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Johanna Lindsey - Mallory 1 - Amar Uma So Vez

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Johanna Lindsey

Amar Uma Só Vez

MALLORY 01

A vida de Regina Ashton mudou para sempre na noite em que foi seqüestrada em uma escura rua de Londres
e conduzida à mansão de um desconhecido. Embora a princípio tudo aquilo fosse fascinante, mais tarde se
sentiu ultrajada ante a arrogância do belo sedutor que tão habilmente o ensinou ensinado a viver a paixão e a
vergonha. Unida ao Nicholas pela fatalidade e pelo o escândalo, ambos demorariam um tempo para
compreender seus desejos e aceitar seu ardente destino: amar uma só vez...

Disponibilização/Tradução/Pesquisa: Yuna, Gisa, Mare e Rosie


Revisão: Edith Suli
Revisão Final: Danyela
Formatação: Gisa
PROJETO REVISORAS TRADUÇÕES
Mallory 01

CAPÍTULO 1

Os dedos que seguravam a garrafa de brandy eram longos e delicados. Selena Eddington
estava orgulhosa de suas mãos. Ostentava-as assim que se apresentava a ocasião, como neste
momento. Alcançou a garrafa para Nicholas, em lugar de o servir em seguida, o brandy. Isto além
de tudo permitia ficar de pé ante ele que estava recostado no sofá estofado de azul; o fogo da
chaminé que estava a suas costas marcava provocativamente sua figura através da tênue
musselina de seu vestido de baile. Até um libertino empedernido como Nicholas Éden devia ser
capaz de apreciar seu belo corpo.
Um grande rubi refulgia em sua mão esquerda, que tremia ligeiramente, quando segurou
seu copo, e serviu-se de brandy. Ainda exibia com orgulho o seu anel de casamento embora
fizesse mais de dois anos que estava viúva. Mais rubis rodeavam seu pescoço, mas nem sequer as
espetaculares gemas conseguiam desviar a atenção de seu decote, excessivamente pronunciado,
que deixava lugar só a uns escassos centímetros de tecido antes da alta e ajustada cintura na moda
do primeiro império, de onde caía o resto do vestido em linhas retas até seus bem torneados
tornozelos. O vestido era de uma cor escura, profundo, e harmonizava maravilhosamente com os
rubis e Selena.
- Escuta-me, Nicky?
Nicholas tinha aquela irritante expressão pensativa que cada vez era mais freqüente. Não
escutava nenhuma das palavras que ela dizia: estava profundamente submerso em pensamentos
nos quais certamente Selena não estava incluída. Nem sequer prestara atenção nela quando servia
o brandy.
- De verdade, Nicky, não é muito aduladora a maneira em que vai e me deixa quando
estamos sozinhos no aposento. - Mantinha-se firme sem ceder terreno diante dele, até que
Nicholas levantou a vista e a olhou.
- O que acontece, querida? - Seus olhos cor de avelã brilharam de ira. Se tivesse sido capaz
de demonstrar seu mau humor, inclusive se tivesse esperneado. Ele era tão provocador, tão
indiferente, tão... impossível! Mas também era um partido muito bom.
Procurando guardar a compostura, ela respondeu, com voz suave:
- O baile, Nicky. Estive falando do baile, mas você não prestou atenção. Se quiser, mudarei
de assunto, mas só se prometer que virá a me buscar cedo amanhã de noite.
- Que baile?
Selena conteve o fôlego. Ele não estava fingindo: verdadeiramente não sabia do que ela
estava falando.
- Não me provoque, Nicky. O baile dos Shepford. Já sabe quanto desejo ir.
- Ah, sim - disse ele secamente. - O baile que superará a todos, embora seja apenas o começo
da temporada.
Ela fingiu não perceber o tom.
- Além disso, sabe muito bem quanto esperei um convite da duquesa do Shepford para
uma de suas reuniões. O baile será, ao que parece, o mais importante que deu em anos.
Simplesmente todos os que são alguém estarão presentes.
- E o que?
Selena contou lentamente até cinco.
- Que morrerei se perder um só minuto.
Os lábios dele se curvaram com o conhecido sorriso zombeteiro.

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- Sente-se morrer com muita freqüência, querida. Não deveria tomar tão a sério o ruído
mundano.
- Deveria ser como você...
Teria retirado a frase, em caso de poder fazê-lo. Sua fúria estava a ponto de estalar e isso
seria desastroso. Sabia que ele deplorava todo excesso de emoção em qualquer um, embora ele
mesmo se permitisse dar rédea solta a seu mau humor, o que podia chegar a ser muito
desagradável.
Nicholas simplesmente os de ombros.
- Pode dizer que sou um excêntrico, querida, uma dessas pessoas que pouco se importa
com as demais.
Esta era uma grande verdade. Ignorava, inclusive insultava, a quem o desse vontade. Se
tornava amigo de quem o caía nas graças, inclusive de reconhecidos canalhas desprezados pela
sociedade. E nunca, nunca se submetia a ninguém. Era tão arrogante como as pessoas diziam.
Embora também podia ser extraordinariamente encantador... quando queria sê-lo.
Selena continha milagrosamente sua ira a ponto de explodir.
- Recorda, Nicky, que prometeu me acompanhar ao baile dos Shepford. Seriamente? -disse
ele com ar cansado.
- Sim, fez isso - disse com tranqüilidade. - E me prometa que não vai se atrasar, quer? Ele se
encolheu outra vez de ombros.
- Como vou prometer algo assim, querida? Não posso prever o futuro. Ninguém pode saber
se amanhã não surgirá algo para me atrasar.
Ela quase lançou um grito. Nada iria retê-lo como mostrava sua pérfida indiferença, e
ambos sabiam. Não podia suportar isso.
Selena tomou uma rápida decisão e disse como por descuido:
- Está bem, Nicky. Como é tão importante para mim e não posso contar com você,
procurarei outra escolta, embora espere que vá ao baile. - Os dois podiam jogar o mesmo jogo.
- Em tão pouco tempo? -perguntou ele.
- Duvida que o consiga? -respondeu provocando-o. Ele sorriu e a percorreu com olhar de
ternura.
- Não, certamente acredito que o custará muito pouco me substituir.
Selena o deu as costas antes que ele pudesse notar como o afetara essa frase. Foi um aviso?
Oh, ele estava tão seguro de si mesmo! Merecia que ela rompesse a relação. Nenhuma de suas
amantes o fizera jamais. Sempre era ele quem terminava. Sempre era ele quem dirigia. Como
reagiria se ela o deixasse? Ia enfurecer-se? Forçaria-a? Devia meditá-lo seriamente.
Nicholas Éden se sentou comodamente no sofá e viu que Selena tomava sua taça de xerez e
depois se estendia no espesso tapete de pele frente ao fogo, o dando as costas. Os lábios dele se
curvaram sardônicos. A pose dela era muito tentadora, e ela sabia. Selena sempre sabia o que
estava fazendo.
Estavam na cidade, na casa de Marie, depois de desfrutar de uma excelente comida com
Marie e seu amante do momento, de ter jogado whist durante uma ou duas horas e de ter-se
retirado por fim a este cômodo salãozinho. Marie e seu ardente apaixonado foram para um quarto
de cima, deixando sozinhos ao Nicholas e a Selena. Quantas outras noites como esta passaram? A
única novidade era que a condessa tinha um novo amante de cada vez. Vivia arriscadamente
quando seu marido, o conde, estava fora da cidade.
E esta noite também havia outra diferença. O aposento era igualmente romântico, o fogo
ardia, havia um discreto abajur em um canto, o brandy era bom, Os criados haviam se retirado
discretamente. Selena estava tão sedutora como sempre. Mas esta noite Nicholas estava

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aborrecido. Tão simples como isto. Não tinha vontade de deixar o sofá e unir-se a Selena sobre o
tapete.
Desde há algum tempo se deu conta de que estava perdendo interesse por ela. O fato de
que esta noite não desejasse especialmente ir à cama com ela confirmava sua sensação de que era o
momento de terminar. Esta aventura durou mais que as anteriores, quase três meses. Talvez por
isso desejava deixar a Selena, apesar de não ter com quem substituí-la.
Embora tampouco queria, no momento, perseguir ninguém. Selena superava em beleza a
todas as damas que ele conhecia, exceto às poucas que estavam apaixonadas por seus maridos e
portanto eram imunes a seu encanto. Ah, mas sua reserva de caça não se limitava às casadas
aborrecidas de seus maridos, claro que não. Não tinha escrúpulos para dedicar-se também às
doces ingênuas, que se tinham apresentado em sociedade há uma ou duas temporadas. Se as
ternas raparigas eram propensas a sucumbir, não estavam a salvo de Nicholas. E se elas estavam
ansiosas por deitar-se com ele, ele só as atendia, enquanto a aventura pudesse escapar aos olhos
de seus pais. É verdade que eram as aventuras mais breves, mas também as que mais o
entusiasmavam.
Em sua primeira juventude, quando era como um demônio solto, tinha seduzido a três
virgens. Uma, a filha de um duque, foi rapidamente casada com um segundo primo, ou com
algum outro afortunado cavalheiro. As outras duas se casaram antes que os escândalos tomassem
grandes dimensões. O que não quer dizer que as línguas afiadas não tivessem desfrutado com
cada aventura. Mas, sem o perigo das famílias enfurecidas, as aventuras se reduziram a intrigas e
comentários. A verdade era que os pais em questão tiveram medo de enfrentar a ele no terreno da
honra. Até este momento já vencera a dois maridos furiosos.
Não estava orgulhoso de ter deflorado a três inocentes, ou de ter ferido a dois homens, cuja
única falta era a de ter esposas promíscuas. Mas tampouco se sentia culpado de algum dos casos.
Se as jovenzinhas foram bastante parvas para entregar-se sem uma promessa de matrimônio, isso
era problema delas. E, por outro lado, as esposas dos nobres sabiam exatamente o que estavam
fazendo.
Dizia-se de Nicholas que não se preocupava quem acabasse ferido quando se tratava de
seus prazeres. Talvez fosse verdade, talvez não. Ninguém conhecia o suficiente a Nicholas para
estar seguro. Nem sequer ele mesmo estava certo por que fazia algumas das coisas que fazia.
Em todo caso, pagava por sua reputação. Os pais que possuíam títulos superiores ao seu
não tomavam em conta para suas filhas. Só os mais audazes e as pessoas em busca de um marido
rico tinha o nome do Nicholas em suas listas sociais.
Mas ele não procurava esposa. Fazia tempo que se dava conta de que não tinha direito
como o exigia seu título, a propor matrimônio a uma jovem bem educada e de linhagem. Era
provável que não se casasse nunca. Ninguém se explicava por que o visconde do Montieth se
resignava à vida de solteiro, de maneira que ainda havia inumeráveis esperanças de atraí-lo, de
regenerá-lo.
Lady Selena Eddington era uma destas esperançosas que procurava por todos os meios
não demonstrá-lo, mas ele sabia perfeitamente quando uma mulher estava atrás de seu título.
Casada a primeira vez com um barão, agora aspirava mais alto. Era notavelmente bela, com um
cabelo negro e curto que o rodeava o rosto ovalado em delicados cachos, de acordo com a moda.
Sua pele dourada fazia ressaltar seus expressivos olhos de cor avelã. Com vinte e quatro anos,
divertida, sedutora, era uma mulher linda. Certamente não era culpa dela que o desejo de
Nicholas se esfriara.
Nenhuma mulher conseguira manter muito tempo seu interesse. Ele esperara que esta
aventura se fosse desvanecendo. Todos o esperavam. O único que o surpreendia era sua

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disposição para terminar antes de ter em vista outra nova conquista. A decisão ia forçar-lo a andar
na caçada por algum tempo no cenário social, até que alguma o atraísse, e Nicholas detestava ter
que fazer isso.
Talvez o baile o desse a resposta. Como se iniciava a temporada, haveria ali dúzias de
mocinhas. Nicholas suspirou. Aos vinte e sete anos, depois de sete de vida agitada, perdera o
gosto pelas jovens inocentes.
Decidiu que essa noite não ia romper com a Selena, porque ela já estava zangada com ele, e
ia soltar todo o temperamento iracundo que ele sabia que escondia em seu interior. E teria que
evitá-lo. Ele deplorava as cenas passionais, porque sua própria natureza era já bastante
apaixonada. As mulheres nunca tinham suportado sua cólera. Sempre terminavam em lágrimas, e
isto era igualmente deplorável. Não: diria no baile. E ela não se atreveria a fazer uma cena em
público.
Selena levantou diante do fogo a taça de cristal cheia de xerez, e se maravilhou de que o
líquido ambarino fosse exatamente da cor dos olhos do Nicholas, quando estava de bom humor.
Seus olhos tiveram aquele tom mel e ouro quando começou a persegui-la, mas também eram
dessa cor quando se zangava ou quando algo o agradava. Quando não sentia nada especial, estava
tranqüilo ou indiferente, seus olhos eram de um marrom avermelhado, quase da cor do cobre
recém lustrado. Eram sempre uns olhos perturbadores, porque inclusive quando se viam mais
escuros, sempre ardiam com intensa luz interior. Sua pele era morena. O cabelo, castanho com
mechas douradas, impedia que tivesse um aspecto sinistro. Levava-o na moda, quer dizer,
aparentemente despenteado e naturalmente ondulado.
Era detestável que este homem fosse tão bonito e que com apenas um olhar fizesse palpitar
o coração de uma mulher. Ela o tinha comprovado muitas vezes. As moças se convertiam em
umas tontas cheias de risinhos em sua presença. As mulheres de mais idade o convidavam
descaradamente com os olhos. Não era de estranhar que aquele homem fosse tão difícil de
controlar. Não cabia dúvida de que muitas formosas fêmeas se tinham jogado em cima dele desde
que era adolescente, e inclusive antes. Além disso, o assentavam bem as calças justas e os fraques
recortados, como se a moda tivesse sido criada para ele. Seu corpo era soberbo: esbelto e
musculoso, alto e flexível, o corpo de um ávido atleta.
Se ao menos não fosse assim! Então o coração de Selena não palpitaria tanto cada vez que a
olhava com aqueles olhos de cor xerez. Estava decidida a levá-lo a altar, porque ele não só era o
homem mais bonito que tinha visto, mas também era o quarto visconde Éden do Montieth, e rico
além disso. Estava na verdade feito à medida, e ele era arrogantemente consciente disso.
O que poderia fazer? Algo tinha que fazer, porque era dolorosamente óbvio que ele estava
perdendo interesse por ela. O que fazer para reavivar a chama? Galopar nua pelo Hyde Park?
Unir-se a um desses Sábados Negros de quem se dizia que eram desculpa para orgias?
Comportar-se de maneira ainda mais escandalosa que a dele? Podia entrar no Whites ou no
Brooks, o que realmente o daria impacto, porque sob nenhum pretexto se permitia que as
mulheres entrassem nesses estabelecimentos. Ou talvez podia começar a ignorá-lo. Inclusive...
Deus santo, claro, podia deixá-lo por outro homem! Ele não morreria. Mas sua vaidade não
suportaria o golpe. Isto despertaria sua ira e seu ciúme, e então o pediria em um impulso que se
casasse com ele.
Devia dar resultado. De todos os modos tinha que prová-lo. Se não servia, não teria perdido
nada, porque, tal como estavam as coisas, já o estava perdendo.
Deu a volta para vê-lo e encontrou-o deitado no sofá, com os pés apoiados sobre o extremo
de um dos braços, com as botas postas e as mãos detrás da cabeça. Estava adormecido estando
com ela! Caramba, não recordava ter sido jamais tão desconsiderada. Nem sequer seu marido, nos

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dois anos que durou seu matrimônio, pôs-se a dormir em sua companhia. Sim, medidas
desesperadas se anunciavam.
- Nicholas. -Pronunciou suavemente o nome e ele respondeu em seguida. Pelo menos não
estava dormido. - Nicholas, esta noite pensei muito em nossa relação.
- Seriamente, Selena?
Ela se contraiu ante o desinteresse que ressoava em sua voz.
- Sim - prosseguiu ela corajosamente. - E cheguei a uma conclusão. Devido a sua falta de...
digamos calor... me ocorre que outro saberia me apreciar mais.
- Disso não há dúvida.
Ela franziu o cenho. Ele levava as coisas muito bem.
- Bom, ultimamente recebi várias propostas para... substituir você em meu afeto, e decidi...
-Fez uma pausa antes de dizer uma mentira, depois fechou os olhos e se decidiu: -Resolvi aceitar
uma.
Esperou um momento antes de voltar a abrir os olhos. Nicholas não se moveu nem um
centímetro no sofá, e passou um minuto até que finalmente o fez. Sentou-se lentamente, o
cravando os olhos. Ela conteve o fôlego. A expressão dele era inescrutável.
Recolheu a taça vazia que estava sobre a mesa e a levantou para ela.
- Seriamente, querida?
- Claro, naturalmente. Precipitou-se para o encher a taça, sem pensar sequer que era um
gesto muito autocrático esperar que o servisse deste modo.
- E quem é o afortunado?
Selena se sobressaltou e derramou brandy sobre a mesa. Acaso havia um fundo penetrante
em sua voz, ou ela desejava ouvi-lo?
- Ele quer que nosso acordo seja muito discreto, de maneira que me perdoará que não
divulgue seu nome.
- É casado?
Trouxe-o a taça, perigosamente cheia até o bordo, tremendo devido a seus nervos.
- Não. Na verdade tenho motivos para supor que sairão grandes coisas desta relação. Como
disse, ele só quer ser discreto... por agora.
Selena compreendeu rapidamente que não devia ter tomado este caminho. Ela e Nicholas
também foram discretos, nunca tinham feito o amor em casa dela por causa dos criados, ele não a
visitava ali, e nunca tinham utilizado a casa dele em Park Lane. Mas todos sabiam que ela era sua
querida. Bastou ser vista três vezes em uma reunião com o Nicholas Éden para que todos
soubessem.
- Não me peça que o traia, Nicky -disse com um sorriso pela metade. - Logo saberá quem é.
- Então, por que não me diz agora seu nome?
Acaso suspeitava que ela estava mentindo? Sabia. Seu rosto o demonstrava. Porque, quem
diabos, podia substituir ao Nicholas? Os homens que ela conhecia se afastaram assim que ele se
converteu em sua escolta.
- Não insista, Nicholas. -Selena decidiu atacar. - Não pode se importar quem é esse homem
porque, embora me doa reconhecê-lo, notei ultimamente pouco entusiasmo de sua parte. Só resta
pensar que já não me quer.
Era o momento em que ele podia negá-lo tudo. Mas o momento se perdeu.
- O que significa tudo isto? -sua voz era aguda. - Esse maldito baile! É isso?
- Claro que não -replicou ela indignada.
- Ah, não? Acha que vai obrigar-me a acompanhá-la ao baile amanhã de noite me contando
essa mentira? Não acredito em você, querida.

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Seu colossal egoísmo ia ser a morte dela, não cabia dúvida. Que vaidade! Simplesmente não
podia acreditar que ela preferisse a outro.
O sobrecenho moreno de Nicholas se contraiu surpreso. E Selena compreendeu
horrorizada que expressara seus pensamentos em voz alta. Ficou estremecida, mas sua resolução
se afirmou.
- Pois, é verdade -disse com audácia, afastando-se de seu lado e voltando junto à chaminé.
Selena passeava de cima abaixo diante do fogo, cujo calor quase igualava ao calor de sua
ira. Ele não merecia ser amado.
- Perdão, Nicky -disse depois de uns momentos, sem atrever-se a olhá-lo. - Não quero que
nossa aventura termine com uma nota falsa. Na verdade foi maravilhoso... quase sempre. Oh,
querido -suspirou, - é perito nestas coisas. É assim como se fazem?
Nicholas quase riu.
- Não o fez mal para uma aficionada, querida.
- Bom -disse ela com tom mais alegre e atrevendo-se a o olhar. Caramba, seguia sem
acreditar o conto. - Pode duvidar de mim, mas o tempo dirá a verdade, não? Não se surpreenda ao
ver-me com meu novo acompanhante.
Retornou junto ao fogo e, quando voltou a olhar, ele já fora.

CAPÍTULO 2

A mansão Malory, no Grosvenor Square, estava brilhantemente iluminada, e quase todos os


ocupantes estavam em seus aposentos, preparando-se para o baile dos duques do Shepford. Os
criados, mais ocupados que de costume, corriam de um extremo a outro da mansão.
Lorde Marshall necessitava mais amido em sua gravata. Lady Clare queria um leve
refresco. Durante todo o dia tinha estado muito nervosa para comer. Lady Diana precisava de um
remédio para tranqüilizar-se. Meu Deus, sua primeira temporada e seu primeiro baile: fazia dois
dias que não comia. Lorde Travis necessitava que o ajudassem a encontrar sua nova camisa
bordada. Lady Amy simplesmente necessitava que a animassem. Ela era a única na família que
era muito jovem para assistir ao baile, inclusive um baile de máscaras, onde de todos os modos
não ia ser reconhecida. Ah, era horrível ter quinze anos!
A única pessoa que se preparava para o baile e que não era filho ou filha da casa, era lady
Regina Ashton, sobrinha de lorde Edward Malory e prima irmã de sua grande quantidade de
filhos. Naturalmente lady Regina tinha sua própria camareira para que a atendesse se necessitasse
de algo, mas aparentemente não era assim, porque ninguém vira a camareira há mais de uma
hora.
A casa transbordava de atividade. Lorde e lady Malory tinham começado os preparativos
muito mais cedo, porque foram convidados à comida formal dada para uns escassos escolhidos
antes do baile. Partiram fazia pouco mais de uma hora. Os dois irmãos Malory foram acompanhar
a suas irmãs e a sua prima, uma grande responsabilidade para os jovens, dos quais um acabava de
deixar a universidade, e o outro ainda não.
Marshall Malory não tivera muito interesse em acompanhar às mulheres da família, até
hoje, quando inesperadamente uma amiga tinha pedido unir-se ao grupo na carruagem da
família Malory. Era um golpe de sorte ter recebido esta petição precisamente de tal dama.
Estava perdidamente apaixonado por ela desde que a tinha conhecido, no ano anterior,
quando fora a sua casa para passar as férias. Não o fizera muito caso então, mas agora ele
terminou os estudos e tinha vinte e um anos, era já um homem. Vamos, já podia estabelecer uma
família se quisesse. E poderia pedir a determinada dama que se maioridade com ele. Oh, era

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maravilhoso ter chegado à maioridade!


Lady Clare também pensava na idade. Tinha vinte anos, por mais horrível que isto fosse.
Era sua terceira temporada e ainda não conquistara um marido... nem sequer se comprometeu!
Recebera algumas propostas, mas de ninguém a quem pudesse tomar a sério. Oh, era bastante
bonita, com lindos olhos, pele branca, muito loira. Este era o
problema. Era simplesmente bonita. Não sonhava ser tão chamativa como sua prima Regina, e
tendia a apagar-se quando estava junto a ela. E o maldito destino queria que esta fosse a segunda
temporada que devia compartilhar com a Regina.
Clare estava furiosa. Sua prima já devia ter-se casado. Recebera dúzias de propostas. E não
é que ela não quisesse, parecia mais que disposta, tão desejosa como Clare, ou mais, de
estabelecer-se.
Mas, por um e outro motivo, todas as propostas tinham ficado no ar. Nem sequer com uma
viagem pela Europa no ano anterior obteve um marido. Regina tinha voltado para Londres,
sempre esperando encontrar marido.
E este ano também ia entrar na competição a irmã de Clare, Diana. Como ainda não tinha
dezoito anos, teria sido melhor que a fizessem esperar um ano mais antes de apresentá-la em
sociedade. Mas os pais tinham pensado que Diana já tinha idade de divertir-se um pouco. Embora
o proibissem expressamente interessar-se seriamente em algum homem. Era muito jovem para
casar-se, mas podia divertir-se tudo o que quisesse.
O único que faltava era que seus pais tirassem do quarto de estudos a Amy quando tivesse
dezesseis anos, pensou Clare, cada vez mais zangada. Quase podia vê-lo. O ano próximo, se ela
ainda não tinha encontrado marido, teria que competir com Diana e com a Amy. Amy era tão bela
como Regina, com aquela cor morena que só uns poucos Malory possuíam. Clare tinha que
encontrar marido essa temporada, embora o custasse a vida.
Clare não estava inteirada, mas estes também eram os sentimentos de sua formosa prima.
Regina Ashton contemplou sua imagem no espelho enquanto sua camareira, Meg, enrolava seu
comprido cabelo negro para dissimular seu comprimento e fazer que parecesse mais na moda.
Regina não via seus olhos ligeiramente oblíquos, de um surpreendente azul cobalto, ou os cheios
lábios que se franziam em uma careta, ou a pele talvez muito branca, que destacava tão fortemente
o escuro cabelo e as longas pestanas negras. Via homens, desfile de homens, legiões de homens -
franceses, suíços, austríacos, italianos, ingleses- perguntando por que ela ainda não se casara.
Certamente não era porque não o tivesse tentado.
Reggie, como a chamavam, tivera tantos pretendentes para escolher, que realmente era
perturbador. Havia uma dúzia com os que estava segura de ter podido ser feliz, duas dúzias dos
que acreditou começar a apaixonar-se, e muitos que, por um motivo ou outro não a tinham
convencido. E quando Reggie acreditava que algum era aceitável, não era esta a opinião de seus
tios.
Ah, por certo que era uma desvantagem ter quatro tios que a queriam tanto! Ela também
adorava aos quatro. Jason, que agora tinha quarenta e cinco anos, foi chefe da família desde que
tinha dezesseis, responsável por seus três irmãos e uma irmã, a mãe de Reggie. Jason tomava a
sério suas responsabilidades... às vezes muito a sério. Era um homem muito severo.
Edward era exatamente seu oposto, de bom humor, alegre, indulgente. Um ano mais novo
que Jason, Edward se tinha casado com a tia Charlotte quando tinha vinte e dois anos, muito antes
de que se casasse o tio Jason. Tinha cinco filhos, três mulheres e dois varões. O primo Travis, de
dezenove anos, era da idade de Reggie e estava em meio da família. Em toda sua vida foram
companheiros de jogos, assim como o único filho do tio Jason.
A mãe de Reggie, Melissa, era sete anos mais nova que seus dois irmãos mais velhos. Dois

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anos depois do nascimento da Melissa, tinha vindo ao mundo James.


James era o irmão louco, que mandava tudo ao diabo para fazer o que o dava na vontade.
Tinha trinta e cinco anos agora e se supunha que nem sequer se devia mencionar seu nome. No
que se refere a Jason e Edward, James não existia. Mas Reggie continuava querendo-o bem.
Ligava pouco e ia vê-lo em segredo. Nos últimos nove anos só o viu seis vezes, na última fazia já
mais de dois anos. Mas, para dizer a verdade, Anthony era seu tio favorito por ser tão livre, tão
pouco inibido como a própria Reggie. Anthony, com seus trinta e quatro anos e sendo o mais novo
da família, era mais um irmão que um tio. Também, e isso era muito divertido, era o libertino mais
notável desde que seu irmão James se fora de Londres, mas, enquanto James podia ser brutal, já
que tinha muito de Jason, Anthony era dotado de algumas das qualidades do Edward. Era um
Dom Juan, um notável sedutor. Não o importava o que se pensasse dele; mas, a sua maneira, fazia
tudo o possível para agradar a quem o interessasse.
Reggie sorriu. Apesar de todos seus queridos e extravagantes amigos, apesar de todos os
escândalos que floresciam a seu redor, os duelos que tivera, as apostas que fizera, Anthony era às
vezes o hipócrita mais adorável no que se referia a ela. Porque se algum de seus dissolutos amigos
se atrevia a olhá-la sequer de esguelha, era convidado em seguida a um combate de boxe. E até os
homens mais mulherengos aprenderam a ocultar seus desejos quando ela visitava seu tio, e
conformar-se com um bate-papo inofensivo. Se o tio Jason chegasse a inteirar-se de que ela tinha
estado no mesmo quarto com alguns dos homens que tinha conhecido, algumas cabeças podiam
rodar, especialmente a do Tony. Mas Jason nunca soube e, embora Edward o suspeitasse, nunca
foi tão restritivo como Jason.
Os tios a tratavam mais como a uma filha que como a uma sobrinha, porque os quatro a
tinham educado desde a morte de seus pais, quando Reggie só contava dois anos. Literalmente a
tinham compartilhado desde que fez seis anos. Edward vivia então em Londres, assim como
James e Anthony. Os três tiveram uma grande briga com o Jason, porque este insistia em que ela
seguisse no campo. Permitia-o e tolerava que vivesse seis meses do ano com o Edward, onde
podia ver com freqüência aos tios mais jovens.
Quando ela fez onze anos, Anthony pediu pra ficar um tempo com ela. Concederam-o os
meses do verão, que eram de diversão restrita. E ele se sentiu feliz fazendo o sacrifício de
transformar todos os anos sua casa de solteiro, coisa que se fazia facilmente, porque junto com o
Reggie chegavam sua camareira, sua babá e sua governanta. Anthony e Reggie comiam duas
vezes por semana com o Edward e sua família. Apesar do encanto daquela vida doméstica,
Anthony nunca tinha sentido desejos de casar-se. Continuava sendo solteiro. Quando Reggie foi
apresentada em sociedade já não era adequado que passasse parte do ano com este tio, de maneira
que agora só o via de vez em quando.
Ah, bom, pensava Reggie, o certo era que ela ia casar se logo. Não era o que desejava
especialmente. Com muito gosto se divertiria alguns anos mais. Mas seus tios queriam que se
casasse. Supunham que seu desejo era encontrar um marido conveniente e formar uma família,
por acaso não era este o desejo de toda moça? O certo é que se reuniram para discutir o assunto e,
apesar dela afirmar que não estava preparada para deixar o seio da família, as boas intenções
deles prevaleceram sobre os protestos de Reggie, até que, finalmente, ela cedeu.
A partir de então ela fizera todo o possível para só agradar, porque queria-os muito aos
quatro. Apresentou pretendente atrás de pretendente, mas, um ou outro dos tios encontravam um
defeito em um dos jovens. Ela continuou a busca no continente, mas já estava farta de olhar com
olhos críticos a cada homem que se aproximava. Não podia fazer amigos. Não podia divertir-se.
Cada homem devia ser cuidadosamente dissecado e analisado... estava materializado seu futuro
marido? Era por acaso essa pessoa mágica que todos seus tios iriam aprovar?

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Ela começava a suspeitar que tal homem não existia, e desesperadamente precisava
terminar com aquela busca obsessiva. Queria ver seu tio Tony, o único capaz de entender, de
interceder ante o tio Jason. Mas Tony estava visitando um amigo no campo quando ela voltou
para Londres, e não tinha retornado até a noite anterior.
Reggie fora duas vezes naquele mesmo dia para o ver, mas não o tinha encontrado e
finalmente o deixou uma nota. Certamente já a tinha recebido. Por que não tinha vindo?
No momento em que estava pensando nisso, uma carruagem se deteve diante da casa. Ela
riu com uma gargalhada alegre, musical.
- Enfim!
- Como? -sobressaltou-se Meg. - Ainda não terminei. Quero que não foi fácil o arrumar o
cabelo. Continuo dizendo que deveria cortá-lo. Tanto você como eu ganharíamos tempo.
- Não importa, Meg. -Reggie ficou de pé de um salto, fazendo com que vários grampos
caíssem no chão. - chegou o tio Tony.
- Né, aonde vai vestida dessa maneira? -O tom de Meg era profundamente irritado.
Mas Reggie não o prestou atenção e saiu correndo do quarto; ouviu o grito de Meg: Regina
Ashton!, mas não se deteve. Correu até chegar às escadas que levavam ao salão de baixo, mas ali
se deu conta da escassa roupa que levava. Rapidamente se refugiou em um canto, decidida a não
sair até que ouvisse a voz de seu tio. Mas não a ouviu. Em lugar disto escutou uma voz de mulher
e, quando espiou vacilante do canto, ficou decepcionada ao ver que o lacaio fazia entrar uma
senhora, não o tio Tony. A dama era lady Tal ou Qual, alguém a quem Reggie tinha conhecido há
uns dias no Hyde Park. Caramba, onde diabos se colocara Tony?
Naquele momento Meg a puxou pelo braço e a arrastou pelo corredor. Meg tomava
liberdades, esta era a verdade, mas não era de estranhar, porque estava com Reggie tanto tempo
como a babá Tess, quer dizer, sempre.
- Nunca vi nada mais escandaloso que você ali de pé, em roupa interior! -repreendeu-a Meg
enquanto empurrava ao Reggie tamborete diante da pequena penteadeira. - Teríamos que ensinar
você a comportar-se melhor.
- Achei que era o tio Tony.
- Não é uma desculpa.
- Sei, mas tenho que o ver esta noite. Já sabe para que, Meg. É o único que pode me ajudar.
Escreverá ao tio Jason e finalmente poderei descansar.
- E acha que seu tio Tony possa dizer ao marquês algo que o seja útil? Reggie fez uma
careta.
-O que vou sugerir é que eles que me encontrem um marido.
Meg moveu a cabeça e suspirou.
-Você não gostará do homem que escolherão para você, minha filha.
-Talvez. Mas já não me importa... -insistiu ela.
- Seria bom que eu pudesse escolher a meu marido, mas já sei que minha escolha não será
tomada em conta se, de acordo com eles, é má. Estive-me exibindo por um ano, fui a tantas
reuniões, festas e bailes que os odeio a todos. Nunca pensei chegar a dizer isto. Mas se isto fazia
curto o tempo para dançar em minha primeira festa!
- É compreensível, querida -disse Meg para apaziguá-la.
- O único que peço é que o tio Tony compreenda e queira me ajudar. Só quero me retirar
para o campo, viver outra vez tranqüilamente... com ou sem marido. Se pudesse encontrar esta
noite ao homem que me convém, casar-me-ia com ele amanhã, algo para cortar esta agitação
social, mas sei que não vai acontecer, de maneira que o melhor é deixar que meus tios escolham.
Como os conheço, demorarão anos em fazê-lo. Nunca ficam de acordo em nada e, enquanto isso,

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eu irei à casa no Haverston.


- Não vejo o que pode fazer seu tio Tony que você não possa fazer. Não tenha medo do
marquês. Pode dirigi-lo com o mindinho quando o der vontade. Acaso já não o têm feito com
freqüência? o diga como é desventurada e ele...
- Não posso fazer isso! -exclamou Reggie sem fôlego. - Não posso fazer com que o tio Jason
ache que me tem feito desgraçada. Nunca o perdoaria.
- É de coração muito tenro para sua conveniência, minha filha - grunhiu Meg. -Pensa
portanto continuar sendo desventurada?
- Não. Por isso quero que o tio Tony o escreva ao tio Jason. Se eu o fizer, e ele insistir em
que continue aqui, o que tirarei com isto? Mas se a carta do Tony é desprezada, saberei que o
plano não dá resultado e terei tempo para pensar em outra coisa.
- Bom, não há dúvida de que esta noite no baile verá lorde Anthony.
- Não. Ele odeia os bailes. Não quereria assistir nem morto a um, nem sequer o faria por
mim. Bom, caramba, tudo terá que esperar até amanhã...- Meg franziu o cenho e olhou para outro
lado. - O que significa isso? Acaso sabe algo que eu não sei? -perguntou Reggie.
Meg encolheu os ombros.
- É que... provavelmente lorde Anthony irá pela manhã ao Haverston e não voltará em três
ou quatro dias. Mas pode esperar esse tempo.
- Quem o disse que partirá?
- Ouvi que lorde Edward dizia a sua esposa que o marquês o tinha mandado chamar.
Acredito que vão citar o de novo por algum outro problema em que se colocou.
- Não! -E acrescentou preocupada: - Não acha que já foi, não é verdade?
- De verdade que não. Meg sorriu.- Esse sem-vergonha não deve ter muita vontade de
enfrentar seu irmão mais velho. Estou certo de que atrasará a partida todo o tempo que puder.
- Então tenho que vê-lo esta noite. Isto é perfeito. Ele poderá convencer mais facilmente ao
tio Jason em pessoa que por carta.
- Mas não pode ir agora a casa de lorde Anthony -protestou Meg. - Já é quase hora de partir
para o baile.
- Me ajude logo a por o vestido. Tony vive a umas poucas ruas daqui. Tomarei a carruagem
e retornarei antes que minhas primas estejam prontas para partir.
O certo é que as outras já estavam prontas e só esperavam a Reggie quando esta correu uns
minutos depois escada abaixo. Aquilo era incômodo, mas não foram dissuadi-la. Pôs a um lado a
sua prima mais velha ao entrar na sala, oferecendo aos outros um vago sorriso a maneira de
saudação.
- Marshall, realmente detesto ter que pedir, mas necessito da carruagem uns minutos antes
de que todos partamos.
- Como?
Ela tinha falado em murmúrio, mas a exclamação dele fez om que todos se voltassem para
olhá-los.
Ela suspirou.
- Na verdade, Marshall, não deveria se comportar como se se estivesse pedido o mundo.
Marshall, consciente de que os observavam, e surpreso de sua momentânea falta de
controle, recuperou toda a dignidade que pôde e disse no tom mais razoável que conseguiu
dominar:
- Faz dez minutos que a esperamos, e quer que esperemos ainda mais!
Três suspiros ultrajados chegaram a seus ouvidos, mas Reggie não se
dignou a olhar a suas primas.

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- Não o pediria se não fosse importante, Marshall. Não demorarei mais de meia hora... bom,
certamente menos de uma hora. Tenho que ver o tio Anthony.
- Não, não e não! -exclamou Diana, que uma vez levantava a voz. - Como pode ser tão
desconsiderada, Reggie? Você não é assim. Fará com que todas cheguemos tarde. Temos que
partir em seguida.
- Tolices -disse Reggie. - Certamente não quererão ser as primeiras, não é?
- Mas tampouco queremos ser as últimas em chegar -disse Clare, caprichosa. - O baile se
iniciará dentro de meia hora, e demoraremos o mesmo tempo em chegar. É tão importante que
veja agora ao tio Anthony?
- É um assunto pessoal e não pode esperar. Ele parte amanhã cedo para o Haverston. Não
poderei falar com ele a menos que vá o ver em seguida.
- Espera que retorne -disse Clare. - Por que não espera a que retorne?
- Porque não posso esperar. -Ao ver que suas primas estavam todas contra ela e lady Tal
por Qual igualmente agitada, Reggie se decidiu.-Bom, aceitarei uma carruagem alugada ou um
coche, Marshall, se enviarem a um dos lacaios para buscá-lo. Irei reunir-me a vocês no baile assim
que tiver terminado.
- Impossível.
Marshall estava zangado. Era muito de sua prima colocá-lo em alguma tolice de modo que
ele, que era o mais velho, carregasse mais tarde com a responsabilidade. Mas desta vez não o faria,
por Deus. Ele era o mais velho, sabia o que fazia e ela não ia envolvê-lo como estava acostumada
a fazer.
Marshall disse imperturbável.
- Uma carruagem alugada? De noite? Não é seguro, e você sabe, Reggie.
- Travis pode me acompanhar.
- Mas Travis não deseja fazê-lo -replicou com rapidez a escolta em questão. - E não me faça
caretas de menina malcriada, Reggie. Eu tampouco quero chegar tarde ao baile.
- Por favor, Travis.
- Não.
Reggie olhou todos aqueles rostos tão pouco compreensíveis. Mas não queria ceder.
- Então não irei ao baile. Além disso, não tinha vontade de ir.
- Oh, não. -Marshall sacudiu gravemente a cabeça. - Conheço-a muito, querida prima.
Apenas nos tenhamos ido escapulirá e irá a pé até a casa do tio Anthony. E meu pai me matará.
- Sou muito inteligente para fazer isso, Marshall -replicou ela provocadora. -Enviarei outra
mensagem ao Tony e esperarei que ele venha aqui.
- E se não vier? - Disse Marshall. - Tem coisas mais importantes que responder a uma
chamada sua assim que faça um gesto. Além disso, é provável que não esteja em sua casa. Não.
Virá conosco e isto é definitivo.
- Não irei.
- Irá.
- Pode ir em minha carruagem - todos os olhos se voltaram para a convidada. -Meu
cocheiro e o lacaio estão comigo há anos e posso confiar em que a levarão sã e salva onde deseje e
depois ao baile.
O sorriso de Reggie foi deslumbrante.
- Esplêndido... Realmente é você minha salvadora, lady...
- Eddington -replicou a dama. - Nos apresentaram esta semana.
- Sim, no parque, recordo. O certo é que sou muito esquecida com os nomes, conheci muita
gente este último ano. Nunca o agradecerei o bastante.

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- Não é nada. Faz-me feliz os ser útil. E Selena estava feliz... algo para partir quanto antes. Já
era bastante mau ter tido que aceitar ao Marshall Malory como acompanhante para o grande baile
da temporada. Mas ele era o único entre a dúzia de cavalheiros aos que tinha enviado notas essa
manhã que não a tinha rejeitado com uma ou outra desculpa. Malory, que era mais novo que ela,
foi um curinga de último momento. E aqui estava ela agora, em meio de uma disputa familiar,
tudo devido a esta mocinha descarada.
- Bom, Marshall -disse Reggie - não pode se opor agora.
- Não, suponho que não -disse ele a contra gosto- mas recorda que disse que demorará meia
hora, prima. É melhor que chegue a casa dos Shepford antes que meu pai se dê conta de que não
está. Do contrário, passaremos muito mal, e você sabe.

CAPÍTULO 3

- Mas falo a sério. Tony - exclamou Reggie enquanto o olhava com cuidado do outro
extremo da sala. - Como pode duvidar de mim? Esta é uma emergência, Tony.
Ela tivera que esperar vinte minutos para que o despertassem, porque ele passou todo o dia
em seu clube bebendo e jogando, depois fora a sua casa e se deixou cair na cama. Perderam-se
outros dez minutos enquanto ela procurava o convencer de que se tratava de um assunto muito
sério. A meia hora concedida já passou, e mal tinha começado. Marshall ia matá-la.
- Vamos, gatinha. Antes de uma semana no campo, sentirá falta desta velha e alegre
Londres. Se precisa descansar, diga ao menino do Eddie que está doente ou algo assim. Uns dias
em seu quarto e me agradecerá por não haver tomado a sério este assunto .
- Todo este ano não tive mais que uma vida de diversão -continuou Reggie, decidida. - Em
minha excursão pelo estrangeiro passei de um baile a outro, e não de um país a outro. E não é só
que esteja farta das contínuas diversões, Tony. Isto poderia suportá-lo. Nem sequer sugiro passar
toda a temporada em Haverston, mas sim umas poucas semanas para me recuperar. É esta caçada
de marido o que vai acabar comigo. De verdade.
- Ninguém diz que tem que se casar com o primeiro homem que se cruze no caminho,
gatinha -disse Anthony razoavelmente.
- O primeiro homem? Houve centenas, Tony. Deve saber que agora me apelidam "o
pescado frio".
- Quem tem feito isso, meu deus?
- O apelido é muito apropriado. Mostrei-me fria e cortante. Tinha que sê-lo, porque me
neguei a dar esperanças a um homem quando não havia esperança.
- De que diabos está falando? -perguntou Anthony bruscamente.
- Que contratei a sir John Dodsley muito antes de que terminasse a última temporada.
- A esse velho censurável? Para que o contratou?
- Para que agisse, bom, como conseoiro, diria -confessou ela. - Esse velho censurável, como
você o chama, conhece todo mundo. E também sabe tudo o que se deve saber a respeito de
qualquer um. Depois que meu sexto pretendente não conseguiu passar no exame ao que o
submeteram você e seus irmãos, pensei que era inútil que eu me decepcionasse ou que
decepcionasse a mais cavalheiros tendo que voltar a passar por tudo isso. Paguei ao Dodsley para
que se ocupe de qualquer assunto que eu possa iniciar. Possui uma lista das coisas que você e seus
irmãos podem desaprovar em um homem e moveu a cabeça ante qualquer homem solteiro que
conheci ultimamente. Isto me economizou tempo e não me frustrou, mas também fez que me
pusessem esse apelido. É impossível, Tony. Posso satisfazer ao Jason, mas não a você... a você, mas
não ao Edward. Por sorte o tio James não está aqui para dar sua opinião. Não existe um homem

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vivo que possa ser gostado pelos quatro.


- Isso é absurdo -protestou ele; - penso em meia dúzia de candidatos que estariam muito
bem.
- De verdade, Tony? -perguntou ela com doçura. - De verdade, quereria que me casasse
com algum deles?
Ele ficou com ar ofendido, mas de repente sorriu:
- Não, acredito que não.
- Então compreende a dificuldade em que me encontro.
- Mas não quer se casar, gatinha?
- Claro que quero me casar. E não duvido que o homem que você e seus irmãos irão
encontrar para mim me fará muito feliz.
- Como? - Olhou-a furioso. - Oh, não, não fala sério! Não pode me jogar essa
responsabilidade sobre os homens, Reggie!
- De acordo, então -assentiu ela. - O deixaremos a cargo do tio Jason.
- Não seja tola. Fará com que se case com um tirano como ele.
- Vamos, Tony, sabe que isso não é verdade -Sorria.
- Bom, terminemos -grunhiu ele.
- Compreende, Tony? Deste modo não terei que estar examinando a cada homem que
conheço. Quero me divertir de novo, poder falar com um homem sem ter que analisá-lo, dançar
sem me perguntar se meu companheiro é um marido em potencial. As coisas chegaram a um
ponto que, ante cada homem que encontro, pergunto-me: casar-me com ele? Poderei amá-lo? Será
comigo tão bom e carinhoso como...? -interrompeu-se, ruborizada.
- Como...? -insistiu ele.
- Oh, é melhor que saiba -disse ela com um suspiro. - Comparo a cada homem com você e
com meus outros tios. Não posso evitá-lo. Quase desejaria que todos vocês não me quisessem
tanto. Mimaram-me de uma maneira desavergonhada. Quero que meu marido seja um
compêndio de todos vocês.
- Mas o que o fizemos?
Estava a ponto de rir e ela se zangou.
- Parece-o muito divertido, verdade? Eu gostaria que você confrontasse este problema. E se
não me dão um descanso, juro que procurarei me pôr em contato com o tio James, para que me
leve para longe.
Ele se acalmou instantaneamente. Embora fosse quem estivesse mais perto de James,
sempre se tinha mostrado furioso e não perdoava o que seu irmão fizera.
- Não diga isso, Reggie -a acautelou. - Não está pensando claramente. Envolver ao James
nisto piorará as coisas, em lugar de melhorar.
Ela insistiu, desumana.
- Então, dirá ao tio Jason que quero voltar por algum tempo para casa? Dirá a ele que estou
farta de procurar um marido e que esperarei até que vocês três se ponham de acordo sobre o
homem com quem vou casar me?
- Vamos, Reggie, a isto Jason vai gostar tão pouco como eu. Deveria escolher por você
mesma, encontrar a alguém e se apaixonar.
- Tentei-o. - Seguiu um pesado silêncio. Anthony franziu o cenho.
- Lorde Medhurst era um asno pomposo!
- Acaso acha que não sei? Pensei que era o indicado. Bom, era para apaixonar-se!
- Poderia ter aceito ao Newel, sim ao Eddie não o tivesse ocorrido que podia ser um pai
detestável. -Tony seguia franzindo o cenho.

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- Sim, bom, não cabe dúvida de que o tio Edward teve razão. Outra vez foi uma sorte que
não me apaixonasse.
- Realmente é uma artista nisto de deprimir a um homem, gatinha. Só queremos o melhor
para você, sabe?
- Sei e quero vocês por isso. Sei que adorarei ao homem que vocês três decidam que será
um perfeito marido.
- De verdade? -Sorriu. - Não estou tão seguro. Se Jason consentir nisto, por exemplo,
procurará um homem que não me pareça em nada.
Estava brincando. Se havia alguém que desaprovaria a um marido como Tony para ela, esse
era o mesmo Tony. Reggie riu.
- Bom, sempre poderá converter a meu marido a seu gosto, Tony... uma vez que eu esteja
casada.

CAPÍTULO 4

Percival Alden gritou triunfante, ao frear seu cavalo no extremo do Green Park, do lado do
Piccadilly.
- Deve-me vinte libras, Nick! -exclamou quando o visconde chegou à galope atrás dele, em
seu baio. Nicholas Éden fez uma careta sombria a Percy.
Começaram a fazer girar em círculo seus cavalos. Os dois amigos acabavam de sair do
Bolhedles, depois de terminar uma perfeita partida de cartas, quando Percy mencionou seu novo
potro negro. Nicholas estava bastante bêbado para aceitar a aposta, e mandaram procurar seus
cavalos.
- Os dois poderíamos ter quebrado o pescoço, sabe? -disse Nicholas muito razoavelmente,
embora seus olhos vissem quase dobro. - Me recorde para que não volte a repetir isto.
Percy pensou que aquilo era terrivelmente engraçado e começou a rir tão forte que quase
perdeu o equilíbrio.
- Como se alguém pudesse impedir que fizesse o que o dá vontade, especialmente quando
está bêbado! Mas não importa, velho. Provavelmente amanhã não recordará esta escapada audaz
e, se a recordar, não acreditará em sua memória. Ah, onde diabos estava essa maldita lua, quando
mais necessitávamos dela?
Nicholas olhou a órbita de prata que emergia de um bloco de nuvens. A cabeça o dava
voltas.
Maldição! A corrida devia ter me limpado um pouco a cabeça.
Seu olhar era vago, mas conseguiu focar seu amigo.
- Quanto quer por esse cavalo, Percy?
- Não quero vendê-lo. Ganharei mais corridas com ele.
- Quanto? -repetiu obstinadamente Nicholas.
- Paguei por ele duzentas e cinqüenta, mas...
- Trezentas.
- Não está à venda.
- Quatrocentas.
- Vamos, Nicholas -protestou Percy.
- Quinhentas.
- Mandarei-o ele pela manhã. Nicholas sorriu satisfeito.
- Devia pedir mil -disse Percy sorrindo. - Mas sei onde posso comprar o irmão deste cavalo

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por duzentos e cinqüenta e não quis me aproveitar de você.


Nicholas riu.
- Está desperdiçando seu talento, Percy. Deveria conseguir um posto no mercado do
Smithfield, vendendo carne de cavalo.
- E dar a minha pobre mãe um motivo mais para amaldiçoar o dia em que teve a este filho?
Não, obrigado. Continuarei como sou, me aproveitando dos que fazem boas ofertas, como você,
para tirar um limpo e bonito benefício. De qualquer modo é mais divertido. E falando de diversão,
não deveria se apresentar esta noite em casa do Shepford?
- Maldição -grunhiu Nicholas, e todo seu bom humor desapareceu. - Para que me recordou
isso?
- É minha boa ação do dia de hoje.
- Não me aproximaria desse lugar se não tivesse que cortar as asas a minha galinha -
confessou Nicholas.
- Alvoroçou-o as plumas, né?
- Acredita que pensa me pôr ciumento? -perguntou Nicholas, ofendido.
- Você, ciumento? -Percy soprou. - Eu gostaria de ver esse dia, de verdade eu gostaria.
- Está convidado a vir e ver minha atuação. Quero dar uma boa lição a lady. E antes de
terminar -disse Nicholas sombrio.
- Suponho que não pensará convidar a dar um passeio o pobre tipo que o serve de
acompanhante, verdade?
- Deus, bater-se por uma mulher! Claro que não. Mas ela acreditará, quando em realidade o
darei a bênção para que fique com ela. E ela ficará para lamentar sua loucura, porque me verá pela
última vez.
- É uma nova maneira de confrontar o problema murmurou Percy. - Recordarei isso para
imitar você. Ouça: por que não me dá a bênção para que a receba? Lady E. é uma mulher muito
bonita. Mas...
- Percy olhou para o outro lado da rua. - Falando de... não é essa sua carruagem?
Nicholas seguiu a direção assinalada e viu a carruagem brilhante e as tábuas pintadas de
rosa e verde, que tão bem conhecia.
- Impossível -murmurou. - Ela morreria antes a chegar tarde a esse baile, e já faz tempo que
começou.
- Não conheço ninguém mais que possua um carruagem de aspecto tão elegante -apontou
Percy. - Pensei pintar as minhas com essas cores.
Nicholas o lançou um olhar horrorizado e voltou a olhar à rua.
- Conhecemos alguém que viva nesta rua? -perguntou a seu amigo.
- Não recordo a ninguém -começou dizendo Percy. - Um momento... Acho que sei de quem
é a casa junto à qual parou. A casa pertence à família Malory... como se chama?... Já sabe. Não esse
louco que se foi há anos, mas sim o outro, esse que tem melhor pontaria que ninguém... Oh, já o
tenho!Anthony! Lorde Anthony. Deus me valha! Espero que não queira se pôr ciumento com ele.
Nem você se atreveria a se colocar contra ele, Nick.
Nicholas não respondeu. Lenta, muito lentamente, deixou o parque e atravessou a rua. Se
se tratava da Selena, estava realmente onde ele não podia deixar de vê-la, porque passava por ali
todas as noites quando se dirigia ao clube. Despertou a sua curiosidade. Estaria Selena sentada
naquela carruagem fechada, esperando que ele passasse, sem saber que ele já a deixara para trás?
Tinha encontrado acompanhante para aquele maldito baile e agora queria a todo custo arrastá-lo
para ele? Porque era impossível que conhecesse o Anthony Malory. Ele e seus amigos eram um
grupo totalmente diferente, todos libertinos, todos desprezados pela sociedade. A reputação de

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Nicholas podia estar manchada, mas nem sequer ele se misturaria com aquele grupo de refugos.
Embora talvez tivesse conhecido de algum modo Malory, não passaria ali precisamente esta
noite. O baile dos Shepford era muito importante. Não tinha falado de outra coisa há um mês.
E se tivesse ido flertar com o Malory? Nicholas se deteve ante a calçada, a três casas de
distância. Percy o alcançou: parecia alarmado.
- Não é uma aposta o que fiz, sabe? -disse muito gravemente. - Espero que não pense em
fazer uma tolice, não é?
- Estive pensando, Percy -Nicholas sorria.- Se lady E., está aí, sairá a qualquer momento.
- Como sabe?
- O baile. Talvez chegue tarde, mas não quererá perdê-lo, asseguro-o. Mas talvez o perca
depois de tudo. Sim, não viria mal perdê-lo. Uma mulher não deve preocupar-se tanto por uma
coisa até o ponto de esquecer o homem de sua vida. É uma lição que deve aprender bem, não o
parece? Sim, tem que aprendê-la. Muito bem. Para que não volte a cometer o mesmo engano.
- Montieth, que demônios está planejando? -perguntou Percy alarmado.
Nicholas não respondeu, porque sua atenção se viu distraída por uma porta que se abria
rua acima. Seu sorriso se ampliou quando Selena Eddington emergiu. Levava sobre os olhos uma
máscara negra, e se cobria o rosto com as mãos, mas ele teria reconhecido em qualquer lugar
aquele cabelo escuro. Levava uma longa capa bordejada de pele, fechada na garganta. A capa
estava jogada para trás, revelando um maravilhoso vestido rosa. Nicholas ficou atônito. Rosa?
Não era uma de suas cores preferidas. Com desprezo dizia que era a cor da inocência, condição
que perdera para sempre sem lamentá-lo. Supôs que queria impressionar à duquesa de Shepford
com sua juventude.
Voltou-se para o homem que estava a seu lado e Nicholas reconheceu Anthony Malory.
Conhecia muito bem aqueles belos traços morenos, tinha-o visto com freqüência nos clubes,
embora não se podia dizer exatamente que fossem conhecidos. Selena devia achá-lo muito
atraente, Nicholas teve que reconhecê-lo. Bom, que tivesse sorte. Malory era um solteiro, se se
quiser, mais contumaz que Nicholas. Jamais Selena conseguiria levá-lo ante o altar. Acaso ela não
se dava conta?
Olhou divertido como ela abraçava ao Malory e o dava um rápido beijo. Era óbvio que ele
não ia acompanhar a ao baile, porque estava vestido com uma bata de estar em casa.
- Bom, o que pensa disto? -perguntou Percy, muito incômodo, aproximando um pouco
mais seu cavalo. - É lady E. não é?
- Sim, e a carruagem está colocado aqui, Percy, de maneira que irei pelo outro lado. Me faça
o favor de entretê-lo até que dê a volta, todo o tempo que puder.
- Caramba, o que pensa fazer?
- O que penso fazer? Pois levar para casa Lady E. comigo. Que outra coisa vou fazer? -disse
Nicholas com um risinho. - Darei a volta à maçã e cortarei pelo Mayfair, para voltar para Park
Lane com ela. me espere ali.
- Que o enforquem, Nicholas! -exclamou Percy. - Malory está aí, de pé!
- Sim, mas não irá me perseguir pela rua a pé, verdade? E não deve ter uma arma à mão se
acabar de deitar-se com ela.
- Não o faça, Nick.
Mas Nicholas não estava bastante sóbrio para pensar. Moveu seu corcel pela rua em direção
aa carruagem, adquirindo um pouco de velocidade antes de chegar junto a ela. Depois girou ao
final da rua e subiu à calçada, tomando a todos pela surpresa, ao deter-se entre a casa e a
carruagem. Apoderou-se de Selena, levantou-a e a pôs atravessada sobre seu cavalo.
Muito bem feito, felicitou-se a si mesmo. Não o teria realizado melhor em caso de não estar

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bêbado. Os gritos estalaram atrás dele, mas ele não diminuiu o galope do cavalo. A mulher que
tinha atravessada sobre o animal começou a gritar, mas o pôs rapidamente na boca seu lenço de
seda branca, sufocando seus gritos. Depois o amarrou os pulsos com sua gravata.
Ela se revolvia com tanta força que ele corria perigo de perdê-la, de maneira que a fez dar
volta até que ficou sentada diante dele, e então o jogou o capuz da capa sobre a cabeça,
envolvendo-a mais. É como um saco, pensou com satisfação. Riu quando dobraram em uma
esquina e se dirigiram para Park Lane.
- Parece que ninguém nos segue, querida. Talvez seu cocheiro, Tovey, tenha-me
reconhecido e sabe que está em boas mãos. -Voltou a rir ouvindo os sons sufocados que ela fazia
sob a capa. - Se, já sei que está zangada comigo Selena. Mas se console: poderá ter um ataque de
raiva quando deixar você partir... amanhã.
Ela começou a lutar de novo, mas uns escassos minutos depois chegaram a sua casa da
cidade em Park Lane. Percival Alden estava de pé diante da grande zona escura do Hyde Park,
do outro lado da rua, e só ele viu que Nicholas jogava o vulto sobre o ombro, e se metia dentro da
casa. O lacaio procurou não parecer muito surpreso.
Percy os seguiu para dentro e disse:
- Nem sequer tentaram seguir você.
- Oh, isso significa que o cocheiro me reconheceu -disse Nicholas rindo. -Provavelmente já
explicou ao Malory que a dama e eu somos amigos.
- Ainda me parece incrível o que fez, Nick. Ela nunca o perdoará isso.
- Já sei. Mas agora seja um bom amigo e me siga acima para acender alguMAs lamparinas
antes que eu deposite minha bagagem. -Fez uma pausa para sorrir a seu criado, que tinha os olhos
cravados nos pés que pendiam do ombro de Sua Senhoria. - Diga a meu lacaio que pegue minha
roupa de etiqueta, Tyndale. Quero sair daqui a dez minutos. E se se alguém se apresentar, com o
motivo que for, o diga que saí há uma hora para o baile do duque do Shepford.
- Está bem, milordee.
- Continua com a idéia de ir? -perguntou Percy atônito, quando ele e o mordomo subiam
atrás de Nicholas.
- Naturalmente -replicou Nicholas, - penso dançar toda a noite.
Deteve-se ante um dormitório no fundo da casa, no segundo piso, não sem averiguar antes,
que no quarto não houvesse nada de valor que Selena pudesse destroçar em sua fúria. Satisfeito,
disse ao Tyndale que procurasse a chave e depois fez um sinal com a cabeça ao Percy para que
acendesse o abajur.
- Fique comportada, querida e não alvoroce muito - Bateu em seu traseiro de maneira
familiar. - Se começar a gritar ou fizer tolices, Tyndale se verá obrigado a intervir. E estou seguro
de que não vai gostar de passar as poucas horas seguintes, atada à cama.
- Fez um gesto a Percy para que abandonasse o quarto antes de deixá-la cair sobre a cama.
Depois afrouxou a atadura dos pulsos e saiu do quarto, fechando a porta com um suave clique da
chave. Sabia que ela ia tirar a mordaça cedo ou tarde, mas ele não ia estar ali para ouvi-la.
- Vamos, Percy. Tenho trajes de etiqueta que posso te emprestar se me quer acompanhar ao
baile.
Percy moveu a cabeça, confuso, enquanto seguia ao Nicholas até o primeiro piso, onde
estavam seus aposentos.
- Poderia acompanhar você, não tenho outra coisa que fazer, mas não entendo por que vai
agora que ela não estará lá.
- É o golpe final -riu Nicholas. - Não tem sentido deixar sem dançar a lady e se suas
queridas amigas não o disserem amanhã que não perdi uma dança desde que cheguei até que fui

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embora.
- Isso é cruel, Montieth.
- Não mais que o fato de que me tenha deixado por Malory.
- Mas se isso não o importa -apontou Percy, exasperado.
- Na verdade, não me importa. De qualquer modo, é uma espécie de reação, não? A dama
se sentiria exasperada se eu não fizesse nada.
- Se ela pudesse escolher sua reação, Montieth, estou seguro de que não escolheria esta.
-Oh, bom, é melhor isto que provocar duelo com Malory. Não o parece?
- Céus, claro que sim! -Percy estava autenticamente assustado. - Não tem nenhuma
possibilidade contra ele.
- Acha? - murmurou Nicholas. - Bom, é provável que seja assim. Além de tudo ele tem mais
prática que eu. Mas alguma vez saberemos, não é?

