completei sua frase. — Isso não é
um ser humano, é um demônio!
Jack me deixou em casa e, ao entrar no apartamento, Kim e Sasha
faziam um bolo de chocolate.
— Chegou na hora certa. Já estamos passando a cobertura no bolo
— falou Kim, toda sorridente. — Como foi seu dia?
Não sabia o que responder. Em primeiro lugar, não queria assustá-
las com o que houve na agência e nem contar o que aconteceu em Los
Angeles. Em segundo, Jack me fez prometer que eu não contaria nada sobre
o caso e das vezes que o ajudei para ninguém, principalmente sua noiva.
— Foi ótimo. — Sorri. — Eu... fui até a agência, saí para tomar um
café com Tyrone e nós conversamos — menti descaradamente.
— Então, está tudo certo entre vocês? — perguntou Sasha.
— Está! — E as mentiras não pararam.
— Ele vai arrumar outros trabalhos para você? Ou ficou algum
ressentimento?
— Sasha... eu me despedi de todos na agência. Ser modelo foi bom
e a grana me ajudou bastante, mas é hora de parar, pelo menos por
enquanto. Tem algo que quero contar a vocês — falei aproximando-me do
balcão onde elas estavam.
— Não está grávida, não é? — perguntou Kim com os olhos
arregalados, fazendo-me rir.
— Não, eu não corro esse risco. Ao menos enquanto estiver com
Victor, não!
— Então desembucha logo! — mandou Sasha impaciente.
— Eu resolvi que irei voltar para casa agora. Está na hora de
retornar para a minha cidade e consertar as coisas por lá. Minha família
precisa de mim. Como vocês já sabem, minha mãe está doente e, para
piorar, meu pai se tornou um alcoólatra que me odeia. Acreditem, será tão
difícil deixá-las quanto voltar para casa, mas isso não será para sempre.
Virei visitá-las quando puder, prometo. E quem sabe, eu até volte a morar
aqui.
As duas me encararam tristes e deram a volta no balcão, abraçando-
me em grupo.
— Você será sempre nossa amiga, Maya — declarou Kim.
— Vocês são minhas únicas amigas. Antes de Chicago, eu não tinha
ninguém. Então conheci a Kim e meses depois você, Maya — confessou
Sasha.
— A gente te ama! — disseram as duas em uníssono.
— Também amo muito vocês — declarei emocionada.
Durante minha adolescência, Grace foi minha única amiga. Na
faculdade, Penny foi a melhor delas e ainda era mesmo depois de tudo que
aconteceu. Ali, em Chicago, encontrei duas pessoas maravilhosas que
foram quem me ajudaram a começar uma vida incrível, cheia de novas
experiências. Eu mal tinha onde dormir quando desci daquele ônibus e
agora tinha tudo. Eu levaria dali não somente a amizade da Kim ou da
Sasha, como também levaria comigo a amizade do Jack e da Maggie.
Talvez, até mesmo, a do Allan. Ele também foi alguém fundamental e
especial para os meus dias deprimentes e longe de casa serem melhores,
mesmo que por pouco tempo. Seria ignorância da minha parte eu não
reconhecer isto. Apesar do nosso fim nada legal, eu era grata a ele por tudo.
Nada na vida é desperdício, tudo vira aprendizado.
— Quer saber... Chega de chororô — disse Sasha afastando-se de
nós, quebrando nosso abraço em grupo. — Acho que podíamos sair e beber
umas cervejas.
— É isso aí! Só nós três e nada de meninos — falou Kim.
— Eu não sei... está tão frio hoje.
A verdade era que eu não queria sair de casa por medo de que o
lunático do Sean tentasse cumprir sua promessa. Jack havia me pedido para
que eu tivesse cuidado e não desse bobeira na rua.
— Estou de folga, Maya! Qual é?! Essa pode ser nossa última noite!
— insistiu Sasha.
— Por que a gente não compra umas cervejas e bebe aqui? Podemos
fazer uma noite do pijama — sugeri forçando um sorriso.
— O quê? Não temos doze anos! — disse Kim gargalhando.
