Culpa Tua - Mercedes Ron
Culpa Tua - Mercedes Ron
Culpa Tua - Mercedes Ron
a
1. edição em papel, Lisboa, janeiro, 2023
EDITORIAL PRESENÇA
Queluz de Baixo
2730
-132 Barcarena
info@presenca.pt
www.presenca.pt
DEDICATÓRIA
saber, já nada me importava, sabia que tudo estava prestes a mudar, sabia que o
— Já não há como voltar atrás, nem sequer consigo olhar para a tua cara...
— Nem sei o que dizer — admiti, tentando controlar o pânico que ameaçava
abater
-se sobre mim. Ele não podia deixar
-me... Não o faria, pois não?
— Está tudo acabado entre nós — sussurrou com a voz desfeita mas firme.
Noah
Ainda me lembrava de, há onze meses, contar os dias até ser finalmente maior
de idade, para poder tomar as minhas próprias decisões e sair dali a correr.
Como é evidente, as coisas não estavam como onze meses antes. Na verdade,
tudo mudara tanto que só de pensar nisso me parecia incrível. Não só acabara
sítio que não fosse esta cidade. Conseguira encontrar um lugar na minha escola
Todos os obstáculos que tive de superar — não apenas nestes onze meses, mas
desde que nasci — tornaram-me uma pessoa mais forte. Pelo menos assim
pensava. Tinham acontecido muitas coisas, e nem todas boas, mas acabei por
ficar com a melhor: o Nicholas. Quem diria que ia acabar por me apaixonar por
ele? Mas estava tão loucamente enlevada que me doía o coração. Tivemos de
aprender a conhecer
-nos um ao outro, aprender a existir enquanto casal, e não
personalidades que chocavam com frequência, e o Nick não era uma pessoa fácil
Por isso, estava mais triste do que feliz perante a minha iminente festa de
aniversário. O Nick não ia estar presente. Há duas semanas que não o via,
ano para acabar o curso e estava a aproveitar cada uma das muitas portas que o
pai lhe abrira. Longe ficara o Nick que se metia em sarilhos; agora estava
Olhei
-me ao espelho. Apanhei o cabelo num puxo solto no alto da cabeça mas
elegante e perfeito para condizer com o vestido que a minha mãe e o Will me
festa. Segundo ela, seria a sua última oportunidade de representar este papel, já
que dali a uma semana eu acabaria o secundário e pouco depois haveria de ir
acabei por me decidir pela UCLA de Los Angeles. Já tinha passado por
demasiadas trocas e mudanças, não queria partir para uma nova cidade e, muito
menos, afastar
-me do Nick. Ele também estudava nesta universidade e, embora
soubesse que o mais provável era que acabasse por se mudar para São Francisco
depois: ainda me restava algum tempo, e não queria ficar deprimida já.
Levantei
-me do toucador e, antes de me vestir, os meus olhos fixaram-se na
cicatriz do estômago. Um dos meus dedos acariciou a parte da pele que ficaria
que acabou com a vida do meu pai ecoou na minha cabeça, e tive de respirar
fundo para não perder a compostura. Não contara a ninguém sobre os pesadelos
e o medo que sentia de cada vez que pensava no que aconteceu, nem sobre a
sempre que um estrondo demasiado forte soava perto de mim. Não queria
estar no escuro, a não ser que tivesse o Nick ao meu lado... Não planeava
admitir que já não conseguia dormir tranquilamente, nem que não era capaz de
pensar no meu pai morto ao meu lado ou que o sangue dele a salpicar
-me o
rosto me transformara numa louca. Eram coisas que guardava só para mim: não
queria que ninguém soubesse que estava ainda mais traumatizada do que antes,
que a minha vida continuava refém dos medos que aquele homem provocava
em mim. A minha mãe, por outro lado, nunca vivera tão tranquila, porque o
completamente feliz com o marido: era livre. A mim, pelo contrário, ainda me
Voltei
-me para a Jenna, e um sorriso espalhou-se pelo meu rosto. A mi
nha
havia pouco tempo e agora usava-o pelos ombros. Insistira para que fizesse o
mesmo, mas eu sabia que o Nick adorava o meu cabelo comprido, por isso
deixei
-o como estava. Já me chegava quase à cintura, mas gostava dele assim.
frente e dando
-me uma palmada no traseiro.
— És mesmo doida — respondi, pegando no vestido e enfiando-o pela cabeça.
A Jenna aproximou
-se do cofre, mesmo por baixo da prateleira dos sapatos. Não
sabia a combinação nem nada, porque não o usava, mas, desde que a Jenna o
descobrira, dera
-lhe para guardar ali toda a espécie de coisas.
copos.
visse a beber, me matava, mas, afinal era o meu aniversário e tinha de o celebrar,
não é verdade?
— À nossa — brindei.
porque a Jenna fazia tudo à grande, estava acostumada a este tipo de luxos, e
boquiaberta.
Sorri e olhei
-me ao espelho. O vestido era lindo, branco, justo ao corpo e com
uma renda delicada que me chegava aos pulsos e deixava ver a pele clara por
deixavam
-me quase da mesma altura que a Jenna. Ela trazia um vestido curto
champanhe ao lado do meu. Eu fiz o oposto: peguei nele e bebi todo o líquido
borbulhante de um só trago.
A Jenna observou
-me e sorriu-me de forma cúmplice.
— Estás a rir
-te de quê? — perguntei, invejando-a por não ter de passar por
aquilo.
— De nada, sei como detestas este tipo de coisas, mas não te preocupes —
respondeu, aproximando
-se da minha orelha —, estou aqui para me certificar
beijo no rosto.
Sorri
-lhe também, agradecida. Talvez o meu namorado não conseguisse estar
presente no meu aniversário, mas pelo menos teria a minha melhor amiga ao
meu lado.
— Que remédio!
redondas cor
-de
-rosa e cadeiras vistosas, por entre as quais circulavam
havia um bar para servir bebidas, e, mesmo assim, nas mesas grandes,
encontravam
-se inúmeras bandejas com todo o tipo de comida fornecida por
uma empresa de catering. Este aparato não me dizia nada, mas sabia que a minha
dos meus dezoito anos e da ida para a universidade, e foram muitas as vezes em
que imaginámos as coisas que contrataríamos para uma festa se nos saísse a
lotaria e... afinal, parece que nos saiu mesmo! Mas aquilo era passar dos limites.
surpreenderem, como se eu não soubesse que estavam ali todos à minha espera.
atordoada, que atrás dela se formava uma fila de pessoas que queriam dar
-me os
parabéns. Estavam ali todos os meus amigos de escola, muitos com os pais, de
quem a minha mãe se tornara amiga, e também muitos dos nossos vizinhos e
acalmar
-me. Porém, não havia sinal dele... Eu já sabia, ele não podia vir, estava
uma pequena parte de mim ainda esperava encontrá-lo ali, no meio daquela
gente toda.
aproximou de mim finalmente e me arrastou para o bar. Havia duas zonas, uma
snobe.
Quando vi a bebida, quase me deu uma coisinha má. Era um copo de martíni
— Falta
-lhe um toque especial — disse a Jenna, pegando numa garrafa de
bolso pequena e deitando álcool nas nossas bebidas. A este ritmo, ia ter de me
controlar bem para não apanhar uma valente bebedeira antes da meia-noite.
A Jenna puxou
-me para dançar com ela, e desatámos as duas aos saltos como
O Lion observava
-nos atentamente de uma das extremidades da pista. Estava
apoiado numa das colunas e fitava a forma como a Jenna mexia o traseiro no
pessoal.
Sorriu
-me, divertido, mas vi que alguma coisa o preocupava. Os olhos
Lion não conhecia muita gente da nossa turma; o Lion e o Nick eram cinco anos
minha turma era bastante mais imaturo do que eles, e era normal que não
sentindo uma pontada no estômago. Ainda não me tinha ligado nem mandado
nenhuma mensagem.
— Ontem disse
-me que estava enterrado em trabalho até ao pescoço, que lá
no escritório mal lhe dão tempo para comer, mas faltou-lhe tempo para me
sorrir.
— afirmei, vendo que olhava novamente para a Jenna. Ela voltou-se nesse
horas acordadas a falar da sorte que tínhamos por nos termos apaixonado por
dois rapazes que eram grandes amigos. Sabia de primeira mão que a Jenna não
amava mais ninguém além do Lion e ficava feliz por saber que o Lion estava
igualmente apanhado por ela. Desde que a conhecera que a adorava. Era mesmo
a minha melhor amiga. Gostava imenso dela porque estivera sempre ao meu
lado quando precisei dela e porque me fizera entender que devia ser uma amiga
que vivia no Canadá, e, claro, era incapaz de me fazer mal, pelo menos
intencionalmente.
A Jenna aproximou
-se de nós e deu um beijo sonoro ao Lion. Ele abraçou
-a
tantas saudades do Nick, queria que ele estivesse aqui comigo, precisava tanto
dele. Voltei a olhar para o telemóvel, mas nada, não tinha qualquer chamada ou
lhe ia roubar mais do que uns segundos. Que diabo lhe acontecera?
Aproximei
-me do bar, onde um barman servia bebidas aos poucos maiores de
vinte e um anos que ainda restavam na festa. Era o mesmo que antes se
Sentei
-me ao balcão e observei
-o, questionando-me como poderia convencê
-lo
a servir
-me qualquer coisa.
rosa e que tenha álcool? — perguntei, com a noção de que me ia mandar sabe
Ri
-me e levei rapidamente o copo aos lábios. O trago queimou-me a garganta,
mas soube
-me pela vida.
Voltei
-me e vi a Jenna arrastar o Lion para um canto escuro. Ver os meus
segundo do dia.»
— Mais um? — ofereceu o barman; sabia que estava a abusar, mas a festa era
Aquela voz.
Levantei os olhos, e ali estava ele: o Nick. Vinha de camisa e calças formais,
com o cabelo escuro ligeiramente despenteado e olhos cor de céu que brilhavam
de felicidade.
no rosto dele, o meu sorriso. Um segundo depois, saltei para os braços dele. —
Abraçou
-me com força; podia respirar, finalmente. Ele estava ali, oh, céus! Ele
dias que não sentia a sua boca na minha, as suas mãos no meu corpo.
Afastou
-me e olhou
-me com avidez.
cintura e puxando
-me contra si.
de continuar a beijá
-lo. Sabia que não podíamos fazer nada, estávamos rodeados
voltaram a pousar no meu corpo. Via a eletricidade surgir entre nós. Nunca
tínhamos estado tanto tempo separados, pelo menos desde que começáramos a
namorar. Habituara
-me a estar com ele quase todos os dias.
— Como conseguiste vir? — perguntei contra o seu peito. Não queria parar
de o abraçar.
Afastei
-me do peito dele e olhei-o com má cara.
daquele sorriso.
O Nick ficou a olhar para o copo com uma expressão que me deu vontade de
rir.
O pobre rapaz bebeu o cocktail inteiro sem vacilar, apesar de saber a gomas
derretidas.
pela minha alegria. A sua mão alcançou-me, e os lábios foram direito à minha
orelha. Mal roçou na pele sensível do meu pescoço, e senti que quase morria
com esse contacto tão simples da sua boca sobre a minha pele.
nervosismo.
Que pergunta idiota era aquela? Não havia neste mundo ninguém em quem
confiasse mais.
Olhei
-o diretamente nos olhos, era essa a minha resposta.
beijo rápido nos lábios. Agarrei-me com força ao braço dele, antes que se fosse
embora.
confessou com aquele sorriso travesso que me fazia estremecer dos pés à cabeça.
Vi
-o virar costas e cumprimentar os convidados. Emanava segurança por todos
e encaminhei
-me para a piscina, que ficava afastada da tenda onde todos
água, até que cheguei à pequena casa de apoio na parte de trás. Do outro lado
erguiam
-se as árvores que a rodeavam e, um pouco mais à frente, chegou-me aos
parede traseira da casa, ainda a ouvir os ruídos dos convidados e a tentar não
perder a compostura.
Fechei os olhos com nervosismo, e foi então que o ouvi chegar. Os seus lábios
pousaram tão subitamente sobre os meus que não tive tempo para dizer nada.
— Não tens ideia de como senti falta de fazer isto contigo — disse-me,
segurando
-me pelo pescoço e beijando-me suavemente.
Derreti
-me nos seus braços, literalmente.
As minhas mãos voaram até à sua nuca, e puxei-o novamente para a minha
Ri
-me sem alegria.
— Então levo
-te comigo... não importa para onde vá.
— Parece
-me muito romântico — respondi, beijando-lhe o maxilar.
O Nick segurou
-me o rosto entre as mãos.
Voltei a rir, e então a sua boca silenciou-me com um beijo pleno de paixão
contida.
— Quero tirar
-te esse maldito vestido — grunhiu entre den
tes, levantando
-
nua e olhou
-me com desejo, um desejo obscuro alimentado pela distância e pelo
— Era capaz de ficar a noite toda a fazer amor contigo — disse. As mãos dele
— Vamos ser rápidos, ninguém nos vai ver — assegurou-me ao ouvido, sem
deixar de me beijar.
Observei
-o sem me mexer enquanto ele desapertava as calças. Um segundo
dilatadas, preparando
-me com o olhar, a transmitir milhares de coisas. Beijou
-
a sensação de o sentir mesmo, sem barreiras entre nós. Deixei escapar um grito
crescer dentro de mim a cada nova investida, a mão afastou-se da minha boca e
acariciou
-me no ponto em que mais ansiava pelo seu toque.
— Nick...
— Espera por mim — pediu-me, agarrando-me com força nas coxas. Fechei
cresceu dentro de mim, até um ponto em que não o conseguia aguentar mais. O
grito que me saiu dos lábios foi amortecido pela boca do Nick sobre a minha.
Senti imediatamente que ficava mais tenso até que gemeu, acompanhando
-me
— Amo
-te, Nick — disse, quando os seus olhos se cravaram finalmente sobre
os meus.
Nick
vamos falar das semanas. Tive de trabalhar o dobro das horas para me deixarem
voltar para casa mais cedo, mas só por isto já valeu a pena.
como ela merecia, mas desta vez não consegui esperar. Desejei possuí-la assim
que a vi.
— Isto foi... — disse, mas calei-a com um beijo. Sentia medo do que ela
esta noite, mais bonita do que nunca, com aquele vestido virginal, que me
deixou louco.
— Amo
-te loucamente, sabes isso, não sabes? — afirmei, afastando-me dela.
— Eu amo
-te mais ainda — respondeu, e, quando olhei para ela, vi que tinha
— Magoei
-te — disse, acariciando o lábio inferior com o dedo e limpando a
Afastei
-me dela e apertei as calças. Sentia-me culpado: a Noah merecia fazer
amor numa cama, não contra uma parede, assim, às três pancadas.
— Trouxeste
-me um presente? — perguntou, emocionada. Era tão doce e tão
perfeita... Só de a ver, ficava logo bem-disposto; só de lhe tocar, ficava excitado.
fez, o pequeno coração de prata brilhou no meio da escuridão. O seu rosto foi
— Assim podes levar o meu coração contigo para onde quer que vás —
declarei, dando
-lhe um beijo no rosto. Era a coisa mais pirosa que dissera na
vida, mas ela tinha este efeito sobre mim, transformava-me num perfeito idiota,
completamente apaixonado.
— Amo
-te, gosto muito! — exclamou, antes de me dar um beijo na boca.
Sorri e pedi
-lhe que se virasse, para a ajudar a pôr o fio. Com aquele vestido, o
pescoço dela ficava descoberto, e tive de lhe beijar a nuca. Ela estremeceu, e
obriguei
-me a respirar fundo para não a possuir novamente, naquele mesmo
segundo. Pus
-lhe o colar e observei-a quando se virou.
Sabia que tínhamos de voltar à festa, e era a última coisa que me apetecia fazer
naquele momento. Queria estar a sós com ela, bem, a verdade é que queria
sempre estar sozinho com ela, mas agora, depois de tanto tempo sem nos
Sorri.
— Deixa
-me fazer eu — pediu a Noah, e soltei uma gargalhada.
fazer o nó.
— É bonito, ele?
Ela revirou os olhos.
— Vamos voltar, senão toda a gente vai perceber o que estivemos a fazer.
Eu teria gostado que todos soubessem. Talvez assim aqueles rapazinhos todos
tínhamos vivido juntos, para a maior parte das pessoas, éramos apenas meios
-
irmãos.
Sabia que a Noah não gostava muito que fumasse, mas, se não o fizesse, ia
Foi
-se embora sem nada por baixo do vestido?!
rapazes, e um deles tinha a mão pousada nas costas dela. Respirei fundo para me
acalmar e aproximei
-me deles. Quando a Noah me viu, pôs o braço à volta das
olhar. Estava um pouco preocupado com ele, porque, quando estava em São
a pouco tempo. O Luca estava preso há quatro anos, fora apanhado em flagrante
a vender marijuana, e ninguém conseguira evitar que fosse dentro. Para ser
sincero, não me agradava muito que o Luca saísse; não que não ficasse contente
pelo Lion. Afinal, o meu amigo estava sozinho, e a última família que lhe
restava era o irmão mais velho, mas eu sabia perfeitamente como o Luca podia
acompanhá
-lo nesta fase da sua vida.
— Olha, a verdade é que já há algum tempo que não o vejo — disse a Noah.
relação era bastante séria, e os nossos pais não acharam graça nenhuma. Desde
que nos viam juntos. Já sabia que o meu pai não iria permitir um escândalo
deste tipo; afinal, éramos uma família com exposição pública, e por isso avisou
-
nos que, para o exterior, deveríamos continuar a ser apenas irmãos, mas fiquei
surpreendido pelo facto de a Raffaella não ter ficado do nosso lado. Pelo
contrário, a partir desse momento, passou a olhar para mim com uma expressão
— Olhem só! O meu filho voltou a casa! — exclamou o meu pai, esboçando
um sorriso falso.
tom de voz mais agradável que consegui invocar. Para minha grande surpresa, a
Raffaella sorriu
-me e deu
-me um abraço.
— Fico feliz por teres conseguido vir — declarou, desviando os olhos dos da
autoritário que ia gerir o escritório até eu ter experiência suficiente para herdar
a liderança. Toda a gente sabia que tinha qualificações suficientes para isso, mas
deixaram
-me de mau humor. Estava farto de ouvir aquele tipo de bocas; há
Não só trabalhava para o meu pai mas também estava no último ano do curso e
tinha muitos exames pela frente. A maior parte dos meus colegas ainda nem
— Claro.
Fui com ela para a pista de dança. Tinham posto um slow a tocar, e puxei
-a
para mim com cuidado, tentando não deixar que o meu mau humor ou raiva
A minha mão baixou até à cintura dela, roçando o fundo das costas.
— É impossível irritar
-me contigo sabendo que não tens nada por baixo deste
vestido.
maravilhosos.
meu pai. Não via a hora de a Noah se mudar para a cidade. Quando a tivesse ao
— Sabes bem que não — disse, desviando os olhos para as pessoas que nos
Ela baixou os olhos em silêncio. — Oh, vá lá, sardas, não te zangues comigo...
não posso ir à cidade. Vou estar ocupada a estudar para os exames finais e,
Caramba.
— Eu venho buscar
-te, e passamos algum tempo juntos — propus,
— Não me faças sentir culpado, por favor, sabes que não posso ficar aqui —
pedi, segurando
-lhe o rosto e obrigando-a a olhar para mim.
Observou
-me em silêncio durante alguns segundos.
— Dantes ficavas...
de dança.
3
Noah
de trás do jardim. Olhei em redor, para a confusão que restava depois da festa, e
pela primeira vez agradeci por ter alguém que limpasse a casa quase todos os
dias.
para poder apreciar a sorte que tinha. A festa tinha sido incrível: todos os meus
numa pilha enorme sobre o sofá da sala de jantar. Preparava-me para os levar
para o meu quarto quando vi que alguém me rodeava a cintura com os braços.
— Trouxeram
-te um monte de presentes — sussurrou-me o Nick ao ouvido.
para olhar para os olhos dele. — É o presente mais bonito que já recebi e
Ele pareceu pensar nas minhas palavras durante um instante, até que o
— Vais usá
-lo sempre? — perguntou. Uma parte de mim entendeu que para
ele era algo muito importante, que, de certa forma, tinha posto o seu próprio
— Sempre.
Sorriu e puxou
-me para si. Os lábios roçaram os meus com uma doçura
segurou
-me onde estava.
— Queres mais? — ofereceu junto aos meus lábios entreabertos. Por que
Suspirei. Queria ir, mas não podia. Para começo de conversa, a minha mãe não
achava graça nenhuma eu ficar a dormir em casa do Nick, e na maior parte das
vezes acabava por mentir e dizer que estava em casa da Jenna. Depois, tinha de
estudar. Nesta semana ia ter quatro exames finais e, se não estudasse, podia pôr
tudo em risco.
A mão dele desceu pelas minhas costas, com cuidado, numa carícia tão
respondeu
-me, levando os lábios à minha orelha.
Afastei
-me e, ao abrir os olhos para fitar os dele, estremeci... Tinha tido
— Vemo
-nos depois, Nick — respondi, dando um passo atrás.
— Sabes que, se não vieres comigo, não há sexo para ninguém até à tua
Respirei fundo: estava a jogar sujo comigo, mas era verdade. Eu mal teria
tempo de ir à cidade para o ver e, se ele não queria vir para casa porque não lhe
apetecia encontrar
-se com o pai...
lábios na minha testa num beijo ternurento e casto. Claro que estava a fazer isto
de propósito. — Vemo
-nos daqui a dois dias, para irmos ao cinema. E para o
Quis detê
-lo e implorar
-lhe que ficasse, quis dizer
-lhe que precisava dele,
porque só quando estava ao seu lado deixava de ter pesadelos, que era o meu
aniversário, que era a sua vez de ceder e de me fazer a vontade, mas sabia que
nada do que eu dissesse o faria mudar de ideias e ficar a dormir sob aquele teto.
Observei
-o enquanto descia as escadas com leveza, entrava para o seu Range
Rover e se ia embora sem olhar para trás.
Nos dias seguintes, mal saí de casa para respirar ar puro. Tinha de enfiar tanta
informação na cabeça que parecia que o meu cérebro ia explodir. A Jenna não
geral. Ficava histérica sempre que havia exames e, além disso, era ela a
de pensar que não estava a dedicar ao acontecimento todo o tempo que a ocasião
merecia.
Tinha combinado sair com o Nick naquela noite, presumivelmente para irmos
último que me faltava fazer. A coisa que mais queria no mundo era ver o Nick,
mas sabia que sair com ele me ia desconcentrar completamente, porque bastava
a sua presença para eu ficar desorientada. Se, além disso, dormíssemos juntos,
jamais conseguiria estudar depois. Tinha medo de lhe ligar para lhe dizer. Sabia
que ia ficar aborrecido. Há dois dias que não nos víamos, desde o meu
bastante dispersa.
voz e distrair
-me, não queria começar uma discussão. Assim, quando carreguei
que ele quisesse, mas agora estava a apostar tudo naquele último teste e queria
Levantei a cabeça, e ali estava ele. Com o cabelo revolto e uma camisa branca,
a minha preferida.
Merda! Tinha
-se arranjado para sair comigo. Esbocei um sorriso de cir-
— Deixaste
-me plantado à espera — resmungou com tranquilidade, e não
percebi se estava a ralhar ou a tentar habituar
-se à ideia.
— Vem — pediu
-me com voz doce. Ele tinha um olhar estranho, parecia
imediato.
Queria beijá
-lo. Era um desejo constante em mim. Por mim, passava o dia
inteiro com ele, entre os seus braços. Levantei-me e fui de joelhos até à ponta da
— Acho que é a primeira vez que uma miúda me deixa plantado, sardas —
disse
-me. Pousou as mãos na minha cintura. — Nem sei como reagir.
acho que não vou conseguir passar neste exame. Não sei nada de nada e, se
chumbar, não vou conseguir acabar o ano, não vou para a universidade, nem
conseguir trabalhar naquilo que quero: vou ser uma pessoa inculta e ainda acabo
os meus dias a viver com a minha mãe. Consegues imaginar? Acho que...
lábios afastaram
-se e olhou
-me com carinho.
— Vou chumbar, vou, Nick, estou a falar a sério. Vou ter zero, já imaginaste?
Um zero? Vou deixar de ser a favorita do professor Lam, e logo eu, que tive a
me...
Fechei a boca ao reparar no seu aviso silencioso, feito com o olhar. É verdade
rosto.
«Ai, este olhar... Não olhes para mim assim, por favor... Logo quando estás
O Nicholas a ajudar
-me a estudar? Aquilo não ia acabar bem.
— Não é preciso — respondi com timidez. Tinha receio de que, se ele ali
ficasse, acabássemos por fazer tudo menos chegar ao fim do tema oito de
chumbar.
Sorriu
-me de esguelha, ao seu estilo tão sedutor, e vi que dava um passo atrás.
Estremeci ao imaginar
-nos aos dois nesta cama, fazendo outras coisas que não
tinham nada que ver com estudar. O Nick começou a folhear as páginas até
Esqueci
-me de tudo, dos exames, da prova de acesso à universidade. Só queria
sentar
-me no colo dele e contornar
-lhe o maxilar com a ponta da língua.
Comecei a aproximar
-me, e ele abanou a cabeça, levantando os olhos na minha
direção.
— Quieta — ordenou
-me, divertido. — Vamos estudar, sardas, e, quando
— Só um?
estremecia ao ouvi
-lo.
Duas horas e meia depois, sabia o tema todo do princípio ao fim. O Nick era
sorriu orgulhoso e com uma centelha de desejo nos seus olhos azuis.
Fiz um sorriso de orelha a orelha e atirei-me para cima dele. O Nick agarrou
-
me e abraçou
-me contra o seu corpo. Demos uma volta na cama, e beijou-me,
sedento dos meus beijos. Enfiei a língua na boca dele, e ele brincou com ela
Gemi enquanto a mão dele descia pela minha anca, me levantava a perna e a
enroscava à volta da cintura. Quando senti o corpo dele contra o meu, quase
revirei os olhos quando uma doce pressão me levou quase ao sétimo céu.
levantado a cabeça e olhava para mim com uma expressão algures entre a
excitação e a diversão.
com a sua boca demasiado próxima do centro do meu corpo para me sentir
tranquila.
— Prometi
-te um beijo, não prometi?
fugir.
O Nicholas aproximou
-se da minha boca, com os cotovelos pousados ao lado
beijando
-me com cuidado.
— És tão doce... — disse, descendo com os lábios pelo meu estômago, a roçar
a pele e a provocar
-me arrepios.
expressão de puro desejo nos olhos, desejo por mim e mais ninguém.
Tirou
-me as cuecas, com cuidado, e fiquei com tanta vergonha que fechei os
A boca dele começou por me beijar as coxas, primeiro uma, depois a outra.
Abriu
-me as pernas com delicadeza enquanto se acomodava no meio delas, e
estremeci.
deixei
-me perder nas suas carícias e naquele momento tão perfeito. Quando
senti que tudo se tornava demasiado intenso, uma das minhas mãos procurou
-o
Porra...
— Sim... Por favor — respondi com um suspiro. A última coisa que vi antes
de fechar os olhos foi o seu sorriso enorme. Deixei-me levar novamente pelas
suas carícias até que estas se tornaram tão avassaladoras que acabei por me
Deus do céu...! Tinha acabado de ter a experiência mais erótica da minha vida.
olhava para mim como alguém que encontrou um tesouro no fundo do mar.
Tapei
-me com o lençol, e ele puxou-me para os seus braços.
Virei
-me e enterrei o rosto no peito dele. O Nicholas continuava vestido, e
não precisava de olhar para ele para ver que tinha uma ereção por baixo das
calças.
levantou
-se, saindo da cama.
notei
-lhe a voz um pouco tensa.
Peguei nos calções que estavam ao meu lado, sobre a almofada, onde os
— Na sexta
-feira já acabo, Nick, e teremos todo o verão para nós.
Aproximei
-me e dei
-lhe um abraço amoroso.
Ele apertou
-me nos seus braços e suspirou com resignação.
Ri
-me e afastei
-me do seu peito para o poder observar.
Senti que o meu coração inchava de felicidade e de uma pena imensa quando
O exame correu
-me maravilhosamente. Não podia ter sido melhor, e quando,
cinco minutos depois, me encontrei com a Jenna no corredor, olhámos uma para
a outra e pusemo
-nos aos saltos como loucas. As pessoas começaram a olhar para
importava... O meu tempo ali acabara, já não teria de vestir uniforme, não seria
tratada como uma criança nem teria de mostrar as notas à minha mãe para que
nossos colegas de turma mais alegres do que nunca, a gritar, a dançar, a rir e a
aplaudir: era um delírio, uma festa absoluta. O resto dos alunos olhava para nós
como se fossemos malucos, alguns com inveja, já que a maior parte ainda tinha
informou
-nos um miúdo com um sorriso radiante. — Vocês alinham?
Eu e a Jenna entreolhámo
-nos.
— Claro que sim! — gritámos em uníssono, o que nos fez rir com histeria;
Uma hora depois, depois de festejar com a turma e de passar as aulas a fazer
parvoíces e a perder tempo, saí finalmente daquela escola que me trouxera mais
coisas boas do que más. Lembrava-me de a ter odiado inicialmente, mas, se não
tivesse sido aquela escola, não me teriam admitido na UCLA nem poderia
Ia a sair aos saltinhos quando o Nick me enviou uma mensagem a dizer que
agarraram
-me com rapidez, e procurei os seus lábios com os meus, até nos
unirmos num beijo digno de um filme romântico.
do mundo, que adorava, e dali a dois meses ia viver sozinha para o campus
Nick
mais orgulhoso do mundo; ela não era apenas linda mas também incrivelmente
na entre si, mas a Noah acabou por decidir ir para a minha universidade, aqui,
em Los Angeles. Não sei o que teria feito se ela tivesse regressado ao Canadá,
Não via a hora de ela se mudar para o meu apartamento. Não que já lho
tivesse dito, mas a minha intenção era que viesse viver comigo. Estava farto de
tornara completamente paranoica, mas este nem era o único problema, porque
tanto ela como o meu pai demonstraram pouco agrado perante o facto de os
filhos de ambos namorarem. A coisa foi arrefecendo aos poucos e, agora que já
não vivia com eles, em vez de tudo normalizar, como fora minha esperança no
para podermos estar juntos sem interrupções. Para mim tanto se me dava o que
o meu pai e a mulher tivessem para dizer, já era crescidinho, tinha vinte e dois
anos e em breve faria vinte e três, podia fazer o que me desse na real gana, mas o
mesmo não acontecia com a Noah. Sabia que o facto de termos cinco anos de
diferença nos iria criar alguns problemas ao longo do tempo, mas nunca pensei
Mas não era altura para pensar nisto: íamos festejar. Eu ia levar a Noah à tal
mãe queria jantar com ela depois da cerimónia, por isso, ou saíamos juntos hoje
ou ia ter de a partilhar outra vez com o mundo inteiro. Tinha noção de que
parecia egoísta da minha parte, mas nos últimos meses, com todas as obrigações
escolares dela e as minhas viagens para São Francisco, assim como com os
empecilhos dos nossos pais, não passara com ela nem metade do tempo que
O caminho até à praia foi muito agradável. A Noah estava emocionada com a
entusiasmada com alguma coisa: nesses momentos, por exemplo, as suas mãos
turma da Noah que ali estavam, mas todas as malditas turmas de finalistas do
Sul da Califórnia.
— Achei que íamos ser poucos — comentou ela, olhando para aquilo, tão
A Noah sorriu com a minha resposta e voltou-se para a Jenna, que apareceu
naquele instante vestida com a parte de cima de um biquíni e uns calções curtos
Num raio de meio metro, toda a gente soltou vivas e levantou os copos no ar.
A Noah abraçou
-a, soltando uma gargalhada. Quando chegou a minha vez de
— Onde está o Lion? Devia estar aqui — disse, sorrindo abertamente perante
o seu ar irritado.
os braços e pondo
-se em bicos dos pés para me ver melhor.
acariciando
-me a nuca com os dedos compridos.
— Tenho. Diverte
-te, sardas, não te preocupes comigo — respondi,
inclinando a cabeça para pressionar os lábios fechados sobre os seus. Eram tão
carnudos que me deixavam louco. — Vou ver por onde anda o Lion. Quando
puxou
-lhe um braço para a afastar de mim e a levar para fazerem sabe Deus que
tipo de loucuras.
Olhei para ela com má cara e deixei que se dirigisse aos amigos, que
Aproximei
-me de uma das pequenas fogueiras onde não havia quase ninguém
e fiquei a observar o fogo com as mãos enfiadas nos bolsos, enquanto dava voltas
à cabeça e fantasiava com tudo o que queria fazer com a Noah naquele verão,
meses.
afastada. Tinha uma cerveja na mão e olhava fixamente para as chamas, como eu
fizera poucos segundos antes, com a diferença de que ele parecia melancólico e
tirando uma garrafa de uma das caixas aos seus pés, mas sem a abrir logo.
— Estou a tentar fazer com que o tempo passe mais depressa nesta merda
dos dois vai ter de conduzir, por isso, se fosse a ti, ia com calma — avisei.
Ignorou
-me e levou novamente a garrafa à boca.
frente.
— Ela acabou de se formar, Lion, não a culpes por não entender o que se passa
pedaços.
— A oficina não está a correr tão bem como antes, e a última coisa que quero
é que o meu irmão saia da prisão e veja que não fui capaz de manter o negócio
da família a funcionar...
— Se precisas de dinheiro...
— Não, não quero o teu dinheiro, Nicholas, já tivemos esta conversa mil
vezes. Eu consigo resolver isto, só que as coisas acabaram por não correr como
queria, é só.
Olhei para a expressão do seu rosto e percebi que não me estava a contar a
história toda.
Ele voltou
-se para mim, e calei-me.
te aconteceu, Nicholas?
— Raptaram
-me a namorada, foi o que me aconteceu.
Deu
-me um beijo no peito e a seguir dirigiu-se ao meu amigo.
Sem dizer mais uma palavra, o Lion afastou-se e começou a caminhar para
que os meus lábios ansiavam pela sua pele, e a última coisa que queria agora era
vê
-la triste por uma idiotice sem importância. — Quero-te — declarei,
beijando
-lhe a garganta, saboreando a pele e sentindo-a estremecer com as
minhas carícias.
Afastei
-me por um segundo, fascinado com ela, mas percebi que tínhamos
chamado a atenção de várias pessoas ali por perto. Estavam a olhar para nós,
lugar melhor do que aquele, e gostava de o sentir com calma, não com todo o
alvoroço daquela festa estúpida.
— Posso fazer
-te uma pergunta? — quis saber, com um toque de nervosismo
na voz.
— Claro que sim, sardas — respondi, parando junto a uma árvore que lançara
raízes sob a areia e se erguia, imponente, sobre nós. Sentei-me ao lado do tronco
e puxei a Noah para o meio das minhas pernas. Assim podia olhá-la nos olhos
— Não é nada, deixa lá, era uma pergunta estúpida — respondeu, evitando
fitar
-me. Vi que voltava a corar, e a minha curiosidade aumentou
exponencialmente.
interesse.
Detestava que me fizesse aquilo. Queria saber tudo o que pensava ou sentia,
não queria que tivesse vergonha de absolutamente nada; além disso, estava tão
cabeça.
— Estava aqui a pensar... Sabes, o que aconteceu na outra noite, quando tu...
Tentei não sorrir. Nunca tínhamos feito nada parecido. Queria levar as coisas
como se alguém nos pudesse ouvir ali, onde estávamos. — Deus do céu, não
Puxei
-a para mim e obriguei
-a a retribuir o olhar.
— Tu és a minha namorada, podes falar comigo sobre tudo o que quiseres...
que sabia que ela morria de vergonha destes temas; já reparara nisso quando
Claro que tinha gostado, até tivera de tapar a boca para ninguém ouvir os seus
gritos. Porra, teríamos mesmo de falar daquilo naquele momento? Reparei que
— Gostei, sim, mas não é isso — pousou o olhar noutro lado. — Mas...
pergunto
-me se tu também... queres que, enfim, que te faça o mesmo.
vergonha, mas também de desejo. Sim, via o desejo por detrás daqueles olhos
cor de mel e, meu Deus, não podia continuar a ter conversas sobre sexo com a
coração?
a admirar, alucinado.
— Acho que qualquer tipo com olhos na cara e que te tivesse à frente pensaria
nisso, amor. Claro que já pensei, mas não é algo que tenhamos de fazer se não
— Mas... Não é justo, quero dizer, tu tiveste de passar por isso, e eu...
— Passar por isso? Quem te ouvir falar há de pensar que é uma tortura —
vezes esquecia
-me de como ela podia ser inocente.
— Não — abanei a cabeça, olhando para ela divertido. — As coisas não são
assim. Aquilo que eu te faço é independente daquilo que quiseres fazer comigo;
não é uma questão de retribuição. Quando sentires que queres fazê-lo, fazes,
mas, se esse momento nunca chegar... Enfim, arranjo outra — brinquei. Ela
deu
-me uma palmada no braço.
— Eu sei, desculpa, mas não quero que faças nada que não queiras fazer, está
— Então, não te importas?... Não estou a dizer que não quero, só que acho
E era por isto que estava apaixonado pela minha namorada. Qualquer outra
não era assim. Se não estava segura de alguma coisa, podia fazer o que quisesse
— Anda cá — disse
-lhe, puxando-a para mim e beijando-a como se aquela
Noah
Acabei o secundário. Não sei se já passaram por algo semelhante, mas é uma
sensação maravilhosa; bem sei que ainda me faltava a parte mais difícil, ainda
parte seria pior, mas acabar a escola secundária era algo incomparável. Era um
gratificante que sentia o corpo todo a tremer enquanto esperava na fila, com os
Chamavam
-nos por ordem alfabética, por isso a Jenna estava vários lugares à
nos jardins da escola enfeitados com grandes faixas que anunciavam ano de
Faziam
-se todas no ginásio, com um candeeiro decorativo qualquer e pouco
mais. Aqui, até as árvores que rodeavam os jardins tinham sido decoradas. As
togas, no mesmo tom de verde, tinham sido desenhadas por uma estilista de
escadas com nervosismo para receber o meu diploma. Olhei para as filas de
pé, tão felizes como eu; a minha mãe até estava aos saltinhos, como louca, o que
mão e juntei
-me ao resto dos finalistas.
A miúda que teve uma classificação média duas décimas superior à minha
subiu ao palco depois de terem acabado a entrega dos diplomas e fez o discurso
final. Foi emocionante, divertido e muito bonito: ninguém teria feito melhor
do que ela. Ao meu lado, a Jenna deixou escapar algumas lágrimas, e eu ri-me,
para tentar conter a vontade de seguir o seu exemplo. Apesar de só ter estado
naquela escola durante um ano, a verdade é que foi um dos melhores da minha
consegui que esta escola me desse não apenas uma preparação magnífica para a
Despedimo
-nos por instantes e fomos à procura das respetivas famílias.
dando
-me um beijo sonoro no rosto. Voltei-me e atirei os braços ao seu pescoço.
Antes de lhe poder dar um beijo, a minha mãe apareceu e, metendo-se entre
abraço carinhoso.
O Nick pegou
-me na mão e puxou-me.
estacionamento.
Para onde quer que olhasse, via carros com laçarotes gigantes, alguns muito
chamativos, de cores brilhantes, outros com bolas atadas aos espelhos. Deus do
céu! Que pais podiam ser loucos ao ponto de comprarem carrões destes a
miúdos de dezoito anos?
Foi então que o Nick me tapou os olhos com uma das suas grandes mãos e me
— Por aqui, Nick — indicou a minha mãe, e nunca tinha ouvido a sua voz
literalmente, boquiaberta.
— Diz-me que este descapotável vermelho não é para mim — sussurrei com
incredulidade.
um sorriso radiante.
O Nick pôs
-me as chaves em frente ao nariz.
— Acabaram
-se as desculpas para não me ires visitar — murmurou com
satisfação.
Porra, tinham
-me comprado um Audi...
— Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! — comecei a berrar como uma doida.
— Estás a gozar comigo? — respondi, aos saltos. Meu Deus, estava tão
Corri em direção à minha mãe e ao William e abracei-os com tanta força que
quase os deixei sem ar. Tinha feito alguns comentários sobre precisar de poupar
para comprar outro carro. Infelizmente, o meu avariara umas cinco vezes nos
últimos meses, e as contas da oficina eram tão altas que mais valia comprar um
— Não estou a acreditar nisto, a sério que não — confessei, enquanto entrava
no carro. Era lindo, vermelho e brilhante; para onde quer que olhasse, tudo
parecia reluzir.
ronronar do motor.
sentia. A minha mãe teve de me chamar várias vezes para eu reagir. Ao meu
— Vemo
-nos no restaurante? — perguntou, enquanto o William o abraçava
pelos ombros.
A minha mãe tinha feito reserva num dos melhores restaurantes da cidade.
haviam reservado dois andares inteiros do hotel para podermos lá ficar a dormir
naquela noite: só tinha de voltar para casa no dia seguinte. Era uma loucura, e
inicialmente queixei
-me bastante, já que tínhamos de ser nós a pagar tudo,
ainda que com desconto, sim, porque o pai de um dos nossos colegas era dono
depois — contou
-me o Nick quando lhe revelei o meu assombro perante o que
sem nuvens. Estava uma noite de verão perfeita, e sorri ao pensar no mês e meio
de férias que tinha pela frente. Ia poder estar com o Nick, estar realmente com
ele, sem exames, sem trabalho, sem nada... Tínhamos seis semanas para estar
uma velocidade ótima; além disso, naquela cidade, toda a gente andava a mil.
segundo depois. Disse isto a brincar, eu sabia, mas o sorriso que tinha no rosto
pareceu desvanecer
-se até desaparecer por completo.
Eu tinha tentado com todas as forças não pensar no meu pai, muito menos
naquele dia. Era um esforço de verdade, mas qualquer coisa o trazia de volta ao
meu pensamento, e, naquela ocasião tão especial, não consegui evitar uma certa
nostalgia por ver todas as minhas amigas com os pais. Não parava de me
perguntar como teria sido a cerimónia se o meu pai não tivesse enlouquecido
e... morrido. Tinha a certeza de que não seria o Nick quem estaria agora ali,
sentado ao meu lado, e de que não me teria pedido para reduzir a velocidade...
Mas que pensamento idiota! O meu pai era alcoólico, um criminoso com
Como podia sentir a sua falta? Como podia continuar a imaginar uma vida que
ultrapassavam
-me. Abanei a cabeça: perdera-me novamente dentro de mim
mesma.
Não demorámos muito mais a chegar ao restaurante. Era lindo. Nunca ali
tinha ido e estava desejosa de provar a comida. Tinha dito à minha mãe que me
era indiferente onde íamos jantar, desde que o restaurante tivesse o melhor bolo
de chocolate: era esta a minha única exigência.
depois de fazer o mesmo, o Nick aproximou-se. Estava lindo, com umas calças
forma tão «empresarial», como costumava dizer. Sorriu como só fazia quando
um vestido rosa
-claro, que me assentava como uma luva e que tinha figuras
costas e puxando
-me para si com delicadeza. Mesmo com os sapatos de salto
alto, continuava a não ser da altura dele. Os meus olhos fixaram-se nos lábios
envergonhado quando lhe dizia que era bonito. Não era segredo para ninguém;
mulheres se tinham voltado para trás para olhar para ele com descaramento.
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, calou-me com um beijo.
um segundo depois. Este beijo durara muito pouco tempo para o meu gosto.
Por um instante, a imagem de nós os dois a viver na mesma casa, mas sem
pais à nossa volta, fez o meu coração sobressaltar-se... Embora fosse uma
loucura, claro.
O Nick fitou
-me com uma expressão esfomeada. Estava a seduzi-lo, algo que
— Não comeces algo que não possas acabar — avisou-me ele, inclinando
-se
para pousar os lábios sobre os meus; mas desta vez fui eu quem inclinou a
terrivelmente prometedor.
Desviei a boca para o pescoço dele e vi que fechava os olhos mesmo antes de os
meus lábios lhe aflorarem a pele. Descobrira que um simples toque da minha
desarmado.
tanto...
ao pescoço e deslizando a ponta da língua até chegar à orelha dele — vou ser
tua, Nick.
Então, uma das mãos dele pousou na minha cintura, enquanto a outra subiu
beijar como desejava desde que ali chegáramos. A sua língua entrou na minha
boca sem pedir licença, investiu contra a minha com uma loucura desenfreada,
saboreando
-me ou castigando
-me, não sabia bem.
contacto dele, de todo o seu corpo, deixava-me louca. Não importava quanto
tempo se tivesse passado nem que tivéssemos estado todo o dia anterior juntos.
Nunca me cansava dele, nunca ia deixar de sentir esta atração que parecia unir
-
obrigando
-nos a afastar
-nos de repente.
sempre para ele com muito maus modos... Não achava graça nenhuma àquilo,
cumprimentaram ao ver
-nos passar, e eu sorri a todos com alegria. O maître
levou
-nos a uma mesa que prepararam no terraço. Ficava ao lado da piscina, e
numerosas velas rodeavam tanto a nossa mesa como a de outras pessoas que
O Nicholas sentou
-se ao meu lado, e os nossos pais, à nossa frente. Não sei
piza na cozinha lá de casa, outra bem diferente era sentarmo-nos todos num
local daqueles para jantar; além disso, há meses que o Nick não ficava para
Inicialmente, correu tudo muito bem. Como sempre, a minha mãe não
sabia que o Nick desejava um dia dirigir... E, aos poucos, comecei a sentir
-me
mais confortável. Além disso, a minha mãe dirigia-se a nós como casal, o que
bolo de chocolate, a minha mãe decidiu revelar algo que, certamente, guardara
durante semanas.
comer mais nada. Levei o copo aos lábios, tão satisfeita e feliz que não esperava
Vamos as duas fazer uma viagem pela Europa durante quatro semanas!
Nick
Acho que o olhar que dirigi àquela mulher foi tal que até o meu pai ficou
«Por que razão está a fingir? Por que diabo não lhe diz que nem em sonhos
dizer a Raffaella sem sequer olhar para mim. Era por isso que continuava a falar,
oportunidade que temos de fazermos alguma coisa juntas e já sei que não ficas
Bebi um gole de vinho, tentando controlar a minha ira. Por baixo da mesa,
tinha a mão da Noah na minha e acho que a apertava tanto que lhe cortava a
O meu pai olhou de esguelha para mim durante um breve momento e levou
também o copo aos lábios. Teria sido ideia sua? Teria sido ele a meter esta ideia
Mas por que raio ainda me questionava? Claro que tinha sido ideia dele, era
Mas será que eu não tinha uma palavra a dizer em toda aquela situação? O
Larguei
-lhe a mão por baixo da mesa; estava a ficar cada vez mais danado: ou
saía dali ou ia acabar por dizer tudo o que tinha para dizer. Mas depois percebi
que, se me fosse embora, não ia resolver nada; noutra ocasião, teria armado uma
cena, mas agora já não podia fazer essas coisas, não se quisesse que me levassem
a sério... Se quisesse que nos levassem a sério, tinha de ficar ali e de dar a
mês inteiro.
Ao ver que lhe soltava a mão, a Noah virou o rosto para mim. Olhei para ela e
percebi que aquilo a estava a martirizar tanto quanto a mim... Bem, já era
alguma coisa.
Esforcei-me bastante para formular aquela pergunta no tom de voz calmo que
acabara de empregar.
A Raffaella olhou para mim, e, ao ver a expressão com que me fitava, percebi
Noah se esfumara completamente no ar. Ela não me queria com a filha, e o seu
— Nicholas, ela é minha filha e acabou de fazer dezoito anos. Ainda é uma
menina, e quero passar um mês de férias com ela, ou será assim tão difícil de
entender?
— Mãe, eu não sou uma menina, está bem? — respondeu, afastando o cabelo
para trás dos ombros. — E não fales assim com o Nick. Ele é o meu namorado e
A Raffaella olhava para a filha, ainda tinha os olhos húmidos por ter estado a
«O quê?!»
perceber como as suas palavras eram processadas pelo meu cérebro, que fez com
A mãe dela sorriu, e senti um calor tão grande no corpo que me levantei.
— Senta
-te, Nicholas — ordenou o meu pai, olhando em volta. Estava sem-
pre preocupado com a merda das aparências e sempre com aquela expressão de
Quando cheguei à rua, fui diretamente para o carro, mas apercebi-me de que
não tinha chave. Aquele não era o meu maldito carro. Voltei-me e apoiei as
sapatos de salto alto não a deixavam acompanhar o meu ritmo. Tirei um cigarro
do bolso e acendi
-o; estava
-me nas tintas se lhe agradava que fumasse ou não.
— Nicholas...
Voltei o rosto e soltei o ar que estava a conter. Um mês, um mês sem a Noah.
Todos os planos que tinha feito, as coisas que queria fazer com ela, tudo fora por
água abaixo. Tinha planeado uma viagem, queria levá-la comigo, visitar alguns
lugares com ela, queria fazer amor todos os dias do verão, aproveitar a sua
companhia, mas ela não hesitara um instante antes de aceitar o presente da mãe.
Magoava
-me porque acreditava que me devia ter posto em primeiro lugar e não
o fizera.
— Dá
-me a chave. Eu levo
-te à tua festa.
medida que os segundos passavam, mais danado ficava ao pensar que não a ia
ter durante o verão, que ma tinham roubado, embora fosse só por um mês, e
Noah
No carro, o ambiente estava de cortar à faca. Ele estava furioso, bem sabia,
via
-o nos seus olhos.
ausentar um mês inteiro, mas o que podia fazer? A minha mãe tinha organizado
a viagem, já estava paga, e não podia recusá-la, era a minha mãe. Sempre
a dizer que faríamos uma viagem pela Europa, de mochila às costas, para
podermos passar o último verão juntas, enquanto eu ainda fosse a sua menina,
como ela me chamava. Uma parte de mim queria esta viagem, não queria
perder a oportunidade de estar a sós com a mulher que me dera a vida e tudo o
todo só de pensar que não ia ver o Nicholas durante quatro semanas inteiras. Eu
também tinha feito planos, também queria passar cada segundo do dia no
apartamento com ele, e mais ainda agora, que em breve teria de começar a
trabalhar e que as viagens a São Francisco não iriam durar duas semanas apenas,
Olhei para ele do meu banco. Os olhos do Nicholas iam fixos na estrada, as
mãos agarravam o volante com força. Até tinha medo do que lhe fervilhava na
cabeça, mas não sabia o que fazer ou dizer para que não se zangasse comigo.
— Não vais falar comigo? — acabei por perguntar, armando-me em forte. Ele
nem sequer olhou para mim, mas vi que as veias do pescoço ficavam tensas ao
— Estou a tentar não te dar cabo da noite, Noah — disse um segundo depois.
A tentar?
íamos acabar a discutir, que era a última coisa que queria fazer naquela noite.
Voltou o rosto para mim, e vi nos seus olhos que havia muitas coisas que me
queria dizer.
— Não faças isso, não me ponhas entre a espada e a parede, não me faças
longe. Uma fila comprida de carros esperava pela sua vez de deixar sair os
empregados do hotel, para estes estacionarem os carros. Vários dos meus colegas
não variar.
frieza que me gelou o sangue. Olhei para ele com incredulidade, magoada com
Eu não devia ser obrigada a escolher entre as duas pessoas que mais amava no
mais do que qualquer outra coisa, mas o amor que sentia pelo Nicholas era
inexplicável, um amor que doía, que adorava, mas que me assustava pela sua
— Não... não vais ficar? — perguntei, com voz trémula, através da janela.
queria partilhar aquela noite com ele, era uma noite em que devia ter o meu
namorado comigo.
Ele afastou o olhar do meu e fitou as pessoas que subiam as escadas íngremes,
até à receção.
— Não sei, preciso de estar sozinho — declarou com aquele tom de voz que
Senti que a raiva se apoderava de mim. Não era justo, não era justo que se
zangasse comigo por causa de algo que não era da minha responsabilidade.
— Vai
-te lixar, Nicholas! Íamos passar a noite juntos ao fim de mais de três
divertir
-me muito mais sem ti!
O grande sacana nem esperou que eu entrasse. Com os pneus a chiar, acelerou
Encaminhei
-me para as escadas, onde muitos alunos falavam entre si,
emocionados. Havia ali várias raparigas da minha turma com quem podia
— Ei, Morgan!
Dei meia
-volta e deparei
-me com a cara sorridente do Lion. O meu rosto
iluminou
-se. A última vez que o tinha visto, senti-o distante e frio, mas agora
fiquei contente por ver o seu sorriso radiante. À semelhança do que acontecera
acabara por me afeiçoar bastante ao Lion: era uma pessoa magnífica, carinhosa,
temor, sobretudo por ser amigo do Nicholas; mas nada podia estar mais longe
meu rosto.
— Foi
-se embora. Discutimos — respondi, cerrando os dentes. Para minha
— Dou
-lhe meia hora até estar colado a ti como uma lapa... É o máximo de
tempo que consegue estar longe — vaticinou, ignorando o meu olhar assassino
— Ele que não venha, nem quero olhar para a cara dele.
com amabilidade.
e vi que muitos pais dos meus colegas também tinham decidido ir à festa beber
de toda a história. O salão estava aberto para o jardim, com muitas mesas altas
com toalhas elegantes de cetim verde a toda a volta da pista de dança que havia
Olhei para o Lion, que estava tão fascinado e intimidado como eu. Nenhum
de nós tinha crescido rodeado daqueles luxos, e eu tinha a certeza de que ambos
distinta e rica.
