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O Nó e o Laço

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ALFREDO SIMONETTI

DESAFIOS DE UM
RELACIONAMENTO AMOROSO

2º Enição
Sumario
Mensagem do Instituto Viva a Vida

Prefacio

Introducao ao nó

A ambivaléncia do nó no casamento

Um nó muito especial

Amar resolve?

Nos e as palavras
A conversa

Meu trabalho por trás do livro

O amor nos tempos do nó

E o abraço o que €. laco ou nó?

Da paixão ao amor

A separação adiada

Os amantes mais bem-sucedidos do mundo

Tipos de casamentos

Algo maior que eu

Por que eu te amo?

As neuroses se casam

Eu te conheco: conheco?

O desejo é sempre desejo de outra coisa[10]


Meu nome é multidão

Amor de mãe

O amor da deficiência

O amor que salva: salva?

Amor da deficiência é amor a crédito

Ser inocente é uma desgraça

A noite de amor perfeita

O novo amor

Os meninos brincam, as meninas tramam

O homem é simples, a mulher complexa

Homem é tudo igual, a mulher é sempre diferente

Homem e mulher: o rio e o mar

Homem se realiza, mulher se relaciona


O mistério feminino

O homem e o mistério feminino

Homem é assim, mulher é assado, e daí?

A magia das palavras

O amor é sempre a três: € ele. ela e a palavra

A língua dos homens

Um amor de palavras

Um povo apaixonado pela palavra

Teoria da comunicação entre dois

Pequena história da conversa

As vezes a palavra é demais

Sem palavras

Desatando os nós
O tempo passou e vivemos dando nós: o que
fazer?

O primeiro passo: reconhecer

Como desatar os nós

Luta e luto

Pra começo de conversa

Conversa com ou sem plateia?

O pacto da verdade

Receita para fazer um homem feliz

Receita para fazer uma mulher feliz

O certo da pessoa e o errado da situação

Ceder para chegar ao laço

Diálogo interno

Hora certa e lugar certo


Como encerrar o assunto?

O que fazer quando não resta mais nada a fazer?

Posfácio

Bibliografia comentada

Bibliografia
Baseado em fatos e
fantasias reais...
Mensagem do
Instituto Viva a Vida
Conta-se que dois amigos nadavam em um rio,
quando viram uma criança se debatendo na água,
lutando para não se afogar. Imediatamente ambos
nadaram para alcançar a crianca e manté-la com
a cabeça fora da água, de maneira que pudesse
respirar.
Quando já estavam na margem, prontos para
começarem os procedimentos de primeiros socorros
na criança desfalecida, novos gritos vindos do rio os
surpreenderam. Enquanto um dos rapazes continu-
ava os procedimentos, o outro voltou imediatamente
para a água. Alguns minutos depois, ele retornava,
ofegante, para a margem, trazendo a outra criança.
Após checarem os sinais vitais dos dois meninos
já salvos, os rapazes se encaminharam para o carro,
a fim de levá-los a um hospital. Mas novos gritos,
desta vez de duas meninas, os fizeram voltar. Sem
tempo para questionamentos, um dos amigos su-
geriu, enquanto corria, que cada um deles salvasse
uma das meninas. Mas o outro, numa inspiração di-
vina, disse: “Faça o que puder para salvar as duas...
Eu vou dar a volta na margem e descobrir quem está
jogando as crianças no rio”.
O Instituto Beneficente Viva a Vida foi fundado
há dezesseis anos, com a missão de abrigar crian-
cas portadoras do virus HIV. A crescente demanda
de criancas não portadoras, mas igualmente ca-
rentes, igualmente herdeiras de um tragico script
de vida, obrigou-nos a rever o nosso objetivo.
Hoje recebemos crianças e adolescentes,
encaminhadas pela Vara da Infância e Juventude,
portadoras ou não do vírus HIV, mas todas frutos
de gravidezes indesejadas ou mal planejadas.
Essas crianças foram “jogadas no rio”, certamente
por pais também sobreviventes de quase “afoga-
mentos”, participantes de uma cadeia de erros di-
ficeis de serem interrompidos.
A parceria do Viva a Vida com a Integrare Edi-
tora e com Alfredo Simonetti, autor deste livro, é
uma inspiracdo divina, um apelo aos casais, donos
do poder de escolha entre “jogar ou não mais uma
crianca no rio”. Afinal, no mundo das possibilida-
des, cada filho, desejado ou não, comeca a existir,
desde o primeiro olhar entre seus pais.
Nosso apelo, querido leitor, é muito maior do
que a ajuda financeira que vira de cada exemplar
vendido deste livro. Ela sera bem-vinda, claro, e
também é nossa missão salvar nossas criancas do
“afogamento” em suas histórias de vida cruéis. E
isso tem um custo. Mas nosso sonho maior está
em cada exemplar lido. Ao ler, emprestar, indicar
este livro, você estará, literalmente, ajudando-
nos a salvar muitas vidas, pois estará colaborando
para conscientizar os casais da importância de
aprenderem a se relacionar bem, antes de pensa-
rem em gerar filhos.

Rita de Cássia Alves


Coordenadora de captação de recursos

Para conhecer nosso trabalho visite-nos em


www.ibvivavida.org.br
Prefácio

O casamento é um dos temas mais ricos em


bibliografia na terapia familiar. Não só porque o
casal é a base da família, que hoje passa por inú-
meras e frequentes transformações, mas também
porque pode ser estudado sob diferentes aspectos:
escolha do parceiro, diferentes contratos matri-
moniais, vínculos conjugais, evolução no ciclo
vital familiar, separação e muitos outros. De tal
forma é abundante a bibliografia, que fica difícil
para quem escreve sobre o assunto conseguir uma
abordagem original, ainda não explorada.
Penso, porém, que Alfredo Simonetti não só
conseguiu isso como o fez magistralmente, apre-
sentando o casamento a partir de uma metafora
muito prépria, que permite que o assunto seja
abordado em toda sua complexidade.
Mas este livro tem outra peculiaridade. Os
autores normalmente escolhem um publico ao
escrever, e o direcionam - por meio da linguagem
que utilizam e do contetido do texto - a um grupo
profissional ou leigo. Nosso autor não fez isto. Este
livro é direcionado a todos os que pretendem ser,
sdo ou foram casados, e que tém interesse em pen-
sar sobre o assunto. Ou seja, a obra tem profundi-
dade para ser lida por um profissional de terapia
de familia, mas o leitor comum se beneficiara (e
muito) com o que vai aprender.
Alfredo diz que uma das fontes que o levou a
escrever este livro foram seus alunos. Eu o conheci
bem no papel de professor, durante as aulas que
deu no curso de formação para terapeutas de
família da UNIFESP/Psiquiatria, do qual eu era
coordenadora. Conheço sua didática excepcional
— de encantar os alunos. Por isso concordo que,
realmente, suas aulas sejam a fonte de inspiração,
donde se apreende um estilo coloquial, que en-
cerra, entretanto, profundo conhecimento da psi-
cologia da relação homem/mulher.
A metáfora do “nó” e do “laço” para expressar
o casamento com seus vínculos e problemas,
bem como a dos “porcos-espinhos” para falar da
importância de estarmos juntos (embora a certa
distância para não nos espetarmos!) são muito
ricas e fazem do autor um garimpeiro de frases
e histórias, que nos encantam e absorvem nossa
atenção durante a leitura. Realmente ele brinca
com as palavras e é capaz de dizer coisas muito
simples com uma profundidade enorme, tal
como: “O filho é da mãe. O pai é um cargo de confi-
ança da mãe”.
Quando chama a atenção para a dificuldade de
as pessoas conversarem, para a arte da conversa
e para a importância do silêncio, expressa um
de seus mais lindos pensamentos: “A conversa é
a linguagem do casamento e não do sexo, pois o
sexo frequentemente requer silêncio”. Da mesma
forma, ao definir o “diálogo interno”, como a
forma de falar consigo mesmo enquanto o outro
fala conosco - e isso nos impede de ouvir o que
nos é dito —, revela conclusões brilhantes, que im-
plicam uma observação muito perspicaz de si e do
outro.
Aliás, essa é uma grande qualidade do autor,
que se evidencia em todo o texto. Nesta obra
encontramos todos esses momentos agradáveis,
mas quando, além disso, entremeia o texto com
poemas, casos clínicos e trechos de canções, temos
um autor perfeito na arte de ser didata e agradá-
vel. Para mim, mais do que toda a sabedoria exis-
tente neste livro, o encantamento está no fato de
Alfredo falar com o maior realismo possível sobre
o casamento, mas conservar, do começo ao fim,
respeitosa consideração com o viver a dois.
Ao escrever um prefácio, devemos motivar os
leitores, contando o que há no livro sem tirar o
prazer de o autor apresentar a sua criação. Assim,
não me estendo, mas devo ainda dizer uma coisa:
quando pensamos ter já recebido muito, somos
novamente premiados, ao final do livro, com uma
bibliografia comentada de maneira excelente.
Infiro que esta forma de ser, de escrever e de
nos premiar de Alfredo Simonetti decorre de uma
vivência intima - como convém a um grande tera-
peuta - construída e reconstruída com a persona-
gem principal desta obra: a PALAVRA.
Una-se

“Una-se o que é completo e o que


não é, o que concorda e o que dis-
corda, o que está em harmonia e o
que está em desacordo.”

Heráclito
Introdução ao nó
O fio que tece o laço amoroso de encanto e
paixão é o mesmo fio que se contorce em forma
de nó nas fases dificeis do relacionamento. É fácil
observar que todo relacionamento amoroso car-
rega em si a possibilidade de virar um nó, e que o
casamento, entdo, tem uma forte tendéncia para
transformar o lindo laco inicial em um né.
Nó é o nome que damos as crises e as dificulda-
des naturais do casamento: desencontros, brigas,
sentimento de não sermos amados, insatisfacdo,
ciume, tédio, falta de liberdade e de privacidade,
questdes sexuais ou de fidelidade, problemas
financeiros, divisão do trabalho doméstico, pro-
blemas de convivência com as famílias etc. Meu
objetivo neste livro é comentar a arte de desatar
estes nós do casamento, ou de afrouxá-los, cri-
ando um laço novo, um novo amor.
Este não é, porém, um livro do tipo Como ser
feliz no casamento. É muito mais um livro do tipo
O casamento é assim, pois apresenta uma coleta-
nea de ideias interessantes sobre o casamento - in-
teressantes e úteis.
O que pude descobrir ao longo desses anos
trabalhando como psiquiatra e psicanalista — com
pessoas que se queixavam de algum sofrimento
amoroso - foi que o conhecimento sobre como
funciona o nó do casamento é capaz de aumentar
enormemente a habilidade das pessoas para al-
cancar um casamento feliz. Entretanto, cada um
fazia isso de um jeito singular, nunca encontrei
uma grande verdade que servisse para todos in-
distintamente, nenhuma mesmo.
Acredito na felicidade, no casamento e na vida —
desde que entendamos que a felicidade não é bem
o que a nossa intuição nos diz. Ndo ofereço uma
receita de como ser feliz pela simples razão de que
a felicidade não é um bolo cujo modo de fazer está
escrito; a felicidade é a sensação que você experi-
menta quando come o bolo, portanto passageira,
fugaz, mas passível de ser repetida muitas e mui-
tas vezes.
Vou tentar dizer isto de uma maneira mais
poética: A felicidade é alguma coisa parecida com
a música produzida por um instrumento musical;
ela é um resultado, uma consequência, não é “uma
coisa” em si, um objeto que possa ser possuído.
Não faz nenhum sentido você sair correndo pela
vida afora atrás do som, perseguindo-o, querendo
possuí-lo. É muito mais prático você procurar
construir artesanalmente um instrumento (no
caso, o relacionamento amoroso em um casa-
mento) que seja capaz de, quando tocado do jeito
certo, produzir momentos de felicidade.
O primeiro passo nessa arte é entender que o
nó não acontece por falta de amor ou porque as
pessoas são neuróticas, acontece porque esse mo-
vimento em direção ao nó é da própria natureza
do laço amoroso - bem como é da natureza de
qualquer relacionamento humano.
É que, com o passar do tempo e por certas
razões que veremos ao longo deste livro, o laço de
amor, tesão e paixão do comeco vai se estreitando,
apertando, até se transformar em um nó que
prende, sufoca, irrita, frustra, confunde, e acaba
afastando as duas pessoas que eram tão próximas.
Um nó que não une, mas afasta — é este o paradoxo
no qual pode se transformar um casamento.
E quando o nó está feito vem aquela vontade
danada de simplesmente cortar a linha e ir em-
bora, mas essa é uma solução apressada e ingê-
nua, porque quando ela efetivamente acontece, e
as pessoas se separam, as duas linhas soltas pelo
mundo não tardam a se enlaçar novamente, seja
com a mesma linha antiga ou com uma linha
nova... e tudo recomeça.
Ao que parece, a vida amorosa não admite
soluções tão simples assim, é como se existisse
no ser humano uma irresistível tendência a criar
nós. É claro que existem casamentos nos quais
o nó não surge, mas esses relacionamentos,
verdadeiras epifanias amorosas, são tão raros,
acontecem com tão poucas pessoas que nem ser-
vem de assunto para um estudo como este.
Na vida normal, um casamento feliz não é um
casamento sem nós, mas um casamento onde as
pessoas aprenderam a afrouxar os nós. Ou seja,
nem todos os casamentos viram um nó, apenas
OS casamentos normais.
Que o leitor faça o teste: observe à sua volta,
pense nos casamentos que conhece e perceba se
não existe, em cada um deles, ao menos um pe-
quenino nó.

A ambivalência do nó no casamento

Como ja disse ao leitor, o casamento é a união


de duas pessoas através de um fio que assume
a forma de laço no início, depois pode se trans-
formar em nó, voltar novamente a laço para,
mais uma vez, virar nó, e assim sucessivamente
-numa longa alternância que parece não ter fim.
É que nó elaço não são duas coisas diferentes,
são apenas momentos diferentes de uma mesma
coisa chamada casamento.
Considerando que o laço é um nó folgado, e
que o nó é um laço apertado, a distinção entre
eles não pode ser mesmo muito rigorosa. O
casamento é mais uma questão de laço e nó do
que laço ou nó. Na verdade, o casamento é uma
história de laços, nós, e muitos outros estágios
intermediários que nem nome têm.
A palavra nó serve bem para demonstrar esta
ambivalência intrínseca a qualquer casamento,
já que pode ter uma conotação negativa (quando
se refere àquilo que prende) mas também faz
lembrar, quando escrita no plural (nós), algo de
muito positivo, ou seja, o encontro entre o eu e
do tu.
Além disso, olhando para qualquer lado,
damos de cara com a questão dos nós. O nó não é
uma característica do casamento em si, mas sim
uma característica do relacionamento humano.
Sempre que uma pessoa se relaciona de modo
significativo com outra os nós aparecem, não
tem jeito. Se dizemos que o casamento é como
um nó, é porque este é o tema em questão, mas
bem poderiamos generalizar e dizer que a rela-
ção humana é um nó, seja ela qual for.
Dizem que a vida é simples, a gente é que com-
plica. É verdade, mas pense bem, você conhece
alguém que não complica? Eu não conheço. De
perto, parafraseando o poeta, todo mundo é nor-
mal e dá nó em “pingo d'água”.
No casamento é mesmo só uma questão de
tempo: mais cedo ou mais tarde, um dos dois
começa a complicar as coisas com suas insegu-
ranças, com seus desejos, com suas expectativas,
ou seja, começa a dar nó em “pingo d’agua”. E isto
ê normal, não é neurose.

Um nó muito especial
O casamento não é um nó qualquer, ao
contrário é um nó bastante ousado, já que tenta
unir o masculino e o feminino, que como já sa-
bemos, são bastante diferentes. Evidentemente
os homens e as mulheres são iguais no campo
social e político e devem ter os mesmos direitos
oportunidades, mas, de fato, são muito diferen-
tes nos outros campos: pensam, sentem, falam,
agem, amam, gozam e sofrem de maneira bem
diferentes. E são essas diferenças que, na maio-
ria dos casos, fazem o laço virar nó.
Este tema sobre as diferenças entre o
masculino e o feminino vem ganhando bastante
destaque hoje. Impulsionados pelas descobertas
cientificas acerca das especificidades do corpo
feminino - não apenas no aparelho reprodutor
mas também no cérebro e em outros sistemas
corporais - estamos descobrindo o que a tradi-
ção psicanalítica diz há mais de um século: a mu-
lher é diferente, e diferente num sentido positivo.
O feminino, com tudo o que carrega de
misterioso, de inacessível, de singular e de
insatisfacdo é, talvez, a forca propulsora de de-
senvolvimento cultural mais intensa. Se fosse
apenas pelo masculino, com sua objetividade e
praticidade, provavelmente ainda estariamos
no tempo das cavernas comendo, bebendo,
transando, dormindo e competindo; apenas
sobrevivendo, enfim. E o feminino que verda-
deiramente faz avancar a cultura humana. Diz a
psicanalise que no feminino a sensacédo de que
“falta alguma coisa” é bem mais evidente. E não
estamos nos referindo a auséncia de pénis no
corpo feminino.
É muito mais que isso: trata-se daquela
sensacao, que todo ser humano conhece, de que
a felicidade é sempre parcial. Por mais que vocé
lute, conquiste, vença e consiga o que você de-
seja, quando a felicidade chega, é sempre fugaz,
passageira, nunca é completa. Está sempre
faltando alguma coisa — e isso é normal, ndo é
neurose; a natureza humana é assim, para o bem
e para o mal.
O radicalismo do paragrafo anterior é apenas
um recurso para sinalizar um elogio ao femi-
nino. É claro que nos homens também est4 pre-
sente essa marca de nossa humanidade: somos
seres faltantes, sempre algo nos escapa, algo que
desejamos e, a0 mesmo tempo, desconhecemos.
Mas sem dúvida é na mulher que isso é mais
evidente.
A psicanalise comecou a existir cem anos
atrás, perguntando-se “o que quer uma mu-
lher?”[1l. Os primeiros pacientes de Freud, em
sua maioria, eram mulheres, e foi a partir da
andlise dessas pacientes que foi ficando claro
para Freud que a neurose tinha a ver com os de-
sejos. O problema era que tais desejos não eram
claros, e em especial nas mulheres.
Hoje, depois de milhares de livros publicados
e milhares de horas de análises realizadas,
continuamos a nos perguntar: “mas o que quer
mesmo uma mulher?”. E o pior é que não adianta
perguntar isso para elas, as mulheres: elas tam-
bém não sabem a resposta, também continuam
se perguntando...
Vale dizer, também, que, além se fazer esta
pergunta, a psicanálise também vem propondo
uma outra questão: “O que tanto o homem quer
saber sobre o que quer uma mulher?”.

Amar resolve?

Então, se o casamento é mesmo feito de nós,


quem é que vai desatá-los? O amor, é claro! —
gostaríamos de responder rápido, mas, infeliz-
mente, não é assim. O amor não desata nada, sua
tendência natural é, ao contrário, unir, reunir,
ligar, atraír,ªe isto tanto no bom como no mau
sentido. Eros é uma força de ligação, de união,
não de libertação.
Na mitologia grega, Eros é considerado o deus
do amor, mas também deveria ser considerado
o deus do nó, dada a sua tendência ao estabe-
lecimento de ligações, de laços que podem se
apertar. É por amor que queremos viver bem
junto de alguém, queremos fazer carinho, cui-
dar, dar prazer etc.
Mas também, quantas bobagens e maldades
fazemos em nome do amor? É por amor que
queremos possuir, controlar e dominar o objeto
amado. Por amor ou pelo que parece ser amor,
até se mata.
Então não é o amor que nos salvará do nó, ha-
verá de ser outra coisa, já que, como diz Djavan,
“O amor é um grande laço, é um passo para uma
armadilha”. [2]
Mas este é um livro esperançoso, está baseado
na ideia de que existe mesmo alguma coisa
capaz de afrouxar o nó e fazer com que ele recu-
pere sua beleza de laço.
Esta coisa é a palavra, a conversa, e nenhuma
outra coisa, até onde sabemos. Por isso, digo que
este livro é sobre o uso da palavra em forma de
conversa amorosa, como forma de lidar com os
nós do casamento e de outros relacionamentos
que, apesar do amor, evoluem de seu estado ini-
cial de laço para um estado de nó.
É exatamente porque o amor não basta que
precisamos tanto das palavras no casamento.
Nós e as palavras
Insisto em lembrar: o amor é sempre mara-
vilhoso, mas não é suficiente. No casamento, o
amor põe o time em campo, mas não garante o
resultado. Sem ele, é claro, não há jogo, ou o jogo
é sem graça. Com ele, o amor, conseguimos ape-
nas o direito de jogar a partida, o resultado vai
depender de muitas outras coisas.
O jogo do casamento não é apenas jogo
de amor, é jogo sexual, jogo financeiro, jogo
familiar, jogo de poder, jogo psicológico, jogo so-
cial, e em todos eles a palavra é “aquele” jogador
que faz a diferença. Existe uma certa força nas
palavras, uma espécie de “magia atenuada” que
faz com que elas se transformem em boas desa-
tadoras de nós.
Como o amor não é capaz de anular as diferen-
ças entre homem e mulher, sobra mesmo para
a palavra a tarefa de contorná-las, favorecendo
a vida a dois. Ou seja, a conversa também não
anula as diferenças, mas nos permite ir além delas
—juntos.
A palavra não é apenas um instrumento a ser-
vico dos humanos, é ela que o caracteriza como
ser humano: somos seres feitos de “carne-e-
palavra”, e estejamos ou não conscientes disto, é
ela que verdadeiramente nos humaniza e forma
os nossos lacos afetivos. Sem a palavra, em nada
nos distinguiriamos dos animais.
Além do mais, de que nos serve sermos ama-
dos se ndo nos dizem, com palavras, “eu te amo”?
Uma das teses defendidas neste Zlvroé a de que
não basta amar, é preciso falar.
Mas não é qualquer palavra que serve para a
tarefa de desatar os nós. A palavra pode ser mo-
nólogo, pregação, aula, debate, bate-boca, soli-
lóquio, reunião, narração, enganação, confissão,
argumentação, discurso, comunicado, sedução,
xingamento, enunciação, análise, revelação,
verso e prosa. Pode ser tudo isso, e mesmo assim
não ser capaz de desatar os nós.
Ao que parece, é somente a palavra que vai
e vem entre duas pessoas que se amam, assu-
mindo a forma de uma conversa, que possui
aquela magia necessária à arte de desatar nós.
Conversa Amorosa é, assim, a livre circulação
da palavra entre dois parceiros, e pode ser de
dois tipos: a romântica e a problemática.
A conversa amorosa romântica é aquela que
acontece nos momentos de paixão, quando a pa-
lavra escorre feito mel, unindo e acariciando os
amantes; ou na sedução, quando a palavra flutua
suavemente como um perfume, produzindo um
efeito de encantamento no outro.
A conversa amorosa problemática é mais
conhecida como “discutir a relação”: ocorre em
torno das dificuldades do relacionamento, dos
nds, e, por sua vez, também pode ser de dois
tipos: a briga, quando a palavra ricocheteia ve-
lozmente feito bala ferina, e o diálogo, quando a
palavra vai e vem, mas com um certo silêncio no
meio que permite que as pessoas escutem o que
o outra está dizendo.”
Na briga, ou bate-boca, a palavra também vai
e vem, mas tem um detalhe: tudo acontece ao
mesmo tempo, os dois falam e ninguém escuta
coisa nenhuma. Quando alguém nos responde
antes que tenhamos terminado a pergunta, isso
significa que não levou em conta o que falamos:
a resposta já estava pronta antes de a pergunta
ser formulada - e isso não é diálogo.
Na briga só existe o falar; no diálogo, existe
o falar e o escutar; ele pressupõe um certo
ritmo, um tanto de silêncio e calma, que são
imprescindíveis como forma de elaboração da
comunicação.

A conversa

Este livro, então, versa sobre a conversa amo-


rosa, o diálogo e a briga — mais o primeiro que a
segunda, porém inclui um pouco dos dois. Por-
que pior que briga, só o silêncio da indiferença.
No campo do casamento, parece que não há
muito jeito, ou o casal discute minimamente a
relação, ou vai acabar discutindo intensamente
na relação. Quem olha de fora e vê um casal dis-
cutindo irritada e raivosamente sobre pequenas
bobagens, sobre assuntos sem importância não
vé — e 0 casal na maioria das vezes também não
vê - que o sofrimento é outro.
Geralmente há algum tema ou algum senti-
mento que foi evitado, ou que não foi resolvido,
que não foi dito, mas que insiste em retornar por
outros caminhos. Não é assim mesmo que acon-
tece no dia a dia do casamento? Pense na última
discussão que você e seu cônjuge tiveram, veja
se foi mesmo em torno do verdadeiro problema,
será que foi? Ou foi apenas uma maneira mo-
mentânea de descarregar a irritação? O que você
acha?
É preciso esclarecer, desde já, um equivoco
muito comum sobre essa questão de conversa
amorosa. Engana-se quem pensa que “discutir
a relação” serve para resolver problemas. Não
é nada disso, resolver problemas é motivo para
reuniões - e olhe lá. Não se discute a relação para
trocar informação ou resolver problemas (os
problemas são só o pretexto). Discute-se arela-
ção para criar um sentimento de hgacao para se
sentir ouvido, sentir-se amado, pedir garantias,

timidade, do envolvimento,do enlaçamento. —


Certa vez um paciente me disse que agora,
depois de anos de casamento, ele estava apren-
dendo a conversar com sua mulher, e explicou:
“Agora eu consigo escutar o que ela tem para
dizer sem querer ficar resolvendo tudo”. É essa a
arte da conversa amorosa.

Existem pessoas e casais que conseguem


afrouxar o nó em silêncio, mas estes são alguns
poucos sortudos, já que a maioria de nós tem
mesmo de recorrer à palavra, esse instrumento
tão frágil e tão confuso. Acontece que não é uma
coisa simples este negócio de falar-no-amor,
algumas pessoas não gostam, e não querem nem
saber da história de discutir a relação, outras
não sabem como fazer isso, enquanto outras
têm muita ilusão, e outras ainda parecem que só
sabem fazer isso.
Por causa dessas dificuldades, e numa tenta-
tiva de transformar “a briga” em “um diálogo”
este livro apresenta algumas ideias sobre como
começar uma conversa, onde pode ser melhor
conversar, quando conversar e quando adiar; e
também sobre o que conversar e se convém ou
não evitar algum tema, e finalmente sobre como
terminar um conversa, se é que existe tal coisa
em um casamento. Embora estas ideias também
possam ser utilizadas no relacionamento com
filhos, com amigos e na vida profissional, vamos
manter o foco nas relações amorosas, que é o
propósito do livro.

Meu trabalho por trás do livro


É importante deixar clara a fonte, a origem
das estratégias e das ideias contidas neste livro.
Minha prática profissional como psiquiatra e
psicanalista concedeu-me a oportunidade e o
privilégio de acompanhar agruras e desavenças
da vida amorosa, mas também momentos de
felicidade e superação conforme iam surgindo
na vida dos tantos pacientes que se propuseram,
corajosamente, a compartilhá-los comigo no dia
a dia da análise e das consultas.
Aolongo dos anos, no meu trabalho de escutar
pessoas falando de seu sofrimento e de seus
problemas, pude confirmar a ideia de que as
pessoas só têm mesmo três problemas na vida;
problemas amorosos, problemas profissionais-
financeiros e problemas existenciais. Esta é a boa
notícia; a má nóticia seria que esses problemas
são tão pervasivos, que acabam invadindo toda a
vida da pessoa.
Geralmente quem procura psicoterapia ou
tratamento psiquiátrico por causa de seus pro-
blemas amorosos o faz por dois motivos: o amor
acabou e a pessoa, perplexa ou entediada, não
consegue encontrar uma maneira de lidar com
isto, seja pela reconstrução da relação ou pela se-
paração; ou então, o que é muito mais frequente
em quem vai para a análise: o amor continua
existindo, mas a relação virou um grande nó de
desentendimentos, de mágoas e de frustrações.
Em ambos os casos, fui testemunha de como a
conversa amorosa pode ajudar a desatar ou afrou-
xar os nós. Dessa atividade terapêutica foram
nascendo as ideias que agora se estruturam de
forma mais precisa neste livro.
Se a atividade terapêutica forneceu a matéria-
prima para esta conversa com o leitor, foi o
estudo da psicanálise, da psicologia e da psi-
quiatria que forneceu os instrumentos para o
entendimento do que se passa neste nó chamado
casamento. A teoria e a prática são como as duas
asas de um pássaro: necessárias, as duas.

