Revista Wired 2021
Revista Wired 2021
Revista Wired 2021
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EM PARCERIA COM
Para buscar esses 50 nomes de áreas distintas, que vão da moda ao metaverso,
fizemos uma viagem pela inspiração brasileira, olhando para nomes de todas as
regiões do país. Ao embarcar nessa caravana, você encontrará formas diversas
de acessar a inovação – e poderá conectar a elas sua vivência, puxando o fôle-
go e a inspiração para o ano que está prestes a se iniciar. Que a experiência de
ler esta revista seja tão transformadora quando a de fazê-la! Boa viagem!
Daniel
Bergamasco
diretor
Paula Guz
CONSELHO DE Head draftLine/Ambev
ADMINISTRAÇÃO
André Mota
Head culture, content & creativity draftLine/Ambev
Frederic Zoghaib Kachar, Markus Grindel,
Rafael Menin Soriano, Cintia Moraes, Lidiane Queiroz de Oliveira
Ricardo Rodrigues, Andre Luis E. Silva Silva Creative Lead draftLine/Ambev
pluralidade é uma das mais potentes qualidades de nosso povo.
Para gerar um impacto profundo na cultura brasileira é preciso, an-
tes de mais nada, garantir que todas as suas nuances estão devida-
mente representadas.
Ao nos unirmos à Wired para criar uma lista de nomes que expandiram a criati-
vidade aqui no país, nosso objetivo é nos deslocarmos do papel de observador
para o de aprendiz: queremos ouvir esses talentos para, então, ajudarmos a po-
tencializar suas mensagens e ações.
E é por isso que esta publicação funciona como um ponto de partida para ou-
tras iniciativas e, também, como um convite para mergulharmos nas suas his-
tórias, que certamente vão nos inspirar no ano que vem por aí. É uma lista que
olha para o futuro, para pessoas a que devemos destinar um olhar atento e que
nos dão muitas razões para brindar.
Como Ambev, a gente tem muito orgulho de ser uma empresa brasileira. Por-
tanto, é uma obrigação honrar nossas raízes e ajudar a melhorar nosso país.
E temos no draftLine a alavanca de transformação do marketing, conectando
nossas marcas ao pulso da cultura do Brasil, através de dados e criatividade.
Parafraseando a Gloria Groove, um dos nomes desta edição: mais vale mostrar
do que explicar. Espero que a Wired, em parceria com o draftLine, seja uma boa
dose de inspiração para o seu 2022.
Daniel
Wakswaser
VP de Marketing Ambev
Mas há uma linha mestra que liga essas 50 pessoas tão diferentes: o
conhecimento. É o elemento que guia a criatividade pelos atalhos mais
surpreendentes. Para o escritor baiano Itamar Vieira Junior, os 16 anos
de trabalho no Incra, órgão estatal do qual é funcionário por concur-
so, foram cruciais para que concebesse “Torto Arado”, por terem lhe
apresentado a rotina, a fibra e o sofrimento das mulheres camponesas.
E autoconhecimento também é ouro. A paraense Rafa Moreira pôde
olhar com mais atenção para outras travestis e retratar o rosto de cada
uma delas, sabendo que não estava fazendo apenas pinturas, mas tra-
balhando questões identitárias que ela explica muito bem em sua en-
trevista neste especial.
10+11
“TORTO ARADO”
JÁ FOI LANÇADO
EM 15 EDIÇÕES
INTERNACIONAIS,
EM PAÍSES
COMO FRANÇA,
ESPANHA,
HOLANDA E
COLÔMBIA
FOTO JOÃO BERTHOLINI
Mas não é suficiente. A artista quer se livrar da pecha
A
lista de feitos da recifense que tem sido um desafio grande fazer com que o mer-
Eduarda Bittencourt faz duvi- cado entenda o meu som desta forma, já que as minhas
dar que ela conte apenas três músicas sempre causaram uma certa estranheza para o
anos de carreira. Neste curto público. A minha vontade desde o início foi de ocupar o
período, a cantora e compositora entrou lugar de diva pop”, conta.
para a lista dos 50 melhores discos nacio- Conquistar novos fãs não significa abandonar suas
nais da revista Rolling Stone em 2018, foi origens. Ao contrário, é uma maneira de levar a cultu-
vencedora do Prêmio Multishow na cate- ra nordestina mais longe. “Grande parte de quem eu
goria Revelação em 2019 e tem a segunda sou se deve ao meu ‘país’ Pernambuco. Toda a minha
apresentação no Rock in Rio confirmada formação musical foi construída pela riqueza cultural
para 2022. deste lugar. Eu carrego isso no meu nome, o Beat, que
Seu segundo álbum, “Te amo lá fora”, lança- vem do movimento manguebeat”, diz. “No novo álbum,
do em abril deste ano, tem elementos que reverencio as minhas raízes em ‘Tu e Eu’, com participa-
justificam o lugar de destaque no cenário da ção de Dona Cila do Coco, um patrimônio do estado. Eu
música brasileira atual. Do piseiro ao coco, quero cada vez mais trazer isso no meu trabalho: honrar
passando pelo maracatu, pelo reggae e o Nordeste, deixar esse legado através da minha arte.”
até pelo pagode, Duda junta referências Formada em ciência política pela Unirio, a cantora de
de universos díspares - e de uma forma tão 34 anos deixou a terra natal aos 18 anos para morar
consistente - que elas nem parecem tão no Rio de Janeiro. Tentou, durante anos, entrar para a
distantes assim. faculdade de medicina, foi hostess em bar, se apaixonou
e não foi correspondida algumas vezes na Cidade Ma-
ravilhosa. A sofrência viria a ser uma das marcas de sua
obra. Já estava presente em “Sinto muito”, seu disco de
estreia, e traz novas nuances no novo trabalho - agora,
o amor que é efetivamente uma troca entre duas pes-
soas aparece em algumas canções, como “Decisão de
te amar”, que fez para o marido e produtor, Tomás Tróia.
Duda é um acontecimento para além da música. Em
cada aparição nos palcos ou no Instagram, segura
visuais para lá de ousados e coloridos. “Adoro me di-
vertir com a moda e entregar os looks que ninguém
espera”, diz ela, que conta com o suporte do stylist
Leandro Porto.
Para a cantora, a internet é um espaço de troca com os
fãs, a quem chama de “bixinhos”, em referência a um
de seus maiores hits. “É muito especial ter pessoas que
acompanham a minha trajetória. Amo ter esse espaço
das redes sociais pra me sentir mais próxima de todos
eles, trocar essas ideias, principalmente durante a qua-
rentena. São tudo pra mim!” E é esse tudo que ela quer
aumentar. PAULA MELO
Aprofundar-se nas
raízes brasileiras é coisa
de musa “alternativa”
e não de estrela
pop? Para rever esse
FOTO DIVULGAÇÃO
conceito, dê o play no
som de Duda Beat
12+13
Com engenharia de
pesca e inteligência
de dados, Ana vem
trazendo uma
nova perspectiva
à piscicultura
no Brasil
“
M
eu negócio é orquestrar
a inteligência coletiva.