O jardim estava iluminado com ténues luzes brancas, e havia flores espalhadas
por todo o lado; o perfume que se insinuava por entre os meus sentidos
subjugara
-me assim que ali entrara. A típica música de festa ainda não tinha
boas
-vindas ao recinto.
— Ah, aqui estão vocês! — exclamou uma voz conhecida atrás de nós. Ambos
pessoal que aqui está? O que vos parece? Não exagerei, pois não? Ou acham que
A Jenna tinha sido uma das responsáveis pela organização da festa. Sabia que
excedera. Se achava que eu e o Lion não tínhamos gostado, era porque as nossas
Dei
-lhe um abraço, dizendo
-lhe como estava bonita. Claro que se devia tudo à
genética, já que a sua mãe, Caroline Tavish, fora Miss Califórnia quando era
jovem, um título que não só lhe abriu mil portas como também levou um dos
homens mais ricos dos Estados Unidos a querer casar com ela. O pai da Jenna
e passava pouco mais de dois dias por mês em casa, mas, segundo a Jenna,
altura, embora o rosto fosse mais caloroso, juvenil e doce do que o da mãe, que,
dando um beijo entusiasmado nos lábios do Lion. Ele olhou-a com admiração e
pousou a mão na cintura dela, puxando-a para si. Trocaram algumas palavras
que não consegui ouvir, e, um segundo depois, a Jenna voltou-se para mim.
Revirei os olhos perante a sua mania de lhe chamar isto. O Nicholas não era
meu, pois não? A verdade é que naquele momento não fazia a menor ideia.
importasse, e muito.
— Jenna, superaste
-te! — exclamou o Lion para mudar de assunto.
gente trouxe álcool para o evento, e em menos de uma hora todos os presentes
intermitentes, e, de repente, dei por mim rodeada por uma enorme quantidade
festa, e fiquei um pouco ansiosa quando dei por mim apertada entre vários tipos
que se encostavam tanto a mim que mal me davam espaço para dançar. Dei-lhes
um rapaz ser
via shots aos maiores de idade. Já tinha bebido vários corpos... Não
desapareceu para ir buscar mais gelo. Em cima da mesa havia vários copos de
— Black Russians.
Se ela me tivesse respondido Red French, teria ficado a saber o mesmo. Não
— É um cocktail com vodca, licor de café e natas. Está muito bom; além disso,
meter
-se comigo?
mencionado a palavra «café», esqueci a sua orientação sexual e peguei num dos
A vodca mal se notava, não queimava a garganta, era como estar a beber um
familiar de alguém. Tinha o cabelo escuro apanhado num rabo de cavalo alto.
estava a dançar com Lion na pista, e, sem me dar conta, já tinha bebido mais
dois copos e iniciara uma conversa com a rapariga do batido, que, na verdade, se
um beijo nos lábios. Foi tão rápido e tão inesperado que demorei um instante a
afastá
-la com um empurrão.
A rapariga riu
-se, divertida.
— Queria saborear a vodca dos teus lábios — respondeu, como se não fosse
nada.
A situação era tão surreal para mim que fiquei calada por instantes.
minutos, não sei bem, acho que o álcool já me tinha subido à cabeça. Tinha
— Acalma
-te, foi só um chocho — respondeu ela, desviando os olhos para os
— É melhor ires
-te embora — aconselhei rapidamente a Dana. — De
Ela soltou uma gargalhada, pegou no seu Black Russian e foi para a pista de
dança. Perdi
-a de vista no instante em que o Nick se pôs à minha frente.
aparências.
gente com quem não me apetecia estar, e, ainda por cima, beijaram-me sem o
meu consentimento.
— O que é que estás a beber? — perguntou ele, tirando-me o copo das mãos.
nos lábios dele, como aquela miúda fizera comigo. Também queria provar um
— Sabes a quantidade de álcool que isto tem? — disse ele, depois de acabar o
sem adivinhar o seu estado de espírito... Bem, era evidente que estava irritado,
meu. Sem me tocar, pousou as duas mãos na mesa que havia atrás de mim e
encurralou
-me no meio dos seus braços.
— Não tens razões nenhumas para estares irritada comigo, Noah — afirmou
ele, muito sério. — Quem vai sair prejudicado disto tudo sou eu, já que tu vais
— E eu repito que não foi ideia minha — disse, olhando fixamente para ele.
indecifrável.
Uma parte de mim sabia que ele tinha razões para estar transtornado, mas a
queria calar
-me, não me apetecia ser compreensiva... Talvez porque também
estava transtornada com toda aquela situação. Não fazia parte dos meus planos
ir para a Europa com a minha mãe, e sentia-me aborrecida e triste por não
poder passar aquele mês com o Nick. Na verdade, estava irritada com a minha
mãe, mas quem estava à minha frente era o Nick, e eu precisava de descarregar
— Talvez não devesses ter voltado. Disseste que não querias arruinar
-me a
O Nick observou
-me demoradamente.
Ergui
-me nos meus sapatos de salto alto e fulminei-o com o olhar. Sentindo
-
criança, estendi o braço, enchi um copo com o ponche que estava em cima da
mesa e bebi
-o de um só trago. Tinha tanto álcool que quase me saltaram as
lágrimas dos olhos, mas acho que valeu a pena só para ver as veias do pescoço do
— Estás a comportar
-te como uma idiota, e quem vai ter de cuidar de ti mais
os meus amigos, e comecei a dançar com vigor. A certa altura, o copo caiu
-me
da mão e molhei os pés de alguém, mas não me importei muito com isso. Um
Sabia que o Nick não se tinha ido embora; pelo contrário, continuara a
seguir
-me com o olhar durante todo o meu triste espetáculo. Não tinha sido
esta a reação que esperara, mas pelo menos não estávamos a discutir.
— Vejo que ainda aqui estás — comentei, com os olhos fixos nos lábios dele.
— E eu vejo que mal te aguentas em pé. Se o teu objetivo esta noite era
mexeres
-me com os nervos, já conseguiste. Parabéns.
Ri
-me ao ouvi
-lo dizer «mexer
-me com os nervos».
— Não era essa a minha intenção, mas, no que diz respeito a mexer, posso
mexer
-te onde quiseres...
O Nick não se riu; pelo contrário, parecia estar a ponderar o que fazer comigo.
Passei os dedos pelo cabelo dele, enterrando-os junto à nuca, porque sabia que
adorava que o acariciasse ali. Mas ele segurou-me nos pulsos e obrigou-me a
parar.
— Deixa
-me levar
-te lá para cima, Noah — pediu-me, cerrando o maxilar
com força.
Olhei em redor. Algumas pessoas já tinham decidido subir e deviam estar nos
— Muito bem... Talvez possa ser divertido — aceitei, com um sorriso nos
lábios.
— Vai ser tudo menos divertido — disse em voz baixa, para si mesmo, mas
eu ouvi
-o perfeitamente.
Oh, merda!
8
Nick
Saímos do salão onde se celebrava a festa, e, como já tinha ido buscar as chaves,
levei
-a diretamente para o nosso quarto. Quando entrámos, ficámos a olhar
fixamente um para o outro. Frente a frente, sem sabermos muito bem o que
fazer ou dizer. Eu não sabia se queria continuar irritado ou devorá-la com beijos.
Ficou só de roupa interior e saltos altos, que lhe ficavam a matar. Fitei o
conjunto de sutiã e cuecas que trazia... Acho que nunca o tinha visto e fiquei
sem palavras.
Ela cambaleou ligeiramente, e atravessei o espaço que nos separava com dois
passos. Agarrei
-a pela cintura e peguei nela ao colo para a levar para a casa de
banho, sentando
-a na sanita.
Encolheu os ombros.
Franzi o sobrolho.
— Quem está a sofrer um castigo esta noite sou eu, sardas, e não o contrário.
— Bem, sei de muitas coisas que podemos fazer para não nos castigarmos
mutuamente.
Não consegui evitar um sorriso. Ali estava ela, meio despida, deslumbrante,
com o rosto corado do álcool, devido à situação ou fosse ao que fosse, mas não
aguentei mais e segurei o rosto dela com as mãos antes de colar os meus lábios
nos seus. Foi um beijo sem língua, um jogo de lábios, nada mais, um jogo de
que sabia que necessitava naquele momento, para não perder a cabeça.
Voltámos a beijar
-nos, desta feita com mais intensidade. As minhas mãos
subiram pelas suas costas nuas até desapertarem o sutiã. Fiquei embasbacado a
olhar para ela, as sardas chegavam-lhe aos seios e ao cimo dos ombros. Levei os
lábios até ali e comecei a beijá-la até chegar ao lóbulo da orelha. Mordi-o e
suguei
-o como se fosse um caramelo.
A Noah estremeceu sob o meu toque, e afastei-me novamente para a olhar nos
olhos.
— Não quero que vás — confessei, pegando nela ao colo e saindo da casa de
cama e fiquei levantado sobre ela, para não a esmagar. Comecei a beijar
-lhe o
A Noah moveu
-se debaixo de mim, procurando roçar
-se no meu corpo para
passei pela barriga lisa e fui subindo até aprisionar o seio esquerdo entre os
meus dedos.
— Quero ver o teu corpo corar com cada uma das minhas carícias, Noah.
— Mas...
Calei
-a com um beijo enquanto a minha mão descia até parar junto ao elástico
da roupa interior.
— Não quero que vás para a Europa — repeti, enquanto deslizava a mão por
baixo do tecido.
Ela contorceu
-se e voltou a fechar os olhos.
Comecei a agitar os dedos e, logo a seguir, percebi que todo o meu corpo
ficava tenso só de ver a expressão do rosto dela. Não havia nada de que gostasse
mais do que aquilo, ver o corpo dela reagir ao meu toque, morder o lábio ou
desfrutar das minhas carícias. Fazer amor com ela uma vez desde que voltara de
São Francisco não fora suficiente para nenhum dos dois, e pensar que ela se ia
a minha falta.
carícias.
Sabia que não a ia deixar terminar, por isso parei no momento mais tenso.
Não conseguia olhar para ela, fechei os olhos e deixei-me cair de costas.
Doía
-me o corpo todo, estava a castigar
-me também, mas sentia-me consumido
fazê
-la entender que, se ela se fosse embora, eu ficaria a viver no inferno?
Não disse nada, e a Noah aproximou-se de mim até apoiar a cabeça sobre o
— Não quero que esta viagem estúpida seja um problema entre nós, Nick —
— Se é assim tão importante para ti, falo com a minha mãe, talvez
possamos...
— Não — interrompi
-a, taxativo. — Dá-me só um tempo para me habituar à
ideia... Por muito que te queira ter comigo em todos os instantes do dia, sei que
— Eu amo
-te, Nick. Amas
-me? — perguntou, à espera da minha resposta.
— Amo
-te mais do que a mim mesmo — respondi, sem desviar o olhar,
prendendo
-a com os braços.
Beijei
-a, movendo lentamente os lábios sobre os seus, enquanto ela enterrava
carro, queria que me fizesse sentir que eu era o único, o único que amava e
desejava.
Acabou por me tirar a camisa, com o rosto corado e o desejo refletido nos
olhos bonitos. Pousou os lábios no meio do meu peito e foi subindo até ao
mordeu a orelha com uma pressão maravilhosa, imobilizei as mãos junto à sua
cabeça.
Introduzi a língua com movimentos suaves enquanto fazia pressão com a anca.
— Amo
-te, Nick — declarou, atirando a cabeça para trás quando a minha
— Eu é que te amo.
E foi assim que acabámos a noite... A fazer a única coisa que nunca nos
causava problemas.
9
Noah
espessas abertas, e agora tinha uma vista privilegiada sobre as elegantes casas de
minhas. Quase não conseguia respirar, mas adorava estar assim, adorava dormir
com ele: eram as minhas melhores noites. Havia semanas que não dormia um
Voltei
-me com cuidado até ficar de frente para ele. Era adorável quando
tinha assim, a dormir ao meu lado, parecia tão jovem. Gostava de saber o que
lhe ia na cabeça. Por exemplo, com o que estava a sonhar naquele instante?
dedos pela maçã do rosto, até chegar ao queixo. Como podia ser tão bonito?
Já sei, estava a perder o tino, ainda me faltavam muitos anos até me decidir a
escuro. Era evidente que seria lindíssima, com os genes do Nick qualquer
criança seria bonita... Como se comportaria ele com um bebé? Sabia que a única
criança que ele suportava era a sua irmã mais nova, porque já tivera de ralhar
com ele mais de uma vez por ser brusco com as crianças na praia ou em algum
probabilidade de eu não poder ter filhos ser altíssima, por causa do vidro que
espetei na barriga naquela fatídica noite. Pensar nisso deixou-me triste, e fiquei
grata por o Nick abrir um olho sonolento para olhar para mim.
Sorri.
de acordar.
pescoço e fazendo
-me cócegas com a respiração.
— Por amor de Deus! Não me chames lindo, qualquer coisa menos isso! —
— Estás a rir
-te de mim?
cócegas.
Nicholas!
Ele riu
-se comigo, mas a seguir ataquei-o também, belisquei-lhe o estômago
duro com os dedos, e ele deu um salto tão grande que caiu da cama.
colchão; antes que eu caísse, levantou-me nos braços, pôs-me sobre o ombro
tremer. — Nicholas! — ralhei, mas ele quis brincar comigo, virou a torneira, e
anunciou, agarrando na T
-shirt colada ao meu corpo e puxando-a até ma despir.
apoderando
-se dos meus lábios.
Meia hora depois, estava sentada na varanda, enrolada numa toalha, com o
almoço. A verdade é que me parecia estranho não haver ninguém a gritar nos
perfeitamente insonorizadas.
Quando o Nick acabou de falar, virei-me para ele. Também tinha o cabelo
descaíam da cintura, deixando antever o vale escuro que ia do umbigo até mais
a baixo. Deus, que corpo espetacular! Tinha todos os malditos abdominais bem
ginásio e que fazia surf, mas, caramba, aquele corpo era uma obra-prima do
outro mundo.
— Estás a apreciar
-me? — perguntou ele, divertido, enquanto se sentava na
Senti
-me corar.
Dirigiu
-me o seu sorriso de esguelha que mais me agradava.
— Não tens nada por baixo? — perguntou ele, num tom de voz que passou
Ele olhou para ambos os lados: estávamos sozinhos, a única coisa à nossa
preciso, daqueles edifícios ali — disse, puxando-me a toalha. Não se via nada,
era um exagerado.
entrar no quarto.
Vi
-me fixamente ao espelho. Como podia alguém passar de se sentir tão triste
para ser aquela pessoa que me devolvia o olhar? Acho que o amor era mesmo
arrastar
-nos pelo chão, sem sabermos sequer como ali chegáramos.
Inclinei
-me sobre a pequena mala que trouxemos. Não sabia por que motivo
ver a minha roupa ao lado da dele me fez sorrir como uma tonta, mas adorei ver
dinheirão.
trazido o pequeno
-almoço, e ele já começara a comer, sentado na varanda como
O olhar desviou
-se para mim.
imbecil atravessou
-lhe o rosto. Voltei-me, irritada, e atirei-lhe uma almofada.
— Eu depois ligo
-te — disse, desligando o telemóvel. — Que bicho te
mordeu?
voz.
Aproximou
-se com cautela, estendeu o braço e afastou-me o cabelo para
Revirei os olhos.
começava a acariciar
-me a pele. — Já te disse, Nicholas, não gosto de marcas,
em paz.
Fiquei muito quieta, mas depois a mão dele chegou à minha nuca e puxou
-me
— O que quiseres, estou a falar a sério, basta abrires a boca, pedires, e sou
teu.
situação e sentindo
-me poderosa.
Nick
— Estava a referir
-me a sexo.
A Noah riu
-se, como se a minha proposta fosse do mais insólito possível.
— Eu sei — afirmou então —, mas, como se trata de mim e não de ti, vais
comprar
-me um gatinho.
Porra, outra vez a conversa do maldito gato! Eu detestava gatos, eram uns
idiotas, não se lhes conseguia ensinar nada, e, além disso, eram melosos,
passavam o dia inteiro em cima de nós. Preferia cães, caramba, preferia o meu
cão, que tinha sido obrigado a deixar em casa do meu pai porque no meu prédio
— Já te disse mil vezes que não penso ter um gato no meu apartamento.
A Noah cravou os olhos furiosos em mim, atirou o cabelo para trás, e, antes de
começar a tagarelar sem parar, puxei-a contra o peito e tapei-lhe a boca com a
mão.
apertão nas costelas que me fez lembrar de mim próprio naquela manhã. Ambos
morríamos de cócegas.
Soltei
-a antes que se passasse da cabeça.
— Encheste
-me de baba — acusei, limpando a mão às calças.
me aos ouvidos, e tive de me conter para não arrastar a Noah dali pelos cabelos.
Ignorando
-me espetacularmente, dirigiu-se ao empregado que estava atrás do
balcão. Era um jovem, certamente da idade dela, e, assim que a viu, os seus
olhos iluminaram
-se.
A Noah olhou para mim durante um segundo e, ao ver que eu não tinha
intenção de fazer o que quer que fosse, voltou-se para o rapaz com indiferença.
Aproximei
-me dela quando o empregado saiu de trás do balcão com um
enquanto aquele idiota nos levava até uma sala onde havia muitas jaulas com
— São estes aqui — anunciou o rapaz fazendo sinal para uma jaula ao fundo
mágico.
— São tão pequeninos — comentou com aquela voz esquisita que as miúdas
Aproximei
-me do sítio onde ela estava e vi os quatro gatos ronhosos em cima
de uma manta. Três eram cinzentos com manchas brancas nas patas ou na
sensação má.
Fulminei
-o com o olhar e aproximei-me mais da Noah.
Os outros três não paravam quietos, atiravam-se para cima uns dos outros e
batiam com as patitas na cara dos irmãos. Era evidente que tinham incomodado
mãe faz ao seu bebé. Assim que o maldito do gato começou a ronronar, percebi
Suspirei profundamente.
— Oh, olha para ele, Nick — disse ela, fitando-me com olhos meigos.
O gato era feio como os trovões, preto, com o pelo arrebitado, mas eu sabia
que a Noah não ia escolher o gato mais bonito ou o mais brincalhão: ia escolher
o desamparado, o que tinha sido posto de parte, aquele que mais ninguém
O funcionário levou
-nos até ao balcão, e tive de assinar uma série de papéis,
— Vais comprar essas coisas, é? — piquei-a. Não queria saber nem um pouco
O gato do demónio estava numa caixa pequena que nos deram para o
Voltei
-me para olhar para ela, e um sorriso involuntário surgiu no meu rosto.
cuidado.
— Não lhe chames Nala ou Simba nem nenhuma dessas mariquices, por favor
porta.
A Noah nem olhava para mim, tão enamorada estava. Fulminei com o olhar o
elevador.
Ela ignorou
-me deliberadamente enquanto entrávamos no apartamento.
Ela olhou para mim com cara de caso, e puxei-a na minha direção antes de
recomeçarmos a discutir.
inclinando
-me para lhe beijar o pescoço. A Noah virou-se para me facilitar o
acesso. A sua pele era suave e cheirava mesmo bem... Vi as marcas que lá tinha
deixado... Gostava, adorava ver as marcas dos meus beijos na sua pele, mas
contigo? — disse então, e cheguei-me para trás, para poder olhar para o seu
rosto. Ela encolheu os ombros, como se se sentisse culpada. — Ele vai ser nosso.
O nosso gatinho, dos dois. Agora somos os pais dele.
Quando a ouvi dizer aquilo, respirei fundo. Sabia que por detrás daquela frase
se escondia algo muito mais profundo, algo que a perseguia sempre e que me
Dei
-lhe um beijo terno nos lábios.
assunto.
Deu
-me uma palmada.
— Ele chama
-se N!
Ri
-me e peguei nela ao colo para a pousar sobre a bancada.
repentinamente nervoso.
Noah
que devia avançar com muita calma quanto a este assunto, porque ele estava a
O Nick pôs
-se à minha frente e segurou-me o rosto entre as mãos.
— Nicholas, eu tenho dezoito anos — voltei-me para olhar para ele, que ficou
parado, ali, de pé, a olhar para mim com o sobrolho franzido. — Dezoito anos
— repeti, caso não tivesse sido clara. Senti que o nervosismo começava a crescer
que ele precisava de mais do que eu lhe podia dar, assustava-me mais do que
parece que tens dezoito anos, Noah. Não me venhas com isso, é ridículo. Se
apoiando
-se contra a bancada e cruzando os braços. — Não queres viver
Bolas... Como lhe podia explicar que não tinha nada que ver com querer ou
deixar de querer? Como havia de lhe dizer que me assustava dar este passo
sendo ainda tão jovem? Ou que, na verdade, o que me deixava de pé atrás era
que, se vivêssemos juntos, ele acabaria por perceber que eu estava com a cabeça
meu medo é darmos cabo do que temos agora por avançarmos demasiado
depressa.
vamos quase à velocidade da luz; contigo as coisas são assim, comigo também.
Tu conheces
-me, sabes perfeitamente que jamais teria dado este passo com outra
pessoa qualquer, só contigo, e se o faço agora é porque sei que é o mais acertado,
é o que temos de fazer, porque não consigo estar longe de ti... e tu também não
instante, amá
-lo a todas as horas.
— Tenho medo de não ser aquilo que esperas que seja — admiti com voz
trémula.
rosto. Os seus olhos percorreram as minhas feições, com vagar, como se estivesse
meu lábio inferior. — Quero beijar os teus lábios antes de dormir — continuou
com uma voz rouca —, quero que o teu toque seja a última coisa que sinto
quando me deitar. Quero sonhar contigo tendo-te nos meus braços. Olhar para
Levantei os olhos e vi nos seus que cada uma destas palavras lhe saía
diretamente do coração. Estava a falar a sério, queria-me ali com ele; senti que o
meu coração começava a bater mais depressa, que dentro de mim alguma coisa
— Está bem. Venho viver contigo — aceitei, sem acreditar no que estava a
fazer.
— Repete — pediu
-me, desencostando-se da bancada e segurando o meu
Acabaram
-se os pesadelos, acabaram-se os medos; com ele ao meu lado,
conseguiria recuperar pouco a pouco, com ele seria capaz de superar qualquer
coisa. Puxou
-me o rosto e pousou os lábios sobre os meus. Senti o seu sorriso.
Ele estava feliz, era verdade, sentia-o, e estava contente por isso.
— Deus do céu, amo
-te tanto! — exclamou, apertando-me pela cintura,
olhava para nós do fundo do corredor, pequenino, preto e com os olhos claros.
fazia ideia de que, assim que regressássemos da nossa viagem, eu ia viver com o
andado de muito bom humor, mas este estado de espírito foi decaindo à medida
que faltava cada vez menos para me ausentar durante um mês inteiro. Levara
da cómoda para eu ter sítio onde deixar a minha roupa, que tinha levado aos
pouco masculino de mais para o meu gosto, transformara-se num sítio mais
Nick andava encantado, claro. Por ele até podia pintar o apartamento todo de
cor
-de
-rosa; desde que estivesse ali com ele, tanto fazia. Já tinha levado alguns
dos meus livros favoritos, e a minha mãe parecia ainda não se ter apercebido de
nada.
sem sucesso... Não obstante, o dia em que eu e a minha mãe iríamos começar a
de agosto.
Deus do céu, tinha muita vontade de viajar, mas não sabia como conseguiria
Estávamos no meu quarto, com uma mala de viagem aberta em cima da cama
ignorar
-me deliberadamente. Passava os dias amuado, não queria ouvir falar da
viagem nem de nada que estivesse relacionado com ela, mas eu ia partir dali a
aperceber; e também escondeu o meu passaporte, que encontrei três dias depois,
melhor possível cada uma das suas tentativas de sabotar a viagem, porque sabia
— Aviso
-te já de que o calor em Espanha é infernal, e como, além disso, não
gostas de marisco, estás desgraçada. A Torre Eiffel, por outro lado, é muito
estribeiras. Aproximei
-me dele e arranquei-lhe o N das mãos. Tinha
-lhe
arranhões no braço.
Antes que lhe virasse as costas, obrigou-me a sentar no seu colo, com o N
entre nós.
Olhou para mim muito sério, como se estivesse a ponderar dizer o que
não queremos que este louco te atire para um buraco qualquer. — Aproximei
-
me dele e dei
-lhe um beijinho na cabecinha escura e peluda.
O Nicholas observou
-me, tenso.
fitando
-o. Deus, como ia sentir falta daquele olhar, das mãos, do corpo, de todo
pousando
-o no chão. Fitei
-o, preparada para discutir.
— Mas tu ouves o que dizes? — Libertei-me das suas mãos e afastei-me. Por
que razão tinha de ser tão ciumento e controlador? Não suportava aquilo. Será
Comecei a enfiar coisas na mala sem sequer olhar para ele e, quando a enchi,
puxei o fecho... Merda, não fechava!
Afastou
-me a mão e puxou o fecho com força, fechando a mala por mim.
Ouvi
-o suspirar ao meu lado.
Respirei fundo para me acalmar. Segurei o seu rosto entre as mãos, pus-me em
voltar, mudo
-me para a tua casa — prometi, esperando que aquilo o animasse
um pouco.
— Eu amo
-te, sardas, não quero que te aconteça nada de mal e fico doente só
Dei
-lhe um beijo ternurento nos lábios.
Vi nos seus olhos que as minhas palavras não eram suficientes e compreendi
então que esta viagem seria uma prova crucial para a nossa relação. Não sabia
Nick
Levei
-as ao aeroporto. O meu pai despediu-se em casa, porque tinha de ir
trabalhar. Não achava graça nenhuma ter de passar a minha última hora com a
Noah tendo a mãe dela no banco de trás do carro, mas, mais uma vez, tive de
já o deixara bem claro, mas não havia nada que pudesse fazer.
Olhei para a Noah pelo canto do olho; ia calada e pensativa no seu lugar.
enquanto olhava pela janela. Estendi o braço e agarrei-lhe na mão, para a levar
com a minha à alavanca das mudanças. Sentia um vazio no peito e odiava aquela
sensação. Porra, era só um mês, também não seria tragédia nenhuma! Quando
Não estava certo, não podia enlouquecer por não a ver durante um mês, tinha
de levar isto com mais calma. Esta separação seria um teste para vermos como
aguentaríamos estar afastados. Olhei para ela de esguelha, e ela sorriu, embora
A mãe dela tinha um enorme sorriso no rosto, estava felicíssima. Por que
razão não era um problema para ela ficar longe do marido durante um mês?
força.
estivesse.
— Estou a beijar
-te antes que a minha mãe volte — respondeu. Será que não
pensava beijar
-me quando estivéssemos dentro do aeroporto, com a mãe?
Guardei as minhas opiniões para mim, sabendo que a beijaria as vezes que me
em ir para a porta de embarque. Ainda faltava uma hora para o voo, mas aquela
o sobrolho.
Olhou para mim, para a Noah e, por último, para o gato. A forma como o
Despediu
-se finalmente de mim e foi-se embora, deixando-nos sozinhos.
passageiros.
devíamos estar tão abatidos, era só um mês... Havia casais que não se viam
durante um ano inteiro. Não queria que a Noah se fosse embora triste, não
queria vê
-la sofrer, e muito menos por causa de algo que a devia deixar feliz.
Recriminei
-me por insistir tanto em que não fosse. Se tivesse apoiado esta
viagem desde o princípio, talvez agora ela não estivesse tão angustiada e com
apareceu
-lhe no rosto. — Vemo-nos quando voltares. Eu e este bicho estaremos
— Por favor, cuida bem dele, Nicholas, e não te esqueças de lhe dar comida,
nem lhe dês mais vinho para beber, por amor de Deus — pediu-me, realmente
preocupada.
com a outra agarrei o rosto da Noah, trazendo-lhe os lábios até aos meus.
— Amo
-te — declarei, depois de saborear os lábios dela pela última vez num
mês.
Um sorriso desenhou
-se no seu rosto.
— Eu amo
-te mais.
Fiquei a vê
-la a ir
-se embora e senti um nó no estômago. O cabelo comprido
apanhado num rabo de cavalo alto, as pernas vestidas com uns calções... Ia
deixar os tipos loucos por essa Europa fora. Respirei fundo, tentando acalmar
-
Assim que entrei em casa, fiquei em baixo. Deixei o gato solto para fazer o
que lhe apetecesse e olhei para o apartamento com nostalgia. Não tinha ideia do
que havia de fazer durante aquelas quatro semanas sem ela; tinha consciência de
que a minha vida mudara de uma forma inimaginável. Nem sequer conseguia
lembrar
-me do que era estar solteiro, sem alguém ao meu lado. Era como se
limpezas, mas no dia anterior tinha ficado um pouco histérica e dera cabo de
tudo o que não estivesse no seu lugar, uma coisa rara que só fazia quando estava
stressada com alguma coisa, como fui observando ao longo dos últimos meses.
Iorque, de onde depois partiriam para Itália. Nunca tive medo de aviões. Ao
longo da minha vida apanhei mais voos do que consigo recordar, mas agora que
pensamentos que me enchiam a cabeça. Tinha medo de que o avião tivesse uma
possibilidades eram infinitas, e não podia fazer nada para calar aquele receio que
— Sim, estamos no aeroporto. Este lugar é imenso; tenho muita pena de não
poder parar e visitar a cidade. Deve ser incrível. — Ela parecia estar feliz, e isso
deixou
-me um pouco mais animado, embora já tivesse muitas saudades dela.
Imaginava homens de fato com as suas pastas a chegarem à cidade que nunca
dorme, mães com filhos chorosos e aborrecidos, a voz feminina a falar pelos
altifalantes, dirigindo
-se às pessoas atrasadas que estavam prestes a perder os
seus voos...
me a esclarecer. Levantei
-me do sofá e fui até à bancada da cozinha.
— Promete
-me que vimos aqui juntos, Nick, no inverno, quando houver
A Noah chegou sã e salva a Itália, mas só recebi uma chamada breve, porque,
que não se preocupasse com a conta do telemóvel, mas ela insistiu que
falaríamos por Skype quando estivesse ligada ao wi-fi do hotel. O problema era
ligava, estava sempre exausta, por isso quase nem cinco minutos falávamos.
Odiava aquilo, odiava estar tão longe dela, não lhe poder tocar, não poder falar
durante horas, mas tinha prometido a mim mesmo que não iria estragar
-lhe a
viagem. Por isso, quando falávamos punha sempre a minha melhor cara,
carro e fui diretamente para Las Vegas. O Lion quis vir comigo, e, como
passámos a semana inteira sem nos vermos, fiquei contente por me acompanhar.
— Não sei como vais fazer para aguentar mais três semanas sem a Noah —
comentou o Lion quando estávamos na autoestrada. Só chegá
vamos a Las Vegas
à noite, por isso só ia ver a minha irmã no dia seguinte. Tínhamos reservado um
quarto no Hotel Caesers, já que, apesar de lá termos ido para ver a minha irmã
de seis anos, não íamos deixar de passar pelo casino e beber uns copos... Afinal,
Quando ele me relembrou das semanas tortuosas que tinha pela frente,
se passaram dois dias desde que a Jenna foi naquele estúpido cruzeiro com os
pais, e eu já estou a subir pelas paredes, apesar de ela regressar daqui a cinco
dias.
Era a primeira vez que a Jenna ia de férias e deixava o Lion em casa. No ano
anterior, tinham vindo connosco para as Bahamas, e ela fora apenas um fim de
semana com os pais para a casa dos Hamptons. Parecia que este ano todos os
longe de nós.
estas parvoíces, e a mãe dela há de levar a nossa relação mais a sério — disse,
apertando o volante com mais força. Eram três da tarde em Los Angeles, por
isso a Noah devia estar a dormir. Como gostaria de estar na cama com ela neste
mesmo instante!...
O Lion ficou calado, o que era uma coisa rara nele, e observei-o com
— Gostava de ter um sítio para poder levar a Jenna a viver comigo, sabes, um
lugar que estivesse à altura dela, não o apartamento de merda onde vivo —
disse, de repente.
Fiquei surpreendido por ele dizer uma coisa daquelas. Desde que o conhecia, e
dinheiro, não foi assim que fui educado, tive sempre tudo enquanto crescia, mas
sabia que era duro conseguir alguma coisa quando não se tem um pai
milionário a amparar
-nos as quedas. No ano em que vivi com o Lion, percebi
que as coisas não caem do céu, que as pessoas podem passar realmente mal para
conseguirem ter dinheiro para comer. O Lion trabalhava durante grande parte
do dia na oficina que o avô lhe deixara. Não podia contar com o irmão mais
velho, que dali a pouco tempo ia sair da prisão, onde já tinha estado duas vezes,
por isso era o Lion quem tinha de pagar todas as despesas da casa e da oficina.
por um lado, gostava de o fazer, mas, por outro, porque assim podia ajudar o
Lion. Éramos irmãos, embora viéssemos de lugares diferentes e, por vezes, como
agora, a diferença abissal que havia entre nós revelava-se muito claramente.
— Sabes que a Jenna não se importa nada com o lugar onde vives, Lion —
salientei, sentindo
-me mal. Ele não devia estar a passar por aquilo, não devia
pensar assim, não havia ninguém que merecesse mais do que ele viver com
para ele; à semelhança do que acontecera comigo, de certeza que a Jenna tinha
uma conta em seu nome que só estava à espera de que fizesse vinte e um anos
do petróleo!...
— Mas importo
-me eu. Achas que não sei as coisas a que ela está habituada?
— recriminou
-me com o tom de voz. — Não lhe vou conseguir dar nem
mandado à merda ali mesmo, mas sabia que, por detrás daquela conversa, havia
Não lhe respondi, e ele não disse mais nada. Continuámos a viagem em
Quando chegámos a Las Vegas, os ânimos mudaram: era impossível não nos
O Caesars era impressionante, praticamente uma cidade, com lojas das melhores
marcas e tudo... As miúdas ficavam doidas ali. Não era a mesma coisa que estar
em Itália, mas tínhamos de admitir que aquele espaço estava muito bem
arranjado. O nosso quarto ficava na ala oeste do hotel, que era imenso, e ainda
tivemos de caminhar bastante para lá chegar.
acendendo um cigarro.
— Vamos beber um copo — respondi. Não queria dizê-lo em voz alta, mas
simplesmente saber que a minha mãe estava tão perto de mim, não o suportava.
Descemos e fomos para um dos muitos bares do hotel, que ficava perto do
casino. O Lion era muito bom com cartas, e tinha a certeza de que ia querer
jogar algumas partidas antes de voltarmos para o quarto. Já era bastante tarde, e
eu estava cansado por ter conduzido até ali, mas diverti-me mais do que devia e
— Apetece
-te jogar? — perguntou-me o Lion meia hora depois, quando já
mim. Há quase dois dias que não falávamos, e, se não estava enganado, ela devia
A Noah tinha
-me respondido.
Revirei os olhos.
Um segundo depois, ela ficou online, e senti um calor dentro de mim que
sorrir.
Quando voltares dessa viagem estúpida, dar-te-ei mais do que mensagens
românticas. Não irás precisar de nenhum escritor morto. Tu e eu somos
poesia viva, amor.
Não fazia a menor ideia do que iria fazer para passar as duas semanas e meia
que me restavam.
quando fosse buscar a Madison. Depois disso, encontrávamo-nos com o Lion ali
Conduzi para fora da zona turística daquela cidade de loucos até chegar ao
parque que havia junto à urbanização de ricaços onde a minha irmã vivia. Saí do
carro e pus os óculos de sol, lamentando-me por ter bebido um copo a mais na
noite anterior. O meu humor, já de si delicado nesses últimos dias, não estava
para brincadeiras e muito menos para surpresas desagradáveis; por isso, quando
me apercebi da mulher alta que trazia a minha irmã pela mão e se encaminhava
A mulher alta e loura que vinha na minha direção era a última pessoa que
queria ver.
correr na minha direção. Não fiz caso da dor de cabeça que aquele tom agudo
— Olá, Nicholas — disse ela com timidez, mas mantendo uma postura
altiva, como era habitual. Não mudara muito desde a última vez que a vira, há
à minha irmã e fizeram com que ela fosse parar ao hospital com uma
cetoacidose diabética.
— Até que enfim, estamos os três juntos! — exclamou, muito feliz. Não sei
quantas vezes já me tinha pedido que a fosse visitar a sua casa, quantas insistira
para ir brincar com ela no seu quarto ou que fosse às suas festas de anos. Todos
juntos.
mostrar. Estava impecavelmente vestida, com o cabelo louro curto puxado para
trás e um diadema ridículo na cabeça. Era igual às mulheres que viviam no meu
bairro, igual a todas as mulheres que ela detestava e desprezava por serem tão
simplórias. Mas o seu aspeto nunca a impedira de ser tratada como uma abelha-
rainha por parte de todos os homens que tinha conhecido: todos a idolatravam e
que o tom da minha voz não revelasse quanto me afetava vê-la, como odiava tê
-
defender
-me do meu pai, a minha mãe à minha espera aos domingos, com
bolos... Mas depois destas recordações vieram outras... As que não queria
reviver.
connosco.
anjo. Vemo
-nos logo à noite — disse, inclinando-se para lhe dar um beijo no
cimo da cabeça. Achei estranha a forma como a tratava. Talvez estivesse à espera
indiferença, tudo menos esta doçura com que a tratou. Sim, a minha mãe podia
ser uma pessoa doce, mas também podia ser uma grande cabra.
mãe deu um passo em frente e depositou um beijo rápido no meu rosto. Mas
— Cuida
-te, Nicholas — disse ela, antes de virar costas e partir pelo mesmo
Não lhe dediquei nem mais um segundo da minha atenção. Voltei-me para a
minha irmã e esbocei o maior sorriso que consegui.
levantando
-a do chão e pondo
-a por cima do ombro. Ela começou a rir, e
esbatera. Ela nunca ficaria triste quando estivesse comigo, tinha feito esta
O Lion estava à nossa espera à porta do hotel; vi pela sua cara que estava com
Ele levantou
-a no ar e segurou-a por um pé, deixando-a de cabeça para baixo.
Ri
-me enquanto a Madison gritava como se estivesse possuída. Só um louco
poderia deixar uma minorquinha como a minha irmã entregue a dois latagões
como eu e o Lion.
A Maddie observou
-me, emocionada, olhando para todos os lados sem se
Revirei os olhos.
em frente a um tubarão
-branco que me provocava um medo fenomenal, peguei
nada.
A Maddie fulminou
-me com os seus olhos azuis.
que devia ser esta a minha cara sempre que falava dela ou estava com ela.
Preparei o telemóvel para tirar uma selfie e peguei na pequenita ao colo.
a língua minúscula para fora. Ri-me, mas imitei-a, e foi assim que tirámos a
fotografia.
Tenho saudades tuas, sardas, e este monstrinho que está aqui comigo
também. Amo-te.
13
Noah
A primeira coisa que fiz naquela manhã ao acordar foi ligar o telemóvel. Na
noite anterior, tinha ido dormir sem poder responder à última mensagem do
Nick.
fotografia que me mandou, sorri como uma idiota: ele e a Maddie apareciam a
deitar a língua de fora e a sorrir para mim. Estava tão bonito, com o cabelo
preto despenteado... E aquela menina tão parecida com ele e ao mesmo tempo
tão diferente... Sabia que sempre que voltava de uma das suas visitas à Maddie
Tinha tantas saudades dele. Sentia uma vontade terrível de ouvir a sua voz e
Por sorte, a minha mãe tinha o seu próprio quarto, por isso estava sozinha
atendesse... Já era tarde nos Estados Unidos. Presumia que já estivesse a dormir,
Ouvi
-o levantar
-se e imaginei-o a acender o candeeiro da mesa de cabeceira, a
— Não me acordes para dizer uma coisa dessas, sardas — protestou, soltando
um grunhido. — Diz
-me que te estás a divertir à grande, que nem sequer
pensas em mim, porque, se não for assim, esta viagem estúpida não faz sentido
nenhum.
— Sabes que estou a adorar, mas sem ti não é a mesma coisa — respondi,
sabendo que, apesar do que ele dizia, gostava de me ouvir dizer que sentia a sua
acompanhado. Adorava ter ido com ele e ver como era com a irmã: um Nick
completamente diferente, mais doce e paciente, divertido e protetor.
Fez
-se um momento de silêncio antes de me responder.
— Foi a minha mãe quem ma veio trazer — disse-me num tom de voz que já
conhecia bem de mais. — Se a tivesses visto... toda altiva, como uma Barbie de
quarenta anos, a tentar que a trate como ela não merece, à frente da minha
irmã.
«Merda, a mãe.» Ainda me lembrava o estado em que ele tinha ficado depois
sua voz, os olhos húmidos por a ter visto depois de tantos anos...
— Ela não devia ter forçado a situação dessa maneira — comentei, irritada.
Compreendia que a mãe quisesse recuperar o contacto com o Nick. Afinal, era
seu filho, mas não daquela forma, pondo-o entre a espada e a parede.
— Não sei que diabo ela quer, mas eu sei que não quero voltar a vê-la, não me
interessa saber nada sobre ela ou sobre a sua vida. — A sua voz estava
parte de si ansiava por descobrir o que a mãe tinha para lhe dizer.
— Nicholas... Não achas que?... — comecei por dizer, com cautela, mas ele
interrompeu
-me de imediato.
— Nem vás por aí, Noah, não, nem pensar nisso, não voltes a tentar sequer.
Não vou falar com aquela mulher, não vou voltar a estar no mesmo sítio que
devesse encontrar
-se com a mãe, deixar que ela se explicasse ou, pelo menos,
tentar manter uma relação cordial, mas ele ficou furioso. Havia ali qualquer
coisa que ele não me estava a contar, sabia que ele não a odiava daquela maneira
só porque ela o abandonara quando era pequeno, o que, por si só, era uma coisa
terrível, claro, mas acontecera mais alguma coisa que ele não me ia contar.
merda toda e de fazer amor contigo durante horas; maldita a hora em que te
foste embora.
queria estar nos seus braços, deixar que percorresse o corpo com os lábios, sentir
as mãos prender
-me contra o colchão, com firmeza, mas sempre com uma
ternura e um cuidado infinitos...
— Lamento que esta viagem seja tão horrível para ti, a sério que sim. Eu
também gostava de estar contigo aí, agora — respondi, tentando chegar a ele
com as minhas palavras, embora soubesse que o Nicholas era o tipo de pessoa
que precisava de contacto físico para se sentir bem, amado... Não sabia se as
como me sentia mal por saber que ele estava a sofrer com a história da mãe sem
ter ninguém a quem pudesse recorrer a não ser a mim, porque ele não falava
recriminar
-me por o ter deixado sozinho.
Ouvi a minha mãe a acordar no quarto ao lado. Deixámo-nos dormir até tarde
— Tenho de ir — disse
-lhe, desejando poder ficar horas a falar com ele.
— Cuida
-te. Amo
-te — disse finalmente e desligou.
Por muitas saudades que tivesse do Nicholas, a viagem estava a ser alucinante.
Mal podia acreditar na sorte que tinha em estar em todos aqueles lugares
provara na minha vida. Agora estávamos em Londres há dois dias e não podia
estar mais apaixonada pela cidade. Tudo nela me parecia saído de um romance
de Dickens. Além disso, todos os livros que lera ao longo dos anos se passavam
nesta metrópole. A maior parte eram romances históricos, de época, nos quais as
mulheres pas
seavam em Hyde Park de carruagem ou a pé, sempre seguidas por
casacos e pastas, hippies com gorros coloridos ou então turistas como eu, que
preços, embora presumisse que, para alguém como os Leister, não seria
A minha mãe estava encantada com tudo; partilhava o meu entusiasmo, mas
estava já mais acostumada àquelas coisas, porque já visitara muitos lugares com
o William. Tinham passado duas semanas em lua de mel, em Londres e depois
no Dubai. Era evidente que a minha mãe estava num nível superior ao meu;
apercebi
-me de que reagíamos de forma muito diferente às coisas que víamos.
Eu passava
-me com tudo e ficava deslumbrada com as coisas mais simples; a
tínhamos agora.
ainda nos faltava visitar França e Espanha, e até então nunca tivera de partilhar
quarto com a minha mãe. Dormíamos sempre em suites com dois quartos
voltei
-me para o espelho onde a minha mãe estava a pentear
-se e vi que os seus
Não devia ter ficado com tão pouca roupa à frente dela; sabia que ela ficava
triste de cada vez que via a prova daquela noite em que quase me tinham
matado. Vi nos seus olhos que as más recordações lhe vinham à memória e quis
fazê-la regressar a pensamentos mais alegres, antes de se culpar por algo de que
entrei na cama de pijama e esperei que ela acabasse de pôr aqueles cremes todos
— Sim, manda
-te cumprimentos — menti, tentando disfarçar. A rela
ção
entre a minha mãe e o Nicholas não estava a passar pelo seu melhor momento,
por isso tentava sempre falar deles nas conversas que tinha com um e com o
outro.
Não estava à espera daquela pergunta e fiquei calada durante alguns instantes.
A resposta era fácil: claro que era feliz com ele, mais do que com qualquer outra
feliz. E a minha resposta fora que sim: ali, com ele, era feliz. E quando não
estávamos juntos? Era feliz quando não estava com ele? Estaria completamente
feliz agora, naquele quarto, a quilómetros de distância dele, apesar de saber que
Desviei os olhos que fixara algures e percebi que a minha mãe interpretara
— Não, não é isso. Claro que sou feliz com ele; eu amo-o, mãe — apressei-me
a esclarecer.
encarar
-me.
Claro que tinha. Estava a falar muito a sério. Sentia-me a salvo com o
longo de toda a vida: era a única pessoa a quem podia contar os meus
problemas. Por isso, quando não estávamos juntos, sentia que perdia um pouco
o controlo sobre mim mesma, sendo inundada por pensamentos que nem
— Tem toda a lógica do mundo, mãe, e pensei que tu, mais do que qualquer
outra pessoa que conheço, compreendesses, porque vejo quão apaixonada estás
pelo William.
— Mas estás enganada em relação a uma coisa: nenhum homem deve ser a
rosto e fitou
-me de modo inquietante. — Durante muito tempo, a minha vida
tempo. Quando estava com o teu pai, acreditava que só ele poderia suportar
-me.
Cheguei a pensar que ninguém me poderia amar, que não poderia viver sem ele
ao meu lado.
O meu coração começou a bater, acelerado. Foram muito poucas as vezes que a
minha mãe me falou do meu pai.
— A dor que ele me infligia não tinha nada que ver com o medo de ficar sem
ele... Os homens como o teu pai metem-se na nossa cabeça e fazem o que
querem com ela. Nunca deixes que nenhum homem se apodere da tua alma,
porque não sabes o que ele vai fazer com ela, se a vai guardar e venerar ou se a
queria ouvir aquelas coisas da boca da minha mãe, não queria que me dissesse
Nicholas amava
-me e jamais me deixaria, não era como o meu pai, nunca seria
Tentei impedir que estas palavras me afetassem, que não entrassem em mim,
mas não consegui, porque as deixei entrar. Aquela noite foi um claro exemplo
disso.
Tinham
-me prendido as mãos e vendado os olhos com um tecido, impedindo que a luz
Estava sozinha, não havia ali mais ninguém; a escuridão infinita rodeava-me, e com
ela a razão de todos os meus medos. Então, de repente, tiraram-me a venda, as cordas já
não me amarravam as mãos, e uma luminosidade intensa entrava por uma enorme
janela. Fui para a rua a correr, passei por um corredor infinito, mas tinha dentro de
mim uma voz que me dizia que não devia continuar a fazê-lo, porque do outro lado do
Mesmo assim, saí dali e, ao dar uma volta sobre mim mesma, encontrei muitos Ronnies
a apontar
-me armas. Parei, assustada, a tremer, vendo o suor molhar
-me a T
-shirt .
Voltei
-me para uma arma que estava em cima de uma caixa vermelha de madeira,
pousada no chão. Com as mãos trémulas, preguei na arma e, depois de uns segundos de
hesitação, levantei
-a como uma profissional, destranquei-a e voltei-me para enfrentar a
— Não o faças, Noah, por favor... — pediu-me o meu pai, a chorar, ajoelhado no
chão, enquanto olhava para mim, aterrorizado.
— Lamento, pai...
O estrondo do disparo levou-me a abrir os olhos, mas não fora isso a acordar
-
olhos.
Levantei
-me, ainda meio desorientada. Estava transpirada e tremia como varas
afogar
-me enquanto dormia, e só quando levei as mãos ao rosto percebi que
como se, de repente, alguma coisa tivesse mudado. Os seus olhos já não estavam
Não lhe ia dizer que os pesadelos eram algo normal na minha vida, uma coisa
que ela se preocupasse, não queria admitir que sonhava matar o meu pai, que
era eu quem puxava o gatilho, que fazia com que o sangue dele se espalhasse
pelo chão...
Levantei
-me da cama e fui diretamente para a casa de banho. Mas a minha
mãe agarrou
-me o braço com força e fez-me parar.
de preocupação. Não queria que ela se sentisse mal outra vez, não queria que
— Foi só desta vez, mãe. Deve ser por estarmos num quarto novo... Já sabes
lhe explicar o que acontecera quando estava tão longe e sabendo que ele não
entre os lençóis.
As palavras do meu pai continuaram a ecoar na minha cabeça até que, não sei
Faltavam cinco dias para voltar para casa. Estava esgotada, não só física como
Por sorte, não voltara a ter de partilhar o quarto com a minha mãe, mas as
minhas olheiras eram a marca perfeita para ela não esquecer o que acontecera.
Também tinha o pequeno problema de ainda não lhe ter dito que ia viver com
o Nick. Sabia que ia ficar furiosa comigo, mas a minha decisão estava tomada, e
não havia nada que ela pudesse fazer para eu mudar de ideia.
A minha mãe estava mais receosa do que o habitual; era como se pressentisse
que alguma coisa não estava a correr como desejava, que algo estava mal. Eu
desviava as suas perguntas intrusivas para assuntos neutros, mas sabia que,
Era por isso que estava a contar os dias para voltar a ver o Nick. Com ele ao
Depois de tantos anos, e com o meu pai morto, a minha mãe era incapaz de
me proteger, porque tudo o que me fazia mal estava dentro da minha cabeça, no
Nick
Só faltavam dois dias para a Noah voltar. Acho que nunca na minha vida ansiara
tanto ver alguém. Os meus sentimentos dividiam-se entre querer devorá-la com
beijos e estrangulá
-la por se ter ido embora, deixando-me aqui, e não sabia o
Das últimas vezes que tínhamos falado, achei-a um pouco estranha. Disse-me
comprara comida e até limpara o gato com toalhitas húmidas, ficando com o
braço cheio de arranhões e contando até cem para não mandar a bolinha de pelo
pela varanda.
Queria que, quando ela chegasse, passássemos a melhor noite das nossas vidas,
trás, queria que a sua vida dependesse da minha tanto quanto a minha dependia
da dela.
antes do tempo e, se tudo corresse bem, conseguiria que o meu pai me levasse
Na noite seguinte, quando vinha a sair do duche enrolado numa toalha para
Praguejei entre dentes e fui abrir a porta, a pingar o chão todo: era o Lion.
Voltei
-me para ele enquanto empurrava a porta com o pé. O Lion estava com
um aspeto que dava pena. Há uma semana que não o via, e a pessoa que tinha
agora à minha frente não tinha nada que ver com o meu amigo.
onde ele já se sentara. Não me devolveu o olhar e, em vez disso, levou as mãos à
cabeça com um gesto desesperado.
olhar que me dirigiu mostrou-me que, embora não estivesse bêbedo, tinha
bebido.
— Meti
-me em sarilhos.
tanta pasta... O Luca está a viver comigo, e o grande idiota queria fazer o
negócio, mas, como acabou de sair da prisão, não ia correr o risco de ser outra
vez apanhado...
— Então ele não corre o risco e tu corres? És mesmo idiota. Se não tiveres
pondo
-se de pé. — Tu tens tudo!
Levantei
-me, controlando a vontade que tinha de lhe dar um murro, porque
era meu amigo e sabia que estava com problemas de dinheiro, mas era para isso
que serviam as corridas e os combates. Eram ilegais, claro, mas não era
calma.
O Lion olhou para todo o lado; os seus olhos verdes, que contrastavam de
depois.
sido feita na praia, seria uma coisa rápida, mas ligaram-me a dizer que agora
Porra, Nickerson Gardens era dos piores bairros de Los Angeles. Uns anos
antes, tinham-nos feito uma cruz ali, a mim e ao Lion, por nos termos metido
numa briga enorme. Se não tivesse sido a ajuda do meu pai, tinham-nos feito a
folha aos dois e, por isso, jurámos nunca mais lá pôr os pés.
— Será rápido. Entregamos esta porcaria e voltamos logo para aqui, meu.
Porra! Eu não queria problemas, já não os procurava, pelo menos agora que
tinha a minha vida tão encarreirada. Desde o que aconteceu ao Ronnie e ao pai
se seguiu, era minha. Nada daquilo teria acontecido se eu não tivesse deixado
carro enquanto eu faço a entrega. Disseste que éramos irmãos, para o bem e para
«Porra, pá.»
daquilo.
— Entrego
-o e vimos embora logo a seguir, meu, juro — disse, levantando
-se
começara a acompanhá
-lo nas suas cenas. Naquela altura éramos muito mais
novos e irresponsáveis; eu não queria voltar a dar cabo de tudo. Agora havia
muito mais em jogo, não podia regressar àquele mundo, já não podia.
