Amor Nas Alturas #01 - Amor Nas Alturas - Clara Caraciolo
Amor Nas Alturas #01 - Amor Nas Alturas - Clara Caraciolo
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C. Caraciolo
Ficha Técnica
Copyright 2018 Clara Caraciolo Taveira
Todos os direitos reservados.
Trilogia Amor nas Alturas
Livro I
Autora: C. Caraciolo
Revisão: Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)
Sumário
Primeiro encontro
Convite
Chegando na mansão
Estranho
Primeiro café
Work³
Pesquisas de tendência
Desconfiança
A viagem
Barcelona
Pré-show
Madrid
Paris
Presentinhos
Zurique
Bruxelas
Amsterdã
Oslo
Estocolmo
Sobre a autora
Primeiro encontro
***
ou Tony, que eram minhas amigas queridas. Mas homens? Jamais. Sempre
segui a ordem sexo-táxi-casa.
Acordei seis da manhã no quarto dele, impressionada por nem me
assustar ao vê-lo ali. Parecia tão natural, que eu confesso ter ficado um pouco
confusa. Eu havia acabado de conhecê-lo!
Enfim, após tomar um bom banho, decidi acordá-lo antes de ir
embora de seu quarto — eu tinha um voo para pegar, afinal de contas. O
problema foi que eu esqueci de uma das lições aprendidas com meu tio:
jamais pegue desprevenido alguém que tenha porte de arma. Normalmente,
segundo ele, são pessoas que sempre estão em alerta, mesmo durante um
momento de relaxamento, como o sono.
Ignorando essa dica valiosa, coloquei a mão em seu rosto relaxado e...
bem... Gabriel, no susto, a torceu para trás, abrindo os olhos imediatamente.
Já deixo bem claro que não foi culpa de ninguém. Ele estava
dormindo, eu estava ainda meio distraída com tudo, meu monstrinho estava
em coma, então aconteceu o acidente.
Gabriel se desmanchou de pedidos de desculpas, foi buscar gelo na
cozinha do hotel e, quando viu que eu ainda estava tensa, ofereceu uma
caminhada no parque mais próximo do hotel. Acabei aceitando, o que fez
meu monstrinho enlouquecer: “o cara quase quebra teu pulso, e você confia
nele mesmo assim?”
Foi aí que aconteceu tudo: chegando no parque, sentamos em um
banco e eu simplesmente contei tudo o que acontecera comigo:
— Há quase dois anos, eu e Lula fomos num bar na cidade onde
moramos. Um cara idiota, Alexandro, deu em cima dela e foi prontamente
recusado. Depois, veio tentar a sorte comigo, foi agressivo, e eu o empurrei.
Os seguranças retiraram ele do bar, mas quando decidimos ir embora, ele
surgiu não se sabe de onde e me deu um soco aqui — apontei para minha
nuca. — Eu acordei no hospital, com parte do cabelo cortado e sete pontos.
Gabriel desviou o olhar quando eu terminei de falar. A raiva contida
estava nítida em seu rosto. Seu maxilar estava cerrado e uma pequena veia
estava saltada em seu pescoço.
— O cara, o que aconteceu com ele? Alguém o segurou?
— A Tony estava tocando naquele dia na Lyubov, e ela sempre
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Não vou dizer que Gabriel foi o responsável por tudo isso. Não foi.
Ele poderia falar quaisquer palavras bonitas, que não adiantaria nada se eu
não estivesse pronta e disposta a me ajudar. Mas que ele foi uma peça
importantíssima nisso e que eu guardei em meu coração um espacinho para
ele por causa de sua pequena lição de vida, dita após quase fraturar meu pulso
sem querer, ah, isso não tenho dúvidas.
Exatamente por isso que, quando recebi aquele convite de trabalho
que me faria supostamente conviver diariamente com o segurança da Sissy
Walker, quase quatro anos após meu primeiro e único encontro com ele, eu
fiquei confusa.
Meu coração batendo com força no peito não me deixou raciocinar
direito.
Convite
choque, que ficava ao lado da minha mesa. O dia tinha sido cheio, mas
lembrei de um detalhe importante, então chamei minha assistente:
— Ley, você poderia chamar o motoboy e pedir que ele leve as peças-
piloto para a fábrica?
— Já estão prontas? — Shirley exclamou, parecendo surpresa.
— Já, distraída, eu terminei mais cedo. Anda, leva essa sua bunda
linda até o Weskley e diz que eu mandei um beijo. Aproveita e vê com a
Luciana a performance da jaqueta que você desenhou, por favor. E pede pra
gerente do Nova América forçar a vitrine da saia Ariel.
Shirley corou ao notar sua desatenção e sorriu antes de assentir com a
cabeça e ir fazer o que eu havia pedido. Fiquei olhando ela ir embora e sorri,
contente ao pensar na vitória que foi trazer aquela senhora para Wings. Ela
era extremamente dedicada e atenciosa, mas a vida havia sido cruel com
Shirley até Luciana a encontrar em uma loja de tecidos no Centro. Ela
transbordava talento, e eu já estava louca para promovê-la. Só estávamos
esperando que concluísse seus estudos antes.
Mal pensei nisso, Luciana entrou pela porta que nem um raio,
assustando todos os funcionários presentes.
— Lena!! Sala de reunião. Agora!! — ela gritou e correu para o
espaço, deixando todos espantados.
Luciana, Lula, para os íntimos, era uma coisinha pequena, magrinha,
parecia uma versão nacional daquela atriz que fez “O Ódio que Você
Semeia”. Era confuso que alguém tão pequenino conseguisse gritar tão alto.
Olhei para meus funcionários, deixando evidente minha surpresa.
— Eu fiz algo de errado? — ouvi algumas risadas e me levantei,
agarrada em minha caneca como um adolescente com medo de levar esporro
do professor. Odiava levar broncas de Lula, ela era tão assustadora quanto...
Bom, quanto eu quando estava trabalhando.
Essa vibe de “modo profissional ativado” realmente é medonha.
Bebi meu café de uma vez, entrei na sala e fechei a porta, vendo Lula
ligar a tomada do carregador de seu notebook de modo apressado.
— Lula, o que houve? — perguntei calmamente enquanto sentava na
cadeira principal, no lado oposto à tela de projeções.
Vivienne Westwood, por exemplo, mas sempre ficam imensas nela, e Pierre
não é costureiro. Luciana está em mãos com um contrato de trabalho de doze
meses que eu enviei por e-mail hoje cedo. É um contrato para você trabalhar
conosco. Gostaria que lesse, conversasse com as meninas e me ligasse em
seguida.
Fiz um esforço imenso para não mostrar minha surpresa ao ouvir
aquela proposta, assenti com a cabeça e avisei que analisaria tudo. Betty e eu
nos despedimos rapidamente, e Lula encerrou a chamada. Mal deu tempo
para ela dizer algo e a metralhei com perguntas:
— Lula, você pirou? Como assim, trabalhar de figurinista para uma
banda de rock? Por que mandaram para você primeiro? Onde está a Sophia?
Eu vou enforcar vocês duas!
— Estou aqui! Desculpem, parei para comprar café e a fila estava
imensa! — So-so, a terceira ponta da Wings, nossa bonequinha de porcelana,
entrou correndo na sala, nos entregando copos com a logo da Starbucks
estampada enquanto se equilibrava em seus saltos boneca imensos.
Peguei um dos copos e bebi metade do conteúdo de uma vez,
ignorando a temperatura elevada e tentando não reclamar do sabor horrível de
açúcar puro que aquela bebida tinha.
Odeio café da Starbucks. Sempre vou odiar. Tem gosto de carvão
adoçado.
Lula, que estava com seu modo profissional completamente ativado,
não sorriu nem quando Sophia entregou a ela o outro copo, apenas agradeceu
e começou a me explicar:
— Lena, eu analisei o contrato junto com a Anya — anunciou,
citando Anastácia, minha amiga da época da escola e advogada principal da
Wings — É ótimo e vantajoso. Você vai viajar por vinte e tantas cidades da
Europa e a Wings vai aparecer nos créditos da gravação de um documentário
sobre a relação do rock com a moda. Ouviu bem? Sobre moda! Além disso,
Betty autorizou que você tivesse plenos poderes na escolha, seleção,
confecção e encomenda de peças. Você pode comprar o que quiser para a
banda. De aviamentos a roupas da Wings.
Dei uma bufada de desdém.
— Grande coisa, isso é o básico para o serviço que eles querem. Ou
irônico.
Meu coração deu um pequeno salto ao ouvir o nome do segurança da
Sissy Walker.
Uau.
Rever o Gabriel.
Não tinha pensado nisso! Realmente, seria muito bom, eu poderia
revê-lo, quem sabe tomar uns cafés com ele e...
O que eu estou pensando, meu Deus? Foco no trabalho, Helena!!
Ignorei a sensação de euforia que se espalhou no meu corpo, bufei e
respondi com sarcasmo:
— Ah, sim, agora eu me decidi, era essa a motivação que eu
precisava! Minha vida profissional inteira é falocêntrica! Vai cagar, Lula.
— Falando sério, Lena — Sophia disse, contendo um sorriso. — É
uma imensa oportunidade para a gente, em termos de pesquisa de campo e de
marketing. Sabe a propaganda que vai gerar para Wings? Já viu quantos
prêmios a Sissy Walker ganhou nesse ano? Eles têm fandom por tudo quanto
é canto do mundo, em especial na Europa, é óbvio, já que eles são de lá. Fora
os Grammys, MTV Awards e tudo aquilo que você tá careca de saber que
eles têm.
Mordi o lábio e tamborilei os dedos na mesa enquanto ponderava.
— Ok, eu entendo que é bacana, mas... um ano longe daqui? Como a
Wings...?
— Eu e Lula não vamos com você, ué. A Wings continua. Skype,
FaceTime e Slack estão aí para isso.
— Mas...
— Anastácia já fez uma procuração. Você assina e a gente resolve
sozinhas o que necessitar de sua assinatura. Quase nada, na verdade, já que
somos maioria, mas... Por via das dúvidas...
— E eu quero promover Shirley. Já está na hora — Lula anunciou. —
Ela ficaria com a função de Sophia, que te substituiria na parte de criação e
avaliação das lojas sozinha, ao menos por doze meses.
Refleti sobre o que elas diziam. Era algo extremamente válido e todas
também.
Mas era tão clichê! Essa história de “fulano ficou doente, você pode
substituí-lo”? Pelo amor de Deus, minha vida não é um romance erótico!
Fiquei pesando as vantagens e desvantagens de aceitar a proposta de
trabalhar com a banda que eu tanto admirava à distância, até que finalmente
consegui tomar uma decisão. Apesar da quantidade de cafeína que ingeri, o
melhor a fazer naquele momento era tentar dormir e torcer para que a decisão
tomada fosse a mais acertada.
***
Assim que cheguei no escritório, fui recebida por todos com olhares
ansiosos. Balancei a cabeça para os lados, respirei fundo e tomei coragem
para anunciar minha decisão:
— Ok, suas quengas. Vamos fazer isso. Na pior das hipóteses, vou ter
conhecido a Europa quase toda, né?
Todos bateram palmas e deram gritinhos animados, me fazendo rir da
empolgação geral. Sophia pediu para sua secretária comprar pizzas e
champanhe para que pudéssemos comemorar. Revirei os olhos, imaginando a
combinação esquisita caindo no estômago de cada um naquele escritório tão
maravilhoso.
Enquanto pensava no contrato novamente e ouvia todos
comemorando, meu peito se apertou de nervoso, mas eu não pude refrear
minha felicidade. Era realmente uma oportunidade incrível de crescimento.
Profissional e pessoal.
Sorri, vendo Lula colocar a banda para tocar no sistema de som do
segundo andar, e pensei em como seria conviver com todos da Sissy Walker.
Não pude refrear o pensamento seguinte: com um pouco de sorte, quem sabe
eu realmente não pudesse rever o Gabriel? Não ia me fazer mal algum.
Pelo contrário.
Chegando na mansão
não chegou no horário previsto, como meu enjoo acabou por piorar a
situação. Gentilmente, ele conteve a bateria de desculpas que eu soltei em
poucos segundos e pegou minhas malas, me levando diretamente para a
mansão, onde eu ficaria hospedada até o início da turnê da banda.
Ficar lá tinha sido uma decisão em conjunto, minha, de Betty e de
Tony por alguns motivos. Primeiro porque faltavam poucos dias para a
viagem para a Espanha, ponto de partida da turnê. Segundo porque o
apartamento que a gravadora ficou de alugar para mim não ficou pronto a
tempo, então cancelaram o contrato faltando dias para eu chegar em Londres.
Também tinha o fato de a mansão ser gigantesca, e todo mundo —
literalmente todo mundo — da banda estar hospedado lá, para aquecerem os
motores. E isso também incluía minha amiga linda, Tony, a mais nova
vocalista da SW na turnê. Fazia sentido que eu ficasse junto de todos. Seria
bom conhecer mais a banda.
A viagem felizmente foi rápida, e eu não contive um suspiro quando
vi a enorme residência. De dentro do carro já dava para ver que era muito
grande, linda e imponente.
— Nossa, Ferdinand! A Betty mora na mansão da Adele? — disse,
rompendo o silêncio que havia permanecido em boa parte da viagem.
Pela primeira vez desde que eu vira o motorista, quase uma hora
antes, pude ver um sorriso.
— Não, senhorita, a mansão da senhorita Adele fica em Sussex. Mas
são parecidas, é verdade.
Assim que estacionamos, o motorista abriu a porta do carro, todo
educadão, e eu saí meio trôpega de enjoo — e de remédio contra enjoo.
Ugh... O chão tá se mexendo, ou sou eu que estou bêbada sem ter
bebido?
Segurei no braço de Ferdinand, que prontamente me deu o apoio
necessário. Ele me apoiou no caminho até o interior da casa, o que se
mostrou necessário: um pequeno deslize seria o suficiente para que eu me
estatelasse naquele lindo gramado.
Se a casa já parecia exuberante por fora, foi só dar os primeiros
passos por aquela sala digna das melhores revistas de decoração que
imediatamente minha cabeça pareceu esquecer a tontura e se concentrou
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Estava ansiosa para reencontrá-lo também, ver como ele estava, sei lá.
Eu sou uma tarada-barra-saudosista.
Betty me mostrou os cômodos da mansão, a parte externa, a piscina,
os quartos principais e me contou sobre a ala dos funcionários, onde eu
dormiria. A tour durou mais de uma hora.
Era a mansão da Adele, na boa.
Enquanto me mostrava tudo, a vocalista foi me contando das
novidades da banda e de sua vida pessoal, e eu não interrompi, ainda que
soubesse de quase todas aquelas histórias. Estava tão feliz por estar ali, que
nem lembrei a moça que Tony me contava aquilo tudo toda hora.
Betty me levou até a ala dos funcionários, me perguntando se eu teria
problema em dormir ali. Eu tive vontade de rir daquilo, pois, de todos os
espaços da mansão, eu me senti mais em casa exatamente lá. Era muito clara,
convidativa, com janelas grandes, móveis modernos, uma cozinha americana
equipada e funcional e uma sala imensa, com sofás tão convidativos quanto
aquele em que eu cochilara havia minutos. Fora que as portas de vidro davam
para o jardim lindo da mansão.
Fomos até os quartos da ala, um de frente para o outro, e Betty me
apontou o quarto do lado direito da ala. Por um momento, pensei em
agradecer o tour e ir dormir até o dia seguinte, mas meu lado workaholic
nunca me deixaria cometer um deslize desses.
— Esse é o seu quarto. Ferdinand já levou sua bagagem para o closet,
então você pode ficar à vontade para arrumar do jeito que você quiser, ok? —
Betty me explicou.
Dei uma olhada rápida no interior, mas não prestei muita atenção,
nem fiz menção de organizar alguma coisa. O que eu queria mesmo era saber
quando começaria a trabalhar, e por isso aproveitei a oportunidade para
perguntar isso à Betty.
— Mal chegou e já quer serviço, sua viciada? Ok, vamos no escritório
para que eu te passe algumas das informações.
Conversamos sobre orçamentos de roupas, pedidos, as medidas de
cada um dos membros e tudo mais que eu precisava saber — ou reforçar o
que eu já sabia. Betty me passou a agenda de shows daquele mês e uma pasta
imensa com fotos, documentos e notas das roupas recebidas que eu precisaria
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ajustar, pois vieram com numerações maiores — algo que nunca aconteceria
na Wings, mas obviamente não comentei isso.
— Pronto, agora que você já sabe de tudo, vá arrumar seu quarto.
Ficaremos aqui até o dia da viagem, daqui a uma semana, ok?
Balancei a cabeça, animada. Era a primeira vez que eu moraria, de
certo modo, no exterior, portanto estava exultante, apesar do sono. Fuso
horário é um saco, e Dramin é uma droga.
Betty me acompanhou de volta até o quarto enquanto conversávamos
sobre algumas das cidades por onde a turnê passaria. Entramos juntas no
cômodo, e só naquele momento eu pude notar os detalhes do imenso quarto.
De frente para a entrada, um pouco para a esquerda, havia uma porta
que dava para um banheiro todo trabalhado na modernidade: era praticamente
todo preto, com granitos e aquecedores e milhões de botões. Era daqueles
banheiros de rico, com chuveiros que emitem luzes coloridas, sabe? Uma
coisa de louco.
À direita, um pequeno sofá branco, encostado na mesma parede da
cama, dividia espaço com uma bancada e duas cadeiras cor de carmim. No
canto oposto ao lado da porta do quarto, vi uma cama de casal quase
encostada nas janelas cobertas por blackouts escuros. Duas mesinhas de
cabeceira brancas ao redor dela serviam de apoio para duas luminárias
modernas e minimalistas. Notei uma grande televisão presa à parede em
frente à cama e, ao seu lado, uma última porta dava para, provavelmente, o
closet.
O quarto não tinha decoração alguma, nenhum quadro ou flor, vaso,
nada. Parecia um pouco impessoal demais, o que fazia sentido, afinal, era
praticamente um quarto de hóspedes. Ainda assim, parecia meio masculino
demais. Tudo muito... frio. Neutro. Imenso. O tipo de lugar que implora por
um mural de fotografias instantâneas e um pouco de bagunça de costura.
Adorei.
— Uau. Acho que é maior do que meu apartamento... É muito espaço
para uma pessoa só... — comentei. Betty riu de meu assombro e respondeu:
— E quem disse que é para uma pessoa só... Ops! — Betty começou a
falar, mas se interrompeu, como se tivesse falado demais, o rosto revelando
um deslize.
Confusa, perguntei:
— Eu vou dividir o quarto com alguém? Numa mansão desse
tamanho, sua mão-de-vaca? É assim que a sua gravadora faz para economizar
e fazer a Sissy Walker prosperar? Explorando seus funcionários? — brinquei,
apesar do rosto sério.
— Não, claro que não, o quarto é seu! É modo de dizer, eu pretendo
te perturbar várias vezes aqui, precisamos matar as saudades, não é? — ela
disse, num tom meio desesperado de justificativa, mas riu ao ver que eu
estava só sacaneando a pobre coitada.
Notei que ela estava escondendo alguma coisa, mas preferi não dizer
nada.
— Ok, então! Cadê a Tony? — perguntei, colocando minha bolsa em
cima da cama e afundando no colchão.
— Tony está resolvendo umas penden... pen... Como se diz isso? —
perguntou, franzindo as sobrancelhas e colocando as mãos na cintura.
Achei graça e respondi:
— Pendengas? Achei que português fosse sua língua materna, flor.
— Achou errado! — ela riu e explicou em seguida. — Eu nasci no
Brasil, mas vim pra cá com um ano, dois. Português é minha segunda língua,
e Aline e Tony nunca treinam muito comigo... — disse e fez um beicinho,
como se aquilo a deixasse triste.
Era engraçado ver uma mulher adulta, alternativa e glamorosa como
ela fazendo beicinho.
— Enfim, vou treinar meu português com você! Suas malas já estão
no closet, ok? — repetiu, me deixando com a pulga atrás da orelha. Por que
raios ela queria tanto que eu arrumasse o closet? — Arrume-o do modo que
achar melhor.
— Sim, chefa — brinquei enquanto tentava segurar um bocejo. Pedi
desculpas com um sorriso e disse que ia tomar um café para começar a
organizar tudo e adiantar o trabalho.
Betty assentiu e me informou que eu teria o dia de folga, para que eu
pudesse me acomodar e organizar meus horários. Eu ainda desejava saber
onde estavam os outros membros da Sissy Walker, mas ela insistiu que eu
descansasse.
— Deixa que amanhã você vê todo mundo, eles estão no estúdio
ensaiando, e você tá caindo de sono. Que horas são? — perguntou, olhando
no relógio e se espantando. — Cinco horas! Até você arrumar seu closet e se
ajeitar, já deu o horário de dormir!
Dei um meio sorriso irônico para ela, mas não falei nada.
De novo ela me mandando arrumar o closet!
— É bom te ver de novo, garota. Vamos passar um ano bem divertido
juntas! Você é praticamente minha cunhada, né? — ela disse, me puxando
para um abraço e sorrindo.
Retribuí seu abraço, me sentindo à vontade com todo aquele carinho.
— Pode apostar esse seu cabelo de sereia que sim, boneca — disse e a
soltei. — Ah, Betty! Só uma pergunta antes de você ir!
— Diga! — ela respondeu prontamente, dando meia-volta e me
olhando.
— O Gabriel, onde ele está?
Assim que perguntei, uma expressão de tristeza meio canastrona
tomou conta do rosto de Betty.