Desenhar um caminho
futuro é minha cacha-
ça!”, diz Ana Pires, criadora e CEO do Te-
letanque, um sistema de monitoramento e
gestão para a piscicultura, a prima pobre
no universo do agronegócio, segundo ela.
“É ciência ‘hard’. Junta engenharia de pes-
ca, biologia, dados. Tudo isso me encanta”,
explica. Ao permitir um controle mais pre-
ciso e prático das ações de cada etapa do
negócio - analisando as relações entre a
qualidade da água, produtividade e custos conta. Aos 23 anos, Ana decidiu abrir seu
- a empresa está transformando a criação próprio curso de idiomas na capital baiana.
de peixes por meio de tecnologia. “Passa- Foram 18 anos de sucesso nos negócios,
mos por várias acelerações e chegamos ao recebendo estudantes de todas as áreas
Produto Mínimo Viável (MVP, na sigla em in- e estrangeiros de vários locais do mundo.
ANA PIRES
glês) do software”, conta a empreendedora. Só depois desse tempo ela decidiu que era
O Teletanque é um dos frutos do Clara Idea, hora estudar.
um estúdio de design de inovação que cria, “Até então, eu não havia concluído nenhum
recria e transforma ideias em negócios. A dos cursos superiores que comecei (educa-
empresa usa como ferramentas jogos e mé- ção, comunicação e direito). Em 2000, fui
todos colaborativos de trabalho, no formato estudar administração na Universidade Fe-
design thinking. “Quem gosta de inovação, deral da Bahia (UFBA) e me encantei por
gosta de conhecimento, de encontrar for- inovação”, lembra ela, que depois emendou
mas de ajudar a desenhar um caminho para mestrado e doutorado.
o futuro e de construir o mundo em que a Entre tudo o que inspira Ana - dos estudos
gente quer viver”, explica ela, que se vê hoje até as práticas empreendedoras -, há um
como uma facilitadora. denominador comum: as relações huma-
A trajetória de Ana, como a de muitos em- nas. Pensar em como trazer harmonia para
preendedores, não é uma trilha óbvia. Ao os projetos é o que a estimula e a família é
longo da carreira, ela aprendeu em dife- a base que possibilita tantos voos. “Com
rentes ofícios as ferramentas que usa hoje. 100 anos, minha mãe tem uma super ener-
Do primeiro trabalho como professora de gia ainda. Ela me ajudou com minha filha
inglês, aos 18 anos, no Rio de Janeiro, onde e foi porto-seguro para que eu pudesse
nasceu, passou à direção de uma escola de empreender”, conta. “Tenho outros quatro
ensino de línguas estrangeiras em Salvador, filhos ‘do coração’. Estamos sempre jun-
FOTO DIVULGAÇÃO
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Na nova casa, mal chegou e já assumiu a condução de “Um Ano Inesquecível - Outo-
no”, seu terceiro longa como diretor. “Desejo me comunicar, ter ideias e projetos em
que nem sempre minha melhor contribuição será como ator. Entendi isso ao longo
desses anos de trabalho. Optei em dar esse novo direcionamento para a carreira”, diz.
Ele prepara também a estreia nos cinemas de “Medida Provisória”, uma distopia
racial que imagina um Brasil no qual afrodescendentes seriam mandados compul-
soriamente para a África - um filme de grande força, que conquistou elogios pelos
festivais em que passou e tem os atores negros como maioria no elenco.
O trabalho – que ainda não recebeu licença da Ancine para entrar no circuito
nacional – corrobora o desejo de Lázaro de ver mais pessoas negras em posições
de destaque na arte. “É preciso abrir espaços para os grandes talentos negros
que temos. Eles muitas vezes não têm oportunidade de ocupá-los. Como produtor
essa é também uma das minhas batalhas, que são prazerosas e de muitos ganhos.
Porque os profissionais que eu tenho encontrado ao longo desse tempo são inspi-
foto Pedro Dimitrow/Acervo GQ
Nordeste” o número de seguidores que está apoiando essa conjuntura que oprime as
já atingiu é uma grande conquista. mulheres. O meu compromisso com eles vai
Foi depois de uma demissão, há cerca muito além da sala de aula.” Paula Melo
de cinco anos, que Krauss, nascido e
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OLIVEIRA
alunas da turma, ela tentou artesa- tecnológicas que resolvam problemas da sociedade. A equipe
nato, aulas extras de português e recebeu o nome de Oxente Girls, e, com o Twogether, um apli-
matemática, mas nada a encantava. cativo para aproximar os companheiros e companheiras que se
Até que ficou sabendo que um gru- sentem excluídos do processo de gestação de um filho, venceu a
po de estudantes mais velhos estava etapa regional da competição.
participando de uma competição de Para ela e suas sócias, o momento é de amadurecimento. A equipe
robótica. Maravilhada com o assunto, de competição se transformou em uma empresa de verdade, que
conseguiu se inscrever para partici- oferece a construção de sites e softwares. “Em uma pandemia,
par no ano seguinte. E surpreendeu a momento de forte crise, ninguém espera muita coisa, mas esse
todos. Em poucos meses de estudo, foi foi um período de muitas oportunidades para nós”, diz a jovem.
escalada para fazer parte do time que “Como muita gente começou a empreender, ganhamos clientes
iria representar o Brasil na olimpíada e tivemos a chance de pensar melhor no nosso negócio.” Antes,
mundial desse ramo da ciência, a Ro- como cursavam o Ensino Médio em período integral, não tinham
boCup, na Alemanha. Conquistou o 8° muito tempo para investir na estratégia. Ao se formar, a equipe se
lugar na categoria júnior. Depois, com- debruçou sobre questões como a própria captação de clientes e
petiu em três campeonatos nacionais, a jornada de atendimento.
ganhando medalhas de ouro e bronze, Comunicadora habilidosa, Duda se viu também alegremente
e foi convidada a disputar a RoboCup surpresa ao receber convites para fazer palestras em eventos.
