A Constitution of Many Minds
A Constitution of Many Minds
A Constitution of Many Minds
Resenha
SUNSTEIN, C.R. 2009. A constitution of many minds: Why the founding document
doesn’t mean what it meant before. New Jersey, Princeton University Press, 225 p.
Uma boa forma de começar a ler um dos mais recentes trabalhos do renomado
constitucionalista norte-americano Cass Sunstein é compreendendo o que o autor
entende por A Constitution of Many Minds, conceito esclarecido logo no prefácio
de seu livro, a saber: quando muitas pessoas pensam algo, seu ponto de vista deve
ser levado em consideração nos momentos de interpretação da Constituição, inter-
pretação esta que, segundo seu entendimento, não se restringe ao Poder Judiciário,
mas, ao contrário, envolve as opiniões da sociedade democrática como um todo.
É exatamente a necessidade de incorporar as considerações públicas relevantes às
decisões referentes à legislação constitucional que fundamenta o many minds ar-
gument, princípio norteador desse livro que analisa a interpretação constitucional
a partir de três enfoques distintos, quais sejam: o tradicionalismo, o populismo e
o cosmopolitismo, e que tem como meta principal mostrar o quanto e por que o
many minds argument pode ou não ter grande valor.
A estrutura da obra é definida pela possibilidade de encontrar, em cada uma
das correntes interpretativas analisadas, um apelo ao many minds argument. O livro
é composto por quatro partes. A primeira delas contém apenas um capítulo e está
dedicada a discutir e problematizar questões de interpretação constitucional em
geral. O autor deixa claro o quão complexa a interpretação pode ser ao apresentar
distintas correntes que disputam o modo pelo qual a hermenêutica constitucional
pode se dar a fim de aprimorar a Constituição vigente, entre elas são destacadas o
originalismo, o perfeccionismo, o tradicionalismo, o populismo e o cosmopolitismo,
sendo que a estas três últimas são dedicadas as outras partes da obra. A segunda
parte, contendo os capítulos 2, 3 e 4, explora o tradicionalismo, dando principal
atenção ao que o autor chama de minimalismo burkeano. A terceira parte, que inclui
os capítulos 5, 6 e 7, analisa o Populismo e a forma pela qual o judiciário e outras
instituições governamentais devem lidar com a opinião pública nos momentos de
decisão de questões controversas, sempre tendo em vista a manutenção da ordem
social e o aperfeiçoamento do sistema legal. A quarta e última parte do livro contém
somente o capítulo 8 e trata do cosmopolitismo. A principal questão analisada é se
e quando as cortes constitucionais devem fazer uso da jurisprudência estrangeira
para orientar e fundamentar seus julgamentos.
O debate acerca da influência do many minds argument é introduzido por
Sunstein recorrendo à consagrada divergência entre James Madison e Thomas Jef-
ferson, ocorrida nos primórdios da aprovação da Constituição americana, acerca
do processo de alteração desse documento. Enquanto para o primeiro as mudan-
ças constitucionais poderiam ocorrer apenas em situações extraordinárias, para o
segundo uma constituição deveria ser repensada pelas muitas opiniões de cada
geração e, dessa forma, estar sempre aberta a reformas. Sunstein relembra que
Cristina Foroni Consani
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Sunstein enumera as mudanças significativas sofridas pelo texto constitucional de 1787: o Bill of rights – 1789;
emendas que ocorreram após a guerra civil – abolição da escravidão, concessão do direito de voto aos afro-
americanos, aumento do poder do governo nacional sobre os estados; emendas posteriores que instituíram
eleições diretas para senadores e presidente e garantiram às mulheres o direito de voto (Cf. Sustein, 2009, p. 2-3).
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O autor cita como exemplo de mudança que não envolve um julgamento por tribunais a grande autoridade que
o presidente tem sobre a segurança nacional, autoridade esta muito maior do que aquela dada originalmente
344 pela constituição; segundo o autor, essa autoridade não é produto de um julgamento da suprema corte, mas
sim de julgamentos de uma variedade de pessoas e instituições e, em última análise, do “We the people”
(Sustein, 2009, p. 4).
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Dentre essas nações, Sunstein cita Canadá, África do Sul, Hungria e Polônia.
entende que nações com longa prática democrática, como os Estados Unidos, pos-
suem um grande número de precedentes e a consulta à jurisprudência estrangeira
apenas tornaria mais difícil a decisão ao acrescentar mais elementos para análise.
Claro que, fora do campo especificamente judiciário, Sunstein reconhece que os
oficiais do governo – dos Poderes Executivo ou Legislativo – não podem ignorar
como outros países têm decidido em questões como segurança nacional, mudanças
climáticas, legislação trabalhista, entre outras.
Enfim, o many minds argument é invocado para demonstrar que, ao longo
do tempo, diversas correntes interpretativas têm atuado, incorporando anseios
populares, de forma que o próprio texto da Constituição Americana, no entendi-
mento de Sunstein, não significa atualmente aquilo que significou na época em
que foi aprovado. Contrastando com o entendimento de Ackerman4 a respeito dos
momentos constitucionais em que o povo se manifesta, Sunstein considera que
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De acordo com Bruce Ackerman, existem duas formas de se compreender o processo político: a partir da
política constitucional – que consiste nos momentos raros em que o povo é chamado a decidir questões políticas
consideradas fundamentais, como ocorreu na elaboração das emendas constitucionais após a guerra civil
norte-americana ou no New Deal; e a partir da política normal – aquela feita corriqueiramente pelo Congresso.
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A compreensão hegeliana a respeito da Constituição pode ser encontrada na obra Linhas fundamentais da
filosofia do direito.
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Filosofia Unisinos, 11(3):343-347, set/dez 2010