RELEMBRANDO

Introdução ao nó

1. Nó é o nome que damos às crises e às


dificuldades naturais do casamento.
2. Todo relacionamento amoroso carrega
em si a possibilidade de virar um nó.
. O casamento é um nó ousado, que une o
masculino e o feminino, tão diferentes
entre si. É a arte de transformar os nós
do casamento em laços amorosos.
. O amor é sempre maravilhoso, mas não
é suficiente por si.
. É exatamente porque o amor não basta
que precisamos tanto da palavra.
. A palavra tem um certa magia atenu-
ada que a faz um boa desatadora de nós.
. A conversa amorosa é a livre circulação
da palavra entre dois parceiros.
. Ou o casal discute minimamente “a
relação” ou vai discutir intensamente
“narelação”.
O nó

Tem gente que é uma boa companhia


para o ócio,
essas pessoas são as interessantes.

Tem gente que é uma boa companhia


para o cio,
essas pessoas sdo as belas.

Tem gente que é uma boa companhia


para o ócio e o cio,
essas pessoas sao as imprescindiveis,
e com elas os nós sdo inevitaveis.
0 amor nos
tempos do no

Se nós, nas travessuras das noites eternas


Jja confundimos tanto as nossas pernas
diz com que pernas eu devo seguir.

Como, se na desordem do armdrio embutido


meu paletó enlaca o seu vestido
e 0 meu sapato inda pisa no teu.
[...]
E o abraço o que é, laço ou nó?
No início são apenas duas linhas solitárias,
enroladas sobre si mesmas, até que se avistam
descobrindo o tempo do encantamento. A se-
guir vem o encontro, um tempo de delicadezas
ou de intensidades depende e, então, acontece
a paixão, verdadeira atração pelo abismo, é o
tempo do mergulho de um no outro, de forma
tão completa que parece existir apenas um. E
ai,depois de um tempo caminhando juntos, de
maos dadas pela vida afora, as linhas das maos,
que antes eram puro laco, comecam a se entrela-
car virando um né.
E com o passar do tempo, e por certas razoes,
acontece um pequeno afastamento. E o tempo
da crise, que acaba se resolvendo com a percep-
ção de que o afastamento é apenas para o acerto
do laço e do nó, é o tempo do amor.

O encontro

A paixão

O amor

Se quase tudo na vida é pulsação, inspiração e


expiração; sístole e diástole; encontro e recolhi-
mento, sono e vigília, movimento e repouso, sol
e lua, dia e noite, por que a vida amorosa haveria
de ser diferente?
O nó também pulsa, é movel, vaivém, aperta
e afrouxa ao sabor de muitas variaveis. A
regulagem do nó é uma espécie de danca, tem
movimentos de contato e movimentos de afas-
tamento calculado, e é somente quando essa
danca sutil perde o ritmo, e as pessoas se fixam
em um dos polos, congelados, que os grandes
problemas comecam: solidao, simbiose, depen-
déncia, medo do encontro, medo da rejeicdo,
ciume, possessividade e por ai em diante.
Olhando o grafico, podemos perceber que a
paixdo é da ordem da fusão, enquanto o amor é
interseccdo; quer dizer, para o amor é preciso um
pouco de individualidade, coisa que a paixao pa-
rece dispensar.
Segundo Séneca, filésofo romano da escola
dos estoicos, devemos aprender a misturar (e
a alternar) a solidão e o encontro. Ela nos dá o
desejo do convívio social, e ele, o desejo de nós
mesmos. Uma será o remédio da outra. A solidão
cura nossa aversão à multidão, e o encontro cura
nosso tédio da solidão.

Da paixão ao amor
A passagem da paixão ao amor é da ordem do
tropeço: é sempre desconcertante descobrir que
as coisas mudaram. Por mais que se saiba que
isso costuma acontecer na maioria dos relacio-
namentos, quando as coisas esfriam um pouco
ou se tornam muito complicadas, os amantes se
surpreendem: “Hum? Como assim? O que é que
aconteceu com a gente?”. Este é um momento
importante, é um momento de decisão.
Pode ser um ponto final, ou então um ponto
de mutação. Às vezes a relação termina aí, mas,
muitas vezes, é exatamente nessa hora que acon-
tece uma transformação, uma mudança para
outro tipo de relacionamento.
As coisas podem não ser mais como antes,
mas cada instante tem seus encantos, e cabe aos
amantes ir além dos desencantos do fim da pai-
xão e descobrir as trilhas do novo amor.
O amor pode não ser paixão, mas tem a ver
com ela, não é a ausência dela: existem no amor
momentos de paixão, só que mais calma e mais
duradoura.
Paixão, por definição, é sentimento em ápice,
é como uma montanha, vai subindo, subindo
até um pico lá no alto, e depois vai descendo,
descendo, e finda. Um gráfico da paixão é agudo,
intenso, mas também é breve e com final certo:
termina. Por outro lado, o gráfico do amor lem-
bra mais uma cordilheira, uma cadeia de monta-
nhas entremeadas de vales, planícies e platôs, é
longo, flutuante e de final aberto: não é tão certo
o que vai acontecer.

Gráfico da paixão

Gráfico do amor

A separação adiada
Dizem que todo casamento é uma separação
adiada. Pode ser mesmo, mas, então, novamente
cabe aos amantes fazer desse adiamento algo
longo, com muito carinho, prazer e diverti-
mento.
E sempre resta a possibilidade inventada por
Vinicius de Moraes ao escrever “que seja infinito
enquanto dure”. 31
E o verso ndo se aplica apenas as questdes do
amor. Embora saibamos que a morte é inevita-
vel, não é possivel viver bem se ficarmos pen-
sando a todo instante que a vida é uma morte
adiada. Como escreveu tão bem outro mestre da
poesia, Fernando Pessoa: “Melhor é a vida que
dura sem medir-se”. [4]
Não é preciso medir nem a vida nem o casa-
mento, deve-se ir vivendo.

Os amantes mais
bem-sucedidos do mundo
Se o casamento tem mesmo essa tendência
pra virar um nó, deveriamos nos perguntar:
então, por que é que nos casamos? Por que não
continuamos como namorados pela vida afora?
Os amantes mais bem-sucedidos do mundo
são aqueles que nunca se encontram, disse o
mestre indiano Osho, argumentando que é a
distância que orna as histórias mais belas e ro-
manticas. Elas não têm disputa nem censura ou
briga,

e desta maneira os amantes nunca chegam a


descobrir que esta não é a mulher feita para
mim, e eu não sou o homem feito para esta mu-
lher. Eles nunca se aproximam o suficiente para
saberem disso. 2)
Entretanto, a maioria dos amantes acaba se
aproximando, casando-se, criando laço e o nó.
Por quê?
Os antropólogos e os sociólogos já argumen-
taram que construir casas e criar filhos é uma
tarefa tão trabalhosa que geralmente nos saímos
melhor em dueto. Porém, tal ideia não explica
tudo, devem existir muitas outras razões pelas
quais um homem e uma mulher decidem casar-
se.
Sobre o tema da necessidade de convivência
com o outro, o filósofo alemão Schopenhauer
disse certa vez, numa pequena fábula, que os
seres humanos são como os porcos-espinhos
que, quando sozinhos morrem de frio, aí buscam
ficar “juntinho” de outro. Mas, passado algum
tempo no “calorzinho gostoso”, começam a ficar
inquietos e acabam espetando-se. Então se afas-
tam, apenas para recomeçarem tudo novamente
Eis a fábula:

Num dia frio de inverno, uma vara de porcos-


espinhos se uniu em um grupo cerrado para se
proteger mutuamente do congelamento com
seu próprio calor. Mas logo sentiram os seus
espinhos, o que os afastou de novo uns dos
outros. Porém, a necessidade de aquecimento
novamente os aproximou e aquele incômodo
se repetiu, de modo que eram atirados de um
lado para outro, entre estes dois sofrimentos,
até que encontraram uma meia distáncia, na
qual puderam suportar-se da melhor maneira
possível. Por conta dessa distância, a necessi-
dade de aquecimento era apenas parcialmente
satisfeita, mas em compensação a picada do es-
pinho não era sentida. 6]
Schopenhauer está certo, somos assim
mesmo, não conseguimos viver sozinhos, e mal
sabemos viver juntos. É por isto que vivemos
este dilema do laço e nó no casamento. É o mal-
estar na civilização, como diria Freud, ou o mal-
estar no casamento, como dizem alguns psica-
nalistas atuais, ou é o nó, como dizemos aqui,
que precisa ser administrado. Mas como?
Esta meia distância de que fala a fábula não
é uma situação fácil de ser conseguida. O ca-
samento, por exemplo, parece ser um arranjo
insatisfatório, já que quase todo mundo reclama
dele. Dizem até que “essa história de amor cos-
tuma acabar mal, em morte ou casamento”.
O casamento traz um nó, é incômodo, é sufo-
cante, é problemático e tudo o mais; entretanto,
o fato é que os homens e as mulheres ainda não
encontraram uma forma alternativa de relacio-
namento amoroso que seja mais satisfatória.
Ocorre que, nos tempos modernos, o casa-
mento tradicional, com sua rigida definicdo de
papéis para o homem e para a mulher, tem sido
constante e sistematicamente questionado, e
isso abriu espaco para a busca de outras formas
de emparceiramento que satisfacam melhor os
anseios de amor, aconchego, seguranca e ao
mesmo tempo de liberdade, de aventura e de
sexo livre.

Tipos de casamentos
Uma primeira tentativa de acertar foi o amor
livre, no qual ndo haveria compromisso algum
entre os parceiros. Esse jeito de se relacionar
mostrou-se bastante satisfatorio entre as pes-
soas mais jovens. Entretanto, quando a maturi-
dade chegava, acompanhada de seus inevitaveis
problemas relacionados a criacdo dos filhos e
a questões financeiras, as coisas não andaram
muito bem... e isso sem se tocar nos desafios e
frustrações afetivas que tal modelo trouxe para a
subjetividade das pessoas.
Então veio o casamento aberto, no qual cada
parceiro autoriza, e às vezes supervisiona, o
outro em suas andanças extraconjugais. Na
prática, este caminho tem-se mostrado bastante
plausivel; o problema é que ele exige parceiros
confiáveis, amadurecidos e (relativamente) bem
resolvidos, o que o torna disponível apenas para
alguns.
Este casamento não é para quem quer, é
para quem pode. A traição é mais fácil do que
o casamento aberto. É que ele implica riscos e
cobra um preço alto em termos de franqueza,
de conversas difíceis, de enfrentamento dos
sentimentos, enquanto a traição, embora cobre
preços talvez ainda mais caros, fundamenta-se
na negação e tem sempre a possibilidade de não
ser descoberta. O casamento aberto é um cami-
nho trabalhoso em termos de subjetividade, por
isto não se generalizou a ponto de efetivamente
ameaçar o tradicional casamento como institui-
ção hegemônica. Além disso, o casamento aberto
também tem seus nós, que igualmente precisam
ser desatados e afrouxados. Veja que continua-
mos no campo dos nós.
Depois foi a vez do swing, ou da troca de casais,
no qual os dois parceiros juntos se permitem
liberdades sexuais na presença um cônjuge do
outro. Neste caso, estamos diante de uma prática
sexual alternativa e não de uma forma alterna-
tiva de emparceiramento amoroso. O swing é
igualmente repleto de nós.
Nesta categoria também podemos incluir o
sexo virtual pela internet, mas este talvez pre-
cisemos estudar mais para entender aonde ele
pode nos levar em termos de consequências para
o casamento.
Os relacionamentos estão mudando, mas
continuam difíceis. Nos últimos tempos, tem
crescido o casamento de duas casas. Embora a
palavra casal lembre a palavra “casa”, esta deixou
de ser um elemento definidor do casamento.
Algumas pessoas optam por viver em casas
separadas, cada um na sua, no mais estão jun-
tos: legalmente, socialmente, financeiramente,
afetiva e sexualmente, inclusive familiarmente.
Esta maneira de se relacionar tem alcançado
relativo sucesso, especialmente entre casais
jovens, sem filhos, e casais mais maduros com
filhos já crescidos.
Quando perguntei a uma paciente se seus
pais eram casados, ela demorou um pouco para
responder:
É, acho que são...Quer dizer, não sei bem, eles
moram em casas separadas, mas se consideram
casados, são fiéis sexualmente, dormem juntos
alguns dias da semana, em casas alternadas e
se apresentam como marido e mulher. Eles mo-
raram na mesma casa durante uns vinte e cinco
anos, aí meu pai resolveu que queria ter o canto
dele, mas não queria se separar da minha mãe.
Ele é uma pessoa muito difícil de se conviver, é
muito metódico, chega a ser chato. Eu acho que
minha mãe estranhou um pouco essa situação
no começo, ficou insegura, mas hoje está tudo
bem, eles se entendem assim, e está tudo em
paz.

A paciente parou de falar, ficou um pouco pen-


sativa e depois completou:
Tudo bem que eles vivam assim, mas eu não
quero isto para mim, não. Eu quero viver junto
com meu marido, na mesma casa. Você acha es-
tranho que eu queira isto?

Claro que não é estranho; afinal este negócio


de “cada um na sua” não significa cada um na
sua casa, mas cada um na sua maneira de viver.
As formas de relacionamento que comenta-
mos há pouco são apenas pontos extremos de
um universo de possibilidades de relaciona-
mento amoroso — de maneira que sempre existe
para cada casal, em particular, a alternativa de
inventar uma forma singular de relacionamento
que escape aos pontos extremos, e que possa,
entretanto, incluir alguns elementos de cada um
deles.
Um casamento para cada casal! Talvez seja esta
uma alternativa viavel em nosso mundo atual.
Relembrando a metáfora que dirige este livro,
a do nó, diríamos que cada casal vai afrouxar
ou apertar o nó da maneira que quiser (ou que
puder) na busca do seu laço amoroso.

Algo maior que eu


Por que, apesar de tanta informação disponi-
vel sobre como se relacionar, sobre como criar
filhos, como amar, como ter sucesso, como
ganhar dinheiro etc., as pessoas continuam se
envolvendo em grandes dificuldades em todos
esses campos?
É muita ingenuidade achar que o que
comanda a vida de uma pessoa é apenas o seu
lado racional, e que os problemas acontecem
porque as pessoas são desinformadas. O dia a dia
demonstra que, apesar de saber o jeito certo de
fazer as coisas, as pessoas continuam enredadas
em seus relacionamentos complicados — o que
demonstra a existência de outras forças a direci-
onar suas vidas.
Tentando explicar por que repetidamente se
metia nas mesmas encrencas, um paciente me
disse: “Para além do que eu sei racionalmente,
existe em mim algo maior que eu, que me co-
manda”. Pois é, a psicanalise chama esse algo de
inconsciente.
E o que é o inconsciente? Aqui é necessaria
uma pequena explicação para evitar um equi-
voco bastante comum de se pensar que inconsci-
ente é tudo o que está fora da consciência. Não é
bem assim.
Por exemplo: existe uma coisa da qual você
não está consciente neste momento, mas, ao ler
as próximas palavras deste texto você se tornará
ciente. Então: Qual é o nome da rua onde você
mora?
Há alguns instantes esta informação estava
fora do foco de sua consciência, estaria incons-
ciente? Não. Não é desse tipo de inconsciente
(que facilmente vira consciente) que fala a
psicanálise.
O inconsciente é aquilo que verdadeiramente
comanda nossas escolhas pela vida afora. É um
conjunto de ideias e de sentimentos, que, além
de estarem fora do foco de nossas consciências,
têm a característica de serem fortemente repri-
midos. Ocorre que não podemos aceitá-los como
nossos, pois podem ser contrários à nossa moral,
e mesmo à nossa autoimagem. Se nos dizem
que temos este ou aquele sentimento, negamos
veementemente, podemos até mesmo ficar irri-
tados se insistirem.
Por exemplo, quase todo mundo já sonhou
alguma vez na vida com a morte de um ente
querido. A interpretação popular sugere que tal
sonho é um sinal de que a pessoa vai ter vida
longa. Mas existe uma tese freudiana sobre
isso. Ocorre, porém, que é muito, muito dificil
mesmo, aceitar a tese freudiana de que tais
sonhos poderiam significar que a pessoa que
sonhou pode ter desejado, em algum momento,
que o ente querido morresse.
O que você acha, leitor, da ideia de que, em
algum recanto escondido dentro de você, existe
o desejo de que seu filho, ou sua mãe, morra?
Simplesmente inaceitável, não é? Pois bem, é
esse tipo de ideias que estão no inconsciente.
A vaidade humana sofreu três grandes golpes
ao longo da história. Primeiro o homem achava
que vivia no centro do Universo, mas Galileu
demonstrou que não; que, na verdade, estamos
bem na periferia, em algum canto do sistema
solar. Depois veio Darwin e argumentou que o
homem não é descendente de Deus, mas que faz
parte da longa luta evolucionária como todos os
outros animais. E mais: o homem descende dos
macacos (e não de Deus ). Por último, apareceu
Freud com a noção incômoda de que a razão do
homem não é o que comanda sua vida, que o
homem (apesar de toda sua vaidade) não manda
nele mesmo, não controla seus sentimentos,
e, ao que tudo indica, é direcionado pelo seu
inconsciente - apesar, é claro, de continuar
achando que seu ego é que está “no comando”.
Para Freud, é o inconsciente que escolhe a pes-
soa por quem você se apaixona, sua profissão e o
seu estilo de vida; o restante a razão comanda. [7]
Mas o pior nessa história de o inconsciente
escolher os rumos da sua vida é que, apesar de
não ser você quem escolhe, é você quem paga o
preço. Não existe este negócio de dizer “Ah, foi
o meu inconsciente”- e se desrresponsabilizar
pela coisa toda. Foi mesmo o seu inconsciente
que escolheu, mas ele é o “seu” inconsciente.

Por que eu te amo?


Por que nos apaixonamos por uma determi-
nada pessoa? Pelo que ela é, pela sua essência -
responderíamos de pronto, levados pelas ilusões
do amor romântico. Mas é bem pouco provável
que seja por isso. Em primeiro lugar, a paixão
é rápida; quando vem é quase instantânea, e
para se conhecer a essência de uma pessoa, se é
que isto é possível, leva-se muito tempo. Aliás,
quando depois de longo tempo de convivência
chegamos mesmo a conhecer a fundo o outro
muitas vezes nos surpreendemos com o que
encontramos e, assustados, reclamamos: “mas
você é isso ?”, “nunca imaginei que você fosse
capaz disso”.
O que causa a paixão são pequenas coisas, um
detalhe do jeito da pessoa nos captura num en-
laçamento vertiginoso. A psicanálise propõe que
a pulsão é sempre parcial, e Roberto Carlos está
certo ao cantar “... detalhes tão pequenos de nós
dois...”.[8]
Roland Barthes, no livro Fragmentos de um dis-
CUrso amoroso 121, descreve este arrebatamento
tdo claramente que melhor é passar logo a pala-
vra para ele:

No mundo animal, o que da partida a mecanica


sexual ndo é o individuo em todos os detalhes,
mas apenas uma forma, um fetiche colorido
do outro, que ‘me’ toca bruscamente. É a voz, a
queda dos ombros, a silhueta esbelta, a quen-
tura da mado, o jeito de sorrir. Posso me sentir
atraido por uma pose ligeiramente vulgar, feita
para provocar, por trivialidades sutis e moveis,
que passam rapidamente pelo corpo do outro:
um jeito rápido mas expressivo, de afastar os
dedos, de abrir as pernas, de mexer os lábios
carnudos ao comer, de se ocupar de algo muito
prosaico, de tornar o corpo idiota por um
segundo.

Quem diria que escolhemos a pessoa com


quem queremos viver o resto de nossas vidas
de maneira tão prosaica? Pois é... E mais: en-
cantamo-nos com um detalhe da pessoa, mas
casamos com a pessoa inteira, com todas as suas
outras partes de que não gostamos, e às vezes
nem conhecemos. Sem dúvida esta é uma das
muitas causas do nó no casamento.

As neuroses se casam
No começo do casamento, a pessoa acha que
escolheu seu parceiro pela beleza, pela inteligên-
cia, pelo sucesso, pelo corpo etc, porém, com os
anos de convivência começa a se dar conta, alar-
mada, de que escolheu seu parceiro, entre outras
coisas, porque ele completa sua própria neurose.
Sim, as neuroses também se casam e somos
todos, num certo sentido, neuróticos, ou se
preferirmos “normóticos”. Aliás, o período de
namoro é o tempo necessário para descobrir se
nossas neuroses combinam. Escolhemos para
casar quem nos completa - no bom e no mau
sentido.
Se a pessoa tem uma tendência a se vitimizar,
provavelmente escolherá um parceiro domi-
nador; se a tendência for para ser um grande
cuidador, ou controlador, certamente escolherá
um parceiro carente. Duas pessoas dominadoras
têm pouca chance de ficarem juntas por um
tempo muito longo; todavia duas pessoas que
gostem da disputa - sendo uma mais domina-
dora e a outra mais passiva — estas, sim, têm
chance de um casamento longo, longo e repleto
de reclamações justas: uma se queixando da
dominação do outro, e o outro se queixando da
falta de iniciativa do primeiro.
Queixar-se do outro sugere a presença de dois
sentimentos, a antipatia e o antagonismo. A
antipatia acontece quando não gostamos de al-
guém, quando não queremos ficar perto daquela
pessoa. O antagonismo acontece quando dis-
cordamos de alguém, mas adoramos estar perto
desse alguém, disputando, brigando - estejamos
ou não conscientes disto. Vale dar um exemplo
do mundo do futebol para entendermos melhor
este tópico. Há pessoas que torcem para um time
diferente do nosso, mas com quem adoramos
encontrar para discutir, tirar um sarro etc. Isto
é antagonismo, e ele aproxima. Se sentíssemos
antipatia por essa pessoa, ao vê-la, mudaríamos
de calçada apenas para não encará-la.
Boa parte do amor é feita de antagonismos,
haja vista os jogos de sedução sexual, tão usados
na luta amorosa para conquistar alguém. Nesses
jogos, esse alguém a princípio não está dispo-
nível, o que parece aumentar o prazer de quem
conquista.
Embora, do ponto de vista anatômico, a
relação sexual seja complementar (afinal tudo se
encaixa), nos comportamentos que antecedem o
ato sexual em si — ou seja, na corte, na conquista,
na sedução, no namoro - há disputa, há certo
antagonismo.
Entre os que amam, geralmente um quer
mais sexo que o outro, ou quer em hora em que
o outro não está tão a fim — ou faz de conta que
não está. Esta recusa, real ou fingida, acaba
também sendo excitante para a maioria das
pessoas, desde que não seja exagerada, e põe em
andamento um jogo onde vencedores e vencidos
se realizam. No fim das contas, o sexo satisfaz os
impulsos amorosos tanto quanto os impulsos
agressivos.

Eu te conheço: conheço?
“Eute conheço, eu sei quando está acon-
tecendo alguma coisa pelo jeito como você
respira.” - afirma a esposa desconfiada para o
marido que acabara de lhe dizer: “Não é nada,
não tenho nada.”
De todas as ilusões do amor romântico há
uma que geralmente se desfaz de uma maneira
profundamente desconcertante: é a ideia de
que realmente conhecemos a pessoa com quem
estamos vivendo. Não é raro conviver com uma
pessoa por muitos e muitos anos e, de repente,
nos darmos conta de que não conhecemos essa
pessoa.
Ela faz, ou sente coisas insuspeitadas, coisas
que não imaginávamos nem admitiamos como
possíveis. A partir do retumbante “Eu não
acredito, não é possivel!”, o outro passa a ser
um enigma, ou pior, uma fraude. Mas o mais
provável é que o que o outro fez sempre foi uma
possibilidade real, nós é que não podiamos ver.
Não podíamos, porque ver significava sentir coisas
ou ter que tomar atitudes para as quais não está-
vamos preparados.
No amor, conhecemos a pessoa amada da
mesma maneira a que assistimos a um filme:
preenchemos com nossa imaginação os espaços
vazios entre os fotogramas. Isto, porém, não é
uma característica do amor, tem a ver com todos
os tipos de relacionamento humano e chama-se
idealização. O que acontece é que, no amor, paga-
mos muito caro por nossas tantas idealizações.
Essas idealizações não se referem apenas à
pessoa amada, muitas vezes sofremos também
pelas idealizações que construímos a respeito
de nós mesmos, e uma das mais frequentes é
a da vítima inocente. Gostamos de pensar que
somos um parceiro legal, que estamos fazendo
tudo o que podemos pelo relacionamento e que o
outro é que é um egoísta, quando não um sacana
mesmo, que nos faz sofrer com suas maldades.
É preciso muito cuidado com esta historinha
vitimosa, porque raramente existem bandidos
emocinhos no amor; estamos mesmo, os dois,
tentando nos salvar de nossas próprias angús-
tias. Marido e mulher são como dois náufragos
que, nadando num mar de desejos e sentimentos
conflitantes, acabam se encontrando, segu-
rando-se um no outro e, com isto, salvando-se
momentaneamente de morrer afogados ou de
frio. Mas os dois são náufragos - ninguém está
salvando ninguém.
Talvez seja mais produtivo pensarmos em
termos de complementaridade. Para além das
queixas contra o outro cabe sempre nos per-
guntarmos por que escolhemos esse outro para
casar. As respostas serão surpreendentes, desde
que sejam sinceras, é claro.

O desejo é sempre desejo


de outra coisa[10]
Se vocé, ou seu parceiro, anda criando muito
caso ultimamente, brigando por pequenas coi-
sas, irritando-se a toa, muito provavelmente
precisa de outra coisa, mas não sabe pedir. O que
pode ser?
Não é muito difícil saber: amor, atenção,
prazer, sexo, carinho, privilégios. Nesse sentido,
o ser humano é muito simples e previsível, mas
em cada caso individual é um ser muito com-
plexo porque a mistura entre os vários desejos, e
destes com os medos, é muito grande.
É frequente desejarmos coisas contraditórias
entre si, também desejarmos coisas que teme-
mos - e mais: às vezes parece que só queremos
desejar, como se querer fosse mais importante do
que ter. O real nem sempre é tão legal quanto a
fantasia. Se tudo isso parece muito complicado
não se espante, o desejo humano é mesmo algo
muito enrolado.
Para começar é preciso esclarecer que o desejo
não é a mesma coisa que a vontade, o querer,
o tesão, a necessidade, a pulsão, o gozo e a de-
manda, embora, é claro, tenha algo a ver com
tudo isso. Uma saudade antiga e nem sabemos
direito de quê... - a isto chamamos de desejo.
A psicanálise faz uma distinção bastante inte-
ressante entre querer e desejar. Desejar é sempre
desejar outra coisa, por isto nada do que alguém
possa querer é suficiente para satisfazer o desejo;
e assim poderíamos até agradecer a quem não
nos dá o que foi pedido, mantendo-nos no estado
excitante do desejo.
De um lado, temos o mundo do querer consci-
ente que tem a ver com as necessidades, com as
vontades, com os projetos; de outro lado, temos
o mundo do desejo inconsciente, que, como
vimos, tem a ver com caminhos de satisfacdo
bastante arcaicos, e geralmente colocam a pes-
soa em grandes encrencas.
O problema é que esses dois mundos nem
sempre sdo harmonicos. Muitas vezes o que uma
pessoa quer ndo é o que ela deseja. Como diz Paulo
Coelho, o mundo conspira a nosso favor. Isso
pode até ser verdade, mas o problema mesmo é
que a própria pessoa nem sempre conspira a seu
favor. No campo do desejo, a questão primordial
não é o mundo, é o próprio sujeito dividido:
minha luta é enorme: é primeiro comigo.

