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HISTŁRIA E CONCEITOS B˘SICOS SOBRE

O RACISMO E SEUS DERIVADOS

Antônio Olímpio de SantÊ Ana


Especialista em Educação.
Mestre em Teologia pela Universidade da Rainha – Kingston, Ontário/Canadá.

1. Introdução

Prezado(a) professor(a), as relações raciais são um dos temas mais


complexos dos dias atuais, e o racismo, como ele se apresenta hoje, é um
fenômeno relativamente novo. É bom lembrar que nos tempos primitivos,
até por volta da Idade Média, a discriminação baseava-se em fatores religiosos,
políticos, nacionalidade e na linguagem, e não em diferenças biológicas ou
raciais como acontece hoje. Era o “fiel” contra o “pagão”, o “cristão” contra
o “muçulmano” ou mesmo contra o “judeu”. Observe, portanto, que o
motivo era religioso, de nacionalidade, etc, mas nunca racial.

2. Analisar o passado para entender o presente

Antes de retomar ao passado distante para localizar a origem do racismo,


hoje tão forte em nosso meio, vamos a uma pergunta bem pessoal: você,
professor(a), já foi alguma vez discriminado(a) por ser negro(a) ou devido
à sua origem étnica ou religiosa? Ou por ser mulher, deficiente, gordo(a)?
Como se sentiu? Dá para você imaginar o que acontece em sua sala de aula
no que se refere à discriminação e ao preconceito? Pense um pouco...
Vamos pensar nas pessoas negras, as maiores vítimas do racismo
em nossa sociedade (que inclui a sua sala de aula, não se esqueça).Você
já pensou quantos(as) de seus(uas) alunos(as) negros(as) passam por essa
dolorosa experiência diariamente? Você tem uma idéia das conseqüências
dessa desagradável experiência para os seus alunos discriminados? E você,
já imaginou o quão importante é você se colocar como parte da solução,
fortalecendo o diálogo franco e esclarecedor entre os seus(suas) alunos(as),

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

objetivando diminuir e/ou acabar com a prática do racismo, reforçando


a auto-estima dos (as) mesmos(as) em sua sala, em sua escola, na sua
comunidade?
Todos nós sabemos que o racismo é muito forte nos dias atuais, mas
também cresce o nível de consciência de que o racismo é maléfico e precisa ser
combatido, denunciado e eliminado. E a sua postura crítica como professor
diante desta luta e denúncia é de fundamental importância. A mídia está
anunciando a prisão desse(a) ou daquele(a) cidadão(ã) que discrimina o
(a) outro(a).Mas a impunidade neste país é tão grande que muitas pessoas
ainda não perceberam que existe uma lei severa (se cumprida), que protege
a todo(a) e qualquer cidadão(ã) vítima da discriminação racial ou étnica ou
de qualquer tipo de preconceito.
Quando um(a) aluno(a), professor ou professora, ou mesmo a administração,
dentro ou fora da escola, da sala de aula, inadvertida ou propositadamente
discrimina alguém, ele ou ela participa de uma prática que nasceu na Europa
no século XV. E, desde então, tem gerado dor, tristeza, sofrimento e morte para
milhões de seres humanos por causa da cor de sua pele ou devido à sua origem
étnica.
No momento de diálogo específico com a sua classe, ou informalmente,
com toda certeza, alguns de seus alunos mais curiosos poderão perguntar:
qual é a origem do racismo e de suas manifestações diretas como a
discriminação, o preconceito, a segregação, os estereótipos, hoje tão
arraigados no comportamento diário de milhões de brasileiros? E o aluno
negro poderá perguntar: por que os racistas vivem pegando no pé de todos
nós que somos negros? Por quê?
Não dá para fugir da curiosidade dos alunos e nem é aconselhável
camuflar as respostas. O jeito é enfrentar a questão de frente.
A seguir, nós aportaremos algumas informações básicas que objetivam
facilitar a sua tarefa no diálogo com os(as) seus (uas) alunos(as) sobre
racismo, preconceito e discriminação.
Quando qualquer pessoa no Brasil fala em racismo, qual é imagem
humana que geralmente lhe vem logo de cara à mente? Acertou: é a do
negro. Por que isso acontece? Por que o negro é a vítima maior do racismo

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

praticado neste imenso país? Existe alguma relação entre a escravidão


imposta ao negro e o racismo sofrido por ele?
Um grande estudioso deste assunto chamado Ben Marais, em sua obra
Racismo e Sociedade, declara que

há uma relação muito próxima entre o escravidão a


que foram submetidos os negros e a recusa às pessoas
de cor negra... ‘O estigma em relação aos negros tem
sido reforçado pelos interesses econômicos e sociais que
levaram os povos negros à escravidão’. Daí o negro ter se
convertido em símbolo de sujeição e de inferioridade.E
este conceito negativo sobre o negro foi forjado (RUIZ,
1988, p. 100).

De acordo com Marais,

Quando os primeiros europeus desembarcaram na


costa africana em meados do século XV, a organização
política dos Estados Africanos já tinha atingido um
nível de aperfeiçoamento muito alto. As monarquias
eram constituídas por um conselho popular no qual as
diferentes camadas sociais eram representadas. A ordem
social e moral equivalia à política. Em contrapartida,
o desenvolvimento técnico, incluída a tecnologia de
guerra, era menos acentuado. Isto pode ser explicado
pelas condições ecológicas, sócio-econômicas e históricas
da África daquela época, e não biologicamente, como
queriam os falsos cientistas (Munanga, 1986, p. 8).

Essa visão errônea e interpretação falsa, produzida para favorecer os


colonialistas brancos europeus, será analisada rapidamente a seguir.

2.1. Racismo no passado

O racismo é a pior forma de discriminação porque o discriminado


não pode mudar as características raciais que a natureza lhe deu. E
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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

a discriminação racial como ela se apresenta hoje é relativamente


recente. Não havia preconceito racial antes do século XV e o grande
líder africano Leopold Senghor afirma que “o racismo  etnocentrismo
carregado de diferenças raciais, reais ou imaginárias  não tem mais de
quatro séculos”(Memmi apud PEREIRA, 1978, p. 22). De acordo com
essa linha de raciocínio:

O racismo, como ideologia elaborada, é fruto da ciência


européia a serviço da dominação sobre a América, Ásia
e África. A ideologia racista se manifesta a partir do
tráfico escravo, mas adquire o status de teoria após a
revolução industrial européia. Aimé Césaire, em seu
Discurso sobre o Colonianismo, escrito no imediato
do pós-guerra, salienta que Cortez e Pizarro pilhavam
e matavam na conquista da América, mas que nunca
afirmaram “ser mandatários de uma ordem superior”...
os hipócritas só vieram mais tarde (Ibidem).

