O Nó e o Laço
O Nó e o Laço
O Nó e o Laço
DESAFIOS DE UM
RELACIONAMENTO AMOROSO
2º Enição
Sumario
Mensagem do Instituto Viva a Vida
Prefacio
Introducao ao nó
A ambivaléncia do nó no casamento
Um nó muito especial
Amar resolve?
Nos e as palavras
A conversa
Da paixão ao amor
A separação adiada
Tipos de casamentos
As neuroses se casam
Eu te conheco: conheco?
Amor de mãe
O amor da deficiência
O novo amor
Um amor de palavras
Sem palavras
Desatando os nós
O tempo passou e vivemos dando nós: o que
fazer?
Luta e luto
O pacto da verdade
Diálogo interno
Posfácio
Bibliografia comentada
Bibliografia
Baseado em fatos e
fantasias reais...
Mensagem do
Instituto Viva a Vida
Conta-se que dois amigos nadavam em um rio,
quando viram uma criança se debatendo na água,
lutando para não se afogar. Imediatamente ambos
nadaram para alcançar a crianca e manté-la com
a cabeça fora da água, de maneira que pudesse
respirar.
Quando já estavam na margem, prontos para
começarem os procedimentos de primeiros socorros
na criança desfalecida, novos gritos vindos do rio os
surpreenderam. Enquanto um dos rapazes continu-
ava os procedimentos, o outro voltou imediatamente
para a água. Alguns minutos depois, ele retornava,
ofegante, para a margem, trazendo a outra criança.
Após checarem os sinais vitais dos dois meninos
já salvos, os rapazes se encaminharam para o carro,
a fim de levá-los a um hospital. Mas novos gritos,
desta vez de duas meninas, os fizeram voltar. Sem
tempo para questionamentos, um dos amigos su-
geriu, enquanto corria, que cada um deles salvasse
uma das meninas. Mas o outro, numa inspiração di-
vina, disse: “Faça o que puder para salvar as duas...
Eu vou dar a volta na margem e descobrir quem está
jogando as crianças no rio”.
O Instituto Beneficente Viva a Vida foi fundado
há dezesseis anos, com a missão de abrigar crian-
cas portadoras do virus HIV. A crescente demanda
de criancas não portadoras, mas igualmente ca-
rentes, igualmente herdeiras de um tragico script
de vida, obrigou-nos a rever o nosso objetivo.
Hoje recebemos crianças e adolescentes,
encaminhadas pela Vara da Infância e Juventude,
portadoras ou não do vírus HIV, mas todas frutos
de gravidezes indesejadas ou mal planejadas.
Essas crianças foram “jogadas no rio”, certamente
por pais também sobreviventes de quase “afoga-
mentos”, participantes de uma cadeia de erros di-
ficeis de serem interrompidos.
A parceria do Viva a Vida com a Integrare Edi-
tora e com Alfredo Simonetti, autor deste livro, é
uma inspiracdo divina, um apelo aos casais, donos
do poder de escolha entre “jogar ou não mais uma
crianca no rio”. Afinal, no mundo das possibilida-
des, cada filho, desejado ou não, comeca a existir,
desde o primeiro olhar entre seus pais.
Nosso apelo, querido leitor, é muito maior do
que a ajuda financeira que vira de cada exemplar
vendido deste livro. Ela sera bem-vinda, claro, e
também é nossa missão salvar nossas criancas do
“afogamento” em suas histórias de vida cruéis. E
isso tem um custo. Mas nosso sonho maior está
em cada exemplar lido. Ao ler, emprestar, indicar
este livro, você estará, literalmente, ajudando-
nos a salvar muitas vidas, pois estará colaborando
para conscientizar os casais da importância de
aprenderem a se relacionar bem, antes de pensa-
rem em gerar filhos.
Heráclito
Introdução ao nó
O fio que tece o laço amoroso de encanto e
paixão é o mesmo fio que se contorce em forma
de nó nas fases dificeis do relacionamento. É fácil
observar que todo relacionamento amoroso car-
rega em si a possibilidade de virar um nó, e que o
casamento, entdo, tem uma forte tendéncia para
transformar o lindo laco inicial em um né.
Nó é o nome que damos as crises e as dificulda-
des naturais do casamento: desencontros, brigas,
sentimento de não sermos amados, insatisfacdo,
ciume, tédio, falta de liberdade e de privacidade,
questdes sexuais ou de fidelidade, problemas
financeiros, divisão do trabalho doméstico, pro-
blemas de convivência com as famílias etc. Meu
objetivo neste livro é comentar a arte de desatar
estes nós do casamento, ou de afrouxá-los, cri-
ando um laço novo, um novo amor.
Este não é, porém, um livro do tipo Como ser
feliz no casamento. É muito mais um livro do tipo
O casamento é assim, pois apresenta uma coleta-
nea de ideias interessantes sobre o casamento - in-
teressantes e úteis.
O que pude descobrir ao longo desses anos
trabalhando como psiquiatra e psicanalista — com
pessoas que se queixavam de algum sofrimento
amoroso - foi que o conhecimento sobre como
funciona o nó do casamento é capaz de aumentar
enormemente a habilidade das pessoas para al-
cancar um casamento feliz. Entretanto, cada um
fazia isso de um jeito singular, nunca encontrei
uma grande verdade que servisse para todos in-
distintamente, nenhuma mesmo.
Acredito na felicidade, no casamento e na vida —
desde que entendamos que a felicidade não é bem
o que a nossa intuição nos diz. Ndo ofereço uma
receita de como ser feliz pela simples razão de que
a felicidade não é um bolo cujo modo de fazer está
escrito; a felicidade é a sensação que você experi-
menta quando come o bolo, portanto passageira,
fugaz, mas passível de ser repetida muitas e mui-
tas vezes.
