Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Revista Wired 2021

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 100

2

0
2
1

EM PARCERIA COM

Uma viagem pela


criatividade brasileira
em 50 nomes

Untitled-38 1 09/12/2021 16:51:41


2-3 .indd 2 09/12/2021 18:50:27
Pelo Brasil, com
os multiplic adores
da criatividade

uando dois ingredientes saborosos da comida brasileira, mas de


etapas tão diferentes do menu, se encontram no mesmo prato,
qual o resultado? Nas mãos do chef Jefferson Rueda, até torresmo
de pancetta coberto com goiaba se torna uma iguaria gastronô-
mica e a preparação ajudou a colocar seu restaurante entre os melhores do
mundo no momento.

A criatividade, em uma de suas definições mais comuns, é a capacidade de jun-


tar elementos ou ideias que em princípio não têm nada a ver entre si – mas que,
graças à habilidade de quem une as duas ou mais pontas, acabam dando liga.

Se há invenção, portanto, é preciso haver conexão. E esta é a palavra-chave


dos 50 nomes que ilustram as páginas seguintes desta segunda edição da re-
vista Wired no Brasil. São mais que pessoas criativas – são 50 multiplicadores
da criatividade, pela forma que concatenam não apenas ideias, mas que se
conectam a outras pessoas, inspiram quem está à sua volta e fazem com que
esses encontros tenham a potência de uma reação química, em que A + B vira
um alfabeto inteiro.

Para buscar esses 50 nomes de áreas distintas, que vão da moda ao metaverso,
fizemos uma viagem pela inspiração brasileira, olhando para nomes de todas as
regiões do país. Ao embarcar nessa caravana, você encontrará formas diversas
de acessar a inovação – e poderá conectar a elas sua vivência, puxando o fôle-
go e a inspiração para o ano que está prestes a se iniciar. Que a experiência de
ler esta revista seja tão transformadora quando a de fazê-la! Boa viagem!

Daniel
Bergamasco
diretor

2-3 .indd 3 09/12/2021 18:50:27


EDIÇÕES | GLOBO CONDÉ NAST
DIRETORA-GERAL Paula Mageste
ASSISTENTE EXECUTIVA Marcia Caetano

PUBLICIDADE COLABORARAM NA EDIÇÃO

Diretora de negócios DIRETOR DE CONTEÚDO REPÓRTERES


Anita Castanheira Daniel Bergamasco Camilla Salmazi
acastanheira@globocondenast.com.br Carolina Farias
EDITORA-CHEFE Cristiane Marsola
Gerente de estratégias comerciais Denyse Godoy Ednaldo da Fonseca
Flavia Gozoli Fernanda Bassette
fgozoli@globocondenast.com.br EDITOR Fernando Beagá
Leandro Nomura Gustavo Oliveira
Executiva comercial responsável Livia Venaglia
Rafaela Pascowitch DIRETOR DE ARTE Marcela Guimarães
rpascowitch@globocondenast.com.br Gian Lucca Amoroso Paula Melo
Thais Hannuch
REVISORA
ESTÚDIO DE CRIAÇÃO Célia Arruda ILUSTRADORA DE CAPA
Manuela Eichner
DESIGNER
Coordenação Alana Sala
Marina Chicca
mchicca@globocondenast.com.br

Planejamento parceria comercial


Karina Mendes Cardoso
kmcardoso@globocondenast.br
Cristina Naoumovs
Diretor de arte Consultora de Criatividade – Apego.inc
Palmiro Domingues
pfilho@globocondenast.com.br Daniel Wakswaser
VP de markerting Ambev

Paula Guz
CONSELHO DE Head draftLine/Ambev
ADMINISTRAÇÃO
André Mota
Head culture, content & creativity draftLine/Ambev
Frederic Zoghaib Kachar, Markus Grindel,
Rafael Menin Soriano, Cintia Moraes, Lidiane Queiroz de Oliveira
Ricardo Rodrigues, Andre Luis E. Silva Silva Creative Lead draftLine/Ambev
pluralidade é uma das mais potentes qualidades de nosso povo.
Para gerar um impacto profundo na cultura brasileira é preciso, an-
tes de mais nada, garantir que todas as suas nuances estão devida-
mente representadas.

Ao nos unirmos à Wired para criar uma lista de nomes que expandiram a criati-
vidade aqui no país, nosso objetivo é nos deslocarmos do papel de observador
para o de aprendiz: queremos ouvir esses talentos para, então, ajudarmos a po-
tencializar suas mensagens e ações.

E é por isso que esta publicação funciona como um ponto de partida para ou-
tras iniciativas e, também, como um convite para mergulharmos nas suas his-
tórias, que certamente vão nos inspirar no ano que vem por aí. É uma lista que
olha para o futuro, para pessoas a que devemos destinar um olhar atento e que
nos dão muitas razões para brindar.

O fato de trazermos nomes de todas as regiões do Brasil, com equilíbrio de raça


e gênero, e curadoria de equipes locais, nos orgulha porque não existe criati-
vidade sem diversidade. Nesse sentido, montar esse perfil diverso não foi uma
virtude nossa, mas uma obrigação. E, se queremos construir um futuro mais in-
clusivo, a diversidade tem de ser como o ar: algo que não precise ser destacado
numa carta. É uma responsabilidade imensa. Mas comemoramos isso que esta-
mos construindo.

Como Ambev, a gente tem muito orgulho de ser uma empresa brasileira. Por-
tanto, é uma obrigação honrar nossas raízes e ajudar a melhorar nosso país.
E temos no draftLine a alavanca de transformação do marketing, conectando
nossas marcas ao pulso da cultura do Brasil, através de dados e criatividade.

Fico aqui, pois este espaço é de todas e de todos.

Parafraseando a Gloria Groove, um dos nomes desta edição: mais vale mostrar
do que explicar. Espero que a Wired, em parceria com o draftLine, seja uma boa
dose de inspiração para o seu 2022.

Daniel
Wakswaser
VP de Marketing Ambev

5 CARTA AMBEV.indd 5 09/12/2021 18:48:49


Untitled-55 2 09/12/2021 18:55:11
Onde tudo começa

aremos a partida na região Nordeste para essa viagem


pela criatividade brasileira. Se você também tem refletido
sobre como arejar suas ideias, abra bem a janela: observe
não apenas o que estes 50 nomes (elencados após uma
ampla pesquisa com especialistas de diversas áreas) possuem em co-
mum, mas o que faz cada um ser único.

Há os superespecialistas que, embora dediquem a vida a um só tema,


trilham múltiplos caminhos para fazê-lo, e existem aqueles que recalcu-
laram a rota em mais de uma estação.

Mas há uma linha mestra que liga essas 50 pessoas tão diferentes: o
conhecimento. É o elemento que guia a criatividade pelos atalhos mais
surpreendentes. Para o escritor baiano Itamar Vieira Junior, os 16 anos
de trabalho no Incra, órgão estatal do qual é funcionário por concur-
so, foram cruciais para que concebesse “Torto Arado”, por terem lhe
apresentado a rotina, a fibra e o sofrimento das mulheres camponesas.
E autoconhecimento também é ouro. A paraense Rafa Moreira pôde
olhar com mais atenção para outras travestis e retratar o rosto de cada
uma delas, sabendo que não estava fazendo apenas pinturas, mas tra-
balhando questões identitárias que ela explica muito bem em sua en-
trevista neste especial.

Ouvir e aprender com outras vivências – e, assim, valorizá-las – são ati-


tudes que abrem estradas de possibilidades. Seja qual for o destino da
sua criatividade, o aprendizado é sempre onde tudo começa.

Untitled-55 3 09/12/2021 18:55:11


Foi mais por probabilidade do que por acaso. As chances de Pedro Álvares
Cabral desembarcar no Nordeste do Brasil eram bem maiores do que em
qualquer outro lugar do país. O litoral dos nove estados faz desta a região
brasileira com a maior faixa costeira: são 3.338 quilômetros de praias.
E é por ser banhado pelas águas do Oceano Atlântico e pelas do rio São
Francisco que o Nordeste – com uma área total de 1,5 milhão de quilômetros
quadrados, o equivalente a 18% do território nacional – viu brotar as primeiras
atividades econômicas do país: primeiro com pau-brasil e cana-de-açúcar, e
hoje com castanha-de-caju, cacau, algodão e frutas tropicais. Além disso, o
Nordeste é berço de artistas da música à literatura, como Gilberto Gil, Jorge
Amado e Ariano Suassuna.
A economia pujante fez do local a segunda região brasileira mais populosa,
com 57,6 milhões de habitantes, e a terceira mais rica – nesse quesito, ocupou o
primeiro lugar até meados do século XVIII.

Untitled-3 2 09/12/2021 11:59:53


NOR
DES
Untitled-3 3
TE
09/12/2021 11:59:53

T
orto Arado”, a obra

ITAMAR VIEIRA JUNIOR da literatura de ficção


brasileira de maior su-
cesso em muito tempo,
nasceu pelas mãos de um garoto
de 16 anos. Era a idade que Itamar
Vieira Junior tinha quando escreveu
o primeiro rascunho do livro, que
não empolgou as pessoas mais pró-
ximas, acabou escanteado e depois
perdido em uma mudança. Tempos
depois, ele reiniciou o texto do zero
– e, atualmente com 42 anos, até
agradece o fato de tê-lo perdido,
pois a nova versão veio muito mais
potente.
A obra conta a história das irmãs
Bibiana e Belonísia. Um acidente
com uma faca escondida em uma
mala sob a cama da avó sela uma
ligação entre as duas para sempre,
em uma trama que revela muitas
das chagas nacionais, inclusive o
trabalho em condições análogas à
escravidão. Com mais de 250 mil
exemplares vendidos, o livro da edi-
tora Todavia é um fenômeno que
está ganhando o mundo. Já foi lan-
çado em 15 edições internacionais
(em países como França, Espanha,
Holanda e Colômbia) e levou Itamar
a viajar o mundo. Ele participou re-

Em 16 anos de centemente da Feira Internacional


do Livro de Guadalajara, no México.
trabalho no Incra, o Em breve, a saga deve ganhar tam-
bém outras plataformas. A Paranoid
escritor conheceu a BR, do cineasta Heitor Dhalia, ga-
força das mulheres rantiu os direitos para o audiovi-
sual. E a adaptação teatral também
camponesas e já está em curso.
É uma nova rotina para o geógrafo
deparou com que trabalha há 16 anos no Instituto
questões brasileiras Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra). Essa experiência foi
fundamentais. fundamental para sua criação: “Traba-
lhei com educação no campo durante
Essa foi a base do muitos anos, com assistência técnica
maior fenômeno da para trabalhadores rurais, com docu-
mentação de trabalhadoras rurais que
literatura brasileira acompanhei por muito tempo. A força
que as camponesas têm despertou
em muito tempo muita coisa em meu projeto literário”.

10+11
“TORTO ARADO”
JÁ FOI LANÇADO
EM 15 EDIÇÕES
INTERNACIONAIS,
EM PAÍSES
COMO FRANÇA,
ESPANHA,
HOLANDA E
COLÔMBIA
FOTO JOÃO BERTHOLINI
Mas não é suficiente. A artista quer se livrar da pecha

DUDA BEAT de musa alternativa e ser abraçada pelo mainstream.


“Eu acredito muito que pertenço ao pop. Não vou negar

A
lista de feitos da recifense que tem sido um desafio grande fazer com que o mer-
Eduarda Bittencourt faz duvi- cado entenda o meu som desta forma, já que as minhas
dar que ela conte apenas três músicas sempre causaram uma certa estranheza para o
anos de carreira. Neste curto público. A minha vontade desde o início foi de ocupar o
período, a cantora e compositora entrou lugar de diva pop”, conta.
para a lista dos 50 melhores discos nacio- Conquistar novos fãs não significa abandonar suas
nais da revista Rolling Stone em 2018, foi origens. Ao contrário, é uma maneira de levar a cultu-
vencedora do Prêmio Multishow na cate- ra nordestina mais longe. “Grande parte de quem eu
goria Revelação em 2019 e tem a segunda sou se deve ao meu ‘país’ Pernambuco. Toda a minha
apresentação no Rock in Rio confirmada formação musical foi construída pela riqueza cultural
para 2022. deste lugar. Eu carrego isso no meu nome, o Beat, que
Seu segundo álbum, “Te amo lá fora”, lança- vem do movimento manguebeat”, diz. “No novo álbum,
do em abril deste ano, tem elementos que reverencio as minhas raízes em ‘Tu e Eu’, com participa-
justificam o lugar de destaque no cenário da ção de Dona Cila do Coco, um patrimônio do estado. Eu
música brasileira atual. Do piseiro ao coco, quero cada vez mais trazer isso no meu trabalho: honrar
passando pelo maracatu, pelo reggae e o Nordeste, deixar esse legado através da minha arte.”
até pelo pagode, Duda junta referências Formada em ciência política pela Unirio, a cantora de
de universos díspares - e de uma forma tão 34 anos deixou a terra natal aos 18 anos para morar
consistente - que elas nem parecem tão no Rio de Janeiro. Tentou, durante anos, entrar para a
distantes assim. faculdade de medicina, foi hostess em bar, se apaixonou
e não foi correspondida algumas vezes na Cidade Ma-
ravilhosa. A sofrência viria a ser uma das marcas de sua
obra. Já estava presente em “Sinto muito”, seu disco de
estreia, e traz novas nuances no novo trabalho - agora,
o amor que é efetivamente uma troca entre duas pes-
soas aparece em algumas canções, como “Decisão de
te amar”, que fez para o marido e produtor, Tomás Tróia.
Duda é um acontecimento para além da música. Em
cada aparição nos palcos ou no Instagram, segura
visuais para lá de ousados e coloridos. “Adoro me di-
vertir com a moda e entregar os looks que ninguém
espera”, diz ela, que conta com o suporte do stylist
Leandro Porto.
Para a cantora, a internet é um espaço de troca com os
fãs, a quem chama de “bixinhos”, em referência a um
de seus maiores hits. “É muito especial ter pessoas que
acompanham a minha trajetória. Amo ter esse espaço
das redes sociais pra me sentir mais próxima de todos
eles, trocar essas ideias, principalmente durante a qua-
rentena. São tudo pra mim!” E é esse tudo que ela quer
aumentar. PAULA MELO

Aprofundar-se nas
raízes brasileiras é coisa
de musa “alternativa”
e não de estrela
pop? Para rever esse
FOTO DIVULGAÇÃO

conceito, dê o play no
som de Duda Beat
12+13
Com engenharia de
pesca e inteligência
de dados, Ana vem
trazendo uma
nova perspectiva
à piscicultura
no Brasil


M
eu negócio é orquestrar
a inteligência coletiva.
Desenhar um caminho
futuro é minha cacha-
ça!”, diz Ana Pires, criadora e CEO do Te-
letanque, um sistema de monitoramento e
gestão para a piscicultura, a prima pobre
no universo do agronegócio, segundo ela.
“É ciência ‘hard’. Junta engenharia de pes-
ca, biologia, dados. Tudo isso me encanta”,
explica. Ao permitir um controle mais pre-
ciso e prático das ações de cada etapa do
negócio - analisando as relações entre a
qualidade da água, produtividade e custos conta. Aos 23 anos, Ana decidiu abrir seu
- a empresa está transformando a criação próprio curso de idiomas na capital baiana.
de peixes por meio de tecnologia. “Passa- Foram 18 anos de sucesso nos negócios,
mos por várias acelerações e chegamos ao recebendo estudantes de todas as áreas
Produto Mínimo Viável (MVP, na sigla em in- e estrangeiros de vários locais do mundo.

ANA PIRES
glês) do software”, conta a empreendedora. Só depois desse tempo ela decidiu que era
O Teletanque é um dos frutos do Clara Idea, hora estudar.
um estúdio de design de inovação que cria, “Até então, eu não havia concluído nenhum
recria e transforma ideias em negócios. A dos cursos superiores que comecei (educa-
empresa usa como ferramentas jogos e mé- ção, comunicação e direito). Em 2000, fui
todos colaborativos de trabalho, no formato​ estudar administração na Universidade Fe-
design thinking. “Quem gosta de inovação, deral da Bahia (UFBA) e me encantei por
gosta de conhecimento, de encontrar for- inovação”, lembra ela, que depois emendou
mas de ajudar a desenhar um caminho para mestrado e doutorado.
o futuro e de construir o mundo em que a Entre tudo o que inspira Ana - dos estudos
gente quer viver”, explica ela, que se vê hoje até as práticas empreendedoras -, há um
como uma facilitadora. denominador comum: as relações huma-
A trajetória de Ana, como a de muitos em- nas. Pensar em como trazer harmonia para
preendedores, não é uma trilha óbvia. Ao os projetos é o que a estimula e a família é
longo da carreira, ela aprendeu em dife- a base que possibilita tantos voos. “Com
rentes ofícios as ferramentas que usa hoje. 100 anos, minha mãe tem uma super ener-
Do primeiro trabalho como professora de gia ainda. Ela me ajudou com minha filha
inglês, aos 18 anos, no Rio de Janeiro, onde e foi porto-seguro para que eu pudesse
nasceu, passou à direção de uma escola de empreender”, conta. “Tenho outros quatro
ensino de línguas estrangeiras em Salvador, filhos ‘do coração’. Estamos sempre jun-
FOTO DIVULGAÇÃO

onde ainda vive. tos, nos ajudando. Meu marido também é


O lado empreendedor foi descoberto na empreendedor, o que facilita demais a ca-
juventude. “Propor novos caminhos e trazer minhada”, conta a empresária.
ideias diferentes sempre foi a minha praia”, MARCELA GUIMARÃES
ramos Ao assumir o cargo de showrunner
no streaming e preparar a estreia
do longa “Medida Provisória” nos
cinemas, o ator quer deixar de ser uma
exceção – e trazer mais pessoas negras
para brilhar e contar suas histórias

14 15

Untitled-7 2 09/12/2021 12:06:51


“O Lazinho do
enino sonha com
coisas que a gen-
te cresce e não vê
jamais”, canta o
sambista Roberto Ribeiro na letra da Garcia é o que
melhor me descreve.
música “Todo menino é um rei”. Esse
garoto poderia muito bem ser o ator
baiano Lázaro Ramos. “Essa liberda-
de e esse motor que a criatividade
de uma criança tem é algo que eu O menino que
brincava ali e
persigo sempre”, conta o ator, apre-
sentador, diretor de cinema e teatro,
produtor, roteirista e escritor.
Com 35 anos de carreira e 17 anos na
Globo - com papeis de destaques em morava numa casa
com quintal”
séries e novelas, como “Sexo Frágil”,
“Mister Brau” e “Cobras & Lagartos” -
Lázaro foi para a Amazon Prime como
showrunner, responsável por coman-
dar as séries, da escolha do diretor
ao roteiro. “É um prazer e um desafio.
Esse cargo significa que dentro das
comunicações eu posso ocupar quase
todas as funções. É lindo, potencializa
minhas ideias, mas é preciso organi-
zação, foco e inspiração. Espero ter
forças para realizar esse sonho.”

Na nova casa, mal chegou e já assumiu a condução de “Um Ano Inesquecível - Outo-
no”, seu terceiro longa como diretor. “Desejo me comunicar, ter ideias e projetos em
que nem sempre minha melhor contribuição será como ator. Entendi isso ao longo
desses anos de trabalho. Optei em dar esse novo direcionamento para a carreira”, diz.
Ele prepara também a estreia nos cinemas de “Medida Provisória”, uma distopia
racial que imagina um Brasil no qual afrodescendentes seriam mandados compul-
soriamente para a África - um filme de grande força, que conquistou elogios pelos
festivais em que passou e tem os atores negros como maioria no elenco.
O trabalho – que ainda não recebeu licença da Ancine para entrar no circuito
nacional – corrobora o desejo de Lázaro de ver mais pessoas negras em posições
de destaque na arte. “É preciso abrir espaços para os grandes talentos negros
que temos. Eles muitas vezes não têm oportunidade de ocupá-los. Como produtor
essa é também uma das minhas batalhas, que são prazerosas e de muitos ganhos.
Porque os profissionais que eu tenho encontrado ao longo desse tempo são inspi-
foto Pedro Dimitrow/Acervo GQ

radores e muito competentes.”