E estes hipócritas são todos aqueles que propuseram a iníqua equação


aceita na época: cristianismo=civilização e paganismo=selvageria. Esta
desonesta conjugação gerou dramáticas conseqüências coloniais e racistas,
provocando saques às propriedades, estupros, assassinatos em massa,
muita dor e sofrimento em milhões de pessoas nas Américas, na Ásia e,
principalmente, na África. Desde o século XV, milhões de páginas em
tratados, ensaios, monografias, teses, etc., foram escritas para sustentar o
insustentável: o racismo como uma prática necessária e justificável.

2.2. O racismo no passado e alguns de seus mais importantes


antecedentes

O racismo não surgiu de uma hora para outra. Ele é fruto de um longo
processo de amadurecimento, objetivando usar a mão-de-obra barata através
da exploração dos povos colonizados. Exploração que gerava riqueza e
poder, sem nenhum custo-extra para o branco colonizador e opressor.
O racismo entre os seres humanos foi surgindo e se consolidando aos
poucos. Vamos compartilhar, a partir de agora, alguns dados interessantes

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

que nos ajudarão a entender a prática do racismo nos dias atuais. É bom
lembrar sempre que a cultura popular sobrevive aos tempos porque ela é
transmitida através das gerações. E sendo o racismo um fenômeno ideológico,
ele se consolida através dos preconceitos, discriminações e estereótipos. Dá
para entender agora por que o racismo tem sobrevivido e foi se fortalecendo
através das épocas, alcançando, inclusive a sua comunidade, a sua escola,
a sua sala de aula? E, se de tudo você achar que em sua sala de aula não
existe qualquer tipo de discriminação ou preconceito, leia as informações
preparadas especialmente para a sua consulta; dê um tempo, observe
o comportamento de seus alunos a esse respeito e depois reavalie a sua
opinião.
Vamos compartilhar alguns dados interessantes:
2.2.1. Na Grécia antiga tinha-se como certo e definido que todos aqueles
que não pertencessem à sua raça eram classificados como bárbaros. E é de
Heródoto a afirmação que os persas consideravam-se a si mesmos superiores
ao resto da humanidade.

2.2.2. Aristóteles dizia que

uma parte dos homens nasceu forte e, resistente, destinada


expressamente pela natureza para o trabalho duro e forçado.
A outra parte – os senhores, nasceu fisicamente débil;
contudo, possuidora de dotes artísticos, capacitada, assim,
para fazer grandes progressos nas ciências filosóficas e outras
(GRIGULEVICH, 1983, p. 105).
Essa hipótese foi usada no século XV; como veremos adiante, para
justificar a escravidãos dos indígenas e dos negros.

2.2.3. Cícero, contradizendo Aristóteles, dizia que “os homens diferem em


conhecimento, mas são todos iguais na capacidade de aprender; não há
nenhuma raça que, guiada pela razão, não possa chegar à excelência”(COMAS,
1970, p. 135).
2.2.4. Fundamentos “doutrinários” e “científicos” do racismo – Foi na Idade

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

Média que se deu uma forte discussão a partir do intelectuais ligados à Igreja
Católica Romana a respeito da superioridade, de uma raça sobre a outra,
lançando as fortes bases do racismo moderno.
Muitas pessoas, hoje, devido ao equívoco doutrinário e teológico
cometido por ideólogos e religiosos do passado, inadvertidamente, afirmam
que há racismo na Bíblia. Outro equívoco: o que houve e continua existindo
são as interpretações falsas e equivocadas sobre os textos bíblicos. A seguir,
veremos como os ideólogos e religiosos, a serviço de interesses econômico
e colonialistas da Idade Média, adequaram as afirmações bíblicas aos seu
interesses, tanto assim que estas interpretações não resistiram ao tempo mas
as seqüelas resultantes, estas sim, continuam fortes até os dias atuais
Se você perguntar se havia escravidão na época de Jesus, a resposta é sim.
Inclusive, em alguns dos seus conselhos ele usava a imagem do escravo e do
senhor, mas isto não significava apoio à escravidão como tal. A mensagem
bíblica é radicalmente contra a escravidão e contra o racismo
Para você entender por que o racismo é hoje muito forte, acompanhe
este breve relato da evolução das discussões, debates, produção de ensaios,
tratados, monografias, teses, etc., produzidos desde o século XV, tentando
provar a inferioridade do negro e do índio diante do branco, supostamente
a raça superior. Toda esta produção perdeu a sua validade “doutrinária”
e “científica”, mas as seqüelas permanecem, daí entender porque persiste
ainda hoje a prática do racismo, da discriminação, dos preconceitos. Essas
informações poderão ser usadas à medida de sua necessidade ou conveniência.
Não é nossa função discutir o conteúdo desta produção racista, apenas
mencioná-Ia.

2.2.4.1. Em 1510, o dominicano escocês John Major, segundo nos informa


Juan Comas, declarou que “a própria ordem da natureza explica o fato de
que alguns homens sejam livres e outros escravos. Esta distinção deveria
existir no interesse mesmo daqueles que estão destinados originalmente a
comandar ou a obedecer” (Idem, ibidem, p. 14).

2.2.4.2. Em 1520, o teólogo Paracelso nega que os ameríndios fossem

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

descendentes de Adão e Eva, dando lugar a um intenso debate sobre a


humanidade dos nossos irmãos indígenas. A questão chegou a um tal grau
de confusão que o Vaticano emitiu em 1537 a Bula Papal Sublimus Deus,
na qual reconhecia o caráter humano dos ameríndios e pedia que a sua
liberdade e seus bens fossem respeitados:

Os índios e todos os outros povos, caso sejam descobertos


no futuro por cristãos, não podem ser privados de
sua liberdade e seus bens, apesar das afirmações em
contrário, mesmo não sendo cristãos; além disso é
preciso que seja respeitada a sua liberdade e propriedade
(GRIGULEVICH, op. cit., p. 104-105).

É sabido que os conquistadores ignoraram a recomendação do Papa


Paulo III e continuaram a considerar os ameríndios como escravos naturais,
a partir da hipótese defendida por Aristóteles (384-322 a.C.), conforme
vimos no ítem 2.2.2.(p.3, releia, por favor).