Vou tentar dizer isto de uma maneira mais
poética: A felicidade é alguma coisa parecida com
a música produzida por um instrumento musical;
ela é um resultado, uma consequência, não é “uma
coisa” em si, um objeto que possa ser possuído.
Não faz nenhum sentido você sair correndo pela
vida afora atrás do som, perseguindo-o, querendo
possuí-lo. É muito mais prático você procurar
construir artesanalmente um instrumento (no
caso, o relacionamento amoroso em um casa-
mento) que seja capaz de, quando tocado do jeito
certo, produzir momentos de felicidade.
O primeiro passo nessa arte é entender que o
nó não acontece por falta de amor ou porque as
pessoas são neuróticas, acontece porque esse mo-
vimento em direção ao nó é da própria natureza
do laço amoroso - bem como é da natureza de
qualquer relacionamento humano.
É que, com o passar do tempo e por certas
razões que veremos ao longo deste livro, o laço de
amor, tesão e paixão do comeco vai se estreitando,
apertando, até se transformar em um nó que
prende, sufoca, irrita, frustra, confunde, e acaba
afastando as duas pessoas que eram tão próximas.
Um nó que não une, mas afasta — é este o paradoxo
no qual pode se transformar um casamento.
E quando o nó está feito vem aquela vontade
danada de simplesmente cortar a linha e ir em-
bora, mas essa é uma solução apressada e ingê-
nua, porque quando ela efetivamente acontece, e
as pessoas se separam, as duas linhas soltas pelo
mundo não tardam a se enlaçar novamente, seja
com a mesma linha antiga ou com uma linha
nova... e tudo recomeça.
Ao que parece, a vida amorosa não admite
soluções tão simples assim, é como se existisse
no ser humano uma irresistível tendência a criar
nós. É claro que existem casamentos nos quais
o nó não surge, mas esses relacionamentos,
verdadeiras epifanias amorosas, são tão raros,
acontecem com tão poucas pessoas que nem ser-
vem de assunto para um estudo como este.
Na vida normal, um casamento feliz não é um
casamento sem nós, mas um casamento onde as
pessoas aprenderam a afrouxar os nós. Ou seja,
nem todos os casamentos viram um nó, apenas
OS casamentos normais.
Que o leitor faça o teste: observe à sua volta,
pense nos casamentos que conhece e perceba se
não existe, em cada um deles, ao menos um pe-
quenino nó.
A ambivalência do nó no casamento
Um nó muito especial
O casamento não é um nó qualquer, ao
contrário é um nó bastante ousado, já que tenta
unir o masculino e o feminino, que como já sa-
bemos, são bastante diferentes. Evidentemente
os homens e as mulheres são iguais no campo
social e político e devem ter os mesmos direitos
oportunidades, mas, de fato, são muito diferen-
tes nos outros campos: pensam, sentem, falam,
agem, amam, gozam e sofrem de maneira bem
diferentes. E são essas diferenças que, na maio-
ria dos casos, fazem o laço virar nó.
Este tema sobre as diferenças entre o
masculino e o feminino vem ganhando bastante
destaque hoje. Impulsionados pelas descobertas
cientificas acerca das especificidades do corpo
feminino - não apenas no aparelho reprodutor
mas também no cérebro e em outros sistemas
corporais - estamos descobrindo o que a tradi-
ção psicanalítica diz há mais de um século: a mu-
lher é diferente, e diferente num sentido positivo.
O feminino, com tudo o que carrega de
misterioso, de inacessível, de singular e de
insatisfacdo é, talvez, a forca propulsora de de-
senvolvimento cultural mais intensa. Se fosse
apenas pelo masculino, com sua objetividade e
praticidade, provavelmente ainda estariamos
no tempo das cavernas comendo, bebendo,
transando, dormindo e competindo; apenas
sobrevivendo, enfim. E o feminino que verda-
deiramente faz avancar a cultura humana. Diz a
psicanalise que no feminino a sensacédo de que
“falta alguma coisa” é bem mais evidente. E não
estamos nos referindo a auséncia de pénis no
corpo feminino.
É muito mais que isso: trata-se daquela
sensacao, que todo ser humano conhece, de que
a felicidade é sempre parcial. Por mais que vocé
lute, conquiste, vença e consiga o que você de-
seja, quando a felicidade chega, é sempre fugaz,
passageira, nunca é completa. Está sempre
faltando alguma coisa — e isso é normal, ndo é
neurose; a natureza humana é assim, para o bem
e para o mal.
O radicalismo do paragrafo anterior é apenas
um recurso para sinalizar um elogio ao femi-
nino. É claro que nos homens também est4 pre-
sente essa marca de nossa humanidade: somos
seres faltantes, sempre algo nos escapa, algo que
desejamos e, a0 mesmo tempo, desconhecemos.
Mas sem dúvida é na mulher que isso é mais
evidente.
A psicanalise comecou a existir cem anos
atrás, perguntando-se “o que quer uma mu-
lher?”[1l. Os primeiros pacientes de Freud, em
sua maioria, eram mulheres, e foi a partir da
andlise dessas pacientes que foi ficando claro
para Freud que a neurose tinha a ver com os de-
sejos. O problema era que tais desejos não eram
claros, e em especial nas mulheres.
Hoje, depois de milhares de livros publicados
e milhares de horas de análises realizadas,
continuamos a nos perguntar: “mas o que quer
mesmo uma mulher?”. E o pior é que não adianta
perguntar isso para elas, as mulheres: elas tam-
bém não sabem a resposta, também continuam
se perguntando...