CAPÍTULO 5

Reggie não estava assustada. Tinha ouvido o bastante para dar-se conta de que seu
seqüestrador era um nobre. Supunha que foi reconhecido pelo cocheiro da carruagem que havia a
trazido, de maneira que não pensava feri-la seriamente.
E outra coisa fez com que Reggie sorrisse com um sorriso deliciosamente maligno. O
homem tinha cometido um engano atroz. Ele acreditava que ela era outra pessoa... tinha-a
chamado Selena. "Sou só eu", havia dito, como se ela pudesse reconhecer sua voz facilmente.
Selena? Por que pensava este homem que ela era Selena? Simplesmente a tinha levantado
na calçada, de maneira que... Deus, lady Eddington! Ele conhecia a carruagem, de maneira que
acreditava que Reggie era lady Eddington.
Aquilo não tinha preço. Ele iria ao baile dos Shepford e... voilá, ali encontraria lady
Eddington com os primos de Reggie. Oh, como gostaria de ver a cara que ia ter o homem! Era
exatamente o tipo de travessura que ela teria feito uns anos atrás.
E então ele voltaria correndo a sua casa, cheio de loucas desculpas, pediria-o perdão.
Suplicaria-o que não dissesse nada. Ela teria que aceitar isto, porque sua reputação estava em jogo.
Iria ao baile, e simplesmente diria que se atrasara mais do que previsto com o tio Anthony.
Ninguém ia nunca saber que foi seqüestrada.
Depois de tirar a mordaça e as ataduras dos pulsos, deitou-se na cama, muito acomodada,
desfrutando da aventura. Não era, nem de longe, a primeira. Tivera aventuras toda sua vida dos
sete anos, quando se tinha caído em uma greta do gelo, no lago do Haverston, e se teria se afogado
se um dos moços das cavalariças não a tivesse ouvido gritar e a tivesse tirado. No ano seguinte o
mesmo moço espantou a um javali selvagem que a tinha obrigado a subir a uma árvore. O moço
ficou ferido e, embora se recuperasse rapidamente, contente de narrar a seus amigos o dramático
resgate, proibiram à Reggie ir ao bosque durante um ano.
Nem sequer a devoção quase religiosa de seus tios para educá-la tinha podido intervir no
destino, e Reggie viu mais aventura em dezenove anos que as que vêem a maioria dos homens em
toda sua vida. Olhando ao redor de sua elegante prisão temporária, sorriu. Sabia que as moças
sonhavam com a aventura, desejavam ser raptadas por formosos desconhecidos a cavalo, mas ela
tinha vivido o episódio. Duas vezes na verdade, já que a escapada de esta noite era a segunda.
Dois anos atrás, quando tinha dezessete, foi atacada no caminho a Bath por três bandoleiros
mascarados e apanhada pelo mais audaz dos três. Por sorte seu primo mais velho, Derek, estava
aquele dia na carruagem e montando um dos cavalos da carruagem tinha açoitado furiosamente

19
Mallory 01

ao seqüestrador, resgatando Reggie de... pelo que pensasse o fazer o desconhecido.


E antes, quando tinha doze anos, tivera sua grande aventura marinha. Foi seqüestrada
durante todo um verão, e suportou aterradoras tormentas no mar e inclusive uma incrível batalha.
Bom, agora vivia outra aventura, uma aventura divertida e segura esta vez. E então se
sentou muito erguida. O tio Tony! Ele estava informado disto! E subitamente deixou de ser
divertido. Se descobria quem era seu seqüestrador, ia apresentar-se e derrubar a porta. As intrigas
seriam intermináveis, e ela ficaria com a reputação arruinada. Anthony Malory não ia deixar que
tudo terminasse tão facilmente. Desafiaria a duelo ao pobre sujeito e o mataria, tivesse cometido
um engano ou não.
Reggie ficou de pé e começou a caminhar descalça, pelo quarto. Oh, Deus, isto começava a
complicar-se atrozmente. Continuava passeando examinando o quarto. Estava estofado em verdes
e marrons apagados, e havia uns poucos móveis Chippendale modernos. Sua capa estava sobre
uma cadeira, seus sapatos no chão, diante da capa, sua máscara sobre o assento de couro
acolchoado. Uma única janela dava para um jardim, escuro e cheio de sombras. Arrumou o cabelo
usando um espelho com cabo de folhas e flores à moda rocaille.
Perguntou-se se Tyndale realmente iria atar a e amordaçá-la se começasse a gritar pedindo
socorro. Era melhor não averiguá-lo. Também se perguntou por que Nick demorava tanto em
descobrir seu engano. Os minutos continuavam passando no relógio de Meissen sobre o suporte.
Nicholas a observava valsear nos braços de um dandy vestido de brilhante cetim verde, que
chocava horrivelmente com o vestido de baile cor ameixa da Selena. Com aquelas cores o casal
não podia passar desapercebido, nem sequer em um salão tão repleto.
- Maldição -grunhiu Nicholas.
Percy, que estava a seu lado, estava espantado.
- Oh, Deus me valha, agora sim fez uma boa! Dava-me conta de que não devia iniciar isto, e
agora realmente você se colocou em uma boa.
- Cale-e, Percy.
-Bom, essa é ela, não? Então, pelo amor de Deus, quem é o passarinho que tem preso em
sua casa? Parece-me que roubou à querida do Malory. Matará você, Nick -o informou Percy. - É o
mínimo que fará.
Nicholas estava disposto a matar a seu excitável amigo.
- Você gosta de falar e falar, né? A única coisa que vai sair de tudo isto é uma série de
insultos de uma mulher enfurecida a quem nunca vi antes. Lorde Malory me não desafiará para
um duelo por um equívoco tolo como este. Que mal fiz, depois de tudo?
- A reputação da dama, Nick -começou Percy. - Se a história se espalhar...
- Como vai se espalhar? Usa a cabeça, velho. Se for a querida do Malory não tem nenhuma
reputação a perder. Mas eu gostaria de saber que fazia na carruagem de lady Eddington -
suspirou, sentindo-se incompreendido e perseguido. - Suponho que o melhor é que volte para
casa e a ponha em liberdade... seja quem for.
- Necessita de ajuda? -Percy sorriu. - O certo é que tenho um pouco de curiosidade para
saber quem é.
- Não acredito que tenha muita vontade de nos receber -apontou Nicholas. - Me darei por
feliz libertada só me jogar uma floreira à cabeça.
- Bom, com isso pode se arrumar sozinho, obrigado. Prefiro que me conte tudo de manhã.
- Sabia que iria responder assim -disse Nicholas preocupado.
E Nicholas saiu galopando para sua casa o mais rápido que pôde. Já estava totalmente
sóbrio e lamentava profundamente o que tinha acontecido aquela noite. Rogava que a misteriosa
dama tivesse senso de humor.

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Mallory 01

Tyndale o fez entrar, dobrou sua capa, tomou o chapéu e as luvas.


- Algum problema? -perguntou Nicholas, se fosse o caso a lista ia ser longa. Mas não foi
assim.
- Nenhum, milordee.
- Não fez barulho?
- Nenhum.
Nicholas aspirou longa e profundamente. Provavelmente ela reservava todo seu furor para
quando ele se apresentasse.
- Faça com que tragam a carruagem, Tyndale -disse, antes de subir a escada.
No primeiro andar havia um silêncio sepulcral. Os criados habitualmente não vinham a
esta parte da casa depois do anoitecer. Lucy, a bonita camareira que ultimamente tinha lançado
olhares, não se aventurava escada acima se não o ordenassem, e seu lacaio, Harris, dormia na no
andar térreo, esperando que seu amo voltasse muito mais tarde. Com exceção de Tyndale,
ninguém estava informado da presença da dama na casa.
Nicholas se deteve um momento ante a porta do quarto no qual estava Reggie, depois fez
girar a chave e abriu com rapidez. Estava preparado para receber um golpe na cabeça, mas o
sobressalto que teve ao vê-la pela primeira vez foi ainda mais angustiante.
Ela estava na moldura da janela e o olhava de uma maneira surpreendentemente direta. Em
sua expressão não havia nem acanhamento nem medo, e seu rosto era delicioso, delicado, em
forma de coração. Os olhos eram perturbadores, oblíquos, ligeiramente exóticos. Uns olhos azul
escuro naquele lindo rosto, muito azuis e muito limpos, como cristais de cor. Os lábios eram
suaves e carnudos, e o nariz reto e fino. Um denso cerco de pestanas escuras emolduravam
aqueles extraordinários olhos, sobre os quais se arqueavam graciosamente umas sobrancelhas
escuras. O cabelo era negro, como as asas do corvo, e rodeava seu rosto em apertados cachos,
dando a uma pele tão pura um reflexo de marfim gentil.
Esta mulher era de cortar o fôlego. E a beleza não se reduzia a seu rosto. Erapequena, é
verdade, mas não havia nada infantil em sua figura. Uns firmes e jovens seios se apertavam contra
a leve musselina do vestido rosado. Não era um vestido muito decotado e se detinha antes de
chegar a ser provocador, mas, de algum modo, era o mais tentador que ele viu em Londres.
Gostaria descer um pouco a musselina rosada e ver saltar livres a aqueles preciosos seios. Sentiu
outro sobressalto, porque sua virilidade se erguia contra sua vontade. Deus, desde sua primeira
juventude não perdera o controle deste modo!
Desesperado de não poder controlar nada, procurou algo, algo que dizer:
- Olá...
Seu tom implicava: No que me coloquei? E Reggie sorriu, sem pensar.
Ele era esplêndido, simplesmente esplêndido. E não se tratava só de seu rosto, embora fosse
notável. Tinha um magnetismo sexual que desconcertava. Era inclusive mais belo que o tio
Anthony, a quem sempre tinha considerado como homem mais bonito e atraente do mundo.
A comparação era tranqüilizadora. Recordava-o ao tio Tony, não só pela estatura e o
aspecto, mas também pela forma como seus olhos a examinavam. Sua boca se retorceu para cima,
aprovando. Com freqüência viu seu tio olhar daquela maneira às mulheres. Bom, este homem era
um descarado, disse-se. Só um homem deste tipo podia ser capaz de raptar a sua querida na
soleira da casa de outro homem. Possivelmente havia ficado ciumento pensando que ela e o tio
Anthony eram... Oh, a situação era divertida de verdade.
- Olá senhor -disse Reggie travessamente. - Já começava a me perguntar quando ia se dar
conta de seu engano. Certamente levou tempo.
- Estava-me perguntando se de verdade cometi um engano. Não parece ser um engano.

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Mas é bem algo que não me viria mal para uma mudança.
Rapidamente fechou a porta e se apoiou contra ela, e os formosos olhos ambarinos a
percorreram audazmente dos pés a cabeça. Por certo não era muito seguro para uma moça, estar a
sós com um homem deste tipo, e Reggie se dava conta. Mas, por algum motivo, cuja profundidade
não podia medir, este homem não o inspirava medo. Escandalosamente se perguntou se seria algo
terrível perder com ele sua virgindade. Oh, o ocorriam de repente coisas muito perigosas!
Olhou a porta fechada e a elevada silhueta dele fechando esta única saída.
- Vamos, senhor, espero que não procure me comprometer mais do que já o fez.
- Farei isso se me permite. Permitirá-me isso? Pense com cuidado antes de responder -disse
ele, com um sorriso devastador. - Meu coração está em jogo.
Ela riu, divertida.
- Mentira. Os libertinos como você não têm coração. Todo mundo sabe.
Nicholas estava encantado. Nada do que dizia a desconcertava? Duvidava-o.
- Fere-me, linda, se comparar meu coração com o do Malory.
- Jamais pensei nisso, senhor -o assegurou ela. - O coração de qualquer homem é
naturalmente mais constante que o seu. Inclusive o seu - terminou secamente.
Era possível que a querida de um homem pudesse dizer isto? Nicholas não podia acreditar
sua boa sorte. Nem sequer tinha parecido ressentida por aquilo. Simplesmente aceitava o fato de
que Malory nunca ia ser o fiel. Estaria já amadurecida para trocar de amante?
- Não sente curiosidade de saber por que a trouxe aqui? -perguntou ele. Porque estava na
verdade intrigado: "Porquê não estava ela perturbada?"
- Oh, não -disse ela ligeiramente. - Já imagino do que se trata.
- De verdade? -estava divertido, esperando alguma conclusão diferente da que ela tivesse
chegado.
- Achava que eu era lady Eddington -disse ela. - E não queria que fosse ao baile dos
Shepford, enquanto você pensava ir e não perder uma só canção. Não é assim?
Nicholas estremeceu.
- Como?
- Dançou todas as danças?
- Nenhuma só.
- Bom, deve tê-la encontrado lá. Oh, como eu gostaria de ter visto sua expressão... -ria de
novo.- Ficou terrivelmente surpreso?
- Sim... terrivelmente -reconheceu ele. mostrava-se incrédulo. Como demônios havia ela
reconstruído tudo? O que pensou quando a transportava escada acima?
- Estou em desvantagem. Parece que o disse muitas coisas.
- Não se recorda?
- Não com clareza - reconheceu ele, fracamente. - Receio que estava bastante bêbado.
- Bom, nesse caso têm uma desculpa, não é verdade? Mas não disse tanto. Ajudou-me
conhecer às pessoas envolta. Sabe?
- Conhece lady Eddington?
- Sim. Mas não muito, naturalmente. Conheci-a esta semana. E ela teve a amabilidade de me
emprestar sua carruagem.
Ele se afastou subitamente da porta e atravessou o quarto até chegar a escassa distância
dela. De perto era ainda mais bonita.
Ante sua surpresa, ela não retrocedeu, mas sim o olhou como se confiasse nele
inteiramente.
- Quem é? -perguntou ele em um murmúrio rouco.

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- Regina Ashton.
- Ashton? -Franziu o cenho, pensativo. - Não é esse o nome da família do conde do
Penwich?
- Sim, claro. Conhece-o?
- Não. É dono de uma terra contígüa à minha que faz anos quero comprar. Mas esse
pomposo... não responde a minhas demandas. Espero que não seja parente dele.
- É lamentável mas o sou, embora longínqua. Nicholas riu.
- A muitas damas não pareceria lamentável ser parenta de um conde.
- Seriamente? Então é porque não conhecem atual conde do Penwich. Alegra-me dizer que
faz anos que não vejo esse homem, e duvido que tenha mudado. Na verdade é pomposo...
Ele sorriu abertamente.
- Quem são seus pais, pois?
- Sou órfã, senhor.
- Oh, lamento-o.
- Eu também o lamento. Mas tenho pelo lado materno uma família carinhosa, que se
encarregou de me educar. E agora, é justo que você diga quem é.
- Nicholas Éden.
- Quarto visconde do Montieth? Oh, ouvi falar de você.
- Escandalosas mentiras, asseguro-o isso.
- Duvido-o. -Sorriu.- Mas não tema que pense mal de você. Depois de tudo ninguém é tão
mau como Tony, ou seu irmão James, inclusive, e amo muito aos dois.
- Aos dois? Ao Tony e James Malory? -Estava totalmente aniquilado.-Deus, não me diga
que é também a querida do James Malory!
Os olhos dela se dilataram por um momento. Mordeu com força o lábio, mas não deu
resultado. A gargalhada estalou, apesar de seus esforços.
- Não vejo nada engraçado nisto -começou a dizer Nicholas, com frieza.
- Oh, pois há algo muito engraçado , asseguro-o. Acreditou que Tony e eu... Oh, é
grandioso! Tenho que contar para o Tony... não, é melhor que não o faça. Não o parecerá
divertido. Às vezes os homens são tão pesados... -Suspirou.- Bom, ele é meu tio.
- Se prefere chamá-lo assim... Ela riu de novo.
- Não me acredita, não é verdade?
- Querida senhorita Ashton...
- Lady Ashton -corrigiu ela.
- Bem, lady Ashton. Quero que saiba que o filho do James Malory, Derek Malory, é meu
amigo íntimo.
- Sei.
- Sabe?
- Sim, na verdade seu melhor amigo. Foram juntos ao colégio, embora terminou uns anos
antes que ele. Você simpatizava com ele, coisa que não acontecia com os outros. Por isso ele tomou
carinho. E eu também o quis me fazer amigo seu, embora só tivesse onze anos quando ele me
contou isso e eu não o viu nenhuma vez. Onde acha que ouvi falar de você, lorde Montieth? O
primo Derek falava e falava de você quando vinha para casa de férias.
- Então por que não a nomeou jamais? -exclamou Nicholas.
- Por que ia falar de mim? -perguntou ela. - Não tenho dúvida de que você e ele têm
assuntos mais interessantes para conversar que sobre crianças de suas famílias.
Nicholas franziu o cenho, pensativo.
- Poderia estar inventando tudo isto.

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- Claro que poderia.


Os olhos dela faiscavam rindo. Demônios, era na verdade muito bela.
- Que idade têm? -perguntou ele.
- Já não está zangado?
- Acaso pareço zangado?
- Oh, Deus, sim -sorriu. - Não posso adivinhar o porquê. Eu deveria estar zangada. E tenho
dezenove anos, se tanto o interessa, embora não deveria tê-lo perguntado.
Ele começou a sentir-se depravado de novo. Ela era encantadora. Já quase não podia
agüentar mais. Queria abraçá-la, mas devia recordar o embaraçoso da situação em que estavam.
- É sua primeira temporada, Regina? Ela gostou da forma como que ele havia dito seu nome
- Acha então que sou quem digo ser?
- Suponho que devo acreditar.
- Parece que o fato desilude muito a você - replicou ela com vivacidade.
- Se o interessa saber, estou destroçado. -Sua voz se tornou rouca e se permitiu o passar um
dedo pela face, com suavidade, para não alarmá-la. - Não quero que seja uma moça inocente.
Quero que saiba exatamente o que digo quando afirmo que quero fazer amor com você, Regina.
O coração dela começou a pulsar mais rápido.
- Seriamente? -murmurou. Estremeceu: não devia perder o controle.- Sim, claro, deseja -
disse brincando. - Me pareceu vê-lo na expressão de seus olhos.
A mão dele caiu de um lado e seus olhos se entristeceram.
- É capaz de reconhecer essa expressão?
- Oh, Deus, está zangado de novo -disse ela com inocência.
- Maldição! -exclamou ele. - Não pode falar sério?
- Se me puser séria, lorde Montieth, os dois teremos dificuldades.
Seus olhos eram impenetráveis. Havia outra moça inteiramente distinta debaixo daquela
efervescente superfície.
Reggie se adiantou, passou em frente dele, chegou ao centro do aposento , quando se
voltou para olhá-lo, o sorriso de maroto e a faísca da brincadeira estavam outra vez em seu lugar.
- Esta é minha segunda temporada e conheci muitos homens tão incorretos como você -
assegurou-o ela.
- Não acredito.
- Que existam homens tão desrespeitosos como você?
- Que esta seja sua segunda temporada. Está casada?
- Acha que devo estar porque me apresentei em sociedade no ano passado. Bom, no que se
refere a minha família, nenhum candidato é bastante bom para mim. Uma odiosa circunstância,
asseguro-o.
Nicholas riu.
- É uma lástima que no ano passado eu viajasse para Índias Ocidentais para inspecionar
algumas propriedades que tenho lá. Se ficasse aqui a teria conhecido antes.
- E teria pedido minha mão?
- Teria pedido... uma parte extra de você. Pela primeira vez Reggie se ruborizou.
- É muito atrevido.
- Não tanto como eu gostaria de ser.
"Oh, de verdade era um homem perigoso", pensou Regina. "Belo, encantador, perverso.
Então, por que não sentia medo de estar a sós com Nicholas Éden? O bom senso dizia que deveria
temê-lo."
Observou-o contendo o fôlego quando ele avançou cortando uma vez mais o espaço entre

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eles. Ela não se afastou e ele sorriu. Uma veiazinha pulsava na base da garganta dela e ele sentiu
um desejo envolvente de passar por ali a língua, sentir o batimento do coração.
- Pergunto-me se é tão inocente como afirma ser, Regina Ashton.
Ela não podia ceder ante ele, por mais que ele exercesse toda sua magia.
- Sabendo qual é minha família não acredito que possa duvidar de mim, lorde Montieth.
- Não se escandalizou que a trouxesse aqui - disse ele. - por que? -Examinava
minuciosamente seu rosto.
- Oh, suponho que vi como era divertida da situação -confessou ela, mas acrescentou: - de
qualquer modo estive um momento preocupada, quando pensei que tio Tony podia descobrir
onde havia me trazido e receei que viesse golpear a sua porta antes que retornasse e me deixasse
livre. Teria sido uma grande comoção. E não acredito que tivéssemos podido guardar por muito
tempo o segredo, e talvez teria terminado tendo que
se casar comigo. E seria lamentável, porque não nos entenderíamos.
- Não nos entenderíamos? -disse ele, divertido.
- Claro que não -disse ela com fingido horror. - Eu me apaixonaria loucamente por você,
mas você continuaria sendo um descarado de má reputação, e me destroçaria o coração.
- Não há dúvida de que têm razão -suspirou ele, seguindo o jogo. - Eu seria um marido
atroz. E, a propósito, é difícil que me possam obrigar a me casar.
- Nem sequer no caso de ter arruinado minha reputação? A boca dele se tornou séria.
- Nem sequer nesse caso.
Era evidente que não gostava da resposta e ele se zangou consigo mesmo por ser tão
desnecessariamente sincero. A raiva contra si mesmo fez com que os brilhantes olhos cor âmbar
brilhassem mais, como se estivessem iluminados por trás com uma luz antinatural. Regina
estremeceu, pensando como seria aquele homem se de verdade chegasse a zangar-se.
- Têm frio? -perguntou ele, vendo que ela se esfregava os braços. atreveria-se a rodeá-la
com seus braços?
Reggie procurou sua capa e a jogou sobre os esbeltos ombros.
- Acredito que já é hora...
- Assustei-a -disse ele amavelmente. - Não era minha intenção fazê-lo.
- Acredito que pude me dar conta perfeitamente de quais são suas intenções, senhor -
replicou Reggie.
Agachou-se para calçar os sapatos e, quando se levantou, encontrou-se entre os braços dele.
Fez isso tão rapidamente que já a tinha beijado antes que ela pudesse respirar. A boca dele
cheirava a brandy, doce, embriagador, Oh, ela sabia que ia ser assim, algo celestial.
Nunca a tinham beijado com tanto sentimento nem tanta ousadia, tinha adaptado a
pequena figura dela a dele, deixando que ela sentisse pela primeira vez o estado de um homem
excitado. Ela ficou surpreendida e excitada, e seus seios fizeram cócegas ao apertar-se contra a
casaca dele. O que era aquela outra sensação, tão profunda que surgia do mais fundo dela?
Os lábios dele percorreram sua face, chegaram até seu pescoço, onde beijou a veiazinha
palpitante, absorvendo a pele com a boca, chupando muito brandamente.
- Não faça isto -conseguiu murmurar Reggie. Aquilo não parecia ser sua própria voz.
- Oh, mas tenho que fazê-lo, amor, de verdade... -levantou-a entre seus braços. Não era
nada divertido o que estava acontecendo agora. Seus lábios voltaram a tocar o pescoço dela e
Reggie gemeu.
- Me deixe, me solte -disse ela sem fôlego. - Derek odiará você.
- Não me importa.
- Meu tio o matará.

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- Terá valido a pena. Estava dito.


- Não dirá isso quando vir sua arma no campo da honra. Me solte, lorde Montieth.
Nicholas a depositou no chão lenta, cuidadosamente, fazendo com que o corpo dela se
deslizasse provocador ao passar pelo dele.
- Então se importará...? Mantinha-a apertada contra ele, e o constante calor de seu corpo
perturbava-a ela.
- Claro. Eu não gostaria de o ver morrer por uma escapada inofensiva...
- É assim como considera a idéia de que eu o faça amor? -Riu, satisfeito.
- Não me referia a isso, mas sim ao fato de me trazer aqui. Tal como estão as coisas, me
levará um tempo tremendo convencer ao Tony de que deve esquecer o assunto.
- Pensa me defender então? -perguntou Nicholas suavemente.
Reggie se se afastou, porque não podia pensar claramente quando seu corpo estava perto
do corpo dele. A capa se caiu e ele a recolheu galantemente e a entregou, com uma inclinação.
Ela suspirou.
- Se Tony não souber que é você quem me raptou, não mencionarei seu nome. Se souber,
bom, suponho que farei todo o possível para o salvar a vida. Mas insisto em que me devolva agora
a ele, antes de que faça alguma tolice, como por exemplo, informar a outros de que eu desapareci.
- Ao menos me deixa a esperança -disse Nicholas, sorrindo. - Talvez eu não fosse um bom
marido, mas me disseram que sou um amante excelente. Levará isso em conta?
Olhou-o com desagrado.
- Não quero ter um amante.
- Terei que seguir você esta temporada até que mude de idéia - acautelou-se.
E ela pensou que ele era incorrigível quando, finalmente, acompanhou-a até a saída da casa.
Incorrigível e tentador, muito tentador. Era melhor que o tio Tony se apressasse em convencer ao
tio Jason a respeito da necessidade de o encontrar um marido, porque Nicholas Éden podia
representar muito bem a queda de uma moça.

CAPÍTULO 6

- Lamento que não tenha podido ir ao baile. Nicholas, deteve sua carruagem umas poucas
portas além da mansão do Anthony Malory. Seus olhos acariciavam o rosto de Reggie. Ela sorriu.
- Apostaria que lamenta mais que lady Eddington tenha podido ir a ele.
- Perderia a aposta -disse ele com um suspiro. - De qualquer modo não sei por que o fiz. A
bebida, acredito. Mas agora não me importa nada.
- Mentira. Estava ciumento quando achou que ela estava com o Tony.
- Outro engano. Nunca fiquei ciumento em minha vida, de nada nem de ninguém.
- Olhe, é um ser afortunado...
- Não me acredita?
- Não vejo outro motivo para querer prender sua querida esta noite. Nem sequer pensou
passar a noite com ela.
Ele riu.
- Diz isso com um ar muito mundano. Ela se ruborizou.
- Em todo caso, não lamente que eu tenha perdido o baile. Eu não o lamento.
- Por me haver conhecido? -aventurou-se a dizer ele. - Me dá mais e
mais esperança, amor. Ela ficou muito direita.
- Lamento desiludir você, lorde Montieth, mas não é esse o motivo. Esta noite teria
preferido ficar em casa.

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- E eu também, se estivesse comigo. Mas ainda há tempo, sabe? Poderíamos voltar para
minha casa.
Ela moveu a cabeça com vontade de rir. O certo é que, desde que o tinha conhecido, sentia
uma ridícula necessidade de rir pela pura sorte de fazê-lo. Borbulhava. Mas sabia que devia deixá-
lo agora e esquecer esta noite.
- Tenho que ir -disse suavemente.
- Suponho que não há mais remédio. -Os dedos dele se fecharam sobre a mão enluvada
dela, mas não fez movimento algum para ajudá-la a descer da carruagem. Apertava-o a mão como
se quisesse que ficasse ali.- Quero beijar você antes que vá embora.
- Não.
- Nada mais que um beijo de despedida.
- Não.
Com a mão livre o tocou a face. Não se tinha preocupado em pegar as luvas ou o chapéu
antes de sair da casa, e os dedos nus estavam quentes ao contato com sua pele. Reggie não podia
mover-se, e esperou sem fôlego que o roubasse o beijo que ela recusava.
Fez isso, e seus lábios se apertaram contra os de Reggie em um beijo que não se parecia com
nenhum que ela tivesse recebido antes. Quentes e dominantes, seus lábios provaram os dela até
que Reggie sentiu que estava a ponto de explodir.
- Desçamos antes que perca a cabeça -disse ele rudemente. A paixão tornava densa sua voz.
Reggie estava deslumbrada quando ele a ajudou a descer da carruagem e a guiou até a casa
de seu tio.
- É melhor que não venha comigo -murmurou ela. As lamparinas ardiam de ambos os lados
da porta, e pôde imaginar que a porta se abria e que Tony enfrentava Nicholas Éden com uma
pistola na mão. - Não é necessário que me acompanhe.
- Minha querida, fiz coisas muito reprováveis, mas ninguém poderá dizer que não sou um
cavalheiro, e um cavalheiro deve acompanhar a uma dama até a porta de sua casa.
- Tolices. É um cavalheiro só quando quer sê-lo, e agora quer se mostrar teimoso. Nicholas
riu ao notar a ansiedade dela.
- Teme por minha segurança?
- Sim, temo. Tony é muito agradável quase sempre, mas, às vezes, não pode dominar seu
caráter. Não deve vê-lo até que eu não o tenha explicado que não aconteceu nada do outro
mundo.
Nicholas parou e fez com que ela desse a volta para ficar frente a ele.
- Se tiver tão mau caráter, não deixarei que a veja a sós.
Ele queria protegê-la do Tony! Dava-o vontade de rir, mas se conteve.
- Teria que entender como são as relações entre Tony e eu para saber que sou a última
pessoa que deve ter medo dele. Somos muito amigos, sabe? Somos muito unidos e geralmente ele
muda quando eu estou a seu lado. Sempre faz isso, inclusive renunciou meses inteiros a suas
aventuras. Você deveria dar-se conta do que isto significa -terminou secamente.
Ele a fez avançar, sorrindo.
- Admito suas razões. Mas há um motivo em tudo o que faço, e acompanharei você até a
porta de sua casa.
Ela começou a protestar de novo, mas já estavam diante da porta. Ela ficou tensa, rogando
que não os tivessem ouvido, que a porta não se abrisse. Voltou-se para olhar Nicholas e
murmurou:
- Que motivo pode ter para...? Mas ele a interrompeu, descarado.
- Viu? Agora tenho um pretexto para voltar a dar-o um beijo de despedida.

27
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Envolveu-a com seus braços, sua boca se aproximou procurando a dela. Aquilo era a
paixão, uma paixão quente, abrasadora, que a derretia unindo-a a ele. Nada mais importava.
Naquele momento o pertencia.
Nicholas terminou o beijo no momento em que a paixão quase o arrastava. Afastou-a
bruscamente, mas sem soltá-la, seus dedos se cravavam nos braços dela. Manteve-a ali na
distância dos braços estendidos, a respiração entrecortada, os olhos ardentes.
- Desejo você, doce Regina. Não me faça esperar muito antes de reconhecer que me deseja
também.
Reggie demorou um momento em dar-se conta de que ele a tinha soltado e que se se
afastava caminhando. Sentiu um louco desejo de correr atrás dele, mas se conteve. Não era fácil.
Seu coração voava e suas pernas não o respondiam.
"Controle-se, tola", repreendeu-se. "Ja a beijaram antes! Ah, mas nunca deste modo!"
Reggie esperou até que Nicholas subisse a sua carruagem e então, a contragosto, virou-se,
abriu a porta e entrou. O vestíbulo e o salão estavam brilhantemente iluminados, mas felizmente
vazios. A porta que levava a biblioteca de Tony estava aberta e a luz surgia dali. Avançou
lentamente, esperando que Tony estivesse lá e não percorrendo Londres em sua busca.
Ele estava sentado diante da mesa com a cabeça entre as mãos, os dedos metidos no denso
cabelo negro, como se tivesse querido arrancá-lo em mechas. Uma garrafa de brandy e um copo
estavam em frente dele.
Ao vê-lo tão desesperado Reggie se tranqüilizou. A culpabilidade a ajudou a recompor-se.
Enquanto ela desfrutava dos momentos mais doces de sua vida, a pessoa que significava para ela
mais que tudo no mundo tinha estado doente de preocupação. E ela nem sequer tinha ficado
aflita. Passou o tempo, desfrutando de cada minuto com Nicholas. Como pode ter sido tão
egoísta?
- Tony...
Ele a olhou sobressaltado. Depois a surpresa e o alívio lavaram suas belas feições. Correu
para ela e a estreitou entre seus braços, apertando-a tanto que, por um momento, ela acreditou que
o ia romper as costelas.
- Valha-me Deus, Reggie! Estava quase louco de preocupação! Nunca me havia sentido tão
mal desde que James te levou consigo para... bom, isso já não importa. -Afastou-a de si para poder
olhá-la de cima abaixo. - Está bem? Não o fizeram mal?
- Estou muito bem, Tony. De verdade. E também tinha muito bom aspecto. Nenhum rasgão
no vestido, nem um cacho desconjurado. Mas desaparecera durante três malditas horas, e ele
tinha imaginado as coisas que podiam o acontecer...
-Matarei-o amanhã pela manhã a primeira hora, assim que descubra onde diabos vive!
Reggie compreendeu que era por isso que não se apresentou para golpear a porta da casa
de Nicholas.
-Tudo foi perfeitamente inocente, Tony -começou a dizer. - Um engano...
- Já sei que foi um engano, Reggie. O idiota do cocheiro me assegurou isso. Insistiu todo o
tempo em que Montieth ia trazer você de volta a qualquer momento, que ele e lady Eddington
eram... bom, acredito que já entende o que quero dizer. Ah, maldição...
- Sim. -Reggie sorriu ante o desconforto dele. - Entendo o que quer dizer -depois começou a
convencê-lo. - O pobre homem acreditou que você e sua...
- Não o diga. Isso não é desculpa de qualquer modo.
- Mas não pode imaginar sua cara, Tony, quando viu que se equivocou de dama? -Reggie
riu. -Oh, eu gostaria de tê-lo visto.
Anthony franziu o cenho.

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- Como é possível que não tenha visto?


- Não estive presente. Deixou-me em sua casa e foi ao baile. A única coisa queria era fazer
com que lady Eddington não fosse ao baile. Pode imaginar a desagradável surpresa que teve ao
encontrá-la ali. Não sabia quem era a pessoa que tinha preso em sua casa.
- Prendeu-a em sua casa?
- Mas estive muito acomodada -assegurou ela com rapidez. - De maneira que, como vê, não
permaneci com ele todo o tempo... na verdade estive muito pouco a seu lado. Não se passou nada,
e me trouxe aqui de volta, sã e salva.
- Não posso acreditar que o esteja defendendo. Se eu soubesse onde vive, já estaria morto. O
parvo do cocheiro não sabia. Mandei um homem para fazer averiguações nos clubes, mas, por
causa desse condenado baile, os clubes estavam quase desertos. Quando meu homem voltou a me
informar que não tinha encontrado nada, eu já estava disposto a ir a casa do Shepford em busca de
alguém que me desse a direção desse canalha.
- E então o tio Edward se teria informado de que eu não estava contigo, e todo o inferno se
teria aberto - terminou ela. - É uma sorte que não fez isso. Deste modo ninguém sabe que não
estive toda a noite com você. Assim a única coisa que fica por fazer é decidir se ficarei aqui ou se
devo voltar para casa de tio Edward. O que sugere?
- Oh, não, minha filhinha -ele viu até o fundo do jogo dela. - Não conseguirá que esqueça
isto.
- Pois se não o esquecer prejudicará minha vida -disse ela muito seriamente. -Porque
ninguém acreditará que passei três horas em casa de lorde Mondegh e saí com a virtude intacta. E
estou intacta, quero que saiba.
Ele a olhou furioso.
- Então não o matarei. Mas o darei uma lição que na verdade necessita.
- Mas se não houve dano algum. Tony -insistiu ela com paixão. - ... eu não quero que faça
mal a ele.
- Não quer? Por Deus, tem que me dizer por que!
- Eu gosto dele - disse ela simplesmente. - Lembra-me você.
Lorde Malory ficou lívido.
- Matarei ele...
- Basta exclamou ela. - Você nunca teria forçado uma donzela que não deseja entregar-se, e
tampouco o fez ele.
- Beijou-a?
- Bom...
- Claro que beijou você. Só um idiota não o teria feito, e ele não é tolo. Ele...
- Não, não o fará -exclamou ela de novo. - Fingirá que não pôde averiguar seu nome e,
quando se encontrar com ele, ignorará ele. Faça isso por mim, Tony, porque não sei se poderei
perdoar você se fizer algum ferimento em Nicholas Éden. Esta noite me diverti como não me
divertia há tempo... -Depois de dizer isto, suplicou: - Por favor, tio Tony...
Ele ia dizer algo, mas fechou a boca apertando os dentes, fez umas caretas, suspirou
pesadamente e por fim disse com doçura:
- Esse homem não é para você, gatinha. Sabe, não é?
- Sim, sei. Mas, se tivesse uma reputação um pouco melhor estenderia a rede para apanhá-
lo.
- Teria que fazê-lo sobre meu cadáver... Lançou-o o mais doce dos sorrisos:
- De algum modo sabia que iria dizer isso.

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CAPÍTULO 7

Reggie estava sentada diante de sua penteadeira, contemplando sonhadora a pequena


equimose na base de seu pescoço. A marca de amor do Nicholas Éden. Tocou a mancha. Foi uma
sorte que não tirou a capa ontem à noite, ao retornar para casa de Tony. No momento teria que
cobrir-se com um cachecol até que desaparecesse a marca.
Era tarde esta manhã e dormiu muito mais que de costume. Sem dúvida seus primos já
tinham tomado o café da manhã, e se ainda estivessem em casa, teria que contar a história que
combinou com Tony.
Tony tinha enviado uma mensagem a seu irmão Edward antes que ela retornasse a casa,
dizendo simplesmente que Reggie não ia ao baile, depois de tudo. Só isso, sem dar razões. A
história era que Tony não tinha estado em sua casa quando ela chegou, e que ela o esperara horas.
Quando chegou, tiveram um bate-papo. E, como depois da conversação já era muito tarde,
simplesmente tinha voltado para sua casa para deitar-se. Os criados de tio Edward podiam
confirmar que tio Tony a tinha acompanhado e que na verdade ela fora diretamente deitar-se.
Reggie suspirou e tocou a campainha chamando Meg; depois, rapidamente, procurou um
cachecol em seu roupeiro. Tampouco Meg devia ver aquela marca de paixão.
Quando desceu, meia hora depois, viu que a tia Charlotte e as primas Clare e Diana tinham
visitas. Estavam na sala com as visitantes: as duas lady Braddock, mãe e filha; a senhora Faraday e
sua irmã Jane; e duas damas que Reggie não conhecia. Todas fixaram os olhos nela quando entrou,
e Reggie se sentiu muito incomodada pelas mentiras que ia ter que dizer.
- Minha querida Regina -a senhora Faraday falava com um tom extranhamente
compreensivo - está divina... sobretudo tendo em contaque...
Reggie sentiu que um nó apertado se formava na boca do estômago. Não. Não era possível.
Só sua consciência culpada o fazia pensar que podiam estar inteiradas da escapada de ontem à
noite.
Nicholas Éden, quarto visconde do Montieth, jazia jogado sobre seu amplo leito, com as
mãos atrás da cabeça e sua nudez coberta só por um lençol fino. Deitou-se ali depois caminhar
quase uma hora, mas não fez movimento algum para levantar-se e enfrentar o dia. Fazia muito
tempo que não perdia seu habitual passeio matutino pelo Hyde Park. Não havia nada imediato
que precisasse ver. Outra carta ao conde do Penwich o pedindo uma resposta a respeito da terra
que cobiçava, mas isso podia esperar. De qualquer modo a carta estava destinada a ser fonte de
irritação, já que o conde nunca o respondia.
Também tinha combinado ficar em contato com o gerente de sua passagem naval no
Southampton, para cancelar a ordem de construção de um navio. Pensou navegar novamente até
as Índias Ocidentais. Mas, depois do acontecido ontem à noite, não pensava deixar Londres por
nada do mundo.
Ela se chamava Regina. Disse o nome em voz alta, deixando querepercutisse deliciosamente
em sua língua. Regina. Doce, preciosa Regina, com o cabelo de ébano e olhos de porcelana azul.
Que olhos! Bastava que fechasse os seus para vê-los sorrindo, rindo. Oh, tinham tanta vida!
Regina, formosa entre as formosas, beleza sem igual.
Nicholas riu ante sua fantasia. Percy ia dizer que se apaixonara dos pés a cabeça. Seria
possível? Bom, não, claro que não. Mas não recordava ter desejado tanto a uma mulher como
desejava Regina Ashton.
Suspirou. A tia Ellie o diria que se casasse com a garota e que fosse feliz. Ela era a única,
desde a morte de seu pai, que queria um pouco ao Nicholas. Talvez sua avó o tivesse querido, ou

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talvez não. Era difícil dizer como eram as coisas com Rebecca, a velha tirana.
E naturalmente, também havia sua "mãe". Ela seria a última a desejar-o um bem. Era por
causa dela que ele não queria -ou não podia- casar-se com Regina ou com qualquer moça de boa
família. Não se casaria, ao menos não o faria, até que a mulher conhecida ante o mundo como sua
mãe, tivesse morrido. O cordão com o qual o tinha atado morreria com ela.
Nicholas jogou longe o lençol e se sentou, porque a lembrança da condessa viúva
perturbava seu agradável estado idílico. Era por isso que poucas vezes ia a Silverley, sua
propriedade de campo no Hampshire. Entretanto, amava Silverley, sentia falta desse lugar até a
amargura. De qualquer modo, as únicas vezes que ia era quando a condessa não estava lá. E ela
vivia ali quase o ano inteiro, principalmente para manter afastado a Nicholas.
Tocou a campainha para chamar a seu lacaio, Harris, e este o informou que lorde Alden e
lorde Malory o esperavam na sala de jantar. Ele não pensou em nada de especial, porque estes
dois amigos, com freqüência chegavam sem anunciar-se.
Quando se reuniu com eles, um pouco depois, Derek Malory estava sentado junto à mesa
diante de um grande prato de comida, e Percy estava ao lado do aparador, bebendo café. Derek
saudou alegremente e voltou a provocar a jovem criada. Percy fez um gesto a Nicholas para que se
aproximasse, com um sorriso conspirador.
- Já sei quem é o passarinho que levou ontem à noite a seu ninho - murmurou Percy, e
cabeceou em direção ao Derek. Ele não sabe ainda, mas naturalmente se inteirará antes de que
acabe o dia.
Nicholas sentiu como se o tivessem dado um tremendo golpe no estômago. Conservou a
calma na voz ao murmurar:
- Seria tão amável para me dizer como chegou até você a informação?
- Não é um segredo -disse Percy rindo. - De fato apostaria que percorrerá toda Londres
antes de terminar esta noite. Eu o escutei no Rotten Row. Tropecei com um par de belezas que
conheço e não puderam esperar para me contar a última intriga.
- Como? -Foi uma palavra como um estalo, bastante forte para merecer que Derek olhasse,
embora depois voltasse a prestar atenção à moça.
- Lady E. sabe? Ao que parece seu cocheiro acreditou que ela ia estar muito interessada em
inteirar-se de seu maligno plano. E sabe? Fazia-o cócegas a idéia de que estivesse bastante
ciumento para fazer algo tão em desuso. E não pôde esperar para contar a história a suas queridas
amigas... e inclusive às que não são tão queridas. Oh, teve uma manhã muito ocupada.
- Maldita rameira!
- Sim, claro, mas, se eu estivesse em seu lugar, sairia de Londres por um tempo.
- E deixaria a jovem para que enfrentasse sozinha a isto?
- Isso é algo que nunca tinha preocupado você antes.
Por esta frase, Percy recebeu a mais sombria das caretas.
- Não me repreenda , Nick. Ela o tolerará melhor que você, sem dúvida se casará, como se
casaram suas outras donzelas inocentes, e viverá feliz. Mas temos que pensar no tio de Derek, para
não falar do pai do Derek. Essa garota tem uns parentes que pedirão sua pele. Não sairá ileso por
ter comprometido a esta garota como tem feito com as outras.
- Maldição, não a toquei...
- Claro que não a tocou, mas ninguém acreditará -disse Percy significativamente. -O melhor
que pode fazer é partir antes de que um de seus tios o desafie a duelo.
Naquele momento Tyndale apareceu na porta e anunciou:
- O criado de lorde Malory quer o dizer algumas palavras, milorde.
Derek levantou a cabeça, surpreso, ao ver o criado que estava de pé atrás de Tyndale.

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- Oh, Nicky, deve tratar-se de algum engano. Esse homem não está a meu serviço.
- Não pensei isso -murmurou Nicholas, e Percy grunhiu.

CAPÍTULO 8

- Não!
Anthony Malory levantou a vista quando sua sobrinha se precipitou na sala, olhando com
olhos exagerados a pistola que ele estava limpando sobre o escritório. Lançou-o um olhar de
impaciência antes de voltar a examinar a arma.
- Já é muito tarde, Reggie.
- Já o matou! -exclamou ela. Ele não a olhava, de maneira que não viu
que a cor desaparecia das faces dela.
- Enviei um homem a sua casa. Não tive dificuldade em achar o endereço esta manhã. Logo
virá aqui para discutir o lugar e a hora.
- Não, não, não...
- Quando ele a olhou, os olhos dela lançavam faíscas.
- Vamos Reggie -começou Tony, mas ela se adiantou para ele.
- Não tem outra solução além dessa? -apontou com o dedo a arma que ele tinha na mão. -
Acreditei que ontem à noite tínhamos feito um pacto.
- Isso foi antes que a façanha do Montieth se convertesse na fofoca de Londres. Ou acaso
não está inteirada de que seu nome está na boca de todos, essa manhã?
Reggie se estremeceu, mas disse tranqüila:
- Sei. Acabo de abandonar uma sala cheia de mulheres que não puderam demorar em
expressar suas simpatias.
- E o que os disse?
- Bom, não podia negar o que tinha acontecido, porque o cocheiro de lady Eddington
presenciou tudo. Mas menti dizendo que havia me trazido em seguida, que lorde Montieth se deu
conta de seu engano.
Anthony moveu a cabeça.
- Coisa que não acreditaram, não é assim?
- Bom... não -reconheceu ela a contra gosto.
- Porque esse maldito cocheiro esperou toda uma hora para que retornasse, e todos sabem.
E não se necessita uma hora para que ocorra o que dizem que ocorreu. O fato de que minta nisso,
sugere que tem algo que ocultar.
- Mas isso não é verdade!
- E desde quando os apaixonados pela intriga levaram em conta a verdade?
- Oh, o que vou fazer, Tony? -exclamou ela angustiada.
- Você não fará nada. Suportará o que acontecer com o apoio de sua família. Mas ele pagará
o preço por ter manchado seu bom nome.
- Não deve o desafiar em duelo.
Os olhos de Anthony se estreitaram.
- Se eu não o fizer, Jason o fará, e Jason se deixará matar. Não tem minha pontaria.
- Ninguém morrerá, Tony -disse Reggie, como se o assunto dependesse inteiramente dela. -
Tem que haver outra solução. Para isso vim aqui. Mas temi que já fosse tarde para alcançar você
antes de que deixasse a cidade. Como descobriu o que aconteceu?
- O certo é que já ia sair de Londres e meu bom amigo George me visitou para me anunciar
que o gato escapou da bolsa. Foi uma sorte que eu me tenha atrasado em partir esta manhã. De

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outro modo, já estaria em caminho de Gloucester, e o pobre Eddie teria que confrontar isto.
Imagino a desordem que teria feito.
- Ao menos sua solução não teria sido a de tomar a primeira pistola que encontrasse à mão -
replicou ela.
Anthony fez uma careta.
- Já está informado?
- Não. esteve toda a manhã encerrado em seu escritório. E ali continua. Tia Charlotte diz
que procurará ocultar-lhe todo o tempo possível. Pensei que talvez você não fosse se importar...
- Covarde. Mas não tem que preocupar-se pelo Eddie. É Jason quem é capaz de fazer voar o
teto.
- Bom, por sorte ele demorará um tempo em inteirar-se.
- Não conte com isso, gatinha. Inteirará-se hoje a última hora, amanhã ao mais tardar. Acha
por acaso que não a faz vigiar quando está na perversa Londres?
- Não acredito.
- Pois o faz -assegurou Anthony. - Também recebia informe a respeito de você quando
estava no continente. Nada escapa ao Jason. Inclusive eu não estou a salvo de seus olhos, que tudo
o vêem. Como acha que averiguou tão cedo minhas tremendas escapadas?
Reggie gemeu. Isto ia de mal a pior. Jason era capaz de zangar-se tanto como Tony. Além
disso, era um homem de rígidos princípios. Quando se tratava de alguma questão de honra, não
transigia.
- Para ele só existia outra solução e, se isso não desse resultado, limparia as pistolas da
mesma maneira que o estava fazendo Tony. Mas a primeira solução era impossível. Nicholas Éden
nunca estaria de acordo. Preferiria enfrentar um dos tios no campo de honra, antes que ver-se
obrigado a casar-se, estava certa.
Mordeu o lábio inferior.
- Deve haver algo que possamos fazer, Tony, alguma história que possamos inventar.
- Podemos inventar uma dúzia, gatinha, mas ninguém acreditará em nenhuma. O mau é
que Montieth seduziu antes a donzelas inocentes como você. O fato de que tenha estado sozinha
com ele, embora não fosse com você com quem queria estar a sós, implica que ele se aproveitou da
situação. É um demônio tão belo, que se supõe que você não teria podido resistir. Isto é o que
pensarão as pessoas. E o que se comentará.
Reggie se ruborizou e olhou para outro lado, perturbada.
- Não sei sequer por que estou discutindo isto com você - acrescentou Anthony cortante. -
Só resta uma coisa a fazer e ela corresponde a mim.
Reggie suspirou.
- Tem razão, naturalmente, não sei por que me opus tanto.
Ele levantou a sobrancelha, desconfiado.
- Nada de tramazinhas, Reggie.
- Não são armadilhas. Tem que fazê-lo se casar comigo. Não há outra solução.
- Maldição! -Anthony deu um pontapé no chão, furioso. - Não é digno de você...
- Entretanto...
- Não, e não mil vezes. E não acredite que não te entendo, Regina Ashton. Acredita que isto
solucionará seu outro problema e que já não terá que procurar um marido.
- Já que o menciona... Oh, Anthony, na verdade não me incomodaria de ter ele como
marido, juro-o que não me incomodaria. E o que parece para você.
- Me parece muito, e é por isso que não o convém.
- Mas também me recorda ao tio Edward. E há inclusive algo do tio Jason nele. Vamos,

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ficou esmagado quando o sugeri que o que tinha feito ia arruinar minha reputação e ia ter que
casar-se comigo.
- Disse-o isso?
- Esse era meu estado de ânimo. E ele se zangou. Agiu como se fosse tio Jason.
- Como diz? Esse...
- Não, não, Tony. Não vê que é perfeito? Parece-se um pouco a você... a todos vocês. É o
que eu andava procurando. Além disso, eu gostaria de tentar reformá-lo.
- Esse homem nunca mudará, Reggie -insistiu Tony. - Nunca poderá viver tranqüilo.
- Oh, não sei -Reggie sorria. - Podemos afirmar isso de você, mas não estamos tão seguros a
respeito dele e o agrado. Isso é algo.
- Não seja tola, Reggie -disse Anthony. - Desejava você. Mas desejará também a outras
mulheres, e correrá atrás delas. Não será um marido fiel.
- Sei disso - disse ela muito tranqüila.
- E continua querendo se casar com ele? Ela não queria vê-lo morto. E essa era a alternativa.
- Depois de tudo -disse tranqüilamente- ele deve arrumar esta situação. Colocou-me em um
escândalo, e o corresponde me tirar disto. É uma solução pacífica e estou segura de que o tio Jason
estará totalmente de acordo.
- Não pode dizer-se a meus olhos que seja o que merece Montieth - disse Anthony furioso. -
Conseguirá você no trato, mas você continuará
sofrendo.
- Não o vejo assim, Tony. O certo é que estou segura de que vai recusar.
- Bem -Anthony sorriu e voltou a limpar sua pistola.
- Oh, não -disse Reggie- deve me prometer que fará todo o possível para convencê-lo, Tony.
- Está bem -assentiu ele.
Sorria de uma maneira que o deu vontade de agarrá-lo. Conhecia muito bem aquele sorriso.
- Quero que tio Edward esteja presente quando falar com ele -disse desconfiada.
- Mas seu visconde estará aqui logo, gatinha - recordou-o ele.
- Então, venha comigo para ver agora ao tio Edward. Deixa uma mensagem para lorde
Montieth dizendo que volte esta noite. E -acrescentou lentamente, desatando o cachecol- acredito
que o tio Edward deveria ver isto para que compreendesse até que ponto é importante obter o
consentimento de Montieth.
O rosto de Anthony escureceu.
- Disse que só o tinha beijado. Ela voltou a atar o cachecol e seu ar era perfeitamente
inocente.
- Bom, essa equimose é o rastro de um beijo, Tony.
- Como se atreveu a marcar você?
Reggie encolheu os ombros, evitando com cuidado os olhos de seu tio.
- Acha que o tio Edward levará a mal a marca e pensará o pior? Acho que acreditará que é
seu dever informar ao tio Jason. Não acha que queiram apressar as bodas, não é? Eu preferiria
esperar uns meses para que meu primeiro filho nasça depois de um tempo correto.
- Isto é uma chantagem, Reggie. Ela abriu muito os olhos azuis.
- De verdade?
- Jason devia ter o dado um beliscão no traseiro quando pela primeira vez mostrou esse
talento para dirigir às pessoas.
- O que diz é horrível! -disse Reggie, contendo o fôlego. - Ele riu então e mexeu a cabeça.
- Deixa de representar sua comédia, gatinha. Farei com que seu visconde se case com você,
de uma ou outra maneira.

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Ela o abraçou, e seu deleite era evidente.


- E não voltará a falar de matar a ninguém?
- A ninguém que importância -suspirou ele. - Como Eddie é o mais lógico de nós, o mais
capaz nos negócios, talvez o ocorra algo para convencer a esse cavalheiro sem recorrer à violência.
Afastou-se dela e guardou a pistola.
- Diz que Montieth não estará de acordo, Reggie, e, quando um homem é teimoso,
necessita-se de persuasão para que mude de idéia. E você também pode mudar de idéia, sabe? -
Olhou-a intensamente.
- Não. Quanto mais penso nisso, mais conta me dou de que isto é o que convém fazer.
- Pode chegar a se odiar por isso, sabe? Não o ocorreu?
- Sim, pode ser que assim seja, mas me arriscarei. Não pensaria no casamento, se ele não me
tivesse achado atraente. Mas tentou me seduzir... tentou, disse. Esse homem será meu marido,
Tony. Diga ao tio Edward e ao tio Jason que não aceitarei a nenhum outro.
- Está bem, então -replicou Tony, e acrescentou com um olhar penetrante: - Mas não tire
esse maldito cachecol, certo? Não há motivo para que meus irmãos pensem pior de seu futuro
sobrinho do que já vão pensar.