2.2.4.3. Entre 1550 e 1551, ressurge o debate através do confronto entre dois
padres. De um lado, Frei Juan Ginés de Sepúlveda que, representando a
ideologia colonialista, dizia que os indígenas tinham uma natureza inferior,
sendo viciosa, irracional. Sepúlveda dizia que a relação que existia entre
um espanhol e um índio era a mesma que existia entre um homem e um
macaco. Em outras palavras, ele comparava o índio ao macaco, a um animal
irracional. Com isso, ele queria dizer que os nossos irmãos indígenas do
passado tinham que ser conquistados, “protegidos” e “tutelados”. De outro
lado, estava o Frei Bartolomeu de Las Casas que, demonstrando mais simpatia
pelos indígenas, propôs a substituição destes pelos negros, afirmando serem
estes mais fortes e adaptáveis ao trabalho duro. E a sugestão de Las Casas foi
fielmente seguida pelos conquistadores, incentivados e reforçados pela teoria
de Aristóteles, que afirmava que algumas pessoas nasceram naturalmente
para serem escravas e outras para serem livres:

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

Esta discussão teológica foi-se estendendo a toda a


humanidade, à medida que as nações européias iam
ampliando o seu domínio territorial até novas regiões.
Já não bastava desumanizar e negar a humanidade aos
índígenas para justificar a conquista e a fortíssima e
deplorável exploração dos mesmos. Havia, agora, de
justificar o novo sistema escravista no qual envolveram
os negros africanos, e mais tarde, os asiáticos (DUNCAN,
1988, p. 23).

Não se esqueça que estamos compartilhando dados históricos referentes


ao século XV, reconhecido como o ponto de partida da discriminação racial,
tendo os não brancos como alvo, sendo o negro e o indígena as duas grandes
vítimas preferenciais dos colonizadores europeus racistas que, julgando-se
superiores àqueles, os dominaram, destruindo as suas culturas e economia:

A ignorância em relação à história antiga dos negros,


as diferenças culturais, os preconceitos étnicos entre
duas raças que se confrontam pela primeira vez, tudo
isso, mais as necessidades econômicas de exploração,
predispuseram o espírito europeu a desfigurar
completamente a personalidade moral do negro e suas
aptidões intelectuais. O negro torna-se, então, sinônimo
de ser primitivo, inferior, dotado de uma mentalidade
pré-lógica (MUNANGA, 1986, p. 9).

2.2.4.4. V. de Lapouge, um dos expoentes teóricos dos racistas franceses,


apresentava a história da humanidade como uma luta entre as raças, na
qual ficava evidente a superioridade da “raça branca” sobre a “raça negra” e
a “raça indígena”.

2.2.4.5. Por ocasião da invasão e conquista da Indochina, o primeiro-


ministro Francês Jules Ferry afirmava descaradamente que as raças
superiores tinham certos direitos frente às raças inferiores e era dever destas
raças superiores civilizar as raças inferiores. E quem era a raça superior? A
branca, evidentemente. E quem era a raça inferior? As não brancas, neste
caso específico, a asiática. E o que significava civilizar as raças inferiores?

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

Significava invadir, dominar, impor os costumes do invasor, promovendo


uma cultura de submissão local para facilitar a dominação militar e
política, contrabandear as riquezas dos dominados para a sede do império
conquistador.

2.2.4.6. Já outro historiador francês, C. Seignobos, difundiu a idéia de que


os negros eram inferiores e precisavam de tutela e a orientação dos povos
brancos, exatamente como as crianças precisavam dos adultos.

3. Fortalecimento do colonialismo racista

O século XIX foi o da consolidação das doutrinas racistas. Em 1815,


as nações colonialistas – Inglaterra, França e Alemanha – reuniram-se em
Viena para repartir o mundo conhecido da época. Neste encontro nada
se falou sobre o tráfico de escravos. O representante do Papa, presente ao
encontro, calou-se para não prejudicar os países majoritariamente católicos
e praticantes da escravidão negra.
Em 1839, após ser pressionado, o Papa Gregório XV condena o tráfico de
escravos, mas não a escravidão. Para ele a escravidão não era um mal, desde
que o senhor de escravo fosse bom. Imagine!
Em 1835, Arthur de Gobineau produziu um conhecido tratado
denominado Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas: Raças Branca,
Amarela e Negra. O que caracterizava o seu Ensaio era a divisão que fazia da
raça branca. Esta, segundo Gobineau, tinha três sub-grupos: os arianos, que
são os verdadeiros brancos e criadores da civilização; os albinos de origem
mongólica; e os mediterrâneos, de origem africana. Sustentava que se o
poder permanecesse nas mãos dos albinos e mediterrâneos, a humanidade
voltaria à barbárie. Gobineau desejava provar com o seu Ensaio que a
nobreza européia era ariana, descendente dos nórdicos. Ele via diferenças
qualitativas entre os brancos, que justificavam o domínio da nobreza ariana
sobre os demais brancos, que ele julgava pertencerem a setores inferiores.
Portanto, racismo de classe, que justifica a posição de privilégio de uns sobre
outros.

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

4. Católicos romanos e protestantes  mesma atitude diante do


racismo

Na realidade não há diferenças substantivas entre a conduta de ideólogos


e religiosos católicos e protestantes na defesa de conceitos que fortalecessem
o racismo no passado, propiciando a sua presença hoje, ainda forte, no
imaginário popular.
Em meados do século XVIII, os sinos das igrejas de Bristol, na Inglaterra
Anglicana, repicaram festivamente quando o parlamentar Wilbeforce não
conseguiu aprovar uma lei que proibia o tráfico de escravos, e eles tinham
uma boa razão para isso, já que metodistas, batistas, moravos e anglicanos
tinham escravos e eram defensores da escravidão.
Já a Sociedade para a Propagação do Evangelho na Inglaterra proibiu a
cristianização de seus próprios escravos em Barbados, Caribe, por julgá-los
inferiores.
O Rev.Thomas Thompson publicou em 1772 uma monografia onde
procurou demonstrar a inferioridade do negro diante do branco, intitulada:
O Comércio dos Escravos Negros na Costa da ˘frica de acordo com os
Princípios Humanos e com as Leis Religiosas Reveladas.
Em 1852, o Rev. J. Priest, conhecido etnógrafo e fundador da Sociedade
Antropológica de Londres, publicou um tratado denominado A Bíblia
defende a escravidão, onde é a favor desta, usando uma suposta argumentação
bíblica favorável. Na realidade, falsa.
Em 1900, C.Carrol, em sua obra Provas Bíblicas e Científicas de que
o Negro não é Membro da Raça Humana, afirma que “todas as pesquisas
científicas confirmam sua natureza caracteristicamente símia”.
Observa-se pelos tratados, ensaios, teses, etc., todos voltados para justificar
a escravidão, que dificilmente o negro deixaria de ser alvo do racismo nos
dias atuais. Alguns desses trabalhos tiveram grande aceitação nos meios
interessados em justificar a escravidão do negro e do índio, mas também nas
camadas populares, que de uma maneira ou de outra se beneficiavam com a
suposta inferioridade do negro e do índio, transformados em escravos.

