Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Caroline Andrade - Señorita

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 619

Sumário

PLAYLIST
SINOPSE
PRÓLOGO
A HERANÇA DOS CACHILA
FANTASMA
CAPÍTULO 1
RUA DOS PRAZERES
TINA ZARA
CAPÍTULO 2
A BRANCA DE NEVE E OS TRÊS ANÕES E MEIO
TINA ZARA
CAPÍTULO 3
NA TOCA DO LOBO MAU
TINA ZARA
CAPÍTULO 4
OLHOS DE AVELÃ
TINA ZARA
CAPÍTULO 5
SEÑOR SÁNCHEZ
TINA ZARA
CAPÍTULO 6
MEU RECOMEÇO
TINA ZARA
CAPÍTULO 7
MORANGO
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 8
FLORAIS E MARGARIDAS
TINA ZARA
CAPÍTULO 9
A NEGAÇÃO
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 10
ZERO
TINA ZARA
CAPÍTULO 11
HISTÓRIAS CRUZADAS
TINA ZARA
CAPÍTULO 12
ABELHINHA
PAPI
Tina Zara
CAPÍTULO 13
COMO EU VEJO VOCÊ
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 14
O PRIMEIRO
TINA ZARA
CAPÍTULO 15
APENAS A TINA
TINA ZARA
CAPÍTULO 16
O SEGREDO
PAPI
Tina Zara
CAPÍTULO 17
UMA FEBRE
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 18
MEU PEQUENO CAOS
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 19
O PAGAMENTO
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 20
O CAÇADOR DE BICHO-PAPÃO
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 21
ME APAIXONEI
TINA ZARA
CAPÍTULO 22
BOMBONS E FOFOCA
TINA ZARA
CAPÍTULO 23
MALPARIDO
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 24
A PRIMEIRA DANÇA
TINA ZARA
CAPÍTULO 25
A ÚLTIMA DANÇA
TINA ZARA
CAPÍTULO 26
SOU SUA
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 27
SEMPRE SEREI SUA
TINA ZARA
CAPÍTULO 28
A DOR DA ALMA
TINA ZARA
CAPÍTULO 29
O DESPERTAR DOS DEMÔNIOS
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 30
O FANTASMA
TINA ZARA
CAPÍTULO 31
A TRÉGUA
SEBASTIAN SÁNCHEZ
Tina Zara
CAPÍTULO 32
POR AMOR
TINA ZARA
CAPÍTULO 33
O CAOS
PAPI
Tina Zara
CAPÍTULO 34
UM MOTIVO
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 35
DOCE MORANGO
SEBASTIAN SÁNCHEZ
CAPÍTULO 36
AS ESCOLHAS
PAPI
Pablo Cachila
CAPÍTULO 37
UM RECOMEÇO
TINA ZARA
EPÍLOGO
TINA ZARA
Sebastian Sánchez
ENTRE A CRUZ E A ESPADA
BELLA CHAT
AGRADECIMENTOS
Copyright © 2023 por Caroline Andrade
Señorita | 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados
Livro digital | Brasil

Esta é uma obra de ficção.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui
são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida por
qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros métodos
eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito do escritor, exceto no caso
de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não-comerciais
permitidos pela lei de direitos autorais.

Capa: Mellody Ryu & Mari Cardoso


Leitura crítica: Valdirene Gonçalves
Revisão: Gramaticalizando assessoria
Diagramação: Mellody Ryu

O artigo 184 do Código Penal tipificava como crime, apenado com detenção de 3 (três)
meses a 1 (hum) ano, ou multa, a violação de direito de autor que não tivesse como
intuito a obtenção de lucro com a reprodução da obra intelectual protegida.
PLAYLIST

Para ouvir a playlist de Señorita, basta clicar abaixo:


https://open.spotify.com/playlist/78yGE7mpxNG7vZk3PJJbEu
?si=ea5972059a0f4118
SINOPSE

Tina encontra uma chance de conseguir recomeçar sua vida,


zerando o placar e esquecendo seu passado, quando uma proposta
de trabalho, para ir cuidar de quatro crianças na vinícola da família
Sánchez, chega até ela. Mas o passado nunca esteve tão presente
em sua vida quanto agora, ao ter seu destino cruzado com um
espanhol mal-humorado e amargo, que também esconde demônios
que lhe assombram, os quais há muito tempo ele deseja esquecer,
mas que estarão mais vivos do que nunca quando monstros antigos
vierem atrás dele. Uma história de amor, recomeço, vingança e
justiça, mas, acima de tudo, de duas almas perdidas que buscam
redenção.

Atenção: contém gatilhos para prostituição, drogas,


violência contra mulher e criança, morte, tortura física e
psicológica, necrofilia e canibalismo.
Coisas leves, mais um dia normal no parquinho com a tia
Carol.
PRÓLOGO
A HERANÇA DOS CACHILA

FANTASMA

Nova York
15 anos antes

Sinto meu rosto suado e o gosto de sangue em minha boca,


enquanto meus punhos se fecham. Solto meus ombros, os
relaxando, e sinto o ar entrar em meus pulmões como querosene a
cada lufada que sugo pelas minhas narinas. Meus passos estão
lentos e observo meu oponente se levantando cambaleante após o
chute que dei em sua coxa, que está fraquejando a cada vez que se
ergue. Ele está ferido, posso constatar isso pela respiração dele,
que está mais densa. No quarto chute reto certeiro, na parte traseira
da sua perna, sei que acertei o nervo em cheio, o machucando.
Ouço o som de todos gritando no ringue arranjado em um
barracão clandestino, improvisado para a luta. Eles balançam o
dinheiro e se movem agitados, conforme vamos destruindo nossos
corpos em movimentos rápidos e certeiros. Tenho muita raiva e
loucura martelando na minha cabeça, muito ódio implorando para
sair. A vida toda os senti dentro de mim ficando mais fortes, e é
apenas aqui que eles se sentem libertos, ferozes e cruéis. A
adrenalina que sobe me traz a mesma sensação da cocaína,
levando-me ao prazer, enquanto o sangue bombardeia mais rápido
em meu cérebro. Adoro isso, idolatro a selvageria que consome
meus demônios quando estou lutando.
O meu oponente dessa noite é maior que eu, mas é lento.
Seu punho acerta minha clavícula primeiro, mas dou um gancho em
sua costela e ouço o grito de dor. Minha cabeça vai para trás,
acertando a sua, e o som seco do nariz sendo quebrado ecoa pelo
ringue, levando-o ao chão. O homem me puxa com ele, e meus
joelhos caem sobre seu corpo, enquanto acerto os punhos fechados
em sua face. Nas lutas de rua não tem regras, nem limites,
prevalece apenas a lei do mais forte. O soco que desfiro em seu
rosto faz mais sangue voar. Não é o meu que escorre em meu
corpo, é o dele, misturando-se à minha dor e a toda a agonia presa
dentro do meu cérebro.
Tenho uma vida de destruição e de escolhas erradas. É uma
vida cheia de ódio que se parte a cada vez que meu punho acerta o
rosto do cara caído ao chão. Ele nem reage mais. A pele que recebe
o impacto se move em câmera lenta, enquanto tudo explode dentro
de mim. Tudo se perde. Paro ao sentir meu suor junto com o
sangue, que não é meu, escorrendo por meu rosto. Olho para o cara
arrebentado abaixo de mim. Seus olhos estão feridos, os supercílios
inchados, e o seu nariz está quebrado para o lado.
— EU DISSE QUE O MOLEQUE ERA BOM, PORRA! —
Ouço uma voz gritando e caio no chão de joelhos, respirando
rápido, com os nervos dos meus dedos vermelhos e rasgados.
O juiz grita e me levanto. Todos vão à loucura, gritando
eufóricos, balançando suas mãos. Olho para tudo isso e vejo
apenas a sombra de pessoas fracas e asquerosas que pagam para
ver dois homens irem até o limite da dor. É brutal e cruel, mas
libertador. É malditamente belo soltar minha fúria sem restrições.
— Qual seu nome, garoto? — o juiz grita em meu ouvido,
fazendo-me olhar para ele no êxtase que ainda me percorre.
— Fantasma! — balbucio, limpando meu rosto e lhe dizendo
o apelido que recebi de Pablo Cachila.
Meus olhos param em Pablo, o cara alto parado do outro lado
do ringue, com um sorriso brilhoso que só aumenta enquanto olha
para mim.
— Destruiu a cara dele, rapaz. — O juiz da luta clandestina ri
e ergue meu braço, balançando-o no alto. — Fantasma leva a noite!
Todos gritam meu nome alto, com mais fervor, enquanto olho
para eles. Aqui dentro, entre os ecos dos gritos deles, do oponente
caído ao chão, ensanguentado, meus monstros são deuses, e isso
me assusta, da mesma forma que me fascina.
Respiro rápido e forte, ouvindo apenas as batidas
descompassadas do meu coração. Puxo meu braço da mão do juiz
e ando para longe dali. Nem volto a olhar para o corpo do cara caído
no chão. O som das vozes diminui conforme vou me distanciando
do centro da luta. Paro diante da porta, onde minhas coisas estão.
Pego uma toalha de dentro da mochila e limpo meu rosto. Nem me
viro para ver quem é quando ouço o som da porta sendo aberta.
Ergo meu rosto apenas quando vejo a garrafa que foi jogada
para mim. Abro-a e viro de uma vez, sentindo a água gelada em
minha garganta. Meu corpo está quente, pingando de suor. Os olhos
de Pablo passam por mim e ficam mais estreitos enquanto me
estudam.
— Tem um dom, meu jovem — ele fala, sério, levando o
charuto à sua boca.
— Não, eu tenho ódio. — Puxo minha camisa e a passo por
meu corpo, inalando o ar depressa. — Luto porque preciso do
dinheiro, isso não é dom, e sim uma maldição.
— Bom, para mim ainda prefiro ver como um dom.
— Quero meu pagamento, agora! — falo seco, sem mostrar
nem um pingo de interesse em como ele prefere enxergar meus
demônios. Fecho a mochila e viro, o encarando.
Ele retira sua mão do bolso e joga um malote de papel
amarelo para mim. Olho com cautela para o envelope e o abro,
vendo notas de dinheiro lá dentro.
— Sua parte, mi hijo[1]! — Ele sorri para mim.
— Não me chame assim, Pablo! — rosno com raiva e abro o
bolso lateral da mochila, guardando o malote de dinheiro dentro
dela.
— Gostando ou não, é isso que é. — Ele retira o charuto dos
lábios e abre seus braços antes de apontar para mim. — E nunca
nada mudará isso!
— Meu verdadeiro pai, muda! — Esmago meus dedos ao
lado do corpo, o encarando. — O homem que me criou, o homem
que é o verdadeiro motivo de eu estar lutando. Você, para mim, é
apenas um hijo da puta, que lucra muito nas minhas costas a cada
vez que entro em um ringue!
— Nunca disse que eu era bom, tanto que sabia disso
quando veio atrás de mim, e foi por isso que veio! — Ele abaixa
seus braços e nega com a cabeça. — Precisava de dinheiro e eu lhe
arrumei um jeito, mesmo sabendo que você poderia ter muito mais
dinheiro se ficasse ao meu lado, se aceitasse o que realmente é,
Fantasma. É o sangue de um Cachila que corre em suas veias. E
todo esse ódio e essa fúria que tem, é a herança de seu verdadeiro
pai, que te faz ser temido.
— E acha que devia me orgulhar disso?! — Rio com
escárnio, encarando esse homem à minha frente. — Me orgulhar de
um homem que abandonou mi madre[2] na Espanha quando ela era
uma tica[3] grávida de mim? Você fugiu para a América como um
covarde!
Ele caminha para mim e para à minha frente, esticando sua
mão e segurando os meus pulsos, os erguendo, olhando sério para
meus punhos machucados.
— Eu já senti essa fúria... Esse ódio que brilha em seus
olhos, mi hijo — fala, baixo, mantendo meus pulsos firmes,
segurando com força e me impedindo de soltá-los. — E posso
garantir que os meus demônios nunca partiram, e que são os
mesmos que criam raízes dentro do seu peito, que lhe abraçam
como uma cadela gananciosa que quer você apenas para ela. E é
por isso que luta. Essa é a verdade, e sabe disso.
Poderia dizer que luto para não me perder de vez no abismo
que me engole, ou porque me sinto vivo a cada segundo que fico lá
dentro. Isso é o que me move, aquela adrenalina é como uma droga
que me mantém em movimento. Poderia dizer que luto para salvar
meu pai da falência, para cuidar do homem que me criou como filho
dele, mas, no fim, sei que luto realmente para poder libertar toda
essa fúria que me consome.
— Fora do ringue, você apenas sobrevive — responde como
se estivesse lendo meus pensamentos. — Eu sei, já estive lá. Amei
ver cada corpo que levei ao chão, cada dor maldita que me acertava
no outro dia, porque aquilo era minha vida. Aquela lona suja era a
mulher que me prendia a ela, a única que me fazia ficar com tesão
de verdade, o que me movia, a melhor vadia que já me fodeu.
— Foi por isso que abandonou minha mãe? — rosno com
raiva e puxo meus pulsos para trás, o fazendo me soltar.
— Não — ele apenas responde breve, dando um passo para
trás e desviando seus olhos dos meus. — A abandonei porque sabia
que a vida dela ao meu lado seria completamente infeliz, e por amá-
la demais, não desejava lhe dar esse destino ao meu lado.
Rio sem um pingo de felicidade, balançando minha cabeça
para os lados, me virando de costas e caminhando na direção da
porta.
— Pode negar a enxergar isso agora, mas, no fundo, sabe
que é igual a mim. — Paro meus passos ao ouvir sua voz, enquanto
ele inala o ar com força. — É um Cachila, sempre será um Cachila,
não renegue seus demônios. Eles não são sua maldição, mas sim
seu dom.
Escuto seus passos caminhando para perto de mim, soando
lentos. A mão dele toca meu ombro e dá uma leve batida, antes de
passar reto pela porta. Abaixo meu rosto e olho meus punhos,
sentindo tanto ódio dele como de mim. Eu não sou a porra de um
Cachila. A verdade é que nunca fui ninguém, sempre um maldito
fantasma, o filho bastardo de uma mulher que teve sua honra
manchada, mas que pela graça do destino encontrou um homem
bom e trabalhador que não se importou de criar o filho dela com um
traficante de merda, como se fosse dele. E é apenas por ele, por
esse homem, que eu não me perdi ainda mais nesse inferno que
habita dentro de mim.
— Tome! — Meu rosto se ergue a tempo de ver um objeto
prata sendo jogado em minha direção. Com um reflexo rápido, meu
braço se estica e pego-o no ar.
Olho com atenção o soco inglês, com cruzes entalhadas em
cada curva da peça de prata.
— Não preciso usar isso para lutar, meus próprios punhos
dão conta de vencer a luta no ringue. — Ergo minha cabeça e falo
sério com Pablo.
— Essa noite não vai voltar para o ringue, irá usar sua raiva e
ira para algo maior, Fantasma.
CAPÍTULO 1
RUA DOS PRAZERES

TINA ZARA

15 anos depois
Nova York

— Juro por Deus, vadia, que se o próximo carro que parar


chamar por você, vou até aí arrancar essa sua peruca black power
no tapa! — A voz de uma das garotas do píer grita alto do outro lado
da rua, enquanto caminho lentamente pela calçada, me afastando
do carro do cliente que acabei de sair. — Deixa as outras manas
fazerem um pouco de grana, Z!
Acendo um cigarro e o trago demoradamente, me virando e
ficando de frente para ela, batendo a ponta da bota plataforma
creme no chão.
— Garota, o que eu posso fazer se todos os clientes sabem
que num raio de 100 metros desse píer imundo, eu sou a única
coisa que presta por aqui?! — Ergo minha mão e estalo meus
dedos, a respondendo.
— Presta uma ova, nem devia estar nesse ponto com a
gente! — Ela torce seu nariz e cruza seus braços. — Parece a porra
de um maldito travesti usando essas porcarias de roupas!
Abro o casaco felpudo de pelos branquinhos, requebrando
minha cintura enquanto provoco Xênia, a deixando ver meu vestido,
com estampa de zebra, colado ao corpo.
— Não me culpe se eles não chamam por você. — Solto o
casaco, rindo. — E prefiro mil vezes parecer com um travesti, a usar
essa peruca que parece um esfregão na cabeça e um vestido
vagabundo roubado do armário da sua avó. Vai fazer o quê?!
Tricotar para os clientes ao invés de pagar um boquete?
— Isso aqui é uma peruca inspirada na Whitney Houston,
vadia! — Ela leva a mão à cintura e inclina seu busto para frente,
falando zangada.
— Amor, se respeita! Só se for inspirada na Whitney
acordando no outro dia de uma noite de porre e completamente
chapada, boneca! — Balanço minha mão no ar, negando com a
cabeça.
Ouço os resmungos dela, enquanto retorno a andar na
calçada do píer, fumando meu cigarro.
— Xênia nunca cala a boca, não é?! — Angel se afasta do
poste quando me aproximo dela e estica sua mão para mim. Passo
o cigarro para ela, movimentando a cabeça em positivo.
— É uma vadia mal-amada. — Bato a ponta da bota no chão
e balanço minhas pernas, com meus braços em volta do casaco,
esmagando minha cintura para tentar despistar o frio.
— Ela apenas faz isso porque tem inveja — Angel fala, rindo,
e solta a fumaça do cigarro no ar. — A maioria dos clientes que
param aqui, sempre acaba chamando por você.
— Se ela parasse de ficar se drogando, e não os roubassem,
eles também iriam pedir por ela. — Me viro e olho para a rua, vendo
as outras garotas espalhadas, aguardando pelos clientes. — Um
dia, se Deus quiser, eu vou sair daqui. Vou conseguir largar essa
vida de merda e nunca mais precisar me vender por 100 pratas e
aceitar esses porcos nojentos colocando a mão em mim.
— Isso vai ser antes ou depois de eu conseguir comprar
minha casa própria?
Volto meus olhos para ela e encontro os olhos esfumaçados
carregados no lápis negro da maquiagem, presos nos meus, me
encarando com deboche.
— Não perca seu tempo sonhando, Z! Depois que se entra
nessa maldita vida, a gente nunca mais consegue sair.
Pego o cigarro da mão dela e o trago enquanto esmago mais
forte meu braço ao lado do corpo.
— Eu vou! — Me nego a aceitar essa maldita vida para
sempre.
— Qual é, Z? — Angel me dá um sorriso fraco e nega com a
cabeça. — Papi nunca vai perder a galinha de ovos de ouro dele,
todo mundo sabe que ele é doente por você.
Meus ombros se encolhem e respiro com força, entregando o
cigarro para ela, sentindo uma gastura dentro de mim em apenas
ouvir o nome do cafetão desgraçado que fica com 80% de todo
dinheiro que eu ganho fazendo programa.
— Falta pouco para eu conseguir quitar essa maldita dívida
que David fez com ele. Quando pagar o último centavo que falta,
nunca mais piso nesse píer.
— Seria melhor se você tivesse deixado Papi meter uma bala
na cabeça do inútil do seu irmão, ao invés de aceitar o acordo dele.
No segundo que disse sim para aquele cafetão, você praticamente
entregou sua alma ao diabo!
— Pois saiba que falta muito pouco para ele me devolver ela,
Angel! — Ergo minha mão e aproximo meu indicador do anelar, os
deixando pertinhos e mostrando para ela que minha liberdade logo
chegará. — Em breve meu rabo será livre, vadia. Escreve o que eu
estou falando: Z, muito em breve, nunca mais vai se vender nesse
píer!
Sorrio e sinto uma alegria que há muito tempo eu não sentia
dentro de mim. Nesses últimos seis meses, desde que tive que vir
para esse maldito píer, me vender para salvar a vida do meu irmão
mais velho, minha vida se acabou ainda mais.
— Aleluia, irmã! — Ela sorri e ergue sua mão para cima, rindo
para mim. Seu sorriso morre e ela cutuca meu ombro, fazendo um
gesto de cabeça para o final da rua. — Veja, Roseta realmente está
procurando um jeito de se foder.
Olho sem entender o porquê da fala de Angel, não vendo a
garota de programa fazendo nada errado. Roseta está saindo de um
carro vermelho rebaixado. O cara pisca para ela, antes de ligar o
carro e passar lentamente na nossa frente.
— Ela está trabalhando, não entendi... — digo, confusa, para
Angel, olhando o carro se afastar. — Um cliente...
— Não é um cliente, é a porra de um Cachila! — Angel vira o
rosto para mim e nega com a cabeça. — Se cair no ouvido de Papi
que uma das garotas dele está fazendo programa com um cara da
gangue rival, ele vai esfolá-la viva.
— Mas pelo que lembro foi feita uma trégua, não foi? Entre
os Cachila e os Profetas? — falo pensativa e dou de ombros. — E
outra, independentemente se são os caras de Papi ou Cachila, não
muda muito a nossa vida, é só mais cliente de merda pagando pelos
nossos corpos... Ninguém se importa com uma puta.
— Assombroso se importava — diz, baixo, olhando para os
lados. — No começo, quando eu entrei nessa vida, antes de Papi
tomar o controle da Rua dos Prazeres e começar a obrigar as
meninas a trabalharem para ele, as garotas não precisavam ter
medo, e muito menos tinham cafetão. O dinheiro era todo nosso, e
qualquer homem que viesse até aqui atrás de uma puta, sabia que
se machucasse alguma delas, estava morto na mão de
Assombroso.
Assombroso é o líder dos Cachila, uma gangue antiga, que
por muito tempo manteve a paz no bairro. Eles mexem mais com
assaltos, tráfico de armas, venda de maconha e mantinham todos
seguros por aqui. Isso até o craque e a cocaína chegarem nas ruas
e começar a dividir a facção. Os que queriam entrar no ramo das
drogas pesadas se denominaram como Profetas. Assombroso não
queria mexer com drogas, e muito menos deixá-las se espalharem
nas ruas, nas portas das escolas ou nos parques onde as crianças e
os jovens ficavam. Mas alguns integrantes da sua gangue achavam
que era uma mina de ouro que ele estava deixando passar, e então
o banho de sangue começou.
Depois de muita guerra entre eles e mortes, tendo corpos de
jovens espalhados pela rua a cada amanhecer que as gangues
rivais se confrontavam, tanto de um lado como do outro, eles
resolveram fazer uma trégua, dividindo seus limites de poderes
dentro do bairro. Nenhum traficantezinho de merda dos Profetas
pode vender sua mercadoria no lado Sul, pois pertence aos Cachila,
e Assombroso não é conhecido por deixar seus inimigos vivos.
Assim como nenhum Cachila é permitido de fazer negociação dos
produtos deles com o pessoal do Norte.
A Rua dos Prazeres não pertencia a ninguém até então, as
meninas não tinham cafetões, o dinheiro era só delas, mas Papi
cresceu o olho e sabia que podia lucrar em cima das garotas. Como
a Rua dos Prazeres ficava entre o limite do Sul e do Norte, Papi
começou a explorar as meninas, alegando que o comércio de
prostituição pertencia ao Norte, e então as crueldades ficaram
maiores. Sem Assombroso para impedir Papi, elas não tinham
ninguém por elas.
— Eu saí com ele algumas vezes, nas antigas, antes das
gangues se dividirem, era bem novinha. — Viro meu rosto para
Angel, que fala com um sorriso em sua boca, tendo um olhar
perdido.
— Com Assombroso?
— Sim. Ele era um homem gostoso, tinha uma pegada
inimaginável!
Cruzo meus braços e rio, a olhando e a vendo suspirar ao
falar do chefe da gangue.
— As garotas se matavam para sair com ele, mas
Assombroso não era homem de uma mulher só, tinha uma cadela
em cada esquina. — Ela solta uma gargalhada alta. — Mas você
precisava era ver o filho dele, aquilo era literalmente um puta de um
homem.
— Achava que ele não tinha filho...
— Oh, ele tem sim! — Ela balança sua cabeça em positivo.
— Pouca gente sabe, mas ele tem. Eu vi o rapaz uma vez, quando
Assombroso estava comigo no carro dele. Não precisei perguntar
quem era o menino, apenas de olhar para ele sabia que era filho do
Assombroso. Alto e bonito, com um olhar magnético idêntico ao pai.
— Ela ri e solta um suspiro. — Nesse dia, fiquei dentro do carro
enquanto os dois entravam em um prédio velho. Eu quis fazer xixi,
estava morrendo de vontade de mijar, então saí do carro e fui atrás
do prédio abandonado. Garota, juro por Deus que se não tivesse
feito minhas necessidades, eu teria me mijado toda nas calças
quando espiei por uma janela quebrada para saber o que estava
acontecendo lá dentro.
— O que viu? — pergunto, curiosa.
— O filho de Assombroso tinha detonado com a cara de um
homem. E quando digo detonado, não falo de olho roxo e boca
cortada, mas sim de fazer o rosto inteiro afundar, como se fosse
uma massinha de modelar, de tanto que ele esmurrou o miserável.
Nunca tinha visto alguém esmagar uma cabeça na minha vida, mas
eu vi naquele dia, e foi assustador. — Ela repuxa o nariz. — Diziam
que Assombroso apenas chamava ele quando queria disciplinar
alguém que desobedeceu as regras. Todos tremiam na base quando
ele aparecia por aqui, porque sabiam que alguém não ia amanhecer
vivo. Mas ele se desligou, sumiu do nada. Assombroso queria que o
garoto fosse seu braço direito e tomasse seu lugar quando fosse a
hora, sendo o líder dos Cachila, mas Fantasma não quis...
— Espera! — Seguro o riso, a olhando. — O cara era
chamado de Fantasma? — Rio ainda mais ao ver a cabeça dela
balançando em positivo. — Cristo, qual o problema dessa família
com o além?!
— A morte. — Angel não ri quando fala seriamente, me
olhando. — Assombroso sempre trouxe a morte junto com ele,
aonde fosse. E seu filho era igual, podia ver isso nos olhos dele.
Tanto que lhe garanto que se ele tivesse ficado ao lado do pai e
tomado o lugar dele, esse cara se tornaria um homem ainda mais
perigoso que Assombroso já foi um dia. Sabe o medo que você tem
do Papi? — ela questiona baixo, me olhando. Encolho e balanço a
cabeça em positivo. — Pois então, o medo que os caras sentiam do
Fantasma era duas vezes maior.
O carro parando próximo à calçada onde estamos, me faz
virar e olhar para lá, sabendo que nosso momento de conversa
terminou.
— Bom, deixa eu trabalhar. Assombroso e esse Fantasma
não vão me ajudar a pagar minha dívida com o demônio do Papi —
falo, baixo, negando com a cabeça.
Endireito meu corpo e abro meu casaco, enquanto o homem
dentro dele observa as garotas em silêncio, antes de virar seu rosto
para mim. Sua mão se ergue e ele me chama.
— Está de sacanagem, Z! — Ouço o grito da Xênia, que fala
zangada, e ergo meu rosto para ela, estalando meus dedos no ar.
— Eu te disse, 100 metros, boneca!
Solto um suspiro lento e volto minha atenção para o homem
dentro do carro, encarando minhas pernas. Forço um sorriso em
meu rosto e caminho para ele, mesmo sentindo como se estivesse
seguindo o corredor da morte a cada cliente que eu pego.
— E aí, Bob, procurando um pouco de diversão? — Me
inclino lentamente, próximo à janela, falando com a voz animada
para o cliente que eu já tinha atendido algumas vezes.
— Vamos dar uma volta de carro, Z? — Ele me dá um sorriso
de lado e desvia seu olhar do meu busto para minha face.
— Me pagando 100 pratas, a gente faz o que quiser, Bob! —
A ponta do meu dedo acaricia meu pescoço e sorrio para ele.
— Eu só tenho 75...
— Está me sacaneando? — Arqueio minha sobrancelha,
deixando meu sorriso morrer. — Isso aqui é uma rua de prostituição,
Bob, não uma loja para dar desconto. Da outra vez só aceitei os 80
dólares, porque me pagou um lanche...
Nego com a cabeça e me preparo para afastar do carro,
apoiando minhas mãos na janela.
— Ei, ei, Z, espera! — Ele estica seu braço e segura meu
pulso. — Tenho uma caixinha de cerveja no porta-malas. Por favor,
sabe que só venho aqui por você.
Inalo o ar com força e olho para ele, repuxando a ponta do
meu nariz. Bob não é um cara mau, pelo contrário, é bacana,
mesmo nunca tendo o dinheiro completo para o programa, mas ele
sempre me trata com respeito.
— Ok, mas só vou te chupar dessa vez! E a cerveja é minha,
e vai ter que me comprar um hambúrguer no McDonald’s na volta —
falo rápido, sabendo que não posso perder esse dinheiro. Dinheiro é
dinheiro, e eu preciso juntar um pouco mais de grana para pagar a
conta de luz.
— Eu pago, pago um duplo dessa vez, Z...
Rio, com a face dele ficando corada. Me afasto da janela e
dou um passo para trás, para abrir a porta do carro.
— Angel, estou indo... — Viro meu rosto por cima do ombro,
avisando-a, como é de costume entre as garotas do píer.
A gente pode se bicar, discutir uma hora ou outra, mas
sempre cuidamos uma das outras. Avisamos quando aceitamos um
programa, porque nunca podemos ter certeza de que iremos
retornar. Nessa vida, você nunca sabe quem é que está do outro
lado do volante, se é um cara que apenas deseja diversão ou um
maníaco assassino. Angel balança sua cabeça em positivo para
mim e caminha para um carro que buzina para ela atrás do de Bob.
No segundo que Angel se abaixa perto da janela, meus olhos ficam
presos na esquina.
— Droga! — murmuro, olhando para a mulher baixinha com
touca de tricô na cabeça, acenando para mim.
— Vamos? — Meu rosto se vira para Bob quando ele fala
comigo, e encolho meus ombros, batendo meu pé no chão.
— Me dá só um segundo, Bob!
Sorrio para ele e ergo meu dedo, pedindo um minutinho. Meu
corpo vira e caminho apressada para a esquina, fechando o casaco
e retraindo meu corpo, desejando que a mulher que é como uma
mãe para mim não estivesse aqui, e muito menos me visse desse
jeito.
— Oi, Tina. — A voz baixinha de Dolores me cumprimenta,
com ela me dando um sorriso brando.
— Que está fazendo aqui, às três horas da manhã? — Bato
meu pé nervosa no chão e olho preocupada para ela. — Aconteceu
alguma coisa com você ou com as crianças?
— Oh, não! — Sua mão pequena, com a pele enrugada, se
ergue, e ela a balança no ar, sorrindo para mim. — Os pequenos
estão ótimos, morrendo de saudades sua, mas estão todos bem,
assim como eu. Apenas vim porque queria lhe ver...
— Podia ter mandado uma mensagem, eu passaria lá nesse
fim de semana. Não tinha que vir até o píer.
— Assim como disse que iria lá em casa na semana passada
e não apareceu, ou na outra e na outra... — Ela arqueia sua
sobrancelha, me dando uma bronca. — Me preocupo com você,
Tina...
— Aqui não é um lugar para você, madre...
— Nem para você, mi hija — fala, baixo, e me dá um sorriso
triste.
— Eu estou bem, madre. — Encolho meus ombros e desvio
meus olhos dos seus quando ela me olha com mais aflição. —
Apenas trabalhando muito, por isso não consegui ir te ver.
A verdade é que por pura vergonha, eu não ia mais até a
casa de Dolores, porque não desejava lhe constranger, deixando os
vizinhos verem uma puta do píer entrando na casa dela. Ela mora
no Sul, e quando meu pai e ela se separaram, ele, David e eu nos
mudamos para o lado Norte do bairro.
— É pedir muito que me deixe te pagar um café, niña[4]?
Eu sabia que recusar não era uma escolha. Uma coisa que
tinha aprendido sendo criada pela amável dominicana, é que seu
sangue latino é extremamente persistente. Ela não iria sair desse
píer sem falar comigo.
— Ande, vamos tomar um café com tu madre, cariño[5]. —
Sua mão se ergue e esfrega meu antebraço, me dando um sorriso
doce.
— Ok, ok, dona Dolores! — Balanço minha cabeça em
positivo e esboço um sorriso fraco. — Xênia! — Viro meu rosto e
grito pela garota de programa do outro lado da rua, que gira de
frente para mim. — 75, cerveja e um hambúrguer, topa? — Ergo
meu dedo e aponto na direção do carro de Bob.
— Deixa comigo, mana! — Sorrio para ela e lhe dou uma
piscada.
— Vamos, Tina. — Dolores engancha seu braço ao meu e dá
um risinho de vitória. — Ou devo lhe chamar de Z também? — ela
pergunta, não deixando passar despercebida a pontada de
recriminação no tom da sua voz.
— Não, madre. — Rio e nego com a cabeça. — É apenas
como elas me chamam por aqui.
— Por que Z? — Ela me olha perdida enquanto caminhamos.
— Por ser a letra que começa teu sobrenome?
— É, é sim... — confirmo para ela, preferindo a deixar pensar
que é por isso, e não que meu apelido é Z, de zero.
Uma zero à esquerda, inútil e sem futuro, como todas as
outras garotas que se prostituem por aqui.

— Me lembro quando chegou em mi casa, a primeira vez que


lhe vi. Parecia uma gatinha assustada e com os olhos gigantes,
esfomeada. — Mastigo um pedaço de torta de maçã e ergo meu
rosto para Dolores, que está sentada à minha frente, na outra
cadeira, aos fundos da lanchonete 24 horas. — Sempre foi uma
muchacha[6] doce e educada desde pequena. Amava ficar na
cozinha comigo...
Ela ri e segura sua bolsinha, abrindo e olhando para seu
interior. Solto o garfo lentamente e dou um sorriso para ela,
engolindo a torta e erguendo a xícara de café quente, levando aos
lábios e a sorvendo.
— Se recorda disso... — Abaixo a xícara e a deposito na
mesa, olhando o caderninho rosa que ela segura em sua mão. —
Dizia que um dia iria poder cozinhar para sua própria família,
quando se casasse, com nossas receitas, por isso escrevia todas
elas nesse caderninho.
Meus olhos ficam focados no caderninho. Eu me lembro dele.
Era o meu pequeno legado, onde eu escrevia as receitas de
culinária que Dolores me ensinava. Passava grande parte dos meus
dias na cozinha com ela, era meu lugar preferido. As melhores
lembranças da minha infância e início da minha adolescência foram
dentro da cozinha dela, rindo enquanto preparávamos juntas as
refeições, ou dançando depois da aula, com a casa em festa por
conta das músicas que Dolores sempre gostava de ouvir no volume
alto.
— Ainda o tem, madre... — Ergo meu rosto para ela e sinto
uma nostalgia ao ter aquela jovem Tina se recordando de quando
ela ainda não sabia como a vida seria uma cadela tirana com ela. —
Acho que nem me lembro quando foi a última vez que cozinhei,
provavelmente perdi a mão para cozinhar...
— Nunca me desfiz dele, e sabia que um dia eu poderia lhe
devolver, mi cariño. — Dolores o deposita sobre a mesa e o empurra
para mim. — Sempre teve o dom de fazer as pessoas felizes com a
comida, Tina. Podia escrever minhas receitas, que eu lhe ensinava e
você fazia, mas era o amor que você dedicava que dava o toque
especial, que arrancava sorrisos e suspiros de quem se alimentava.
E isso nunca se perde, assim como eu nunca perdi as esperanças
de ter minha menina alegre e feliz de volta...
Sua mão se estica, se prendendo em meus dedos e os
segurando, me dando o mesmo olhar de choro que ela me deu no
dia que meu pai partiu da sua casa e levou a mim e ao David com
ele. Eu tinha dezesseis anos quando meu pai se separou de
Dolores. Lembro que chorei, me agarrando em seus braços e
implorando para meu pai me deixar ficar, mas ele não permitiu. A
pequena latina é o único laço maternal que eu já tive na minha vida.
Minha mãe era garota de programa em uma casa noturna e meu pai
tinha se apaixonado por ela, a tirando daquela vida, lhe dando uma
casa e um sobrenome.
David veio primeiro, meu irmão mais velho, e dois anos
depois minha mãe me teve. Quando eu estava com quatro anos de
idade, ela nos abandonou, retornando para a vida antiga dela. Meu
pai ficou completamente arrasado. Não lembro muito dessa época,
mas julgo que deva ter sido nesse momento que ele caiu na bebida,
perdendo sua dignidade, seu trabalho e se acabando lentamente em
seu vício. Aos seis anos, por causa da falta de dinheiro e por ter
perdido nossa casa em dívidas de apostas de corrida de cavalo, nos
mudamos para a periferia de Nova York, para um bairro onde
grande parte dos moradores eram latinos e negros. Um lar
incompleto de um pai negro solteiro, com dois filhos negros,
morando em um cubículo que mal dava para respirar. Aos sete, eu
passava pela porta da frente de Dolores, quando ela e meu pai
começaram a se acertar. Eu sentia como se pela primeira vez fosse
ter um lar. Ela também era divorciada e tinha trigêmeos: Mario,
Ricardo e Santo, três meninos do seu antigo casamento, que ainda
eram crianças de colo, e mais quatro sobrinhos que moravam com
ela.
Era uma casa cheia de crianças e vida, e eu gostava.
Gostava de todo o amor que tinha dentro da sua casa, da forma
como ela acolheu a mim e a David, de como ela cuidava do meu
pai. E realmente pensei que finalmente teríamos uma família. Não
havia mais fome ou cubículos pequenos, tínhamos um lar. E tudo
estava indo bem, papai tinha largado a bebida, a casa sempre tinha
risos e brincadeiras, e foram os melhores anos da minha vida. Isso
até vinte de abril, em uma tarde ensolarada, quando eu tinha quinze
anos e ajudava Dolores na cozinha a preparar o jantar. Alguém
bateu na porta e recordo de caminhar lentamente pelo corredor,
ficando parada perto da sala, vendo meu pai de costas,
conversando com alguém na varanda.
Naquele dia, quando a noite caiu, lembro de ficar sentada nas
escadas, escondida, ouvindo o choro de Dolores em seu quarto,
baixinho, enquanto meu pai se embriagava na sala, tendo uma
severa recaída com o álcool. Minha mãe havia falecido de overdose
em um quarto de motel, junto com o cliente dela. O nome do meu
pai era seu contato de emergência. A polícia tinha encontrado o
novo endereço dele pela carteira de motorista. O último ano que se
passou depois da notícia da morte da minha mãe, com a gente
morando na casa de Dolores, foi melancólico, não havia mais riso
nem alegria pela casa, apenas gritos dos dois brigando quando meu
pai retornava tarde, completamente bêbado. Ele nunca mais
conseguiu parar de beber depois que a notícia da morte da minha
mãe chegou até nós.
David já estava com dezessete, quase não parava em casa,
vivia mais na rua do que com a família. Ele e o papai não podiam
ficar um perto do outro por mais de dois segundos sem estarem
discutindo. No dia que meu pai bateu em Dolores, foi o ponto final
da relação deles. E dentro de mim eu sabia que seria o fim do lar no
qual eu havia crescido. Meu pai partiu no final da semana. Não
culpo Dolores por não desejar mais ficar ao seu lado e se separar
dele. Meu pai partiu, mas saiu da casa dela levando David e eu com
ele. Eu não queria ir, não queria deixar Dolores e as crianças, mas
não tive escolha, ele não me deixou ficar.
— Use esse caderno para recomeçar, Tina, para voltar a ser
minha menina. — Abaixo meus olhos para o caderno, desejando
que fosse realmente tudo fácil como Dolores diz.
— Eu preciso voltar para o trabalho, madre. — Espremo seus
dedos entre os meus, segurando sua mão, dando um sorriso fraco e
sentindo tanta vontade de chorar, mas me segurando para não
derramar uma lágrima que seja, já que não quero a deixar triste. —
Agradeço por ter trazido o caderno, mas não precisava, não tinha
que ir até aquele lugar para me entregar isso.
— Não vim apenas pelo caderno, mas sim por você. — Ela
ergue sua mão e segura meu rosto. — Para lhe tirar dessa vida,
Tina. Não pude lhe salvar do seu pai e do destino que ele lhe
sentenciou, mas me nego a deixar que David faça isso com você...
— David é minha família, Dolores. — Olho para ela e nego
com a cabeça. — Não podia deixar nada de mal acontecer com ele.
Você mesmo me educou para proteger a família...
— Família que cuida, não que lhe arrasta para o inferno, Tina!
— Ela solta meu rosto e nega com a cabeça. — David já é grande e
pode lidar com as consequências das escolhas que ele faz, e não
esperar que você o salve toda vez que se meter com quem não
deve.
Fecho meus olhos e inalo o ar com força. Sei que Dolores
está chateada com David, e a entendo. Meu irmão havia mudado
tanto, sempre se metendo em encrenca e com pessoas que não
prestam, mas ainda assim é meu irmão, e eu o protejo por amá-lo
demais. Ele é a única família que eu tenho.
— Não vou ficar nessa vida para sempre, logo vou sair do
píer... — murmuro, suspirando com pesar. — A gente vai procurar
outro bairro para morar, David apenas precisa de uma oportunidade
para achar um bom trabalho, e a gente vai recomeçar...
— Olhe para mim, Tina! — Dolores segura mais firme meus
dedos e abro meus olhos, encontrando os seus. — David não vai
mudar, amor, e, no fundo do seu coração, você sabe disso. Por mais
que se negue a acreditar, a enxergar, sabe que ele não vai mudar, e
se continuar ao lado dele irá se afundar junto...
— Não entende, ele... David também sofreu com o papai,
assim como você e eu... — Eu sei que tento encontrar desculpas e
mais desculpas para meu irmão, mesmo no fundo sabendo que as
palavras dela são verdadeiras.
— Tenho certeza de que sim, e isso seria ainda mais um
motivo para ele não querer que você sofra de novo, como seu pai
lhe fez sofrer, Tina. — Ela nega com a cabeça, me olhando triste. —
Me culpo todos os dias por ter o deixado lhe tirar de mim, um
homem fraco e covarde que se escondia atrás de uma garrafa de
bebida, destruindo sua inocência...
Fecho meus olhos e separo minhas mãos das dela, virando
meu rosto para a janela e encolhendo meus ombros quando meus
cílios se erguem e eu observo a janela da lanchonete. Recordo do
meu pai embriagado, dos gritos dele enquanto quebrava tudo que
tinha dentro de casa, de como ele me comparava à minha mãe a
cada dia que se passava e eu ia tomando mais corpo de mulher. E
quando ele me olhava, era como se ele estivesse vendo-a à sua
frente, me amaldiçoando e me xingando, dizendo que eu não
passaria de uma vagabunda como a minha mãe, e não demorou
muito para as palavras dele se concretizarem.
Em uma tarde, depois que voltei da escola, descobri que meu
pai e David tinham sido presos porque bateram no dono do
apartamento, que tinha vindo cobrar o aluguel que estava há três
meses atrasado. Nossas coisas estavam sendo encaixotadas e
estávamos sendo despejados. Eu era uma menina tola de
dezessete anos, assustada e sozinha, sem ter ideia do que fazer, o
que foi um prato cheio para Alonso Marques, o primo do dono do
apartamento, de trinta e dois anos. Na época, ele era o braço direito
do chefão da gangue rival dos Cachila, que comandava o Norte. Ele
perguntou se tínhamos dinheiro para pagar o aluguel atrasado e
para tirar meu pai e meu irmão da cadeia. Era óbvio que ele sabia a
resposta, mas usava de palavras mansas e olhar preocupado para
se aproximar de mim. Eu lhe respondi que não, que não tínhamos
dinheiro. Naquela tarde, dentro de um apartamento minúsculo com
paredes descascadas e umidade, cheirando a charuto vagabundo
cubano, Alonso segurou minha mão enquanto eu chorava baixinho,
me levando para o meu quarto e fazendo eu me deitar com ele em
troca de quitar a dívida do aluguel atrasado e pagar a fiança do meu
pai e do meu irmão.
Não foi daquela forma que eu tinha imaginado perder minha
virgindade, e muito menos com aquele homem, com meu corpo
violado, machucado e com as pernas sangrando pela forma brutal
como ele me tocou. Na manhã seguinte, quando meu pai e David
retornaram para casa, eles já sabiam qual tinha sido o valor que eu
paguei pela liberdade deles e o teto sobre nossas cabeças. Meu pai
nem sequer me olhou ou falou comigo, ele simplesmente me
ignorou. No entanto, não demonstrava a mesma repulsa todo
sábado à noite, quando Alonso aparecia no apartamento e
entregava um pacote com dinheiro para ele. Me lembro até hoje
quando o vi novamente parado no meio da sala. Eu olhava para o
meu pai sem compreender o porquê daquele homem estar ali outra
vez.
Eu mal conseguia andar, de tanta dor que eu ainda tinha em
meu corpo por causa do que ele tinha feito comigo. Não precisei de
muito para descobrir o motivo dele retornar quando Alonso me levou
para o quarto, repetindo a mesma monstruosidade. Meu pai tinha
me aliciado para Alonso, ficando com o dinheiro enquanto o permitia
me tocar, todo sábado. Alonso tinha ido pessoalmente pagar a
fiança do meu pai e de David, lhe fazendo uma proposta de pagar
por mim e não ter mais aluguel algum do apartamento, enquanto ele
tivesse interesse no meu corpo. E até os meus dezoito anos, por
cinquenta e dois sábados, eu tive que aceitar ser vendida para
Alonso em troca do apartamento e do dinheiro que mantinha o vício
do meu pai. Alonso cuidava da despensa, sempre a deixando cheia,
e arrumou um emprego para David.
Ele me fodia como se eu fosse uma cadela de rua, me
machucando de todas as formas que ele podia, destruindo cada
sonho que eu tinha. Os estudos foram abandonados, porque meu
pai não queria que as professoras vissem minha face machucada
pelos punhos de Alonso. Eu já não ia mais visitar Dolores e as
crianças, nem tinha mais amigas ou saía na rua. Ficava trancada
dentro do apartamento, perdendo minha vida, aguardando pela
visita de Alonso e o dia que ele finalmente perdesse o controle e me
matasse de tanto me bater.
E não minto quando digo que senti um alívio imenso dentro
de mim quando a notícia que Alonso tinha sido preso se espalhou.
Eu chorei naquele dia, chorei tanto, mas não de tristeza, e sim de
felicidade, por saber que aquele inferno tinha acabado, que nunca
mais teria que deixar algum homem me tocar a troco de nada. Mas
o inferno real apenas estava começando. Sem o dinheiro do Alonso
para sustentar o vício do meu pai e as contas da casa, ele ficou
agressivo, me espancando diariamente e fazendo eu me sentir
miserável e sem valor algum, descontando todo seu ódio em mim,
realmente me fazendo acreditar que nunca seria nada na minha
vida, que no fim acabaria como minha mãe. E quando percebi, já
estava tirando a roupa em uma casa de stripper à noite, para manter
as contas da casa, e de dia trabalhava como garçonete, para pagar
as dívidas de bebidas e corrida de cavalo que meu pai fazia.
Guardava um pouco de dinheiro para mim de um programa ou outro
que fazia com algum homem na boate, era minha pequena
poupança para quando eu fugisse, o que realmente eu pretendia
fazer, mas não o fiz.
Dolores estava doente e não conseguia mais sustentar a
casa, então a ideia de ir embora ficou distante a cada dia que se
passava, pois eu jamais poderia abandoná-la. Então trabalhava
ainda mais, arranjando mais dinheiro para ajudá-la. Os anos
passaram, minha vida foi se afundando cada vez mais, e eu
morrendo por dentro, até não existir mais nada da jovem Tina. No
meu aniversário de vinte e dois anos, oito meses atrás, eu recebi
uma ligação na boate que eu trabalhava, de David me contando que
nosso pai tinha tido um coma alcoólico e que os médicos não
conseguiram o ressuscitar. Ele havia morrido dentro da ambulância,
a caminho do hospital, e o dinheiro que eu escondia e guardava
para mim, ao me vender, acalentando um frágil sonho que um dia eu
iria embora e teria minha vida longe dele, tive que usar para pagar
seu enterro. Até depois de morto, ele ainda sugava tudo de mim.
Saí da boate, ficando apenas com o trabalho de garçonete,
imaginando como David e eu poderíamos ter uma vida de verdade
agora, longe de toda aquela dor e merda que nosso pai jogava em
cima da gente. Até fazia planos de nos mudarmos para outra
cidade, arrumaria outro emprego, continuaria mandando dinheiro
para Dolores, podia até voltar a estudar e quem sabe eu arranjasse
alguém, um amor. E teria um lar, uma família. Mas como tudo em
minha vida nunca foi o que eu imaginava, descobri que meu sonho
não iria se realizar poucos meses depois da morte do meu pai. Uma
noite, depois que voltei do trabalho da lanchonete, quando abri a
porta do apartamento, me deparei com o local completamente
revirado e três homens armados na minha sala, com o corpo de
David todo machucado caído no chão. A face dele estava
completamente estourada, a ponto de não conseguir abrir os olhos
de tão inchados, e estava cuspindo sangue pela boca, implorando
para que eu salvasse sua vida. Não entendi o que estava
acontecendo, até me deparar com o demônio novamente, dentro
daquele apartamento.
O porto-riquenho de terno branco, com um chapéu panamá[7]
na cabeça, saiu da cozinha limpando suas mãos, parando seus
olhos em mim, igualzinho como ele fez quando eu tinha dezessete
anos e via nossas coisas sendo encaixotadas. Naquele segundo,
ouvindo o choro do meu irmão enquanto implorava para eu lhe
salvar, eu encarava aquele demônio e senti minha alma
praticamente saindo do meu corpo, ao ver Alonso novamente. Não
sabia que ele tinha sido solto, e muito menos que tinha retornado
para cá, e menos ainda que diabos ele fazia ali.
Alonso tinha subido de cargo, não sendo mais o braço direito
do chefão, mas sim o próprio chefão do tráfico de cocaína do lado
Norte. Também comandava as casas de apostas, assim como a
cafetinagem, e era conhecido agora pelo apelido de Papi, o qual ele
mesmo se denominou. Ele me contou que David tinha feito uma
dívida de 300 mil em uma de suas casas de jogos clandestinas, e
que se não pagasse, ele mataria David. A gente não tinha como
pagar isso, mal conseguíamos pagar as contas principais da casa,
quanto mais 50 mil dólares para um cafetão. Nem a porcaria do
apartamento que ficava dentro de um prédio caindo aos pedaços
valia tudo isso. Eu chorava enquanto implorava para ele não matar
meu irmão, que me desse mais tempo que a gente daria um jeito de
pagar.
Eu não chorei dessa vez quando ele segurou meus dedos e
me levou para o quarto, e muito menos aceitei o toque nojento dele
em meu corpo novamente, quando ele tentou me empurrar para a
cama, dizendo que ou eu aceitava trepar com ele, sendo dele
enquanto ele me quisesse, ou virava puta na Rua dos Prazeres, me
prostituindo no píer para pagar a dívida. Caso contrário, ele mataria
David com um tiro na cabeça. Escolhi condenar de vez a minha
vida, sendo puta no píer para salvar a vida de David, a deixar que
Alonso me tocasse de novo.
— Eu fiz a minha escolha, Dolores — falo, baixo, retornando
meu rosto para ela. — No final, sempre soube que seria como
minha mãe.
— Não, não é. E é por isso que estou aqui, Tina. — Ela nega
com a cabeça. — Recebi uma ligação de uma prima que mora fora
da cidade, e no segundo que ela conversou comigo, eu sabia que
era seu passaporte para sair dessa vida!
— Passaporte? — Pisco, confusa, olhando perdida para ela.
— Damaris me ligou e perguntou se eu podia ajudá-la a
encontrar uma pessoa. Ela trabalha para uma família no Sul, o dono
é proprietário de uma vinícola, uma família muito boa de espanhóis.
— Espanhóis?
— Sim. Veja só, para você será perfeito. Conversa melhor do
que eu em espanhol.
Rio e nego com a cabeça. Dolores é quem me ensinou a falar
espanhol, a língua mãe dela.
— Eles precisam de alguém para ajudar com os pequenos e
o cuidado da casa. Você sempre foi paciente com crianças, e
caprichosa, seria perfeito para recomeçar...
— Oh, Dolores! — Rio e nego com a cabeça,
compreendendo agora o porquê dela estar me entregando esse
caderno. — Esse tipo de gente não contrata pessoas como eu, e
mesmo se contratassem, não posso aceitar ainda, pois falta
terminar de pagar a dívida de David.
— Dios[8], Tina! — Ela range seus dentes e empurra o
caderno para mais perto de mim. — Esqueça David, antes que ele
te afunde ainda mais. Pense em você. Damaris disse que eles
precisam de ajuda com urgência, por causa dos pequenos, e estão
desesperados atrás de alguém que aceite ficar naquele lugar. Minha
prima disse que é linda a casa, a propriedade inteira, mas que
quase ninguém aceita por conta de ser afastado de Nova York e ser
uma cidadezinha pequena. Já pensou, poderia ter uma vida nova,
em um lugar que ninguém te conheça...
— E-eu... não.
— Não responda, não ainda — ela fala rápido, negando com
a cabeça. — Tem até amanhã à noite para me responder. Se
escolher aceitar, te coloco dentro do ônibus, e você parte para
recomeçar sua vida, Tina!
Ela segura o caderno de receitas, o mostrando para mim.
— Pelo menos uma vez, pense em você, pense naquela
muchacha Tina alegre, que merece ser feliz.

Retiro a peruca da minha cabeça, enquanto subo as escadas


do prédio lentamente, indo para o meu apartamento. Já são 5h40 da
manhã, e ainda está escuro lá fora quando eu volto para casa.
Seguro minha bolsa e a abro para pegar as chaves. Fico perdida,
olhando no fundo da bolsa o caderninho que Dolores me fez trazer
comigo, como uma promessa que eu iria pensar no trabalho que ela
falou. Claro que eu queria aceitar, queria agarrar essa chance com
as duas mãos e sumir de vez, era tudo o que eu tinha pedido em
minhas orações para Deus. Uma chance de poder recomeçar minha
vida, longe de tudo isso, de toda essa imundice que meus dias se
tornaram, em outro lugar, onde ninguém soubesse o quão miserável
é a minha vida, me prostituindo em um píer imundo. Só que eu não
podia aceitar, não enquanto não pagar essa maldita dívida que
David fez com Alonso.
Encolho meus ombros e empurro o caderninho, retirando a
chave da bolsa quando paro de frente para a porta do meu
apartamento. Abro a porta lentamente e solto um suspiro de
desânimo, me sentindo cansada, suja e esgotada.
— E aí, boneca?! — Meu rosto se ergue para o sofá e vejo
David sentado, comendo comida chinesa enquanto assiste TV.
— Uau, alguém nem dormiu ou acordou muito cedo! —
Fecho a porta atrás de mim e olho para ele, notando que as roupas
do seu corpo são novas.
— Na verdade, acabei de chegar. Está com fome? — Ele
sorri e me responde, esticando a caixa de comida chinesa para mim.
— Não, estou sem fome — falo breve e nego com a cabeça,
tendo minha atenção em seus pés. Não são só as roupas, os
sapatos também são novos. — Onde conseguiu dinheiro para pedir
comida e para essas roupas e sapatos, David?
Solto minha peruca no sofá e retiro a bolsa do meu ombro, a
deixando junto com a peruca no sofá, removendo a rendinha da
minha cabeça, que segura meus cabelos cacheados que vão até
meus ombros.
— Eu tinha um dinheiro! — ele fala rápido e retorna a comer,
ficando com seus olhos voltados para a TV.
Caminho para a televisão velha, a desligando e o obrigando a
me olhar, enquanto cruzo meus braços e o encaro.
— Onde arrumou dinheiro? — pergunto séria, não gostando
nada de vê-lo com essas roupas que parecem ser caras. — E não
minta dizendo que tinha grana, porque ontem mesmo me falou que
estava sem dinheiro para ajudar a pagar a conta de luz.
— Qual é, Tina, vai me controlar agora por causa de
dinheiro? — Ele se levanta e vai em direção à cozinha, largando a
comida sobre a mesa. — Eu tinha um dinheiro guardado e resolvi
gastar hoje.
Ele abre a geladeira e pega uma garrafa de água, o que me
dá tempo suficiente para ver a caixa de cerveja dentro da geladeira,
a qual tenho absoluta certeza que não estava aí quando eu saí para
trabalhar, assim como sei que David não poupa dinheiro, ele apenas
gasta. Não consegue guardar nem moeda, quanto mais nota alta.
— Me diz que não mexeu no dinheiro do Alonso? — pergunto
depressa, esfregando meu peito e ficando nervosa.
Eu junto o dinheiro a semana inteira, porque sei que na
sexta-feira um dos capangas dele passa aqui em casa para receber.
Tinha ficado contente que um cliente me pagou uma grande quantia
para eu passar a noite inteira com ele, o que me fez juntar ainda
mais dinheiro.
— David! — Bato meu pé no chão, falando mais brava por ele
não me responder e nem me olhar. — Me diz que não foi estúpido o
bastante para mexer na porra daquele dinheiro!
— Não mexi na merda daquele dinheiro, está legal?! — Ele
fecha a porta da geladeira com raiva depois que guarda a garrafa.
— Então onde arrumou grana para gastar desse jeito, e por
que tá gastando? Sabe que vão cortar a luz, porra, por que não a
pagou para me ajudar?! — Abro meus braços, olhando incrédula
para ele. — É tão mesquinho assim, que não pode pensar em mim
uma única vez?! Acha que sou obrigada a lhe sustentar em tudo?
Eu não sou de ferro, David, nem a porra de uma máquina de caixa
automático que cospe dinheiro para fora. Sabe exatamente tudo que
eu tenho que fazer para manter um teto em nossas cabeças e
comida dentro das nossas barrigas. Seria bom, pelo menos uma
única vez na vida, não largar tudo em cima dos meus ombros...
— NUNCA PEDI PARA CUIDAR DE MIM, ESTÁ LEGAL?! —
ele grita alto, socando a mesa e respirando depressa.
— Não? — pergunto com raiva e esmago meus dedos ao
lado do corpo. — Tem certeza, David?
— Faz o que faz porque quer, porque é burra, nunca pedi
para ser puta no píer!
— Fiz para salvar a porra da sua vida, seu ingrato! —
esbravejo com dor, olhando a face dele. — Trouxe aquele verme pra
dentro dessa casa, sabendo exatamente o que ele iria pedir para
pagar seu débito!
— E você podia ter aceitado, mas não... — ele rosna,
negando com a cabeça. — Escolheu ser uma puta ao invés de
aceitar ficar com ele.
— EU PREFIRO MORRER A DEIXAR AQUELE PORCO ME
TOCAR DE NOVO!
— PORQUE É BURRA, CARALHO! — David tapa seu rosto
e o esfrega, negando com a cabeça. — Alonso gosta de você, e
sabe disso. Ele cuidaria de você, já cuidou antes...
— Cuidou? — falo cética, não acreditando que ele está
dizendo isso. — Ele me violentou, machucou cada parte do meu
corpo por um ano. Tenho tantas fraturas nos ossos do meu corpo,
que nem consigo contar com os dedos das mãos. — Ergo meu dedo
indicador. — UM ANO sendo estuprada por aquele miserável, para
encher sua barriga e o bolso do nosso pai de dinheiro. Alonso nunca
cuidou de mim, ninguém nunca cuidou de mim, DAVID!
— Eu não podia fazer nada, sabe disso, tinha só dezenove
anos, o que eu faria contra Alonso? — Ele abaixa sua mão, me
encarando.
— E eu tinha dezessete, David... Dezessete anos! — Nego
com a cabeça, olhando com dor para ele. — Passei um ano
trancada dentro desse apartamento, tendo meu corpo sendo
vendido para aquele monstro, o mesmo monstro que você trouxe
novamente para dentro dessa casa. Acha mesmo que vou permitir
que ele me machuque de novo?!
— Eu sei que errei com você, ok?! — David dá um passo à
frente e esfrega seus cabelos. — Por isso eu quis consertar as
coisas...
Pisco, confusa, olhando perdida para ele, não
compreendendo ao que ele se refere. Não tem como consertar tudo
o que eu passei, não é possível passar uma borracha, e muito
menos zerar o placar.
— Não tem nada para consertar, David. Apenas quitar a
porcaria dessa conta, para nós dois podermos ir embora desse lugar
— suspiro com desânimo, pegando minha bolsa e a peruca no sofá.
— Eu vou me deitar, estou cansada demais para brigar, esgotada,
para ser franca. Depois, quando eu acordar, a gente conversa e
você me conta onde arrumou dinheiro.
Não chego nem a dar três passos em direção ao corredor
que leva ao meu quarto antes da campainha tocar, avisando que
tem alguém na porta. Olho confusa na direção da porta, sem
entender quem está aqui uma hora dessas.
— Tá esperando alguém? — Giro meu rosto para David, lhe
indagando.
— Eu ia te explicar com calma. — Ele anda nervoso,
caminhando na direção da porta e esfregando sua cabeça.
— Explicar o quê, David? — Olho mais atenta para ele e o
vejo inquieto. Conheço meu irmão, e o movimento agitado da sua
mão, coçando a cabeça, me diz que ele fez merda. — David, quem
está batendo nessa porta?
— São os rapazes do Papi! — ele fala baixo, encolhendo
seus ombros e ficando de frente para a porta.
— Essa hora? Por que estão vindo essa hora buscar a grana,
eles sempre vêm depois do almoço? — Sinto meu coração disparar
e uma sensação estranha dentro de mim, quase como se fosse um
sexto sentido, que me alerta que não vou gostar nada do que vai
acontecer quando essa porta se abrir.
— Eles não vieram fazer coleta da grana. — David se vira
lento e me olha. — Papi perdoou a dívida, não temos mais que
pagar nada para ele... Ele até me ofereceu um trabalho como
segurança, acredita?
Dou um passo para trás e nego com a cabeça, não
acreditando nisso. Papi não é o tipo de homem que perdoa uma
dívida. Nem se faltasse uma moeda, ele perdoaria.
— O que você fez, David? Esse homem não perdoa um
débito...
— Eu consertei as coisas, não era isso que queria? — Ele
estica sua mão para mim. — Veja só, eu até recebi um pagamento
adiantado para poder comprar roupas novas. Não queria que eu
achasse algo para fazer? Então, vou trabalhar.
— Não, não, David! — Tapo meu rosto e balanço a cabeça
para os lados. — Arrumar um trabalho, um trabalho de verdade,
longe desse lugar, e não ir se meter novamente com Alonso
Marques.
— Vou ter um salário, um bom pagamento. Nunca mais vai
precisar se prostituir, Z. Não vê que fiz o melhor para nós dois... —
Ele me dá um riso alegre, e dentro de mim sinto apenas medo. —
Vai sair do píer, até desse buraco, poderá ter tudo que deseja, uma
casa bonita, até com empregada, uma vida cheia de luxo...
— Do que está falando, David? Acha mesmo que vai
conseguir ser alguém se misturando com Alonso? O máximo que
pode acontecer é ser preso, e não ter uma vida de luxo... Vai dizer a
ele que não quer esse perdão, e muito menos o emprego, vamos
terminar de pagar essa dívida e iremos embora...
— PORRA, TINA, NÃO VOU EMBORA! — Eu me calo
quando ele grita alto.
— O quê?
— Não vou embora, arrumei um trabalho bom. Todos vão me
respeitar, não vou perder essa chance por sua causa. — A face de
David está zangada, com seus lábios se esmagando, enquanto ele
nega com a cabeça.
— Eu não vou ficar aqui, David, muito menos lhe salvar
novamente quando você se meter em encrenca — falo séria,
olhando-o com dor. Não desejo mais ficar aqui, tinha chegado ao
meu limite. — Por favor, vem comigo, David, vamos recomeçar,
irmão, em outro lugar, longe de tudo isso...
Estico minha mão para ele, com meus olhos ficando
marejados, me sentindo cansada, com a alma tão ferida, que não
suporta mais essa vida.
— Por favor, vem comigo...
— Eu não vou, Tina! — Sua voz é firme quando ele fala
veemente, negando com a cabeça. Seus olhos desviam dos meus e
ele gira seu rosto para a porta. — E você também não vai.
Olho para ele, antes de encarar a porta ainda incerta, sem
saber o que David fez.
— Papi te ama. Ele só quer cuidar de você, ele é doente por
você, Tina — fala, baixo, erguendo sua mão e massageando sua
nuca. — Ele prometeu que vai ser diferente, que ele quer você como
a mulher dele, que vai te dar uma vida boa e tudo que você merece,
minha irmã...
— O que está falando...
— Papi perdoou a dívida e me ofereceu um trabalho com
dinheiro alto como pagamento, mas em troca vai levar você com ele.
Já tá tudo acertado, eu aceitei a proposta dele.
Meu coração se quebra, enquanto sinto as lágrimas rolarem
pelo meu rosto, negando com a cabeça. Não acredito que ele fez
isso comigo, a mesma coisa que meu pai fez anos atrás...
— Não, não, David... — Soluço, chorando com dor, não
conseguindo acreditar. — Me diz que não fez isso, por favor, me diz
que não fez isso...
— Papi vai cuidar de você. Ele garantiu que vai ser diferente,
ele apenas quer proteger você, Tina.
Choro com mais desespero, negando com a cabeça, sentindo
como se estivesse morrendo por dentro ao ouvir a voz de David me
dizendo isso.
— Alonso é um monstro, David. Ele é um monstro! Como
pôde fazer isso comigo depois de tudo que eu já fiz por você, meu
irmão?! — Me encolho e abraço meu corpo, me sentindo vazia e
completamente perdida.
— Fiz o melhor para você, não vê? — David caminha lento e
para à minha frente, segurando o meu rosto. — Ele vai cuidar de
você...
— Eu prefiro morrer, David. Morrer a deixar aquele homem
me tocar de novo...
— Não faz isso ser difícil, Tina — David fala sem emoção e
dá um passo para trás, se afastando de mim. — Senão vai ser pior
para você.
Sinto como se algo dentro do meu ser estivesse se
quebrando, sentindo a traição de David me perfurando como uma
faca rasgando meu coração, enquanto choro olhando para ele.
Abraço meu corpo com dor e soluço baixo, me agarrando a mim
mesma com desespero.
— Apenas faz o que ele pedir, agrada ele, não tenta lutar com
Papi, sabe o que ele faz quando fica bravo... — David vira e
caminha de volta para a porta.
Meu corpo se escora na parede, com minha cabeça se
abaixando, tendo as lágrimas escorrendo por minha face. Entre a
vista embaçada pelo choro, meus olhos ficam perdidos no rumo da
bolsa aberta, vendo a cor rosada do caderninho.
— Pelo menos uma vez, pense em você, pense naquela
muchacha Tina alegre, que merece ser feliz.
A voz de Dolores repercute em minha mente, enquanto me
abraço mais forte. Ergo meu rosto para David e o olho a poucos
passos da porta, já esticando sua mão para abri-la.
— Espera... — falo entre o choro, o impedindo de abrir.
— Não adianta se negar a ir, Tina, Alonso não vai mudar de
ideia. — Meu irmão se vira, falando sério.
— Eu sei. — Ergo minha mão e limpo meu rosto, tendo meu
coração disparado. — Sei que ele nunca vai me deixar em paz... —
Endireito meu corpo. — Apenas me deixa pelo menos trocar essa
roupa e tirar essa maquiagem...
— Tina...
— É o mínimo que você pode fazer por mim, depois de ter
me sentenciado à morte, David! — O encaro e falo de forma
amarga, secando as lágrimas do meu rosto. — Eu preciso tirar essa
roupa suja de vagabunda.
David respira pesado e vira seu rosto para a porta, antes de
se virar para mim novamente.
— Tem cinco minutos, vou avisar a eles que você já vai.
Eu não o olho, nem sequer o respondo. Apenas pego minha
bolsa e giro com rapidez, indo direto para o meu quarto, passando a
chave na porta. A bota já está sendo descartada rapidamente,
enquanto pego uma sapatilha baixa e a calço. Pego uma mochila
velha embaixo da cama e coloco dentro dela algumas mudas de
roupas e o dinheiro que tinha separado para entregar para os
capangas de Alonso. O mais rápido que posso, meu corpo já está
passando pela janela do quarto e descendo as escadas de incêndio.
Corro apressada, tendo apenas a mochila com meus documentos,
algumas roupas, o dinheiro e o caderno de receita, fugindo às
pressas pela rua de trás quando saio das escadas de incêndio. Não
olho para trás, não paro de correr, mesmo quando sinto como se
meu coração fosse sair pela boca. Não choro.
Pela primeira vez na minha vida, eu penso em mim, e nunca
mais voltarei para esse maldito lugar.
CAPÍTULO 2
A BRANCA DE NEVE E OS TRÊS ANÕES E
MEIO

TINA ZARA

Vinícola Sánchez
Três dias depois

— Por favor, por favor, abre... — murmuro com os lábios


trêmulos, encarando a porta grande de madeira, tendo meu corpo
inteiro se encolhendo de frio.
Fui pega pelas primeiras gotas de chuva na estrada pequena
de terra, uns quinze minutos depois de ter passado pela grande
porteira com uma placa gigante entalhada com Vinícola Sánchez na
madeira, que me dizia que finalmente tinha chegado ao meu destino
depois de 16 horas dentro de um ônibus de Nova York até aqui. O
motorista tinha sido gente boa em me deixar na frente da grande
porteira, ao invés de me fazer descer no ponto de ônibus, há 350
metros da rua de barro batido, bem distante da propriedade que eu
precisava chegar. Eu o havia perguntado sobre a vinícola, se era
longe da parada do ônibus. Penso que foi pelo fato de ser um lugar
pequeno, sem muitos forasteiros, que o fez me olhar com
curiosidade, especulando de forma bisbilhoteira porque eu estava
indo para aquela vinícola, de onde eu vinha ou o que me trazia até a
pequena cidadezinha La Rogia. O velho motorista me olhou com
mais interesse, não disfarçando a forma como encarava a calça
jeans justa rasgada nas coxas no meu corpo, e a regata de algodão
amarela, quase fazendo eu me sentir um extraterrestre. Disse a ele
que estava indo para lá a trabalho, não entrando em detalhes de
onde vim. Novamente ganhei um olhar surpreso e curioso, e podia
ler perfeitamente bem sua expressão facial, que me dizia:
O que uma garota como essa está fazendo por aqui?
Tinha ciência que não estava nos meus melhores trajes, e
que a estampa da Betty Boop, de perna cruzada, mostrando a cinta
liga, não ajudava muito. Mas eu não tinha trazido muita roupa, tinha
pegado algumas mudas apenas, não prestando atenção nas peças
que pegava, antes de fugir pela janela do quarto do meu
apartamento em Nova York. O motorista que se apresentou com o
nome de Billi, se limitou apenas em me dar boas-vindas e me
desejou sorte com o trabalho, me fazendo ficar preocupada quando
ele acrescentou entre risos:
— Sorte é o que mais você vai precisar, ainda mais indo
trabalhar com os Sánchez!
Não perguntei o porquê de ele dizer aquilo, preferindo ficar
calada e me limitando a lhe dar apenas um sorriso como resposta.
Eu não sabia nada sobre esse lugar, nem sobre essa família.
Aconteceu tudo tão rápido, que para ser franca, ainda nem
processei a ideia e tudo que aconteceu nas últimas 48 horas. A
única coisa que meu cérebro pensava, era que tinha conseguido
escapar, eu finalmente consegui sair daquela vida que eu levava em
Nova York. Billi disse que me deixaria na entrada da vinícola e que
teria que andar a pé em uma rua de chão por uns vinte minutos, e
que ao fim encontraria a residência da família Sánchez, que uma
chuva estava a caminho e que não seria bom eu ficar no ponto de
ônibus.
Não é que eu duvidasse da intuição meteorológica do
motorista do ônibus, mas não acreditava que ia chover. Eram 17h40
e estava um puta sol lá fora. Mas vi que estava errada quando já
estava na metade da rua de chão e as primeiras gotas de chuva me
acertaram. Retirei a mochila das minhas costas e a ergui em minha
cabeça, correndo como uma louca antes que a chuva ficasse mais
forte. Foi o tempo de eu subir os degraus da varanda e a
tempestade desabar de vez. Abaixei a mochila da minha cabeça e
soltei um suspiro, olhando em volta e vendo tudo tão vazio, apenas
a chuva intensa caindo do céu. Bati na porta, rezando para eles não
me recusarem por conta da porcaria da roupa justa que estava no
meu corpo. Comecei a me preocupar na terceira batida, quando
ninguém me atendeu. Andei pela varanda olhando tudo em volta,
caminhando devagar e enxergando as janelas da casa fechadas,
com a casa completamente escura.
Dez minutos aqui, parada, sem sinal de ninguém vir me
atender, e o desespero já começa a me pegar. Novamente ergo a
mochila na cabeça e corro para fora da varanda, dando a volta na
residência e encontrando uma porta grande de madeira nos fundos.
Bato, não ouvindo nada de dentro da casa.
— Por favor, por favor... — Meu corpo está cada vez mais
gelado, cansado e faminto.
E o vento forte, por causa da chuva, me faz ficar ainda mais
com frio. Estarei ferrada se não tiver ninguém aqui para me atender.
Não tem mais para onde ir, nem sei como sair desse lugar, já que
pelo trajeto do ônibus deu para perceber quão longe e distante do
comércio essa propriedade é. A última casa que eu tinha visto pela
janela do ônibus foi três horas atrás.
Dolores havia me garantido que Damaris, sua prima, que
presta serviço na casa, estaria esperando por mim, tanto que tinha
sido ela mesma que tinha falado para Dolores que a família dessa
casa estava precisando de ajuda para cuidar das crianças. Viro e
abraço meu corpo, olhando em volta, não conseguindo enxergar
nada por causa da chuva forte. O som de algo caindo no interior da
casa me faz virar para a porta na mesma hora.
— Oi, tem alguém aí... — Bato novamente, com mais força.
— Sou Tina!
Um pequeno silêncio se faz novamente, antes de eu ouvir
cochichos.
— Eu vim por causa do emprego! — Me aproximo ainda mais
da porta e colo meu ouvido nela, tentando ouvir algo lá dentro. —
Damaris sabe que eu estava a caminho.
O cochicho retorna, me fazendo ficar ainda mais nervosa.
Praticamente estou colada na porta, tentando me proteger da chuva.
— Por favor, eu sei que tem alguém aí dentro... — Encosto
minha testa na porta, me encolhendo. — Apenas avise à Damaris
que estou aqui, está frio do lado de fora...
— O que vamos fazer? — Uma voz baixinha fala rapidinho.
A chuva está tão forte e alta, se tornando mais complicado de
distinguir se estou conversando com uma mulher ou um homem.
— Não sei, pode ser uma ladra...
— Oh, Deus, não! — digo rápido quando uma segunda voz
cochicha. — Não sou uma ladra, sou Tina... Tina Zara. Damaris me
pediu para vir para cá por causa da vaga de emprego. Por favor,
pergunta para ela, não sou uma ladra...
— Damaris não está! — O som da voz sai mais alta, o que
me faz piscar confusa, ao descobrir que é uma voz de criança. —
Tem que ir embora!
— Não, olha, ela disse que estaria aqui esperando por mim...
Eu não tenho como ir embora. — Fecho meus olhos e nego com a
cabeça, ficando ainda mais nervosa. — Por favor, chama seus pais,
sim...
— Não podemos deixá-la lá fora... está chovendo.
— Quieto, Martin! — A voz do outro fala um pouco mais
grossa, mas ainda assim me deixa saber que é de uma criança. —
Tem que ir embora, não podemos deixar você entrar!
— Seus pais, chamem seus pais, por favor. Não sou uma
ladra, estou aqui por causa do emprego.
— Volte amanhã cedo, quando Damaris retornar da cidade...
Papai não permite abrir a porta para estranhos...
— Onde está seu pai? — Dou um passo para trás e olho para
a porta, confusa, esticando meu pescoço para a janela e vendo tudo
apagado do lado de dentro. — Estão sozinhos? Seus pais lhe
deixaram sozinhos?
— Não, papai está aqui, mas ele não consegue sair da cama!
— A voz do menino que foi mandado ficar quieto sai apressada.
— Cala a boca, Martin! — A voz grossa retorna a falar alta e
zangada, brigando com Martin.
— Ele se machucou, é isso?
— Papai se deitou e não levantou mais... — A voz de Martin
sai triste e assustada, com ele dando um baixo soluço.
— Cristo, Martin, vou costurar sua boca! — O menino
zangado volta a brigar com ele.
— A mãe de vocês está lá com ele?
Um grande silêncio se faz quando eu pergunto, não tendo
uma resposta de nenhum deles.
— Vá embora! — Fecho meus olhos quando a voz do garoto
zangado sai alta.
— Qual seu nome, garotão? Você é o mais velho, o
responsável pela casa? — Tento a sorte usando uma tática diferente
para abordá-los.
— Tulho, me chamo Tulho — ele me responde com um tom
sério. — Sou o responsável da casa enquanto papai não sai do
quarto.
— Bom, bom, um irmão protetor. — Sorrio e me aproximo
novamente da porta. — Olá, Tulho, sou a Tina, e fico feliz de saber
que é um garoto responsável. Seu pai está há muito tempo no
quarto, Tulho?
— Ele subiu no meio tarde, disse que ia tomar banho, mas
não saiu mais.
— Ele se feriu, Tulho? Seu pai caiu no chão, é isso,
aconteceu algum acidente com ele? — Mantenho nosso diálogo,
deixando o foco da conversa no seu pai, ao invés de tentar o fazer
abrir a porta para mim.
— Não, papai está na cama...
Abro meus olhos e encaro a porta, mordendo o canto da
minha boca.
— Tulho, há quanto tempo vocês estão sozinhos?
— Damaris não voltou para casa desde cedo. Ela saiu para ir
à cidade, mas não retornou... Papai estava com a gente, então ele
subiu e não desceu mais.
— Tulho, fora seu pai, tem algum outro adulto dentro da casa
com vocês? — Para não receber silêncio como resposta
novamente, mudo a pergunta, querendo saber onde está a mãe
deles.
— Não, apenas estamos nós e o papai...
— Oh, meu Deus! — Ergo minha mão à cabeça, processando
o que ouvi.
— Por que não a deixa entrar, Tulho? — A voz de Martin soa
novamente.
— Papai vai ficar bravo...
— Por que não me deixa entrar e ir conversar com seu pai,
Tulho? — Mordo o cantinho do meu anelar, olhando para a porta. —
Se algo aconteceu com ele, eu posso ajudar. Prometo que apenas
vou conferir se ele está bem, e retorno a sair, ficando aqui fora,
esperando por Damaris.
O silêncio fica grande, não me deixando ouvir mais nada
deles. Me aproximo novamente da porta, falando com calma:
— Pode ficar ao meu lado o tempo todo, apenas quero ter
certeza de que seu pai está bem, Tulho.
— Papai está quente... — Ouço a voz nervosa de Tulho sair
com tristeza.
— Ele deve estar com febre, por isso está quente. Me deixa
entrar, posso ajudar seu pai. Eu também cuidava do meu pai
quando ele ficava doente...
— Papai vai brigar se eu deixar uma pessoa estranha entrar
em casa. É meu dever cuidar dos meus irmãos na ausência do
papai.
— Sim, eu sei como é isso — falo baixinho, tentando ganhar
sua confiança. — Eu também tenho um irmão, sabia, e o protegia.
— Minhas palavras pesam dentro de mim, enquanto sinto o meu
coração ser esmagado, ainda sofrendo com a traição de David. — E
você está certo em proteger quem você ama... Não quero que seu
pai fique bravo com você, prometo que entro no quarto, dou uma
olhadinha nele, sem o acordar... e saio em seguida. Assim, pelo
menos você pode saber se ele está bem. O que acha?
Dou um passo para trás e aguardo por sua resposta,
esmagando meus dedos ao lado do corpo. Tem apenas o silêncio do
outro lado, o que me faz ficar ainda mais angustiada.
— Promete que vai sair depois? — ele pergunta, baixinho.
— Sim, eu prometo, Tulho!
Um suspiro de alívio sai da minha boca quando a porta de
madeira é aberta. Me abaixo e pego minha mochila, olhando o
interior escuro, e logo em seguida a luz é acesa, assim que eu dou
um passo à frente.
— Oh, meu Deus! — Solto minha mochila no chão enquanto
falo espantada, não por conta da grande cozinha, mas sim pela
escadinha de homenzinhos me encarando, um ao lado do outro.
Isso me faz quase imaginar o que a Branca de Neve sentiu
ao se deparar com os sete homenzinhos lhe encarando dentro da
pequena casa de madeira. Só que a diferença é que não são sete, e
sim três homenzinhos e meio. Um ao lado do outro, parecendo uma
escadinha, começando pelo maior, que tem um olhar sério, me
estudando com desconfiança; pulando para o segundo, que me olha
curioso; indo para o terceiro, que sorri para mim enquanto segura
um cavalinho em sua mão; parando na pequena bola rosada e
rechonchuda, dentro do carrinho de bebê, completamente torto,
chupando um controle de TV.
CAPÍTULO 3
NA TOCA DO LOBO MAU

TINA ZARA

Acho que meu cérebro ainda não processou tudo com


clareza, enquanto caminho lentamente pela casa, seguindo o jovem
Tulho, de treze anos. Giro meu pescoço e dou uma olhada para
trás, encontrando os olhos do curioso Martin, de dez anos, que se
apresentou para mim com um sorriso, me cumprimentando, junto
com Miguel, de nove anos, que me garantiu com seu sorriso
traquina ser o mais arteiro entre eles. Desvio meu olhar para o
carrinho, onde a bolota rosada balança um controle todo babado
entre seus dedinhos gordos, o qual me foi apresentado como
Roaquim, de oito meses. Quando Dolores, minha mãe adotiva, me
falou que era uma família precisando de alguém para cuidar das
crianças, acho que ela esqueceu de mencionar que na verdade é
um pequeno batalhão de meninos.
— Não vai quebrar sua palavra, não é? — Giro meu rosto
para frente, ao ouvir a voz do jovem Tulho.
O encontro parado diante dos primeiros degraus das
escadas, que levam ao segundo andar.
— Não, não vou. — Nego com a cabeça e lhe dou um
sorriso, vendo seu semblante preocupado.
Um olhar triste e solitário reluz em suas íris castanhas. O
estudo com mais calma, notando uma timidez em seus gestos
nervosos, tendo as pontas dos seus dedos magros batendo
lentamente no corrimão, sendo ele dono de um olhar melancólico.
Tulho é um menino franzino de traços latinos bem marcantes, com a
pele dourada e cabelos negros lisos, com duas pintinhas negras na
maçã do rosto direita, perto da covinha da bochecha. É alto para um
jovem de treze anos, pode muito bem passar por um adolescente de
dezessete anos.
— Vai mesmo ajudar o meu pai? — Ele abaixa sua cabeça,
tentando esconder seu medo.
— Vou sim, Tulho. — Ajo por impulso quando estico meu
braço e toco seu ombro, tendo uma feição grande pelo jovem
menino triste, o qual não devia estar com tanto peso em suas
costas. — Prometo que ele vai ficar bem...
— Não faça promessas que não pode cumprir. — Pisco,
confusa, quando ele fala de forma tão severa para um jovenzinho da
idade dele. Ergue sua face para mim e me dá um olhar magoado. —
Vamos.
Ainda fico um tempo parada, olhando-o subir os degraus da
escada quando se vira, se afastando de mim, não compreendendo
porque ele me olhou daquele jeito. Respiro fundo e esfrego minha
nuca, balançando minha cabeça para os lados, indo atrás dele.
— Aqui é o quarto do papai. — Tulho para diante de uma
porta, enquanto fica parado, olhando perdido para ela, parecendo
estar incerto ainda se deve abri-la ou não.
Olho com mais atenção para o jovem, observando seus
ombros caídos e seus dedinhos das mãos esmagados ao lado do
corpo, como se não desejasse entrar no quarto.
— Por que não me deixa entrar? Prometo que não me
demoro — digo, baixo, para ele. — Você pode ficar aqui fora me
esperando...
— Não sei se é certo. — Seu rosto se vira para mim e me
olha pensativo.
— Deixo a porta aberta, você fica aqui me olhando. — Noto
seu olhar incerto, o vendo ainda retraído. — Assim pode ouvir seus
irmãos, caso eles precisem de você.
Tulho gira sua face e fita por cima do ombro, olhando na
direção das escadas, retornando a me olhar.
— Eles podem precisar de mim, não é?
— Sim, e se precisarem, você ouve. — Sorrio para ele com
brandura e viro meu rosto para a porta. — Prometo que não vou
fazer nada de errado, garotão.
Estico meu braço e seguro a maçaneta da porta do quarto,
abrindo lentamente, tendo Tulho dando um passo para trás, me
dando espaço para entrar no cômodo. Sinto o odor forte, o qual eu
tão bem conheço, de bebida, no segundo que abro a porta do
quarto, o que me faz repuxar meu nariz quando lembranças tristes
invadem a memória. Como lhe prometi, deixo a porta do quarto
aberta, passando meu olhar pelo cômodo gelado. Tudo está escuro
e tão frio, que me faz encolher e esfregar meu braço. A luz do
quarto se acende e viro na mesma hora, encontrando o olhar triste
de Tulho, com os dedos dele no interruptor da luz.
— Obrigada, garotão. — Sorrio com carinho para o menino,
que me olha acanhado.
Volto a olhar para o quarto, o estudando rapidamente. Agora,
com a luz acesa, vejo uma grande cama de casal, onde um homem
está deitado de lado, com as costas viradas para mim. Olho para o
canto à esquerda, onde uma lareira apagada tem quatro garrafas de
vinho caídas perto dela, completamente vazias.
— Droga, Tina! — rosno, baixo, respirando com força,
sabendo que essa cena para mim é tão familiar e triste. Quantas
vezes entrei no quarto do meu pai e o vi completamente apagado
depois de ter se embriagado?!
Caminho a passos lentos na direção da cama, já sentindo
uma certa inimizade pelo meu suposto ex-patrão, o qual com toda
certeza vai me despedir antes mesmo de eu começar a trabalhar,
assim que acordar com um balde de água fria, que estou pensando
seriamente em jogar em cima dele, para aprender a nunca mais
tomar um porre e largar seus filhos sozinhos. Paro minhas mãos ao
lado da cintura, pensando o quão minha vida está fodida, e chutar o
rabo dele não irá fazer muita diferença. Já estou ferrada mesmo!
Estreito meu olhar e estudo o vagabundo deitado na cama. Deve ter
bebido tanto que mal conseguiu deitar direito no colchão. Os pés
dele ainda estão tortos e para fora da cama, nem sequer tirou os
sapatos.
— Tomou um porre, não foi, seu cretino?! — sussurro com
raiva, quando me inclino um pouco para frente, para tentar ver a
face dele, mas eu paro ao notar a lateral do seu rosto
completamente suada.
Uma coisa que não se tira de uma pessoa embriagada é o
fedor de bebida, e a transpiração deixa o odor ainda mais forte, isso
eu sei como ninguém. Quantas vezes senti vontade de vomitar
apenas com o odor forte de bebida que exalava do meu pai?! Mas
esse homem não tem odor de álcool. Pisco, confusa, olhando
rapidinho as garrafas de bebidas jogadas perto da lareira — o odor
de bebidas vem delas —, antes de olhar o homem novamente. Sugo
meu lábio inferior e estico minha mão com cuidado para a frente, me
debruçando ainda mais sobre ele e percebendo que não está
bêbado, como eu tinha suposto. Os cabelos negros lisos, iguais aos
de Tulho, em um corte curto, tem umas mechas caídas em cima da
sua testa. Afasto lentamente e toco a pele. Arregalo meus olhos e
dou um pulo para trás ao constatar que o homem está praticamente
em chamas, de tão quente que sua pele está.
— Merda! — falo rapidinho, olhando assustada para o
homem.
— O que foi?
— Consegue me trazer uma bacia com água gelada e panos,
Tulho? — Me viro para o menino, falando apressada. — Seu pai
está queimando de febre.
O pequeno jovem balança sua cabeça rapidinho em positivo,
enquanto vira apressado e corre na direção das escadas.
— Ok, ok, vou tentar te virar, garotão! — falo depressa,
retornando meu olhar para ele, segurando seus ombros para virar
seu corpo na cama, para o deixar de barriga para cima.
Sua camisa está empapada de suor, completamente molhada
e colada ao corpo.
— Merda, isso não é bom! — Olho nervosa para o homem,
fazendo força para conseguir o tombar.
Cristo, parece uma montanha de carne pesada! Seria mais
fácil eu mover um carro de lugar do que o sujeito.
— AH! — rosno, desistindo de tentar o puxar, dando a volta
na cama e ficando de frente para ele. Apoio meus joelhos no
colchão e espalmo uma mão no seu ombro e a outra no peito,
usando toda a força do meu corpo para lhe virar. — Oh, bosta... —
resmungo e assopro a mecha de cabelo da minha testa, quando
meu corpo desaba na cama, com minha face se enterrando em sua
barriga quando ele mesmo se vira.
Fico congelada, com minhas mãos erguidas, assim que
afasto minha face, ao receber um supetão da mão dele em minha
testa. Dou uma olhadinha de esgueira para o lado e o vejo ainda
apagado, murmurando palavras tão baixinhas que não consigo
entender.
— Começou bem, hein, Tina?! — Nego com a cabeça e olho
para frente, arregalando meus olhos ao notar o grande volume
abaixo da calça jeans a centímetros do meu rosto, parado próximo à
sua virilha.
Eu não queria encarar e muito menos abrir minha boca,
deixando um “uauuu” inaudível escapar dos meus lábios, mas não
tinha como não olhar a forma perfeitamente bem desenhada do pau
dele no jeans. Se me dissessem que ele tem uma garrafa de vinho
escondida aí dentro, eu acreditaria.
— Você vai queimar no inferno, Tina... — cochicho,
desviando meus olhos da cintura do cara, evitando olhar para seu
atributo colossal.
Me empurro para trás, para conseguir ficar ajoelhada na
cama. Suspiro e olho seu rosto agora com mais atenção, jogando
meus cabelos para trás. Sua pele tem um tom dourado igual ao de
Tulho, destacando ainda mais seus traços latinos e os cabelos
negros lisos. Linhas masculinas marcantes na face, com o queixo
quadrado e uma barba mal-feita, sobrancelhas grossas e pretas.
Julgo que talvez deva ter uns trinta e sete ou trinta e oito anos, ou
pode ser até um pouco mais jovem, já que não tem um único fio
branco que seja em seu imaculado cabelo negro.
— Se as garotas do píer me vissem agora, com toda certeza
ririam de mim. — Inalo o ar com força, não acreditando que estou
prestes a despir um homem apagado.
Eu já tirei a roupa de muitos caras, mas nunca nenhum deles
estava desacordado, e muito menos não me pagando para fazer
isso. Levo meus dedos lentamente para seu peito e desabotoo sua
camisa verde-escura, para tirar a camisa molhada de suor do seu
corpo. Tento não olhar na direção da braguilha da calça, quando
puxo sua camisa de dentro dela. Solto os botões do pulso, para
poder a retirar de vez, e olho para a corrente dourada em seu
pescoço, com um crucifixo antigo como um pingente. A imagem dela
me parece familiar, como se tivesse visto em algum lugar o desenho
dessa cruz. Nego com a cabeça, não dando importância, libertando
seus braços. Arqueio por cima dele para soltar o outro pulso, para o
livrar de vez da camisa.
— ¿Por qué me hiciste esto[9], Sheila?
— Oh, Deus... — Solto um pequeno gritinho quando seu
corpo grande se move e prende seu braço em minhas costas, me
fazendo ficar com a lateral da minha face colada em seu peito
quente.
Dou uma rápida olhadinha para seu rosto e o vejo tombando
para o lado no travesseiro, enquanto delira e murmura algo
ininteligível em espanhol. Me empurro para trás e tento me livrar do
peso do seu braço em minhas costas, pulando para fora da cama
assim que consigo. Dou a volta novamente na cama e fico do outro
lado, para retirar seu braço da camisa, a puxando com força para
sair debaixo das costas dele. Finalmente consigo o livrar da camisa
e ando para os pés da cama, retirando os sapatos dos seus pés.
Assim que os retiro, arqueio minha sobrancelha, vendo o tamanho
dos seus sapatos.
— 48! — Solto um assobio, surpresa ao ver o número que ele
calça marcado na palmilha do sapato, o deixando arrumado no
chão.
Retorno a olhar o homem semidespido na cama e vejo seu
abdome trincado, com os gomos dos músculos definidos, sem uma
grama miserável que seja de gordura. Coço minha testa e olho para
sua calça, descartando a ideia de tirá-la.
— Sem chance de eu tirar sua calça, pé-grande — digo
baixinho, caminhando para o guarda-roupa e o abrindo, procurando
por cobertores. — Alguém gosta de camisa de botão, hein...
Cabides e mais cabides, com camisas negras, estão
pendurados dentro do armário, nas primeiras portas que abro. Puxo
a outra do lado e abro, vendo que tem mais camisas e calças jeans.
— Trouxe o que pediu. — A voz de Tulho me faz olhar para a
porta, o vendo paradinho, segurando uma bacia de alumínio em
seus dedos.
— Ótimo, vamos tentar abaixar essa febre. — Me afasto do
guarda-roupa e caminho para ele. — Sabe onde seu pai guarda os
cobertores, Tulho?
— Está na última porta. — Ele aponta com um gesto de
cabeça para a última porta do guarda-roupa, a que eu não abri, e
me entrega a bacia com água. — Quer que eu pegue?
— Sim, por favor. — Viro e caminho novamente para perto da
cama, deixando a bacia com cuidado em cima do móvel ao lado da
cabeceira, empurrando o abajur para o lado.
Torço o pano que está dentro da bacia, não o deixando muito
encharcado, para poder passar na testa do homem. Vejo seus lábios
tremerem, assim como o corpo dele, quando a pele quente é tocada
pelo pano molhado e frio por causa da água gelada.
— Déjame en paz, maldita mujer[10]! — ele esbraveja,
negando com a cabeça, tentando mover sua mão, mas ela nem
chega a se erguer muito, antes de cair na cama. Está delirando
novamente, falando com a voz cansada e entrecortada.
— Shhhh! — falo, baixo, molhando o pano novamente e o
torcendo, passando em sua face, descendo para o pescoço.
— Vá embora, Sheila... — Ele nega com a cabeça e fica mais
agitado, falando com a voz zangada. — Não quero que me toque...
Meu rosto se ergue para o jovenzinho parado do outro lado
da cama, segurando uma coberta em seus dedos. Vejo sua
expressão triste ao observar seu pai.
— Ele está delirando por causa da febre. Não precisa ter
medo, Tulho — digo, tentando o acalmar. — A febre causa isso nas
pessoas. Deve estar tendo um sonho com alguém que ele
conheceu...
— É minha mãe. — As palavras de Tulho me fazem calar,
compreendendo o porquê da tristeza em seu olhar. — Ele está
sonhando com ela.
Sua cabeça se abaixa e ele encara a coberta em seus
braços, demonstrando ainda mais sua melancolia. E novamente
compreendo sua dor. Quantas vezes assisti meu pai embriagado,
xingando minha mãe?
— Escuta, pode deixar a coberta aqui, sim?! Desça com seus
irmãos e veja se eles estão bem — falo rápido para ele, não
querendo que Tulho continue no quarto e nem que ouça as coisas
que seu pai fala. — Vocês já comeram alguma coisa, jantaram?
Ele ergue sua cabeça para mim e nega lentamente, me
fazendo saber que estão sem comer.
— Ok, eu já estou terminando de cuidar do seu pai. Fica com
seus irmãos e logo desço, para preparar algo para vocês comerem,
assim pode ficar de olho naquele carinha babão, para não comer os
botões do controle...
Um pequeno sorriso se faz em seus lábios e ele ri baixinho,
me mostrando um pouquinho do jovenzinho alegre que deveria ser,
sem tanta dor em seus olhos. O vejo se afastar e caminhar
lentamente, saindo do quarto. Solto um suspiro baixo e olho o
grande homem na cama. Retorno a cuidar dele, para garantir que a
temperatura do seu corpo abaixe.

Já passa das 22h30 da noite, e o temporal não diminuiu nem


um pouco que seja a força que a chuva cai do lado de fora. Fecho a
porta da cozinha atrás de mim, segurando as madeiras que eu tinha
ido buscar correndo em uma casinha pequena que tem do lado de
fora, que Tulho me contou que é onde guardam as lenhas. Eu já
tinha acendido a lareira do quarto onde eles dormem, foi a primeira
que eu acendi. Senti como se estivesse entrando em um freezer
quando entrei no quarto às 20h20 da noite, para levar o Babão
rosado que tinha dormido no meu colo depois que eu o alimentei e
troquei sua fralda e suas roupas, para o pôr no berço. Martin e
Miguel já estavam dormindo nas suas camas. Logo depois que
jantaram, os dois apagaram, tinham comido bem a refeição que eu
preparei para eles. Foi algo simples, mas serviu para saciar a fome
das crianças.
Tulho tinha me contado que Damaris é quem acende as
lareiras da casa, ou o pai deles, mas como a mulher não tinha
retornado e o pai estava apagado desde às 15h30 da tarde, a casa
não foi aquecida. Tulho não tinha nem como ligar para alguém,
porque ontem à noite também choveu, e um poste desabou, o que
cortou a linha telefônica pelo fim de semana todo, e o pessoal
responsável só iria consertar na segunda de manhã. Ele tinha
escutado a conversa do seu pai com Damaris, que informou o
ocorrido para ele.
— Bom, agora só falta acender a lareira do quarto do seu pai
— falo e dou um sorriso para Tulho, que me olha com curiosidade,
parado perto da porta da cozinha.
— E depois?
— Bom, depois, como eu lhe prometi, vou ficar lá fora... —
digo para ele, caminhando na direção das escadas. — Lhe dei
minha palavra, não foi?
— Foi. — Ele caminha, vindo atrás de mim, andando
lentamente. — A febre do papai vai voltar. Se voltar, o que eu faço?
Onde vai ficar?
— Não se preocupe, não vou ficar longe. Se precisar de algo,
vou estar na varanda. — Viro meu rosto por cima do meu ombro e
olho para ele.
— Está frio lá fora e chovendo, pensei que iria para algum
lugar...
— Ficarei bem, Tulho. Preciso ficar aqui, esperando por
Damaris. E outra, se precisar de ajuda, apenas abra a porta e vai
me encontrar.
Eu brinco com ele, para descontrair tanto a ele como a mim,
assim não preciso pensar no fato que não tenho lugar para ir, que
estou sem rumo e completamente sozinha, que dormir em uma
varanda em uma noite fria de chuva, para mim é luxo, perto de
tantas noites que passei congelando no píer em Nova York, de
madrugada, esperando por algum cliente para fazer programa.
— Tenho quase certeza de que vi um sofazinho lá, e ele me
pareceu confortável. — Arrumo a lenha nos meus braços e abro a
porta do quarto, vendo o senhor pé-grande adormecido. — Pode ir
se deitar, se quiser, eu não vou demorar. Já está tarde e você
também precisa ir se aquecer no seu quarto.
— Não sei se é certo deixar o papai sozinho. — Meu rosto
gira para Tulho e vejo um semblante preocupado em sua face. — E
se ele piorar?
— Não irá, ele vai ficar bem. — Sorrio e falo com calma para
ele, caminhando em direção à lareira. Jogo as madeiras lá dentro,
me agachando e catando as garrafas de vinho, as deixando de pé,
para jogá-las fora depois, quando eu descer.
Fico de costas para Tulho, enquanto arrumo as madeiras
dentro da lareira, usando a caixa de fósforos em cima dela, para
acender o fogo. Esfrego as pontas dos meus dedos um no outro,
quase nem mais sentindo meus dedos, de tão gelados que estão.
— Bom, é isso... — digo baixinho e lhe dou um sorriso
quando me viro. — Pode ir se deitar, está bem?!
— Você realmente veio para trabalhar aqui, para cuidar da
gente, ou vai embora igual as outras daqui alguns dias?
Tulho me surpreende com a pergunta tão direta, parecendo
ainda mais um homenzinho quando me encara sério.
— Não, senhor Tulho. — Nego com a cabeça e fico ereta,
levando minhas mãos para trás das costas, balançando meu corpo
lentamente. — Não irei embora, a menos que seu pai não me aceite
para o emprego, então daí eu vou ter que ir. Mas estou rezando
para ele me aceitar.
— Você é diferente das outras mulheres que apareceram...
— Olha, garotão, para o seu bem, espero que não esteja
dizendo isso por causa da minha roupa e meu penteado elegante!
— brinco com ele, apontando para minha roupa e meus cabelos
completamente desgrenhados e ensopados por causa de ter corrido
lá fora para pegar a lenha. — Isso aqui é a última moda em Nova
York, bonitão.
Acerto o alvo, conseguindo tirar uma risada alegre de Tulho
quando ele olha para os meus cabelos bagunçados, não
acreditando em minhas palavras, tendo suas bochechas ficando
rosadas enquanto ri.
— Não, não, falo isso porque elas se assustavam quando
viam a gente, e principalmente quando Roaquim vomitava nelas.
Damaris diz que é difícil achar alguma cuidadora para quatro
monstrinhos como a gente.
— Três e meio, para falar a verdade. — Nego com a cabeça,
apontando para mim. — E para seu governo, saiba que fui criada
em uma casa onde contando comigo, eram nove crianças no total,
então vai por mim, eu dou conta de três garotões arteiros e uma
bolinha babona rosada.
— Tinha oito irmãos? — Ele arregala seus olhos, me olhando
surpreso.
— Sim, mas não eram irmãos. Irmão mesmo, de sangue, só
tenho um, os outros sete eram de coração. — Levo meus dedos ao
bolso de trás da calça, o enganchando e soltando um suspiro lento,
me sentindo triste ao me lembrar da face de David e de como eu
senti meu coração sendo quebrado por sua traição.
— Vem de uma família grande também... — Eu dou um
sorriso fraco, desviando meu rosto do dele, não podendo afirmar
completamente isso.
— Escuta, por que não vai se deitar? Já está tarde. Eu
também já estou descendo...
— Papai vai ficar sozinho. — Ele vira o rosto na direção da
cama, me deixando ver sua preocupação.
— Ele vai ficar bem, Tulho. — Ando devagar para perto da
cama e toco a testa do homem adormecido. — Veja, a temperatura
dele já está abaixando.
— Vai ficar um pouco mais com ele? — o jovem me pergunta
ansioso, tendo a aflição na expressão da sua face ficando ainda
maior ao olhar seu pai.
— Olha, por que não fazemos assim?! Eu vou ficar um pouco
mais, até para poder me aquecer perto da lareira e ter certeza de
que o fogo não vai se apagar. — Tulho me olha na mesma hora,
ficando pensativo. — Se isso lhe fizer ficar mais calmo, e assim
pode dormir tranquilo. Assim que tiver certeza de que a febre foi
embora de vez, eu saio do quarto, ok?
— Vai me avisar se papai piorar? — Há medo em sua voz ao
me perguntar.
— Claro, claro que vou te chamar. — Ele desvia seu olhar de
mim e olha rapidinho para seu pai, antes de retornar a me encarar.
— Promete? — Sorrio para ele e balanço a cabeça em
positivo, lhe assegurando que não irei falhar com ele. — Eu vou me
deitar, então.
— Pode ir. — Observo-o caminhar lento na direção da porta,
com seus ombros encolhidos. — Tulho — chamo por ele, lhe dando
um sorriso. — Obrigada por ter confiado em mim... Juro que vou te
chamar se precisar, está bem?
Ele me dá um sorriso fraco, antes de sair do quarto e fechar a
porta atrás dele. Solto um suspiro e olho perdida para o homem
deitado na cama, antes de me virar e ir para perto da lareira,
tentando me aquecer. Meu corpo se encolhe enquanto fico
agachada, sentindo o jeans molhado da calça fazendo meus ossos
congelarem e meu corpo tremer de tanto frio.

Acho que já são quase meia-noite, quando fico dividindo meu


olhar entre a cama, conferindo se o homem nela ainda está
apagado, e as minhas roupas esticadas perto da lareira, rezando
para todos os santos que esse homem não acorde enquanto minhas
roupas não sequem. Eu não conseguia mais ficar com elas, e mal
sentia minha pele, de tanto frio que estava com as roupas
molhadas, e foi em um ato de desespero que as tirei do meu corpo,
preferindo ficar de calcinha e sutiã, enquanto as aguardava secar,
ficando agachada perto da lareira. Até as que estavam dentro da
mochila ficaram ensopadas, porque usei a mochila para tentar
debilmente me proteger da chuva. Respiro fundo, com minhas mãos
erguidas perto da brasa, esquentando meus dedos. Acho que mais
uns dez minutos e já consigo vestir as roupas, para sair do quarto.
— O que você fez... — Minha cabeça se vira, com meus
olhos ficando presos no homem se debatendo na cama, jogando as
cobertas para o chão enquanto murmura.
Olho para a coberta no chão e depois para ele, negando com
a cabeça, sabendo que não será bom para ele ficar com o corpo
descoberto. Permaneço parada, sentindo medo até de me mexer,
ainda incerta se devo o cobrir de volta ou não.
— Talvez ele não esteja com frio... — Me calo e fecho meus
olhos, ouvindo o som dos seus dentes batendo. — Merda!
Me levanto e olho a porcaria da coberta, me aproximando
lentamente na pontinha do pé. A pego do chão e o cubro com
cuidado. Observo o rosto dele de pertinho quando me inclino e
arrumo a coberta até seu pescoço, notando que sua boca está
retraída, com um aspecto de estar sofrendo.
— É só um pesadelo, garotão — murmuro, perdida, vendo
seu rosto abatido e cansado. Minha mão se ergue e toco sua testa
com o dorso da mão. Respiro aliviada ao constatar que a febre está
indo embora de vez. — Você vai ficar bem, pé-grande — sussurro e
dou um sorriso fraco, empurrando uma mechinha teimosa do seu
cabelo para trás, a tirando da sua testa.
Solto um suspiro baixinho e me endireito para me afastar
dele, para me vestir e sair do quarto. Afasto minha mão do seu rosto
e viro de costas. Mas não chego a dar um passo, ao ter meu pulso
sendo preso por dedos fortes se comprimindo como aço em torno
deles.
— O que faz aqui? — A voz grave em tom zangado sai rouca.
— Oh, meu Deus! — Solto um gritinho de medo, ao girar meu
rosto e encontrar o homem se sentando em um rompante, com a
coberta caindo até sua cintura.
Os olhos acastanhados claros, como se fossem avelã, estão
bem abertos e presos em mim, fazendo eu me sentir prestes a ter
um infarto, como se estivesse diante de um fantasma.
— Merda, merda... — Tento estapear a mão dele para que
me solte, mas acabo tendo meu outro pulso sendo preso e puxado
em um solavanco de uma vez só em cima da cama, quando ele me
arrasta.
Sinto o baque das minhas costas no colchão, com minhas
pernas tortas por cima das dele. Meu coração bate acelerado,
enquanto respiro depressa, ficando imóvel e tendo o par de olhos
castanhos me encarando a poucos centímetros da minha face.
— Olha... — A palavra sai entrecortada da minha boca,
comigo respirando mais rápido. — Só para ficar claro, e-eu...
— Veio do meu sonho... — ele murmura e me faz calar,
quando noto que ele ainda está meio sonolento, piscando confuso,
abrindo seus olhos e os fechando pesadamente.
— Sim! — Praticamente cuspo a palavra rapidamente para
fora dos meus lábios, balançando minha cabeça em positivo. —
Está sonhando, apenas precisa me soltar e vou sumir.
Sorrio nervosa, me torcendo e tentando o fazer me soltar,
conseguindo apenas libertar uma das minhas mãos.
— Sumir... — Seus olhos se entreabrem, com ele
murmurando de forma arrastada.
— Isso, sumir. — Minha mão se ergue apressada e dou uma
leve batidinha em seu ombro. — Apenas feche os olhos...
Bato meus pés, tentando os apoiar no colchão, para me
empurrar para trás, me torcendo no local.
— Oh, droga! — Mordo minha boca quando seu peito quente
me esmaga, me deixando presa embaixo dele, com sua face
tombando na curva do meu pescoço.
— Sonho... — A voz lenta dele balbucia.
Meu corpo congela e arregalo meus olhos, encarando o teto,
no segundo que seu nariz raspa em minha garganta.
— Um sonho, com uma pequeña hada[11].
— Olha, já me chamaram de muita coisa, mas de fada é a
primeira vez... — penso alto, segurando um riso nervoso por não
acreditar que estou nessa situação. — O que... o que está fazendo?
Meu rosto tomba para o lado e tento olhá-lo, assim que sinto
sua barba raspar na minha pele, com ele me causando arrepios por
cada canto do meu corpo. Ao sentir a textura grossa dos pelos da
barba do seu rosto em minha clavícula, minhas mãos param em seu
ombro na mesma hora, tentando tirá-lo de cima de mim o mais
rápido que posso. Mas penso que teria mais chance em conseguir
mover uma parede do que o pé-grande. Estou tão nervosa, tentando
me torcer para fugir dele, que quanto mais eu me mexo, mais forte
seus braços vão se prendendo em minha cintura. Fico estática
quando o rosto dele se ergue, pairando sobre minha face, com seus
olhos lutando para se manterem abertos.
— Pequeña hada.
Acho que se não tivesse ficado com meus olhos presos na
cor de avelã tão linda das suas íris quando ele os abriu, deixando
seu olhar fixo ao meu, teria conseguido desviar meu rosto para o
lado quando ele avançou o dele em um rápido ataque.
Minha boca é esmagada contra os seus lábios, da mesma
forma que meus seios estão sendo prensados pela parede de carne
que é seu peitoral. Meus dedos congelados ficam presos em seus
ombros, e meus olhos estáticos encaram suas pálpebras fechadas,
tendo meu cérebro paralisando, sem saber o que fazer. Tanto que
nem reajo quando sua língua invade minha boca, me beijando. Eu
estou sendo beijada por um pé-grande que está delirando. E com a
porcaria do meu cérebro bugado pelo que está acontecendo, tão
chocado e surpreso quanto eu, meu corpo age por si só,
respondendo ao seu beijo.
Deus é bom, puta que pariu! Não me lembro quando foi a
última vez que realmente beijei alguém na boca, alguém de
verdade. Os homens que me pagavam para transar, eu não os
beijava. Chega a ser desumano a forma como esse homem me
beija, esmagando sua boca na minha com mais desejo, enquanto
me devasta com sua língua, arrancando todo o meu fôlego. E antes
que eu perceba, estou gemendo baixinho entre seus lábios, com
minhas mãos presas às suas costas quentes e meus olhos
fechados. Deus, quem está febril agora sou eu, sendo aplacada por
um beijo dominador do pé-grande, sentindo a mão dele descendo
pela lateral do meu corpo, até ter seus dedos esmagando minha
coxa.
— Ohhh... — gemo entre o beijo quando ele se move sobre
mim, afastando de vez as cobertas e chocando seu quadril ao meu,
causando o contato do seu pau na calça jeans em cima da minha
calcinha.
Caralho, o pé-grande é grande!
Minha libido vagabunda praticamente grita dentro do meu
cérebro, parecendo uma líder de torcida, pulando e balançando os
pompons em suas mãos. Os dedos dele esmagam com mais força
minha coxa, me arrancando outro gemido, sendo devastada por
essa festa erótica e sexy embalada em formato de homem quente
da porra. E da mesma forma que começou, em um rompante ele
termina, sem aviso algum, quando seu corpo amolece por inteiro e
sua cabeça tomba para o lado na curva do meu pescoço. Respiro
depressa, tentando entender o que acabou de acontecer, com meus
olhos arregalados encarando o teto, sentindo o pau dele encaixado
em cima da minha pélvis, deixando eu ter noção que minha calcinha
está melada.
— Ok, isso com toda certeza foi um sonho! — murmuro,
tentando fazer meu cérebro voltar a funcionar, saindo da surpresa
que ele acabou de ter. Solto suas costas e seguro seus ombros,
tentando o tirar de cima de mim, usando de toda força que tenho. —
Pé-grande pesado dos infernos! — resmungo com raiva e tento
tombá-lo para o lado, mas o máximo que eu consigo é ele se mover
ainda mais, ficando sobre mim, me esmagando embaixo do colchão.
Ele solta um suspiro, resmungando baixo enquanto dorme
como uma pedra, retornando a esmagar minha coxa, como se
pudesse garantir que ficará ali.
— Não fode, merda! — Tento o empurrar mais uma vez, mas
seria mais fácil eu mover uma montanha de lugar, do que tirar o pé-
grande de cima de mim.
Desisto e solto meus braços em suas costas, tombando meu
rosto para o lado, vendo sua face adormecida. Fecho meus olhos e
balanço a cabeça para os lados, tentando pensar no que eu vou
fazer para conseguir sair de baixo dele. Suspiro e fico parada, já
sabendo que vou ter que aguardá-lo se mover por conta própria, e
quando fizer isso, precisarei sair o mais rápido que posso de dentro
desse quarto. Abro meus olhos e ergo um pouco meu pescoço, ao
perceber que meus dedos estão passeando por suas costas, de
forma lenta e despreocupada. Arqueio minha sobrancelha, tendo
noção que minha alma vai queimar no inferno por ficar apreciando
seus belos músculos com as pontas dos meus dedos.
— Ok, só preciso esperar. Esperar... — Tombo minha cabeça
no colchão, fechando meus olhos, não conseguindo afastar meus
dedos da sua pele macia e quentinha. — Só esperar, Tina...
Bocejo lentamente e sinto meu corpo não achando tão ruim
assim ficar algum tempo nessa posição. Só Deus sabe como eu
ando cansada e esgotada.
— Só esperar... — Bocejo novamente e abro meus olhos
lentamente, os fechando logo em seguida. — Só... esperar...
CAPÍTULO 4
OLHOS DE AVELÃ

TINA ZARA

— Sebastian, seu CRETINO!