— Eu conduzo — ofereci
-me, pegando nas chaves, mas com vontade de o
mandar passear. Porém, o Lion sempre estivera ao meu lado quando mais
precisara dele. Preferia que não continuasse metido naquele mundo, mas não
empresa, mas ele recusara. A oficina do avô era a sua vida, e não queria deixá
-la.
A Noah chegava na noite seguinte, por isso tinha tempo de sobra para fazer o
que o Lion queria, voltar para casa, tomar banho e estar pronto para a ir buscar
ao aeroporto. Com as chaves na mão, saí do apartamento sem olhar para trás.
total.
— Obrigado por vires comigo, Nick — disse então o Lion, com o olhar fixo
na janela.
inundaram
-me o pensamento... Ronnie, os seus amigos, as corridas, o sequestro
porcarias estavam naquele bairro, e eu jurara que não voltava a pisar aquele
chão.
virava.
dali; fizemos todo o tipo de barbaridades até que as coisas começaram a ficar
feias. Demos por nós de armas na mão, a acompanhar um tipo que passava coca
a gente com muito dinheiro. Foi nesse momento que decidi que chegava. Claro
que não é fácil sair assim, sem mais nem menos. A tareia que nos deram ainda
verdadeiramente, a gota de água. Pouco depois soube que a minha mãe tinha
tido a minha irmã e fui obrigado a voltar a viver com o meu pai. Desde então,
pagam
-me, e vamos embora.
Parei o carro na esquina do bar. Dali podia ver as pessoas entrar e sair. Não
Às vezes punha
-me a pensar naquela altura da minha vida e não conseguia
entender como tinha chegado àquele ponto, e agora, quando tinha finalmente
tudo aquilo de que precisava, quando sabia o que era amar alguém mais do que
qualquer outra coisa no mundo, mais até do que a mim mesmo, via
-me
Esperei, impaciente, que o Lion voltasse, mas ele nunca mais vinha, e comecei
era verdade, devia ter demorado, no máximo, cinco minutos a fazer o que tinha
de fazer.
Praguejando entre dentes, tirei a chave da ignição e saí do carro, batendo com
buscar um amigo.
Antes de ele ter tempo para me responder, um tipo com piercings na cara saiu e
— Deixa
-o entrar.
O gorila olhou
-me de alto a baixo e afastou-se.
Arregacei as mangas enquanto entrava, sabendo que aquilo não ia acabar bem.
As minhas suspeitas não eram infundadas; segui o tipo dos piercings até uma sala
ao fundo da discoteca e encontrei o Lion ali, caído no chão, com um olho negro
e o lábio rebentado.
— Olhem quem temos aqui — disse uma voz que eu conhecia bastante bem.
Era o Cruz, o amigo do Ronnie, o mesmo que me dera uma tareia naquela noite
um bairro parecido com aquele. Bastou-me olhar para ele, e todas as recordações
em protegê
-la, em trilhar um caminho diferente daquele que começara a
percorrer quando era adolescente... Mas agora, ao ver o Lion ali, caído no chão,
ao ver aquele filho da puta rodeado de malnascidos como ele... Toda a raiva que
tinha contido dentro de mim nos últimos meses pareceu vir à tona.
— Eu sabia que era uma questão de tempo até vires cá parar outra vez —
estava rapado, mas apanhado num pequeno rabo de cavalo. Tinha os braços
todos tatuados, e os seus olhos denunciavam que estava pedrado, se calhar até se
O meu olhar passou do Cruz para o Lion em meio segundo. Este último nem
Controlei cada uma das minhas palavras. Não fazia ideia de como conseguiria
sair dali. O Lion parecia derrotado, e, no fundo de toda a minha ira, num
recanto qualquer da minha mente, senti-me mal por ele, por ver que continuava
metido naquelas cenas a que eu tinha conseguido fugir; apesar disso, naquele
O Cruz afastou
-se da mesa e aproximou-se lentamente de mim.
— Sabes uma coisa... foi uma pena o Ronnie ter acabado na cadeia; claro que
para mim foi perfeito, tudo o que ele tinha agora é meu... Por isso, ouve
-me
com atenção — disse, parando a meio metro da minha cara —, eu não sou tão
estúpido como ele. O imbecil do teu amigo deve-me três mil dólares. São três
Não ia arranjar problemas, não ia andar à bulha com aquele cabrão... Pensei na
Jenna e em como reagiria se visse o Lion num estado pior do que aquele em que
já estava.
— Não tenho três mil dólares comigo, não sou um cabrão de um traficante
como tu.
Respirei fundo para não lhe partir a cara ali mesmo e voltei-me para me
dirigir à porta. Sabia que vinham atrás de mim, e, na verdade, era até melhor
afastarmo
-nos daquele lugar. A probabilidade de sair daquele subúrbio sem
duas prostitutas a falar com três homens num carro. Mal via a hora de sair dali.
O Lion pôs
-se ao meu lado enquanto os seis, eu, ele, o Cruz e três amigos dele,
— És um idiota — disse
-lhe, pisando o chão com força e reprimindo a
vontade que tinha de lhe partir a cara; não queria saber se era o meu melhor
amigo.
— Eles enganaram
-me — desculpou-se, e a seguir cuspiu para o chão. —
Disseram
-me que tinha de lhes entregar a coca que não vendesse e pronto, mas
merda.
— Tens um problema para resolver que é bem mais importante do que estes
O Cruz aproximou
-se. Já estava a perder a paciência com ele, por isso
encarei
-o e contive
-me para não lhe dar cabo da fronha.
— Já me estás a irritar... Afasta-te ou juro por Deus que te dou uma cara
nova.
O Cruz sorriu, mas levantou as mãos e afastou-se. Sabia que ele só se estava a
sem mais problemas. Assim foi: três mil dólares. Três mil dólares que ganhara a
— Nunca te devias ter ido embora, Nick. Enquadras-te melhor aqui do que
Sorri, controlando
-me com todas as forças, e virei-lhe as costas com a intenção
— Ah, e, já agora... — acrescentou. — Foi muito fácil para mim fugir pela
porta da frente daquela discoteca onde tinham a tua namorada, antes que a
O meu punho voou tão rapidamente que só tive consciência de que tinha
depressa e puxaram
-me para baixo também. O primeiro murro chegou um
segundo depois e acertou
-me em cheio do olho esquerdo.
Mas logo a seguir senti que me davam um pontapé por trás, junto às costelas.
— Vou
-te matar, cabrão de merda!
Ouvi as palavras do Cruz e, antes de ter tempo para reagir, já tinha três tipos
me apareceu à frente e puxei com toda a minha força. De repente, tudo era uma
e impedia
-me de sentir qualquer dor. Estava cego de raiva. Ouvir o nome da
Pus
-me em cima do tipo que me tinha batido e comecei a dar
-lhe murros no
estômago. Pelo canto do olho, vi que o Lion estava à bulha com os outros dois.
Não iríamos durar muito tempo, éramos dois contra quatro, e o Lion estava nas
últimas. Eu conseguia enfrentar dois tipos na boa, até três, mas quatro?
deixou sem ar. Tentei levar oxigénio aos pulmões, mas foi impossível.
— Tenta não voltar aqui... Porque será a última coisa que farás.
15
Noah
nas melhores praias, comido e provado todo o tipo de pratos tradicionais, mas,
Los Angeles, a única coisa que sentia era júbilo, júbilo e um nervosismo que me
corroía o estômago.
primeira classe e de poder ser das primeiras pessoas a sair. Quando as portas se
com impaciência quando vi que a minha mãe tardava em sair. Que diabo estava
a fazer?
Por sorte, como tínhamos feito escala em Nova Iorque, não tive de voltar a
comprido e desci pelas escadas rolantes. Eram sete da tarde em Los Angeles, e a
primeira coisa que vi foi a luz acolhedora do entardecer, que, por instantes, me
Ele sorriu
-me e abriu os braços para me dar um abraço, embora o sorriso não
lhe chegasse aos olhos. Não queria ser mal-educada, mas não era ele quem tinha
vontade de abraçar.
Olhou para mim por um instante, mas, quando estava prestes a responder
-me,
Ela correu até ele a abraçar. Fiquei a olhar para os dois sem perceber nada.
— Onde está o Nick? — perguntou a minha mãe, tal como eu própria fizera
antes.
O Will voltou a pousar os olhos nos meus e encolheu os ombros como quem
— Mandou
-me uma mensagem a dizer que não podia vir cá buscar
-te e que te
estava a dissipar
-se como o ar num balão furado... Sentia-me invadida pela
desilusão.
fosse, teria vindo de qualquer maneira, já o tinha feito nos meus anos, deixara
Teriam estas semanas em que estivemos separados feito com que não se
Por amor de Deus, mas que raio estava eu a pensar? Claro que se importava!
ganga. Voltei
-me para a minha mãe, que não largava o William, e fui ter com o
Steve sabia sempre onde o Nick estava. Na verdade, sabia sempre onde toda a
fixamente. Sabia que o Nicholas confiava nele. Sempre que acontecia alguma
coisa, ele ligava ao Steve e também lhe pedia para me ir buscar quando surgia
O Steve desviou o olhar, e percebi que se passava alguma coisa que ninguém
— Não vale a pena ficares alarmada, Noah. O Nicholas está bem. Depois de
A viagem até casa durou uma eternidade, e gostava de ter ido diretamente
para o apartamento do Nick. Não fazia ideia do que se estava a passar, mas não
estava a gostar daquilo nem um bocadinho. Sabia por que motivo o Steve não
me dizia nada. Já era tarde, e de certeza que o Nicholas queria que eu ficasse em
más.
Quando chegámos, a noite já tinha caído. Uma parte de mim desejava vê
-lo
ali, à minha espera, e que tudo aquilo não tivesse passado de uma brincadeira de
— Noah, faz outra cara, por favor, estás a regressar de uma viagem, não do
manicómio.
Tinha a certeza de que a minha mãe estava a adorar aquilo tudo. Uma parte de
que o deixasse, de que acontecesse alguma coisa que fosse a gota de água, mas
Fui para o meu quarto sem sequer lhe responder. Peguei no telemóvel e
liguei
-lhe outra vez. Já lhe ligara do caminho e, depois, do carro. E o pior de
tudo era que o Lion também não atendia o telemóvel, e a Jenna muito menos.
— Onde estás?
Ouvi atentamente, mas não escutei nada além da sua respiração funda, como
invadir
-me o coração... Um medo irracional porque não percebia nada do que
estava a acontecer.
— Estou bem, desculpa. Aconteceu uma coisa, e por isso não pude ir buscar
-
— Estás bem? Estão todos bem? O Lion e a Jenna não me atendem o telefone
levantei
-me.
— Não.
A voz dele foi tão ríspida que fiquei parada onde estava, com a mão na
maçaneta da porta.
Fez
-se silêncio do outro lado da linha.
— Lamento, mas não estou para estas coisas — disse então, num tom de voz
que não me agradou nem um pouco. — Fica em casa e espera que te ligue.
E desligou.
Estava ocupado.
Mas, que diabo, com quem estava ele a falar agora? Como se atrevia a
desligar
-me o telefone na cara?
Dirigi
-me imediatamente à mesa de cabeceira, onde guardava as chaves do
Saí do meu quarto e corri até à cozinha. Abri a gaveta onde guardávamos as
chaves suplentes, mas não vi nenhuma do meu carro. A minha mãe e o William
não estavam em lado nenhum, e nem queria imaginar o que estariam a fazer.
O meu carro estava na rua? Nem me ocorrera verificar. Fui até à porta de casa,
mas o Steve saiu nesse instante do seu escritório com o telemóvel na mão e uma
acusando
-o um segundo depois, com o dedo.
tudo.
Soltei uma gargalhada que até a mim pareceu estranha. O Steve parecia
meia
-volta e começava a subir as escadas. Se este tipo pensava que me podia
impedir de sair de minha própria casa, estava bem enganado. Entrei no quarto,
disposta a esperar o tempo que fosse preciso. Andei de um lado para o outro
Não há nada que justifique o que estás a fazer. Quando nos virmos, vais
pagá-las.
«Vemo
-nos em breve?»
Entrei na casa de banho para tomar banho, estava asquerosa depois de tantas
horas de voo. Vi as horas; eram nove da noite. Não pensava tentar fugir de casa
cadeia.
Ia matá
-lo...
molhado, fui até ao corredor. Não se ouvia nada. A verdade é que nunca se
ouvia nada naquela casa. Era enorme. O meu plano consistia em ir até à
garagem subterrânea e levar o meu antigo carro. Era verdade que já avariara mil
vezes, mas tinha pena de o vender ou deitar fora, melhor dizendo. Eu sabia que
A porta que dava para a garagem ficava nas traseiras da casa, por isso não
precisava de passar pela entrada nem pelo escritório do Steve. Desci as escadas
fazendo o menor barulho possível e sorri ao ver o meu querido carro ao lado do
BMW da minha mãe. Também ali estava uma mota; a verdade é que nunca me
ocorrera perguntar de quem era, e ainda me senti tentada a levá-la, mas não
me visse chegar a sua casa às tantas da noite com uma mota que nunca
conduzira na vida.
novamente graças a Deus pelo facto de a casa ser tão grande que ninguém me
ouviu sair.
Tinha quase uma hora de viagem pela frente, por isso liguei a música bem
alta para despertar e abri as janelas, desejando estar a conduzir o meu
hora.
Sabia que era uma imprudência ir para a estrada àquela hora, principalmente
depois de ter estado vinte horas sem dormir, mas não queria saber; a vontade de
o resto.
O caminho pareceu
-me interminável, e, quando finalmente cheguei ao
quarteirão onde ele morava, senti que estava cada vez mais nervosa. Não só
porque ia vê
-lo depois de um mês de ausência, mas porque sabia que ele ia ficar
aborrecido comigo por ter ido até ali sozinha, àquelas horas da noite.
Entrei no elevador, mas depois percebi que não trouxera as chaves que ele me
coração a bater a mil à hora, bati também eu à porta... À porta, não toquei à
campainha. Não sabia porquê, mas pareceu-me mais sensato. Dei umas
pancadas suaves, nada dramáticas. Uma parte de mim já estava a tentar acalmar
Ninguém abriu.
Voltei a bater, desta feita com mais força, e vi luz por baixo da porta. Estaria a
Acho que nada me poderia ter preparado para o que vi. Tive de suster a
porta. — Não és capaz de fazer aquilo que te peço, nem uma maldita vez na
vida?
Levou uma mão à cabeça e depois estendeu o braço para me puxar; de seguida,
— Eu disse
-te para ficares em casa!
Agora que ali estava, agora que o via, entendia por que motivo não fora
buscar
-me. Estava desfeito, tinham-lhe dado uma tareia descomunal... Senti que
o meu coração acelerava não só com medo de ver o corpo dele maltratado
daquela forma mas porque a felicidade de o encontrar, a fantasia do reencontro
depois de semanas sem nos vermos, desapareceu diante dos meus olhos, de
forma desoladora.
Fitei o seu peito nu, que tinha uma ligadura à volta das costelas...
Tinham
-no magoado... magoaram-no de maneira horrível, a ele, ao Nick, ao
meu Nick.
— Não olhes assim para mim, Noah — pediu-me então. A seguir, virou
-me
Eu não sabia o que dizer. Ficara sem palavras. Aquilo era a última coisa de
que eu precisava, a última coisa que os meus olhos queriam ver era o meu
namorado ferido. Para mim, uma tareia não era apenas uma tareia: era muito
mais do que isso, algo muito pior... Que despertava recordações que, maldita
Aproximou
-se de mim.
limpar
-me as lágrimas que me caíam dos olhos.
estava a passar, por que razão ele estava magoado; estava atordoada, nada correra
como eu esperara.
O Nicholas puxou
-me e abraçou-me. Até tinha medo de lhe tocar, não queria
magoá
-lo, mas os meus braços contornaram-no instintivamente, e senti os
no meu rosto, e abri os olhos para o fitar. Tinha o olho esquerdo meio fechado
com o inchaço, o que não me deixava ver aquela cor azul-celeste que me
afastei
-me.
Fechei os olhos com força e fui assaltada pelas recordações, pelas malditas
Dei meia
-volta e levei as mãos ao rosto para o esconder.
Voltei
-me para ele. Odiava chorar, sobretudo à frente de outras pessoas e por
causa de algo que podia ter sido certamente evitado. Ele observou-me, imóvel,
creio que ainda magoado por ter recusado o seu contacto.
lastimoso. Estava magoada, magoada com tudo aquilo, por o ver naquele estado
A dor que se refletiu no seu rosto ao ouvir as minhas palavras fez-me sentir
culpada, mas não tinha a menor intenção de as retirar. Tinha de certeza voltado
também estavam metidos naquilo. Por isso nenhum dos dois me atendera o
telefone.
— Não devias ter vindo — criticou ele, controlando o tom de voz. Ai, agora
já conseguia controlar
-se? Agora era tarde. — Quis evitar que tivesses de passar
preocupada contigo.
Olhou para mim com a respiração acelerada, e eu dei meia-volta sem saber o
aquele mundo que eu odiava e a vontade de o abraçar com força e de nunca mais
o largar. Sabia que estava prestes a desabar e não queria que isso acontecesse ali,
à frente dele.
Ao ouvir
-me, os seus olhos soltaram fagulhas.
— Não quero saber! Neste momento, nem sequer te reconheço. Pensava que
ias estar à minha espera no aeroporto, com um sorriso nos lábios, mas sou uma
idiota, uma estúpida que espera alguma coisa de alguém que promete mundos e
Fulminou
-me com o olhar, e eu cruzei os braços, à espera de que se explicasse.
Ele parou. Ficámos os dois a suster o olhar do outro, sem saber o que dizer a
seguir.
o rosto nelas.
— De dinheiro. Ouve
-me, Noah. Eu não queria que nada disto tivesse
acontecido, juro
-te, sardas — sussurrou, descendo até à minha altura e cravando
os olhos nos meus. — Desde que te foste embora que estou à espera deste dia.
Tinha ido comprar comida, limpei o apartamento todo, até dei banho ao gato e
importava.
meu rosto, e aquela dor que sentia no peito acalmou num ápice, porque, apesar
de ele ser o culpado por me sentir assim, também era o único que conseguia
fazê
-la desaparecer.
tentando acalmar
-me. Receosa, levei as mãos ao rosto dele.
— Amar
-te é a coisa mais complicada que fiz na vida — admiti.
— Amar
-te é a coisa mais bonita que fiz na minha.
me licença.
— Então beija
-me.
Nick
Tinha dado cabo de tudo; o medo no rosto dela ao olhar para mim confirmava
-
o, mas já nada me importava. Ela estava ali, comigo, outra vez, e morria de
vontade de a beijar.
Quando encostou os lábios suaves aos meus, senti uma pontada de dor no
maldito corte que tinha. Mesmo assim, não me afastei dela. Só que a Noah deve
— Magoei
-te? — perguntou, perscrutando o meu rosto com uns olhos
beijar
-te assim.
A Noah olhou para mim de sobrolho franzido e chegou-se para trás, sem me
— Queixaste
-te de dor — afirmou, segurando-me o rosto entre as mãos.
O quê?
— Não me queixei.
percorrendo
-me com delicadeza o lábio inferior. Cerrei os maxilares com força.
Sim, doía
-me, mas não era nada quando comparado com a dor de não lhe poder
tocar durante dias, de não a beijar e de não fazer amor com ela. — Vou tratar
-te
Empurrou
-me e afastou
-se da minha mão. Gostaria de estar mais ágil, de
conseguir puxá
-la para mim, pô
-la sobre o ombro e levá-la para o meu quarto,
levantar da cama... E ali estava eu, sem fazer caso do que me aconselhavam,
meu apartamento parecia ter vida. O gato saiu sabe Deus de onde e começou a
esfregar
-se contra os pés da Noah.
minha namorada fazer caretas ao nosso gato ao mesmo tempo que procurava o
direção e sentou
-se virando a cadeira de frente para mim.
Sorri e senti dores em partes do rosto que nem sabia que existiam.
— Dá
-me a mão — pediu com doçura.
tinha sangue, reparei que ainda estava mais bonita do que quando se fora
embora. O cabelo estava mais avermelhado, com madeixas louras aqui e acolá, e
a pele, bronzeada pelo sol, tinha um tom alaranjado que realçava os traços do
seu rosto. Os lábios ficavam sempre inchados depois de chorar... E depois de nos
coisas que tinha vontade de lhe fazer. Queria aqueles lábios sobre o meu corpo,
— Perguntei
-te como está o Lion.
— Esteve várias horas nas urgências, mas está bem, já está em casa.
desinfetava...
numa tesoura.
Ao fazê
-lo, ofereceu
-me um primeiro plano dos seus seios, e tive de respirar
que não queria saber da Jenna para nada. Sim, ela sabia o que tinha acontecido
— não lhe dissemos, claro, que andávamos a traficar droga ou, ainda, que o
impaciente por que terminasse o curativo e me olhasse de uma vez por todas.
Parecia nervosa. Apercebi
-me disso pela forma como guardava e alinhava as
coisas no estojo.
— Quero saber exatamente o que aconteceu, quem te fez isto, Nick. Quem te
— Não te preocupes com isso, Noah, está bem? Não voltará a acontecer.
— Não quero saber disso, mas preciso que me contes — respondeu, olhando
Puxei
-a para a trazer até ao meio das minhas pernas. Os olhos estavam à altura
dos meus.
— Sabes que posso sempre — afirmei, pousando uma mão nas costas dela e
Ela olhou para mim, hesitante, percorrendo os meus ferimentos até parar no
— Não, Nicholas, estás ferido. Tenho a certeza de que nem sequer consegues
respirar sem que te doam as costelas — recusou, detendo as minhas mãos com
Porra, queria lá saber das dores que sentia no corpo. Tinha uma dor muito
— Não te preocupes comigo, sardas, o prazer será mais forte do que a dor,
garanto
-te — afirmei, tirando-lhe a T
-shirt e deixando-a à minha frente só de
loucamente. O batimento era tão forte no pescoço que até se via o sangue
Acariciei
-lhe as costas com as mãos. Já me tinha esquecido de como era suave,
minha mão parou sobre o fecho do sutiã, ela chegou-se para trás, afastando
-se
martirizada.
Peguei na sua mão pequena e levei-a até aos lábios. Beijei-lha, mordi-lhe a
ponta dos dedos e captei a resposta no seu corpo. Quando fez um movimento
dirigiu
-se ao seu pescoço, e beijei-o naquele sítio que sabia que ela adorava.
Quando a minha língua ocupou o lugar dos lábios, deixou escapar um suspiro
entrecortado.
braços para a abraçar, e ela ficou com o peito exatamente no sítio onde o queria.
de puro prazer carnal, mas ela nem me deu tempo para perceber, porque se
também.
Que treta! Estendi o braço para a alcançar, mas ela afastou-se com a
— Sabes perfeitamente como isto vai acabar, sardas, por isso podes afastar
-te
de mim, obrigar
-me a perseguir
-te, o que só me fará doer mais o corpo, ou
então podes vir aqui agora mesmo e acabar com estas parvoíces.
— Quero foder.
O rosto dela ficou ainda mais corado. Não estava claramente à espera daquela
aproximar de mim.
Peguei nas mãos dela com força, levantei-me, inclinei-me sobre ela e enfiei
-
desespero. As suas mãos pequenas agarraram o meu peito, e fiz um esgar de dor.
— Para — pedi
-lhe antes que ela pudesse dizer alguma coisa. — Vou fazer
amor contigo daqui a menos de cinco minutos, por isso, poupa as tuas palavras.
Ficou calada, e, no fundo, percebi que tinha tanta vontade como eu. Pareceu
no sofá.
Empurrou
-me as costas em direção ao sofá e sentou-se no meu colo, com uma
perna de cada lado. Agarrou o cabelo com uma mão e puxou-o todo para trás do
ombro.
Noah
Era verdade que não o queria magoar, mas também precisava de estar assim
com ele. Queria que me acariciasse com as mãos, com os dedos hábeis, que me
beijasse por todo o lado, em todos os sítios proibidos. Que me tomasse para si e
— Esta vai ser a única vez que terás o controlo, por isso, aproveita-o bem —
disse
-me o grande convencido. Mas estava mais do que excitado. Sentia-o por
que fizéssemos amor com toda a liberdade, queria que me dominasse com o seu
corpo, como tanto gostava que fizesse, que me levantasse ao colo, que o roçar da
nossa pele nos provocasse prazer e não dor. Mas ter o controlo, para variar,
Passei a língua pela barba incipiente, até chegar à orelha direita. Cheirava
As mãos apoderaram
-se dos meus seios, e soltei um suspiro entrecortado
quando mos apertou com firmeza, provocando um prazer intenso que me fez
estremecer.
As minhas mãos desceram pelo estômago dele. Deus do céu, tinha um corpo
tão bem trabalhado!... Senti os seus músculos sob a ponta dos meus dedos.
Queria beijar cada centímetro daquela pele. Os dedos pararam mesmo por cima
das calças, e sorri quando o corpo do Nick estremeceu por inteiro enquanto lhe
— Não sejas má, sardas, não vou esperar muito mais — avisou-me, com as
mãos na minha cintura, mas detive-o antes de ele fazer o que sabia que iria
fazer.
Sorri e afastei
-me. Deslizei as mãos pelas calças e despi-as, ficando só de roupa
interior. Os olhos dele escureceram com desejo.
comentei, querendo que ele ficasse nervoso, desejando que perdesse o controlo
sobre si mesmo.
— Porque não?
Tirei
-lhe as calças e comecei a acariciar
-lhe o corpo devagar. Fechou os olhos
com força. Sabia que, se continuasse a fazer aquilo, ele não ia durar muito mais:
havia um mês que não fazíamos amor, e tinha a certeza de que não aguentaria
situação.
Ele inclinou
-se para a frente, enquanto um sorriso diabólico lhe aparecia no
rosto.
— É bom que faças o que te digo — disse ele, e a mão puxou-me a roupa
grata por ter ultrapassado a vergonha que sentia no princípio. Não há nada
— Tu deixas
-me louco só por respirares, Noah — admitiu, aproximando
-se
ainda mais.
Empurrei
-o suavemente para trás até ele ficar encostado ao sofá e pousei as
duas mãos nos seus ombros. Sentei-me no colo dele, estremecendo com o
contacto da sua pele. A boca do Nick reclamou a minha e, quando nos unimos
para nos beijarmos com desespero, levantou-me com cuidado pela cintura e
guiou
-me até entrar aos poucos dentro de mim. Fechei os olhos com força
enquanto me deliciava com o contacto dele, com o seu corpo dentro do meu...
— Agora é a tua vez — disse, entre dentes, obrigando-me a abrir os olhos.
Agarrei
-me a ele e comecei a subir e a descer, primeiro devagar, deixando que
de um mês de ausência.
cintura e obrigando
-me a movimentar
-me mais depressa.
Tentei evitar a força dos braços dele. Queria ir devagar, queria aproveitar e
prolongar o prazer ao máximo, mas ele não deixava: os braços no meu corpo,
— Mais devagar!
Ele desencostou
-se do sofá e juntou o rosto ao meu. Os olhos subjugaram-me,
silenciaram
-me, e a sua mão dirigiu-se ao centro do meu corpo, para me tocar
sem ele, a ter pesadelos, o desencanto de não o ter visto no aeroporto, o medo de
o ter encontrado com a cara desfeita... Fui eu quem acabou por acelerar o ritmo.
a dor, sem se preocupar com nada. Estávamos novamente juntos, e essa era a
lamber
-me a cara. Sorri e, ao levantar
-me, vi que estava sozinha no quarto e que
a luz que entrava pela janela surgia num ângulo estranho... Passei a mão pelos
um sorriso.
— Estás a gozar?
O Nick sentou
-se ao meu lado na cama.
Levantei
-me da cama e fui diretamente para a casa de banho. Estava com um
ar horrível, tanto que fechei logo a porta, não fosse o Nicholas querer meter
-se
no duche comigo. Esta coisa de viver com ele ia ser muito difícil, porque de
manhã eu era um ser do outro mundo e tinha medo de que deixasse de gostar
de mim se me visse com cara de louca todas as manhãs. Ao acordar, ele parecia
um Deus grego, mais do que isso, ficava ainda mais bonito com cara de sono.
Meti
-me debaixo da água quente e deixei que me molhasse o cabelo outra vez.
libertar
-me daquela sensação de torpor.
Quando saí do duche, só encontrei uma toalha para me enrolar. Saí a pingar
para procurar a roupa, e foi então que ouvi a porta bater, seguida de gritos.
Tentei correr novamente para a casa de banho, para ver se ela não me apanhava
durante horas?
Olhei para ela, horrorizada. Já tínhamos discutido muitas vezes, mas nunca a
tinha visto tão furiosa. O Nicholas apareceu e pôs-se mesmo à minha frente,
tapando
-me a vista.
Vi os músculos das costas dele tão tensos como as cordas de uma guitarra, e o
— Afasta
-te dela, Nicholas — ordenou a minha mãe, tentando manter a
Dei um passo para o lado, e a minha mãe cravou em mim os olhos inundados
de raiva.
— Veste
-te imediatamente. Vamos embora daqui.
Não sabia o que fazer, estava atordoada por ver a minha mãe tão descontrolada
— A Noah não vai a lado nenhum — disse o Nick com tranquilidade. Foi
minha mãe e depois para nós. — Quem te fez isso, Nicholas? — inquiriu,
minha mãe. De repente, voltou-se para o Nick e, com a mesma raiva com que
mais reles possível, e não vou tolerar que metas a minha filha nesses meios
— Mãe, para com isso! — gritei, contendo a vontade de lhe dizer algo bem
pior. — Desculpa não te ter avisado de que ia sair, mas não podes entrar por
— Claro que posso e vou continuar a fazê-lo. És minha filha, por isso, pega
que me dissesse o que podia e não podia fazer. Já não era uma criança.
sequestraram uma vez, e pensei que tinha acontecido algo semelhante agora.
— Desculpa, mãe — repeti e sentia-o de facto, mas ela não podia perder as
pouco tempo, não vais poder saber onde estou a cada minuto do dia. Não podes
— Veste
-te e vamos para casa — pronunciou cada palavra muito devagar e
Não me queria ir embora dali, era a última coisa que me apetecia fazer, mas
afastar do Nick, principalmente porque dali a pouco tempo ia ter de lhe dizer
— Não vás embora, Noah. Se fores, só lhes estás a dar razão — disse-me o
Nick, furioso.
— Não viste como ela está? Ou saio agora ou ainda vai ser pior.
Apertou
-me entre os seus braços e, com o rosto encostado ao seu peito, não
consegui evitar pensar que uma parte de mim lhe estava a mentir.
18
Nick
Quando a vi ir embora, senti que a raiva que estava a reprimir dentro de mim se
«Não vou tolerar que metas a minha filha nesses meios horríveis!»
relacionamento, para mostrarmos a toda a gente que aquilo era a valer. Por isso
tinha tanta vontade de que ela viesse viver comigo, já que ninguém parecia
levar
-nos a sério. Às vezes sentia que as poucas pessoas que sabiam da verdade
faziam apostas nas nossas costas para ver quanto tempo nos aguentávamos sem
O Lion está bem. Temos de falar. Sabes perfeitamente que não acredito
numa palavra do que me disseram. Sei que estás com a Noah, mas preciso
de me encontrar contigo. Quando tiveres um bocado, liga-me.
Sabia que isto ia passar e também que seria relativamente fácil mentir à
Jenna. Podia inventar uma história qualquer em que ela acreditaria, mas não era
Mandei
-lhe uma mensagem a dizer que podíamos ver
-nos dali a uma hora e
fui tomar um duche. Tinha o corpo feito num oito, e as feridas pareciam piorar
à medida que as horas passavam. Senti um calor no peito ao recordar como a
escavacado... Nunca ninguém me tinha feito sentir assim. O meu pai ficava
zangado quando me via aparecer em casa com marcas de brigas, e o mais normal
ao meu prédio.
lhe estavam a fazer a cabeça contra mim. O meu maior medo era que a Noah
acabasse por se render à vontade da mãe, que percebesse finalmente que eu era
uma pessoa com quem não devia estar. Nesse instante, recebi outra mensagem
da Jenna.
Estou a chegar.
Ao ver a Jenna do outro lado da janela, sentada num dos sofás do café, percebi
que tinha de ter muito cuidado com a maneira como ia contar as coisas à minha
amiga. Mal entrei, o seu olhar furioso fulminou-me. Sentei-me à frente dela,
tentando não fazer nenhum esgar de dor, mas os seus olhos estavam bem atentos
— Vocês os dois são mesmo uns perfeitos idiotas, sabias? — disse, pousando
simplesmente. Sentia o sangue a ferver, porque não queria que ela continuasse a
menos gostava de acreditar que sim; o namorado dela, por outro lado,
— Acham mesmo que vou acreditar que isto tudo aconteceu por causa de um
calado durante alguns segundos. Póquer? Mas de que diabo estava ela a falar?
— Principalmente sabendo quão mal vocês jogam... têm de parar de se juntar
O Lion tinha
-lhe mentido... Espetacular!
— Olha, Jenna, hoje não estou a ter um dia nada bom — comentei, tentando
sabe o que faz; ele está preocupado com dinheiro, por causa da oficina e por ti
— acrescentei, sem a fitar diretamente nos olhos. — Mais cedo ou mais tarde,
há de perceber o que é melhor para ele; mas, entretanto, tens de o deixar fazer as
coisas à maneira dele, porque não é fácil sair deste mundo; além de que, dentro
de pouco tempo, começam as corridas, e sabes que isso nos deixa a todos um
— Corridas? Achei que este ano não iam participar em nada disso, Nicholas.
— E não vamos, estava a dizer que o pessoal dos gangues está nervoso; aquela
cena de ontem foi uma briga estúpida que acabou pior do que pensámos. Não te
preocupes.
Ela observou
-me de sobrolho franzido, mas pareceu aceitar a minha
— És muito rápida a presumir que fui eu quem fez alguma coisa de mal, não
és?
O olhar da Jenna foi o suficiente para me aperceber de que não era só a mãe da
Noah que achava que eu não era bom para ela, apesar de a Jenna normalmente
— Já viste a tua cara? Ela deve estar destroçada. Parece que não consegues
meu olhar estava a ter algum efeito nela, porque teve de ganhar coragem para
— Cala
-te.
despertam nela.
está bem, ela tem pesadelos. Há pouco tempo, o meu irmão mais novo acertou
-
me com uma daquelas bolinhas de fogo no olho, que ficou negro. Quando a
Noah me viu, ia tendo um ataque, pensou que me tinham batido. Nessa noite,
ela dormiu em minha casa, e havias de ver como se agitava entre os lençóis. Eu
não disse nada, mas acho que percebeu que sei, porque nunca mais quis ficar a
dormir comigo.
Abanei a cabeça.
— Eu já dormi com a Noah mil vezes. Ela dorme como um bebé. Isso é
merdas todas. A Noah estava bem. Sim, sabia que os ferimentos a perturbavam,
por isso não a tinha ido buscar ao aeroporto e planeara passar vários dias sem a
ver, para que não me encontrasse naquele estado, mas ela não tinha pesadelos.
não eu. Quem andava a traficar droga era o Lion, e tudo porque a Jenna não
Levantei
-me, antes de dizer alguma coisa de que viesse a arrepender
-me.
— Eu até posso ter os meus problemas com a Noah, Jenna, mas os teus
problemas com o Lion não são menos importantes — declarei, olhando-a nos
preocupava
-me com o meu namorado.
Depois de andar uma hora às voltas de carro, sem rumo, enquanto pensava em
que tinha de fazer ouvidos de mercador. Não podia esperar outro tipo de reação
das pessoas que me rodeavam: tinha conseguido criar aquela imagem de mim, e
estava apaixonada por mim. Sabia que ela não pensava como a Jenna ou como a
mãe e que nunca me diria as coisas que estas me tinham dito. Eu já lhe
ou outro casal que aproveitava a solidão daquela zona. Deixei que o ruído das
inseguranças que tinha a respeito da minha relação com a Noah voltassem para
controladas, o meu telemóvel tocou. Atendi sem sequer ver quem era, pensando
— Olá, Nicholas.
garganta.
Ia desligar.
— Quero falar contigo. Só uma hora, num café qualquer. Há muitas coisas
que ficaram por esclarecer entre nós, e não consigo suportar a forma como
— Odeio
-te porque me abandonaste. Não há mais nada a dizer. — E
Toda a raiva que tinha tentado conter regressou. A minha mãe era a pior coisa
que me acontecera na vida. Eu era assim por causa dela. A minha relação com a
Anabel Grason não tinha absolutamente nada para me dizer, nada que falar
comigo... E agora ligava
-me porque queria ver
-me?
Senti
-me ultrapassado pela tensão que acumulara ao longo daquele maldito
Noah, o facto de a ter desiludido não estando no aeroporto para a receber, como
ela queria, tudo me ultrapassou. Corri como um louco pela praia fora, até
Noah
Assim que o William estacionou em frente a casa, saí do carro e fui disparada
para o andar de cima. Não queria falar com a minha mãe; na verdade, não
queria falar com ninguém. Desde que chegara, tudo correra mal: não ver o Nick
no aeroporto, encontrá
-lo depois em casa, naquele estado lastimoso, a discussão
que tivemos, logo a seguir a briga com a minha mãe e ouvir em primeira mão o
Quando entrei no meu quarto, a primeira coisa que vi foi um grande envelope
universitária. Fora esse o meu plano desde o início, viver com uma colega de
quarto num dos dormitórios do campus, mas agora tudo mudara, porque
comunicar.
parte de mim, a mesma que ainda continuava a ser uma menina, estava
assustada por lhe revelar que, logo no primeiro ano de universidade, ia partilhar
Não podia acreditar que dali a duas semanas me ia embora... Se pudesse, teria
feito as malas naquele instante e saído dali, mas ainda ia ter de aguentar mais
uns dias. A minha mãe precisava de aprender a estar sem mim; além disso,
tinha a certeza de que o William queria poder viver só com ela, já que, desde
pijama, mas não tinha sono, já que tinha estado a dormir durante o dia, e
meti
-me na cama, disposta a não pensar em nada.
Claro que tive dificuldade em adormecer e, quando consegui, os pesadelos
cama, sabia que, assim que o sentisse ao meu lado, os meus medos
desapareceriam, mas ele não estava comigo, não estava ali para me proteger...
O sol brilhava de forma ofuscante; por um instante, não sabia onde estava, mas, de
imediato, situei
-me no sonho que estava a ter.
— Há ocasiões na vida, Noah, em que as pessoas farão coisas de que não vais gostar...
Por exemplo, quando a mãe não faz aquilo que o pai lhe diz, o pai castiga-a, não é
verdade? — perguntou o meu pai, enquanto estávamos ali os dois, sentados, a observar
as ondas quebrar
-se contra a falésia.
Assenti enquanto o ouvia. Dizia-lhe sempre que sim a tudo o que me perguntava, e
para mim era fácil porque as perguntas dele eram quase sempre de retórica, não precisava
— Isso é porque a tua mãe não sabe o que lhe convém, não entende que só eu sei o que é
disser, certo?
Assenti, fitando os olhos do meu pai, que eram iguais aos meus, com a mesma cor de
— Então, diz
-me, da próxima vez que te mandar afastar e deixar ficar a mãe onde
— Nunca me desobedeças, pequena... Não quero ter de fazer alguma coisa de que
estamos?
Assenti e sorri quando o meu pai pegou numa corda que estava no chão e começou a
entrelaçá
-la com rapidez e desenvoltura.
— Será sempre este o nó que nos une, tão forte que nunca ninguém o poderá soltar.
Olhei para o nó de oito que ele me obrigara a fazer tantas, tantas vezes...
possível. O William comeu sem dizer uma palavra, e a minha mãe olhava para
mim com má cara, mas sem falar, folheando o jornal sem ler uma linha. Uma
parte perversa do meu cérebro perguntou-se como seria largar naquele preciso
— Sim?
— Sim, quem fala? — respondi, subindo as escadas, dois degraus de cada vez.
Fez
-se um breve silêncio que me obrigou a parar à porta do meu quarto.
Desta vez fui eu quem ficou calada. Anabel, a mesma mulher que era, em
parte, culpada pelos meus problemas e pelos da pessoa que mais amava na vida,
a mesma que o abandonara, aquela que o meu namorado não queria ver nem
pintada.
O silêncio prolongou
-se durante uns segundos e foi seguido de um suspiro.
linha. — Sei que o Nicholas não me quer ver, mas isto é ridículo. Preciso de
O seu tom de voz era tão amável que me deixava desconfiada. Sentei-me na
— Eu não vou fazer nada que o Nick não queira. Este é um assunto que têm
Pronto, estava dito, e não ia retirar uma palavra... Esta mulher tinha
menino sozinho, sem lhe dar qualquer explicação, e agora aparecia com a
— Sou a mãe dele. É impossível ele estar melhor longe de mim. As coi
sas
mudaram, e quero voltar a vê
-lo.
Não planeava ceder. Já tinha tentado falar com o Nick acerca da mãe, e ele
um não categórico para ele, e eu já o conhecia o suficiente para saber que não
— Lamento, mas o Nicholas é taxativo a este respeito: não a quer ver, senhora
Grason.
— Então encontra
-te tu comigo, só eu e tu. O Nicholas não precisa de saber, e
podemos encontrar
-nos onde quiseres.
mulher que ele mais odiava no mundo, a mulher que mais mal lhe tinha feito,
iria sentir
-se traído... Nem morta o faria.
mentir ao Nicholas.
Estava a ser dura e clara. Acho que todo o stresse dos últimos dias estava a vir
bastante desagradável. — A minha filha de seis anos tem um pai que passa
metade da semana a viajar por todo o mundo. Eu não posso estar com ela o dia
inteiro e sei que o Nicholas tem vontade de ficar com a irmã durante algumas
semanas no seu apartamento; por mim, não há qualquer problema, mas o meu
com o meu filho, eu deixo que ele fique com a Madison quando o meu marido
estiver ausente. Mas, se não me ajudares, farei o possível para que o Nicholas
Porra. A Maddie era tudo para o Nicholas. Não podia acreditar que aquela
mulher estava a fazer ameaças com uma coisa daquelas. Seria esse o tipo de
relação que queria ter com o filho? Baseada em enganos e chantagens? Senti o
deixar bem claro o que pensava da sua proposta, mas estávamos a falar da
Maddie. Por vontade do Nicholas, ele até a teria a viver sempre consigo. Já
tinha falado com advogados, o pai tentara conseguir que o deixassem ficar com
ela por algumas semanas, mas não havia nada que se pudesse fazer... Sabia que
me estava a meter na boca do lobo, que ia acabar por me arrepender daquilo,
mas não podia permitir que aquela mulher separasse a Maddie do Nick.
que me manipulasse.
— Vou transmitir ao Nicholas que para a semana pode ficar com a Maddie.
Encontramo
-nos quando eu a levar. Não te preocupes, será o nosso segredo.
— Eu não quero mentir e vou acabar por lhe contar. Asseguro-lhe que não vai
resultar exatamente no oposto daquilo que espera. O Nicholas não é pessoa para
perdoar com facilidade, e a senhora foi a pessoa que mais o magoou em toda a
vida.
— Mande
-me a morada do local onde se quer encontrar comigo.
Desliguei sem esperar pela sua resposta e atirei-me para cima da cama,
olhando para o teto e sentindo-me mais culpada do que alguma vez me sentira
na vida.
Pouco depois, a minha mãe veio à minha procura para me dizer que nessa
noite ela e o Will iam a uma gala de beneficência do outro lado da cidade e que
não passariam o serão em casa. Propôs-me convidar a Jenna para não ficar
sozinha em casa, e eu assenti sem lhe dar grande atenção. Quem queria convidar
para dormir comigo era o Nick, mas uma parte de mim tinha medo de lhe
ligar, não fosse ele reparar que lhe estava a esconder alguma coisa. Passei o resto
do dia com o coração dividido, mas, ao ver que ele também não me ligava,
acabei por ir para a cama, resignada a voltar a passar a noite a sós com os meus
pesadelos.
20
Nick
assustava era elas poderem ter razão. Eu não era um namorado perfeito. Bolas,
até há pouco tempo nunca tinha sido namorado de ninguém! Quando a minha
mãe me abandonou, jurei que nunca mais sentiria nada por ninguém, nunca
Mas tudo mudara com a Noah, e uma parte de mim morria ao pensar que
alguma coisa poderia correr mal entre nós, que ela não estivesse bem comigo e
que acabasse por fazer o mesmo que a minha mãe fez: deixar
-me.
O facto de, durante aqueles dias, ela não me ter ligado também não ajudou
muito a acalmar aqueles pensamentos. Não entendia por que razão a Noah não
me ligara para a ir ver, já que soubera pelo meu chefe que o meu pai tinha
ficado uma noite do outro lado da cidade e uma única chamada me ajudara a
confirmar que era verdade que a Raffaella tinha ido com ele, ficando a Noah
sozinha em casa. Não posso negar que inicialmente fiquei irritado, mas, ao cair
da noite, lembrei
-me das palavras da Jenna: «A Noah não está bem, tem pesa-
Saí do carro numa escuridão absoluta. A casa do meu pai estava mergulhada
subir ao primeiro andar e comecei por pensar que a Noah não estava ali quando
vi luz por baixo da porta dela; mas depois ouvi-a, e estava a chorar. Abri a porta
com o coração nas mãos. Não podia ser verdade. O quarto dela estava às escuras,
e ela mexia
-se, agitada,
por baixo dos cobertores. Apressei-me a ligar o
interruptor, mas a luz não se acendeu. Merda, devia ter havido uma falha de
eletricidade.
Aproximei
-me da Noah e, ao vê-la de perto, percebi que tinha o rosto
molhado pelas lágrimas, as mãos apertavam-se tanto uma contra a outra que
uma delas sangrava por ter enterrado as unhas na pele. Olhei para ela
ao seu lado.
molhado.
quisesse deixar de ver aquilo com que estava a sonhar, o que quer que fosse que
Abanei
-a, primeiro devagar e depois com mais insistência: não parecia
conseguir acordar.
horrorizada. A única vez que a tinha visto assim foi na noite em que os cabrões
perceber que o que tinha sonhado era apenas isso, um pesadelo. Lançou-se para
— Acalma
-te, sardas — tranquilizei-a, abraçando-a com força. — Estou aqui,
corpo começou a tremer e soltou uns soluços que me dilaceraram a alma. Que
diabo estava a acontecer? Peguei nela e sentei-a no meu colo. Queria que
Noah, Noah, para! — ordenei, vendo que a minha pergunta só a fez chorar
ainda mais. Há muito, muito tempo que não a via chorar assim.
Reclinei
-a para trás e segurei-lhe o rosto entre as mãos. Os seus olhos
ter achado que tanto o meu passado como o dela tinham ficado para trás.
— Foi só desta vez — respondeu, com a voz trémula —, não sei o que me
deu...
Limpei
-lhe as lágrimas com as costas da mão e, ao ouvi-la, soube
— A sério? — perguntei. Ainda não entendia por que motivo não me ligara.
A Noah devolveu
-me o olhar franzindo o sobrolho.
para mim como se acreditasse mesmo no que dizia. — Desculpa o que a minha
pondo
-os em volta do meu pescoço.
Observei
-a, inseguro. Não queria saber o que a mãe dela pensava.
Preocupava
-me saber que a Jenna tinha razão, que a Noah não estava bem e,
acima de tudo, que não confiava o suficiente em mim para ser sincera sobre o
Peguei
-lhe na mão e pu
-la entre os dois, para ela ver os golpes na palma. Ela
compostura e tentando deixar de lado todas as coisas que faziam a Noah reviver
uma recordação constante de que a violência não desaparecera da sua vida, e tive
evidente que a minha presença lhe fazia mais mal do que bem.
torturar... Diz
-me com que estavas a sonhar, por favor, porque sei que isto já
Levantei
-me da cama.
Queria acreditar nela: mais do que isso, uma parte de mim sabia que aquilo
tinha que ver com o que passara desde a infância, só que eu pensava que tudo
isso tinha acabado quando o cabrão do pai dela morrera. Descobrir que, afinal,
— Ouve
-me — disse, pousando as mãos nos seus ombros. — Quando
estiveres preparada, quero que me contes tudo. — Odiei que esse momento não
fosse aquele em que estávamos. — Sabes que estou aqui para ti. Odeio ver
-te
mal, Noah. Só quero saber o que posso fazer para que te sintas melhor.
chorado mais do que eu alguma vez poderia ter imaginado... dantes nem sequer
Puxei
-a na minha direção e apertei-a entre os meus braços. Era tão pequenina,
la. Afastou
-se de mim alguns centímetros e, segurando o meu rosto, obrigou
-
— Tens de parar de pensar que isto é culpa tua, Nick — sussurrou com os
olhávamos assim, sentia que fazíamos parte de algo único, que ela me pertencia:
era capaz de matar por aquele olhar. — Tu és a única pessoa que traz paz à
em certas coisas.
Mas não pude insistir no assunto, nem esperar que ela me respondesse, porque
o ruído de alguma coisa a partir
-se no andar de baixo nos assustou a ambos.
Voltei
-me e pus
-me entre ela e a porta. Deve ter sido certamente o Steve ou a
Prett.
O silêncio instalou
-se por instantes.
minhas costas.
«Merda.»
21
Noah
Esta pergunta era tão complicada, abarcava tantas áreas da minha vida, e
podia responder
-lhe de tantas formas diferentes, que se transformara na pior
pergunta que alguém me podia fazer, sobretudo quando era o Nicholas a fazê
-
minha mente, podia arranjar grandes problemas, porque havia coisas que era
atentamente.
O Nicholas fulminou
-me com o olhar.
segundos, não se ouviu nada, a não ser a nossa respiração, mas depois
O Nicholas voltou
-se depressa, segurou-me no braço, e entrámos novamente
no meu quarto. Quando levou o dedo aos lábios, indicando-me para ficar calada,
fitei
-o, aterrorizada.
— Dá
-me o telemóvel — pediu-me num sussurro, tentando parecer calmo,
— Merda, deixei
-o ao pé da piscina! — lamentei-me, também em voz baixa.
Como podia ser tão estúpida? Tinha sempre o telemóvel comigo e, agora que
— Ouve
-me — disse então, segurando-me o rosto entre as mãos. — Quero
que fiques aqui. — Abanei a cabeça. — Porra, Noah, ficas aqui que eu vou
buscar o telefone que está no quarto do meu pai e ligar para a polícia!
Deus do céu, estava tão assustada... Nunca me vira envolvida num assalto
nem nada parecido; o sequestro fora horrível, é verdade, mas isso não significava
que me tivesse tornado mais forte na altura de enfrentar este tipo de situações,
— Nicholas, eles cortaram a eletricidade, não vais ter ligação — disse, caindo
em mim.
Antes que ele me pudesse responder, ouvimos novamente vozes, desta feita
mais perto de nós. O Nicholas calou-me tapando-me a boca com a mão, e foi
O Nick voltou
-se para mim, observou-me durante um instante, e o que quer
que viu no meu rosto pareceu deixar bem claro que teria de me levar consigo
— Põe
-te atrás de mim e não faças barulho — avisou. Logo a seguir, abriu a
porta e saiu para a escuridão do corredor. Aquilo era de mais para mim; vi
-me
pensasse bem, nada de bom acontecia às escuras... bem, havia uma coisa, mas
divisão, enquanto o via a revirar o armário. Foi então que tirou um estojo de
com facilidade.
— Que diabo fazes com uma arma, Nicholas? — Tive de me controlar para
Ele voltou
-se, olhando para mim com seriedade.
— Quero que saias por esta janela, Noah — ordenou, ignorando a minha
pergunta. — A árvore tem bastantes ramos. Não vais ter dificuldade em descer.
nos tinham cortado a eletricidade e de que isso provava que andavam a planear
este assalto há muito tempo, porque deviam saber que o William estaria fora,
Limitei
-me a devolver
-lhe o olhar, e logo a seguir o rosto do Nick iluminou
-
— Noah, não é o mesmo que saltar pela janela, amor — disse com uma voz
calma, embora os seus olhos se desviassem para a porta do quarto durante uma
fração de segundo. — Quando era miúdo, desci mil vezes por aquela árvore.
Sabia que o que ele estava a dizer fazia sentido, mas sentia-me paralisada pelo
O Nicholas viu, seguiu o meu gesto com o olhar, e detetei uma tristeza
atravessar
-lhe o rosto, apesar de ter dado o seu melhor para a disfarçar. Por
enquanto, aquele tema era tabu: eu não falava dele, o Nick também não...
— Por favor, Noah, faz isto por mim — pediu-me, desesperado. — Não
Tentei pôr
-me no seu lugar... Se me acontecesse alguma coisa, ou se as pessoas
que se tinham metido ali em casa nos vissem, não fazia ideia do que poderia
acontecer. Subitamente, senti medo pelo Nicholas. Sabia como ele era e tinha a
emoções. Sabia que, se descesse primeiro, o mais provável era o Nicholas virar
-
se para os enfrentar, e, vendo que ele tinha uma arma, o medo de que lhe
acontecesse alguma coisa superou qualquer outro que pudesse ter até ao
momento.
Ele fulminou
-me com os olhos claros, e percebi que tinha acertado na mouche.
Fiquei grata pelo facto de a casa ser suficientemente grande para ninguém nos
ver a descer. A árvore estava a uns três metros do chão. Ao espreitar para fora, as
saltado por aquela janela, não tivera tempo sequer de assimilar o que estava a
fazer... Lembro
-me de que estava tão assustada que nada me parecia mais
transformara
-se naquele monstro que todas as crianças temem quando são
pequenas, só que naquele momento não tinha uma mãe que me pudesse dizer
O Nick não demorou muito a chegar à relva por baixo da árvore e fez
-me
sinal para que me apressasse a segui-lo. Olhei para trás, assustada, quando ouvi
um ruído do outro lado do quarto. Sem pensar, pus as pernas de fora da janela e
agarrei
-me aos ramos. Precisava de descer antes que nos vissem. Ver o Nick lá
Quando, poucos minutos depois, me abraçou, senti que voltava a respirar com
facilidade.
teu telemóvel?