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

Cremos que os dados históricos até aqui resumidos já permitem


compreender um pouco mais o motivo da existência de uma prática racista,
tão difundida nas nossas relações interpessoais, com um destaque especial
para a situação do negro, vítima maior do racismo praticado no Brasil.
Resumindo este bloco de informações, poderíamos dizer que não há dúvida
de que a produção de tantos ensaios, tratados e teses para justificar a escravidão
deixou as suas maléficas conseqüências, principalmente para os negros, que foram
e são as vítimas maiores de uma conspiração histórica que ainda perdura em
nosso dia-a-dia.
Tem-se a impressão de que o negro e o índio foram vítimas de uma
conspiração bem planejada durantes todos esses séculos, onde foram
elaboradas doutrinas com falsa base bíblica e filosófica, bem como
tentativas de comprovação de teorias com uma falsa base científica, que
não resistiram ao tempo. Mas as marcas do racismo e suas maléficas
conseqüências permaneceram, já que estes preconceitos sobrevivem às
gerações. A discriminação e o preconceito foram se fortalecendo no dia-a-
dia, criando fortíssimas raízes no imaginário popular, chegando ao ponto
no qual nos encontramos hoje. O racismo tomou-se uma ideologia bem
elaborada, sendo fruto’ da ciência européia a serviço da dominação sobre
a América, Ásia e África. E esta ideologia racista ganha força a partir da
escravidão negra, adquirindo estatuto de teoria após a revolução industrial
européia.

5. Pesquisas revelam o tipo de discriminação na escola

A estas alturas, você já se deve ter perguntado a si mesmo(a): será que


na minha sala de aula pratica-se a discriminação racial e étnica? Esta é uma
resposta que somente você pode dar.
O racismo é uma prática diária e difundida. Ele é onipresente e forte.
Como este racismo se manifesta em nossas escolas? Antes de conceituar as
palavras-chave que revelam e/ou descrevem comportamentos classificados
como discriminatórios, preconceituosos, vamos resumir os resultados de
duas diferentes pesquisas feitas em nossas escolas e em livros didáticos.

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

Quando falamos em discriminação étnico-racial nas escolas, certamente


estamos falando de práticas discriminatórias, preconceituosas, que envolvem
um universo composto de relações raciais pessoais entre os estudantes,
professores, direção da escola, mas também o forte racismo repassado através
dos livros didáticos. Não nos esquecendo, ainda, do racismo institucional,
refletido através de políticas educacionais que afetam negativamente o
negro.
Pesquisas feitas nos últimos 10 anos mostram com muita objetividade, por
onde passa esta discriminação étnico-racial nas nossas escolas. Aportaremos,
a seguir, resumidamente, o resultado de pesquisas, feitas em três diferentes
áreas, por duas diferentes pesquisadoras que, usando métodos diversos,
chegaram praticamente ao mesmo resultado. O repasse destes resultados
objetiva municiar os professores com dados retirados da realidade vivida
pelos alunos negros e de outras etnias, espalhados pelas escolas públicas
e/ou particulares deste imenso país.
As pesquisas compartilhadas a seguir revelam o racismo anti-negro
que está presente em todo o país. O racismo anti-negro está intimamente
relacionado à cor de sua pele. Mas o negro não é a única vítima do racismo
neste imenso Brasil. O nosso país tem a honra de receber muitos imigrantes,
provenientes de diversas partes do mundo, inclusive algumas onde as várias
etnias locais têm, historicamente, travado violentos choques entre si. Se você
é professor em regiões onde estas etnias se concentraram, possivelmente há
tensões raciais herdadas por seus descendentes. Observe.
Vamos às pesquisas.

5.1. PRIMEIRA PESQUISA: Estereótipos e Preconceitos em Relação ao Negro


no Livro de Comunicação e Expressão de 1º grau, nível 1 (1ª à 4ª séries)

Pesquisadora responsável: Professora Ana Célia da Silva, da Universidade


Federal da Bahia.
A pesquisa tinha como objetivo investigar a existência de estereótipos
e preconceitos em relação ao negro no livro didático e a percepção do
professor quanto à sua existência e o seu papel de mediador dos mesmos
(SILVA, 1987, p. 91-98).

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

Universo investigado: 82 livros didáticos utilizados em 22 escolas do


bairro da Liberdade, Salvador, Bahia.
Questionários foram aplicados aos professores destas 22 escolas para
obtenção do universo pesquisado: 82 livros utilizados. Deste, extraiu-se
uma amostra de 16 livros que se destacaram pela incidência significativa
de estereótipos e preconceitos.Uma segunda amostra foi constituída pelos
professores que utilizaram os livros da 1ª amostra nos anos de 1984, 1985 e
1986. Estes livros foram analisados quantitativa e qualitativamente através de
técnicas de análise de conteúdo, bem como de dados obtidos de entrevistas
com os professores constituintes da 2ª amostra.

Algumas conclusões significativas da pesquisa

Constatou-se a existência de uma ideologia da inferiorização do negro


que é fortalecida na escola através do livro didático e do professor, sob a
forma de estereótipos e preconceitos.
Constatou-se, também, que o professor, figura importantíssima na
educação do aluno, lamentavelmente, não percebeu a presença destes
estereótipos e preconceitos, bem como o importantíssimo papel que exerce
como o grande mediador no processo ideológico, reforçando a transmissão
destes estereótipos e preconceitos.

5.2. SEGUNDA PESQUISA: Preconceito Racial na Escola/1988.

Pesquisadora responsável: Vera Moreira Figueira, pesquisadora do


Arquivo Nacional, Rio.
Esta pesquisa teve como objetivo demonstrar a existência do preconceito
racial na escola, correlacionado-o com outros dois agentes internos atuantes
na instituição: o professor e o livro didático, comprovando, assim, a
existência de um “ciclo” capaz de embutir e reproduzir o preconceito racial
junto ao alunado (FIGUEIRA, 1990, p. 63-73).