Um grito alto, de puro ódio, me desperta, fazendo eu me
sentar em um pulo, imaginando ser a vizinha do meu apartamento
quebrando o pau com o marido dela de novo. Bocejo e espreguiço
meus braços, piscando sonolenta e sentindo minhas pálpebras
colando com as remelas. Demoro para entender por que tem uma
mulher gritando brava dentro do quarto, andando de um lado ao
outro. Esfrego meu rosto e tombo minha face para o lado, olhando
para ela, ainda sem saber se estou sonhando ou não.
— DESGRAÇADO, CRETINO SAFADO!
— ¿Qué diablos es esto[12]? — Uma voz sonolenta fala ao
meu lado, soltando um bocejo. — O que faz gritando essas horas
dentro do meu quarto, mujer? E como entrou dentro do meu quarto,
para começo de conversa?
— Como ainda me pergunta o que eu faço? Me explica você,
o que essa vagabunda faz no seu quarto...
Meus olhos se arregalam assim que seu dedo aponta para
mim. Meu rosto gira no segundo que compreendo que não estou
dormindo, e muito menos na porra daquele apartamento caindo aos
pedaços que dividia com David. Os olhos acastanhados estão
presos aos meus, me encarando ainda mais confusos que a mulher,
quando ele gira seu rosto para mim ao mesmo tempo que eu.
— Oh, porra! — Pulo para fora da cama na mesma hora, não
acreditando que eu apaguei. Porra, eu apaguei e dormi na cama do
pai de Tulho!
Seus olhos se abaixam e encaram meus peitos, que sobem e
descem apressados, por causa da minha respiração desesperada.
Abaixa seu olhar lentamente para a frente da minha virilha, com ele
soltando um som baixo por sua boca quando pigarreia. Meu rosto
cai para frente e encontro minhas pernas nuas, assim como 80% do
meu corpo, tendo apenas as partes íntimas, que a lingerie protege,
cobertas.
— Eu tenho certeza de que você não é o tipo de mujer que
eu me esqueceria de ter trazido para minha cama. — Ele pisca,
confuso, encarando meus peitos.
— AHHHH, SEU CRETINO! — a mulher grita mais alto, o que
me faz olhar para ela na mesma hora, vendo seu rosto vermelho
com o olhar cheio de ódio ao observar meu corpo.
— Não, não, não é o que está pensando, literalmente...
Posso explicar, dona... — Nego com a cabeça e estico meu braço
para a coberta, a puxando de uma vez só para me cobrir.
— Explicar, explicar que esse desgraçado trouxe uma mulher
para casa...
— Não, não é isso... — falo rápido, olhando para ela. —
Realmente não é o que parece...
O olhar de raiva dela desvia do meu e para nele, com sua
boca se abrindo e deixando um grande “O” se formar. Olho para o
homem que está se levantando de costas para nós, com sua bunda
de fora, me deixando confusa, sem saber onde diabos está a calça
dele, e me fazendo olhar ainda mais com curiosidade ao ver a
grande tatuagem de um crucifixo tatuada na pele, pegando do
começo da nuca até o final da sua cintura, perto da bunda. As
laterais do desenho religioso se esticam sobre os ombros. A cruz é
a mesma que ele tem no pingente da corrente que vi ontem à noite
em seu pescoço. O grito da mulher histérica dentro do quarto sai
mais alto, o que me faz esquecer o pingente e a tatuagem assim
que ele vira de frente, dando um show para meus olhos ao ver seu
pau ao vivo.
— Tenho certeza de que não tirei sua calça... — sussurro
boquiaberta. Não consigo desviar meus olhos do seu pênis. Isso,
com toda certeza, é muito, muito acima da média.
Meu rosto tomba para o lado e o olho com mais curiosidade,
enquanto me enrolo na coberta.
— Claro que não, foi eu mesmo que tirei quando me levantei
para ir ao banheiro de madrugada — ele rosna com raiva, negando
com a cabeça. — De onde diabos você apareceu...
— Trouxe uma mulher para cá e dormiu com ela dentro da
sua casa, cretino! Nunca me deixou nem chegar perto dessa
porcaria de cama, ou da porta da frente da varanda da sua casa,
mas ainda assim trouxe uma vagabunda para foder com ela aqui!
— Te callas, mujer![13] — O som alto explode da boca dele
como um rugido, e esmaga suas mãos com raiva ao lado do corpo.
— E bem lembrado, porque isso me faz pensar o que diabos você
também faz aqui. Mas, no momento, quero saber exatamente o que
ela faz! — Ele gira seu rosto para mim e me olha com raiva.
O que me faz piscar rapidinho e endireitar meu corpo,
apertando a coberta em volta de mim, tendo o olhar dele preso no
meu.
— Acho bom me dizer o que faz dentro do meu quarto,
señorita!
— Olha, eu...
— Não tinha o direito, não tinha o maldito direito de fazer isso
comigo, Sebastian! — Eu não tenho nem tempo de falar, porque a
mulher raivosa está partindo para cima de mim. — Vou te matar,
vagabunda!
Solto a coberta com rapidez e pulo em cima da cama,
correndo rapidinho e fugindo para o outro lado do quarto, com ela
tentando me pegar. Sinto a mão forte e masculina se prender em
minha cintura, me empurrando para trás do seu corpo, que
agradecidamente eu uso como escudo, deixando a mulher louca
longe de mim.
— Vagabunda desgraçada! — ela grita com raiva e aponta o
dedo indicador em nossa direção, tacando um travesseiro na cara
dele. — Ordinário!
— Juro que não é o que está pensando, dona. — Tombo meu
rosto para o lado e olho para ela, ficando escondida atrás das
costas do pé-grande. — Eu não encostei um dedo sequer no seu
marido...
Ela rosna com ódio e abaixa seu olhar para a barriga dele, e
tanto minha cabeça como a dele se inclinam em conjunto, olhando
para aquela direção, encontrando meus braços presos em sua
cintura. A cabeça dele vira e olha para mim, arqueando sua
sobrancelha. Dou uma risada nervosa. Estava tão desesperada,
tentando me manter longe da doida, que nem notei que tinha me
agarrado ao homem.
— Agora não conta... — digo, rindo mais nervosa, olhando
para ela e soltando a cintura dele para me afastar. — Por favor,
acredita em mim, eu não toquei no seu marido, não desse jeito que
a senhora está pensando, eu posso explicar...
— Vai explicar, señorita. — Seu pescoço gira e me olha por
cima do ombro. — Mas para mim, não a ela. — A voz dele sai
brava, como um estrondo, e ele leva seu braço para trás, segurando
minha cintura e me puxando para perto dele, ao ponto dos meus
seios ficarem esmagados em suas costas, com sua bunda nua
raspando em minhas pernas.
— Mentiroso, descarada! — Eu me abaixo junto com ele, no
segundo que um sapato voa em nossa direção.
— Qué diablos![14] Para de jogar as coisas, mujer! — Ele se
levanta com raiva e aponta o dedo para ela. — Não faz isso...
— Cretinooo! — a mulher raivosa grita no segundo que ele
vira e fica de costas para ela.
Ele fica de frente para mim, que estou me levantando. Meus
dedos se movem e busco apoio em suas pernas, para eu poder me
erguer.
— Ohhhhh! — Inclino minha cabeça para trás e arregalo
meus olhos no mesmo instante que elevo minha cabeça para frente,
tendo seu pênis a centímetros da minha face.
— Señorita! — A voz zangada soa séria.
Tombo meu pescoço para trás e encontro o homem sério me
encarando agachada diante dos seus dotes. Olho para seu pau de
novo, que pulsa em minha direção, como se estivesse me dando um
“olá”.
— Oh, meu Deus... — Solto suas pernas na mesma hora, me
desequilibrando e caindo de bunda no chão.
— VAGABUNDAAAAAA! — Tenho tempo de ver a mulher
gritando atrás dele, vindo com tudo para cima de mim.
Já estou girando em meus joelhos e engatinhando
desesperada para longe. Mas me estatelo que nem panqueca no
piso quando a mão grande se prende em meu tornozelo e me puxa
para trás.
— Nem tente fugir com esse rabo belo, cariño. — Giro meu
pescoço por cima do ombro, tendo os olhos do pé-grande brilhando
de raiva, com sua boca esmagada. — Me deve uma explicação,
señorita...
— Você que me deve uma explicação, SEBASTIANNNN! — a
mulher grita com raiva, acertando uma bolsada na cabeça dele, que
gira seu corpo para tentar se proteger dela.
— PARA DE BATER, INFERNO! — ele grita com ódio,
segurando seu braço quando ela tenta o acertar de novo.
— SUA PUTA! — A mulher muda seu alvo, mirando suas
bolsadas em mim.
Me torço, tentando o fazer soltar minha perna, para que eu
possa fugir das bolsadas, enquanto ergo a outra perna, evitando
que ela acerte a maldita bolsa em meu rosto.
— Inferno, dona, eu não fiz nada de errado! — esbravejo com
raiva. — Mas se não parar de ficar me acertando com essa bolsa,
eu vou me defender...
— CADELAAAAA! — ela grita com mais ódio ainda, levando
seu braço para trás com toda força, com intenção de me acertar
com fúria.
Minha perna erguida se estica e a empurro para trás quando
acerto sua coxa, a fazendo cambalear e cair de bunda na cama,
levando o pé-grande com ela, quando ela puxa o braço dele para se
segurar. Ele tenta me puxar para me manter presa pelo tornozelo,
mas giro, aproveitando seu desequilíbrio, o fazendo me soltar
enquanto me sento. Seus passos indo para trás são atrapalhados
quando tenta se equilibrar. Ela crava seus olhos em mim e se
impulsiona para frente, me deixando saber que partirá para a briga.
Meus dedos pegam a primeira coisa que encontro no chão e seguro
os sapatos do pé-grande, os erguendo em meus dedos para jogar
na cabeça dela.
— Chega! — A voz zangada do homem explode e ele dá um
passo à frente entre nós duas, esticando seu braço no mesmo
segundo que ela arremessa a bolsa e eu o sapato. — OHHHH,
porraa...
Ele se encolhe e inclina seu tórax para frente, levando as
mãos para seus documentos por conta da bolsada que ela deu nas
partes íntimas dele. Com isso, fica na mira do sapato, que acerta em
cheio a lateral da sua cabeça. Sua face se vira na mesma hora para
mim e me olha com ódio. Giro apressada e engatinho para bem
longe.
— Seu cretino, como pôde me trair?! — ela esbraveja com
ódio.
— CHEGAAAAAAA!
Tanto eu como ela ficamos petrificadas com o rugido
estrondoso que estoura nossos tímpanos. Olho para ele e o vejo se
erguer, tendo os olhos flamejando de ira, endireitando seu corpo.
— Você vai ficar com a porra do seu rabo parado aí! — Ele
esmaga sua boca e aponta para mim, antes de olhar para ela. — E
você vai sair do meu quarto do mesmo jeito que entrou. Sou um
homem viúvo, sem compromisso algum com você, e não devo
satisfação alguma de quem entra e sai dos meus aposentos,
Pamela.
Meus olhos se arregalam e tombo minha cabeça para o lado,
tendo a mesma expressão chocada da mulher. A diferença é que
estou mais impactada com todas as informações. Por um segundo
jurei que ela era a esposa dele, sobre quem ele ficou delirando. Mas
ele a chama de Pamela. A mulher que ele chamava na noite
passada se chamava Sheila. A mãe de Tulho tinha morrido, eu
entendi isso quando ele disse que era viúvo, mas fico
completamente confusa agora.
— Você não pode me tratar assim. — A voz dela sai baixa,
com ela negando com a cabeça. — Como ousa, Sebastian?! Se eu
sair desse quarto, nunca mais eu volto.
— Já sabe onde é a porta!
É um verdadeiro pandemônio ficando ainda pior que antes,
no segundo que ele abre a boca, tendo ela partindo furiosa para
cima dele, com ele segurando seu pulso e tentando manter as
unhas dela longe do seu rosto.
— DESGRAÇADO, INGRATO...
Levanto e giro em desespero, caçando por minhas roupas
perto da lareira. Cato-as assim que as vejo. Me sinto como se
estivesse no meio de uma arena com dois touros bravos, tentando
desviar dos dois, tendo como único objetivo chegar até a porcaria da
porta.
— NUNCA MAIS VAI ME VER, SEU CRETINO! — ela grita
com raiva, explodindo um tapa de mão cheia na face dele.
— Ohhhh! — Abro minha boca e ergo minha mão para ela, a
tapando, enquanto olho a bochecha dele ficar vermelha onde
recebeu uma bofetada.
O grande homem ergue sua mão e toca sua bochecha, antes
de olhar para seus dedos, ficando sério e dando um passo para trás.
Ela fica em choque, com suas bochechas completamente
vermelhas, olhando assustada para ele.
— Oh, meu Deus, Sebastian, eu não quis...
— Sai do meu quarto, agora! — ele a corta e fala de uma
forma tão fria e áspera, que faz até eu querer implorar para ela me
levar junto.
A mulher vira seu rosto para mim e me olha com ódio antes
de se virar, abrindo a porta do quarto e saindo com raiva,
estourando a porta atrás dela, causando um estrondo tão grande
que me faz dar um pulinho assustada. Fico parecendo uma estátua,
segurando minha roupa na frente do meu corpo, tendo medo até de
respirar e chamar a atenção dele para mim. Ele xinga baixo,
enquanto se vira e fica de costas, se abaixando para pegar a calça
jeans dele caída no chão do quarto.
Sou uma bela de uma covarde por usar esses segundos de
distração dele para caminhar na pontinha do pé até a porta. Sim, eu
sou e não nego.
Porque se tem uma coisa que nunca fui na minha vida é
corajosa. Já passei muita coisa na minha vida para saber o segundo
que devo fugir para salvar minha pele, e com toda certeza ficar aqui
e encarar esse homem, nesse exato momento, não está nos meus
planos. Chego a dar um pequeno sorriso de alívio quando meus
dedos se esticam para a maçaneta da porta e a giro, abrindo pouco
a pouco.
— Presumo que deve ter uma excelente explicação para me
convencer, em relação a estar dentro do meu quarto e em minha
cama, para valer a pena eu ter acabado de perder meu sexo casual,
señorita!
Fecho meus olhos e me encolho quando sua voz sai brava,
tendo sua respiração pesada sendo solta no topo da minha cabeça,
como um touro zangado. Abro apenas um olho e vejo sua mão
espalmada na porta, a empurrando com força para a manter
trancada.
— Olha, sei que agora é difícil de acreditar... — Viro e dou um
risinho nervoso, ficando ainda mais tensa por dar de cara com seu
peito despido a centímetros do meu rosto. — Mas até que vai achar
graça depois que eu contar. Bem, depois...
Me calo e dou um passo para trás, colando minhas costas na
porta assim que meu olhar se perde para baixo da sua cintura e
encontro seu brinquedinho balançando entre suas pernas, como
veio ao mundo.
— Estou esperando, señorita! — ele rosna de forma feroz e
inclina seu rosto para frente no mesmo segundo que ergo minha
cabeça.
Seus olhos realmente são de cor de avelã, claros e tão
limpos com esse tom castanho. E, Cristo, ele é alto, não só grande,
mas é um inferno de um homem comprido, que poderia até me fazer
querer praticar alpinismo! Engulo em seco e encolho meus ombros,
virando meu rosto para o lado e encontrando sua mão espalmada
na porta, pertinho da minha face. Pigarreio e tento buscar coragem
dentro de mim, para encarar a fera, mesmo ciente que ele pode me
derrubar apenas com um tapa da mão gigante dele, se pensar que
sou uma louca.
— Me chamo Tina Zara, senhor. — Minha voz é tão covarde
e baixinha quanto minhas pernas trêmulas, que quase não se
aguentam em si, de tão frouxas que se encontram.
Dou um sorriso amarelo e ergo meu olhar para o dele,
apertando minha roupa na frente do meu corpo.
— Sou sua mais nova e muito em breve, ex-empregada!
CAPÍTULO 5
SEÑOR SÁNCHEZ

TINA ZARA

Me encolho e bato meu pé lentamente no tapete, com meus


braços cruzados, encarando a porta fechada do escritório, onde
Damaris e o senhor Sánchez estão conversando a portas trancadas
há mais de 40 minutos. Não posso dizer que tenha começado bem,
a verdade é que foi tudo uma merda. Respiro fundo e descruzo
meus braços, esfregando meu rosto, não acreditando que dormi. Eu
simplesmente apaguei naquela cama. Estava tão cansada... Desde
o dia que fugi de Nova York, não preguei os olhos, com medo de
não conseguir fugir, com pavor de Papi me encontrar com seus
capangas. Tinha vivido um inferno. Também estava magoada com
David pela sua traição, morta de medo da família para a qual eu vim
trabalhar não me aceitar e eu ficar sem ter para onde ir, já que tinha
apostado todas as minhas fichas aqui.
Não sabia nem por onde recomeçar a minha vida, quem daria
uma oportunidade de trabalho para uma garota como eu? Nunca
passou pela minha cabeça que Damaris não estaria aqui me
esperando. Madre Dolores tinha conversado com ela por telefone,
horas antes de eu embarcar no ônibus, deixando tudo acertado.
Damaris apenas tinha que confirmar que eu vinha de uma boa
família. Claro que não podia contar para meus futuros patrões que
eu não passava de uma garota ferrada que largou o colégio, não
tinha estudos completos e se vendia em um píer imundo. Minha
madre não tinha contado toda história para Damaris, dizendo o que
eu fazia em Nova York, apenas disse que era uma moça boa e que
daria conta do trabalho. As duas tinham combinado de contar uma
história, não completamente mentirosa, mas apenas apagando
algumas partes feias, como o fato de que fiquei sozinha depois que
minha família morreu e não tinha ninguém. Tinha experiência em
cuidar de criança, isso é verdade, já que ajudei Dolores com os
trigêmeos e os sobrinhos pequenos dela.
Só que agora eu não sei mais, não tenho ideia do que ele vai
decidir fazer comigo. O homem nem sequer deu uma única palavra
desde o segundo que me obrigou a abrir a boca e lhe contar o que
estava fazendo em sua casa. Pelo menos ele se vestiu e me deixou
me vestir antes de eu começar a falar, tornando menos embaraçoso
do que já era. Lhe contei tudo, desde o segundo que desci do
ônibus e cheguei na porta da sua casa, até o que encontrei os
pequenos sozinhos. Garanti a ele que foi eu que implorei a Tulho
que abrisse a porta, já que fiquei assustada e com medo quando
percebi que eles estavam sozinhos, com o pai dentro do quarto. Lhe
contei que cuidei dele porque estava queimando de febre, que
alimentei as crianças, assim como as coloquei para dormir e acendi
as lareiras.
A parte embaraçosa do que aconteceu depois que as
crianças já estavam dormindo que foi mais difícil, mas penso que
me saí bem mudando apenas alguns pontos do roteiro. Expliquei
que minhas roupas estavam molhadas, assim como as roupas da
minha mochila, que ficou ensopada quando eu fugi da chuva no
meio da estrada. Que não tinha roupa para trocar, e a única saída
que me restou foi tentar secar a que estava em meu corpo perto do
fogo da lareira, que eu não saí do quarto dele porque fiquei com
medo da febre voltar. Também lhe disse que ele se debateu na
cama quando eu iria começar a me vestir, e acabei indo para perto
dele, para ver se estava com febre, e ele estava queimando de
febre. Menti, claro que menti, não lhe contei que ele me puxou e me
deu um beijo, nem que fiquei presa embaixo dele, apenas que me
sentei no outro lado, para retornar a fazer compressa em sua testa,
aproveitando a bacia e o pano que estavam no quarto ainda, para
confirmar minha desculpa. Daí, provavelmente, eu acabei dormindo,
porque estava cansada e passei mais 16 horas dentro de um
ônibus.
Os olhos dele se mantiveram sérios enquanto me encaravam,
depois ele se levantou e saiu do quarto. Dei graças a Deus por
Damaris já estar na casa. Ela quase teve um ataque do coração
quando saia do quarto das crianças segurando o bebê no colo e
conversando com ele, e me viu atrás do seu patrão. O pobre Tulho
tinha seu rosto vermelho e olhar nervoso para mim, tendo Miguel e
Martin ao seu lado, risonhos, me olhando. Ele pediu para Tulho ficar
no quarto com os dois irmãos e Damaris o acompanhar com o bebê
até o escritório. Eu nem tive tempo de me despedir de Tulho e dos
outros meninos, quando a voz ríspida dele me ordenou para os
acompanhar até o escritório.
— Merda! — murmuro, chateada, me sentindo
completamente sem rumo, não sabendo o que eu vou fazer.
O som da porta sendo destrancada me faz olhar para ela
imediatamente. Encontro os olhos de Damaris quando abre a porta,
saindo com o bebê no colo.
— Au... au... — ele balbucia, chupando seus dedinhos.
— Oi, Babão. — Sorrio com tristeza para ele, segurando seus
dedinhos assim que Damaris para à minha frente.
— Senhor Sánchez pediu para você entrar. — Ela me olha
preocupada. — Ele quer conversar com você agora.
— Eu sinto muito se lhe causei algum problema, Damaris.
Não tive a intenção...
— Não, não. — Ela nega com a cabeça. — Eu que errei.
Sabia que viria, não devia ter saído. Mas vou à missa todos os
domingos, cedo, e na hora de voltar, um caminhão da
concessionária de carro colidiu com outro caminhão, e acabaram
bloqueando a estrada. — Ela respira fundo e nega com a cabeça. —
O ônibus não conseguiu nem sair da pista por causa da fila enorme
que já estava atrás dele, causando engarrafamento. E a tempestade
acabou piorando tudo. Ficamos presos dentro do ônibus até
liberarem a estrada para seguirmos viagem. Cheguei às 5h50 em
casa. De manhã, quando fui ao quarto dos meninos levar a
mamadeira de Roaquim, Tulho começou a falar sobre você, mas
parou quando ouvimos os gritos dentro do quarto.
— Damaris, juro que não aconteceu nada do que está
pensando! — Nego com a cabeça, me sentindo envergonhada. —
Estava cansada, eu acabei dormindo, realmente lamento por toda a
bagunça que criei.
— Eu sei, não tem que ficar se desculpando. Dolores me
garantiu que é uma boa menina, Tina. E se tem alguém em quem
confio de olhos fechados, é em minha prima.
— Prometo que vou tentar remediar isso, não quero ser
mandada embora causando uma mancha em você, já que estou
aqui por sua indicação...
— Señorita!
Eu me calo quando a voz alta me chama de dentro do
escritório. Olho na direção da porta entreaberta.
— Tenho que preparar o café da manhã dos meninos, entre e
converse com o patrão, sim? — Ela ergue sua mão e toca meu
rosto, o afagando. — Assim que sair daí, me procure, vamos dar um
jeito. Prometi à Dolores que iria cuidar de ti, acharemos outro
trabalho para ti, se for o caso.
Sinto meus olhos arderem e sinto vontade de chorar, me
sentindo tão ingrata por ter a colocado nessa situação. Damaris vira
e leva o pequeno com ela, cantarolando para ele. Olho para a porta
e inalo o ar com toda força antes de tomar coragem para dar um
passo à frente e entrar dentro do escritório, empurrando a porta
lentamente.
— Fecha a porta, señorita.
Meus olhos se mantêm abaixados, não sabendo com que
cara vou olhar para ele. Encosto a porta atrás de mim e dou um
passo curtinho para frente, preferindo não ficar muito distante da
porta. O silêncio que se forma dentro do escritório é esmagador, me
fazendo ficar ainda mais nervosa. Arrisco dar uma olhadinha rápida
na direção dele, o vendo de costas perto de uma janela, com as
mãos no bolso.
— Eu realmente sinto muito, muito mesmo. — Esfrego meus
dedos que estão suados na lateral da minha calça, fechando meus
olhos e respirando com força. — Não tenho palavras para me
desculpar o suficiente, mas apenas peço que não faça um mau
julgamento de Damaris por ter me indicado, e nem de Tulho,
principalmente, por ter me deixado entrar. Eu realmente fiquei
preocupada quando soube que ele estava cuidando dos irmãos,
sem um adulto para supervisionar, e muito chateada também, isso
não nego...
— Chateada? — Abro os meus olhos ao ouvir a voz dele me
perguntando seriamente, fazendo eu me sentir intimidada em um
primeiro momento, ao vê-lo virado de frente para mim, me
encarando com uma carranca. — Em qual momento, entre invadir a
minha casa e o meu quarto, se sentiu chateada, señorita? Porque
isso realmente me deixou curioso, já que ella yacía en mi cama,
como una gatuna buscando consuelo.[15]
Sua voz é arrogante, enquanto me olha de forma cínica e
cruel, me comparando a uma gata de rua que se deitou em sua
cama de propósito, como se eu tivesse me oferecendo. Sendo que
foi ele que me agarrou e me puxou para ela, me beijando como um
maldito pé-grande das cavernas. Está certo que isso eu não lhe
contei, mas ainda assim não tem o direito de me falar isso. Cuidei
dele a noite inteira, poderia ao menos demonstrar ser grato. Minha
boca se abre e fecha, enquanto semicerro meus olhos, tendo mais
uma vez um homem ingrato e mal-agradecido pisando em cima de
mim, como se eu não tivesse sentimentos ou fosse algo sem valor
algum. Esmago meus dedos e bato meu pé no chão, o olhando, não
sentindo medo de poupar palavras, já que claramente não serei
contratada pelo arrogante pé-grande.
— Primeiramente, não invadi sua casa, e muito menos o seu
quarto. — Dou um passo à frente e rosno baixo, lhe encarando,
sabendo que não tenho mais nada a perder nessa porcaria que é
minha vida, e não será um pé-grande ingrato como esse que irá
fazer eu me sentir um lixo de novo. — Y el día que busques una
cama para mayor comodidad, seguramente la tuya será el último,
señor![16]
Meu peito se estufa, tendo meu ser inteiro se inflamando de
vitória, ao ver a cara de bunda que ele faz em surpresa quando falo
em espanhol, o deixando saber que entendi muito bem seu insulto.
Ele se recompõe rapidamente, voltando a ficar com sua expressão
carrancuda.
— E sim, eu fiquei chateada, já que é muita responsabilidade
para um menino tão jovem como Tulho ter que ficar cuidando dos
seus irmãos pequenos, sem ter ideia do que fazer e sem saber se o
pai deles iria sair do quarto. E devo acrescentar que não causou
nenhuma boa impressão quando eu entrei e vi quatro... — Ergo
minha mão e mostro quatro dedos para a face ingrata dele. —
Quatro garrafas de vinho caídas no chão. E sim, eu me senti
chateada ao saber que aqueles pobres meninos estavam sozinhos,
sem janta, dentro de uma casa que estava mais gelada que a
própria chuva que desabava do lado de fora. E sim, eu cuidei de
você, eu fiz compressas para sua febre baixar! — As palavras
saltam por minha boca enquanto sinto a porta da dor se abrindo, me
fazendo sentir toda a pressão desses últimos dias de uma vez só,
como se eu tivesse sido esticada ao meu limite e não conseguisse
mais segurar todas as emoções. — E sim, eu fui burra o bastante
por ter tirado a porcaria da roupa molhada que estava me
congelando até os ossos para secar perto da lareira, por estar com
tanto frio que nem sentia mais os dedos da minha mão. Sim, fiquei
chateada comigo mesma por estar cansada, esgotada ao ponto de
pegar no sono, enquanto cuidava de você. E SIM, eu fiquei muito
chateada por ter destruído tudo antes mesmo de poder ter a chance
de começar, porque essa sou eu, a velha Tina, que mesmo
querendo fazer a coisa certa, acaba errando. E então, sim, eu fiquei
chateada, señor!
Sinto meu coração bater acelerado e minha respiração
alterada quando finalmente as palavras param de sair da minha
boca. Ergo minha mão esquerda e sinto meus dedos trêmulos
enquanto limpo minha bochecha, me odiando por ter perdido o
controle por completo, despejando em cima dele todo meu
desgoverno de uma única vez. Os olhos acastanhados estão presos
nos meus, em completo silêncio.
É, eu realmente tenho que dar os parabéns para mim
mesma, por conseguir fazer minha vida sempre ficar pior do que ela
já estava. Viro meu rosto para o lado e dou um sorriso triste,
fechando meus olhos e negando com a cabeça.
— Droga! — murmuro arrasada, percebendo que eu cheguei
ao fundo do poço, sem ter ideia de como vou sair dele, já que todas
as esperanças que ainda me restavam, eu tinha apostado nesse
trabalho.
Realmente meu pai tinha razão, quando dizia que a única
serventia que eu tinha nessa vida era em ser puta. Fui tola em
acreditar que ele estava errado.
— Eu sinto muito, realmente sinto muito, por tudo — falo
baixinho, não tendo coragem de olhar para ele de novo.
Viro meu rosto para frente e ergo minha mão, limpando
novamente minha bochecha molhada pelas lágrimas.
— Não precisa se preocupar, eu sei onde é a saída. — Meu
corpo gira e lhe dou as costas, caminhando de volta para a porta. —
Só vou pegar minha mochila...
— Dois mil dólares por mês. O pagamento não é alto. —
Meus passos param quando a voz séria fala atrás de mim. — Uma
babá em Nova York consegue receber bem mais que isso, e
cuidando de um menor número de crianças, mas é o que eu posso
pagar.
Fungo baixinho e fico confusa, me virando lentamente e
olhando perdida para o senhor Sánchez, que me encara sério, com
suas mãos nos bolsos.
— O senhor vai me deixar ficar com o emprego? — pergunto
perdida, ainda incerta se é isso que ele está me dizendo. — É isso
que está me dizendo...
— Não penso que deva ser uma boa escolha lhe deixar ficar,
na verdade, tenho certeza de que não deveria. — Ele estufa seu
peito para frente e respira fundo. — Mas o fato de ter conseguido
ganhar a confiança de Tulho, é algo que me faz ponderar sobre lhe
deixar ficar. As outras que passaram por aqui, mal conseguiam tirar
uma frase inteira dele, quanto mais o fazer confiar nelas.
Ele retira suas mãos dos bolsos da calça e dá um passo lento
à frente, se aproximando da mesa e batendo a ponta do seu dedo
nela lentamente, enquanto olha fixo para mim. Me dirige o mesmo
olhar desconfiado que o jovem Tulho me deu, quando abriu a porta
da cozinha e nos vimos pela primeira vez.
— Damaris me reportou que tem paciência e prática em
cuidar de meninos, e que trabalhava muito bem em seu último
emprego de cuidadora. — Ele arqueia sua sobrancelha, me
estudando.
— É... — Tombo meu rosto para o lado e coço nervosa minha
nuca. — De fato, nunca nenhum deles reclamou.
Sua cabeça balança em positivo, com ele ainda mantendo
seus olhos presos em mim, fazendo eu me sentir ainda mais
envergonhada, por saber que não era de crianças que eu cuidava.
— Por que deixou sua vida em Nova York para vir arranjar
trabalho em uma cidade pequena, longe de tudo, señorita?
Seus olhos são como os de uma águia presos nos meus,
como se estivesse sentindo cheiro de algo errado e aguardasse
algum vacilo da minha parte para confirmar suas suspeitas.
— Eu não tinha nada que me prendesse lá, e sempre gostei
de criança, então aceitei...
— Sua família? — Ele mantém suas perguntas, fazendo eu
me sentir como se estivesse diante de um policial, em um
interrogatório.
— Tenho a ex-esposa do meu pai, que me criou como filha —
falo, dessa vez sem precisar mentir, lhe contando a verdade. —
Mas, fora isso, nada mais.
— Seu pai, onde está?
— Ele morreu há oito meses, e minha mãe biológica já é
falecida também. Eu a perdi quando eu tinha quinze anos. Tenho um
irmão mais velho, mas ele seguiu outro caminho, indo viver a vida
dele, e eu me vi sozinha, tendo que ir viver a minha também. — Eu
sinto dor dentro de mim quando falo sobre isso, mas é a verdade, eu
estou sozinha.
— Mais alguém? — Pisco, confusa, quando ele me pergunta
de forma seca, como se esperasse eu contar sobre tios, tias e todos
esses outros parentes que eu nunca tive.
— Quer saber sobre os meus parentes... — Nego com a
cabeça. — Porque, se for isso, eu nunca nem os conheci...
— Não, señorita! — Ele me faz calar quando solta um
rosnado baixo, me encarando com mais intensidade. — Se eu
aceitar lhe deixar ficar, o que eu ainda não estou certo se vou,
precisa ter em mente que é um trabalho integral, que vai cuidar dos
meninos de dia e de noite. Terá folgas, mas precisará me avisar
quando desejar ter um dia livre, para ter algo com as pessoas da
sua vida particular. — Continuo a olhar perdida para ele, o vendo
pigarrear ao notar que eu não entendi. — Ou seja, para uma mulher
comprometida, esse não é o serviço ideal, señorita.
— Ohhh, saquei! — Estalo o canto da boca, entendendo o
que o pé-grande quer dizer. Por que ele não disse logo de cara?!
Ergo minha mão e a balanço no ar para ele. — Quer saber se eu
tenho um lance com alguém? — Nego com a cabeça, cruzando
meus braços na frente do corpo. — Não, eu não tenho nenhum
lance, señor!
Vejo a veia na lateral da sua testa ficando latente, enquanto
ele pigarreia de novo e ergue sua mão, esfregando suas têmporas.
— Lance... Dios! Isso é algum tipo de gíria de Nova York,
presumo — ele murmura e range seus dentes. — As babás que
trabalharam aqui sempre tinham mais de quarenta e dois anos, a
mais nova de todas tinha trinta, o que para mim foi o limite, señorita.
Eu perco a postura nesse segundo, ficando sem saber o que
dizer. Ninguém me avisou que tinha que ter mais de trinta anos para
trabalhar aqui, nem me contaram que tinha quatro crianças, para
começo de conversa. Ele abaixa a mão do rosto e retorna a me
olhar, enquanto leva os dedos ao bolso da calça e me dá um olhar
de cima a baixo, fechando ainda mais seu semblante.
— E tenho por mim que não tem nem vinte anos. Qual a sua
idade?
— Não, eu tenho! — falo rápido, negando com a cabeça. —
Posso ser baixinha, por isso aparento ser mais nova, mas tenho
quase trinta — minto descaradamente, ao ponto de jurar pela minha
alma que tenho realmente trinta anos. — Isso aqui, oh! — Aponto
para minha bochecha. — É tudo hidratante, muito hidratante... —
Estalo meus dedos, tentando o convencer da minha mentira, que
claramente não está o convencendo nem um pouco.
— Se limite a ser exata nesse seu quase trinta, señorita. —
Sua boca se esmaga e ele cerra seus olhos.
— Vinte eeeeeee oito! — Tombo meu rosto para o lado e dou
um sorriso amarelo. — Para chegar na casa dos trinta é um pulo,
piscou, já era.
Aumento meu sorriso amarelo, realmente tentando vender
minha mentira para ele. Seus olhos se fecham e ele nega com a
cabeça, respirando pesado. Meu corpo age por impulso e dou um
passo à frente, morrendo de medo de que ele me dispense. Eu nem
acreditava que ele poderia querer me pegar para trabalhar quando
saí de dentro daquele quarto, mas agora que tem uma pequena
chance, eu preciso me segurar a ela.
— Olha, eu sei que deve preferir babás mais velhas e com
experiência, e sei que eu já comecei com o pé esquerdo, lhe dando
todos os motivos para não me escolher. — Ele abaixa sua mão do
seu rosto e me olha. — Mas posso garantir que o que elas fazem,
eu também posso fazer, e até melhor! Eu gosto de crianças, amo
cuidar delas e ficar perto das crianças, porque elas são verdadeiras,
não machucam, não escondem o que sentem. Se estão felizes,
mostram; se estão bravas, elas também mostram; não têm toda a
falta de empatia que os adultos trazem dentro deles. Por isso, as
amo, e eu vou cuidar dos seus filhos com todo carinho e amor, eu
juro. Apenas me dê uma chance, e posso garantir que não vai se
arrepender de me dar esse emprego, señor Sánchez.
Sinto meu coração disparado, com minha respiração presa
em meus pulmões, como se estivesse diante de um juiz que
sentenciará a minha vida, tendo o poder de escolher me deixar
recomeçar a minha vida de um jeito honrado e certo, ou me jogar de
volta àquela prisão imunda que eu sempre vivi. Ele fecha seus olhos
e inala o ar com força, enquanto esfrega sua testa com as pontas
dos seus dedos.
— Dios mío![17] — ele sussurra e nega com a cabeça, antes
de abaixar sua mão e erguer seus olhos para mim. — Peça à
Damaris para lhe mostrar seu quarto, ela vai lhe dizer quais são
seus afazeres.
— Oh, meu Deus! — Ergo minhas mãos e tapo minha boca,
sentindo meu corpo todo vibrando com felicidade, o que para mim é
algo tão difícil de sentir, mas eu a sinto, sinto uma alegria, como se
pela primeira vez eu tivesse uma chance de mudar meu destino. —
Obrigada. Oh, meu Deus, obrigada, prometo que não vai ser
arrepender, eu prometo!
Sorrio contente e bato minhas mãos ao lado do corpo,
sentindo como se fogos de artifícios estivessem explodindo dentro
de mim. Mas eu congelo, ficando paradinha, nem piscando, quando
ele se move e caminha em minha direção. Meu pescoço se estica
para encarar o par de olhos castanhos que estão estreitos, me
observando carrancudos, quando ele invade meu espaço pessoal.
Minhas costas praticamente arqueiam para trás no segundo que ele
se inclina e solta uma bufada de ar quente em minha face.
— Para seu bem, sugiro que não faça eu me arrepender! —
ele sibila de forma ríspida, abaixando seus olhos para a frente da
minha camisa da Betty Boop e revirando seus olhos, com sua
cabeça balançando para os lados. — Ainda mais do que eu já estou!
— Não vou — murmuro e dou um passinho para trás,
mantendo uma distância boa entre nós dois. Bato minhas mãos uma
na outra quando as ergo, apontando com os indicadores erguidos
para ele. — Pode ter certeza.
O pé-grande ranzinza se endireita e fica com seu corpo
rígido, me olhando, sem muita confiança em minhas palavras, antes
de virar e caminhar de volta para sua mesa.
— Pode ir.
Eu não espero uma segunda ordem dele, apenas me viro
rápido, sorrindo de orelha a orelha, ainda não acreditando que eu
consegui o emprego. Já tinha o dado por perdido, praticamente sem
chance alguma.
— Señorita! — Paro minha mão na maçaneta da porta
quando ele me chama. Viro meu rosto, olhando para ele, que
empurra sua cadeira, a afastando da mesa, e eu sinto uma pontada
de medo, dele ter mudado de ideia. — Sabe dirigir, tem habilitação?
— Sim, eu sei, e tenho. — Sorrio para ele e balanço a cabeça
em positivo, finalmente agradecendo por algo bom que tenha
acontecido em minha vida na época que trabalhava como stripper
na boate noturna.
Um dos meus clientes que ia lá, me ensinou a dirigir e pagou
para eu conseguir tirar a habilitação. Tinha falado para ele uma vez,
sem dar muita importância, quando ele perguntou se eu tinha
vontade de alguma coisa, que era de aprender a dirigir. No outro dia,
quando ele foi me ver, ele ficou esperando a boate fechar e me
aguardou do lado de fora, dizendo que iria me ensinar.
— Bom, isso é bom. Vai precisar para buscar Tulho na
escola. Miguel e Martin vão e voltam com o ônibus escolar, mas o
colégio de Tulho é mais longe, por isso eu costumo o levar e a babá
busca, já que no horário que ele sai eu estou trabalhando na
vinícola.
— Eu tenho a habilitação, mas...
— Vai usar um dos meus carros — ele responde antes
mesmo que eu termine, como se soubesse o que eu iria dizer.
— Ok, pode deixar! Tulho vai ter a melhor motorista
particular! — digo, sorrindo, mordendo meu lábio inferior, me
sentindo tão alegre que nem consigo descrever quão grata estou
por ele me dar essa chance. — Gracias, señor, por creer en mí[18] —
falo, baixo, em espanhol para ele, dando um meio sorriso.
Seus olhos castanhos ficam presos nos meus e ele me dá um
leve balançar de cabeça em positivo. Viro e saio do escritório, e
quando abro a porta, a fechando atrás de mim, meu corpo ainda se
mantém parado do lado de fora do corredor, assimilando tudo que
acabou de acontecer.
— A gente conseguiu, Tina... Conseguimos, garota!
Dou um pulinho alegre, tapando minha boca e abafando um
gritinho de felicidade, andando às pressas para longe da porta do
escritório.
CAPÍTULO 6
MEU RECOMEÇO

TINA ZARA

— Esse aqui é o seu quarto. — Damaris sorri para mim e


abre a porta de um cômodo no final de um corredor perto da
lavanderia. — É um pouco pequeno, mas...
— Ele é perfeito! — falo com sinceridade, não a deixando
terminar, dando um sorriso contente e olhando o aconchegante
cômodo.
Ele é maior que o meu antigo quarto, no apartamento que
dividia com David. As paredes pintadas de branco não possuem o
reboco descascado e nem o cheiro de mofo que impregnava o ar
daquele prédio. Tem uma cama de solteiro ao canto, na parede da
janela com cortinas amarelas, e uma cômoda de oito gavetas no
outro canto, ao lado uma porta aberta, o que me deixa saber que é o
banheiro. Sorrio e caminho lenta para lá, esticando meu pescoço e
vendo o boxe de vidro, não com uma cortina de plástico, como era
lá em casa. É todo azulejado com ladrilhos rosinhas, desde o chão
até as paredes, com um espelho grande em cima da cuba da pia do
banheiro e um armário pequeno. Rio, negando com a cabeça,
parando meus olhos na televisão em cima da cômoda. Nunca
sequer imaginei que um dia poderia ter um quarto com um banheiro
dentro dele, quanto mais uma televisão, e agora meu quarto tem
ambos, além de um ventilador de teto. A cortina amarela florida na
janela faz tudo parecer tão claro, limpo e bonito. Ao lado da cama
tem um móvel pequeno, com uma gaveta, e em cima dele tem um
aparelho pequenino, como uma bolinha branca, ao lado do abajur.
— Essa aqui é a babá eletrônica. Tem uma no seu quarto e a
outra está no quarto dos meninos. — Damaris aperta o botão
vermelho que tem ao centro da bolinha, e eu sorrio assim que
escuto a respiração do Babão rosinha.
— É o Roaquim — falo para ela, prestando atenção no
suspiro baixinho do bebê, que eu tinha ajudado ela a fazer dormir
após o almoço, enquanto Damaris arrumava Martin e Miguel para ir
à escola. Tulho já se aprontava sozinho.
— Sim, fica uma babá eletrônica perto do berço dele, assim
pode ouvir no meio da noite se ele ou os irmãos precisam de algo.
— Ok, entendi.
— Eles são crianças normais, meninos agitados, mas não
dão tanto trabalho. Roaquim, depois que tem a fralda trocada e a
barriga cheia, dorme a noite inteira.
Sorrio para ela e solto minha mochila no chão, perto da
cama, levando meus dedos ao bolso da calça.
— Pode ficar à vontade para guardar suas coisas na cômoda.
Eu ainda não tive tempo de limpar as gavetas desde que a última
babá foi embora... Confesso que não tenho mais a mesma energia
que antes. — Damaris ergue seus dedos e esfrega sua testa. —
Cuidar da casa e de quatro meninos ao mesmo tempo é exaustivo.
— Não se preocupe, eu posso fazer isso depois — digo
rápido, balançando minha cabeça em positivo.
— Confesso que rezei muito para conseguir uma boa ajuda.
— Ela me dá um sorriso amarelo e caminha lentamente na direção
da porta da saída do quarto. — Você vai se sair bem. Pelo que
Dolores me contou, sua paciência para lidar com crianças vai ser
uma bênção.
— Achei os meninos muito educados. — Caminho atrás dela,
a seguindo e lhe contando a primeira impressão que tive deles.
— Oh, e são! — Ela vira seu rosto por cima do ombro e me
olha, dando uma risada. — Mas vai precisar de muita paciência.
Cada um consegue ser genioso à sua maneira. Você vai aprender a
lidar com eles, apenas tenha calma que vai ver que são bons
meninos, apenas são carentes.
Me mantenho em silêncio, a ouvindo e a seguindo pela casa
enquanto ela me mostra cada cômodo e conta sobre meus afazeres.
A prioridade são os garotos, e tudo incluso no dia a dia deles.
Banho, dever de casa, alimentação, os deixar prontos para ir à
escola, levando Miguel e Martin até a entrada da vinícola, onde um
ônibus escolar os pega, nunca perder a bolinha rosada de vista, e,
principalmente, tudo que está na mão dele, pois ele leva direto para
a boca. Também preciso buscar Tulho no colégio, pois o dele é mais
longe, por isso o pai dele o leva para a escola e fica ao encargo da
babá ir buscar. Damaris vai me ajudar nesse tempo, cuidando de
Roaquim e o levando para passear, indo até a entrada da vinícola
esperar Miguel e Martin, que chegam no ônibus escolar. Tenho que
dar banho nos grandes depois que chegarem da escola, dar o
jantar, e televisão apenas duas horas por dia. Eles têm que estar na
cama antes das 20h da noite.
Pelo fato de Damaris estar cuidando deles no último mês
sozinha, ela acabou os deixando dormir em um único quarto, o de
Tulho, para assim ficar mais fácil para ela ter que cuidar deles à
noite, caso acontecesse alguma coisa. Martin e Miguel dividem um
quarto ao fim do corredor. O que fica perto das escadas, próximo ao
do senhor Sánchez, é do Babão rosado. Damaris me pediu para o
retornar a dormir no quarto dele, de bebê, para assim poder deixar
Tulho retornar a ter sua privacidade, os fazendo se acostumar cada
um com seu quarto. Nos horários de soneca do Babão ou quando
não estivesse ocupada, cuidando dos garotos, tenho
responsabilidades com os cuidados e limpeza dos quartos deles,
assim como as roupas da casa.
Damaris também ajuda no serviço da faxina quando não está
na cozinha, preparando as refeições. Ela estava dormindo na casa
apenas por esses dias, enquanto não arrumavam uma babá. Ela
tem uma casa para ela, que fica no terreno do senhor Sánchez, um
chalé pequeno, que fica há 15 minutos da residência dele. Nos dias
de folga dela, aos domingos, que são sagrados para ela, Damaris
nunca perde uma missa na igreja, então alimentar a família é minha
responsabilidade. Miguel é alérgico a amendoim, Tulho e Martin não
são alérgicos a nada, e Roaquim, por enquanto, não apresentou
nenhum tipo de reação alérgica. Tirando manter qualquer coisa que
o Babão possa levar à boca e o amendoim longe de Miguel, eu não
tinha encontrado dificuldade alguma em cuidar deles. Não entendia
por que as babás não ficavam nessa casa, mas optei por não
expressar minha opinião.
— Bom, e esse aqui, como você já sabe... — Ela para perto
da porta do quarto do senhor Sánchez. — É o aposento do patrão.
Entramos dentro dele apenas depois que o patrão sai para trabalhar,
mas, por enquanto, vamos deixar o cuidado do quarto dele comigo,
sim?
Sinto minhas bochechas arderem de vergonha e olho ainda
chateada para ela, por conta do ocorrido.
— Damaris, realmente juro que não aconteceu nada... —
Nego com a cabeça, falando para ela. — Ele estava queimando de
febre, então eu...
— É uma mula teimosa, esse homem! — ela me corta,
falando rápido e negando com a cabeça. — Pode estar morrendo,
mas não pede ajuda. Eu perguntei cinco vezes a ele se tinha
certeza que eu podia ir à missa, que não me importava de cuidar
dos meninos e lhe preparar um chá. Percebi que ele não estava
100%, mas teimoso como apenas os Sánchez conseguem ser, jurou
que estava ótimo e que eu podia ir sem me preocupar. Eu devia era
ter ficado em casa... assim teríamos evitado muita coisa, inclusive o
teatro de Pamela...
— Não entrei nesse quarto com alguma intenção errada, as
coisas que aquela mulher gritou e não sei se ouviu, não
aconteceram...
— Eu sei, o patrão é um homem honrado. — Ela estica seu
braço e me dá um leve tapinha em meu ombro. — Para ser sincera,
realmente fiquei feliz em ver aquela cobra saindo daqui, finalmente.
Ela ergue sua mão e tapa sua boca enquanto chacoalha seus
ombros, dando um risinho. Eu não rio, porque não desejava que
aquilo tivesse acontecido. Por mais que Damaris deixe bem explícita
em sua expressão de alegria que sente antipatia pela mulher, ainda
assim me sinto uma merda pelo que aconteceu e a forma como eu
fui pivô de um conflito entre um casal. Eu sei que parece ser
hipócrita da minha parte, ainda mais por causa do trabalho que eu
fazia no píer, onde 99% dos clientes que iam até a Rua dos
Prazeres atrás das garotas eram homem comprometidos, mas,
ainda assim, eu me sentia mal, me sentia um lixo, amaldiçoada de
alguma forma, por estar deixando um homem tocar em mim, um
homem que estava deixando sua mulher em casa para procurar
uma prostituta na rua. David riu de mim na primeira vez que disse o
que sentia para ele.
— Putas não têm senso de boa moral, Z. Dinheiro é dinheiro.
Uma prostituta que se sente culpada em receber grana de homem
casado, é o mesmo que o dono de um bar ter dó de vender bebida
para um alcoólatra.
Era o que ele sempre repetia, mas eu não conseguia pensar
assim. Eu me sentia uma pessoa horrível, só que eu precisava da
porcaria da grana. Bom, era essa a desculpa que falava para mim,
todo dia, quando saia do prédio e ia em direção ao píer, isso até
David me apunhalar pelas costas.
— Deus sabe como esses meninos precisam de uma mulher
dentro dessa casa cuidando deles, fora eu. — Ela desce as escadas
tagarelando, balançando a cabeça para os lados. — Mas, com toda
certeza, não é aquela interesseira amarga, que queria cravar as
garras no senhor Sebastian. Graças a Deus, ele aprendeu com o
erro e não cai mais nesse tipo de golpe!
Dolores havia me alertado sobre o hábito de falar pelos
cotovelos de Damaris, que sua língua tagarela adora fazer fofoca, e
falou para que eu não desse trela, porque, caso contrário, ela nunca
pararia de falar, mas eu não consigo resistir à minha curiosidade, e
por isso, antes que possa me segurar, me vejo perguntando sobre o
que ela se refere:
— Golpe?
— Sim, golpe! — Ela ergue sua mão e balança no ar,
enquanto caminha para a cozinha. — Não tem ideia do quanto de
desgraça que já aconteceu com essa família, Tina! Por isso acredito
que realmente será benéfico para esses meninos terem alguém que
realmente esteja interessada em cuidar deles, e não colocar uma
aliança no dedo do pai deles.
Paro de andar quando entro na cozinha, ficando perto da
mesa e a vendo se servir de uma xícara de café.
— Aquela anoréxica, que entrou no quarto, apenas deseja
isso. Ela nunca nem sequer ficou cinco minutos que fosse sozinha
perto dos meninos, apenas visava o pai.
Apoio minhas mãos na cadeira e olho para ela quando a
pequena mulher tagarela. Ela vira e fica de frente para mim,
puxando uma cadeira e se sentando, me deixando saber que
continuará a fofoca.
— Mas ela errou a mira, porque o senhor Sebastian prefere
enfrentar um touro na arena, do que arrumar outra esposa.
— Diz isso por causa da mãe dos meninos? — pergunto,
baixo, me recordando do homem febril e das palavras que ele dizia,
como se estivesse com raiva enquanto delirava. — Eu acabei
ouvindo na hora da discussão que ela faleceu.
— Sim, ela foi uma desgraça na vida dele. Fora os meninos,
não trouxe nada de bom para ele e nem para a família Sánchez.
Esse deve ser aquele momento que Dolores me alertou, para
não dar corda à Damaris, mas minha curiosidade fica ainda maior a
cada informação que a pequena senhora solta.
— Ela não era uma boa esposa? — questiono, intrigada, a
olhando com curiosidade.
— Se aquilo era boa em alguma coisa, com toda certeza
mostrava apenas para ele, porque de resto não prestava para nada.
Deus que me perdoe por estar falando mal de uma morta, mas não
é porque morreu que virou santa. — Ela abaixa a xícara em cima da
mesa e olha para mim. — Nunca trocou uma única fralda que fosse
de nenhum dos seus filhos, muito menos os alimentou em seu peito,
com medo de ficar feia...
Damaris ri de forma triste, negando com a cabeça, virando
seu rosto para a janela da cozinha.
— Eu lembro da primeira vez que ela pisou nessa casa,
lembro como se fosse hoje. Os olhos verdes de boneca, com uma
pele bela, parecendo porcelana, era uma princesa linda. Realmente
era linda, mas fora sua beleza não tinha nada dentro dela, além do
interesse de se casar com o jovem rapaz que herdaria toda essa
vinícola.
Mexo em minhas pernas e olho para ela, me mantendo em
silêncio, a vendo com sua expressão melancólica.
— Juan Sánchez, o pai do senhor Sebastian, era um homem
muito bom, honrado e trabalhador. Posso garantir que depois do
senhor Sebastian, o pai dele foi o melhor patrão que eu já tive.
Dolores havia me contado que Damaris trabalhava há anos
para essa família. Ela tinha vindo pequena para cá, com sua madre,
que cozinhava para eles, e com os anos acabou pegando o lugar da
mãe, quando a mesma se foi.
— Não tinha um dia que essa casa não estava em festa, com
todos os parentes e família reunida, ele amava isso. Amava sua
casa cheia de vida, como ele dizia. — Ela sorri, negando com a
cabeça. — Trabalhou por muitos anos nessa vinícola, que está na
família Sánchez há anos, mesmo ele tendo outra vinícola na
Espanha na época. Mas ele dizia que aqui era o seu legado, porque
nessas terras foi onde seu avô começou a história deles quando
migrou para a América do Norte.
Sua face retorna para mim e me dá um olhar triste, soltando
um suspiro baixinho.
— Fora as terras, seus outros grandes amores e orgulho
eram seus filhos, Lorenzo e Sebastian. Sebastian é o filho mais
velho, três anos a mais que Lorenzo. O patrão queria que eles
tivessem estudos, fossem homens com diploma, para que o
ajudassem a cuidar do patrimônio deles. — Ela ri e bate seus dedos
na mesa. — Lorenzo preferia a Espanha, ele gostava de lá por
conta da vida frívola que podia levar longe dos olhos do pai, apenas
gastando o dinheiro que o homem mandava para custear os
estudos, sendo completamente o oposto de Sebastian, que amava
lidar com a terra e o plantio de uvas, como o velho Juan.
— O senhor Sebastian preferiu ficar aqui do que estudar?
— Não, não, ele estudou. Ele partiu com dezoito anos e foi se
aprimorar, se formando na faculdade em Nova York e viajando,
conhecendo outros vinhedos, para poder retornar e implantar aqui
tudo que ele tinha aprendido — Damaris fala baixo, parando seu
olhar na xícara. — Quando ele voltou, aos vinte e oito anos, trouxe
Sheila com ele, uma aspirante à atriz de teatro, por quem ele tinha
se encantado em Paris. Ele casou-se com ela assim que ela lhe
disse que estava grávida dele, e veio para cá para apresentar a
esposa dele para seu pai. O senhor Juan já estava muito fraco de
saúde e velho na época, mas ficou feliz pelo filho ter encontrado um
amor e saber que tinha um neto a caminho. O velho Sánchez
faleceu quinze dias depois que Sebastian apareceu com a esposa
nessa casa. O que suponho que seria uma visita rápida, acabou
sendo uma estada permanente, já que na divisão dos bens, o velho
deixou essa vinícola para o senhor Sebastian, e a outra que ele
tinha na Espanha para Lorenzo.
— Isso deve ter o deixado arrasado, ficar anos longe do pai e
quando voltou nem teve tempo de ficar com ele.
— Oh, isso acabou com ele! O senhor Sebastian sempre foi
bem ligado ao pai, mas o honrou, não se desfazendo da herança
que seu pai o tinha deixado, diferente de Lorenzo, que acabou com
toda sua herança e até perdeu a vinícola da Espanha. — Ela fecha
sua mão e dá um leve soquinho na mesa, erguendo sua cabeça
para mim. — E mesmo a esposa querendo ir embora, o senhor
Sebastian bateu o pé e disse que ficaria. A mãe dele, a senhora
Soledad, foi quem partiu, ela preferiu ir para a Espanha e ficar com
as irmãs dela, que ainda eram vivas, deixando assim a casa ser
cuidada pela nova senhora Sánchez. O primeiro ano foi
maravilhoso, Tulho nasceu e trouxe alegria para essa casa de novo,
fazendo o senhor Sebastian irradiar mais luz que o sol. Mas eu vi, vi
com esses olhos, a face dela ao recusar seu filho de mamar em seu
peito na primeira vez que o levei a ela. Era ódio que ela sentia,
principalmente quando viu a forma como o senhor Sebastian olhava
para o filho, como se fosse a coisa mais importante da vida dele.
Meus olhos se arregalam enquanto fico sem saber o que
dizer, apenas ouvindo a voz de Damaris contando essas coisas.
— Ela odiava a maternidade, assim como essa casa, o lugar
e a vida pacata que tinha aqui. Desejava voltar para a vida agitada
que tinha em Paris. E descontava sua raiva e frustação deixando
todos à sua volta infelizes. Mesmo o senhor Sebastian fazendo de
tudo para alegrá-la, nada do que ele fazia era o suficiente. — Escuto
as palavras dela e sinto meu coração doer, porque não tem como eu
não pensar em minha mãe, que rejeitou a mim e a David, ao ouvir a
história da mãe de Tulho. — O senhor Sebastian a levou para Paris
no aniversário de casamento deles de um ano, Tulho era pequenino
ainda, ficou comigo e a babá que cuidava dele, com a intenção de a
fazer se sentir feliz.
— Ela ficou feliz?
— Cristo, Tina, ela voltou pior do que partiu! Odiando ainda
mais a casa, o lugar e a vida que tinha aqui, e ficou ainda pior, muito
pior, quando essa mulher descobriu que estava grávida de novo. —
Damaris nega com a cabeça e encosta suas costas na cadeira. — O
senhor Sebastian praticamente cobriu essa mulher de ouro, de tão
feliz que ele ficou ao saber que teria outro filho. Ele dava tudo que
ela queria para a deixar feliz, e interesseira e egoísta como ela era,
isso funcionou por um tempo, mas só Deus e eu, que ouvi os gritos
de ódio dentro dessa casa, sabe o quanto essa mulher amaldiçoou
o pobre Miguel quando acabou engravidando dele no resguardo,
depois que Martin nasceu.
— Por que ela não tentou tomar algum remédio, se não
queria mais filhos? Há muitos métodos de evitar uma gestação, se
ela não queria engravidar, apenas tinha que encontrar uma...
— E acha que ela iria perder a única forma que tinha de
deixar o senhor Sebastian ainda mais preso a ela?
— Eu não sei se entendi. — Inclino meu rosto para o lado, a
olhando confusa. — Ela não estava brava por que não queria ser
mãe...
— Ela odiava ser mãe, mas amava ser tratada como uma
rainha por ele. — Damaris ri, negando com a cabeça. — O senhor
Sebastian é um homem de sangue quente, como todo latino, viril...
Arregalo meus olhos, compreendendo essa parte quando ela
estica seu braço e o deixa rígido, com seu punho fechado.
— Ela o fazia de gato e sapato, e ele comia na mão dela.
Devia ter mel naquela boceta, porque nunca vi um homem ficar tão
cego diante da verdade que estava na frente dele — Damaris joga a
verdade de uma única vez, me deixando entender que a esposa do
senhor Sánchez usava o sexo para o controlar. — Ela sabia como
evitar os filhos, mas não os evitava, não quando sabia que era o
único jeito de o deixar ainda mais preso a ela. O senhor Sebastian
ama ser pai, por isso toda vez que ele estava começando a se
afastar e abrir os olhos para a cobra que ela era, Sheila ia lá e ficava
grávida.
— Acho que entendi menos ainda, Damaris — digo, negando
com a cabeça. — Entendo que ela usava o sexo para o manter
perto dela, mas por que engravidar se odiava ser mãe?
— Porque assim ele não via a verdadeira face dela. Mas os
filhos mudam a gente, Tina. O senhor Sebastian amava os filhos
dele acima de qualquer coisa, até dela — Damaris suspira e solta o
ar lentamente. — E o que ela usava como arma para o manter preso
a ela, acabou virando a libertação dele...
— Como assim?
— Ela alegava que ele não dava mais atenção a ela, que não
se importava com ela, apenas com os filhos, que estava a deixando
de lado. — Damaris ergue a mão no ar e a balança. — Era ele pôr o
pé dentro da casa, quando retornava da vinícola, e uma briga
começava. Eram gritarias e xingamentos, e do jeito que ele entrava,
ele saia segundos depois. O senhor Sebastian não gostava de
deixar as crianças assustadas, vendo o estado desequilibrado que
ela ficava quando começava a xingá-lo. Ela o agredia, partia para
cima dele. Juro que se fosse qualquer outro homem, teria batido
nela de volta, mas ele não fazia isso, ele nunca ergueu um dedo
sequer para ela.
Meus dedos se soltam da cadeira e os levo ao bolso da
calça, me recordando da mulher no quarto, da forma como ela ficou
chocada ao bater no rosto dele e como se desculpou logo em
seguida, do olhar frio que ele deu a ela, que fazia até a alma do
corpo congelar de medo.
— Ele tentou, Deus é a prova disso, que esse homem tentou
fazer o casamento dele dar certo, mas qualquer um via nos olhos de
Sebastian, que qualquer que fosse o feitiço que ela tinha sobre ele,
tinha acabado, e a única coisa que os prendia eram os filhos. —
Damaris repuxa o nariz, negando com a cabeça. — Ele não se
divorciava dela porque sabia que ela levaria os meninos embora,
aquela vagabunda vivia ameaçando tirar as crianças dele, se ele a
deixasse. Ela também não o amava mais, era possível ver isso na
face dela, mas ela nunca perderia todo o dinheiro que ele tinha. Os
dois já nem dividiam o mesmo quarto e raramente trocavam uma
palavra. Foi um casamento horrível, sendo arrastado por anos, até a
desgraça acontecer de vez...
Novamente minha mente me alerta, trazendo a voz de madre
Dolores em minha cabeça, me alertando para não continuar com a
fofoca com Damaris, porque já tinha ouvido história demais, que
nem tinha que ouvir, sobre essa família.
— Qual desgraça? — pergunto, baixinho, mordendo o canto
da minha boca, com a curiosidade sendo maior que eu.
— Lorenzo. — Damaris solta o nome de uma única vez. — O
irmão do senhor Sebastian, ele apareceu por aqui. Anos sem nem
dar às caras nessa casa, e um belo dia apareceu na porta. Eu sabia
que aqueles risinhos e passeios entre o cunhado e a esposa não
iriam acabar bem...
— Oh, merda, não me diz...
— Sim, eu digo. — Ela balança a cabeça em positivo, o que
me faz abrir minha boca, completamente chocada, confirmando o
que passou em minha cabeça. — Foi dentro dessa casa, embaixo
do teto do marido dela, no quarto dele... praticamente como se
quisesse se vingar do senhor Sebastian.
— Porra! — Ergo minha mão e tapo meu rosto, negando com
a cabeça. — Ele pegou a mulher e o irmão no quarto dele, dormindo
juntos?
— Penso que se tivesse sido ele a pegar os dois juntos na
cama, não teria tido uma briga tão feia. — Damaris nega com a
cabeça. — Mas foi justamente pelo fato de ter sido outra pessoa que
a viu, como uma cadela nua em cima da cama, de quatro, fodendo
com Lorenzo, que o fez a escorraçar dessa casa como uma
cachorra, junto com o irmão.
Eu tiro a mão da minha boca e olho perdida um segundo para
o chão, me recordando do jovem retraído diante da porta.
— Aqui é o quarto do papai. — Tulho para diante de uma
porta, enquanto fica parado, olhando perdido para ela, parecendo
estar incerto ainda se deve abri-la ou não.
Olho com mais atenção para o jovem, observando seus
ombros caídos e seus dedinhos das mãos esmagados ao lado do
corpo, como se não desejasse entrar no quarto.
— Oh, meu Deus! — sibilo, agora entendendo por que ele
não queria abrir a porta. — Foi Tulho que os flagrou...
— Sim. Por Cristo! O pobre ficou assustado, achou que era o
pai que estava no quarto quando ouviu barulhos vindo de lá. Tinha
chegado em casa com a babá, que foi buscá-lo na escola. Ele
sempre foi apegado ao pai. — Ela me dá um olhar triste, passando a
ponta do seu dedo na borda da xícara. — Eu estava aqui na
cozinha, com Martin e Miguel, e não sabia o que estava
acontecendo no quarto, do contrário, nunca o teria deixado ir para o
andar de cima.
— O que houve com Tulho naquele quarto, Damaris? — Eu
sinto dentro de mim uma angústia, como se uma mão esmagasse
meu coração, e não consigo explicar o porquê.
— Tulho entrou em choque, ficou assustado. Sheila se
desesperou quando viu o filho dentro do quarto, a pegando nua em
cima da cama com outro homem. — Ela range seus dentes e
esmaga seus dedos em cima da mesa, os fechando em punho. —
Por Deus, Lorenzo foi um canalha, ele arrastou Tulho para dentro do
quarto e o amedrontou, dizendo que se contasse o que tinha visto
para Sebastian, ele iria apanhar até se mijar nas calças. Tulho
começou a chorar, chamando pelo pai, e Lorenzo deu um soco na
face do menino, fraturando o maxilar dele. Ouvi os gritos dela e o
choro de Tulho. Estava correndo em direção às escadas, quando a
porta da frente se abriu. O senhor Sebastian entrou na casa e ouviu
os gritos de Sheila e o choro do filho. Ele subiu as escadas como
um tornado. No mesmo segundo, eu corri atrás dele, a tempo de o
ver chutando a porta do quarto, a estourando.
Meu coração dói ao imaginar a dor e o medo do jovem Tulho,
sabendo exatamente como ele se sentiu dentro daquele quarto,
sendo amedrontado por um homem desgraçado. Sei a dor que um
punho desferido em seu rosto pode causar. Quantas vezes Papi me
machucou ao ponto de eu nem conseguir abrir meus olhos, de tão
inchados que ficavam?!
— Foi a pior coisa que eu já vi na minha vida. Aquela mulher
nua, em cima da cama, e o pobre Tulho caído no chão do quarto,
com o rosto sangrando. O senhor Sebastian não precisou de muito
para entender o que estava acontecendo ali, vendo o irmão nu, de
pé, ao lado do filho dele, e Sheila nua em cima da cama. — Damaris
esfrega sua nuca e solta um suspiro melancólico. — Precisei gritar
por socorro e mandar a babá correr até a vinícola para chamar
ajuda. Precisou do primo do senhor Sebastian e mais quatro
homens, para o tirar de cima de Lorenzo. Pensei que ele iria matar o
irmão, de tanto que batia nele.
Cruzo meus braços e encolho meus ombros, compreendendo
agora porque Tulho é tão desconfiado daquele jeito.
— Ele a expulsou da casa, junto com o irmão, mandando a
babá e eu arrumarmos as malas dela e de Lorenzo. — Ela dá um
sorriso triste e abaixa seu olhar para a xícara em cima da mesa. —
Pobre Tulho, ficou dias trancado dentro do quarto, não conversando
com ninguém!
— Mas ela nem sequer tentou proteger Tulho? Não tentou
conversar com ele quando ela e o senhor Sebastian se acertaram...
— A cabeça de Damaris se ergue e ela me olha.
— O senhor Sebastian preferiria ver um demônio à sua
frente, a trocar uma palavra que fosse com aquela cobra
novamente.
— Mas... — Volto a ficar confusa, olhando Damaris sem a
entender. — Mas eles não se acertaram? Eu pensei que tinham se
acertado, afinal, Roaquim...
— O bebê não é filho do senhor Sebastian, Tina — ela fala
com tristeza, me fazendo ficar sem palavras ao ouvir a notícia. —
Sheila morreu no parto de Roaquim. Ele é a semente que Lorenzo
deixou dentro da barriga dela quando os dois tiveram um caso
dentro dessa casa.
— Oh, merda! — Nesse segundo, eu realmente estou me
condenando por não ter ouvido a vozinha da madre em minha
cabeça, que me mandou parar de dar corda para as histórias de
Damaris.
— O senhor Sebastian recebeu uma ligação de Nova York,
oito meses atrás, da maternidade, já que ela tinha deixado o
telefone dele como emergência e os dois não tinham se divorciado
ainda no papel. — Solto um suspiro baixo, entendendo agora a
desgraça a qual ela se referia que se abateu nessa família. —
Comunicaram o falecimento dela e disseram que o bebê estava lá.
Ela não voltou para Paris, como eu pensei, e muito menos ficou com
Lorenzo. Ele largou dela assim que soube que ela estava grávida, a
deixando à própria sorte. A mãe do senhor Sebastian, que ainda
estava viva na época, contou para ele, quando ele ligou e avisou
sobre o filho do irmão e que Sheila tinha morrido, que Lorenzo não
queria saber da criança e nem da morte de Sheila. A velha senhora
Sánchez morreu dois meses depois, de um infarto fulminante, nem
chegou a conhecer o último neto.
— O senhor Sánchez assumiu o Roaquim?
— Sim, ele registrou o pequeno como filho dele e dela,
cuidando de toda a papelada para o sepultamento — Damaris fala
desgostosa, negando com a cabeça. — Por mais que fosse uma
ingrata, que não merecia tudo o que ele fez por ela, ainda assim ele
foi honrado, dando um enterro decente para a mãe dos filhos dele e
cuidando do pequeno Roaquim. Por isso lhe digo, o senhor
Sebastian pode parecer um homem bronco e bravo, mas, no fundo,
tem um coração nobre, por isso sabia que ele iria ser bom com você
também.
Dou um sorriso lento e ergo meu rosto para ela, não sabendo
se ele realmente poderia ser bom para mim. Mas eu não vou
fracassar nesse emprego, irei cuidar desses meninos como eu disse
a ele, e não lhe darei motivos para se arrepender. Me levanto
lentamente e empurro a cadeira para trás.
— Vou passar mais um cafezinho para nós, assim pode me
contar agora um pouco sobre você — Damaris fala rápido, também
se levantando.
— Se não se importar, eu queria arrumar as minhas coisas,
aproveitar que o bebê ainda está dormindo — digo rapidamente,
sabendo que essa é minha deixa antes que ela queira especular
sobre mim.
— Oh, claro! — Ela me dá um sorriso doce. — Vá lá sim,
vamos ter muito tempo para conversar.
— É!
Sorrio envergonhada e me viro rapidinho, fugindo em direção
à porta à esquerda da cozinha, que leva à lavanderia e aos
corredores do quarto de empregada. Minha mente ainda está um
turbilhão, tentando organizar todas as informações que acabei de
ouvir, quando entro no quarto e fecho a porta atrás de mim.
— Cristo! — Respiro fundo e fecho meus olhos. — Graças a
Deus não foi Tulho que entrou naquele quarto!
Coço minha nuca e me afasto da porta, abrindo meus olhos.
Caminho para perto da minha mochila e a pego em minha mão, a
deixando em cima da cama enquanto abro. Observo as poucas
mudas de roupas dentro dela, ainda umedecidas, e as retiro
lentamente, as deixando sobre a cama. Sorrio ao segurar o frasco
de perfume que minha madre tinha guardado todos esses anos e
me entregou na nossa despedida, depois que aceitei o emprego. Eu
o usava na minha adolescência, ela tinha me dado de presente no
meu aniversário de quinze anos, e quando parti com meu pai devo
ter o deixado ou esquecido, mas ela o guardou e ele ainda estava
lá.
Me viro e sorrio, deixando o perfume de morango em cima da
penteadeira. Levo a mão à mochila novamente, pegando o envelope
enrolado em um plástico no fundo da mochila. Retiro a sacola e vejo
que a embalagem plástica protegeu o envelope com meu dinheiro,
que tinha sido a única coisa, literalmente, de valor, que tinha pegado
naquela pocilga de apartamento antes de fugir. Não é um valor
exuberante, mas, ainda assim, para mim, é muito dinheiro. Eu tinha
deixado a metade com madre Dolores, para caso ela tivesse alguma
emergência. Como eu não iria estar por lá para lhe ajudar, pelo
menos ela não estaria desprovida de dinheiro.
A intenção era ter deixado tudo com ela, mas ela se recusou
a ficar. Quase tive que ameaçar desistir do emprego para ela pelo
menos aceitar a metade do dinheiro. Lhe garanti que as coisas iam
mudar, que assim que recebesse, eu mandaria mais um tanto para
ela, afinal, agora não tinha mais que me preocupar com o
apartamento, conta de gás, luz, água, comida e nem com David.
Meu dinheiro seria honesto, ela não teria mais que ficar triste
quando eu desse a ela, e usaria esse aqui quando precisasse.
Bato o envelope lentamente na minha mão e viro, abrindo a
última gaveta da cômoda e jogando o envelope lá dentro, a
fechando. Abro a primeira gaveta e olho-a vazia, vendo que está
limpa e não carece fazer faxina. Abro a segunda apenas para ter
certeza e acabo me surpreendendo ao me deparar com três calças
compridas de lycra, de fazer exercícios, e duas camisetas tamanho
grande. Talvez fossem roupas da outra babá, que acabou ficando
aqui. Dou um pequeno sorriso olhando minhas peças de roupas em
cima da cama, sabendo que preciso achar um jeito de secá-las. As
deixarei no boxe do banheiro e perguntarei para Damaris se tem
problema eu usar as roupas que estão na cômoda. Sorrio e viro,
olhando a babá eletrônica, ouvindo o som do suspiro lento do Babão
rosinha.
— Eu vou fazer esse recomeço valer a pena, carinha, pode
apostar que vou — digo, rindo para o aparelho e indo em direção à
cama.
Pego as peças que estão úmidas e as levo para o banheiro
comigo, para estender no boxe.
CAPÍTULO 7
MORANGO

SEBASTIAN SÁNCHEZ

— O intermediário do novo comprador de vinho está na linha.


— Ralf leva a mão à frente do celular, o afastando dos seus lábios,
deixando-o colado ao peito e sussurrando para mim: — Ele quer
saber se vamos aceitar os pedidos deles.
Inalo o ar com força e desligo o carro quando estaciono na
frente de casa. Dou uma olhada rápida para o meu primo, negando
com a cabeça antes de abrir a porta do carro.
— Sebastian, o que respondo para o homem? — Seu
pescoço se estica, com ele falando nervoso.
— Que não, não... Quer saber, me dá essa merda aqui! —
Estendo meu braço e balanço meus dedos para ele me entregar o
telefone. — Sebastian na linha — rosno, baixo, no telefone, ouvindo
a voz do intermediário de um novo comprador que deseja
transportar minha bebida para a Europa, que está nos infernizando
para antecipar a colheita da uva, para produzir mais vinho para eles.
— Não se faz bom vinho, sem boas uvas — falo rápido, negando
com a cabeça quando ele retorna com a mesma conversa inútil. —
Vocês vieram atrás do meu vinho, não eu que fui atrás de vocês.
Esfrego minhas têmporas e sinto vontade de desligar o
telefone na cara dele, não desejando perder meu tempo com uma
pessoa que deseja desmerecer a qualidade do meu produto apenas
para conseguir desconto na compra de um grande lote de bebidas,
e que me inferniza para antecipar a colheita, para oferecer um
estoque maior de vinho, que pode comprometer minha colheita
inteira.
— Tem ideia de quantos anos minha família trabalha com
isso? Antes mesmo de você aprender a dar os seus primeiros
passos e sua madre lhe tirar das fraldas, os Sánchez já tinham o
nome forte entre o comércio de produção de vinho. — Esmago o
aparelho em minhas mãos e nego com a cabeça. — Já tem o valor
final do meu produto, e não irei diminuir o preço, e muito menos
perder meu plantio para fazer uma colheita antecipada. Ou seu
cliente paga o valor justo e espera por um produto de qualidade, ou
ele pode se sentir à vontade para procurar outro vinhedo.
Desligo o celular e o jogo no colo do Ralf, lhe dando um olhar
zangado, enquanto ele me encara com sua boca aberta, piscando
rapidamente para mim.
— Desligou na cara do rapaz? — meu primo me pergunta,
perplexo.
— Sim! Não pretendo perder mais meu tempo com esse
assunto. — Bato a porta do carro. — Não vou arruinar minha safra
por causa deles.
— Sebastian, está louco...
— Ralf, da próxima vez que lhe mandar dizer não, diga. —
Estico meu dedo e aponto para ele. — Não vou desmerecer meu
vinho, não quando eu sei exatamente o valor e a qualidade que ele
possui, apenas para alegrar um almofadinha escroto que nunca
deve ter posto os pés dentro de uma vinícola, quanto mais
compreende o quão duro é o trabalho da produção de vinhos.
— Mas que porra! Não vê que podemos ter uma grande
chance de crescer ainda mais se exportarmos para a Europa...
— Não existe bom vinho sem boas uvas, Ralf — repito a
frase novamente, só que dessa vez para meu primo.
— Ok, ok, eu sei... — Ele ergue sua mão e nega com a
cabeça. — Me lembro do nosso avô falando isso. Só que temos
uma chance de ouro aqui...
— Nosso avô dizia isso porque aprendeu com nosso bisavô,
que aprendeu com nosso tataravô. — Inalo o ar com força, lhe
encarando. — E isso se perpetuou pelas gerações dos Sánchez
adentro. Sabe por que, Ralf?
— Pelas tradições da família...
— Sim, mas, acima de tudo, pelo respeito ao nosso trabalho.
— Arqueio minha sobrancelha, o estudando. — Se não respeito e
nem valorizo meu trabalho, por que tenho que esperar que outros
façam isso?
Desde pequeno aprendi o valor do meu trabalho, ajudando
meu pai com a vinícola e as terras, e sei que a plantação das uvas é
um dos passos mais importantes na produção da bebida. São
inúmeros os fatores que podem influenciar nessa etapa: condições
climáticas, qualidade do solo, método de cultivo, seleção do tipo da
uva, entre outros. É fundamental que a colheita seja realizada no
tempo correto, já que a uva exerce grande influência no sabor e na
qualidade da bebida. Nunca antecipamos nossas colheitas apenas
para aumentar a produção, isso acabaria com a qualidade da minha
bebida. Uma colheita antecipada pode resultar em um vinho com
pouco álcool, aguada.
Sabia que Ralf estava eufórico com essa possibilidade de
expandir nossa bebida, mas o custo que esse comprador estava
pedindo é muito mais alto para mim do que ele pagaria pelos vinhos.
Adiantar a safra de um vinhedo, é acabar com meses de trabalho
árduo e cultivo, e ainda fazer vinhos de má qualidade. Se esse
homem realmente quiser comprar meu vinho, ele vai esperar pelo
tempo certo da colheita e, acima de tudo, pagará o preço justo que
meu trabalho vale. O mau desses almofadinhas de ternos, é que
eles acham que pelo fato de eu ser produtor de vinhos, sou burro, e
que não sei exatamente o quanto ele vai lucrar com minha bebida, a
vendendo três vezes mais caro do valor que ele vai pagar por cada
garrafa que comprar de mim.
— Ainda não acredito que desligou na cara do homem...
— Pois acredite. E se ele ligar de novo com essa mesma
conversa, eles vão me tirar extremamente do sério, e não venderei
nem uma gota só que seja do meu vinho para eles, quanto mais
dois contêineres cheios de caixotes de vinho. — Esmago meus
lábios e mantenho minha atenção nele. — Espero ter sido claro,
Ralf!
— Ok, ok, foi extremamente claro. — Ele ri e nega com a
cabeça, guardando o celular no bolso da jaqueta.
— Ótimo! — Bato meus dedos na porta do carro e me viro. —
Agora me espere aqui, que só vou pegar uns documentos que estão
no meu escritório, preciso deles para uma reunião com o contador
ao fim da tarde.
Ergo minha mão e massageio minha nuca, andando a passos
duros, subindo os degraus da varanda da antiga casa, a qual está
indo para a quarta linhagem de Sánchez que reside dentro dela.
— Ei, espera... — Viro assim que escuto a voz dele.
— O que está fazendo? — Olho para ele, o vendo
desafivelando seu cinto.
— Como o que estou fazendo? — Ralf ri, me olhando. —
Estou há quase duas semanas fora, vou entrar para cumprimentar
Damaris e ver Roaquim. Com certeza, ela deve ter feito algum bolo,
para dar de lanche para os meninos quando chegarem da escola. —
Ele ri e ergue seu pulso, dando uma olhada no relógio.
— Não! — A palavra salta pela minha boca antes mesmo que
eu possa controlar, e nego rapidamente com a cabeça para ele. —
Não vou demorar, pode ficar dentro do carro...
— Como assim...
— Só fica na porra do carro, Ralf! — Ergo minha mão e
esfrego meu rosto.
— Se eu não te conhecesse como eu te conheço, há mais de
trinta e sete anos, podia jurar que não quer que eu entre na sua
casa.
— Não estou fazendo isso... — Inalo o ar mais forte e respiro
com raiva, olhando para ele.
— Não? Então, por que quando cheguei de viagem, três dias
atrás, não me deixou vir aqui ver os meninos? Ou ontem, quando
deu outra desculpa esfarrapada, evitando que eu viesse... — Ele
arqueia sua sobrancelha e me encara com interesse. — Está
estranho, primo, penso até que está escondendo alguma coisa.
Sebastian?
— Não! — O fuzilo com meu olhar, odiando Ralf por estar me
encarando de forma debochada, como se soubesse que estou
mentindo. — Não estou escondendo nada, apenas fica no carro,
não vou demorar.
Me viro, não dando mais brecha para sua bisbilhotice, e
caminho para a porta, abrindo e entrando com rapidez, batendo a
porta atrás de mim. Fecho meus olhos e inalo o ar com força, me
afastando da porta da entrada da casa e caminhando na direção do
escritório com rapidez. Mas meus passos diminuem no corredor,
assim que me aproximo da sala e ouço as palminhas de Roaquim e
alguns gritinhos. Paro de andar e fico na entrada da sala, arqueando
minha sobrancelha ao encontrá-lo sentado no carrinho, sozinho,
dentro da sala, enquanto balbucia alto, batendo uma mão na outra.
Olho para trás e estico meu pescoço para o corredor, o olhando
vazio, antes de retornar a olhar meu filho. Roaquim solta um gritinho
agudo quando me vê, batendo palminhas.
— Não sei por que está reclamando, garotão! — A voz
feminina fala, com a respiração eufórica, enquanto resmunga. —
Quem está fazendo o trabalho difícil sou eu!
Passo meu olhar pela sala, parando na direção do sofá e da
estante da TV, e dou um passo à frente, me aproximando do sofá e
esticando meu pescoço para encontrar o motivo pelo qual evito
qualquer tipo de visita na minha casa nesses últimos três dias,
desde a chegada, no mínimo catastrófica, se posso dizer assim, da
estranha babá. Meus olhos se fixam na imagem da mulher de
joelhos no tapete, com suas costas inclinadas para frente e com seu
braço esticado embaixo da estante, e poderia dizer que não tem
nada de errado na cena dela lutando para tentar pegar algo de lá, se
não fosse pela visão privilegiada que ela dá do seu rabo apertado
em uma calça de lycra rosa colada ao corpo, que praticamente se
molda em suas curvas.
— Cristo, tem ideia de como isso entrou fundo, garotão?! —
Um gemido suave escapa da sua boca, enquanto sinto meu corpo
inteiro ficar rígido e minha mente me sacanear.
Roaquim solta um gritinho, batendo suas mãos de forma
arteira no carrinho de bebê.
— Deve estar apreciando muito o show, né, garotão?! —
Desvio meus olhos dela, olhando para meus sapatos, quando ela
fala com a voz suave e dá uma risada, quase fazendo meu cérebro
pensar que ela está falando comigo, ao invés do bebê.
— Só mais um pouquinho... — Ergo meus olhos novamente
para ela, não conseguindo manter minha atenção longe do traseiro
volumoso e redondo.
Ela se estica mais, empinando sua bunda para trás.
Comprimo meus lábios e sinto minhas narinas se dilatando, com a
porcaria da visão dela de lingerie dentro do meu quarto invadindo
meus pensamentos, a qual anda me infernizando desde o dia que
permiti essa mulher ficar em minha casa.
— Consegui! — Ela empurra seu corpo para trás, rindo e
erguendo seu braço, balançando um brinquedinho de borracha em
sua mão, dando um gritinho de felicidade junto com Roaquim.
— Oh, não, agora que estava ficando bom! — A voz
debochada do teimoso do Ralf ao meu lado, a faz se levantar
assustada e se virar de frente para mim, quando percebe que não
está sozinha com Roaquim.
Olho para meu primo, o fuzilando com meu olhar, e rosno
baixo, antes de olhar para ela.
— Boa tarde, senhor — ela fala nervosa, esmagando o
brinquedo em seus dedos, desviando seus olhos de mim
rapidamente para o bebê no carrinho, e caminhando para ele.
— Não sabia que tinha achado uma nova babá, por que não
me contou? — Viro meu rosto para Ralf e vejo o sorriso de orelha a
orelha que ele tem esboçado em seus lábios, a encarando. — Não
vai me apresentar?
Ele gira seu rosto para mim e arqueia sua sobrancelha,
enquanto sinto meus dedos coçarem, com vontade de o estrangular.
Ele sorri ainda mais animado, movendo sua cabeça para a esquerda
e fazendo um gesto com ela, para que eu o apresente.
— Quer saber, eu mesmo faço isso. — Meu primo se volta
para frente, se aproximando dos dois. — Sou Ralf, primo do
Sebastian, quase como tio dos meninos...
— Olá, senhor — ela o responde de forma polida e dá um
balançar de cabeça.
A vejo tirar o cinto do corpo de Roaquim e o pegar no colo,
entregando seu brinquedinho para seus dedos gordinhos. Ralf olha
para mim de forma insistente e retorna a olhar para ela de forma
impertinente, a qual sei que é porque ele deseja saber o nome dela.
— Volte para o carro e me espere lá, Ralf — respondo seco,
enquanto levo meus dedos ao bolso da calça, me sentindo irritado
com a forma sacana que ele a encara.
— Mas não me incomodo de esperar aqui! — Ele sorri de
forma galanteadora para ela e estica a mão para acariciar a
bochecha de Roaquim enquanto a paquera, lhe dando uma piscada,
fazendo exatamente o que eu sabia que iria fazer quando a visse. —
Espero que não esteja sofrendo com os homens dessa família...
— Não — ela responde rápido, abaixando seus olhos
enquanto arruma a camisetinha no corpo de Roaquim. — Se me der
licença, preciso levar Roaquim para o banho. — Sua cabeça se
ergue para mim e me dá um olhar rápido.
— Pode ir, señorita — a respondo e mantenho meus olhos
nela. — E você, Ralf, vá procurar Damaris na cozinha.
— Sério... Mas eu...
— Ralf! — Mudo meu campo de visão dela para ele, o
silenciando apenas com um olhar, o deixando saber que estou a um
passo de chutar seu rabo se não calar a maldita boca.
— Eu vou subir com o bebê. — Ela ergue seu rosto para mim
e fala rápido, antes de desviar seu olhar do meu.
— Pode o levar, não vou me demorar, passei em casa
apenas para pegar uns documentos. — Vejo os dedos pequenos de
Roaquim se enroscarem em seus cabelos, enquanto ele balbucia.
Ela balança sua cabeça em positivo e ergue o olhar para
Ralf, que não disfarça a porra do interesse em seus olhos, que a
estudam com atenção.
— Bom, foi um prazer lhe conhecer, senhor Ralf — ela fala
baixo, de forma educada, e logo se vira e dá as costas para ele, se
afastando. — Vamos tomar um banhinho, garotão.
Sinto o aroma doce de morangos vindo dela, adocicado, que
me acerta antes mesmo dela se aproximar ainda mais de mim,
invadindo minhas narinas. Automaticamente seguro o ar, evitando
inalar seu perfume que ficou gravado em meus travesseiros, tão
intenso que quase podia sentir o sabor da fruta em meu paladar.
— Quem vai tomar um banhinho quentinho?! — Ouço a voz
dela falar baixinho para meu filho, enquanto ele ri e abre a boca,
tentando morder a bochecha dela, quando os dois passam ao meu
lado.
— La dejaba lavarse por completo, solo para poder tener una
buena vista de estas tetas frotándose en mi cara.[19]
Minha face endurece, com a veia na lateral da minha testa
pulsando forte, no segundo que a voz ordinária de Ralf se faz,
falando em espanhol, caminhando para perto de mim e mantendo
os olhos presos no traseiro dela. Os passos dela diminuem, com ela
ficando em silêncio e se encolhendo, com Roaquim em seu colo.
Sua cabeça se abaixa, mas não antes de eu ver um olhar triste
brilhar em seu semblante ao ouvir o que ele disse. Ela caminha
devagar e solta um suspiro, saindo da sala.
— Me diz que ela é solteira, por favor... — Meu rosto gira
para Ralf no mesmo segundo que meu braço se estica, com meus
dedos esmagando seu pescoço e rosnando baixo.
— Cállate[20], cabrón[21]! — Seus olhos estão arregalados, com
as mãos dele em meu pulso. — Juro por Dios, que se mi madre não
tivesse alimentado sua barriga com a mesma comida que ela me
alimentava, eu chutaria seu maldito rabo daqui até a Espanha!
— Que foi? Ela nem entendeu — ele fala apressado. — Qual
é? Foi só uma brincadeira... — Meu primo para de falar e abre um
sorriso, olhando para a direção da porta. — Foi por causa dela que
não queria me deixar vir aqui, Sebastian? Está interessado na babá,
é isso que estou entendendo?
Cristo, juro que se não amasse esse puto como um irmão, eu
o socava na cara, apenas para tirar o maldito sorriso cínico que está
esboçado em seus lábios!
— Não volte a desrespeitar uma mulher na minha frente
novamente. — Solto seu pescoço e o empurro, o deixando livre. —
Principalmente se for uma mulher que está dentro da minha casa, e
com meu filho no colo, se não esqueço que você é meu primo e
quebro sua cara!
Arrumo meus cabelos e passo meus dedos entre eles, os
levando para trás e bufando de raiva.
— O que temos aqui, Sebastian? — ele fala, rindo, e esfrega
sua garganta. — Olha, se nunca tivesse paquerado nenhuma garota
na sua frente, eu até poderia acreditar nessa sua pose de bom
moço.
Respiro fundo e ranjo meus dentes, desviando meus olhos
dos dele. Ralf ri baixinho, se aproximando devagar.
— Está interessado nela? — Ele me olha com mais
curiosidade. — Por isso ficou bravo. Nem quando eu falei que
Pamela tinha uma bunda gostosa, você ficou bravo assim comigo...
— Não me importei com o que disse de Pamela, porque ela
não vive embaixo do meu teto e não está sob minha proteção,
enquanto cuida dos meus filhos — o respondo ríspido e ergo meu
rosto para ele, rangendo meus dentes. — E ela compreendeu o que
você falou, seu cretino!
Vejo seus olhos expandirem, com ele ficando com suas
bochechas vermelhas, finalmente calando a boca grande e parando
com essa conversa estúpida de eu estar interessado na menina.
— Por que não me disse isso antes?! — Ele ergue sua mão
no ar e a balança. — Agora ela nem vai me dar uma chance.
Fecho meus olhos e nego com a cabeça, soltando um suspiro
e ficando ainda mais aborrecido. Ralf é uma babaca, sempre foi
galanteador por natureza, mas é família, porque se não fosse, eu
juro que já tinha quebrado o queixo dele mil vezes com meu punho,
por ele nunca saber controlar a merda da boca e seu pau dentro das
calças, arrastando as asas para toda mulher que encontra.
— Vou até o escritório pegar os documentos, e para seu bem,
esteja na porcaria do carro quando eu sair de lá! — digo, zangado,
abrindo meus olhos e girando, saindo da sala.

Observo as garrafas de vinho em cima da mesa da cozinha,


enquanto faço anotações das minhas observações para o teste de
qualidade. Mesmo meu corpo cansado desejando fechar os meus
olhos, minha mente não desliga. Era quase meia-noite quando
desisti de tentar dormir e saí do quarto, indo ao meu escritório e
pegando alguns cascos vazios de bebidas que tinha trazido da
vinícola comigo hoje, os levando para a cozinha. Fiz um sanduíche
para mim, me alimentando enquanto trabalhava. Eu sou minucioso,
sempre fui, gosto de aprovar tudo, desde a primeira uva colhida no
pé até o prego que lacra os caixotes de madeira, que levam as
garrafas de vinho até os clientes. Fora meus filhos, tudo que tenho é
meu trabalho, e me dedico a ele, garantindo que tudo saia perfeito.
Cruzo meus braços acima do peito e estreito meu olhar,
estudando a garrafa nova que Ralf tinha pedido para o marketing
criar. Um som baixo de um assobio, cantarolando lentamente, me
faz erguer meu rosto e olhar para a porta da cozinha no segundo
que a mulher pequena passa por ela, balançando sua cabeça para
os lados, com seus olhos fechados e cabelos soltos, me deixando
os ver até a altura dos seus ombros. A camiseta grande em seu
corpo vai até a altura das suas coxas, me deixando apenas ver o
lilás da barra do short curto com suas pernas desnudas,
assobiando, enquanto balança a mamadeira em sua mão.
— Baby Jane don't leave me hanging on the line[22]... — Ela
assobia, cantarolando uma música antiga de Rod Stewart e
sorrindo, mas se cala no segundo que seus olhos se abrem e me
encontram sério, a encarando. — Oh, senhor Sánchez!
O sorriso em seus lábios se desmancha e ela desvia
rapidamente seus olhos dos meus, abaixando sua cabeça e
puxando a barra da camisa para baixo.
— Não sabia que tinha gente acordado na casa ainda — ela
fala apressada. — Desculpa, eu estava no meu quarto, me
preparando para deitar, quando ouvi Roaquim na babá eletrônica...
— Boa noite, señorita! — a cumprimento, olhando seus pés
descalços se esfregando um no outro com nervosismo, lutando com
a barra da camisa para cobrir suas coxas de fora. — Roaquim
acordou?
Ergo meus olhos lentamente por seu corpo, enquanto solto
uma respiração pesada, sabendo que sair do quarto para vir
trabalhar era para esquecer o motivo que me fazia ficar acordado, e
não o encontrar com as pernas desnudas dentro da cozinha, me
fazendo pensar ainda mais nessa estranha garota, que acordou
deitada em minha cama três dias atrás, impregnando meus
travesseiros com o aroma de morango.
— É, ele ainda estava com fome. Então eu fiz outra
mamadeira para ele... — ela me responde rápida e ergue a
mamadeira, me mostrando e me dando um olhar tímido. — Mas já o
fiz dormir novamente.
Balanço a cabeça em positivo para ela, rangendo meus
dentes quando o perfume de morango entra nas minhas vias
aéreas, me fazendo ficar agitado apenas com a fragrância.
— Os outros já estão dormindo, ou mais algum deles
acordou? — pergunto de forma calma, tentando não demonstrar
minha irritação por não entender por que esse aroma de morango
me deixa tão agitado.
— Oh, sim, eles dormem cedo! Miguel é o primeiro a cair no
sono. Chega tão cansado da escola, que logo depois do jantar, ele
escova os dentes e dorme — ela fala e me dá um pequeno sorriso,
me respondendo. — Martin e Tulho também vão em seguida.
— Eles estão se alimentando bem? — pergunto seriamente,
a olhando.
— Sim, sim, estão. Eles jantam na sala de estar e comem
bem. Roaquim também, ele está comendo bem, principalmente
macarrão...
— Bom, isso é bom — falo sério e desvio meus olhos dela,
encarando a garrafa. — E você, o que está achando do trabalho
nesses dias?
— Bom, não tenho do que reclamar, senhor — ela responde
rapidamente.
Ergo meu rosto quando o prato vazio que eu comi o
sanduíche é retirado de cima da mesa. Olho quando ela vira de
costas e caminha para a pia, lavando a mamadeira e o prato, os
deixando escorrendo no escorredor de louça. Vago meus olhos por
suas costas, vendo os contornos das suas curvas, tendo a minha
mente reprojetando o pequeno corpo sem essa roupa, apenas
usando a maldita lingerie de renda que eu tinha prestado atenção
até demais, para saber que o lacinho vermelho na lateral do tecido
ficou torto quando ela engatinhou, tentando fugir de mim, dando
uma visão completa do seu traseiro. E eu tento compreender por
que tenho a sensação que minhas mãos conhecem a maciez
daquela pele, mesmo eu achando que é apenas loucura da minha
cabeça, que ficou instigada pela estranha mulher.
— São ótimos meninos, não tenho do que reclamar. — Sua
face se vira para mim e me olha por cima do ombro, me vendo a
encarando sério. — O senhor ainda ia usar o prato?
— Não. — Desvio meus olhos dela e nego com a cabeça,
não tendo como explicar que não olhava por causa do prato, mas
sim porque penso que estou louco, não sabendo explicar porque me
sinto intrigado com ela.
Vejo o canto da sua boca sendo beliscado por seus dentes
quando ela mordisca o cantinho do lábio inferior, antes de virar sua
cabeça para frente, puxando um pano de prato e secando suas
mãos.
— Eu lamento pelo que foi dito na sala — falo sério, não
tendo gostado de como a lembrança do seu olhar triste me deixou
incomodado pelo resto do dia, desejando socar a cara de Ralf todas
as vezes que ele aparecia na minha frente.
— Está tudo bem, eu nem ouvi direito o que foi dito... — Ela
se vira, segurando o pano de prato e se escorando na pia,
mantendo seu olhar baixo.
— Sim, você ouviu, e nós dois sabemos que compreendeu,
señorita! — a corto e falo de forma ríspida, mas não por ela preferir
fingir que não ouviu, mas sim porque Ralf foi um canalha. — Quero
que saiba que ele não vai retornar a fazer nenhum comentário
grosseiro, e muito menos lhe desrespeitar. Está dentro da minha
casa, sob minha proteção, e não permitirei esse tipo de coisa.
Compreende, señorita?
Sua cabeça se ergue para mim e me dá um olhar tímido,
apenas movendo sua cabeça em positivo.
— Sim, señor! — A voz envergonhada sussurra e ela me dá
um meio sorriso.
Sinto aquela sensação estranha novamente de inquietação,
apenas por ouvir como o som da sua voz saindo baixo, quando ela
pronuncia señor, me faz condenar meu pau por ser um filho da mãe
cretino, três vezes pior que Ralf, que gosta da forma como ela fala.
A vejo deixar o pano sobre a pia e levar uma mecha de cabelo para
trás da orelha, girando seu rosto na direção da porta que vai para a
lavanderia.
— Quem lhe ensinou a falar espanhol? — Vejo as palavras
saltarem por minha boca, fazendo a pergunta rapidamente, apenas
para ela olhar para mim novamente antes que se afaste.
— Mi madre. — Um sorriso mais brando se esboça em sua
boca, com ela estufando seu peito para frente, como se
demonstrasse orgulho ao se referir à mulher.
— Sua mãe era espanhola?
— Oh, não. — Ela nega com a cabeça. — Minha mãe
biológica era novaiorquina, mi madre Dolores foi a segunda esposa
do meu pai, eles se casaram quando eu ainda era criança, e foi ela
que me criou, cuidou de mim e me ensinou a falar espanhol. Ela é
da República Dominicana.
— Ela lhe ensinou muito bem. — Respiro fundo e fecho meus
olhos, sentindo seu perfume ficar dentro da cozinha, se misturando
ao ar, me fazendo ter mais noção de como esse aroma me deixa
extremamente agitado. — E sua mãe, também se casou, como seu
pai?
Assim que abro meus olhos, encontro a face dela abaixada
novamente, negando com sua cabeça.
— O senhor deseja alguma coisa, antes que eu vá para o
meu quarto? — Ela não me responde, mudando de assunto, e ergue
sua mão, apontando para o lado, na direção da porta da lavanderia.
— Não, não preciso. Apenas vim aqui para fazer um lanche e
terminar meu trabalho.
Seus olhos estão presos nas duas garrafas de vinho em cima
da mesa, com ela retornando a morder o cantinho da boca, dando
um suspiro baixo e balançando a cabeça em positivo.
— Bom, eu vou para o quarto. — Ela cruza seus braços e
encolhe seus ombros, abaixando sua cabeça. — Boa noite, senhor
Sánchez.
Eu a vejo se afastar, se virando de costas enquanto caminha
na direção da porta da lavanderia. Fecho meus olhos e ranjo meus
dentes, levando meus dedos ao bolso da calça. Não entendo por
que me incomoda a forma como ela se retirou, como se estivesse
chateada.
— Eu não sou um alcoólatra, señorita! — digo de forma
direta, deixando as palavras saírem de uma única vez por minha
boca.
Meus olhos se abrem e encontro suas costas viradas para
mim, com ela parada perto da porta. Ela vira de mansinho.
— Eu não disse isso...
— Disse, não com essas palavras, mas sei que foi isso que
insinuou no meu escritório quando se referiu às garrafas dentro do
meu quarto. — Solto uma bufada de ar pelas narinas e desvio meus
olhos dos seus para a garrafa. — Assim como essas, aquelas
estavam no meu quarto apenas por causa do trabalho. Posso beber
de vez em quando, mas não sou um bêbado. Aquelas garrafas eram
de uma remessa com defeito, a qual eu retirei da linha de produção.
Eu as esvaziei antes de trazer para casa, porque iria ligar para a
fabricante que as fazem, e acabei as levando para o meu quarto
quando subi para ir tomar um banho, mas não consegui nem chegar
no banheiro antes de apagar na cama. — Volto meu rosto para ela,
a encarando, não entendendo porque estou dando satisfação da
minha vida para essa mulher. — Mas não porque bebi, e sim porque
não me sentia bem, e o resto não preciso falar, porque a señorita já
sabe melhor do que eu. Apenas estou esclarecendo isso, porque
não gosto de ser acusado injustamente. Da próxima vez que tirar
algum tipo de conclusão sobre mim, peço que me pergunte antes.
Seu corpo se encolhe ainda mais e ela me dá um sorriso
amarelo, olhando das garrafas em cima da mesa para mim.
— Eu sinto muito pelas coisas que falei, senhor Sánchez. —
Ela solta seus braços, os descruzando, e esfrega seu rosto. —
Lamento se o insultei, na verdade, eu lamento por tudo...
— Apenas não vamos mais falar sobre isso, sim? — Fecho
meus olhos e esfrego minhas têmporas, negando com a cabeça. —
Ainda estou tentando lidar com tudo isso...
— Olha, se diz isso por causa da sua namorada e a forma
como ela saiu furiosa, eu posso conversar com ela e explicar tudo,
que não passou de um grande... — Afasto minha mão do rosto, a
olhando. — GRANDE mal-entendido...
Fico em silêncio, a encarando, não dizendo que meu
problema em lidar com essa história não é por causa de Pamela. Eu
e ela tínhamos um acordo em comum, sempre foi apenas sexo,
nunca a iludi e nem prometi nada. Ela sabia que eu não tinha
compromisso algum com ela, e que muito menos pretendia ter.
Nunca a enganei e nem a iludi. E sim, eu poderia ter ido atrás dela e
conversado, esclarecido tudo, se não fosse por ela ter invadido o
meu quarto, feito acusações e ainda por cima criado ainda mais
confusão onde já tinha uma, apenas fazendo eu me sentir ainda
mais raivoso, ao me sentir voltando para o inferno que era viver com
Sheila, quando ela queria brigar, completamente transtornada.
E no segundo que Pamela ergueu a mão dela e acertou meu
rosto, ela sabia que não tinha mais volta. Eu tinha aceitado muita
coisa, mas por causa dos meus filhos. Só Deus sabe quantas vezes
precisei sair de dentro dessa casa para não perder a paciência de
vez com as loucuras de Sheila. Mas o problema de ter que lidar com
tudo isso, não era perder o sexo casual que eu e Pamela tínhamos
de vez em quando, mas sim não compreender porque não mandei
essa pequena mulher, o pivô das minhas noites mal dormidas,
embora. Eu tinha ficado com meus olhos nela uma hora ou outra,
lhe observando sem que me notasse, quando estava cuidando dos
meninos. Eles se sentem bem perto dela, vejo isso pela expressão
deles, que é bem diferente da que eles possuíam quando estavam
com as últimas babás que passaram por aqui. Realmente tento me
dizer que foi apenas por isso que a deixei ficar. Nunca nenhuma
delas conseguiu fazer Tulho abaixar a guarda, ele mal conversava
com as outras babás.
— Eu converso com ela, explico tudo...
— Não vamos falar sobre isso, nunca mais — a corto, falando
com firmeza. — Buenas noches, señorita![23]
Finalizo a conversa e retorno ao meu trabalho, desviando
meus olhos dela e encarando a garrafa, tentando me concentrar no
que eu fazia antes dela entrar na cozinha. Escuto seu suspiro
baixinho e ergo meus olhos apenas um pouco, a vendo se virando
de costas e passando pela porta da lavanderia. Rosno baixo,
estalando o canto da boca e retirando meus dedos do bolso da
calça, apoiando minhas mãos na mesa da cozinha.
— É só nunca mais falar sobre isso e fazer de conta que ela
não está dentro da sua casa. E logo tudo volta ao normal — falo
comigo mesmo, realmente tentando acreditar em minhas palavras,
mesmo tendo o aroma de morangos na cozinha ficando para trás
depois que ela parte, me fazendo pensar o contrário.
Não pretendo ter esses pensamentos, muito menos por
causa de uma mulher que meus instintos me alertam que esconde
algo. Pode ter um olhar inocente, quase fazendo um homem
acreditar em sua doçura e ingenuidade, mas eu, que aprendi na
pele o preço de cruzar meu caminho com uma mulher como Sheila,
reconheço uma mentirosa, que esconde algo, de longe.
CAPÍTULO 8
FLORAIS E MARGARIDAS

TINA ZARA

— Tady ama música clássica. — A mulher de vestido preto à


minha frente, com os cabelos lambidos, extremamente penteados
para trás, fala séria para mim, virando seu rosto para o pequeno
bebê de sete meses no carrinho. — A mãe dele escolhe as
melhores seleções de Beethoven[24] para estimular o cérebro de
Tady, ele até sabe escolher seus brinquedos por ordem alfabética.
Eu disse à mãe dele que Tady será um gênio.
Pisco, confusa, olhando da mulher para o bebê, ainda incerta
se aquela criança paralisada dentro do carrinho realmente está viva.
Os olhos dele estão arregalados, focados em mim, me dando a
impressão de estar pedindo socorro para o salvar dessa babá
assustadora.
— Não me dá trabalho nenhum, raramente chora — a babá
do Tady fala, estufando seu peito para frente, demonstrando seu
orgulho com o silêncio do bebê. — Deveria tentar com esse aí, verá
que será bom para ele.
— Na verdade, Roaquim também é muito inteligente, ele não
me dá trabalho algum — digo depressa. — Ele é extremamente
esperto.
— Percebo. — Os olhos da babá desviam dos meus para o
Babão rosado em meu colo, estreitando o olhar.
Viro meu rosto para Roaquim e o vejo com o dedinho no
nariz, o cutucando e abrindo sua boca, prestes a levar o indicador
gorducho para seus lábios.
— Muito esperto! — Seguro sua mão, o impedindo de chupar
o dedo sujo do nariz, voltando meu rosto para ela e dando um
sorriso amarelo. — Se me der licença, preciso ver onde estão os
outros meninos... — falo apressada, me virando e me afastando
dela o mais rápido que posso, deixando a babá assustadora para
trás.
Roaquim se encolhe em meus braços e deita sua cabeça em
meu ombro, balbuciando como se estivesse me agradecendo por ter
o afastado da babá assustadora.
— É, eu sei, ela também me deu medo! — digo para ele,
alisando suas costas e indo para perto do carrinho. Tiro sua mão de
perto da sua boca antes que ele chupe seu dedo sujo, ganhando
dele um gritinho zangado. — Sem chances, garotão! — falo, rindo
para ele, enquanto o sento no carrinho, prendendo o cinto em seu
corpo para o proteger.
Roaquim reclama de novo, batendo uma mão na outra, como
se estivesse me dando uma bronca por não o deixar chupar o dedo
sujo.
— Está reclamando de quê? Queria ver como iria se sair se
tivesse a babá do boneco do mal cuidando de você, Babão rosado.
— Me abaixo e inclino meu corpo para frente, apertando a pontinha
do seu nariz. — Agora vamos sair daqui, antes que outra babá doida
apareça, para nos obrigar a socializar com elas!
Me afasto dele e dou a volta no carrinho, o empurrando.
Meus dedos se erguem para meu pescoço, puxando um pouco a
gola da porcaria do vestido de botões que Damaris me deu para
vestir. Estou sentindo meu corpo inteiro cozinhar dentro dele, como
se fosse uma galinha assando em um forno acima de 290 graus. E
tive que o aceitar, sem reclamar, já que não tinha ido ainda comprar
roupas para mim. Eu não tinha pedido uma folga nesse primeiro
mês que já se passou, desde quando eu tinha começado a cuidar
dos garotos. A verdade é que eu não tenho para onde ir, e acabo
sempre adiando a folga. Tirando o fato de precisar comprar roupas,
não tenho mais nada para fazer, já que só fico cuidando dos
meninos o dia inteiro, então sempre acabo deixando para depois.
Eu havia me acostumado aos meninos, assim como eles a
mim, descobrindo a cada dia alguma coisa nova de um deles. Martin
é um magrelo inteligente, praticamente uma enciclopédia viva de
dez anos, que consegue falar sem parar quando se empolga com
algum assunto. Vive com a cara nos livros e eu tenho que o
expulsar para fora do quarto no fim de semana, para brincar com
Miguel. Que, a propósito, é completamente o oposto do irmão. Não
que ele seja burro, porque ele não é. Pelo contrário, é
extremamente esperto, mas apenas quando quer ou para fazer arte.
Não posso piscar um segundo com ele, é dar uma bobeada e
Miguel está metido em alguma encrenca, assustando Damaris na
cozinha ou tentando fazer uma bomba caseira no quintal. Gosta de
desenhos animados, de brincar de manhã, antes de ir para a escola,
no jardim, e se esconder na plantação de uvas, brincando na casa
da árvore que o pai dele tinha construído para eles alguns anos
atrás, que fica atrás da casa.
Tulho é silencioso e caladão, e eu precisei me esforçar muito
para conseguir tirar uma risada dele nessas semanas que passou.
Notei que todas as vezes que vou buscá-lo na saída do colégio,
seus olhos ficam perdidos na sorveteria do outro lado da rua. Um
dia, perguntei se ele queria sorvete, mas ele alegou que não.
Porém, continuou mantendo o olhar perdido na loja todos os dias,
como sempre fazia. Outro dia, quando fui lhe buscar, falei que
estava com vontade de tomar sorvete e perguntei se ele não se
importava de eu ir lá, e se ele podia ir comigo, porque eu tinha
vergonha de ir sozinha. E foi nesse dia que eu descobri que não era
o sorvete que o fazia ficar com os olhos perdidos lá, mas sim Mel, a
garota de catorze anos, filha da dona da sorveteria, pela qual o
jovem Tulho suspira apenas de olhar para ela. Depois daquele dia,
me vi comendo uma casquinha de sorvete de segunda a sexta,
apenas para o levar lá, para vê-la de perto. Na volta para casa, ele
está mais animado, e conversa comigo sobre as músicas que gosta
ou não, e eu tento o fazer se apaixonar por Elvis Presley.
Ajudo Miguel com o dever de casa, e me descobri uma
completa burra inúmeras vezes, sem entender desde quando dever
de matemática tinha ficado tão complicado. Recorro ao Martin para
me ajudar a explicar o dever para Miguel. Sabe aquela regra da
televisão? Pois é, às vezes acabo esquecendo dela e me empolgo
com as crianças na sala, correndo com elas na direção do quarto
assim que ouço o som do carro do pai deles estacionando do lado
de fora da casa.
O rosado finalmente está se acostumando a dormir dentro do
quarto dele, mas isso só acontece depois de uma mamadeira, uma
dancinha com ele no meu colo, outra dança brincando com ele,
rindo no berço, porque meus braços ao fim do dia já estão doendo
de segurar a bolinha rosada. Ele volta para o meu colo, eu canto e o
aninho em meus braços, até ele dormir, e ele acorda mais umas três
vezes, abrindo seus olhos e me encarando sério toda vez que vou o
pôr no berço, como se soubesse que eu quero passar a perna nele.
Rola mais uma mamadeira e uma troca de fralda, e enfim o monstro
Babão é derrotado.
Saio do seu quarto perto da meia-noite. Arrumo a sala e
guardo os brinquedos que estão espalhados, os quais eu parei de
ficar contando quantas vezes no dia eu organizo. Depois me arrasto
para meu quarto e caio na cama, apagando. E quando o dia
amanhece, às 6h da manhã, meu carrasco rosado está balbuciando
na babá eletrônica, e eu começo tudo de novo. Mamadeira para ele,
trocar a fralda, ajudar Damaris com o café da manhã, acordar os
meninos, para eles fazerem o dejejum com o pai deles, não deixar
Miguel explodir nada e nem se machucar por estar trepando em
alguma coisa alta, ajudar Martin a organizar seus livros, tentar não
desmaiar ao entrar no quarto de Tulho, que fede à meia suja e suor
juvenil, o limpando e caçando as meias fedorentas dele para lavar, e
os deixar prontos para ir à escola. Arrumadinhos e com caras de
anjinhos, almoçam com o pai deles, e depois levo Miguel e Martin
para pegar o ônibus na entrada da vinícola. Também tenho que
impedir Roaquim de comer os botões da TV e qualquer outra coisa
que ele queira, que não seja comida. Tem o banho quentinho antes
da sonequinha do garotão. Aproveito a hora de dormir dele, para
lavar os banheiros e dobrar as roupas, até dar a hora de ir buscar
Tulho na escola.
Não é um serviço fácil, mas eu gosto, me sinto feliz como há
muito tempo eu não me sentia. Damaris é quem me comunica como
Dolores está, e eu nunca fiquei tão orgulhosa de mim mesma, como
me senti no dia que lhe mandei metade do meu primeiro pagamento
com um trabalho honesto para ela. Tinha pedido para Damaris
colocar no banco e mandar para minha madre, lhe avisando que eu
estava bem e feliz quando ela ligasse para ela. Às vezes, por alguns
minutos, eu esqueço de tudo o que eu já passei e fiz. É como se Z
nunca tivesse existido, apenas a Tina. Mas hoje me recordei da Z.
Ontem, na sexta à noite, Damaris foi até meu quarto me comunicar
que o senhor Sánchez iria sair com os meninos para ir a uma festa
de aniversário e eu tinha que acompanhá-lo para ajudar a cuidar
das crianças.
Primeiro, eu fiquei sem saber o que dizer, depois me
desesperei, por não ter uma roupa decente que fosse para ir, e
como uma fada madrinha religiosa e fervorosa que Damaris é, me vi
saindo de casa com um vestido dela, de ir à missa, completamente
florido e cheio de margaridas gigantescas, de algodão e clarinho. E
olha que meu problema com o vestido não era nem eu ficar
parecendo um jardim ambulante, mas sim as mangas compridas
bufantes, com botões prendendo nos pulsos, gola alta e a bainha
dele batendo no meu tornozelo, como se eu tivesse saqueado do
armário de uma velha de oitenta e nove anos, que veste GG. Eu
praticamente estava nadando no vestido, de tão grande que ficou
em mim. Prendi meus cabelos para trás e fiz uma trança, e suava
feito uma porca, de tão quente que o pano dele é. Embaixo do sol
escaldante que está fazendo nesse sábado, a sensação de ser uma
galinha assando dentro da porcaria do vestido é três vezes maior.
Levo a mão à frente dos meus olhos, para os proteger do sol,
e olho em volta do grande campo verde de gramado, caçando pelos
meninos. Vejo os convidados andando pela propriedade e mais
algumas outras babás cuidando das crianças, enquanto os pais
deles, em roupas de gala, se divertem, tomando champanhe ou
vinho em suas taças, nem sequer dando atenção para seus filhos.
Esse povo que tem dinheiro realmente é estranho, dando a
impressão que apenas se reproduzem para poder ter alguém para
manter o legado e aumentar ainda mais o patrimônio da família, mas
jamais perdendo uma noite de sono, trocando uma fralda ou
conversando com seus filhos.
— Canapês? — Abaixo minha mão e olho para o garçom que
para perto de mim.
Vejo a bandeja prateada em sua mão, cheia de torradas, com
uma pasta branca e um pedacinho de carne em cima, como se
fosse a cereja de um mini bolinho.
— Oh, eu acho que vou pegar um! — Sorrio, sabendo que
estou morrendo de fome. Já são 16h da tarde praticamente, e fora o
café da manhã, eu não tinha comido mais nada. — Está com uma
cara bonita, garotão! — falo com Roaquim, balançando minha
sobrancelha para ele, enquanto estico meu braço e pego a
torradinha com creme, a levando à minha boca.
Meu rosto se retorce de nojo assim que sinto um gosto
horrível de azedo e salgado na primeira mastigada.
— Ohhhh! — Seguro o ombro do garçom, não o deixando se
afastar, pegando um guardanapo da bandeja e cuspindo na mesma
hora essa coisa ruim para fora da minha boca, dentro do lenço de
papel. — Eca, que isso?
Ergo meu rosto para ele, amassando o guardanapo em uma
bolinha e o deixando em cima da bandeja.
— Pasta de ovas de peixe! — ele fala com desdém,
empinando seu nariz, me olhando de cima a baixo com desprezo,
antes de tirar a bolinha de papel de cima da bandeja. — Um
aperitivo gastronômico.
— Estão tentando matar os convidados com isso?! — Abro
minha boca e limpo minha língua com a ponta do meu dedo,
tentando tirar esse gosto ruim que está nela. — Desde quando
comer filhotes de peixe é gastronômico?
— Isso é para paladares refinados, o que com toda certeza
não é o seu caso! — Ele bufa e retorce seu nariz, virando seu rosto
para o lado antes de sair caminhando de forma esnobe.
— Paladares refinados... — imito a voz esnobe dele, falando
com raiva. — Cadê os docinhos e salgados? Quem dá ovas de
peixe para as pessoas comerem, pelo amor de Deus! — Nego com
a cabeça, conversando com Roaquim, ainda não acreditando que
comi ovas de peixe. — Esse povo com dinheiro realmente não sabe
comer... — Giro minha cabeça para o rosado, falando com ele, o
pegando com seu dedo gordo a poucos centímetros da sua boca
arreganhada. — Acho bom tirar esse dedo sujo daí, se não vou te
deixar com o garoto estranho e a babá assustadora dele, garotão.
Roaquim me dá um risinho quando aponto meu dedo para
ele, jogando sua cabeça para trás e se torcendo no carrinho,
balançando suas pernas.
— Se falar isso do meu irmão de novo, eu vou te bater, seu
banana! — Meu corpo gira no segundo que reconheço a voz de
Miguel.
Levo meus dedos de volta para cima da minha testa,
tentando enxergar onde esse arteiro está. O encontro perto de uma
árvore, tendo Martin atrás dele e um garoto um pouco maior que os
dois, o encarando, zangado. Viro o carrinho de Roaquim naquela
direção, caminhando apressada para lá.
— Vou quebrar sua cara! — Miguel esmaga seu punho ao
lado do corpo e dá um passo à frente.
— Miguel! — chamo por ele, dando um risinho nervoso assim
que me aproximo. — Não pode brigar com os amiguinhos, lembra?
— falo para ele, negando com a cabeça quando ele vira seu rosto
para mim.
— Ele começou, Tina! — Miguel bufa e me dá um olhar
bravo, me deixando saber que está chateado com alguma coisa.
— Eu não comecei nada, apenas falei a verdade. — O garoto
rosado, com uma roupa branca, fala rápido, negando com a cabeça.
— Seu irmão é uma bichinha, olha só como ele segura essa
porcaria na mão dele.
— EI! — digo alto, me afastando do carrinho de Roaquim e
encarando o menino. — Não pode ofender as pessoas, ainda mais
dessa maneira!
— Não é uma porcaria, é uma joaninha, da família das
Coccinellidae — Martin diz e estica sua mão, a abrindo para mim e
me deixando ver a pequena joaninha laranja na palma da sua mão.
— São inofensivas, por isso não o deixei pisar nela.
Me aproximo de Martin e sorrio para ele com carinho,
esticando minha mão e acariciando sua bochecha, vendo seus
olhos brilhando ao olhar o pequeno animal.
— Ela é linda, Martin, ainda bem que você a salvou.
— Sabia que as joaninhas possuem dois pares de asas,
Tina? — Ele ergue a cabeça para mim, falando animado, como ele
sempre faz quando quer me contar alguma coisa. — As asas
exteriores são quitinosas e possuem como função abrigar as asas
internas, as quais são finas e membranosas.
— Uauu, eu não sabia disso, rapaz! — Olho para a joaninha,
de quem ele fala com tanto interesse.
— Sim, e tem mais. As joaninhas são capazes de bater essas
asas fininhas a uma frequência de até 85 batidas por segundo...
— Mas é uma bichinha mesmo!
Meu corpo se vira na mesma hora e encaro o moleque
bocudo quando ele retorna a xingar Martin. Respiro fundo e tento
me concentrar e lembrar que estou diante de uma criança, uma
adorável criança inocente, e não um garoto mal-educado que quero
estapear.
— Não vai mais repetir isso, ok? — Paro a dois passos de
distância dele e inclino meu tórax para frente, prendendo minhas
mãos entre meus joelhos e forçando um sorriso em meu rosto,
tentando ser amável com esse pestinha. — Vai pedir desculpa para
Martin e nunca mais o chamar disso...
— Ou o quê? — O garoto mal-educado dá um passo à frente
e cruza seus braços, me olhando com deboche. — Não pode me
forçar, e eu não vou pedir desculpa para esse viadinho amante de
joaninha.
Meus lábios tremem, assim como a veia do meu pescoço fica
saltada, olhando o cinismo do garoto. Fecho meus olhos e ergo meu
dedo indicador no ar, balançando lentamente enquanto sorrio.
— Pede desculpa para ele, sim? Seja um bom menino e se
desculpe, assim podem ser amigos e brincar direitinho...
— Não! — Ele inclina sua face para perto da minha e abre
sua boca lentamente, falando a palavra com firmeza. — Não vou me
desculpar para essa bicha, e você não pode me bater...
Meus dedos se esmagam, enquanto me sinto a um passo de
jogar esse moleque na minha perna e lhe ensinar a ter bons modos,
com a porcaria da minha sapatilha estourando no rabo dele, para
deixar de ser um menino mimado e mal-educado.
— Não, eu não posso — falo, rangendo meus dentes, ainda
sorrindo forçada para ele, voltando a ficar ereta, colando meus
dedos um no outro e os entrelaçando na frente do meu corpo,
respirando depressa.
Giro e encaro Miguel, que está com seu rosto vermelho de
ódio e com os olhos presos no garoto. Desvia dele para mim e me
dá um olhar zangado, como se estivesse me pedindo permissão
para defender seu irmão. Nego com a cabeça, não lhe permitindo
bater no garoto. Olho para Martin e sinto meu coração se partir ao
vê-lo triste pela ofensa do menino. Martin é incrível. É tímido, mas
um rapazinho adorável e carinhoso, e me dói na alma lhe ver assim,
chateado, por conta da palavra feia que o menino lhe chamou,
apenas por Martin ser inteligente.
Inalo o ar com força, sabendo que Tina não pode fazer nada,
mas Z pode, ela tinha aprendido um truque ou outro no píer de Nova
York.
— Me diga, coisinha fofa, qual seu nomezinho? — Viro meu
rosto por cima do ombro, olhando para ele.
— É Greg!
— Greg, bonitinho esse nome. E onde está sua mãe ou sua
babá, Greg? — Seu dedo se ergue e aponta para a direita.
Viro minha face para lá e encontro a alguns metros de nós
uma senhora mal-encarada e rechonchuda, fumando um cigarro,
com as bochechas tão rosadas como a do seu filho. Caminho
lentamente e paro perto dele, ficando ao seu lado e dando um leve
tapinha em sua cabeça.
— Por que não vai para junto dela, Greg? Acho que a vi lhe
chamar! — digo séria, o encarando, fazendo um movimento de
cabeça.
O garoto olha de mim para a mulher e dá um passo à frente,
para ir até ela. Estico a ponta do meu pé, sabendo exatamente o
que vai acontecer quando ele passar ao meu lado e tropeçar na
minha sapatilha, caindo com sua cara no chão.
— Oh, meu Deus, GREG! — Tapo minha boca, falando
chocada, nem parecendo que foi por causa do meu pé que o garoto
caiu.
O ajudo a se levantar e limpo sua roupa, batendo minha mão
em sua camisa e no seu short branco jeans, olhando na direção da
mulher, que está caminhando para nós e joga o cigarro fora, assim
que vê o menino se esborrachando no chão.
— Você fez isso de propósito! — ele fala com raiva, olhando
sua roupa toda suja, virando o rosto para os meninos e os fuzilando.
— Greg, não pode fazer essas coisas, é muito feio! Onde já
se viu querer mostrar sua genitália para os garotos?! — digo,
horrorizada, me levantando e dando um passo para trás.
— O QUÊ? — Ele arregala seus olhos e olha para mim na
mesma hora.
— O que você fez, Greg? — A voz da mulher sai alta atrás
dele, e ela olha de mim para o garoto.
— Eu não fiz nada, mãe! — Ele ergue sua mão, mas a
seguro antes que ele aponte para os garotos.
— Coitado, acabou caindo, acho que sujou toda a roupa. —
O giro, o deixando de frente para ela. — Acabou que quando
cheguei, ele se assustou ao me ver e tentou fugir, quando percebi
que ele estava querendo mostrar o pênis dele para os garotos.
— O QUE...
O giro de volta, o deixando de frente para mim, calando a
boca dele e segurando sua face em minhas mãos.
— Não pode fazer isso, Greg. É feio, ainda mais para um
menino tão bonzinho como você.
— GREG STENFE! — a mãe dele grita mais alto, parando
atrás dele. — Realmente fez isso...
— Mãe, não... — Ele ergue a cabeça para ela, negando
rapidinho.
— Realmente não, porque eu cheguei bem no momento que
ele abaixava o zíper do short. — Faço uma cara de tristeza,
negando com a cabeça e soltando um suspiro, apontando para
frente da bermuda dele. — Tanto que foi por isso que ele correu e
caiu.
— Não! — O garoto abaixa sua cabeça junto com a mãe
dele, olhando em direção à bermuda e vendo o zíper da calça
aberto, o qual eu abri quando fingia limpar sua bermuda.
— Feio, Greg, muito feio! — suspiro e o olho séria quando ele
ergue sua cabeça para mim.
— OH, MEU DEUS, GREG, seu pai vai saber disso e vai ser
agora... — ela fala brava, o pegando pela orelha e dando uma
torcida enquanto ele chora, negando com a cabeça.
— Oh, provavelmente deve ser coisa da televisão — digo,
cruzando meus braços. — Mas nada que uma boa conversa não
resolva, não é, Greg?!
— Anda, vai conversar com seu pai agora, e quando chegar
em casa, rapazinho, saiba que estará de castigo, sem videogame ou
televisão...
— Troque a televisão por uma seleção de músicas de
Beethoven para ele escutar, ouvi dizer que é ótimo para estimular a
criança! — falo amável para ela, dando um sorriso educado.
Ela desvia seus olhos de mim e o puxa com ela pelo braço,
enquanto o garoto chora, erguendo o zíper da bermuda.
— Eu não fiz isso, foi ela que abaixou, mãe... — Ele vira seu
rosto por cima do ombro para mim e me olha chorando.
— Tchau, Greg! — Descruzo meus braços e aceno para ele,
dando um sorrisinho. — Adorei te conhecer.
Abaixo minha mão e viro, ficando de frente para os garotos,
os vendo com suas bocas abertas e olhos arregalados, me
encarando.
— Nunca resolvam as coisas com violência! — digo,
segurando o riso para Miguel, vendo suas bochechas ficarem
vermelhas, com ele jogando sua cabeça para trás e caindo na
gargalhada.
Passo por ele e esfrego o topo da sua cabeça, tendo meus
olhos em Martin, que encolhe seus ombros quando me agacho perto
dele e aliso sua bochecha. Dou uma piscada para ele e estico meu
rosto para frente, beijando sua testa.
— Por que não encontramos um lugar calmo e seguro para
ela agora, rapazinho?! — Afasto meu rosto de perto dele e olho para
a joaninha em sua mão. — Tenho certeza de que ela vai ficar
sossegada, sem ter mais que se preocupar com o senhor Greg.
— Sim, ela vai. — Ele me presenteia com um sorriso lindo,
mostrando suas covinhas, e pisco para ele, abaixando minha mão
do seu rosto. — Obrigado, Tina.
Em um primeiro momento, eu fico com o corpo congelado,
quando ele se joga em cima de mim e abre seus braços, me
apertando com carinho. Fecho meus olhos e retribuo seu abraço,
lhe deixando saber que ele é minha joaninha, e enquanto eu estiver
perto dele, nunca deixarei ninguém o machucar. Sorrio e apoio
minha mão em meu joelho, me levantando quando ele se levanta e
corre em direção às árvores, com Miguel atrás dele. Empurro uma
mecha de cabelo que escapou da minha trança para trás da minha
orelha e suspiro baixinho, parando meu olhar no Babão rosado.
— Acho bom ter limpado esse dedo gordinho, que parece
uma linguiça, antes de pôr ele na boca, viu, garotão?! — Rio para
ele, o vendo todo babado, com o bendito dedo na sua boca, o
chupando como se fosse a coisa mais gostosa do mundo. —
Nojento! Depois quer coçar essa gengiva banguela na minha
bochecha, com essa boca de chupar dedo sujo...
Me abaixo perto dele e pego o lenço pendurado na lateral do
carrinho, limpando seu rostinho e seus dedos melecados. Solto um
suspiro lento e viro meu rosto para o lado, enquanto seco seus
dedos babados. Olho entre os convidados no jardim ao longe, mas é
na varanda da grande casa que acabo ficando com meu olhar
preso, assim que encontro a face masculina que tem os olhos de
avelã atentos em mim. É muito difícil não reconhecer esse homem
de quase dois metros de altura mesmo de longe. Posso sentir cada
pelo do meu corpo se arrepiar, como se uma descarga elétrica
acabasse de me atingir. O senhor Sánchez está parado, segurando
um copo de bebida, com a outra mão no bolso de uma calça preta,
tendo um homem conversando ao seu lado, mas os olhos dele não
desviam de onde estou. Queria dizer que meu corpo não fica
agitado apenas por olhar para ele, mas ele fica, mesmo não
devendo. Inferno, é um maldito homem quente, mesmo com sua
cara carrancuda!
Depois da noite que o encontrei na cozinha, nunca mais
fiquei sozinha com ele novamente, e dava graças a Deus por isso.
Chega a ser um perigo para qualquer mulher ter um homem desse
por perto, de tanta masculinidade que ele emana, fazendo qualquer
mulher sã perder o raciocínio apenas com um simples olhar. E ter
visto esse pé-grande completamente abençoado, como veio ao
mundo, acabava me deixando propensa a perder muito mais rápido
o meu raciocínio. E eu nem sequer conseguia o olhar na cara, sem
sentir meu corpo todo se aquecendo e minha mente vagabunda se
recordando de cada detalhe dele nu, e como até febril,
completamente queimando de febre em pleno delírio, ele me deixou
excitada.
Juro que tentava esquecer do que aconteceu naquele quarto,
e sabia que nem sequer podia ficar perdendo meu tempo com
aquilo, mas minha mente pregava peças em mim, me fazendo
recordar de como eu senti meu coração disparar quando ele me
beijou. E isso faz eu me sentir duplamente mais tola, por ficar me
relembrando de um beijo que o pé-grande nem sequer sabe que
tinha me dado. Mas eu prefiro imaginar que é um segredo, um
pequeno segredo só meu. O qual, por alguns instantes, quando eu
penso sobre isso, me faz sorrir como uma boba adolescente, que
tinha recebido seu primeiro beijo.
— Podemos ir ao lago também, Tina? — Viro meu rosto e
desvio minha atenção do pé-grande quando Miguel fala perto de
mim.
— Ao lago? — pergunto para ele, terminando de limpar
Roaquim enquanto me levanto.
— Sim, Tulho está lá — Martin é quem me responde,
apontando na direção do lago.
Olho para lá e vejo o jovenzinho andando no píer de madeira
junto com outro garoto, enquanto os dois riem e conversam,
parando na beirada do píer. Balanço minha cabeça em positivo,
sorrindo para os dois, caminhando para trás do carrinho e o
empurrando.
— Mas não podem sair de perto de mim, ok?! — digo isso
olhando diretamente para Miguel, vendo a carinha arteira dele.
— Não vou sair! — ele me responde rindo.
— Ótimo, porque se não vou pôr é você para escutar
Beethoven. — Ele cai na gargalhada, negando com a cabeça.
— Oh, Tina, de onde tirou isso...
— Vá por mim, bebê, não vai querer saber. — Rio, me
lembrando da babá assustadora, dando uma olhada para Roaquim.
Estamos nos aproximando do lago, quando vejo alguns
garotos grandes correndo pelo píer de madeira, um empurrando o
outro. Fico atenta, olhando Tulho perto de outro menino,
conversando distraídos. É o tempo de abaixar minha cabeça, para
arrumar o lenço na lateral do carrinho de Roaquim, e ouço o splash
de algo caindo dentro da água.
— Oh, Cristo, ele caiu na água! — A voz da mulher com
uniforme branco, segurando um bebê no colo, sai alta perto de nós,
olhando na direção do lago.
Ergo minha cabeça na mesma hora na direção do píer, mas
não vejo mais Tulho e nem o outro menino.
— Tulho! — Estico meu pescoço e tento o encontrar, vendo
apenas os garotos grandes que corriam, parados, olhando
assustados para o lago.
— Martin, não sai de perto de Roaquim, me ouviu?! —
Seguro o braço dele, o fazendo segurar o carrinho, vendo sua
cabeça balançando em positivo. — Você também, Miguel! — Me
viro para a mulher, respirando nervosa. — Por favor, olha eles para
mim, por cinco segundos... — peço para ela, já correndo em
disparada ao píer quando ela consente com a cabeça e se aproxima
dos meninos.
Vejo os garotos mais nervosos, enquanto se abaixam na
beirada da madeira e esticam seus braços.
— Droga, droga... — Meu coração bate mais forte, enquanto
corro pelo píer, sentindo o medo me tomando por não o enxergar.
Afasto os meninos quando me aproximo da beirada do píer, e
o rosto de Tulho se vira para mim na mesma hora, com ele
ajoelhado perto da borda de madeira.
— Graças a Deus! — Levo a mão ao peito, sentindo alívio por
encontrá-lo são e salvo e em segurança. — Por um segundo, pensei
que tinha caído na água, ouvi um barulho alto...
— A gente estava brincando, não foi de propósito... — os dois
garotos grandes falam apressados, me olhando com medo.
— Cristofe caiu, Tina! — A face de Tulho se vira e olha para o
lago, falando assustado. — Ele não submergiu ainda, ele não sabe
nadar...
Olho para a água e vejo as pequenas bolhas estourando para
fora, mostrando onde o garoto afundou.
— Se afastem da beirada do píer, andem! — grito com eles,
arrancando as porcarias das sapatilhas dos meus pés, antes de me
jogar de cabeça dentro do lago onde está saindo as bolhas.
Mergulho batendo meus pés, sentindo minhas vistas
queimando com a água turva, enquanto seguro minha respiração. O
lago, que parece calmo do lado de fora, é completamente o oposto
em sua profundidade, me obrigando a lutar com a correnteza, que
está ficando mais tensa. Vejo o vulto da mão esticada que vai
parando de se bater embaixo d’água, e isso me faz o encontrar. O
seguro pelo pulso, o prendendo forte, submergindo e o puxando
comigo. Bato meus pés enquanto o puxo com meu braço, nadando
até me aproximar da beirada do píer.
— Puxem ele! — grito com os meninos grandes, pedindo
ajuda, e eles puxam o menino pelos braços, o tirando do lago
enquanto me seguro na madeira e impulsiono meu corpo para cima,
saindo sozinha.
Os afasto e engatinho para perto do garoto que está deitado
no píer, vendo seus olhos fechados. Seguro seu nariz em meus
dedos e o aperto, enchendo meus pulmões de ar. Abaixo minha
cabeça para a boca dele e assopro lentamente. Ergo minha cabeça,
pressionando minha mão em seu peito e o apertando, retornando
logo em seguida a prender seu nariz e fazer a respiração boca a
boca. Meu rosto se afasta assim que ele tosse, cuspindo água para
fora dos seus lábios. Seguro seu rosto e olho o ruivo com sardinhas
nas bochechas abrindo seus olhos lentamente para mim, enquanto
tosse forte. Meu coração está batendo disparado e olho nervosa
para ele, afastando os cabelos da sua face.
— Está bem, Cristofe? — pergunto para ele, o vendo me
encarar.
— Ganhei um beijo de uma garota... — ele balbucia, me
olhando e dando um sorriso, soltando um suspiro. — Eu acho que
acabei de ficar apaixonado.
Sorrio e solto um suspiro de alívio, abaixando minha cabeça
e encostando minha testa em seu peito, dando um leve tapinha em
seu braço.
— Vou entender isso como um sim, Cristofe! — Me afasto e
empurro meu corpo para trás, apoiando minhas mãos em meus
joelhos e o olhando enquanto rio, vendo seu olhar preso em mim.
— CRISTOFE! — Ergo minha cabeça assim que uma voz
grossa grita, nervosa. — Onde está meu filho...
Fico de pé e me afasto do menino, sabendo que agora ele
ficará bem, sendo cuidado pela família. Noto poucos convidados da
festa rodeando o píer, olhando o rapaz.
Me viro para Tulho, encontrando seu olhar amedrontado
ficando preso ao meu.
— Ele está bem, ok?! — Seguro seu rosto em minhas mãos e
dou um sorriso para ele, tentando o acalmar. Ele mantém seus olhos
em mim, me deixando ver seu medo. — Foi só um susto, sim?
Venha, temos que ir para perto dos seus irmãos...
Seguro as suas costas e o faço ficar na minha frente, para
voltar para perto dos seus irmãos.
— Foi ela, ela que me salvou, pai! — Eu nem chego a dar
dois passos quando o jovem que está sentado no píer fala,
apontando para mim.
Vejo um homem ruivo e barbudo, de terno bege, parado
ajoelhado perto do jovem. Ele ergue sua cabeça para mim e me
olha enquanto se levanta.
— Oh, meu Deus, obrigado... — Ele estica sua mão para
mim. — Muito obrigado por salvar meu Cristofe.
Ergo minha mão no ar e a balanço, negando com a cabeça e
abrindo minha boca com a intenção de dizer que não tem nada para
agradecer, mas as palavras nem têm chances de sair dos meus
lábios quando ele prende os dedos no meu pulso e o puxa, me
pegando de surpresa, dando tempo apenas de Tulho dar um passo
para o lado, para não ser empurrado quando ele me puxa.
— Muito obrigado, obrigado! — Minha bochecha está colada
em um terno de grã-fino com cheiro de charuto, com o homem me
amassando em seus braços feito uma boneca de pano, sem se
importar de abraçar uma pessoa toda molhada.
— Não precisa agradecer — falo com a voz fanha, olhando
Tulho com meus olhos arregalados. Estico minha mão para o peito
do homem, tentando o fazer me soltar.
— Sim, preciso, e sempre agradecerei por ter salvado meu
filho. — Acho que tenho uma noção de como um bichinho de pelúcia
se sente quando Miguel o esmaga em seus braços, balançando seu
corpo para os lados.
— O senhor poderia me soltar, só um pouquinho... Preciso
respirar. — Bato meus dedos em seu ombro, tentando o avisar que
está acabando com o ar dos meus pulmões, de tanto que me
comprime.
— Oh, Deus, claro! — ele fala ainda agitado, finalmente me
libertando dos seus braços. — Mas saiba que Dumond tem uma
dívida eterna com você.
Dou um passo para trás, cambaleando, precisando puxar o ar
com toda força para meus pulmões, respirando depressa. A voz do
homem se cala e ele solta um pigarro junto com uma tosse baixa.
Empurro a mecha de cabelo que escapou da minha trança para trás,
erguendo minha cabeça para o homem e o vendo me olhando.
Tulho, que agora está ao lado dele, tem sua face vermelha
parecendo um pimentão, desviando seus olhos rapidinhos de mim,
me deixando confusa, sem saber porque eles estão assim.
— Señorita! — Antes que possa perguntar o que aconteceu,
o timbre grosso como um trovão se faz, me fazendo reconhecer a
voz zangada do senhor Sánchez.
O vejo sério parado atrás do homem ruivo, me encarando. O
canto da sua boca treme, com ele dilatando suas narinas e soltando
sua respiração de forma pesada, caindo sua atenção para frente do
meu corpo, vendo a porcaria do vestido completamente colado em
minha pele. Meus seios estão rígidos e com os bicos apontados por
conta da água fria, parecendo dois faróis direcionados para o ruivo,
deixando qualquer um saber que estou sem sutiã por baixo do pano.
Arregalo meus olhos e ergo minha mão na mesma hora para meus
seios, os tapando e encolhendo meus braços. Desejo me virar e me
jogar dentro do lago novamente, antes que eu morra de tanta
vergonha ou seja estrangulada pelo pé-grande, que está com sua
face completamente rígida, rosnando baixo pelo vexame que estou
o fazendo passar.
— Tulho... — Sorrio envergonhada e falo rapidinho, olhando
para ele. — Fica na minha frente, por favor...
— Oh, não, me permita lhe ajudar! — O ruivo toma à frente e
segura o braço de Tulho, o impedindo que fique como um escudo na
minha frente, retirando de forma ágil a parte de cima do seu terno.
— Não será necessário, Dumond. — A voz ríspida do senhor
Sánchez o faz parar antes mesmo que o homem chegue a
aproximar a parte de cima do terno dele de minhas costas.
Mantenho minha cabeça baixa, não olhando para ele, apenas
ouvindo sua respiração pesada enquanto ele deposita seu blazer
em minhas costas, me cobrindo quase por inteira, de tão grande que
é, evitando tocar seus dedos em mim. Não levanto minha cabeça
para olhá-lo, muito menos para o ruivo, ficando com medo até de
respirar muito alto perto do senhor Sánchez.
— Vá para o carro junto com seus irmãos e a señorita Zara,
Tulho! — A ordem sai dos seus lábios de forma direta, e dou uma
olhadinha rápida para Tulho, o vendo balançar sua cabeça em
positivo.
De forma gentil, Tulho estende sua mão para mim, a
passando por meu ombro, enquanto me dá um sorriso triste.
— Mais uma vez, muito obrigado, senhorita. — Olho o ruivo,
que me dá um sorriso e balança sua cabeça para frente, esticando
seu braço e segurando minha mão na sua, depositando um beijo
nela.
— Señorita! — Puxo minha mão rapidinho para longe do
ruivo beijoqueiro, quando a voz baixa fala ainda mais zangada atrás
de mim.
Me desvio do ruivo e caminho com Tulho ao meu lado,
apertando a frente do blazer em meus dedos, para tapar meus
seios. Assim que ergo minha cabeça, vejo que a maioria dos
convidados estão no píer, olhando para mim perto de Tulho.
— Seus sapatos, Tina? — Tulho fala para mim, olhando
meus pés descalços.
— Está tudo bem, apenas vamos sair daqui! — O puxo,
andando apressada, o fazendo ir comigo, não me virando para olhar
para trás.
Ando chateada, não sabendo por que ele ficou bravo daquele
jeito, como se eu tivesse planejado brincar de camiseta molhada no
meio da festa, pagando peitinho para o ruivo e abraçador
compulsivo. Qual é, eu precisei pular no lago para tirar o menino de
lá, não estou pedindo uma estrelinha dourada, apenas que seja um
pouco menos zangado!
— Oh, Tina, vai me ensinar a mergulhar daquele jeito? — A
voz de Miguel sai alta, me fazendo erguer o rosto para ele, o vendo
ao lado de Martin e do carrinho de Roaquim.
— Talvez, mas não será hoje. — Lhe dou um sorriso e viro
meu rosto para a babá, que está balançando o neném no colo. —
Obrigada por olhar eles...
— Imagina, não precisa agradecer — ela fala e me dá um
sorriso brando. — Na verdade, fiquei bastante preocupada quando
lhe vi pular na água. Esse lago tem correntezas traiçoeiras, tanto
que foi por isso que o grandão saiu correndo quando lhe viu pulando
na água. Todos por aqui sabem como esse lago é perigoso...
— Desculpa, quem?
— O papai! — Martin é quem responde. — Assim que você
saiu, ele chegou segundos depois.
— Eu estava contando para ele o que eu vi, os garotos
grandes correndo no píer, e disse que o filho do senhor Dumond se
desequilibrou e caiu na água — a babá fala para mim.
Droga!
Inalo o ar com força, agora compreendendo por que ele ficou
bravo. Na certa ficou chateado porque larguei os garotos com uma
pessoa estranha, mas na hora eu pensei que fosse Tulho, por isso
saí correndo daquela forma, não pensei que ela poderia ser uma
ameaça para os meninos.
— Assim que lhe viu se jogar na água, ele correu para o píer.
Olho para trás e vejo o senhor Sánchez de longe, de costas,
conversando com os dois garotos grandes, que estão de cabeça
baixa, tendo as feições abatidas, de quem está sendo recriminado, a
qual julgo que será a mesma expressão que eu vou fazer quando
esse homem vier para o meu lado.
— Teve muita sorte das correntezas não lhe puxar.
— É, acho que sim. — Volto minha face para ela e lhe dou
um sorriso amarelo, desejando ter a mesma sorte com o pé-grande,
quando ele rugir na minha orelha.
CAPÍTULO 9
A NEGAÇÃO