CAPÍTULO 9

Eram dez e meia da noite e Nicholas esperava em sua carruagem em frente da casa de
Edward Malory, no Grosvenor Square. Atrasou-se meia hora para a entrevista, mas não fazia
movimento algum para deixar a carruagem.
Tinha que adivinhar o que era tudo aquilo. Tinha entendido muito bem pela manhã a
convocatória do Anthony Malory, mas, como a entrevista não tivera lugar finalmente, já não sabia
o que pensar. Não imaginava Edward, o correto tio de Derek, exigindo um duelo. Mas, o que
podia ser então? Demônios!
Reggie observava a carruagem escura de janela alta, e seu nervosismo se converteu em
terror. Ele não ia gostar do que ela tinha posto em marcha. Não, certamente não. Mas devia
suspeitar para que foi convocado ali. Por que vacilava em entrar, se não era por isso?
Oh, o tio Edward tinha bastante que dizer a respeito de lorde Montieth, e com uma ênfase,
que fez Reggie saborear exatamente o que a esperava. Tinha conhecido à família Éden de há anos,
e o certo é que foi muito amigo do pai de Nicholas. De maneira que Reggie estava agora inteirada
de tudo, incluídas as histórias de outras moças que tinha envolvido em grandes escândalos, por
ter tido a debilidade de sucumbir ante seus encantos. Nicholas era um homem irresponsável, sem
consciência, podia mostrar-se frio, arrogante, de mau caráter. O encanto que desdobrava ante as
mulheres não era por certo tudo o que havia nele. Sim, Reggie escutou tudo, mas apesar do
desgosto do tio Tony, não mudou de idéia.
Reggie estava usando o quarto de Amy para espiar pela janela, agradecendo ao céu estar
sozinha lá em cima. A tia Charlotte tinha reunido a todo seu rebanho de filhos que protestavam
com veemência, e fora passar a noite em casa de uma amiga nos subúrbios de Londres. Permitiu a
Reggie ficar, com o fim de que não tivesse que esperar até o dia seguinte para saber qual ia ser seu
destino. Embora tivesse de permanecer em cima e não intervir, acontecesse o que acontecesse. O
tio Tony se mostrou irredutível nisto. Mesmo que ela ouvisse o inferno explodir dentro da casa,
não devia aventurar-se a descer.
Nicholas entregou seu chapéu e suas luvas e o fizeram entrar na sala. A casa o surpreendeu,
porque era muito maior do que parecia de fora. Sabia que Edward Malory tinha vários filhos, e a
casa era na verdade bastante ampla para que nela vivesse uma família numerosa. Os dois andares

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de cima eram provavelmente dormitórios, pensou, e a parte de baixo bastante grande para incluir
um salão de baile.
- Eles o esperam, milorde -anunciou o lacaio, quando chegaram à porta da sala. O rosto do
criado não tinha expressão alguma embora seu tom revelasse a desaprovação. Nicholas quase
soltou uma risada: sabia que se atrasara.
Mas todo o bom humor desapareceu quando o lacaio abriu a porta e a fechou atrás de
Nicholas. Em um sofá de cor creme estava sentada Eleanor Marston, quer dizer sua tia solteirona.
Ellie; e, ao lado dela, estava Rebecca Éden, sua formidável avó. Nesse momento parecia disposta a
chamar a ira de Deus sobre a cabeça de seu neto.
Bom. Iam pô-lo sobre a mesa, não é? Ia receber uma reprimenda de sua própria família,
junto com a da família de Regina. Mas o surpreendente é que não tivessem convocado a sua
"mãe", Miriam. Como se teria divertido com tudo isto!
- De maneira que por fim reuniu coragem para entrar, descarado? -começou sem maiores
preâmbulos a velha dama.
- Rebecca! -repreendeu-o Eleanor.
Nicholas sorriu. Sabia que sua avó não desconfiava de sua coragem, nem mesmo ele
desconfiava. Simplesmente queria o agitar as plumas. E tia Ellie, bendita fosse, sempre estava
disposta em sair a defesa dele. Na verdade era a única que se atrevia a repreender à velha dama.
Fazia vinte anos que a tia Ellie vivia com a velha senhora como sua acompanhante, e ele se
maravilhava ante o vigor dela, porque sua avó era uma tirana cruel, que dominava tudo o que a
rodeava, com vontade de ferro.
Em outro tempo, Eleanor tinha vivido com Miriam e Charles Éden em Silverley, durante os
primeiros anos do matrimônio destes, antes de que Nicholas nascesse. Mas o constante choque
entre as duas irmãs fizera com que Ellie voltasse junto a seus pais. Depois fora visitar a mãe de
Charles, Rebecca, no Cornwail. E, a partir daquela visita ficou lá, embora tivesse visitado com
freqüência Silverley, durante aqueles anos.
- Como está, senhora? -perguntou Nicholas a sua avó.
- Como se importasse de como estou! -foi a resposta.- Por acaso não venho a Londres todos
os anos nesta época? -perguntou a anciã.
- É seu costume, sim.
- E acaso me visitou uma só vez desde minha chegada?
- Visitei-a em Cornwail há só um mês -o recordou Nicholas.
- Esse não é o caso. -A dama se virou para trás, e disse: - Desta vez fez uma boa, né?
- Assim parece -respondeu ele secamente, e depois se voltou para olhar os dois irmãos
Malory.
O mais velho se adiantou para saudá-lo cordialmente. Alto, loiro e de olhos verdes, Edward
Malory não se parecia nada com seu irmão Anthony, e muito menos a seu irmão Jason. Era um
pouco menos alto que Nicholas, que media um metro oitenta, mas seu corpo era mais robusto.
O mais novo dos Malory estava em seu lugar diante da chaminé. Uns olhos azuis escuro
pareciam ver o esquartejamento do Nicholas. E os intensos olhos azuis de Anthony e seu cabelo
negro como o carvão disseram ao Nicholas que Regina Ashton era consangüínea do Anthony.
Ainda mais: era notavelmente parecida com ele, inclusive nos olhos levemente oblíquos. Deus,
perguntou-se, seria possível que Regina fosse filha deste homem? Isto demonstraria que ele tinha
semeado sua semente sendo muito jovem, mas não era impossível.
- Ainda não fomos apresentados, Éden - disse Edward Malory. - Mas conheci muito bem a
Charles, seu pai, e faz alguns anos que conheço a Rebecca.
- Edward investiu meu dinheiro, e o faz por certo muito bem - explicou Rebecca. -Não

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sabia, não é verdade, descarado?


Bom, isto explicava porque tinham conseguido que sua avó acudisse tão rapidamente. A
proximidade das famílias começava a pô-lo nervoso.
Edward prosseguiu:
- Acredito que conhece meu irmão mais novo, Anthony...
- Nossos caminhos se cruzaram de vez em quando nos clubes - replicou Nicholas, sem
adiantar-se para saudar o Anthony.
Anthony não se dignou a prestar atenção, a não ser para o fulminar com o olhar. Era tão
alto como Nicholas e igualmente largo de ombros. Um demônio aos dezesseis anos, segundo
Derek. E Nicholas adivinhou que havia piores escândalos no passado de Tony que aquela tola
escapada com a Regina. Por que diabos tinha Anthony Malory aquele ar tão reprovador?
- Esse quer sua cabeça em um prato, descarado - se ouviu a voz da avó no crescente
silêncio. Ellie procurou que se calasse, mas a velha dama não pensava fazê-lo.
- Já sei, senhora - disse Nicholas, enfrentando Anthony. Quer que fixemos o momento do
duelo, milorde?
Anthony riu, tristemente.
- Deus, acredito que deveríamos fazê-lo. Mas, por mais que queira ter esse gosto, prometi
deixar que eles se ocupem primeiro do assunto.
Nicholas olhou ao redor, para os outros. A simpatia emergia dos olhos pardos de Ellie, e
Edward parecia resignado. O nervosismo de Nicholas aumentou subitamente, e voltou a fixar os
olhos em Anthony.
- Milorde disse muito esticado- queria arrumar o assunto com você.
- Minha sobrinha quer que seja de outro modo.
- Ela... quer...?
- Seu coração é muito bondoso -suspirou Anthony. - Não quer que seja ferido... e isto é
lamentável - Moveu a cabeça.
- De qualquer modo, acredito que...
- Não, por Deus - falou Rebecca. - Eu não estive presente para impedir os duelos nos quais
participou, mas impedirei este. Preferiria ver-te antes no cárcere, moço! Já o verá!
Nicholas procurou sorrir.
- Esse cavalheiro quer uma satisfação, senhora. E não acredito poder o
dar outra.
- Lorde Anthony, aceitará outra coisa que um duelo, porque ama sua sobrinha. Devemos
dar graças a Deus por isso.
- Nós? Eu não posso estar agradecido, senhora.
- Também podemos prescindir de seu satírico engenho -disse ela. - É verdade que é um
boneco arrogante, pretensioso, irresponsável, mas é o último dos Éden. Deve ter um herdeiro
antes de perder a vida no campo da honra, como dizem.
Nicholas estremeceu.
- Disse muito bem. Mas, por que pensa que não tenho já um herdeiro para os dar?
- Conheço-o muito bem. Embora às vezes parece que queria povoar o mundo, não tem
bastardos. E sabe, além disso, que eu nunca aceitaria um.
- É necessário isto, Rebecca? -perguntou Eleanor apressada.
- Sim, é - replicou a velha, olhando significativamente aos dois irmãos Malory.
- Nicky... -Eleanor o incitava a falar e Nicholas suspirou.
- Está bem. Reconheço que não tenho bastardos, nem homens nem mulheres. Têm muita
razão senhora. É algo de que me cuido.

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- A única coisa que cuida.


Ele se inclinou levemente, mas não replicou. Suas maneiras eram indiferentes, inclusive um
pouco cansadas, mas se retorcia por dentro. Gostava dos duelos verbais com sua avó, quando
estavam sozinhos, mas não em público. Ela sabia e o provocava porque gostava de mostrar-se
dura.
- Oh, sente-se, Nicholas - disse Rebecca agressiva. - Estou farta de ter que levantar o pescoço
para olhar você.
- Então isto demorará muito tempo? -Sorriu de maneira irritante, antes de ocupar um
assento em frente dela.
- Por favor, não se mostre difícil, Nicholas - suplicou Eleanor outra vez.
Ele ficou atônito. Isto por parte de Ellie? Ela sempre foi a pessoa com a qual podia falar, a
que entendia a amargura dele sob sua aparência superficial. Quando ele estava crescendo, sempre
tinha contado com o ombro dela para soluçar em cima. Muitas vezes tinha percorrido a longa rota
entre o Hampshire e Cornwail, em meio da noite, nada mais que para vê-la. E logo, quando ele se
fez homem, ela continuou estando mais perto dele que ninguém. Nem sequer o repreendia pela
forma em que vivia. Era como se pudesse saber por que ele fazia as coisas que fazia.
Naturalmente não sabia. Só Miriam sabia o porquê de ele ser inquieto, temerário, por que
caminhava sobre uma corda bamba, por que nunca descansava.
Nicholas olhou com ternura a sua tia. Aos quarenta e cinco anos ainda era atraente, com
cabelo loiro claro e uns expressivos olhos pardos. A irmã mais velha, Miriam, foi uma vez a mais
bonita das duas, mas a amargura contribuiu para devastar a beleza da Miriam. Gostava de pensar
que a bondade de Ellie contribuiu para que se mantivesse tão bem.
Esta era a mulher que secretamente ele tinha acreditado que era sua mãe durante toda sua
infância. A expressão dela dizia muitas coisas, e era tão fácil de ler agora, como sempre foi. Ela
lamentava a situação em que ele se encontrava. Rogava para que ele não provocasse dificuldades.
Também estava de acordo com o que se decidira nas costas dele. Mas, era possível que se unisse a
sua avó para atacá-lo? Era algo que nunca tinha feito antes. De verdade acreditava que tinha
seduzido a Regina Ashton? Naturalmente que o teria feito se a moça tivesse querido, mas o certo é
que não a tinha seduzido. Sua consciência era capaz de controlar suas intenções.
- Contaram-lhe isso tudo, tia Ellie? -perguntou-o.
- Acredito nisso.
- Disseram-lhe que tudo foi um engano?
- Sim.
- E que devolvi à moça intacta?
- Sim.
- O que faz aqui então? Rebecca franziu o cenho.
- Deixa-a em paz, descarado. Não é culpa dela que você se tenha metido nisto.
- Sabemos muito bem de quem é a culpa -ressonou detrás dela a voz desdenhosa de
Anthony. Nicholas já não agüentava mais.
- Do que se trata, pois? -perguntou, girando em sua cadeira para enfrentar Anthony.
- Você sabe o que terá que fazer, Nicky -disse Eleanor em uma suave recriminação. - É uma
desdita que tenha acontecido isto. Nenhum dos presentes acredita que quis o fazer mal à garota,
mas não cabe dúvida de que a reputação dela foi irreparavelmente danificada. E ela não pode
sofrer a humilhação dos malignos falatórios, porque um de seus libertinos tenha saído mal. Dá-se
conta disso, não é verdade? -Aspirou longamente, para tranqüilizar-se. - Ao menos que pode fazer
é aceitar a responsabilidade de suas ações. Tem que se casar com ela.

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CAPÍTULO 10

- Não o suporto, Meg, de verdade não posso suportá-lo! -exclamou Reggie, vencida pela
agitação.
A camareira ignorou a queixa, como tinha ignorado as outras.
- Pensa dormir com esse cachecol? Reggie levou as mãos ao pescoço.
- Sim, claro. Talvez o tio Edward venha me dizer o que se passou em lugar do tio Tony. E
não quero que ninguém mais veja a marca.
Meg franziu o cenho e voltou a concentrar-se na costura que tinha no colo. Ela viu aquela
dentada de amor. Reggie não podia o ocultar nada, ao menos por muito tempo. Estava ofendida
por todo o assunto e, pelo menos uma vez, estava totalmente de acordo com Anthony Malory, em
lugar de ficar do lado da jovem que estava sentada com as pernas cruzadas no centro da cama,
retorcendo-as mãos em um suspense angustiante.
O visconde Montieth devia morrer em duelo, não receber como presente este tesouro de
mulher. Meg nunca tinha ouvido nada tão brutalmente injusto. Acaso se entregava a um ladrão a
bolsa e o agradecia amavelmente? Como podiam pensar em entregar a preciosa Reggie ao homem
que era responsável por sua vergonha?
- Quer ir lá em baixo para ver se ouve algo, Meg?
- Não, não o farei.
- Então o farei eu.
- Você tampouco o fará. Ficará aqui quieta. Mas deixe de se preocupar. Logo o dirão que ele
não aceitou.
- Mas isso é mau. -Reggie bateu nos joelhos com ênfase. - Ele vai dizer que não aceita. Meg
moveu a cabeça.
- Não me convencerá de que quer a esse homem filhinha. É melhor que deixe de tentá-lo.
- Mas é verdade, Meg.
- Conheço-a muito bem, Reggie. Simplesmente põem boa cara diante do assunto, finge por
causa de seus tios, porque ao seu parecer é a única solução.
- Tolices -riu Reggie, e seu bom humor venceu no momento. - Simplesmente não quer
reconhecer que sou má e desavergonhada ao querer a um homem que acabo de conhecer.
Meg levantou os olhos e a olhou.
- Agora entendo o que procura. Quer isto porque é a maneira de conseguir rapidamente um
marido e para não ter que continuar procurando um. Reconheça, filhinha.
Reggie sorriu.
- Isso é algo que se terá que acrescentar ao assunto, é verdade.
- Algo para acrescentar! -bufou Meg. - É o único motivo pelo qual quer a esse homem.
Assim deve ser.
- Não dirá isso quando o tiver visto, Meg. Acredito que estou apaixonada.
- Se acreditasse, me abaixaria e beijaria- lhe os pés. Mas é muito inteligente para supor que
está apaixonada por alguém a quem viu uma só vez.
- Entretanto, acredito que é assim -suspirou Reggie, mas seus olhos faiscavam. -Embora, se
não o estivesse, não demoraria para estar. É verdade, não demoraria, Meg. Espera e verá.
- Espero não ter que vê-lo. Espero não a ver casada com ele. Será o dia mais desventurado
para você se isso acontecer, recorde minhas palavras.
- Tolices -replicou Reggie.

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- Recorde, acautelo-a quanto a isso.

- Não me casarei com ela.


- Bem -o sorriso de Anthony estava cheio de prazer perverso.- Eu me opus a isso desde o
começo.
- Calma, Anthony -a visou Edward. - Ainda não combinamos nada.
- Repito que não me casarei com ela -disse Nicholas tranqüilamente, tendo logo que manter
a calma.
- Quer ter a amabilidade de me dizer por quê? -A voz de Edward era também um modelo
de tranqüilidade.
Nicholas disse o primeiro que o passou pela cabeça.
- Ela merece algo melhor.
- De acordo -interveio suavemente Anthony. - Em circunstâncias normais, nunca o teria
levado em conta.
Edward o lançou um olhar para que se calasse e voltou a dirigir-se a Nicholas:
- Se se refere a sua reputação, já a conhecemos. E sou o primeiro em reconhecer que é difícil
de aceitar. Mas, neste momento, essas coisas terão que ser deixadas de lado.
- Eu faria desventurada essa garota -disse Nicholas rapidamente, um pouco mais animado.
- Essa é uma pura conjetura. Não conhece a Regina o bastante para saber o que pode fazê-la
feliz ou desventurada.
- Está ganhando tempo -disse Rebecca. - Não há uma razão de peso para que não se case
com ela, e sabe disso. E já é hora de que se case, já é hora...
- Para poder os dar um herdeiro? -replicou ele.
- Bom, escute Nicholas -interrompeu Edward. - Pode negar acaso que colocou a minha
sobrinha em um escândalo?
- Sua sobrinha?
- Quem diabos acreditava que era essa garota, descarado? -Rebecca estava exasperada.
Subitamente Anthony soltou uma gargalhada.
- Me diga, Montieth esperava que ela fosse ilegítima? Alguma parente pobre que queríamos
lhe jogar em cima?
- Basta já -avisou Edward de novo. - Nicholas... bom, talvez deva reconhecer que não sabia
quem era Regina. Não são muitos que recordam de Melissa. Morreu há tempo.
- Melissa?
- Nossa única irmã. Era muito mais nova que Jason e que eu, a criança do meio. Era... bom,
não posso recalcar até que ponto era preciosa para nós, a única mulher em meio de quatro varões.
Regina é sua única filha.
- É tudo o que restou de Melissa -disse Rebecca. - Começa a se dar conta até que ponto
Regina é importante para os irmãos Malory?
Nicholas se sentiu aborrecido.
- E devo o dizer, em relação à frase de meu irmão, que Regina é totalmente legítima -
prosseguiu Edward. - Melissa estava felizmente casada com o conde do Penwich.
- Penwich! -Nicholas quase se afogou ao pronunciar o nome que tinha amaldiçoado tantas
vezes.
- O último conde, Thomas Ashton -esclareceu Edward. - Um sombrio primo leva agora o
título. Um tipo desagradável, mas não tem nada a ver com a Regina. Faz dezessete anos que ela
está a nosso cuidado, desde que Melissa e Thomas morreram juntos em um terrível incêndio.
A mente de Nicholas dava voltas. Maldição. Ela era na verdade prima irmã de Derek, filha

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de um conde, sobrinha do Marques do Haverston. Não se surpreenderia inteirar-se de que


também era uma herdeira. Facilmente poderia conseguir um marido com um título melhor que o
dele. Teria podido.
Mas agora que o nome dela estava vinculado ao dele, já não era um prêmio para conquistar,
pelo menos para as famílias que não quereriam uma moça com um escândalo atrás. Todos na sala
sabiam, inclusive ele. De qualquer modo havia outros homens que a queriam sem levar nada em
conta, homens de princípios menos rígidos.
Disse mais ou menos isto a Anthony:
- Não parece acreditar que ela perdeu sua possibilidade de fazer um bom casamento... por
que insistem em casá-la comigo?
- Acaso disse isso, querido amigo? Não, não. É ela quem quer casar-se com você, eu não
quero que se case.
Nicholas olhou ao redor ao dar a resposta.
- E como sobrinha mimada, ela sempre consegue o que quer, não é verdade? - disse.
- Existe o fato simples -interveio Edward- de que se ela se casar com outro, o pobre tipo terá
que viver toda sua vida suportando que o escândalo que você suscitou seja comentado às costas
dele. Isso é pedir muito a um homem, e certamente não servirá para fazer feliz a um matrimônio.
Nicholas franziu o cenho.
- Mas ela dirá a verdade, quando é a mentira no que todos acreditam? - disse Edward
provocador.
- Devo então pagar pela estreiteza mental de outros?
- Que diabos o passa, Nicholas? -perguntou Rebecca. - Estive com a garota e é a criatura
mais formosa que vi em muito tempo. Nunca conseguirá um partido melhor, e sabe disso. Por
que nega este casamento?
- Não quero me casar... com ninguém - disse Nicholas duramente.
- O que quer não tem importância -replicou a avó. - Se trata de que comprometeu a uma
moça inocente cuja família não está disposta, como outras, a suportar isso em silêncio. Tem muita
sorte de que queiram casá-la com você!
- Seja razoável, Nicky -corroborou Eleanor. - Alguma vez terá que se casar. Não pode
continuar eternamente levando a vida que leva. E a moça é formosa, encantadora. Será uma
esposa maravilhosa.
- Não para mim -disse ele sem expressão. No silêncio que seguiu, começou a conceber
esperanças, mas sua avó as apagou.
- Nunca será um homem como seu pai. Fugiu ao mar dois anos, voltou a viver a vida de um
libertino, delegou suas responsabilidades a administradores e lacaios. Deus, envergonha-me que
seja meu neto. E o digo isso a partir de agora; é melhor que se esqueça de que existo, se não se
submeter e se casar com essa jovem. -ficou de pé, com expressão pétrea.- Vamos, Ellie. Já disse
tudo o que queria o dizer.
O rosto de Rebecca continuava frio e imperturbável quando saiu da sala seguida por Ellie.
Mas, quando a porta se fechou atrás dela, voltou-se para Eleanor e o dedicou um grande sorriso
conspiratório.
- Que acha , querida? Acredita que conseguimos?
- Exagerou um pouco ao dizer que estava envergonhada dele. Sabe que não é verdade.
Vamos, se deleita mais que ele com suas loucas escapadas. Juro, Rebecca, que deveria ter sido um
homem.
- Como se não soubesse! Mas esta pequena escapada foi um envio do céu. Embora não
acreditasse que iria resistir tanto.

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- Não acreditasse? -repetiu Eleanor. - Já sabe por que não quer casar-se. Conhece seus
sentimentos. Nicky se nega a fazer cair o estigma de seu nascimento sobre uma esposa confiante.
Sente que não pode ser candidato a uma jovem decente, mas sua situação faz com que não possa
casar-se abaixo de sua classe. E simplesmente decidiu que não ia casar se jamais. Você sabe.
Rebecca assentiu, impaciente, e disse:
- Por isso o que aconteceu é um presente do céu. Agora tem que casar-se, e com uma moça
de boa família. Oh, não gosta nada disso, mas no final se alegrará. E o digo que essa moça não se
importará nada se alguma vez se inteirar da verdade.
- Seriamente acredita nisso?
- Se não acreditasse, diria que essa moça não é para ele - afirmou Rebecca.
Ambas sabiam exatamente quais eram os motivos do Nicholas, embora ele ignorasse que
elas sabiam. Diante do mundo, Miriam era sua mãe, e o dia em que ela terminasse com a comédia
-como tinha ameaçado fazê-lo com freqüência- ia ser o dia em que Nicholas deixaria de viver sob a
ameaça da revelação, e se converteria no pária que pretendia ser com tanto ânimo antes do tempo.
Queria que se pensasse que ele era malvado, para acostumar-se ao tratamento que o esperava se a
verdade saísse à luz.
- Alguém deveria o dizer que provavelmente não teria muita importância que se
conhecesse a verdade - disse Rebecca. - Ninguém acreditará de qualquer modo, depois de tantos
anos,
- Por que não o diz? -perguntou Ellie, embora já conhecesse a resposta.
- Eu não, querida. Por que não o faz você?
- Oh, não - Eleanor sacudiu bruscamente a cabeça. - Ele não se preocupa muito com isto -
suspirou. - Já falamos centenas de vezes do assunto, Rebecca. Por outro lado, por fim encontrou
uma noiva, estabelecer-se-á como é devido e fundará sua própria família.
- Esperemos - disse Rebecca, e acrescentou: - Mas ele ainda não deu seu consentimento.
- Sua atitude é na verdade desconcertante, Nicholas - dizia naquele momento Edward, na
sala. - Se não soubesse com certeza que é um homem que ama as saias, teria minhas dúvidas.
Nicholas sorriu ante a sugestiva frase, procedente daquele severo cavalheiro.
- Minhas inclinações vão decididamente para o sexo feminino, milorde.
- Mas não quer se casar com minha sobrinha. Anthony falou com rudeza.
- Me olhe nos olhos ao responder, Montieth, porque vi a marca que o fez.
- De que fala? - perguntou Edward.
- Calma, Eddie. É algo entre eu e o visconde. Mas qual é sua resposta, Montieth?
Nicholas se ruborizou furioso, e seu rosto se escureceu. Sentia-se encurralado e não gostava
disso. Na verdade tinha marcado à garota? Se era assim: por que diabos ela tinha informado a seu
tio? Diziam que ela queria casar-se com ele. Demônios, era possível que tivesse feito acreditar no
Anthony que o encontro com ele não foi do todo inocente? Era por isso pelo que o menor de seus
tios estava decidido a derramar seu sangue?
- Não tenho nada que dizer contra sua sobrinha, senhores -disse Nicholas, com firme voz,
os olhos ambarinos, brilhantes de fúria. - Vocês a conhecem melhor que eu os méritos que tem.
- Sim, pode dizer-se que ela é desejável em todo seu sentido. Entretanto, não podemos
resolver este assunto. - Edward suspirou. - Jason isto não vai gostar de não o consultarmos em
nada. Ele é seu tutor legal, sabem?
- Jason te partirá em dois se não estiverem já comprometidos quando ele chegar -disse
Anthony sem expressão. - Abandona o assunto, Eddie, e deixa-o em minhas mãos. Se Jason se
apoderar dele, já não sobrará nada a fazer.
Nicholas voltou a sentar-se, ocultou o rosto entre as mãos e eles continuaram discutindo

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entre si. Simpatizava e respeitava o pai do Derek: Jason Malory tinha caçado com ele em
Haverston e passaram longas horas conversando juntos tomando um bom brandy. Admirava a
forma em que Jason administrava Haverston e a maneira em que tratava a sua gente. O que menos
desejava era que Jason se zangasse com ele. Mas não podia casar-se com a moça e não podia os
dizer por que.
Nunca como neste momento havia sentido tão dolorosamente a amargura de sua linhagem.
A verdade é que era bastardo. E qualquer mulher que se casasse com ele ia sofrer o estigma de sua
bastardia. Ele ficaria no ostracismo se a verdade se divulgasse. Acaso não viu o que acontecia com
Derek Malory, que era um bastardo conhecido? Por isso sentia uma afinidade com o Derek que
não experimentava para nenhum de seus outros amigos.
A voz de Edward se misturou em seus pensamentos.
- Duvido que a situação financeira de Regina o impressione, Nicholas, porque entre os
investimentos de seu pai, e os seus , eles fariam um jovem rico. Basta dizer que Regina tem o seu.
Embora... talvez isto te interesse.
Nicholas aceitou um montão de papéis que Edward tinha tirado de sua casaca. Cartas. Suas
cartas ao conde do Penwich.
- Como chegaram a seu poder? -perguntou incrédulo.
- A verdade é que me fizeram chegar isso muito recentemente. O conde é famoso por
ignorar as coisas que não o interessam, e essa terra que quer não o interessa.
- E por que escolheu a você?
- Porque a terra pertence a um truste que eu dirijo. É uma bela terra, com quase uma dúzia
de arrendatários, que pagam regularmente.
- É uma propriedade bastante grande e você sabe, e nem sequer dá a metade do que deveria
dar - replicou Nicholas.
- Ignorava que fosse tão amante da terra -disse Edward agudamente. - Além de tudo não
administra Silverley.
Um músculo se contraiu na mandíbula de Nicholas. Demônio dos infernos! Teria preferido
enfrentar sem armas a seu antigo inimigo, o capitão Hawke, que a estes Malory.
- Estão sugerindo que nunca poderei lançar mão a essa terra, a menos que me case com sua
sobrinha?
- Poderia dizer isso de maneira mais delicada, mas esse é o ponto, na verdade.
- Recuse-se, Montieth - o tentou Anthony em voz baixa. - Encontre-se comigo amanhã na
alvorada. Não o matarei. Apontarei debaixo de seu coração para que à próxima moça que
seqüestre em meio da noite, todos acreditem quando disser que não a tocou.
Nicholas teve que rir. Assim agora o ameaçavam castrando-o? Eram estas as
possibilidades? Não o cabia dúvida de que sua avó era capaz de mandá-lo ao cárcere como havia
dito. Ver-se-ia assim afastado dela, sem dúvida alguma, e o certo é que queria isso à velha bruxa.
Se, se Anthony se saísse com a sua, tinha que enfrentar à morte ou ser ferido gravemente. Estas
eram as possibilidades.
Ou podia casar-se com a criatura mais linda que viu em sua vida. E provavelmente adquirir
a terra que desejava. A tia Ellie estava a favor do casamento. Sua avó e todos os Malory o queriam.
Nicholas fechou os olhos um momento, aparentemente imerso em profundos pensamentos.
Depois os abriu e ficou de pé.
- Senhores -disse tranqüilamente, - quando terá lugar o casamento?

CAPÍTULO 11

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- De maneira que veio acompanhar a sua noiva ao Vauxhall Gardens? A um concerto?


Jamais pensei que pudesse assistir a um maldito concerto, e durante o dia, além disso!
Derek Malory se divertia imensamente e a expressão de desgosto no rosto de Nicholas
Éden era perfeita. Estavam na sala da casa de Edward, na mesma sala em que tivera lugar a
terrível reunião na noite anterior, e Nicholas acabava de chegar.
- Ao que parece não há outra maneira de vê-la -disse Nicholas a Derek. - Ontem à noite não
deixaram que me aproximasse dela.
- Bom, claro que não. Não teria sido correto. Mandaram-na para cama.
- Quer dizer que ela recebe ordens? - disse Nicholas com fingida surpresa. -Acreditei que
todos seguiam as ordens dela.
- Vamos, caramba, na verdade tomou isso a sério. Não sei por que. Ela é um privilégio,
sabe? E não ter que aceitar a uma que me impuseram.
Derek sorria.
- Inteirei-me de que tinha alvoroçado muito. E não acreditei nada de tudo isto,
especialmente quando me disseram que tinha cedido. Sei que você não gosta nada que o digam o
que deve fazer.
- Deixa de dar voltas, Derek -pediu Nicholas. - O que faz aqui?
- Tinha que vir, não recorda? A prima Clare e eu os acompanharemos. São ordens do tio
Edward. Suponho que não acreditava que fosse sair sozinho com ela, verdade? Nada de
manuseios antes das bodas.
Nicholas fez uma careta.
- Que diferença haveria? Supõe-se que já me deitei com ela.
- Ninguém acredita nisso, Nick. Ao menos ninguém da família.
- Exceto o tio Anthony, possivelmente.
- Não sei o que ele pensa -disse Derek mais tranqüilo. - Mas o aconselho que não o perca de
vista. Os dois são íntimos, sabe? Refiro a sua futura esposa e a ele.
- Ela é sua sobrinha favorita.
- Era mais que isso. Ele era somente três anos mais novo que a tia Melissa, sabe? E ambos
eram inseparáveis. Quando Melissa morreu, ele só tinha dezessete anos. E a filha da Melissa a
substituiu em seu carinho. Todos meus tios sentiram o mesmo, inclusive meu pai. Mas como o tio
Anthony é o mais novo, foi mais um irmão para a Regina. Não pode imaginar as brigas que teve
com meu pai quando se fez maior de idade e vinha a Londres, porque o velho não queria separar-
se dela todos os anos; foi igual com o tio Edward. -Derek riu. - O velho finalmente cedeu, porque
ela queria, e quando ela quer algo, ele o dá.
Nicholas grunhiu. Regina estava atrozmente mimada.
- Por que nenhuma vez a vi em Haverston?
- Quando vinha, ela estava sempre com o tio Edward ou com o tio Anthony. Passava quatro
meses do ano com cada um deles na época em que começou a me visitar. -Voltou a rir. - Mas já a
viu antes, a primeira vez que o levei em casa. Ela era uma bonequinha que derramou um prato de
pudim sobre seus joelhos quando começou a o fazer brincadeiras.
- Mas chamava Reggie a essa criatura! -exclamou Nicholas.
- Para nós Regina sempre foi Reggie, e agora já é uma mulher. Recorda?
Ele grunhiu.
- Como vou esquecer ela? Mostrou-me a língua quando a repreendi.
- Sim, claro e, depois disso, já não gostou nada. Acredito que estava em casa outra vez
quando veio a nos visitar, mas não quis ver você.

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- Ela me disse que quando você lhe falou de mim, tinha começado a me amar - disse
Nicholas secamente.
- Oh, não me cabe dúvida de que o amava então -disse Derek rindo. - Mas isso foi ao
conhecer você. Tem-me um carinho especial, sabe? E quer a qualquer um que seja meu amigo.
- Maldição. Só falta me dizer que foi sua companheira de jogos.
- Não deve se surpreender, velho. Eu só tinha seis anos quando ela chegou a Haverston.
Reconheço que lhe ensinei travessuras, porque não havia outros meninos. Arrastava-a em todas as
maldades que eu fazia. Naturalmente o velho quase teve um ataque quando se inteirou de que ela
andava caçando e pescando, em lugar de estar costurando; ou subindo às árvores e construindo
fortes nos bosques, em lugar de assistir às lições de música. Sabe que se casou nada mais que para
nos dar uma mãe? Esperava
que fosse uma influência positiva. Mas escolheu mal. Amava à mulher, mas de maneira doentia. E
ela passava mais tempo em Bath, seguindo curas de banhos, que no Haverston.
- Quer dizer que me vou casar com uma mulher-macho?
- Por Deus, não! Lembre-se de que passava boa parte de cada ano com a família do tio
Edward, há treze anos, e Edward tem três filhas, mais ou menos da idade de Reggie. Quando
estava aqui com elas, Reggie era brilhante em seus estudos, um anjo de decoro e todo o resto.
Naturalmente, quando ela ia ao Haverston voltávamos a nos divertir. Nem sequer recordo
quantas vezes o velho nos chamou para nos repreender. E ela nunca recebeu a pior parte, essa me
tocou. Mas, aos quatorze anos, já não parecia uma selvagem. Inclusive dirigia então a casa, porque
nossa "mãe" nunca estava ali.
- De maneira que dirigia uma casa, estudava em outra e me pergunto o que fazia na
terceira. Derek riu com tom malicioso.
- O certo é que o tempo que passava com o tio Anthony era como umas férias. E ele fazia
todo o possível para que ela se divertisse. E possivelmente lhe ensinou a tratar com tipos como
nós...
Depois disse, gravemente: - Todos a queremos, Nick. E isso é verdade, aconteça o que
acontecer.
- Então terei que carregar pelo resto de minha vida com as intervenções de meus parentes
por afinidade? -perguntou friamente Nicholas.
- Duvido que isso seja tão mau. Além de tudo, ela estará a sós com você em Silverley.
Era uma idéia em que podia deleitar-se, mas que nunca ia realizar. Nicholas tinha cedido
ante as provocações, mas o certo é que não pensava casar-se com a Regina Ashton. De algum jeito
tinha que obter que ela rompesse o compromisso. Bem podia ela ter um primo bastardo, mas não
ia ter também um marido.
Derek tinha mais sorte que Nicholas, porque tinha vivido seus vinte e três anos sabendo
quem era e sem deixar que isso o incomodasse. Mas Nicholas só se inteirou do segredo de seu
nascimento quando tinha dez anos. E antes da revelação, a mulher a quem ele acreditava ser sua
mãe fizera a sua vida miserável, simplesmente porque ele acreditava que ela era sua mãe. Ele
nunca tinha entendido por que o odiava, por que o tratava pior que a um criado, por que o
desvalorizava, humilhava-o. Ela nunca tinha fingido simpatia por ele, nem sequer em presença de
seu pai. Era mais do que podia suportar qualquer menino.
Um dia, quando ele tinha dez anos, inocentemente a chamou "mãe", coisa que fazia poucas
vezes, e subitamente o gritou: "Não sou sua mãe e estou farta de fingir que o sou. Sua mãe era
uma, puta que quis ocupar meu lugar... uma puta."
Seu pai, pobre homem, estava presente. E o pai não sabia que nada podia fazer e Nicholas
ficou muito mais feliz por saber que Miriam não era sua mãe. Foi só mais tarde quando se deu

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conta de que o mundo é cruel para os bastardos.


O pai se viu obrigado a lhe dizer a verdade naquele mesmo dia. Miriam tivera vários
abortos nos primeiros anos de seu matrimônio com Charles, e quando o médico disse que isto
sempre ia produzir se, a tensão no matrimônio cresceu. Charles não o disse diretamente, mas
Nicholas imaginou que Miriam tomara aversão ao leito marital. E Charles
procurou consolo em outra parte.
Torpemente Charles lhe explicou que sua mãe era uma dama, uma mulher boa e de grande
coração, que tinha amado ao Charles. Ele se tinha aproveitado desse amor uma noite de bebedeira,
a única vez que ela e ele se permitiram essa liberdade. Nicholas foi concebido aquela noite. Não
havia possibilidade alguma de que a mulher pudesse ficar com o menino. Era solteira. Mas
Charles queria aquele filho, queria-o desesperadamente.
Miriam consentiu em sair de viagem com a mulher até que nascesse a criança. Quando voltou,
todos acreditaram que o menino era dela.
Nicholas entendeu a amargura de Miriam, o ressentimento contra ele, embora entender não
fez com que fosse mais fácil viver com ela. Suportou a Miriam outros doze anos, até a morte de
seu pai.
Então, aos vinte e dois anos se foi da Inglaterra, pensando não retornar. Sua avó nunca o
perdoou pelos dois anos que tinha estado desaparecido, mas ele gostava de percorrer os mares em
seus próprios navios, viver uma aventura atrás de outra, inclusive brigar em algumas batalhas
marinhas. Finalmente voltou para a Inglaterra, mas não se resignou a retornar a Silverley. Não
podia viver com a Miriam e suportar seu ódio e as contínuas ameaças de dizer ao mundo inteiro a
verdade de seu nascimento.
Até o momento, ninguém sabia nada, com exceção deles dois e os advogados de seu pai,
porque Charles tinha convertido ao Nicholas em seu herdeiro legal. E não era que Nicholas não
pudesse tolerar a brincadeira ou o desdém se a verdade saísse à luz: preparou-se para isto. Mas
seu pai teve muito trabalho para guardar o segredo, para manter intacto o nome da família. E ele
não queria danificar a reputação de seu pai.
Não podia confiar na Miriam. Ela podia falar. Por este motivo ele não tinha direito a casar-
se com uma moça de boa família que se converteria em uma ingrata, se ocorresse a Miriam o trair.
Não, Regina Ashton não era para ele. Ele daria algo por possuí-la, disto se dava conta. Mas
também daria algo para não casar-se com ela, não queria arriscar-se a que atravessasse o horror
que a esperava, se o segredo fosse revelado. Tinha que encontrar uma maneira de evitar as bodas.

CAPÍTULO 12

- Lamento o ter feito esperar, milorde.


Nicholas se voltou ao ouvir a voz dela. Um estremecimento o percorreu. Esquecera até que
ponto era deslumbrante. Estava vacilante na porta, um pouco assustada. Sua prima Clare estava
atrás dela. Alta e loira como quase todos os Malory, era bastante bonita, mas se apagava e
desaparecia ante a exótica beleza da Regina.
Uma vez mais se inquietou quando seu corpo reagiu ante a vista de Regina. Maldição. Teria
que romper logo o compromisso ou deitar-se com ela.
Regina continuava de pé na porta, e ele disse:
- Entre, não vou mordê-la, amor.

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Ela se ruborizou ante a palavra terna.


- Ainda não conhece minha prima Clare -disse, avançando lentamente.
Ele saudou o Clare e logo disse a Regina:
- Derek acaba de refrescar minha memória com respeito a você. Deveria me dizer que já nos
tínhamos conhecido.
- Não acreditei que o recordasse -murmurou Regina, completamente perturbada.
- Não recorda me haver derramado a sobremesa sobre os joelhos? - disse ele com os olhos
muito abertos fingindo surpresa.
Ela sorriu, apesar de seu nervosismo.
- Não posso dizer que o lamento. Merecia-o.
Ao ver o brilho dos olhos azul cobalto, ele se perguntou como ia fazê-la acreditar que não a
desejava. Deleitava-o em todo sentido. Bastava olhá-la para que o fervesse o sangue. Sentia um
desejo quase incontrolável de beijá-la, provar de novo a doçura de seus lábios, sentir a veia que
pulsava em seu pescoço. Maldita moça, era muito sedutora!
- Venham, meninos -brincou Derek. - É uma linda tarde para ir a um concerto. Caramba,
realmente vou a um concerto diurno... e como acompanhante, além disso. - Saiu pela porta,
movendo comicamente a cabeça. Nicholas teria desejado trocar umas palavras com a Regina, mas
a prima Clare tornava impossível, e seus críticos olhos não se afastavam um instante deles.
Nicholas suspirou, esperando que Derek pudesse arrumar
algo.
Regina parecia especialmente animada durante o trajeto até o Vauxhall Gardens,
conversava tolamente e sem cessar com seus primos. Seriam nervos, ou de verdade se sentia
muito feliz? Gostava de observá-la. Realmente estava contente ante a idéia daquele matrimônio?
Por que havia dito a seus tios que queria casar-se com ele? Por que com ele?
Reggie estava surpreendida ante a cordialidade do Nicholas. Quando o disseram que ele se
negou repetidas vezes a casar-se com ela antes de ceder por fim, ela esperara acritude, inclusive
zanga. Por que tinha aceito com entusiasmo? Não podia ser pela terra, não é verdade? Não era
muito adulador saber que se necessitara de alguns terrenos para que mudasse de idéia. Tony
soprava dizendo que o tinham comprado. Mas Tony não viu
a forma pela qual a olhava Nicholas Éden. Tinham-no comprado? E por que tinha lutado tanto
contra o matrimônio para ceder finalmente?
Devia desejá-la; a maneira em que ardiam seus olhos, era uma confissão. Na verdade a
olhava de uma maneira desavergonhada, e o fazia inclusive diante de seus primos. Podia ver a
expressão incomodada de Clare e a divertida do Derek. Mas Nicholas se dava conta do que estava
fazendo? Ele fazia deliberadamente para perturbá-la? Acaso sua amabilidade era forçada? Mas o
desejo que sentia por ela não era fingido, disso estava segura.
Deixaram a carruagem e partiram por um atalho florido; a música se tornava mais forte, à
medida que se aproximavam da grande zona onde estava a orquestra. Nicholas olhava tão
intensamente a Derek que o jovem finalmente compreendeu a mensagem e levou apressadamente
Clare entre o público. Reggie riu quando Derek arrastou a sua prima, apesar dos protestos desta.
Assim que pôde, Nicholas a puxou para um atalho e a levou atrás de uma grande árvore.
Não estavam sozinhos. Estavam protegidos das pessoas que ficavam em frente, embora não dos
que ainda continuavam chegando pelo atalho. Mas estavam bastante escondidos para poder trocar
umas palavras com intimidade.
Era a ocasião que ele procurava. Ela estava recostada contra a árvore e os braços dele se
apoiaram em cada lado dela, deixando-a na expectativa, e ele pensou: "Me odeie, mulher. Me
despreze. Não se case comigo". Era a única coisa que tinha na mente, o que queria dizer, mas se

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perdeu nos olhos dela.


Sem quase se dar conta do que fazia, inclinou a cabeça e roçou os lábios de Reggie,
sentindo a suavidade como de pétala, a doçura da boca entreaberta. Um fogo o percorreu, e se
apoiou contra ela, apertando-a contra a árvore. Mas ainda não era o bastante. Precisava estar mais
perto...
- Lorde Montieth, por favor - conseguiu dizer ela, sem fôlego. - Podem nos ver.
Ele se afastou um pouco, o bastante para poder o ver o rosto.
- Não seja tão formal, amor. Depois de tudo, estamos prometidos.
Acaso havia amargura na voz dele?
- Você não... por que aceitou se casar comigo?
- Por que quis que o fizesse? -perguntou ele.
- Era a única solução.
- Podia havê-lo evitado.
- Evitado? Para que? Disse-lhe o que ia acontecer se nos descobrissem.
- Estava brincando - recordou ele duramente.
- Bom, sim, mas não pensava que íamos ser descobertos. Oh, não quero discutir. O que está
feito, feito está.
- Não, não é assim -disse ele com voz firme. - Pode romper o compromisso.
- E por que vou fazer isso?
- Porque não quer se casar comigo, Regina - disse ele com voz suave, quase ameaçadora. -
Não quer. - Sorriu meigamente, e seus olhos acariciaram o rosto. - O que quer é ser minha amante,
porque a amarei até a loucura.
- Por um tempo, não é verdade? -perguntou ela, cortante.
- Sim.
- E depois seguiremos por caminhos separados?
- Sim.
- Isso não me convence.
- Será minha, sabe? - Avisou-a ele.
- Naturalmente, quando nos tivermos casado.
- Não nos casaremos, amor. Recuperará o bom senso muito antes do dia das bodas. Mas
será minha de qualquer modo. Sabe que é inevitável, não é verdade?
- Isso é o que parece acreditar.
Ele riu. Era encantadora. Mas sua risada se petrificou ao ouvir uma profunda voz atrás
dele.
- Não posso dizer que lamente a interrupção, Montieth, porque me parece que isto precisa
de uma interrupção.
Nicholas se ergueu. Reggie espiou por cima do ombro de Nicholas e viu o tio Tony, com
uma dama que se apertava com força a seu braço. Oh, não, ela não! Nicholas estava a ponto de
explodir de fúria, porque estava seguro que Tony havia trazido deliberadamente a Selena
Eddington.
- Você em Vauxhall, Tony? Não posso acreditar - procurava soar incrédula.
- Economize as brincadeiras, gatinha. Ouvi maravilhas a respeito desta orquestra.
Ela conteve o fôlego quando o olhar de Nicholas se fixou em sua querida, que parecia
confundida e zangada. Reggie quase sentiu pena pela mulher, mas sua simpatia não emergiu à
superfície. Depois de tudo Selena não tinha se importado em lançar o nome de Reggie em
escândalo.
- Encontramo-nos de novo, lady Eddington -disse Reggie com falsa doçura-. Agora posso o

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agradecer que me tenha emprestado sua carruagem na outra noite.


Anthony limpou com força a garganta e Nicholas riu incomodado.
- Eu também o devo agradecer isso Selena. Não teria conhecido a minha futura esposa se
não fosse sido por você.
Mil emoções atravessaram o rosto de lady Eddington, e nenhuma era agradável. Pensava
que era mil e mil vezes tola. Ao inteirar-se do que tinha se passado, havia-se sentido tão feliz de
que Nicholas queria seqüestrá-la, que contou a todas suas amigas até que ponto ele era um amante
romântico... e como desventurado foi ao roubar a uma mulher equivocada. Mas sua jactância se
converteu em um desastre para ela.
Anthony disse com firmeza:
- Reggie, espero que agora venha comigo. É possível que eu tenha que começar a ser seu
acompanhante. Tenho que falar umas palavras com meu sobrinho. Derek não deveria deixá-los
sozinhos. Estar comprometidos não autoriza a comportar-se mau. Recordem.
E depois disto se afastou, murmurando algo no ouvido de lady Eddington enquanto a
afastava, provavelmente recomendando para que não fizesse uma cena. A boca de Nicholas ficou
dura ao ver que se afastavam.
- Acaso seu tio não confiava em mim para que informasse a Selena de meu compromisso?
Teria feito isso com muito prazer. Se não fosse por ela e sua incontrolável jactância...
- Não estaria a ponto de se casar comigo -terminou Regina com doçura.
A fúria o abandonou. Sua expressão se tornou enlouquecedoramente inescrutável.
- E seria minha amante, em lugar de minha esposa. Um acerto muito melhor.
- Não para mim.
- Quer dizer que não vai sucumbir, amor?
- Não, não estou certa, não estou certa de modo algum - respondeu ela com sinceridade.
Havia tristeza ao reconhecer isto, e ele sentiu um remorso instantâneo.
- Sinto muito, amor -disse suavemente. - Não deveria provocar você. Simplesmente deveria
o dizer que não quero me casar com você.
Olhou-a, imperturbável.
- Devo agradecer esta sinceridade?
- Maldição, não tome como um insulto. Não tem nada a ver com você.
- Tem muito a ver comigo, Nicholas -disse Reggie zangada. - Uniu meu nome ao seu, goste
você ou não. Você fez isso, não eu. Também aceitou se casar comigo. Viu-se forçado a isso, é
verdade, mas, se não tinha intenções de cumprir com o acordo, não deveria se mostrar hoje em
público comigo. Aparecer em público me liga mais fortemente a você. Receio que agora estou
atada a você, goste eu ou não. E começo a não gostar disso. - Sem dar tempo para que se
recuperasse, virou-se e se afastou.
Nicholas não se moveu. Havia-se sentido ridiculamente satisfeito quando ela mencionou
que estavam unidos e ridiculamente ferido quando Reggie disse que não gostava da situação. Não
devia sentir estas coisas por ela. Não estavam na verdade ligados, e isso era o que devia recordar.

CAPÍTULO 13

- Tio Jason...
Reggie se precipitou nos braços que o estendia seu tio, extasiada ao vê-lo. Jason Malory,
terceiro Marquês de Haverston, era um homem alto, como todos os outros tios.
- Senti falta de você, filhinha. Haverston não é o mesmo quando você não está lá.
Diz isso cada vez que saio -disse ela, sorrindo-lhe com carinho. - O fato é que queria ir para

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casa por um tempo antes de que acontecesse tudo isto. E ainda quero ir -olhou ao redor da sala e
viu o tio Edward e o tio Tony.
- E deixaria a seu noivo abandonado em Londres?
- Não acredito que isso o incomode -respondeu ela suavemente.
Ele a conduziu até o sofá de cor creme onde Anthony estava sentado. Edward, como de
costume, estava de pé ante a chaminé. Era mais que provável que tivesse havido uma discussão
doméstica antes da chegada dela. Devia ser a respeito do que ela suspeitava. E ninguém o havia
dito sequer que o tio Jason estava ali.
- Receava não poder falar com você antes de ter que ir - começou dizendo Jason. -Me alegro
de que tenha descido cedo. - Jason se sentou, com ar muito solene. - Eu não gosto que o assunto se
tenha arrumado antes de minha chegada. Meus irmãos se encarregaram de uma responsabilidade
muito grande.
- Já sabe que não tínhamos escolha, Jason - disse Edward, na defensiva.
- Não teria havido diferença se tivessem esperado uns dias - replicou Jason.
- Quer dizer que vai retirar seu consentimento quando já se decidiu o compromisso? -
exclamou Reggie.
Anthony riu.
- Cuidado Jason. Reggie entregou seu coração a esse descarado e não pode fazer nada para
mudar isso.
- Isso é certo, Reggie?
Era verdade, não havia dúvida... mas agora já não estava tão segura, não o estava desde
ontem. Sabia que Nicholas ainda a desejava. Aquilo era evidente. E também o desejava. Por que
pretender o contrário? Mas casar-se...?
- É verdade que eu gosto muito desse homem, tio Jason, mas... tenho a sensação de que
realmente não deseja casar-se comigo.
Bom, estava dito. Por que se sentia tão desolada depois de dizê-lo?
- Disseram-me que se negava tenazmente, embora cedesse no fim - disse Jason suavemente.
- Mas isso é natural. A nenhum jovem agrada que o obriguem a fazer as coisas.
Os olhos dela se encheram de esperança. Seria esse o único motivo?
- Esquecia-me - disse Reggie - que você o conhece melhor que qualquer de nós.
- Sim, e sempre gostei do moço. Há nele muito mais do que se digna a mostrar ao mundo.
- Por favor, irmão -disse Anthony sardônico.
- Será um bom marido para o Reggie, Tony, pense o que quiser.
- De verdade acha isso, tio Jason - perguntou Reggie, e a esperança voltou a surgir nela.
- Na verdade acredito -disse ele firmemente.
- Então aprova meu casamento com ele?
- Teria preferido que se casasse em circunstâncias normais, mas, já que nos caiu em cima
esta desafortunada situação, deve dizer que não lamento que o homem seja Nicholas Éden, não o
lamento.
Reggie sorriu feliz, mas, antes de poder dizer mais, os primos começaram a entrar. Todos
foram com ela à reunião dos Hamilton, Amy com ela e Nicholas, os outros com o Marshall em seu
elegante carruagem de quatro assentos. No meio do alegre falatório, quando Jason era saudado
pelos sobrinhos e sobrinhas, chegou Nicholas, e se deteve na porta sem ser visto. O pânico se
apoderou dele ao ver aquela numerosa família. Tinha que vincular-se com esta entristecedora
parentela? Que Deus o ajudasse.
Reggie foi a primeira a aproximar-se. Sorriu-lhe, decidido a controlar suas emoções desta
vez. Ela estava deslumbrante com um vestido de cor creme, que harmonizava com sua cútis

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transparente. O estilo era incomum, porque, enquanto as mulheres de Londres sentiam prazer em
exibir tudo o que podiam de seu peito, ela cobria o sua com uma gaze que o subia até o pescoço, e
terminava em um denso bordado na garganta. Nicholas a olhou divertido. Possivelmente ele a
tinha marcado ali, e esta era a hábil maneira que tinha ela de ocultá-lo. Ficou perguntando-se se
seria assim.
- Nicholas... -disse ela intrigada pelo que ele podia estar pensando.
- De maneira que decidiu deixar de lado o aborrecimento? - disse ele brandamente. - Temi
que não quisesse me dirigir a palavra.
- Vamos discutir de novo? -parecia incomodada.
- Nem lhe ocorra, amor.
Ela se ruborizou. Por que persistia em chamá-la "amor"? Não era correto, e ele sabia que
não o era. Mas Nicholas era assim.
O marquês saudou cordialmente Nicholas, sem mencionar a louca façanha que era a origem
deste compromisso. A viagem até a casa de campo dos Hamilton, a uns poucos quilômetros de
Londres, também transcorreu sem tropeços, e a jovem Amy enchia cada oco na conversação com
seu excitado bate-papo, porque não a deixavam assistir com freqüência a reuniões noturnas.
Faltava ver as reações que ia provocar o casal de noivos em casa dos Hamilton, porque a
notícia do compromisso de Nicholas com a Regina estava ultrapassando nos falatórios, ao assunto
de seu pouco correto primeiro encontro. Ele tinha descoberto isto a noite anterior, em uma
comida.
O sarau dos Hamilton não era uma reunião para muita gente, haveria umas cem pessoas na
grande casa de campo, de maneira que ficavam muitos lugares livres por onde se podia vagar. Os
convidados provavam os manjares colocados sobre longas mesas, dançavam no salão preparado
com este propósito, ou conversavam em grupinhos. Alguns escrupulosos lançaram olhares
furiosos ao ver juntos Nicholas e Regina, mas a maioria se limitou a audazes comentários sobre o
primeiro e pouco ortodoxo encontro dos jovens.
Sempre se pensou que iam se casar. Ele só esteve se divertindo com Selena, enquanto
esperava que Regina voltasse para Londres. Conheceram-se no continente, claro está. Não, não,
querida, conheceram-se em Haverston. Ele e o filho do marquês são amigos há anos, sabe?
- Ouviu o que dizem, amor? -perguntou Nicholas, ao convidá-la para primeira valsa. -
Dizem que estávamos prometidos desde que engatinhava.
Reggie tinha ouvido alguns dos comentários mais descabelados de suas primas.
- Não volte a dizer isso -disse rindo - meus outros admiradores ficariam destroçados se
soubessem que nunca tiveram nenhuma possibilidade.
- Outros admiradores?
- As dúzias e dúzias que pediram minha mão. - Umas poucas taças de champagne tinham
tirado para fora a fantasia de diabo que havia nela.
- Espero que esteja exagerando, Regina.
- Tomara - disse ela suspirando, felizmente inconsciente da mudança de humor dele. - Na
verdade era muito aborrecido ter que escolher entre tantos. Já estava resolvida a abandonar a
caça... quando apareceu.
- Foi uma grande sorte para mim. - Nicholas estava furioso. E não se dava conta de que
estava com ciúmes. Sem dizer uma palavra, conduziu-a a um extremo da habitação e a deixou
bruscamente com o Marshall e Amy, saudando-a com uma breve inclinação ao partir. Dando-o as
costas, dirigiu-se à sala de jogo, onde podia beber algo mais forte que champagne.
Reggie franziu o cenho, totalmente desorientada. Brincar com ela a respeito das novas
intrigas, o sorrir com tanta ternura, acendê-la com seus olhos cor mel dourado, e depois zangar-se

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sem motivo... O que lhe passava?