— Ah, eu não te contei? O Gabriel não vai viajar com a gente nessa
turnê, ele está trabalhando com outra banda agora! Quem vai substituir vai
ser a Erika, a outra segurança. Desculpa, esqueci de te avisar...
Fitei os olhos dela e busquei algo que me dissesse ser uma brincadeira
aquilo tudo. Não encontrando, dei um muxoxo de tristeza, guardando meus
pensamentos para mim mesma.
Droga. Eu sou uma besta mesmo.
— Você precisa de mais alguma coisa? — ela perguntou gentilmente.
— Sim, do Gabriel... Ops, desculpa. Não, de nada, obrigada —
consertei antes que falasse mais besteira.
Betty segurou um sorriso e saiu do quarto. Pude ouvir sua risada
contida do corredor, mas não a acompanhei. Estava desanimada demais para
sorrir, ou mesmo para pensar no motivo de ela achar graça de... mim? Sei lá.
Deitei na cama e olhei para o teto, me sentindo estranhamente triste.
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Passei tanto tempo pensando em como seria rever o segurança, que nem
cogitei a possibilidade de ele não trabalhar mais com a Sissy Walker. Por que
Tony não contou isso?
De repente, a turnê não parecia mais tão colorida e animada quanto
antes...
Resolvi não pensar nessas coisas, afinal meu contrato traria benefícios
astronômicos à Wings, além de uma incrível experiência de vida.
Não fui contratada para dormir com ninguém, fui contratada para
ajudar a banda! Não importa se o Gabriel tenha sido uma pessoa importante
na minha vida, que tenha me ajudado a virar uma página traumática e que
tenha sido uma das melhores noites da minha vida!
Ai, merda, ficou tudo meio cinza de repente...
Não, Lena. Larga de ser besta. Anda, vai arrumar tudo!
Levantei da cama de uma vez, decidida a arrumar logo o closet antes
que Betty me mandasse uma segunda — ou terceira, quarta? — vez ajeitar o
cômodo. Porém, fiquei totalmente tonta com o movimento rápido, e acabou
sendo melhor deixar para depois, quando eu não estivesse tão sonolenta e
cheia de remédio correndo nas veias.
Vinte minutos e um banho rico depois, saí do banheiro com o cabelo
enrolado numa toalha e vestindo um robe que encontrei lá mesmo. Sem
acender a luz do closet, puxei a mala principal e comecei a escolher o que
usaria para dormir.
Peguei uma calcinha com estampa de nuvens, uma cópia exata da
calcinha da sorte que eu costurava e estampava desde a adolescência, e me
lembrei de um detalhe: na noite em que conheci Gabriel, eu usava uma das
versões dessa calcinha, a que tinha um furinho na lateral e que ele rasgara.
Poxa...
Não, Lena, para de frescura. Não era para ser, então não foi!
Esquece Gabriel, é passado!
Como o clima estava confortável — e por confortável eu quero dizer
frio, mas sem lembrar as geleiras do Himalaia —, não precisei aumentar a
temperatura do quarto. Deixei o controle do aparelho em cima do pequeno
móvel ao lado da porta, aquele que creio se chamar aparador e que sua função
seja a mesma das mesinhas de centro, nenhuma.
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voz baixa.
Desliguei o celular sem dizer nada para Gabriel e comecei a pensar no
que fazer. Sair do quarto, ligar para Betty ou esperar a pessoa se explicar?
Minha intuição dizia que não havia motivos para sentir medo do vulto.
Talvez fosse tudo um mal-entendido, e ele realmente tenha entrado no quarto
errado sem querer. Havia outro quarto em frente ao meu, afinal de contas.
A mochila tombou para frente mais uma vez, e eu a segurei num
reflexo. Mochila inconveniente igual ao dono, pensei enquanto a encostava
na parede para que não caísse mais. Dei uma olhada de relance no coldre e
contive a respiração. Droga, quero saber qual arma é.
Não, Lena.
Não pegue na arma alheia.
Não é sensato.
Você vai deixar suas digitais num revólver de alguém que você nem
conhece.
A voz da razão tentava me impedir de fazer aquela besteira, mas a
curiosidade de ver qual arma o possível segurança tinha foi maior do que meu
bom senso. Meu tio é entusiasta — ou melhor, totalmente viciado — de
armas, foi ele quem me ensinou a atirar quando eu era adolescente, e eu tinha
certeza que ele soltaria fogos de artifício ao saber que eu fiquei curiosa sobre
uma arma, mesmo não sabendo quem era o dono.
Tirei a arma do coldre, verifiquei se estava com o pente de balas e dei
uma olhada geral. Não pude conter uma risada: era uma G22, a preferida de
meu tio. Uma Glockinha. Chequei o peso da arma e sorri ao pensar em como
ele ficaria orgulhoso ao saber que a sobrinha soube reconhecer uma pistola
sem precisar recorrer ao Google.
Bom... ou isso, ou ele diria “não fez mais que sua obrigação, Maria, é
a minha arma preferida. Com ela, eliminei vários vagabundos que...”
É, provavelmente seria a segunda opção... Velho esquisito.
Estiquei o pescoço para olhar melhor a porta do banheiro, e como o
chuveiro permanecia ligado, virei de costas e apontei a arma para a janela,
para senti-la melhor em minhas mãos. Era uma arma boa de se pegar, se
comparada com aquela Taurus horrível que meu tio me obrigava a praticar.
Nossa, como eu odiava aquela arma.
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totalmente mal-humorado.
Vi de canto de olho ele se aproximar e pegar a arma em cima da
cama. Desviei o rosto quando ele se voltou para mim e me abaixei para pegar
meu celular. Tela trincada, de novo. A ironia das ironias: desejei que o
suposto celular do invasor trincasse a tela, mas acabei fazendo isso com o
meu... de novo. Bom, de qualquer modo, não era a primeira vez, não seria a
última, aquele aparelho havia caído no chão no aeroporto no Rio, mais cedo,
vivia despencando da máquina de costura, enfim. Era impressionante como
ainda ligava apesar disso tudo.
— Esse é o meu quarto, senhor invasor, acho que a pergunta certa
seria... — tentei rebater com firmeza, mas minha voz falhou. Estava me
sentindo uma idiota por ter sido flagrada segurando a arma alheia.
— Seu quarto? Seu quarto é o da frente! Você é a Maria, figurinista
nova, não é? — a voz irritada perguntou enquanto se afastava. Ouvi uns
barulhos que me soaram como se ele estivesse guardando a Glock em alguma
gaveta, ou coisa parecida.
— Sou, como você sabe? — perguntei, ainda sem olhá-lo, indo na
direção da janela e fingindo interesse em abri-la.
Lena, pelo amor de Deus, olha para o homem e resolve logo isso.
Para de ser criançona.
Ignorei meu bom senso pela segunda vez e permaneci de costas
enquanto tentava destravar a janela.
— A segurança aqui é impecável, você nunca teria entrado se não
fosse autorizada. Além do mais, não tem nada que eu não saiba aqui,
senhorita — ele retrucou, irritado.
Não pude deixar de rolar os olhos. Que prepotente!
— Ah, claro, todo poderoso, onisciente e onipotente! Sabe de tudo, só
não sabia que o quarto não era o seu! — respondi enquanto tentava abrir a
droga da janela.
— O quarto é meu. Você que entrou no lugar errado. Posso saber por
que você estava segurando a minha arma?
— Posso saber por que você entrou no meu quarto armado? —
retruquei enquanto destravava a janela.
dá coice. É óbvio que eu sei atirar com uma G22. Consigo desabotoar seus
ternos com essa sua Glockinha, se quer mesmo saber.
Gabriel piscou algumas vezes, e a surpresa em seu rosto surgiu
rapidamente, mas logo foi embora. Ele tentou, sem sucesso, segurar um
sorriso, e acabei rindo junto e caminhei em sua direção.
Parei na sua frente e olhei seu rosto pela primeira vez em quatro anos.
Era exatamente do jeito que eu me lembrava: o queixo forte, as sobrancelhas
arqueadas na pontinha, os olhos brilhantes, os lábios lindos, carnudinhos e
curvados em um meio sorriso e a pele levemente bronzeada de sol.
Gabriel não se moveu, mas retribuiu meu olhar e pareceu devorar meu
rosto com os olhos, como se quisesse memorizar cada parte dele, exatamente
do mesmo jeito que havia feito quando nos conhecemos.
— Não quer tirar uma foto? Pode facilitar a sua vida — brinquei,
dando mais um passo em sua direção com o coração martelando no peito.
Fiquei a centímetros de seu rosto, mas não me aproximei mais.
— Quero, Maria. Por sinal, por que você usou esse nome? —
perguntou, me brindando com seu sorriso relaxado mais lindo.
— Porque é o meu nome, Gabriel. Me chamo Helena Maria. Betty
deve ter usado meu segundo nome para que você não percebesse quem eu sou
nos formulários da segurança.
— É, foi o que ela fez. Ela abreviou o primeiro nome e entregou tudo
para a Erika, a segurança pessoal dela, conferir. Mal pude chegar perto da
última atualização da lista dos novos funcionários, Lena... — ele disse,
inclinando o rosto na minha direção.
— Hm, é um bom artifício... Betty sempre tentou ser cupido assim?
Checa na sua mesa de cabeceira, vê se não tem uma certidão de casamento
esperando pela sua assinatura... — disse enquanto inclinava o rosto em
resposta. Senti seu hálito em meu rosto e coloquei o chiclete no canto da
boca, já aguardando o tão esperado beijo.
— Provavelmente tem, junto da escritura de uma casa com cerca
branca... — ele respondeu, sorrindo e encostando os lábios no canto da minha
boca.
Não foi necessário dizer mais nada. Toda a dúvida de como seria
nosso reencontro se esvaiu quando nos atraímos como polos, ainda que não
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Primeiro café
nós dois.
Fiquei olhando Gab colocar café em uma caneca igual à minha e
beber em silêncio.
— Sem açúcar? — perguntei.
Gabriel apenas balançou a cabeça afirmativamente, enquanto eu sorria
e tomava mais um gole.
— Seu cabelo cresceu... — ele constatou antes de levar a caneca aos
lábios.
Botei a mão em meu cabelo e afofei um pouco meus cachos.
— Cresceu, né? Tá imenso, não corto tem uns quatro, cinco anos...
Omiti a informação de que eu não cortava desde o evento na Lyubov,
aquele evento desagradável. Não queria trazer o passado à tona.
— Ficou bonito também. Gosto do cheiro dele — disse em um tom
neutro.
Entortei a cabeça para o lado enquanto tentava me lembrar de quando
ele poderia ter sentido o cheiro do meu cabelo, mas não consegui pensar em
nada muito concreto. Eu estava de trança quando nos beijamos e não me
aproximei muito dele quando desfiz o penteado, no meu quarto.
— O cheiro ficou no meu travesseiro — ele explicou ao ver minha
confusão. — Você deitou na cama com ele molhado?
— Ah, sim... Entendi. Deitei, perdão... — eu me desculpei com um
sorriso tímido.
Tentei afastar da cabeça a resposta que eu realmente queria dar, uma
nem um pouco ortodoxa que envolvia outras partes do meu corpo que
poderiam estar molhadas, e voltei minha atenção para minha bebida.
— Não, não precisa pedir desculpas. Foi um pouco difícil de dormir
sabendo que a dona do cheiro estava no quarto ao lado, mas não tem
problema.
Dei uma olhada na expressão séria, porém relaxada de Gabriel, e sorri
com o canto da boca. Coloquei o café na mesa, apoiei os cotovelos na
bancada e me inclinei em sua direção.
— Escuta, Gabriel... Eu preciso te fazer uma pergunta, posso?
Gabriel imitou meu gesto com a caneca, mas não se inclinou na minha
direção, apenas balançou a cabeça assentindo. Retribuí o pequeno sorriso que
ele deu e soltei a pergunta de uma vez, tentando não rir da reação dele em
seguida:
— Há algum coração que possa ser partido com a minha presença?
Gabriel levantou as sobrancelhas, as franziu e me perguntou, com um
sorriso despontando em seus lábios:
— Como assim, um coração...?
— Eu quero saber, Segurança, se tem alguém que você esteja vendo
ou que esteja perdidamente apaixonada... ou apaixonado, sei lá, que vá me
caçar com um rifle por eu querer pegar você. Se sim, me avisa logo, porque
eu não tenho muita paciência para ficar esperando algo que não vai vir.
Terminei de falar e aguardei com um sorriso inocente no rosto. Era
bom colocar logo as cartas na mesa e definir o que podia ou não ser feito ali.
— Acho que me lembro desse seu lado que vai bem no ponto, Lena...
Tirei as mãos da caneca e as coloquei na bancada.
— Lembra? Que bom... Do que mais você lembra de quatro anos
atrás? Só para eu ficar sabendo, minha memória está um pouco nublada pelo
sono, sabe? — comentei enquanto cruzava os braços, sabendo que esse
movimento destacaria meus seios no decote em formato de coração. Uma
provocação pequena não faria mal a ninguém, faria?
Gabriel desceu os olhos imediatamente e concentrou o olhar no meu
decote. Sorri, satisfeita, e estalei os dedos na frente de seus olhos.
— Ei, Segurança, meus olhos estão aqui, ó — apontei para meu rosto
e tentei segurar a risada. Gabriel desviou o olhar dos meus peitos e voltou
para meu rosto com um pequeno sorriso.
— Lembro de muita coisa. De tudo, para falar a verdade — disse
enquanto se inclinava em minha direção. Pelo tamanho da bancada, não
adiantaria de nada se eu não me apoiasse nos cotovelos e o puxasse caso
quisesse beijá-lo, mas me controlei para não resolver esse impasse. Ele ainda
não havia respondido uma de minhas perguntas, a principal.
— Sei. Tenta lembrar agora de responder a minha questão, Gabriel.
— Eu não acabei de responder? —perguntou, olhando para meus
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lábios.
— A primeira, Gabriel. Eu preciso manter minhas mãos longe de
você? Ontem você não fez objeção, mas quem me garante que não tenha sido
um deslize? É difícil resistir a isso que existe entre nós dois... — disse sem
nenhum traço de insegurança. Era nítido que eu ainda exercia nele o mesmo
efeito que ele exercia em mim, então não era momento para falsa modéstia.
Gabriel desviou o olhar de meus lábios e voltou a me fitar nos olhos,
sem dizer nada por uns instantes.
— Depende — respondeu, simplesmente.
Acertei minha postura e peguei minha caneca de café, sem desviar do
seu olhar. Estava ficando impaciente, e não tinha nem vinte e quatro horas
que eu reencontrara aquele homem.
— Depende do quê? Do seu horóscopo, Segurança? — perguntei com
ironia.
Gabriel sorriu, me mostrando seus dentes lindos, e respondeu:
— Quase isso, Costureira.
Revirei os olhos, mas não pude deixar de sorrir. Gabriel estava me
provocando, mas eu não iria ceder tão fácil assim. Se o lance era fazer doce,
eu encheria o café dele de açúcar se continuasse com aquele joguinho de
palavras.
Terminei meu café sem desviar meu olhar do dele e me levantei em
seguida, indo lavar minha caneca. Guardei a louça e enxuguei as mãos no
meu vestido, ainda de costas para Gabriel. Quando me virei, ele estava
colocando mais café em sua caneca.
— Eu fiz esse café bem forte, Segurança, pega leve na cafeína —
alertei em tom de brincadeira
— São cinco e meia da manhã e eu não dormi direito, Lena. Preciso
de cafeína. Aliás, falando nisso, por que você está de pé tão cedo?
Levantei os ombros e sorri.
— Vontade de trabalhar, quem sabe? Ah, por sinal, você teria um
adaptador de tomada? Minha máquina de costura é meio louca, não encaixou
de modo algum na tomada daqui... — pedi.
— Tenho sim. Deixo no seu quarto daqui a pouco.
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Ele respondeu isso de modo tão sério, que eu quase zombei. Modo
profissional ativado! Bom saber que ele tem um tão intenso quanto o meu;
seu humor mudou em segundos!
Apertei os olhos, sorri e balancei a cabeça negando.
— Nem pensar, Segurança. Você vai me dizer onde tem um, e eu vou
lá pegar. Você está proibido de entrar no meu quarto enquanto eu estiver
presente.
Gabriel bebeu seu café e me perguntou em seguida:
— Qual é o seu medo? Que eu te ataque lá dentro? — perguntou, e eu
notei uma breve sombra em seu olhar, como se minha pergunta tivesse tocado
em um ponto delicado.
Ergui as sobrancelhas, surpresa com sua pergunta.
— Óbvio que não. Meu medo é que eu vá contra meus princípios e te
ataque, Segurança. Não gosto de encostar em pessoas que não estejam
totalmente certas do que querem comigo, então preciso que você pare de me
enrolar e me diga logo se há algo que me impeça de desabotoar seu terno com
sua arma — expliquei com um sorriso travesso no rosto.
Gabriel suavizou a expressão e comentou:
— Você é muito, muito direta, já te disseram isso alguma vez?
— Ao menos duas vezes por semana. Bom, pelo tanto que você está
me enrolando para responder, eu já entendi. Prometo que vou ser uma boa
menina e respeitar sua vontade, Segurança. Não esquece o adaptador de
tomada, ok? — disse, sentindo uma pontada de decepção ao ver que Gabriel
não tentou me corrigir.
Pelo visto, ele estava comprometido, e a noite passada havia sido um
erro.
É óbvio que ele está, Lena, sua anta. Um homem como ele iria ficar
sozinho, te esperando, quatro anos depois? Você não ficou sozinha!
Ingenuidade é uma coisa, burrice aguda é outra, Helena Maria.
Mas, se isso for verdade, por que Betty armou para que ficássemos
juntos no quarto? Não, hoje eu não estou lesada por causa das drogas, algo
de errado não está certo aqui. Betty sempre me disse que Gabriel é um
homem honrado, ele não iria trair alguém assim, tão facilmente.
Work³
— Olha, mas que ardilosa...! Gostei de você, quer ser minha amiga?
Erika uniu as sobrancelhas, parecendo surpresa, e em seguida me deu
uma risada frouxa e divertida, balançando a cabeça para os lados.
Aguardei que todos terminassem de rir e retomei meu lado
profissional em meio segundo, em uma tentativa de mudar de assunto:
— Diego, se você tiver um tempinho, passa na sala dos espelhos para
eu medir em você o colete? É alfaiataria, não é meu ponto forte, então preciso
ter certeza de que vai ficar certinho. Se alguma roupa não ficar boa, me
avisem, por favor. Estarei no meu quarto organizando a papelada e
organizando os briefings das pesquisas.
— Não quer ficar com a gente, Lena? Vamos beber alguma coisa
daqui a pouco — Betty convidou.
Recusei educadamente, explicando da bagunça do quarto, e me
despedi de todos, não sem antes fazer cara feia para Gabriel, que deu um
sorriso culpado — que obviamente me desarmou.
Assim você não joga limpo, senhor segurança!
apontou para uma caneca cheinha que repousava ao meu lado, próximo ao
meu braço. Sorri e agradeci pela gentileza.
— Animada para conhecer a Espanha? Tony disse que é sua primeira
vez.
— Sim, muito! O início lá foi um pedido seu, certo?
Ele bebeu um gole do café, fez careta e puxou o açucareiro ao lado,
jogando um cubinho de veneno na bebida. Herege.
— Sim, uma homenagem à minha mãe. Ela faleceu há alguns anos, e
eu havia prometido que um dia iniciaria uma turnê em Barcelona. Ela tinha
muito orgulho de sua terra natal, assim como eu.
Assenti com a cabeça e dei um sorriso compreensivo. Era uma
promessa bonita e foi muito bacana da parte de Diego cumprir com sua
palavra.
Tomamos o café enquanto conversávamos sobre amenidades,
trabalho, música e moda. Diego era uma pessoa muito agradável quando não
estava tentando comer qualquer coisa que se movesse e usasse uma saia. Ao
menos era isso que Tony e Betty (e os tabloides) falavam sobre ele: que o
guitarrista era um verdadeiro garanhão do rock.
Aproveitando o encontro, combinei um horário do dia seguinte para
que ele pudesse experimentar o colete que faltava ajustar e, agradecendo o
café novamente, me encaminhei para meu quarto. O dia havia sido cansativo,
eu precisava urgentemente de uma cama.
Estava na porta da cozinha quando ouvi Diego me chamar.
— Ah, Lena, você ligou para o Gabriel ontem, não foi? Ele me
emprestou o celular mais cedo e eu esqueci de devolver. E esqueci de avisar
que você ligou, desculpa... — ele pediu e voltou a beber em sua xícara.
Agradeci a informação, mas não comentei que já sabia daquilo, já que
estava no quarto de Gabriel quando Diego entregou o celular a ele. Não
queria dar corda para ser sacaneada logo na minha primeira semana, mesmo
que todos já soubessem que algo já tinha rolado entre nós dois.
Fui para meu quarto na esperança de conseguir assistir uns episódios
de uma série qualquer, mas minha cabeça não saía nem do trabalho nem de
Gabriel. O dia seguinte seria de pesquisas e, pelo horário, Gabriel ainda
estava a serviço. Que saco, eu estava subindo pelas paredes!!
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Pesquisas de tendência
estava com um sorriso derrotado no rosto. Fui embora torcendo para não ter
mostrado o abalo que senti ao saborear sua pele arrepiada sob meus lábios.
Entrei no cômodo e fechei a porta. Um sorriso idiota grudou no meu
rosto e notei que não conseguiria deixar de sorrir nem se a mansão explodisse
comigo dentro.
