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Resenha de - "O Príncipe" de Nicolau Maquiavel Príncipe e A Análise Do Poder

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Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE

doi.org/10.51891/rease.v9i4.9223

RESENHA DE: “O PRÍNCIPE” DE NICOLAU MAQUIAVEL, PRÍNCIPE E A


ANÁLISE DO PODER

REVIEW OF: “THE PRINCE” BY NICOLAUS MACHIAVELLI, PRINCIPE AND THE


ANALYSIS OF POWER

RESEÑA DE: “EL PRÍNCIPE” DE NICOLAUS MAQUIAVELLI, EL PRINCIPE Y EL


ANÁLISIS DEL PODER
Avaetê de Lunetta e Rodrigues Guerra1

Por que estudar2 Maquiavel? Certamente, Maquiavel contribuiu significativamente


para o pensamento ocidental, desenvolvendo sua teoria política de forma efetiva, além dos
princípios da guerra e diplomacia. Desta forma, há boas razões para incluir Maquiavel
entre os maiores filósofos políticos de sua época. Apesar da tentação de enfatizar seu
pragmatismo político, um animado debate acadêmico é travado sobre a presença de uma
filosofia coerente e original, dirigida a tópicos de preocupação para filósofos, no cerne de
seu pensamento. 1515

Além disso, alguns dos pensadores3 que se sucederam, a exemplo de Gramsci4 (1891-
1937) e Althusser5 (1918-1990), sentiram-se (e ainda se sentem) compelidos a se envolver

1Mestre em Filosofia, Universidade Federal da Paraíba – UFPB


2A presente resenha faz parte de um dos capítulos da nossa dissertação de Mestrado em Filosofia da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB, 2021.
3Não pretendemos comprovar qual das pesquisas possui a interpretação mais precedente ou fundamentada da
obra de Nicolau Maquiavel; tampouco sustentamos a ideia de que não é possível entender Gramsci e
Althusser sem antes conhecer a fundo o pensamento de Maquiavel. Agir dessa maneira poderia levar ao erro
de “esconder” o corte epistemológico presente entre as concepções de Maquiavel e as reflexões de Gramsci e
Althusser, bem como a legitimar formas de interpretações reducionistas que considera admissível identificar
as “origens” de um pensamento.
4Antonio Gramsci foi um jornalista e ativista italiano conhecido e celebrado por destacar e desenvolver os

papéis da cultura e da educação nas teorias de economia, política e classe de Marx. Nascido em 1891, morreu
com apenas 46 anos em consequência de graves problemas de saúde que desenvolveu enquanto estava preso
pelo governo fascista italiano. As obras mais lidas e notáveis de Gramsci e aquelas que influenciaram a teoria
social foram escritas enquanto ele estava preso e publicadas postumamente como The Prison Notebooks.
Hoje, Gramsci é considerado um teórico fundacional para a sociologia da cultura e para articular as conexões
importantes entre a cultura, o estado, a economia e as relações de poder. As contribuições teóricas de
Gramsci estimularam o desenvolvimento do campo dos estudos culturais e, em particular, a atenção do
campo ao significado cultural e político dos meios de comunicação de massa.
5Louis Pierre Althusser (1918–1990) foi um dos filósofos marxistas mais influentes do século XX. Com ele,

parecia surgir uma renovação do pensamento marxista, bem como tornar o marxismo filosoficamente
respeitável. As alegações que ele apresentou na década de 1960 sobre a filosofia marxista foram discutidas e
debatidas em todo o mundo. Seus conceitos também estão sendo cada vez mais empregados por filósofos,

Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.9.n.04. abr. 2023.
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com suas ideias, seja para contestá-las ou incorporar seus insights em seus próprios
ensinamentos. Mesmo que Maquiavel andasse nas periferias da filosofia, o impacto de suas
extensas reflexões foi generalizado e duradouro.
Os termos “maquiavélico” ou “maquiavelismo” encontram aceitação regular entre
os filósofos preocupados com uma gama de fenômenos éticos, políticos e psicológicos,
independentemente de o próprio Maquiavel ter inventado ou não o “maquiavelismo”, ou
ser de fato um “maquiavélico” no sentido comum atribuído a ele. Maquiavel desafia toda
uma tradição de filosofia política de uma maneira que chama atenção e exige consideração
e resposta. Finalmente, uma nova geração dos chamados teóricos políticos “neo-romanos”
(como Philip Pettit [1997], Quentin Skinner [1998] e Maurizio Viroli [1999, 2002])
encontra inspiração na versão de republicanismo de Maquiavel.
Assim, ele merece um lugar à mesa em qualquer pesquisa abrangente de filosofia
política. É uma visão comum entre os filósofos políticos que existe uma relação especial
entre a bondade moral e a autoridade legítima. Muitos autores (especialmente aqueles que
publicaram livros baseados em O Príncipe ou livros de conselhos reais durante a Idade
Média e o Renascimento) acreditavam que o uso do poder político só era legítimo se fosse
exercido por um governante cujo caráter moral pessoal fosse estritamente virtuoso. Assim, 1516