SEBASTIAN SÁNCHEZ

— O que acham de assistirmos um filme juntos? — Desligo o


carro assim que o estaciono na frente de casa. Olho no relógio do
meu pulso e vejo que são 17h40, antes de soltar o cinto de
segurança. — Está cedo ainda para irem para a cama — falo calmo
ao me virar e olhar para o banco de trás.
Roaquim está com sua face tombada para o lado,
adormecido no bebê conforto, depois de ter sido paparicado o
domingo inteiro por minha tia, a mãe de Ralf.
— Deixo Roaquim no berço e podemos escolher o que
preferirem. — Passo meu olhar entre os rostos dos três garotos que
passaram o domingo todo exatamente como entraram no carro para
passear até a hora de retornar para casa, calados. — E aí?
— Eu tenho que estudar para uma prova — Tulho é o
primeiro a me responder, sem nem sequer olhar para mim quando
abre a porta do carro e sai de dentro dele.
Inalo o ar com força e fisgo o canto da boca, olhando seu
assento vazio. Ele tinha me evitado o dia todo, me dando um gelo
por completo, me deixando saber que estava chateado comigo por
causa da noite passada. Fiquei bravo, estava completamente
zangado com a irresponsabilidade da pequena mulher, que quase
me fez ter um enfarte quando a vi se jogar dentro daquele lago, e
não medi as palavras quando a levei para o escritório, para
conversar com ela. Mas ainda assim fui o mais racional que podia
ser, ainda mais tendo a vontade de estrangular seu pescoço fino,
para lhe fazer entender o perigo em que ela tinha se posto. Ver o
olhar dela chateado, saindo raivosa de dentro da sala, enquanto
segurava o choro, me deixando saber que eu tinha perdido o
controle, só não foi pior por causa dos três pares de olhos, de Tulho,
Martin e Miguel, magoados, que me encaravam no topo da escada.
— Bom, acho que é só a gente. — Olho para Martin e Miguel.
— Sabe o que é, pai, eu prefiro ler um livro. — Martin me dá
um sorriso amarelo, arrastando sua bunda rapidinho na direção da
porta aberta do carro, fugindo para dentro da casa.
Nego com a cabeça, não acreditando que até Martin acabou
de recusar ficar comigo. Escuto o suspiro baixo do pequeno garoto
de olhos grandes acastanhados, me olhando exatamente como o
olho quando ele faz alguma coisa que não deveria.
— Até você, Miguel?
— Você sempre diz que temos que pedir desculpas quando
deixamos o amigo triste — ele diz baixinho, me olhando com
atenção. — Deixou a Tina triste.
Olho o pequeno jovem de nove anos, o qual fala seriamente,
usando minhas próprias palavras contra mim, de uma forma tão
inocente, que se não estivesse ainda incrédulo que meus filhos
estão fazendo um motim contra mim, eu poderia rir.
— Eu te amo, papai. — Ele se estica e me dá um beijo na
bochecha.
— Também te amo... — murmuro para ele, o vendo erguer
sua mão e me dá um leve tapinha em meu ombro, antes de sair do
carro e fechar a porta.
Nego com a cabeça, olhando a porta fechada, e inalo o ar
com força para os meus pulmões. Deixo minha atenção parar em
Roaquim, que está dormindo.
— Certeza que se bandearia para o lado deles também, se
tivesse acordado, não é, pequeno?! — falo com ele, repuxando meu
nariz.
Saio do carro e fecho minha porta, caminhando devagar e
dando a volta no veículo, para retirar Roaquim do bebê conforto.
Abro a porta lentamente, olhando para minha casa, vendo as luzes
do quarto de Tulho acesas, o enxergando passar na frente da janela
cabisbaixo.
— Increíble[25] — rosno, baixo, rangendo meus dentes. — A
porcaria da babá é uma louca suicida, e eu que passo por ruim.
Retiro o cinto do bebê conforto do corpo de Roaquim e o
pego no colo, fechando a porta e caminhando para casa com ele.
— Ela nem sequer pensou que poderia morrer dentro da
porcaria daquele lago — falo para o pequeno adormecido em meus
braços. — Quem diabos pula dentro da porcaria de um lago que não
conhece?! — esbravejo mais bravo, tendo meus motivos para ter
perdido a paciência com aquela mujer.
Era a porcaria de uma festa, só precisava ter gritado por
socorro.
— Mas não, ela não podia... — Abro a porta da casa,
excomungando a mulher desgraçada. — Tinha que se jogar no lago,
e eu ainda que passo por ruim. Acredita nisso?!
Olho Roaquim deitado em meus braços, com a bochecha
dele esmagada em meu peito.
— Qué diablos passou pela cabeça dela?! — Ergo meu rosto
e caminho para as escadas. — Tinha mais de quarenta convidados
naquela festa, mas ela não podia simplesmente gritar por ayuda[26]?
Bufo pelas narinas, subindo os degraus das escadas, não
acreditando que estou realmente sendo evitado pelos meus filhos,
que deixaram visível a mágoa nos olhares deles, por conta de eu ter
recriminado a babá.
— Tenho cinco crianças dentro dessa casa, cinco! — Abro a
porta do quarto de Roaquim, usando meu pé para fechar a porta
depois que eu entro. — Arrumo uma babá para cuidar de mi hijos e
acabo arranjando mais uma criança irresponsável.
Continuo a despejar meu descontentamento, conversando
com o pequeno, que mesmo adormecido é o único ouvinte que
ainda tenho dentro dessa casa, que não preferiu fugir de mim. O
deito no berço e o arrumo direitinho, pegando seu cobertor e o
cobrindo.
— Ainda bem que pelo menos um não me condena com seu
olhar magoado — suspiro, esticando meu braço e tocando
lentamente a bochecha de Roaquim, a alisando. — Dulces sueños,
pequeno.[27]— Afasto minha mão do seu rosto e murmuro para ele,
dando um passo para trás e levando as mãos ao bolso da calça.
Ergo meu rosto e olho em volta, observando o quarto antigo
de Sheila, que era o nosso quarto de casal, antes dela me dizer que
não desejava mais dividir sua cama comigo, o qual eu tinha
mandado o arrumar quando voltei para casa com Roaquim,
transformando-o no quarto do bebê.
— Você nunca amou nada de verdade, Sebastian! Nunca
amou! A verdade é que me trouxe para cá apenas para ser sua
parideira e lhe encher de filhos, e agora que os tem, nem sequer me
dá mais atenção!
— Dios! — Esfrego meu rosto, me sentando na beirada da
cama, soltando o nó da gravata. — Cheguei agora do trabalho,
mujer, será que podemos não arrumar briga apenas por uma noite?!
— falo, cansado de tudo, em corpo, mente e alma.
Tinha trabalhado o dia todo, acompanhando a colheita das
uvas e ajudando os funcionários a transportar os caixotes para o
galpão do vinhedo. Quando cheguei em casa, Tulho estava me
esperando junto com Martin, sentado na sala, para brincar com seus
carrinhos. Gostava de brincar com eles. Podia estar o mais cansado
possível, mas eu esquecia de tudo quando os via, sentia minhas
forças revigoradas e o orgulho de ser o pai deles enchendo meu
peito. Amava dar atenção aos meus filhos. Não entendia por que
Sheila tinha que sempre arrumar briga por causa disso. Eu sabia
que não tínhamos mais tempo como antes, quando éramos
solteiros. Agora temos os filhos, e eles também precisam de
atenção, mas eu sempre arrumo um tempo para ela. À noite, após o
jantar, de manhã, quando acordamos, ou antes de ir para o trabalho,
eu pergunto como foi seu dia, tento lhe levar para passear, mas
Sheila, cada dia que passa, vai ficando mais difícil de lidar, amarga
e cruel, ao ponto de arrumar briga a cada segundo que me vê.
— Nunca tem tempo para mim. — Ela se vira e caminha para
a cômoda, ficando de costas para mim. — Apenas para essas terras
malditas e seus filhos!
— Sheila, escute o que está falando, por Dios! — Solto
minhas mãos em cima dos meus joelhos, as esmagando e
encarando a mulher amarga, que nem sequer de longe lembra a
jovem sorridente que me encantou em Paris. — Está amaldiçoando
as terras que são o sustento da nossa família, e brigando comigo
por eu passar algumas horas depois do trabalho com nossos filhos.
Eles precisam de mim...
— E EU?! — Sua voz explode em um grito alto. Meu corpo se
esquiva e tombo para o lado, tendo apenas o reflexo de algo vindo
em minha direção quando ela arremessa. — E EU, SEBASTIAN?!
Me levanto em um rompante, olhando a garrafa de perfume
estilhaçada em cima da cama depois que se espatifou na parede.
Viro meu rosto para ela e a vejo com sua face raivosa, sua boca
cerrada, enquanto respira depressa. Ranjo meus dentes e esmago
meus dedos ao lado do corpo, caminhando em direção à porta.
— ISSO, FOGE, SEU COVARDE! — ela grita com raiva e
vem para cima de mim, com sua mão erguida.
A prendo pelo pulso, impedindo que sua mão acerte meu
rosto, a vendo completamente descontrolada novamente. Ela usa
sua outra mão, batendo com raiva na minha cara, se empurrando
para trás. Rosno com ódio e dou um passo para frente, sentindo
meu limite chegando ao extremo, a um passo de perder de vez a
paciência, a qual eu luto para ter com ela. Seus olhos verdes
brilham de ira, com a boca dela semicerrando.
— Me bate, se você tem coragem! — Sheila esbraveja, com
seu corpo inteiro se tremendo a dois passos de mim. — Seu frouxo!
— Ela ri de forma amarga, negando com a cabeça. —
FROUXOOOO!
Ergo minha mão e toco na minha face, onde ela acertou,
sentindo o sangue todo do meu corpo ferver de raiva.
— Agradeça aos seus filhos, Sheila — rosno com ódio, a
encarando. — Agradeça àquelas crianças, por eu ainda não ter
perdido a cabeça com você.
Desvio meus olhos dela e fico de frente para a porta, girando
a maçaneta, para sair desse quarto antes que acabe perdendo de
vez o controle, o qual mantenho apenas por causa dos meus filhos.
— Se sair desse quarto, Sebastian, SAIBA QUE NUNCA
MAIS VAI SE DEITAR NA MINHA CAMA! — ela grita com mais raiva
atrás de mim. — NUNCA MAIS, SEBASTIAN, DIVIDO UMA CAMA
COM VOCÊ, E MUITO MENOS VAI TOCAR EM MIM!
— Tem certeza de que essa será sua última palavra, Sheila?
— Giro meu rosto para o lado, encarando-a pelo reflexo do espelho.
— Sim! — Ela estufa seu peito, me confrontando. — Se abrir
essa porta, nunca mais se deitará em minha cama.
Balanço minha cabeça em positivo lentamente e inalo o ar de
forma pesada. Não olho para ela de novo, muito menos para dentro
do quarto quando abro a porta e passo por ela, deixando Sheila
gritando dentro do quarto.
Recordo da nossa última briga dentro desse quarto, na qual
ainda posso ouvir os gritos de Sheila me xingando, em como
naquele dia finalmente eu tinha visto que não dava mais, tinha
segurado até onde eu podia nosso casamento. Eu me orgulhava de
finalmente conseguir dominar meus demônios, em ser um homem
centrado, de nunca perder o controle e me manter imparcial a
qualquer situação, não soltando minha ira, porque eu me conhecia,
sabia que se perdesse o controle, podia fazer coisas terríveis, as
quais não eram dignas de orgulho, e que acabaria em destruição.
Por isso me controlava, me policiava, sempre me afastando dela
antes que minha ira se soltasse de vez. Mas aquela pequena e
estranha mulher consegue me fazer perder a paciência com uma
velocidade alarmante. Não tenho nem tempo de me controlar, só
quero estrangular o pescoço fino dela, por ser tão irresponsável.
Precisava de um tempo longe daquela peste, para poder
retornar ao meu normal, por isso saí cedo com os meninos, para
passar o domingo com a minha tia, mandando Damaris lhe avisar
que podia ter o domingo de folga. O som da maçaneta da porta do
quarto se faz, me fazendo girar e olhar para a entrada do quarto,
inalando o ar com força, me preparando para a sensação agitada de
que o abençoado aroma de morango dela me traz.
— Boa noite, senhor! — A voz de Damaris me cumprimenta,
falando baixinho quando entra no quarto, me fazendo sentir uma
pontada de desapontamento ao ver que não é a irritante señorita
Zara.
— Boa noite, Damaris. — Balanço minha cabeça, que se
move para frente, desviando meus olhos do seu rosto para atrás
dela, querendo saber se apenas ela tinha vindo mesmo.
— Vim saber se o senhor Sebastian deseja que sirva o jantar
agora.
— Não! — Nego com a cabeça, mantendo meu olhar na porta
do quarto vazia. — Conhece tia Aurora, sempre nos faz comer até a
barriga quase explodir.
— Oh, sim! — A pequena senhora sorri para mim e leva suas
mãos para frente do corpo. — Bom, vou ver se os meninos têm
fome, se desejam comer algo...
— Sim, sim, faça isso. — Repuxo meu nariz e desvio meus
olhos da porta, encarando o chão. — Eles também comeram bem,
mas veja se vão querer jantar. Avise à señorita Zara que Roaquim já
tomou banho na casa da minha tia e está com a fralda limpa. Creio
que ele acordará mais ao fim da noite, não tive como evitar que ele
tirasse um cochilo na volta para casa dentro do carro.
— Nem se preocupe, senhor, pode deixar que eu mesmo me
encarrego do pequeno quando ele acordar.
Ergo meu rosto para ela, a encarando quando fala alegre
para mim, olhando o berço.
— Por quê? — A pergunta sai ríspida da minha boca,
querendo saber o porquê ela vai cuidar de Roaquim, e não Tina.
— Bom, como deu o domingo de folga para ela, pensei que
seria justo ser o domingo inteiro.
Bato a ponta do meu sapato no chão, cerrando minha boca
enquanto entendo suas palavras.
— Ela não está em casa? — Tento controlar a rispidez em
minhas palavras dessa vez, mas falho, tendo consciência que minha
voz ficou mais grave. — Saiu para aproveitar o dia de folga?
— Oh, não, Tina ficou em casa quando eu saí hoje de manhã
para ir à missa. — Ela nega com a cabeça. — Ouvi a televisão do
quarto dela ligada quando passei lá para avisar que estava saindo.
Penso que ela nem saiu do quarto, pois cheguei uns quarenta
minutos antes do senhor e a televisão ainda estava ligada, e a
cozinha arrumada, do jeito que eu deixei quando saí — ela me fala e
dá um sorriso, se virando. — Bom, se me der licença, vou ver se os
meninos estão com fome e se querem jantar.
Fico em silêncio, encarando a porta depois que Damaris
parte, rangendo meus dentes. Além dos meus filhos, que não estão
nem olhando na minha cara, agora a babá está se trancando dentro
do quarto.
— Não vou me desculpar por algo que eu estou certo! —
rosno, baixo, caminhando para fora do quarto e fechando a porta,
seguindo a direção das escadas, para ir ao meu escritório.
— Está me dando uma bronca por que eu salvei o menino?
— Olho seu pequeno corpo parado no meio do escritório, com ela
me encarando zangada.
— Estou dizendo a verdade! — Sinto meus nervos aflorados,
com raiva dessa maldita mulher teimosa que não entende o risco
que se pôs. — Homens três vezes maior do que você já perderam a
vida naquele lago, e eram nadadores natos...
— E Cristofe também teria perdido, se eu não tivesse pulado
para o tirar de lá. — Ela ergue sua mão para o alto, tendo o meu
blazer em seu corpo a fazendo parecer um pinguim, sumindo dentro
dele, de tão grande que está nela. — Eu salvei a vida dele...
— Você foi irresponsável, tanto com sua vida quanto com a
dele! — digo zangado, perdendo de vez a paciência com ela. Estou
a meia hora lhe dizendo o risco que são aquelas correntezas, e
como o ato dela podia ter custado caro, tanto para sua vida, se o
lago a tragasse para dentro, quanto para o jovem, que teria morrido
porque ela não pediu ajuda. — Está sob a proteção da minha casa,
sob minha responsabilidade, se tivesse morrido dentro daquelas
águas, apenas porque agiu por impulso, como acha que eu teria que
lidar com as consequências?! Como eu avisaria à sua família,
señorita?!
— Oh, é isso? — Ela abaixa sua mão e me dá um olhar
perdido, balançando sua cabeça para os lados. — Porque se for
apenas por peso em sua consciência, em perder uma empregada e
algum familiar vir lhe processar, isso não vai acontecer. — Um
sorriso se forma em sua boca, com ela tombando sua face para o
lado e falando rindo. — Era só jogar meu corpo numa vala, ou me
largar no lago mesmo, penso que seria uma ótima sepultura e não
daria trabalho para ninguém...
Minhas mãos se fecham e soco a mesa com raiva quando me
levanto e empurro a cadeira para trás, perdendo o controle ao ver a
forma que ela trata isso como uma piada, não parecendo ter noção
alguma de como eu me desestabilizei quando a vi entrar dentro
daquele lago, e agora de forma tola caçoa do próprio risco que se
pôs.
— Não ouse fazer piada comigo, MUJER! — grito alto,
rosnando, sentindo vontade de atravessar esse escritório e a
segurar pelos ombros, chacoalhando seu corpo, para que entenda
que quase me fez enfartar quando a vi se jogando dentro daquele
lago. — Seu ato foi insensato, de uma irresponsabilidade enorme, e
podia ter custado sua vida e a de Cristofe. Acha que o pai dele
também pensaria assim ao perder o filho dele, por sua tolice, por
não ter gritado por ajuda? Acha que eu riria assim ao tirar seu corpo
burro de dentro daquela água?!
Meu peito arfa para frente e respiro com força, a encarando
com raiva. Seu corpo está encolhido, com a cabeça abaixada e com
seus braços em volta do corpo.
— Imagino que nem seu pai pensaria assim, señorita. Porque
ele não deve ter criado uma filha para não dar valor algum a sua
própria vida, a tratando como um lixo sem valor!
Me endireito e afasto minha mão da mesa, ficando ereto e
olhando seus ombros encolhidos, fungando baixinho. Seu rosto
pequeno se ergue e me dá um olhar triste e marejado, descruzando
seus braços e limpando as lágrimas que escorrem por suas
bochechas.
— Não, pelo contrário, señor. Meu pai via muito valor em
mim, muito valor... — Ela morde sua boca, com um sorriso
melancólico se esboçando em sua face de choro.
Vira de costas para mim e caminha na direção da saída,
prendendo seus dedos na lateral do vestido e o erguendo para
conseguir andar mais depressa.
— Não acabei essa conversa, señorita! — rosno com raiva e
esmago meus dedos quando a porcaria da porta bate com força
atrás dela e seu corpo sai do escritório.
Ando com raiva e vou atrás dela, abrindo a porcaria da porta
e a seguindo pelo corredor, não entendendo por que ela me tira
tanto do sério, por que não consigo controlar o pavor que se
transformou em raiva depois que a vi agir de forma leviana contra
ela mesma.
— Não temos mais nada para conversar, señor! — A vejo
andar mais apressada, indo para cozinha.
— Mujer desgraçada! Criatura teimosa e irresponsável! —
amaldiçoo, zangado, andando a passos duros, tentando lhe
alcançar.
Mas meus passos param no segundo que passo diante da
escada e tenho os olhares assustados me encarando. Miguel está
parado ao lado de Martin, e a face de Tulho está branca, com ele
me dando o mesmo olhar amedrontado que me deu quando
finalmente conseguiram me tirar de cima de Lorenzo, depois que
quase o matei de tanto o bater, com minha roupa suja de sangue e
meu rosto transtornado de ódio.
— Tulho, eu não estava...
Ele se vira na mesma hora, puxando seus irmãos e os
levando com ele. Abaixo minha cabeça e respiro com força,
chutando a porra da parede, irritado.
— Inferno!
Esmago meus dedos dentro do bolso da calça, com o outro
braço esticado ao lado do corpo, segurando o par de sapatilhas, que
tinha deixado no porta-malas do carro. Me peguei indo ao meu
veículo no pátio e tirando os calçados dela do porta-malas. Entrei
em casa e fui em direção à cozinha, caminhando pelo corredor que
passa na lavanderia, até chegar aos fundos, onde a porta do quarto
está fechada.
— Señorita! — chamo por ela, aguardando-a me responder,
ouvindo o som da televisão lá dentro.
Bato meu pé no chão e olho meu sapato, me sentindo
impaciente. Retiro a mão do bolso da calça e dou uma batida leve
na porta.
— Señorita Zara, preciso de uma palavra com a señorita! —
Elevo meu rosto pra frente de novo, encarando a porcaria da porta.
— Sei que está aí dentro!
Ranjo meus dentes, com a veia na lateral da minha testa
latejando e meu humor ficando aborrecido novamente. Já não basta
os olhares chateados que meus filhos me dirigiram o domingo
inteiro, agora estou sendo ignorado pela babá insolente, que se
sentiu ofendida e agora me deixa plantado na porta do seu quarto,
como um palhaço de arena de tourada?!
— Mujer vingativa! — rosno com raiva e ergo minha mão,
estapeando a porta novamente.
Dou um passo para trás e inalo o ar com força, encarando a
porcaria da porta fechada.
— Que seja! — Solto as sapatilhas dela no chão, as deixando
de frente a porta, e me viro, me afastando da porta do seu quarto,
não desejando perder um segundo que seja do meu tempo com
essa mula birrenta.
— O senhor precisa de algo? — Damaris se assusta quando
me vê saindo da porta da lavanderia e entrando na cozinha.
— Não! Apenas precisava repassar uma ordem à senhorita
Zara, mas farei isso amanhã — falo, bufando, e caminho a passos
duros, passando reto por ela. — Deve estar dormindo!
— Penso que deva estar colocando o sono em dia, ela
também não abriu a porta para mim, quando eu cheguei e chamei
por ela.
Diminuo meus passos e paro de andar, me virando e olhando
para Damaris ao ouvi-la relatar que Tina também não abriu a porta
do quarto para ela.
— Que horas conversou com ela, Damaris? — Giro meu
pescoço e olho para a porta da lavanderia.
— Oh, conversar mesmo foi só ontem à noite, quando fui lhe
informar que o senhor deu folga para ela. — Retorno a olhar para a
mulher, que está com uma expressão pensativa. — Ela estava
cansada, bem abatida, nem sequer quis jantar... Disse que iria tomar
banho e se deitar...
— De manhã, quando saiu, ela lhe respondeu? Quando foi
avisar a ela que estava indo para a missa? — Olho novamente para
a porta da lavanderia.
— Não, não...
Meus passos já estão retornando na direção do quarto de
Tina, nem ficando para ouvir o resto da conversa de Damaris.
— Señorita Zara! — chamo por ela com mais firmeza e levo
meus dedos à maçaneta do quarto, a girando, mas a encontrando
trancada. — Señorita!
Aguardo mais alguns segundos, tendo apenas seu silêncio
novamente como resposta e o som baixo da televisão. Dou um
passo para trás e empurro meu corpo com tudo contra a porta, a
estourando. Assim que ela está aberta, acendo a luz do quarto e o
vejo com a janela e as cortinas fechadas. Paro meu olhar na cama,
vendo o volume embaixo da coberta, com apenas seu rosto de fora.
— Señorita! — a chamo mais alto, mas seus olhos não se
abrem. Preciso de três passos antes de estar perto da cama,
esticando meus dedos para tocar em sua face, para acordá-la. —
Seño...
Me calo, espalmando minha mão por inteira em sua testa
assim que sua temperatura aquece meus dedos.
— Está febril, pequeña... — balbucio, nervoso, me sentando
ao seu lado e segurando seu rosto em minhas mãos. A pele de Tina
está tão quente que até penso estar tocando em uma fogueira. —
DAMARIS! — grito pela outra empregada, me levantando e
afastando o cobertor de cima de Tina.
Ela se encolhe, com seu corpo tremendo de frio, apertando
seus dedos no meu blazer, com o qual ainda está vestida, assim
como a porcaria do vestido feio. Ela ficou trancada dentro desse
quarto, queimando de febre, o domingo inteiro.
— Mujer tola! — digo bravo, a erguendo no colo e a tirando
de cima da cama, completamente molhada de suor e com a mesma
roupa que ela tinha pulado ontem no lago.
— Cristo, o que houve com Tina? — Damaris entra no quarto
e tapa sua boca ao olhar para a mulher desacordada em meus
braços.
— Vá até meu escritório e ligue para Ralf, peça para ele
trazer um médico para cá com urgência! — Não olho para ela
quando me viro, erguendo minha perna e chutando a porta do
banheiro, a abrindo.
— Oh, meu Deus, Tina...
— Faça o que eu te ordenei, mujer! — grito alto com Damaris
quando ela começa a falar com voz de choro, ao invés de ir ligar
para Ralf.
Escuto seus passos se afastando, correndo para fora do
quarto, enquanto abro o boxe do banheiro e arrumo Tina em meus
braços, depositando seu rosto em meu peito e a segurando por
baixo da bunda, usando a outra mão para ligar o registro de água e
o rodando ao máximo, para deixar na água fria.
— OHHHHHH! — ela grita, se encolhendo ainda mais em
meu colo assim que entro com ela embaixo do chuveiro, tendo o
choque térmico da água gelado acertando seu corpo quente.
— Shhh, está tudo bem, Tina. — Seguro seu rosto quando
ela o tomba em minha mão, retraindo sua face enquanto chora. —
Precisamos abaixar essa febre.
Empurro seus cabelos para trás e tiro os fios soltos de perto
da sua boca. Seus dedos se prendem em minha camisa, enquanto
se cola a mim, escondendo seu rosto em meu peito.
— Por favor, não... — Tina chora, me agarrando mais forte,
com seus lábios tremendo, negando com a cabeça.
— Calma, pequeña, está segura agora. — Afasto seu rosto e
o acaricio, tentando lhe acalmar, a fazendo continuar embaixo
d’água, para abaixar sua febre.
— Não, não... — Seus olhos molengas se abrem com
dificuldade, me olhando perdida antes de os fechar novamente. —
Ele está lá... ele está lá dentro, eu não quero entrar, pai...
Meus movimentos param enquanto fico sério e encaro a face
chorosa da pequena mulher delirando. Ela tomba seu rosto para
frente e seus braços vão escorregando lentamente, com seus dedos
se soltando da minha camisa.
— Por... favor...
Minha outra mão a sustenta pelas costas quando seu corpo
inteiro pesa, com ela desmaiando em meus braços.
CAPÍTULO 10
ZERO

TINA ZARA

Sinto minha cabeça latejando, praticamente como se tivesse


sido rachada ao meio com uma marreta, que impactou meu crânio.
Minhas pálpebras estão tão pesadas, que tenho que me esforçar ao
limite para abri-las. Meu corpo inteiro dói, e calafrios me pegam, me
fazendo encolher, com meus lábios trêmulos. Mas o som distante e
baixinho, de um choro que tão bem eu reconheço, me faz lutar
contra essas dores que assaltam meu corpo. Me obrigo a sentar, e a
vertigem me pega assim que meus pés tocam o chão.
— Tina, não pode sair da cama. — A voz aflita fala comigo,
tocando meu ombro. — Precisa ficar deitada.
Tombo meu rosto para o lado, com minhas vistas turvas,
vendo apenas um pequeno borrão, mas reconheço sua voz.
— Tulho... Preciso chegar até o Babão rosinha. — Assim que
ergo meu braço, tentando apoiar minha mão nele, tenho a
impressão de pesar mil toneladas, de tão pesado que está para
sustentar meu próprio braço erguido. — Ele está chorando...
— Não, Tina... Roaquim está na cozinha com tia Aurora, ele
não está chorando...
Sim, ele está, eu estou ouvindo o choro dele. Minha mente
está confusa, lenta, tanto quanto meus movimentos e meus esforços
para conseguir levantar e ficar de pé. A vertigem ganha mais força
por conta do balanço do meu corpo, indo para frente e para trás.
Abrir e fechar meus olhos nunca pareceu algo tão difícil como agora.
— Roaquim está chorando... — As palavras se calam, com
minhas vistas se escurecendo lentamente.
— Vou chamar o papai...
Me sinto tão estranha, como se estivesse embriagada, com
dores por todo meu corpo e frio, tanto frio. Dou um passo para trás,
sentindo minhas pernas fraquejarem, com minha bunda desabando
no colchão.
— Não precisaria ser assim. Sabe que odeio te machucar...
— A voz masculina sai baixinho, e encosta sua testa na minha,
enquanto esfrega a ponta do seu dedo em minha bochecha. — Não
queria te bater, mas esse seu maldito choro me irrita, abelhinha.
Sinto minha cabeça doer ainda mais, com a voz de Papi em
minha mente me fazendo sentir tanta dor, como se eu tivesse dentro
daquele quarto imundo novamente. O maldito apelido pelo qual ele
me chamava, sempre depois que violava meu corpo e me batia, me
fazia querer chorar de tanto medo. Minha mente está confusa, não
entendo onde estou, quem está chorando, apenas ouço o choro
ficando mais forte. Ergo minha cabeça e escuto alguém se
aproximando. Minha visão está embaçada, me deixando ver apenas
uma imagem desfocada caminhando em minha direção. Puxo meu
rosto para trás, de forma lenta, quando sinto o toque em meu rosto,
com medo de ser Papi.
— Não... — murmuro e nego com a cabeça, me sentindo tão
cansada e com meu corpo sem forças, que não consigo me afastar
quando ele se inclina sobre mim, me fazendo deitar. — Por favor,
não...
— Está tudo bem, señorita. — A voz masculina é calma,
falando baixinho comigo, me fazendo sentir o calor da sua
respiração tocando minha pele.
Seguro seu pulso quando sua mão se espalma em meu
rosto, sentindo sua pele quente. Me encolho e escondo meu rosto
perto do seu peito, buscando por calor para me aquecer.
— É você, pé-grande... — Minha fala molenga e grogue se
arrasta enquanto sorrio, mantendo seu pulso preso em meus dedos.
— Está tão quentinho...
Minha outra mão se ergue e seguro sua camisa, me sentindo
quentinha, com o frio diminuindo ao ter um calor forte me
aquecendo. Meus olhos se fecham e não consigo mais os segurar
abertos, apenas sendo arrastada pela escuridão.
Me encolho e encosto minhas costas na parede, indo para o
cantinho da cama. As lágrimas descem por minhas bochechas,
enquanto fungo baixinho, sentindo dor na lateral do meu rosto, que
está machucada, por conta do tapa que Papi me deu. Arrasto
minhas pernas lentamente e sinto dor em cada parte do meu corpo
nu. Aperto meus braços em volta das minhas pernas e olho perdida
para a pequena abelhinha de pelúcia nos pés da cama, em cima do
colchão, que ele tinha trazido para mim e me dado de presente.
Escuto a respiração pesada, o som que ele faz enquanto se veste, e
fecho meus olhos, soluçando baixinho, quando o colchão afunda,
com ele subindo em cima.
— Não precisaria ser assim. Sabe que odeio te machucar...
— A voz masculina sai baixinho, e encosta sua testa na minha,
enquanto esfrega a ponta do seu dedo em minha bochecha. — Não
queria te bater, mas esse seu maldito choro me irrita, abelhinha.
Sua mão acaricia lentamente o canto machucado da minha
boca, me fazendo retrair por inteira, assustada, quando ele deposita
um beijo.
— Sua sorte é que eu gosto de você. — Meus olhos se
abrem, ficando arregalados, com a mão dele se fechando com força
em meu queixo, me olhando sério. — Gosto de tudo em você,
abelhinha, por isso cuido de você. Sou o único que cuida de você.
Ele tomba sua cabeça em seu ombro, enquanto observa meu
rosto, como se estivesse admirando a marca do seu punho que
ficou em minha face.
— Me diga, quem é que cuida de você, abelhinha? — Seus
dedos esmagam mais forte minha pele, raspando de propósito seu
anelar no canto dos meus lábios machucados, me fazendo retrair
minha face com dor. — Diga!
— Você... você cuida de mim... — Minha voz de choro
balbucia, baixinho, com meu corpo tremendo de medo.
— Isso aí, abelhinha, eu cuido de você! — Sua voz fria é sem
vida, tanto quanto o sorriso esboçado em seu rosto, quando ele
solta meu queixo e deposita um beijo em minha testa. — Minha
linda abelhinha.
Mordo meus lábios e seguro as lágrimas. A dor me destrói
por dentro enquanto o vejo se afastar da cama, ficando de pé ao
lado dela e abrindo sua carteira, jogando notas de dinheiro nos pés
da cama.
— Até semana que vem. — Sua voz é a sentença do meu
inferno, enquanto se afasta e caminha para a porta do quarto, a
abrindo para partir.
Me encolho ainda mais e abaixo a cabeça, erguendo minha
mão e tapando minha boca, chorando baixinho. O som de passos
no corredor me faz olhar na direção da entrada. O homem que entra
se mantém de cabeça baixa, não olhando para mim uma única vez
que seja, como ele sempre faz logo depois que Alonso sai do
quarto. Ele para na frente da cama e estica seu braço, pegando o
dinheiro e o batendo lentamente em sua mão, enquanto inala o ar
com força. Ele não me olha, ele nem sequer ergue a cabeça,
apenas se mantém lá, parado, encarando o dinheiro.
— Pai... — o chamo baixinho entre o choro, destampando
minha boca, e estico meu braço para ele, desejando que ele me
salve desse inferno.
Mas ele não olha, se mantém lá parado, e abaixa sua mão,
prendendo o dinheiro em seus dedos e encarando o chão. O odor
de bebida que exala dele é tão forte que se sobressai ao perfume de
Alonso que ainda impregna o quarto.
— Vá se limpar, Marisa.
Meu braço cai sobre minhas pernas, quando a voz
embriagada dele me chama pelo nome da minha mãe. O vejo se
virar e caminhar para a porta da mesma forma que entrou, com sua
cabeça abaixada, a fechando atrás dele quando sai.
— Pai... — Soluço e choro, chacoalhando meus ombros
enquanto morro por dentro.
Abro meus olhos e sinto meu peito batendo acelerado, minha
respiração fadigada, enquanto encaro o teto do quarto mal
iluminado, vendo as sombras de luzes brincando nele. Esfrego meu
rosto e sinto um gosto amargo na minha boca, que está seca, como
se eu tivesse engolido um pacote inteiro de sal. Gemo baixinho
enquanto me sento na cama e arrasto minha bunda para trás, tendo
uma fraqueza grande em meus ossos. Fazia tempo que eu não
sonhava com meu pai, a última vez que sonhei com ele, revivendo
aquele inferno, foi no dia que ele foi sepultado. Esfrego minha nuca
e inalo o ar com força.
Me sinto esgotada, como se tivesse dentro daquele pesadelo
por uma eternidade, não conseguindo acordar. Suspiro e nego com
a cabeça, mordendo o canto da boca e abrindo meus olhos,
encarando a coberta em cima das minhas pernas. Pisco, confusa,
por alguns segundos, essa não é a coberta que eu durmo. Olho
para a cama e constato que não é só a coberta que não é minha, a
cama também, é uma cama de casal. Ergo minha cabeça, passando
meu olhar pelo quarto, sem entender, e vejo a lareira acesa, com as
madeiras queimando dentro dela e uma porta grande ao lado
aberta, com a luz ligada. Encaro a banheira lá dentro, me deixando
saber que é o banheiro. Não me lembro de ter vindo para cá. Eu
tenho certeza que na noite passada me deitei na minha cama. Giro
meu rosto para a esquerda e vejo a janela fechada, com as cortinas
abertas. Está escuro lá fora, o que me faz ficar ainda mais aflita pela
forma que estou, com meu corpo pesado e fraco. Parece que dormi
uma vida inteira, será que nem amanheceu o dia ainda?!
— Merda, onde é que eu estou?! — falo, nervosa, com o
peito subindo e descendo rápido.
— No quarto de hóspedes, señorita! — O som da voz grossa,
com o timbre baixo, me faz girar meu rosto para o outro lado da
cama na mesma hora.
Me deparo com a face do senhor Sebastian, que está
sentado em uma poltrona, com a perna cruzada e seus braços
descansando no apoio da poltrona perto da cama.
— Como... como... — falo mais assustada, não entendendo
como vim parar aqui e, principalmente, o que ele está fazendo aqui.
— Como vim parar aqui...
— Porque eu lhe trouxe — ele responde rápido, estufando
seu peito para frente quando solta o ar de forma pesada. — Ficou
acamada o domingo inteiro, após dormir com a roupa úmida, e
queimou de febre durante o dia todo. Apenas à noite fui ter
conhecimento do seu estado, e lhe trouxe para cá, onde o médico
poderia melhor lhe atender.
— Oh, merda! — Levo minha mão à minha testa, recordando
de entrar no meu quarto. Estava chateada e ia para o banho, mas
acabei me sentando na cama, odiando as malditas lembranças que
meu pai tinha me deixado. Acho que eu chorei até dormir, mas fora
isso não me lembro de mais nada. — Eu não me recordo de ter
passado mal...
— É porque estava com hipertermia, com febre de 41 graus.
— Olho para ele, o vendo sério me encarando.
— Meu Deus! — Encolho meus ombros, me sentindo
realmente uma irresponsável, como ele me acusou dentro daquele
escritório. — Eu juro que ia me trocar, ia tirar aquela roupa molhada,
mas...
Me calo e esmago meus dedos na coberta, não querendo lhe
dizer que acabei chorando até dormir, e por isso esqueci de tirar a
maldita roupa.
— Passou o sábado todo embaixo do sol quente, isso
contribuiu ainda mais para seu corpo entrar em colapso, junto à
roupa molhada em seu corpo, que piorou tudo — o senhor Sánchez
me corta, falando de forma objetiva, dando um suspiro, como se
estivesse aborrecido.
— Senhor Sánchez, eu realmente não queria lhe causar
transtorno, atrapalhar sua noite de domingo. — Giro meu rosto para
ele e nego com a cabeça. — Já me sinto melhor, posso lhe garantir
que amanhã estarei ótima, vou poder fazer minhas obrigações da
semana perfeitamente...
Me calo quando um som rouco escapa da sua boca como um
grunhido, enquanto me encara sério e esmaga seu maxilar.
— Hoje já é segunda, señorita! — Ele dilata as narinas e inala
o ar com mais força, erguendo seu braço e olhando em direção ao
seu pulso. — Para ser mais exato, daqui quinze minutos já é terça-
feira.
Minha boca se abre e se fecha umas três vezes, e fico muda,
sem dizer nada, assimilando que eu fiquei apagada por mais de 48
horas. Não é à toa que ele está com essa expressão séria, imagina
o transtorno que causei.
— Cristo, as crianças... Eu dormi a segunda-feira inteira... —
Meu braço se estica e puxo a coberta, a empurrando para longe,
para me levantar.
E é só nesse segundo que noto minhas pernas de fora,
usando apenas uma calcinha, tendo uma camisa amarela enorme
em meu corpo.
— Me trocaram! — Puxo a coberta com pressa e a jogo em
cima das minhas pernas, as cobrindo.
— Precisei lhe pôr embaixo do chuveiro, para abaixar sua
febre, enquanto o médico não chegava. — Olho para ele e o vejo
descruzar suas pernas, inclinando seu corpo para frente e apoiando
seus cotovelos em seus braços, enquanto me encara. — Damaris
lhe trocou, pedi a ela para buscar uma camisa minha, por ser mais
prático, já que as poucas roupas que eu encontrei em sua cômoda
não ajudariam muito.
Eu estou quase sumindo de tanto que me encolho, morrendo
de vergonha. Claro que ele não acharia nada decente em minha
cômoda. Fora a calça jeans que eu vim para cá e as calças de lycra
que encontrei na cômoda, apenas tinha trazido alguns shorts e
camisetas.
— Precisa se manter em repouso, a febre ainda pode voltar.
— Seus dedos se entrelaçam, com ele os estalando lentamente e
desviando os olhos de mim, encarando o chão. — O médico lhe
medicou e voltou essa manhã e aplicou outra injeção. Sua febre
tinha retornado, por isso você dormiu o resto do dia todo.
Quero abrir um buraco e me enterrar lá dentro, não
acreditando que eu acabei dando todo esse trabalho.
— Senhor Sánchez, eu sinto muito...
— Quase trinta! — Ele me silencia apenas com um olhar
quando sua cabeça se ergue, me encarando.
Seguro mais forte a coberta em minhas pernas, olhando-o
sem entender. Sua mão se ergue quando ele enrijece seu corpo e
tira algo do bolso da sua camisa, jogando em meu colo. Olho a
minha habilitação, enquanto sinto minha voz morrendo dentro de
mim. Entendo o porquê do seu olhar frio me encarando desde o
segundo que eu acordei.
— Sabia que estava mentindo, do mesmo jeito que eu estava
me enganando, querendo acreditar que no mínimo tivesse vinte e
quatro anos. — Ele fecha seus dedos em punho, dando um
soquinho lento no braço da poltrona. — Dios, vinte e dois anos,
señorita!
Suas costas se jogam para trás e solta o peso delas no
encosto da poltrona, rangendo seus dentes e encarando a lareira.
— Senhor, eu posso explicar — digo nervosa, tentando achar
um jeito de o fazer entender que não quis mentir por mal a minha
idade, tive medo dele não me querer. — Posso explicar o porquê da
mentira...
— Assim como pode me explicar o porquê uma garota foge
para uma cidadezinha no meio do nada, para cuidar de quatro
crianças, apenas com uma mochila e alguns trapos dentro dela? —
Seu rosto retorna para mim completamente sombrio, travando sua
mandíbula, me dando o mesmo olhar que ele me deu no seu quarto
quando me pediu uma explicação do que eu fazia lá dentro. — Com
um malote de dinheiro?
Meu rosto fica mortificado e em choque, assim como o resto
de mim, que nem sequer consigo respirar, sentindo como se tivesse
literalmente acordado de um pesadelo e entrado em outro.
— De quem está fugindo? Por que veio trabalhar aqui e,
principalmente, de quem é aquele dinheiro? — ele rosna baixo, me
dando um olhar de aço, como se visse algo horrível diante dele. —
Espero que tenha uma boa explicação, señorita, porque até posso
relevar a mentira da sua idade, mas não uma ladra dentro de mi
casa!
— O quê? — Arregalo meus olhos, negando rápido com a
cabeça. — Não, não, eu não sou uma ladra... Aquele dinheiro, ele...
Mordo minha boca, sentindo meus olhos queimando, com
vontade de chorar, não tendo como lhe contar de onde veio o
dinheiro.
— Esse dinheiro é meu, eu não roubei. — Tapo minha boca e
abaixo minha cabeça, esmagando minha carteira de motorista em
minha mão.
— Realmente quer que acredite que uma mulher de vinte e
dois anos, que chegou na porta da minha casa implorando por
serviço, trouxe com ela um malote com mais de nove mil dólares, e
ele não é roubado?
— Sim! — Balanço minha cabeça em positivo, falando entre o
choro. — Sim, eu não roubei, é meu...
— Dios, acha que sou um burro?! — Ele se levanta de forma
abrupta, rosnando mais alto. — Devo parecer, para mentir de forma
leviana...
— Não, por favor, não... — Ergo meu rosto e balanço a
cabeça para os lados. — Não estou mentindo, esse dinheiro é meu.
Eu nunca roubei nada de ninguém... Nunca, senhor!
— Onde arrumou? — Seus olhos cor de avelã faíscam fortes
e de forma intensa, igual ao fogo da lareira. — Decir la verdade,
mujer![28]
Me encolho, me assustando, com meu corpo se
impulsionando para trás quando ele inclina em um ataque rápido,
como um predador em cima de mim, parando sua face a poucos
centímetros da minha.
— Não roubei... — Soluço e fungo baixo, tendo meu peito
subindo e descendo rápido, com meu coração quase saindo pela
boca. — Não roubei, não roubei, señor!
Balanço minha cabeça para os lados e fecho meus olhos,
tendo sua bufada de ar quente acertando meu rosto, como um touro
zangado dentro de uma arena.
— Se não roubou, não tem por que esconder a verdade! —
Ele se afasta e respira pesado, dando um passo para trás. — Me
conte a verdade, ou sairá da minha casa assim que o sol nascer,
señorita.
O olho com minha boca trêmula, tendo as lágrimas
escorrendo por meu rosto, enquanto choro e nego com a cabeça.
Abraço meu corpo e inclino meu tórax para frente, desejando que
minha vida não fosse tão fodida, ao ponto de eu não conseguir dizer
o esgoto de merda que eu vivia.
— Señorita? — Fecho meus olhos e ouço sua voz ríspida,
enquanto ele aguarda por sua resposta.
— Não roubei, por favor, estou falando a verdade... — Meus
ombros chacoalham e desmorono entre as lágrimas.
Há coisas na vida que a gente pode querer esquecer, apagar
e recomeçar do zero, mas o passado sempre dá um jeito de nos
encontrar e nos fazer ver o que realmente somos. Eu podia fugir,
fugir para o mais longe que eu pudesse, recomeçar criando uma
história nova, dando à Tina um novo mundo, onde não tinha
humilhação, medo e dor. Mas aonde fosse, Z estaria comigo, ela
sempre estaria comigo, e não importava o tanto que eu quisesse a
matar, acabar para sempre com ela, porque ela fazia parte de mim.
A vida sempre me traria ela me confrontando com a verdade,
desmanchando a história feliz de Tina, a qual eu criava como um
castelo de cartas.
— Não posso ter alguém que mente para mim, dentro da
minha casa, señorita. — Ouço sua respiração pesada. — Infierno!
— ele rosna e solta um palavrão em espanhol. — Quero que parta
da minha casa assim que tiver recuperada. Não sou um escroto
insensível que joga uma mujer doente para a rua, partirá assim que
estiver melhor!
Choro com mais dor ao ouvir os passos dele se afastando,
caminhando na direção da porta do quarto, com meu coração
quebrando em vários pedaços, me sentindo tão infeliz, como se
nunca tivesse a chance de poder seguir minha vida, como se tudo
fosse caro demais, bom demais para que eu fosse merecedora de
ter uma chance de ser feliz. Tudo me foi tirado: o lar, minha
inocência, meus estudos, a vida, meu recomeço, como se eu não
passasse da sombra dos erros da mulher que me pariu, me jogando
ao mundo para ser condenada por seus pecados, até eu não passar
de um mísero verme rastejante, que se esgueira a vida toda entre
camas, boates e o píer, se vendendo como uma mercadoria. Eu não
sou nada, sou um zero, realmente um fodido de um zero à
esquerda.
— Píer de Nova York, a Rua dos Prazeres, como é conhecida
— sussurro, encarando o chão. — Das 23h50 até as 6h da manhã,
de segunda a segunda. Sempre pontual, com um sorriso no rosto e
olhar amável, cativando os clientes que passavam de carro por lá.
Meu rosto se ergue e olho para o homem parado perto da
porta, de costas, que se vira lentamente para mim.
— Lhes oferecendo tudo que eles queriam, bastava pagar. Z
sempre estava lá. — Dou um sorriso melancólico, sem traço algum
de felicidade, apenas de dor. — Não importava o que queriam,
porque Z não recusava, ela fazia, ela precisava. Precisava da grana.
Não importava se os clientes a batiam, se a machucavam, se ela
odiava cada maldito segundo que ficava naquele píer, Z sempre
estava com um sorriso no rosto, mesmo morta por dentro.
O vejo me olhar perdido, dando um passo à frente e ficando
sério enquanto me observa chorando à sua frente, lhe mostrando
minha alma morta.
— Ela sorria com o olhar amável, sempre sorria, porque Z
precisava. Porque ou ela se prostitua, ou ela voltava para o monstro
para quem o pai dela a vendeu quando tinha dezessete anos, mas Z
não queria. — Abaixo meu rosto, olhando o chão. — Não suportava
voltar para aquele monstro, por isso aceitava se prostituir. E antes
disso, ela já tirava a roupa em uma espelunca decadente, já que
não tinha terminado os estudos, não tinha mais sonhos nem futuro.
Mas Z sempre sorria, porque ela era só um pedaço de carne.
Minha cabeça se move e olho-o entre as lágrimas, lhe dando
o mesmo sorriso doce que eu mostrava àqueles homens.
— Mesmo estando destruída por dentro, ela sorria e lhes
dava um olhar amável. — Inclino meu rosto para o lado e desfaço o
sorriso, morrendo diante do olhar desse homem que me observa
calado, enxergando o que eu realmente sou, uma sujeira, algo sem
valor. — Z não era uma ladra, senhor, era apenas uma garota
fodida, o feto gerado entre a união de uma prostituta e um bêbado,
que anos depois iria ser destruída pelo cafetão do pai dela, igual ele
fazia com a mãe dela, para poder pagar os vícios dele.
Puxo o ar com força para meus pulmões e fecho meus olhos,
soltando um pesado suspiro enquanto choro, sorrindo com tristeza.
— E Tina, Tina também não é ladra, apenas é uma tola, uma
tola por achar que realmente podia simplesmente sair daquele
maldito lugar que a destruiu por anos e ter a chance de recomeçar
sua vida... — Ergo o dorso da minha mão e tapo minha boca,
abafando o soluço de choro. Limpo meu rosto de forma rápida,
tentando me recompor. — Não precisa se preocupar, señor, eu
estou melhor, posso partir antes mesmo do sol nascer!
Meus dedos tremem enquanto afasto a coberta, a jogando
para o lado e me levantando rapidamente. A tontura me pega
primeiro, assim como a fraqueza, antes mesmo de eu dar um passo
à frente, tendo meus joelhos fraquejando, não conseguindo me
manter em pé.
— Señorita! — Meu corpo é sustentando pelo par de mãos
que se prendem nas laterais dos meus ombros, me fazendo ficar a
poucos centímetros dele.
— Eu não sou uma señorita — falo, chorando, e ergo meu
rosto, me sentindo tão pequena, não apenas de tamanho, mas de
alma diante dele.
Eu tinha gostado de como soava essa palavra em seus
lábios, e por alguns instantes ela me fazia realmente acreditar que
eu era uma mulher boa. Mas a verdade é que não sou uma
senhorita, não sou uma mulher respeitável, e nunca serei. E morro
por dentro ao passo que choro, sentindo o toque da sua mão
espalmando a lateral do meu rosto, enquanto me olha.
— Sou uma puta, señor, uma puta. — Fecho meus olhos e
nego com a cabeça, tendo meus dedos presos em sua camisa. —
Não sou uma señorita, mas também não sou uma ladra. Sou só
uma maldita puta, e esse dinheiro não veio de um roubo, mas sim
de mim... Do meu corpo, porque é isso que eu sempre fui, um
miserável pedaço de carne.
Desmorono de uma forma tão intensa, que não consigo nem
me manter em pé enquanto choro, dobrando meus joelhos e me
sentindo destruída, como nunca desmoronei em todos esses anos.
Sinto anos de dor, medo e angústia, nojo de mim mesma sendo
despejado entre as lágrimas. Estou cansada de ser forte, de lutar,
mesmo com a corrente me puxando para o fundo, sobrevivendo
dentro desse lodo que se impregnou em minha alma, me marcando.
Queria lhe dizer que não me importei de pular naquele lago, porque
a vida toda foram as correntezas fortes que me acertaram, desde
minha juventude, que não pensei no meu bem-estar porque nunca
tive um, porque minha vida valia nada para mim, nunca valeu. Que
se realmente tivesse me afogado dentro daquelas águas frias, não
teria importância alguma, eu apenas estaria tendo meu fim com o
que eu sempre lutei, com as águas sujas e turbulentas, com as
correntezas sendo dragadas finalmente. Choro mais ainda, sendo
rasgada de dentro para fora, não querendo ser forte dessa vez,
apenas desmoronando diante dele.
— Te peguei, señorita.
Meu rosto se cola em seu peito e me agarro mais à sua
camisa, quando ele enlaça minhas costas e me ergue do chão.
Choro o dobro ao ouvir sua voz me chamando assim, como se não
tivesse acabado de ouvir o que sou. As lágrimas rolam mais forte,
enquanto soluço e fico encolhida em seus braços, escondendo meu
rosto em seu peito. Sinto um afago em meus cabelos, e o som baixo
da sua voz murmurando palavras inaudíveis, as quais não
compreendo, estando perdida demais em minha dor. Não sou mais
Tina tola, nem Z, o zero à esquerda. Aqui, dentro desse quarto,
chorando nos braços desse homem que me sustenta, me sentando
em seu colo quando se senta na poltrona, eu sou uma alma ferida,
cansada e triste demais para conseguir ser forte novamente.
CAPÍTULO 11
HISTÓRIAS CRUZADAS

TINA ZARA

— Dumbo chamou muito a atenção de todos, pois sua orelha


era enorme mesmo. As crianças começaram a zombar de Dumbo e,
como toda mãe, dona Jumbo foi defender seu filhote daquela
zombaria, mas se excedeu demais. Acabou indo para a solitária —
leio baixinho, enquanto folheio o livro lentamente. — Pobre Dumbo,
ficou só. As companheiras da sra. Jumbo ignoravam o elefantinho,
que precisava apenas de um pouco de atenção.
— Por que elas não cuidavam dele? — Miguel me contesta,
interrompendo a história e me dando um olhar confuso.
— Porque elas eram ruins... — A voz de Tulho sai baixa.
Ergo meu rosto para o jovem Tulho, que está sentado no pé
da cama e tem sua face girada na direção da janela, prestando
atenção na história que leio para seus irmãos, que estão deitados
ao meu lado na cama do quarto de visitas.
— Elas apenas não sabiam o quão maravilhoso ele era —
respondo Miguel, afagando o topo da sua cabeça, falando com
carinho.
Solto um suspiro lento e arrumo minhas costas no
travesseiro, na cabeceira da cama, erguendo meu olhar para Tulho.
Seu olhar se volta para mim nesse segundo, como se soubesse que
eu o encaro, e me dá um olhar melancólico. E noto que não são das
mamães elefantes da história de Dumbo a quem Tulho se referiu,
mas sim à sua.
— Uma pena para elas, por não enxergarem o elefantinho
corajoso de coração bom que Dumba era — falo para ele e lhe dou
uma piscada, sorrindo com brandura para o jovem Tulho. Ele me dá
um meio sorriso e abaixa sua cabeça, encarando seus sapatos.
Retorno meus olhos para o livro e vejo as ilustrações do
pequeno elefante triste e solitário, completamente sozinho. Miguel
havia entrado no quarto algumas horas atrás, com seu rosto alegre,
de forma arteira, me dando um sorriso e carregando o livro em suas
mãos, seguido de Martin e Tulho, para me visitar. Eu ainda estava
me sentindo fraca, mal tinha conseguido ir até o banheiro fazer
minha higienização matinal sem sentir vertigem e uma dor forte em
meus pulmões, como se tivesse uma mão os esmagando. Precisei
voltar para a cama, antes que acabasse desabando no chão com
minhas pernas fracas, que mal me sustentavam em pé. Eu iria partir
quando o dia amanhecesse, havia passado o resto da noite em
claro, olhando para o teto depois que o senhor Sánchez saiu do
quarto durante o início da madrugada.
Não esperava que ele me olhasse nem que dissesse nada
depois que me pediu para contar minha história a ele. Eu já estava
acostumada com o desprezo das pessoas quando enxergavam uma
garota de programa. Lhe contei de forma neutra como acabei
parando nessa vida de prostituição, não quis entrar em detalhes
sobre Papi. A verdade é que pulei logo para a segunda parte, sobre
ter que bancar as contas da casa e do meu irmão, e como fui parar
no píer. Não buscava compreensão e nem pena dele, apenas
desabei entre choro e palavras, lhe contando minha dor em cada
passo que eu já dei. O vi se levantar em silêncio depois que eu já
estava emocionalmente menos destruída, deitada na cama,
mantendo seus olhos longe de mim enquanto caminhava para porta,
para sair do quarto, me deixando saber que eu estava sem rumo
novamente, em relação ao que faria da minha vida. Se eu não
estivesse ainda tão fraca, já teria partido, apenas não fui porque não
consigo nem ficar em pé.
— Está bem, Tina? — Martin me pergunta, baixinho, me
olhando ansioso.
— Oh, claro, rapazinho! — Afasto meus pensamentos da
minha mente, não me deixando ficar melancólica perto deles. —
Apenas estava tentando descobrir onde parei.
— Nas mamães elefantes ruins — Miguel diz baixinho, se
virando de lado e me dando um risinho.
— Isso aí! — Belisco a ponta do seu nariz, antes de retornar
para a leitura. — Mas Timóteo, um simpático ratinho, que estava
sentado comendo as sobras de amendoim deixadas pelo público,
observava tudo e ficou indignado com a atitude daqueles
paquidermes, e resolveu ajudar Dumbo.
— Timóteo é um rato? — Miguel estica seu pescoço e olha
para o livro, vendo a ilustração da página.
— Sim, e ele se tornou o melhor amigo de Dumbo...
— Mas elefantes não têm medo de rato? — Minhas palavras
são cortadas pela curiosidade do pequeno tagarela Miguel, que olha
sem entender para mim.
— Tecnicamente, isso é mentira, pois elefantes adultos não
têm predadores na natureza, e por isso não se assustam com pouca
coisa — Martin o responde, enquanto o encara e nega com a
cabeça.
— Oh, lá vem o sabichão... — Miguel ri e revira seus olhos.
— Seu Dumbo orelhudo! — Martin discute com seu irmão,
com os dois tagarelando sem parar agora.
— O que acham de terminarmos de ler a história? — Rio,
olhando os dois, interferindo antes que as provocações piorem.
— Mas são dois crianções mesmo! — Tulho se levanta e
revira seus olhos, antes de encarar seus irmãos com desgosto,
cruzando seus braços na frente do corpo.
— E você, não é? — Martin ri e vira o rosto para seu irmão
mais velho.
— Claro que não! — Reprimo um sorriso ao ver a expressão
séria de Tulho ao dizer com tanta firmeza, como se já fosse um
homenzinho.
— Diz isso apenas porque está apaixonadinho...
Miguel nem chega a terminar a provocação com Tulho, pois
seu irmão já está em cima dele, dando um cascudo em sua cabeça.
Martin, risonho, se joga por cima de Tulho, tomando partido por
Miguel, com os três fazendo bagunça em cima da cama. Solto um
suspiro enquanto rio, esticando meu braço e acertando a cabeça de
cada um com o livro, não forte para os machucar, mas o suficiente
para eles se separarem enquanto riem e me olham.
— Tina! — Tulho coça sua cabeça e me olha, saindo de cima
de Miguel, rindo para mim.
— Vou chutar os três para fora dessa cama se não pararem!
— digo, rindo com eles, esticando meus dedos e fazendo cosquinha
neles.
O som da porta se abrindo nos faz virar para a entrada do
quarto, e vejo uma mulher na faixa etária do que penso ser uns
cinquenta e oito anos, com um olhar curioso estampado em sua
face.
— Espero não estar atrapalhando. — A voz dela sai de forma
alegre, e passa seus olhos nos meninos, um por um, antes de parar
em mim.
Eu nunca tinha a visto. Os longos cabelos prateados estão
em um penteado juvenil de rabo de cavalo, e usa uma calça jeans e
camiseta dourada com lantejoulas, além de sandálias de salto alto
no pé.
— TIA AURORAAAA! — Miguel é o primeiro a gritar, pulando
para fora da cama e correndo para ela, a abraçando, seguido de
Martin, que faz o mesmo.
Ela os beija no topo da cabeça e enlaça cada um no braço de
forma carinhosa, os deixando colados em suas pernas. Tulho é o
último a se aproximar dela, caminhando lento, de forma preguiçosa.
— Onde está meu beijo, cariño? — Ela ergue a cabeça e olha
para ele, abrindo um largo sorriso.
— Olá, tia Aurora. — Ela estica seu pescoço quando ele se
aproxima e deposita um beijo na bochecha dela.
— Então é aqui que os três pestinhas se escondem! — Suas
mãos se erguem e bagunça os cabelos de Martin e Miguel.
— Tina estava lendo uma história para nós — Miguel fala,
alegre, e ergue a cabeça para ela.
— Uma história, eu amo histórias... — Ela sorri e pisca para
ele. — Depois do seu banho, quero saber de toda a história, sim?
Agora, andem os três, precisam se aprontar para o almoço, se não
ficarão atrasados para a escola.
— Tina, vai terminar a história depois que eu voltar da
escola? — Miguel abaixa sua cabeça e a vira para mim, me olhando
preocupado.
— Mas é claro, só que apenas contarei para aqueles que
tomarem um banho direitinho para ir à escola. — Miguel ri, enquanto
foge para fora do quarto.
— Assim que voltar da escola, volto para cá, Tina! — Martin
se vira para mim e me dá um sorriso, antes de caminhar atrás de
Miguel.
— E você, jovenzinho, saiba que serei eu hoje sua motorista
particular. — Ela estica seu braço e puxa Tulho para um abraço
apertado.
— Onde está o papai? — Tulho pergunta, se afastando dela
e lhe olhando.
— Oh, ele precisou sair para ajudar com a entrega de uma
carga grande de vinho. Talvez não retorne hoje, por isso vim aqui
dar uma ajuda a vocês. — Ela estica sua mão e dá um leve tapinha
em seu ombro. — Agora vá, ande, porque sei que você é que o
mais demora no banho!
Vejo as bochechas de Tulho ficarem vermelhas,
envergonhado, quando se vira para mim e me olha. Rio para ele e
ergo minha mão, lhe dando tchau. Ele parte, se retirando do quarto,
e solto um suspiro lento, ainda sentindo dificuldade em puxar o ar
para os meus pulmões. Me endireito na cama e dou um sorriso sem
graça para a mulher, que se mantém parada perto da porta, me
estudando com curiosidade. Estico meu braço e tento pegar o
travesseiro que acabou caindo da cama na hora da bagunça dos
meninos.
— Oh, deixe que eu pego para você!
— Não precisa se incomodar, senhora, eu consigo pegar... —
falo rapidinho quando ela se precipita e caminha depressa para
perto da cama, recolhendo o travesseiro.
— Deixe de bobagem, é apenas Aurora. Não preciso desse
tipo de tratamento formal. — Ela ergue sua mão e abana no ar,
falando apressada. — Isso fica para outra pessoa, me chame
apenas de Aurora.
Eu ainda estou tentando assimilar tudo que ela fala, por conta
das palavras rápidas, quando ela se inclina para perto de mim e me
pega de surpresa, levando o travesseiro para trás das minhas
costas.
— Oh, céus, não precisa fazer isso, senhora Sánchez... —
Fecho meus olhos, respirando rápido.
— Besteira! Está bem melhor agora, não está? — Ela se
afasta assim que arruma o travesseiro, me dando um sorriso largo.
— E nada de senhora e muito menos Sánchez, apenas Aurora, por
favor.
Seus dedos se erguem e ela cola suas mãos, inclinando a
face para o lado e me olhando, sorrindo.
— Sou a mãe de Ralf, comigo não precisa dessas
pomposidades todas. — O cantinho da boca dela se aperta, com
seus olhos me encarando de um jeito sereno. — Dios, não é à toa
que está adoentada, veja que rosto fino e tão magrinho. Sebastian
não está te alimentando, é tão pequena...
Eu rio, não conseguindo controlar meu riso quando ela fala
de forma tão espontânea, batendo uma mão na outra, enquanto me
olha.
— Bem melhor agora, com um sorriso no rosto. — Ela pisca
para mim, me fazendo compreender que brincou comigo para
diminuir meu nervosismo. — Agora começamos novamente. — Seu
braço se estica para mim. — Sou Aurora, tia de Sebastian e das
crianças.
— Eu sou Tina, Tina Zara. — Estico minha mão,
envergonhada, apertando a sua e lhe cumprimentando. — Eu sou a
babá...
As palavras morrem lentamente em minha boca, enquanto
percebo que não sou mais a cuidadora deles, e sinto uma tristeza
tão grande me atingir no peito, ao imaginar que nunca mais os verei.
— Oh, sim, eu sei. Ralf me contou sobre você. — Ela sorri
ainda mais alegre. — Já estava na hora de Sebastian arrumar uma
jovem para cuidar desses monstrinhos, aquelas múmias que ele
andava contratando não davam conta das energias que esses
quatro têm.
Apenas sorrio para ela de forma singela, soltando sua mão e
deixando meus dedos repousados em cima da coberta em minha
perna.
— Oh, o almoço já está pronto, senhora Voz. — Nós duas
viramos o rosto para a direção da porta quando Damaris aparece
sorrindo, falando com a tia dos meninos. — Já está servido na
mesa.
— Oh, céus, Damaris, um dia corto sua língua por ficar
metendo esse senhora em cima de mim. — Ela ergue a mão e a
balança no ar, fingindo um gesto de palmadas em Damaris, antes de
se virar novamente para mim, sorrindo. — Bom, tenho que ir conferir
se aqueles três se aprontaram para o almoço. Mantenha repouso,
sim? E nada de se preocupar com os meninos.
Eu sorrio quando ela abre os braços, rindo, antes de apontar
sua mão na direção do seu próprio peito.
— Tia Aurora está aqui para ajudar! — Fico imóvel, olhando
confusa quando o braço dela se estica e toca meu queixo com a
ponta dos seus dedos. — Nos vemos novamente assim que estiver
melhor, pequena.
Quero dizer para ela que talvez isso seja improvável, mas
apenas continuo sorrindo, apenas balançando minha cabeça em
positivo. Ela parte e sai do quarto, caminhando de forma elegante. A
cabeça de Damaris a segue, olhando a mulher, antes de voltar seus
olhos para mim e dá um passo à frente, fechando a porta atrás dela.
— Como está, Tina? — Ela sorri com carinho para mim e
estica sua mão, tocando minha face.
— Estou bem — respondo de forma alegre, tentando parecer
confiante.
— Fico contente, não sabe como estou me culpando por não
ter entrado naquele quarto...
— Oh, Damaris, não tem que se culpar. E se for culpar
alguém, a culpa é toda minha. — O sorriso se desmancha em meu
rosto, enquanto solto um suspiro lento.
— Graças a Deus, o senhor Sebastian teve mais atenção do
que eu, quando foi até seu quarto, estourando a porta. Cristo, ele
ficou muito nervoso naquela noite, até me repreendeu depois que o
médico veio lhe ver, por eu não ter insistido para você abrir a porta
de manhã, antes de eu sair para ir à igreja! — Ela solta o ar
lentamente por sua boca, balançando a cabeça para os lados. —
Ainda bem que ele agiu rápido...
— Não teve culpa nenhuma, Damaris. — Sorrio para ela e
estico minha mão, segurando na sua. — Onde está Roaquim? —
Mudo de assunto, perguntando do pequeno.
— Oh, dormindo, Aurora o fez dormir para mim antes de vir
aqui mandar os meninos para o banho...
— Eu podia ter ajudado.
— Não, não podia. — Ela ergue sua mão para o ar e nega
com a cabeça. — O patrão comeria meu fígado, se eu trouxesse
Roaquim aqui. Tulho, Martin e Miguel já me desobedeceram vindo
aqui atrás de você. O senhor ficará bravo quando souber...
— Bravo? — Abro minha boca, sussurrando triste, ficando
perdida com as palavras de Damaris. — O senhor Sánchez ficará
bravo pelos meninos virem aqui me ver...
— Oh, sim, ainda mais porque ele deu ordens expressas para
não os deixar fazer isso, hoje de manhãzinha, antes de sair para
trabalhar — ela diz, rindo. — Mas não se preocupe, estou cuidando
muito bem do pequeno, apenas descanse, assim pode melhorar
mais rápido.
Meu rosto se abaixa e observo meus dedos, me sentindo
ainda mais triste ao saber que o senhor Sánchez está tão enojado
de mim, que proibiu Damaris de me deixar perto do Babão rosinha e
dos garotos. Eu sei o que sou, sou a última pessoa na face da Terra
que pode esquecer isso, e sei que ele ficou enojado ao descobrir a
verdade, tanto que foi por isso que saiu do quarto sem nem olhar
para o meu rosto. Mas eu não sou um bicho. Posso ter meus
pecados, mas tenho coração e tinha pegado amor por cada um
desses meninos, não precisava ter feito isso.
— Vou trazer algo para você comer, sim...
— Eu estou sem fome, Damaris — digo baixinho, não tendo
coragem de erguer meu rosto para ela.
— Mas precisa se alimentar, assim sua saúde fica mais forte
— ela fala rápido, se afastando da cama. — E depois do almoço,
antes de Roaquim acordar, ainda preciso ir até seu quarto...
— Para quê? — Ergo meu rosto para ela, a olhando sem
entender.
— Para trazer suas coisas. O patrão pediu para trazer seus
pertences para você, o que não vai me dar trabalho algum, já que
posso contar nos dedos a quantidade de roupa que trouxe naquela
mochila — ela tagarela sem parar, balançando sua cabeça para os
lados.
No fundo do meu coração, acabo agradecendo à língua solta
de Damaris, que ama conversar, pois assim ela não percebe como
meus olhos ficam marejados. Abaixo minha cabeça e encaro meus
dedos em cima da mão, e sinto como se uma pedra estivesse me
afundando embaixo dela. Bem lá no fundinho, escondido dentro do
meu coração, a chama de esperança do senhor Sánchez me
permitir ficar, tinha se apagado. Ele nem sequer me permitiria eu
mesma fazer minha mochila, entrando novamente no meu antigo
quarto. Sorrio com tristeza e ergo minha mão, passando o dorso em
minha bochecha e tirando uma lágrima teimosa que estava rolando
sobre ela, antes que Damaris veja.
— Aurora é uma bênção, me ajudou muito em poder vir aqui
hoje.
Ouço a voz de Damaris, enquanto me sinto quebrar
novamente por dentro, aumentando ainda mais os caquinhos que
minha alma é, fazendo eu me sentir como uma xícara velha
estilhaçada, a qual por tantas vezes tive que montar e colar
pedacinho por pedacinho, a erguendo novamente, mas agora não
tenho mais forças.
— Ainda bem que ela é diferente dos outros, porque se
dependesse de qualquer Sánchez para vir aqui dar uma ajuda,
esqueça. — Ergo meu rosto para Damaris, tentando me concentrar
no que ela fala, apenas para anestesiar a dor que estou sentindo em
meu coração.
— Não entendi, Damaris, desculpa — falo e dou um sorriso
fraco para ela.
— Aurora, estou dizendo ainda bem que ela não é como os
outros parentes Sánchez, por isso veio aqui ajudar...
— Mas ela não é parente também? Ela é tia dos meninos...
— Oh, sim, isso ela é, mas não é uma Sánchez, nunca foi. —
O tom de voz de Damaris se abaixa, o que me faz compreender que
ela está fofocando comigo.
— Ela não é da família, isso que quer dizer? — Pisco
rapidamente e ergo meus dedos, esfregando minhas têmporas e
sentindo minha cabeça latejar.
— Oh, não, ela era a amante! A verdadeira senhora Sánchez
vivia na Espanha. — Damaris tem um jeito peculiar de contar fofoca,
condenando e absolvendo ao mesmo tempo a pessoa de quem ela
faz a intriga. — Não viu como ela é um pouco mais...
— Simples? — digo, séria, arqueando minha sobrancelha e a
encarando.
— Isso, exatamente, não tem toda sofisticação dos Sánchez.
— Ela dá um sorriso de ladinho, se aproximando novamente da
cama. — Romeno, o irmão do senhor Juan Sánchez, o pai do patrão
Sebastian, era doente por Aurora, desde quando os dois eram
jovens. Ela trabalhava na casa da família deles desde menina, foi
criada com ele. Mas a família dele já tinha arrumado uma noiva na
Espanha, de família nobre. Ele tentou até o último segundo se livrar
do casamento, mas não conseguiu. Quando ele se casou com sua
esposa arranjada, Aurora estava grávida de Ralf. Ele ficou sabendo
só depois de casado, que ela tinha dado à luz a um menino. A
família dela a expulsou de casa, o pai não permitia uma filha
desonrada em casa. Romeno foi quem a trouxe para cá, para a
América, junto com o filho que ele registrou com o sobrenome dele,
pois não queria que seu único filho crescesse como um bastardo. O
senhor Juan deu um trabalho a ela depois que Romeno montou uma
casa inteirinha para ela e o menino. A pobre nunca pisou dentro
dessa casa enquanto a esposa do senhor Sánchez ainda era a
senhora da vinícola, todos os Sánchez a rejeitaram. O senhor
Sebastian e o pai dele eram os únicos que iam visitá-la, Romeno
também. Ele vivia mais aqui do que na Espanha. Depois, quando a
esposa morreu, ele ficou aqui de vez, vivendo em pecado com a
amante dele.
Fico séria, encarando Damaris sem dizer nada, ainda
tentando processar toda a fofoca que ela contou, e lidando com
minhas próprias dores.
— Ela me pareceu ser uma boa mulher. Independentemente
do que aconteceu em seu passado, não acho que devia ter sido
tratada desse jeito, com rejeição...
— Sim, Aurora é uma boa mulher, tem um coração cheio de
amor, isso não posso negar, mas ainda assim viveu em pecado com
um homem casado — Damaris fala e dá de ombros. — Os parentes
nunca aceitaram.
— Fez sobremesa para o almoço, Damaris? — pergunto para
ela, mudando o assunto, imaginando se esse olhar de condenação
em sua face seria o mesmo que ela me daria se soubesse que os
pecados de Aurora não são nada perto dos meus. — Eles gostam
de frutas, salada de frutas. Fez?
— Oh, céus, a sobremesa! — ela fala depressa, batendo sua
mão na testa enquanto me dá um sorriso. — Já trarei seu almoço,
me deixe apenas preparar a sobremesa deles.
— Não tenha pressa comigo, estou sem fome. — Dou um
balançar de cabeça, falando baixo.
A vejo se virar e caminhar para a porta, saindo do quarto,
enquanto continua tagarelando. Meus olhos giram quando a porta
do quarto é fechada, e encaro a janela, com meu corpo se
encolhendo enquanto me arrasto na cama, ficando deitada de lado,
tendo as primeiras gotas de lágrimas rolando por minhas
bochechas, deixando minha dor sair de dentro de mim enquanto
tapo minha boca e abafo meu choro.

— Vou sentir sua falta, Babão — murmuro e dou um sorriso


triste quando abaixo minha cabeça e encosto minha testa na de
Roaquim, o ninando em meus braços.
Respiro com força e inalo seu cheirinho gostoso de bebê para
meus pulmões, o abraçando apertadinho enquanto o embalo em
meus braços. Estava no quarto, terminando de arrumar a cama e
calçar meus sapatos para partir, quando ouvi o som do seu
chorinho. Deixei a mochila fechada em cima do colchão e saí
lentamente do quarto, indo até o seu, que fica ao lado do cômodo
onde eu estava. O corredor estava vazio às 23h40 da noite, a casa
silenciosa, com todos dormindo, então era o melhor horário para
partir sem deixar os meninos verem como meu coração estava
quebrado por dentro por partir e saber que não os veria mais. Eu
tinha aproveitado a visita deles quando retornaram da escola e
foram ao meu quarto, para terminarmos de ler a história, fazendo
assim minha despida com Tulho, Martin e Miguel.
O senhor Sánchez ainda não retornou, Tulho me contou que
sua tia garantiu que provavelmente ele voltará só na manhã
seguinte, o que me ajudou a tomar ainda mais a decisão de ir. Não
preciso esperar o retorno dele para me mandar embora,
pessoalmente ele já tinha me dito isso com suas ordens em proibir
os meninos de entrarem no quarto e Damaris arrumar os meus
pertences. Ela me entregou minhas coisas mais cedo e saiu rápido
do quarto, para voltar para suas tarefas. Se tinha visto o montante
de dinheiro, preferiu não comentar. Irei caminhando até a cidade,
provavelmente chegarei lá antes do sol nascer, e pegarei um ônibus
para algum lugar que ainda não tenho ideia de para onde vai,
apenas sei que não suportarei partir na luz do dia, tendo que ver os
rostos dos garotos decepcionados comigo.
Eu ia passar no quarto de Roaquim para lhe dar um beijo
quando estivesse saindo, mas acabou que o som do seu chorinho
me fez vir antes até seu quarto. Seus olhinhos marejados e abertos,
com ele balbuciando, e um sorriso largo, se estampou em sua face
quando ele viu eu me aproximando do berço. Quando dei por mim já
estava com ele em meus braços, o aninhando junto ao meu peito,
desejando o segurar uma última vez, enquanto o fazia dormir
novamente, cantarolando baixinho para ele.
— Sentirei saudade, muitas saudades, Babão rosinha. —
Fungo baixinho, afastando meu rosto de perto dele e tombando
minha cabeça para o lado, sentindo as lágrimas escorrerem por meu
rosto.
Olho-o com carinho e o vejo suspirar baixinho, adormecido,
com seus dedos presos em meu cabelo. Beijo sua testa e caminho
devagar para perto do berço, o deitando lentamente. O cubro com
sua manta e lhe arrumo de ladinho. Mordo meus lábios, segurando
o choro enquanto o observo, e estico meus dedos, para alisar sua
bochecha rosada e gorducha.
— Merda! — Tapo minha boca e soluço com sofrimento, me
sentindo um zero à esquerda novamente.
Esfrego meu rosto e tento secar as lágrimas que não param
de descer, inalando o ar com força e andando em direção à porta,
sabendo que preciso sair desse quarto, pegar minha mochila e ir
embora dessa casa. Eu tinha escrito um bilhete para o senhor
Sánchez e deixaria embaixo da porta do seu escritório, agradecendo
por tudo que ele fez e por ter cuidado de mim quando eu estava
doente. Pedi para ele dizer aos garotos que eu precisei partir, por
isso fui embora à noite, que não contasse a eles o real motivo da
minha partida, que os poupasse de saber sobre meu passado. Paro
na entrada do quarto, perto da porta aberta, e olho uma última vez
na direção do berço, dando um sorriso triste, não conseguindo
controlar as lágrimas.
Suspiro e abaixo minha cabeça, fechando a porta do quarto
de Roaquim quando eu saio. Caminho cabisbaixa e esfrego meu
rosto, limpando minhas lágrimas e andando em direção ao cômodo
ao lado, para pegar minha mochila. Passarei no quarto dos garotos,
para dar um beijo em cada um, partindo logo em seguida. Solto um
suspiro e abro a porta do quarto, entrando nele, mas estaco, ficando
imóvel, ao encontrar o senhor Sánchez de pé, ao lado da cama, de
frente para a porta, segurando o meu bilhete em seus dedos e me
encarando.
— Senhor... — Levo um grande susto por o encontrar aqui,
pois pensava que ele só retornaria amanhã cedo à sua casa. —
Roaquim acordou, eu apenas estava...
— Eu sei — ele responde de forma séria e balança sua
cabeça em positivo. — Estava no escritório quando ouvi o choro
dele pela babá eletrônica. Lhe vi dentro do quarto, não quis
atrapalhar quando foi o fazer dormir novamente, por isso te esperei
aqui.
Me calo e abaixo meus olhos, encarando o chão. Claro que
ele tinha visto, a porcaria da porta ficou aberta.
— Senhor, eu quero que saiba que não precisa ter que me
dizer nada... — Esmago meus dedos um ao outro, erguendo minha
cabeça lentamente e o olhando. — Compreendo que meu trabalho
aqui acab...
— Meu pai que construiu essa cama — ele me corta,
enquanto se vira e encara a estrutura da cabeceira da cama de
madeira, me deixando confusa com a mudança brusca de assunto.
— A fez com suas próprias mãos, carpintaria era seu robe preferido.
Pisco, perdida, olhando dele para a cama. O vejo dar um
passo à frente e esticar sua mão, tocando a cabeceira.
— Ele a fez para mim, quando eu tinha dez anos. — Ele suga
o ar com força pelo nariz e solta lentamente de forma pesada. —
Esse era meu antigo quarto, antes de minha mãe o transformar no
de visitas depois que eu parti dessa casa.
Sua face se vira e ele passa seus olhos pelo quarto, olhando-
o sério. Eu não sei o que falar, fico parada, esmagando meus dedos,
apenas observando.
— Me lembro do sorriso do meu pai quando se despediu de
mim, me dizendo o quanto ele me amava. — Ele fecha seus olhos e
bate seu pé lentamente no chão. — Um bom homem, que me
ensinou muitas coisas, era apaixonado por seu lar, família e sua
vinícola. Nunca deixava ninguém saber dos seus problemas,
sempre se mantinha forte.
Seus olhos cor de avelã se abrem e me olham rapidamente
antes dele se virar e caminhar na direção da janela.
— Eu estava no último ano da faculdade, quando um dia
minha mãe me ligou, contando que meu pai estava sofrendo. — Ele
se mantém de costas e leva suas mãos ao bolso. — Estava com
muitas dívidas, a produção do vinho tinha caído bastante, assim
como se encontrava a um passo de perder essas terras para o
banco.
Dou um passo à frente e fecho a porta do quarto, ficando em
silêncio e o ouvindo.
— Por coincidência do destino, ou apenas minha desgraça,
acabei tendo que me ver obrigado a pedir ajuda para a última
pessoa na face da Terra que eu jamais queria conhecer. — Ele dá
uma pequena pausa, ficando com seu olhar perdido para fora da
janela. — A primeira vez que participei de uma luta clandestina, eu
consegui pagar metade das dívidas e manter o banco longe das
terras do meu pai. Na segunda, eu quitei tudo e mandei dinheiro
para minha família, mentindo, dizendo que tinha arrumado um bom
trabalho como representante de uma revendedora de vinhos. A
partir da décima luta, eu dizia que estava fazendo aquilo para poder
continuar ajudando minha família, mesmo já tendo levantado uma
grande quantia, o suficiente para meus pais não terem com o que se
preocupar. Mas, no fundo, eu sabia que eu continuava lutando
porque gostava, porque realmente adorava a adrenalina, a dor, os
golpes, em ficar completamente livre até ter meus adversários
desacordados no chão, cobertos de sangue. Descobri que meus
demônios eram mais perigosos do que eu imaginava.
Sem saber o que dizer, apenas fico calada, ouvindo e
digerindo cada palavra que ele me diz, e acredito nelas. O senhor
Sebastian é um homem estranho, sempre sério e calado, mas que
não consegue esconder do seu olhar o temperamento que deve ter
dentro dele.
— Quando me formei na faculdade, fizeram uma festa e tanto
para mim. Bebida, mulheres, drogas, muita coisa aconteceu naquela
noite. Em uma certa altura, eu saí com meus colegas para comprar
mais bebidas, porque tinha acabado. — Um som baixo, parecido
com uma risada infeliz, escapa da boca dele. — Não me recordo ao
certo o que realmente aconteceu, acho que tropecei sem querer em
um homem que estava saindo da loja. Ele ficou bravo e falou
alguma merda para mim, mas eu continuei andando. Foi automático,
quase por instinto, quando ele segurou o meu ombro. Meu punho
fechado já estava acertando a face dele antes mesmo de ele poder
falar novamente.
— Lutou com ele... — digo, baixinho, olhando para o chão, já
imaginando que foi isso que aconteceu.
— Não, eu não lutei. — Minha cabeça se ergue ao ouvir sua
resposta, no mesmo momento que ele se vira e me encara. — E eu
o espanquei, espanquei ele até não ter mais nada que um corpo
caído no chão, convulsando enquanto vomitava sangue pela boca.
Ele tinha trinta e oito anos, uma esposa e duas filhas, e tinha ido até
a loja, aquela noite, para comprar fraldas para a filha caçula dele.
— O senhor o matou... — Minha boca se abre da mesma
forma que meus olhos estão arregalados. A cabeça dele nega e
balança para os lados, o que me faz conseguir inalar o ar com força,
mais aliviada.
— Fiquei sabendo que ele morreu alguns dias antes de você
chegar aqui, na vinícola. Ele morreu depois de pegar uma infecção
hospitalar no hospital que ele fazia tratamento da tetraplegia dele.
Eu custeei todo seu tratamento ao longo dos anos e também
mandava um dinheiro para a família dele, os deixando acreditar que
sou um benfeitor anônimo, e não o homem que acabou com a vida
deles. — Minha boca aberta não tem nem tempo de se fechar,
quando compreendo o que ele diz. — Na noite que eu o espanquei,
lesionei a coluna cervical dele, o deixando tetraplégico, o deixando
preso em uma cadeira para sempre, não mexendo nada do pescoço
para baixo. E foi naquele dia, que eu quase matei aquele homem de
tanto bater nele, que percebi que estava me tornando o que eu
sempre rejeitei aceitar na minha vida.
Ainda estou sem reação, não sabendo o que dizer ou me
expressar, nada, apenas meus olhos arregalados o encarando. Eu
me assusto quando ele se move rápido e se afasta da janela,
andando em minha direção, o que me faz retrair e encolher meus
ombros, prendendo o ar em meus pulmões.
— Como pode ver, não é a única que veio se esconder nesse
lugar, fugindo do passado — ele fala sério e me encara quando para
de andar, deixando uma distância pequena entre nós dois, mas
grande o suficiente para não invadir meu espaço, como se fosse o
jeito dele me dizer para não o temer. Sua mão sai do bolso da calça
e estica seu braço para mim, com o bilhete preso em seus dedos. —
Não posso atender o que me pede no bilhete. Ensino aos meninos a
nunca mentirem, e se tiver que explicar para eles por que partiu,
terei que mentir, e eu não gosto de mentiras, señorita.
Solto minha mão e as paro de esmagar, olhando perdida do
seu rosto para o bilhete em seus dedos.
— Senhor, por favor... — Mordo meus lábios e nego com a
cabeça, pegando o bilhete em meus dedos, não desejando que
nenhum deles saiba disso. — Não desejo partir sabendo que os
meninos...
— Ou pode ficar e continuar fazendo o seu trabalho. — A voz
dele saindo firme e de forma rápida me faz piscar confusa, erguendo
meus olhos aos seus.
— Ficar... — Minha cabeça tomba para trás, para ter uma
visão melhor da sua face, por conta da sua altura. — O senhor quer
que eu fique? Mas pensei que era para ir embora... Damaris me
disse que proibiu os meninos de virem me ver...
— Porque ainda não está recuperada — ele diz seriamente,
estufando seu peito enquanto inala o ar com força, retornando suas
mãos ao bolso da calça. — O que sei que foi desobedecido, já que
Miguel me contou como Dumbo arrumou um ratinho como amigo,
quando passei no quarto dele, para lhe dar boa noite quando
cheguei.
Eu dou um sorriso de ladinho e encolho meus ombros,
abaixando meu rosto e encarando o bilhete. Não tinha ouvido a voz
do senhor Sebastian, nem sabia quando ele chegou. Provavelmente
foi na hora que estava no banheiro, tomando banho. Eu tinha
esperado os meninos irem se deitar antes de começar a me arrumar
para ir embora.
— Isso quer dizer que eu posso continuar cuidando deles? —
Ergo meu rosto para o senhor Sebastian, ainda incerta se ele
realmente está me dizendo que não vai me mandar embora.
— Sim, señorita!
Meus olhos estão queimando novamente, com as lágrimas
ameaçando descer, mas dessa vez não é de tristeza ou medo por
não saber o que farei, mas sim de alegria, da esperança de que ele
me dá novamente, em conseguir ter uma outra vida além daquela
que eu tinha. Tirando madre Dolores, nunca ninguém tinha me dado
esperanças, nem me olhado como se me visse de verdade,
enxergando que eu também tenho sentimentos, que também
mereço um recomeço. Mas o senhor Sebastian me olha assim, me
olha e não enxerga Z, mas sim a Tina. Há muito tempo que eu não
sabia como era ser olhada assim, não por alguém que tivesse
conhecimento do meu passado, fazendo eu me sentir humana e não
uma sujeira.
Penso que é a emoção, o choque, todos os sentimentos que
me soterraram o dia todo, o medo de não saber para onde eu iria, o
que faria da minha vida se ele me mandasse embora, um alívio
imenso que tomou conta da minha alma e uma alegria calorosa que
me queima o coração, que me faz agir por impulso quando quebro a
distância entre mim e ele e o abraço com gratidão, colando meu
rosto em seu peito.
— Obrigada, obrigada, señor... — Ergo meu rosto e o olho
emocionada, com meu coração disparado, encontrando seus olhos
presos nos meus, com sua cabeça abaixada me encarando sério.
Noto seu corpo endurecido, completamente rígido, com ele
inalando o ar ainda mais forte, tendo suas narinas dilatando. Pisco
rapidamente, tomando consciência do que acabei de fazer. Estava
tão feliz que tomei uma liberdade que não temos, lhe abraçando.
Dou um riso nervosa e abaixo minha cabeça, soltando sua cintura, a
qual meus braços enlaçavam.
— Me desculpe, e-eu acabei... — digo envergonhada, me
calando e mordendo meus lábios. Dou um passo para trás, para me
afastar dele. — Eu realmente gosto de trabalhar aqui. Fiquei triste
ao pensar em ir embora, e quando me disse que podia ficar, fiquei
muito feliz. — Balanço minha cabeça para os lados e ergo meu
rosto para ele, movendo meu pé para ir novamente para trás. — Me
desculpa...
Minha voz é silenciada, mas não por minha timidez, e sim
quando ele retira sua mão rapidamente do bolso e segura o meu
pulso. Me mantenho perto dele, meus olhos não conseguem desviar
da cor quente de avelã, que estão fixos nos meus, como se
estivessem mais brilhantes, escurecendo a cada inalada de ar forte
que ele dá.
— Señor — murmuro, sabendo que as batidas fortes do meu
coração nesse momento, ao olhar em seus olhos, não são apenas
de felicidade, não quando meu corpo todo se arrepia e me sinto
mais eufórica, como se estivesse me afogando em seu olhar.
— Tentadores como fresas[29]. — O timbre da sua voz é mais
rouco e baixo, o que me faz encarar seus lábios, recordando do meu
pequeno segredo que guardo apenas para mim, do calor que seus
lábios têm e a forma como ele me beijou.
— Fresas? — repito a palavra, ficando confusa com meu
cérebro lento, não me recordando o significado dessa palavra,
porque estou completamente absorta olhando seus lábios. — E-eu...
— Fecho meus olhos, precisando tomar controle de mim
novamente. — Não me lembro o que essa palavra significa, señor.
O som rouco que sai baixo da sua boca é o que me faz abrir
meus olhos, vendo sua boca esmagada, com ele encarando meus
lábios.
— Significa minha fraqueza, Dios!
É rápido, mas não feroz. Uma inclinada precisa e direta da
sua face sobre a minha, e o outro braço se prende em minha
cintura, com sua mão espalmada no meio das minhas costas, que
estão encurvadas para trás, quando seu peito se choca contra o
meu, o esmagando. Meu corpo e sentidos reconhecem o calor dos
seus lábios que se juntam aos meus, a forma como eles se
encaixam, como me dominam, de forma urgente, mas não
selvagem, como foi a primeira vez com seu beijo agressivo. Agora é
aflorado e curioso, me saboreando como se eu fosse um doce, o
qual ele tinha curiosidade e não sabe se é certo provar.
Meus dedos se erguem e os espalmo em seu peito, sentindo
a musculatura firme da sua pele abaixo da camisa, tendo minha
mente sendo devastada por um beijo que se iniciou bisbilhoteiro e
fica mais intenso conforme sua língua invade minha boca, me
rendendo a ele. Z grita em minha mente como sinal de alerta, me
avisando para não me perder na forma como ele me beija com tanto
ardor, soltando meu pulso e enlaçando minha cintura com seu outro
braço, me erguendo do chão. Mas Tina, Tina é uma jovem tola, que
por alguns segundos deseja exatamente o contrário de Z, e se
permite sentir literalmente flutuando do chão, o beijando com a
mesma intensidade que ele a beija.
CAPÍTULO 12
ABELHINHA

PAPI

— Chefe...
A voz de um dos seguranças da casa de jogos é silenciada
quando a mão de Papi se ergue, o mandando fazer silêncio
enquanto ele termina de cheirar a última risca de pó branco em cima
da mesa do escritório. Seu corpo se endireita e ele joga suas costas
para trás, soltando a nota de 100 dólares enrolada como um canudo
em cima da mesa.
— Pura! — Sua voz sai ríspida e esfrega a ponta do nariz, o
limpando. Levanta seus olhos para o segurança e dá a ele um
sorriso cínico. — Diga.
Papi desabotoa o botão do terno e deixa o blazer aberto,
retirando sua arma automática cromada da cintura e a repousando
na ponta da mesa.
— Os meninos encontraram Zara, como o chefe ordenou. —
O segurança faz um gesto de cabeça e aponta em direção à porta.
— A traga para mim. — Papi empurra a cadeira para trás e
cruza suas pernas, mantendo seus olhos na porta, sentindo uma
pequena euforia dentro dele ao saber que finalmente sua abelhinha
voltou para ele.
Observa o capanga se virar e caminhar rumo à porta do
escritório, abrindo, mas não é sua abelhinha que passa pela porta, e
sim uma ratazana inútil que é empurrada para dentro por outro
segurança. Seu rosto inchado, com lábios cortados e olho roxo, lhe
contam que os rapazes pegaram pesado com ele. Os olhos do
garoto ficam mais arregalados quando se encontram com os de
Papi, tendo o medo ficando ainda mais visível em sua expressão.
— Papi... — A voz de David é calada quando um soco é
desferido na lateral da sua face pelo capanga, o derrubando no
chão antes mesmo do rapaz dar um passo que seja para perto da
mesa. — Oh, Deus...
David tosse e cospe uma bola de sangue no chão, com seu
corpo tombando de barriga para cima quando ele se vira.
— Onde ela está? — Seus olhos desviam do rapaz e
encaram o segurança, tendo a veia na lateral da sua testa pulsando
rápido. — Onde está a irmã?
— Não a encontramos, chefe. — O segurança que tinha
empurrado David para dentro da sala é quem responde. —
Reviramos cada esgoto dessa cidade, e não encontramos a puta!
Um sorriso frio e sem emoção se esboça na face de Papi, ao
mesmo tempo que seu olhar se mantém fixo no segurança. Suas
pernas descruzam e Papi se levanta, tombando seu rosto para o
lado enquanto desvia seus olhos para David caído no chão.
— Não encontramos a puta! — ele repete baixo as palavras
do segurança, enquanto caminha lento e dá a volta na mesa, se
aproximando do jovem David caído no chão.
Seu segurança de confiança, que veio lhe dar a notícia da
chegada do rapaz, dá um passo para trás, se afastando do seu
chefe. Conhece o olhar de morte de Papi, e sabe que o capanga
burro tinha irritado o patrão no segundo que chamou a garota de
puta.
— Não encontramos a puta, sim? — Papi ergue o rosto para
o segurança e dá uma risada. — Não a encontramos?
Ele dá mais um passo à frente, parando de frente com o
rapaz, mantendo contato visual olhos nos olhos.
— Sim, chefe, não a encon... — O som da voz do segurança
é calado pelo barulho alto que sua cabeça faz quando é empurrada
contra a parede, estourando a lateral do rosto do segurança.
Sua própria arma é usada contra ele, pelos movimentos
rápidos de Papi quando o desarma e engatilha o revólver, colando a
boca da arma na nuca do segurança, enquanto em um ataque de
frenesi, Papi continua a golpear a cabeça do segurança contra a
parede, deixando a marca de sangue escorrer sobre a pintura. Os
joelhos do rapaz se dobram e ele cai no chão no segundo que o
dedo de Papi pressiona o gatilho e dispara uma bala à queima-
roupa em sua nuca.
— Tira essa merda de dentro do meu escritório, Paco! —
Papi rosna, baixo, e cospe no chão, dando a ordem para seu
segurança de confiança. Se vira lentamente e olha o jovem David
que está com seus olhos arregalados, em pânico, para ele. — Onde
ela está, David? — Caminha lento e balança a arma em sua mão,
se agachando perto do garoto.
— Eu não sei, eu juro que não sei, Papi... — A voz dele
treme, assim como o corpo inteiro, covarde e inútil, se arrastando
como um verme e se sentando no chão.
— Ninguém me sacaneia, e você e sua irmã acharam que
realmente podiam me sacanear e ficarem vivos? — Papi ergue a
arma e estica seu braço, mirando na testa de David. — Cadê a
porra da sua irmã?
— JURO QUE NÃO SEI, PAPI! — A mão do rapaz se ergue
para o alto, com os olhos dele se fechando enquanto chora
amedrontado. — Nunca ia tentar te sacanear, cara, nunca. Eu ia te
entregar ela, ia sim, estava tudo pronto...
— Não, não, não ia, se fosse me entregá-la, você não teria
fugido. — Sua voz é como aço, fria e com ódio, empurrando a arma
contra a pele de David.
— Ela fugiu, ela fugiu, e quando eu vi que ela tinha me
abandonado, eu fiquei com medo, por isso fugi também... — David
abre seus olhos, chorando ainda mais forte, negando com a cabeça.
— Eu estava atrás da Z, por isso desapareci, estava procurando-a
para lhe entregar. Por favor, cara, acredita em mim, eu nunca lhe
foderia...
— Acha mesmo que sou estúpido?! — Papi ri e nega com a
cabeça. — Tina nunca fugiria sem você. Então diga onde aquela
cadela está, ou juro por Deus que em cada parte dessa cidade irá
amanhecer um pedaço do seu corpo jogado na sarjeta, depois que
eu te desmembrar.
— Z FUGIU! — ele fala mais alto, negando com a cabeça. —
Ela fugiu, eu juro que não sei onde ela está... Por favor, eu dou um
jeito de pagar a sua grana de outra forma, apenas me dê mais
tempo.
Uma risada debochada escapa da boca de Papi quando ele
abaixa a arma, a balançando entre suas pernas, enquanto observa
o garoto idiota.
— Sempre foi um dos mais burros dessa família, apenas
perdia para o bêbado do seu pai, David. — Papi para de rir e
esmaga sua boca, levantando o revólver novamente para a face de
David. — Acha mesmo que eu sou tão estúpido que deixaria um
merda como você ficar me devendo algo se eu não tivesse algum
interesse?
As mãos de David se abaixam e ele solta um soluço baixo,
parando seu olhar no revólver.
— Você e o seu pai sempre foram dois merdas. E se não
fosse pela boceta da sua irmã, eu mesmo já tinha matado vocês
muito tempo atrás. — Papi comprime seu olhar e move o revólver
lentamente para o queixo de David, empurrando a boca do revólver
de baixo para cima contra a pele. — Inútil, sempre foi um verme
inútil, David, e se realmente está dizendo a verdade e não sabe
onde ela está, você não tem serventia alguma para mim. Mas não
se preocupe, mandarei lembranças suas para ela, quando eu a
encontrar.
Papi sorri e dá uma piscada para ele, enquanto levanta e
deixa o braço esticado, pronto para apertar o gatilho.
— EU SEI QUEM PODE SABER ONDE ELA ESTÁ... — A
voz do covarde de David grita alto, com ele se encolhendo e
erguendo seus braços, tentando salvar sua vida. — SEI QUEM
PODE SABER.
Os olhos de Papi desviam do rapaz para seu segurança, o
encarando, dando um sorriso de vitória.
— Posso dar um jeito de te levar até Z, apenas preciso que
me deixe vivo. Me dê apenas um tempo e trago a Tina de volta...
— O nome, me diga o nome. — Papi mantém o jovem na
mira da arma, voltando seus olhos para David.
— Dolores. — O nome sai da boca de David, com os olhos
dele se abrindo e falando entre o choro. — Ela foi uma ex-mulher do
meu pai. Tina gosta dela como se fosse sua mãe de verdade, a
velha vivia tentando tirar a Tina do píer.
— Deve ser a velha que a Angel disse que foi atrás da garota
na madrugada que ela desapareceu. — Papi vira seu rosto para o
segurança, quando ele fala.
Uma das prostitutas, chamada Angel, que trabalha no píer,
tinha contado que na noite que Tina fugiu, apareceu uma velha atrás
dela e as duas saíram juntas.
— Isso, deve ser ela mesmo. — David confirma com um
balançar de cabeça, falando rápido. — Tina sempre gostou dela
como mãe, ajudava ela e as crianças que têm na casa, dando
dinheiro para a velha. Se alguém sabe onde Z está escondida, é
Dolores.
Papi abaixa a arma e inala o ar com força, enquanto estuda
David, olhando-o com asco.
— Não gosto de incendiar casas que têm crianças, isso pega
mal para a minha reputação — ele fala e nega com a cabeça, se
agachando novamente perto de David. — Vou fazer o seguinte. Lhe
darei a chance de me mostrar que realmente não é tão inútil quanto
eu pensava, David. Vá até essa velha e descubra onde Tina está, se
fizer isso, lhe deixo vivo.
Os olhos de David piscam e ele respira depressa, olhando o
revólver na mão de Papi.
— Eu prometo que vou descobrir, Papi...
Papi sorri, suavizando sua feição, e estica sua mão, dando
um leve tapinha no rosto de David.
— Eu sei que vai. — Ele faz um gesto com a cabeça em
direção à porta. — Some da minha frente, e volte assim que a
encontrar!
O garoto se levanta rápido, gemendo de dor, e caminha às
pressas para a porta. Papi se mantém na mesma posição,
agachado, olhando o local onde David estava.
— Chefe — o segurança o chama, parando ao seu lado e
aguardando pela ordem.
— Siga-o. Descubra onde essa velha vagabunda mora e a
faça falar. — Papi se levanta e entrega o revólver para seu
segurança.
— E depois?
— Queime a casa e mate todos que estiverem dentro dela! —
Ele repuxa seu nariz e fecha seus olhos, caminhando em direção à
mesa. — Minha pequena abelhinha precisa se lembrar a quem deve
obediência.
Um rosnado baixo sai da sua boca, enquanto sua mente
consegue o fazer visualizar Tina perfeitamente bem, cada detalhe
da sua face, do seu corpo pequeno, o qual Papi conhece como a
palma da sua mão. Se recorda de observá-la desde pequena,
quando se mudou para aquela espelunca de lugar com o pai e o
irmão, frágil e delicada, exalando inocência por seus poros. Cristo,
Papi a desejava como nunca desejou outra, mas se mantinha
afastado, apenas a olhando de longe, ambicionando o dia que
pudesse se aproximar da garota, e esse dia chegou muito antes que
pudesse imaginar. O irmão idiota e o pai bêbado tinham entregado
Tina a Papi praticamente de bandeja, quando a deixaram sozinha e
vulnerável.
Foi tentador demais para Papi resistir e não a possuir ali
mesmo, dentro daquele apartamento, com uma barganha, tomando
sua inocência a troco de soltar o pai de merda dela e o irmão da
cadeia. Teria sido apenas isso, se não tivesse ficado aprisionado na
inocência daquele olhar assustado, com lágrimas escorrendo por
suas bochechas, enquanto seu corpo o recebia dentro dela. Iria
querer outras vezes, Papi soube disso no segundo que se afastou
da cama e a olhou, e a manteve como dele, cuidava da sua
pequena abelhinha.
Fez algumas merdas de escolhas erradas, que o acabou
separando dela, e nem na prisão, durante os anos que ficou
encarcerado, conseguiu esquecer Tina. Sabia de cada passo dela, o
que andava fazendo, que tirava a roupa em uma espelunca e que
saia com clientes a troco de dinheiro, mas nada importava, porque
ele sabia que ele era o dono daquele olhar inocente de Tina, e sua
abelhinha iria voltar para ele. Queria que as coisas tivessem sido
mais fáceis, que ela tivesse aceitado a proposta desde o começo,
mas sua pequena abelhinha era teimosa, preferia ser uma prostituta
no píer a aceitar que sua vida seria melhor ao lado de Papi. Tentou
ser paciente com ela, lhe dar a chance de enxergar que ele era sua
melhor escolha, só que tudo tinha limite, principalmente a paciência
de Papi, por isso usou o idiota do irmão, o iludindo com emprego e
dinheiro, se ele entregasse Tina. Mas novamente a pequena
abelhinha teimosa escolheu o jeito difícil, e teria que disciplinar de
vez sua abelhinha, nem que fosse preciso cortar suas asas, para ela
entender de vez quem é o seu dono.

TINA ZARA

— Não pense que não estou atenta a essa sua mãozinha


safada, Babão! — Estreito meu olhar, fingindo uma carranca
enquanto observo os olhinhos sonolentos de Roaquim, durante o
tempo em que mama na mamadeira, comigo o aninhando no colo,
tendo sua mão gorducha esmagando meu seio por cima do tecido
da camisa. Ele resmunga como se não estivesse preocupado com
minha bronca fingida. — É, eu sei, também senti sua falta.
Sorrio para ele e dou um beijo na sua testa, o arrumando em
meus braços enquanto nos embalo no vai e vem da poltrona de
balanço. Seguro a mamadeira e o ajudo a se alimentar,
cantarolando baixinho para ele. Abaixo meus olhos para sua
mãozinha presa em meu seio, esmagando a camisa entre seus
dedinhos, como se assim garantisse que eu ficaria junto dele.
Depois dessa semana, que poucas vezes consegui fugir até seu
quarto para o ver, pensei que me recuperaria rápido, mas na quarta-
feira as dores no corpo voltaram, assim como a tosse ficou mais
forte. Graças a Deus, pelo menos a febre não retornou, mas junto
ao resfriado e os remédios que eu estava tomando, acabei ficando
acamada por alguns dias. Apenas ontem à tarde, na sexta-feira, que
fui me sentir como se minhas forças estivessem voltando, e hoje
agradeci a Deus quando me despertei nessa manhã de sábado sem
mais dor no corpo, ou tosse e nem fraqueza. Posso dizer que estou
95%, me sentindo muito melhor.
Ajudei Damaris com o café da manhã dos meninos e brinquei
com eles no jardim, até consegui sentir o gosto da comida, o que
para mim foi maravilhoso, porque não estava sentindo sabor de
nada. Logo após o almoço, subi com Roaquim depois de ter trocado
sua fralda e preparado sua mamadeira para a hora da soneca da
tarde, tirando um tempinho para nós dois. Eu ouvia os choros dele
durante a noite, no quarto ao lado, e me levantava morrendo de
vontade de entrar no quarto dele, mas acabava ficando parada
dentro do quarto, sentada na cama, ouvindo a voz do senhor
Sebastian cantando em espanhol uma música de ninar para o
pequeno, até ele dormir novamente. Se fosse Damaris, eu iria até o
quarto e barganhava com ela para poder me permitir deixar fazer o
Babão rosado dormir. Mas o senhor Sánchez era quem cuidava dele
à noite. Às vezes passava horas dentro do quarto do pequeno.
Nós dois não nos falamos mais, desde a terça-feira à noite, e
ele não retornou mais ao quarto depois que saiu feito uma bala de
dentro dele, assim que separou seus lábios dos meus. É estranho
saber que ao mesmo tempo que ele me beijou com tanta emoção,
fazendo eu me sentir estranha, como eu nunca me senti antes, ele
também fez eu me sentir triste ao ver seus olhos de avelã me
olhando chocados, como se acabasse de beijar um sapo gosmento
e cheio de verruga. Ele se afastou rapidamente, desviando seus
olhos dos meus e falando rápido em espanhol, me deixando apenas
entender uma fria frase.
Isso não devia ter acontecido!
Antes de sair feito touro, batendo a porta do quarto atrás
dele, eu ainda fiquei lá, parada, sem entender nada, olhando o lugar
que ele estava, com os lábios inchados, tentando fazer meu coração
parar de bater tão forte como estava batendo, ainda tendo o beijo
dele ainda vivo pelo seu calor em minha boca. Mas sabia que
mesmo sem ter compreendido o que foi que eu senti, eu devia parar
ali mesmo o que é que fosse aquilo. Ele tinha me deixado ficar,
apenas isso, era um homem bom, mesmo com o seu passado
pesando em seus ombros, mas ainda assim um homem bom. E,
acima de tudo, um homem que não era para mim. E quanto mais
rápido meu coração entendesse isso, menos sofrimento eu causaria
a mim mesma.
Abaixo meu rosto para o pequenino e dou um sorriso de
ladinho para Roaquim, o vendo com seus olhos fechados,
adormecido, com o bico da mamadeira escapando da sua boca,
com ele ainda tendo sua mão presa em meu peito. Abaixo a
mamadeira dele e deposito na penteadeira, ao lado, enquanto me
levanto e o deixo de pezinho em meus braços, com seu rosto
tombado em meu ombro, dando leves batidinhas em suas costas.
Continuo a cantar para ele, aguardando-o arrotar, antes de o pôr no
berço.
Acho que ainda fico no quarto com Roaquim uns quarenta
minutos, antes de o colocar no berço, o deitando de ladinho depois
que ele arrotou, o cobrindo com sua manta e saindo de fininho do
quarto. Passo no quarto de Miguel e Martin e pego o cesto de roupa
sujas deles, antes de ir buscar o cesto das roupas sujas de Tulho.
Seguro o cesto ao lado do corpo e retorno pelo corredor, indo em
direção às escadas. Já estou perto do último degrau, quando a
melodia Slave To Love entra em meus ouvidos, sendo tocada
baixinha.
— Bryan Ferry? — Arqueio minhas sobrancelhas, falando
curiosa quando reconheço a canção romântica com batida lenta
vindo da sala.
Paro na frente da escada quando termino os degraus,
olhando na direção da cozinha e esticando meu pescoço. Vejo
Damaris perto da pia, de frente para ela e de costas para mim.
Pisco, confusa, sabendo que não é ela que está ouvindo a música
romântica. Caminho para perto da janela e puxo a cortina
lentamente, bisbilhotando do lado de fora, verificando se o carro do
senhor Sánchez está estacionado, mas o pátio está vazio, onde ele
costuma deixar o carro quando retorna da vinícola. Ele não está em
casa, então não é ele, por mais que eu não consiga imaginar esse
homem ouvindo batida melosa e romântica.
Viro meu rosto para o rumo da sala e fisgo o cantinho da
boca, não aguentando de curiosidade. Ando lenta na direção da
sala, como quem não quer nada, passando pelo corredor em frente
a ela e dando uma rápida olhadinha para a sala. Paro de andar e
seguro o cesto com as duas mãos, encarando o corredor, piscando
confusa, ainda incerta se realmente estou certa do que vejo dentro
da sala.
— Tulho?! — sibilo em um sussurro, inclinando minhas
costas lentamente para trás e olhando dentro da sala.
Minha cabeça tomba para o lado, enquanto realmente vejo o
jovem Tulho lá dentro, ensaiando o que deva ser algum tipo de
dança, o que julgo pelos passos desastrados dele, ao som de Slave
to Love. Sua cabeça está abaixada e ele tem sua face
extremamente concentrada, olhando seus pés enquanto os move
para os lados. Repuxo a ponta do meu nariz, não entendendo qual o
objetivo dos seus passos sem coordenadas, os quais suponho que
fará sua parceira de dança sofrer, quando ele pisar no pé dela.
Endireito meu corpo e solto um baixo suspiro, sabendo que não
devo me meter, pois isso o faria se sentir envergonhado. Se está
praticando sozinho, ou o que quer que seja aquilo que seus pés
estão fazendo dentro da sala, é porque não quer ajuda. Olho o cesto
de roupa suja, tentando me convencer a sair de fininho,
aproveitando que ele não notou minha presença. Balanço minha
cabeça para os lados e viro rapidinho, retornando pelo corredor
antes que ele me veja.
— Droga! — Ouço sua voz zangada, com ele murmurando
chateado. — Ela nunca vai querer dançar comigo...
Diminuo meus passos e caminho como uma tartaruga,
espremendo meus braços ao redor do cesto. Antes que possa me
controlar, meu corpo está se virando outra vez, retornando na
direção da sala.
— Que se dane! — sussurro e me aproximo da porta,
deixando um sorriso amarelo estampado em minha face quando
entro. — E aí, bonitão, boa música, hein?!
O rosto dele se ergue para mim, me deixando ver suas
bochechas vermelhas enquanto ele se move rapidinho, desligando o
aparelho de som.
— Oi, Tina, pensei que estava no quarto do Roaquim! — A
voz apressada dele sai tímida, me confirmando justamente o que
imaginava, que ele está envergonhado.
— Estava sim, até agora há pouco. — Mantenho um sorriso
em meu rosto e olho em volta, antes de olhar para ele. — Eu estou
caçando Miguel e Martin, os viu por aí?
— Não, eles devem estar lá fora, na casa da árvore.
— Hummm... — Balanço minha cabeça em positivo e bato
meu pé lentamente no chão. — É, eu não vi lá ainda — minto
descaradamente, pois sei que os dois estão lá, tinha os visto pela
janela do quarto de Roaquim, brincando na casa da árvore.
— Vou levar essas roupas para lavar primeiro, depois passo
lá! — falo para Tulho, tentando soar animada.
Ele mantém o rosto abaixado e encara o chão, ficando com
seu corpo rígido, apenas movendo sua cabeça para frente e para
trás em concordância.
— Eu ouvia muito Bryan Ferry com mi madre, ela amava as
músicas dele. — Tento puxar assunto, falando e rindo. — Por isso
elogiei, me fez recordar quando eu dançava.
Ele apenas fica calado, olhando o chão. Não me dá brecha,
se mantendo em silêncio, com suas bochechas vermelhas.
— Bom... — suspiro chateada, desejando que ele me olhe,
mas sabendo que Tulho prefere ficar sozinho. — E-eu vou lá na
lavanderia, se precisar de alguma coisa só precisa me pedir. — O
olho ansiosa, mas não ganho nem um olhar dele em troca. —
Qualquer coisa, viu?!
Fecho meus olhos e viro com desânimo, saindo da sala de
estar e o deixando sozinho.
— Tina...
— Oi?! — Meu corpo volta ao mesmo tempo que ele me
chama, parando na frente da porta da sala, olhando para ele. — Me
chamou, bonitão?
— Você... você sabe dançar? — Tulho pergunta, baixo, e
ergue seu rosto para mim, me olhando com timidez.
Não consigo reprimir um sorriso de alegria, me sentindo
contente por ele ter me perguntado.
— Olha! — Dou um passo à frente e entro na sala dando de
ombros. — Se eu disser que eu danço, danço tipo uma estrela de
musical, estaria mentindo, mas eu consigo enganar bem — digo,
rindo, conseguindo tirar da face de Tulho um largo sorriso reluzente.
— Sei alguns passos.
— Aprendeu a dançar com sua madre?
Meu sorriso se desfaz lentamente, e apenas balanço a
cabeça em positivo para ele, confirmando sua pergunta, não lhe
contando que na verdade aprendi a dançar mesmo na boate onde
eu tirava a roupa. Caminho devagar para perto do sofá e deposito o
cesto em cima dele, olhando para o aparelho de som antes de olhar
para Tulho.
— Gostaria que eu te ensinasse a dançar? — pergunto
baixinho, o olhando.
Ele me olha com timidez e repuxa a ponta do seu nariz,
encolhendo seus ombros quando leva suas mãos ao bolso da sua
calça.
— Eu acho que é perda de tempo, não sou bom com isso.
— Oh, bobagem! — Ergo minha mão e a balanço no ar. —
Apenas ainda não pegou o jeito, mas é como andar de bicicleta,
depois que aprende, nunca mais esquece.
Passo por ele e ligo o som novamente, iniciando a música
desde o começo e me virando para Tulho.
— Venha, segure na minha cintura e na minha mão! — Ergo
meu braço, o deixando endireitado, esperando por ele.
— Quer que eu segure em você...
— Ao menos que vá dançar música eletrônica em uma boate
noturna, onde só tem luz piscando e batida alta estourando, penso
que realmente precisa me segurar para aprender a conduzir sua
parceira. — Rio, brincando com ele e dando um passo à frente, me
aproximando de Tulho.
Tulho ri e joga sua cabeça para trás, negando com ela
enquanto balança para os lados e tira as mãos dos bolsos.
— Não, Tina! — Ele sorri e me olha quando retorna sua face
para a frente. — É aniversário da tia Aurora daqui algumas
semanas, ela sempre faz uma festa e convida muita gente, muita
gente da cidade...
— Ohhhh, presumo que essa muita gente da cidade, esteja
incluso a dona da sorveteria e a filha dela? — Olho-o com
cumplicidade e lhe dou um sorriso. — Pretende a tirar para dançar?
— Acho que não, vou acabar passando vergonha — ele fala
desanimado e encolhe os ombros novamente.
O pego de surpresa antes que ele possa esconder suas
mãos no bolso outra vez, segurando uma entre minha mão e a outra
o ajudando a posicionar em minha cintura.
— Não irá. Vai tirá-la para dançar e será a melhor dança da
vida dela! — Pisco para Tulho, enquanto rio ao ver suas bochechas
vermelhas e os olhos arregalados por estar segurando minha
cintura. — Primeira regra, mantenha sua mão sempre nessa altura,
e contato visual com os olhos dela.
Ele abaixa a cabeça e olha a mão dele, verificando a posição
que a deixei.
— Contato visual, Tulho! — chamo por ele, o fazendo me
olhar.
— Mas como vou saber onde eu vou pisar se ficar olhando
para os olhos dela? — Ele me olha perdido, enquanto respira
depressa.
— Não vai, não precisa olhar para seus pés. — Rio e nego
com a cabeça, o conduzindo lentamente enquanto ele está distraído
com a preocupação dos seus pés. — Basta manter o ritmo. Um,
dois, três... Um, dois, três... — Sorrio para ele e movo nossos
corpos, lhe mostrando como tem que fazer. — Agora tente me
conduzir.
— Eu vou acabar pisando no seu pé, Tina. — Sua face está
vermelha, enquanto em sua testa nascem as primeiras gotinhas de
suor, demonstrando seu nervosismo.
— Se isso acontecer, iremos recomeçar. — Dou de ombros e
nego com a cabeça. — O segredo é não focar nos seus
movimentos, mas sim em sua parceira.
Nos conduzo outra vez, não saindo do ritmo um, dois, três, e
dando pequenos passos com ele pela sala, para lhe ensinar o mais
simples.
— Como vou prestar atenção nela, se vou estar com medo
de acabar esbarrando e derrubando...
— Então não pense. — Nego com a cabeça e falo rapidinho,
o freando antes que sua ansiedade aumente. — Sua tia irá dar uma
festa, então?
Mudo de assunto propositalmente, distraindo sua mente para
que possa dissipar seu nervosismo.
— Tia Aurora ama festas, ela sempre faz as mais animadas e
divertidas que tem nessa cidade.
— Oh, isso é muito bom! — Dou um pulinho para trás assim
que a ponta do seu tênis esmaga meu dedinho do pé esquerdo.
— Oh, droga! — Tulho olha para meus pés e respira
depressa.
— De novo, bonitão! — Nem o deixo se afastar, retornando a
dançar e manter o ritmo da música. — Então quer dizer que Mel vai
estar na festa também?
Os olhos de Tulho ficam brilhantes e ele me dá um sorriso
tímido, balançando a cabeça em positivo.
— A mãe dela é a melhor amiga de tia Aurora, elas sempre
estão presentes na festa — ele diz, baixinho.
— E depois que tirá-la para dançar, o que pretende fazer?
O vejo piscar confuso, me dando um olhar perdido por conta
da minha pergunta.
— Como assim?
— Ora, vai tirá-la para dançar, mas vai conversar, não vai? —
Sorrio para ele e nos giro, enquanto mantemos o ritmo da dança
lentamente. — Já sabe o que vai conversar com ela?
— Para falar a verdade, eu não cheguei nessa parte. Apenas
imaginei ela dizendo não quando a convidasse para dançar...
— Oh, céus, Tulho! — Fecho meus olhos e rio, negando com
a cabeça. — É claro que Mel vai aceitar dançar com você.
— E o que acontece se ela aceitar...
— Bom, vocês vão dançar... — Sorrio, o olhando e vendo sua
testa franzida, demonstrando preocupação. — E conversarão
durante a dança, como estamos fazendo agora. Não precisa ficar
calado... a elogie.
Tulho me olha mais atento, demonstrando interesse no que
eu digo, e distraidamente o deixo me conduzir sem que ele nem
perceba.
— A elogiar?
— Sim, todas meninas gostam de elogio — suspiro devagar,
enquanto observo o jovem rapaz. — Faça um elogio verdadeiro e
sincero.
— Acho bonito os cabelos dela soltos — ele fala baixinho, o
que me faz suspirar novamente, achando tão bonitinho ele me
dizendo o que gosta na filha da sorveteira. — Mas acho feio aquele
laço cor de mostarda cafona que ela usa no topo da cabeça...
— Ok, nada de sincero! — o corto e nego com a cabeça,
soltando um alta gargalhada quando ele franze seu semblante ao
falar do laço. — Apenas elogie o vestido, diga que ela está bonita,
não precisamos ser francos em relação ao laço cafona.
— Mas disse que tinha que ser verdadeiro e sincero... — Ele
me olha sem entender, deixando sua feição ainda mais parecida
com a do seu pai, quando estreita seu olhar.
— Disse para o elogio ser verdadeiro e sincero, não que tinha
que ser sincero demais em relação ao que não gosta. — Me movo
no ritmo que Tulho nos move na dança, o deixando me conduzir,
notando como seus passos estão ficando mais soltos.
— Então, nada de falar do laço?
— Com toda certeza, não, Tulho! — Rio e balanço a cabeça
para os lados. — Diga-lhe palavras bonitas, mas acima de tudo
respeitosas. A faça se sentir bela pela forma como você a olha.
— Gosto dos olhos dela, assim como das covinhas que tem
em suas bochechas quando ela ri.
— Isso, viu?! — Tombo meu rosto para o lado e admiro o belo
rapaz que ainda tem muitos corações para conquistar ao longo da
sua vida. — Falar sobre o sorriso e as covinhas soa bem melhor que
lhe contar sobre o laço cafona.
Aproveito quando estamos dançando perto do aparelho de
som, para esticar meu braço e retornar a iniciar a música quando ela
acaba. Deixo meus braços em volta do seu pescoço e dou uma
distância boa entre nós dois.
— O que faço com essa mão? — Ele olha perdido para mim.
— Vai deixá-la na minha cintura, igual a outra. — Ele faz o
que eu digo, mantendo seus olhos nos meus. — Ela pode querer
dançar assim, o que acaba sendo bom, pois seus olhos sempre
estarão presos um no outro durante a melodia. A música pode ser
outra, mas o embalo sempre é o mesmo, então não tem com o que
se preocupar...
— Oh, não, será essa! — Tulho nega com a cabeça e fala
rapidinho. — Tia Aurora sempre coloca essa música para tocar, é a
única melodia romântica que toca na sua festa.
— Sério? Mas por que...
— Papai diz que é a música que ela e meu tio dançavam
quando ele era vivo, nos aniversários dela. Então ela mantém a
tradição, mesmo que não dance com ninguém. Acha que Mel vai
gostar dessa música?
— Ela será uma boba se não gostar... — falo, rindo, fazendo
careta para ele, lhe arrancando uma risada. — Se essa garota não
gostar de dançar Slave to love com um par romântico bonitão como
você, pode ter certeza de que eu mesma vou naquela sorveteria
dizer a ela como aquele laço mostarda é cafona e horroroso.
Tulho ri ainda mais alto, nem percebendo que está dançando,
que há muito eu parei de o conduzir, e quem está nos embalando na
música é ele.
— A propósito, bonitão, está dançando muito bem! — digo e
dou um sorriso carinhoso para ele, o vendo parar de rir enquanto me
olha surpreso, compreendendo que é ele que está nos conduzindo.
— Eu aprendi? — ele fala alto, abaixando sua cabeça para
nossos pés antes de erguer sua face para mim. — EU APRENDI,
TINA!
— Aprendeu, bonitão! — Minha voz é tão animada e contente
quanto a dele, e amo ver seu rosto iluminado enquanto sorri para
mim e me dá um sorriso de orelha a orelha.
Tulho se empolga e fica ainda mais contente, me pegando de
surpresa quando por iniciativa própria solta minha cintura e me
abraça com força, encostando sua cabeça em meu ombro de
ladinho.
— Obrigado, Tina! — Escuto o som da sua voz baixa, com
ele murmurando. — Obrigado por me ajudar.
E sorrio com timidez, sentindo meu coração se enchendo
ainda mais de carinho pelo jovem Tulho, do qual eu me sinto tão
próxima, como se fosse meu irmão caçula que já amo tanto. Beijo o
topo da sua cabeça e lhe devolvo o abraço, me sentindo comovida
com o gesto dele.
— Sempre que precisar de mim, garotão! — Ele me dá um
largo sorriso quando se afasta. — Vai arrasar corações na pista de
dança...
— Viu, isso aí ele puxou de mim. — Tanto Tulho como eu nos
viramos assustados quando ouvimos a voz animada e risonha do
senhor Ralf.
Mas não são seus olhos a primeira coisa que eu encontro,
mas sim o par de olhos de avelã sérios, olhando de mim para Tulho.
O senhor Sebastian tem sua face séria e taciturna, como de
costume, sem dizer uma única palavra enquanto me olha.
— Alguém está querendo competir comigo na pista de dança,
hein? — Ralf fala animado, caminhando para perto de Tulho,
erguendo sua mão e esfregando sua cabeça.
— Não, tio! — Tulho nega enquanto ri e se afasta da mão do
seu tio, que bagunça seus cabelos. — Tina estava apenas me
ensinando alguns passos...
— Eu vi, aprendeu bem! — Ralf para seus olhos em mim e
me dá um largo sorriso. — Olá, Tina, como está?
Eu acho que não esperava pelo movimento rápido dele, por
isso meus olhos se arregalam, enquanto fico sem reação, quando
seu corpo se inclina para frente e me dá um abraço, me
cumprimentando de forma pessoal.
— Olá, senhor — digo baixinho, dando um sorriso amarelo e
me afastando dele rapidamente.
— Já está melhor, se recuperou bem? — Ele mantém sua
mão em meu ombro, enquanto o segura.
— Sim, sim, estou melhor... — Tento não parecer uma mal-
educada quando recuo um passo para trás, tentando o fazer retirar
sua mão do meu ombro. — Se me derem licença, preciso voltar aos
meus deveres. — Um risinho nervoso escapa da minha boca e dou
outro passo para trás.
Praticamente, me viro como um foguete, pegando o cesto de
roupa em cima do sofá e o erguendo em meus braços, saindo de
fininho da sala. Mas minha passagem é bloqueada pelo pé-grande
imenso parado na frente da porta, com suas mãos no bolso da
calça, impedindo minha fuga.
— Boa tarde, señorita. — Sua voz é ríspida enquanto inala o
ar com força, tendo seu peito estufando para frente. — Como se
sente hoje?
— Boa tarde, señor — o cumprimento, me obrigando a erguer
minha cabeça para o olhar, odiando minha pequena estatura perto
desse pé-grande. Nem a dignidade de poder lhe encarar cara a cara
eu consigo. — Bem, estou muito bem.
Sua face se mantém séria, com ele apenas comprimindo
seus lábios e soltando o ar pesadamente antes de o sugar outra vez
por suas narinas. Ele balança sua cabeça lentamente para frente e
para trás, antes de dar um passo ao lado, me dando passagem para
passar. O vejo cerrar ainda mais forte seu maxilar, como se
estivesse trancando sua respiração, me fazendo sentir que meu
cheiro o desagrada.
Caminho lenta, olhando perdida para o cesto de roupa suja,
saindo da sala, não entendendo o porquê dele reagir dessa forma.
Viro meu rosto rapidinho e me cheiro, querendo saber se estou com
algum mau cheiro, mas não tem nenhum odor estranho em mim.
— Pé-grande besta! — murmuro, chateada, andando pelo
corredor, segurando mais firme o cesto de roupas.
Não tinha pedido para ele me beijar, muito menos me joguei
em seus braços. Está certo que o abracei, mas foi algo de momento,
por gratidão, realmente estava agradecida por ele ter me deixado
ficar trabalhando, mesmo depois de saber meu passado. Não
estava me oferecendo para ele. Não tem motivos para ficar agindo
assim comigo.
CAPÍTULO 13
COMO EU VEJO VOCÊ

SEBASTIAN SÁNCHEZ

— Precisa resolver esse problema do seu mau humor... —


Viro meu rosto e encaro Ralf, depois que desfiro a última martelada
com força na cabeça do prego que estou colocando nas escadas da
casa árvore dos meninos. Esmago o martelo e olho meu primo, o
encarando de cara fechada. — E com urgência...
— Não estou de mau humor. — Ranjo meus dentes e viro de
costas para ele, caminhando até as pilhas de madeiras que tinha
separado para trocar as tábuas das escadas, para deixar mais firme,
e segurar as escadinhas no tronco da árvore. Seguro uma em
minhas mãos e retorno para perto da árvore. — Passe outro prego.
— Na verdade, não está de mau humor, e sim insuportável —
Ralf continua a falar, esticando o prego para mim. — Por que não
admite logo que seu mau humor está ficando pior a cada dia?
— Já disse que não estou de mau humor — rosno com raiva,
posicionando a madeira no lugar, enquanto Ralf a segura e miro o
martelo na cabeça do prego.
— Não é feio admitir que está interessado na garota,
qualquer homem ficaria. Eu não te julgo, poderia me perder
facilmente naquelas curvas. Imagina aquele corpo, os quadris largos
e rabo farto, feitos para receber um homem...
Meu braço vai para trás e retorno com força para frente,
acertando o prego com o martelo e desferindo uma martelada tão
densa, que faz o prego se enterrar de uma única vez contra a
madeira e a árvore. Respiro com força e esmago meus dedos no
cabo do martelo, virando meu rosto para Ralf, o deixando saber que
sua maldita língua tagarela que nunca se cala o fez ir longe demais.
— Se abrir sua boca novamente para se referir à senhorita
Zara como suas garotas fáceis de uma noite, tenha certeza de que
não ficarei de mau humor, e sim contente quando quebrar seus
dentes com esse martelo, Ralf! — Suas bochechas ficam rosadas e
os olhos dele se arregalam, olhando do meu rosto para o martelo
que esmago em minha mão.
Um pequeno sorriso se abre no canto da sua boca, com a
mão dele se erguendo e me estendendo outro prego, enquanto ele
me olha com deboche, me deixando saber que estava me
provocando e tinha conseguido acertar com êxito o que ele
pretendia.
— Sabia que estava interessado nela. — Sua voz é risonha e
provocadora, da mesma forma que ficava quando éramos jovens e
ele conseguia me provar seu ponto de vista.
— Não estou interessado nela. — Pego o prego da mão dele
e retorno a encarar a árvore.
— Pois saiba que não é isso que pareceu segundos atrás,
quando me ameaçou com o martelo. — Ele se aproxima de mim e
abaixa seu tom de voz, não escondendo a animação em seu sorriso.
— Para mim, que te conheço há anos, isso foi uma clara admissão
de interesse.
— Dios, juro que se não fosse pelo respeito que tenho por tia
Aurora, eu cortava sua língua, por nunca a conseguir manter quieta
dentro da boca! — Dou um passo para trás e seguro a outra ponta
da madeira, conferindo se ela está no nível antes de pregá-la.
— Qual é, Sebastian?! Está parecendo um touro rabugento a
semana inteira, soltando fogo pelas narinas. — Fecho meus olhos e
respiro fundo, tendo meu primo me infernizando novamente. — Me
lembro muito bem de dizer que vi Pamela em um restaurante com
outro cara, e você nem sequer ligou, seus olhos nem desviaram dos
documentos que estava lendo, foi a mesma coisa que eu lhe falasse
sobre o clima.
— Pamela e eu não temos nada, ela é livre para sair com
quem quiser.
— Você estava trepando com ela mês passado, antes de sua
pequena babá chegar nessa casa...
— Pamela e eu tínhamos um acordo sem compromisso,
apenas sexo casual, e acabou. Não tem nada a ver com a chegada
da senhorita Zara à vinícola...
Me concentro na porra do prego enquanto o respondo, não
mentindo. Por mais que o primeiro encontro entre mim e a senhorita
Zara tenha sido com o rompante de Pamela dentro do meu quarto,
me fazendo acordar com uma mulher desconhecida seminua em
minha cama, ainda assim não foi culpa de Tina. Eu sabia que
Pamela estava desejando mudar nosso acordo e querendo algo
mais sério, iria ter uma conversa com ela naquela semana, não
pretendia lhe dar o que queria, tinha sido claro quando começamos
a nos envolver.
— Que seja, o que estou tentando lhe dizer é que lhe contei
que a mulher na qual seu pau se afundava estava em um encontro
com outro, e você nem ligou, mas em contrapartida me ameaçou
com o martelo apenas porque eu elogiei a bela forma da sua babá,
a qual seu pau nem entrou. — Rosno novamente, esmagando
minha boca com raiva enquanto martelo o prego, com Ralf
tagarelando em minha orelha. — Então sim, isso para mim foi uma
clara admissão que está interessado nela.
Viro meu rosto para Ralf quando ele se cala finalmente, o
vendo com um sorriso largo estampado em seu rosto, como se
tivesse acabado de descobrir o maior segredo do mundo.
— Olha, eu te entendo, sei que é difícil achar garotas que não
se assustem com a gente, ainda mais quando descobrem o
tamanho... — Lhe dou um olhar de repreensão, o fazendo se calar
antes que termine de falar merda. Meus olhos desviam dos seus
para a casa da árvore quando ergo a cabeça, ouvindo as
brincadeiras de Martin e Miguel que estão dentro dela. — Bom, você
entendeu, é complicado achar sapatinhos de cristais que caibam o
nosso tamanho...
— Você é inacreditável, Ralf. — Nego com a cabeça e fecho
meus olhos, soltando o ar pela minha boca.
— E eu te conheço, Sebastian. — Ele continua a me
infernizar, falando sem parar e dando um tapinha em meu ombro. —
Sei que foge de mulheres pequenas como se elas fossem se
quebrar apenas por ficar perto de você por causa do seu tamanho,
mas é sério, vai por mim, as pequenas também dão conta do
recado. — Olho sem acreditar para a cara dele, o vendo esboçar um
sorriso largo e aproximar seu rosto, abaixando ainda mais seu tom
de voz, quase ao ponto de sussurrar. — Semana passada saí com
uma baixinha e ela quase me fez enfartar de tanto fôlego que tinha...
— Juro que ainda vou perder a paciência com você e
martelar sua boca, Ralf — rosno com raiva e nego com a cabeça,
me desvencilhando da sua mão em meu ombro e me afastando
dele, voltando para perto das madeiras.
— Estou aqui tentando te ajudar, cabrón. — Ele ergue sua
mão e aponta para seu peito, andando atrás de mim. — Só cego
não vê como anda se controlando para não pegar logo o que
deseja. A babá...
Meu corpo se vira em um rompante de uma única vez e
esmago meus dedos na camisa de Ralf, o puxando com força, até
ter sua face a centímetros da minha. Rosno baixo, tentando
controlar a vontade colossal que sinto nesse segundo de esmurrar
essa boca grande dele.
— Se queria que eu admitisse que estou de mau humor,
então sim, eu admito, e você não tem ideia de como o está
piorando. — Ralf abaixa seus olhos para minha mão em sua
camisa, antes de os erguer para mim e me dá um sorriso
debochado.
— Então admite também que é por causa dela? — Ele ri e
ergue suas mãos, segurando meu ombro de forma risonha. —
Realmente está assim, de mau humor, por causa da babá.
O solto com raiva e bufo pelo nariz, sabendo que se não
amasse tanto esse tolo como um irmão, que sempre esteve ao meu
lado, já teria o socado na cara muito tempo atrás.
— Me deixe em paz, Ralf. Se não tem mais o que fazer, eu
tenho. — Agarro uma madeira e retorno, caminhando para a árvore.
— Ok, não vou falar mais nada. — Olho por cima do ombro
para ele e o vejo sério, dando de ombros. — Mas se quiser saber...
— Dios! — Fecho meus olhos e nego com a cabeça, me
abaixando e pegando um prego do pacote.
— Se está se segurando por conta do vínculo empregatício.
— Meu primo para ao meu lado, enquanto eu mantenho meus olhos
presos na madeira quando arrumo na altura correta. — Ninguém
liga hoje em dia com patrão pegando a funcionária, claro, se isso for
consensual, senão é assédio, o que eu não lhe aconselho a fazer,
mas pelo que pude observar...
— Vou falar apenas mais uma vez, e de uma forma lenta para
que esse seu cérebro de passarinho entenda. — Giro meu rosto e o
encaro, lhe dando um olhar hostil e o deixando saber que cheguei
no meu limite com sua maldita boca tagarela. — A señorita Zara não
veio para esse lugar atrás de um homem, e sim de um emprego, do
mesmo modo que eu a deixei trabalhar em mi casa porque preciso
de alguém para cuidar dos meus filhos, não para esquentar minha
cama!
Empurro a porra da madeira no peito dele junto com o
martelo, lhe apontando para a árvore, dando um rosnado baixo
antes de me virar e andar na direção dos vinhedos. Esfrego meu
rosto com raiva e repuxo meu pescoço, sentindo cada músculo do
meu corpo rígido, enquanto caminho zangado, parando apenas
quando me aproximo dos troncos de madeiras e do machado. Sei
que o estoque de lenha para as lareiras está abastecido, mas
descontar toda minha energia nos golpes do machado é a única
coisa que apazigua meu mau humor nesses últimos dias. É a minha
válvula de escape, onde tento reorganizar meus pensamentos,
assim como meu autocontrole, que estão fora de ordem, lidando
com cada informação que ela tinha me dado. O fato de a ter deixado
ficar, mesmo quando algo dentro de mim sabia que o correto era a
mandar embora, não foi porque descobri sobre seu passado, eu
tenho meus próprios diabos em meus ombros e não julgo ninguém,
e sim porque ela desencadeia coisas dentro de mim que há muito
tempo eu julgava estarem mortas. O simples aroma doce de
morangos que embriaga a casa por onde ela passa, faz eu me sentir
elétrico, eufórico e agitado.
Me pego a observando junto dos meninos, o som dos risos
de Martin, Miguel e Tulho, que vem do quarto de hóspedes onde ela
está agora, cuidando deles. Olhar a face alegre de Tulho dentro da
sala, enquanto sorria, me fez parar de respirar, me sentindo
emocionado. Nunca o vi tão feliz como poucas horas atrás. Fora tia
Aurora, Tulho raramente expressa qualquer emoção perto de
alguma mulher. Sheila havia partido o coração de Tulho, o fazendo
desconfiar de qualquer pessoa do sexo feminino, mas a pequena
senhorita Tina tinha conseguido, de alguma forma que eu ainda não
entendo, abaixar a guarda de Tulho. Assim como a de Miguel e
Martin, e nem preciso citar Roaquim, que chorou todas as noites,
dengoso, sentindo falta do colo de sua cuidadora, e apenas dormia
quando eu o pegava em meus braços e o ninava. Eu sabia que eles
sentiam falta, mesmo não falando comigo, sobre uma presença
materna na casa.
Damaris ajudava com o cuidado do lar, assim como as outras
babás que passaram por aqui, mas nenhuma delas conseguiu se
ligar tantos a eles como Tina fez. E isso para mim não tem preço.
Meus filhos são meus bens mais preciosos. Não me importa seu
passado, o que fez até chegar aqui, eu, melhor do que ninguém,
tinha comido muito pão que o Diabo amassou por conta das minhas
escolhas, tanto que foi por elas que me vi em Paris, em busca de
um recomeço, de acertar os erros do passado, e entre minha busca
meu destino se cruzou com Sheila. E Cristo era testemunha de
como entre todas as minhas escolhas erradas, tirando meus filhos, o
resto todo do casamento foi um grande erro.
No fundo, bem no fundo, eu sabia que Sheila não tinha
nascido para essa vida, enganava a mim mesmo pensando que ela
se acostumaria com a paz que tinha na vinícola e esqueceria aquela
vida vazia que tinha em Paris. Imaginava que quando Tulho
nascesse, ela descobriria o que realmente vale a pena, que a
maternidade despertaria algo bom dentro dela, algo que eu
realmente desejava enxergar, mesmo no fundo sabendo que não
existia.
Eu não pretendo cair nesse mesmo erro novamente, por isso
sempre foquei em cuidar da minha vinícola e dos meus filhos. Eles
são o que me importa. Não busco mulher para ocupar um lugar em
minha cama, isso eu mesmo resolvia quando meu corpo sentia falta.
Só que meu maldito corpo está dificultando o meu lado em
compreender que a mulher dentro da minha casa não é para nós, e
por conta dessa fraqueza, a qual descobri que meu corpo sente por
ela, quando em um impulso embriagado por seu perfume caí na
besteira de tocar seus lábios com os meus, provando do seu sabor
e do seu calor, e foi o mesmo que ligar um botão de alerta dentro de
mim. Não me lembro de ficar daquele jeito, tão ansioso, desejando
nunca separar meus lábios de uma mulher, como fiquei quando a
beijei. Nem com Sheila era assim, nós dois tínhamos paixão, um
fogo carnal que nos ligava, isso eu sabia, mas com Tina não foi o
fogo que eu senti, e sim uma explosão, como se tivesse pisado em
uma mina terrestre e finalmente erguido o meu pé, me deixando ser
arremessado pelo impacto da bomba.
E é isso que ela representa, uma bomba, a qual tento com
todas as minhas forças manter distante, enquanto tento
compreender todas essas coisas que estão em minha cabeça,
desde acontecimentos, descobertas e informações em pouco
tempo. A zanga pela teimosia dela de ter entrado naquele lago,
minha explosão de raiva dentro do escritório, a imagem do seu
corpo queimando de febre em meus braços, encontrar seus
documentos e descobrir que a mulher que anda infernizando meus
sonhos e me atormenta com sua forma e curvas em meus
pensamentos, além de seu maldito perfume, não passa de uma
menina perto da minha idade. O pacote com dinheiro, a informação
de onde veio aquele dinheiro e me ver diante não apenas de uma
menina, mas de uma criança fujona com olhar inocente, me
deixando ver sua alma machucada, que buscava dentro da minha
casa um lugar seguro para recomeçar e esquecer seu passado. E
foi a compreensão disso, do que realmente a estranha mulher que
apareceu na porta da minha casa é, que me fez sair de dentro
daquele quarto me sentindo um canalha, que se aproveitou de um
momento de fragilidade de Tina. Me odiei por imaginá-la pensando
que eu não passava de mais um escroto de merda, como os
homens que passaram em sua vida e a enxergaram apenas como
um pedaço de carne para satisfazer seus desejos.
— Inferno! — rosno com ódio e desfiro um golpe forte no
tronco da árvore com o machado.