Fui até a cama, puxei o edredom e entrei por debaixo dele, sentindo o
frio do tecido em contato com minha pele quente. Eu precisei respirar fundo
algumas vezes para tentar acalmar meu corpo, que ansiava pelo toque de
Gabriel.
— Ai, Lena... Devia largar de ser boba...
Apesar do vento frio que entrava pela janela que eu abrira mais cedo,
minha pele não esfriava. Enxuguei meus lábios com as costas da mão
esquerda, me virei de lado na cama e fiz um esforço tremendo para não
deixar minhas mãos seguirem para o ponto onde Gabriel deveria estar.
Acabei cedendo e deixei elas fazerem o que queriam fazer.
Há coisas que a gente não deve controlar.
Desconfiança
— Ué, por que não avisou direto para ele? Porque, aparentemente, ele
responde suas mensagens bem rápido, ao menos as minhas... — comentei,
falando sozinha.
Respondi a mensagem de Betty e brinquei que seu pedido era uma
ordem, mas notei que as duas setinhas que indicam que o celular recebeu a
mensagem não apareceram, como se o celular não estivesse conectado à
internet.
— Será que a bateria realmente acabou e eu estou sendo paranoica?
Encaminhei a mensagem para Gabriel, mas o celular dele também não
recebeu, assim como o de Betty, indicando que talvez estivesse desligado.
Ops! Estou realmente ficando paranoica.
Levantei do chão da área da piscina e voltei para a mansão. Procurei
por Gabriel em seu quarto, na ala dos funcionários, na cozinha e no salão
principal, mas não o encontrei. Pensei em subir as escadas e procurá-lo no
andar de cima, mas achei que seria abuso demais, então decidi ir para a
cozinha principal, de onde eu teria vista para a entrada da mansão, e fui fazer
um café enquanto aguardava.
Ah, café... Não há nada melhor para sossegar meu facho do que café.
Estou nervosa? Café.
Estou com sono, mas preciso ficar acordada? Café.
Estou estressada? Café.
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pegar uma caneca no armário, se sentou na minha frente e colocou café até a
borda da louça.
— Você toma muita cafeína, Segurança! — disse enquanto bebia o
restinho do meu.
Gab me deu um sorriso que dizia “olha quem fala” e fez um gesto
com a garrafa perguntando se eu queria mais. Estendi a minha caneca e
balancei a cabeça afirmativamente.
Tomamos nossas canecas cheias em silêncio até Gabriel me perguntar
com a voz séria:
— Terminou suas tarefas?
— Sim! Demorei um pouco mais porque perdi um tempinho
organizando a bagunça que a filha de Jim fez. Ela deixou meu pote de botões
escuros cair no chão e, de quebra, derrubou o pote de botões claros em cima.
Foi uma delícia separar um por um... — comentei, fingindo cansaço.
Gab sorriu, comentou que adorava a pequena, me fazendo achar
graça. Ora bolas, Gabriel era um armário de um metro e noventa e cara de
desinteresse eterno. Era curioso que ele gostasse de crianças, ia contra sua
imagem de malvadão.
— O convite ainda tá de pé, Segurança? – decidi perguntar
casualmente depois de algum tempo em silêncio.
Gab franziu as sobrancelhas, me questionando sobre qual convite eu
me referia.
— Ora, o único que você me fez. Aquele de casar, ir morar numa casa
com cerca branca... Ué, não foi um convite? Meu Deus, eu já até comecei a
costurar meu vestido de casamento!! — brinquei, fingindo afetação,
colocando a mão no peito de forma teatral.
Gabriel arregalou os olhos, mas riu em seguida.
— Conhecendo você, sua roupa vai se resumir a um monte de saia de
balé por cima de uma cinta-liga e uma calcinha com estampa esquisita.
Coloquei a caneca vazia em cima da bancada e quase me engasguei
com o restinho de café, de tanto que ri.
— Olha, você sabe que tule é um dos meus tecidos preferidos! Que
bonitinho, Segurança! Mas eu nunca me casaria com um vestido feito de tule.
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Até porque casar não faz parte dos meus... — interrompi a declaração, seria
muito broxante conversar sobre matrimônio quando eu só pensava em
bolagatos naquele momento. — Bom, eu vou para o meu quarto colocar uma
calcinha de estampa esquisita, já que a que eu estou usando derreteu só de
você me olhar desse jeito.
Gabriel me deu um sorriso de canto de boca e parou de encarar o meu
decote.
— Vai colocar uma cinta-liga também? — ele perguntou com a voz
rouca enquanto eu lavava a caneca na pia e me virava para ir embora.
Virei o rosto em sua direção, depois o corpo e fui andando de costas
até a porta da cozinha.
— Não sei, Segurança. Por que não vem conferir? — mandei um
beijinho com uma pose blasé e me virei antes que batesse as costas em algum
lugar e arruinasse o clima maravilhoso que estava rolando.
Saí do ambiente e fui rumo à ala dos funcionários, sabendo que o
segurança viria atrás de mim em poucos minutos.
***
Praticamente corri até meu quarto, troquei a calcinha comum por uma
das de nuvens e ajeitei as meias ⅞, mas não coloquei cinta-liga. Demora para
tirar, então vamos facilitar tudo, não é mesmo? Conectei meu celular no
sistema de som do quarto e deixei tocando a playlist que normalmente uso
para fazer minhas mágicas sozinha.
Escovei os dentes, soltei o cabelo da trança e passei um pouco de
água nele, para tirar o efeito da escova. Assim que ele voltou a ter um
movimento mais agradável, me dei por satisfeita e me deitei na cama com a
Vogue australiana na mão. Já tinha lido aquela revista umas três vezes, mas
não quis parecer desesperada quando Gabriel chegasse.
Vinte minutos depois, quando eu já tinha decorado o código de um
vestido da Givenchy, de tanto que olhava para ele, Gab bateu na porta. Meu
coração pulou no peito quando eu abri a porta e Gabriel, sem dizer nada, me
puxou para um beijo muito, muito faminto.
Sorri contra seus lábios e tentei empurrar a porta, mas ele me agarrou
pela cintura, me virou contra a parede e fechou a porta com o pé. Gemi
quando ele ergueu minha coxa e a segurou com força.
— Segurança, sua mão é pesada, pega leve... — eu sussurrei enquanto
ele beijava meu pescoço. Ouvi sua risada e senti sua mão soltar minha pele.
— Eu disse para pegar leve, não para me largar, Gabriel...
Sem desencostar de seu corpo, eu o empurrei até a cama e o joguei lá,
como fiz na primeira vez que transamos. Subi em cima dele e sorri ao ver sua
boca entreaberta respirando com dificuldade.
— Quer uma bombinha de asma? Eu devo ter uma na mala, Seguran...
Ah! — Gabriel me pegou pela cintura e me deitou na cama, me fazendo dar
um gritinho de susto.
— Você fala demais, Costureira... — disse enquanto levantava meu
vestido e beijava minha barriga.
— É, já ouvi isso... Opa, nem pensar! — eu exclamei quando vi que
Gabriel fez menção de tirar minha calcinha e descer a cabeça para o meio de
minhas pernas. — Hoje é minha vez, moço. Sai daí — ordenei, o empurrando
com o pé e me levantando. — Deita.
Gabriel me deu um sorriso sensual e me obedeceu, tirando a camisa
antes de deitar. Tirei meu vestido, ficando só de sutiã, meias ⅞ e calcinha de
nuvens, e joguei a peça no chão. Ajoelhei na cama e comecei a desamarrar o
cordão de seu pijama enquanto cantarolava a música que tocava no quarto.
Obviamente, era Hypnotic, a mesma que tocara na noite em que nos
conhecemos.
Aquela noite foi tão sensacional, que a música de Zela Day virou
trilha sonora de todo e qualquer movimento sexual solitário meu ao longo dos
quatro anos seguintes...
Gab reconheceu a música e seus lábios se curvaram um pouco mais
no sorriso sedutor.
— Levanta o quadril — ordenei e puxei a calça, deixando-o só de
boxer preta. — Sabe, Gab...? — perguntei enquanto tirava a cueca dele com a
maior calma do mundo.
Sorri ao vê-lo fechar os olhos e respirar entre os dentes quando me
curvei sobre seu corpo e passei os lábios em seu pescoço.
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— Lena... — ouvi sua voz me chamar, mas não dei bola — Lena... É
melhor você parar... Agora, Lena... — ele disse, sem muita certeza na voz,
como se não quisesse de verdade que eu parasse.
Por mim, eu continuava ali até ele terminar, mas não quis acelerar
tanto as coisas. Tirei sua ereção de minha boca, a soltei e me ajoelhei na
cama, analisando suas feições quase contorcidas pelo desejo.
Gabriel abriu os olhos, ergueu o corpo e me puxou pelo braço de
repente. Dei um gritinho e ri ao cair na cama de bruços. Ele se levantou por
um momento e pegou uma camisinha que eu deixara em cima da mesa de
cabeceira, voltando para perto de mim enquanto eu, sem me virar, empinava
a bunda para que ele tirasse a minha calcinha.
Gab facilitou o processo para mim, me despindo da lingerie
estampada, mas me deixando com as meias e com o sutiã. Fiz menção de me
levantar para me livrar das ⅞, mas ele me impediu com a mão, me fazendo
abaixar o tronco e ficar de quatro para ele e me dizendo que sabia bem o que
eu queria que ele fizesse.
Ah, como eu amo as pessoas que tem boa memória e se lembram do
que as outras mais gostam...
Apoiei meu peso nos cotovelos enquanto Gabriel passava a mão
áspera em minha pele e deslizava um dedo para dentro de mim. Mordi o lábio
para não gemer quando senti outro dedo entrar e sair, provocando os sons que
denunciavam minha excitação.
Do mesmo jeito que começou a tortura, Gabriel terminou, tirando os
dedos de mim e me penetrando rapidamente. Dessa vez não houve mordida
no lábio que segurasse o gemido de surpresa que eu dei. Gab entrou e saiu de
dentro de mim lentamente, me provocando, me apertando com as mãos, me
arranhando nas coxas, até eu pedir que ele acelerasse antes que eu
enlouquecesse.
— Ué, Costureira, tá com pressa? — ele perguntou com a voz
divertida enquanto me dava um tapa de mão cheia na bunda.
Desgraçado!
— A vingança não é uma ação bonita, Gabriel... — eu disse com a
voz entrecortada quando ele me penetrou rápido e me deu outro tapa. —
Segurança, pare de me provocar, você não sabe do que eu sou capaz... —
ameacei, sorrindo.
Gabriel saiu de dentro de mim, abriu meu sutiã e me agarrou pela
cintura, me fazendo virar de barriga para cima. Seus olhos brilhavam e um
sorriso brincava em seu rosto quando ele tirou meu sutiã e se posicionou em
cima de mim, mas não me penetrou.
— Eu sei do que você é capaz, Costureira. Eu me lembro
perfeitamente... — ele disse enquanto roçava em mim, mas não entrava.
Sorri quando tentei mover meu quadril para facilitar sua entrada, mas
fui impedida por sua mão forte, que me prendeu no lugar.
— Ah, querido, você não sabe da missa um terço... — respondi e o
enlacei com as pernas, puxando-o para mais perto e fazendo-o entrar em
mim.
Soltei a respiração rapidamente quando senti ele me preencher e sorri
ao ouvir Gab fazendo o mesmo. Sua boca encostou na minha, e eu procurei
sua língua com avidez enquanto ele começava a se movimentar para dentro e
para fora, aumentando a velocidade a cada investida.
Passei meus braços ao redor de suas costas e relaxei as pernas,
apoiando meus pés na cama e afastando meus joelhos o máximo que
conseguia. Gabriel se apoiou nos cotovelos e me beijou com força enquanto
me penetrava.
Recebi sua língua de bom grado, até porque estava fazendo toda a
força do mundo para não gemer, o que era muito difícil para mim, e o beijo
era uma excelente forma de me calar.
Arranhei com minhas unhas a lateral de seu corpo quando ele agarrou
meu seio com sua mão grossa, e meus dedos do pé contraíram com tanta
força, que eu me perguntei se era tesão ou se era câimbra. Fiquei com a
primeira opção quando uma gota de suor escorreu de sua testa e pingou nos
meus lábios quando ele parou de me beijar para respirar, sem deixar de se
enterrar em mim, cada vez mais rápido.
Passei a língua nos lábios, sentindo o gosto salgado, e me estiquei
para morder seu lábio. Gabriel me empurrou de volta para a cama com a mão
no meu pescoço e lambeu minha pele dali até o queixo, me beijando em
seguida e misturando o gosto do meu suor com o seu.
— Gabriel... Eu vou... Espera... — tentei articular, mas era tarde
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***
***
Horas depois, quando nenhum dos dois tinha mais forças para fazer
nada que não fosse converter oxigênio em gás carbônico, Gabriel me
questionou, meio sonolento:
— O que você queria perguntar, Lena?
Olhei para ele e ergui o lábio superior numa careta de quem não
conseguiu ainda encontrar as palavras certas para dizer algo importante.
Gabriel riu de minha hesitação e se levantou da cama.
— Enquanto você decide o que quer dizer, eu vou tomar um banho —
disse e caminhou para o banheiro, me dando uma visão gloriosa da parte
detrás de seu corpo nu.
Eu o acompanhei com o olhar até ele entrar no banheiro. Gabriel
fechou a porta, e eu ouvi o barulho do chuveiro.
— Droga, Lena, tá parecendo uma adolescente boba... — eu me
recriminei em voz alta.
Balancei a cabeça e comecei a vestir minha roupa, me esquecendo de
que, na verdade, aquele era o meu quarto. Assim que me vesti, me dei conta
de que Gabriel é quem deveria ir embora, não eu!
Gab saiu do chuveiro com uma toalha nova na cintura, uma nas mãos
Gabriel tentou conter uma risada, mas não conseguiu, fazendo sem
querer o que eu pedi.
— Boa noite, Costureira.
— Boa noite, Segurança.
Fiquei olhando a porta bater e me levantei da cama com um sorriso
imenso no rosto. Estava me sentindo muito em paz. Saciada, feliz e aliviada.
Fui tomar um banho e notei que o sorriso bobo não saía dos meus
lábios, mas o que eu podia fazer?
Era o efeito Gabriel.
A viagem
motivos e, confesso, nem me preocupei muito. Meu foco era outro. Nem
prestei atenção inicialmente no luxo da aeronave. Não era minha primeira
viagem confortável de qualquer maneira.
Ah, qual é? Uma pessoa dona de uma marca com quase trinta lojas
em seu país nem sempre viaja de classe executiva, não é?
A primeira classe, como era de se esperar, tinha poltronas tipo leito
cheias de frescurites e espaço de sobra, o que não ajudou em nada para
acalmar meu estômago. Nervosa, apertei as mãos enquanto tentava me
distrair olhando as várias televisões espalhadas, uma para cada poltrona.
Sentei em meu lugar, o coração aos saltos. A medicação não estava
me dando sono, logo, não ia fazer efeito quando o maldito avião decolasse.
Gabriel passou ao meu lado, segurando uma bolsa de viagem enquanto
procurava seu lugar, mas parou assim que viu minha expressão.
— Lena? Tá tudo bem?
Nervosa, olhei para ele, mas tentei sorrir.
— Claro! Imagina se eu estaria nervosa, é só um voo de cento e onze
horas onde meu remédio para enjoo não faz efeito nem por um cacete!
Grande coisa! — tentei brincar, mas soei como uma pessoa desesperada, e
não como uma piadista irônica.
Gabriel riu de meu pequeno descontrole.
— Quer companhia?
Apesar da segurança que a ideia me passou, eu quis manter minha
dignidade intacta, então zombei, fazendo voz de criança:
— Claro, papai! Senta aqui, segura na minha mão e mexe meu
Toddynho com uma colherinha! Claro que não, Segurança, imagina se eu vou
querer te dar esse trabalho todo. É só nervoso pré-enjoo. Vai, pode ir procurar
seu lugar.
Gab me deu um meio sorriso e balançou a cabeça para os lados. Em
seguida, foi atrás de seu assento, que, por um acaso, ficava atrás do meu.
Aline surgiu, parecendo meio perdida, e sorriu ao encontrar seu lugar ao meu
lado.
Ter alguém mais simpático comigo naquele momento me fez sorrir
(convenhamos, Aline era brasileira, imagina se fosse Jim, que era irlandês e
meio frio?), mas assim que o avião começou a taxiar, o alívio que eu
começava a sentir passou. Imediatamente me arrependi de não ter topado a
oferta de Gabriel, pois ao menos ele era próximo de mim o suficiente para eu
não sentir vergonha de agarrar sua mão e chorar que nem uma criancinha.
Meu estômago embrulhou quando vi que a decolagem ia começar a
qualquer minuto, meu coração recomeçou a sapatear dentro do meu peito e
minhas mãos começaram a suar...
Calma, Lena. Você não vai vomitar. Não vai. Vai ficar tudo bem.
Tudo vai dar certo. Respira fundo.
Minha boca encheu d’água quando eu tentei respirar. Percebi que
nada ia descer pela minha garganta, e aí sim comecei a entrar em pânico. Eu
ia vomitar a qualquer minuto se não me distraísse e pensasse em qualquer
outra coisa que não fosse meu estômago nervoso querendo dar showzinho no
avião.
Olhei para o lado e vi Aline tranquila mexendo em seu celular. Ela
bastaria?
Não, preciso de alguém que tenha o mínimo de intimidade comigo.
Peguei em seu braço e disse, meio desesperada, meio nervosa e
totalmente enjoada:
— Gatinha, troca de lugar com o Segurança, e eu juro que costuro
tudo que você quiser ao longo dessa turnê!!
— Oi? Com o Gabriel? — Aline perguntou, confusa, mas se levantou
correndo ao ver minha expressão de desespero, ainda que o aviso para os
cintos serem afivelados estivesse bem luminoso na nossa cara.
— Segurança, eu topo você mexer meu Toddynho! — quase gritei
sem me virar.
Agarrei os braços da poltrona como se minha vida dependesse daquilo
e comecei a me sentir mais nauseada ainda quando percebi que a comissária
de bordo acabara seu discurso louco de gestos decorados.
Anda, Segurança, vem para cá de uma vez!
Aline correu para o lugar de Gabriel, que se levantou e sentou do meu
lado rapidamente, apesar dos protestos da comissária de bordo e das risadas
de alguns passageiros. Mandei que ele se calasse quando virou o rosto para
Barcelona
segundo Tony, ele tinha seu próprio jatinho, então ficava indo e vindo nas
turnês, sem necessidade de se hospedar em lugar nenhum.
Quando cheguei em meu quarto, meu queixo despencou: quanto luxo
para uma passagem tão pequena na cidade!! Tudo ali gritava dinheiro: da
cama gigantesca aos lençóis egípcios de sei lá quantos mil fios.
A mesma coisa para o banheiro, cheio de granitos e dourados e
perfuminhos e sei lá o que mais. Tudo o que eu falei no avião sobre já estar
acostumada com hotéis foi por água abaixo. Definitivamente, eu nunca me
acostumaria com aqueles luxos todos.
Porém, quando abri a cortina e dei uma olhada pela janela na vista
deslumbrante e no céu lindo da Espanha, achei que poderia aproveitar um
pouco aquela beleza toda sem ser tão chata.
Passei algum tempo organizando minhas coisas — Magic Manson
ficaria na mesinha de canto do quarto — enquanto pensava nos horários que
eu teria para conhecer cada cidade quando ouvi alguém bateu na minha porta.
Assim que abri, vi Pierre, o responsável pelo estilo da banda, parecendo
exausto.
Pierre era uma graça: olhinhos puxados, cara de menino Tumblr,
magrelo e de tamanho mediano. Parecia um adolescente, mas, até onde eu
sabia, era mais velho que eu.
— Olá... Lena, certo? Peço desculpas por essa confusão, mas eu nem
deveria estar aqui... Acabei conseguindo vir.
— Não, imagina! Quer entrar ou topa um café no restaurante do
hotel?
Pierre pareceu contente pela sugestão e me acompanhou até o local.
Tratava-se de um restaurante muito bonito, mas com aquele tipo de decoração
e arquitetura que prezam a beleza acima de tudo. As cadeiras eram um horror,
de tão desconfortáveis.
— Escuta, Lena... — ele começou, tirando a minha atenção do
cardápio. — Essas cadeiras são ruins de sentar, ou sou eu que sou muito
chato?
Dei uma risada e balancei a cabeça negando.
— Não, Pierre, são horríveis mesmo. Minha bunda está chorando em
espanhol aqui... Você comeu alguma coisa no avião? — perguntei, puxando
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assunto.
— Não, mas não aguento comer nada muito substancial no momento.
Podemos pedir alguma coisa leve, como pães? Integrais, sei lá? — ele
completou quando eu ergui uma sobrancelha ao ouvir sua sugestão de que
pão seria algo leve.
Pedimos uns sanduíches e duas saladas e começamos a conversar
sobre o estado de saúde de sua mãe, mas logo focamos no trabalho. Mostrei
os arquivos digitalizados com as colagens, as pesquisas de tendência e as
fotos com as peças de roupa que eu customizara, bem como os esboços das
pesquisas feitas no WGSN
Pierre me mostrou seus face charts, os desenhos de maquiagens e
penteados, e nós passamos as horas seguintes repassando os estilos para os
shows que aconteceriam na arena Não-consigo-guardar-o-nome.