Cibele é uma mulher solteira de 37 anos, filha


única de uma família portuguesa. Estudou eco-
nomia e trabalha nas empresas da família. É
uma mulher bonita, atraente, inteligente, culta
e divertida, mas, apesar de todos esses dotes,
tem muitas dificuldades para se envolver em
um relacionamento amorosos mais ou menos
sério. Ela diz: “Quero me casar, ter filhos,
encontrar um homem legal para ser meu ma-
rido e companheiro, mas não sei o que acon-
tece, eu nunca o encontro”.
Durante a análise ficou claro que a sua
dificuldade não era em termos de relacio-
namento, já que tinha muitos amigos, era
bastante sociável, os homens a procuravam
e tinha relacionamentos sexuais satisfató-
rios. O problema, dizia ela, “é que eu não me
apaixono”.
Ela queria de verdade encontrar um homem
e se casar, por isto procurou tratamento, e se
desesperava quando percebia que o tempo es-
tava passando e ela ndo encontrava ninguém.
O interessante é que ela nunca falava sobre
desejar sexualmente um homem, sobre sentir-
se atraida. Ao que parece, ela “queria” um
homem, mas ndo “desejava” um homem. Que-
ria um homem para ser seu marido, pai dos seus
filhos, para cumprir o que a sua familia (e ela
mesma) sonhavam para a futuro.
Há mulheres que querem muito encontrar
um homem, mas não o desejam. Esta pode ser
a explicação para mulheres como Cibele, que
são bonitas e interessantes, mas não encontram
um companheiro. Para outras mulheres, o pro-
blema é exatamente o oposto, não querem, mas
desejam aquele homem, e por isto se envolvem
repetidamente em relacdes complicadas com
parceiros pouco disponiveis verdadeiramente.
Parece que o desejo é uma forca de atracdo
bem mais potente que o querer.

Meu nome é multidao

Eu sou eu, sou um conjunto de sentimentos,


pensamentos e comportamentos unificados e
coerentes que se mantém estaveis no tempo e no
espaco. O eu - essa noção de identidade que cada
um carrega dentro de si com tanta certeza — é
uma ilusão, já que nada é mais mutável e contra-
ditório do que um ser humano.
Para a psicanálise a pessoa não é um indivíduo
(aquilo que não pode ser dividido), ao contrário:
o ser é dividido em muitos “eus” diferentes. A
mesma pessoa que apregoa as vantagens do
amor e da tolerdncia em uma palestra, mal
chega em casa e comeca a brigar e a discutir com
as mulheres e os filhos sem tolerar qualquer
contrariedade.
O homem, que é todo gentileza e educacido
com a namorada durante um jantar, também
enfia o dedo no nariz e coca o saco quando entra
no banheiro, e transforma-se em um “animal”
quando leva sua namorada para a cama.
Basta apenas um pouco de atencdo para a
pessoa perceber sua multiplicidade, sua di-
versidade, sua fragmentacao, representada no
diagrama adiante e magistralmente captada nos
versos do poeta Ferreira Gullar.

EU|EVU
/EÚ EUJEU EUJEU/EU
/U[EU[EUIEU[EUEU[EUIEUN
JIEUEU[EU[EUIEUEV[EVIEUJE\
U|EU|EVU|EU|EU|EU|EV|EV|EUIE!
U|EU|EV|EU|EUJEUJEV|EUIEVIE!
Yuleuleuleulevjeu evievleviey
EU|EVU|EV|EV|EV|EU/EU|EU E]
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A RIEDEUEDP”
NEU|EU[EV|EV[EVIEU)”

Uma parte de mim


é todo mundo;
outra parte, ninguém:
[...JUma parte de mim
é multiddo;
outra parte estranheza
e solidao.
Lynel
Uma parte de mim
almoça e janta
outra parte se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente 111

O casamento, entdo, ndo é a dois, como esta-


mos acostumados a pensar, é uma multidao de
“eus” ligada a outra multidao de “eus” como no
diagrama abaixo. Pense: em que poderia dar isto,
sendo confusão e nós?
/EUEUETEU Eufeu eulEd
EU[EUJEU[EV|EU EU[EU[EU[EUJEUNN
/EU[EV|EV|EUIEU[EY \EUIEUI|EUIEUIEUIE
EU|EUJEU EU|EU|E Yleuleulev/eu/eu
UÍEUlEUIEUV/EUV/EUIA onó VIEUIEUIEUIEUIEU
\U/EU|EV|EU|EV|EU|E JUIEU|EU[EV[EUJEU
\/IEU[EU|EU|EV[EUVIE FUIEV[EU[EU[EU[EU
UlEU[EVIEU[EU[EU\ — AEU[EU|EU[EU[EU[E
\Q{Eu EU|EU EUMEU EUJEU EUEp
UEV LELIEI UEVEUE”

Segundo a Analise Transacional, uma deriva-


cdo da psicandlise que surgiu na década de 1960,
dentre esta multiddo de “eus”, encontram-se o eu
da mãe e o eudo pai da pessoa. Vejamos as con-
sequéncias disto para o casamento.
Todo casamento tem histéria e essa não se
resume ao tempo do namoro ou dos primeiros
encontros, vai muito mais longe, retrocede no
mínimo ao casamento dos pais. É que cada um
de nós carrega, muitas vezes sem saber, o casa-
mento dos nossos pais como referência, seja para
fazer igual, ou então para tentar fazer o oposto.
No começo da relação amorosa essa herança
afetiva não influi muito, pois a paixão suplanta
tudo, mas com o tempo, com a chegada da
rotina e da tarefa de lidar com os problemas
do dia a dia, o jeito como os pais lidaram com
o casamento vai se insinuando sutilmente na
relação, para o bem e para o mal. Mesmo que o
casamento dos pais tenha sido um casamento
feliz, tal influência é problema à vista, pois dois
modelos diferentes juntos, o dos pais dele e o dos
pais dela — mesmo se ambos forem felizes e cer-
tos - tendem a entrar em conflito.
Um exercício interessante para entender o nó
do seu casamento é imaginar como seria o casa-
mento do seu pai com sua sogra, ou da sua mãe
com seu sogro. Imagine, não daria um belo nó?
Pois é, esse casamento inverossimil e imaginario
existe de fato no dia a dia de muitos casais.

Amor de mãe

Os homens se comportam no casamento


como se quisessem (muitas vezes sem nem se
darem conta) que a esposa fosse mãe e amante
na mesma relacdo; e quando isto não ocorre so-
brevém um sentimento de frustracdo e irritacdo.
Interessante: a lingua portuguesa é uma lingua
edipica, nela as palavras mãe e mulher comecam
com a mesma letra “m”.
Sobre a questao regressiva no amor, Barthes
escreve, na obra citada atras:

... além da copula, ha este outro enlace que é o


abraco imovel: estamos encantados, enfeitica-
dos, estamos no sono sem dormir, é o momento
das histórias contadas, o momento da voz que
vem me imobilizar, é a volta da mãe. Mas no
meio deste abraço infantil surge infalivelmente
o genital, ele corta a sensualidade difusa do
abraço incestuoso, o desejo se põe em movi-
mento, o adulto se sobrepõe à criança, sou dois
ao mesmo tempo, quero a maternidade e a geni-
talidade, uma criança com tesão, retesando seu
arco: como o jovem Eros. 121

O cordão umbilical

A relação simbiótica com a mãe é a ligação


concreta mais harmoniosa e simples entre duas
vidas que o ser humano pode experimentar.
Note-se que o cordão umbilical é, provavel-
mente, o único fio que liga duas pessoas sem
necessidade de laco ou nó, ele é muito natural
e funcional. Mas há um problema para que um
ser humano cresça e se torne verdadeiramente
um indivíduo, ele precisa separar-se da mãe, é
preciso um corte e um nó: o umbigo é o nó que
marca a existência autônoma de um ser, e é tam-
bém a cicatriz que nos fez recordar a existência
de uma relação idílica, completa, que já tivemos
um dia e que não é mais possível na vida adulta,
nem mesmo através do amor ou do casamento.

A lenda do nó

Conta a lenda que na antiga Fringia, o impera-


dor Górdio, que naquela época dominava toda
a Ásia, mantinha em seu castelo um exuberante
carro de guerra atado ao seu trono através de
um nó irreversível. Este nó era um simbolo do
seu poder e também um desafio ao engenho
humano. Segundo a profecia do oráculo, quem
conseguisse desatar o nó ganharia o trono da
Fríngia e governaria sobre todos os seus domi-
nios. Sábios, guerreiros, religiosos, príncipes,
todos tentavam e ndo conseguiam: o nó sim-
plesmente ndo podia ser desfeito, era um no
cego.
Quando Alexandre, o Grande, em sua campa-
nha asidtica, dominou os exércitos de Gordio e
entrou na cidade, logo ficou sabendo da profe-
cia e quis ver o nó. Quando chegou ao paldcio,
Alexandre encontrou o imperador Gordio
perplexo, olhando o nó e se perguntado como
alguém tinha sido capaz de derrotad-lo se o nó
ndo havia sido desatado. E lá estava o magni-
fico nó a desafiar Alexandre. Ele se aproximou,
observou, e com um só golpe de sua espada cor-
tou o no, vencendo assim o rei e a profecia.
O que esta história poderia nos sugerir é que,
em certas situações, a solução mais eficaz é a
mais simples e direta, sem muita conversa, é só
ir direto ao ponto e eliminar o problema. Mas ve-
jamos a continuação da história.

No instante seguinte em que foi cortado, o nó se


refez, e a cada vez que era novamente cortado,
imediatamente seus fios voltavam a se atar, era
um nó mágico.

Assim nasceu a expressão nó górdio para indi-


car problemas que não podem ser resolvidos. O
que a história efetivamente sugere é que certos
nós não se prestam a soluções simples e diretas,
necessitam de tempo, elaboração, e de uma certa
habilidade para serem desatados.
Esta história, contada no livro O mito dos
nós [131, do professor de antropologia Gustavo
de Castro e Silva, é apenas uma dentre tantas
outras existentes na literatura, no folclore e
nas religiões, que têm o nó como tema. Nelas,
geralmente o nó aparece como símbolo de união,
conexão, interação - às vezes paradoxal, dos
contrários -, mas sempre agregando a si um
sentido duplo, simultaneamente de abertura e
fechamento.
A metafora do nó é recorrente em diferentes
tradições religiosas. Um dos livros sagrados do
hinduismo, o Surabagma Sutra, é conhecido
como o livro do desatamento dos nos.
O Alcorao faz inimeras referéncias a feiticei-
ros que atam e desatam nós, tentando controlar
o destino das pessoas. A tradicdo afrobrasileira
da umbanda faz trabalhos de “amarracao” e “de-
samarracao” para resolver problemas amorosos
e financeiros.
Os árabes têm o costume de evitar mau-
olhado dando um nó na barba. Para os antigos
marinheiros, os nós tinham função prática e
simbólica, funcionando como um talismã con-
tra os perigos do mar: uma corda com três nós
significa mar calmo, dois nós, vento rude e mar
agitado e um único nó queria dizer tempestades
e furacões.
Duas curiosidades linguísticas sobre esta
questão do nó e das dificuldades no campo amo-
roso. Nos dicionários de língua portuguesa, no
verbete “nó” aparece, quase sempre, entre outros
significados, o de casar-se, matrimoniar-se. Em
todas as línguas do mundo existe a expressão
“cair de amor”. Por que será?

O amor da deficiência
No sentido da busca de um nó amoroso ideal
vamos considerar a existência de dois tipos de
amor: o amor de deficiência e o novo amor. O
primeiro é o amor romântico, o amor que todos
conhecemos e buscamos para nos salvar daquela
sensação angustiante na qual somos lançados,
desde o instante em que nascemos. Essa sensa-
ção está na pergunta: somos amados? O segundo
é o novo amor, um tipo raro e desconhecido de
relacionamento amoroso que, algumas vezes,
alguns de nós conseguem alcançar quando nos
livramos das garras do amor de deficiência.
O amor de deficiência é o mais comum, é quase
universal, acontece com todo mundo, é o amor
que todos conhecemos, que estamos acostuma-
dos a viver e a sofrer, é o amor idealizado, no qual
supomos encontrar uma pessoa maravilhosa
que nos ama, que nos deseja, e somente a nós —
ou seja, é o amor da criatura encontrada. Este é
o amor onde o outro surge como obturador do
vazio existencial, como apagador da angústia
que nos devora a partir de dentro. É um amor
de salvação, que nos dá uma sensação de com-
pletude e de segurança maravilhosa, é a tal
felicidade.
Paradoxalmente, porém, ele também é angus-
tiante porque se perdemos essa criatura encon-
trada, ou se descobrimos que ela não nos ama
como imaginamos - ou que mesmo nos amando,
pode ainda assim desejar outras pessoas, mesmo
que imaginariamente - acabamos por cair de
volta naquela sensação de desimportância, de
desamor, de frustração e de incompletude que
a maioria de nós carrega escondida dentro do
peito.
É claro que se dependemos tanto assim de
alguém para nos sentir bem na vida, vamos
querer possuir e guardar esta pessoa para nós; ao
mesmo tempo, vamos viver num inferno de an-
siedade temendo o dia em que possamos perdê-
la. Mesmo que efetivamente nunca venhamos a
perdê-la, mesmo assim, sofremos só de imaginar
tal possibilidade. É que se o outro é o ar que “eu”
respiro, sem ele não respiro, morro - então, o me-
lhor que tenho a fazer é tratar de mantê-lo bem
próximo, bem vigiado.
Esta história de que o outro é que nos faz
felizes é bonita e romântica, mas, na prática, é
uma das fontes de tensão no relacionamento
amoroso. Neste sentido, dizer para alguém “Você
é o ar que eu respiro” não é uma declaração de
amor, é uma ameaça! O amor de deficiência é
também um amor de ambivalência: ao mesmo
tempo em que nos completa, também nos deixa
famintos. O mito sobre o nascimento do deus do
amor, Eros, é bem o exemplo disto.
Eros nasceu de uma noite de festa entre os
deuses. Todos tinham sido convidados, menos
a deusa Penúria, miserável e faminta. No fim
da festa ela veio, comeu as sobras e acabou dor-
mindo com Apolo, o deus da beleza, engenhoso
e astuto. Foi desta relação sexual que nasceu
Eros, o deus do amor que ora se parece com sua
mãe, sedento e faminto, ora se parece com seu
pai, astuto e engenhoso em se fazer amado. Não
é assim um ser apaixonado, ora belo e cheio de
vida, ora sedento e inseguro em busca de amor?

A primeira forma de amor que o ser humano


conhece é o amor de deficiência. O que acontece
é que quando um ser humano nasce ele ainda
não está preparado para viver neste mundo,
ele nasce sem condições de se virar sozinho,
depende inteiramente do outro, nesse caso da
mãe ou de alguém que desempenhe a função
materna.
Se o bebé for deixado sozinho apds o nasci-
mento, ele morre porque ainda não é capaz de
andar, nem de falar, nem de nada. Ele ndo con-
segue atender as suas necessidades de alimenta-
ção e de protecdo, por isso o outro efetivamente é
o ar que ele respira.
E curioso notarmos que um dos marcos do
nosso nascimento é um nó que separa, nó do
qual o umbigo é a cicatriz. O umbigo é o nó que
lembra a falta — é uma cicatriz que marca a au-
séncia daquele ser que nos sustentava, a mãe.
E quase como se nascéssemos antes da hora,
e nesse sentido, o primeiro artigo da declaracdo
dos direitos humanos da ONU é uma balela:
ele diz que todo ser humano nasce livre. Não é
verdade, ninguém nasce livre, ao contrario, nas-
cemos completamente dependentes. E claro que
nascemos com potencial para a liberdade que
viremos a conseguir mais tarde, mas a sensação
de insuficiência, de desamparo, de dependên-
cia do outro nos marca para sempre; e muitas
vezes não conseguimos nos livrar dela, mesmo
quando já somos adultos capazes de conseguir
tudo de que precisamos para a sobrevivência fi-
sica imediata.
Há mais uma coisa sobre o amor de defici-
ência que é importante notar: ele é um amor
de desamparo, e desamparo nada tem a ver
com abandono. Desamparo é um conceito
psicanalítico sobre a condição de insuficiência
psicomotora (na qual nasce o bebê humano),
que foi evoluindo ao longo da obra freudiana, e
passou a designar a condição fundamental de
funcionamento do psiquismo humano. Deixou
de significar apenas o fato de o humano nascer
antes da hora (e portanto momentaneamente
despreparado para sua sobrevivência) para cons-
tituir a ideia de que o ser humano vive para sempre
na incerteza, na insuficiência, na precariedade
da linguagem, na turbulência da sexualidade;
ou seja: vive na falta, pelo menos em termos
psíquicos.
O desamparo deixa de ser uma fase no desen-
volvimento do ser humano para se transformar
em seu companheiro de vida. A ideia aqui é que
o desamparo, companheiro de quem vive, fala,
ama, goza e sofre tem tudo a ver com a forma
como amamos. Parece que ou encontramos uma
maneira de lidar com o desamparo, ou continuare-
mos prisioneiros do amor de deficiência.

O amor que salva: salva?


O novo amor, por sua vez, é um ponto de che-
gada, nunca um ponto de partida. É muito raro
encontrar um casal que viva desde o começo esse
tipo de relacionamento. Na maioria dos casos,
só se alcança o novo amor depois da travessia
das ilusões do amor romantico, e elas são mui-
tas: felicidade, salvação, completude, suficiência,
simetria, exclusividade.Vejamos algumas destas
ilusões mais de perto.
Duas coisas podem dar ao homem um vislum-
bre do que seja a morte: um ataque de pânico e
uma separação amorosa. Se a separação amorosa
é mesmo “um ensaio da morte” [14] deve ser
porque a sensacdo de morte que experimenta-
mos na separacao amorosa, ou na possibilidade
de ela acontecer, ou na fantasia de que ela vai
acontecer, tem a ver com esse tal desamparo que
comentamos atras.
E o amor de deficiéncia seria aquilo que nos
livraria do desamparo. Mas este amor esta
fundado em uma dupla ilusdo: primeiro que
morreremos se o nosso objeto amado for em-
bora, segundo, esse objeto amado efetivamente
resolve o desamparo. Na prática, não morremos
quando somos rejeitados amorosamente, pelo
menos não a maioria de nós. Podemos sofrer e
acabar desiludidos, mas vivos, e também o amor
não nos salva da angústia do desamparo.
Mais ainda: o amor, seja ele amor de defici-
ência ou novo amor, é um arranjo insuficiente,
ou ao menos precário, para nos livrar da angús-
tia de viver; ele raramente preenche inteira e
definitivamente o buraco que carregamos no
peito, buraco vazio que, se não aparece em nossa
anatomia corporal, insiste em se insinuar em
nossa anatomia amorosa. A história de Cristina é
exemplar a este respeito.

A história de Cristina
Cristina era uma menina linda, mas desde
mais ou menos seus cinco anos de vida ficou
evidente que ela era infeliz e agoniada. Não
que ela reclamasse ou fosse agitada, ndo era,
mas qualquer um que olhasse via que ali estava
uma menina angustiada. Cristina raramente
ria, a ponto de sua família ter inventado um
interessante jogo para os dias de domingo. O tio
de Cristina chamava os amigos e apostava com
eles para ver quem fazia a menina sorrir. Nin-
guém ganhava dele.

A cuidar amorosamente de Cristina estava


a sua Tiana, que lhe dizia: “Sossegue minha
linda, quando vocé crescer, isso passa”. Cristina
cresceu, foi para a escola, aprendeu a lere a
escrever e fez muitos amigos. Era muito inte-
ligente e estudiosa, lia com muita voracidade,
queria mesmo descobrir o mundo que havia nos
livros, e chegou a ensaiar seus primeiros versos;
mas as palavras não preenchiam aquele mal-
dito vazio em seu peito, ele continuava lá.
Tiana, porém, tinha um grande trunfo: “Não
se afobe minha querida, quando você se apai-
xonar, vai descobrir o amor e tudo se aquietara
em seu coração”.

Como era de se esperar, Cristina não tardou


a se apaixonar. Felizmente foi um amor
correspondido e ela viveu o primeiro de muitos
momentos de completude em sua vida. O bu-
raco desaparecera, e onde antes havia o vazio
agora palpitava um coração que até queria ex-
plodir para anunciar ao mundo como era boa a
felicidade.

Infelizmente, com o tempo e com os aconte-


cimentos da vida, um pequeno arranhdo foi
aparecendo na superfície daquele coração feliz,
foi crescendo devagar até se tornar um buraco
vazio no meio do peito.

Tiana, porém, era insistente e voltou a socorrer


Cristina: “Não se preocupe, daqui a pouco você
termina sua faculdade e vai ser uma mulher de
sucesso e muito feliz”.

Algum tempo depois, no auge de uma carreira


de sucesso como médica, Cristina desfrutava
da sensação de salvar vidas, de ser reconhecida,
de ganhar dinheiro fazendo o que gostava, e
finalmente acreditou ter encontrado o jeito de
tampar o seu buraco.
Esta foi uma ilusão que não durou muito, e
rapidamente as coisas começaram a perder
o sentido para Cristina, que voltou a sentir
aquela velha e conhecida anguústia no seu peito.
E desta vez foi sozinha, sem Tiana, que Cristina
descobriu seus caminhos: encontrou o homem
certo na hora certa, casou-se e teve um filho. A
experiência da maternidade encheu Cristina
com um sentimento de poder e plenitude até
então desconhecido. O filho de Cristina foi cres-
cendo e junto com ele o terrível buraco.

A esta altura da vida Cristina estava se sentido


cansada, desanimada, e desembocou numa
verdadeira depressdo. Tinha perdido as espe-
rancas. Ai, em vez de Tiana, apareceu um ana-
lista que disse que era preciso encarar de frente
a angustia e o buraco. Valente como era desde
menina, Cristina topou e mergulhou fundo
buraco-a-dentro em busca de seu verdadeiro eu.
Sofreu muito, mas descobriu muitas coisas e se
livrou da depressdo. Porém o buraco continuava
la.
Um dia, quando Cristina já era uma mulher
madura, vivida e realista, e Tiana uma mulher
velha, Cristina tomou coragem e perguntou:
Tiana, me diga, você conseguiu?A tia percebeu
que já era hora de contar a verdade e respondeu
olhando diretamente nos olhos de Cristina: “Eu
vou lhe abrir meu coração, na verdade eu...”
Embora Tiana continuasse falando, Cristina
não conseguiu ouvir mais nada porque bem
no centro dos olhos da tia Cristina viu. Viu o
quê? Dois pequenos buracos negros a mirá-la,
e pensou que sua tia também não tinha conse-
guido resolver inteiramente a questão do vazio
existencial. Mas que apesar disso era uma mu-
lher feliz.

Ai Cristina se lembrou de uma coisa que todo


mundo lhe dizia desde pequena: “Menina, você
tem os olhos muito parecidos com os olhos de
sua tia”.

Na última vez em que encontrei Cristina, ela


me disse meio displicentemente, sem nenhum
drama “Parece que tem coisa que nem o amor
resolve”— e me fitou com aqueles grandes olhos
castanhos.

E eu vi, bem no centro de seus olhos que, apesar


do buraco e do vazio, essa mulher tinha encon-
trado um caminho para a felicidade. Foi bom de
ver.

Amor da deficiéncia é amor a crédito

Outra ilusdo importante no amor é a de que


ele resolve nossas magoas do passado. Antiga-
mente existia uma forma de compra a crédito
que funcionava bastante bem. O freguês ia
até a mercearia, fazia suas compras, que eram
anotadas pelo dono do estabelecimento em
uma caderneta que ficava com o cliente. Noutro
dia a pessoa voltava, fazia outras compras que
também eram anotadas na caderneta, e seguia
assim, até que, no final do mês, o cliente levava
a caderneta para que o comerciante somasse o
total devido que era então pago. É como se fosse
um cartão de crédito, só que com a diferença que
quem controlava a conta era o cliente.
O amor de deficiência funciona assim como
um amor de caderneta. A pessoa vai anotando
ao longo da vida o quanto lhe faltou de amor, até
que um dia, quando aparece alguém que a ama,
ela apresenta a conta toda.
É mais ou menos assim: quando nasce, ela
tem uma necessidade de amor que é parcial-
mente preenchida pela mãe; a mãe sem dúvida
ama o filho, mas não da forma ou na intensidade
que ele desejaria, então a pessoa anota na cader-
neta: a vida me deve 5 mil amores.
Depois, na infância, vai colecionando situa-
ções de carência amorosa e anotando na cader-
neta: a vida me deve mais 4 mil amores, mais 7
mil amores. Na adolescência, quando vive seu
primeiro grande amor, o resultado geralmente é
uma anotação em vermelho registrando todo o
sofrimento que um primeiro amor causa quando
não é correspondido. E a conta segue, até que um
dia a pessoa encontra alguém que lhe diz “Eu te
amo!”, ai a pessoa, mais do que depressa, mostra
a conta de uma vida inteira de frustrações amo-
rosas com a certeza de que o outro vai zerar este
débito.
O amante realmente tem amor para dar, mas
pode acabar se assustando com o tamanho
da conta e afastar-se. Mas, mesmo quando o
amante, desejoso de cuidar de sua amada, fica, e
promete zerar o débito, o resultado a longo prazo
não é o que se espera.
Acontece que uma pessoa, mesmo dando
muito amor, não consegue apagar as dores do
passado de outra pessoa, pelo menos não na
maioria dos casos. Estas marcas amorosas não
costumam se apagar pela compensação, e sim,
pela via da elaboração, da superação. Este é um
caminho individual que pode até ser facilitado
por uma companhia carinhosa e cuidadosa, mas
não pode ser percorrido por ela.
É claro que, se gostamos de uma pessoa, toma-
mos cuidado para não feri-la, e em especial não
feri-la nos mesmos lugares já machucados, mas
isto não quer dizer que somos responsáveis pelo
seu passado, embora no amor romântico, acaba-
mos prometendo exatamente isto.
Se uma pessoa foi traída em um relaciona-
mento anterior, isso não significa que o parceiro
atual tenha de arcar com as consequéncias disso
e suportar toda a inseguranca que vem dai, mas
na pratica é o que acaba acontecendo. Este é o nó
que vem do passado.
Uma das caracteristicas mais fortes do amor
de deficiéncia é que ele é um amor de certezas, de
garantias de eternidade do sentimento, de fide-
lidade e de tantas outras ilusdes. O novo amor
havera de ser um tipo de relacionamento que
pode suportar um tanto de incerteza, um tanto
de angustia.
Muitas vezes somos atormentados nao pela
ocorréncia de um fato, mas simplesmente pela
possibilidade de ele vir a acontecer. E assim, por
exemplo, quando pensamos em nossa propria
morte, ou quando nos angustiamos com a pos-
sibilidade de sermos traidos mesmo que nada,
no momento presente, esteja apontando para
isso. Essas coisas, mesmo que não queiramos
admitir, são sempre possíveis de acontecer, e se
não suportamos, minimamente, a angústia do
possível acabamos nos amarrando nas garantias
ilusórias do amor romântico. O possível é - e
sempre será - angustiante, ninguém pode esca-
par definitivamente de todos os possíveis, a não
ser imaginariamente.
Este é o nó que vem do futuro.