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

Pesquisa de campo com três etapas:

Primeira etapa: Verificação da intensidade da ocorrência da prática do


preconceito racial junto aos alunos das escolas públicas do Rio de Janeiro
Segunda etapa: Verificação do comportamento dos professores, suas
concepções sobre a raça negra, seu conhecimento histórico a respeito da
contribuição do negro à sociedade brasileira, suas opiniões sobre as atitudes
dos demais professores frente aos negros.
Terceira etapa: Análise de uma série de pesquisas relacionadas aos
conteúdos dos livros didáticos, tendo como meta extrair uma síntese de
conclusões em torno de vários autores.
População atingida: 442 alunos da rede de ensino público, sendo 238
estudantes brancos, 121 pardos e 83 negros.

A metodologia consistiu em entrevistas individuais, nas quais eram


mostradas várias fotografias a cada estudante, algumas pessoas negras
(pretas, não pardas), outras brancas. Ao entrevistado era dito que aquelas
pessoas mostradas nas fotos faziam parte do seu cotidiano, no caso, a sala de
aula. Em seguida, pedia-se ao entrevistado que escolhesse entre estes colegas
fictícios, qual gostaria que fosse seu melhor amigo, qual a mais simpática, a
mais feia, a mais inteligente, etc.. Em seguida, foram introduzidas fotos de
homens e mulheres adultos, brancos e negros, pedindo ao entrevistado que
se situasse neste mundo de adultos.
As respostas foram agrupadas em dois blocos: aquelas que exprimem
qualidades socialmente positivas e as que exprimem qualidades socialmente
negativas. Constatou-se que as qualidades socialmente positivas são
atribuídas aos brancos: amigo, simpático, estudioso, inteligente, bonito,
rico, sempre acima de 75% das indicações, exceto a qualidade „simpático‰,
que teve como índice, 50%. Por complementaridade, as qualidades negativas
são francamente atribuídas aos negros, com percentagens muito elevadas:
burro, feio, porco, grande ladrão, pequeno ladrão. Esta seleção espontânea
é um forte indicador da existência de uma opinião generalizada, afirma
a pesquisadora, sobre a „inferioridade‰ do negro e a „superioridade‰ do

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

branco. Para a maioria dos entrevistados, preferencialmente os brancos


detêm qualidades bem aceitas socialmente e os negros concentram aquelas
socialmente marginalizadas pela sociedade.

TABELA 1
QUALIDADES POSITIVAS
(PREFER¯NCIA POR BRANCOS)

Amigo 76,2%
Simpático 50%
Estudioso 75,3%
Inteligente 81,4%
Bonito 95%
Rico 94,6%

TABELA 2
QUALIDADES NEGATIVAS
(PREFER¯NCIA POR NEGROS)

Burro 82,1%
Feio 90,3%
Porco 84,4%
Grande ladrão 79,6%

Por outro lado, segundo os dados coletados pela pesquisa, no que se


refere “às possibilidades de mobilidade ocupacional para brancos e negros,
os entrevistados mostraram-se pouco receptivos ao negro”. A entrevistadora
solicitou ao estudante que indicasse quem escolheria para ocupar as
profissões sugeridas a partir das fotos que tinha em mão. O entrevistado
agiria como se fosse um dono de fábrica, tendo, portanto, o poder final
para decidir sobre este ou aquele. O resultado indicou que “as profissões de
status ocupacional alto são consideradas próprias aos brancos e as de status
ocupacional baixo aos negros”.

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

TABELA 3
POSSIBILIDADE DE MOBILIDADE OCUPACIONAL

Preferência por brancos Preferência por negros


Engenheiro 85,4% 14,5%
Médico 92,2% 7,8%
Faxineiro 15,5% 84,4%
Cozinheira 15,5% 84,4%

A pesquisa constatou que em outro tipo de relacionamento os entrevistados


mostraram-se tendenciosos no que se refere à possibilidade da miscigenção
racial. De posse de fotos de brancos e negros, pediu-se-lhes que escolhessem
duas pessoas para formar um casal. Abaixo temos o resultado indicando o
padrão de preferência.
TABELA 4
RECEPTIVIDADE ¤ MISCIGENAÇ‹O RACIAL
(PREFER¯NCIA POR TIPOS DE CASAMENTO)

Homem branco/mulher branca 73,7 %


Homem negro/mulher negra 19,2 %
Casais mistos 9,0 %

A pesquisadora Vera Moreira Figueira chama a atenção para uma segunda


interpretação acima, já que a primeira

diz respeito à receptividade com relação à miscigenação


racial muito baixa, pois apenas 9% dos entrevistados
optam por casais mistos, ou seja, homem e mulher
de cores diferentes. Uma segunda interpretação vem à
tona quando comparados os resultados atinentes aos
casamentos entre brancos e entre negros, separadamente.
Constata-se que a instituição casamento é nitidamente
atribuída a pessoas de cor branca, pois somente 19,2%
dos casamentos são realizados entre negros. Tal dado

54
História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

sugere que os entrevistados pensam a família negra


como menos estruturada do que a família branca. Em
termos gerais, e sintetizando as tabelas apresentadas,
todos os dados acima mencionados deixam claro que a
intensidade do preconceito racial é bastante alta, uma vez
que os percentuais alcançados pelo negro nas qualidades
negativas, nas profissões de baixo status ocupacional ou
na pouca integração às relações matrimoniais são sempre
altos e recorrentes.