Fico em silêncio, observando a porta do quarto de hóspedes,


abaixando meu rosto e encarando meus sapatos. Inalo o ar com
força e retiro minha mão do bolso da calça, olhando a hora no
relógio. Já passa das 22h30 da noite, talvez ela já esteja dormindo.
Tinha saído com as crianças ao fim da tarde, levando Tulho, Martin
e Miguel ao cinema, junto com Ralf, que quis ir assistir filme com a
gente. Na volta, passei na casa de tia Aurora para o deixar em casa
e não pretendia me demorar, mas minha tia já nos aguardava na
varanda da residência dela, estava me esperando para dizer que me
esperava para o almoço de domingo, junto com os meninos, e que
eu deveria levar Tina. Franzi meu cenho, encarando meu primo com
uma cara zangada, o fuzilando com meu olhar, sabendo que de
alguma forma ele tinha aberto sua boca para tia Aurora sobre
qualquer merda que passa na cabeça dele. Eu disse a ela que Tina
estaria de folga no domingo, tentando recusar o convite de ir até a
casa da minha tia, porque conhecia a raposa astuta que ela é e que
não era apenas por causa de um simples almoço que estava
convidando a jovem, mas o tiro da minha desculpa saiu pela culatra.
— Ótimo, melhor ainda, porque ela vai estar em mi casa
como convidada, e não a trabalho! — O sorriso de tia Aurora fica
mais largo e ela estica sua mão pela janela do carro, dando uma
batida leve em meu ombro. — Espero vocês amanhã, Sebastian!
Agora estou eu aqui, depois de ter posto Miguel na cama,
que voltou para casa dormindo no carro. Martin apagou logo em
seguida, de tanto sono que estava, e Tulho também me deu uma
boa-noite e foi logo se deitar. Fui até o quarto de Roaquim, onde
encontrei o pequeno adormecido e a fragrância de morango ainda
fresca no ar, dentro do cômodo do meu filho, o que me dizia que
Tina tinha estado ali. Estico meu braço e dou uma batida lenta na
porta, erguendo meu rosto e a encarando. Lhe direi que minha tia a
convidou para almoçar em sua estância, mas que não é obrigada a
ir se não quiser.
— Señorita Zara — chamo por ela e a aguardo abrir a porta.
Esfrego minha nuca e solto uma bufada de ar, estalando o
canto da boca, olhando a porta fechada e ouvindo apenas o silêncio
lá dentro.
— Tina, está bem? — Endireito meu corpo, me lembrando
dela suada e febril em cima da cama de solteiro no quarto de
empregados, na última vez que bati em sua porta. — Señorita, se
não abrir a porta, eu vou entrar.
Dou um último aviso, para que saiba que realmente irei fazer
isso se ela não abrir a porta. Aguardo alguns segundos, para ver se
ouço algum som vindo lá de dentro, mas tenho apenas o silêncio
como resposta.
— Vou entrar! — Levo minha mão à maçaneta, pronto para
estourar a porta se for preciso, mas ela não está trancada. A
empurro quando giro a maçaneta, acendendo a luz do quarto.
Fico em silêncio e observo a cama arrumada. Ando para o
banheiro e acendo a luz, o vendo limpo e organizado, tendo apenas
seu perfume espalhado por cada canto do quarto. Olho perdido para
a cama, antes de caminhar para o guarda-roupa e o abrir, vendo
que as coisas dela também não estão ali dentro. Me viro em meus
calcanhares e saio do quarto a passos duros, em um piscar de
olhos, passando pelo corredor e indo em direção às escadas,
parando apenas depois de ter atravessado a cozinha e ido para a
lavanderia, pegando o pequeno corredor que leva ao quarto de
empregada. O som da TV ligada me avisa que ela está lá dentro.
Vejo a porta que eu tinha estourado no dia que entrei no quarto
apenas encostada. Meu braço se estica quando estou a dois passos
da porta, a empurrando e a abrindo. O corpo pequeno está parado
de costas para mim, perto da cama, passando uma camisa grande
pela cabeça, com suas costas nuas, usando apenas uma calcinha
rosa. Rosno, baixo, desviando meus olhos do seu corpo e inalando
o ar com força, tendo o aroma de morango invadindo meu sistema
respiratório.
— O que está fazendo aqui? — digo, zangado, mantendo
meus olhos presos na porcaria da cama ao invés da visão perfeita
da sua bunda com o fio dental.
— Oh, meu Deus! — A voz alta dela grita assustada, se
virando para mim rapidinho, empurrando a barra da camisa para
baixo. — Senhor Sánchez...
Retorno o olhar para ela e lhe dou uma rápida vistoria,
observando desde seus pés descalços no piso do quarto, das suas
pernas descobertas, até os seus dedos presos na barra da camisa,
tentando mantê-la abaixada, tapando a frente da sua calcinha, com
os bicos rígidos dos seus seios ficando destacados no tecido.
— O que está fazendo aqui, señorita? — Ergo meus olhos
aos seus enquanto a encaro sério.
— Bom... eu ia me deitar. — Ela morde o cantinho da boca e
aponta com sua cabeça quando balança em direção à cama de
solteiro, fazendo seus cabelos soltos até os ombros balançarem. —
O senhor precisa de alguma coisa... São os meninos? Aconteceu
algo...
— Não gostou do quarto que lhe acomodei, por isso retornou
para cá? — a corto, falando mais ríspido do que eu gostaria, não
querendo admitir a mim mesmo que não gostei de ver o quarto
vazio.
— Oh, não! Bom, sim, quer dizer, eu gostei. — Ela pisca
confusa e nega com a cabeça. Arqueio minha sobrancelha e lhe
encaro mais sério quando ela começa a gaguejar. — Eu gostei do
quarto, e fico muito agradecida por ter me deixado ficar lá para o
médico me atender e enquanto eu me recuperava...
Fecho meus olhos quando minhas narinas se dilatam, tendo
seu perfume ficando ainda mais intenso, despertando meus
sentidos, ao ponto de um som rouco escapar da minha boca.
Cristo, esse maldito aroma doce de morango está acabando
comigo!
— Mas agora que estou melhor, achei correto voltar para o
meu quarto, senhor...
— O médico podia ter lhe atendido aqui, señorita! — Abro
meus olhos e tombo meu rosto para o lado, lhe encarando.
— Podia? — Ela encolhe seus ombros e me olha confusa.
Sim, ele podia, tanto que a primeira visita médica dele foi aqui
dentro. Só que eu não tinha contado isso para ela, assim como não
contei que ela podia ter continuado se recuperando aqui, mas eu a
queria perto de mim. Por mais raivoso que estava quando descobri
sobre sua idade, algo dentro de mim se recusava a deixá-la dentro
desse quarto minúsculo sozinha. Pelo menos no quarto de
hóspedes, meu antigo quarto quando era menino, eu poderia cuidar
dela, acompanhando sua febre para ver se partia. Sabia que ela não
estaria sozinha aqui, Damaris iria ficar dentro do quarto junto com
ela, mesmo assim eu queria que fosse eu, afinal, ela estava dentro
da minha casa, sob minha proteção, e tinha ficado sozinha e
adoentada dentro desse quarto, sem ninguém saber, o dia todo.
— Arrume suas coisas e volte para o quarto que eu lhe
instalei, señorita. — Me mantenho sério, não respondendo sua
pergunta.
— Oh, não, não preciso mais. — Ela nega com a cabeça. —
Estou bem nesse, posso garantir que estou melhor e que consigo
voltar às minhas tarefas...
— Por que tem que ser tão teimosa?! — Bufo pelas narinas,
a encarando. — Não pode simplesmente fazer as coisas quando eu
peço...
— Não estou sendo teimosa. — Ela solta a barra da camisa e
cruza seus braços, franzindo sua testa. — Estou apenas dizendo
que estou bem e já posso ficar no meu quarto, e eu faço as coisas
que me pede...
Eu estou tentando manter o controle, mas minha paciência
está por um fio, assim como o meu controle, e antes que o perca,
preciso apenas de um passo para atravessar o quarto e parar diante
dela, flexionando apenas um pouco meus joelhos e a tirando do
chão quando a ergo feito uma boneca de pano, a jogando em meus
ombros.
— Mujer teimosa! — rosno com raiva, não entendendo por
que tudo ela tem que discordar. Por que simplesmente não faz o
que eu peço?!
— Oh, céus... Senhor Sebastian... Señor, me coloca no chão!
— Ela tenta se mover, estapeando minhas costas, enquanto viro e
caminho com ela para fora do quarto.
— Quieta, escandalosa! — Viro meu rosto e falo com raiva,
olhando o traseiro empinado a centímetros do meu rosto.
— Me solte, homem!
Minha mão se espalma em seu rabo, a impedindo de se jogar
para trás, antes que acabe caindo quando ela se debate.
— Não tenho paciência com suas teimosias, vou te pôr chão
quando estiver dentro da porcaria do quarto, do qual não tinha que
ter saído.
— Seu pé-grande, mandão, me coloca no chão agora! — Ela
soca minhas costas, tendo seus pés se batendo.
— Me chamou de pé-grande? — Meu corpo estaca no lugar e
fico parado no meio da cozinha, ouvindo apenas a respiração
acelerada dela.
— O quê? Chamei? Não... — Ela nega com a cabeça
rapidinho, parando de se mexer. — Disse sabichão... Sabichão
mandão.
— Mentirosa! — rosno com raiva, esmagando com força sua
bunda e a fazendo quase cair de cabeça para trás quando a arrumo
em meu ombro.
— Se me deixar cair, eu vou acertar sua cabeça com a
primeira coisa que eu achar na minha frente, señor! — Ela retorna a
me socar, se debatendo.
— E se continuar a fazer escândalo e acordar aqueles três
monstrinhos, você que terá que explicar a eles por que o pai deles
está com a babá jogada em seus ombros... E eu não vou nem tentar
tapar sua bunda!
— Não teria coragem de fazer isso! — Ela apoia suas mãos
em minhas costas, cravando suas unhas em minha pele com raiva.
— Non? Então pague para ver, señorita!
O som do seu xingamento abafado em minhas costas,
quando ela solta seu corpo, parando de se debater, me faz dar um
pequeno sorriso de vitória quando subo as escadas com ela
rapidamente, indo em direção ao quarto que ela estava. Entro nele e
fecho a porta atrás de mim, soltando seu corpo no chão sem muito
modos e poucos cuidados, a fazendo cambalear para trás, toda
descabelada, enquanto respira depressa e passa seus dedos por
suas bochechas, jogando as mechas de cabelos para trás.
— Você! — Sua boca se esmaga e ela ergue seu dedo,
apontando para mim e cutucando minha barriga com força. — Seu
pé-grande boçal! — Arqueio minhas sobrancelhas e abaixo minha
cabeça, encarando a pequena mulher raivosa jogando sua cabeça
para trás, para me fuzilar com seu olhar zangado. — E sim, ouviu
muito bem, te chamei de pé-grande, porque é exatamente o que
você é! Só porque é meu patrão, não tem o direito de ficar me
jogando em seu ombro como se eu fosse uma maldita boneca de
pano!
Reprimo uma gargalhada, não conseguindo conter o riso
diante da imagem da mulher descabelada com sua boca esmagada
e olhos semicerrados brigando comigo, com seu minúsculo tamanho
de uma pulga, cutucando meu abdome com seu indicador, fazendo
ser difícil a levar a sério quando parece um esquilo zangado.
— Deve achar muita graça se comportar como um homem da
caverna! — Nego com a cabeça e seguro o riso, inclinando um
pouco mais meu pescoço para frente, para olhar para ela. — Mas
fique sabendo, pé-grande, que juro que se fosse isso aqui mais
baixinho. — Ela ergue seus dedos, os juntando e deixando
coladinho o indicador no anelar, esticando seu braço para mostrar
para mim seus dedos. — Eu arrancaria esse seu risinho
debochado...
Ela se cala e cambaleia para trás quando me inclino ainda
mais para ela, deixando meu rosto perto do seu.
— E como faria isso, moranguinho, só por curiosidade? —
rosno, sério, a encarando. — Morderia a minha canela para eu me
abaixar, ou usaria uma escadinha?
— Não me chame de moranguinho! — A boca dela fica
semicerrada enquanto arfa seu peito e respira depressa.
— Acabou de me insultar, me chamando de pé-grande, posso
te chamar do que quiser. E para mim é o que parece, um pequeno
moranguinho, tem até o cheiro de um. — Dou um sorriso
provocador, gostando de ver o brilho zangado em seu olhar, que a
faz ficar ainda mais bela.
— Seu... seu pé-grande! — Ela retorna a cutucar o meu peito,
empurrando suas costas para trás quando enlaço sua cintura com
um braço e a mantenho presa perto de mim. — Saiba que meu
tamanho não me impede de chutar suas bolas...
Rio e a olho, sentindo meu coração bater rápido e o sangue
fluir disparado por minhas veias, não me lembrando de quando senti
essa euforia, um desejo tão forte, como nunca tive antes, fazendo
eu me sentir vivo. Talvez seja o aroma de morango que bagunça
com meus pensamentos, ou seus lábios se mordendo enquanto ela
esbraveja, chamando a atenção do meu olhar para eles, ou apenas
a desejo mais forte que não consigo mais reprimir de vontade de
provar seu sabor novamente.
— Não tem o direito de caçoar do...
Suas palavras se silenciam, ficando perdidas quando esmago
sua boca com a minha, sendo fraco novamente e me deixando
perder nos seus lábios, sentindo a maciez, a forma como ela
amolece e se encaixa em meu corpo quando a tiro do chão, usando
apenas um braço e o comprimindo contra sua cintura. Os dedos
zangados que me cutucavam, agora raspam por meus cabelos, se
infiltrando entre eles, com ela soltando um gemido baixinho
enquanto a beijo com mais urgência.
— Mesmo estando destruída por dentro, ela sorria e lhes
dava um olhar amável. — Seu rosto inclina para o lado, enquanto as
lágrimas lavam sua face, me deixando enxergar a dor dentro dela.
— Z não era uma ladra, senhor, era apenas uma garota fodida, o
feto gerado entre a união de uma prostituta e um bêbado, que anos
depois iria ser destruída pelo cafetão do pai dela, igual ele fazia com
a mãe dela, para poder pagar os vícios dele.
Me mantenho em silêncio, sendo acertado por sua inocência
que me mostra em cada lágrima que rola por suas bochechas, a
criança perdida e solitária que tinha vindo se esconder embaixo do
meu teto.
— E Tina, Tina também não é ladra, apenas é uma tola, uma
tola por achar que realmente podia simplesmente sair daquele
maldito lugar que a destruiu por anos e ter a chance de recomeçar
sua vida... — Suas mãos se erguem e limpam seu rosto, enquanto
soluça entre o choro. — Não precisa se preocupar, señor, eu estou
melhor, posso partir antes mesmo do sol nascer!
A vejo se levantar e afastar as cobertas, enquanto tenta dar
um passo à frente.
— Señorita! — Meu corpo se move por instinto, desejando a
abrigar em meus braços e lhe dizer que está segura, que eu lhe
protegerei, porque não suporto ver o mal que tinham feito a uma
alma tão inocente como a de Tina, que mesmo sendo destruída se
manteve pura.
— Eu não sou uma señorita. — Sua face pequena se ergue
para mim, com as lágrimas rolando por suas bochechas, enquanto
me olha com tanta dor, se achando indigna.
Minha mão se ergue e espalmo a lateral do seu rosto,
encontrando nessa mulher algo que em mim já não existia mais.
— Sou uma puta, señor, uma puta. — Seus olhos negros
brilhantes, por causa das lágrimas, se fecham, com ela se
segurando em mim. — Não sou uma señorita, mas também não sou
uma ladra. Sou só uma maldita puta, e esse dinheiro não veio de um
roubo, mas sim de mim... Do meu corpo, porque é isso que eu
sempre fui, um miserável pedaço de carne.
As imagens invadem minha mente, me condenando em meu
consciente, tendo os sons do seu choro e a visão das suas lágrimas
me fazendo me abominar mais uma vez por não conseguir me
controlar diante dela. E da mesma forma impetuosa que lhe puxei
para o beijo, a solto, impelindo a mim de continuar lhe tocando,
porque se não parasse agora, saberia que estaria me odiando assim
que saísse desse quarto, depois de ter dado vazão aos meus
desejos e a jogado em cima dessa cama. Respiro com força e fico
de costas, não a olhando, enquanto esfrego meu rosto,
amaldiçoando baixo.
— Senhor...
— Amanhã traga suas coisas de volta para esse quarto! —
Praticamente atropelo sua fala, dando um passo à frente e me
distanciando ainda mais dela, abrindo meus olhos e encarando a
porra da parede. — Vou reformar aquele cômodo, por isso precisa
ficar aqui. Esse é um grande espaço e fica ao lado do quarto de
Roaquim, para ele será melhor ter a babá por perto, talvez abra uma
porta nessa parede e o faço ficar conjugado.
Minha boca se abre e falo sem parar, argumentando e
arrumando desculpas para ela ficar aqui, para que entenda que
prefiro saber que ela está aqui. Levo minhas mãos à cintura e inalo
o ar com mais força, sentindo seu perfume, esse maldito aroma que
brinca com meus pensamentos e minha capacidade de tomar
decisões. Caminho em direção à porta, precisando sair desse
quarto, precisando me afastar dessa estranha mulher que mexe
com meus instintos, desencadeando todos, desde a posse até a
proteção. Eu estava errado, Tina não é uma bomba, ela faz eu me
transformar em uma.
— Buenas noches, senhorita! — falo de forma ácida,
esticando minha mão para abrir a porta do quarto.
— Eu não tenho nenhuma doença, señor! — O som baixo da
sua voz me faz parar com meus dedos em volta da maçaneta,
encarando a porta. — Também sinto nojo de mim, não sinto orgulho,
mas eu não sou um bicho peçonhento que o senhor precisa repelir
toda vez que me beija...
— Eu sei que não é, Tina. — Meus olhos ficam presos na
porta e solto um longo suspiro, negando com a cabeça. — É só que
não devia ter lhe beijado, nem agora nem antes.
— Entendo, señor...
Me viro quando o som baixo da sua voz sai melancólico,
vendo-a parada, com sua cabeça baixa olhando o chão, com seus
dedos esmagados ao lado do corpo e seus pés descalços inquietos,
batendo a pontinha deles no carpete. Um passo, apenas preciso de
um passo para a pegar em meus braços e marcar cada canto do
corpo dessa mulher, acalmando essa tempestade que ela criou
dentro de mim.
— Não precisa me explicar nada, eu entendo. — Sua cabeça
se ergue e ela me dá um sorriso triste.
— Isso foi um erro, Tina, não quero que pense que lhe vejo
dessa forma. — Me calo e inalo o ar com mais urgência, tentando
encontrar as palavras para lhe explicar a confusão que ela me
causa. — Não quero que pense que me deve algo, que eu lhe vejo
como...
Seus olhos grandes negros e brilhantes ficam mais perdidos,
me olhando com sua face delicada, tão bela que me desarma. Não
quero que ela pense que vejo apenas um pedaço de carne, que sou
apenas mais um merda que olha apenas um corpo, e não a criatura
meiga que está por trás daqueles olhos negros melancólicos.
— Sou um homem com o dobro da sua idade, Tina, e sei o
que é estar sozinho e ter que fazer coisas que não nos orgulhamos.
Como também sei que é fácil confundir as coisas e achar que me
deve algo. — Minha feição fica séria, a encarando. — Da mesma
forma que sei que foi um erro ter cedido à minha vontade de lhe
beijar, antes e agora. Não quero que pense que sou apenas mais
um que lhe vê como um pedaço de carne, señorita.
Seus grandes olhos piscam e ela me encara, abrindo sua
boca, mas a fecha logo em seguida, trocando o peso de perna e as
mexendo lentamente. Me sinto um idiota que admite ser um velho
tarado que não consegue controlar a porra do pau dentro da calça.
— Mierda! — Fecho meus olhos e nego com a cabeça, me
sentindo patético.
— Como o señor Sebastian me vê? — A voz baixinha
pergunta de forma tímida, o que me faz abrir meus olhos e lhe
encontrar com sua face tombada para o lado, me estudando.
Nesse momento, a vejo como a personificação dos meus
pecados, dos meus desejos, os quais nem eu mesmo sabia que
tinha até ter seu caminho cruzado com o meu. Mas vejo além, não
só o que meu corpo deseja, mas sim o que sua alma implora e a
minha anseia por lhe dar. Quero lhe proteger, lhe abrigar, cuidar
dela. Vejo sua doçura em seu olhar, uma menina solitária que ainda
tem a vida toda pela frente, que nesse momento busca refúgio para
curar suas feridas, mas que um dia precisará partir, quando notar
que não precisa de ninguém além dela mesma, e sei que não ficará
presa em uma vinícola no fim do mundo com um homem velho,
cuidando dos filhos dele. Eu aprendi a lição com Sheila, para saber
que não quero viver isso novamente, e muito menos deixar os meus
filhos passarem por isso.
— Vejo uma jovem que ainda tem muito para viver, Tina —
falo, baixo, sentindo meu corpo tenso, com meu maxilar travando ao
olhar para ela. — Que deve voltar à escola, terminar seus estudos e
descobrir o quão longe você consegue ir. Que por mais que seja
uma excelente babá, tem potencial para ser muito mais, porque é
esperta, inteligente e terrivelmente teimosa.
Um sorriso meigo repleto de timidez se abre em seus lábios,
com ela abaixando seus olhos e empurrando uma mecha de cabelo
para trás das orelhas.
— Você é estranho, pé-grande. — Ela abre ainda mais seu
sorriso, erguendo seus olhos e os deixando presos nos meus.
— Não, Tina, eu sou apenas um homem que já viveu o
bastante para enxergar as coisas como elas são. Esses dois beijos
não podiam ter acontecido. — Me viro e estico meu braço
novamente, para abrir a porta. — Boa noite, moranguinho.
— Sua conta está errada. — A voz dela soa ansiosa atrás de
mim, e me viro, a olhando sem entender. — Foram três, señor.
— Três? — a indago, não compreendendo do que ela está
falando.
— Foram três beijos. — Tina caminha lenta de forma tímida
em minha direção, abrindo e fechando seus dedos, me mostrando
seu nervosismo. — Me beijou três vezes.
Ela para quando está a um passo de mim e abaixa sua
cabeça, esfregando a pontinha do pé no tapete.
— A primeira vez que me beijou, foi na noite que cheguei
aqui. O senhor estava agitado por causa da febre quando me
aproximei da cama, e me puxou para ela, e acabei ficando presa
embaixo do senhor. — Ela dá um riso baixo, negando com a
cabeça. — Me chamou de...
— Fada. — A palavra escapa da minha boca quando solto a
maçaneta, ficando completamente de frente para ela.
Sua face se ergue e me olha com brandura, balançando sua
cabeça em positivo. Eu me recordo desse sonho. Me lembro porque
ele ficou por dias se repetindo em minha mente, mas não era sonho,
a pequena criatura que me enfeitiçou em sonho era Tina.
— Lhe devo muita coisa, señor. Me permitiu ficar mesmo
quando causei uma confusão com aquela mulher que entrou no
quarto, menti sobre minha idade, assim como sobre meu passado, e
mesmo assim cuidou de mim e me deixou ficar, e sou grata ao
senhor por isso. — Ela morde o cantinho da boca, me deixando ler
seu olhar de menina. — Mas quando me beija, posso lhe garantir
que não é gratidão que eu sinto, e muito menos dever.
Suas mãos se erguem lentamente, assim como ela, que fica
na pontinha do seu pé, segurando o meu ombro, me enfeitiçando
com seu olhar sedutor.
— Tina... — murmuro seu nome, sentindo a calidez da sua
respiração. Meus olhos se fecham e inalo seu perfume que nubla
meus pensamentos. — Não faça isso, não enquanto ainda estou
tentando segurar o meu controle...
— O solte.
Abro meus olhos e a vejo com sua cabeça esticada, me
oferecendo seus lábios. Tenho o dobro do seu tamanho, poderia me
desvencilhar dela facilmente, retirando suas mãos dos meus ombros
e lhe afastando, mas me vejo parado diante dela, sem conseguir
fazer isso, como se a força que ela exercesse sobre mim fosse
muito maior que a minha.
— Señorita... — Minha voz sai rouca, pesada igual minha
respiração, que está mais forte, e inalo seu cheiro como se fosse um
cão lhe farejando. — Não tem ideia do que está me pedindo... —
rosno, baixo, tentando controlar a vontade que meus dedos têm em
segurar sua cintura, a trazendo para mim e esmagando seu peito ao
meu, lhe tomando por partes.
— Talvez não — ela diz baixinho e sobe com seus dedos do
meu ombro para meu pescoço, e eu não afasto, pelo contrário, sinto
minha cabeça cedendo aos movimentos dos seus dedos, se
inclinando para ela. — Mesmo assim eu quero, señor!
Suas mãos espalmadas em minha pele viram um aperto
forte, com seus dedos como se segurassem para não cair, quando
meu corpo toma a decisão, desligando minha mente e tomando
seus lábios. A prendo forte pela cintura e a seguro com carinho.
Sinto seu peito acelerado, batendo apressado junto ao meu, tão
menina presa naquele corpo de mulher. Seus dedos não estão mais
tímidos quando descem por minha camisa, puxando-a para fora da
calça, soltando os botões um a um. Minha mão angustiada empurra
sua camisa grande para cima, me deixando sentir a quentura viva
da pele e a maciez da sua bunda quando meus dedos a esmagam.
Ela queima meu peito, pele a pele, quando suas mãos tocam sobre
eles e afastam a camisa para o lado.
Meu corpo se acende como uma fogueira incontrolável,
quente demais para se importar com qualquer coisa que não seja
ela em meus braços. Tina se afasta de mim, me deixando perdido
por não ter mais seu corpo junto ao meu. Ela dá um passo para trás
e olha para meu rosto, segurando meu fôlego em seus olhos negros
sedutores. Seu peito bate rápido, chamando minha atenção para
seus seios, que sobem e descem no mesmo compasso que sua
respiração. Ela desliza seus dedos pela lateral do seu corpo, até ter
seus dedos presos na barra da camisa, a puxando para cima e me
torturando a cada centímetro que vai ficando despida. As mamas de
pele negra saltam para fora, tão roliças e redondas, deixando a
visão mais bela do par de seios com aréolas marrons com bicos
eretos tão arrepiados que causam aflição em minha boca, que fica
sedenta, imaginando os sugando dentro dela.
Ela puxa a camisa de vez, passando por sua cabeça e a
soltando no chão quando abaixa seus braços, me dando a visão
perfeita do seu corpo feminino. Meus olhos gravam cada pedaço
seu, desde os movimentos da barriga se mexendo rápido, por conta
da respiração acelerada, até os bicos rígidos dos seus peitos, a
calcinha rosa, delicada e pequena, e suas coxas volumosas. Deus,
eu poderia morrer apenas por imaginar como é ter essas coxas
presas ao redor do meu corpo enquanto ela se entrega a mim! Meus
pés se movem para trás. Levanto minha mão, até parar na camisa,
arrancando-a do meu corpo. O tecido branco é descartado no chão
e meu braço se estica, chaveando a porta, não desviando meus
olhos dela, que me mostra um olhar tímido, com seus dedos
esmagados ao lado do corpo e com sua respiração acelerada.
— É isso que quer, Tina? — falo, com a voz embargada em
desejo, sabendo que meu timbre ressoa como um trovão. Sem
desviar meus olhos dos seus seios, que sobem rápidos entre sua
respiração. — Preciso saber que não vai se arrepender depois,
señorita.
Ela sorri de ladinho e balança sua cabeça em positivo, me
dando um olhar de desejo, ao mesmo tempo que envergonhado,
mordendo a lateral da sua boca carnuda. Se ela não tivesse me
contado a verdade sobre seu passado, eu poderia muito bem
pensar que estou diante de uma mulher inexperiente, que está pela
primeira vez junto de um homem. E algo dentro de mim se sente
agitado, nervoso, ao pensar nos outros que lhe viam, que
encontravam essa pequena bruxa com essa magia de menina
perdida em um píer à noite. Me desencadeia um ciúme de posse por
apenas imaginá-los a olhando como eu a vejo agora: bela e livre.
Ela endireita sua postura e dá um passo para trás, até estar
perto da cama, se sentando lentamente. Sua mão vai para trás e
espalma no colchão, com sua bunda se arrastando até ela estar ao
meio. Ela leva suas pernas para trás e fica de joelhos, aterrissando
sua bunda sobre os seus calcanhares e tendo um olhar quente
brilhando em suas íris negras, me deixando ver a mulher agora
tomando posse sobre a menina, uma mulher que fazia um homem
cair facilmente diante do seu feitiço. Uma criatura sedutora e
feiticeira, forjada em um corpo de mulher, mas com uma alma de
menina. Meus olhos ficam presos em seus lábios, lábios traiçoeiros
que me matam, me tirando tudo, até não sobrar mais nada além do
desejo por ela. Puxo a bota, forçando a outra a sair com meu pé,
arrancando as meias.
Seus olhos, mesmo que envergonhados, com sua forma
tímida sentada na cama, não desviam um segundo sequer de mim,
acompanhando meus movimentos, atenta aos meus dedos
desafivelando o cinto, o puxando para fora. Ela mexe em seus
cabelos, os empurrando para trás da orelha. Eu tinha estado com
quantas mulheres eu poderia me lembrar, mas aqui, diante de Tina,
eu sou apenas aquele jovem agoniado e ansioso, querendo ser tudo
que ela precise, apenas para nunca mais sair de perto de mim. Seu
rosto se vira, envergonhado, com um pequeno sorriso na lateral dos
lábios. Isso é como um soco disparado em meu peito, me fazendo
inalar o ar com mais força, sabendo que é meu cada gesto tímido
seu, arfada de ar e arrepio que faz em sua pele.
Atravesso o curto espaço entre nós dois, terminando de
desabotoar a calça e abaixando o zíper. Ela volta seus olhos para
mim e se surpreende quando a puxo em meus braços, a segurando
por suas coxas grossas e a tirando de cima da cama. Colo seu peito
ao meu, e um rosnado baixo sai da minha boca, ao sentir o bico
ereto raspar entre meus pelos. Esmago com luxúria suas coxas em
minha mão, os braços finos que circulam meu pescoço vão se
soltando, até parar as mãos na lateral do meu ombro. Sua boca
carinhosa me chama para ela com seu movimento vagaroso,
abaixando sua cabeça brandamente, até seus lábios me puxarem
para um beijo. Meus dedos se comprimem mais à carne macia e
estufo meu peito entre as arfadas, me enlouquecendo com seu
sabor doce e seu aroma de morango.
— Dios, mujer! — Afasto meus lábios dos seus e afundo meu
nariz em seu pescoço, inalando seu cheiro com força, perdendo
meus dedos em seus cabelos. — Me deixa confuso, señorita.
Rosno e retorno meu rosto para o seu, não sabendo como
lidar com essa menina em um corpo de mulher, que ao mesmo
tempo que é tímida, é devassa e carnal, como uma mulher sedutora.
Meu joelho afunda no colchão quando me apoio, a levando comigo
em meus braços. Apenas a solto quando tenho certeza de que seu
corpo está no meio do colchão. Trilho um caminho preguiçoso na
lateral do seu corpo, até meus dedos rasparem em seus seios.
Desce outra vez, ouvindo seus gemidos baixinhos entre nosso beijo.
Enlaço a lateral da sua calcinha com as pontas dos meus dedos e
arrasto para baixo. Ganho um vislumbre do seu olhar quente,
repleto de desejo e doçura, quando me afasto dela para retirar
aquele tecido pecaminoso, que está me impedindo de tê-la toda
para mim. Ergo meu olhar para seu rosto e a vejo com suas
pálpebras fechadas. A cada lufada de ar que solto em sua pele, sua
boca se abre por um momento, antes de morder a lateral, quando
desnudo sua boceta.
— Señor... — Sorri, com a voz dela trêmula, assim que meu
polegar desliza lento sobre sua boceta lisinha, sentindo o pequeno
nervo duro. Escorrego meu dedo entre os lábios inchados.
E isso me deixa com mais tesão ainda, mais do que ela
poderia imaginar, ao tê-la tão molhada e pronta para mim. Eu nunca
senti tanta fome, e é com pura fome que abaixo minha face,
permitindo minha língua pincelar pouco a pouco sobre sua boceta
quente, ouvindo os gemidos que escapam da boca de Tina, a
provando como um raro e suculento morango silvestre, doce e
apetitoso que me incendeia a alma, tomando meu corpo com seu
sabor a cada sugada entre as lambidas. Minha mão alisa suas
pernas e sobe de mansinho por seu corpo, apalpando sem pressa.
Os dedos trêmulos e agitados se prendem em meus cabelos, e ela
geme baixinho.
— Oh, Deus... — Tina força seu quadril no colchão, o
afundando, assim que minha língua desliza em círculos em cima do
seu clitóris, escorregando lento e mordiscando o nervo na ponta.
Seu peito arfa e estufa para frente suas mamas, inalando o ar
mais depressa. Minhas mãos as têm em meus dedos, massageando
e depositando um pouco de pressão em cada uma, no mesmo
instante que minha boca suga sua boceta, arrebatando novos sons
baixinhos dos lábios dela. Tina é doce, não só em corpo e sabor, ela
é em alma, e a cada segundo que seu corpo vai se entregando com
surpresa a cada pico de prazer que eu lhe dou, meu peito estufa
com orgulho, me sentindo o filho da puta mais sortudo por tê-la tão
quente em meus braços, se perdendo junto comigo. Meus dedos
comprimem o bico do seu seio e os sinto inchados e eretos. Solto
um deles e trago minha mão entre suas pernas, deixando um dedo
escorregar entre sua boceta molhada. Meu pau me condena,
pulsando latente dentro da calça, odiando deixar meu dedo a sentir
antes dele.
Tina retrai o corpo, com seus dedos se prendendo mais firme
em meus cabelos a cada movimento de entra e sai que faço dentro
do seu corpo, tão quente e úmida. Minha língua aumenta os círculos
sobre o clitóris, raspando apenas a ponta sobre ele, e introduzo
mais um dedo dentro dela, aumentando as estocadas com os dois
dentro da sua boceta aquecida. Abaixo minha boca por completo e
sugo seu clitóris, chicoteando o nervo pulsante.
— Sebastian... — ela fala meu nome entre gemidos
angustiados, virando seu rosto e mordendo a fronha do travesseiro,
abafando seus sons quando seu orgasmo vem forte.
Sinto as paredes macias se fecharem, atrapalhando a
entrada dos meus dedos dentro da sua boceta. As gotas melosas
que fluem dela escorrem em minha mão quando ela goza. Me afasto
apenas um pouco para ver a beleza do seu rosto, a respiração
acelerada do seu peito, com os sons de luxúria que ela solta
baixinho. Movo minha cabeça de volta para o meio das suas pernas
e retiro meus dedos de lá, permitindo minha boca se lambuzar com
seu sabor, sugando cada gota dos fluidos que ela me entrega. Tina
se arrepia com as pontas da minha barba raspando sobre sua
boceta sensível, esquentando minhas orelhas com suas coxas
fartas quando as aperta na lateral da minha cabeça. Sorrio ao ouvir
os gemidos baixos dela, suaves entre risos arteiros. Viro meu rosto
e mordico sua coxa carnuda, tirando dela novos tremores. Meu
corpo se empurra lento, me afastando do meio das suas pernas,
passando a calcinha por suas pernas e a retirando de vez, até ela
estar livre. Fico ereto, me deixando de pé e saindo de cima da
cama, tendo meu olhar fixo na pequena mulher esparramada sobre
a cama, com seu corpo nu, me dando a visão mais perfeita dela.
— Agora é aquele momento que se mudou de ideia, ainda
tem tempo. — Ela abre seus olhos, me enxergando de pé à sua
frente, ainda perdida no seu prazer. Os cotovelos alavancam seu
dorso para cima e para seu olhar no meu.
— Não mudei... — A voz sai baixinha, envergonhada, e ela
mantém seus olhos em mim. — E nem vou.
— Mas ainda pode — afirmo novamente isso, para que ela
tenha certeza se quer seguir em frente. Pego minha carteira do
bolso de trás da calça.
Meu peito queima e respiro pesado, com desconforto, quando
empurro minha calça para o chão, a tirando das minhas pernas. O
grande volume dentro da cueca a faz morder a lateral da sua boca,
olhando atenta para meu pau. Tinha um motivo para evitar mulheres
pequenas, normalmente elas se assustam quando me veem pelado,
me dando um olhar de medo. Abro a carteira e pego o preservativo
dentro dela, a jogando sobre a calça.
— Eu já o vi pelado... — Não é medo, nem curiosidade que
reflete em seu olhar quando ela se cala, vendo minha cueca descer
por minhas pernas.
Fico em silêncio, esperando por sua reação, e de todas que
Tina poderia ter, ela escolheu a única que me tira o eixo. Suas
pernas se afastam, se flexionando, escorregando seus cotovelos e
depositando suas costas no colchão de novo.
— Com toda certeza, o pé-grande é grande. — Ela fecha
seus olhos e deixa um sorriso provocador em sua face, a tombando
para o lado entre sua cabeleira negra e cochichando baixinho.
— Puedes estar seguro[30], moranguinho! — rosno, baixo,
mantendo meus olhos em sua boceta brilhosa, dando um sorriso
quando ouço sua risada.
Retorno para ela, juntando meu corpo ao seu assim que
cubro meu pau com o preservativo. Sinto seus seios se esmagarem
em meu peito e arfo com sua respiração sendo puxada para seus
pulmões. Arrasto minha barba por seu pescoço, apenas para
presenciar os arrepios que levantam em sua pele. Suas unhas se
prendem em meus ombros e seguro com força, escapando os
gemidos suaves por seus lábios. Deixo minha mão espalmar em sua
coxa e a puxo para mim, endireitando-a em minha cintura, se
acomodando entre suas pernas.
— Olha pra mim, Tina — a chamo com a voz rouca, parando
minha face sobre a sua.
Os olhos negros estrelados se abrem e vira seu rosto para
mim, assim que a cabeça do meu pau se encaixa entre os lábios
melados da sua boceta, que o dá boas-vindas, de tão escorregadios
e quentes que estão. Descolo meu tórax para cima e arrumo meu
braço sobre sua cabeça, com minha mão achatada no colchão.
Desvio meus olhos dos seus apenas por um segundo, assistindo o
deslizar do meu pau de mansinho, a cada movimento que meu
quadril faz, a forçando para me receber pouco a pouco. Paro minha
investida assim que ela solta um som baixo, me fazendo olhar para
ela com receio. Seus lábios inferiores estão presos com seus
dentes, e os olhos dilatados.
Eu estou sofrendo a maior agonia da minha vida, entre estar
parado na porta do céu, sem ter certeza se vou ou fico, com meu
coração acelerado, batendo em rompante, junto à respiração
agitada. Tina é a primeira mulher com menos de 1,70m de altura
que eu levo para a cama, e não quero lhe causar dor, não quando
tudo que desejo é lhe encher de prazer. As pernas dela se prendem
em minha cintura como uma cobra esguia, com seus braços finos
me puxando pelo pescoço. Sua cabeça se ergue de surpresa e
rouba meus lábios para ela, em um beijo urgente. Meu peito
estoura, com meu coração batendo forte no exato momento que
Tina alavanca seu quadril, se empurrando para se chocar com meu
quadril.
Meu pau escorrega e se afunda de uma vez só dentro da sua
boceta, e isso me empurra para a loucura. Cada canto do seu corpo
quente e macio me engole com necessidade, nos cortando entre a
agonia e o prazer. Os gemidos baixos de choramingo saem dos
lábios dela, e me beija com tanta necessidade. Me afasto dos seus
lábios e colo minha testa à sua, tentando não me perder de vez,
sentindo seu corpo tão apertado me acomodando dentro dela.
— Dios, mujer! — sussurro, beijando sua bochecha, com a
voz entrecortada, esmagando meu maxilar. — Podia ter te
machucado, compreende...
— Eu achei que ia sair da cama. — Sua voz agitada sussurra
próximo ao meu ouvido, com ela me abraçando mais forte.
Me afasto, me perdendo em seus olhos medrosos e cheios
de prazer. Sorrio com carinho para essa pecadora feiticeira, que me
condenou no segundo que escolheu minha casa para se abrigar.
— Eu me cortaria parte a parte, antes de desistir de sentir
meu pau se afundando dentro desse seu corpo quente, señorita! —
falo rouco, raspando meus dentes em seu ombro, ouvindo seus
gemidos.
Tina arfa e esmaga mais suas pernas ao meu redor, e me
perco admirando cada reação sua a cada nova investida lenta que
faço dentro dela, saindo lento e voltando a me empurrar com
preguiça.
— Deus... — Sua cabeça se afunda no travesseiro e deixa
seu pescoço livre para meus beijos, prendendo meus ombros em
seu abraço.
— Meu doce moranguinho — sussurro e mordisco a pele
suada, sentindo o gosto bom que ela tem, inalando seu cheiro que
me embriaga. Volto a entrar mais fundo, arrancando novos gemidos
dela.
A penetro com força, tentando me segurar para não perder
de vez a cabeça com a forma que seu corpo me recebe, tão perdida
quanto eu fico por tê-la junto a mim, me fazendo imaginar que cada
canto seu foi feito especialmente para mim. E isso me engole tão
profundamente, da mesma forma que sua boceta suga meu pau, o
deixando escorregadio em seu corpo devasso e fervente. Meu
coração dispara em batidas fortes e me perco nos olhos negros que
me tem presos em seu encanto. Minha mão em sua coxa se infiltra
por baixo do seu corpo, parando em sua bunda, a trazendo para
mim, enquanto a outra mão já alavanca para cima, deixando meu
corpo a sustentar, assim que fico de joelhos, a tendo acoplada a
mim. Seu rosto se abriga em meu ombro e crava seus dentes no
meu pescoço, abafando o grito que desejava ser liberto da sua
garganta, me tomando densamente dentro das paredes molhadas
da sua boceta. Aperto forte meus braços em suas costas, a
libertando para deixar os movimentos dos seus quadris livres.
— Un infierno de un cuerpo caliente[31], doce moranguinho! —
Meus dentes se travam e fecho meus olhos, sentindo a forma como
ela remexe seu corpo, me tomando cada vez mais.
Tinha a deixado assim para não me forçar sobre ela, mas
Tina me conduz a mais pura tortura, enquanto vai experimentando o
meu pau dentro dela, e apenas precisa de duas reboladas do seu
quadril, para ela me montar com força, soltando baques a cada
estocada. Meu pau pulsa, sentindo os deliciosos cantos da sua
boceta macia o tomando para ela. E em toda minha vida, nunca
tinha tido uma entrega tão livre e selvagem como a de Tina, sem
medo, sem barreiras, apenas o mais puro fogo que nos consome
dentro desse quarto.
— Mujer... — rosno e a enlaço mais forte pela cintura,
tentando segurar seus movimentos desenfreados que estão fodendo
muito mais com minha mente do que com o meu pau.
Mas ela apenas se segura mais firme entre seus braços e
suas coxas, me cavalgando, tirando o resto de controle que possuo.
Empurro seu corpo para o colchão outra vez em um baque urgente,
feito um animal que precisa marcar sua presa, esmagando minha
mão em suas coxas, fazendo seus lábios voltarem para os meus, a
beijando com fome a cada estocada que meu pau a desfere.
— Oh, Deus... Sim... Oh, meu Deus, señor! — Tina solta
meus lábios, apertando suas mãos em meus braços e mordendo
meu ombro para abafar seus gemidos a cada bateria de penetração
que meu quadril acerta contra o dela.
Seus olhos se fecham e morde seus lábios, com sua boceta
me esmagando feito punho dentro dela quando sua cabeça se joga
para trás. Abocanho um dos seus seios, que balança livre, sugando
sua mama em desespero, sentindo a pressão que sua boceta faz
em volta do meu pau, o que apenas aumenta a brutalidade das
minhas investidas. Ela explode alto e vira seu rosto, mordendo com
toda força o travesseiro para não gritar quando seu orgasmo chega,
tão abrasador como o primeiro. E não tem como raciocinar, não
quando eu mesmo já a penetro mais fundo, a tendo me sugando
com suas paredes internas com força, e meu pau explode, soltando
minha porra e libertando meu próprio gozo, sentindo cada músculo
do meu corpo se enrijecendo com a corrente elétrica que rasga de
dentro para fora. Solto seu seio e busco seus lábios, a beijando com
mais brutalidade para abafar meus próprios gemidos, sem raciocínio
algum.
Meu coração está mais agitado que o de um colegial diante
da primeira boceta que fode, me fazendo ficar como um menino
perdido, experimentando cada sensação do prazer em seus braços.
Eu já tinha me metido em muitas pernas, e meu pau experimentou
todos os modelos e tipos de bocetas, com cores e tamanho
diferentes, mas nenhuma chutou meu raciocínio para fora da minha
mente como a pequena mulher abaixo de mim fez agora. Meu corpo
desaba sobre o seu e enterro meu rosto entre seus cabelos,
farejando o aroma de morango. Esfrego meu nariz em seu pescoço
e beijo a veia saltada em sua garganta, a fazendo ronronar baixinho,
com preguiça, me abraçando com carinho. Fico largado sobre ela,
tentando retornar um resquício que seja da lucidez da minha mente,
para compreender o que foi que acabou de me acertar.
CAPÍTULO 14
O PRIMEIRO

TINA ZARA

Meus olhos ficam presos na parede do quarto, com meu


corpo deitado de lado, embaixo das cobertas, sentindo meus olhos
arderem, com as lágrimas ameaçando descer, sem saber o porquê,
afinal, quantas vezes já tinha me deitado em uma cama com um
homem?! Mas dentro de mim não é Z que está confusa e sem saber
como reagir ou o que falar, é Tina. A jovem Tina, que pela primeira
vez tinha se deitado com um homem não por dinheiro, não como um
pedaço de carne, mas sim porque ela o escolheu. Ela finalmente
teve sua primeira relação sexual, sendo tocada por um homem que
não pagava por ela, mas porque a queria também, e isso me deixa
ainda mais confusa.
Como Z, esse seria o momento que eu me levantaria, me
arrumaria enquanto ele está no banheiro tomando banho,
aguardaria ele sair e me pagar, para eu voltar para o píer e atender
outro cliente. Só que aqui, agora, não é Z, e o senhor Sánchez não
é como os homens que iam àquele píer. Tina não sabe o que dizer,
o que fazer, ninguém nunca contou a ela como seria se entregar a
alguém por vontade própria, por desejo, e muito menos que seria
como foi, me fazendo sentir meu coração disparado como nunca
esteve, como se pela primeira vez na vida encontrasse um lugar
seguro. Isso foi roubado dela, foi lhe tirada essa experiência, e
agora me vejo confusa.
Mordo minha boca e ergo minha mão rapidinho, limpando
minha bochecha e tirando a lágrima teimosa que escorre por minha
face, assim que escuto a porta do banheiro sendo aberta.
— Tinha me esquecido como o chuveiro desse quarto é
quente. Uma pena que não quis se juntar a mim. — Ouço sua voz
baixa falando comigo, enquanto ele anda pelo quarto. — Roaquim
acordou?
Nego com a cabeça, não querendo falar, com medo da minha
voz falhar por conta da vontade de chorar. Eu tinha fugido do quarto
vestindo minha camisa assim que ele saiu de cima de mim, dizendo
a ele que iria ver se Roaquim tinha acordado, pois não estava com a
babá eletrônica nesse quarto. Por mais que ele não tenha chorado
ao ponto de eu poder ouvir do quarto ao lado, talvez estivesse
acordado no berço. No fundo, eu sabia que estava fugindo, apenas
buscando um abrigo no quarto do pequeno, tentando entender o
que aconteceu. Fiquei quietinha dentro do quarto, observando
Roaquim adormecido, abraçando meu próprio corpo, tendo apenas
uma sensação estranha que nunca tive me pegando. Acho que
fiquei uma meia hora ou até mais lá dentro, esperando que o senhor
Sebastian retornasse para seu quarto, mas, quando voltei, ele ainda
estava lá. Eu ouvi o som do chuveiro ligado me avisando da sua
presença. Juro que por um segundo pensei seriamente em retornar
para o quartinho da lavanderia, mas acabei optando por fugir para a
cama, ficando deitada de lado, olhando para a parede.
— Vou buscar a babá eletrônica para deixar aqui. — Escuto o
barulho dele pegando suas roupas.
— Eu busco depois... — murmuro, tentando fazer minha voz
soar normal.
Mordo minha boca e repuxo meu nariz, querendo que essa
maldita vontade de chorar pare.
— Señorita...
— Devia voltar para seu quarto, señor. — Fecho meus olhos,
os comprimindo, esmagando meus dedos na coberta. — Assim não
corre o risco de um dos meninos o ver saindo daqui. Isso os deixaria
confusos.
O som pesado da sua respiração se faz, seguido de um
grande silêncio, o qual me faz ter medo até de respirar.
— Tina, vire-se e olhe para mim. — A voz masculina sai
rouca em comando, mas eu permaneço acovardada, sem coragem
de me mexer e nem abrir meus olhos.
Quero que ele saia, que não me peça para explicar e nem
dizer nada, porque não tem o que ser falado, muito menos
explicado.
— Se arrependeu, señorita? — Mordo minha boca com mais
força quando ouço sua voz, querendo arrancar essa bola de choro
de dentro da minha garganta e lhe dizer que não.
Carrego muitos arrependimentos em minha vida, mas me
entregar a ele não é um deles. Nunca me senti tão viva quanto no
momento que ele me tocou. Tudo que eu queria era apagar meu
passado da minha mente, para o fazer ser o primeiro homem a
quem eu me entreguei. Minha primeira vez não foi dentro do meu
quarto, com minha inocência sendo roubada por um monstro que
me machucou tanto ao ponto de eu não conseguir me levantar da
cama, como Papi fez comigo, minha primeira vez, na verdade, foi
com o senhor Sebastian, que me fez sentir tanto prazer como eu
nunca senti em toda minha vida.
— Señorita...
— Não me arrependi — digo rápido, negando com a cabeça.
O colchão se afunda e ele se move rápido, não me dando
tempo nem de me afastar quando seu braço se estica e segura meu
queixo, fazendo eu me virar para ele.
— Então diga isso olhando nos meus olhos... — Sua voz
rouca se cala e sinto a ponta do seu anelar tocar minha bochecha,
enquanto ele respira com força. — Dios, lhe machuquei...
— Oh, Deus, não! — Ergo meus dedos e tento o fazer afastar
sua mão do meu rosto, girando meu pescoço para o lado. — Por
favor, senhor.
— Por que está chorando, então? — O timbre da sua voz fica
mais rouco, com ele segurando mais firme meu queixo, o mantendo
preso, me obrigando a ficar com a face voltada para ele.
Meus olhos se abrem no segundo que a coberta é
empurrada, sendo tirada de cima do meu corpo. Seus olhos
acastanhados estão escuros, quase cinzas, com ele me olhando
sério. Estapeio sua outra mão quando ele a leva para o meio das
minhas pernas, querendo tocar o centro.
— Cristo, não estou machucada... Estou bem — falo com
angústia, negando com a cabeça e trancando minhas pernas.
— Se não está machucada, me deixe ver. — Ele afasta
minhas pernas, usando a dele para me bloquear de fechá-las. — Se
não tivesse lhe ferido, não estaria chorando...
— Eu não estou chorando por causa disso, ok?! — Minhas
mãos estapeiam seu peito e solto as palavras com dor, o olhando
com vontade de chorar novamente.
Eu tinha sido machucada muitas vezes, mas em nenhuma
delas alguém se importou. Sempre me cuidei sozinha, não sou
acostumada a ter alguém me perguntando se tinha me machucado,
com o olhar preocupado, como ele está agora, e isso só me deixa
ainda mais confusa. Não sei como agir com esse pé-grande.
— Por que está chorando, señorita? — Seu rosnado é baixo
quando ele segura mais firme meu queixo, não me deixando desviar
meus olhos dos seus. — Hablar[32], Tina!
Rio com tristeza e fecho meus olhos, soltando o ar com
desânimo por minha boca, sabendo que ele me verá como uma tola,
afinal, que piada escrota não é, uma puta que se deitou com tantos
a troco de dinheiro, e nunca se deitou com nenhum homem porque
ela quis.
— Eu já fui tocada por tantos homens, e ao mesmo tempo
por nenhum deles, señor. — As palavras saem da minha boca
enquanto me sinto miserável, lhe confidenciando a sujeira da minha
vida. — Porque não era Tina, mas sim Z.
Meus olhos se abrem e encontro os seus, os vendo sérios,
me olhando em silêncio.
— É patético, não é?! Eu sei disso... — Lhe dou um sorriso
triste e inalo o ar com força. — Mas o senhor foi o primeiro homem
que tocou em Tina, mas antes disso foi o único que a viu, não Z, e
sim Tina...
Fecho meus olhos e solto o ar por minha boca, me virando de
lado novamente, quando a mão dele se afasta do meu queixo, o
libertando. Me encolho e fico quietinha. O colchão balança quando
ele se levanta e ouço seus barulhos, mas não me viro, mantendo
meu corpo encolhido, deitado de lado na cama. Mordo minha boca e
engulo meu choro quando a luz do quarto é apagada, me negando a
derramar uma lágrima que seja novamente, enquanto o som da
porta se fechando depois da sua partida não seja ouvido. Mas o
barulho não se faz, apenas sua respiração pesada ressoa, enquanto
caminha pelo quarto e faz o colchão se afundar novamente. Meus
olhos se abrem quando a respiração quente acerta o topo da minha
cabeça. Seu peito se cola em minhas costas, com ele movendo seu
braço para debaixo da minha cabeça e o esticando, tendo o outro
enlaçando minha cintura e o puxando para perto dele.
— Precisa voltar para seu quarto... — murmuro com a voz
embargada de choro, não entendendo por que ele ficou.
— Partirei antes do sol nascer, señorita! — A voz masculina
sai rouca e fala em tom baixo perto do meu ouvido, me fazendo
fechar meus olhos quando seus dentes raspam na ponta da minha
orelha.
Uma lágrima rola por minha bochecha e ouço sua voz me
dizer que ficará comigo um pouco mais. Sua outra mão espalma em
meu corpo, alisando minha coxa e voltando para cima, parando na
lateral do meu quadril e se infiltrando por baixo da camisa,
alastrando seus dedos sobre minha barriga, até parar nos seios
cheios, os acariciando. Recebo um beijo quente em meu ombro
enquanto ele mantém a massagem em meu seio. Minha nuca se
arrepia, assim como todo meu corpo, tendo seus lábios subindo pela
curva do meu pescoço e o mordiscando entre os beijos, até parar
em minha orelha. Gemo baixinho, sentindo-me ainda mais confusa
com a forma que ele me toca com tanto carinho, sem pressa,
soltando um seio e indo para o outro.
Meu braço se estica e vai para trás, se misturando entre nós
dois, com meus dedos se fechando em volta do seu pau, o tocando
da mesma forma que ele me toca, sem pressa. Percebo ele
crescendo em minha mão, que sobe e desce lentamente sobre ele,
o sentindo pulsar em meus dedos a cada deslize, endurecendo.
Seus dentes se fecham em meu ombro e o mordem com força, mas
não para me fazer sentir dor, mas sim um pico de prazer que me faz
soltar gemidos baixinhos. Meu rosto se vira por cima do ombro, com
sua respiração quente acertando minha face, antes da sua boca se
aproximar da minha quando ele inclina a cabeça para frente e me
beija com desejo, libertando meus seios e escorregando sua mão
por minha barriga, até ela estar parada diante da minha pélvis.
— É uma feiticeira. — Sua voz rouca murmura, separando
seus lábios dos meus, os mordendo lentamente antes de os soltar.
— Pequena Tina.
Meu corpo arfa para frente, com minha respiração ficando
mais acelerada quando seus dedos se afundam dentro da minha
boceta, me fodendo lentamente. O beijo com mais desejo, sentindo
o gosto salgado das minhas lágrimas se misturando ao seu sabor,
com meu corpo respondendo a cada carícia sua.
— Fique assim! — Sua voz me ordena baixo, me fazendo
quase chorar novamente, mais dessa vez de angústia, quando seus
dedos saem de dentro de mim, com ele se levantando da cama.
Escuto os sons dos seus passos, antes de algo cair no chão.
Alguns minutos depois, ele retorna para a mesma posição que
estava, se colando ainda mais contra mim, usando sua mão para
segurar minha perna e a erguer um pouco. Levo meu braço entre
minhas pernas e ajudo seu pau com a camisinha a se encaixar na
entrada da minha boceta. Seu outro braço se estica por baixo da
minha cabeça e ele empurra seu pau para dentro de mim
lentamente. Meu rosto vira e mordo seu braço, sentindo cada canto
do meu corpo sendo preenchido por seu pênis, me tomando
lentamente, como se fosse a primeira vez que ele me toca. Mordo
mais forte seu braço e abafo meus gemidos, tendo o quadril dele se
chocando contra o meu rabo.
— Señor... — Ele move mais lento, se retirando e voltando a
entrar novamente, me invadindo de um jeito diferente, me fazendo
ficar ainda mais confusa e perdida nessas emoções que estão me
assaltando.
Meu corpo implora para que ele me liberte, e empino meu
rabo para trás, empurrando contra ele, gemendo com mais angústia,
sendo torturada com a forma que ele me fode. Sebastian segura
minha perna e move a dele, deixando minha coxa sobre a sua, se
enterrando tão fundo dentro de mim, que posso sentir suas bolas
coladas em meu traseiro. E é tudo tão intenso, tão carnal, que gemo
baixinho e me sinto ser esticada ao extremo. Minhas mãos se
esticam e agarro sua coxa, cravando minhas unhas nela, quando
seu braço passa por minha cintura, com seus dedos massageando
meu clitóris, acelerando as penetrações. Sua boca recai em meu
ombro e o beija enquanto morde, e meu cérebro explode, se
tornando migalhas quando uma corrente elétrica me corta de dentro
para fora, com o orgasmo intenso me atingindo.
Seus dentes cravam em meu ombro, marcando a pele da
mesma forma que eu marco sua coxa com minhas unhas. O sinto
tremer por inteiro, aumentando as penetrações e alcançando sua
libertação quando o gozo o pega. Meus olhos se fecham enquanto
meu coração bate rápido, com minha respiração acelerada igual a
dele, sentindo um beijo ser depositado em meu pescoço, com ele
esfregando seu nariz em meus cabelos e os cheirando.
CAPÍTULO 15
APENAS A TINA

TINA ZARA

Arrumo a gola do vestido e dou uma rápida olhada no


espelho do banheiro da casa da senhora Aurora, para ter certeza de
que o chupão no meu pescoço não está visível e eu tinha
conseguido fechar os botões novamente. Eu tinha optado por usar o
mesmo vestido que Damaris tinha me emprestado da outra vez. Ele
é grande, com suas mangas compridas bufantes e tecido quente,
mas pelo menos tapa meu corpo. Nunca pensei que ficaria feliz em
poder usá-lo.
Roaquim havia mordido minha bochecha enquanto eu
brincava com ele no meu colo, tendo Tulho ao meu lado fazendo
cosquinhas nele. As mãos gordinhas do Babão rosado puxaram o
colarinho para baixo, fazendo assim os botões se abrirem, ficando
com a pele da garganta exposta. Puxei meu cabelo para frente na
mesma hora, com intenção de cobrir a pele, antes que Tulho visse
meu pescoço. Sorri envergonhada e me virei para o outro lado,
fingindo estar admirando o grande jardim, onde avistava Miguel e
Martin brincando em um balanço de madeira, preso em uma
macieira, com o senhor Sebastian e seu primo os balançando
enquanto os meninos riam. Balancei Roaquim e disfarcei um riso
nervoso quando notei os olhos da tia do senhor Sebastian presos
em mim quando me virei novamente de frente para ela e Tulho. Se
ela viu a marca de chupão, preferiu não demonstrar uma reação,
pois logo em seguida se levantou e me pediu para deixá-la segurar
Roaquim. Perguntei se poderia usar o banheiro, e assim que ela me
disse onde ficava, me virei e saí em passos apressados, vindo me
esconder no banheiro.
— Que foi fazer, Tina? — sussurro perdida, soltando meus
ombros enquanto me olho, não sabendo no que fui me meter.
Não estou arrependida por ter me deitado com o senhor
Sebastian, mas eu não estava preparada para o que ele fez comigo,
para a confusão que ele causou em minha mente. Os homens não
ficam depois do sexo, muito menos querem transar outra vez, a
menos que tivessem pagado pela noite inteira. Mas não tinha nada
do que aconteceu dentro daquele quarto na noite passada, parecido
com o que Z viveu, eu nunca dormi com um homem, e não digo em
sexo, mas sim em dormir, em simplesmente fechar os meus olhos e
dormir, sentindo seu braço preso em minha cintura, o peso da sua
coxa descansando em cima da minha. Sei que tecnicamente eu
tinha dormido com o senhor Sebastian, mas aquela noite quando
cheguei aqui não conta, ainda mais eu estando esgotada e ele
apagado, completamente inconsciente. E dessa vez foi diferente,
porque ele estava consciente, assim como eu, dos nossos corpos
suados e colados.
Pude sentir seu coração batendo latente dentro do seu peito
colado em minhas costas, sua respiração quente em meus cabelos,
e me senti em paz, senti como se ali fosse seguro fechar meus
olhos e apenas adormecer. Não tinha perigo nem medo, apenas o
silêncio daquele quarto escuro. Pela manhã, quando acordei, vi o
lado que ele dormiu vazio, tendo apenas a marca no travesseiro
garantindo que ele ficou ali comigo. A babá eletrônica estava em
cima da cômoda, assim como minha mochila com minhas roupas
estava na cadeira do canto, perto da janela. Eu me levantei na
mesma hora, assim que me lembrei do Babão. Não sei se estava
com o sono muito pesado, mas se ele acordou durante a
madrugada eu não ouvi. No primeiro passo que dei em direção ao
banheiro, meu corpo reclamou, me deixando sentir meus músculos
e nervos doloridos e preguiçosos. Minha vagina sensível se retraiu a
cada raspar de coxa, causado pela esfomeação dela em relação ao
pau do pé-grande, que me fodeu a noite inteira. Um sorriso maroto
se abriu em meus lábios, enquanto caminhava mais devagar para o
banheiro, coçando minha nuca.
Me arrumei rápido depois que tomei uma ducha, saindo do
meu quarto e indo para o de Roaquim. Em um primeiro momento,
olhei confusa para o berço vazio, e em seguida observei a porta do
senhor Sebastian, imaginando que Roaquim deveria estar com ele.
Desci as escadas correndo em direção à cozinha, para preparar o
café da manhã dos meninos, pois logo eles acordariam, e eu nem
sequer tinha começado a fazer nada. Só que estaquei assim que
entrei na cozinha, parando no meio dela, assistindo à invasão de
testosterona. Eles tagarelavam sem parar, enquanto riam, sentados
na mesa, tomando o café da manhã ali na cozinha mesmo, ao invés
de ser na sala de estar. Meus olhos passaram por Tulho sentado ao
lado de Martin, sorrindo, enquanto Miguel os provocava, jogando
pequenas uvas na direção deles. O Babão rosado estava sentado
na cadeirinha e balbuciava, chupando um pedaço de pão. Por um
breve segundo, era como voltar à época que morava na casa de
Dolores, com risos, brincadeiras e o cheiro bom de café fresco, tudo
tão alegre. Olhei perdida para eles, e Roaquim bateu com suas
mãos gorduchas no apoio da cadeirinha, soltando um gritinho
quando me viu.
— Bom dia, Tina. — Martin é o segundo a erguer o rosto para
mim, me vendo parada na porta, os olhando perdida.
Tulho vira o rosto por cima do seu ombro quando o gira, e me
dá um largo sorriso de boca fechada, tendo as bochechas estufadas
enquanto mastiga.
— Papá está fazendo panquecas — ele fala de boca cheia,
me fazendo rir ao ver o bigode de leite em cima dos seus lábios. —
Precisa experimentar, são boas...
— Posso imaginar, bonitão! — digo, sorrindo para ele, o
vendo tão alegre e animado falando das panquecas.
— Tenho uma coisa pra te contar... — Miguel ergue sua
cabeça e joga uma uva em sua boca, enquanto fala apressado e
mastiga. — Vamos passear hoje, queria ser o primeiro a lhe dizer. Ia
te chamar, mas papá não me deixou te acordar...
Sigo a direção dos olhos de Miguel e me viro, sendo
esmagada por um par de olhos cor de avelã que me observa com
intensidade, me olhando por cima da borda da xícara de café que
tem em seus lábios. O senhor Sebastian está encostado na pia da
cozinha, com o outro braço cruzado, usando apenas a calça de
pijama.
— Bom dia, señorita! — Ele abaixa a xícara e mantém seus
olhos nos meus, me encarando de um jeito estranho. — Tem café
pronto — ele fala sério, soltando o ar lentamente pelas narinas
enquanto relaxa seus ombros, o que chama ainda mais atenção
para seu peitoral.
Engulo minha saliva no seco quando sou pega por seus olhos
encarando seus músculos, de uma forma que faz eu me sentir
envergonhada, com minhas bochechas ardendo e minha nuca se
arrepiando.
— Bom dia, senhor. — Sorrio de lado e desvio meus olhos
dos seus, caminhando para perto dele, para poder pegar uma xícara
no armário.
Não olho para ele quando fico na ponta do pé e estico meu
braço para pegar minha xícara assim que abro o armário. Cerro
minha boca, odiando mais do que nunca essa porcaria de armário
alto. Normalmente, quando estou sozinha na cozinha, ou eu dou
pulinho para alcançar alguma coisa, ou uso a cadeira. Se Tulho ou
Damaris estiverem pela cozinha, acabo pedindo ajuda para eles,
mas cortaria meus pulsos antes de passar por essa humilhação
perto do pé-grande.
— Se pedir ajuda fica mais fácil. — Giro meu rosto e olho
para o gigante ao meu lado, que olha do meu rosto para meus
dedos esticados, me dando um sorriso provocador.
— Não é necessário. — Uso o resto de dignidade que ainda
tem no meu nanico corpo e falo séria, lhe dando um olhar altivo,
como se realmente fosse conseguir pegar a xícara.
Me estico ao máximo, parecendo uma lagartixa, sustentando
meu peso nas pontinhas dos pés, retraindo meu rosto e mordendo
minha boca quando sinto meu corpo recuar com uma ponta de dor,
ao esticar os músculos que estão doloridos. Sinto uma carga de
energia passar por meu corpo, com ele arrepiando cada pelinho da
minha pele, assim que o braço masculino se estende sobre o meu,
sendo mais rápido e pegando a xícara. Ouço uma risada baixa e
grossa sair dos seus lábios quando ele a estende para mim, me
olhando debochado.
— De nada, señorita! — Eu posso aceitar o olhar debochado
e até o brilho de diversão em suas íris avelãs, mas o sorriso cínico e
provocador é cretino demais.
— Obrigada, pé-grande! — murmuro e puxo a xícara da sua
mão, me virando rapidamente.
Escuto um rosnado baixo sair da sua boca, e sua respiração
sendo puxada com força, seguida de uma bufada de ar sendo solta
em cima da minha cabeça.
— Então irão passear hoje, pequenos? — Sorrio para os
meninos, indo me esconder perto deles, ficando longe do pé-grande.
— Olá, Babão. — Inclino meu rosto perto de Roaquim e dou um
cheirinho em seu pescoço gordinho, ouvindo suas risadinhas. — Vai
passear também hoje, rosinha...
Ele grita, balbuciando, enquanto me olha dengoso e estica
seus braços para mim, para que eu o pegue no colo. Deixo a xícara
sobre a mesa e solto seu cinto, o erguendo em meus braços e o
beijocando nas bochechas gordas.
— Vamos todos, tia Aurora nos convidou ontem. — Me sento
e olho com carinho para Martin, que fala animado, cortando um
pedaço de panqueca para ele comer.
Roaquim estica sua mão gorducha e empurra seu pedaço de
pão babado para minha boca.
— Tenho certeza de que vão se divertir muito, Martin... — falo
para ele e empurro minha cabeça para trás, tentando desviar dos
dedos de Roaquim, que quer dividir seu lanche comigo. — Eu não
vou comer esse pão babado, gorducho. — Rio e nego com a
cabeça, olhando para o pão chupado.
— Na verdade, nós vamos, tia Autora chamou você também,
Tina. Papá disse que está de folga, por isso você vai como nossa
convidada.
Meu rosto se vira na mesma hora para Tulho, quando ele fala
animado, sorrindo para mim.
— Eu o que... — Minha boca se abre e nego com a cabeça,
olhando na direção do senhor Sebastian. — Senhor, eu acho que
não...
O pequeno monstrinho rosado em meu colo aproveita do meu
momento de desespero e soca o pão babado em minha boca, o
empurrando para dentro, me fazendo calar. O som alto da risada
dos meninos explode, enquanto Roaquim bate suas palminhas, me
olhando e rindo com sua boca banguela.
— Saímos em uma hora, estejam todos prontos! — Eu sou
obrigada a mastigar o pão de Roaquim, sem poder argumentar,
ouvindo a voz alta do senhor Sebastian, com ele saindo da cozinha
Eu nem tive tempo de conseguir argumentar e dizer que
achava melhor eu ficar em casa, ao invés de os acompanhar em um
almoço em família na casa da sua tia. O senhor Sebastian saiu rindo
da cozinha, enquanto eu encarava a bolota cor-de-rosa risonha em
meu colo, que batia suas palminhas, me vendo mastigar seu pão
babado. Depois, não consegui mais falar com o senhor Sebastian, já
que ele foi para o escritório e ficou lá dentro. Estava imaginando
todos os tipos de desculpas que poderia dar para recusar vir junto,
mas não tive como fugir quando Tulho veio me chamar no quarto de
Roaquim, dizendo que seu pai estava nos esperando no carro.
A única coisa que me restou foi vestir às pressas o vestido de
Damaris e calçar minhas sapatilhas. Vim a viagem toda calada,
preocupada, sentindo meus dedos suados, porque não sabia como
agir. Eu nunca tinha sido convidada para um almoço de família. Eu
não queria vir, porque sabia que em algum momento a senhora
Aurora me perguntaria sobre minha vida, minha família, e eu teria
que mentir. Teria que contar mentiras que acabavam puxando mais
mentiras. Só que ela não fez isso, o que eu agradeci internamente.
Ela manteve a conversa sempre voltada para os meninos, falando
sobre seu aniversário com animação. Só que mesmo não falando,
eu sabia que ela estava me avaliando, me estudando em silêncio,
tanto que tenho quase certeza de que ela viu a mancha em meu
pescoço. O som baixo de uma batida na porta, me faz afastar da
pia, olhando para lá.
— Um minuto, sim? — falo, baixinho, respirando fundo,
supondo que talvez seja um dos meninos.
Destranco a porta do banheiro e a abro com a cabeça
abaixada, puxando meus cabelos para frente, mas colido com um
grande paredão de músculos assim que dou o primeiro passo. Ergo
minha cabeça e dou ré, dando passos para trás quando o senhor
Sebastian entra no banheiro, fechando a porta atrás dele e a
chaveando.
— Aconteceu alguma coisa? — Olho perdida para ele, não
entendendo o que está fazendo aqui.
— Isso que eu vim saber. — Ele me olha sério e dá um passo
à frente, me deixando encurralada na pia quando se aproxima de
forma rápida. — Por que veio se esconder aqui?
— Eu estava apenas arrumando a gola do vestido que
desabotoou... — o respondo apressada, tentando dar um passinho
para o lado, mas seu braço se estica, bloqueando minha fuga.
Ergo meu rosto para ele e o vejo sério, com seu olhar
direcionado para a gola do vestido.
— Queria ter certeza de que está tapando a marca da minha
boca? — Ele retorna seus olhos para os meus, arqueando sua
sobrancelha.
— Bom, sim, só que acho que sua tia viu, señor. Não tenho
certeza, mas acredito que viu... — Mordo o canto da boca e desvio
meus olhos dos dele, trocando o peso de perna, enquanto me sinto
preocupada, sem saber o que a mulher está pensando.
— Tenho certeza de que sim, tia Aurora não é o tipo de
pessoa que deixa passar batido pequenos detalhes. — Meu rosto se
ergue quando sou pega de surpresa por sua mão, que se estica e
segura minha nuca.
— Senhor... — Olho assustada na direção da porta, quando
sua outra mão se move e desabotoa os primeiros botões do vestido,
deixando a pele do meu pescoço à mostra. — Sua tia...
— Ela está com Roaquim lá fora, assim como os meninos,
que estão brincando no jardim com Ralf. — Ele tomba a face para o
lado e empurra o tecido do vestido, e seu peito estufa, com ele
tendo seu olhar ficando mais escuro quando encontra a marca da
sua boca em minha pele. — Lhe incomoda que ela tenha visto o
chupão que deixei?
— Não, só que não quero o deixar desconfortável. — Fecho
meus olhos e respiro forte, sentindo a ponta do seu dedo tocar
minha pele.
— Por que acha que eu ficaria desconfortável, Tina?
— Fora os meninos, o único homem dentro daquela casa é o
senhor. Tenho certeza de que ela não pensa que foi Roaquim que
me chupou. — Abro meus olhos, o encarando. — Não quero lhe
colocar em uma situação constrangedora por ter se deitado com
uma prosti...
Minha voz se silencia, e fico muda quando sua cabeça se
inclina, cobrindo minha boca com a sua. Meus dedos trêmulos
seguram em sua camisa, tendo minha mente ficando nublada e
esquecendo a linha de raciocínio que me prendia. A mão em minha
nuca se solta e desliza por minhas costas, me puxando para perto
dele e colando meu peito ao seu, enquanto ele mantém a carícia em
meu pescoço com seus dedos, e eu me entrego, perdendo qualquer
pensamento, me amolecendo em seus braços e suspirando lenta
quando sua boca se afasta dos meus lábios. Meus olhos se abrem
de forma preguiçosa e encontro os seus presos em minha face. Seu
anelar desliza por meus lábios inchados, enquanto ele me olha
como se enxergasse minha alma por inteira.
— Não sou o tipo de homem que é colocado em uma
situação constrangedora, porque tudo o que eu faço é porque eu
quero, e não dou explicação sobre isso. — Sua voz sai rouca em
tom rígido, falando sério e me encarando.
Abaixo meus olhos dos seus e mordo o cantinho da minha
boca, olhando meus dedos presos em sua camisa. Suas mãos
param em minha cintura de uma forma ágil, me pegando de
surpresa quando me gira, deixando-me de frente para o espelho da
pia. Olho assustada para ele pelo reflexo do espelho, o vendo atrás
de mim, com seus olhos presos em meu rosto.
— Não se refira a você assim nunca mais, señorita. — Sua
boca semicerra e ele rosna baixo. — Principalmente diante de mim.
Fecho meus olhos e jogo minha cabeça para trás, apoiando
em seu peito, quando sua mão esmaga minha coxa em seus dedos.
Sobe o vestido para cima, chocando sua pélvis em meu traseiro,
enquanto sua outra mão abre os botões do vestido, o deixando
aberto até a altura do meu seio, empurrando a manga para o lado,
para meu ombro ficar desnudo. Sugo o ar com força e mordo minha
boca, abafando um gemido quando seus lábios se fecham sobre a
marca que ele deixou na noite passada, a chupando mais forte.
Seus dedos alisam em cima da minha calcinha, a empurrando para
baixo quando ergue a lateral sem cerimônia alguma, deixando
minha boceta livre para seus toques.
— Senhor... — Me seguro na pia do banheiro, tentando
buscar equilíbrio, tendo minhas pernas moles assim que seu dedo
indicador acaricia meu clitóris, esfregando lentamente por cima dele.
— Olhe para ela, señorita! — Sua voz rouca fala próxima ao
meu ouvido, com ele flexionando seus joelhos, me fazendo sentir o
volume duro dentro da sua calça, que raspa em minha bunda.
Minha cabeça cai para frente e gemo baixinho ao ter seu
dedo indicador se empurrando para dentro da minha vagina. Ele
rosna mais forte e retorna a chupar meu pescoço quando sente
minha boceta molhada, com as carícias que ele me faz.
— Olhe para ela, Tina. — Abro meus olhos e encaro o
espelho, vendo minha face com meus olhos dilatados, a boca
esmagada em meus dentes, enquanto meu peito arfa. — Olhe para
a mulher que foi minha escolha enterrar meu pau dentro dela, a
ponto de poder sentir agora a forma quente e inchada que está sua
boceta depois de ter passado a noite em meus braços...
— Ohhh... — Minha boca se abre e não consigo segurar o
gemido, olhando para seus olhos castanhos que brilham de forma
intensa, me encarando pelo espelho.
— Está a vendo, señorita?! — Ele empurra outro dedo dentro
do meu corpo, me fodendo de forma lenta. — Diga-me se a
enxerga, meu suculento moranguinho?
— Cristo, sim... — o respondo e fecho meus olhos,
empurrando minha cabeça para seu peito novamente, tendo meu
corpo inteiro em brasa, com meu coração disparado, morrendo de
prazer com a forma que ele me toca com seus dedos.
— Pois é apenas ela que eu vejo, Tina. — Meus olhos se
abrem e encontro os seus fixos nos meus, com sua cabeça
inclinada para frente, me observando. — Quero que a veja como eu
a vejo, e não vou permitir que se refira a ela novamente com um
nome vulgar, compreende, Tina?!
Meus dedos buscam apoio na lateral do seu corpo, com
meus joelhos cedendo e se flexionando, sentindo com o dobro de
intensidade seus dedos me penetrando. Minha vagina, ainda
sensível, tem todos os nervos dentro dela se retraindo entre prazer
e angústia.
— Compreendeu, Tina? — ele fala mais sério, não desviando
seus olhos dos meus, me fodendo mais forte.
— Cristo, sim... — Balanço minha cabeça em positivo e
respiro mais depressa.
Minha boca se abre e não consigo segurar um gemido
quando a outra mão dele se fecha por inteira em cima do meu seio,
o esmagando entre seus dedos. O som de dor e prazer que explode
do meu corpo, de dentro para fora, é abafado por seus lábios, que
me beijam com brutalidade, fazendo eu me sentir arrastada por uma
força da natureza, que está me consumindo por inteira, arrancando
meu fôlego com seu beijo bárbaro. Minhas pernas tremem, tendo os
músculos das coxas e das panturrilhas endurecendo, assim que ele
solta meu seio e para sua outra mão em cima da minha boceta,
massageando meu clitóris sem piedade alguma, causando uma
avalanche de prazer dentro de mim. E me desfaço, sendo engolida
pelo orgasmo assim que ele me atinge.
Ainda estou sob o efeito da nuvem de luxúria quando sua
boca liberta a minha, com seus dedos se retirando de dentro de mim
e colocando a calcinha de volta ao lugar. Meu corpo molenga é
movido sem impedimento algum da minha parte, quando ele me gira
novamente, me erguendo do chão e depositando meu rabo sobre a
pia. Respiro depressa e empurro meus cabelos para trás, o vendo
levar seus dedos à boca e os sugando um por um, com seus olhos
presos aos meus.
— Espero ter sido claro, señorita! — Ele abaixa seus olhos
para o meu pescoço e afasta os dedos da boca, para os prender em
minha nuca, a mantendo presa, arrumando a manga do vestido de
volta no lugar.
— Não vai... — Pisco, confusa, e olho o senhor Sebastian
sem o entender. É visível o volume do seu pau duro dentro da calça.
— Não! — ele responde sério e solta minha nuca, abotoando
a parte superior do vestido. — Sua boceta está inchada, Tina, e
sensível por dentro. Não sentirá prazer, apenas dor, se meu pau se
afundar dentro dela agora...
— Apenas um pouco, não está ruim assim, ficarei bem —
digo e lhe dou um sorriso, esticando minha mão para ele. Quero que
ele sinta prazer, como ele me deu. Não será a primeira vez que
sentirei dor ao ser tocada. — Não me importo...
— Mas eu sim! — Seus dedos se prendem em meu pulso, o
segurando, antes mesmo que meus dedos se aproximem do seu
cinto, me fazendo o olhar confusa.
Ele suaviza a pressão em meu pulso e o solta lentamente
quando abaixa o meu braço. Sua mão se estica e arruma o vestido,
tapando minhas pernas.
— Se lhe foder agora, não estará andando apenas devagar
como ficou a manhã inteira, mas sim dolorida o resto do dia — ele
fala em tom sério e ergue seus olhos para os meus.
Minhas bochechas se aquecem e me sinto envergonhada.
Não pensei que ele tivesse reparado na forma como eu estou
caminhando, e muito menos que soubesse o porquê. O senhor
Sánchez prende seus dedos em minha cintura, me fazendo sentir
como uma boneca quando ele me move de forma prática, me
tirando de cima da pia e se virando enquanto caminha para perto da
porta, de frente para mim, quando estica sua mão para a maçaneta.
— Agora vá, sairei em alguns minutos. — Ele abre a porta do
banheiro, praticamente me enxotando de dentro.
Eu fico ainda mais confusa, olhando para o corredor e para a
porta do banheiro fechada quando saio dele. Minha boca abre e
fecha logo em seguida, sem nem ter ideia do que dizer ou pensar.
— Definitivamente, você é estranho, pé-grande. — Solto um
suspiro e nego com a cabeça, caminhando pelo corredor e me
afastando da porta do banheiro.
CAPÍTULO 16
O SEGREDO

PAPI

— O que está acontecendo? — Papi vira seu rosto com raiva


e encara seu segurança. — Como uma pequena abelhinha pode
conseguir se esconder de vocês? Acham até a porra de uma cadela
no cio, e não encontram uma vadia desgraçada?!
O rosnado alto explode de Papi, que grita com raiva. Seu pé
se ergue e chuta o corpo que está no chão, ouvindo os gemidos de
dor do lixo ensanguentado que ele espancou.
— E AINDA POR CIMA SÃO TÃO INCOMPETENTES QUE
SÃO PASSADOS PARA TRÁS POR UM RATO DE ESGOTO COMO
O IRMÃO DELA! — Outro chute é desferido, e uma golfada de
sangue é jogada para fora da boca da barata nojenta no chão.
— Nós perdemos ele de vista, chefe, não sei como explicar.
— Paco abaixa a cabeça, olhando o revólver na mão do seu chefe.
— Ele simplesmente despistou os rapazes. Reviramos os lugares
que ele costuma frequentar, mas ninguém o viu. Todos estão em
alerta, chefe, assim que David aparecer, iremos saber.
— Acho bom estar certo disso, Paco. — O braço que segura
a pistola automática se ergue, e ele balança a boca do revólver na
frente da face de Paco. — Ou juro que o próximo corpo que vai
estar nesse chão será o seu.
O gesto de cabeça o mandando se retirar da sala é
obedecido imediatamente, com Paco virando e caminhando para a
saída. Papi respira fundo e passa seus dedos no cabelo, o
empurrando para trás enquanto inala com força.
— Bando de bostas incompetentes! — xinga, com raiva,
recaindo seu olhar para a criatura insignificante que geme de dor no
chão. — Viu, agora entende por que não posso relaxar um segundo!
Ele se agacha e tomba seu rosto para o lado, usando a boca
do revólver para empurrar a mecha de cabelo em cima do rosto
ensanguentado.
— Eu acredito quando me diz que realmente não sabe de
nada. — Ele sorri e fala com a voz branda.
— Juro, Papi. — Um soluço de choro escapa da boca
cortada, tendo as lágrimas escorrendo por suas bochechas. —
Jamais mentiria para você, eu realmente não sei. Z nunca contou
nada sobre a vida dela ou sobre essa mulher. Foi a primeira vez que
vi aquela velha indo atrás dela no píer... Por favor, acredita em mim,
eu contei tudo que sabia...
— Shhhh... — Ele estica seu dedo e alisa a bochecha da
prostituta conhecida por Angel no píer, observando suas lágrimas.
— Eu sei, eu sei que não mentiria para mim.
Ela confirma com um balançar de cabeça, enquanto se
arrasta, tentando se sentar. O olho esquerdo, com a pálpebra
inchada, nem se abre, por causa do soco que ela recebeu. Sua
boca ferida treme, assim como seus dedos, que estão machucados.
— Nunca, nunca mentiria... Sempre fui fiel a você, sempre.
— Sim, eu sei. — Ele se levanta e fica de pé à sua frente, a
olhando. Seu braço estica e ele afaga seus cabelos, encarando as
lágrimas brilhando em seu rosto.
Seus olhos se fecham e inala o ar com força, podendo ver à
sua frente sua pequena abelhinha, como ficava bela quando
chorava. Amava ver as lágrimas escorrerem por sua face, ficava
mais inocente, mais pura. As lágrimas a purificavam, transformavam
sua abelhinha em algo precioso para ele. Já tinha fodido muitas
bocetas, mas nenhuma delas lhe fazia se sentir tão doente e
fissurado quanto a pequena Tina. Apenas a mais simples
recordação de como ela ficava perfeita nua em cima daquela cama,
com suas bochechas molhadas, tendo cada canto do seu corpo
marcado com os dentes de Papi, que se cravavam com força,
rompendo a pele, o fazia ficar excitado.
Sua mão abaixa o zíper da calça e abre seus olhos,
encarando a vagabunda, deixando seu pênis para fora, enquanto
ergue o revólver que está apontado para a cabeça dela.
— Abra a boca, Angel! — A puta com o rosto ferido o olha
enquanto engatinha para frente lentamente, sentindo seu corpo
inteiro doendo pela surra que ele lhe deu.
Papi joga sua cabeça para trás e inala o ar com força quando
ela fecha sua boca em volta do pau dele, o sugando lentamente.
Mas não é ela que ele quer, por isso imagina sua abelhinha lhe
tocando, se recorda da primeira vez que ela fez isso. O medo nos
olhos dela, quando se ajoelhou à sua frente e o mordeu. Não de
propósito, acabou raspando os dentes sem querer sobre seu pau,
mas ele a educou, a ensinou que apenas ele podia usar os dentes
nela. O maxilar machucado, ferido pelo punho de Papi, que desferiu
um soco em sua boca, lhe garantiu que ela tomasse cuidado, para
não o morder nunca mais.
Ele ergue sua mão na cabeça de Angel e a prende pelos
cabelos, obrigando-a a engoli-lo por inteiro, não a permitindo se
afastar. Seu quadril se empurra com força para frente, ao ponto de
poder sentir a cabeça do seu pau colando no fundo da parede da
garganta dela. Ele se move mais depressa, tendo apenas a imagem
de sua abelhinha em sua mente, os seios suados, as lágrimas
rolando pela sua face, a forma como seu pau se afundava dentro da
sua boceta. Um sorriso se abre em sua boca, com seu corpo
tremendo, enquanto seu pau explode e fode mais bruto a cadela de
joelhos à sua frente.
— Oh, Deus... — Ela tosse, tendo a saliva misturada ao
sangue escorrendo por sua boca quando o pau dele se retira de
dentro dela.
Um grito de dor rasga pela boca de Angel, com Papi a
erguendo pelos cabelos e a fazendo cambalear até perto da mesa,
jogando o corpo dela de bruços. Ele cerra seu maxilar, forçando a
cabeça dela a ficar colada na mesa quando o cano do revólver
encosta em sua nuca, com sua outra mão erguendo a saia dela para
cima. Empurra a porra da calcinha para o lado, e ela grita
novamente, chorando e batendo suas mãos na mesa, quando o pau
de Papi se afunda dentro do seu rabo de uma única vez, o sentindo
seco, sem lubrificação alguma.
— Oh, porra! — Ele fecha seus olhos e a penetra mais forte,
aumentando as investidas, sentindo ardência em seu pênis em
comer o cu da vagabunda.
— Por favor... por favor... — Ela chora mais alto, enquanto
suas pernas se dobram, ficando com seu corpo retraído, se
contorcendo de dor a cada enterrada dele dentro dela.
Se recorda dos sons baixinhos, do lamúrio silencioso da sua
abelhinha, em como ela tinha aprendido rápido que ele gostava de
suas lágrimas, mas não do som do choro, por isso ela era sempre
silenciosa.
— Por favor... Oh, meu Deus... — A vagabunda chora e
interrompe as memórias de Papi, o fazendo abrir seus olhos e sentir
raiva.
— Cala a maldita boca, vadia! — Ele prende seus dedos no
cabelo dela e bate sua face com força contra a mesa.
Ela chora novamente mais alto, gritando de dor, o fazendo
sentir raiva por chorar mais alto, fazendo sons de uma porca
grunhindo, ao invés de obedecer.
— MANDEI CALAR A PORRA DA BOCA!
O disparo é seco e à queima-roupa contra sua nuca quando o
gatilho do revólver é apertado. Ele para de foder seu rabo,
tombando o rosto para o lado e olhando a cadela finalmente se
calando, com os braços dela e suas pernas ficando imóveis. Sua
mão solta o revólver e o joga sobre a mesa, fechando seus dedos
na garganta da vagabunda morta. A viscosidade do sangue dela
quente escorre por seus dedos, enquanto ele retorna a se mover, a
fodendo com mais força, finalmente tendo paz para pensar em sua
abelhinha. Seu rosto se abaixa e se enterra nas costas do cadáver,
entrando e saindo do cu dela, fazendo a mesa se mexer e se
empurrando para trás a cada impacto forte que ele desfere no corpo
da prostituta morta.
— Vamos nos divertir bastante, abelhinha, quando eu lhe
encontrar!
Papi rosna com raiva, libertando sua fúria em cada estocada
do seu quadril contra o rabo da mulher imóvel abaixo dele. Sabe
que revirará o inferno se for preciso, mas trará sua cadela de volta
para perto dele, e quando isso acontecer, Tina se arrependerá de
não ter aceitado ser sua abelhinha novamente.

TINA ZARA

— Como estão as coisas por aí, madre? — Troco o aparelho


de celular de Damaris de mão, me virando e olhando os meninos
brincando na casa na árvore.
— Oh, estão bem, sabe que as coisas aqui em casa não
mudam! — Ela ri, me deixando ouvir os gritos das crianças
enquanto correm pela casa. — Mas, ande, me conte de você. Como
está o serviço? Anda se alimentando direito? Ainda não comprou
um celular para você... Fiquei preocupada, não me ligou semana
passada, pensei que tinha acontecido alguma coisa. Damaris me
disse que estava com muito serviço...
Rio e coço o topo da minha cabeça, ouvindo várias perguntas
dela de uma única vez, como ela sempre fazia quando eu era
pequena.
— Sim, estou bem, madre — falo e me abaixo perto do
carrinho de Roaquim, limpando sua boquinha babada com a flanela.
— Estou me cuidando, comendo bem, ainda não consegui ir
comprar um aparelho, sabe que não ligo muito para isso. Mas
prometo que antes desse mês acabar, vou dar um jeito de ir
comprar, preciso ir comprar roupas também... Ei, pode sair daí,
mocinho!
Me levanto e aponto para Miguel, o vendo pendurado na
janela da casa da árvore.
— Mas, Tina...
— Não me faça ir aí, Miguel! — o corto, apontando meu dedo
para ele, o balançando para os lados.
— Tá bom, já tô saindo... — ele resmunga, chateado, se
afastando da janela. Fecho meus olhos e coço minhas têmporas.
— Está se dando bem com os pequenos — minha mãe fala
alegre do outro lado da linha. — Realmente estava com bastante
serviço. Não fiquei brava porque não me ligou, pelo contrário, estou
muito feliz por você, meu bem.
— Pois é, semana passada acabou sendo muito corrido,
madre. — Solto um suspiro, mentindo para ela. Não queria que ela
se preocupasse, por isso não deixei Damaris contar a ela que fiquei
de cama. — Mas assim que tiver com meu celular, prometo que vou
ligar todo dia, madre.
— Oh, isso seria bom, assim poderemos conversar com mais
calma, e pode me contar as novidades. Não fico perguntando para
Damaris, porque conheço a língua dela. — Olho por cima do meu
ombro e seguro o riso quando vejo Damaris sentada na varanda,
tricotando um cachecol, parecendo completamente inocente, mas
sei que ela está prestando atenção na minha conversa com Dolores.
— Deus que me livre, é o meu sangue, mas tem uma língua que
não cabe dentro da boca, tudo quer saber, curiosa como nunca vi.
Sinto tanta saudade de ouvir sua voz, de conversar com você, mas
me controlo, para ela não ficar bisbilhotando.
— Também sinto muito sua falta, madre — respondo, rindo,
me virando e empurrando o carrinho de Roaquim, me afastando um
pouco de Damaris. — Sabe, estava pensando em uma coisa...
— No quê, meu bem? — ela me pergunta, alegre.
— Que talvez pudesse gostar daqui — falo, baixinho, e
encolho meus ombros. — A cidade não é grande, mas tem todo tipo
de recurso. Tem colégios bons, assim como médicos, quem sabe
não podia arrumar uma casa para a senhora e as crianças?
Mordo o canto da minha boca e inalo o ar com força, tendo
apenas o silêncio dela do outro lado da linha.
— Está querendo que eu vá morar com você? — ela
pergunta lentamente.
— Bom, sim e não. — Ergo meus olhos para a casa da
árvore e vejo Tulho, Martin e Miguel brincando. — Eu iria sempre ver
a senhora, e nas minhas folgas ia para casa, estaríamos perto uma
da outra, e eu podia lhe ajudar mais com as crianças...
— Oh, Tina, uma velha cheia de filhos apenas lhe
atrapalharia! Foi para aí para recomeçar a sua vida, não vejo como
poderia ter isso tendo uma tropa inteira com você. Eu seria só um
peso...
— São minha família, madre, não um peso. Tudo que eu
tenho são vocês, e agora não precisa mais ter vergonha de mim,
meu dinheiro é limpo e eu tenho um trabalho decente...
— Pare! — A voz dela sai alta, me fazendo calar. — Nunca
mais repita isso, Tina, nunca! Nunca tive vergonha de você, é minha
filha. Pode não ter saído do meu ventre, mas é a minha filha que eu
mais tenho orgulho.
Sorrio e ergo minha mão, limpando meu rosto antes que as
lágrimas comecem a descer.
— Eu te amo, madre. Te amo muito. — Puxo o ar com força
para meus pulmões, ouvindo seu suspiro baixinho. — Tudo que fizer
para a senhora será pouco, pelo tanto que já fez por mim. Me deixe
cuidar de você agora.
— Oh, Tina! — Um soluço baixo escapa da boca dela
enquanto ouço seu choro.
— Pense com carinho, vamos recomeçar juntas, madre. —
Levo meus dedos ao bolso da calça, sorrindo para o Babão rosado
no carrinho de bebê. — Vai amar conhecer os meninos, são lindos.
Uns monstrinhos, mas uns amores. Há um carinha que a senhora
vai querer esmagar as bochechas gorduchas dele toda hora, de tão
fofo que é. Né, meu amor?! Tia Dolores vai amar você.
Me abaixo e aliso o rosto de Roaquim, ganhando um gritinho
alegre dele, enquanto ele bate uma mão na outra.
— Viu, Roaquim também acha que deve vir! — falo alegre,
desejando que ela aceite. Quero lhe ver bem, perto de mim, onde eu
possa cuidar dela. Sei que não tem mais idade para ficar por conta
própria.
— Oh, irei pensar. Prometo que pensarei com muito carinho,
agora me conte: como é sua vida por aí? Além do trabalho, que
mais anda fazendo?
Dormindo com meu chefe!
Minha mente responde dentro da minha cabeça, não me
imaginando lhe contando essa parte do que eu ando fazendo.
— Na verdade, eu não saio muito. — Encolho meus ombros e
dou um riso de cumplicidade para Roaquim. — Tanto que para a
senhora ver, eu nem fui comprar o celular e minhas roupas.
— Mas não pode só trabalhar, como vai conseguir arrumar
um namorado?!
Rio ao ouvir a conversa dela, me levantando e dando uma
olhada na direção da vinícola, onde fica a fábrica de vinho.
— Acho que, no momento, já tem bastante homens na minha
vida. — Solto um suspiro lento, trocando meu peso de perna. —
Gosto de como minha vida está atualmente.
— Diz isso agora. Ninguém nasceu para viver sozinho, Tina.
Mais cedo ou mais tarde vai aparecer alguém bom em sua vida.
Suspiro novamente e solto o ar dos meus pulmões. Já tinha
aparecido, era um homem bom, o qual eu nunca imaginei que um
dia encontraria na minha vida. Mas não me engano, tento ser o mais
franca possível comigo. O senhor Sebastian não é um homem feito
para mim, e eu muito menos o tipo de mulher que ele poderia ter
orgulho em estar ao seu lado. Por isso não me permito deixar minha
mente divagar por esses caminhos que são apenas ilusão. Me sinto
viva quando ele me olha. Ontem à noite, quando voltamos da casa
da sua tia, eu tentava entender o que tinha acontecido naquele
banheiro, e como nunca um homem fez eu sentir meu coração bater
tão acelerado, não apenas pelos seus toques, mas sim por suas
palavras. E isso está causando um estrago ainda maior em minha
mente do que eu pude imaginar.
— Não pensa em ficar trabalhando aí para sempre, certo?!
Uma hora terá que seguir outro caminho.
— Acho que não quero seguir outro caminho, madre. Gosto
daqui, dos meninos — falo, baixo, me referindo a todos eles, cada
homem que tem dentro dessa casa. — E terei a senhora, se aceitar
vir morar perto de mim, então terei tudo que preciso. E serei feliz
assim, sem precisar mudar nada.
— Oh, céus, não vai desistir dessa ideia, não é? — ela
pergunta, rindo.
— Não, não vou! — a respondo e dou um sorriso, olhando
para Damaris, que está com seus olhos esticados em minha
direção. — Assim que comprar o celular, vou ligar para saber sua
resposta. Preciso desligar agora, tenho que devolver o celular para
Damaris.
— Sim, sim, vá lá. Fique com Dios, mi amor — minha mãe se
despede de mim, enquanto sorrio, sentindo meu coração em paz.
Desligo o telefone, olhando alegre para ele, imaginando como
será bom se ela aceitar. Acharei uma casa bonita para ela. Eu tinha
visto uma perto do colégio de Tulho com uma placa de aluga-se, o
preço não era caro, mais barato do que ela paga na casa que mora
em Nova York. Aqui teria escola para as crianças, viveriam em um
bairro tranquilo e calmo de cidade pequena, sem se preocupar com
aqueles malditos traficantes vendendo droga em cada esquina e
aliciando os adolescentes. Tudo seria bom. A teria perto de mim e
continuaria meu trabalho aqui, cuidando dos garotos. Não me
importo com o que o senhor Sebastian quer de mim, eu serei o que
ele quiser, nunca lhe pedirei nada, não me importarei de continuar
sendo um segredo em sua vida.
Solto um suspiro lento, perdendo meu olhar na direção da
vinícola, sabendo que nunca ligarei de ser o segredo dele. Para
alguém como eu, isso será o máximo que posso sonhar em ter.
— Vamos para dentro, Babão. — Me viro para Roaquim,
alisando sua cabecinha. — Tulho, Martin e Miguel, vamos, andem,
desçam daí!
— AHHHH, TINA! — O coral de vozes chateadas soa alto,
enquanto eu empurro o carrinho na direção da casa.
— Andem, não me façam ir buscar vocês! Já está tarde e
precisam se limpar para o jantar. Hoje é segunda-feira ainda, e
deixei vocês saírem para brincar apenas para não ficarem
choramingando no meu ouvido, todos têm dever de casa para fazer!
Daqui a pouco, o pai de vocês chega, e estão todos sujos,
parecendo os três porquinhos — falo alto, empurrando o carrinho e
ouvindo o gritinho de Roaquim, como se estivesse chamando pelos
irmãos, me dando apoio. — Isso aí, garotão, mostra para eles que é
você que manda nessa casa!
Estico meu braço e belisco sua bochecha gorducha, lhe
dando uma piscadinha.
CAPÍTULO 17
UMA FEBRE

SEBASTIAN SÁNCHEZ

No dia que peguei Sheila dentro do quarto com meu irmão,


recordo que a única coisa que via na frente era meu filho, o que me
desencadeou um ódio imensurável pela mulher que trouxe meus
filhos ao mundo e pelo homem com quem divido o mesmo sangue.
Isso me fez perder o controle e desferir golpes com meus punhos na
face do meu irmão. Os socos não foram por ele ter se deitado com
Sheila, mas sim pelo que fez a Tulho.
Às vezes, eu me perguntava, se caso tivesse entrado
naquele quarto e flagrado os dois, sem meu filho estar lá dentro,
presenciando tudo, se minha reação raivosa teria sido diferente, e
em todas as vezes que me perguntava isso, a resposta era sempre
a mesma. Sim, porque eu sabia que tínhamos afundado, que aquele
fogo que nos queimava no início, o sentimento que fazia meu
coração bater forte, cheio de amor por ela, que cegava meus olhos
para não enxergar a mulher que ela era, tinha se esmorecido há
muito tempo. E por anos eu me culpei, me culpei pelo ponto que
tinha deixado nossa relação chegar, me culpei por todas as vezes
que deveria ter dado um basta e não dei, porque pensava que ainda
poderíamos ser felizes. Me amargurei, prometendo a mim mesmo
que nunca mais ficaria aprisionado a uma mulher novamente, como
me deixei ser preso por Sheila.
Os corpos femininos que passaram em meus braços depois
dela, foram tão sem importância para mim quanto eu tinha sido para
elas. Eram adultos conscientes de uma transa casual, sem amarras
ou ligação, eram casos de uma noite. Pamela foi a única com quem
transei mais de uma vez, isso apenas porque ela tinha aceitado o
que eu deixei claro desde o início. Não estava buscando uma
parceira e nem compromisso, porque não me via mais sendo
aprisionado por uma mulher, como Sheila fez comigo.
Só que agora eu me vejo em meio à euforia carnal, sentado
no meio da minha cama, com meu doce moranguinho devidamente
fodida, com meu pau enterrado em sua boceta e suas pernas
trêmulas sobre as minhas. O pequeno corpo se contorce, agarrada
aos meus braços, cravando mais suas unhas em minha pele. Eu
nunca tinha trazido nenhuma das mulheres com quem trepava para
minha casa, muito menos para meu quarto, mas soube assim que
meu pau se afundou naquele corpo, que nem a noite mais longa me
saciaria de Tina. Ela me viciou de uma maneira avassaladora e
intensa, que faz meu sangue ferver.
Os cabelos sedosos estão espalhados em meu peito, com
suas costas bem presas a mim, me deixando sentir cada novo arfar
que ela solta. Tina é meu pecado luxuoso, que se liberta através da
minha mão deslizando pela lateral do seu corpo, conhecendo cada
parte sua, mapeando cada reação que ela tem entre meus toques.
Meus dedos escorregam lentamente, próximos aos seus seios, a
fazendo arquear mais as duas esferas negras, com seus bicos
rígidos e inchados, os quais passei um longo tempo mamando com
puro tesão. Um dos meus dedos contorna a parte de baixo de um
dos seios, e ouço o som agoniado dos seus lábios, com sua pele se
arrepiando a cada deslize que os dedos dão sobre ele, segurando o
bico sensível e o apertando com força e soltando, intercalando entre
um e outro.
Meu outro braço, preso por sua cintura, a segura quando ela
se aproxima outra vez do abismo, a puxando para mim. Minha mão
afasta seus cabelos e beijo seus ombros, raspando os dentes pela
pele desnuda. Suas pernas sobre as minhas se prendem mais,
deixando os espasmos pulsarem em seus músculos. Sinto seu
cheiro doce de morango que invade o quarto e me deixa
embriagado. E mesmo com seus olhos me implorando para parar,
seu corpo ainda responde com mais urgência. Ela tomba sua
cabeça em meu peito e respira rápido, prendendo mais suas mãos
em meus braços e levantando o pequeno rosto para mim. Olho com
pura posse para sua face que me consome, alimentando meus
demônios, e meu peito vibra quando minha cabeça se move para
ela. Sugo seus lábios inchados, os abrindo para mim. A beijo com
mais fome e meu pau se move. O empurro dentro dela, a fazendo
choramingar, impulsionando sua cabeça para frente. Meu nariz se
enterra em seu pescoço e retiro seus cabelos, tocando sua nuca
com a ponta da minha língua.
Ela respira mais rápido, contorcendo seu corpo, levando suas
mãos para minhas coxas, como se assim pudesse se segurar. Deixo
minha mão se erguer até seus ombros e escorrego com as pontas
dos dedos por eles, a vendo tremer quando meus dedos tocam a
parte de baixo do seu antebraço, deslizando por seus cotovelos.
Seu pequeno corpo é um mapa de prazer, me induzindo a desbravar
cada parte das suas zonas erógenas. Minha mão em volta da sua
cintura afaga sua barriga, se movendo para baixo e testando seu
limite quando escorrego os dedos indicador e médio entre sua
boceta quente, preenchendo-a. Meu indicador circula o pequeno
broto que já está duro outra vez, a fazendo se apertar em volta do
meu pau, se agarrando mais a mim.
— Deus... Não... — Sua voz sai manhosa e perdida entre seu
limite. Ela olha para mim com seus olhos dilatados, balançando sua
cabeça em negativo.
Meu pau a responde, se movendo mais uma vez dentro dela.
A sinto vibrar, contorcer mais seu corpo, dos dedos das mãos
cravados em minha coxa até os dedos dos pés, que se prendem ao
colchão, contraindo mais suas pernas. Sei que Tina está chegando
ao máximo da sua intensidade, está na borda, perto de alcançar o
clímax do prazer.
— Señorita... — sussurro próximo ao seu ouvido, com a
ponta da minha língua escorregando atrás da sua orelha. Meus
dedos se viram e pressiono o polegar, apertando mais seu broto
inchado e massageando seu clitóris em círculos lentos. — Deixe
vir... — Beijo sua nuca e respiro entre sua pele, a fazendo gemer
mais, com seu corpo todo em combustão. Minha mão livre se ergue
ao seu seio e prendo seu bico entre meus dedos, aumentando a
pressão do meu polegar em sua boceta.
— Muito... Muito... Oh, meu Deus! — Sua voz manhosa se
cala e ela morde com força seus lábios para não gritar, para não
acordar os meninos.
E imagino o quanto desejo ouvir seus sons altos, rasgando
por sua boca enquanto grita e geme de prazer. Seu cheiro de pura
feminilidade exala dela através do suor que seu corpo vai liberando.
Ela se prende mais a mim a cada movimento preciso que meu
polegar faz, a empurrando de vez. Tina liberta seu corpo a cada
espasmo que lhe consome forte. Sinto os jatos quentes que vão
lavando meu pau, com ela voando mais alto. Suas pernas trêmulas
se arrastam em euforia pelo colchão. Prendo seu quadril com meu
braço, com seu pequeno corpo trêmulo se contorcendo de puro
prazer. Ela respira em agonia, esfregando suas mãos em meus
braços, se perdendo no abismo que cai. Meus lábios vão para seu
outro ombro e aperto meus dentes sobre ele, espalmando minha
mão por completo em sua boceta e acelerando o contato das peles,
aumentando os jatos quentes do seu squirt[33]. E com pura luxúria,
ao lhe ter em seu auge do prazer, apenas me movo, levando minhas
mãos por baixo das suas pernas e erguendo sua bunda, a tendo tão
presa em meus dedos, que se colam à carne macia.
Nos viro sobre o colchão assim que seu corpo cai de bruços.
Meus pés tocam o chão e puxo sua cintura junto comigo, a vendo
morder o lençol. O arrasto com ela, com suas mãos esmagando-o.
Eu a quero tão fodidamente ligada a mim, que meu corpo sai e volta
com pressão, apenas para ter minhas bolas batendo em sua pele.
Minha mão escorrega por sua bunda e pressiono meu polegar na
entrada apertada. Massageio-o, conforme a fodo duro, voltando e
saindo, sentindo sua boceta apertada e tão quente como um vulcão
me engolindo por completo. Meu pau estoura em mais uma
sequência de seis batidas, antes do meu corpo inteiro se enrijecer,
tendo os nervos das minhas coxas duros, tremendo, com a
libertação da minha porra sendo despejada dentro da camisinha,
com meu pau enterrado dentro dela. Me sinto doente pelo tanto que
a desejo, com meu peito vibrando em rápidas batidas aceleradas do
meu coração. O corpo mole abaixo do meu escorrega, deslizando
na cama, ficando completamente mole. Me retiro lentamente de
dentro da sua boceta, descartando a camisinha do meu pau e a
jogando no chão, sobre minhas roupas, antes de me arrastar sobre
ela com meu corpo e a enjaular, ouvindo os sons baixos da sua
respiração.
— Dios, señorita! — murmuro e enterro meu rosto em seus
cabelos, inalando seu cheiro de mulher devassa que me cativa a
ela.
Viro na cama e tiro meu peso de cima dela, rolando para o
lado e a trazendo junto comigo quando a puxo com meu braço, a
mantendo perto de mim. Sinto a ponta do seu nariz se esfregar em
meu corpo, com a palma da sua mão descansando sobre meu peito.
Fico em silêncio, com meus olhos encarando o teto do quarto e
ouvindo o som da sua respiração, tendo noção que minha mão
esmaga sua coxa e a segura com mais posse do que deveria.
Fecho meus olhos, não querendo pensar nisso agora, não quando
ela está aninhada e colada ao lado do meu corpo, com sua perna
sobre as minhas.