Olhámos os dois em todas as direções, com medo de que aparecesse alguém na
escuridão da noite.
espreguiçadeira, mas não foi só o telemóvel que encontrámos. Thor, o cão que
formar
-se imediatamente um nó de medo no estômago. O Nicholas foi a correr
em direção ao cão e encostou um ouvido ao seu peito. Levei a mão à boca para
e ajoelhei
-me ao lado dele. O cão respirava de forma rítmica, como se estivesse a
— Puseram
-no a dormir com sedativos — comentou o Nick, acariciando
-lhe
a cabeça.
Inclinei
-me sobre ele e dei
-lhe um beijo no pescoço peludo.
obrigando
-me a deixar ali o Thor.
minha frente, claramente para me proteger com o seu corpo. Estar assim,
ironia que era termos de nos esconder novamente ali para não nos verem.
deu
-me um beijo no cocuruto da cabeça.
— Estás bem? — perguntou, chegando-se para trás para poder olhar para o
meu rosto. — Aqui ninguém nos vai ver. Não te vai acon
tecer nada.
Estava num estado de nervos tão intenso que senti as mãos começarem a
muito quieta, que tudo voltasse à normalidade. Precisava de fugir das más
recordações.
— Dás
-me um beijo? — perguntei, evitando a sua pergunta. Sentia a
adrenalina correr
-me pelas veias e só ia ficar descansada quando visse a polícia
chegar.
Ele pareceu estranhar o meu pedido, mas, mesmo assim, inclinou-se para
que estava a acontecer, toda a frustração desde o dia em que nos voltámos a ver
O Nick travou o beijo quando reparou que a situação nos estava a fugir ao
controlo, e eu abracei
-o, deixando que continuasse encostado a mim. As minhas
mãos tocaram em alguma coisa entalada no cós das suas calças, e ele deu um
pulmões a trabalhar com esforço. Vi que tirava qualquer coisa das costas e que
voltava a guardá
-la para não o atrapalhar. Ao ver a pistola prateada, estremeci.
Aproximou
-se de mim e segurou-me o rosto entre as mãos.
Assenti e peguei
-lhe na mão para enfrentarmos o que nos esperava lá fora.
que tinha acontecido. Os ladrões que nos tentaram assaltar eram dois.
Apanharam
-nos com a mão na massa, e não conseguiram fugir. O pior de tudo
era que estavam armados, o que me fez lembrar que o Nick também tinha uma
arma.
Observei
-o, calada, ao seu lado, enquanto ele falava com os polícias e lhes
explicava tudo o que tinha acontecido, como descemos pela janela. Os agentes
prestar declarações.
— Podem fazer isso amanhã, senhor Leister — disse o polícia, olhando para
tinha acontecido.
— Diz ao Nick que fique em casa contigo esta noite — pediu-me, e, embora
onde estava e como se ligava. Jurei que nunca mais o deixaria desligado.
cabeça agora refletidas no rosto dele. — É por isso que quero que vivamos
juntos, para te poder proteger, para estar contigo sempre que precisares de
mim.
Via
-o com toda a clareza... A segurança que ele me transmitia, como me
sentia bem quando sabia que ele estava por perto. O que ele dizia era verdade:
precisava dele, era nele que confiava, ele era a cura para os meus pesadelos, ele
qualquer dúvida que pudesse restar na minha mente. Tudo estava claro para
mim; era com o Nicholas que eu devia estar. Um sorriso genuíno apareceu no
paredes, porque ele saíra de casa pouco depois de começarmos a namorar, mas
lembrei
-me da primeira vez que fizemos amor... Como estava nervosa e quão
bonito fora. Ele tratara-me como se eu fosse de vidro... Agora, as nossas relações
íntimas eram muito, muito diferentes... À medida que o tempo passava, tudo
parecia tornar
-se mais intenso, como se precisássemos de mais e não
— Anda — disse
-me simplesmente.
agarrei
-me a ele como uma lapa e deixei que me abraçasse, com a cabeça
apoiada no seu peito. O Nicholas apagou a luz, e a última coisa de que me
lembro é de que estava a sonhar, mas desta vez com algo muito mais belo: com
ele.
22
Nick
«Oh, merda.»
afastar
-se, abri os olhos e saltei para cima dela tão depressa que nem teve tempo
de fugir. Comprimi
-me com força contra o corpo dela e deliciei-me com o roçar
A Noah inspirou profundamente e cravou os olhos nos meus. Meti a mão por
baixo da T
-shirt e apertei
-lhe suavemente um dos seios nus.
boca se fundia no pescoço dela. — A que se deve este ataque logo de manhã?
ancas para cima e para baixo e suspirando com hesitação contra o meu ombro
despido.
— Podes fazer uso dos meus deveres de namorado quando quiseres, mas agora
até já nem me lembrar do seu nome. — Sabes que os nossos pais podem já ter
chegado, certo?
Eu não queria saber dos nossos pais para nada, mas queria que ela esperasse
um pouco mais até lhe dar aquilo que desejava. Como resposta à minha
pergunta, rodeou
-me a cintura com as pernas e comprimiu-se suavemente
contra mim.
perder o controlo.
— Se bem me lembro, da última vez quem teve as rédeas foste tu, sardas, e
Ri
-me enquanto enterrava a cara no ombro dela e a mordia e, por instantes,
perdi a cabeça.
o pijama e acariciando
-lhe o corpo até chegar onde queria estar. Beijei
-lhe
mexeu
-se, inquieta, suspirando silenciosamente, e reparei que as mãos se
fechavam com força, amarrotando os lençóis, confirmando que o que lhe tinha
completamente com o meu corpo e puxando o edredão por cima dos dois.
— Mas o que estás a fazer? Estava quase a... — tapei-lhe a boca com a mão no
Raios!
Comprimi o corpo contra o dela e reparei que estava a tremer, indo ao meu
— Não tens nada que agradecer. Jamais a teria deixado sozinha — assegurei,
a sorrir na escuridão e a acariciá-la com a mão. Olhou para mim, assustada, e
da Noah a cravarem
-se selvaticamente no meu braço. A mãe fechou a porta, e
ela deu
-me finalmente um murro forte no ombro.
— Idiota! — acusou
-me, irritada.
Ri
-me outra vez e calei
-a com um beijo. Introduzi a língua entre os seus
tocar a sua pele. A irritação dela desapareceu tão depressa quanto mais rápidos
minhas carícias.
sem esperar mais, a abraçava com força. Grunhi contra a almofada quando a
Tapei
-lhe a boca com a mão para ninguém a ouvir e recomecei, desta vez mais
Não havia nada que se comparasse com aquilo, senti-la assim, pele com pele,
sem nenhuma barreira. Desde que a Noah tomava a pílula que tudo era
magnífico.
chegar lá juntos.
Foi o que fizemos... Chegámos juntos àquela libertação espetacular que nos
Tinham
-se passado meses desde que tomara o pequeno-almoço com o meu pai
na cozinha. Acho que foi pouco depois de a Noah vir do hospital por causa do
Não queria que eles percebessem o pouco que me apetecia estar ali; além
disso, a Noah ficava triste quando me via aborrecido com a mãe, por isso tentei
mostrar
-me tranquilo. A Noah estava ao meu lado, a brincar com os cereais em
pequeno
-almoço de família.
— Bem... — começou por dizer o meu pai, com os olhos a viajarem entre
mim e a Noah. — Como vão as coisas? Daqui a pouco tempo vais para a
— Claro que não, ainda nem comecei — respondeu ela, levando uma colher
Fiquei tenso ao ver que não dizia nada sobre ir viver comigo... Aquele
momento era tão bom como qualquer outro, mas não deu a menor indicação de
— Queríamos falar convosco — começou ele por dizer. — Acho que nos
Não estava nada à espera de ouvir aquilo. Fixei o olhar no meu pai e pousei a
— Vão aceitar de uma vez por todas que estamos juntos? — per
guntei, sem
hesitações.
A Raffaella levantou
-se da cadeira, e o meu pai lançou-lhe um olhar de aviso.
— Nós amamo
-nos, mãe, é mais do que gostarmos simplesmente um do
— Eu compreendo isso, Noah, a sério que sim, e sei que vocês acham que vos
tenho andado a dificultar a vida, que não aceito a vossa relação, e talvez até
tenham razão... Mas vocês são muito novos, e os quase cinco anos que têm de
única coisa que vos peço é que levem as coisas com calma. Nick, espero que
saibas compreender que a minha filha ainda tem muitas experiências para viver,
que está prestes a começar a faculdade. Eu gostava muito que ela pudesse
divertir
-se e experimentar, que tirasse o máximo partido de uma situação que
Retesei
-me e reparei que a raiva começava a arder em fogo lento.
— Estás a dizer que por estar comigo ela não se diverte, que não a vou deixar
outro. Ainda têm muitas coisas para ver e para fazer. Não queremos que
acalmar as águas. — Mas vamos falar do que nos trouxe aqui — continuou ele,
O meu pai respirou fundo, e eu sabia que estava a controlar a vontade que
— Então preciso que nos façam um favor, e, em troca, prometemos que não
da questão.
Vamos dar uma festa onde comparecerá todo o tipo de pessoas, incluindo o
presidente. Todo o dinheiro angariado será doado a uma ONG que alimenta
lançar novos projetos, é muito importante que apresentemos uma imagem forte
equipa.
disse com o sobrolho franzido —, mas não entendo o que tem isso que ver com
que eu queria rebater o que acabara de dizer. — Sei perfeitamente que, apesar
de não lhe acharmos muita graça, a vossa relação é plenamente aceitável. Vocês
são irmãos apenas por afinidade, mas há muitas pessoas que não verão a coisa
enquanto casal, essa imagem acabará por ser manchada pela confusão e
desagrado de muitos dos convidados que irão estar na festa. Estou a falar das
pessoas mais velhas, gente com muito dinheiro, que não aceita bem certo tipo
de comportamentos.
— Isto é ridículo. Ninguém vai reparar em nós. Por amor de Deus, ninguém
— Isso até seria verdade se nos últimos anos não te tivesses apresentado com
todo o tipo de raparigas que aparecem todos os dias nas revistas cor
-de-rosa.
Basta ver como te recebem em cada um daqueles eventos sociais estúpidos onde
A Noah olhou para mim pelo canto do olho, e praguejei entre dentes. Mas
que raio!
— Estás a pedir
-me que vá à festa sozinho e que finja que a Noah é apenas a
— Estou a pedir
-te que vás à festa com uma amiga tua e que os dois se
mantenham afastados durante uma noite. A Noah também podia levar alguém.
convidados e, a seguir, vai cada um para a sua casa e amigos como antes.
Antes de eu explodir, a Noah decidiu intervir:
— Parece
-me bem — concedeu, e fulminei-a com o olhar.
— Só podes estar a gozar. Não vais a uma festa tão importante como esta com
levares as coisas com calma: é só uma festa. O teu pai está a explicar
-te como é
importante, e até parece que a Noah vai casar com o amigo que levar. Por amor
avisar
-te de que, daqui a algum tempo, quando se souber da nossa relação,
Saímos juntos para o jardim das traseiras, ambos mudos. Eu estava tão
irritado que me deixei ficar a olhar para as ondas do mar a quebrarem-se contra
da Noah a abraçarem
-me por detrás e o rosto a encostar
-se com ternura às
minhas costas. Pus a mão por cima das suas e senti-me um pouco melhor.
— Não é caso para tanto, Nick — disse-me ela, dando cabo de qualquer
hipótese de tranquilidade. Voltei-me para trás e olhei para ela muito sério.
— É, sim, para mim é... Não suporto que as pessoas pensem que não és
minha, Noah.
— Mas sou, tu sabes que sou. É só uma festa estúpida. No máximo, vamos lá
estar um par de horas. Não lhe atribuas mais importância do que aquela que
tem.
— Tem toda a importância do mundo. É a última vez que cedo numa situação
destas — beijei
-a antes que pudesse dizer alguma coisa. — Só tenho vontade de
gritar que estou contigo para todo o mundo ouvir e não entendo por que razão
— Eu estou
-me nas tintas para o que o mundo pensa. Tu sabes que sou tua, e
Suspirei e beijei
-lhe a ponta do nariz. «Devia ser, mas não é...», pensei para
Noah
que não a via, desde que tinha partido para a Europa, e invadia-me a sensação
de que ela me estava a evitar. Acabara por aceitar que a fosse visitar a casa, e era
Esperei à porta e não pude evitar admirar o jardim imenso que tinham. Ao
contrário dos Leisters, eles não tinham um portão particular, e o jardim dava
diretamente para a rua, se bem que fosse preciso caminhar um bom pedaço para
chegar à porta de casa. Tinham uma série de árvores muito altas com baloiços
amarelos e um lago pequeno com rãs e flores bonitas do lado direito da casa, o
que lhe dava um ar onírico. Quase todas as mansões daquela urbanização eram
incríveis, mas a da Jenna tinha um toque especial, algo que tinha a certeza
dever
-se a ela.
como resposta.
Ri
-me e encaminhei
-me para as escadas. Ao contrário do que acontecia em
minha casa, as escadas ficavam numa sala à parte, para lá de um salão decorado
pareciam tentar
-nos a ficar por ali.
tapete de zebra. Tinha o cabelo apanhado no alto da cabeça num carrapito solto.
um abraço.
como uma maluca ou por não me arrastar imediatamente para a sua cama para
começar a falar e a fazer perguntas. Vi no seu rosto que havia qualquer coisa que
a preocupava, algo que não a deixava ser como era, enérgica e divertida.
preocupação.
a fazer o mesmo. — Estou a decidir o que vou levar para a universidade. Nem
independência e o que faríamos para nos visitarmos uma à outra, agora parecia
-
sabendo que dali a pouco tempo iria ter de enfrentar a minha mãe e dizer
-lhe
que ia viver com o Nick. Também tinha de o explicar à Jenna, mas alguma
Ajudei
-a durante uns minutos a dobrar T
-shirts e, embora morresse de vontade
distraída.
O quarto da Jenna era o oposto do meu: enquanto o meu era azul e branco e
pintadas de rosa
-fúcsia e os móveis eram todos pretos. Numa das paredes havia
vão, e os colares passaram a ser decorativos. Numa das outras paredes, havia um
sofá branco e preto com um padrão de zebra, que condizia com o tapete e que
estranho que não estivesse a trautear a letra das canções. Observei-a durante
mais alguns segundos. Desde quando a Jenna Tavish passava mais do que cinco
levantou
-se, virou
-me as costas e encaminhou-se para a cama, que era imensa,
de moda.
aproximando
-me dela. Não gostava de a ver assim, não gostava de que a minha
Quando afastou a cabeça de um papel que tinha nas mãos, vi que os seus olhos
estavam húmidos.
— Discuti com o Lion... nunca o tinha visto assim. Ele nunca me tinha
O Lion era um doce de pessoa, por vezes bastante idiota, como o Nick, mas
continuava a ser um doce. Andava sempre com a Jenna nas palminhas das mãos.
— E zangaram
-se porquê? — perguntei, temendo que tivesse sido por causa
da tareia do outro dia, quando o Lion se metera naquele sarilho... e acabara por
parte.
Abri os olhos com surpresa. A Jenna trabalhara arduamente para poder ir para
a universidade onde o pai estudara e que, em boa verdade, era uma das melhores
do país.
cabeça. Fazia isto sempre que estava nervosa ou aborrecida. — A UCLA é tão
boa como muitas outras universidades; tu vais estudar lá, o Nicholas também
— Está bem, Jenna, mas entrar na Berkley não é fácil... Além de que podes
continuar a ver o Lion ao fim de semana. São Francisco não fica assim tão
longe...
o que se passa ultimamente com o Lion, mas ele anda esquisito... E não
pretendo ir viver para outra cidade sem saber que está tudo bem entre nós.
— Ficou furioso, parecia louco. Disse-me que era uma idiota por mudar de
universidade só por causa dele, que não ia permitir que o meu futuro fosse
afetado pela nossa relação — a voz da Jenna quebrou-se, e fiquei a olhar para
— Ele não te vai deixar, Jenna. És livre para fazeres aquilo que quiseres. Ele
— Tu não estás a entender. Ele mudou, está muito diferente, não sei o que se
passa com ele, mas está obcecado em ganhar dinheiro... Aquela cena do outro
dia... — disse, abafando um soluço. — Devias ter visto a cara dele, Noah,
embora, enfim, o Nicholas também não tenha saído muito bem da tareia. Eles
A minha amiga olhou para o lado antes de se levantar, pegar num monte de
roupa e pousá
-la ao lado de uma das malas que se encontravam abertas no chão.
— Nada, só não gosto que o Lion se meta nestes sarilhos, não gosto que
continue e fazer as mesmas coisas que ele e o Nick faziam no ano passado...
referir ao Nick.
A Jenna voltou
-se para mim e soltou uma gargalhada.
Fiquei muito quieta e senti uma pressão no peito que me deixou sem ar por
momentos.
— Estás a falar de quê, caramba? — perguntei, irritada, mas sem saber muito
bem porquê. Não planeava permitir que a Jenna descarregasse o seu mau humor
chorrilho de mentiras.
Ela pareceu arrependida por ter largado a bomba, mas mesmo assim
continuou a falar.
todas e fazem
-nos acreditar que as abandonaram por nossa causa!
A Jenna soltou uma gargalhada, mas desta vez o som parecia quase cruel.
Naquele instante, não reconheci a minha amiga, não sabia quem ela era, assim,
a atacar o meu namorado sem motivo nem lógica, como se ele tivesse a culpa de
Aproximei
-me dela. Estava a começar a ficar sem paciência.
— Bem, é só uma questão de tempo até o veres com os teus próprios olhos.
Acabei por me vir embora de casa dela. Não queria continuar a conversar com
a Jenna nem a ouvir o que ela tinha para dizer. O Nicholas não ia voltar àquelas
corridas. Ambos tínhamos prometido que não íamos cometer novamente aquele
erro. Por causa das corridas, tinha granjeado o ódio do Ronnie, que quase me
matara, sem contar que ele tinha ajudado o meu pai a sequestrar
-me. O que
por isso não acreditava numa única palavra do que a Jenna me dissera.
Quando cheguei a casa, já eram quase horas de jantar. Entrei tentando não
fazer barulho e ouvi a minha mãe na sala. Não me apetecia falar com ela, por
isso fui para a cozinha, peguei numa salada que estava no frigorífico, numa
Coca
-Cola Zero e subi as escadas quase a correr. Quando pousei tudo em cima da
acelerar dentro do peito. Ainda me sentia muito culpada por ter dito à mãe do
Nicholas que me encontraria com ela para beber alguma coisa e falar dele nas
suas costas, mas a assistente social tinha ligado ao Nick para lhe dizer que a
quinta
-feira, ainda faltavam dois dias, mas eu sabia que, mal aquela mulher
O telemóvel voltou a tocar, mas preferi não atender. Foi então que recebi uma
mensagem de texto.
telemóvel. Apaguei
-a mal a li. Não queria que houvesse qualquer prova do que
estava a trair o Nicholas, e no fundo era exatamente isso que estava a fazer.
Ainda assim, além de querer que a irmã passasse alguns dias com ele sem a
assistente social nem horários para cumprir, uma parte de mim também queria
saber o que aquela mulher tinha para me contar, qual era o seu interesse em
ver
-me, se não fosse para conhecer o próprio filho através de mim.
OK.
conseguir escolher.
— Eu pintava
-o de bege — propus, depois de dar muitas voltas.
— Para pintar de bege, mais vale deixar ficar a parede verde e pronto —
respondeu, tirando
-me o catálogo das mãos.
de verde?
A mulher que nos estava a ajudar, esperando pacientemente que
escolhêssemos uma cor para o quarto da Maddie, decidiu que estava na hora de
intervir.
sorriso.
— Achei que... — disse ela, olhando do Nick para mim e depois para a
minha barriga.
Aquela mulher achou que eu estava grávida e que tínhamos ido escolher a cor
do quarto do bebé. Do nosso bebé... Por amor de Deus, por que teria de passar
quem está prestes a ser pais? A minha namorada só tem dezoito anos, e eu vinte
e dois. Por que não pensa um pouco antes de tirar conclusões estúpidas?
— Não há problema. Olhe, vamos escolher o branco. Pode dizer aos pintores
nada.
Não aguentei muito tempo e, quando chegámos ao carro dele, agarrei-o pelo
braço, obrigando
-o a olhar para mim.
— Podes dizer
-me o que se passa contigo?
O Nicholas evitou o meu olhar, o que só fez com que a angústia que sentia
suficientemente boa para ele... estava sempre presente. O assunto dos filhos era
uma coisa na qual nem me permitia pensar, simplesmente não podia, pelo
menos por enquanto, porque sabia que, assim que o fizesse, desabaria e, quando
me deixasse cair nesse buraco, não sabia se voltaria a conseguir sair dele.
— Não suporto gente que se intromete onde não deve, só isso — respondeu,
segurando
-me o rosto e dando
-me um beijo doce na testa.
Sabia que me estava a esconder alguma coisa; mais do que isso, sabia
exatamente o que o preocupava... Mas não o queria ouvir, pelo menos naquele
momento.
Abracei
-o e apoiei o rosto no peito dele antes de pôr a minha melhor cara.
Ignorei o medo que ameaçava sair para a luz do dia em ocasiões como esta e
chegaria no dia a seguir; além disso, se queríamos que o quarto estivesse pronto
antes de quinta
-feira, tínhamos de montar tudo em vinte e quatro horas. O
que o quarto devia ter os mesmos tons do meu, que era neutro e não demasiado
piroso. Quando chegámos a casa dele, estava esgotada e atirei-me para cima da
cama mal entrei. Senti que o corpo dele se colava às minhas costas com cuidado,
apertando
-me contra o colchão, mas deixando-me espaço para respirar. A boca
aproximou
-se da minha orelha e fez-me estremecer.
quentes no pescoço.
Com a cara encostada ao colchão, não conseguia ver o rosto dele, mas deixei
-
— Ontem estive com a Jenna — disse-lhe, de repente, para ver como ele
reagia à alusão à minha melhor amiga. A boca dele parou, ficou tenso, e a seguir
cair no chão.
Franzi o sobrolho quando ele foi para a casa de banho, quase atirando com a
porta. Levantei
-me e entrei sem me dar ao trabalho de bater.
ouviu entrar.
— Estivemos a falar... — continuei, inicialmente hesitante. — Sabes?
a Jenna me disse que vais fazer — disse, imitando o tom de voz dele.
Ele pôs
-se à minha frente.
para cima da mesa, mas, se era verdade que pretendia regressar às corridas...
Fitei o seu tronco nu, as marcas de nódoas negras que ainda se viam... Isto
tinha de acabar.
— Não podes continuar a fazer as coisas que fazias antes, Nicholas — disse
-
corridas...
Contornou
-me para entrar na banheira, sem sequer olhar para mim.
— Ou seja, tu não vais com ele? — insisti, para ficar mais tranquila.
Ele trespassou
-me com o olhar.
relação.
Isto irritou
-me.
— O que importa aqui não é a Jenna, mas que nunca devias ter
-te metido
naquela alhada com o Lion! Prometeste-me que essas coisas tinham acabado!
limitei
-me a ajudá
-lo. — O Nick suspirou e aproximou-se de mim. Abraçou
-
controlo da situação, mas não vou voltar a cometer o mesmo erro, está bem?
— Não quero mais sarilhos, Nick, não quero que te metas em mais situações
começou a beijar
-me o pescoço.
— Prometo.
24
Nick
Quando abri os olhos naquela manhã, a primeira coisa que vi foi o rosto da
quase todo sobre o meu. Tive de me conter para não desatar a rir. Parecia ter
Afastei
-lhe uma madeixa do rosto e deixei que o meu polegar roçasse
suavemente na sua pele cheia de sardas... aquelas sardas que me deixavam louco
e que se espalhavam não só pelo seu rosto, mas pelos seios, pelos ombros
esbeltos e pelo fundo das costas... Adorava saber que era o único que conhecia
aquele corpo na perfeição, o único que sabia onde ficava cada sinal, cada marca,
Fixei
-me na sua tatuagem, no pequeno desenho que tinha por baixo da orelha,
agradou a força que uma coisa tão simples pode ter se o entrelaçarmos de
determinada maneira, mas agora aquele nó significava muito mais do que isso,
agora achava que tinha sido por causa dela que me decidira por aquele
desenho... Era ridículo pensar nisso, mas a ideia não parava de me dar voltas na
O meu telemóvel começou a tocar. Estendi o braço e peguei nele. Era a Anne,
tivesse deixado ficar com a minha irmã no fim de semana dos meus anos, mas
do outro mundo: este ano passaria o meu dia especial com as duas miúdas que
A pequenita estava emocionada por vir ter comigo, e eu não podia estar mais
feliz. Falei com a Anne durante alguns minutos para saber a que horas chegava
o voo e onde nos íamos encontrar e desliguei com um sorriso radiante no rosto.
porque tinha de sair para o escritório às oito e meia. Quando lhes mostrei o
quartinho, prometeram
-me que acabavam a pintura num par de horas.
Não achava graça nenhuma deixar a minha namorada a dormir com aqueles
tipos ali em casa, por isso, antes que eles começassem a trabalhar, fui acordá
-la.
chegar atrasado.
acordava.
como sempre.
— Nicholas.
Ao ouvir
-me dizer aquilo, a Noah abriu os olhos.
Ia chegar tarde, mas não queria saber: estava fora de questão deixar a Noah
contornando
-me para entrar na casa de banho.
havia demasiados loucos no mundo para eu correr estes riscos, muito menos
com ela. Já a tinham sequestrado uma vez, não ia permitir que voltasse a
acontecer.
Saiu do duche dez minutos depois, embrulhada numa toalha e com o cabelo a
pingar.
Ela estava terrivelmente sexy. Aproximei-me para lhe dar um beijo que a
— Vou molhar
-te — avisou, dando um passo atrás.
Agarrei
-a pela nuca e puxei
-a para mim. Inseri a língua na sua boca e, quando
estava a fechá
-la, os olhos dela cravaram-se nos meus e, um segundo depois,
Jesus!
corredor, e fui diretamente para lá, sem parar sequer para beber um café. Sabia
que o meu pai planeava lá ir nesse dia, e esperava que não me visse a chegar
com uma rapariga que eu nunca vira na vida. Estava sentada na minha cadeira e
sorria educadamente depois de o meu pai lhe ter dito qualquer coisa. Quando
secretária no canto.
O meu pai franziu o sobrolho.
Olhei para a filha do senador com os olhos semicerrados. Não fazia a menor
ideia de qual fora a oferta que o meu pai lhe fizera. Presumo que lhe interessava
ter uma boa relação com o pai dela, embora ainda não entendesse o que eu tinha
A Sophia lançou
-me um sorriso seco, que percebi ser mais de inimizade do
que outra coisa qualquer. Espetacular, a aversão era mútua. O meu pai
mercados, e tenho a certeza de que, com a ajuda do seu filho, poderemos fazer
coisas magníficas.
Para mais, era graxista, embora o seu pequeno discurso lhe tenha saído muito
bem. O meu pai olhou para ela com ar de aprovação e despediu-se antes de sair,
— Nota
-se que és filha de um político — disse, olhando fixamente para ela.
Cabelo negro, pele bronzeada, olhos castanhos e pernas compridas. Trazia uma
saia cinzenta travada e uma camisa branca, imaculada. Sim, senhor, tinha pela
— Não te deixes enganar pelo meu aspeto, Nicholas. Vim para ficar.
Noah
Tinha dito à minha mãe que ia ali ficar durante alguns dos dias em que a
menina estivesse com o Nick e, como não queria que a nossa relação ficasse
me assegurar de que o quarto da Maddie não tinha tralha e estava pronto para
Os dois dias seguintes passaram depressa. Acho que, quando queremos que o
tempo não passe, que as horas se arrastem o mais possível, estas passam a voar.
Então, sem ter tido tempo para me mentalizar, naquela manhã a Maddie e a
mãe chegavam. Estava nervosa e sabia que o Nicholas também sentia o mesmo.
Mandou
-me uma série de fotografias a perguntar se gostava do quarto, se a irmã
ia gostar, se devia mudar os móveis de lugar, se não seria melhor pôr a cama por
Ri
-me, divertida, do outro lado da linha.
— Nick, ela vai adorar; além disso, a tua irmã só te quer ver a ti, não se
— Estou muito nervoso, sardas, nunca passei mais de um dia com a minha
pequenina, eu sou um calmeirão, às vezes não sei lidar com estas coisas.
Sorri ao espelho que tinha à minha frente. Adorava quando ficava tão
preocupado; era sempre tão seguro de si, tão autoritário e mandão, que só tinha
vontade de o abraçar quando baixava a guarda e mostrava que por baixo daquela
Assenti, pela primeira vez agradecida por a minha mãe ter interrompido uma
andava em maré de sorte. Nas últimas semanas, mal tínhamos falado, e, quando
ela soubesse o que planeava fazer, as coisas ainda iam ficar piores.
— Falta
-te muito para acabares de fazer as malas?
Sabia que a minha mãe estava a apalpar terreno. Eu nunca fazia malas antes da
véspera da partida e herdara este costume dela. Não entendíamos por que
mala e fechá
-la, mas abanei a cabeça com a intenção de aproveitar a sua
tentativa de aproximação para lhe comunicar que, agora que a irmã estava de
— Está quase. Olha uma coisa, mãe... — comecei por dizer, mas ela
interrompeu
-me.
— Sei que estás ansiosa por sair de casa, Noah — declarou, pegando numa
das minhas T
-shirts e começando a dobrá-la, distraída.
— Mãe, eu não...
difíceis, que não nos temos dado muito bem desde que voltámos da Europa.
Acredita que entendo que estás apaixonada e que queres passar todo o teu
tempo com o Nicholas... Mas gostava que isto — disse, apontando entre as duas
— não se tivesse estragado. Sempre tivemos uma boa relação, sempre contámos
tudo uma à outra, e, quando namoravas com o Dan — fiz uma careta ao ouvir o
o meu quarto para me contares como tinha corrido a noite e que coisas
dizer
-te que tentei dar
-te o melhor que pude; queria mesmo que considerasses
esta casa como sendo o teu lar. Sempre quis que vivesses aqui, rodeada de todas
este, com mais brinquedos e livros do que alguma vez poderia imaginar dar
-te...
— Mãe, sei que fui insuportável quando decidiste vir morar para cá, mas
agora entendo por que motivo o fizeste, e não tens de me dar explicação
é difícil veres
-me com o Nicholas, mas eu amo-o.
— Espero que um dia te tornes uma escritora magnífica, Noah. Sei que vais
conseguir, e é por isso que quero que aproveites todas as oportunidades que a
culpada por não conseguir ser completamente sincera com ela e contar
-lhe do
Nick.
Na manhã seguinte, acordei cedo. Estava muito nervosa e desci para tomar o
pequeno
-almoço enquanto tentava não pensar muito no que ia fazer. A Maddie
chegava dali a poucas horas, e não havia a menor possibilidade de a sua mãe
recuar. Repeti mil vezes para mim mesma que estava a fazer aquilo por ele, que
não era imperdoável, mas uma parte de mim, uma parte oculta e profunda,
tinha vontade de conhecer a Anabel e de saber o que ela queria do Nick, por
Quase não consegui comer: deixei a torrada simples a meio e bebi café com
eu me encontraria com a sua mãe, por isso tinha algum tempo até ele começar a
perguntar
-se onde eu estava. Estaria ocupado a dar o almoço à Maddie, e, assim
cavalos e mansões tinha espalhados pelo mundo. Por isso mesmo, e pretendendo
não chamar a atenção, escolhi uma saia de cintura alta, rodada, azul-clara, com
um top amarelo da Chanel que já tinha há bastante tempo. A Jenna tinha
-me
oferecido umas sandálias brancas Miu Miu, muito bonitas e muito caras, há que
dizê
-lo, mas que neste conjunto ficavam perfeitas. Acho que era uma das únicas
vezes em que me vestira dos pés à cabeça com roupa de marca, mas não queria
deixar que aquela mulher me intimidasse. Toda a gente sabia que uma mulher
do meu descapotável. Saí e dei-lhe a chave, rezando para que não me fizesse
havia umas escadas enormes que se dividiam em duas, como em minha casa.
os seus olhos fitavam a minha roupa com admiração. Acho que devia estar a
perguntar
-se como podia uma miúda da sua idade estar do outro lado do balcão,
à sua frente, e ter tudo o que eu tinha. Às vezes agradecia não ser daquelas
pessoas que ligavam muito a roupas de marca e a dinheiro. Nunca quis nada
disso, nunca o desejara sequer, era uma pessoa de natureza simples e não
Sorri ao ver que a Maddie não tinha dois dentes à frente. Deus do céu, nem
guardanapos grená, assim como bonitas plantas decorativas. Mal entrei pela
inundou
-me os sentidos.
Quando vi a Anabel, respirei fundo e fui ter com ela. Estava, como já
imaginava, vestida com elegância, com um fato de calças bege e uma bonita
blusa preta. Trazia também uns saltos enormes e por isso ficava muitos
lhe a mão antes que a situação se tornasse confrangedora: não fazia ideia de qual
Ela sentou
-se, fazendo sinal para a imitar.
— Fico muito contente por teres aceitado o meu convite — afirmou. A seguir
fingida.
Os olhos azuis
-celestes cravaram-se nos meus, com a mesma expressão dos do
sabes; se não fosses bonita, o meu filho não se tinha apaixonado por ti, claro.
relação com o Nick fosse uma coisa meramente superficial e vazia. Para aquela
investira para aparentar ter trinta anos era uma boa prova disso.
horas, senhora Grason, mas fez-me vir aqui por um motivo concreto, e gostaria
gostava daquela mulher, nem nunca iria gostar. — Queria que lhe fizesse um
favor. Diga
-me do que se trata.
A Anabel sorriu, talvez com admiração. Pareceu-me ter gostado de eu ter sido
papel era espesso e luxuoso, cor de marfim, e nele vinha escrito o nome do
Olhei para ela com desconfiança. Não fazia ideia de como poderia convencer o
Nick a lê
-la. Além disso, entregar
-lhe este sobrescrito significaria contar
-lhe
que me tinha encontrado com a mãe, e não ia fazer isso nem morta.
— Lamento, mas não sei como uma simples carta a vai ajudar a recuperar o
seu filho. A senhora abandonou-o — respondi, sabendo que estava a olhar para
ela com ódio, o mesmo que sentia quando alguém fazia mal a alguma das
em cima da mesa.
— Dezoito.
angelical que ficaria bem a uma menina de seis anos, mas não a alguém como
ela. — Eu tenho quarenta e quatro anos... Já ando neste mundo há muito mais
tempo do que tu, vivi muito mais do que tu, por isso, antes de me julgares
como estás a fazer agora, para e pensa que és apenas uma criança e que o pior
que te aconteceu na vida deve ter sido arrancarem-te de tua casa para te
— A senhora não sabe nada da minha vida — declarei com uma voz gélida.
de dor no peito.
— Sei muito mais do que pensas — afirmou. — Sei até coisas que não sabes e
que não desejarias saber nunca, mas posso mudar isso facilmente com um par de
telefonemas.
Apareceu
-lhe um sorriso diabólico no rosto. Pegou na carta que pousara na
mesa, levantou
-se e pôs
-se ao meu lado. Com um movimento muito elegante,
enfiou a carta na minha mala, que eu deixara pendurada nas costas da cadeira.
— Certifica
-te de que o Nicholas a lê — sussurrou. — Senão, farei com que
toda esta fantasia que estás a viver, todas as riquezas que te caíram do céu, se
transforme em fumo.
Pus
-me de pé como se tivesse levado um choque elétrico.
— Não volte a entrar em contacto comigo — disse, tentando controlar as
com o quê.
repito: se não queres viver o teu pior pesadelo, assegura-te de que que fazes o
que te pedi.
Virei
-lhe as costas e saí do restaurante sem sequer parar para pensar na ameaça
implícita encerrada nas suas últimas palavras. Atravessei a receção do hotel e fui
para a rua.
Tinha sido uma tonta, uma imbecil por me ter encontrado com aquela
uma estúpida, deixei que me enganasse; para mais, dissera todas aquelas
mentiras, porque eram apenas isso: mentiras às quais não planeava dedicar nem
um segundo do meu tempo. Uma vez na rua, tirei a carta da mala, rasguei-a em
Nick
preocupar
-me... Tentei não deixar a minha ansiedade atingir níveis que não
trariam nada de bom a esta situação. A minha irmã estava comigo, a Anne
trouxera
-a, como prometido, e sentia-me muito feliz por poder ficar com ela só
para mim durante quatro dias. Não ia deixar que nada estragasse esses
cais. Sempre falara daquele sítio à Maddie, da praia, das atrações, dos meninos a
instante, a minha irmã mais nova, ao contrário do que faria qualquer criança
normal, estava com a cabeça encostada ao vidro de um dos muitos aquários que
perguntar
-me a que horas ela deveria jantar e ir para a cama.
— Estás contente por eu estar aqui? — quis saber, e vi nos seus olhos
aquele casaco que quase chegava ao chão, mas era melhor isso do que adoecer.
mangas.
— Não, nunca me tinhas dito, mas tu também és a minha irmã favorita, por
perfurou
-me novamente os tímpanos.
convencia
-nos a ficar ali para sempre. O entardecer estava lindo, e, mesmo no
Noah, senti
-a. O meu olhar encontrou-a no meio da multidão. Um sorriso de
orelha a orelha apareceu no seu rosto, e percebi que o meu devia estar com uma
expressão semelhante.
atenção da minha irmã, que não demorou um segundo a ir ter com ela a correr.
— Noah! — gritou, feliz, e ri-me ao vê-la correr para ela. A minha alegria
A Maddie tinha
-se habituado à Noah mais facilmente do que eu pensava, não
que a Noah não fosse um amor, quero dizer, era a Noah, mas a Mad não era uma
menina muito fácil, há que dizê-lo. Eu amava-a, era minha irmã, mas por vezes
também podia ser um pouco insuportável e antipática: não se dava bem com
toda a gente, não gostava que lhe invadissem o espaço pessoal se não tivesse
também era um pouco mimada, enfim, como são todas as meninas de seis anos
trevas, como gostava de lhe chamar. Mas a Noah adorava a Maddie, e vice-versa,
pouco estranho, como se estivesse aliviada por me ver, ou algo parecido. Sorri
-
lhe e puxei
-a para mim, com a Maddie entre os dois.
descer do colo dela, mexendo as pernas para que a pusesse no chão, e a seguir foi
a correr em direção às atrações. Sem desviar o olhar, pus o braço sobre os ombros
da Noah e dei
-lhe um beijo na cabeça enquanto seguíamos a minha irmã.
de assunto.
A Noah riu
-se, mas não teceu nenhum comentário a este respeito. Havia algo
gigante, e comprei bilhetes para os três. A minha irmã começou a falar sem
parar, contando
-lhe, na sua linguagem infantil, todas as coisas que tínhamos
feito, como tinha sido andar de avião e como estava feliz por estar ali. A Noah
conversava com ela, divertida, e sorria de cada vez que olhava para mim.
pouco mais fresco. Não havia uma única nuvem no céu, por isso o pôr do sol era
maravilhoso dali, do ponto em que nos encontrávamos. Sem dizer nada, a Noah
encostou
-se a mim e sentou
-se ao meu colo, com o olhar fixo no mar e no sol
Olhar para a Noah era a coisa mais bonita do mundo, mais do que qualquer
ocaso no mar. Percebendo que estava a olhar para ela, fixou os olhos nos meus e
sorriu
-me como só ela sabia fazer.
cedo, e para ela o dia fora cheio de novidades. Era de noite e, enquanto seguia
na autoestrada, com a Noah em silêncio ao meu lado, não pude evitar recordar a
problemas das ruas: não queria que essas coisas afetassem a minha vida e, menos
Não obstante, também tinha o Lion, que, infelizmente, ainda vivia nesse
mundo e que eu não podia tirar de lá, pelo menos enquanto ele não quisesse
sair. Não que ele gostasse daquele ambiente, mas era dinheiro fácil e rápido, por
isso tinha
-me pedido para o acompanhar e correr por ele, como sempre
estava afastado dos esquemas do Lion, tinha de fazer alguma coisa para ela
deixar de estar tão alerta. O Lion jurara-me que a Jenna não sabia quando eram
as corridas, além de que seria uma coisa rápida: íamos, corríamos, ganhávamos e
A única coisa que me ocorria fazer para a Noah não desconfiar de nada era
num restaurante qualquer do outro lado da cidade, o mais afastado possível das
desculpa para justificar a minha ausência, mas pelo menos assim assegurava
-me
de que ela estava o mais longe possível de mim, a salvo num lugar bonito. Ia
recompensava
-a.
lhe uma madeixa da cara. Tinha estado ausente toda a tarde e, agora que a
— Estou cansada, só isso — respondeu, saindo do carro sem sequer olhar para
mim.
mentalmente cada coisa que fizera e dissera desde que nos encontrámos no cais.
voltou para mim, me segurou o rosto entre as mãos e se pôs em bicos dos pés
para me beijar os lábios. Antes que se afastasse de mim, desci a mão até à sua
cintura e apertei
-a contra o meu corpo. Ela não aprofundou o beijo, por isso fi
-
lo eu: abri
-lhe os lábios e saboreei-a com gosto.
Ela retribuiu
-me o beijo, mas achei-a distraída.
— Estás a esconder
-me alguma coisa, e vou descobrir o que é — comentei,
Abri a porta de trás do carro e sorri como um idiota ao ver aquela menina tão
que a Maddie tinha trazido, subimos para o meu apartamento, com a Noah ao
meu lado.
Não queria acordar a minha irmã, por isso meti-a logo na cama.
parede em frente ao quarto. Precisávamos de falar, e fiquei contente por ser ela a
Sorri, peguei
-lhe na mão e levei-a para a casa de banho. Abri a água quente
— Hoje estás muito bonita... Muito elegante com essa roupa — observei,
enquanto lhe retirava o elástico do cabelo com cuidado, passando-o como seda
claro.
impedindo
-a e sentindo uma pontada de ansiedade ao perceber que havia
olhando
-me fixamente nos olhos. — Fiquei sem bateria no telemóvel, por isso
camisa, inclinou
-se para a frente e fechei os olhos ao sentir os seus lábios mesmo
As carícias da Noah não tinham comparação possível, eram uma sensação tão
incrível... Faziam
-me sentir tão bem... Em paz comigo mesmo. Eram a minha
Despi
-lhe o top e a saia, e a sua pele parecia brilhar. A seguir, baixei-me e
descalcei
-lhe as sandálias. Ela tinha um corpo incrível, atlético, nem demasiado
voluptuoso nem excessivamente magro: era tão bonita que podia passar horas a
admirá
-la.
Com um sorriso que fez com que alguma coisa se agitasse dentro de mim,
tirou o sutiã e as cuecas para entrar para a banheira. Queria avisá-la de que a
água estava muito quente, mas ela não fez qualquer gesto de dor, limitou-se a
afundar
-se nela, que a tapou até aos ombros. Não demorei a segui-la e, quando
se passava alguma coisa. Por vezes, ela estava tão envolvida nos seus próprios
— Posso fazer
-te uma pergunta? — disse, arrancando-me aos meus devaneios.
— Claro.
A minha mão, que estava sobre o seu estômago, começou a desenhar pequenos
círculos junto ao umbigo dela. Percebia o que estava a fazer, mas tinha
curiosidade em saber o que me queria perguntar, por isso concordei, não sem
antes sentir um pouco de prazer. Sorri quando vi que ela suspirava de forma
— Achas que o teu pai amava a tua mãe? Quero dizer, antes de se
divorciarem, claro.
Não estava à espera daquela pergunta, e, em vez de perceber o que lhe passava
que tenho ou eles andavam à briga ou o meu pai estava fora, a trabalhar... A
minha mãe não era uma mulher fácil, mas ele também não se ficava atrás —
respondi, recordando todas as vezes que o meu pai estivera longe de nós,
era pequeno, até cheguei a pensar que todos os pais viviam longe de casa e que
só voltavam quando tinham fome ou sono. Claro que, à medida que fui
crescendo e visitando as casas dos meus amigos, vi que não era assim, que estava
enganado e que os pais podiam ser maravilhosos. O pai de um dos meus amigos
de escola ia levá
-lo e buscá
-lo todos os dias, e, no regresso a casa, paravam
com os filhos.
se voltou para trás e olhou para mim me apercebi de que a minha mente me
— Podes perguntar
-me tudo o que quiseres, Noah. A minha vida não foi um
conto de fadas, mas foi quase, quando comparada com as coisas que acontecem
por esse mundo fora. Nem toda a gente nasce a querer ser pai, e muitos
Não ia lamentar
-me por ter tido pais conflituosos. A minha infância não fora
via
-o nos seus olhos tão bonitos, apesar de ser ela a ganhar o prémio da maior
história de terror. O meu pai podia ter sido um cabrão egoísta quando eu era
imagens passadas que eram más, imaginava a Noah um pouco mais velha do
compadecer
-se da minha história?
que me refiro, como aquelas famílias dos filmes, com pais normais, que
Seria isso que a preocupara durante toda a tarde? Será que a mãe lhe tinha
— Nós vamos ser esse tipo de família. O que te parece? Embora não
A Noah soltou uma gargalhada, e tive vontade de lhe mostrar que estava a
falar a sério.
cama?
27
Noah
seguir por aquele caminho que sabia não conseguir percorrer sozinha. Sentia
-me
culpada por ter rasgado a carta. Não tinha qualquer direito de o fazer, porque
não era minha, mas nem queria pensar que aquela mulher pudesse magoar mais
o Nick. O que dissera ele de manhã a respeito dos pintores? Que me queria
proteger? Pois bem, era exatamente isso que eu estava a fazer por ele.
Concentrei
-me no Nicholas, como sempre: ele era o meu medicamento, a
ainda mais agora, que andara a remexer no seu passado. Eu também precisava
dele, porque, se me pusesse a dar voltas àquele assunto, ia acabar por descobrir
verdades que preferia que ficassem escondidas... Pelo menos por enquanto.
Sentou
-me sobre as suas pernas, e as nossas bocas voltaram a unir
-se com
Com as mãos nas minhas costas, inclinou-se sobre mim e saboreou a minha
boca com veneração. As minhas mãos foram subindo pelos seus ombros até
pousarem sobre o rosto áspero e húmido da água que nos rodeava. O cheiro dele
— És tão linda — disse em voz baixa, para a minha pele a ferver. A boca dele
separou
-se dos meus lábios e começou a percorrer o maxilar, dando
-me
peito dele, pelos abdominais, até que me abraçou com força para que todo o
nosso peito estivesse em contacto, pele com pele, sem qualquer espaço entre
nós. — Tão quente, tão suave... — ia dizendo, à medida que a língua saboreava
a minha pele nua e húmida.
Inclinou
-me para trás enquanto eu soltava um suspiro hesitante, e senti as
esquerdo, provando a minha pele sensível, ávida das suas carícias. Levantei-me e
fechei as pernas em volta das ancas dele. Ele procurou a minha boca com a sua,
outra...
os dele estavam fixos no meu rosto, tão azuis como sempre, mas com algo
diferente neles, algo difícil de exprimir por palavras. — Amo-te e vou amar
-te
para toda a vida — declarou, e eu senti que o meu coração paralisava, que
parava de bater para depois recomeçar a sua corrida frenética; sem desviar os
pousou
-me mesmo em cima dele, movimentando-se com uma lentidão infinita
e uma doçura quase tão palpável como as suas palavras. Quando me penetrou,
abri a boca para soltar um gemido, mas os seus lábios silenciaram-me com um
beijo profundo.
— Sentes? Sentes esta ligação? Fomos feitos um para o outro, meu amor —
sussurrou
-me ao ouvido, enquanto se movia suavemente, estabelecendo um
minha cabeça, enquanto ele me dava prazer como só ele conseguia fazer.
«Amo
-te e vou amar
-te para toda a vida.»
— Promete
-me — disse, quando um medo horrível se apoderou do meu
corpo e da minha alma, o medo de o perder, um medo infinito de não ter para o
Os olhos dele, negros de desejo, voltaram aos meus, perdidos, sem saber a que
me referia.
— Promete
-me que me vais amar para sempre — quase implorei.
mãos a segurarem
-me com força nas coxas. Envolvi-o com os braços e enterrei o
rosto na cova do seu pescoço, mordendo o lábio inferior para não gritar ao
senti
-lo tão profundamente dentro de mim enquanto me levava para o quarto,
os dois a pingar e a molhar tudo. Deitou-me na cama sem se afastar de mim por
um instante.
tu me cativaste... Eu sou mais teu do que meu; farei tudo o que me pedires,
E foi assim, com estas palavras e com o seu corpo colado ao meu, que deixei
de sentir frio.
momentos possíveis do Nicholas a viver com a irmã, momentos que nunca teria
lugar para crianças e tivéssemos passado o dia atrás da Maddie, adorei ver o
um ano depois estaria a olhar para ele com umas orelhas de rato, a comer um
Mas os dias iam passando depressa, e pouco depois chegou a hora de levar a
Maddie ao aeroporto. A assistente de bordo que ia tomar conta dela até a irem
Não quis insistir porque sabia que o Nick não gostava muito de falar, muito
menos quando se tratava dos seus sentimentos. A irmã era o seu ponto fraco, e
saber que se tinha ido embora para ficar com os pais, que mal tinham tempo
para ela, não ajudava muito. Entrámos no carro em silêncio, e só cerca de dez
— Deixo
-te em casa? — perguntou.
enquanto o Nick dava banho à Maddie, para me contar que descobrira que as
dizer
-lhe que não, que ficava a dormir com ele, mas não podia abusar da
Além disso, tinha de acabar de fazer as malas, porque só faltavam cinco dias
para ir para a faculdade. Tinha de falar com a minha mãe, embora ainda andasse
estivesse
instalada em casa do Nick, quando já não houvesse como voltar atrás.
Era uma ideia arriscada, mas preferia enfrentar a minha mãe ao longe a contar
-
lhe pessoalmente.
— Sim, deixa
-me em casa — respondi, enquanto olhava pela janela, tentando
decidir o que fazer a respeito das corridas. Quando chegámos a casa, estacionou
junto à entrada, e pensei que saía comigo, pelo menos para cumprimentar o pai,
mas nem sequer desligou o motor. No entanto, não foi isso que me deixou
Voltei
-me para ele, surpreendida.
— O quê?
Um sorriso que não lhe chegou aos olhos apareceu então no seu rosto.
surpreendida. Por aquela não esperava, não se a Jenna estivesse certa a respeito
— Vens buscar
-me?
— Acho que não vou poder, trabalho o dia inteiro... É melhor encontrarmo
-
nos no restaurante.
Quando se voltou para mim, não encontrei uma centelha de dúvida, parecia
-
corridas, não sem me contar, e muito menos depois de tudo o que acontecera.
para trás. — Obrigado por teres ficado comigo estes dias. Não teria sido a
Quando prolongou o beijo, só fui capaz de rezar para ele não me estar a mentir.
No dia seguinte, à tarde, a Jenna veio a minha casa. Nunca a tinha visto tão
deprimida. Ela e o Lion não estavam nada bem, e não ajudava que a minha
— Sei o que estou a dizer, Noah, e tenho quase cem por cento de certeza de
perguntei, mais para mudar de assunto do que por outra coisa qualquer.
resume a desatarmos aos gritos e depois cairmos na cama a foder como uns
embora também não me chocasse assim tanto: a Jenna não era tão betinha como
as pessoas pensavam. Mas, não obstante o seu tom despreocupado, sabia que ela
estava mal, que se sentia destroçada e que a história das corridas a deixava mais
Lion pretendia correr nas corridas todas para ganhar dinheiro, sem se importar
terem matado da última vez que ali tínhamos estado. E não era só isso. Desde
Não sei, fiquei com a pele arrepiada quando o conheci — admitiu, parando
junto a uma T
-shirt branca, simples. A Jenna estava em todo o lado menos ali, a
muito bonito, não tanto quanto o Lion, mas é evidente que os pais deviam ser
pessoas atraentes... Tem os mesmos olhos verdes, mas acho que o olhar dele
esconde muitas coisas, coisas que o Lion não quer que eu saiba porque, quando
dela. Odiava ver a tristeza da minha amiga; a Jenna de antes era o oposto desta
que tinha agora à frente. Onde estava o seu sorriso constante, o brilho nos olhos
— Porque não vens jantar comigo e com o Nick esta noite? — propus,
sabendo que ele não se importaria com isso. A Jenna era sua amiga, de certeza
restaurante.
— Então está bem... Mas só vou contigo para não ficares sozinha, quando esse
porque não íamos propriamente jantar a um McDonald’s. Acabou por vestir uns
calções de couro pretos e uma blusa branca com umas sandálias rasas. Eu escolhi
quarto.
para três estava no nome do Nick, como ele dissera. O espaço era muito
romântica. Achei graça estar ali com a Jenna, rodeadas de velas, e também tive
dificuldade em imaginar
-me ali com o Nick. Aquele lugar era demasiado piroso
para ele. A Jenna começou a brincar quando os casais à nossa volta nos
insinuando
-se descaradamente. Ri-me enquanto bebíamos um copo de vinho
indispôs.