O artista também aponta como orgulho de sua carreira o último de seus quatro li-
vros, o primeiro para o público adulto. Em “Na Minha Pele”, lançado em 2017, La-
zinho, como gosta de ser chamado, divide reflexões com o leitor e o convite para se
colocar no lugar do outro. Mas quem explica melhor o Lázaro adulto é ainda a crian-
ça. “O Lazinho do Garcia (bairro onde cresceu em Salvador) é o que melhor me des-
creve. O menino que brincava ali, morava numa casa com quintal e que encontrava
seus amigos para contar histórias. Esse ainda sou eu.” Carolina Farias

Untitled-7 3 09/12/2021 12:06:52


Krauss
criado em João Pessoa, capital da Paraíba,
começou a criar vídeos para as mídias sociais
por sugestão dos amigos. “A gente começou
a fazer o canal do Professor Krauss meio que
na brincadeira mesmo para falar de filosofia,
mas misturando a linguagem, com gíria, re-
senha. Ali, estava um cara apaixonado pela
educação e que queria continuar dando aula,
só que numa ‘sala de aula’ bem maior, em uma
plataforma como o YouTube”, lembra.
Quando começou a ensinar, aos 18 anos
(hoje tem 38), não existia Enem ainda e filo-
sofia e sociologia praticamente não caiam no
vestibular. “Ali, eu já tive um insight de tentar
mostrar que a utilidade daquele conteúdo
não estava restrito a uma prova, ele era um
relevante pra vida. Esse discurso não era su-
ficiente, pois a maioria eram adolescentes. Aí
eu comecei a encontrar links nas coisas que
eles gostavam. Comecei a utilizar cinema,
quadrinhos, música para mostrar que as coi-
sas eram todas carregadas de filosofia e de
sociologia”, conta o docente que, em 2019,
foi um dos selecionados pelo Youtube Nex-
tUp, projeto que reúne criadores de conteú-
do voltados para a educação que despon-
tam na plataforma. Por conta dos vídeos que
O professor que divulga faz, também chegou ao GNT, no programa
Sociedade do Cansaço, lançado em setem-
conhecimento intelectual bro e baseado na obra de Byung-Chul Han.
aprofundado na internet Além das aulas em vídeo, tem turmas em cur-
sinhos, terceiros anos e até do nono ano em
com a leveza e a emoção uma das escolas. Dá aulas em João Pessoa,
Campina Grande (Paraíba) e até no Recife
de boa uma série (Pernambuco), para onde vai semanalmente.
Com a rotina puxada, costuma ler livros e ou-
vir audiobooks durante suas viagens.
“Acredito no poder revolucionário da educa-
ormado em filosofia, história, ção. Acho interessante quando estudamos
relações públicas e relações revoluções, que pessoas foram às ruas para
internacionais, o professor lutar pelos seus direitos, para gritar por liber-
Krauss, nome “artístico” do dade, mas existe uma revolução tão profunda
Márcio Lima do Nascimento, está cur- e até mais ampla do que essa que é quando
sando a quinta graduação, em psicolo- a gente consegue mostrar para uma pessoa
gia. No currículo acadêmico, ainda tem que ela consegue pensar com a própria cabe-
três especializações e um mestrado. ça, é capaz de ler o mundo de um jeito espe-
Com quase 100 mil seguidores no Ins- cial e singular. Isso não tem preço”, comemora
tagram e mais de 36 mil no YouTube, é Krauss, que busca levar a pluralidade de pen-
um nome que merece ser descoberto samentos para os alunos e alunas. “Evidente-
por um público ainda maior: Krauss usa mente, existem algumas causas nas quais eu
a cultura pop para ensinar ciências hu- me engajo. Se você vê um preto sendo oprimi-
manas de uma maneira tão leve quan- do e você cruza os braços, você está ajudando
to ver uma série interessante. Para ele, o opressor. Quando você vê o machismo se
“um cara da periferia, de humanas, do manifestando e você cruza os braços, você
foto divulgação

Nordeste” o número de seguidores que está apoiando essa conjuntura que oprime as
já atingiu é uma grande conquista. mulheres. O meu compromisso com eles vai
Foi depois de uma demissão, há cerca muito além da sala de aula.” Paula Melo
de cinco anos, que Krauss, nascido e

16 17

Untitled-17 2 09/12/2021 16:16:20


A caloura de
computação
coleciona feitos
em olimpíadas
de robótica no
Brasil e em outros
países. Com as
amigas do grupo
Oxente Girls, ela
usa o que sabe
para melhorar
o mundo

m 2015, aos 13 anos, a per-


nambucana Maria Eduarda
Oliveira, a Duda, procurava
cursos para fazer no contra-
turno da escola. Uma das melhores

OLIVEIRA
alunas da turma, ela tentou artesa- tecnológicas que resolvam problemas da sociedade. A equipe
nato, aulas extras de português e recebeu o nome de Oxente Girls, e, com o Twogether, um apli-
matemática, mas nada a encantava. cativo para aproximar os companheiros e companheiras que se
Até que ficou sabendo que um gru- sentem excluídos do processo de gestação de um filho, venceu a
po de estudantes mais velhos estava etapa regional da competição.
participando de uma competição de Para ela e suas sócias, o momento é de amadurecimento. A equipe
robótica. Maravilhada com o assunto, de competição se transformou em uma empresa de verdade, que
conseguiu se inscrever para partici- oferece a construção de sites e softwares. “Em uma pandemia,
par no ano seguinte. E surpreendeu a momento de forte crise, ninguém espera muita coisa, mas esse
todos. Em poucos meses de estudo, foi foi um período de muitas oportunidades para nós”, diz a jovem.
escalada para fazer parte do time que “Como muita gente começou a empreender, ganhamos clientes
iria representar o Brasil na olimpíada e tivemos a chance de pensar melhor no nosso negócio.” Antes,
mundial desse ramo da ciência, a Ro- como cursavam o Ensino Médio em período integral, não tinham
boCup, na Alemanha. Conquistou o 8° muito tempo para investir na estratégia. Ao se formar, a equipe se
lugar na categoria júnior. Depois, com- debruçou sobre questões como a própria captação de clientes e
petiu em três campeonatos nacionais, a jornada de atendimento.
ganhando medalhas de ouro e bronze, Comunicadora habilidosa, Duda se viu também alegremente
e foi convidada a disputar a RoboCup surpresa ao receber convites para fazer palestras em eventos.
2017 no Japão, onde ficou no 8° lugar “Eram lugares que eu frequentava, antes, como espectadora, e
mundial – e no 1° das Américas. agora me chamam para o palco”, diz. “O mais legal é que não
As surpresas em torno do prodígio da sou convidada para cumprir tabela. Sinto que a sociedade está
tecnologia estavam apenas come- realmente de olhos e ouvidos abertos para o que tenho a di-
çando. Fez o Ensino Médio na Esco- zer sobre tecnologia.” Saber que alguém se inspirou nela para
la Técnica Estadual do Porto Digital criar algo novo a emociona.
de Recife, um dos mais importantes Em 2022, aos 18 anos, Duda vai para a faculdade. Foi apro-
parques tecnológicos do Brasil. Em vada na licenciatura em computação na UFRPE (Universidade
2019, juntou-se a três colegas para Federal Rural de Pernambuco). “Acho incrível poder associar a
foto divulgação

participar do Technovation Challen- minha missão, o meu objetivo de vida, aos meus estudos e ao
ge, uma competição idealizada pela meu trabalho”, conta. “Quero cada vez mais mostrar como a
ONG americana Iridescent para en- tecnologia está em todo lugar. Assim, damos uma contribuição
gajar meninas na criação de soluções para mudar o mundo.” denyse godoy

Untitled-17 3 09/12/2021 16:16:20


Amorim

A empreendedora baiana
projetou a plataforma Aarin
para dar estrutura a lojistas
os 31 anos, a baiana Ti-
para proverem os clientes de
ciana Amorim é sócia de serviços financeiros sem a
dois negócios: uma finte-
ch e uma escola de dan- necessidade de pagar tarifas
ça, em Salvador. O que esses projetos
têm em comum? Uma mente inquie-
aos bancos
ta e inovadora na liderança. “Tenho
ideias o tempo todo. Geralmente ten-
to quebrar paradigmas, então pego
uma coisa que parece chata, da qual ção de rua em Salvador, uma inspiração para que a neta fizesse
as pessoas não gostam, e a transfor- trabalhos voluntários diversos – da participação em uma ONG
mo”, explica. que constrói casas até a realização de projetos educacionais
Foi o que fez uma década atrás, crian- com aulas de matemática e ciências.
do, produzindo e dirigindo o musical O sistema de transferência automática de dinheiro Pix se mos-
“The Amazon”. Nessa primeira expe- trou, para ela, um ótimo instrumento de inclusão financeira e
riência como empreendedora, uniu social. “Possibilita que eu coloque uma plaquinha com um QR
sua paixão pela dança (à qual se de- Code na barraca de um vendedor de coco, e o cliente pode pa-
dica desde os três anos), a formação gar o produto usando o celular. O dono do negócio não precisa
de produtora cultural e algumas fer- de uma maquininha de cartão que ele não sabe operar. Quando
ramentas mercadológicas que apren- recebe por Pix, ele pode ver seu faturamento passar dos R$ 100
deu a utilizar na empresa júnior da por dia para R$ 200. Quem sabe um dia esse comerciante consi-
faculdade de comunicação. “Quando ga sacar o dinheiro numa lotérica. Isso traz dignidade.”
você sente o gostinho da liberdade, Assim nasceu a Aarin, uma plataforma que oferece estrutura
do empreender, é muito difícil aceitar a lojistas para proverem os clientes de serviços financeiros
um estágio para preencher planilhas, sem a necessidade de contratar bancos – nem de pagar tari-
no qual mentes brilhantes costumam fas que inviabilizem o negócio. Lançada em janeiro deste ano,
ser subutilizadas”, reflete. “Percebi a Aarin já recebeu investimento pré-seed de R$ 2 milhões e
que podia juntar o meu lado analítico também conquistou grandes clientes, como Hard Rock Café,
e racional com o criativo. Vi que na Gregory e Desinchá. Ticiana acabou de ganhar um concurso
arte havia business.” nacional do Sebrae para representar o Brasil na maior com-
Ticiana saltou do mundo artístico petição de startups do mundo.
foto divulgação

para o universo das fintechs usando “Se me perguntarem se amo o mercado financeiro, vou dizer que
o trampolim da preocupação social, não. Não gosto de regulamentação. Mas a possibilidade de de-
que diz ter herdado da família. A avó safiar o status quo e implantar humanidade nos processos me
preparava quentinhas para popula- fascina”, diz Ticiana. Marcela Guimarães

18 19

Untitled-18 2 09/12/2021 16:17:26


corrida pela vacina e
pela cura da covid-19
mobilizou governos, em-
presas farmacêuticas e
instituições de pesquisa, além de le-
var o debate sobre a medicina para
mesas de bar e almoços de família.
De quebra, revelou o talento e o esfor-
ço de profissionais que não estavam
acostumados com as luzes fora do
laboratório.
Com 31 anos de idade, a biomédica
baiana Jaqueline Goes de Jesus, dou-
tora em patologia, já contava 13 de
dedicação ao estudo de vírus como o

GOES
zika e o HIV quando, em fevereiro de
2020, liderou o grupo de cientistas
que em apenas 48 horas conseguiu Jaqueline Goes usou a
fazer o sequenciamento do genoma
do novo coronavírus – em outras loca- projeção conquistada com
lidades, o tempo médio, então, era de
15 dias. A técnica utilizada pela equi-
seu trabalho na pandemia
pe brasileira havia sido introduzida no para se tornar uma
país quatro anos antes pela pesqui-
sadora Ester Sabino, veterana com influenciadora
quem Jaqueline trabalha no Instituto
de Medicina Tropical da Universidade
do conhecimento nas
de São Paulo (USP). “O mapeamento redes sociais
é o ponto e partida para acompanhar
a evolução da doença e desenvolver
medicamentos e imunizantes. Jaque- Com quase 200 mil seguidores no Ins-
line costuma dizer que tão recom- tagram, Jaqueline está com a agen-
pensador quanto o próprio trabalho da lotada e só vai conseguir voltar a
é explicar o que os cientistas fazem e analisar pedidos de participação em
como contribuem com a sociedade.” palestras e afins no segundo trimestre
O reconhecimento aos feitos da bio- de 2022. Enquanto isso, usa o prestígio
médica veio de diversas maneiras. que conquistou nas redes sociais para
Jaqueline foi uma das vencedoras informar o público a respeito da evolu-
do Prêmio Capes de Teses de 2020 ção da Covid-19, das variantes do vírus
com seus achados acerca da vigi- e das formas de prevenção da doença,
lância genômica de vírus em tempo apoiando também a luta antirracista
real. Virou personagem da Turma e homenageando a mãe e os amigos.
da Mônica junto com Ester, em uma “A biomédica aproveita o espaço e a
criação do cartunista Mauricio de influência para passar as mensagens
Sousa, e uma de seis bonecas Bar- que julga importantes”, diz. Uma de-
bies inspiradas em cientistas lança- las é explicar que o conhecimento é
das pela fabricante americana de construído a longo prazo. Assim, da
foto divulgação

brinquedos Mattel. “Sempre acre- próxima vez que um grande aconteci-


ditei no meu potencial, mas nunca mento científico chamar atenção, não
achei que chegaria a ser tão home- será surpresa para ninguém descobrir
nageada”, diz a pesquisadora. quem está por trás. Denyse Godoy

Untitled-18 3 09/12/2021 16:17:26


Pataxó Com bom humor, o
influenciador renova as
referências indígenas sem
se afastar das tradições

uando menino, o in- se é possível “ser indígena” sem ter


fluenciador Tukumã pais indígenas. “Somos mais de 300
Pataxó se perguntava povos no Brasil. Mais de 200 línguas
por que havia nascido faladas. É uma diversidade imensa”,
indígena. Aos 22 anos, encontrou a explica. Seu povo sofreu muitas re-
resposta: com 130 mil seguidores no pressões desde sempre. Na ditadu-
Instagram, o rapaz multitalentoso (é ra militar que começou em 1964, foi
humorista, chef de cozinha, comuni- proibido dar nomes indígenas para
cador e militante) da aldeia pataxó as crianças. A imposição permane-
de Coroa Vermelha, perto de Porto ceu por anos. A língua patxôhã já
Seguro, na Bahia, usa suas redes não era mais ou ouvida, e poucos sa-
para mostrar ao Brasil quem é o seu biam falar o idioma nativo. Até que,
povo de verdade. “Quando eu era em 1998, começou a haver uma
criança, a gente não via nenhuma movimentação em defesa das tradi-
referência na televisão. Só livros de ções. Cinco anos depois, em 2003, o
história contando que a gente tinha patxôhã passou a ser ensinado nas
que ser aquele indígena de 1500. escolas.
Eu não me via naquilo. Hoje, temos Tukumã se indigna com as lembran-
referências para mostrar para os ças. “Se hoje a gente sabe falar o
nossos jovens”, conta. “São muito português, não foi uma escolha. A
significativos esses espaços de visi- gente tinha que aprender ou morrer
bilidade que a gente vem ganhando. mesmo. Vários povos perderam a
Isso acaba chateando muitas pes- língua”, explica. “Dizem que um povo
soas, pois tem gente que ainda quer sem sua língua é um povo sem cultu-
aquele indígena do estereótipo”, diz ra, mas não acredito que seja bem
ele, que é estudante de gastronomia assim que funciona”, opina.
na Universidade Federal da Bahia e Entre agosto e setembro de 2021,
usa a irreverência para combater o milhares de indígenas de todo o
preconceito de forma bem didática. país acamparam em Brasília para
Parte de uma nova geração de ati- defender a não aplicação do marco
vistas e influenciadores, Tukumã res- temporal, tese defendida por pro-
ponde nas redes sociais perguntas prietários de terras segundo a qual
dos seguidores que vão desde como os povos nativos só teriam direito a
é um casamento pataxó até se as terras que estavam sob sua posse
tribos têm bichos de estimação e a partir de 5 de outubro de 1988,

20 21

Untitled-1 2 09/12/2021 15:17:05


data da promulgação da Constitui-
ção Brasileira. Nos acampamentos,
algumas crianças choravam quan-
do viam Tukumã. Eram seus peque-
nos seguidores. “O indígena não vai
pra luta, nasce na luta. Quando ele
nasce, já está na luta para manter a
nossa cultura viva”, diz.
O sucesso como influenciador é bem
recente. Seu primeiro vídeo a vira-
lizar saiu em novembro de 2019 e
mostrava Tukumã e seis amigos tro-
cando roupas “de branco” por ves-
timentas e pinturas tradicionais de
seus povos ao som de um rap. Tem
mais de 1 milhão de visualizações.
Hoje, é um dos apresentadores do
podcast do Globoplay “Papo de
Parente”, que fala sobre temas indí-
genas com humor. Diversas marcas
o procuram para parcerias, mas ele
só aceita trabalhar com empresas
verdadeiramente ligadas ao movi-
mento comunitário.
Paula Melo

“O indígena não vai para a


luta, nasce na luta. Quando
ele nasce, já está na luta para
foto divulgação

manter sua cultura viva”

Untitled-1 3 09/12/2021 15:17:05


Em um universo
Rodrigues
experimentar novos desafios. Migrou
para uma startup, mas acabou vendo
predominantemente que o machismo que sofria no outro
emprego se repetia mesmo no am-
masculino, a empresária biente supostamente mais “moderni-
investe em soluções para nho”. “Esse incômodo de ser mulher in-
depende do mercado onde você está,
facilitar os negócios de porque é social, é das pessoas. O que
eu aprendi nessa jornada é que preciso
outras mulheres fazer o que gosto e acredito, em qual-
quer lugar.”
Depois dessa experiência, decidiu que
m janeiro deste ano, o investimento de R$ 600 mil em era hora de uma pausa e que tiraria
uma startup chamada HerMoney chamou a atenção do um período sabático de seis meses.
mercado. Em um meio tão pouco diverso em gênero (e Passou então a usar o tempo para
em tantos outros fatores), era um negócio não apenas pesquisar fintechs de impacto social
liderado por mulheres, mas dedicado a potencializar o trabalho no LinkedIn. A busca foi ficando cada
de outras. O aporte vinha da B2Mamy, uma aceleradora de em- vez mais apurada. “Comecei a ima-
presas de tecnologia fundadas por empreendedoras. ginar o que seria relevante na nossa
A HerMoney é um assistente virtual que usa dados básicos, como sociedade.” Debruçou-se sobre um es-
notas fiscais e extratos bancários, para organizar a vida financeira tudo a respeito do mercado empreen-
de uma empresa, como prazos de vencimento. É voltado a compa- dedor feminino, o Sebrae Delas. Os
nhias lideradas por mulheres, resultado da trajetória de sua cria- dados não eram muito animadores.
dora, Andrezza Rodrigues. Ela se formou em contabilidade graças Ela não queria empreender, queria um
a bolsa de estudos em uma faculdade particular e começou a tra- emprego. Até que se deu conta de que
balhar logo cedo, contratada por uma indústria. Entrou como es- a empresa que buscava simplesmente
tagiária, saiu como diretora. Apesar de adorar o que fazia, queria não existia, teria que ser inventada.
Em novembro de 2019, decidiu criar
um perfil no Instagram e gravou um
vídeo dirigido a empresárias, pergun-
tando se queriam uma solução mais
fácil para o sistema financeiro
que usavam. Postou o vídeo e pegou
o avião para o exterior. Estava em
um período sabático, afinal de con-
tas. “Quando pousei na Argentina, a
caixa de mensagens diretas estava
bombando. Ganhei 300 seguidoras
em menos de um dia.” Foi assim que
nasceu a HerMoney. Durante aquela
viagem, Andrezza fazia chamadas
de vídeo com as interessadas. Com
menos de dois meses, já não dava
conta de tudo sozinha. Chamou Bea-
triz Furtado para ser sócia do negó-
cio que surgia. Com o aporte de R$
600 mil da B2Mamy, desenvolveu
a primeira versão da plataforma,
contratou o time de tecnologia, es-
truturou as áreas da empresa e os
processos. “Nunca quis ser empreen-
dedora. Não planejei. A HerMoney
nasceu e me tornou o que sou hoje”,
conta Andrezza, que pelo projeto
foto divulgação

venceu em novembro o troféu Star-


tup Awards, da Associação Brasileira
de Startups, na categoria Revelação.
Paula Melo

22 23

Untitled-2 2 09/12/2021 15:19:01


A artista
faz de suas
limitações
físicas e das
experiências
frustradas
com a
reabilitação
a matéria-
prima para

Teixeira
sua obra

deficiência de Carolina
Teixeira a levou para a
arte. Quando tinha so-
mente nove anos, um
AVCI (Acidente Vascular Cerebral
Isquêmico) paralisou seus membros
esquerdos. Mas a restrição aos mo-
vimentos não limitou a vida – ela en-
controu sua missão em uma carreira
que tem como matéria-prima a ex-
pressão corporal. artística e lembra das conquistas das quais participou. Em
Doutora em artes cênicas, a potiguar 2005, foi diretora do Roda Viva Cia. de Dança, que nasceu
lançou em 2011 o livro “Deficiência nos anos 1990 na UFRN (Universidade Federal do Rio Gran-
em Cena”, em que coloca em dis- de do Norte) com fins terapêuticos e acabou virando uma
cussão como artistas com alguma companhia com integrantes com e sem deficiência. Na sua
limitação conseguem ocupar espa- gestão, o grupo fez parcerias em coreografias com Carlinhos
ços na arte contemporânea, além de Jesus, Domingos Montagner, Luis Arrieta, entre outros.
de criticar o modo como acontece a “Na época dos ‘super corpos’, com companhias como a da
inclusão na dança e na performance. Deborah Colker, os espetáculos do Cirque du Soleil, que eram
Para a pesquisadora e coreógrafa, o auge da fisicalidade, aparecem vários corpos tortos. Gosto
essas questões continuam relevan- desse termo. Aparecemos, dançamos e educamos coreógra-
tes no Brasil dez anos depois. “Aqui fos com repertório”, diz.
ainda se entende a inclusão sob A frustração com os tratamentos também aparece em sua
a velha ótica da oportunização. A obra. “Vivi processos de violência a ponto de desistir de me
criação de oportunidades, as con- reabilitar. Voltei para a fisioterapia somente há quatro anos”,
cessões sociais para que as pessoas conta a artista, que a partir dessas experiências desenvolveu
achem que estão incluídas. Mas, no a exposição “Poética Protética”, que atualmente pode ser
caso da deficiência, essa visão criou vista na galeria do Núcleo de Artes e Cultura da UFRN. São
foto marcelo santana

um dano muito grande, porque aca- vídeos com danças, performances, fotografias e instalações
bou assistencializando o que na ver- com órteses e próteses que levam ao público o que Carolina
dade é de direito”, explica Carolina. chama de estética da experiência. “São exemplos de sensa-
Apesar da crítica, Carolina reco- ções, experiências de vida. Pedimos para tentar existir toda
nhece a importância da tentativa vez que saímos de casa. E que consigamos voltar para a casa
de inclusão de deficientes na cena existindo. Todo santo dia pedimos isso.” Carolina Farias