A visão do professor

Vera Moreira Figueiras analisa também a postura do professor por ser ele
aquele que transmite, a partir de sua condição de autoridade central na sala
de aula, conceitos que serão absorvidos pelos alunos como conhecimento
científico, conhecimento verdadeiro. Por tal motivo, estudar a formação do
professor, no que toca a sua visão sobre o negro, é crucial para se perceber
em que medida a escola está preparada para lidar com a questão racial.
Foram entrevistados 16 professores, envolvendo diversas especialidades
(matemática, história, português, etc.), atuando em séries e graus de
escolaridade distintos, objetivando avaliar o grau de conhecimento e
opiniões a respeito do negro.
As perguntas dirigiram-se a três áreas:
1) Identificação do preconceito na escola;
2) Atuação do professor frente ao negro e à questão racial;
3) Seus conhecimentos históricos com relação à contribuição
social do negro no Brasil.
Feitas as entrevistas, que tiveram a duração média de 60 minutos, eis o
resultado obtido:
1) O professor reconhece a existência do preconceito racial na escola, seja
entre alunos, de professores em relação aos alunos, ou do corpo administrativo

55
Antônio Olímpio de SantÊ Ana

para com os alunos. O preconceito manifesta-se em brincadeiras ou apelidos


alusivos à cor, na seleção racial do colega de estudo ou do banco escolar e
na própria expectativa do professor quanto ao rendimento do aluno negro
quando comparado ao branco. Além disso, embora todos os professores
tenham se declarado destituídos de preconceitos, o conteúdo de seu discurso
muitas vezes demonstrou o contrário.
2) Todos os professores declararam não ter recebido qualquer tipo
de orientação pedagógica sobre a questão racial no Brasil por ocasião dos
seus cursos de formação profissional ou nas escolas onde lecionam ou
lecionaram. Ou seja, os cursos de complementação pedagógica (nos casos de
professores com nível de escolaridade superior) ou os cursos de formação
de professores (equivalente ao segundo grau) não dedicam qualquer ênfase,
ou melhor ainda, desconhecem a especificidade da questão racial brasileira.
Dessa maneira, os professores assumem a direção de uma sala de aula sem
ter noção dos problemas que irão enfrentar; na maioria das vezes as soluções
para os conflitos emergentes são buscadas no bom senso, na prática cotidiana,
independentemente de qualquer lastro pedagógico.
3) A realidade acima descrita permitiu aos professores, por unanimidade,
declarar que o professorado não está capacitado para lidar com a questão
racial.
4) Quanto a programas de valorização do negro, verificou-se que a maioria
das escolas pesquisadas não conduz qualquer trabalho com tal linha de
ação. As iniciativas que ocorrem partem isoladamente e são bastante raras.
Quando há envolvimento da escola, o enfoque torna-se mais comemorativo
do que questionador. Neste caso, são preparadas comemorações relativas ao
dia da Abolição da Escravatura e, menos freqüentemente, ao Dia Nacional da
Consciência Negra, marcado pela data de morte de Zumbi dos Palmares.
Conclui-se, portanto, no que se refere à postura do professor diante da
questão racial em sala de aula, que o mesmo “atua como mantenedor difusor
do preconceito racial entre os alunos, seja por omissão, seja por efetivas
declarações racistas, seja pelo simples fato de desconsiderar a questão, por
tratá-la como um problema menor ou inexistente”(p. 68).

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História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

Livro Didático

Analisados os dados levantados por vários pesquisadores sobre o racismo


nos livros didáticos, foram detectados os seguintes dados interpretados
como preconceituosos:

1) Nas ilustrações e textos os negros pouco aparecem e, quando isso


acontece, estão sempre representados em situação social inferior à do branco,
estereotipados em seus traços físicos ou animalizados.

2) Não existem ilustrações relativas à família negra; é como se o negro


não tivesse famí1ia.

3) Os textos induzem a criança a pensar que a raça branca é mais bonita


e a mais inteligente.

4) Nos textos sobre a formação étnica do Brasil são destacados o índio e


o negro; o branco não é mencionado (em alguns casos): já é pressuposto.

5) ¸ndios e negros são mencionados no passado, como se já não


existissem.

6) Os textos de história e estudos sociais limitam-se a referências sobre as


contribuições tradicionais dos povos africanos.

Os autores da pesquisa nos livros didáticos listaram os estereótipos


e preconceitos encontrados e um dos mais evidentes é aquele que eles
denominam de a animalização do negro, que é exposta de várias maneiras,
sendo a mais comum a associação da cor preta a animais (o porco preto, a
cabra preta, o macaco preto) ou a seres sobrenaturais animalizados (mula-
sem-cabeça, lobisomem, saci-pererê). É evidente que “há uma insistência
nítida em retirar do negro a condição humana...” ou, então, em reservar-lhe
um papel subalterno na hierarquia social:

57
Antônio Olímpio de SantÊ Ana

A mulher negra é com freqüência apresentada de avental


e lenço na cabeça; de outras vezes, aparece empunhando
trouxas de roupa suja. Mas a mulher branca é apresentada
com vestidos, saias e bolsas; enfim, roupas de passeio e
de trabalho. Aos homens negros é reservado o lugar de
trabalhador rural, lixeiro, operário da construção civil,
etc. (p. 70)

Vimos até agora como surgiu o racismo, como o mesmo fortaleceu-se a partir
da Idade Média, através da produção de justificativas que tomaram a forma
de tratados, ensaios, teses, etc., procurando justificar a superioridade da raça
branca sobre as não brancas. Verificamos como “o racismo está depositado no
mais fundo da cabeça dos homens” (SANTOS, 1984, p. 35) e este torna-se mais
perigoso na medida em que ele separa as pessoas pertencentes a um mesmo
grupo social. Tendem, os de pretensa raça superior, reduzir os de pretensa raça
inferior a zero, a nada. Reduzem, na prática, a sua humanidade.
Segundo Juan Comas,

A pigmentação relativamente escura é uma marca


de diferenciação que condena numerosos grupos
ao desprezo, ao ostracismo e a uma posição social
humilhante. O preconceito de cor é tão acentuado em
certas pessoas que dá origem a fobias quase patológicas,
estas não são inatas, mas refletem, de uma forma
exagerada, os preconceitos do meio social. Afirmar que
um homem é um ser humano inferior ao outro porque
é negro é tão ridículo como sustentar que um cavalo
branco será necessariamente mais ligeiro que um cavalo
negro (COMAS, 1970, p. 26).