Tudo acertado, tomamos um café — ou melhor, eu tomei, já que a
viciada era somente eu — e nos despedimos. Fiquei feliz ao perceber que
Pierre era gente boa, seria bom trabalhar com pessoas agradáveis, como era
na Wings. Aquele encontro também tinha sido bom para me mostrar que eu
não acumularia funções, logo poderia cumprir cada uma das etapas do meu
cronograma com calma e organização.
— Ah, Lena! Antes que eu me esqueça! — ele exclamou, me
chamando antes que eu rumasse ao meu quarto. — Vou te colocar no grupo
da banda, tá?
Dei um sorriso amarelo e assenti. Nunca fui fã de redes sociais ou
aplicativos assim, apenas os tolerava por causa da Wings. Mas, fazer o quê?
É a vida.
Voltei para o meu quarto, decidida a tirar um cochilo antes da reunião
com a banda. Teria sido um cochilo mais proveitoso, se não fosse meu celular
vibrando com mensagens descontroladas.
— Já começou a palhaçada de “bom dia” e “boa tarde” de grupo de
WhatsApp, aposto...
Sentei na cama, ainda meio sonolenta, mas senti o sono fugir assim
que li as mensagens recebidas. Das dez pessoas que estavam no grupo da
Sissy Walker, somente três não estavam rindo e zombando de alguma coisa
que eu demorei para entender o que era: Pierre, Rick, o chefão, e Gabriel.
Pré-show
noite.
— Lena, eles aprovaram a primeira escolha de roupas ou foi a
segunda? — Pierre me perguntou, obviamente tentando me distrair enquanto
abria sua maleta de maquiagem e espalhava seu conteúdo na penteadeira.
— Sim, aprovaram as outras também. Pode manter o plano A, a
temperatura não caiu — respondi, totalmente séria enquanto organizava as
peças certas nas araras com divisórias contendo os nomes de cada um
pendurados em cabides.
Sendo sincera: tudo estava organizado já. Eu é que estava nervosa.
Parecia uma iniciante, uma caloura da faculdade de Moda.
Jim, Tony, Aline e Diego entraram no camarim uma hora depois,
conversando animados entre si. Pierre sorriu para Aline, que se sentou na
cadeira reservada para ela e aguardou para ser maquiada. Tony, por outro
lado, se maquiava sozinha, como já era costumeiro.
Com o tablet em mãos, fui até Diego e praticamente ordenei:
— Diego, você é o primeiro, pode ir se vestir. Suas roupas estão ali,
me avisa se você precisar de ajuda com a camiseta, sei que ela tem furos
demais. Quando terminar, me chama, preciso ver se o colete ficou bom, já
que você não fez a segunda prova, como eu pedi — disse de modo rígido
demais.
Diego ergueu as sobrancelhas e olhou para Tony, que apenas deu uma
risada e levantou os ombros, como se dissesse “obedeça, fazer o quê?”.
Minha amiga me conhecia muito bem. Meio mal-humorado, ele foi se trocar
atrás do biombo destinado a tal tarefa.
Abri meu aplicativo no tablet e chequei os acessórios que o guitarrista
usaria, pegando-os na maleta e indo até o biombo. Dei a volta nele e observei
Diego se trocar, totalmente distraído enquanto cantarolava uma música
qualquer. Quando terminou, estendi as pulseiras e o colar para ele, que levou
um susto ao me ver ali.
— Ei, tem quanto tempo que você tá aí?
Com o braço estendido, não alterei minha expressão.
— Tempo suficiente para ver que você sabe colocar a roupa sem mim.
Toma, suas pulseiras.
— Privacidade é...!
— Um privilégio quando se é famoso, meu querido. Toma, pega logo
suas pulseiras. Não me olha com essa cara, eu estarei mais amável depois do
show — respondi quando ele me dirigiu um olhar irritadiço. — Eu prometo.
Te pago uma sangria depois.
Ele estendeu a mão e pegou os acessórios, me dando um sorrisinho a
contragosto no final.
— Vou cobrar depois, General.
Fiz um imenso esforço para não rolar os olhos e dei um pequeno
sorriso para ele antes de dar meia-volta. Rockstars podem ser muito
sentimentais quando querem. Chamei o restante da banda um a um, ajudando
quem precisava de ajuda, como Aline, que teve dificuldades com a parte
traseira da cinta-liga, e conferindo os looks no tablet.
Enquanto a Sissy Walker conversava tranquilamente entre si
momentos antes do show, eu e Pierre paramos um ao lado do outro e
avaliamos nosso trabalho: estava tudo perfeito. Para ele, era habitual. Para
mim, era uma conquista e tanto. Era minha primeira vez nos bastidores da
música.
Pouco tempo depois, o show começou, e eu me sentei numa cadeira,
no corredor do camarim, completamente cansada e com os ombros doloridos
por causa da tensão. Não tinha energia para mais nada. Pierre se sentou ao
meu lado e colocou a mão no meu ombro.
— É assim mesmo, querida. Daqui a alguns shows você acostuma e
não vai ficar tão tensa.
Passei a mão no pescoço e nos músculos rígidos da região e dei um
sorriso cansado antes de perguntar:
— E o nervosismo pré-show, passa? — perguntei, vendo as pessoas
andando apressadas pelos corredores.
— Ah, não, nunca. Só a tensão mesmo. Na verdade, acho que você
acostuma com ela. Parabéns pela primeira “figurinada”, ficou tudo excelente.
Exausta, agradeci com um sorriso, recostei o corpo na cadeira e fiquei
assistindo ao show por uma televisão que transmitia a apresentação ao vivo.
Pierre deu dois tapinhas no meu joelho, sorrindo, e foi para perto do palco,
para curtir tudo mais de perto.
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Apesar da música alta, foi só fechar meus olhos por um minuto, que
acabei adormecendo. Acordei quando a multidão fez mais barulho do que o
normal e me levantei para ver o que estava acontecendo.
Vi Diego pendurado na grade de segurança, sendo literalmente
despido por jovens desesperados, que agarravam sua camisa e rasgavam o
tecido em várias tiras. Meu queixo caiu quando vi seu peito nu e corri para
pegar uma camiseta nova. Pierre entrou nos bastidores rindo e estendeu a
mão para pegar a peça de minha mão.
— Acostume-se, agora é assim mesmo. Não tem um dia em que
Diego não perca uma peça de roupa. Quem mandou ser uma delícia? —
gritou, rindo antes de voltar para o cantinho do palco.
Sorri e balancei a cabeça, suspirando. Ele poderia ter me avisado isso
antes, não? Teria deixado tudo mais à mão. Fui atrás de Pierre, que entregara
a roupa para um assistente e, assim que me viu chegando, me passou
protetores de ouvido.
De onde eu estava, pude ver Gabriel no espaço entre o palco e as
grades de contenção que impediam a multidão de atacar a banda e arrancar
cada pedaço deles. Ele estava dando ordens para outros seguranças, e seu
rosto estava contraído como nunca. Eu não pude deixar de rir ao imaginar
que o meu provavelmente estava do mesmo jeito havia pouco tempo.
Voltei minha atenção para o show e curti a vibe da banda, excelente,
como sempre. Não tinha um único membro da Sissy Walker que não fosse
extremamente carismático do seu próprio jeito, e todos tinham uma química
potente, visível mesmo para quem não os conhecesse pessoalmente. Creio
que fosse esse o principal motivo do sucesso deles, além do talento, claro.
Não era raro a Rolling Stones ou críticos famosos compararem a SW
a bandas incríveis, como Arctic Monkeys e Strokes. Cheguei a ver uma
comparação muito curiosa: segundo uma revista de música, a Sissy Walker
era uma mistura perfeita de Beatles e tudo que poderia haver de bom na
musicalidade brasileira, ainda que todos fossem criados com uma base
cultural europeia.
A vibe que misturava de forma brilhante uma pegada de bossa nova a
um rock agressivo, equilibrando de modo inédito gêneros diferentes, mas sem
perder sua pegada pop e indie, era muito querida. Mas era confuso para uma
pessoa amadora em música, como eu, entender todas essas referências, e isso
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***
Madrid
antipática, indiferente. Mas não era, pelo contrário. Sua seriedade se devia
pela profissão, mas Gabriel, por baixo daquela pose, era um homem com um
coração de ouro.
Há outra parte de seu corpo que também é de ouro, mas deixa para
lá.
Assim que Gabriel saiu de perto de mim, Pierre apareceu ao meu lado
e me ofereceu o braço para que fôssemos juntos para o hotel. Afastei meus
pensamentos sobre os quilates das partes do corpo de Gabriel, aceitei o
convite toda contente e entramos na van, conversando sobre um monte de
bobagens e sobre quão linda era Madrid, vista pela janelinha do transporte.
Pierre e eu estávamos nos aproximando cada dia mais, afinal, de todos
na banda, ele era o único que trabalhava diretamente comigo. Era natural que
o figurinista principal e a consultora de estilo se dessem bem, já que
passavam tanto tempo juntos e havia sintonia entre eles, mas poderia não ser
o caso mesmo assim.
Horas depois de nossa chegada no hotel, quando tudo já estava
arrumado e eu estava decidindo o que fazer com uma camiseta caríssima de
Diego que fora rasgada na barra e na lateral por uma fã descontrolada, meu
celular vibrou em cima da mesa de cabeceira do hotel grã-fino.
Peguei o pobre e trincado aparelho e o desbloqueei, sorrindo ao ver
uma mensagem de Gabriel perguntando se poderia passar no meu quarto.
Que pergunta idiota. Respondi e voltei minha atenção para à camiseta
arrebentada.
Estava chegando à conclusão que não daria para reformar a pobre e
bem-feita peça quando Gab bateu de leve na porta. Recebi Gab com um
sorriso, notando sua cara de cansado.
— Oi, Segurança! Entra! — disse e saí da frente da porta. — O que
houve, que você já tá exausto? Não tirou o dia de folga?
— Não, precisei ir até o estádio... arena... — Gabriel se corrigiu, a voz
baixa. — E checar se o esquema estava funcionando corretamente... O de
sempre... — ele disse enquanto se dirigia para uma poltrona do quarto.
— Ei, tira o sapato, Segurança!
Gabriel levantou uma sobrancelha, mas me obedeceu, voltando para a
entrada e deixando os sapatos lá.
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Por favor, não me diz que vem todo o lance de dominador junto dessa gravata
cinza aqui... — pedi com a voz desanimada enquanto afrouxava o nó da
gravata.
Gabriel levantou meu vestido e passou a mão pela lateral minha
calcinha antes de responder:
— Não, não se preocupa, não gosto. Não tenho paciência para esses
lances de submissão... — disse enquanto puxava meu cabelo, me fazendo
erguer o queixo. — Tá de folga, Costureira?
Sorri ao ouvir o apelido.
— Como se você não soubesse, né? Estou, até amanhã de manhã, já
resolvi todas as pendengas de figurino com o Pierre. Na verdade, eu preciso
consertar um vestido da Betty, que descosturou, mas eu faço isso em meio
minuto. Mas, vem cá, você não fica de folga nunca não?
— Fico, daqui a umas duas horas — ele disse enquanto puxava meu
vestido para cima e o passava pela minha cabeça, me deixando de calcinha e
sutiã.
— Então para de me deixar nua e vai terminar seus afazeres,
Segurança! Tá perdendo tempo, quando poderia...! — não consegui terminar
minha falsa reclamação, pois Gab me virou de costas para ele, me encostou
na parede e começou a beijar minha nuca enquanto subia a mão esquerda até
meu seio e a direita até minha calcinha. Senti sua ereção encostar em mim e
minha força de vontade de pará-lo morreu imediatamente.
— A gente nunca perde tempo, Costureira... — ele sussurrou em meu
ouvido antes de deslizar seus dedos para dentro de minha calcinha. — Mas eu
posso voltar depois, se você quiser...
Fechei os olhos e um gemido escapou de minha boca quando os dedos
desceram e tentaram entrar em mim.
— Gab, eu ainda não estou totalmente... — comecei a explicar, mas
ele me virou e me deu um beijo tão intenso e longo, que me acendeu como
pisca-pisca de natal em concurso de casa decorada em Rio das Ostras.
Ok, já estou pronta.
Passei as mãos em seus ombros e comecei a tirar seu terno enquanto
sentia sua língua quente em minha boca. Gabriel me segurou pelas mãos, me
impedindo, e me deitou na cama.
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Não pude deixar de rir quando ouvi seu comentário. Fechei a porta,
pensando em como há homens que, apesar de serem bem-sucedidos, fortes,
durões, ainda agem como crianças quando são contrariados. Gabriel,
aparentemente, não era uma exceção à regra.
Não demorou nem duas horas para que eu recebesse uma mensagem
do Segurança: “Sem febre”. Sorri e respondi imediatamente:
“Muito bem, senhor Segurança. Terminou o serviço?”
“Sim. Tá ocupada?”
“Não, esperando você”
“A caminho.”
Revirei os olhos ao ver a formalidade da resposta. Esses tipos muito
militares são tão engraçados quando se metem com tecnologias! Meu tio
também era assim, todo formal na hora de mandar mensagens.
Fechei minhas revistas e arrumei o quarto, guardando o que estava
fora do lugar. Estava verificando se tudo estava apresentável quando Gabriel
bateu à porta. Corri para atendê-lo e, mal deixei ele entrar, já fui colocando a
mão em seu pescoço e sua testa.
— Ufa, que bom. Não tem febre mesmo.
— Achou que eu mentiria, Lena? — ele perguntou com uma
sobrancelha erguida enquanto entrava no quarto e colocava seu copo de café
na mesinha de cabeceira.
— Não, não achei, mas você poderia não estar sentindo mais o calor-
barra-frio da febre. Bonita a calça, Gab — comentei enquanto apontava para
calça saruel horrorosa que ele estava usando. — Aliás, mentira, a calça é um
terror, mas você fica bem com qualquer coisa que coloca no corpo, né?
Mundo injusto esse... Se eu coloco uma dessas, fica parecendo que eu me
caguei toda, ou que estou de fraldas geriátricas...
Gabriel fechou os olhos e deu uma risada gostosa antes de me puxar
pelos ombros e me abraçar.
— Tomou o Gatorade? — perguntei enquanto abraçava sua cintura.
— Tomei, General — ele disse com um sorriso irônico brincando nos
lábios.
— Ah, não, você também? Já não basta Diego e Sophia...
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sério.
— Quer tirar uma foto, Gab? Vai durar mais — disse com um sorriso
preguiçoso enquanto chupava meus dedos e sentia meu gosto neles.
— Quero. Quero muito — respondeu e me deu um sorriso de canto de
boca.
Ainda sorrindo, apontei para a câmera em cima da mesa de cabeceira
e pedi para Gabriel:
— Pega a câmera, Gab. Vou te ensinar o que é um plano zenital.
Gabriel hesitou um momento, mas se levantou e fez o que eu havia
pedido, se certificando que a câmera estava no modo avião. Fiquei satisfeita
com sua preocupação. A última coisa que eu queria era que a câmera se
conectasse na internet e postasse no meu Instagram (ou pior: no da Wings) as
fotos que eu estava prestes a tirar. Seria a primeira foto explícita que
tiraríamos, então... Até aquele momento, todas eram sensuais, não
descaradas.
Sentei na cama com o corpo ereto, virando minhas pernas na direção
de Gabriel e encostando a ponta dos dedos no chão, os joelhos juntos.
Sem dizer nada, abri as pernas bem devagar e voltei a deitar o corpo
na cama, apoiando os pés na beirada da cama. Voltei a introduzir um dedo,
depois outro e estava prestes a colocar um terceiro, quando Gabriel se
levantou, tirou uma única foto de mim, sem mostrar meu rosto, pelo que pude
ver na revelação que Gab tinha em mãos. Com movimentos rápidos, ele
deixou a câmera na mesa de cabeceira, junto da fotinho, voltou para perto de
mim, me puxando pelo braço e me fazendo deitar sobre ele.
Ajeitei o corpo por cima de seu quadril e me sentei nele lentamente,
sentindo sua ereção entrar em mim centímetro a centímetro. Joguei minha
cabeça para trás quando ele me preencheu por completo e inclinei o corpo
para trás, colocando minhas mãos em suas coxas.
Com a respiração ofegante, voltei o corpo para frente e comecei a me
mexer para frente e para trás, sentindo meus músculos internos se contraírem
a cada movimento.
Abri os olhos depois de uns instantes e vi Gabriel me olhando,
iluminado por uma luz fraca que vinha de um poste do lado de fora do hotel,
quebrando a repentina escuridão em que o quarto se encontrava após o pôr do
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sol.
Inclinei o tronco sobre ele e o beijei, segurando seu rosto entre as
minhas mãos e passando minha língua em seus lábios entreabertos. Gab
dobrou os joelhos e colocou as mãos na minha bunda enquanto eu me
movimentava e tentava não gemer contra seus lábios.
Meus quadris tomaram vida própria e se movimentaram cada vez
mais rápido, me fazendo suar enquanto me aproximava cada vez mais do
final. Gabriel esticou as pernas e ergueu o corpo, me fazendo erguer o meu
junto e me beijando enquanto se apoiava com um braço no colchão.
Olhei para sua boca aberta e senti sua respiração em meu rosto e seu
braço em minha cintura. Sorri e passei meus braços ao redor de seu pescoço,
voltando a me movimentar em seu colo. Beijei sua boca e cavalguei até sentir
minhas coxas arderem, mas não liguei a mínima. Logo cheguei onde queria e
arranhei as costas de Gabriel com força.
Em seguida, o empurrei e me deitei por cima, ainda com ele dentro de
mim. Minha respiração estava descontrolada, mas a dele estava contida, só
um pouco ofegante.
— Quer uma bombinha de asma, Costureira? — ele disse enquanto
me virava de costas na cama e beijava meu pescoço.
Ah, desgraçado!
— Quero, pega uma e engole, idiota — respondi rindo enquanto o
acomodava entre minhas pernas e voltava a arranhar suas costas com mais
força do que antes.
Gab soltou um gemido rasgado de dor e disse:
— Mão pesada, Costureira... Você não tinha cortado as unhas?
— Sempre sobra algo para isso, Segurança — disse antes de beijá-lo,
já querendo mais de Gabriel.
Creio que passamos umas duas horas provocando um ao outro e
parando por tempo suficiente para respirar e repor líquidos, voltando em
seguida para a diversão.
Quando finalmente nos demos por satisfeitos, eu enterrei a cabeça no
travesseiro, exausta demais para falar qualquer coisa, e adormeci quase
imediatamente. Fui acordada por Gabriel, que deixou o celular cair no chão
sem querer.
— Segurança...? — perguntei, tentando acostumar meus olhos à
escuridão.
Gabriel foi até a cama e me deu um beijo na boca. Vi que ele estava
vestido quando acendi o abajur e perguntei ao vê-lo ir até a porta:
— Vai embora?
— Vou... Por quê? — ele perguntou, incerto. Sorri ao ver a confusão
em seu rosto e apontei para o frigobar antes de me deitar e dormir de novo:
— Leva um Gatorade...
Paris
Quando finalmente voltamos para terra firme, meu celular vibrou por
uma mensagem de So-so:
“Lena, aquela blogueira amiga minha tá aí e disse que tá rolando
tipo um yard sale de roupas perto da Torre Eiffel. Vou te mandar o endereço,
caso você passe pela torre algum dia desses, beleza? Compre algo para
mim!”
Não acreditei na minha sorte. Um brechó ao ar livre perto de onde eu
estava!
Agradeci à Sophia pela dica e esbocei meu pedido para Betty e Erika:
— Meninas, por favor, eu nunca pedi nada para vocês!
Betty parou de fotografar a torre — coisa que ela estava fazendo sem
parar há um bom tempo — e me perguntou o que era enquanto guardava o
celular na bolsa, mas o pegou logo em seguida para tirar mais uma última
foto.
— Desculpa, é lindo demais. Já vim aqui mil vezes, mas nunca
acostumo. Pode falar, Leninha.
— Tem uma rua aqui perto que tá rolando um brechó desses de rua,
possivelmente ilegal, possivelmente cheio de roupas maravilhosas que eu vou
passar a viagem inteira consertando e transformando em obras de arte, por
favor, vamos lá, por favor! — disparei a falar.
Betty riu do meu desespero e concordou. Erika, por outro lado,
precisou se conter para não revirar os olhos, e isso foi óbvio.
— Ah, Erika, por favor, se anima! Eu aguentei fotografar vocês na
torre cem vezes sem reclamar, vai!
— Não estou reclamando, Lena, só não sou totalmente fã dessas
coisas de roupas... — ela se explicou e me deu um sorriso desanimado.
— Mas é rápido, prometo! Olha, é numa rua pertinho daqui, numa rua
chamada Massenet... Ou algo assim. Vamos?
Erika ergueu os ombros e concordou, mas não senti muita animação
da parte dela. Isso tinha me deixado meio chateada, queria que todo mundo se
divertisse comigo, por isso fiquei pensando em um ponto em comum para
conversar com Erika, quando me lembrei de uma fofoca que Tony havia me
contado um dia.
***
Assim que chegamos no local indicado por Sophia, não pude conter
um suspiro de prazer. A casa onde estava acontecendo o brechó era linda,
com uma arquitetura clássica, mas nada me deixou mais animada do que as
prateleiras com um monte de roupas vintage, todas por um preço delicioso:
um euro cada.
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um tempo, mas era mais por ela também ser costureira do que por ser minha
namorada... Mas, vem cá — chamei e coloquei as mãos na cintura, o cenho
franzido. — De onde vocês tiraram que eu e Gabriel somos namorados?