Reggie sorriu, decidida a não sentir-se desventurada. Foi convidada a dançar uma e outra
vez, e voltou a encontrar aos jovens que a tinham rodeado como um rebanho na última
temporada. Basil Elliot e George Fowler, dois persistentes admiradores, manifestaram
dramaticamente que suas vidas tinham terminado devido à boa sorte do visconde. Ambos
juraram que iriam amá-la para sempre. Reggie estava se divertindo e sentindo-se adulada, porque
tanto George como Basil eram tremendamente populares. Suas atenções compensavam a rudeza
do Nicholas.
Passaram duas horas antes de que o vagabundo lorde Montieth decidisse voltar para junto
de Reggie. Ela não o viu nesse tempo, mas ele a viu. Uma e outra vez se aproximou da porta da
sala de jogo e a viu rir com um companheiro de baile ou rodeada de ardentes admiradores. Ao vê-
la, havia voltado a tomar outra taça. Estava agradavelmente enjoado quando se aproximou.
- Quer dançar comigo, amor?
- Terminaremos esta dança? -replicou ela. Ele não respondeu. E tampouco esperou que ela
aceitasse, mas sim lhe rodeou a cintura com o braço e a levou para a pista de dança. Era outra
valsa e desta vez a manteve muito apertada contra ele.
- Disse-lhe esta noite que a desejo? - perguntou bruscamente.
Reggie era consciente de que havia algo diferente nele, mas só ao estar perto é que cheirou
o brandy. Não se preocupou. Ninguém que pudesse mover-se com tanta graça por uma pista de
baile podia estar ébrio.
- Eu gostaria que não dissesse essas coisas, Nicholas.
-Que coisas? -interrompeu ele. - Se me chamasse "querido" ou "meu amor", seria melhor
que Nicholas simplesmente. E suponho que deve me amar, já que quer se casar comigo. E eu não
quero me casar com você, mas a desejo, amor. Não duvide jamais disso.
- Nicholas...
- É a única coisa que posso pensar -continuou ele. - Me declarou culpado, mas não me
permitiu desfrutar de meu crime. Não é justo, não o parece?
- Nicholas...
- "Meu amor" -corrigiu ele. Mas depois mudou de assunto. - vamos ver os preciosos jardins
dos Hamilton - e antes de que Reggie pudesse protestar, tirou-a do salão de baile e saíram da casa.
Os jardins formavam uma paisagem brilhante, com pradarias onduladas salpicadas de
árvores, estanque artificiais, maciços de flores, e jardim bem recortado, e até um pavilhão tão
coberto por vinhas floridas, que parecia uma árvore.
Não pararam a admirar estas belezas. Em um abrir e fechar de olhos Reggie se encontrou
dentro do pavilhão, rodeada pelos braços de Nicholas, e beijada com tanta paixão, que quase
perdeu a consciência.
A luz da lua penetrava por entre as vinhas, banhando-os em seu suave resplendor
prateado. Assentos acolchoados limitavam as douradas paredes com colchas. O chão era de
madeira, liso e bonito. Havia grandes vasos de barro, entre os assentos, e as folhas rumorejavam
docemente no quente ar noturno.
No fundo, Reggie sabia que Nicholas não ia contentar se beijando-a. Dependia dela o deter.
Mas uma voz dentro dela exigia saber por que queria o deter.
Acaso não ia ser seu marido? Por que ia negar o algo... especialmente quando não desejava
lhe negar nada? E não seria possível que a atitude dele para o casamento mudasse...? Bom, devia
ser assim.
Como convenientemente trabalha a mente para obter o que quer! E como reage o corpo ante
os sentimentos agradáveis, querendo mais e mais. Sua mente e seu corpo conspiravam contra

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Reggie, e logo não pôde lutar. Jogou os braços no pescoço do Nicholas, rendida.
Ele a levantou e a levou a um dos bancos, sentou-se com ela sobre seus joelhos.
- Não se arrependerá, amor - murmurou, e sua quente boca voltou a reclamar a dela.
Arrepender-se? Como podia arrepender-se quando estava tão excitada e era tão feliz?
Ele segurou com um braço as costas dela e, com a outra mão, percorreu lentamente o
pescoço, depois desceu, e fez com que ela contivesse o fôlego quando passou sobre seus seios.
Logo passou ao ventre, à coxa. Meio vacilante, como se não pudesse acreditar que ela ia entregar
se. Mas, quando sua mão começou a percorrer o mesmo caminho para cima, tornou-se mais
audaz, mais possessivo.
Sob o tecido fino do vestido, a pele dela começou a arder. O vestido era, de certo modo, um
desconforto. Ele também pensou assim. Primeiro desabotou o botão do pescoço, depois o laço que
segurava o vestido, sob os seios. Um momento depois estavam de pé e ele tinha retirado
completamente o vestido.
Nicholas conteve o fôlego ao ver a Regina em sua roupa interior de seda, que se grudava a
sua pele, moldando suas delicadas curvas. Ela o olhou diretamente, sem vergonha, o que animou
as chamas que o consumiam. Os olhos dela eram negros na escura luz, os jovens seios deixavam
tenso a camisa bordada. Era a criatura mais bela que ele viu.
A pequena equimose na base do pescoço atraiu seu olhar e sorriu.
- De maneira que lhe pus minha marca. Suponho que deveria o pedir perdão.
- Pedir-me-ia isso se soubesse como foi difícil ocultá-lo. Não voltará a fazê-lo, não é?
- Não faço promessas -disse ele com voz rouca. Depois a olhou audazmente e perguntou:
- Não está assustada, não é, amor?
- Não... Pelo menos não acho.
- Então deixe que a veja toda -insistiu ele suavemente. Ela deixou que se voltasse a
aproximar e tirou o resto da roupa, até, deixá-la nua. Seus olhos a examinaram lentamente,
avidamente, e depois a atraiu contra ele e colocou sua boca nos seios dela. A boca do Nicholas,
seus dentes, seus lábios, tudo começou a agir, fazendo-a conter o fôlego e gritar uma e outra vez.
Envolveu em seus braços a cabeça dele, apertou-a contra ela. Jogou a cabeça para trás quando ele
começou a o beijar o ventre. Meu Deus, já quase não podia agüentar mais...
- Não deveria...? Nicholas... sua roupa, Nicholas - conseguiu articular finalmente.
Em uns segundos ele tinha despido seu peito e os olhos de Reggie se dilataram, ante o que
ocultavam as roupas dele. Sabia que o peito dele era amplo, mas agora o parecia enorme. Estava
queimado em todo o corpo, e o pêlo sobre seu peito era castanho dourado.
Ela percorreu com os dedos o músculo do antebraço. O contato da sua mão o abrasou,
fazendo-a gemer.
- O resto agora -disse ela, porque queria vê-lo totalmente, como ele a tinha visto. arrumou-
se e se sentou para ver como ele se despia. Não se sentia de modo algum perturbada, apesar de
estar nua. Desfrutou seu olhar nele, um homem em toda sua glória.
Quando finalmente ficou nu, aproximou-se e o tocou, primeiro os estreitos quadris, depois
as longas e grossas coxas. Agarrou-lhe a mão, detendo-a.
- Não, amor - sua voz era rouca de paixão. - Estou a ponto de explodir, de maneira que
devo ir lentamente.
Então ela viu o que estava a ponto de explodir. Incrível. Formoso. Extraordinário.
Lentamente ela levantou seus olhos até os dele.
- Como posso saber do que você gosta se não o toco?
Tomou o rosto com as mãos.
- Depois, amor. Desta vez sou eu quem quer o agradar, mas primeiro terei que a machucar.

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- Sei - disse ela brandamente, com acanhamento. - A tia Charlotte me disse isso.
- Mas se confiar em mim, Regina, se relaxar e confia em mim... prepará-la-ei. Só sentirá um
pouco de dor e o prometo que desfrutará do que vem depois.
- Já gostei do que vem antes - disse ela sorrindo.
- Oh, meu doce amor, eu também.
Voltou a beijá-la, e seus lábios separaram os dela para inundar-se em sua boca. Ele estava a
ponto de perder o controle. A paixão o avivava, fazia com que lutasse defendendo um tempo
precioso. Acariciou-o o ventre, depois desceu para as coxas separadas.
Ela gemeu quando ele tocou a quente essência dela. E depois retrocedeu surpreendida
quando lhe colocou profundamente um dedo. Suas costas se dobraram, os seios se apertaram
contra o peito dele. Ela afastou seus lábios dos dele.
- Estou... preparada, Nicholas... jurou-o.
- Ainda não, amor - disse ele com cautela.
- Por favor, Nicholas - disse ela sem fôlego. Aquilo o venceu. Olhou ao redor, frustrado,
para um estreito banco. Não queria desvirginá-la no chão, mas, maldição, nunca devia tê-la
trazido a este lugar, não para a primeira vez.
- Nicholas... - suplicou ela apaixonada. Ele se acomodou e penetrou nela com toda a
suavidade que pôde. Ouviu-a conter o fôlego quando sua calidez a rodeou. Ela se adiantou, até
que ele alcançou sua virgindade. A pressão a conteve, mas, na postura em que estavam, não podia
atravessá-la com suficiente rapidez para atenuar a dor.
Era inevitável. Ele oprimiu com sua boca a boca dela para receber seu grito, e então, sem
prévio aviso, levantou-a e a empurrou com dureza. Manteve-a assim até que as unhas dela
deixaram de apertar os ombros dele e ela voltou a respirar com prazer, relaxando-se contra ele.
- Nicholas...
Seu nome nunca foi pronunciado com mais doçura. Sorriu com alívio e o respondeu sem
palavras, tomando-a pelas nádegas para levantá-la, e depois a fez deslizar lentamente nele.
Ela rapidamente acelerou o ritmo, obstinada com força a ele. Mil fogos se acenderam nela,
unindo-se em uma só chama que logo não poderia ser contida. E a percorreu totalmente,
afogando-a no mais doce dos fogos.
Nicholas não recordava nunca ter ficado tão satisfeito, nem ter sentido uma ternura
semelhante depois de fazer amor. Queria abraçar para sempre Regina, não soltá-la nunca mais.
- Isso foi... normal? -perguntou ela como em um sonho. Ele riu.
- Depois do que experimentamos... quer uma mera normalidade?
- Não, acredito que não - levantou suspirando a cabeça que tinha deixado sobre o peito
dele, suspirando. - Acho que deveríamos voltar para a casa.
-Oh, maldição - grunhiu ele. - Eu também acho.
Olhou-a, o amor e o desejo brilhando em seu belo rosto.
- Nicholas...
- Sim, meu amor...
- Não adivinharão nada, não é? - O certo é que não se importava que o adivinhassem, mas
achava que devia perguntar.
Nicholas o sorriu.
- Ninguém se atreverá a sugerir que fizemos amor ao ar livre. Não é costume, amor.
Vestindo-se, brincando, roubando-se beijos, passaram outros vinte minutos antes que
dessem volta ao lago em direção à casa. Nicholas lhe passava o braço sobre os ombros, apertando-
a contra ele, quando Amy surgiu diante deles da coberta de um matagal.
- Oh, Reggie, me alegro de que seja você - disse sem fôlego.

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- Sentiram falta de mim? - perguntou Reggie, preparando-se para enfrentar uma dura
prova.
- Sentido falta de você? Não sei... eu saí para caminhar, sabe, e não me dava conta
de que o tempo passava... - Amy começou a tossir, na verdade era uma má representação, porque
o matagal que havia atrás deles começou a ranger. - Marshall se zangará terrivelmente - disse. - Se
importaria muito dizer que estive com você?
Reggie conseguiu conter um sorriso.
- Claro que não.. se prometer que não perderá novamente o tempo. Nicholas...
- Perfeitamente - assentiu ele. - Sei pessoalmente até que ponto nos pode passar o tempo.
Os três conseguiram mostrar rostos muito sérios quando voltaram apressados para casa.

CAPÍTULO 14

A festa de noivado dada por Edward e Charlotte Malory foi um êxito total. Toda a família e
os amigos mais próximos estiveram presentes. Inclusive conseguiram convencer à mulher de
Jason para que deixasse sua cura de banhos no Bath e assistisse ao acontecimento. A avó de
Nicholas e a tia Eleanor se divertiram enormemente, e Reggie adivinhou que tinham receado que
Nicholas não se casasse nunca. Sua mãe, a quem nunca nomeava, estava conspicuamente ausente.
Nicholas estava de muito bom humor e tudo saiu maravilhosamente. Tinham demorado
duas semanas para preparar a festa, e tudo estava meticulosamente cuidado com detalhes.
Mas, ai, o bom tempo de navegação não dura. Dois meses depois da festa, Regina Malory
estava no fundo do desespero. E não o servia de nada ter chegado gradualmente a este nível de
desdita.
Tudo foi para nada.
E ela não tinha acreditado possível, não, depois de ter feito amor com ele. Ela estava certa
de que depois daquela noite, ele ia considerar se feliz casando-se com ela. Foi maravilhoso,
incrivelmente paciente e terno aquela vez. É verdade que tinha bebido um pouco de mais, mas, foi
para que pudesse esquecer aquela noite?
Oh, continuava pensando em casar-se. E sempre a avisava quando ia sair da cidade. Às
vezes passava semanas inteiras em Southampton, pretextando negócios. Sempre a avisava quando
voltava para Londres, mas, nos últimos dois meses, não o viu mais de cinco vezes. E essas cinco
vezes foram terríveis, uma atrás de outra.
Ele nunca se atrasava quando tinha que acompanhá-la a uma reunião, mas havia a trazido
de volta para casa só três vezes. Nas outras duas, ela tinha deixado que o mau humor se
apoderasse dela e havia partido sozinha. Não era que ele a tivesse deixado para passar toda a
noite na sala de jogo, ou se misturado em discussões políticas, mas, com freqüência, passava mais
tempo com a Selena Eddington que com ela. E quando se fazia de idiota seguindo a aquela mulher
por todos lados, bom, aquilo já era quase o limite.
E tudo era intencional. Ela sabia que ele estava se comportando mal para fazer a ela um
favor. E isto era o que mais a feria. Se ela tivesse pensado por um momento, que ele se mostrasse
como realmente era... bom, teria deixado que Tony se ocupasse dele, claro que o teria feito. Mas
ele não era um canalha. Estava fazendo uma campanha desumana para que o deixasse. Do mesmo
modo que se viu obrigado a aceitar o compromisso, queria agora que ela se visse obrigada a deixá-
lo.
O pior de tudo era que, por mais que a ferisse, ela não podia romper com ele. Já não estava
sozinha para pensar nisso.

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Nicholas o tirou a curta capa negra bordada e a estendeu ao lacaio, junto com sua grande
capa escura bordejada de vermelho e sua cartola. Reggie levava um vestido branco com enfeites
na roda e nas curtas mangas. O decote era amplo, como se usava, cobrindo seus seios, e ela se
sentia perturbada por isso e porque o branco era a cor das donzelas virginais.
Conseguira que seu tio Edward a deixasse ir sem acompanhante, pelo menos uma vez.
Desde a festa de noivado, não tinha havido nenhuma troca amável entre ela e Nicholas.
Mas, tivesse esperado o que tivesse esperado, agora estava desiludida. Tinham estado
sozinhos e muito perto, na carruagem, durante a breve viagem, e ele não tinha tentado aproximar-
se dela, nem o havia dito uma só palavra.
Lançou-lhe um olhar de esguelha quando partiram um ao lado do outro para o salão de
música, onde um jovem casal, amigos do Nicholas, recebia a uns vinte convidados. Nicholas
estava muito bonito esta noite, com um fraque verde, um colete creme bordado e uma camisa com
babados. A gravata era ampla e solta, e usava calças longas, em lugar de calções no joelho e as
meias de seda preferidas pelos elegantes para a noite. O tecido
se grudava a suas longas pernas, moldando as poderosas coxas e panturrilhas. Só olhar aquele
corpo comprido e flexível bastava para turvá-la.
O cabelo dele era uma confusão de cachos curtos e escuros, com tantas mechas douradas
que, às vezes, parecia acobreado, ou inclusive loiro. Ela sabia que era suave ao tato, e sabia
também que os lábios eram suaves, não a linha dura e rígida que pareciam ter ultimamente. Oh,
por que se negava a falar com ela?
Um resplendor iluminou seus olhos. Deteve-se no salão com um leve suspiro, forçando a
Nicholas a deter-se também. Ele se voltou para ela e ela se agachou para ajustar o sapato.
Torpemente perdeu o equilíbrio e se balançou em direção a ele. Nicholas a segurou agarrando-a
por debaixo dos braços, mas apesar disso, ela caiu contra ele, suas mãos se aferraram aos ombros
dele e seus seios se encostaram contra seu peito. Ele ofegou como se o tivessem dado um golpe no
estômago. E na verdade era um golpe forte. O calor percorreu seu corpo, o fogo entrou em seus
olhos, convertendo-os em carvões ardentes.
Os olhos azul escuros de Reggie também abrasavam.
- Obrigada, Nicholas.
Afastou-se, e caminhou como se não tivesse passado nada, enquanto ele continuava ali,
com os olhos fechados, os dentes apertados, procurando recuperar o controle. Como era possível
que um incidente tão insignificante pudesse afrouxar o apertado freio que o continha? Já era
bastante vê-la, ouvi-la, seu perfume, eram uma provocação constante, mas o contato... esta era a
arma que tinha destruído inteiramente suas defesas.
- Oh, olhe, Nicholas! O tio Tony está ali! Reggie sorriu a Anthony Malory, do outro lado do
aposento, mas o sorriso estava dirigido tanto para ele como para seu tio. Tinha ouvido o arquejo
de Nicholas, havia sentido ele tremer, viu o desejo nos olhos ambarinos. Era um mentiroso.
Continuava desejando-a. Não queria que ela se desse conta, mas Reggie agora sabia. E o saber já
lhe animava, compensava o abominável tratamento que o dava.
Nicholas alcançou Reggie à entrada da sala de música, e seus olhos viram em seguida a
escura cabeça de Anthony Malory, inclinada para a dama que estava sentada a seu lado.
- Maldição! O que está fazendo aqui esse homem? Reggie teve vontade de rir ao ouvir
aquele tom, mas conseguiu manter uma cara séria.
- Não sei. Os donos da casa são seus amigos, não meus.
Os olhos dele se cravaram intensamente nela.
- Mas ele não está acostumado a vir a estas reuniões, embora o convidem, veio para vigiar
você.

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- Oh, não seja injusto, Nicholas -brincou ela. - Esta é a primeira vez que tropeçamos com ele.
- Esquece Vauxhall.
- Bom, isso foi um acidente. Não acredito que naquele dia tivesse intenções de me vigiar.
- Não. Ambos sabemos qual era sua intenção naquele dia.
- Vamos, está zangado - murmurou ela, e não falou mais do assunto. Sabia por que seu tio
estava ali. Tinha ouvido que Nicholas foi visto com outras mulheres, e estava furioso. E ao que
parecia pensava que sua presença podia servir para algo.
O jovem casal que estava sentado diante do piano terminou seu dueto, e alguns convidados
começaram a levantar-se de seus assentos par esticar as pernas, antes de que se iniciasse a
segunda canção. Brilhantes casacas rasas e calções até o joelho fazendo jogo eram ostentados pelos
homens mais elegantes. As mulheres casadas se destacavam pelas cores chamativas, os das
donzelas eram de tom creme ou branco.
Reggie conhecia todo mundo, menos a proprietária da casa, a senhora Hardgreaves. George
Fowler estava ali com sua irmã e seu irmão mais novo. Recentemente Reggie foi apresentada a
lorde Percival Alden, bom amigo de Nicholas. Inclusive conhecia a mulher que tinha uma
aventura amorosa com o Tony, e que estava sentada junto a ele. E, para sua profunda irritação,
Selena Eddington estava também presente, acompanhada por um antigo comparsa de Tony.
- Nicholas - disse Reggie tocando-o brandamente no braço. - Tem que me apresentar à
proprietária da casa, antes que a irmã de George comece seu recital.
Ela sentiu que ele se endurecia sob seus dedos, sorriu e se adiantou para a senhora
Hardgreaves. Vamos, tinha que tocá-lo com mais freqüência, pensou.
A noite não saiu como ela queria. Durante a comida esteve sentada longe de Nicholas na
longa mesa. Ele estava sentado ao lado da proprietária da casa, uma mulher voluptuosa e atraente,
e ele tinha decidido mostrar-se encantador, cativar a esta dama e a todas as mulheres que o
rodeavam.
Ela falava tão graciosamente como o era possível com o George, mas era difícil mostrar-se
animada quando, realmente, estava tão triste. O libertino lorde Percival, que se sentava a sua
direita, não o servia de muito, e continuamente fazia comentários a respeito do Nicholas,
comentários que conseguiam que o olhasse uma e outra vez, forçando-a a
reconhecer todos os sinais que já viu antes. Nicholas não se limitava a mostrar-se encantado com a
senhora Hardgreaves, mas sim tinha a expressão de um homem com desejo.
À medida que avançava a noite, Reggie esqueceu seu triunfo ao fazer Nicholas perder a
compostura. Ele não a olhou nenhuma só vez durante a refeição. Agora era difícil para ela fingir
um leve sorriso para seus companheiros de mesa e agradeceu que Tony não estivesse perto. Em
casos de ter que ouvir seus comentários maliciosos, teria estalado em lágrimas.
Finalmente, e com um profundo alívio, Reggie saiu da sala com as outras damas, embora
teve uns momentos para repor-se, antes de que os homens entrassem na sala. Conteve o fôlego,
porque queria saber se Nicholas ia continuar ignorando-a. Ele foi diretamente para a senhora
Hardgreaves, sem lançar nenhum olhar à Reggie.
Era quase o limite. Seu orgulho não o permitia continuar ali. E se seu tio dissesse uma só
palavra a respeito do Nicholas, Reggie ia explodir. E não podia fazê-lo em público.
Quando pediu ao George Fowler que a acompanhasse a sua casa, os cristalinos olhos
verdes dele se abriram, deleitados. Depois perguntou:
- E seu tio?
- Estou um pouco zangada com ele. - Estava-o e não o estava, mas servia de pretexto. - E de
qualquer modo ele veio escoltando a uma dama. Mas não quero o incomodar, George. Têm com
você a sua irmã..

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- Meu irmão se ocupa dela, não tema nada - declarou ele sorrindo.
Bom, pensou ela chateada, ao menos alguém gostava dela.

CAPÍTULO 15

- Pergunto-me se percebe logo que ela saiu da sala com alguém.


Nicholas se virou e encontrou o firme olhar do Anthony Malory.
-Está me seguindo, milorde? -perguntou.
- Não tem sentido ficar quando a festa quase terminou –replicou amavelmente Anthony. - E
foi todo um espetáculo. Só fazia dez minutos que ela se foi e você partiu também. Isso produz
mau efeito.
Nicholas o lançou um olhar furioso.
- Surpreende-me que não a tenham seguido para se assegurar de que Fowler a levasse
diretamente a sua casa. Não é isto o que corresponde a um bom cão guardião.
Anthony riu.
- Para que? Ela fará o que tiver vontade, Faça eu o que fizer. E estou mais tranqüilo se vai
acompanhada por Fowler que se a acompanhar você... - Fez uma pausa e limpou a garganta. -
Embora fosse um dos pretendentes dela na temporada passada. Se não levar diretamente a casa,
não acredito que possa jogá-lo isso na cara, não é verdade? Está fazendo todo o possível para
mostrar a estes jovens potros que ela está ainda disponível. -Espere um momento. - Não é assim?
Os olhos de Nicholas flamejaram.
- Se vocês não gostarem de meu comportamento, já sabem o que podem fazer.
- É verdade -disse friamente Anthony, e todo o bom humor desapareceu em um instante. -
Se não acreditasse que Reggie ia armar um escândalo, encontraria você muito em breve no
terreno da honra. Quando ela deixar de o defender, iremos a essa entrevista... pode contar com
isso.
- É um maldito hipócrita, Malory. Anthony encolheu os ombros.
- Sim, sou-o quando um de meus está envolvido. Sabe, Montieth? Jason poderá ter uma
grande opinião a respeito de você, mas Jason só conhece os aspectos mais positivos de seu caráter.
Não sabe o que está tratando de fazer, mas eu sei.
- Sabe?
Deixaram de falar ao ver aproximar-se Percy. Anthony se afastou do zangado Nicholas e
Percy se aproximou, compreensivo, de seu amigo.
- De maneira que teve outro choque com ele, não é verdade?
- Algo parecido - disse Nicholas a contra gosto.
Percy moveu a cabeça. O problema de Nicholas era que rara vez tinha encontrado oposição
na vida. Era bastante forte e bastante temerário para que ninguém quisesse ter uma troca de
palavras com ele, e muito menos brigar. E agora os parentes de lady Ashton o pressionavam
coletivamente, e a frustração se fazia sentir nele.
- Não deveria tomá-lo tão a sério, Nick. Nunca se tinha encontrado antes com alguém tão
formidável como você, e agora tem todo um sortimento. – E como Nicholas não respondesse,
prosseguiu: - as coisas melhorarão quando estiver casado.
- Ao diabo! -explodiu Nicholas. Deixou Percy e foi em busca de sua capa.
Nicholas aspirou profundamente o ar noturno ao sair para esperar sua carruagem, que
estava do outro lado da rua. Depois voltou a aspirar o ar. Mas isto não o apaziguou.
- Espera, Nick -exclamou Percy descendo as escadas. - Talvez o convenha falar com um

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amigo.
- Esta noite, não Percy. Estou a ponto de explodir.
- Por causa de Malory? -grunhiu Percy. - Ou acaso porque ela se foi com George?
- Reggie pode ir com quem demônios o dê a vontade, a mim o que me importa?
- Vamos, não enlouqueça - protestou Percy, retrocedendo um pouco. – O velho George é...
bom, não inteiramente inofensivo, mas... bom, caramba, ela está comprometida com você. Ela... -
deu-se conta de que suas palavras só tinham servido para piorar as coisas. - Não acredito. Acaso o
insensível Montieth é capaz, por uma vez, de mostrar-se ciumento?
- Claro que não estou ciumento -exclamou Nicholas. – Simplesmente esperava que esta
noite terminasse tudo.
Mas o certo é que ficou vermelho, vermelho escuro quando George Fowler com sua mão
tomou o cotovelo da Regina. Fowler era jovem e bonito, e o maldito Tony Malory havia dito que
foi pretendente de Regina durante a temporada passada.
- De que diabos está falando, Nick? O fim do que?
- A farsa deste compromisso. Suponho que não acha que vou casar-me com essa moça
porque me tenham forçado a aceitá-la.
Percy assobiou suavemente.
- Ah, agora entendo por que andava atrás de H. Ela não é seu tipo. - Nicholas moveu a
cabeça. - Acreditei que queria deixar ciumenta sua noiva.
- Queria enfurecê-la para que me deixasse. Não é a primeira vez que corro atrás de outras
saias quando ela me está olhando. Inclusive prestei atenção a Selena, apesar de estar farto dela.
Mas Regina não mencionou isso nenhuma só vez.
- Possivelmente essa moça o ama - disse simplesmente Percy.
- Não quero que me ame, quero que me odeie - grunhiu Nicholas. Agora, disse, não depois,
não quando ele se tivesse acostumado ao amor dela, quando dependesse desse amor e o
necessitasse. Então já não poderia suportar o ódio dela.
- Bom, se colocou em uma boa. O que vai fazer se ela não romper o compromisso? Pensa
em deixá-la?
Nicholas olhou ao céu.
- Dei minha palavra para me casar com ela.
- Então terminará fazendo isso.
- Já sei.
- E o parece tão mal?
Ele supunha que aquilo seria o céu, mas não o ia dizer ao Percy. Sua carruagem chegou na
curva naquele momento e perguntou:
- Quer me fazer um favor, Percy? Volta para dentro e dá uma mensagem a meu futuro
parente por afinidade. Diga-o que convém que tenha um bate-papo com sua sobrinha sobre o
sujeito que a acompanhou a casa esta noite. - Riu. - Se acreditar que me importa, é provável que
redobre seus esforços para fazer com que ela me abandone. Se não for assim, a mensagem o
irritará. E isso me fará feliz. - E na verdade, já parecia sentir-se melhor.
- Obrigado, velho. Ele é capaz de me cortar a cabeça se lhe der essa mensagem -disse Percy.
- Não duvide disso - disse Nicholas sorrindo. - Mas me fará esse favor de qualquer modo,
não é verdade? É um bom amigo...
Nicholas sorriu ao ver a expressão do rosto de Percy, e o saudou com a mão quando sua
carruagem se afastava pelo caminho.
Seu bom humor demorou só um instante em desaparecer. Esta noite ficara demonstrado
que não podia tolerar muito tempo a presença da Regina.

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Só em tocá-la fizera com que ficasse de joelhos. Maldição! Tinha procurado estar longe dela
todo o tempo possível, mas, embora isto fosse mais cômodo, a dificuldade não diminuía. De fato
continuavam comprometidos.
-O fim do caminho, companheiro - disse uma voz no meio de seu sonho.
Companheiro?Era possível que seu cocheiro o dissesse isto?
Nicholas olhou pelo guichê e viu, não sua casa, mas sim árvores próximas. Só um
angustiante negrume o rodeava. Como era possível que tivesse estado preocupado até o ponto de
não dar-se conta de que o levavam para o campo, que tinha saído de Londres? Se assim fosse,
tanto dava, porque não havia ali trânsito esta noite.
Que diabos fizera Malory? Havia acaso contratado a um valentão para que o liquidasse e
poder dizer depois a Regina que ele não havia tocado Nicholas? Quase podia ver o tio dela rindo-
se com seus amigões da aventura.
Nicholas sorriu torvamente. Era uma maneira de deixar escapar a tensão. Por que não o
ocorreu a ele?

CAPÍTULO 16

Naquela noite, pouco depois de que Nicholas e Regina chegassem a casa da senhora
Hardgreaves no West End, um homem baixo, robusto, chamado Timothy Pye contratou um
carruagem de aluguel que passava, e deu ao cocheiro o endereço de um botequim perto dos
moles.
Timothy realizava tarefas diversas, desde trabalhar honestamente nos moles, até cortar o
cangote a um homem. Reconhecia que preferia as tarefas fáceis, e esta era das mais fáceis, ao que
parecia. Seu amigo Neddy trabalhava com ele. Tudo o que tinham que fazer era seguir a aquele
homem aonde quer que fosse, e logo informar onde andava o cavalheiro, à pessoa que os tinha
contratado.
Tocava-o o turno de informar ao Timothy, e não se atrasou em chegar ao melhor botequim
do terreno. Bateu numa porta. Demoraram um momento em abrir.
No quarto havia dois homens. Um era alto e magro com uma enorme e revolta barba
vermelha. O outro era um jovem de estatura média, realmente um moço, bonito quase como uma
mulher, com cabelo negro e olhos azul escuros. Timothy só viu uma vez ao jovem na meia dúzia
de vezes que tinha informado ao homem de mais idade. Nunca o haviam dito seus nomes, e ao
Timothy tampouco importava saber quem eram. Cumpria com o trabalho pelo que o pagavam, e
não fazia pergunta.
- Parece que vai passar uma boa noite - começou Timothy, dirigindo-se ao barbudo. - Uma
festa no West End. Muitas carruagens elegantes de ambos os lados da rua.
- Só? Timothy sorriu.
- Trouxe uma mulherzinha em sua carruagem, como da outra vez. Levou-a para dentro, vi-
os.
- Está certo de que se trata da mesma mulher, senhor Pye? A que saiu sem ele da última
vez? Timothy assentiu.
- Não é possível esquecer, senhor. Essa é uma beleza, de verdade o é.
O homem mais jovem falou.
- Deve ser sua amante, não os parece? Meu pai diz que não é tipo de perder tempo com
uma mulher com a qual não se deita.
- Maldição, moço! -rugiu o da barba vermelha. - Fala como é devido, caramba! Não o faz

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quando seu pai não esta. Só ouço impropriedades.


O jovem se ruborizou até o peito, coisa que se revelou pela abertura de sua camisa. Seus
olhos azuis escuro se afastaram, turvados, aproximou-se de uma mesa sobre a qual havia um jogo
de naipes junto a uma garrafa de vinho e dois copos. Sentou-se ali, misturou as cartas, porque não
pensava em ouvir o resto do relatório: sentia-se humilhado.
- Continue, senhor Pye.
- Está bem, senhor. - E o "senhor" o saiu naturalmente, porque o indivíduo não parecia um
cavalheiro com aquela revolta barba vermelha, mas falava como se o fosse. - Sei que querem saber
sobre a garota, porque esta noite voltou a sair com ele.
- Como é a iluminação da rua?
- Boa. Mas não tão brilhante para que Neddy e eu não possamos tirar o cocheiro limpa e
silenciosamente.
- Então possivelmente esta noite é a noite. - o da barba vermelha sorriu pela primeira vez.-
Já sabem o que terá que fazer se se apresenta a ocasião, senhor Pye.
- De acordo, senhor. Sei que não querem que a garota fique metida no assunto. Se sair
sozinho, é nosso.
A porta se fechou atrás de Pye e Conrad Sharpe riu. Era uma risada profunda e sonora a
que saía daquele homem tão magro.
- Vamos, não se assuste, moço. Se tudo sair bem, amanhã estaremos a caminho de casa.
- Não tinha por que me repreender diante de gente como essa, Connie. Meu pai não me
corrige diante de outros.
- Bom, seu pai é um pai bastante jovem e, por isso, procura não me fazer sofrer, Jeremy.
- Já não se importa?
- Por que vai me importar, moço? Havia verdadeiro afeto nas maneiras do homem de mais
idade, e o jovem Jeremy sorriu no fim.
- Se o apanharem esta noite, poderei intervir?
- Sinto muito, menino. É um assunto no qual seu pai não gostaria de vê-lo metido.
- Tenho dezesseis anos -protestou Jeremy. - E estive em uma batalha marinha.
- Apenas.
- De qualquer modo...
- Não -disse Conrad irredutível. - Embora seu pai estivesse de acordo, eu não o deixaria.
Não é necessário que conheça o pior de seu pai.
- Ele só vai dar uma lição, Connie.
- Sim, mas como você foi ferido, a lição vai ser dura. E também seu orgulho está metido no
assunto. Não ouviu os desdéns e as provocações que o jovem lorde meteu na ferida. Estava
deitado de costas com uma ferida mortal.
- Graças a ele, e é por isso pelo que...
- Disse que não - interrompeu bruscamente Conrad.
-Bom - resmungou Jeremy- mas ainda não sei por que nos metemos em todas estas
confusões e perturbações, depois de tê-lo seguido em Southampton sem sorte e depois de ter
perdido duas semanas em Londres fazendo o mesmo. Teria sido muito mais divertido afundar
simplesmente um de seus navios.
Conrad riu.
- Seu pai gostaria de ouvir qual é sua idéia de diversão. Mas este senhor pode ser que tenha
só seis navios da linha mercante, e perder um não o fará mal ao bolso. Seu pai está decidido a
ajustar contas a um nível mais pessoal.
- E depois poderemos voltar para casa?

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- Sim, moço, e você poderá voltar a estudar como se deve.


Jeremy fez uma careta e Conrad Sharpe riu. Depois ouviram o risinho de uma mulher que
provinha do quarto contíguo, onde estava o pai do Jeremy, e a careta de Jeremy se converteu em
um ardente rubor, fazendo com que Conrad se risse ainda com mais força.

CAPÍTULO 17

Ainda esquentado pelo sol do dia, o chão estava ardente debaixo de sua face. Ou talvez
tinha jazido horas naquele lugar e seu corpo tinha esquentado o chão, a verdade é que não sabia.
Estes pensamentos atravessavam a mente de Nicholas quando voltou a si e abriu os olhos.
- Depois se chamou a si mesmo de tolo, mil vezes tolo. Como cavalheiro que era tinha saído
de sua carruagem, sem sonhar que ia ser atacado antes de pôr o pé em terra.
Cuspiu o pó que tinha na boca. Ao que parecia o tinham deixado ali estendido. Um
cuidadoso movimento o fez saber que tinha as mãos atadas nas costas e que, além disso, estavam
intumescidas. Caramba! Agudas dores como de adagas o atravessavam a cabeça, e teria sido uma
sorte poder ficar de joelhos, para não dizer de pé. Mas, se o tivessem deixado a carruagem,
tampouco teria podido conduzi-lo, privado como estava do uso das mãos. Talvez tinham deixado
a carruagem...
Torcendo a cabeça no meio de uma dor atroz, Nicholas viu uma das rodas da carruagem...
e um par de botas ao lado.
- Ainda está aí? -perguntou incrédulo.
- E aonde vou, camarada?
- De volta a sua cova de ladrões, suponho - respondeu Nicholas.
O outro riu. Que diabos significava isto? Não se tratava de um roubo corrente? Pensou
outra vez em Malory, mas, por mais que analisasse ao homem, não podia imaginar contratando a
um valentão para que o atacasse.
- Estive muito tempo inconsciente? - perguntou Nicholas. A cabeça lhe palpitava.
- Uma hora longa, amigo, não há dúvida.
- Então, quer me dizer que diabos está esperando? –grunhiu Nicholas. - me roube e termine
de uma vez!
- Já o fiz, amigo, em seguida. Não me disseram que o fizesse, mas o fiz. Mas estou
encarregado de o vigiar aqui.
Nicholas procurou sentar-se, mas o invadiu um intenso enjôo. Amaldiçoou e tentou de
novo levantar-se.
- Calma, camarada. Não tente nenhuma mutreta, ou voltarei a lhe golpear com minha clava.
Nicholas se sentou, com os joelhos dobrados contra o peito. Aspirar profundamente o ar lhe
faria bem. Finalmente conseguiu ver o indivíduo. Não ficou impressionado. Se conseguisse ficar
de pé daria facilmente conta dele, inclusive com as mãos atadas.
- Me ajude a me levantar.
- É gracioso, amigo. É quase duas vezes de meu tamanho. E eu não nasci ontem.
"Bom, estou preparado", pensou Nicholas.
- O que fez com meu cocheiro?
- Deixamos ele em um beco. Não se preocupe. Despertará com dor de cabeça, como você
mesmo, mas não o acontecerá nada.
- Onde estamos?
- Eu gostava mais quando estava dormindo – foi a rápida resposta esquiva. - Faz muitas

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perguntas.
- Pelo menos poderia me dizer o que fazemos aqui - disse Nicholas com impaciência.
- Está sentado no meio do caminho e eu me ocupo de que continue aqui.
- Não, o que faz é me zangar! -exclamou Nicholas.
- É algo que me preocupa muito, amigo. De verdade me preocupa.
Com um pouco de equilíbrio e esforço poderia dar um golpe com a cabeça na aquele
ignominioso filho de puta, pensou Nicholas. Mas seus planos foram interrompidos pelo som de
outra carruagem que se aproximava. Como o bandoleiro não se apressou a deixar a cena, Nicholas
chegou à incômoda conclusão de que a carruagem era esperado. Que demônios iam fazer o agora?
- Aproxima-se algum seu amigo?
O outro moveu a cabeça.
- Já lhe disse, camarada, que faz muitas perguntas.
O farol exterior da carruagem que se aproximava iluminou a zona e o que Nicholas viu foi
como uma ardência familiar. Estava acaso no Hyde Park? Todas as manhãs cavalgava ali, e
conhecia os atalhos tão bem como os do Silverley. Teriam se atrevido a assaltá-lo estando tão perto
de sua casa?
A carruagem se deteve uns dois metros de distância, o cocheiro desceu, não sem recolher
antes o farol. Atrás dele dois homens saíram da carruagem, mas Nicholas só pôde ver algumas
vagas formas porque a luz o dava diretamente no rosto. Procurou levantar-se, mas a clava do Pye
o avisou de que não o fizesse; o homem a apoiou sobre seu ombro.
- Lindo quadro, né, Connie? - ouviu-o dizer. E logo:
- Na verdade sim. Tudo preparado e a suas ordens.
As gargalhadas que seguiram atuaram como um ralador sobre os sensibilizados nervos de
Nicholas.
Não reconheceu as vozes, mas o sotaque era culto. Que inimigos havia feito ultimamente
entre o grupo elegante? Dúzias! Todos os antigos pretendentes de sua atual noiva!
- Um trabalho esplêndido, amigos. - Jogaram uma bolsa ao que levava a clava e outra ao
baixo e robusto cocheiro. - Acendam esse farol para nós e logo devolvam a carruagem alugada.
Nós usaremos esta carruagem, já que Sua Senhoria não vai necessitar dele.
A luz saiu de seus olhos e Nicholas pôde lançar enfim um olhar aos dois homens. Ambos
eram altos e barbudos, ambos bem vestidos, o mais magro com um redingote cruzado; o outro,
cuja barba era muito grande, com uma severa casaca, à moda Garrick. Viu umas calças escuras e
umas botas bem lustrosas. Mas, quem eram estes homens?
O mais gordo, que era um pouco mais baixo que o outro, levava uma bengala com cabo de
marfim. Isto e a revolta barba o davam um ar caricato. Era de mais idade que seu companheiro,
provavelmente estava perto dos quarenta. Pareceu-o vagamente familiar, mas, embora sua vida
dependesse disso, Nicholas se sentia incapaz de reconhecê-los.
- Tragam esse outro farol antes de partir. O farol da carruagem de Nicholas foi posto na
parte de trás do outro veículo, iluminando a ele, mas deixando em sombras aos dois cavalheiros.
O cocheiro e o valentão se foram na carruagem de aluguel.
- Verdade que parece estar confuso, Connie? - disse o homem mais jovem quando o outra
carruagem se afastou. - Suponho que não irá desiludir me dizendo que não recorda de mim.
- Talvez convenha que o refresque a memória.
- Possivelmente...
A ponta da bota golpeou ao Nicholas na mandíbula. E ele caiu para tráscom os braços
atados, gemendo de dor.
- Vamos, amigos, sentem-se. Isso não foi mais que um golpezinho.

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Nicholas foi agarrado rudemente pelos pulsos amarrados e posto de pé, depois de retorcer
os braços. Cambaleou um momento, vencido por um novo enjôo, mas uma pesada mão o segurou.
Por sorte a mandíbula já o estava intumescendo. Depois sentiu um puxão quando separou os
lábios.
- Se é que nos conhecemos...
O primeiro homem o cortou o fôlego, lhe dando um golpe no estômago. Nicholas se
dobrou, em busca de ar, que o escapava dos pulmões.
A mão que se deslizou sob seu queixo para endireitá-lo foi quase suave.
- Não me desiluda, amigo - a voz era doce mas carregada de ameaça. - Diga que se recorda
de mim.
Nicholas se ruborizou impotente de ira e olhou fixamente ao homem. Era um pouco mais
baixo que ele. O longo cabelo castanho claro estava amarrado atrás com uma fita, mas uns cachos
mais curtos e mais loiros caíam sobre suas orelhas. A barba era do mesmo tom castanho claro.
Quando moveu a cabeça para um lado para olhar ao Nicholas um relâmpago de ouro brilhou em
sua orelha. Um pendente? Impossível. O único homem que usava pendentes era... a inquietação
começou a substituir ao aborrecimento.
- Capitão Hawke...
- Muito bem, amigo. Não teria podido aceitar a idéia de que me tivesse esquecido -disse
Hawke com um risinho. Vê o que se obtém quando se golpeia bem, Connie? E a última vez que
nos encontramos foi em um beco escuro. Duvido que o moço pudesse ver-me bem então.
- Viu-o bastante bem no Maiden Anne.
- Mas é que acaso pareço o mesmo a bordo de um navio? Não. Reconheceu-me porque é
inteligente. Foi questão de deduzir, entende? Duvido que tenha outro inimigo como eu.
-Lamento os desiludir -disse pausadamente Nicholas - mas já não têm o monopólio de me
odiar.
- Não? Esplêndido. Eu não gostaria que passasse muito bem quando eu não estiver aqui.
- De maneira que viverei para ver outro dia? -perguntou Nicholas.
Connie riu.
- É tão arrogante como você, Hawke, Ah se o é. Não acredito que o tenha assustado o mais
mínimo. Em qualquer momento lhe cuspirá nos olhos.
- Não acredito - disse friamente Hawke. - Nesse caso eu lhe arrancaria um olho. Como
ficaria com um emplastro como o velho Billings?
- Com esse bonito rosto? -replicou Connie. - Só serviria para pôr mais de relevo suas
soberbas feições. Às damas adorariam.
- Bom, então é provável que tenha que me ocupar de seu rosto.
Nicholas nem sequer viu vir o golpe. O fogo estalou em sua face e o impacto o fez
cambalear. Connie estava ali para sustentá-lo de qualquer modo, e então a outra face recebeu um
poderoso golpe.
Quando a cabeça clareou, Nicholas cuspiu sangue. Seus olhos brilharam com uma luz
assassina ao encontrar o olhar fixo do pirata.
- Está já bastante zangado para querer lutar comigo, filho?
- Bastava perguntar - conseguiu dizer Nicholas.
- Precisa ter motivos. Estou aqui para que esteja na mesma altura, não para lutar com você.
Quero uma boa exibição, ou teremos que repetir isto.
Nicholas bufou, embora o doesse o peito ao fazê-lo.
- Estar na mesma altura? Esquece quem atacou a quem a mar aberto.
- Recorde que esse é meu ofício.

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- Então como se atreve a falar de vingança simplesmente porque o venci? -exigiu Nicholas. -
Ou sou acaso o único homem que voltou com o navio inteiro depois de um encontro com o
Maiden Anne.
- Não - disse Hawke sinceramente. - Já entramos outras vezes avariados a porto. Eu mesmo
recebi feridas no fragor da batalha. Embora eu não gosto que meu filho ficasse ferido quando
fizeram cair meu mastro maior. Mas até isto devi aceitar para ter a bordo ao moço. De qualquer
modo, de cavalheiro a cavalheiro...
- Um cavalheiro pirata? -Era perigoso, mas Nicholas tinha que dizê-lo.
- Zombe como quiser, mas é bastante inteligente para perceber por que tínhamos que voltar
a nos encontrar.
Nicholas quase soltou uma gargalhada. Era incrível. O pirata o tinha atacado primeiro, para
apoderar-se do carregamento que Nicholas levava. E Nicholas tinha ganho aquela batalha
marinha. Mas fizera mal em provocar ao capitão Hawke quando se afastava. Foi um golpe baixo.
Embora tivesse acontecido há quatro anos, e ele era então muito jovem e temerário, a vitória o
tinha subido à cabeça. Ao que parecia tinham sido as provocações que tinham levado Hawke a
procurar ficar na mesma altura. Acaso um cavalheiro podia passar por cima de um insulto?
Cavalheiro! Encontraram-se em um beco escuro no Southampton quando Nicholas
retornou a Inglaterra, três anos antes. Aquela noite não pudera ver seu assaltante, embora Hawke
tinha se dado ao prazer de apresentar-se. Aquele encontro foi interrompido.
Depois tinha havido uma carta, uma carta que esperava ao Nicholas quando este retornou
no ano anterior das Índias Ocidentais, expressando o pesar do Hawke por não ter podido renovar
o conhecimento quando Nicholas estava em Londres. E a carta convenceu ao Nicholas de que seu
inimigo era terrível. Por que? Ah? Por que queria de presente seu sangue?
- Desamarre-o, Connie. Nicholas ficou tenso.
- Terei que lutar contra vocês dois?
- Vamos - protestou o capitão Hawke. - Isso não seria muito correto, não é verdade?
- Caramba -grunhiu Nicholas. - Golpear a um homem amarrado não é muito correto,
digamos.
- Acaso o machuquei, moço? Deve aceitar minhas desculpas, mas acreditava que fosse de
massa mais robusta. E compreenderá que me sinta justificado depois de todo o trabalho que me
deu enquanto esperava que chegasse este momento.
- Entenderá se o digo que não estou de acordo?
- Claro - replicou Hawke com uma saudação zombeteira. Hawke se tirou a casaca. Estava
vestido com roupa que o permitia um movimento ágil, uma ampla camisa colocada dentro das
calças. Nicholas tinha o incômodo da capa, da casaca e do colete. Viu que não ia o dar
oportunidade para que tirasse nenhum destes objetos enquanto observava ao pirata que abria e
fechava o punho com impaciência.
Nicholas não pôde reter um grunhido quando as cordas foram finalmente cortadas e seus
braços caíram dolorosamente dos lados. Durante vários minutos não sentiu seus dedos e logo,
quando o sangue os inundou, sentiu-os muito. E tinha imaginado corretamente. Não o deram nem
um momento de pausa para repor-se antes do primeiro golpe na mandíbula que o fez cambalear.
Caiu com dureza.
- Vamos, moço -se queixou Hawke com um suspiro. - Desta vez não nos interromperão.
Faça uma boa briga e direi que estamos em paz.
- E se não a faço?
- Então é provável que não saia daqui caminhando.
Nicholas compreendeu. Jogou a capa quando ainda estava no chão e se lançou contra o

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outro, golpeando-o na metade do corpo e fazendo com que ambos caíssem ao chão. Seguiu com
um forte golpe de direita à mandíbula do Hawke, mas o impacto machucou tanto sua mão
palpitante que foi ele quem uivou de dor.
Nicholas brigava com toda sua torça, mas Hawke era incansável e, apesar das feridas do
Nicholas, o pirata era o mais enfurecido dos dois. Também era mais pesado e mais musculoso.
Seus enormes punhos eram infatigáveis e desumanos com o rosto e o corpo já castigado do
Nicholas. A luta foi dura para os dois, e Nicholas caiu ensangüentado ao chão, mas sabia que o
outro homem também estava machucado. Apesar de tudo, Hawke podia rir.
- Reconheço-lhe a capacidade, Montieth - disse, sem fôlego e bufando, o capitão Hawke. -
Provavelmente me teria vencido se tivesse começado fresco. Agora estou satisfeito.
Nicholas ouviu só parte disto, antes de cair em uma bem-vinda inconsciência. Conrad
Sharpe se inclinou sobre ele e o sacudiu, mas ele não se moveu.
- Ficou sem sentido, Hawke. Mas tem que se tirar o chapéu ante o moço. Durou muito mais
do que era de esperar - disse Conrad rindo. - Como anda seu corpo agora que está em paz?
- Tranqüilo, Connie. Céus e infernos, o tipo tem uma direita muito dura.
-J á me dava conta - disse Conrad, rindo. Hawke suspirou.
- Em outras circunstâncias, quase teria simpatizado com ele. É lástima que nos tenhamos
cruzado quando era um jovenzinho de língua tão insolente.
- Acaso não o somos todos nessa idade?
- Sim, acredito que sim. E todos devemos aprender uma lição. – Hawke procurou
endireitar-se, mas gemeu e se virou. - me leve para cama, Connie. Acredito que, depois disto,
necessitarei de pelo menos uma semana de descanso.
- Valia a pena?
- Sim, Deus é testemunha, claro que sim!

CAPÍTULO 18

O último dos oficiais e o médico saíram do quarto, e o lacaio de Nicholas, Harris, fechou a
porta. Nicholas se permitiu sorrir, mas o movimento se converteu em uma careta ao abrir o lábio
partido.
- Se não levar a mal, senhor, eu sorrirei pelos dois - ofereceu Harris. E realmente sorriu, e
seu bigode caído se nivelou ao fazê-lo.
- Terminou melhor do que se podia esperar, não é? –disse Nicholas.
- Assim é, senhor. Em lugar de ter que apresentar-se ante o juiz com uma simples acusação
de assalto, esse homem terá que enfrentar à acusação de pirataria.
Nicholas teve vontades de voltar a sorrir, mas pensou antes. Agora sabia o que era estar à
altura do capitão Hawke. Bom, a vitória do Hawke foi muito, mais que muito curta.
- Suponho que não devia me desfrutar, mas esse tipo não merece nada melhor -disse
Nicholas.
- Certamente que não, senhor. Vamos, o médico diz que é uma sorte que o osso de sua
mandíbula esteja ainda em bom estado. E nunca em minha vida vi mais equimoses e...
- Oh, isso não importa. Não acha que ele também sofre agora? Esse é o princípio do
assunto. Eu nunca teria conhecido a esse canalha se não tivesse atacado meu navio. Mas era ele
quem me guardava rancor!
Embora não acredito que desfrute agora estando no cárcere!
- Foi uma sorte que os guardas o encontrassem, senhor.

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- Sim, isso foi pura sorte.


Nicholas tinha recuperado o sentido uns minutos depois que Hawke e o ruivo Connie
partissem em sua carruagem. E pouco mais tarde ouviu o ruído dos cascos de alguns cavalos.
Conseguiu gritar, e os dois guardas o ouviram. Demorou certo tempo em convencer os de que o
deixassem e corressem atrás de sua carruagem. Trinta minutos depois voltaram a o buscar com a
boa notícia de que tinham recuperado a carruagem e que o assaltante ferido estava preso... embora
o outro homem tivesse conseguido escapar.
Nicholas contou a história aos bons homens, que o levaram a sua casa. O nome do Hawke
preocupou a um deles. Por isso um grupo de oficiais se apresentou em casa do Nicholas quando
ainda estava sendo atendido pelo médico. Informaram-no que Hawke era um bandoleiro
procurado pela Coroa.
- Também foi uma sorte, senhor - continuou conversando o lacaio enquanto estendia as
mantas da cama sobre Nicholas - que lady Ashton não estivesse com você quando o encontraram
esses canalhas. Suponho que a noitada transcorreu como se planejou e que ela voltou a partir
sozinha.
Nicholas não respondeu. Quando pensava no que podia ter passado... não, não suportava
pensar nisso. Regina estava a salvo porque George Fowler a tinha acompanhado a sua casa.
Hum. Nada menos que George Fowler... Uma ira irracional, maligna e febril se apoderou
dele.
- Senhor...
- O que? - grunhiu Nicholas, recuperando-se. - Ah, sim, Harris, a noitada transcorreu como
se esperava no que se refere a essa dama.
O lacaio, de idade madura, estava com Nicholas desde há dez anos, e conhecia seus
pensamentos e sentimentos como ninguém. Sabia que Nicholas não queria casar-se com Regina
Ashton, embora ignorava o por que - e não ousava perguntar-lhe. Ele e Nicholas tinham discutido
a estratégia que usava Nicholas para solucionar aquele assunto.
- Lady Ashton teve com você uma mudança de palavras, senhor?
- A coisa não partiu bem replicou Nicholas, cansado. O sedativo que lhe deu o médico
começava a fazer efeito. - Continuo comprometido com ela.
- Bom, certamente na próxima vez...
- O que?
- Mas não falta tanto para as bodas -acrescentou Harris, vacilante. O médico quer que
descanse três semanas.
- Muito incômodo - replicou Nicholas. - Me levantarei dentro de três dias, não ficarei mais
tempo.
- Como quiser, senhor.
- Afirmo-o.
- Está bem, senhor.
Como nunca foi castigado antes daquela maneira, Nicholas ignorava que, no dia seguinte ia
sentir se dez vezes pior. Amaldiçoou com vigor ao capitão Hawke, desejava que aquele pirata
fosse enforcado.
Demorou uma semana para poder mover-se, embora estivesse levemente sem dor. E
embora pudesse levantar-se e mover-se na semana seguinte, os cortes de seu rosto seguiam em
carne viva.
Não estava em condições de ver a Regina. Mas já não podia perder mais tempo.
Só faltava uma semana para as bodas. E ele tinha que vê-la.
Apesar de seu aspecto físico se apresentou em casa dos Malory no Grosvenor Square.

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Disseram-lhe que Regina tinha saído para fazer compras para seu enxoval. Esta informação
aumentou seu pânico. Esperou uma hora e, quando ela chegou, afastou rudemente a sua noiva
dos primos no momento de entrar.
Conduziu-a ao jardim e saíram logo à praça, sem dizer nada, com passo longo e rápido, a
expressão dele sombria e pensativa. Ao penetrar em sua mente a suavidade da voz dela, ele se
deteve.
- Já está recuperado? - perguntou ela. Uma cortante brisa outonal arrastava folhas pelo ar e
brincava loucamente com as plumas do chapéu da Regina. Ela tinha as faces acesas, os olhos
faiscavam com a luz azulada. Era muito, condenadamente bela, transbordante de saúde e
vitalidade. Continuava sendo a mulher mais bonita que ele viu.
- Recuperado? - repetiu Nicholas, perguntando-se como teria chegado a inteirar-se Regina
do assalto, ma vez que ele a tinha evitado durante duas semanas para que não soubesse nada.
- Derek nos falou de sua enfermidade - explicou ela. Lamento que tenha acontecido tão mal.
Maldição! De maneira que tinha que receber agora a compaixão dela, graças ao Derek, que,
além disso, tinha retocado a verdade. Teria preferido vê-la zangada.
- O certo é que estava em uma taverna favorita, perto dos moles e fui assaltado por uns
rufiões que me golpearam para apoderar-se de minha bolsa. Sinto prazer em visitar lugares de má
fama.
Ela sorriu tolerante.
- Tony estava certo de que iria utilizar sua enfermidade para adiar as bodas. Disse-o que
isso não estava dentro de seu estilo.
- Conhece-me tão bem, amor? -perguntou Nicholas com ironia.
- É provável que tenha muitos defeitos, mas não o da covardia.
- Você acha...?
- Oh, tolices -interrompeu ela. - Não acreditaria embora tentasse me convencer do contrário,
não o tente.
Nicholas chiou os dentes e o lançou um olhar divertido. Ver a beleza dela afetava-o
profundamente, como sempre, e seus pensamentos vagavam sem poder concentrar-se.
- Suponho que devo perguntar como esteve.
- Sim, deveria fazê-lo -assentiu Regina. - Mas ambos sabemos que não se interessa pelo que
eu possa fazer com meu tempo. Por exemplo, não se sentiria ferido, verdade, se soubesse que
estive muito ocupada para considerar você de menos? E tampouco se importaria saber que outros
homens acompanharam-me às festas que meus primos insistiram em me levar.
- Gcorge Fowler...?
- George, Basil, William...
- Tome cuidado, porque posso chegar a suspeitar que quer provocar meus ciúmes para se
vingar.
- Me vingar? Ah, vejo que me julga de acordo com seu próprio comportamento. É divertido,
Nicholas. Pelo mero fato de que outras mulheres o pareçam fascinantes...
- Basta, Regina! - exclamou Nicholas perdendo a paciência. - Por que oculta sua irritação
depois de uma cortina de tolices corteses? Me insulte!
- Não me tente.
- Haja - exclamou ele triunfante. - Começava a acreditar que não tinha caráter.
- Ah, Nicholas -disse Regina rindo baixinho, - supõe que devo lhe dizer que é uma criatura
suja e desprezível, e que jure em meio de lágrimas que nenhuma vez me casaria com você embora
fosse o último varão sobre a terra e coisas desse estilo?
Nicholas a olhou enfurecido.