2017 no Japão, onde ficou no 8° lugar “Eram lugares que eu frequentava, antes, como espectadora, e
mundial – e no 1° das Américas. agora me chamam para o palco”, diz. “O mais legal é que não
As surpresas em torno do prodígio da sou convidada para cumprir tabela. Sinto que a sociedade está
tecnologia estavam apenas come- realmente de olhos e ouvidos abertos para o que tenho a di-
çando. Fez o Ensino Médio na Esco- zer sobre tecnologia.” Saber que alguém se inspirou nela para
la Técnica Estadual do Porto Digital criar algo novo a emociona.
de Recife, um dos mais importantes Em 2022, aos 18 anos, Duda vai para a faculdade. Foi apro-
parques tecnológicos do Brasil. Em vada na licenciatura em computação na UFRPE (Universidade
2019, juntou-se a três colegas para Federal Rural de Pernambuco). “Acho incrível poder associar a
foto divulgação
participar do Technovation Challen- minha missão, o meu objetivo de vida, aos meus estudos e ao
ge, uma competição idealizada pela meu trabalho”, conta. “Quero cada vez mais mostrar como a
ONG americana Iridescent para en- tecnologia está em todo lugar. Assim, damos uma contribuição
gajar meninas na criação de soluções para mudar o mundo.” denyse godoy
A empreendedora baiana
projetou a plataforma Aarin
para dar estrutura a lojistas
os 31 anos, a baiana Ti-
para proverem os clientes de
ciana Amorim é sócia de serviços financeiros sem a
dois negócios: uma finte-
ch e uma escola de dan- necessidade de pagar tarifas
ça, em Salvador. O que esses projetos
têm em comum? Uma mente inquie-
aos bancos
ta e inovadora na liderança. “Tenho
ideias o tempo todo. Geralmente ten-
to quebrar paradigmas, então pego
uma coisa que parece chata, da qual ção de rua em Salvador, uma inspiração para que a neta fizesse
as pessoas não gostam, e a transfor- trabalhos voluntários diversos – da participação em uma ONG
mo”, explica. que constrói casas até a realização de projetos educacionais
Foi o que fez uma década atrás, crian- com aulas de matemática e ciências.
do, produzindo e dirigindo o musical O sistema de transferência automática de dinheiro Pix se mos-
“The Amazon”. Nessa primeira expe- trou, para ela, um ótimo instrumento de inclusão financeira e
riência como empreendedora, uniu social. “Possibilita que eu coloque uma plaquinha com um QR
sua paixão pela dança (à qual se de- Code na barraca de um vendedor de coco, e o cliente pode pa-
dica desde os três anos), a formação gar o produto usando o celular. O dono do negócio não precisa
de produtora cultural e algumas fer- de uma maquininha de cartão que ele não sabe operar. Quando
ramentas mercadológicas que apren- recebe por Pix, ele pode ver seu faturamento passar dos R$ 100
deu a utilizar na empresa júnior da por dia para R$ 200. Quem sabe um dia esse comerciante consi-
faculdade de comunicação. “Quando ga sacar o dinheiro numa lotérica. Isso traz dignidade.”
você sente o gostinho da liberdade, Assim nasceu a Aarin, uma plataforma que oferece estrutura
do empreender, é muito difícil aceitar a lojistas para proverem os clientes de serviços financeiros
um estágio para preencher planilhas, sem a necessidade de contratar bancos – nem de pagar tari-
no qual mentes brilhantes costumam fas que inviabilizem o negócio. Lançada em janeiro deste ano,
ser subutilizadas”, reflete. “Percebi a Aarin já recebeu investimento pré-seed de R$ 2 milhões e
que podia juntar o meu lado analítico também conquistou grandes clientes, como Hard Rock Café,
e racional com o criativo. Vi que na Gregory e Desinchá. Ticiana acabou de ganhar um concurso
arte havia business.” nacional do Sebrae para representar o Brasil na maior com-
Ticiana saltou do mundo artístico petição de startups do mundo.
foto divulgação
para o universo das fintechs usando “Se me perguntarem se amo o mercado financeiro, vou dizer que
o trampolim da preocupação social, não. Não gosto de regulamentação. Mas a possibilidade de de-
que diz ter herdado da família. A avó safiar o status quo e implantar humanidade nos processos me
preparava quentinhas para popula- fascina”, diz Ticiana. Marcela Guimarães
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GOES
zika e o HIV quando, em fevereiro de
2020, liderou o grupo de cientistas
que em apenas 48 horas conseguiu Jaqueline Goes usou a
fazer o sequenciamento do genoma
do novo coronavírus – em outras loca- projeção conquistada com
lidades, o tempo médio, então, era de
15 dias. A técnica utilizada pela equi-
seu trabalho na pandemia
pe brasileira havia sido introduzida no para se tornar uma
país quatro anos antes pela pesqui-
sadora Ester Sabino, veterana com influenciadora
quem Jaqueline trabalha no Instituto
de Medicina Tropical da Universidade
do conhecimento nas
de São Paulo (USP). “O mapeamento redes sociais
é o ponto e partida para acompanhar
a evolução da doença e desenvolver
medicamentos e imunizantes. Jaque- Com quase 200 mil seguidores no Ins-
line costuma dizer que tão recom- tagram, Jaqueline está com a agen-
pensador quanto o próprio trabalho da lotada e só vai conseguir voltar a
é explicar o que os cientistas fazem e analisar pedidos de participação em
como contribuem com a sociedade.” palestras e afins no segundo trimestre
O reconhecimento aos feitos da bio- de 2022. Enquanto isso, usa o prestígio
médica veio de diversas maneiras. que conquistou nas redes sociais para
Jaqueline foi uma das vencedoras informar o público a respeito da evolu-
do Prêmio Capes de Teses de 2020 ção da Covid-19, das variantes do vírus
com seus achados acerca da vigi- e das formas de prevenção da doença,
lância genômica de vírus em tempo apoiando também a luta antirracista
real. Virou personagem da Turma e homenageando a mãe e os amigos.
da Mônica junto com Ester, em uma “A biomédica aproveita o espaço e a
criação do cartunista Mauricio de influência para passar as mensagens
Sousa, e uma de seis bonecas Bar- que julga importantes”, diz. Uma de-
bies inspiradas em cientistas lança- las é explicar que o conhecimento é
das pela fabricante americana de construído a longo prazo. Assim, da
foto divulgação
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Teixeira
sua obra
deficiência de Carolina
Teixeira a levou para a
arte. Quando tinha so-
mente nove anos, um
AVCI (Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico) paralisou seus membros
esquerdos. Mas a restrição aos mo-
vimentos não limitou a vida – ela en-
controu sua missão em uma carreira
que tem como matéria-prima a ex-
pressão corporal. artística e lembra das conquistas das quais participou. Em
Doutora em artes cênicas, a potiguar 2005, foi diretora do Roda Viva Cia. de Dança, que nasceu
lançou em 2011 o livro “Deficiência nos anos 1990 na UFRN (Universidade Federal do Rio Gran-
em Cena”, em que coloca em dis- de do Norte) com fins terapêuticos e acabou virando uma
cussão como artistas com alguma companhia com integrantes com e sem deficiência. Na sua
limitação conseguem ocupar espa- gestão, o grupo fez parcerias em coreografias com Carlinhos
ços na arte contemporânea, além de Jesus, Domingos Montagner, Luis Arrieta, entre outros.
de criticar o modo como acontece a “Na época dos ‘super corpos’, com companhias como a da
inclusão na dança e na performance. Deborah Colker, os espetáculos do Cirque du Soleil, que eram
Para a pesquisadora e coreógrafa, o auge da fisicalidade, aparecem vários corpos tortos. Gosto
essas questões continuam relevan- desse termo. Aparecemos, dançamos e educamos coreógra-
tes no Brasil dez anos depois. “Aqui fos com repertório”, diz.