Desculpa, sardas, mas não vou conseguir ir jantar esta noite. Estamos
atulhados em trabalho, e, se não acabo os relatórios que me pediram, ainda
digo adeus à bolsa. Por favor, não fiques zangada. Depois compenso-te...
Janta com a Jenna, e divirtam-se esta noite.
Senti um fogo crescer dentro de mim, algo que estava a conter desde os
primeiros vinte minutos de espera. Não podia acreditar que fossem idiotas ao
Levantei os olhos para a Jenna, que, apesar de tudo, me olhava com alguma
pena.
Nick
Assim que carreguei em «Enviar», soube que aquilo ia acabar mal. Saímos nesse
uma parte de mim sentia a adrenalina percorrer todo o meu sistema nervoso,
algo de que, no fundo, sentia falta. Não que a minha vida não estivesse
difícil de abandonar. Dizia a mim mesmo que estava a fazer aquilo pelo Lion,
mas também o fazia por mim, porque o desejava; mais do que isso, porque
esconder qualquer coisa e saber que não ia ser capaz de curar os seus pesadelos
deixaram
-me num estado de nervos constante, e também não ajudava nada
Repeti várias vezes que ela estava a salvo com a Jenna, longe de toda aquela
Vesti o casaco e subi para a mota. O Lion e o Luca iam levar os carros até ao
deserto, mas na cidade. O trajeto não era muito longo, mas as apostas eram
volume máximo. Muitas delas soltaram gritos de viva quando me viram chegar,
e, mal senti que estava de volta ao meu grupo, a adrenalina começou a correr
-
aproximando
-se de mim.
Cumprimentei
-o com um punho enquanto desmontava e deixava o capacete
em cima do banco.
muito tempo que não via aquelas pessoas, e, pouco depois, todas elas me
O Lion apareceu uns minutos depois, e todos soltaram vivas para ele também,
ocasião. Tudo isto me fez lembrar as corridas do ano anterior, quando o meu
De certeza que ficara aborrecida comigo, mas estava com a Jenna, por isso não
Não lhe podia ligar porque iria ouvir a barulheira que me rodeava, por isso
decidi enviar
-lhe mais uma mensagem.
De pijama e deitada.
Suspirei de alívio ao tirar aquele peso de cima dos ombros. Com a Noah em
O Lion fez
-me sinal, e reunimo-nos com um tipo chamado Clark, que
explicou
-nos onde começava e terminava o percurso. Desta vez havia quatro
corredores: o prémio era grande porque era preciso pagar para entrar — nada
mais nada menos que cinco mil dólares por pessoa —, mas quem ganhasse
levava tudo, além do que conseguisse com as apostas, claro.
todas prontas para serem interrompidas, mas a bófia pode aparecer a qualquer
do Ronnie e do Cruz.
Já o tinha visto, estava junto a uma esquina, rodeado dos seus companheiros
de grupo, todos tão broncos como ele. Odiava aquela gente, mas uma parte de
não em murros, mas com dinheiro, algo que eles tanto valorizavam e desejavam.
— Encontramo
-nos aqui dentro de dez minutos — disse o Clark. A seguir,
aproximei
-me do Lion e do irmão.
— Não acho que seja muito complicado ganhar, mas não quero problemas. Se
Luca ia como copiloto do Lion. Eu, pelo contrário, preferia ir sozinho porque
detestava ter alguém ao meu lado nas corridas: distraía-me e não conseguia
que era antes de os meus olhos se cravarem no Audi vermelho que acabava de
saíram do carro, toda a adrenalina que sentira antes se esvaiu do meu corpo.
passadas tornaram
-se cada vez maiores, desejando encurtar a distância que nos
cravaram
-se nos meus, ao longe. Cruzou os braços e fulminou-me com uma
expressão de ódio. Quando cheguei à sua frente, contive-me para não a enfiar no
carro à força e sair dali em menos de um segundo, mas a mão dela voou tão
depressa que, quando me apercebi, me tinha dado uma bofetada seca na cara.
das pessoas.
nem te passe pela cabeça! Não te passe pela cabeça ordenares-me o que quer que
seja!
Empurrei
-a contra o carro e imobilizei-a com o meu corpo.
— Quero que entres no carro e te vás embora por onde vieste em menos de
três segundos, estás a ouvir? Não quero saber quão zangada estás, porra, não
Os olhos dela arderam contra os meus. Estava tão furiosa que tive de controlar
a vontade de a abanar por ser tão teimosa. Não importava que eu estivesse ali, a
mim não me faziam mal; conseguia aguentar qualquer merda, mas a Noah? O
lembras
-te? — respondeu, mexendo o corpo para se afastar de mim, mas sem
maneira como estava vestida... não podia ter arranjado uma roupa mais
chamativa?
— Para com isso. Maldita sejas — ordenei, agarrando-lhe as mãos com uma
das minhas, enquanto a outra lhe segurava o rosto para que me encarasse. —
resguardada na espécie de escudo que se formava entre ela e o resto das pessoas.
Voltei o rosto e cheirei a sua pele para me acalmar. Desta vez, as suas mãos
— Nem tu.
Afastei
-me apenas o suficiente para olhar para o rosto dela. Estava
Respirei fundo mais uma vez, tentando não mostrar como as suas palavras me
magoavam.
Lion, ainda esta manhã lho disse. Acabou-se, Noah... Só o faço agora como
— Não podes continuar a fazer isto por ele, Nicholas — respondeu, mas na
sua voz não havia raiva, e, sim, preocupação. — Sei que gostas dele como se
fosse teu irmão, mas estive a falar com a Jenna, e ele já não é a mesma pessoa; o
Tinha razão. Eu estava a avançar com a minha vida, enquanto ele cavava a sua
miséria com aqueles tipos, como o Cruz e o seu próprio irmão, o Luca.
Estendi os braços para a Noah e puxei-a para mim. Nunca deixaria que ela
— Vou fazer tudo para que o Lion abandone isto comigo — assegurei e
senti
-me pleno de felicidade quando a Noah encostou o rosto ao meu. Sabia que
acariciando
-a cuidadosamente com a ponta do nariz desde a maçã do rosto ao
lóbulo da orelha.
— Vai para casa, por favor; assim que isto acabar, também vou.
— Tenho de ir.
esperei até a ver com a Jenna junto ao Audi, prontas para se irem embora. Só
Vi o sorriso no seu rosto, embora, antes de ele voltar para o carro, também
tenha visto qualquer coisa que me fez ter um mau pressentimento.
Fui até ao lugar onde tinha o Lamborghini estacionado, entrei e liguei o motor.
O Lion entrou no carro que o Luca trouxe e conduziu até à partida. Uma
iluminada atrás dela, à espera de nos ver passar pelas suas ruas, cortadas a mais
de cento e noventa quilómetros por hora. Tudo tinha de ser feito depressa e
O disparo que dava início à corrida soou bem alto, e as bandeirolas desceram:
a corrida começara.
29
Noah
Quando a Jenna me disse como iam ser as corridas, senti-me invadida por um
medo horrível, por isso, quando vi o carro do Nick em fila, preparado para sair,
desatei a correr e, sem pensar nas consequências, entrei para o lugar do copiloto.
O Nick fitou
-me, primeiro surpreendido e depois enraivecido. Tive tanto medo
que desviei o olhar para a alavanca das mudanças e meti a primeira com rapidez,
obrigando
-o a concentrar
-se no que tinha de fazer.
Ainda bem que os seus reflexos eram incríveis, porque nem sei como fez para
arrancar e pôr
-se ao lado dos outros carros, que tinham uma pequena vantagem
sobre nós.
— Vou
-te matar, estás a ouvir? — gritou, metendo a quarta e pondo-se no
Os olhos desviaram
-se para o meu corpo durante um segundo quase
impercetível.
— Põe o cinto!
ali com ele: aquela corrida não era como aquela em que eu participara no ano
passado. Não importava quantas vezes lhe tivesse pedido que não o fizesse. O
Nicholas tomava as suas próprias decisões, e às vezes deixava-me fora delas. Esta
decisão fora minha: se ele corria, eu também corria; se ele se punha em perigo,
eu fazia o mesmo e não queria saber do que ele teria para me dizer. Quando
— Eu disse
-te para te ires embora! — vociferou, dando um murro no volante.
Estava furioso, mas eu também estava, não me ia deixar intimidar por ele. As
mundo, eu estaria ao seu lado e, se isto ajudasse a que o deixasse para trás, então
valia a pena correr o risco.
ousadia fê-lo cerrar o maxilar, fazendo inchar as veias do pescoço de uma forma
estivessem nos pedais do carro. Gostava tanto de correr que o meu corpo era
pegar no volante e mostrar a todos como era boa, embora da última vez não
pudesse ter
-me saído pior, mesmo que tivesse ganhado a corrida.
Apesar de o Nick ser muito bom, neste momento só via uma pessoa que não
compreendia o mal que aquilo nos podia causar. Não importava que outras
tudo o que me fazia lembrar o meu pai... Custou-me muito, e agora estava ali
novamente, a odiar
-me por gostar tanto de uma coisa que tinha conseguido
unicamente nos carros que tínhamos pela frente, pela frente e não atrás:
estávamos a perder.
— Não posso acreditar que vou a cento e sessenta contigo aqui no carro.
— Mas este carro consegue andar a duzentos, por isso prego a fundo, senão
vamos perder.
— Cala
-te! — ordenou, voltando a virar o rosto para mim.
Observei
-o em silêncio enquanto o via manusear a alavanca das mudanças,
acelerar quase até chegar aos duzentos quilómetros por hora e assim conseguir
Foi então que as coisas mudaram e que vi, horrorizada, aparecerem mais carros
devia acontecer.
evitava dois carros que iam a setenta quilómetros por hora. Com uma manobra
emocionar
-me.
O Lion era o único que estava à sua frente e, apesar de o segundo lugar
agarrar ao tablier para não ir contra a porta. Ficámos mesmo atrás do Lion.
Estávamos perto, mas não o suficiente... Dei um grito quando o Nick entrou na
faixa contrária para poder ultrapassar um camião que nos buzinou. Nem eu
teria sido tão ousada, mas serviu para diminuirmos a distância. Se nos
nos faltavam poucos metros para alcançar o carro do Lion e do irmão e para o
vinte.
— O que estás a fazer? — gritei, incrédula, virando o corpo todo para ele e
— Estou a dar
-te uma lição — respondeu ele, pisando novamente o
acelerador, mas não nos serviu de nada: o Lion acabara de cruzar a meta.
primeiro e segundo lugar, não importa a ordem — disse ele ao cruzar a meta.
Parou o carro com uma travagem, e preparei-me para o que aí vinha, mas de
repente umas luzes chamaram a sua atenção, e virou-se para olhar pelo vidro
todas as regras de trânsito, fazia uma curva e entrava na faixa que estava mesmo
ao nosso lado. O ruído das buzinas dos carros e os gritos dos transeuntes
assustaram
-me, e só depois percebi o que estava a acontecer.
— Atende — ordenou
-me, concentrado na estrada —, está no meu bolso
esquerdo.
Inclinei
-me sobre ele e meti a mão no bolso das calças de ganga, até pegar no
telemóvel.
— Põe em alta
-voz — grunhiu.
Fiz o que me dizia, e a voz de alguém que não conhecia ecoou dentro do carro.
— Eu sei. Não faço ideia do que aconteceu. Alguém deu com a língua nos
tinham
-nos apanhado no descampado, e agora iam naquela direção. Achei que
tínhamos alguma vantagem, mas estava tão assustada que nem era capaz de
pensar com clareza. Agora via como tudo aquilo era perigoso e também me
lembrei de que o Nicholas era um idiota por ter vindo. Devia ter feito o que lhe
— O Toni levou
-a para o sítio do costume. Já sabes o que tens de fazer. Se
fores rápido, acho que não te apanham. — O Nicholas pegou no telemóvel que
Ficámos em silêncio.
não podia ir para a universidade, e, para ele, que já tinha antecedentes, seria
ainda pior. Se o prendessem, nem o pai seria capaz de o tirar desta alhada.
se por umas ruas que eu não conhecia. Parecia muito seguro do sítio para onde
se dirigia, e eu limitei
-me a rezar para que houvesse alguma saída. Os carros da
polícia vinham atrás de nós. Sabia-o porque ouvi o ruído das sirenes, mas ainda
Continuámos até o Nick virar para uma rua secundária. Não demorámos
numeradas; ele virou para uma rua de terra enlameada e, ao chegar à frente do
meteu o carro lá dentro; a mota que tinha visto na garagem de nossa casa estava
ali.
— Sai do carro — ordenou, e nem me passou pela cabeça desobe
decer
-lhe.
Ao sair, vi que havia ali algumas caixas e móveis velhos: devia ser o armazém
dos monos dos Leisters, e o Nick devia usá-lo em ocasiões como aquela.
Pegou numa lona que estava em cima de uma mesa e tapou rapidamente o
carro. Levantou
-se uma nuvem de pó que quase não me deixava ver, e comecei a
tossir, afastando
-me do carro. Percebi então que ele estava atrás de mim;
agarrou
-me pela cintura, e o que senti a seguir foram as minhas costas a chocar
— Agora vais fazer tudo o que eu disser, Noah. Estou a falar muito a sério —
largou
-me, destilando raiva por todos os poros da pele. — Se não fosse a merda
Tive de pestanejar várias vezes, surpreendida pela dureza das suas palavras e
pela vontade que tinha de chorar. Por mais razão que tivesse, o responsável por
estarmos naquela situação era ele; ele é que decidira voltar àquele mundo de
Puxou
-me até chegarmos à mota. Só havia um capacete, e o Nick apressou
-se
a pôr
-mo na cabeça. Os seus olhos demoraram-se um instante a mais sobre os
meus, e não soube interpretar o que lhe ia na cabeça. Subiu para a mota, e eu
montei
-me atrás. Inclinei
-me contra o seu peito e abracei-lhe o corpo com as
podia crer que estava numa mota, a fugir da polícia e a aguentar com toda a
raiva do Nick quando fora ele que nos pusera naquela situação. Senti que as
minhas mãos se retesavam sobre o estômago firme dele e que o seu corpo reagia
de imediato. Uma das suas mãos voou em direção às minhas a apertou-as com
força.
Dez minutos depois, vi que dobrava uma esquina e parava numa bomba de
gasolina.
vi
-o aproximar
-se e desatei a correr. Não queria tê-lo à frente, não queria que
possível.
vedação, que estava entreaberta, e entrei. O Nicholas não conseguia passar por
ali, nem pensar, por isso parei quando o ouvi travar do outro lado e voltei
-me
— Sai daí.
— Não.
zangado do que alguma vez o vira durante todo o ano em que namoráramos.
repetição.
Parou por instantes, talvez porque não sabia o que fazer a seguir.
casa, tinha vontade de me ir embora e não me apetecia que fosse ele a levar
-me.
— Alguma vez te passou pela cabeça que não és a única pessoa que faz parte
desta relação? Que tudo isto funciona nos dois sentidos? Que eu também me
preocupo contigo e que estou farta de que me mintas, de que me deixes fora das
tuas coisas?
— Eu sei cuidar de mim mesmo, ao contrário de ti, que não fazes a menor
ideia!
estava fora de mim: naquela noite receara por ele, pelos dois, porque ele
arriscara tudo, tudo o que tínhamos, tudo o que nunca sonhei poder ter.
claramente magoado.
lágrimas, angustiada por finalmente dizer aquilo que guardava dentro de mim
há tantos meses. — Estás sempre a dizer que vais mudar, que vais deixar estas
Ele retribuiu
-me o olhar, incrédulo.
— Pelo menos tento. Deixei tudo por ti, tentei ser melhor, mas tu, pelo
contrário, pões
-te em perigo e não confias em mim. Há coisas que não me
— Estás a referir
-te à «merda do meu trauma»?
Ri
-me sem vontade.
— Noah, sai daí, por favor — implorou, enquanto todos os meus medos se
atropelavam no peito e as lágrimas me subiam aos olhos, sem poder fazer nada
Sentei
-me no chão e abracei as pernas com as mãos. Não queria que ele me
— Noah! — gritou, desesperado, e ouvi a vedação chiar quando ele lhe deu
Levantei a cabeça e fiquei ali parada, a olhar para ele. Ele parecia desesperado,
mas eu também estava, porque tinha muitas coisas guardadas dentro de mim e
não tinha segurança suficiente para saber se, quando ele as soubesse, me
me mal!
A dor toldou o seu rosto, e os braços puxaram a vedação com força, tentando
soltá
-la. Pus
-me de pé. Era uma loucura.
— Então, vai
-te embora! — respondi, furiosa. Peguei num ladrilho que
chegou a bater nela. — Se não somos capazes de fazer com que isto funcione,
vai
-te embora, Nicholas!
Virou
-me as costas e praguejou em voz alta. Depois de alguns minutos em
corridas. Estava furioso, continuo a estar, mas também sei que, se não tivesse
— Eu sei, está bem? Entendo... Mas, por favor, não aguento estar longe de ti,
— Não resolvemos nada, sabes isso, não sabes? — disse, quase num
murmúrio.
Ficou calado, a olhar simplesmente para mim, e este olhar bastou para os
meus pés decidirem por mim. Aproximei-me do sítio onde ele estava e
esgueirei
-me pelo buraco da vedação. A mão dele puxou-me, e uns segundos
depois fui rodeada pelos seus braços, que me apertaram contra o corpo como se
lhe doesse fisicamente não me ter colada a si. Respirei o aroma do corpo dele, e
— Deixaste
-me plantada — acusei, magoada. Não conseguia rechaçar a
— Disseste
-me uma vez que não fomos feitos para estarmos separados —
Ia responder
-lhe, mas naquele instante alguma coisa começou a vibrar entre
franziu o sobrolho.
consigo tirá
-la de lá, não te preocupes. Estou aí em menos de vinte minutos.
— Prenderam a Jenna.
30
Nick
encostados ao carro, o mais velho a fumar, e o mais novo com a cabeça entre as
pena vê
-lo assim.
enquanto tirava o capacete, que lhe ficava demasiado largo. Quando me juntei a
acercou
-se de mim. — Se apanhar o gajo que fez isto, juro-te que o mato!
ligar ao meu pai, mas, caramba, se ele soubesse o que tinha acontecido naquela
impedi
-la.
— Nem sonhes, Noah, não quero que ponhas um pé ali dentro. Fica aqui e
A Noah e o Lion olharam fixamente para mim e, para variar, decidiram dar
-
nome. Era a última pessoa a quem pensaria pedir ajuda, mas, já que tínhamos
trabalho decidisse aparecer. Recorrera a ela porque sabia que tinha contactos
naquela zona. O pai vivia numa das grandes urbanizações próximas, e, além
disso, naquele momento era ela quem estava a ficar com os casos pro bono, e já
adolescente de ir para a prisão por posse de droga e ainda conseguira que não
Pedi à Noah e aos meus amigos que ficassem no carro e me deixassem resolver
aquilo. Não sabia com que humor a Sophia iria aparecer e preferia enfrentá
-la
sozinho. Pelo pouco que o Lion me contara, tudo acontecera muito depressa: a
Jenna não teve tempo sequer de entrar no carro, apanharam-na enquanto toda a
gente fugia. Não fora a única a ser detida, mas agora não podia preocupar
-me
com mais ninguém, toda a gente sabia o que arriscava ao assistir a corridas
dia seguinte o levariam a casa do meu pai. Era só o que me faltava, a polícia ter
Afastei
-me do carro do Lion e aproximei-me da Sophia.
— Ficas a dever
-me um favor tão grande que não viverás anos suficientes para
— Obrigado por teres vindo — disse, fazendo a minha melhor cara. Ela
sorrir
-me com superioridade.
mim com um ar divertido e perverso. — Acho que gostava de o ouvir outra vez.
desviaram
-se dos meus e dirigiram-se ao carro do Lion, onde estavam os três,
incluindo o Luca, à espera com nervosismo.
— Não sei em que sarilhos estás metido, Leister, mas juro-te que, a cada dia
— Jenna Tavish.
— Não queremos que ninguém saiba disto. Temos de ser discretos. Além
disso, ela não fez nada, só estava no lugar errado, na hora errada — respondi,
Voltei
-me para ele e pousei uma mão no seu peito.
Ela olhou para nós com um sorriso condescendente, primeiro dirigido a mim,
depois ao Lion, e, mal vi o olhar de superioridade que nos lançou, percebi o que
estava a pensar.
— Eu ajudo
-vos — anunciou, dirigindo-se aos dois —, mas não voltas a
chamar
-me Soph, porque, aí sim, vamos ter um problema.
Ri
-me ao ver a seriedade com que o disse. Bolas, as mulheres das novas
dissesse!
A Sophia ordenou
-nos que ficássemos ali fora enquanto ela fazia uma chamada
todos ficámos na rua, à espera de que ela fizesse o que era necessário.
A Noah continuava no carro, e aproveitei para ir até à janela. Parecia esgotada
A Noah assentiu em silêncio, sem olhar para mim, mas não pude fazer grande
saiu, toda suja, despenteada e com um pequeno golpe na maçã do rosto direita.
mim. Sorri
-lhe ao longe e fiquei a observar enquanto entrava no carro e se ia
embora pelo mesmo caminho por onde viera. Afinal, talvez não fosse assim tão
intragável.
«Merda!»
— Não! — gritou ela, dando um passo atrás. — É que nem te atrevas a pedir
desculpa! Juraste
-me que tinhas acabado com estas coisas. Estive o verão inteiro
à espera de que mudasses, de que, por uma vez na vida, fizesses o que era mais
Aproximei
-me deles sem saber muito bem o que fazer. Entendia o ponto de
— Fui uma estúpida — disse ela, a soluçar — fizeste-me sentir culpada por
ser quem sou, por ter o que tenho; tentei ficar sempre ao teu lado, fazer tudo o
que estivesse ao meu alcance para continuarmos juntos, e a única coisa que
exatamente o contrário!
dinheiro.
Esta foi a gota de água para a Jenna, que deu um passo em frente e o
— Eu não quero saber do dinheiro para nada! Estava apaixonada por ti! Não
O Lion agarrou
-lhe os braços com força enquanto ela lhe batia no peito.
Lion, e deu três passos atrás. — Não vou deixar que me arrastes contigo.
Lion.
— Meu — disse
-lhe, pousando uma mão no seu ombro; aparentava estar
O Lion olhou para mim sem me ver, e a Noah acompanhou a Jenna até ao
inteira como mero espectador, embora o seu olhar não se desviasse um segundo
do rosto do irmão. Apanhou as chaves no ar. — Olha pelo teu irmão esta noite
Gostava de ter ficado com o Lion, mas sabia que naquele momento o melhor
que podia fazer era pôr as duas raparigas que tinha no banco de trás a salvo e
rezar para que, no dia seguinte, ambas encarassem as coisas de forma diferente.
A Noah decidiu ficar a dormir com a Jenna, e, quando lhe fui dar um beijo de
aviso claro do que podia suceder se não tivéssemos cuidado, e tinha a certeza de
Temi que, naquela noite, tanto eu como o meu amigo tivéssemos ultrapassado
sujidade acumuladas faziam aquela casinha parecer uma pocilga. O Luca parecia
deplorável do irmão para fazer tudo o que lhe dava na gana. Apesar de ter
passado quatro anos na prisão, continuava a ter todos os maus hábitos de antes,
e eu nem queria pensar na influência que ele podia exercer sobre o Lion.
punha num saco todo o lixo que havia espalhado sobre o sofá e a mesa imunda
no canto da sala. Estava a ficar irritado com aquilo. Não tinha nada que andar a
— Deixa
-me em paz, foda
-se, só me apetece embebedar
-me e perder a
consciência.
— Ouve, Lion, já se passaram dois malditos dias, está bem? Não te estou a
— A Jenna deve estar destroçada, e a culpa é toda minha, tudo porque não
sociais...
atirou
-lhe com uma lata de cerveja vazia à cabeça.
Tinha de fazer alguma coisa para aqueles dois idiotas voltarem a ficar juntos:
por muito lixado que o Lion estivesse, ele não era a mesma pessoa se não tivesse
a Jenna.
— Se achas que a Jenna está caída na cama a chorar por ti, estás muito
o Lion ergueu
-se no sofá para olhar para mim. — Ela está na praia com a Noah.
Vão sair pela última vez com os colegas de turma, antes de irem todos para a
universidade.
— Não olhes assim para mim! São todos uns idiotas mimados. Tu és o único
que se safa. — Deu um salto do sofá e foi para a casa de banho. — Dá-me cinco
minutos.
Deixei o saco do lixo no chão e sorri, divertido, para o Luca. Pelo menos
consegui que ele se levantasse do sofá. Já valia a pena por me ter chamado
Tenho de confessar que também não achei muita graça ao facto de a Noah
estar na praia a beber com os colegas de turma. E, por mais que lhe tivesse
prometido que a deixava em paz, uma parte de mim usara a Jenna e o Lion
como pretexto para ir ver se estava tudo bem com ela... Se estava tudo bem
connosco, para ser mais exato. Desde a noite da confusão que não nos víamos, e
não sabia bem como estavam as coisas entre nós. Precisava de a ver e de falar
com ela.
A pequena reunião era na casa de uma das colegas da Noah, Elena qualquer
coisa, que tinha a sua própria praia privada... enfim, como toda a gente ali.
Estacionei à porta da casa dela e vi que havia ali carros a mais para que aquilo
fosse só uma pequena reunião. Quando entrámos, estavam ali mais de cem
pessoas, quase todas de fato de banho. A música ecoava muito alta por todas as
salas. O Lion parecia tão deslocado no meio de toda aquela gente que o obriguei
Ao aproximarmo
-nos delas, quando nos viram, ficaram imóveis como pedras.
número dois — disse a Jenna a sorrir, enquanto levava a garrafa à boca e fazia
uma careta de nojo. Estavam as duas vestidas com calções muito curtos e a parte
de cima do biquíni.
Vi o Lion aproximar
-se da Jenna com cuidado.
cintura.
— Larga
-me! — gritou ela, afastando-se e caindo de traseiro na areia.
A Noah mexeu
-se entre os meus braços para a ajudar.
— Deixa
-a, Lion!
Observei a cena com cuidado. Conhecia o meu amigo quase tão bem como a
mim mesmo. Estava tão irritado com aquela situação que não estranhei a sua
Agachou
-se com dificuldade e pôs a Jenna sobre o ombro.
— Podes fazer
-me todos os insultos intelectuais que quiseres, mas vens
comigo.
A Noah voltou
-se para mim com as faces rosadas.
— Ela chamou
-lhe Homo erectus. Não posso envolver
-me depois disto. Nós, os
A Noah fulminou
-me com o olhar, e eu ri-me, enquanto a segurava pelos
irritação, porque, quando me sentei com ela no meu colo, aninhou-se entre os
Observei
-a e acariciei
-lhe as costas com delicadeza.
fecho para cima. Um segundo depois, apoiou a cabeça no meu ombro, e senti a
ligeiramente.
olhos e adormeceu.
Levantei
-me e levei
-a ao colo até ao carro. Já tinha festejado o suficiente. Não
fazia ideia de onde estava o Lion, mas não podia continuar a ser eternamente a
sua ama
-seca. Ele saberia o que fazer. Liguei o carro e levei a Noah a casa. Ela
estava tão embriagada que nem queria imaginar a ressaca que teria no dia
seguinte. Acho que era de esperar que bebesse, tinha dezoito anos, mas nunca
Embora muito contrariado, decidi ficar a dormir na casa do meu pai. Dali a
Noah
Não ia ser um dia bom, percebi-o mal abri os olhos de manhã. Não só por causa
porque fazia um ano que o meu pai morrera por minha causa.
noite anterior e fui a cambalear para a casa de banho, tomar um duche. Nem
sabia como tinha chegado ao meu quarto. Bebi tanta tequila que acho que o que
me corria nas veias era álcool e não sangue. Lembrava-me de ter visto o Nick
Ia ter de ligar à Jenna para saber como tinha acabado a noite, mas hoje não...
meus demónios interiores e chorar pelo pai, que nunca me amou, pela pessoa
amasse.
Sei que era uma idiota por continuar a pensar nele, mas as suas palavras e a
pesadelos faziam parte das minhas noites e, por vezes, perseguiam-me durante o
dia.
Tinha amado o meu pai. Será que isso fazia de mim um monstro? Seria um
monstro por ter amado uma pessoa que batia na minha mãe e que a magoava
Fechei os olhos, deixei que a água caísse sobre mim e passei a esponja pelo
corpo. Sentia
-me suja por dentro... Odiava aqueles pensamentos. Por vezes
comportar
-me de uma maneira que nem eu nem o meu falecido pai
merecíamos. Porque ele não merecia as minhas lágrimas, não merecia sequer
Ele fora meu pai, e a minha mente infantil, a minha mente pueril retorcida,
obrigara
-me a olhar para o outro lado de cada vez que aquele homem maltratava
analisar
-me a partir de outra perspetiva, mas nada fazia sentido.
Nos meses que passei no lar de acolhimento, tive muitas saudades da minha
mãe, claro, mas também dele... Tinha saudades de que me tratasse melhor do
que a ela; de uma forma horrível, tinha gostado de ser diferente, de ver que o
meu pai nunca me fazia mal, que me amava mais do que qualquer outra pessoa,
que eu era especial para ele... Claro que, no fim, tudo se desmoronou, porque
As recordações, as conversas, voltaram a mim sem que pudesse fazer nada para
o remediar.
— Tu és má! — gritou
-me uma das meninas do lar de acolhimento. Naquela casa
horrível e com pais a fingir, que não nos amavam nem cuidavam bem de nós, éramos cinco
meninas e um rapazinho.
— Tu roubaste
-me a boneca! — gritei-lhe, tentando fazer
-me ouvir por cima do choro
da menina loura que estava ao nosso lado. — Se te portares mal, recebes um castigo.
continuava a acusar
-me com o dedo sujo espetado, enquanto abraçava a irmã de quatro
anos, que chorava com a bochecha vermelha, depois da bofetada que eu lhe tinha dado.
As outras duas meninas, que tinham sete e seis anos, respetivamente, puseram-se atrás
da Alexia, a morena das tranças. Odiava ver que gostavam dela e de mim não. Eu só
tinha reclamado uma coisa que era minha. Aquela menina tirara-me a boneca à força.
— Tu és má, Noah, e ninguém gosta de ti — disse a Alexia. Era quase tão alta como
eu. Éramos as mais velhas da casa, mas ela tinha um olhar feroz que eu não era capaz
de imitar. Apesar de ter batido àquela menina, eu só queria que fôssemos amigas.
Tentara explicar que, quando eu acabasse de brincar, ela podia ficar com a boneca,
podíamos partilhá
-la, mas ela tirara-ma, arrancara-ma das mãos. — Ninguém fala
mais com ela — ordenou, voltando-se para as outras. — A partir de agora, ficas
sozinha, porque as meninas abusadoras como tu não merecem que ninguém goste delas. És
má e és feia!
o deixara bem claro: só os fracos choram. A minha mãe era fraca porque chorava, eu não.
As meninas uniram
-se todas no coro, até a pequena que estava a chorar e que agora
sorria e cantarolava com as outras. Agarrei com força na boneca e saí dali a correr.
e fitei a minha tatuagem. O meu dedo percorreu-a: era pequena, mas tinha um
aquilo me ultrapassasse. Tivera o seu tempo, e não podia deixar que voltasse a
afetar
-me.
porta e deixei
-o entrar. Não sabia que tinha dormido ali. Virei
-lhe as costas,
enrolada na toalha, e peguei no creme que estava numa prateleira. Não queria
— Dói
-me a cabeça — respondi, contornando-o e saindo para o meu quarto.
Sabia que ele vinha atrás de mim, mas só esperava que compreendesse que não
era um bom dia para mim. Por vezes éramos capazes de perceber os estados de
trazido quando me mudei para ali. Era das poucas coisas que ainda não tinha
Senti
-o atrás de mim quando estava a tirar a toalha da cabeça e o cabelo
naquele momento, ele era o meu oposto. Com umas calças de ganga Levi’s, uma
T
-shirt branca Calvin Klein e o cabelo despenteado, parecia um modelo de
passarela.
— Preparei
-te qualquer coisa para comeres antes de me ir embora — disse,
beijando
-me o rosto. — Gostava de ficar aqui contigo e de passar a tarde a ver
Suspirei de alívio. Não queria que me visse naquele estado; não estava boa
que tínhamos gritado um ao outro, a sua maneira de me atirar à cara que não
confiava nele... Mas, se sentia que nem eu conseguia entender estas coisas, como
poderia contá
-las ao Nick? Sabia que ele percebia que alguma coisa não estava
bem, e uma parte de mim morria por procurar consolo nos seus braços, mas não
podia... Tinha medo de lhe contar certas coisas e não queria que ficasse
Foi
-se embora, preocupado, e eu tentei forçar um sorriso para ele ficar
Há muito tempo que não passava horas em frente à televisão, a ver Friends e a
Este era o meu dia negro e, por mais que inicialmente tivesse querido que o
um abraço.
cozinha quando desci para ir buscar um sumo... e mais chocolate. A minha mãe
William entrar com calças e camisa de trabalho, percebi que alguma coisa se
passava.
A minha mãe, que estava a dar instruções à Prett, voltou-se para mim e
olhou
-me de cima a baixo com o sobrolho levemente franzido.
«O senador?»
Menos mal.
— Sim, a verdade é que prefiro saltar o jantar a ficar sentada a conversar com
pude.
telemóvel para ligar ao Nick. Sabia que ele ia trabalhar no dia a seguir e que
não planeava ir lá a casa, mas também sabia que bastaria uma chamada para que
Tinha dúvidas, mas precisava mesmo de ouvir a sua voz, e marquei o número
dele.
a abrir
-se ao fundo.
— Qual porta?
Nem parei para pensar no que as suas palavras significavam nem nas vozes de
mulher que ouvira pelo telemóvel. Saí de casa com a intenção de me atirar para
os braços dele, mas, em vez disso, deparei com ela: a rapariga que tinha tirado a
Jenna da cadeia.
Fiquei parada junto à porta.
Vinha vestida com elegância, com uma saia travada, preta, até aos joelhos, e
dúvida, uns Manolo Blahnik e faziam-na parecer quase tão alta como o Nick.
assombro ao afeto.
Imobilizei
-me, com a porta aberta e a corrente de ar a fustigar
-me a cara e o
— Noah, apresento
-te a Sophia Aiken, minha colega de trabalho — disse o
A Sophia olhou para mim com um sorriso curioso nos atraentes lábios
carnudos e estendeu
-me a mão com as unhas tão bem arranjadas como as da
minha mãe.
Cumprimentei
-a, intimidada, sentindo-me completamente deslocada.
Sem me dar tempo para responder, a minha mãe apareceu no papel de anfitriã
— O teu pai ainda não chegou, Sophia. Se quiseres ir para a sala beber
Antes que o Nick fosse atrás dela, fuzilei-o literalmente com o olhar. Agora
que o choque inicial passara, só sentia raiva, raiva e uma vontade horrível de
chorar.
O Nick parecia tão confuso quanto eu, e os seus olhos desviaram-se do meu
rosto para a T
-shirt , para as calças.
naqueles preparos?
— Pensei que a tua mãe te tinha dito... Ligaram-me hoje à tarde a pedir que
convidasse a Sophia para jantar cá em casa, porque o pai dela quer conhecer
-me
e sei lá mais o quê. Pensei que sabias. No outro dia, com aquela cena toda da
Jenna, não tive oportunidade de ta apresentar.
— Ninguém me disse que vinhas; se soubesse, não tinha dito que não queria
jantar com eles — respondi enquanto ouvia a minha mãe falar com a Sophia na
sala. — Não vou entrar assim... Vou para a cama e, quando isto acabar, falamos.
aceitei esta merda porque pensei que estarias aqui. Não sei quais são os planos
de voz calmo. — Além disso, porque nunca me falaste dela? Parecem ser muito
amiguinhos.
O Nick parou por um instante de sobrolho franzido. Olhou para o sítio onde
mim.
O Nicholas soltou uma gargalhada que só fez que com ainda ficasse mais
mal
-humorada.
— Por amor de Deus! Ela é só uma betinha insuportável que quer arranjar
um lugar na empresa do meu pai, para não ter de trabalhar para o dela. Não
Se um olhar matasse, acho que a esta hora o Nicholas já estaria a sete palmos
de terra.
Olhei para o meu reflexo ao espelho com frustração. Não fazia tenção de me
arranjar para aquele maldito jantar, nem pensar. Não me ia arranjar por causa
dela.
Despi a T
-shirt esburacada e deixei-a caída no chão enquanto via o que poderia
usar sem desfazer as malas que estavam no quarto de vestir. Acabei por me
decidir por umas calças de ganga pretas, justas, simples, daquelas que vestimos
Desfiz o carrapito e substituí-o por um rabo de cavalo alto, lavei o rosto e pus
Quando desci para a sala, ainda com um humor de cão, há que dizê-lo, ouvi a
voz de um homem que nunca ouvira antes. Os cinco, o William, a minha mãe,
pareciam todos saídos de uma revista; muito distintos, altos e elegantes. Olhei
fitou a minha T
-shirt , mas, antes que tivesse tempo de me recambiar ao quarto,
o Will apercebeu
-se da minha presença e deu
-me as boas-vindas com um
sorriso.
Ao contrário da filha, o Riston não podia ser mais americano: louro, de olhos
claros como a minha mãe, com as costas largas e tão alto como o Nick. Só pude
agora que via uma no queixo dela, já não achava tanta graça.
Sorri e estendi
-lhe a mão. Reparei no Nick, ao meu lado, mas, em vez de o
sentir caloroso e protetor, desta vez parecia que tínhamos uma barreira a
separar
-nos.
Não demorámos muito a passar à sala de jantar, onde a Prett tinha organizado
uma mesa melhor até do que a do Natal, festividades que a família Leister
decidira ignorar até eu e a minha mãe virarmos o seu mundo de pernas para o
ar. Ainda me lembrava de como fora divertido ver o Will e o Nick com gorros
divertira
-se imenso a pendurar azevinho nos locais mais escondidos da casa.
Para grande aborrecimento meu, e porque o meu prato fora posto no último
instante, fiquei sentada ao lado do senador, com a Sophia e o Nick à minha
Deus do céu... por que razão tinha tantos ciúmes? Era por me sentir tão mal
ao comparar
-me com ela?
Passaram o jantar inteiro a falar não sei de que projeto que parecia
com a mesma paixão com que eu falava das irmãs Brontë ou de Thomas Hardy.
olhos que o projeto lhe interessava realmente, e eu nem sequer era capaz de
perfeita idiota. O William não parava de a elogiar e de se dirigir aos dois como
se formassem uma equipa. Todos pareciam olhar para eles como se fossem um
estômago.
A sua pergunta conseguiu fazer com que um calor intenso crescesse dentro de
Era assim tão óbvio que não fazia a mais pequena ideia do que eles estavam a
falar? Que não era tão adulta como a sua filha e que tinham de me fazer
perguntas por pena, no fim da conversa, como fazem às crianças quando lhes
peito.
Não podia partilhar os seus projetos porque nem sequer fazia ideia de que eles
existiam. O Nick não falava comigo sobre trabalho, porque sabia que não o
podia ajudar em nada... Naquele instante, a Sophia inclinou-se para ele e disse
-
lhe qualquer coisa ao ouvido. Não sei o que foi, mas o Nick sorriu e observou
-
me.
faculdade...
só comecei a sentir
-me zonza quando o silêncio se apoderou da sala,
interrompido apenas pelos talheres que a minha mãe deixou cair sobre o prato.
Nick... Parece que alguém se esquecera de lhe dizer que éramos namorados.
que estávamos juntos, por que diabo não se manteve afastada dele? Depois de
ter largado aquela bomba, deixei que os meus olhos se desviassem por instantes
para a minha mãe, mas arrependi-me de imediato: ia morrer naquela noite, era
evidente.
32
Nick
Quando fitei a Noah, depois de a Sophia me ter dito que fazíamos um casal
lindo, a última coisa que esperava era que ela fosse dizer aquilo.
Todo o meu corpo ficou tenso: o silêncio que se abateu sobre nós quando a
Noah disse finalmente que vinha viver comigo só foi interrompido pela sua
cadeira a arrastar
-se no chão antes de se levantar.
disse, pálida. Saiu da sala sem esperar que lhe respondêssemos. A mãe
preparou
-se para se levantar, mas o meu pai segurou-lhe na mão e sussurrou
-lhe
Na verdade, estava feliz por a Noah ter decidido finalmente contar à mãe o
que lhe andava a pedir desde o início do verão, mas esta não tinha sido a melhor
forma. Precisava de falar com ela. Sabia que alguma coisa não estava bem, por
desculpa para a ver e ficar a dormir mais uma vez lá em casa. Por muito que
antes de ir trabalhar. Além disso, alguma coisa me dizia que, além dos ciúmes
menor fundamento —, havia mais qualquer coisa importante que não me estava
a contar.
advertiu com o olhar para que ficasse onde estava. A Sophia, que se apercebeu
deixou de parecer tão incómoda... até que ouvi a porta da rua fechar
-se com
estrondo.
«Merda!»
Levantei
-me sem me importar com nada e fui a correr até à entrada. Quando
saí para o alpendre, vi que a Noah estava a tirar o descapotável do seu lugar de
estacionamento e, sem olhar para trás, a percorrer o caminho de acesso a casa a
toda a velocidade.
Entrei em casa para pegar nas chaves que deixava sempre na mesa de entrada.
A Raffaella apareceu vinda do nada, e o olhar que me lançou foi tal que tive de
— Nós pedimos
-vos que fossem devagar — acusou-me, olhando-me de uma
forma completamente nova. Acho que tinha acabado de perder qualquer tipo de
— Raffaella...
— Pedimos
-vos e prometemos que, se fossem discretos, não nos metíamos
sozinha.
— Faz hoje um ano que foi sequestrada... um ano que o pai morreu.
Não fazia a menor ideia de para onde ela podia ter ido. Andava às voltas como
um perfeito idiota, ao mesmo tempo que não parava de me recriminar por ter
sido tão cego. No dia anterior, quando estava embriagada, dissera-me que fazia
um ano. Caramba! Por isso estava naquele estado... Como podia ter
-me
esquecido daquela data? Ainda me lembrava do terror nos seus olhos quando a
coração quase me saltar do peito ao ouvir o tiro... O tiro que, por breves
segundos, achei que ele tinha dado à Noah. Não, esse pesadelo tinha ficado no
passado, enterrara
-o no fundo da minha mente, não queria voltar a recordá-lo.
Porém, era evidente que ela não tinha esquecido nada. Os pesadelos
continuavam a existir, por mais que o negasse, e tinha a certeza de que ainda
dormia com a luz acesa quando eu não estava com ela. Mas o pai estava morto,
já não existia. Já ninguém lhe podia fazer mal. Porque não enterrava as más
Foi então, depois destes pensamentos, que julguei saber onde poderia estar a
minha namorada. Senti um calafrio percorrer
-me o corpo todo.
a sair. Nunca tinha estado ali; os antepassados dos meus pais repousavam num
jazigo do outro lado da cidade. Ter ali os entes queridos custava uma pequena
fortuna, mas, agora que via pela primeira vez um cemitério público, achava que
que a Noah saíra só com a roupa que trazia ao jantar. Tive de me conter para
todos os dias.
Muitas estavam deterioradas, e eram poucas as que tinham flores ou algum sinal
de que as pessoas se lembravam dos seus defuntos, que repousavam por baixo.
Vi
-a imediatamente. Ali estava, sentada na relva em frente a uma lápide que
Ela ouviu
-me a chegar, porque se levantou depressa, com os olhos muito
decidiu olhar para mim, julguei ver até uma certa expressão de culpa.
— O que fazes aqui? — não consegui evitar perguntar. Não entendia por que
enquanto tirava o blusão. Avisei-a com um olhar de que não valia a pena
recompor de imediato.
divertido.
Não ia deixar que se safasse assim. Por muitos ciúmes que tivesse tido da
Sophia, aquilo não tinha nada que ver com ela ou com o facto de irmos viver
— Por que razão vieste aqui, Noah? — voltei a perguntar, dando um passo na
sua direção e desejando com todas as minhas forças ser capaz de a entender. —
Explica
-me porque estás a chorar a morte de um homem que tentou matar
-te,
explica
-me, porque acho que vou enlouquecer a tentar perceber isto tudo
sozinho.
nervosa.
Quero ir embora, por favor. Leva-me para minha casa ou para a tua, não me
A lápide era nova e estava muito limpa, e por cima tinha uma jarra de vidro
(1977-2015)
ENQUANTO DURMO.
desenho do nó de oito.
33
Noah
febril; quando decidiu por fim olhar para mim, vi que estava completamente
— Não é o que julgas — disse, dando um passo atrás. Era disto que andava a
fugir desde o início, era isto que não queria que ele soubesse...
— Então explica
-me, Noah... Juro que estou mesmo a tentar entender
-te.
Acho que nunca me esforcei tanto para entender alguma coisa, mas estás a
Senti
-me envergonhada, porque aquele assunto era meu, só meu... Não queria
vontade que tinha de chorar e que ameaçava voltar a encharcar o meu rosto com
O olhar dele era tão franco que me derreteu o coração. Era óbvio que queria
pôr
-se no meu lugar, mas também se tornara dolorosamente claro que não
conseguia fazê
-lo, e era isso que nos separava, o que eu temia que acabasse por
— Não serias capaz de entender, Nicholas, porque nem eu sei controlar aquilo
que sinto; não é que tenha saudades dele, é algo diferente... Sinto-me culpada
por as coisas terem terminado daquela forma, é isso... No fundo, ele... Houve
O Nick deu três passos até chegar a mim. Segurou-me o rosto entre as mãos
— Não penses assim, Noah — disse com suavidade e, ao mesmo tempo, com
firmeza. — Nada do que aconteceu foi culpa tua. O problema é seres demasiado
boa pessoa, caramba! Não és capaz de o culpar porque ele era teu pai, e entendo
isso, está bem? Mas não tiveste culpa nenhuma do que aconteceu... Foi ele
Determinou
-a quando te pôs as mãos em cima naquela noite, quando tinhas dez
anos.
Abanei a cabeça. Não fazia a menor ideia de como lhe explicar o que sentia
dentro de mim, porque tudo era uma enorme contradição... Ele tinha-me feito
mal... Mas então e todas as vezes que me abraçara, todas as noites que me levara
com ele para a pista e em que tínhamos corrido a toda a velocidade... Quando
Continuas a ter medo, apesar de ele estar morto. Ainda achas que lhe deves
O meu lábio começou a tremer... Sim, tinha medo dele... Tinha mais medo
dele do que de qualquer outra pessoa, porque esse sentimento era quase tudo o
— Porque a fizeste?
Olhei para os olhos do Nick e vi o meu reflexo neles... Era um reflexo que não
— Quando amarras uma pessoa com demasiada força... ela esforça-se por se
libertar ou fica amarrada para sempre. Eu sou das que ficam amarradas para
sempre.
Aproximei
-me e rodeei
-o com os braços. Não queria que ele se sentisse assim,
muito menos por mim; eu lidava bem com os meus problemas, ele não tinha de
se preocupar comigo.
Afastei
-me quando me disse aquilo.
— Acho que podias falar com alguém imparcial... Alguém que possa ajudar
-
— Tu ajudas
-me — interrompi de imediato.
— Não, não ajudo... Não sei como o fazer, não sei como posso levar
-te a
de mais ninguém.
Ele levou as mãos à cabeça. Parecia estar a ponderar o que dizer a seguir.
— Preciso que faças isto por mim — disse-me então. — Preciso de te ver
feliz para também eu poder ser feliz; preciso que não tenhas medo do escuro
acreditar que tens o dever de o amar ou defender porque, Noah, o teu pai era
porque era a primeira vez que admitia aqueles sentimentos em voz alta e agora
— Claro que não estás, meu amor, mas passaste por coisas que a maior parte
das pessoas nem sequer consegue imaginar e acho que não sabes bem como as
ultrapassar... Noah, só quero que sejas feliz, está bem? Vou estar sempre ao teu
lado, mas não posso lutar contra os teus demónios; essa é uma coisa que tens de
fazer sozinha.
ter insónias, mal dormia e não comia... Andava tão triste que não era capaz de
ultrapassar aquilo sozinho. Às vezes, falar com alguém que não nos conhece
ajuda
-nos a ver as coisas de outras perspetivas... Faz isto por mim, sardas,
Parecia tão preocupado comigo... E eu, no fundo, sabia que ele tinha razão.
Não podia continuar assim, a ter medo do escuro e com estes pesadelos a
perseguirem
-me quase todas as noites...
— Por favor.
Observei
-o durante alguns instantes e, de repente, senti-me muito grata por o
ter ao meu lado. Sabia que sem ele não me teria atrevido a tomar aquela decisão.
Senti o seu suspiro de alívio nos meus lábios quando se inclinou firmemente
para me beijar.
Não queria voltar para casa. A minha mãe estaria furiosa, e a última coisa que
— Dei cabo de tudo, não dei? — disse, esfregando a cara com as mãos
estrada.
Voltei
-me para o observar. Meu Deus... Íamos viver juntos, mesmo. Estava
feito e era iminente. Se quisesse, podia pegar nas minhas coisas naquele mesmo
dia, sair porta fora e começar uma vida nova ao lado dele.
se tinham ido embora, porque os únicos carros que ali estavam eram os do Will
Sem querer sair e ainda com uma angústia incomodativa no meio do peito,
colo, com os pés pousados no meu assento. Abraçou-me, e apoiei a face na cova
— Sobre a Sophia... Sei que não devia ter ficado assim, mas foi ela que tirou a
Jenna da cadeia, e tu nem sequer me tinhas dito que tinhas uma colega de
trabalho...
— Não tens nada com que te preocupar, Noah. Não sinto absolutamente nada
pela Sophia, nem por alguém que não sejas tu... Como podes sequer ter pensado
Virei um pouco o pescoço e pousei os lábios na pele suave da sua clavícula. Ele
— Fica comigo esta noite — sussurrei, sabendo que isso implicava ele
cima.
34
Nick
De manhã, saí de casa muito cedo carregado com duas malas da Noah. Não
tinha tempo para lidar com os nossos pais antes de ir trabalhar; também não
queria que me dessem cabo da felicidade por saber que já tínhamos começado a
viver juntos.
de tomar o pequeno
-almoço e estava esfomeado. Quando estava a terminar a
Observei
-a, sabendo que na noite anterior a deixara pendurada, embora isto
não fosse propriamente responsabilidade minha; além disso, estava com o pai.
Cumprimentei
-a com a cabeça e passei ao seu lado fazendo tenção de sair da
sala.
Ela meteu
-se à minha frente e olhou-me com ar de desafio.
não te apetece nadinha ir e em que ainda por cima te deixam sozinha com o teu
Tive de morder o lábio para não me rir. A verdade é que, posto nestes termos,
até tinha graça. Uma parte de mim gostou de a ver tão chateada.
braços.
idiotices sobre seres um bom advogado, teres um futuro brilhante à tua frente,
«trabalhar».
— Que parvoíces te meteram na cabeça? O meu pai disse que eu era um filho
responsável e maduro? Não sei o que andaste a fumar antes do jantar, mas de
A Sophia voltou
-se novamente para mim enquanto os lábios pintados de
passatempo favorito, e meteu na cabeça que o par ideal para mim seria o filho
do William Leister; se bem que não tenha sido apenas ele a apoiar a ideia, mas
também a tua madrasta. Quem a ouvisse falar de ti diria que te adora, embora
suspeite que isso tem mais que ver com o facto de não achar a menor graça a
andares enrolado com a filha dela... E menos ainda a irem viver juntos.
Cerrei os punhos com força. Não acreditava no que estava a ouvir. Aquela
mulher ia acabar comigo. Como se atrevia a insinuar que eu podia sequer vir a
interessar
-me pela Sophia, ainda por cima quando tenho a filha dela como
A Sophia aproximou
-se com uma expressão um pouco mais descontraída.
— Nota
-se que a amas, Nick — disse, apoiando a mão no meu antebraço. —
Mas digo
-te por experiência própria que ter uma relação que tantas pessoas
todas as coisas que ameaçavam acabar comigo e com a Noah. Desde a noite
anterior, em que tinha percebido que a Noah ainda estava afetada com o que
Uma coisa era lutar com unhas e dentes contra as pessoas que estavam
bastante diferente era lutar contra a Noah e contra os seus fantasmas. E, agora
que compreendia que ninguém, a não ser nós os dois, conseguiria que a nossa
relação seguisse em frente, não pude evitar temer que não nos estivéssemos a
empenhar o suficiente. Eu conseguia aguentar tudo, continuaria a lutar até ao
fim, jamais deixaria de o fazer, amava aquela miúda com tal desespero que só de
pensar nela ficava louco, mas e se a Noah se deixasse influenciar por outras
pessoas? E não só por pessoas... E se, afinal, aquele muro que ela abanava de vez
em quando, mas que nunca se decidia a derrubar, se erguesse mais alto ainda,
impedindo
-me de chegar até ela da maneira que sabia ser necessária?
Tinha apenas uma coisa muito clara: a Noah era a única que podia afastar
-me
— Tenho uma boa notícia para vocês — anunciou, olhando para nós com um
sorriso.
o meu lugar até eu ter experiência suficiente para o substituir e porque ele sabia
perfeitamente que aquele lugar que o deixava tão convencido era apenas
provisório.