Ser inocente é uma desgraça


A inocência em termos de amor é algo pe-
rigoso, acaba levando a impoténcia. Certa vez
uma paciente me disse: “Não ser culpada é uma
merda”. Ela se referia a uma situação amorosa
bastante comum. Quando o namoro começa a se
desgastar, o namorado chega e pede um tempo
para a namorada, diz que não é o fim do relaci-
onamento, mas que precisa pensar um pouco
porque não está se sentindo bem na relação. Se a
namorada gosta dele vai tentar demovê-lo desta
ideia porque sabe que essa história de dar um
tempo não é um bom sinal, e nem é muito ver-
dadeira. Então, ela pergunta: “O que está aconte-
cendo, o que foi que eu fiz?”
Se ele apresentar suas reclamações sobre o
comportamento dela, a situação ainda pode ser
revertida, já que ela sempre pode prometer que
vai mudar, mesmo que não venha a cumprir tal
promessa. Mas o pior, mesmo, é se ele vier com
esta explicação: “Olha meu amor, você não fez
nada, o problema não é você, sou eu, eu é que não
estou preparado para o amor, você merece algo
melhor”.
Se você é inocente, se você não tem nenhuma
culpa no que está acontecendo, você também
não pode fazer nada para resolver o problema.
Então, como diz minha paciente, o melhor é
não ser completamente inocente nos problemas
do amor, porque se for, não tem mais jeito. Mas
também não se trata de ser exatamente um cul-
pado no sentido de ter feito coisas erradas, e sim
de estar implicado, envolvido. Nesse sentido é
sempre bom ter algo a ver com o problema.

A noite de amor perfeita


A noite de amor perfeita é aquela em que “eu e
você nos transformamos em um só: EU” [15], Ou
seja, não há equilíbrio total. Aquela história das
duas metades da laranja até pode ser verdadeira,
mas as metades não são iguais, tem sempre uma
que é um pouquinho maior que a outra. A ideia
de que o amor é perfeitamente simétrico é uma
ilusão da visão romântica do amor. Isto é muito
raro, quase inexistente. O que acontece mesmo
é que no casal sempre tem aquele que ama mais
que o outro, é inevitável, e sofrido.
O amor tem algo de egoísta, é da sua natureza.
Isto pode não ser muito romântico, mas é rea-
lista e facilmente observável em qualquer casal.
Aliás, no limite, o amor é também uma questão
de poder, trata-se de decidir quem domina quem
—tanto no sentido afetivo como no sexual.
No amor, um mais um não é igual a um como
supõe a paixão, tampouco um mais um é igual a
dois, como supõe a matemática, um mais um é
igual a três: eu, tu e o nó.
Observe as três partes de um nó. Tudo no
casamento é distribuído por essas três regiões, o
tempo, o dinheiro, os amigos, o afeto, o sexo etc .
O problema é que esta distribuição raramente é
consensual.
Quanto do dinheiro de um casal pode ser
gasto só pelo eu, ou só pelo tu? Ou tudo deve ser
gasto em conjunto? E as amizades, cada um pode
ter seus próprios amigos, ou os amigos devem
ser sempre amigos do casal? E em relação ao
tempo, os dois precisam estar sempre juntos, ou
cada um pode fazer suas coisas sem que o outro
se sinta excluído?
E o sexo, é sempre nós, ou cada parceiro tem
liberdade para ter alguma vivência sexual sem a
participação do outro? Este costuma ser um as-
sunto muito complicado, mas sem dúvida existe
atividade sexual, pelo menos em fantasia, fora
do nós.
Infelizmente (ou quem sabe, felizmente) não
existe a proporção ideal para essa distribuição.
Todas as tentativas de estabelecer uma divisão
ideal fracassaram, cada casal tem de encontrar
a medida certa do seu nó. Em alguns, o nó é tão
grande que quase não existe individualidade.
Essa forma geralmente só é satisfatória durante
o tempo da paixão, mas depois, se não houver
um afrouxamento do nó, um dos dois começa a
se sentir preso, sufocado e os problemas não tar-
dam a aparecer.
No outro extremo, existem arranjos onde o eu
e o tu sdo tão grandes que quase não existe casa-
mento, o que também tem suas consequências
como insegurança, solidão e falta de companhei-
rismo.
Há vida além do nó, existem coisas importan-
tes para a vida que não estão diretamente relaci-
onadas ao casamento. É até saudável que exista
essa espécie de “jardim secreto” onde posso cul-
tivar minha individualidade: ajuda a afrouxar o
nó. Isso não costuma ser problemático quando
falamos de nós, mas quando percebemos que
uma parte do outro também não está no nó, aí
as coisas mudam e podemos ficar inseguros e
angustiados. Quando é conosco, chama-se privaci-
dade, quando é com o outro chama-se desamor.
É gostoso pensar que o outro vive para nós,
quando de fato o outro está apenas vivendo
a vida dele, vida essa que existe para aquém e
para além de mim. Quando passamos por uma
separação amorosa indesejada, pensamos no
amado(a) todos os dias, por meses ou anos - até
que um dia, ao amanhecer, nos damos conta de
que no dia anterior não nos lembramos da pes-
soa amada nenhuma vez.
Ficamos satisfeitos por comecar a esquecer
aquela fonte de tanto sofrimento, mas um novo
pensamento faz tudo desabar: e se ele também
ndo pensou em mim ontem? O outro pode estar
morrendo em mim, isto é desejavel, mas se eu
também estou morrendo em sua mente, isso é
intoleravel.

O novo amor

Novo amor é o nome que damos para a distri-


buicdo eu-tu-nds que funciona e que satisfaz mi-
nimamente ao casal. Não é facil de ser alcancado,
mas é possivel. E a conversa amorosa nao deixa
de ser um bom instrumento para se alcancar
este objetivo, embora existam casais que chegam
neste acordo de maneira tácita, sem palavras, o
que também pode funcionar bastante bem.
Todos nós, quando vivemos uma relação amo-
rosa, gostamos de pensar que somos o centro da
vida da outra pessoa, às vezes ela mesma nos diz
que somos isto, mas não é assim: essa verdade é
apenas mais uma boa ilusão romântica, já que de
fato, no máximo, somos o objeto de amor dessa
pessoa.
Se uma pessoa é traída ela insistentemente
pergunta “Mas você não pensou em mim, não
pensou no que estava fazendo comigo?”. O outro
pode até ter pensado, mas acontece que ele não
faz algo pelo outro, foi por ele.
É natural, porém, que quem foi traído faça
essa pergunta, já que ela está no centro de sua
própria vida. Não trair pode ser um ato de amor,
mas trair não é, necessariamente, um ato de
desamor pelo parceiro; é antes um ato de amor-
próprio. É egoismo, sem dúvida, mas não desa-
mor necessariamente.
O nó não atrapalha o amor, ele faz parte do
amor. Evidentemente que o amor nos tempos do
nó é um amor diferente, é um amor forte e tem
suas sutilezas e pressupõe amantes experientes
e realistas, capazes de reinventar as ilusões da
paixão de forma consciente e duradoura.

RELEMBRANDO

O amor nos tempos do nó

1. A passagem da paixão ao amor é um


momento de decisão, pode ser um
ponto final, ou um ponto de mutação.
. Se o casamento é uma separação adi-
ada, então que seja um adiamento sem
fim.
. Um casamento diferente para cada
casal, talvez este seja o ideal.
. O que causa a paixão são pequenas
coisas, é apenas um detalhe da pessoa
que nos captura num enlaçamento
vertiginoso.
. Conhecemos a pessoa amada com
nossa imaginação, e pagamos caro por
isso. As neuroses se casam.
. Quem anda brigando por pequenas
coisas precisa descobrir do que real-
mente estd precisando.
. O casamento não é a dois, é uma multi-
dão de “eus” ligada a outra multidão de
« ”»
eus.
Nó Romântico

Você tem tudo pra ser o meu nozinho.

Você é a coisa mais linda do mundo


que Deus me deu.

Pensando bem,
Deus não me deu nada,
foi só um empréstimo , uma posse provisória,
mas falando a verdade, nem posse é,
deve ser mesmo só pra usofruto
e ainda por cima por pouco tempo,
e pra complicar, só de um pedaço
porque parte de você
é outra história.
Os meninos brincam,
as meninas tramam
“Os “cromossomos” determinam a
vida sexual dos seres humanos...
O “como somos” cria o amor, a espiritualidade,
e a educação, transformando o ritual biológico do
instinto sexual numa história de amor única e
verdadeira para cada casal de amantes”.

Içami Tiba
Uma das razões de o nó existir em todas as
histórias de amor é o fato de homem e mulher
serem tão diferentes. No começo de uma relação,
ou nos momentos de paixão, essas diferenças
funcionam como atrativos e como elementos
complementares, mas, com o passar do tempo,
assumem um jeito de muro entre o homeme a
mulher.
Nossa ideia é de que o amor não anula as
diferencas, o amor não pula o muro (só a paixão
consegue tal proeza), mas pode contorná-las pela
trilha das palavras bem ditas, porque, é claro,
as palavras também podem aumentar o muro
quando usadas como armas.
É certo que essas diferenças não justificam
nem autorizam a maneira desigual e injusta pela
qual nossa sociedade machista costuma tratar a
mulher no campo social e profissional, mas no
campo do relacionamento amoroso as diferen-
ças fazem o nó.

O homem é simples, a
mulher complexa
Quando você receber um casal de amigos pela
primeira vez em sua casa, faça o seguinte teste:
após alguns minutos peça para os dois fecharem
os olhos e depois peça para eles descreverem a
sala. O homem provavelmente dirá algo assim:
“Bem, tem um sofá, duas poltronas, uma tele-
visão, uma janela no fundo e um tapete”. Já a
descrição da mulher será algo do tipo: “Bem,
tem um sofá verde-oliva, duas poltronas em um
ângulo de 45 graus, uma janela por trás do sofá
com uma cortina em um tecido bege, na estante
onde tem a televisão tem também um armário
com uns copos de cristal lindos, ah, e um tapete
de cisal, num tom levemente esverdeado com
detalhes em marrom e...”
A questão é que homem enxerga chapado, e
mulher enxerga em três dimensões. Dizem que se
um homem entra em uma sala e percebe que ela
foi pintada recentemente é pelo cheiro da tinta,
e não pela visão. E isso tudo não é filosofia, é
fisiologia.
Os cientistas afirmam que nos homens a visão
central e de longa distância é mais desenvolvida
do que nas mulheres. Provavelmente isso fa-
cilitava a caca nos tempos das cavernas. Ja nas
mulheres, a visdo periférica é mais agucada, o
que era muito importante para a protecao da
cria. Para proteger os filhotes, a fémea tinha que
conseguir prestar atencdo a varias pequenas
coisas ao mesmo tempo. Talvez isso ajude a com-
preender porque as mulheres sdo tão eficientes
em perceber detalhes e os homens são tão obtu-
sos: é a famosa história de a mulher perceber um
pequeno desalinho na camisa do marido e ele,
por sua vez, não se dar conta do vestido novo ou
de um penteado diferente.
Mas não se trata apenas de roupas e cabelos, as
diferenças envolvem todos os aspectos da vida
de um casal. Parece que uma mulher percebe
muito mais quando seu marido olha para outra
mulher do que o contrário. Aqui o problema
pode não ser de percepção, talvez a mulher, por
razões culturais, olhe para outros homens de
uma maneira muito sutil, o que faz com que o
homem não consiga, ou não queira ver.
Estudiosos do campo da psiquiatria infantil,
pesquisando o autismo (patologia na qual os
indivíduos acometidos caracteristicamente
fracassam em perceber os sentimentos dos
outros) demonstraram que os meninos apresen-
tam mais dificuldades para perceber pequenas
alterações no rosto dos pais quando comparados
com as meninas, e isso desde bebês. Elas per-
cebem mais detalhes, mais nuances. Certa vez,
quando mencionei isso para uma paciente, ela
me disse que os homens eram mais autistas que
as mulheres. Não sei se podemos chegar a tanto,
mas que a percepção afetiva nos homens é mais
frágil, o que lhes confere uma certa ingenuidade
— muitas vezes bem aproveitada pelas mulheres
—isto é fato.
Outra diferença interessante é uma questão
de pele. Anatomicamente a pele humana é bas-
tante fina, mas em termos de sexualidade e afe-
tividade a sua profundidade é abissal, e a pele da
mulher, por sua vez, é dez vezes mais sensível ao
toque do que a pele masculina. Quando alguém
crítica o “sexo pelo sexo”, acusando-o de ser algo
superficial, ao afirmar coisas como “mas isso é
só sexo; é só uma questão de pele”, eu me lembro
da frase do poeta Paul Valéry: “Se você soubesse
como a pele é profunda”.Além disso, também
devemos notar que a mulher, diferentemente do
homem, possui dois órgãos genitais distintos,
o clitóris e a vagina, fato que tem provocado
muita polêmica sobre o gozo feminino, tanto no
campo teórico como no campo da vida sexual
das mulheres.
De um modo geral, as mulheres gostam mais
de conversar que os homens, e a suposta razão
orgânica para tal dessemelhança encontra-se na
descoberta de que as mulheres possuem mais
regiões cerebrais ligadas à linguagem verbal do
que o homem. Elas usam de 6.000 a 8.000 pa-
lavras por dia, enquanto o homem por volta de
3.000. Evidentemente existem muitas outras ra-
zões, de natureza não organica, envolvidas nesta
questão.
Os homens não conversam, contam
vantagens. Naqueles momentos quando os ho-
mens gostam de conversar, turmas de amigos e
reuniões de negócios, por exemplo, raramente
eles se referem a seus problemas emocionais;
preferem brincadeiras e competições, veladas
ou explícitas. Parece que as mulheres têm um
pouco mais de facilidade para falar de suas ma-
zelas quando estão juntas.
Provavelmente a razão para isso é cultural, do
mesmo modo que também deve ser cultural o
fato de existirem mais mulheres com depressão
do que homens, e de as mulheres procurarem
mais psicoterapia do que os homens. Homens e
mulheres lidam diferentemente com a dor, seja
ela física ou psíquica. Do ponto de vista físico, o
corpo masculino suporta melhor a dor, mas no
campo emocional as coisas são bem diferentes.
No meu trabalho como psiquiatra, atendendo
crianças e adultos, tive a oportunidade de obser-
var uma coisa muito significativa na maneira
como o pai e a mãe de crianças autistas, ou com
deficiência mental, reagiam à doença. Geral-
mente quem trazia a criança para a consulta era
a mãe (hoje as coisas estão mudando e muitos
pais já acompanham o filho ao médico) e quando
se referia aos problemas familiares causados
pela doença da criança a frase costumeira era:
“Doutor, do jeito que está não é possível: ou
o senhor dá um remédio para este menino se
acalmar ou eu fico louca”. Ou então “Doutor, se o
senhor não der um remédio para este menino se
acalmar, meu marido disse que vai embora”.
Ou seja, as mães enlouquecem, os pais desa-
parecem. Isso nos remete a uma frase lacaniana
que diz que “o filho é da mãe”. Pai é um cargo de
confiança da mãe, é ela que diz quem é o pai do
seu filho - pelo menos era assim até o advento do
teste de paternidade pelo DNA.

Homem é tudo igual,


a mulher é sempre diferente
Imagine um casal preparando a cerimônia do
casamento. Quando o noivo convida um amigo
para ser padrinho, a primeira pergunta do amigo
é com que roupa deverá ir. Se todos os outros pa-
drinhos forem de traje esporte ele também irá do
mesmo modo; se todos forem com traje a rigor, é
assim que ele irá. O padrinho vai se sentir cons-
trangido se estiver diferente dos outros, ele que
ser igual. Homem é assim mesmo: tudo igual,
gosta de futebol, guerra, esportes, tudo coisa que
tem a ver com uniforme, todo mundo vestido do
mesmo jeito.
Agora, quando a noiva convida a amiga para
madrinha, já vai avisando com que cor de ves-
tido estarão as outras madrinhas, para que ne-
nhuma cor se repita. O noivo não entende como
duas madrinhas com vestidos no mesmo tom
de vermelho podem acabar com um casamento,
mas a noiva entende, e teme.
Mulher é singular, não existem mulheres,
existe cada mulher, uma diferente da outra.
Aliás, uma mulher não é igual nem a ela mesma,
porque dependendo do dia é outra completa-
mente diferente. Olha lá no altar, os homens
vestidos todos iguais, e as mulheres todas dife-
rentes. E esse casamento entre a simplicidade e
a complexidade não se dá apenas no altar, ele se
estende pela vida afora.
Um exemplo disso é a uma mulher chorando:
o homem acha que a mulher precisa de motivo
para chorar. Diante da amada em prantos se
apressa a perguntar o que foi que aconteceu.
Geralmente a resposta é “nada, não aconteceu
nada”. “Então o que foi que eu fiz?” ele insiste.
Você não fez nada. E soa o alarme dentro da ca-
beça do homem: se ela está chorando e não fui
eu, foi outro.
Bem, pode ser, mas muitas vezes não foi
ninguém, não foi nada, às vezes uma mulher
simplesmente sente vontade de chorar e chora
— nem ela sabe a razão, é assim. O homem é que
não entende que mulher não precisa de motivo
para chorar.
O fenômeno do choro é misterioso, não
significa que alguém está triste, não necessaria-
mente. As lágrimas possuem uma função muito
estranha, sempre que algo em seu coração for
demasiado, a ponto de não poder ser expresso
pelos meios normais, as lágrimas surgem como
um método de emergência. Portanto, elas devem
significar qualquer coisa.

Homem e mulher: o rio e o mar

O homem é retilineo, a mulher curvilinea —


isto é o que se evidencia quando observamos o
trajeto que homens e mulheres fazem quando
visitam um shopping center. Os homens entram e
vão direto as lojas que vendem o tipo de produto
que estao procurando; ja as mulheres costumam
fazer trajetos aleatdrios, passeiam por caminhos
circulares, passam varias vezes pelas mesmas
lojas antes de resolverem fazer a compra.
Para além do padrão de consumo (que não é
nosso objetivo neste livro), homens e mulheres
também apresentam um padrão retilineo e
curvilineo, respectivamente, em muitos outros
dominios, tais como o enamoramento, a busca
pelo objeto de desejo, a forma do gozo sexual, o
jeito de raciocinar sobre a vida e sobre os proble-
mas — e mesmo no estilo de conversar.
Os homens costumam ir direto ao ponto,
dizem claramente o que querem e vao logo me-
tendo a mão, de uma forma tão direta e apres-
sada, que as vezes vira grosseria. As mulheres
também conseguem o que querem, e como!, mas
por caminhos mais tortuosos, sutis. Através de
uma certa magia sedutora, fazem o objeto vir até
elas. A mulher atrai, e o homem vai, as vezes na
ilusdo de que foi ele quem escolheu.
Muito provavelmente, esses comportamentos
possuem raizes culturais. Na nossa sociedade é
permitido, incentivado e esperado que o homem
seja assim: proativo, eficiente e falico, enquanto
para as mulheres foi criada uma imagem mais
passiva, mais receptiva. Mas isso esta mudando,
e hoje assistimos a um número cada vez maior
de mulheres subvertendo esse padrão ao partir
direto para seu “objeto de desejo”.
Esta mudança de comportamento, além de
não passar despercebida aos homens até os as-
susta em certas circunstâncias. Eles não estão
acostumados e sentem ameaçado seu papel de
dominador e controlador da relação. Há, entre-
tanto, aqueles que gostam dessas mudanças e
delas desfrutam.
Mas como tais mudanças não se generalizam
da noite para o dia, talvez ainda seja válido
pensar nestes parâmetros de direto-e-reto para
o masculino e curvilineo-e-tortuoso para o fe-
minino. Basta ir a uma festa de adolescentes e
observar como os meninos ainda gozam desse
privilégio (ou responsabilidade) de iniciar o
encontro.
Na maneira de conversar, homens e mulheres
também são diferentes. Certa vez um marido
reclamou de sua mulher: “Mas você nunca me
disse que estava insatisfeita”. Ela, de pronto,
retrucou: “Eu disse, você que não entendeu!”. O
homem, mais acostumado a uma forma de dizer
clara e objetiva, tem dificuldade de entender
a linguagem cifrada, subliminar, sutil que as
mulheres costumam usar. É claro que esse es-
panto do marido também poderia ser explicado
de uma outra maneira. Ele não quis ver que a
esposa estava insatisfeita; ou, o que é um pouco
mais complicado, nem ela mesma sabia que es-
tava insatisfeita.
No campo específico do gozo sexual, do or-
gasmo, esta polaridade retilineo-curvilineo tam-
bém é relevante. Se se acreditar nos sexólogos e
psicanalistas, o gozo masculino é genitalizado,
objetivado, e pontual, é uma descarga - como um
rio a desembocar no mar. O orgasmo feminino,
por sua vez, é uma onda que transborda, espraia-
se por todo o corpo e não apenas na genitália;
no homem o gozo seria convergente, na mulher
divergente.
Ou será que tudo isso não passa de mais uma
das idealizações machistas de nossa cultura
sobre os mistérios da sexualidade feminina?
O jeito masculino de ser, de buscar
conhecimento e de resolver problemas é direto
e objetivo, baseia-se em axiomas, medidas exa-
tas, correções de rumo, e grandes verdades que
podem ser generalizadas para o máximo de si-
tuações possível - é o próprio modelo de ciéncia.
Na psicanálise, esse jeito de funcionar na vida é
chamado de fálico.
O jeito feminino faz tudo isso, também
trabalha com as significações fálicas, mas não
fica nisso, sabe que muitas vezes a verdade não é
única e o que conta, mesmo, é algo mais além, ou
mais aquém (chamado desejo) que, por sua vez,
é sempre desejo de outra coisa, numa infindável
cadeia que nunca acaba —, é o próprio modelo da
arte. Na psicanálise, esse jeito de funcionar, por
falta de uma palavra exata que o denomine, é
chamado de outra coisa.

Outra coisa...

Dizer que a mulher é outra coisa não significa


que ela é o contrário, ou o avesso, ou o negativo
do homem, é simplesmente outra coisa. A mu-
lher não seria um homem sem isso ou aquilo,
seria outra coisa. Se digo, por exemplo, que o
homem é ativo e a mulher passiva, isto ndo nos
leva muito longe, nao esclarece quase nada. Ra-
ciocinar em termos de atividade ou passividade
é caracteristica do modo falico de pensar que
funciona com equações, com comparacdes, com
exatidoes matematicas, portanto ainda estamos
no registro do fálico, do masculino, e a feminili-
dade - vamos insistir - é outra coisa.
Sim, esse negócio de outra coisa é confuso
mesmo. Acontece que esta forma de raciocinar é
antinatural; a tendência de nossa mente é sem-
pre buscar o oposto, o contrário, a contrapartida,
é comparar para conhecer, e como isso não
funciona para entender o feminino, acabamos
enredados numa grande falta de clareza. Mas a
confusão não é acidental, pois queremos enten-
der de modo claro (ou poderíamos dizer, algo
que não funciona segundo as leis da claridade
fálica) o feminino. É porque nossa mente é
naturalmente fálica que é tão difícil entender o
feminino.
Também em outros campos, que não o da
questão amorosa propriamente dita, encontra-
mos esse embate entre o fálico e a “outra coisa”: a
medicina é mais masculina em sua objetividade
certeira a curar pela extinção pura e simples dos
sintomas, enquanto a psicanálise é mais sutil e
feminina em sua insistente escuta do sintoma
fazendo-o falar, e falar, e falar. É que através
deste falar se chega à borda de outras coisas.

Discutir a relação?

Mas voltemos ao campo dos relacionamentos


amorosos. Deve ser por causa dessa objetivi-
dade fálica que a maioria dos homens detesta
ficar discutindo a relação, já que essa história
de discutir a relação raramente chega a alguma
conclusão ou resolve algum problema. O engano
é achar que quando uma mulher quer discutir a
relação é porque ela quer resolver um problema.
Na maioria das vezes, não: ela quer apenas con-
versar para se relacionar, para sentir que ha uma
ligacdo intima, e ndo para resolver um problema
específico. Isso foi apenas o pretexto, o mote
para o verso. Já o homem supõe que conversa
serve para resolver problemas. É um nó.

Homem se realiza, mulher


se relaciona
Os homens focalizam as realizações, pensam
em termos de poder, são competitivos, funci-
onam no reino do sucesso e de seus correlatos
como fraqueza e fracasso, são muito bons para
resolver problemas, fazer coisas, alcançar obje-
tivos e competir. Entretanto, naquelas situações
da vida quando nada mais pode ser feito, quando
não há com quem competir, quando não existe
objetivo algum para ser alcançado, geralmente o
homem se sente perdido e angustiado.
Parece que a mulher suporta melhor essas
situações, talvez porque, apesar de não haver
nenhuma luta a ser travada, ainda há relações
a serem vividas, e as mulheres são muito in-
teressadas e eficientes em termos de relações
humanas, de qualquer tipo. Os soldados vinham
primeiro e conquistavam as novas terras, depois
vinham as mulheres e a família para a coloniza-
ção dos novos domínios.
Se os homens precisam sentir-se conquistado-
res, donos da situação, poderosos, as mulheres
não costumam ter problemas em conceder-lhes
essa ilusão, essa aparência de poder, já que elas
mesmas não precisam funcionar e responder ao
impulso fálico que rege o mundo masculino. Pa-
rece que há vida e poder além do falo; os homens
é que não descobriram isso, ou simplesmente
nem chegam a entender os mistérios do poder
contido no feminino. Este é um campo ainda não
conquistado.
O homem tem uma tendência para encontrar
respostas que se ajustem perfeitamente às
perguntas, e a mulher, porque não consegue isso,
ou porque desconfia de respostas tão certinhas
assim, suporta mais as incertezas e assim sus-
tenta por mais tempo as perguntas em aberto. O
mundo masculino tem referências claras como
as margens de um rio, e o mundo feminino de
que referências dispõe já que é mar? Pense: quan-
tas margens tem o mar?

O mistério feminino

Desde tempos muito antigos, o homem


procura conhecer a mulher, e nessa busca o
feminino costuma ser concebido a partir da
incontornável oscilação entre o culto da mulher
como mistério-enigma, e o ódio à mulher como
mistificação-mentira, mas estas duas posições
só servem para alimentar o desconhecimento do
que constitui a verdadeira natureza da feminili-
dade, pois postulam, todas as duas, que a mulher
é como um esconderijo que dissimula alguma
coisa.
O fato é que o resultado dessa jornada
humana em busca do conhecimento sobre o
feminino é mesmo o desconhecimento. Na ci-
vilização, segundo a psicanálise, falta um nome
apropriado para designar a essência da mulher,
para designar a forma de satisfação feminina,
já para o homem o nome é falo, por isto que se
diz que a mulher está fora da linguagem - o que
evidentemente nada tem a ver com o uso que a
mulher faz da linguagem, ou seja, com o gosto
que a mulher tem para falar, e sem dúvida o tem.
A psicanálise, que estuda a fundo a alma
feminina, aponta uma série de caracteres parti-
culares no modo de escolha amorosa feminino,
no desdobramento do órgão sexual e no modo
de satisfação da pulsão, mas mesmo assim não
chegou a formular a especificidade da sexuali-
dade feminina.
Em uma fase tardia de sua obra, Freud chegou
a escrever que o feminino é um continente
negro, e duvidou que fosse capaz de compreen-
der os meandros da alma da mulher. Isto que
para alguns seria um “claro nocaute teórico”,
pode ser mais bem entendido como o sábio
reconhecimento de que o conhecimento sobre
o feminino, como insiste Lacan, nunca é total,
nunca é definitivo, e que a maneira possível de
se conhecer o feminino é pelas bordas — já que
o suposto buraco negro da feminilidade não se
presta mesmo a ser iluminado pelas luzes de
uma racionalidade fálica.
Já que em volta do buraco, “tudo é beira”, como
disse o escritor Ariano Suassuna em entrevista,
cabe a qualquer estudo sobre o feminino apren-
der a operar nas bordas do conhecimento e tirar
disso toda a pouca clareza possível.
É que, se o homem não consegue conhecer o
feminino, também não consegue simplesmente
declará-lo desconhecido e deixá-lo “pra lá”. A posi-
ção do homem é de insistência em relação à mu-
lher, ele insiste em conhecê-la, insiste em colocá-
la nas palavras, insiste em seduzi-la, insiste, até
descobrir que embora seja muito mais fácil amar
uma mulher do que conhecê-la, ainda assim não
pode parar de insistir.