— Sem desculpas, Maya! A gente não vai voltar tão tarde, eu
prometo — argumentou Sasha.
— Por favor... Vamos! — persistiu Kim, juntando as mãos na frente
e fazendo biquinho.
Não tinha como escapar daquela sem contar a verdade.
— Okay... Tudo bem. — Dei-me por vencida.
— O lugar parece estar bem agitado. Tem certeza de que vai descer
aqui? — perguntou Noberto.
— Tenho sim.
Abri a porta e desci do carro. Por fora, o pub parecia grande e havia
uma fila de jovens para entrar. Caminhei até o segurança que fazia a ronda
na portaria e tirei uma nota de cem dólares no bolso.
— Preciso mesmo pegar a fila? — perguntei a ele, lhe mostrando
discretamente o dinheiro.
— Entra aí.
O segurança retirou a corrente que obstruía a passagem e ao passar
por ele, lhe entreguei o dinheiro em um aperto de mãos. Lá dentro, o
ambiente não parecia ser tão grande, o lugar estava abarrotado de gente que
chegava a estar abafado e quente. Parado na entrada, eu olhei ao meu redor
à procura da Maya. Por que ela não me disse que estava vindo para este
lugar? De repente, vi Sasha acenar. Aproximei-me dela, que estava na
companhia de uma garota loira.
— Oi. Como vai? — cumprimentou ela, estendendo-me sua mão.
— Sasha... estou bem e vocês?
— Ótima! — disse otimista. — Esta é a Kim, já deve ter ouvido
falar dela. Kim, este é Victor, o namorado da Maya. Mas você já sabe quem
é ele, já viu fotos — falou como se dissesse o óbvio para a amiga.
— Prazer em conhecê-la. — Apertei sua mão.
— Você quer beber alguma coisa? — ofereceu Sasha.
— Não, obrigado. Onde está a Maya? — perguntei olhando ao meu
redor e não a vendo em lugar algum.
— Ela foi ao banheiro.
— Não acha que ela está demorando? — interrogou Kim. — Já faz
uns vinte minutos.
— Tem razão. A fila deve estar grande, mas eu vou até lá ver o que
está rolando.
Sasha saiu e sumiu pelo corredor que levava aos banheiros, mas
voltou dois ou três minutos depois.
— Ela não está no banheiro. Não está na fila e nem dentro — disse
ela.
— Vou ligar para ela. — Saquei meu celular do bolso e busquei seu
número da agenda.
— Não adianta! — disse Kim. — Ela deixou o celular. — Mostrou-
o sobre a mesa. Teimosa!
Liguei para Noberto e mandei que ele entrasse e ligasse para mais
seguranças os mandando ir para lá. As duas saíram à sua procura e logo
voltaram.
— Olhei no bar e ela não está — disse Kim.
— Procurei na área dos fumantes e de frente ao palco, também não a
vi — falou Sasha.
— Droga, Maya! Onde você se enfiou? — fiz uma pergunta a mim
mesmo.
— Acha que ela pode ter saído? — perguntou Kim.
— Nós teríamos a visto, estamos praticamente ao lado da entrada e
saída principal. Só se ela saiu pela saída de emergência, que fica ao lado dos
banheiros — respondeu Sasha. Essa conversa estava me deixando louco.
— Senhor White — chamou Noberto ao se aproximar. — O que
houve, senhor?
— Maya desapareceu!
— Como assim?
— Ela estava aqui e agora não está mais. Afastou-se das amigas
dizendo que ia ao banheiro, mas não voltou. Não está lá e nem aqui em
canto algum — disse desesperado.
— Já chamei os seguranças, eles estão a caminho. Enquanto isso,
senhor, preciso que saia e volte para o carro. Eu ficarei aqui à procura dela.
Pode ser que isso não seja nada, ou que... seja o Higor.
— Eu vou ligar para o Jack. O meu noivo é detetive, ele pode nos
ajudar. — Kim pegou o celular sobre a mesa e saiu do pub com Sasha.