Untitled-2 3 09/12/2021 15:19:01


Felix sistema de transferência in-
stantânea de dinheiro Pix é uma No disputado
inovação brasileira que serve de
exemplo para o mundo – e pode
mercado
aprofundar ou diminuir a imensa desigual- financeiro, o
dade no país. Quase metade da população
cita o dinheiro em espécie como principal engenheiro
meio para quitar seus boletos, segundo o insti-
tuto de pesquisas Locomotiva, porque assim
criou um
consegue negociar descontos no pagamento sistema para
à vista. Sem tarifas para o consumidor e nem
para o varejista, o Pix embute a mesma van- incluir clientes
tagem, mas precisa estar ao alcance de quem
nunca teve um relacionamento bancário. A
de baixa renda
popularização dos serviços financeiros, com o
seu potencial de inclusão, é a missão de vida
do engenheiro paraibano Felipe Felix.
Desde que começou a trabalhar na área, Fe-
lix busca maneiras de oferecer esse acesso.
Ainda na faculdade, assumiu uma vaga em
um banco digital. Depois, foi para uma em-
presa que administrava cartões de crédito de
lojas para consumidores de baixa renda. Em
2017, junto aos donos dessa administrado-
ra, fundou o Will, um banco digital com foco
em quem está à margem do sistema tradi-
cional que hoje disputa a liderança do setor
na região Nordeste. “O mercado financeiro
cria produtos para o mercado financeiro, não
para o cliente.” Sua primeira preocupação
é manter os olhos e os ouvidos bem abertos
para entender as demandas do usuário. De-
pois, conseguir chegar ao seu público. É muito
difícil encontrar, hoje em dia, quem não tenha
um telefone celular conectado à internet;
no entanto, a qualidade da rede frequente-
mente atrapalha a experiência. A plataforma
foi desenvolvida com o uso de inteligência
artificial, aproveitando informações sobre
padrões de gasto e pagamento coletadas
por cartões de loja (podendo assim saber que instituições. Esses produtos são a
alguém desprovido de conta-corrente é um porta de entrada do cliente no ban-
bom pagador). co, que ganha com outros serviços
O principal desafio para as instituições de e comissões das processadoras de
todos os tipos e portes está na gestão de ri- cartões pelas transações realizadas.
sco da operação. “Desenvolvemos um méto- A estratégia está funcionando e atrain-
do para aprovar a concessão de cartões do a atenção de gigantes do mercado.
de débito e crédito para quem nunca os Em 2020, o Will teve um faturamento
teve, ou seja, quem não possui um histórico de mais de R$ 500 milhões, o dobro do
como cliente bancário. Em um mundo em obtido em 2019. Com quase dois mil-
que todos lhe dizem não, nós dizemos sim”, hões de cartões emitidos, recebeu um
conta Felix. “Conseguimos porque nos de- aporte de R$ 250 milhões, em julho, do
dicamos a esse produto desde o começo e fundo de private equity da XP Investi-
acumulamos um enorme aprendizado.” O mentos e do fundo Atmos Capital. “Te-
presidente do Will afirma que a sua taxa mos o Brasil inteiro para conquistar”,
de aprovação é maior do que a das demais diz Felix. denyse godoy

24 25

Untitled-3 2 09/12/2021 15:21:52


“O mercado financeiro
cria produtos para o
mercado financeiro,
não para o cliente”
foto Silvia Zamboni

Untitled-3 3 09/12/2021 15:21:53


Herta

er mulher negra é
experimentar essa Cocriadora do portal
condição de asfixia
social.” A frase de
e festival Ocupação Afro.
Sueli Carneiro, filósofa, escritora e Futurista e líder da Diver.ssa,
ativista antirracismo do movimento
social negro brasileiro, é a razão Itala Herta tem a força
pela qual Itala Herta trabalha dia-
riamente para ser ar fresco, injeção
de uma multidão
de ânimo, oportunidade e coragem
para as mulheres pretas empreen-
dedoras do Brasil. Ao se perguntar
sempre “Quem vai se beneficiar vestimento e conexão focada no acolhimento e no bem-es-
com a minha criatividade?”, a baia- tar mental e emocional para mulheres empreendedoras e
na de 34 anos estabelece suas de- intraempreendedoras. “Acredito que a regeneração econô-
cisões pessoais e profissionais. mica do Brasil vem daqui, do Norte e do Nordeste. Os recur-
Cantora de rap e ativista, Itala se sos precisam ser mais bem investidos e descentralizados da
transfigurou em produtora musical, região Sudeste”, afirma.
empreendedora social, co-funda- Isso significa que as oportunidades que surgem para os seus
dora da Vale do Dendê, a primeira próprios negócios e para os das pessoas com quem trabalha
aceleradora de negócios do Nor- precisam ser muito bem avaliadas. “Me ajuda muito ajudar
foto Raul Spinassé

deste com foco em diversidade, mulheres, porque eu me reconheço nelas e muitas vezes as
co-criadora do portal e festival suas perguntas são as minhas também”, diz Itala. Da mesma
Ocupação Afro.Futurista e líder da maneira, o sucesso das empresas que acelera é comemo-
Diver.ssa, autodefinida como uma rado como seu e reforça a crença que move o trabalho da
plataforma de aprendizagem, in- ativista: sim, é possível. Thais Hannuch

26 27

Untitled-4 2 09/12/2021 15:22:55


primeiro significado da
moda para Isaac Silva
foi refúgio. Na sua Bar-
reiras natal, no oeste
baiano, a casa de uma grande amiga
da família lhe servia de esconderijo
quando, criança, sofria bullying dos
vizinhos de rua. Morena “transfor-
mava metro de tecido em roupa”, e o
menino preferia estar ali entre tramas
e revistas de moldes, vendo a magia
acontecer. Logo, ele percebeu o ofício
como uma ferramenta de afirmação.
Aos 14 anos, mudou-se para a capital
Salvador e, no cenário underground,
acompanhando blocos afros de Car-
naval como o Ilê, começou a entender
melhor a sua identidade racial e a
amadurecer a vontade de se colocar
no mundo de uma maneira ativista.
Fez faculdade de moda, mas ali não
lhe chegavam as referências que pro-
curava, da roupa feita por pretos, que
valorizava as origens.
“Sempre entendi que o mercado é que
está errado excluindo os pretos. Mas
ele tem mudado muito no Brasil e no
mundo”, diz o estilista. Isaac acredita
que só existe ganho em empoderar
e capitalizar pessoas negras, e que
as brancas que entendem essa ques-
tão têm de atuar como escudos para

Silva
combater os preconceitos. Seu traba-
lho reflete essa filosofia: é uma moda O olhar para a
brasileira e democrática. Desfiles e en-
saios fotográficos têm como protago- diversidade trazido
nistas pretos e indígenas, com corpos
de proporções variadas; a equipe de
por Isaac Silva faz
trabalho é majoritariamente compos- com que suas criações
ta por mulheres; e a matéria-prima é
prioritariamente daqui do país. movimentem muito mais
Sempre acreditando no seu axé
(força, energia), o estilista se mudou
que o guarda-roupa
para São Paulo e conseguiu estágios de seus fãs; elas os
em lojas do bairro do Bom Retiro, tra-
dicional reduto de confecções, e em motivam a ver dentro
marcas famosas. Fez uma nova facul-
dade e outros cursos na área. Com
de si mesmos
o olhar atento para a diversidade
e para as origens ancestrais, Isaac
conquistou um espaço importante a pandemia. Com 32 anos, veste personalidades como as can-
na moda brasileira. toras Elza Soares, Gaby Amarantos e Luedji Luna. Está em sua
Em 2015, lançou sua primeira coleção segunda collab com as Havaianas, e suas coleções já passaram
foto João Bertholini

autoral na Casa de Criadores, acredi- pela São Paulo Fashion Week. A segunda loja, na mesma cidade
tando que “a gente não faz nada sozi- da primeira, será inaugurada em dezembro de 2021. Nos planos
nho – ubuntu”. Em 2019, abriu a pri- estão também uma no Rio de Janeiro e outra, claro, em Salvador.
meira loja física na capital paulista e a “Espero seguir levando a positividade e as boas energias da mi-
loja on-line, que se fortaleceu durante nha marca para mais gente”, diz. Camilla Salmazi

Untitled-4 3 09/12/2021 15:22:55


A região Norte do Brasil não poupa superlativos. A maior do país, ocupa uma área
de 3,8 milhões de quilômetros quadrados, o que equivale a 45,3% de todo o território
nacional – se fosse um país, seria o sétimo maior do mundo. É onde fica boa parte da
maior bacia hidrográfica da Terra, composta do rio Amazonas e de seus afluentes. São
eles que irrigam a maior floresta tropical do planeta, a Amazônia, que toma grande
parte do espaço e abriga uma das biodiversidades mais ricas do globo. É bem no meio
da floresta que os nortistas cultivam, até hoje, com técnicas artesanais, um fruto nativo
que virou sinônimo de Brasil: o guaraná.
O local é também o berço de gigantes como o ambientalista Chico Mendes e o escritor
Milton Hatoum. Naqueles sete estados vivem 18,9 milhões de pessoas, o que faz da
região a menos povoada entre as cinco brasileiras.

Untitled-5 2 09/12/2021 15:23:22


NOR
Untitled-5 3
TE
09/12/2021 15:23:23
MOREIRA

om apenas 25 anos, Rafa Moreira


Rafa Moreira já é um nome reconhecido no meio
enxergou que artístico por trazer para o centro
de sua obra, de maneira honesta e
usar sua arte compassiva, brasileiros que vivem à margem.
Formada em artes visuais pela Universidade
para retratar o Federal do Pará, a pintora e performer come-
rosto de outras çou a se destacar e a ganhar prêmios ainda
no período acadêmico. Seu trabalho aborda
travestis, como um tema urgente e necessário, que é a ruptu-
ra de estigmas e da marginalização de traves-
ela, era a tis e de mulheres transexuais, como ela. “Falar
chave para uma sobre a representação de rostos ao longo da
história da arte é falar de uma história de re-
grande questão lações de poder, em que apenas os ricos, os
faraós, os grandes burgueses, os reis tinham
identitária o recursos para contratar um artista, alguém
que fizesse retratos que eternizassem aque-
la pessoa, aquele rosto. Então, através das
artes, acho muito importante a tomada e a

30 31

Untitled-6 2 09/12/2021 15:25:30


mudança desse histórico. E me nego a
representar essa elite, mas quero, sim,
representar as pessoas que para mim
são importantes”, explica.
Rafa teve a vida transformada ao co-
nhecer um ponto de prostituição em

“Falar sobre a Belém. Ela sempre passava pelo lo-


cal de ônibus, via travestis por perto
e quis conhecê-las. Ao encontrá-las,
representação foi acolhida, e assim passou a retra-
tá-las e humanizá-las nas suas obras.

de rostos ao “É uma grande responsabilidade pas-


sar a representar algo ou alguém. Eu
me sinto muito privilegiada de estar
longo da história onde estou, mas também eu penso
que sou uma em um milhão. O Brasil

da arte é falar ainda é o país que mais mata mulhe-


res trans e travestis, e também é o país
que mais consome pornografia desse
de uma história gênero. Ao longo da história, a gente
foi representada de forma negativa,

de relações nossos corpos foram representados


como objetos ou como marginais. Na
arte, eu tenho a chance de quebrar
de poder, em essa imagem que tanto nos prejudica”,
reflete.

que apenas os A artista paraense teve oito de suas


obras expostas na ArtRio, feira de arte
do Rio de Janeiro, com o apoio da pla-
faraós, os reis taforma MT Projetos de Arte – as pe-
ças foram pintadas com tinta acrílica

tinham recursos em vidro e compõem a série “Registros


Gerais”. “Quando foram expostas, eu
nem acreditei, porque, nossa!, estou
para contratar chegando de Belém, e estou expondo
já num evento tão grande. Para mim,

um artista que foi uma grande felicidade. Eu jamais


me imaginei nesses locais. Meu obje-
tivo, ao entrar na faculdade, era ser
fizesse retratos professora do ensino básico. Não ima-
ginei ter uma carreira de artista, mas

que eternizassem foi o que acabou acontecendo. Poder


levar o rosto e a voz dessas mulheres
que eu conheci em Belém para o Rio
aquele rosto” de Janeiro foi muito gratificante, prin-
cipalmente porque algumas pessoas
chegavam ao stand e se emociona-
foto divulgação

vam com aquilo, diziam que se iden-


tificavam e se viam naqueles relatos,
conseguiam ver a potência do traba-
lho.” ednaldo da Fonseca

Untitled-6 3 09/12/2021 15:25:30


A comunicadora indígena que
SATERÉ MAWé se tornou a representante
brasileira do projeto de Greta
Thunberg e se destaca como
uma voz contra os estereótipos

Quando questionada sobre o momen-


to em que se tornou ativista, Samela
responde que já nasceu assim. “O con-
ceito dessa palavra é a pessoa que
luta por uma causa, que luta pelo bem
comum. E nós, povos indígenas, sem-
pre estivemos nessa luta por cultura,
identidade e território. Então, queren-
do ou não, nós sempre fomos ativistas,
apesar de ativismo ser uma palavra
nova para essa luta.”
Samela se lembra de estar, desde sem-
pre, em reuniões, atos e manifesta-
ções vendendo e fazendo artesanato.
Para ajudar a conciliar o conhecimen-
to tradicional com o científico na luta
indígena, foi para a universidade. O
descentralização da pro- interesse por estudar biologia surgiu
dução de conteúdo, pos- por estar sempre no Bosque da Ciên-
sibilitada pela tecnologia, cia, do Instituto Nacional de Pesquisas
dá voz a quem antes era da Amazônia (INPA), onde brincava e
pouco ouvido, e Samela Sateré Mawé vendia seus trabalhos manuais. Anos
aproveita ao máximo os recursos da depois, voltou ao local para fazer ini-
comunicação para contribuir com a ciação científica.
luta dos povos indígenas no Brasil. A presença dos indígenas na universi-
“Com as mídias sociais e com a inter- dade também ajuda a mudar a visão
net, a gente pode adentrar os espaços estereotipada que se tem dos povos
da forma que a gente é mesmo, sen- originários do Brasil, segundo Samela.
do protagonista da nossa história e “O governo, a sociedade civil e o siste-
desconstruindo estereótipos”, afirma ma de educação não abriram espaço
a comunicadora da Articulação dos para os indígenas. Desde a pré-escola,
Povos Indígenas do Brasil, artesã, con- passando pelos ensinos fundamental
sultora da Fundação Amazônia Sus- e médio, a gente vê uma figuração dos
tentável e estudante de biologia da povos indígenas como seres do passa-
Universidade do Estado do Amazonas do, estagnados, ou figuras mitológicas
(UEA). O currículo se estende: neta da que não existem mais. O índio, como
fundadora da Associação de Mulhe- eles falam, é retratado como alguém
foto Ricardo Franzen

res Indígenas Sateré Mawé (Amism) e que não sabe falar, é burro, é pre-
integrante do Fridays for Future Brasil guiçoso, vive numa oca… Essa é uma
– movimento fundado pela sueca Gre- construção da colonização que ainda
ta Thunberg –, Samela foi eleita ativis- é ensinada nas escolas em 2021.”
ta do ano na edição 2021 do prêmio Usando sua palavra, sonha em mudar
Geração Glamour. de vez essa visão. Cristiane Marsola

32 33

Untitled-7 2 09/12/2021 15:27:53


“Desde a pré-escola, a gente
vê uma figuração dos
povos indígenas como seres
do passado, estagnados,
ou figuras mitológicas
que não existem mais”

Untitled-7 3 09/12/2021 15:27:54


SOARES
A líder da marca
de turbantes
que promove um
que nós fazemos
intercâmbio da não é apenas
ancestralidade moda. É empreen-
dedorismo social”,
africana explica Rejane Soares, 42 anos, es-
tilista, criadora da marca Zwanga
African Fashion, de Macapá, no
Amapá. Dona de uma energia con-
tagiante, rosto empático e acolhe-
dor, Rejane irradia a alegria e a cor
que imprime nos modelos que cria,
inspirados nela mesma e nas mu-
lheres negras, cheias de curvas e de
marcas do cotidiano e que buscam
pertencimento. “Tenho uma cliente-
la forte fora do Brasil também, como
na Guiana Francesa, onde o kit más-
cara, brinco e turbante é um suces-
so. Tenho cliente até no Japão!”,
conta Rejane. “É um intercâmbio da
ancestralidade africana.”

34 35

Untitled-8 2 09/12/2021 15:29:05


“O importante é a afetividade.
Gosto de dizer que meu foco
não é fazer fortuna, é cuidar
das pessoas.”

A palavra “zwanga”, de origem banto, africana, significa “o que é meu; o que me per-
tence” – e parecia perfeita para representar o projeto que Rejane desejava cons-
truir. “Precisava ser um nome que tivesse sentido para mim. Então, passei a criar
modelos e a vender pertencimento”, explica. “Sou mulher, preta, gorda, mãe-solo, de
periferia e nortista. Queria que mulheres como eu pudessem encontrar roupas para
vestir o seu corpo real, e que não estão nas lojas de departamentos.”
O processo de produção da estilista tenta ser o mais simples, barato e acessível
possível. Sua máquina de costura se chama Euvira: “Elvira noite costurando!”, ri.
Quando uma mulher não tem condições financeiras, a estilista pergunta quanto
ela pode pagar pela peça. “O importante é a afetividade. Tem gente que fala:
‘Você deve estar cheia da grana!’, pelo fato de a Zwanga ter tantos seguidores
(alguns posts no Facebook chegaram a atingir 400 mil visualizações), mas eu gos-
to de dizer que meu foco não é fazer fortuna, é cuidar das pessoas.” Seu trabalho
levou o Prêmio Empreendedores 20/21 da Central Única das Favelas (Cufa).
O banco da praça Veiga Cabral, no centro de Macapá, foi o primeiro ponto de
venda dos turbantes coloridos de Rejane. Ali também se formou uma comuni-
dade em torno do propósito da Zwanga: resgatar a autoestima e salvar vidas.
Em setembro de 2020, Rejane teve um acidente vascular cerebral (AVC) e ficou
com parte do corpo paralisada. Não conseguia confeccionar suas peças e foi
atrás de uma costureira da cidade que também passava por dificuldades. “Era
uma moça com histórico de rejeição; superou três episódios de câncer, sofria
preconceito por ser portadora do HIV e estava desempregada. Ela fez ques-
tão de frisar que tinha HIV, como se fosse um problema. Eu disse: ‘Olha, a única
questão é que, se a gente for fazer amor, teremos que nos cuidar mais, com pre-
servativo’, conta a estilista. As duas caíram na gargalhada.
Rejane evita falar sobre cifras ou investimentos para o futuro do seu negócio,
mas diz ter planos “diferentes de outros empresários”, porque o foco da Zwan-
foto divulgação

ga são as pessoas. “Meu sonho é vestir mais mulheres pretas de todo o Brasil.
Quero sentar numa plateia e assistir a desfiles de outras mulheres empreende-
doras, mães, reais. Quero deixar de ser palestrante e ouvir outras histórias de
sucesso”, afirma. Marcela Guimarães

Untitled-8 3 09/12/2021 15:29:05


reale

m uma de suas performan-


ces mais célebres, “Limite
Zero”, de 2011, a artista
plástica Berna Reale, nua,
é amarrada pelas canelas e pelos
pulsos em um varão e carregada
pelas ruas por dois homens vesti-
dos como funcionários de frigorífi-
co, como se ela fosse um pedaço de
carne. Em outra, ainda mais radical,
despiu-se novamente por completo
antes de se deitar sobre uma mesa
no Mercado Ver-O-Peso, posicionar
lascas bovinas sobre o abdômen e
passar o dia lá, atraindo urubus à
sua volta.
Aos 56 anos, a paraense pega sem-
pre seu público por uma veia forte –
e assim se tornou uma das maiores
artistas plásticas da atualidade. Cria
obras impactantes que não reque-
rem muito repertório para ser com-
preendidas. E esta é uma condição
fundamental de sua obra: ser aces-
A perita
sível a todos os públicos. E também criminal se
incômoda, chocante, sensí-vel. Não
é possível passar batido por seus re- tornou uma das
tratos e ensaios, que trazem imagens
de cativos, policiais, cai-xões, protes-
maiores artistas
tos, armas. brasileiras
Ela realizou exposições individuais
recentemente em Nova York e Salt contemporâneas
Lake City, nos Estados Unidos, e em
Wiesbaden, na Alemanha. As coleti-
fazendo de
vas tiveram lugar na China, na Itália sua rotina a
e em Portugal. Depois de três anos,
está preparando uma nova mostra base visual e
no Brasil para contar o que tem feito,
especialmente a retomada dos seus
conceitual de
estudos de pintura. suas obras
36 37

Untitled-9 2 09/12/2021 15:30:18


“Só sei
trabalhar
com
questões
coletivas,
e a
violência
é uma
questão
coletiva
que me
arrebata.”