O homem e o mistério feminino

O próprio trabalho da psicanálise, que reali-


zamos diariamente nos consultórios, não deixa
de ser uma insistência em fazer falar e ouvir,
acreditando que, assim, ajudamos a inventar um
nome para o que está fora da linguagem. E isso
não se faz rapidamente, é preciso falar muito
perseguindo-se esse objetivo. É por isso que se
fala tanto em uma sessão de análise.
Se, no início, a psicanálise perguntou “O que
quer uma mulher?”, hoje acrescenta uma outra
pergunta: “Por que tanto queremos saber o que
quer uma mulher?” Para os psicanalistas lacani-
anos, os homens querem saber para se adequar,
para, ao dar o que quer a mulher, té-la—este é o
sonho do sedutor.
Em resposta a segunda pergunta acima, o
homem vai descobrir que quando possui uma
mulher pode até possuir a pessoa e o corpo
da mulher mas não possui seus desejos, seus
apetites, pelo menos não constantemente ou ga-
rantidamente. A mulher nunca é toda dele todo
o tempo, há sempre um gozo que é subtraido ao
parceiro. Para um homem a mulher surge sem-
pre como um ser dividido, com a duplicidade de
um ser que ora busca com avidez o gozo sexual,
ora se recusa totalmente ao homem.
O homem não é exatamente ingênuo, ele
descobre, cedo ou tarde, que a mulher funciona
de uma maneira diferente da sua; isso não é todo
o problema, a questão mais importante é que ele
não consegue definir com exatidão como é essa
maneira de funcionar do feminino.
O mistério do feminino aparece no casamento
de muitas maneiras. Aqui, a título de exemplo,
vejamos como ele surge na questão da frequên-
cia das relações sexuais. Já é prosaica, se não
folclórica, a ideia de que o homem está sempre
pronto para o sexo, e a mulher, não, precisa ser
seduzida.

Ele sim, ela não


Na maioria dos casamentos, pelo menos no
começo, é mais ou menos assim: o homem quer
sexo a toda hora e a mulher, não. Isto significa
que ela não gosta de sexo, que tem dificuldades
sexuais? Nada disso, se fosse assim não have-
ria mistério, seria apenas um problema. Ela
quer sexo sim, mas não a toda hora e nem em
qualquer hora determinada. Há a hora, mas não
se pode saber antecipadamente que hora é esta.
Nem a mulher sabe sobre a hora de sua sexua-
lidade, nisto reside uma das facetas do desejo
feminino. Os mal-entendidos do amor, os nós,
devem muito a este desconhecimento sobre o
desejo feminino acrescidos das ilusões do narci-
sismo masculino.
Quando uma mulher se faz bonita, o homem
quase que instintivamente imagina que é para
ele que ela se exibe (e não deixa de ser), mas
quase sempre há algo a mais que ela quer, e que
não é o que o homem imagina que ela quer. Por
exemplo, quando uma mulher se veste deixando
à mostra certas partes de seu corpo isso não quer
dizer, necessariamente, que ela deseja que um
homem a aborde propondo sexo, e ela pode até
ficar ofendida se isto acontecer. Mesmo o sim-
ples olhar do homem, se muito direto, faz a mu-
lher rapidamente puxar a blusa um pouco mais
cima, tentando encobrir aquilo que ela mesma
desnudou propositadamente.
Se não era pra ser visto, então por que desnu-
dou? É que o desejo feminino raramente é tão
direto quanto a imaginação masculina e, além
disso, uma mulher nunca é tão desejada como
quando ocupa um lugar intermediário entre
presença e ausência - esse lugar de espera onde,
literalmente, ela está presente enquanto ausente.
Para a psicanálise atual é preciso questionar
não apenas sobre o que faz a feminilidade ser um
enigma, mas também sobre o que poderia nos
induzir a cultivar semelhante enigma em vez
de resolvê-lo. Talvez a relação entre homens e
mulheres dependa mesmo de que não se levante
este véu que encobre este mistério. Se o desejo
da mulher permanece sempre uma questão, isso
não impede que cada um dos parceiros tire pro-
veito dessa questão.
Observemos o que acontece, quando em nome
de uma sinceridade idealmente total, os parcei-
ros resolvem sair do semblante e dizer toda a
verdade: “Vemos um homem que costuma quei-
xar-se de que as mulheres não lhe manifestam
bastante seu desejo, que elas escondem dele a
essência de seu gozo, até mesmo lhe mentem
quanto à sua existência ou intensidade. Se uma
mulher, em resposta a estas queixas resolve
lhe manifestar um desejo sem rodeios ou lhe
disser de seu gozo em termos crus, veremos este
homem, presa do pânico ou da repulsa, pôr-se
em fuga”. Diante disso fica a questão: devemos
levantar este véu do mistério da feminilidade,
ou devemos mesmo nos contentar em apreender
as razões que o sujeito tem para manter este véu?
Dizem que a vida é bela porque há muita coisa
que não pode ser explicada. Seria mesmo um
desastre se a vida consistisse somente de coisas
que podem ser explicadas. Se tudo pudesse
ser explicado, então não haveria mistério, po-
esia, segredo. A vida só não é um tédio porque
existem dimensões nela que você pode seguir
explorando, e mesmo assim nunca chegar às
explicações. Você pode até experimentar muito,
e mesmo assim, aquilo que você experimentou
pode não ser traduzido em palavras.
Dissemos na introdução que o amor não de-
sata os nós, agora deveríamos acrescentar que a
verdade também pode não desatar inteiramente
os nós. Isso é um paradoxo desconcertante, nem
o amor nem a verdade nos livram inteiramente
dos nós. Então nos resta viver a vida, o amor e
o casamento, aprendendo a atravessar os nós,
afrouxá-los e transformá-los em laços.

Homem é assim, mulher


é assado, e dai?
Afinal, para que serve mesmo toda esta
enumeração de diferenças entre homens e mu-
lheres? Será que tem alguma utilidade, ou tudo
não passa de uma generalização, já que na prática
existem muitos homens e muitas mulheres que
não são assim como descritos até aqui? Se no
fundo, o que conta mesmo em um relaciona-
mento é como é aquele homem singular e como
é aquela mulher singular, então para que serve
ficar anunciando as diferenças genéricas?
Vamos começar declarando para o que elas
não servem. Em primeiro lugar não servem para
prever o que vai acontecer no relacionamento
porque as pessoas são muito complexas, fun-
cionam a partir de um jogo de influências e de
desejos que vai muito além dessas diferencias ti-
picas de cada género.
Em segundo lugar também não servem para
justificar os comportamentos individuais. Na
vida ndo funciona dizer que eu fiz isso porque
afinal é assim que os homens, ou as mulheres
fazem. Isso seria uma tentativa ingénua de des-
responsabilizar-se pela sua maneira de levar a
vida, já que cada um é responsavel, sem descul-
pas, pelo seu desejo e pelo caminho que escolhe
seguir. O aparato bioldgico e genético, bem como
as experiéncias infantis e influéncias sociais,
criam apenas uma potencialidade virtual, um
campo de possibilidades que cabe a cada um,
individual e solitariamente, concretizar através
de suas escolhas, conscientes ou inconscientes.
Também não vale dizer eu não fiz isso, foi meu
inconsciente já que cada pessoa é responsável
tanto pelo seu consciente como pelo seu incons-
ciente.

Independe da orientação sexual

Se as diferenças explicassem e justificassem


tudo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo
seria uma maravilha, e não é isso o que observa-
mos. Os casais homossexuais padecem das mes-
mas diferenças e agruras que os heterossexuais.
Sempre há um dos dois que é mais racional, que
é mais emotivo, que goza de um jeito diferente,
que se liga nos detalhes mais que o outro, que
gosta de conversar mais que o outro, e por aí vai.
O que acontece é que na verdade, a diferença não
é entre homem e mulher, mas entre as pessoas.
As duas pessoas que estão se relacionando são
diferentes, amam, pensam, vivem e se compor-
tam de maneira diversa.

O nó não é entre o homem e mulher, mas entre o


“eu” e o “outro”...

Esta é a verdadeira encrenca dos relacionamen-


tos. E é importante registrar que a diferença que
conta mesmo não é uma diferença anatômica.
A obra freudiana mostra precisamente que não
há natureza do feminino e do masculino, já que
as considerações anatômicas não são de muita
ajuda. As constatações possíveis de se fazer, pela
observação do exterior bem como do interior do
corpo humano, são de pouco valor, pois o que
se trata de apreender não é uma diferença entre
órgãos e cromossomos, mas uma diferença de
sexos para além da materialidade da carne.
Apenas para mencionar, ou talvez para
complicar, lembremos que uma pessoa sozinha
também tem seus conflitos, também tem pro-
blemas de relacionamento consigo próprio (a).
Mesmo quando o mundo está a seu favor pode
ser que você não esteja a seu favor. O ser humano
não está livre dos nós nem quando está sozinho.
Um paciente me disse: “Na vida, a minha luta é
imensa, é primeiro comigo mesmo” - Mas isto é
outra história, é o nó de cada um de nós.

Ah, as diferenças

Como sem essas diferencas o amor e o


casamento seriam muito tediosos, então as dife-
rencas efetivamente servem para alguma coisa.
Antes de tudo, sdo ideias bastante interessantes
que abrem novas maneiras de se lidar com as
dificuldades de relacionamento entre homens e
mulheres, e também servem de matéria-prima
para a conversa amorosa, como pretexto, como
aquecimento para temas mais particulares e in-
dividualizados dentro da relação.
Acima de tudo, as diferenças são divertidas,
e conseguem afrouxar um pouco a tensão dos
nós, através do antagonismo, que, como expu-
semos atrás, mais aproxima do que afasta: de
modo geral tanto os homens quanto as mulheres
gostam de brincar com essas diferenças, e todos
sabemos a importância das brincadeiras entre
meninos e meninas, entre homens e mulheres.

RELEMBRANDO

Os meninos brincam, as meninas tramam


. Diferenças entre homens e mulheres
fazem o nó.
. Essa história das diferenças não é filo-
sofia, é fisiologia.
. O mais importante são as diferenças
na psicologia e na sexualidade: eles
pensam, sentem, falam, amam, gozam
e sofrem de maneira bem diferentes, no
mais são iguais.
. Mulher é singular, não existe “a
mulher”, existe cada mulher, uma dife-
rente da outra, e diferente dela mesma.
. O que quer uma mulher? Ninguém
sabe, nem ela.
. O nó deve muito a esse desconheci-
mento do desejo feminino acrescido
das ilusões do narcisismo masculino.
7. Cuidado, as diferenças não devem ser-
vir de justificativa para tudo.
8. Além do mais o nó não é apenas entre
homem e mulher, mas entre o “eu” e o
“outro”.
9. A diferenca não é para ser resolvida,
igualada, é para ser vivida, curtindo a
parte boa e tolerando a parte compli-
cada.
Tem gente
Tem gente que ama, e tem gente que ama um pouco mais.
Tem gente que é homem, e tem gente que é mulher.
Tem gente que gosta de falar, e tem gente que fala um pou-
co menos.

Tem gente ciumenta, e tem gente um pouco mais ciumenta.


Tem gente que gosta de transar à noite, e tem gente que
gosta pela manhã.
Tem gente que brinca, e tem gente que é séria.
Tem gente sabida com cara de boba, e tem gente boba com
cara de sabida.
Tem gente segura, e tem gente insegura.
Tem gente que cala, e tem gente que grita.
Tem gente que olha, e tem gente que disfarça.
Tem gente carinhosa, e tem gente muquirana.
Tem gente triste, e tem gente alegre.
Tem gente que goza, e tem gente que se enrosca.
Tem gente que briga, e tem gente que vai embora.
Tem gente que é fiel, e tem gente que trai.
Tem gente culpada, e tem gente desencanada.
Tem gente que tem filhos, e tem gente que não tem.
Tem gente que gosta de motos, e tem gente que gosta de livros.
Tem gente que dorme abraçada, e tem gente esparramada.
Tem gente que gosta de ar condicionado, e tem gente friorenta.
Tem gente de tudo que é jeito
e essa gente tão diferente
se apaixona, quer VH’L’!‘/UH[(),

e se casa: é o nó.
A magia das palavras
“Lutar com palavras
é a luta mais vd.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.”

“O Lutador” Carlos Drummond de Andrade

O amor é sempre a três:


é ele, ela e a palavra
Você se lembra do dia em que começou o
namoro? De um modo geral, os relacionamentos
começam a partir da atração, que leva a uma
aproximação, que vira uma conversa na qual o
assunto não importa muito, e então as pessoas
começam a fazer coisas juntas; sair, jantar, ir ao
cinema, programas com os amigos, sexo, via-
gens etc. Mas o namoro mesmo ainda não existe
porque é possível fazer tudo isso, inclusive o
sexo e o amor sem que se estabeleça uma relação
mais intima.
Muitas vezes, amamos a distancia e por longo
tempo, sem que o outro sequer desconfie, entdo
não é o amor nem o sexo que marcam o começo
do namoro, que só começa mesmo naquele dia
que um dos dois tem a coragem (sim, porque
sem dúvida é preciso coragem para correr tama-
nho risco) de fazer a perguntinha de ouro. Meio
constrangido, sem saber direito como começar,
um dos dois ousa perguntar:

“Mas... enós, ? -O que é que está acontecendo


com a gente?”

Foi aí, foi esse o dia em que começou o na-


moro, o dia em que entrou na jogada a palavra.
Parece que para o ser humano não basta amar,
é preciso falar, e não fosse assim não existiriam
tantas canções sobre o amor e tampouco existi-
ria a poesia.
O que começa o namoro é a palavra, os corpos
fazem sexo, filhos, dão prazer, e um monte de
coisas. Mas o que faz o casamento é a palavra, e
dela o sim do ritual cristão do casamento é um
interessante exemplo, acompanhado do dramá-
tico “Fale agora ou cale-se para sempre.”

O casamento é antes de tudo um ato verbal.


Talvez algum leitor queira argumentar que
na verdade é só a tendência a rotular que as pes-
soas têm, mas não é nada disso. Mesmo quando
os dois amantes não querem dar nome algum
para o relacionamento, e menos ainda desejam
se casar, ainda assim gastam bastante tempo
falando que não vão fazer isto, explicando aos
outros, ou mesmo se explicando um ao outro,
que o importante não é o nome, e sim, a relação,
o amor, o carinho. A questão não é se tem nome
ou deixa de ter nome, a questão é que, no amor,
como nas coisas importantes, o ser humano tem
uma tendéncia irresistivel para colocar em pala-
vras o que estd vivendo, “nem tanto pelo encanto
da palavra, mas pela beleza de se ter a fala” como
diz a canção de Renato Teixeira. Viver e amar nao
basta, é preciso falar. O ser humano é um apaixo-
nado pela palavra.
O fim também em palavras

E não é só no começo de uma relação que as


palavras são importantes. Quando é que a gente
sabe que uma relação terminou de verdade? Se-
guramente não é quando as pessoas se separam
fisicamente, ou mesmo judicialmente, porque
para muitos é justamente aí, pela auséncia, pela
falta é que se evidencia a força da ligação afetiva
com o outro.
Os primeiros tempos de uma separação são
momentos de intensidade, de sofrimentos,
brigas, discussões, de muitos pensamentos e
muitas conversas com o outro, ou sobre o outro,
em sua presença ou em sua ausência. Porém o
tempo passa, e chega um dia (às vezes não chega
nunca), que não se tem mais nada a dizer para
o outro, ou sobre ele, nada amoroso nem nada
raivoso.
Não é quando o amor acaba que termina uma
relação, mas quando acabam as palavras, ins-
talando-se um estado de certa indiferença no
qual inexistem intenções de palavra em direção
ao outro. É no silêncio que termina uma relação
amorosa, embora, é claro, nem todo silêncio sig-
nifique o fim da relação.
É muito difícil ficar bem, e em silêncio, ao
lado de alguém. Isso só acontece quando somos
muito intimos, ou quando somos efetivamente
estranhos. Deve ser por isso que o siléncio é
constrangedor quando acontece com pessoas
que estão apenas comecando a se conhecer, e
ainda ndo sdo intimos a ponto de haver siléncio.
Ou quando acontece com pessoas que estdo
comecando a se afastar, estdo perdendo a intimi-
dade silenciosamente.
Sobre esses siléncios é interessante notar
algo que acontece nos restaurantes: alguns
casais, não encontrando mais o que dizer um
para o outro, entregam-se a um pequeno jogo
de observar o que acontece nas mesas ao lado e
ficam em silêncio. O que será isto, intimidade ou
distanciamento?

Palavra e amor

Uma das teses deste livro é a ideia de que o amor


tem tudo a ver com a palavra, ou a palavra tudo a
ver com o amor. Mesmo quando ausente, a pala-
vra é importante já que os amantes, envolvidos
em outras formas de contato, se surpreendem
por não precisarem dela. No amor, ausente ou
presente, a palavra é notada e sua participação
depende do momento. Nos primeiros encontros,
por exemplo, a palavra é buscada como forma
de aproximação, e é interessante notar como os
tímidos deixam até de se aproximar de alguém
por não saberem o que dizer, por não saberem
como começar uma conversa, por acharem que
não têm palavras para aquele instante. O fato é
que a palavra está sempre presente na relação
amorosa, tanto no início como no fim, tanto nos
bons, como nos maus momentos, onde ela é,
sem dúvida, menos prazerosa, mas não menos
necessária.
Cabe notar, porém, que a palavra não tem no
amor a função de revelar a verdadeira natureza
desse sentimento humano; ela não consegue
isso, embora os poetas e os filósofos não se can-
sem de tentar. Não podemos nem mesmo achar
possível colocar o amor em palavras, pois, como
disse um amigo meu, médico neurologista,
“Existem duas coisas em relação as quais só se
faz autópsia, nunca biópsia: o cérebro e o amor”.
A palavra serve não para explicar o amor, mas
para ajudar o amor a virar um relacionamento
satisfatório. A palavra não é um luxo do ser hu-
mano, é o que o faz humano, é o que o distingue
dos outros animais. Do ponto de vista físico,
mais exatamente fisiológico, o corpo de um
homem e de um porco, por exemplo, são muitos
semelhantes (proteinas, carboidratos, lipideos,
musculos, veias etc...) a ponto de ser possivel o
transplante de órgãos entre eles. Mas a palavra
só o homem possui, esta é sua marca registrada.
Estarelacdo do homem com a palavra é tão vis-
ceral que ha quem diga que a palavraéqueéa
alma do homem.

A lingua dos homens


O que estamos enfatizando é que a palavra
tem tudo a ver ndo apenas com o amor mas
com todo e qualquer relacionamento humano.
Para comecar foi em uma relação que todos nós
aprendemos a falar. A fala não é algo natural
no ser humano, não está programada no nosso
DNA, é algo a ser desenvolvido na relação com
aqueles seres que cuidam da gente nos primeiros
tempos da nossa vida.
Pense um pouco na seguinte questão: qual
língua falaria um bebê que ao nascer fosse
colocado em uma sala com todas as conveniên-
cias necessárias, tais como alimento, proteção,
higiene etc., mas sem qualquer contato com
um ser humano? Falaria uma suposta língua
humana? Provavelmente não falaria, ou então
falaria a língua das máquinas que cuidavam dele
fornecendo alimento, ou seja, faria barulhos,
essa seria sua lingua materna. Aquela história de
Tarzã ter sido criado por macacos desde pequeno
e ainda assim falar inglês, já adulto, é mesmo
apenas pura invenção literária, nunca seria
assim.
Outro dia, em uma palestra, enquanto eu
apresentava esta ideia de que o que separa os
homens dos outros animais é a fala, alguém
se lembrou do papagaio e argumentou que ele
também fala. Inicialmente parecia que essa
afirmação destruiria o meu argumento tão bem
urdido. É claro que o papagaio fala, mas ele só
tem a fonologia, não tem simbologia, o papagaio
repete sons, mas não cria conceitos nem conse-
gue colocar a palavra no lugar da coisa a que se
refere.
E a palavra é exatamente isto, a marca da
ausência da coisa. Se a coisa está presente, você
não precisa da palavra para se referir a ela, basta
o gesto de apontá-la (“Sente-se aí, meu amigo!”).
Agora, quando a coisa não se encontra no campo
perceptivo, precisamos de um símbolo para ela,
e a palavra tem sido o símbolo de maior sucesso
na história do homem: a palavra cadeira, por
exemplo, com seu som e seu registro escrito.
Viajar sozinho costuma ser uma coisa muito
chata, e uma das razões é que você não tem
ninguém com quem falar sobre as coisas legais
que você está vivendo. Imagine você e seu (sua)
amado (a), no alto de uma montanha, olhando
o lindo pôr-do-sol à sua frente. Depois de alguns
minutos de silenciosa contemplação, você que-
bra o silêncio e diz: “Amor, olha que coisa linda o
sol”.
Pense bem, por que vocé diz isso? Por acaso
acha que seu amado é cego e ndo estd vendo o
enorme sol a sua frente? Ou que é um insensi-
vel e ndo esta curtindo esta cena tdo bela? Não,
claro que não é por isso; vocé faz o comentario
apenas porque precisa dizer, nada mais, é uma
questdo de necessidade, não de comunicacao ou
de informacao.
É que, para o ser humano, não basta viver, é
preciso existir nas palavras, não basta gozar, é
preciso falar. Para algumas pessoas, a relação
sexual é tanto melhor quanto mais falada for, o
tesão está tanto em tocar como em dizer que está
tocando, é quase uma necessidade de narrar a
transa. Sobre isso escreve Roland Barthes: “A lin-
guagem é uma pele, esfrego a minha linguagem
no outro. É como se eu tivesse palavras em vez
de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha
linguagem treme de desejo” [16], Por que será?
Provavelmente porque nós, seres humanos
falantes, somos seres simbdlicos, e os simbolos
tém valor de real, as vezes até mais do que o pró-
prio real. Já notou que existem mais nomes do
que coisas no mundo?

Um amor de palavras
Ela mesma ia fazer o presente de aniversário,
pensou Regina diante da dificuldade de encontrar
nas lojas algo que realmente desejasse dar de
presente ao seu marido no aniversário dele que se
aproximava. E foi exatamente isso que ela fez. No
dia do aniversário, entregou a Renato, seu marido,
um bonito pacote. Quando ele abriu, encontrou um
calhamaço de umas quatrocentas folhas de sulfite
primorosamente encadernadas em um volume de
couro verde: eram os e-mails trocados pelos dois
durante os três anos de namoro e os oito meses de
casamento.

Regina estava descobrindo que não basta


amar, é preciso falar, é preciso colocar em pala-
vras, seja de que jeito for.

Contam que certa vez se encontravam em


uma ilha deserta dois sobreviventes de um
naufrágio, um homem e uma mulher muito
bonita. Nos primeiros dias, ela não dava a mi-
nima para o sujeito, mas conforme o tempo foi
passando as coisas começaram a acontecer e os
dois acabaram por se envolver em uma tórrida
paixão sexual. Nos dias seguintes, o homem
disse para a mulher que tinha uma fantasia e
queria que ela o ajudasse a realizá-la. Imagi-
nando algo realmente erótico, a mulher topou.
O homem então a levou para o outro lado da
ilha, para a praia na qual tinham chegado
vários objetos vindos do navio naufragado. Ele
escolheu um vistoso terno masculino e pediu
para que ela o vestisse e fingisse ser um dos
passageiros do navio, o amigo com o qual ele
tinha iniciado a viagem. Ela achou um pouco
esdrúxula a fantasia, talvez até algo homos-
sexual, mas era uma mulher moderna e então
fingiu ser o amigo. O homem, entdo, se apro-
xima do amigo e depois de um efusivo abraço de
reencontro, comenta: “Eu preciso te contar uma
coisa: adivinhe com quem eu estou saindo?”.

Somos assim mesmo, precisamos colocar em


palavras, precisamos falar, sendo não tem tanta
graca. E se, no extremo, ndo tivermos ninguém
para falar, haveremos é de falar sozinhos.
Precisamos dizer mil vezes, e mais, que
amamos alguém, e ndo dizemos isso apenas
para informar o ser amado ou aos outros, mas
para gozar deste dizer, é prazeroso dizer. Se ndo
basta amar e é preciso dizer, também não basta
ser amado, é preciso ouvir. Por exemplo, vocé
sabe que seu marido a ama, então significa que
ele não precisa mais dizer isto? Claro que não, ao
contrario, ele tem que dizer, e muitas vezes, e de
maneiras diferentes, porque é gostoso escutar
“Eu te amo”. Seria interessante fazer um pequeno
estudo dividindo as pessoas entre aqueles que
gostam mais de ouvir e aqueles que gostam mais
de dizer “eu te amo” e ver se isso corresponde a
alguma característica psicológica.
Algumas pessoas deixam de pedir amor e
carinho porque acreditam que o que é pedido
não tem graça, não é espontâneo. Esta é mais
uma ilusão do amor romântico segundo a qual
o outro, se nos ama mesmo, deveria ser capaz
de adivinhar nossas necessidades e desejos. Mas
pense bem, se nem você mesmo sabe o que você
quer de verdade, como é que o outro vai saber? É
claro que é possível dizer o que se deseja sem pa-
lavras, existem muitas outras linguagens, como
a linguagem do olhar, do toque etc, mas isto não
resolve tudo.
Note-se também que quando não é possível
falar para o amado, buscamos falar do amado e
sobre o amado - e isso acontece tanto no começo
quanto no fim de uma relação. É que precisamos
contar ao mundo que estamos amando, ou que
estamos sofrendo de amor, porque é também
pelas palavras que a angústia de amar e não ser
amado pode ser purgada. Para isso, elas também
servem.

Um povo apaixonado pela palavra


O povo Dogon, de Mali, considera a palavra
alguma coisa mais do que simplesmente um
conjunto de sons dotado de sentido. Para eles
a palavra carrega, além de seu significado,
uma energia física que é liberada com seu pro-
nunciamento; é portanto uma ação, um com-
portamento, e por isso eles são extremamente
cuidadosos com o falar e o não falar.
A distinção ocidental entre atos e palavras
não existe para os dogon, falar é um fazer que
gera consequências concretas e não apenas
simbólicas, da mesma maneira que empurrar,
puxar, bater, acariciar etc... Na cultura Dogon as
palavras têm qualidades e podem ser “podres”,
“mortas”, “sem sementes” - que prejudicam
quem as usa - ou podem ser palavras com “per-
fume”, “doçura”, que purificam quem as utiliza.
Eles possuem 48 tipos de palavras.
A poeta e antropóloga Tereza Vergani [17]
estudou o povo dogon. Muito interessante para
o nosso tema da conversa amorosa é uma descri-
ção que a autora faz sobre a cordialidade na soci-
edade dogon:

“É impensável, por exemplo, que uma mulher


passe por um campo onde um homem labuta
sem lhe dirigir uma palavra de animo, de
compreensão, de solidariedade. Negar a pa-
lavra a alguém é como negar-lhe água num
deserto. Quem conhece a aridez desta zona de
Mali compreende que, tanto a água como a
palavra produzam o mesmo espanto festivo.
O coração emudece-nos quando, depois de
horas a atravessar a espessa solidão da areia,
vemos de repente uma pequena e única árvore
levantando-se milagrosamente na secura. E
que dizer quando é um homem que surge subi-
tamente da poeira branca levantada por seus
pés? Poder pronunciar uma palavra no deserto
transcende tudo que a natureza nos consiga vir
a dar. É ai que a palavra nos aparece como a
verdadeira fronteira entre o mundo naturale o
mundo cultural: só ai sabemos e sentimos que a
palavra está para o homem assim como a água
está para a terra.”