Vale dizer, também, que, além se fazer esta
pergunta, a psicanálise também vem propondo
uma outra questão: “O que tanto o homem quer
saber sobre o que quer uma mulher?”.
Amar resolve?
A conversa
RELEMBRANDO
Introdução ao nó
O encontro
A paixão
O amor
Da paixão ao amor
A passagem da paixão ao amor é da ordem do
tropeço: é sempre desconcertante descobrir que
as coisas mudaram. Por mais que se saiba que
isso costuma acontecer na maioria dos relacio-
namentos, quando as coisas esfriam um pouco
ou se tornam muito complicadas, os amantes se
surpreendem: “Hum? Como assim? O que é que
aconteceu com a gente?”. Este é um momento
importante, é um momento de decisão.
Pode ser um ponto final, ou então um ponto
de mutação. Às vezes a relação termina aí, mas,
muitas vezes, é exatamente nessa hora que acon-
tece uma transformação, uma mudança para
outro tipo de relacionamento.
As coisas podem não ser mais como antes,
mas cada instante tem seus encantos, e cabe aos
amantes ir além dos desencantos do fim da pai-
xão e descobrir as trilhas do novo amor.
O amor pode não ser paixão, mas tem a ver
com ela, não é a ausência dela: existem no amor
momentos de paixão, só que mais calma e mais
duradoura.
Paixão, por definição, é sentimento em ápice,
é como uma montanha, vai subindo, subindo
até um pico lá no alto, e depois vai descendo,
descendo, e finda. Um gráfico da paixão é agudo,
intenso, mas também é breve e com final certo:
termina. Por outro lado, o gráfico do amor lem-
bra mais uma cordilheira, uma cadeia de monta-
nhas entremeadas de vales, planícies e platôs, é
longo, flutuante e de final aberto: não é tão certo
o que vai acontecer.
Gráfico da paixão
Gráfico do amor
A separação adiada
Dizem que todo casamento é uma separação
adiada. Pode ser mesmo, mas, então, novamente
cabe aos amantes fazer desse adiamento algo
longo, com muito carinho, prazer e diverti-
mento.
E sempre resta a possibilidade inventada por
Vinicius de Moraes ao escrever “que seja infinito
enquanto dure”. 31
E o verso ndo se aplica apenas as questdes do
amor. Embora saibamos que a morte é inevita-
vel, não é possivel viver bem se ficarmos pen-
sando a todo instante que a vida é uma morte
adiada. Como escreveu tão bem outro mestre da
poesia, Fernando Pessoa: “Melhor é a vida que
dura sem medir-se”. [4]
Não é preciso medir nem a vida nem o casa-
mento, deve-se ir vivendo.
Os amantes mais
bem-sucedidos do mundo
Se o casamento tem mesmo essa tendência
pra virar um nó, deveriamos nos perguntar:
então, por que é que nos casamos? Por que não
continuamos como namorados pela vida afora?
Os amantes mais bem-sucedidos do mundo
são aqueles que nunca se encontram, disse o
mestre indiano Osho, argumentando que é a
distância que orna as histórias mais belas e ro-
manticas. Elas não têm disputa nem censura ou
briga,
Tipos de casamentos
Uma primeira tentativa de acertar foi o amor
livre, no qual ndo haveria compromisso algum
entre os parceiros. Esse jeito de se relacionar
mostrou-se bastante satisfatorio entre as pes-
soas mais jovens. Entretanto, quando a maturi-
dade chegava, acompanhada de seus inevitaveis
problemas relacionados a criacdo dos filhos e
a questões financeiras, as coisas não andaram
muito bem... e isso sem se tocar nos desafios e
frustrações afetivas que tal modelo trouxe para a
subjetividade das pessoas.
Então veio o casamento aberto, no qual cada
parceiro autoriza, e às vezes supervisiona, o
outro em suas andanças extraconjugais. Na
prática, este caminho tem-se mostrado bastante
plausivel; o problema é que ele exige parceiros
confiáveis, amadurecidos e (relativamente) bem
resolvidos, o que o torna disponível apenas para
alguns.
Este casamento não é para quem quer, é
para quem pode. A traição é mais fácil do que
o casamento aberto. É que ele implica riscos e
cobra um preço alto em termos de franqueza,
de conversas difíceis, de enfrentamento dos
sentimentos, enquanto a traição, embora cobre
preços talvez ainda mais caros, fundamenta-se
na negação e tem sempre a possibilidade de não
ser descoberta. O casamento aberto é um cami-
nho trabalhoso em termos de subjetividade, por
isto não se generalizou a ponto de efetivamente
ameaçar o tradicional casamento como institui-
ção hegemônica. Além disso, o casamento aberto
também tem seus nós, que igualmente precisam
ser desatados e afrouxados. Veja que continua-
mos no campo dos nós.
Depois foi a vez do swing, ou da troca de casais,
no qual os dois parceiros juntos se permitem
liberdades sexuais na presença um cônjuge do
outro. Neste caso, estamos diante de uma prática
sexual alternativa e não de uma forma alterna-
tiva de emparceiramento amoroso. O swing é
igualmente repleto de nós.
Nesta categoria também podemos incluir o
sexo virtual pela internet, mas este talvez pre-
cisemos estudar mais para entender aonde ele
pode nos levar em termos de consequências para
o casamento.
Os relacionamentos estão mudando, mas
continuam difíceis. Nos últimos tempos, tem
crescido o casamento de duas casas. Embora a
palavra casal lembre a palavra “casa”, esta deixou
de ser um elemento definidor do casamento.