— Vá com elas, senhor. Assim que os seguranças chegarem, um
deles fará sua guarda.
Relutante, saí. Não demorou muito mais do que dez minutos e meus
homens chegaram ao mesmo tempo que o detetive, noivo da Kim. Ela
explicou a ele exatamente o que houve. O detetive olhou cheio de tensão
para seu parceiro de pé ao seu lado, que demonstrava imensa preocupação.
— Fique calma, nós vamos achá-la — disse ele para a sua noiva.
— Jack! Este é o Victor, namorado da Maya — Sasha nos
apresentou.
— Olá! — cumprimentou-me Jack, apertando minha mão. — Este é
meu parceiro, Allan.
Encarei o homem alto, branco e de cabelos pretos ao seu lado. Eu
sabia quem ele era. Foi nos braços dele que Maya se afugentou quando a
mandei ir embora da minha vida meses atrás e ela veio para cá. O detetive
de nome Allan, encarou-me com um olhar de julgamento, que apenas
ignorei.
— Posso falar com o senhor por um instante? — pediu Jack.
Assenti e nos afastamos das meninas que estavam apavoradas,
abraçadas uma a outra.
— Eu sei que o senhor sabe sobre o que houve com a Maya em Los
Angeles. Ela me contou que lhe disse.
— Aonde quer chegar?
— Talvez o cara que tentou forçar um abuso, seja quem a polícia
está atrás há meses. Temos motivos para crer que Sean Renald pode ser o
assassino em série que procuramos. E talvez Maya seja sua próxima vítima.
Ao ouvir aquilo foi como se eu tivesse levado um soco no estômago.
Por que todo o perigo do mundo tem que justamente rondar a mulher que
eu amo? Meu corpo inteiro doía de tensão. Fechei meus olhos e respirei
fundo, tentando não ter um ataque de pânico ou fúria.
— Se tem motivos para crer nisso, então, temos que agir rápido e
encontrá-la o quanto antes — falou Noberto, ao se aproximar.
— Este é Noberto. Meu motorista e chefe da minha segurança —
apresentei-os.
— Já vasculhamos cada canto lá dentro, ela não está lá. Eu vi que
não há câmeras no interior do pub, mas há duas do lado de fora. Uma na
entrada — apontou para a câmera focada na porta de entrada, onde havia
grande movimentação — e outra no beco, focada na saída de emergência —
informou Noberto.
— Okay. Vou precisar da sua ajuda. Não posso emitir um alerta para
a polícia, porque ainda não tem vinte e quatro horas — informou Jack.
— A não ser que encontremos algo que prove que Maya foi levada
por um suspeito que se encaixe nos padrões do serial killer — falou Allan
juntando-se a nós.
— Kim disse que ela se afastou dizendo ir ao banheiro e a saída de
emergência fica próxima. Sugiro que comecemos averiguando as imagens
daquela câmera — disse Jack.
— Vou entrar e pedir para olhar — disse Allan ao Jack, antes de se
afastar e entrar no pub.
Jack se afastou e foi falar com o homem que estava na portaria. Ele
fez algumas perguntas e lhe mostrou uma foto da Maya pelo meu celular.
Ele disse não tê-la visto sair, mas se lembrava dela quando chegou com as
amigas mais cedo. Allan o chamou e Jack entrou depois de devolver meu
aparelho.
— O senhor está bem? — perguntou Noberto.
— Mas é claro que não! Estou à beira de um infarto. — E sentia
estar mesmo.
— Tem minha palavra de que iremos encontrá-la! — disse com
firmeza, colocando sua mão em meu ombro.
Jack apareceu na porta e fez um sinal para entrarmos com ele no
pub. Ele nos levou até a minúscula sala de segurança do local, onde havia
duas telas de quatorze polegadas sobre uma mesa gasta, ligadas às duas
câmeras em tempo real.
— Isso foi o que descobrimos na câmera dos fundos — disse ele e
olhou-me com tamanha tensão e preocupação.