Para além do exótico e do pensamento mágico


contido na cultura dogon, podemos observar
na nossa sociedade que a palavra significa
uma coisa no dicionário e pode ser outra bem
diferente na boca de quem fala. Os poderes da
palavra ultrapassam em muito sua dimensão
semântica, ou seja, aquilo que elas significam.
A consequência das palavras tem a ver com seu
significado mas, às vezes, tem mais a ver com a
forma com que são ditas. “Você até que tem razão,
mas o jeito como você fala...”
Quem já não ouviu ou não fez esta queixa? O
tom de voz, o olhar que o acompanha e a postura
do corpo denunciam a intenção da fala que pode
ser coerente ou contraditória em relação ao sig-
nificado das palavras. Talvez devêssemos ser, na
conversa amorosa, como os dogon são na vida:
cuidadosos.

Teoria da comunicação entre dois


As teorias tradicionais sobre comunicação hu-
mana fazem pensar que ela é uma coisa simples:
começa com um emissor que produz uma men-
sagem, que é enviada a um receptor e, pronto,
está feita a comunicação. Tal modelo maquinal
não se aplica muito bem à comunicação amorosa
(na verdade talvez não sirva também para expli-
car a comunicação humana em geral...). No amor
e no casamento, tudo se passa de forma muito
mais complexa e complicada, são muitos os fato-
res que interferem.
Para começar, a conversa amorosa não é mera
transferência de saber, de conhecimento, como
poderia ser uma aula ou uma apresentação em
uma reunião de trabalho, ela é um encontro de
dois sujeitos que buscam muito mais do que co-
nhecimento, geralmente buscam a significação
de significados, a gratificação de sentimentos,
buscam poder, prazer e tantas outras coisas.
A palavra, longe de ser meramente uma ferra-
menta de comunicação, revela-se instrumento
de poder, de persuasão, de sedução, até de
agressão.
A palavra tem a ver com conquista em todos
os sentidos desse termo. Com raras exceções,
a conversa amorosa é assimétrica. Os amantes
encontram-se em posições desiguais em termos
de sentimento, de necessidades e de oportunida-
des.
A circularidade, contrastando com a lineari-
dade de emissor-mensagem-receptor, é outra
das características desconcertantes da conversa
amorosa, que pode ser descrita como uma rede
sutil e complexa na qual cada elemento, objeto,
assunto, situação cotidiana, pensamentos, com-
portamentos etc... só adquirem sentido, só fun-
cionam quando ligados ao todo da relação.
Se pensarmos que a comunicação, uma vez
estabelecida, difere do que era anteriormente,
como dizem os teóricos — então a conversa amo-
rosa na maioria das vezes nem é comunicação, já
que é muito comum que depois de uma conversa
amorosa as coisas continuem como eram antes.
A conversa amorosa pode não resolver nada do
ponto de vista mais objetivo — e tudo bem que
seja assim, pois como já vimos, a conversa amo-
rosa não serve apenas para resolver problemas,
ou para se comunicar; ela se dá principalmente
para criar laços ou nós, enfim, para gerar um
sentimento de ligação com o outro.
Se o discurso científico precisa ser coerente,
claro e inteligível, o mesmo não se deve exigir da
conversa amorosa, que, por sua função de liga-
ção, de “curtição”, precisa ser livre a ponto de ser
confusa.
A palavra pertence a quem escuta. Se a pessoa
que fala constrói a mensagem, a pessoa que
escuta a reconstrói. Para além do “O que eu quis
dizer”, o que acaba determinando a conversa é o
que o receptor entendeu. O que conta, em ultima
instância na conversa amorosa, é se a pessoa
escutou. Numa briga, os dois falam ao mesmo
tempo, os dois dizem, mas ninguém escuta. A
consequéncia disso é que, na conversa, além de
dizer a pessoa tem que se preocupar em saber se
o outro esta escutando, senão é melhor deixar
para dizer outra hora.

Dificil...

A dificuldade para se conversar é muito


antiga, muita antiga mesmo. Trezentos anos aC,
um chinés chamado Han Fei Tzu ja se queixava
de ser mal interpretado. Quando queria ser en-
graçado, chamavam-no de frívolo, se reclamava
de algo parecia vitimoso; quando falava fora
de hora era castigado. A cada hora, as pessoas
achavam que ele era, alternadamente, arrogante,
bajulador, confuso, desconfiado, covarde e mui-
tas outras coisas.
Mas, apesar de tudo isso, Han Fei gostava
de conversar, e chegou a escrever um livro
intitulado Indignação Solitária, no qual dizia que
sabia o que deveria ter feito, embora não tivesse
conseguido fazê-lo: “O obstáculo à boa conversa”,
concluia ele, consistia em não conhecer o cora-
ção da pessoa com quem falava para poder ade-
quar o modo de falar com ela.
A conversa amorosa é um caos, e não por falha
do emissor ou do receptor, mas pela natureza do
meio de comunicação (a palavra) e do tema a ser
comunicado (o amor) que são, ambos, incertos e
multiplos em sua esséncia.
Pequena história da conversa
Paulo, engenheiro de 50 anos, casado há vinte
e cinco com Patrícia, é um grande conversador,
não só no casamento, mas em qualquer situação.
Ele adora ficar “jogando conversa fora” com os
amigos, com a familia, e com a mulher. Para
explicar esse gosto pela conversa, ele volta no
tempo:

Aprendi a gostar de conversar na minha infan-


cia. Nasci numa pequena cidade do interior do
nordeste e, como era habito naquela época, de
tardezinha, a boca da noite, meu tio colocava
sua grande cadeira de balanco na calcada,
rodeada de outras tantas cadeiras e banqui-
nhos, e ficava esperando os amigos aparecerem.
Tinha gente que vinha toda noite sem falta,
tinha gente que só vinha de vez em quando,
tinha gente que apenas vinha passando pela
calçada e acabava ficando um pouco para a
conversa. Conversava-se de tudo, meu tio era
um homem muito inteligente e curioso, que se
interessava por quase tudo, política, econo-
mia, literatura, e inclusive por metereologia.
Cresci em torno dessas conversas, que eu ouvia
fascinado, no comeco sem falar muito, pois,
afinal, opinido de crianca ndo era coisa muito
valorizada, mas a medida que fui crescendo,
peguei gosto pela coisa e passei a participar dos
debates em que a conversa se transformava.
Uma das coisas de que eu mais gostava eram
as piadas, de todos os tipos, decentes, safadas,
politicamente incorretas e por ai afora. Hoje,
meu tio ainda esta la, tem bastante idade, mas
ainda fica na calcada quando o sol se vai e o
vento noroeste sopra de leve. Eu é que, morando
agora na capital, já não tenho tanto tempo
para acompanhar a prosa, mas tenho saudade.

O que acontece na conversa entre um homem


e uma mulher são ecos de diferentes épocas, não
só da história de vida dos dois, mas também
da tradição cultural em que estão imersos. No
livro Uma história intima da humanidade, o
historiador inglês Theodore Zeldin [18] define os
marcos das mudanças que os sentimentos e as
relações pessoais sofreram ao longo dos séculos.
Dentre os diversos temas abordados no livro (mi-
sericórdia, ódio, felicidade, medo etc.) há uma
que nos interessa particularmente, é a conversa.
Sob o título “Como homens e mulheres aprende-
ram lentamente a ter conversas interessantes”
ele esboça uma pequena história da conversa
cujos principais pontos comentamos a seguir.
Ele começa perguntando “Por que, após séculos
de experiência, os seres humanos continuam
ineptos, rudes e desatentos na conversa, a ponto
de 40% dos americanos se declararem tímidos
demais para falar livremente?” Sua conclusão é
que a arte da conversação ainda está na infância.
Na Pérsia antiga, o príncipe Kaikaus de
Gurgan dizia que “um homem muito dado a
falar, por mais sábio que seja, é incluído no rol
dos tolos”. Zeldin comenta que “a julgar pelo
conteúdo dos livros de história, longa lista de
grandes homens e seus grandes feitos, quase
nada havendo sobre grandes conversadores, di-
ríamos que o mundo concordou com as palavras
de Gurgan”.
Alguém poderia contestar esta afirmação,
lembrando que a história da filosofia é repleta de
grandes ideias e não de grandes feitos, mas esta-
ria se esquecendo de que, com raras exceções, os
filósofos mais ensinam do que conversam.
Silêncio eloquente e história da conversa

Malba Tahan, escritor brasileiro de origem


árabe, bastante conhecido pelo seu livro O
homem que calculava, conta uma história sobre a
sabedoria do silêncio.
Certa vez, em Bagdá, um homem foi feito
prisioneiro e passou vinte anos na cadeia onde,
convivendo com prisioneiros de muitos outros
cantos do mundo, teve tempo de aprender a falar
em 17 idiomas. Ao sair da cadeia, esse homem
raramente era visto conversando, estava sem-
pre no meio das pessoas, observava e escutava
muito, mas quase nunca falava. Resultado: foi
considerado o homem mais sábio do mundo,
pois era capaz de permanecer em silêncio em 17
línguas diferentes.
A filosofia oriental é pródiga em ensinamen-
tos, exemplos e doutrinas, tais como o budismo,
o sufismo e a meditação, que exaltam o valor do
silêncio. No induísmo existe uma deusa da fala
chamada Saravasti, mas essa deusa vivia apenas
na língua dos poetas, e quando os seres huma-
nos comuns falavam, a deusa gostava de fazê-los
perceber que eles estavam querendo ser divinos.
Tudo isto faz Zeldin especular que no passado
as pessoas falavam bem menos do que hoje.
Será? Ele defende sua posição citando um
viajante inglês do século XVI que fez obser-
vações sobre a taciturnidade dos camponeses
franceses - num país cuja elite era famosa por
sua verbosidade. Ele afirma também que este “si-
lêncio camponés” pode ser “ouvido” em regiões
da Finlândia, considerada o mais silencioso
país do mundo. E diz um ditado francês que
“uma palavra basta para causar uma porção de
encrenca”. Olhando para o Brasil, talvez pudésse-
mos afirmar que os habitantes de Minas Gerais
haveriam de concordar silenciosamente, com
um leve balançar de cabeça, com tal provérbio.
Mas a valorização do silêncio não é um privi-
légio de certas partes do mundo, acontece em
todos os lugares, e mais: chega a ser um ideal de
certas profissões e de muitas situações sociais.
“Há muitas razoes para não se falar, acima de
tudo o receio de passar por tolo” escreve Zeldin.
Aqui abrimos um pequeno parêntese para
comentar um pouco a importancia da tolice no
campo amoroso. Não querer ser tolo no amor é
quase tão ingênuo quanto não querer sofrer de
amor, simplesmente não dá, ou seja, só tem um
jeito de não parecer tolo nem sofrer no campo
amoroso: é não amar. Por isso, há aquele ditado
popular de que o “Amor é uma flor roxa que
nasce no coração dos tolos.” Se a conversa amo-
rosa parece ser uma coisa ridicula, tudo bem,
é normal, faz parte do amor. Ou, como diz Fer-
nando Pessoa, como Álvaro Campos:

Todas as cartas de amor são


Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
(...)

Retomando a história da conversa, vamos


encontrar na Grécia Antiga alguns elementos
importantes. A invenção da democracia possibi-
litou que as pessoas dissessem o que pensavam
e se exprimissem em assembleias públicas.
Outra invenção grega importante foi a retórica,
ou a arte da persuasão pela fala. Na retórica não
é necessário conhecer o assunto em questão,
ela é uma técnica de convencimento não pelo
conteúdo do argumento mas pela lógica da fala.
Esta capacitação para falar de modo persuasivo
acabou se transformando em um tipo de campe-
onato intelectual de competição de oradores.
Mas a retórica ainda não era uma conversa, era
sedução. Sócrates, sim, foi o primeiro “conversa-
dor” conhecido na história da filosofia; ele tro-
cou a guerra de palavras pelo didlogo. Antes dele,
o modelo para todo discurso era o mondlogo: o
homem sabio, ou o deus, falava e os demais escu-
tavam. O método de Sócrates era outro. Ele vivia
perambulando pelas pracas e ruas de Atenas e
quando encontrava alguém comecava a fazer
perguntas sobre coisas cotidianas; a partir de
suas repostas fazia novas perguntas. Era mais ou
menos assim:

— O que vocé faz, meu amigo?


— Eu sou um mercador.
—E o que faz um mercador?
— Vende coisas de que as pessoas precisam.
—E o que é precisar?
— Bem, é o que todo mundo quer.
—E o queé o querer?

Como podemos ver, Sdcrates deveria ser


considerado por muitos um chato, mas seu mé-
todo funcionava, as pessoas aprendiam coisas
por meio da conversa, sem que ninguém tivesse
lhes ensinado nada. A originalidade do pensa-
mento de SOcrates era a proposicdo de que uma
pessoa não podia ser inteligente pelo seu proprio
esforco, precisava que alguém a estimulasse.
Dessa maneira se dois individuos alienados
se reunissem, poderiam conseguir o que nao
conseguiriam separados: descobrir a verdade, a
verdade deles. O método socratico é conhecido
como o método do questionamento.
Na Idade Média, a conversa, como quase tudo
naquela época, era mediada pela religião de
modo que as pessoas falavam “com” Deus e “por
Deus”. Através da oração travavam com o Senhor
uma espécie de conversa na qual um dos inter-
locutores não usava a linguagem das palavras,
comunicava-se por meio de sinais que tinham
de ser interpretados pelo outro interlocutor.
Quando as pessoas conversavam entre si, o tema
da conversa era sempre atravessado pelas cren-
ças religiosas da mesma maneira que hoje em
dia quase toda conversa é, de algum modo, atra-
vessada pelos temas da ciência e da tecnologia.
Foi também no período medieval que
floresceu uma forma de comunicação entre o
homem e a mulher — que tem mais a ver como
nosso tema do que a comunicação de dimensão
religiosa. Foi o amor cortês, ou o amor do cava-
leiro por sua dama. Nessa forma de encontro,
o cavaleiro elegia sua dama e passava a cultuá-
la de modo bastante idealizado, oferecendo-lhe
seus feitos heroicos e dedicando-lhe canções que
falavam sempre de pureza, beleza, e amor não
sensual. Mas ainda não era uma conversa entre
o homem e a mulher na medida em que geral-
mente só o homem tinha a palavra. À mulher
cabia a sutil arte dos gestos e olhares.
Na época do Renascimento ocorreu uma
revolução na história da conversa, e dessa vez foi
uma revolução feita para as mulheres. Trata-se
da entrada da conversa nos salões requintados
da nobreza e da elite europeia. Uma senhora con-
vidava pessoas para frequentarem seu salão não
pela sua posição social apenas, mas porque tais
pessoas tinham algo interessante a dizer e em
sua presença a conversa parecia fluir melhor.
Foi uma época de valorização da conversa
quando, diferentemente da disputa retórica, do
questionamento socrático, ou dos monólogos
medievais, a conversa de salão visava expressar
ideias com elegância e - o que é muito pertinente
ao nosso tema - misturava homens e mulheres
na mesma conversa. Isso levou o gênero mas-
culino e feminino e o intelecto a um relaciona-
mento diferente, como enfatiza Zeldin:

Homens e mulheres aprenderam a se analisar


mais pelo seu caráter do que por sua aparência,
administrando suas diferenças de modo a ten-
tarem compreender a si, e uns aos outros. [19]

Uma espécie de conversa ainda mais intima


se desenvolveu na Espanha do século XVIII,
foi a arte de cochichar (chichisveo), caracteri-
zada desta forma: uma mulher permitia a um
homem, que ndo seu marido, o privilegio de
falar-lhe a sós. Se os cavaleiros medievais rea-
lizavam grandes façanhas por sua dama, agora
dava-se aos homens a oportunidade de mostrar
sua perícia no campo das palavras.
A conversa, porém, sofreu entraves ao longo
da história como, por exemplo, na Inglaterra do
começo do século XX, quando algumas pessoas
acreditavam ser impossível uma verdadeira
conversa entre pessoas de classes sociais distin-
tas, que presumivelmente não haveriam de se
entender devido às suas diferenças culturais. Era
o tempo da conversa elitista. “Em certos casos eu
falei, em outros casos eles falaram, mas nunca
praticamos algo parecido com um diálogo” es-
creveu uma médica inglesa em 1906, referindo-
se à comunicação com seus pacientes.

Tribos de palavras
Esta dificuldade de comunicação encontra
paralelo em nosso mundo moderno no qual
incontáveis “tribos”, cada uma com sua lingua-
gem, convivem num mundo globalizado. Se, por
um acaso, caimos numa rodinha de economis-
tas, ou de psicólogos, ou de gente da informática,
ou de qualquer outra profissão à qual não
pertencemos, poderemos ver as dificuldades
para conversar. Nesse caso, o problema não é,
pelo menos não necessariamente, uma questão
de jogo de poder: é o resultado da superespecia-
lização das linguagens profissionais do mundo
atual. Se pessoas de profissões ou de classes soci-
ais diferentes já encontram dificuldades para ter
uma linguagem comum, imagine o que acontece
entre homens e mulheres comuns?
A americana Débora Tannen, após uma vida
dedicada à pesquisa sociológica, concluiu “que
eles não podem compreender um ao outro,
que valorizam coisas muito diferentes quando
falam, que as mulheres querem simpatia da-
queles com quem conversam, enquanto os
homens procuram soluções para problemas”.
Ela argumenta que as dificuldades de comuni-
cação, neste caso, não são causadas por defeitos
pessoais, mas pelo fato de homens e mulheres
serem educados em culturas diferentes. Ou seja,
o nó, como estamos argumentado neste livro, é
inevitável, e não por uma falha pessoal e sim por
uma questão estrutural. Tannen adverte para
a desesperança que isto pode trazer, citando a
triste estatística segundo a qual homens e mu-
lheres americanos gastam, em média, apenas
meia hora por semana conversando.
Apesar disso, existem alguns sinais de que
a possibilidade de conversa entre homens e
mulheres, em geral, vem aumentando. Antiga-
mente os homens não podiam falar sobre certos
assuntos com uma mulher. Existiam assuntos
que não eram para mulheres. Isso mudou, as
mulheres podem falar de tudo e amplia-se a
possibilidade do diálogo. “No passado, as meni-
nas confiavam apenas nas meninas, mas agora
é possível fazer amizade com os meninos; sem
sexo, não há diferença entre meninos e meninas,
pode-se conversar com qualquer um” afirma Ma-
rina, adolescente de 16 anos.
Maria Theresa, mãe de Marina, que tem 48
anos, diz que apesar da democratização dos as-
suntos e da mudança da relação entre homens e
mulheres, algumas coisas ainda são difíceis para
uma mulher. Ela confessa que morre de inveja
“dos homens que podem ficar sentados em uma
mesa de bar, e não estou falando de barzinho da
moda, estou falando de boteco mesmo, destes
pequeninos que tem em toda rua, ou em pé no
balcão tomando cerveja e jogando conversa
fora”.
Ela é uma mulher da geração de 1968, que
acreditava na liberdade de expressão, na igual-
dade de direitos entre homens e mulheres, e
na possibilidade de um novo amor baseado na
franqueza. Hoje diz que já não tem tanta certeza
sobre isto, mas ainda acredita que “a vida é me-
lhor se você estiver com um homem com quem
possa conversar”,
De toda esta história, concluímos que os
inimigos da conversa são a retórica excessiva,
a competição, as linguagens particulares, e em
especial, o desespero de não ser ouvido e de não
ser compreendido. Numa linha mais otimista,
Zeldin conclui seu estudo sobre a história da
conversa afirmando que “para florescer a con-
versa precisa de parceiros dos dois sexos e que
somente quando aprendem a conversar as pes-
soas começam a ser iguais”.

As vezes a palavra é demais


O siléncio também pode ser amoroso. Pois €,
apesar de toda a argumentação em prol do uso
da palavra, da conversa, como forma de desatar
os nós do casamento, é preciso reconhecer que,
em muitos momentos, a melhor conversa é o
siléncio. Há a hora de falar e há a hora de calar, ja
que a palavra não é panaceia, ndo resolve tudo, e
a conversa nem sempre é necessaria. Calar, como
dizem os poetas, também é uma forma de falar.
O casamento, o relacionamento em si, deve
muito as palavras, mas o amor mesmo, nem
tanto, pois os momentos reais de amor perma-
necem não pronunciados. Quando vocé esta
realmente amando, esse sentimento cria a sua
volta uma certa radiância que diz tudo o que
você não consegue dizer, o que nunca pode ser
dito. Se pudéssemos explicar tudo, a vida certa-
mente seria chata e entediante, ainda bem que
existem coisas que não podem ser traduzidas em
palavras.
A frase “Freud explica”, que virou um chavão,
pode sugerir que a psicanálise explica tudo sobre
a vida afetiva das pessoas, mas não é bem assim.
Quando uma pessoa esta fazendo análise, de
fato, encontra explicações para muitos de seus
problemas e sentimentos, mas isto é apenas o
começo do trabalho, pois chega um ponto nesta
jornada de autoconhecimento, quando o sujeito
depara com certas verdades de sua vida que sim-
plesmente não podem ser explicadas - embora
tenham que ser suportadas e assumidas como
verdades.
Existe um grande problema sobre a verdade:
ela não pode ser dita por inteiro. Mas não é
porque as pessoas tenham medo das consequên-
cias; trata-se de palavras que não tocam o real
de certas coisas. É preciso suportar que certas
coisas são inexplicáveis, mesmo, ou em especial,
no campo amoroso. Por outro lado, viver coisas
inexplicáveis é um dos grandes atrativos do
relacionamento amoroso. Parece até que quanto
mais encantados estamos, menos temos pala-
vras para dizer, o que não nos impede de tentar
dizer uma e tantas vezes.

Conversa e sexo

No sexo muita conversa, muita verdade,


muita explicacdo pode até atrapalhar; é que o
sexo precisa de um pouco de distancia, de mis-
tério, de transgressdo como caminhos do prazer.
Claro que um pouco de comunicação sobre como
cada um funciona no sexo é importante, mas o
sexo é algo para além da comunicação, é algo do
campo do gozo que muitas vezes se dá mesmo
na ausência de comunicação. Se a palavra é a
linguagem do relacionamento, o toque e o olhar
é alinguagem dos amantes. No campo sexual
as palavras não têm apenas função de comu-
nicação, elas funcionam como excitação, como
exclamação, como fantasia, como puro dizer.
Tem coisas que só se diz na cama, na hora do
sexo, e sob efeito do tesão, e que, por isto mesmo,
não convêm incluir como tema de conversas
mantidas em outros climas e outras horas.
Considerando que muitas vezes precisamos
dizer coisas que não merecem ser ouvidas —
porque não passam de choramingas de amor,
de orgulho ferido, de dor de ego, — então melhor
seria que escrevêssemos cartas ou e-mails para
nunca serem enviadas. Deveria haver um deus
dos correios e dos e-mails, como existem os deu-
ses do comércio e da medicina, para nos proteger
e devolver tais cartas e e-mails caso cometêsse-
mos o desatino de enviá-las. É que tem gente que
não conversa, chateia.
As queixas de amor de qualquer amante infe-
liz costumam ser enfadonhas, a não ser que ele
seja um grande escritor, o que é raro. A maioria
de nós quando escreve cartas de amor, seja de
dor ou de felicidade, produz coisas muito pouco
atraentes. Mas todo mundo escreve, ou escreveu
cartas de amor, e até Freud que escreveu uma
obra intelectualmente monumental também
“cometeu” suas cartas de amor, como este frag-
mento de uma carta enviada a sua noiva:

“(...)não quero porém que minhas cartas


fiquem sempre sem resposta, e não te escreverei
mais se você não me responder. Eternos mono-
logos sobre o ser amado que ndo são nem ratifi-
cadas nem alimentadas pelo ser amado acabam
em ideias falsas sobre as relações mútuas enos
tornarão estranhos um ao outro.” [20]

A conversa amorosa é uma coisa gostosa e


desejada, pelo menos enquanto os dois envol-
vidos estão apaixonados e se gostam de uma
maneira satisfatória para ambos. Mas quando o
descompasso se instala no amor, seja na forma
ou na quantidade, a conversa amorosa passa a
ser pretendida por um, e preterida pelo outro.
O fato de o ser humano viver imerso em um
oceano simbólico de palavras não significa que
todas as pessoas gostem de conversar. Da mesma
maneira que as pessoas têm necessidades dife-
rentes de comida, de sono, e de sexo, também
possuem “fome-de-conversa” diferentes: alguns
adoram conversar, outros precisam conversar,
outros suportam conversar, outros não conse-
guem conversar, e enquanto alguns detestam
conversar, existem aqueles que se recusam a
conversar.
É assim mesmo, se as pessoas são diferentes
em tantas coisas porque não seriam também
na disposição para falar. A questão é que para a
pessoa que quer conversar a recusa chega como
indiferença ou sinal de desamor, mesmo quando
não é este o caso. Eis aqui um dos grandes nós do
casamento, e não é coisa simples encontrar o que
fazer com esta diferença.
O caso mais evidente desse desencontro sobre
a conversa acontece quando um dos parceiros
resolve, por exemplo, confessar um caso de
infidelidade. Geralmente para quem conta, a
sensação é de alívio, de conclusão de um ciclo, de
resolução do problema: pronto acabou, contou,
então está tudo terminado, e geralmente não
quer, e não precisa mais falar sobre isto. Mas
para quem escuta é o contrário, está tudo come-
çando, e a pessoa quer falar, e não apenas uma
vez, mas muitas e muitas vezes, na tentativa de
digerir o tal caso. Pronto, está dado o nó, para um
a conversa é necessária, para o outro uma cha-
tice ou um constrangimento, e este não é um nó
qualquer já que se dá naquilo que supostamente
deveria ajudar a desatar os nós: a conversa.

Falar dele, dela

Outra situação deste tipo ocorre quando uma


relação chega ao fim. Aquele que está na posição
de rejeitado geralmente sente uma imperiosa
necessidade de conversar. Inicialmente quer
falar com o amado na tentativa desesperada de
reverter a situação, mas se isto se demonstra
inviável, a pessoa quer falar para agredir, acusar
e descarregar sua mágoa. Se, por qualquer razão,
não é possível falar com ele, a pessoa busca
amigos para falar sobre ele, falar mal dele, ou
relembrar o quanto era bom aquele amor. Como
já vimos, este parece ser um princípio do funci-
onamento amoroso: quando não é possível falar
para, falamos de.
E se não tem mais jeito, ainda há uma coisa
a fazer: falar. E isto não acontece apenas no
amor, mas na vida toda. Quando morre uma
pessoa querida, não existe nada de concreto que
possamos fazer, mas mesmo assim falamos, fa-
lamos para ela, em espírito, falamos dela, enfim
falamos e falamos, até que lentamente vamos
encontrando como lidar com a perda. Falar é
fazer.
Sim, mas não gostaria de deixar aqui a ilusão
de ser a palavra uma panaceia, coisa que efeti-
vamente ela não é: tem coisas na vida que nem
as palavras resolvem. O nó cego é uma delas.
Certas relações amorosas são tão enroscadas, tão
neuróticas, tão negativas, tão sem amor, tão in-
felizes, que não há palavra que dê jeito, o melhor
mesmo é cortar o nó e deixar que as linhas pe-
rambulem pela vida em busca de novas linhas.
Mas isto já seria outra história, outro livro.
Outras relações amorosas deixam marcas
que não podem ser apagadas inteiramente, são
como cicatrizes, não doem tanto mas estão ali,
não temos muito o que fazer com elas, a não ser
suportá-las. Mas aqui a palavra adquire um valor
parcial. Palavras são coisas que nos ajudam a
suportar outras coisas, outras palavras, outras
marcas, outras cicatrizes.
Uma vez um paciente que era médico me
disse que seu ofício lhe ensinou que as palavras,
quando bem ditas podem funcionar como um
ótimo cicatrizante, e explicou que não estava
falando das palavras do médico e sim das pala-
vras do próprio paciente.
Parece que a palavra é uma maneira muito
potente de lidarmos com as coisas ruins da vida,
a angústia, por exemplo. Angústia é aquilo que
resta depois que já resolvemos tudo o que podia
ser resolvido. Problemas se resolvem, mas an-
gústia se dissolve nas palavras.
Sobre isso Freud dizia, “um leigo sem dúvidas
achará difícil compreender de que forma os dis-
túrbios patológicos do corpo e da mente podem
ser eliminados por meras palavras. Ele achará
que lhe estão pedindo que acredite em magica.
E não estará muito errado, pois as palavras que
usamos em nossa fala diária não são senão uma
magica atenuada”. Toda a obra freudiana nos
ensina que devemos ajudar as pessoas a reen-
contrarem a magia das palavras, e este é um dos
objetivos deste nosso livro sobre o casamento.