Não se pode negar, contudo, que as conseqüências desta atitude racista,


irracional, têm provocado gravíssimas seqüelas em milhões de crianças que
povoam as salas de aula do nosso Brasil. E a nossa luta, agora reforçada com
medidas oficiais, deve centralizar-se nas causas provocadoras e fortalecedoras
destas seqüelas que mantêm o racismo, os preconceitos e as discriminações
em evidência. Joel Rufino afirma que

58
História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

Mera característica externa, transmissível por


hereditariedade, o conjunto de genes responsável por ela
é parte da reserva genética comum a toda a raça humana
– as diferenças de cor entre os homens se devendo, por
um lado, à diversidade de combinações que os grupos
humanos sacam da reserva comum; e, por outro, às
condições ecológicas que foram encontrando sua difusão
pelo globo. A cor escura, por exemplo, não é privativa
do negro africano, mas marca também dos hindus, e
diversos povos ameríndios, sendo, de qualquer jeito,
uma variação demasiado insignificante do tipo médio
humano (SANTOS, 1990, p. 11).1

Essa insignificância, do ponto de vista biológico, não é levada em consideração


nos relacionamentos do dia-a-dia dos racialmente oprimidos devido à cor
negra de sua pele. O racismo que o negro sofre passa pela cor de sua pele.
Este racismo tem um conteúdo cultural muito forte. Os mitos da sociedade
ocidental em relação às diferenças entre os homens e mulheres surgem dentro
de uma realidade inegável: a supremacia da raça branca. Por isso mesmo pode-se
entender o fortíssimo mito em torno da cor do negro. Há uma violenta carga
emocional em torno de sua cor. O negro vive em um mundo branco, criado à
imagem do branco e basicamente dominado pelo branco.
Para a maioria de nós a idéia de raça passa por este caráter emocional
que a cor negra tem. Na história do homem ele desenvolveu vários mitos:
sobre nobres e plebeus, inferiores e superiores, sangue nobre, sangue bom,
raça pura, mas nenhum supe ra o caráter emocional da cor negra. É a cor
negra que define a visão cultural de raça. Não há dúvida, é a partir da cor
da pele – que é o sinal mais visível – que aquele ou aquela que discrimina

1
A revista Isto É, de 15 de novembro de 1998, publica recente pesquisa feita por uma equipe de
cientistas chefiada pelo biólogo Alan Templeton, que comparou mais de oito mil amostras genéticas
colhidas aleatoriamente de pessoas em todo o mundo, comprovando, após as análises, que não há
raças entre os humanos porque “as diferenças genéticas entre grupos das mais distintas etnias são
insignificantes.Para que o conceito de raça tivesse validade científica, essas diferenças teriam de ser
muito maiores”. Ou seja, não importam a cor da pele, as feições do rosto, a estatura ou mesmo
a região geográfica de qualquer ser humano... geneticamente somos todos muito semelhantes. O
que esta recentíssima pesquisa comprova? O racismo definitivamente não tem base científica. Ele
continua sendo um fenômeno cultural, infelizmente. E contra ele devemos lutar.

59
Antônio Olímpio de SantÊ Ana

identifica a sua vítima. Exatamente por causa do tremendo incômodo


que muitos negros e negras sentem por causa da cor de sua pele é que se
desenvolveu no interior de muitos negros e negras a branquitude,2 revelada
nas pesquisas feitas e resumidas neste trabalho, cujos resultados devem
ajudar o(a) professor(a) a compreender a importância de sua participação
consciente na luta e combate ao racismo, preconceitos e discriminações em
sua esfera de atuação.

6. Algumas definições (conceituações básicas sobre o racismo e seus


derivados)

6.1. Racismo

“Racismo é uma ideologia que postula a existência de hierarquia entre os


grupos humanos” (Programa Nacional de Direitos Humanos, 1998, p. 12).
Pode ser definido também como
a teoria ou idéia de que existe uma relação de causa e
efeito entre as características físicas herdadas por uma
pessoa e certos traços de sua personalidade, inteligência
ou cultura. E, somados a isso, a noção de que certas
raças são naturalmente inferiores ou superiores a outras
(BEATO, 1998, p. 1).
2
O professor Jonathan W. Warren, da Universidade de Washington, em um interessante
trabalho sobre uma pesquisa denominada Uma análise comparativa do desempenho escolar
de alunos afro-brasileiros e afro-norte-americanos, declara que “os estudantes afro-brasileiros
estão envolvidos em práticas conhecidas como embranquecimento e, conseqüentemente,
têm ansiedades quanto a serem associados a mercados simbólicos da negritude...”. Na
realidade, a vergonha de ser negro provoca o desejo de branqueamento. É um desejo íntimo
a ser alcançado. Equivocadamente pensam que branquitude significa sucesso e negritude
derrota. As duas pesquisas apresentadas neste trabalho já nos dão uma idéia do que significa
ser branco e ser negro neste país. Por favor, releia os dados das páginas anteriores. Talvez
agora o caro professor entenda o porquê da reação negativa de alguns de seus alunos
negros quando se lhes pede algo que os obrigue a se definirem como tais. Quando o negro
consciente nega a branquitude como inadaptável à sua realidade, ele adere à negritude,
movimento que procura valorizar o ser negro como belo, reforçando a sua auto-estima
como tal.

60
História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

Já o professor Joel Rufino assim o conceitua:


Racismo é a suposição de que há raças e, em seguida, a
caracterização bio-genética de fenômenos puramente sociais
e culturais. E também uma modalidade de dominação
ou, antes, uma maneira de justificar a dominação de um
grupo sobre outro, inspirada nas diferenças fenotípicas da
nossa espécie. Ignorância e interesses combinados, como
se vê (SANTOS, 1990, p. 12).

6.2. Origem da palavra racismo

Paulette Marquer, em seu livro As Raças Humanas, diz que a palavra raça
vem do italiano razza, que significa família, ou grupo de pessoas. Por outro
lado, continua Marquer, a palavra razza vem do árabe ras, que quer dizer
origem ou descendência (DUNCAN, 1988, p. 15).
Racismo, preconceito e discriminações são temas de veiculação crescente
em nossa imprensa. Com isso, aumentam-se os debates, incentivando a
discussão destes temas dentro e fora da escola.
Já foi o tempo em que a militância tinha que responder à seguinte
pergunta: há racismo no Brasil? A hipocrisia nacional respondia com um
sonoro NÃO. A militância negra e de outras etnias solidárias diziam SIM.
Mas, não bastava dizer SIM, era necessário provar, mostrar evidências. Uma
das áreas mais afetadas pela prática do racismo foi a do trabalho e graças ao
esforço de alguns pesquisadores de nossas universidades, brancos e negros,
levantamentos estatísticos foram feitos, comprovando o alto grau de racismo
praticado na área econômica contra negro.
Quando é que o racismo pode ser interpretado como discriminação,
preconceito, segregação, estereótipo?
Ocorre que a definição e compreensão de cada um
desses termos é essencial para que saibamos identificar
e combater as variadas formas de manifestação de
ideologias que defendem a idéia de hierarquia entre
pessoas (Programa Nacional de Direitos Humanos,
1998, p. 12).