Algumas pessoas optam por viver em casas
separadas, cada um na sua, no mais estão jun-
tos: legalmente, socialmente, financeiramente,
afetiva e sexualmente, inclusive familiarmente.
Esta maneira de se relacionar tem alcançado
relativo sucesso, especialmente entre casais
jovens, sem filhos, e casais mais maduros com
filhos já crescidos.
Quando perguntei a uma paciente se seus
pais eram casados, ela demorou um pouco para
responder:
É, acho que são...Quer dizer, não sei bem, eles
moram em casas separadas, mas se consideram
casados, são fiéis sexualmente, dormem juntos
alguns dias da semana, em casas alternadas e
se apresentam como marido e mulher. Eles mo-
raram na mesma casa durante uns vinte e cinco
anos, aí meu pai resolveu que queria ter o canto
dele, mas não queria se separar da minha mãe.
Ele é uma pessoa muito difícil de se conviver, é
muito metódico, chega a ser chato. Eu acho que
minha mãe estranhou um pouco essa situação
no começo, ficou insegura, mas hoje está tudo
bem, eles se entendem assim, e está tudo em
paz.
As neuroses se casam
No começo do casamento, a pessoa acha que
escolheu seu parceiro pela beleza, pela inteligên-
cia, pelo sucesso, pelo corpo etc, porém, com os
anos de convivência começa a se dar conta, alar-
mada, de que escolheu seu parceiro, entre outras
coisas, porque ele completa sua própria neurose.
Sim, as neuroses também se casam e somos
todos, num certo sentido, neuróticos, ou se
preferirmos “normóticos”. Aliás, o período de
namoro é o tempo necessário para descobrir se
nossas neuroses combinam. Escolhemos para
casar quem nos completa - no bom e no mau
sentido.
Se a pessoa tem uma tendência a se vitimizar,
provavelmente escolherá um parceiro domi-
nador; se a tendência for para ser um grande
cuidador, ou controlador, certamente escolherá
um parceiro carente. Duas pessoas dominadoras
têm pouca chance de ficarem juntas por um
tempo muito longo; todavia duas pessoas que
gostem da disputa - sendo uma mais domina-
dora e a outra mais passiva — estas, sim, têm
chance de um casamento longo, longo e repleto
de reclamações justas: uma se queixando da
dominação do outro, e o outro se queixando da
falta de iniciativa do primeiro.
Queixar-se do outro sugere a presença de dois
sentimentos, a antipatia e o antagonismo. A
antipatia acontece quando não gostamos de al-
guém, quando não queremos ficar perto daquela
pessoa. O antagonismo acontece quando dis-
cordamos de alguém, mas adoramos estar perto
desse alguém, disputando, brigando - estejamos
ou não conscientes disto. Vale dar um exemplo
do mundo do futebol para entendermos melhor
este tópico. Há pessoas que torcem para um time
diferente do nosso, mas com quem adoramos
encontrar para discutir, tirar um sarro etc. Isto
é antagonismo, e ele aproxima. Se sentíssemos
antipatia por essa pessoa, ao vê-la, mudaríamos
de calçada apenas para não encará-la.
Boa parte do amor é feita de antagonismos,
haja vista os jogos de sedução sexual, tão usados
na luta amorosa para conquistar alguém. Nesses
jogos, esse alguém a princípio não está dispo-
nível, o que parece aumentar o prazer de quem
conquista.
Embora, do ponto de vista anatômico, a
relação sexual seja complementar (afinal tudo se
encaixa), nos comportamentos que antecedem o
ato sexual em si — ou seja, na corte, na conquista,
na sedução, no namoro - há disputa, há certo
antagonismo.
Entre os que amam, geralmente um quer
mais sexo que o outro, ou quer em hora em que
o outro não está tão a fim — ou faz de conta que
não está. Esta recusa, real ou fingida, acaba
também sendo excitante para a maioria das
pessoas, desde que não seja exagerada, e põe em
andamento um jogo onde vencedores e vencidos
se realizam. No fim das contas, o sexo satisfaz os
impulsos amorosos tanto quanto os impulsos
agressivos.
Eu te conheço: conheço?
“Eute conheço, eu sei quando está acon-
tecendo alguma coisa pelo jeito como você
respira.” - afirma a esposa desconfiada para o
marido que acabara de lhe dizer: “Não é nada,
não tenho nada.”
De todas as ilusões do amor romântico há
uma que geralmente se desfaz de uma maneira
profundamente desconcertante: é a ideia de
que realmente conhecemos a pessoa com quem
estamos vivendo. Não é raro conviver com uma
pessoa por muitos e muitos anos e, de repente,
nos darmos conta de que não conhecemos essa
pessoa.
Ela faz, ou sente coisas insuspeitadas, coisas
que não imaginávamos nem admitiamos como
possíveis. A partir do retumbante “Eu não
acredito, não é possivel!”, o outro passa a ser
um enigma, ou pior, uma fraude. Mas o mais
provável é que o que o outro fez sempre foi uma
possibilidade real, nós é que não podiamos ver.
Não podíamos, porque ver significava sentir coisas
ou ter que tomar atitudes para as quais não está-
vamos preparados.
No amor, conhecemos a pessoa amada da
mesma maneira a que assistimos a um filme:
preenchemos com nossa imaginação os espaços
vazios entre os fotogramas. Isto, porém, não é
uma característica do amor, tem a ver com todos
os tipos de relacionamento humano e chama-se
idealização. O que acontece é que, no amor, paga-
mos muito caro por nossas tantas idealizações.