Quando meus olhos se abrem novamente, o calor da mulher


que estava nessa cama já não está mais presente, nem seu corpo
perto do meu. Giro meu rosto e olho para o móvel ao lado da cama,
observando os números no relógio eletrônico, que me mostram que
já são três horas da manhã. Meu corpo se sentiu tão relaxado com
Tina deitada em minha cama, que simplesmente, em um fechar de
pálpebras, eu adormeci. Sento na cama e esfrego minha nuca,
tendo algo me incomodando, não gostando de ter acordado com a
cama vazia. Fecho meus olhos e esfrego minha nuca, me
levantando e vendo que as roupas que estavam jogadas no chão,
que foram tiradas às pressas quando a puxei para os meus braços
quando subi para ir me deitar depois que as crianças adormeceram,
já não se encontram mais ali. Se o aroma de morango não estivesse
impregnado em meu corpo, assim como nos lençóis e travesseiros,
poderia até pensar que foi apenas um sonho.
Acendo a luz do banheiro e ergo a tampa do vaso para urinar.
Fico sério, encarando o azulejo, me sentindo inquieto, não
compreendendo o porquê não a encontrar no quarto tinha me
deixado desconfortável. Puxo a descarga depois que mijo, me
virando e caminhando para a pia, ligando a torneira para lavar as
mãos. Enquanto faço isso, tombo meu pescoço para o lado e olho
as marcas das unhas em meu ombro e nos braços. Desligo a
torneira e seco meus dedos com a toalha, soltando o ar
pesadamente por minha boca e encarando a cama vazia quando
saio do banheiro.
— Inferno! — rosno, baixo, sentindo meu sono indo embora,
sabendo que não vou conseguir voltar a dormir, não quando o cheiro
dela ainda está forte na roupa de cama, me dizendo que ela devia
estar aqui, não apenas seu cheiro.
Pego minha calça do pijama e a visto, andando rumo à porta.
Abro e saio do meu quarto com intenção de ir à cozinha tomar um
copo d’água, antes de me encaminhar para o escritório, onde
ocuparei minha mente com meu trabalho, ao invés de agir por
impulso e ir até o quarto dela, a pegando em meus braços e a
fazendo retornar para cá. A melodia baixinha, sendo cantada com
carinho, me faz nem sequer chegar a dar o primeiro passo no
corredor, em direção às escadas. Vejo a fresta da porta entreaberta
do quarto de Roaquim, que está com a luz acesa. Ando devagar e
me aproximo aos poucos, empurrando a porta sem fazer barulho e
olhando para dentro. Observo a mulher de costas, com os pés
descalços e pernas desnudas, usando apenas minha camisa de
botão, enquanto nina meu filho em seus braços, cantando para ele.
Meu corpo se encosta no batente da porta e fico em silêncio, os
olhando. Vejo a mão pequena de Roaquim presa no braço de Tina,
com seu rostinho gorducho adormecido.
— Deixou meu filho chorando o dia todo trancado dentro do
quarto? — rosno com raiva, esmagando meus dedos ao lado do
corpo e encarando Sheila.
— Oh, aquela maldita velha fofoqueira da Damaris já foi fazer
intriga! — Sheila revira seus olhos, negando com a cabeça. —
Miguel chora o dia todo, Sebastian. Se tiver que ficar indo ao quarto
dele a cada choro manhoso, não vou fazer nada da minha vida...
— Seu Babão dengoso! — A voz baixinha de Tina fala com
carinho. Ela dá um beijo na testa de Roaquim, me fazendo sair das
minhas memórias.
Pisco rapidamente e abaixo meu rosto, dissipando a
lembrança daquele dia, de quando fiquei a um passo de perder de
vez a minha cabeça com Sheila por sua frieza. Nem com seus
próprios filhos ela conseguia se importar. Ela nunca perdeu uma
noite sequer cuidando das crianças, muito menos os ninando com
carinho, igual a pequena mulher está fazendo com Roaquim.
— Vamos voltar para o berço, garotão. — Tina se inclina
perto do berço e o deita de ladinho, enquanto sorri para ele.
Ando lento e me afasto da porta, ficando alguns passos perto
deles. Seu rosto gira para trás e nota minha presença.
— Eu estava indo para o meu quarto, quando ele acordou. —
Ela sorri e volta sua atenção para ele, arrumando a manta sobre o
corpo do pequeno.
Balanço minha cabeça em positivo e caminho lento, parando
ao lado do berço e esticando minha mão, para alisar a cabecinha de
Roaquim. Olho para ela e vejo seus olhos presos no pequeno, com
um sorriso doce em seus lábios. Ela gira sua face para mim, ficando
tímida quando me vê a observando. Ela abaixa a cabeça e olha para
a camisa, encolhendo seus ombros.
— Eu precisei pegar sua roupa, senhor, tinha um preservativo
colado na minha camisa. — Suas palavras saem baixinha enquanto
sorri com vergonha.
Não estava a olhando por causa da camisa, e nem me
incomodava a ver vestida com minha roupa, pelo contrário, me
agradava ter minha camisa cobrindo o pequeno corpo da mulher
que me enfeitiçou. Eu a olhava porque tentava entender como
alguém com um olhar tão doce, tinha sobrevivido às condições de
vida que o destino a jogou. É impossível não fazer a comparação
entre a mulher que trouxe Roaquim ao mundo e nunca segurou
seus próprios filhos no colo, e a pequena señorita que lhes entrega
o amor de mãe que eles nunca tiveram. Podia lhe imaginar com
seus próprios filhos, como eles seriam felizes por terem uma mãe
como ela, e como seu companheiro seria sortudo em ter a teimosa
señorita para ele. Eu serei apenas uma lembrança distante da sua
vida, de uma época em que ela ainda estava se encontrando.
— Amanhã já a devolvo. Assim que os meninos forem para a
escola, a deixo em seu guarda-roupa... — Sua cabeça abaixa, e ela
bate a pontinha dos seus pés no chão, com nervosismo. — Bom, já
vou voltar para o meu quarto. Boa noite, senhor!
Desvio meus olhos dela quando seu corpo gira, caminhando
para fora do quarto de Roaquim. Observo meu filho, que tem um
sorriso dengoso em seus lábios.
— É, eu te entendo — divago com ele, sussurrando, alisando
sua cabecinha. — Como nos deixamos cair assim tão rápido,
garotão?
Me inclino para frente e beijo seu rosto, me afastando do
berço. Apago a luz do quarto e fecho a porta atrás de mim. Vejo-me
parado, encarando a porta do quarto de Tina, mas ao invés de
seguir a direção que eu ia antes de a ver perto do berço de
Roaquim, caminho a passos duros para a porta do seu quarto, a
abrindo. A pequena mulher se vira e me olha, segurando sua
coberta dobrada em seus braços, perto da cama.
— Quero que devolva a camisa agora — falo sério, passando
meus olhos por ela, antes de voltar a encarar sua face.
— Agora? — Tina pisca, confusa, falando baixinho.
— Sim, agora.
Atravesso o quarto antes que mude de ideia, parando à sua
frente e vendo seu peito batendo depressa.
— Bom, já que precisa dela assim com tanta urgência... —
Ela abaixa seu rosto e desvia seus olhos dos meus, mas não antes
que eu possa notar um pequeno brilho de tristeza em seu olhar. —
Apenas me deixe pegar uma minha que já lhe devolvo, realmente
não fiz por mal, a peguei porque...
— Quero ela agora, Tina — falo mais sério, reprimindo um
sorriso ao ver sua expressão chateada quando me olha. — Agora!
Quero a camisa de volta no meu quarto no mesmo lugar que a
encontrou, e seu corpo deitado em minha cama como estava.
Estico meu braço e seguro sua nuca, a fazendo ficar com sua
cabeça erguida, me olhando. Seus olhos negros vão de confusos
para surpresos em questão de tempo. Ela morde o canto da boca,
abrindo-a e fechando-a lentamente, com menção de falar, mas se
cala quando compreende o que estou dizendo.
— Não acho que Damaris entenderia dessa vez, o porquê de
eu estar no seu quarto, señor... Oh, céus! — Ela arregala seus olhos
quando a ergo em meus braços, tirando a coberta das suas mãos e
jogando sobre a cama. — Senhor... senhor, me deixe no chão — ela
fala apressada, baixinho, tentando sair do meu colo, enquanto
caminho com ela para fora do quarto.
— Cristo, pé-grande, tem que parar de ficar me erguendo
como se eu fosse uma boneca de pano em seus braços! — Sua
face gira para mim quando paro à frente da porta do meu quarto, a
abrindo.
— Não — digo sério, negando com a cabeça e fechando a
porta com meu pé quando entro. Me aproximo da cama e a jogo em
cima dela. — Agora, devolva a camisa onde encontrou, e mantenha
seu rabo em cima dessa cama, señorita!
Retorno para perto da porta e apago a luz do quarto,
empurrando minha calça para longe das minhas pernas. Chaveio a
porta antes de regressar à cama, ouvindo o riso baixinho dela.
Eu estava certo, tinha caído rápido demais.
CAPÍTULO 18
MEU PEQUENO CAOS

SEBASTIAN SÁNCHEZ

— Ótimo! — Bato minha mão no barril de vinho, apontando


para meu funcionário. — Peça para alguém entregar três barris
desse vinho tinto na estância da minha tia.
— Patrão não vai querer que mande engarrafadas?
— Não! — Nego com cabeça quando o jovem me pergunta.
— Tia Aurora prefere o vinho em barril. Pode mandar separar.
O rapaz balança a cabeça rapidamente em positivo, acatando
minha ordem. Viro quando finalizo a escolha do melhor vinho para
tia Aurora poder oferecer aos seus convidados, em seu aniversário,
que será nesse fim de semana. Meus olhos percorrem a vinícola,
enquanto caminho entre os trabalhadores, observando a produção
de vinho e inalando o ar com força, sentindo o aroma de uva em sua
essência mais forte que predomina dentro da fábrica inteira. Me
direciono para as escadas de ferro, para subir para minha sala,
andando a passos rápidos, cumprimentando os funcionários pelo
caminho.
— Da próxima vez que me pedir para acompanhar a
manutenção das bombas das máquinas de moer uva, seja mais
específico com seu pedido.
Olho para o lado e encontro Ralf andando em minha direção,
com sua face suada e a roupa toda roxa. Ele segura uma estopa e
limpa seus dedos, me dando um olhar de recriminação, o que me
deixa saber que foi ele quem mexeu na máquina.
— Eu fui! — Sorrio para ele, reprimindo um riso.
— Não, não foi! — Ele se junta a mim, andando rumo às
escadas. — Me pediu para acompanhar a manutenção, não falou
que era para eu mexer na máquina.
— Mas não pedi para mexer, apenas para que olhasse de
perto o trabalho. — Nego com a cabeça e dou uma risada, ouvindo
seus resmungos.
— Sabia que eu iria acabar interferindo. Se tivesse que
esperar pelos mecânicos, a máquina estaria parada até agora — ele
fala chateado, rangendo seus dentes. — Cretino ardiloso! — ele me
xinga, batendo a estopa de pano em meu braço, enquanto eu rio
dele.
Sim, eu sabia que seria exatamente isso que iria acontecer,
por isso pedi para ele ir até a máquina. Ralf pode ser um cretino
sem filtro e com uma língua ordinária, mas conhece essas máquinas
melhor do que ninguém. Ele tinha começado cedo a trabalhar na
vinícola, junto com meu pai, na época dele. Com quinze anos, Ralf
já sabia de cor e salteado cada parafuso e engrenagem que tinha
nas máquinas da vinícola.
— Eu tinha uma reunião depois do trabalho, sabia?! Agora
terei que passar em casa e perder tempo para me limpar e trocar de
roupa.
— Oh, largue de bobagem! — Olho por cima do ombro e
estico minha mão, abrindo a porta do meu escritório. — Se
encontrar com uma mulher em um motel não é reunião, Ralf! — falo,
rindo, entrando na sala, sendo seguido por ele.
Paro ao lado do grande paredão de vidro e abro as cortinas
retráteis, para que eu possa ter uma visão periférica da linha de
produção de vinho. Da minha sala no segundo andar, eu consigo
observar cada ponto interno da fábrica.
— Depende do ponto de vista, para mim é. — Viro e o vejo
caminhar para a cadeira em frente à minha mesa, a puxando e
soltando o peso do seu corpo quando se senta. — Duas pessoas
em comum acordo, de um ato que os dois estão interessados, mais
uma sexta-feira normal na minha vida.
— Eu ainda não sei por que me espanto com as coisas que
saem da sua boca, Ralf. — Esfrego minhas têmporas e dou a volta
na mesa, puxando a minha cadeira e me sentando nela. — Qual o
estado da máquina?
Estico meu braço e aperto a tecla de ligar do computador,
olhando para ele, que dá de ombros e apoia seus cotovelos no
braço da cadeira.
— Ela vai aguentar mais algum tempo, mas é bom começar a
se preparar, aquela belezinha é mais velha que nós dois juntos. Sua
aposentadoria está quase chegando.
— Irei começar a estudar sobre novas máquinas para a
produção, há tempos que desejo introduzir maquinários novos na
vinícola, isso ajudará ainda mais no rendimento da produção. —
Abro a gaveta da minha mesa e pego uns documentos que preciso
assinar, dando uma fisgada no canto da boca. — E em relação a
velhos, diga isso por você e a máquina, eu estou na minha melhor
fase.
Abro a pasta e a folheio, correndo meus olhos pelas letras
enquanto confirmo se são os documentos certos, que preciso
assinar. Relaxo meu corpo na cadeira, os lendo.
— Percebi que sua melhor fase anda mais animada nessas
últimas três semanas, desde nossa amistosa conversinha durante o
trabalho na casa da árvore. — Ignoro o tom de provocação em sua
voz, mantendo minha leitura. — Me pergunto: o que será que
poderia ter acontecido para o mau humor ter ido embora?
Olho de esgueira por cima dos documentos, encontrando um
olhar intrigado em sua face, com ele me estudando seriamente.
— Não precisa ir para uma reunião? — Desvio meus olhos
dele, retornando a ler os documentos. — Creio que não precisarei
de você mais hoje, pode sair mais cedo...
— Não muda de assunto. — Ralf arrasta sua cadeira e se
aproxima da mesa lentamente, inclinando seu tórax para frente. —
Confesse seus crimes, Sebastian!
— Ralf, se não sair agora, vou fazer você revisar as outras
máquinas, e vai dizer adeus ao seu encontro de hoje. — Solto a
pasta na mesa e direciono minha visão para a tela do computador,
abrindo um arquivo de planilha.
— Seu cretino! — A risada de Ralf é alta, enquanto ele bate
as pontas dos seus dedos na mesa, como se fosse um tambor. —
Está dormindo com a garota!
— Vá! — rosno, baixo, lhe dando uma ordem, mas, como
sempre, ao invés de me ouvir, Ralf apenas continua a tagarelar, me
provocando.
— Eu sabia, bem que percebi que anda animado demais! —
Ele cruza seus braços e joga seu tronco para trás. — Está rolando
há quanto tempo? — Olho para ele e dou uma bufada de ar
zangada. — Não conte, espera, me deixa adivinhar... Aquele
domingo quando almoçou lá em casa, você e ela já estavam se
pegando. Bem que notei a forma diferente que seus olhos estavam
presos nela. Porra, está transando com a gostos...
Ele se cala quando meus olhos cravam nos seus, o fuzilando.
— Lhe aconselho a tomar cuidado com o que vai dizer! —
Ralf fecha sua boca na mesma hora, reprimindo um riso, apenas me
dando um balançar de cabeça em positivo, enquanto ri e se levanta.
— Isso precisa de uma bebida! — O vejo caminhar para o
balcão ao canto da sala e abrir uma garrafa de vinho, servindo duas
taças enquanto mantém seu riso descarado. — Sebastian Sánchez
finalmente caiu nos encantos de uma pequena!
Fecho meus olhos e nego com a cabeça, não sabendo o que
é pior: se é ele me provocando ou caçoando de mim.
— Viu, eu lhe disse, as pequenas também dão conta! — Ele
retorna para perto da mesa e me estende a taça de vinho. — É
como brincar de lego, montando as pecinhas pequeninas com
nossas mãos grandes.
O encaro e retraio meu cenho, retirando a taça de vinho da
sua mão e o encarando cético, enquanto caio na risada.
— Como consegue arrumar mulher para transar falando
essas asneiras? — Tomo minha bebida, absorvendo um longo gole
e abaixando a taça.
— Elas gostam de caras que as fazem rir, digamos que é
meu charme. — Ele leva a mão ao bolso da calça e dá de ombro,
tomando seu vinho. — Agora pare de me enrolar e me conte, entre
você e a garota, o que está rolando? Porque é notável que está
agindo de um jeito diferente das outras vezes que descolou uma
transa casual.
Abaixo meus olhos para a taça de vinho e fisgo o canto da
boca, olhando o líquido escuro. Nada que está rolando entre mim e
Tina é como os outros casos que já tive. Todos eram coisas rápidas,
sem importância, e o principal, nenhuma delas estava dentro da
minha casa, nenhuma delas me fazia esquecer por completo meus
pensamentos, me desligando de tudo quando as tinha em meus
braços. O que Tina faz comigo é diferente, tanto física quanto
mentalmente, me tornando seu escravo. Minha mente está dispersa,
assim como meu foco, tendo minha cabeça condicionada apenas
nela, em seu sorriso, no sabor dos seus lábios. Seu cheiro me
embriaga mais que qualquer vinho que eu já provei.
No silêncio, quando estou sozinho, ouço seus gemidos que
são projetados pelas minhas lembranças, que me fazem ansiar a
hora que a noite cai, para ir até ela novamente. Quando a noite
demora a chegar, me vejo sem rumo, a caçando e farejando, como
se precisasse a ter para poder retornar a um décimo que seja da
minha concentração. Me vejo retornando para casa no meio da
tarde, apenas para vê-la e ouvir sua voz, e quando uma
oportunidade surge, lhe roubo um beijo, mas é pouco, qualquer
coisa é sempre pequena demais.
A despensa virou um lugar proibido, para onde lhe arrasto,
lhe puxando comigo e enterrando meu pau o mais fundo que posso
dentro do seu corpo com loucura e paixão, rezando para que
finalmente aplaque essa necessidade que ela me desencadeou.
Gozar em sua boca tinha se transformado na visão mais bela que
eu já tinha visto, quando ela me suga em seus lábios. Uma
espanhola nunca me pareceu tão perfeita quanto suas mamas se
esfregando em meu pau. E eu morro, me entrego diante do seu
olhar de ressaca com luxúria disfarçada de inocência, o qual ela me
dá quando se entrega para mim. E me tenho rendido, desejando tê-
la apenas olhando para mim, se entregando para mim. Estou caindo
tão rápido, que nem sequer me preparei para o impacto. E sei disso
a cada vez que a tenho, já que eu a desejo mais.
Ainda sinto seu cheiro em minha roupa e o calor da sua pele
colada à minha, pela forma como a fodi no começo da tarde, quando
precisei pegar uns documentos que estavam no meu escritório em
casa, que tinha esquecido quando fui almoçar e deixei Tulho na
escola. Voltei para casa antes de parar na vinícola. Só que tinha que
entrar e sair, sabia disso, mas ao invés de fazer exatamente isso,
me vi caminhando pela casa, procurando por ela e Roaquim. Tina
estava na lavanderia, ligando a máquina após ter posto a roupa para
bater, usando um short branco pequeno, com uma regata amarela,
distraída, remexendo lentamente seu traseiro, debruçada sobre a
máquina, a ligando na tomada enquanto ouvia uma música que
tocava no rádio.
Ela me deu um sorriso doce e tímido quando me viu a
olhando, mordendo o cantinho da boca da mesma forma que fez
quando saiu do meu quarto de manhã, antes das crianças
acordarem e Damaris entrar em casa para trabalhar. Perguntei onde
estava Roaquim, olhando em volta e a vendo sozinha, sem sinal do
pequeno que sempre estava com ela nesse horário. Damaris estava
com o pequeno. Tinha ido até sua casa, para buscar alguma coisa,
e o levou junto para passear, enquanto Tina lavava a roupa. Meu
pau, que me condenava dentro da minha calça, morrendo de
saudades daquele corpo quente, no qual ele se afundou a noite
inteira, tomou a decisão por mim assim que quebrou o espaço entre
nós dois com três passos e a virou para mim. Dios, meu pênis já
estava estourando dentro da sua boceta antes mesmo do primeiro
ciclo de lavagem da máquina terminar!
— Cristo... Oh, merda! — ela geme alto e empurra sua
cabeça para trás, cravando suas unhas em minhas costas.
Abraço mais forte suas costas quando a sento em cima da
máquina de lavar. Meu pau entra dentro dela com necessidade,
abaixando a frente da sua regata e capturando uma mama, a
sugando em minha boca, enquanto ela geme e encharca meu pau
com sua vagina molhada e quente. Suas pernas se apertam em
volta da minha cintura e usa seus calcanhares para empurrar minha
calça para baixo.
— Oh, isso... Deus! — Tina geme e me engole com mais
volúpia dentro dela.
Um pequeno corpo que se transformou em meu inferno e céu
na Terra, ao ponto de me fazer a desejar tanto, que nem o fato de
ter deixado a carteira dentro do carro, me impediu de possuí-la pele
a pele, sentindo-a por dentro sem a proteção da camisinha. Ela faz
eu me tornar um irresponsável, me tirando da minha zona de
conforto, da qual eu me gabava de ser sempre controlado, nunca
caindo na besteira de foder uma boceta sem preservativo desde o
meu casamento. Mas minha mente não se atenta às minhas regras
quando estou com Tina, eu me sinto vivo enquanto a fodo com
força, tendo a porra da máquina vibrando enquanto centrifuga as
roupas, com Tina completamente bela se entregando a mim,
sentindo suas unhas que se emaranham em meus cabelos e o
sabor do seu suor. Eu a fodo querendo muito mais, porque minha
fome por ela aumenta e apenas fica mais animal.
— Carajo[34]! — rosno e mordo seu ombro, esmagando meus
dedos em suas coxas.
— Ohhhh, Deus, sim... — Ela se engasga e deixa sua boca
entreaberta, me olhando como uma felina devassa antes de um
sorriso sacana se formar em seus lábios.
Minha testa cola à sua e ranjo meus dentes, tendo a máquina
trepidando mais rápido, como se estivesse comandando os
movimentos da foda. Movo meu quadril com tudo contra o seu,
metendo meu pau com mais força contra sua boceta, a fazendo
gemer alto e sentindo meu corpo bombardeando com toda pressão
dentro dela, entre saídas e entradas.
— Pequeña bruja[35]! — esbravejo perto dos seus lábios, a
beijando com loucura.
Puxo seus cabelos para trás e a faço olhar para mim. Seu
rosto corado, com os lábios inchados pelos meus beijos, é a visão
mais perfeita, com os olhos de menina me destruindo em seu corpo
de mulher. É uma bruja, uma bruxa que tinha me enfeitiçado, me
fazendo não pensar no que estamos fazendo e onde isso irá parar.
Ela sorri para mim e morde o cantinho da boca, esticando
suas mãos para meu peito e abrindo a camisa, cravando suas
unhas em meu peito, travando os movimentos dos meus quadris
com suas coxas e soltando um gemido quando faço mais pressão
no couro da sua cabeça, com meus dedos que seguram seus
cabelos. Sua língua sai para fora da sua boca e lambe meu queixo
com atrevimento. Fecho meus olhos, tendo a perdição que ela faz
comigo, mordiscando minha garganta ao mesmo tempo que fica
remexendo seus quadris, rebolando com meu pau dentro dela.
— Pé-grande tarado! — ela murmura, rindo, arranhando a
lateral do meu rosto e lambendo meu queixo.
Enterro meu pau mais fundo, chocando com brutalidade meu
quadril contra sua pélvis, a fazendo soluçar. A beijo com posse e
dominância, me afundando entre as estocadas, entrando e saindo
do seu corpo diabólico. Tina geme em meus lábios e morde meu
lábio inferior, me tendo completamente animalesco, sem controle,
lhe possuindo, com meu corpo inteiro apenas desejando a marcar
como minha, lhe castigando pelo caos que tinha criado em minha
cabeça.
— OHH, merda! — Suas unhas cravam em minha bunda com
força, com sua boceta lavando meu pau com o líquido quente que
expele da sua vagina quando ela goza.
Seu interior me suga forte e seu corpo treme, jogando sua
cabeça para trás, com a máquina trepidando junto, como se
pudesse sentir a força do pequeno vulcão feminino sobre ela
entrando em erupção. Abaixo minha cabeça, com meus olhos
ficando entre nós dois, vendo meu pau a invadindo e saindo, e
entrando dentro da sua boceta com o brilho do seu gozo o
melecando. A penetro mais forte e a faço gritar com o impacto.
Poderia pregá-la em cima da porra da máquina com a força que a
fodo. Meus braços vão para baixo de suas coxas e a levanto,
enquanto meto fundo e a ergo em meu colo, deixando suas pernas
penduradas. Seus seios, que estão para fora da regata, sobem e
descem rapidamente quando ela goza outra vez, gritando meu
nome.
— Sebastian! — Ela fecha seus olhos e morde sua boca,
engolindo meu pau, que sente o dobro da pressão das paredes
internas do seu interior. E, porra, é quente e molhada, como se
fosse feita para mim, me tendo perfeitamente dentro dela.
Beijo seus lábios e deixo minha língua invadir cada canto da
sua boca, com suas unhas rasgando a minha pele e causando
ardência, aumentando meu prazer. O cheiro do seu sexo, que
invade minhas narinas, me destrói, me leva à loucura do gozo.
— Porra, vou gozar!
Quando sinto meu corpo prestes a estourar, com minha porra
expelindo do meu pau, abaixo-a rapidamente e a deixo em cima da
máquina, saindo de dentro dela. Meu corpo se move quando dou
um passo para trás, me afastando de Tina, fechando minha mão em
volta do meu pau e o masturbando. Ergo meus olhos a tempo de a
ver pulando para o chão e se ajoelhando à minha frente. Suas mãos
se fecham sobre mim, me masturbando no mesmo ritmo que movo
meus dedos. E não preciso de muito para estar gozando como um
garoto do colegial, quando ela abre sua boca e suga a base do meu
pênis. A porra esguicha com pressão em jatos rápidos. Tina fode
minha cabeça de vez quando sua boca se fecha sobre a cabeça do
meu pênis, o sugando, passando a ponta da sua língua sobre ela,
com seus olhos negros presos aos meus, me olhando com luxúria
enquanto engole minha porra.
Sinto meu coração bater tão rápido, como se fosse sair por
minha boca, com minhas coxas tremendo. Respiro rápido, com meu
corpo inteiro formigando, e meus braços ficam caídos ao lado do
meu corpo, como se uma bomba tivesse explodido dentro do meu
cérebro.
— Dios, mujer! — Fecho meus olhos e jogo minha cabeça
para trás, sentindo meu pau pulsar mais uma última vez por conta
da pequena boca arteira que desliza sua língua por cima da cabeça
dele.
Ergo minha mão e acaricio seus cabelos, me sentindo um
filho da puta sortudo e miserável ao mesmo tempo, sem mais um
pingo de discernimento algum, apenas escravo do desejo que Tina
arrebata em mim. Abaixo minha cabeça e abro meus olhos, a
observando de joelhos. Seu sorriso travesso se alarga em seu rosto,
com ela depositando um beijinho no meu pau de forma inocente,
nem parecendo que acabou de foder de todas as formas. Ela se
levanta lentamente e arruma seus seios dentro da camisa. Seu
corpo se move, se afastando automaticamente, e meu braço a puxa,
a fazendo parar no lugar, a trazendo de volta para mim.
— Aonde vai? — Olho para ela e me sinto como se fosse um
cão fodido que está vendo sua presa tentando fugir.
— Vou me limpar, señor! — Ela morde o cantinho da boca e
fala, rindo, me dando um olhar de menina e tombando sua face para
o lado. — Preciso encontrar meu short, Damaris não vai demorar, já
deve estar retornando. Já pensou se ela nos pega aqui?! Logo todos
saberiam que está tendo um caso com a babá dos seus filhos.
Minha mão se cola atrás da sua nuca e a seguro, enquanto
aliso sua bochecha e deixo meus olhos vagarem por seu rosto,
tendo dentro de mim algo gritando com posse e fúria: que saibam,
que se fodam, pois cada canto desse corpo me pertence! Meu outro
braço a enlaça pela cintura e lhe aperto quando a ergo do chão, a
trazendo para mim e beijando sua boca, sentindo a boca da mulher
que acabou de explodir com meu autocontrole, a tendo doce e
derretida em meus lábios como uma menina. Os mesmos lábios que
acabaram de me foder como uma mulher devassa. Ela suspira
baixinho e passa seus braços em meus ombros, me abraçando e
me beijando com mais brandura, confundindo minha mente e
brincando com ela, não sabendo se é uma bruja traicionero[36]em um
corpo de mulher, ou uma pequena fada com alma de menina que
me prendeu a ela.
O que está fazendo comigo, señorita?!
— Não devia ter cedido — murmuro e encaro a taça de vinho,
me lembrando de como não me importei de Damaris nos ver
naquela lavanderia, como queria que todos soubessem que era
Sebastian quem possuía aquela mulher. — Errar uma vez é
compreensivo, mas cometer o mesmo erro pela segunda vez é
responsabilidade minha.
Solto o ar pelas minhas narinas e ergo meus dedos,
esfregando minhas têmporas e abaixando o copo de vinho, o
deixando sobre a mesa.
— Qual é, a garota não é Sheila! — Ralf diz, rindo, puxando a
cadeira e se sentando nela.
— Não, ela não é! — Olho para ele, falando sério.
Tina não é nem de longe como Sheila, é pior. Ela
desencadeia dentro de mim um animal irracional, que apenas usa
os instintos para lhe governar, não me deixando pensar no que
estamos fazendo. Mesmo ciente que estou caindo em um abismo, o
que ela faz comigo, a forma como ela me deixa, é diferente do que
qualquer mulher na minha vida já me fez sentir.
— E isso é ruim? — Ele bebe seu vinho, me olhando sem
entender.
— É. — Apenas me limito a lhe dar uma resposta evasiva.
Não entrarei em detalhes sobre a vida de Tina com Ralf, não
por vergonha e nem porque não quero que ele saiba que estou me
envolvendo com uma mulher que fazia programa, mas sim por ela,
para lhe proteger. Confio no meu primo, sei que ele nunca falaria
nada para ninguém, e muito menos a desrespeitaria, mas isso a
magoaria, é visível como isso a machuca quando ela fala. Tina
espera sempre o pior, como se não passasse de algo inferior e não
merecesse respeito das outras pessoas.
— Eu nunca fui a favor de algo sério, mas se estão se dando
bem, não vejo porque pensa que vai cometer o mesmo erro. Basta
apenas olhar a forma como ela cuida dos seus filhos. — Ralf toma o
último gole do vinho e larga a taça vazia em cima da mesa.
— Tina é uma menina, Ralf — falo sério, o encarando. — É
isso que estou falando. Perto de mim, ela é uma criança. Como já
lhe disse, ela não veio para cá atrás de um homem, e sim de
trabalho e um...
Deixo a palavra morrer em minha boca e viro meu rosto para
o computador, encarando a tela. Eu sei que Tina não me contou
tudo, vejo isso em seu olhar, o medo que brilha em seus olhos.
— Um? — Ralf indaga, me olhando.
— Um recomeço. — Um abrigo!, digo em pensamento para
mim mesmo.
O tinha visto a primeira vez quando a chamei em meu
escritório, decidindo ainda se ela ficava ou não. Podia ler o
desespero em suas íris negras, o desespero de uma alma
condenada que fugia em busca de um local seguro. Pensei que
podia ser um namorado, alguém que ela tivesse em sua vida, mas
depois da noite que a confrontei em seu quarto e ela contou a
verdade, podia ver seu medo novamente, brilhando com mais terror,
mesclado à dor, nas lágrimas que rolavam por suas bochechas. E
tive certeza de que ela escondia muito mais do que suas palavras
me contavam. Não a forcei, sua dor em ter que me contar de onde
tinha arrumado o dinheiro já tinha sido esgotante para ela. Sabia
que se a forçasse a me contar, Tina se fecharia como uma concha.
O fato dela preferir manter segredo que se deitava comigo reforçava
minha certeza. Não era apenas pelos meninos ou pelo que as
pessoas pensariam se soubessem que o dono da vinícola Sánchez
estava se deitando com a empregada, Tina não queria deixar
rastros.
Aguardo que ela confie em mim e me diga do que foge, de
quem, principalmente. Um ex-amante, um parceiro ou um ex-cliente,
minha mente me condena quando eu penso sobre isso, por isso
tento manter meu cérebro desfocado disso o máximo que posso,
sobre os homens que a tocaram, que a tiveram em seus braços e
não viram nada mais que um pedaço de carne, e não como a
criatura linda que ela é. Pensar sobre isso faz meu estômago dar
um nó, um sentimento ruim e agressivo submergir, e um gosto de fel
toma conta do meu paladar.
Odeio eles por terem a tocado, odeio qualquer filho da puta
que pagou para tê-la, como se ela fosse a porra de um objeto inútil.
E odeio ainda mais imaginar outro a vendo e lhe tocando quando ela
partir. Não me engano, sei que isso acontecerá mais cedo ou mais
tarde, e mesmo a vendo se entregar tão belamente a mim, sei que
não posso a prender ao meu lado. Se pedisse, ela ficaria, isso eu
tenho certeza, mas seria questão de tempo até estar me odiando
por ter a deixado presa, ao invés de lhe ensinar a voar.
— Ela não precisa de um homem, mas sim de alguém que
lhe mostre o que ela realmente é. — Bato as pontas dos meus
dedos na mesa, olhando para a tela escura do computador. — Ela
está confusa e perdida, precisa de cuidado.
— E pretende ser o cara legal que cuidou dela, pelo que
posso ver. — Ralf me olha perdido e ergue sua mão. — E depois?
Vai a deixar ir embora, ganhando apenas um obrigado e um beijo na
bochecha em agradecimento?
— Não vou obrigá-la a ficar se quiser partir, Ralf, se é isso
que quer saber — falo sério, olhando meu primo.
— Realmente está de quatro pela garota, Sebastian! —
Repuxo meu nariz e franzo meu cenho. Não me vejo nessa
situação.
— Não, não estou! — digo e nego com a cabeça. Sim, eu
tenho um interesse em Tina, isso é óbvio, mas não a esse ponto.
— Claro que está, a babá te deu a maior chave de perna, e
você nem notou. — Ele joga seu corpo para trás, batendo suas
mãos no encosto da cadeira.
— Ela não me deu uma chave de perna! — rosno com raiva e
o fuzilo com meu olhar.
— Não, não deu, só lhe deixou protetor em relação a ela —
ele fala irônico e balança a cabeça para os lados. — Sempre foi
assim, lhe conheço, primo. Ficou tanto tempo apenas tendo relação
com mulheres frias, como você se tornou depois da cachorra da
Sheila, que agora que encontrou algo real, ficou sem direção.
Ele me olha e respira fundo quando nego com a cabeça, o
desmentindo. Não é isso.
— Não é bem assim!
— Não? — Ele ri e cruza suas pernas. — Vamos ver. Tirando
Pamela, nunca trepou mais de uma vez com a mesma mulher,
sempre odiou qualquer tipo de dependência ou vínculo com as suas
parceiras de transa, tanto que era por isso que nunca as levava para
sua casa e muito menos ia para a casa delas. E nem vou falar sobre
o fato de você cancelá-las, se alguma tentasse chegar perto dos
meninos. Agora está envolvido com uma mulher que mora dentro da
sua casa, e pelo que posso ver, ao julgar por esse olhar de cachorro
vadio, está tão fodidamente frequentando o parquinho de diversão
dela, que seu amigão aí já sabe achar o caminho de casa sozinho.
Ele me dá um sorriso cretino e cruza seus braços, me
olhando com cinismo quando fecho meu semblante e o encaro com
raiva.
— Cai fora da minha sala! — rosno para ele, soltando o ar
pelas narinas quando bufo. Ralf cai na gargalhada, negando com a
cabeça.
— Senhor Sánchez. — A voz da minha secretária se
anunciando, sendo seguida pelas batidas na porta, me fazem olhar
para lá, e é o que me impede de o chutar para fora do meu escritório
antes que eu o esgane.
— Pode entrar, Bella — falo alto, ignorando a cara canalha do
meu primo.
— Aproveitei que estava vindo lhe trazer uns documentos, e
trouxe um café. — A sorridente mulher de óculos de graus, com
uma trança comprida caindo por seu ombro, entra na sala
segurando uma pasta de documentos embaixo do braço e uma
xícara de café em suas mãos.
— Pontual como sempre, Bella! — Sorrio para ela com
educação e estico meu braço, pegando a xícara.
Troco a taça de vinho pela xícara de café, empurrando a taça
para perto de Ralf. Vejo a face dele olhar da minha xícara de café
para a secretária, arqueando sua sobrancelha.
— E o meu, onde está, señora? — Ele a olha, franzindo sua
testa.
A sorridente secretária vira seu rosto para ele e lhe dá uma
fechada de cara, arrumando os óculos em sua face antes de
retornar a me olhar, o ignorando.
— Aqui estão as fichas de pagamentos dos funcionários,
apenas preciso da sua assinatura. — Ela me estende uma pasta,
que pego, enquanto balanço a cabeça para ela. — E esse aqui é o
que me pediu quarta-feira, de tarde. — Ela sorri e me mostra uma
ficha de matrícula em uma escola que dá aula para adultos à noite.
— Eles me mandaram apenas ontem, depois do meu expediente
por e-mail, por isso consegui lhe mostrar só agora.
— Eles têm vaga? — Abaixo meu rosto, lendo o documento
quando o pego.
— Sim, eles ainda têm. — Ela desce suas mãos e entrelaça
seus dedos na frente do corpo, me dando um largo sorriso. — Bom,
é para começar na próxima turma que eles abrirão no final do mês.
Eu tentei acelerar o processo, com medo de perder a vaga, por isso
tomei a liberdade de ligar em sua casa para pegar as informações
que preciso...
— Do que estão falando? — Ralf a corta, olhando dela para
mim e ganhando uma bufada da secretária quando ele a olha
desconfiado.
— Um supletivo para adultos, para concluir os estudos — falo
para ele, mantendo meus olhos na matrícula. — Ela repassou as
informações?
Ergo minha cabeça e olho Bella, a vendo negar com a
cabeça, dando um passinho à frente.
— Não?
— Não, ela não estava em casa, por isso estou entregando
para o senhor. Preciso que ela preencha o formulário, para assim eu
poder dar continuidade na matrícula dela.
— Viu, mais um ponto para mim! — Olho para Ralf e cerro
meu maxilar quando ele fala, rindo, virando o rosto para Bella, que o
ignora. — Cadê meu café, mujer?
— Damaris informou para onde a senhorita Zara foi? —
pergunto sério, retornando minha atenção para minha secretária.
— Damaris apenas disse que ela tinha saído de carro. —
Bella me dá um sorriso educado, soltando seus braços e batendo a
lateral da sua mão na saia do seu terninho.
— Por que não trouxe meu café? — Ralf a incomoda
novamente, ganhando dela um revirar de olhos.
— A cafeteira está no andar de baixo, acho que o senhor
sabe onde fica. Pode ir buscar seu café quando estiver com vontade
de tomar.
— Está vendo isso? — Ralf fala, indignado, apontando para
Bella. — Essa secretária abusada sabe que eu posso mandá-la
embora, não é?!
— Na verdade, não, porque na minha carteira de trabalho,
meu patrão é o senhor Sebastian, não você.
Observo os dois batendo boca, como de costume, mas minha
mente não está concentrada neles, e sim na agitação que está
crescendo dentro de mim. Ainda está cedo para ir buscar Tulho na
escola, Tina nunca sai com o carro sem ser para ir buscá-lo. Se
precisava sair, por que não me avisou quando estivemos juntos
mais cedo?! Ela não me falou nada.
— Fique a señora sabendo que posso substituir você por
uma secretária duas vezes melhor, apenas com um piscar de olhos.
Uma secretária que traga café para os dois chefes, e que não fica
puxando o saco só de um.
Afasto minha jaqueta e retiro o celular do bolso interno,
desbloqueando a tela.
— Se quer uma pessoa que lhe sirva café, porque tem
preguiça de ir buscar, sugiro que contrate uma copeira. — A troca
de farpas dos dois continua, enquanto abro o aplicativo de
rastreamento vincular que tem nos meus carros, digitando a placa
do jipe que fica com Tina, que ela usa para ir buscar Tulho.
— Está ouvindo isso, Sebastian? Por que eu pago uma
mulher para trabalhar para mim se ela me odeia? — Ralf fala bravo,
fuzilando-a com o olhar.
— Primeiramente, quem paga o salário dela sou eu — falo
sério, encarando o pontinho vermelho que mostra o local exato que
o carro está. — Segundo, o fato dela lhe odiar é o que me faz saber
que ela é a melhor pessoa para estar nesse cargo.
Me levanto e empurro a cadeira, guardando o celular no
bolso e pegando as chaves do meu carro. Dou uma rápida olhada
entre a face sorridente de Bella e a rabugenta de Ralf.
— Bella, repasse tudo que precisa para Ralf, preciso sair
agora, para resolver uns assuntos. — Dobro a folha da matrícula, a
guardando no bolso.
— Oh, merda! — Ela solta um xingamento baixinho, bufando
chateada. Minha sobrancelha arqueia e a encaro, mas rapidamente
ela arruma sua postura, disfarçando seu aborrecimento. — Quer
dizer, claro, senhor.
— Como assim Bella repasse as coisas para Ralf? — Meu
primo me olha sem entender, falando apressado quando me vê
dando a volta na mesa. — Eu tenho uma reunião, se lembra? Não
quero perder meu compromisso para ficar aqui com essa secretária
narcisista.
— Tenho certeza de que tem lábia suficiente para remarcar
sua reunião para outro dia. — Passo por ele e dou uma leve tapinha
em seu ombro.
— Oh, não, Sebastian, espera...
— Devia ter ido quando eu lhe mandei, Ralf — falo enquanto
caminho, não me virando para eles.
CAPÍTULO 19
O PAGAMENTO

SEBASTIAN SÁNCHEZ

Guardo a chave do carro no meu bolso e solto uma longa


respiração, observando o carro que deixo com Tina estacionado em
uma rua de comércio no centro da cidade. Retiro os óculos escuros
e os ergo para o topo da minha cabeça. Viro e inalo o ar com força,
encarando a loja de roupas do outro lado da calçada. Rosno baixo e
repuxo a ponta do meu nariz, não sabendo ainda o que me fez agir
assim, me fazendo parar em frente ao endereço onde o sinal do
GPS apontava. Olho para os lados ainda incerto, levando minhas
mãos ao bolso e caminhando para a loja. Passo pelas portas
abertas e faço uma rápida vistoria no local enquanto ando, vendo os
expositores de roupas femininas e algumas mulheres distraídas
observando os manequins, ao mesmo tempo que vendedoras
andam de um lado ao outro, mas nenhuma das faces é a que busco.
— Você está perdendo o juízo, Sebastian! — me recrimino e
ranjo meus dentes, caminhando entre os expositores.
Sim, com toda certeza estou completamente sem juízo, não
acreditando que fui governado por uma agitação incômoda, que
nublou minha mente e me fez agir como um cão farejando sua
presa, que tinha escapado da toca. E essa sensação nova que me
aflige, por não gostar de saber que ela tinha saído sem meu
conhecimento. Não sei dizer se é efeito do maldito veneno que
Sheila tinha posto em minhas veias quando me traiu dentro da
minha própria casa, ou se é apenas a loucura para a qual Tina me
arrastou quando me fez virar um cativo em seu feitiço. Talvez seja
os dois, tanto o sabor amargo da traição sendo mesclado com a
luxúria, me deixando duplamente mais possessivo. Não gosto de
como me sinto. Me conheço e sei que é mais forte, quase beirando
a uma insanidade. E ter vindo atrás dela, andando pelos corredores
dessa loja, me comprova o quão perigoso isso está se tornando.
— Posso lhe ajudar, senhor? — Meu rosto vira para a mulher
de sorriso largo, que está parada ao meu lado.
— Não! — a respondo rápido e nego com a cabeça, voltando
a olhar pela loja.
— Tem certeza? Porque se estiver procurando algo para sua
esposa, posso lhe mostrar a nova coleção de primavera que
chegou, está linda...
Nego com a cabeça, não olhando para ela, ficando
concentrado no terceiro corredor à esquerda, onde enxergo um topo
de cabeça de cabelos negros perto das araras de roupas. Estreito
meus olhos e dou um passo à frente, tentando a ver, mas ela se
mantém escondida atrás das roupas, me dando apenas a visão da
sua cabeça.
— Do que ela gosta? Temos de tudo, vestidos, saias, até
roupas mais sociais...
Solto uma bufada de ar, deixando meu estado de humor, que
está ficando irritado, visível para a vendedora, que se cala quando
viro meu rosto para ela e a encaro.
— Não preciso de ajuda — falo breve e estico meu pescoço,
olhando sério na direção do topo da cabeça da terceira fileira de
roupas, que começa a se mover.
Caminho, abandonando a vendedora e andando a passos
lentos, seguindo a direção que os cabelos negros tomam. Mas paro
assim que a mulher corta as araras e passa por um corredor à
minha frente. Tirando os cabelos negros e a baixa estatura, não tem
nada a ver com Tina.
— Mierda! — rosno, baixo, e solto o ar pesado pela boca.
Fecho meu semblante ainda mais e a encaro emburrado, por
não ter encontrado ainda o que estou procurando nessa loja. Ela
ergue sua cabeça e me olha curiosa, abrindo um sorriso largo, mas
o desfaz rapidamente, quando nota que não a retribuo.
— Sei que disse que não, mas realmente não quer ajuda?
Posso lhe mostrar uns vestidos lindos... — A voz da vendedora
insistente atrás de mim me faz bufar enquanto fecho meus olhos,
me sentindo patético por estar aqui.
— Nã... — Eu não chego a finalizar a palavra, quando um
som inconfundível de uma risada escandalosa se faz.
Abro meus olhos e giro meu pescoço para a direita, seguido o
som de onde vem, notando uma sala grande com um sofá redondo
vermelho ao centro, com duas portas grandes à direita me deixando
supor que é o provador.
— O senhor...
— Vestidos! — falo rápido e me viro para a vendedora,
achando uma forma de fazê-la me deixar em paz, para que possa ir
até perto do provador. — Quero vestidos.
— Ok, vestidos. Tem uma ideia de qual seria o tamanho
dela... — Ela me dá um sorriso amarelo.
— Tamanho pequeno, 38 ou 40. Tem 98cm de busto, sua
cintura é fina, beirando 74cm. — Giro meu rosto quando uma outra
risada mais alta se faz, me fazendo ter certeza de que é Tina. —
Mas, em contrapartida, os quadris são largos, cerca de 99cm. Ela
tem 1,59m de altura. — Volto meu rosto para a vendedora,
finalizando a informação sobre o tamanho de Tina, o qual minhas
mãos conhecem cada palma. — Precisa de mais alguma coisa?
A pequena boca da vendedora se fecha e ela pisca
rapidamente, me encarando com surpresa. Sua cabeça nega
lentamente.
— Eu... eu já volto — ela balbucia e se vira, caminhando
devagar na direção das araras no quarto corredor.
A risada alegre repercute outra vez, e meus olhos se
concentram na direção do provador, deixando meus passos se
direcionarem para lá. Observo as portas fechadas, olhando para
cada uma delas.
— Achei tão lindo, mas meu rabo ficou espremido nele.
Meu corpo se vira ao ouvir a voz de Tina vindo de trás de
mim, falando chateada. Arqueio minhas sobrancelhas e encaro as
grandes cortinas negras de veludo, que vão do teto ao chão,
fechadas.
— Que acha? Já pensou eu mostrando a calcinha para todo
mundo sempre que for lhe beijar? Seria uma cena e tanto. — Ela ri,
falando com a voz dengosa. — Talvez eu o leve e o use só para
você, nosso showzinho particular.
Dou um passo à frente, deixando meu cenho mais fechado,
enquanto a veia na lateral da minha testa pulsa forte. Com quem
diabos ela está falando? E quem ela beijará?
— Nem pense em fazer isso, nem paguei a calcinha e já quer
rasgá-la! — Meus olhos ficam semicerrados e resmungo baixo. —
Me dê ela aqui, seu safado!
Um hombre?!
Minha mente dispara um sinal vermelho dentro dela,
enquanto rosno baixo e encaro a cortina.
— Não morde meu peito... — Tina fala, rindo de uma forma
íntima. — Cristo, me dê essa calcinha agora...
Antes mesmo que possa pensar, minha mão se ergue e dou
um passo à frente, abrindo a cortina do provador de uma única vez.
— Señorita! — rosno alto, sentindo uma bola de fogo me
consumindo por dentro, tirando meu controle ao saber que ela está
com um homem dentro desse provador.
Meus olhos passam da mulher inclinada para frente, em um
cabo de guerra, tentando recuperar a calcinha das mãos do meu
suposto adversário, que está zangado e tenta a morder, com o rosto
dele enterrado em suas mamas, no decote grande do vestido
vermelho colado ao corpo dela. A face dela se vira para mim na
mesma hora e ela solta a calcinha, assim como a dele tomba para o
lado, me dando um risinho banguela, sentando-se no carrinho. Ele
solta um gritinho e bate suas mãos, com o tecido de renda vermelho
em seus dedos, me mostrando que foi o vencedor do cabo de
guerra, ganhando a calcinha como prêmio. Sinto a pressão do
sangue em minhas veias ir diminuindo, assim como minha vista
voltando ao normal e dissipando o vermelho que minha mente tinha
disparado dentro da minha cabeça.
— Senhor Sánchez! — Tina me olha nervosa, com seu peito
arfando, me fazendo olhar do seu rosto para seu seio babado.
— Dios! — Fecho meus olhos e nego com a cabeça, não
acreditando que quase perdi a cabeça apenas ao imaginá-la com
um homem. — É Roaquim, eu pensei...
— Como é Roaquim? — ela fala, confusa. Meus olhos se
abrem e olho para ela, me sentindo envergonhado por parecer um
boçal. — O que pensou?
Tina se aproxima do carrinho e puxa um paninho do
pequeno, passando sobre suas mamas, as limpando.
— Espera! — A cabeça dela se ergue para mim e bate seu
pé no chão, estreitando seu olhar e me encarando. — O que faz
aqui, para começo de conversa, senhor? E com quem pensou que
eu estava?
Pigarreio e encaro o pequeno que me observa curioso, como
se fizesse a mesma pergunta que ela.
— Eu vim... — Olho para meu filho, como se ele pudesse me
ajudar a explicar essa cena constrangedora, a qual não acredito que
eu mesmo me coloquei. — Estava...
— Os vestidos, senhor. — Me viro, olhando para a vendedora
que chega com vestidos, os segurando em seus braços. Nunca
pensei que me sentiria contente por ser interrompido.
— Veio comprar roupa? — Tina pergunta, curiosa, cruzando
seus braços e olhando de mim para a vendedora.
— Sim, tia Aurora... Ela gosta de vestidos — falo rápido,
dizendo a primeira coisa que vem na minha cabeça. — Pensei em
dar de presente para ela em seu aniversário.
Pigarreio novamente, disfarçando meu olhar, o deixando
preso em Roaquim, que ri para mim, como se não acreditasse em
minhas desculpas esfarrapadas.
— Separei os mais belos. Veja, esse seria do agrado dela? —
Não olho para a face de Tina, que me encara com seus braços
cruzados. Dou minha completa atenção para a vendedora, como se
realmente tivesse vindo até aqui para isso. — Ele é lindo, não é?
Fico sério, olhando o vestido que ela segura pelo cabide, o
qual é perfeito em um tom rosa clarinho e alças finas, com a saia
redonda e cintura apertada. O decote em V daria uma perfeita visão
dos seios de Tina, o qual, com toda certeza, modelaria ainda mais
seu corpo, a deixando linda.
— Acha mesmo que sua tia usaria esse vestido? — ela diz,
dando um risinho e me fazendo olhar para ela, que está admirando
o vestido.
— Não gostou? — pergunto para ela e sinto aquela agitação
forte batendo em meu peito novamente.
— Não, pelo contrário, eu o achei muito bonito — ela fala e
dá um sorriso de ladinho, movendo sua face para mim e me fazendo
ficar perdido em seus olhos de ressaca, doces e sedutores. —
Apenas penso que não parece muito com o tipo da sua tia. Pelo que
pude ver, ela gosta de brilho, de cores reluzentes...
— Bom, então vou procurar algo mais baseado nesse gosto.
— A vendedora sorri para Tina. — Precisa de mais alguma coisa,
senhorita? Posso aproveitar que vou lá buscar outro vestido e trazer
mais roupas para você.
— Oh, não, eu já separei o que vou levar! — ela responde a
vendedora, se virando para o provador. — Bom, eu preciso vestir
minha roupa agora, boas compras, senhor!
— Experimente esse — falo rápido, retirando o vestido da
mão da vendedora, olhando-o antes de estender para Tina.
— Não, não, eu já escolhi minhas roupas. E nem tenho
aonde ir com esse vestido...
— Precisará dele para ir ao aniversário. Não achou que tia
Aurora lhe deixaria escapar dessa festa, certo?! — Empurro o
vestido para ela, falando sério.
— Terei que ir? — Ela arregala seus olhos, mordendo o
cantinho da boca. — Pensei que ficaria em casa cuidando de
Roaquim, afinal, é uma festa, talvez ele prefira ficar quietinho em
casa comigo... — Ela aponta para ele e gira seu rosto. — Oh, céus,
Babão, nem pense em fazer isso!
Ela estica sua mão e retira a calcinha dele quando a boca do
pequeno já está aberta, levando a etiqueta para dentro. Roaquim
bate suas mãos, zangado, no carrinho, olhando bravo para ela, por
ter tirado seu prêmio do cabo de guerra. Ele olha para mim e
balbucia, enquanto bate suas mãos mais forte, como se eu pudesse
a obrigar a entregar a calcinha para ele.
— Eu vou levar essa aqui, viu?! — Tina solta um suspiro,
olhando a calcinha babada e encolhendo seus ombros, olhando sem
graça para a vendedora que a encara.
Dou um passo à frente e entrego o vestido para ela, retirando
a calcinha dos seus dedos, não lhe olhando quando me aproximo de
Roaquim e o tiro do carrinho, o pegando no meu colo.
— Experimente, Roaquim e eu ficaremos aqui fora lhe
esperando, para nos mostrar.
— Mas...
— Pode deixar os outros vestidos em cima do carrinho. —
Balanço minha cabeça para a vendedora, que automaticamente faz
o que peço, deixando as roupas em cima do carrinho de bebê.
— Não, não precisa, eu não vou comprar muita roupa, era
apenas uma peça. E, outra, eu e sua tia nem temos o mesmo
tamanho, esses vestidos não vão me servir... — Tina abaixa a
cabeça, olhando o vestido, se calando quando pega a etiqueta. —
Ela usa meu tamanho?
— Acho que precisa de sapato para experimentar esse
vestido, uma sandália salto fino, negra. Que acha? — Me sento no
sofá e arrumo Roaquim no meu colo, falando com a vendedora.
— Oh, sim, uma preta com brilhantes ficaria perfeita. Tenho
uma que vai combinar muito com esse vestido.
— Sandália... Mas eu não...
— Eu sei o número do calçado dela, peguei uma rasteirinha
para ela. Só um segundo que já volto, senhorita! — Sorrio para Tina,
vendo sua face ainda em choque quando a vendedora fecha a
cortina em sua cara.
A mulher se vira para mim, demonstrando sua felicidade ao
saber que sua comissão aumentará.
— Tem mais provadores na loja? — Abaixo meu tom de voz,
perguntando para ela e esticando minha mão, a chamando para que
se aproxime.
— Oh, sim, no segundo andar ainda tem mais três... O
senhor...
— Se garantir que ela será a única a usar esse espaço, o
deixando reservado para nós, lhe garanto que será seu melhor dia
de venda! — Arqueio minhas sobrancelhas, falando sério, quase
podendo ver os cifrões brilhando nas íris da vendedora.
— Ela será a única nesse espaço, senhor. — A jovem sorri
para mim e balança sua cabeça em positivo.
— Ótimo. — Levo minha mão ao bolso da calça e retiro
minha carteira, deixando a calcinha em meu joelho, enquanto tento
pegar o cartão com uma mão, porque a outra está circulando a
cintura de Roaquim, sentado em minha perna. — Traga mais roupas
para ela e sapatos, roupas íntimas, tudo que ela precisar. —
Estendo o cartão para a vendedora. — Sempre que eu lhe sorrir a
cada roupa que ela experimentar, pode confirmar a compra.
A vendedora morde sua boca e sorri para mim, esticando sua
mão e pegando o cartão, confirmando que entendeu ao dar uma
balançada de cabeça em positivo, antes de virar e sair rapidinho.
— Nunca imaginei que dona Aurora vestia roupas do meu
tamanho. — A voz de Tina sai alta dentro do provador. — Acredita
que serviu certinho...
— Que coincidência, não?! — falo, abaixando meus olhos
para Roaquim, dando uma piscada para ele. Seu braço se estica e
ele se torce, tentando pegar a calcinha em meu joelho.
— Sim, muita. Ele coube certinho em mim.
Tanto eu como Roaquiim erguemos nossos rostos para Tina
quando ouvimos sua voz, e a cortina de veludo se afasta. O vestido
parece ter sido feito para ela, destacando cada curva feminina da
pequena mulher, não sendo nada comparado com aquela coisa
estranha que ela usava para se cobrir por inteiro. Os braços estão
de fora, com a fina risca do tecido nos ombros, sua cintura está
ainda mais modelada, com seus quadris largos e belos se
destacando com a saia rodada. Ela morde o cantinho da boca e vira
lentamente, dando uma voltinha. E se achei que a visão daquele
decote estava linda, foi apenas para sentir minha garganta se
arranhar quando suas costas nuas ficam diante dos meus olhos,
com o comprimento da saia parando a um palmo para baixo do seu
rabo empinado.
— Angu... guuuu! — Roaquim balbucia, batendo palminhas e
olhando para ela.
— É, eu concordo — murmuro para Roaquim, que está a
admirando assim como eu.
Ouço o som da risada de Tina, que vira seu rosto e olha para
nós por cima do ombro, me fazendo arfar quando seus olhos
sedutores e negros piscam para mim com brandura.
— Satisfeito? — Ela sorri, mordendo seus lábios. — Posso
vestir minha roupa agora, señor?
— Me deixe ver como os outros ficam. — Pigarreio e desvio
meus olhos dela, sabendo que estou a um passo de ficar parecido
com Roaquim, babando enquanto lhe admiro.
— Que lindo que ficou esse vestido em você, senhorita! — A
vendedora se aproxima, retornando, trazendo cinco caixas de
sandálias em seus braços. — Precisa experimentar com a sandália,
vai ficar ainda mais deslumbrante!
— Oh, mas... — A vendedora é ligeira, a distrai e abre a caixa
de sapatos, lhe mostrando as sandálias, enquanto observo o sorriso
tímido de Tina quando seus olhos focam na caixa aberta. — Cristo,
é linda...
— Sim, e ficará mais linda ainda em você. — Ela entrega a
caixa para Tina e fecha a cortina, se virando para mim, me olhando
ansiosa.
Sorrio para ela, balançando minha cabeça em positivo, me
virando para o pequeno que está babando na porcaria da calcinha,
a esmagando em seus dedos, olhando e rindo para mim. Ele deve
ter pegado a calcinha quando eu estava distraído, admirando Tina.
— Sabe que nós dois estamos perdidos, não é?! — Nego
com a cabeça e rio para ele, beijando sua bochecha e o fazendo rir
também. — Me dê essa calcinha aqui, parceiro.
Pisco para ele e retiro a renda da sua mão, abaixando meus
olhos para ela e vendo a diabólica peça íntima delicada.
— Muito perdidos! — murmuro, deslizando meus dedos pelo
tecido.
— Angu... guuuu! — Dessa vez quem concorda com minhas
palavras é Roaquim, que grita alto, batendo palminhas.

— Especial da casa, senhor? Bifes acebolados? — A


senhora de idade para ao lado da mesa, onde estou com os
meninos, tirando uma caneta que está presa em sua orelha e o
bloco de pedidos do avental em sua cintura.
— Para mim sim, para eles pode ser frango. — Tamborilo
meus dedos na mesa, antes de olhar para os garotos. — Pode
trazer refrigerante...
— Ok. — Ela sorri para eles.
— Não, com licença — Martin a corta e ergue sua mão, a
fazendo olhar para ele, falando apressado. O rosto do meu filho gira
para mim e me dá um olhar de recriminação. — Para um homem
adulto que se exercita, não entende muito de nutrição, papai.
Arqueio minhas sobrancelhas quando Martin fala seriamente
para mim. Vejo Tulho segurar o riso, enquanto Miguel brinca com o
porta-guardanapo.
— Não quer frango? Todos saíram de casa dizendo que
queriam jantar fora... — Olho Martin, ficando curioso com a face de
homenzinho dele intelectual, me negando com a cabeça.
— Sim, mas eu não disse que queria frango. Saiba o senhor
que frango e batata frita contêm mais de mil calorias e 50% de
gordura. Essa gordura pode causar doenças do coração e até
câncer. — Pisco rapidamente, ainda o encarando, o vendo falar
apressado, com seu peito estufado, como se fosse um pequeno
nutricionista à minha frente. — O senhor e os meus irmãos podem
comer isso, mas eu pretendo chegar aos meus trinta anos com as
veias do meu coração desentupidas, sem gorduras.
Quando Martin para de falar, estou sendo encarado por um
par de olhos aristocratas de um pequeno rapaz franzino, que me dá
um olhar de reprovação. Viro meu rosto para a garçonete, que está
olhando atenta a cena, e retorno a olhar Martin, balançando minha
cabeça em positivo, não tendo nem palavras para argumentar com
ele, a pequena enciclopédia que me enche de orgulho.
— E então, o que vai querer? — pergunto, dando uma rápida
olhada em Tulho, que ainda segura seu riso.
— Salada de atum, pão integral torrado e água mineral com
limão. — Martin estica seu braço sobre a mesa, sorrindo para a
garçonete e fazendo seu pedido. — Por favor.
— Tudo bem, então. — A garçonete anota o pedido dele,
olhando para os outros. — Mais alguém quer mudar?
— Não, eu quero frango com batata e refrigerante. — Tulho
cai na risada, jogando um canudo em Martin. — Seu nerdzinho.
— Parem os dois! — Os freio, erguendo minha mão e
apontando para Miguel. — Rapaz, e você, quer mudar seu pedido
também?
— Posso comer a sobremesa antes? — Ele ri para mim de
forma arteira, e nego com a cabeça, retornando meus olhos para a
garçonete.
— Frango para ele também. O meu pode mudar, vou querer o
mesmo que o dele. — Faço um gesto de cabeça, apontando para
Martin, lhe dando uma piscada quando o olho.
Perco meus olhos pelo restaurante, os parando na mesa ao
fundo, vendo a mulher sentada, rindo com um bebê em seu colo. A
mão dele se ergue e alisa seus cabelos, enrolando os fios em seus
dedinhos pequenos. Um homem se aproxima e senta na mesa, ao
lado dela, passando seu braço por trás da cadeira e apoiando a mão
dele no ombro dela. Solto um suspiro pesado e estufo meu peito
para frente, arrastando minhas pernas embaixo da mesa, as
deixando abertas. Viro meu rosto e encaro a janela, aborrecido, não
entendendo por que minha atenção ficou presa naquela cena,
mesmo dentro de mim sabendo o motivo. Não foi a cena que me fez
ficar olhando, mas sim imaginar que podia ser Tina sentada ao meu
lado, com Roaquim em seu colo, enquanto sorria e brincava com
Tulho, Miguel e Martin. E poderia ter acontecido se aquela mujer
não fosse uma mula teimosa. Ainda posso ver seus olhos negros,
brilhando como duas tochas, enquanto me encarava zangada, como
se eu tivesse feito a pior coisa do mundo, e não que apenas quero a
ver bela. Não entendo aquela mulher, criatura terrível!
— Então, qual escolheu para sua tia? — Ela sai do provador
segurando sua bolsa, já vestida com suas roupas.
— O quê? — Olho para ela, lhe entregando Roaquim quando
seus braços esticam, com o traidor se jogando nos braços dela todo
sorridente.
— Ora, como o quê? O vestido. Vai me dizer que me fez
provar todas aquelas roupas e não escolheu nenhuma? — Ela ri, o
abraçando com denguice.
— Oh, sim, os vestidos. Eu escolhi alguns. — Pigarreio e
estico meu braço para o carrinho, o puxando comigo.
— Fico contente que tenha ajudado. — Ela se vira para mim
e me olha com um sorriso doce. — Bom, agora tenho que ir, preciso
passar na outra loja no fim da rua, quero comprar um telefone para
mim. Acho que ainda dá tempo, antes de ir buscar Tulho. Onde será
que aquela vendedora simpática se meteu com as roupas que
separei para levar...
— Elas já estão no carro — a respondo breve, apoiando
minha mão em suas costas, a direcionando para seguirmos para a
saída da loja. — Junto com as outras que você experimentou.
— Como assim no carro? — Tina freia na mesma hora,
girando para mim. — Mas eu preciso pagar por elas...
Ela se cala e abre sua boca, dando um passo para trás
quando compreende o que eu lhe disse. Olha na direção do
provador antes de me olhar.
— Aquelas roupas que me fez experimentar não eram para
sua tia, não é... — Ela faz mais uma afirmação do que uma
pergunta, ficando com seu olhar perdido, segurando Roaquim em
seus braços. — Pagou por elas, por todas aquelas roupas...
— Sim. — Não desminto e muito menos nego. Tinha pagado
por tudo e pagaria até mais, se ela quisesse levar a loja inteira. Ver
o sorriso de Tina enquanto abria o provador, me mostrando as
roupas, era algo que não tinha preço. Um sorriso doce com olhar
meigo, brincando comigo e Roaquim enquanto nos presentava com
um desfile particular.
Não me recordo de algum dia ter feito isso com Sheila, ela
normalmente não gostava das minhas opiniões, sempre comprava o
que queria. Jamais passei uma tarde com uma mulher, a vendo se
trocar apenas para mim. E tudo em Tina é novidade. Ela ficou bela
em cada vestido que experimentou, com as sandálias também, até
com as lingeries que tinha pedido para a vendedora trazer, as quais
ela experimentou, mas se recusou a me deixar ver. Cristo, ela era
um espírito livre, brincalhão, me fazendo rir a cada arte sua!
— Por favor, cancele o pagamento, senhor. — Pisco,
confuso, olhando sua face triste, não entendendo o que se passa, o
porquê da sua cólera.
Qualquer mulher estaria sorridente, de orelha a orelha, e não
me dando um olhar como se eu tivesse cometido um crime capital,
como Tina está me dando agora.
— Estão pagas, não tem por que cancelar. — Nego com a
cabeça, cerrando meu maxilar e falando sério.
— Mas precisa, tem que cancelar esse pagamento. — Ela se
vira e olha entre os corredores. — Onde está aquela vendedora?
Ela vai cancelar...
— Señorita! — Seguro seu braço, a impedindo de se afastar
e a fazendo me olhar. — Estão pagas, eu paguei, posso muito bem
pagar pelas roupas, não compreendo qual o problema...
— Esse é o problema, senhor! — Ela puxa seu braço, se
desvencilhando dos meus dedos, enquanto dá um passo para trás e
balança o pequeno nos braços. — Não devia ter pagado nada...
— Dios, mujer! — Esfrego meu rosto e inalo o ar com força.
— Se não vai cancelar, me diga o preço, me fale quanto lhe
devo, eu devolvo o seu dinheiro. — Abaixo minhas mãos, a vendo
nervosa, esticando seu braço e abrindo a bolsa dela.
Meu rosto gela, ficando como aço puro, e enrijeço cada
músculo do meu corpo quando meus olhos reconhecem o malote
amarelo de papel.
— Não! — rosno a palavra com frieza, com a mesma saindo
amarga por minha boca.
— Eu posso devolver, apenas me diga quanto foi... — Tina
ergue seu rosto para mim e me olha nervosa. — Lhe pago agora em
dinheiro.
— Não, Tina! — Eu não queria deixar minha raiva ficar tão
estampada em meu rosto quanto julgo que ficou, pela expressão
assustada dela, mas não tenho controle, não quando sei qual foi o
custo desse dinheiro. — Não quero seu dinheiro.
Quem dá um passo para trás dessa vez sou eu, me virando
de costas e sentindo o ar entrando em meus pulmões como fogo.
— É dinheiro, pode o receber... — ela fala apressada,
respirando depressa. — Meu dinheiro é como de qualquer outra
pessoa, senhor... Por favor, me diga quanto custou as roupas, para
eu lhe devolver.
Me viro quando sua mão toca meu ombro, enxergando o
dinheiro em sua mão, enrolado em um elástico, com seu braço se
esticando para mim.
— Por favor, Sebastian. — Tina me olha ansiosa, com sua
mão tremendo, tentando me fazer pegar o dinheiro.
— Não quero a porra de um dinheiro que veio de... — Me
calo e puxo meu braço para trás, pressionando minha mão em
punho ao lado do corpo.
Fecho meus olhos e nego com a cabeça. Não quero ela com
esse dinheiro, e nunca aceitarei uma nota que seja de um dinheiro
amaldiçoado, um dinheiro que veio de uma condenação de uma
alma pura como a dela.
— Que veio de uma puta. — Abro meus olhos quando a voz
magoada dela sai carregada de tristeza. — Não pode aceitar o
dinheiro que veio de uma puta, não é? Era isso que ia dizer.
Ela abaixa seus olhos e encara o dinheiro, o esmagando em
seus dedos e mordendo o canto da boca, dando um sorriso triste.
Não, não era isso, não se tratava de como ela arrumou, mas sim o
preço que sua alma pagou por esse dinheiro maldito.
— Não, señorita... — Nego com a cabeça, falando rápido, e
estico meu braço para a trazer para perto de mim. — Não está
entendendo, Tina...
— Acho que o señor que não entendeu. Pode não querer
receber o dinheiro que veio de uma puta, mas me fez voltar a ser
uma. — Sua cabeça se ergue e dá um passo para trás, se
afastando de mim, não me deixando tocá-la. — A partir do momento
que pagou, não era mais por Tina. — Ela abaixa sua mão e enfia o
dinheiro dentro da bolsa, abraçando Roaquim e me deixando ver as
lágrimas em seus olhos. — Pagou por Z!
Ela sequer olha para trás quando vira e sai da loja, me
largando lá dentro.
— Pai, podemos brincar no fliperama enquanto nossa comida
não vem? — Martin me tira dos meus pensamentos.
Giro meu rosto para ele e desvio meus olhos da janela,
balançando a cabeça em positivo para meu filho. O vejo se levantar,
rindo, sendo seguido por Miguel, que corre, passando à sua frente e
chegando primeiro nas máquinas de videogame antigas da
lanchonete. Deixo minha atenção ficar presa no rapazinho sentado
do outro lado da mesa, perto da janela, olhando perdido para o
cardápio.
— Não quis ir jogar com seus hermanos, Tulho? — pergunto
para ele, o estudando, notando seus ombros caídos.
— Não estou com vontade hoje, pai. — Sua face vira para
mim, tendo seus dedos batendo lentamente na mesa.
— Está certo. — Cruzo meus braços acima do peito e
balanço a cabeça em positivo. — E então, como andam suas aulas
de dança?
Tulho ri, envergonhado, e abaixa sua cabeça, tendo seu
indicador coçando a nuca, me deixando ver suas bochechas
vermelhas.
— Tina tem me ajudado, ela me disse que eu estou indo
muito bem. — A voz tímida de Tulho murmura, com ele soltando um
baixo suspiro em seguida.
— Mas?
Sua face se ergue quando lhe pergunto, me deixando ver o
olhar triste em sua face. Mantenho meu olhar no jovem rapaz que
sempre me encheu de orgulho, desde o segundo que soube da sua
existência, descobrindo um amor incalculável na primeira vez que
segurei meu primogênito em meus braços. E conheço ele como a
palma da minha mão. Entre os três dos meus filhos de sangue,
Tulho foi o que mais puxou para mim, e sei que algo o está lhe
deixando chateado.
— Quer conversar com seu padre? — Sorrio para ele e
descruzo meus braços, apoiando meus cotovelos na mesa, olhando-
o nos olhos.
— Eu não sei se vou ter coragem de convidar uma garota
para dançar comigo. — Tulho abaixa a cabeça e olha perdido para o
cardápio.
A jovem filha da dona da sorveteria. Tina havia me contado
sobre o sentimento que Tulho tem pela garota. Na noite que a levei
para dormir em minha cama, passei horas olhando o teto do quarto
enquanto sorria, ouvindo-a me contar sobre a primeira paixão de
Tulho. Meu pequeno estava crescendo, descobrindo todas as
emoções que vem com a adolescência.
— Estamos falando sobre a jovem Mel? — Olho para ele, lhe
indagando.
Tulho levanta sua face e me olha tímido, apenas balançando
a cabeça em positivo.
— Se esforçou para aprender a dançar, tenho certeza de que
seria uma lástima a jovem Mel não poder apreciar uma dança com
você. — Sorrio e tombo meu rosto para o lado. — Lembro da
primeira vez que eu convidei uma moça para dançar, foi uma festa
de Quinceañera, a menina era a aniversariante. Eu suava da
cabeças aos pés, enquanto a olhava, tomando coragem para me
aproximar.
— O senhor conseguiu ter coragem? — ele pergunta, me
olhando ansioso.
— No começo, não. Para ser franco, eu cheguei a fazer oito
tentativas antes de pensar em desistir, tinha medo de pisar no pé
dela. — Bato minha mão na mesa, rindo, negando com a cabeça. —
Mas então, quando ela me olhou, eu sabia que desejava que minha
primeira dança fosse com ela, e não podia deixar o medo me privar
disso.
Tulho vira sua face para a janela e olha perdido para o lado
de fora, inalando o ar com força.
— O medo faz parte, mas não podemos renunciar ao que
queremos, caso contrário deixará de viver muitas primeiras
experiências, ainda mais na sua idade...
— Pai, como vou saber se uma garota não vai me magoar,
como a mamãe fez com o senhor? — ele me corta, me fazendo a
pergunta seriamente quando retorna sua face para mim, me
deixando ver o que realmente lhe atormenta.
Me endireito na cadeira e abaixo minhas mãos da mesa,
olhando-o com atenção. Raramente um dos meninos fala sobre a
Sheila, principalmente Tulho, que nem sequer toca no nome dela.
Não porque eu lhe proíbo, pelo contrário, muitas vezes tentei
conversar com ele sobre a mãe. Mas ele se fechava, se trancava
dentro dele, não me dando brecha para continuar o assunto.
— O que aconteceu entre mim e sua mãe, envolveu muitos
fatores, mi hijo. Tanto do lado dela quanto do meu. De certa forma,
nós dois magoamos um ao outro. — Procuro as palavras certas
para conversar com ele, tentando retirar esse veneno da traição,
que não devia ter infectado um coração tão jovem como o do meu
Tulho. — Nem todas as relações são assim, Tulho, mas aconteceu
de mim e sua mãe irmos perdendo o que tínhamos no início, quando
nos casamos. Queria muito poder nunca ter deixado chegar ao
ponto que chegou, principalmente para lhe poupar do que
aconteceu, de ver as falhas que cada um tinha.
Foi tudo denso demais, forte demais para ele. Entrar naquele
quarto e flagrar sua mãe na cama com outro homem, me ver fora de
controle, espancando meu irmão com puro ódio. Não era para ele
ter visto a podridão que tanto Sheila quanto eu tínhamos em nossos
corações. Tulho demorou quase um mês para conseguir me olhar
nos olhos novamente, mas ainda assim sabia que ele enxergava
aquele homem descontrolado, com a face suja de sangue, rosnando
feito um animal e desferindo golpes e mais golpes em Lorenzo.
— Não deixe nossos erros lhe aprisionar, mi hijo, e muito
menos lhe impedir de viver todas as emoções bonitas que é o
primeiro amor. — Respiro fundo, olhando-o sério. — Não se prenda
a isso. Precisa confiar, esse é o segredo. Em si, no seu coração e
no que sente. Porque se deixar isso criar força dentro de você, esse
sentimento irá lhe privar de vivenciar muitas coisas ao lado de
pessoas especiais.
— O senhor deixou seu sentimento criar raiz? — Sua voz soa
confusa, me mostrando sua face pensativa. — Por isso nunca mais
quis arrumar outra pessoa?
— Não! — digo, rindo, balançando a cabeça em negativo. —
Acho que, na verdade, é porque toda mulher se assusta quando falo
que tenho quatro hijos. Isso meio que as fazem repensar a ideia de
se envolver com um quarentão. São muitos Sánchez para elas
terem que lidar de uma única vez.
A gargalhada de Tulho me faz sorrir, e o observo mais
relaxado, dissipando a nuvem cinza que sobrevoava sua cabeça.
Não quero que meu filho sinta o mesmo que eu senti por tanto
tempo, não conseguindo confiar em ninguém.
— Tina consegue cuidar da gente. — Ele solta as palavras do
nada, o que me faz retrair, olhando-o com mais atenção.
— Tina? — indago, rouco, pigarreando. — O que tem Tina?
— O senhor disse que as mulheres se assustam com quatro
crianças, mas Tina não se assustou com a gente — ele fala e dá de
ombros. — Deve ter alguma mulher por aí que se interesse por um
quarentão com quatro filhos, que não se assuste...
— Não ficaria chateado se eu arrumasse alguém? —
pergunto vagamente, como quem não quer nada, o estudando.
Nunca conversamos sobre isso, sobre ter uma mulher novamente
em nossas vidas. — Uma companheira.
— Oh, não! Na verdade, acho que o senhor precisa. Cristofe
disse que o pai dele também era mal-humorado, mas depois que
começou a arrumar namoradas, ele não pegou mais tanto no pé
dele.
— Então quer dizer que mi hijo me acha mal-humorado e que
pego no pé dele! — Arqueio a sobrancelha e cruzo meus braços.
— Não, pai. — Ele ri novamente e nega com a cabeça, tendo
suas bochechas vermelhas. — Apenas acho que seria legal o
senhor encontrar alguém.
Balanço minha cabeça em positivo e puxo o ar com força
para meus pulmões, imaginando como ele reagiria se lhe dissesse
que eu encontrei, que, na verdade, foi ela que me encontrou,
quando o destino a pôs dentro da minha casa.
— Irei pensar sobre isso, talvez, quem sabe, não acho
alguém... que me aceite com meus quatro monstrinhos.
— Acho que se o senhor Dumond consegue arrumar
namoradas com aquele bigodão horrível, o senhor também dá
conta! — Dessa vez quem cai na risada sou eu, quando Tulho retira
um canudo do porta-canudinho em cima da mesa e o leva abaixo do
nariz, fingindo ser o bigode de Dumond.
— Cristo, aquele bigodão é horrível! Se um dia eu ficar com
um bigode daqueles, me chute — brinco com ele, pegando o
canudo e o levando para baixo do meu nariz, falando e rindo. — Já
pensou você indo convidar a Mel...
— Por falar em senhor Dumond, Cristofe disse que o pai dele
está encantado com Tina, desde aquela festa na casa deles. — A
voz de Tulho, rindo, o faz soltar as palavras de forma espontânea.
Isso me faz parar de rir e retirar o canudo do meu nariz,
enquanto o esmago em meus dedos, processando o que ele acabou
de me contar.
— Encantado com Tina? — pergunto, tentando controlar o
tom rouco da minha voz, com o meu lábio superior tremendo
enquanto esmago ainda mais o canudo. — Dumond anda
interessado em Tina, foi isso que Cristofe disse?
— Foi! — Tulho ri, nem percebendo como essa informação
me deixou no mínimo desconfortável, para não dizer enfurecido.
— Encantado... Desde quando um homem se encanta por
uma mulher que ele viu apenas uma vez, e mal conversou com ela?!
— rosno, baixo, e desvio meus olhos de Tulho, encarando os
meninos no fliperama, jogando. — Encantado... — murmuro e rio
amargo, negando com a cabeça. — Velhote emocionado.
— Oh, mas ele a viu mais vezes, só não chegaram a
conversar. Mas ele anda indo buscar Cristofe na escola, e eu
sempre o pego com os olhos em Tina quando ela vai até o portão
para me buscar... — Volto meus olhos para Tulho, tendo a veia na
lateral da minha testa bombardeando sangue mais rápido,
desejando que o canudo em meus dedos fosse o pescoço do hijo da
puta do Dumond. — Cristofe disse que seria legal se Tina e o pai
dele tivessem um lance...
— Lance! — Repuxo meu nariz e esmago meu maxilar
quando a palavra sai da minha boca. — Señorita Zara não tem
lance!
Principalmente com aquele cabrón! Como aquele velho de
mierda está rodeando-a na porta da escola, como uma mosca
impertinente?!
— Acha que se rolar um lance entre eles, Tina vai nos
deixar? — Tulho franze a testa e olha para o cardápio, ficando
pensativo. — Eu gosto muito dela, ia ficar triste se ela nos trocasse
por causa de um lance com um velho bigodudo...
Ele se cala quando ergue sua cabeça, me olhando confuso.
Sinto minhas narinas se dilatando enquanto respiro mais forte,
destroçando o canudo em minha mão.
— O senhor está bem, pai? — Tulho me olha mais atento,
apontando para a lateral da sua testa. — Sua veia parece que vai
explodir...
— Seus pedidos! — a garçonete o interrompe, o fazendo
perder sua atenção em mim e ficando mais preocupado com seu
frango e batata frita.
— Vou chamar os meninos. — Me levanto, sentindo meu
corpo endurecido se afastando da mesa, rangendo meus dentes. —
Hijo da puta! — rosno, baixo, amaldiçoando o velho cretino e
safado.
CAPÍTULO 20
O CAÇADOR DE BICHO-PAPÃO

SEBASTIAN SÁNCHEZ

Inalo o ar com força e encaro o tapete do quarto, ouvindo o


som do chuveiro sendo desligado dentro do banheiro. Fico em
silêncio, parado no mesmo lugar desde o segundo que entrei no
quarto dela, a aguardando sair do banho. Tinha chegado tarde com
os meninos. Roaquim já estava no berço. Levei Miguel adormecido
para a cama, mandando Tulho e Martin irem se deitar também,
depois que se limpassem. Passei em frente da porta fechada do
quarto dela e fui para o meu. Tentei focar minha mente em qualquer
coisa que não fossem seus olhos tristes quando saiu da loja, e no
ordinário do Dumond, que anda querendo arrastar asas para Tina, e
fui para o banho. Mas quando saí, ao invés de ir para a cama, me vi
saindo do quarto e indo para o meu escritório, antes de vir para o
quarto dela.
O som da porta do banheiro sendo aberta me faz erguer meu
rosto, e a vejo sair distraída, secando seus cabelos, usando um
short soltinho e camisetão largo. Seus olhos encontram os meus
assim que ela afasta a toalha dos seus cabelos e me olha perdida.
— Os meninos... — Ela olha para a porta, deixando a toalha
pendurada em seus dedos e abaixando o braço.
— Já estão dormindo — a respondo sério, desviando meus
olhos dela e encarando a cama, inalando o ar com força. — Passei
apenas para lhe entregar isso. — Levo a mão ao bolso esquerdo da
calça do pijama e lhe estendo o papel quando o retiro.
Volto meus olhos para ela, a vendo receosa, olhando para o
papel em minha mão antes de dar um passo à frente e o pegar em
seus dedos, abaixando o rosto e o lendo.
— Mas está dizendo aqui que é...
— Um recibo do adiantamento do seu pagamento. — A
cabeça dela se ergue quando falo no seu lugar. — No valor das
suas compras. Já que faz tanta questão de pagar pelos presentes
que eu lhe dei, tome isso como um adiantamento, então.
Fisgo o canto da boca e inalo o ar com força, desviando
meus olhos dos seus, olhando para a porta do quarto.
— Será descontado do seu próximo salário. — Giro meu
rosto e sinto as palavras saindo pesadas da minha boca, a olhando.
Um pequeno sorriso se molda no canto dos seus lábios
enquanto observa o papel em sua mão.
— Obrigada, señor. — Seus olhos se movem e param nos
meus, com sua face pequena parecendo de uma menina que
acabou de ganhar seu melhor presente.
Balanço minha cabeça em positivo e respiro fundo, levando
minha mão ao bolso da calça e me virando para partir desse quarto,
embriagado pelo aroma de morango, o qual me faz ser fraco diante
dela. Estico meu braço para a maçaneta e a giro.
— Sebastian, eu...
— Não aceitei seu dinheiro, não porque veio de uma puta...
— Meu rosto se retrai enquanto esmago com força o metal da
maçaneta, encarando os nervos das minhas mãos ficando rígidos.
— Não aceitei seu dinheiro, porque ele veio da sua desgraça, das
suas lágrimas e da sua dor.
Mantenho meus olhos nos nervos da minha mão e grunho
baixo, não olhando para ela, me mantendo de costas para que ela
não veja como tudo que ouvi dentro desse quarto, quando ela me
confidenciou seu passado, me deixa enfurecido. Desejo esmagar
cada um que a quebrou, que lhe tirou sua inocência, a jogando
nesse mundo sujo.
— Se paguei, foi apenas porque quis, porque me senti bem
lhe presenteando, vendo seu sorriso, passando uma tarde dentro
daquele provador e ouvindo sua risada. Não a de Z, mas a de Tina
— falo com firmeza, me virando e a olhando sério, negando com a
cabeça. — Então não me acuse novamente por pagar por Z, não
quando tudo que meus olhos enxergavam era Tina, a mesma que
enxergo aqui e agora, señorita!
O pequeno corpo feminino se move rápido, soltando a toalha
no chão. Meu braço se envolve em sua cintura, assim que ela
alavanca seu corpo para cima e fica nas pontas dos pés. A ergo e a
deixo na altura dos meus olhos, soltando a maçaneta e espalmando
meus dedos atrás da sua cabeça, olhando seus olhos doces.
— Apenas a Tina, minha Tina — murmuro para ela,
encarando seus olhos.
— Sim, sua... — Sua cabeça se move rapidinho para frente e
para trás.
Sinto seus dedos se espalmando na lateral do meu rosto,
com ela inclinando sua face para frente e colando seus lábios aos
meus, enquanto soluça baixinho, rodeando suas coxas em minha
cintura. Enlaça meu pescoço com seus braços, quando os estica, e
a beijo com mais posse, sendo controlado pela forma de menina
que me domina, me beijando com tanta doçura.
— Pequena bruja — sussurro entre o beijo, a segurando pelo
rabo, e caminho lentamente com ela para a cama, depois que bato
minha mão no interruptor e apago a luz do quarto.
Me sinto fora de controle, não sabendo mais até que ponto
Tina domina meu ser, apenas que ela é minha, tão minha quanto
nunca será de nenhum outro homem, e a quero em minha vida e na
dos meus filhos. Suas costas desabam na cama quando a deito,
ficando por cima dela. Arrasto minha mão por baixo da sua camisa e
arranco um gemido da sua boca quando meus dedos se fecham em
cima do seu seio. Suas unhas arranham minhas costas, com ela me
prendendo mais forte pela cintura com suas pernas.
— Diga de novo, Tina. — Separo meus lábios e fecho minha
mão em volta do seu pescoço, a fazendo me olhar. — Diga-me que
é minha.
— Sim, señor. — Ela me devasta, com sua voz baixa
gemendo dengosa, estufando seu peito para cima, com sua cabeça
se empurrando para trás e com seus lábios entreabertos. — Oh,
Deus, sim...
— Dios, que está fazendo comigo, mujer! — A beijo com
fome e esmago meus lábios contra os seus, me condenando em
seu beijo doce.
Meu corpo inteiro implora por ela, sendo dominado pela
possessividade, sentindo meu corpo inflamando, queimando um
fogo intenso por minhas veias. Levanto sua camisa, deixando seus
seios livres, sugando um em minha boca quando abaixo minha
cabeça. O chupo com brutalidade, mordiscando sua aréola e
arrancando novos gemidos baixinhos da boca dela. Sua mão
escorrega pela lateral das minhas costas, se infiltrando entre nós
dois, levando seus dedos para frente da minha calça e alisando meu
pau, quando liberta minha cintura da quentura das suas coxas.
— Eu sou apenas su...
— Tina... — A voz baixinha, seguida de duas batidas na
porta, a faz se assustar, com ela erguendo sua cabeça e olhando
por cima do meu ombro.
— Miguel! — Tina me empurra pelo ombro, se mexendo
apressada, não me dando tempo de tentar me levantar.
Meu corpo inteiro se encolhe quando o joelho dela acerta
meu pau, me fazendo sentir minhas bolas quase subindo por minha
garganta de tanta dor que sinto.
— Mierda! — rosno, baixo, engolindo o gemido de dor.
— Oh, meu Deus, desculpa! — ela fala e dá um sorriso
amarelo, esticando sua mão para tocar em meu ombro, mas seu
rosto se vira na direção da porta. — Ele está entrando...
Não contente em quase me capar com seu joelho, Tina quase
me mata, me empurrando para trás e me fazendo rolar para o chão,
do outro lado da cama, quando meu filho abre a porta do quarto.
— Ohhh, carajooooo, mujer! — resmungo, segurando meu
pau, tendo minha testa ardendo pelo baque no piso.
— Shhhhh, pé-grande. — Ela joga um travesseiro em mim,
indo para debaixo das cobertas e abaixando sua camisa
apressadamente, segundos antes da luz do quarto ser acesa. — Oi,
amor...
Paro de me mexer, ouvindo o tom de voz dela mudar, falando
com doçura, mesmo respirando depressa.
— Tive um pesadelo, Tina. — A voz sonolenta murmura,
bocejando. — Posso dormir com você...
Fico congelado e ergo o topo da minha cabeça apenas um
pouco, encontrando Miguel parado perto da porta, coçando seus
olhinhos e andando em direção à cama, bocejando com preguiça e
caindo de sono.
— Cla... Claro, amor. — Ela dá um sorriso amarelo e vira seu
rosto rapidinho para mim, arregalando seus olhos. Ela usa a
almofada ao lado do seu travesseiro para tacar no meu rosto, para
que eu me abaixe.
Me viro, ficando de barriga para cima, olhando o teto do
quarto e segurando meu pau dolorido, ouvindo os sons de Miguel
subindo na cama junto com ela.
— Um pinguim vestido de palhaço estava correndo atrás de
mim, na escola — ele fala baixinho para ela, e viro meu rosto,
olhando para a cama.
— Foi só um sonho ruim, amor, não precisa ter medo — Tina
diz com carinho para ele, e logo ouço um som de beijo, junto com
um suspiro de Miguel. — Venha, deixa eu lhe cobrir.
— Posso dormir aqui até amanhã? — Ele boceja novamente,
se mexendo na cama.
— Sim, amor, pode!
A mão dela se estende ao lado da cama, balançando, como
se estivesse me enxotando para fora do quarto.
— Irei lhe proteger desse pinguim arteiro. Se ele vier lhe
incomodar de novo, apenas pense em mim, e vou aparecer no seu
sonho para dar uma lição nele.
Fecho meus olhos e dou um sorriso, escutando a conversa
dos dois. Miguel murmura algo que se perde quando ele boceja
outra vez.
— Vou fazer isso sim, Tina. — Abro meus olhos e vejo-a
recolhendo sua mão. Meu pescoço se estica e dou uma olhada em
cima da cama, encontrando-a deitada de lado, abraçando Miguel. —
Papai também teve pesadelo, por isso está aqui?
A voz de Miguel perguntando sonolenta, me faz olhar para
ela na mesma hora, quando sua face se vira para mim.
— Seu pai não... Ele está dormindo...
— Papai está dormindo no chão do seu quarto? — ele a
corta, perguntando baixinho. — Eu vi o pé dele de fora, do outro
lado da cama.
Ela gira sua face na mesma hora para mim e eu encaro os
meus pés, que não estão escondidos. Olho para ela, que está me
fuzilando, rangendo seus dentes.
— Pé-grande! — ela sibila e fecha seus olhos, negando com
a cabeça.
Me sento e endireito meu corpo, sentindo ainda um
desconforto em minhas bolas, por causa da sua joelhada. Apoio
meus cotovelos no colchão e estico meu pescoço, olhando para
Miguel, que tem seus olhos quase se fechando, presos aos meus,
com o rosto dele descansando no outro braço de Tina, deitando-se
no meio da cama.
— Oi, amigão! — Lhe dou um sorriso, piscando para ele. —
Estava apenas conferindo se estava tudo tranquilo aqui embaixo da
cama...
— Igual como fazia quando o bicho-papão morava embaixo
da minha cama? — Ele pisca, bocejando, esticando o braço dele e o
deixando em cima de Tina.
— É tipo isso. — Sorrio e desvio meus olhos de Miguel para
Tina, que me olha incrédula.
— Não se preocupe, Tina, papai afugentou o bicho-papão
debaixo da minha cama. — Ela vira seu rosto para ele quando
Miguel murmura, como se estivesse lhe contando um segredo. —
Ele tem medo do papai.
Ela sorri e se inclina para frente, beijando a testa dele. Escuto
o suspiro de Miguel, com ele abraçando-a. Me levanto lentamente e
retiro o travesseiro do chão, ficando de pé ao lado da cama, olhando
os dois, com Miguel fechando seus olhos, tendo ela o abraçando
com carinho, apoiando o queixo dela em cima da sua cabeça.
Caminho lento e dou a volta na cama, me afastando deles e indo na
direção da porta. Viro-me quando me aproximo do interruptor. Os
olhos dela estão presos em mim, mordendo o cantinho da sua boca,
e vejo à minha frente o mesmo olhar que Miguel me dava quando ia
ao meu quarto quando tinha medo do bicho-papão. Apenas diga, me
conte onde seu bicho-papão se esconde, minha mente grita dentro
da minha cabeça enquanto a olho, desejando que ela diga o que
seus olhos me contam.
— Boa noite, senhor. — Tina fecha seus olhos, como se
soubesse o que eu pensava, abraçando-se mais forte em Miguel.
Balanço minha cabeça em positivo e inalo o ar com força,
esmagando minha boca quando olho para o interruptor.
— Buenas noches, pequenos. — Apago a luz e caminho para
a porta.
— Padre, não vai ficar? — A voz de Miguel é quem me faz
parar, quando ele me pergunta baixinho, olhando por cima do ombro
para ele.
— Não, amor. — A voz dela soa baixinho. O vejo pela luz do
corredor, que ilumina a cama, com ela sorrindo doce para ele,
alisando suas sobrancelhas. — Vou proteger seus sonhos, meu
anjo.
— Mas quem vai proteger você do bicho-papão enquanto
cuida de mim? E se ele voltar depois que o papai se for?
— Oh, meu amor, não precisa...
— Padre vai, Miguel — a interrompo, falando sério, a vendo
erguer seus olhos para mim e me olhar perdida. — Vou cuidar da
Tina enquanto ela protege seus sonhos, nenhum bicho-papão vai
passar por mim.
Uso as palavras brandas por conta de Miguel, mas em tom
forte o suficiente para que ela entenda que estou falando sério. Meu
braço se estica e fecho a porta do quarto, caminhando de volta para
a cama e arrumando o travesseiro ao lado de Miguel. Me deito na
cama e ergo as cobertas, me virando para Miguel e esticando meu
braço por cima dele, o protegendo, ouvindo seus suspiros. Meus
dedos se prendem na lateral da cintura dela, a trazendo para mais
perto, até meu braço estar esticado por cima dos dois.
CAPÍTULO 21
ME APAIXONEI

TINA ZARA

— Damaris me avisou que o senhor a mandou me chamar. —


Bato a pontinha dos meus dedos na lateral da minha coxa,
observando Sebastian sentado em sua cadeira do escritório, de
cabeça baixa, assinando uns papéis.
— Mandei. Feche a porta, por favor. — Sua voz é séria e
estica seu braço, apontando para a porta e se mantendo de cabeça
abaixada, sem olhar para mim.
Viro e dou um passo para frente, esticando meu braço e
fechando a porta do seu escritório, ainda incerta do porquê dele me
chamar. Confesso que fiquei agitada quando Damaris entrou na
cozinha, avisando que o senhor Sebastian queria falar comigo. Eu
estava distraída, fazendo biscoitos com Martin e Miguel, os
ensinando a decorar as bolachinhas, quando ela me avisou. Eu nem
sabia que ele tinha retornado para casa, afinal, ele ligou para
Damaris e avisou que não voltaria para almoçar, então achei que
retornaria apenas no fim da tarde. Não o vi sair do quarto quando
despertei hoje, depois de ter passado a noite com dois Sánchez em
minha cama. Apenas um estava deitado ao meu lado. Miguel
babava no travesseiro enquanto roncava, tendo seu braço preso em
minha cintura e meu braço sobre o dele, como se eu nem tivesse
me movido um centímetro que fosse depois que peguei no sono. Do
jeito que dormi, acordei, com o pequeno aninhado perto de mim.
O travesseiro do senhor Sebastian estava vazio, apenas com
as marcas da sua cabeça e o cheiro masculino dele dentro do
cômodo. Talvez tenha me chamado aqui para saber se eu falei algo
para Miguel, se tentei explicar. Miguel acordou elétrico e agitado,
sorrindo para mim, tagarelando sobre seu sonho, em como tinha
escalado uma grande montanha de sorvete, e que o pinguim não
tinha mais voltado para o perseguir. Quando ele me perguntou onde
estava seu pai, apenas lhe disse que ele tinha afugentado o bicho-
papão, e tanto meu sono quanto o de Miguel ficaram seguros, por
isso seu pai pôde retornar para o quarto dele. A entrada de Martin
distraiu Miguel, quando o franzino curioso invadiu meu quarto atrás
do irmão, pulando na cama. Miguel começou a contar sobre o sonho
dele, e assim os dois foram mudando o rumo da conversa.
Eles me ajudaram com Roaquim, brincando com o irmão
enquanto eu trocava a fralda do Babão. Depois fomos à cozinha
preparar nosso café da manhã, e Damaris chegou logo em seguida.
Graças a Deus, o único assunto falado foi sobre a festa que terá
essa noite na casa da dona Aurora. A manhã foi tranquila e brinquei
com os meninos no jardim. Sorri ao ver Tulho na sala, ensaiando a
dança que eu lhe ensinei, e enxotei Miguel e Martin para fora da
sala quando começaram a caçoar de Tulho. Estava preparando a
mesa da sala de jantar para eles almoçarem com o pai quando
Damaris informou que o senhor Sebastian não viria almoçar. Eu
tentei distrair a pontada de tristeza que me bateu, por saber que ele
não voltaria, me mantendo distraída com os meninos, usando meu
antigo caderninho de receitas para fazermos biscoitos juntos e
assim focar minha mente em algo que não fosse o senhor Sebastian
e a confusão que ele causava em minha mente. Mas agora estou
aqui, agitada, parecendo uma adolescente eufórica, sentindo meu
coração bater apressado, apenas por estar em sua presença, como
se tivesse contando os minutos do meu dia para vê-lo.
— Como foi o dia? — Viro lentamente ao ouvir sua pergunta,
com ele sério encarando seus papéis, ainda mantendo seus olhos
afastados de mim.
— Tranquilo, senhor. — Mordo o cantinho da boca e dou um
passo à frente. — Brincamos pela manhã, e agora, depois do
almoço, estamos fazendo biscoitos...
— Eu os vi quando cheguei. — Me calo e apenas dou um
sorriso fraco ao ouvir sua resposta. Eu estava tão dispersa, me
divertindo com os garotos, que não notei a presença dele. — Estão
na cozinha ainda com Damaris?
— Sim, ela ficou cuidando dos três pequenos enquanto eu
vinha aqui... — Troco o peso de perna e dou um passo à frente, me
sentindo ainda mais ansiosa por ele não me olhar. — Aconteceu
alguma coisa...
— Tulho, onde está? Não o vi quando cheguei. — Ele puxa
outro documento, o assinando, não me respondendo.
— Bom, ele estava na sala, ensaiando uns passos... — Me
calo e olho perdida para os lados, não entendendo o porquê ele não
me olha. — A caminho daqui eu não o vi, mas tenho quase certeza
que deve estar no quarto dele. — Retorno o olhar para ele,
franzindo minha testa. — O senhor queria conversar comigo sobre o
quê? Aconteceu alguma coisa...
As palavras morrem dentro da minha garganta e sinto a
agitação se transformando em angústia. Passa tanta coisa em
minha cabeça. Os segredos que nem em um quarto escuro eu teria
coragem de sussurrar, quanto mais contar a ele sobre Alonso, com
vergonha de Sebastian saber tudo que passei na mão de Papi.
Sabia que isso não tinha acontecido, mas ainda assim sinto aquela
angústia dentro de mim, de perder o único olhar verdadeiro que já
tive em minha vida. Há demônios mais horríveis dentro de minha
alma, e confessar que era uma garota de programa foi o menor dos
meus pecados. Tinha medo de perder essa frágil paz e felicidade
que tinha aparecido em minha vida, medo de Papi bater na porta
dessa casa, de machucar eles, como ele me machucava, de ver o
olhar de nojo do senhor Sebastian ao saber o que fiz para poder
sobreviver a Papi, por ter aceitado cada degradação que aquele
monstro impôs a mim.
— Aconteceu alguma coisa... — pergunto mais nervosa,
olhando-o angustiada, desejando que me olhe como apenas ele
sabe me olhar.
— Sim!
Não consigo controlar a reação do meu corpo em se encolher
como um bicho asqueroso quando o grande corpo dele se move,
abrupto, se levantando da cadeira e a empurrando para trás. Meu
coração bate rápido, a ponto de poder senti-lo estourando dentro do
meu peito. O homem sério caminha lento, me encarando enquanto
se aproxima de mim.
— Aconteceu muita coisa. — Tombo meu pescoço para trás,
para conseguir manter meus olhos nos seus, me sentindo menor do
que nunca diante dele, sendo soterrada pelos meus medos e
passado.
— O quê? — balbucio e esfrego meus dedos em minhas
pernas com mais agonia.
— Não consegui ouvir sua voz dizendo que era minha — ele
fala tão sério, de um jeito intenso, quando sua mão se ergue e para
atrás do meu cabelo, que meu cérebro demora a compreender o
que ele está dizendo. — Apenas consegui levar uma joelhada no
meu pau e ganhar um galo na testa quando fui empurrado para fora
da cama, e tive uma noite tranquila de sono que não tinha há muito
tempo.
Meus dedos trêmulos ficam parados no ar, a poucos
centímetros do seu peito, quando ele se inclina para frente e me
beija, me pegando de surpresa. Gemo baixinho, sentindo a agonia
virando um alívio, o alívio em uma saudade pelo seu toque, até não
restar mais nada além de Tina novamente à sua frente, se
entregando a ele.
— Dormiu bem? — Abro meus olhos lentamente e dou um
sorriso tolo, sentindo seus dedos afagando meu rosto assim que sua
mão segura minha face por cada lado com suas mãos grandes.
— Sim, dormi muito bem... — Passo a pontinha da língua no
canto da boca, rindo baixinho e espalmando meus dedos em seu
peito. — Oh, céus... Senhor... — sussurro assustada, arregalando
meus olhos quando meu corpo é tirado do chão, com ele
enganchando seu braço atrás dos meus joelhos.
— Os meninos podem entrar e nos ver... — falo assustada,
tentando o fazer me colocar no chão, antes que alguém entre no
escritório e me veja em seus braços.
— Acho muito difícil, ainda mais pela forma concentrada que
eles estavam fazendo bagunça na cozinha.
— Eles não estão fazendo bagunça... — Rio baixinho,
estapeando o topo da sua cabeça quando sua boca se fecha em
meu ombro. — Mas sim cozinhando, e são excelentes alunos.
— Tenho certeza de que sim, ainda mais tendo você os
ensinando. — Ele afasta sua boca e ergue seus olhos para mim. —
Os deixa felizes, señorita, como há muito tempo eu não os via.
Suspiro baixinho e mordo o cantinho da minha boca, me
sentindo envergonhada com o olhar que ele me dá.
— Eu também me sinto muito feliz com eles, señor. — Paro
meus olhos em sua garganta e aliso as pontas dos meus dedos em
seu ombro. — Muito feliz, como há muito tempo eu não me sentia.
Penso que, na verdade, nunca me senti assim até chegar aqui...
A ponta do seu dedo segura o meu queixo enquanto o ergue
de mansinho, me fazendo olhar para ele.
— E comigo, se sente feliz? — ele pergunta sério, com sua
voz rouca que causa tanta euforia dentro de mim.
Os olhos de avelã têm uma paleta intensa, como uma
fogueira brilhosa que me aquece a alma apenas com seu olhar.
Minha cabeça me fala para não cair diante da profundidade que
esse olhar esmagador me suga, mas meu coração irresponsável é
tolo, como o de uma adolescente, tão tolo quanto o sorriso bobo em
meus lábios enquanto o admiro.
— Talvez — falo, rindo baixinho, não admitindo para ele como
ele me faz sentir. — Acho que devia me pôr no chão, señor —
sussurro, recaindo meu olhar para seus lábios, me sentindo
inclinada a deixar apenas meu coração me comandar, ao invés da
minha consciência.
— Gosto de como ficou bela com esse vestido. — Um arrepio
se acende em meu corpo quando a ponta do seu queixo arranha
meu ombro com sua barba. — Ficando mais fácil para mim poder
sentir o calor da sua pele... — Gemo baixinho quando seus dentes
mordiscam minha orelha, com ele sussurrando com a voz grossa. —
O que me faz não querer lhe pôr no chão, señorita.
Ele se move, sentando-se em sua cadeira e me arrumando
em seu colo, esticando sua mão e alisando meus cabelos. Sorrio
quando ele abaixa seu dedo, olhando para ele e vendo o pó branco
de trigo.
— Talvez eu precise de umas aulas de culinária também, ou
quem sabe um show particular, como Roaquim. — Sua mão se
fecha em minha garganta, me pegando desprevenida quando sua
boca me beija com tanto ardor.
Sinto meu fôlego sendo arrancado de dentro de mim. Meus
dedos se seguram com mais angústia a ele e aliso seus cabelos
enquanto o beijo com a mesma intensidade. Meu corpo se incendeia
e minha calcinha fica molhada, como se sentisse saudade dos seus
beijos, do seu calor, do seu cheiro, por uma vida inteira. Paro minha
mão sobre a sua, que segura meu pescoço, e a faço escorregar
pelo meu corpo, por cima do meu seio, arfando com mais desejo a
cada batida disparada do meu coração. Um gemido rouco, mais
parecido com um rosnado de um animal sendo atiçado, escapa da
sua boca quando conduzo sua mão com a minha para se infiltrar
entre minhas pernas, para que saiba o que está fazendo comigo.
— Dios, señorita! — Ele morde meu lábio inferior e inala o ar
com força. — Não me provoque dessa forma, ou acabo esquecendo
porque lhe pedi para vir aqui — ele fala, passando sua língua sobre
meus lábios, antes de inclinar sua cabeça para trás e puxar o ar
pesadamente pelas narinas.
— Mas não me chamou para me tocar? — murmuro
envergonhada para ele, piscando confusa, não o compreendendo.
— Pensei que queria...
— Com toda certeza quero lhe tocar, moranguinho. — Ele
força sua mão em meu quadril, o empurrando para baixo, para que
eu sinta o volume duro do seu pau. — Mas agora preciso...
— Então me toque, señor... — Sorrio para ele, silenciando
suas palavras quando inclino meu rosto para frente e retorno a lhe
beijar, empurrando seus dedos contra minha boceta, ainda
mantendo minha mão sobre a dele.
O senhor Sebastian afasta sua mão do centro das minhas
pernas quando puxa seu braço para trás, apenas para retornar para
frente e segurar minha cintura com sua outra mão, fazendo o
mesmo. Sua boca abandona meus lábios assim que meu corpo é
movido da sua perna, sendo erguido com ele e aterrissando minha
bunda sobre a mesa, me tirando do seu colo. Com seu peito se
estufando quando ele inala o ar com força, me dá um olhar de
luxúria e fisga o canto da boca, negando com a cabeça quando
estico meus dedos para os botões da sua camisa.
— Não, señorita. — Ele segura meus pulsos e fala rouco,
abaixando meus dedos, os deixando em cima dos meus joelhos. —
Por mais tentador que seja me perder nesse corpo pequeno, não foi
por isso que lhe chamei aqui.
Ele solta meus dedos e estica seu braço para a direita da
mesa, abrindo uma gaveta e desviando seus olhos dos meus,
olhando para a gaveta, onde ele puxa um papel.
— Lhe pedi para vir aqui por isso, señorita. — Sebastian
retorna a me olhar e estica um papel para mim. Observo a folha e
mordo o cantinho da boca, a pegando em minha mão.
Olho para a face do homem sério, que me observa quando
ele inclina seu corpo para trás, relaxando suas costas na cadeira e
alisando a lateral das minhas coxas com seus dedos, fazendo um
gesto de cabeça em comando para o papel, como se me mandasse
o ler. Abaixo meus olhos para o documento, vendo as palavras em
negrito de uma ficha de cadastro de matrícula escolar. Pisco,
confusa, enquanto leio o papel.
— Não entendo, isso é uma ficha de matrícula escolar... —
Nego com a cabeça e levanto meus olhos para ele. — Mas por
que...
— Para você preencher e assinar, Tina. — A mão dele na
lateral da minha perna se ergue, parando em minha bochecha,
arrastando a cadeira para frente, tendo os meus pés ficando em
cima do seu joelho, com seu tórax entre minhas pernas. — Quero
que retorne aos seus estudos, pequena.
— Eu? — Rio, nervosa, demorando para saber se isso é
alguma brincadeira dele. — Escola? — Abaixo meu rosto, olhando o
papel. — O senhor quer que eu estude?
— Sim, Tina, você. — Ele abaixa seus olhos para o
documento, antes de voltar a me encarar. — Bella, minha secretária,
entrou em contato com uma escola que dá aula para adultos, para
você finalizar os estudos, e eles têm vaga para a nova turma que vai
iniciar mês que vem, no horário noturno. Quero você nessa turma.
Rio e mordo o canto da minha boca, olhando para o papel e
compreendendo que ele realmente está falando sério. Olho dele
para o documento de matrícula, me sentindo pequena por dentro.
Tirando Dolores, ninguém nunca tinha me feito um gesto gentil como
esse. Escola... Lembro de como gostava de estudar, de como sofri
quando tive que largar os estudos. Papi tinha me tirado tudo, até
isso. Depois que ele foi preso, não tive mais como voltar, e quando
dei por mim já estava tirando a roupa a troco de dinheiro,
esquecendo de vez a jovem Tina silenciada dentro de mim. E agora
ela olha para esse papel como se fosse o presente mais belo que
alguém já deu a ela, algo que lhe foi tirado, que era seu único
acalento em meio à tanta dor.
— O senhor fez isso para mim, procurou uma escola de
adultos para eu terminar os estudos? — As palavras saem baixinhas
por meus lábios, e olho sem compreender esse estranho pé-grande
que me desperta tantos sentimentos, os quais homem nenhum me
despertou. — Você o fez?
— Eu entendi, em partes, como se sentiu pelo fato de eu ter
pagado as suas roupas. — Ele repuxa o nariz e nega com a cabeça.
— Mesmo não sendo essa intenção que eu tive quando quis lhe
presentear... Mas isso não pode se negar a me deixar fazer, dos
seus estudos não abrirei mão. Tem vinte e dois anos, Tina, é
inteligente e esperta, irá se sair bem, assim como sei que pode fazer
uma faculdade depois, na área que quiser atuar, e nem pense em
querer recusar, pois me ofenderá. Quero cuidar do seu futuro, e
amanhã ou depois, quando não quiser mais ficar aqui, e for do seu
desejo partir... — ele rosna baixo e inala o ar com força, falando as
palavras com rapidez. — Terá uma profissão. Não que esteja
dizendo que cuidar de crianças não seja uma boa profissão, apenas
sei que você tem capacidade de ser muito mais.
Meus olhos ficam focados nesse homem que é diferente de
todos que passaram em minha vida. Sinto meu coração disparar, o
vendo diante de mim falando rápido, com sua face séria, disparando
as palavras como uma metralhadora e inalando o ar depressa, com
suas mãos erguidas, gesticulando, concentrado em suas palavras. E
aqui, bem nesse segundo, eu compreendo que o que sinto por ele
não é confusão, mas sim paixão. Me apaixonei pelo pé-grande, e
julgo que jamais olharei para outro homem com o mesmo amor que
estou olhando para ele agora.
— E já aviso que não mudarei de ideia. Se recusar minha
ajuda, por Dios, mujer, juro que lhe arrastarei para aquela sala de
aula se for preciso...
Meu corpo se inclina para frente e seguro seu rosto, sendo
comandada pelos meus sentimentos, silenciando sua voz tagarela
com meus lábios quando o beijo. Lhe entrego um beijo de amor,
carregado com todas as emoções que ele me faz sentir. As suas
mãos caem de mansinho sobre meu ombro, me devolvendo o beijo
na mesma intensidade. Gemo baixinho, sugando seu lábio inferior,
sorrindo quando me afasto dele, o vendo com sua face relaxada e
seus olhos preguiçosos se abrindo lentamente.
— Obrigada, senhor. — Tombo meu rosto para o lado e falo
com carinho, mordendo o cantinho da boca e olhando-o com
doçura.
— Irei tomar isso como um sim. — Ele ergue sua mão e a
espalma em minha bochecha, alisando meus lábios e me olhando
com um brilho belo em seus olhos acastanhados.
— Sim, com toda certeza é sim, e um não também, porque
não penso em partir. — Sorrio e abaixo meus olhos, vendo o papel e
o lendo novamente. — Eu sempre sonhei em um dia poder terminar
meus estudos. — Nego com a cabeça, sorrindo e olhando
emocionada para o documento. — Me lembro que sofri tanto
quando meu pai me tirou da escola por causa de Alon...
Me calo, segurando o nome, o trancafiando em minhas
entranhas, como se fosse uma maldição, a qual nunca deve ser dita
em voz alta. Como se apenas em pronunciar o seu nome, tivesse o
poder de o materializar de volta para minha vida, me arrastando
para o inferno no qual ele me jogou.
— Por causa de quem, Tina? — Sua mão ergue a ponta do
meu queixo, me fazendo o olhar.
— De ninguém, senhor, apenas precisei parar os estudos. —
Lhe dou um sorriso e nego com a cabeça, desviando meus olhos
dos seus, focando em sua boca.
— Dime un nombre, Tina, dime quién lo hizo.[37] — Sua voz
fica mais rouca e baixa, falando em espanhol. Observo o pomo de
adão em sua garganta mexer rápido, enquanto o aperto da sua mão
em meu queixo ganha mais pressão. — Di el nombre de tu[38] bicho-
papão.
Rio nervosa, compreendendo o que ele quer saber. Meu
corpo se ajeita na mesa e arrumo minha postura, erguendo meus
olhos para ele. O brilho acastanhado não está mais lá, apenas um
marrom-escuro, como uma tempestade que escurece o céu ao fim
de uma tarde ensolarada.
— Não tenho bicho-papão, señor. — Nego com a cabeça e
puxo o ar com força para minha boca, não desejando falar sobre
Papi com o senhor Sebastian. Não quero perder a forma como ele
me olha, não quero que ele saiba sobre esse monstro.
— Señorita...
Me inclino de volta e solto o documento sobre a mesa, o
beijando, não o deixando terminar suas palavras, escorregando meu
corpo para o seu colo e ficando com minhas coxas dobradas sobre
as suas. Minha mão escorrega por seu corpo e desliza por seu
peito, parando em cima de sua braguilha, enquanto o beijo com
mais urgência. Tento tirar Papi da minha mente, não querendo que
ele estrague a única coisa boa que eu já tive.
— Tina, não tente mudar o rumo da conversa... — A voz
rouca murmura entre os beijos, me fazendo sentir uma ardência em
minha bunda assim que seus dedos esmagam a carne.
Ele joga sua cabeça para trás e me nega ter acesso aos seus
lábios quando sua mão se ergue e segura meu pescoço, me
deixando imóvel, me fazendo o olhar.
— Quero cuidar de você, Tina, mas para isso preciso que
confie em mim. — Sua voz é séria, deixando suas palavras saírem
firmes. — Mas para isso precisa me contar o que ainda não me
disse, pequena.
— Lhe contei tudo, señor... — Fecho meus olhos e suspiro
baixinho.
— Não, não contou, Tina, e eu e você sabemos disso. — Seu
anelar escorrega por minha garganta, acariciando, puxando o ar
com força para seus pulmões. — Me conte de quem está fugindo,
cariño.
Sorrio com tristeza, não querendo falar sobre Papi. Não
quero dizer seu nome em voz alta, e principalmente não quero ter
que contar ao senhor Sebastian sobre esse monstro.
— Olhe para mim, señorita! — Sua mão é firme quando
segura meu cabelo e solta meu queixo, deixando meu rosto reto de
frente ao seu. — Diga-me.
— Por favor, não tem o que dizer. — Tento me mexer para
sair das suas pernas, mas o braço em minha cintura, que se
alastrou rápido, me segura mais forte, me obrigando a permanecer
em seu colo. — Señor, por favor...
A palma da minha mão se fixa em seu peito, tentando
debilmente o empurrar para trás, me fazendo sentir como se
estivesse empurrando uma parede de aço maciço que não se afasta
um centímetro que seja. Respiro mais depressa, odiando essa
sombra negra que me acompanha aonde eu for, dentro dos meus
pensamentos.
— Eu... não estou fugindo. — Olho para ele, implorando em
silêncio que não me obrigue a lhe dizer nada. — Apenas quero
esquecer, esquecer o passado... Já lhe disse tudo sobre mim, não
há mais nada que mereça ser dito...
— Não irá esquecer, Tina. — Sua voz rouca soa baixa e ele
nega com a cabeça, aumentando o aperto dos seus dedos em meu
cabelo. — Não quando ainda tem medo, um medo que leio em seus
olhos.
Sua mão solta meus cabelos e desliza por minhas costas,
relaxando sua expressão séria e suavizando seu tom de voz,
fazendo eu me sentir como Miguel, quando Sebastian conversa com
ele em tom paternal.
— Confie em mim, señorita. — Seu rosto se aproxima,
ficando a centímetros do meu.
Eu queria dizer que não, que não estava, que o medo dentro
de mim me deixa sempre em alerta, como se cada célula e nervo do
meu corpo ficasse de guarda alta, com medo que Papi retorne para
minha vida. Eu o conheço, conheço aquele monstro, e ele é cruel e
impiedoso, e me ensinou a nunca abaixar a guarda, porque são
nesses momentos de paz, nos quais eu pensava que tinha me
livrado dele, que nunca mais ele me machucaria, que ele me
atacava. Falso e ardiloso, esse é Papi, uma cobra perigosa que me
engole viva. Não importa para onde vou, ele sempre está comigo.
— Está segura, pequena. — Seus dedos em minha cintura se
esmagam, com ele inalando o ar com força. — Desde o segundo
que pisou em minhas terras, quando passou por aquela porteira e
entrou em minha casa, ninguém nunca mais poderá lhe machucar.
Feito criança que deseja confiar na palavra de um adulto,
meu rosto se inclina para frente e me escondo em seu ombro,
enquanto o abraço forte, querendo lhe dizer que, em seus braços,
meu coração me diz que posso me sentir segura. Mas minha mente
não, minha mente fica em alerta 24 horas por dia.
— Confie em mim, Tina. — Fecho meus olhos e sinto o beijo
nos meus cabelos, o afago brando em minhas costas, o que me faz
querer chorar, lhe contar sobre o mal que me aprisiona.
Esfrego a ponta do meu nariz em seu pescoço e o abraço
mais apertado, arrastando meu corpo para frente, até ter meu peito
colado ao seu. Eu apenas quero sentir um pouco mais desse abrigo,
desse forte, onde ele faz eu me sentir segura e protegida, que é os
seus braços. Meu rosto se vira de mansinho e busco por sua boca
com timidez, não dizendo em palavras, mas em toque, que ele é o
único homem em quem eu realmente confio.
— Tina, não faça isso... — A voz grossa é baixa, murmurando
em meus lábios.
Meu quadril se move lento para frente e para trás, esfregando
minha pélvis contra seu quadril e raspando minha calcinha em cima
do seu pau, abaixo da calça jeans.
— Pequena... — A grande mão fechada em minha cintura
tenta me segurar, para que eu pare de me mover.
Mas eu o provoco mais, solto sua boca, percorrendo minha
língua em sua garganta lentamente, mordiscando seu queixo.
— Está fugindo da conversa novamente, señorita! — Escuto
sua respiração mais pesada, e sua cabeça se inclina para trás, com
um gemido rouco saindo da sua boca, como um rosnado.
— Não desejo conversar... — sussurro e mordo seu pescoço,
levando minha mão entre nós dois e escorregando meus dedos em
seu peito. Solto o botão da calça e abaixo seu zíper antes que ele
me impeça, infiltrando minha mão dentro da sua cueca, até tocar o
seu pênis.
— Desejo que me toque, señor. — Estico meu pescoço para
cima quando inclino meu corpo, o beijando com lentidão, buscando
em seu calor a única coisa que silencia meu medo. — Por favor, me
toque, Sebastian...
É um pedido de desespero, uma urgência que cresce a cada
toque das línguas, e o beijo com mais necessidade, implorando para
que ele me dê o que eu preciso, que esqueça essa conversa. Ele
rosna entre meus lábios, me respondendo com fúria, controlando o
beijo com dominância, como se me castigasse por estar negando a
lhe dizer o que quer ouvir. Um gemido baixinho, como de uma
lamúria, escapa por minha garganta, tendo a mão dele esmagando
mais forte meu quadril. A outra se comprime em minha bunda ao
ponto de causar um pouco de dor pela densidade que ele retrai seus
dedos na carne. Massageio seu pênis, percorrendo-o por inteiro, o
masturbando com ele rígido, e outro rosnado sai dos seus lábios.
— Ohhh... — gemo e mordo minha boca para abafar meus
sons, quando sua cabeça se abaixa e crava seus dentes em meu
pescoço, o chupando forte. Seus lábios se movem, com ele usando
os dentes para arrastar a alcinha do vestido para baixo do meu
ombro, a empurrando. Meu corpo queima em chamas quando sua
boca se fecha sobre meu seio, o sugando com pressão. — Deus,
sim...
Jogo minha cabeça para trás e arfo meu tórax para frente,
cravando meus dedos em sua nuca quando inclino minhas costas
para trás, o deixando mais livre para chupar meu peito. Livro seu
pau e o puxo para fora da cueca, esfregando minha boceta nele.
Sua boca suga meu seio com mais urgência, castigando meu rabo
com seus dedos que o esmaga.
— Bruja traicionera! — Escuto sua voz rosnar grossa,
soltando meu seio antes de seu corpo se alavancar para cima e se
levantar de forma abrupta, me erguendo com ele.
Minhas costas estouram em cima da sua mesa, no mesmo
segundo que minhas coxas rodeiam seu quadril e seus dedos
fecham em minha garganta, com suas íris castanha-escuras
brilhando a centímetros dos meus olhos, me encarando com um
misto de fúria e luxúria.
— Não pense que não teremos essa conversa, señorita. —
Ele comprime seus lábios, os deixando cerrados, esmagando meu
lábio inferior com seu anelar. — Porque não pretendo esquecer esse
assunto.
Os olhos castanhos se abaixam e sua mão grande se fecha
em cima do meu seio sensível por suas sugadas. Ele alisa o bico da
aréola, apertando com força. Fecho meus olhos e inalo o ar forte,
sentindo meu seio latejar e minha boceta se contrair, em um misto
de dor e prazer que ele me faz sentir.
— Por ora, lhe deixo escapar, mas não vou esquecer esse
assunto. — O ar quente da sua boca acerta meu rosto quando ele
se inclina para mais perto, rosnando zangado, soltando meu seio e
levando sua mão com força para o centro das minhas pernas e
empurrando o vestido para cima. — Lo entendiste, señorita?![39]
Arfo e inalo mais depressa, apenas conseguindo balançar
minha cabeça em positivo. Mordo meus lábios e abro meus olhos
quando seu dedo afasta a calcinha para o lado, empurrando apenas
a cabeça do seu pau para dentro da minha boceta.
— Pode fugir de tudo, Tina.
Seu tórax se empurra para trás e ele endireita sua postura
entre minhas pernas. Suas mãos vão para baixo do meu rabo e se
esmagam com pressão, enquanto me sinto febril, morrendo em
agonia a cada segundo de espera, tendo apenas a cabeça do seu
pau na entrada do meu corpo.
— De tudo, menos de mim, señorita! — Suas palavras saem
da sua boca de forma agressiva, da mesma forma que ele me
destrói, disparando uma corrente elétrica em meu corpo quando
puxa meu rabo para frente e causa o impacto da minha pélvis com
seu quadril, me penetrando em um único golpe.
— Cristoooo! — Minhas mãos se agarram na beirada da
mesa, e me seguro nela, abrindo minha boca. Empurro minha
cabeça para trás e arfo meu peito, tendo minha boceta vibrando ao
tê-lo por inteiro dentro dela, a completando.
— És uma bruja, Tina. — Sua voz entra em minha mente e
fico perdida entre a nuvem de prazer, morrendo com os movimentos
lentos do seu pênis, que entra e sai do meu corpo, sendo o meu
céu. — Uma bruja que me condenou assim que me perdi em seus
lábios.
Meus dedos vão ao seu ombro quando seu corpo se inclina
sobre o meu, com sua boca caindo sobre meu seio e o sugando
entre seus lábios. Me penetra mais rápido e forte, me dando o que
quero da mesma forma que me arranca tudo, me deixando presa
aos movimentos de vai e vem, do impacto do seu corpo contra o
meu. Me toca com raiva e desejo, me fundindo a ele, e sinto cada
nervo da minha boceta se retrair, o engolindo dentro dela da mesma
forma que ele engole meu seio, o sugando com mais selvageria. E
toda minha mente se silencia, empurrando o medo para longe, me
fazendo ficar viva.
O abraço com mais desespero, buscando aplacar meu
desespero em seus lábios, quando sua boca solta meu seio e ele
me beija com possessividade, compartilhando sua fúria comigo a
cada deslizar da sua língua com a minha. A mão em minhas coxas
se solta, subindo pela lateral do meu corpo até passar por baixo das
minhas costas, se fechando em meu ombro e sustentando meu
corpo a cada novo impacto forte que ele desfere contra mim. Meus
calcanhares se apoiam em sua bunda e empurro meu corpo para
baixo com a mesma intensidade que ele impulsiona seu quadril para
frente. E aqui, nesse segundo que ele me toma, me esmaga abaixo
dele, me fode com força, da mesma forma que me ama, com luxúria
e selvageria, eu me entrego. Não existe nada mais nada além de
nós, dentro ou fora dessa sala.
O formigamento em minha pele fica intenso, com cada fibra
do meu ser enrijecida, o tendo implacável me tomando. A carga de
energia se intensifica, até explodir dentro do meu cérebro e eu
gemer em sua boca, choramingando a cada pico de orgasmo que
me devasta. Seu pau mantém o ritmo, me fodendo com brutalidade,
e ele me beija com fúria, ainda mais intenso. Perdido nessa febre de
prazer que nos consome, seus lábios soltam os meus e ele deixa
sua face parada sobre a minha quando meus olhos se abrem e se
fixam aos seus, que me arrastam para a tempestade que habita em
seu olhar. Sebastian empurra com mais força seu pênis para dentro
da minha boceta. E nesse segundo, nesse olhar, eu encontro meu
lugar seguro, o qual sempre sonhei em ter.
CAPÍTULO 22
BOMBONS E FOFOCA