Betty riu tanto da minha birra, que deixou cair uns três cabides. Erika
só revirou os olhos e sorriu.
— Ah, não são? Mais de um mês de turnê, uns três dias de folga por
cidade, e vocês nunca saem do quarto se não forem juntos ou acompanhados
de outras pessoas da banda, como o Pierre ou a Tony. Não vi Gabriel fugir do
hotel em nenhuma noite desde que a turnê começou, e é algo que ele sempre
fazia. Se enfiar num bar qualquer e sair com alguém aleatório só por uma
noite.
Estava arrumando em cima de uma mesinha as peças que eu escolhi,
quando empaquei ao ouvir aquilo. Erika e Gabriel eram amigos nesse nível?
Como ela sabia que ele só saía comigo? Aliás, ele só saía comigo?
Parei por um instante e refleti sobre nossos horários de trabalho. Ele
havia me passado todos os dele, e eu estava enfiada em seu quarto ou ele no
meu na maior parte dos momentos de folga. Salvo uma vez ou outra em que
eu saía com Antônia ou Pierre rapidamente para comer alguma besteira ou
comprar presentinhos de turista para meus amigos no Brasil, nós dois
estávamos sempre... juntos.
É, faz sentido ele não sair com mais ninguém, eu não dou tempo para
ele! Mas como Erika sabe disso com tanta certeza?
Betty pareceu ler minha mente e explicou:
— É que os dois não tiveram só um casinho, como a Erika gosta de
dizer. Eles namoraram sério, e agora são amigos, por isso ela sabe tanto sobre
ele. Igual a você e aquele rapaz bonito, como se chama?
— Roberto...? — eu perguntei, impressionada. Não fazia ideia de que
eles dois já tinham se envolvido assim. Achei que fosse tipo o que eu tinha
com o Segurança, algo casual.
— Roberto...? Ah, o seu ex que a Tony odeia? Não, não, o outro, de
dreads, o que tá casado e grávido agora, o que a Tony adora! O que parece
um dos Power Rangers vermelhos!
— Ah, o Joe! Eita, vocês se envolveram igual a mim e ao Joe? Uau!
Que belo envolvimento! — eu exclamei antes de voltar para as araras. Fui
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uma nota de cinquenta euros, entregando para a senhorinha, que sorriu e fez
menção de pegar meu troco. Coloquei a mão em seu braço e balancei a
cabeça negando. Ela me deu um sorriso amistoso e agradeceu com um aceno
de cabeça.
Peguei as duas sacolas e fui até Betty e Erika, que me aguardavam
perto do meio-fio.
— E aí, Betterika, vamos? — disse sorrindo, e as duas balançaram a
cabeça concordando.
— Quer que eu leve uma, Lena? — Erika perguntou, e eu agradeci e
entreguei uma das sacolas para ela.
— O que vamos fazer agora? — Betty perguntou enquanto olhava seu
relógio de pulso — Querem tomar alguma coi...?
— Quero!! Café!! Nossa, quero muito! Deixa eu procurar uma
cafeteria... Ah! Espera! Estamos perto do Café des Deux Moulins! Vamos lá?
Minha irmã vai parir outra criança quando souber, ela adora aquele filme...
Como se chama? Amélie Poulain, né? Enfim, eu não ligo a mínima, só quero
ver se o café de lá é bom.
Erika me olhou de canto de olho e sorriu para Betty.
— Que foi? — eu perguntei, não entendendo bem aquela troca de
olhares.
— Esse seu vício em café... Você e Gabriel são tão... — Betty
começou a explicar, mas eu a interrompi risonha:
— Profissionais? Competentes? Sensuais?
As duas riram de mim, e eu entrei na brincadeira:
— Já sei, meninas, já sei. Eu e Gabriel somos perfeitos um para o
outro, devemos casar e ter sete filhos e ir morar numa casa com cerquinha
branca, ter dois cachorros e uma van. Podemos tomar o café agora?
Rumamos juntas para a cafeteria, mas não conseguimos entrar. Estava
muito cheio, devido ao sucesso do filme francês. Decidimos pegar um táxi e
ir para outro lugar não tão próximo, recomendado por Erika, um café muito
maravilhoso Les-Alguma-Coisa. Entramos, fizemos nossos pedidos e nos
sentamos nas cadeiras em uma mesinha na parte externa do local.
— Ah, Senhor... Que coisa mais... divina — eu gemi de prazer
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Presentinhos
Zurique
***
Horas depois, estávamos indo, Gab e eu, para o clube: eu, exultante,
ele, não tão animado assim.
— Gab, o moço no telefone me disse que eles só trabalham com
pistolas, mas caso você queira outro tipo de arma, você pode levar, contanto
que assine um formulário imenso e...
— Você gosta tanto de armas assim, Costureira? — ele me perguntou
com a voz séria.
— Não, gosto da ideia de sair com você e mostrar que eu sei mais do
que apenas segurar sua arma! — respondi, risonha. — Ó, acho que é ali,
vamos entrar?
Gab torceu os lábios, mas entrou atrás de mim no shooting range.
Meia hora mais tarde, depois de assinar uma papelada sem fim,
escolher as pistolas e pegar os protetores de ouvido, fomos levados até uma
espécie de sala reservada, com apenas algumas divisórias e bancadas. O
instrutor que nos acompanhava nos perguntou se aquele ambiente estava
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bom, e eu respondi por nós dois que estava ótimo. Olhei ao redor e vi que era
tudo no estilo industrial, com paredes de tijolos, canos aparentes e suportes
de luminárias feitos de metal. Muito bonito e aconchegante.
Fui até as divisórias, ajeitei os protetores de ouvido e peguei a pistola,
toda saltitante e contente.
— A senhorita precisa de auxílio em algo? — o instrutor perguntou
quando eu peguei a arma e a destravei.
Confusa, olhei para ele e perguntei:
— Eu? Por que precisaria?
— A senhorita parece hesitante ao pegar nessa arma, se me permite
dizer... — ele explicou, meio tímido. Dei um sorriso compreensivo e
expliquei:
— É que eu não pego em uma dessas há um tempo... Mas não se
preocupe, eu sei manusear essa coisinha aqui. Não leu o formulário e o termo
de responsabilidade que eu assinei? Eu não estaria aqui se não soubesse
segurar uma arma, querido.
O homem engoliu em seco e me pediu desculpas, se afastando em
seguida e me deixando sozinha com Gab.
— Pobre homem... Viu a cara de terror dele? — perguntou Gabriel
com um pequenino sorriso enquanto se posicionava em sua divisória ao meu
lado, checava o pente da pistola e, sem hesitar, descarregava a arma no alvo
ao fundo, até ficar sem balas.
Meu queixo caiu. Filho da mãe, ele não era bom, ele era perfeito!
Soube reter o tranco como ninguém e não errou um tiro. O pobre papel com o
alvo veio até nós arrastado por um gancho mecânico, e eu arregalei os olhos
ao ver que apenas um tiro não foi na cabeça ou no peito.
— Meu Deus, Gab!
Ele me olhou de canto de olho por um momento e deixou a pistola em
cima da bancada enquanto eu tirava os protetores.
— Você é muito, muito bom nisso! Nem colocou os protetores! Como
você pode ser tão...
— É minha obrigação, Lena — ele disse com seriedade e me olhou
enquanto eu abaixava a arma, chocada demais para falar algo coerente.
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instrutor veio até nós dois e mirou o alvo sendo trazido por um gancho
metálico. O rapaz me olhou, tentando fingir que não estava transtornado com
minha mira.
— Ahn... Os senhores gostariam de mais munição?
— Não, obrigada, estou feliz! Posso ficar com os papéis?
O homem assentiu com a cabeça e disse que ia prepará-los. Sorri à
guisa de agradecimento e olhei pela primeira vez para Gabriel, que estava
extremamente sério.
— Gab? — perguntei, preocupada ao vê-lo encarar o papel alvejado.
— Você mirou ali ou foi um acidente? — perguntou, apontando para
a parte baixa do alvo de papel.
— Não, mirei ali mesmo, por quê? Eu mirei na cabeça antes, mas
errei a primeira leva viu? Aí me concentrei no Alexandro e no Rodrigo e
pronto. Acertei tudo no lugar certo. Esse papel nunca vai procriar, se
depender de mim — comentei e dei de ombros.
— É, eu notei... Parabéns, Costureira, você tem uma boa mira. E sabe
canalizar bem sua raiva. Aliás, quem é Rodrigo? Alexandro eu me lembro, é
o cara que te agrediu no bar, mas Rodrigo...?
Ops. Esqueci que não contei para ele essa parte da minha história.
Abri a boca para responder, mas o instrutor voltou com os papéis
enrolados e me entregou, me informando que eu deveria assinar outra
papelada de liberação e devolução das pistolas.
Segui o instrutor, me sentindo meio apreensiva de ter que falar com
Gab sobre algo que eu não revisitava há mais de dez anos. Além disso,
Gabriel estava muito sério, o que me deixou incomodada. Será que eu me
precipitei ao chama-lo para o clube? Fiz a mesma besteira de Paris?
Não sei muito bem o protocolo para relacionamentos como o meu e
de Gab. Não somos necessariamente amigos, mas não somos namorados,
somos colegas de trabalho que dormem juntos, então... Não sei bem como
agir nesses casos de “coleguismo colorido”.
— Gab, vamos tomar um café? — perguntei de forma vacilante
depois que acertamos tudo e pegamos nossos casacos para sairmos do clube.
Sorri ao ver a expressão de Gabriel relaxar com a sugestão.
***
Amêndoas? Que blend incrível é esse, meu Deus do céu? Não consegui
conter um suspiro e fechei os olhos enquanto saboreava o líquido
maravilhoso que descia pela minha garganta.
— Lena...? O que tem nesse café que está te causando esse prazer
todo? — Gabriel me perguntou com diversão na voz.
— Shh, não fala nada. Não estraga esse momento... Me arruma um
cigarro, que eu acho que cheguei no Nirvana... — eu respondi de olhos
fechados antes de beber mais um gole. — Meu Deus, o que é isso? É incrível
demais! Devia ser um elogio... “Você é tão melánge”, ou seja, “você é
gostoso demais para ser real...”
Gabriel começou a rir e, pelo som produzido, repousou sua xícara no
pires. Abri os olhos e sorri em êxtase.
— Deixa eu provar essa maravilha toda — ele pediu e estendeu a mão
para pegar meu café, mas eu dei um tapinha nela e afastei minha caneca.
— Compra o seu, Segurança folgado — bebi uma golada imensa e
sorri quando ele entortou os lábios para mim — Toma, é o máximo que eu
vou te dar do meu melánge.
Puxei Gab pelo casaco e o beijei, sentindo o gosto do seu nistretto,
um tipo de café que era doce até o grão! Afastei o rosto por um segundo.
— Ué...? Café doce?
Gab sorriu e deu de ombros antes de responder:
— Queria experimentar. Mas o seu é melhor, sem sombra de dúvidas,
ainda que seja doce também... — ele disse antes de voltar a me beijar.
Passei as mãos pelos seus cabelos e o beijei até sentir vontade de ir
embora, o que aconteceu pouquíssimos minutos depois. Interrompi o beijo
aos poucos e mordi seu lábio antes de soltá-lo e voltar para meu café.
— Costureira... Por que você faz isso? — reclamou com os olhos
brilhando de desejo.
— Porque é injusto que só eu me comporte como uma tarada ao seu
lado. Toma, prova antes que esfrie — ofereci minha xícara gigante para ele,
que aceitou e bebeu rapidamente.
— É gostoso, mas na sua boca é melhor.
Ergui as sobrancelhas e sorri.
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— Imagina como seria no meu corpo? Não é muito habitual, mas não
somos exatamente o que chamariam de comuns, somos?
Gabriel me deu um meio sorriso e inspirou antes de responder:
— Costureira, para de me provocar...
— Senão o quê? Vai me deitar aqui, no meio da cafeteria e fazer a
mesma coisa que fez comigo ontem? Acho que não, né? Como eu disse,
atentado ao pudor dá cadeia, e eu duvido que eles vão ter a consideração de
nos colocar na mesma cela pra que a gente possa continuar o que começou.
Gabriel fechou os olhos por um momento e sorriu, como se estivesse
avaliando as possibilidades do que poderíamos fazer quando chegássemos ao
hotel.
— Não pensei em fazer exatamente o que fiz ontem, mas há outras
coisas que podem ser feitas em local público, Costureira. Não sei se você
lembra, mas eu sou o chefe de segurança. Se tem algo que eu sei fazer é
encontrar pontos cegos em câmeras e locais de acesso.
Parei de beber meu melánge para olhar para ele. Ideias, muitas ideias
pareciam passar por sua cabeça.
— E isso significa, exatamente...? — perguntei, os olhos fixos nos
dele.
— Que não necessariamente precisamos correr para o quarto toda vez
que bater vontade. Há muitas escadas em hotéis — ele sugeriu e bebeu seu
café com toda a tranquilidade, com os olhos fazendo uma varredura pelo meu
corpo, como se avaliasse as possibilidades do que poderia ser feito apesar das
minhas roupas.
Minha mente ferveu de ideias de todos os tipos. Sim, fazia todo o
sentido do mundo. Bem ou mal, tendo uma parede e um mínimo de
privacidade, Gabriel e eu poderíamos fazer qualquer coisa em qualquer lugar.
Isso seria excelente, não posso negar.
— E se alguém da banda nos pegar no flagra, Gab? Diego, por
exemplo. Eu acho que é meio que missão dele conseguir material explícito
nosso... Tenho escondido nossas fotos com afinco por causa disso, por sinal.
Ele deu de ombros diante de meu comentário, com um olhar
despreocupado.
— Não seria a primeira vez que alguém nos pega no flagra, creio que
não vai ser a última. E eu acho que estou velho demais para ligar a mínima
para as piadas do Diego sobre minha vida sexual, não acha?
— Hm... Sim, faz sentido... Eu não sou exatamente exibicionista, mas
se você me garante que dá para a gente brincar fora do quarto sem ir parar
depois no RedTube, então eu topo qualquer coisa... — disse e sorri para ele.
— Agora, mudando de assunto, porque eu estou com tesão, mas não posso
ficar...
Gabriel sorriu, como se achasse graça do efeito que exercia em mim.
Eu não precisaria checar o perímetro dele para saber se estava com vontade
de me arrastar para o banheiro mais próximo e praticar um pouco de sexo
artesanal em mim. Era óbvio em seu rosto.
— Enfim, me desculpa por ter te levado para o clube de tiro, assim, de
supetão... Achei que você ia se divertir, mas não foi bem o que aconteceu,
não é?
Gabriel respirou fundo e voltou a tomar seu nistretto antes de
responder. A tensão sexual se dissipou como fumaça.
— Saber atirar não é exatamente motivo de felicidade, Lena. Quero
dizer, é fundamental que eu saiba, e eu sei que sou o melhor no que faço, mas
isso não significa que seja agradável saber que sou ótimo em mirar e
atravessar crânios com precisão.
Estava levando a caneca aos lábios quando ele falou isso e acabei
parando o ato no meio do caminho. Não tinha pensado por esse lado... Acho
que de tanto ouvir que Gabriel era frio e direto em sua profissão, nunca me
dei conta de que aquilo poderia ser algo não tão... prazeroso quanto eu
poderia imaginar.
A minha profissão era motivo de prazer para mim, mas isso não
significava que todas as profissões também seriam para seus profissionais.
Em especial quando envolvesse... bom... balas, sangue e morte.
Acho que eu preciso tomar uma dose de bom senso, não de café...
— Desculpa, Gab... Eu não pensei nisso... Prometo que vou te
consultar no próximo programa de turista antes de sair marcando tudo, ok? —
disse e levei a caneca à boca, sujando a ponta do meu nariz e meu lábio
superior de chantili.
— Não.
Gabriel fechou os olhos por uns instantes, e eu deixei que ele se
controlasse antes de explicar:
— Ele tentou... bem... Você deve imaginar o que ele pretendia. Mas
não conseguiu. Eu mordi o lábio dele, gritei o nome e sobrenome do meu pai,
para não ter dúvidas, e o enfrentei. Papai apareceu segundos depois e quase
matou o moleque na porrada.
— Uma pena seu pai não ter completado o serviço — Gabriel disse
com o rosto fechado, e eu achei melhor não dizer nada. — O que ele
conseguiu fazer além de te beijar? Pode me dizer?
— Posso, claro que posso. Ele... deixa eu lembrar os detalhes... Ele
me pressionou contra a parede, me deu um chupão imenso no pescoço,
prendeu meus pulsos... Não me lembro se ele me bateu, acho que não
conseguiu... Puxou meu cabelo, forçou uma quantidade nojenta de beijos...
Mas ele teve o que merecia. Meu pai se encarregou disso.
— O que seu pai fez com ele?
— Quase o matou na porrada, ué, acabei de dizer. Foram uns três
dentes e duas costelas quebrados. Em quatro ocasiões diferentes. Não sei
como os pais dele não registraram queixa contra o meu. Acho que estavam
tão chocados com o que o filho tinha feito, que acharam merecido. E era
mesmo. Imagina o que meu pai não teria feito com Alexandro... — disse
baixinho, tentando não deixar as lembranças me afetarem.
— Seus pais não sabem sobre a agressão na Lyubov?
— Não. Achei melhor não contar, eles estão velhos, seria uma
preocupação a mais. Só o caso do Rodrigo já fez a pressão do meu pai subir
horrores, imagina se soubesse que um cara levou sua filha para o hospital na
base da porrada?
— Entendo... Mas é estranho... Não me lembro de ter lido nada sobre
isso na sua ficha... — Gabriel disse mais para si mesmo do que para mim.
Pela segunda ou terceira vez no dia, interrompi o ato de levar meu
café à boca para olhar para Gabriel com assombro ou surpresa.
— Na minha...? Você olhou algum tipo de ficha minha? Tipo ficha
policial, coisas assim? Quando você olhou isso, seu psicopata stalker? —
perguntei, tentando conter uma risada.
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Gab fez uma careta ao perceber que falou demais e girou a xícara nas
mãos antes de responder:
— No dia em que nos conhecemos, quatro anos atrás. Precisava saber
quem era você e quem era a sua amiga, Luciana. Vocês entraram de penetra
no show, era minha função saber se vocês eram ou não terroristas ou fãs
psicopatas, não é?
Dei uma risada alta, sentindo meus músculos faciais relaxarem, e
puxei Gabriel pelo braço para perto de mim.
— Seu babaca! Eu não entrei de penetra! Por que nunca me contou?
Aliás, o que estava escrito lá?
— Sua profissão, seu registro de profissional autônoma, informações
sobre a Wings, o registro de sua queixa contra Alexandro, sua idade, essas
coisas — explicou e continuou girando a xícara nas mãos, como se estivesse
meio sem jeito.
Confusa, soltei seu braço e tentei entender algo que não me passou
desapercebido:
— Ué, então você já sabia da agressão quando eu te contei naquele
parque?
— Não, não. Eu não li detalhes da queixa, apenas vi que houve um
boletim de ocorrência contra alguém. Como foi você quem abriu, e não
abriram contra você, não me aprofundei. Depois que você me contou, eu pedi
para Erika uma ficha mais detalhada sobre o que aconteceu, pra ter certeza de
que o Alexandro não...
— Espera, espera. Então você já sabia que meu segundo nome é
Maria. Por que você ficou surpreso quando me viu em seu quarto? —
Interrompi, tentando entender tudo — Quero dizer, além do óbvio, uma
maluca entrando no seu quarto e pegando sua arma... Quero saber como não
associou a figurinista nova a mim, se já sabia de meu nome todo desde aquela
época.
Gabriel sorriu e me explicou:
— A Betty abreviou seu primeiro nome e não me deixou pegar na
ficha de novos funcionários, onde estava seu nome. Quem conferiu tudo
sobre você foi a Erika e o Ricky, lembra que eu te falei? Eu imaginei que
Betty e Antônia estavam tramando algo, mas nunca pensei que H. Maria seria
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ficha, porque nunca houve registro formal da agressão. Nunca mais ouvi falar
dele, só sei que meu pai o quebrou inteiro... Bom, quer mais um café? —
perguntei quando terminei o meu.
— Não, mas quero ir para o hotel. Você quer conhecer mais algum
lugar? — ele me perguntou com o rosto sério de novo, e eu não resisti e
passei a mão em seu rosto. Sorri quando sua expressão não se modificou.
— O que eu vou falar pode soar esquisito, Gab, mas você fica bonito
assim, todo sério. Eu adoro quando você sorri, quando você dá essa risada
meio esquisita que te escapa de vez em quando, mas você sério é algo
fascinante de ver. Eu nunca presto muita atenção quando estou trabalhando,
mas agora posso olhar bem... — disse e me aproximei dele, passando a perna
por cima da sua.
Gab relaxou um pouco o rosto ao ouvir meu elogio, mas seu maxilar
continuava travado.
— Esse tipo de coisa mexe muito com você, não mexe? Esse lance de
homens agredindo mulheres. Tem algum motivo para isso? Além do óbvio,
quero dizer.
Ele desviou o olhar por um segundo e franziu os lábios, como se a
lembrança também o incomodasse. Tirei as mãos de seu rosto e comecei a
ajeitar minha bolsa.
— Ok, Gab, já vi que tem. E aí, vamos para o hotel? Ah, espera, deixa
eu pedir outro melangê, ou sei lá como se pronuncia. Será que eles têm copos
de papel? Devem ter, né? Quer um? — perguntei enquanto me levantava para
ir pagar a conta — Não, pode ficar, eu pago, paga o próximo café. Se é que
vai ter, né? Não sei se vou querer sair com você depois de tudo que aconteceu
hoje e das coisas que descobri sobre você, Christian Grey.