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- Está zombando?
- Por que pensa isso?
Disse-o com expressão tão inocente, que o pôs as mãos sobre os ombros, disposto a sacudi-
la. Mas os magníficos olhos azuis aumentaram surpreendidos, as mãos dela se apoiaram no peito
dele para o afastar, e Nicholas ficou avermelhado até as orelhas. separou-se dela, quase tremendo.
- O pouco tempo que resta me obriga a ser brutal, Regina - disse com frieza.
- Peço que terminemos com a farsa do compromisso. Volto a pedir isso. Mais: suplico-o isso. Não
quero me casar com você.
Ela abaixou o olhar, e o cravou fixamente nas lustrosas botas dele.
- Não me quer então... de maneira nenhuma? Nem sequer como amante?
Os olhos cor de mel do Nicholas flamejaram ante o torvelinho que o provocava aquela
pergunta, mas disse somente:
- Não duvido que pode ser uma amante estupenda.
- Mas não o interesso...
- Já não.
Virou-lhe as costas, seus ombros foram caindo, parecia uma figurinha desventurada,
abandonada. Nicholas teve que conter-se com cada partícula de sua vontade para não estender os
braços e estreitá-la neles. Teria querido retirar o dito, lhe mostrar que tudo era uma mentira. Mas
era melhor que ela estivesse desiludida um tempo e que o esquecesse depois. Não podia permitir
que aquela preciosa mulher se casasse com um bastardo.
- De verdade acreditei poder te fazer feliz, Nicholas. - As palavras flutuaram até ele por
cima do ombro dela.
- Nenhuma mulher pode, amor, ao menos por muito tempo.
- Lamento-o então. De verdade. Ele não se moveu.
- Deixará-me então?
- Não.
- Não? - Ele se endireitou, incrédulo. - O que quer dizer?
- Não grite comigo, senhor.
- Assim voltamos a ser formais? -exclamou ele, e sua raiva crescia.
- Dadas as circunstâncias, assim é -respondeu ela, cortante. – Bastará que saia de Londres
na semana próxima. Asseguro-o que sou bastante forte para suportar a humilhação de ser
abandonada.
- Mas dei minha palavra! -exclamou ele.
- Ah, sim, a palavra de um cavalheiro que é cavalheiro só quando o convém.
- Estou comprometido por minha palavra.
- Então cumpra com sua palavra, lorde Montieth.
Começou a afastar-se mas ele a segurou pelo braço, seus dedos apertaram com força.
- Não o faça, Regina - a acautelou sombrio. - Depois o lamentará.
- Já o lamento... - A voz era só um murmúrio. E ele se comoveu.
- Mas... por que?
- Porque... devo fazê-lo -respondeu ela. Soltou-lhe o braço e se afastou, seu rosto parecia
uma máscara diabólica.
- Que o diabo a leve então! Mas juro que não serei seu marido. Se persistir nesta farsa, o que
terá é um matrimônio de comédia. Desejo que seja feliz.
- Não pode falar a sério, Nicholas... - Havia lágrimas em seus olhos.
- Dou-lhe minha palavra, senhora. E um último aviso: não vá à igreja.

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CAPÍTULO 19

- Ah, não chore mais, tesouro -suplicou Meg. - Suas primas virão dentro de um momento
para ajudar a vestir. E sem dúvida não quererão que a vejam neste estado.
- Não posso evitá-lo -soluçou angustiada Reggie. - Acaso não é normal
que todas as noivas chorem no dia das bodas?
- Mas esteve chorando toda a semana. E não o serviu que nada, não é verdade?
- Não. - Reggie moveu a cabeça.
- E sem dúvida, especialmente hoje, não convém que a vejam com os olhos inchados.
Reggie se contraiu, preocupada.
- Isso não me importa. Levarei o véu sobre o rosto.
- Mas esta noite não usará um véu.
Produziu ]-se um silêncio e depois Regina murmurou:
- Haverá por acaso uma noite de núpcias?
- Não supõe que ele não vai apresentar-se -disse Meg contendo o fôlego, ofendida.
- Oh, estará presente -suspirou Regina. - Mas já o repeti o que me disse.
- Tolices. Alguns homens têm terror ao matrimônio, e seu visconde parece ser um destes.
- Mas jurou que não será um marido para mim.
- Disse-o porque estava furioso -disse Meg paciente. - Não terá que tomar a sério o que diz
um homem zangado.
- Mas ele pode sentir-se amarrado, compreende? Oh, como posso me haver equivocado
com ele até este ponto? -exclamou Reggie. - Como pude? - Moveu a cabeça. -Pensar que alguma
vez o comparei com o Tony! Nicholas Éden não se parece com meu tio. Não tem nenhuma
partícula de sentimento... que não seja entre as pernas -acrescentou com amargura.
- Reggie!
- Pois é verdade -replicou ela. - Fui simplesmente um jogo para ele, outra conquista.
Meg a olhava com as mãos nos quadris.
- Deverá lhe falar do menino - disse pela centésima vez. - Ao menos teria entendido por que
têm que seguir com esta farsa.
- Provavelmente não o teria acreditado. Inclusive eu mesmo o duvido. Olhe-me. Estou
grávida de quatro meses e não se nota o mais mínimo. E não enjoei, nem... Acaso vou atar a esse
homem por nada? Estarei realmente grávida?
- Desejaria que não fosse assim, filhinha, mas sabe que está. E repito que deveria ter-lhe
dito.
- Sou tão parva que acreditei que seu péssimo comportamento era só uma armadilha -disse
Reggie com amargura. Suspirou. - Sabe, Meg? Ainda tenho certo orgulho.
- Às vezes terá que engolir todo o orgulho, tesouro - disse Meg com suavidade. Reggie
moveu a cabeça.
- Direi-lhe o que ele teria dito se eu o tivesse confessado que estou grávida. - Diria-me que
não perdesse o tempo em uma causa perdida e que procurasse um pai para meu filho.
- Talvez tivesse que tê-lo feito. Os olhos de Reggie flamejaram.
- Nunca carregarei a um homem com o filho de outro! Nicholas Éden é pai de um filho em
caminho e deve pagar seu preço, porque não pode pagar outro.
- Você é quem está pagando, Reggie, com a desdita e a dor de seu coração.
- Já sei - disse ela, já sem furor. - Mas foi porque acreditei amá-lo. Ao comprovar até que
ponto me equivoquei com ele, conseguirei superá-lo.

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- Está a tempo. Poderia partir para o continente antes de...


- Não - disse Reggie com tanta força que a camareira deu um pulo. – Se trata de meu filho.
Não me ocultarei envergonhada até que nasça para entregá-lo depois, nada mais que para me
evitar um desagradável casamento... Depois acrescentou, pensativa: -Não é necessário que viva
com esse homem, sabe, se ele se mostrar muito difícil. E não tenho por que estar junto a ele para
sempre. Mas meu filho levará o nome de seu pai. Nicholas Éden compartilhará a
responsabilidade, como corresponde.
- Então é melhor que nos apressemos para ir à igreja - suspirou Meg.
Nicholas já estava na igreja, por momentos em um silencioso furor, desesperado em outros.
A família e os amigos estavam chegando, demonstrando que as bodas iam realizar se de verdade.
Sua avó e a tia dele já estavam ali, mas Miriam Éden era uma vez mais conspícua por sua
ausência. E isto reforçava sua convicção de que fizera o que correspondia ao acautelar a sua noiva.
O coração se contraiu de dor quando Jason Malory entrou na igreja, seguido pela noiva.
Ouviram-se exclamações entre a multidão, porque ela estava formosa até cortar o fôlego, com um
vestido de seda prateado e azul, enfeitado de uma quantidade de bordados brancos. Era
notavelmente antigo, de cintura ajustada, mangas longas, e chegava até o chão. Embora a roda da
saia não fosse tão amplo como a dos vestidos da era passada, a sobressaia se abria de ambos os
lados enfeitada de bordados, revelando amplos painéis de prata. Havia bordados debaixo do
arredondado sutiã e no pescoço. Um
diadema de prata e brilhantes segurava um véu branco que o cobria o rosto até o queixo e que por
detrás caía quase até o chão. Regina permaneceu vários minutos à entrada da igreja, enfrentando
ao Nicholas no fundo do corredor. Ele não podia o ver o rosto ou os olhos e esperou contendo o
fôlego, desejando que ela desse a volta e fugisse.
Mas ela não o fez; pôs a mão no braço de seu tio e começou a caminhada pelo centro da
igreja. Uma ira gelada, tranqüila, apoderou-se do Nicholas. Pelo capricho daquela menina mulher
se via obrigado a casar-se. Bom, que tivesse seu dia de triunfo. Não ia durar muito. Quando se
inteirasse de que se casou com um bastardo ia lamentar não ter seguido seus conselhos.
Ironicamente, Miriam ia ajudar nisto. Desfrutaria de do perverso deleite de informar a Regina de
todas as faltas do Nicholas. E ele pensava, com sombrio humor, que esta seria a primeira boa ação
de Miriam para com ele. Naturalmente ela não seria consciente do que estava fazendo.

CAPÍTULO 20

Reggie olhava pela janela da carruagem, mas só podia ver seu próprio reflexo. Ruborizou-
se quando seu ventre rugiu de fome, mas não olhou ao Nicholas para comprovar se ele o tinha
ouvido. Ele estava sentado em frente a ela, no interior da carruagem que levava seu brasão.
O abajur ardia desde há duas horas, mas ainda não se detiveram em nenhuma estalagem
para comer. Ela estava faminta, mas preferia morrer antes a lhe pedir que parassem.
Os convidados à bodas tinham desfrutado de um grande almoço na casa dos Malory, mas
Reggie não tinha participado. Nicholas a levou diretamente da igreja para sua casa, disse-lhe que
fizesse uma mala com o imprescindível e que enviasse o resto de suas coisas ao Silverley. Os dois
tinham partido antes que chegassem os convidados ao almoço.
Ele a fizera andar toda a tarde e parte da noite, mas ela não tinha vontade de queixar-se,
especialmente ao vê-lo ali, tão pensativo, sem olhá-la sequer. Não tinha separado os lábios desde
que saíram de Londres.
Nicholas tivera que se casar e estava furioso por havê-lo feito. Bom, ao menos isto era o que
ela supunha. Mas era algo prometedor que a levasse a sua propriedade no campo. Ela não podia

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tê-lo imaginado. Na verdade não sabia o que esperava dele.


Seu estômago rugiu de novo, e finalmente se decidiu a perguntar:
- Pararemos logo para comer?
- A última estalagem estava no Montieth. Silverley fica um pouco mais longe -replicou
Nicholas bruscamente.
Teria gostado que o houvesse dito antes.
- É muito grande Silverley, Nicholas?
- Quase do tamanho de sua propriedade, que é vizinha da minha.
Os olhos dela aumentaram.
- Não sabia!
- Como poderia sabê-lo?
- Por que está zangado? Isto é perfeito. Essas propriedades se unirão agora.
- É algo que desejo há anos. Sem dúvida seu tio a informou. Utilizou sua propriedade para
me convencer de que me casasse com você.
Reggie se ruborizou, furiosa.
- Não acredito.
- Não acha que essa terra me interesse?
- Já sabe o que quero dizer -exclamou ela. - Oh! Sabia que havia alguma terra envolta, e
Tony inclusive me disse que isso o fizera vacilar, mas... não acreditei. Ninguém me havia dito isso.
Não sabia que sua propriedade limitasse com essa terra que herdei de minha mãe. Não vivi ali
desde... que morreram meus pais no incêndio que destruiu a casa. Eu só tinha dois anos então. E
nunca voltei para o Hampshire. O tio Edward administrou sempre o que ficou da propriedade, e
também a herança que recebi de meu pai.
- Sim, uma bonita soma, cinqüenta mil libras, que ele teve bom cuidado de apontar que se
triplicou graças a seus sábios investimentos, lhe dando uma boa renda anual.
- Deus, também está zangado por isso?
- Não sou um caçador de dotes!
A irritação dela quase transbordava.
- Bom, basta. Quem que esteja em seu são julgamento pode te acusar disso? Não é
precisamente um desfavorecido.
- Não é um segredo que eu ambicionava sua terra, terra que, conforme acreditava, pertencia
ao conde do Penwich, já que o conde foi a última pessoa que habitou ali.
- Ali viveu meu pai, não o conde atual mas, como a terra chegou a ele por intermédio de
minha mãe, não foi transpassada ao Penwich. Além disso, o desejo de meus pais era que eu a
herdasse.
- Agora sei. A seu tio Edward pareceu muito divertido me informar quando saí da igreja
que já não precisava me preocupar a respeito da compra da propriedade. Se fazia longo o tempo
para me dizer isso Disse que queria aliviar minha mente. Maldição. Sabem que aspecto tem essa
terra, senhora?
- Dá-se conta de que me está insultando, senhor.
Ele teve a decência de mostrar-se surpreso.
- Não quis dizer...
- Claro que quiz dizê-lo. É disso de que se queixa, não é verdade? Se preocupa que as
pessoas pensem que se casou comigo por minha herança. Bom, agradeço-o por isso. Não sabia que
esta era minha única maneira de conseguir um marido.
O sobrecenho dele se franziu e disse friamente:
- Temos que discutir agora como conseguiu um marido?

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Os olhos dela lançaram faíscas azuis e, por um só momento, Reggie temeu perder o
controle. Conseguiu, apenas, guardar silêncio, e Nicholas se conteve também e não a provocou.
Ambos se sentiram aliviados quando o carruagem se deteve justo naquele momento.
Ele saltou fora e estendeu a mão para ajudá-la a descer. Mas, assim que ela esteve em terra,
Nicholas voltou a subir na carruagem. Olhou-a fixamente, seus olhos aumentados de
incredulidade.
- Não pode... - disse sem fôlego.
Ele disse amargamente:
- Não sei por que se surpreende. depois de tudo sou homem de palavra.
- Não pode me deixar aqui... ao menos esta noite.
- Esta noite ou amanhã... que diferença faz?
- Bem sabe onde está a diferença!
- Ah, sim, a noite de núpcias. Mas nós já tivemos nossa noite, não é verdade, amor?
Ela conteve o fôlego.
- Se fizer isto, Nicholas -disse trêmula - juro que jamais o perdoarei.
- Então estaremos em paz, verdade, se ambos cumprirmos com nossos juramentos? Já tem o
que queria. Leva meu nome. Agora lhe dou minha casa. Mas em nenhuma parte está escrito que
deva compartilhá-la contigo.
- Espera que fique aqui enquanto você segue com sua vida de sempre, vivendo em Londres
e...? Ele moveu a cabeça.
- Londres está muito perto. Não, sairei da Inglaterra. Oxalá tomara tivesse feito antes de a
conhecer!
- Nicholas, não pode. Eu estou...
Reggie se conteve antes de dizer a frase que podia o fazer mudar de idéia. Seu orgulho se
afirmou tercamente. Não ia seguir o caminho de milhares de mulheres para manter a um homem
a seu lado. Se ele não ficava porque desejava fazê-lo...
- Está... o que diz amor?
- Sou sua mulher - disse ela brandamente.
- É verdade - assentiu ele e sua boca se apertou até formar uma linha dura. - Mas recorda
que o pedi que não fosse, e o avisei para que não apressasse o casamento. Sempre falei claramente
disto, Regina.
Fechou a porta da carruagem e golpeou no teto para indicar ao cocheiro que continuasse a
viagem. Reggie ficou o olhando incrédula enquanto se afastava a carruagem.
- Nicholas, volte! -gritou; - Se vai... Nicholas! Oh, odeio você ! Odeio você! - gritou cheia de
frustração, embora soubesse que ele já não podia ouvi-la.
Aflita, voltou-se para observar a grande casa de pedra cinza. Parecia um castelo em
miniatura, um castelo sombrio na escura noite, com sua torre central e seus torreões nos extremos,
mas estava muito perto e não podia ver como se estendia para trás, aos lados do bloco principal,
em elevações e formas assimétricas. Inclusive havia uma grande estufa em forma de cúpula no
fundo da casa, elevando-se sobre a asa dos criados, à direita.
As janelas ogivais de ambos os lados da porta estavam escuras. Talvez não houvesse
ninguém na casa. Esplêndido. Abandonada em sua noite de bodas e em uma casa vazia.
Bom, não podia fazer nada. Ergueu os ombros, forçou um sorriso e se aproximou da porta
de entrada, como se fosse muito natural que uma recém-casada chegasse sem seu marido.
Chamou, primeiro devagar, depois com força.
Quando a porta se abriu finalmente, Reggie viu o rosto atônito de uma moça jovem, uma
criada de serviço. Não tinha muita experiência nisto de abrir portas. Aquilo correspondia ao

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Sayers, o mordomo. Um homem que se tomava a si mesmo muito seriamente. Era capaz de esfolá-
la se se inteirasse de que ela tinha usurpado suas atribuições.
- Não esperávamos visitas, milady, se tivesse sido avisada a teria saído para receber. Bateu
tão suavemente... logo que a pude ouvir. No que posso o servir?
Regina sorriu, sentindo-se muito melhor.
- Em primeiro lugar, pode me deixar entrar. A moça abriu mais a porta.
- Veio vistar à condessa, a lady Miriam?
- Vim para viver aqui... ao menos por um tempo. Mas suponho que posso começar vendo
lady Miriam.
- Deus, veio viver aqui? Está certa? Isto foi dito com evidente surpresa, e Reggie riu.
- O que acontece? Há aqui fantasmas e dragões?
- Há um de que poderia falar... dois se contarmos à senhora Oates –disse a moça, sem
fôlego e depois ficou muito vermelha. - Não quis dizer... perdoe, milady.
- Não se preocupe. Como se chama?
- Hallie, senhora.
- Então, Hallie, agradeceria-lhe que informasse a lady Miriam que cheguei. Sou a nova
condessa do Montieth.
- Meu Deus. - Hallie estremeceu.
- Exato. Agora, quer me dizer onde devo esperar a lady Miriam?
A donzela fez Reggie entrar.
- Direi à senhora Oates que está aqui, e ela informará à condessa.
O vestíbulo de entrada tinha chão de mármore e era estreito, com apenas uma longa mesa
de refeitório contra a parede. Uma ornamentada bandeja de prata estava no centro da mesa para
deixar cartões de visita, e uma preciosa tapeçaria pendia detrás. Um grande espelho veneziano
revestia a parede oposta, com candelabros de ambos os lados, e um par de portas duplas
fechavam a parede de frente.
Hallie abriu as portas duplas que davam para um vestíbulo muito maior, do alto de dois
pisos, com um magnífico teto em forma de cúpula. A escada principal estava no centro da parede
da direita. No fundo do salão se abriam umas portas que levavam a hall, e Reggie vislumbrou
janelas com vidros de cores que quase cobriam a parede exterior. A impressão era a de uma casa
enormemente grande.
No extremo do salão, à esquerda, estava a biblioteca, e ali foi onde a conduziu Hallie. Com
uns quarenta metros de comprimento por vinte de largura, a biblioteca tinha umas altas janelas na
parede do fundo, que deixavam entrar amplamente a luz do dia. As outras três paredes estavam
cobertas de livros, e enormes retratos pendiam no alto das
estantes.
Havia uma chaminé debaixo dos lados. Cadeiras belamente esculpidas, divãs e mesas
estavam colocados para ler perto das janelas. Havia um antigo suporte de livro, laqueado de
dourado. Um tapete de ricos tons pardos, azuis e dourados cobria o chão. Um escritório sobre um
pedestal ocupava o extremo do aposento, com cadeiras ao redor, e havia um biombo de couro
pintado que podia converter aquele longínquo lugar em um cômodo estúdio separado do resto do
aposento.
- Não demorará muito, senhora... -disse Hallie. - A condessa... Oh, Deus, agora é a condessa
viúva, não é verdade? Igual a sua Senhoria, a avó de milorde. Mas estou certa de que lady Miriam
se apressará a o dar as boas-vindas... -disse cortesmente, embora não soasse muito convincente. -
Necessita de algo? Há brandy sobre a mesa e licor de framboesas, do qual à condessa gosta.
- Obrigada, simplesmente me porei cômoda -replicou Reggie com um sorriso.

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- Como queira, senhora. Permite que eu seja a primeira em o dizer que me alegro por sua
vinda? Espero que isto lhe agrade.
- Eu também, Hallie -suspirou Reggie, - eu também.

CAPÍTULO 21

Reggie olhou o sol matutino que aparecia pelo canto de seu dormitório. Diretamente
debaixo das janelas que davam para o sul estava a cúpula do a estufa. Mais à frente ficava o pátio
dos criados e, a maior distância, ocultos detrás de um bosquezinho, os estábulos e as garagens.
Ela estava no dormitório principal, no canto direito do bloco central da casa. Isto o permitia
ter duas paredes com janelas, todas cobertas com cortinas de veludo vermelho com bainha de
ouro e borlas. As cores do quarto eram escuras, exceto o papel azul da parede. De qualquer modo,
mais tarde, quando todas as janelas estivessem iluminadas, o quarto seria mais alegre.
As janelas da outra parede davam para um amplo parque. A paisagem de prados com
bosquezinhos era surpreendente: à direita havia um pequeno lago onde se refletiam todas as
cores, a seu redor tinha florescido tardiamente um tapete de plantas silvestres adornada por
preciosas pedras. Uma cena pacífica, tranqüila, que quase fez Reggie esquecer seus pesares,
embora não de todo.
Tocou uma campainha para chamar uma criada, esperando que não se apresentasse a
senhora Oates, a governanta, que, tal como a havia descrito Hallie, era um verdadeiro dragão. Era
uma criatura gorda, pretensiosa, fastidiosa. Queria, nada menos, que levar Reggie a um quarto de
hóspedes e, além disso, a um pequeno. Mas Reggie a tinha posto rapidamente em seu lugar.
Tendo em conta que as habitações destinadas à proprietária da casa estavam ocupadas pela
Miriam Éden, que não podia mudar-se da noite para o dia, avisou que os aposentos do senhor
estavam vazios e que os ia ocupar.
Isto deixou atônita à governanta. Só uma salinha separava os dois grandes dormitórios.
Lady Miriam ocupava um destes dormitórios.
Reggie se saiu com a sua depois de recordar sutilmente à senhora Oates que ela era a nova
proprietária da casa. Era verdade que Miriam Éden tinha continuado administrando Silverley
depois da morte de seu marido, mas Silverley pertencia ao Nicholas, e Reggie era a esposa do
Nicholas.
A senhora Oates a avisou para que não fizesse barulho quando passavam pela salinha
contígua ao quarto da Miriam. Disseram à Reggie que Miriam não se sentia bem e que se deitara
cedo. Por esta razão, Reggie não recebera as boas-vindas que o correspondia.
Para falar a verdade, Reggie se sentiu aliviada. Estava esgotada, envergonhada pela
ausência, depois de poucas horas, de seu marido, e tão cheia de amargura que não tinha vontade
de ver ninguém.
Estabeleceu-se no quarto do Nicholas, e descobriu que estava totalmente desprovido de
objetos pessoais. De algum jeito isto piorava as coisas.
A criada que respondeu a chamada de Reggie era de cabelo e pele escuros, e justamente o
contrário da faladora Hallie. Não disse uma palavra enquanto ajudava à Reggie a vestir-se e a
pentear-se, e a acompanhou depois ao salão do café da manhã.
Esta sala ficava na parte dianteira da casa e se beneficiava de todo o sol matinal. A mesa
estava posta para uma só pessoa. Um desdém? Em uma parede havia um grande armário de pau-
rosa cheio de fina porcelana com borda dourada, com um desenho floral rosado e branco. Entre as
janelas, na parede do fundo, havia uma escrivaninha preciosamente esculpida, de carvalho e

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ébano.
- Bom dia, senhora. Espero que tenha passado uma boa noite.
- Na verdade sim. Ainda não desceu a condessa? - Reggie apontou o único assento.
- Saiu para dar sua cavalgada matutina. Nunca come tão cedo, senhora.
- Para falar a verdade, eu tampouco. Porquê não me mostra enquanto isso o resto da casa?
- Mas aí está toda a comida -disse Hallie surpreendida, retirando a tampa da fonte para
mostrar ovos, salsichas, presunto, geléias, torradas e bolos, inclusive dois bolos de aspecto
delicioso.
- Céus - disse Reggie sem fôlego, - não acreditará que posso comer tudo isso, não é? Hallie
riu.
- A cozinheira quis lhe causar uma boa impressão, tendo em conta que ontem à noite só
pôde o dar pratos frios.
- Bom, então só levarei isto comigo e uma destas -disse Reggie, envolvendo uma grossa
salsicha em um pão-doce e tomando um dos bolos. - E agora façamos essa excursão.
- Mas talvez a senhora Oates...
- Sim -interrompeu Reggie com tom conspiratório - suponho que ela deveria fazê-lo. Mas o
permitirei que me mostre tudo mais adiante. Agora só quero ver o tamanho de Silverley, e quero
fazê-lo com uma companhia agradável.
Hallie voltou a rir.
- Nenhum de nós gosta muito da senhora Oates, mas o certo é que dirige o navio com
vigor, como está acostumada a dizer. Venha pois, milady. Mas se tropeçarmos com a senhora
Oates...
- Não se preocupe - lhe assegurou Reggie. - Procurarei alguma desculpa para justificar que
esteja comigo. Não lhe jogará nada na cara.
A casa era verdadeiramente grande. Depois do corredor de entrada passaram diante de
uma sala de bilhar, com três mesas. Havia mais aposentos de que Reggie podia se recordar, cada
um com preciosos móveis Chippendale e algumas peças Rainha Ana. Quase todos os elevados
tetos eram em forma de cúpula e estavam decorados com gesso dourado. Em alguns aposentos
havia enormes candelabros, finamente trabalhados.
Havia um quarto de música decorado em verde e branco e, à direita da sala, um hall com
janelas de cores que iam do chão até o teto, banhando a sala em tons que se destacavam
agudamente contra o branco mármore. Assentos vermelhos acolchoados corriam ao longo dos
muros. Reggie ficou atônita ante a beleza do lugar.
Na parte de trás da casa, depois da grande sala de jantar formal, estava a estufa. Ao longo
de um atalho que rodeava o recinto havia cadeiras, sofás e estátuas sobre pedestais. Havia vasos
de barro com planta aos lados de uns amplos degraus de pedra que levavam até uma fonte no
centro. Por toda parte se viam árvores e flores de outono. Reggie lamentava não ter visto aquele
lugar no verão, quando o jardim interior devia estar totalmente... florescido.
Vamos, em toda a extensão do fundo da casa, estavam os aposentos do dono. De direita à
esquerda estavam à câmara do senhor, a sala, a câmara da senhora, e depois um quarto de
crianças. E havia quartos para uma babá e uma camareira.
O percurso durou quase uma hora, e Hallie pôde escapar ao território dos criados, que
ficava no centro da casa, à direita do salão principal, antes que alguém descobrisse o que tinham
estado a fazer. Depois, Reggie ficou na biblioteca, esperando lady Miriam.
A espera foi curta. A condessa se apresentou logo a seguir de sua excursão a cavalo,
vestindo um traje de amazona violeta escuro e levando ainda seu chicote. Só teve um momento de
surpresa ao ver alguém na sala. Depois ignorou Reggie enquanto tirava o chapéu e as luvas.

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De maneira que assim iriam ser as coisas? Bom, isto explicava em parte a tendência à
rudeza do Nicholas.
Reggie pôde examinar Miriam enquanto esta a ignorava. Para uma mulher de quase
cinqüenta anos, mantinha-se notavelmente bem. Era esbelta e juvenil, seu porte rígido e direito.
Seu cabelo loiro, apertadamente seguro, estava perdendo a cor, mas não tinha ainda fios brancos.
Seus olhos eram de um cinza tormentoso. Uns olhos duros, frios, que talvez inclusive sorriam
algumas vezes. Mas Reggie recusou finalmente esta idéia.
Havia uma leve semelhança com Eleanor, a irmã da Miriam, mas era uma semelhança que
se insinuava para terminar em seguida. A irmã mais nova irradiava calor, amabilidade, e não
havia nada disto na condessa. Por acaso ia ser possível para Reggie viver com esta mulher?
- Tenho que a chamar "mãe"? - perguntou bruscamente, e a condessa se sobressaltou
visivelmente. Virou-se e olhou de frente para Reggie. Os olhos cinzas eram gelados, os lábios
estavam contraídos. Provavelmente não tinha costume de que o dirigissem a palavra antes de que
ela se dignasse a falar, pensou Reggie.
Com voz cortante, Miriam replicou:
- Não. Não sou sua mãe do mesmo modo que não...
- Oh, Deus - interrompeu Reggie - compreendi que havia um afastamento entre você e
Nicholas quando não veio a nossas bodas, mas eu...
- Minha presença era necessária aqui - disse secamente Miriam.
- ... Ignorava que negasse a seu próprio filho - terminou Reggie.
- O que está fazendo aqui sem o Nicholas? -perguntou Miriam.
- Nicholas e eu não nos entendemos, sabe? E portanto não podemos viver juntos... -replicou
Reggie.
Houve uma pausa provocada pela surpresa.
- Então, por que se casou? Reggie encolheu os ombros e o lançou um deslumbrante sorriso.
- Não era uma má idéia. Ao menos para mim. Estava farta do contínuo redemoinho das
reuniões. Prefiro a vida no campo.
- Mas isso não explica por que se casou Nicholas. Reggie levantou uma sobrancelha.
- Sem dúvida sabe o motivo. Eu não estava presente quando Nicholas aceitou a casar-se
comigo, mas sua irmã e sua sogra estavam presentes.
Miriam franziu o cenho. Naturalmente não ia repetir a pergunta. Nem tampouco ia
reconhecer que não se comunicara com Eleanor ou com Rebecca. Não o tinham comunicado nada
com respeito ao matrimônio.
- Estamos aqui um pouco isolados - advertiu Miriam. Reggie sorriu.
- Isso me parece maravilhoso. Só lamento ter que o pedir que escolha para você outros
aposentos. Miriam se ergueu, muito rígida.
- Disseram-me que ocupou os aposentos do Nicholas.
-Mas não as utilizarei por muito tempo, sabe? Devo estar perto do quarto das crianças - e
bateu carinhosamente o ventre.
A condessa pareceu a ponto de sufocar-se.
- Tolices. Não pode estar grávida. Casou-se ontem, e embora se tenham detido em alguma
estalagem depois das bodas, não poderiam haver...
- Esquece a reputação de seu filho, lady Miriam. Nicholas é um experiente sedutor. Não
pude resistir a seu encanto. E estou grávida de quatro meses.
A condessa fixou os olhos no ventre de Reggie, e Reggie acrescentou:
- Por sorte não se nota.
- Não vejo como pode supor que isto é uma sorte seja como for – disse Miriam com seca

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altivez. - As pessoas sabem contar, não é? E é uma vergonha que nem sequer se ruborize quando...
É simplesmente vergonhoso!
- Não me ruborizo, senhora, porque não sinto vergonha replicou friamente Reggie. - E se
não houver vergonha não há culpa. E se meu filho nasce cinco meses depois das bodas, bom,
outros meninos nasceram antes. Pelo menos tenho um marido, embora não se faça presente com
freqüência. E meu filho tem um nome. Tendo em conta a reputação de seu filho, ninguém se
surpreenderá que Nicholas não tenha podido conter-se durante
os quatro meses do compromisso.
- Realmente têm descaramento!
- E você, não o tem?
Miriam Éden ficou escarlate ante a hipótese e saiu da sala. Reggie suspirou. Bom, como
quem diz, fez sua própria cama. Talvez tivesse sido melhor não irritar aquele azedo pássaro,
mas... Reggie sorriu. A expressão ultrajada do rosto da condessa mostrava algo desagradável que
podia provir daquela mulher.

CAPÍTULO 22

- Engordaste um pouco ao que parece, gatinha - disse Anthony ao beijar a face de Reggie e
sentar-se junto a ela na grama. - Sem dúvida come de mais, porque é desventurada. E não me
surpreende, vivendo com esse pescado frio.
Reggie deixou a um lado o caderno de desenho e sorriu carinhosamente a seu tio.
- Se se refere a Miriam, direi-lhe que não é tão má. Depois de duas brigas chegamos a um
acordo. Simplesmente não nos falamos.
- Suponho que é a maneira de entender-se com alguns - replicou Anthony, com seu tom
mais seco. Reggie riu com deleite.
- Oh, Tony, senti sua falta este mês! Na verdade te esperava antes. Todos outros vieram.
- Não teria gostado de ver-me depois de me haver informado do que acontecia. Necessitei
deste mês para me apaziguar.
Ela suspirou.
- Suponho que quererá o matar de novo...
- Exatamente. Procurei dar com esse canalha, mas desaparecera.
- Teria lhe economizado o incômodo de o buscar -disse ela tranqüila. - Me disse que se ia da
Inglaterra. E acredito que o disse a sério.
Anthony se zangou.
- É melhor que falemos de outra coisa, gatinha. Seu marido não é um de meus temas
favoritos. Que é isso que está desenhando?
Reggie o estendeu o caderno de desenho.
- Só um sabujo correndo atrás das folhas que caem. Meteu-se no bosque uns minutos antes
que chegasse. Fiz alguns bons desenhos dos jardineiros, de todos os modos, e dos cavalariços
exercitando aos cavalos.
Ele passou as páginas, admirando os desenhos.
- Esse é Sir Tyrwhitt, um vizinho - disse ela quando ele chegou ante o retrato de um dandy
de idade madura. - Pode acreditar que ele e a condessa...?
- Não!
- Bom, não sei com certeza, mas ela é outra pessoa quando ele está perto. Embora não o
acredite parece uma adolescente.

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- Não posso acreditar - disse ele com firmeza. Reggie riu.


- E esse é o cavalheiro Gibbs e sua jovem esposa, Faith. Dela eu gosto muito. Miriam está
furiosa porque nos tornamos amigas. Sabe? Um convite ao Silverley sempre foi considerada uma
honra e, quando recebeu abertamente Faith, a condessa se encerrou dois dias em seu quarto para
mostrar seu desagrado.
- Gosta de dominar à nobreza menor, verdade? - perguntou ele.
- Oh, toma isso muito a serio, Tony. Anthony passou outra folha.
- Deus, quem são estes personagens?
- Dois Jardineiros, acredito. Há aqui tantos criados, que ainda não os conheço todos.
Desenhei ontem a esses homens, Junto ao lago.
- Deve ter estado especialmente deprimida ontem. Deste-os um ar sinistro. Reggie
estremeceu.
- Não foi meu estado de ânimo. Tinham um aspecto sinistro. Afastaram-se ao ver que os
estava desenhando, de maneira que tive que terminar o desenho de cor.
- Parecem valentões desses que andam pelos cais - disse ele- não jardineiros.
- Oh, tolices. Toda a gente daqui é agradável quando se conhece.
- Exceto o pescado frio.
- Não seja mau, Tony. Não acredito que ela tenha tido uma vida muito feliz.
- Essa não é desculpa para carregar com sua desdita. E falando de...
- Não -disse ela secamente. - Estou muito bem, Tony, de verdade.
- A mim não pode me enganar, gatinha. Basta olhar você. Não engordaria se fizesse
exercício, e quando se abandona e não cuida de sua saúde é porque é desventurada. Recorde-se
que a conheço. É igual a sua mãe em certo sentido. Mas não tem por que continuar aqui, sabe?
Pode voltar para casa.
- Sei que cometi um engano, Tony, mas não quero que todo mundo saiba. Entende?
- Por causa dele? - perguntou Tony agudamente.
- Não - replicou ela, e acrescentou, vacilante: - Não engordei como acha, Tony. O que
acontece é que estou grávida.
Houve um momento de surpreso silêncio. Depois ele disse:
- Não pode saber tão cedo. Só faz um mês que se casou.
- Estou grávida, Tony. Certamente, positivamente grávida.
Os olhos azul cobalto dele, tão parecidos com os dela, dilataram-se, e logo se entrecerraram,
enfurecidos.
- Não pode o ter feito isto! Matarei-o!
- Não, não o fará - replicou ela, vetando a solução favorita dele. – Este será seu primeiro
sobrinho ou sobrinha neta. Acaso poderá explicar alguma vez à criança que matou seu pai?
- Pelo menos merece uma boa surra - grunhiu o tio.
- Possivelmente -assentiu ela. - Mas não por me haver seduzido antes das bodas. Eu
participei de boa vontade na fabricação deste menino.
- Não se incomode em defendê-lo gatinha. Esquece que ele é como eu e eu conheço todas as
voltas. Seduziu-te.
- Mas eu sabia exatamente o que estava fazendo -insistiu ela. - Eu... foi uma tremenda tolice,
agora sei, mas acreditei que ia ajudar a que mudasse de atitude. Continuava fazendo de tudo para
que eu rompesse o compromisso, sabe? Nunca me enganou dizendo que se casava comigo de boa
vontade.
- Mas se comprometeu a fazê-lo.
- Sim, mas acreditou que ia poder conseguir que eu o deixasse antes do casamento.

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- Devia fazê-lo.
- O passado, o que devemos fazer e não fizemos, não conta, Tony.
- Sei, sei, mas, maldição, Reggie, como pode o ter abandonado sabendo...?
- Nunca o disse. Suponho que não imaginará que sou capaz de reter um homem desse
modo, não é verdade? - parecia autenticamente aborrecida.
- Na verdade, gatinha, é como sua mãe. Melissa deu a luz pouco depois do casamento.
Reggie conteve o fôlego.
- Seriamente? Mas... por que nenhum de você me disse até agora?
Anthony ficou avermelhado e afastou o olhar.
- Bom, obrigado por me ter dito isso. Me alegro de saber que não sou a única pessoa
promíscua da família... além de tio Jason, claro está – brincou ela.
- Promíscua! Ao menos seu pai não abandonou a Melissa. Adorava-a. Casaria-se antes com
ela, se o orgulho dela não os tivesse separado.
- Nunca soube nada disto - murmurou Reggie.
- Tinham brigas tremendas. Ela rompeu três vezes o compromisso, já em cada uma jurou
que não queria voltar a vê-lo.
- Mas todos me disseram sempre que se adoravam -protestou Reggie.
- Assim é, gatinha - assegurou-o ele. - Mas ela tinha um caráter tão tempestuoso como o
meu. Ante o mais mínimo contratempo perdia o controle. Graças a Deus não herdou isso dela.
- Ah, não sei - disse Reggie. - Se ele voltar alguma vez, não vou perdoá-lo. Fez com que o
amasse e depois nem sequer deu uma oportunidade a nosso matrimônio. E tenho orgulho, embora
virtualmente lhe supliquei que ficasse. Meu amor se converteu em.. bom, enfurece-me só pensar
nele.
- Felicito-a. Pensa em voltar para casa, quer? Não há motivos para que não dê a luz em casa
de sua família. Manteremos afastados aos curiosos.
- Bom, conto com Meg e eu...
- Pensa - disse ele com severidade. Sorriu-lhe.
- Pensarei nisso, tio.

CAPÍTULO 23

Era outra úmida manhã de novembro, e Reggie se dirigiu ao lago com seu caderno de
desenho. O tio Tony passou ali a noite e ela tinha se despedido cedo, prometendo de novo pensar
na sugestão dele de voltar para sua casa. ia pensar nisso ou, ao menos, ia pensar em voltar para
Londres, onde ia estar mais perto de sua família. E poderia guardar as aparências mudando para
casa de Nicholas na cidade. Esta era uma boa idéia. E inclusive ia lhe dar algo para fazer, agora
que tinha as atividades físicas restritas. Podia redecorar a casa do Nicholas em Londres, gastar um
pouco de seu dinheiro.
O mau era que tinha vindo para desfrutar da paz de Silverley. Pelo menos havia paz
quando Miriam não estava perto. Reggie também se entendia com os criados. Inclusive a senhora
Oates se dobrou surpreendentemente ao inteirar-se de que Reggie esperava um filho. Ao que
parecia a senhora Oates adorava crianças. Quem o teria suspeitado?
Reggie olhou com tristeza a cinzenta mansão. Podia ter sido verdadeiramente feliz.
Imaginava a seus filhos correndo pelos prados de Silverley, fazendo navegar barquinhos no lago
durante o verão, patinando sobre o fio no inverno. Inclusive imaginava que o pai os dava de
presente os primeiros pones e que os ensinava a montar. De algum jeito intuía que Nicholas era

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carinhoso com os meninos. Suspirou profunda, longamente, subiu o capuz de sua capa de pele e
lançou um olhar ao pesado banco de nuvens que havia sobre sua cabeça. Já fazia muito frio para
desenhar ao ar livre.
Pôs o caderno sob o braço e se virou para retornar à casa. Desenharia o lago em outra
oportunidade. Foi então quando viu um dos criados correr para ela, procedente dos bosques, não
da casa.
Do outro lado dos bosques estava sua propriedade. Ainda não a tinha visitado. A
melancolia, provocada pelo lugar onde seus pais tinham morrido, era muito grande. Iria ali de
qualquer modo, disse-se. Alguma vez, sim. E algum dia a mostraria a seu filho. A propriedade
tinha pertencido a eles... a seus avós.
Ao aproximar-se reconheceu ao criado como a um dos homens que tinha desenhado no dia
anterior. Levava um enorme saco, sem dúvida para recolher folhas secas, pensou ela. O homem
tinha um ar tão estranho como o que ela recordava. Uma vaga sensação de perigo a invadiu.
Talvez se devesse a grande barba revolta e ao longo cabelo despenteado. Ou talvez era o
comportamento audaz do homem. De qualquer modo decidiu não esperar que chegasse junto a
ela e correu para a casa.
Mas se deteve, dizendo-se que era uma parva. Deixava voar a sua louca imaginação. Era
uma tolice. O homem não era mais que um jardineiro, depois de tudo.
Logo que acabou de pensar isto o homem chegou junto a ela, tomou um momento para
recuperar o fôlego, depois, de repente, jogou o saco que levava sobre a cabeça e os ombros de
Reggie. O primeiro impulso dela foi gritar, mas a surpresa a deixou muda até que o saco cobriu o
comprimento de seu corpo, e seu grito foi só um leve som sufocado.
O assaltante não perdeu o tempo: jogou sua presa ao ombro e correu de volta aos bosques.
Um a carruagem luxuoso esperava ali, oculto, com dois briosos cavalos cinzas ansiosos por
partir. No assento do cocheiro havia um homem disposto a estalar o chicote, ante o menor sinal de
perseguição. O homem que estava em terra o lançou um olhar furioso.
- Ao menos poderia mover o traseiro e abrir essa maldita portinhola. Caramba, Onry, ela
poderá parecer tênue como o ar, mas é pesada depois de um trecho tão largo.
Henri, ou Onry como o chamavam seus amigos ingleses, riu ante a grosseria de Artie,
indicando com isto que já não estava preocupado pela missão a realizar.
- Ninguém nos persegue então?
- Não, que eu saiba. Vamos, me dê uma mão. Já sabe que as ordens do capitão são para
tratá-la com suavidade.
Depositaram Reggie em um assento acolchoado e rapidamente lhe envolveram os joelhos
com uma corda para que não se movesse.
- Isto lhe adoçará o caráter, verdade não é? Nunca acreditei que íamos pescar tão cedo a
nosso peixe.
- Basta, francezinho. Nunca poderá fazer jogos de palavras como um inglês, embora o tente.
E juraria que achava que nos estávamos congelando desde há semanas nestes bosques, né?
- Bom, não se congelavam?
- Sim, mas o disse que convinha estar preparados e esperar que ela viesse a nós por sua
conta. Tivemos muito boa sorte. Se isto não alegrar ao capitão nada poderá alegrá-lo, né?
- O peixinho pescando o peixe grande.
- Tem razão. Esperemos que isto tampouco leve muito tempo.
- Irá atrás com ela para impedir que caia do assento, ou quer que eu...
- É um prazer que o concedo. Não confio em que tire este navio dos bosques em uma só
peça. Essa é minha tarefa. -Riu. - Suponho que o agrada o acerto?

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- Como queira, Artie - o jovem francês sorriu ao inglês.


- Mas não o ocorra provar algo da mercadoria, camarada. O capitão não gostaria nada disso
- disse seriamente o homem antes de subir à boléia. A carruagem se balançou, avançou.
A mente de Reggie voava. Tinha que tratar-se de um simples seqüestro. Pediriam dinheiro
e então ela poderia voltar para sua casa. Não havia motivo para preocupar-se.
Teria desejado que seu corpo visse as coisas desta maneira. Mas tremia com violência.
Levavam-na ante um capitão que não queria que a tratassem mau. Sim, um seqüestro. E supôs que
se tratava do capitão de um navio porque havia um grande porto no Southampton. A mesma
empresa naval de Nicholas estava situada ali.
Esforçava-se em recordar todas as palavras que haviam dito os homens. O que significava
aquilo do peixinho que trará o peixe grande? Pôs em atenção todos seus sentimentos, alerta a cada
som, cada movimento.
Passou meia hora antes de que diminuíssem a marcha, e Reggie soube que estavam no
Southampton.
- Uns minutos mais, cherie, e estará dentro e mais cômoda - assegurou seu captor.
«Dentro", não " a bordo». Bom, o homem era francês, talvez se tratasse de um engano
idiomático. Oh, Deus. O apertado saco ao redor da capa começava o produzir ardência e calor, e
pensar que tinha acreditado que já não ia mais ter aventura ao converter-se em uma pessoa mais
velha!
A carruagem se deteve e levantaram com cuidado. Esta vez foi levada pelo inglês. Não
havia ruído de água nos moles, não se ouvia o ranger da madeira perto de uma âncora. Onde
estavam? Não tinha prancha que manobrar, tampouco, mas subiam uns degraus. Depois se abriu
uma porta.
- Sinos do inferno, Artie, já a apanhou?
- Bom, isto não é um lastro, moço. Onde devo pô-la?
- Lá em cima há um quarto preparado para ela. Por que não deixa que eu a leve?
- Posso pegá-la sem fazê-la cair, menino. Quer provar?
Ouviu-se uma profunda risada.
- É muito preparado para se ofender, Artie. Vênha, mostrarei-lhe onde fica você.
- Onde está o capitão?
- Não o esperam até esta noite, e isso significa que eu terei que me ocupar dela, não?
- Ouviu esse galo de briga, Onry? -perguntou Artie. - Por nada o deixaríamos sozinho com
ela. É o único que acredita que pode livrar-se com uns golpezinhos porque o capitão é seu pai.
Não pense nisso quando eu estiver perto.
- Disse que cuidaria dela... sério... não cuidar dela de certo modo - replicou o moço.
- Acaso se ruborizou o moço, Onry? É um rubor verdadeiro o que vejo?
- Vamos, mon ami - disse Henri ao moço. - Pôs em dúvida sua força e hoje não o deixará em
paz.
- Bom, ao menos me deixem que veja como é.
- Oh, é muito bonita, menino - disse Artie com um sorriso. – De verdade acredito que,
quando o capitão a vir, esquecerá para que quis trazê-la aqui. Talvez a guarde para ele.
Levaram-na ao quarto de cima, e depois a puseram de pé. Ela cambaleou e quase caiu.
Tiraram-lhe a corda que prendia seus joelhos e tiraram o saco que a cobria. Mas o quartinho estava
tão escuro, com as janelas tampadas por tábuas, que Reggie durante uns momentos teve
dificuldades para ver.
Aspirar profundamente o ar era o mais importante no momento. Depois olhou para os três
homens, seus captores e para o moço que se dirigia à porta. O jovem a olhava por cima do ombro,

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com a boca aberta.


- Um momento, por favor - disse ela aos homens que saiam. – Exijo saber por que me
trouxeram aqui.
- O capitão o dirá isso quando vier, milady.
- E quem é o capitão?
- Não é necessário dar nomes - disse o mais tosco dos dois, com tom suave em resposta ao
tom altivo dela.
- Mas eu conheço seu nome, Artie. E conheço o seu, Henri. Inclusive... - deteve-se antes de
os dizer que tinha desenhado aos dois. - Desejo saber por que estou aqui.
- Terá que esperar para falar com o capitão. Há um abajur sobre a mesa, e logo lhe trarão o
que comer. Fique aqui e se ponha confortável.
Ela deu meia volta, furiosa, lhes dando as costas. A porta se fechou e fizeram girar a chave.
Ela suspirou. De onde tinha tirada coragem para agir com tanta arrogância? Eram personagens de
aspecto sinistro, apesar de suas maneiras suaves e suas vozes baixas.Bem, pelo menos ela não
tinha mostrado medo. Uma Malory não podia estremecer de temor. E isto era um grande alívio.
Sentou-se pesadamente em uma cadeira de balanço, perguntando-se, desolada, se aquele
seria o único momento de satisfação em muito tempo.

CAPÍTULO 24

A comida foi deliciosa, mesmo no estado de nervos em que Reggie se encontrava. Comeu
boa parte do bolo de pombinhos, a torta de arroz e as bolachas de açafrão. Também lhe serviram
um delicado vinho. Mas, passada a distração da comida, voltou a preocupar-se.
Henri havia lhe trazido a comida. Tinha vestido uma vaporosa camiseta de seda
muito elegante, e usava calças negras com botas altas, junto com um comprido colete com abas.
Deus, só o faltava levar um pendente em uma orelha. Inclusive se tinha barbeado, deixando só um
bigodinho curvado para cima. Por que?
No que se colocou desta vez Reggie? Sobre a cama puseram objetos femininos, novos ao
que parecia, uma bata de seda, uma discreta camisola de linho, chinelas acolchoadas e,
perturbadoramente, roupa interior. Em uma caixinha havia objetos de penteadeira, escova, pente,
um perfume caro, tudo novo.
O jovem tinha vindo cedo na tarde para acender o fogo da chaminé, e Artie montou guarda
junto à porta. Sorriu-lhe timidamente. Devolveu-lhe um furioso e gelado olhar. Ignorou
totalmente ao moço.
Agora era de noite, mas ela se negava a usar o grande leito. Ia passar acordada toda a noite
se fosse necessário, e não descansaria até ter visto o capitão e o dizer o que pensava.
Alimentou o fogo com a lenha que o deixara o moço, depois aproximou um assento, e
acomodou os pés sob sua longa saia de veludo azul. O quarto estava quente e começou a sentir
sono.
Quase não ouviu a chave girar na fechadura. O ruído fez com que se levantasse, mas não se
virou. Certamente, não pensava sobressaltar-se diante da presença de Artie ou de Henri.
- Meu filho me disse que é uma beleza deslumbrante - disse uma voz profunda. -Deixe-me
que veja o que tanto o impressionou. Se apresente, lady Montieth.
Ela ficou de pé e muito lentamente se voltou para olhar. Seus olhos se dilataram de
surpresa.
- Tio James!

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- Regam! -gritou ele por sua vez. Ela foi a primeira em recuperar-se.
- Oh, tio, não é possível que me tenha capturado para passar outros três meses divertidos a
bordo do Maiden Anne! Não acha que já sou um pouco mais velha para isso?
Cheio de tremenda confusão, lhe estendeu os braços.
- Venha, tesouro, me abrace. Deus, de verdade se converteu em uma beleza deslumbrante.
Ela o abraçou, feliz.
- Bem, passaram-se três anos, tio James, e só o vi uma hora então. Não é justo, sabe, ter que
escapulir para ver meu tio. Não o parece que já é tempo de que se reconcilie com seus irmãos?
- Faria-o com gosto - disse ele tranqüilamente. - Mas duvido que eles o queiram, Regam.
Sempre gostara de ser diferente, inclusive lhe tinha posto aquele apelido. Seu tio, o pirata,
tinha-a roubado, diante dos narizes de seus irmãos, quando o negaram a permissão para vê-la. E a
tinha levado a uma fabulosa aventura a bordo de seu navio, decidido a passar com ela o tempo
que o correspondia. Ela tinha então doze anos, e aqueles incríveis
três meses estavam ainda vivos em sua mente.
Naturalmente, ambos tinham pago um alto preço por isso. James já tinha caído em desgraça
por ser pirata. Quando devolveu ao Reggie, os três irmãos o tinham golpeado por havê-la posto
em perigo. Foi rejeitado por todos, inclusive por Tony, de quem sempre tinha estado muito perto.
James sofria pela disputa, e Reggie tinha sofrido por ser a causa dela.
Nunca o jogou nada na cara, mas isto piorava a coisa.
Separou-se de James e o olhou de cima abaixo. Ele não mudou muito nos três anos
transcorridos. Seguia sendo alto e loiro, tão formoso como sempre... e igualmente estranho.
Bastava ver o que fizera para levá-la a seu lado!
- Nem sequer deveria o falar -disse ela seriamente. - Me deu um susto terrível. Pelo menos
devia ter informado a seus homens que era o importante capitão Hawke quem me fizera
seqüestrar.
- Vou amarrá-los e esfolar eles, pode contar com isso! Maldição! - Abriu de repente a porta e
rugiu:- Artie... Henri!
- Não, tio, por favor! - protestou Reggie. As iras do James não eram como as de Tony. Ao
Tony era possível convencer. Mesmo Jason, um touro robusto quando estava zangado, era
suscetível de ser aplacado. Mas James Malory era aterrador. Embora nunca se zangara com
Reggie, o temia.
- Tio James -disse, - os homens me trataram muito amavelmente, e se ocuparam
diligentemente de minha comodidade. Eu não estava assustada - mentiu.
- Cometeu-se um engano, Regam, e portanto não aceito desculpas.
Uma das escuras sobrancelhas se levantou agudamente:
- Quer dizer que não deviam me trazer aqui?
- Claro que não. Teria ido ver você antes de voltar a sair da Inglaterra. E não teria a trazido
aqui para se reunir comigo... Pelo menos desta maneira.
Os dois culpados apareceram naquele momento na porta, inquietos ante o olhar gelado e
furioso de James.
- Chamou-nos, capitão?
- Sabem quem me trouxeram? -perguntou James com suavidade. Era seu tom mais temível.
Henri foi o primeiro em adivinhar o engano.
- Enganamo-nos de dama?
- Cavalheiros, deixem que os apresente - e James estendeu o braço para a
porta - a minha sobrinha!
- Merde!

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- Ai - suspirou Artie.
Outro homem se apresentou na porta.
- Que diabos está gritando, Hawke?
- Connie! -gritou Reggie com prazer e correu para abraçá-lo.
Era o homem que lhe ensinou esgrima, a subir em busca de ninhos de corvos, inclusive a
navegar quando seu tio não vigiava. Conrad Sharpe, o amigo mais íntimo de James na infância era
agora primeiro piloto do Maiden Anne. Nunca existiu um pirata mais descarado e adorável.
- É você, esquilinha? -rugiu Conrad. - Quem se pendura em mim a não ser ela! - E a
abraçou com força.
- Faz anos e anos...
- Verdade que sim? - riu Conrad. Finalmente viu o rosto furioso de James e pigarreou. -
Eu... acho que não deveria estar aqui, Regam.
- É o que parece. - voltou-se para James - Bom, tio, aqui estão os canalhas. Fará açoitar eles
por este tremendo engano? Se for assim, quero ser espectadora.
- Regam...
- Não vai fazer isso? -Olhou a seus seqüestradores. - Bom, senhores, é uma sorte que meu
tio se mostre hoje tão caridoso. Deixa-os livres por pouca custa. Não duvidem de que eu os teria
esfolado.
- Está bem Regam, ganhou aceitou James, e fez uma breve inclinação de cabeça para que
Artie e Henri se fossem.
- Ela não mudou nada não é verdade Hawke?
Conrad riu quando a porta se fechou atrás dos dois seqüestradores.
- Uma mocinha muito ardilosa - grunhiu James. Reggie sorriu para ambos.
- Vamos, não se alegram por ver-me?
- Me deixe que pense nisso.
- Tio James!
- Claro que sim, tesouro. Mas realmente criou um problema aqui. Eu esperava a outra
pessoa, e agora suponho que porão vigilância em Silverley.
- Por favor, peço-lhe que me explique o que é isto - pediu ela.
- Não é nada que possa lhe interessar, Regam.
- Não escape, tio. Já não sou uma menina, sabe?
-Já vejo -sorriu. - Olhe-a, Connie. É o vivo retrato de minha irmã, não é verdade?
- Pensar que poderia ser minha filha! - disse Conrad tristemente.
- Oh, você também, Connie? - perguntou suavemente Reggie.
- Todos amavam a sua mãe, esquilinha incluído eu - reconheceu Conrad a contra gosto.
- Por isso me tomou debaixo de sua asa?
- Nem o sonhe. Você ganhou meu coração por sua própria conta.
- Então lhe rogo que me explique o que é tudo isto.
- Não, esquilinha. - Connie moveu a cabeça, sorrindo pra James. - Tudo é obra dele. Se quer
saber, volte para ele seus grandes olhos azuis.
- Tio James...
- É... um assunto sem terminar que tenho aqui. Nada que deva preocupar você.
- Mas não lhe parece que a condessa é um pouco velha para você?
- Não é assim, Regam - protestou James. - E o que quer dizer com isso de "velha"?
- Bem, em realidade não é uma anciã, acredito -se corrigiu Reggie. - Além disso, ela se cuida
muito. Mas que assunto tem com ela?
- Não com ela. Com seu marido.