Essas idealizações não se referem apenas à
pessoa amada, muitas vezes sofremos também
pelas idealizações que construímos a respeito
de nós mesmos, e uma das mais frequentes é
a da vítima inocente. Gostamos de pensar que
somos um parceiro legal, que estamos fazendo
tudo o que podemos pelo relacionamento e que o
outro é que é um egoísta, quando não um sacana
mesmo, que nos faz sofrer com suas maldades.
É preciso muito cuidado com esta historinha
vitimosa, porque raramente existem bandidos
emocinhos no amor; estamos mesmo, os dois,
tentando nos salvar de nossas próprias angús-
tias. Marido e mulher são como dois náufragos
que, nadando num mar de desejos e sentimentos
conflitantes, acabam se encontrando, segu-
rando-se um no outro e, com isto, salvando-se
momentaneamente de morrer afogados ou de
frio. Mas os dois são náufragos - ninguém está
salvando ninguém.
Talvez seja mais produtivo pensarmos em
termos de complementaridade. Para além das
queixas contra o outro cabe sempre nos per-
guntarmos por que escolhemos esse outro para
casar. As respostas serão surpreendentes, desde
que sejam sinceras, é claro.
EU|EVU
/EÚ EUJEU EUJEU/EU
/U[EU[EUIEU[EUEU[EUIEUN
JIEUEU[EU[EUIEUEV[EVIEUJE\
U|EU|EVU|EU|EU|EU|EV|EV|EUIE!
U|EU|EV|EU|EUJEUJEV|EUIEVIE!
Yuleuleuleulevjeu evievleviey
EU|EVU|EV|EV|EV|EU/EU|EU E]
x<(Ç_U EU|EU|EVU|EU|EV|EVU Eq’
A RIEDEUEDP”
NEU|EU[EV|EV[EVIEU)”
Amor de mãe
O cordão umbilical
A lenda do nó
O amor da deficiência
No sentido da busca de um nó amoroso ideal
vamos considerar a existência de dois tipos de
amor: o amor de deficiência e o novo amor. O
primeiro é o amor romântico, o amor que todos
conhecemos e buscamos para nos salvar daquela
sensação angustiante na qual somos lançados,
desde o instante em que nascemos. Essa sensa-
ção está na pergunta: somos amados? O segundo
é o novo amor, um tipo raro e desconhecido de
relacionamento amoroso que, algumas vezes,
alguns de nós conseguem alcançar quando nos
livramos das garras do amor de deficiência.
O amor de deficiência é o mais comum, é quase
universal, acontece com todo mundo, é o amor
que todos conhecemos, que estamos acostuma-
dos a viver e a sofrer, é o amor idealizado, no qual
supomos encontrar uma pessoa maravilhosa
que nos ama, que nos deseja, e somente a nós —
ou seja, é o amor da criatura encontrada. Este é
o amor onde o outro surge como obturador do
vazio existencial, como apagador da angústia
que nos devora a partir de dentro. É um amor
de salvação, que nos dá uma sensação de com-
pletude e de segurança maravilhosa, é a tal
felicidade.
Paradoxalmente, porém, ele também é angus-
tiante porque se perdemos essa criatura encon-
trada, ou se descobrimos que ela não nos ama
como imaginamos - ou que mesmo nos amando,
pode ainda assim desejar outras pessoas, mesmo
que imaginariamente - acabamos por cair de
volta naquela sensação de desimportância, de
desamor, de frustração e de incompletude que
a maioria de nós carrega escondida dentro do
peito.
É claro que se dependemos tanto assim de
alguém para nos sentir bem na vida, vamos
querer possuir e guardar esta pessoa para nós; ao
mesmo tempo, vamos viver num inferno de an-
siedade temendo o dia em que possamos perdê-
la. Mesmo que efetivamente nunca venhamos a
perdê-la, mesmo assim, sofremos só de imaginar
tal possibilidade. É que se o outro é o ar que “eu”
respiro, sem ele não respiro, morro - então, o me-
lhor que tenho a fazer é tratar de mantê-lo bem
próximo, bem vigiado.
Esta história de que o outro é que nos faz
felizes é bonita e romântica, mas, na prática, é
uma das fontes de tensão no relacionamento
amoroso. Neste sentido, dizer para alguém “Você
é o ar que eu respiro” não é uma declaração de
amor, é uma ameaça! O amor de deficiência é
também um amor de ambivalência: ao mesmo
tempo em que nos completa, também nos deixa
famintos. O mito sobre o nascimento do deus do
amor, Eros, é bem o exemplo disto.
Eros nasceu de uma noite de festa entre os
deuses. Todos tinham sido convidados, menos
a deusa Penúria, miserável e faminta. No fim
da festa ela veio, comeu as sobras e acabou dor-
mindo com Apolo, o deus da beleza, engenhoso
e astuto. Foi desta relação sexual que nasceu
Eros, o deus do amor que ora se parece com sua
mãe, sedento e faminto, ora se parece com seu
pai, astuto e engenhoso em se fazer amado. Não
é assim um ser apaixonado, ora belo e cheio de
vida, ora sedento e inseguro em busca de amor?
A história de Cristina
Cristina era uma menina linda, mas desde
mais ou menos seus cinco anos de vida ficou
evidente que ela era infeliz e agoniada. Não
que ela reclamasse ou fosse agitada, ndo era,
mas qualquer um que olhasse via que ali estava
uma menina angustiada. Cristina raramente
ria, a ponto de sua família ter inventado um
interessante jogo para os dias de domingo. O tio
de Cristina chamava os amigos e apostava com
eles para ver quem fazia a menina sorrir. Nin-
guém ganhava dele.