ainda se entende a inclusão sob A frustração com os tratamentos também aparece em sua
a velha ótica da oportunização. A obra. “Vivi processos de violência a ponto de desistir de me
criação de oportunidades, as con- reabilitar. Voltei para a fisioterapia somente há quatro anos”,
cessões sociais para que as pessoas conta a artista, que a partir dessas experiências desenvolveu
achem que estão incluídas. Mas, no a exposição “Poética Protética”, que atualmente pode ser
caso da deficiência, essa visão criou vista na galeria do Núcleo de Artes e Cultura da UFRN. São
foto marcelo santana
um dano muito grande, porque aca- vídeos com danças, performances, fotografias e instalações
bou assistencializando o que na ver- com órteses e próteses que levam ao público o que Carolina
dade é de direito”, explica Carolina. chama de estética da experiência. “São exemplos de sensa-
Apesar da crítica, Carolina reco- ções, experiências de vida. Pedimos para tentar existir toda
nhece a importância da tentativa vez que saímos de casa. E que consigamos voltar para a casa
de inclusão de deficientes na cena existindo. Todo santo dia pedimos isso.” Carolina Farias
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er mulher negra é
experimentar essa Cocriadora do portal
condição de asfixia
social.” A frase de
e festival Ocupação Afro.
Sueli Carneiro, filósofa, escritora e Futurista e líder da Diver.ssa,
ativista antirracismo do movimento
social negro brasileiro, é a razão Itala Herta tem a força
pela qual Itala Herta trabalha dia-
riamente para ser ar fresco, injeção
de uma multidão
de ânimo, oportunidade e coragem
para as mulheres pretas empreen-
dedoras do Brasil. Ao se perguntar
sempre “Quem vai se beneficiar vestimento e conexão focada no acolhimento e no bem-es-
com a minha criatividade?”, a baia- tar mental e emocional para mulheres empreendedoras e
na de 34 anos estabelece suas de- intraempreendedoras. “Acredito que a regeneração econô-
cisões pessoais e profissionais. mica do Brasil vem daqui, do Norte e do Nordeste. Os recur-
Cantora de rap e ativista, Itala se sos precisam ser mais bem investidos e descentralizados da
transfigurou em produtora musical, região Sudeste”, afirma.
empreendedora social, co-funda- Isso significa que as oportunidades que surgem para os seus
dora da Vale do Dendê, a primeira próprios negócios e para os das pessoas com quem trabalha
aceleradora de negócios do Nor- precisam ser muito bem avaliadas. “Me ajuda muito ajudar
foto Raul Spinassé
deste com foco em diversidade, mulheres, porque eu me reconheço nelas e muitas vezes as
co-criadora do portal e festival suas perguntas são as minhas também”, diz Itala. Da mesma
Ocupação Afro.Futurista e líder da maneira, o sucesso das empresas que acelera é comemo-
Diver.ssa, autodefinida como uma rado como seu e reforça a crença que move o trabalho da
plataforma de aprendizagem, in- ativista: sim, é possível. Thais Hannuch
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Silva
combater os preconceitos. Seu traba-
lho reflete essa filosofia: é uma moda O olhar para a
brasileira e democrática. Desfiles e en-
saios fotográficos têm como protago- diversidade trazido
nistas pretos e indígenas, com corpos
de proporções variadas; a equipe de
por Isaac Silva faz
trabalho é majoritariamente compos- com que suas criações
ta por mulheres; e a matéria-prima é
prioritariamente daqui do país. movimentem muito mais
Sempre acreditando no seu axé
(força, energia), o estilista se mudou
que o guarda-roupa
para São Paulo e conseguiu estágios de seus fãs; elas os
em lojas do bairro do Bom Retiro, tra-
dicional reduto de confecções, e em motivam a ver dentro
marcas famosas. Fez uma nova facul-
dade e outros cursos na área. Com
de si mesmos
o olhar atento para a diversidade
e para as origens ancestrais, Isaac
conquistou um espaço importante a pandemia. Com 32 anos, veste personalidades como as can-
na moda brasileira. toras Elza Soares, Gaby Amarantos e Luedji Luna. Está em sua
Em 2015, lançou sua primeira coleção segunda collab com as Havaianas, e suas coleções já passaram
foto João Bertholini
autoral na Casa de Criadores, acredi- pela São Paulo Fashion Week. A segunda loja, na mesma cidade
tando que “a gente não faz nada sozi- da primeira, será inaugurada em dezembro de 2021. Nos planos
nho – ubuntu”. Em 2019, abriu a pri- estão também uma no Rio de Janeiro e outra, claro, em Salvador.
meira loja física na capital paulista e a “Espero seguir levando a positividade e as boas energias da mi-
loja on-line, que se fortaleceu durante nha marca para mais gente”, diz. Camilla Salmazi
30 31
res Indígenas Sateré Mawé (Amism) e que não sabe falar, é burro, é pre-
integrante do Fridays for Future Brasil guiçoso, vive numa oca… Essa é uma
– movimento fundado pela sueca Gre- construção da colonização que ainda
ta Thunberg –, Samela foi eleita ativis- é ensinada nas escolas em 2021.”
ta do ano na edição 2021 do prêmio Usando sua palavra, sonha em mudar
Geração Glamour. de vez essa visão. Cristiane Marsola
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A palavra “zwanga”, de origem banto, africana, significa “o que é meu; o que me per-
tence” – e parecia perfeita para representar o projeto que Rejane desejava cons-
truir. “Precisava ser um nome que tivesse sentido para mim. Então, passei a criar
modelos e a vender pertencimento”, explica. “Sou mulher, preta, gorda, mãe-solo, de
periferia e nortista. Queria que mulheres como eu pudessem encontrar roupas para
vestir o seu corpo real, e que não estão nas lojas de departamentos.”
O processo de produção da estilista tenta ser o mais simples, barato e acessível
possível. Sua máquina de costura se chama Euvira: “Elvira noite costurando!”, ri.
Quando uma mulher não tem condições financeiras, a estilista pergunta quanto
ela pode pagar pela peça. “O importante é a afetividade. Tem gente que fala:
‘Você deve estar cheia da grana!’, pelo fato de a Zwanga ter tantos seguidores
(alguns posts no Facebook chegaram a atingir 400 mil visualizações), mas eu gos-
to de dizer que meu foco não é fazer fortuna, é cuidar das pessoas.” Seu trabalho
levou o Prêmio Empreendedores 20/21 da Central Única das Favelas (Cufa).
O banco da praça Veiga Cabral, no centro de Macapá, foi o primeiro ponto de
venda dos turbantes coloridos de Rejane. Ali também se formou uma comuni-
dade em torno do propósito da Zwanga: resgatar a autoestima e salvar vidas.
Em setembro de 2020, Rejane teve um acidente vascular cerebral (AVC) e ficou
com parte do corpo paralisada. Não conseguia confeccionar suas peças e foi
atrás de uma costureira da cidade que também passava por dificuldades. “Era
uma moça com histórico de rejeição; superou três episódios de câncer, sofria
preconceito por ser portadora do HIV e estava desempregada. Ela fez ques-
tão de frisar que tinha HIV, como se fosse um problema. Eu disse: ‘Olha, a única
questão é que, se a gente for fazer amor, teremos que nos cuidar mais, com pre-
servativo’, conta a estilista. As duas caíram na gargalhada.