A Sophia parou e olhou para ele com um brilho peculiar no olhar. A Sophia
trabalho na perfeição para assim poder subir na empresa e ter um cargo mais
importante.
pediram
-nos para enviarmos alguém daqui. Se bem me recordo, tu, Nicholas,
querias este caso, mas deixaste-o porque, para continuares nele, terias de ficar
em São Francisco. Pois bem, o trabalho mais difícil está feito, e basta
apresentá
-lo perante o tribunal e colaborar com a defesa. Será tudo bastante
rápido, e tenho a certeza de que poderão aprender muito com um caso destes.
— Marquei
-vos bilhetes para a primeira hora da manhã.
«Merda!»
possível. Se não concordas, estou convencido de que o teu pai vai adorar ouvir as
tuas queixas.
Pus
-me de pé lentamente e apoiei os punhos na secretária.
— Recomendo
-te que não puxes dos galões do meu pai em ocasiões como
esse dia chegar, vou adorar estar no público, a assistir. — Voltou-se para a
não deem cabo disto, porque, se o fizerem, alguém vai parar ao olho da rua!
avesso.
— ...sou eu quem vai acabar por pagar as favas, estás a ouvir? Controla
-te,
Quem ia agora dizer à Noah que eu tinha de ir para São Francisco com a
mesma rapariga de quem ela tinha tantos ciúmes e a quem os nossos pais
Noah
coisas más que podiam acontecer se fosse viver com o Nick. Foi então que
percebi que tinha de começar a ignorar todas as pessoas que queriam opinar
A Jenna tinha ligado o seu modo antirromantismo; desde que terminara com
continuar com as nossas vidas sem um homem ao nosso lado, que o mundo
atual estava à nossa disposição para o aproveitarmos e que não devíamos ter
nenhum tipo de amarra. Além disso, havia alguns dias que a sua frase favorita
— Estava tão animada com a ideia de irmos para a mesma faculdade para
— Isso é o que dizes agora, mas, quando deres por ti, serás uma daquelas
amigas que nunca ninguém vê porque passa o tempo todo com o namorado.
A Jenna ficou a olhar para mim com um dos meus livros na mão.
— Acabar com o Lion foi a melhor coisa que me podia ter acontecido —
declarou, e percebi que estava a tentar convencer
-se a si mesma. — Agora faço o
que quero, não discuto com ninguém, exceto com os idiotas dos meus irmãos
mais novos. Não tenho de me sentir culpada por ser quem sou, o que quer dizer
que arrendei um dos melhores quartos da residência, daqueles que custam uma
pipa de massa e têm a sua própria cozinha... Sim, sim, estás a ouvir bem E sabes
— Custaram seiscentos dólares. Sim, senhor! Gastei esse dinheiro todo numas
sandálias que daqui a um par de semanas já não vou poder usar porque vai estar
— Claro que faz, porque, apesar de ter aprendido imenso ao ver o meu ex
-
e, mesmo sabendo que o dinheiro não cresce nas árvores e que há muitas pessoas
a passar mal, também sei que quase todas, se estivessem no meu lugar, fariam
exatamente o que fiz. Por isso, por que motivo tenho de ser idiota e não
observar. — Porque tenho tudo o que quero, não tenho? Posso comprar o que
quiser, posso escolher para que universidade quero ir; mais do que isso, sabias
que o meu pai decidiu comprar um avião privado? Sim, sim, é isso mesmo.
A Jenna limpou rapidamente a lágrima que lhe caíra pelo rosto, atraiçoando
-
a, e apontou
-me com o livro que tinha nas mãos.
Eu e a Jenna tínhamos uma coisa em comum, que era não gostarmos de falar
chorávamos, era porque nos sentíamos realmente mal; a Jenna tinha de estar
— Sei que não queres falar disto, Jenn, mas acho que não passa de uma
Quis recordar
-lhe que estava comprometida, mas deixei passar. Se naquele
momento precisava de uma amiga foliona ao seu lado, então era isso que eu ia
não tínhamos falado desde que se fora embora, na noite anterior, e precisava de
saber a que horas me vinha buscar no dia seguinte. Ainda queria levar mais
algumas coisas e preferia contar com a sua forma física antes de me pôr a
A chamada foi diretamente para as mensagens, por isso deixei uma a dizer que
para passar a última noite naquela casa, a minha mãe apareceu no meu quarto, e
a expressão que encontrei no seu rosto fez-me preparar para uma bela discussão.
A minha mãe olhou para todas as malas e caixas espalhadas pelo chão do
— Fiz o possível para não interferir na tua relação com o Nicholas; mais
não fizeram mais do que avivar a minha ira por ver que se intrometia na minha
vida.
— Isto não é uma coisa que precise de discutir contigo, é a minha vida, e tens
de aprender a deixar
-me cometer os meus próprios erros e a tomar decisões
sozinha.
— Mas foste tu quem me trouxe para cá! — gritei, compreendendo para onde
— Não vou deixar que vás viver com o teu meio-irmão aos dezoito anos!
— Não vou entrar neste jogo, não vou discutir contigo, de maneira nenhuma,
e vou deixar apenas uma coisa bem clara, Noah: se fores viver com o Nicholas,
— O quê?
— Quem paga isso tudo é o William! — gritei, fora de mim. A minha mãe
estava a comportar
-se como uma desconhecida. Que diabo estava ela a dizer?
— Já falei com o William. És minha filha, e ele vai concordar com o que eu
decidir fazer contigo: se lhe disser para não te dar um tostão, ele não dá.
palavras.
— Achas que podes ter tudo, mas não é assim. Uma pessoa dá
-te a mão, e tu
— Candidato
-me a uma bolsa de estudos, porque vou viver com o Nicholas;
tu podes ficar com o teu dinheiro e com o do teu marido, para mim tanto faz.
A minha mãe abanou a cabeça. Olhava para mim como se eu tivesse cinco
anos. Estava a começar a sentir um calor intenso dentro de mim, um calor que
criança malcriada.
— Não posso acreditar que me estás a fazer isto — exclamei, sentindo uma
dor no peito.
Ela pareceu vacilar quando senti o lábio tremer ligeiramente. Era a última
tudo por mim; quando me obrigaste a mudar de país para te casares com um
desconhecido, prometeste
-me um futuro brilhante, e, agora que tenho
— Terás tudo o que queres. Basta que vás viver para uma maldita residência.
Até parece que, se o fizeres, nunca mais vais voltar a ver o Nicholas. Além
dela, dirigindo
-me ao outro lado do quarto. — Se me obrigares a fazer isto,
jamais te perdoarei.
A minha mãe parecia nem ouvir as minhas palavras, porque se limitou a olhar
— O Nicholas.
Meia hora depois, já tinha carregado as malas para o carro. Não conseguia
acreditar que a minha mãe tivesse feito chantagem comigo, para mais em
nem sequer tinha consciência do quanto eu estava a falar a sério. Estava tão
irritada que me foi absolutamente indiferente sair da casa dos Leisters sem olhar
uma única vez para trás. Havia um Leister em particular que me importava
mais do que toda aquela porcaria que a minha mãe parecia querer entre nós as
duas.
minha mãe se fechara no seu quarto que tentara falar com ele. Agora, atendia
finalmente o telemóvel.
consegui.
caso muito importante, e achei que ia conseguir apanhar o voo da noite, mas
Senti uma dor estranha no peito. Ele não estava ali... Não estava ali para me
— Tinha pensado regressar ainda hoje, mas achei que não fosse importante.
— E se fosse eu a viajar para outra cidade sem dizer nada? O que terias feito?
Sabia que estava a descarregar nele tudo o que me tinha acontecido, mas,
numa altura como aquela, precisava de o ter comigo. Deixara tudo para ir viver
com ele, e ele nem sequer ia estar em casa para me receber, para me ajudar com
as malas. Não estava cá, não estava, e essa era a única coisa que me importava!
— Deram
-nos? — perguntei, sentindo um nó formar
-se no meu estômago.
— Meu Deus, por isso não me disseste nada!... Sabias que ia ficar aborrecida.
Ouvi
-o praguejar do outro lado.
— Podes acalmar
-te? Estás a comportar
-te como uma criança.
sentindo
-me uma perfeita idiota. Era assim que as coisas iam ser dali para a
para a faculdade fez com que me saltassem algumas lágrimas dos olhos. Não
numa coisa: ele tinha quase mais cinco anos do que eu... Dali a pouco estaria a
lhe pedisse, o Nick me ajudava, mas com que cara me levantaria da cama todas
Sempre fora uma pessoa independente e, se a minha mãe não se tivesse casado
com o Will, de certeza que podia ter pedido uma bolsa para estudar numa
ninguém me daria um cêntimo, e estudar nos Estados Unidos não era barato.
À medida que a raiva se ia diluindo e dava lugar à angústia, percebi que, por
mais que quisesse viver com o Nick, por mais que desejasse ficar ali com ele,
acordar todos os dias ao seu lado, não podia fazê-lo enquanto não fosse
fosse maior de idade, se não tivesse dinheiro para começar a minha vida, quem
Se encarasse a questão a partir desta perspetiva, ir viver com ele era uma
quando ele me dissera, já me sentira constrangida por saber que não iria
um quarto...
Olhei para o ecrã e vi que tinha chamadas perdidas do Nick e da minha mãe.
vez.
A resposta era evidente: ir viver com o Nick ia ter de esperar... Pelo menos,
por enquanto.
na gaveta onde a deixara e li toda a informação que ela continha. Devia ter
que estava a sufocar. Que diabo ia fazer agora? Sentei-me na cama. Senti o
coração bater a toda a velocidade e tinha cada vez mais dificuldade em respirar.
«Acalma
-te. Tem de haver uma solução.»
Naquele momento, ouvi a porta de casa. O Will voltara mais cedo do
detrimento do curso. Respirei fundo. Já que me iam separar dele, o mínimo que
levantara
-me feliz por saber que ia partilhar casa com o meu namorado e agora
sentia apenas um nó no estômago por saber que viveria com uma perfeita
para mim, mas um lugar numa residência de luxo onde ia ter o meu próprio
quarto e partilhar a cozinha com outra rapariga. O Will parecia satisfeito com
aquilo, por isso imaginei que era o melhor a que podia aspirar.
Levantei
-me e liguei o telemóvel. O Nick deixara de me ligar por volta da
muito infantil que fosse, uma parte de mim culpava-o por não ter estado ali
Esperei até o Will sair de casa e só então saí do meu quarto para ir tomar o
pequeno
-almoço. Não me apetecia vê-lo, nem a ele nem à minha mãe. Quando
estava a acabar de beber o café, recebi outra chamada do Nick e desta vez decidi
atender.
Tudo bem, sabia que a conversa não ia ser agradável, mas não estava disposta a
— Nenhum de nós é razoável, por isso não consigo responder à tua pergunta.
— Não te liguei para discutir contigo, Noah, por isso não vou entrar neste
voz soava.
muito menos teres de ficar no apartamento sem eu lá estar, mas não pude fazer
nada.
Respirei fundo, tinha de lhe dizer, tinha de confessar que não ia viver com ele,
mas tinha medo da sua reação; era capaz de ligar à minha mãe ou de cometer
uma loucura. Sabia que ia ser um murro no estômago e, por isso, preferi deixar
desligámos, senti
-me mergulhar numa tristeza profunda.
irritada com a minha mãe para lhe pedir ajuda na mudança, por isso, quando a
Jenna se ofereceu, não pude recusar, com toda a gratidão. Só tinha visto o
senhor Tavish em duas ocasiões — ele passava a vida a viajar pelo mundo —,
mas sabia que adorava a Jenna e que por isso cancelara todas as suas reuniões
para levar a filha à faculdade. Não parecia aborrecido por ter de me ajudar a
enfiar quase tudo no seu Mercedes. Não sei como conseguimos meter todas as
apertada, e pôr o cinto, na esperança de chegar àquela que seria a minha nova
residência.
isso já fora muitas vezes a festas das fraternidades ou apenas visitá-lo. Nessas
gigantesca, maravilhada por saber que, arrumados naquelas estantes, havia mais
de oito milhões de livros. Sabia que a biblioteca ia ser um dos meus lugares
imensos jardins, era uma das mais importantes dos Estados Unidos. Entrar ali
não tinha sido fácil. Tivera de me esforçar ao máximo para conseguir uma vaga
e estava orgulhosa por não ter recorrido aos conhecimentos do Will para a obter.
Agora que ali tínhamos chegado, não consegui deixar de sentir um certo pesar
por não estar a partilhar o momento com a minha mãe. Devia ter sido ela a
trazer
-me à minha residência, não o pai da Jenna, e também teria gostado que o
Nick ali estivesse para me mostrar a faculdade e poder sentir de alguma forma
Nick
havia wi
-fi nos quartos, pelo que fora obrigado a descer até à receção e partilhar
o meu tempo com gente desconhecida. Já era tarde, por isso peguei no
telemóvel para verificar, pela quarta vez, se a Noah me mandara uma mensagem
de boa noite. A forma como a nossa conversa terminara no dia anterior não me
lhe boa sorte para o primeiro dia. Era evidente que devia estar a tentar dormir e
que talvez até estivesse a ter pesadelos. Gostava de saber que era o único que
conseguia fazer com que não os tivesse e que era por isso que detestava dormir
sozinha.
uma lista com os melhores psicólogos da cidade e já ligara a cinco deles para
falar sobre este assunto. Queria que a Noah fosse ela própria, sem medos nem
Por vezes pensava no que ela tinha sofrido às mãos do pai e sentia um calafrio
percorrer
-me as costas. A minha mão fechou-se num punho quase sem me
Sophia aparecer pelo canto do olho, com o Mac debaixo do braço e aqueles
sorrir: ficavam
-lhe terrivelmente mal.
Só olhei para ela durante um segundo, mas vi que se sentava ao meu lado no
enorme sofá branco. Estávamos ali juntos há dois dias, e tinha de admitir que
convencida, mas não era nada assim. Mais ainda, quando queria, era muito
divertida. Como estava rodeada de homens — éramos cinco a trabalhar neste
caso, e ela a única mulher —, fazia o possível para não chamar a atenção. Não
bolso. Tinha zero notícias da Noah. — Não acredito que saibas sequer o que
isso é.
Fez cara de caso, guardou o portátil na pasta e levantou-se, revelando que não
— Apetece
-me comer um Big Mac e, mesmo que não queiras vir, vou sozinha.
Só te convidei porque a comida aqui é uma porcaria, por isso, a decisão é tua:
vens ou não?
Hesitei por instantes, mas ela tinha razão: a comida ali era péssima.
acedi, levantando
-me e encaminhando-me para a entrada. A Sophia pôs-se ao
meu lado, e percebi que, sem os sapatos de salto alto que usava sempre, até era
baixinha.
— Nem hoje nem nunca, Leister. Acho que, desde que te conheci, nunca te vi
mala.
— Lamento, minha linda, mas quem conduz sou eu — disse, enquanto lhe
Para minha surpresa, o meu gesto não provocou qualquer discussão. A Sophia
ao restaurante a ouvir canções dos anos oitenta. Lá fora o tempo estava bastante
íngremes da cidade, para mim era o que a tornava especial, isso e as casas
Evitei parar de pensar nela durante algum tempo. Estacionei o carro em frente
— Desculpa, Soph.
Desatei a rir ao ver a sua cara, mas decidi deixá-la em paz. Um empregado de
mesa atendeu
-nos de imediato, e sentaram-nos numa mesa afastada, do outro
lado do restaurante. Não gostei que presumissem que éramos um casal, mas não
podia entrar na cabeça das pessoas e controlar o que pensavam, por isso ignorei
o assunto.
que ela é maior de idade e de que tem liberdade para tomar as suas próprias
decisões.
— Mas ela é uma criança, Nick — afirmou, levando a bebida aos lábios.
— E ninguém te diz o contrário, mas não te podes esquecer de que ela está
prestes a começar a universidade. Vai querer fazer as coisas que qualquer miúda
da idade dela faz, e, se não me engano muito, tu pareces ser o típico namorado
controlador.
— Isso é uma forma de pensar extremamente machista, Nick, ela não é tua.
— Vais fazer
-me um discurso feminista, Soph?
exclusivamente por homens, até podia fazer, mas não é essa a questão. O teu
toda a família. Na minha opinião, é uma jogada bastante estúpida da tua parte.
— Ela precisa de me ter ao seu lado, e eu também preciso dela, não há mais
não era o melhor namorado, nem de longe nem de perto, mas pelo menos
esforçava
-me.
Aquilo deu
-me uma ideia.
entrando no motor de busca. — O que te parecem rosas azuis? São bonitas, não
são?
tecnologia facilitava
-nos muito a vida.
problemas, e a Jenna era a melhor amiga da Noah, por isso eu acabara por ficar
sem nenhum amigo imparcial com quem falar das minhas coisas. Não que eu
fosse muito falador, mas gostava de conversar com a Sophia e de descobrir que
havia pessoas que tinham uma vida normal. Pelo que me contara, os pais
podiam correr?
Era agradável poder fugir um pouco a todo o drama que normalmente invadia
mal... Com a Noah a viver comigo, tudo seria mais fácil; pelo menos, ela
poderia dormir mais descansada, e, se fizesse o que lhe pedira, um dos melhores
Noah
universitário era algo que se entranhava nas veias e que não podíamos ignorar.
Para onde quer que olhasse, havia gente jovem, a rir, a tirar móveis dos carros
mais festas.
alguns mais intimidantes do que outros, conseguiam fazer com que sentíssemos
Tenho de admitir que, por instantes, gostei de estar sozinha. Não queria falar
com ninguém, pelo menos com ninguém que conhecesse; não queria falar com a
minha mãe, com a Jenna ou com o Nicholas, embora as razões para não me
apetecer comunicar com ele fossem diferentes. Por vezes, deixar tudo para trás e
muitas janelas.
Mal tinha visto a Jenna desde que ela me deixara na residência, porque ela
tinha aulas completamente diferentes das minhas: a Jenna Tavish queria estudar
Medicina, algo que não condizia nem um pouco com ela, mas que desejava
desde que era pequena. Só falávamos por mensagem, e contou-me que andava
que era uma barbaridade: não ia ter grandes dificuldades, já que os ricaços
para jantar com algumas pessoas da residência, decidi passar pelo apartamento
preferia ter tudo para estar perfeitamente instalada na minha residência antes de
tinha todas empilhadas junto à porta, percebi que já era tarde para voltar para a
residência. Sabendo que estava a fazer asneira e que devia deixar de me agarrar a
algo que não podia ter — pelo menos por enquanto —, enfiei-me na cama do
Nick, deitei
-me do seu lado e abracei a almofada, inspirando aquele aroma que
Suspirei.
estômago e quase lhe liguei para confessar por que motivo não quisera falar com
ele. Esperei que achasse que já estava a dormir e por isso não ia responder, pus o
descansar.
pouco desorientada, para ver onde estava. A campainha voltou a tocar, e saltei
da cama enrolada num lençol. Quase caí ao tropeçar no tecido, mas cheguei
finalmente à porta.
cima da mesa da sala e tirou um bloco de recibos do bolso de trás das calças.
Ambos sabemos que estas pieguices não são muito a minha onda, mas
amo-te do fundo do meu coração e sei que, quando chegarmos, vamos
poder começar algo novo e especial. Viver contigo é um desejo que tenho
desde que começámos a namorar, e um ano depois consegui finalmente o
que queria. Espero que o teu primeiro dia tenha sido magnífico e desculpa
não ter podido estar contigo, para ver os teus professores renderem-se ao
teu talento. Vemo-nos daqui a uns dias. Amo-te, Nick.
Sentei
-me no braço do sofá com o olhar fixo nas flores magníficas. Eram
Contei
-lhe por alto o que tinha feito, evitando falar da residência ou da minha
colega de apartamento; a verdade é que nunca tivera muito jeito para ocultar
informações e, por isso, quis abreviar a conversa antes que ele descobrisse
alguma coisa.
bochecha.
— Sei que se passa alguma coisa contigo, não sei se é por causa da Sophia ou
por eu ter tido de vir para cá no dia em que mudaste de casa, mas vou redimir
-
Despedi
-me dele rapidamente e pus o telemóvel por baixo da almofada do
sofá. Sentia
-me terrivelmente mal, porque lhe estava a mentir e também porque
ia ser a responsável por ele ter uma enormíssima deceção quando voltasse e
Odiei
-me por tudo aquilo, vesti-me rapidamente, pus comida e água nos
pratos do N para durarem alguns dias e tirei as minhas últimas coisas do
apartamento. Ao apagar as luzes, soube que seria uma tragédia quando ele
Passei os dois dias seguintes de uma aula para a outra e a sair com alguns
colegas. Só falei com a minha mãe uma vez porque me ameaçou que, se não lhe
muito tempo, pelo menos até me sentir capaz de lhe perdoar por ter feito uma
emprego, onde ganhava o suficiente para viver com a Jenna, o que era dizer
bastante.
minha salada.
A Jenna olhou para mim, divertida: por alguma razão retorcida, achava um
campus?
— Vai saber quando eu lhe contar. Não quero falar do Nick. Diz lá outra vez
qual é o plano para esta noite, que não me lembro muito bem.
festas, e toda a gente está a ansiar pela da Faculdade de Medicina. Vou estar
— Está bem, vou contigo, mas, no máximo, à meia-noite vou para casa; tenho
A Jenna riu
-se, pegou nos livros e levantou-se da mesa.
— Vemo
-nos daqui a umas horas, então. Põe-te bonita! — Piscou-me o olho
e saiu a bambolear as ancas daquela maneira que fazia os rapazes todos voltarem
a cabeça para a admirar. A Jenna solteira era uma novidade para mim: namorava
com o Lion desde que a conhecera, e parece que antes de estar com ele era uma
Ao contrário das últimas festas a que tinha ido — todas em casas imensas,
relacionar
-me com pessoas de diferentes origens, tanto geográficas como sociais:
era o lado bom de andar numa faculdade pública que não era elitista. Nunca me
encontrar a Jenna, que estava com a Amber num canto da cozinha a beber
Budweiser na mão. Teria adorado tirar uma fotografia para lhe atirar à cara
— Noah — disse o meu nome assim que me viu entrar. Aproximei-me dela, e
deu
-me um daqueles seus abraços capazes de estrangular alguém.
Era a primeira vez que via a Amber, e pareceu-me uma rapariga com um
estilo meio amalucado como a Jenna, mas mais reservada, se é que isto faz
sentido. Sorriu
-me com alegria enquanto abanava a cabeça ao som da música e
conversava de forma sedutora com um dos rapazes que estavam ao seu lado.
aperceber, vi
-me no meio de cinquenta estudantes bêbedos aos saltos no meio
da sala, de onde tinham afastado todos os móveis. A música estava muito alta, e
quase não se ouvia mais nada. A Jenna saltava e vinha contra mim enquanto
musculado.
assobiar no início de uma canção que estava na moda. — Vou para a cozinha!
Na sala estava um calor infernal; arregacei as mangas e passei a mão pela testa.
mesa e, antes de conseguir pegar no telemóvel para ver as horas, o rapaz que me
— Não acredito que isto me tire a sede, mas obrigada — respondi, aceitando
uma careta de nojo. O rapaz começou a rir e vi, pelo canto do olho, que se
— Noah — respondi, sentindo a cabeça a andar à roda. Não devia ter bebido
Ri
-me com o seu comentário e admiti que sim, que achava já o ter visto nas
aulas.
— O que te traz por aqui? Estás muito longe das festas shakespearianas,
embora seja evidente que os rapazes de ciências são muito melhores do que os
os ombros.
O Charlie parecia feliz por estar a falar comigo porque passou os dez minutos
contente por travar amizade com alguém da minha turma, já que detestava
sentar
-me sozinha e as únicas palavras que trocara com o resto dos colegas não
passo largo.
— Tu és imbecil?!
Sorri.
— Então? Comporta
-te. Está uma dama presente — censurou o Charlie, com
um sorriso no rosto.
— Estou farto de servir de tua ama-seca, estás a ouvir? O que estás a beber?
deles, ter
-me
-ia afastado. O Charlie era louro, um pouco mais alto do que eu e
de constituição magra; aquele rapaz que acabara de chegar, pelo contrário, era
uma cabeça mais alto do que nós, também era louro e tinha os olhos verdes, cor
nova amiga. Noah, este é o meu irmão Michael; Michael, esta é a Noah.
isso, diria até que me olhou com desagrado, como se eu fosse uma má
Antes de poder dizer o que quer que fosse, o meu telemóvel começou a tocar.
Desculpei
-me com um aceno e fui para a rua, onde podia ouvir melhor. Quando
Nick
Peguei nas chaves e saí do apartamento, batendo com a porta. Nada. Não havia
ali absolutamente nada, nem as malas da Noah, nem a roupa, nem sequer as
poucas coisas que ali costumava deixar quando passava a noite comigo. Percebi
que estava a ficar furioso, não só porque ela não estava ali mas porque não
atendera nenhuma das minhas últimas chamadas. Havia três horas que não
sabia nada dela, e não planeava ligar à mãe para lhe perguntar onde estava. Algo
me dizia que era melhor mantê-la afastada de tudo aquilo, porque, se estivesse a
— Podes acalmar
-te? — respondeu
-me, e ouvi que se afastava do ruído
ensurdecedor da música.
— Acalmo
-me quando te vir e quando me explicares que raio está a acontecer
— Noah, diz
-me onde estás — pedi-lhe com uma calma fingida.
outro lado.
Ouvi
-a suspirar, e, um minuto depois, disse-me onde podia ir buscá-la.
chegar ao pé dela para que o negasse. Tinha vindo mais cedo para casa, quis
fazer
-lhe uma surpresa, levá
-la a jantar para compensar os dias em que não
apartamento vazio, à exceção das flores que lhe enviara, que estavam a murchar
em cima da mesa.
Não demorei muito a chegar e vi-a mal dobrei a esquina. Estava encostada ao
calma.
Aproximei
-me dela com um passo decidido, mas não fiz o que desejava fazer
desde que me tinha ido embora, não, limitei-me a olhar para ela com vagar. Ela
um chocolate quente.
— Pelo visto, tens muita coisa para me contar, e não me apetece falar aqui,
não ceder à tentação de explodir, vê-la ali, meio tocada, incrivelmente atraente e
A Noah aproximou
-se com o passo vacilante e entrou no carro. Nunca a vira
Fechei
-lhe a porta, contornei o carro e sentei-me no lugar do condutor. Liguei
quatro horas. A cena do chocolate quente era apenas a treta de uma desculpa
para a tirar da rua. Estava a tremer, não sei se de frio se por causa daquilo que
— Para de agir como se não se passasse nada. Sei que estás zangado, está bem?
— Porque havia de estar zangado? Porque desde que fui para São Francisco
não me atendes o telemóvel? Ambos sabemos que adoras deixar
-me fora de
mim. Só espero que isto não seja uma espécie de castigo por me ter ido embora.
continuando a conduzir.
A estrada estava quase vazia... Era normal, tendo em conta que eram quase
naquele momento, não me passaria pela cabeça nada daquilo, muito menos com
a Noah ao meu lado, tão longe de mim quanto o banco do carro lhe permitia.
Acabei por estacionar numa cafetaria de qualidade duvidosa. Ainda nem tinha
estabelecimento sem mim. Por um instante, não pude evitar compará-la com a
Sophia. A Noah tinha uma personalidade tão forte como a minha e, mesmo
sabendo que neste caso eu tinha razão, era incapaz de se controlar. Fui atrás dela
e sentei
-me no lugar que escolhera: uma mesa pequena, afastada das outras, com
café para mim. Estava a tentar acalmar as águas, porque era muito estranho não
a estar a devorar com beijos depois de ter estado quatro dias sem a ver, mas a ira
oceano impossível de atravessar. Ao ver que continuava calada, decidi que seria
Ela levantou finalmente o olhar, e pude ver os seus olhos cor de mel. Tinha
-se
A Noah fechou a boca e segurou a chávena quente entre as mãos. Esperei uns
minutos.
Passaram
-se mais alguns segundos, até que decidiu falar.
Desta vez, quando olhou para mim, vi que estava a recorrer a todas as suas
Olhei para ela fixamente, à espera de uma explicação que não chegou.
contigo, e eu...
— Escolhi, sim, está bem? Disse à minha mãe que não queria saber. Que ia
Levantei
-me, e a Noah fez o mesmo. Atirei uma nota de vinte para cima da
mesa e preparei
-me para sair do café sem sequer olhar para trás.
não a podia deixar ali. — O que querias que fizesse? Não tenho dinheiro, como
tu, não posso pagar o meu próprio curso, nem bolsa de estudos me dão...
fora não havia absolutamente ninguém. Só se ouvia o barulho dos carros a andar
que isto não aconteceu por causa da tua mãe. Ela não te impediria de
estudares... O problema é que não és capaz de lhe fazer frente. Tens muitas
outras opções. Não devias ter saído sem falares antes comigo!
— Eu conheço
-a, Nicholas. Ela está decidida a afastar
-me de ti, e não vou
deixar que o faça, mas não vou deitar o meu futuro por terra por algo que
estejas comigo, Noah, não com a tua mãe, não com o meu pai, não com uma
amiga, quero, de uma porra de uma vez por todas, que sejamos um casal de
adultos que tomam as suas decisões em conjunto, sem que a tua mãe ou o meu
noites, todas as manhãs!... Se estás comigo, quero que estejas comigo e com
mais ninguém.
tom de voz para condizer com o meu. — Para me poderes vigiar? Que merda de
relação é esta, Nicholas?
Levei as mãos à cabeça. Era a última coisa que esperava; as coisas estavam
intrometer na nossa vida, e agora parecia que tudo voltara ao que era antes, mas
ainda pior: a Noah já não viveria em casa do meu pai, mas no campus, rodeada
voltei
-me para a observar. A voz quebrou-se na última palavra. Dei um passo
em frente e segurei
-lhe o rosto entre as mãos.
— Isto não tem nada que ver contigo — disse, aborrecido com esta minha
faceta, amaldiçoando
-me por ser assim. — Quando não estás comigo, imagino
todo o tipo de coisas, não consigo controlar a minha imaginação, parece que é
alguma coisa que tenho dentro de mim, mas só descobri isto há pouco tempo.
Acontece quando penso em ti porque te amo. A última pessoa que amei tanto
evitar comparar
-te com ela.
— Nicholas, eu não sou a tua mãe — afirmou ela, taxativa. — Não vou a
lado nenhum.
tinha voltado a confiar numa mulher, nunca. Jurei a mim mesmo que jamais
deixaria alguém entrar, jurei que nunca iria amar alguém, principalmente
porque não acreditava no amor, não depois de ter visto como era a relação dos
meus pais. E agora que tinha a Noah... Não conseguia evitar temer que ela
fizesse o mesmo comigo; ela era minha, não a podia perder. Não ia aguentar.
Aproximei
-me até que os nossos olhares se encontraram.
— Foste
-te embora da minha casa — sussurrei sobre os seus lábios.
A Noah ficou quieta onde estava, presumo que à espera de que eu dissesse
mais alguma coisa. Tirei as mãos dos seus ombros e retrocedi alguns passos.
Noah
Ele não disse uma palavra, nem sequer olhou para mim. Quando chegámos, fui
atrás dele, tentando tranquilizá-lo. Sentia-me culpada por tudo aquilo, apesar
de a causa da nossa separação ter sido a minha mãe... Não conseguia evitar
sentir que a cada dia que passava o Nick se afastava mais de mim. Os meus
que era melhor para os dois, mas nada saía como eu queria.
as suas queixas àquilo, porque significava que estava a dar voltas à cabeça com
Fiquei ali, no meio da casa, indecisa. Queria mesmo continuar a discutir com
quis esfregar
-lhe na cara que já me mudara para outro sítio. Sem ele. Além
disso, não suportava a ideia de me ir embora sem resolver aquilo. Não queria
depois, enchi
-me de coragem e aproximei-me, entreabrindo-a um pouco.
Fiquei calada a olhar para ele, e o Nick fez o mesmo. Estávamos separados
medo, tanta solidão, que atravessei aquele espaço até me colocar entre as pernas
— Não deixes que isto nos separe. — Foi a única coisa que me ocorreu dizer,
porque só tinha percebido que estávamos ambos tão mal quando o Nick me
novamente o cigarro aos lábios. Com uma mão, agarrei-lhe no pulso e com a
outra tirei
-lhe o cigarro. Observou-me de sobrolho franzido enquanto o apagava
no cinzeiro que tinha ao seu lado. Então, sentei-me no seu colo, com uma perna
os meus olhos.
— Preciso que me deixes sozinho, Noah — disse num sussurro tão baixo que
achei que ouvira mal. As minhas mãos dirigiram-se até à nuca dele. Queria
que parecia estar a tentar controlar com todas as suas forças. A mão dele
levantou
-se para agarrar as minhas, impedindo-me de continuar a acariciá
-lo.
ele de frente.
— Magoei
-te ao ir
-me embora, e agora estás assustado porque não vou estar
Ele voltou
-se com os olhos a lançar chispas.
— Ignoro
-te porque estou a tentar controlar
-me!
— Podia ajudar
-te a pagar as propinas da faculdade — afirmou, olhando para
Fechei os olhos e inspirei profundamente. Já sabia que ele ia dizer aquilo, mas
— Estou a apresentar
-te uma solução que nos deixaria a ambos felizes. Por
que motivo não entendes que as tuas decisões nos afetam aos dois, não só a ti?
implicar estar em guerra com a minha mãe e o teu pai e ainda por cima
depender economicamente de ti, ia acabar por odiar estar aqui contigo... Não
vês?
— Não, claro que não vejo! Só te vejo a ti, rodeada de gente que não eu. É
Tentei pensar como lhe poderia explicar que os ciúmes eram um sentimento
— Eu tenho mais motivos do que tu. Já estiveste com mais mulheres do que
as que conseguirias contar; eu, pelo contrário, dei-te tudo, sabes que sou tua em
— Quando começaste a namorar com alguém como eu, sabias com o que
O espaço que havia entre nós estava a dar cabo de mim. Claro que sabia com o
que contava quando começara a namorar com ele, mas não era uma coisa que
incontrolável, mas isso não impedia que as coisas que ele fazia ou tinha feito me
humedeciam.
Não sabia o que ele queria de mim: dera-lhe tudo o que tinha, tudo o que
podia dar.
— Pois, então, acho que vai chegar um dia em que não será suficiente.
Fiquei a olhar para ele e a sentir um medo horrível. Ali estava, o que sempre
olhos de mim.
— Choro porque não te posso dar o que tu queres e porque tenho medo de
que acabes por te fartar de mim — confessei, controlando o soluço que me ficou
preso na garganta.
— É melhor ir
-me embora — anunciei, limpando o rosto com a mão e
segurar o rosto entre as mãos e de me beijar. Foi tão intenso que me agarrei com
Voltou a beijar
-me, e, apesar das palavras bonitas, senti que estava diferente
mais numa luta contra si mesmo do que num ato de amor entre os dois. Eu
tinha
-o magoado ao ir
-me embora, e isso tinha consequências. Os beijos
intensificaram
-se, e pouco depois a sua boca começou a traçar um caminho
O Nicholas não me ouvia, estava perdido no meu corpo, perdido a beijar cada
corpo, assegurando
-se de que quase não conseguia mexer
-me. Observei
-o
A noite anterior fora tão intensa, tanto física como emocionalmente, que me
pessoa, mas, quando me olhei ao espelho, alguma coisa chamou a minha atenção
e me despertou de repente.
desporto e foi para a casa de banho sem dizer uma palavra. Dirigi-me a ele.
— É isto que vamos fazer agora? — perguntei, vendo que pousava as mãos no
— Sabes que odeio marcas. — Era das coisas que mais detestava e ainda ficava
— E tu, uma convencida. Entende de uma vez por todas que nem tudo vai ser
como queres.
— Por favor! Na tua vida, nunca ninguém te disse não a nada, por isso estás a
castigar
-me, porque sou a primeira e a única.
— Desculpa, está bem? Não pensei quando o estava a fazer. Deixei-me levar
pelo calor do momento. Por favor, podes parar de encarar isto como uma coisa
Suspirei, frustrada. Não queria voltar a discutir com ele. A noite anterior fora
suficiente.
orelha.
nada de que goste mais do que de uma marca que me faça lembrar o que fizeste
comigo.
qualquer maneira?
Ele olhou para mim enquanto tentava adivinhar o que me passava pela cabeça.
— Estás a falar de alguma coisa indecente, sardas?
Achei graça à sua resposta, e, por mais que detestasse que me fizesse os
chupões, a nossa vida já era demasiado tensa para acrescentar mais um motivo
— Deita
-te na cama — ordenei.
O Nick olhou para mim, desconfiado, mas fez o que lhe pedi. Abri uma
— Nada que te tenha passado por essa mente perversa. — Dito isto, levei o
pulsos.
Sorri.
— Pensa que é uma coisa que te vou fazer, só eu e mais ninguém. Nunca
— Qualquer coisa que eu faça com o teu corpo é bonita e especial — afirmei
queria estar.
de lado toda a carga emocional que parecíamos ter acumulado nas últimas
horas. Inclinei
-me sobre ele e comecei a fazer desenhos no seu peito. Um
coração por cima dos peitorais, um smiley feliz no ombro, um «Amo-te» sobre o
transformou numa carta de amor que estava a escrever na sua pele. Os olhos
dele não se afastaram do meu rosto por um instante que fosse, e as mãos
limitavam
-se a desenhar círculos sobre a minha pele enquanto eu trabalhava,
decidida e com a minha melhor caligrafia, sobre o seu corpo escultural. Queria
mostrar
-lhe quanto o amava, queria que entendesse que para mim não havia
Para sempre.
40
Nick
Não afastei os olhos dela nem uma única vez enquanto deixava que fizesse o que
quisesse com o meu corpo. Esta frase podia ser o sonho de qualquer homem, e
palermices na pele, mas observá-la à vontade, como fazia naquele instante, era
algo que não tinha preço. Estava tão absorta a espalhar tinta na minha pele e a
escrever nela que não tinha consciência de como a achava incrivelmente bonita.
Tinha o rosto corado e os olhos um pouco inchados por ter chorado na noite
anterior. Sei que não devia ser tão duro, mas gostava da maneira como os olhos
dela ficavam depois de chorar... Dava-me vontade de a beijar até ao fim dos
movimentos.
pele.
suavemente os lábios. Isto de estar imóvel durante tanto tempo com ela meio
Segurei
-a pela cintura e fi
-la rodar até ficar por cima dela.
os antebraços, para não a esmagar. A mão subiu até ao meu rosto e acariciou
-me
com um brilho divertido nos olhos. Encostei as ancas às dela, sentindo-a tão
na faculdade, rodeada de imbecis que fariam de tudo para chamar a sua atenção.
De repente, nem os meus beijos nem nada do que ela pudesse dizer
-me me
sentados em cima do meu coração. Desde que a minha mãe me abandonara que
negara
-me sentir o que quer que fosse... e agora sentia-me completamente
Foi então que vi o que desenhara no meu pulso e senti um formigueiro doce e
quente apoderar
-se de todo o corpo. Eu era seu... Escreveu-o, deixou-o gravado
na minha pele, e percebi que nada me deixaria mais feliz do que pertencer
-lhe
de corpo e alma.
desejo irracional de a conservar ali comigo, ao meu lado, para sempre. Não
conseguia controlar como me sentia nem como o amor por ela continuava a
— Vou deixar
-te ir embora... Por agora — esclareci, ao ver que pestanejava,
surpreendida —, mas sabes que isto não vai durar muito. Quando quero
alguma coisa, sardas... acabo sempre por conseguir, não importa quem tenha de
atropelar.
— Também me atropelavas?
A pergunta distraiu
-me por instantes.
Sorriu, e levantei
-me da cama para começar a vestir
-me.
Chegávamos sempre atrasados a todo o lado, e não entendia por que motivo ela
não se arranjava enquanto eu fazia o mesmo. Mas ali estava: sentada na minha
cama, a observar
-me, divertida.
Sorri e pus
-me à sua frente, aos pés da cama. O pé dela repousava
do seu corpo.
— Usarei com orgulho os desenhos que fizeste em mim, sardas. São teus. Vou
deixá
-los aqui até se apagarem. — Estendi o braço e peguei-lhe no pé,
pousando
-o sobre o meu peito e massajando o tornozelo. Observou-me com
interessante.
da cama, e a T
-shirt subiu
-lhe até à parte de baixo dos seios. O estômago dela,
liso e esculpido, ficou à mostra, para o poder contemplar naquela roupa interior
maravilhosamente bem?
— Vejo
-te a ti — respondeu simplesmente.
Mas não tínhamos tempo para aquilo; peguei nela ao colo, com um sorriso de
quarto.
esgar de dor ao sentir o mármore frio, mas deixei-a ali enquanto tirava as coisas
Peguei numa taça de fruta, espremi algumas laranjas e bati uns ovos para fazer
mexidos.
— Deixa
-me fazer
-te o pequeno-almoço uma última vez — respondi, sem
enquanto brincava, distraída, com o meu cabelo, dei-lhe de comer, absorto nos
meus próprios pensamentos. Ela comia o que lhe dava, também absorta naquilo
Nervoso, inclinei
-lhe a cabeça para trás e juntei os meus lábios aos seus,
enroscou
-se na minha ao mesmo tempo que o meu braço a rodeava com força e a
olhos dela tinham aquela cor de mel que me derretia, e senti uma urgência
irracional em trancá
-la no quarto e nunca mais a deixar sair.
— Eu amo
-te, Noah... Nunca te esqueças disso.
maçãs do rosto e o lábio inferior. Parecia estar perdida nos seus pensamentos, e,
quando se preparava para afastar a mão, agarrei-a e levei-a aos lábios. Beijei cada
um dos nós dos dedos com cuidado e, a seguir, deixei-a continuar a comer o que
tinha no prato.
— A que horas tens aulas? — perguntei, sem conseguir aguentar mais o seu
silêncio.
— Ao meio
-dia e meia.
— Eu levo
-te.
a acompanhar
-me a um certo lugar.
incrivelmente bem.
— Estás a amolecer, e isso vai acabar por prejudicar a tua reputação, vais ver
também.
— Não sou eu quem anda por aí a chorar pelas esquinas, Lion — recordei-lhe,
esquina.
Voltei
-me para ele.
— O quê?
A oficina era a coisa mais importante que o Lion tinha, era o seu negócio, uma
pé com nervosismo.
Revirei os olhos.
— Acho que, se nem sequer és capaz de dizer o nome dela, as coisas não estão
— E o que te disse?
— O senhor Tavish sempre me tratou muito bem. Não olha para mim como
impecável. A Jenna tinha aquela personalidade porque nunca lhe faltara nada.
por que razão a filha já não falava de mim lá em casa e depois porque a Jenna
Olhei para ele de esguelha e vi que, apesar de não gostar da ideia de a Jenna
estar a sofrer, era um alívio para ele saber que a separação também a estava a
— Disse
-me que me dá trabalho na empresa, que tenho de começar por baixo,
seguro, tão inteligente... É normal que a Jenna o adore, sabes? Quem não
comparar o meu pai com o Greg ou a forma como ele e a mulher aceitavam a
relação da Jenna com o Lion, e ele era só um miúdo de rua, um tipo corajoso,
claro, mas, feitas as contas, era um rapaz sem recursos, sem estudos. O pai da
Jenna aceitava
-o como ele era, e eu tinha de lutar com unhas e dentes para que
— Acho que é a melhor coisa que te podia ter acontecido, amigo — respondi
com um sorriso.
Observei
-o e, pela primeira vez em muitos anos, vi que se sentia seguro. Os
olhos verdes do meu melhor amigo brilhavam com uma calma absoluta.
41
Noah
falávamos à noite, e ele mandava-me mensagens que me faziam corar nas aulas,
Nesses dias, saí com a Jenna. Não íamos para a discoteca, nem dançar a lado
nenhum, mas nos arredores da faculdade havia vários bares que eram muito
agradáveis, desde que chegássemos antes das horas de ponta, altura em que era
sua colega de casa, no Ray’s, um bar que estava na moda. Tínhamos ido cedo e
por isso conseguimos uma das melhores mesas. A poucos metros de distância,
um grupo de rapazes jogava bilhar, e era por de mais evidente que tentavam
chamar a nossa atenção. Três raparigas bonitas sem nenhum rapaz connosco era
A Amber não parava de dizer que estava apaixonada por um deles, um ruivo,
magro e um pouco desalinhado, mas bastante giro. Achava graça ao facto de,
— Acho que vamos chamar Fred ao primeiro, sabes, sempre gostei muito do
Harry Potter, e de certeza que os nossos filhos vão herdar o cabelo ruivo do
pai...
— Aproxima
-te dele e diz
-lhe que já sabes como se vai chamar o vosso
primeiro filho. De certeza que vai ficar caidinho por ti — incentivou a Jenna,
que ainda não parara de beber e parecia enojada com todos os olhares que
Encontrei uns olhos completamente diferentes: não era o Nick, não tinha
nada que ver com ele, e, como dizia a minha nova amiga, não tirava os olhos de
mim. Era alto, louro e segurava o taco de bilhar como se fosse apenas mais um
dos membros do seu corpo. O mais engraçado era que a cara dele não me era
encolhendo os ombros.
de Biologia, e digo
-te já, com toda a certeza, que não está no primeiro ano.
Mais do que isso, acho que é professor... Olha, se calhar dá alguma das tuas
jogo, inclinado sobre a mesa e a apontar para uma bola qualquer. Assim, pude
observá
-lo com maior liberdade. Não, tinha a certeza de que não era professor,
era demasiado novo para isso, embora não tanto para ser caloiro. Tentei
trivialidades.
— Olha, trazes
-me outro copo? — pediu a Jenna algum tempo depois.
Disse
-lhe que sim, e, quando vi que não havia muita fila, aproveitei para ir à
casa de banho. Para lá chegar, tinha de passar pelas mesas de bilhar. Já me tinha
esquecido do tipo misterioso, por isso fiquei muito surpreendida quando ele me
onde o tinha visto: fora naquela festa onde estivera presente com a Jenna, na
mesma noite em que o Nick voltou de São Francisco e me foi buscar à rua.
Assentiu. Não me lembrava do seu nome, mas ainda recordava os maus modos
— Queria pedir
-te um favor. O meu irmão é especialista em desaparecer sem
importante.
Disse
-lhe que sim enquanto ele tirava a carteira e procurava qualquer coisa lá
dentro.
— Sei que é pedir muito, mas não conheço mais nenhum dos colegas de
turma dele... Se alguma vez achares que ele está estranho ou que não está bem,
podes ligar
-me para este número?
O irmão do Charlie sorriu sem mostrar os dentes, o que presumi ser uma
A sua resposta podia parecer antipática, mas disse-o num tom de voz tão
transparente e amigável que não consegui evitar retribuir o sorriso, antes de ele
michael o’neil
Psicólogo/Psiquiatra
(323) 634-7721
Não demorei muito a voltar para a residência; estava cansada e não conseguia
estava na minha lista de tarefas pendentes. O Nick pedira-me que o fizesse por
ele, e, apesar de ter dito que sim, detestava a ideia de ter de me abrir com um
desconhecido, de falar dos meus medos e assuntos íntimos. Não era o tipo de
era uma coisa que não podia continuar a adiar, mas não gostava nada da ideia de
quando era criança, mas eu chorava tanto durante as consultas que ela acabara
dormia até agora. Claro que os pesadelos eram algo relativamente novo que
surgira por ter visto o meu pai morrer.
Meti
-me na cama e voltei a olhar para o cartão dele. Seria uma espécie de
sinal? O tal Michael parecia ser boa gente e, mais importante do que isso, não
era demasiado velho, o que me deixava um pouco mais segura, já que assim as
consultas podiam passar por simples conversas entre amigos. Primeiro queria
falar com o Charlie; além disso, queria saber por que motivo o irmão estava
preocupado com ele, embora não estivesse preparada para contar os meus
problemas ao Charlie.
Sabia que, se acabasse por lhe contar, ele haveria de arranjar uma desculpa
qualquer para me convencer de que o irmão não seria um bom psicólogo para
terapia fazia.
Michael. Contei
-lhe o meu problema por alto, sem especificar muito, e ele
disse
-me que era um dos psicólogos do campus. Trabalhava para a universidade
Charlie, porque não aparecera naquela manhã, mas assegurei que ele não
estava nervosa, por isso pedi só uma chávena de café e peguei num dos livros
meu estômago; como se o meu corpo fosse capaz de o sentir. Levantei os olhos e
vi
-o: o Nick estava ali, a entrar na cafetaria com um copo descartável de café
numa mão e o Mac na outra. E o pior é que não fui a única a aperceber
-se da sua
chegada. As cinco raparigas que estavam na mesa ao lado da minha, e que não
e verifiquei que as miúdas da mesa ao lado não eram as únicas a olhar para o
meu
namorado. O Nick passou por entre as pessoas e sentou-se numa mesa
— Deus do céu, é lindíssimo! A sério, basta-me olhar para ele e fico toda
nervosa — confessou uma das miúdas ao meu lado.
— É o meu futuro marido. Por isso, podes afastar os olhos dele — disse-lhe, e
todas se riram. Não tinha consciência de que o Nick era obviamente visível para
as outras pessoas. Era dolorosamente bonito. Bastava ver como se vestia, calças
braços musculados... e o pior de tudo: levava os óculos de ler, aqueles que lhe
Uma parte de mim queria ir ter com ele a correr e reclamá-lo para mim, mas
não paravam de armar confusão enquanto ele parecia concentrado no que estava
ele de forma provocadora. Uma delas disse-lhe qualquer coisa. O Nick levantou
namorado. Além disso, bastava-me tê-lo à frente para não conseguir pronunciar
uma palavra. Havia de me transformar numa perfeita idiota, é o que vos digo.
feito de tonta ou distraída, mas queria que ele me visse, queria ver o que fazia
agora que eu estava no seu território, na sua faculdade, onde toda a gente o
Um sorriso divertido surgiu nos seus lábios. Eu, pelo contrário, continuei a
— Ele está a olhar para nós — anunciou alguém na mesa ao lado, e ouvi-as rir
O Nick levantou
-se, pegou nas suas coisas sem afastar os olhos dos meus e
encaminhou
-se para a minha mesa. Tive plena consciência de que muitas
Voltei a concentrar
-me no livro e esperei para ver o que fazia. Ouvi
lado.
— Olá — disse simplesmente e, sem esperar pela minha resposta, agarrou na
Olhei para ele e senti borboletas na barriga. Não conseguia evitar: a sua
presença deixava
-me as hormonas numa revolução, como acontecia com todo o
setor feminino.
olhassem para ele. Mas nunca tinha ouvido o que diziam a seu respeito, nem
estávamos juntos, mas não faziam comentários que eu conseguisse ouvir. Agora,
ficara a saber que havia uma fila de miúdas ansiosamente à espera de que eu
Fixei novamente os olhos no livro. Estava demasiado nervosa por saber que
toda a gente nos observava; além disso, detestava ouvir o que as pessoas diziam
dele, como se fosse uma pessoa frívola, superficial, que era bonito e mais nada.
— Bem, é a isto que chamo uma receção calorosa, sim, senhor — disse ele,
tocando
-me no cabelo.
— Não sabia que tinhas aulas hoje nem que estarias aqui. Podias ter dito
qualquer coisa.
começar a enervar.
— Não planeei vir cá, mas tinha um trabalho para entregar. Como não
vivemos juntos, tenho muito tempo livre. — Os olhos dele fitaram-me daquela
forma sóbria que me fazia lembrar o que estava a perder por não partilharmos o
mesmo teto.
O Nick desviou os olhos para as miúdas da mesa ao lado. Nem queria que
Preferi não responder à sua pergunta, por isso debrucei-me sobre a mesa e
puxei
-lhe a T
-shirt , para se aproximar de mim.
— Acho que há aqui demasiadas pessoas que não fazem ideia de quem sou —
divertido desenhou
-se nos seus lábios sedutores.
Estas palavras foram o suficiente para mim. Unimos os nossos lábios num
beijo delicioso. O silêncio que se fez na mesa do lado serviu para pôr finalmente
intenso, mas o Nick parecia ter outros planos. Sentou-me ao seu colo sem se
Nesta posição, estava de costas para quase toda a cafetaria, por isso as pessoas
Foi então que senti o toque de qualquer coisa estranha na minha pele. Franzi
o sobrolho e obriguei
-o a mexer o braço para o poder ver: tinha uma ligadura
briga. Procurei outros sinais de violência, mas o seu rosto estava impecável, sem
um arranhão. Olhei para os nós dos dedos, mas também não vi nódoas negras.
Atirou a cabeça para trás, e um sorriso que não soube interpretar muito bem
— O que fizeste?
Sobre a sua pele bonita estava escrito a preto, imitando a minha caligrafia, a
mesma frase que escrevi no seu corpo três dias antes: «És meu.»
— Diz
-me que isto não é uma tatuagem — supliquei, com o coração
encolhido.
emoções contraditórias. Uma tatuagem era uma coisa para sempre, uma marca
reclamavam
-no como meu.
— Estavas gravada na minha pele muito antes de ter feito esta tatuagem; isto
é só uma recordação tua que trarei comigo para sempre, sardas. Não lhe dês
obstante as suas palavras bonitas, uma pressão que me era familiar comprimia
-
segurou
-me onde estava.
— Estás a passar
-te com isto, e não foi essa a minha intenção — reconheceu,
claramente desiludido.
um dia ela se transformar numa recordação má, num fantasma que te persegue?
Vais arrepender
-te e vais odiar
-me porque ela te vai fazer lembrar de mim
rápido. Embora parecesse terno, senti a tensão do Nick sob o meu corpo e a
— Há alturas em que não sei mesmo o que fazer contigo Noah, a sério que
não sei.
Vi
-o pegar no portátil sem olhar para mim e ir
-se embora por onde tinha
vindo.