Gabriel deu um sorriso de canto de boca ao ouvir minha brincadeira e
assentiu, concordando com minha oferta. Fiz o pedido, peguei os cafés e fiz
um movimento com a cabeça, convidando Gab para ir embora. Ele se
levantou de onde estava sentado e pegou os cafés das minhas mãos sem dizer
nada.
Revirei os olhos, mas não reclamei. Gabriel tinha a aura de segurança
protetor mesmo fora do expediente de trabalho, então não tinha motivo para
implicar com aquilo. Não era uma questão de cavalheirismo inútil ou de
achar que eu precisava de algum tipo de cuidado por ser mulher; ele fazia isso
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com todo mundo. Além do mais, não queria implicar com ele, pois percebi
que ele estava enfrentando algum tipo de conflito interno por causa do
assunto anterior.
Saímos do Odeon e fomos para uma via principal esperar por um táxi.
Assim que avistei um e acenei para ele, Gabriel disse de repente:
— Meu tio, irmão de meu pai, atacou minha mãe um dia. Quando ela
denunciou, ele fez tudo parecer que foi consensual e ainda, de vingança,
aplicou um golpe na minha família, já que era o administrador de tudo. Ele
traiu a confiança de todos e levou todo o patrimônio e economia de meus
pais. Eu tenho zero tolerância para homens com esse tipo de caráter. Sinto
vontade de matar um por um.
Minha mão, que estava chamando o táxi, ficou estendida no ar por
alguns segundos enquanto eu processava aquela informação. Era forte, era
pesado e era uma justificativa e tanto para Gabriel ser um segurança tão
comprometido e tão sério.
— Sinto muito, Gab... Não precisava ter tocado no assunto se não
quisesse — eu murmurei, me virando para olhar em seus belos olhos, que
estavam frios e sem brilho.
— Eu sei. Vamos? — convidou e deu um passo para abrir a porta do
carro para mim.
Dei as instruções para o taxista e ficamos em silêncio, ponderando por
alguns minutos o que ele havia contado. Que parente horrível e repugnante,
desprezível! Eu conseguia sentir o ódio de Gabriel emanando e compartilhei
totalmente do sentimento.
Depois de um tempo quieta, voltei a olhar para Gabriel e comentei
em português propositadamente:
— Obrigada, Gab.
— Pelo quê?
— Por ter olhado minha ficha. Por ter se importado mesmo achando
que nunca mais ia me ver. Se fosse outro homem, deixava para lá, mas você...
Você quis ter certeza que Alexandro não ia me atrapalhar mais. Você se
importou.
Estava séria quando falei aquilo, mas acabei sorrindo ao ver a
expressão rígida de Gabriel. Sabia que ele estava procurando palavras para
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me responder, então decidi mudar de assunto antes que aquilo ficasse muito
meloso.
— Sabe, tenho uma amiga chamada Ana, irmã do meu primeiro
namorado. Ela é barista, dona de um café lindo na Urca, no Rio, e me ensinou
um monte de coisas sobre café: grãos, torra, utensílios como a prensa
francesa que te mostrei em Paris, blends... Enfim, um monte de coisas, sabe?
— Sei... Não muito, mas sei — Gabriel respondeu com um traço de
diversão na voz. Mais aliviada ao ver que ele voltara a relaxar depois do
assunto tenso, eu continuei:
— Então, se você quiser, eu te ensino algumas coisas, ou a gente
procura outras mais. Preciso muito de uma companhia de café. Não posso
voltar para o Rio sem ter tomado ao menos vinte cafés de nacionalidades
diferentes, e isso não é tão divertido sozinha. Me avisa se quiser ser minha
companhia de café, senão vou ter que ensinar Diego a gostar de cafeína —
comentei tranquilamente enquanto olhava pela janela.
Fiquei aguardando Gab responder, mas como não ouvi sua voz, virei
o rosto em sua direção. Ele estava olhando pela janela e tinha no rosto um
sorriso um pouco maior do que o meio sorriso que eu estava acostumada.
— Gab? — chamei, esperando ele me responder.
— O que são blends, Costureira?
Sorri ao ouvir sua pergunta e tive total e absoluta certeza de que ele
sabia o que era um blend, mas me perguntou para que eu o explicasse. Era
um acordo silencioso de que nós, sim, sairíamos mais vezes, se dependesse
dele. Se dependesse de mim, também, então tudo estava ótimo.
Na metade do segundo mês do meu contrato, na quarta cidade da
turnê, às vésperas de rumar para a Bélgica, Gab e eu ainda não tínhamos
saído com outras pessoas. Eu, particularmente, não sentira vontade ainda de
procurar outra companhia. Gab, pelo visto, também não. Por que não
aproveitar essa falta de interesse em outras pessoas? Afinal, ainda era o
segundo mês de turnê. Quem sabe o que ia acontecer lá pelos últimos?
Voltei a olhar pela janela, sentindo meu sorriso crescer no rosto, e
comecei a explicar:
— Blends são tipo combinações de grãos e torras que dão certos tipos
de sabores...
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Bruxelas
— Ei, Lena, quer dar uma volta comigo? Eu vi que tem um bar
relativamente próximo daqui, uma gracinha! — disse Pierre ao entrar no meu
quarto no dia em que chegamos na cidade.
— Um bar... Hm... — franzi os lábios, meio incerta de sair do hotel
logo no primeiro dia na Bélgica. Eu tinha planos envolvendo as mãos de
Gabriel entrando em partes minhas que eu não poderia revelar para Pierre
assim, tão na lata. — Se eu te falar que estou com preguiça, você fica com
raiva?
Pierre colocou as mãos na cintura e me olhou de cara feia.
— Ah, não! Você sempre arruma uma desculpa para não sair comigo!
Sai toda hora com o Gabriel...
— Toda hora...? Eu só saí com ele algumas...
— E deu o maior rolê por Paris com a Betty e a Erika! E nem me
chamou! Segundo mês de turnê, e eu só esperando você parar de me enrolar!
Eu fiquei muito bolado por você ter ido sozinha ver aquela escultura bizarra
em Zurique, a pedra que fica rolando por causa da água. Tá me devendo uma,
anda, coloca aquele vestidinho de tecido escocês que você tanto gosta e
vamos!
— Escultura...? Ah, sim, a pedra... Desculpa, eu não sabia que você
queria ir... Mas, olha, eu nem falo francês... Se fala inglês na Bélgica? Eu
não pesquisei antes...
— Eu sou fluente em francês, mon cher. Meu nome não é Pierre à toa,
minha mãe é francesa. Pode me chamar de Sofie Fatale. Anda, se veste.
Incerta, olhei para ele enquanto refletia sobre o convite, mas acabei
cedendo quando Pierre fez cara de cachorro pidão.
— Ok, eu vou, me convenceu. Tá frio lá fora? Passei o dia no quarto,
nem faço ideia da temperatura.
— “Passou o dia”, disse a mulher que chegou na cidade há menos de
quatro horas... — brincou enquanto sentava na minha cama, rindo do meu
drama. — Não, eu fui na rua comer qualquer coisa, não gostei do cardápio do
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Aquele encontro furtivo foi tão rápido e intenso, que ele precisou
tapar minha boca com uma mão enquanto a outra fazia sua magia, ou não
haveria possibilidade de silêncio.
Cara, como eu queria estar no hotel agora...
Pierre me cutucou, me tirando dos meus devaneios de sacanagem.
Levantei o olhar do celular e prestei atenção nele, vendo suas sobrancelhas
franzidas mostrando seu desagrado.
— Já tá falando com o Gabriel, não está? Credo, o que vocês não se
grudam na hora do trabalho, se grudam depois! Sério, vocês são muito
tarados!
— Desculpa, Pierre! É que você tava ali, quase chupando o barman, aí
fiquei sem ter o que fazer... — disse com uma falsa expressão de culpa.
— Quase chupando! Você não presta, Lena! — exclamou, apertando
os olhos de tanto rir. — Desculpa, vou te dar mais atenção, depois eu volto
a... chupar o bonitão ali. Eu pedi uns drinques para gente, tudo bem?
— Claro! Me dá qualquer coisa, tô topando tudo hoje.
O barman bonitão nos estendeu dois drinques verdes e falou alguma
coisa em francês, dando uma piscadinha para Pierre. Revirei os olhos pela
centésima vez e pensei que a noite ia ser longa se Pierre fosse passar o tempo
todo trocando olhares com o gostosão e me deixando sozinha.
— Cara, vai dar logo para ele antes que essa cera derretida da vela
que eu estou segurando queime minhas ferramentas de trabalho. Sem minhas
mãos, eu não sou ninguém, tenha compaixão, amigo.
Pierre soltou uma gargalhada e me deu um empurrão de leve, me
chamando de exagerada.
Exagerada nada, eu realmente não era ninguém sem minhas mãos!
Enquanto via o figurinista falar sobre os homens que víamos no bar, pensei
em como eu era viciada em trabalho. Um simples comentário já me fez
pensar no que eu faria se não pudesse costurar por algum motivo. Um arrepio
passou pela minha nuca, como se estivesse pressentindo que algo muito
estranho estava prestes acontecer.
Pierre estalou os dedos na frente do meu rosto, chamando minha
atenção, e me tirou dos meus devaneios pessimistas. Afastei o pressentimento
estranho da cabeça e sorri para ele, que me apontou para um homem e me
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olhando por uns instantes. Notei seu rosto tranquilo enquanto fazia
malabarismos com as garrafas e brinquei:
— Ele tem habilidades manuais, já é um ponto positivo. Homens que
sabem usar as mãos merecem um lugar no céu.
Pierre fez um bico de aprovação, e eu comecei a rir, o que fez com
que minha bexiga reclamasse da quantidade de líquido ingerido.
— Ai, droga, preciso fazer xixi! — exclamei e me levantei. —
Aproveita e corteja o cidadão, meu amor. Eu prometo demorar lá dentro.
Fui ao banheiro, fiz o que tinha que fazer, dei uns minutinhos para
que Pierre pudesse falar com barman e voltei, desviando de um grupo de
homens que estava bebendo além da conta. Quase revirei os olhos ao ver
aquilo: muitos homens juntos e muito álcool nunca é 100% positivo.
Pierre estava com uma garrafa de cerveja na mão, e eu ergui as
sobrancelhas ao ver aquilo. Que mistura de bebidas estranha! Ainda assim,
aceitei a garrafa que ele me deu. Estava levando a cerveja aos lábios quando
um dos caras bêbados do bar se aproximou de mim, cambaleando, e me
agarrou por trás, me puxando para longe de Pierre.
Soltei um gritinho e tombei para trás, tentando me equilibrar, o que
fez minha garrafa de cerveja cair de minha mão e se espatifar no chão. O som
de vidro se quebrando fez o bar todo ficar em silêncio.
Ai, não, de novo, mais um babaca me agarrando? Os homens são
babacas em qualquer parte do mundo?
Pierre parecia assustado com a fúria em meu olhar, e seu assombro
aumentou quando eu tirei as mãos do bêbado de minha cintura.
— Sai daqui, cuzão! — gritei enquanto o empurrava para longe.
Fiquei olhando ele se levantar com a ajuda dos amigos, que pareceram pedir
desculpas e o levaram embora. Aparentemente, ele não estava tentando me
agarrar sexualmente, mas sim evitar uma queda.
— Inútil — eu murmurei enquanto me virava de costas.
— Lena, cuidado! — Pierre gritou, mas foi tarde demais.
No auge da minha raiva, me esqueci da garrafa, deslizei na pocinha de
cerveja, que deixou o chão mais escorregadio do que já era, e caí com tudo
em cima dos cacos depois de bater a boca no metal do banco em que Pierre
estava sentado.
Ai.
Senti gosto de sangue e torci para que não tivesse quebrado nenhum
dente. Levantei com o auxílio da mão direita, pois a esquerda estava ardendo
sem parar.
Maldito pressentimento, nunca falha, mas eu também nunca dou
ouvidos a ele...
— Hm, que droga. Nunca tinha batido a boca antes, não sabia que
doía tanto.... — comentei com os olhos apertados de dor. — O que foi? —
perguntei para Pierre enquanto estendia meu braço direito para que ele me
ajudasse a levantar.
— Lena, seu dedo... — respondeu, o rosto contraído e pálido de
pavor.
— É, cortou, né? Estou sentindo arder e... — comentei antes de olhar
para minha mão, que começou a formigar em vez de arder e, de repente, ficou
dormente.
O barman bonitão correu para me ajudar, mas parou e soltou algo que
me pareceu um palavrão em francês quando viu minha mão. Segui seu olhar
e vi o motivo do choque dele: meu dedo indicador estava formigando, então
não percebi de imediato que ele estava dobrado num ângulo tão bizarro, mas
tão bizarro, que me fez rir. Parecia o dedo quebrado de Alice, em Resident
Evil Apocalipse.
— Olha, Pierre, eu tive uma professora que era tão velha, mas tão
velha, que tinha o dedo assim, torto. Só que o dela era enrugado... —
comentei com um sorriso no rosto, sentando no mesmo banco que beijei
acidentalmente antes. Por incrível que pudesse parecer, eu não estava
sentindo mais nada no braço, a não ser uma dormência, que ia do cotovelo até
o pobre dedo escangalhado, e a ardência dos cortes. Acho que estava meio
bêbada demais...
— Lena! Isso é hora para piadas? Ei, onde é o hospital mais perto
daqui? — Pierre perguntou em francês para o barman (creio eu, foi o que
pude entender), que ficou mais em pânico ainda.
Balancei a cabeça, rindo da reação desesperada dos dois, e comecei a
tirar os cacos de vidro que se fincaram ao longo do meu braço. Não sei de
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onde veio tamanho bom humor de minha parte, mas provavelmente era
puramente etílico.
— Calma, gatinho, não está doendo, tá tudo dormente, eu juro. Nem
parece fratura, parece só que só saiu do lugar, ó. Vem, vamos pegar um táxi.
Ah, paga a conta! — disse, mas o barman pareceu entender o que eu estava
pedindo, balançou a cabeça e disse que seria por conta da casa, me
entregando um saco de gelo para pôr no dedo. O pavor era tão gritante em
seu rosto, que eu quase o abracei para reconfortá-lo.
Peguei o guardanapo limpo que ele me ofereceu e o saco de gelo e
agradeci com um sorriso. Pierre pegou nossas coisas e saiu correndo atrás de
um táxi na rua. Fui atrás dele tranquilamente, segurando o guardanapo nos
cortes e agradecendo a Deus pelo autocontrole que eu estava tendo naquele
momento.
Talvez, se eu estivesse sentindo dor, ou se o machucado fosse causado
pelo bêbado idiota que me havia me agarrado, as coisas não seriam assim
tão... pacíficas. Mas como tudo não passou de um grande acidente, eu estava
tranquila.
E um pouco bêbada também, já mencionei?
Uma vez no táxi, fui tranquilizando Pierre, que estava uma pilha de
nervos, até chegarmos no hospital. Já munida com meus documentos do
seguro de saúde que meu contrato garantia (eu não saía do hotel sem eles),
dei entrada na recepção e logo fui levada para uma sala branca e com cheiro
de coisa muito limpa.
Um médico meio idoso veio me receber e começou a falar num
francês cheio de sotaques. Eu já não sou boa naquela língua, meio bêbada e
com o corpo cheia de adrenalina, não conseguia entender nada do que ele
falava. Para minha sorte, ele conseguiu entender quando pedi para falarmos
em inglês e, a partir disso, passou a dar detalhes da minha situação em uma
língua mais compreensível, porém com um sotaque fortíssimo.
— Posso chamar meu amigo para cá? Ele fala francês, talvez seja
melhor, não?
— Sinto muito, senhorita, mas não sabemos se houve uma fratura em
sua mão, então precisamos cuidar o mais rápido possível, para já preparar a
cirurgia.
vez (“eu amo tudo o que você faz, quando você me chama de idiota pelas
merdas que eu faço”) e me olhou, novamente preocupado, interpretando
errado a canção:
— Tem certeza que a senhorita não quer que eu chame o policial?
Sua pergunta me tirou do torpor mais uma vez, e eu balancei a cabeça
negando antes de responder:
— Ele é meu colega, doutor, não meu companheiro. É segurança da
banda para qual eu trabalho. Por isso está aqui, eu sou staff da banda, é
função dele garantir o bem-estar de todo mundo — e tentei sorrir, agora que a
dor estava dando uma trégua na mão, mas parei imediatamente quando meu
lábio inchado protestou.
O médico balançou a cabeça, parecendo aliviado, e nos dispensou.
Gabriel colocou a mão nas minhas costas e me levou até a saída do hospital,
onde Pierre me esperava segurando minha bolsa em uma mão.
— E aí, Lena? — perguntou, aparentando estar aflito de preocupação.
Ergui o braço para Pierre, mostrando a tala.
— Uns pontinhos, uma fissura e essa boca da Angelina Jolie depois
de um preenchimento labial que deu errado. Nada demais. Já já minha boca
volta ao normal, não se preocupe. Meu dedo vai demorar um pouquinho, foi
uma fissura de nada, e os pontos eu terei que tirar só na Holanda ou na
Noruega, mas, no geral, tudo certo.
Pierre suspirou de alívio e chamou um táxi para nós três.
Chegamos no hotel por volta de uma da manhã, parecendo exaustos.
Bem, eu e Pierre mais que Gabriel, lógico.
Assim que as portas do elevador se fecharam, me virei para Pierre e
me desculpei:
— Gatinho, obrigada pela força. Desculpa ter estragado a nossa
noite... — pedi, e ele balançou a cabeça rapidamente para os lados.
— A culpa não foi sua, Lena! O que importa é que nada de muito
ruim aconteceu... Mas... você tem certeza que não precisava de gesso?
Abri a boca para tranquilizá-lo, mas Gabriel, que até então estava em
silêncio desde que saímos do táxi, não deixou que eu respondesse e me
interrompeu:
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— É óbvio que precisava, Helena fissurou o dedo. Ela poderia ter sido
sensata e aceitado o gesso — ele disse, obviamente irritado.
Olhei para ele por cima do ombro, mas não falei nada. Meu olhar foi
suficiente para que ficasse em silêncio, apesar do rosto contrariado. A porta
do elevador se abriu quando chegou no andar de Pierre, e ele me deu um
abraço de despedida. Para Gab, bateu continência com um sorriso contido e
saiu caminhando pelo corredor até seu quarto.
Quando a porta do elevador se fechou de novo, me voltei para
Gabriel, um tanto contrariada:
— Vai ficar falando disso até que horas? Não bastou falar durante
vinte minutos no táxi? Pierre só não ouviu porque estava de fones, tentando
relaxar depois da noite tensa! É, Gab, eu não engessei, eu deveria ter
engessado, mas não rolou! Que chato, você! — reclamei.
Gabriel me olhou com o rosto franzido e hesitou antes de comentar:
— Por que você não deixou que ele engessasse?
Revirei os olhos.
— Porque a tala é suficiente, e eu posso me livrar dela daqui a duas
semanas. Além do mais, a tala prende só o dedo fraturado e o do lado, não o
braço inteiro, então eu posso costurar quando houver necessidade.
Gabriel soltou ar pelo nariz rápido demais para quem estava somente
respirando.
— Não seria um gesso assim, Helena, por causa dos pontos. Seria de
outro tipo, não iria te imobilizar inteira. Você arriscou ter alguma calcificação
indevida no dedo só para poder costurar nos próximos vinte dias?
O elevador abriu a porta, e eu saí na frente, revirando tanto os olhos,
que até senti dor de cabeça. Abri minha bolsa e tentei pescar o cartão com a
mão imobilizada, mas não consegui e a entreguei para Gabriel pegar.
— Não vai responder? — ele disse quando me entregou o cartão e eu
passei na porta, desbloqueando-a.
— Sim, eu arrisquei, Segurança, sabe por quê? Porque o trabalho é
prioridade na minha vida. Se fosse mais sério, tudo bem, mas foi só uma
fissura. Eu não posso ficar de molho viajando de graça e deixar os meninos
da banda irem para o palco com roupas erradas porque a madame aqui
precisar ficar imobilizada e ter que fazer um trabalho nas coxas, ou se foi
algum tipo de sensação de aprisionamento.
Há muitos anos eu não sentia aquilo, principalmente depois da
conversa que eu e Gabriel tivemos quando nos conhecemos, quatro anos
antes. Porém, naquela noite, num país estranho, depois de me livrar de um
bêbado, cair de cara no chão, me cortar toda, deslocar um dedo e ir parar num
hospital no meio da noite, alguma coisa me deu medo.
Terminei o banho, tentando entender o que eu temia. Será que eu
ativei algum gatilho por causa do hospital? Será que me lembrei de
Alexandro, o homem que me agrediu há tantos anos? Não, não era isso.
Saí do banheiro e vi o quarto vazio, me sentindo pior ainda. Claro que
Gabriel não ia ficar sentado me esperando depois que eu o expulsei do
quarto! Coloquei meu pijama e voltei para o banheiro para tentar secar o
cabelo. E também era óbvio que eu não conseguiria, já que eu sempre segurei
o secador com a mão esquerda. Meu cabelo é cacheado, não dá para só
apontar o secador para minha cabeça e aguardar o vento quente me deixar
com a cara do Urso do Cabelo Duro.
Pensei em pedir ajuda para Pierre, mas desisti assim que vi as horas.