Rejane evita falar sobre cifras ou investimentos para o futuro do seu negócio,
mas diz ter planos “diferentes de outros empresários”, porque o foco da Zwan-
foto divulgação
ga são as pessoas. “Meu sonho é vestir mais mulheres pretas de todo o Brasil.
Quero sentar numa plateia e assistir a desfiles de outras mulheres empreende-
doras, mães, reais. Quero deixar de ser palestrante e ouvir outras histórias de
sucesso”, afirma. Marcela Guimarães
Um dos pilares de seu trabalho é a fotografia. Aliás, de seus trabalhos, no plural. Ela é tam-
bém perita criminal em sua cidade natal, Belém, em uma rotina que se tornou base visual e
conceitual de muitas de suas produções. Contradições brasileiras, contrastes entre a far-
tura e a miséria, a violência e a paz, o poder e a submissão. “Durante a pandemia, trabalhei
em um presídio, e foi realmente impactante ver a diferença entre estar confortavelmente
isolado em casa e estar recluso dentro de uma cela de 3 metros por 4, com 12 a 15 pessoas.
Essa experiência me ajudou a olhar a quarentena de outra forma”, conta. “Só sei trabalhar
com questões coletivas, e a violência é uma questão coletiva que me arrebata.”
O contato diário com a morte deixa claro o paradoxo de sentimentos que a violência en-
volve. “Há muito tempo observo o poder que a violência tem de se tornar íntima. A pande-
mia também foi um tipo de violência; o descaso do poder com a população e a quantidade
foto divulgação
de mortes foram brutais, mas infelizmente, aos poucos, as pessoas foram se acostumando,
e já não se abalavam mais com os óbitos nem quando os números chegaram à casa de seis
dígitos”, diz. Se a vida imita a arte, ninguém melhor do que Berna Reale para fazer arte
imitando a vida. Thais Hannuch
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“A Sheyla é uma
grande ferramenta
s decoradores preten-
para reverberar a
siosos e clientes arma-
dos com mil referências
minha voz.”
do programa “Irmãos a
Obra” são a matéria-prima para o hu-
mor da arquiteta esnobe Sheyla Cristi-
na. Com tiradas rápidas e afiadas, ela O momento que vive é especial, mas Fábio não se deslumbra. Gasta dinheiro sem
dá conselhos, faz cenas hilárias e torna pressa, mora de aluguel com o namorado, Wesley, e até outro dia não tinha passapor-
mais leve um assunto que pode intimi- te. Nos planos estão fazer cursos no exterior e conhecer a Grécia. “A internet é muito
dar algumas pessoas. volátil. Não serei a ex-subcelebridade que faz tudo para aparecer. Por isso estou indo
Com perucas variadas, maquiagem, atrás da minha estabilidade.” Em meio à agenda cheia de gravações e compromissos
cavanhaque e bigode, o intérprete publicitários, Fábio segue em seu ofício, como um dos sócios do estúdio Ohma e dire-
Fábio Marx é o talento que levou a tor de criatividade da aceleradora Archademy. A convivência entre criador e criatura
personagem a se aproximar da casa saiu do mundo virtual: Sheyla já participou de eventos de arquitetura e decoração
de 2 milhões de seguidores no Insta- (como a Casa Vogue Experience). Assim, o designer negro e gay que passou por epi-
gram e no TikTok. A inspiração veio de sódios de preconceito na profissão agora faz o setor olhar para si mesmo e refletir
profissionais arrogantes com quem já sobre o que é ser diferente. Fernando Beagá
trabalhou ao atuar como designer de
interiores, mas em princípio a ironia
não foi clara o suficiente. “Essas pes-
soas se identificavam e me elogiavam.
Foi quando percebi que estava home-
nageando quem me fazia mal. Então,
comecei a falar de racismo, machismo
e homofobia. Esse segundo momento
da Sheyla se aproxima de mim e tam-
bém reproduz falas de grandes mulhe-
foto divulgação
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dos navios negreiros que saíram a única menina negra de uma escola particular, aqui do Rio de Janeiro, levou uma
do continente africano no passado. foto do meu acervo para a escola, e todos concordaram que a imagem era linda.
“Pessoas pretas têm medo do mar, Aquela menina que sofria com racismo e bullying também era linda. A partir daí,
existem pesquisas sobre isso. E as a criança passou a ser tratada de uma nova forma.” Marcela Guimarães
kim
na confecção de roupas por atacado. nhos de corpos. “Nunca tive a intenção de atingir um público-alvo
Mas isso ainda era pouco para o ta- específico. A ideia de fazer roupas unissex surgiu por uma ques-
lento da estilista, que queria aprender tão de praticidade na nossa viagem. Nós levamos uma mochila
mais. Ao se casar, em 2017, ela e o ma- pequena e pensamos em coisas que eu e o Adrien pudéssemos
rido, Adrien, viajaram seis meses pela compartilhar”, conta a estilista.
Ásia, onde surgiu a inspiração para a Por trabalhar de forma praticamente artesanal, desde o con-
criação da própria marca, com foco ceito até a confecção, Kelly diz que o processo para o lança-
no trabalho artesanal e na sustentabi- mento de uma coleção leva meses – a recém-lançada, Summer
lidade. “Conhecemos cooperativas de Bichos, começou a ser elaborada em janeiro, com estampas
mulheres no Vietnã que faziam roupas feitas exclusivamente para a marca “Fazer a mão leva a tempo
através do cânhamo (tipo de fio natu- e resgata em mim tudo o que eu vivi, o que passei até hoje”,
ral). Aprendemos todo o processo de diz ela, que tem quatro produtos fixos no seu catálogo (calças,
colher, transformar a fibra em tecido e shorts, kimono e camisa) e agora lançou uma camiseta. “Gosto
tingir”, conta. de ficar inventando.”
Quando voltou para o Brasil, Kelly As peças grandes e ultracoloridas são outra característica da
pegou os lenços que comprou na via- grife. Os tamanhos maiores e confortáveis surgiram porque Kelly
gem, juntou alguns retalhos de tecido percebeu que muitas pessoas queriam usar as suas criações, mas
e começou a costurar algumas cria- elas não serviam. “O nosso corpo é uma mídia, um quadro numa
foto divulgação
ções. Assim surgiu a Calma, no chão galeria. A gente se comunica com a roupa, e as cores têm o poder
de casa, no final de 2018, com roupas de fazer as pessoas felizes. Então, para mim, é muito importan-
confortáveis, coloridas, sem gênero e te empoderar as pessoas por meio da vestimenta para que elas
voltadas para todos os tipos e tama- mostrem o que realmente são.” Fernanda Bassette
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Rueda
isso subvertendo a visão mais comum
sobre um restaurante sofisticado.