Meu coração apertou e disparou acelerado no peito, ao assistir as
imagens. Maya foi arrastada pela saída de emergência por um homem
grande que não conseguimos ver o rosto. A câmera filmou tudo de cima
para baixo e ele usava um boné que encobria seu rosto. Ela se debateu forte
e tentou se livrar, mas não conseguiu. Ele a arrastou até um furgão velho e
dopou antes de jogá-la em sua traseira e fechar as portas assumindo a
direção em seguida.
— Meu Deus! — exclamei baixo, sentindo o aperto aumentar.
— Já sabem a quem pertence a placa? — perguntou Noberto ao
Jack.
— Allan está ao telefone resolvendo isso, mas a placa será fria, com
certeza. Ele sabia que tinha a câmera, por isso cobriu o rosto — respondeu
ele.
— A placa pertence a um Honda CR-V dois mil e dez, roubado há
três semanas — informou Allan. — Acho que, com essa imagem, podemos
pedir reforço?
— Liga para o oficial Brody e peça para acessar as câmeras das
barreiras de velocidade e fazer uma busca por essa placa. Preciso saber para
qual lado da cidade esse furgão foi e tem que ser o mais rápido possível! —
ordenou ao Allan. — Enquanto isso, ligarei para o tenente e explicarei o
que está acontecendo, depois pedirei autorização para reforços.
Allan saiu da sala e Jack fez sua ligação sendo rápido em explicar ao
seu tenente o que estava havendo. Enquanto isso, minha preocupação e
angústia somente crescia. Eu devia tê-la impedido de sair daquela suíte,
mesmo que ela me odiasse pelo resto da vida. Eu devia ter sido mais Dono
dela e menos um homem apaixonado. Eu não me sentia nada bem. Minha
cabeça doía, meu rosto queimava e meu peito estava com uma pressão
enorme parecendo que iria explodir a qualquer instante. Saímos do pub para
que eu pudesse respirar um pouco e tentar me acalmar, quando Allan correu
em nossa direção com o celular na orelha.
— O furgão acabou de passar por uma barreira eletrônica. Está indo
para a zona sul da cidade — disse ele.
— Certo. Vou ligar para o tenente, novamente — falou Jack. — O
furgão está indo para o sul da cidade. Há muitos lugares abandonados para
onde ele pode levá-la. — Fez uma pausa de segundos na chamada e, então,
olhou para mim e assentiu com a cabeça. — Okay, tenente. Obrigado!
— Então? — perguntei agoniado.
— Ele autorizou — respondeu-me aliviado, antes de chamar seu
parceiro. — Allan! Peça para o Brody nos mandar a localização atualizada a
cada trinta segundos; e assim que o veículo parar, ele deve mandar o
máximo de reforço para o local, incluindo a SWAT. Pode ser que
precisemos negociar uma refém — disse caminhando até seu carro.
— Acredito que não queira deixar isso somente nas mãos da polícia
— falou Noberto.
— Jamais! Mande que um dos seguranças levem as garotas para o
apartamento da Maya e fique com elas. Os demais vêm conosco.
Entramos no carro e Noberto os seguiu. Jack dirigia rápido, furando
todas as barreiras eletrônicas em direção ao outro lado da cidade. Entramos
em uma estrada estreita de chão de terra e seguimos por alguns metros até
uma velha fábrica abandonada. Na frente, o furgão estacionado. Em
seguida, mais policiais chegaram, incluindo a SWAT assim como Jack havia
pedido. Desci do carro e caminhei de encontro a ele.
— Sr. White, vou pedir que mantenha a calma e confie em nós. Vai
acabar tudo bem. Porém, preciso que, para sua segurança e de seus homens,
fiquem afastados do local.
— Não me peça isso! — disse um tanto rude.
— Victor! — Noberto chamou-me. — Deixe-os fazer seu trabalho.
Sei que é difícil, mas precisa dá-los espaço.
Assenti e afastei-me. Para mim, naquele momento, só restava rezar
para que ela ficasse bem e, em breve, estivesse de volta aos meus braços.
CAPÍTULO 37
CONTINUA...
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2. Reconstruindo Sonhos
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