Nessa noite não consegui dormir. O olhar desiludido e magoado do Nick não
maneira, por ter reagido assim. Foi nesse instante que percebi que precisava
mesmo de falar com alguém, precisava de ajuda, para poder ser aquilo que o
O’Neil.
— Fala
-me um pouco de ti, Noah. Porque achas que precisas da minha ajuda?
A consulta com o Michael não foi como imaginara. Não havia um sofá no
meio da sala, objetos estranhos, nem nada parecido: era um gabinete simples,
com uma secretária num dos cantos, dois cadeirões pretos com uma mesinha de
Falei
-lhe brevemente da minha infância, da relação que tivera com o meu pai
e dos problemas que ele tinha com a minha mãe. A minha intenção não era
revelar os meus segredos todos logo na primeira sessão, mas o Michael era
muito bom a obter informações sem que me apercebesse. Quase sem dar por
isso, já lhe tinha contado o episódio que me fizera saltar da janela e o trauma
que tinha com a escuridão; da mesma forma, contei-lhe que fora obrigada a
deixar a minha casa havia pouco mais de um ano para me mudar para Los
Angeles e também lhe falei do Nick. Afinal, era por causa dele que ali estava.
Assenti, mexendo
-me inquieta no cadeirão.
— Fala
-me da tua relação com ele.
A sessão passou a voar e mal me deu tempo para lhe contar muito mais.
— Olha, Noah, esta hora serviu para te conhecer um pouco melhor, mas não
começasses a vir duas horas por semana. Pelo que me contas, o que mais te
Gostava de lhe dizer que não sentia vergonha, que odiava simplesmente ter
este bloqueio mental quando as luzes se apagavam. Não sabia ao certo se aquela
hora com ele tinha servido para alguma coisa, mas a verdade é que me sentia
O Michael levantou
-se e acompanhou-me até à porta.
Retribuí o sorriso. A sua forma de falar, tão calma, e a maneira como olhava
Nick
Olhei para os edifícios que tinha à minha frente. Às vezes, olhar de uma altura
daquelas podia ser quase embriagante; outras, fazia-nos sentir superiores, ali a
tanta graça. Estava há algum tempo a dar voltas à cabeça, a pensar, a tentar
entender por que motivo por vezes era tão difícil conseguir aquilo que desejava.
cativara, alguém, melhor dizendo, e não sabia o que fazer para assegurar que ela
A cara dela ao ver a tatuagem não foi a que eu esperara; também não achava
que ia dar saltos de emoção, mas nunca imaginei que a encarasse com medo. O
medo nunca entrava no meu pensamento, não fazia parte dos meus planos; era
A Noah vivia com medo, já o admitira, e eu não podia fazer nada a esse
respeito para a ajudar. A minha presença conseguia pô-la a dormir sem ter
pesadelos e acalmava os seus demónios, mas não os fazia desaparecer. Temia que
aqueles demónios acabassem por ser também meus, porque toda a gente tinha o
seu limite... Eu, como homem, tinha os meus limites muito bem delineados,
completamente louco.
Queria conhecê
-la por inteiro, e, quando achava que o tinha conseguido fazer,
ela surpreendia
-me com alguma coisa que não estava preparado para encaixar.
«O que vais fazer se um dia ela se transformar numa recordação má, num fantasma
sentimentos por ela, não era óbvio que o meu mundo girava prati
camente à
sua volta?
para que perdêssemos, para assim provar que ainda não estávamos preparados
para assumir casos mais complicados... Defendia o seu lugar com unhas e
Ali estava o papel que sempre quisera ler. Ofereciam-me dois anos de estágio
num escritório que não tinha ligações com o do meu pai, em Nova Iorque, com
apartamento pago e um salário de quatro mil dólares por mês, que seria
de começar sozinho, por mim mesmo, pelos meus êxitos e méritos, sem
E ali estava outra vez... Aquele rosto bonito, o rosto pelo qual mataria e daria
a vida: Noah.
aquele assunto.
43
Noah
Silêncio.
Era isto que havia entre mim e o Nicholas e não era algo de que estivesse à
outro dia. Tinha saudades dele e assolava-me o medo de que tivesse finalmente
a seguir apaguei
-a e decidi ser corajosa e ligar
-lhe diretamente. Esperei, ansiosa,
— Sim?
ouvidos.
— O Nicholas está?
A minha voz estava embargada e, não fosse pela raiva que me cegava, tinha
Ela confirmou, e, uns minutos depois, ouvi a sua respiração do outro lado da
linha.
— Noah.
menos.
— Estou a trabalhar.
tinham
-se passado quatro dias sem que nenhum dos dois tivesse dado sinais de
vida, e era a primeira vez que isto acontecia. Estava perdida, porque não
entendia o que estava a acontecer.
«A tatuagem.»
Disse
-me que pressionar nunca era bom e que o melhor seria esperar que a
Pois bem, ali estávamos, a falar. Mas não era exatamente a conversa ou a
— Nick...
— Noah...
Falámos os dois ao mesmo tempo e ambos nos calámos para ouvir o que o
outro ia dizer. Noutra situação, teria sido divertido, mas não agora, não quando
— Quero ver
-te — disse, ao perceber que ele não tomava a iniciativa.
Ouvi
-o afastar
-se do barulho que o rodeava. Devia ter
-se fechado numa divisão
qualquer.
silêncio que nenhum dos dois quis interromper. Não sei por que motivo disse
aquilo assim de repente, talvez porque sentia que tinha de lhe explicar que, não
— Estou a contar
-te agora.
aqui na faculdade. É mais como se estivesse a falar com um amigo do que outra
coisa qualquer.
— Com um amigo?
— Chama
-se Michael O’Neil, é irmão de um colega da minha turma, e
disse
-me que se...
— Os psicólogos da faculdade são uns fedelhos mal pagos que não têm a
menor ideia do que andam a fazer. Que idade dizes que ele tem?
Era incrível.
— Acredita em mim, tem muita. Que raio pode saber um tipo que se
licenciou há dois dias? O que pode ele saber acerca do que está a acontecer
contigo?
deveria importar.
psicólogo da faculdade não vai saber o que fazer quando começares a contar
-lhe
— Estou a dizer que quero que deixes as consultas com esse idiota e que me...
uma discussão?
Peguei no casaco de cabedal, calcei as botas e fui para a sala, onde a minha
bastante acolhedor, com dois quartos, casa de banho partilhada e uma sala com
Briar, e, agora que já convivera algumas semanas com ela, podia dizer, sem
quaisquer rodeios, que era bastante promíscua. Não que andasse vestida de
forma provocante nem nada disso, mas tinha simplesmente um dom que fazia
com que qualquer tipo com olhos na cara a quisesse levar para a cama, e ela
acedia, maravilhada. O seu cabelo ruivo era lindo, mais vermelho do que cor de
laranja, e tinha uns olhos verdes e exóticos. Era alta e esbelta e, segundo me
contara, trabalhava como modelo para muitas marcas conhecidas. Os pais eram
realizadores famosos em Hollywood, e ela sabia que mais cedo ou mais tarde
Não era de admirar: se tivesse aquela cara, também havia de querer ser atriz,
mas a Briar tinha um ar de «não quero saber de nada» que chegava a ser
cafeína para ficar mais alterada, mas era um movimento reflexo, nem sequer
tinha sede; só não conseguia estar quieta. Aquela última conversa com o Nick
— Não quero falar disso — respondi, num tom bastante brusco. Os olhos da
Briar cravaram
-se em mim, e senti-me imediatamente culpada.
Não que fôssemos amigas nem nada parecido, mas ela sempre fora simpática
verdade é que estava a sentir falta de amigas, porque, desde que viéramos para a
faculdade, a Jenna andava na sua bolha e, além disso, vivia do outro lado do
da minha reação.
— Caraças, uma tattoo! Ele está caidinho por ti, não? — comentou,
sentando
-se num dos bancos que estavam à volta da mesa da cozinha. Brinquei,
— O que se passa entre nós é diferente de tudo o que já senti por qualquer
outro rapaz... É intenso, sabes? Uma palavra dele é capaz de me levar ao céu ou
— Só me senti assim uma vez, por uma pessoa que acabou por se revelar um
— Não é caso para tanto. É divertido ver como as pessoas olham para mim
— É um sinal de fragilidade, sim, mas tentei fazer isto e estou aqui, a falar
Não sabia muito bem o que dizer. Entendia-a; entendia-a melhor do que ela
podia imaginar. Achava estranho falar daquele assunto sem qualquer pudor...
Eu demorara dez anos até conseguir mostrar a cicatriz que tinha na barriga.
— Às vezes pergunto
-me o que me passou pela cabeça quando decidi fazê-la.
Era evidente que eu não fora a primeira pessoa a quem contara aquilo.
Conhecíamo
-nos há pouco tempo, e a forma como falava do seu passado deixava
seus demónios sem reservas, e percebi que o fazia para que ninguém a pudesse
conhecer plenamente. Sabia que escondia muitas coisas, e agora, ao vê-la com
outros olhos, compreendi que pertencia àquele lado da vida onde nem tudo é
cor
-de
-rosa.
— Queres ir dar uma volta? — perguntei, sem saber sequer o que estava a
dizer.
Observou
-me, surpreendida.
— Essa não é a reação habitual das pessoas depois de me ouvirem contar que
tentei matar
-me, Morgan — brincou, esboçando um sorriso, determinada a
tratar
-me pelo meu apelido. Ainda não a ouvira dizer o meu nome uma única
vez. — A maior parte das pessoas desvia os olhos e procura mudar de assunto, e
tu queres pagar
-me um copo?
Encolhi os ombros.
— Eu não sou como o resto das pessoas e não disse que te ia pagar copo
nenhum.
Compreendi então que não era a única que tinha problemas, não era a única
rapariga a quem tinham feito mal. Falar com a Briar fez-me sentir muito
conduto para entrar nos que eram reservados. Um simples olhar permitiu que
lábios.
Olhei para um grupo de rapazes que estavam numa mesa contígua e que não
tiravam os olhos de nós. Não era de admirar, duas raparigas sozinhas num bar, e
— Para lá de fazer isso. Só vais conseguir que venham ter connosco — pedi
-
apesar disso, não tinha nada que ver com o pessoal que conhecia da minha
Não queria que os rapazes nos abordassem porque não podia ignorá
-los
O outro tinha o cabelo escuro e fez-me lembrar o Nick. Aquilo não estava
Briar começou a beijar o louro. Eu, pelo contrário, continuava a dizer ao amigo
— O teu namorado não está aqui, e sei que gostas de mim. Deixo-te nervosa,
— Não vou repetir — ameacei, agora mais irritada do que deveria. — Não
A mão dele voou para o meu joelho, e dei-lhe uma palmada, levantando-me.
— Mas será que, além de idiota, és surdo? — gritei-lhe por cima do volume
da música.
— Porque não fazes como a tua amiga e descontrais?
significativo.
Era ridículo.
— Vou
-me embora.
Saí da mesa, maldizendo a hora em que decidira ir àquele antro estúpido. Não
me surpreendeu que a Briar não viesse atrás de mim: já me mostrara que cada
Fui para a rua para respirar um pouco de ar. Estava mais embriagada do que
pensara inicialmente. Não devia ter bebido tanto sem sair do mesmo lugar.
Decidi ligar o telemóvel para chamar um táxi que me viesse buscar. Ao fazê
-
lo, vi que tinha várias chamadas perdidas do Nick. Irritara-me imenso com a
conversa do psicólogo, e decidi não lhe responder, mas de repente percebi que
do bar.
passeio em frente, não soube muito bem o que fazer. Não sabia em que ponto
discussões, as coisas estavam muito estranhas entre nós. Optei por ficar onde
alcançando
-me antes do Nicholas.
Voltei
-me para o Nick no momento em que me contornou a cintura com um
— Afasta
-te. — A voz dele era tão gélida como a temperatura daquela noite.
Senti um calafrio.
— Quem és tu?
— Sou o tipo que te vai partir a cara se não te afastares da minha namorada.
O Nick largou
-me a cintura e deu um passo em frente.
possível.
O imbecil do bar parecia ter percebido que ficaria a perder porque era
evidente que, se ambos lutassem, quem ia acabar a comer terra era ele. Foi então
que a porta se abriu e que o ruído abafado da música chegou à rua. Vi a Briar
Nick
Briar Palvin.
O tipo que a trazia pelo braço largou-a e apressou-se a ir ter com o colega. Eu
estava tão zangado que seria capaz de andar à bulha com quatro gajos, se fosse
Cerrei o punho com vontade de lhe calar a boca com um murro. Se achava
único motivo que me impedia de lhes deixar a boca a sangrar no chão era a
— Aconselho
-te a afastares
-te — disse, controlando o tom de voz.
— Senão o quê? — O outro idiota pôs-se ao lado do amigo. Seria tão fácil
deixá
-los aos dois de rastos no chão, mas não era isso que queria. Não era o
tinha ido buscar à porta do bar. O tipo corpulento observou-nos com má cara
— Vão
-se embora daqui, se não querem que chame a polícia — disse,
de onde só sairia com os punhos magoados e uma briga ainda maior com a
Noah.
— Não nos vais apresentar, Morgan? — perguntou, com uma voz angelical
A Noah olhou para mim com nervosismo, enquanto mordia o lábio. Tive
vontade de lhe puxar o lábio para que não se magoasse, mas as palavras que
saíram da sua boca fizeram com que todos os alarmes do meu corpo se ligassem
ao mesmo tempo.
— Nick, esta é a minha nova companheira de casa, a Briar; Briar, este é o meu
namorado, o Nicholas.
estendia.
Não podia acreditar que aquilo estivesse a acontecer. A Briar Palvin era a
última rapariga que eu escolheria para partilhar casa com a Noah não só por ser
como era mas porque conhecera o pior de mim, e, quando digo o pior, quero
referir
-me ao pior mesmo.
Como se ela não soubesse o meu nome... Não entendia porque estava a fazer
de conta que não me conhecia. Além disso, a última coisa que queria era que a
Noah tivesse outra razão para pôr a nossa relação em causa. A Briar Palvin
em direção ao carro.
— Espera — pediu
-me a Noah, soltando-se. — Estás em condições de
com quem não devia. Esta miúda podia conduzir, sim, e, se não estivesse em
A Noah sorriu
-lhe, como se tivessem sido amigas a vida inteira; entrei no
revelaram mais do que poderia esperar, e, ao ver o sorriso no seu rosto, percebi
não me envolvia em mais lutas, mas custava-me muitíssimo deixar essa minha
faceta para trás. Nunca fui um rapaz tranquilo, e ver aquele idiota tão perto
dela...
Quando desliguei o motor, voltei-me para olhar para ela. A Noah agitou-se no
assento, inquieta.
Afastei
-lhe uma madeixa do rosto com a mão. Não se mexeu, mas, quando lhe
segundo depois, olhou para mim, e os seus olhos dirigiram-se ao meu pulso. Vi
por virem de ti. Se, além disso, juntarmos que foste tu quem as desenhou na
minha pele...
Estendi o braço até que ela me pegou no pulso com cuidado e o virou,
Senti um calafrio.
meus.
nos pulmões. Por que motivo era tão complicado amá-la? Se ela deixasse,
seríamos perfeitos um para o outro; se a Noah não tivesse estes medos todos,
peito. Baixou os olhos, e por momentos tive a impressão de que o seu coração
parava de bater.
minhas palavras.
A Noah desviou o olhar e fitou as luzes que tínhamos à nossa frente.
— Não podes reagir como reagiste ao telefone e logo a seguir vires ter
tudo.
contar a minha vida a um desconhecido por ti. O que te preocupa? Que ele seja
novo e que, como tu próprio disseste, eu esteja demasiado lixada para ele me
— Não são ciúmes, porra, só quero que estejas bem. Quero o melhor
Sou eu quem decide a quem contar as minhas coisas ou em quem confiar. Mas, a
ti, a única coisa que preocupa é que o psicólogo seja um homem. Há homens
— Só quero o melhor para ti. Quero que te curem de uma vez por todas,
porra!
depois fitaram
-me com mágoa.
«Merda.»
sílaba. Sem me dar sequer tempo de a agarrar, saiu do carro e atirou com a
porta.
Saí o mais depressa que consegui e, quando a alcancei, ela estava a marcar um
número no telemóvel.
— Afasta
-te de mim — ordenou-me, dando um passo atrás, com o telemóvel
«Merda, merda!»
— Noah, ouve
-me — pedi, quando meteu o telemóvel no bolso.
Voltou
-se para mim a deitar fogo pelos olhos.
— Isto não é nada fácil para mim, Nicholas! Estou a fazer tudo o que me é
possível para ficar bem, para que a nossa relação funcione, e não queres
entender
-me. Limitas
-te a atirar
-me coisas à cara, não confias em mim, e estou
farta!
acalmasse. — Não estás doente, nunca pensei isso de ti, só quero que melhores,
que não tenhas medo, que deixes de fugir de mim, é a única coisa que quero.
— Queres que melhore, desde que seja nas tuas condições, Nicholas! —
Aproximei
-me dela sem me importar que os seus pés continuassem a afastar
-
As minhas mãos agarraram os seus braços, e baixei-me para ficar à sua altura.
— Estás a fazer a mesma coisa outra vez, a arranjar uma desculpa qualquer
Segurei
-lhe o queixo com os dedos e obriguei-a a olhar para mim.
Nos seus olhos brilhavam as lágrimas que ainda não tinha chorado.
reconheço, não nos reconheço. Só vejo ciúmes por todo o lado, e isso não é bom.
— Não faças isto, não te afastes de mim. — Pus as mãos nas faces dela,
segurei
-lhe o rosto e baixei a cabeça para tocar com os meus lábios nos seus.
— Só uns dias, Nicholas — disse ela. — Dá-me tempo para assimilar tudo o
que se tem passado: sair de casa, do teu apartamento... Começar a falar do meu
passado, desfazer
-me de recordações dolorosas, sentir que não sou suficiente para
ti...
A voz quebrou
-se na última palavra, e envolvi-a nos meus braços, apertando
-a
com força.
— Tu és tudo aquilo de que eu preciso, meu amor. Por favor, não me impeças
trás e beijando
-a de verdade, com um carinho infinito, mas também com uma
gritar um com o outro não ajuda nada. Tens de aprender a confiar em mim, e eu
tenho de deixar de fugir daquilo que me fazes sentir... Porque te amo de mais,
Nick. Amo
-te tanto que me dói.
Senti que me faltava o ar. Não podia deixar que se fosse embora assim, não
— Por isso mesmo, estarmos separados não vai servir de nada. Não fomos
neste momento, porque a única coisa que sou capaz de fazer é pensar em ti, e,
embora uma parte de mim saiba que preciso de ti, há outra que está a
desaparecer. Nicholas, sinto que não existe Noah sem ti, e não pode ser assim,
não posso depender de ti desta maneira, porque, se o fizer, vou acabar por me
O que eu via era uma miúda linda e destroçada por minha causa, porque não a
conseguia fazer feliz. Porque não era capaz? O que estaria a fazer de mal? O que
fora feito daquele tempo em que a Noah me brindava com sorrisos todos os
dias? Onde ficara o brilho especial que recebia quando os nossos olhares se
cruzavam?
Nesse instante, umas luzes iluminaram-nos por trás. A Noah olhou na sua
— Dou
-te uma semana, Noah — afirmei, fazendo os seus olhos
sentires a minha falta com todas as fibras do teu ser, sete dias para te
calor, o desejo que sentia por ela, a dor que me atormentava por a deixar partir.
Vi
-a entrar no carro. Só quando vi um clarão vermelho me apercebi de que
deixado ir embora.
45
Noah
Olhei fixamente para a chávena que tinha entre os dedos. O fumo erguia-se em
espirais e aquecia
-me o rosto. Estava cada vez mais frio na cidade, o verão já
embora cada palavra que ele dizia me deixasse mais confusa a respeito da minha
só aí pude voltar à superfície. Como é que isso pode ser uma coisa má? Como
O Michael levantou
-se da cadeira e aproximou-se do cadeirão onde eu estava
sentada. Observou
-me demoradamente.
— Tens de conseguir nadar sozinha, Noah; o Nicholas não pode ser o teu
eterno salva
-vidas. Ou aprendes a nadar ou, mal ele se distraia, voltas a
afundar
-te.
Tinham
-se passado seis dias. Seis longos dias em que não dirigimos uma
faltou pouco para me esquecer do afastamento e lhe implorar que viesse ver
-me
— Estás a sair
-te muito bem, Noah, estás a ouvir o que te digo, a aprender a
viver sem ele, e só assim, quando aprenderes a caminhar sozinha, poderás voltar
Levantei
-me, pousei a chávena na mesa e dirigi-me à janela. Lá fora já era
quase de noite, e vi passar alguns estudantes que deviam ter tido aulas à tarde.
— Eu só quero ser... normal — confessei, sem querer voltar
-me nem ver a sua
Foi então que senti que me segurava um braço com a mão. Obrigou-me a
Libertei
-me e fui sentar
-me no cadeirão.
aconselhei?
colar
-se aos meus sonhos, e ainda não era capaz de apagar a luz para poder
dormir às escuras.
— O medo que tens está diretamente relacionado com o que aconteceu com o
teu pai. Tu própria me contaste que, antes de ele te atacar, te fechavas no teu
reverter essa situação para o extremo oposto, e é por isso que te afeta tanto; uma
Detestava recordar aquela noite, odiava voltar a sentir as mãos dele sobre a
contra o colchão. Fechei os olhos com força e cerrei os punhos contra as pernas.
sabia o que estava a fazer; tu, pelo contrário, eras uma menina indefesa. Estavas
sozinha, ninguém te ajudou, Noah, e fizeste o que podias para fugir, foste
corajosa e não hesitaste, lutaste por ti mesma quando mais ninguém foi capaz
de o fazer.
Abri os olhos e pensei na minha mãe. Na forma como ela enfrentou os ataques
fazer com que fossem piorando. Ao observá-la, aprendi que às vezes era melhor
ficar calada, aceitar as coisas que nos gritavam... O meu pai sempre me disse
que o fazia por causa dela, que eu não era uma menina má, por isso nunca me
tocava.
— Ele amava
-me, nunca me devia ter feito mal...
Na manhã do sétimo dia, acordei com uma sensação estranha na barriga. Era o
último dia da nossa separação, e não sabia se estava preparada para ele. Por um
lado, todas as células do meu corpo o queriam ver, mas, por outro, aquele
Fiquei nervosa assim que entrei nas Empresas Leister. Ao sair do elevador,
Nunca tinha estado ali e sentia-me pequena como uma formiga. Ali, tudo
havia um vestíbulo enorme com sofás brancos sobre um tapete preto intenso.
Cinzentos, brancos, pretos... Por que motivo aquela paleta de cores não me
surpreendia?
conseguia ver as maçãs do rosto dela erguidas porque estava a sorrir, e falava
Aproximei
-me da porta, e foi então que ele me viu.
Não soube muito bem o que dizer. Todas as minhas inseguranças e o ciúme
«Soph.»
Aproximei
-me da secretária do Nick, e ele fez o mesmo, pegou numa folha de
papel que estava por cima das outras e guardou-a numa gaveta. Depois carregou
já não conseguia ver nada do que havia para lá daquelas quatro paredes.
Foi então que as suas mãos me rodearam, o calor que o seu corpo emanava
envolveu
-me por completo, e puxou-me a trança para trás para poder pousar os
recuar alguns centímetros para conseguir olhar para o meu rosto, para o meu
— Tive tantas saudades tuas, sardas — confessou com os olhos fixos nos
Senti
-me asfixiar e, de repente, a única coisa que queria fazer era sair dali e
voltar a ouvir o Michael dizer que eu era capaz de lidar com qualquer coisa, que
quem tinha de enfrentar os meus medos era eu, que era forte, inteligente, que
distrair do que por outra coisa. Reparei que ficou subitamente tenso.
minhas mensagens...
— Precisava de tempo para pensar — disse, e reparei que a minha voz soou
dura e distante.
O Nick observou
-me de sobrolho franzido.
Os dedos dele pararam a carícia que estavam a fazer. A pele deixou de estar
levantou
-se e olhou
-me fixamente, de cima.
— Não.
— Nicholas, eu...
— Estive sete dias sem te ver, dei-te tempo para pensar, nem sei que raio tens
Afastou
-se e foi até à janela que havia atrás da sua secretária. Antes que
pudesse dizer alguma coisa, a porta abriu-se atrás de mim, e a Sophia entrou.
Bastou um olhar para se aperceber de que as coisas não estavam a correr bem.
O Nicholas aproximou
-se da porta, olhou para a Sophia e depois para mim.
silêncio confrangedor.
— Podes sentar
-te, se quiseres. Posso oferecer
-te um café ou outra coisa?
Disse
-lhe que não e fiquei onde estava.
— Noah... Acho que sei por que motivo estás assim... Mas é uma
oportunidade única para ele, eu daria fosse o que fosse por aquele cargo, e Nova
Iorque não fica assim tão longe. Há muita gente que mantém relações à
O meu coração começou a bater com força contra as costelas, de tal forma que
A Sophia olhou para a secretária do Nick, logo a seguir para mim, e os seus
olhos abriram
-se de surpresa. O rosto começou a tingir
-se de um escarlate
intenso.
Abanou a cabeça.
— É melhor perguntares
-lhe a ele, Noah, nem devia ter dito nada, mas pensei
que... que ele te tinha dito. Principalmente tendo em conta como estão a ser
insistentes.
— O Nicholas não me disse nada, mas, já que começaste, agora acaba. De que
Sabia que não tardaria muito a explodir e preferia não o fazer à sua frente.
Queria ir
-me embora, mas primeiro precisava de saber que raio se passava.
dois anos; o facto de termos ganhado o caso Rogers chamou a atenção de muita
gente, de gente importante, e, embora eu gostasse muito de dizer que o mérito
era meu, a verdade é que, se não fosse o Nick, não teríamos conseguido ganhar.
Nem sequer sabia que tinham ganhado o caso, não sabia que o Nicholas
estava interessado num trabalho em Nova Iorque e muito menos que se tratava
sentir
-me muito bem...
Antes de sair porta fora, a Sophia agarrou-me por um braço e fitou-me com os
seus olhos castanhos de pestanas imensas. Os saltos faziam-na mais alta do que
— Sei que não queres que ele se vá embora... Mas devias apoiá-lo nisto, Noah.
A raiva apoderou
-se de todo o meu ser, e consegui libertar
-me com um único
safanão.
— É que nem te passe pela cabeça dizeres-me o que devo ou não devo fazer
«Devias apoiá
-lo nisto, Noah.»
Por que motivo o Nick era incapaz de confiar em mim? Porque não podíamos
estrada.
46
Nick
aceitar, que isso faria arrancar a minha carreira e sei lá mais o quê. A verdade é
que, para ele, era ouro sobre azul porque, se me fosse embora, livrava-se de mim
e ainda teria a costa livre para subir na empresa do meu pai: matava dois
para ela. Alguma coisa no seu tom de voz me levou a fazê-lo —, contei-lhe da
— Fizeste o quê?
A Sophia devolveu
-me o olhar com nervosismo.
— Pensei que estavam a discutir por causa disso; desculpa, meti a pata na
«Porra!»
carro e pus
-me a caminho da faculdade.
Não podia acreditar que a Sophia lhe tivesse contado. Aquele assunto estava
encerrado. Já não sabia como fazer perceber a toda a gente que a proposta não
estava louco, sabia perfeitamente a oportunidade que estava a recusar, mas não
me interessava, não ia deixar a Noah ali, nem pensar, nem que me contratassem
para ir trabalhar para a Casa Branca. Quando soubera, o Jenkins tinha-me dado
recriminar
-me e a dizer que eu era um perfeito idiota. Ainda por cima, agora
tinha de enfrentar a Noah, num momento da nossa relação que eu sabia que
Liguei
-lhe para lhe dizer que ia ao seu apartamento, para lhe explicar tudo,
mas, como já era seu costume, ignorou todas as minhas chamadas. Quinze
forma de me explicar e evitar que tudo isto alimentasse as coisas que me atirara
à cara. A última coisa que queria era que este tempo que insistia em pedir
-me
se prolongasse indefinidamente.
Bati à porta três vezes e esperei que ma abrissem. Não foi a Noah quem o fez.
«Merda.»
cabelo ruivo apanhado num carrapito no alto da cabeça; no seu rosto brilhava
— A Noah está? — perguntei, olhando para trás dela, quase sem lhe prestar
atenção.
entrar.
Menos mal, não fora assim tão difícil. Ignorei-a até chegar ao quarto da Noah,
Tinha
-se sentado na bancada da cozinha, e o camiseiro subira-lhe pelas coxas.
— Esqueci
-me de que afinal não está cá... Desculpa, a minha memória é
muito má.
Ignorei
-a e dirigi
-me para a porta, mas, quando fui para a abrir, apercebi
-me
corpo dos pés à cabeça. — Ou talvez te ofereça outra coisa... Julgo que a fase da
A última coisa que queria naquele momento era um confronto com aquela
miúda. Raios! Tinha tentado ignorar o facto de a Noah partilhar casa com a
Briar, mas sabia que mais cedo ou mais tarde ia acabar por me cruzar com ela.
— Briar, não vou entrar no teu jogo, nem hoje nem nunca. Abre a porta.
Encostou
-se à bancada e tirou as chaves do sutiã.
Dando dois passos, fiquei mesmo à sua frente. Os olhos verdes, selvagens,
observaram
-me, divertidos, mas eu sabia o que havia por detrás daquela
— Dá
-me as chaves, Bri — ordenei, sustendo a respiração. — Não brinques
— Nem eu... E muito menos que vivesses com a minha namorada, Briar...
A amargura atravessou
-lhe o rosto, e fiquei momentaneamente calado.
— Preocupa
-te que o que lhe possa contar lhe abra os olhos, Nick? —
perguntou a Briar Palvin com uma cara inocente, uma das mil caras diferentes
— Eu amo
-a — confessei, tentando fazê-la ver que estava a ser
completamente sincero.
— Tu não sabes amar ninguém e muito menos esta miúda. Não a mereces.
Sabe Deus que não a merecia, era verdade. Mas não precisava daquilo, agora
não. Não queria estar a remexer em recordações antigas. Não queria voltar a
sentir a culpa que me atormentara outrora. Tinha deixado tudo aquilo para trás,
mesmo antes de voltar a viver com o meu pai, um ano antes de conhecer a
Noah, mas a Briar nem devia estar ali, fora-se embora e jurara nunca mais
— Até podes ter razão, mas vou ficar com ela até me dizer que já não me
quer.
A Briar observou
-me com incredulidade. A sua mão levantou-se e tocou ao de
— Ama
-la — disse, como se fosse algo impossível. — Como pude pensar que
serias diferente?
Quando a mão começou a acariciar
-me o cabelo, segurei-lhe o pulso e
obriguei
-a a afastar
-se.
Um sorriso desenhou
-se nos seus lábios carnudos.
Puxei
-a com força, perdendo as estribeiras durante três segundos infinitos.
Voltei a fitá
-la, e uma pontada de dor e de culpa misturou-se com a raiva.
— Sei que não te vai servir de nada... Mas desculpa aquilo que te fiz, lamento
— Sentires
-te culpado só te beneficia a ti, Nick, a mim não faz nada. Agora,
sai daqui.
Não precisou de me pedir duas vezes. Mas, antes de sair, escrevi um bilhete à
Noah e deixei
-o debaixo da sua almofada. Tinha tomado uma decisão.
47
Noah
Quando saí das Empresas Leister, fui logo para casa do Charlie. Não queria ver
que o Nick tinha todo o direito de ponderar aceitar uma proposta de trabalho
Queria ser egoísta, quando se tratava do Nick, tinha de ser egoísta. Dois anos
ele abriu-ma num estado que já conhecia bastante bem: estava embriagado.
— Olá... Importas
-te de que te acompanhe?
que devia fazer, mas um copo ou outro não faria mal a ninguém.
tequila. Contei
-lhe o que tinha acontecido com o Nick, e ele confessou que
com ele não ajudava nada a tratar a sua dependência, embora, em minha defesa,
deva dizer que ele já estava bastante bebido quando me abriu a porta.
— Se o meu irmão me vir assim, mata-me — disse a certa altura. — Ele acha
devia fazer terapia era ele... Quando quer, é um imbecil, sabias? Não fazes ideia
Fiquei com pena de que não fosse o miúdo alegre e sem problemas que
aparentara ser de início. Não sabia nada deste lado da sua vida e percebi que
toda a gente tem segredos que não quer revelar a ninguém.
Quando me apercebi de que beber álcool não ia resolver nada, propus-lhe que
Há muito tempo que não tinha um amigo com quem pudesse partilhar
momentos simples como aquele. A Jenna era muito maluca, os nossos planos
sossegadas no sofá.
entrou com cara de caso. Não esperava vê-lo e apercebi-me de imediato de que
ele também morava ali. O Charlie vivia com o irmão porque mal tinha dinheiro
Não sei por que motivo fiquei nervosa. Talvez porque estivesse habituada a
vê
-lo no consultório e porque ele conhecia quase todos os meus segredos, medos
repreender
-nos. Já tínhamos deixado de beber há horas. O Charlie até fora
tomar um duche frio e parecia bastante sereno, por isso rezei para que o Michael
O Charlie apercebeu
-se da tensão repentina que pareceu inundar o ambiente.
um filme connosco?
pousá
-las em cima da bancada.
preparei
-me para me ir embora.
estava no sofá.
— Trouxe coisas para fazer o jantar. Podes ficar. Assim, podes também
contar
-me por que motivo decidiste faltar à consulta. Estive à tua espera até às
sete.
Merda! Esqueci
-me completamente... Por isso estava tão estranho. Deixara
-o
plantado.
Pelo canto do olho, vi a forma como o Charlie nos observava e a seguir disse
qualquer coisa sobre limpar o quarto.
Que oportuno.
Aproximei
-me da bancada de mármore onde o Michael estava a pousar as
Ele ficou calado durante uns segundos, e depois um sorriso amável espalhou
-
risotto de cogumelos?
em casa e da maneira como olhara para mim há uns segundos. Assenti e pousei
a mala na cadeira, decidindo que era melhor ficar ali. Não lhe ia fazer a desfeita
quente.
Sentámo
-nos no chão da sala, na mesa de centro, e comemos enquanto
Naquela noite, voltei para casa com um sorriso tímido nos lábios, tinha
passado uma noite descontraída e divertida; há muito tempo que não me sentia
assim. Com o Nick era tudo tão intenso, um simples olhar seu deixava-me com
o corpo todo tenso, uma carícia dos seus lábios como se me doesse o estômago.
Era uma daquelas situações em que queremos mesmo fugir de uma coisa
muito intensa, passar nem que seja algumas horas numa bolha onde mais
Essa noite fora assim. Conseguira respirar fundo, pudera ser apenas a Noah, e
não a Noah de alguém, mas, mal entrei no meu apartamento e fui para o
Vou dar-te mais tempo. Se é disso que precisas, se é isso que tenho de fazer
para que percebas que te amo a ti e a mais ninguém, é isso que vou fazer. Já
não sei que mais posso fazer para que acredites em mim, para que percebas
que quero cuidar de ti e proteger-te para sempre. Não vou a lado nenhum,
Noah. A minha vida e o meu futuro são contigo, a minha felicidade depende
exclusivamente de ti. Para de ter medo: serei sempre a tua luz no meio da
escuridão.
pelo que o estava a fazer passar. O Nick ia renunciar a um trabalho único por
minha causa...
Fui para a sala buscar uma garrafa de água e atirei-me para o sofá de qualquer
maneira. A verdade é que estava desfeita. Tinha medo de que, se o Nick ali
apoiá
-lo nisto, Noah.» — Deus! Por que raio se metia, porque falava como se se
importasse com ele? Por que razão o Nick lhe contara acerca disto e a mim não?
mas, em mim, o que falava mais alto era o ciúme, o ciúme de ver alguém que
era perfeito para ele e logo a seguir olhar para mim ao espelho e saber que eu era
exatamente o oposto.
Não sei durante quanto tempo estive ali sentada no sofá, mas devo ter
Ao levantar
-me com cuidado no sofá, vi que um par de olhos me observava. A
Li
-o depressa e apercebi
-me de que me esquecera completamente daquele
Leister.
— Merda!
A Briar tirou
-me o papel da mão e leu-o.
Não fazia ideia se falavam ou não, mas, de qualquer maneira, assenti. Era a
maldita festa onde eu e o Nick deveríamos fazer de conta que éramos apenas
dois irmãos que gostam um do outro e que se respeitam. Porra, este era o pior
A Briar observou
-me com um brilho estranho nos olhos.
— Diz aqui que podes levar um acompanhante, mas, se não estou enganada,
Mais ou menos, era mais complicado do que isso, mas esquecera-me da parte
quem estava de candeias às avessas, ao lado dos nossos pais, com quem mal
— A verdade é que não sei em que ponto estamos, mas não, não vou com
ele... — Apoiei a cabeça nas mãos e fechei os olhos com força. A festa era
naquele fim de semana, e alguma coisa me dizia que até lá não iria conseguir
que não há nada como um bom contacto. Estaríamos a fazer um favor uma à
outra: eu faço
-te companhia para não morreres de tédio e, em troca, talvez
Ponderei o que ela dizia e não me pareceu má ideia. Era evidente que seria
— A sério que não te importas? Vai ser uma seca, e vou ter de desempenhar o
Só faltavam dois dias para que fosse obrigada a ver o Nick na gala dos
Leisters, e não fazia ideia de como íamos agir um com o outro. Surpreendia
-me
para o fazer.
«São só mais dois dias, Noah, dois dias. Dentro de dois dias vais vê-lo, e tudo
vestido e restantes coisas para a gala. O protocolo exigia que as mulheres fossem
centro comercial.
— Era para ir, mas há uma semana que o Lion me liga todos os dias, insiste
que hei de fazer, Noah? Tenho tantas saudades dele que até dói, mas tenho
nossa relação.
— Tens de ir, Jenna. O Lion merece que, pelo menos, ouças o que tem para te
cima da mesa. Por muito que insistas em que estás melhor sem ele, ambas
aflorou
-lhe no rosto.
Aqueles dois tinham sido feitos um para o outro, e não entendia como não o
percebiam.
Versace, da Prada... Como se não tivesse problemas nenhuns com dinheiro. Uma
que custava metade do valor, e assim podia ficar com o resto para pagar a renda,
tinha a certeza de que a minha mãe iria acabar por descobrir quando fosse ver o
extrato do cartão.
Acabámos por entrar finalmente na Dior, uma loja que deixava a Jenna doida.
Os preços eram uma loucura, mas deixei-me levar pela minha amiga e fiz de
conta que não estava a comprar o vestido para mim, mas a cumprir uma tarefa.
apaixonarmo
-nos por um vestido. Estava no meio da loja, num manequim, e,
— Deus do céu, Noah... É este, é o teu vestido — disse a Jenna ao meu lado,
Hollywood. Levaram
-nos para uma sala contígua e ajudaram-me a vesti-lo. A
parte de cima tinha uma espécie de corpete com pequenos diamantes prateados.
A saia caía em cascata até ao chão, realçando o meu corpo e marcando cada
numa das pernas que me chegava quase à anca. Meu Deus, era simplesmente
perfeito.
Baixei os olhos e peguei na pequena etiqueta que estava presa ao lado das
— Então e estavas à espera de quê? Isto não é a GAP. Tens de estar à altura,
ouve o que te digo, o teu vestido será um dos mais normais. E estás divinal,
bronzeada e a cor do meu cabelo. Era um vestido para uma ocasião especial,
chegar com um vestido tão bonito. Se a gala ia ser o dia do reencontro depois de
duas semanas quase sem nos falarmos... como a Jenna tão bem dissera, eu tinha
de ir espetacular.
48
Nick
Faltava um dia para a gala, e eu e a Noah não tínhamos voltado a falar. Estava
preocupado, com ela, connosco. Sentia uma pressão no peito que não me
deixava trabalhar. Naquela manhã, o meu pai tinha passado pelo meu gabinete
que nos pedira, a mim e à Noah, há cerca de um mês. Odiava vê-la depois de
tantos dias sem lhe tocar ou abraçar e ter de fazer de conta que não éramos nada
um para o outro. Era como se tudo fosse uma piada de muito mau gosto. O
meu mau humor era percetível. Qualquer pessoa que estivesse em contacto
que só ainda não me tinham despedido porque o meu apelido era Leister.
— Aluguei três carros para nos levarem amanhã à gala, um para mim e para a
Ella, um para a Noah e para a amiga que ela vai levar e outro para ti e para a
Sophia.
distraído.
— O que disseste?
assunto. Ele não pode estar presente amanhã: a Sophia vai em sua representação,
e ele pediu
-me que entrasse com a nossa família.
escritório com estrondo. — A Sophia disse-me que não ia à gala, que ia para
importante. Não pode estar presente, e é por isso que a Sophia vai no seu lugar.
O Riston pediu
-me que fosses seu acompanhante, e, como é evidente, disse
-lhe
que sim.
dentes.
— A tua relação com a Noah já te está a custar demasiado, filho... Se ela não é
capaz de aguentar que chegues a uma festa com uma amiga, acho que devias
Ignorei as suas palavras e deixei que se fosse embora. Não podia permitir que
a Noah chegasse à gala e me visse com a Sophia, tinha de lhe contar antes. A
última vez que tivera notícias dela fora quando me enviara uma mensagem de
texto a dizer «Obrigada». Tinha prometido que lhe dava espaço, mas, se não lhe
ela chegava pela outra entrada. Estacionou o carro ao lado do meu, e os olhos
arregalaram
-se de surpresa quando me viu sair. Tenso, esperei pela sua reação.
Aproximou
-se de mim com cautela até parar e me fitar com nervosismo.
— Fico contente por ver que continuas aqui e não estás em Nova Iorque.
Virou
-me as costas e subiu as escadas que davam acesso ao bloco de
atrás dela, disposto a resolver e a encerrar aquele assunto de uma vez por todas.
debatia para abrir a porta. Nunca a tinha visto com aquele vestido: era amarelo
Ao entrar, voltou
-se para trás e comprimiu os lábios com força.
ela. Deus, odiava aquele vestido, odiava a forma como se colava ao peito dela,
A Noah olhou
-me com condescendência e pousou a mala que trazia em cima
da bancada da cozinha.
Aproximei
-me dela à espera de que dissesse mais alguma coisa. Vi que estava
Observei
-a, entretido, enquanto ela abria o frigorífico e tirava duas cervejas.
Tive plena noção do calafrio que este pequeno toque lhe provocou, mas fingi
não dar por nada. Estava ali para acalmar os ânimos, para falar com ela e
explicar
-lhe sobre Nova Iorque, embora, na verdade, a única coisa em que
estremecer de verdade.
Baixei a garrafa até à beira da bancada e, com um golpe seco, fiz saltar a
carica; depois levei a garrafa aos lábios. A Noah observou-me fixamente, baixou
o olhar para a sua cerveja e, por instantes, pareceu ficar um pouco perdida.
Os seus lábios vacilaram, mas levou a garrafa à boca e deixou que o líquido
frio lhe escorresse pela garganta. Olhei, hipnotizado, para o seu pescoço, que se
reduzir a distância que nos separava. Alguma coisa me dizia que ainda não era o
momento, se quisesse receber uma resposta agradável da sua parte. Mas mesmo
Nervosa, afastou
-se de mim e foi para o sofá; não parecia muito segura quanto
ao que deveria fazer a seguir e pôs-se a arrumar as revistas. Encostei-me à
assim durante uns minutos, até que se voltou para mim, deixou as revistas em
Sorri, divertido.
— Estás a deixar
-me sem opções, amor. Não te posso tocar, não posso olhar
Fitei
-a durante uns segundos. Estávamos separados por um par de metros,
mas sentia
-a a quilómetros de distância de mim, o que não me agradava nem
que só ia contar
-lhe pessoalmente a cena da Sophia, mas antes queria assegurar
-
— Sei que disse que te dava espaço, mas precisava de te ver, nem que fosse
Ela olhou para mim com a incerteza espelhada no rosto. Acho que nunca a
tinha visto tão perdida. Veio na minha direção, mas deixou um espaço
demasiado grande entre nós. Avancei um passo, mas ela recuou ligeiramente,
amargurada.
A pergunta não foi de todo inesperada. Sabia que o que mais a aborrecera em
toda aquela questão sobre Nova Iorque fora ter sabido por outra pessoa.
— Porque nunca fez parte dos meus planos ir para onde quer que fosse, pelo
Ela mordeu o lábio com nervosismo, e tive vontade de lho puxar, mas não
Não era uma pergunta, e a verdade é que nunca pusera sequer a hipótese.
— Estou bem como estou agora, Noah. Gosto do sítio onde trabalho e do
rumo que o meu futuro irá levar. — Não me agradava especialmente herdar a
empresa do meu pai, já que ainda ia ter de trabalhar para ele um horror de anos,
Franzi o sobrolho.
— Não.
para trás.
— Não quero ir, obviamente, porque ainda agora entrei para a universidade,
aqui. Passou
-se apenas pouco mais de um ano desde que saí do Canadá, mas...
Sei que é uma coisa importante para ti, Nicholas, por isso... Acho que estaria
disposta a fazê
-lo por ti.
seu rosto que me dissesse o contrário. Mas pela sua forma de olhar, percebi que
— Nicholas... Eu amo
-te — confessou, num sussurro. — As coisas agora
podem não estar muito bem... mas, se me pedisses e fosse importante para ti,
dir
-te
-ia que sim, que iria contigo para qualquer lugar, e tu sabes isso.
Uma vaga de amor infinito inundou-me o centro do peito, aquele buraco oco
na minha alma que estivera tão vazio durante as duas semanas em que
minha mão pousou na cintura dela e apertei-a com força, quase beliscando-lhe
as costelas, tal era a ânsia que tinha de a fazer perceber o que faria e daria para
— Obrigado — murmurei.
Levantei a outra mão até ao seu pescoço e agarrei-lhe o cabelo. Queria cheirar
Ouvi a sua respiração acelerar quase ao mesmo tempo que a minha. A mão
agarrou
-me o braço, e todo o seu corpo tremeu ao sentir
-me tão perto de si.
— Tenho tantas saudades tuas — disse junto à sua orelha. — Adoro a ideia
de quereres vir comigo, mas não vou aceitar este trabalho, pelo menos agora.
Quero ficar aqui, e sei que tu também queres. É exatamente isso que vamos
ponta da língua pela clavícula acima até chegar ao lóbulo da orelha, que mordi
com meiguice. A Noah soltou todo o ar que estava a conter, e reparei que o meu
observei
-a demoradamente. A excitação e o desejo eram tão evidentes que tive
minha falta.
— Não vou fazer nada que não queiras, amor — sussurrei, pousando-lhe as
Ela não disse nada, e ergui-a para cima da bancada com um movimento
rápido. Abri
-lhe as pernas com delicadeza e coloquei-me entre elas.
Sorri para a tranquilizar, já que tinha a sensação de que estava muito nervosa.
Percebia que se tinham passado muitas coisas entre nós e que não tinha estado à
altura, principalmente no último mês, por isso aproveitara essas duas semanas
Levei as mãos ao rosto dela e acariciei as sardas que me deixavam louco. Fui
delineando o contorno do seu maxilar, dos seus lábios carnudos, com os dedos...
Por baixo do tecido do vestido, o peito da Noah movia-se com uma velocidade
as minhas mãos já estariam sobre todos aqueles sítios que tanto amava.
— Quero beijar
-te.
Olhou para mim em silêncio, mas tive a sensação de que não ia recusar, de
— Vou beijar
-te.
Colei os meus lábios contra os seus, com força, com desejo, e deliciei-me com
a pressão da minha boca na dela, numa ligação única que fez desaparecer tudo o
que existira de negativo nos últimos dias. Mordi o seu lábio inferior para depois
o acariciar com a língua e voltar a apertar com força. Os lábios dela eram a
perdição de qualquer homem, e eu não era exceção. Levei a mão até à nuca e
aproximei
-me mais dela, obrigando-a a reclinar
-se para trás e a apoiar
-se no
meu braço estendido. A minha boca afastou-se dela para voltar a reclamá-la, um
instante depois. Dessa vez, inseri a língua e procurei a sua, desesperado. Ela
As minhas mãos percorreram todo o seu corpo, sem poder fazer mais nada,
As minhas mãos desceram para a bainha do vestido, e puxei-o para cima das
coxas, enrolei
-o à volta das suas ancas.
Afastei
-me da Noah e inclinei-me para lhe beijar as pernas... Fui subindo
pelas coxas, dando beijos quentes e cuidadosos, para não deixar marcas. As mãos
da Noah puxaram
-me e obrigaram-me a levantar a cabeça. A sua boca estava
ela enrolada às minhas ancas, até chegar ao seu quarto. Fechei a porta e dirigi
-
agarrava
-se ao meu pescoço. Pus
-me em cima dela e fui subindo o vestido até o
cama.
— É maravilhoso.
cova da garganta.
A Noah riu
-se.
— Mentiroso.
Observei o seu corpo, aquele corpo que parecia ter sido desenhado para mim,
— Era capaz de passar horas a olhar para ti, Noah. És linda, em todos os
sentidos da palavra.
renda tão fina... que era como se não estivesse a usar nada.
Pousei os lábios sobre o tecido fino e senti que ficava tensa sob as minhas
mãos.
— Nick...
acariciava o corpo com os dedos, de cima a baixo, até chegar à cova do joelho e
tempo.
Vi nos seus olhos que estava a travar uma batalha interior e decidi parar.
As minhas mãos desceram pelas suas pernas e fiquei a olhar para ela, até que
vamos estar a atirar borda fora tudo o que tentámos resolver nas últimas duas
semanas.
Senti que quem estava a falar não era ela, mas o maldito psicólogo que a
semanas, e ver as reações do seu corpo às minhas carícias, ver nos seus olhos
Levantei
-me da cama ainda com a Noah ao meu colo e encostei o rosto ao seu.
— Queres parar? — perguntei, e uma parte de mim desejava que dissesse que
não.
— Não quero, mas é o melhor que podemos fazer, pelo menos por agora.
Respirei fundo. A nossa respiração estava agitada devido aos últimos beijos.
Assenti e dei
-lhe um beijo no nariz.
— Não, fica.
Este pedido parecia ser muito mais do que isso. Sorri e levantei-a até a pôr de
— Tens fome?
sala... Na televisão passava um filme terrível que deixámos de ver mal começou
a dar.
— Vou mostrar
-te. Anda.
Levantou
-se e esperou que afastasse um pouco os móveis para arranjar espaço.
A seguir, dirigi
-me ao leitor de música e procurei os clássicos.
at Heart.»
Perfeito.
— Aproxima
-te, pequena desconfiada.
A Noah observou
-me, divertida e apreensiva.
Aproximei
-me dela, rodeei
-lhe a cintura com um braço e entrelacei os dedos
como me tinham ensinado, como fazia desde que tinha pelo menos dez anos.
Inicialmente, pusemo
-nos a dançar devagar, até que a Noah se soltou um
— Não acredito que estás a dançar comigo, na sala, ao som de uma canção do
Sorri e obriguei
-a a afastar
-se do meu corpo para depois voltar a puxá
-la
contra mim, desta vez com as costas junto ao meu peito. Embalei-a nos meus
braços enquanto nos movíamos cada vez mais devagar... A cabeça dela
Subitamente, senti
-me como no início da nossa relação. Não sei como
recordar aquele momento: ela nos meus braços, a dançar junto a mim como se
Desci as mãos pelas suas costas e apertei-a com força. Segurei a sua mão contra
deixando
-nos simplesmente embalar pela música...
— Eu amo
-te — disse, sentindo cada palavra, cada letra.
beijou
-me o centro do peito e continuámos assim... a dançar, até que a canção
chegou ao fim.
ao ritmo da música. Só quando senti que todo o seu peso repousava sobre o meu
peito percebi que a Noah tinha adormecido. Pus um braço por baixo dos seus
joelhos e levantei
-a ao colo.
pé.
Deixei
-a na cama, e ela voltou-se um pouco até abrir os olhos e me fitar.
Tirei a T
-shirt e as calças de ganga, sempre sem parar de olhar para ela.
ela aninhou
-se contra mim, pousando a cabeça no meu peito.
Noah
Sentia
-me como se estivesse a flutuar entre nuvens brancas, no meio do
entardecer. Sentia o calor dos raios de sol sobre o meu corpo e a impressão
morna de ter descansado tão profundamente que a minha mente estava a ter
dificuldade em regressar à realidade. Estava mesmo bem, por dentro e por fora.
O frio que sentira nos últimos dias parecia ter desaparecido e, quando
finalmente me senti capaz de abrir os olhos, devagar, percebi porquê: dois faróis
azul
-celeste, lindos e sensuais, fitaram-me de volta. Senti uma vontade urgente
de os fechar. Tamanha intensidade sem pré-aviso não era boa notícia para as
nas minhas costas e começou a desenhar círculos sobre a minha pele quente.