“Resgatamos o protagonismo do por-
co, que foi a primeira moeda de troca
no Brasil. Utilizamos o animal por intei-
ro, do focinho ao rabo, estudando, nos
aprofundando e fazendo dessa cozi-
Onde os outros enxergavam
nha o ponto de partida para mostrar o restos, o chef da Casa do
que temos de melhor”, explica.
E aí está um dos pontos importan- Porco viu a alta gastronomia
tes do trabalho do chef: seu impacto
social. “Precisamos utilizar o nosso
- e com esse convite à uma
maior dom da forma mais verdadei- mesa mais sustentável ele fez
ra, genuína e transparente possível.
Como cidadãos privilegiados, temos o melhor restaurante do país
esse dever de ajudar.” Isso vai além
de um conceito - é mão na massa.
Com mais três casas sediadas no
pulsante centro da capital paulista usar da nossa energia, da nossa imagem e do nosso sucesso
(o Bar da Dona Onça, a lanchonete para tentar minimizar a fome do corpo, da alma e da mente”,
Hot Pork e a Sorveteria do Centro), afirma ele, que distribui diariamente centenas de marmitas às
Jefferson e sua esposa e sócia, Janaí- populações mais vulneráveis do centro de São Paulo.
na, enxergam o abismo social todos É também pelas raízes caipiras que buscou a cura para a depres-
os dias; o conflito entre a miséria e a são, se isolando no sítio recém-adquirido em sua cidade natal,
riqueza. “É muito difícil e doloroso ver onde pode pescar, caminhar e descansar. “Sou hiperativo, ansio-
isso diariamente. Temos parcerias so, e hoje trato isso de maneira transparente. Ser super criativo é
com algumas ONGs e projetos da muito bom, mas também pode causar alguns transtornos para os
região, estamos sempre trabalhando quais precisamos sempre estar atentos. Hoje eu lido muito bem
foto Pedro Dimitrow/acervo gq
em conjunto com eles por aqui. Atual- com isso, me cuido, me medico, e consigo canalizar essa energia
mente o projeto com o qual estamos para a criatividade. Atuo mais como um professor do que como
mais engajados é ‘O pão do povo chef dentro da minha cozinha. Aprendi a ter paciência para en-
da rua’, que ajuda a cuidar tanto da sinar e me encontrei nesse lugar, que é muito bom”, reflete. A su-
fome física da população mais vul- peração pessoal, no fim das contas, vale mais do que qualquer
nerável quanto da saúde mental de prêmio ou presença em lista importante. “Lutar contra uma de-
todos nós que estamos envolvidos pressão e me manter criativo e ativo na minha profissão são o
ali. Não há dúvidas de que temos que meu maior orgulho.” Thais Hannuch
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MILHAZES
está com você desde que nasceu. É importante para trazer novas questões para o trabalho e manter-se
você interessado em sua prática”, diz
a autora de “Meu Limão”, que bateu o
recorde de mais cara obra de um arti-
sta brasileiro vivo (R$ 10 milhões) em
um Leilão da Sotheby’s, em 2012.
Ela vibra em ver a obra “Pink Opera”
estampando a cortina de segurança
da Ópera de Viena de outubro até o
fim da temporada, em junho do ano
que vem. É um painel de 173 metros
quadrados, que separa o palco da
plateia e pode ser apreciado no início,
no fim e nos intervalos do espetáculo.
É a primeira artista latino-americana
a receber um convite para esse proje-
to, chamado “Museum in Progress”.
No período de reclusão na pandem-
ia, nasceu uma série de sete desen-
hos para a mostra “Beatriz Milhazes:
Avenida Paulista”, no Masp. Já de vol-
ta ao ateliê, a artista terminou as pin-
turas para a mostra “Beatriz Milhazes:
Ballet em Diagonais”, que foram ex-
postas até o fim de novembro no Long
Museum, em Xangai.
A brasilidade segue como um pon-
to fundamental de sua projeção em
outros continentes. “Diria que, há uns
dez anos, pude falar que sou uma ar-
tista brasileira, mas internacional. Isso
não se resume a expor ou atuar fora
foto Christian Gaul
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Ingrid recentemente lançou sua au- A vivência despertou em Ingrid a veia ativista. Em 2017, ela fundou a EmpowHer
tobiografia, “A Sapatilha que Mudou NY, instituição voltada ao empoderamento feminino, e, no ano passado, criou o gru-
Meu Mundo”, contando sua jornada. po Blacks in Ballet, que apoia artistas pretos. “Já conseguimos dar algumas bolsas.
Aos oito anos, entrou para o projeto Eu mesma vim de um projeto social, então retribuir, para mim, é importante.”
social Dançando para não dançar. Além de inspirar meninas negras que sonham com as sapatilhas, Ingrid hoje é
Passou pela Escola Estadual de Dan- também exemplo para outro público: as bailarinas que desejam ser mães. Se-
ça Maria Olenewa, do Theatro Muni- gundo ela, as profissionais enfrentam resistência das companhias em aceitar
cipal do Rio de Janeiro, foi bolsista no que elas tenham filhos. “Muitas perdem o emprego ou não ficam grávidas por-
Centro de Movimento Deborah Col- que seu lugar de trabalho não aceita essa questão. É bom verem que consigo
ker e estagiou no Grupo Corpo. Seu estar no palco e ser mãe”, diz.
destaque maior, no entando, aconte- Mesmo com tanto sucesso, falta a ela realizar um sonho: apresentar-se no Thea-
ceu na companhia nova-iorquina. “Se tro Municipal do Rio de Janeiro como profissional. “Na verdade, o sonho está
foto DIVULGAÇÃO
diretores (dos grupos) não fossem ficando cada vez maior, porque, agora, a ideia é fazer um show com bailarinos
pessoas brancas, se enxergassem negros naquele palco. Ainda quero promover um festival só de bailarinos ne-
além do corpo europeu, eu teria tido, gros no Brasil. Só preciso que empresários brasileiros queiram investir na arte.
talvez, essa oportunidade mais cedo.” Juntem-se a nós, vamos fazer história!” Carolina Farias
raças à mãe que ado- mas digitais, é algo que o motiva. “O rap é uma mina de dia-
rava livros, Cesar Le- mantes, tem tanto valor a agregar à música apesar de, mui-
mos tomou cedo gos- tas vezes, ter sido completamente marginalizado e excluído
to por boas histórias. do que a gente chama de ‘música brasileira’. Eu o enxergo
Seu meio de contá-las, porém, é o como um movimento extremamente relevante.”
rap, primeiro nas poesias e depois Gustavo Oliveira
nas batalhas de MCs no estado do
Espírito Santo, onde nasceu e vive
até hoje.
O jovem do Morro do Quadro, no
centro da capital capixaba, ba-
talhou literalmente para ver seu
nome conhecido nos quatro cantos
do país. Campeão do Duelo Nacio-
nal de MC’s em 2017, em Belo Ho-
rizonte, e vice do Campeonato Na-
cional de Poesia Falada SLAM BR,
em 2018, construiu um trabalho
artístico que mistura referências
bíblicas e a realidade da periferia
conectando-se com outros grandes
nomes. Gravou com dois membros
do Racionais MCs, Edi Rock e KL
Jay, com Djonga e com Emicida,
que o considera uma inspiração.