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- Morreu.
- Morto! Morto? -James olhou ao Connie. - Maldição! Não pode ter morrido!
Reggie olhou para Connie, atônita.
- Tem uma conta pra cobrar, esquilinha - explicou Connie. - Mas parece que o destino
interveio.
- Quando morreu esse homem? -perguntou James com dureza. – E como?
Reggie começava a preocupar-se.
- Bem, na verdade não sei como morreu. Mas aconteceu há alguns anos.
-A expressão de furor do James se converteu em surpresa. E logo ambos os homens
começaram a rir, confundindo mais à Reggie.
- Ah, querida, aí me apanhou - disse James rindo. - Mas acredito que não nos referimos ao
mesmo homem. É ao jovem visconde a quem procuro.
- Nicholas Éden! -exclamou ela.
- Há-o disse. Conhece-o?
- Muito bem -disse ela.
- Então talvez poderá me dizer onde está. Deus sabe que ninguém pôde fazê-lo até agora,
embora haja procurado em todas partes. Juraria que o moço se está escondendo de mim... e por
bons motivos.
- Meu Deus - disse Reggie sem fôlego, - seqüestrou-me para que Nicholas chegasse até
você, verdade?
- Você não, tesouro - lhe assegurou James. - Esses idiotas acreditaram que era a mulher de
Éden.
Reggie se aproximou de Conrad, aspirou profundamente e depois disse, vacilante:
- Tio James, seus homens não cometeram nenhum engano.
- Eles...
- ... não se enganaram - terminou ela. - Sou a esposa de Nicholas.
O tenso silêncio que seguiu crispou os nervos dos três. James ficou rígido. Conrad passou
um braço protetor sobre os ombros de Reggie e juntos esperaram a explosão. Antes que se
produzisse se abriu a porta e entrou o jovem.
- Henri me disse que ela é minha prima. É verdade? James se enfureceu.
- Agora não, Jeremy! -o moço retrocedeu.
- Não, não vá, Jeremy disse Reggie tomando o moço pela mão e o colocando no quarto. - O
tio James está zangado comigo, não com você.
- Não estou zangado com você, Regam. - Fez um esforço para controlar a voz.
- Estava a ponto de gritar comigo.
- Não ia gritar com você - estalou.
- Bem, é um alívio -disse Reggie.
James abriu a boca, logo a fechou e suspirou exasperado. Seus olhos se encontraram com os
de Conrad e a mensagem foi clara:"se ocupe dela. Eu abandono".
Conrad fez as apresentações.
- Jeremy Malory, lady Regina Mau... Éden, condessa do Montieth.
- Sinos do inferno -disse Jeremy rindo. - Por isso ele estava zangado!
- Sim, não acredito que goste... bem, não importa. - Sorriu ao belo jovem. - Não pude ver
você bem antes. Céus, é igual a seu tio Tony quando era mais jovem... -voltou-se para James. - ia
guardá-lo sempre em segredo, tio?
- Não há tal segredo -disse James a contra gosto.
- A família não está inteirada.

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- Oh, eu soube só faz cinco anos. E não pode dizer-se que tenha estado em boas relações
com meus irmãos após isso.
- Me podia ter dito isso quando o vi pela última vez.
- Não tive tempo para entrar em explicações, Regam. Não podia o dizer, "Sabe? Tenho um
filho". Me teria perseguido com perguntas intermináveis, e Jason teria mandado os criados atrás
de mim e por fim me teria encontrado.
- Acredito. Mas, como deu com ele? Disse que foi há cinco anos!
- Um pouco menos, na verdade -replicou ele. - E simplesmente tropeçamos o um com o
outro em uma taverna onde ele estava trabalhando.
- Devia ter visto a cara de seu tio, esquilinha, quando viu o moço – disse Conrad sorrindo
ao recordar aquilo. - Ele se deu conta de que o moço tinha um ar familiar, mas não sabia por que.
E Jeremy tampouco o tirava os olhos de cima.
- Reconheci-o, sabe? -Interrompeu Jeremy. - Nunca o vi antes, mas minha mãe me descrevia
ele com tanta freqüência, que o teria reconhecido em qualquer parte. Finalmente me armei de
coragem e o perguntei se era James Malory.
- Pode imaginar a reação -disse Conrad alegremente. - Todo mundo nos moles o conhecia
somente como o capitão Hawke, e aqui estava este mocinho chamando-o por seu verdadeiro
nome. E, para cúmulo, disse-o que era seu filho! Mas Hawke não riu então. Observou ao moço,
fez-lhe algumas pergunta e se sentiu de repente como um orgulhoso pai.
- De maneira que tenho um novo primo que já é quase um homem - disse Reggie sorrindo. -
Oh, isto é esplêndido! Bem-vindo à família, Jeremy.
O moço era quase tão alto como seu pai, o que significa que era muito mais alto que Reggie.
Ela ficou nas pontas dos pés para beijá-lo na face e ficou surpresa pelo apertado abraço que a
deixou sem fôlego. O moço não a soltava.
- Basta já, Jeremy, Jeremy! - O moço retrocedeu.
- É possível o casamento entre primos? - perguntou.
Conrad bufou. James franziu o cenho. Reggie se ruborizou. Agora entendia o motivo que se
ocultava atrás daquele abraço.
- Outro libertino na família tio James? - perguntou ela maliciosa.
- Parece isso - disse James suspirando. - E está aprendendo muito em rápido todas as
mutretas.
- Não faz mais que seguir seu exemplo - interveio com suavidade Conrad.
- Bem, mas já é hora de que vá para cama.
- Sinos do inferno - protestou Jeremy.
- Faça isso - ordenou James com severidade. - Poderá ver outra vez a sua prima pela manhã,
se tiver melhores maneiras e se lembrar que é sua prima, não a criada de uma taverna.
Depois disto era de se esperar que o moço se fosse envergonhado. Mas não foi o caso de
Jeremy. Sorriu com malicia para Reggie e piscou.
- Sonharei com você, doce Regam, esta noite e todas as noites a partir de agora.
Ela quase soltou uma gargalhada. Ah! Audácia! Lançou-lhe um olhar agudo e disse:
- Não seja aborrecido, primo. Abraçou-me bastante para se dar conta de que sou uma
mulher casada e bem casada.
Reggie gemeu, amaldiçoando sua arrebatada língua. Jeremy lançou um olhar a seu pai e
correu para a porta. Ela ficou rígida, pensando que James tinha entendido claramente o sentido de
suas palavras.
- É isso verdade?
- Sim.

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- Que Deus o amaldiçoe! Como aconteceu isto, Regam? Como diabos pode se casar com
esse... ?
- Está falando como Tony -interrompeu ela. - Cada um de vocês quer uma parte do Nicholas.
Encontrem ele, dividam-no entre vocês, façam ele em pedaços, dêem tiros nele, matem ele! O que
me importa? Não é mais que meu marido e o pai de meu filho!
- Calma, esquilinha - disse Conrad com doçura. - Seu tio abandonou seus planos com
respeito a esse homem a partir do momento em que soube que estava casado contigo.
- Que planos? -perguntou ela. - O que significa tudo isto, tio James?
- É uma história longa, tesouro, e...
- Por favor, não continue me tratando como a uma criança, tio James.
- Bem -disse ele. - A verdade é que o dei uma boa surra porque me tinha insultado. E, como
resultado disto, terminei no cárcere.
- E quase o enforcaram - acrescentou Conrad.
- Não - disse Reggie contendo a respiração. - Não posso acreditar que Nicholas...
- Ele deu o nome do Hawke para as autoridades, esquilinha. É possível que o Maiden Anne
já não continue navegando, mas a Inglaterra nunca esquece. Hawke foi julgado por pirataria. Mas
conseguiu escapar, e não graças ao Montieth.
- Compreenderá agora por que os moços cuidaram muito de não mencionar meu nome
diante de você - disse James. - Tinha que cuidar de minha vida; de outro modo teria tido que
deixar a Inglaterra imediatamente. Sinto muito, Regam - acrescentou com doçura. -Achava que
ignorava o tipo de enredos em que anda metido seu marido.
- Não se desculpe tio - disse Reggie muito tensa. - Isto só me demonstra até que ponto
estive enganada com ele. Simplesmente não posso acreditar que fui tão idiota para acreditar que
estava apaixonada por ele.
- E não o está?
- Não. E não me olhe assim. De verdade não o amo.
- Não parece que está afirmando muito, Hawke? - perguntou Conrad, sorrindo.
- Oh, acha isso? -disse Reggie com calor. - Bom, você poderia acaso amar a uma esposa que
abandonasse no mesmo dia do casamento? Não o perdoarei nunca, nunca. Embora não tenha
querido casar-se comigo, embora se tenha justificado ao me deixar, é detestável porque... bom,
simplesmente é detestável.
Os dois homens trocaram um olhar.
- Onde está ele agora? -perguntou o tio.
- Saiu da Inglaterra. Nem sequer suportava estar no mesmo país que eu.
- Tem propriedades em outra parte? - Ela encolheu os ombros, outra vez imersa em sua
desdita.
- Uma vez mencionou umas propriedades nas Índias Ocidentais, mas ignoro se foi para lá.
E que importa? Não pensa em voltar. Fez notar isso claramente...
Interrompeu-se, porque lá em baixo se produzira um alvoroço. James fez um gesto a
Conrad para que averiguasse do que se tratava. No momento em que Conrad abriu a porta era
evidente que a disputa já estava perto, no andar de baixo, James seguiu ao Conrad, e Reggie saiu
detrás dos homens.
Havia uma luta nas escadas, entre Henri e... por acaso Tony meu Deus, era Tony! Artie já
estava estendido ao pé da escada. E Henri estava a ponto de segui-lo. Reggie abriu passagem entre
James e Conrad.
- Basta, Tony!
Anthony a viu e soltou Henri, que se deixou cair como um peso morto sobre os degraus.

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- De maneira que não estava equivocado! -exclamou Tony, olhando furioso a seu irmão. -
Não aprendeu a lição da última vez que se escapou com ela, não é verdade, James?
- Posso o perguntar como averiguou onde estávamos? –perguntou James sem perder
absolutamente sua calma.
- Não deve perguntar nada! -replicou Tony.
- Tony, não entende... -começou Reggie.
- Reggie!
Ela chiou os dentes. Tony era tão teimoso! Esta era uma oportunidade que ela não podia
deixar passar. Os irmãos estavam juntos e era o momento de tentar reconciliá-los. Mas se Tony só
queria tirar ela dali à força, como podia ela conseguir que se acalmasse e falasse com o James?
-Olhe. -Reggie agarrou o braço de James com uma mão e levou a outra ao ventre,
dobrando-se, como sob uma dor intensa. - Sinto que... Olhe! foi... muito excitante! Uma cama, tio,
me leve a cama!
James a levantou suavemente entre seus braços. Não falou, mas seu olhar era desconfiado
quando a olhou nos olhos. Reggie decidiu ignorá-lo e gemeu de novo, bastante convincentemente.
Jeremy chegou correndo pelo salão até eles, metendo-a camisa aberta dentro das calças,
tudo muito depressa.
-O que acontece? O que o acontece a Regam? - Ninguém lhe respondeu, e James e Conrad
correram ao dormitório com o Reggie.
- Quem é? -pergunto Jeremy, quando Anthony pôs a um lado aos outros para passar.
Anthony parou de repente. Tinha lançado só um olhar ao moço, mas isso bastava. Era como
olhar um espelho do passado.
- E quem diabos é você? - Conrad riu e saiu do dormitório.
- Não é seu, se é isso o que está pensando, lorde Anthony. Mas é da família: o filho do
James.
Jeremy tampou o abafado grito de surpresa de Anthony com seu próprio grito.
- Tio Tony! Sinos do inferno! Acreditei que nunca ia conhecer ninguém da família de meu
pai, mas aí está Regam, e agora você, e tudo em uma só noite! - Estreitou ao Anthony em um
abraço de urso que quase o cortou o fôlego. Tony rodeou então os largos ombros do moço e
devolveu o abraço, surpreendendo ao Conrad.
- Não vá, galo de briga - grunhiu, antes de entrar no quarto.
- Ao ver Reggie deitada na cama e ao James ao lado, o furor do Tony voltou.
- Que Deus o confunda, James! Não tem cabeça para tê-la seqüestrado estando grávida?
- Ele não me seqüestrou -protestou Reggie.
- Não minta em meu nome, querida - a repreendeu James docemente. levantou-se e
enfrentou o seu irmão mais novo. - Tem razão. Tony. Se eu tivesse bom senso teria averiguado
quem era a esposa do Montieth, antes de seqüestrá-la para atraí-lo aqui.
Tony pareceu surpreso, depois exasperado.
- Cometeu um engano?
- Um engano colossal.
- Ainda não é desculpa - grunhiu Tony.
- De acordo.
- Peço-lhe que não continue se pondo de acordo comigo! - James riu.
- Não necessita de desculpas para me atacar, se for é o que o incomoda, irmão.
- Não o façam, tio Tony - disse Jeremy, entrando no quarto. – Detestaria ter que brigar com
você quando acabo apenas de o conhecer.
- Sempre defende a seu pai -interveio Conrad. - Acredita que seu pai não sabe defender-se

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sozinho depois do vigoroso exercício que Montieth o fez fazer.


- Mandei-o deitar, Jeremy - disse James, mas sua careta de irritação se dirigia a seu
primeiro piloto.
- Achei que foi você quem deu uma surra ao Nicholas, tio James - disse Reggie.
- Oh, a deu, esquilinha - disse Conrad sorrindo. - Saiu caminhando do encontro... é verdade
que apenas se mantinha em pé... enquanto que seu marido não podia fazê-lo, não há dúvida.
- Não há dúvida? - repetiu ela como um eco.
- Fomos embora quando ainda não tinha recuperado o sentido.
- Querem dizer - explodiu ela furiosa - que o abandonaram quando estava ferido?
Conrad e James estremeceram.
- Recebeu ajuda muito em breve, Regam, o bastante para me fazer meter no cárcere uma
hora depois.
- O que significa tudo isto? - exclamou Anthony.
- Oh, a história vai deleitar você. Tony - disse Reggie zangada. - Parece que não é o único
que quer derramar o sangue de meu marido.
Anthony franziu o cenho.
- Achei que já não fosse defender a esse canalha!
- É verdade -replicou ela com dureza, - mas esse é meu assunto, não teu.Não quero que
meus tios intervenham quando sou perfeitamente capaz de fazer com que Nicholas Éden lamente
ter retornado a Inglaterra... se é que retornará alguma vez.
- Isso soa bastante detestável -concedeu Tony.
- Verdade que sim? -sorriu James. - Quase desejo que ele retorne
para ela.
- Esplêndido -exclamou Reggie. - Me alegro de que os dois tenham outra vez algo em
comum!
- Não se entregue à esperança, gatinha - avisou-a Anthony. - Eu não gosto de me associar
com piratas que levam crianças.
- Oh, vamos, Tony -disse Reggie irritada. - Isso aconteceu há anos. Esquece isso já.
- A quem chamam pirata? -perguntou Jeremy com tom agressivo.
- Seu pai é um pirata - disse Anthony, tranqüilamente.
- Não o é. Já não o é!
Anthony olhou ao James procurando uma elucidação. Mas James teimosamente se negava a
explicar-se. Foi Conrad quem disse:
- O Maiden Anne se retirou pouco depois que Jeremy se reuniu à tripulação. Não podíamos
educar ao moço a bordo de um navio. As únicas viagens que esse navio faz agora, exceto os
escassos de retorno à pátria, são para levar as colheitas ao mercado. Convertemo-nos em
plantadores das ilhas.
-É isso verdade, James? -perguntou uma voz tranqüila da porta.
- Tio Jason! - exclamou Reggie, ao ver o mais velho de seus tios. Jason parecia
verdadeiramente ameaçador com uma casaca a Garrick e sua expressão fazendo jogo com seu
traje.
- Ah, perdão James - disse Anthony. - Esqueci dizer que os mais velhos me seguiram.
- Não o bastante perto - disse Edward, ao aparecer na porta junto a Jason. - E não tinha que
se precipitar para chegar antes que nós, Anthony. Encontrou aqui um bom alojamento, James.
Quanto lhe custa?
- Homem de negócios até o final, né, Edward? - disse James sorrindo.
Depois acrescentou: - Teria inconveniente em me informar como diabos deu comigo? E como

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souberam que estava na Inglaterra?


- É obra de Anthony -replicou Edward. - Viu um desenho feito por Reggie. Deteve-se esta
manhã ao retornar a Londres para me fazer saber como estava ela, e então o ocorreu que conhecia
um dos indivíduos do desenho. Recordou que era um homem de sua tripulação quando comprou
o Maiden Anne. Jason acabava de retornar do Haverston, e imaginou o resto.
- Mas, como os ocorreu vir aqui?
- Foi fácil - respondeu Edward. Este é o porto mais próximo. Pensei que era bastante audaz
para trazer aqui seu navio.
- Não tão audaz -replicou James, incomodado . - O navio espera longe da costa.
- Então, foi por isso que não demos com ele. Naturalmente, Anthony não é pessoa que ceda
facilmente. Passamos a tarde fazendo averiguações de um extremo a outro da cidade. Finalmente
tropeçamos com um agente que o viu entrar e sair desta casa.
- E agora o que? -inquiriu James, olhando diretamente a Jason. – Terei que receber outra vez
uma reprimenda de cada um de vocês?
- Claro que não, tio James - respondeu rapidamente Reggie. – Não duvido que eles estão
dispostos a esquecer o passado se você quer esquecê-lo. Depois de tudo, abandonou a pirataria.
Estabeleceu-se e tem um belo filho. Não duvido que meus tios estarão encantados de lhe dar as
boas-vindas em nossa família.
- Um filho!
- Eu - disse Jeremy com orgulho, olhando ao Jason e Edward do outro lado do quarto.
Reggie prosseguiu, antes que os tios mais velhos pudessem recuperar-se.
- Na verdade acredito que por hoje já não posso resistir a mais excitação. Vamos, poderia
facilmente perder a meu filho se...
- Seu filho!
- Acaso Tony não os comunicou isso? - perguntou Reggie com ar inocente.
- Muito bem dito, pimentinha - disse Anthony, sorrindo-lhe. - E vejo que se recuperou que
seu mal-estar.
- Me fazia falta descansar uns momentos. Ele moveu a cabeça.
- Bem, agora pode ficar tranqüila e deixar que nos abracemos e nos reconciliemos. Venha
tomar uma xícara de chá ou algo pelo estilo. E leva com você meu novo sobrinho.
- Tio Jason... - não precisou especificar. Ele assentiu. Tinha agora sua careta inofensiva, de
maneira que as coisas andavam bem. - Vá, Reggie. Há coisas que um homem não pode dizer se
você estiver no quarto.
Reggie sorriu triunfante e abraçou ao James.
- Bem-vindo de volta à família, tio James.
- Regam, tesouro, não mude nunca.
- Como se vocês quatro pudessem me deixar mudar sem sua aprovação. - Enganchou seu
braço no do Jeremy. - Venha, primo. Seu pai me contará tudo a respeito de você, e você também
poderá me contar suas coisas.
- É melhor que eu os acompanhe - disse Conrad, e saiu com eles.
Ao saírem os três, ainda ouviram:
- Sempre tem que ser diferente, não é verdade, James? - Era Jason quem falava. Ela não se
chama Regam.
- E tampouco se chama Reggie. De qualquer modo já cresceu muito para que continuem
chamando Reggie. Regam é mais adequado para uma mulher.
- Parece que não conseguiu que se reconciliem - disse Jeremy ao Reggie.
- Tolices -disse Reggie rindo. - Diga-lhe Connie.

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- Ela tem razão, moço - disse Conrad enquanto os acompanhava para atravessar o salão. -
Nunca serão felizes se não discutirem por algo.
- Pense, em troca, até que ponto os tem feito felizes, Jeremy – acrescentou sabiamente
Reggie. - Agora poderão discutir a respeito da maneira de
educar você.

CAPÍTULO 25

O potro deixou uma esteira de pó ao galopar pelo caminho da plantação. Novas flores da
primavera de espécie européia se uniam aos pimpolhos tropicais, com o passar do caminho, para
criar uma profusão de selvagem colorido. À direita do caminho, a menos de um quilômetro, o
oceano quebrava enormes ondas contra a areia da praia. O sol quente brilhava sobre as águas
azuladas, até onde o olhar não alcançava.
Mas Nicholas não percebia a beleza que o rodeava naquele quente dia de abril. Voltava do
pequeno porto da ilha e de um encontro com o capitão Bowdler, que o tinha informado que seu
navio estaria preparado para partir com a maré matutina. Nicholas voltava para sua pátria, a
Inglaterra, voltava para o lar junto à Regina.
Seis meses não tinham bastado para afastá-la de sua mente. Tinha tentado. Passou semanas
convertendo uma plantação desmantelada no modelo da ilha, umas semanas mais em fazer com
que a terra estivesse pronta para a semeadura e a colheita. Quase não havia um momento em que
não tivesse trabalhado duramente, mas seu estado de ânimo continuava sendo perigosamente
mau. Centenas de vezes pensou em retornar a Inglaterra. E outras tantas se convenceu a si mesmo
de não fazê-lo. A situação lá não podia mudar. Miriam e suas ameaças continuavam pendendo
sobre ele e Regina.
Mas, durante todo este tempo, Nicholas tinha aceito o que era óbvio. Regina provavelmente
já sabia. Miriam não era capaz de viver seis meses com a moça sem tentar pô-la contra ele. Sim,
certamente Regina já estava inteirada.
Esta possibilidade o tinha apresentado na semana anterior, quando se tinha embebedado
com o capitão Bowdler e o tinha aberto sua alma. Precisava ser objetivo e estar muito bêbado, para
dar-se conta de que estava na ilha meditando sombriamente como um menino, porque não tinha a
mulher que queria. Bem, já se tinha lamentado o bastante. Era hora de voltar para casa e ver o que
acontecia. Se sua mulher o rejeitasse, seria o final de tudo.
E se não fosse assim? O capitão Bowdler também o fez a pergunta. Talvez ela passasse por
cima da opinião pública e o julgasse por seus próprios méritos. Bem, o certo era que a tinha
tratado de maneira abominável, e que ela contava só com isso para julgá-lo. E também era verdade
que se dobrara ante o escândalo, e querido casar-se com ele. Ele teria desejado acreditar que ela se
casara com ele por outros motivos, fora o de temer "ao o que dirão". Mas isto era pouco provável.
Então, onde estava ele situado? Em nenhuma parte. Até voltar para a Inglaterra, não podia
saber a extensão do dano causado.
Um moço descalço, de pele cor chocolate saiu correndo da casa para receber o cavalo de
Nicholas. Esta era a única coisa a que Nicholas não se acostumara aqui: a ter escravos. Era a única
coisa que detestava nas ilhas.
- Têm visitas, senhor, no estúdio - lhe disse a governanta. Agradeceu a ela e atravessou um
pouco zangado o vestíbulo amplo e aberto. Quem vinha vê-lo? Ainda tinha que fazer a bagagem e
devia voltar a ver o administrador de sua propriedade. Não tinha tempo a perder em bate-papos
vazios.

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Entrou no estúdio escurecido, onde as persianas baixas isolavam do calor do meio-dia.


Examinou as cadeiras ocupadas ao redor do escritório. Sem acreditar no que via, fechou os olhos.
Aquilo era insuportável.
- Me diga que sua presença é imaginária, Hawke.
- Imaginou-me .
Nicholas atravessou a sala e se sentou atrás de sua escrivaninha.
- Então não se importará que não o leve em conta.
- Entendeu o que quis dizer, Jeremy? Disse que cuspiria no olho do diabo.
- Não pode fazer nada melhor em um terceiro encontro? –perguntou Nicholas secamente,
apontando ao jovem. - Eu não gosto de fazer mal aos meninos. Não podem você e seu ruivo
coroinha se arrumar sem ajuda?
- Não parece surpreso de ver-me, Montieth - disse James com calma.
- Bem, caramba, saíram da Inglaterra antes que me enforcassem.
- Ah, o enforcamento. -Nicholas se tornou para trás sorrindo. - Atraiu a muita gente?
- Parece-lhe divertido? -perguntou Jeremy.
- Meu querido moço, o único encontro divertido é minha própria imbecilidade. Se tivesse
sabido que este homem ia converter-se a perseguir-me na missão de sua vida, nunca teria
arrumado para que os guardas o dessem as costas e ele pudesse escapar.
- Maldito mentiroso! -exclamou com calor Conrad. - Esses guardas eram insubornáveis.
Ofereci-lhes o bastante para sabê-lo.
- É Connie, não?
- Para você sou o senhor Sharpe!
Nicholas riu.
- Deveriam saber que o dinheiro não consegue tudo.
- Também ajuda conhecer às pessoas convenientes.
- Como? -perguntou James brandamente.
- Oh, não duvidem de que meus motivos eram egoístas, amigo - replicou Nicholas. -Como
eu não ia estar para presenciar o enforcamento, decidi privar o resto do populacho desse prazer.
Se tivesse podido arrumar um atraso até minha volta, dêem por sentado que o teria feito. Não têm
que me agradecer nada.
- Deixa que eu arrume isto, Hawke. - O furor do Conrad era quase incontrolável. - Ela
nunca se inteirará.
- Se se refere a minha governanta, direi-lhes que provavelmente está neste momento com a
orelha grudada à porta. Mas não deixem que isto os perturbe, amigo.
Conrad se levantou de seu assento como um bólido, mas James lhe fez um gesto para que
se detivesse. O capitão olhou pensativo ao Nicholas por uns momentos, examinando aqueles olhos
cor de mel, e depois riu.
- Que me pendurem se não acreditar no que diz, Montieth. – Cravava nos olhos do
Nicholas seu próprio olhar inquisidor. - Mas me pergunto - disse com lentidão- qual foi seu
verdadeiro motivo. Achou que me tirando da ofensa na qual me tinha metido, eu ia julgar que
estávamos à mão? Eu não o teria feito. - Nicholas não respondeu e James voltou a rir. -Não me
diga que um homem de sua índole tem consciência. Fizeram-no acaso para jogar limpo?
- Não é muito provável - balbuciou Conrad.
- Uh, não esqueça, Connie, que não iriam enforcar me pelo que fiz a ele, embora ele fosse
responsável por minha detenção.
- Muito divertido -disse Nicholas friamente. - Mas poderíamos prescindir de hipóteses sem
sentido. Façam seu jogo, Hawke, ou partam. Tenho coisas para fazer.

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- Também nós. Não acreditarão que eu gosto de o ter açoitado, não é verdade? É algo que
nunca voltarei a fazer. Os últimos seis meses foram exaustivos.
- Compreenderão que não me comova com suas tribulações.
- Quanto tempo vai escutá-lo, Hawke? - grunhiu Conrad. - Vamos ao
nosso.
- Connie tem razão - interveio Jeremy. - Não entendo o que pode ter visto nele, Regam.
- Não o vê, moço? -disse Conrad zombador. - Olhe o bonito rosto.
- Calma ambos - acautelou James. - Regam é muito inteligente para deixar-se levar só por
um belo rosto. Deve ter visto nele algo mais que isso.
- Bem, certamente que ele não é como eu o tinha imaginado - grunhiu Jeremy.
James sorriu.
- Não pode julgá-lo por esta visita, Jeremy. Ele está com todas as defesas hasteadas.
Nicholas sentiu que já tinha agüentado o bastante.
- Hawke, se tiver algo que me dizer, diga. Se quiser outra briga comigo, adiante. Mas se os
três só querem discutir a respeito de alguma mocinha, podem fazê-lo em outra parte.
- Retire essas palavras, lorde Montieth - exclamou Jeremy. - Ela não é
uma mocinha.
- Quem diabos é este moço?
James riu.
- É meu filho, sabe? Quis que ficasse no navio, mas não pude convencê-lo. Decidiu vir aqui
para ver como recebia nossas notícias.
- Duvido que tenham notícias que possam me interessar.
- Sua mulher não o interessa?
Nicholas ficou de pé lentamente, seus olhos cravados nos do capitão.
- O que acontece com minha mulher?
- Ela... é preciosa, verdade?
- Como se atrevem...? - Com um rugido de raiva, Nicholas se lançou para diante, jogou-se
sobre a escrivaninha e agarrou o pescoço de James. Foi necessário que Jeremy e Conrad se
unissem para libertar ao capitão. Seguraram Nicholas o agarrando cada um, um dos braços.
- Se chegar a tocá-la com um dedo, Hawke, matá-lo-ei!
James esfregou o pescoço que o doía, mas havia uma faísca em seus olhos escuros. Estava
satisfeito.
- O que o disse, Connie? É esta a reação de um homem a quem não importa nada uma
mulher? - rugiu.
- Minha mulher! -exclamou ameaçador Nicholas, antes que Conrad encontrasse palavras
para o dizer. - O que fez com minha mulher?
- Oh, isto é esplêndido -disse James, rindo. Jeremy e Conrad seguraram com mais força a
Nicholas. - Que doce vingança moço, seria inventar um conto para o atormentar. Poderia lhe dizer
que seqüestrei a sua amada esposa, o que é verdade, para ser sincero. Queria usá-la para o obrigar
a vir ver-me. Não sabíamos que tinha saído do país. e... desgraçadamente eu ignorava quem era
sua esposa.
- Não me diga que Hawke, o capitão sem medo, sentiu-se intimidado ante a família dela!
Isto foi recebido com tais gargalhadas de parte dos três, que Nicholas se desconcertou.
Conseguiu soltar-se do apertão do Jeremy, depois dirigiu um poderoso golpe à parte média do
corpo do Conrad. Pôde libertar-se um momento, mas só um momento.
- Calma, moço. -James estendeu a mão, indicando ao Nicholas que parasse de lutar. - Não
quero feri-lo - sorriu. - Especialmente porque demorei semanas em me recuperar de nosso último

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encontro.
- E acha que isso vai tranqüilizar me? Eu demorei o mesmo tempo par me recuperar, e isso
me impediu de desalentar a Regina... mas esse não é seu assunto.
- Depende de como o veja, moço. Sei que quis fazer com que ela rompesse o compromisso.
É uma pena que não o tenha feito - suspirou, - mas esse não é o assunto.
- Fale de uma vez! -exclamou Nicholas. - O que têm feito a Regina?
- Meu querido amigo; Regam nunca será perturbada por mim. É minha adorada sobrinha.
- Regam? Importa-me um nada...
- Seriamente?
Havia tanta sugestão na voz, que Nicholas se ergueu, e sua mente começou a trabalhar.
Subitamente, o que não tinha notado antes, fez-se claro enquanto olhava fixamente ao Hawke.
Hawke e o moço se pareciam muito entre si e também se pareciam a... James Malory?
- O mesmo.
- Maldito e eterno inferno!
James riu.
- Não o receie tão mal. Compreenderá o que eu senti ao me inteirar de que se tinha casado
com alguém de minha família. Isso terminou com meus planos.
- Porque? -replicou Nicholas. - Conforme entendi sua família decidiu o ignorar.
- Isto aconteceu antes de nossa reunião. Meus irmãos e eu nos reconciliamos, graças a
Regam. Ela sempre sabe sair-se com a sua.
- Verdade que sim? -disse Nicholas com a voz carregada de ironia, - O que estão fazendo
aqui, portanto? Acaso veio para me felicitar?
- Não exatamente, moço. -James sorriu. - vim para levar você para casa.
Os olhos de Nicholas flamejaram.
- Não será tarefa fácil.
O sorriso de James pareceu o de um tubarão.
- Virá conosco, de uma ou outra maneira. Nicholas olhou consecutivamente aos homens.
Viu que falavam a sério.
- Sua escolta não é necessária. -Decidiu atuar com a verdade. – Meu próprio navio já está
preparado. Sairei com a maré matutina. Tinha decidido retornar a Inglaterra, de maneira que não
necessitarei de vocês, senhores.
- Se o diz, querido amigo - replicou James duvidoso.
- Digo-lhes a verdade.
- Que saia deste porto em seu navio não é garantia de que voltará para a Inglaterra. Não:
insisto em que venha conosco.
Nicholas começou a zangar-se de novo.
- Por que?
- Meus irmãos não gostam que tenha abandonado a sua mulher. Querem que volte para
poder vigiar você.
-Ah! Absurdo entre os absurdos! Não poderão me ter na Inglaterra se desejar sair.
- O que faça depois de chegar a Inglaterra não é meu assunto –disse James encolhendo os
ombros. - Me limito a cumprir as ordens do Jason. Disse que o levaria a casa, e o levarei.
- Quando acompanhavam ao Nicholas fora da sala, Jeremy disse em segredo a seu pai:
- O tio Jason nunca disse que devia levá-o de volta. Só disse que o informasse sobre o
menino se o encontrássemos.
- Não cumpri as ordens de meu irmão desde que sou maior de idade, moço -suspirou o pai.
- E não começarei a fazê-lo agora.

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- Mas se souber é provável que se zangue. James riu.


- Disse acaso que queria que ele desfrutasse da travessia?

CAPÍTULO 26

- Nicholas! - Eleanor ficou de pé quando os três homens entraram na sala da casa de


Nicholas em Londres
Reggie ficou de pé mais lentamente, e seus olhos se estreitaram. Alguns homens
acompanhavam seu marido.
- Tio James, é esta sua obra?
- Acabo de tropeçar com ele, tesouro.
- Bem, pode levá-lo de volta ao lugar onde o encontrou -disse com voz tensa. - Aqui não é
bem-vindo.
- Regina. - Eleanor lhe cortou o fôlego.
Reggie cruzou os braços sobre o peito, negando-se terminantemente a olhar à tia do
Nicholas. Nos últimos meses se fizera muito amiga de Eleanor, inclusive chegou a ter carinho.
Mas ninguém, nem os parentes dele nem os dela, iriam fazer que Reggie aceitasse a um homem
que tinha retornado à força. A humilhação disto era quase tão dolorosa como o abandono dele.
Nicholas examinou a Regina às escondidas, enquanto fingia olhar a sua tia. Teve vontade
de golpear os punhos contra algo. E também vontade de chorar. Não havia mais porque vê-la!
Sem dúvida ela já estava inteirada do segredo de sua ascendência, estava inteirada e o desprezava
por isso. Viu-o na linha dura de seus lábios; em sua postura rígida, inamovível.
De maneira que Miriam o havia dito. Tanto melhor. Se ela detestava a idéia de estar casada
com um bastardo, era o que se merecia por o haver obrigado a casar-se.
Nicholas, ao ser trazido a casa pelo tio dela e à força, esquecera que estava já decidido a
voltar e que queria reconciliar-se. O certo é que tinha esquecido tudo menos sua fúria.
- Não sou bem-vindo aqui, senhora? -disse com suavidade. - Se não me equivoco, esta casa
me pertence.
Os olhos de Reggie enfrentaram ele pela primeira vez. Deus, ela esquecera até que ponto
eram devastadores aqueles olhos cor veio de xerez. E estava magnífico, com a pele muito
queimada, o cabelo com mechas descoloridas pelo sol. Mas não ia deixar que voltasse a enfeitiçá-
la.
- Esqueceu, senhor, que se negou a compartilhar uma casa comigo. Para ser clara: me deu
sua casa.
- Silverley, não minha casa da cidade. E que diabos fez aqui? - perguntou, olhando todos os
móveis novos e o papel florido da parede.
Reggie sorriu inocente, com voz doce.
- Vamos, Nicholas, não o agrada? Claro que não estava aqui comigo para me ajudar a
decorar, mas fui cuidadosa com seu dinheiro. Só gastei quatro mil libras.
James virou-se rapidamente para ocultar sua risada. Para Conrad o teto se tornou de
repente fascinante. Só Eleanor franziu o cenho. Os dois jovens se olhavam agora, furiosos.
- Nicholas: é esta a maneira de saudar sua esposa depois de sete meses?
- O que faz aqui, tia Ellie?
- E é essa a maneira de me saudar a mim? - A expressão da dama não se abrandou.
Suspirou: - Para que saiba, esta casa é tão grande que acreditei que minha companhia viria bem a
Regina. Não era correto que sua mulher vivesse aqui sozinha.

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- Eu a deixei no Silverley! - disse ele.


- Não se atreva a gritar com Ellie! - gritou por sua vez Reggie. – Vá viver em Silverley com a
Miriam!
- Eu adoro estar aqui.
- Acredito que ambos retornaremos ao Silverley -disse ele com voz fria - agora que já não
tenho motivos para evitar a minha mãe.
- Inaceitável.
- Não lhe pedi permissão. Um marido não necessita da permissão de sua mulher... para
nada - disse ele com rudeza.
Ela conteve o fôlego ante o significado daquilo.
- Perdeu todos os direitos - disse com orgulho. Ele sorriu.
- Não os abandonei. Simplesmente adiei o usá-los... até agora. De qualquer
modo sua família tomou tanto trabalho para voltar a reunir-nos, que não quero frustrá-los de
novo. Certamente vou usar meus direitos - disse com crueldade.
- Lady Reggie - disse uma criada de idade madura da porta. - É a hora.
-Obrigada, Tess. - Reggie despediu a babá com um movimento de cabeça, depois se voltou
para James e Conrad e acrescentou: - Sei que sua intenção foi boa, mas entenderão que não os
agradeça o trabalho que tiveram.
- Disse que o podia arrumar isso muito bem, Regam - lhe recordou James.
Ela sorriu pela primeira vez desde a chegada deles. Era seu antigo sorriso de malicia, e deu
a ambos os homens um abraço e um beijo.
- E assim o tenho feito. E o seguirei fazendo. E agora, se me desculparem, senhores, devo
me ocupar de meu filho.
James e Conrad soltaram estrondosas gargalhadas quando Reggie saiu do quarto. O marido
ficou como petrificado, parado no chão, com a boca aberta, uma expressão estupefata no rosto.
- O que o disse, Connie? -rugiu James. - Verdade que a expressão da cara dele valia todo o
trabalho que passamos?

CAPÍTULO 27

Nicholas tragou seu terceiro brandy em vinte minutos e se serviu de outro. James Malory e
Conrad Sharpe, suas sombras durante tanto tempo, acabavam de sair de sua casa, e ele ainda
sentia ardência pelo que se divertiram a sua custa. Mas, de qualquer modo, disse-se, tinha motivos
mais importantes para zangar-se.
Estava sentado no que até fazia pouco tempo foi seu estúdio, convertido agora em sala de
música. Uma sala de música! Se aquilo não era uma brincadeira maligna, não sabia o que era. O
estúdio de um homem era sagrado. E ela não se limitou a mudar o estúdio, tinha-lhe eliminado de
tudo.
Por acaso tinha acreditado que ele alguma vez ia voltar? Ou esperara que o fizesse? Maldita
mulher! Sua doce e formosa esposa se convertera em uma mulher vingativa, de mau caráter, do
mesmo estilo que seus dois tios mais novos. Malditos todos eles!
Eleanor percorria o quarto lançando olhares de desaprovação ao Nicholas cada vez que ele
levava a taça de brandy aos lábios. Ele ardia de ressentimento.
- Que diabos fez com meus papéis, meu escritório, meus livros?
Eleanor se esforçou em manter a calma.
- Acaba de inteirar-se de que tem um filho. É isto o único que te ocorre perguntar?

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- Quer dizer que não sabe onde pôs minhas coisas?


Eleanor suspirou.
- Na água-furtada, Nicky. Tudo está na água-furtada.
- Estava presente quando deu a volta a minha casa? - acusou ele,
- Sim, estava aqui.
- E não procurou impedi-lo? -perguntou ele incrédulo.
- Pelo amor de Deus, Nicky, casou-se. Não podia continuar com uma cãs de solteiro depois
de se haver casado.
- Eu não pedi ter uma esposa - disse ele com amargura. - E esperava que ficasse onde a
deixei, não que se devesse colocar aqui. Se queria redecorar, por que diabos não se contentou
remodelando Silverley?
- Acredito que gosta de Silverley tal como está.
- Então por que não ficou lá? -disse ele, furioso.
- Tem por acaso que perguntar?
- Que problema havia - disse ele sarcástico. - Não quis minha querida mãe entregar minhas
rédeas ?
- Regina soube ocupar ali o lugar que o corresponde, se se refere a isso.
-E ntão se entenderam esplendidamente? Bem, por que não? -Riu com amargura. - Ambas
têm algo em comum ao me desprezar como o fazem.
- Isso é injusto, Nicky.
- Não me diga que vai defender a sua irmã!
- Não -respondeu Eleanor com tristeza.
- Já vejo. Uniu-se a Regina. Bem, queria que me casasse com ela. Está contente com a volta
que tomaram as coisas?
Eleanor moveu a cabeça.
- Juro que já não o reconheço. Por que faz isto, Nicky? Ela é uma garota maravilhosa.
Poderia lhe ter feito muito feliz.
Uma súbita dor invadiu o peito dele, quase o sufocou. A felicidade com a Regina era algo
que nunca ia ter, por mais que o desejasse. Mas Eleanor não podia entender, porque Miriam nunca
o havia dito a verdade, as irmãs não se davam bem desde que ele recordava. E se Miriam e Regina
não o haviam dito, certamente que ele não ia fazê-lo. A doce Ellie ia se compadecer, e ele não
queria compaixão. Era melhor que acreditasse que era o detestável personagem que todos
pensavam que era.
Cravou os olhos no copo que tinha na mão e murmurou:
- Eu não gosto que me forcem.
- Mas o fez -apontou Eleanor. - Casou-se com ela. Por que não lhe deu uma oportunidade?
- Isso não.
- Está bem. Entendo. Estava ressentido, mas, por que não o tenta agora, Nicky?
- E fazer que ria em minha cara? Não, obrigado.
- Ela está ferida, isso é tudo. O que esperava, depois de abandonar a sua esposa no dia das
bodas? Apertou com força a mão sobre a taça.
- Ela lhe disse isso? Que estava ferida? -Eleanor olhou atada outro lado. - O certo é que...
- É o que pensei.
- Não me interrompa, Nicky - franziu o cenho com severidade. - ia dizer-lhe que não me
falou nada de você. Mas deve supor que conheço um pouco à moça depois ter vivido quatro
meses com ela.
- Teve o acerto de não te dizer o que pensa de mim. Sabe que tem alguma fraqueza por

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mim.
- Simplesmente não quer se dobrar, né? - exclamou ela. Ele se negou a responder e ela
perdeu a paciência. E seu filho? Quer que cresça em um lar cheio de disputas... como cresceu
você? É isso o que quer para ele?
Nicholas se levantou de um salto do assento e jogou a taça contra a parede.
Eleanor ficou muito atônita para falar e, depois de um momento, ele se explicou dizendo
com voz rouca:
- Não sou um idiota, tia. Talvez o haja dito a todo mundo que o menino é meu, não podia
dizer outra coisa. Mas veremos se se atreve a me dizer cara a cara essa mentira.
- Está sugerindo que você e ela... que vocês nunca...?
- Uma vez, tia Ellie, só uma vez. E foi quatro meses antes de nos casar.
A expressão da Eleanor se adoçou.
- Reggie deu a luz cinco meses depois das bodas, Nicky.
Ele parou petrificado, depois disse com voz apagada:
- Um nascimento prematuro.
- De modo algum! -exclamou Eleanor. - Como pode supô-lo?
- Porque - disse ele - ela me teria dito que esperava um menino para evitar que partisse se
tivesse estado grávida quando fui. E, se estava de quatro meses, tinha que ter a certeza. E se
tivesse notado algo, coisa que não aconteceu. Deve ter estado grávida de dois ou de um mês
quando eu fui embora, e sem dúvida ainda ignorava que esperava um filho.
- Nicholas Éden, até que não deixe de ser tão perverso não tenho nada que o dizer... - E
depois disto, Eleanor saiu zangada do quarto.
Nicholas agarrou a garrafa de brandy, a ponto de jogá-la contra algo, como fizera com a
taça. Mas, em lugar disto, levou-o a seus lábios. Por que não?
- Sim, ela o teria dito em caso de estar grávida quando se casaram. Recordou as vezes que
outros homens a tinham acompanhado a sua casa. Em particular recordava ao George Fowler e a
ira sangrenta que tinha experimentado ao inteirar-se disto, por acaso intuição? Acaso não sabia
que o maldito filho da puta não ia levá-la diretamente a sua casa?
Nicholas estava tão furioso que mal podia pensar claramente. Tinha procurado não pensar
no menino do momento em que se inteiro de sua existência. Por acaso era filho dele? Veria se ela
era capaz de convencê-lo.

CAPÍTULO 28

Reggie sorria ausente enquanto o punhinho se aferrava a seu peito. Alimentar a seu filho
sempre foi encantador para ela, mas hoje sua mente estava escada abaixo. Nem sequer se deu
conta quando a boquinha deixou de chupar.
- Está outra vez dormindo, Reggie - murmurou Tess.
- Ah, sim, mas não por muito tempo. Com suavidade Reggie levantou o bebê contra o
ombro e bateu nas costas.
- Talvez agora fique dormindo - murmurou Reggie ao Tess quando punha na cama. Mas,
no momento em que o pôs de barriga para baixo, a cabeça se ergueu bruscamente, os pés
começaram a agitar-se e os inquisitivos olhos se abriram.
- Era de se esperar -disse Tess sorrindo. - Não precisa dormir tanto. Já
está crescendo.
- Então tenho que pensar em conseguir alguém que o ajude.

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- Por agora não -replicou Tess, zangada; - quando tiver seis meses e começar a engatinhar,
uma ajuda será bem-vinda.
- Como quiser - disse Reggie rindo. - Mas agora vá comer, ficarei com ele até que volte.
- Não, não pode fazê-lo, filhinha. Têm visitas lá em baixo.
- Sim - suspirou Reggie, - meu marido. Mas, como não tenho nada que lhe dizer, não penso
em descer. Vai agora, Tess. E, por favor, ordena que me subam uma bandeja.
- Mas...
- Não... - Reggie levantou de novo o bebê, completamente desperto agora. - Este cavalheiro
é a única companhia que quero esta noite.
Ao sair Tess, Reggie abandonou toda pretensão de comportar-se como uma dama e se
sentou no chão a brincar com seu filho, imitando seus sons e seus gestos, insistindo em fazê-lo
sorrir. Ainda o bebê não ria, mas não ia demorar para fazê-lo, porque ouvia muitas gargalhadas ao
redor. Os muitos visitantes, dos criados até os tios dela, procuravam o fazer rir fazendo loucuras
que os punham tão em ridículo como a ela mesma.
Quanto amava esta criança! Pouco antes de que nascesse, Reggie tinha sido presa de uma
afortunada depressão. Mas, depois de dar a luz, - em um parto tão fácil que tinha surpreendido ao
médico, especialmente em uma primeira vez - Reggie se encheu de euforia. Clara e sinceramente o
menino iluminava sua vida. A verdade era que, nos últimos dois meses, tinha estado tão ocupada
aprendendo e desfrutando de sua nova maternidade, que mal pensava em Nicholas, ao menos,
não mas de uma dúzia de vezes por dia.
- Mas agora voltou, amor. O que vamos fazer? - suspirou Reggie.
- Sem dúvida não espera que lhe responda isso, não?
- Oh, Meg, assustou-me!
- Quer que deixe isto no chão? - Meg trazia uma bandeja com comida. - Tropecei com a
donzela quando a trazia.
- Deixe-a sobre a mesa, por favor - ordenou Reggie. - E agora me conte de seus encontros
com Harris.
Nicholas, para grande desdita de seu lacaio, tinha o deixado na Inglaterra. O pobre homem
se havia sentido abandonado todos aqueles meses, e foi especialmente desventurado desde que
Reggie se transladou à casa da cidade. Mostrava-se abertamente hostil, e ele e Meg tiveram
algumas discussões acaloradas, defendendo os territórios.
Bruscamente, depois da chegada do menino, tudo mudou. Harris se tornou carinhoso com
Reggie, ou, melhor dizendo, com Meg. E Meg e Harris se surpreenderam a si mesmos descobrindo
que se simpatizavam. Inclusive saíram juntos e se entenderam esplendidamente, sempre que Meg
não fizesse alguma crítica do visconde.
Meg deixou a bandeja com um golpe.
- Não me importa nada sobre esse teimoso com o qual perdi o tempo. E não acredito voltar
a sair com ele. O que fez assim que se inteirou de que o visconde estava aqui? Nem sequer se
despediu de mim, mas sim correu escada acima para ver sua Senhoria! E eu podia lhe haver
economizado o trabalho. Tess acabava de me dizer que tinham pedido outra garrafa de brandy
para a sala de música.
-A sala de música? Ah, sim. - Reggie riu.
- Tess diz que ele e lady Ellie estavam ali discutindo - informou Meg.
- Seriamente? Pois não me interessa.
- Ora - zombou Meg - daria um olho do rosto por saber o que diziam de você.
- Acha que discutiam a respeito de mim?
- Se não é assim... do que falariam?

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- É verdade, do que? - perguntou Nicholas da porta.


Meg se voltou sobressaltada, chateada por não ter fechado a porta Reggie, que estava no
chão, levantou a cabeça para contemplar a seu marido de corpo inteiro. Estava deitada de costas, o
menino sobre o peito. Sentou-se lentamente.
Nicholas se aproximou dela e viu uma cabecinha deitada sobre o ombro dela, o punhinho
metido com firmeza na boca. As mechas de cabelo negro e os vivazes olhos azuis eram
inconfundíveis, um Malory dos pés à cabeça.
Aproximou-se e estendeu a mão à Reggie.
- Faz isto com freqüência, amor?
O tom meloso não a enganou. Havia uma linha dura nos lábios, um brilho febril nos olhos.
Não gostava nada de seu filho! Como era possível que estivesse ali de pé, olhando-o, e não ficasse
deleitado? Seu orgulho de mãe ocupou o primeiro posto. Aceitou a mão dele e ficou de pé, mas,
assim que o fez, voltou-lhe as costas.
- Se veio aqui para ver o Thomas, pode ir - anunciou com tom gelado.
- Ah, mas vim o ver. - Nicholas sorriu, sombrio. - Pôs o nome de Thomas por seu pai?
Reggie depositou com suavidade o menino em seu berço e se inclinou para beijá-lo. Depois
se voltou e se enfrentou seu marido.
- Thomas Ashton Malory Éden.
- Bom, esses nomes tomam em conta seu lado da família, não?
O sarcasmo a fez arder.
- Se queria que o nomeasse de acordo a sua família devia ter estado
presente quando nasceu.
- Por que não me disse isso?
- Os olhos dela se estreitaram. Dentro ] de um momento iam insultar se, e isto era algo que
ela não podia permitir no quarto do menino.
- Meg, fica com o Thomas até que Tess volte, quer? - Depois disse ao Nicholas: - Meus
aposentos estão do outro lado do salão. Se quer terminar esta conversa, é melhor que vá ver-me
ali.
Reggie não o esperou: saiu do quarto, atravessou o salão e se dirigiu a sua salinha. Nicholas
a seguiu, fechando com força a porta atrás dele. Ela se virou e o olhou, furiosa.
- Se o agrada bater portas, peço-lhe que o faça em outra parte da casa.
- Se me der vontade de bater portas, coisa que não tenho feito até agora, fá-lo-ei quando
quiser e em qualquer parte de minha casa! - Respondeu.
Agora: por que não me disse sobre isso?
O que podia o responder? Não ia admitir que não queria retê-lo daquela maneira. E, além
disso, não estava certa de ter podido retê-lo: não tinha mostrado o mais mínimo prazer em vê-la a
ela ou a seu filho.
Finalmente se limitou a perguntar, com simplicidade:
- Teria havido alguma diferença?
- Como sabê-lo, já que não me disse isso? - Uma nota sardônica entrou em sua voz. -
Naturalmente, existe a possibilidade de que ainda não soubesse e, por conseguinte, não me podia
dizer isso.
- Como não ia saber se estava grávida de quatro meses? – Sorriu. – É verdade que tive
poucos sintomas. Mas de quatro meses... qualquer mulher sabia !
Ele se aproximou mais, até ficar diretamente ante o assento dela.
- Geralmente em uma gravidez de quatro meses os outros também se inteiram -disse com
suavidade. - Basta ver como se expande a cintura. Mas não foi seu caso, amor.

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Os olhos de Reggie enfrentaram com os dele e se dilataram diante do que liam.


- Acha que o menino não é seu -murmurou incrédula. - Não me surpreende que apenas seja
cuidadoso! - ficou de pé e ele retrocedeu para deixá-la passar. Ela falou dirigindo-se à sala em
geral.
- Oh, isto é fabuloso! Nem sequer me ocorreu pensá-lo!
Mas podia ver o divertido da situação e, em outras circunstâncias, teria rido. Teria sido uma
perfeita vingança pela forma pela qual a tinha tratado, recebê-lo agora com o filho de outro
homem. Mas agora Reggie não tinha desejos de rir. Sobressaíam a surpresa de voltar a vê-lo, e o
feio choque da desagradável conclusão a que ele chegou.
Pôs a mão no seu ombro, obrigando-a a olhá-lo.
- É esta fingida surpresa o melhor que o ocorre? Teve tempo de sobra para inventar uma
desculpa, para explicar por que seu vestido de bodas rodeava uma cintura tão pequena no dia em
que nos casamos. Tenho curiosidade por saber o que inventou.
Os olhos dela, aqueles cortantes olhos grandes, estreitaram-se mais ao enfurecer-se, mas
manteve a voz tranqüila.
- Seriamente? Poderia dizer que levava um espartilho muito ajustado, se é que deseja que
diga isso. Acreditaria - Não? O melhor, porque nunca ajustei muito meus espartilhos.
- Então o reconhece? -rugiu ele.
- Reconheço o que, Nicholas? Disse-o que tive uma gravidez bastante incomum. Na
verdade foi tão estranha, que comecei a me preocupar pensando que podia se passar algo ao
menino quando estava grávida desete meses e vi uma mulher de cinco que me dobrava em
tamanho... - Aspirou profundamente. - O tio Jason afirma que com a minha avó aconteceu o
mesmo. As pessoas apenas se davam conta de que estava grávida, até que
nasciam os meninos. Disse que ele e seus irmãos foram todos muito pequenos ao nascer, como
Thomas, mas olhe como cresceram! E tem razão, porque Thomas cresce a olhos vistos, a saltos,
perfeitamente formado, perfeitamente normal. Provavelmente, um dia será tão grande como seu
pai - terminou sem fôlego, furiosa, embora um pouco aliviada. Já havia dito tudo. O que
acreditasse ou não acreditasse era coisa dele.
- É uma boa história, original, meu amor. Por certo, melhor do que esperava.
Reggie moveu a cabeça. Ele tinha já uma opinião formada e não ia abandoná-la tão
facilmente.
- Se não quer reconhecer ao Thomas como teu filho, não o faça. Na verdade não me importa
o que pense - disse ela simplesmente.
Nicholas explodiu:
- Me diga que é meu! diga-me isso simplesmente!
- É seu.
- Não acredito.
- Bem. -Assentiu como se entendesse. - Desculpa agora, mas a comida está esfriando.
Cravou-lhe os olhos, atônito, quando ela passou em frente dele e se dirigiu à porta.
-Não tenta me convencer?
Reggie o olhou um momento e vacilou. O olhar enlouquecido, fracamente esperançado dele
quase a abrandou. Mas ela fizera tudo o que podia. Convencer-se era algo que dependia dele.
- Para que? -respondeu. - Thomas não necessita de você. Tem-me. E certamente, que não
carecerá de cuidados masculinos, com quatro tios avôs que o adoram.
- Não é possível, maldição! -rugiu ele. - Não permitirei que esses autocráticos filhos de puta
eduquem a me... -Fechou a boca de repente, e a olhou furioso. - Vamos, vai comer.
Ao retornar ao quarto do menino, Reggie sorria, e seu bom humor estava quase

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recuperado. Aquela explosão o dava, certamente, assunto para pensar, não é verdade?

CAPÍTULO 29

Nicholas despertou lentamente e franziu o cenho ante o estranho ruído que o tinha
despertado. Moveu a cabeça e se recostou de novo, mas ao cabo de um momento voltou a
despertar. O menino estava chorando. Provavelmente, tinha fome.
Tinha reconhecido o ruído, mas se manteve completamente acordado perguntando-se
quantas vezes iriam interromper-lhe o sono. Não importava. Amanhã todos voltariam para
Silverley. E se ele ficasse, seus aposentos estavam mais longe do quarto do menino.
Se ficasse? Porquê não ia ficar? Miriam o tinha mantido longe do Silverley durante anos,
mas Miriam já o tinha prejudicado ao falar com a Regina de seu nascimento. Depois disto, já não
podia o fazer mais mal. E ele não ia permitir que Regina o mantivesse longe do Silverley. Silverley
era, recordou com orgulho, seu lar. Ainda tinha certos direitos neste mundo!
A casa estava agora tranqüila; a babá sem dúvida deu de comer ao menino. Teria
despertado Regina? Imaginou no quarto contíguo, enroscada na cama, provavelmente
adormecida, já que estava acostumada a estes ruídos e podia dormir sem que o afetassem.
Como nunca a viu antes dormindo, não podia ter uma imagem clara dela. Cruzaria as mãos
sob o queixo como uma menina? Teria longos cabelos? Ele só a viu quando estava penteada
formalmente. Que roupa vestiria para dormir? Não sabia nada dela e, entretanto, era sua mulher.
Tinha todos os direitos do mundo para dar os poucos passos que o separavam do
dormitório dela, despertá-la e meter-se em sua cama. Desejava-a. Mas nunca o faria. Ela já não era
a moça apaixonada e inocente que o tinha entregue sua virgindade em uma quente noite de verão.
Iria rejeitá-lo, iria tratá-lo com desprezo e ódio. Mas ele não se ia dar por vencido.
Sim, mas... no caso dele entrar no quarto nas pontas dos pés e a olhasse, ela o perceberia?
Nicholas já tinha saído da cama e pôs um roupão, antes de ter este pensamento. Muito em breve
estaria no corredor, entre a salinha da Regina e o quarto das crianças. A porta do dormitório dela
estava fechada e pela ranhura da borda debaixo da porta não saía luz. A porta do quarto das
crianças estava entreaberta e deixava passar uma tênue luz. Uma mulher cantarolava uma
conhecida canção de ninar.
Nicholas se deteve com a mão apoiada na porta fechada do quarto da Regina. Mas ouviu
um ruído estranho no quarto das crianças. Às amas de leite não gostavam que as incomodasse,
mas ele sentiu de repente um forte desejo de entrar nesse quarto e não no da Regina. Antes não
tinha olhado atentamente ao menino. Não era este o melhor momento de fazê-lo?
Nicholas empurrou a porta do quarto das crianças. A babá, Tess, estava profundamente
adormecida em uma cama contra a parede. Um abajur ardia em uma mesa junto a uma poltrona
acolchoada. Nessa poltrona estava Regina amamentando a seu filho.
Ficou surpreso. As damas de certa condição não amamentavam a seus filhos. Não era
correto. Ele podia a ver de perfil, com a cabeça inclinada sobre o menino, cantarolando levemente.
Os cachinhos curtos que estavam então na moda o rodeavam o rosto, e o resto do cabelo,
comprido e brilhante, caía em ondas escuras sobre o espaldar da poltrona. Tinha vestido um
roupão branco de mangas longas que estava aberto e deixava ver a camisola do mesmo gênero,
que tinha abaixada de um lado, mostrando o seio nu. A boca do menino chupava avidamente,
uma mãozinha estava apoiada em cima do mamilo, como mantendo ao peito em seu lugar.
Nicholas estava como hipnotizado. Insólitos sentimentos se agitavam no fundo de seu ser,
sentimentos de ternura que o tinham como que enfeitiçado. Mesmo quando ela sentiu a nova

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presença e o olhou, ele não se moveu.