Um dos pilares de seu trabalho é a fotografia. Aliás, de seus trabalhos, no plural. Ela é tam-
bém perita criminal em sua cidade natal, Belém, em uma rotina que se tornou base visual e
conceitual de muitas de suas produções. Contradições brasileiras, contrastes entre a far-
tura e a miséria, a violência e a paz, o poder e a submissão. “Durante a pandemia, trabalhei
em um presídio, e foi realmente impactante ver a diferença entre estar confortavelmente
isolado em casa e estar recluso dentro de uma cela de 3 metros por 4, com 12 a 15 pessoas.
Essa experiência me ajudou a olhar a quarentena de outra forma”, conta. “Só sei trabalhar
com questões coletivas, e a violência é uma questão coletiva que me arrebata.”
O contato diário com a morte deixa claro o paradoxo de sentimentos que a violência en-
volve. “Há muito tempo observo o poder que a violência tem de se tornar íntima. A pande-
mia também foi um tipo de violência; o descaso do poder com a população e a quantidade
foto divulgação

de mortes foram brutais, mas infelizmente, aos poucos, as pessoas foram se acostumando,
e já não se abalavam mais com os óbitos nem quando os números chegaram à casa de seis
dígitos”, diz. Se a vida imita a arte, ninguém melhor do que Berna Reale para fazer arte
imitando a vida. Thais Hannuch

Untitled-9 3 09/12/2021 15:30:18


Única região do Brasil sem litoral, o Centro-Oeste faz da terra a sua riqueza.
Destina parte da área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados – a segunda maior
do país – para o cultivo de cerca de 46% dos cereais, leguminosas e oleaginosas
produzidos no país. É onde também mais se cria gado. De acordo com os dados
mais recentes, de 2020, são cerca de 75,4 milhões de cabeças, 34,6% do total do
Brasil. Isso é mais de quatro vezes e meia o número total de habitantes dos três
estados mais o Distrito Federal: 16,7 milhões.
Com a Amazônia ao norte, o Pantanal ao sul e fazendo divisa com todas as outras
regiões do país, o Centro-Oeste viu sua paisagem ser artificialmente transformada
em 1960, com a inauguração de Brasília, a nova capital federal. Prédios de Oscar
Niemeyer foram levantados no meio do cerrado, e os políticos se tornaram uma das
espécies mais vistas da região.

Untitled-10 2 09/12/2021 15:32:41


CEN
TRO-
OES
Untitled-10 3
TE
09/12/2021 15:32:41
VIEIRA

40 41

Untitled-12 2 09/12/2021 16:13:01


Artista inquieto, Paulo Vieira atua em múltiplas frentes,
da música à dramaturgia, e reverte os louros para projetos
sociais e culturais no Tocantins

tro lançamento previsto é um álbum de MPB (com todas as


músicas compostas por ele), que celebra o centenário da Se-
mana de Arte Moderna.
Tantas frentes sugerem o clichê do prazer de se trabalhar
com o que gosta, mas o multitarefas desmistifica: “Meu pro-
cesso de criação não é divertido. É doloroso encarar o papel
em branco”. O tempo livre é dedicado às idas frequentes a
Palmas para ver a família e “tomar banho de cachoeira e fin-
gir que não tenho série para entregar”, diverte-se. Desligar,
mesmo, somente diante de uma telona. “Trato cinema como
magineer é um termo criado igreja. Aviso que vou sumir e desligo o telefone. É o que me
pela Disney para definir o relaxa.”
profissional que materializa a A formação como jornalista pela Universidade Federal do
criatividade. “Eu sou isso aí”, Tocantins ajudou a amarrar os talentos de Paulo Vieira. “Fa-
aponta Paulo Vieira. “Eu vejo o mun- zer comunicação social foi fundamental para eu não ser um
do, penso coisas para ele e corro artista medíocre, para entender o poder que é ter voz e não
atrás para que elas existam.” Nesse desperdiçá-la”, afirma, com a convicção de sua representati-
sentido, por exemplo, ele criou uma vidade. “Eu nunca vou transpor a questão racial, porque ela
empresa de turismo para, com par- está em mim, na minha pele. E fico feliz que seja assim. Meu
te da receita, fomentar projetos de lugar na militância é sempre dividir as vitórias. Meu ‘corre’ é
educação na região do Jalapão, no pessoal, mas minha vitória é coletiva.” fernando beagá
Tocantins, estado onde cresceu. E
para aquecer o cenário cultural da
capital, Palmas, irá inaugurar uma
casa de shows por lá em 2022.
Ser empresário é uma das muitas
facetas do inquieto Paulo Vieira.
Ele ainda é apresentador, ator, co-
mediante, roteirista, escritor, cantor
e compositor. Todas elas, acredite,
estão ativas. O comando do reality
culinário Rolling Kitchen Brasil, no
“Meu ‘corre’ é
canal GNT, ele considera um divisor
de águas em sua carreira. O Globo-
play também prepara um seriado
pessoal, mas
com as aventuras de Pablo e Luisão,
minha vitória
Gabriel Wickbold/Acervo GQ

que viralizaram nos tuítes de Paulo,


contando histórias hilárias do pai
com o melhor amigo — ele será o
showrunner, responsável por fazer
é coletiva”
o projeto acontecer. Da série, deve
derivar um livro. Mais um, porque
uma obra infantil está no forno. Ou-

Untitled-12 3 09/12/2021 16:13:01


Com as falas afiadas da personagem
MARX Sheyla Cristina, o designer de Cuiabá fez
o mundo da decoração e da arquitetura
rir de seus próprios chavões

42 43

Untitled-13 2 09/12/2021 16:13:30


Fábio cresceu em Cuiabá, criado pelos avós, que tinham boas condições financeiras.
Sempre que podia – ou escapava –, ia para a casa da mãe, na periferia da cidade.
“Ela era dona de bar. Cresci no meio de bandido, travesti, puta e viado. Por outro
lado, meus avós eram muito tradicionais.” Para a mãe, contou ser gay aos 16 anos.
Foi apoiado, após um breve baque. Já o avô, sua referência intelectual, que permitiu
que estudasse dança e teatro na infância, descobriu com o restante da família via
Facebook – a revelação foi postada depois que Fábio se mudou para Curitiba, aos
17 anos. Virou as costas para o neto por dois anos, até um dia em que o recebeu em
casa, acompanhado. “Ele quis conhecer um namorado daquela época e se encantou
por ele. Meu avô me aceitou. Acho que puxei o humor dele. Foi muito emocionante me
receber de volta na casa dele.” Ele morreu em fevereiro de 2021.

“A Sheyla é uma
grande ferramenta
s decoradores preten-
para reverberar a
siosos e clientes arma-
dos com mil referências
minha voz.”
do programa “Irmãos a
Obra” são a matéria-prima para o hu-
mor da arquiteta esnobe Sheyla Cristi-
na. Com tiradas rápidas e afiadas, ela O momento que vive é especial, mas Fábio não se deslumbra. Gasta dinheiro sem
dá conselhos, faz cenas hilárias e torna pressa, mora de aluguel com o namorado, Wesley, e até outro dia não tinha passapor-
mais leve um assunto que pode intimi- te. Nos planos estão fazer cursos no exterior e conhecer a Grécia. “A internet é muito
dar algumas pessoas. volátil. Não serei a ex-subcelebridade que faz tudo para aparecer. Por isso estou indo
Com perucas variadas, maquiagem, atrás da minha estabilidade.” Em meio à agenda cheia de gravações e compromissos
cavanhaque e bigode, o intérprete publicitários, Fábio segue em seu ofício, como um dos sócios do estúdio Ohma e dire-
Fábio Marx é o talento que levou a tor de criatividade da aceleradora Archademy. A convivência entre criador e criatura
personagem a se aproximar da casa saiu do mundo virtual: Sheyla já participou de eventos de arquitetura e decoração
de 2 milhões de seguidores no Insta- (como a Casa Vogue Experience). Assim, o designer negro e gay que passou por epi-
gram e no TikTok. A inspiração veio de sódios de preconceito na profissão agora faz o setor olhar para si mesmo e refletir
profissionais arrogantes com quem já sobre o que é ser diferente. Fernando Beagá
trabalhou ao atuar como designer de
interiores, mas em princípio a ironia
não foi clara o suficiente. “Essas pes-
soas se identificavam e me elogiavam.
Foi quando percebi que estava home-
nageando quem me fazia mal. Então,
comecei a falar de racismo, machismo
e homofobia. Esse segundo momento
da Sheyla se aproxima de mim e tam-
bém reproduz falas de grandes mulhe-
foto divulgação

res da minha vida, como minha mãe


e minha irmã. A Sheyla é uma grande
ferramenta para reverberar minha
voz”, explica.

Untitled-13 3 09/12/2021 16:13:31


Após perceber que estava
Arsky “em dívida com o mundo”,
arquiteta cria startup para
separar, reduzir e recuperar
resíduos - e multiplicar
o conhecimento

– no mundo. Em um curso que fez, o mentor lhe disse para olhar


a vida em ciclos de 10 anos. Uma década antes, estava terminan-
do a pós-graduação. Quando revisitou o projeto de conclusão
de curso sobre reabilitação urbana sustentável, percebeu que
os dados a respeito da coleta de resíduos no Brasil continuavam
os mesmos de 2006. “Eu caí para trás. Tenho uma dívida com o
mundo e eu preciso fazer algo”, pensou. Foi drástica: fechou o
escritório de arquitetura. No ano seguinte, decidiu que criaria a
própria empresa para lidar com um enorme desafio do país, que
são os resíduos. “Na natureza não existe lixo. Lixo é erro de de-
sign”, costuma dizer.
O nome da startup, 4 Hábitos Para Mudar O Mundo, é baseado
na teoria de que o cérebro leva três meses para transformar um
hábito novo numa sinapse automática. “Eu quero mudar o mundo
u não fico mais de um em um ano, então eu preciso de quatro hábitos”, explica. Quan-
dia no mesmo lugar. Es- do é contratada para um projeto, a startup aplica quatro ações.
tou sempre estudando A primeira é separar os resíduos de forma correta; a segunda é
alguma coisa, conhe- reduzir; e a terceira é recuperar – pode ser criar uma horta ou re-
cendo alguém novo”, diz a arquiteta colher lixo da rua. A quarta é multiplicar: durante três meses, é
Ana Arsky, que é presidente da star- preciso ensinar uma pessoa por dia a praticar os quatro hábitos.
tup 4 Hábitos Para Mudar O Mundo, “Se você não tiver um porquê, não enfrenta qualquer como”, diz
uma consultoria de ESG (governan- Ana, que, no processo seletivo de colaboradores, busca saber
ça corporativa, social e ambiental, mais dos propósitos dos candidatos do que sobre as línguas que
na sigla em inglês). Paulistana, Ana falam ou como pilotam o computador. Toda segunda-feira, ela
se formou em 1995 em arquitetura junta a equipe para uma meditação coletiva. Às sextas, faz uma
na Universidade de Brasília, cidade pesquisa de satisfação: quer saber o nível de felicidade dos fun-
para a qual se mudou ainda criança. cionários, se aprenderam algo novo durante a semana.
“Você não pode tirar da Terra o que Para Ana, o trabalho é uma constante reconexão com o planeta.
não pode devolver. Saí da faculdade “A gente se desconectou dele. Usamos a natureza como uma for-
com esse mindset, mas, em 22 anos, necedora, não como uma parceira, nem como nossa casa”, diz.
não consegui fazer nada”, lembra. Paula Melo
Durante esse período, dedicou sua
carreira ao design de interiores. Suas
obras foram destaque na Vogue, e ela
participou de seis edições da exposi-
ção Casa Cor. “Eu tinha muito reco-
nhecimento. Estava bem posicionada
no mercado, mas isso não me trazia
significado”, diz Ana, que coleciona
muitos prêmios dessa época.
foto Glenio Dettmar

Foi por volta de 2018 que tudo mu-


dou. Ana passou por um processo de
autoconhecimento que a ajudou a
enxergar suas insatisfações e o papel
que exercia – e o que deveria exercer

44 45

Untitled-15 2 09/12/2021 16:14:11


“Eu não fico
mais de um dia
no mesmo lugar.
Estou sempre
estudando
alguma coisa,
conhecendo
alguém novo”

Untitled-15 3 09/12/2021 16:14:15


Quando a primeira vila foi fundada pelos portugueses no Novo Mundo, eles não
poderiam imaginar que o lançamento da pedra fundamental, ali em São Vicente,
no litoral de São Paulo, viria a marcar a região mais rica do Brasil. O Sudeste
responde hoje por mais da metade do PIB nacional. Em 1532, ainda não se
sonhava que, das montanhas que hoje compõem Minas Gerais, brotariam dois
séculos depois, ouro, diamante e outras pedras preciosas – o que mudaria o eixo
da economia nacional. Até a capital passou a ser a cidade portuária por onde se
escoava o tesouro: Rio de Janeiro.
Essa riqueza, que mais tarde teve continuidade com o ciclo do café e com a
industrialização, fez da segunda menor região do país, com cerca de um décimo
de todo o território nacional, a mais populosa, com 89,6 milhões de cidadãos.
Terra de sonhadores, como Alberto Santos Dumont, Ayrton Senna, Roberto Carlos
e Tom Jobim, que levaram o nome do Brasil para longe.

Untitled-16 2 09/12/2021 16:14:42


SU
DES
Untitled-16 3
TE
09/12/2021 16:14:42
kondzilla Com o
“ecossistema
Kondzilla”,
Konrad Dantas
conquista a
TV e promove
a cultura
da periferia
para além
das fronteiras
do funk
e da internet

48 49

Untitled-19 2 09/12/2021 16:26:57


uero, não. Eu vou.” A resposta é categórica
quando Konrad Dantas é instigado a reafir-
mar a ambição de colocar sua holding Kond-
zilla na primeiríssima fila da indústria do en-
tretenimento. O empresário e produtor fala com a autoridade
de quem ergueu um império nos últimos dez anos levando a cul-
tura da favela (a partir do ritmo do funk) para patamares ini-
magináveis. Principal ativo da companhia, seu canal de clipes
no YouTube ultrapassou 65 milhões de seguidores em 2021
— e essa foi apenas uma das muitas conquistas no ano. O acla-
mado seriado “Sintonia”, que conta a história de três amigos
criados na periferia, teve a segunda temporada entre as séries
mais populares da Netflix. Outras estreias importantes mar-
cam a entrada definitiva da Kondzilla no universo da televisão.
O programa “HERvolution”, apresentado por Mila na RedeTV!,
aborda o protagonismo feminino e o universo LGBTQIA+. Já
o “Fluxo”, comandado por Fanieh e Lucas Penteado, exalta a
quebrada e o funk paulista no canal fechado Multishow. E em
parceria com a Favela Filmes, emplacou na TV Globo o docu-
mentário “Mães do Brasil”, que conta a história de mulheres
que sustentam seus lares e como elas sobreviveram à pande-
mia. “Na internet, eu concorro com qualquer jovem que tem
um celular na mão e produz conteúdo. Fazer sucesso ou não é
outra história. Agora, entrar numa indústria como a TV aberta
envolve convencer toda uma engrenagem.”
Todos esses produtos derivam do que ele chama de “ecos-
sistema Kondzilla”, que promove representatividade para a
periferia em diferentes mídias. O próximo passo é adentrar
outros gêneros musicais. “Para falar com uma comunidade,
eu tenho que ter um lugar de fala. Mas tenho estrutura e fer-
ramentas para oferecer todo suporte a qualquer conteúdo”,
explica o produtor, que cresceu na favela Santo Antônio, no
Guarujá, e investiu o seguro de vida da mãe, que morreu em
2008, em cursos e equipamentos. Foi a fagulha para o suces-
so que começou no início da década seguinte.
Sobre o preconceito que ainda rodeia o funk, Kond (como é
chamado desde a infância) mostra mais uma vez seu espírito
visionário. “Produzo para quem gosta e me preocupo em não
afrontar quem não gosta, porque é um público que eu preten-
do conquistar.” Fernando Beagá

“Produzo para quem gosta


e me preocupo em não
foto Gleeson Paulino/Acervo GQ

afrontar quem não gosta,


porque é um público que eu
pretendo conquistar.”

Untitled-19 3 09/12/2021 16:27:05


ANDRADE

O que torna as imagens feitas pelo fotógrafo Wendy


Andrade tão únicas? Sua forma de enxergar o mundo
50 51

50-51 - WENDY ANDRADE.indd 2 09/12/2021 19:47:53


“Me enxergar num
que eu faço é co-
locar pessoas pre-
tas em lugares de
beleza. Por isso,
pergunto: por que mereço receber lugar de destaque
passa por muitos
qualquer reconhecimento? Ainda
tenho dificuldade de me enxergar
em espaços de destaque”, diz Wen-
dy Andrade, fotógrafo, publicitário
e artista. As suas conquistas não se atravessamentos:
de me entender
devem apenas à qualidade do que
produz mas também ao relevante
papel social. Nascido na baixada flu-
minense, de mãe preta e pai branco,
com uma irmã e dezenas de parentes bonito, de ver
o meu trabalho
na periferia, ele circula há anos num
“ambiente branco”, como ele quali-
fica o universo dos “validadores” do
talento artístico.
Para ser fotógrafo, teve que enfren- como relevante.”
tar o pai, que almejava uma carreira
militar para o filho - “fotografia não
dá dinheiro”, ele dizia -, fugir da vio-
lência que sofria com a mãe alcoó-
latra, recusar trabalhos que dariam
dinheiro, mas atrapalhariam seu ca-
minho como fotógrafo, e se adaptar
a ambientes majoritariamente bran-
cos e de elite, como a PUC Rio, onde
cursou publicidade. “Foi um processo
me colocar como artista nesse am-
biente”, lembra. “Me ver num lugar fotos mostram como os pequenos aprendem a nadar ‘na marra’, se jogando, se
de destaque passa por muitos atra- virando. A primeira foto que fiz desse acervo foi em 2013, quando saí de casa.
vessamentos, de me entender bonito, Estava sozinho, ainda não tinha muitos amigos, não era visto. De alguma maneira
de ver o meu trabalho como relevan- aqueles jovens interagiam comigo”, recorda Wendy. “Fotografar meninos no mar,
te. Eu não me vejo naquelas pessoas trazer uma perspectiva de esperança, de beleza, foi lindo e importante.”
(famosas e de sucesso), mas ainda Atrelar a imagem do negro a “locais de poder, e não de dor” é um traço marcante
as tenho como referência. É uma re- na carreira do fotógrafo. Tanto nas obras artísticas que produz, hoje vendidas por
construção”. milhares de reais, como nas imagens publicitárias - como as feitas para a grife de
Esse novo olhar é, ao mesmo tempo, acessórios de luxo Montblanc. “Foi potente, para mim, uma marca global reco-
causa e efeito do projeto “Todo Me- nhecer meu trabalho e investir numa proposta incrível: uma campanha que tem
nino é um Mar”, que exibe fotos de Spike Lee e outros famosos.”
crianças se divertindo em águas lito- Hoje, Wendy diz que está resgatando a ancestralidade africana e compreenden-
râneas, da Bahia ao Rio, o trajeto do mais profundamente como sua arte pode ser transformadora. “Recentemente,
foto divulgação

dos navios negreiros que saíram a única menina negra de uma escola particular, aqui do Rio de Janeiro, levou uma
do continente africano no passado. foto do meu acervo para a escola, e todos concordaram que a imagem era linda.
“Pessoas pretas têm medo do mar, Aquela menina que sofria com racismo e bullying também era linda. A partir daí,
existem pesquisas sobre isso. E as a criança passou a ser tratada de uma nova forma.” Marcela Guimarães

50-51 - WENDY ANDRADE.indd 3 09/12/2021 19:47:54


(Kunumi MC)

O MC encontrou na música a grande ferramenta de denún-


cia e valorização. “A decisão de cantar rap veio porque é um
estilo musical que nos permite falar sobre nosso sentimento,
aquilo que a gente precisa. Quando canto, falo um pouco
sobre tudo, nossa cultura, nosso pensamento e nosso olhar
sobre o mundo”, afirma. Já dividiu palco e cena com outros
grandes artistas, como Criolo, com quem estrelou o docu-
mentário “My Blood Is Red”, e Alok, parceiro na cerimônia de
abertura do festival Global Citizen 2021, na Amazônia, e na
gravação de um álbum.
iquei bastante conhe- Owerá é herdeiro de pioneiros como o Brô MC’s, o primeiro
cido. Minha imagem grupo de rap indígena do país. Além de denunciar, sua arte
rodou muitos lugares também celebra as raízes e a ancestralidade, construindo
do mundo. Só que, para novas narrativas a respeito da vida indígena. “Esse é o rap
quem me conhece pessoalmente, sou nativo, no qual você fala na sua própria língua do que acredi-
o Owerá, indígena guarani que mora ta e está vivendo”, conta.
na aldeia Krukutu e que vive sua cultu- Nos últimos anos, o MC se apresentava sob a alcunha de Ku-
ra em busca de fortalecimento a cada numi, mas agora está assumindo o nome de Owerá definiti-
dia”, diz. O artista, cujo nome comple- vamente. “Comecei com um nome artístico, mas que não era
to é Werá Jeguaka Mirim, ganhou a o meu nome.” A mudança faz parte do seu desejo de repre-
fama em 2014 como o menino que, sentar, de forma cada vez mais ampla, sua cultura e a de seus
convidado pela Fifa a representar ancestrais, fazendo com que sua música chegue mais longe.
seu povo na cerimônia de abertura da Gustavo Oliveira
Copa no Brasil, surpreendeu o mundo
ao abrir uma faixa dizendo “Demarca-
ção já” no meio da Arena Corinthians.
Como cantor e compositor, o jovem
Para denunciar as
ativista continua a trabalhar no res- ameaças contra os
gate da sua ancestralidade. Cresci-
do na zona sul de São Paulo, ele pro- povos indígenas, ele
testa contra o apagamento que os
indígenas sofrem diariamente. “Não
percebeu que apenas
há local fácil para viver. Porque todo falar não bastava. E
foto Igor de Paula

lugar já foi um espaço onde acon-


teceu muito massacre e onde ainda então amplificou a
existe muita violência, levando ao ris-
co de extinção da cultura, de aldeias,
mensagem por meio do
do meu povo e sua língua”, diz. canto e do ativismo
52 53