O álbum “Dai a Cesar o que É de
Cesar”, lançado em plena pande-
mia, atingiu 6 milhões de visuali-
zações no YouTube, plataforma
na qual um hit de dois anos atrás,
“Canção Infantil”, soma mais de 41
milhões de views.
“Meu processo de escrita é um pou-
co mais demorado. É vivido. Precisa
haver uma história de vida que pos-
sa ser traduzida no papel. Eu quis
respeitar o que estava sentindo no
momento, tanto que o álbum (‘Dai
a Cesar’) traz muito conflito. Me
permiti ser frágil e botei minhas an-
gústias ali”, explica ele, que deixou
foto divulgação
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Dantas
Inoculando outras cabeças”, diz.
“Se uma única pessoa sair de uma
exposição que fiz com vontade de
fazer alguma coisa a partir daquilo,
iência, tecnologia, história, política e inovação se a minha ambição estará cumprida.”
misturam no trabalho do curador Marcello Dan- Estão entre as grandes realizações
tas, que há mais de 30 anos constrói exposições o Museu da Natureza, na Serra
artísticas surpreendentes no Brasil e em outros da Capivara, no Piauí, o Museu da
países com a produtora cultural Magnetoscópio. “A nossa Língua Portuguesa, em São Pau-
capacidade de absorver o mundo está diretamente ligada lo, e o Museu das Minas e do Me-
à de vivenciarmos experiências. Como a pandemia deixou tal, em Belo Horizonte. As mostras
bem claro: não paramos de trocar informações, mas para- permanentes neles instaladas têm,
mos de trocar experiências, e a vida ficou muito rasa.” em comum, o convite para que os
Com o olhar direcionado ao ser humano de uma maneira visitantes interajam com as peças
ampla, sem se ater a regionalismos, ele acredita que a sen- o estímulo aos cinco sentidos. Esse
sibilidade é um instrumento de decodificação do entorno – tipo de obra também permite ao
processo influenciado, também, pelos lugares que cada um curador o exercício prático de sua
tem a chance de conhecer. “Minha família por parte de mãe paixão pela união entre ciência e
falava espanhol, e a noção de pátria, limite, geografia sem- arte. “Esse encontro é um dos mais
pre foi muito difusa para mim. Acho isso bom, porque fiquei lindos da história. A ciência dá um
mais permeável a entender, depois, como cada lugar aporta propósito investigativo e a arte dá
algo para a identidade, e de que forma todas essas identi- uma razão poética. O ser humano
dades são ricas”, diz. tem essas duas coisas, uma mistura
foto Bob Wolfenson
Todo esse aprendizado Marcello faz questão de retornar de curiosidade e necessidade de ex-
para a sociedade com seu trabalho. “A energia que consu- pressão”, diz Marcello. Em 2022, ele
mimos é emprestada. Tudo aquilo que o mundo pôde me vai pôr toda essa motivação a servi-
dar, as viagens, as oportunidades, os recursos, foi empres- ço do Museu da Favela, na capital
tado e precisa ser devolvido. Como eu pago essa conta? paulista. Ednaldo da Fonseca
O garoto da periferia
que se tornou um ídolo
internacional do Free Fire
hoje comanda negócios em
expansão com faturamento
milionário, e leva com ele
outros jovens talentosos
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se dedicar à criptoarte, movimento do Uno descobriu esse universo quando nitora o sono. O filtro do Instagram é
qual é um dos pioneiros no país, atre- procurava uma solução eletrônica uma realidade aumentada. Já estamos
lando seu trabalho ao NFT (token não para vender os quadros do pai, o artis- vivendo em uma segunda camada.”
fungível, na sigla em inglês, que resu- ta plástico João de Oliveira. Referên- Fernando Beagá
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O ator também usa a internet para amor e o que é ser referência. Para crianças é um absurdo”. Atualmen-
retratar um modelo de paternidade reforçar essa imagem, criou com a te, o canal soma mais de 3 milhões
afetuosa e real. Pai de Amora, do seu mulher a animação “Hora do Bléc”, de visualizações no YouTube.
casamento com a diretora Yasmin que tem um menino negro como Yasmin Leal
Mineira de Belo Horizonte, a mais ve- de fazer mais pessoas diversas entrarem.” Com sua abor-
lha de quatro irmãos e “filha da Ma- dagem, ela busca mais oportunidades para quem, apesar
ria das Dores e do Valtemir”, como do talento, a vista da meritocracia não alcança. “Se há
gosta de enfatizar, ela pensou que alguém que precisa do conhecimento que adquiri, são
encontraria um cenário diferente esses profissionais. O Brasil é desigual e precisamos
quando desembarcou em São Pau- criar pontes.” Fernando Beagá
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DJONGA
foto divulgação
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gem e cabelo para quem, como ela, humanidade em todos nós. “Que-
não se enxergavam em outras blo- ro mostrar que todo mundo erra,
gueiras. Aos poucos, os questiona- acerta... Combater os estereótipos,
mentos chegaram à autoestima, ao especialmente sobre as mulheres
racismo e às injustiças sociais, e daí negras.” Mostrar a evolução de sua
sua produção passou a abarcar to- vida, de estudante a jovem profis-
dos os temas que julga relevantes. sional a mãe solo de crianças ado-
“Ninguém é só ativista. Os meus se- tadas, tem o mesmo propósito. Pelo
guidores entenderam que sou uma alcance e poder dessa mensagem,
pessoa de múltiplos gostos e inte- Gabi, com o De Pretas, acaba ser
resses”, diz a influencer, hoje com eleita a melhor blogueira de diver-
foto DIVULGAçÃO
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de todas as instâncias
estimulem a prática nos
espaços públicos
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Lacerda
unhado em 1992, no livro
de ficção científica “Snow
Crash”, o termo metaverso
se tornou repentinamente
a palavra-chave da vez. Trata-se do Lacerda está explorando o metaverso há tempos. Antes, esteve à
universo virtual onde é possível intera- frente de vários projetos pioneiros da internet brasileira, como o
gir com pessoas por meio de avatares, portal Terra e a agência F.biz. O interesse pela ciência nasceu na
simulando um ambiente ou um evento infância, inicialmente por inspiração do pai, piloto da FAB (Força
real - uma conferência, um churrasco, Aérea Brasileira) que cursou engenharia no ITA (Instituto Tecno-
um show. Um marco dessa tecnologia lógico de Aeronáutica). “Quando
está sendo a Expo Dubai, que come- eu tinha uns 8 ou 10 anos, ganhei um brinquedo que era para
çou em outubro e vai até março de crianças mais velhas. Chamava-se Engenheiro Eletrônico e ensi-
2022. Todo o ambiente da exposição nava a montar circuitos. Eu amei aquele negócio.
universal - cada loja, árvore ou rua - foi Sempre fui muito curioso e muito espantado com as coisas. Para
digitalizado, de forma que é possível a maioria das pessoas as coisas não são um choque como são
visitá-la de qualquer lugar do mundo. para mim”, conta. Aos 18 anos, ele começou a escrever progra-
Por trás desse case, está a Magnopus, mas. “O projeto que eu levei seis meses para fazer hoje um garoto
que tem entre os sócios Marcelo La- faz em duas horas ou talvez 15 minutos”, diz.