TINA ZARA

— Não olha na direção dela, vamos fingir que não a


enxergamos — murmuro para Roaquim, fugindo entre os
convidados assim que enxergo a babá do mal empurrando o
carrinho de bebê da criança que ela cuida em nossa direção.
— BRUUUUUUUU! — ele murmura, fazendo um som de
motor de caminhãozinho, agarrando meu pescoço, como se
estivesse concordando com minha fuga.
Dou um suspiro de alívio, me distanciando da doida da
música clássica, olhando em volta e me sentindo ainda mais perdida
do que na última festa que eu tive que ir, para cuidar dos meninos.
Mas nessa aqui, em especial, me sinto ainda mais deslocada, não
ficando nem perto dos convidados ou das outras babás. Quando
chegamos, eu vi a grande casa toda iluminada, com vários
convidados, e enquanto eu entrava pela porta da frente da mansão
da senhora Aurora, ao lado de Sebastian e dos garotos, notei alguns
olhares curiosos em mim. E logo me distanciei, dando graças a
Martin e Miguel que queriam ir brincar no jardim. Os segui sem nem
olhar para trás, nem quando o pé-grande deu uma bufada zangada,
me deixando sentir seu olhar dominador queimando minhas costas.
Só que se pensei que os olhares dos convidados me deixavam com
vergonha, os olhares que algumas babás me deram quando me
aproximei do jardim, segurando Roaquim no colo, me fez querer ser
invisível, me deixando ainda mais envergonhada por estar usando
esse vestido bonito com as sandálias delicadas, quase como se me
dissessem que sabiam que eu não deveria estar usando esse tipo
de roupa, agindo como uma mulher respeitável.
Tentei me dizer que era apenas minha insegurança me
fazendo ver coisas, que eu tinha todo direito de me sentir bonita
com aquele vestido, e que elas não estavam me olhando estranho.
Só que não era, eu ouvi os murmúrios maldosos de duas babás
quando passei perto delas, com as duas soltando risinhos e
sussurrando que na certa eu queria dar um golpe no patrão. E não
imaginei que naquele segundo iria querer tanto estar usando o
vestido de beata, com mangas bufantes, que Damaris tinha me
emprestado, pois pelo menos com ele eu não me sentia deslocada
como estou agora, não sabendo o que é pior, os olhares de algumas
mães ou das babás dos seus filhos.
Solto um suspiro com desânimo, buscando pelos meninos, os
caçando, enquanto caminho devagar com o Babão colado em meu
pescoço.
— Deixa meu cabelo quietinho, Babão. — Rio e viro meu
rosto, beijocando sua bochecha gorda quando ele mexe no meu
cabelo.
Eu não tive como o prender hoje, ainda mais tendo uma
marca de chupão em minha garganta, e enquanto eu tentava a
esconder com os cabelos, Roaquim tentava a deixar à mostra,
empurrando as mechas para trás. Troco-o de lado em meu colo,
para manter seus dedos curiosos afastados do meu cabelo,
ganhando dele um gritinho zangado por não poder fazer o que quer.
— Vamos nos concentrar agora para achar seus irmãos,
Babão. — Espalmo minha mão em suas costas, massageando e
esticando meu pescoço, olhando em volta.
Perto de uma grande mesa que posso dizer que perco de
vista, pelo comprimento dela, encontro primeiro os dois monstrinhos,
de forma suspeita olhando em volta, enquanto roubam docinhos.
Sorrio e caminho lenta, indo na direção deles, ficando atrás dos dois
em silêncio, assistindo Miguel e Martin encherem os bolsos de
guloseimas.
— Posso saber onde os dois vão com tantos doces? — falo,
fingindo uma voz autoritária, quase fazendo o pobre Miguel ter um
infarto junto com Martin quando os dois dão um pulo, assustados,
virando para mim.
— A gente... — Martin respira depressa, arregalando seus
olhos e começando a gaguejar. — A gente... a gente... — Ele estica
sua mão e aponta para Miguel. — Foi tudo ideia de Miguel, Tina!
— Seu dedo-duro! — Miguel rosna igualzinho ao seu pai
quando está zangado, fechando sua face e falando bravo com seu
irmão, por o ter deletado.
— Bonito, que bonito, senhor Miguel! — Lhe dou um olhar
sério, como se soubesse do que Martin está falando, e não que não
tenho ideia nenhuma do que os dois pretendem fazer, além de que
com toda certeza seria alguma arte. — E achou bonitinho roubar
doces da mesa da sua tia para fazer bagunça?!
— Na verdade, não achei que seria bonitinho, ainda mais
quando as formigas começassem a sair do formigueiro. — Ele
balança seu pezinho, batendo a ponta do seu tênis no chão e
tombando o rosto para o lado, me dando um olhar inocente. — Só
queria deixar uma trilha de doces para elas...
— Formigas, Miguel? — Arqueio minha sobrancelha e o
encaro.
— Nós encontramos um formigueiro perto das rosas da titia.
Miguel queria vê-las andando uma atrás da outra, buscando comida
e saindo do formigueiro — Martin fala calmo, olhando seu irmão
enquanto suspira. — Só que elas não funcionam assim, Tina,
expliquei para ele, mas Miguel é cabeça-dura...
— E você é um linguarudo! — Miguel rosna bravo,
empinando seu nariz. — Só queria que elas saíssem um pouco da
casinha delas, e você disse que os doces a fariam sair. Então a
ideia de levar doces para as formigas é mais sua do que minha.
— Ohh, seu mentiroso...
— Parou! — Bato meu pé no chão, falando séria com os dois,
intervindo antes que a discursão comece e se prolongue a noite
inteira, com um jogando a culpa no outro. — Devolva os doces para
a mesa e deixe as pobres formigas em paz. — Aponto meu dedo
indicador de Miguel para Martin. — Agora, meninos!
— A buunn... ga... — O Babão rosado em meu colo balbucia
alto, batendo uma mão na outra, antes de chupar seus dedinhos,
como se estivesse brigando com os dois irmãos.
— Ouviram Roaquim, devolvam os doces para a mesa! — Os
vejo bufar e virar de costas enquanto resmungam, devolvendo os
doces para a mesa da festa.
Dou uma piscadinha para o Babão em cumplicidade,
segurando o riso quando retorno meu rosto para os dois
monstrinhos à minha frente, os vendo com uma tromba de elefante
em suas caras chateadas.
— Agora, por que não vão brincar bonitinho como as outras
crianças, sim?! — Me viro e estico meu pescoço, olhando em volta,
buscando onde estão as crianças das idades deles.
Vejo uma rodinha de meninos perto do pátio, correndo
enquanto brincam. Estico meus dedos e aponto para lá, olhando
para os dois por cima do ombro.
— Lá. Podem ir brincar, ou vou procurar o pai de vocês para
explicarem a ele sobre as formigas, tenho certeza de que ele vai
achar muito interessante estarem roubando os doces da mesa da
sua tia para fazerem arte!
Os dois já estão correndo naquela direção como um foguete,
assim que ameaço contar da travessura deles para Sebastian. Rio e
nego com a cabeça, soltando um baixo suspiro.
— Daqui uns dias será você aprontando arte pior, não é? —
Viro meu rosto para o lado e sorrio para o Babão, que chupa seu
dedo como se fosse a coisa mais gostosa que ele já pôs na boca.
— Bruuuuu... — Ele ri e faz barulho de carrinho, abrindo sua
bocona banguela, querendo atracá-la na minha bochecha.
— Se souber que está me beijando com essa boca de chupar
dedo de meleca, vou te sentar no formigueiro, gorducho! — brinco
com ele, mordiscando as dobrinhas do seu braço quando seguro
sua mão, ouvindo a risada dele. — Venha, vamos ver o que tem de
gostoso para comermos!
Viro e troco Roaquim de braço novamente, olhando para a
mesa e dando um largo sorriso ao ver pequenos bombons de
chocolate com glacê em cima e bolinhos de morango.
— Com toda certeza, tia Aurora é das minhas. — Rio para
Roaquim. — Na nossa última festa, a única coisa que eu engoli foi
água fria do lago e ovas de peixe. Credo, saí de lá com fome...
— Anguuu! — Ele bate palminhas e gira sua cabecinha,
olhando para a mesa também, como se estivesse concordando
comigo.
— Vamos experimentar o de chocolate ou quer o bolinho de
morango? — Fico indecisa, olhando para os doces. — Podemos
comer um de cada, que acha...
Roaquim ri, me dizendo que gosta da minha ideia. Ele abraça
meu pescoço e retorna a atacar minha bochecha com sua boca
banguela, esmagando seus dedos em meu cabelo e o puxando.
— Pelo que sei, essa é a mesa dos convidados, não das
cadelas interesseiras. — Estou rindo, brincando com ele, quando
escuto as palavras amargas.
Meu braço, que estava esticado para pegar o bolinho de
morango, se recolhe assim que ergo a minha cabeça e encontro o
olhar frio da mulher do outro lado da mesa, segurando uma taça de
vinho e me encarando com raiva. Abraço Roaquim e sinto meu rosto
queimar de vergonha, notando alguns olhares dos convidados
próximos a ela. Desvio meus olhos deles depressa, enquanto
esmago meus lábios, me sentindo envergonhada com a forma que
ela me encara, com tanto nojo. E sinto no âmago da minha alma,
que se um olhar de ódio tivesse o poder de fazer uma pessoa cair
dura, esticada no chão e completamente morta, com toda certeza eu
estaria a caminho do inferno agora, pela forma que ela me condena
com seu olhar. A dona que estava no quarto do senhor Sebastian,
na manhã seguinte que cheguei à vinícola, repuxa o ar com força
pelas narinas e esmaga a taça de vinho em suas mãos. Ela ergue
seu braço e aponta para a esquerda com a ponta do seu dedo.
— As de vadias que trepam com os patrões ficam perto da
lixeira! — Sua boca se esmaga, com a voz saindo feito fel, falando
alto o bastante para chamar ainda mais atenção dos convidados.
— Ai, que bom que já lhe avisaram onde pode se servir,
Pamela. — Eu me assusto quando uma voz alegre e risonha fala ao
meu lado, provocando a tal Pamela. — Estava preocupada,
pensando que você iria ficar com fome!
Pisco, confusa, e me viro para encarar uma mulher jovem
com cabelos compridos negros, usando um vestido de veludo vinho.
Ela cruza seus braços acima do peito e encara a ex-amante do
senhor Sebastian, dando um olhar frio para a mulher.
— Deveria ir, antes que perca os restos. — A cabeça dela
tomba para o lado e dá um sorriso frio, destacando o batom
vermelho em seus lábios, não escondendo a antipatia que sente
pela tal Pamela.
— Com quem acha que está falando, garota...
— Com alguém sem importância alguma. — A mulher de
vestido cor de vinho descruza os braços e ergue sua mão, jogando
seus longos cabelos para trás dos seus ombros de forma elegante.
Ela dá um baixo suspiro, como se demonstrasse estar entediada, se
concentrando no bracelete em seu pulso e o arrumando com calma.
— Ao contrário da esposa de um certo banqueiro, que o marido dela
anda lhe patrocinando nos últimos dias.
Vejo a face de Pamela ficar mais branca que as camisas dos
garçons que transitam atrás dela, com seus olhos se arregalando do
mesmo modo que sua boca.
— Julgo que ela, melhor do que ninguém, poderia lhe apontar
o caminho da lixeira onde as vadias se alimentam! — A mulher
elegante, de cabelos longos, ergue seus olhos para Pamela, dando
um passo à frente e se aproximando ainda mais da mesa. — Que
acha de chamarmos ela? Penso que ela acreditaria ser bem
interessante esse nosso pequeno momento de confraternização...
— Vadia amarga! — A ex-namorada que estava no quarto do
senhor Sebastian, empina o nariz, fechando sua boca e rangendo
seus dentes, encarando a mulher com ódio, antes de se virar e sair
batendo seu salto alto no chão.
Olho para Roaquim, que está mais perdido do que eu, sem
entender o que acabou de acontecer aqui.
— Ai, eu amo chocolate! Prometi a mim mesma que daria um
jeito de parar de comer, mas como posso não comer olhando essa
mesa?! — A moça do cabelão comprido fala ao meu lado, soltando
o ar de mansinho. — Não tem chocólatra que resista...
Olho dela para a mesa, retornando meu olhar para ela e a
encarando confusa, vendo a mulher com um sorriso largo no rosto,
nem parecendo que acabou de ameaçar Pamela, que pelo que pude
entender, está se deitando com um homem casado. Ela agora
apenas parece uma criança admirando os doces, mordendo o
cantinho da boca.
— Se eu pegar um, promete não contar a ninguém? — Ela ri
e gira seu rosto para mim, me dando uma piscada.
— Não — a respondo e nego com a cabeça, escutando o
som da sua risada alegre, a olhando com mais curiosidade. É alta e
com porte reto, tem uma maquiagem discreta, mas bonita, que
chama ainda mais atenção para seus olhos, que aparentam ser de
felinos.
— Será nosso segredo, então. — Ela se vira novamente,
olhando o bombom e esticando seu braço para pegar um. — Eu sou
louca por chocolate! — ela fala, rindo e o mordendo, ao mesmo
tempo que suspira, fechando seus olhos enquanto saboreia o doce.
— Aguuu... gu... — Roaquim balbucia, com seus dedos
presos em meu pescoço, como se estivesse perdido que nem eu,
sem saber de onde saiu essa moça.
Olho para ele e balanço minha cabeça em negativo, antes de
olhar para a mulher novamente. Ela abre seus olhos e repuxa seu
nariz, inalando o ar com força quando joga a cabeça para trás,
cutucando os olhos com a ponta do indicador.
— Porcaria de lente de contato! O médico jurou que iria ser
fácil de se adaptar. — Fico em silêncio, a assistindo cutucar seus
olhos enquanto resmunga. — Deveria ter vindo com meus óculos,
não tem ideia de como isso é estressante. A cada piscada, essa
porcaria de lente sai do lugar... Pronto!
Ela abaixa sua mão, retornando sua cabeça para frente e me
observando com um sorriso alegre, olhando de mim para o
pequeno. Retribuo seu sorriso, mas não com o mesmo entusiasmo
e alegria que ela me dá, o máximo que consigo é esboçar um
sorriso amarelo, enquanto tento processar as palavras amargas de
Pamela, as quais ela me dirigiu, e os olhares que recebi, além da
chegada dessa mulher elegante, que veio me defender. Aliso as
costas de Roaquim, que está interessado nos brincos dourados
grandes de argola, que balançam nas orelhas da mulher.
— Não precisa mais se preocupar, aquela ali é que nem
cadela velha. — A mão dela se ergue no ar, balançando enquanto ri,
se referindo à ex-amante de Sebastian. — Só late, não morde, Tina.
— Desculpe, mas... — Pisco, confusa, e a olho sem entender.
Nunca tinha lhe visto, então como sabe o meu nome? — Nos
conhecemos?
— Bom, sim, só que não pessoalmente. — Ela sorri ainda
mais alegre e dá um passinho para frente. — Quer dizer, eu me
sinto como se já te conhecesse, mas você ainda não me conhece.
Supus que você fosse a Tina, por conta desse bonitão em seu colo.
Ela estica sua mão e inclina o corpo para frente, sorrindo
para Roaquim e falando com dengo com ele. O gorducho arteiro
aproveita a aproximação dela e já estica seus dedinhos curiosos
para o brinco de argola.
— Oh, nem pensar, garotão! — Seguro sua mão, o impedindo
de fazer arte, a vendo rir ainda mais da face brava que Roaquim faz
quando o impeço de puxar o brinco dela.
Ganho uma mordida de boca banguela em minha bochecha,
com ele balbuciando, enquanto dá um gritinho e puxa meu cabelo,
já que não pode puxar o brinco dela.
— Vou te levar para o formigueiro, seu Babão! — o ameaço,
lhe vendo rir e tombar sua face para o lado, sabendo que eu não
falo sério. — Desculpe, os dentes dele estão nascendo, por isso
tudo que ele vê quer pôr na boca, para coçar a gengiva...
— Oh, não se preocupe, sei exatamente como eles são
nessa idade! — Ela sorri para mim e vira para a mesa, pegando um
dos bolinhos. — Tenho certeza de que isso o fará ficar mais
contente do que esse brinco duro, lindão.
Ela ganha Roaquim logo de cara, assim que oferece comida
a ele, que praticamente está saltitando, pulando no meu colo
enquanto bate palminhas.
— Se importa se eu der um bolinho a ele? — ela me pergunta
antes de o deixar pegar.
— Oh, não, pode dar.
Confirmo com um balançar de cabeça e a vejo sorrir com
carinho para ele, retirando o papel do bolinho e lhe entregando.
Roaquim o leva diretamente à boca, o esmagando em seus dedos
gorduchos.
— Viu, eu não lhe disse?! Muito melhor. — A mulher se
afasta e dá um passo para trás, olhando para mim. — Onde estão
meus modos, devo parecer uma louca. — Ela ri, gesticulando com a
mão esquerda, balançando a cabeça para os lados. — Sou Bella, a
secretária do senhor Sánchez. As fotos dos meninos estão por todo
o escritório da vinícola, por isso sei quem ele é.
— Oh! — Sorrio para ela, lhe cumprimentando quando ela
estica seu braço e me estende sua mão. — Eu sou Tina...
— Tina Zara, sim, eu sei. Estou cuidando da papelada da sua
matrícula, cheguei a ligar na casa para falar com você na sexta, mas
não estava. Estava louca para lhe conhecer pessoalmente, ouço
sempre seu nome dentro da sala dele, por isso sinto como se lhe
conhecesse. Mas fique tranquila, porque ele fala apenas coisas
boas, então não se preocupe com a amarga da Pamela, ela apenas
é uma ressentida, que achou que ele cairia no golpe dela. É uma
vaca linguaruda que adora espalhar fofoca por aí...
Eu deixo meu sorriso morrer e a olho com assombro, ouvindo
tudo que ela fala de forma rápida.
— Fofoca? — murmuro e abaixo meus olhos para o chão,
respirando depressa.
— Acho que eu e minha boca grande falamos demais
novamente! — Bella diz, arrependida, dando um passo à frente e
tocando meu ombro. — Ai, minha mãe sempre me dizia que eu
nunca sabia fechar minha boca quando devia, mas acabo falando
sem parar quando estou animada ou com raiva. Por favor, não
pense que quis dizer algo para lhe ofender...
Ergo meu rosto para ela e a olho perdida, lhe vendo falar
rápido de novo, mas não com o sorriso alegre que estava em seus
lábios, e sim preocupada.
— Está tudo bem, Bella. — Sorrio envergonhada para ela,
encolhendo meus ombros. — Apenas não sabia que tinha fofocas...
Inalo ao ar com força e olho em volta, compreendendo agora
o porquê de alguns olhares estarem fixos em mim desde o segundo
que entrei na festa ao lado do senhor Sebastian, além dos
murmúrios maldosos das babás. Cristo, isso não é bom, não quero
as pessoas falando sobre mim! Por mais que esteja distante de
Papi, nunca se sabe quem pode ouvir isso, ouvir meu nome sendo
falado, correndo pela fofoca, e acabar de alguma forma caindo nos
ouvidos dele. Não acho que existem muitas Tinas por aí, Papi com
toda certeza iria vir atrás de mim, para conferir pessoalmente o
boato. Podia ser tolo e burro da minha parte, mas era por isso que
não queria que ninguém soubesse, que desejava manter segredo
sobre estarmos tendo um caso, não queria que mal algum
acontecesse a essa família. Por mais que o senhor Sebastian saiba
com o que eu ganhava a vida, e não tivesse se importado, os outros
não pensariam assim. Papi destruiria tudo, e eu não teria mais cara
para olhar para Tulho, Martin e Miguel, não suportaria que eles
soubessem sobre Z, para eles eu sou apenas a Tina.
— Não precisa se preocupar, todos sabem como ela é uma
oferecida. Ninguém liga para o que Pamela fala — Bella diz,
tentando me animar, encolhendo seus ombros e me deixando ver
como ela está se sentindo chateada com ela mesma. — Eu sinto
tanto...
— Oh, não sinta, eu fico grata. — Nego com a cabeça,
falando para ela. — Na verdade, eu tenho que lhe agradecer. Fiquei
tão sem graça, que não tive reação... E penso que se não tivesse
chegado, provavelmente teria sido ainda mais constrangedor.
Obrigada, Bella, por ter me defendido.
— Não agradeça, nem um pouco. Eu não suporto aquela
criatura, na verdade, a pôr no lugar dela foi bem revigorante. — Ela
sorri e dá uma batidinha em meu ombro com o seu. — E quanto às
fofocas, nem se preocupe, grande parte desse povo por aqui tem
algum esqueleto no armário...
— Penso que não como os meus... — murmuro, mais para
mim mesma do que para ela.
A vejo se atracar no bombom novamente, jogando um dentro
boca enquanto mastiga, negando com a cabeça.
— Não sou de sair falando mal de ninguém. — Ela limpa o
cantinho da boca e se aproxima de mim, dando um risinho arteiro.
— Mas, tudo bem, hoje me sinto maldosa o bastante depois de pôr
dona Pamela, a caçadora de homens casados, em seu lugar, para
fazer isso!
Seu dedinho se ergue, enquanto rio ao ver a felicidade dela,
que está pronta para fazer uma fofoca.
— Falido. — Ela aponta para um velho de bigode, fumando
um charuto. — Advogado ladrão. — Seu dedo muda de direção e
aponta para um casal. — A esposa fez plástica no traseiro com o
dinheiro que ele roubou dos clientes. Aquele velhinho, com sorriso
inocente, brincando com a criança no colo, é bígamo. — Ela aponta
rapidamente para um senhorzinho que parece ser tão simpático, me
fazendo arregalar meus olhos. — Aquele lá é viciado, e a mulher
atrás dele, com vestido amarelo, trouxe o amante para morar dentro
de casa e diz ao marido que é filho de uma irmã distante. Fora os
outros convidados que estão circulando por aí, no meio do salão, e
são em sua maioria sonegadores de impostos.
Ela solta um grande suspiro quando termina, virando seu
rosto para mim e me dando uma piscada.
— Viu, Tina?! — Ela dá de ombros e balança a cabeça para
os lados. — Ter a vaca da Pamela por aí fazendo intriga sobre a sua
relação com o senhor Sánchez é o de menos.
— Ok! — Rio e balanço minha cabeça em positivo, olhando
para todas essas pessoas.
Ela ri junto comigo, se virando para pegar outro bombom e
me dando um sorriso tímido, balançando a cabeça para os lados
enquanto a olho.
— Não disse essas coisas para que pense que sou uma
fofoqueira, apenas queria que soubesse que está tudo bem. Nesse
lugar, nessa cidade, ninguém se importa com a vida do outro, cada
um tem alguma coisa a esconder. — Um baixo suspiro sai da sua
boca. — E acredite, todos têm.
Bella morde seu bombom e desvia seus olhos dos meus, me
dando a impressão que por um breve segundo ela diria: eu também.
Mas não o diz, apenas solta um suspiro baixo, sorrindo tímida
enquanto mastiga seu doce.
— Cristo, eu sou uma vergonha até para tentar fazer
amizade! — Seus olhos se fecham e ela inala o ar com força. —
Não tenho muitas amigas, então acabo não tendo nenhum filtro e
parecendo uma doida fofoqueira... Apenas queria que você se
sentisse bem, não merecia ter ouvido aquelas palavras amargas de
Pamela, não quando ela não tem caráter algum para dizer aquilo...
— Não se preocupe, não penso que seja uma doida
fofoqueira. — Sorrio para ela, sentindo empatia por ela, porque eu
também nunca tive amigas. Tinha as meninas do píer, mas não era
uma amizade de verdade, eram apenas várias garotas no mesmo
barco, tentando não se afogar. — Eu não tenho amigas, sou
péssima para fazer amizades. Só que se não se importar, adoraria
lhe ter como uma.
A face de Bella fica séria por um tempo, antes de um belo
sorriso estampar seu rosto.
— Eu vou amar, amar muito! — Seu sorriso é largo enquanto
pisca para mim.
Estico meu braço e pego um bombom, me virando para olhar
os convidados, o levando à boca e o mastigando.
— E então... — Tapo minha boca para não falar de boca
cheia e aberta, olhando as pessoas dessa festa. — Tem mais algum
podre que preciso saber?
— Oh, sim! — ela fala, rindo. — Aquele ali, sentando-se perto
do bar, usando uma muleta, ouvi dizer que fez uma cirurgia para
tirar um celular do intestino grosso — ela diz de um jeito tão calmo,
balançando sua cabeça em positivo, como se estivéssemos apenas
falando da hora.
— Uau! — Engulo o doce que estava mastigando e arregalo
meus olhos, ficando intrigada, estudando o grande homem
musculoso que ela apontou com um gesto de cabeça. — Como o
celular dele foi parar lá?
— Podem até desmentir. — Ela abaixa o tom de voz,
enquanto ri. — Mas há quem garante que estava programado para
vibrar!
— Oh, meu Deus!
Tapo meu rosto usando o ombro de Roaquim, caindo na
gargalhada junto com Bella.
— Boa noite, senhoritas!
Meu rosto se afasta de Roaquim, com ele virando junto para
olhar quem nos cumprimenta.
— Boa noite, senhor Dumond! — Bella estica sua mão, o
cumprimentando. O reconheço, me lembro do homem no píer de
madeira que me abraçou com força, depois de ter tirado o filho dele
do lago.
— Está encantadora essa noite, Bella! — Ele sorri
galanteador para ela, parando seus olhos em mim. — Boa noite,
senhorita Zara, como fico feliz em ter a oportunidade de lhe rever!
O peito dele estufa para frente, enquanto me dá um sorriso
ainda maior do que o que ele deu a Bella.
— Se me permite lhe elogiar, preciso dizer que está lind...
O elogio do senhor Dumond é cortado pelo rápido movimento
do Babão, o qual nem tenho tempo de impedir quando ele se joga
para frente, empurrando o bolinho de morango esmagado e todo
babado na face do pobre homem, lambuzando sua cara.
— Oh, meu Deus, Roaquim! — Dou um passo para trás,
olhando para o pequeno arteiro.
— Bruuuuuu! — Roaquim balbucia e dá um gritinho, olhando
com cara de poucos amigos para o senhor Dumond.
— Cristo, eu lamento... Ele nunca foi de fazer essas coisas —
falo apressada, não sabendo se rio da face do homem toda
vermelha, com o recheio do bolinho, ou da situação suja que está no
seu nariz. — Eu sinto muito.
— Oh, não foi nada! — O senhor Dumond tira um lenço do
bolso do seu terno e limpa seu rosto.
Olho para Bella, que está comprimindo seus lábios,
segurando o riso, enquanto se vira para pegar outro bombom.
— Feio, Babão, muito feio o que fez!
Viro e olho o Babão rabugento, negando com a cabeça. Sua
face pequena gira para mim, com ele abrindo sua boca banguela e
atacando minha bochecha.
— Anguuuu... gu... — ele briga comigo, como se estivesse
me dando uma bronca.
— Essa é a melhor fase, eles ficam sempre agitados — o
senhor Dumond fala de forma educada, terminando de se limpar. —
Tirei tudo?
Dou um sorriso amarelo e apenas consinto com a cabeça, lhe
dizendo que sim.
— Roaquim realmente não faz essas coisas. — Solto um
suspiro, abraçando o rosinha. Ele tem o costume de empurrar os
alimentos para minha boca, mas isso apenas porque quer dividir seu
lanchinho comigo, mas enfiar algo na cara de alguém é a primeira
vez. — Ele deve estar apenas com sono. — Viro meu rosto e beijo
sua cabecinha, massageando suas costas.
— Bruuuu... — Como resposta, ele balbucia bravo,
esmagando seus dedos em meu ombro enquanto inclina seu rosto
para perto do meu peito, ficando com sua face deitada de lado,
sugando seu dedinho.
Vejo a sobrancelha do senhor Dumond se arquear enquanto
ele olha Roaquim. Abaixo meus olhos e vejo o pequeno o
encarando, com sua bochecha esmagada em cima do meu peito,
fazendo o som de um carrinho novamente com a boca e jogando a
língua para fora, como se a mostrasse para Dumond.
— Deve ser apenas sono... — Dou um risinho e encolho
meus ombros, alisando a cabecinha de Roaquim.
CAPÍTULO 23
MALPARIDO

SEBASTIAN SÁNCHEZ

Sinto meu coração desfibrilado, batendo acelerado dentro do


meu peito. Abro meus olhos e encaro o teto do escritório,
completamente perdido no que ela me causa. Abaixo meu rosto e
vejo minha porra escorrendo pela lateral da sua coxa, que foi o mais
longe que consegui ir assim que saí de dentro dela. Apenas mais
uma estocada, um beijo, e teria me perdido de vez, gozando em sua
boceta. Tive que usar de todo meu autocontrole para não a foder
fundo, despejando minha porra dentro dela. Esmago meus dedos
em seu quadril, desabando sobre Tina. O aroma da sua pele turva
ainda mais minha mente, que está em colapso, tentando voltar ao
normal, reorganizando meus pensamentos. Inalo o ar com força e
esfrego meu nariz no vale dos seus seios, ouvindo o som baixo que
escapa dos seus lábios quando a ponta da minha língua a lambe,
saboreando seu suor em meu paladar.
Tina é meu céu, meu pequeno inferno, tudo em um único
corpo, que me leva de 0 a 100 em questão de segundos. Quero lhe
jogar em meus joelhos e desferir palmadas em sua bunda, como
uma criança arteira, assim como também desejo a segurar em meus
braços e lhe apertar firme, para que saiba que está segura, que
confie em mim, que apenas quero lhe proteger. Respiro fundo e
tento pegar as rédeas do meu controle novamente. Presto atenção
no som baixo que sai dos seus lábios em um suspiro. Os braços
molengas me abraçam com preguiça e ela esfrega seu rosto em
meus cabelos. Ergo minha cabeça e a deixo pairar perto da sua,
percorrendo meus olhos por sua face. Os lábios estão entreabertos
e inchados, com suas pálpebras fechadas, e piscam com preguiça
quando se abrem de mansinho.
Solto seu quadril e ergo minha mão, afastando uma
mechinha de cabelo da sua bochecha. Meu dedo pressiona seus
lábios, os contornando, encarando a pequena boca que corrompe
meu corpo, que me deixa doente, a querendo sempre perto de mim,
para cuidar dela, não desejando mais ver medo em seus olhos.
— Não use seu corpo para fugir de mim, Tina — murmuro e a
olho sério. — Não quando tudo que mais quero é apenas lhe
proteger, cuidar de ti, pequena. E para isso, precisa confiar em mim
e me dizer o que quero saber.
— Sebastian, não me peça... — Seus olhos se fecham e
tomba sua face para o lado.
Mas não lhe permito fugir novamente, buscando abrigo entre
a luxúria para esquecer o que lhe atormenta. Seguro seu rosto e a
faço me olhar, trazendo sua face para frente novamente, negando
com a cabeça.
— Não se esconda, Tina, e não se recuse a me dizer. —
Cerro meu maxilar, falando sério para ela. — Independentemente de
quem seja que está fugindo, ele nunca mais lhe machucará
novamente, ele nunca mais chegará até você, señorita. Está segura
agora, e nunca mais ninguém irá lhe ferir, isso eu lhe garanto.
Porque sempre irei cuidar de ti, pequena, então me diga, diga para
mim o nome dele, Tina.
Ela me olha com dor, me deixando ver o sorriso triste que se
forma em seus lábios, soltando um suspiro baixo, antes de os
morder. Seus olhos negros estão marejados.
— Confie em mim. — Suavizo minha expressão, falando com
brandura com ela, tentando lhe fazer sair dessa concha a qual ela
se aprisiona. — Me dê um nome.
— É só um nome, senhor. — Ela sorri com tristeza e se
encolhe enquanto abaixa seus olhos para o meu peito. — Um nome
sem importância...
Não, não é só um nome. E para mim ele tinha muita
importância, porque é o maldito que a tinha machucado tanto ao
ponto de fazer Tina se trancar dentro dela como uma pérola em uma
ostra. E, por Dios, só Ele e eu sabemos o quanto isso está me
consumindo por dentro. Preciso que ela diga o nome dele, para que
eu o faça pagar por machucar algo tão doce e belo como minha
pequena bruja.
— Então me diga. — Mantenho a voz calma, mesmo por
dentro me sentindo em ebulição, como um caldeirão prestes a
transbordar de ódio, raiva e desejo de caçá-lo como um animal. —
Se confia em mim, vai me dizer o nome dele, Tina.
— Mas...
— Não. — A olho sério e nego com a cabeça, não recuando
e muito menos a deixando fugir de mim. — Quero saber se
realmente confia em mim.
— Eu confio no senhor, apenas...
— Então diga. Se confia em mim, me diga, Tina. Sem mais
segredos, sem se esconder, vai me contar a verdade.
Sim, eu me sinto um canalha usando de palavras frias para a
coagir a me contar a verdade, me aproveitando da inocência do seu
olhar para conseguir o que desejo. Mas não posso perder essa
pequena brecha que ela me dá, não quando está ainda dispersa por
conta dos meus toques.
— Me prove que confia em mim, moranguinho — murmuro
perto dos seus lábios, os capturando e a beijando lentamente, a
fazendo gemer baixinho. — Me diga...
Afasto minha boca da sua e aliso seu rosto, a mantendo
presa perto de mim. E uma pequena fresta surge quando ela me
olha com ternura e abre seus olhos, escorregando seu braço por
meu ombro, até ter seus dedos espalmados em meu peito. Seus
lábios se separam lentamente e ela inala o ar fundo, tombando seu
rosto para o ladinho, ponderando meu pedido antes de olhar para
mim novamente.
— Alons...
— Papai, já conversou com a Tina? — A palavra é cortada da
sua boca, a fazendo se calar, quando a voz de Martin grita alto do
lado de fora, no corredor, batendo na porta. — Ela precisa ver como
ficaram meus biscoitos.
Ela pisca rapidinho, esticando seu pescoço e virando sua
face na direção da porta, abaixando seus dedos do meu peito.
— Sim, pequeno. Já estou indo, Martin — ela o responde,
retornando seus olhos aos meus, me deixando saber que a fresta
tinha se fechado, com ela recuando para dentro da ostra e se
trancando outra vez. — Preciso ir, señor.
Me olha angustiada e abaixa sua mão do meu peito,
mordendo o cantinho da boca.
— Não irá fugir dessa resposta, Tina — falo sério, a deixando
saber que não irei relevar isso, que ela terá que me dizer o que eu
quero saber.
A vejo se encolher quando me alavanco, me afastando dela e
endireitando meu corpo. A pequena senta na mesa rapidinho,
arrumando a alcinha do seu vestido e cobrindo seu peito, evitando
me olhar nos olhos.
— E então, o que pensa disso?
Pisco rapidamente, saindo dos meus pensamentos, virando
meu rosto para Ralf, que está sentado ao meu lado, enchendo
nossos copos. Desvio meus olhos dos seus, olhando para o copo,
tentando me lembrar do que ele estava tagarelando, antes dos
meus pensamentos se desligarem e ficarem focados em Tina.
— Será bom para a vinícola ter um pedido alto, isso mostra
como temos competência para fazer exportações maiores — ele fala
animado, segurando seu copo e o virando na boca. — Apenas
preciso saber o que pensa sobre isso para dar uma resposta, o
intermediador do comprador disse que ficará aguardando nosso
retorno.
Me situo novamente no assunto que estávamos falando, no
sujeito que está interessado em nosso vinho e que tinha retornado a
nos contactar, depois que fui bem claro com eles, ao afirmar que
não iria adiantar a colheita da uva, condenando a qualidade do meu
produto, apenas por causa deles.
— O que penso é que não confio em um homem que faz
negócios usando terceiros. — Pego o copo de bebida, o
respondendo. — Se esse comprador realmente deseja tanto
revender nosso vinho e faz questão do nosso produto, por que não
veio pessoalmente até nossa empresa?!
— Sempre desconfiado. O cara só deve ter muito negócios,
por isso usa os intermediários, não tem como cuidar de várias
compras ao mesmo tempo.
— Pode até ser, mas, ainda assim, prefiro fazer negócios
com quem eu possa olhar nos olhos. — Abaixo meu copo na mesa,
falando sério. — É assim que sabemos qual é o verdadeiro
interesse de alguém.
— Ok, então é isso que quer? — Ralf indaga, sério. — Que o
cara venha até aqui para conhecer nossa vinícola?
— Se ele realmente deseja nosso vinho, não vejo mal algum
em querer isso.
Desvio meu rosto dele, percorrendo meus olhos pelos
convidados espalhados pelo pátio central da estância da minha tia,
que foi transformado em um grande salão de festa.
— Eu ainda não sei por que esse cara quer fazer negócio
com a gente, qualquer outro já teria desistido, ainda mais com você
agindo assim — ele rosna, baixo, virando seu copo de bebida de
uma vez só na boca.
— E é exatamente isso que eu pretendo saber, por que ele
quer tanto fazer negócio com minha vinícola. — Viro meu rosto para
ele, falando taciturno.
— Ainda acho que você apenas pegou implicância com o
cara, apenas porque ele quis adiantar a colheita.
— Pode até ser, mas enquanto ele não vier pessoalmente à
vinícola, nada de negócio fechado.
— Ok, irei avisar ao representante do cara. — Ele balança
sua cabeça em positivo, compreendendo o que eu falo. — Mas,
agora que também colocou essa pulga atrás da minha orelha, vou
dar um jeito de erguer informações sobre esse sujeito, para
descobrirmos qual é a dele.
— Sim, faça isso. — Ergo meu copo e tomo minha bebida.
— Bom, agora que isso está acertado, vou aproveitar a festa
de mi madre e ver o que tem de bom por esse salão. — Ele balança
sua sobrancelha, fazendo um gesto safado, me deixando saber que
se refere às mulheres. Sua cabeça se ergue e olha para o salão,
como se estivesse procurando quem seria sua presa da noite. —
Vamos ver o que encontro... espere.
Ele sorri para mim e olha com mais interesse por cima do
meu ombro.
— Pelo visto achou a pobre alma que será ludibriada por sua
lábia essa noite. — Rio, empurrando minhas costas na cadeira e
cruzando meus braços, varrendo minha atenção pelo outro lado do
salão, olhando por cima da cabeça de Ralf.
Inalo o ar com força, caçando a pequena mulher e meus
filhos, e encontro Tulho rindo com seu amigo, Cristofe, o jovem
sardento que Tina tinha tirado do lago. Mantenho meu olhar atento,
observando os outros convidados, tentando avistar Martin, Miguel,
Tina e Roaquim, que provavelmente não devem estar longes, já que
ela sempre se mantém próxima a eles. Se Tulho está perto do
jardim, os outros também devem estar pelas proximidades.
— Minhas mãos amariam puxar aqueles cabelos longos,
enquanto a faço gemer gritando o meu nome. — A voz de Ralf
falando e rindo, me faz desviar os olhos dos convidados e o encarar.
— Meu pau está ficando duro apenas de olhar...
— Todas elas lhe deixam assim, Ralf.
— De fato, mas nunca uma me deixou assim, em ponto de
bala, apenas por ver suas costas seminuas em um vestido de frente
única. — Ele sorri e olha com mais interesse por cima do meu
ombro. — Saltos altos e vestidos justos colados no rabo realmente
são as coisas mais perfeitas que já foram inventadas. Olha a porra
daquele rabo, Sebastian! Tenho certeza de que está sem calcinha,
nenhuma mulher usaria um vestido justo como aquele com calcinha.
— Estou procurando meus filhos, Ralf. Por que não usa seus
olhos de águia para os encontrar, ao invés de tentar descobrir se as
convidadas estão de peças íntimas ou não?! — Estico meu
pescoço, olhando mais atento pelo perímetro. Não a tinha visto
mais, desde o segundo que chegamos, já que tinha se afastado de
mim junto com as crianças.
— Por que não é franco e diz a verdade? — Ele bate sua
mão em meu ombro, rindo. — Estou procurando a babá e os meus
filhos, Ralf!
O cretino caçoa de mim, falando debochado. Respiro fundo e
ranjo meus dentes, retirando sua mão do meu ombro.
— Cabrón! — o xingo, retornando a olhar entre os
convidados.
— E você é um puto que se sentou justamente nessa mesa
porque sabia que teria uma visão geral do salão, para poder ficar
olhando de longe seus filhos e a babá... — Ele estufa seu peito para
frente, arrumando a gola da sua camisa, me deixando saber que
está se preparando para o ataque. — Agora não me culpe se estou
realmente interessado em ver aquele lindo rabo de perto. O que
preciso admitir que realmente é a coisa mais... — Ele estreita seu
olhar, cerrando seus lábios. — Espera, eu conheço aquela bunda.
— Ralf se cala, arregalando seus olhos, rosnando baixo. — Señora
Bella!
Ralf tosse, pigarreando, enquanto o olho sem entender o
porquê da sua face estar demonstrando tanto choque. Me viro e
apoio meu braço na mesa, curioso para saber o que finalmente teve
o poder de calar a grande boca dele. Meus olhos se fixam
rapidamente na mulher ao longe, em um vestido vinho aveludado,
de alças extremamente finas nos ombros, com os cabelos longos e
sedosos parecendo uma cascata, caindo por suas costas até chegar
à altura do seu quadril. Ela se vira, ficando de lado, girando o rosto e
observando os convidados, deixando as covinhas em suas
bochechas se sobressaltarem, dando um sorriso largo. Estudo seu
rosto, demorando alguns segundos para reconhecer a mulher que
está sem os óculos de grau que sempre tem em sua face. A olho
rápido e retorno a encarar meu primo.
— A tirana! — Ralf rosna com raiva, respirando mais forte,
chamando a secretária pelo apelido que ele deu a ela, apenas por
ela ser a única mulher que, pelo visto, é imune aos charmes dele. —
Está vendo isso?
— Sim. — Sorrio para ele e balanço minha cabeça em
positivo, confirmando com um gesto de cabeça que é nossa
secretária, a qual realmente está muito bela essa noite, sem seus
formais conjuntos de ternos pastéis. — É a nossa secretária.
— Por que diabos ela está com essa roupa? E desde quando
ela usa essas roupas, afinal... — Ralf fala sério, tendo sua face
carrancuda, que demonstra indignação, encarando ainda mais a
secretária.
— Julgo que desde que ela tem uma vida fora do trabalho —
digo, rindo, estreitando meu olhar e o encarando. — E você, desde
quando virou fiscal de roupa das funcionárias fora da empresa? Não
estou entendendo o porquê desse alarde todo apenas porque Bella
está arrumada. Não sabia que nutria um interesse assim tão forte
pela secretária, ao ponto de reconhecer a traseira dela.
— Não tenho interesse nessa tirana, e muito menos estou
fazendo alarde! — ele rosna e nega com a cabeça, desviando os
olhos dela. — Essa mulher é uma señora amarga que odeia os
homens, e agora fica aí andando com esses trajes provocantes. Ela
tinha que estar com uma placa na testa bem grande, para avisar aos
pobres diabos que cruzarem seu caminho: Perigo, señora tirana
amargurada!
— Bella não é tirana, Ralf, e muito menos odeia os homens.
— Rio, negando com a cabeça. — Ela só não gosta de você, para
ser franco. E pare de ficar chamando-a de señora, sabe que ela só
tem vinte e cinco anos...
— É uma señora de cento e dois anos escondida dentro
daquele corpo.
— Por que me parece que alguém anda pensando demais
nessa señora de cento e dois anos?
Dessa vez quem ri, caçoando dele, sou eu, enquanto retribuo
sua batidinha canalha no ombro, lhe dando um largo sorriso sacana.
— Engraçadinho, não?! Aproveita toda essa felicidade e dá
uma olhadinha para a esquerda da tirana, e vai ver algo muito
bonitinho também. — Ele abre seu sorriso para mim, falando
amargo enquanto meu rosto se enrijece. Pisco, confuso, e viro na
mesma hora para olhar o que ele se refere.
Olhei tão rápido para a Bella, apenas para confirmar se
realmente era ela, que não me atentei ao homem parado ao lado
dela, conversando, com sua face virada para a esquerda. Estreito
meu olhar e observo a cena, reconhecendo Dumond, o pai de
Cristofe, sorrindo galanteador, e esticando sua mão que tira do
bolso, pegando duas taças de vinho que um garçom oferece em
uma bandeja para ele. Assim que ele se vira, a mulher pequena que
estava escondida atrás dele é visível para meus olhos, com seus
cabelos negros soltos, balançando Roaquim em seus braços, que
está com seus bracinhos colados ao pescoço dela. A cabeça de
Tina se move em negativo rapidinho, abrindo um sorriso doce,
recusando a taça quando ele a oferece, e sinto o ar entrar mais forte
por meus pulmões. Ranjo os meus dentes, vendo os olhos do puto
fixos nos seios dela.
— Malparido![40] — xingo o desgraçado, que está
praticamente se derretendo diante dela, encarando seu decote.
Meu corpo já está de pé em questão de segundos, e caminho
reto na direção deles. A respiração pesada de Ralf se faz ao meu
lado, enquanto ele segue a mesma direção junto comigo.
— Realmente não tem ideia, senhorita Zara... — Pego a
conversa em andamento, ouvindo apenas a voz do Dumond quando
me aproximo deles.
— Creio que eu também não tenho, poderia explicar qual
seria sua ideia? — Tanto Tina quanto Dumond se viram na mesma
hora quando ouvem minha voz. — Boa noite, Dumond!
— Olá, Sebastian, como está? — O cretino, que não esconde
o sorriso meloso que está dando a ela, me cumprimenta, esticando
sua mão. — Estava apenas dizendo à Tina como ela não tem ideia
de como foi um anjo na minha vida, e que serei eternamente grato a
ela...
— Tina... Hum, interessante. — Viro meu rosto para ela, lhe
encarando ao falar seu nome, o qual ele pronuncia com tanta
intimidade.
— ANGUUUUUU... — Roaquim, que está no colo dela, dá
um gritinho e abre um sorriso quando me vê, girando o rosto para
mim. — Guuuu... BRUss... ba... aba...
Ele bate uma mão na outra, balbuciando rapidinho, como se
estivesse me contando algo sério.
— Olá, cariño. — Dou um passo à frente, fazendo Dumond
se afastar quando fico de frente para Tina, a encarando. Abaixo
meus olhos para Roaquim e estico meu braço para ele, o pegando
em meu colo e ouvindo sua reclamação.
— Tina? — grunho, baixo, a encarando, olhando a pequena,
que está com um sorriso amarelo em sua face, encolher seus
ombros. — No sabía que eras tan cercano, hasta el punto de que
ese hijo de puta ya te llamaba por tu nombre, señorita[41] — rosno,
baixo, falando em espanhol com ela, não conseguindo controlar o
ciúme que senti ao ver esse malparido do Dumond a cercando,
cheio de sorrisos cretinos.
— Oh, no lo seas así que significa que solo está siendo
amable, señor...[42]
— No, señorita! — falo sério e abaixo meus olhos para seu
decote, vendo o vale dos seus seios perfeitos, as mesmas mamas
que essa tarde eu suguei em minha boca com fome, e que agora
esse cabrón fica babando em cima. — Estoy seguro de que la
bondad fue lo último que pasó por su cabeza mientras miraba sus
tetas, recordando la visión de su cuerpo desnudo debajo de ese
maldito vestido mojado.[43]
Ergo meu rosto para a face dela e vejo sua boca pequena e
carnuda se abrir em um pequeno “O”.
— Cristo, eu esqueci! — Tina respira depressa, fazendo seus
seios se moverem ainda mais rapidamente, abaixando seu rosto e
encarando suas tetas.
— Pois eu não! — rosno com raiva, rangendo meus dentes.
— Bruuuuu! — Roaquim balbucia com a mesma entonação
que eu, batendo palminhas.
— Dios! — ela sibila e morde o cantinho da boca, olhando de
mim para Roaquim. — Vocês dois são terríveis, sabiam?!
Ela vira de costas, fazendo seus cabelos se moverem,
enchendo meus pulmões com o aroma do seu perfume de morango,
me deixando ainda mais raivoso, por não conseguir controlar tudo
que essa mulher me faz sentir.
— Realmente foi sortudo, Sebastian. Encontrou uma boa
moça para cuidar dos seus filhos. Se Deus tivesse me agraciado
com mais filhos, também iria querer ter uma jovem como ela
cuidando deles com tanto carinho como Tina demonstra.
Viro e fico de frente para Dumond, sentindo o lábio superior
da minha boca tremer enquanto resmungo baixo, o encarando.
— Sim! — respondo, tendo a pressão da veia na lateral da
minha garganta ficando mais forte, com o fluxo de sangue
aumentando.
— E olha que digo isso não só pela Tina, mas pela Bella
também. Uma mulher excepcional, assim como uma competente
secretária. — Ele desvia seus olhos dos meus para a secretária,
dando um olhar sedutor para ela, que está pegando um bombom,
prestes a levá-lo à boca. — Uma hora ainda tomo coragem e a
roubo de você.
— Señora Ares te comeria vivo em questão de segundos! —
A voz azeda de Ralf o responde sério, enquanto estufa seu peito
para frente e cruza seus braços, girando o rosto para a secretária.
— Buenas noches, señora!
Bella se engasga com o chocolate, tossindo, levando a mão à
frente da boca, comprimindo seus olhos.
— Señora é o cace... — Ela se cala, olhando de mim para
Dumond e abaixando sua mão, não terminando a frase, dando um
olhar de morte para o meu primo, antes de se virar com raiva,
ficando de costas para ele.
— E então, como vão as coisas, Sebastian, na empresa? —
Dumond mantém a conversa, falando sobre negócios e desviando o
assunto das garotas. — Essas osciladas da bolsa de economia
estão me deixando estressado.
— Estão indo bem — o respondo e olho para Ralf, arqueando
minha sobrancelha para ele quando o vejo inclinar apenas um
pouco sua cabeça para frente, cheirando o ar com força. — Na área
do vinhedo não sofremos muitos abalos econômicos, a mudança
brusca do clima é o que acaba atrapalhando mais, por causa do
plantio das uvas...
Solto um pigarro alto e estreito meu olhar para Ralf, que pisca
rapidinho, se dando conta que está farejando a secretária. Ele vira
sua face para mim e endireita sua postura, soltando uma bufada de
ar zangada.
— Oh, aqui estão, estava procurando por vocês! — A voz
alegre da minha tia, que para perto da gente, faz todos olharem para
ela.
— Aconteceu alguma coisa, madre? — Ralf a olha, mantendo
sua face fechada, mostrando que está de mau humor.
— Oh, não, está tudo ótimo! — Ela ri e se aproxima do
Dumond, dando um beijo em seu rosto. — Como está, meu
querido? Gostando da festa?
— Amando-a, como sempre. Simplesmente suas festas são
as melhores, Aurora. — Ele sorri, segurando seus ombros. — Até
estava comentando com Tina e Bella que não existe ninguém nessa
cidade que saiba fazer uma boa festa como você.
— De fato, com isso eu tenho que concordar! — Minha tia
simplesmente ignora Ralf e eu, nem sequer nos olhando. — Bom,
preciso pegar o que eu vim buscar.
Ela gira e fica de frente para mim, dando um largo sorriso
para Roaquim, que fica alegre ao ganhar um beijo dela em suas
bochechas.
— Pequeno arteiro da titia! Será meu presente de aniversário
hoje! — Ela segura seu dedinho, falando dengosa com ele. — O
quarto dos meninos já está arrumado, e Roaquim dormirá em minha
cama, tenho certeza de que não me negará esse pedido, não é,
meu sobrinho? — Finalmente ela me olha, me dando um olhar
inocente.
— Não! — murmuro, inalando o ar com força.
— Ótimo! — Ela abre ainda mais seu sorriso e ergue sua
mão, dando um tapinha em meu ombro. — Agora, saia da minha
frente, sim?!
Dou um passo para o lado, sendo empurrado pela velha
descarada, que sorri diabolicamente para mim.
— Finalmente encontrei vocês, pequenas! — ela fala alegre,
abrindo seus braços, falando com Tina e Bella.
A pequena bruja olha para minha tia e dá um sorriso, com a
boca fechada, cheia de chocolate, sendo esmagada pelos braços da
minha tia quando a puxa para abraçá-la.
— Feliz aniversário, dona Aurora — Tina murmura,
retribuindo seu abraço.
— Oh, não, não, nada de dona, apenas Aurora, Tina! —
Minha tia beija sua bochecha e dá um passo para trás, segurando
seu rosto. — Olhe se não está hermosa essa pequena. — Ela vira
seu rosto para mim, me olhando com provocação. — Não acha,
querido? — Inalo o ar com força, sabendo que minha tia está
aprontando. — E Bella está verdadeiramente bela, ainda mais do
que é.
Tia Aurora desvia os olhos de mim para Bella, segurando sua
mão e lhe oferecendo um sorriso arteiro.
— Obrigada, Aurora. — Bella sorri com brandura para minha
tia e dá um passinho à frente, a abraçando. — Feliz aniversário, sua
festa está maravilhosa!
— Oh, ainda estamos apenas começando! — Minha tia vira e
nos olha, chegando um passo para trás e enganchando um braço
em Bella e o outro em Tina. — Se me dão licença, cavalheiros,
agora preciso roubar essas duas, sim?!
— Oh, não... — Tina fala primeiro, olhando da minha tia para
mim. — Eu preciso ficar com o senhor Sánchez e com Roaquim...
— Não se preocupe, pequena. — Minha tia nega veemente
com a cabeça. — Tenho certeza de que meu sobrinho não vai se
incomodar se eu raptar você por essa noite, não é, querido?
— Na verdade, não...
— Viu, ele não liga, ainda mais sendo o aniversário da tia
predileta dele! — minha tia me corta, falando gentilmente, mas não
escondendo o brilho de artimanha em seu olhar. — Venham garotas,
vamos! — Ela sorri e puxa as duas com ela. — Bella, preciso lhe
apresentar uma pessoa que está muito interessada em lhe conhecer
pessoalmente. Lhe garanto que vai amá-lo. Ele lhe acha
encantadora...
— Oh... um homem? — Bella olha perdida para tia Aurora.
— O qual você fará sair correndo, que nem um bebê chorão,
assim que começar a comer o fígado dele. — A voz de Ralf sai
seca, com ele rangendo seus dentes e encarando a roupa da
secretária com sua face emburrada.
— Quanto a isso, não se preocupe, querido — tia Aurora é
quem o responde, enquanto Bella apenas ignora a presença de
Ralf, como se ele não passasse de um mosquito zumbindo em sua
orelha. — Ele já conhece Bella, apenas não teve oportunidade de
conversar com ela pessoalmente.
— Hum, um admirador misterioso! — Bella ri, falando para
Tina e mexendo suas sobrancelhas, virando sua cabeça, acertando
uma bofetada com seus cabelos compridos na cara de Ralf. — Isso
está me deixando animada...
— Então venha, vamos aproveitar essa noite, meninas! —
Minha tia as arrasta, caminhando apressadinha. — Dumond, venha,
meu querido, se junte a nós.
Meu maxilar se esmaga enquanto cerro meus lábios,
inalando o ar com força ao ouvir minha tia convidando esse
malparido cretino para se juntar a elas.
— Bons senhores, sinto muito em os deixar, mas nunca nego
um pedido a uma dama — Dumond fala animado, dando uma
batidinha em meu ombro e seguindo as três.
Rosno e giro meu rosto, olhando para onde o miserável
tocou, rangendo meus dentes.
— Cabrón di mierda! — falo com raiva.
— Bruuuuuu! — Roaquim balbucia, batendo suas palminhas,
como se compartilhasse o mesmo sentimento que eu pelo cretino do
Dumond.
Nós dois olhamos para Tina caminhando de costas no salão,
se afastando da gente. A pequena face dela vira e olha por cima do
ombro, como se soubesse que estamos a encarando. Um pequeno
sorriso de ladinho se abre em seus lábios e ela encolhe seus
ombros.
— Aguuu... gu... — Roaquim suspira triste, tagarelando ao
meu lado, tendo nós dois olhando-a se afastar.
CAPÍTULO 24
A PRIMEIRA DANÇA

TINA ZARA

— Cristo, isso realmente é bom! — Bella fala, rindo e virando


o rosto para mim, erguendo sua mão e tomando outro copo da
bebida docinha e cremosa que tia Aurora nos ofereceu.
Eu tinha lhe dito que não bebia vinho ou qualquer outra
bebida de álcool quando o garçom parou na mesa para a qual ela
nos levou para sentar com ela. Ela riu e me deu um olhar brando,
me dizendo que iria pedir para trazerem uma vitamina de frutas, a
qual eu não poderia recusar. Não demorou para um garçom
retornar, deixando na mesa uma grande jarra com uma vitamina de
framboesa com morangos, bem bonita, cheia de espumas. Bella foi
a primeira a tomar, soltando um grande suspiro quando bebeu a
vitamina, o que me fez ficar com vontade de beber a bebida.
— É tão doce e saborosa... — Rio, olhando o que julgo ser
meu quinto copo. Havia gostado tanto do sabor da vitamina, que
tinha praticamente bebido um copinho atrás do outro. — O que tem
nessa vitamina, que a faz ficar tão boa?
Abro minha boca e passo minha língua no cantinho dos
lábios, rindo. Eu já tinha feito vitaminas para os meninos com
morango e framboesa, mas a minha não tinha ficado assim, tão
doce e fresca como essa está. Sinto minhas bochechas arderem,
assim como a animação que empurrou a vergonha para longe,
enquanto conversava com Bella e tia Aurora, que nos oferecia mais
da bebida doce, nunca deixando o copo ficar vazio.
— Oh, isso é uma receita antiga de família, aprendi com
minha madre! — Aurora ergue a grande jarra e enche meu copo
novamente. — Com alguns ingredientes especiais, claro.
— É hortelã? — falo, rindo, a olhando curiosa. — Não, talvez
pimenta... Isso explica o porquê desse gostinho diferente, meio
ardido e fresco, que ela deixa no final...
— Não! — Tia Aurora ri, negando com a cabeça.
— Olha, não sei o que é, mas isso está muito bom! — Bella
vira o copo dela novamente, tomando tudo em um gole só.
Ela abaixa o copo e ergue sua mão, a balançando na frente
da sua face, enquanto sorri para mim.
— Esquentou ou é impressão minha? — Ela leva as mãos
atrás da nuca, erguendo seus cabelos e deixando o copo sobre a
mesa.
— Na verdade, eu também estou com calor. — Passo meus
dedos em minha testa, a sentindo suada, com meu corpo quente se
angustiando com o vestido, morrendo de calor.
— Acho que sim, está abafado essa noite. — Tia Aurora
enche o copo de Bella novamente, sorrindo para nós duas. — Por
isso iremos beber mais uma rodada, meninas.
— Oh, mas do jeito que estão elogiando essa bebida, até eu
desejo experimentar daqui a pouco! — O rapaz, com nome de Ken
Miller, sentado na cadeira do outro lado de Bella, o qual dona Aurora
apresentou para ela, fala rindo, esticando seu braço para a jarra.
— Infelizmente, já está quase no fim! — Tia Aurora puxa a
jarra e dá um sorriso para ele, o impedindo de se servir. — Tenho
certeza de que não se importa de deixar para as meninas, não é?!
Ele ri sem graça, recebendo uma mal-encarada de Aurora.
Pisco, sentindo meus olhos ficarem molengas e o calor aumentar
dentro de mim.
— Por que não tira Bella para dançar, Ken? — Ouço a tosse
de Bella, com ela arregalando seus olhos quando tia Aurora fala,
rindo.
Ergo o copo e tomo a bebida gelada, me abanando com
minha outra mão, olhando e rindo para a cena do rapaz tímido
ficando com suas bochechas vermelhas, e a expressão de pavor de
Bella.
— Penso que ando meio enferrujada. — Bella pigarreia,
dando um riso envergonhado.
— Bom, mais um motivo para ir dançar! — Tia Aurora cai na
risada, se levantando e pegando a jarra em suas mãos. — Ande,
Ken, mostre à Bella como não é só de números e cálculos que você
entende.
O rapaz consente com a cabeça e se levanta, rindo para
Bella e esticando o braço para ela segurar em sua mão.
— Me daria essa honra, Bella?
Fico apenas como uma telespectadora, olhando da face de
um para o outro.
— Claro, por que não?! — ela fala sem graça, deixando o
copo em cima da mesa.
A vejo arrumar seu vestido e passar a mão, nervosamente,
na saia justa, se levantando e me dando um olhar de desespero,
como se eu pudesse lhe salvar, antes de se afastar com ele e
caminhar para a pista.
— Bom, eu preciso conferir umas coisas. — Tia Aurora parte
logo depois de Bella, caminhando apressadinha.
Me sinto mais quente, com o calor se intensificando a cada
segundo, e bebo em um gole só o resto de vitamina.
— Estou derretendo! — Rio, abaixando o copo e o deixando
em cima da mesa, segurando o pano do vestido colado em minha
barriga, o puxando de leve, como se pudesse aliviar esse calor que
sinto. — Está ficando mais quente...
— Talvez deseje caminhar no jardim, o que acha? Um pouco
de ar fresco poderia ser bom. — A voz baixa do senhor Dumond
sussurra perto do meu ouvido quando ele se inclina lentamente para
o meu lado.
Giro meu rosto na mesma hora, olhando para o homem que
me dá um sorriso educado. Um riso nervoso escapa da minha boca,
enquanto me encolho e empurro meu corpo para mais perto da
cadeira vazia de Bella, me afastando dele sem parecer mal-
educada.
— Se não for muita ousadia da minha parte, gostaria de lhe
acompanhar. — Sua voz fica ainda mais baixa, com ele percorrendo
seus olhos por minha face. — Adoraria poder ter a chance de lhe
conhecer um pouco mais, Tina...
— Rããã... — balbucio, rindo nervosa.
Como se cada célula do meu corpo soubesse que está sendo
observada, sinto o arrepio surgir em minha nuca, com meu peito
subindo e descendo mais depressa e o calor dos infernos
aumentando. Meus olhos o encontram sem dificuldade nenhuma. O
homem taciturno está com um copo de uísque na mão, do outro
lado do salão, sentado em uma mesa com Ralf, com Roaquim no
carrinho, ao lado dele, me olhando sério.
— Por favor, não pense que estou sendo um canalha, mas
realmente me encantou e desejava lhe conhecer mais...
Meu corpo sente como se o senhor Sebastian estivesse a
poucos centímetros de mim, pela intensidade que ele me olha. Sua
boca se esmaga e ele dilata suas narinas, me deixando quase poder
ouvir o som alto da sua respiração sendo projetada pelo meu
cérebro, enquanto meu corpo transpira como se eu fosse um picolé
derretendo com o olhar dele. Ele está como um touro preso, ficando
raivoso e nervoso dentro do cercado, se preparando para entrar na
arena.
— Quem sabe poderíamos marcar uma hora para eu lhe
levar para jantar... — A mão de Dumond levanta, com ele fazendo
menção de tocar meu rosto.
Automaticamente, me empurro para trás ainda mais,
arregalando meus olhos, não desejando que ele me toque, e dessa
vez não consigo fingir ser educada.
— Eu agradeço o convite, senhor Dumond. — Inalo o ar com
força, olhando seus dedos congelados no ar. — Mas...
— Mas creio que já tenha outra pessoa que também se
encantou pela senhorita? — Ele tomba o rosto para o lado e me dá
um sorriso gentil, abaixando seu braço. — E a senhorita por ele.
— Me desculpe. — O sorriso em meus lábios é tímido
quando apenas balanço minha cabeça em positivo.
— Não precisa se desculpar, Tina. — Ele sorri e nega com a
cabeça, soltando um suspiro. — Já vivi bastante para reconhecer o
olhar de um homem apaixonado em uma mulher. — Dumond ergue
o vinho para a boca e o bebe lentamente. — Assim como o olhar
dela para ele. E principalmente como um homem apaixonado fica,
quando tem um rival rodeando sua garota. E creio que se virar meu
rosto agora, para minha esquerda, vou encontrar esse olhar
estampado na face de Sebastian Sánchez.
Ele abaixa sua taça, falando e rindo para mim bem baixinho,
quando para seu olhar em meu pescoço. Puxo meu cabelo para
frente, sabendo exatamente para qual ponto seu olhar está fixo.
— Também agiria assim, se alguém tentasse tirar uma mulher
encantadora como você de mim.
— Por favor, não julgue o senhor Sebastian. Por mais que eu
trabalhe na casa dele, nós apenas... — Me calo quando ele estica
sua mão e alisa a ponta do meu cabelo, o empurrando de mansinho
para trás, deixando a marca de chupão à mostra.
— Quando conheci a mãe de Cristofe, minha finada esposa...
— Ele sorri e abaixa sua mão, ficando com um olhar de saudade em
sua face, falando com carinho. — Ela era a mulher mais bela que eu
já tinha visto, doce e gentil. Ela era funcionária na empresa do meu
pai, a qual eu herdei alguns anos depois da sua morte. Eu me
neguei a acreditar que estava apaixonado por uma mulher de classe
inferior à minha, e quanto mais eu me negava a acreditar, mais
apaixonado por ela eu ficava. Até que um dia não consegui mais
sufocar o meu amor e me declarei para ela.
Ele encosta suas costas na cadeira e solta um suspiro,
deixando sua face transparecer uma melancolia, como se estivesse
perdido em suas lembranças.
— Ela também me amava, e no mesmo ano que me declarei
a ela, nós dois casamos poucas semanas depois, porque eu sabia
que nunca amaria ninguém como eu a amava. Logo tivemos a
notícia da sua gravidez. Ela irradiava uma luz, de tão feliz que ficou.
— Eu sorrio com carinho, vendo o amor que ele demonstra ao falar
sobre ela. — Foi o ano mais feliz da minha vida, Tina.
A voz dele se silencia, com ele tendo um sorriso triste agora,
olhando perdido para a taça.
— Ela morreu no parto de Cristofe, teve uma hemorragia —
ele pronuncia as palavras dolorosas com pesar.
— Jesus! — murmuro, sentindo a tristeza que ele passa ao
contar isso. — Eu lamento, senhor Dumond, pela perda da sua
esposa...
— Não tanto quanto eu lamentei, Tina, e ainda lamento. —
Sua face gira e me olha. — Lamento, mas não por sua perda,
porque foi o ano mais feliz da minha vida e ela me deu meu maior
presente, que é meu Cristofe, mas sim pelos outros cinco que eu
perdi, a olhando todo dia, a amando em silêncio e sendo covarde
por nunca lhe dizer como ela era linda. Lamento por ter escolhido
negar meu amor, ao invés de não me importar com as opiniões dos
outros, por ter me apaixonado pela funcionária.
Ele me dá um sorriso melancólico, enquanto vira e olha na
direção de Sebastian, antes de voltar a olhar para mim.
— Então não se preocupe, não o julgo! Posso perceber que
ele não está disposto a cometer o mesmo erro que eu.
Meu corpo se encolhe e perco meus olhos na direção de
Sebastian, o vendo ainda mais sério, com os olhos dele presos em
mim.
— O senhor Sebastian é um bom homem. Ele cuida muito
bem da sua família, assim como tem um coração justo — falo
baixinho, desviando meus olhos dos seus. — Mas posso garantir
que não está apaixonado por mim. Nós dois somos adultos e não
estamos esperando nada um do outro...
— Não é isso que o olhar dele está me dizendo, assim como
o seu. Porque pelo que vi no olhar de Sebastian, ele está a um
passo de se levantar daquela cadeira e vir até aqui — Dumond fala
baixinho, rindo. — Agora, se me der licença, irei me retirar, para
garantir minha integridade. Não sou um homem que se garante em
uma briga, compreende?!
Rio ao ver as sobrancelhas dele se mexendo enquanto sorri.
O casal retornando para a mesa me faz olhar para Bella, que está
rindo e conversando com Ken.
— Cristo, há tempos que eu não dançava! Ken realmente é
um ótimo dançarino. — Ela dá um leve tapinha no ombro dele, se
afastando e dando a volta na mesa, para sentar em sua cadeira. —
Tina, estou sentindo como se estivesse derretendo de tanto calor,
credo...
— Bom, agora serei eu que vou me arriscar na pista, talvez
encontre alguém para uma primeira dança comigo... — Dumond
fala, se levantando da cadeira.
Meu cérebro solta um alarme assim que ele fala a frase,
coincidindo com a mudança da batida da música animada que
estava tocando para uma melodia lenta. Reconheço Slave to love
nas primeiras notas que começam a repercutir.
— Tulho! — murmuro, me levantando rapidamente, esticando
meu pescoço e olhando em volta, caçando por ele na pista.
Passo o olhar em cada casal, não encontrando o jovem Tulho
e nem Mel. Sei que ele está nervoso, que tinha ensaiado tanto para
poder convidá-la para a primeira dança com ele. Reconheço o laço
mostarda de longe, que mais parece um ponto de referência,
enfeitando os cabelos de Mel, e nunca fiquei tão feliz por ela estar
usando aquilo, facilitando-me para encontrá-la. A vejo caminhar na
direção da sacada de um terraço, que fica afastado dos convidados.
Meus olhos se comprimem, como se assim pudesse ver melhor, o
que acaba funcionando, pois então o avisto logo atrás dela, a
seguindo, tão lindo com os cabelos penteadinhos e a camisa de
botão negra e calça jeans.
— Oh, meu Deus, vai acontecer! — digo, abrindo um grande
sorriso e erguendo minhas mãos, batendo-as com felicidade.
— O quê? — Bella se levanta, me perguntando sem entender
do que eu falo.
Giro meu rosto e rio para ela, segurando em seus ombros e
sorrindo de orelha a orelha, como se o maior evento da minha vida
estivesse prestes a acontecer.
— A primeira dança... — Solto as palavras com agonia,
repuxando meu nariz quando giro meu rosto, ficando na pontinha do
pé, para tentar ver Tulho e Mel. — Merda, não vou conseguir vê-los
daqui... E-eu... eu tenho que ir...
— Ir aonde, Tina... — Escuto a voz de Bella falando alto,
atrás de mim, quando já estou me afastando.
Atravesso a pista de dança e sigo para o jardim
apressadamente. Desvio dos convidados dançando, praticamente
correndo rapidinho, parando apenas quando chego no jardim, me
aproximando de um arbusto.
— Porcaria de mato... — Bato meus dedos, afastando e
quebrando o galho que tampa minha visão. — Ohhhhh!
Dou um suspiro, com um sorriso bobo, segurando a galha de
mato em meus dedos, feito uma tola, esquecendo a porcaria do
arbusto assim que meus olhos encontram os dois jovens na sacada.
Mel está de costas, olhando as estrelas, com o jovem Tulho parado
atrás dela. Noto seu nervosismo pela forma angustiada como ele
passa seus dedos no cabelo.
— Apenas a convide, bonitão — sussurro, me embrenhando
ainda mais no arbusto, esmagando a galha em meus dedos e
ficando ansiosa, a usando para me abanar, sentindo o calor infernal
se intensificando. — Tire-a pra dançar, Tulho...
— O que estamos espiando? — A voz de Bella soa baixinho,
com ela se aproximando de mim e empurrando o arbusto, olhando
com curiosidade para a sacada.
— A primeira dança de Tulho com a menina que ele gosta...
— Mordo meus lábios e sinto meu coração derreter feito um sorvete
quando ela se vira, o encarando e dando um sorriso tímido para ele.
— Ai, que fofo... Ele tá com vergonha — Bella murmura, rindo
que nem eu ao ver o nervosismo de Tulho.
— Acho bom ela não o recusar, ou juro que vou enforcá-la
com aquele laço horroroso! — falo, mais angustiada a cada segundo
que os dois ficam se encarando.
— Se ela o recusar, eu mesmo vou até lá e a esgano com
aquele laço! — Bella sussurra e estica seu pescoço para frente,
para os assistir, assim como eu.
— Ela aceitou! — Balanço a galhinha em minha mão, me
sentindo uma líder de torcida eufórica no segundo que Mel sorri
quando ele fala alguma coisa para ela.
— Ohhhh! — nós duas balbuciamos juntas, babando nos
dois.
Bella e eu estamos suspirando, olhando Mel esticar seus
braços para o ombro de Tulho, com ele segurando a cintura dela,
como eu o ensinei. Ele mantém os olhos dele presos nos dela, me
fazendo segurar o riso quando vejo a expressão amedrontada dele.
— Apenas deixe seus pés te conduzir, bonitão — sussurro,
como se ele pudesse me ouvir, desejando que sua primeira dança
com ela seja perfeita.
— O que as duas estão fazendo escondidas no arbusto? — A
voz rouca, rosnando em meu ouvido e soltando uma lufada de ar
quente na minha bochecha, faz eu me assustar na mesma hora,
batendo em quem quer que seja com a galha em sua cabeça. —
Cristo, señorita, pare de me bater!
Seu rosnado é zangado quando suas mãos se prendem em
meus pulsos, me encarando bravo.
— Oh, meu Deus, Sebastian, é você! — Esfrego meu peito e
respiro depressa. — Quer me matar do coração?!
— Claro que sou eu, estava esperando quem aqui, no meio
do arbusto, señorita?! — Ele comprime sua boca, ficando ereto e
falando mal-humorado.
— Se abaixa, pé-grande! — O puxo pelo braço, para que ele
se mantenha encolhido, se escondendo no arbusto. — Não estava
esperando ninguém, apenas não queria perder aquilo...
Viro seu rosto para frente, para que ele veja seu filho tendo a
primeira dança com Mel, ao invés de parecer um touro rabugento.
— Ele a convidou. — A face ranzinza de Sebastian se desfaz
e ele abre um sorriso largo, olhando para Tulho com puro amor. —
Mi hijo...
— Sim... — suspiro, olhando os dois adolescentes dançando
a melodia romântica. — Ele a convidou, e está tão lindo...
— Olha como ele dança bonitinho com ela, Tina. — Bella
sorri, batendo seu ombro no meu. — Muito lindo.
— Claro que é, señora, ele é um Sánchez! — A voz mal-
humorada falando e bufando perto de Bella, faz tanto eu, como ela e
o senhor Sebastian olhar para Ralf, que também se juntou a nós e
está assistindo de camarote o jovem Tulho.
— Cristo, ainda juro que se um dia eu me desligar daquela
vinícola, antes de ir embora soco uma rolha de garrafa de vinho na
sua boca! — Bella rosna com raiva, se afastando dele e ficando
mais perto de mim, voltando a olhar para a frente. — Calor dos
infernos, meu Deus!
Sua mão se ergue e ela se abana, me fazendo sentir ainda
mais agonia, porque também estou morrendo de calor.
— Não sei como está com calor, ainda mais usando uma
roupa dessas, señora!
Eu desvio meu rosto dos dois, me virando para Sebastian e o
vendo olhar Tulho sem nem piscar.
— Señor! — Cutuco seu braço com a galha. — Se Ralf está
aqui, quem está com Roaquim? — pergunto, preocupada,
arregalando meus olhos, imaginando o Babão sozinho.
— Tia Aurora o raptou, o levando para perto das amigas dela
de bingo. — Ele vira seu rosto e me encara. — Antes de vir para cá,
o vi alegre, todo feliz com a atenção que está ganhando das velhas,
até parecia você se derretendo para o Dumond.
Mordo minha boca e estreito meu olhar, segurando um
xingamento. Inalo o ar com força e nego com a cabeça, virando
minha face para frente.
— Não estava derretida, apenas sendo educada. Ele foi
muito gentil, se quer saber.
— Oh, eu notei a gentileza dele! Deu para ver o quão gentil
ele queria ser essa noite com você! — Seu resmungo é baixo, como
um touro bufando na lateral da minha face. — Aposto que ele queria
muito um lance...
— O quê? — Me viro, o olhando e encontrando seus olhos
castanho-escuros completamente presos em minha face, com ele
abaixando seu rosto para o meu decote, antes de me olhar
novamente nos olhos.
— Deve ter tido uma ótima visão, para o incentivar ainda
mais!
— Não, não teve! — cochicho, o respondendo brava. — Para
ser sincera, o único a encarar os meus peitos essa noite é você, pé-
grande — o provoco, dando um riso arteiro e desviando meus olhos
dos seus quando ele rosna, novamente esmagando seu maxilar.
Claro que menti. Eu peguei os olhares de Dumond em meu
decote, mas não era tão exagerado assim, como Sebastian fez
parecer. Sinto seu corpo se aproximar lento, com ele raspando sua
mão na minha e inalando o ar com força, tendo seu rosto virado
para frente.
— O que ele ficou falando ao pé do seu ouvido? — Sua
pergunta sai baixa, mesmo ele mantendo os olhos em Tulho.
— Nada — o respondo rapidinho, dando um sorriso e
admirando Tulho e Mel.
— O que ele lhe disse, Tina? — A pergunta retorna com mais
urgência, e me viro, olhando-o e o vendo sério, me encarando.
Inalo o ar mais rápido, me encolhendo enquanto seus olhos
estão mais intensos presos aos meus. Sabia que ele tinha ficado
assistindo cada movimento de longe, mas não quero lhe dizer que
Dumond me convidou para ir ao jardim, e muito menos que insinuou
que o senhor Sebastian está apaixonado por mim, porque também
iria ter que dizer que Dumond também disse que estou apaixonada
pelo senhor Sánchez, e isso eu não teria como negar.
— Ele apenas disse obrigado, por conta de ter salvado
Cristofe. — Mordo o cantinho da boca, falando a primeira coisa que
vem em minha cabeça. — Não teve nada de lance, de onde tirou
isso?
— Tina, acho que ela quer que ele a beije! — Bella fala
apressada, o que me faz olhar para a sacada, onde Tulho dança
com Mel, na mesma hora.
A menina está com seus olhos brandos, com os bracinhos
finos em volta do pescoço de Tulho, praticamente inclinando seu
rosto para frente quando seus olhos se fecham com lentidão.
— Ela o corresponde — murmuro e sorrio com carinho, os
olhando e vendo a delicada declaração de amor que ela dá a ele,
sem dizer uma única palavra.
— Com toda certeza, sim. — Bella ri e solta um baixo suspiro.
— Ela está desejando receber seu primeiro beijo...
— Mas ele está muito envergonhado para perceber —
sussurro, olhando a expressão nervosa de Tulho.
— Acha que ela realmente gosta dele? — A voz baixa de
Sebastian soa serena, com ele olhando os dois.
— Sim, creio que sim, ela apenas não o deixava saber. — Os
olho com mais carinho, me recordando das vezes que Tulho entrou
na sorveteria. — Quando eu o levo depois da aula na sorveteria, ela
quase nunca olha para ele, mas não porque ele é só mais um
cliente, e sim porque ela não queria que ele visse o que sente.
— Por que ela não disse a ele?
— Não sei, talvez medo... — Olho o jovem Tulho, sentindo
tanta alegria por ele ter seu primeiro amor correspondido.
— Medo, medo de quê?
— Dela não ser boa o bastante para ele, talvez... — As
palavras saem da minha boca e falo o que sinto. — De pensar que
com tantas garotas por aí, porque justo ela iria ser a sortuda de
ganhar a atenção dele...
Giro minha face e olho o grande homem ao meu lado, com o
rosto dele girando para frente. Sinto empatia pela Mel, pois, no
fundo, a compreendo, entendo porque ela não o olhava. Tulho é um
jovem bonito, demonstrando em sua juventude o quão parecido com
o seu pai ele se tornará. Ele tem um olhar intenso, o qual para um
tolo coração adolescente, como o da Mel, deve ter sido impossível
não se apaixonar, assim como foi para o meu ao esbarrar em
Sebastian, que em tão pouco tempo simplesmente sentiu como se
tivesse vivido uma vida inteira apaixonado por ele. E assim como
eu, ela também não parece ser uma menina que chama muito a
atenção dos rapazes, sem ser os malditos clientes que iam atrás de
um corpo, e não uma pessoa. É acanhada e envergonhada, na certa
nunca imaginou que ele vai na sorveteria apenas para vê-la.
— Preferiu transformar o amor dela em um segredo — ele
fala sério, girando sua cabeça para mim.
Trava seus olhos castanhos com os meus, os quais estão
claros agora, como avelã. Sinto o ar entrar mais rápido pelo meu
nariz quando puxo o oxigênio com força, e meu coração bate rápido,
o olhando com tanto amor. Talvez, se pudesse olhar minha face
agora, com toda certeza estaria igual a Mel olhando Tulho,
desejando ser beijada pelo seu primeiro amor, enquanto me derreto
literalmente na frente dele.
— Mas se ele não quiser segredos, se ele não quiser mais
manter o que eles têm escondido? Se não quiser que ela esconda o
que sente... — Sinto a grande mão dele se fechar lentamente na
minha, com nossos braços raspando, trazendo seu rosto para perto
do meu, ao ponto de parecer que não tem mais nada à nossa volta,
anulando tudo pela forma como ele me olha. — Ela lhe contaria,
Tina, lhe contaria o que sente...
Posso sentir meu corpo amolecer, o calor antecipado dos
seus lábios tão perto dos meus, quase se raspando, ao ponto de me
fazer sentir vontade de confessar tudo a ele.
— Não precisa de segredos, não quando tudo que ele mais
deseja é apenas ela. — A voz dele é baixa, me fazendo sentir meu
coração disparado. — Não quero um segredo, moranguinho.
— Sebastian, e-eu...
— Esse é meu sobrinho!
A voz risonha de Ralf me faz piscar rapidinho,
compreendendo que estava prestes a dizer sim para Sebastian. Lhe
dizer como estou perdidamente apaixonada por ele. Viro meu rosto
para frente e respiro depressa, sentindo meu corpo transpirando.
— Oh, ele vai beijá-la! — Bella sorri, suspirando.
Abaixo meu rosto e dou um risinho quando a boca de Tulho
se aproxima da de Mel lentamente.
— Bom, agora que vi que Tulho está feliz... — digo, baixo, me
sentindo sufocada com meus sentimentos, precisando sair daqui. —
Preciso ir saber o que Miguel e Martin estão aprontando.
— Tina, espera! — A voz de Sebastian sai alta, enquanto
tenta segurar meu pulso.
Solto a galha e viro apressada, saindo dos arbustos o mais
rápido que posso, fugindo para longe dele, indo em direção ao salão
novamente, onde estão os convidados, dançando.
CAPÍTULO 25
A ÚLTIMA DANÇA

TINA ZARA

Posso sentir meu coração batendo forte, enquanto pula como


um coelho vivo em meu peito, não acreditando que estava a um
passo de dizer àquele homem como ele me ganhou. Meus olhos
percorrem o salão e ando entre as pessoas dançando na pista a
música latina que começou a tocar em um ritmo mais rápido. Meus
cabelos colam em minha nuca e o calor me faz desejar arrancar a
porcaria da roupa. Procuro por Martin e Miguel, erguendo minha
mão e esfregando minha testa, sentindo tudo indo muito rápido, com
minhas emoções intensas demais, além desse calor infernal me
abrasando por dentro.
Meus olhos encontram os dois pequenos ao lado de Aurora,
que ri com eles, segurando Roaquim no colo, seguindo para a
entrada da casa e os levando com ela. Repuxo meu nariz, sabendo
que terei que atravessar a pista de dança para chegar até a porta da
casa e ir atrás deles. Ando de mansinho e ergo meus braços para
cima da minha cabeça, para não esbarrar nos casais que invadiram
a pista, dançando o ritmo quente da música latina. Respiro fundo e
tento me recompor, para que eles não notem como estou confusa,
com minha mente nublada. Sou surpreendida quando duas mãos
firmes seguram meus pulsos, me girando até bater meu peito contra
uma muralha de tórax firme. Os olhos felinos de Sebastian me
olham como se marcassem minha alma e soubessem que eu fugia
dele.
Deus, eu estou perdida, tinha caído de amores por ele em
uma velocidade terrível, como um carrinho sem freio em uma
descida. Ele me cola mais a ele e solta meus pulsos, escorregando
sua mão pela minha cintura.
— Señor, eu estava indo até os meninos... — falo, baixo,
tentando me afastar. Espalmo meus dedos em seu peito e olho
assustada para os lados, imaginando que não demorará para os
convidados começarem a notar a babá colada no patrão, no meio da
pista. — As pessoas vão nos ver...
— Deixe que vejam. — A voz grossa do homem bravo à
minha frente sai séria, com ele erguendo sua cabeça e passando
seu olhar em volta.
— Sebastian, o que está fazendo? — Viro meu rosto e olho
sua mão se fechando na minha, com ele erguendo lentamente
nossos braços.
— Estou querendo ganhar uma aula de dança. — A voz dele
é provocadora quando abaixa seu tom de voz. — Ensinou Tulho,
não se negue a me ensinar.
— Tulho e eu estávamos na sala da sua casa, pé-grande —
cochicho e sinto minhas bochechas corarem quando ele prensa meu
quadril contra o seu, me fazendo sentir seu pau raspando na minha
barriga. — Não em uma festa cheia de gente...
— Não vejo diferença. Posso gostar de uma aula particular
depois, mas agora quero dançar aqui. — Ele sorri para mim e ergue
minhas mãos, as deixando em seu ombro. — Não vai me negar, não
é?
Suas grandes mãos param em minha cintura, com ele não
desviando seus olhos dos meus, me olhando de um jeito que nem
se minha vida dependesse disso, eu poderia lhe negar.
— Apenas uma dança. — Sorrio de ladinho e abaixo meus
olhos para os botões negros da sua camisa de seda preta.
— Você que manda, cariño.
Meu corpo derrete, com as duas mãos grandes e firmes em
minha cintura, que me prendem mais perto dele, enquanto sussurra
próximo ao meu ouvido. Solto um gemido baixo e inalo o ar com
força.
— Sebastian, pare com o que está fazendo. — Ergo minha
cabeça e o olho nervosa, sentindo meu corpo ficar ainda mais
quente.
— Não estou fazendo nada. — O sorriso de inocente que
esboça em sua boca é desmentido pelo olhar sedutor dele, que o
condena como culpado. — Um passo para frente e outro para trás,
pelo que me lembro, não era?
— Sim... — Fecho meus olhos e balanço a cabeça em
positivo, me movendo junto com ele quando ele começa a nos
embalar, seguindo o ritmo da dança.
Eu não sei exatamente como caí tão facilmente em seu
golpe, mesmo sabendo que ele mentia para mim, me deixando
acreditar que o estava ensinando alguns passos. Em questão de
segundos, eu não sou mais a professora, sou a boneca de pano que
é esmagada contra seu peito, com ele me conduzindo no salão ao
ritmo de Enrique Iglesias. Sebastian tem seus olhos castanhos
brilhando como labaredas de um fogo perigoso, me deixando sem
conseguir respirar, pela forma sexy que conduz a dança.
— Cristo! — Mordo meus lábios quando ele empurra sua
perna entre as minhas, infiltrando sua coxa abaixo da saia do
vestido.
Ele me roda no salão, mantendo minha cintura presa com
seus dedos, nos embalando entre uma requebrada lenta e
intercalando com outras rápidas. Sou girada como um peão em
seus braços, e ele imprensa seu peito em minhas costas quando me
pega novamente, raspando a frente da sua calça em minha bunda.
— Señor! — Meus olhos se arregalam e tenho a nítida
consciência que o pênis dele está cutucando meu traseiro.
— Gosto de como nos encaixamos, señorita!
Fecho meus olhos e respiro rápido, não sabendo o que está
me causando mais danos, se é sua voz rouca em meu ouvido, junto
com a respiração quente dele, ou a mão forte espalmada em meu
ventre, movendo nossos quadris lentos para os lados e flexionando
seus joelhos, me fazendo o descer pouco a pouco com ele.
— Não desejo esconder como me sinto bem com isso, Tina.
— Ele nos faz voltar para cima, beijando meu ombro e subindo seus
lábios lentamente por minha pele, a mordiscando até abocanhar a
pontinha da minha orelha. — Que minha mão conhece cada canto
desse corpo.
Ele se afasta e segura a minha mão, a erguendo para cima e
me rodando novamente, me trazendo para ele e esmagando meus
seios, que estão latejando, em seu tórax. O cheiro desse homem,
que me prende forte junto a si, me faz ficar bêbada e embriagada
com o odor amadeirado e almíscar que exala dele. E esse perfume
me consome, como se fogo queimasse minhas veias, aumentando o
calor insuportável que está dentro de mim. Sebastian retorna sua
coxa para o meio das minhas pernas, causando a fricção do tecido
grosso da sua calça em cima da minha calcinha, a cada movimento
de ir para frente e trás quando volta, acertando seu joelho bem no
centro das minhas pernas.
— Senhor, pare... — Fecho meus olhos e tombo meu rosto
para frente, esmagando meus dedos em seus braços, sentindo a
cada fricção meu corpo ficando mais excitado.
O pé-grande cretino e filho da puta, é um golpe baixo,
literalmente, que me faz transpirar, morrendo de calor com esse
fogo que está me torturando de dentro para fora.
— Estou apenas dançando, moranguinho. — Ouço sua voz
grossa falando baixinho enquanto ele ri, esmagando ainda mais
minha cintura e inclinando sua cabeça para frente, falando perto do
meu ouvido e o mordiscando. — Não estou fazendo nada demais.
Oh, sim, ele está, está causando a ruína da minha calcinha, a
deixando molhada, com minha boceta pulsando, enquanto meu
corpo fica mais quente com essa dança provocadora. Eu posso
fazer alguma coisa? Não posso, e acho que nem conseguiria,
porque estou flutuando nesse momento, é como se o único lugar
perfeito para mim fosse entre os seus braços. A respiração morna
em minha garganta se espalha junto aos beijos que sua boca
deposita em minha pele, e como uma boneca de pano sem controle
algum de si mesma, minha cabeça cai em abandono para trás,
virando meu pescoço e lhe dando mais acesso para me torturar com
seus beijos quando ergo meus dedos e me seguro atrás da sua
cabeça. Choramingo de dor, que fica mais forte em meu corpo,
sofrendo com essa agonia febril que ele me causa. É como se nada
que ele fizesse fosse o suficiente, pois eu preciso de mais.
— Não quero mais segredos, señorita! — A voz rouca de
Sebastian, em meu ouvido, enche meu corpo de arrepios, e minha
mente fica nublada por tudo que já me tomava, me fazendo gemer.
Deixo meus dedos acariciarem seus cabelos e respiro com mais
força. — Quero que todos saibam que essa mulher em meus braços
me pertence, Tina!
— Sebastian, não... — Calo-me e mordo minha boca quando
ele pressiona mais seu pau contra o meu corpo, me deixando sentir
como ele está rígido.
— Gosto de como se encaixa em mim, pequena. — Meus
olhos se abrem e encontro os pares de íris avelãs, que queimam
ardentemente, focados em mim. — Me deixe mostrar a eles,
señorita — ele me pede com malícia, balançando nossos corpos,
como se minha cintura fosse de mola.
Meu corpo arde com o fogo que vejo dentro dos olhos
castanhos. Ele escorrega mais sua perna, roçando entre as minhas
coxas e acertando precisamente meu clitóris. Penso que realmente
estou embriagada, pois minha mente não consegue pensar com
clareza, e desejo apenas me render, não me preocupando com
nada além do que aceitar o que ele me pede, querendo que cada
um saiba, que fale, pois não me importo, eu sou dele.
— Sebastian, que está fazendo comigo? — Pisco, confusa,
me sentindo ao ponto de lhe atacar, me agarrando a ele com pura
paixão.
— Lhe mostrando que te quero, minha bruja. — Ele sorri e
ergue sua mão, alisando meus cabelos. — Quero estar com você, te
quero em minha cama, em minha vida, não como um segredo,
señorita, mas como minha, minha mujer! Quero estar dentro de
você, quero foder você lentamente enquanto arranco cada gemido
seu que me pertence, a segurando em meus braços, não desejando
mais nada em minha vida além de você, e que cada maldito puto
dessa cidade saiba que essa pequena bruja é de Sebastian.
Como se soubesse o que está fazendo comigo, sua cabeça
se move, trazendo bem juntinho seu peito para frente e colando ao
meu, me pressionando mais. Sua cabeça se abaixa e pega meus
lábios, me beijando até pôr para fora todo meu oxigênio. Meus
dedos em sua camisa se apertam mais, desejando sentir seu peito
colado ao meu sem essas roupas, apagando por completo da minha
mente que estamos diante de todas essas pessoas. Ele se empurra
para trás e me puxa forte, segurando minha bunda e tendo sua mão
bem presa no vestido, colando seu rosto ao meu. Deus, eu estou
perdida, sendo guiada por ele a aceitar tudo que ele me oferece!
Sebastian ergue meus dedos ao topo da minha cabeça e sua
mão me empurra, me fazendo rodopiar na pista de dança. Olho-o
assustada assim que as duas mãos grandes prendem minha cintura
e me puxam para si novamente. Os olhos castanhos estão mais
abrasadores, com seus lábios entreabertos sorrindo para mim. Seu
rosto está suado, com a face vermelha. Sebastian me cola ao seu
peito e deixo meus braços rodearem seu pescoço, o enlaçando para
mim. Mexemos a cintura no mesmo ritmo, e sinto sua respiração
alta, enquanto seus dedos massageiam minha pele, descendo seus
dedos até estarem em meu rabo.
— Quero te arrastar daqui, agora, e te levar para casa, para
despir teu corpo desse vestido, apenas para ter meu pau entrando e
saindo de dentro dessa sua boceta tão molhada como já está agora,
arrancando cada gemido de prazer que me pertence. — Ele morde
minha boca e rosna, falando com a voz grossa.
— Ohhhh... — gemo mais alto, enquanto ele descreve
exatamente o que eu desejo que ele faça comigo.
— Lhe tomar de quatro, com meu pau lhe preenchendo, lhe
fodendo lento. — Sua mão desliza em minha bunda e ele fala em
meu ouvido com malícia. — Quero que meu dedo sinta a pressão do
seu rabo quando ele se enterrar lá, com sua bunda se empinando,
tendo meu pau lhe fodendo lento, até sentir sua boceta o
lambuzando.
— Sebastian! — Me engasgo assim que sinto o raspar do seu
dedo entre a fenda da minha bunda, por cima do vestido.
— Me diga que não quer mais segredos, señorita, assim
como eu... — Ele puxa minha boca e me beija com força, enquanto
nos roda pelo salão, com sua mão bem presa em minha bunda,
segurando minha saia.
Estou perdida, gemendo em seus lábios, e Sebastian está
fazendo isso de propósito, só para me deixar sem reação. Consigo
imaginar isso, ser dele, apenas dele, sem mais segredos. Posso
sentir meu corpo vibrar, me implorando por cada segundo o que
apenas imagino, como seria o ter me tocando aqui. Fico sem fôlego
quando ele larga meus lábios, me olhando com tanto abandono
como está agora. Será que se olhasse meu reflexo poderia dizer
que estou com a maior cara de tola apaixonada lhe olhando,
enquanto me perco nele aqui, tão meu nesse momento como nunca
seria de outra mulher?!
Deus, estou pondo fogo em tudo que eu tento esconder. E
tudo que pensei que era certo, achando que sobreviveria sendo
apenas um caso momentâneo dele, me entregando enquanto ele
me quisesse, agora me parece tão pouco, pois desejo tudo que ele
me oferece com tanta paixão. Parece ser tão certo estar aqui junto
dele, assim como é certo ter meu coração sendo aplacado por esse
homem.
Seus olhos focam tão fundo nos meus, que é quase
impossível de desviar. Estou fundida a Sebastian, e meu coração
bate alto em meu peito, e sei que não é só pela dança provocadora
ou por suas palavras, é por ele, apenas por ele. Sinto meu peito
quase se rasgando, com meu coração batendo depressa e minha
respiração se misturando à sua, com o calor dos nossos corpos.
Deixo minha língua solta um segundo apenas, deslizando na lateral
de sua boca, e sinto o suor salgado do gosto dele entrando em meu
sistema, enquanto fecho meus olhos e me deixo ser apenas dele.
Ele solta um som rouco e logo me afasta apenas um pouco, me
girando outra vez, rindo.
E em todos esses meses em sua casa, nunca ouvi essa
risada, uma risada livre e feliz, me mostrando a calmaria e a
tempestade que habitam em seus olhos. Me derreto com a forma
natural que ele ri para mim, com seus cabelos negros desalinhados,
completamente livres. Sebastian me gira forte, me rodopiando de
volta, apenas para que eu caia em cheio nos seus braços, que me
puxam com carinho para mais perto dele. Nossos corações batem
acelerados em um ritmo só, disparados. E, inferno, estou mesmo
indo de cabeça para isso, mesmo sabendo que no fim nada pode
acabar bem, não para mim, pelo menos. Mas, por esse momento,
minha mente esquece por completo de qualquer consequência, se
esquece de Papi, do medo, e apenas quero sentir o que Sebastian
me oferece.
A música acaba e sinto o suor descendo sobre meu rosto,
com minha bochecha colada em seu peito e meu coração que bate
acelerado, ouvindo as respirações pesadas dele enquanto me
abraça com força.
— Sim — murmuro em meio à respiração forte, e escuto o ar
dele sendo puxado com força, com o peito dele se expandido. Sua
mão acaricia meus cabelos, fazendo eu me sentir importante pela
primeira vez em minha vida. — Eu não quero ser mais um segredo,
senhor. — Ergo meus olhos para Sebastian, que me olha com os
olhos castanhos mais quentes, deixando seu peito estufar. Meus
dedos alisam seu braço de mansinho, e sorrio para ele. — Eu quero
ser sua señorita.
Fico na pontinha dos pés e seguro sua nuca, alavancando
meu corpo para cima e o beijando sem medo algum, pois quero que
todos vejam que sou desse homem.
— Vou pedir para Ralf avisar à tia Aurora que precisei levar
minha mujer para nossa casa! — A voz grossa dele sai firme
enquanto segura o meu rosto. — Amanhã, quando viermos buscar
os meninos, iremos conversar com eles.
Ele segura minha mão e entrelaça em seus dedos, se virando
e me levando junto com ele pela pista de dança, passando seu outro
braço por minha cintura e me deixando colada em seu corpo. Eu
vejo os olhares, percebo os murmúrios, até encontro a face de
Pamela entre os convidados, nos encarando, com seus olhos
brilhando de ódio, mas nada me importa, porque ao lado dele eu
sinto que é meu lar, meu abrigo, minha muralha e a força que eu
nunca tive.
CAPÍTULO 26
SOU SUA

SEBASTIAN SÁNCHEZ

A tenho tão doce em meus braços, com o corpo nu sob o


brilho da lua que entra pela janela da sala. Seu sorriso é doce
enquanto me beija, com sua pele macia e suada se colando a mim.
Sinto seu corpo macio, é uma pequena bruja que me leva ao inferno
em uma montanha-russa divertida de luxúria, a qual havia me
derrubado por inteiro diante dela. Ter Tina em meus braços é o
mesmo que segurar a paz que eu busquei a minha vida inteira. Seus
cabelos estão espalhados sobre mim, enquanto meu pau entra e se
afunda dentro da sua boceta molhada e quente.
— É minha perdição, Tina, mi passion[44]. — Abaixo minha
boca e capturo a dela, a beijando com fome.
Ela me abraça mais forte e geme em meus lábios,
empurrando minha calça por minhas pernas e usando seus
calcanhares para as afastar. Foi o caminho mais longo que já fiz na
minha vida, o trajeto da casa da minha tia até a vinícola, com ela
arteira, brincando comigo e me provocando. Tinha um sorriso
sedutor enquanto arrastava a calcinha pelas suas pernas, a
deixando pendurada no retrovisor. Virou seu rosto para mim ao
passo que mordia sua boca, erguendo o vestido para cima e me
fazendo quase ponderar em encostar o carro e a tomar ali, dentro
do carro, parado no acostamento. Mas a queria para mim, queria
olhar seu corpo como está agora embaixo do meu, quente,
completamente despido.
Eu nem esperei a porta da frente da casa se fechar direito
quando a puxei para mim e arranquei seu vestido, o jogando longe.
A ergui em meu colo e desci apenas o zíper da calça, abaixando
apenas o suficiente para tirar meu pau para fora e já estocar em sua
boceta quente e inchada por dentro. Nossos corpos já estavam no
chão, ao pé das escadas, se unindo, com ela abrindo os botões da
minha camisa e cravando seus dentes em meu ombro, arranhando
minhas costas com suas unhas.
Ela é um vulcão que me prende com seus gemidos baixos e
suaves, que me faz desejar lhe entregar o mundo se ela me pedir.
Meus lábios tomam sua boca e sinto mais fome e desejo por ela.
Deixo minha mão espalmar ao lado do seu corpo, usando-a como
alavanca e movendo-me dentro dela até o fundo, onde me enterro
mais, apenas para me retirar, deixando a ponta do meu pau entre
seus grandes lábios molhados, voltando a me enterrar forte como
punho, arrancando gritos baixos dos seus lábios. Movo meu corpo
em repetidas estocadas, com seu corpo colado ao meu, suado e
quente.
— Ohhhhhh, Deus... Sebastian... — A voz doce dela grita
entre gemidos.
Abaixo meu corpo e me junto mais a ela. Rolamos no chão e
logo ela me monta como uma amazona livre. Suas mãos,
espalmadas em meu peito, me deixam sentir mais o fundo do seu
corpo a cada abaixada que seu corpo em volúpia dá. Vejo seus
olhos fechados, com sua boca formando o mais delicado “O”. Sinto
meu pau sendo sugado pelas paredes que se apertam com seus
músculos, tomando-o mais para si, até suas coxas voltarem a se
encaixar com as minhas. Aperto seus seios entre meus dedos e
arranco mais gemidos da sua garganta. Toda a casa, tudo à nossa
volta, morreu, deixando apenas nós dois. Apoio meus pés no chão e
tombo-a com meus joelhos.
Quando ela se ergue, colando seu corpo ao meu, seguro sua
bunda e aperto mais forte, estocando meu pau duro em sua boceta.
Seus dentes roçam em minha orelha, me mordendo como uma gata.
Eu a tenho tão junto a mim, que quero apenas mais, como se nada
do que ela me entregasse fosse o suficiente. Deus, estou indo ao
inferno com ela tão quente sobre mim! Abraço-a mais forte, a
erguendo em meu colo quando fico de joelhos, a trazendo para cima
junto comigo, roubando sua boca para mim e me aproximando das
escadas, a sentando no terceiro degrau. Ergo suas pernas e apoio
seus pés no segundo degrau, ficando de joelhos entre elas, a
segurando mais forte pelo rabo, fazendo-a ficar presa aqui. Seus
seios se movem a cada estocada, com seus olhos presos aos meus,
e sorri como a perfeita bruja encantadora que é.
— Venha para mim, cariño... — Solto seu rabo e levo minha
mão entre nós, deixando meu dedo pressionar seu clitóris pulsante,
circulando-o com pressão.
Ela crava mais forte suas unhas em meus braços, fazendo
seu corpo endurecer quando joga sua cabeça para trás, gritando
alto a cada martelada funda que meu pau desfere dentro dela, a
fodendo com densidade. Logo sinto seu corpo ficando mais quente,
me esfolando, conforme ela liberta seu prazer. Tina ergue sua
cabeça, junto com suas mãos, as apoiando em minha nuca,
mantendo seus olhos negros presos aos meus, sorrindo com
carinho.
— Eu sou sua, Sebastian. — Seus lábios murmuram, com
sua cabeça se inclinando para perto da minha, me tomando em
seus lábios. — Soy tuyo.[45]
Ela me arrasta para a queda, me beijando com tanta paixão e
abaixando suas pernas e cruzando em volta da minha cintura, me
fazendo ficar sem controle, como se tudo se anulasse. E apenas
quero ficar aqui para sempre. Essa casa nunca me pareceu um lar
de verdade como parece agora. Não as paredes, não o teto, mas
sim a pequena Tina, que me prende em seus braços enquanto
gozo, gemendo forte, chamando por meu nome. Meu corpo trêmulo
e suado desaba sobre o seu, com nossas respirações
entrecortadas. Meu cérebro tinha chutado para fora todo mundo que
nos prendia.
— Minha pequena... — Beijo sua pele e sinto seus dedos
alisarem minhas costas, perguntando entre as respirações
aceleradas: — Sem segredos, sem fugir de mim, sólo mío, señorita?
Afasto apenas um pouco meu rosto do seu, ficando de
joelhos e a erguendo comigo, lhe abraçando forte e olhando em
seus olhos.
— Soy tuyo! — Ela cola sua testa na minha e sorri enquanto
esfrega seu nariz ao meu.
Abraço-a mais forte, a beijando com paixão, me deitando
sobre ela quando a movo para o tapete. Sinto meu corpo ainda
precisando dela.
— Sólo mío... — Cravo meus dentes em seu ombro e retorno
a mover meu quadril contra o seu, amando o corpo dessa mulher
como eu nunca amei nenhuma outra.
CAPÍTULO 27
SEMPRE SEREI SUA

TINA ZARA

O grande aperto ao redor do meu corpo, junto à respiração


forte em cima da minha cabeça, me faz abrir meus olhos
lentamente, de forma preguiçosa. Deixo meus olhos observarem a
grande mão que paira em meu seio nu, com meu corpo esticado no
chão em cima do tapete felpudo. A luz que brilha lá fora e entra pela
janela me faz olhar sonolenta para a saguão de entrada da casa,
com os rastros de roupas caídas no chão, junto com os sapatos.
Ainda posso sentir minhas pernas moles, com a pressão que o
grande homem adormecido fez, arrancando de cada canto do meu
ser um gemido e me enchendo de prazer a noite inteira. A forma
doce e lenta como ele me amou nesse chão, depois que a
intensidade do começo passou, não tendo mais aquela urgência e
nem o fogo nos queimando. Foi sem pressa, me mostrando tudo
que ele sentia sem palavras, apenas com toques e suspiros.
Encolho meus ombros com um sorriso tolo se esboçando em meus
lábios. Gozamos juntos, sua voz rouca sussurrando palavras
carinhosas em espanhol, e sei de todo coração que não mentia
quando retornou a me chamar de mi passion.
Abaixo meu rosto e olho sua mão grande em cima do meu
peito, o cobrindo por inteiro. Me movo lentamente, me
aconchegando mais a ele, que está deitado de lado atrás de mim,
de conchinha, tendo noção de que nem tudo nele está tão
adormecido assim. Remexo meu quadril apenas um pouquinho
novamente, para sentir o pau de Sebastian pulsar mais um pouco,
roçando em meu rabo. Mordo o cantinho da boca para não rir,
parando meus olhos em suas pernas grossas com pelos negros,
que se destacam na pele clara dele, as vendo sobre as minhas. Ele
parece um grande urso segurando seu filhote, para o mesmo não
fugir enquanto ele tira sua soneca, e não consigo não rir ao imaginar
o pé-grande assim. Se não tivesse distraída, admirando suas coxas
grossas, teria notado o ataque surpresa quando ele me puxa mais
forte, pressionando seu pau em meu rabo e mordendo meu
pescoço, chupando lentamente.
— Devia deixar esse rabo quieto, moranguinho... — ele fala
preguiçoso, esfregando seu nariz em meu ombro. — Gosto de
pensar como seria afundar meu pau dentro dele...
A voz rouca e sonolenta de Sebastian, falando em tom sério,
me faz arregalar meus olhos e sentir ainda mais a grossura do pau
que está cutucando o meu rabo.
— Não é que eu não acho que vá ser bom, eu até que curto
anal, mas penso que primeiro tenho que preparar o meu corpo para
receber o pé-grande dentro dele... — digo pensativa, ainda incerta
se aguentarei fazer anal com Sebastian.
Ele ri e beija meu ombro, movendo e retirando sua grande
perna de cima de mim, empurrando minhas coxas para seu pau se
esfregar em cima da minha boceta.
— Tentadora essa ideia, señorita, mas sou um amante de
boceta. — A grande mão dele sobe por meu seio, acariciando,
arrancando gemidos dos meus lábios enquanto ele fala rouco perto
do meu ouvido. — Gosto de como meu pau fica dentro dela, mas irei
arrumar uma forma de lhe fazer feliz nessa pequena entradinha
também, agora que me disse que gosta. — Ele morde mais forte
meu ombro, fazendo-me gritar enquanto ri e esfrega a porra do seu
indicador na entrada do meu ânus.
— Ohhh, seu pé-grande tarado... — Minha risada se mescla
a dele, deixando-me sentir seu peito vibrar com a gargalhada forte
que solta.
— Pequena bruja!
Ele me vira e nos deixa de frente um para o outro. Seus
dedos acariciam minha face. Sorrio, o admirando, vendo que sua
face séria e sempre taciturna é duas vezes mais bela quando
acorda tão relaxado. Deixo meus dedos tocarem na ponta dos seus
lábios, sentindo o pequeno beijo que ele deposita neles.
— Buenos días, señorita. — Seus olhos estão claros, tão
limpos e belos.
— Buenos días, señor! — Sorrio, o respondendo.
Sinto-me malditamente bem aqui, acordada com ele, sentindo
seu calor e sua respiração morna, vendo seu peito subir e descer
lentamente. Me sinto ainda mais apaixonada por esse homem do
que estava na noite passada.
— Temos que nos levantar, ainda estamos na entrada da
casa... — falo, rindo baixinho, deslizando a ponta do meu dedo em
seu peito e sentindo a maciez dos pelos dele. — Ainda bem que nos
domingos, Damaris não vem aqui, se não se assustaria ao ver nós
dois pelados, deitados nesse chão. — Estico meu pescoço e olho
para as escadas. — Preciso ir para o meu quarto pegar uma roupa...
— Leve suas coisas para o meu quarto, señorita. — Sua mão
espalma em meu rosto, me fazendo olhá-lo. — Quero acordar
contigo em minha cama, Tina.
A voz dele é séria, enquanto olha para o meu rosto. Solta
assim, de forma direta, as palavras, o que faz meu coração quase
entrar em colapso.
— Acho que devíamos conversar com os meninos primeiro,
não quero que eles pensem que estou tentando tomar o lugar da
mãe deles ou...
— Posso lhe garantir que nenhum deles pensará isso — ele
me responde sério, mantendo meu rosto preso em sua mão. — Eles
nunca a tiveram em nenhum lugar, até porque ela se recusava a
estar presente para eles. E você já deve saber disso, não é, Tina?
Sobre minha esposa, a mãe que meus filhos nunca tiveram, sobre
meu irmão e Roaquim.
— Eu... eu... — Me sinto tão presa em seu olhar, que seria
impossível mentir. — Sim, eu ouvi algumas coisas, mas não pense
que foi por enxerimento, ou que eu quis ficar especulando sua vida,
apenas fiquei sabendo sem querer, em uma conversa com
Damaris...
Suas duas mãos agora se fecham em meu rosto, alisando
minha face e empurrando meu cabelo para trás, deixando-me
perdida com seu olhar, enquanto ele me faz carinho.
— Quando percebi que meu casamento acabou, jurei que
nunca mais queria estar preso a alguém novamente. — Seguro meu
coração com minha alma assim que suas palavras saem. — E
estava seguro disso, pensando que tudo que precisava, eu já tinha,
meus hijos, o amor deles, meu trabalho, essas terras. Não precisava
de mais nada, muito menos de uma mulher dentro dessa casa, mas
acho que o destino apenas estava deixando eu me iludir, até ele ter
tempo de encontrar uma pequena bruja, trazendo-a para baixo do
meu teto.
Ele beija a ponta do meu nariz e move-se para cima de mim,
me deixando enjaulada abaixo dele. Abraço seu pescoço e acaricio
seus cabelos, me perdendo em seus olhos de avelã.
— Vivi tanto tempo me condenando por ter, de alguma forma,
não conseguido ser um bom marido, que apenas a ideia de ter uma
mulher novamente em minha vida, me enchia de pavor. — Ele
percorre seu olhar por minha face, abaixando seu rosto para perto
dos meus cabelos e os cheirando. — Não sou bom em palavras,
señorita. Tenho uma péssima dificuldade em expressar em palavras
o que sinto, ou o que penso, e provavelmente terá dias que irá
querer chutar o meu rabo quando meu mau humor estiver
insuportável e louca com tantos homens Sánchez gritando atrás de
você. — Sorrio, olhando-o com brandura quando sua face se afasta
e retorna a me olhar. — Pero lo juro[46], que nunca irei lhe machucar
Tina, nunca. Posso estar com os nervos ao extremo, mas nunca lhe
machucarei, nunca precisará sentir medo de mim, señorita.
— Sebastian, eu não tenho medo de você. — Mordo minha
boca e nego com a cabeça. — A verdade é que se em algum
momento eu fui saber o que é me sentir segura em minha vida, é
quando estou contigo.
Fecho meus olhos e encosto minha testa na sua, o
abraçando forte, lhe dizendo a verdade. Esmago minhas pernas em
sua cintura, o deixando preso a mim, querendo que saiba como
apenas ele faz eu me sentir segura.
— Quero cuidar de você, pequena, como minha mujer. — Ele
inala o ar com força, raspando seu nariz em meus cabelos. — Minha
bruja, a qual nunca mais precisará sentir medo de nada. Porque eu
sempre lhe protegerei, pequena, não importa do que ou de quem,
não estará mais sozinha, señorita.
Sua cabeça se move novamente, com ele me olhando sério,
me deixando saber através do seu olhar, o que ele não fala em
palavras, mas aguarda uma resposta.
— Alonso Marques, apelidado de Papi — murmuro, deixando
o nome sair tão fraco pela minha boca, conforme inalo o ar com
força. — Ele foi o homem que me tocou pela primeira vez, antes da
minha vida cair em desgraça para sempre. — As palavras se
silenciam enquanto abaixo meu rosto, desviando meus olhos dos
seus.
— Ele lhe forçou, cariño? — Sua pergunta sai em tom baixo,
tentando soar calmo, mas sinto a pressão da força que ele faz, com
seus dedos em meu quadril desmentindo a calmaria que ele quer
me passar.
— Não, eu fui com ele — falo envergonhada, sentindo-me
ainda mais suja. — Mas eu não queria aquilo. Eu o deixei me levar
para o quarto, sabia o que ia acontecer lá dentro, mas eu juro que
não queria, Sebastian. Mas eu não tive escolha, e depois nunca
mais consegui sair daquele inferno, nunca mais consegui, e a culpa
foi minha... foi minha.
Meus olhos se fecham e mordo minha boca, sentindo as
lágrimas rolarem por minhas bochechas. O toque áspero da sua
mão grossa alisando meu rosto, limpando as lágrimas de forma tão
delicada, me faz abrir meus olhos.
— Era uma tica. — Sua boca está esmagada, enquanto ele
nega com a cabeça, mantendo sua voz baixa. — Não foi sua culpa,
pequena...
— Foi, foi sim. Se eu não tivesse com medo de ficar sozinha,
eu teria percebido que aquele homem era o diabo, que tinha vindo
arrastar minha alma para o inferno junto com ele... — Confirmo para
ele com um balançar de cabeça, falando entre o choro. — Foi minha
culpa, apenas minha, e tudo que veio depois disso, foi o medo que
me fez ficar presa a essa culpa, me negando a ver que para as
únicas pessoas que eu tinha e que eu amava, que eu não passava
de uma moeda de troca, a qual eles não se importavam o quanto
me custasse cada vez que aquele monstro do Alonso tocava em
mim...
O choro vem forte, incontrolável, como se sentisse toda
aquela sujeira que me soterrava sendo tirada de dentro de mim
pelas lágrimas. Sinto meu corpo sendo alavancado para frente junto
com ele, quando suas costas se impulsionam para trás e ele me
abraça mais forte, me deixando feito uma criança, agarrada a ele,
chorando baixinho. Seu queixo se apoia em cima da minha cabeça,
com os braços grandes se fechando mais densos ao meu redor.
— Não está mais sozinha, pequena. — Ouço sua voz
sussurrando, depositando um beijo em meus cabelos. — Nunca
mais estará sozinha com esse monstro. Lhe prometo.
Fungo baixinho, espremendo meu rosto em seu peito,
sentindo a força com que ele me abraça enquanto inala o ar
pesadamente.
— Está segura, minha bruja... — Seu rosto se abaixa e beija
meus cabelos, alisando minhas costas e murmurando baixinho,
como se estivesse falando com uma criança assustada. — Não vou
lhe obrigar a me contar mais nada agora, cariño, está tudo bem...
Seu peito se afasta um pouquinho para trás e ergue meu
rosto pelo meu queixo, o segurando e me olhando com sua face,
sem demonstrar nenhuma emoção, como se as estivesse
escondendo embaixo de uma máscara fria de aço.
— Mas preciso que me responda uma coisa, Tina. — Seus
dedos secam minhas lágrimas e mantém seus olhos presos nos
meus. — Apenas uma pergunta por agora, sim?
Soluço, balançando minha cabeça em positivo, tendo meu
peito se movendo rápido por causa do choro.
— Quantos anos tinha quando esse hijo da puta lhe
machucou pela primeira vez, señorita?
Pisco, confusa, olhando para ele, tombando meu rosto
lentamente para seu ombro, mordendo o cantinho da minha boca.
— Eu tinha dezessete anos, señor — o respondo, olhando-o
envergonhada.
As narinas do senhor Sebastian se dilatam e ele puxa o ar
com força enquanto sua boca se esmaga, me deixando ver a veia
pulsando em sua testa, com ele fazendo mais pressão com seus
dedos em minha pele. O som do telefone tocando alto, dentro do
escritório, me faz desviar os olhos dos seus, soltando seu pescoço
lentamente.
— Me espere aqui. — Sua voz é baixa, sendo sibilada pela
sua boca rígida, com ele falando sério.
Sinto minha bunda sendo abaixada lentamente, com ele me
sentando no chão enquanto se levanta. Meus olhos o acompanham,
o vendo de costas, caminhando, parecendo um animal raivoso.
Levanto quando ele some na direção do escritório. Puxo sua
camisa e tapo meu corpo enquanto inalo o ar depressa, fungando
baixinho assim que abotoo sua camisa, limpando minhas lágrimas.
Pego as roupas no chão e faço um montinho com elas ao pé das
escadas, caminhando para a cozinha, para colocar água para ferver,
para fazer café antes de ir para o quarto me limpar. Estou de costas,
enchendo a chaleira na pia, quando a porta da cozinha é aberta, o
que me pega de surpresa ao ver Damaris olhando para mim usando
a camisa do senhor Sánchez.
— Damaris? — balbucio rapidinho, desligando a torneira e
olhando para ela com um sorriso sem graça. — Pensava que no
domingo ia para a missa de manhã...
— E eu estou indo. — Ela mantém seus olhos em mim,
abaixando sua atenção para minhas pernas de fora. — Apenas
passei para saber se já estava acordada.
Respiro depressa e tento abaixar a camisa, como se assim
pudesse pelo menos cobrir um pouco da pele.
— Bom, eu estava indo preparar café... — falo rápido,
apontando para a chaleira na pia, ficando ainda mais nervosa.
— Não precisa ficar assim, Tina — ela fala e solta um
suspiro. — Acha mesmo que eu não sabia o que estava
acontecendo dentro dessa casa, ainda mais com esse homem
entrando de cinco em cinco minutos dentro dessa cozinha, te
farejando feito um cão?! — Ela dá um sorriso lento, negando com a
cabeça. — O mal da juventude, é pensar que os velhos são burros e
cegos, o que não somos. Me senti ofendida por não confiar em mim
e me contar que o senhor Sebastian e você estão enamorados[47]
um pelo outro.
— Não foi por mal, só que aconteceu. — Sorrio para ela
timidamente, ganhando um olhar brando da pequena mulher.
— Sim, e como. — Ela ergue sua mão e balança no ar, dando
um passo à frente e caminhando para perto de mim. — Faço gosto,
e fico feliz pelos dois, Tina. E sei que Dolores também ficará...
Repuxo o canto da minha boca e mordo meu lábio, sabendo
exatamente por que não lhe contei o que estava acontecendo entre
mim e o senhor Sánchez, porque sabia que ela iria correndo contar
para mi madre, e tenho certeza de que minha mãe recusaria meu
pedido de vir morar comigo, achando que estaria me atrapalhando.
— Ainda não vou contar para ela, Damaris — falo baixinho,
soltando um suspiro. — Se puder manter um pouco mais em
segredo, só até mi madre aceitar um pedido que lhe fiz esses dias,
eu ficaria grata.
— Oh, mas é claro, sei guardar segredo como ninguém! —
Ela ri mais alegre para mim, enquanto a olho incrédula por conta
das suas palavras. Nem se a vida dela dependesse de não fazer
intriga, Damaris conseguiria controlar sua língua grande. — Ainda
bem que me avisou, porque eu quase contei para ela hoje cedo...
— Para mi madre? — A olho confusa, vendo sua cabeça
balançando em positivo. — Conversou com ela hoje...
— Oh, eu tentei, queria lhe contar sobre a festa e como foi,
mas ela não estava podendo falar comigo... — Ela caminha para a
pia e tira a chaleira do local, a levando para o fogo. — Acredita que
ela desligou na minha cara, só porque estava com visitas?!
Cruzo meus braços e a olho, agora entendendo porque veio
aqui antes de ir à missa, apenas para me contar que minha mãe não
quis falar com ela.
— Talvez a ligação tenha caído, e ela não desligou, como
pensa — falo, negando com a cabeça, me virando de costas e indo
para perto da geladeira, abrindo e pegando uma garrafa de leite.
— Oh, não, ela desligou! Ouvi a voz de um homem gritando
com ela e mandando ela desligar o telefone, porque um tal de Papi
estava perdendo a calma...
O som da garrafa de leite escorregando da minha mão e se
estilhaçando no chão, a faz se calar. Sinto meu corpo todo ficando
frio, como se a morte acabasse de sussurrar em minha nuca,
apenas com o pavor que sinto ao ouvir esse apelido.
— Céus, Tina, vai cortar seu pé... — Ela se afasta do fogão e
vem para perto de mim.
— Damaris! — a chamo, segurando seu braço, lhe fazendo
me encarar. — Tem certeza de que ouviu esse nome antes dela
desligar o aparelho? Foi realmente Papi que ouviu, ou talvez tenha
se enganado?
— Oh, não, não me enganei, foi exatamente isso que ouvi,
Papi! — ela confirma suas palavras, balançando sua cabeça em
positivo. — Acredita que ela nem sequer me deixou falar...
Eu já estou largando Damaris para trás, correndo em direção
ao escritório, sentindo meu coração parar de bater ao saber que
aquele monstro está perto de minha madre, das crianças. Minha
mão se ergue e paro perto da porta do escritório que está
entreaberta, para abrir de vez, mas congelo ao ouvir o som brando
da voz do senhor Sebastian.
— Sim, cariño não pode. — Ele solta um suspiro baixo,
dando uma risadinha. O olho, vendo-o de costas, com o telefone no
ouvido. — Diga a ele que o mandei ficar longe do formigueiro, que
papá o proibiu de fazer isso, Martin. — Ele ri, falando mais animado
com Martin.
Tapo minha boca, olhando-o tão calmo, rindo de algo que
Martin deve ter lhe dito, com sua outra mão esticada, parada sobre
o porta-retratos dos meninos em cima da sua mesa.
— Também te amo muito, mi hijo, muito mesmo. Ande, agora
chame seu tio e diga que preciso conversar com ele.
Sinto meu coração rasgar, sendo tomada pelo medo que tão
bem eu conheço, sabendo que não posso fazer isso, que não tenho
o direito de arrastar esse homem bom e honesto para o inferno que
me engole, para as sujeiras das ruas, que eu morreria se por minha
culpa algo de ruim acontecesse a ele ou aos meninos. Estou
morrendo agora aqui, parada diante da porta, sabendo que é por
minha culpa que o demônio entrou dentro da casa de mi madre, e
não posso o deixar entrar nessa casa também. Quase posso ouvir a
risada amarga de Z dentro da minha mente, me dizendo que eu
tinha sido burra em deixar Tina sonhar com algo que ela nunca
poderia ter. Que podia fugir, mas, ainda assim, seria apenas uma
prostituta com um passado cruel, que tem a realidade bem distante
do que existe nessa casa.
Meu corpo já está se virando rápido, da mesma forma que
corri para cá, a diferença é que agora é para as escadas. Sinto tudo
me engolir: a dor, as lágrimas, o medo de algo ruim acontecer com
minha mãe e com as crianças. É o tempo de abrir a porta, pegar
minha mochila com meus documentos, o dinheiro, uma calça e
minhas sapatilhas, retornando a correr para fora do corredor, em
disparada às escadas. Meus olhos encaram apenas uma vez a
direção do corredor, antes de puxar as chaves do carro, que estão
penduradas na parede, abrindo a porta e passando por ela, sentindo
uma parte minha gritando de dor, com minha alma rasgando por
estar o deixando.
— Sou sua, sempre serei sua. — Limpo as lágrimas do meu
rosto e sussurro, sabendo que nada na minha vida mudará isso.
Não importa o que acontecerá, pois meu coração sempre
será de Sebastian. Meu rosto não se vira, nem olho pelo retrovisor
enquanto morro por dentro, acelerando o carro na estrada de chão,
voltando para o inferno do qual eu tinha fugido, para o demônio que
tinha encontrado a única coisa que ele podia usar contra mim.
CAPÍTULO 28
A DOR DA ALMA

TINA ZARA

Desligo o carro e viro meu rosto para a casa pequena de


alvenaria do outro lado da rua, vendo as luzes do andar superior
apagadas e a da sala acesa, sem movimentação alguma. Eu tinha
vindo o mais rápido que podia, desejando apenas que fosse
mentira, que minha madre estivesse segura. O som ao longe, de
sirenes de polícia, quebra o silêncio da madrugada. O garoto na
esquina, encostado no poste, está aguardando algum cliente vir
comprar sua droga. Os muros das residências e as paredes de
alguns prédios grafitadas, tudo me deixa saber que tinha chegado
ao meu destino. Inalo o ar com força e pulo para o banco do carona,
abrindo a porta lentamente e saindo do carro. Puxo o zíper do
moletom de Tulho, que tinha encontrado no banco de trás dos
passageiros, e ergo o capuz, cobrindo minha cabeça, olhando em
volta, sentindo meu coração bater forte e disparado. Fecho a porta
do carro e olho a casa, buscando por alguma movimentação dentro
dela. O som da lata de lixo sendo derrubada na esquina me assusta,
me fazendo agachar e olhar na mesma hora para lá. Vejo as
sombras dos gatos passando, correndo, sendo perseguidos por um
cachorro.
— Droga! — Esfrego meu peito e encosto minha cabeça no
carro, com minha mão espalmada na lataria da porta, respirando
depressa.
Estico meu pescoço e olho para a casa, mordendo o canto da
minha boca, conferindo se a rua continua vazia antes de me
levantar. Olho com atenção para cada canto da rua, para ver se vejo
algum dos homens de Papi ou o carro dele, mas não tem nada, o
que me faz sentir ainda mais medo, por minha mãe e pelas
crianças, porque se não tem ninguém do lado de fora, é porque eles
estão realmente dentro da casa, com eles. Olho de novo para a
janela da sala, não vendo nada de anormal. A luz está acesa, como
ela sempre costuma deixar.
Inalo com força e tomo coragem para me afastar do carro,
para tentar me aproximar da casa e ver se consigo ver algo pela
janela. Meu pé nem chega a dar um passo quando um carro vira a
esquina, acelerando, vindo depressa. Me agacho quando o Sedam
preto para na frente da casa de mi madre. A porta da casa é aberta
e sinto meu corpo inteiro gelar, da cabeças aos pés, ao ver Paco, o
braço direito de Alonso, saindo para fora na varanda.
— Não, não... — Respiro depressa novamente, e o pavor
dentro de mim aumenta, olhando para a porta da casa aberta.
Me encolho ainda mais, me colando ao carro, assim que
meus olhos encontram o demônio caminhando lentamente enquanto
arruma o chapéu Panamá em sua cabeça, fumando um charuto. Ele
desce as escadas e anda rumo ao carro, sendo seguido por Paco,
que está sério, olhando em volta. Me abaixo ainda mais, ficando
encolhida, sentindo medo até de respirar e acabar o fazendo
descobrir onde estou. Escuto o som do carro sendo ligado depois
que a porta é fechada. Fico ainda alguns segundos na mesma
posição, me mexendo apenas quando os pneus do veículo cantam,
acelerando na rua.
Giro meu pescoço e o vejo sumir assim que vira a esquina.
Me arrasto, engatinhando até a ponta do carro, olhando na direção
da casa e vendo a porta aberta. Fico encolhida na frente dele
quando saio da sua lateral, olhando para a porta, sentindo meu
coração disparar a cada batida que estoura dentro do meu peito.
Dou mais uma conferida, olhando para os lados antes de me
levantar, e meus dedos se soltam do capô do carro, onde me apoiei
para me erguer. Dou um passo à frente e olho para a casa. Não
chego a dar o segundo antes do meu corpo ir ao chão, por conta da
explosão que estremece a rua inteira, fazendo voar pedaços de
madeiras, telhado e tijolos para toda parte, vindo da sala. Minha
cabeça acerta o chão, causando uma dor enquanto o sangue
escorre por minhas bochechas. Me sento depressa e olho
assustada para a casa onde eu tinha passado os únicos momentos
de paz da minha vida, sendo tragada por labaredas de fogo que se
espalham rapidamente.
— MADREEEE... — Levanto com puro pavor, correndo na
direção da casa e olhando a porta aberta, com a fumaça negra
saindo de dentro dela. — NÃO... NÃOOOO, minha madre... Mi
madreeeee...
A segunda explosão é maior que a primeira, causando umas
labaredas de fogo maiores, que saltam para fora, como se fosse o
próprio inferno consumindo a casa, com as chamas saindo por
todos os lugares. Meu corpo é arremessado para o gramado quando
um par de braços me prende e me leva ao chão, caindo em cima de
mim quando tento me aproximar da varanda em chamas.
— Não... não! — grito, me debatendo, tentando acertar sua
face, querendo que me largue, que me deixe. — ME SOLTA... ME
SOLTA! MI MADRE, TENHO QUE TIRAR ELA...
Sou rodada na grama, tendo o corpo masculino sobre o meu,
com ele me enjaulando abaixo dele e esmagando meu rosto em seu
peito quando cacos de vidros voam por toda parte.
— Mi madre... mi madre e meus irmãos estão lá dentro... ME
SOLTAAAA... — Tento o empurrar, mas é como se uma parede de
concreto estivesse me segurando. — ME SOLTAAAAA, por favor...
Minha família está lá dentro...
Sua mão segura meu pulso, quando tento lhe bater para me
soltar, com sua face se movendo para frente. Os grandes olhos de
avelã estão presos nos meus, me encarando.
— Minha família... minha família está lá dentro... — falo,
chorando, olhando o senhor Sebastian, que mantém seu aperto em
meu pulso.
Ele vira seu rosto para o que é apenas chamas e fumaça
agora, negando lentamente com sua cabeça, antes de se erguer e
me puxar pela cintura.
— NÃO... NÃOOOOOOO! — grito, o estapeando, enquanto
ele se afasta. — ME SOLTA... ME SOLTA!
Me debato com desespero, lutando com todas as minhas
forças para que ele me solte. Nossos corpos caem no chão. Me
levanto e corro, retornando para a frente da casa que não existe
mais.
— Não... Oh, meu Deus, não! — Levo meus dedos à cabeça,
olhando o fogo destruindo tudo. Meus joelhos se dobram e caem na
calçada. Choro, sentindo minha alma morrer. — Madreee...
— Olá, tica, o que faz aqui, sentada sozinha nas escadas?
— A voz suave em tom brando me pergunta, se agachando à minha
frente. — Que é isso em sua mão?
— É um filhotinho de passarinho — murmuro e ergo meus
olhos para ela, soluçando baixinho enquanto choro.
Um sorriso doce se faz em seus lábios, com ela me dando
um olhar de amor. Recai seus olhos para a pequenina ave que
seguro. Eu a tinha encontrado em um terreno baldio na volta da
escola, na rua de trás, que alguns moradores de rua usavam como
ponto de usar droga. Eu caminhava lentamente quando vi alguns
meninos jogando pedras contra uma árvore, e o acertaram, o
fazendo cair no chão. Ele era tão pequeno e delicado, estava com
as asas machucadas, piando assustado. Alguns cães estavam
tentando o atacar, ele não iria sobreviver e nem conseguir se
proteger, então saí correndo, tentando chegar até ele. Usei minha
mochila da escola para tentar afastar os cães, e quando finalmente
consegui os afugentar e cheguei até o pequenino pássaro, ele já
estava sem vida.
— Eu não consegui o salvar. — Sinto as lágrimas rolarem por
minhas bochechas, fungando baixinho.
Seus braços se abrem e ela me puxa para ela, me abraçando
com carinho e se sentando ao meu lado na escada, de frente para a
varanda da sua casa, enquanto alisa meus cabelos. E entre as
lágrimas, lhe conto que não consegui afastar depressa os cachorros
grandes, a tempo de o salvar.
— Eu falhei com ele, Dolores...
— Tenho certeza que não, cariño. — Ela sorri para mim e
segura meu rosto, limpando minhas lágrimas. — Não falhou, e ele
sabe que essa pequena tica fez de tudo para o salvar.
Ela se inclina e beija a ponta do meu nariz, esfregando o seu
em minha testa quando me beija com brandura.
— Ele está bem agora. — Ela empurra meus cabelos para
trás. — Está bem agora, mi pequena. Está no céu, onde não há
mais cães ou pedras para lhe ferir. E um dia ele irá lhe ver
novamente, e reconhecer a pequena Tina que fez de tudo para o
salvar.
— Mas como ele vai me reconhecer, se ele não conseguiu
sobreviver?
— No céu — ela fala calma, sorrindo para mim ao me ver
confusa. — Um dia, todos nós iremos para lá, ter nossa paz
também, assim como ele tem a dele agora. A morte não é o fim,
Tina, mas sim a única certeza que temos nessa vida. E ao contrário
do que as pessoas pensam, não é o fim de tudo, mas sim o começo.
Um dia todos se vão, mas nos encontramos novamente do outro
lado...
— Todos? — Pisco, a olhando e vendo um sorriso doce em
seus lábios enquanto balança sua cabeça em positivo.
— Todos, pequena. Um dia também irei, e saiba que
esperarei por ti, para nos encontrar novamente, assim como esse
pequeno passarinho lá no céu...
— Acha que eu vou para o céu? — Olho o pequeno pássaro
em minha mão, não achando que Deus vá me querer lá.
— Dios, Tina, claro que vai... — Ela alisa meus cabelos para
trás. — E eu vou estar lá aguardando por ti, não com uns bolinhos
prontos e quentinhos em cima da mesa, como tem lá na cozinha
agora, mas estarei lá, esperando por ti. Talvez tenha que conversar
com Jesus, uma palavrinha ou duas, não posso ficar lá sem um
fogão para fazer os bolinhos que você gosta...
Rio, fungando, enquanto ela limpa meu rosto, rindo comigo.
Eu não duvido que ela tivesse mesmo essa conversa com ele.
— Gosto dos seus bolinhos... — falo para ela e vejo o sorriso
amoroso que ela me dá.
— Sim, eu sei, por isso os faço todos os dias, apenas para ti!
— Ela abaixa seus olhos para o passarinho e solta um suspiro. —
Por que não o enterramos no jardim, assim ele pode descansar
perto das flores?!
Balanço minha cabeça em positivo, olhando o pobre pequeno
pássaro. Levanto lentamente com a ajuda dela, sentindo seus
braços em meus ombros me guiando para o jardim. Ela me ajuda a
abrir um pequeno buraco, onde o enterramos perto das flores. Mi
madre fala umas palavras bonitas, dando ao pássaro um último
lugar para ele descansar. Dá um sorriso carinhoso enquanto me
abraça, nos fazendo retornar para dentro de casa e subir os degraus
da escada da varanda. Meus braços estão presos em sua cintura, e
escondo meu rosto em sua barriga, a abraçando com muito amor.
— Promete que vai esperar por mim? — sussurro com a voz
abafada em sua barriga, com meus olhos fechados. — Sei que não
sou sua filha, mas promete...
— Oh, pequena, claro que sim! — Ela segura meus braços e
os afasta lentamente, enquanto se agacha e tomba seu rosto para o
lado. — E sim, você é mi hija, pequena. Posso não ter lhe trazido ao
mundo, mas ninguém vai me dizer o contrário, que não é minha,
porque é, pequena.
Ela segura minha face e fala com carinho. Fecho meus olhos,
sentindo seu toque brando em minha bochecha.
— Eu te amo, madre.
As palavras saem da minha boca de uma forma tão natural,
que nem percebo que a chamei de mãe. Meus olhos se abrem e a
vejo parada à minha frente, com seus olhos fixos em minha face,
com um semblante emocionado.
— É a primeira vez que me chama assim... — Ela morde sua
boca, ficando com seus olhos marejados, e tomba o rosto para o
lado em seu ombro.
— Está triste? — Pisco, confusa, a olhando e vendo as
lágrimas rolando por suas bochechas. — Ficou triste comigo... Eu
prometo não te chamar mais assim...
— Dios, não! — Meu rosto é esmagado contra seu peito
quando ela me abraça, me puxando para ela, rindo entre as
lágrimas. — Diga quantas vezes quiser, quantas vezes quiser, Tina.
Porque é isso, sou tu madre, cariño!
Sorrio e esfrego meu rosto em seu peito, lhe abraçando com
todo amor que eu sinto por ela, realmente sentindo em meu coração
que ela é minha mãe, a única mãe que eu tenho.
— Te amo, madre...
— Te amo muy, mi hija.
— Madreeeee... — Meu corpo se debate e tento me libertar
dos braços fortes que me seguram, gritando enquanto meus olhos
ficam presos nas labaredas de fogo que engolem tudo. — Nãooooo,
não, por favor... Madre!
— Venha... venha, pequena.
— Não, não... — Mordo minha boca com força, sentindo meu
peito sendo rasgado pela dor que consome minha alma, morrendo
diante da casa em chamas. — Madreee...
Meu corpo é erguido do chão, enquanto me debato e grito,
sentindo como se o fogo estivesse me queimando viva, junto com a
casa.
CAPÍTULO 29
O DESPERTAR DOS DEMÔNIOS

SEBASTIAN SÁNCHEZ

— Me diz que não sou o único que se recorda do que rolou


depois da meia-noite? — Pisco, confuso, assim que a voz de Ralf
soa brava do outro lado da linha.
— Oh, com toda certeza eu me lembro! — o respondo, rindo,
ouvindo um xingamento sair da boca dele. — Do que está falando,
cabrón?
— Mierda, acho que tomei um porre e nem sequer tenho
certeza se realmente fiz isso... — Ele boceja, respondendo mal-
humorado.
— Pelo visto, foi um porre e tanto. — Rio e me encosto na
mesa do escritório. — Escute, não liguei para saber do seu porre,
mas sim porque preciso que faça algo...
— Não está entendendo, Sebastian — Ralf me corta, falando
nervoso. — Eu não me lembro, não me lembro de nada, e as
pequenas coisas que vêm em minha mente não sei se realmente
aconteceram ou não.
— Ralf, apenas bebeu demais. — Solto uma bufada de ar,
tentando o fazer parar de ficar se preocupando com o porre dele, e
preste atenção no que preciso lhe pedir.
— Quantas vezes já saímos juntos para beber, você me
conhece... — ele fala mais nervoso, respirando depressa. — Posso
beber até cair no chão, mas no outro dia lembro de tudo o que fiz!
— O que realmente aconteceu, Ralf? — pergunto, sério,
prestando atenção no tom raivoso da voz dele.
— Aí que tá, carajo... Eu não lembro. — Ralf bufa, enquanto
fica amaldiçoando em espanhol. — Eu acordei no chalé, pelado, no
meu chalé, compreende...
— E? — Tento entender o que realmente o está deixando
enfurecido. — Precisa explicar um pouco melhor, Ralf...
— Dios, cabrón! — ele me xinga, rosnando pelo telefone. —
Pelado, Sebastian, acordei pelado na minha cama, com meu quarto
cheirando a algodão doce. Estava impregnado em tudo, nos lençóis,
no meu corpo. — Ouço os passos dele, enquanto o tom da sua voz
se abaixa. — Tinha uma calcinha, uma calcinha pendurada no meu
pescoço...
— Ohhh! — Rio e fecho meus olhos, esfregando minhas
têmporas, compreendendo agora o chilique dele. — Não acredito
que está me obrigando a ouvir sua reclamação apenas por que
levou uma mulher para o seu santuarizinho, ao invés de ouvir o que
eu tenho para falar...
— Não me fode, carajo! — ele me corta novamente,
rosnando. — Quantas vezes eu levei uma mulher para o meu chalé?
Nuncaaaa!
Fico pensativo sobre isso por alguns segundos, concordando
com o ponto de vista dele. Quando chamo seu chalé de santuário,
realmente não é para o provocar, porque para ele é isso que é. Ralf
nunca levou mulher alguma até lá.
— Talvez tenha achado uma mujer no meio da festa e acabou
preferindo ir para o local mais perto...
— Não me lembro de ter achado nenhuma... Bom, eu achei,
mas garanto que ela seria a última que eu levaria para meu chalé,
quanto mais para a minha cama.
— Você se recorda ou não, Ralf, do que rolou?
— De algumas coisas, sim... Mas depois tudo ficou apagado,
tendo apenas flashes, me deixando sem saber se foi um pesadelo
ou o melhor sonho que já tive...
— Do que se lembra, afinal? Vamos começar por aí, para
assim você calar a boca e me deixar dizer o que preciso.
— Me lembro de você me trocar pela babá, me largando
naquela porcaria de festa, e de ficar bebendo uísque no bar
enquanto assistia os casais dançando... — Ele abaixa o tom de voz
ao falar sobre isso, xingando novamente. — Daí fui para nossa
mesa, porque esqueci o celular em cima dela. Da jarra... Oh,
mierda, a jarra!
— O que foi?
— A porcaria da jarra, eu bebi o resto de líquido que tinha lá
dentro, pensei que era uma batida... Mas não era, carajo!
— Está se referindo à jarra que tia Aurora deixou em cima da
mesa quando foi buscar Roaquim? Ela disse que era vitamina...
— Um carajo que era vitamina, aquela bruja fez a poção do
fuego! — ele esbraveja alto. — Vou matar mi madre!
Rio enquanto escuto os gritos de Ralf. Recordo dessa bebida
que tia Aurora chama de poção do fuego. Na verdade, nada mais é
que uma garrafada cheia de frutas, com bebidas alcoólicas e outras
coisas que eu até tinha medo de descobrir, sendo trituradas no
liquidificador e virando uma garrafada afrodisíaca. Uma vez, eu e
Ralf, na adolescência, bebemos um copinho pequeno disso, quando
encontramos na geladeira de tia Aurora. Ela quase morreu do
coração quando nos viu tomando sua poção, dizendo que era uma
bebida feita apenas para as mulheres, e não para os homens.
Pensei que ia morrer de tanto que suava como um porco, sendo
assado no fogo do inferno. Acordei no outro dia dentro do meu
quarto, com meu padre gritando, porque disse que eu me masturbei
a noite inteira. Eu nem sequer me lembrava de ter feito isso. Com
Ralf tinha acontecido a mesma coisa. Ficamos com o pau esfolado
por dias, e nem ao menos sabíamos o que tinha acontecido.
— Está me dizendo que tomou aquela porcaria de novo,
Ralf?! — Rio, não conseguindo controlar a risada.
O som do motor do carro do lado de fora me faz parar de rir,
andando até perto da janela e puxando a cortina para o lado,
olhando o veículo.
— Tina...
Seu nome sai da minha boca, no momento em que a olho
acelerando a picape e erguendo poeira. Já estou largando o
aparelho enquanto corro para fora do escritório.
— Virgem MARIA! — A voz de Damaris gritando, cobrindo
seu rosto ao mesmo tempo que se vira assim que me vê, me faz
rosnar com raiva, tapando a porra do meu pau.
— Para onde Tina foi? — rujo bravo, me esticando e puxando
a calça caída no chão e a vestindo às pressas.
— OH, MEU DEUS, MEU DEUS... — A maldita velha se
mantém trêmula enquanto murmura rápido, ao invés de me
responder. Cambaleio e tento calçar a porra do par de botas.
— DAMARIS! — grito com ódio, segurando seu ombro e a
fazendo se virar para mim. — ONDE TINA FOI?
— Ela... ela... — a velha gagueja, mantendo os olhos
fechados.
— DIGA, MUJER!
— Eu não sei. Estávamos falando sobre a madre dela, então
Tina ficou assustada e saiu correndo. Pensei que tinha ido para o
escritório atrás do senhor... Mas quando cheguei aqui, ela estava
passando pela porta como um foguete, indo para o carro.
— Diga para mim, o que disse para ela sobre a madre dela?
— Inalo o ar com força e esmago meus dedos no ombro da maldita
velha. — ANDA, CARAJO!
— Disse que a Dolores desligou o telefone na minha cara,
que estava com visita. — Ela desanda a falar, arregalando seus
olhos e me encarando assustada. — Ela parecia em choque quando
disse que ouvi um homem gritar, falando que um tal de Papi estava
perdendo a paciência...
Solto os ombros da maldita velha e dou um passo para trás,
esmagando meus dedos ao lado do corpo, parando meus olhos na
pilha de roupas ao pé das escadas, vendo seu vestido lá,
abandonado.
— Por que não foi falar comigo, mujer teimosa?! — rosno
com ódio, ao mesmo tempo que me viro e subo os degraus às
pressas.
Estou com ódio por não confiar em mim, sentindo meus
demônios se despertando, enquanto uma rebelião consome meu
ser, sendo liderada pela ira.
— Tinha apenas que me dizer, apenas dizer, carajo! — Abro
a porta do quarto com raiva, a fazendo estourar na parede, entrando
em meu aposento e vendo tudo vermelho. — HIJO DA PUTA, vai
usar a madre para conseguir chegar até ela de novo!
Meu pé se ergue e desfiro um chute na lateral da cama, a
empurrando de propósito para o canto, enquanto solto o ar com
força pelas narinas e esmago meus dedos ao lado do corpo,
encarando a porra do baú fechado que escondo embaixo dela. Me
agacho e digito os códigos da senha nas fechaduras da lateral, a
destravando para abrir. Puxo a bolsa preta dentro dela e a seguro
em meus dedos, catando apenas uma camisa pendurada em uma
cadeira antes de sair do quarto.
Pego meu celular em cima da mesinha, perto da porta, junto
com as chaves do outro carro que deixo com Tina, para levar as
crianças para a escola, e caminho feito um touro. Jogo a mala no
banco do carona, e enquanto entro e desbloqueio o celular, para ir
para o aplicativo de rastreamento dos meus veículos, o nome de
Ralf aparece na tela.
— O que aconteceu? — A voz dele soa nervosa.
— Diga à tia Aurora que preciso que ela cuide dos meninos,
tenho que resolver uns assuntos.
— Como assim, porra...
— Cuida da tia e dos meus filhos até eu voltar! — rosno com
raiva, não tendo paciência com ele.
— Sebastian, porra, me conta o que está acontecendo! Para
onde está indo...
— Apenas faz o que lhe mandei, Ralf. — Desligo o aparelho,
rangendo meus dentes e ligando o rastreador, acelerando o carro e
indo no rastro dela.