Untitled-21 2 09/12/2021 16:28:27


“O nosso corpo é uma mídia”, diz a
criadora da marca Calma, que faz
uma costura democrática de gêneros,
formas e consciência

ilha de pai coreano e de


mãe paraguaia, a estilista
Kelly Kim, de 37 anos, dona
da marca de roupas Calma
São Paulo, passou a infância vendo a
mãe costurar para lojas de atacado
no bairro Bom Retiro, em São Paulo.
Não à toa, a menina que ficava o dia
inteiro ao lado da matriarca quis se-
guir os mesmos passos. Aos 13 anos
fez o seu primeiro curso técnico e aos
14 ganhou uma bolsa de estudos no
Senai (Serviço Nacional de Aprendi-
zagem Industrial). “Minha mãe não me
deixava mexer na máquina dela. Um
dia ela saiu, eu liguei e costurei o meu
dedo. Tive de ir no postinho da Barra
Funda para tirar a agulha. Aí ela me
inscreveu nas aulas, porque percebeu
que aquilo era minha paixão”, lembra.
Depois das primeiras lições, Kelly não
parou mais. Formou-se em design de
moda e por quase 20 anos trabalhou

kim
na confecção de roupas por atacado. nhos de corpos. “Nunca tive a intenção de atingir um público-alvo
Mas isso ainda era pouco para o ta- específico. A ideia de fazer roupas unissex surgiu por uma ques-
lento da estilista, que queria aprender tão de praticidade na nossa viagem. Nós levamos uma mochila
mais. Ao se casar, em 2017, ela e o ma- pequena e pensamos em coisas que eu e o Adrien pudéssemos
rido, Adrien, viajaram seis meses pela compartilhar”, conta a estilista.
Ásia, onde surgiu a inspiração para a Por trabalhar de forma praticamente artesanal, desde o con-
criação da própria marca, com foco ceito até a confecção, Kelly diz que o processo para o lança-
no trabalho artesanal e na sustentabi- mento de uma coleção leva meses – a recém-lançada, Summer
lidade. “Conhecemos cooperativas de Bichos, começou a ser elaborada em janeiro, com estampas
mulheres no Vietnã que faziam roupas feitas exclusivamente para a marca “Fazer a mão leva a tempo
através do cânhamo (tipo de fio natu- e resgata em mim tudo o que eu vivi, o que passei até hoje”,
ral). Aprendemos todo o processo de diz ela, que tem quatro produtos fixos no seu catálogo (calças,
colher, transformar a fibra em tecido e shorts, kimono e camisa) e agora lançou uma camiseta. “Gosto
tingir”, conta. de ficar inventando.”
Quando voltou para o Brasil, Kelly As peças grandes e ultracoloridas são outra característica da
pegou os lenços que comprou na via- grife. Os tamanhos maiores e confortáveis surgiram porque Kelly
gem, juntou alguns retalhos de tecido percebeu que muitas pessoas queriam usar as suas criações, mas
e começou a costurar algumas cria- elas não serviam. “O nosso corpo é uma mídia, um quadro numa
foto divulgação

ções. Assim surgiu a Calma, no chão galeria. A gente se comunica com a roupa, e as cores têm o poder
de casa, no final de 2018, com roupas de fazer as pessoas felizes. Então, para mim, é muito importan-
confortáveis, coloridas, sem gênero e te empoderar as pessoas por meio da vestimenta para que elas
voltadas para todos os tipos e tama- mostrem o que realmente são.” Fernanda Bassette

Untitled-21 3 09/12/2021 16:28:28


e aceita ambos os pronomes, a força

Groove feminina de Gloria expande e não


limita o que está ao alcance do seu
eu artístico. “Sinto mais poder entre o
masculino e o feminino. Não abro mão
da minha feminilidade, mas uso o mas-
culino também a meu favor, mesmo
quando estou de drag.” Em “Leilão”,
clipe que é um de seus mais recentes
trabalhos, Gloria não tem pudor de
ublador, cantora, cantor, se desmontar e interpretar diferentes
atriz, ator? Calouro mirim personagens para construir a imagem
de programa de TV, filho desejada e impactar.
de artista, performer, O nome da drag queen criada por
drag queen? Homem, mulher, não bi- Daniel é um importante elo entre o
nário? Opções de rótulo não faltam artista e a mãe, a cantora Gina Gar-
para tentar definir Daniel Garcia Fe- cia, backing vocal do grupo Raça
licione Napoleão, sem que nenhuma Negra. Parte de uma antiga banda
consiga abarcar plenamente a di- chamada Groove Machine, a mãe
mensão artística e individual do pau- emprestou o sobrenome, que repli-
listano de 26 anos que usa o nome cou as suas iniciais, “GG”, comple-
artístico de Gloria Groove. tando a escolha, uma homenagem à
“Me perguntam muito como eu que- cantora Gloria Gaynor.
ro ser chamada. Eu sinto muito que Seus últimos lançamentos, que in-
hoje eu não queria explicar – eu que- cluem “A Queda”, “Leilão” e “Boneki-
ro mostrar”, reflete Gloria. Público nha”, fazem parte do projeto de um
para ver e ouvir é o que não falta: segundo álbum de estúdio, batizado
são mais de 5 milhões de ouvintes de “Lady Leste” – mais uma mensa-
mensais no Spotify, mais de 650 mi- gem das raízes da infância na zona
lhões de visualizações no YouTube, leste de São Paulo. Essas canções
3,1 milhões de seguidores no Insta- usam e abusam de produções den-
gram, outros 980 mil no Twitter. sas e batidas fortes. Ignorando as
Gloria Groove fala para uma ge- cobranças para caber em alguma
ra-ção que sabe que pode ter uma classificação, Gloria apenas segue
mão no joelho e outra na consciên- em frente: “Eu quero explorar tudo
cia. Dançar com hits do funk como que eu puder”. Lívia Venaglia
“Bumbum de Ouro” e passar na se-
quência, sem prejuízo algum, para
o drama de “A Queda” e para con-
testação da cultura do cancelamen-
to. O segredo de manter a criativi-
dade funcionando é estar com um A drag queen
radar permanentemente ligado e
não censurar as vozes que ecoam
superstar usa a força
na própria cabeça, deixando fluir os do masculino e do
pensamentos – mesmo os que pare-
çam despropositados. feminino para se
“Sabe quando você se lembra de algu-
ma coisa que queria ter dito em uma
comunicar com uma
briga lá em 2008? Eu fico pensando: geração que sabe
se eu fosse muito rebelde, muito fo-
dona, eu diria o quê? A voz da minha que pode ter uma
cabeça parece da Gloria rapper, que
fala forte, cheia de atitude. Eu anoto
mão no joelho e
todas as coisas absurdas que gostaria outra na consciência
muito de falar”, diz Daniel.
Intrínseca à sua identidade, que se
entende dentro da fluidez de gênero

54 55

Untitled-22 2 09/12/2021 16:38:28


“Me perguntam muito como eu
quero ser chamada. Eu sinto
foto hick duarte/Acervo vogue

muito que hoje eu não queira


explicar – eu quero mostrar”

Untitled-22 3 09/12/2021 16:38:30


LUCINDA
palestras, entrevistas e debates, à
medida em que temas raciais, so-
ciais e artísticos ganharam espaço.
Tudo isso direto da reclusão em seu
apartamento “poeticamente deco-
rado”, no Rio. Recentemente, Elisa
tem realizado leituras públicas de
suas composições em livrarias e
debates sobre o ofício artístico. “O
encontro da arte com o seu povo
sempre é muito importante, pois a
arte considera a inteligência das
pessoas. Celebramos um momento
cívico-educacional também”, diz.
Junto com outras 49 personalida-
des escolhidas para representar os
diversos segmentos da arte brasi-
leira, no mesmo mês tomou posse
como imortal na recém-criada Aca-
demia Brasileira de Cultura.
E está lançando um novo livro,
“Quem me leva para passear”, pela
editora especializada em literatura
afro-brasileira Malê, um monólogo
que discute, com amor e humor,
perspectivas da existência. Com a
Casa Poema, instituição que fun-
dou em 1998 para desenvolver a
capacidade de expressão por meio
da poesia falada, promove de reci-
tais a rodas de samba, cumprindo
a missão de vida que Elisa assumiu
desde criança.
Filha de um professor de português
e latim, logo cedo se encantou pela
poesia. Uma das suas grandes lutas
m 2020, Elisa Lucinda re- é a popularização dessa arte, que
Atriz, poeta, cebeu o Prêmio Especial já ganhou cinco CDs gravados com
dramaturga, do Júri no Festival de Gra-
mado pelo conjunto da
declamações e 14 livros (exclusivos,
coletâneas e romances, como o que
escritora e obra. A estatueta selou uma carrei- narra a vida de Fernando Pessoa).
ra com dezesseis filmes, mas esta é As redes sociais estão repletas de
cantora, Elisa apenas mais uma face do trabalho vídeos mostrando sua interpretação
Lucinda se da atriz capixaba. Formada em
jornalismo, ela atua também como
teatral de versos e poemas com a
marcante voz grave, muitos falando
tornou uma voz poeta, dramaturga, cronista, can- de questões humanas universais que
tora – fora as peças de teatro que viriam a ganhar ainda mais desta-
fundamental encenou e as quase duas dezenas que nos últimos tempos. É o caso de
sobre questões de novelas feitas desde a estreia
em Kananga do Japão, na extinta
“Poemeto de amor ao próximo”, de
2015: “Não sei por que lhe aborrece
do nosso tempo TV Manchete, em 1989. a liberdade amorosa dos seres ao
Toda essa potência criativa, de seu redor/Não sei por que lhe ofen-
buscar múltiplos caminhos para de mais uma pessoa amada do que
expressar suas ideias, acabou con- uma pessoa armada/por que lhe in-
foto divulgação

vergindo para um ponto durante a sulta mais quem de verdade ama do


pandemia: sua importância como que quem lhe engana/Cada um sabe
uma voz. Passou a ser um dos no- o que faz/Me deixe em paz!”.
mes mais solicitados do país para denyse godoy

56 57

Untitled-41 2 09/12/2021 16:55:45


e existe hoje uma alta gas-
tronomia caipira no Brasil,
nenhum nome é tão atrela-
do a ela quanto Jefferson
Rueda. O chef se inspira na infância
vivida em São José do Rio Pardo, no
interior de São Paulo, para apresentar
de forma inventiva sabores da mesa
que conhecemos ao longo da vida, às
vezes meio embaralhados, como no
torresmo de panceta com goiabada,
tão surpreendente quanto saboroso.
A estrela de seus pratos, claro, é o
animal que dá nome ao restaurante A
Casa do Porco, na República, centro
de São Paulo, que acumula uma série
de honrarias. Em 2021 foi eleito o me-
lhor do Brasil e o 17º do mundo (pelo
The World’s 50 Best Restaurants) e faz
parte na seleção Bib Gourmand do
Guia Michelin, que mostra endereços
com excelente custo-benefício. Tudo

Rueda
isso subvertendo a visão mais comum
sobre um restaurante sofisticado.
“Resgatamos o protagonismo do por-
co, que foi a primeira moeda de troca
no Brasil. Utilizamos o animal por intei-
ro, do focinho ao rabo, estudando, nos
aprofundando e fazendo dessa cozi-
Onde os outros enxergavam
nha o ponto de partida para mostrar o restos, o chef da Casa do
que temos de melhor”, explica.
E aí está um dos pontos importan- Porco viu a alta gastronomia
tes do trabalho do chef: seu impacto
social. “Precisamos utilizar o nosso
- e com esse convite à uma
maior dom da forma mais verdadei- mesa mais sustentável ele fez
ra, genuína e transparente possível.
Como cidadãos privilegiados, temos o melhor restaurante do país
esse dever de ajudar.” Isso vai além
de um conceito - é mão na massa.
Com mais três casas sediadas no
pulsante centro da capital paulista usar da nossa energia, da nossa imagem e do nosso sucesso
(o Bar da Dona Onça, a lanchonete para tentar minimizar a fome do corpo, da alma e da mente”,
Hot Pork e a Sorveteria do Centro), afirma ele, que distribui diariamente centenas de marmitas às
Jefferson e sua esposa e sócia, Janaí- populações mais vulneráveis do centro de São Paulo.
na, enxergam o abismo social todos É também pelas raízes caipiras que buscou a cura para a depres-
os dias; o conflito entre a miséria e a são, se isolando no sítio recém-adquirido em sua cidade natal,
riqueza. “É muito difícil e doloroso ver onde pode pescar, caminhar e descansar. “Sou hiperativo, ansio-
isso diariamente. Temos parcerias so, e hoje trato isso de maneira transparente. Ser super criativo é
com algumas ONGs e projetos da muito bom, mas também pode causar alguns transtornos para os
região, estamos sempre trabalhando quais precisamos sempre estar atentos. Hoje eu lido muito bem
foto Pedro Dimitrow/acervo gq

em conjunto com eles por aqui. Atual- com isso, me cuido, me medico, e consigo canalizar essa energia
mente o projeto com o qual estamos para a criatividade. Atuo mais como um professor do que como
mais engajados é ‘O pão do povo chef dentro da minha cozinha. Aprendi a ter paciência para en-
da rua’, que ajuda a cuidar tanto da sinar e me encontrei nesse lugar, que é muito bom”, reflete. A su-
fome física da população mais vul- peração pessoal, no fim das contas, vale mais do que qualquer
nerável quanto da saúde mental de prêmio ou presença em lista importante. “Lutar contra uma de-
todos nós que estamos envolvidos pressão e me manter criativo e ativo na minha profissão são o
ali. Não há dúvidas de que temos que meu maior orgulho.” Thais Hannuch

Untitled-41 3 09/12/2021 16:55:46


O profissional que é referência na
paiva internet das coisas médicas fala
sobre como a inteligência de dados
ajuda a salvar vidas

m dos projetos dos quais mercado de inovação e tecnologia


o especialista em Inter- há duas décadas. Ele começou a
net das Coisas Médicas carreira aos 13. Cursou o ensino
(IoMT) Fernando Paiva técnico em processamento de da-
mais se orgulha é o da integração dos, depois engenharia e não parou
dos dados de 800 leitos de UTI para mais de estudar. Já fez cursos em
Covid-19 no Hospital das Clínicas Harvard e na Universidade de La
da Faculdade de Medicina da Uni- Verne, nos Estados Unidos.
versidade de São Paulo durante a O contato com a área de saúde vem
pandemia que atingiu todo o mundo de família: a mãe e outros oito pa-
a partir de março de 2020. O pro- rentes são médicos. Atualmente, ele
grama diminuiu a possibilidade de faz mestrado na área em que atua
erro humano na captação de infor- na USP. A vontade de tornar este
mações, que é de cerca de 30%, e mundo melhor também vem de casa.
também de contaminação cruzada, “Fui criado dentro de uma estrutura
já que dispensa os profissionais de se familiar onde a fraternidade, a soli-
aproximarem do leito para anotar os dariedade e a humanidade vêm em
dados e transcrevê-los para o pron- primeiro lugar. Minha família é da
tuário eletrônico. ONG Amigos do Bem. “Fui chefe de
Esse sistema que agrega detalhes escoteiros. Desde pequeno, aprendi
sobre a jornada do paciente, dentro que ajudar o próximo sem olhar a
e fora do ambiente hospitalar, reduz quem era importante”, conta.
os custos do tratamento, melhora a Paiva, agora, está se dedicando a
eficiência operacional do hospital dois novos projetos: a plataforma de
e aumenta as chances de cura. “Até monitoramento infantil Dr. Kids, que
brinquei outro dia que, se eu mor- oferece teleconsulta e assistência
rer, estou em paz com Jesus, porque domiciliar a crianças, e a Nephotech,
o impacto social real percebido na sistema de acompanhamento de
vida das pessoas quando uma tecno- pacientes com doenças renais, uma
logia que ajudei a desenvolver salva área que precisa de atenção urgen-
alguém é a melhor e maior contri- te. “Antes da pandemia, eram 140
buição de qualquer ser humano. Isso mil pacientes precisando de diálise
é possível quando se trabalha com no Brasil. Agora são mais de 500
propósito e paixão”, diz. mil”, explica. Quando olha para esses
A dedicação de Paiva à Internet números, Paiva não vê a dificuldade –
das Coisas Médicas é recente, tem vê a chance de ajudar mais alguém.
cerca de 5 anos, mas ele está no Cristiane Marsola

58 59

Untitled-23 2 09/12/2021 16:39:03


“Eu fui chefe de escoteiros.
Desde pequeno, eu aprendi que
foto franco amendola

ajudar o próximo, quem quer


que fosse, era importante”

Untitled-23 3 09/12/2021 16:39:04


e considerasse leitura ap-

PACÍFICO enas a interpretação de


códigos linguísticos, o ad-
vogado Pedro Pacífico já
se daria por satisfeito pelo volume
de peças jurídicas em sua rotina. Ou
pelo conteúdo acadêmico do me-
strado em direito que está cursan-
do na New York University. Mas sua
bandeira é promover a literatura
recreativa como hábito diário, ofício
que surgiu despretensiosamente e
que hoje o remunera tão bem quan-
to a advocacia. “Ao meu redor, não
havia tanta gente que gostasse de
ler. Criei um espaço para conver-
sar com as pessoas, compartilhar
minhas experiências”, conta.
De repente, livros começaram a
sumir das prateleiras assim que ele
postava a dica. O Bookster, seu per-
fil no Instagram, tem mais de 330
mil seguidores e é muito requisitado,
não somente pelo mercado editori-
al, mas por marcas que querem as-
sociar sua imagem ao carismático
advogado. “A leitura é altamente
influenciável. As pessoas carecem
de boas recomendações de livros,
pois poucos falam disso no dia a dia.
Quando confiam e se interessam, in-
fluenciar é a consequência positiva
disso.”