Sem palavras
Um dia, um homem de idade já bem avan-
cada passava pela calçada de maneira muito
apressada. Da janela da casa em frente uma
moça o observava. De repente, ele escorregou e
caiu machucando a mão. Rapidamente a moça
o convidou a entrar e se ofereceu para fazer um
curativo no ferimento, e enquanto limpava o
machucado, ela lhe perguntou o porquê de tanta
pressa.
Ele contou que estava indo ao asilo de idosos
no fim da rua. Explicou que todos os dias ia até
lá para ficar um pouco com sua mulher que lá
morava há alguns anos, por causa da doença
chamada Alzheimer que tinha acabado com a
sua memoria. A moca disse que então era bom
que ele se apressasse, senão a esposa poderia
ficar preocupada. O homem respondeu:
— Não, ela não fica me esperando, já faz dois
anos que ela nem me reconhece mais, ela nem
mesmo conversa comigo.
A moça lhe perguntou:
— Mas se ela não sabe quem é o senhor, então
por que tanta pressa? Por que o senhor vai lá
todos os dias?
O velho concluiu:
— É, ela pode não saber quem eu sou, mas eu,
contudo, sei muito bem quem ela é.

RELEMBRANDO

A magia das palavras


. Você se lembra do dia em que começou
o namoro?
. O amor é sempre a três: é o homem, a
mulher e a palavra.
. A palavra não é o luxo do ser humano, é
o que o torna humano.
. O que faz o casamento é a palavra, os
corpos fazem sexo.
. Não basta amar, é preciso falar.
. Uma relação termina quando acabam
as palavras.
. O amor não basta para desatar os nós, é
preciso a magia das palavras.
. Problemas se resolvem, angústia se dis-
solve, em palavras.
. A palavra pertence a quem escuta.
10 . O silêncio também pode ser amoroso.
O inventor de palavras

Olhe aqui
eu não tenho palavras
para isto.

Mas veja bem,


se você quiser,
eu posso inventar.
Desatando os nós
“Depois de algum tempo você aprende a diferença,
a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma
alma
e você aprende que amar não significa depender, e
que
companhia nem sempre significa segurança, que
beijos não
são contratos, e presentes não são promessas, e
começa a
aceitar suas dificuldades amorosas com a cabeça
erguida
e olhar adiante com a graça de um adulto e não
com a
tristeza de uma criança”.

Shakespeare

O tempo passou e vivemos dando


nós:
o que fazer?
Ao que parece, existem apenas três coisas a se
fazer com os nós do casamento, evitar que eles
aconteçam, desatar quando já tiverem aconte-
cido, e, quando isto não for possível, afrouxá-
los até poder atravessá-los. Evitar sempre que
possível, desatar quase sempre, atravessar sem-
pre, esta é a estratégia a que este livro propõe.
Evitar que os nós aconteçam é a tarefa básica
de qualquer casal, tem a ver com aquela história
de “regar a plantinha”, de cuidar da relação,
de ser amoroso e cuidadoso, de aceitar o outro
como ele é, de ser criativo para fugir da rotina,
e tudo o mais que nos ensina o bom-senso, e a
vasta literatura sobre como ser feliz nos relaci-
onamentos, atualmente disponivel nas livra-
rias. Acontece que todas essas recomendacoes
fazem parte daquelas ideias muito faceis de
serem ditas e extremamente dificeis de serem
praticadas.
Todos recomendam que a gente seja amoroso,
cuidadoso e desprendido. Muito bem, vamos ser,
mas o que fazemos com nossa raiva, nossa inse-
guranca, nossa possessividade, e tantos outros
“sentimentos ruins” que convivem dentro da
gente, lado a lado, com os sentimentos bons?
E neste ponto que a maioria dos livros que
ensinam como ser feliz falham. Eles consideram
que o ser humano é “bonzinho” por natureza,
sendo que o que cada um de nós pode constatar,
se conseguir ser sincero consigo mesmo, é que
somos por natureza “ bonzinhos” e “mauzinhos”
ao mesmo tempo, e o que é mais complicado
ainda: em relação à mesma pessoa. A psicanálise
se refere a isto como ambivalência, que é defi-
nida como a coexistência de sentimentos contrá-
rios em relação ao mesmo objeto. O ser humano
é naturalmente ambivalente em suas relações
afetivas importantes, e no casamento então nem
se fala.
Enquanto a representacdo usual concebe o
amor como graciosa harmonizacao, para Freud
0 amor acontece mesmo no campo do conflito,
de forma que o destino de toda relacdo afetiva
significativa é apresentar em algum momento
desencontros, encrencas, ou seja, o no. Para ele,
o nó está embutido no amor dadas as caracteris-
ticas da vida afetiva do ser humano que menci-
onamos acima. Por causa desta maneira de ver
as coisas Freud foi tachado de pessimista, mas
quando conseguimos olhar sem hipocrisias e
sem ilusões para o que acontece no dia a dia dos
relacionamentos afetivos, começamos a achar
que Freud era mais realista do que pessimista.
Mas este é um debate ainda em aberto.

O primeiro passo: reconhecer


O primeiro passo no caminho que, partindo
do nó, nos reconduz ao laço, é o reconhecimento
de nossa natural ambivalência. É muito melhor
eu me dar conta de meus sentimentos nega-
tivos em relação à pessoa que eu amo, do que
fazer de conta que eles não existem. Devemos
controlar estes sentimentos, é claro, mas negar
sua existência, não. O problema é que negando
a existência, por exemplo, de nossa raiva ou do
nosso ciúme, não estamos acabando com eles,
estamos apenas os colocando longe do foco de
nossa consciência, escondidos em algum canto
de onde eles continuam agindo e atrapalhando
a relação amorosa. Se quero lutar contra um ini-
migo, é melhor que o conheça bem, mesmo que o
inimigo seja eu.
Reconhecer a existência de um sentimento
negativo na gente não significa que devemos
dizê-lo, e muito menos agir a partir dele. Nos
animais, a sequência sentimento-expressão-
ação é direta e reta, é automática. O cachorro
sentindo-se ameaçado rosna, late e no limite
morde. Gente não é assim, pelo menos não pre-
cisa ser. A consciência do homem permite que
ele coloque um intervalo de reflexão entre os
três momentos: sentimento... expressão... ação.
Quando estamos com raiva podemos pensar se
é a hora adequada para comunicar isto ao nosso
parceiro. Se concluirmos que não é o momento
oportuno, o melhor é ficar em silêncio, mas es-
tamos conscientes de que estamos com raiva. Se
dizemos para alguém que estamos “puto” com
isto ou aquilo, vem então o segundo momento
de reflexão no qual vamos avaliar se é oportuno
agir, fazer algo a partir deste sentimento, como
ir embora, bater a porta, fazer algo por vingança,
ou se no momento é melhor apenas expressar
o sentimento sem fazer nada. Nem tudo que se
sente se diz, nem tudo que se diz se faz, temos
opção porque temos consciência. Às vezes não
dizer ou não fazer é muito ruim, mas o pior de
tudo é não ter consciência, por isto insistimos
que do nó ao laço o reconhecimento dos próprios
sentimentos é fundamental.
Para o casamento, só existem soluções pre-
cárias, que não resolvem totalmente a questão,
do mesmo modo que é ele próprio, o casamento,
uma solução precária para este conflito humano
entre a solidão e o enlaçamento. Precária não
deve ser entendido como “ruim”, e sim como “o
melhor possivel”. Cada um está vivendo o casa-
mento da melhor forma que consegue, e quando
tiver coragem, condições, ou seja lá o que estiver
faltando, vai então fazer algo melhor, enquanto
não, não. Este princípio de autoaceitação, com
a calma que pode trazer, é que vai ser o início
de qualquer processo de mudanca. É mais fácil
mudar quando aceitamos a existência de nossa
realidade atual do que ficar sonhando, e nos tor-
turando, com um ideal a ser alcançado.
Olhando para a natureza psicológica do ser
humano (desejo, egoismo, competitividade,
inveja, medos, insegurança, fantasias etc), fica-
mos com a desconcertante impressão de que
o homem e a mulher não foram feitos para se
casar, mas que teimosamente insistem nisto.
Lembram-se da fábula do porco-espinho que
mencionamos no primeiro capitulo? Se um ser
humano singular já é um enigma indecifrável,
o que dizer de dois seres, um homem e uma
mulher, que se ligam por enigmas ainda maiores
como o amor e o sexo?
Por causa destas, e de tantas outras coisas, é
muito difícil evitar que o nó aconteça, então,
além de evitar, precisamos também ser eficien-
tes nas duas outras estratégias: desatar e atra-
vessar. Colocamos estas duas maneiras de lidar
com o nó como coisas distintas apenas como
recurso para pensarmos com mais clareza já que
desatar e afrouxar-atravessar são momentos
diferentes de um mesmo processo, estão sempre
misturadas.

Como desatar os nós


Desatar o nó é qualquer coisa que o casal faça
para resolver completamente uma situação;
atravessar ou afrouxar o nó é qualquer coisa
para superar uma situação que não pode mais
ser resolvida, e o mais importante, maturidade
é saber separar o que pode ser mudado daquilo
que tem que ser tolerado. Uma prece atribuída a
são Francisco de Assis é um belo exemplo desta
maturidade ou sabedoria:

“Senhor, fazei com que eu tenha paciência para


aceitar o que não pode ser modificado, coragem
para transformar o que pode ser mudado, e
acima de tudo senhor, dai-me sabedoria para
diferenciar uma coisa da outra...”

Para resolver os problemas no casamento,


lutamos contra a vida e contra nosso parceiro,
enquanto para superar aqueles problemas que
não podem ser resolvidos temos que lutar contra
nós mesmos, contra nossas fantasias, nossas
idealizações. “Eu brigo muito com minha mu-
lher, mas brigo também comigo mesmo”, me
disse certa vez um paciente que tentava se livrar
de um ciúme doentio que ele mesmo admitia ser
infundado.
Na tentativa de desatar os nós, queremos
mudar as situações da vida, e, no caminho da
superação, da travessia do nó, permitimos que as
situações da vida nos modifiquem. Tem coisas
que você muda, e tem coisas que mudam você.
Existem problemas que admitem solução,
outros porém apenas superação e esquecimento.
É possível se resolver questões do tipo como
dividir as tarefas domésticas, como gastar o di-
nheiro do casal, como educar os filhos, como ser
mais carinhoso, como ter mais sexo, como ficar
mais tempo juntos, o que cada um pode ou não
fazer em termos de amizades fora do casamento;
mas como se resolvem mágoas, sentimento de
desamor, palavras já ditas, e um aborto feito há
10 anos no início do relacionamento?
O casamento em si, por exemplo, admite
solução, mas os sentimentos, não. Um casal que
resolve se separar encontrou como solução ter-
minar a relação, mas os sentimos não terminam
junto com a relação, eles perduram por muito
tempo, vão lentamente se dissolvendo no tempo
e nas conversas com a pessoa ou sobre a pessoa
amada. Uma situação de infidelidade também
admite solução, no caso, a promessa de não mais
trair, mas os sentimentos não se extinguem por
causa da promessa, precisam ser elaborados, fa-
lados e pensados muitas e muitas vezes.
Quando resolvemos alguma coisa, nós a
deixamos para trás, vamos em frente, mas na su-
peração o trajeto é em espiral: de vez em quando
passamos novamente pelo ponto dolorido, só
que um pouco mais distanciado.
Parece que uma das maneiras que os humanos
dispõem para superar certas vivências é voltar a
elas, em pensamento e em falas, muitas e muitas
vezes, como se estivessem tentando lixar a dor
com as palavras. Deve ser por isto que algumas
pessoas precisam tanto falar de problemas que já
aconteceram, precisam falar, falar, até gastar .
Problemas se resolvem, e angústia se dissolve.
Mas se dissolve no quê? Em muitas coisas, no
álcool, no sexo, nas compras, no trabalho, na
distância, no tempo, mas em especial se dissolve
nas palavras. É esta a finalidade da conversa
amorosa, resolver o que pode ser resolvido, e dis-
solver o que não admite soluções. A relação amo-
rosa não é um problema a ser resolvido, não é
uma equação para a qual você precisa encontrar
a resposta certa, ela não é nem pergunta nem
resposta, é só uma história a ser vivida, uma
travessia a ser feita, em alguns momentos fa-
lando e, em outros, em silêncio. Dois barcos nos
ajudam nessa travessia dos nós do casamento:
o tempo e a palavra. Com uma boa conversa, e
com um bom tempo, quase tudo se resolve, ou se
dissolve.

Luta e luto

Luta é tudo aquilo que a gente faz para mudar


uma situação, e luto é tudo aquilo que a gente
faz para suportar uma situação que não pode
mais ser modificada. Luto é uma palavra pesada,
lembra morte e defunto, mas na psicanálise ela
é usada em um sentido mais amplo e útil. Luto
é a reação humana diante da perda de um objeto
amoroso, seja uma pessoa, uma ideia, um objeto
ou uma situação. Por vezes, uma pessoa acredita
muito em uma coisa, tal como trabalhar e pou-
par dinheiro resolvem as incertezas da vida, mas
aí vem algo como uma depressão econômica e,
em poucos meses, arrasa o tesouro de 30 anos
de trabalho. Nestas circunstâncias é natural que
a pessoa fique recolhida, triste, desanimada,
lamentando-se ou se revoltando durante algum
tempo. Este processo de elaboracdo da perda é o
luto, e o casamento não esta livre disso, na me-
dida em que costumeiramente somos levados a
suportar perdas reais e imaginarias tais como as
ilusdes do amor romantico.
Na verdade, para qualquer desses dois
caminhos diante do nó, desatar ou atravessar,
a palavra é o instrumento mais eficiente, ja que
ambos tém a ver com negociacao, com ouvir o
que o outro quer, com dizer o que se pode ou ndo
fazer, ou simplesmente com a necessidade de
falar e ser ouvido. Mas uma conversa, para ser
boa desatadora de nó, precisa mais do que de
palavras, precisa de uma boa hora, de um lugar
legal, de um início jeitoso, de um ritmo tran-
quilo, e de muitos outros pequenos detalhes que,
quando negligenciados, acabam por botar a per-
der o mais amoroso dos diálogos.
Não existe maneira boa de se dar uma notícia
má, porém, seguramente existe a maneira má.
Se a mensagem já é difícil, que a mídia seja pelo
menos um pouco mais palatável. O cuidado no
jeito de dizer não anula a dor de quem vai ouvir,
mas pelo menos não a aumenta.

Pra começo de conversa


Começar uma conversa é uma arte. Tem gente
que costuma começar a conversa pelo “você”:
“você isto”, porque “você aquilo”, porque “você”
me faz isto , porque “você” faz aquilo etc. Mas
este nunca é um bom começo, porque quando
você fala do outro é sempre uma atribuição, e
como tal, pode ser equivocada, falsa, ou mesmo
agressiva, e geralmente desperta resistência.
Quem escuta uma frase que começa com “por-
que você...”, geralmente se fecha, assume uma
postura defensiva, e isto em nada favorece a
conversa.
É bem melhor comecar a conversa falando de
vocé mesmo, usando o pronome “eu”. Quando
vocé fala de vocé é sempre certo, ndo porque seja
a verdade objetiva, mas porque é uma expressão
dos seus sentimentos ou dos seus pensamentos.
E muito diferente dizer “eu me sinto triste” do
que dizer “vocé me faz triste.”
Vamos fazer uma pequena experiéncia.
Aponte o dedo para alguém que esteja proximo
de vocé e complete a frase “porque vocé me...”.
E agora, mantendo o gesto, olhe para sua mao
e responda: quantos dedos você tem? quantos
estão apontados para a pessoa? Um ou dois no
máximo, e os outros três estão apontando para
quem? Provavelmente para você mesmo: então
de quem você esta falando?
É quase sempre assim, o que queremos
atribuir ao outro, na verdade tem mesmo a ver
com a gente, só que é muito difícil admitir. Este
exercício chama-se o dedo de Buda, e foi inven-
tado há mais de dois mil anos. Parece que em
termos de relacionamento humano as coisas não
mudam muito depressa.
Existe também outra vantagem em começar
uma conversa falando de você mesmo; é que
isso é contagiante. Quando uma pessoa fala
genuinamente sobre seus sentimentos e sobre
sua vida, parece que desperta no outro uma von-
tade de também falar de si. É como um bocejo, é
contagiante.
Especialmente se você esta querendo con-
versar com uma pessoa que não está muito
a fim, não cobre a conversa, seja contagiante.
Esta linha de ação é muito produtiva no campo
amoroso: o que funciona mais, cobrar um beijo
ou seduzir para ganhá-lo?
Mas como nenhuma regra vale para todos,
aquelas pessoas muito centradas em si mesmas,
e que já falam muito de si, precisam treinar
começar a conversa não falando do outro, mas
perguntando como o outro se sente ou pensa e se
calando para ouvir a resposta. Costuma funcio-
nar na maioria dos casos.
Às vezes uma pessoa quer conversar, mas
não quer começar a conversa, deseja que o
outro tome a iniciativa, e então arruma certas
estratégias como ficar emburrada, ou irritada,
esperando pela clássica pergunta “o que é que
você tem?”, apenas para responder “nada”, insis-
tindo na estratégia de esperar do outro o início
do assunto problemático. Esta estratégia não
deixa de funcionar na maioria das vezes, mas
já começa torta, enviesada, com jeito de briga.
Talvez seja melhor assumir a necessidade de
conversar e começar ela mesma o assunto, no
mínimo custará menos. Se você quer conversar,
comece.

Conversa com ou sem plateia?


Mais importante que o local físico é a questão
da privacidade. Conversar na frente dos outros
pode modificar muito a reação das pessoas.
Existem coisas que suportamos ouvir a dois,
mas que nos deixariam muito incomodados
se outras pessoas escutassem. Então cuidado,
uma conversa amorosa funciona melhor a dois,
não precisa de plateia, muito menos de juízes. É
que algumas pessoas buscam a opinião de um
terceiro como um reforço para seus pontos de
vista ou como forma de pressionar e convencer
o parceiro para alguma coisa. Esta é uma estra-
tégia perigosa; além de não trazer ganhos para o
entendimento do casal, costuma ser vivenciada
como chata pelos terceiros envolvidos.

“Denise sempre gostou de sair em turma, ou


melhor, em grupo de casais, e nestas ocasiões
frequentemente se via reclamando do Marcelo,
seu marido, para os outros casais. Ela conta al-
guma coisa que aconteceu entre eles e logo pede
a opinião dos outros; na verdade busca que os
outros confirmem que Marcelo está errado, que
não deveria ter agido deste ou daquele jeito. Se
os ouvintes, constrangidos, tentam mudar de
assunto, ela habilmente reconduz a conversa
novamente para o tema e insiste: vocês não
acham que eu tenho razão?”

Este jogo chama-se “tribunal”, e não é uma boa


maneira de tratar dos problemas do casamento.
É fácil imaginar o desconforto e a irritação do
marido com a estratégia da esposa. A conversa
amorosa é a dois. O ser humano é assim em
geral, e não vai ser no casamento, tão repleto de
fantasias e “neuras”, que ele vai escapar deste
“poder do outro”. Deve ser por isto que os namo-
rados, quando começam uma relação, pedem
com tanta veemência: “se acontecer alguma
coisa, me conte, não deixe eu saber pelos outros”.

O pacto da verdade
A questão da verdade no relacionamento
amoroso é uma coisa muito delicada, geral-
mente é um ideal a ser sofridamente perseguido,
quase nunca é uma realidade do dia a dia da
relação. É muito frequente que pessoas, a prin-
cípio consideradas “legais e leais”, mintam em
algumas circunstâncias. A mentira significa au-
sência de amor? Para quem foi traído, a resposta
é sempre sim, mas para quem traiu, muitas
vezes a resposta é não. “Quem foi que disse que
amor e covardia se excluem completamente?”,
perguntou-me Marina, jovem de 27 anos, há
cinco casada com Juliano, a quem dizia amar
profundamente e de quem nunca pensou em se
separar.
Esta pergunta ela fazia como uma tentativa
para explicar, para ela mesma, por que havia
traído o marido e não tinha coragem para con-
tar. Ela alternava fases em que se sentia muito
culpada com fases de afirmação enfática de sua
liberdade: “... tem coisas que não se resolvem no
casamento, eu precisava viver aquela história
com aquele outro cara, mas se eu contasse pro
Juliano ele com certeza ia exigir que eu parasse,
ou ia querer ir embora, e eu nunca quis que ele
fosse embora. Sabe, tem hora que eu penso que a
verdadeira liberdade é poder mentir, acho que eu
sou livre a ponto de mentira. Serd que isto existe
mesmo, ou eu estou só procurando me livrar da
culpa?”
E preciso muita coragem para ser completa-
mente verdadeiro, parece que isto não é para
todo mundo. No comeco da relacdo, na fase
de paixao, as pessoas costumam fazer o pacto
da verdade: “Se estiver acontecendo alguma
coisa me conte”, mas tal pacto raramente se
dá conforme o prometido. Costuma ser muito
dificil uma pessoa dizer para a outra que a esta
traindo; geralmente ela vai levando as coisas, até
que um pequeno descuido, proposital ou não,
permite ao outro descobrir que algo de errado
está acontecendo; e se o outro tiver a coragem
para perguntar, quem sabe seja a hora para dizer
a verdade. Então, a verdade vem como resposta
a um questionamento, quase nunca como uma
declaração inicial. Não estou dizendo que tudo
isso é desejável, estou dizendo que é isto que
acontece com mais frequência ou não?
Um pouco mais sobre esta questão da busca
da verdade: existem três tipos de buscadores
da verdade, o filósofo, o religioso e o amante. O
filósofo quer descobrir a verdade da vida, da na-
tureza e do ser humano através do pensamento
correto e racional. O religioso, como o filósofo,
também está em busca de uma verdade geral só
que através de deus, da fé, e não da razdo. Ja o
amante é um buscador ciumento e muito atento,
presta extrema atenção a todos os detalhes da
mulher amada, investiga a partir de sue olhar,
de seus gestos, de suas palavras e até de seu si-
léncio, em busca de signos da mentira e da dissi-
mulacdo. No casamento, o outro é um problema
muito mais complicado do que qualquer tratado
cientifico ou dogma religioso. Decifra-me ou te
devoro, é o que nos diz o né do casamento.

Receita para fazer um homem feliz


Fazer um homem feliz é simples, fazer uma
mulher feliz é uma quimera. Ensinar para uma
mulher como fazer um homem feliz é muito
facil, pode ser que a mulher não queira fazer isto,
porque não é justo, porque não está a fim, porque
ndo deseja ser mãe de marido, mas é facil saber
o que um homem deseja. Bem, para fazer um
homem feliz, basta que a mulher seja para ele,
simultaneamente, mae e amante, transe com
ele a hora em que ele quiser e cuide dele como
se ele fosse uma criança. Dê comidinha, não o
perturbe com muitas exigências, saia atrás dele
arrumando o que ele desarrumar, não reclame
da toalha molhada em cima da cama, da tampa
do vaso sanitário que ele não levanta quando
vai fazer xixi, deixe-o ficar assistindo ao futebol
horas seguidas, às vezes o mesmo jogo várias
vezes, não fale mal da família dele, não reclame
que ele sai com os amigos, e mais algumas coisas
desse tipo. A maioria dos homens se sentiria
bem feliz com este arranjo se ele estivesse dispo-
nível. Ah, falta apenas mais uma coisa, tem que
ser mãe e amante exclusivamente para ele.

Receita para fazer uma mulher feliz


Se é possível oferecer para as mulheres uma
receita de como fazer um homem feliz, para
os homens, infelizmente, não temos receita
alguma de como fazer a mulher feliz. Quanto
ao que uma mulher pode querer, como afirma
a sabedoria ancestral, jamais se está seguro,
porque para ela não existe nenhuma evidência
como quando se trata de saber o que um homem
quer. O homem é mais constante e previsível no
seu desejo, e por isso tão manipulável pelas mu-
lheres. Já o desejo da mulher é da ordem do mis-
tério. A mulher é de lua; e os homens se iludem,
ingenuamente, achando que já conquistaram a
lua.
Não é que a mulher esconda o que deseja, ou
que se recuse a contar ao homem o que a faria
feliz, acontece que o que ela deseja é um mistério
também para ela. Uma mulher não sabe direito
o que a faria feliz, até acha que sabe e vai atrás,
apenas para descobrir, após ter alcançado seu
objetivo, que ainda está insatisfeita, que está
em busca de algo que não sabe direito o que é. É
como uma saudade do que foi vivido, e do que
não foi; é como a nostalgia de um tempo que
nunca existiu. É esta obscura natureza do desejo
feminino que move o mundo, atormenta os
homens, mas não menos as próprias mulheres, e
tanto faz falar a ambos.
A inexistência de uma receita para fazer a
mulher feliz não é por falta de tentativas, pois os
homens, por diferentes motivos, tém procurado
esta fórmula ao longo da história humana sem
qualquer vislumbre de sucesso. Para além do
humor e do folclore que costumam caracterizar
as abordagens deste tema, a psicanálise, disci-
plina tão ciosa de sua seriedade, que às vezes é
acusada de pesada e ininteligível, também não
cessa de estudar as consequências desta falta de
referências para o desejo feminino. Esta história
não é “uma brincadeirinha engraçada”, é uma
verdade da mulher, e produz efeitos em sua vida,
no casamento e na própria cultura.

O certo da pessoa e o
errado da situação
Em cada problema que um casal vive, existe
“o errado da situação” e “o certo da pessoa”. O
errado é evidente, é o comportamento ou sen-
timento que causa o problema, todo mundo já
está vendo. Já o certo é um sentimento de que a
pessoa não consegue se dar conta, ou não conse-
gue expressá-lo de forma adequada.

Felipe e Marisa estão casados há 30 anos. Ele


é um homem metódico e racional, e ela uma
mulher expansiva, emocional e impulsiva. Nos
últimos cinco anos Marisa tem reclamado cada
vez mais do marido, queixando-se de que ele
nunca diz que a ama, que se preocupa mais com
o trabalho do que com ela, que ndo conversa,
que ndo a valoriza, e muitas outras coisas.
Ultimamente, as reclamações de Marisa têm se
transformado em verdadeiros ataques: ela se
descontrola, chora, grita, bate no marido, sai
de casa no meio da noite para ficar andando a
esmo pelas ruas e, frequentemente, ameaça se
matar.