Estava muito tarde, era melhor deixar para lá e ir dormir. Mas eu também não
poderia ficar de cabelo molhado, ia acabar gripando...
Chamar Gabriel está fora de cogitação, não vou saber lidar com um
homem que quer tanto me proteger a ponto de ignorar as minhas vontades
e...
Espera, é isso? Eu estou achando que Gabriel está passando por
cima do que eu quero? Mas isso é meio idiota, não é? Gabriel não seria
capaz de fazer algo assim, seria? Ele não é dominador, é só... protetor. E
não é só comigo, ele faz isso com todo mundo da banda...
Além do mais, não foi exatamente o que eu fiz em Madrid, quando ele
estava com febre por causa da possível insolação? Não ordenei que ele se
cuidasse e bebesse o Gatorade? Por que eu posso, e ele não? Ai, Lena,
Lena...
Peguei meu celular, abri o WhatsApp e liguei para Gab. Ele não
atendeu, mas mandou uma mensagem meio minuto depois:
“O que houve?”
trufa de café que eu havia comprado mais cedo para comer à noite, quando
estivesse sozinha. Estendi para Gabriel e pedi:
— Preciso que alguém coma para mim. O cheiro do hospital me
deixou enjoada. Quer?
Gab franziu as sobrancelhas, mas relaxou um pouco o rosto em
seguida.
— O cheiro também não me agrada, Lena. Pode ficar com ela, você
come amanhã — ele respondeu sem sair do lugar.
Dei um suspiro. Eu era orgulhosa demais para pedir desculpas por ter
gritado, aquela era minha melhor oferta de paz: oferecer a trufa maravilhosa
que eu não queria dividir com ninguém, nem mesmo com ele. Bem ou mal,
eu não era a única culpada daquela situação.
— Então tá, não preciso de mais nada — disse e me virei para fechar
a gaveta, mas esqueci que a tala era maior do que meu dedo e bati com tudo
na madeira, soltando um gritinho e caindo de joelhos ao sentir a dor ridícula
que se espalhou pelo dedo fraturado.
Nossa, que noite maravilhosa! Vamos detalhar os pontos altos dela?
Primeiro: ser agarrada num bar, coisa que eu tenho repulsa e medo
desde que Alexandro me deu uma porrada na nuca porque eu recusei ficar
com ele, fazendo com que eu desmaiasse e fosse parar no hospital;
Segundo: escorregar, meter a boca numa haste de metal, cair com
tudo no chão e transformar meu dedo numa parábola, bem curvinha e
anatomicamente bizarra;
Terceiro: descobrir que minha aterrisagem no piso do bar foi
amortecida por cacos de vidro que fizeram o favor de rasgar partes da minha
pele como se ela fosse de papel;
Quarto: ter que ir ao hospital, ser costurada que nem um vestido —
ah, a ironia das ironias — e sentir mais dor do que nunca senti na vida ao ter
meu dedo colocado no lugar;
Quinto: acabar descontando tudo no pobre do segurança da Sissy
Walker, unicamente porque ele queria o meu bem ao dizer que eu precisava
ter feito o que o médico sugeriu — o que era óbvio, não era?
Sexto: ver que Gabriel havia ficado puto comigo — e com razão — e
que eu não conseguia ver outro jeito de pedir desculpas a não ser o ridículo
que bolei: toma, come essa trufa. Quantos anos eu tenho, oito?
Sétimo: bater a mão na cômoda. Sim, porque não bastava ter me
ferrado toda, eu ainda precisava usar a mão errada para fechar a gaveta, me
esquecendo que estava machucada, elevando a dor que sentia a níveis
estratosféricos ao bater exatamente o dedo ruim na madeira. Muito
inteligente, não? Muito! Nem bêbada eu estava mais, então nada justifica
tamanha burrice.
Fiquei enumerando a quantidade de closes errados que eu e o universo
demos naquela noite enquanto rangia os dentes por causa da dor que se
espalhava pela mão inteira. Até os cortes doeram mais, provavelmente em
solidariedade ao dedo, pobre dedo.
Assim que viu o que aconteceu, Gabriel correu até mim, se ajoelhou
do meu lado e pegou na minha mão, procurando por algum machucado
visível. Agarrei seu braço com a mão boa e escondi a ruim contra meu colo
enquanto falava palavrões bem sonoros entredentes.
A dor demorou uns minutos para passar e, quando dei por mim,
estava com o corpo totalmente inclinado para frente, ajoelhada no chão do
quarto de hotel, a cabeça apoiada no braço livre de Gabriel, que permanecia
em silêncio com uma mão no meu ombro e a outra segurando gentilmente a
tala, provavelmente procurando algum machucado aparente, algum ponto
aberto, coisas do tipo.
Quando finalmente meu dedo parou de doer, levantei a cabeça e
enxuguei a testa suada com a mão direita. Gabriel afastou do meu rosto uma
mecha que se soltou do coque e me olhou, nitidamente preocupado.
— Quer que eu compre um remédio de dor ou que pegue gelo?
Notei que ele não perguntou se eu queria ir para o hospital, o que
esmagou o restinho de birra que ainda me impedia de agir como uma adulta.
— Não, quero só que essa noite bunda acabe! Desculpa, Gab, eu fui
uma ogra com você sem necessidade. Mas também quero que você pare de
querer mandar em mim — disse, ainda ofegante pela dor.
Gabriel ergueu as sobrancelhas, surpreso, mas logo se conteve,
ficando sério e em seguida me dando um pequeno sorriso de paz.
— Desculpa, não foi minha intenção mandar em você. Tem certeza
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Amsterdã
Oslo
— Ei, Costureira!
Parei de conferir uma planilha de peças e me virei para ver quem me
chamava pelo apelido que Gab me dera. Não era exatamente comum alguém
me chamar assim, então estranhei. Diego, em todo seu esplendor carismático,
vinha em minha direção, me cegando com seu sorriso brilhante.
— Oi, Diego... Prefiro quando você me chama de General ... — disse
com um sorriso tímido enquanto desligava meu iPad, o guardava na bolsa e
me preparava para ir embora da casa de shows em Oslo.
— Jura? Mas o Gabriel te chama de Costureira...
Abri a boca para responder, mas fui interrompida antes da soltar a
primeira palavra.
— É, mas é o Gab, querido! Tem uma diferença enorme entre ele
chamar de Costureira e você chamar de Costureira... — Aline apareceu ao
lado de Diego e comentou, toda risonha.
Devo ter corado bastante, pois os dois se entreolharam e começaram a
rir. Revirei os olhos e ajeitei as alças de minhas bolsas nos ombros, pegando
minhas pesquisas de tendência em cima da mesa e voltando para perto de
Diego.
— O que você queria falar, Diego?
— Ah, sim! Nós vamos pedir pizza e beber umas no quarto de Jim,
quer vir?
— Pizza? Claro que quero! Que horas?
Comer algo que não exigisse o uso de garfo e faca era sensacional
para quem tinha uma mão imobilizada. Já tinha sido constrangedor demais
pedir a Gabriel que cortasse meu bife em um jantar com a banda toda.
— Ah, assim que chegarmos no hotel! Tony encontrou uma pizzaria
que funciona até as quatro da manhã, então ela já fez os pedidos. Faltam... —
ele disse e olhou as horas no celular — dez para as três, então vai dar certinho
tempo de chegar no hotel e comer tudo quentinho.
— Perfeito! — exclamei, animada.
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para que Pierre pudesse limpar meu rosto, e eu me voltei para Aline, que nos
olhava distraída.
— Aline, me ajuda, ele vai furar meu olho com esse carro em
movimento...! — brinquei quando Pierre começou a esfregar o produto nos
meus olhos.
— Engraçadinha... — Pierre reclamou, apesar do sorriso no rosto, e
eu fechei os olhos para deixá-lo fazer seu serviço enquanto ouvia risadas e
zombarias.
Minutos depois, ele parou com a tarefa de tentar mover meus olhos de
lugar na base da esfregação e me observou, avaliando o resultado.
— Ok, tá melhor. Não tirei tudo, mas consegui limpar o estrago que
você fez.
— Pô, não tirou tudo? Você quase arrancou minha íris! — exclamei, e
o figurinista fez uma careta e me empurrou no banco. — Brigada, meu amor.
Vem cá, deixa eu te dar um beijo.
Pierre ergueu uma sobrancelha, como quem dizia “olá, você está
oferecendo um beijo para mim?” e apontou para Aline.
— Dá nela, Aline é bissexual, mas não sabe ainda.
— Opa, não seja por isso! Vem cá, Aline! — gritei e estendi os braços
para ela, que gritou e saiu correndo dentro do carro, indo sentar em outro
banco. A risada foi geral.
— Ei, eu dou o beijo, serve? — Tony perguntou, e eu não consegui
deixar de rir com a expressão de Betty: foi de risonha para birrenta em um
segundo.
E ainda tinha a coragem de dizer que não estavam juntas, pode um
negócio desses?
Mas não tem problema: até o final da turnê, eu prometi para mim
mesma, ia arrancar uma confissão das duas. Palavra de costureira!
***
reunida. Ainda tomando cuidado com o dedo bugado, peguei uma saia
simples preta, uma blusa soltinha com gola peter-pan e sequei meu cabelo.
Não vou mentir: prefiro ele cacheado, mas daquele novo jeito era mais
prático de cuidar.
Mandei uma mensagem para Betty, que me informou em qual quarto
seria a comilança, e fui na direção da porta, pronta para encher a pança de
pizza. Antes de sair, lembrei dos meus harness esquecidos na mala. Faziam
parte dos pilotos da coleção nova de roupas de baixo, feita em parceria com
uma estilista de lingerie com pegada fetichista, cheias de cinta-ligas, body
cages e afins. Eram peças que faziam qualquer mulher se sentir muito sensual
e poderosa. Eu amava cada uma delas, mas não tinha usado nenhuma até
aquele dia.
Escolhi um suspender estilo cage, que nada mais era que uma espécie
de cinto com tiras que desciam até a coxa e a circundavam, imitando uma
cinta-liga falsa, e o vesti por baixo da saia. Olhei no espelho, me certificando
que a saia cobria as tiras, e saí da suíte satisfeita com o resultado geral, indo
rumo ao quarto de Jim.
Assim que cheguei, vi que Diego, Betty e Tony estavam sentados nos
dois sofás luxuosos, enquanto Gabriel e Erika estavam conversando em pé
encostados na parede oposta aos sofás, próximos à porta do quarto. Pela
expressão, estavam falando de trabalho, como sempre. Aline e Pierre estavam
sentados no chão, Aline encostada nas pernas de Betty e Pierre de pernas
cruzadas, corpo inclinado para trás, e apoiado com as mãos no chão.
No chão, entre os sofás, havia, literalmente, umas quinze caixas de
pizza abertas, lindas, cheirosas, brilhantes. Vi algumas tradicionais, tipo
pepperoni, mas também vi várias com coberturas estranhas, que, ainda assim,
pareciam muito apetitosas. Minha boca salivou tanto, que eu me esqueci dos
bons modos e fiquei encarando aquelas belezinhas como uma tartaruga ninja
adolescente.
Ao lado delas, claro, um monte de bebida. Era uma banda de rock, o
que eu esperava, leite com achocolatado?
— Ei, Lena! Bem-vinda! Senta aí, pega uma fatia! — Aline gritou
quando me viu, e eu desviei minha atenção das pizzas.
Pierre deu dois tapinhas no chão ao seu lado, e eu me sentei com ele,
dando um beijo em seu rosto de pele de pêssego e um “oi” geral para todos.
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— Olha, eu recomendo essa aqui. Nem sei o que tem nela, mas é bem
gostoso —disse, apontando para uma caixa em que só restaram três fatias de
pizza.
Começamos a comer (ou recomeçamos, no caso, pois todos já tinham
comido ao menos duas fatias antes que eu chegasse no quarto), e Betty gritou
para que Gabriel e Erika sentassem conosco. Os dois puxaram cadeiras de
uma mesa imensa no canto da sala e sentaram à minha esquerda, Erika perto
de mim e Gabriel próximo ao braço do sofá em que Diego estava.
— Ei, vocês estão calçados! As pizzas estão no chão, seus
porquinhos! — eu exclamei ao ver os dois pares de sapatos dos seguranças.
Gabriel revirou levemente os olhos e se levantou junto de Erika para deixar
os sapatos na entrada.
Aline ficou olhando os dois me obedecendo tão rapidamente e se
voltou para mim, surpresa:
— Uau, Lena, você coloca ordem mesmo, hein?
— General sendo General, Liney... Nunca viu como ela é cruel com a
gente antes dos shows? “Veste isso”, “não usa aquilo, não é seu!”, “Ai,
Diego, não dificulta meu trabalho!” — Diego disse, me dando um sorriso
irônico.
Senti minhas bochechas ficando quentes e mordi um pedaço da pizza,
mastigando rapidamente e engolindo antes de responder:
— Vou ouvir isso até o final da turnê, não vou, seu chato? É meu
modo profissional ativado, já disse. Eu não sou um amor fora do horário de
trabalho? Até comprei uma pulseira linda para você quando fui turistar
sozinha!
Aline ergueu o pulso, mostrando a pulseira preta de couro comprada
na Suécia.
— Linda mesmo, Lena, eu amei, obrigada. O quê? Ele deixou dando
sopa, eu roubei! — ela disse com um sorriso inocente, e eu caí na gargalhada
ao ver a cara contrariada do guitarrista.
— Ei, quem vocês chamaram de General? — perguntou Erika ao
entrar descalça na sala, afastar a cadeira e sentar no chão ao meu lado. —
Pega uma daquelas para mim, Lena? A do lado. Essa. Obrigada.
— O Diego me chama de General porque eu sou muito séria com ele
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***
a Jim se poderia usar o banheiro. Ele me mostrou onde ficava e pediu que, se
minha mão permitisse, eu trouxesse algumas cervejas que estavam no
frigobar no quarto quando voltasse. Caso não conseguisse, Diego completou,
eu deveria — ênfase no verbo — chamar alguém para ajudar. E ainda
completou:
— É uma ordem, ouviu, Costureira?
Que bonitinho ele me dando ordens. Preciso lembrar de cuspir no
gargalo da garrafa dele.
Voltei minutos depois segurando metade das garrafas de cerveja nos
braços e comecei a entregar para cada um deles. Entreguei as restantes, uma
para Pierre, uma para Betty e fiquei com duas na mão, indo na direção de
Gabriel, ao lado do sofá.
— Poxa, Lena, não precisava trazer tudo de uma vez. Seu dedo não
está doendo? — Jim perguntou, se dando conta de que talvez o pedido não
tenha sido lá muito repleto de empatia.
— Ah, não, não se preocupa, eu nem sinto mais — falei para
tranquilizar o pobre astro do rock. — E esse troço é útil para equilibrar coisas
em cima, tem uma parte dura, ó. Ah, Diego, eu passei no banheiro de novo e
deixei a sua garrafa cair no vaso sanitário, tem problema?
Diego deu uma leve engasgada com sua cerveja e me olhou com um
brilho de desafio no olhar.
— Costureira, você quer brigar, é isso? — ele perguntou com uma
sobrancelha erguida.
— Querer, eu não quero. Mas, se você quiser, pode vir. E pare de me
chamar de “Costureira”.
Tony riu de modo zombeteiro, enquanto Diego respondia:
— Ah, não pode, é? Só o Gabriel pode te chamar assim?
— Sim, só ele, somente ele e ninguém mais além dele, Diego.
Prepare-se para nove meses de tormenta ao meu lado. Começando pelas suas
roupas, que vou apertar até você não conseguir respirar. Sabe as roupas do
Prince? Então.
O olhar desafiador de Diego vacilou por um instante, e ele disse:
— Você não teria coragem.
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— Não, não teria mesmo. Mas existem outras coisas fora do ambiente
de trabalho que eu posso fazer contra você. E nenhuma delas envolve o uso
do apelido “Costureira”, seu bosta.
O resto da banda, que estava ouvindo nossa brincadeira atentamente,
fez um som do tipo que adolescentes fazem quando alguém dá um fora em
outra pessoa, um “uuuu” prolongado. Diego se levantou, veio na minha
direção e disse em tom de ameaça canastrona:
— Você não sabe com quem se meteu, Helena Maria.
Ergui o queixo e retribuí a expressão de vilão de novela dele.
— Você sabe muito menos, Diego... Hm... Não faço ideia do seu
nome real... Diego é nome de batismo, é? — perguntei, perdendo toda a pose
de durona que estava mantendo e erguendo meu lábio superior numa careta
de desculpas.
Diego desembestou a dar risada da minha cara, o que fez com que a
brincadeira provocativa se encerrasse ali. Não tinha mais como manter
nenhuma pose com aquela quebra de expectativa.
Logo voltamos para nossos lugares, e eu encostei em Gabriel, meio
distraída. Para minha surpresa, ele estendeu a mão e alisou a parte traseira de
minhas coxas. Fiquei imóvel na hora e olhei para ele. Nós não nos
encostávamos na frente do resto da banda, por motivos profissionais e... bem,
óbvios. Seríamos sacaneados até os noventa anos. Já éramos, na verdade, não
precisávamos dar mais corda ainda.
— Gab... — eu comecei a pedir, mas não consegui completar. Ia dizer
o quê? “Tira a mão, que eles não podem saber que a gente se come quase
toda noite”. Não é como se fosse segredo para qualquer um ali.
Deixando para lá, abri minha cerveja enquanto prestava atenção em
Aline contando uma história engraçada sobre um encontro desastroso. Apoiei
meu braço no ombro esquerdo de Gabriel e ouvi atentamente, observando as
reações da banda à história contada pela baterista.
Em seguida, todos começaram a contar alguma história divertida
sobre algum tipo de momento romântico dando errado. Betty contou sobre
uma ex que desmaiou durante um encontro, por causa de uma queda de
pressão, Jim contou sobre um encontro com a esposa em que ele derrubou
suco nela sem querer, Aline brincou dizendo que nunca teve um encontro
desastroso, pois era sagaz demais para não sacar um possível fracasso
amoroso, e por aí foi.
Quando Erika terminou de contar sobre um encontro em que ela
deixou o pobre homem falando sozinho e foi embora para casa, pois estava
entediada, eu olhei ao redor, procurando pelo próximo contador de histórias.
Estava tão entretida ouvindo as narrativas enquanto pegava no lóbulo da
orelha de Gabriel, distraída, que nem me dei conta de que só faltavam os
nossos relatos.
A banda inteira nos olhou, esperando que um dos dois falasse alguma
coisa. Parei de mexer na orelha de Gab e acertei a postura enquanto falava:
— Ah, eu tenho que contar também? Deixa eu ver... Não tive muitos
encontros desastrosos, não que eu lembre. Acho que a primeira vez em que
fiquei com uma menina, eu tava tão nervosa, que meus ombros tremiam e ela
teve que me segurar e me acalmar. Me ofereceu uma água e tudo. Foi sexy.
Aline gargalhou e em seguida me perguntou sobre um encontro
desastroso com homens. Olhei para Gabriel e dei um sorrisinho. Ele me
olhou de volta e eu sorri mais ainda ao ver o aviso em seu olhar. Nem preciso
dizer que foi o suficiente para que eu tomasse fôlego e começasse a falar:
— Olha, eu tive um encontro uma vez que não foi necessariamente
desastroso, mas que teve um final... complicado. Foi há alguns anos, quando
acompanhei uma amiga em um show. Eu não era penetra, mas fui tratada
como, já que essa amiga esqueceu de colocar meu nome na lista de staff no
estádio...
A banda inteira me ouvia com atenção, salvo Tony, que era a amiga
em questão, portanto sorria, já conhecendo o desfecho de tudo. Tirei a mão
do ombro de Gab e me sentei no braço do sofá, a poucos centímetros de onde
eu estava, para que pudesse olhar direito para todos os presentes no quarto de
hotel.
— Lá, nesse show, conheci um homem fascinante. Todo sério,
concentrado, forte, gostoso até dizer chega. Sabe aqueles homens que não
sorriem nem se um filhotinho de gato pedir carinho, mas que derretem seu
coração com o olhar? Aquela mistura perfeita de frio e calor?
— Sei, conheço vários assim — Erika disse com um sorriso irônico
voltado para mim.
acordar o príncipe encantado com toda delicadeza, afinal, a gente tinha que ir
embora, né? Eis que o bonitão se assusta com o toque de borboletas que eu
dei em seu rosto, agarra meu pulso e o torce para fora. Crec.
Precisei me segurar no lugar para não cair de tanto rir ao ver as
expressões de todos. Betty e Aline pararam de sorrir na hora. Diego arregalou
os olhos com espanto e olhou ao redor, como se estivesse esperando que eu
fosse gritar “mentira, gente!!”. Jim e Erika se entreolharam, confusos, Pierre
fechou a cara. A única pessoa que sorria era Gabriel, já que Tony estava
gargalhando loucamente, para assombro dos seus colegas de banda.
— Espera. Ele torceu seu pulso? Quebrou? E o que você fez? —
Betty perguntou, chocada.
— Uma saída de torção simples. Não quebrou, só estalou um
pouquinho. O pobre do homem quase teve um treco ao ver o que fez, achei
que ele ia chorar.
— Nossa, sua exagerada... — Gabriel murmurou.
— Eu, hein, você tava lá para saber? — retruquei com um sorriso
inocente. Gabriel me deu um sorriso de canto de boca e me deu aquele olhar
que dizia “você me paga, Costureira”.