os governantes foram aconselhados a se comportar de acordo com os padrões


convencionais de bondade ética, se desejassem ter sucesso e se almejassem um reinado
longo e pacífico, passando seu cargo para seus descendentes.
Maquiavel critica essa visão moralista da autoridade em seu tratado mais
conhecido, O Príncipe. Para Maquiavel, não há base moral para julgar a diferença entre os
usos legítimos e ilegítimos do poder. Em vez disso, autoridade e poder são essencialmente
coiguais: quem tem poder tem o direito de comandar; mas a bondade não garante o poder, e
a pessoa boa não tem mais autoridade pelo fato de ser boa. Assim, em oposição direta a
uma teoria moralista da política, Maquiavel diz que a única preocupação real do
governante político é a aquisição e a manutenção do poder. Nesse sentido, Maquiavel
apresenta uma crítica incisiva ao conceito de autoridade, argumentando que a noção de
direitos legítimos de governo nada acrescenta à posse real do poder.
O príncipe pretende refletir o realismo político autoconsciente de um autor que está
totalmente ciente – com base na experiência direta com o governo florentino – de que a

teóricos políticos e ativistas que retornaram a Marx e às análises marxistas para explicar e imaginar
alternativas para nossa atual conjuntura socioeconômica.

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bondade e o direito não são suficientes para ganhar e manter um cargo político. Maquiavel,
portanto, busca aprender e ensinar as regras do poder político. Para Maquiavel, o poder
define caracteristicamente a atividade política e, portanto, é necessário que qualquer
governante bem-sucedido saiba como o poder deve ser usado. Somente por meio da
aplicação adequada do poder, acredita Maquiavel, os indivíduos podem ser levados a
obedecer, e o governante será capaz de manter o estado em segurança e proteção.
A teoria política de Maquiavel, então, representa um esforço conjunto para excluir
questões de autoridade e legitimidade da consideração na discussão da tomada de decisões
políticas e do julgamento político. Em nenhum lugar, isso fica mais claro do que em seu
tratamento da relação entre a lei e a força. Maquiavel reconhece que boas leis e boas armas
constituem os fundamentos duplos de um sistema político bem ordenado. Mas ele
imediatamente acrescenta que, como a coerção cria legalidade, ele concentrará sua atenção
na força. Ele diz: “E, como não pode haver boas leis onde não existam boas armas e onde
existam boas armas convém que haja boas leis, deixarei de falar das leis e me reportarei
apenas às armas.” (Maquiavel, 2007, p. 47)
Em outras palavras, a legitimidade da lei depende inteiramente da ameaça de força
coercitiva; a autoridade é impossível para Maquiavel como um direito separado do poder 1517

de aplicá-la. Consequentemente, Maquiavel é levado a concluir que o medo é sempre


preferível ao afeto nos súditos, assim como a violência e o engano são superiores à
legalidade para controlá-los efetivamente. Maquiavel observa que:

Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis,
simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres
bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde
que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; (MAQUIAVEL, 2007,
p. 65).
Concomitantemente, uma perspectiva maquiavélica ataca diretamente a noção de
qualquer fundamento para autoridade independente da mera posse de poder. Para
Maquiavel, as pessoas são obrigadas a obedecer puramente ao poder superior do Estado. Se
penso que não devo obedecer a uma lei específica, o que eventualmente me leva a me
submeter a essa lei será o medo do poder do Estado ou o exercício real desse poder. É o
poder que, em última instância, é necessário para impor visões conflitantes sobre o que
devo fazer. Só posso escolher não obedecer se possuir o poder de resistir às exigências do
Estado ou se estiver disposto a aceitar as consequências da superioridade da força
coercitiva dele.

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O argumento de Maquiavel em O Príncipe destina-se a demonstrar que a política só


pode ser definida coerentemente em termos da supremacia do poder coercitivo; autoridade
como um direito de comando não tem status independente. Ele substancia essa afirmação
por referência às realidades observáveis dos assuntos políticos e da vida pública, bem como
por argumentos que revelam a natureza de interesse próprio de toda conduta humana. Para
Maquiavel, é sem sentido e fútil falar de qualquer reivindicação de autoridade e do direito
de comando que esteja separada da posse de um poder político superior.
O governante que vive apenas por seus direitos certamente murchará e morrerá
por causa desses mesmos direitos, porque, no acidentado conflito político, aqueles que
preferem o poder à autoridade têm mais probabilidade de sucesso. Sem exceção, a
autoridade dos Estados e suas leis nunca serão reconhecidas quando não forem apoiadas
por uma demonstração de poder que torna a obediência inevitável. Os métodos para
alcançar a obediência são variados e dependem muito da clarividência que o príncipe
exerce. Consequentemente, o governante bem-sucedido precisa de treinamento especial.

REFERÊNCIAS

1518
FERRETTER, Lucas. Louis Althusser. Routledge, 2007.

FRESU, Gianni. Antonio Gramsci, o homem filósofo: uma biografia intelectual.


Boitempo Editorial, 2020.

GRAMSCI, Antonio; COUTINHO, Carlos Nelson. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 2000.

GUERRA, Avaetê de Lunetta et al. Aspectos filosóficos e atemporais da teoria política de


Maquiavel. 2021.

MACHIAVELLI, Niccolò. Il principe. Il Principe, p. 1-134, 2009.

MACHIAVELLI, Niccolò; CINTI, Federico. L'arte della guerra. Istituto Editoriale


Italiano, 1928.

MACHIAVELLI, Niccolò. Florentine histories. Princeton University Press, 1990.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe (1513). LCC Publicações Eletrônicas. Documento


eletrônico. Disponível
em:<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000052. pdf>. Acesso em: set,
2020.

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