— Como ela está? — Ergo meus olhos para um antigo amigo


meu da faculdade, que inala o ar com força e passa as mãos no
cabelo, olhando para a cama onde Tina está deitada, soluçando
baixinho, encolhida.
— Foi apenas um corte na testa. O raio-x não mostrou
nenhuma fratura no crânio. — Ele esfrega a mão em sua face,
enquanto respiro mais aliviado.
Tinha a erguido em meus braços, com o corpo dela se
debatendo em pânico enquanto chorava, e assim que a pus no carro
vi o sangue escorrendo por seu rosto. Liguei para Drake Sulivan,
cobrando um favor antigo que fiz a ele, quando se meteu em
encrenca por conta de estar saindo com uma mulher casada, na
época da universidade. Ele me passou o endereço do hospital que
ele estava de plantão, me mandando a levar para lá.
— Solicitei para as enfermeiras aplicarem um calmante nela
direto na veia. — Ele bate seu pé no chão e me olha sério.
— Mas? — Viro o meu rosto e o encaro, sabendo que ele não
disse tudo.
— Preciso que veja uma coisa. — Ele solta o ar pela boca e
se vira lento, abrindo a porta do quarto e me fazendo o acompanhar
até a sala ao lado. — Como disse que não podia registrar a entrada
dela no hospital, o que julgo que seja melhor eu realmente nem
saber o motivo...
Balanço minha cabeça em positivo para ele, confirmando que
ele não precisa saber o motivo de eu não querer deixar rastros da
entrada dela no hospital. Drake passa por mim e fecha a porta da
sala, a chaveando.
— Acabei fazendo um raio-x geral do corpo inteiro, porque se
pedisse só da cabeça, precisaria registrá-la. O radiologista que
estava de plantão me devia uns favores e a encaixou na frente de
um paciente que ia fazer o raio-x geral. — Olho para ele, o vendo
retraído, esmagando sua boca.
— Disse que não apareceu nenhuma fratura na cabeça
dela... — falo, inalando o ar com força.
— Sim, eu disse, e realmente não apareceu. — Ele caminha
para perto da parede e apaga a luz. — Mas não posso dizer o
mesmo do resto do corpo.
O som da sua voz é baixo enquanto caminha pela sala. Viro
assim que uma luz é acesa, mostrando uma tela branca iluminando
uma imagem de raio-x. Ando lento, me aproximando devagar,
observando a imagem. Não entendo de imagem radiológica, muito
menos de diagnóstico, mas eu entendo de ossos, ossos do corpo
humano sendo fraturados, quebrados, pois tinha causado muito isso
nos meus adversários, dentro do ringue ou fora deles.
— Só no braço esquerdo é possível diagnosticar cinco
fraturas, assim como no seu pulso e cotovelo. No direito tem mais
quatro, está vendo? — Drake vai apontando uma por uma,
mostrando as lesões da imagem. — O maxilar foi deslocado mais de
três, acho que até quatro vezes. — Sinto o ar entrar mais forte e a
veia em minha garganta pulsando, olhando a imagem de raio-x do
corpo de Tina. — Há uma pequena fratura no quadril, assim como
nos tornozelos. Sebastian, eu nunca vi um raio-x assim, não nesse
nível. Não sei se o que me assombra mais é ver essas imagens, ou
saber que ela ainda está viva, tendo tantas fraturas antigas no
corpo.
— Antigas quanto? — Minha boca se esmaga e sinto ainda
mais ódio, não conseguindo relacionar essa imagem àquela
pequena mulher.
— Não sei ao certo, quatro anos ou...
— Cinco? — falo, baixo, rangendo os dentes, tendo os
nervos das minhas bochechas sendo repuxados, apenas precisando
que ele confirme o que dentro de mim já sei.
Sei exatamente quanto tempo tem essas fraturas, e
principalmente quem as fez.
— Sim, pode ser. Mas ainda assim é assustador, porque me
disse que ela tem vinte e dois anos, então quando essas fraturas
foram causadas, ela devia ter...
— Dezessete anos. — Fecho meus olhos, podendo ver
perfeitamente bem o rosto pequeno de Tina molhado, assustado,
com o choro, o medo e a dor.
— E quem causou isso, sabia o que aconteceria. Porque se
olhar as imagens, vai ver que são todas fraturas feitas para causar
dor, muita dor, não para quebrar os ossos dela. E, porra! — Abro
meus olhos e vejo Drake encarando a imagem, negando com a
cabeça. — Sinceramente, estou tentando entender como isso
aconteceu. E a menos que ela tenha servido de saco de pancada
vivo, não teria como essas fraturas terem parado no corpo dela.
— Um saco de pancada vivo... — repito as palavras dele e
inalo o ar com força, dando um sorriso amargo, sentindo a ira
ganhando mais força, como um demônio antigo que há muito tempo
pede por libertação.
— Sabe que o certo é eu impedi-lo de tirá-la daqui e chamar
a polícia... — ele fala baixo, virando o rosto para mim. — Mas não
irei fazer isso. Assim que medicarem ela, precisa tirá-la daqui, antes
que mais alguém veja esse raio-x. Não tenho ideia de onde tirou
essa garota, Sebastian, mas para o bem dela, espero que ela nunca
mais volte...
O som de um grito de uma enfermeira e um grande estrondo
de algo se espatifando no chão, vindo do quarto ao lado, me faz
virar na mesma hora junto com Drake. Caminho rápido para a porta
e a abro. Assim que me aproximo da porta, vejo a enfermeira
encostada na parede, assustada, segurando a seringa em sua mão.
Giro meu rosto para o centro do quarto e a vejo com seu corpo
trêmulo, segurando uma tesoura, com um carrinho tombado no
chão.
— Ela... ela roubou a tesoura do meu carrinho — a
enfermeira fala assustada para Drake. — Doutor, ela não me deixa a
medicar, disse que vou drogá-la...
— Señorita... — a chamo para que olhe para mim, mas seus
olhos estão vidrados na enfermeira, com as lágrimas escorrendo por
suas bochechas. — Tina, olhe para mim...
— Não vou deixá-lo chegar perto de mim com essa agulha...
— Ela chora, negando com a cabeça e segurando mais firme a
tesoura, como se estivesse perdida, não vendo onde está. — Não
vai me drogar, seu monstro!
Vejo a face de Drake girar para mim, me olhando confuso ao
ouvir as palavras dela.
— Está em choque, precisamos tirar aquela tesoura da mão
dela, antes que se fira... — Ele tenta dar um passo para perto dela,
mas para assim que meu braço se estica, o fazendo não se
aproximar dela quando a vejo cambalear para trás, segurando a
tesoura com mais força. — Por favor, solte isso, está segura...
— FICA LONGE DE MIM! — ela grita alto, se encolhendo e
erguendo sua mão, encostando em sua cabeça e arrancando o
curativo em sua testa, fazendo o sangue retornar a escorrer. — Não
vai me tocar, não vai...
— Moranguinho, olhe para mim. — Uso de todo autocontrole
que me resta para fazer minha voz transparecer calma e brandura,
enquanto um inferno se agita dentro de mim ao vê-la
completamente amedrontada e em choque, como se sua mente a
tivesse arrastado para outro lugar. — Olhe para mim, minha bruja...
— Sebastian... — ela balbucia baixinho e tomba seu rosto
para o lado, chorando com mais dor. — Não o deixe chegar perto de
mim com essa injeção, não quero que ele me machuque de novo...
Ranjo meus dentes, tendo meu corpo inteiro rígido, enquanto
as palavras dela entram em minha mente como punhos sendo
desferidos em minha alma, enxergando cada fratura que se esconde
abaixo da sua pele, tendo apenas ódio e ira me consumindo.
— Não vai, señorita, ninguém nunca mais vai te machucar. —
Me aproximo lento e mantenho a voz calma, mesmo sendo o
contrário do que estou por dentro. Estico meu braço para ela. —
Solte a tesoura, Tina... Prometo que está segura, minha bruja.
Sua face se vira para mim, com seus olhos repletos de dor
focando nos meus enquanto chora.
— Me dê a tesoura, señorita! — Estico meu braço e
mantenho contato visual com ela.
“Foi confirmado pela polícia e pelos bombeiros que tinha
pessoas dentro da residência que pegou fogo no bairro Mabro.”
Meu rosto vira junto com o dela na mesma hora que a voz da
jornalista se faz na TV da parede do quarto.
— Desliga a porra da TV — falo alto quando as imagens
começam a aparecer, mostrando apenas os escombros do lugar
onde eu a encontrei, com sacos pretos sendo colocados no
camburão do IML.
— Mi madre...
Volto meu rosto assim que a voz de choro fala com dor,
olhando a TV.
“Até agora já foram retirados cinco corpos carbonizados. Os
bombeiros ainda estão procurando mais três entre os escombros,
pois vizinhos contaram que na residência morava Dolores Del Anjos,
de cinquenta e sete anos, com seus três filhos e mais quatro
sobrinhos.”
— Não... não, por favor... — Ela cambaleia novamente,
chorando enquanto nega com a cabeça, tendo seu braço caindo ao
lado do corpo.
Uso desse segundo para me aproximar dela com rapidez e
retirar a tesoura da sua mão. O pequeno corpo de Tina desmorona
e ela chora, caindo no chão enquanto a seguro, jogando a tesoura
longe e me agachando com ela, a prendendo em meus braços.
— OH, MEU DEUS, MINHA MADRE... MINHA MADRE E
MEUS IRMÃOS...
Tina se debate, chutando-me com suas pernas enquanto
chora e prende seus dedos em minha camisa. A seguro mais perto,
colando seu rosto em meu peito.
“Acredita-se que o incêndio e a explosão foram causados por
vazamento de gás, não dando tempo de ninguém sair da
residência...”
— DESLIGA A PORRA DA TV, CARAJO! — rosno com raiva,
encarando Drake.
— Mantenha-a presa. — Ele puxa a seringa da mão da
enfermeira, a ordenando a desligar a televisão.
A mantenho em meus braços quando Drake se aproxima e
injeta a seringa de uma única vez na veia do pescoço dela. A seguro
firme e vejo seu braço tombar, com ela sendo dopada. Minha
camisa está molhada por suas lágrimas, com o sangue da sua testa
em meu pescoço, tendo seu peito subindo e descendo lentamente,
com seus olhos se fechando.
— Vou refazer o curativo na testa dela — ele murmura,
olhando-a em meus braços. — Leve-a para um lugar seguro, ela vai
dormir por horas. Assim que acordar, me ligue, que vou até vocês,
para trocar o curativo e medicá-la se for preciso.
Balanço minha cabeça em positivo e abaixo meu rosto para
Tina, inalando o ar com força e olhando as lágrimas rolando por sua
face pequena.
Meu peito estufa enquanto solto o ar pelas narinas, com
meus olhos presos no pequeno corpo de Tina deitado na cama do
hotel de beira de estrada. O som da batida lenta na porta me faz
virar meu olhar para lá.
— Sou eu! — A voz de Ralf é baixa enquanto ele abre a porta
e entra lentamente. — Tome, trouxe para você, achei que precisava.
Ele me estende um copo de café, que pegou na máquina ao
fim do corredor, e solta um suspiro, olhando para ela. Ralf chegou
três horas atrás, seguindo o rastreamento do carro, igual eu fiz com
a Tina, o que não me surpreendeu, já que saberia que ele, com toda
certeza, viria. Lhe deixei a par do que estava acontecendo, de onde
Tina vinha e sobre o passado dela.
— Vai esperar ela acordar antes de voltar para casa? — ele
pergunta baixo, se sentando no sofá ao meu lado.
Balanço minha cabeça em positivo para ele, a olhando em
silêncio.
— Sabe que vou te ajudar a protegê-la, não precisava ter me
escondido nada. — Ele tomba o rosto para o lado e toma o café
dele.
— Eu sei. Não lhe disse porque queria esconder, apenas
porque não queria que ela sentisse que você a olhava diferente —
digo, levando meu café à boca.
— Eu? Sério? — Ele ri e nega com a cabeça. — Não contou
para ela onde minha mãe teve que trabalhar para sobreviver, até
meu pai descobrir que ela teve um filho dele?
Ele ri sem felicidade, soltando um longo suspiro. Não, eu não
tinha contado, não tinha contado muita coisa à Tina.
— Preciso que fique com ela até eu voltar — falo sério,
abaixando o copo e o deixando na lateral do sofá, no chão.
— Como assim, vai sair...
As palavras dele se calam quando a luz alta de um farol se
faz do lado de fora, iluminando a janela. Eu não me viro, continuo
olhando para ela, tendo cada canto da minha mente sendo
preenchido pelos seus olhos cheios de dor e a imagem do seu raio-
x.
— É quem eu estou pensando, Sebastian? — Ralf me olha,
desviando os olhos da janela.
Apenas confirmo com um balançar de cabeça, me levantando
e arrumando minha camisa, tapando o revólver que está preso atrás
das minhas costas, no cós da calça. A olho uma última vez, antes
de me virar e caminhar para a porta, abrindo-a lentamente. Meus
olhos estão presos nos seus, na alvorada da madrugada que logo
partirá. Respiro fundo e abaixo minha cabeça. Passo por ela e
encaro o carro, que apaga sua luz. O som da porta do passageiro
sendo aberta é ouvido, o que me deixa ver o diabo me encarando,
quando sai do carro.
— Ouvi boatos que um Fantasma andou passando pelo meu
distrito. — Ele tomba sua face para o lado e dá um sorriso para mim.
— E nem sequer foi dizer um olá para seu padre.
Esmago minha boca, o encarando, vendo seu rosto um
pouco envelhecido pelos anos, mas ainda assim não mudando
quase nada.
— Olá, Assombroso! — rosno, baixo, percorrendo meus
olhos em volta e vendo outros três carros estacionados por perto, os
quais tenho certeza de que são seus homens.
— Olá, mi hijo! — Ele caminha lento e para perto da porta do
motorista, dando uma batida. Vejo o motorista sair, deixando a porta
aberta. — Venha, leve tu padre para dar uma volta! Estou curioso
para saber o que lhe trouxe para cá.
Me afasto da porta e caminho na direção de Pablo, mantendo
meus olhos presos nos dele.
— Uma luta! — falo sério, virando meu rosto para o
segurança e o encarando, antes de olhar para Pablo.
— Uma luta? Está querendo voltar para os ringues... — Ele
se cala quando eu nego com a cabeça.
— Não, não quero uma luta de ringue, quero uma luta até a
morte.
Ele me olha sério, antes de se voltar para a direção da porta,
deixando seu olhar perdido lá. Giro meu rosto por cima do ombro,
buscando pelo que chama a atenção de Pablo. Vejo o par de olhos
negros confusos, com ela paradinha perto da porta entreaberta.
Seus olhos passam de mim para Assombroso, e tomba a face para
o lado, me encarando perdida. A porta se abre de vez, com Ralf
ficando atrás dela, e lhe dou uma ordem, com um gesto de cabeça,
para que ele a tire da porta.
— Não irá me apresentar? — A voz de Pablo falando séria
me faz retornar minha face para ele, o encarando.
— Vamos! — o respondo sisudo, esmagando meu maxilar e
entrando no carro, no banco do carona, fechando a porta.
Meus dedos se contraem, enquanto Pablo entra no carro, no
banco de trás, e seu segurança fecha a porta. Ergo meus olhos para
ela, tendo seus olhos negros ainda presos em mim, enquanto Ralf
segura seus ombros e a puxa devagar, fechando a porta de vez.
CAPÍTULO 30
O FANTASMA

TINA ZARA

— Tina, venha, precisa se deitar...


— Sebastian... — Giro meu pescoço e olho para a porta. Ralf
me apoia, segurando meus ombros e me fazendo caminhar de volta
para a cama. — Para onde foi Sebastian?
Respiro fundo e inalo o ar com força, sentindo minha mente
lenta, com meu corpo pesado. É como se meu corpo pesasse
toneladas, de tão cansada que me sinto, andando praticamente me
arrastando, me apoiando em Ralf para não cair. Me despertei com o
som da voz de Sebastian, era como se sua voz entrasse em minha
mente e perfurasse a neblina cinza que tinha me engolido. Quando
me sentei na cama, vi o quarto rodando, e a imagem borrada dele
saindo pela porta, com outro vulto indo para a janela. Me segurei na
parede para conseguir chegar até perto da porta.
— Sebastian... — Tento erguer meu braço, mas ele tomba,
caindo em minha perna de tão pesado que está, como se meus
ossos não suportassem o sustentar.
— Ele já retornará — Ralf fala calmo, me sentando na cama
e arrumando os travesseiros em minhas costas.
— Aquele homem... Eu... — Fecho meus olhos, tendo
dificuldade de falar, com a voz arrastada e minha mente atordoada.
— Fique aqui, vou pegar algo para beber. — Ralf se levanta,
caminhando para perto de uma parede e se abaixando quando abre
um frigobar.
Pisco, confusa, olhando em volta, tentando compreender o
que está acontecendo, onde estou, por que Ralf está aqui e para
onde Sebastian foi. A face do homem, o homem alto com terno
cinza, eu já o tinha visto. Minha mente começa a ficar ainda mais
bagunçada, enquanto me forço para lembrar onde eu tinha visto
aquele homem. Mas não consigo, me sinto como se estivesse
drogada, com tudo lento e desacelerado em minha volta. Fecho
meus olhos e inalo o ar com força quando tombo meu rosto para o
lado. Meus olhos ficam presos na bíblia em cima da mesinha, na
lateral da cama, a qual é iluminada por um abajur. O emblema do
crucifixo, em cima do livro de capa preta, me faz ficar parada, a
olhando.
— Por que tem esses desenhos nos muros, David?
Caminho lenta, segurando uma sacola de compra com
laranjas em meus dedos, enquanto David levas as outras mais
pesadas. Madre tinha pedido para mim e David irmos buscar no
mercado, que fica três quadras de casa. Observo os crucifixos que
tem pichados em cada esquina.
— É a marca da gangue que protege o lado Sul do bairro. —
Ele solta uma bola de goma de mascar, andando devagar junto
comigo. — Eles fazem isso para marcar território.
— Mas por que marcar território? — Pisco, confusa, andando
distraída e olhando o muro pichado com o crucifixo.
— Porque sim, droga! — David responde, zangado, me
deixando saber que está chateado por eu ficar lhe fazendo
perguntas. — Anda, vamos, se continuar andando que nem uma
lesma, vamos chegar só à noite.
Ele acelera o passo, andando mais depressa, querendo
chegar logo em casa. Troco a sacola das laranjas de mão, tentando
acompanhar os passos dele, mas minhas pernas são curtinhas e
não consigo andar rapidinho. O cão de rua vem correndo atrás de
um gato, em nossa direção, e eu me atrapalho, tentando desviar do
grande cão, tendo o gato passando entre minhas pernas, me
fazendo desequilibrar. Acabo caindo de bunda no chão e a sacola
escapa da minha mão, com as laranjas rolando pela calçada.
— Porra, Tina! — David grita, bravo, se virando e me vendo
agachada catando as laranjas. — Você e a Dolores estão me
sacaneando de propósito, vou perder meu encontro.
— Eu já estou catando, espera... — murmuro, assoprando a
mecha de cabelo de cima dos meus olhos, recolhendo as frutas e as
devolvendo para a sacola.
Vejo uma solitária que rolou para a rua. Me levanto e seguro
a sacola de laranjas, correndo para pegá-la. O som do carro
freando, a centímetros de mim, me faz congelar, enquanto respiro
depressa, com meu corpo todo trêmulo. Meus olhos estão presos no
carro e não consigo mexer minhas pernas, de tão congeladas que
elas ficam.
— Não devia sair correndo sem olhar para os lados, ninã! —
Viro meu rosto e tombo minha cabeça para trás, para conseguir
enxergar o homem alto que está parado ao meu lado.
Encontro um par de olhos castanhos como mel, tão marrons
e claros, presos aos meus, fisgando um palitinho de dente no canto
da boca.
— Ela não fez por mal, senhor... — David se aproxima,
falando apressado. — Anda, garota, sai do meio da rua. A gente não
quis atrapalhar o senhor.
— Cálmate, rapaz — ele fala sério para David, o fazendo se
calar. Respiro mais depressa, ficando assustada quando ele se
abaixa e fica da altura dos meus olhos. Sua mão se estica de
mansinho e pega a laranja, a olhando. — Isso é seu?
Seus olhos me encaram quando pergunta, rolando a fruta em
sua mão. Apenas balanço minha cabeça rapidinho em positivo, não
conseguindo proferir uma única palavra. Para uma criança de nove
anos, ficar perto de um homem do tamanho dele, parece o mesmo
que estar encarando um gigante.
— Percebo que gosta de laranja, ninã. — Ele ri e olha para a
sacola, falando com calma.
— Vamos fazer bolo. Gosto de bolo de laranja... — balbucio,
ganhando um sorriso largo dele.
— Também gosto, pequena — ele fala, rindo, me dando um
olhar brando, erguendo sua atenção para David, antes de voltar a
me olhar. — Tome, prometa-me que fará um bolo gostoso, sim?! E
que também não irá atravessar mais a rua sem olhar para os lados,
ninã!
Ele estende a laranja para mim, falando calmo e me dando
uma piscada. Sorrio para ele e balanço a cabeça em positivo,
pegando a laranja e a guardando na sacola, mas meus olhos param
na corrente dourada em seu pescoço, vendo o crucifixo balançando
lentamente.
— Ganhei de presente de mi madre quando devia ter o seu
tamanho. — Ergo meu rosto para ele, que segura a cruz em seus
dedos, sorrindo para mim. — Gostou?
— Ela é bonita — falo baixinho, a olhando com mais
interesse, a achando tão bela e delicada.
— Sim. — Ele sorri e se levanta, esticando sua grande mão e
a fechando sobre minha cabeça, bagunçando meus cabelos. —
Igual você, pequena.
— Venha, Tina, ande, vamos! — David segura meu ombro,
me fazendo ir com ele, enquanto eu rio para o grande homem que
se mantém parado na rua, levando as mãos aos bolsos do terno da
sua calça.
— Gracias, señor! — grito para ele, antes de olhar para
frente, andando ao lado de David.
— Cristo, Dolores vai enfartar se souber disso! — David
rosna, baixinho. — Droga, e ainda por cima vai me dar uma bronca!
— Mas eu peguei todas as laranjas, madre não vai ficar
brava...
— Oh, droga, Tina! Não estou falando das merdas das
laranjas, mas sim por ter sido quase atropelada por Assombroso.
— Assombroso? — Ergo minha cabeça, olhando para meu
irmão, perguntando confusa.
— Sim, o cara que devolveu sua laranja. Não queria saber o
porquê dos desenhos de cruz nos muros?! Então agora já sabe,
acabou de conhecer o chefe dos Cachila.
— Ele não me pareceu assombroso. — Olho para trás e vejo
o grande homem caminhando para o carro e entrando dentro dele.
— Mas sim um gigante...
— Isso porque você é uma nanica, uma nanica que vai estar
em maus lençóis se eu perder meu encontro por culpa sua. — Eu rio
e balanço minha cabeça para os lados, quando David ergue sua
mão e belisca minha bochecha.
É como uma luz alta que se acende dentro da minha mente,
iluminando tudo assim que a memória se faz na minha cabeça.
— Assombroso — falo rápido, endireitando meu pescoço e
desviando meus olhos da bíblia, sentindo meu coração disparar. —
Sebastian... preciso avisar Sebastian...
Tento me levantar, mas Ralf me segura, apoiando sua mão
em meu ombro e me empurrando novamente para trás.
— Ei, ei, calmaté... — ele fala brando, tentando me acalmar.
— Não... Não, Ralf, aquele homem, o homem que vi com
Sebastian, ele é perigoso. — Sinto o gosto da minha bílis subir pela
garganta, enquanto respiro mais rápido. — Sebastian está em
perigo, Assombroso é o chefe dos Cachila. Sebastian...
— Tina, calmaté, pequena... Sebastian está seguro, ele não
corre perigo...
— Não, não, você não entende. — Eu nego com a cabeça,
falando mais nervosa. — Aquele homem comanda uma facção, ele
é tão perigoso quanto o chefe da gangue rival...
Tapo meu rosto e sinto as lágrimas rolarem por minhas
bochechas, me sentindo angustiada e com medo.
— O chefe da facção rival, os Profetas, ele... Ele... — Eu
mordo minha boca, soluçando, enquanto a dor rasga o meu peito. —
Mi madre, mi madre e meus irmãos, eles mataram minha família...
— Choro com mais dor, sentindo tudo me engolir. — Foi por minha
culpa... e se agora os Cachila levaram Sebastian...
Choro com mais dor, não entendendo o que está
acontecendo, sentindo medo e aflição, como se uma faca estivesse
estripando meu coração. Tinha matado minha Dolores e meus
irmãos, eu tinha causado a morte de todos eles, levando o diabo de
Papi até a porta da casa dela, e agora os Cachila estavam bravos,
por isso vieram atrás de mim. Papi tinha entrado no lado Sul, os
Profetas não têm permissão para machucar ninguém naquela área,
porque pertence ao Assombroso. Ele deve saber que Papi foi lá por
causa de mim, e me encontrou.
— Eu não queria. Por Deus, eu juro, eu nunca quis trazer mal
para ninguém... — Ralf nega com a cabeça, se aproximando de mim
e se sentando na cama.
— Tina, não foi sua culpa...
— Sim, foi minha culpa... Mas nunca quis isso para minha
mãe e meus irmãos, assim como não quis para o senhor Sánchez,
por isso eu parti... E agora eles o pegaram...
— Tina, ninguém pegou Sebastian! — ele fala mais sério,
segurando meu rosto.
— Assombroso, Assombroso o levou — falo depressa em
meio ao choro. — Ele vai machucá-lo, vai castigá-lo, e a culpa vai
ser minha...
— Ele não vai machucar Sebastian, confie no que digo. —
Ralf mantém meu rosto preso, falando de forma tranquila. Mas ele
não entende, não compreende o tipo de homem que Assombroso é.
— Não entende, Ralf. Por favor, me escuta... Aquele
homem...
— É o padre de Sebastian! — As palavras dele são ditas com
veemência, de uma única vez, com seus olhos presos nos meus,
me fazendo ficar confusa, não sabendo se ouvi direito.
— Pai? — Respiro mais rápido, olhando perdida para Ralf.
— Sim, Sebastian é filho de Assombroso — ele confirma
suas palavras, balançando a cabeça em positivo. — Ele não veio
aqui para lhe castigar, Tina, ou machucar o Sebastian, ele veio aqui
porque Sebastian quis que ele o encontrasse.

— Sebastian tinha uns vinte e três anos quando Pablo e ele


finalmente começaram a se acertar.
Fico em silêncio, ouvindo a voz de Ralf, absorvendo a
enxurrada de informações e assimilando tudo que ele fala com
calma. A mãe do senhor Sebastian tinha dezesseis anos quando se
apaixonou por um jovem de família humilde em Lá Benera, uma
cidade pequena na Espanha. Ele era filho do jardineiro e tinha
dezessete anos, trabalhava para ajudar a família e alimentar os
outros cinco irmãos. Da troca de olhares entre o rapaz com a filha
do patrão, um amor nasceu, e literalmente não só nos corações
deles, mas no ventre dela, quando deu à luz a Sebastian, nove
meses depois de consumarem o sentimento dos dois. Ela chegou a
fugir para viver com ele, abandonando o noivo rico que a família
dela tinha arranjado. Mas com três meses de fuga, retornou para
casa com o filho nos braços. Pablo Cachila tinha partido para a
América do Norte, depois de ficar foragido da polícia por ser pego
em uma batida de tráfico de armas.
O destino os separou, e a jovem mãe conseguiu o perdão do
noivo rejeitado, que aceitou assumir ela e o filho de outro homem,
lhe dando a proteção do sobrenome Sánchez. Depois de um ano de
casamento, eles foram para a América também, para o rapaz cuidar
da vinícola que era o legado da família. Sebastian cresceu, os anos
passaram, mas a cada dia que se seguia, era mais notável a
diferença dele e do irmão caçula, que ela tinha tido com seu marido.
Aos doze anos, ele perguntou a ela por que não se parecia com seu
pai e nem com seu irmão. Sua mãe, sabendo o porquê dele não
parecer com o homem que o criou, lhe disse a verdade, contou
sobre seu verdadeiro pai e o porquê de ele não parecer em nada
com o homem que o tinha criado como filho. Aos quinze anos,
quando Ralf e Sebastian saíam da escola, o homem do outro lado
da rua, encostado em uma picape preta, chamou a atenção dos
dois, não porque ele estava parado na porta de um colégio, como se
fosse um matador de aluguel, como Ralf o descreveu na primeira
vez que o viu, mas sim porque era como olhar uma versão adulta de
Sebastian. Eles ficaram lá por alguns minutos, pai e filho, se
encarando.
Sebastian não atravessou a rua, muito menos foi conversar
com ele, apenas virou e caminhou na direção contrária, não olhando
para trás. E por alguns anos, uma vez por mês, a cena se repetia. O
homem ficava no mesmo lugar, e Sebastian se virava e partia, como
se fizesse a mesma coisa que o homem que engravidou sua mãe
fez, virando as costas para ele e lhe abandonando. Os anos
passaram, e as visitas continuaram, até Sebastian partir para Nova
York, indo para a faculdade. Mas Pablo não parou de ir ver seu filho,
e manteve o ritual, aguardando por Sebastian. No último ano da
faculdade, o destino decidiu pelos dois, quando Sebastian recebeu a
notícia da situação financeira que estava seu pai que o criou. Ele
estava completamente falido, com o banco quase tomando a
vinícola. Essa parte eu me recordo que ele tinha me contado dentro
do quarto, que começou a participar de lutas clandestinas para
salvar as terras da família. Só que ele não mencionou que o homem
que o ajudou foi Pablo Cachila, o qual comanda o tráfico de vendas
de armas no comércio clandestino e que é chefe da facção rival dos
Profetas. Foi o amor que Sebastian tinha pelo seu pai Sánchez, que
o fez finalmente atravessar a rua e ir conversar com Pablo. A luta foi
o começo, logo Sebastian já estava trabalhando como o cobrador
dos Cachila, sendo o doutrinador de Assombroso.
— Não devia estar contando sobre uma história que não é
minha, Tina — Ralf fala sério e inala o ar com força. — Apenas lhe
contei para que fique tranquila, posso garantir que Sebastian não
está em perigo.
Sorrio sem felicidade e balanço minha cabeça para ele,
enquanto me encolho na cama, arrastando meus joelhos quando os
flexiono.
— Não, não está.
— As garotas se matavam para sair com ele, mas
Assombroso não era homem de uma mulher só, tinha uma cadela
em cada esquina. — Ela solta uma gargalhada alta. — Mas você
precisava era ver o filho dele, aquilo era literalmente um puta de um
homem.
— Achava que ele não tinha filho...
— Oh, ele tem sim! — Ela balança sua cabeça em positivo.
— Pouca gente sabe, mas ele tem. Eu vi o rapaz uma vez, quando
Assombroso estava comigo no carro dele. Não precisei perguntar
quem era o menino, apenas de olhar para ele sabia que era filho do
Assombroso. Alto e bonito, com um olhar magnético idêntico ao pai.
— Ela ri e solta um suspiro. — Nesse dia, fiquei dentro do carro
enquanto os dois entravam em um prédio velho. Eu quis fazer xixi,
estava morrendo de vontade de mijar, então saí do carro e fui atrás
do prédio abandonado. Garota, juro por Deus que se não tivesse
feito minhas necessidades, eu teria me mijado toda nas calças
quando espiei por uma janela quebrada para saber o que estava
acontecendo lá dentro.
— O que viu? — pergunto, curiosa.
— O filho de Assombroso tinha detonado com a cara de um
homem. E quando digo detonado, não falo de olho roxo e boca
cortada, mas sim de fazer o rosto inteiro afundar, como se fosse
uma massinha de modelar, de tanto que ele esmurrou o miserável.
Nunca tinha visto alguém esmagar uma cabeça na minha vida, mas
eu vi naquele dia, e foi assustador. — Ela repuxa o nariz. — Diziam
que Assombroso apenas chamava ele quando queria disciplinar
alguém que desobedeceu as regras. Todos tremiam na base
quando ele aparecia por aqui, porque sabiam que alguém não ia
amanhecer vivo. Mas ele se desligou, sumiu do nada. Assombroso
queria que o garoto fosse seu braço direito e tomasse seu lugar
quando fosse a hora, sendo o líder dos Cachila, mas Fantasma não
quis...
— Espera! — Seguro o riso, a olhando. — O cara era
chamado de Fantasma? — Rio ainda mais ao ver a cabeça dela
balançando em positivo. — Cristo, qual o problema dessa família
com o além?!
— A morte. — Angel não ri quando fala seriamente, me
olhando. — Assombroso sempre trouxe a morte junto com ele,
aonde fosse. E seu filho era igual, podia ver isso nos olhos dele.
Tanto que lhe garanto que se ele tivesse ficado ao lado do pai e
tomado o lugar dele, esse cara se tornaria um homem ainda mais
perigoso que Assombroso já foi um dia. Sabe o medo que você tem
do Papi? — ela questiona baixo, me olhando. Encolho e balanço a
cabeça em positivo. — Pois então, o medo que os caras sentiam do
Fantasma era duas vezes maior.
Minha mente repassa aquela noite fria, na Rua dos Prazeres,
enquanto conversava com Angel no píer. Tudo vai me acertando,
sendo montado como um quebra-cabeça lentamente. E eu não me
atentei a nada que estava ali, diante de mim. Me sentia tão
assustada, rezando para aquela vinícola ser meu recomeço, ser
minha chance de ser apenas a Tina, que não vi. Desde o começo,
desde o primeiro dia, estava a verdade diante de mim, e eu não a vi.
A tatuagem nas suas costas, o crucifixo em seu pescoço, a mesma
corrente que Assombroso usava, a mesma marca dos Cachila que
eu via pichada nos muros até a minha adolescência, antes do meu
pai se separar de Dolores e nos levar para o outro lado da divisão.
Eu quase não ia mais a ver, e quando ia era à noite, e não prestava
mais atenção nos desenhos, nem sequer me aproximava de um
Cachila, porque não queria ter ligação com nenhum deles. Papi
tinha sido o suficiente para me fazer querer ficar um inferno longe de
Profetas ou Cachila, e, ao fim, eu fui parar dentro da casa do
Fantasma. Um homem que todos temiam, mas ninguém sabia onde
estava.
— Precisa descansar agora, sim?! — Ralf esboça um sorriso
fraco, se levantando da beirada da cama, caminhando para perto do
abajur e apagando a luz. — Durma um pouco, quando acordar,
Sebastian já vai ter retornado.
Me deito lentamente e estico minhas pernas, me virando para
o lado, ficando com meus olhos presos na parede.
— Como pode ver, não é a única que veio se esconder nesse
lugar, fugindo do passado — ele fala sério, me encarando quando
para de andar, deixando uma distância pequena entre nós dois.
Ouço suas palavras se repetindo e repetindo dentro da minha
cabeça. Não eram só palavras de um homem que se sentia culpado
por ter perdido a cabeça em uma briga, como eu supus que seria.
Era muito maior, muito além do que apenas uma briga.
CAPÍTULO 31
A TRÉGUA

SEBASTIAN SÁNCHEZ

— Deixa ver se eu entendi bem... — Pablo fisga o canto da


boca e estica seu braço no encosto da cadeira, batendo lentamente
a ponta dos seus dedos nela, falando de forma calma. — Veio até
mim porque deseja vingança, quer que eu declare guerra aos
Profetas, para que possa acertar as contas com aquele verme
asqueroso do Papi, por causa da sua garota? Realmente é isso que
quer?
— É! — o respondo rapidamente, não deixando brecha para
dúvidas.
Passo meus olhos em volta, observando o bar vazio, tendo
apenas Pablo, eu e o braço direito dele, Avax, sentados em uma
mesa, com seus seguranças do lado de fora do estabelecimento.
Retorno meus olhos para Pablo, mantendo minha expressão séria,
tendo os olhos dele presos aos meus.
— Isso que está querendo é loucura e insensato, nossos
negócios estão indo bem. — Avax nega com a cabeça, falando alto.
— Não podemos quebrar a trégua...
— Pelo que eu saiba, a trégua já foi quebrada! — interrompo
Avax, falando sério e não olhando para ele, mas sim encarando
Pablo.
— Não...
A mão de Pablo se ergue, silenciando Avax, enquanto o
velho mantém seus olhos presos nos meus.
— Cállate! — Assombroso rosna baixo, não quebrando o
contato visual comigo, quando ordena Avax a se calar. — No
segundo que Papi entrou no meu distrito, sem a minha autorização,
e matou uma família inocente queimada dentro de sua casa, os
Profetas quebraram a trégua com os Cachila, e eles precisam ser
lembrados do que acontece com quem quebra as regras.
A face de Pablo se vira para Avax, parando seus olhos nele,
lhe dando uma ordem com um balançar de cabeça.
— Vá, avise aos outros que a caça aos Profetas irá começar!
— Pablo se encosta na cadeira, relaxando suas costas, olhando
Avax se levantar, balançando a cabeça em positivo para ele, antes
de virar e sair para fora do bar. — Eu me recordo quando ainda
existia código entre as gangues, esses garotos de merda não
respeitam nada.
A face de Papi fica virada para mim, com ele me olhando e
batendo seus dedos lentamente na mesa.
— Por que... Por que voltar depois de quinze anos apenas
por causa de uma jovem...
— Minha família — o corto, falando rapidamente. — Não é
por causa de uma jovem, mas sim por causa da minha mujer, dos
meus hijos.
— Conheço a fama de Alonso, e como é um hijo da puta
sanguinário. Se ele descobrir que a garota está com você, irá farejá-
la como um maldito cão louco e sedento...
— É por isso que pretendo o pegar primeiro — falo sério,
olhando-o. — Não vou abandoná-la, não vou deixá-lo machucá-la
nunca mais, e muito menos fazer algum mal à minha família. Meu
pai, Juan Sánchez, me ensinou que um homem protege a sua
família!
Pablo se mantém calado, me olhando por um longo tempo
em silêncio, cruzando seus braços na frente do corpo.
— Não desejo que entre em uma guerra por mim,
Assombroso, não peço que compre essa briga e muito menos
entenda a minha necessidade em proteger meus hijos e minha
mujer. Mas não me negue o direito de derramar o sangue desse
puto.
— Jamais lhe negaria esse direito. — Ele descruza seus
braços e estica suas mãos no encosto da cadeira. — Presumo que
deva ter algum plano para tirar Papi da toca depois que a guerra
começar — Pablo fala para mim e solta um pequeno suspiro,
batendo seus dedos no encosto da cadeira.
Estico meu braço e pego o pequeno açucareiro de plástico ao
canto, o abrindo e lhe virando lentamente, despejando o pó branco
em cima da mesa, enquanto Pablo o encara. O fecho e o arrumo de
pé, ao lado do pequeno montinho de açúcar.
— Uma vez, muitos anos atrás, uma pessoa me disse... —
Me inclino para perto da mesa, encarando o açúcar. — Que um
traficante sem sua mercadoria, é como uma mosca de merda sem
asas. — Respiro fundo com força pelo nariz, enchendo meus
pulmões de ar e assoprando todo o pó de cima da mesa, até não
restar mais nada, o levando para o chão. — Não serve para porra
nenhuma!
Empurro meu corpo para trás e ergo meus olhos para Pablo,
enquanto ele olha o açucareiro vazio, tendo um sorriso frio se
abrindo em sua boca, parando seus olhos em mim.
— E o que essa pessoa lhe ensinou a fazer com o que não
serve para porra nenhuma? — Pablo sorri e me olha curioso,
sabendo que essas palavras ditas para mim, quinze anos atrás,
saíram da boca dele.
Abaixo meus olhos para o açucareiro vazio e fecho os dedos
da minha mão direita em punho. A mesa treme, tendo o som seco
do material sendo esmagado quando o acerto com força, batendo
meu punho em pé em cima dele.
— Você o esmaga! — rosno, baixo, encarando Assombroso.
Seus dentes brancos ficam à vista, com seu sorriso aumentando, e
balança sua cabeça em positivo.
— Como una serpiente[48] — ele murmura em espanhol, rindo
e se levantando, passando ao meu lado e dando uma leve batida
em meu ombro.
Abaixo meus olhos e ergo meu punho, observando o
açucareiro esmagado, como se fosse uma latinha de cerveja. Abro
meus dedos e os fecho, encarando minha mão, tendo os demônios
dentro de mim sedentos, desejando ser libertos com toda fúria.
— Venha, vamos deixar seus punhos se recordarem do dom
deles! — Viro meu rosto e o encaro quando sua voz soa séria.
O vejo parado em uma porta aos fundos do bar, retirando
uma carteira de cigarro do bolso da calça, pegando um e o levando
aos lábios, acendendo.
— Como nos velhos tempos, Fantasma! — Ele puxa uma
longa tragada, soltando a fumaça pelo nariz, e pisca para mim.
Olho para a porta que ele está perto, já sabendo o que tem
do outro lado. Me levanto e empurro a cadeira para trás, movendo
meu pescoço para os lados e o estalando. Sinto o material frio da
corrente percorrer minha pele, a queimando como se fosse uma
coleira que há muito tempo ansiava por ser libertada. A puxo,
retirando de dentro da camisa e passando meus dedos no crucifixo,
antes de me virar e caminhar na direção da porta, seguindo
Assombroso.

TINA ZARA

— Não é bem o que eu compraria para uma mulher, mas foi


tudo que achei na loja de conveniência desse hotel vagabundo —
Ralf fala com desgosto, repuxando o nariz e olhando a camisa cor
de abóbora e a saia florida, que ele tinha deixado em cima da cama.
— Imaginei que gostaria de tomar um banho e trocar essa roupa.
Dou um sorriso fraco para ele quando seus olhos se erguem
para mim, me dando um olhar brando.
— Elas são perfeitas, Ralf — murmuro e solto um suspiro,
esticando meu braço e pegando as roupas. — Muito obrigada.
— Oh, pare, não me agradeça por causa dessas roupas
feias! Mas, no seu caso, são melhores que essa camisa enorme do
Sebastian suja de sangue... — Ele se cala e vira seu rosto, fisgando
o canto da boca. — Lamento, não quis parecer insensível...
— Não, está tudo bem. — Sorrio triste, falando baixinho. —
Realmente acho que um banho e roupas limpas será bom.
Solto um suspiro e viro meu rosto para fora, vendo a luz do
sol batendo na janela do quarto, que está fechada com as cortinas,
me dizendo que o dia já amanheceu.
— Ele ainda não voltou, não é? — pergunto para Ralf,
encolhendo meus ombros e segurando mais forte a roupa em meus
dedos.
— Logo ele chega, não se preocupe — Ralf me responde
depressa, respirando fundo.
Volto minha atenção para ele, que está com sua mão erguida
e passa os dedos em sua cabeça.
— Bom, eu vou lá fora, está bem?! Vou pegar um café pra
gente. — Ele sorri e vira, caminhando para a porta. — Assim pode
se sentir mais confortável para se limpar.
Sorrio e balanço minha cabeça em positivo, ficando
agradecida por sua gentileza. Ralf é um homem estranho, o qual
apenas me mostra que embaixo das suas camadas de introvertido e
galanteador, existe um homem de coração bom, que nem por um
segundo que seja tinha me dado um olhar diferente, e eu sabia que
a essa altura, ele já deve estar a par de tudo relacionado ao meu
passado. Mas, ainda assim, não mudou seu olhar.
— Ralf... — chamo seu nome baixinho, olhando-o.
— Sim. — Ele se vira, segurando a maçaneta da porta.
— Obrigada — sussurro para ele, observando-o com tanta
dor dentro do meu peito, lhe sendo agradecida por ter me poupado
de um julgamento da sua parte. — Obrigada por tudo.
Ele fica sério e mantém seus olhos nos meus, como se
compreendesse sem precisar expressar em palavras ao que me
refiro. Sua cabeça balança em positivo e ele fisga o canto da boca,
antes de virar e sair do quarto. Apenas após a porta fechar, me
sento lentamente na beirada da cama e fico com meus olhos
perdidos no tapete, abraçando mais forte a muda de roupa que Ralf
me trouxe.
Olho aquela casa grande cheia de luz, com imagens de
santos espalhadas pela estante, como pequenos bibelôs delicados.
Há um cheiro bom, agradável, vindo da cozinha. Observo curiosa,
ainda ficando parada perto da porta. Meu pai está segurando minha
mão e logo atrás de nós está David, cabisbaixo. Vejo a mulher
sorridente de vestido longo, ela conversa muito, sempre faz papai
rir. Fico parada quando ele solta minha mão e entra na casa com
ela, nos guiando, mostrando cada cantinho. David observa sério um
quarto quando ela aponta para ele, o dizendo que aquele será o
dele. Sinto seus dedos quentes e macios se prenderem em minha
mão, sorrindo para mim e me levando com ela. Paro na entrada de
um quarto e fico parada na porta, não sabendo se devo entrar ou
não. Seguro firme minha mochila em minhas pequenas mãos, a
vendo entrar. Ela se vira para mim já no centro do quarto e me dá
um sorriso doce. Estende sua mão em minha direção e balança
seus dedos, como se quisesse que eu os segurasse.
— Venha, pequena, não precisa ter vergonha de entrar no
quarto. — Ela ri e tomba sua cabeça para o lado. — Ele é seu.
Olho em volta e vejo a cama de solteiro pequena, o cômodo
simples, mas aconchegante, tão diferente do último lugar que
estávamos morando.
— Fiquei sabendo que gosta de bolos, é verdade? — Ergo
meus olhos para ela quando me pergunta.
Balanço minha cabeça em positivo, agarrando mais forte a
mochila em meus braços. Ela olha para meus braços espremidos na
mochila e retorna para meu rosto em seguida.
— Alguma vez já ajudou a fazer um? — Seu tom de voz é
calmo e baixo, e quase acho difícil de ouvi-la, porque é tão diferente
dos gritos que sempre saem da boca do papai.
A respondo com uma negação de cabeça, lhe olhando
confusa.
— Quer me ajudar a fazer um? — Seus longos cabelos
negros se movem quando ri, assim que retorno a balançar a cabeça
como resposta, a movendo para trás e para frente. — Algum gato
comeu tu lengua[49]?
— O que o gato comeu? — Meus olhos se arregalam e falo
assustada.
— Tu lengua. — Ela ri e caminha para perto de mim, abrindo
sua boca e me mostrando a língua dela. — Viu, lengua, significa
língua em espanhol.
— Lennccaa — murmuro, tentando pronunciar a palavra que
ela disse.
— Não, lengua! — Meus olhos ficam presos aos seus,
quando ela se abaixa à minha frente. — Repita bem devagar.
Lengua.
— Len... ca. — Ela ri e estica sua mão, me pegando de
surpresa quando acaricia minha bochecha.
— Quase isso. — Meus lábios se fecham, enquanto observo
seu braço esticado, sentindo a mão dela em minha bochecha. — Se
quiser, posso lhe ensinar. Gostaria de aprender a falar espanhol?
— Vai me ensinar a fazer bolo também? — Pisco rapidinho, a
olhando mais atenta.
— Sim, mas acho que ficará meio difícil aprender a fazer
bolo, ainda mais com seus braços agarrados nessa mochila. — Ela
sorri de ladinho, deixando sua atenção na mochila. — Não acha que
seria melhor entrar no quarto primeiro, para guardá-la?
— Acho que seria o certo... — balbucio, ainda incerta,
olhando por cima do seu ombro para o quarto.
— Também acho, pequena.
Meus braços aliviam a pressão na mochila e a abaixo
lentamente, ganhando dela um largo sorriso. Ela se levanta e apoia
sua mão em meu ombro, me conduzindo para dentro do quarto com
ela. Ando de mansinho e me aproximo da cama, deixando a mochila
no colchão.
— Muito bem, agora vamos para a cozinha preparar um
delicioso bolo, enquanto eu descubro o que mais essa pequena
lengua consegue pronunciar em espanhol.
Abaixo meu rosto, rindo, quando ela alisa meus cabelos,
falando rapidinho e nos levando para fora do quarto.
— Len... ca — tento pronunciar novamente, o que acaba
fazendo-a rir ainda mais, soltando um suspiro.
— Vamos treinar muito essa sua lengua, pequena. — Olho
para ela e vejo a face que transmite tanta calma e bondade, sorrindo
para mim.
Tombo meu rosto para frente quando meu corpo se inclina,
com meu tórax colando em meus joelhos e abafando meu choro nas
peças de roupas, sentindo como se meu coração tivesse parado de
bater, perdendo a única parte boa que tinha em minha vida.
— Me perdoa, me perdoa... — Meus ombros se balançam
com mais agonia, com o choro ficando doloroso de uma forma
esmagadora.

Ergo meu rosto para o espelho pequeno do banheiro,


pregado na parede, em cima da pia, enquanto seco meus cabelos e
vejo minha face abatida, com meus olhos vermelhos e inchados.
Solto um suspiro baixo e deixo a toalha no gancho, pegando minha
roupa suja e destrancando a porta. Assim que saio do banheiro e
entro no quarto, a roupa rola pelos meus dedos e cai no chão, com
meus olhos presos na beirada da cama. A face masculina se ergue
para mim, me olhando perdido.
— Oi, mana. — A voz de David se faz baixinha, com ele se
levantando.
— Como... como entrou aqui? — pergunto, nervosa, olhando
na direção da porta, a vendo fechada. — Como me achou...
— Eu pulei a janela. — Ele estica seu braço e aponta para a
parede esquerda. Giro meu rosto e vejo a janela aberta, com a
cortina balançando com o vento. — Tem homens dos Cachila lá
fora, tive que esperar um tempo antes de conseguir entrar...
Dou um passo para trás, assim que ele dá outro em minha
direção, fazendo menção de abrir seus braços para me abraçar.
— Tina, sou eu... — Ele abaixa seus braços, negando com a
cabeça. — Não tem ideia do inferno que eu passei para chegar até
aqui. Eu estou com medo... Papi quer me matar, eu não sabia mais
o que fazer...
— Os Cachila? — balbucio a palavra, sentindo meu coração
disparado.
Viro e caminho para perto da porta, abrindo lentamente e
olhando do lado de fora, confirmando o que David disse. Há homens
dos Cachila no pátio, perto dos carros, e vejo Ralf conversando com
um deles.
— Eu passei a madrugada toda atrás do latão de lixo,
esperando...
— Tem que ir embora! — Fecho a porta e ando para a janela,
olhando para ver se tem algum homem da facção por lá. — Eles vão
te matar se acharem você dentro desse quarto, David. — Me viro
para ele, segurando a cortina, para que ele possa passar. — Anda,
pula essa merda, aproveita que está limpo do lado de fora...
— Eu não fiz nada... — Ele nega com a cabeça.
— Você é a porra de um Profeta, David — falo, baixo,
batendo meu pé no chão.
— Não... não, eu não sou...
— No segundo que aceitou se envolver com Alonso, se
tornou um! — O encaro com dor, negando com a cabeça, o vendo
perdido e assustado. — Tem que sair desse quarto, David, o quanto
antes...
— Não, eu nunca fiz parte da porra da gangue! Papi me
ofereceu um trabalho de segurança em uma de suas casas de
jogos...
— A casa de jogos dos Profetas, David! — digo mais
nervosa, olhando assustada para a porta. Já foi um milagre ele ter
conseguido entrar nesse quarto sem ser visto, mas não irá sair vivo
daqui se souberem que tem um Profeta aqui dentro.
— Pode dizer a eles, contar para eles que não faço parte de
merda nenhuma... — Ouço sua voz sair assustada, mas minha
atenção está do lado de fora da janela quando me viro, conferindo
se está tudo limpo.
Não tinha o perdoado pelo que fez comigo, mas não desejo
que ele morra. Eu já tinha perdido muito por um dia só.
— Eu não posso ir, se eu ficar nas ruas, o Papi vai me matar
também... — Sinto seus dedos se prenderem em meu pulso, me
segurando com desespero. — Tina, eu não quero morrer, porra!
Olho a face do meu irmão e enxergo o pavor que seus olhos
demonstram enquanto nega com a cabeça.
— David, tem que ir embora... — falo aflita, tentando o fazer
me ouvir.
— Então vem comigo, vem embora comigo... Podemos
escapar juntos. Não tem ideia de tudo que eu passei, eu jurava que
ia morrer, Tina.
Sua cabeça tomba para frente e ele apoia-se em meu ombro
enquanto chora, como uma criança.
— David... — Ergo minhas mãos e olho-o assustada, o vendo
cair de joelhos enquanto agarra minha cintura.
— Vem comigo... a gente vai embora — ele fala em meio ao
choro. — Não consigo sair desse lugar sozinho, Tina. Não entende,
Papi tá fora de si. O que ele fez com Dolores e as crianças, ele vai
fazer muito pior comigo, quando me encontrar...
Mordo minha boca, abafando meu choro, querendo batê-lo da
mesma forma que o quero abraçar.
— Eu só queria te achar, eu juro... — ele balbucia as palavras
entre o choro, me fazendo o olhar perdida. — Nunca pensei que ele
iria chegar na casa dela...
— Do que está falando? — pergunto sem entender, o vendo
ajoelhado, chorando mais assustado.
— Eu sabia que ela era a única que tinha seu paradeiro. Papi
queria me matar, precisava dar um jeito de encontrar você, para nós
dois fugirmos juntos... — Ele fecha seus olhos, tombando o rosto
para o lado.
— Do que está falando, David?
— Dolores... Eu não sabia que ele estava me seguindo, não
sabia. Eu tive tempo apenas de pular a porra da janela quando a
porta da casa foi estourada.
— Estava lá... — As palavras saem da minha boca
lentamente, enquanto compreendo o que ele está dizendo entre
soluços. — Foi você que os levou até ela...
Meu corpo cambaleia para trás, com os braços dele caindo
para o lado enquanto me escoro na parede, respirando depressa.
— O que você fez, David... — Tapo minha boca, sentindo as
lágrimas escorrerem mais forte pelo meu rosto.
— Eu juro que não sabia que ele estava me seguindo, porra!
Dolores morava no lado Sul, pensei que estava tudo seguro... Papi
nunca teria coragem de invadir o distrito dos Cachila.
— Levou ele até ela... Levou aquele monstro até ela, David.
— Me desencosto da parede com ódio e dor, tudo se misturando
dentro de mim, ficando à sua frente e socando seu peito com raiva.
— O que fez, David, como pôde?! Não pode ser tão burro em achar
que aquele desgraçado não teria coragem de fazer isso...
— Eu não fiz por mal, Tina... — David esmaga seus lábios,
negando com a cabeça. — Nunca quis...
— Você a abandonou, abandonou ela e as crianças para
sofrerem na mão dele, igual ia fazer comigo... — Choro com dor, o
socando com mais raiva. — Por que, David? Por quê?
— Não deu tempo, caralho! — As mãos dele se fecham em
meus pulsos, os segurando para impedir que o bata. — Foi tudo
rápido. Do jeito que estouraram a porta, Paco, o homem de Papi, já
entrou com mais três integrantes dos Profetas, arrastando as
crianças para o porão.
Choro, ouvindo as palavras dele e fechando meus olhos,
podendo ver o medo e o pavor que elas sentiram.
— Papi arrastou Dolores para a sala, e eu tive que ficar
escondido atrás da casa, porque não tinha como fugir à luz do dia
sem ser pego pelos Cachila ou pelos homens de Papi.
— Você se escondeu, se escondeu enquanto eles torturavam
ela e as crianças... — falo entre o choro, retorcendo meus pulsos,
para que ele me solte. — Como uma barata covarde, se escondeu
como uma maldita barata covarde! Devia ter entrado, entrado na
maldita casa e tentado salvá-la, dito para ela me ligar. Eu voltava, eu
voltava na mesma hora, David... Eu daria minha vida para salvar ela
e as crianças.
— Ninguém ia sair vivo daquela casa! Eles mataram as
crianças assim que entraram, Tina. — Paro de me mexer, olhando
meu irmão com um olhar perdido. — Paco as matou com um tiro na
cabeça, uma por uma. Dolores sabia que ninguém ia sair vivo
daquela casa...
Meu rosto cai para o lado em meu ombro, enquanto sinto
tudo, a crueldade, a maldade deles tirando a vida de cada um dos
meus irmãos.
— Papi a torturou por horas dentro da sala, mas ela não
disse, não disse uma única palavra. Quando ele percebeu que ela
realmente não ia falar, ele mandou Paco espalhar gasolina pela
casa e deixar o gás da cozinha ligado. Foi nessa hora, quando a
noite já estava alta, que eu consegui me esgueirar pela lateral da
casa, tentando chegar na rua...
Soluço baixinho, tendo meu peito subindo e descendo
depressa, ouvindo a voz dele.
— Eu não podia fazer nada, não tinha mais nada para fazer,
a não ser fugir. E eu estava com medo, sem ter ideia de como
escaparia de Papi. — Ele solta meus pulsos e segura meus ombros.
— Foi então que eu te vi. Estava me preparando para correr, depois
que Papi partiu, quando a enxerguei atravessando a rua. Só que
veio a explosão, tudo aconteceu rápido... Eu vi o cara te carregando,
e roubei um carro para poder seguir vocês até o hospital que ele te
levou, antes de vir para cá. Fiquei escondido na lixeira atrás do
hotel, aguardando algum momento para poder vir lhe buscar.
Ele sorri para mim e alisa minha face, respirando depressa,
me colando em seu peito quando me abraça.
— Vamos sair daqui juntos. Podemos ir para qualquer lugar e
recomeçar, Papi nunca mais vai encontrar a gente.
Minha mente ainda está em colapso, absorvendo tudo. A dor
que mi madre passou, a crueldade que Alonso foi capaz de fazer, e
como ele a machucou...
— Temos que sair daqui o quanto antes, vamos para a
Califórnia. As coisas serão diferentes, sem esses putos de Profetas
ou Cachila. — Ele se afasta e dá um espaço entre nós dois,
retornando a segurar minha face. — Vai ser tudo diferente, eu juro.
— Fecho meus olhos e sinto o beijo frio dele em minha testa,
enquanto me encolho. — Tem algum dinheiro ainda dos seus
programas com você? Eu estou sem nada. Mas não tem problema,
podemos achar alguma boate na estrada, você ergue um dinheiro
rápido...
Fico aqui, diante dele, olhando-o e sentindo tudo morto
dentro de mim, enxergando David como ele sempre realmente foi,
sem a máscara do amor que eu sentia por ele. Não é mais aquele
menino triste e sempre revoltado, o qual meu pai espancava, que eu
vejo, é apenas uma versão mais covarde e ingrata do meu pai.
— Faz alguns programas e a gente ergue um dinheiro e
vamos embora... — Minha mão levanta e seguro seus dedos, os
retirando do meu rosto, enquanto fico de pé lentamente. — Claro,
não aqui, tenho um amigo em Detroit, ele pode arranjar clientes
bons para você...
Inalo o ar com força e esfrego meu rosto. Fecho meus olhos,
vendo apenas a imagem dela, o último sorriso que ela me deu, o
beijo na minha bochecha.
— Ficamos só alguns meses por lá, até erguer um dinheiro
alto, e assim que tivermos grana suficiente, caímos no mundo. — A
voz de David se perde em meio à minha dor, enquanto a única coisa
que sinto é tristeza.
Fico de costas para ele, com meus olhos perdidos na direção
da porta. Vejo a sombra negra da pessoa parada do lado de fora. É
como se eu soubesse, mesmo sem o ver, eu sei quem está do outro
lado da porta, como um fantasma silencioso. Caminho devagar e
abaixo a mão do meu rosto, andando na direção dela.
— Você tem medo de fantasma, David? — pergunto, baixo,
não me virando para ele, continuando a andar para a porta.
— O quê? Do que está falando...
— Deveria pular a janela. — Fungo baixinho, limpando
minhas lágrimas e sentindo como se estivesse morrendo por dentro.
— Sim, nós vamos pular...
Paro de frente para a porta e estico minha mão, segurando a
maçaneta, me virando lentamente e o olhando.
— Não existe nós. — Vejo sua face se virar para mim, com
ele me olhando sem entender enquanto se levanta.
— Tina, a gente vai embora juntos...
— Você vai embora, e sugiro que faça isso agora, porque eu
vou abrir essa porta e deixar os Cachila lhe pegarem se não partir.
— Está louca... Tina, sou eu, David, o seu irmão. — Ele abre
seus braços, me olhando com raiva. — Não pode virar as costas
para mim, eu não tenho grana nenhuma. Preciso de você... Sou seu
irmão, porra!
— Não, não mais. Nesse momento, você só é o covarde que
matou minha madre, para poder salvar sua pele — falo séria,
olhando-o, não vendo nada mais do que um homem covarde e
fraco, que nunca mudará, que sempre será um vampiro se
aproveitando até a última chance para me sugar. — Nunca mais vou
deixar homem nenhum tocar no meu corpo em troca de salvar você.
— Sua vadia, como pode fazer isso comigo... — ele rosna
com raiva e dá um passo à frente, com seu braço erguido.
Mas para assim que giro a maçaneta e abro uma fresta na
porta, dando um passo para o lado e abraçando meu corpo. Viro
meu rosto e fico com o olhar baixo quando a porta é aberta
lentamente, observando a imagem do par de sapatos do homem
que está parado diante da porta. Me encolho ao ouvir o som pesado
da sua respiração, com o corpo masculino caminhando à frente.
— Porra... — Giro meu rosto e olho para David, o vendo
assustado, com seus olhos presos no homem que o encara. Ele
cambaleia para trás, olhando para mim em busca de proteção. —
Mana, por favor...
— Meus irmãos morreram baleados e queimados dentro da
minha casa, com mi madre. — Olho-o com dor, sentindo meu luto
ficar maior a cada segundo. — Eu não tenho mais irmãos.
— Z...
— Sai! — O rosnado alto escapa dos seus lábios, enquanto
se mantém parado na entrada do quarto, encarando David.
Meus olhos se fecham e meu corpo escorrega lento pela
parede. Ouço a respiração de David alterada, com seu corpo
correndo para a janela. Não olho para ele, não choro por ele, nem
sequer me despeço quando ele pula, fugindo para longe. Apenas
me abraço com mais dor, ficando encolhida, mordendo meus lábios.
Sinto a presença forte e masculina, com seus olhos cravados em
mim, me olhando. Me encolho mais ainda, abraçando com mais
angústia meu corpo, quando ele se agacha e solta sua respiração
quente a centímetros da minha cabeça. A ponta do seu dedo segura
meu queixo e me faz erguer minha face para o encarar, e encontro o
par de olhos cor de avelã que estão escuros, sérios e cruéis. Ele
olha para a janela, antes de olhar para mim, me deixando ler em seu
olhar o que ele não diz em palavras.
— Eu perdi mais um irmão hoje, señor. — Fecho meus olhos
e choro com dor quando sua mão se espalma na lateral do meu
rosto, me puxando para ele. — Perdi toda minha família.
Meus braços soltam meu corpo e enrosco-os em seu
pescoço, buscando abrigo entre seus braços, soluçando baixinho.
CAPÍTULO 32
POR AMOR

TINA ZARA

— Está bravo — murmuro, com meu olhar perdido na janela,


encarando as paisagens que vão passando rapidamente, sem virar
o meu rosto para ele.
— Sim. — A resposta sai seca da sua boca, sendo a primeira
palavra realmente audível que ele me dirige nessas três horas de
estrada que o veículo fez na rodovia, desde o segundo que
deixamos o hotel. — Mas não quero conversar sobre isso agora.
Viro meu rosto, o tombando para o outro lado, observando
seus dedos esmagados no volante. Os machucados e roxos em
cima dos nervos do seu punho estão ainda mais vermelhos do que
estavam no quarto de hotel, quando eu reparei nas mãos dele. Seu
olhar era sério, me encarando apenas quando necessário, me
tocando só quando me conduziu para o carro. Sem palavras ou
toques, apenas um olhar frio em sua face. Me encolho no banco e
olho para frente, fechando meus olhos.
— Sebastian, eu sin...
— Infierno, não quero conversar agora! Não tem ideia de
como estou me controlando, então vá por mim, não vai querer
conversar comigo nesse momento, señorita... — Mordo minha boca,
ouvindo sua voz zangada, com ele rangendo seus dentes. Encolho-
me mais e abaixo minha cabeça, soluçando baixinho.
— Sinto muito, sinto muito... — Ergo meus pés, os apoiando
no banco do carro, abraçando minhas pernas e escondendo minha
face em meus joelhos. — Nunca devia ter ido para sua casa, eu
sinto muito. Sinto muito por ter roubado seu carro, ter lhe envolvido
nisso tudo, não lhe culpo por estar bravo comigo...
— DIOS, MUJER TEIMOSA! — Minha cabeça se ergue
quando ele esbraveja alto, rugindo como um tigre. — Bravo! Dios,
eu sinto muita coisa, e bravo é a menor delas...
— Señor... — balbucio, assustada, e seguro forte o assento
quando ele força seu pé no acelerador, fazendo o ponteiro do painel
chegar nos 250.
— Acha que sinto raiva por ter roubado a porra do carro? —
Ele range os dentes e aperta o volante, acelerando mais. — Não,
carajo! Tem ideia do que eu senti, o quão frustrante foi ver a mujer
que tive em meus braços fugindo...
— Cristo, não... Eu apenas o quis poupar...
— Não confiou em mim! — ele grunhe com raiva, mantendo
seu rosto para frente e encarando a estrada enquanto esmaga seus
lábios. — Não confiou em mim para proteger você...
— Não, não entende... — Nego com a cabeça. — Eu fiz isso
justamente para lhe proteger, proteger os meninos. Olha o que
aconteceu com a minha família! Acha que eu conseguiria suportar
carregar ainda mais culpa se algo tivesse acontecido com vocês...
— Devia ter confiado em mim...
— Assim como você confiou em mim? — grito entre o choro,
falando triste para ele. — Eu confiei em você, tanto que nunca
menti, lhe deixei saber cada podre da minha vida, enquanto você
escondia seus segredos.
— Não, não se trata de segredos, mujer! — ele rosna mais
alto e vira seu rosto para mim. — Acha que teria ficado, Tina? Teria
me olhado com os mesmos olhos se soubesse que na porra do
inferno que vivia, eu sou mais um dos demônios?!
— Eu não sei, não me deu a chance de poder descobrir...
— Assim como não me deu a chance de lhe proteger — ele
esbraveja. — Escolheu fugir, correndo o risco de cair na mão
daquele verme desgraçado...
— Por amor a você, seu pé-grande idiota! — Choro, falando
com raiva para ele. — Escolhi você, e teria me entregado a ele.
Teria o deixado me pegar novamente, se soubesse que isso teria
salvado a vida da minha família, assim como me entregaria mil
vezes para aquele monstro, para ele nunca fazer mal aos meninos e
a você.
Me encolho e abaixo meu rosto, o escondendo em meus
joelhos e chorando. Se não fosse pelo cinto de segurança em meu
corpo, teria voado para fora do carro quando ele freia com tudo no
acostamento da rodovia.
— Oh, meu Deus... — grito em pânico, chorando
desesperada, me sentindo triste por dentro.
Estou tendo uma crise tão forte de choro, sentindo a perda da
minha família, a covardia de David, assustada com o que poderia
acontecer com os meninos, com Sebastian, que não percebo
quando meu corpo é liberto do cinto, sendo movido para sua perna
quando ele me puxa do banco. Escondo meu rosto no grande peito
masculino, que sobe e desce sem parar. Sebastian alisa meus
cabelos e encosta sua testa na minha, me abraçando com força, o
que me faz chorar o dobro.
— Lo siento[50], moranguinho. — Ele me agarra firme e respira
mais forte. — Não sou bom em conversar quando estou bravo, Tina.
Meus dedos seguram em seu ombro, como se ele fosse
minha tábua de salvação, a única coisa que me mantém ainda viva
diante de toda a dor que me arrasta.
— Não fugi, não fugi... Só queria chegar até ela, queria
chegar até ela... — falo, soluçando entre o choro, e escondo mais
meu rosto em seu peito.
— Eu sei, señorita. — Ele me aperta forte, comprimindo seus
braços ao redor do meu corpo.
— Não vou suportar viver se algo acontecer com você ou
com os meninos por minha culpa, como aconteceu com minha
família. — Afasto meu rosto e o olho, soluçando baixinho. — Não
posso voltar para a vinícola, não posso permitir que entre nesse
mundo de novo por conta de alguém que já está marcada para
sempre, señor. Meu lugar não é lá...
— Olhe para mim, señorita! — Sua mão se ergue e segura
meu rosto, esmagando seus lábios. — Por que partiu? Diga
novamente, olhando em meus olhos, por que partiu? Repita o que
ouvi, diga-me.
As lágrimas rolam por minhas bochechas enquanto me
encolho e tombo meu rosto para o lado, me segurando em seus
ombros, como se o pudesse deixar perto de mim para sempre.
— Por amor... — repito as palavras baixinho, fechando meus
olhos enquanto esmago meus lábios. — Amor... Por Tulho, Martin,
Miguel e Roaquim. — Minhas palavras saem, lhe deixando ver o
que meu coração sente. — E por amor a você...
Sinto a dor no couro da minha cabeça quando seus dedos se
prendem em meus cabelos. Ele inclina sua face para frente e me
beija com brutalidade. É um beijo de angústia, de emoções
afloradas com tanta dominância, como se pudesse me fundir a ele.
— Minha vida toda controlei meus demônios, porque era
movido pela raiva, pelo ódio. — Seus dedos se mantêm entre meus
cabelos, os segurando, e encosta sua testa na minha. — Mas não
foi a raiva que me dominou quando lhe vi partindo naquele carro. Foi
o medo, señorita. Pela primeira vez na minha vida, senti medo,
medo de não lhe alcançar a tempo, de não poder lhe proteger.
Ele afasta seu rosto do meu e respira forte, soltando meus
cabelos e segurando meu rosto enquanto me olha.
— Medo de lhe perder, minha pequena bruja. — Seu dedo
desliza por minha bochecha e limpa minhas lágrimas. — E não vou
lhe perder, muito menos lhe deixar longe de mim. Não pense que
estou retornando para aquele submundo de morte, não posso voltar
para onde eu nunca saí. Dentro de mim eu sempre soube quem eu
era, Tina. A diferença é que agora eu tenho um real motivo para
lutar, e vou fazer Alonso sentir cada dor que ele lhe causou em cada
fratura que ele fez em seus ossos, cada lágrima que derramou pela
morte de tu madre. E até nos quatro cantos do inferno, saberão que
nenhum puto sobrevive se machucar a mujer que eu amo.
Fico em silêncio, tendo seus olhos castanhos presos aos
meus, com meu cérebro administrando o que acabei de ouvir. Não
penso, nem ao menos consigo me ajustar à intensidade como ele
me olha. É o colapso de toda a destruição do meu mundo, sendo
engolida pela dor, que se silencia, e observo apenas o grande
homem diante de mim.
— Seu lugar é ao meu lado, señorita!
Abaixo meus lábios, colando-os aos seus quando minha
cabeça se inclina para frente, sentindo meu coração disparado. Me
perco em seus lábios assim que o beijo. Seus dedos se apertam
com propriedade em meus cabelos, com densidade, me puxando
mais forte a ele e colando nossos peitos. Minhas mãos espalmam
em cada lado do seu rosto. Quero segurá-lo, para ter certeza de que
nada o tirará de mim. Ele foi cruel me beijando com força, me
marcando em cada canto que sua boca explora a minha. Suas mãos
vão em meu quadril, me forçando a senti-lo duro como pedra. É
como se fôssemos a combustão de fogo de cada um, o céu e o
inferno. Meu corpo se incendeia assim que sua língua atravessa
minha boca, e me perco quando seus dedos invadem minha camisa,
puxando-a por cima da minha cabeça. É uma necessidade que me
dói a alma, que me queima em antecipação, e quero me queimar,
quero virar cinzas em seus braços, me incendiando nesse fogo que
nos governa.
Meus dedos arrancam sua camisa e abro os botões. Seus
beijos vão se alastrando como gasolina pelo meu corpo. Seu peito
forte, livre da camisa, que abri com luxúria e joguei no banco do
carona, se arrepia ao toque dos meus dedos. Ele ergue minha saia
até meu quadril e separa minhas pernas, para ficarem presas na
lateral da sua, empurrando meu quadril para baixo. Minha calcinha
encharca assim que seu pau raspa por baixo do tecido preso ainda
dentro da calça, e aperto minhas pernas em volta dele. Meus dedos
trêmulos arrancam seu cinto e abro o zíper da calça. Logo seu pau
duro pula para fora. Sebastian suga meu seio, me fazendo arquear
para ele, querendo mais. Seguro seu pau e o aliso, subindo e
descendo meus dedos por ele. Um gemido rouco sai dos seus
lábios, com meu seio dentro da sua boca, o mordendo quando
deslizo minha mão e percorro seu pau inteiro. Ele ergue sua cabeça
e me dá um olhar de paixão e amor mesclado à selvageria. Seus
dedos se abaixam entre nós e ele alisa minha calcinha, a sentindo
molhada.
— Sólo mío! — Ele suga minha boca com fúria e introduz um
dedo dentro de mim quando afasta a calcinha, me fazendo gemer
em seus lábios enquanto me beija.
— Sim... — murmuro entre os gemidos.
Ele entra com outro dedo, me fodendo mais forte, me fazendo
sentir uma tortura, uma agonia, uma paixão e entrega. Minhas
unhas cravam em seu ombro e rebolo meu quadril em seus dedos
enquanto ele me fode. Seus dedos saem de dentro de mim, me
deixando em desespero, e sua mão puxa com força a lateral da
calcinha, afastando ainda mais minha saia, que fica presa entre
minha barriga e meus seios nus. Sebastian me ergue com uma mão
e logo sinto sua mão se fechando em minha cintura. Ele me aperta
com força, me mantendo imóvel, e sinto a ponta do seu pau estacar
na entrada da minha vagina, se preparando para me possuir. Sua
mão vai me abaixando, aliviando o aperto que faz no meu quadril,
com minha boceta engolindo seu pau lentamente. O quero dentro de
mim em cada parte do meu ser, e vou descendo, o tomando, me
sentindo atravessada ao meio. Ele aperta seus dedos em minha
carne e segura minha bunda de cada lado, a abrindo.
— Ohhh...
Solto mais meu peso, até sentir minha bunda em suas
pernas, e ele me preenche toda por dentro, tomando cada nervo,
cada cantinho. Me contraio e o aperto dentro de mim. Seus dedos
me prendem, me segurando no lugar, e ergo meus olhos até ele, me
deixando o ver que está se esforçando ao máximo para não perder
o controle. Mas quero isso, quero que ele se perca em meus braços.
Colo meu peito ao seu, esfregando meus seios em seu corpo e
beijando seu pescoço, lambendo-o até sua boca.
— Estou tentando me controlar, Tina. Não vou conseguir ser
gentil se perder meu controle... — Sua voz grossa sai baixa, com ele
rosnando.
Rebolo meu quadril de mansinho, em um vai e vem lento, e
ele me beija com pura paixão. Suas mãos vão em minhas costas e
me abraça em seu aperto de ferro. Acelero meus movimentos,
mordendo sua boca.
— Não quero que seja gentil... — Beijo seus lábios,
sussurrando, e meus dentes raspam por sua orelha. — Quero que
me ame como deseja... Me ame e me faça esquecer essa dor que
está destruindo minha alma. — O beijo com mais urgência, lhe
dizendo o que preciso. — Por favor, señor...
A estocada forte que ele me dá, me faz jogar minha cabeça
para trás. Gemo duas vezes mais alto, sentindo a corrente elétrica
que percorre meu corpo quando ele sai por completo de dentro de
mim e volta a entrar com força total.
— Deus, sim... sim... — Mordo minha boca e gemo ao ter seu
pau inteiro dentro da minha boceta.
Sebastian me segura firme em seus braços, e logo o sinto me
bombardear, me invadindo, me tomando com força e acelerando
cada vez mais, nos levando a inundar o carro de gemidos
desesperados e selvagens, nos perdendo em beijos. Rasgo suas
costas como ele, cravando minhas unhas na pele, da mesma forma
que ele me rasga ao meio, me fodendo sem piedade.
— Nunca mais fuja, nunca mais fuja, Tina! — Ele morde meu
pescoço e deixa seus dentes perfurarem de leve a pele, a beijando
em seguida.
O abraço mais forte, sentindo tudo se silenciando, ficando
presa no seu ritmo bruto. Suas mãos apertam forte meus seios,
enquanto seu pau me penetra avassaladoramente. Meu cérebro
está explodindo em partículas de prazer e desespero, e o orgasmo
vem de uma forma forte, como se lhe entregasse a posse completa
de mim. Sou apenas dele. Eu nunca tinha me jogado de uma forma
tão violenta ao gozo como está acontecendo agora. O aperto com
toda energia que tenho. Meus olhos se fecham e é uma dor
misturada com êxtase que me rouba o fôlego. Ele me tira de cima
dele e me joga no banco do carona, de barriga para baixo.
Ele empina meu traseiro para cima, e minha cabeça fica
próxima ao assoalho. Meus dedos seguram a porta, não me
deixando desabar de cara no chão, e grito quando ele me invade
novamente. O recebo toda molhada e quente, sentindo-me em
outras dimensões e ativando nervos que nem eu mesma conhecia
dentro do meu corpo, vibrando outra vez ao tê-lo bombardeando
como se fosse atravessar meu útero. Ele segura forte minha coluna
e joga todo seu peso contra meu rabo. Não tem como saber onde
Sebastian começa ou eu termino, somos um corpo só.
— Ohhh, meu Deus, Sebastian... Ohhhh!!! — O segundo
orgasmo vem com o dobro de força a cada batida frenética dele
dentro de mim.
Grito alto e sinto meus olhos lacrimejando com tanta
intensidade. Ele estoca mais fundo e mais rápido, e seu pau sai de
dentro de mim, com meu corpo ainda trêmulo com o gozo que me
invade. Seu urro forte explode dentro do carro e logo vários jatos
quentes de porra caem sobre minha bunda e minhas costas, me
deixando marcada com seu sêmen. Caio sobre meus braços,
largada de forma miserável, com nada além do efeito do orgasmo
me consumindo.
— Dios! — Ouço sua voz baixa atrás de mim entrecortada,
com ele respirando rápido.
Suas mãos grandes seguram minha cintura, me movendo.
Sinto minha boceta por dentro ainda sensível, se retraindo, fazendo
uma terceira onda de orgasmo me pegar, sem eu nem entender
como isso é possível.
— Ohhhhh! — Mordo o estofado, tendo o corpo todo se
tremendo, sentindo as mãos dele alisando minha bunda e minhas
costas.
Ele me ergue de vez, me sentando em seu colo. Aninho
minha cabeça em seu pescoço e sinto os tremores ainda me
percorrendo. Ele alisa minhas costas e mordisca meus ombros.
Posso ouvir uma risada baixa saindo dos seus lábios, e sinto seu
beijo molhado e quente em minha pele com carinho, jogando meus
cabelos para trás. Ergo minha cabeça e tento focar em sua face,
encontrando esse tornado que reside em seus olhos castanhos.
— Não vá atrás de Alonso, prometa que vai esquecer isso...
— sussurro e abaixo meus olhos para o crucifixo em seu pescoço.
— Preciso que me prometa, Sebastian, pelos meninos. Não posso
deixar eles perderem a família deles, como eu perdi a minha...
Meus dedos traçam por seu maxilar, o acariciando, sentindo
sua barba rala com fios grossos. Sinto as lágrimas retornando a
nublar minha vista, sentindo tanto amor por esse homem,
implorando silenciosamente para que esqueça Alonso.
— Por favor... — Mordo minha boca e soluço baixinho.
Sua mão se ergue e alisa meus cabelos, me puxando
lentamente para ele, sem me responder. Meus olhos se fecham e
colo minha testa na dele, o abraçando, me deixando ficar ali,
acolhida em seus braços.
CAPÍTULO 33
O CAOS

PAPI

Um mês depois

O som dos passos acelerados do capanga pelo corredor,


mostra o alarde que está acontecendo dentro da casa de jogos dos
Profetas. Paco, ao abrir a porta do escritório, observa os homens
calados lá dentro. Um deles está com seu rosto sangrando, com
cortes abertos de orelha a orelha, segurando a boca rasgada.
Ninguém respira dentro do escritório, enquanto Papi tamborila os
dedos na mesa, com seus olhos parados na cabeça decepada com
um buraco de bala na testa de um dos integrantes dos Profetas, que
seria o responsável por trazer o caminhão que transportava a
cocaína, a qual seria distribuída entre os traficantes pequenos, para
ser revendida na cidade. Um novato, que entra apressado dentro da
sala, para no centro do escritório, pigarreando baixo, enquanto olha
para o chão.
— Patrão, ainda não encontramos rastros da droga. — Sua
voz tenta sair o mais calma possível, provavelmente receoso por ser
o portador de tal notícia.
Todos os Profetas sentiram o peso da ira de Papi quando ele
descobriu que mais de 150 toneladas de cocaína tinha sumido. Já
era a quarta carga de droga que tinha sido roubada nesse mês.
— Como perderam 150 toneladas de pó? — Papi vira seu
rosto e foca no funcionário, enquanto afasta sua cadeira e se
levanta lentamente.
— Nossos homens estão vasculhando cada canto, mas até
agora nada. Ninguém sabe dizer o que aconteceu...
É quase palpável o temor e o nervosismo do homem. Ele se
retrai e dá um passo para trás, engolindo seu medo no seco ao ver
a faca ensanguentada na mão de Papi, que ele usou para cortar a
face do seu funcionário, que foi o primeiro a lhe contar do sumiço da
sua droga.
— Digam-me, como um caminhão simplesmente desaparece
como em um passe de mágica? — Um sorriso doentio, repleto de
raiva, se forma em seus lábios, com ele encarando cada homem
dentro do escritório. — E não tem um único filho da puta para me
dizer onde foi parar a minha cocaína?!
O som da sua mão sendo batida na mesa de forma bruta,
quebra a falsa calmaria que ele tenta demonstrar em sua face. Seu
peito se estufa e ele fecha seus olhos, dando um sorriso maroto,
negando com a cabeça enquanto alisa seus cabelos para trás.
— Vão achar a minha droga. — Seus olhos se abrem e ele
caminha lento em direção à cabeça decepada largada no chão. —
Vão encontrar o desgraçado que anda me roubando. — Ele para
perto da cabeça decepada e ergue seu pé, desferindo um chute
com ódio e a arremessando contra a parede. — Ou juro que o
próximo puto que entrar aqui e me dizer que não sabe de nada, irá
ser enforcado com as próprias tripas.
Ele caminha lento, rodando a faca em seus dedos, olhando o
rosto de cada homem, parando diante de Paco, que o encara em
silêncio.
— Espero ter sido claro com todos vocês — ele rosna,
rangendo os dentes, erguendo a ponta da faca e batendo
lentamente no queixo de Paco.
— Tem mais uma coisa, chefe... — O rosto de Papi se vira
para o novato quando a voz dele treme, balbuciando.
— Mais?
— Os Profetas que estavam fazendo a escolta do caminhão,
foram encontrados... — O jovem se cala com o olhar gélido que
recebe de Papi.
Seu rosto se vira para Paco, o encarando com seu maxilar
travado, enquanto suga o ar com força.
— Traga esses putos agora, Paco! — Seu rosnado é alto,
gritando com raiva.
A face de Paco se vira para o jovem, que o encara
assustado, tendo sua cabeça mexendo em um gesto de comando
em direção à porta.
— Tragam eles!
O menino sai correndo para fora, acatando a ordem de Paco.
Os olhos de Papi cravam em seu segurança, tentando descobrir o
que Paco ainda não lhe contou. Mas logo a porta é aberta, tendo
dois integrantes dos Profetas entrando na sala, com cada um
carregando duas grandes malas pretas em suas mãos.
— O que é isso? — Papi vira e caminha lento na direção
deles, os vendo largar as malas no chão.
— Os Profetas que estavam fazendo a escolta — Paco o
responde no mesmo segundo que os zíperes das malas são
abertos, com as malas sendo viradas. E de dentro dos seus
interiores, mais cabeças decepadas, com buracos de bala na testa,
rolam para fora, parando diante dos pés de Papi. — A outra parte
dos corpos deles foi carbonizada dentro do carro. O único que ainda
não encontramos o resto do corpo, foi o motorista do caminhão.
— Eu vou matar esse maldito que me roubou... — Papi rosna
com ódio, esmagando seus dedos ao lado do corpo.
— Não foi um roubo, mas sim um aviso... — Paco fala sério,
olhando as cabeças decepadas.
— O quê? — Papi o olha sem entender.
— Sete cabeças de Profetas. — Ele ergue seu dedo
indicador e aponta para as seis cabeças caídas perto dos pés de
Papi, antes de mover seu braço para a cabeça do motorista do
caminhão, que tinha sido arremessada na parede quando Papi a
chutou. — Sete, são sete cabeças, para sete crianças mortas. —
Paco ergue seu olhar para seu chefe, o encarando sério. — Não foi
um roubo, é o aviso da punição.
Papi pisca, confuso, antes de sua face se retrair e ele olhar
com mais atenção para o buraco de bala na cabeça deles. Buracos
de bala na testa, no mesmo lugar que ordenou para Paco disparar
nas crianças dentro da casa da maldita velha desgraçada que se
negou a lhe dizer onde sua abelhinha estava.
— Saiam todos! — A voz de Papi sai alta, gritando com ódio,
se virando para Paco e o deixando saber que ele deve permanecer.
O som dos passos dos integrantes dos Profetas se faz,
enquanto saem da sala, batendo em retirada, obedecendo a ordem
do seu chefe.
— Onde estão os filhos da puta que levaram conosco para a
casa daquela velha desgraçada? — Papi rosna com raiva. — Um
deles abriu a boca, não tinha como os Cachila descobrirem que eu
estive no território deles...
— Julgo que pela expressão, eles não tiveram tempo de
contar mais nada. — Paco tomba seu rosto para o lado e aponta
para as três primeiras cabeças. — Brian, Jonshe e Alex, os três
garotos da minha confiança que levei comigo. E se não me engano,
aquela cabeça que chutou é do motorista do carro que veio nos
buscar, depois que saiu da casa dela.
Papi inala o ar com força, olhando a maldita cabeça do outro
lado da sala, rangendo seus dentes. Estava tudo muito quieto, devia
ter desconfiado. Chegou até a pensar que realmente os Cachila não
sabiam sobre a ligação dele com a morte da família dentro da casa,
que podia ser algum traficante de merda querendo foder com seu
esquema de droga, mas agora tudo está claro. Os Cachila estão
cobrando pelas mortes que ocorreram em seu território.
— Cretinos, filhos da puta! — Ele se vira com raiva e caminha
para a mesa. — Estavam me fodendo quietos, por todos esses dias!
— Lhe avisei que teria consequências, Papi — Paco fala
baixo, em tom sério. — Que era arriscado ir até o Sul. Assombroso
sabe de tudo que acontece dentro do território dele, não iria demorar
para saber que foram os Profetas que mataram aquelas pessoas.
Você quebrou a trégua, não devia ter ido atrás daquela velha, por
conta de uma garota...
— Cale a porra da boca! — Papi grita com ódio, batendo a
mão dele em sua mesa, inalando o ar com força. — Acha mesmo
que tenho medo daquele velho desgraçado, que ele vai me intimidar
roubando cargas de pó e matando esses merdas?! Se isso vai o
fazer se sentir melhor, estou pouco me lixando...
— Isso foi apenas o começo, Papi. — A voz de Paco o corta.
— Coloque todos nossos homens na rua, quero cada porra
de transporte sendo vigiado como se a vida das cadelas das mães
deles dependesse disso! — Papi grita, dando a ordem, enquanto
inala o ar com força. — Não vou deixar a porra de um velho
esclerosado, como Assombroso, querer me foder...
— Não acho que tenha sido ele. — Papi se vira ao ouvir a
voz do seu segurança, e o encontra agachado perto de uma das
cabeças, observando o buraco de bala.
— Como assim? O único capaz de fazer uma merda dessas
é aquele puto da velha guarda.
— Se Assombroso tivesse pegado esses rapazes, eles não
estariam aqui, nunca mais ninguém nem sequer os encontraria. —
Paco se levanta e vira lentamente, olhando Papi. — Quem fez isso,
queria que soubesse pelo que vai ser punido. O tiro na cabeça
deles, igual ao tiro na cabeça das crianças, comprova que foi algo
pessoal, assim como os corpos deles, que foram carbonizados
dentro do carro.
Antes que Papi possa lhe responder, um som alto de grito
feminino se faz, seguido de mais gritos dos clientes que estão
dentro da casa de jogos. Paco retira a arma da cintura, sendo o
primeiro a sair do escritório, seguido por Papi. Eles veem as
pessoas correndo em direção à saída, com a música sendo parada
de tocar e com as máquinas de cassino sendo abandonadas pelos
jogadores. Papi toma à frente de Paco, caminhando a passos duros,
com raiva, empurrando todos que entram em sua frente, para
conseguir chegar até o centro do caos.
— Merda! — Paco grita quando para ao seu lado e tem a
mesma visão que ele.
— Que diabos essa porra está fazendo aqui?! — Papi grita
com raiva.
— Não sei, fizemos a ronda quase agora... Ele não estava ali
— um dos rapazes fala apressado, respondendo Papi. —
Apareceu...
Um corpo sem cabeça, o qual julga ser o do motorista que
estava faltando, está despido, completamente ensanguentado e
ferido, com os ossos dos joelhos expostos, assim como os dos
braços, que foram quebrados, em um dos sofás da sala VIP, com
um copo de uísque na mão e os dedos boiando dentro do copo. Tem
o desenho de um grande crucifixo desenhado com uma faca em sua
barriga, com o nome de Paco gravado na pele, embaixo da cruz.
Papi olha para o seu segurança e o ver com os olhos semicerrados
ao enxergar o nome dele gravado no corpo do morto.
— Eu sei o que apareceu, porra, estou vendo! — Papi ruge
alto e estica sua mão, o segurando pela camisa. — Quero saber
como!
— Não sei, chefe — o cara fala assustado quando Papi rosna
com raiva perto do seu rosto. — Ele só apareceu, cinco minutos
atrás não estava aí.
— Está me dizendo que esse cadáver apareceu do nada?
Que ninguém viu quem o deixou aqui?
— Sim... — O menino vira seu rosto e olha para o lado,
encarando o cadáver. — Cristo, ele apareceu do nada, como um
fantasma...
O som alto de um motor rugindo do lado de fora, acelerando,
faz tanto Papi quanto os Profetas virarem na direção da porta. Paco
o puxa pela camisa e o empurra para trás, tomando a frente e
correndo em disparada para a porta. Vê ao longe o carro negro
insufilmado, acelerando ainda mais forte, roncando o motor, como
se tivesse os provocando, caçoando deles.
— Vou matar esse desgraçado! — Paco grita com ódio, indo
na direção do estacionamento, para pegar um dos carros. — Acha
mesmo que vou me intimidar, seu puto?!

TINA ZARA

— Dedinhos roliços... — Sorrio com carinho para Roaquim,


sentindo as suas mãozinhas em minhas bochechas. Seguro seu
pulso e viro meu rosto, beijando a palma da sua mão e arrancando
uma risadinha sem-vergonha dele. — Venha, está na hora de
entrarmos, garotão.
— Aaa... Guu... — ele balbucia, se virando em meu colo para
poder olhar o caminhão que está perto da plantação de uva, que
transporta as frutas colhidas para a vinícola.
Respiro fundo e aliso suas costas, enquanto esfrego minha
cabeça na lateral da sua, olhando para a grande plantação de uvas,
com os trabalhadores fazendo a colheita, conforme caminho
devagar.
— Acho que não serviria para trabalhar na colheita das uvas,
comeria mais do que encheria o cesto. — Me viro ao ouvir a voz
alegre falando atrás de mim.
— Bella. — Sorrio ao ver ela, que me olha com carinho.
— Olá, Tina... — Sua mão se ergue e segura os dedinhos de
Roaquim, brincando com ele. — Oi, lindão, está pegando um
solzinho, sim...
— Ele estava rabugento hoje, nada o deixava feliz, então
resolvi sair com ele um pouco, para caminhar na propriedade. —
Beijo a bochecha de Roaquim quando ele tomba seu rostinho para
perto da minha cabeça.
— Fez bem, tanto para ele como para você. — Ela solta os
dedinhos dele e respira fundo, me dando um sorriso brando. — Isso
não alivia a dor, mas pelo menos distrai um pouco a cabeça.
— É... — murmuro e abaixo minha cabeça, caminhando
lenta, com ela ao meu lado.
— Queria ter vindo para cá depois da missa, no domingo,
mas acabei não tendo como. — Ela ergue sua mão e toca meu
ombro.
— Está tudo bem, não se preocupe. — Sorrio para ela e viro
meu rosto. — Obrigada por ter ido à cerimônia, mi madre teria
gostado muito de você, Bella.
— E eu teria amado conhecer ela, Tina. Foi uma missa muito
bonita, uma despedida honrada para sua família.
A verdade é que minha mente não se focou em nada, parecia
apenas que eu era um corpo vazio sentado no banco da igreja, ao
lado de Damaris, enquanto segurava a urna com as cinzas da minha
família, um corpo anestesiado pela dor. Olhava perdida para aquela
urna fria, negra, tendo todas as pessoas que eu amava dentro dela,
sabendo que eu nunca mais ouviria a voz dela, seu riso ou os gritos
das crianças pela casa. Nunca mais lhe abraçaria e lhe diria “eu te
amo”, e ganharia como resposta um beijo em minha face. Eu
tentava negar o que aconteceu com os passar dos dias.
Às vezes, quando abria meus olhos por alguns segundos, era
como se tudo estivesse como antes, mas então eu me lembrava do
fogo, da explosão, tendo os flashes invadindo minha mente. Tentava
me distrair com os meninos, rindo, brincando com eles, mas por
dentro eu estava desmoronando, relutando a acreditar que eles
tinham morrido. Até quando Damaris me disse que tinha mandado
cremar os corpos carbonizados de mi madre e dos meus irmãos, os
mandando trazer para cá, minha mente não relacionava minha
família às palavras dela.
Dias se passaram, e mais em negação eu ficava, mas
quando chegou o final do mês e tive que encarar aquela urna, entrei
em ruína por dentro, enquanto tudo parecia tão longe ao meu redor,
tão sem cor. Ouvia os pêsames dos amigos de Damaris, as palavras
para tentar amenizar uma dor que não tinha como acalmar, como foi
um infortúnio o vazamento de gás, enquanto dentro de mim eu sabia
a verdade, sabia como minha família tinha morrido, porque eu
estava lá. Me sentia suja, culpada, mentirosa, enquanto olhava
Damaris chorando, a deixando acreditar no que os noticiários de TV
falaram, lhe contando mais mentiras, dizendo que tinha ficado
assustada naquele dia porque mi madre nunca foi de deixar homem
estranho entrar na casa, que por isso parti para ir até lá. Que no
final, era apenas um técnico da TV a cabo, que não estava mais na
casa dela quando cheguei. Lhe disse que meu dia foi divertido ao
seu lado, que o senhor Sánchez apareceu e expliquei a ele o que
tinha acontecido. Madre amou conhecê-lo, e depois do jantar,
partimos. Estávamos voltando para a vinícola, quando lembrei que
tinha esquecido alguma coisa, mas quando cheguei lá, a rua já
estava fechada pelos bombeiros e a casa destruída. Mentiras e mais
mentiras. Os Cochila manipularam a polícia corrupta, o laudo dos
bombeiros, tudo não passou de um terrível acidente com vazamento
de gás. Mentiras que tapavam buracos comprados e silenciados,
mas não tapavam a minha dor.
— Sei que deve ter ouvido muito isso, mas realmente saiba
que eu digo a verdade, quando falo que eu sei o que deve estar
sentindo. — A voz de Bella é calma, enquanto murmura, soltando
um suspiro baixo. — Eu perdi a minha mãe quatro anos atrás, e
sinto a dor do luto até hoje.
Ergo meu rosto para ela e encontro um olhar de
compreensão, enxergando sua perda e como lhe dói falar sobre
isso.
— Era a única pessoa que eu tinha da minha família. Teve
um infarto fulminante, não tive tempo nem de levá-la ao hospital.
— Eu lamento, Bella.
— Não tem muito o que lhe dizer, ou palavras que possam
ser ditas para amenizar a perda de alguém que amamos. — Ela
anda lentamente e solta um suspiro baixo. — Mas terá dias que o
luto doerá menos, outros que será egoísta e lhe consumirá como um
inferno, e conforme o tempo passar, vai aprendendo a viver com
isso.
Abraço Roaquim, o trocando de braço, sentindo seus
dedinhos presos em meus cabelos, enquanto ele observa os
pássaros.
— Você aprendeu... já aprendeu a viver? — pergunto, baixo,
olhando perdida na direção da casa.
— Não — ela me responde, negando com a cabeça. — Mas
tento levar um dia de cada vez, assim fica menos doloroso. Verá.
Paro de andar e lhe olho, balançando minha cabeça em
positivo. Noto seu olhar triste, com sua face abatida, como se há
muito tempo não tivesse uma noite de sono.
— Bom, preciso voltar para a vinícola. — Ela sorri, alisando a
cabeça de Roaquim. — Vim apenas para pegar um documento que
está no escritório do senhor Sánchez. O deixei no carro antes de vir
lhe ver.
— Ele não quis vir buscar? — pergunto, baixo.
— Não, é que na verdade ele saiu cedo de novo, para ajudar
com as entregas de vinho.
Dou um sorriso amarelo e mantenho meu olhar caído,
ouvindo sua resposta. Ergo minha cabeça e olho na direção da
vinícola, a observando perdida. Ele não tinha me dito que iria sair
para fazer uma entrega outra vez.
— Isso sempre acontece? Digo, ele ir fazer entregas...
— Oh, normalmente não, mas esse mês ele está fazendo.
Acho que é porque ficamos desfalcados de um dos motoristas, que
entrou de licença...
— Entendi. — Balanço minha cabeça e solto um suspiro.
Ele estava sempre indo e voltando ultimamente. Sai cedo,
antes do sol nascer, e retorna apenas depois que todos já estão
dormindo, por volta da meia-noite. Eu fico dentro do meu quarto
ouvindo os passos dele, caminhando no corredor, indo dar seu beijo
de boa noite nos meninos, antes de seguir direto para um galpão
que tem atrás da casa. Entra lá e fica trancado quase a madrugada
toda. Depois vem para o meu quarto e fica algumas horas deitado
comigo, antes de partir novamente. Nossas conversas são poucas,
apenas o que é necessário. E por conta da situação, e dele estar
mais fora de casa do que dentro, preferimos adiar a conversa com
os meninos. A última vez que ficamos juntos, foi dentro do carro,
naquela manhã quando ele me trouxe de volta para a vinícola.
Depois disso, senti como se ele tivesse criado um muro entre nós
dois, me deixando afastada, e não entendo porque ele evita me
tocar.
— Por que não marcamos de sair juntas no sábado à tarde
ou domingo de manhã? Podemos passear no parque...
— Talvez, eu vou ver — a respondo e viro meu rosto para ela,
dando um sorriso triste.
— Iria ser bom, pense com carinho...
Antes que possa lhe responder, o som do escape do
caminhão fazendo um estrondo alto, quando é ligado, me assusta, e
viro meu rosto para lá, sentindo meu coração disparado.
— Cristo, já avisei a Ralf que esse caminhão velho uma hora
vai explodir... — Bella fala, rindo, se virando e olhando para ele.
Meu corpo se encolhe e fecho meus olhos, respirando fundo
assim que o ruído sai do escape de novo. O cheiro da fumaça de
óleo diesel sendo queimado, entra em minhas narinas, me fazendo
respirar mais depressa, enquanto sinto minhas pernas congeladas e
meu corpo trêmulo. Abraço Roaquim mais forte, respirando mais
rápido, tendo a impressão de que meu coração vai sair pela minha
boca.
— Isso aí deve ser ainda da época do pai do senhor
Sánchez...
Escuto a voz de Bella e tento focar nela, mas minha mente
está me torturando, me arrastando para aquela rua enquanto
observava a casa de mi madre em chamas.
— MADREEEE... — Levanto com puro pavor, correndo na
direção da casa e olhando a porta aberta, com a fumaça negra
saindo de dentro dela. — NÃO... NÃOOOO, minha madre... Mi
madreeeee...
A segunda explosão é maior que a primeira, causando umas
labaredas de fogo maiores, que saltam para fora, como se fosse o
próprio inferno consumindo a casa, com as chamas saindo por
todos os lugares. Meu corpo é arremessado para o gramado quando
um par de braços me prende e me leva ao chão, caindo em cima de
mim quando tento me aproximar da varanda em chamas.
— Tina, está bem... — Abro meus olhos e respiro mais
rápido, assim que o toque da mão de Bella se faz em meu ombro.
O estrondo do escape sai mais alto na terceira vez, enquanto
tenho meus olhos presos na fumaça saindo de trás do caminhão.
Me sinto pesada, como se nem conseguisse falar, como se minha
mente estivesse patinando e patinando, revivendo cada segundo
que vi tudo se queimando.
— Tina... Está pálida... — Bella fala nervosa, olhando para
mim.
Eu não consigo responder, nem sequer falar, como se algo
segurasse minha fala. Sinto um pânico dentro de mim, com o suor
frio em minha nuca e com cada pelo do meu corpo se arrepiando.
— Roaquim... — murmuro o nome dele, esticando meus
braços para ela, os sentindo perdendo a força.
É o tempo de Bella o pegar, antes da minha mente desligar,
como se uma chave tivesse sido girada dentro dela, me apagando
por completo.
CAPÍTULO 34
UM MOTIVO

SEBASTIAN SÁNCHEZ

Inalo o ar com força e ando a passos rápidos pelo corredor


do hospital, como se estivesse com o próprio diabo me
assombrando em minha nuca. Meus olhos avistam Ralf parado, com
os braços cruzados, encostado na parede, ao lado de uma porta.
Sua face gira para minha direção e ele se desencosta, caminhando
para mim antes que me aproxime da porta.
— Como ela está? O que aconteceu? — Tento afastar sua
mão quando ele estica seu braço e segura meu ombro, bloqueando
a passagem.
— Ei, espera! — ele fala rápido, negando com a cabeça. —
Se acalme, ela está bem. Bella está dentro do quarto com Tina.
Ele abaixa seu tom de voz, me olhando nervoso. Sua cabeça
vira e olha para a porta, antes de voltar para mim.
— Ela está segura, ok?! — Ele dá um passo para trás e
esfrega seu rosto.
— Não podiam ter trazido-a para o hospital, ainda não é
seguro — rosno, baixo, rangendo meus dentes. — Onde estão
meus filhos...
— Eles estão a salvo em casa, com mi madre. — Ralf inala o
ar com força e murmura para mim. — Eu estava na vinícola,
acompanhando a produção, quando fui informado que uma
ambulância estava na sua casa. Bella não sabe de nada, ela agiu de
forma rápida, apenas quis ajudar, não tinha ideia que não podia
trazer Tina para um hospital...
Esfrego meu rosto e ranjo meus dentes, respirando com
força. Tinha vindo o mais rápido possível depois que Ralf me ligou,
dizendo que Tina tinha sido levada para o hospital desacordada.
Estava tudo dentro de mim aflorado, com loucura, selvageria e ódio.
Ainda posso sentir o cheiro de sangue do puto do Paco, e ouvir os
gritos dele enquanto arrebentava sua cara. Tinha demorado mais
com ele do que com os outros, depois que o arrastei até uma
armadilha.
Levar o corpo até a boate foi fácil, ainda mais com a ajuda de
uma das garotas, que deu acesso para eu entrar usando uma roupa
de garçom. Era uma garota de programa do píer, que estava tendo
um caso com um dos homens dos Cachila. Ela me avisou quando
podia passar e estava junto no esquema. Esperou alguns segundos
depois que eu saí, para gritar, chamando a atenção dos outros. Os
Profetas estavam tão focados em proteger o lado exterior da boate,
que não cuidaram do interior, facilitando muito o meu plano. O caos
já estava brotando no coração deles, alguns com medo, outros
ansiosos para uma guerra, e Assombroso tinha espalhado
pequenas pistas entre alguns Profetas, os quais ele sabia que
estavam descontentes com Papi.
No submundo, tudo é volátil, não confie em ninguém, até sua
própria sombra pode lhe trair se ela notar que você está fraco. E
Papi sem sua droga é fraco, não tem poder algum, e não demoraria
para os próprios Profetas o tirarem do poder. A desordem estava
sendo plantada, minha caçada continuava deixando meus demônios
livres. E foi com a ajuda de um pequeno rato sórdido e
insignificante, que consegui localizar cada hijo da puta que
participou da chacina na casa da madre de Tina naquela noite. Eu
ouvi o que foi dito naquele quarto aquela manhã, ouvi o choro dela,
as palavras asquerosas que saíram da boca do seu irmão. Em um
primeiro momento, antes de saber quem estava lá dentro, eu quase
derrubei a porta. Mas foi ouvir o choro falso dele, enquanto dizia
palavras arrependidas para ela, que me fez parar. Um sinal de
cabeça para Ralf foi o suficiente para o fazer dar a volta no hotel e
ficar de guarda, esperando o intruso sair. Antes de partirmos do
hotel, mandei Ralf entregar o garoto para Assombroso, para que
ficasse à minha espera, porque queria ter uma conversa com ele.
Antes mesmo de eu chegar, o covarde já tinha delatado toda a
história para Pablo, lhe dando nomes e endereços, além de falar
sobre o cargo que cada um tinha dentro dos Profetas. Cacei um por
um, não pouparia ninguém. Não tinha voltado por dinheiro dessa
vez, mas sim por justiça. E era isso que eu garanti a cada filho da
puta desgraçado que eu matei. E queria ter dado a Paco uma morte
ainda mais lenta e cruel, se não tivesse recebido a ligação de Ralf.
— Ela entrou no sistema, Sebastian — Ralf fala rápido,
respirando forte. — Quando cheguei aqui, o médico já estava com
ela no ambulatório. Agora é questão de tempo para ele encontrar a
localização da garota.
— Ele não vai encostar nela — o respondo sério, negando
com a cabeça e desviando dele, caminhando para a porta. Eu
preciso ver Tina.
— Peça para ele vir aqui, Bella. Eu não posso ficar deitada
nessa cama o dia todo, os meninos precisam de mim. Se esse
médico não vir me dar alta, vou embora sozinha... — A voz dela se
cala assim que ergue seus olhos e me vê entrando no quarto.
— Boa noite, señor Sebastian. — Bella sorri para mim e se
levanta da cadeira ao lado da cama de Tina. — Essa teimosa está
tentando fugir, acredita?!
— Sim, acredito. — A cumprimento com um balançar de
cabeça, andando lentamente para perto da cama, a vendo se
encolher enquanto abaixa seu rosto para suas mãos. — Sempre
fujona, pequena.
— Eu estou bem, apenas tive um mal-estar... — ela murmura,
esmagando seus dedos no lençol. — Minha pressão baixou e fiquei
tonta, foi isso.
— Na verdade, você desmaiou, Tina — Bella fala com a voz
calma, a olhando com carinho. — Ficou pálida e perdeu
completamente as forças. O médico disse que será melhor ela ficar
aqui, até ele ter o resultado dos seus exames prontos. Espero que
possa explicar isso para ela, senhor Sánchez.
Bella olha para mim em busca de ajuda para poder controlar
a pequena fujona, que está cabisbaixa. Balanço minha cabeça em
positivo para ela e me aproximo da maca. Bella se afasta, me
deixando ficar no seu lugar, e seguro o queixo de Tina, a fazendo
erguer seus olhos para mim, me deixando ver sua expressão
cansada, a qual nos últimos dias está ficando mais intensa.
— Pedí descansar, no?[51] — murmuro para ela e aliso seu
queixo, esmagando minha boca, odiando ver a forma como ela está
definhando, sendo corroída pela culpa que tomou conta do seu
coração.
— Estou bem, señor! — ela me responde baixinho. — Os
meninos precisam de mim...
— Eles estão bem, estão com tia Aurora. — Inalo o ar com
força e me aproximo dela, encostando minha testa na sua. — Mas
precisa se recuperar antes de voltar para casa...
— Já disse que estou bem...
— Não, Tina. Não está, pequena. — Afasto meu rosto do dela
e nego com a cabeça. — Sei que não anda se alimentando, fazendo
greve de fome.
— Damaris é uma fofoqueira. — Ela esmaga sua boca e vira
seu rosto para o lado, soltando um suspiro. — Não como porque
não consigo...
— Mas acho bom começar a se alimentar, ou teremos que
lhe manter aqui por um bom tempo, senhorita Zara. — Tanto eu
como ela nos viramos ao ouvir a voz risonha do médico. — Boa
noite, senhor Sánchez.
Me afasto apenas um pouco da maca, para esticar meu braço
e cumprimentar o médico, que segura uma prancheta em sua outra
mão.
— Boa noite, doutor. O que aconteceu? — Solto seus dedos
e retorno a segurar a mão dela, o vendo passar seus olhos de mim
para Tina, antes de abaixar sua cabeça para o prontuário.
— Bom, a princípio, quando ela chegou e me foi repassado
os acontecimentos, acreditei ser vinculado a um trauma emocional
muito forte por causa do luto. — Ele ergue a cabeça e dá a Tina um
sorriso brando. — Precisa se alimentar, senhorita Zara, as vitaminas
do seu corpo estão extremamente baixas, isso não é nenhum pouco
bom para o estado da senhorita.
— Eu tento comer, mas não consigo — ela fala baixo,
soltando o ar de forma cansada. — Nada para no meu estômago,
então prefiro ficar sem comer do que vomitar a manhã inteira...
— Está vomitando pela manhã? — balbucio, perdido, virando
meu rosto para ela assim que escuto suas palavras.
— Sim. — Sua cabeça balança em positivo e me olha triste.
— Não estou comendo porque estou fazendo greve de fome, é só
que tudo me embrulha o estômago, señor.
Respiro fundo enquanto a olho, vendo sua expressão
cansada. Eu tinha notado como ela perdeu peso e as olheiras
embaixo dos seus olhos. Passava as noites deitado ao seu lado,
olhando sua face abatida, pensando em como queria arrancar toda
a dor de dentro dela, que estava a deixando daquela forma. Mas
não era só isso, não era a tristeza que estava a deixando cansada.
— Dios... — murmuro, cabisbaixo, e olho em direção ao seu
ventre. Minha mente estava tão focada e sendo consumida por tudo
que aconteceu, que nem sequer tinha me lembrado das
consequências que viriam depois daquela noite da festa do
aniversário da minha tia. — Ela, ela está...
Me movo vagarosamente e me sento na cadeira ao seu lado,
erguendo meu rosto para o médico, que compreende a pergunta
inacabada que saiu pelos meus lábios.
— Sim. — A cabeça dele balança em positivo, olhando dela
para mim.
— É alguma virose, é isso? — Ela solta o ar pelos pulmões
enquanto esfrega seu rosto. — Mas estou bem agora, doutor. Se me
passar algum remédio para tirar os enjoos e cortar essa virose, eu
posso ir para casa...
— Senhorita Zara, não está com uma virose — ele a
responde calmo, a observando.
— Não? — Ela pisca, confusa, olhando dele para mim,
conforme sinto o ar entrar mais forte em meus pulmões enquanto
encaro seu ventre. — Mas os vômitos, o mal-estar, até o desmaio...
isso foi de estresse emocional, como achou...
— Oh, meu Deus! — Bella fala apressada, enquanto se vira e
olha para o meu primo. — Ralf, vamos esperar lá fora!
— Por quê?
A vejo o puxar pelo braço, o arrastando para fora do quarto,
enquanto Tina os olha confusa, se arrumando na maca enquanto se
senta.
— O que aconteceu com Bella? — Ela vira seu rosto para
mim e seu peito se move lento, respirando de mansinho. — Cristo,
estou tão cansada que não estou conseguindo entender nada...
— No seu estado é normal ficar um pouco mais cansada do
que de costume, Tina, assim como os enjoos e vômitos, como
descreveu. — O médico me olha, antes de retornar a olhar para ela,
dando um sorriso brando. — Está gravida, senhorita Zara.
Meus olhos se fecham e sinto como se meu coração parasse
de bater. Já havia passado por isso, pela notícia, pelo espanto na
face de horror, sendo seguido por gritos de raiva, os quais Sheila
sempre dava, enquanto tudo dentro de mim era apenas felicidade.
Não quero que Tina me odeie como Sheila me odiou, que me
condene por destruir sua vida, como Sheila fazia.
— Grávida? — Ouço o som da sua voz quase inaudível,
enquanto me mantenho petrificado na cadeira. — Está dizendo que
estou grávida, doutor?
— Sim, senhorita Zara. — Ele ri, dando a notícia para ela. —
Sua gravidez é recente, mas está sim, com um pequeno bebê
dentro de você.
Um grande silêncio se faz dentro do quarto, enquanto abro
meus olhos e fico sério, encarando o piso do quarto.
— Ainda lhe deixarei em observação essa noite, por causa da
sua pressão — ele fala sem graça, batendo o pé no chão. —
Amanhã cedo poderá ir para casa. Bom, deixe-me ir, que ainda
preciso ver outros pacientes.
Meus dedos esmagam minhas pernas e ouço os passos dele
caminhando lento, se afastando da maca. Eu não posso negar que
sinto meu coração se inflamar de tanta alegria ao saber que dentro
de Tina tem um filho nosso. A amei naquela noite com todo o amor
que sinto por ela, e disso resultou um filho. Mas o medo me pega
novamente, os velhos fantasmas do passado me aprisionam a eles.
Ela me odiará, se afastará e se fechará ainda mais, tendo que lidar
com a sua dor e com o fato de descobrir que uma vida cresce dentro
dela. E a resposta que tanto temo vem logo em seguida, quando
escuto o soluço de dor saindo dos seus lábios, seguido do seu
choro baixinho, me deixando saber qual será sua reação.
— Señorita... — falo baixo e viro o meu rosto para ela, me
levantando da cadeira e ficando de pé, ao lado da maca.
Sua cabeça está abaixada enquanto ela soluça, fungando
baixinho, com suas mãos em seu ventre.
— Tina, eu sei que não era...
— Fizemos um bebê. — Ouço sua voz baixinha falando entre
o choro. — Fizemos um bebê, señor.
Me agacho e fico da altura da maca, olhando para o ventre
dela, lhe imaginando ainda mais bela e linda na gestação. Sinto
vontade de lhe tocar, de acariciar seu rosto, sua barriga, mas fico
imóvel, contendo meus impulsos, não querendo que ela se retraia
ao sentir meu toque, como Sheila fazia.
— Sim, fizemos um bebê, señorita — respondo, perdido,
olhando seu ventre. — Eu sinto muito se isso lhe deixa triste, Tina...
— Triste? — Ela vira seu rosto para mim, me deixando ver as
lágrimas escorrerem por suas bochechas, me perguntando perdida.
— Não estou triste, acho que é a primeira vez depois de tudo que eu
perdi, nesses últimos dias, que finalmente consigo sentir alguma
coisa boa dentro do meu coração. — Sua face se abaixa e olha sua
barriga, dando um sorriso entre as lágrimas. — Eu tenho um bebê,
tenho um bebê crescendo dentro de mim. Não estou triste, estou
feliz, señor...
Meu braço se estica e não controlo mais a vontade de tocá-
la, segurando sua cabeça conforme afago seus cabelos, ouvindo
seu choro enquanto sorri e alisa seu ventre.
— Vamos ter um filho, Sebastian. Um filho...
— Sí, señorita, um hijo... — Me levanto e encosto minha testa
na sua, sentindo os braços de Tina circularem ao redor de mim,
enquanto me abraça mais apertado, como se pudesse fazer meu
coração voltar a bater novamente com a emoção que ela sente. —
Um filho meu e seu.
— Sim, um filho. — Ela ergue seu rosto para mim e funga,
dando um risinho. — Acho que agora não podemos mais adiar a
conversa com os meninos.
— Não, não podemos. — Seguro seu rosto e limpo suas
lágrimas, a olhando com carinho. — Ainda mais agora que teremos
mais um integrante...
— Ou uma integrante. — Ela sorri e abaixa seus olhos para
seu ventre. — Uma menina, pode ser uma menina...
— Uma hija? — balbucio, perdido, e dou um passo para trás,
sorrindo como um tolo, vislumbrando minha pequena bruja trazendo
ao mundo uma filha. — Dios, uma pequena señorita...
— Talvez... ou mais um señor para aumentar o legado dos
Sánchez — ela fala baixinho, soltando um suspiro. — Não importa,
independentemente do sexo, eu já amo esse bebê...
— Sim... — Minha voz é baixa e estico meu dedo ainda
incerto, aguardando sua permissão. — Eu posso?
Mantenho meus olhos em seu ventre, sentindo meu coração
bater disparado, enquanto tudo que desejo é tocar sua barriga. Olho
para seu pequeno rosto, que gira para mim, me olhando com
doçura. Tina segura meu pulso e o leva para perto da sua barriga
lentamente, espalmando minha mão em seu abdome. Respiro mais
forte, sentindo como se tocasse a coisa mais bela desse mundo.
— Pode tocar meu ventre quando quiser, não precisa pedir,
señor. — Olho para ela, que fala serena, me dando um sorriso belo.
— É o nosso bebê, o qual me trouxe alegria de volta, que me fez
sentir amor quando apenas tinha dor em meu coração.
Abaixo meus olhos e aliso sua barriga, sentindo tantas
emoções dentro de mim, vendo um filme se passar na minha
cabeça, desde o segundo que meus olhos se cruzaram com os dela,
sentada em minha cama, completamente descabelada e
preguiçosa, piscando sonolenta, enquanto eu ouvia os gritos de
Pamela, e a única coisa que vinha em minha mente era de onde
tinha saído aquela pequena criatura delicada. Ela virou minha vida
de ponta-cabeça, me trazendo sentimentos que julgava não existir
mais em meu coração, e agora carrega meu filho em seu ventre. Me
movo devagar e sento-me ao seu lado, a deixando se encostar em
meu peito e passando meu braço por seu ombro, ao mesmo tempo
que minha outra mão se mantém em seu ventre. Apoio meu queixo
no topo da sua cabeça e escuto a respiração dela enquanto meus
olhos se fecham, como se pudesse gravar em minha mente a
sensação de tocar o ventre que meu filho cresce.
— Nada mais importa, nada... — Tina me abraça mais forte e
esfrega seu nariz em meu peito, suspirando. — Sei que anda
escondendo algo de mim, que não está apenas ajudando nas
entregas de vinho, mas nada disso importa mais, Sebastian. Tudo
que importa é nosso futuro... Esqueça o passado, señor.
Meus olhos se abrem ao ouvir a voz dela sussurrando
enquanto me abraça. Afago com mais amor sua barriga, ficando em
silêncio, não a querendo deixar triste, não lhe dizendo que agora,
mais do que nunca, eu preciso me preocupar com o passado, para
garantir um futuro seguro para meus filhos e para ela. Bella tinha
posto um alvo, sem intenção, nas costas de Tina, no segundo que a
trouxe para o hospital e jogaram os dados dela no sistema. Se
Alonso ainda estiver a caçando, como eu sei que ele deve estar, não
demorará para ele a encontrar.
— Papai plantou um bebê dentro da sua barriga, igual como
tia Aurora contou que são feitos os bebês? — Miguel repuxa o nariz,
olhando espantado de mim para Tina, que está sentada ao meu
lado, do outro lado da mesa, segurando Roaquim no colo. — Cortou
a barriga da Tina, papai...
— Oh, não, meu amor, seu pai não me cortou — ela o
responde rápido, negando com a cabeça.
Os olhos de Tulho estão focados em mim, tendo sua
expressão séria, enquanto Martin ri, negando com a cabeça, dando
tapinhas na nuca de Miguel.
— Não seja bobo, Miguel.
— Não sou bobo, tia Aurora disse que os bebês são
plantados como semente — ele fala rápido, esfregando sua nuca. —
Mas como papai plantou ele aí dentro, sem precisar cortar a barriga
da Tina...
— Tecnicamente, não é uma plantação como a de uva,
Miguel. O homem e a mulher têm o sistema reprodutor, e a Tina, por
ser mulher, tem um chamado vagin...
— Acho que não precisamos explicar sobre o sistema
reprodutor para o Miguel agora, Martin. — Tina dá um sorriso
amarelo, olhando de mim para ele, fazendo um gesto de cabeça
para que eu tome à frente da conversa.
Eu inalo o ar com força e nego para Martin, para ele não
prosseguir com a explicação que sabemos que será detalhada.
Estico meu braço e passo os dedos pelas costas dela, apoiando
minha mão em seu ombro em seguida, enquanto olho para eles e
vejo suas faces curiosas.
— Tina e eu nos amamos, e isso acaba acontecendo entre as
pessoas que se amam e querem ficar juntas...
— Eca... Então quer dizer que Tulho também vai fazer um
bebê naquela menina estranha do laço feio? — Miguel arregala
seus olhos, virando o rosto para seu irmão mais velho.
— O QUÊ? — Tulho fica branco que nem um papel, negando
rapidamente com a cabeça, enquanto Martin ri da face confusa de
Miguel. — Claro que não, seu tolo!
— Oh, meu Deus! Damaris gosta de ir à missa e diz que é
porque fica junto do padre, ela e ele também vão fazer um bebê?
— Oh, não! — Tina fala apressada, negando com a cabeça e
esfregando seu rosto. — Cariño, ninguém vai fazer um bebê, ok?!
Esqueça Damaris com o padre, e muito menos seu irmão com a
Mel.
Ela tenta o acalmar, esfregando a cabeça dele, enquanto
Martin continua rindo.
— Tem certeza de que não quer que eu explique para ele? —
Martin pergunta para ela. — Tenho um livro que mostra a imagem
certinha dos órgãos.
— NÃO! — Tanto Tina como eu respondemos imediatamente,
negando com a cabeça, impedindo Martin de se levantar quando ele
faz menção de sair da cadeira.
— Depois seu pai explica isso certinho para Miguel. — Tina
solta um suspiro e encolhe seus ombros, olhando para eles um por
um. — O que eu quero que saibam é que não foi uma coisa que eu
e seu pai planejamos, mas que aconteceu, sentimentos são assim.
Não temos controle de quem vamos gostar ou amar...
A face dela vira para mim e me dá um sorriso pequeno
enquanto disfarça beijando a mãozinha de Roaquim, que esfrega na
bochecha dela.
— Mas eu acabei me apaixonando pelo pai de vocês, e não
quero que pensem que estou tentando tomar algum lugar na vida
dele, e nem que essa criança que vai vir irá mudar o amor que ele
sente por vocês...
— Vai ser a nossa mãe? — Dessa vez quem interrompe a
conversa é Martin, olhando atento para Tina.
— Bom, no meu coração eu os tenho como meus filhos. —
Ela dá um sorriso brando para ele e vira sua cabeça para Tulho, o
encarando. — Não quero que pense que vou tomar o lugar da mãe
de vocês, mas se me permitirem, desejo cuidar de vocês como se
fosse uma...
Ele sorri para ela e abaixa seu rosto, cruzando seus braços
debruçados sobre a mesa do café.
— Acho que já cuida, Tina — ele murmura para ela e ergue
sua cabeça, lhe dando um olhar carinhoso, a fazendo sorrir,
encostando sua cabeça em meu ombro. Sorrio para ele e balanço
minha cabeça em positivo, sentindo orgulho do pequeno homem
que nos observa. — E então, você e o papai vão oficializar isso, ou
pretendem deixar meu irmão nascer em pecado?
— Pecado? — Miguel arregala os olhos novamente, ficando
perdido na conversa. — Estamos falando de Damaris e do padre de
novo?
— Oh, meu Deus, Miguel! — Tina cai na risada junto com
Martin e Tulho, enquanto eles ouvem as reclamações de Miguel,
não entendendo porque estão rindo dele. — Esqueça Damaris e o
padre, e nunca fale isso para ela. — Tina ri, negando com a cabeça,
parando seu olhar em Tulho e suspirando baixinho. — Seu pai e
eu...
— Vamos nos casar — o respondo, tomando a frente da
conversa e alisando seu ombro, a olhando com carinho e vendo a
expressão surpresa dela.
— Sebastian...
— O que foi? — Sorrio e estico minha mão, alisando o queixo
de Roaquim e brincando com ele. — Por que acha que estamos
tendo essa conversa? Preciso pedir sua mão em casamento para
esses quatro homens que lhe cercam — falo sério, erguendo meus
olhos aos seus. Toco a ponta do seu nariz, antes de virar minha face
para os garotos.
— Vocês me dão a mão de Tina em casamento, meninos? —
Os olhos deles desviam dos meus, olhando para ela, antes de
olharem entre si.
— Acho que pode, não é, Miguel? — Martin fala, rindo, e
cutuca o ombro do seu irmão.
— Eu deixo — Miguel responde, sorrindo para mim e para
ela.
Meus olhos vão para Tulho, assim como os dos seus irmãos,
e o encaramos. Ele inala o ar com força e cruza seus braços, me
dando seu olhar sereno.
— Promete que vai cuidar dela? — ele me pergunta sério,
estreitando seu olhar enquanto ouço uma risada baixinha saindo da
boca dela.
— Prometo, mi hijo! — respondo solene, balançando minha
cabeça em positivo e não desviando meus olhos dos seus.
— Então eu também deixo.
— Bruuuu... — O balbucio alto de um motorzinho sendo
ligado, me faz rir, virando meu rosto para o carinha sentado no colo
dela, que me olha sério, como se estivesse esperando sua vez para
me dar sua resposta.
— E você, garotão, vai me dar sua bênção para casar com a
Tina? — brinco com ele, segurando seus dedinhos e os balançando
lentamente.
Roaquim me dá um riso, fazendo o som de um motor de
caminhãozinho novamente, encostando seu rosto no peito dela,
enquanto balbucia.
— Tenho certeza de que isso foi um sim. — Sorrio e ergo
meu olhar para ela, a vendo com seus olhos vermelhos me
encarando, enquanto se segura para não chorar.
Afasto meu braço do seu ombro e seguro seu rosto quando
viro na cadeira e fico de frente para ela, alisando suas bochechas.
— Agora que temos a bênção dos seus quatro cavalheiros,
señorita. — Inalo o ar com força, me perdendo em seu olhar lindo.
— Aceita se casar comigo, pequena bruja?
Tina sorri e abaixa seus olhos dos meus timidamente,
olhando os meninos e dando um sorriso de ladinho, fungando
baixinho.
— Sim, eu aceito! — ela me responde sorridente e ergue
seus olhos para mim. — Aceito me casar com você...
Meu rosto se move e o inclino para o seu, tocando meus
lábios nos dela e a beijando com tanto amor, desejando ver apenas
esse sorriso em seus lábios.
— Ecaaa, a gente vai ter que ver isso? — A voz de Martin sai
baixa, com ele murmurando.
— Papai está babando na boca da Tina que nem Roaquim
faz com os controles...
— Oh, são dois chatos! Isso é um beijo, não babar! — Separo
meus lábios de Tina e rio, encostando minha testa na sua, enquanto
Tulho resmunga com os irmãos.
— Já disse sim, não pode mais voltar atrás. — Sorrio e aliso
seu nariz com o meu, ouvindo a risada baixinha dela. — Está presa
aqui comigo e com eles para sempre.
— Acho que consigo sobreviver — ela responde, rindo, e me
aproximo para beijar sua boca novamente. Porém, a pequena
mãozinha que se ergue entre nós dois, tapando a boca de Tina, me
faz olhar para baixo.
Vejo o par de olhos pequenos me encarando, como se me
dissesse que já tinha dado beijos demais por hoje na garota dele.
— Bruuuu... — Tina tomba sua cabeça para trás e ri, o
abraçando enquanto eu o vejo se agarrando ao pescoço dela.
— Meu concorrente é ciumento. — Nego com a cabeça e o
vejo rir quando ela o adula, o enchendo de beijos na bochecha.
— Seu concorrente, na verdade, está com a fralda cheia —
ela responde, rindo, se levantando com ele agarrado a ela. —
Venha, garotão, vamos trocar essa fralda e ir lá na casa de Damaris
contar a novidade para ela...
— Eu vou junto — Martin fala rápido, se levantando junto com
Tulho.
— Eu também vou. — Miguel já se levanta e se encaminha,
seguindo Tina e os meninos.
— Podem ir, mas nada de falar do padre, ok?! — Tina ri e
passa seu braço pelos ombros de Miguel, caminhando com eles
enquanto riem.
Fico em silêncio, sentado na cadeira, observando os cinco se
afastando e sentindo como se tudo que eu tenho de valor em minha
vida estivesse bem aqui, na minha frente, e eu irei fazer de tudo
para os manter seguros. Retiro o celular do bolso e disco os
números na tela depois que desbloqueio, erguendo o celular para
minha orelha e aguardando a chamada ser atendida.
— Está tudo pronto para essa noite. — Ouço a voz de Pablo
do outro lado da linha, falando sério. — Posso fazer isso por você,
tem certeza de que deseja estar aqui?
— Sim — o respondo sério, mantendo meus olhos presos na
porta da cozinha. — Estarei aí, tenho um motivo ainda maior para
terminar de vez com isso!
CAPÍTULO 35
DOCE MORANGO