Virei
-me na cama a resmungar e fiquei de costas para ele. Sem esperar um
segundo, o corpo do Nick colou-se ao meu e puxou-me para o seu peito. Uniu
entrelaçados. Agora não o podia ver, mas entretive-me a observar os seus dedos
Eu também sentia falta, Deus do céu, era do que mais saudades tinha. Era
incrível o que pode acontecer num colchão entre duas pessoas que se amam, e
não estou a falar apenas de sexo, mas de uma forma geral; o quarto é o lugar das
sonhos. Embora não tivesse tocado nele durante a noite, tinha a certeza de que o
meu corpo e a minha mente estariam tranquilos por saberem que ele estava
perto...
palavras na sua pele. Gostei mesmo, porque tinham sido escritas por mim. Era
Perdidamente apaixonados.
ouvido... foi tão especial que tive medo de que acabasse. Não queria que aquele
momento chegasse ao fim, por isso aguentei até os meus olhos e o meu corpo
apaixonara, o Nick que amava com loucura. Era nestes momentos que percebia
que tínhamos sido feitos um para o outro. Queria pensar que já tínhamos
em frente; era o que mais desejava neste mundo, e estava disposta a fazer o que
Mas, então, por que motivo não conseguia tirar da cabeça que o que
acontecera na noite anterior, assim como aquele momento tão íntimo entre os
— Estás muito calada... Não estava a falar a sério quando disse que
Sorri e levantei a mão para afastar uma madeixa que lhe caía sobre os olhos.
Ofereceu
-me um sorriso, aquele que tanto adorava e que ele mostrava poucas
vezes.
Revirei os olhos.
— Noah Carrie Morgan. Santo Deus! A tua mãe só podia estar bêbeda. Não
vais vingar
-te de mim com os teus poderes, pois não?
Empurrei
-o com todas as minhas forças, mas não se mexeu um milímetro.
Sim, tinha lido o maldito romance do Stephen King, e, não, a minha mãe não
tinha escolhido aquele nome por achar que eu iria acabar por ser uma miúda
colchão.
Ele calou
-se, então, levantou
-se e olhou fixamente para mim.
Deu
-me um beijo no rosto e libertou-me da sua prisão. Quando já não o tinha
Peguei nas coisas de que precisava enquanto o Nick se vestia ao meu lado,
observando
-me pelo canto do olho. Subitamente, estava muito calado, e olhei
para ele com curiosidade. Quando eu ia a sair para a casa de banho, ele
segurou
-me a mão e puxou
-me para si enquanto se sentava na beira da cama.
segundos.
— Tenho de te contar uma coisa... E não quero que fiques zangada. — Franzi
o sobrolho e olhei para ele com receio. — Amanhã não vou à gala sozinho.
Bem, acho que era a última coisa que esperava que dissesse.
— Ontem vim cá para te contar pessoalmente. Não quero que fiques zangada.
Fitei
-o. Não queria que fosse com ela... Era só o que me faltava, agora que
sentia que as coisas me estavam a fugir das mãos. Por outro lado, talvez
estivesse na altura de agir mais com a cabeça do que com o coração, como o
Dei meia
-volta para ir para a casa de banho, mas, antes de conseguir sair, o
Nick pôs
-se à minha frente.
— Amanhã, quando isto tudo acabar, vamos para longe daqui, o fim de
semana inteiro. Vamos e resolvemos as nossas coisas, porque sabes tão bem
acabaste de dizer.
As suas mãos seguraram o meu rosto, e olhou-me nos olhos com um brilho
— Eu amo
-te, e não há mais ninguém no meu pensamento, só tu.
casa de banho.
durante duas semanas, todas as coisas que me esforçara por ignorar, tentando
mudar para me sentir melhor comigo mesma, mais segura, mais corajosa. Não
podia regressar à casa de partida, não, não o faria. Por isso mesmo, deixei os
Ora, uma coisa sabia: estaria tão arrebatadoramente provocante que o idiota
paravam de falar, de rir e de tornar aquele dia muito mais alegre do que
esperava. A Jenna tinha mandado vir a senhora que a costumava pentear a ela e
à mãe sempre que iam a este tipo de eventos e, enquanto esperávamos que
de beleza.
banho com sais de rosas para deixar a pele a cheirar maravilhosamente bem.
milénios e que em certa ocasião fizera com que o Nick me dissesse que tinha
provocante que consegui encontrar, e jurei que depois daquela gala ia dar ao
Nicholas a melhor noite da vida dele, a melhor. Seria tão inesquecível que,
mandara
-me uma mensagem a informar que o carro nos viria buscar e levar até
à quinta onde a festa iria decorrer. Estava a ficar muito nervosa. Não sabia como
devia agir nem o que fazer quando lá chegasse, mas tentei deixar os meus medos
insistiu em pentear
-se sozinha. Já estava habituada às muitas passadeiras
Eu sentei
-me numa cadeira e deixei que a espalhafatosa mulher chamada
apanhou
-o numa série de tranças enredadas de forma espetacular. Aguentei
todos os puxões porque sabia que ia ficar incrível. Uma hora e meia depois,
Dei
-lhe um abraço rápido.
— Resolve as coisas com o Lion, Jenn. Ele ama-te. Não te esqueças disso. —
seu corpo voluptuoso, não deixava muito à imaginação. O cabelo caía em ondas
Despedimo
-nos rapidamente da Jenna e saímos para entrar no carro alugado
que nos esperava. Fiquei surpreendida ao ver que o motorista não era um
retangular.
Olhei para a caixa e para o bilhete que o Steve me entregou com ar de poucos
amigos.
A Briar observou
-me com curiosidade quando pousei ambas as coisas em cima
Abanei a cabeça e fixei o olhar na estrada. Tinha de ter a mente fria. Quando a
que ladeavam o caminho até ao local da festa estavam iluminadas com luzes
abriu
-nos a porta, e tive de controlar todas as minhas inseguranças. Ajudaram
-
me a sair, e senti que trinta pares de olhos, pelo menos, se fixavam em mim.
aparelho que trazia no ouvido e dizia qualquer coisa que não consegui perceber.
com ela e com o Will. Quando o homem me indicou para onde devia ir, tive de
— Não vou perder esta oportunidade — declarou ela, olhando para o local do
começaram a dirigir
-se para o aglomerado de pessoas, e percebi que não
O homem mostrou
-me o caminho e levou-me até ao ponto em que muitos
gente, até os meus olhos se cruzarem com os da minha mãe... Não nos víamos
desde a noite em que saíra de casa, um mês antes, e, apesar de se ter passado
tempo suficiente para ter deixado os problemas de lado, mal a vi, percebi que
abraço rápido.
Sempre me espantara a forma como mantinha a forma, porque não era nada
William numa esquina, a falar com jornalistas da revista Los Angeles Times.
No sítio onde estava, um pouco em segundo plano, mas ainda assim de frente
para as pessoas, pude observar que os carros continuavam a chegar, deixando
sair convidados muito elegantes. Ao meu lado, a minha mãe falava com quem
passava num tom de voz elevado. Estava tudo uma loucura, e começava a ficar
angustiada. Apresentavam
-me mais pessoas do que tinha capacidade para
Uma agitação entre os fotógrafos fez-me fixar o carro que acabara de parar
instante. Ali estava ele, e, Deus do céu, como não enlouquecer ao olhar para ele?
dos gritos dos fotógrafos. Apertou o botão do casaco e estendeu a mão à rapariga
que vinha com ele no carro. A Sophia Aiken saiu com um vestido preto
afastou
-se dos jornalistas e veio cumprimentar
-me. Há que dizer, o Will estava
velocidade. Depois de lançar mais um olhar, vi que o Nick dizia qualquer coisa
arregalaram
-se mais do que a conta quando viu o meu vestido. E, porra... Ele
estava de smoking.
jardins impressionantes, nas luzes dos jornalistas... Aquela não era uma
Senti o calor do Nick alguns minutos depois, de uma maneira que todo o meu
corpo estremeceu com o simples roçar do casaco dele contra as minhas costas. O
Will e a minha mãe estavam mesmo à sua frente, e ambos olharam para o
recém
-chegado.
aproximava para lhe dizer qualquer coisa. A minha mãe sorriu-lhe, tensa e
voltou
-se também para a mulher que lhe explicava como iam tirar as
fotografias.
acariciou
-me desde o ombro até ao pulso, de forma muito subtil mas
incrivelmente tentadora.
Voltei
-me para ele com a intenção de o avisar com o olhar de que o melhor
nem beijos, nem nada que se parecesse. Porém, todos os meus avisos me ficaram
atravessados na garganta quando o vi ali tão perto, mesmo à minha frente, mais
A sua boca não disse nada, mas o olhar confessou tudo. Senti que não
olhos pelo meu corpo eu pudesse sentir o toque dos seus dedos na pele, a carícia
Contornou
-me para se aproximar dos jornalistas. Eu fiquei ali, imóvel,
atordoada e a segui
-lo com o olhar. Ele começou a responder às muitas
movia, como conversava com todas aquelas pessoas que queriam saber do filho
Afastou
-se dos jornalistas durante um instante para ver qualquer coisa no
Vou despir-te esse vestido tão lentamente que hoje vai ser a noite mais
longa e maravilhosa da tua vida.
Um calor absolutamente inoportuno inundou-me dos pés à cabeça e instalou
-
se no meu rosto. Olhei para ambos os lados para me certificar de que ninguém
se apercebia de como as suas palavras e a sua mera presença me tinham afetado.
Deixaram
-nos entrar finalmente no salão enquanto os empregados serviam
— Não quero presentes, Nicholas, quero que esta noite acabe e quero
Suspirou e preparou
-se para levantar a mão, com a clara intenção de me
transformou
-se num punho ao lado do corpo. Desviei o olhar, frustrada com a
— Posso mandar isto tudo à merda, Noah. Posso fazê-lo. O que mais quero
Por isso, basta uma palavra tua e mando tudo pelos ares.
Mordi o lábio sabendo que era capaz de o fazer. Se lhe pedisse, se lhe dissesse
como essa noite ia ser difícil para mim, ele fá-lo-ia com toda a satisfação.
instante para que os seus braços me envolvessem com força. Sentia muito a falta
dele, sentia falta dos nossos momentos, das carícias, dos beijos, do tempo em
que éramos só o Nick e a Noah. Duas semanas era demasiado tempo, e a noite
Apercebi
-me de que a minha mãe nos observava, a alguns metros de distância.
Estava a chamar
-nos à atenção, maldita fosse, e o Nick era o recetor de todos os
seus olhares.
— Tens de te ir embora. Estão a olhar para nós, e a última coisa que quero é
que nada disto, afinal, tenha servido para alguma coisa.
As suas palavras ficaram suspensas entre nós durante uns segundos infinitos.
Nick
Afastei
-me dela, contrariado. Por mim, tinha
-lhe pedido que entrasse no carro
comigo e ido embora. Não queria estar ali. Estava-me nas tintas para o que o
meu pai nos tivesse pedido. Naquele momento, o mais importante para mim
era recuperar a Noah, e não ia conseguir fazê-lo se tivesse de passar o serão com
a Sophia.
Desde que a vi, percebi que essa noite ia ser uma tortura. As pessoas
voltavam
-se para olharem para ela. Tinha plena consciência de que estava a
tanto que me doía olhar para ela. Toda ela resplandecia, a pele, o cabelo, os
olhos, o rosto e o corpo naquele vestido que lhe caía como uma luva. A cintura
corpete, mas, porra, só para olhar para ela, já valia a pena o desconforto.
Sentia formigueiro nos dedos com a ânsia de lhe tocar, de a beijar, chupar,
saborear e amar durante horas. Sentia tanto a falta dela que não sabia que diabo
Atravessei a sala e parei por uns instantes para pegar num copo trazido por
um empregado. Levei
-o aos lábios sem demora.
Sabia que tinha sido uma perfeita estupidez ir com a Sophia; era a última
coisa que fazia pelo meu pai: acabaram-se os favores, os joguinhos idiotas para
Antes de irmos para o salão principal, onde iriam servir o jantar, se fariam os
país, deparei com uns olhos verdes brilhantes. Fiquei surpreendido. Parei uns
instantes antes de me aproximar com cautela do local onde ela estava, num
canto da sala junto a uma das pequenas mesas altas que havia espalhadas por ali.
Sorriu com ar divertido, mas os seus olhos não conseguiam esconder o seu
rancor venenoso.
— Foi a Morgan que me trouxe. A sério que vieste com outra mulher, mesmo
debaixo do nariz dela? — disse, olhando por cima do meu ombro. Voltei
-me
Alguns eram amigos íntimos do seu pai, por isso conhecia-os bastante bem e
sentia
-se à vontade com eles. A Sophia deixara bastante claro que não queria
causar
-me quaisquer problemas com a Noah; mais do que isso, insistiu em vir
sozinha, mas não lhe podia fazer aquilo, não depois de o senador ter pedido ao
De qualquer maneira, ambos sabíamos que entre nós existia apenas uma
Nova Iorque, e as suas desculpas tinham sido tão sinceras que não tinha dúvida
de que a última coisa que queria de mim era que tivéssemos mais do que uma
involuntária.
— Parece
-me evidente que este mundo continua a ser igual ao que sempre
foi. A diferença é que já não sou tão ingénua. No outro dia disseste-me que
enganar já se foram, por isso não penses por um instante sequer que tenho medo
de estar aqui.
outra vez. Se tinha aceitado o convite para vir à festa, presumia que as suas
entre si para se destacarem das demais. Olhei finalmente para a Briar, para o
ódio oculto atrás daquela fachada de mulher dura que parecia querer mostrar a
todo o custo.
ali nessa noite. Merda! Porquê? Por que raio tinha vindo? Senti uma pressão no
fazendo
-me parar completamente onde estava. Enquanto olhava para ambos os
lados, segurou
-me no braço e levou-me até junto de uma das janelas. O sol já se
velocidade.
— Acalma
-te, Nicholas.
Olhei para ele, para a sua expressão séria, os olhos fixos nos meus tentando
captar a minha atenção, mas a única coisa que via era aquela mulher que odiava
— Que diabo está ela aqui a fazer? — quase gritei, e o meu pai afastou-me
Fixei os olhos do meu pai e, por um instante, senti-me perdido no azul das
suas pupilas, mais escuro do que o azul dos meus olhos, que eram claros como
os da minha mãe.
instantes.
Assenti, deixando que, por uma vez, o meu pai assumisse o controlo da
situação. Não a queria ver, não queria falar com ela, só desejava que ela estivesse
o mais longe possível dali. Não obstante, todos sabíamos que, se viera, era
porque queria dizer alguma coisa — já tentara entrar em contacto comigo. Mas
não importava o que nos quisesse comunicar, de certeza que não era nada bom.
virou
-me as costas para se perder por entre os convidados.
um grupo de pessoas. Não sabia que o perigo estava por perto, mas, antes de
metê
-la num carro para sairmos dali a correr, apareceu outra rapariga no meu
campo de visão.
— Devias ouvir os membros da direção falar de ti, Nick. É evidente que as
Ao entrar no salão, fiquei grato pela iluminação ténue, porque me sentia tão
perturbado que a última coisa que queria era ter focos de luz sobre a cabeça. A
mesa da minha família estava no centro, perto do palco onde a orquestra tocava,
onde seriam feitos os discursos e onde também se faria o pequeno leilão que
ali, vi que a Noah já estava no seu lugar ao lado da mãe. Estava sozinha, porque
«Merda.»
única pessoa que me sentia feliz por ver naquela noite. Virei-me.
— Onde está o meu neto? Aqui está o orgulho de qualquer avô sem juízo!
chegada do único homem por quem não sentia nenhum tipo de rancor.
Andrew Leister tinha oitenta e três anos e era o criador daquele império. O
seu escasso cabelo grisalho fora outrora tão negro como o meu e o do meu pai.
O meu avô tinha muitas coisas em comum com o meu pai, mas não tinha a sua
frieza, e era o mais parecido com um pai de verdade que eu alguma vez tivera.
em que a minha única preocupação era montar a cavalo na quinta do meu avô,
O meu avô.
Estendi
-lhe a mão, e ele, com o seu jeito brusco, puxou-me com força para si
Ri
-me e afastei
-me dele, olhando-o com alegria.
Soltei uma gargalhada e fiquei grato por mais ninguém a não ser a Noah, que
não tirava os olhos de nós, ter ouvido aquele comentário. O meu avô tinha
vindo de Inglaterra aos vinte e seis anos para começar a empresa neste país. Por
muito tempo que ali tivesse passado, nunca deixava de me recordar que as
minhas raízes não eram americanas, e ai de mim se não dissesse que era inglês.
O meu pai chegou nesse instante e olhou para o meu avô com uma expressão
interesse.
— Então, onde está a tua nova mulher, que ainda não me apresentaste?
O meu pai revirou os olhos enquanto a Raffaella olhava para os dois. O último
ano fora tão intenso que nem tivéramos tempo de visitar o meu avô; agora que
A Noah levantou
-se e procurou o meu olhar. Vi que estava constrangida
quando o meu pai a chamou para a apresentar ao pai como a sua nova enteada.
Esta apresentação deveria ter sido muito diferente: para começar, devia ter sido
eu a fazê
-la, e tê
-la
-ia apresentado como o amor da minha vida.
apressei
-me a esclarecer a situação.
— Ah, é bom que não sejas namorada dele, realmente. Não quero o meu neto
Noah pareceu encarar o meu avô com melhores olhos, e de seguida todos
Foi o amigo do meu pai, Robert Layton, membro da direção, quem fez a
começaram a servir o jantar. O meu olhar dirigiu-se à sala para ver onde estava a
minha mãe, mas havia ali tanta gente que não a consegui encontrar.
Quem achei que estava estranha foi a Raffaella. Mal tocara na comida e
parecia tensa enquanto levava o copo de champanhe aos lábios. A Noah, por sua
vez, conversava animadamente com o meu avô, a quem parecia estar a causar
boa impressão. Também falava com a Briar, que aparecera há instantes com os
olhos vidrados e o rosto ligeiramente corado: o álcool que devia ter bebido
começava a notar
-se, o que só conseguiu acentuar a minha ansiedade e o meu
nervosismo.
Fez
-se silêncio entre toda a minha família, mas a Noah ficou quase lívida ao
Noah
O meu coração parou de bater quando ouvi aquela voz. Fiquei tão quieta que,
por instantes, achei que tinha sido imaginação minha, mas bastou um olhar
— Fico muito contente por os ver a todos, em especial a si, Andrew. Deve ser
Olhei para o avô do Nick, com quem estava a ter uma conversa muito
interessante sobre os desaires do país e a literatura inglesa, mas agora via a sua
expressão tensa, embora com um sorriso amigável nos lábios finos e enrugados.
— Também fico contente por te ver, Bel. Já se passaram anos desde a última
se para o seu avô ou para a minha mãe, em quem de repente se centraram todos
os meus sentidos. Ela estava tão branca como os guardanapos na mesa, e a sua
cravados na ex
-mulher, decidiu tomar as rédeas do assunto.
ameaçador.
— Aconselho
-te a não ires por aí; não é o momento, nem o lugar.
Mas que diabo se estava a passar?
De repente tive medo. Medo de que as suspeitas que acalentava desde o dia do
nos separava, e foi nesse mesmo instante que anunciaram ao microfone que a
transformou
-se no meu objetivo principal. Virei-lhe as costas e aproximei-me
do Nick entrelaçando os dedos nos seus. Pareceu ficar perdido por instantes,
baixou o olhar para as nossas mãos, e puxei-o para a pista de dança. Não fazia
ideia do que pensavam as pessoas da nossa mesa do facto de termos saído para
dançar juntos, nem se era óbvio que a forma como olhávamos um para o outro
era tudo menos fraterna, mas naquele momento a única coisa que me importava
era assegurar
-me de que o Nick estava bem.
Procurei o olhar dele com o meu, mas estava tão tenso que o desviou para o
outro lado da sala. Olhei na mesma direção e senti uma pontada no estômago
quando vi o William entrar numa das salas contíguas ao salão da gala com a
garganta.
juntos.
ocasiões e sabia que o mais provável era que acabasse por explodir, de uma
maneira ou de outra.
Levei
-lhe a mão ao rosto e obriguei-o a olhar para mim. Subitamente, senti
que o encontro que tivera com aquela mulher há alguns meses fora o pior erro
que poderia ter cometido na minha vida. Bastava ver o estado em que o Nick
estava para saber que a simples presença da mãe lhe provocava uma dor
incomensurável.
ligeiro tremor na voz. Não sabia como iria reagir, mas, com a mãe a poucos
metros de nós e claramente disposta a fazer uma cena, tive medo de que ela
revelasse o nosso encontro e sabia que, se o Nick soubesse por ela... não me
perdoaria.
— O que é?
então alguém nos interrompeu. A Sophia apareceu ao nosso lado com o rosto
toldado de preocupação.
Afastámo
-nos e olhámos os dois para ela, depois para a porta.
— Eu vou — ofereci
-me, procurando manter a calma.
O Nicholas puxou
-me o braço com força.
Voltei
-me para a Sophia.
Antes que o Nick pudesse fazer alguma coisa, escapei-me da sua mão e
minha mãe, como ficara tensa... sabia que ela precisava de mim. Aquela mulher
viraram
-se para olharem para mim com os rostos alterados pela discussão que
mãe... A minha mãe estava sentada num dos sofás, com ar de quem queria
— Oh, que maravilha! Entra, Noah. Acho que devias ouvir o que tenho para
dizer.
Ao ouvi
-la, a minha mãe mudou de atitude, levantou-se e pôs-se entre nós as
duas.
— É que nem te passe pela cabeça meteres a minha filha nisto! Não te
atrevas!
O William aproximou
-se da minha mãe e começou a pousar
-lhe um braço nos
ombros, mas então aconteceu algo impossível: a minha mãe sacudiu-o de forma
petrificada: aconteceu tudo tão depressa que nem ouvi a porta abrir
-se atrás de
O Nicholas contornou
-me para se pôr entre mim e a minha mãe.
— O que está a acontecer é que venho reclamar o que é meu, mais nada.
mentiras para arruinar uma coisa que nem tu nem ninguém conseguiram
impedir, que é eu amar esta mulher mais do que alguma vez poderás imaginar.
com uma colegial que a única coisa que queria era encontrar quem a salvasse do
continuou:
abandonei o Nicholas aqui, mas tu não me deste opção! Acabaste com o que
tínhamos por causa dele e ainda tiveste a lata de me querer deixar no olho da
rua.
— Eu pedi
-te o divórcio muito antes de conhecer a Raffaella. O Nicholas
ainda nem seis anos tinha. Disse-te que já não te amava, prometi que não te
faltaria nada, mas não aceitaste. Quiseste continuar com a farsa que era o nosso
O Nicholas ouvia os pais discutir como se a sua vida dependesse disso. Parecia
estar a receber respostas que nunca obtivera e a querer finalmente entender por
que tudo acabara da forma que ele sabia, por que motivo tivera de crescer sem a
mãe.
— Ela está a falar de quê? — perguntei à minha mãe, olhando para ela sem
envolvida em algo que não fazia sequer ideia de que existia. Duas famílias
— Tu e a Raffaella conhecem
-se há anos? — perguntou o Nick ao meu lado,
incrédulo.
A Anabel voltou
-se para ele e fitou-o, surpreendida. Logo a seguir, olhou para
mim.
— Eu...
incrível o que alguém pode fazer por uns trocos e com uma curiosidade
ameaçou não te deixar ver a Maddie, mais nada. Só o fiz por isso.
— Encontraste
-te com ela nas minhas costas e não me disseste nada?
fitara com uma dor tão profunda. Sabia que o tinha atraiçoado ao encontrar
-me
com a mãe, mas nunca o fizera por curiosidade ou por dinheiro, apenas por ele.
— Nicholas, ouve
-me...
Voltei
-me para o diabo em pessoa que estava atrás de mim.
— Quem lhe fez mal foste tu, quando não cumpriste o que te pedi.
volta. Mais do que isso, estava tranquila e suficientemente calma para continuar
a distribuir golpes por todos. A sua expressão endureceu ao ouvir o Nick bater
— Vim aqui informar o pai da minha filha de que a menina é sua e, por isso,
deve encarregar
-se dela.
Por momentos, não fui capaz de perceber o que estava a ouvir. Olhei para ela,
depois para o William, que levou as mãos à cabeça, e, por fim, olhei para a
minha mãe, que estava desfeita e completamente atordoada depois de ter dado
— Sabes uma coisa, Anabel? És uma puta mentirosa, e não acredito numa
à minha frente.
fazer o teste com medo de que o Robert me deixasse. Agora que me provou que
Olhei para a minha mãe, que estava parada sem dizer uma palavra. As
de saber que o marido tinha uma filha ilegítima ou porque, uma vez que já
O William arrancou
-lhe os papéis da mão e olhou para eles sem dizer uma
palavra. Passaram
-se alguns segundos até levantar os olhos.
— Isto é mentira. Toda esta merda é uma mentira. Não apresentei nenhuma
prova de ADN para fazeres estes testes, por isso podes desaparecer
-me da frente
— Estes testes são verdadeiros, e não foi nada complicado arranjar quem
entrasse em tua casa e conseguisse uma prova de ADN. Quando te ligaram a
dizer que a tua casa fora assaltada, não achaste estranho só te terem roubado
Meu Deus... Os ladrões que entraram em nossa casa naquele verão... Não
O William ficou a olhar para ela sem palavras, porque a bomba que acabara
Foi então que a Anabel se voltou para mim e cravou os olhos nos meus.
— E tu estás aí a julgar
-me. Não posso crer que te atreves a fazê-lo.
— E és precisamente tu a dizer
-me uma coisa dessas, quando foi a tua mãe
quem te deixou em casa sozinha com um pai que quase te matou enquanto ela
— Sai daqui!
pena.
— Eu deixei o meu filho com o pai porque achava que era o melhor para ele,
A Anabel atravessou a sala e saiu sem olhar para trás. Voltei-me para a minha
mãe à espera de que ela negasse o que aquela mulher acabara de dizer.
saiu da garganta.
— Noah, eu...
Seria possível que aquela bruxa tivesse dito a verdade? Que a minha mãe e o
Will se conheceram muito antes de se casarem? Que o meu pai estivesse pronto
para me matar porque a minha mãe estava fora com outro homem?
começaram a cair
-me pelo rosto, impedindo-me de ver o que havia à minha
volta.
A minha mãe tentou aproximar
-se de mim, mas os meus pés foram
mas...
O William pôs
-se ao lado da minha mãe, e juro por Deus que naquele
momento o odiei com todas as minhas forças, de tal maneira que julguei nunca
— Noah, acalma
-te. Nenhum de nós quis que aquilo acontecesse. Não
esperávamos que...
— Nunca pensei vir a dizer isto, mas a Anabel Grason tem razão: és pior do
que ela, e nunca te vou perdoar, porque arruinaste a minha vida, a minha
infância, destruíste
-me a mim.
Não deixei que dissessem mais nada, limitei-me a dar meia-volta e procurei
uma porta para sair dali. Saí com estrondo e a limpar as lágrimas com os dedos;
devia estar com a maquilhagem toda esborratada... De repente, percebi que não
tinha maneira de voltar para casa, precisava que alguém me fosse buscar.
chamadas da Briar.
Não sabia como conseguiria sair dali ou explicar o que tinha acontecido, mas
tentei acalmar
-me, porque continuar a dar voltas a algo inevitável não fazia
precisava de me pôr dali para fora. Precisava do abraço da única pessoa que
podia consolar
-me naquele momento, mas essa pessoa fora-se embora, a
encarar
-me com o mesmo ódio com que olhara para a mãe.
Liguei ao Nick com o coração apertado. Tinha o telemóvel desligado, algo que
não costumava acontecer. Atirava-me sempre à cara que eu nunca lhe atendia o
telemóvel, e percebi então que ele estava para lá de zangado comigo: para o
traição.
Não podia acreditar como tudo se complicara tanto em tão pouco tempo. Não
acreditava no que a minha mãe tinha feito, como me mentira durante anos
sobre o motivo pelo qual me deixara sozinha, sobre a sua relação com o
William, sobre tudo. E agora, ainda por cima, a Madison era filha do Will?
Estava tão stressada que agradeci o instante em que a Briar entrou pela porta.
Ao ver
-me ali, o seu rosto imobilizou-se, aproximou-se a correr até onde eu
estava e deu
-me um abraço.
— Morgan?
Deixei
-me cair no sofá, e ela sentou-se ao meu lado.
ombro.
— Nem acredito no que aconteceu... — comecei por dizer, sem ser capaz de
escolher as palavras certas; nem conseguia contar nada à Briar porque ela não
— Gostava de te ter avisado... a sério que sim, mas ele é mesmo assim. Já o
levantou
-se devagar, até que os meus olhos encontraram os da Briar. Franzi o
— Tive esperança de que não tivesses visto, mas... é evidente que sim.
Agarrei
-lhe na mão, afastando-a do meu rosto, e fitei o seu, tentando perceber
— Queria contar
-te... Mas depois vi como o amas e decidi não abrir a boca; só
que agora, depois de ver que se foi embora com ela, Morgan, não podes permitir
que faça contigo o que fez comigo. Ele não tem o direito de te enganar assim, à
— Ele foi um cabrão, Morgan, desde o início. Pediu-me que me calasse, que
continuar a mentir...
palavra, e a Briar ficou a olhar para mim como se tentasse entender por que
Ela nem sequer se apercebera de que acabara de largar, não uma bomba, mas
duas, porque eu não estava a chorar pelo Nick, chorava pela minha mãe, mas a
Briar simplesmente...
Levantei
-me, e ela fez o mesmo.
A Briar ficou em silêncio durante uns segundos, e não precisei de mais para
Nick
Saí daquela sala tão zangado que, por um instante, a música, as pessoas, as velas
estivera tão longe de toda aquela farsa que ver as pessoas felizes, a beber e a
A Noah tinha estado com a minha mãe. Encontrara-se com ela. Meu Deus,
Só de pensar que tinha ouvido as coisas que aquela mulher dizia, ficava fora de
mim. Eu deixara bem clara a minha posição em relação à minha mãe: não
Ainda por cima, acabara de saber que o meu pai mantivera uma aventura com
ela a ir
-se embora para magoar o meu pai. Mas agora tudo deixara de ser tão
claro.
A minha vida, desde que nasci, fora uma mentira; uma mentira em que
nenhum dos dois, nem ele nem ela, haviam sido capazes de deixar os seus
no rosto, e, por um instante, perguntei-me como se sentiria uma pessoa que não
era uma rapariga completamente livre. Tinha sido tão fácil falar com ela,
Voltei
-me e fitei a Sophia, com a sua pele morena, o cabelo negro, os olhos
escuros. O que pensaria a Noah se eu fizesse alguma coisa nas suas costas? Como
não era tão fácil de controlar, porque a luz ao fundo do túnel desaparecera,
porque a Noah voltara a fazer o que lhe parecera bem, sem ter em conta o que
tão irritado, tão zangado com ela e com a minha mãe, que nem sequer me
apercebi do que estava a fazer antes de os meus lábios chocarem de forma brusca
Senti
-me estranho e esperei um instante para que a sensação vertiginosa que
sentia sempre que beijava a Noah me invadisse, mas não aconteceu, senti apenas
Com uma mão, puxei a Sophia para o meu peito e apertei-a contra mim
enquanto enterrava a outra mão no seu cabelo, lhe metia a língua na boca e
procurava aquele sabor que me consumia, que me derretia: nada. Porra, não
empurrou
-me.
«Merda!»
seu fogo.
Liguei ao Steve para que esperasse por mim na rua quando eu saísse. Pedi por
um pouco zangada, mas fez o que lhe pedi. Pegou na bolsa, saiu comigo e, uma
Desci as escadas sem conseguir sequer dirigir um sorriso tenso aos fotógrafos
que ali estavam e passei em frente aos valets e outros funcionários à procura do
Steve, que estava à minha espera ao fundo da rua. Quando cheguei ao carro, abri
O Steve estava comigo desde que me conhecia como gente, era quem me ia
buscar à escola, quem me levava a todos os jogos, quem estava comigo quando
não podia contar com os meus pais. Tinha por ele um carinho especial e, por
que estava no banco e o bilhete que, naquela noite, pedira ao Steve para
entregar à Noah. Pus ambas as coisas no bolso do casaco e fiquei a olhar pela
janela por um instante. Tinha deixado a Noah sozinha com a víbora da minha
mãe e com os nossos pais; viera-me embora sem sequer deixar que se explicasse
quando saíra da sala, e, quando o liguei, vi que tinha uma chamada perdida da
repentino no estômago.
Não demorámos muito a chegar. Pelo que pude ver, a cerimónia continuava a
decorrer como planeado, e, naquele momento, o meu pai estava no palco a fazer
o discurso que tantas vezes ensaiara. Perscrutei a sala para a encontrar, mas foi
em vão... Também não vi a Raffaella. Não queria pensar por que motivo a
minha mãe montara aquele espetáculo todo nem porque mentira ao dizer que a
A cada minuto que passava, sentia-me mais culpado por me ter ido embora.
Se o que a Noah me dissera era verdade, só se encontrara com a minha mãe para
Comportara
-me como um autêntico cabrão!
Sentindo uma ansiedade cada vez maior, meti-me no meio das pessoas, que
música voltar às colunas, depois de tudo ter estado em silêncio durante uns
determinado.
— Ando à procura da Noah. Viste-a?
que talvez tivesses mudado mesmo... Uma minúscula parte de mim, a que, ao
contrário das outras todas, não te odeia com todas as forças, até ficou feliz por ti
ao ver que, embora tenhas os teus problemas, conseguiste perceber o que é amar
alguém de verdade.
— Mas estás a falar de quê? — disse, dando uns passos vacilantes na direção
dela.
Os seus olhos verdes avisaram-me de que não era boa ideia continuar a
aproximar
-me.
— Sabes uma coisa? Da última vez que falei com o teu pai, ele até tinha
razão. Disse
-me que não eras capaz de amar ninguém, que o ódio que guardavas
dentro e ti era tão grande que nunca haveria lugar para mais nada, muito menos
— Agora percebo que ele tinha razão... Porque a Noah amava-te de verdade,
amar
-me, não pudeste perdoar os teus pais e agora também não vais ser capaz de
a amar a ela, porque sabes perfeitamente que ela é melhor do que tu, em todos
os sentidos.
Não acreditava que me estivesse a atirar aquilo tudo à cara. Outra vez. A Briar
não fazia ideia do que eu tivera de passar e de como lamentava todos os dias o
A Briar fora mais um dos meus casos. Nunca fizera tenção de que fosse mais
do que isso. Pensava que para ela também era algo passageiro. A Briar não era
nenhuma santa — antes de estar comigo, esteve com metade dos rapazes do
campus —, mas depois percebi que tinha estado apaixonada por mim. Quando
percebera. Sem que pudesse fazer alguma coisa a esse respeito, obrigara-a a
abortar para evitar o escândalo. A Briar era uma miúda com problemas: desde
criança que vivia num ambiente tão tóxico como o meu, com pais que não
tinham cuidado dela e que não lhe tinham dado aquilo de que precisava. O que
acontecera entre nós acabou por dar origem a uma crise nervosa de proporções
tais que tiveram de a internar numa clínica onde já estivera uma vez. Tentara
entrar em contacto com ela, depois de sair do meu próprio inferno, procurara
pedir
-lhe perdão mil vezes, mas fora impossível: tinha tentado matar
-se e ainda
quero magoar agora, nem a ti nem à Noah, por isso, por favor, diz-me onde ela
está.
— Ela sabe que a andas a enganar com a Sophia e também sabe o que se
Foi nesse instante que um medo irracional invadiu todo o meu corpo e me
Noah
Não me lembrava de como tinha entrado no táxi nem sequer de o ter chamado.
porque estava a ter um ataque de ansiedade tão terrível que o peito me doía
minha mãe me mentira durante quase toda a vida dilacerara-me por dentro,
mas, quando a Briar me contou que o Nicholas me tinha enganado, que deixara
que eu convivesse com alguém com quem andara durante meses, que
engravidara e que depois obrigara a fazer um aborto foi de mais para mim. Não
o consegui suportar.
Nunca na minha vida sentira nada tão forte, tão horrível. Nunca até àquele
dia me sentira tão atraiçoada por todos, porque toda a gente me traíra, todas as
pessoas que eu amava: a minha mãe, o William, o Nick, até a Briar... Pensava
comigo, ao meu lado, porque não fazia ideia de como iria resolver aquilo. Não
retrovisor.
ecrã. Fiquei a olhar para ele com uma dor infinita, algo muito mais lancinante
do que alguma vez sentira ao ver a sua imagem, naquela fotografia onde
Já tinha sofrido o suficiente, não merecia aquilo, não merecia. Como podiam
ter
-me enganado? Como podia ele deitar fora tudo aquilo por que tínhamos
passado?
Foi então que percebi que aquilo ia acabar comigo. Tudo o que tinha feito,
tudo o que suportei para poder estar à altura, para o merecer... Tudo se desfez
em estilhaços.
fazendo
-me estremecer.
conhecia
-me melhor do que qualquer outra pessoa, porque me abrira com ele
Olhei para ele sem o conseguir focar, por causa das lágrimas, e dei um passo
em frente, deixando
-me cair contra o seu peito. Os seus braços apertaram
-me
com força, e, naquele momento, naquele preciso momento, o meu coração caiu
e desfez
-se em mil pedaços.
Tinha uma dor de cabeça tão forte que por uns segundos me custou concentrar
-
me em qualquer outra coisa que não fosse a dor. Mas não era só a cabeça que me
doía, havia mais qualquer coisa que me escapava... Algo que não entendia. Foi
então que a verdade se abateu sobre mim como um balde de água fria.
para não piorar as coisas nem acrescentar mais dramatismo ao momento. Porém,
não era preciso acrescentar mais nada: fora tudo dramático, do princípio ao fim.
que um dia aquilo iria acontecer, e ali estava eu, ferida até às profundezas do
meu ser, por não ter sido capaz de o ver e aceitar a tempo.
Encostei
-me nas almofadas e olhei em volta, em busca de uma distração; vi
chávena de algo fumegante nas mãos. Achei estranho vê-lo de calças de pijama,
com uma T
-shirt cinzenta, simples, mas o mais estranho de tudo foi perceber
que, na verdade, estava na sua cama, metida entre os lençóis, depois de ter
Preparei-te um chá com mel e limão. Deves ter a garganta feita num oito
Assenti enquanto aceitava a chávena e levei-a aos lábios. Estava tão atordoada,
tão perdida, que não sabia o que dizer ou fazer. Mexi um pouco as pernas por
baixo dos lençóis e percebi que não tinha o vestido, mas uma T
-shirt grande,
branca, de algodão.
perceber que estava ainda mais tenso do que eu. Baixei a cabeça, fitando o fumo
com delicadeza.
— Ele não merece que derrames mais uma lágrima, Noah, nem mais uma.
Sabia que o que ele estava a dizer era verdade, mas não estava a chorar por
mim ou por ele: estava a chorar por nós, pelo Nick e pela Noah, pelos dois...
Porque já não existíamos, pois não? Porque não ia ser capaz de lhe perdoar... Ou
ia?
Fixei os olhos na chuva que batia contra a janela. Passara-se muito tempo
desde que vira chover assim... A última vez fora em Toronto, antes de toda a
minha vida ficar de pernas para o ar, antes de me apaixonar, antes de tudo.
— O que disseste?
A pergunta foi tão brusca que tive de desviar os olhos para o fitar.
— Não é a primeira vez que me acontece. Parece que não sou capaz de fazer
com que os homens me amem... Não consegui fazê-lo com o meu pai, nem com
para me olhar com uma expressão de raiva... Raiva e mais qualquer coisa.
— És uma idiota se pensas que não mereces ter alguém que te ame, és uma
vida... — Acariciou
-me o cabelo. — Não fiz um bom trabalho contigo, Noah,
corpo, que era o que queria fazer desde que entrara naquele táxi. De repente, as
O toque dele era diferente, os beijos tão distintos que não sei dizer se gostava
ou não deles, porque já não me encontrava naquele lugar, não sabia o que estava
da cama, às escuras, à espera de que alguém voltasse com uma luz e me tirasse
Por volta das cinco da manhã, quando acordei, o meu cérebro parecia ter
crer no que acabara de se passar. Foi como se alguém me tivesse batido com um
maço mesmo no meio do peito, um golpe tão forte, tão certeiro, que tive de sair
Sentia
-me doente, realmente doente, como se dentro do meu corpo houvesse
um vírus a devorar a vida que me restava. Fitei o meu corpo: ainda tinha a T
-
fazer nada para os impedir. As mãos dele, a sua boca, o corpo despido contra o
meu...
quantas lágrimas derramara nas últimas horas, nem percebia como ainda me
de tomar banho com água a ferver e esfregar o corpo com a esponja mais áspera
limpar
-me por dentro e por fora, enroscar
-me depois sobre mim mesma na cama
programado, tudo sem fazer barulho. Não queria voltar a usar o vestido da
festa, mas também não podia sair do quarto nua. Acabei por me decidir por
vestira naquela noite, incendiaria todas as recordações e tudo aquilo em que ele
tivesse tocado, porque, meu Deus, eu deixara que ele me tocasse, que fizesse
nas últimas seis horas me ligara de cinco em cinco minutos... a Jenna e a minha
Chovia muito, e não demorei a ficar encharcada, mas, como me sentia suja,
deixei que a água me limpasse, o que me fez sentir bem. Tentei esquecer
-me de
entrar para o banco de trás. Por minha vontade, naquele instante, ter
-me
-ia
metido num avião com destino ao Canadá, sem olhar para trás, para poder estar
quando saí do táxi e vi quem me esperava sentado nas escadas da entrada, quase
desmaiei.
Não... Não podia estar com ele... Merda, precisava de sair dali.
Mas o Nicholas já me tinha visto, e, antes que pudesse dizer ao taxista para
fazer marcha
-atrás e sair por onde tinha entrado, as mãos do Nick já estavam a
abrir a porta do táxi e a puxar
-me para a rua.
— Noah, por favor, andei à tua procura a noite inteira como um louco. Pensei
estava tão desfeita, que por instantes deixei que me abraçasse, quase me deixei
envolver nos seus braços e quase lhe implorei que me levasse para longe dali,
regressaram à minha mente com toda a força e atingiram-me mais uma vez,
Tinha
-o comigo e podia ver, não apenas imaginar, o que acabara de perder.
Sacudi
-me tão depressa e com tanta força que, por instantes, nem o Nick foi
— Ouve
-me, Noah, por favor, tens de me ouvir.
o lado porque sabia o que estavas a pensar, e eu estava a morrer por dentro só de
— Fui um imbecil, está bem? Fui estúpido, um perfeito idiota por te ter
deixado sozinha esta noite com tanta coisa a acontecer com os nossos pais. E,
livrar
-me das suas mãos: acabara de admitir à minha frente que era verdade, que
— Larga
-me! — gritei, mas só consegui fazer com que me agarrasse com mais
força ainda.
Abanou
-me com força, e os meus olhos levantaram-se do chão enlameado e
— Foi só um beijo estúpido, um beijo estúpido que lhe dei com raiva porque
estava furioso contigo e, sim, fui um cabrão porque me aproveitei dos ciúmes
que tens da Sophia para me poder vingar de ti. Mas, na verdade, não quero
vingar
-me de ti, Noah, deixei
-me levar por aquele Nicholas de há anos, aquela
pessoa que me ajudaste a deixar para trás, e juro por Deus que nunca mais vou
deixar que ele volte a aparecer. Foi o pior erro que cometi na minha vida. E
sabes porquê? Porque agora que voltei a beijar outra mulher percebi que estou
tão desesperadamente apaixonado por ti que nunca mais vou conseguir beijar
alguém e sentir o que sinto quando te beijo a ti. Se não estiver contigo não
sinto nada, se não estiver contigo acho que nem tenho alma...
— Não foste para a cama com ela? — perguntei, com a voz invulgarmente
rouca.
O Nicholas afastou a cabeça para trás e deixou que a água lhe escorresse pelo
— Odeio que me perguntes isso, mas vou ser claro contigo porque entendo
que tudo aconteceu tão depressa que mereces uma explicação. — Nesse instante
nunca me passou pela cabeça fazê-lo, nem nunca se irá passar, Noah.
Senti um alívio imenso que foi como um bálsamo que se espalhou por cada
— Noah, a minha história com a Briar foi uma merda, e, sim, devia ter
-te
contado logo, mas nós estávamos tão mal, a nossa relação estava à beira do
precipício, e não quis piorar as coisas contando-te que engravidei a tua colega
de casa quando éramos uns miúdos e muito menos que o meu pai a obrigou a
abortar para evitar um escândalo. Tive medo de que não entendesses. Aconteceu
tudo tão depressa que perdi o controlo da situação, e quem teve de pagar as
— Não fui para a cama com ninguém, só contigo, Noah. Mas percebo que
ainda não conquistei a tua confiança e entendo, a sério que sim. Mas podemos
A minha cabeça começou a dar voltas e mais voltas... Seria tudo mentira? O
parar de odiar o amor da minha vida para voltar a amá-lo loucamente em menos
de um segundo.
Quando entrámos e vimos que a sala estava como a tinha deixado havia menos
de dez horas, comecei a sentir uma onda de pânico crescer dentro de mim.
compulsiva.
Nick obrigaram
-me a parar e voltaram-me para si.
baixo, e de repente senti medo, tanto medo de que percebesse o que tinha feito
congelado. Vamos tomar um duche quente e depois vamos para a cama, pode
cara dele.
Ele acabara de me confessar que não me enganara com ninguém, que nunca
lhe tinha passado pela cabeça. Tinha beijado a Sophia, sim, mas o que era um
beijo depois de ter acreditado que fora para a cama com ela? Nada.
— Nicholas, eu...
exato em que ele teve consciência do estado em que eu estava e do que trazia
vestido.
— Onde estiveste estas horas todas, Noah? — Não parecia estar a acusar
-me
Comecei a abanar a cabeça e fechei os olhos com força, como se assim pudesse
salvar
-me do que estava prestes a acontecer.
— Eu... Eu... — Nem sequer era capaz de dizer uma frase inteira.
que tinha entre os dedos começou a tocar com uma música ridícula que só
— Porque é que ele te está a ligar? — A sua voz era tão gélida que nem
— Nicholas, eu...
— Diz
-me que o que estou a pensar não é verdade — pediu, com a voz tão
estrangulada de medo que teria dado qualquer coisa, fosse o que fosse, para
simplesmente de existir. — Por favor, diz-me que isso que tens vestido não é
por ficar a olhar para ele enquanto as lágrimas me caíam pelo rosto e chegavam
ao chão, ao sítio onde eu devia estar caída naquele momento, o lugar para onde
arrastaram.
— Desculpa — pedi tão baixinho que nem percebi se me ouviu. Mas ouviu,
— Não... Não fizeste isso. É mentira. — Começou a andar pela sala, com as
mãos na cabeça, a agarrar o cabelo escuro com desespero, até que se voltou
novamente para mim e se aproximou para segurar o meu rosto entre as mãos.
— Por favor, por favor, Noah, não me castigues por isto. Já te pedi perdão,
não brinques com a minha sensatez. Diz-me só que é mentira, diz-me... Por
que acabara de nos destruir aos dois. Se antes achava que a minha dor era tal
que o coração iria parar de bater, agora, ao ver a dor dele, ao ver o que lhe tinha
feito, percebi que aquilo ainda era pior... Embora seja muito doloroso quando
nos partem o coração, é infinitamente mais difícil fazer o mesmo à pessoa que
desculpa — disse com a voz afogada em lágrimas e segurando o rosto dele entre
as mãos.
Mas ele não deixou... Todo o seu corpo se retesou e, segurando-me nos pulsos,
— Foste para a cama com ele? — A sua voz continha tanta dor que agradeci
ter os olhos turvos de lágrimas e não conseguir ver, por instantes, o seu rosto
destroçado. — Responde
-me, maldita!
Estava enojada comigo mesma... De tal maneira que achei que ia voltar a
vomitar, ali mesmo; nunca na vida me sentira tão suja... Ele percebeu-o, viu
Fiquei ali durante uns segundos, a olhar para o vazio que ele deixara à minha
volta, e aquele breve lapso de tempo foi o suficiente para decidir que não o
podia perder, porque o Michael fora um erro imenso, um erro que o Nicholas
Recusava
-me a aceitar que a nossa história acabasse depois de saber que tudo
aquilo em que acreditara era mentira... Tinha de o fazer perceber que não
Ao sair, vi
-o a afastar
-se pela rua e gritei o seu nome. O Nicholas parou e
voltou
-se para olhar para mim. Não demorei muito a alcançá
-lo, mas tive de
parar a um metro de distância. O Nicholas que tinha à minha frente não era o
saber, já nada me importava. Sabia que tudo estava prestes a mudar, sabia que o
— Já não há volta atrás. Nem sequer consigo olhar para a tua cara...
Lágrimas de desolação caíam-lhe pelo rosto. Como lhe podia ter feito uma
— Está tudo acabado entre nós — sussurrou com a voz desfeita mas firme.
hospitais obrigou
-me a levantar e a ir para a sala de espera. Nunca gostei
daqueles sítios e, se fosse por mim, estaria em qualquer lugar menos ali.
Sentei
-me na cadeira e abracei os joelhos com as mãos. Fora a minha posição
preferida nos últimos dias, e, como fazia quando me metia debaixo dos
cobertores, fechei os olhos e deixei que a minha mente divagasse por locais onde
preferia nunca mais voltar. Ainda conseguia ouvir a voz da Jenna do outro lado
da linha, a exigir
-me respostas que não estava preparada para dar, logo a seguir
a do William, que, furioso, me dizia que o filho fora preso por agressão.
Não demorei muito tempo a chegar ao local onde tudo se passara, e acho que
levarem
-no no carro de patrulha e o sangue a escorrer
-lhe do lábio e dos nós dos
Lembro
-me de que a Jenna apareceu atrás de mim, e, naquele preciso
instante, as minhas pernas cederam sob o peso do meu corpo. Ela e o Lion
agarraram
-me antes que caísse, levaram-me para casa dela de carro e cuidaram
de mim toda a noite. O Lion foi para a esquadra e ligou ao William; entretanto,
a Jenna abraçou
-me na cama, enquanto eu me libertava de todas as lágrimas
que ainda restavam em mim. Depois dessa noite não voltei a chorar, porque
estava tão destroçada que já nada, nem mesmo as lágrimas, conseguia acalmar a
minha dor.
Era o Will.
as queixas... Presumo que afinal tinhas razão e que resultou falares com ele.
desligou
-se, e os meus olhos focaram a parede em frente.
— Trouxe
-te qualquer coisa para comeres, e não vou continuar a aguentar o
Sem prestar muita atenção ao que estava a dizer, aceitei o café das suas mãos e
agora parecia que andava sempre fria, congelada por dentro e por fora; não
— Noah... — começou por dizer a Jenna num tom apaziguador, mas eu não a
queria ouvir, não queria que ninguém falasse comigo, que tentassem animar
-
de toda a gente. — As coisas vão melhorar, está bem? O Michael está bem, está
William como conheço, nem com antecedentes ele vai ficar. Alegra-te um
admirava o anel de noivado. Ficava feliz por ela, a sério que sim, mas a sua
Eu nunca iria ter aquilo, muito menos depois de tudo o que se passara. Agora,
ao ver o que perdera, tinha consciência de como fora idiota. O meu medo de
me amara com toda a sua alma, e eu enxotara-o uma e outra vez até acabar por o
Era isso que mais me magoava, porque eu estava acostumada à dor. Embora a
receasse e tentasse fugir dela o melhor que sabia, quando a sentia, era capaz de a
aguentar. O que era insuportável para mim era lidar com a dor dele.
discutimos por palermices, todos os beijos roubados, as carícias, o amor que ele
conseguira sentir só por mim... tudo acabara por se transformar no seu próprio
pesadelo.
Naquela tarde, a Jenna levou-me a casa. Não voltara a ver a Briar desde a
estavam. «É melhor assim», disse para mim mesma. A Briar fazia parte de um
passado do Nick que eu nem devia conhecer, porque nunca teve nada que ver
comigo. Agora entendia que o passado devia ficar lá atrás, encerrado, porque, se
eu devia comer qualquer coisa. Não conseguia comer nada. O nó que tinha no
estômago era tão grande que não deixava espaço para comida. Meti-me na cama
senti uma pontada de dor no peito quando vi que era o bilhete que o Nick me
escrevera.
Vou dar-te mais tempo. Se é disso que precisas, se é isso que tenho de fazer
para que percebas que te amo a ti e a mais ninguém, é isso que vou fazer. Já
não sei que mais posso fazer para que acredites em mim, para que percebas
que quero cuidar de ti e proteger-te para sempre. Não vou a lado nenhum,
Noah. A minha vida e o meu futuro são contigo, a minha felicidade depende
exclusivamente de ti. Para de ter medo: serei sempre a tua luz no meio da
escuridão.
significavam nada. O Nicholas deixara-o bem claro. Não queria voltar a ver
-me,
chamadas.
esta segunda parte com entusiasmo. Inicialmente, estava previsto que Culpa
me ajudarem a transformar este livro no que é agora. Não foi fácil escrever
conseguir trabalhar no romance como deve ser, pelo menos como estava
Estou apaixonada!
Obrigada à minha agente, Nuria. Sabes que sem ti estaria perdida neste
uma vezes, por me dizeres sempre o que pensas e, ainda, por te dares ao
conselhos me ajudaram a fazer desta história o que ela é. Não sei o que faria sem
a tua ajuda. Quem me dera que estivesses mais perto e pudesses partilhar
Amo
-vos muito!
Garri, és o irmão mais velho que nunca tive. Obrigada por seres como és e por
teres entrado na minha família para sempre. Não tenho palavras para descrever
Ali, obrigada por seres a amiga que nunca falha, por estares sempre presente
para mim e por acreditares em todos os meus sonhos e ambições. Somos muito
apaixonaram pelas minhas personagens. Obrigada por todo o amor que me dão
nas redes sociais, pela vossa paciência e por me permitirem ter uma família que
E, por último, obrigada a todos vós, que compraram Culpa Minha logo que
obrigada!