O novo amor
RELEMBRANDO
Pensando bem,
Deus não me deu nada,
foi só um empréstimo , uma posse provisória,
mas falando a verdade, nem posse é,
deve ser mesmo só pra usofruto
e ainda por cima por pouco tempo,
e pra complicar, só de um pedaço
porque parte de você
é outra história.
Os meninos brincam,
as meninas tramam
“Os “cromossomos” determinam a
vida sexual dos seres humanos...
O “como somos” cria o amor, a espiritualidade,
e a educação, transformando o ritual biológico do
instinto sexual numa história de amor única e
verdadeira para cada casal de amantes”.
Içami Tiba
Uma das razões de o nó existir em todas as
histórias de amor é o fato de homem e mulher
serem tão diferentes. No começo de uma relação,
ou nos momentos de paixão, essas diferenças
funcionam como atrativos e como elementos
complementares, mas, com o passar do tempo,
assumem um jeito de muro entre o homeme a
mulher.
Nossa ideia é de que o amor não anula as
diferencas, o amor não pula o muro (só a paixão
consegue tal proeza), mas pode contorná-las pela
trilha das palavras bem ditas, porque, é claro,
as palavras também podem aumentar o muro
quando usadas como armas.
É certo que essas diferenças não justificam
nem autorizam a maneira desigual e injusta pela
qual nossa sociedade machista costuma tratar a
mulher no campo social e profissional, mas no
campo do relacionamento amoroso as diferen-
ças fazem o nó.
O homem é simples, a
mulher complexa
Quando você receber um casal de amigos pela
primeira vez em sua casa, faça o seguinte teste:
após alguns minutos peça para os dois fecharem
os olhos e depois peça para eles descreverem a
sala. O homem provavelmente dirá algo assim:
“Bem, tem um sofá, duas poltronas, uma tele-
visão, uma janela no fundo e um tapete”. Já a
descrição da mulher será algo do tipo: “Bem,
tem um sofá verde-oliva, duas poltronas em um
ângulo de 45 graus, uma janela por trás do sofá
com uma cortina em um tecido bege, na estante
onde tem a televisão tem também um armário
com uns copos de cristal lindos, ah, e um tapete
de cisal, num tom levemente esverdeado com
detalhes em marrom e...”
A questão é que homem enxerga chapado, e
mulher enxerga em três dimensões. Dizem que se
um homem entra em uma sala e percebe que ela
foi pintada recentemente é pelo cheiro da tinta,
e não pela visão. E isso tudo não é filosofia, é
fisiologia.
Os cientistas afirmam que nos homens a visão
central e de longa distância é mais desenvolvida
do que nas mulheres. Provavelmente isso fa-
cilitava a caca nos tempos das cavernas. Ja nas
mulheres, a visdo periférica é mais agucada, o
que era muito importante para a protecao da
cria. Para proteger os filhotes, a fémea tinha que
conseguir prestar atencdo a varias pequenas
coisas ao mesmo tempo. Talvez isso ajude a com-
preender porque as mulheres sdo tão eficientes
em perceber detalhes e os homens são tão obtu-
sos: é a famosa história de a mulher perceber um
pequeno desalinho na camisa do marido e ele,
por sua vez, não se dar conta do vestido novo ou
de um penteado diferente.
Mas não se trata apenas de roupas e cabelos, as
diferenças envolvem todos os aspectos da vida
de um casal. Parece que uma mulher percebe
muito mais quando seu marido olha para outra
mulher do que o contrário. Aqui o problema
pode não ser de percepção, talvez a mulher, por
razões culturais, olhe para outros homens de
uma maneira muito sutil, o que faz com que o
homem não consiga, ou não queira ver.
Estudiosos do campo da psiquiatria infantil,
pesquisando o autismo (patologia na qual os
indivíduos acometidos caracteristicamente
fracassam em perceber os sentimentos dos
outros) demonstraram que os meninos apresen-
tam mais dificuldades para perceber pequenas
alterações no rosto dos pais quando comparados
com as meninas, e isso desde bebês. Elas per-
cebem mais detalhes, mais nuances. Certa vez,
quando mencionei isso para uma paciente, ela
me disse que os homens eram mais autistas que
as mulheres. Não sei se podemos chegar a tanto,
mas que a percepção afetiva nos homens é mais
frágil, o que lhes confere uma certa ingenuidade
— muitas vezes bem aproveitada pelas mulheres
—isto é fato.
Outra diferença interessante é uma questão
de pele. Anatomicamente a pele humana é bas-
tante fina, mas em termos de sexualidade e afe-
tividade a sua profundidade é abissal, e a pele da
mulher, por sua vez, é dez vezes mais sensível ao
toque do que a pele masculina. Quando alguém
crítica o “sexo pelo sexo”, acusando-o de ser algo
superficial, ao afirmar coisas como “mas isso é
só sexo; é só uma questão de pele”, eu me lembro
da frase do poeta Paul Valéry: “Se você soubesse
como a pele é profunda”.Além disso, também
devemos notar que a mulher, diferentemente do
homem, possui dois órgãos genitais distintos,
o clitóris e a vagina, fato que tem provocado
muita polêmica sobre o gozo feminino, tanto no
campo teórico como no campo da vida sexual
das mulheres.
De um modo geral, as mulheres gostam mais
de conversar que os homens, e a suposta razão
orgânica para tal dessemelhança encontra-se na
descoberta de que as mulheres possuem mais
regiões cerebrais ligadas à linguagem verbal do
que o homem. Elas usam de 6.000 a 8.000 pa-
lavras por dia, enquanto o homem por volta de
3.000. Evidentemente existem muitas outras ra-
zões, de natureza não organica, envolvidas nesta
questão.