cerda (e também Ben Grossman, ven- O avanço tecnológico segue encantando Lacerda. Ele aposta
cedor do Oscar de Efeitos Visuais, em nas novidades que a IoT (sigla em inglês para internet das coisas)
2012). vai possibilitar, como usar o infravermelho para “ler” que alguém
Fundada em 2013, a empresa é espe- está mentindo ou “ver através das paredes”, por meio de câme-
cializada em criação de imagens com- ras instaladas em todos os lugares. “Atualmente, nós estamos
putadorizadas bastante realistas, em trabalhando nesses projetos. Daqui a 10 ou 20 anos, quando
produções como “O Rei Leão”, da Dis- chegarem óculos especiais, será um layer digital superposto ao
ney, e na criação de experiências imer- mundo físico. Vai mudar tudo”, prevê. Com isso, é como se a capa-
sivas, a partir de realidade aumenta- cidade de processar
da e virtual - a convite da NASA, criou informação dos computadores passasse a ser uma extensão da
uma visita on-line à Estação Espacial mente humana. “O mundo está no limiar de uma nova revolução
Internacional. cognitiva.” Cristiane Marsola
O curitibano formado em
administração de empresas
e educação física lidera
as operações da startup
MadeiraMadeira, o maior
foto Guilherme Pupo
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nica mulher à fren- sediados em São Paulo. Sua cozinha é conhecida pela
te de um restau- criatividade potente e sofisticada de seus pratos. O cevi-
rante com estrela che feito de carne de caju, a feijoada encapsulada, a sopa
Michelin” é mais fria de jabuticaba que leva lagostim - são todos encontros
um dos títulos acompanhados da inusitados, que em seu menu se tornam uma festa para o
expressão “única”, no feminino, com paladar.
o qual a chef Helena Rizzo costuma Para 2022, o grupo planeja implementar uma parceria
ser apresentada - e que ela não vê com o restaurante Open Taste, comandado por chefs e
a hora de se tornarem coisa do pas- refugiados, para a criação de um programa de estágio
sado. Primeiro, diz, porque ela não para imigrantes. “Quanto a projetos pessoais, adoraria
chegou lá sozinha. “Tem outras pes- escrever um livro. Vamos ver se acho tempo”, diz. “Sempre
soas, inclusive mulheres, que fazem procuro passar tempo de qualidade com a minha filha,
parte da minha equipe. Sem elas eu Manuela. Gosto de almoçar com ela, levá-la à escola, à
não teria chegado aonde cheguei.” pracinha... Durante os meses de gravação do MasterChef
Depois, por ver à sua volta outras [programa da Band no qual é jurada], me dediquei 100%
mulheres incríveis. “Temos muitas a isso. Assim que terminou a temporada, voltei correndo
chefs maravilhosas no nosso país para a cozinha do Maní. Eventualmente, tenho compro-
que são merecedoras de reconheci- missos comerciais, como a gravação de um curso online
mento internacional. Veja pelo prê- que estou finalizando neste momento, jantares aqui no
mio 50 Best da América Latina, que Brasil, e, às vezes, no exterior. Sempre que dá, vou para a
aconteceu recentemente [e desta- praia e acho um tempinho para ler e ouvir música.”
cou Bárbara Verzola, do capixaba Nascida em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Helena
Soeta, e Paola Carosella, do paulis- teve seu primeiro trabalho como modelo aos 16 anos. Foi
tano Arturito, entre outras]. Espero a profissão que a trouxe para São Paulo e que a fez pro-
que, juntas, possamos incentivar curar alguns bicos para pagar as contas. Assim, começou
cada vez mais lideranças femininas a trabalhar como garçonete da banqueteira Neka Men-
e que logo essa não seja nem mais na Barreto. Aos poucos, a moda deu lugar à cozinha. Na
uma questão a ser respondida”, diz sequência, vieram os estágios no Roanne, de Emmanuel
a gaúcha. Bassoleil, e no Gero, do grupo Fasano. Aos 21 anos, foi
Helena é chef-executiva do Grupo convidada para chefiar a cozinha do Na Mata Café. “A
Maní, uma holding com dois res- essa altura, eu já tinha me encontrado na gastronomia e
taurantes (o Maní e o Manioca) e decidi que queria estudar e adquirir experiência.” Juntou
duas unidades da padaria Padoca dinheiro, viajou para a Europa, e estagiou em restauran-
do Maní, empreendimentos todos tes na Itália e na Espanha. Quando voltou ao Brasil, em
2004, achou que era hora de abrir o próprio restaurante.
Em 2006, surgia o Maní, que tem como sócios Pedro Pau-
foto Robson Seba
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O time do Wired Festival Brasil está sempre em busca dos nomes e dos
temas que estarão nas próximas discussões cruciais no país. Por meio de-
les, a nossa viagem de experiência e conhecimento não termina nunca.
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Duda Ticiana Jaqueline TUkumà Andrezza
Oliveira Amorim GOes Pataxó Rodrigues
Pernambuco Bahia Bahia Bahia Ceará
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Carolina Felipe Itala Isaac Rafa
Teixeira Felix Herta Silva Moreira
Rio Grande do Norte Paraíba Bahia Bahia Pará
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Samela Rejane Berna Paulo Fábio
Mawé Soares Reale Vieira Marx
Amazonas Amapá Pará Goiás Mato Grosso do Sul
44 48 50 52 53
Ana Maria Kondzilla Wendy Kunumi Kelly
Arsky Andrade MC Kim
Distrito Federal São Paulo Rio de Janeiro São Paulo São Paulo
54 56 57 58 60
Gloria Elisa Lucinda Jefferson Fernando Pedro
Groove Rueda Paiva PacÍfico
São Paulo Espírito Santo São Paulo São Paulo São Paulo
61 62 64 65 66
Beatriz Ingrid Cesar MarcelLo Nobru
Milhazes Silva MC Dantas
Rio de Janeiro Rio de Janeiro Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo
68 70 71 72 74
TatÁ Uno Babi David Amanda
Werneck Oliveira Junior Graciano
Rio de Janeiro Rio de Janeiro Minas Gerais Rio de Janeiro Minas Gerais
75 76 80 82 84
Djonga Gabi Pedro Barros José Dirlene
Oliveira Falero Silva
Minas Gerais Rio de Janeiro Santa Catarina Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul
86 87 88 90 92
Maria Augusta Marcelo Robson Alphonse Helena
orofino Lacerda Privado Voigt Rizzo
Santa Catarina Rio Grande do Sul Paraná Paraná Rio Grande do Sul