— Mas e aí, o que você fez com ele? Chutou o saco dele? — Betty
perguntou, parecendo menos impressionada, mas ainda um pouco irritada.
— Não, tadinho, foi sem querer, de verdade. Ele acordou no susto —
disse e me levantei do braço do sofá, voltando a encostar em Gabriel. — Se
tivesse sido por querer, ele não estaria mais vivo para contar essa história.
Estaria, Gab?
— Provavelmente não — o Segurança respondeu, entrando na
brincadeira.
— Conta para eles sobre a minha mira, Gab — pedi enquanto passava
a mão em seu cabelo curto e pegava em seu lóbulo de novo.
Gabriel me olhou e me deu um sorriso irônico.
— Boa o suficiente para fazer esse idiota se arrepender de ter nascido.
Pierre interrompeu nosso joguinho e perguntou:
— Mas, afinal, o que aconteceu com ele? Vocês voltaram a se ver
depois disso? Ele está vivo ainda, ou você fez aqueles troços de defesa
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vitória”, o que fez com que Gabriel soltasse uma de suas risadas engraçadas
que todos ouviam tão pouco na banda. Lógico, isso atraiu a atenção de
absolutamente todos na banda, que olharam imediatamente para ele.
— Que foi? — Gab perguntou quando viu aquele monte de roqueiro o
mirando abismados.
Apenas eu não liguei para aquela risada. Eu ouvia toda hora.
— Hm, vem cá, Gab! Não mudem de assunto! Lena tá aí, dizendo que
vocês não namoram, que ela sai com outros homens... Você também sai com
outras mulheres, é? — Betty perguntou, eu fiquei aguardando a resposta que,
é claro, já sabia qual era.
Gabriel limpou a garganta e me olhou, um brilho divertido em seus
olhos denunciando que ele ia voltar com o jogo de palavras sobre o caso do
pulso torcido.
— Sim, claro. Eu costumo me encontrar com uma mulher que conheci
há alguns anos. Linda, atrevida, sexy, sarcástica, irritadiça, viciada em
trabalho. Você ia gostar de a conhecer, Lena, ela sabe segurar uma arma
como ninguém.
Dei uma risada e provoquei:
— Ah, quem é, a Erika? Se encaixa perfeitamente na descrição dessa
mulher.
— Oi? — Erika disse com a boca cheia de pizza, parecendo confusa
com o rumo da conversa, e a gargalhada foi coletiva no quarto.
— E você teve um encontro desastroso na sua vida, Gab? Com essa
mulher aí, teve? — Tony perguntou depois que todos pararam de rir.
Gabriel bebeu o resto de sua cerveja, colocou a garrafa no chão, me
olhou rapidamente e voltou sua atenção para a pergunta de Tony.
— De certo modo, sim. Quando nos conhecemos. Passamos a noite
juntos, dormimos, e quando ela foi me acordar no dia seguinte, por instinto,
eu me assustei, peguei o pulso dela e o torci. Eu não estava acostumado a
dormir com ninguém, então... Crec.
— Nossa, Gabriel, que incrível coincidência! — eu exclamei
falsamente e vi Aline dar um gritinho e começar a rir. Os outros a
acompanharam, e eu precisei me conter para não beijar Gabriel, que me
um gato! Pega para mim, esse troço idiota na minha mão tá me atrapalhando
toda.
Gab relaxou ao ver que nada de sério havia acontecido e pegou não só
a garrafa no chão, como todas as outras e se virou para sair do quarto.
Comecei a andar para acompanhá-lo, mas ele me interrompeu.
— Lena, espera aqui, eu preciso falar com você.
Estranhei seu rosto sério, mas assenti com a cabeça. Um minuto
depois, Gab entrou de volta no quarto com o rosto fechado, e eu perguntei:
— Eita, Segurança, que cara séria é essa? O que houve...?
Gabriel fechou a porta atrás de si, atravessou o quarto e me beijou tão
de repente, que eu demorei para corresponder. Sua boca desceu pelo meu
pescoço, e soltei uma risada abafada quando ele começou a levantar minha
saia.
— Ei, Segurança... Aqui é o quarto do Jim. Não é exatamente um
bom lugar para a gente fazer essas coisas. Não com todo mundo na sala...
— Não quero fazer “coisas” aqui, Lena, só quero ver o que é isso na
sua coxa... — ele respondeu e se afastou de mim, erguendo minha saia e
olhando para meu harness — Deus, Lena, o que é isso?
— Um harness tipo suspender. Nunca viu um? Olha, ele vai até a
cintura — eu disse e tirei suas mãos da minha saia, levantando o tecido até o
ponto onde a blusa começava — Bonito, né?
Se fosse possível, eu diria que Gabriel estava em estado de choque,
mas ele retomou o controle tão rapidamente, que eu precisei rir.
— Eu não sei para que isso serve, mas... Isso em você fica... — ele
começou a dizer, com o rosto franzido, como se estivesse sofrendo por
alguma coisa. Dei uma risada alta e ajeitei minha roupa. — Você tem outros
desses?
— Tenho, uns cinco.
— Com você? Aqui?
— Sim, na minha mala.
— Cinco diferentes?
— Sim, por quê? Quer experimentar um? — brinquei e me aproximei,
Estocolmo
parte, para não dizer totalmente não profissional, me meter em uma área que
não era minha porque me preocupei com o homem que eu dormia.
Meu peito doeu ao pensar na cotovelada que Gabriel recebera por
minha causa. Seu rosto não se moveu um milímetro apesar do impacto. Ele
tinha uma resistência à dor impressionante. Ou isso, ou aprendera bem a
domar suas emoções e reações. Talvez um pouco dos dois.
Quase uma hora depois, quando o show acabou, fomos instruídos, eu
e Pierre, por Ricky, que, por sorte, estava na casa de shows no dia, a
voltarmos sozinhos para o hotel em um táxi, pois a polícia local solicitou a
presença dos responsáveis pela banda e de, é claro, Gabriel e Erika, os
principais envolvidos na confusão.
Quinze minutos depois de ter chegado no hotel, saí do banheiro do
quarto um pouco irritada, não só por ter tomado banho quente, que eu odeio,
mas principalmente pelo que acontecera com Gabriel. Sabia que era a
profissão dele e que esse tipo de evento era normal, mas acho que, no auge do
meu egoísmo, preferia não ter que assistir a esse tipo de coisa. Ou queria
poder impedir, eu... Enfim....
Mesmo com o dedo imobilizado, consegui secar meu cabelo
corretamente, já que o trabalho de Pierre era de qualidade: além de
figurinista, ele também cuidava de maquiagem e cabelo, e conseguiu fazer
um tratamento em meus fios para que eu não aparentasse mais ser uma versão
menos talentosa da Clara Nunes.
Coloquei o roupão e fui me deitar, tentando entender o misto de
sentimentos que brigavam entre si no meu peito. Raiva, afeto, culpa, solidão,
impotência e mais alguns que eu não sabia identificar. Queria socar uma
parede, chutar uma cadeira e atirar com a Glock de Gabriel no joelho daquele
homem babaca que ousou machucar o Segurança.
Mal pensei nisso, me repreendi.
Eu quero atirar num homem só porque ele agrediu Gabriel? Isso é
insano, Helena! Você se transformou no pirado do seu tio?
Virei de lado na cama para pegar meu celular, largado ao lado do
travesseiro, e conferi se havia chamadas perdidas. Chequei as mensagens e
bufei, impaciente, ao ver que não tinha nenhuma notícia de Gab. Estava
preocupada com ele, ainda que soubesse que o ocorrido naquela noite não era
nada demais, nenhum tipo de atentado ou coisa parecida.
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desabotoar sua calça, puxando-a para baixo e pedindo que ele desse um passo
para frente. Gab obedeceu, mas em seguida colocou as mãos na minha nuca e
me guiou até a parede que dividia o quarto do banheiro, me prendendo com
seu corpo.
Soltei o ar rapidamente, surpresa com esse ato. A última coisa que
imaginei é que ele fosse querer alguma coisa sexual naquela noite, mas logo
percebi que ele, na verdade, não estava querendo iniciar nada. Olhei seus
lábios se entreabrirem umas três ou quatro vezes antes de ele conseguir botar
em palavras o que gostaria.
— Lena... Por que você...? — ele começou a perguntar, mas não
terminou, apenas continuou me olhando com o rosto fechado.
Coloquei as mãos em seu peito nu, passei o dedo pelas tatuagens, uma
mistura incrível de tribais, carpas e sombreamentos perfeitos, pela cicatriz
escondida pela tinta e aguardei que ele completasse sua pergunta, mas como
nenhum som saiu de sua boca, brinquei:
— Por que eu o quê? Por que eu continuo bela e jovem e você tá esse
velho caquético? Porque eu não fico franzindo as sobrancelhas que nem você,
olha.
Ergui as mãos até o seu rosto, passando os dedos em sua testa até
sentir que ele relaxava. Gabriel olhou para minhas mãos quando eu as desci e
as repousei de novo em seu peito. Meu coração acelerou ao ver que sua
respiração estava um pouco mais ofegante do que o normal.
— Por que você... se importa? — perguntou, entre cansado e confuso.
Engoli em seco e voltei a passar a mão pelas suas tatuagens, mais uma
vez me perdendo nelas. Eu não poderia ficar avaliando sua pele para sempre,
precisava responder sua pergunta.
— Me importo com o quê? — rebati, mesmo já sabendo a resposta.
Fiquei embaraçada de falar naquele assunto, era como se precisasse, sei lá...
explicar uma coisa que nem eu mesma sabia.
Gabriel não respondeu, apenas me abraçou e afundou o rosto no meu
cabelo, respirando fundo. Deixei ele ali por uns segundos, mas comecei a
ficar sem jeito.
— Gab... Não quero interromper seu momento capilar, mas você está
suado e cheirando a outro homem. Por mais que a ideia de você se interessar
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em caras seja atraente, eu não me interesso por outro homem, então... — Ops.
Isso soou como uma declaração? — Enfim, que tal um banho?
Delicadamente me soltei dele e caminhei até a cama, deitando nela e
quase enfiando a cara no celular para disfarçar meu constrangimento. Ouvi
Gabriel indo para o banheiro e afundei a cara no travesseiro, morta de
vergonha.
Aproveitei o banho de Gab para ir ao closet pegar uma das mudas de
roupas que o Segurança passou a deixar comigo desde a Holanda, quando
começou a dormir em meu quarto vez ou outra. Deixei as roupas na mesa de
cabeceira do lado dele e desliguei a luz do abajur, deixando o quarto
iluminado somente pelo meu celular, que ainda tocava a mesma música de
antes.
Já mais relaxada ao ver que Gabriel estava bem, acabei cochilando
enquanto ele tomava banho. Quando acordei, liguei o abajur e olhei ao redor,
procurando por Gab. Vi que a roupa dele não estava mais na mesinha e que o
banheiro estava silencioso, assim como o quarto todo.
Ah, não, de novo Gabriel foi embora desse jeito? Da última vez, foi
até compreensível, já que eu praticamente o expulsei naquele dia em que
brigamos, mas e agora? Qual é a justificativa para isso? Gabriel não pode
fugir a cada coisa que aconteça entre nós dois!
Pensei em ligar, mas me lembrei da antessala do quarto. Não dava
para ver aquele ambiente da cama, então eu decidi ir checar antes de tomar
uma atitude precipitada. Respirei fundo e me levantei da cama, torcendo para
que Gabriel estivesse ali, seja lá por qual motivo. Eu precisava pedir
desculpas pelo que fiz no show, precisava ver que ele não estava com raiva e,
principalmente, precisava ter certeza de que ele estava bem.
Em todos os sentidos possíveis.
Com o coração martelando no peito, fui até a antessala. Gabriel estava
sentado na cadeira que ficava quase ao lado da porta, o que me fez suspirar
de alívio ao ver que ele não fora embora.
— Gab? Por que você tá aí? A cama é grande suficiente para nós dois,
não notou?
Ele pareceu distraído antes de me notar.
— Oi? Ah, sim, desculpa. Não, por nada. Só vim pensar um pouco.
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Como prometido, vou contar como foi minha primeira noite com
Gabriel. Não somente porque sou uma mulher de palavra, mas porque sempre
há espaço em minhas memórias para relembrar aquele momento. Foi...
chocante.
Antes de Gab acidentalmente torcer meu pulso e me levar para o
parque de nome desconhecido em Londres, nós transamos, como você já
imagina. E muito. No dia seguinte, sentar no banco do parque foi, digamos...
um desafio.
Perdoe essa costureira que está se esforçando para não ser tão vulgar,
mas Gab desperta em mim um lado cachorrona que eu não tenho lá muito
interesse em conter. Mas farei o meu melhor para não soar como uma tarada-
pirada, prometo. Vamos lá.
Depois de ter visto Gab pela primeira vez nos bastidores do show que
a antiga banda de Tony estava abrindo, obviamente o da Sissy Walker, eu
rodei o local todo em busca do segurança, mas não o encontrei. Obviamente
não fiquei perguntando a ninguém sobre ele: o foco era o sucesso do show!
Quando o festival acabou, rumamos todos juntos, eu e a Trophy
Husband, para o hotel reservado. Comemoramos, eles beberam que nem
esponjas, e eu fiquei só em uma tacinha de champanhe, afinal, tinha planos
que envolviam um certo segurança de olhar penetrante e não queria me
esquecer de nada.
Quando o relógio bateu meia-noite, eu anunciei que iria para meu
quarto, peguei minha bolsa e dei um beijo no rosto de cada um dos meus
roqueiros queridos. Praticamente corri pelos corredores do hotel até meu
quarto, tomei um banho bem demorado, vesti a primeira peça de roupa que
encontrei — um vestido soltinho, leve, com mangas ¾ —, acertei minhas
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Fiz um esforço tremendo para não cobrir a distância que restou entre
nós dois e beijar aquela boca maravilhosa tão próxima da minha e agora com
sabor do meu café. Creio que esse pequeno diálogo tenha sido o mais erótico
que eu tive nos últimos anos.
— Por favor, não deixe que eu te atrase em suas atividades físicas.
Gabriel me olhou por mais alguns segundos — que me pareceram
longos minutos —, sorriu de leve e seguiu seu caminho pelo corredor do
hotel, olhando por cima do ombro e me metralhando com mais promessas
ocultas.
Contei exatos dez segundos e caminhei lentamente até as escadas de
emergência do hotel. Olhei ao redor antes de sair pela porta, apenas para me
certificar de que estávamos sozinhos no corredor, e pisei na escada, fechando
a porta corta-fogo atrás de mim. Fiquei em silêncio por um segundo, tentando
ouvir se Gabriel já havia descido, quando um movimento exatamente ao meu
lado me assustou. Olhei e vi o segurança parado, sorrindo, sem a jaqueta, que
estava pendurada no corrimão da escada do andar de cima.
Meus olhos imediatamente se focaram em seus braços tatuados, antes
ocultados pelo couro, e eu tive que morder o canto interno da boca para não
suspirar. Seus braços eram cobertos de tatuagens, que subiam até se perderem
por baixo do tecido da camiseta rasgada que caía perfeitamente em seu corpo,
compondo o visual meio punk.
— Olá de novo — disse com um sorriso sensual brincando no rosto,
as mãos nos bolsos das calças jeans, o corpo encostado na parede e um dos
coturnos com a sola virada para trás, servindo de apoio. — Veio fazer
atividade física também? Faz bem ao coração não usar elevador, sabia?
Meus lábios se entortaram num sorriso vitorioso.
— Já ouvi falar, Gabriel. Mas há outras atividades que também são
muito boas para o coração além de ignorar o elevador, não acha? — olhei ao
redor momentaneamente, buscando por câmeras e encontrando uma que
apontava exatamente para nós dois. O segurança respondeu minha dúvida
silenciosa:
— As desse andar estão desligadas, o andar superior está interditado
para obras e a porta não abre por fora no andar inferior.
Uau.
enfiou a mão no meu cabelo e me puxou com força, chocando sua boca na
minha e me beijando com paixão. Quase despi minha roupa ali mesmo.
Assim que me soltou, eu corri sem nem olhar para trás ou dizer nada, antes
que perdesse a linha totalmente. Pude ouvir ele comentar em voz baixa “dois”
e corri mais rápido ainda.
Pelo visto, a tal da muralha que o cercava realmente era emocional. A
sexual estava com os portões bem escancarados, felizmente.
***
resposta.
Ótimo, ele está começando a perder o controle. Vamos ver até quanto
ele aguenta sem ir adiante.
Ergui mais meu corpo, fazendo com que ele se afastasse um pouco, e
tirei meu sutiã, jogando-o no mesmo limbo em que todas as outras roupas
estavam nesse quarto. Gabriel abaixou o olhar para dar a checada tradicional
nos meus seios, e eu senti a leve vergonha de sempre. Não sou muito fã de
checagens corporais no pré-sexo, mas não me cobri, como faria antigamente,
apenas o puxei para perto e chupei seu lábio inferior.
Gabriel me empurrou na cama, e eu sorri. Seu controle estava por um
pequeno fio, eu notei quando ele começou a puxar minha calcinha. Levantei
o quadril para facilitar o processo e meu sorriso desapareceu quando ele
jogou a calcinha perto da porta e desceu a cabeça, indicando que não era bem
minha boca que ele pretendia beijar no momento...
Em geral, eu não fazia nem recebia sexo oral de desconhecidos. Sou
extremamente precavida e muito grilada com higiene pessoal, mas, naquela
vez, abri uma pequena exceção, somente porque os dois haviam tomado
banho e...
Nossa Senhora das Imprecações, que língua é essa? Gabriel podia
ser tudo aquele que Tony havia dito: frio, distante, sozinho e sei lá o que
mais, mas ele sabia MUITO bem o que estava fazendo. Como diria a Júlia,
esse merece um PhD em Estudos da Oralidade tranquilamente!
Aliás, em Linguística Aplicada também.
Ah, dê logo todos os títulos de doutoramento do mundo para esse
homem, que se foda todo o Conselho Nacional de Pesquisa Científica!
Agarrando-me a todos os clichês sexuais que eu conhecia, ouvi o
barulho de unhas arranhando o colchão e percebi que eram as minhas,
segurando os lençóis com força enquanto Gabriel fazia sua magia.
Comecei a sentir o suor brotar por todos os meus poros e tentei
controlar minha respiração. Aquilo era muito, mas muito gostoso! Ergui meu
tronco e não consegui segurar um gemido de surpresa quando Gabriel
deslizou um dedo para dentro de mim e retirou rapidamente, sem tirar a
língua de onde estava nem por um segundo.
Meu corpo se contorceu enquanto buscava um contato maior de suas
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mãos e sua língua e deixei escapar um gemido alto quando ele enfiou dois
dedos em mim e os manteve lá dentro. Senti o calor de sempre espalhar pelo
meu corpo enquanto ele continuava me chupando e movimentando seus
dedos de maneira ritmada.
Não demorou muito para que eu sentisse meus dedos do pé se
contraírem com força, avisando que meu orgasmo estava a caminho.
Momentos depois, não consegui mais controlar minha respiração, e os
gemidos começaram a escapar de minha garganta.
Gabriel aumentou a velocidade dos dedos e da língua de acordo com
as reações do meu corpo. Gozei divinamente, erguendo meu corpo para frente
enquanto minha cabeça tombava para trás. Senti as contrações familiares e
deixei todo o ar sair dos meus pulmões enquanto voltava a deitar na cama.
Ele parou de me lamber, mas manteve os dedos dentro de mim, me
fazendo empurrá-lo com o pé em reação ao contato com a pele sensível.
— Deixa ela respirar, moço... — disse, entre risadas sem fôlego,
mantendo os olhos fechados enquanto ainda sentia os espasmos pós-orgasmo.
Ouvi sua risada rouca e enxuguei minha testa úmida de suor com a
mão enquanto ria. Abri os olhos e vi Gabriel se levantar e pegar minha
bolsinha, largada próxima ao travesseiro.
Ainda com o meio sorriso no rosto, ele me entregou a bolsa, e eu, sem
me levantar da cama, estendi a mão preguiçosamente e tirei o pacote fechado
de camisinha, entregando para ele em seguida. Joguei a bolsa para trás e me
levantei, me ajoelhando na cama enquanto ele rasgava o pacote e tirava uma
camisinha, colocando-a entre os dentes e jogando os outros preservativos
embalados no chão.
Sua toalha logo foi fazer companhia às roupas no piso frio do quarto,
deixando Gabriel completamente nu. Fiz força para manter meu rosto
impassível, mas foi bem difícil, já que aquele homem tinha um físico muito
impressionante, com músculos definidos no ponto certo, braços fortes e coxas
que te dão vontade de lamber até o próximo feriado nacional. Não importava
qual feriado, se um brasileiro ou um londrino, eu só queria lamber aquele
corpo até ficar com a língua seca.
De novo, tentei não encarar sua ereção, mas não consegui. Ela me
olhava tão fixamente que eu não resisti e dei uma checada, ficando
oficialmente satisfeita com o que vi.
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***
Dessa noite, eu não tenho nada a dizer a não ser concordar com o que
foi dito.
Uau.
Felizmente, noites como aquela se repetiram mais vezes, quatro anos
depois, quando passei a trabalhar com a Sissy Walker.
O único problema foi quando as noites intensas de sexo viraram
noites intensas de outras coisas.
Outras coisas que nem eu nem ele poderíamos nomear.
Ainda não.
Sobre a autora
[1]
“Encontre-me na floresta, no fogo
Encontre-me no meio de seu desejo
Eu tenho amor em alta conta
‘Amor nas alturas’