Para dar conta do sucesso, Pedro montou uma equipe com


assistente de conteúdo, contato comercial e também admin-
istradoras de seu grupo de leitores. O Bookster pelo Mundo
oferece material para enriquecer a experiência, com profes-
sores e especialistas falando sobre a cultura do país do livro
sugerido. Outro projeto que revela o patamar que o influen-
ciador alcançou é o podcast “Daria um Livro”. Formadores
de opinião e best-sellers (como Djamila Ribeiro, Laurentino
O advogado Gomes e Itamar Vieira Junior) estão no robusto portfólio de
apaixonado por entrevistados por ele, que se revelou comunicador e já esten-
deu o Bookster para o Twitter e o YouTube.
leitura se tornou A popularidade, entretanto, não é a melhor consequência
que os livros trouxeram para a vida do jovem advogado. Eles
um influenciador- o ajudaram a compreender sua homossexualidade e a falar
chave para o abertamente sobre o assunto com seu público. “As leituras me
fizeram perder preconceitos, conhecer o outro e a mim mesmo,
mercado editorial além de tirar da bolha em que vivia. Passei a entender como
a diversidade é legal. Se achava que eu era o errado, estava
totalmente enganado. É bom ser diferente e abraçar essa dif-
erença.” O vídeo que publicou contando aos seguidores que
foto divulgação

é gay foi libertador para muita gente. “Recebo mensagens de


pessoas que passaram pela mesma situação que eu. Meu pú-
blico é cabeça aberta, busca conhecimento e tem vontade de
abraçar a diversidade.” Fernando Beagá

60 61

Untitled-24 2 09/12/2021 16:39:34


s grandes inspirações da artista visual carioca Beatriz
Milhazes vão de mestres da pintura a carnavalescos. A interpretação
Tarsila do Amaral, pela “liberdade cromática surreal e,
muitas vezes, ingênua”; Henri Matisse, que lhe ensinou
da natureza e as
“as questões pictóricas como forma, cor, composição”; Mondrian, emoções que brotam
pela “estrutura rígida que desenvolveu em suas composições ge-
ométricas que organizam as leis da natureza”; e Fernando Pinto, da dela puseram a
escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, pela
“liberdade criativa ilimitada, mas com exagero e preciosidade no
artista plástica,
desenvolvimento de alegorias e adereços”. “Ele caminhava sem que acaba de ter
medo nas suas criações, rompendo padrões”, diz.
O ano de 2021 lhe permitiu grandes realizações, apesar do cotidi- uma exposição em
ano regrado imposto pela pandemia. A editora Taschen, especial-
izada em publicações de arte, juntou mais de 300 obras de Milhaz-
Xangai, no topo da
es em um livro de colecionador. Esta segunda edição ampliada (a valorização entre
primeira foi lançada em 2017) traz sua produção até 2020, ano
em que completou quatro décadas de carreira. Para Beatriz, esse talentos brasileiros
olhar para si foi ao mesmo tempo doloroso e interessante. “Alguns
aspectos de minhas primeiras pinturas, enquanto ainda estava
na escola de artes, foram resgatados, anos depois, de uma forma
completamente diferente. Você entende, então, que sua linguagem

MILHAZES
está com você desde que nasceu. É importante para trazer novas questões para o trabalho e manter-se
você interessado em sua prática”, diz
a autora de “Meu Limão”, que bateu o
recorde de mais cara obra de um arti-
sta brasileiro vivo (R$ 10 milhões) em
um Leilão da Sotheby’s, em 2012.
Ela vibra em ver a obra “Pink Opera”
estampando a cortina de segurança
da Ópera de Viena de outubro até o
fim da temporada, em junho do ano
que vem. É um painel de 173 metros
quadrados, que separa o palco da
plateia e pode ser apreciado no início,
no fim e nos intervalos do espetáculo.
É a primeira artista latino-americana
a receber um convite para esse proje-
to, chamado “Museum in Progress”.
No período de reclusão na pandem-
ia, nasceu uma série de sete desen-
hos para a mostra “Beatriz Milhazes:
Avenida Paulista”, no Masp. Já de vol-
ta ao ateliê, a artista terminou as pin-
turas para a mostra “Beatriz Milhazes:
Ballet em Diagonais”, que foram ex-
postas até o fim de novembro no Long
Museum, em Xangai.
A brasilidade segue como um pon-
to fundamental de sua projeção em
outros continentes. “Diria que, há uns
dez anos, pude falar que sou uma ar-
tista brasileira, mas internacional. Isso
não se resume a expor ou atuar fora
foto Christian Gaul

de seu país. É fundamental que sua


produção esteja inserida em diversos
segmentos do chamado mundo das
artes e passe a ser parte importante
desse universo.” Paula Melo

Untitled-24 3 09/12/2021 16:39:36


SILVA

assei por várias es-


colas de dança re-
nomadas no Brasil
e nenhuma delas
me viu. Agora, todo mundo quer se
aproximar de mim.” Nascida e cria-
da no subúrbio do Rio de Janeiro,
Ingrid Silva, 33, precisou ir para os
Estados Unidos para ter seu talento
Ingrid Silva, reconhecido. E muito: a companhia
solista do americana Dance Theatre of Har-
lem, de Nova York, que lhe deu uma
Dance Theatre bolsa de estudos em 2007, agora
a tem como primeira-bailarina, a
of Harlem, solista. Desde 2019, suas sapati-
transforma sua lhas estão expostas no Smithso-
nian National Museum of African
notoriedade em American History and Culture, em
Washington, como um forte símbolo
oportunidade – a dançarina costumava pintar com
para ampliar a maquiagem o calçado, tradicional-
mente rosa-claro ou branco, para
inclusão na dança que ficasse com o tom de sua pele.
“Fiquei emocionada. É raro ter esse
tipo de reconhecimento em vida”,
diz a fluminense, que ainda não foi
ver a peça exposta por causa do iso-
lamento social exigido pela pande-
mia de Covid-19. Quando finalmen-
te pisar no museu, levará em seus
braços Laura, a filha de um ano.

62 63

Untitled-42 2 09/12/2021 16:56:16


“Se diretores [dos
grupos] não fossem
pessoas brancas, se
enxergassem além
do corpo europeu,
talvez eu tivesse
essa oportunidade
mais cedo.”

Ingrid recentemente lançou sua au- A vivência despertou em Ingrid a veia ativista. Em 2017, ela fundou a EmpowHer
tobiografia, “A Sapatilha que Mudou NY, instituição voltada ao empoderamento feminino, e, no ano passado, criou o gru-
Meu Mundo”, contando sua jornada. po Blacks in Ballet, que apoia artistas pretos. “Já conseguimos dar algumas bolsas.
Aos oito anos, entrou para o projeto Eu mesma vim de um projeto social, então retribuir, para mim, é importante.”
social Dançando para não dançar. Além de inspirar meninas negras que sonham com as sapatilhas, Ingrid hoje é
Passou pela Escola Estadual de Dan- também exemplo para outro público: as bailarinas que desejam ser mães. Se-
ça Maria Olenewa, do Theatro Muni- gundo ela, as profissionais enfrentam resistência das companhias em aceitar
cipal do Rio de Janeiro, foi bolsista no que elas tenham filhos. “Muitas perdem o emprego ou não ficam grávidas por-
Centro de Movimento Deborah Col- que seu lugar de trabalho não aceita essa questão. É bom verem que consigo
ker e estagiou no Grupo Corpo. Seu estar no palco e ser mãe”, diz.
destaque maior, no entando, aconte- Mesmo com tanto sucesso, falta a ela realizar um sonho: apresentar-se no Thea-
ceu na companhia nova-iorquina. “Se tro Municipal do Rio de Janeiro como profissional. “Na verdade, o sonho está
foto DIVULGAÇÃO

diretores (dos grupos) não fossem ficando cada vez maior, porque, agora, a ideia é fazer um show com bailarinos
pessoas brancas, se enxergassem negros naquele palco. Ainda quero promover um festival só de bailarinos ne-
além do corpo europeu, eu teria tido, gros no Brasil. Só preciso que empresários brasileiros queiram investir na arte.
talvez, essa oportunidade mais cedo.” Juntem-se a nós, vamos fazer história!” Carolina Farias

Untitled-42 3 09/12/2021 16:56:18


Quem é o rapper em ascensão que
MC atraiu Emicida e integrantes do
Racionais MC’s e já tem hits com mais
de 41 milhões de views no YouTube

raças à mãe que ado- mas digitais, é algo que o motiva. “O rap é uma mina de dia-
rava livros, Cesar Le- mantes, tem tanto valor a agregar à música apesar de, mui-
mos tomou cedo gos- tas vezes, ter sido completamente marginalizado e excluído
to por boas histórias. do que a gente chama de ‘música brasileira’. Eu o enxergo
Seu meio de contá-las, porém, é o como um movimento extremamente relevante.”
rap, primeiro nas poesias e depois Gustavo Oliveira
nas batalhas de MCs no estado do
Espírito Santo, onde nasceu e vive
até hoje.
O jovem do Morro do Quadro, no
centro da capital capixaba, ba-
talhou literalmente para ver seu
nome conhecido nos quatro cantos
do país. Campeão do Duelo Nacio-
nal de MC’s em 2017, em Belo Ho-
rizonte, e vice do Campeonato Na-
cional de Poesia Falada SLAM BR,
em 2018, construiu um trabalho
artístico que mistura referências
bíblicas e a realidade da periferia
conectando-se com outros grandes
nomes. Gravou com dois membros
do Racionais MCs, Edi Rock e KL
Jay, com Djonga e com Emicida,
que o considera uma inspiração.
O álbum “Dai a Cesar o que É de
Cesar”, lançado em plena pande-
mia, atingiu 6 milhões de visuali-
zações no YouTube, plataforma
na qual um hit de dois anos atrás,
“Canção Infantil”, soma mais de 41
milhões de views.
“Meu processo de escrita é um pou-
co mais demorado. É vivido. Precisa
haver uma história de vida que pos-
sa ser traduzida no papel. Eu quis
respeitar o que estava sentindo no
momento, tanto que o álbum (‘Dai
a Cesar’) traz muito conflito. Me
permiti ser frágil e botei minhas an-
gústias ali”, explica ele, que deixou
foto divulgação

a faculdade de matemática para se


dedicar exclusivamente à arte.
A projeção da cena rap nacional,
potencializada por novas platafor-

64 65

Untitled-43 2 09/12/2021 16:56:46


A união entre
arte, ciência e
tecnologia faz
de Marcello
Dantas um
curador único.
Sua próxima
criação: o
Museu da
Favela, em 2022

Dantas
Inoculando outras cabeças”, diz.
“Se uma única pessoa sair de uma
exposição que fiz com vontade de
fazer alguma coisa a partir daquilo,
iência, tecnologia, história, política e inovação se a minha ambição estará cumprida.”
misturam no trabalho do curador Marcello Dan- Estão entre as grandes realizações
tas, que há mais de 30 anos constrói exposições o Museu da Natureza, na Serra
artísticas surpreendentes no Brasil e em outros da Capivara, no Piauí, o Museu da
países com a produtora cultural Magnetoscópio. “A nossa Língua Portuguesa, em São Pau-
capacidade de absorver o mundo está diretamente ligada lo, e o Museu das Minas e do Me-
à de vivenciarmos experiências. Como a pandemia deixou tal, em Belo Horizonte. As mostras
bem claro: não paramos de trocar informações, mas para- permanentes neles instaladas têm,
mos de trocar experiências, e a vida ficou muito rasa.” em comum, o convite para que os
Com o olhar direcionado ao ser humano de uma maneira visitantes interajam com as peças
ampla, sem se ater a regionalismos, ele acredita que a sen- o estímulo aos cinco sentidos. Esse
sibilidade é um instrumento de decodificação do entorno – tipo de obra também permite ao
processo influenciado, também, pelos lugares que cada um curador o exercício prático de sua
tem a chance de conhecer. “Minha família por parte de mãe paixão pela união entre ciência e
falava espanhol, e a noção de pátria, limite, geografia sem- arte. “Esse encontro é um dos mais
pre foi muito difusa para mim. Acho isso bom, porque fiquei lindos da história. A ciência dá um
mais permeável a entender, depois, como cada lugar aporta propósito investigativo e a arte dá
algo para a identidade, e de que forma todas essas identi- uma razão poética. O ser humano
dades são ricas”, diz. tem essas duas coisas, uma mistura
foto Bob Wolfenson

Todo esse aprendizado Marcello faz questão de retornar de curiosidade e necessidade de ex-
para a sociedade com seu trabalho. “A energia que consu- pressão”, diz Marcello. Em 2022, ele
mimos é emprestada. Tudo aquilo que o mundo pôde me vai pôr toda essa motivação a servi-
dar, as viagens, as oportunidades, os recursos, foi empres- ço do Museu da Favela, na capital
tado e precisa ser devolvido. Como eu pago essa conta? paulista. Ednaldo da Fonseca

Untitled-43 3 09/12/2021 16:56:48


NOBRU

O garoto da periferia
que se tornou um ídolo
internacional do Free Fire
hoje comanda negócios em
expansão com faturamento
milionário, e leva com ele
outros jovens talentosos
66 67

Untitled-25 2 09/12/2021 16:40:03


“O Free Fire
estourou porque
atendia a todas
jovem Bruno Goes, cria-
as classes sociais.
do no Campo Limpo, na
zonal sul de São Paulo,
Eu, moleque de
queria ser jogador de
futebol. Perambulou por clubes do in-
terior paulista (Penapolense, São José
comunidade,
e Oeste) e da capital (o Juventus, da
Mooca) até desistir. Quando terminou
conseguia jogar.
o ensino médio, veio o desalento: além
do sonho desfeito, a família não tinha
dinheiro para pagar a faculdade. Mas
E me entreguei
o consequente ócio em casa virou ga-
nha-pão. As horas seguidas jogando
bastante ao jogo.
o game Free Fire revelaram um fenô-
meno dos e-sports, e Bruno se tornou
Nobru, uma das maiores estrelas inter-
Foi um refúgio
nacionais na área.
para mim”
A facilidade de acesso ao jogo, que requer apenas um celular conectado à internet,
foi providencial. “O Free Fire estourou porque atendia a todas as classes sociais. Eu,
moleque de comunidade, conseguia jogar. E me entreguei bastante ao jogo. Foi um
refúgio para mim.”, conta. A virada veio quando conheceu Lucio dos Santos Lima, o
Cerol, durante uma live, e o impressionou com sua habilidade. Hoje, são sócios-fun-
dadores do time Fluxo e estão entre os mais populares pro players e streamers brasi-
leiros. Só os proventos da empresa na Twitch são estimados em mais de R$1 milhão
por mês, mas Nobru se tornou por si só um astro da publicidade.
Antes de criar a própria equipe, o influenciador realizou um sonho de forma dife-ren-
te: defendeu o Corinthians. Em 2019, seu clube de coração apostou nos e-sports e
estreou vencendo os campeonatos brasileiro e mundial de Free Fire daquele ano –
ele ainda foi eleito o melhor jogador da competição internacional.
Nobru deixou o clube em 2021, mas segue fazendo analogias com o esporte
que desejou praticar profissionalmente no mundo real. “Tenho rotina de joga-
dor, com alimentação regrada e atividade física. E hoje é possível ganhar altos
salários como no futebol, o que faz a molecada sonhar em ser pro player ou
foto Alexandre Battibugli /Abril Comunicações S.A.

youtuber.” Em outra comparação, os gamers se dão melhor: enquanto viveu o


perrengue de alojamentos das categorias de base do futebol, hoje, com o Fluxo,
proporciona conforto aos jovens talentos que contrata. São duas mansões, uma
para os influenciadores, outra para os que competem.
Assim como a modalidade de Neymar, seu ídolo de infância, os e-sports se tornaram
oportunidade de ascensão social – e o símbolo do sucesso é o mesmo: a ostentação
de carros de luxo. Nobru é uma das escadas. “Minha meta era ajudar minha família.
Já consegui – meus pais não precisam mais trabalhar. Agora ajudo pessoas. Não
havia um time com a cara da quebrada, e criamos o Fluxo.” Criou ainda a Copa No-
bru (hoje CPN), o maior torneio independente de Free Fire e revelador de talentos.
E se o jogo cair em desuso no futuro? Nobru garante: “Se eu for para outro jogo,
levarei uma legião de fãs comigo”. Uma legião de 13 milhões apenas no YouTube.
Por enquanto. Fernando Beagá

Untitled-25 3 09/12/2021 16:40:04


esde que conheceu a

werneck fama nacional, em 2013,


no papel da espevita-
da Valdirene da novela
“Amor à Vida”, a atriz carioca Tatá
Werneck está no primeiro time do hu-
mor brasileiro. Mas o reconhecimento
da crítica, do público e dos próprios
colegas não a fez se acomodar. Depois
de mais novelas, filmes, programas de
TV, campanhas publicitárias e da atua-
ção como cantora na banda de rock
Renatinho, Tatá continua inquieta.
Nascida na Barra da Tijuca de mãe
escritora e pai editor, a atriz entrou
para o teatro aos nove anos. Logo
vieram a primeira peça como profis-
sional, no musical “Annie”, e uma par-
ticipação no “Planeta Xuxa”, da TV
Globo, ocasião em que ganhou da
apresentadora infantil o apelido que sucesso de ‘Lady Night’ é que partici-
virou seu nome artístico. po de todas as etapas de produção:
Aos 38 anos, Tatá está no auge, com da escolha dos convidados ao roteiro
seu próprio talk show, “Lady Night”, e à edição. E gravo o programa como
que estreou em 2017 no canal pago se fosse ao vivo”, diz.
Multishow e que está na sexta tem- Durante a pandemia, sofreu muito com
porada. Toda semana, as entrevistas a perda do amigo Paulo Gustavo, que
com pessoas famosas – veteranas e morreu em maio em decorrência da
novatas, de Luciano Huck a Juliette Covid-19. Mesmo que não esteja se
– repercutem nas redes sociais, com sentindo bem algum dia, porém, Tatá
elogios e polêmicas. “O segredo do “vira a chavinha” ao entrar no palco
para exercer seu ofício de fazer rir. A
forte ligação com o público também se
dá nas redes sociais, através das quais
a artista mantém interação constan-
te e transparente com os fãs. Ela tem
mais de 50 milhões de seguidores só
no Instagram, onde desabafa, explica
mal-entendidos, comenta os assuntos
que julga relevantes, agradece os elo-
gios, responde a caixinhas de pergun-
O talk show Lady Night levou tas com sua marcante irreverência e
posta fotos divertidas com o marido,
a atriz ao auge da carreira o ator Rafael Vitti, e com a filha, Clara
Maria, de dois anos. Entre os aprendi-
na TV e caminha para a zados recentes que teve, um dos prin-
sétima temporada, com a sua cipais é que a família é sua maior fonte
de paz e felicidade – à parte o amor
criadora envolvida em todas pelo trabalho.
A preparação da próxima temporada
as etapas da produção do “Lady Night” está a todo o vapor,
e Tatá já manifestou a vontade de ter
um programa diário. Afinal, a atriz
leva muito a sério a máxima de Paulo
Gustavo: “O humor salva, transforma,
alivia, cura, traz esperança para a vida
da gente. Rir é um ato de resistência”.
Denyse Godoy

68 69

Untitled-44 2 09/12/2021 16:57:17


Tatá leva muito a sério
a máxima de Paulo
Gustavo: “O humor salva,
foto Daryan Dornelles/Acervo Glamour

transforma, alivia, cura,


traz esperança para a
vida da gente. Rir é um
ato de resistência”

Untitled-44 3 09/12/2021 16:57:19


Ao buscar uma
DE OLIVEIRA solução para
vender quadros
do pai, designer
descobre no
mundo dos
NFTs uma nova
carreira como
criptoartista
cia cultural em Campos dos Goytaca-
zes, no interior fluminense, João teve
obras expostas internacionalmente,
como em um evento em 2014 no Mu-
seu do Louvre, em Paris. Ele morreu
em maio de 2021. “Meu pai sempre
desenhou e pintou a cultura brasileira,
principalmente os índios e os negros.
Eu venho dessa referência, desse pro-
cesso artístico”, conta - com a diferen-
ça de usar o tablet no lugar do pincel
e o resultado final ser um JPEG, não
uma tela.
Explorar a computação gráfica per-
mite a Uno experimentar. Em parceria
com o músico André Abujamra, criou
animações com trilha sonora. Tam-
bém lançou um projeto em que gera
imagens por inteligência artificial. To-
dos à venda como NFTs. “Consigo ver
outras possibilidades, trabalhar com
games, realidade aumentada, meta-
verso. É muito legal juntar a arte com
o processo tecnológico.”
O designer celebra o momento e não
foge de diálogos com correntes con-
arece inusitado um desig- midamente é um contrato de autenti- trárias. “Como qualquer movimento,
ner gráfico, na condição cidade negociado em criptomoedas). desperta discussões sobre o que é
de supervisor de efeitos Esse mercado ganhou a atenção mun- arte. Já debati com quem acha que
visuais da TV Globo, pedir dial quando uma obra digital do ame- é efêmero ou uma bolha. Vejo a crip-
demissão em plena pandemia. Ainda ricano Beeple foi vendida em um leilão toarte como a valorização de artistas
mais quando estavam em evidência as pela Christie’s por US$ 69 milhões. digitais. Meus amigos se espantam
soluções que criou para as limitações Os NFTs ilustram a carteira de crip- com o valor das vendas dos meus
das gravações com distanciamento. toativos dos compradores, que são NFTs. Mas ali está a minha obra, o
Mas foi o que fez Uno de Oliveira, de- públicas, e, portanto, funcionam como meu nome”, explica. De forma simples, o
pois de 14 anos na emissora. “Cheguei uma galeria. Notórios colecionadores, artista traduz o fim da fronteira entre o
até o posto mais alto que poderia”, como o rapper Snoop Dogg, valorizam físico e o digital. “Está tudo gamificado:
conta. Ele precisava de tempo para essas peças. Uber, Rappi, Lexa, o relógio que mo-
foto divulgação

se dedicar à criptoarte, movimento do Uno descobriu esse universo quando nitora o sono. O filtro do Instagram é
qual é um dos pioneiros no país, atre- procurava uma solução eletrônica uma realidade aumentada. Já estamos
lando seu trabalho ao NFT (token não para vender os quadros do pai, o artis- vivendo em uma segunda camada.”
fungível, na sigla em inglês, que resu- ta plástico João de Oliveira. Referên- Fernando Beagá

70 71

Untitled-26 2 09/12/2021 16:41:13


roteiro da vida de Bár-
bara Passos avançava
bem como o pai, Adi-
nan, sonhava: ela mora-
va sob seu teto, cursando a faculdade
de direito. Ele já havia corrigido a rota
quando não autorizou que ela usu-
fruísse de uma bolsa de estudos para
jogar futebol, uma paixão, por uma
universidade americana – e até suge-
riu que o irmão fosse no lugar. Mesmo
acostumada a ouvir como resposta
aos seus desejos que “aquilo não era
coisa de menina”, insistiu até provar o
contrário. Conciliando os estudos e a
prática do game Free Fire – no início,
usando o nickname de Coelhinha –,
Babi começou a se destacar em com-
petições e chamou a atenção do time
LOUD. Um dos sócios, Jean Ortega,
agendou uma entrevista remota e deu
a resposta no mesmo dia: “Parabéns,
você é a primeira menina da equipe”.
Era preciso trancar o curso de gra-
duação e se mudar de Belo Horizon-
te para São Paulo. O pai dessa vez
topou. “A relação mudou depois que
entrei na faculdade. Ele me viu como
adulta. Hoje, consigo conversar sobre
diversos assuntos, mostrar que esta-
mos em 2021. Fico feliz com a evolu-
ção dele, que me acompanha em tudo
agora”, diz Babi.
O sucesso foi rápido e logo ela migrou
dos campeonatos para o time de in-
fluenciadores da companhia. Tem Mulher brasileira com
mais de 9 milhões de seguidores no
Instagram, outros 5 milhões no YouTu- mais fãs na plataforma
be e é a mulher brasileira com mais fãs
na Twitch, a plataforma preferida dos
de stream Twitch, Babi
streamers – ultrapassou 1 milhão de vira referência ao criar
seguidores apenas cinco meses após
lançar o perfil. A live de estreia reuniu um torneio feminino
50 mil acessos simultâneos, quase um
Mineirão lotado. “Isso é doideira! Mas
em um game dominado
é muito trabalho. Enfrentei minha timi- por homens
BABI
dez, o medo da câmera. Eu não era de
me expor, tinha somente cinco fotos
postadas no Instagram”, conta. Dos
tempos do anonimato, a influenciado- de empoderamento. A influenciadora cresceu jogando com os
ra guarda como relíquia o celular que irmãos e, numa tacada de autoafirmação, decidiu não se escon-
usava quando despontou no Free Fire, der sob apelidos masculinos, mas viu muitas amigas usarem esse
com tela rachada, bateria viciada e expediente para fugir de assédio e preconceito. Com a colega de
que esquentava muito, exigindo des- equipe Carol Voltan, criou um torneio feminino, o Donas do Jogo.
cansá-lo sobre uma placa de gelo nos “Quando um pai vê um evento desse tamanho, começa a enten-
intervalos dos jogos para esfriar. der que a filha pode estar ali. Meu sonho é, lá na frente, ver uma
A visibilidade trouxe a responsabili- menina estourar e ela vir me dizer que se inspirou em mim.”
dade de compartilhar seu processo Fernando Beagá