O errado desta situação salta aos olhos, é o


comportamento pouco carinhoso do marido e
o comportamento enlouquecido da esposa. E o
certo desta história onde está? Nos sentimentos.
Marisa não se sente amada, isto é verdadeiro;
Felipe sente que ama Marisa do seu jeito, isto é
verdadeiro. Por trás de todo “comportamento
errado”, existe sempre, sempre mesmo, “um
sentimento certo”. As brigas de casal que tra-
tam, à exaustão, dos comportamentos errados
precisam se transformar em uma conversa
amorosa capaz de focalizar os sentimentos
certos. Reconhecer a verdade do sentimento
do outro, mesmo não concordando com o com-
portamento que ele gera, ajuda a desarmar a
discussão e abre novos espaços insuspeitos na
situação. Felipe não concorda com as crises de
Marisa, mas reconhece que de verdade ela não se
sente amada. Marisa não concorda com a frieza
de Felipe, mas reconhece que do ponto de vista
dele ele a ama. Este reconhecimento mútuo
da verdade do outro coloca a discussão em um
outro patamar de disposição para as mudanças
na relação.
Além de, eventualmente, conseguir mudar
comportamentos, uma boa conversa deve ser-
vir para focalizar sentimentos que são sempre
certas. O que pode ser considerado certo ou
errado são as coisas que as pessoas fazem, mas
o que elas sentem é sempre uma verdade para
elas, e nesse sentido, estão sempre certas. Você
pode pedir para uma pessoa controlar seu com-
portamento, mas não há como pedir para uma
pessoa controlar o que ela sente. Esse negócio de
reconhecer “o certo da pessoa” apesar de discor-
dar “do errado do comportamento” faz milagre,
experimente. Dizer sim para o sentimento e
dizer ndo para o comportamento pode parecer
confuso, mas funciona.

Ceder para chegar ao laco


Entre os tantos segredos para uma relacao
amorosa duradoura e feliz certamente ha um
lugar especial para o ceder. Porém o ceder,
por mais necessario que seja, não é arte para
qualquer um e nem para todas as horas. Quem
cede amorosamente há que ser quase um sábio
para fazer isso sem trair a si mesmo: “Ceder por
ceder, sem alimentar competições, sem guardar
rancor, sem se ver menor, discretamente, sem
colocar outdoor avisando o outro da concessão
permitida” [21], Para ser eficaz, o ceder tem que
ser gratuito, por amor, sem exigéncia de contra-
partida que a relacdo amorosa; não é contabi-
lidade, ou pelo menos não deveria ser. Talvez o
leitor esteja pensando que uma pessoa que cede
não esta sendo auténtica.
Uma personagem do cineasta domingos
Oliveira em um trecho de um de seus filmes, ex-
plica isto muito bem: “A verdadeira liberdade do
homem não é seguir seus instintos, mas suas es-
colhas”. A psicandlise concordaria inteiramente
com isto. E mais uma dificuldade no ceder: ele
não pode ser unilateral.
Diálogo interno
A diferença entre conversa e bate-boca, como
já vimos, é que na conversa a palavra vaivém,
um fala e o outro escuta, depois o outro fala e um
escuta; no bate-boca, os dois falam ao mesmo
tempo e ninguém escuta nada. As conversas
amorosas facilmente viram bate-boca, é normal,
faz parte, é um momento de descarga emocio-
nal, mas é preciso ir além e retomar o ritmo do
vaivém das palavras. Aliás, diálogo significa exa-
tamente isso: a palavra que circula entre duas
pessoas.
Existe, entretanto, um tipo de diálogo em
que a palavra não circula entre as pessoas, ela
só circula dentro da própria pessoa: é o diálogo
interno, um dos fenômenos psicológicos que
mais atrapalham uma conversa amorosa. Todo
ser humano tem o hábito de conversar consigo
mesmo, de travar diálogos imaginários dentro
de sua cabeça, mas o problema é quando esses
diálogos internos são tão intensos que impedem
o diálogo externo. Quando uma pessoa está
muito possuída por suas fantasias, por seus
diálogos internos, acaba não escutando o que o
outro diz, e sim o que teme ou o que deseja.

Existe uma anedota que ilustra bem esta


situacdo. Certa vez um homem viajava de carro
por uma estrada com pouco movimento quando
se deu conta de que um pneu havia furado.
Desceu do carro e se preparava para trocar o
pneu quando verificou que ndo havia macaco
em seu carro. Passado um primeiro momento de
irritacdo, lembrou-se de ter passado por uma
casa a alguns quilémetros antes. Resolveu ir
caminhando até a casa e pedir um macaco em-
prestado. Enquanto caminhava, pensava: e se
o dono da casa ndo quiser emprestar o macaco,
afinal ele não me conhece... não, mas eu tenho
uma aparência distinta, sou confiável... mas,
mesmo assim, ele pode ficar desconfiado, como
vai saber que eu vou devolver o macaco... Bem,
eu posso oferecer um pagamento pelo emprés-
timo ... mas quanto será que ele vai cobrar?...
quem sabe cinquenta reais;... não, cem reais já é
muito; mas eu estou precisando, então... espera
ai, duzentos reais já é um abuso, acho que este
cara vai querer lucrar em cima da minha des-
£raça ... quatrocentos reais é uma exploração,
mas é assim hoje em dia , ninguém confia em
ninguém ... esse cara é um grosso, quinhentos
reais é uma afronta, ele vai ver so...

Enquanto caminhava e pensava, o nosso


homem ia ficando indignado e enfurecido, de
maneira que, quando chegou à casa, bateu vi-
gorosamente na porta, e quando o dono da casa
abriu, tudo o que lhe ocorreu dizer foi: olha
aqui, pegue o seu macaco e enfie naquele lugar.

É exatamente isto que acontece quando não


nos damos conta dos nossos diálogos internos;
confundimos o nosso imaginário com a reali-
dade. Se a pessoa com quem você quer conversar,
ou você mesmo, estiver assim, perdida nos
diálogos internos, vai ser difícil sair uma con-
versa produtiva; e considerando que no campo
amoroso o mais frequente é estarmos mesmo
enredados em nossas fantasias de rejeição ou
de onipotência, convém sempre prestar atenção
para perceber que o que você imagina ser um
diálogo externo não seja apenas a continuação
dos seus diálogos internos, ou dos diálogos in-
ternos da outra pessoa.
Conversar com alguém em diálogo interno
é mais ou menos como telefonar para alguém,
encontrar a linha ocupada e sair falando mesmo
assim: não vai dar em nada, ou pior, vai dar em
bate-boca e desentendimento. Então é interes-
sante, antes de falar, especialmente se o assunto
é importante, verificar se a linha não está ocu-
pada, verificar se o outro está em condições de
escutar. Se o outro não está escutando, do que
adianta você falar? É só forma de descarga emo-
cional, mas não forma de comunicação.
Se a outra pessoa está possuída por seus diálo-
gos internos é melhor esperar um pouco, deixá-
la falar, esperar que ela esvazie para se tornar
receptiva. Paradoxalmente, se você quer dizer
algo para alguém, é melhor, primeiramente, es-
cutá-la.
Mas aí é que mora a encrenca: escutar o outro
implica controlar a própria ansiedade e também
disposição para rever pontos de vistas, o que não
é simples. Certa vez perguntaram a uma mulher
com quem ela travava suas melhores conversa-
ções e ela não teve dúvidas: “Com meu cachorro,
ele me deixa falar”. É fácil amar os animais de
estimação, já amar o ser humano é uma das coi-
sas mais difíceis do mundo.

Certa vez um europeu viajou até a Índia para


conhecer uma Mestre Zen muito famoso.
Quando finalmente chegou à casa do mestre,
pediu que este o iniciasse nos mistérios da filo-
sofia Zen. O mestre concordou em ensinar al-
guma coisa ao visitante, mas antes convidou-o
a sentar-se e tomar com ele uma xicara de chd.
Enquanto o viajante o observava atentamente,
o mestre, calma e silenciosamente, esquentou
a água, colocou as folhas para a infusdo e,
quando achou que o cha estava pronto, come-
çou a colocá-lo na xícara; e não parou quando
o líquido começou a transbordar. Após alguns
instantes, enquanto via o líquido escorrer pelo
mesa, o viajante espantado pensou: como este
homem pode saber tanto sobre os mistérios da
existência se não é capaz de se dar conta de que
a xicara já esta cheia. E o mestre continuou, até
que ndo se contendo mais o viajante chamou
sua atenção apontando nervosamente para a
bagunça que se formava a sua frente. Então
o mestre falou: é assim que está a sua mente,
cheia de teorias e de expectativas sobre o zen,
qualquer coisa que eu disser não vai entrar,
é melhor você ir embora, e volte aqui daqui a
uma semana quando sua mente estiver mais
receptiva.

Como vimos, não basta amar, é preciso falar;


mas falar também não basta, é preciso haver
a escuta, mas também a própria escuta já não
basta, é preciso conferir o significado. Você quis
dizer tal coisa, mas a pessoa, a partir de seus diá-
logos internos, entendeu outra coisa.
Nesse sentido a palavra pertence a quem es-
cuta, é o ouvinte que confere significado ao que
escutou. Geralmente o que uma pessoa escuta é
o que ela teme ou o que ela deseja, raramente es-
cuta o que o outro falou efetivamente.
Este é um dos grandes nós, não apenas do
casamento mas da comunicação humana.
Talvez seja por isto que é preciso dizer tantas
vezes a mesma coisa, repetir o mesmo tema por
palavras diferentes, escutar a outra pessoa falar
sobre o que você disse, numa tentativa de mini-
mizar este problema do eterno mal-entendido
inerente à comunicação humana.
Mais importante ainda do que perceber se
o outro está em diálogo interno é cuidar dos
nossos próprios diálogos internos. Nada é mais
prejudicial a um casamento do que as nossas
fantasias, e infelizmente nada é mais difícil de
ser jogado fora do que essas mesmas fantasias.
Quando pensamos que já nos livramos delas lá
vêm elas novamente com seus temas repetitivos
de grandeza, fracasso, medo, traições e culpas.
É por isso que no casamento nem precisamos
tanto do outro para darmos os nossos nós, fa-
zemos isso sozinhos, ou quase, já que estamos
sempre acompanhados por nossos fantasmas.
Há que se saber colocar um ponto de basta nes-
ses dramas internos.
Os espanhóis possuem uma palavra bastante
sugestiva para essa história do diálogo interno, é
“loquella”, que designa o fluxo de palavras atra-
vés do qual o sujeito argumenta sem cessar em
sua cabeça. Roland Barthes exemplifica:
“..as vezes, em decorrência de uma pequena
bobagem começa na minha cabeça uma febre de
linguagem, um desfile de razões, de interpela-
ções. Na “loquella” nada impede as repetições.
Se por acaso encontro uma frase bem-sucedida,
na qual acredito ter encontrado a sintese de
uma verdade, esta frase se torna fórmula que
repito proporcionalmente à calma que ela me
dá. É eufórico encontrar a palavra certa, eeua
mastigo novamente, me alimento dela, engulo e
regurgito, engulo e desengulo, recomeço.”

Agora imagine se alguém lhe diz algo enquanto


você se encontra nesse estado: simplesmente
você não vai escutar.

Hora certa e lugar certo


Toda hora é hora de conversar, ou existe
hora certa de conversar e momentos em que a
conversa deve ser evitada? É isso mesmo, nem
toda hora é boa para uma conversa amorosa. Do
mesmo jeito que existe carne de primeira, carne
de segunda e carne de terceira, também temos o
tempo de primeira, de segunda e de terceira qua-
lidade. Tempos de primeira são aqueles momen-
tos em que vocé se encontra descansado, bem
disposto, sem grandes preocupacdes, como por
exemplo, numa manha depois de uma boa noite
de sono reconfortante. Ja o tempo de terceira é o
contrario, vocé esta cansado, irritado, com fome,
preocupado e sem paciéncia.
Qual o melhor tempo para uma conversa
amorosa? O tempo de primeira, evidentemente,
mas acontece que no ritmo da vida moderna
cada vez mais damos o nosso tempo de primeira
para o trabalho e deixamos o de segunda, ou de
terceira, para os assuntos familiares e amorosos.
Não é que isto esteja completamente errado,
porque, afinal de contas, se você der o tempo de
terceira para o trabalho, provavelmente vai ter
problemas profissionais e financeiros que vão
acabar abalando a vida familiar e amorosa.
É interessante notar que, na verdade, não
existe esse negócio de vida profissional e vida
pessoal; a vida é uma só, é por isto que precisa-
mos encontrar um tipo de equilíbrio na adminis-
tração do tempo.
Quanto mais o assunto da conversa for im-
portante, mais ele pede um tempo de primeira.
Não é inteligente querer discutir um assunto
supercomplicado, que vai mexer com os ânimos,
quando você ou a outra pessoa estiverem cansa-
dos; aliás, isto é pura sabotagem. É melhor adiar
a conversa do que falar num momento ruim. Há
horas em que a melhor conversa é o silêncio.
Essa história de adiar a conversa nos coloca
uma outra questão: o que é melhor, uma con-
versa marcada ou aquela conversa espontânea,
que rola na hora? Sem dúvida, as conversas es-
pontâneas são muito mais produtivas, por isso,
se puder, evite marcar conversas amorosas: faça-
as acontecer na hora.
Imagine uma situação no trabalho: seu chefe o
chama na sexta-feira à tarde e diz que vocês pre-
cisam ter uma conversa muito importante, mas,
como já é tarde, ele vai deixar para segunda-
feira. Pronto, estragou o fim de semana, você
vai passar o tempo todo conversando com seu
chefe dentro da sua cabeça, e, na segunda-feira,
quando ele ameaçar começar a conversa, você
já vai dar todas as suas respostas: isso já não é
mais uma conversa. Quando as respostas já estão
prontas antes das perguntas temos monólogos a
dois, ou bate-boca, mas não conversa.
No amor também é assim, não ameace com
frases do tipo “precisamos ter uma conversa
séria”, isso não ajuda em nada, apenas coloca a
pessoa na defensiva. Simplesmente converse na
hora que for possível, e se não for uma hora boa
não fale nada, deixe para outra hora, mas não
fique ameaçando, porque pessoas ameaçadas
não conversam, defendem-se e se justificam
antes mesmo de ouvirem a questão.
Uma vez conheci um casal que encontrou a
seguinte solução para a conversa entre eles: esta-
beleceram “o dia da reclamação”. Estabeleceram
que um dia por mês cada um podia fazer todas as
reclamações que quisesse, mas apenas neste dia,
fora dele , sem chances. Não acredito que isso
funcione para todo mundo, mas como funcio-
nou para eles, é capaz de funcionar também para
outros casais.

Lugar apropriado

Será que existe um local mais apropriado que


outro para uma conversa amorosa? Algumas
pessoas sugerem que não se conversem coisas
muito sérias durante as refeições porque faria
mal comer muito nervoso(a). Pode até ser, mas
acontece que é bem complicado evitar, já que na
nossa cultura as situações gastronômicas são
um dos principais pretextos para entabularmos
uma conversa. Quando estamos interessados em
alguém, uma das estratégias é convidar a pessoa
para um jantar; quando queremos conversar
com alguém; costumamos convidá-la para um
cafezinho. Parece que, de alguma forma, sentar-
se à mesma mesa convida a uma conversa.
Como encerrar o assunto?

E como termina a conversa amorosa? A


conversa amorosa, como vimos, serve a vários
propósitos, mas neste livro privilegiamos a fun-
ção de desatadora de nós. Assim, um bom mo-
mento para encerrar é quando o problema, o nó
em questão, tiver sido resolvido, e é isso mesmo
o que acontece, pelo menos em alguns casos.
A conversa amorosa efetivamente é muita
boa para acertar as coisas entre o casal, seja
pela descarga emocional que ela provoca, dimi-
nuindo assim a tensão entre os parceiros, seja
proporcionando uma solução satisfatória para
os desencontros, ou, no minimo, favorecendo
acordos comportamentais que satisfaçam as ne-
cessidades dos dois parceiros.
Mas acontece que muitos problemas de uma
relação amorosa não podem ser resolvidos no
sentido exato do termo, ou seja, muitas vezes
não é possível chegar-se a uma conclusão ou a
uma mudança de comportamento ou de situa-
ção. Por causa disso, tem gente que acha até que
nem vale a pena conversar, dizem “...não vai dar
em nada mesmo... de que adianta falar, as coisas
não vão mudar mesmo”.
Isto é um grande equívoco porque a conversa
amorosa não termina em uma solução. Ela é
valiosa porque no amor não se conversa apenas
para resolver problemas, conversa-se porque é
preciso falar, até sobre aquilo que não pode ser
resolvido, porque é preciso falar confiando que
aquilo que não se resolve se dissolve.
Na prática, a conversa amorosa termina
assim: vai mudando de ritmo, vai ficando mais
devagar, começa a esfriar e para, pronto, acabou,
na maioria das vezes sem grandes conclusões ou
soluções, simplesmente terminou.
Na verdade ela não termina, ela é inter-
rompida, para ser retomada depois, pois uma
conversa amorosa é mesmo coisa de momento,
ela tem ponto de partida, mas não tem ponto de
chegada definido.

O que fazer quando não


resta mais nada a fazer?
Se nos momentos de encrenca do relaciona-
mento você se lembrar de alguma das ideias
apresentadas neste livro, então teremos alcan-
çado nosso objetivo.
O nó só existe porque o ser humano é um
mistério, ao mesmo tempo um problema e um
atrativo: dá vontade de conhecer, de se envolver.
E, além disso, sem o laço e sem o nó não haveria
uma única história de amor, e as histórias de
amor são como as canções de amor: existem vá-
rias, muitas, e estão todas certas .
E o que fazer quando não restar mais nada a
fazer?
Falar...

RELEMBRANDO

Desatando os nós

1. Existem três coisas a se fazer com os


nós: evitar, desatar e atravessar.
2. Luta é tudo o que fazemos para mudar
uma situação.
3. Luto é tudo o que fazemos para su-
portar uma situação que não pode ser
mudada.
. Comece a conversa falando de você, não
do outro.
. A conversa amorosa funciona melhor a
dois, não precisa de plateia.
. Escolha uma boa hora para a conversa,
mas não marque com antecedência.
. Não confunda diálogo interno com con-
versa amorosa.

. Existe o errado da situação e o certo da


pessoa.
. É possível imaginar uma receita para
fazer um homem feliz, para uma mu-
lher, nem isso.
10. A conversa amorosa não serve apenas
para resolver problemas, ela cria uma
ligação amorosa, experimente.
11. A conversa amorosa tem ponto de
partida, mas não tem ponto de chegada
definido, é um caminho de final aberto.
12. O fio que se contorce em forma de nó é
o mesmo fio que tece o laço amoroso;
então, mãos ao laço.
Posfácio

Sou daqueles que acham que escrever é uma


coisa interessante, mas que já ter escrito é me-
lhor ainda, é uma delicia e um alivio ja ter es-
crito. É por causa disso que prefiro um posfácio a
um prefácio.
Sempre considerei uma temeridade escrever
sobre o amor, pois nesse campo se escorrega com
muita facilidade para o banal e para o piegas; eu
mesmo ja escrevi cada bobagem que tenho até
vergonha de contar; que contem meus amigos
dos grupos de poesia e de teatro de que participei
na adolescéncia. Eles sabem.
Mesmo assim não resisti à tentação, ou à
pretensão, e acabei escrevendo este livro sobre
questões amorosas. Tudo começou nos cursos
que costumo ministrar. Geralmente são cursos
sobre ansiedade, depressão, psicologia hospita-
lar, psicanálise, remédios psiquiátricos, e outros
temas do campo da saúde mental. Sorrateira-
mente, o tema do amor e dos relacionamentos
foi se infiltrando nas aulas, primeiramente com
exemplos isolados até se transformar no próprio
tema das aulas.
A partir daí fui recebendo convites para falar
do tema em outros contextos, e surgiu a ideia
de transformar em livro o conteúdo das aulas.
E aqui está. Espero que os leitores gostem tanto
quando os ouvintes.
Mencionei na introdução que este livro tinha
duas fontes principais, a atividade clínica e os
estudos de psicanálise, mas há uma terceira.
Além dessa experiência profissional, há também
a minha experiência pessoal com o meu casa-
mento, que longe de funcionar como um modelo
de soluções, é muito mais um campo de vivên-
cias e de identificações dos nós.
Escrever sobre o amor me fez pensar no meu
próprio casamento, foi inevitável. Na verdade,
acho que é o contrário: por pensar em minha
relação amorosa acabei desejando escrever sobre
ela. Penso que as escolhas e interesses teóricos
de todo autor tém sempre muito a ver com
sua própria vida, esteja ele consciente ou não
disso. O conhecimento é uma função do desejo,
sempre; não existe esta coisa de conhecimento
neutro. Neste sentido, escrever este livro não
foi um ato impune, tive que me encontrar com
meus préprios nds, o que também não deixou de
ter seus ganhos.
Mas este não é um livro apenas sobre o amor,
ele é também sobre a palavra, sobre minha
paixão pela palavra. Você se lembra da primeira
vez em que viu o mar, ou de quando aprendeu
a ler? Eu mesmo só me recordo do mar, ficando
as primeiras letras e palavras diluídas e aumen-
tadas pela imaginação, guardadas em algum
momento mágico de minha infância longínqua
e benfazeja.
Lembro-me, com saudade, das histórias que
meu pai me contava na hora de dormir, e que
tanto me encantavam. A ele meu agradecimento
por isso e por tantas outras coisas que não
cabem nas palavras, porque há de ter sido lá, sem
dúvida, o nascedouro desta paixão pelas pala-
vras - a que me entrego já faz algum tempo.
Esta tal paixão que compartilho prazerosa-
mente com minha mulher, me diverte e me im-
pulsiona. Diverte nas tantas horas de conversa
jogada fora, brincando com as palavras, como
quando resolvemos fundar uma Sociedade de
Proteção às Palavras em Extinção; e impulsiona
no sentido de me levar a colocar em palavras as
ideias que povoam meu trabalho clínico e mi-
nhas reflexões existenciais.
Quero agradecer aos alunos dos meus cursos
que foram os primeiros a me convidar para falar
do amor e que, mesmo sem saber, tanto me
incentivaram a escrever este livro com suas per-
guntas e seus comentários.
Agradeço também aos amigos e colegas que
leram os originais e que contribuíram com suas
críticas e sugestões, embora evidentemente não
possam ser responsabilizados por nenhuma
das ideias que são expostas neste livro: Carolina
Lopes, Eli Borella, Paulete Duraes , Rinaldo
Gama, Ricardo Soares, e Sergio Cabral, um agra-
decimento especial para Marcia Ligia, por suas
valiosas sugestões editoriais, inteligentes e cui-
dadosas ao mesmo tempo.
Dizem que só escrevemos livros sobre outros
livros. É por acreditar nessa verdade que cabe
também um agradecimento especial a todos os
livros que li e que de uma forma que nem eu sei
identificar precisamente me ajudaram a formali-
zar as ideias que desenvolvo no presente texto. A
eles e a seus autores, minha dívida de gratidão e
satisfação proporcionada pela leitura.
Bibliografia comentada

O que quer uma mulher?, de Serge André, Edi-


tora Zahar, 1998.
Neste livro, o psicanalista francês discute se a
psicanálise é capaz de dar uma resposta precisa
a esse enigma. Embora o título seja coloquial,
o texto do livro é bastante teórico e de leitura
difícil. É um livro para quem já conhece alguma
coisa de psicanálise e quer aprofundar-se no
tema.

Contribuições à psicologia do amor, de Sig-


mund Freud (Obras completas Vol. 11 ), Edi-
tora Imago, 1980.
Texto pouco divulgado de Freud, trata das ori-
gens psiquicas do amor neurótico, tenta explicar
por que alguns homens costumam fazer esco-
lhas amorosas complicadas, e também comenta
a tendência universal à depreciação na esfera
do amor. Freud, além de um grande pensador é
também um grande escritor. Seu estilo é claro, e
o texto é, em geral, leve e bastante compreensi-
vel. A fama de leitura pesada e chata que tem a
psicanálise deve-se aos seguidores de Freud, não
a ele.

O prazer de ler Freud, de Juan David Nasio,


Editora Zahar, 1999.
É uma ótima introdução ao mundo da psicaná-
lise como um todo. Nasio, psicanalista argentino
radicado na França, é reconhecido pelo seu estilo
didático e pela capacidade de traduzir as ques-
tões mais obscuras da psicanálise em linguagem
acessível. É um livro curto e de leitura agradável.

Você quer o que deseja, de Jorge Forbes, Editora


Best Seller, 2003.
Uma coletanea de cronicas e de ensaios psica-
naliticos em linguagem acessivel, que explica e
ilustra varios conceitos da psicanalise, em espe-
cial aqueles relacionados ao tema do desejo.

Uma historia intima da humanidade, de Theo-


dore Zeldin, Editora Bestbolso, 2008.
Historiador social, Zeldin traca a evolucdo que
os sentimentos intimos e as relacdes pessoais
sofreram ao longo dos séculos. Assim, ele faz
uma pequena histéria da misericérdia, do ódio,
da conversa, da felicidade , do desejo e muitos
outros sentimentos. Cada capitulo comeca com a
história de uma pessoal real que vivencia o sen-
timento em questão. E uma leitura envolvente.

A cama na varanda, de Regina Navarro Lins,


Editora Best Seller, 2005.
O livro apresenta um estudo histórico sobre
o desenvolvimento do amor no ocidente, e a
partir da experiência clínica de sua autora,
uma psicóloga especializada em sexualidade,
faz uma veemente defesa das novas formas de
relacionamento amoroso que estão surgindo na
atualidade, o poliamor, o casamento aberto, e o
relacionamento virtual.

Fragmentos de um discurso amoroso, de Ro-


land Barthes, Martins Editora, 2003.
Um misto de poesia e de filosofia, um clássico
sobre o tema do amor. O livro apresenta em
primeira pessoa o ser apaixonado falando várias
“figuras” da situação amorosa. Um livro pe-
queno, mas uma leitura contundente; é impossi-
vel não se identificar com as situações descritas
no livro. Vale a pena conferir.

A separação dos amantes, de Igor Caruso, Edi-


tora Cortez, 1989.
O livro analisa o que acontece na vida das
pessoas que terminam uma relação amorosa
apesar de o amor não ter acabado. É um estudo
psicanalítico de leitura um tanto difícil, mas
vale o esforço devido aos insights que proporci-
ona; é uma verdadeira aula sobre os tormentos
psicológicos de uma separação.

Homem cobra, Mulher polvo, de Içami Tiba,


Editora Gente, 2004.
No campo das diferenças entre homem e
mulher, este livro é um verdadeiro achado,
apresenta de forma clara e bem-humorada, as
situações do cotidiano amoroso nas quais as
diferenças mais fazem diferença. O mais impor-
tante é a ideia de que é possível ser feliz apesar
das diferenças. Muito interessante, vale a pena
conferir.
Bibliografia

ANDAHAZI, Federico. O anatomista. Rio de Janei-


ro:Relume-Dumara, 1997.
ANDRE, Serge. O que quer uma mulher? Rio de
Janeiro: Zahar, 1998.
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amoroso. São Paulo: Martins Editora, 2003.
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— Otratamento psiquico (Obras completas, vol
7), Rio de Janeiro: Imago, 1980.
— Sobreasteorias sexuais das crianças (Obras
completas, vol 9), Rio de Janeiro: Imago, 1980.
— Contribuições a psicologia do amor (Obras
completas, vol 11), Rio de Janeiro. Imago 1980.
— Cincoliçõesde psicanálise. (Obras completas,
vol 11), Rio de Janeiro: Imago, 1980.
— Algumas consequências psiquicas da distin-
ção anatômica entre os sexos. (Obras completas,
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