61
Antônio Olímpio de SantÊ Ana

Tendo como referencial todas as informações contidas neste trabalho,


apresentaremos, agora, algumas definições (na realidade, conceituações)
sobre algumas palavras e expressões-chave para podermos, em melhores
condições, identificar, combater e eliminar o racismo e todas as formas de
preconceitos e discriminações.

6.3. Preconceito

Preconceito é uma opinião preestabelecida, que é imposta pelo meio,


época e educação. Ele regula as relações de uma pessoa com a sociedade.
Ao regular, ele permeia toda a sociedade, tornando-se uma espécie de
mediador de todas as relações humanas. Ele pode ser definido, também,
como uma indisposição, um julgamento prévio, negativo, que se faz de
pessoas estigmatizadas por estereótipos.
Aqui está uma lista de alguns preconceitos clássicos, que estão bem
inculcados em nosso cotidiano:
“Toda sogra é chata”
“Todos os homens são fortes”
“Toda mulher é frágil”
“Todos os políticos são corruptos”
“Toda criança negra vai mal na escola”
“O negro é burro”
“Mulher bonita é burra”

Com base em estereótipos, as pessoas julgam as outras. Por isso o


preconceito é um fenômeno psicológico. Ele reside apenas na esfera da
consciência e/ou afetividade dos indivíduos e por si só não fere direitos.
Ninguém é obrigado a gostar de alguém, mas é obrigado a respeitar os seus
direitos (Conselho Estadual da Condição Feminina, 1994, p. 2):

Quando uma pessoa está tão convencida de que


os membros de determinado grupo são todos violentos
e atrasados (ou, ao contrário, decentes, brilhantes
e criativos), a ponto de não conseguir vê-los como
indivíduos, e se nega a tomar conhecimento de evidências
que refutam essa sua convicção, então, estamos diante de
uma pessoa preconceituosa (BEATO, op. cit., p. 1).

62
História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

Estes preconceitos, aos poucos, vão se transformando em posições diante


da vida, ao se espalharem nas relações interpessoais, carregando consigo
outros ‘subprodutos’ do modelo social vigente nas diferentes sociedades: os
estereótipos, a discriminação, o racismo, o sexismo, etc.

6.4. Discriminação

É o nome que se dá para a conduta (ação ou omissão) que viola direitos


das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça,
o sexo, a idade, a opção religiosa e outros. A discriminação é algo assim
como a tradução prática, a exteriorização, a manifestação, a materialização
do racismo, do preconceito e do estereótipo. Como o próprio nome diz, é
uma ação (no sentido de fazer deixar fazer algo) que resulta em violação dos
direito (Programa Nacional de Direitos Humanos, op. cit., p. 15).

6.4.1. Discriminação racial

Discriminação racial, segundo conceito estabelecido pelas Nações Unidas


(Convenção da ONU/1966, sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial),
significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferências baseadas em raça, cor, descendência ou
origem nacional ou étnica, que tenha como objeto ou
efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou
exercício, em condições de igualdade, os direitos humanos
e liberdades fundamentais no domínio político, social
ou cultural, ou em qualquer outro domínio da vida
pública (Idem, ibidem).

6.5. Gênero

As mulheres, juntamente com os negros, são as maiores vítimas


preconceito. Há teorias raciais espalhadas pelo mundo, com seguidores no
Brasil, que procuram justificar um tratamento discriminatório e desumano de
exclusão e de marginalização reservados para povos e pessoas diferentes, que
os preconceituosos julgam diferentes. Muitas das atitudes discriminatórias

63
Antônio Olímpio de SantÊ Ana

que acontecem em sala aula são dirigidas às alunas, e quando a aluna é


negra, torna-se mais grave este preconceito, esta discriminação. Por isso, é
interessante ter uma idéia do significado da palavra gênero, desconhecida da
maioria das mulheres, especialmente das estudantes, racialmente oprimidas,
em particular:

Gênero é um conceito que se refere ao conjunto


de atributos negativos ou positivos que se aplicam
diferencialmente a homens e mulheres, inclusive desde
o momento do nascimento, e determinam as funções,
papéis, ocupações e as relações que homens e mulheres
desempenham na sociedade e entre eles mesmos. Esses
papéis e relações não são determinados pela biologia, mas
sim, pelo contexto social, cultural e político, religioso e
econômico de cada organização humana, e são passados
de uma geração a outra (Idem, ibidem, p. 12).

Ou, na definição do Conselho Estadual da Condição Feminina de


S.Paulo, “gênero é definido como sexo socialmente construído...”. Ao nascer
somos machos ou fêmeas, isto é, nascemos com aparelhos biológicos sexuais
diferentes.

Contudo, a sociedade, através de seus poderosos


mecanismos de socialização – linguagem, família (onde
são introjetados os primeiros e fortes conteúdos culturais),
escola, religião, meios de comunicação – e finalmente,
o Estado, através de leis, vão formando homens e
mulheres com comportamentos masculinos e femininos
bem definidos. A ambos têm sido destinados papéis
sociais rígidos. Aos homens, em geral, cabem as tarefas
de prestígio, autoridade e criatividade: economistas,
cientistas, políticos, médicos, etc. Às mulheres, tarefas
pouco reconhecidas socialmente como donas-de-casa,
mãe e esposa. Até bem pouco tempo, quando executavam
tarefas fora do âmbito do lar, exerciam, em geral, atividades
que são uma extensão de suas atividades domésticas:
professora, enfermeira, secretária, etc.” (Conselho Estadual
da Condição Feminina, op. cit., p. 1).

64
História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados

6.6. Estereótipos

Estereótipo é um conceito muito próximo do de preconceito e pode ser


definido, conforme Shestakov, como “uma tendência à padronização, com a
eliminação das qualidades individuais e das diferenças, com a ausência total
do espírito crítico nas opiniões sustentadas” (Idem, ibidem, p. 2). Segundo
Lise Dunningan, o “estereótipo é um modelo rígido e anônimo, a partir do
qual são produzidos, de maneira automática, imagens ou comportamentos”
(Idem, ibidem, p. 2-3).
O estereótipo é a prática do preconceito. É a sua manifestação
comportamental. O estereótipo objetiva (1) justificar uma suposta
inferioridade; (2) justificar a manutenção do status quo; e (3) legitimar,
aceitar e justificar: a dependência, a subordinação e a desigualdade.

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Antônio Olímpio de SantÊ Ana

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