Untitled-26 3 09/12/2021 16:41:14


JUNIOR O ator, que
usa seu ofício
para ajustar a
visão do Brasil
sobre pessoas
negras, criou
um desenho
animado que
renova a
perspectiva
sobre relações
familiares

72 73

Untitled-27 2 09/12/2021 16:41:39


“Elas estavam
assistindo à Barbie
e dizendo quem elas
eram dali. Olhei para
a televisão e não
consegui vê-las em
lugar nenhum. Em
2021, não ter uma
referência negra
para nossas crianças
é um absurdo”
que alguns chamam
de criatividade, para
o ator David Junior é
resistência, espelho e
afeto. “Decidi encarar a minha vida
com amor e empatia, independen-
te do que entregam para mim”, diz.
“Se o mundo me dá uma sociedade
racista, eu devolvo de outra forma”,
conta ele, ex-morador da Baixada
Fluminense, no Rio de Janeiro, que
se destacou em novelas como “Bom
Sucesso” e “Pega Pega”.
O artista explica que, no trabalho,
sente-se na obrigação de combater
os estereótipos associados à ima-
gem dos negros e que evita ser en-
quadrado em rótulos. Ele usa como Garcez, David lembra que, por ques- protagonista e que vê as tarefas de
exemplo o papel que fez do seriado tões históricas e estruturais, muitas casa divididas entre mãe e pai (“Ma-
“Sob Pressão”: “A neurocirurgia é crianças negras crescem sem uma carrão do papai” é um dos vídeos
uma especialidade respeitada na figura paterna. Para espalhar uma mais interessantes). A ideia surgiu
medicina. Então, colocar isso em outra visão, ele enche as próprias em uma reunião com os parentes,
um corpo negro é subverter e muito. redes sociais de fotos com a filha e enquanto observava suas primas.
A gente está acostumado a vê-los comentários sobre essa relação. Ele “Elas estavam assistindo à Barbie e
morrer. É muito gratificante inter- se inspira em Manoel Soares, um dizendo quem elas eram dali. Olhei
pretar alguém que salva vidas e não dos fundadores da Cufa (Central para televisão e não consegui vê-las
tira ou perde. Me dá muito orgulho Única das Favelas), e no avô: pais em lugar nenhum. Em 2021, não ter
de fazer”, diz. pretos que ensinam sobre família, uma referência negra para nossas
foto divulgação

O ator também usa a internet para amor e o que é ser referência. Para crianças é um absurdo”. Atualmen-
retratar um modelo de paternidade reforçar essa imagem, criou com a te, o canal soma mais de 3 milhões
afetuosa e real. Pai de Amora, do seu mulher a animação “Hora do Bléc”, de visualizações no YouTube.
casamento com a diretora Yasmin que tem um menino negro como Yasmin Leal

Untitled-27 3 09/12/2021 16:41:39


Graciano
urante um evento presen-
cial na pandemia, Aman-
da Graciano foi reconhe-
cida mesmo de máscara.
“Você mudou a minha vida”, disse a
participante, que se lembrou de uma
mentoria da qual a economista havia
sido voluntária. “Ali, eu percebi o ta-
manho da minha responsabilidade,
de que minhas ações impactam mui-
tas pessoas”, diz Amanda.
Head de startups do Cubo Itaú, ela
aconselha centenas de profissionais
e é uma das principais referências no
Brasil em inovação aberta - conceito
que vem derrubando tabus e demo-
cratizando o mundo corporativo, ao
descentralizar decisões, ver apren-
dizado na concorrência, promover
a diversidade e conectar empresas
pequenas, grandes, universidades
e outros empreendedores de forma
colaborativa.
Amanda foi eleita LinkedIn Top Voice
em 2019 e atua para facilitar o aces-
so à informação no ambiente de ne-
gócios. “Sou extremamente inconfor-
mada e divido práticas e dinâmicas
para melhorar a vida das pessoas.
Tenho consciência de que copiam o Por meio da inovação
que eu faço, o que é positivo. Uso isso
como estratégia para promover mu-
aberta, ela torna o
danças”, avalia. empreendedorismo
O sucesso de Amanda é resultado
de um discurso humanizado dentro mais democrático e
do ecossistema de inovação e tec-
nologia - e muita cobrança. “O tra-
recompensador
balho tem que caber na vida, e não
o contrário”, explica. Entre as técni-
cas, programa os e-mails escritos às lo. “Inicialmente foi um choque, achei que não seria mais a
sexta-feiras, no final do expediente, única mulher negra no meu meio.” A reação foi explorar a
para chegarem somente na segun- maior cidade do país em diferentes cenários — como o cul-
da, e o WhatsApp só é conferido tural, por exemplo —, construir uma rede de apoio e enga-
duas vezes por dia - as notificações jar-se. “Tive de abrir a porta do lado de dentro. Enquanto
de aplicativos estão desativadas. cresço na minha carreira, também tenho a oportunidade
foto vitor pickersgill

Mineira de Belo Horizonte, a mais ve- de fazer mais pessoas diversas entrarem.” Com sua abor-
lha de quatro irmãos e “filha da Ma- dagem, ela busca mais oportunidades para quem, apesar
ria das Dores e do Valtemir”, como do talento, a vista da meritocracia não alcança. “Se há
gosta de enfatizar, ela pensou que alguém que precisa do conhecimento que adquiri, são
encontraria um cenário diferente esses profissionais. O Brasil é desigual e precisamos
quando desembarcou em São Pau- criar pontes.” Fernando Beagá

74 75

Untitled-28 2 09/12/2021 16:42:24


do um grande passo, porque há a
chance desse moleque que está ou-
vindo, desses milhões de fãs abrirem
o coração e a mente de verdade.”
Djonga é um artista com persona-
lidade marcante desde os 16 anos.
Do funk ao rock, do hip hop ao sam-
ba, o cantor se tornou uma referên-
ater o pé e focar na trans- cia nacional dentro e fora do rap.
formação são o mote
para a vida e a obra do
“Sempre que uma pessoa é consi-
derada grande, que tem força, que
Para o rapper
rapper Djonga. Garoto tem representatividade, é um foco mineiro, o
da comunidade da Favela do Índio, de inspiração para os moleques que
em Belo Horizonte, Gustavo Pereira querem ser iguais”, diz. despertar do
Marques cresceu tendo como refe-
rência os Racionais MC’s, grupo que
Para ele, o despertar do lado crítico
anda lado a lado com a diversão, o
lado crítico anda
continua inspirando as novas gera- beatbox, as métricas precisas e um ombro a ombro
ções das periferias – e muito além genuíno swing, cheio de sonoridade
delas. Foi participando de saraus de urbana. Ele mostra que é o amor, e com a diversão,
poesia que começou a escrever suas
primeiras composições.
não o ódio, que alimenta suas críti-
cas “ao sistema que só visa lucro, a
o beatbox, as
Como rapper, sabe da importância desigualdade, porque é isso que o métricas precisas
de sua mensagem dentro de um mantém vivo”.
contexto social e político tão duro Aumenta o som, sente a batida na e um genuíno
como é o do país atualmente. “Eu
acho que, hoje em dia, no Brasil, isso
mente e no peito, que lá vem Djon-
ga botando ideia positiva na cabe-
suingue, cheio
se torna mais importante, porque a ça do jovem, como canta em “Olho de sonoridade
gente vive um momento de desmon- de Tigre”: “Talvez por isso que me
te da democracia e dos nossos direi- chamam de sensacional. Tenho sido urbana
tos”, diz ele, que tem 2,9 milhões de tão verdadeiro que prefiro não usar
seguidores na sua principal rede so- ouro e não ser falso em nada”.
cial, o Instagram. “A gente está dan- paula melo

DJONGA
foto divulgação

Untitled-28 3 09/12/2021 16:42:28


OLIVEIRA
vida da produtora
de conteúdo fluminense
Gabi Oliveira, a Gabi
de Pretas, anda bem
movimentada. No último ano, os se-
guidores de suas redes sociais – são
quase 600 mil no Instagram, 600 mil
no YouTube, 250 mil no Facebook e
220 mil no Twitter – acompanharam
o lançamento da primeira linha pró-
pria de produtos para o cabelo, a
preparação de dezenas de receitas
na cozinha, avaliações dos melhores
(e piores) apetrechos para passar a
quarentena da pandemia em casa,
indicações de livros, filmes e séries;
protestos contra o desempenho do
governo federal na pior crise sani-
tária da história do país, uma série
de anúncios de vagas de trabalho
para profissionais pretos, a decisão
de raspar a cabeça... Mais impor-
tante: em agosto, a chegada das
duas crianças que adotou, e, logo
em seguida, a mudança para a casa
própria. Em um momento em que o
trabalho dos influenciadores parece
um tanto banalizado pela falta de
naturalidade que a excessiva comer-
cialização dos perfis provoca, Gabi
leva ainda mais a sério a missão de

levantar debates importantes para


Com o De Pretas, ela levou o a sociedade e inspirar os fãs.
alcance do conteúdo de beleza Nascida em Niterói, Gabi se tornou
youtuber em 2015, após perder o
a outro patamar. Das dicas de emprego, pela vontade de disse-
minar o que estava aprendendo
maquiagem à adoção dos filhos, sobre raça e cultura negra na UERJ
tudo o que revela é cheio de (Universidade Estadual do Rio de
Janeiro), onde cursava a gradua-
significado e representatividade ção em relações públicas. Assim
nasceu o canal De Pretas. Os pri-
meiros vídeos focavam em conteú-
dos de beleza. Gabi compartilhava
suas inseguranças em relação à
aparência e dava dicas de maquia-

76 77

Untitled-45 2 09/12/2021 16:57:51


“Ninguém é
só ativista. Os
meus seguidores
entenderam que
sou uma pessoa
de múltiplos
gostos e
interesses”

gem e cabelo para quem, como ela, humanidade em todos nós. “Que-
não se enxergavam em outras blo- ro mostrar que todo mundo erra,
gueiras. Aos poucos, os questiona- acerta... Combater os estereótipos,
mentos chegaram à autoestima, ao especialmente sobre as mulheres
racismo e às injustiças sociais, e daí negras.” Mostrar a evolução de sua
sua produção passou a abarcar to- vida, de estudante a jovem profis-
dos os temas que julga relevantes. sional a mãe solo de crianças ado-
“Ninguém é só ativista. Os meus se- tadas, tem o mesmo propósito. Pelo
guidores entenderam que sou uma alcance e poder dessa mensagem,
pessoa de múltiplos gostos e inte- Gabi, com o De Pretas, acaba ser
resses”, diz a influencer, hoje com eleita a melhor blogueira de diver-
foto DIVULGAçÃO

29 anos. Ao revelar seus medos e sidade e inclusão do Brasil no prê-


desejos mais íntimos para as câme- mio iBest, oferecido aos melhores
ras, rir e chorar abertamente, Gabi profissionais e empresas do mundo
quer contribuir com o resgate da digital. Denyse Godoy

Untitled-45 3 09/12/2021 16:57:53


Nem mesmo o Minuano, como é conhecido o vento frio soprado do polo
Sul, afastou os moradores do Sul, a única região brasileira que fica
predominantemente abaixo da zona tropical. Em uma área de 576.774
quilômetros quadrados, menor que Minas Gerais, vivem aproximadamente 1,2
milhão de brasileiros em três estados – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul – o que torna a região a segunda mais povoada do Brasil. É de onde vieram o
artista plástico Iberê Camargo e o tenista Gustavo Kuerten.
A força das águas também não assustou os sulistas, ao contrário. No leito do
rio Paraná foi construída a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, a Itaipu
– na data da inauguração, em 1982, era a maior, título que ostentou até 2003.
A vocação energética pode inclusive ser vista sob a terra. A região abriga as
maiores reservas de carvão do Brasil.

Untitled-29 2 09/12/2021 16:42:50


Untitled-29 3
SUL
09/12/2021 16:42:50
país do futebol virou o

BARROS país do skate em 2021,


após a estreia da mo-
dalidade em olimpía-
das. Para muitos, foi uma surpresa
descobrir a constelação de atletas
campeões mundiais, mas se existe
um circuito que fervilha no Brasil há
algum tempo, podem colocar boa
parte do mérito na conta do catari-
nense Pedro Barros, que tem 26 de
idade, mas se diverte com os shapes
sobre rodinhas desde antes mesmo
de aprender a andar.
Ainda de fraldas, era levado pelo pai,
o ex-surfista André Barros, aos pon-
tos de encontro dos praticantes de
esportes radicais em Florianópolis,
onde moravam, para brincar. Após se
profissionalizar, aos 13, foi sete vezes
medalhista de ouro nos X- Games (en-
tre 2008 e 2016), duas vezes meda-
lhista de prata (2011, 2013 e 2015) e
medalhista de bronze (2009). No Ja-
pão, neste ano, conquistou a prata, e
é considerado o grande herdeiro das
lendas do skate Sandro Dias e Bob A família passou por dificuldades
Burnquist na modalidade park (ou financeiras, mas sempre apoiou o
bowl), um estilo que nasceu na Cali- sonho do garoto. Agora vivendo nos
fórnia, nos Estados Unidos, nos anos Estados Unidos, a partir de onde tem
1970, quando os jovens passaram a acesso fácil às principais competi-
usar as piscinas das casas esvaziadas ções do mundo, o atleta é também
por causa de uma grande seca como um grande influencer para a sua
pista para praticar o esporte. geração, fabrica os próprios shapes
e, junto com o pai, criou uma cerveja
própria e um espaço na capital ca-
tarinense com pista de skate e lojas,
com diversão para várias idades e a
disseminação da cultura das ruas e
do surfe. “Pensei: imagina se a gente
pudesse ter um ambiente legal, uma
marca para fazer eventos, patroci-
nar skatistas. Ter algo que também
O atleta deseja que sua fama e fomentasse o público”, conta o ska-
a dos colegas ajude a inspirar tista. Com o sucesso da ideia, filiais
já foram espalhadas por São Paulo,
novas gerações de atletas e que Belo Horizonte, Criciúma e Brasília.
A palavra de ordem no esporte ago-
a prática do skate nos espaços ra é justamente disseminação. Barros
públicos seja estimulada deseja que a sua fama e a dos cole-
gas ajude a inspirar novas gerações
de atletas e que a prática do skate
nos espaços públicos seja estimula-
da, com informação e pistas de boa
estrutura, em benefício da cultura do
país. Já está claro que o interesse da
torcida não vai surgir apenas de qua-
tro em quatro anos. Denyse Godoy

80 81

Untitled-46 2 09/12/2021 16:58:17


O atleta quer que a sua fama
e a dos colegas ajude a
inspirar novas gerações de
atletas e que os governos
foto Anthony Costa/Acervo GQ

de todas as instâncias
estimulem a prática nos
espaços públicos

Untitled-46 3 09/12/2021 16:58:19


FALERO
nde é que já se
viu querer ser es-
critor?” Era essa
a pergunta que
José Falero ouvia, sob risadas, dos
amigos do trabalho na construção
civil. “Falar que estava escrevendo,
dentro da minha realidade, era como
se eu aparecesse na obra vestido de
astronauta”, lembra o escritor nas-
cido e criado na Lomba do Pinheiro,
periferia de Porto Alegre. A paixão
pela literatura demorou a despertar,
mas foi arrebatadora. Ele leu o pri-
meiro livro da vida já adulto, iniciou
uma jornada autodidata pelas fer-
ramentas de produção textual e pra-
ticou muito, acumulando pilhas de
cadernos — àquela altura, ele sequer
conhecia um computador. Hoje, seu
primeiro romance, “Os Supridores”
(Todavia, 2020), que começou a ser
escrito à mão, é sucesso de público
e crítica e ficou entre os finalistas do
Prêmio Jabuti na categoria romance
literário. A obra, que narra a história
de dois repositores de supermerca-
do (supridores, para os gaúchos) que
decidiram vender maconha, mergu-
lha no Brasil invisível de onde Falero
emergiu, mas faz questão de perma-
Com seu necer. “Havia uma demanda reprimi-
da pela produção de pessoas como
romance de eu, que contem esse universo. O cara
da periferia pegava um livro e não se
estreia, que reconhecia, desde o projeto gráfico,
começou a ser passando pela linguagem”, reflete,
celebrando o que considera um mo- diz o fã de Mano Brown, uma de suas
escrito à mão, mento de abertura no mundo literá- principais referências.
rio. “Essa barragem está rachando.” Além de servente de pedreiro, Fa-
José Falero A consistente crítica social de suas lero também foi supridor, auxiliar
se tornou obras — que incluem os contos de
“Vila Sapo” (Venas Abiertas, 2019) e
de cozinha e porteiro. Concluiu re-
centemente o ensino médio, via EJA
um destaque as crônicas de “Mas em que mundo (Educação de Jovens e Adultos), e
tu vive?” (Todavia, 2021) —, com diá- pretende cursar letras. Não agora,
da literatura logos coloquiais e fina ironia, é para o porque a requisitada agenda não
nacional - um escritor uma luta perene. “Ao mesmo
tempo em que temos progressos irre-
permite. “Quero ter uma graduação
para não voltar aos subempregos.
feito para quem versíveis, de uma geração de pessoas Mas meu plano A é continuar viven-
que, por ações afirmativas e políticas do da literatura. Por enquanto, vou
leu o primeiro públicas, mudaram o debate, por ou- ficar botando a mão na água e ven-
livro só depois tro lado direitos básicos conquistados
após décadas são desmontados por
do a temperatura. Hoje tenho mais
trabalho do que dou conta.”
de adulto uma canetada. A luta é para sempre”, Fernando Beagá

82 83

Untitled-30 2 09/12/2021 16:43:18


“Havia uma demanda reprimida
pela produção de pessoas
como eu, que contam esse
universo. O cara da periferia
pegava um livro e não se
foto Josemar Afrovulto

reconhecia, nem no projeto


gráfico, nem na linguagem”

Untitled-30 3 09/12/2021 16:43:19


Ao dividir seus
silva conhecimentos
sobre finanças
nas redes
sociais, a
economista
gaúcha cresceu
na mesma
proporção
que o alcance
dos seus
ensinamentos

84 85

Untitled-31 2 09/12/2021 16:43:45


oda vez que sofria com o racismo, Dirlene Silva se lembrava da coragem de
sua mãe. Vera ficou órfã aos sete anos, começou a trabalhar como empre-
gada doméstica ainda adolescente e, após se divorciar do pai das três fil-
has e perder o emprego em casa de família, passou a trabalhar como gari.
“Por causa do exemplo dela, jamais me permiti desistir, não importando a dificuldade
que enfrentasse”, conta Dirlene.
Foi o estudo que levou a gaúcha mais longe. Quando criança, o amor pelos livros a
mantinha interessada e firme na escola particular, onde tinha bolsa, mesmo quan-
do os colegas diziam que ela não podia participar das brincadeiras porque era pre-
ta, ou porque era filha da doméstica, ou porque era filha da lixeira. Desde menina,
gostava de ouvir na rádio FM o noticiário de economia. A década de 1980 oferecia
muito conteúdo: foram quatro planos do governo federal para tentar domar a hiper-
inflação. “Era um gosto bem peculiar”, ri.
Aos 47 anos, Dirlene tem no currículo cinco cursos de ensino superior, entre gradu-
ação, mestrado e MBA – inclusive na França. Começou na área de economia e ad-
ministração de empresas quando fez o técnico em contabilidade e finanças no ensi-
no médio, porque tinha pressa de entrar no mercado de trabalho, ganhar o próprio
dinheiro e ajudar a família (as irmãs também trabalhavam como domésticas). Teve
bastante sucesso na gestão do que ganhava com seu trabalho – comprou carro,
casa própria, um apartamento na praia. No início de 2020, assim que a pandemia
chegou, a empresa em que trabalhava sofreu com a crise financeira e a demitiu. Pela
primeira vez na vida, Dirlene teve vontade de empreender, e escolheu compartilhar
seus conhecimentos em finanças de uma maneira educativa. “Não imaginava que
seguiria esse caminho, tudo aconteceu tão rápido! Muita gente me procurou pedin-
do para eu escrever sobre o assunto. Acho que me tornei influencer! Me dá uma
alegria enorme ajudar outras pessoas a se desenvolver”, diz.
Agora, é colunista de finanças das plataformas Black Collab e Prateleira de Mulher,
além do banco PAN, palestrante, professora da escola de negócios Conquer, em-
baixadora do Clube Mulheres de Negócios, de Portugal, e diretora da própria con-
sultoria, a DS Estratégias e Inteligência Financeira. Todas essas oportunidades sur-
giram nos últimos dois anos, quando se tornou Top Voice da rede social profissional
LinkedIn. “Percebi o poder de usar a minha história e a minha visão na construção do
mundo que queremos”, diz. O melhor investimento de todos? A educação.
Denyse Godoy