SEBASTIAN SÁNCHEZ

— Acabei de deixar o último monstrinho em sua cama. —


Inclino meu rosto para frente quando paro atrás de Tina, que está de
frente para a mesa. — Todos estão dormindo.
— Eles deviam estar muito cansados... — Ela tomba sua
cabeça para trás, se apoiando em meu peito. — Há dias que eles
não brincavam tanto.
Meu braço escorrega pela lateral do seu corpo e espalmo
minhas mãos em sua barriga, tentando me segurar ainda um pouco
mais nessa paz que me tomou ao decorrer do dia. O riso das
crianças, os meninos que se divertiam com Tina e comigo, em cada
segundo do dia deixei minha mente em branco, me prendendo
apenas ao momento, ao sorriso de Tulho, ao olhar curioso de
Martin, às artes de Miguel, aos balbucios de Roaquim e à imagem
dela feliz, com os olhos negros brilhantes. Tudo se resumindo a
eles, minha família. Inalo o perfume de morango que vem dela,
enquanto ouço seu riso baixinho conforme se esfrega lentamente
em mim, raspando seu traseiro na frente da minha calça.
— O que está fazendo? — Estico meu pescoço sobre seu
ombro e olho para a mesa, a vendo mexer os ingredientes, os
misturando com a mão enquanto esmaga a massa branca entre
seus dedos.
— Uma massa de pão doce, feita com iogurte — ela me
responde baixinho, mantendo os movimentos das suas mãos. —
Vou deixar descansando hoje, amanhã estará fofinho e pronto para
ir ao forno.
— Muy bien! — cochicho e brinco com ela, assoprando seus
cabelos que estão próximos à sua orelha.
— O segredo está nas mãos... — Ela ri e se encolhe, virando
a massa da bacia e a deixando sobre a mesa limpa, jogando trigo
lentamente por cima. — Era uma receita de mi madre, ela sempre
dizia que o segredo da massa do pão estava no trabalho braçal da
massa...
Tina solta um suspiro baixinho e rola a massa na palma da
mão, a esticando, para depois a trazer, enrolando novamente até
formar uma bolinha, a esmagando de volta.
— Ela amava cozinhar, e eu amava ficar na cozinha com ela,
aprendendo todas as suas receitas. — Ela encolhe seus ombros e
encosta sua cabeça em meu braço, enquanto a mantenho presa
pela cintura e colo meu tórax em suas costas, alisando seu ventre.
— Eu dizia a ela que um dia alimentaria as pessoas que eu amava
com as receitas que ela me ensinava, minha família.
Tina fecha seus olhos e fica paradinha, com a cabeça
abaixada, olhando a massa de pão, com seus dedos imóveis em
cima dela.
— Ela me ensinou muita coisa. — Ela solta um suspiro e
nega com a cabeça, dando um risinho baixinho. — E uma delas é
sempre fazer comida com amor, nada de tristeza... — Sua cabeça
se ergue para mim e me olha com ternura. — Ande, lave suas mãos
e as traga novamente aqui, pé-grande.
Ela se empina para trás e me empurra com sua bunda, para
que eu me afaste dela.
— Me escraviza dentro de minha própria casa, mujer! — Rio,
lhe provocando e me virando, indo para a pia lavar minhas mãos.
Assim que elas estão limpas e secas, retorno para perto dela,
ficando exatamente onde estava, atrás do seu corpo, passando
meus braços por baixo dos seus. — Deixe-me ajudar esses
bracinhos magrelos.
— Saiba que esses bracinhos magrelos são muito fortes. —
Tina ri e estapeia minha mão, apoiando sua cabeça em meu ombro.
— Tanto que eles viraram esse seu imenso corpo de pé-grande
quando lhe vi a primeira vez, deitado na cama, queimando de febre.
Tina segura meus dedos entre os seus, me fazendo lhe
ajudar a esmagar a massa, enquanto ri.
— Se aproveitou de mim, sabe-se lá o que fez do meu corpo.
— Mordo seu ombro, a fazendo rir novamente enquanto se
contorce. — Estava inconsciente, completamente abandonado em
suas mãos...
— Para seu governo, mesmo inconsciente e queimando de
febre, quem se aproveitou de mim foi você, pé-grande... Oh, merda,
Sebastian...
Ela ri e se encolhe ao receber a segunda mordida em seu
ombro, empinando sua bunda para trás. Continuo a esmagar a
massa junto com ela, ouvindo sua respiração ficar mais rápida. Meu
nariz se esfrega em sua nuca e a farejo, gostando de como ela se
encaixa em mim. Sua cabeça se ergue e ela me dá um olhar de
paixão, me deixando perdido em sua beleza e doçura, me dizendo
em seu olhar o que não sai por seus lábios. Se estica um pouco
mais para me entregar seus lábios, e inalo o ar com força, usando
de todo meu controle para não tomá-la como sinto vontade, como
meus instintos me obrigam, depositando apenas um beijo em sua
testa. Sou fraco diante dela, sei que se tocasse sua boca, não
conseguiria lhe deixar.
— E agora, o que fazemos com a massa? — Desvio minha
atenção da sua face depois que a beijo na testa, olhando para a
massa.
Posso sentir seu olhar confuso me observando, o suspiro
lento saindo da sua boca quando ela retorna sua cabeça para
frente, batendo a pontinha do seu pé impaciente no chão.
— Vou adicionar os morangos e deixar descansar de volta na
bacia — ela fala baixinho, encolhendo seus ombros.
Confirmo com um balançar de cabeça e me afasto dela,
virando de costas e indo para a pia lavar minhas mãos de novo. O
silêncio fica grande dentro da cozinha, o que me dá a impressão de
poder ouvir o coração dela batendo apressado. Outro suspiro sai da
sua boca em desânimo, com ela arrumando a massa na bacia,
cortando morangos em cubinhos em cima da massa. Seco minhas
mãos com o pano de prato e caminho para perto dela, ficando atrás
do seu corpo e encostando minha testa em seus cabelos.
— Eu não sou de porcelana, Sebastian... — ela diz baixinho,
negando com a cabeça. — Não vou me quebrar se me tocar.
— Eu sei. — Fecho meus olhos ao ouvir sua voz chateada.
— Não lhe toco porque penso assim...
— Não? — Ela abaixa sua cabeça e espalma sua mão na
mesa, respirando fundo. — Nunca mais me tocou depois daquele
dia no carro... Está agindo assim por causa das fraturas do meu
corpo? Não sou de vidro, señor...
— Tina... — Nego com a cabeça, falando seu nome e
segurando seus ombros, inalando seu cheiro com força. — Não, não
é por isso.
Lhe viro para mim e a faço ficar de frente, me deixando ver
sua face confusa, me olhando perdida. Quero lhe dizer que evito lhe
tocar porque meus demônios andam mais aflorados do que nunca,
porque lhe foderia com selvageria, ainda mais forte do que lhe tomei
dentro daquele carro, e que não desejo lhe tocar com brutalidade.
— Eu a desejo tocar mais que tudo, moranguinho. Apenas
me controlo para não descontar em ti os demônios que me
atormentam por dentro, pequena.
Fecho meus olhos quando sua mão se ergue e toca meu
rosto, suspirando baixinho, me fazendo ser escravo dos carinhos
dela. Seus pesinhos se alavancam e ela puxa minha nuca para
baixo, para minha cabeça ir de encontro à sua, colando seus lábios
nos meus, me beijando com doçura e mordiscando meu lábio
inferior enquanto ri baixinho.
— Irá me pegar em seus braços, pé-grande, e me levar para
o seu quarto, que será o nosso a partir dessa noite. — Seus lábios
se separam dos meus e ela abaixa seus pés, me dando um sorriso
arteiro. — Vai me foder naquela cama até minha mente explodir, e
dormiremos agarradinhos. E amanhã cedo contaremos para sua tia
que ela vai poder ajudar a planejar um casamento e um batizado,
ok?!
A vejo reprimir um riso e puxar o cestinho de morangos,
mordiscando um em seus lábios enquanto sorri para mim, esticando
seu braço e levando o morango para minha boca. O mordo e a olho
enquanto mastigo, tendo o sorriso de Tina ficando mais largo.
Balanço minha cabeça em positivo, rindo para ela e a erguendo em
meu colo, lhe pegando de surpresa. Seus braços enlaçam meu
pescoço e seguro sua cestinha de morangos, me beijando
novamente.
— Um escravo, serei escravizado por uma pequena mujer
teimosa. — Mordo seu ombro ao ouvir seu riso.
— Pode apostar que vai, pé-grande. Posso imaginar muitas
coisas para fazer com esse seu corpo...
— Tenho certeza que sim, assim como eu com esses
morangos! — A olho sério e estico meu braço para a mesa,
pegando a garrafa de iogurte. — Vamos descobrir o quanto
morango combina com iogurte.
Tina para de rir e abaixa seus olhos para a cesta de
morangos, mordendo o cantinho da boca ao ver a garrafa em minha
mão, que ergo e balanço para ela.
— Nem pensa nisso, Sebastian! — ela fala depressa,
tentando se mexer para que eu a solte.
— Não, quem deu a ordem foi você, señorita! Eu apenas
acrescentei alguns detalhes.
Rio da expressão dela, lhe silenciando com minha boca
quando seus lábios se abrem para reclamar, a fazendo soltar um
baixo suspiro. Caminho para fora da cozinha, com o pequeno corpo
arteiro de Tina em meu colo.
— Sebastian, me deixe ir ao chão! — ela murmura, rindo,
enquanto subo as escadas.
Ando sem pressa, negando com a cabeça e seguindo direto
para o meu quarto, trancando a porta atrás de nós quando eu entro.
Deixo a garrafa de iogurte sobre a mesinha, ao lado da cama.
— O que pretende fazer com isso, señor? Nem tenta chegar
com essas coisas perto do meu corpo, Sebastian — ela fala
ansiosa, negando com a cabeça.
— Sempre curiosa, meu doce moranguinho. — Ela não tem
oportunidade nem de fugir, quando deixo seu corpo sobre a cama.
Seus dedos, que se espalmam em meu peito, vão sendo
puxados para cima, perto do travesseiro, quando os seguro, rindo e
negando com a cabeça.
— Eu vou gostar tanto disso quanto você!
— Senhor... Senhor... — Ela entra em alerta quando meu
corpo se estica sobre o seu, pegando minha camisa solta na cama.
— Me pediu para lhe trazer para a cama! — digo, baixo,
dando voltas em seus pulsos com a camisa, a deixando presa na
cabeceira.
— Não que me amarrasse! — Sua voz, em um momento de
coragem, sai tão trêmula quanto ela. — Não foi isso que pedi, señor.
Deixo meus dedos deslizarem pelo vestido em seu corpo, até
chegar na barra e o erguer lentamente, a desnudando parte por
parte. Sua pele nua brilha, deixando meus demônios libertos com
minha pequena bruja. Ela torce seu corpo com raiva quando o
vestido para por cima do seu rosto, sendo presa por seus braços
erguidos na cabeceira da cama.
— Merda! — Sorrio ao som da sua voz brava, xingando com
ódio. Solto um pequeno tapa no bico do seu seio, que se empina
quando ela arqueia para cima. — Não, isso dói, eu estava
brincando... eu... — A corto, puxando sua perna e arrastando sua
calcinha para baixo, usando-a para conter seus tornozelos juntos.
— Nem começamos, moranguinho. — Levanto e fico sério,
olhando para a cama, a vendo tão perfeita deitada ali. Meus olhos
param na cesta de morangos tombada ao lado dela na cama e
estico meu braço, pegando a garrafa de iogurte e abrindo
lentamente. — Gosto dessa visão, poderia lhe ver assim toda a
noite.
— O quê? — Sua cabeça balança, virando na direção da
minha voz. — Como... Oh, meu Deus!
Ela estica seu corpo quando viro a jarra lentamente,
escorregando o líquido gelado por seu corpo, me deixando ver sua
pele se arrepiando. Vejo a cor rosada se misturar com sua pele
negra.
— Com toda certeza, essa visão será a minha preferida. —
Seguro a jarra, cessando o líquido de cair em sua pele.
Ela se engasga assim que aperto o bico do seu seio em
meus dedos, olhando a forma como ela arqueia mais seu peito para
mim, entre seu choro, me xingando baixinho.
— Não foi isso que pedi, Sebastian... — Meus dedos vão
para o outro seio, repetindo a mesma sequência, apertando com
mais pressão, ouvindo seus resmungos entre gemidos. Viro o
iogurte outra vez por seu bico sensível, com seu corpo tremendo
mais forte, esparramando-o pelo resto do corpo dela.
Ergo a garrafa outra vez e deixo minha boca cair, sugando
seu seio para dentro. Ela vibra com agonia quando raspo os dentes,
a torturando com mamadas fortes. Eu vou para o inferno, mas, por
Deus, serei a alma condenada mais feliz, por ter tanto prazer por
esse pequeno corpo de Tina.
— Senhor... Oh, meu Deus! — Solto seu seio e vou para o
outro, o mamando com tanto gosto quanto o primeiro. Meu rosto se
lambuza em sua pele cremosa e fresca.
Me afasto dela, ouvindo sua voz de choro, e olho para o lado
dela, esticando meu braço e pegando um morango da cesta.
— Morango se tornou minha frutinha preferida.
Ela vira sua cabeça coberta na direção da minha voz,
colando suas coxas uma à outra, voltando a puxar seus braços.
— Não ouse chegar perto de mim com esse morango,
Sebastian.
Levo o morango à sua barriga e o esfrego no iogurte que
escorre, o trazendo para minha boca. Ela para de se mover e
respira mais rápido.
— Você passou a fruta em mim? — Sua voz se engasga,
abafada, assim que sugo seu seio, provando o morango com iogurte
e ela em minha boca.
— Talvez. — Meus lábios sorriem e mastigo o morango,
pegando outro no cesto.
Me movo e fico entre suas pernas quando me ajoelho na
cama, as erguendo para cima, deixando-as descansar em meu
ombro.
— Eu... eu... — Deixo o morango tocar perto da sua boceta, o
lambuzando perto do iogurte que escorre.
— Tina com morangos e iogurte, a sobremesa perfeita! —
Esfrego mais entre sua boceta, o levando para dentro com meus
dedos.
— Deus... Eu vou para o inferno! — Ouço seu gemido se
misturar com seu prazer a cada leve movimento que faço com o
morango, esfregando e saindo por sua pele.
— Você, eu não sei, mas eu, com toda certeza, vou — rosno,
baixo, puxando seu corpo para mais perto do meu, com suas pernas
esticadas para cima.
Ela apenas balança sua cabeça em negativo, me fazendo
apertar minha mandíbula em tesão, e sinto meu pau latejar, pedindo
para sair. Esfrego o morango por seu clitóris, que está avermelhado,
sensível ainda, e o deixo vibrar com apenas a passada leve por
cima dele.
— Señorita... — rosno entre meus dentes e ergo minha outra
mão, introduzindo dois dedos dentro dela, a sentindo quente e
inchada, com suas paredes molhadas.
Ela arqueia mais seu peito e respira rápido. Entro e saio,
movendo meus dedos dentro de si, alisando com a outra mão o seu
clitóris com o morango. Ela solta um gemido baixo, me deixando ver
o iogurte escorrer mais por cima da sua boceta, se derramando na
beirada do lençol.
— Oh... — Minha boca desliza por sua perna, apoiada em
meu ombro, e vejo-a se arrepiando, gemendo baixo.
— Era isso que queria, señorita. — Mordo seu tornozelo e
enfio mais fundo meus dedos. — Meu toque em seu corpo...
— OHHH... — Ela se engasga, se contorcendo, voltando a
testar meus limites.
— Me responda, pequena. — Deixo meu rosto esfregar por
sua perna, inalando seu cheiro, que vai me devorando mais e mais.
Forço meus dedos a entrarem com mais pressão, sentindo
seu corpo se contrair, os puxando para fora, com suas paredes se
apertando mais forte.
— Sim. Oh, Deus, sim! — Sua voz trêmula sai entre um choro
baixo de prazer e dor.
Fecho meus olhos e aperto minha mandíbula, tentando puxar
algum amaldiçoado fio do meu autocontrole. Suas pernas quentes
estão ao lado do meu rosto, onde esfrego minha face, como um cão
sentindo o cheiro da sua cadela no cio, querendo montar nela, a
marcando por inteira. Retiro meus dedos e puxo o morango dela,
levando à minha boca e o mastigando lentamente, como se fosse
ela própria que estivesse se desfazendo em meus lábios. Meu corpo
se abaixa e uso minhas mãos para deixar suas pernas erguidas,
empurrando para perto dela, que fica completamente exposta para
mim. Ainda tenho o resto do morango na boca quando deslizo a
língua por sua boceta, escorregando entre a pele fina do seu cu. Ela
geme mais alto quando sugo o iogurte que escorre por lá, e volto
minha língua com pinceladas por cada canto. Preciso de apenas
alguns círculos em cima do clitóris pulsante, antes do próprio creme
dela se misturar à coalhada. Ela respira rápido, subindo como um
foguete, estourando sobre minha boca, e lambo cada canto dela,
dando uma mordida na sua coxa erguida.
Meu corpo se arruma e endireito minhas costas, soltando
meu pau e apertando-o entre meus dedos, o esfregando com força
e rapidez, da mesma forma que gostaria de estar fodendo seu
corpo. Meu rosto se ergue enquanto me perco, me masturbando,
olhando seu peito que sobe e desce acelerado, me deixando à beira
do precipício, apertando mais forte sua coxa em meus dedos,
trazendo suas pernas para meu peito outra vez. Sinto a corrente que
me corta, e minha cabeça vira. Cravo meus dentes em sua perna,
até sentir meus dentes se apertando à carne, rosnando junto com
minha porra que jorra do meu pau. Sinto meu peito bater acelerado,
sendo consumido pela minha doce Tina. E é entre o nirvana, que
me afasto dela e solto meu pau, olhando a porra escorrendo por sua
coxa. Meu corpo tomba sobre o seu quando abaixo suas pernas,
usando minha mão como apoio e espalmando na lateral do seu
corpo, para não lhe prensar com meu peso, beijando seu pescoço.
Raspo a ponta do meu nariz em sua pele e a farejo, depositando
beijos lentos, até ter minha face sobre sua barriga. A beijo com
brandura, ouvindo os suspiros baixos de Tina.
CAPÍTULO 36
AS ESCOLHAS

PAPI

Os dedos de Papi se prendem no copo de uísque, o


erguendo e o levando aos seus lábios, encarando o homem sentado
do outro lado da mesa. A velha cobra traiçoeira que é Pablo, sorri
para ele, observando-o calado.
— Onde está meu segurança? — Papi rosna baixo e inala o
ar com força, ainda não sabendo se pode confiar nesse velho
ardiloso que Assombroso é. — Paco me disse que me devolveria
ele, quero que o traga agora.
— Ele já chega, se acalme, jovem Profeta. — Pablo sorri e
acende um charuto, soltando a fumaça lentamente.
Papi grunhe e desvia seus olhos do velho, encarando o
restaurante vazio no meio da madrugada.
Seus homens estão dispostos, todos armados, em sentinela,
encostados ao fundo, do outro lado da parede, enquanto os homens
de Assombroso os encaram da outra ponta da grande sala. Maldita
hora que Paco foi atrás do motorista do carro, obrigando Papi a ter
que aceitar essa porcaria de reunião, para ter seu braço direito de
volta.
— Quando vim para a América, e acabei me envolvendo
nesse mundo ilegal, a primeira regra que aprendi foi que para
sobreviver, o homem tem que ter a cabeça limpa. — A voz de
Assombroso soa baixa, enquanto ele fuma seu charuto.
— Não vim aqui para uma aula de história, velhote! — Papi
retorna seu rosto para ele e fala com raiva, rangendo seus dentes.
— Quero que devolva meu braço direito, que me diga o que quer
para parar de ficar me fodendo, roubando minha carga! Afinal, foi
por isso que me chamou para essa reunião!
Assombroso não responde, apenas mantém sua postura
calma, fumando seu charuto, como se eles fossem apenas bons
amigos que se reuniram depois do trabalho para jogar conversa
fora, e não que está fodendo Papi, o deixando em maus lençóis com
os seus fornecedores, que estão se lixando para quem está
roubando a droga. Isso não importa para eles, e independentemente
do que acontece, sua mercadoria tem que ser paga. E se não tem
droga para vender para os viciados, Papi não pode pagar os
fornecedores de cocaína. Seu tempo está se esgotando.
— Quando vim morar aqui, dava para contar nos dedos quem
realmente valia a pena ou não. Existiam os Anjos, que eram uma
gangue antiga, que por muito tempo dominou esse bairro, roubando
dos trabalhadores e judiando de muita gente. Quando dei por mim,
eu estava com sangue em minhas mãos quando matei o líder dos
Anjos, e os Cachila começaram a cuidar do bairro.
— Eu sei, conheço essa história de cor e salteado — Papi
fala com desgosto, olhando o velho cretino. — Não tem um nesse
lugar que não sabe como Assombroso nasceu, ascendendo no
poder dos Cachila.
— Não, realmente não tem. — Assombroso ri e nega com a
cabeça. — Mas o que poucos, muitos poucos realmente sabem, é
como Pablo veio parar aqui.
— Poder... como todos que vêm para esse esgoto.
— Não, não pensava em poder. — Assombroso nega com a
cabeça e se encosta na cadeira, erguendo sua perna esquerda e
apoiando no joelho direito, enquanto balança seu pé. — Uma vida
melhor, foi isso que me fez vir para cá. Fui o filho mais velho de seis
irmãos. Meu pai morreu cedo, então tive que trabalhar para ajudar
minha família, não tive estudos nem chance de arrumar um trabalho
bom. Casei cedo, tive um filho e desejava uma vida melhor para ele,
assim como para a minha esposa, que eu amava.
Papi bufa, demonstrando desinteresse, não entendendo por
que esse velho cretino está o enrolando tanto.
— Mas eu era bom em uma coisa, em lutar... — Assombroso
ergue seu punho direito, fingindo estar golpeando o ar. — Chamei a
atenção de alguns figurões na Espanha, que gostaram de ver o
jovem magrelo lutando em um ringue clandestino.
Ele para de falar quando um homem grande se aproxima da
mesa, trazendo um prato de comida decorado, com um grande filé
assado e batatas.
— Ande, se alimente, não o chamei para vir até aqui para lhe
deixar com fome. — Assombroso mantém seu olhar em Papi,
falando sério e o encarando.
Os olhos de Papi desviam dos seus para o prato de comida,
vendo o grande filé de carne malpassada, sentindo um maldito
aroma bom vindo da comida.
— Eu não pensei duas vezes quando me convidaram para vir
para a América para lutar, imaginei que tinha finalmente encontrado
uma forma de dar uma vida melhor para minha esposa e meu filho.
— Ele pega seu copo de bebida e o toma lentamente, ficando com o
olhar perdido na direção dos seguranças. — Fiquei um ano aqui,
lutando, guardando cada centavo para poder buscar ela e meu
filho...
Papi imagina que a conversa fiada do velho ainda vai longe, e
acaba cedendo ao cheiro bom que vem do prato, pegando a faca e
o garfo e cortando um pedaço de carne, o levando à boca, olhando
o velho ardiloso.
— Então? — ele pergunta para Assombroso, estreitando seu
olhar enquanto mastiga a carne. — Trouxe eles?
— Não, não trouxe. Quando retornei para a Espanha,
descobri que ela tinha voltado para a casa dos pais algumas
semanas depois que eu parti, e se casou com seu antigo noivo,
levando meu filho embora com eles.
— A cadela te passou a perna. — Papi ri e corta outro
pedaço de carne, o mastigando e rindo da face de Assombroso,
enquanto ele lhe assiste comer o filé. — Enquanto se matava de
trabalhar, ela estava fodendo com outro e dando seu filho para ele
criar como dele. Que merda, velhote!
Assombroso traga seu charuto e mantém os olhos em Papi,
observando-o comer o filé, enquanto fica em silêncio, não o
respondendo.
— Foi atrás dela pelo menos? Lhe deu uma lição? — Papi
pergunta, rindo, segurando seu copo de bebida e o tomando.
— Não, não fui. Se ela achou que não merecia me esperar,
então não tinha motivos para ir atrás dela — ele responde baixo e
solta uma tragada do seu charuto. — Mas acompanhei meu filho de
longe, o assisti crescer distante, mas sempre estava por perto.
— Por quê? Por que não foi atrás da puta e a fez pagar? Por
que não trouxe seu filho para crescer ao lado do pai dele, o
verdadeiro? — Papi pergunta para ele, cortando outro pedaço de
carne e comendo.
— Escolhas, essa é a vida que levamos. Cachila, Profetas,
não importa de qual lado está, depois que se entra, não consegue
mais sair, e eu não tinha nada de bom para oferecer a ele —
Assombroso o responde, olhando a boca de Papi mastigando a
carne, como se fosse o melhor prato que ele já provou em sua vida.
— Escolhas são algo que nos perseguem, Alonso.
Independentemente se são boas ou ruins, sempre temos escolhas,
apenas precisamos saber que vamos ter que lidar com as
consequências.
Papi fisga o canto da boca, passando sua língua pelos dentes
e soltando os talheres em cima da mesa, olhando na direção dos
seus homens.
— O que quer para acabar com isso? — ele rosna, baixo,
querendo que o velho maldito pare de rodeios. — Sabe que se essa
luta continuar, vai começar a morrer gente do seu lado também...
Não vou medir as consequências, Assombroso.
— Sim, sei disso, e foi por isso que lhe chamei até aqui —
Assombroso fala sério e descruza suas pernas, gesticulando com a
mão na direção dos homens. — Porque ao invés de dar seguimento
a algo que vai acarretar em perdas tanto para o seu lado, como para
o meu, não resolvemos isso como antigamente, de líder para líder.
— Explique-se. — Papi o encara sem entender, não sabendo
ao certo o que o maldito velho quer.
— Nada demais. Uma luta, quem sabe... — Papi pisca e olha
incrédulo para o velho quando ele fala espontaneamente.
— Você quer lutar comigo? — Ele ri, debochado, enquanto
tomba sua face para o lado.
— Uma luta de líder contra líder, o líder que vencer fica com o
território do outro. — Assombroso dá de ombros, falando
despreocupado, olhando para os homens de Papi.
— Está sem remédio, velhote? — Papi ri e o encara,
enquanto tenta sacar qual é a jogada do velho falso. — Acha
mesmo que tem chance em uma luta contra mim?
— Líder contra líder. Pense bem, pode aceitar minha
proposta ou condenar seus homens à morte, para sofrerem as
consequências das suas escolhas.
Papi vira seu rosto para os Profetas, que estão atentos à
conversa agora, olhando dele para Assombroso.
— Digamos que eu aceite, o que vai acontecer com o
perdedor? Só para saber o que eu faço com você, quando a luta
acabar.
— O perdedor será queimado, porque a luta será até a morte
— Assombroso fala sério, olhando-o. — É pegar ou largar, jovem
Profeta, você decide.
Os olhos de Papi se abaixam e ele encara seu prato de
comida, rangendo seus dentes enquanto pensa nas palavras do
velho.
— Qual a pegadinha? Porque tem alguma coisa por trás
disso, velhote. Pode ter sido um bom lutador na sua juventude, mas
agora não passa do primeiro golpe. — Papi ergue sua cabeça para
ele, o encarando.
— Nenhuma, estou sendo claro. Líder contra líder. Nenhum
dos meus homens vai interferir, assim como nenhum dos seus, e o
que ficar de pé se torna chefe das duas gangues, as unificando.
Os olhos de Papi ficam sérios, presos em Assombroso,
realmente vendo que o velho está falando sério.
— Realmente vai querer lutar.
— Líder contra líder — Assombroso suspira e leva o charuto
à boca, o tragando.
— Tá, eu aceito, velho — Papi responde rápido, empurrando
a cadeira para trás e se levantando. — Me entregue Paco, e avise o
dia que quer morrer, vou esperar ansiosamente.
— Julgo que agora seria uma boa hora. — O velho o
surpreende ao falar rapidamente. — Não tenho nenhum
compromisso agora, vocês têm?
Ele gira seu rosto, perguntando para os homens que estão
espalhados pelo salão do restaurante, e tanto os Profetas quanto os
Cachila negam com a cabeça.
— Ótimo, perfeito, todos estão com a agenda livre. —
Assombroso retorna seu rosto para Papi e sorri de forma cínica para
ele. — Podemos lutar agora. Bom, a menos que esteja com medo e
precise se preparar para enfrentar o líder dos Cachila.
— Medo? — Papi rosna com raiva, olhando dele para seus
homens. — Acha mesmo que tenho medo de você, Assombroso?
Se realmente tivesse medo, pensa que teria invadido seu território e
queimado aquela vagabunda, depois de ter espancado cada parte
do corpo dela, a matando igual matei os filhos dela? Realmente está
esclerosado, velhote!
Papi rosna e esmaga seus dedos no encosto da cadeira,
inclinando seu corpo para frente.
— Traga Paco e vamos começar essa maldita luta!
— Mas ele já está aqui, jovem Profeta. — Assombroso o
encara e dá um sorriso, abaixando seus olhos lentamente para o
prato de comida que tinha servido a Papi.
Papi dá um passo para trás e cambaleia, enquanto encara o
prato de comida com o qual tinha se alimentado, o grande filé
malpassado, que o encheu de água na boca. Seu estômago se
retrai e ele olha com nojo para a comida, compreendendo o que o
velho maldito fez com Paco.
— Desgraçado filho da puta, eu vou matar você! — Ele joga a
cadeira para longe com raiva, a fazendo estourar no chão. — Quer
lutar, eu vou lutar, mas juro que vou fazer você sofrer, e muito, seu
maldito...
— Na verdade, em nenhum momento lhe disse que a luta
seria comigo, mas sim líder contra líder. — Assombroso se levanta e
lhe dá um sorriso cordial, arrumando seu terno. — Infelizmente, hoje
me pegou em um dia de preguiça, eu me dei umas curtas férias.
Ele sorri e ergue sua cabeça, olhando para trás de Papi e
esticando seu braço enquanto aponta para lá.
— Alonso, deixe lhe apresentar Fantasma, meu hijo. O líder
dos Cachila.
Papi pisca, confuso, não entendendo o que esse filho da puta
está dizendo, mas o som de passos pesados, caminhando atrás
dele, o faz se virar na mesma hora, encarando o canto escuro perto
do bar. O homem que sai das sombras caminha sem pressa, tendo
seus olhos presos em Papi. Ele para de andar quando está a três
passos de Papi, estufando seu peito para frente e respirando fundo
pelas narinas.
— QUE PORRA É ESSA, VELHOTE FILHO DA PUTA?! —
Papi vira seu rosto para Assombroso, o encarando com ódio. —
Mentiu para mim, seu puto...
— Não, na verdade, não menti, fui claro. Líder contra líder. —
Assombroso sorri e aponta para frente. — Se fosse você, protegeria
sua guarda.
— O que... — A face de Papi se vira no segundo que o cara
grande ergue seu punho, desferindo um murro direto em seu
maxilar, o quebrando, fazendo sangue e um dente voarem para fora
da sua boca, o derrubando no chão. — Ohh, merda...
Ele baba, com o sangue escorrendo junto com a saliva, e
segura sua boca, olhando atordoado para o cara. Seu corpo se
levanta rapidamente e vai contra ele, mas não chega nem a tocá-lo,
porque grita de dor ao receber um gancho de direita que estoura em
sua costela, o fazendo arfar, sentindo o ar se comprimindo em seus
pulmões. O segundo golpe é mais forte ainda, quebrando ossos das
costelas e o fazendo agonizar de dor, sentindo seus pulmões serem
perfurados. Papi cambaleia para trás e segura a lateral do seu
corpo, rangendo seus dentes. Sua mão se ergue e fecha seu punho,
tentando acertar o rosto dele.
— Ohhhh, porrraaa... — ele grita, uivando como um cão
sendo espancado ao ter seu braço estourado pelo golpe que
recebeu em seu ombro. O som dos ossos sendo quebrados se
mistura com sua dor, ficando ainda mais insuportável quando sua
mão é puxada para trás, detonando seu pulso.
A cabeçada que é desferida como uma marreta contra sua
face, faz sangue jorrar do seu nariz quebrado, como se fosse uma
torneira de água aberta.
— Filho da puta... — Papi grita e tapa seu nariz, tentando
estancar o sangue, tendo o outro braço pendurado, com seus ossos
quebrados e pulso torcido.
— Luta como homem, me bata da mesma forma que batia
nela! Da mesma forma covarde que espancava uma criança! — Ele
tomba seu rosto para o lado e encara Papi, o olhando com nojo. —
Anda, cabrón, me acerte como gostava de machucar ela!
— Do que... — Papi se cala e olha para ele, enquanto
cambaleia, sentindo seu corpo doendo. — Minha abelhinha... Está
com ela, não é?!
Ele olha em volta, tendo sua mente se focando nos homens
mortos, na droga sendo roubada, nessa reunião de merda, na morte
de Paco...
— Isso aqui tudo... — Ele ri e cospe sangue no chão, olhando
com ódio para o grande homem à sua frente. — Não é por causa de
uma velha inútil torrada dentro da casa dela... é por causa da minha
abelhinha...
O grito alto explode por sua boca, com seu corpo
fraquejando, não suportando o chute contra seu joelho, que o faz se
dobrar para frente. O segundo chute é mais forte, causando o
desligamento do nervo e o deixando largado no chão.
— Putoooo... — Papi grita, se torcendo no chão como um
verme, olhando para seus homens, buscando por ajuda. — MATEM
ESSE CRETINO, MATEM ESSE PUTO DE MERDA COM UM TIRO
NA CABEÇA! — ele grita enfurecido, enquanto se arrasta no chão e
usa seu cotovelo, indo para perto dos seus homens. — Está morto,
seu merda, estará morto quando eu acabar com você. Vou atrás
daquela vadia para foder com o cadáver dela depois que eu tiver a
matado, por ter preferido um puto de um Cachila a mim... — ele
rosna com mais raiva e senta no chão, se virando para o grande
homem. — Atirem nesse verme, agoraaaa!
O homem se mantém sério, parado no meio do salão, com
seus olhos presos aos seus, enquanto o encara, antes de erguer
sua cabeça e olhar para os homens. Papi se vira e olha por cima
dos ombros, não entendendo por que suas ordens não foram
obedecidas, por que ninguém atira nesse maldito.
— DEI A PORRA DE UMA ORDEM, SEUS MERDAS,
ATIREM! — ele grita com raiva.
Mas suas ordens não são obedecidas, os Profetas se
mantêm silenciosos, o encarando, não movendo um músculo que
seja para o defender.
— Não vai morrer agora, não vou lhe matar, não agora.
Vamos ter muito, muito tempo juntos, Alonso. — A face de Papi se
vira ao ouvir a voz baixa perto do seu rosto, tendo o grande homem
agachado a centímetros dele, o olhando como um fantasma de
olhos mortos. — Vou garantir que sinta o dobro de dor que impôs à
minha mujer!
A cabeça de Papi cai no chão em um baque seco. Quando
seu pé é agarrado, sendo puxado pelo tornozelo, o som dos seus
gritos se faz, com ele tentando se libertar, sendo arrastado para uma
porta nos fundos do restaurante.

PABLO CACHILA

Empurro a porta aos fundos do restaurante que leva para a


cozinha industrial, ouvindo os gritos de dor que vem lá de dentro. Ao
abri-la, vejo Papi caído no chão, de barriga para baixo, com seu
corpo nu e todos os dedos da mão decepados. Um olho, que tem
um corte nos cílios, já nem se abre, deixando apenas o outro meio
cerrado, olhando apavorado para mim. Ele tenta se arrastar no chão
pelos seus cotovelos, em sua própria poça de sangue. Olho suas
pernas machucadas e sei que devem estar quebradas, pela forma
torta que estão. Em suas costas traz um crucifixo gravado em sua
pele, desde a nuca até o começo da bunda, feito pela ponta de uma
lâmina afiada. Várias queimaduras, feitas com a ponta quente da
faca, estão espalhadas por seus braços e bochechas. Ergo meus
olhos e procuro por meu filho, e o encontro de costas, perto da pia,
afiando uma faca. Sebastian se vira com calma, parando seus olhos
em mim. Vejo sua face suja de sangue, assim como sua roupa.
— Acabou? — Ele se abaixa, me perguntando, e o vejo pegar
uma corda que está no chão.
— Sim, os Cachila comandam o bairro todo agora. —
Caminho lentamente e paro perto de Papi, olhando-o com atenção.
— Os que aceitar, poderão viver aqui; os que não, podem partir ou
ficar e morrer. Chega desses vermes vendendo drogas na porta de
escolas!
Vejo o sangue escorrer da sua boca enquanto ele chora de
dor, agonizando como o porco de merda que é. Passo por cima dele
e caminho para a mesa de inox, me sentando na banqueta que tem.
Puxo a garrafa de uísque que está em cima dela, a levando à boca
e tomando um grande gole. Acompanho com meu olhar Sebastian
amarrar uma das pernas de Papi. Ele segura a ponta da corda solta
e joga para o alto, fazendo-a passar por cima de uma viga de
madeira no teto. A corda cai e para perto dele, e meu filho vai
puxando a ponta, usando seus braços para manusear o corpo de
Papi, deixando-o de ponta-cabeça. Vejo as costas dele balançarem,
como se fosse um animal preso a um gancho no abate.
— Mais um pouco e ele não aguenta — falo, olhando Papi,
enquanto sorvo minha bebida.
O rosto de Sebastian traz uma escuridão demoníaca quando
ergue seus olhos para mim e me encara.
— Ele aguenta. — Sebastian amarra o outro tornozelo de
Papi depois que o deixa a uma boa altura do chão. — Não é,
Alonso? — Vejo o grande homem segurar o rosto de Papi e dar um
tapinha em sua cara. — Ele aguenta. Papi é forte. Com ele não
preciso me preocupar em ter que ficar me controlando, posso soltar
toda minha ira e meus demônios.
Eu abaixo a garrafa quando Sebastian o vira de frente para
mim. Os braços pendurados de Papi balançam, com o corpo dele de
ponta-cabeça. O peito dele tinha sido queimado, deixando seus
nervos e músculos na carne.
— Eu sempre tive medo, sabia, Alonso?! — Sebastian se
concentra e arruma a corda que sustenta o corpo de Papi,
garantindo que as pernas dele fiquem arreganhadas. — Sempre me
segurei para não deixar esses meus demônios soltos, me policiava
a cada passo que eu dava. Mas com você eu não preciso temer.
Posso ser o verdadeiro fantasma sanguinário. Porque você, Alonso,
você aguenta meus demônios!
Sebastian puxa o cutelo de cozinha de cima da mesa e
segura a boca de Papi, enquanto puxa a língua dele para fora e a
corta de uma única vez, jogando-a na direção do grande forno
aberto industrial.
— Eu acho que, no fundo, eu te odiava tanto, Assombroso,
porque conseguia enxergar minha verdadeira face — ele fala baixo
para mim, alongando seus braços, e coloca sua faca de volta em
cima da mesa. Ele estufa seu peito e respira calmamente, dando um
sorriso fraco. — E te odiava muito por isso, por ter me mostrado
quem eu era de verdade. Mas agora Alonso também vê o que meu
pai via, não é, Alonso? — A outra mão de Sebastian se estende e
segura Papi pelos cabelos, erguendo a cabeça dele o suficiente
para encarar o semblante cruel que está em sua face. — É, você vê.
Ele pega o cutelo novamente, o rodando devagar em sua
mão e soltando a cabeça de Papi, enquanto mantém seus olhos
presos na face machucada do cretino.
— Por que nunca me disse que foi ela que lhe deixou? —
Sua voz é fria entre o riso que escapa da sua boca, enquanto olha
para mim, balançando o cutelo.
— Quando lhe achei, ainda era pequeno. Muito antes de ir à
porta da sua escola, eu lhe vi com Juan Sánchez, vi como ele
cuidava de você. Eu já estava com a minha alma morta naquela
época, não tinha nada que pudesse lhe oferecer — respondo, baixo,
e levo a garrafa de bebida à boca. — Mas eu o amava, sempre lhe
amei, meu hijo. Talvez tenha sido por isso, que mesmo sabendo que
o certo era me afastar, ainda assim eu não o fiz.
— Por quê? Por que nunca disse uma única palavra, nunca
atravessou aquela maldita rua e conversou comigo?
— Por medo — falo, rindo, não escondendo dele a verdade.
— Por medo de não me querer, por isso me contentava apenas em
ir lá e ficar lhe olhando, admirando meu hijo, o qual eu sempre
soube que seria muito melhor do que eu um dia fui em minha vida.
— Acha que isso me faz melhor que você? — ele pergunta
sério, enfiando a faca contra o abdome de Papi, até ter a lâmina
toda enterrada dentro da barriga do verme.
O corpo balança descompassado quando Sebastian puxa a
faca para fora, arrancando pedaços de tripas junto com sangue.
— Não sou melhor do que você, Assombroso. — Sebastian
olha para Papi e balança a cabeça em negativo. — Meus demônios
são muito piores.
Ele retorna a faca para a barriga de Papi, abrindo seu
abdome como se fosse um pedaço de carne no açougue.
O corpo do homem se debate a cada segundo que a lâmina
vai retalhando sua carne, esguichando sangue a cada instante que
Sebastian solta sua força em cima do cutelo, dilacerando suas
entranhas, lavando a face de Sebastian de sangue, mas meu filho
não perde sua concentração nem por um segundo.
— Eu não sou melhor que você — ele fala sério e para seus
movimentos por um segundo, olhando para as vísceras que estão
aparecendo, ficando penduradas.
— Quinze anos atrás veio até mim pedir ajuda, porque queria
salvar seu pai de criação — falo sério e desvio meus olhos dele,
focando na garrafa. — Há quinze anos, partiu, quando viu que não
tinha mais controle, quando percebeu o que fez àquele homem
inocente. Quinze anos depois retornou à minha porta, não porque
queria voltar, não porque desejava essa vida, mas sim porque
queria proteger sua família, proteger a mulher que você ama.
Solto um suspiro lento, me lembrando dos olhos culpados
dele enquanto me encarava, me dizendo que partiria, que não iria
ter essa vida.
— Então, sim, tenho certeza de que é muito melhor do que
eu. Não por força, não por raiva, mas sim por saber o que é, por ter
medo de si mesmo, por se conhecer e saber do que é capaz de
fazer, e ao invés de abraçar de vez os demônios que nos cercam, os
controla. — Bato meus dedos na mesa e ergo meus olhos para ele.
— Você é muito melhor do que eu, Sebastian.
O vejo sério, me encarando, me fazendo lembrar daquele
jovem que ficava do outro lado da rua me olhando. Ele abaixa seu
rosto e balança sua cabeça em positivo, retornando sua atenção
para Papi. Sebastian puxa a faca com força de uma única vez, a
girando rápido e cortando a garganta de Papi, o deixando imóvel,
terminando o serviço.
— Acho bom ter aproveitado suas pequenas férias, porque
elas acabaram! — Rio ao ouvir sua voz falar sério, com ele dando
um passo para trás e soltando a faca sobre a mesa.
— Mas já? Nem tive tempo de ir à praia e ver as garotas de
biquínis...
— Pode ir brincar com seus netos, eles iriam gostar de
conhecer o avô. — Eu paro de falar quando sua voz sai baixa, com
ele se virando devagar e caminhando para a pia.
— Conhecer os meninos... Vai me deixar os conhecer?
— Penso que conhecê-los pessoalmente, é melhor do que
ficar os espiando de longe, dentro do seu carro. — A face dele se
vira para mim, me olhando por cima do ombro.
Rio e encolho meus ombros, sabendo que tinha sido pego.
Eu gostava de os ver, olhá-los de longe. Não desejava deixar
Sebastian bravo, por isso nunca tinha me aproximado dos garotos.
— É, tenho certeza de que será muito melhor. — Olho-o,
falando rápido. — Claro, se isso não for incômodo...
— Nada de Assombroso, nada de Cachila... — Ele respira
fundo e vira de frente para mim, apontando para o corpo do merda
pendurado. — Nada disso, meus hijos nunca conheceram isso. Mas
agora, se quiser se apresentar como Pablo a eles, será bem-vindo
em mi casa. — Ele olha perdido para a janela e solta uma lufada de
ar. — Pelo menos assim já vai se acostumando até seu outro neto
nascer.
— Outro? — Me levanto e olho confuso para ele, vendo sua
face se virar para mim. — Dios, outro hijo?
— Sim, ela está grávida — ele fala sério, encarando Papi.
— E segura, todos eles estão seguros agora — falo firme, o
olhando, esticando meu braço para o garoto. — Penso então que
isso é um adeus, Fantasma...
— Sim. — Ele balança sua cabeça em positivo, olhando para
minha mão. — Um adeus para o Fantasma, mas um recomeço para
Sebastian, e Pablo pode fazer parte dele, se ele quiser.
Sua mão se esmaga na minha e a aperta com força, tendo os
olhos dele presos aos meus. Sorrio e balanço a cabeça em positivo,
observando meu filho.
— Sim, um recomeço, Sebastian!
CAPÍTULO 37
UM RECOMEÇO

TINA ZARA

Já passa das 23h30 quando termino de dobrar as roupas que


tinha posto para lavar e fazer o ciclo completo antes da janta. Os
garotos já estão dormindo e a casa silenciosa, e Damaris tinha ido
para a casinha dela. Vaguei pela casa, procurando algo para ocupar
minha mente, já que o sono não vinha, e foi assim que acabei com
as roupas. Agora ajeito as peças no cesto de roupa limpa, para levar
amanhã cedo para os quartos. Apago a luz da lavanderia antes de
sair, caminhando lentamente pelo corredor, indo para a cozinha. A
menos que suje ela inteira, apenas para eu ter que limpar de volta,
não tem nada para eu fazer. Bato meus dedos ao lado do corpo,
andando sem rumo, apagando as luzes do cômodo, verificando pela
oitava vez só essa noite se as janelas estão trancadas, sentindo a
angústia ficar maior, não tendo nenhum sinal de Sebastian, com
meu coração esmagado dentro do meu peito. Tinha acordado no
domingo de manhã, com o lado dele vazio, tendo apenas uma
angústia me consumindo o dia inteiro, e tentei me obrigar a distrair a
minha cabeça, para não ficar enlouquecendo de preocupação.
Mordo minha boca e abafo um grito de dor quando entro na sala e
piso em um soldadinho de ferro de Martin, que está abandonado no
chão.
— Merda! — Me agacho e o cato, xingando baixinho.
Rio e nego com a cabeça, o deixando sobre a mesinha de
centro perto do sofá. Meus olhos param no controle remoto da TV, o
vendo todo babado.
— Babão! — Seguro o controle, sabendo exatamente quem o
deixou nesse estado. Uso a barra do vestido para o limpar, vendo
seus botões com marcas de mordidas. — Não posso piscar um
segundo com você, rosado.
Ergo minha cabeça quando o som da TV sendo ligada se faz,
ao acabar apertando o botão sem querer, enquanto limpava o
controle. Abaixo meu rosto quando levanto o controle para poder
encontrar o botão de desligar.
“As noites estão sendo sangrentas em Mabro, mais um corpo
foi encontrado largado dentro de um carro em chamas.”
Minha cabeça se ergue ao ouvir a voz da jornalista. Olho para
a televisão e leio a chamada embaixo da tela.
Guerra entre facções de tráfico se intensifica.
“Até agora não tiveram identificação do corpo, mas acredita-
se que seja retaliação da gangue rival.”
— Meu Deus!
Tapo minha boca, olhando a filmagem, vendo o carro
queimando na Rua dos Prazeres, tendo os emblemas das cruzes
pichados nos prédios, em cima das marcas dos Profetas. O controle
escapa da minha mão e rola para o chão enquanto me sento na
beirada do sofá, olhando o carro queimando. A tela se apaga,
ficando completamente escura, silenciando as palavras da jornalista.
Observo a imagem do homem de pé, parado ao meu lado, no
reflexo da televisão. Meu rosto vira para ele e o olho em choque,
vendo a verdade nos olhos dele, nem precisando lhe perguntar se
sabe o que está acontecendo em Mabro. Sei onde ele estava,
mesmo me negando a acreditar.
— Sebastian... — Levanto e sinto meu corpo trêmulo,
enquanto nego com a cabeça, não podendo acreditar que ele esteja
metido nisso. — Me diz que não estava lá...
Sua face se mantém séria e ele desvia seus olhos dos meus,
jogando o controle no sofá, antes de levar suas mãos ao bolso da
calça.
— Acabou, señorita. — Suas palavras são lentas enquanto
ele fala baixo, olhando para o meu ventre. — Acabou, não precisa
mais sentir medo.
Olho para a televisão e fico confusa, tentando compreender
suas palavras. O carro incendiado na Rua dos Prazeres com um
corpo...
— Oh, meu Deus... É Papi... — Aponto para a TV com uma
mão, usando a outra para tapar minha boca. — Papi está...
— Morto, Tina — ele me responde sério. Volto meus olhos
para os seus, olhando-o assustada. — Acabou, pequena.
Sebastian retira as mãos dos bolsos e dá um passo à frente,
mas nego com a cabeça quando ele tenta se aproximar, dando dois
para trás, o deixando afastado de mim.
— Se Papi está morto... — Tombo meu rosto para o lado,
olhando-o com dor. — Então quer dizer que o Fantasma voltou? Ele
voltou para os Cachila? É isso, Sebastian?
Fecho meus olhos e respiro rápido, esmagando meu peito e o
esfregando depressa.
— Não, Tina, ele também está morto. — Abro meus olhos ao
ouvir sua voz calma falando baixinho. — Fantasma nunca mais vai
voltar.
O vejo parado perto de mim, enquanto seus joelhos se
dobram lentos, encostando sua testa em meu ventre. Fico parada e
sinto sua respiração pesada sendo solta lentamente. Seus olhos se
erguem para mim, como se pedisse permissão para tocar o meu
ventre, e balanço minha cabeça lentamente, mordendo minha boca
e sentindo meus olhos marejados.
— Acabou, señorita! — É como se uma adaga fosse tirada do
meu coração, me fazendo conseguir senti-lo bater aliviado
novamente ao ouvir suas palavras.
Seus olhos se fecham e ele esfrega seu rosto em minha
barriga, alisando enquanto eu soluço baixinho, me apoiando em
seus ombros.
— Nunca mais precisará sentir medo, Tina. — Abaixo meu
rosto e encosto minha face no topo da sua cabeça, o abraçando,
sentindo as lágrimas escorrerem por minha face.
Como se aquela nuvem escura que sempre me percorreu,
me acompanhou por toda minha vida, estivesse partindo, finalmente
me deixando ver o sol.
— Acabou, acabou, moranguinho...
Seu rosto se ergue enquanto me olha, estou chorando à sua
frente. Ele se levanta, se transformando em um guardião protetor
que me abraça forte, me consolando do choro que me golpeia.
— Não precisa mais ter medo, señorita. — Sua voz sai baixo
e alisa meus cabelos, sem ter noção que eu não choro porque tenho
medo ou tristeza.
Pela primeira vez na minha vida, meu choro é de alívio, é de
amor, de esperança e, principalmente, de redenção. Mas não
consigo lhe dizer, as lágrimas vêm mais forte, como se um filme de
toda minha vida passasse em minha mente, como se Z estivesse
finalmente partindo e deixando Tina ter seu final feliz. E mesmo
assim, fraca, demonstrando minha fragilidade em minhas lágrimas,
ele não me afasta, Sebastian me acolhe em seus braços e caminha
para o quarto, soltando meu corpo apenas depois que me deposita
na cama. Tapo meu rosto para abafar meus soluços, tão dispersa
em minha dor, que nem senti seus dedos me despindo, ou quando
se livrou da sua própria roupa. Apenas me seguro em seus ombros,
o abraçando com força quando seu corpo se junta a mim na cama.
E morro a cada segundo que o par de olhos cor de avelã mais belos
que já me encarou, tão limpos e claros, parecem de um menino
perdido, se culpando pelas lágrimas que rolam por minha face, me
deixando esquecer todas as minhas dores e meus medos antigos,
no beijo calmo que ele me dá.
O suor está transpirando por minha pele, colando meu cabelo
e bagunçando minha face. Meu coração e minha respiração estão
completamente acelerados, apressados, como se estivesse parada
diante de um penhasco, pronta para cair no abismo que me chama
tão carinhosamente com seus olhos acastanhados. Sebastian se
move em um ataque seguro, parando seu corpo sobre o meu,
deixando seu rosto próximo à minha face. Seus olhos me fitam
diretamente, com seus cabelos negros revoltos por meus dedos,
que os desalinham, tão perfeitos na mais controversa beleza brutal.
Um anjo ou demônio? Eu não sei, mas estou completamente
rendida a ele. Meu corpo implora para ser amado por ele, exige por
seu toque, anseia por tê-lo dentro de mim, me tomando até não
restar mais nenhuma dor em minha alma. E como um anjo
benevolente, que lê os pedidos mais secretos da minha alma, eu
não preciso esperar por muito tempo.
Sua mão para na lateral da minha face e flexiona seu tórax
nu para cima, impulsionando seu quadril para frente. Sinto seu pau
entrar dentro de mim sem pressa, me torturando a cada centímetro
que sou preenchida. Meus olhos vão em busca dos seus e seguro
seu rosto, precisando olhar para ele. Sebastian vira sua face e beija
minha mão, antes de cravar os dentes na pele, se enterrando por
inteiro dentro de mim, quando seus olhos se abrem e ficam
cruzados com os meus. Avisto a luz da luxúria que queima tão
fortemente dentro dele, e sei que é a mesma que incendia dentro de
mim, que nos liberta de nosso passado, nos deixando finalmente
livres para recomeçar, recomeçar juntos.
— Acabou, amor. — Sua voz sai rouca, com seu peito se
estufando a cada ar que ele suga para seus pulmões.
Sebastian move seu quadril e retira seu pau de dentro de
mim, voltando a me foder lento e profundo. Gemo com prazer e
aperto minha mão em seu braço, afastando minhas pernas na
cama, para que eu possa o ter mais colado a mim.
— Quero isso de você, seus sons, seu sabor, seu prazer,
arrepios, tremores, me deixando ver sua face tão expressiva quando
se entrega para mim... Nunca mais sentirá medo, ou ficará sozinha
ou triste, pequena bruja.
Seu corpo repete os movimentos, me fazendo cair entre o
prazer de estar sendo tomada por ele, e a depravação do meu ser,
que precisa de mais.
— Eu te amo, señor, te amo. — Seguro seu rosto em minhas
mãos, falando para ele.
Seu corpo vai se abaixando e cola seu peitoral em meus
seios, os comprimindo. Sinto o gosto dos seus lábios me drogando,
não tendo nada mais real do que esse segundo em seus braços.
Sua língua, que invade minha boca, traz mais desejo ao meu corpo
com seus beijos quentes, acelerando o ritmo do seu quadril, me
fodendo com mais propriedade. Meus gemidos se silenciam entre
nossos beijos, e minhas mãos rodeiam suas costas, me colando
mais a ele e o abraçando com força. Seus lábios se separam dos
meus e descem para meu pescoço, mordiscando e beijando com
paixão. Sebastian ergue seu tórax, e seu corpo se afunda com
pressão dentro de mim. Minhas unhas cravam em sua pele e seus
olhos se mantêm presos aos meus. Suas estocadas aumentam, me
esticando, fodendo muito além do que apenas minha boceta, mas
sim a minha mente.
Sinto meu corpo sendo consumido por uma corrente elétrica
que vai se expandindo cada vez mais, e enlaço minhas pernas em
sua cintura, colando minhas coxas na lateral do seu corpo com uma
das suas mãos. Sebastian me prende por baixo de minha cintura e
faz meu corpo ficar mais cativo ainda a ele. Meu guardião devasso
acelera as investidas, soltando toda sua energia em cada
penetração, e minha cabeça explode quando o orgasmo me pega,
me jogando para o abismo. Meus músculos se apertam mais em
torno do seu pau, fazendo meu corpo entrar em erupção com o
orgasmo que me rasga. Minhas mãos se prendem em seu rosto e
trago-o para mim, o beijando com abandono, o levando para a
queda junto comigo. Sebastian me fode com mais força, se
enterrando uma última vez, antes de se afundar de vez, e sinto seu
corpo trêmulo enquanto seu pau jorra sua porra dentro de mim a
cada pulsar do seu corpo. Meus olhos se fecham, com seus braços
me prendendo a ele, e toda falta de sono por medo que tive nos
últimos dias, desaparece, quando me sinto protegida em seus
braços.
Finalmente, Tina tinha conseguido seu recomeço, seu lar, um
amor e sua família.
— Eu te amo. — Sorrio e o abraço mais forte, sentindo sua
respiração em meus cabelos, sentindo meu coração disparado. —
Te amo, minha pequena Tina, minha señorita!
EPÍLOGO

TINA ZARA

— Eu tenho mesmo que usar um vestido, madre? — Olho


Dolores, que sorri para mim e alisa minha roupa.
Será o casamento de uma conhecida dela, o qual ela irá, e
meu pai não quis ir junto, então ficará em casa cuidando das
crianças. Dolores decidiu me levar como sua acompanhante.
— Tem sim. E pode parar de choradeira, cariño, você está
linda nele. — Ela termina de me arrumar, usando um laço para
prender meus cabelos.
— Não estou, não! E eu nem conheço a noiva, madre. Por
que eu tenho que ir também?
Ela me vira para ela com uma expressão brava e logo solta
um grande suspiro. Suas mãos se erguem e alisa minha face com
carinho.
— Você está linda nele, não precisa se preocupar. E, outra:
eu conheço a noiva, por isso você vai comigo.
Abaixo minha cabeça e olho para o vestido cor-de-rosa que
ela me fez vestir. Me sinto estranha e feliz na peça que parece de
uma princesa, com suas pequenas camadas e alcinhas bufantes
nos meus braços.
— Parece o vestido do livro de histórias encantadas, quando
as princesas finalmente encontram seu final feliz com seus
príncipes. — Mi madre leva sua mão ao meu rosto e levanta meu
queixo com as pontas dos dedos, olhando profundamente em meus
olhos, sorrindo para mim com carinho.
— Um dia você também encontrará um lindo príncipe, e terá
sua própria família. E eu sentirei muito orgulho de você, onde eu
estiver.
— Príncipes encantados não existem, madre. Principalmente
aqui nesse bairro, onde todos mais parecem trolls e ogros feios.
— Pois saiba que quando chegar a sua hora, você vai sim
encontrar um lindo príncipe. — Ela sorri e tomba seu rosto para o
lado, sorrindo para mim. — Um príncipe que irá lhe amar, e muito,
pequena princesa Tina.
Sorrio para ela com amor e viro, ficando de frente para o
espelho e me vendo no vestido bonito, me sentindo uma verdadeira
princesa, e mi madre como minha fada madrinha.
— Cristo, está uma princesa, Tina! — O som da voz baixa e
alegre me faz sair das minhas lembranças. Limpo meu rosto e viro
em sua direção, olhando a bela mulher parada na entrada do quarto.
Bella o atravessa e vem para mim, me puxando para ela em
um forte abraço, enquanto sorri e solta um suspiro.
— Perfeita, Tina, está a noiva mais bonita que eu já vi!
— Você que está linda, uma linda madrinha. — Deixo meus
dedos se apertarem mais a ela, que me prende em seu abraço
carinhoso.
Fiquei tão feliz quando Bella aceitou ser minha madrinha de
casamento. Eu não conhecia ninguém e nem tinha amigas, ela era a
única pessoa que eu gostaria que fosse minha madrinha de
casamento. Fiquei com medo dela não aceitar. E fiquei chocada,
não acreditando, ao ver que todos os preparativos foram feitos tão
rápido. Tia Aurora praticamente soltou fogos de artifícios quando
contamos a ela que Sebastian e eu nos casaríamos. Logo ela se
prontificou, dizendo que cuidaria de tudo, que apenas precisava
saber qual seria o dia do casamento. Eu quase tive um ataque do
coração quando Sebastian disse a ela que teria quinze dias para
preparar tudo, pois ele queria oficializar nossa união o quanto antes.
— Fiquei tão emocionada quando me convidou para ser sua
madrinha de casamento. — Ela afasta seu corpo de mim e sorri,
alisando meu vestido. — Muito emocionada mesmo. — Sorrio com
sua forma enérgica, falando contente para mim. — Está certo que o
padrinho de casamento poderia ter sido uma escolha melhor...
— Pode não parecer, mas garanto que Ralf é um bom
homem, bem lá no fundo... — Eu rio com ela, defendendo o primo
de Sebastian, a vendo fechar seus olhos, como se discordasse de
mim.
— Bem lá no fundo, muito no fundo — ela fala e ri, negando
com a cabeça.
— Sabe me dizer onde estão as crianças? — Olho para trás
dela, na direção da porta do quarto.
— Miguel, Martin e Tulho estão com Ralf, e Roaquim está
com o senhor Sebastian, eles foram receber um convidado que
tinha chegado. — Ela passa por mim, soltando a cauda do vestido.
— Pensa em um homem charmoso. Cristo, cabelos negros meio
platinados, com uma barba sexy...
— Deve ser o senhor Pablo, o pai de Sebastian — digo,
baixo, vendo Bella me observar pelo reflexo do espelho.
— Oh, céus, bem que reparei que eles têm muita
semelhança! Agora entendo por que ouvi uma vez, o pessoal
fofocando sobre o senhor Sebastian não ser filho do senhor Juan.
Jurava que eram apenas boatos. — Balanço minha cabeça em
positivo para ela, lhe confirmando a história. — Com todo respeito, o
velho é muito sexy.
— Que Sebastian nunca me ouça... — Tapo minha boca,
rindo, balançando minha cabeça em positivo. — Mas sim, o pai dele
é muito bonito. — Nós duas ficamos em silêncio, olhando para o
nosso reflexo no espelho enquanto rimos.
Solto um suspiro e observo o vestido, sentindo meu coração
começar a bater mais forte do que já está, ainda não acreditando
que realmente isso vai acontecer.
— Não acha muito exagero? — Encolho meus braços, vendo
o grande vestido, o mais lindo que já tinha visto na minha vida. É
quase como um insulto alguém como eu estar usando algo tão lindo.
Tia Aurora me deixou de queixo caído quando me levou até a casa
dela, para me mostrar o grandioso vestido dividido em três caixas
que ela tinha comprado para mim, para me dar de presente.
— Não. Está perfeita, Tina, a noiva mais linda de todas.
Caminho devagar até a janela do quarto e observo o lado de
fora todo decorado, tão bonito. Aperto meus dedos na lateral do
vestido e inalo o ar com força.
— Está na hora, Tina. Seu noivo lhe espera. — Me viro,
olhando Bella, sorrindo para ela e balançando minha cabeça em
positivo.
— Sim, ele me espera. — Me movo decidida, andando rumo
à porta do quarto, sendo seguida por ela.
Caminho pelo corredor e sigo em direção às escadas, com os
olhos de Damaris sendo os primeiros a me verem depois que saio
do quarto junto com Bella.
— Dios, você está linda, Tina! — Ela ergue seus braços,
vindo ao meu encontro e me abraçando apertado.
Retribuo seu abraço com carinho. Damaris dá um passo para
trás e segura meus ombros, abrindo um sorriso para mim. Vejo uma
lágrima escorrer por seus olhos, com ela fungando baixinho.
— Tu madre, com toda certeza, estaria muito orgulhosa de
você. — Ela se afasta, limpando os olhos. — Não posso ver um
casamento que já choro, coração de manteiga!
— Obrigada, Damaris. — Puxo a mulher para outro abraço,
sorrindo para ela. Ela se afasta e arruma a cauda do meu vestido,
alisando-o com as mãos.
— Pronta para encarar a fera? — ela pergunta. — Porque
tem um cabrón muito ansioso te esperando lá fora.
— Sim, estou pronta.
Damaris sorri, antes de sair na frente, para avisar que a noiva
se aproxima, enquanto Bella me ajuda, me levando para a porta da
frente, me conduzindo pela varanda, para ir na direção do jardim.
Quando me viro para onde a cerimônia será realizada, fico
completamente sem fôlego. Tudo está lindo, tão cheio de flores e
luzes. Bella continua me conduzindo, até me aproximar do centro
que me levará até o altar.
— Eu não posso te acompanhar mais daqui, Tina.
Viro, querendo prender seus dedos junto aos meus, olhando-
a com agonia. Eu não conheço essas pessoas que estão sentadas
nas cadeiras. Se pensei que tia Aurora tinha convidado muita gente
para o aniversário dela, no meu casamento tenho a impressão de
que ela convidou a cidade inteira.
— Espere apenas um segundo, sim? — Ela sorri e sai
caminhando para longe depois de dar um leve tapinha em minha
mão.
Vejo todos os rostos se virando para mim. E de repente sinto
uma pedra enorme no meu estômago. Mas não tenho muito tempo
de sentir o frio na barriga, não quando entre tantos rostos, três, três
faces se destacam, caminhando em minha direção. São pequenos
homenzinhos em seus trajes de gala, com gravatinhas borboletas,
sorrindo para mim de orelha a orelha.
— Nos daria essa honra, Tina? — Tulho para a minha frente,
me olhando com carinho e esticando o braço para mim, me fazendo
olhar para ele.
Seu sorriso aumenta enquanto vira seu rosto para os
convidados sentados e, em seguida, se volta para mim.
— Avisamos que seríamos os homens a te levar até o altar —
Martin sussurra, pegando meu outro braço.
Rio e ergo meus olhos aos seus quando ele se vira, me
dando uma piscada.
— Afinal, fomos nós que demos sua mão em casamento para
ele. — Miguel estica seu pescoço e me olha, falando de forma séria,
ficando ao lado de Martin.
— Obrigada, meus cavalheiros. — Sorrio para os dois antes
de me virar para Tulho, o olhando com carinho. — Muito obrigada,
senhor Tulho.
— Obrigado por ficar com a gente, por ter mantido sua
palavra. — Tulho pisca, desviando seus olhos dos meus, tentando
esconder seus olhos marejados. — Você não quebrou sua
promessa.
— E nunca vou quebrar ela, mi hijo. — Ele move sua cabeça
e me olha quando falo sorrindo para ele.
Inclino meu rosto e beijo sua bochecha, vendo os olhos
castanhos, os quais foram os primeiros que avistei quando cheguei
nessa casa, me fazendo recordar do menino acanhado e
desconfiado que me olhava, incerto se poderia confiar em me deixar
entrar ou não.
— Obrigada, Tulho. Obrigada por ter acreditado em mim,
pequeno. — Lhe dou outro beijo, o vendo sorrir, não tendo nem um
traço mais daquele jovem desconfiado que tinha aqui quando
cheguei, apenas um lindo rapaz com um coração generoso, que eu
amo como se fosse realmente meu filho.
Sorrio para ele e sinto o leve toque que Martin dá em minhas
mãos, batendo com as suas. Minhas mãos estão tremendo,
apertando o buquê, tendo meus dois braços escoltados pelos meus
pequenos seguranças. Os tremores dos meus dedos só não ficam
atrás das minhas pernas molengas, que parecem prestes a se
dissolverem a qualquer momento com a ajuda do meu coração, que
quase sai do peito, de tanto que bate depressa.
— Eu acho que nunca vi tantas pessoas... — Olho todas elas,
que sorriem para mim.
Encontro meu pequeno Babão rosado nos braços de Aurora,
com a face rechonchuda dele me olhando enquanto chupa seus
dedinhos. Mas, ao olhar para o fim do trajeto até o centro do altar,
tudo para, absolutamente tudo congela. Seus olhos me chamam,
sua força vira a minha, e minhas pernas e mãos trêmulas voltam ao
normal. E como em um passe de mágica, tudo se reestabelece. Meu
recomeço está ali, diante de mim. Sebastian está parado, me
aguardando em um lindo terno preto, me esperando, como o sonho
real de toda adolescente, meu príncipe encantado. Sinto meu
coração bater mais depressa, tão rápido que parece que vai sair
pela boca. Seu olhar, preso aos meus olhos, brilha, e um pequeno
sorriso se espalha em sua face. E é quase injusto vê-lo tão perfeito
ali, meu pé-grande. Imenso e encantador.
Me perco diante do homem que mudou por completo minha
vida e que me puxa para ele cada vez mais, como a força de um
buraco negro, que suga tudo à sua volta. E eu? Eu simplesmente
vou, me perdendo pelo caminho, mesmo sabendo que meu coração
grita em esperança e amor. Minhas pernas seguem seu rumo
sozinhas, sem meu comando. Seus olhos não me abandonam em
nenhum momento. E tudo o que passamos até esse momento vem
à minha mente, como um filme.
Ao fim do trajeto em que Miguel, Martin e Tulho tinham me
acompanhado, recebo um beijo de cada um na testa, em sinal de
respeito, antes deles saírem. A mão grande que segura meus
dedos, os erguem firmes, com os olhos dele presos aos meus, me
olhando com tanto amor.
— Estava esperando por mim, pé-grande? — murmuro,
olhando com amor e brincando com ele.
— Cada segundo da minha vida, señorita! — Ele ergue meus
dedos e deposita um beijo em minha mão, me dando um olhar
intenso.
E mais uma vez me perco em sua forma tão calma e serena,
na qual ele consegue me deixar presa a ele.
Sebastian Sánchez

— Mais um pouco e teremos que por um babador na señora,


ou uma fralda geriátrica no seu pai — Ralf fala sério, bufando ao
meu lado, perto da janela da cozinha, enquanto nós dois encaramos
Pablo distribuindo charme e sorrisos cretinos para Tina e Bella do
lado de fora, no pátio.
Ergo a garrafa de cerveja à boca, a tomando em um grande
gole e arqueando minha sobrancelha, estudando o velho safado.
— Pelo visto, não é só a secretária que está babando nele,
tia Aurora também está gostando do que vê. — Abaixo a garrafa dos
meus lábios e vejo tia Aurora se aproximando deles, finalmente
tirando a concentração do meu pai de cima de Tina e o fazendo se
atentar a ela.
— O quê? — Ralf estica seu pescoço e olha o sorriso de tia
Aurora, com a face dela ficando vermelha quando Pablo cochicha
algo em seu ouvido. — Velha safada!
Ele nega com a cabeça e solta um suspiro enquanto ri. Meus
olhos ficam presos não em meu pai flertando com minha tia, mas
sim na imagem da mulher vestida de noiva, balançando Roaquim
em seus braços, enquanto ele ri para ela. A vejo caminhar com ele,
olhando para os convidados e seguindo para a pista de dança, onde
Miguel, Tulho e Martin estão brincando, tendo Tina se juntando a
eles. Não existe mais perigo, nem medo ou fantasmas do passado,
apenas a visão de um recomeço para mim e minha família.
— E aí, o que aconteceu com o garoto? — Viro meu rosto por
cima do ombro, olhando Ralf. — O irmão dela?
— Assombroso vai ficar de olho nele, achou melhor o manter
por perto. Pelo menos assim, o faz andar na linha e não tem perigo
de vir atrás dela, como ele viria, se eu não tivesse o pegado. Irá
sofrer muito na mão do velho, que o fará pagar por todos os seus
pecados.
Ralf balança a cabeça em positivo. Quando Pablo me disse o
que pretendia fazer com David, sabia que para Tina seria o melhor.
O garoto continuará por perto, sem se meter em encrenca, mas
longe dela. Contei a ela que ele estava sob a proteção dos Cachila,
que continuaria vivendo em Mabro, mas que trabalharia no
restaurante de Assombroso, em troca do perdão dele, por ter se
metido com os Profetas. Apenas não contei que Assombroso iria
fazer o moleque sofrer como um cão sarnento. Não tinha mais
drogas nas ruas, nem ameaças aos moradores ou brigas de
gangues, nem as garotas da Rua dos Prazeres tinham um cafetão
rosnando no pescoço delas. Tina disse que ficava em paz por saber
que seu irmão não se meteria mais em encrenca, mas que preferia
manter distância. Ela estava feliz, não tendo mais tristeza em seu
olhar.
A partir do mês que vem, Tina voltará a estudar, para finalizar
seus estudos no supletivo para adultos. Eu lhe disse que não
precisa se preocupar, pois lhe ajudarei com as crianças, assim como
cuidarei deles depois, para ela fazer uma faculdade e se formar no
que ela deseja.
— E então, o que queria conversar? — Deixo a garrafa de
cerveja vazia em cima da pia, me virando para Ralf. — Espero que
não seja outro caso de apagão, que não se lembra de ter levado
alguma mulher para a cama.
— Engraçadinho! — Ele pigarreia e rosna baixo, desviando
seus olhos dos meus. — Não disse que não me lembrava, apenas
falei que não tinha certeza. Mas não foi sobre isso que te chamei
aqui...
— Diga. Espero que seja importante, para ter valido a pena
ter me tirado de perto da minha esposa, porque eu estava prestes a
tirá-la para dançar.
— Ângelo Rafim! — Ralf fala seriamente o nome que para
mim é desconhecido.
— E ele seria? — Arqueio minha sobrancelha, o encarando,
não entendendo onde ele quer chegar.
— O comprador interessado em nosso vinho. — Ele cruza
seus braços em cima do peito, estreitando seu olhar. — Se recorda
que falei que iria levantar informações sobre ele? Pois então, estava
certo em ficar com o pé atrás com o cara.
— Qual a dele?
— Um escroto. — Ralf bufa, negando com a cabeça. — Uns
contatos meus conseguiram me dar a ficha completa. Paga de
homem de negócios, correto e certinho, mas por trás das câmeras é
metido em lavagem de dinheiro e corrupção política.
— Acha que queria usar meu vinho nos negócios sujos dele?
— Não, mas sei que não gostei nem um pouco do que li no
relatório. — Ele solta a respiração, descruzando seus braços. —
Tem cinco passagens pela polícia, mas nunca o prenderam.
— Qual o motivo das passagens?
— Duas por agressão, parece que quase matou uma garota
de tanto bater nela alguns anos atrás, mas o caso foi fechado, não
tem muitas informações. E as outras três foram por porte droga. É
um viciado de merda, que faz um aspirador de pó parecer inútil
perto do nariz dele. — Bato a ponta do meu pé no chão, sabendo
que se não ia com o tipo desse cara antes, agora muito menos. — E
tem mais, o representante dele me ligou ontem à noite, avisando
que ele aceitou seu pedido e que virá pessoalmente à vinícola, para
lhe conhecer.
— O deixe vir, vou gostar de olhar nos olhos desse malparido
e lhe dizer que não venderei nem uma gota do meu vinho para ele
— rosno, baixo, confirmando com um balançar de cabeça para Ralf
as minhas palavras.
— É um hijo da puta, só de olhar suas fotos dá para saber
que é um merda! — Ralf fecha seu semblante, me deixando ver sua
antipatia pelo homem. — Mas não se preocupe, avisarei ao
representante que Ângelo Rafim será muito bem recebido na
vinícola Sánchez.
Ele sorri para mim com maldade, me deixando ver sua
expressão zangada. Mas o som do tilintar de uma taça se
espatifando no chão, nos faz virar, olhando para a porta. Bella está
parada, com seus olhos expressivos, como se tivesse visto um
fantasma.
— Bebeu demais já, señora? — Ralf ri para ela, lhe
provocando.
— Cristo... e-eu sinto muito... eu... — Bella, ao contrário de
todas as vezes que ele a chamou de señora, a deixando irritada, lhe
xingando, dessa vez não o responde, apenas se abaixa depressa,
tentando catar os cacos da taça. — Me desculpe, escorregou da
minha mão...
— Dios, megera, é só uma taça! — Ralf fala sério,
caminhando para perto dela e se abaixando. — Ande, tire suas
mãos daí, antes que acabe se cortando.
Ele segura o pulso dela, me fazendo ver os dedos de Bellas
trêmulos, com ela respirando mais rápido.
— Comeu alguma coisa, Bella? — pergunto sério, estudando
a jovem, que agora olhando mais atento, percebo a expressão
abatida que tem.
— E-eu...
— Não, ela ficou suspirando pelo seu coroa e se entupindo
de chocolate — Ralf a corta, respondendo no lugar dela, se
levantando quando cata os cacos. Ele se vira e caminha para o
cesto de lixo.
E novamente, em vez de rebater a provocação dele, ela se
mantém calada, se erguendo rapidinho e passando seus dedos
trêmulos no seu vestido, olhando perdida para o chão.
— Bella, está tudo bem? — A cabeça dela se ergue e me
olha, movendo seus olhos para trás de mim.
— Sim, sim, está... E-eu... — ela fala apressada e ergue seus
dedos, apontando para trás dela. — Preciso ir falar com Tina.
Do jeito que entrou, ela parte, ligeira, saindo da cozinha. Giro
meu rosto e olho para Ralf de costas, que está atrás de mim, com
seus dedos esmagando a pia.
— Tem alguma coisa acontecendo que eu preciso saber,
Ralf? — pergunto sério para ele.
— Não, não tem nada, está tudo certo — ele me responde
sem se virar para mim, esmagando seus dedos em punho e dando
um leve soquinho na pia. — Eu vou lá ver onde está a louca da
minha madre, antes que acabe se engraçando com Assombroso.
Ralf sai pela porta da cozinha feito um furacão. Olho ainda
um tempo para a porta, antes de me virar, observando o lugar onde
Bella estava, tendo minha mente tentando entender o que acabou
de rolar aqui. Caminho lento, ainda intrigado, para fora da cozinha,
seguindo em direção à porta da varanda. Meus olhos param em
Tina dançando com os meninos, rodando Roaquim em seus braços,
com ele rindo. Ando devagar na direção deles, ganhando um sorriso
doce e belo dela quando me vê.
— Olha só quem chegou, Babão! — ela brinca com Roaquim,
que solta um gritinho quando me vê, esticando seus braços para
mim.
— Pensei que era minha vez de dançar com a noiva — falo,
rindo e o pegando em meus braços, a vendo se virar para Miguel,
que segura seus dedos, dançando com ela.
— Oh, não. Será o último da fila! Ainda tenho mais dois
parceiros de dança depois de Miguel. — Ela ri, piscando para Martin
e Tulho.
— Não se preocupe, papai, a gente deixa você dançar alguns
segundos com a Tina depois da gente. — Miguel tomba a cabeça
para trás e ri enquanto fala comigo.
— Bem pouquinho. — Martin entra na brincadeira,
balançando suas sobrancelhas para mim.
— Sério? — digo, olhando-os. — Achei que o noivo tinha
prioridade, fui eu que ganhei o coração dela.
— Tecnicamente, nós quatro fomos os primeiros. Preparamos
o terreno para o senhor — Tulho fala, passando por mim e
afastando Miguel, para dançar com Tina.
— Isso, eles têm razão — ela fala, rindo, piscando para mim.
— Anguuu... bru... — Roaquim balbucia, batendo palminhas,
como se estivesse confirmando as palavras deles.
— Inacreditável! Meus rivais moram embaixo do meu teto, e
ainda sou eu quem os sustento. — Olho para ele e mordo sua
bochecha, o fazendo rir.
— Não se preocupe, depois eu lhe recompenso. — Giro meu
rosto na mesma hora para ela, que está pertinho de mim, falando
baixinho quando Tulho estica o braço para ela rodar.
— Hum, aprecio isso! Comprei um cesto fresquinho de
morangos — sussurro para ela, esticando meu pescoço para frente,
para lhe roubar um beijo, vendo sua face arteira.
Mas meus lábios não chegam nem a encostar nos seus,
quando a mão melecada se intromete entre nós dois, tapando minha
boca. Ouço a risada alegre de Tina, sendo puxada por Tulho, que a
afasta de mim. Meu rosto vira para o lado e encaro o sujeito que
tapa minha boca e está me olhando sério.
— Bruuuu... — ele balbucia, tirando a mão babada da minha
boca e me olhando arteiro.
— Somos parceiros. O que acha de um trato? Lhe dou uma
calcinha novinha, de renda vermelha, de presente, para ficar
chupando, e você para de interromper meus beijos na nossa garota.
— Oh, meu Deus, Sebastian! — Tina grita, virando seu rosto
para mim.
— O que foi? Ele gosta, puxou ao pai. — Ela se afasta de
Tulho e estica seu braço para mim, me estapeando, negando com a
cabeça e erguendo seu dedo, o balançando em negativo na frente
de Roaquim.
— Vou lhe dar a calcinha da babá assustadora! — ela fala,
rindo para ele, o fazendo virar seu rosto para mim, o escondendo
em meu ombro enquanto resmunga.
Tina cai na risada e vai dançar com Martin, rodopiando na
pista com ele.
— É mentira, depois a gente acerta o nosso acordo,
companheiro — sussurro para Roaquim e beijo sua cabeça,
caminhando para perto deles, enquanto entro junto na dança,
segurando a mão de Tina, tendo Miguel e Tulho entrando na dança
com a gente, dançando junto comigo, ela e Martin.
Sorrio para ela e me viro, olhando a face dos meus hijos,
sentindo pela primeira vez como se realmente tivesse encontrado
tudo que eu sempre sonhei: uma família completa para amar e
proteger.

Fim!
ENTRE A CRUZ E A ESPADA
BELLA CHAT
— Oh, meu Deus... Oh, meu Deus, o que vou fazer... —
Respiro depressa enquanto mordo minha boca, caminhando rápido
e seguindo em direção à porteira da vinícola.
Eu saí tão apressada da festa de casamento da Tina e do
senhor Sebastian, que nem sequer me despedi deles. Meus dedos
tremiam quando tentei ligar a porcaria do carro e ele simplesmente
não funcionou. As lágrimas já começavam a encher os meus olhos
enquanto o terror apenas ia crescendo dentro de mim, com o
simples fato de ouvir o maldito nome ser dito pela boca de Ralf.
Tento fazer minha mente imaginar que foi um engano, que não tinha
escutado aquele nome, ou que na pior das hipóteses, fosse outro
Ângelo, mas sei muito bem o que ouvi, e dentro de mim meu
coração me alerta: é o meu monstro, ele tinha me encontrado.
Aquele verme nojento finalmente tinha me achado, e agora estava
vindo para cá, para a vinícola. Puxo o ar com mais força e esfrego
meu peito, andando mais nervosa, não tendo ideia do que farei. Não
tenho mais para onde ir, meu último ato de desespero foi vir para
esse lugar. Não pode ser verdade, ele não pode ter me encontrado,
não agora, que minha vida está mais ainda de cabeça para baixo.
Arrumo a bolsa em meu ombro e olho assustada para os lados,
caminhando rápido para a rua. Andarei mais alguns quilômetros,
antes de chamar um táxi para vir me buscar.
— O que vou fazer, meu Deus... — Tapo meu rosto e me
encolho de medo, não acreditando que justo agora, Ângelo tinha
que sair do inferno para vir atrás de mim.
O som do carro passando lentamente ao meu lado, me faz
apenas encolher ainda mais, limpando meu rosto rapidamente.
Mantenho meu passo e ando de cabeça abaixada, mas logo o som
dos pneus freando no asfalto se faz. Ergo minha cabeça e olho para
a traseira do Dodge Charger RT antigo, completamente preto, com
calotas cromadas, me fazendo querer abrir um buraco ainda maior
no chão para eu desaparecer assim que reconheço o veículo e sei
exatamente a quem ele pertence.
— Merda! — Viro meu rosto para o lado, não acreditando que
com tantos convidados para sair da festa no mesmo momento que
eu, tinha que ser justo Ralf.
Volto meu rosto para o veículo e vejo os faróis vermelhos
ligados, com o som do ronco do motor silenciando quando o carro é
desligado. A porta se abre, me deixando ver o corpo esguio e alto
saindo dele. O homem de terno, com a cabeça raspada, fica parado
ao lado do carro, me encarando, com sua maldita sobrancelha
arqueada. Ele estufa seu peito e vira seu rosto para o lado, olhando
e levando as mãos ao bolso do terno. Vejo seu maxilar travando,
enquanto ele retorna sua face lentamente para mim.
— O que pensa que está fazendo nessa rua vazia, essa hora
da noite, señora? — ele pergunta de forma arrogante, me tratando
como se eu fosse uma criança, como ele sempre faz.
Desvio meus olhos dos seus e inalo o ar com força,
amaldiçoando minha maldita sorte, de nem poder sofrer meus
problemas em paz.
— Estou indo para casa — o respondo séria, soltando o ar
dos meus pulmões lentamente.
— De pé? — ele fala sarcástico, tirando as mãos dos bolsos
da calça e as deixando paradas em sua cintura. — Onde está
aquela lata de sardinha que chama de carro?
Ranjo meus dentes e sinto vontade de lhe mandar à merda.
Não tenho cabeça para lidar com Ralf agora, muito menos
emocional.
— Ele não pegou — falo cansada, sem ter vontade de discutir
com ele. — Na segunda, dou um jeito de buscá-lo depois do
trabalho. Boa noite, senhor Ralf. Agora, se me der licença, preciso ir
para casa.
Tomo coragem para continuar caminhando, seguindo para o
outro lado do carro, para não ter que passar do seu lado, desviando
meus olhos dos seus.
— E por que simplesmente não pediu ajuda? Poderia ter
falado com...
— Não iria incomodar o senhor Sebastian na festa de
casamento dele, por causa de um carro velho — o respondo e
mantenho meu passo, não olhando para ele, apenas implorando a
Deus que faça esse homem entrar dentro do carro dele e me deixar
em paz.
— Poderia ter falado comigo!
— Oh, sim! Claro, por que não pensei em pedir ajuda para
você?! — digo sarcástica, balançando a cabeça para os lados, como
se estivesse pensativa, dando um tapinha em minha testa. — Ah, é
simples: porque na certa você devia estar galinhando, como sempre
faz. Falando nisso, não tem nenhuma reunião marcada para agora?
— Rio, o provocando, tentando não o deixar ver como estou a um
passo de cair no choro. — Deveria ir, se não vai se atrasar, el
comedor...
— Qual a porra do seu problema, mujer?! — O som alto da
voz dele rugindo como se fosse um tigre enfurecido, me faz virar
assustada, olhando-o, tendo o carro entre nós dois. — Por que
sempre tem que ser tão amarga, tão megera? Ou é só comigo que é
assim? — Ele abre os braços e me encara mais zangado, tendo
suas narinas dilatando. — Por que não diz logo o que aconteceu
naquela maldita noite, e para de ficar me tratando como se eu fosse
aqueles mierdas dos estagiários que cheiram a leite que você
pisoteia?!
— Não aconteceu nada aquela noite. — Desvio meus olhos
dos dele na mesma hora, abaixando a minha cabeça e encarando o
asfalto. — E meu único problema nesse momento é você, me
infernizando.
Retiro a bolsa do meu ombro e a seguro com força, andando
apressada, não olhando mais para ele, me afastando do carro,
sentindo meu coração quase parando de bater. Meus olhos ficam
marejados e inalo o ar com força, tentando ser forte quando dentro
de mim tudo está desmoronando.
— Se insiste em continuar afirmando isso, me explica então
por que minha cama inteira tinha o seu cheiro na manhã seguinte...
— Ouço sua voz rosnando bravo atrás de mim.
Diminuo meus passos e caminho lentamente, mordendo
minha boca e ouvindo a respiração pesada dele. Não era para
aquela noite ter acontecido, não tenho ideia de como tudo terminou
conosco despidos em cima da cama, fodendo como dois animais.
Começou com uma discussão, e quando dei por mim estava
acordando no outro dia, algumas horas antes do sol nascer, nua, ao
lado de Ralf.
— Me explica, Bella. — Ele mantém sua voz brava falando
atrás de mim. — Ou simplesmente confirma o que eu já sei, que o
cheiro da mulher que dormiu em minha cama é seu.
— Ora, faça-me o favor! — Nego com a cabeça, andando
mais rápido. — Para o seu governo, cão farejador vagabundo de
beira de aeroporto, meu perfume não é exclusivo. Por que não caça
outra para encher o saco, e aceita o fato que você seria o último
homem na face da Terra com quem eu dormiria...
Meu corpo é brecado pelo puxão forte que recebo em meu
braço quando os dedos de aço dele se fecham em minha pele, me
rodando para ficar de frente para ele. Meus olhos se arregalam, e
estou assustada, tendo a face de Ralf a centímetros da minha,
rosnando com raiva.
— Não ouse me tratar como aqueles hijos da puta que mal
saíram das fraldas, que você brinca como se fossem ratinhos na sua
mão, señora! — Sua face se aproxima mais, me fazendo sentir sua
respiração quente me acertando, como se fosse de um touro
zangado bufando pelo nariz. — Porque não sou nem um pouco
parecido com eles, e é por isso que reconheço quando alguém tenta
mentir para mim. Posso farejar mentiras a quilômetros de distância,
assim como o seu cheiro.
Respiro mais depressa, ainda em choque, ficando paralisada
quando o rosto dele se inclina ainda mais para frente e inala forte o
ar. Ralf sempre foi arrogante, e um galinha que vivia paquerando
qualquer mulher que visse, fazendo piadas e rindo. Ao longo do
tempo que trabalho na vinícola, vi muitas faces dele: provocador,
insuportável, um homem concentrado no trabalho, até risonho, mas
essa face é a primeira vez que vejo. E isso me deixa ainda mais
confusa, sobrecarregando ainda mais meu emocional, e me
encolho, mordendo minha boca e sentindo meus olhos arderem ao
ficarem marejados, enquanto fungo baixinho.
— Dios, mujer! — Seu tom de voz baixo, fica rouco, enquanto
ele ergue sua outra mão e segura meu rosto com delicadeza, sendo
o oposto do homem que acabou de parecer um cão raivoso à minha
frente, poucos segundos atrás. — Apenas quero a verdade, Bella,
quero saber o que aconteceu naquele quarto. — Seus olhos recaem
para meus lábios e ele respira pesadamente. A sombra escura que
tinha em seu olhar se dissipa. Ele quase aparenta estar preocupado.
— Preciso saber se te machuquei, se perdi o controle...
Tirando as marcas de chupões e mordidas, que tinham se
espalhado por toda minha pele, posso garantir que Ralf não me
machucou. E queria gritar, gritar para ele: não, seu ogro. Você não
me machucou, só pôs um filho dentro da minha barriga! Mas não
digo as palavras, que assim como o choro ficam presas em minha
garganta, me fazendo fechar meus olhos, tendo as lágrimas rolando
por minhas bochechas, me sentindo perdida, completamente sem
rumo, como se tivesse uma arma apontada para minha cabeça
novamente, brincando de roleta-russa, não sabendo se ela me
mataria dessa vez ou não.
É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo: a noite com
Ralf, descobrir que estou grávida, ouvir o nome de Ângelo e que ele
está vindo para cá, tudo isso me acerta de uma única vez. E todos
esses dias que tentei ser forte, simplesmente me dragam como uma
avalanche, caindo em cima de mim.
— Dios, me diga, señora... — Escuto sua voz falando em tom
angustiado, com ele soltando meu braço e prendendo sua mão atrás
da minha cabeça, me puxando para perto dele. — Lhe toquei, não
foi?! E lhe feri... por isso está fugindo de conversar comigo, não é...
— Não... — murmuro entre o choro e nego com a cabeça, me
segurando em seu terno, perdendo completamente a postura, não
conseguido ser forte.
Não lembro quando foi a última vez que chorei, sendo
amparada por alguém, muito menos por um homem.
— Me conte, me diga a verdade... — Ele segura meu rosto e
o prende em suas mãos, uma de cada lado da minha face, limpando
minhas bochechas com seu anelar e o escorregando, olhando para
mim com tristeza. — Não era para ter acontecido aquilo, Bella, por
isso nunca me aproximei de você. E também não foi sua culpa, lhe
vi bebendo naquela festa, e sei que tomou a vitamina da mi madre,
e eu acabei tomando aquela porra também, mas não sabia... —
Pisco, confusa, o olhando, não entendendo o que ele está falando.
— Jamais lhe tocaria conscientemente, como eu toco as mulheres
que se deitam comigo. Por favor, me diga o que lhe fiz naquela
noite, isso está acabando comigo, por não conseguir me lembrar...
Desvio meus olhos dos seus, os deixando presos na sua
gravata, não sabendo como lhe explicar que eu também não me
lembro, que culpo a bebida por ter me feito acordar na cama dele no
outro dia. Mas que por mais que tivesse acordado marcada, eu não
me sentia ferida. Com os músculos dormentes e um pouco assada,
isso sim, mas não machucada.
— Ralf, aquela noite... — Me calo e abaixo meus olhos para o
meu ventre, respirando rápido, ainda incerta de como lhe contar que
a única coisa que sei daquela noite, é que ela tinha gerado um
bebê. — Nós dois fizemos...
— Bella?
Tanto meu rosto quanto o dele se vira para o Sedan branco
que está parado na rua, ao lado da gente. Estava tão perdida, que
nem sequer tinha ouvido o barulho do carro.
— Está tudo bem? — Ken, o amigo de Aurora, que ela tinha
me apresentado na sua festa de aniversário, me pergunta sério,
olhando de mim para Ralf. — Está precisando de alguma coisa?
— Que continue dirigindo! — Ralf solta meu rosto e vira de
frente para o carro, encarando Ken com sua face, que retorna a ficar
raivosa, como ele estava antes.
— Na verdade, sim... — falo apressada, sabendo que ainda
não consigo ter essa conversa com Ralf. Seu rosto gira para mim,
me olhando confuso.
— Señora...
— Poderia me dar uma carona, Ken? — Dou um passo para
trás quando o braço dele se move com intenção de me tocar outra
vez. — Meu carro não está funcionando.
Olho para o rapaz gentil dentro do carro, o qual deveria ter
sido o meu par daquela noite, onde eu deveria ter apenas dançado
e ido para casa depois, quando lhe dissesse que não tinha intenção
de me envolver, ao invés de ir parar na cama de Ralf.
— Oh, mas é claro, Bella! — Ele sorri alegre para mim,
balançando sua cabeça em positivo.
— Señora! — O rosnado baixo sai da boca de Ralf como um
alerta que dispara em minha cabeça na mesma hora para andar
rapidinho.
— Boa noite, senhor! — digo apressada, praticamente
correndo quando dou a volta no carro, entrando nele e me sentando
no banco do carona. — Vamos!
Estampo um sorriso gentil em meus lábios, não querendo que
Ken note meu nervosismo. Ele consente com a cabeça e acelera o
carro, enquanto me sinto afundando no banco, sentindo meu
coração quase saindo pela boca.
— Quase não lhe vi na festa, pensei que tivesse ido embora.
Ainda bem que tive a chance de lhe encontrar novamente — Ken
fala, distraído, dirigindo, enquanto eu apenas sorrio e balanço minha
cabeça em positivo.
Meu rosto se move para o lado e olho para o retrovisor do
lado de fora, observando a imagem do homem carrancudo ficando
para trás, com seu corpo ereto e com suas mãos no bolso, tendo
seus olhos semicerrados.
Meu Deus, o que vou fazer?!
Fecho meus olhos e esfrego meu peito. Me sinto entre a cruz
e a espada, tendo Ralf de um lado, de quem não tenho como fugir, e
o demônio do Ângelo do outro, que está vindo atrás de mim.

Continua...
AGRADECIMENTOS

Pode parecer repetitivo, mas eu amei, amei muito, escrever


essa história! Tina simplesmente me encantou, assim como seu
protetor, o pé-grande, o qual preciso admitir que ganhou meu
coração. Sebastian foi perfeito em tudo, e tenho apenas gratidão por
ter a chance de contar a história deles.
Agradeço a todas as pessoas que fizeram parte desse
projeto, o deixando ainda mais lindo do que já era.
Obrigada à minha doce e maravilhosa Val, por mais um
mundo louco que a arrasto.
E, principalmente, muito obrigada a vocês, meus leitores, por
se permitirem embarcar nessa história apaixonante.
Espero por vocês em Señora, onde descobriremos quais são
os encantos que o adorável ogro Ralf possui.
Um beijo,
Caroline Andrade
OUTRAS OBRAS
Outras obras:
Séries:
KATORZE - LIVRO 1

PAOLO A RENDIÇÃO DO MONSTRO - LIVRO 2


PAOLO O DESPERTAR DO MONSTRO - LIVRO 3

ATENÇÃO: contém cenas eróticas e gatilhos que podem gerar desconforto. não indicado
para menores de 18 anos.

Quando um pesadelo deixa marcas. Quando em um dos piores momentos,


nasce uma luz para guia-la. Quando ela se apaixona por seu algoz e finalmente
tudo está na mesa, o desejo carnal e selvagem se revelam. Mas a ferida agora,
está aberta.
Vocês irão odiá-lo, cobiçá-lo e até mesmo desejá-lo. Conheçam Daario Ávila e
embarquem em uma aventura na Espanha, regada de erotismo e reviravoltas
de tirar o fôlego. Será que o príncipe encantado, pode se tornar um pesadelo?

Criado como um animal de estimação desde criança, entre a sarjeta e os


abatedouros da fazenda Ávila, Paolo se tornou o cão de ataque perfeito de
Joaquim Ávila, um animal feroz, sem remorso, sem empatia. Moldado pela dor
e degradação, é uma alma condenada e vazia, que sente gosto de liberdade
quando sua coleira invisível é quebrada. O destino, contudo, o leva, entre a
vida e a morte, pelas as águas turbulentas do rio, até os cuidados da pequena
Yara.
Em um ímpeto de desespero pela morte que o chama em seu leito, Yara
faz de tudo para salvá-lo, até o que não deve. A pequena boneca solitária só
não sabia que quem ela salvava não era apenas um forasteiro com faces
tristes, mas sim um monstro que traz em seus olhos tanta morte quanto o cano
do seu .38.
Yara entende de monstros. Teve seu caminho cruzado por um, que a
deixou marcada para sempre. Mas ali, diante da face do mal encarnada entre
os olhos marrons daquele forasteiro, que traz uma dor tão antiga, não é medo
que sente, mas sim sua luz, que se liga à escuridão dele.

Tudo nessa vida tem um preço, e Yara sabia disso quando salvou a vida
do monstro que entrou em seu caminho. Tendo que escolher entre o homem
que amava e os frutos dessa paixão que cresciam em seu ventre, partiu,
deixando-o sem olhar para trás. O que ela não sabia é que sua magia deixou
rastros, e agora algo muito pior vêm atrás dela.
Seu mundo desaba quando suas filhas são levadas por um mal maior, e
o destino brinca com a pequena bruxa, colocando-a frente a frente com o
homem que tanto assombrou suas lembranças por longos anos.
O monstro se perde assim que seus olhos pousam na pequena mulher
solitária que vê em seus sonhos, e que agora está em carne e osso na sua
frente. Algo dentro de Paolo desperta, puxando-o para ela cada vez mais, sem
entender o que os liga.
O Cão e a Bruxa estão de volta em mais uma batalha.
Yara lutará com toda sua força para ter suas filhas de volta. No meio da
sua jornada, precisará mostrar ao monstro o poder e a força da magia do amor,
e encarar a ira de cinco anos longe dos olhos tão sombrios quanto o portão do
inferno.
Poderá o cão de caça perdoar a bruxa que o jogou no limbo por cinco
anos, sem despertar o monstro que habita nele?
Um inimigo antigo uniu os irmãos Ávilas em uma derradeira vingança. Daario e Paolo
juntos, lado a lado, abriram as comportas do inferno, trazendo carnificina e sangue para
aqueles que machucaram suas famílias.
A cada percurso da caçada, em uma busca cruel e implacável pelas suas mulheres, os
monstros estavam famintos por morte e justiça, fazendo aliados poderosos e alianças
inquebráveis, deixando um rastro de corpos por onde passavam.
A pequena bruxa Yara encontrou forças para lutar pela sua sobrevivência e do seu filho
quando a destemida pantera Katorze cruzou seu caminho de uma forma inesperada. As
duas mulheres traziam fé em seus corações de que seus monstros iriam libertá-las, afinal
nem todo predador é fatal, mas todos os monstros Ávilas criados pelo cruel Joaquim são
assassinos.

Um amor além do tempo, do universo, do grande desconhecido. E se nada fosse o que


realmente é? E se entre seu mundo tivesse outro, onde magia e realidade se chocassem?
Onde uma maldição foi imposta, obrigando um príncipe do submundo a enxergar com
outros olhos a raça que ele julgava a mais inferior de todas. Onde fosse condenado a vagar
por eras e eras em busca de uma estrela solitária.
E se nada fosse o que é?
Uma maldição rogada por um erro cometido no passado faz Jesse correr contra o tempo,
para conseguir se libertar antes que a Lua de sangue se erga. Porém, o que para ele é
maldição, para Constância significa liberdade. Um segredo do passado entrelaça o futuro
dos dois, mas Jesse não imagina que a única pessoa que poderá libertá-lo é a mesma que
poderá odiá-lo pelo erro que cometeu.

Amores do campo:

Maria Eloiza estava acostumada com a batalha diária que a lavoura tinha e com o esforço
sobre-humano que seu trabalho lhe trazia. Seguia batalhando mais uma vez, atrás de outra
usina, dando graças a Deus quando essa apareceu, mas nunca imaginou que o canavial
lhe traria mais do que já estava acostumada a ter, até se perder nos olhos mais verdes que
as plantações de cana.
Pedro Raia trazia o legado de sua família junto com ele. Mesmo renunciando aos sonhos
que tinha, aceitou voltar para casa quando foi convocado, cuidando de perto de cada um
que entrava em suas terras, pois nunca foi de ficar dentro de quatro paredes. Sua paixão
pela terra era antiga, desde menino trabalhava na lavoura. Gostava da terra em suas
mãos, sabendo que era dali que vinha toda sua essência. Mas sua vida mudou quando,
entre mais uma remessa de boia-fria, a pequena cabocla, com olhos assustados, lhe
mostrou o mais puro brilho de sua alma. Dois mundos, que andavam entre linhas finas, se
chocaram. A realidade de um contra a vida do outro.
A vida sempre foi puxada para Maria Rita, fazendo-a se tornar o alicerce da sua casa e a
moldando para ser a presença materna e paterna para suas irmãs. Não é de riso fácil, e
muito menos de ser dobrada por homem, mas algo muda em sua vida quando seus olhos
se cruzam com o peão chucro, Zeca Morais. Ele fará de tudo para laçar a mulher
endiabrada, que faz seu coração disparar. Um amor nasce sem freios entre os dois em
meio aos cafezais. E juntos terão que enfrentar um grande inimigo, que fará de tudo para
acabar com a vida de Zeca Morais.

João Paulo Guerra ama a vida que leva, sem ter que dar satisfação do seu destino para
ninguém. No entanto, ele tem apenas uma fraqueza, a qual nunca permitiu nem sequer se
aproximar, pois é a sua perdição. Uma criatura pequena, de boca atrevida, que sempre lhe
provoca. A cada dia está mais difícil ele esconder o sentimento que aumenta dentro do seu
peito por Maria de Lurdes. Mas, entre intrigas, mentiras e maldades que rondam Maria de
Lurdes e João Paulo, eles se aproximam, especialmente quando Maria é condenada por
toda a cidade, com injúrias e calúnias sendo desferidas contra ela. Porém, há um mal
maior a espreitando, o que faz com que João jogue as cartas na mesa e mostre o lado
cruel da família Guerra para defender a pessoa que ama.
Para conseguir se livrar da maldade do pai e de todo
sofrimento que Manoel Arena lhe empunhava, para manter o poder
da herança que sua mãe deixou sob os seus cuidados, Madalena
aceitou a proposta de se casar com o taciturno homem de olhar
sombrio chamado Tião Raia. Um casamento de conveniência, onde
Madalena poderia partir para bem longe da cidade e Tião Raia
poderia usufruir de todo o poder que a afortunada herança de
Madalena tinha. Caminhos se separaram, com cada um seguindo
sua vida, mas cinco anos depois, Madalena retorna, não mais como
a menina sofrida que tinha partido, levando apenas um beijo de
despedida do seu sombrio marido. E Tião Raia, que conseguiu se
tornar o novo prefeito da cidade, tem uma surpresa quando a mulher
vistosa e cheia de vida, com uma beleza encantadora e olhos
felinos, bate em sua porta, vindo atrás do divórcio, não lhe
lembrando em nada a desnutrida menina com quem seu irmão lhe
obrigou a casar. A guerra entre prefeito e primeira-dama é declarada
no primeiro contato, arrancando farpas e faíscas de uma atração
fatal, que desperta amor e ódio na mesma medida.

AVISO DE ROMANCE DARK


NÃO RECOMENDADO PARA LEITORES SENSÍVEIS.
CONTÉM CENAS DE VIOLÊNCIA, SEXO, ESTUPRO DE VULNERÁVEL, INCESTO,
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, RELACIONAMENTO PERVERSO E NARCISISTA,
TRANSTORNO MENTAL E LINGUAJAR INAPROPRIADO PARA MENORES DE 18
ANOS.
PODE ACIONAR GATILHOS EMOCIONAIS.

Ginger Fox embarca para a Austrália, com destino a uma ilha remota, cheia de mistérios e
segredos escondidos entre as paredes da mansão Roy. O que começou como uma
aventura, se transforma em perigo quando recebe a proposta de um jogo erótico e
envolvente, tão pecaminoso quanto os pensamentos devassos que ela nutre pelo seu
anfitrião. O que Ginger não sabe, é que seu oponente, Jonathan Roy, é um astuto tratante,
que a prende cada vez mais entre suas teias de sedução. E em meio à sua curiosidade
descabida pelo jogo, mais fundo ela se perde no mundo sadomasoquista, e a paixão
avassaladora por seu mestre a leva às últimas consequências. Ginger lutará para
conseguir sobreviver no mar de piche e mentiras que soterram a grande mansão da família
reclusa.

Mabel embarca para Moscou atrás de esquecer o passado, mas os


demônios nunca deixam seus condenados por muito tempo. Mabel
descobrirá muito mais do que apenas prazer quando adentrar em
Sodoma, sendo envolvida em um jogo perigoso por um sedutor e
charmoso russo. Czar Gregovivk despertará Mabel da vida
monótona que ela vive por tantos anos, reprimindo seus desejos.
Um enlace do destino a leva direto para o mais letal oponente que já
cruzou sua vida. De volta ao jogo em Sodoma, em uma trama
repleta de sedução, luxúria, perversidade e prazer, com ameaça de
novos e velhos inimigos que os espreita. Até onde você aguentaria a
submissão, antes de dizer GOMORRA?

A ordem das messalinas:

A busca de Sodoma pelas Messalinas se inicia, e a primeira delas é Salomé. Uma


tempestade em forma de mulher, que vai virar o mundo do controlador egípcio, Ramsés, de
ponta-cabeça, testando seus limites e seus desejos, ao se ver enfeitiçado pela terrível
criatura sexy que sempre o desafiava e que lhe cativou com sua inocência. Uma história de
amor completamente recheada de aventura, romance e muita sedução, onde pela primeira
vez em Sodoma, um mestre se transformará no submisso de uma Messalina.
AVISO DE ROMANCE DARK. NÃO RECOMENDADO PARA LEITORES SENSÍVEIS.
CONTÉM CENAS DE VIOLÊNCIA, SEXO, VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, TORTURA E
LINGUAJAR INAPROPRIADO PARA MENORES DE 18 ANOS. PODE ACIONAR
GATILHOS EMOCIONAIS.

Sessão da tarde:

Saila perdeu sua paz quando o novo acionista majoritário de onde


trabalha chegou para tomar posse do comando da empresa. O
irresistível homem de olhar sexy estava levando-a à loucura a cada
sonho erótico que ela tinha, o tendo como seu personagem
principal, a seduzindo, acabando com sua lucidez e encharcando
suas calcinhas. E por um grande descuido de um celular com a
câmera ligada e uma ajudinha do destino, a vida de Saila vira de
pernas para o ar quando um vídeo dela desabafando seus desejos
mais lascivos e pecaminosos com seu charmoso chefe, viraliza nas
redes sociais, explodindo na internet.
Únicos

ATENÇÃO: CONTÉM CENAS ERÓTICAS E GATILHOS que podem gerar desconforto.


NÃO INDICADO PARA MENORES DE 18 ANOS.

Se me perguntarem se já era amor desde o início, garanto-lhe


com as minhas palavras salgadas pelas lágrimas que sim. Eu já o
amava antes do princípio, assim como no meio e fim. Nosso amor
mórbido e louco nos unia em nossa agonia chamada vida.
Se existia um inferno, eu iria para lá por ele, pois onde mais
dois pecadores poderiam descansar suas almas negras manchadas
pelos pecados da carne? E então, eu fui. Joguei-me de cabeça em seu
mundo. Conforme trazia Ben para mais perto de mim a cada sonho, a
cada parte dele que eu salvava, uma parte minha ficava presa em
seu labirinto. Em meu peito, onde batia um coração de uma menina
apaixonada, não importava em quantos pedaços eu teria que destruir
minha alma para salvá-lo, pois a loucura que o habitava era a mesma
que tinha morada fixa em meu coração.
Lizandra, essa sou eu, ou a sombra de quem eu fui um dia.

ATENÇÃO: CONTÉM CENAS DE SEXO E LINGUAJAR INAPROPRIADO PARA


MENORES DE 18 ANOS
Zelda estava preparada para tudo em sua vida: uma híbrida latino Afro-Americana com
sangue quente que desejava apenas ter uma chance para mostrar que não veio ao mundo
para brincar. Queria um lugar ao sol entre as indústrias de construção civil. O que ela não
imaginava, no entanto, ao aceitar o estágio na Indústrias Ozbornes, era que, junto com a
porta do seus sonhos ao mundo do negócios, também se abriria a porta dos desejos e
fantasias quente como o inferno: seus dois chefões em ascensão.

Quatro mulheres desesperadas por apenas uma noite de folga e por um segundo de
descanso ganham, misteriosamente, um sorteio relâmpago de rádio, que tem como prêmio
uma estadia nas suítes luxuosas do novo hotel da pacata cidade.
Cada uma tem sua história e seus segredos, mas todas trazem uma coisa em comum:
desejos reprimidos.
O Dia das Bruxas nunca mais será o mesmo para elas.
Não deixem de perder essa deliciosa noite de Halloween, principalmente se for uma
menina malvada.

Handrey, junto com seu irmão Jonny, participava ativamente de um grupo de neonazistas
violentos, pregando a supremacia branca. Seu destino mudou ao encontrar o corpo do seu
irmão junto a um homem negro dentro do seu apartamento, ambos sem vida. Ele nutriu
apenas ódio e autodestruição por catorze anos, jogado dentro da penitenciária federal,
almejando apenas uma chance de descobrir quem era o verdadeiro assassino do seu
irmão. Sua chance veio acompanhada de um pro bono misterioso, que lhe deu sua
liberdade provisória.

O homem passou a ver as coisas de uma maneira diferente ao se deparar com Eme, uma
stripper negra que o levou a questionar uma doutrina de uma vida inteira. Ele já não se
sentia mais à vontade com o grupo neonazista.
Quando corpos mutilados de mulheres negras e imigrantes começaram a aparecer pelas
ruelas do porto, assombrando todas as garotas de programa ao descobrirem que tinha um
assassino em série que matava por esporte, Handrey percebeu que mais alguma coisa
tinha escapado junto com ele do esgoto imundo que era seu passado.

Dylan Ozborne sabia que a pior época da sua vida era dezembro. Ainda não acreditava
que seu irmão havia o obrigado a ser o Papai Noel para o evento beneficente.
Elly poderia ter sido a boa menina o ano inteiro, mas deixou para ser a menina má
justamente três dias antes do Natal, indignada com o nada bonzinho e muito menos
velhinho Noel. Então resolveu se vingar do tirano e por fim lhe dar uma lição que nenhum

Sedrico Lycaios, mais conhecido pelas noites quentes regadas às promiscuidades de


Chicago, como uma divindade do prazer, é proprietário do clube peculiar, nada ortodoxo e,
sim, envolvente e pecaminoso: a Odisseia, onde proporciona todas as experiências
desejadas por seus clientes, para aplacar seus prazeres mais obscuros. Mas, como todo
semideus, Dom Lycaios tem sua fraqueza, e é entre as paredes do seu templo da perdição
que se vê sendo fisgado pela doce inocência de Luna, a dançarina exótica, tão silenciosa e
misteriosa, que o prende a cada movimento do corpo dela. Uma perfeita sugar baby, que
desperta o interesse do sugar daddy que ele traz aprisionado no canto mais obscuro do
seu ser. Luna não tem chances para escapar das manobras do implacável homem, que a
envolve em suas teias de aranha. Afinal, o prazer sempre fora o maior império de Sedrico.

Yane Rinna tem sua vida mudada da água para o vinho quando se torna testemunha
principal de um assassinato. Ela se vê obrigada a entrar em um disfarce para garantir sua
segurança até o dia do julgamento. E de uma stripper desastrada, inteiramente azarada, se
torna uma freira monitora de quatro adolescentes rebeldes. O que ela não imagina é que
no último lugar que poderia sonhar, o amor e o desejo puro estarão no ar. Dener Murati, o
vizinho aristocrata do convento, tem seu autocontrole testado por uma fajuta freira sexy,
nada santa, que invade sua residência para se refrescar na calada da noite, pelada, em
sua piscina. A pequena feiticeira que o encanta vai virar sua vida meticulosamente
organizada de cabeça para baixo.

Cristina Self passou anos reclusa em seu mundo seguro, o qual criou para si mesma
depois de uma separação conturbada e violenta. Até que seu caminho se cruzou com o
notório advogado criminalista Ariel Miller, conhecido nos tribunais por seu cinismo e frieza
calculista. Seduzida pelo magnetismo que ele possui, a encantando com seu olhar intenso,
Cristina se desprende do seu mundo seguro, se permitindo se perder por uma única noite
no calor dos braços do charmoso homem. Mas o que Cristina não sabe é que o destino
tem outros planos para eles, um que ligará as duas almas quebradas para sempre. E de
um engano nada angelical, mas sim completamente sexy e envolvente, Cristina irá do céu
ao inferno para viver sua história de amor.
AVISO DE GATILHO: o livro contém violência doméstica e relacionamento abusivo.

Doty só queria uma coisa: achar o miserável que engravidou Tifany e chutar o rabo dele até
Dallas.
A única coisa que Joe queria era dobrar o demônio de olhos negros que o tirou do sério e
fazê-la pagar por sua língua afiada e boca suja.
Uma proposta!

Sete dias!
E tudo foi para os ares!

Um pacto incomum entre duas amigas, na adolescência, as precede na vida adulta.


Miranda Lester, uma jovem universitária gananciosa e cínica, prestes a ter seu sonhado
diploma, não vê impedimento algum em tirar da prostituição o dinheiro que paga por seus
estudos, pelo conforto da sua família e pela vida de luxo que ela aprecia. Focada em uma
meta que deseja bater antes de largar de vez seu trabalho, cria um esquema de
prostituição usando sua loja, a BDL, como fachada, entregando aos seus clientes as
melhores babás de luxo para adultos que eles possam desejar. O caminho de Miranda se
cruza com um intenso e poderoso admirador, o qual despertará emoções e desejos antigos
nela, silenciados por sua vida adulta precoce, que a fez amadurecer rapidamente. A
chegada de Mr. Red em seu caminho a faz questionar até onde realmente ela será capaz
de ir para manter sua lealdade, sua ambição por dinheiro e, principalmente, até qual ponto
o amor pode levá-la. Um romance intenso, envolvente, sórdido, soberbo e pecaminoso,
com duas almas nefastas marcadas por seus passados corrompidos, que acarreta em um
enlace que os liga além da moralidade da sociedade.

[1]
Meu filho.
[2]
Minha mãe.
[3]
Sinônimo de criança pequena: menino/a (pronunciado tchico/a); diminutivo é tiquinho/a
(pronunciado tchiquinho/a); provavelmente relacionado ao espanhol chico/chica
(pronunciados tchico e tchica), bastante comum nas regiões do sul do país.
[4]
Garotinha.
[5]
Querida.
[6]
Menina.
[7]
É um chapéu que, apesar do nome, é fabricado no Equador (onde é chamado de El
Fino), especialmente em Cuenca e Montecristi. Possui cor clara e pode ter vários formatos.
É fabricado com a palha da planta Carludovica palmata, conhecida como toquilla,
encontrada no Equador e em países vizinhos, e tecida em trama fechada.

[8]
Deus.
[9]
Por que fez isso comigo?
[10]
Me deixe sozinho, maldita mulher.
[11]
Pequena fada.
[12]
O que diabos é isso?
[13]
Cala a boca, mulher.
[14]
Que diabos.
[15]
Se deitou em minha cama, como uma gatuna buscando conforto.
[16]
E o dia que procurar uma cama para ter conforto, com toda certeza a sua será a última,
senhor.
[17]
Meu Deus!
[18]
Obrigada, senhor, por acreditar em mim.
[19]
Eu deixaria ela me lavar inteiro, apenas para eu ter uma boa visão desses peitos se
esfregando em minha face.
[20]
Cala a boca.
[21]
Idiota.
[22]
Baby Jane não me deixe esperando na linha.
[23]
Boa noite, senhorita!
[24]
Ludwig van Beethoven foi um compositor germânico do período de transição entre
o classicismo e o romantismo. É considerado um dos pilares da música ocidental, pelo
incontestável desenvolvimento, tanto da linguagem como do conteúdo musical
demonstrado nas suas obras, permanecendo como um dos compositores mais respeitados
e mais influentes de todos os tempos.
[25]
Incrível.
[26]
Ajuda.
[27]
Bons sonhos, pequenino.
[28]
Fala a verdade, mulher.
[29]
Morangos.
[30]
Pode ter certeza.
[31]
Um baita corpo gostoso.
[32]
Fale.
[33]
É o nome dado para ejaculação feminina, onde a mulher consegue eliminar fluidos
através da sua vagina.

[34]
Droga.
[35]
Bruxa.
[36]
Traiçoeira.
[37]
Diga-me um nome, Tina, fale para mim quem foi.
[38]
Diga o nome do seu.
[39]
Entendeu, senhorita?!
[40]
É uma variação de filho da puta.
[41]
Não sabia que estavam tão amigos assim, ao ponto desse filho da puta já lhe chamar
pelo seu nome.
[42]
Oh, não seja tão maldoso, ele está sendo apenas gentil.
[43]
Tenho certeza de que gentileza foi a última coisa que passou pela cabeça dele
enquanto encarava seus peitos, lembrando da visão do seu corpo nu embaixo daquele
maldito vestido molhado.
[44]
Minha paixão.
[45]
Sou teu.
[46]
Mas eu juro.
[47]
Apaixonados.
[48]
Como uma cobra.
[49]
Sua língua.
[50]
Sinto muito.
[51]
Eu pedi para descansar, certo?

Você também pode gostar