Seus olhos se encontraram. Um longo momento se olharam em silêncio. Ela não deixava ver
nem surpresa nem cólera. Ele não sentiu a antiga hostilidade. Pareciam tocar o um ao outro sem
mãos, como se passasse entre eles uma corrente que transcendia suas diferenças.
Regina foi a primeira em afastar o olhar.
- Lamento que Thomas te tenha despertado.
Nicholas se mexeu.
- Não, não, não é nada. Não... não esperava que estivesse aqui.
Depois perguntou timidamente:
- Não pode o encontrar uma ama de leite? - Reggie sorriu.
- Nunca procurei encontrá-la. Quando Tess me disse que minha mãe tinha quebrado a
tradição e me tinha amamentado, decidi fazer o mesmo com o Thomas. E nunca o lamentei.
- Não a escraviza muito?
- Não tenho nada que fazer e não quero ir a nenhum lugar no qual esteja afastada do
Thomas por muito tempo. É obvio que não posso fazer muitas visitas, mas isso não me aflige.
Ele não soube que dizer. Entretanto, não queria ir-se.
- Nunca vi a uma mãe dando de mamar a seu filho. Você se incomoda? - perguntou
torpemente.
- É você... não, não me incomoda -terminou de dizer ela, com o olhar fixo no menino.
Ele se recostou um instante contra a porta, examinando-a.
Era seu aquele menino? Ela dizia que sim. Seus próprios instintos o diziam que assim era.
Então, por que continuava negando tenazmente a verdade? Deixar a uma esposa que nos impôs à
força, é uma coisa. Mas deixar a uma esposa grávida, era outra. É verdade que ela não o havia
dito. Mas o afastamento dele, o tê-la deixado sozinha com sua gravidez, foi algo desprezível. Era
como uma maldição. Tinha posto ele nessa situação ao guardar o segredo de seu estado. E como
diabos iam sair desta complicação?
Reggie mudou o menino de posição para o dar o outro seio. Nicholas ficou sem fôlego ao
ver os dois seios brancos e redondos no momento em que ela tampava um deles.
Aproximou-se lentamente de Regina, atraído apesar tudo e não se deteve até que chegou
junto à poltrona. Olhou-a, mas ele não se animou para não ceder à tentação de tocá-la.
Ele mantinha os olhos fixos no menino, mas ao fazê-lo, estava olhando o
peito dela, o nascimento da garganta, os lábios. Como reagiria no caso
dele a beijar? E se agachou para tentá-lo.
Nicholas sentiu a respiração dela antes de que sua boca o tocasse os lábios. Seu beijo foi
breve e terno, muito leve, e terminou antes de que ela pudesse afastar-se. Ele se endireitou,
sempre sem o encontrar o olhar.
- É um belo menino, Regina.
Passou um longo momento antes de que ela respondesse:
- Eu gosto de pensar que o é.
Ele sorriu, vacilante.
- Neste momento lhe tenho inveja.
- Por que?
Ele olhou diretamente os claros olhos azuis.
- É necessário perguntar?
- Você não me necessita, Nicholas. É algo que pôs muito claro antes de ir embora. Por acaso
mudou que idéia?
Ele ficou tenso. Ela queria que ele começasse a o suplicar, era evidente. Isto o dava a

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possibilidade de o humilhar. Regina tinha jurado que nunca o ia perdoar e provavelmente


cumpriria sua palavra. Ele não a culpava, mas não ia piorar as coisas com seu comportamento.
Virou-se e se afastou sem dizer uma palavra.

CAPÍTULO 30

Falava a sério. Estava decidido a que empacotassem tudo e se fossem para Silverley nesse
mesmo dia. Nicholas fez seu anúncio à hora do café da manhã, muito resoluto, atrevendo-se a dar
como desculpa que não podia viver em uma casa onde não havia um estúdio. O que podia dizer
ela, ela que o deu essa mesma desculpa em um longínquo momento de irritação? Um homem
exasperante!
Bem, o certo é que ela não iria sem a Eleanor. Só o faltava estar confinada no campo com
duas pessoas imimigas. Não: Eleanor devia ir com ela. Mas não terei que dizer ao Nicholas,
advertiu a Eleanor. Ellie se negou em um primeiro momento, mas Reggie persistiu até que a outra
cedeu.
De tal modo que o resto do dia todos estiveram muito ocupados salvo Nicholas, que ia de
um lado a outro e lançava olhares satisfeitos pela perturbação que tinha provocado. Reggie não
teve tempo de despedir-se de sua família. Teve que conformar-se com umas notas rabiscadas
depressa. Mas, apesar disso todos ajudaram a todos menos Nicholas - já era quase de noite
quando subiram o último baú com o carrinho de mão extra que os esperava.
Reggie não falava com o visconde. Mas a irritação que sentia para com ele era mais
profunda que a contrariedade do momento. O certo é que ficara transtornada pelo encontro da
última noite. Não sabia o que tinha estado procurando Nicholas nessa noite, mas conseguira que
ela não pudesse conciliar o sono. Não era porque a tivesse beijado. Quando ela se esforçava em ser
sincera consigo mesma, devia reconhecer que o motivo
era que ele não fora além daquele beijo.
Esta era a causa de sua confusão. Como era possível que continuasse desejando-o depois de
tudo o que o fizera? Mas o certo é que o desejava. Tinha-o visto de pé na porta, com o roupão de
seda aberta quase até a cintura, com o cabelo revolto clareado pelo sol e uma expressão intensa em
seus olhos da cor do mel. E ela se viu sacudida por um movimento de desejo tão forte que se
assustou. Ao vê-lo nesse momento esqueceu todos os meses que passou amaldiçoando-o.
Mas, o que ia fazer? Certamente, não estava disposta a perdoá-lo. Não o ia fazer. Não devia
pensar nele desse modo.
Eleanor, Tess e o menino ocuparam a carruagem maior, com Reggie e Nicholas, enquanto
que Meg, Harris e a criada da Eleanor se acomodaram na carruagem menor. Rodeado de três
mulheres, Thomas pôde contar com peitos acolhedores para apoiar neles sua cabecinha. Quase
todo o tempo viajava em silêncio e as mulheres, agora que podiam descansar, conversavam
tranqüilamente. Nicholas adotou deliberadamente uma atitude de aborrecimento ante seus bate-
papos. Elas, por sua parte, não tomaram em conta e Reggie chegou ao extremo de não vacilar em
descer o ombro do vestido e dar de mamar ao menino, apesar deque ele parecia agitar-se em seu
assento. Que se atrevesse a dizer algo! Que se atrevesse!
Neste momento se produziu uma mudança de ânimo no Nicholas. Tinha o divertido o ar
altivo de sua mulher, e inclusive as olhadas geladas de sua tia, porque a doce Eleanor nunca
pudera estar muito tempo zangada com ele. Surpreendeu-o um pouco que ela fosse a Silverley,
porque não havia voltado lá depois da morte de seu pai, seis anos antes. Ocorreu-lhe que Eleanor
acreditava que Regina necessitava de apoio moral, e isto divertiu-o e feriu-o o ao mesmo tempo.

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A diversão formava parte do torvelinho de suas emoções. De qualquer modo era um


depravado por haver-se comovido ante o mero fato de ver a Regina amamentando ao menino,
mas o certo é que estava comovido. Uma voz compassiva murmurava no fundo de sua mente, lhe
dizendo que tinha sido muito duro consigo mesmo. Regina sempre o tinha produzido este efeito.
Mas o compreendê-lo não lhe serviu de muito. Regina ia deter seus avanços. E ele se
converteria em um imbecil se cortejasse a sua própria mulher, verdade? Se compartilhassem o
mesmo quarto, era provável que a proximidade o ajudasse. Depois de tudo ela era uma mulher
apaixonada. Mas a casa que acabavam de deixar e a casa para qual foram, eram tão grandes que
não era necessário que compartilhassem um quarto.
Só havia uma maneira de compartilhar um quarto com ela: por absoluta necessidade, o que
não era muito provável... ou o era? Deus santo, sim! Havia uma maneira e ele quase perdera a
oportunidade, porque estavam já a mais do meio do caminho do Silverley. A idéia percorreu sua
mente e chegou à conclusão de que podia dar resultado.
Sem analisar mais o plano, no que provavelmente podiam aparecer falhas, Nicholas
ordenou ao cocheiro que se detivessem na estalagem seguinte.
- Aconteceu algo? -perguntou Eleanor.
- Nada, tia Ellie. Simplesmente me dei conta de que esta noite prefiro uma comida quente
em lugar do refrigério frio que nos espera no Silverley se chegarmos a uma hora tão tardia.
- Mas ainda não é tão tarde. Eu acreditava que quase estávamos lá - interveio Regina.
- Não tão perto, amor. E estou faminto: não posso esperar.
A estalagem a que chegaram era um lugar onde Nicholas era bem conhecido. Conhecia o
bastante ao dono para o dizer exatamente o que desejava. "E agora", pensou "se tiver um pouco de
sorte o resto da noite..."

CAPÍTULO 31

Reggie ria ao dirigir-se para a cama. Meg fora repreendê-la severamente enquanto a
ajudava a despir-se. Meg acreditava que Reggie estava bêbada. Bom, naturalmente não o estava.
Mas Eleanor sim o estava. Aquilo era engraçado, já que Reggie se viu obrigada a acompanhar à tia
a seu quarto, onde a camareira de Eleanor a tinha repreendido também. Os criados eram muito
atrevidos hoje em dia.
Eleanor só tinha consumido... o que? Meia dúzia de copos daquele delicioso vinho que o
hospedeiro tinha reservado justamente para eles. Ele havia dito ao Nicholas. Reggie tinha bebido
também muito e se sentia maravilhosamente bem, mas certamente não estava embriagada.
Simplesmente era mais tolerante que Eleanor.
Deixou-se cair na cama, relaxou e logo voltou a ficar erguida. Este não era o amplo
dormitório do Silverley, mas uma noite passava logo. Em meio da comida, Nicholas disse-lhes que
tomassem seu tempo; explicou que, em sua pressa, tinha atuado desatinadamente; sua desculpa
era que não estava acostumado a viajar com uma comitiva tão numerosa. Deu-se conta de que era
desconsiderado chegar tão tarde ao Silverley sem prévio aviso, obrigando aos criados a sair de
suas camas para preparar os quartos, atender aos cavalos e ocupar-se da bagagem. Chegou à
conclusão de que era melhor chegar pela manhã e tomara quartos na estalagem para todos.
O jantar foi prolongado e agradável; Nicholas se esforçava em fazer-se perdoar pelas
perturbações que os tinha causado. Mostrava-se encantador e fez rir várias vezes a sua tia com
seus casos. Logo Reggie compartilhou as risadas com eles, desejando que Meg, Tess e os outros
criados estivessem passando igualmente bem.

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Reggie bocejou e estendeu uma mão para apagar o abajur que estava na mesa de noite. Mas
antes de que pudesse fazê-lo, a porta se abriu e Nicholas entrou no quarto.
Reggie se sentiu vagamente divertida quando o viu de pé na porta. Mas ele não se
desculpou por seu engano. Por acaso não era um engano? Por que estava em seu quarto?
- Procurava algo, Nicholas?
Ele sorriu. Um olhar circular o fez ver que os baús dela foram subidos, mas que a bagagem
dele ainda permanecia na carruagem. Harris tinha protestado pelas medidas tomadas,
especialmente quando o disse que devia dormir nas cavalariças com os criados, confirmando
assim a versão de que a estalagem estava repleta e não podia dar alojamento cômodo a todos.
Reggie franziu o cenho quando ele fez um gesto para tirar a jaqueta.
- O que... o que está fazendo?
- Vou me deitar -respondeu ele com voz indiferente.
- Mas...
- Não lhe disse? -Franziu o cenho. - Estava certo de haver-lhe dito isso. Ela pareceu confusa.
- De me ter dito o que?
- Que aqui somente há três dormitórios. Minha tia e sua criada ocupam um. Sua criada e a
babá outro, com um berço que puseram ali para o Thomas. Só resta este quarto.
Sentou-se no outro extremo da cama e tirou as botas.
Os olhos de Reggie se dilataram enquanto contemplava as longas costas.
- Vai dormir aqui? - A voz ficou muito aguda, gritante. - Aqui?
- Onde quer que durma? - respondeu ele, tratando de parecer ofendido.
- Mas...
Ela não pôde prosseguir, porque ele se virou e a olhou, perturbando-a com sua vizinhança.
- Por acaso há algo mau em fazê-lo? -perguntou Nicholas. - Depois de tudo estamos
casados. E o asseguro que pode sentir-se perfeitamente a salvo na mesma cama comigo.
- É necessário que lhe recorde que já não inspirava nenhum desejo?
- Espero que não ronque... -disse ela, por pura maldade.
- Roncar, eu? É obvio que não.
- Nesse caso, suponho que compartilhar o quarto uma noite não tem maior importância.
Não se dispa de tudo. De acordo?
- Não posso suportar a roupa apertada.
- Então vou apagar a luz, se não se incomoda - disse ela.
- Para que minha nudez não te escandalize? É obvio.
Havia um tom divertido na voz? O descarado! O melhor era não levá-lo em conta.
Levantou o abajur com as duas mãos - não queria que ele a acusasse de ébria- mas o foi
muito difícil encontrar a borda dos lençóis dobrados para colocar os pés por debaixo. Quando
finalmente o conseguiu, Nicholas tinha acabado de despir-se e, com toda facilidade, levantou os
lençóis no mesmo momento em que o fazia ela. O peso dele se fez sentir e Reggie precisou agarrar
a borda dos lençóis para que ele não se envolvesse inteiramente neles. Manteve-se tensa como
uma tábua, tratando de não o tocar com nenhuma parte de seu corpo,
- Boa noite, esposa. Reggie franziu o cenho.
- Boa noite, Nicholas.
Não passou um minuto e ele já estava roncando. Reggie lançou uma exclamação de
aborrecimento. Roncar eu! Como era possível dormir com esta tortura? Esperou um minuto mais e
finalmente lhe sacudiu um ombro.
- Nicholas...
- Tenha piedade, querida - balbuciou ele. - Uma vez basta por hoje.

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- Uma vez?... Oh! - exclamou ela, surpreendida ao compreender o que ele queria dizer. Ele
acreditava estar com outra mulher, uma mulher que solicitava de novo suas carícias. Que idéia!
Deixou-se cair novamente sobre o travesseiro. Um momento depois ele voltou a roncar,
mas esta vez ela se limitou a rilhar os dentes. Ao cabo de uns minutos, Nicholas girou para ela e
uma de suas mãos se deteve alarmantemente perto de seus seios. Uma das pernas dele se apoiou
na coxa dela.
Passou-lhe pela cabeça que o peito que se apertava contra seu braço estava nu, que a perna
que estava em cima dela também o estava, que... Santo Deus! Se se movia ele ia despertar. E esta
intimidade trazia de volta sentimentos que era melhor esquecer... Não era possível dormir assim.
Muito suavemente ela tratou de levantar a mão dele. A reação dele foi agarrar o seio. Os
olhos dela se dilataram. A respiração se acelerou. Mas ele continuava dormindo beatificamente,
ignorante do que estava fazendo.
Uma vez mais Reggie tratou de livrar-se, separando os dedos dele um a um, lentamente.
Quando se livrou da mão, esta se afastou por sua conta, mas não na direção que ela queria. A mão
deslizou lentamente pelo ventre dela, chegou à proeminência do púbis e voltou a subir, detendo-
se no outro seio. Nesse momento, o joelho dele se moveu e roçou os quadris dela. Os dedos
acariciavam seu peito.
- Muito... agradável - o fôlego de o roçou a face: estava murmurando enquanto dormia.
O gemido partiu do profundo dela, surpreendendo-a e fazendo que se ruborizasse
violentamente. Isto era uma loucura. Ele estava dormindo. Como podia o inspirar estas sensações
quando estava dormindo?
A culpa era do vinho. Assim devia ser, porque ela quase desejava ser o homem, ele a
mulher, para jogá-lo de barriga para cima, montar-se sobre ele e satisfazer sua crescente dor.
Devia correr o risco de despertar. Devia fazer que ocupasse o lado da cama que o
correspondia.
- Nicholas... -sussurrou. - Nicholas, tem que...
- É insistente, querida. Verdade? - Estendeu uma mão e a passou sob a nuca, aproximando
o rosto dela ao seu. - Vêem então já que insiste.
Os lábios quentes se uniram aos dela, suaves ao princípio, depois apaixonados. A mão que
estava na nunca iniciou uma suave carícia, fazendo com que todo o corpo dela estremecesse.
- Ah, querida - murmurou ele com voz surda, enquanto seus lábios o percorriam uma face e
mordiscavam o lóbulo de uma orelha. – Teria que insistir muito mais.
Reggie se sentiu tomada de prazer erótico. O que importava que ele não estivesse de todo
acordado e não soubesse o que estava fazendo? Colocou a mão na nuca dele e fez pressão para
mantê-lo perto.
Nicholas tinha vontade de gritar de triunfo. Ao aceitar seu beijo, ela tinha selado seu
destino. Seus lábios se moveram pelo pescoço, fazendo cálidas carícias. Rápida, habilmente ele
desatou a camisola e com um brusco movimento o fez passar sobre a cabeça dela e a jogou longe.
A mão de Reggie que estava no pescoço dele se afastou quando lhe tirou a camisola e se
posou de novo no ombro do Nicholas. Os músculos dele ficaram tensos quando o tocou. Ela
estremeceu de prazer ao comprovar seu poder. Já não podia voltar atrás. Ele era seu esta noite,
soubesse ou não.
Os dedos dela deslizaram pelas costas dele. A pele era suave e quente. Ela apertou
brandamente, depois beliscou, suavizou a pressão, sentindo prazer em poder o tocar de novo.
Fazia tanto, tanto tempo! E o fazia recordar agora como foram as coisas na primeira vez. Os lábios
de Nicholas esboçaram uma linha ardente da garganta dela até suas coxas. Ele parecia ébrio com o
aroma e o sabor dela. A pele de Reggie era tão firme e tão sedosa como na noite que o arrebatou

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sua virgindade. O corpo dela não mudou depois do parto, salvo que os seios eram agora mais
redondos; Teria dito que ele tinha quase medo de tocá-los, embora ansiava fazê-lo. Mas agora
eram do menino e ele não queria que ela pensasse em seu filho. Não queria que ela pensasse em
nada.
A cabeça de Reggie se movia a um e outro lado, seu pulso se acelerava. Se Nicholas não
punha fim à deliciosa tortura de seus dedos indagadores, muito em breve ela ia começar a lhe
suplicar.
Sem dúvida ele leu seus pensamentos, pois seu longo corpo ficou em cima dela, o desejado
peso. Ela levantou as pernas e enlaçou os quadris dele no momento em que a cálida carne dele a
penetrava, enchia-a, avançava em suas profundidades.
A boca dele se apertava contra a dela, sufocando seus gritos de prazer com beijos doentios.
Ela respondia a cada embate dele, com os braços trançados detrás da cabeça do Nicholas, os dedos
presos em seu cabelo.
O momento culminante chegou para os dois de uma vez, com uma fulgurante intensidade,
uma vibração atrás de outra, que passou por cima deles. Um prazer encontrado e saboreado, a
paixão cheia. O mundo desapareceu na mesma maré e os dois dormiram, um engrenado nos
braços do outro.

CAPÍTULO 32

Nicholas despertou ao ouvir que batiam na porta, e foi consciente de duas coisas
simultaneamente. Estava deitado com seus membros entrelaçados com os da Regina, e a pessoa
que batera na porta não ia esperar que a convidassem a entrar.
Encontrar sua mulher a seu lado foi uma muito grata surpresa, que agitou maravilhosas
lembranças. Voltou-se para a porta, murmurando um juramento. A camareira de Regina estava ali
de pé, com uma vela na mão, Thomas apoiado contra seu ombro e seguro pela outro. Uma
expressão de ridícula surpresa invadiu seu rosto.
- Não tem costume de esperar que o digam que entre? –grunhiu Nicholas. Mas Meg não se
intimidou.
- Não é o costume que temos, milorde, não quando se trata de entrar em quarto de lady
Reggie.
- Bom, lady Reggie não está sozinha e, se virar-se, por-me-ei apresentável.
Meg conteve o fôlego quando ele ficou de pé sem mais. Virou-se rapidamente e a cera da
vela caiu sobre o chão. O que fazia ele na cama de Reggie? A pobre garota ficara com o coração
destroçado quando ele a abandonara, e agora ele estava de volta e, segundo ela suspeitava, sem
sequer ter-se desculpado.
- Pode se virar agora e dizer o que deseja. Meg se encrespou. Olhou vacilante por cima do
ombro enquanto ele se interpunha, bloqueando a vista da cama.
Desconfiada, ela perguntou:
- Sabe ela que está aqui? Nicholas riu.
- Minha querida amiga, do que me está acusando? - Meg ficou muito rígida procurando
pensar em algo para dizer.
- Há algum problema que a traz aqui em meio da noite? –perguntou Nicholas, antes de que
ela pudesse falar.
- Trouxe lorde Thomas para a última amamentação - explicou ela, fazendo que ele se
perguntasse como pudera esquecer tão rápido que o menino requeria ser atendido em meio da

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noite.
Meg prosseguiu, como se lesse os sentimentos dele.
- É incomodo é claro, mas não terá que amamentá-lo tão tarde em pouco tempo. Faz umas
poucas noites que está dormindo bastante bem. É a viagem e o quarto desconhecido: por isso está
tão inquieto agora.
- Está bem. Me pode dar ele.
Meg deu um passo para trás, assombrada.
- Peço que me desculpe, milorde, mas, não seria melhor que saísse do quarto por um
momento.
- Não, não seria melhor -disse Nicholas com firmeza. - Em troca você pode fazê-lo. Não,
minha boa mulher, não acredito poder satisfazer as necessidades do menino, de modo que não
tem por que me olhar desse modo. Passarei ele a sua mãe e o mandarei de volta quando tiver
terminado.
Estendeu as mãos para o Thomas e Meg se viu forçada a obedecer, embora fizesse uma
advertência,
- Terá que tomar cuidado. Deve o sustentar a cabeça... isso, assim. Não é uma boneca de
trapo! Ele fez uma careta de impaciência e ela se apressou a ir.
Nicholas suspirou. Não havia escapatória: era mister despertá-la. Que aborrecimento! Não
queria despertá-la. Ela dormiu o tempo suficiente para que os efeitos do vinho se dissipassem, e ia
se sentir sobressaltada por sua presença. Ai, porquê não podia o menino mamar sem necessidade
de despertá-la? Os bonitos seios estavam nus e ela estava de lado. Não poderia o menino arrumar-
se sozinho?
Levantou cuidadosamente o menino e o pôs junto à Regina. Não aconteceu nada. Nicholas
se recostou no espaldar do assento e franziu o cenho. Por que diabos não funcionava? Por que os
meninos não tinham o instinto apropriado? Voltou a carinha para ela, até que a face do bebê
roçou o mamilo, mas a cabecinha voltou a afastar-se e Thomas, contrariado, fez sons de
descontente.
Exasperado, Nicholas se pôs atrás do Thomas e o deitou de lado, aproximando a boca do
menino ao mamilo. Logo procurou uma posição justa, até que por fim o menino encontrou o
mamilo e começou a mamar.
Nicholas sorriu, contente consigo mesmo e com o menino. Sustentando a cabecinha pela
nuca, mantendo-a firmemente junto a sua fonte de nutrição, Nicholas pôde contemplar
longamente à mãe e o menino. "É uma sorte que desejo a todo pai recente", disse-se.
E quase estalou a língua, como comentando sua própria criatividade. sentia-se muito
orgulhoso. Este menino era seu filho - agora estava disposto a fazer passar um mau momento a
quem dissesse o contrário - e ele contribuiu para o alimentar. Em todo caso, aproximou o menino
a seu alimento. Era mais ou menos o mesmo. E pôde entender um pouco o que Regina devia sentir
cada vez que o amamentava. Era uma sensação maravilhosa.
Enquanto os contemplava, sentiu-se novamente invadido pela onda terna e cálida que
havia sentido na noite anterior, e também por um sentido de posse. Esta era sua mulher, este era
seu filho. Pertenciam-lhe. Teria que fazer algo para que eles soubessem e o aceitassem.
Nicholas tinha mais segurança agora com o menino nos braços, quando avançou pelo
corredor até o quarto que Meg compartilhava com a babá. Inclusive arrumara para fazer girar à
mãe e ao menino, de tal modo que o outro peito da Regina, transbordante de leite, pudesse ser
utilizado. E obteve conseguido isto sem despertá-la.
Meg abriu a porta; tinha ar de poucos amigos. Este era um bom momento, pensou, para que
começassem a aceitá-lo.

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- Me diga uma coisa, Meg. Essa animosidade que lhe inspiro ... é pessoal ou é só um reflexo
dos sentimentos que sua senhora tem por mim?
Meg, que tinha muitos mais anos que Nicholas, atreveu-se a dizer o que pensava:
- As duas coisas. Não devia ter retornado. Ela estava muito bem sem você e voltará a estar
quando tiver partido.
- Quando me tenha ido? - Estava realmente escandalizado. - Quer que vá quando só acabei
que chegar?
- Por que não? - respondeu Meg. - Você não a queria como esposa. E isso é algo que ela
sabe muito bem.
- E se eu não for, Meg? O que vai acontecer, então? - perguntou baixando a voz.
Meg se manteve firme. Não ia fazer ela vacilar tão facilmente.
- Vai lhe fazer a vida impossível: é o que vai acontecer. Por outra parte é o que merece, se
me permite dizê-lo, milorde. Tess e eu não criamos a uma menina tola, asseguro-lhe isso. Não é
possível ofender duas vezes a uma Malory.
Nicholas assentiu com a cabeça. Escutou bastante se alguém conhecia os verdadeiros
sentimentos da Regina, era Meg, e a criada fora bastante franca para o dizer a verdade. Teria
razão? Não havia nenhuma esperança para ele e Regina?

CAPÍTULO 33

Eram as oito e quinze, e Meg dava voltas pelo quarto, muito atarefada, sacudindo o vestido
violeta, e a jaqueta de manga curta que ia pôr em Reggie. Esta estava sentada na beirada da cama,
brincando com o Thomas. Já deu de mamar e estava esperando que Tess o levasse. - Quer dizer
que não se recorda de que eu o trouxe à noite?
Reggie levantou o olhar confundido.
- Surpreendeu-me que Thomas tenha dormido toda a noite de um só vez. Não surpreende a
você, Meg? Eu pensei que o ambiente estranho ia deixá-lo nervoso.
- Milorde o trouxe de volta, bem alimentado e tranqüilo -disse Meg. - Estou certa de que ele
queria que o felicitassem por ter alimentado ao menino, mas não vejo como pôde fazê-lo, a menos
que os homens estejam feitos agora de outro modo...
- Nicholas levou de volta o menino?
- Assim é, e me dou conta de que você não recorda. Foi o excesso de vinho...
- ... Cale-se - exclamou Regina interrompendo-a. - É claro que me lembro. Só foi um instante
e... Oh, não importa. Leve-o para Tess, me faça o favor. Sinto que vou ter dor de cabeça.
- Não me surpreende, com tudo isto...
- Meg!
Quando a porta se fechou, Reggie se estendeu na cama. O que o ocorria? Ela sabia que
Nicholas passou a noite com ela. Recordava que ele entrou no quarto e caiu adormecido em
seguida. O que se passou depois?... Sim, podia lembrar do resto mas, por que não podia lembrar-
se de ter dado de mamar ao Thomas no meio da noite?
Perguntou-se se podia estar certa de alguma coisa. Talvez ela ficou adormecida um pouco
depois do Nicholas, e possivelmente sonhara todo o resto. Então recordou que ao despertar tinha
a camisola posta. Oh! Era possível que tudo tivesse sido um sonho?
A decepção o golpeou como uma onda. Essa manhã, mais tarde, quando saíram na
carruagem, Nicholas parecia estar de muito mau humor. Esquecido em um canto, apenas se
dignava a abrir a boca. Que diferença com a noite anterior, na hora da comida! O que lhe teria

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ocorrido?
As três mulheres exalaram um suspiro unânime quando finalmente chegaram ao Silverley.
Estavam esperando-os. As portas da grande mansão estavam totalmente abertas e um montão de
criados se dispunha a descer a bagagem. Se diria que todos os criados saíram para dar as boas-
vindas a seu senhor; até mesmo a condessa estava de pé na soleira.
Um pouco tarde, Reggie compreendeu que toda esta agitação era provocada por Thomas, o
novo patrão. Um por um, os criados trataram de o ver quando ela desceu da carruagem e se
dirigiu às grandes portas duplas da entrada.
Miriam lançou um duro olhar ao Thomas antes que seus frios olhos reparassem em Reggie
e Nicholas.
- Já vejo - disse abruptamente - traz o bastardo para casa.
Eleanor engoliu em seco, lançou a sua irmã um olhar furioso e se meteu na casa. A pobre
Tess ficou vermelha como o grão e agradeceu a Deus que Meg não tivesse estado perto para ouvir
aquilo.
Nicholas, que estava atrás de Reggie, ficou rígido, mas em seu rosto não houve nenhum
indício de emoção. Estava, convencido de que o insulto era dirigido a ele, não ao menino. Miriam
nunca ia mudar. Sua alma estava tão cheia de amargura, que o veneno às vezes transbordava.
Assim era Miriam.
Reggie se deteve de repente, o rosto aceso pela cólera, e fixou os olhos na condessa. Ao que
parecia Miriam estava encantada de ter conseguido incomodar a todos os que a ouviram. Em voz
baixa, disse Reggie:
- Meu filho não é um bastardo, lady Miriam. Se voltar a chamá-lo desse modo, obrigar-me-á
a usar a violência.
E entrou na casa antes de que Miriam pudesse responder. Tess a seguiu, deixando sozinho
ao Nicholas, que riu ante a expressão furiosa da Miriam.
- Deveria ter sido mais explícita, mãe. - Dava-o este tratamento porque sabia que a
enfurecía. Somos muitos os bastardos que andamos soltos estes dias.
Miriam não se dignou responder a isto.
- Vem com intenções de ficar ? - perguntou friamente.
Nicholas sorriu zombeteiramente.
- Sim, tenho essa intenção. Alguma objeção?
Os dois sabiam que ela não podia opor-se. Silverley era propriedade dele, e ela vivia ali
porque ele graciosamente o permitia.
Quando Regina subiu aos dormitórios, Nicholas se encerrou na biblioteca, seu quarto
preferido no Silverley, seu santuário. Ficou satisfeito ao ver que nada mudou. Sua escrivaninha
continuava em um canto, junto a um armário bem provido de bebidas.
Ia dar uma olhada nesse mesmo dia aos livros de contabilidade, para ver se podia entender
as cifras da Miriam. Também ia beber.
Mas, finalmente, não se embebedou. E não pôde tirar nada a limpo dos livros, o que não era
surpreendente. Ele estava certo de que Miriam fazia deliberadamente contas confusas para obrigá-
lo a passar horas inteiras com ela, que condescia a explicar a forma em que administrava a
propriedade. Sempre as arrumava para dar a entender que Silverley teria se desmoronado sem
ela.
Os dois sabiam que ela era a razão pela qual ele se manteve longe de Silverley depois da
morte de seu pai, dependendo de pessoas que o mantinham informado. Nunca pudera tolerar
estar muito tempo com ela sob o mesmo teto. As ameaças e os dardos de Miriam o faziam perder a
paciência.

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Era a viúva de seu pai. Para o mundo era sua mãe de tal modo que mal podia jogá-la.
Sempre o foi mais fácil ir-se da casa. Mas agora estava em Silverley com sua mulher e seu filho, e
Miriam não o ia tirar dali.
Quando subiu para seus aposentos para trocar de roupa para o jantar, estava de muito bom
humor. Não podia evitar preocupar-se com os problemas que tinha com a Regina e o
atormentavam os remorsos de consciência por havê-la embriagado. Havia lhe tornado a pôr a
camisola a fim de que ela não sentisse vergonha quando a camareira entrasse para despertá-la.
Mas embora ela não recordasse a noite que passaram juntos, ele sabia que lhe fizera uma
armadilha, forçando-a a aceitar seus ardores. Três criadas saíam da salinha que separavam os
aposentos dos senhores no momento em que chegou Nicholas.
- Aonde vão com tudo isso? - rugiu. Uma delas levava um canasto com sapatos e as outras
duas tinham uma profusão de vestidos entre os braços.
As faxineiras pararam ao ouvir o tom de voz e não disseram nada. Reggie surgiu atrás delas
e, depois de despedi-las, enfrentou seu marido:
- Por que os gritos?
- Você não gosta de seus quartos? - disse ele, perguntando-se por que motivo ela estava
retirando seus vestidos.
- Pelo contrário, eu gosto muito. As criadas estão retirando a roupa de lady Miriam, como já
o fizeram outra vez. Suponho que se mudou para estas estes aposentos quando eu fui embora,
acreditando que não ia voltar. - Mas isto não aplacou a seu marido, que se sentia muito
contrariado.
- Se eu não tivesse insistido, você teria voltado alguma vez, não é ?
Reggie encolheu os ombros.
- Nunca pensei muito nisso. Voltei para Londres tão somente porque queria estar perto de
minha família quando nascesse Thomas.
- É claro, sua adorada família - disse ele com ironia. - Sua família está muito longe daqui, e
eu dou graças a Deus por isso. Já não correrá a se reunir com eles.
Reggie ficou tensa, os olhos se abriram, iracundos.
- Nunca corri a me reunir com minha família. Mas se quisesse fazê-lo, o faria.
- Não, não vai fazer! -gritou Nicholas. - E quero que saiba que não permitirei que seus
malditos tios ponham os pés nesta casa!.
- Não fala a sério - disse ela com voz entrecortada.
- Já verá, já verá!
- Oh, isto é muito... - Estava tão enfurecida que não pôde terminar a frase.
Girou sobre seus calcanhares e se dirigiu a seu dormitório, dando uma portada. Nicholas
olhou fixamente a porta fechada; estava a ponto de explodir. Com grande rapidez se aproximou e
a abriu.
- Não se atreva a voltar a sair quando o estou falando! -vociferou com voz ensurdecedora,
de pé debaixo do dintel.
Reggie se deu a volta, surpreendida, embora de modo algum intimidada pela fúria que o
fazia tremer. Tivera que dominar muito tempo sua própria fúria.
- Não estava falando comigo! –gritou por sua vez, no mesmo tom que ele. – Me estava
gritando, gritando estupidezes. Não acredite que pode me impor suas arbitrariedades, porque não
as vou tolerar! Não sou sua faxineira!
- Então, o que é?
- Sua mulher!
- Exatamente. Minha mulher. E se me ocorre te impor restrições, imporei-o isso todas as

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vezes que me dê a vontade!


- Fora daqui! -gritou ela. - Fora! E empurrou a porta, até que esta se fechou e ele ficou do
outro lado. Nicholas fez uma careta, mas não tentou abrir de novo. O sentido que tinha esta
expulsão do dormitório dela era muito forte, simbolizava a rejeição que esperara. Olhou a porta e
acreditou ver uma barreira sólida e infranqueável.

CAPÍTULO 34

- Suponho que devo o informar que espero convidados este fim de semana.
A declaração de Miriam fez convergir todas os olhares para ela. Estavam sentados na sala
de refeições principal, Nicholas em um extremo da longa mesa e Reggie no outro. A distância
entre o dono e a proprietária da casa era tão grande, que deviam falar-se com gritos. Reggie
achava isto muito apropriado: não dirigiu uma palavra a seu marido em três dias.
Miriam e Eleanor estavam sentadas frente a frente na metade da mesa. Era mais fácil falar,
mas as duas irmãs não tinham nada que dizer-se.
Sir Walter Wyrwhitt estava junto à Miriam. Este vizinho e amigo se apresentou um pouco
antes para saudá-los e ela o tinha convidado a comer. Como sempre ocorria, as maneiras de
Miriam mudavam totalmente quando o afável cavalheiro estava de visita. Era quase amável
agora.
O certo é que Tyrwhitt era um homem muito simpático. De idade madura, alguns anos
menos que Miriam, era um cavalheiro de grande atrativo, de aspecto distinto, com costeletas
prateadas que desciam dos lados de seu cabelo castanho escuro. Seus olhos eram verdes. Era um
autêntico homem de campo que nunca se cansava de falar de terrenos, colheitas e temperaturas.
Era divertido ver até que ponto ficava sério ao falar destas coisas, já que nunca abandonava seu
tom indiferente ao tocar outros assuntos.
Nicholas se aplicou para ser cortês com seu convidado, o que foi um alívio para todos,
depois de três dias de mau humor. Para cair em graça ao Sir Walter falou longamente com ele das
colheitas da primavera. Realmente o fazia para cair em suas graça? Talvez estivesse interessado
de verdade. Reggie estava surpreendida da quantidade de detalhes que ele conhecia. Seria
também Nicholas, no fundo, um homem de campo? Tão poucas coisas sabia do homem com quem
se casara!
Mas sua atual afabilidade não se estendia a sua mulher. Todos outros se beneficiaram disso.
Até a Miriam recebeu respostas corteses. Mas passava por cima de Reggie. E isto a ofendia. Já não
estava zangada pela troca de palavras que tiveram, pois nela os aborrecimentos não duravam
muito. Estava ofendida porque não podia esquecer o que tinha sentido nos braços dele. Era uma
idiota por ter aceito ele em seu coração. Como podia ser tão fraca? Como podia perdoar tão
facilmente?
A frase de Miriam sobre os convidados que esperava fez franzir o cenho de Nicholas.
- Todo o fim de semana? Parece que não é uma coisa corrente...
- Não, não o é -respondeu Miriam. - Espero que não se incomode. Por desgraça, os convites
foram feitos antes de sua chegada. Eu não os esperava.
- Tampouco esperava que eu ficasse: disto estou seguro - disse Nicholas secamente.
Eleanor interveio para interromper o incipiente.
- Parece-me uma idéia excelente. Estamos muito perto da temporada de Londres, mas de
qualquer modo não vai começar até dentro de uma semana. Quantos convidados acha que virão,
Miriam?

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- Oh, uns vinte. De qualquer modo, nem todos vão ficar para dormir.
- Este não é seu estilo habitual - disse Nicholas. - Posso perguntar o que está festejando?
Miriam girou a cabeça diretamente para o Nicholas para que Sir Walter não pudesse lhe ver
os olhos.
- É necessário festejar algo? - seus olhos relampejavam.
- Não. De qualquer forma, se as grandes reuniões forem agora de seu agrado, sugiro-o que
vá este ano a Londres e faça ali o gosto. Inclusive pode utilizar minha casa na cidade, já que minha
mulher a redecorou convenientemente.
- Não me passa pela cabeça deixar Silverley sem gente que se ocupe de administrá-la -
respondeu Miriam azedamente.
- Comunico-lhe que decidi viver aqui e me ocupar de tudo. Sou perfeitamente capaz de
fazê-lo, embora lhe agrade pensar o contrário.
Miriam deixou passar a provocação. Nicholas começava a ver que ela não ia iniciar uma
briga em presença do Sir Walter. Situação perfeita. Muito divertida. Mas a tia Ellie tinha o cenho
franzido e o pobre Tyrwhitt parecia molesto. Regina, a doce Regina, olhava seu prato, evitando
encontrar-se com seu olhar. Nicholas suspirou.
- Me perdoe, mãe. Não quis dar a entender que me queria libertar de você ou que você não
confia em seu único filho. - Sorriu, enquanto ela ficava cada vez mais direita. Havia ainda alguns
pequenos gostos que podia dar-se. - É obvio, você dará sua festa. Estou certo de que tia Ellie e
Regina terão muito gosto em lhe ajudar nos preparativos.
- Tudo está preparado já - se apressou a dizer Miriam.
- Então não há nada mais para dizer, não é assim? - Nicholas voltou a comer e Reggie
moveu a cabeça. Considerava que as brigas com a condessa não estavam a sua altura, apesar de
que sempre era ela a que as provocava. Mas Miriam não fizera nada esta noite para provocar ao
Nicholas. Então, por que ele se dedicava a dizer coisas desagradáveis?
Assim que as damas se retiraram e deixaram aos homens com seus conhaques, Reggie foi
para seus aposentos. Mas Thomas estava dormindo, Meg estava na área de serviço com o Harris e
ainda era muito cedo para deitar-se. De qualquer modo, decidiu não descer. A atitude
depreciativa de seu marido para com ela, diante de estranhos, era humilhante.
Nicholas notou a ausência de Regina assim que entrou na sala. Aproximou-se da Eleanor.
- Onde está? - perguntou bruscamente.
- Disse que ia se deitar.
- Tão cedo? Não se sente bem?
- Meu querido Nicky, por que não se mostrou tão solícito com sua mulher quando estava a
seu lado?
- Não me repreenda, tia Ellie. Acredito que já fui bastante maltratado.
- O que não impede que continue tão teimoso como sempre - respondeu Eleanor,
suspirando. - E nada disto o faz feliz... deve reconhecê-lo.
- Tolices - disse ele irritado. - Não conhece toda a história, tia Ellie.
Ela suspirou, notando que ele tinha as mandíbulas apertadas,
- Talvez seja assim. Mas não está bem que trate com tanto desprezo a essa pobre moça.
Acho que não lhe disse nem duas palavras desde que chegamos aqui.
- Disse mais de duas, asseguro-lhe.
- Você pode ser muito exasperante, Nicholas. - Falava em voz baixa. - Não quer admitir que
está enganado, que tem uma esposa maravilhosa, e que não há nenhuma razão para que não a
trate como se deve.
- Reconheço. Agora é minha mulher quem está arrependida de ter se casado. Disse isso

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uma vez. É muito amargo – acrescentou - descobrir que alguém tem razão no único ponto que
teria querido equivocar-se.
Viu-o afastar-se e seus olhos se entristeceram. Teria desejado ajudar. Mas isto era algo que
ele devia resolver por sua conta.
Bem mais tarde, Nicholas entrou na sala que separava os dormitórios do senhor e da
senhora e se surpreendeu ao ver Regina encolhida em um sofá, lendo. Tinha posto um roupão de
cores cambiantes, ajustado à cintura, que marcava favoravelmente sua delicada figura. Os cabelos
soltos caíam sobre seus ombros em uma sensual desordem. Regina abaixou o livro e olhou para
ele.
Seu olhar era direto e tinha o poder costumeiro de sacudi-lo. Maldição. Outra noite que
teria que passar revolvendo-se na cama.
- Achei que já se tinha deitado - a frustração punha uma nota gritã em sua voz.
Reggie pôs lentamente o livro em sua saia.
- Não tinha sono.
- Não pode ler em seu dormitório?
Ela se dominou e conseguiu mostrar indiferença.
- Não me deu conta de que este quarto era para seu uso exclusivo.
- Não o é, mas se quer se jogar seminua no sofá, é melhor que o faça em sua cama - disse ele
colérico. Torceu a cara, virou-se e se afastou.
Reggie se levantou. Merecia por haver ficado a disposição dele. O que a levava a acreditar
que podia seduzir ele? A única coisa que conseguia suscitar nele era ira. "É melhor que o recorde",
disse a si mesma.

CAPÍTULO 35

- Adoro sua casa, Nicky - exclamou Pamela Ritchie quando o encontrou na biblioteca. - É...
é estupenda! Sua mãe me mostrou ela, não é verdade que é um anjo?
Nicholas sorriu mecanicamente e não disse nada. Se o elogio tivesse vindo de outra pessoa,
haver-se-ia sentido adulado de que apreciassem sua casa. Mas conseguira saber algo dessa
voluptuosa morena durante um tórrido namorico que durou duas semanas, vários anos atrás, e
sabia que ela muito poucas vezes pensava o que dizia. Sim, estava impressionada com Silverley,
mas sem dúvida estava despeitada por não ser a senhora do lugar.
Quando o idílio entre eles terminou, ele soube por falatórios dos criados, que ela destroçou
seu dormitório em um ataque de nervos. Após isso, só a viu ocasionalmente. Sempre lhe dedicava
um sorriso amistoso, mas quando a surpreendia de improviso, Pamela parecia furiosa.
Mulher como Pamela e Selena sempre se chocavam com seu irascível temperamento. Em
suas épocas mais dissipadas, ele tinha conhecido mulheres de todos os tipos, mas só tinha estado
em verdadeiro perigo com uma: a encantadora Carolina Symonds. Felizmente, Carolina estava
casada com o velho duque do Windfield. Fazia três anos que não via lady Carolina e a dor da
separação fazia tempo que se cicatrizara.
- Perguntávamo-nos onde se tinha metido, Nicky - disse Pamela, sentando-se, sem ser
convidada, na beira de uma cadeira, junto à escrivaninha. - Estão servindo o chá na sala. Chegou
mais gente. Não os conheço, um fidalgo e... ah, finalmente apareceu sua preciosa mulher. É
encantadora e adorável. É obvio, já a conhecia. Fez furor na penúltima
temporada. Os jovens morriam por um sorriso dela. Inclusive eu estava um pouco ciumenta até
que se fez claro que algo... não andava bem no caso dela, pobrezinha.
Ele já sabia aonde levava este bate-papo tolo, mas de qualquer forma ficou tenso.

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- Devo adivinhar o que quer dar a entender com isso?


Ela riu com uma risada cantante.
- Esperava que você me dissesse isso. Todo mundo está em brasas para sabê-lo.
- Saber o que? - perguntou Nicholas secamente.
- Bem... saber o que é que você não gosta nela.
- Não há nada em minha mulher que eu não goste, Pamela - disse ele friamente.
- De modo que não quer confessá-lo? É galante de sua parte, Nicky, mas não muito
esclarecedor -respondeu ela suspirando. - Não pode imaginar a tormenta que isto suscitou. Nem
todos dias um de nossos solteiros mais apetecíveis se casa e abandona a sua mulher virtualmente
no altar. Corre o rumor de que um dos tios de lady Reggie entregou a ela amarrado.
Não foi fácil para Pamela descobrir se se tinha explicado um tanto ou não. Só a tensão das
mãos dele deixava ver sua ira. Ela teria desejado que ele explodisse. Pamela albergava mais rancor
contra este homem, que contra todos seus outros amantes presentes e passados. Fazia sérios
planos em relação ao Nicholas Éden e ele os destroçou. Um mulherengo canalha. E agora estava
encantada de que ele tivesse terminado casando-se com uma mulher que não o convinha.
- Esse rumor é um disparate, Pamela - disse Nicholas bruscamente. – Eu voltei para a
Inglaterra em companhia do James Malory nada mais porque ele teve a bondade de me oferecer
um camarote em seu navio, quando me encontrou nas Índias Ocidentais e - acrescentou
rapidamente, antes de que ela pudesse dizer algo – lamento decepcioná-la, mas o que me separou
de minha mulher foi um assunto de negócios. Algo inesperado que tinha que ver com as
propriedades em uma ilha e que não podia esperar.
- Outro homem, talvez teria levado a sua mulher, em uma lua de mel prolongada -disse ela.
- É estranho que não o tenha ocorrido.
- Não havia tempo para isso... - começou a dizer ele, mas ela sorriu e se dispôs a partir.
- De qualquer modo, será interessante observar aos dois. Surpreende-me que esteja
recebendo gente tão logo depois de se ter casado.
- Esta pequena reunião não foi minha idéia.
- Sim, foi sua mãe quem enviou os convites, mas você já estava aqui, de modo que suponho
que queria a festinha. Enfim, dizem que a melhor maneira de evitar o aborrecimento é dar uma
festa. Espero que não tenha pensado em uma festa pessoal entre nós dois quando me fez incluir na
lista de convidados. Os homens casados não me atraem, se entende o que quero dizer.
Girou sobre seus calcanhares e saiu da habitação, antes que ele pudesse replicar. Nicholas
continuou sentado, olhando a porta. Foi recusado, apesar de não ter feito nenhuma proposta.
Teria que ser insolente!
Nele surgiu um forte desejo protetor. Algo em Reggie que não gostava! Isso diziam. Saiu da
biblioteca com intenções de encontrar a sua mulher e dedicar-se a ela plenamente, enquanto
restasse um convidado na casa. Mas, ao sair da biblioteca e dar um olhar ao corredor de entrada,
viu a Selena Eddington, que descia de sua carruagem. Enfurecido, foi em busca de Miriam.
- Parece-me muito divertido que tenha levado em conta minha vida em todos estes anos -o
disse. - Quanto amor! Naturalmente, isto o permitiu saber quais são as pessoas que eu não
desejava ver.
- Absolutamente -respondeu ela com um sorriso forçado. - O certo é que há muitas almas
caridosas que pensam que uma mãe deve estar informada do que faz seu filho na pecaminosa
Londres... e com quem. Não pode imaginar a quantas pessoas bem intencionadas tive que escutar,
pondo ar de agradecimento, apesar de que não me importava que meu suposto filho se afogasse
no Tâmisa... - Lançou-o um olhar de puro ódio. - Sim, as casualidades podem ser úteis às vezes.
Os olhos dele relampejaram de fúria. Voltou-se e avançou para as escadas, seguido por uma

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gargalhada de satisfação da Miriam.


- Não é possível estar escondido todo o fim de semana, lorde Montieth - disse ela
sarcasticamente, levantando a voz.
Nicholas não olhou para trás. Que demônios estava procurando esta velha harpia intrigante
e ressentida, ao convidar a sua casa a duas antigas amantes suas? Que novas surpresas o estavam
esperando?

CAPÍTULO 36

O salão estava cheio de gente: os vinte convidados da Miriam acabaram sendo trinta. O
salão de música estava aberto e se ouvia um tangido de harpa que procedia dali. Também estava
aberto a sala de jantar, a longa mesa estendida com um jantar frio. Os convidados passavam de
um aposento a outro.
Selena Eddington mudou pouco no ano transcorrido desde que Reggie a viu pela última
vez. Estava embelezada com vaporoso vestido bordado rosado que fazia parecer matrona a Reggie
com seu vestido azul escuro; todos os homens estavam pendentes de cada palavra da Selena, que
de quando em quando se voltava para o Reggie com uma careta de satisfação.
- Para cima esse ânimo, querida. Era inevitável que isto ocorresse algum dia.
Reggie se voltou para lady Whateley, uma antiga conhecida, sentada a seu lado no sofá.
- O que é o que tinha que ocorrer? -perguntou Reggie.
- Se encontrar com as mulheres que tiveram algo que ver com seu marido. Houve tantas!
- Se refere a lady Selena...
- Não é só ela, querida. Aí está a duquesa, e essa velhaca da Ritchie e a senhora Henslowe,
embora o certo é que Anne Henslowe não foi mais que uma aventurazinha, pelo que me disseram.
Os olhos de Reggie percorreram cada uma das mulheres que nomeou a velha solteirona, e
se detiveram na Carolina Symonds a duquesa do Windfield, uma loira extremamente bela que só
tinha uns poucos anos mais que Reggie. A duquesa estava sentada, com rosto contrariado, junto a
um velho de perto de oitenta anos. Certamente era o duque do Windfíeld. Que desventurada
devia ser esta moça com um marido tão velho, pensou Reggie.
Pamela Ritchie, Anne Henslowe, Carolina Symonds e Selena Eddington. Quatro ex-amantes
do Nicholas na mesma sala com sua mulher! Era muito. Supunha-se que devia conversar com
elas? Atuar como uma amável anfitriã?
Nicholas se fez presente nesse mesmo instante e Reggie lamentou não poder o lançar um
olhar fulminante: era impossível. Enquanto olhava para ele, lady Selena tomou Nicholas pelo
braço e o apertou energicamente.
- Suponho que isto não o incomoda, não é verdade, querida?
Reggie se virou e percebeu que lady Whateley tinha desaparecido e Anne Henslowe estava
em seu lugar. Chegou o momento de ser consolada por uma das amantes dele?
- Por que teria que me incomodar? -disse Reggie com voz desanimada.
A senhora Henslowe sorriu.
- Não deveria se perturbar. Depois de tudo, ela o perdeu e agora é seu. É algo que a tem
feito sofrer.
- Já você?
- Meu Deus, alguém esteve lhe contando contos! Receava muito isso.
Por alguma razão, Reggie não podia manter sua atitude zangada. A mulher parecia
realmente amistosa, os olhos pardos estavam cheios de compaixão. Não era uma má mulher. E

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seus amores com o Nicholas se produziram muito antes de que Reggie o conhecesse.
- Não terá que pensar mais nisso - disse Reggie, sorrindo.
- Não vou pensar. E espero que você faça o mesmo. Pode ter a certeza, minha querida, de
que Nicholas nunca se serve duas vezes do mesmo prato.
Reggie, um pouco escandalizada, não pôde evitar uma gargalhada.
- Expressa-o de uma maneira pitoresca.
- É a verdade: não o interessam os lamentos das mulheres de seu passado. Muitas
procuraram recuperá-lo, mas não conseguiram.
- E você? - perguntou Reggie brutalmente.
- Eu? Deus me libere! Ele não era para mim eu sabia. Fiquei muito agradecida pela única
noite que passei com ele. Ocorreu pouco depois de haver ficado viúva, estava a ponto de me
tornar louca e Nicholas me ajudou a ver que a vida não terminou para mim, depois de tudo.
Sempre o agradecerei.
Reggie assentiu e Anne Henslowe lhe deu um tapinha no braço.
- Não deve se preocupar com nada disto, querida. Ele agora é seu para sempre.
Mas ele não era dela e não o foi desde aquela noite há quase um ano. Agradeceu à senhora
Henslowe e lançou um olhar ao redor, procurando Nicholas. Não o viu; tampouco estava na sala
de jantar ou no salão de música. Só restava a estufa de paredes de vidro. Estava calor e estava
escuro, pois só recebia luz das longínquas janelas da sala de jantar. Havia luz suficiente para ver
até a fonte e nada mais, para ver o vestido bordado rosado e os cachos negros e curtos da Selena
Eddington, que tinha jogado os braços em torno do pescoço de Nicholas.
- Está desfrutando de seu percurso da casa, lady Selena? - disse Reggie em voz muito alta,
aproximando-se.
A voz fez que se separassem. Selena teve a amabilidade de mostrar-se confundida. Mas
Nicholas não deu nenhum sinal de arrependimento. Inclusive avermelhou de cólera. Ao notar sua
cólera, a indignação de Reggie se converteu em uma dor que o oprimia a garganta. Uma
infantilidade. Ele não tivera intenções de soltar a Selena.
Reggie se virou e se afastou a toda pressa. Nicholas gritou chamando-a, mas ela acelerou o
passo. Um libertino Dom juanesco. Como pudera ser tão estúpida... tão ingênua... como se tinha
permitido iludir-se?
Ao chegar ao hall, Reggie se deteve de repente. Não, não ia correr e esconder-se, como se
seu coração estivesse destroçado. Os Malory eram feitos de uma massa mais firme. Não eram
pessoas capazes de cometer o engano de apaixonar-se duas vezes do mesmo ser. Não era o amor o
que o fizera este nó na garganta. Certamente que não: ela estava sufocada de raiva e isso era tudo.
Voltou para o salão com o mesmo sorriso que tinha exibido durante todo o dia. Muito
tranqüila, sentou-se e se embrenhou em uma conversa com Faith e lady Whateley.
Nicholas entrou no salão no momento em que Reggie se sentava, lançou um olhar à
tranqüila expressão dela, e o coração se encolheu. O que tinha esperado? Lágrimas? Para que uma
pessoa esteja ciumenta é mister antes que esteja interessada. O diabo podia levar a Selena por
haver jogado os braços ao pescoço e o surpreender com a guarda baixa. Sabia ele acaso que Reggie
estava perto? Em primeiro lugar, ele não queria acompanhar a Selena para percorrer a casa, mas
ela tinha o provocado, tinha insinuado que ele tinha medo de que o vissem com ela, que ele já não
era dono de seus atos. Como um imbecil, ele a tinha levado de quarto em quarto, fazia o percurso
com ela. Quanta idiotice!
Ela queria ver o que havia atrás das portas fechadas da estufa e uma vez, ali se tinha
interessado em uma flor que crescia em uma trepadeira retorcida. Havia-se empenhado por ter
essa flor. Depois de dois esforços para alcançá-la, lhe tinha suplicado docemente que a arrancasse

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para ela. Ele estendeu o braço para arrancar a maldita flor e assim que deu o puxão e se voltou
para entregá-la, ela tinha jogado os braços ao pescoço.
Passaram dois segundos quando Regina apareceu. Algo incrível, uma má sorte inimaginável.
Voltou a olhar a Regina e seus olhos voltaram a encontrar-se. Nesse momento, antes de
voltar-se, os olhos dela lhe lançaram um chamejante olhar.
As esperanças de Nicholas ressurgiram. Sorriu. De maneira que não lhe importava? Então,
por que estava tão furiosa com ele? Decidido, aproximou-se das três mulheres que estavam no
sofá.
- Posso lhes fazer companhia, senhoras? Meus deveres de dono da casa não me permitiram
dedicar um só instante a minha encantadora esposa.
- Aqui não há lugar para você, Nicholas - disse Reggie com voz neutra.
E, certamente, não o havia com as amplas nádegas de lady Whateley que se esparramavam
pela metade do sofá. Mas não o assustava isto nem o tom corajoso de Reggie.
Puxou-a pelo pulso, forçou-a a ficar de pé, sentou-se e logo a forçou a que se sentasse em
seus joelhos.
- Nicholas! - exclamou ela sem fôlego.
- Não seja tímida, amorzinho - disse ele sorrindo e mantendo-a firmemente.
- Isto é um escândalo, lorde Montieth! -exclamou lady Whateley, até mais surpreendida que
Regina. - Se tem tanto interesse em estar ao lado de sua esposa, pode ocupar meu assento... - e se
foi.
Imediatamente se retirou Faith, fingindo um súbito interesse em um quadro que estava
pendurado no outro extremo do quarto. Reggie desceu dos joelhos de seu marido e se sentou a seu
lado. Fez um gesto para separar-se dele, mas ele o pôs um braço sobre os ombros e a reteve.
- É, é...
- Silêncio - sussurrou ele. - Deve sorrir, meu amor. Estão-nos observando... - Ela sorriu
mecanicamente, mas o amaldiçoava com seus olhos. Ele estalou a língua. - Não pode obter algo
melhor? - E logo acrescentou em voz baixa:- Juro-o que não foi nada.
Ela não teve que o perguntar a que estava se referindo.
- É claro que não - respondeu ironicamente.
- Na realidade não foi nada. Fez uma tentativa de me seduzir e fracassou. E isso é tudo.
- Oh, certamente que acredito em você, senhor - disse ela com voz gelada. - Acredito em
você porque ouvi duas vezes esta noite que suas ex-amantes deixam de o interessar quando caem
na categoria de "assuntos terminados". Uma de suas antigas damas me assegurou que nunca se
serve duas vezes do mesmo prato. De maneira que devo acreditar em você, embora meus olhos
vissem o contrário.
- Está com ciúmes.
- Não diga tolices. - Ele sorriu diabolicamente.
- Seu informante não foi de todo correta, meu amor. Se você fosse a comida eu voltaria a me
servir uma segunda e uma terceira vez, até me engasgar e morrer.
-Oh - disse ela sem fôlego. - Não estou de ânimo para brincadeiras. Boa noite.
Ficou de pé antes que ele pudesse detê-la e saiu da habitação. Ele a viu partir, sorrindo para
si. Começava a pensar que a reunião da Miriam era justamente o que necessitava para recuperar a
sua mulher. O velho pássaro morreria de um ataque no caso de saber que o ajudara!
O sorriso de Nicholas se alargou. Seu estado de ânimo era positivamente alegre.