Os homens não conversam, contam
vantagens. Naqueles momentos quando os ho-
mens gostam de conversar, turmas de amigos e
reuniões de negócios, por exemplo, raramente
eles se referem a seus problemas emocionais;
preferem brincadeiras e competições, veladas
ou explícitas. Parece que as mulheres têm um
pouco mais de facilidade para falar de suas ma-
zelas quando estão juntas.
Provavelmente a razão para isso é cultural, do
mesmo modo que também deve ser cultural o
fato de existirem mais mulheres com depressão
do que homens, e de as mulheres procurarem
mais psicoterapia do que os homens. Homens e
mulheres lidam diferentemente com a dor, seja
ela física ou psíquica. Do ponto de vista físico, o
corpo masculino suporta melhor a dor, mas no
campo emocional as coisas são bem diferentes.
No meu trabalho como psiquiatra, atendendo
crianças e adultos, tive a oportunidade de obser-
var uma coisa muito significativa na maneira
como o pai e a mãe de crianças autistas, ou com
deficiência mental, reagiam à doença. Geral-
mente quem trazia a criança para a consulta era
a mãe (hoje as coisas estão mudando e muitos
pais já acompanham o filho ao médico) e quando
se referia aos problemas familiares causados
pela doença da criança a frase costumeira era:
“Doutor, do jeito que está não é possível: ou
o senhor dá um remédio para este menino se
acalmar ou eu fico louca”. Ou então “Doutor, se o
senhor não der um remédio para este menino se
acalmar, meu marido disse que vai embora”.
Ou seja, as mães enlouquecem, os pais desa-
parecem. Isso nos remete a uma frase lacaniana
que diz que “o filho é da mãe”. Pai é um cargo de
confiança da mãe, é ela que diz quem é o pai do
seu filho - pelo menos era assim até o advento do
teste de paternidade pelo DNA.
Outra coisa...
Discutir a relação?
O mistério feminino
Ah, as diferenças
RELEMBRANDO
e se casa: é o nó.
A magia das palavras
“Lutar com palavras
é a luta mais vd.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.”
Palavra e amor
Um amor de palavras
Ela mesma ia fazer o presente de aniversário,
pensou Regina diante da dificuldade de encontrar
nas lojas algo que realmente desejasse dar de
presente ao seu marido no aniversário dele que se
aproximava. E foi exatamente isso que ela fez. No
dia do aniversário, entregou a Renato, seu marido,
um bonito pacote. Quando ele abriu, encontrou um
calhamaço de umas quatrocentas folhas de sulfite
primorosamente encadernadas em um volume de
couro verde: eram os e-mails trocados pelos dois
durante os três anos de namoro e os oito meses de
casamento.
Dificil...
Tribos de palavras
Esta dificuldade de comunicação encontra
paralelo em nosso mundo moderno no qual
incontáveis “tribos”, cada uma com sua lingua-
gem, convivem num mundo globalizado. Se, por
um acaso, caimos numa rodinha de economis-
tas, ou de psicólogos, ou de gente da informática,
ou de qualquer outra profissão à qual não
pertencemos, poderemos ver as dificuldades
para conversar. Nesse caso, o problema não é,
pelo menos não necessariamente, uma questão
de jogo de poder: é o resultado da superespecia-
lização das linguagens profissionais do mundo
atual. Se pessoas de profissões ou de classes soci-
ais diferentes já encontram dificuldades para ter
uma linguagem comum, imagine o que acontece
entre homens e mulheres comuns?
A americana Débora Tannen, após uma vida
dedicada à pesquisa sociológica, concluiu “que
eles não podem compreender um ao outro,
que valorizam coisas muito diferentes quando
falam, que as mulheres querem simpatia da-
queles com quem conversam, enquanto os
homens procuram soluções para problemas”.
Ela argumenta que as dificuldades de comuni-
cação, neste caso, não são causadas por defeitos
pessoais, mas pelo fato de homens e mulheres
serem educados em culturas diferentes. Ou seja,
o nó, como estamos argumentado neste livro, é
inevitável, e não por uma falha pessoal e sim por
uma questão estrutural. Tannen adverte para
a desesperança que isto pode trazer, citando a
triste estatística segundo a qual homens e mu-
lheres americanos gastam, em média, apenas
meia hora por semana conversando.
Apesar disso, existem alguns sinais de que
a possibilidade de conversa entre homens e
mulheres, em geral, vem aumentando. Antiga-
mente os homens não podiam falar sobre certos
assuntos com uma mulher. Existiam assuntos
que não eram para mulheres. Isso mudou, as
mulheres podem falar de tudo e amplia-se a
possibilidade do diálogo. “No passado, as meni-
nas confiavam apenas nas meninas, mas agora
é possível fazer amizade com os meninos; sem
sexo, não há diferença entre meninos e meninas,
pode-se conversar com qualquer um” afirma Ma-
rina, adolescente de 16 anos.
Maria Theresa, mãe de Marina, que tem 48
anos, diz que apesar da democratização dos as-
suntos e da mudança da relação entre homens e
mulheres, algumas coisas ainda são difíceis para
uma mulher. Ela confessa que morre de inveja
“dos homens que podem ficar sentados em uma
mesa de bar, e não estou falando de barzinho da
moda, estou falando de boteco mesmo, destes
pequeninos que tem em toda rua, ou em pé no
balcão tomando cerveja e jogando conversa
fora”.