“Não imaginava que


seguiria esse caminho, tudo
aconteceu tão rápido! Muita
gente me procurou pedindo
para eu escrever sobre o
assunto. Acho que me tornei
influencer! Me dá uma alegria
foto AMANDA FURTADO

enorme ajudar outras pessoas


a se desenvolver”

Untitled-31 3 09/12/2021 16:43:47


Orofino
uando se mudou para
São Paulo, com 58 anos,
Maria Augusta Orofino
se viu na Avenida Pau-
lista lembrando que sonhou em deixar
Florianópolis aos 18. “Mas fiz um ca-
minho diferente, indo para um centro
maior numa idade avançada para os
padrões brasileiros”, diz ela, que hoje
aos 65 tem uma história marcada por
antecipar tendências.
Formada em administração de empre-
sas na década de 1970, ela passou no
concorrido processo seletivo de uma
gigante estatal e lá atuou por quase
duas décadas. “Fui líder e cheguei até
onde dava para uma mulher daquela
época. Hoje percebo os assédios pe-
los quais passei, as promoções que
não recebi, sobrepujada por homens.”
No início dos anos 1990, aderiu a um
plano de demissão voluntária. “Fui cui-
dar da minha vida, empreender.” Com

o dinheiro do acerto, abriu um escritório de editoração eletrôni-


ca, para o qual trouxe o primeiro computador com tela colorida
e a primeira impressora a laser de Santa Catarina. Em dois anos,
a novidade tinha se espalhado e veio um novo estalo: organizar
grandes eventos, aproveitando a expertise dos seus tempos de
executiva. Quinze anos depois, Guta, como é conhecida, disse
Com mais de outro “chega”. Inspirada por uma amiga a fazer mestrado na
quarenta anos Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), decidiu que
aquele seria o ponto de mais uma mudança de carreira. “Procu-
de carreira, rei um assunto que ninguém pesquisava no Brasil e me deparei
com design thinking e inovação em modelos de negócio. Defen-
a catarinense di a dissertação em março de 2011 e em maio já era convidada
é referência para eventos. Tornei-me uma evangelizadora desse assunto, e
São Paulo começou a me chamar”, conta.
em inovação e Além da atuação como professora (na ESPM e na HSM), pales-
trante e pesquisadora, Orofino presta consultoria a municípios
transformação que desejam preparar um ecossistema de inovação e dá men-
digital, de toria para startups. Lançou recentemente o livro “Liderança
para a inovação” (Alta Books, 2021), com orientações sobre
municípios a como se adaptar à transformação cultural nas empresas. “Li-
derança requer diversidade, inclusão. E estar preparado para
empresas ter pessoas protagonistas no seu time. Meu propósito é des-
mistificar inovação.”
Quando a pandemia chegou, Guta não sofreu com a adaptação.
foto divulgação

“Estou em home office há dez anos, minha estrutura estava pre-


parada. No fatídico 17 de março de 2020, eu estava pronta para
atender meus clientes.” Tinha dado aquele passo à frente, mais
uma vez. Fernando Beagá

86 87

Untitled-32 2 09/12/2021 16:44:16


Vivendo o
metaverso há
anos, Lacerda
antecipa agora
uma nova
revolução
cognitiva humana

Lacerda
unhado em 1992, no livro
de ficção científica “Snow
Crash”, o termo metaverso
se tornou repentinamente
a palavra-chave da vez. Trata-se do Lacerda está explorando o metaverso há tempos. Antes, esteve à
universo virtual onde é possível intera- frente de vários projetos pioneiros da internet brasileira, como o
gir com pessoas por meio de avatares, portal Terra e a agência F.biz. O interesse pela ciência nasceu na
simulando um ambiente ou um evento infância, inicialmente por inspiração do pai, piloto da FAB (Força
real - uma conferência, um churrasco, Aérea Brasileira) que cursou engenharia no ITA (Instituto Tecno-
um show. Um marco dessa tecnologia lógico de Aeronáutica). “Quando
está sendo a Expo Dubai, que come- eu tinha uns 8 ou 10 anos, ganhei um brinquedo que era para
çou em outubro e vai até março de crianças mais velhas. Chamava-se Engenheiro Eletrônico e ensi-
2022. Todo o ambiente da exposição nava a montar circuitos. Eu amei aquele negócio.
universal - cada loja, árvore ou rua - foi Sempre fui muito curioso e muito espantado com as coisas. Para
digitalizado, de forma que é possível a maioria das pessoas as coisas não são um choque como são
visitá-la de qualquer lugar do mundo. para mim”, conta. Aos 18 anos, ele começou a escrever progra-
Por trás desse case, está a Magnopus, mas. “O projeto que eu levei seis meses para fazer hoje um garoto
que tem entre os sócios Marcelo La- faz em duas horas ou talvez 15 minutos”, diz.
cerda (e também Ben Grossman, ven- O avanço tecnológico segue encantando Lacerda. Ele aposta
cedor do Oscar de Efeitos Visuais, em nas novidades que a IoT (sigla em inglês para internet das coisas)
2012). vai possibilitar, como usar o infravermelho para “ler” que alguém
Fundada em 2013, a empresa é espe- está mentindo ou “ver através das paredes”, por meio de câme-
cializada em criação de imagens com- ras instaladas em todos os lugares. “Atualmente, nós estamos
putadorizadas bastante realistas, em trabalhando nesses projetos. Daqui a 10 ou 20 anos, quando
produções como “O Rei Leão”, da Dis- chegarem óculos especiais, será um layer digital superposto ao
ney, e na criação de experiências imer- mundo físico. Vai mudar tudo”, prevê. Com isso, é como se a capa-
sivas, a partir de realidade aumenta- cidade de processar
da e virtual - a convite da NASA, criou informação dos computadores passasse a ser uma extensão da
uma visita on-line à Estação Espacial mente humana. “O mundo está no limiar de uma nova revolução
Internacional. cognitiva.” Cristiane Marsola

Untitled-32 3 09/12/2021 16:44:18


os arredores do Ter- modelo de negócio “repetível e esca-

privado minal do Guadalupe,


a antiga rodoviária de
Curitiba, uma série de
lável” por meio da tecnologia. Como
a rota foi totalmente recalculada,
ainda que o nome seguisse o mesmo,
startups está embarcando seus negó- o curitibano passou a ser conside-
cios para o restante do Brasil e outros rado cofundador. A nova estratégia
países. Estão ali empresas de tecnolo- foi o modelo drop-shipping, no qual
gia de diversos segmentos, que fize- a empresa não dispõe de estoque e
ram a região ser chamada de Vale do conecta a indústria com os compra-
Guadalupe. Entre elas há dois unicór- dores. Ela foi ficando cada vez mais
nios (startups que valem US$ 1 bilhão complexa e variada. Hoje há até mais
ou mais): o Ebanx, de Alphonse Voigt, de 100 lojas físicas, num modelo de
também citado nesta edição, e a Ma- guide shop.
deiraMadeira, o maior maketplace de Em janeiro, quando a MadeiraMa-
itens para casa do Brasil. deira se tornou um unicórnio, Robson
A MadeiraMadeira nasceu como ganhou o noticiário por ser o primei-
uma loja virtual de produtos feitos ro fundador negro de uma empresa
da matéria-prima que dá nome à brasileira a atingir esse patamar.
empresa, fundada pelos irmãos Da- “Não imaginava essa repercussão
niel e Marcelo Scandian em 2009. toda. Eu fui o primeiro empreende-
Três anos depois, o negócio promis- dor negro cofundador de uma star-
sor deu uma virada, assinalada por tup unicórnio, mas certamente não
dois grandes marcos: a primeira ro- serei o único”, diz. Para ver essa mu-
dada de investimentos, com aportes dança, ele assumiu uma posição no
de grandes como a Monashees e a conselho da Endeavor, organização
Kaszek Ventures; e a chegada de que é referência em empreendedo-
Robson Privado, que não tinha nem rismo, com a missão de incentivar
30 anos de idade na ocasião, mas já a diversidade. Ela não pode ser, no
acumulava sólida experiência, pri- entanto, ilustrativa. “Precisamos de
meiro como empreendedor na área ações mais efetivas, como ampliar
da saúde e depois como profissional o investimento em empreendedores
da Leroy Merlin. com projetos sólidos”, diz ele, que
Quando Robson entrou no time, a ocupa hoje o cargo de chief opera-
empresa se transformou de um sim- ting officer, à frente de 14 centros
ples e-commerce para uma verda- de distribuição e 8.000 entregas
deira startup, ou seja, adotou um por dia. daniel bergamasco

O curitibano formado em
administração de empresas
e educação física lidera
as operações da startup
MadeiraMadeira, o maior
foto Guilherme Pupo

marketplace de produtos para


casa do país

88 89

Untitled-33 2 09/12/2021 16:45:07


“Eu fui o primeiro empreendedor
negro cofundador de uma
startup unicórnio, mas
certamente não serei o único”

Untitled-33 3 09/12/2021 16:45:08


Ao notar a confusão de
Voigt e-commerces estrangeiros
com o boleto bancário,
uma particularidade
brasileira, ele deu início
a uma startup bilionária

paranaense Alphonse Voigt foi promotor de sho-


ws, comentarista de mesa-redonda de futebol e
criou várias empresas (entre elas, um bingo que
jamais chegou a funcionar). Mas o grande ponto
de virada para o empreendedor foi a criação da fintech Ebanx,
em 2011. “Já havia passado por várias experiências, mais er-
ros do que acertos, quando surgiu a oportunidade. Fui eu que
tive a sacada do nome, hoje conhecido internacionalmente”,
relembra. “Meus sócios abriram mão de um monte de coisa
para entrar nessa aventura. Percebemos que era um mercado
gigantesco, global. E eu tinha certeza de que aquele era o pro-
jeto da minha vida e que não tinha volta”, conta.
A ideia de construir o negócio surgiu quando o empreendedor
notou que alguns e-commerces internacionais gigantes esta-
vam perdendo vendas no Brasil por não oferecerem a opção
de pagamento por boletos bancários, uma inovação e um “pa-
trimônio” do sistema financeiro do país, praticamente desco-
nhecido em outras regiões do mundo. Foi criado em 1993 para
facilitar o acerto de bens ou serviços por consumidores que
foto Ricardo Franzen

não tinham conta bancária ou acesso a crédito - ainda hoje,


metade dos brasileiros adultos prefere quitar suas contas em
espécie, segundo o instituto Locomotiva.
Foi essa solução que o Ebanx passou a oferecer para o chinês
Alibaba e o argentino Mercado Livre, entre outros, permitindo
que milhões de consumidores tivessem acesso a seus produtos.

90 91

Untitled-34 2 09/12/2021 16:45:50


Hoje, o negócio tem cerca de 1.200
colaboradores e é um “unicórnio”,
uma empresa eletrônica avaliada em
mais de US$ 1 bilhão. Ampliou o le-
que de produtos, oferecendo parce-
lamento de compras, antecipação de
recebíveis e conta digital para pes-
soas físicas. Em junho, recebeu um
investimento de US$ 430 milhões do
fundo americano Advent – o segundo
maior já realizado em uma startup
brasileira –, e agora se prepara para
vender ações nos Estados Unidos.
“Aprendi a persistir. Em todas as fura-
das e acertos, que foram alguns, mas
sem escala, nunca desisti. Acreditar
e trabalhar duro são características
minhas. Sempre pensei que sonhar
grande custa o mesmo que sonhar
pequeno”, diz.
Formado em direito e fã de espor-
tes, o empreendedor paranaense
conta que o que queria mesmo era
ser artista, mas o talento apareceu
na promoção de eventos. “Hoje, vejo
que é no Ebanx que tenho de mostrar
minha paixão, onde exerço minha
criatividade. Meu palco é o mercado
financeiro”, diz. Um de seus maiores
orgulhos é ter desenvolvido a capaci-
dade de formar bons times para tra-
balhar. “Chega um momento de uma
realização ainda maior em que se vê
que tudo aquilo que ajudou a plan-
tar lá atrás já ganhou vida própria e
segue seu caminho independente de
você.” Cristiane Marsola

“Aprendi a persistir. Em todas


as furadas e acertos, que
foram alguns, mas sem
escala, nunca desisti”

Untitled-34 3 09/12/2021 16:45:52


A chef mais prestigiada do país
rizzo aprendeu o ofício estagiando em
cozinhas estreladas nacionais e
estrangeiras. Agora quem ensina
é ela, que acolherá em suas casas
a imigrantes em busca de carreira
na gastronomia

nica mulher à fren- sediados em São Paulo. Sua cozinha é conhecida pela
te de um restau- criatividade potente e sofisticada de seus pratos. O cevi-
rante com estrela che feito de carne de caju, a feijoada encapsulada, a sopa
Michelin” é mais fria de jabuticaba que leva lagostim - são todos encontros
um dos títulos acompanhados da inusitados, que em seu menu se tornam uma festa para o
expressão “única”, no feminino, com paladar.
o qual a chef Helena Rizzo costuma Para 2022, o grupo planeja implementar uma parceria
ser apresentada - e que ela não vê com o restaurante Open Taste, comandado por chefs e
a hora de se tornarem coisa do pas- refugiados, para a criação de um programa de estágio
sado. Primeiro, diz, porque ela não para imigrantes. “Quanto a projetos pessoais, adoraria
chegou lá sozinha. “Tem outras pes- escrever um livro. Vamos ver se acho tempo”, diz. “Sempre
soas, inclusive mulheres, que fazem procuro passar tempo de qualidade com a minha filha,
parte da minha equipe. Sem elas eu Manuela. Gosto de almoçar com ela, levá-la à escola, à
não teria chegado aonde cheguei.” pracinha... Durante os meses de gravação do MasterChef
Depois, por ver à sua volta outras [programa da Band no qual é jurada], me dediquei 100%
mulheres incríveis. “Temos muitas a isso. Assim que terminou a temporada, voltei correndo
chefs maravilhosas no nosso país para a cozinha do Maní. Eventualmente, tenho compro-
que são merecedoras de reconheci- missos comerciais, como a gravação de um curso online
mento internacional. Veja pelo prê- que estou finalizando neste momento, jantares aqui no
mio 50 Best da América Latina, que Brasil, e, às vezes, no exterior. Sempre que dá, vou para a
aconteceu recentemente [e desta- praia e acho um tempinho para ler e ouvir música.”
cou Bárbara Verzola, do capixaba Nascida em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Helena
Soeta, e Paola Carosella, do paulis- teve seu primeiro trabalho como modelo aos 16 anos. Foi
tano Arturito, entre outras]. Espero a profissão que a trouxe para São Paulo e que a fez pro-
que, juntas, possamos incentivar curar alguns bicos para pagar as contas. Assim, começou
cada vez mais lideranças femininas a trabalhar como garçonete da banqueteira Neka Men-
e que logo essa não seja nem mais na Barreto. Aos poucos, a moda deu lugar à cozinha. Na
uma questão a ser respondida”, diz sequência, vieram os estágios no Roanne, de Emmanuel
a gaúcha. Bassoleil, e no Gero, do grupo Fasano. Aos 21 anos, foi
Helena é chef-executiva do Grupo convidada para chefiar a cozinha do Na Mata Café. “A
Maní, uma holding com dois res- essa altura, eu já tinha me encontrado na gastronomia e
taurantes (o Maní e o Manioca) e decidi que queria estudar e adquirir experiência.” Juntou
duas unidades da padaria Padoca dinheiro, viajou para a Europa, e estagiou em restauran-
do Maní, empreendimentos todos tes na Itália e na Espanha. Quando voltou ao Brasil, em
2004, achou que era hora de abrir o próprio restaurante.
Em 2006, surgia o Maní, que tem como sócios Pedro Pau-
foto Robson Seba

lo Diniz, Giovana Baggio, Rafael Lima e a atriz Fernanda


Lima, amiga de Helena desde a época em que as duas
eram modelos - mais uma das várias uniões femininas que
fazem a diferença em sua história. Paula Melo

92 93

Untitled-35 2 09/12/2021 16:46:23


Untitled-35 3 09/12/2021 16:46:24
Reembarque
próximo

revista WIRED foi criada em 1993, nos Estados Unidos, e se


tornou sinônimo de informação de qualidade sobre tendên-
cias nas mais diversas áreas. Da tecnologia ao comporta-
mento, para onde caminha o mundo?

No Brasil, é o segundo ano em que o Wired Festival Brasil (evento de


inovação que as Edições Globo Condé Nast realiza no Brasil periodic-
amente) publica uma edição especial com 50 nomes-chave da criativi-
dade brasileira. Guarde esta revista – são pessoas das quais você ain-
da vai ouvir falar muito.

Para se integrar cada vez mais a esse universo, acompanhe o perfil @


wiredfestivalbrasil no Instagram. Lá estarão informações sobre os no-
vos produtos editoriais, as conferências e outras criações do Wired
Festival Brasil. O mais recente encontro aconteceu no Planetário da
Gávea, no Rio de Janeiro. O público pôde ouvir pessoas como a ativ-
ista Alice Pataxó, o gamer Nobru, o escritor Jonah Berger (autor do
best-seller “Contágio – Por que as Coisas Pegam” e professor de mar-
keting de Wharton), entre outros.

O time do Wired Festival Brasil está sempre em busca dos nomes e dos
temas que estarão nas próximas discussões cruciais no país. Por meio de-
les, a nossa viagem de experiência e conhecimento não termina nunca.

Untitled-36 2 09/12/2021 16:47:14


Untitled-36 3 09/12/2021 16:47:34
“Desejo me comunicar, ter ideias e
projetos em que nem sempre minha
melhor contribuição seja como ator.”
LÁZARO RAMOS

“O que nós fazemos não é apenas moda.


É empreendedorismo social.”
REJANE SOARES

“Chega o momento de uma realização


ainda maior, em que se vê que tudo
aquilo que ajudou a plantar lá atrás já
ganhou vida própria e segue seu caminho
independentemente de você.”
ALPHONSE VOIGT

“Sou extremamente inconformada e divido


práticase dinâmicas para melhorar a vida
das pessoas.”
AMANDA GRACIANO

SEGUNDA CAPA-1 - FRASES b.indd 2 09/12/2021 18:37:49


“As leituras me fizeram perder preconceitos,
conhecer o outro e a mim mesmo, além de me
tirar da bolha em que vivia. Passei a entender
como a diversidade é legal.”
PEDRO PACÍFICO

“Eu me sinto muito privilegiada de estar onde


estou, mas também penso que sou uma em um
milhão. O Brasil ainda é o país que mais mata
mulheres trans e travestis.”
RAFA MOREIRA

“São muito significativos esses espaços de


visibilidade que a gente vem ganhando. Isso
chateia muitas pessoas, pois tem gente que ainda
quer aquele indígena do estereótipo.”
TUKUMÃ PATAXÓ

“Sempre que uma pessoa é considerada grande,


que tem força, que tem representatividade, ela se
torna foco de inspiração para os moleques que
querem ser iguais.”
DJONGA

SEGUNDA CAPA-1 - FRASES b.indd 3 09/12/2021 18:37:49


10 12 13 14 16
Itamar Duda Ana Lázaro professor
Vieira Junior Beat Pires Ramos Krauss
Bahia Pernambuco Nordeste Bahia Paraíba

17 18 19 20 22
Duda Ticiana Jaqueline TUkumà Andrezza
Oliveira Amorim GOes Pataxó Rodrigues
Pernambuco Bahia Bahia Bahia Ceará

23 24 26 27 30
Carolina Felipe Itala Isaac Rafa
Teixeira Felix Herta Silva Moreira
Rio Grande do Norte Paraíba Bahia Bahia Pará

32 34 36 40 42
Samela Rejane Berna Paulo Fábio
Mawé Soares Reale Vieira Marx
Amazonas Amapá Pará Goiás Mato Grosso do Sul

44 48 50 52 53
Ana Maria Kondzilla Wendy Kunumi Kelly
Arsky Andrade MC Kim
Distrito Federal São Paulo Rio de Janeiro São Paulo São Paulo

54 56 57 58 60
Gloria Elisa Lucinda Jefferson Fernando Pedro
Groove Rueda Paiva PacÍfico
São Paulo Espírito Santo São Paulo São Paulo São Paulo

61 62 64 65 66
Beatriz Ingrid Cesar MarcelLo Nobru
Milhazes Silva MC Dantas
Rio de Janeiro Rio de Janeiro Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo

68 70 71 72 74
TatÁ Uno Babi David Amanda
Werneck Oliveira Junior Graciano
Rio de Janeiro Rio de Janeiro Minas Gerais Rio de Janeiro Minas Gerais

75 76 80 82 84
Djonga Gabi Pedro Barros José Dirlene
Oliveira Falero Silva
Minas Gerais Rio de Janeiro Santa Catarina Rio Grande do Sul Rio Grande do Sul

86 87 88 90 92
Maria Augusta Marcelo Robson Alphonse Helena
orofino Lacerda Privado Voigt Rizzo
Santa Catarina Rio Grande do Sul Paraná Paraná Rio Grande do Sul

Untitled-37 2 09/12/2021 16:48:17


Untitled-40 3 09/12/2021 16:53:23
capa 4.indd 4 09/12/2021 19:03:13

Você também pode gostar