CAPÍTULO 37

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O quente sol da manhã se derramava nos recintos principais, que estavam abertos para
albergar a tantos convidados. Na longa escrivaninha havia fontes cheias de ovos, pescado
defumado, presunto e salsichas; variedade de torradas, pão-doces, bolachas e seis classes de
geléias. servia-se chocolate quente, chá, café e nata batida. Os lacaios voltavam a encher as fontes,
assim que ficavam vazias.
Era cedo e muitos dormiam ainda ou aproveitaram o bem provido estábulo para um rodeio
matutino. Reggie desceu porque Thomas despertara à alvorada e, depois de o alimentar, não
pudera voltar a dormir. Os Whateley tinham descido para tomar o café da manhã, ao igual a
Pamela Ritchie e o duque do Windfield. Reggie deixou que conversassem a seu redor. Não tinha
interesse em apresentar um rosto alegre. Idéias negras a tinham acompanhado de noite, ao deitar-
se, e ainda a atormentavam, Nicholas era o centro desses pensamentos.
Não era que ela tivesse ignorado desde o começo o tipo de homem que era, mas, que o
diabo o levasse, não podia ter esperado até retornar a Londres antes de começar a manusear a
outra mulher? E por que estava ele em Silverley? Ela não esperara o ver ali. E aquela constante má
cara que punha era muito ruim.
Ela tinha que ir-se, ao menos sabia isto. O divórcio estava fora de toda possibilidade, claro
está, mas não tinha por que continuar vivendo com ele na mesma casa. Ela podia retornar a
Haverston. Tio Jason não se incomodaria.
Mas não tinha direito de separar Thomas de seu pai e Tess lhe havia dito que Nicholas
visitava a habitação do menino ao menos duas vezes por dia, despedindo-se de Tess para poder
ficar a sós com seu filho. É verdade que aceitava ao Thomas como filho dele, mas era duvidoso
que alguma vez queria reconhecer isto diante da Regina. Ela suspirou profundamente. Por acaso
não havia dito uma vez que não lhe importava o resultado de seu matrimônio, com tanto que não
tivesse que continuar à caça de marido? Que ingênua foi!
- Querida, têm visita - anunciou Eleanor ao entrar na habitação, seguida por lorde Dicken
Barrett. - George... Deus, não me lembro!
- George Fowler -assentiu Eleanor. - Sayers o fez entrar na sala de espera, porque a casa está
cheia.
Sayers estava na porta e Reggie franziu o cenho para ocultar sua surpresa. Ficou de pé.
- A sala de espera não é lugar para o George. Faça entrar na biblioteca. Deve estar vazia a
esta hora. E faça com que o sirvam chá. - Despediu-se do Sayers com um movimento de cabeça e
depois se voltou para a Eleanor: - Devia ter dormido até mais tarde, Ellie, se se sente cansada.
- Estou muito bem querida. É verdade que nos deitamos tarde, mas me diverti. -Seus olhos
se cruzaram um momento com os de lorde Barrett. - Estarei totalmente acordada quando tomar
meu chá. Conhece seu
visitante?
- Sim -replicou Reggie. - Mas não posso imaginar para que veio.
-Bom, é melhor que o veja. Dicken e eu comeremos algo antes de sair para cavalgar.
Eleanor a cavalo? Quem haveria de dizer!
- Ignorava que você gostasse de cavalgar, Ellie.
- Oh, sim. Mas é muito melhor quando alguém nos faz companhia. - inclinou-se mais para o
Reggie e acrescentou:- Você e Nicholas deveriam tentá-lo.
Reggie respondeu qualquer coisa e saiu da sala.
George Fowler ficou de pé no momento que ela entrou na biblioteca e se adiantou para
inclinar-se ante sua mão. Ela esquecera até que ponto George era um jovem agradável, com seus
abundantes cabelos castanho claros frisados, seu bem recortado bigode, seus olhos verde escuro,

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sua boa figura. Era um pouco baixo... não, não exatamente. Não tinha que comparar a todos os
homens com seu marido.
- Receio ter chegado em um mau momento -se desculpou ele. – O cavalariço que recebeu
meu cavalo se queixou de que não havia mais lugar nas cavalariças.
- Estamos um pouco apertados, mas de maneira nenhuma é uma incômodo.
- Mas têm que atender a seus convidados...
- Não - lhe assegurou ela. - Esta festa foi dada por minha sogra, estava planejada antes de
nossa chegada. Quase todos são amigos dela... e de meu marido... e muito poucos se levantaram
esta hora. Sente-se, George. - sentaram-se frente a frente.- Se quer ficar, será bem recebido.
Provavelmente conhece quase todos aqui, e não duvido que poderei o encontrar um lugar para
que passe a noite, se não vos molesta compartilhar um quarto.
Ele sorriu feliz.
- Aceitaria se não tivesse recebido um chamado de minha mãe. Está de férias em Brighton e
pensei que podia fazer uma parada no caminho para ver e saber como estava.
Reggie sorriu para ele.Se afastara bastante de seu caminho para poder vê-la.
- Faz muito tempo que não nos vemos, não é? - Iniciou alegremente o tema, recordando que
ele podia ser encantador.
- Desgraçadamente muito - replicou ele. Hallie trouxe o chá e Reggie o serviu.
- Como esta sua mãe, George?
- Tão bem como é possível esperar, tendo em sua conta estado de ânimo. -Disse isto com
uma careta, como se esperasse um castigo ao chegar a Brighton. - Toda a família está bem. E
falando de família, vi seu tio Anthony a semana passada no clube. Parecia furioso por algo. Quase
golpeou a um homem simplesmente por ter tropeçado com ele.
Reggie sabia o que isto significava. Uma semana antes era quando Anthony se inteirou da
volta do Nicholas.
- O tio Tony tem seus momentos de mau humor, embora por sorte não são freqüentes.
- E você têm isso? - A expressão dele era séria de repente.
- Maus humores, George? Acaso não os padecemos todos?
- Não a aborrece estar aqui, enterrada no campo? Eu morreria se tivesse que estar uma
semana!
- Eu gosto de Silverley. Sempre gostei do campo.
Ele pareceu desiludido.
- Pensei que... talvez não fosse feliz. Ouvem ]-se coisas... -Tossiu. Acaso estava perturbado?
- Então deve tampar os ouvidos -cantarolou ela. - Sou feliz, George. -Mas não se atreveu a
olhá-lo nos olhos.
- Está certa?
- Já o disse, Fowler - afirmou friamente Nicholas da porta. – E como isto é obviamente o que
deve buscar agradeceria-lhe que partisse.
Reggie ficou de pé de um salto.
- Nicholas!
- Não se preocupe, Reggie - disse George, ficando de pé.
- Esta dama é lady Montieth, amigo - disse Nicholas com tom suave e olhos brilhantes. -
Não esqueça.
Reggie mal podia acreditar no que ouvia.
- Não deve ir, George, de verdade, não deve.
- Mas eu insisto em que o faça. - Nicholas se voltou e foi ao vestíbulo:- Sayers! O cavalheiro
se vai!

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Reggie ficou escarlate.


- Perdão George. Não há desculpa para esta grosseria.
- Não o terei em conta. - George se inclinou sobre a mão dela, ignorando por um momento
ao indomável homem que estava na porta. - Foi um prazer voltar a ver você, por breve que tenha
sido.
Reggie esperou só dois segundos, depois que George saísse apressado da sala, para
começar a gritar; seus olhos azul cobalto lançaram faíscas contra Nicholas.
- Como se atreve? Acaso eu joguei fora a suas putas, acaso fiz isso? - interrompeu-se para
tomar fôlego. - É insuportável, totalmente insuportável! - rugiu furiosa. - É esta outra de suas
ridículas regras? Primeiro não permite que minha família venha a me visitar aqui, e agora meus
amigos não são bem-vindos!
- Eu não diria que um antigo amor é um amigo -replicou ele.
- Não é um antigo amor. E como se atreve a falar, quando quatro de suas antigas amantes
dormiram aqui ontem à noite? Vamos, provavelmente esteve com alguma delas... ou com mais de
uma!
- Se tivesse compartilhado ontem à noite minha cama, saberia onde estive.
Ela abriu a boca, e depois a fechou, zangada.
- Compartilhar com você a cama depois de tê-lo abraçado a outra mulher? Incomodava-a
deliberadamente. Bom, conseguira enfurecê-la. Ergueu os ombros.
- Seu desventurado comportamento me ajudou a me decidir, Nicholas. Nego-me a
continuar vivendo um dia mais com um tosco camponês. Volto para minha casa.
Isso deteve de repente ao Nicholas.
- Esta é sua casa, Regina.
- Talvez o tenha sido, mas agora me é insuportável,
- Não irá – disse-o secamente.
- Não pode me deter.
- Claro que posso. E verá se não o faço! - Seguiu um silêncio. Olharam-se enfurecidos e logo
Regina partiu.
Nicholas deixou cair os ombros. Por que diabos perdera a cabeça daquele modo? Ele queria
convencê-la para que voltasse a ser a que foi, e depois cortejá-la para levá-la à cama essa noite.
Tudo teria podido estar solucionado amanhã pela manhã. Demônios eternos, que o passava? Ela
tinha razão, seu comportamento foi intolerável, e ele nem sequer se entendia a si mesmo.

CAPÍTULO 38

A porta se abriu de repente com um ruído ressonante. Reggie, sentada diante da


penteadeira virou-se, ainda com a escova para o cabelo na mão.
- Como? Ainda não parecem os baús? -perguntou Nicholas em tom rouco. Reggie
lentamente deixou a escova.
- Está bêbado, Nicholas.
- Não de todo amor. O suficiente para me dar conta de que, sem motivo, estive batendo a
cabeça contra a parede.
- Fala confusamente.
Ele fechou a porta e se apoiou contra ela, cravando em Reggie seus olhos ambarinos.
- Tenha em conta uma coisa: a casa é minha. O quarto é meu. A mulher é minha. Não
necessito de permissão para levá-la à cama.

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- Eu...
- Não discuta, amor - argumentou ele.
O avisou, com tom gelado:
- É melhor que vá antes que...
- ... o que grite, amor? Para que os criados e as visitas venham correndo? Não se atreverão a
entrar, sabe? E você sofrerá amanhã uma aguda vergonha.
O bruto lhe sorria.
-Não se sairá com a sua, Nicholas Éden.
- Sair-me-ei com a minha - corrigiu ele amavelmente. - E não fique histérica.
- Me alegro de que seja razoável, amor. Vamos, por que não tira essa bonita roupa que
veste?
- Por que não vai...?
- Senhora! -parecia aborrecido. - Se não puder ser corte...
- Nicholas - gritou Reggie desiludida. - Não estou de ânimo para tolices.
- Bem, se se apressar, querida, agradecê-lo-ei. - Avançou para ela, e ela correu para o outro
lado da grande cama, pondo-a entre ambos. Ele avançava, dava já volta à cama.
- Não se aproxime mais - sua voz se erguia em cada palavra. Mas ele continuou avançando.
Reggie saltou sobre a cama e rodou por ela. Olhou e o viu sorrir. A caça o divertia.
- Quero que saia daqui em seguida! -Sua voz se quebrou de fúria.
Ele saltou sobre a cama, agachando-se para que o dossel não o incomodasse, e ela correu
para a porta. Mas o rangente ruído do Nicholas ao saltar da cama o fez mudar de direção. Atrás
do divã Reina Ana estava a salvo.
Nicholas se dirigiu à porta, trancou-a, depois pôs a chave sobre o rebordo do dintel, fora do
alcance do Reggie.
Reggie olhou o dintel, até onde não podia chegar e logo olhou ao Nicholas. Tomou um livro
de uma mesa próxima e o jogou. Ele se esquivou limpamente, rindo ante os esforços dela, e tirou a
casaca.
- Se persistir, Nicholas, jurou que te arrancarei os olhos a arranhões.
- Pode tentá-lo, amor. -Sorria. Aproximou-se do divã e a puxou de um puxão detrás,
sujeitando-a com força.
- Nicholas
Seus lábios a silenciaram. Um momento depois a deixava cair sobre a cama e a apertava
contra o colchão com seu longo corpo. Sua boca devorava a boca dela, sem deixá-la respirar, muito
menos o insultar. Os dedos dela, que o agarravam pelos cabelos, não conseguiam o retirar a
cabeça, nem seus movimentos o faziam perder o equilíbrio. Mordeu seu lábio, e ele retrocedeu,
sorrindo.
- Não deve fazer isso, amor. Como quer que te beije como é devido se me arranca um
pedaço do lábio? – Deu-lhe um forte puxão de cabelo e grunhiu: - Devia voltar a o embebedar. É
mais agradável quando está ébria.
Enquanto ele voltava a beijá-la, os olhos de Reggie se dilataram. Embebedá-la? Não foi um
sonho! Na realidade fizera amor naquela noite na estalagem. E o planejou. Conhecia-a o bastante
para enganá-la... desejava-a o bastante para o dar muito vinho... desejava-a.
Meu Deus, aqueles sentimentos a embargavam. Até quando poderia resistir?
Ele voltou a olhá-la, com olhos ardentes.
- Amor -disse com voz rouca, - me ame. Me ame como me amou antes - murmurou
apaixonado, e as defesas dela se desmoronaram. Subitamente começou também a beijá-lo, com
toda a paixão que possuía. Não era feita de pedra. Era carne e sangue, e seu sangue era agora fogo.

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Os dedos de Reggie mudaram de direção, aproximando a cabeça dele. Seus grunhidos de


prazer eram como uma música para os ouvidos dela. Nicholas a desejava... desejava-a de verdade.
Foi seu último pensamento, antes de não restar tempo para pensar.

CAPÍTULO 39

- Bom dia, amor. - Os dentes de Nicholas morderam brandamente o lábio inferior de


Reggie. - Alguém já disse alguma vez que, pela manhã, é uma deliciosa confusão?
Ela sorriu com malicia.
- Meg é a única pessoa que me vê o amanhecer, e não está acostumada a dizer coisas que
possam subir à cabeça de uma moça.
Nicholas riu, e a aproximou mais a ele.
- Sua indômita Meg não me quer, sabe, e não sei por que. Sou um tipo muito simpático.
- É um tipo insuportável e sabe disso.
- Um simpático tipo insuportável.
Ela riu.
Que maneira maravilhosa de despertar, pensou Reggie, acomodando-se contra o sólido
comprimento de seu marido. E não estava cansada, embora tivesse sido ardentemente amada nas
horas prévias à alvorada. Não estava cansada. Sentia-se maravilhosamente bem. Tinha que
conseguir que ele a forçasse a fazer o amor com mais freqüência.
O pranto de Thomas era a única coisa que podia turvar seu idílio, e ela o ouviu naquele
momento.
- Perguntava-me quando ia começar. - Reggie sorriu.
- É melhor me ocupar dele.
- Voltará logo, não é?
- Decididamente, senhor.
Quando Reggie retornou, vinte minutos depois, o dormitório estava vazio. Ela procurou na
salinha, depois foi ao dormitório do Nicholas. Ambos quartos estavam vazios. Voltou para seu
quarto e esperou. Ele não reapareceu.
Para onde fora? E por que? Queria por acaso usá-la, tratá-la com indiferença? Mas se
apressava a tirar conclusões. Tinha que haver uma boa explicação para este desaparecimento.
Reggie apressou Meg para que a ajudasse em sua penteadeira, saiu correndo do quarto e
desceu as escadas. As vozes da sala de café da manhã a levaram nessa direção. Na porta se deteve
de repente, petrificada. Nicholas, vestido só com os calções e uma curta bata de veludo verde,
estava diante da mesa da escrivaninha. Dava as costas a ela, assim como a Selena Eddington.
Selena estava tão perto dele que o ombro dela tocava seu braço. Ele inclinava a cabeça para ela e
Selena ria por algo que ele estava dizendo.
Ante os olhos de Reggie passou uma labareda vermelha.
- Estou incomodando?
Viraram-se. Não havia ninguém mais na sala, nem sequer um lacaio, mas Nicholas não
pareceu envergonhado.
- Não era necessário que descesse, amor - sorriu. - Estava preparando uma bandeja de doces
para levar a você.
- Não duvido - respondeu ela, gelada, seus olhos cravados nos da Selena. -Senhora,
agradeceria que fizesse suas malas e partisse
daqui antes do meio-dia.

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A agradável expressão de Selena se converteu em um gesto triste.


- Não pode fazê-lo: sou convidada de lady Miriam.
- Lady Miriam não é a proprietária. Sou-o eu. E os Éden são famosos por jogar às pessoas
de nossas casas. - Depois de livrar-se daquilo, Reggie se virou e partiu.
Nicholas a alcançou no salão principal e a agarrou pelo ombro.
- O que é toda esta história?
- Me solte -respondeu ela, afastando o braço. Outra vez ele a puxou pelo ombro
- Venha. -Arrastou-a à biblioteca e fechou a porta atrás deles. - Está louca?
- Devo estar, pois acreditei que mudou.
- O que quer dizer?
- Minha cama estava ainda quente quando saiu em busca de outra conquista. Bem, faça o
que quiser com todas as mulheres, senhor, mas não volte a jogar comigo.
- Como pode supor que desejo a outra mulher depois de ontem à noite? -replicou ele,
realmente incrédulo. - O que viu não foi nada. Selena estava aqui quando vim em busca dos doces,
queria levar-lhe algo para comer, sabe, para que não tivesse pretexto para sair do quarto esta
manhã.
- Têm uma casa cheia de criados para que o tragam doces. –disse ela.
- Estão acossados por todos os hóspedes. Eu tinha tempo para fazê-lo enquanto esperava
que você voltasse.
- Não acredito em você.
Ele suspirou aliviado.
- Isto é absurdo, Regina. Não tem motivos para perder o controle e não tem razão para jogar
a Selena. Já o disse.
- Não é possível!
- Se desse conta até que ponto está agindo de uma maneira ridícula...
O fogo que ardia nos olhos dela fez ele deter-se.
- Seriamente? Sim, é provável. Sou também uma parva, uma imbecil. Mas, você, senhor, é
um bastardo, dos pés a cabeça. Assim não agüenta que sua amante se vá? Então, vamos, que fique.
Que se mude para cá definitivamente, porque eu não estarei aqui para ver isso. E se tentar impedir
que eu vá... darei um tiro em você!
O rosto dele se escureceu em uma expressão furiosa, mas ela estava tão entregue à
libertação dos meses de raiva acumulada, que não se deu contaaté que ponto era perigosa a ira
dele. Depois ele se virrou sem responder, mas ela correu e o impediu a passagem.
- Não se atreva a partir quando estou discutindo com você!
- Por acaso há algo mais que dizer, senhora? - disse ele amargamente. - Finalmente trouxe
tudo à luz. Não tenho defesa, sabe?
Aquilo a venceu: nem mentiras nem desculpas.
- Então... reconhece que ainda a deseja?
- Desejar a quem? -rugiu ele. - Naturalmente falo de minha bastardia. Procurei evitar isso
não o esqueça. Fiz tudo o possível para que não se casasse com um bastardo.
- Podia ter mudado - replicou ela com ardor.
- Acaso podemos trocar as circunstâncias de nosso nascimento?
- Nascimento? -ela franziu o cenho. - O que se passa, Nicholas? Falo de seu comportamento.
E é um comportamento bastardo.
Houve uma pausa carregada e logo ele perguntou:
- Alguma vez Miriam o disse? Alguma vez revelou para você meu negro segredo?
- Do que está falando? -perguntou Reggie. - Sim, Miriam me falou de seu nascimento.

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Deleitou-se me dizendo isso e o que tem isso a ver contudo? Se quiser que te diga a verdade
deveria estar contente de que ela não seja sua mãe!
Aquilo o feriu como um raio.
- Quer dizer... que não se importa?
- me importar? Não seja absurdo -disse ela. - Tenho dois primos bastardos. E por acaso os
quero menos por isso? Claro que não. Você não é culpado de seu nascimento. - Aspirou e
prosseguiu com força: - Tem uma montanha de defeitos, aos quais não é necessário acrescentar
um a mais. Estou farta de ser esposa pela metade. Falo a sério.
Não ficarei aqui para que renove antigas aventuras. Se voltar a vê-lo de novo com essa mulher
recordarei as lições de tiro que me deu Connie e farei em pedaços aos dois.
Ele não queria, ou não podia, deixar de rir. E aquilo bastou para que Reggie chiasse.
Naquele momento entrou Eleanor.
- Há aqui uma guerra, queridos ou é simplesmente uma briga de família?
- Família? -gritou Reggie.- Ele não sabe que faz parte de uma família. Prefere ser solteiro.
Acredita que é solteiro.
Nicholas se acalmou:
- Isso não é verdade.
- Explique-o, Ellie -disse Reggie. - Diga-o que deve ser uma ou outra coisa. Deve ser um
marido ou não o ser.
E Reggie saiu do quarto, batendo a porta. Quando estava na metade da escada as palavras
dele voltaram, e quase cambaleou. Fiz o possível para impedir que se casasse com um bastardo.
Ficou como petrificada, olhando ao vazio. Podia ser este o motivo de seu horrendo
comportamento? Por que não o ocorreu quando Miriam, casualmente, deixou cair a informação?
Por acaso acreditava Nicholas que ela não ia suportar estar casada com um bastardo?
Ah, o tolo, o imbecil! Reggie se sentou na escada e sua própria risada se espalhou pela
habitação.

CAPÍTULO 40

Aquela noite se serviu uma comida fria no terraço para os jogadores de criquet. Reggie
trouxe Thomas para que desfrutasse do último sol da tarde. Deitado sobre uma grande manta, o
menino se deleitava movendo a cabeça para os sons que atraíam seu interesse. Todos os
convidados deveriam ver o novo herdeiro dos Montieth.
Só alguns poucos dos convidados de Miriam podiam passar a noite em Silverley. A maioria
partiu essa tarde, entre estes Selena Eddington. Reggie não sabia se Nicholas havia voltado a o
falar ou se ela pensou que era prudente retirar-se.
Pamela Ritchie se aproximou para olhar Thomas. Uma mulher desventurada na verdade.
Se não tomasse cuidado, as rugas da insatisfação iriam se tornar permanentes.
Reggie não se sentiu minimamente perturbada quando Nicholas e Anne Henslowe jogaram
juntos uma partida de criquet. Estavam juntos, esperando seu turno e rindo, mas Reggie não se
importava. Sua atitude tinha algo que ver, sentia-o, com os sorrisos e as piscadas que Nicholas o
dirigiu toda a tarde. Era como se compartilhassem uma brincadeira íntima, mas não haviam dito
uma palavra ao confrontar-se na hora de almoçar. De qualquer modo, bastava que ele a olhasse
para que começasse a rir.
Era um homem feliz. Reggie pensava que sabia o motivo e suas suspeitas a faziam tão feliz
como ele.

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O sol começava a pôr-se, e tudo era um maravilhoso desdobramento de cor. Thomas já


tomara bastante ar por esse dia e engatinhava em uma manta com renovado vigor, sinal certo de
que estava faminto.
- Está tão tranqüilo aqui a esta hora do dia - disse Eleanor com suavidade. - Sentirei falta de
você e do pequeno.
- Não estará pensando em ir já, não é? -perguntou Reggie surpreendida.
- Já não necessitam mais de mim aqui, querida. - Ambas sabiam que só ficou para ajudar
Reggie a adaptar-se a seu casamento. - Dicken disse que Rebecca se converteu em uma bruxa
desde que fui embora. Dicken também diz que sente falta de mim. E, para o dizer a verdade, sua
longa ausência de Cornwall me abriu os olhos.
- Como, Eleanor? Você e Dicken são...? -disse Reggie encantada. Eleanor sorriu.
- Nos últimos quatro anos me pediu várias vezes que me case com ele. Acho que finalmente
estou disposta a pensar seriamente nisso.
- Esplêndido! Deixará que Nicholas e eu demos a festa das bodas ou prefere que Rebecca o
faça?
- Receio que Rebecca insistirá nisso -disse Eleanor rindo. - Faz anos que está nos
empurrando, ao Dicken e a mim, para que nos casemos. –Thomas gemeu, reclamando atenção. -
Quer que o levante, querida?
- Não, a menos que também possa o alimentar. - Reggie riu com malicia.
- Apresse-se. - Nicky não tirou os olhos de você em todo o dia, e estou
certa de que sairá em sua busca, se a perder por muito tempo.
- Não, enquanto saiba onde está - disse Nicholas, aproximando-se atrás. Levantou Thomas.
- De maneira que o velhaco está faminto, né? Deus, também está jorrando! -Afastou com rapidez o
menino e as mulheres riram. Reggie pôs uma manta pequena ao redor do traseiro do Thomas.
- É algo que os meninos costumam fazer com freqüência. Vamos, dê-me ele. Nicholas abriu
a porta.
- Não, eu o levarei. - Nicholas se inclinou e murmurou só para ela: - Talvez, quando tiver
terminado com ele, possa me dedicar um pouco
de tempo...
- Caramba, que bonito quadro -interrompeu Miriam, com sua voz dura. - Um pai que
adora seu bastardo. Vocês, os Éden, são uns pais maravilhosos, Nicholas. É uma lástima que sejam
tão maus maridos.
Nicholas se virou.
- Não aceito desculpas. Naturalmente está incomodada porque sua bem planejada intriga
não deu os resultados que esperava.
- Não sei a que se refere - disse ela com desdém.
- Seriamente? Deixe que o agradeça, antes que me esqueça. A não ser por sua brilhante lista
de hóspedes é provável que minha mulher e eu continuássemos separados. Mas já não estamos. E
temos que o agradecer por nossa reconciliação, mãe.
O rosto de Miriam se escureceu com uma ira que mal podia conter.
- Estou farta de ouvir você me chamar assim. E não sabe, Nicholas, até que ponto foi
perfeita minha lista de hóspedes -disse rindo. - Tenho uma estupenda surpresa. Sua verdadeira
mãe está aqui. Não é maravilhoso? Vamos, por que não passa o resto da noite perguntando a cada
uma se é ela a puta que o gerou? Seria muito divertido.
Nicholas ficou imóvel. Estava tão atônito que nem sequer pôde impedir que Miriam se
fosse.
O coração de Reggie estremeceu quando tirou Thomas dos seus braços, e ele pareceu não

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notar.
- Oh, Nicholas, não deixe que essa mulher o incomode - disse Reggie docemente. - Só disse
isso por despeito.
- Você acha? - Os olhos que olharam a Regina pareciam atormentados. -Acho? E se
houvesse dito a verdade?
Desesperada em busca de ajuda, Reggie se voltou para Eleanor. A mulher estava de cor
cinza. Reggie entendeu, mas a necessidade da verdade nunca foi maior.
- Fale - disse com voz tranqüila, e Ellie conteve o fôlego.
- Regina...
-Não percebe? É o momento! - Apertou com mais força Thomas e esperou.
Nicholas olhava Reggie e depois Eleanor, a desdita e a confusão se mesclavam em seu
rosto.
- Oh, Nicky, não me odeie - começou Eleanor, com um tom lastimoso. - Miriam falou por
ódio... mas... só disse a verdade.
- Não! - exclamou ele, e a palavra foi arrancada. - Você não. Teria me dito isso se...
- Não podia. - Eleanor chorava. - Dei minha palavra a Miriam de que nunca o reclamaria
quando ela me deu a sua de que ia criar você como se fosse seu filho.
- E acha que o fez? - perguntou ele dolorosamente. - Nunca foi uma mãe para mim, Ellie,
nem sequer quando era menino. Você estava aqui então. E sabe disso.
- Sim, e sequei suas lágrimas e curei suas feridas, e morria um pouco cada vez. Seu pai não
queria que o qualificassem de bastardo, Nicky, e eu tampouco o queria. Miriam nos deu sua
palavra de não dizer nada a ninguém, e eu dei a minha.
- Disse a minha mulher. E me fez passar um inferno - disse ele assobiando as palavras.
- Julgou corretamente Regina: sabia que o rumor não ia correr, e não correu.
- Sempre ameaçou publicar o fato.
- Foram unicamente ameaças, Nicky.
- Mas eu vivi debaixo dessas ameaças. Dominaram minha vida. De qualquer modo, teria
aceito a etiqueta de bastardo com alegria se tivesse tido uma verdadeira mãe. Por acaso não te
deste conta ao o abrir meu coração durante todos estes anos? Porquê nenhuma vez me disse?
O estigma de bastardia era menos importante que esta guerra. Ambos sabiam. Eleanor
soluçou:
-Perdão - e saiu correndo para a casa.
Reggie pôs a mão no braço do Nicholas:
- Tinha medo de lhe dizer isso, medo de que a odiasse. Vai vê-la, Nicholas. Escuta-a com
calma e deixa que o conte o que me contou. Todos estes anos tampouco foram fáceis para ela.
- Sabia? -perguntou ele incrédulo.
- Desde que dei à luz ao Thomas -respondeu ela com suavidade. – Ela me acompanhou
durante o parto e quis que eu soubesse o verdadeiro motivo de sua ausência. Sabe, Nicholas?
Nunca acreditei que alguém pudesse ser tão idiota pelo fato de pensar que ter nascido fora do
casamento o impedisse de casar-se. -Sorriu-lhe. - Perdão, mas nunca percebi muito o que isto
significava para você.
-J á não significa muito -acrescentou ele.
- Então não a julgue com dureza, Nicholas, e escuta-a sem explodir. Peço-lhe isso.
Ele estava de pé olhando a casa e ela prosseguiu:
- Nem toda mulher tem coragem para criar a um filho ilegítimo. Veja como você confrontou
com o fato, depois de tudo. Decidiu não se casar nunca porque não queria que sua mulher
compartilhasse sua carga. Não acha que para a mãe deve ser ainda pior? E lembre-se de que

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Eleanor era muito jovem então.


- Você o teria tido, não é verdade? - Ela encolheu os ombros.
- Sim, mas lembre-se de que os Malory já têm costume de ter bastardos na família. Ele
grunhiu.
- Vamos, Nicholas, fale com ela. Descobrirá que continua sendo sua melhor amiga. Foi
sempre uma mãe para você. Agora é você quem deve escutar sua dor.
A mão dela tocou o seu rosto com ternura. Thomas se revolvia entre os braços da Regina e
Nicholas disse:
- Alimenta a meu filho, senhora.
Reggie sorriu quando ele se afastou para a casa. Através da pradaria, seus olhos se
encontraram com os de Miriam, e moveu a cabeça quando Miriam se virou bruscamente. Acaso
podia mudar Miriam?
Esfregou a face contra a cabecinha de Thomas e começou a caminhar para a casa.
- Não se preocupe, meu anjo, terá tanto carinho que nunca sentirá falta do amor dessa
mulher. Espera para ter idade para saber quem são seus tios avós. Bom, há um que foi pirata
durante um tempo e...

CAPÍTULO 41

A porta do quarto de Eleanor estava fechada mas Nicholas pôde ouvir dentro uns soluços
dilaceradores. Abriu a porta sem ruído. Ela estava deitada sobre a cama, a cabeça escondida entre
os braços, os ombros pateticamente sacudidos. O seu peito se oprimiu dolorosamente. Fechou a
porta, e se sentou junto a ela, tomou-a entre seus braços.
- Perdão, Ellie. Não desejava fazer você chorar, sabe bem.
Ela abriu seus dourados olhos pardos, brilhantes de lágrimas. Aqueles olhos eram muito
parecidos com os seus. Deus, que parvo foi ao não perceber antes!
- Não me odeia, Nicky?
- Odiá-la? -disse ele como um eco. - Sempre foste meu consolo, a única pessoa com a qual
podia contar, a única que me queria... - Moveu a cabeça. - Não imagina quantas vezes, em menino,
sonhava que você era minha verdadeira mãe. Por que não compreendi então que essa era a
verdade?
- Não tinha por que sabê-lo.
- Devia perceber de qualquer modo, especialmente quando deixou de vir depois da morte
de meu pai. Sempre me perguntava para que vinha. Você e Miriam mal se falavam. Vinha por
meu pai, não é?
- Acho que entendeu mau, Nicky. Seu pai e eu só estivemos juntos uma vez. Não, vinha ao
Silverley para estar perto de você. Ele mantinha a paz entre Miriam e eu, e para tornar possível
que eu estivesse com você, nesta casa. Não voltei para Silverley depois de sua morte porque você
já cresceu. Embarcou por dois anos e depois foi viver em Londres.
Recorda que poucas vezes vinha ao Silverley.
- Não suportava estar com a Miriam -disse ele amargamente. - Já a viu esta semana. E
nunca foi diferente, Ellie.
- Tem que entender Miriam, Nicky. Ela nunca me perdoou que eu amasse ao Charles, e
você o recordava constantemente seu fracasso com ele.
- Por que diabos não se casou com ele? Ela sorriu, vacilante, como uma mãe ante um filho
teimoso.

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- Charles tinha vinte e um anos quando visitou pela primeira vez Miriam. Ela tinha dezoito
e, eu, meu querido, só quatorze. Não me prestava atenção. Ele ficou querendo a ela. Mas aos
quatorze anos se é muito impressionável, e Charles era muito bonito e muito bom. casaram-se no
mesmo ano em que se conheceram.
- Para infelicidade de todos - disse ele suavemente. - De todos. - Mas ela moveu a cabeça.
- Nos primeiros anos de casamento ele amava-a, Nicky. Foram muito felizes. E entende isto:
ele nunca deixou de amá-la, por mais que ela se convertesse em uma pessoa muito difícil. Miriam
se enganava nisto. Os homens da família Éden são maridos excepcionais, amam só uma vez. Mas
Charles desejava um filho e Miriam só tivera abortos, três em três anos. Isto provocou uma tensão
terrível. Ela começou a ter medo de gerar o filho que ele desejava, e os contínuos pedidos dele
começaram a incomodá-la. Temo que o medo tenha feito com que se virasse contra Charles. E o
amor que o tinha não suportou a tensão. Mas ele a amava.
- Vivia aqui então?
- Sim, foi concebido aqui. - Baixou os olhos, sentindo-se culpada por trair a sua irmã. - Eu
tinha dezessete anos e amava ao Charles. Aquele dia tiveram uma briga tremenda porque o
recusou na cama. De noite ele se embebedou e foi então... quando aconteceu. Nicky: nem sequer
estou segura de que ele soubesse o que estava fazendo, mas eu sabia.
Ambos o lamentamos depois e juramos que Miriam nunca ia saber. Voltei para a casa de meus
pais e Charles se consagrou a sua mulher... - suspirou.- Miriam teria podido sobrepor-se ao medo
de conceber. Podiam ter sido felizes de novo.
- E então apareci eu...
- Sim - reconheceu ela. - Quando percebi que ia ter um menino, fiquei histérica. Uma só
queda, um pecado e estava grávida. Inclusive pensei em me matar. Não podia confessá-lo a meus
pais. Adoeci de angústia. Finalmente, desesperada, fui a Silverley para pôr meu dilema em mãos
do Charles. Deus o abençoe, estava encantado! A princípio eu
não podia acreditar, mas assim foi. Ele só pensou em mim, em minha reputação, mas Charles
pensou antes de mais nada em você. E me demonstrou isso até que ponto de pensar que eu foi
egoísta ao querer me livrar de você. Me perdoe, Nicky, mas acreditava que essa era a única saída.
Era jovem, estava aterrada, e as moças de boa família não têm filhos fora do matrimônio.
Ele a estreitou contra seu corpo.
- Naturalmente, Ellie. Entendo.
- Bem - prosseguiu ela. - Charles o queria. Estava disposto a destroçar seu casamento para
tê-lo. Faria as coisas de outro modo, se não fosse pelos três abortos da Miriam. Já não tinha a
certeza de que ela pudesse o dar um filho. E ali estava eu, grávida de três meses.
De maneira que Miriam estava informada. - Isto já sabia.
- Ficou muito chocada, naturalmente. Não podia acreditar que sua irmã o tivesse feito uma
coisa semelhante. A partir desse dia me odiou! E também odiou ao Charles, nunca o perdoou.
Finalmente chegou a odiar a você, a única pessoa inocente em todo o enredo. Nunca voltou a ser a
mesma, Nicky. Sua maior amargura era que eu tivesse podido dar a Charles o filho que ele
desejava. Sentia que o falhara, mas culpava a ele e a mim por ter intervindo antes que ela tivesse
oportunidade de tentar de novo. Seu ressentimento foi um monstro que cresceu com os anos.
Miriam não é como é agora. Eu sou culpada, porque poderia ter detido Charles na noite em que
foi concebido. Podia tê-lo feito, mas não o fiz.
- Pelo amor de Deus, Ellie, já disse que, nessa época ela deixara de amar a ele.
-S ei, mas teria podido voltar a querer. - Depois de um longo e carregado silêncio, resumiu:
- Recorda que somos irmãs. E isso é importante. Ela inclusive esqueceu seu ressentimento nas
longas horas de meu parto, porque foi um parto difícil, e ela pensou que eu podia morrer.

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- Consegui então que me jurasse que nunca ia negar-te publicamente. Esperava que tomasse
carinho por você, mas já nesse momento temi que não fosse assim. Pedi-lhe que jurasse, e ela o fez.
E ela fez que eu jurasse por minha vez que nunca ia dizer o que eu era sua mãe. Quis fazê-lo
muitas vezes, mas estava ligada por uma promessa, e não podia. E depois da morte de seu pai,
Rebecca me disse que deixasse as coisas como estavam.
- Conhecia ela toda a história?
- Ainda acho que nunca o teria dito se Regina não tivesse insistido.
- Minha mulher é uma pérola, não é verdade, mãe?
Era a primeira vez que a chamava assim e o rosto da Eleanor se iluminou.
- Demorou tempo em se dar conta - disse.
- Oh, sempre soube que Regina é maravilhosa. Fui mil vezes tolo com ela. Como posso
culpar você pelo que fez, quando foi o temor ao estigma da bastardia o que quase me fez perder a
minha bela Regina? O estigma me dirigia, como dirigia a ti.
- Reconciliar-se-á com ela? - perguntou Ellie ansiosa.
- Juro-o. E você querida, mude definitivamente a Silverley.
- Oh, não, Nicky, quero dizer... bem... lorde Barrett e eu...
- Diabos, quer dizer que vou perdê-la por causa de outro homem quando apenas a
encontrei? - exclamou ele, mas estava feliz com a notícia. - E pode saber-se quem é lorde Varrem?
- Conhece-o. Vive perto da Rebecca, e o viu ali muitas vezes. E Dicken e eu viremos aqui
com freqüência. Depois de tudo, meu primeiro neto vive em Silverley.
Olharam-se um ao outro com total silêncio por um longo momento. Ele era feliz por ela. Ela
era feliz por ele. Tinham percorrido um longo e duro caminho.

CAPÍTULO 42

Reggie atravessou a sala, abriu a porta do quarto do Nicholas e rapidamente deslizou para
dentro. À direita estava o quarto de vestir, a porta que dava ao corredor e, ao lado, o grande bário,
um grande aposento quadrado com paredes e chão de mármore azul e numerosos e grandes
espelhos. Grandes prateleiras continham toda classe de frascos e potes, toalhas, aparelhos para
barbear-se e para outras necessidades do senhor. A banheira era grande, com grifos em forma de
cupidos para a água fria e quente.
Nicholas estava dentro, relaxado, com os olhos fechados. Harris lhe estendia algumas
toalhas, um roupão e umas sapatilhas confortáveis. Eram só nove, e os convidados de Miriam
continuavam ainda na casa.
- Boa noite, Harris - saudou Reggie alegremente. O lacaio ficou surpreso, mas conseguiu
cabecear para devolver a saudação. Nicholas lhe lançou um olhar preguiçoso.
- Meg esteve perguntando por você, Harris - prosseguiu Reggie com ar inocente, como se
tivesse costume de meter-se no tocador de um homem e não fosse levada por uma causa
romântica.
Harris se ergueu:
- De verdade, senhora?
- Ah, sim. E sabe? A noite é muito linda. Há uma bela lua de verão. Meg disse que era uma
noite perfeita para passear pelos jardins. Por que não vai procurá-la, Harris? Estou certa de que a
Sua Senhoria não se incomodará. Não é, Nicholas?
- De modo algum. Saia, Harris. Esta noite já não preciso de você.
- Obrigado, milorde. - Harris se inclinou formalmente, logo depois de maneira totalmente

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inesperada, deu-se a volta e saiu correndo do quarto.


Nicholas riu.
- Mal posso acreditá-lo! Harris e a azeda Meg...
-Meg não é azeda - replicou ela. - E faz já algum tempo que são muito amigos.
- Floresce também aqui o amor? Suponho que está inteirada de Ellie e lorde Barrett.
Costuma saber de tudo antes que eu.
- Estou muito contente por Ellie.
- Não acha que é muito velha para pensar em casar-se?
- Não é possível que... - disse Reggie rindo.
- Suponho que não. - Sorriu vendo como ela passava a mão pela água. Agarrou-a quando
chegou perto dele e a levou aos lábios para beijá-la. - Tenho que o agradecer, sabe, porque fez que
meus sonhos infantis se realizassem. Ela nunca me diria, se não fosse por você. Sabe Reggie que é
horrível perguntar-se sempre quem poderá ser nossa mãe? Como era, com quem se parecia? Você
perdeu a seus dois pais quando só tinha dois anos.
Ela sorriu com doçura.
- Tive quatro tios maravilhosos que me contaram tudo o que quis saber a respeito deles...
inclusive seus defeitos, dos quais não me economizaram o menor detalhe. Mas você sempre teve
sua mãe a seu lado, embora não soubesse.
- Uma das coisas que Ellie me disse é que os homens da família Éden amamos uma só vez.
Isso deve encantar você.
- Seriamente?
- Você não adora?
- Oh, não sei - disse Reggie, evasiva. - Direi a você isso depois de falarmos. Quer que lhe
esfregue as costas?
Tirou a esponja da água sem esperar a resposta e se colocou detrás dele. Sorria, mas ele não
podia o ver o rosto.
- Suponho que quer desculpas - disse ele, perturbado.
- Não estaria mau.
- Peço-lhe perdão, Regina.
- Do que?
- O que quer dizer com isso? - grunhiu ele, virando para olhá-la.
- Quero que seja um pouco mais claro, Nicholas.
- Lamento ter sido tão imbecil durante nosso noivado.
- A verdade é que não agiu muito bem por assim dizer. Mas o posso perdoar isso. Continue.
- Começou a o percorrer as costas com a esponja, depois a passou pelo pescoço muito lentamente.
- Que continue? - parecia atônito, e Reggie lhe jogou a esponja na cabeça.
- Deixou-me. Oh! Já o esqueceu? - Ele se apoderou da esponja.
- Maldição, já sabe por que o fiz. Reggie ficou ao lado da banheira e o olhou, com as mãos
nos quadris, os olhos chamejantes.
- Não estou de acordo. Não sei por que o fez. É a única coisa que não pude entender.
Com voz tranqüila, sem rastro de ira, ele disse:
- Não podia continuar perto de você sem...
Interrompeu-o:
- ... sem?
- Sem o fazer amor.
Produziu-se um silêncio total. Depois ela disse:
- E por que não podia me fazer amor?

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- Demônios -protestou ele, - estava certo de que ia desprezar me assim que se inteirasse de
minha origem, e eu não teria podido suportar seu desdém. Reconheço que fui um grande parvo.
Mas sabia que Miriam não ia ficar calada. E nisso não me equivoquei. Embora sim me enganei a
respeito de sua reação ao inteirar-se de meu nascimento ilegítimo.
- Está bem. Aceito a explicação. Pode continuar.
Ele coçou a cabeça.
- Disse-lhe a verdade a respeito da Selena. Realmente foi ela quem armou a cena que viu na
estufa.
- Acredito.
Mas aparentemente não era isto o que ela queria ouvir.
- Ah, seu amigo George! Acho que... fui um pouco injusto com ele, mas não é a primeira vez
que ao vê-lo com você saí do serio.
- Estava com ciúmes, Nicholas? - Seu bom humor emergia outra vez.
- Eu... Caramba, sim, estava!
- Tomei nota. Pode continuar - disse ela, cravando-o os olhos diretamente.
- Mas que outra coisa fiz? -perguntou ele, exasperado.
Os olhos de cobalto faiscaram.
- Esquece que tiveram que trazê-lo de volta para meu lado pela força.
- Não! - A ira dele explodiu. - Aí se engana:
- Eu pensava em voltar. Meu navio estava preparado para partir. Estava decidido a o dizer
isso tudo, Explicar-lhe por que me comportara desse modo. Seu maldito tio e seus comparsas
chegaram a noite antes de que embarcasse.
- Oh, Deus, suponho que se zangou tanto pela intervenção do tio James, que não pôde me
falar com sinceridade.
Nicholas fez uma careta.
- Eu não gosto nada desse teu tio. Eu não gosto.
- Se acostumará a ele.
- Preferiria que você se acostumasse por mim.
- Isso pode arrumar-se.
- Então, não se importa que esteja destinado a amar só uma vez? - perguntou ele
seriamente. Mas ela não estava disposta a aceitá-lo. Ainda não.
- Se pudesse ser mais claro...
- Não o disse tudo o que queria ouvir?
- Não o fez - lhe respondeu ela.
- Então, venha aqui.
- Nicholas - disse ela sem fôlego - estou vestida.
Ele a meteu na banheira, em cima dele.
- Amo-a, amo-a, amo-a, amo-a. É suficiente ou quer mais?
- Está bem... por esta noite. - Reggie jogou os braços ao pescoço. Seus lábios se uniram.
Depois de uns deliciosos beijos, ele perguntou:
- E bem?
- E bem o que? -disse ela, brincando. Ele o bateu no traseiro. - Ah, sim, acho que eu também
o amo.
- Acha?
-Bom, tenho que o amar, não é, se me reconciliar com você? Não, não! - gritou quando ele
começou a lhe fazer cócegas. - Está bem, quero você homem impossível. Desci de meu pedestal
por você, não é verdade? E nunca deixei de esperar que fosse corresponder a meu amor. Não se

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alegra que tenha sido tão teimosa?


- Teimosa mas deliciosa de todos os modos. - Beijou-a ruidosamente. - Tem razão, amor,
não pode se banhar vestida. Quer que o remediemos?
- Não via o momento de que me pedisse isso!

CAPÍTULO 43

Depois de despedir do último convidado, Nicholas e Regina se beijaram em frente da porta.


- Enfim em paz -disse ele com um longo suspiro.
- Bem, não de tudo - replicou Reggie vacilante, retorcendo com o dedo a lapela dele. -
Ontem à noite... mandei uma mensagem para convidar a minha família para passar aqui o dia.
Não se zangue, Nicholas. George me disse que viu o Tony a semana passada, e que Tony estava
muito preocupado. Sei que é por você.
- Não poderia ter-lhes escrito simplesmente uma carta? –perguntou ele preocupado por sua
vez.
- As cartas não são o mesmo: quero que vejam pessoalmente até que ponto sou feliz.
Preocupam-se comigo, Nicholas, e quero que saibam que, finalmente, tudo está bem.
- Suponho que terei que agüentá-los por um dia - suspirou de novo.
- Não está zangado?
- Não me atrevo a me zangar com você, amor -disse com tanta seriedade, que ela franziu o
cenho, intrigada. - Você se zangaria também em seguida.
- Demônios! - replicou ela.
Nicholas lhe sorriu. Depois, lhe batendo no traseiro, empurrou-a com suavidade para a
escada.
- Agora vá. Acaba de me lembrar que eu também tenho que me ocupar de um assunto de
família. Encontrou Miriam no momento em que esta saía para sua cavalgada matutina, atrasada
até depois da partida dos convidados.
- Queria falar umas palavras com você, Miriam. Na biblioteca se não se incomoda.
Miriam começou a dizer que estava ocupada, mas pensou e se calou. As maneiras dele não
convidavam à discussão. Desceram juntos a escada, sem trocar uma palavra.
- Espero que não seja muito longo - disse ela cortante, quando ele fechou atrás deles a porta
da biblioteca.
- Não o será. Sente-se, Miriam. Ela franziu o cenho.
- Sempre me chamaste "mãe".
Nicholas observou o frio brilho nos olhos pardos. Sempre estava presente quando ficavam a
sós. Esta mulher de verdade odiava-o. E nada podia mudar este fato.
- Imagina -disse ele, - da noite para o dia duas irmãs trocaram de lugar. - Seu rosto
empalideceu e ele acrescentou:- Suponho que não teve, esta manhã, oportunidade de falar com
Ellie, verdade?
- Contou-lhe?
- Bem, sugeriu que perguntasse a todas as damas presentes se alguma delas era minha mãe.
- Suponho que não o fez!
- Não, Miriam, não o fiz. Você abriu a ferida, mas minha mulher a curou. Obrigou Ellie a
confessar a verdade. Finalmente estou informado de tudo, e quero o dizer que lamento o que
padeceu, Miriam, agora que entendo tudo.
- Não se atreva a ter pena de mim ! - gritou ela, atônita.

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- Como queira - replicou ele muito tenso, e já não estava perturbado ante a decisão que
tomara de noite. - Convidei-a a vir aqui para informá-la que, dadas as circunstâncias, já não é
necessário que viva no Silverley. Busca uma casa de campo em alguma parte longe daqui.
Comprarei isso para você.
- Meu pai te deixou uma renda modesta. Eu a dobrarei. É tudo o que lhe devo.
- É isto um suborno, Nicholas? -disse ela furiosa.
- Não, Miriam - disse ele, farto de tudo. - Se quer anunciar ao mundo que não foi você quem
proporcionou a meu pai seu herdeiro, faça-o, por Deus. Minha mulher sabe e não se importa, e
isso é a única coisa que conta para mim.
- Fala a sério, Não?
- Assim é.
- Bastardo - disse ela enfurecida - acha que ganhou todas, não? Mas espera uns anos e sua
preciosa mulher odiará você... como eu odiei a seu pai!
- Ela não é como você, Miriam - disse ele sorrindo.
- Sempre detestei Silverley -disse ela grosseiramente. - Só continuei vivendo aqui para ter
você afastado!
-Sei, Miriam - disse ele tranqüilamente.
- Não ficarei nem um minuto mais -replicou ela. - E não procurarei uma casa de campo, mas
sim uma mansão!
Saiu apressada do quarto e ele suspirou profundamente, agradecendo que se foi. Na
verdade valia uma fortuna poder recuperar seu lar, livre do ressentimento da Miriam.
Umas poucas horas depois um carruagem ressoou no atalho: Miriam, a tia do Nicholas,
estava nele. As três pessoas que estavam na entrada da casa suspiraram ao uníssono ao vê-la
partir. Eleanor voltou então para a casa, mas Nicholas se deteve um momento, rodeando com o
braço a sua mulher, mantendo-a apertada contra ele, a face dela apoiada contra seu corpo. Ficaram
ali um longo momento, porque logo duas carruagens e um coche apareceram no extremo do longo
atalho. Nicholas ficou tenso, mas logo relaxou. Que diabos, se Regina os amava, talvez não fossem
tão maus!
- Outra invasão - disse secamente.
- Não se atreva a fugir Nicholas Éden - o repreendeu Reggie.
Continuou agarrada a ele, transbordando de entusiasmo. Jason e Derek, e a metade da
descendência do Edward desceram do primeira carruagem. Jason foi o primeiro em abraçar
afetuosamente ao Nicholas.
- Me alegro de que tenha recuperado o juízo, moço. James me disse que estava ansioso por
ver seu filho. Espero que seus negócios não o afastem muito no futuro.
- Não, senhor, não me afastarão. - Nicholas conseguiu responder cordialmente, embora seu
controle se debilitasse ante o que havia dito James. Maldito mentiroso.
Depois seguia Derek, e Nicholas se sentiu como abraçado por um urso.
- Já era hora de que mandasse um convite, velho.
- É um prazer ver você, Derek.
Depois, chegou o turno aos primos e ao Edward e a sua mulher, e todos partiram em
grupos para a casa, conversando alegremente. Mas nesse momento Nicholas espiou James e
Anthony, de pé junto a uma carruagem, olhando-o furiosos. Voltou-se para entrar na casa,
murmurando algo a respeito de hóspedes não convidados. Reggie o ouviu e franziu o cenho aos
tios mais novos.
- Não se atrevam nenhum dos dois! - Advertiu-os, sabendo que não era necessário ser mais
explícita. Eles entenderam - Amo-o e ele me ama. E se não puderem ser amigos dele, eu... não

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voltarei a os dirigir nunca mais a palavra! - E seguiu a seu marido para casa, deixando fora James
e Anthony.
James olhou a seu irmão e sorriu;
- Acho que fala a sério.
- Já sei que fala a sério -replicou Anthony, batendo James nas costas. - Vamos, vamos ver se
podemos arrumar as coisas.
Um momento depois, encurralavam ao Nicholas na sala, separando-o dos outros, um de
cada lado do jovem. Nicholas suspirou exasperado. Acaso estes Malory iriam continuar a
persegui-lo sempre?
- O que desejam?
- Regam quer uma trégua, moço - começou James. - E nós estamos dispostos a concordar, se
você também estiver.
- Demônios, ela se chama Reggie, não Regam - exclamou Anthony ao ouvir seu irmão. -
Quando deixará...?
- Por que não a chamam Regina - interveio Nicholas.
Os dois homens o olharam e soltaram uma gargalhada.
- Não há inconveniente, amigo -disse Anthony. - Você pode chamá-la como tiver vontade. É
um tipo teimoso que insiste em inventar novos apelidos todo o tempo.
- E acaso "gatinha" não é seu invento? -replicou James.
- Um termo carinhoso, nada mais.
- E "Regam" não é um termo carinhoso? - Nicholas deixou que os irmãos terminassem a
discussão. Foi em busca de sua mulher e a arrastou a um sofá onde a fez sentar-se a seu lado.
- Sabe, amor? Quando me casei com você não sabia que também me casava com os irmãos
Malory.
- Não se incomoda que os haja convidado, não é verdade? Simplesmente queria que
participassem de nossa felicidade.
- Sei. E também recordo que disse que só por um dia. É necessário acostumar-se a sua
família, especialmente a esses dois. - Assinalou em direção ao canto, e ela viu que James e
Anthony continuavam sua acalorada discussão. Sorriu com malicia.
- Não pensam seriamente nem a metade do que dizem. E não virão aqui com tanta
freqüência. Vamos, o tio James vai navegar a semana próxima. Provavelmente, a partir de agora,
só virá uma vez ao ano.
- E Anthony?
- Bom, o tio Tony virá de vez em quando para ver como estou, mas chegará a simpatizar
com ele, asseguro-o isso. É impossível que não seja assim, porque os dois têm muito em comum.
Apaixonei-me tão rapidamente por você porque recordou ao Tony.
- Maldição - grunhiu ele.
- Oh, não se zangue - brincou ela, entrelaçando seus dedos com os dele. - Não é esse o único
motivo pelo qual quero a você. Quer que o enumere alguns outros motivos?
- Poderíamos escapar por um momento? - perguntou ele, ansioso.
- Acho que isso pode arrumar-se.
- Então sobe comigo.
- Nicholas, estamos na metade da tarde - cochichou ela.
- Não posso esperar, amor - murmurou ele em seu ouvido.
James observou ao casal que saía apressadamente da sala, puxando-se pela mão, e Reggie
punha a mão na boca para sufocar suas gargalhadas.
- Olhe isso - disse interrompendo o discurso do Anthony. - Recorda que o disse que ele era

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Mallory 01

o homem para ela?


- Não me disse isso, - replicou Anthony com carinho - mas eu o soube sempre.

Fim

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