Ela é uma mulher da geração de 1968, que
acreditava na liberdade de expressão, na igual-
dade de direitos entre homens e mulheres, e
na possibilidade de um novo amor baseado na
franqueza. Hoje diz que já não tem tanta certeza
sobre isto, mas ainda acredita que “a vida é me-
lhor se você estiver com um homem com quem
possa conversar”,
De toda esta história, concluímos que os
inimigos da conversa são a retórica excessiva,
a competição, as linguagens particulares, e em
especial, o desespero de não ser ouvido e de não
ser compreendido. Numa linha mais otimista,
Zeldin conclui seu estudo sobre a história da
conversa afirmando que “para florescer a con-
versa precisa de parceiros dos dois sexos e que
somente quando aprendem a conversar as pes-
soas começam a ser iguais”.
Conversa e sexo
Sem palavras
Um dia, um homem de idade já bem avan-
cada passava pela calçada de maneira muito
apressada. Da janela da casa em frente uma
moça o observava. De repente, ele escorregou e
caiu machucando a mão. Rapidamente a moça
o convidou a entrar e se ofereceu para fazer um
curativo no ferimento, e enquanto limpava o
machucado, ela lhe perguntou o porquê de tanta
pressa.
Ele contou que estava indo ao asilo de idosos
no fim da rua. Explicou que todos os dias ia até
lá para ficar um pouco com sua mulher que lá
morava há alguns anos, por causa da doença
chamada Alzheimer que tinha acabado com a
sua memoria. A moca disse que então era bom
que ele se apressasse, senão a esposa poderia
ficar preocupada. O homem respondeu:
— Não, ela não fica me esperando, já faz dois
anos que ela nem me reconhece mais, ela nem
mesmo conversa comigo.
A moça lhe perguntou:
— Mas se ela não sabe quem é o senhor, então
por que tanta pressa? Por que o senhor vai lá
todos os dias?
O velho concluiu:
— É, ela pode não saber quem eu sou, mas eu,
contudo, sei muito bem quem ela é.
RELEMBRANDO
Olhe aqui
eu não tenho palavras
para isto.
Shakespeare
Luta e luto
O pacto da verdade
A questão da verdade no relacionamento
amoroso é uma coisa muito delicada, geral-
mente é um ideal a ser sofridamente perseguido,
quase nunca é uma realidade do dia a dia da
relação. É muito frequente que pessoas, a prin-
cípio consideradas “legais e leais”, mintam em
algumas circunstâncias. A mentira significa au-
sência de amor? Para quem foi traído, a resposta
é sempre sim, mas para quem traiu, muitas
vezes a resposta é não. “Quem foi que disse que
amor e covardia se excluem completamente?”,
perguntou-me Marina, jovem de 27 anos, há
cinco casada com Juliano, a quem dizia amar
profundamente e de quem nunca pensou em se
separar.
Esta pergunta ela fazia como uma tentativa
para explicar, para ela mesma, por que havia
traído o marido e não tinha coragem para con-
tar. Ela alternava fases em que se sentia muito
culpada com fases de afirmação enfática de sua
liberdade: “... tem coisas que não se resolvem no
casamento, eu precisava viver aquela história
com aquele outro cara, mas se eu contasse pro
Juliano ele com certeza ia exigir que eu parasse,
ou ia querer ir embora, e eu nunca quis que ele
fosse embora. Sabe, tem hora que eu penso que a
verdadeira liberdade é poder mentir, acho que eu
sou livre a ponto de mentira. Serd que isto existe
mesmo, ou eu estou só procurando me livrar da
culpa?”
E preciso muita coragem para ser completa-
mente verdadeiro, parece que isto não é para
todo mundo. No comeco da relacdo, na fase
de paixao, as pessoas costumam fazer o pacto
da verdade: “Se estiver acontecendo alguma
coisa me conte”, mas tal pacto raramente se
dá conforme o prometido. Costuma ser muito
dificil uma pessoa dizer para a outra que a esta
traindo; geralmente ela vai levando as coisas, até
que um pequeno descuido, proposital ou não,
permite ao outro descobrir que algo de errado
está acontecendo; e se o outro tiver a coragem
para perguntar, quem sabe seja a hora para dizer
a verdade. Então, a verdade vem como resposta
a um questionamento, quase nunca como uma
declaração inicial. Não estou dizendo que tudo
isso é desejável, estou dizendo que é isto que
acontece com mais frequência ou não?
Um pouco mais sobre esta questão da busca
da verdade: existem três tipos de buscadores
da verdade, o filósofo, o religioso e o amante. O
filósofo quer descobrir a verdade da vida, da na-
tureza e do ser humano através do pensamento
correto e racional. O religioso, como o filósofo,
também está em busca de uma verdade geral só
que através de deus, da fé, e não da razdo. Ja o
amante é um buscador ciumento e muito atento,
presta extrema atenção a todos os detalhes da
mulher amada, investiga a partir de sue olhar,
de seus gestos, de suas palavras e até de seu si-
léncio, em busca de signos da mentira e da dissi-
mulacdo. No casamento, o outro é um problema
muito mais complicado do que qualquer tratado
cientifico ou dogma religioso. Decifra-me ou te
devoro, é o que nos diz o né do casamento.
O certo da pessoa e o
errado da situação
Em cada problema que um casal vive, existe
“o errado da situação” e “o certo da pessoa”. O
errado é evidente, é o comportamento ou sen-
timento que causa o problema, todo mundo já
está vendo. Já o certo é um sentimento de que a
pessoa não consegue se dar conta, ou não conse-
gue expressá-lo de forma adequada.
Lugar apropriado
RELEMBRANDO
Desatando os nós